Susan Mallery - Sob o Sol do Deserto

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SOB O SOL DESERTO – SUSAN MALLERY

SOB O SOL DO DESERTO SUSAN MALLERY Digitalização: Rita Cunha Revisão: Madalena

"Sou o príncipe Jamal Khan, de El Bahar!" E esse era o problema de Heidi. Pelos laços de amizade entre o avô dela e a realeza de El Bahar, ela não percebeu que todos os cuidados que eles tomaram com ela pretendiam prepará-la para ser uma princesa! No entanto, Heidi estava interessada apenas em cuidar da história do país e não em se apaixonar pelo príncipe. Havia o fantasma da perfeita primeira esposa de Jamal e para tentar chegar à altura dela, Heidi foi capaz de se transformar em Honey Martin, a femme fatale que poderia seduzir o príncipe...

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Copyright © 2000 by Diana Palmer Originalmente publicado em 2000 pela Silhouett* Books, divisão da Harlequin Enterprises Limited. Título original: Matt Caldwell: Texas Tycoon Tradução: Alberto Cabral Fusaro Copyright © 2000 by Susan W. Macias Originalmente publicado em 2000 pela Silhouette Books, divisão da Harlequin Enterprises Limited. Título original: The sheik's arranged marriage Todos os direitos reservados, inclusive o direito de reprodução total ou parcial, sob qualquer forma. Esta edição é publicada através de contrato com a Harlequin Enterprises Limited, Toronto, Canadá. Silhouette, Silhouette Desire e colofão são marcas registradas da Harlequin Enterprises B.V. Todos os personagens desta obra são fictícios. Qualquer semelhança com pessoas vivas ou mortas terá sido mera coincidência. Tradução: Natércia P. N. Silva Editor: Janice Florido Chefe de Arte: Ana Suely S. Dobón Paginador: Nair Fernandes da Silva 1 TT J EDITORA NOVA CULTURAL LTDA. Rua Paes Leme, 524 - 10s andar CEP: 05424-010 - São Paulo - Brasil Copyright para a língua portuguesa: 2000 EDITORA NOVA CULTURAL LTDA. Fotocomposição: Editora Nova Cultural Ltda. Impressão e acabamento: Gráfica Círculo

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CAPÍTULO I Após ter passado quatro anos cursando a universidade e dois fazendo aperfeiçoamento na Suíça, Heidi McKinley, por fim, retornava ao único lugar no mundo onde se sentia em casa: El Bahar, terra de muitas belezas e inúmeros mistérios, onde o passado misturava-se em perfeita harmonia com o presente. Feliz como havia muito tempo não se sentia, ela desejou poder descer a rua principal e comprar romãs, roupas e tudo o que estivesse à venda na feira. Ansiou por ir à praia, molhar os pés no mar e sentir na pele a quentura gostosa da areia branca e macia. A suíte de três cômodos que ocupava na ala dos hóspedes do palácio abria-se para um amplo Terraço. Heidi atravessou o aposento e abriu as portas francesas. No mesmo instante, o forte calor da tarde penetrou o aposento. Era junho, o mês mais quente do ano em El Bahar. Heidi levaria alguns dias para aclimatar às altas temperaturas, mas nem mesmo isso lhe diminuía a satisfação de estar de volta. Ela aspirou o perfume das flores vindo do jardim em torno do palácio, embevecida com o panorama. — Heidi, minha querida! É um prazer tornar a vê-la... Heidi olhou para trás e sorriu para Givon Khan, o rei de El Bahar, que se aproximava e estendia os braços em sua direção. O velho monarca era mais avô para ela do que o pai de seu pai fora. — Venha, Heidi. Quero lhe dar as boas-vindas. Ela permitiu que o rei a abraçasse. Com o rosto contra sua jaqueta, sentiu aquele perfume familiar, uma mistura de sândalo e algo indefinível... um aroma que sentia apenas em El Bahar. — Estou de volta e, como prometi, obtive o meu diploma — murmurou, satisfeita. — Também completei aquele curso idiota. Acha que agora posso trabalhar aqui? O rei Givon a impeliu de volta à suíte, em seguida fechou as portas. — Recuso-me a discutir algo de tamanho importância naquele calor lá fora. Estaremos mais confortáveis aqui dentro, sob o ar-condicionado. — Sabe que eu adoro o verão. Givon era alto e tinha as feições típicas de um homem que passou grande parte da vida sob o sol. Seus vivazes olhos castanhos pareciam penetrar a alma de Heidi. Era um dirigente famoso por sua sagacidade e paciência. E, de acordo com as histórias que ela ouvira, o monarca poderia ser cruel e impiedoso, se necessário, embora Heidi desconhecesse aquele seu lado. — Por que falar de trabalho? — Givon segurou sua mão. — Você mal chegou... 3

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— Poder trabalhar e viver neste palácio sempre foi meu sonho, desde criança. O rei franziu as sobrancelhas. — Mas que teimosia... Há coisas melhores para se fazer neste lugar. Heidi suspirou, mas não tentou adular o rei. Conhecia-o bem. Além disso, tentar induzir alguém a tomar uma atitude pela astúcia não era seu forte. Seria capaz de traduzir os antigos textos de El Bahar com a mesma eficiência e fidelidade com que impressionava seus colegas da universidade, mas brincar com coisas sérias jamais. — Tornou-se uma linda mulher, e seria um desperdício passar a maior parte de sua vida trancada dentro de quatro paredes. Tem certeza de que é isso o que deseja? — Por favor, não venha outra vez com o discurso de sempre, para me convencer de que devo me casar. Você me prometeu um emprego aqui dentro, se eu estudasse bastante e me formasse. Pois bem, foi o que fiz, e espero que não falte com a palavra dada. O rei pareceu ainda mais arrependeu do que dissera. Julgou não fosse nada emocionante, não para ser uma McKinley, e isso capacidade.

alto ao encará-la com seriedade. Heidi quase se que Givon iria gritar com ela, e, embora a perspectiva pretendia sair correndo apavorada. Seu avô a criara significava orgulhar-se de si mesma e da própria

O rei a estudou por um instante, antes de suspirar. Em seguida, tocou-lhe o rosto. — Muito bem, você venceu. Pode começar a se ocupar de seus preciosos textos. — Você não se arrependerá! Há muito o que fazer, e é preciso agir rápido, antes que os papéis sejam destruídos. 0 tempo os fragilizou bastante. Quero tudo fotografado, em seguida armazenado na memória do computador. Se nós... Givon ergueu a mão, interrompendo-a. — Poupe-me desses detalhes. É um projeto bastante ambicioso, mas estou certo de que dará cabo dele com perfeição, Heidi. Enquanto isso, quero discutir algo com você. O rei aproximou-se do sofá posicionado e sentou-se. Deu uma batidinha na almofada ao lado, convidando-a a segui-lo. Quando Heidi se acomodou, ele pegou sua mão outra vez. — Com quantos anos está agora, filha? Que pergunta mais estranha! Mesmo assim, não ocorreu a Heidi ignorá-la. Afinal, Givon era um rei. — Vinte e cinco. — Já? E não pensa em se casar? Heidi riu e meneou a cabeça. — Casamento não é comigo, Majestade. Prezo muito minha independência para ser feliz sendo a esposa de alguém. Não gosto de cozinhar nem de lavar. Pior, me recuso a permitir que decisões relacionadas a minha pessoa sejam tomadas por outro alguém só porque essa pessoa é um homem. Acho ridículo. Ela fez uma pausa e pigarreou. Com cautela, soltou os dedos que ele segurava. Givon Khan podia ter tido sucesso conduzindo seu país para dentro do novo milênio, mas de algum modo era a substância de El Bahar, e uma boa parte de seu mundo permanecia ancorada no passado. — Desculpe-me, não quis desrespeitá-lo. Vossa Majestade não é igual aos outros e... 4

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— Já sei... já sei... Você foi criada nos Estados Unidos e encara a vida de outra maneira. Seu avô ensinou-a a tomar as próprias decisões. Sua visão quanto ao matrimônio não me surpreende. Givon se virou em direção às portas francesas. Heidi seguiu seu olhar e de repente se viu presa à magia da visão que se descortinava. Podia ver o horizonte contra o azul intenso do mar da Arábia estendendo-se até o infinito. Era a mais perfeita vista que se podia imaginar, concluiu, sonhadora. Tão perfeita, tão celestial, tão... — E quanto a ter filhos, Heidi? Pretende renunciar a esse sonho tão feminino? Heidi piscou, surpresa com a questão. — Filhos? — Como pensa em ser mãe sem um marido? Havia mil maneiras de se fazer isso, mas Heidi sabia que não era a isso que Givon se referia. Será que se conformaria em ser mãe solteira? Heidi esfregou os lábios com os dedos. Por certo que não. Precisaria ser dona de uma enorme força de caráter, o que não tinha certeza de possuir. E de fato queria ser mãe. Era esse o único lado positivo do casamento. — Não sei, Majestade. Não penso muito no assunto. Mas por que está perguntando essas coisas? — Bem... Estou com um problema — confessou Givon. — Um que só você poderá ajudar a solucionar. O rei fez uma pausa, longa o suficiente para que Heidi entendesse que aquele era um assunto delicado, e também para lembrá-la do quanto devia àquele homem. Givon Khan sempre fora um amigo maravilhoso, para ela e para sua avó. Em criança, Heidi costumava passar grande parte do verão em El Bahar. Quando o avô faleceu, seis anos atrás, foi Givon quem cuidou de todos os arranjos para o funeral, que a abraçou enquanto ela chorava e que ajudou-a a aprontar-se para o colégio. Mesmo tendo um país para governar, ainda assim o rei acompanhou-a a Nova York para que comprasse um novo enxoval. E fez questão de conduzi-la pessoalmente ao colégio, e também de acomodá-la em seu dormitório. Era o único agora que se lembrava do dia de seu aniversário e fazia questão de que ela soubesse que sempre seria bem-vinda a El Bahar. — Sabe que eu faria qualquer coisa por você — Heidi afirmou, com toda a sinceridade. — Mas, afinal, o que está havendo?! — Jamal Khan recostou-se no espaldar da poltrona de couro do escritório, irritado com o irmão mais velho. Malik espreguiçou-se no sofá, no lado oposto. Apoiou os pés no tampo da mesa de centro e olhou para o teto, com jeito sombrio. — Não vai gostar de saber... Jamal olhou para o mostrador do relógio de pulso. O pregão da Bolsa de Valores entraria on-line a qualquer minuto, e ele queria dar uma olhada. O mercado andava um tanto instável nos últimos dois dias. Filho do meio dos três filhos do rei, Jamal cuidava da fortuna pessoal da família Khan. Nos últimos cinco anos, triplicara seus bens. Em parte, todo esse sucesso devia-se à economia mundial, mas também à sua filosofia econômica. 5

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— Estou muito ocupado, Malik. O irmão fulminou-o com o olhar. Malik era o príncipe herdeiro de El Bahar, e se alguém ali tinha muito o que fazer era ele. — Ela está de volta, Jamal. — Quem? — Heidi McKinley. Vovó me deu a má notícia. E, pior, jantará conosco esta noite. Meu Deus! E se eu for obrigado a me sentar ao lado dela? Heidi tem um jeito de olhar para os homens.... Como se fossem menos atraentes do que um verme. Jamal não conteve uma gargalhada. — Ela disse isso? — Não, mas não precisava. É tão óbvio! Basta Heidi torcer aquele seu nariz arrebitado. E é tão educada, tão refinada que dá medo. — Não vá me dizer que a teme. Malik endireitou a coluna e tornou a encará-lo. — Não é isso. Só não gosto de pensar que papai pode estar querendo que eu me case com ela. — Não acredito no que estou ouvindo! Será que a presença dela o faz sentir-se... inadequado? — Estou falando sério. Espere só para conhecê-la. Jamal não podia acreditar que uma simples jovem pudesse ser capaz de fazer seu irmão tremer nas bases. Não se lembrava bem de Heidi McKinley. Sabia apenas que ela costumava vir passar o verão em VA Bahar. Parecia que seu avô e o rei eram amigos íntimos. — Heidi é apenas uma criança, Malik. Se papai lhe dá atenção é porque está sozinha no mundo. — Não sabe o que está dizendo. Não estava em casa nas últimas vezes em que Heidi veio nos visitar. Há muito tempo deixou de ser criança. Deve estar com vinte e poucos anos. Vovó sempre me faz sentar a seu lado à mesa, como se estivéssemos comprometidos. — Malik estremeceu. — Será mesmo que estão tentando nos unir? — Se ela é essa criatura tão horrível que você descreveu, espero que não. — E é pior que isso. Uma donzela afetada que sabe tudo, sobre todas as coisas, como uma velhota solteirona. Estudou a história de El Bahar e só fala nisso, sem parar. Sua meta é traduzir textos antigos. Dá para acreditar? Não, não dava. — A garota é assim tão feia? Malik hesitou. — Bem, não sei dizer. — Como não? Não acabou de falar que a vê com freqüência? — Sim, mas não é tão simples. Heidi está sempre com aquelas roupas... Jamal não se lembrava de alguma vez ter visto Malik tão desconcertado, e tudo por causa de uma mulher. — A maioria delas se veste, Malik. Pode ser trágico, mas é verdade.

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— Não se trata disso! Heidi se traja de modo estranho, mais parecendo uma freira. Sem querer insultar as religiosas. E do tipo severo, que usa óculos e blusas fechadas até o pescoço. Além disso, está sempre com os cabelos presos. Heidi McKinley é muito maçante. Espero nunca mais precisar ficar ao seu lado à mesa. — Ora, você me deixou curioso. Estou louco para conhecer essa criatura assustadora. Que moça é essa, capaz de fazer o príncipe herdeiro da coroa encolher-se como um coelhinho? Malik levantou-se e procurou por algo no bolso da calça. — Você é, de nós três, o que mais faz sucesso com as mulheres, mas aposto cinqüenta dólares que esta noite, durante o jantar, não conseguirá arrancar um simples sorriso de Heidi McKinley. Jamal levantou-se também, e inclinou-se para a frente, apoiando as mãos no tampo polido da mesa. — Tenho uma aposta melhor, Malik. Quero sua nova Ferrari emprestada por uma semana. — Minha Ferrari? Nem pensar! — Sua nova Ferrari por uma semana... — repetiu, ignorando o irmão. — ...se eu conseguir beijá-la ainda esta noite. Malik franziu as sobrancelhas. — Se não conseguir, quero seu garanhão emprestado, para cruzar com minhas seis éguas. — Malik sorriu. — Uma para cada dia da semana. Descanso no domingo, claro. Jamal ponderou sobre a proposta. Se Malik estava considerando emprestar-lhe o carro novo era porque a misteriosa Heidi McKinley devia ser um osso duro de roer. Porém, não estava preocupado. Ainda não encontrara uma garota que lhe resistisse. Ambos, ele e o garanhão, estariam a salvo. Por fim, estendeu a mão. — Feito. — Vá se preparando para me entregar seu garanhão — zombou Malik. — Ca... casar?! — Heidi repetiu, convencida de que não ouvira direito. — Você quer que eu me case?! Aquilo não podia estar acontecendo, disse a si mesma, enquanto se levantava, as pernas trêmulas. O aposento, que fora tão belo minutos atrás, parecia fechar-se em torno dela, sufocando-a. Casamento! Heidi nunca havia pensado em se casar. Não era do tipo. Não achava os homens tão interessantes, e, para ser sincera, eles deviam achar o mesmo dela. — Por que tanto espanto, querida? Já passou dos vinte e cinco anos, e deve ter consciência do próprio poder de sedução. Idade avançada e consciente. Dois bons motivos para casar-se, concluiu ela, tentando ver algum humor na situação. — Estou surpresa, Majestade. Jamais imaginei...

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— Pois devia. Você e Jamal têm muito em comum. É verdade que ele é um pouco mais velho, mas isso é bom em um marido. Os dois amam este país e, igual a você, Jamal também é apaixonado por nossa história. E ambos adoram cavalgar. — Não monto em um cavalo desde os doze anos — murmurou, como se fosse fazer alguma diferença. — Tornará a aprender. Não é nenhum bicho-de-sete-cabeças. Heidi aproximou-se do mural na parede, que representava o jardim do Éden. Pequenos pedaços de ladrilho formavam uma perfeita reprodução de Eva sendo tentada pela serpente. Os ladrilhos vermelhos formando a maçã pareciam ter brilho próprio. Ela também estaria sendo testada? Givon era a serpente, ou seria aquela a resposta a todas as suas preces? — Jamal precisa de você, minha querida. Meu filho leva uma vida muito vazia e solitária, desde que sua esposa faleceu, há seis anos. Heidi não sabia o que dizer. Jamal podia estar precisando de algo, mas duvidava que fosse dela. E quanto a ele estar sozinho... Só podia ser brincadeira. — Ouça, Majestade, Jamal nunca está só. Vem tendo casos com cada uma das mulheres mais atraentes, daqui ao Pólo Norte. Se quer saber, é um grande namorador. Jamal tinha preferência por moças loiras, bonitas e de seios fartos. Na verdade, gostava de todas, loiras, morenas e ruivas. Quanto mais glamourosa, mais famosas, sensuais e disponíveis, melhor. Seu nome nas colunas de mexericos era como a bola em um jogo de tênis: de lá para cá, Jamal Khan tinha fama de ser um amante espetacular. Não que Heidi se importasse com isso, ou que costumasse ler as fofocas dos jornais, mas, estando na sala de espera do cabeleireiro, não havia muito que fazer ou o que ler. — Como eu ia dizendo... — continuou Givon, ignorando seu comentário. — ...a vida dele é de fato vazia. Jamal vive se envolvendo com essas doidivanas, e as acha atraentes. Todavia, casou-se com alguma delas? Trouxe alguma a El Bahar? O rei respondeu à própria pergunta com um balançar de cabeça. — Não, Heidi. Essas mulheres nada significam. Ele as usa, e em seguida se desfaz delas. — Não creio que isso seja uma boa referência para um futuro marido. — Jamal precisa de uma esposa, alguém com quem se preocupe, a quem possa amar e que corresponda a esse amor. — Tudo o que está me dizendo é muito interessante, Majestade, mas nada tem a ver comigo. Não quero me casar, nem com Jamal, nem com ninguém. Tenho meu trabalho aqui em El Bahar, e isso é tudo de que necessito. — Engana-se, minha cara. Você precisa de mais: de um marido, para com ele ter filhos. Heidi se recusava a pensar nisso. Não se permitiria ser seduzida pela promessa de ter uma família só sua. — Não vá me dizer que não gosta de Jamal, Heidi. Sei que, dos três, ele é seu favorito.

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Heidi procurou se convencer de que não havia corado, que o ardor em seu rosto devia-se ao calor intenso. Era isso. Mesmo porque, jamais corava. Era sensata, e seu estilo não se prestava a momentos embaraçosos. — Seus filhos são gentis e educados, todos eles. Não tenho um predileto. Os três príncipes eram todos imperiosos, sociáveis e expansivos, e sem dúvida inadequados para ela. Khalil, o caçula, vivia mais tranqüilo, após ter se unido a uma jovem excelente. Malik e Jamal eram dois sedutores, e a deixavam nervosa. Heidi não tinha em mente casar-se, mas, se um dia resolvesse fazer isso, pelo bem dos filhos que teria, escolheria alguém especial para ser seu marido. Um homem gentil e afetuoso, intelectual e carinhoso, que não brincasse com coisas como o amor e paixão. Alguém com quem pudesse partilhar um relacionamento espiritual, além de físico. — Mas você sempre achou que Jamal era o mais bonito dos três. Heidi suspirou. — Ele é atraente. Mas todos eles o são. Como poderiam não ser? Eram altos, atléticos e maravilhosos, com aqueles olhos escuros e ardentes. Um misto de Sean Connery e Rodolfo Valentino. Ela podia ter tido uma ou duas fantasias com Jamal, quando era mais jovem, mas, com a maturidade, aquilo passou. Givon levantou-se e aproximou-se dela. Passou o braço em torno de seus ombros e a trouxe para perto de si. — Ótimo! Esta noite você se sentará junto dele à mesa, e espero que considere o que eu disse. Jamal precisa se casar. Você também. Será perfeito. — Não concordo. Mas Givon não a ouvia. — Fátima, assim como eu, também sonha vê-los casados. Você conhece minha mãe. Quando enfia uma coisa na cabeça é difícil demovê-la da idéia. Heidi gemeu. — Igualzinha a você. Não consigo resistir a nenhum dos dois. O rei deu uma risadinha. — Tem razão... Portanto, nem se dê ao trabalho de tentar. — Ele beijou-a no rosto e se foi. Heidi se deixou escorregar até o chão, sentando-se com as costas apoiadas no mural. Fátima ora como uma segunda mãe para ela. Com suas roupas elegantes e maneiras graciosas, era a realeza personificada. Refinada, inteligente e afetuosa. Heidi sempre a julgou a mais perfeita entre todas as que reinaram em El Bahar. Porém, atrás de sua aparência impecável, possuía nervos de aço e uma determinação que podia resistir a um exército inteiro. Casada? Heidi? — Nem sequer tenho namorado — murmurou. Por duas vezes, se interessou por rapazes, o que resultou em dois desastres. Seu primeiro encontro não ocorreu antes da faculdade, quando foi convidada para uma festa de confraternização em um compus vizinho. Ninguém a avisou de que o coquetel de frutas continha mais rum do que deveria. Após ter consumido três deles em menos de uma hora, de repente se viu de quatro no banheiro, passando muito mal. 9

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Aquela foi sua primeira experiência com o álcool. O mais interessante foi que o rapaz que a levou à festa assumiu que o fato de ela estar mal lhe facilitaria as coisas, que não precisaria usar de força para levá-la para a cama. Antes que Heidi percebesse quais eram as intenções dele, viu-se deitada de costas e com a saia acima da cintura. Para sua sorte, na hora H seu estômago tornou a expulsar seu conteúdo... e em cima dele. Aquilo acabou com o clima e o fez bater em retirada. A segunda tentativa fora pior ainda. Não, ela não estava interessada em encontros, que dirá em se casar. E deixaria isso claro no instante em que colocasse os olhos em Jamal Khan, príncipe de El Bahar.

CAPÍTULO II Quero deixar bem claro que não pretendo me casar — disse Heidi, ao entrar na sala de jantar naquela noite. — Pelo menos, não tão cedo. Jamal sorriu, levantou-se e assentiu. — Devo lhe agradecer por deixar isso claro. Heidi sentiu o rosto arder e afirmou para si mesma que era devido a caminhada. Afinal, seu quarto situava-se a uma boa distância da sala de jantar. Além disso, ela veio o mais rápido que pôde, pretendendo encontrar Jamal a sós. E tivera sorte. Vendo-se a sós com o príncipe, sentiu-se ainda mais acalorada. — Bem, eu posso explicar... Jamal moveu-se em sua direção, parando apenas a centímetros dela. Heidi detestou o fato de precisar erguer a cabeça para fitá-lo. Detestou ainda mais achá-lo tão atraente. Os príncipes eram todos altos, morenos, bonitos e ricos, mas, em sua opinião, Jamal era o mais belo dos três. Usava seus cabelos escuros penteados para trás, em um estilo conservador que combinava com a estrutura óssea de seu rosto. O impecável terno escuro, a camisa branca e a gravata de seda decerto haviam custado mais do que ela recebia como mesada durante um ano. Para completar, os sapatos eram de couro italiano. Heidi sentiu um leve tremor na base da espinha, mas procurou ignorar aquilo. — Quanto tempo, Heidi... — Jamal estendeu-lhe a mão. — E um prazer tornar a vê-la. Ela aceitou o cumprimento. Não sentiu nenhuma emoção quando suas mãos de tocaram. Nenhum arrepio. Muito embora se isso tivesse acontecido, Heidi teria ignorado, assim como estava ignorando a repentina fraqueza nos joelhos. — De fato faz tempo... — Heidi olhou por sobre os ombros. — Eles chegarão a qualquer momento. Precisamos conversar. — Eles? — Seu pai e sua avó. O rei Givon veio me ver esta tarde e deu a entender que nos quer ver casados. Eu e você. Não sei de onde ele tirou essa idéia ridícula, pois mal nos 10

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conhecemos. Bem, é um absurdo, e precisamos fazer com que seu pai desista de seus planos. Jamal Khan teve a audácia de sorrir. — Por que está tão preocupada? Se um casamento arranjado não é de seu agrado, diga isso a ele. — Eu disse, mas o rei não quis me ouvir. — Então, diga "não" para mim. Aquela era a conversa mais estranha que Heidi já precisou ter na vida. — Isso não o aborrece, Jamal? Seu pai está tentando manipular sua vida e a minha. Recuso-me a permitir que alguém faça isso, seja quem for. Jamal tocou sua face. Foi um toque apenas casual. Ainda assim, Heidi sentiu o coração disparar dentro do peito. — Sou o príncipe Jamal Khan, de El Bahar, e, como tal, preciso dar herdeiros a meu país. Para isso, preciso me casar. No entanto, por mais que eu tenha procurado, não encontrei aquela que desejo ter comigo pelo resto de meus dias. Por isso, estou disposto a aceitar um casamento de conveniência, sem problema algum. Tem sido assim há milhares de anos. — Conheço bens seus costumes, Jamal. Estudei a cultura deste país. Mas não é essa a questão. Acontece que não quero fazer parte dessa história. Entendeu? Givon acredita que daríamos certo juntos, e você tem de fazer algo a esse respeito, antes que ele comece a planejar a festa. Os olhos escuros analisaram-na, pensativos. — Por que você mesma não tenta demovê-lo desse intento? Diga a meu pai que não quer, e ponto final. — Não é tão fácil. Em principio, seria melhor que você não me propusesse casamento. Devo muito ao rei. Desde que meu avô faleceu, ele tem sido como um pai para mim. Ainda que não tivesse feito isso, me sentiria péssima por deixá-lo na mão. — Heidi encarou o príncipe. — De fato não quero me casar com você. — Sinto-me lisonjeado... Ao aguardar pela protegida do rei, Jamal se preparara para de repente se ver diante de uma bruxa com verruga no nariz, mas, em vez disso, quase se flagrou atraído pela jovem que tinha diante de si. — Eu não queria que fosse assim, Alteza. Longe de mim querer insultá-lo. — Esqueça. Você não me insultou. Heidi o fitou, em seguida ajeitou os óculos. — Sabe como é... Os homens detestam quando as mulheres dizem a verdade. Vocês precisam ter seus egos massageados o tempo todo. — E mesmo? Tem muita experiência com essa coisa de massagear egos? — Não diria isso. — Heidi franziu o nariz, um gesto que Jamal presumiu ser a expressão que tanto intimidou Malik. — Mas não preciso mandar cortar meu braço fora para saber que não iria gostar da experiência. Jamal ponderou a respeito.

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— Está me dizendo que não é necessário estar envolvida com um homem para saber que ele está interessado apenas em alimentar sua vaidade? — Exato. — Seu tom de voz era agradável, como o de uma estudante que dava uma resposta inteligente a seu professor. Jamal observou com atenção a convidada do rei. Como Malik observara, Heidi de fato vestia-se como uma solteirona puritana. Naquela noite quente de verão, apesar do calor, ela usava um vestido cinzento, com mangas compridas e abotoado até o pescoço, que lhe cobria as pernas até a altura dos tornozelos. Nenhuma maquiagem cobria-lhe a pele translúcida. E, se seus olhos cor de avelã pareciam enormes, era devido a seu formato original, não pelo uso de cosméticos. A cabeleira castanho-clara encontravase presa em um coque severo. Jamal estreitou os olhos ao fitá-la. Embora Heidi não fosse nem de longe a megera que Malik descrevera, tinha a aparência de alguém que não apreciava muito os homens. O que era uma pena. Com trajes mais adequados e um penteado mais moderno, chegaria a ser bonita. E, pelo que ele podia ver, apesar do vestido de corte reto, devia possuir um bom corpo. — Seria um casamento fadado ao desastre, Jamal. Não nos conhecemos direito, e duvido que gostaríamos um do outro. Nem montar eu monto! Jamal piscou, intrigado. O que montar tinha a ver com um casamento arranjado? — Não entendi. Você não sabe montar a cavalo? — Não, não sei. E não poderia ter sido mais clara. — A expressão dela indicava bem a sua falta de fé em sua inteligência. — Entendi muito perfeito, só não sei aonde você está querendo chegar. Heidi suspirou. — Não cavalgo há anos. Todos os nobres devem saber montar. Não é uma lei ou coisa parecida? Jamal achou graça. Estranho, pensou ele, mas de certo modo interessante. — Só posso prometer que farei o possível para não precisar propor-lhe casamento. — Eu agradeceria, Alteza. Estou certa de que você seria um excelente marido, porém, não estou interessada. — Heidi fez uma pausa. — Nada pessoal. Não pretendo me casar com ninguém. Prezo muito minha independência. Uma verdadeira surpresa, decidiu ele, bem-humorado. Puxou uma cadeira para que Heidi sentasse, e em seguida acomodou-se a seu lado. Ela fitou-o, espantada. — Por que sentou-se aí? Ficando assim tão perto, fará com que eles tenham idéias quanto a nos casarmos. — Como assim? Já não estão fazendo isso? — Sim, mas não precisam de mais encorajamento. Devia se colocar do outro lado da mesa, Jamal, e o mais longe possível de mim. E me ignorar durante a refeição. Se preferir ser rude, ótimo. Não me importarei. Seus olhos cor de avelã arregalaram-se com profunda sinceridade. Jamal não conseguia se lembrar da última mulher que havia expressado tão bem a falta de interesse por sua pessoa. Por incrível que parecesse, a estava achando perturbadoramente atraente. Uma virgem que o queria distante era uma novidade refrescante. Já tivera sua 12

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cota de mulheres interessadas apenas em sua fortuna, seu título de nobreza e, acima de tudo, sua fama. — Eu o aconselho a sentar-se ali. — Heidi apontou para uma cadeira distante. Aquela mesa acomodaria com conforto cerca de vinte pessoas, embora naquela noite estivesse arrumada para apenas seis. Heidi indicou o lugar no lado oposto, duas cadeiras à direita. Ainda assim, continuaria sendo perto. Quem era Heidi McKinley e de onde viera. Que série de circunstâncias a transformaram naquela intrigante combinação de inocência e audácia? Jamal recordavase dela como sendo aquela garotinha magra e sem graça que vivia dançando e correndo pelos corredores do palácio. Mas aquelas eram lembranças longínquas, de pelo menos dez anos atrás. Malik afirmou que ela costumava passar as férias de verão em El Bahar, e que ali estivera até há pouco tempo. O que Jamal andava fazendo que não a vira? Estivera assim tão ocupado que não lhe prestara a devida atenção? — Você está olhando para mim, Alteza. Não faça isso. Ignore-me. Será melhor. Jamal, obediente, desviou o olhar, mas logo tornou a fitar seu rosto pálido. Por que Heidi temia tanto o casamento? E quanto a ele? Por que não entrou em pânico com aquela história, ainda mais em se tratando do casamento dele próprio? Sua esposa havia falecido seis anos atrás, e ele sabia que o rei apenas aguardava até que ele se recobrasse por completo. Jamal fez uma careta. Uma eternidade não seria suficiente para que esquecesse Yasmin. Mas claro que nunca admitiria isso ao rei. Sabia que não demoraria para que o pai começasse a pressioná-lo para que tornasse a se casar. E dessa vez teria de haver herdeiros. Olhou para a protegida do monarca. Heidi McKinley até que era uma escolha razoável. Heidi o surpreendeu estudando-a e sorriu, tensa. Malik se enganara. Ela não era uma calamidade. Para ser sincero, achava-a bem interessante. Passos se fizeram ouvir no corredor. Heidi empurrou os óculos para cima do nariz e em seguida inclinou-se na direção de Jamal. — Lembre-se, seja rude e me ignore. E o quero que faça. Jamal assentiu, se perguntando se de fato era aquilo o que ele queria fazer. Jamal não estava levando a sério, concluiu Heidi, mais tarde, enquanto uma das criadas retirava os pratos. Nada transcorrera como esperava. Primeiro de tudo, Jamal acabou sentando-se bem a sua frente. Fátima, a avó dele, e o rei, seu pai, foram os primeiros a chegar. Acomodaram-se em ambas as cabeceiras e, quando Khalil e sua mulher, Dora, chegaram, Fátima insistiu para que Jamal mudasse de lugar, para que o casal pudesse sentar-se frente à frente. Ele, então, acomodou-se diante de Heidi, que se viu forçada a vê-lo durante todo o jantar. Foi terrível. Ela sorveu um gole de vinho e tentou com todo o empenho disfarçar sua frustração; mais ainda, a inquietação. Fátima deu tapinhas afetuosos nas costas de sua mão. — Agora que vai morar aqui, Heidi, planejaremos uma ida a Londres. Quero levá-la ao teatro. 13

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Heidi pressionou os lábios. O convite de Fátima soou natural. Ela poderia responder sem temer que Jamal interferisse na conversa. — Gostaria muito de ir — disse ela, com certa cautela. Com Fátima, estaria segura. A mãe do rei sempre a tratara com muito afeto. Heidi arriscou um sorriso ao encará-la. Fátima usava um elegante conjunto azulmarinho. O blazer de talhe perfeito enfatizava sua silhueta esbelta. O penteado e a maquilagem eram impecáveis e discretos, e os brincos de pérolas combinavam com o colar de três voltas, também de pérolas, em seu pescoço. Fátima era tudo o que Heidi aspirava ser algum dia. Bela, elegante, confiante e bem controlada. — Jamal é apaixonado pelas artes — disse Givon, seu tom demonstrando um grande orgulho do filho do meio. — Teatro, dança e música são coisas que ele aprecia demais. Aquele comentário era apenas um entre uma dúzia nada sutis que ele fizera, tentando demonstrar o quanto Jamal e Heidi tinham em comum. Khalil ergueu os olhos e deu uma risadinha. — É verdade. Jamal vive para a arte. É tão apaixonado que chega a me surpreender. — Ignore esses dois, Heidi. — Dora piscou. — Khalil é maldoso... Mais tarde falarei com ele, para assegurar que o tormento de hoje não se repetirá. Khalil, sentado à esquerda de Heidi, não pareceu preocupado. — Está me ameaçando, mulher? Dora, uma bela morena com calorosos olhos castanhos, sorriu para o marido. — Heidi é nossa convidada. Quero que sejam gentis com ela. — Você não está passando uma descompostura no rei, não é? — brincou Khalil. — Por que eu faria isso? Não sou casada com ele. — Dora voltou-se para Heidi. — Se eu fosse você, os ignoraria. Os homens desta família são bem-intencionados, mas às vezes se tornam uma provação. Heidi sorriu diante da atitude amigável de Dora. Aquela era a primeira vez que a via, mas sempre soube que gostaria da esposa de Khalil quando a conhecesse. — Eu jamais seria uma provação para alguém — protestou Malik. — Você já é uma provação! — Dora e Fátima disseram em uníssono. Houve um momento de silêncio, em seguida todos gargalharam. Heidi tentou juntar-se aos demais, mas seu coração parecia ter se alojado em sua garganta, o que tornava difícil respirar, mais ainda rir. Achou melhor ficar quieta e esperar que a conversa retornasse a um assunto mais normal. — No que tanto pensa? — quis saber Jamal. Heidi o encarou. Aquela sua atenção a deixava tensa. Ajeitou os óculos. — Em nada... Estava admirando esta sala. O palácio de fato é muito bonito. Fico feliz por estar de volta. Já lhe falei que estou interessada em restaurar manuscritos antigos? —Jamal é um apaixonado pelo assunto — o rei interveio. — Passa horas inteiras com livros sobre nossa história na mão. 14

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A boca bem-feita de Jamal estreitou-se, demonstrando sua contrariedade. — De fato vivo para nosso país... — Largou o guardanapo sobre a mesa. —Venha comigo, Heidi. Creio que eu e você devemos deixar essa boa gente terminando de jantar. Ela levantou-se com graça. Embora não lhe agradasse saber que estaria a sós com ele, qualquer coisa era preferível a permanecer ali, sendo pressionada sem dó nem piedade. — Aonde pretendem ir? — perguntou o rei. — A cidade? Por que não a leva ao clube, filho? Poderão dançar. Você gosta de dançar, não é, querida? Dançar é muito bom. — Que tal darem um passeio no jardim? — acrescentou Fátima. — A noite está linda. — Por que não esperam um pouco? Iremos com vo... — Khalil interrompeu o que ia dizendo. — Dora, você me chutou? Eu disse algo demais? Dora o ignorou. — Vocês dois podem ir. Segurarei os demais aqui por mais algum tempo. Jamal estendeu a mão. Heidi a pegou e permitiu que ele a conduzisse para fora. Avançaram até o final do amplo corredor, em seguida fizeram uma série de voltas, antes de saírem para o jardim. Jamal parou e recostou-se na parede. — Aquilo foi terrível. — Eu tentei avisar, mas você não quis me ouvir. — Heidi deu de ombros. — "Dançar é muito bom..." O que será que o rei quis dizer? Jamal a olhou. — Não entendeu? Não era você a garotinha que vivia dançando pelos corredores do palácio? Heidi esboçou um largo sorriso. — Tem razão. Eu vivia fazendo isso. Até me colocaram o apelido de Dan. Jamal deu uma risadinha e fez um gesto em direção às portas de vidro. — Não gostaria de dar um passeio? Apenas alguns minutos, até podermos seguir nossos caminhos em segurança. — Claro... No jardim, Heidi inalou o perfume das plantas e das flores. Cerrou as pálpebras e suspirou. — Isto é El Bahar. Quando estou longe daqui, tento me lembrar deste aroma, mas não consigo. Após dois meses longe, não me lembro mais de sua exata suavidade. Perco os sons das noites daqui, esse ruído agradável e constante da água jorrando nas fontes. — Você deve amar meu país. Heidi abriu os olhos e deu com Jamal fitando-a com intensidade. Fez menção de dar um passo atrás, apenas para se dar conta de que eles estavam de mãos dadas. Como aquilo havia acontecido? — Eu, bem... — Ela largou a mão dele. — Esperei a vida inteira para vir morar aqui. El Bahar é o único lugar onde me sinto em casa. Adoro essa combinação do antigo e do novo. Veja, estamos no meio do deserto e em junho, quando a temperatura durante 15

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o dia é uma das mais quentes do planeta. Mesmo assim, me sinto bem. Seu país é adorável. Jamal tirou o paletó e deixou-o sobre o banco ao lado. — Diz isso porque o ar-condicionado funciona em todos os cômodos e mantém a temperatura agradável. — O lugar é mágico, e para mim é tudo o que importa. Jamal enfiou as mãos nos bolsos da calça. — Foi por isso que voltou para cá? Passaram a percorrer um caminho de pedra. Havia uma fonte à direita e um anteparo de treliça à esquerda, por onde subia uma trepadeira. — Não. Voltei para trabalhar. A cada ano que passa, o tempo e os elementos destroem centenas de documentos antigos. Quero preservar a história de El Bahar, para que não se perca. — E seu namorado? Não deixou para trás alguém muito especial? Namorado? Ela?! Jamal só podia estar brincando! Heidi costumava sair com amigos, de vez em quando, mas isso não contaria como sendo algum tipo de relacionamento significativo. — Não exatamente. — Não? Era sua imaginação ou Jamal devagarinho chegara mais perto? Heidi o encarou. — Não pretendo me casar, Alteza. Creio que já deixei isso claro. De algum modo, Jamal parecia ter ficado mais alto, como um príncipe guerreiro no meio da noite. — Usando de igual clareza Heidi não me lembro de lhe ter proposto casamento. Heidi enrubesceu. — Não, mas poderá fazê-lo. E não quero que o faça. — Por quê? Porque não poderá dizer não? — Acertou. Fátima e o rei Givon são experts em me convencer a fazer o que não quero. Já demonstraram isso antes, quando me formei. Sabiam que o que eu mais desejava na vida era voltar para cá e trabalhar. — E não foi o que aconteceu? — Isso foi há dois anos. Eles conseguiram me induzir a fazer um curso, longe daqui, sobre a história e a política no meio-oeste, dando ênfase a El Bahar. — Suspirou, desgostosa. — Por que os obedeceu? — Não me pergunte. Em um minuto, eu dizia aos dois que não estava interessada em fazer curso algum. No instante seguinte, me vi entrando no avião rumo à Suíça. Heidi recordou as discussões que teve com o rei e com Fátima. — Sempre me considerei uma pessoa forte, mas nem tanto. Talvez... — Pressionou os lábios quando um pensamento repentino e nada agradável lhe ocorreu.

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Naquela época, Fátima e o rei insistiram bastante para que Heidi fizesse o tal curso, alegando que a educação que ela recebera nem de longe a preparara para enfrentar o mundo... A não ser que eles tivessem um trabalho específico em mente. Respirou fundo. — Oh, não! Eles vêm planejando isso há anos! — Quem? O que eles vem planejando? Heidi uniu as mãos diante do peito, como se rezasse. — Você precisa acreditar no que estou dizendo, Jamal. O rei e sua avó querem nos ver casados. Acabo de entender que eles vêm me preparando para desempenhar o papel de sua esposa. Ela pensou nos colégios femininos exclusivo, que desde criança freqüentou. Na certa o rei o sua mãe influenciaram seu avô, levando-o a matriculá-la em tais escolas. Heidi McKinley estava por demais empolgada, concluiu Jamal, achando tudo muito divertido. Ela o fitava com aqueles olhos enormes e os lábios trêmulos, agindo como se a tal revelação fosse mudar o curso da história. — Está querendo dizer que até sua vida escolar foi manipulada? Heidi franziu o nariz. — Pode caçoar, mas saiba que o assunto é sério. Não quero me casar com você! — Pare de me bajular, Heidi. Assim acabará me constrangendo. — Não seja bobo! Sabe que não pretendo melindrá-lo. Não consigo imaginá-lo aceitando de bom grado casar-se comigo. Na verdade, o fato de eu não querer me casar nada tem a ver com você. — Se o assunto aqui é sobre nosso enlace arranjado, tem tudo a ver comigo. Heidi deixou as mãos caírem ao lado do corpo o voltou-se. — Está se fingindo de obtuso, Alteza. Ela se mostrava de fato frustrada com a situação. Sua franqueza quanto a querer evitar qualquer tipo de ligação era genuína o bastante para fasciná-lo. Após ter passado a vida adulta inteira tentando escapar de garotas interesseiras, como resistir a uma moça tão pouco interessada em seu título nobiliárquico, em sua fortuna, em sua ascendência? Jamal começava a suspeitar que Heidi estava certa, que Fátima e o rei vinham preparando-a para ser sua esposa fazia muito, embora ele tivesse afirmado não ter pressa alguma em tornar a desposar alguém. Não tinha pressa em repetir a experiência. Todavia, compreendia que precisava casar-se, pelo bem do reino e também porque queria uma família só sua. E Heidi era a que estava em primeiro lugar na corrida para seu coração. Jamal conteve o riso. Podia imaginar o quanto ela ficaria emocionada quando ouvisse a novidade. — E se eu dissesse que não me importarei se meu pai me obrigar a casar-me com você? — disse ele, mais para espezinhá-la do que para testá-la. Heidi o encarou. — Ficou maluco?! Esse foi o maior disparate que já ouvi. Tal união não duraria uma semana. Nós nada temos em comum.

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— Pelo contrário, Heidi. Ambos nos importamos com El Bahar, com seu passado e presente. Sou bastante interessado em preservar nossa herança. Você conhece nossos costumes, gosta de viver no palácio. E é inteligente o bastante para ser capaz de lidar com as complexidades de ser membro da família real. E, de acordo com o que ouvi dizer, me acha bonitão. Quanto a mim, acho-a bastante atraente. A última frase fora pura adulação, mas Jamal já precisara dizer mentiras maiores no correr da existência. Afinal, era por uma boa causa. De certo modo, Heidi tinha atrativos, precisava apenas de uma pequena ajuda para torná-los visíveis. Heidi abriu a boca e tornou a fechá-la. Nenhum som saiu de seus lábios. Jamal observou-a corar. — Você ficou vermelha. — Não, não fiquei. Não há motivo para eu me sentir embaraçada. Então, por que coraria? —E se tivesse enrubescido? Seria assim tão terrível? — Sim, seria! Por que está fazendo isso, Jamal? Porque não saiu gritando e correndo para longe de mim? Acabo de afirmar que seu pai quer vê-lo casado com uma estranha, e você não está dando a mínima! — Ora, isso não é o fim do mundo. Há destinos piores. — Quais, por exemplo? Ser enterrado vivo? Ser devorado por morcegos? Jamal estremeceu. — Está certo, Heidi. De fato não é de seu feitio alimentar o ego de um homem. Quando se tornar minha esposa, teremos de dar um jeito nisso. Ela bateu o pé no chão. — Faça um esforço sobre-humano e escute o que digo príncipe Jamal Khan, de El Bahar. Jamais me casarei com você! Nunca, entendeu? Nem nesta vida, nem na próxima. E ponto final! — Quer apostar? Jamal deu uma risadinha antes de avançar na direção dela e enlaçou-a pela cintura estreita. Heidi de imediato enrijeceu. — O que pensa que está fazendo?! — Levou as mãos ao peito dele, tentando afastá-lo de si. — Procuro descobrir se essa sua boca sedutora pode ser boa para outra coisa além de me insultar. Os olhos cor de avelã soltaram faíscas iradas, Jamal temeu que fizessem derreter a armação de seus óculos. — Nem ouse fazer isso, príncipe! Não estou interessada em você. Queira me soltar, por favor. Estou pedindo, Jamal Khan! — Lamento, mas a resposta é "não".

CAPÍTULO III 18

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Aquilo não podia estar acontecendo, pensou Heidi, espantada. Ela e Jamal estavam em meio a uma conversa, discutindo os motivos pelos quais eles não deveriam se casar. E decerto o príncipe não iria parar de falar só para beijá-la, certo? Respirou fundo quando percebeu que de fato ele iria. Jamal se aproximou mais e a envolveu em seus braços fortes, pressionando-a contra seu corpo sólido como um murro de pedra. Heidi desejou protestar, dizer que não estava achando nada agradável, que queria que ele parasse com aquela brincadeira e a soltasse. O problema era que estaria mentindo... A sensação de estar junto dele era por demais agradável. Era sensacional aquele calor intenso irradiando-se das formas másculas e atingindo as dela, em seguida espalhando-se por locais nada comuns. Onde seus seios colavam-se ao tórax, por exemplo... Bem, eles estavam muitíssimo sensíveis, de modo bastante incomum. As pernas de Heidi, para piorar tudo, pareciam bambear. Heidi, sem entender como, sentiu uma vontade imperiosa de erguer os braços e tocar os ombros de Jamal, ou talvez seus cabelos. Mas não o fez. Afinal, não estava interessada em beijá-lo ou em qualquer outro contato físico. Para ser franca, não sabia o que fazer. — Relaxe... — pediu Jamal. — Não pretendo devorá-la. — Estou relaxada. — Que nada! Não acredito que seja seu normal mostrar-se assim tão tensa. Ninguém é desse jeito. Vamos, respire fundo e tente imaginar apenas coisas ,agradáveis. — Obrigada, mas não preciso que me dê instruções. — Precisa, sim, e sou o único aqui que pode fazer isso. Sua inexperiência seria assim tão óbvia? Heidi enrubesceu com mais intensidade. Talvez estivesse mesmo embaraçada. Mas não era para menos. A situação era intolerável. — Se me soltar nos poderemos continuar nossa conversa Alteza. — Não quero conversar, mas sim beijá-la. Agora, diga meu nome. Heidi piscou. Jamal dissera aquilo ou ela ouviu mal? Na verdade, ouvira, sim o termo "beijo"! Foi isso o que Jamal dissera. E apenas um minuto após ter confessado que a achava atraente. Nunca escutara aquilo de homem algum. Heidi compreendia que não era nada interessante como mulher, e nem sabia como ser. Mas o que não a ajudava era o tipo de roupa que usava, o modo como se penteava... ou talvez os óculos. Após ler uma revista de moda, passou por sua cabeça mudar seu visual, mas não soube por onde começar, como traduzir o que os entendidos em beleza e elegância ensinavam através das páginas da revista. Queria ficar bonita e ao mesmo tempo sentirse confortável. Porém, acabava sempre desistindo, crendo que seria mais fácil não tentar. O mesmo acontecia em relação aos rapazes que conhecia. Sentindo-se desajeitada, Heidi se retraía, e agora lamentava a inexperiência. — No que está pensando? Heidi o fitou. — Em nada.

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— Mentindo outra vez, garota... Será que o rei está a par dessa falha em seu caráter? — Puxou-a para mais perto, se é que era possível. — Agora, diga meu nome. — Por quê? Já o disse várias vezes hoje. — Porque gosto de ouvi-lo. Heidi o encarou, tentando ignorar o modo como seus olhos escuros refletiam o brilho das estrelas acima deles. Ou talvez as luzes do jardim. — Por que tudo sempre tem de ser como você quer? Ele riu, os dentes alvíssimos contrastando com a pele bronzeada. — Porque é mais divertido. — Acho que já deixei mais do que claro que não quero nada com você. — Como saberá que não quer antes de ter experimentado? De acordo com o que dizem, sei beijar como ninguém. — Quanto a isso, não sei, nem quero saber, seu presunçoso. — Não seja tão crítica, pelo menos até ter provado. O coração de Heidi parecia querer saltar pela boca. Estava tendo dificuldade para respirar. — Obrigada, mas não estou interessada. Em vez de responder, Jamal tocou seus lábios com a ponta dos dedos. — Solte esses músculos... relaxe. Agora, diga meu nome. — Jamal. — Assim não. Devagar. Sussurre-o. "Esse homem é louco." Heidi também devia ser, porque começava a apreciar estar em seus braços, ali, por incrível que parecesse, o príncipe lhe dava segurança. — Jamal — repetiu ela, cerrando as pálpebras o pronunciando como ele pedira. E esperou. No entanto, em vez de ouvir mais uma de suas críticas, Heidi sentiu uma doce pressão contra a boca. Jamal a estava beijando! Heidi abriu os olhos. Não podia acreditar. Nunca fora beijada, e muito menos por um homem com a reputação do príncipe. Se desse crédito aos mexericos dos jornais, Jamal devia ter feito amor com tantas mulheres do que o personagem James Bond. No entanto, ali estava ele, abraçando-a. Heidi não podia ver seu semblante, mas Jamal parecia manter os olhos fechados. Assim, Heidi resolveu concentrar-se na delícia daquele momento tão especial. Estar colada a Jamal e ser beijada por ele não era nem de longe desagradável. Seu toque era caloroso e suave, embora ele a segurasse com firmeza. Heidi experimentava agora um distinto aumento na temperatura corporal de ambos. Jamal a segurou pela nuca. O braço em torno de sua cintura a prendia com força, mas Heidi não se sentia forçada. E o beijo... bem, era divino ser beijada por ele. O modo como movia a boca era sensacional, como se pretendesse saber tudo a seu respeito. Talvez Heidi devesse enlaçá-lo e se encostar ainda mais. — Relaxe... — Estou relaxada. 20

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— Mentira... Heidi concentrou-se e notou que a quentura não lhe atingia apenas o rosto, mas espalhava-se por todos os poros. Tomar consciência disso a fez desejar sair correndo dali e trancar-se na segurança de seu quarto. —Nem pense nessa possibilidade — disse ele, como se os pensamentos dela fossem transparentes. Segurou-a com mais força. — Apenas diga meu nome. Heidi estava prestes a protestar, falar que aquilo não devia estar acontecendo, quando os lábios dele tornaram a se apossar dos seus. Dessa vez, fez força para relaxar. Mentalmente disse o nome dele, vezes sem fim, até seus lábios formarem a palavra com facilidade. Foi então que algo quente, úmido e suave, e muito excitante, roçou seu lábio inferior. Um leve tremor percorreu-a, começando no alto da cabeça e descendo até os pés. Seus seios agiam de uma maneira estranha, e de súbito surgiu um formigamento entre suas coxas. Aquilo seria paixão? Seria... Jamal tornou a mordiscar seu lábio inferior, o em seguida introduziu a língua em sua boca. A combinação de calor, prazer e excitação a pegou desprevenida. Heidi não se lembrava de ter erguido a mãos, no entanto, quando se deu conta, seus dedos apertavam os ombros largos de Jamal e em seguida enterravam-se em seus cabelos macios. Queria que aquelas sensações fabulosas jamais a deixassem. Moveu a cabeça, em delírio, circundando a língua em torno da dele, todo o tempo se perguntando por que ninguém jamais lhe dissera que beijar era tão bom. Suas línguas se tocavam, se moviam, dançavam de um modo que a deixava sem fôlego. As mãos dele permaneciam paradas em suas costas, embora Heidi ansiasse que a acariciassem. Desejava mais do que estavam fazendo. Adoraria que... Jamal, sem aviso algum, interrompeu a carícia e encostou a testa na dela. — Viu? — disse ele, também sem fôlego. — Não foi assim tão terrível. Heidi precisou pigarrear de falar: — Lógico que não. Foi muito agradável. — Que bom que gostou! — Estou sendo sincera. Pode acreditar. Jamal endireitou-se. — Acredito em você. Seu olhar era intenso ao fitá-la, e Heidi lutou contra o constrangimento que a assaltou. — Pretende tornar a me beijar? — ela deixou escapar. Jamal recuou um passo. — Creio que já tivemos emoção suficiente por uma noite. — Consultou o mostrador iluminado do relógio que trazia no pulso. — Se deseja voltar em segurança para seus aposentos, pode ir agora. No início, aquilo não fez sentido. Então, Heidi lembrou-se do jantar, e que o rei e Fátima queriam que eles se casassem. De repente, a idéia deixou de ser tão absurda. Sorriu. 21

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— Está bem... vou indo. Jamal assentiu, o que a desapontou sobremaneira. Será que ele gostaria de tornar a beijá-la? Será que a experiência o agradou? Heidi suspirou. Não sabia o suficiente para responder àquelas questões, e não tinha coragem de perguntar. Pareceu-lhe que teria de ficar no escuro. Sendo assim, sussurrou um boa-noite e deixou o jardim. Ao caminhar de volta para seus aposentos, Heidi repassou duas vezes os detalhes dos beijos que ela e Jamal trocaram. Estava na terceira ao chegar à sala de estar da sua suíte. Para sua surpresa, Fátima se encontrava a sua espera. — E então, querida? O que achou de meu neto? Não é um encanto... além de charmoso? Heidi apenas a fitou, tentando coordenar os pensamentos. Naquele instante, não pretendia falar com ninguém. Só queria poder escapar para a privacidade do seu quarto, e lá reviver os momentos empolgantes daquela noite maravilhosa. Estava ao mesmo tempo confusa e excitada, tentando entender o que tudo aquilo significou. — Jamal de fato é muito atraente. Mas isso não significa que eu queira me casar com ele. Fátima levantou-se do sofá onde estava sentada e estendeu-lhe a mão. — Venha aqui, meu bem. Embora relutante, Heidi obedeceu a mãe do rei. Quando estava perto o bastante, Fátima segurou-lhe os dedos. — Eu a conheço desde que era apenas uma garotinha, Heidi. Recordo-me do orgulho que seu avô sentia, quando a trouxe aqui pela primeira vez, para que a conhecêssemos. Fátima sorriu diante da lembrança. — Era tão bonita, tão brilhante, Heidi... E não tinha medo de nada. Pulou para meu colo e exigiu que eu lhe contasse uma história. Foi aí que me conquistou. Não tive filhas, e não tenho netas para amar e mimar, e preciso fazer isso com as filhas de amigos. Agora tenho Dora, a mulher de Khalil, mas sonho em ter você como nora. Heidi exalou um suspiro, mas o movimento não aliviou seu remorso. — Por favor, não faça isso. — Afastou-se de Fátima. — A senhora e o rei têm sido maravilhosos comigo. Quando meus pais faleceram, eu era tão pequena que nem me lembro deles. Mas havia vovô, e ele sempre esteve lá quando precisei, assim como a senhora e o rei. Portanto, faria qualquer coisa para compensar a generosidade de vocês. Contudo, não me peça para me casar com Jamal. Não pretendo casar-me com ninguém. Desejo apenas trabalhar e viver em paz neste palácio. Fátima tornou a sentar-se e bateu na almofada ao lado. Sua atitude naquele dia era bem semelhante a do rei, seu filho. Heidi sentiu como se estivesse sendo arrastada para uma armadilha da qual não poderia escapar. Relutante, aproximou-se de Fátima e se acomodou no local indicado. — E uma pessoa calorosa, sensível e precisa se casar, Heidi. Não estou dizendo isso por achar que necessita de alguém tomando decisões em seu lugar, ou por achar que não é capaz de encontrar a própria felicidade sozinha, mas porque passou a vida 22

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inteira desejando pertencer a alguém. Conheci seu avô e sei o homem maravilhoso que ele foi, e que a amava muito. Mas Edmund não estava preparado para lidar com uma criança e ser responsável por ela. Por reconhecer as próprias limitações, trazia-a para cá, todos os verões. O restante do ano você passava na escola, na Suíça. Edmund fazia isso para que pudesse obter o melhor de ambos os mundos, querida. Heidi não queria falar a respeito do avô. Ainda sentia sua falta, apesar de ele ter falecido fazia seis anos. E quanto a querer pertencer a alguém, como foi que Fátima adivinhou aquele seu anelo? — Você sempre quis ter um lar — continuou a rainha. — Uma família própria, raízes... Sei de seu sonho de ser mãe. Será que não vê? Poderá ter tudo isso e muito mais, casando-se com Jamal. E também contará comigo, porque é a filha que eu nunca tive. Seu lar é aqui em El Bahar, amorzinho. Aceite fazer parte da história que tanto ama. Seja uma das princesas reais. Quero embalar meus bisnetos, antes que seja tarde para mim. Heidi sentiu-se perdendo terreno diante dos fortes argumentos de Fátima. A combinação de dever e da realização de seus sonhos era maior do que poderia suportar. Bem que avisara Jamal que não seria capaz de dizer "não" ao rei e à rainha. Só esperava que Jamal tivesse mais força do que ela. — Não quero me casar — repetiu, em uma última tentativa de convencer Fátima, aquela que ela considerava como sendo uma das mulheres mais inteligentes e sensatas do mundo. — Jamal é por demais atraente, e muito requisitado pelas mulheres, para meu gosto. Se eu um dia eu mudar de idéia, escolherei alguém bem diferente dele. Preferiria uma união mental e espiritual, em vez de física. Seu neto jamais concordaria com isso. — Uma união mental e espiritual não a engravidaria. Você precisa repensar isso, meu bem. Quanto à reputação de conquistador de Jamal, bem... — A rainha sorriu. — Terá de confiar em mim se eu disser que não é uma coisa má. Ter um marido experiente na cama fará do matrimônio uma união feliz e duradoura. Heidi franziu o nariz. Fátima falava sobre sexo. Nunca entendera por que as pessoas faziam tanto estardalhaço em torno disso. Sexo era apenas uma função biológica, como espirrar. Não tinha nenhum poder místico. Quando chegasse a hora, ela suportaria de bom grado o que fosse necessário para ter um bebê, mas não esperava que fosse apreciar a experiência. De repente, uma lembrança assaltou-a. Então, antes que pudesse evitar, se viu atenta a um flash-back dos beijos de Jamal. Até aquela noite, Heidi sempre pensara no conceito de línguas se tocando como sendo desconcertante e pior, indecente. Porém, após ter provado aquele particular deleite, estava convencida de que era uma algo que gostaria muito de repetir. Sexo seria parecido com aquilo? Estaria ela, devido a sua falta de prática, perdendo algo tão eletrizante? Fátima deu batidinhas afetuosas em sua mão antes de levantar-se. — Apenas pondere sobre o que eu disse. Nada precisará ser feito hoje, afinal. De fato. Nada poderia ser feito, naquela noite ou dali a um ano, pensou Heidi, mas manteve aquela opinião para si, e, com toda a cordialidade, desejou boa-noite à rainha. Vendo-se a sós, atirou-se no sofá e fechou os olhos. Sorrindo, sonhadora, entregou-se às lembranças dos momentos passados no jardim e da magia que foram as carícias de Jamal. 23

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— Diga, como foi? Você conseguiu? Jamal digitou algumas palavras no teclado do computador. Em seguida, ergueu a cabeça, deparando-se com Malik parado à soleira de sua sala. — Consegui o quê? Malik curvou as sobrancelhas, intrigado. — Estou falando de nossa aposta. Quero saber se foi capaz de arrancar um sorriso da solteirona. Isso porque não dá para acreditar que pôde chegar perto dela e beijá-la. Até já separei as éguas que quero cruzando com seu garanhão. Jamal sentiu o corpo enrijecer. Malik queria saber a respeito do que houvera na véspera, se havia beijado Heidi McKinley. Nem ele acreditava, mas o que começara como uma simples brincadeira para contrariar seu irmão mais velho se transformara em algo mais profundo. Até se esqueceu da aposta. O verdadeiro motivo que o levou a tomá-la nos braços foi o desejo que sentiu de fazer isso. Heidi era uma mulher intrigante, e Jamal apreciou beijá-la, apesar de sua inexperiência. Não que sua técnica importasse. Jamal a beijou e, por conseqüência, ganhou a aposta. Chegou a abrir a boca para dizer aquilo a Malik, mas tornou a fechá-la. Por motivos que não fariam sentido a ninguém, nem a ele, não queria que Malik soubesse o que houvera no jardim. Afinal, aquele beijo tolo não significara nada. — Heidi não é tão horrível, Malik. Só não sabe se arrumar. Todavia, tem uma inteligência brilhante e um excelente senso de humor. Malik endireitou-se. —Tem certeza de que essa pessoa a quem se refere de fato é Heidi McKinley? Uma empertigada mais ou menos desta altura — ele fez um gesto para demonstrar o que falava —, usando os cabelos presos num coque, óculos e vestida igual a um espantalho? — Não exagere. Heidi não é sofisticada, mas tem seu potencial. Malik não se convenceu. — Só pode estar com febre, Jamal. Admito que ninguém precisaria pedir-lhe que colocasse uma fronha na cabeça, mas bonita ela não é. — Só porque sua beleza não está aparente, não quer dizer que não seja bela. Malik praguejou. — Você gostou dela! Droga, Jamal, a garota é uma retrógrada! Ela não olhou para você franzindo o nariz, do jeito que sempre faz? Jamal sorriu. — Sim... E achei bem charmoso. — Ela o enfeitiçou... Só pode ter sido isso. Está mesmo se sentindo bem? Será que não caiu e bateu a cabeça? — Malik o fitava com ar de espanto. — Encare-me e afirme, se tiver coragem, que não lamenta o tempo que desperdiçou com Heidi. — De fato não lamento ter lhe feito companhia. Malik meneou a cabeça, incrédulo.

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— Você tem se relacionado com algumas das mulheres mais bonitas do planeta. Vai querer me enganar, dizendo que Heidi McKinley é páreo para alguma delas? Jamal foi salvo de precisar responder quando Givon entrou na sala, acompanhado de Fátima. Passaram por Malik e sorriram, num cumprimento. Malik observou os recém-chegados e se voltou para Jamal. — O assunto parece ser sério. Bem... vou indo. Mas não pense que terminamos nossa conversa. — Malik, em seguida, fechou a porta atrás de si. O rei e a rainha acomodaram-se nas poltronas diante da mesa. — Por que seu irmão está tão nervoso, Jamal? Está havendo algo entre vocês? — Não, vovó. Está tudo bem. Como sempre, Fátima estava adorável. Usava um vestido púrpura que enfatizava sua silhueta ainda esbelta. O rei trajava um terno escuro, um dos que ele costumava pôr para trabalhar. A noite e nos fins de semana, Givon optava pela roupa tradicional de El Bahar: calça e camisa de algodão, e por cima delas uma espécie de robe. — Viemos conversar a respeito Heidi McKinley, filho. É hora de você tornar a se casar, e ela é a esposa que escolhemos para você. Givon não era nada sutil, concluiu Jamal, bem-humorado. Gostava de ir direto ao assunto, sem o menor preâmbulo. — Essa união nos será vantajosa — disse Fátima, inclinando-se para a frente. — Além desse fato, Heidi adora nossa história e nosso país, e se adaptou bem a nossos costumes. O tempo que passou na Suíça, estudando, preparou-a para lidar para as funções sociais a que, como princesa, precisará atender. É uma moça saudável, inteligente e quer ter filhos. E, cá entre nós, parece gostar de você. :— Heidi não me conhece o suficiente para saber se gosta ou não de mim, vovó. Mas não é essa a questão. Conforme afirmaram, Heidi é uma moça inteligente, mas não está interessada em casar-se com ninguém, pelo menos por enquanto. Acho que ela deve ter liberdade para escolher seu futuro marido. Vamos deixar que conheça alguém e se apaixone. Concordam comigo? — E por que ela não se apaixonaria por você? — perguntou Fátima. — Você é um príncipe, em mais de um sentido. Jamal sorriu para a avó, mas não respondeu. Pela experiência que tinha, sabia que as mulheres não corriam atrás de um príncipe por causa de sua personalidade, inteligência e brilhantismo. Elas gostavam deles por causa daquilo que poderiam obter relacionando-se com um, fosse dinheiro, posição ou poder. Em toda sua existência, Jamal não encontrou uma só mulher que o quisesse como pessoa, e duvidava que algum dia encontraria. — Pretende me desafiar, meu filho? Jamal sabia que estava pisando em terreno minado. — Sabe bem que sou fiel aos seus desejos, meu pai. Entendo que é meu dever casar e ter herdeiros. Estou pedindo apenas que considere a escolha que fez. Passei algum tempo com Heidi, ontem, e concluí ser ela uma jovem adorável, e detestaria vê-la presa na armadilha de uma união com o qual não concorda. — Mesmo que essa união seja com você? — indagou o rei. 25

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Especialmente sendo com ele, mas Jamal não diria isso ao pai. — Para mim, Heidi é a escolha certa. — Givon inclinou-se para a frente e colocou as mãos sobre o tampo. — E não estou enganado. — Enganou-se sobre Yasmin, pai... e também sobre a esposa de Malik. Fátima o fuzilou com o olhar. — Não fale daquela mulher! Quanto a Yasmin, reconheço que ela nos enganou direitinho, mas você e El Bahar estão livres dela. "Ainda bem!", pensou Jamal e suspirou. Diferente de Heidi, Yasmin só queria estar casada com um príncipe. Adorava quase tudo da vida de uma princesa... A única parte que não apreciava era o marido. Jamal era muito jovem e inexperiente quando se casou, e não enxergou a verdade, até ser tarde demais. Cometeu o equívoco de se apaixonar pela frívola criatura que era Yasmin. Foi um tolo, e jurou não tornar a cometer o mesmo erro. — Não faça isso com Heidi, papai. Escolha uma outra, qualquer outra, e me casarei. O rei levantou-se. — Nada disso. Ela é a escolhida, e ponto final. O matrimônio se realizará no final do mês. — Givon Khan girou nos calcanhares e saiu da sala. Jamal voltou-se para a avó. — Não pode falar com ele e convencê-lo a pelo menos esperar um pouco? — Vou tentar, mas também acho que Heidi é a opção acertada. — Fátima sorriu. — Peça a mão dela, Jamal. Duvido que o rejeite. Três dias depois, quando Jamal e Heidi caminhavam pelo mesmo jardim onde ele a beijara, o príncipe estava disposto a implorar para que ela o recusasse. Nas setenta e duas horas passadas, Jamal procurou, a todo custo, encontrar um modo de escapar daquela situação, mas sem sucesso. Evitou Heidi e os familiares, porém, mesmo isso não foi suficiente. E, naquela manhã, o rei lhe trouxe um anel com um enorme brilhante. A implicação era clara. Jamal poderia rejeitar o desejo de seu pai. Já o desafiara antes, sobretudo quando era mais jovem. Contudo, aquilo deveu-se a coisas de menor importância, nada que pudesse afetar o bem-estar de sua adorada El Bahar. Um príncipe devia herdeiros a seu país. Um filho, obediência ao pai. Aquelas verdades lhe foram ensinadas quando ainda era um garotinho. Jamal podia ter defeitos, mas reconhecia suas obrigações como príncipe. Sendo assim, ali estava, caminhando ao lado da jovem de que tanto havia gostado, mas apenas por um breve instante. A ironia da situação refletia a escuridão de sua alma. Enquanto Heidi não o aprovasse como seu marido, estaria dando provas de não se interessar pelas vantagens que um casamento real poderia oferecer. Então, Jamal estaria livre para apreciar sua companhia, conversar com ela, e talvez até se tornassem amigos. No entanto, no instante em que ela concordasse com aquela união, se tornaria igual às outras, determinada a se transformar em princesa, e perderia o encanto. Nos últimos dias, Jamal fez tudo para evitá-la, tentando se convencer de que Heidi não era como as outras, que talvez eles tivessem alguma chance de dar certo como 26

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marido e mulher. Mas, ali, caminhando a seu lado, suas dúvidas retomaram. Pediria sua mão, ela aceitaria e tudo estaria perdido. — Pretende dizer alguma coisa, ou este será um passeio mudo, Alteza? Estou querendo saber para não violar nenhuma norma, seja qual for. Porém, se for permitido falar, gostaria de comentar sobre algo que descobri esta manhã. — Fale. Estou ouvindo. — Bem, pode parecer tolice, mas encontrei uma série de cartas de amor, de um general de El Bahar dirigido à esposa. Heidi parou de andar e o fitou. Seus olhos brilhavam, excitados, atrás das lentes dos óculos. Seu vestido amarelo, num estilo solto, não ajudava a ressaltar suas feições suaves, muito menos seu corpo. No entanto, estava tão atraente que o fez desejar vê-la usando rendas e cetim... ou nada, talvez. Nada? Jamal não tinha certeza de onde surgira aquele pensamento, e logo resolveu esquecê-lo. Não estava interessado em possuir Heidi. — São mensagens belíssimas, mas tristes — Heidi prosseguiu. — Falam dos horrores das batalhas que ele enfrentou. Em uma das cartas, talvez a última, o jovem general diz que sente saudade e que deseja vê-la, agora que sabe que está grávida. Ela pressionou as mãos diante do peito. — Pena que jamais saberei o que aconteceu com eles. Não sei se conseguirei me conformar com isso. Será que o general sobreviveu à guerra e retornou aos braços da amada e do filho deles? Creio que deve haver algum registro, de algum tipo, sobre a vida dos militares mais graduados. O que acha? A luz da lua iluminava sua pele clara. Heidi mordia o lábio e aguardava pela resposta, o que o fez ter vontade de também mordê-lo. Gostou de beijá-la, gostava de estar e conversar com ela, e não queria que isso mudasse. — Prometi a meu pai que lhe proporia casamento... — afirmou ele, ignorando a pergunta. — Espero que você não aceite. Heidi piscou, por duas vezes, em seguida baixou as mãos. — Oh, Jamal! Como todos me deixaram em paz durante dois dias, julguei que havia me preocupado à toa. — Receio que não. Heidi segurou seu braço. — Ninguém tocou no assunto comigo. Se você não me pedir, não precisarei responder. Diga a eles que não dará certo. Fale que não combinamos um com o outro. — Já tentei. — O príncipe estudou a expressão dela. Que pena... Tinha a impressão de que eles poderiam dar certo. Colocou a mão no bolso e de lá tirou a jóia que o rei deixou em seu quarto aquela manhã. O pedra de lapidação perfeita cintilou ao luar. Jamal pegou a mão dela. — Eu, Jamal Khan, príncipe de El Bahar, estou pedindo que se case comigo, Heidi McKinley, que seja minha esposa e princesa deste grande país. Para criar meus filhos e minhas filhas. Ele fez uma pausa. O discurso que havia preparado era longo, mas esqueceu do restante. Decerto porque Heidi começou a chorar. 27

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Ela enxugou as lágrimas que escorriam-lhe pelas faces. — Desculpe-me, Alteza. Não sei o que dizer. — Diga "não". Os olhos cor de avelã encontraram os dele. — Não posso. Devo muito a eles. — E quanto àquilo que deve a si mesma? —Poderia dizer o mesmo a você. Detesto ser ingrata. — Eu também. Heidi respirou fundo. — Sim, Jamal... Aceito casar-me com você. Jamal ignorou o desapontamento e colocou o anel no dedo dela. Em seguida, inclinou-se e beijou-a no rosto. Heidi estudou o diamante, em silêncio. — Gostou dele? — Não sei... Nunca fui de usar jóias. — Sorriu, hesitante. — Obrigada. Por estranho que fosse, sua falta de entusiasmo fez com que Jamal se sentisse melhor. Talvez não viesse a ser tão desastroso. Embora não a conhecesse muito bem, Heidi em nada se assemelhava a Yasmin. Já era um bom começo. — Bem, já que aceitou ser minha mulher, devemos acertar alguns detalhes sobre o matrimônio. Se encararmos logicamente a situação, decerto seremos capazes de chegar a um consenso, com cada um de nós obtendo o que deseja. Heidi assentiu e olhou em torno. Em seguida, apontou para um dos bancos do jardim meio escondido, perto de um caramanchão. — Será difícil obtermos o que desejamos quando nenhum de nós dois quer esse enlace, Jamal. — Estou certo de que seremos capazes de lidar bem com a situação. Afinal, somos ambos adultos o mais ou menos inteligentes, e daremos um jeito de lidar bem com tudo. Heidi acomodou-se no banco. — Creio que é meu dever avisá-lo. Sou mais do que inteligente. — Tentarei me lembrar disso. — Não estou dizendo que você não é. — Não me ocorreu que estivesse. — Acho bastante inteligente. Brilhante até... para um homem. Jamal sentou-se junto dela. — Não quer parar com isso antes que comece a ter pena de si mesma? Heidi suspirou e virou-se, ficando de frente para Jamal. — Então? O que espera desse matrimônio? O príncipe pensou por um instante. — Quero que nos casemos e tentemos pelo menos ser amigos. — Muito bem. Amigos, então. E o que mais? — E verdade que será nosso dever ter filhos, herdeiros do trono de El Bahar, mas isso poderá esperar. Antes, precisaremos nos conhecer melhor.

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— Isso faz sentido. Quero dizer, esperar.... Crianças exigem demasiado dos pais, de acordo com o que ouvi dizer. Não importava o que pudesse acontecer, Heidi possuía a habilidade de fazê-lo rir. Jamal sentiu certo alívio, embora devesse ter cuidado, não permitindo que ela percebesse isso. Heidi era tão inocente... Precisaria ser paciente com ela. Era intrigante imaginar-se fazendo amor com ela, e Jamal se flagrou tentando adivinhar como sua noiva seria nua, sem aquelas roupas terríveis que usava Pelo pouco que vislumbrou de suas formas, Heidi parecia ter tudo nos lugares certos. No entanto, a pesar de sua reputação de namorador, não fazia sugestão de perfeição física em suas garotas. Dava mais valor à presença de espírito e ao bomhumor, em vez de um par de pernas maravilhosas. — Pretendo continuar a trabalhar, Jamal. Adoro o que faço, e estou apenas no início. Alguma coisa contra? Ele deu de ombros. — Não. Poderá fazer o que quiser de seus dias. Embora sempre haverá alguma função oficial que exigirá sua presença. Heidi pressionou a mão na altura do estômago. — Nem fale nisso. Está me deixando mais nervosa ainda do que já estou. — Precisa saber o que a espera, Heidi. Mas não se preocupe. Quanto a isso, Fátima e Dora a apoiarão. Heidi assentiu. — Mais tarde me preocuparei com esse detalhe. Tem outra coisa. — Ela fez uma pausa suficiente para que o príncipe soubesse quanto o assunto que pretendia discutir a embaraçava. — Prossiga. — Não vai gostar de saber. — Diga, de qualquer modo. — Está bem. É sobre suas mulheres. Vou preferir que não tenha nenhuma. Ele sabia aonde Heidi queria chegar, mesmo assim, fingiu não entender. — Como assim? — Mulheres, namoradas, amantes... seja lá como for que prefere chamá-las. Você tem uma péssima reputação, Jamal, e não quero ser feita de tola. — Ah, sei... Prefere exclusividade. O rosto de Heidi ficou vermelho, mas ela não desviou o olhar. — Exijo apenas que me respeite como sua esposa, e também os votos que fará diante do altar. — E quanto a minhas necessidades como homem? Está disposta a satisfazer-me? — Presumo que sim. Talvez você possa providenciar um livro sobre o assunto, para que eu me ponha a par do que devo esperar. Jamal tossiu para disfarçar o riso. 29

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— Não tem problema. Minha secretária cuidará disso. — Como já disse, sou bastante inteligente e, estou certa de que, se o estudar com afinco, serei capaz de satisfazer seu... Bem, você sabe. E se o ato não for agradável para mim, prometo que suportarei. As palavras dela o desarmaram. O bom humor de Jamal se foi, e com ele, qualquer esperança de que aquele casamento pudesse ser melhor do que o anterior. Embora sempre rejeitasse a lembrança, a mente de Jamal encheu-se da imagem de sua ex-mulher, bela, parada nua diante dele, a boca torcendo-se desdenhosa diante da excitação que ela própria lhe provocara. —Você é um animal... — Yasmin dissera. — Não entendo por que tenho de suportá-lo me tocando o tempo todo. Detesto isso. Detesto vocêl Jamal, magoado, levantou-se. — Prometo não aborrecê-la mais do que o necessário — afirmou, por entre os dentes. Heidi o fitou, alarmada, diante da súbita mudança de disposição. — O que foi, Jamal? Falei algo que não devia? — Não, nada além da verdade. Mas agora venha. Vamos dar a boa nova ao rei. — Jamal... Heidi estava confusa, mas, mesmo assim, o seguiu. Jamal caminhava apressado, ansioso para fazer o anúncio e acabar de vez com aquilo. Logo que a rápida comemoração terminasse, Fátima deveria conduzir Heidi ao harém, onde ela permaneceria até o dia do casamento. Até então, os noivos não tinham permissão de ver um ao outro, nem de se falar. Para Jamal aquilo era um alívio. Não precisaria tornar a ver Heidi; pelo menos, não nos próximos dias. Adoraria não precisar tornar a vê-la nunca mais.

CAPÍTULO IV ——— Estou sufocando — brincou Heidi, parada diante do espelho de corpo inteiro do harém. — Não exagere. — Fátima parou de ajeitar a saia do vestido branco. Apesar do clima descontraído, Heidi mirou seu reflexo e pensou que aquilo não podia estar acontecendo. Parada perto da noiva, Dora observava com atenção a grinalda que em seguida colocaria sobre sua cabeça. — Sufocar... Isso significa muito ou nenhum oxigênio? Eu nunca sei. — Dora não conseguia dominar bem o inglês falado pela futura esposa de Jamal. 30

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— Quando você conseguir desvendar o enigma, Heidi na certa já terá sufocado. Heidi tentou rir, mas não pôde. A sensação de estar sendo arrastada sem piedade para dentro de uma armadilha era forte demais para que fosse capaz de relaxar, mesmo por um instante. Era inacreditável que estivesse levando aquilo adiante... concordando em se casar com um total estranho. Parecia bem adequada ao cenário, concluiu, estudando a criatura no espelho, que, decerto, era tão estranha a ela quanto seria a Jamal. O traje branco a cobria do pescoço aos dedos dos pés. Da parte de trás do corpete, todo bordado em dourado, saía uma cauda, como em um vestido de noiva tradicional. Em vez de seu costumeiro coque, os cabelos estavam soltos, caindo em ondas suaves até a cintura. Fátima delineara seus olhos e acrescentara cor a seus lábios, algo que parecia dar vida a seu rosto, e que enfatizava suas feições de um modo surpreendente. Mas ainda havia a questão de suas mãos e pés. Heidi ergueu a mão e observou a henna aplicada nas palmas e nos dedos. O intricado padrão era uma tradição nos casamentos em El Bahar, e a marcava como sendo uma noiva. Durante o tempo em que a tintura permanecesse na pele, a noiva eira considerada como estando em lua-de-mel. E, nesse meio tempo, deveria evitar fazer qualquer trabalho manual, para não desfazer o trabalho. Para Heidi, esse fato não faria a menor diferença. Sendo uma princesa, não precisaria cozinhar e nem lavar. Mas, para as mulheres normais, o desbotar da henna era um período de imensa tristeza. Enquanto a tintura desaparecia, a magia da lua-de-mel aos poucos se desfazia, até tornar-se apenas uma lembrança. Heidi conseguiu sorrir ao imaginar a grande quantidade de mulheres fazendo de tudo para evitar ficar sem a henna na pele. — Está linda, querida — disse Fátima, interrompendo seus devaneios. — Como se sente? — Como se estivesse prestes a entrar para a história — Heidi respondeu, com sinceridade. — Tenho conhecimento suficiente sobre os costumes de El Bahar para entender o significado do vestido de noiva e da cerimônia de matrimônio. Confesso que, trajada assim, começo a me sentir ainda mais ligada a este país. E era verdade. Heidi gostaria de estar de igual modo tão ligada ao futuro marido. Desde que concordara com aquele enlace, duas semanas atrás, passara a viver dentro do harém, e não tornara a ver Jamal a sós. Vira-o apenas duas vezes, e em ambas as ocasiões em jantares com a família. Para preencher seus dias, trabalhava nos textos e tomava aulas de equitação. Dora levantou-se e aproximou-se da futura concunhada, trazendo a grinalda. A tiara dourada em formato de coroa foram presos vários metros de tule. Quando Heidi se aproximasse do noivo, cada centímetro dela deveria estar todo coberto, inclusive o rosto. — Ficou perfeito. Confesso que foi uma luta dar cabo desta tarefa. Consegui rasgar o tule, além de picar o dedo várias vezes com a agulha. — Dora riu. — Não tenho a menor habilidade com trabalhos manuais: Dora em seguida prendeu ao peito de Heidi algo que ela bordara. Tinha o modelo de uma medalha de honra, do tipo que Edmund, o avô de Heidi, recebera por sua participação na Segunda Guerra Mundial. Como a mais recente noiva da família, Dora tinha a responsabilidade de criar o design e bordá-lo. Ela e Jamal haviam discutido algumas opções, antes de decidirem pelo bordado representando a medalha. Apesar de ser a noiva, a Heidi não era permitido dar 31

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nenhuma sugestão. Porém, duvidava que Jamal pudesse encontrar um outro design que a agradasse mais do que aquele. — Muito bonito! — Heidi tentava não pensar no avô. Caso contrário, desataria a chorar, e só Deus sabia o que aconteceria com sua maquilagem. Fátima pareceu ter lido seus pensamentos. — Edmund ficaria muito orgulhoso de você, se estivesse vivo. Seu avô sonhava em vê-la casada com um de meus netos. — Eu sei. Dora deu um passo atrás para melhor observar Heidi. — Você está linda. Uma noiva perfeita. — Obrigada, Dora... Era uma fraude, isso sim, decidiu Heidi. Ia se unir a um homem que não conhecia nem amava por não querer decepcionar as duas pessoas a quem mais amava no mundo. Heidi observou Dora ajeitar a grinalda em sua cabeça. Dora era bonita, calorosa e feliz, e estava casada com um rapaz que a adorava. O casal tinha um bebê, e havia outro a caminho. Heidi olhou de soslaio seu ventre ligeiramente avolumado, a única indicação de seu quarto mês de gravidez. Embora a chegada do segundo filho do casal ainda não tivesse sido anunciada, Dora sussurrara a novidade a seu ouvido, alguns dias atrás. Dora vivia uma vida felicíssima ao lado do marido, concluiu Heidi, tentando não invejá-la. Ela e Jamal algum dia conseguiriam viver assim? Duvidava. Não que não gostasse dele, mas não estava preparada para se casar com ninguém. Se pelo menos eles tivessem tido a chance de passar mais tempo juntos, de se conhecer melhor... Heidi suspirou. Era uma pena, mas não tiveram tal chance. Se o pouco que conversaram pudesse ser alguma indicação, ela e Jamal tinham potencial para fazer o que ele sugerira, e pelo menos serem amigos. A porta principal foi aberta, e em seguida uma jovem entrou trazendo uma bandeja. Heidi sorriu para Rihana, a criada que estivera a seu serviço naqueles últimos dias no harém. —Eu trouxe chá para as senhoras — noiva e Sua Majestade.

disse a jovem, sorrindo. — Para relaxar a

Fátima aceitou a gentileza. — Você salvou minha vida. — Em seguida, a rainha tomou um gole. — Todos esses detalhes para serem resolvidos, e em cima da hora, quase me mataram. Acho que estou envelhecendo. — Jamais. — Dora também se serviu. —Eu gostaria de ter metade de sua energia. Rihana ofereceu chá a Heidi, que recusou. O longo véu estava no lugar, e não queria arruiná-lo. Além disso, tinha as mãos trêmulas, e na certa acabaria derrubando chá no vestido. A criada aproximou-se mais dela. — Desejo-lhe toda a sorte do mundo. Estou certa de que será imensamente feliz, estando casada com Jamal. Ele é o mais belo dos príncipes. 32

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— Eu ouvi isso. — Dora fingiu-se de ofendida, seu vestido cor de violeta balançando com suavidade, enquanto ao se sentar uma das poltronas. — Khalil também é bonito... assim como Malik — Rihana tratou de consertar. — Mas Jamal é o mais formoso dos três. A criada deu uma risadinha. — Não há mulher que resista a seu charme. — Jamal sempre foi muito solicitado pelas garotas — admitiu Fátima. — Claro que, estando casado, isso mudará. — Deu um tapinha confortador na mão de Heidi. — Nada com que se preocupar, querida. Meu neto será o mais fiel e amoroso dos maridos. Heidi assentiu com uma convicção que estava longe de ter. Fiel Jamal poderia ser. Afinal, dera sua palavra, e não duvidava dele. Mas amoroso? Como eles poderiam amar um ao outro após terem sido forçados a se unir pela chantagem emocional? Heidi e Jamal tinham pela frente uma missão quase impossível. E, se aquilo não fosse preocupante o bastante, ainda havia a questão da noite de núpcias. Embora Jamal tivesse admitido ser mais aconselhável que deixassem os filhos para mais tarde, ele não disse uma só palavra sobre também adiar as intimidades. Quando Heidi lhe pediu para que desistisse das outras mulheres, em resposta ele a desafiou a saciar seus apetites carnais. Um arrepio a percorreu. O aperto no peito retornou, assim como o pânico. "Fique calma", ordenou a si mesma. Tinha de lembrar que os beijos que trocaram não foram tão horríveis. Na verdade, foram até agradáveis. Talvez o restante também fosse, ou, pelo menos, esperava que não fosse tão repugnante. Fátima depositou a xícara vazia de volta na bandeja — Venha comigo, Rihana. Quero checar o salão do banquete uma última vez. Fique aqui, Dora, e procure distrair Heidi. Ela está nervosa. — Pode ir, Majestade. — Dora a tranqüilizou. — Nós ficaremos bem. Fátima assentiu, antes deixar a sala seguida de perto por Rihana. Ao se ver a sós com Heidi, Dora balançou a cabeça — Fátima é como uma fortaleza. Espero chegar à idade dela sendo tão vigorosa. Na verdade, não me importaria de ser igual a ela hoje mesmo. — Fátima de fato é uma mulher de fibra. E invejável, mas me consolo pensando que ela tem muito mais prática do que eu a respeito de tudo. Dora abandonou a xícara sobre a mesinha e levantou-se. Aproximou-se de Heidi e ajeitou-lhe a manga do vestido. — Pelo menos você será capaz de entender a cerimônia. Quando eu e Khalil nos casamos, tudo isso para mim era um mistério. — Saber o significado de tudo o que está sendo dito nem sempre é uma coisa boa — murmurou Heidi, rezando para que seu estômago parasse de dar voltas. Dora tocou seu braço. — Está certa de que é isso o que quer, Heidi? Não precisa se casar se não deseja fazer isso. Ainda há tempo. Mesmo me arriscando, estou disposta a lhe dar uma carona até o aeroporto. A gentileza do oferecimento quase a fez chorar. Apesar da possibilidade de amassar o vestido, Heidi a abraçou com força. 33

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— Obrigada. Você está sendo uma verdadeira amiga para mim. — No entanto, está recusando minha oferta. — Sou obrigada a recusar. Dora recuou um passo e observou-a. — Entendo. Mas saiba que poderá contar comigo, para o que der e vier. Sempre. — Obrigada... — Mas você verá que não é tão ruim, Heidi. Há muitas compensações em ser uma noiva na família Khan. Na verdade, esta noite mesmo você descobrirá uma delas. Heidi forçou-se a aparentar uma alegria que não sentia, quando, na realidade, a vontade que tinha era de correr para bem longe dali e se esconder em algum lugar onde ninguém mais ouvisse falar dela. Dora procurava apenas ser amigável. Mas ela não podia saber que só de pensar em ter intimidades com Jamal era suficiente para quase matá-la de medo. Antes que Heidi pudesse encontrar algo para dizer, Fátima estava de volta. — Tudo em ordem. Está pronta, meu bem? A cerimônia se passou como em um filme a que Heidi assistia, assim como o banquete que se seguiu. Escondida em segurança dentro do vestido de noiva e atrás do véu, permanecia muda, observando tudo acontecer diante de seus olhos. Um ponto positivo a respeito dos casamentos em El Bahar, pensava ela, enquanto recusava um dos pratos do jantar, era que nada mais era esperado da noiva, além de comparecer à cerimônia o permanecer quieta em seu canto. Se pelo menos o restante da noite pudesse ser tão fácil... Jamal inclinou-se para falar a seu ouvido: — Creio que já podemos encerrar nossa participação nas festividades. Heidi ficou dividida. Ir embora significava colocar um fim àquilo tudo, o que era ótimo. Estava farta de ser o centro de todas as atenções, dos olhares insistentes sobre si. No entanto, estaria a sós com Jamal, o que não era nada animador. — Como você quiser... — Estendeu a mão para que o marido a ajudasse a se levantar. No mesmo instante, os convidados começaram a fazer troça. A voz de Khalil destacou-se entre os demais, quando gritou: — Não querem esperar mais um pouco? E, Heidi, Jamal não vê a hora de tê-la só para ele. Mas quem, em seu lugar, não estaria ansioso? Um gritinho feminino se fez ouvir, ultrajado. Era Dora, ralhando com o marido. Apesar das outras pessoas falando e murmurando, Heidi ou viu Khalil responder: — Eu sei o que estou dizendo, Dora, porque me senti do mesmo modo na noite em que nos casamos" Heidi sentiu as faces arderem. Dessa vez, não haveria como desmentir o próprio embaraço. Seu destino tomara um rumo diferente do que imaginara, pensou, ao deixar o local da festa junto com Jamal. Saíram para o corredor. — Pode relaxar agora Ninguém mais a incomodara. Heidi não sabia como responder. Jamal estava, tentando ser gentil, e ela apreciava aquilo. Mas o pensamento de que ele agora era seu marido a atormentava. Estavam casados, e, de acordo com as leis daquele país, Jamal passara a ser seu dono, 34

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Tentou sorrir, mas teve a sensação de ter feito uma careta. Jamal confirmou sua suspeita. — Será que foi tão ruim? — O príncipe sorriu e colocou a mão em suas costas, impelindo-a em direção ao hall. — Seja como for, acabou. Iremos até minha suíte, onde você poderá se trocar. Em seguida, iremos para o deserto. Garanto que se sentirá melhor logo que deixarmos tudo isto para trás. — Iremos para o deserto? — Sim. De acordo com a tradição, os noivos passam a noite de núpcias fora do palácio. Lembra-se? Oh, ela lembrava muito bem, embora tivesse feito de tudo para esquecer. Durante séculos, membros da família real passavam a noite de núpcias no deserto. Heidi sabia que uma tenda fora erguida em algum lugar. Não qualquer tenda, mas uma toda branca, ampla e confortável, repleta de almofadas e tapetes, e com uma enorme cama sobre um estrado. Haveria bandejas com comida, garrafas de champanhe, de vinho, óleos aromáticos e sabe-se lá o que mais, para entorpecer os sentidos. - Chegamos — avisou Jamal, ao parar diante de duas portas duplas. Heidi, ao ver a porta, mordeu o lábio. — Estes são seus aposentos? — A partir de agora, serão nossos. Amanhã, quando retornarmos do deserto, já terão transferido tudo o que é seu para cá. Ela e Jamal partilhando a mesma suíte, a mesma cama... Um gemido estrangulado ficou preso na garganta dela. Heidi fez o melhor que pôde para de telo, e se seu marido notou preferiu não comentar. — Fátima me contou que recebeu aulas de equitação, Heidi — disse ele ao girar a maçaneta e impeli-la a entrar. — Vovó afirmou que você gostaria de cavalgar até nossa tenda nupcial. Julga-se pronta para ir a cavalo ou prefere que eu dirija o jipe? Heidi entrou no amplo living com sua vista magnífica do golfo de Omã. Obteve uma breve impressão da bela decoração do ambiente, de seu ar aconchegante, dos quadros nas paredes, antes de tentar se concentrar na pergunta de Jamal. — Podemos ir cavalgando... — Esperava que sua voz não revelasse muito de seu estado de espírito. — Pratiquei bastante. É certo que não me atreveria a apostar uma corrida na sela de um de seus garanhões, mas, como não deve ser longe, e se eu montar em um animal manso, creio que estarei bem. Jamal estendeu a mão e ergueu-lhe o véu. Em seguida, com muita delicadeza, tirou sua grinalda e a depositou no sofá. — Garota corajosa... Estou gostando de ver. Jamal também usava um traje formal, de tecido claro, mas sem enfeites. Seu tradicional turbante dava-lhe uma aparência misteriosa e um tanto selvagem, o que não ajudou a disposição mental de Heidi, que teria de tirar as roupas e permitir que aquele homem a tocasse e fizesse todas aquelas coisas com ela. Desde que concordou com aquele casamento, Heidi procurou ignorar tal realidade. Mas tornava-se impossível fazer isso quando encontrava-se diante de seus olhos escuros. 35

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— Está tudo bem... tudo maravilhoso— afirmou, por entre os dentes. .Jamal sorriu. — Você não sabe mentir, o que é uma qualidade positiva numa esposa. — Fez um gesto com a cabeça indicando uma porta lateral. — Suas roupas de montaria então ali dentro. Troque-se e me encontre nos estábulos em quinze minutos. Estarei a sua espera. Heidi fez o que ele pediu. No closet, seus trajes as botas encontravam-se à espera, sobre uma poltrona. Também achou um escova de cabelos, um prendedor e uma nécessaire com artigos de toalete. Jamal pensara em tudo. Até mesmo a deixou sozinha para que se trocasse, o que foi muita gentileza de sua parte. Era evidente que estava se esforçando para deixá-la à vontade. Heidi entrou na estrebaria parecendo uma mártir aproximando-se do cadafalso. Embora mantivesse a cabeça erguida, Jamal pôde ver que ela tremia, e sua expressão era de puro pânico. Desejou dizer-lhe que não existia motivo para ter medo, mas não estava certo se sua mulher acreditaria. Não encontrava uma maneira sutil de explicar que, embora pretendesse iniciar a jornada deles rumo à intimidade, não esperava que consumassem sua união naquela noite. Jamal a achava atraente o suficiente para querer fazer amor com Heidi, mas não tinha pressa. Estavam casados, e teriam uma vida inteira pela frente. Permaneceu onde estava, dando a Heidi alguns minutos para se recompor. Aproveitou aquele tempo para observá-la. Vira-a apenas usando aqueles seus vestidos sem graça e estava agradavelmente surpreso vendo-a vestida daquele modo, com a calça justa delineando-lhe as nádegas arredondadas. Heidi possuía seios fartos e quadris de uma mulher nascida para dar prazer a um homem. Sua cintura era estreita, as pernas, longas o bastante para torná-la elegante e atraente. Aquela era a primeira vez que a via usando maquiagem, e seus olhos pareciam maiores, mesmo atrás dos óculos, e o batom destacava-lhe os lábios cheios e sensuais. Jamal a considerava como sendo uma pessoa inteligente e bem-humorada, e aquela era a primeira vez em que pensava nela com sendo sensual. Imaginou-a nua, e a imagem agradou-o. — Pronta para seguir viagem? — Sim — afirmou Heidi, como se estivesse se preparando para uma execução. — Eu preferia iniciar nossa lua-de-mel aqui mesmo e acabar com isso de uma vez — brincou ele, como se proclamasse sua sentença de morte. Heidi empalideceu, ao mesmo tempo que dava um passo atrás. — Aqui? Nos estábulos? Ela olhava em torno de um modo que Jamal ficou sem saber se procurava se certificar de que estavam a sós ou se procurava por um meio de fugir dali. —Acalme-se. Eu só estava brincando. — O príncipe fez um gesto em direção a um dos cavalariços, para que trouxesse os animais. Assim que Heidi montou, Jamal fez o mesmo e a conduziu em direção à saída.

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Lá fora, havia uma dúzia de soldados montados em seus cavalos. Os homens estavam armados, como prontos para uma batalha. Alguns deles empunhavam tochas acesas para iluminar o caminho. A medida que o casal se aproximava, os cavaleiros afastaram-se, dando-lhes lugar no meio do grupo. Heidi estudava tudo, espantada. — Isso tudo é para que eu não escape? Você devia estar mesmo preocupado. .Jamal achou graça. — A tradição nos faz passar a noite de núpcias no deserto. Mas somos membros da família real, por isso, precisamos de proteção. Heidi fitou os homens e engoliu em seco. — Você não faz nada pela metade, não é? Falando assim, ela lhe dava uma excelente oportunidade de arreliá-la sobre desejar terminar tudo que começava. Mas Jamal deixou passar. Primeiro, porque Heidi não entenderia a piada, e segundo porque já estava tão assustada que poderia ter bom êxito tentando uma fuga. Jamal avisou aos soldados que estavam prontos para partir. Então, pegou as rédeas do garanhão. O imenso cavalo preto de imediato começou a trota e balançou a cabeça, tentando fazer com que Jamal o deixasse livre no deserto, como ele fazia quase todas as manhãs quando saíam para passear. Porém, era preciso ter cuidado e manter o animal sob controle. Heidi podia ter tomado lições de equitação e estar se sentindo confortável sobre a sela, mas ainda não estava pronta para sair a todo galope. Manteve o passo com o do marido, e os soldados se dispuseram em torno deles. A temperatura ainda estava quente naquele começo de noite. — Consegue falar enquanto cavalga ou precisa se concentrar? — Você se esqueceu de que sou mulher, Alteza? Que nós nascemos para dar conta de vários afazeres ao mesmo tempo? Jamal deu uma risadinha. — Acho que teremos de trabalhar esse seu preconceito. Por que tanto ódio dos homens? — Não odeio — disse ela, lançando-lhe um rápido olhar antes de voltar a atenção ao cavalo, e mantê-lo na linha — Há séculos os homens vêm dominando as mulheres e o mundo, em virtude de seu gênero e através de intimidação mental e física. Todos nós, independente do sexo, temos força e também nossas fraquezas. A diferença é que estamos dispostas a discutir sobre a própria força e fraqueza, e os homens só querem falar da sua força. — Deve ser porque não temos fraquezas. Somos perfeitos. Heidi fez um esgar. — Era só o que me faltava... Se são tão perfeitos, como foi que até hoje não descobriram um meio de dar à luz? Aí, então, poderiam se ver livres para sempre do sexo frágil e sem graça. 37

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— Você não devia dizer coisas tão negativas a respeito de seu próprio sexo. Não a acho fraca... ou menos inteligente. Heidi investiu contra ele, o que fez seu cavalo assustar-se. Ele relinchou, e em seguida se controlou. — Você não respondeu à pergunta que fiz, Jamal. — O que faríamos sem as mulheres? Nós as adoramos! — Porque elas vivem para servi-los. — Não. Porque nos complementam. São nossa outra metade. Todo homem precisa de uma mulher. Heidi o estudou. — Jamais o imaginei precisando de alguém. Jamal não precisava, mesmo. Jamais precisara. Por um breve período, julgara que poderia amar, mas Yasmin ensinara-lhe uma dura lição. A pequena caravana parou no alto da colina antes de descer para o vale, onde pararia e acamparia. Em vez de responder, Jamal apontou para u imensa tenda branca a distância. — Vamos apostar uma corrida até lá, Heidi? — Só se me der alguma vantagem. Você cavalga melhor do que eu, e seu cavalo é mais veloz que o meu. — Muito bem. De quanta vantagem acha que precisa? Ela riu. — Que tal começar a correr quando eu alcançar o acampamento? Antes que Jamal pudesse se expressar, Heidi impeliu o cavalo a meio galope, em seguida a galope, o corpo inclinado para a frente, agarrada ao pescoço longo. A blusa branca encapelava-se em torno dela, e sua trança balançava ao vento. Jamal a observou por alguns instantes, então decidiu que estava menos preocupado com a corrida do que com seu bem-estar. Disparada daquele modo, Heidi podia cair e quebrar o pescoço. Seguiu rápido atrás dela. Alcançou-a a meio caminho do acampamento, e passaram a percorrer juntos o restante do percurso. Heidi ria ao entregar as rédeas a um criado e desmontar. — Foi ótimo! Andei praticando corrida, mas só dentro do picadeiro. Não venho ao deserto desde os doze anos. Tinha me esquecido o quanto é divertido. As chamas flamejantes das tochas intensificavam o colorido em suas faces e o prazer em seus olhos. Heidi se esquecera do nervosismo, concluiu Jamal, grato em vê-la sorrir relaxada. — Saio para cavalgar todas as manhãs. — O príncipe fez um gesto com a mão para que sua mulher o precedesse. — Será bem-vinda se quiser vir comigo, sempre que desejar. Heidi sorriu para ele por sobre o ombro. — Será um prazer. Obrigada. Ela foi em frente e entrou na tenda. Uma estrutura menor fora montada dentro da maior. Heidi dirigiu-se à segunda e parou. Jamal a seguia.

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O interior da tenda era mais agradável do que Heidi esperava. Tinha belas peças de tapeçaria cobrindo as paredes, e finos tapetes adornavam o piso de lona. Pilhas de almofadas cobriam a imensa cama forrada em cetim, e, sobre mesas baixas, encontravam-se travessas com assados e frutas. Havia pétalas de rosa espalhadas por todo canto, e um balde com uma garrafa de champanhe gelado os aguardava. Um ambiente romântico, particular e exclusivo, sem sombra de dúvida. Desde que entrara ali, Heidi não se movera. Jamal aproximou-se dela e olhou-a, notando sua transformação. A cor desaparecera de suas faces, e ela tornava a tremer. — Você está bem, Heidi? — Não... Na verdade, acho que vou passar mal.

CAPÍTULO V São essas as palavras que todo noivo anseia por ouvir na noite de núpcias... — disse Jamal. Heidi levou a mão à boca e gemeu. — Perdão. Não acredito que falei isso... Que horrível! — Não se preocupe. Heidi havia planejado não dizer nem fazer nada errado, mas ali estava ela, estragando tudo. Jamal aproximou-se da mesinha, pegou uma das taças de champanhe e estendeua em sua direção. Como Heidi não aceitou, ele levou a taça nos lábios e sorveu seu conteúdo de um só gole. Ótimo, pensou ela. Estava casada fazia apenas três horas e já levava o marido a se embriagar. Torceu as mãos às costas e tentou não olhar para o imenso leito de casal, e fingir não ter notado que na tenda não havia sequer um sofá. Eles não poderiam deixar mais claro, nem se usassem um cartaz em néon proclamando o Ritual de Defloração. Heidi respirou fundo, e em seguida pressionou a mão contra a barriga, na altura do estômago. — Vamos conversar, Jamal. Você sabe... sobre algo inócuo, para que eu possa relaxar. Jamal serviu-se de mais champanhe. — Saiba que não precisa fazer nada que não queira fazer. Não pretendo atacá-la. Tampouco pretendo forçá-la ao que quer que seja. — Oh... Heidi desejou acreditar. No fundo do coração esperou que aquilo fosse verdade. Só que não conseguia. Jamais tivera nenhum relacionamento íntimo com um homem. Saíra umas poucas vezes com alguns deles, mas mesmo com sua limitada experiência podia afirmar com certeza que eles estavam interessados apenas em uma coisa.

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Heidi conhecia mulheres que foram forçadas a um relacionamento sexual que não queriam. A boa notícia era que Jamal estava se comportando como um perfeito cavalheiro. Observou-o sentar-se, com toda a calma, na beira da cama. — Uma conversa inócua... Muito bem. Além de montar, o que mais aprendeu enquanto estava no harém? A lembrança dos livros sobre educação sexual que Fátima lhe dera para ler ocorreu-lhe de imediato. Na verdade, Heidi não lera nenhum deles, embora tivesse observado algumas das figuras... e ficado horrorizada. Homens e mulheres sem roupas e fazendo coisas juntos. Para ser sincera, algumas das posições que viu a aterrorizaram. Ela não era tão flexível, e, mesmo se fosse, na certa ficaria com as costas arruinadas. — Nada mais além de cavalgar — afirmou, frustrando-se. Sua perna bateu na mesa, e Heidi se viu perdendo equilíbrio e caindo para trás, sobre uma pilha de almofadas, antes que Jamal pudesse ampará-la. De imediato Heidi se sentou e lutou contra as lágrimas que queimavam seus olhos. — Precisamos conversar, Jamal. — Sobre o quê? — Sobre aquilo. — Ela apontou para o leito, onde Jamal estava sentado. — Lamento, mas não posso fazer sexo com um estranho. — Nem eu esperava que fizesse. — Ótimo, porque, antes de qualquer coisa, eu gostaria de conhecê-lo melhor. .Jamal suspirou. — Ouça, Heidi, não tenho interesse algum em aterrorizá-la. Não será tão medonho. — Aprecio demais sua confiança em mim, mas não creio que eu a mereça. Heidi endireitou a coluna, disposta a confessar a verdade. Jamal agora era seu marido, e merecia isso dela. — Não tenho certeza se algum dia chegarei a apreciar o sexo. Quero dizer... nunca entendi por que tamanho estardalhaço em torno disso. Para mim, o casamento é mais uma união espiritual e mental entre duas pessoas. Jamal a fitava sem dizer uma palavra. Sua expressão fechou-se de leve, mas, exceto por isso, ele parecia estar bem. Talvez acabasse entendendo, pensou ela, com renovada esperança. Heidi engoliu em seco e continuou: — Sempre achei exagerada essa coisa de atração física. Há alguns anos, assisti a um filme na tevê a cabo. Era baseado no livro Orgulho e Preconceito. Aliás, uma história pavorosa. De qualquer modo, o herói, o sr. Darcy, era o mais gentil dos homens, e um marido perfeito. Ele de fato respeitava a heroína. Era cortês, cheio de boas maneiras e contido. Ela sorriu ao recordar o modo como o sr. Darcy olhava para Elisabeth Bennet, com carinho e paixão. — Achei o herói fabuloso, era tudo o que sempre desejei em um companheiro. — Então, você se apaixonou pelo personagem de um filme?! — A voz dele não soou como um trovão no interior da tenda, mas esteve perto disso; tanto que fez Heidi estremecer. 40

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— Não, claro que não! Só o achei interessante... e diferente dos demais. — Deve ser porque ele era apenas alguém fictício, não uma pessoa real. Heidi meneou a cabeça. — Não... Você não está entendendo. — Então, por favor, seja mais direta. Heidi tentou adivinhar o que passava pela cabeça de Jamal, mas seu semblante estava indecifrável. — Estou querendo dizer que pretendo satisfazê-lo na cama. Mas espero que, de vez em quando, possamos adotar uma união... digamos... mais espiritual. Jamal levantou-se devagar. Com cuidado, depositou a taça de champanhe de volta na bandeja, e em seguida voltou-se para o leito. Com um só movimento, arrancou a colcha de cima dela. — Quanto a isso você não tem com que se preocupar, minha gentil esposa. Prometo não ofendê-la, nem aborrecê-la mais do que o necessário. Dormirei no chão esta noite, e, pela manhã, quando retornarmos ao palácio, cuidarei para me manter bem longe de seu caminho. Heidi supervisou os últimos de seus pertences transferidos para a suíte de Jamal. No início, pensou que talvez fosse melhor continuar a viver no harém, mas para isso precisaria dar explicações que não estava preparada para dar. Quanto à noite de núpcias, a deles tinha sido pior do que ruim. A parte mais deprimente era que ela não conseguia entender o que dera errado. Era óbvio que Jamal não gostara da história do sr. Darcy e das suas esperanças de que o relacionamento deles pudesse mudar para um plano mais elevado... um que não envolveria intimidade física. Mas ela não se referira ao momento presente. Talvez não tivesse sido clara o suficiente ao tentar dizer que pretendia cumprir seus deveres matrimoniais durante o tempo que fosse necessário para satisfazê-lo. Decerto em um ano ou dois Jamal estaria disposto a esquecer tudo aquilo. Jamal, no entanto, reagira de modo estranho, o agora eles mal se falavam. Heidi suspirou ao se lembrar do retomo silencioso ao palácio, naquela manhã. A profunda hostilidade de Jamal em relação a ela foi um doloroso contraste com a gentileza e o clima prazeroso da véspera. Uma vez no palácio, o príncipe a fez entrar nos aposentos dele e apontou para a porta ao lado. — Creio que você ficará mais feliz dormindo ali — disse, antes de deixá-la. Naquele momento, Heidi permanecia no meio daquele quarto, olhando para a cama forrada por uma colcha de renda. Era enorme, embora fosse menor do que a do dormitório principal. Ali não havia um terraço, mas da janela teria uma vista adorável dos jardins. O banheiro privativo era mais do que adequado. Para ser sincera, a suíte era bem melhor do que qualquer uma que tivera enquanto estudava. Estava certa de que seria muito feliz ali. Só que... Heidi retornou ao living. Rihana e as outras criadas já haviam guardado todas as suas roupas e pertences nos armários. Na verdade, elas não tiveram muito trabalho, já que a bagagem era pouca. Porém, agora, como esposa de Jamal, na certa esperariam que providenciasse um novo guarda-roupa, mais adequado a uma princesa. 41

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O que significava uma viagem de compras a Paris e a Londres. No entanto, a idéia não a empolgou. Não entendia muito de moda, muito menos sobre o estilo que uma princesa deveria adotar. Talvez Jamal pudesse acompanhá-la e dar sugestões. Afinal, ele conhecia mulheres elegantíssimas. Todavia, não acreditava que ele estivesse disposto a fazer isso. Heidi olhou para o sofá de veludo verde, as poltronas confortáveis e a elegante mesinha de café. Havia quadros coloridos nas paredes do living e um mural representando uma floresta, no dormitório. No lado oposto dos sofás, encontravam-se as portas francesas que davam para o terraço, com vista para o mar. Aquele era seu novo lar. Era para ali que voltaria após um dia inteiro trabalhando em seus preciosos textos. Heidi envelheceria entre aquelas paredes, ignorada e desprezada por um homem que já detestava estar casado com ela. Não que esperasse encontrar o verdadeiro amor, mas gostaria que ela e Jamal pudessem ser, pelo menos, amigos. Heidi sentou-se no sofá e enterrou o rosto entre as mãos. Estava tudo errado. Decerto porque ela havia feito algo errado. O que adiantava ser tão inteligente após ter armado tal confusão em sua vida pessoal? Sentia-se uma tola. Seu marido, com quem se casara fazia apenas vinte e quatro horas, já se arrependera de tê-la desposado. Para ser sincera, Ia também. Ergueu a cabeça e decidiu que precisava sair daquele aposento. Se pudesse se distrair, talvez se sentisse melhor. Pensou em ir ver Dora e falar com ela. A con-cunhada era uma moça sensível, e já indicara que apreciaria que fossem amigas. Decisão tomada, deixou a suíte. Percorreu com facilidade o labirinto de corredores calados, apesar do calor que fazia lá fora. Em criança, Heidi adorava explorar a beleza da antiga estrutura. Os pilares e as passagens em arco sempre lhe pareceram exóticos, embora familiares. Sempre ansiara por pertencer àquele lugar. Agora pertencia, mas não era como imaginara. Dora ocupava um cargo de ministra no governo de El Bahar e possuía um escritório próprio na ala executiva do palácio. Heidi assentia para os funcionários com quem cruzava nos corredores, ao seguir as indicações em direção à sala de Dora. Durante as duas semanas que Heidi passou no harém, Fátima falou bastante sobre os feitos de Dora, o que ela conquistara naqueles dois anos, como, por exemplo, obter recursos financeiros para várias instituições. Khalil fazia questão de afirmar que sua esposa não tinha nenhum plano secreto em mente que permitiria mulheres assumindo o comando do reino. Fátima vivia dizendo que seu neto estava muito orgulhoso da mulher. Heidi tentou adivinhar como seria manter tal relacionamento com um homem. Partilhar com ele do trabalho e dos sonhos, saber que se orgulhava dela... Jamal era um príncipe e, por conseqüência, muito preocupado com seu país, passado e presente. Assim sendo, ficaria satisfeito sabendo que Heidi estava interessada em preservar a história de El Bahar. No entanto, valorizar seu trabalho e orgulhar-se de suas conquistas eram duas coisas diferentes. Ela queria que Jamal se orgulhasse dela, assim como Edmund. Heidi sentia falta disso. O rei a amava e se preocupava com seu bem-estar, mas não era a mesma coisa. Por sorte, tinha a sensação de que a zanga de Jamal não duraria muito. Heidi ainda se encontrava perdida em devaneios quando adentrou o saguão da ala onde se situava o escritório de Dora. Não havia ninguém à mesa da recepção. 42

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A porta encontrava-se entreaberta e, sendo assim, Heidi bateu de leve e entrou. Abriu a boca para falar, mas congelou ao avistar as duas pessoas abraçadas diante da janela. Os raios de sol batendo contra a vidraça tornava difícil identificá-los. Heidi piscou, e as figuras tornaram-se mais nítidas. O ar ficou preso em sua garganta. No início, sua surpresa foi tanta que mal se moveu. Um inesperado aperto no coração tornou impossível dar meia-volta e sair dali. Dora permanecia entre os braços fortes do marido, seus corpos se tocando. Khalil mantinha uma das mãos acariciando as nádegas da esposa, enquanto com a outra a mantinha firme contra si. — Eu a quero, meu amor... preciso de você. — Agora? Estou no quarto mês de gravidez, Khalil. Além disso, fizemos amor na noite passada. — Sei disso. E talvez vá precisar tê-la esta noite, amanhã e todos os dias, pelo resto de nossas vidas. Dora deu uma risadinha e acariciou o rosto de Khalil. — Eu te amo muito. — Também te amo — confessou Khalil. E se beijaram. Heidi, por fim, conseguiu se afastar. Fechou a porta com todo o cuidado atrás de si e recostou-se à fria superfície, as faces afogueadas e a garganta seca. Então, aquilo era paixão, o amor ardente entre duas pessoas. Nunca presenciara algo assim, na vida real. E de algum modo, nos filmes a que assistira, o amor era retratado de maneira tão fiel. Não imaginava que aquele sentimento pudesse ser tão poderoso, tão arrebatador, tão maravilhoso. Cerrou as pálpebras e tornou a ver Dora e Khalil enlaçados. Eles pareciam tão naturais um nos braços do outro... A forma como ele a tocava chegava a ser erótica, como se conhecesse cada pedacinho de seu corpo, como se aquele conhecimento lhe desse uma imensa satisfação. Seria aquilo que Jamal desejava dela? Aquela proximidade, aquela espécie de intimidade? Heidi sempre pensara que o relacionamento físico entre duas pessoas fosse horrível para a mulher. Era capaz de jurar que iria se sentir usada e ultrajada. Sempre julgara que iria detestar, mas não detestou ser beijada por Jamal. Para sua surpresa, foi bastante agradável. E o que Dora e Khalil partilhavam a fez desejar conhecer mais sobre paixão. Se aquilo era mesmo a paixão animal a que Jamal se referira, então poderia não ser tão apavorante. Mas como poderia partilhar de tais revelações com Jamal? Seria humilhante discutir tal assunto com o marido. Mas quem sabe ela não precisaria fazer isso? Retornou a sua sala de trabalho no lado oposto do palácio. Talvez, se desse algum tempo a ambos, Jamal acabasse se aproximando dela por vontade própria. Passados dez dias, Heidi chegou à conclusão de que se enganara. Jamal não dava sinais de querer se aproximar. Ao contrário, estava mais frio e distante do que nunca. Naquele momento, Heidi caminhava junto dele, através dos corredores do palácio, em direção à suíte do casal.

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O jantar fora bastante agradável. A família costumava partilhar de uma ou duas refeições noturnas por semana. No passado, Heidi sempre apreciara tais jantares. A conversa inteligente e o amor familiar proporcionavam-lhe uma sensação de pertencer àquele lugar. Entretanto, desde que se casou com Jamal, se sentia como uma estranha no ninho. Enquanto todos se esforçavam para incluí-la na conversa, seu próprio marido mal parecia suportar sua presença. Ao chegarem aos aposentos, Jamal abriu a porta o esperou que Heidi entrasse, e então a seguiu. — Não pensei que fosse tão tarde... Vou me deitar. Boa noite — disse ele, a meio caminho do quarto, verificando as horas e em seguida afrouxando o nó da gravata. Heidi não tolerava mais tal situação. — Espere, Jamal. Seu marido, aquele homem alto e atraente, que ora tão estranho para ela como qualquer um que costumava encontrar por onde andasse, voltou-se para fitá-la. Seus olhos escuros não mostravam nenhum sentimento, o que era pior do que quando estavam gélidos, porque aquele vazio significava não haver neles a menor emoção. Jamal nem mesmo a odiava. O príncipe parou de caminhar, desabotoando a camisa. Soltou os dois primeiros botões e, em seguida, tirou a gravata pela cabeça, colocando-a sobre o ombro. Um ligeiro tremor abalou Heidi. Parte do tórax largo e viril ficou à mostra, deixando livres os pêlos sobre a pele bronzeada. Um magnetismo quase animal emanava dele. Heidi ergueu os olhos e viu que Jamal a fitava em expectativa. Pigarreou e tentou pensar no que dizer. Então, disse a primeira coisa que lhe ocorreu: — Sabe por que Malik age de modo tão estranho quando em minha presença? A expressão de Jamal relaxou pela primeira vez em dias. Os cantos dos lábios cheios e sensuais ergueram-se num suave sorriso, acentuando as pequenas rugas em torno da boca. Deu de ombros, com indiferença, e se dirigiu ao sofá. — Meu irmão está assustado. Acredita que você odeia todos os homens e que sempre pensa o pior dele. — Mas isso não é verdade! Respeito muito Malik, e sei que ele será um excelente rei para este país. Na verdade, o acho um pouco intimidante. O sorriso de Jamal alargou-se, e a transformação causou uma espécie de fraqueza nos joelhos de Heidi. Naqueles últimos dez dias ela quase sucumbira de saudade. Heidi mal começava a conhecê-lo quando ele se afastou. Até aquele momento, não tinha percebido o quanto aprendera a gostar de seu marido, o quanto ansiava para estar em sua companhia e conversarem. — Malik acha que você o considera pouco mais do que um verme, Heidi. Suspeito que fica um pouco tímida quando ele está por perto, e meu irmão confunde isso com arrogância. — Pouco mais do que um verme... — repetiu, estupefata. — O futuro rei de El Bahar crê que eu considero um verme. Além disso, nunca fui arrogante. Nem sei como ser. — Não fique se preocupando com essa tolice. Malik acabará vendo que se enganou. 44

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Heidi viu ali a abertura de que precisava. - E quanto a você, Jamal? Também mudará de idéia? Lembro-me bem da primeira vez em que conversamos sobre estarmos casados. Recordo que me disse que gostaria que fôssemos amigos. Também quero isso, mas não é o que está acontecendo. Ha algo que eu possa fazer para modificar esse estado de coisas? 0 humor abandonou o belo semblante, deixando na face dele o estranho frio que o príncipe se tornara. Jamal ficou muito tenso e em seguida levantou-se, como se não lhe fosse permitido relaxar. - Você não queria que a esta fosse uma união de mentes e espíritos? Estou fazendo o que posso para honrar o que me pediu e para manter o controle sobre minha porção animal. Não quero melindrar sua delicada sensibilidade. — Não sou tão sensível quanto você imagina — murmurou, sentindo que devia têlo magoado demais, ofendido, ou coisa parecida, mas sem ter nenhuma pista de quando foi ou como. — Muito pelo contrário. A idéia que faz de um marido perfeito é clara em todos os aspectos. Começo a suspeitar que jamais estarei à altura de tal pretensão. Heidi deu um passo em direção a Jamal, então •alcançou no lugar. A atitude dele não era nada encorajadora. — Creio que devo ter exagerado. Não quis dizer que nosso relacionamento deveria ser apenas mental e espiritual. —Afirmou que esperava que, de vez em quando, nós adotássemos uma união acima da física. Ela se sentiu presa na armadilha das próprias palavras. — Está certo, Jamal, mas, qualquer modo, não foi bem isso o que eu quis dizer. Como confessar que o fato de ter visto Dora e Khalil juntos e tão felizes mudou seu modo de pensar? Heidi podia não entender direito o que acontecia quando duas pessoas faziam amor, mas estava mais aberta à idéia do que jamais estivera. — Eu gostaria de esclarecer, Jamal, que não faço objeção quanto a satisfazer sua paixão animal. Não tenho nada contra. O príncipe lançou-se um olhar carregado de ironia. — Quanta generosidade de sua parte, minha querida! Mas não estou interessado em uma esposa disposta apenas a cumprir seus deveres matrimoniais. — Não estou entendendo. Achei que tudo girasse em torno de meus deveres e que você ficou tão zangado justo por causa disso. O que mais quer? Jamal a encarou por um longo tempo. — Será mesmo que você não sabe, Heidi? — Em seguida, girou nos calcanhares e se foi. — Você disse isso a ele?! — Dora arregalou os olhos. Era a tarde seguinte, e Heidi tomava chá no harém com a concunhada e Fátima. Heidi olhou para o sanduíche em seu prato, embora não pudesse se imaginar tornando a comer alguma coisa. Fátima pareceu ter congelado no ato de levar a xícara aos lábios. Em seguida, colocou a delicada porcelana chinesa de volta no lugar e encarou Heidi. 45

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— Disse isso a ele? — repetiu a rainha. — E em seguida se ofereceu para cumprir seus deveres matrimoniais?! Fátima e Dora trocaram olhares entre si. Heidi se sentiu pequena, insignificante e tola. Encolheu-se no canto do sofá, sem fitá-las. — Eu avisei que não queria me casar. Não sei lidar com os homens. Não os entendo, e digo sempre a coisa errada quando estou perto de um deles. Sou uma pessoa inteligente com relação a muitas coisas, mas uma completa imbecil quando se trata do sexo oposto. Não faço questão de que Jamal no apaixone perdidamente por mim, mas gostaria que fosse capaz de permanecer na mesma sala comigo por duas horas. — Não há motivo para se desesperar, Heidi. Você de fato feriu seu ego, mas os homens têm sobrevivido a coisas bem piores. Heidi arriscou um olhar em direção à concunhada. — Acha mesmo? — Acho. Tudo o que precisamos fazer é encontrar um modo de fazer Jamal ver as coisas de outro modo. Heidi gostaria de crer que seria tão simples, mas tinha suas dúvidas. — Jamal me detesta, Dora. Ou, pelo menos, não está interessado em mim. Tentei conversar com ele ontem, e só piorei tudo ainda mais. — Oferecer-se para cumprir seus deveres foi o maior de seus erros, meu bem. — Os vividos olhos castanhos de Fátima pareciam perfurar a alma de Heidi. — Você não leu aqueles livros que lhe dei, não é? — Confesso que não. Mas dei uma olhada, e achei que aquilo não podia ser real. As pessoas de fato fazem aquilo tudo? Um grande silêncio pesou entre elas. Heidi engoliu em seco. Não acreditava que fosse possível se sentir mais miserável do que se sentia, mas pelo visto era. Desejou fugir e se esconder, mas não tinha para onde ir. Dora e Fátima eram suas últimas esperanças. Os sofás na sala principal do harém formavam um círculo em torno da mesa de café com tampo de vidro. Dora acomodara-se na poltrona ao lado de Heidi, e Fátima, no sofá diante delas. Dora tocou o braço de Heidi. — Daremos um jeito nisso, querida. Todavia, primeiro terá de ficar mais confortável com a idéia de fazer amor com seu marido. Acha que conseguirá? Heidi lembrou-se da cena que testemunhou cerca de uma semana atrás. Dora e Khalil abraçados e se acariciando com paixão. Recordou também a emoção que sentiu ao vê-los e seu desejo de que ela e Jamal experimentassem o mesmo tipo de relacionamento. Heidi zangou-se. — Posso ser inexperiente, ignorante e estou assustada. Mas não sou nenhuma puritana. Dora riu. — Ótimo! Fique bastante brava, isso a revigorará. Heidi duvidava muito. — Não preciso disso, Dora. O que quero é ficar bonita, sensual e confiante. — Suspirou. — Sei bem o tipo de mulher com quem Jamal costumava se envolver. Eram

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atrizes, modelos ou estonteantes filhas de grandes empresários. Todas se vestiam bem, sabiam o que dizer em qualquer situação e eram sensualíssimas. Heidi observou seu próprio vestido azul, que lhe alcançava a metade da canela. — Tenho contra mim o fato de ser sem graça. — Isso não é verdade — Dora protestou.:— Você é uma jovem adorável. O que precisa é de orientação. confie em mim. Sei o que acontece com uma garota quando ela adota um estilo correto de trajes e maquiagem. A mudança chega a ser espantosa. Heidi não queria discordar, mas Dora não sabia o que estava falando. Sua concunhada vestia-se muito bem quanto Fátima e era tão elegante quanto. Heidi duvidava que alguma vez na vida tenha se sentido feia. — Será necessário bem mais que apenas roupas e maquiagem, Dora. Teria de me transformar em uma outra mulher, uma que fosse bela, charmosa e confiante. Melhor dizendo, alguém que não seja eu. Dora suspirou. — Não vai ser fácil... — Mas não será impossível — afirmou Fátima. — Conheço a pessoa certa para ajudá-la nessa empreitada. — O que está arquitetando? Fátima sorriu. — Meu plano é bem simples. Você vai transformar-se, mas não em esposa. Será a amante de Jamal.

CAPÍTULO VI Amante? — Heidi repetiu. — Foi isso o que ouvi? Como sempre, Fátima estava muito bem trajada. Usava um vestido de seda Chanel, e no pescoço, trazia um delicado colar de pérolas. — Não fique tão chocada. Elas existem desde que o mundo é mundo... para o deleite de muitos homens. — Não é essa a questão, Majestade. Não consigo nem ao menos ser a esposa de Jamal. Como conseguirei ser sua amante? — E por que não? É uma questão de treino. E, sem dúvida, uma boa dose de autoconfiança. Heidi colocou o prato sobre a mesa e suspirou. — E tudo tão sem sentido... Jamal nunca prestará atenção em mim. Nosso casamento está fadado ao desastre. O pior disso tudo é que jamais serei mãe. — Pare com essa auto-piedade, menina! Antes de qualquer coisa, ouça o que tenho a dizer. — Mesmo que pareça loucura, Heidi, não custa nada tentar — Dora interveio.

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Heidi abriu a boca para protestar, em seguida fechou-a. Então, voltou-se para Fátima. — Prossiga, Majestade. Fátima sorriu. Quando me casei, o harém não era isso que temos agora. Naquela época, abrigava um bom número jovens lindas e desejáveis, exóticas e vindas de todas as partes do mundo. Eu era uma esposa arranjada, vinda de um reinado vizinho, nada exótica e nem tão bonita. — Mas a senhora é bonita. Por que achou que não era? Fátima piscou. — Você é um encanto, minha criança, e agradeço pelo elogio. Mas eu não passava de uma tolinha. Não sabia nada da vida, e nem como tirar partido de meus atributos físicos. Não havia aprendido a me vestir ou cuidar da aparência. Mas amava meu marido, e estava determinada a que só para mim. Para isso, decidi me transformar na criatura mais incrível e charmosa do harém. A rainha ergueu a xícara e sorveu um gole de chá. — Assim, comecei a pesquisar. Sabia que não daria para mudar o que eu era por dentro, mas poderia criar um ar de mistério em torno de mim. Um amigo me ajudou, comentando com meu marido sobre uma mulher formosa e intrigante que ele vira no harém. Fazendo-me passar pela tal mulher, me encontrei em segredo com o rei. Disfarcei-me o melhor que pude, e o seduzi. Ele ficou encantado, mas só após algum tempo após ter conquistado seu coração foi que revelei minha verdadeira identidade. Sua Majestade ficou tão arrebatado que dispensou todas as concubinas. Heidi não acreditou no que ouviu. — Sua vida daria um bom tema para uma novela, Fátima. E compensou? Quero dizer, você foi feliz com ele? — Muito! Enquanto ele viveu, amamos somente um ao outro. — Fátima exalou um suspiro saudoso. — E isso o que- desejo para você, Heidi. Essa mesma felicidade que espero que encontre ao lado de Jamal. Heidi não estava tão certa quanto a esse grande amor, mas ficaria satisfeita se ele aceitasse uma trégua, para que pudessem conversar. — Está querendo que eu faça a mesma coisa? Quer que me transforme em uma moça cheia de mistérios e o seduza? — Um plano mais do que perfeito — afirmou Dora. — Se pretende ser outra pessoa, comece tentando parecer mais confiante, mais sexy. Seja todas as coisas que gostaria de ser e que não é. — Uma grande teoria... Mas não sei se na prática irá funcionar. Mas, como Dora dissera, não custava nada tentar. — Precisamos acertar todos os detalhes. — Fátima meneou a cabeça. — Em meu tempo, tudo era mais fácil. — Hum, conheço esse olhar... — Dora levantou-se e foi até a mesa no saguão. Verificou em uma gavetas até encontrar um bloco de anotações o uma caneta. — Farei uma lista dos passos que precisaremos dar. Por onde começamos? Fátima olhou para Heidi. — Levante-se, criança, e caminhe até o terraço. 48

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Heidi a obedeceu. O harém ficava na ala dos fundos do palácio, e as portas davam para o terraço defrontando-se com o jardim. Heidi tentou encontrar conforto no panorama que lhe era tão familiar, mas sem sucesso. Tinha o rosto vermelho no retornar para o sofá. — Essas roupas não servem, meu anjo. Jogue tudo fora. As cores pálidas não a favorecem, e esse modelo de vestido nada tem a ver com você. Heidi alisou o tecido espesso da peça que usava. — São roupas fáceis de manter e de combinar. — Saiba que ser bela não é algo simples. Requer dedicação e determinação. — Fátima a avaliou. — Bem, quanto a seu guarda-roupa normal, nos preocuparemos mais tarde. Por ora, o mais importante não as roupas que usará como amante de Jamal. Heidi não perguntou de que tipo seriam, tampouco queria saber. Respirou fundo, tentando relaxar. — Isso poderá ajudar, Majestade, mas como conseguiremos fazer com que Jamal não descubra que sou eu? — Empurrou os óculos para cima do nariz. — Não acredito que seja fácil enganá-lo. — Que tal lentes de contato, para começar? Alguma vez já tentou usá-las? —- Dora! Quer que eu coloque pedaços de plástico em meus olhos? Ficou maluca? — Não, não fiquei. Hoje em dia todo o mundo usa. Conheço uma excelente oculista na cidade. Marcaremos uma hora. Você verá que ela faz maravilhas. — Os olhos dela são cor de avelã, mas o verde combinaria mais com seu tom de pele — Fátima sugeriu. — Esqueçam as lentes. Não conseguirei usá-las. — Você já tentou? — Dora perguntou outra vez. — Não, mas... — E quanto a seus cabelos? — Fátima interrompeu-a. — Solte-os, querida, para que possamos avaliá-los. Lembro-me de que, no dia do casamento, você ficou muito bem com a cabeleira solta. Heidi abriu a fivela que lhe prendia a massa de mechas castanhas. Os longos fios sedosos caíram por seus ombros até lhe alcançarem a altura da cintura. — Fabuloso! Mas precisaremos mudar um pouco... talvez encaracolar.—Dora olhou para Heidi. — O que você acha? — Pode ser. Eles enrolam com facilidade. — Poderemos usar um desses xampus que colorem e que saem ao lavar. Algo que a deixe diferente. — Dora olhou para Fátima, que ficou pensativa. .— Ruivo! — disseram elas, ao mesmo tempo. — E isso mesmo. — Os olhos de Dora cintilavam. — Combinará à perfeição com as lentes verdes. Quando Jamal se encontrar com você, não saberá o que foi que o golpeou. Dora aproximou-se do sofá e anotou tudo o que foi sugerido. 49

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— E não se esqueça de usar algum produto nas mãos e nos pés. Precisa se livrar dessa henna. Heidi observou o desenho em suas mãos. Sua lua-de-mel terminara antes mesmo de ter começado. Aquilo era muito triste. Fátima deu um giro em torno de Heidi. — Retornando aos trajes, Heidi necessitará de um novo estilo, mas qual? — Bem sensual — sugeriu Dora. — Decotes acentuados, transparências, saias justas e curtas. A rainha franziu as sobrancelhas. — Tem certeza? Estava pensando em algo mais insinuante. |-— É o que prefiro, também — Heidi se adiantou. Não sei se me acostumarei a usar saias justas curtas. Dora fez que não. — Esqueça a elegância, Fátima. Não sé trata de roupas para uma princesa, e sim para uma amante. Além disso, Heidi tem de ficar bem diferente, para não levantar suspeitas. Devemos mostrar o mais possível do corpo, usar maquilagem e salto alto. Jamal se sentirá atraído e confuso, o que para nós será excelente. Heidi engoliu em seco. — Nunca me senti confortável usando saltos altos. Na verdade, os usei bem pouco, e me senti muito desajeitada. — É uma questão de hábito, meu bem. Conheço algumas butiques na orla marítima. Eles vendem muito para os turistas milionários, mas estou certa que encontraremos tudo o que queremos. — Fátima olhou para Dora. — Muito bem. Ligarei para a oculista. E, Dora, marque uma hora no salão de beleza. No Ingrid's. Você tem o número. Dora deu uma risadinha. — Gostará muito de Ingrid, Heidi. Ela fará de você uma outra mulher. ' Heidi não estava mais certa se de fato isso seria possível. — Muito bem, o próximo passo será descobrir onde essa mulher misteriosa viverá. — Nós a instalaremos em um dos mais LUXUOSOS hotéis da cidade, Dora — murmurou Fátima. - O mais exclusivo deles. Por minha conta, claro. Não quero que seja preciso explicar despesa alguma a Jamal. Poderemos instalar uma linha telefônica particular em seu closet. Quando ele tentar falar com você no hotel, a ligação cairá aqui. Não haverá problema. O próximo passo será arranjar-lhe um nome falso. Deverá ser parecido com o seu, para que não o esqueça. — Precisarei mudar de nome? — Heidi ergueu as mãos. — Desculpe-me. Que pergunta idiota claro que precisarei. Mas qual? — Algo engraçado — sugeriu Dora. — Talvez Gigi, ou Mimi. Heidi franziu o nariz. — Não gostei. De acordo com Fátima, dever ser parecido com o meu. O que acham de... Ela pensou um momento, em seguida foi recompensada por um flash de divina inspiração. Honey! Honey Martin. "Olá, Jamal, sou Honey Martin." O que acham? Dora não pareceu muito convencida, mas concordou com a escolha. — Honey Martin... Soa estranho, mas é uma questão de hábito. Agora, vejamos a história para contar a ele.

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— Já sei como será. Minha companheira de quarto, chamava-se Ellie Calloway. A família dela era de Oklahoma. Eles possuíam várias empresas, mas iniciaram o negócio trabalhando com petróleo. Ellie tinha quatro irmãos, e um deles era o encarregado dos negócios com o petróleo. Honey podia emprestar a história de Ellie e chegar aqui para uma visita, acompanhada desse irmão. — Perfeito! Jamal nunca irá colocar você e Honey Martin de Oklahoma frente a frente. — Fátima observou a lista por sobre o ombro de Dora. -- Creio que já acertamos os pontos mais importantes. Só falta decidir como vocês dois se encontrarão. Sendo assim, ao trabalho! Em menos de uma semana, Heidi perdeu a habilidade de ver, andar e falar. Cambaleou em direção a algo que julgava ser a mesa. Sua visão estava tão embaçada que não notou uma pilha de almofadas no chão, e, por isso, tropeçou nela. Procurou por algo onde se agarrar, mas nada encontrou. Tentou evitar a queda, mas era esperar demais, estando sobre aqueles sapatos de saltos altíssimos. A queda foi inevitável, mas as almofadas amorteceram o impacto com o chão. — Você precisa praticar. — Fátima ajudou-a a levantar-se. — Esses calçados precisam ser amaciados. Aquilo foi o que Fátima disse sobre as lentes de contato, recordou Heidi, desolada, piscando forte e para livrar-se da sensação de ter cacos de telha dentro dos olhos. Lentes de contato gelatinosas deviam ser as mais confortáveis e fáceis de usar. Por que não eram, então? Ia protestar, mas desistiu. Sua garganta estava dolorida demais para que conseguisse falar, resultado do esforço que fizera para tentar um tom rouco e sensual. De tanto se esforçar, acabou afetando as cordas vocais. Piscou várias vezes, até que passou a enxergar melhor. Centralizou a atenção na rainha. Pelo menos estaria olhando na direção certa se as lente tornassem a sair do lugar, ou embaçassem. — Começo a achar que isso tudo é uma grande perda de tempo, Majestade. Não dará certo. Não nasci para ser amante, nem ao menos para fingir. É o que sou. Não me sinto bem com estas roupas e nem com estes sapatos, e menos ainda com as lentes de contato. Não saberei o que dizer, nem agir como uma mulher fatal. Heidi correu a mão por entre os cabelos um pouco mais curtos e bem penteados. Aquela fora a única parte na mudança de que gostou. Fátima a estudava. — Já conseguimos tanto, Heidi... Até mesmo a suíte no hotel está reservada. Jamal está para receber seu novo carro esporte, acho que na sexta-feira. Interceptaremos a entrega, para que possamos prosseguir com nossa estratégia. Você fingirá que o automóvel lhe foi enviado por engano. Por que desistir, agora que já tem suas roupas e consegue usar as lentes? Heidi encarou a rainha. Por sorte, sua visão permanecia clara o suficiente para que conseguisse alcançar o sofá em segurança e se sentar. — Olhe para mim, Fátima. Sou um fracasso; total. Não, eu não nasci para esse tipo de coisa. Era verdade. Embora apreciasse tudo o que Fátima e Dora tentavam fazer por ela, aquele plano era uma insensatez. E, mesmo que não fosse, Heidi precisaria de anos de treinamento para seguir adiante. 51

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Fátima assentiu. —Você deve fazer aquilo que seu coração mandar. Heidi lhe sorriu, com gratidão. - Obrigada. Quero muito que meu casamento de certo, mas será melhor e mais honesto lutar por ele com minhas próprias armas. — Claro. Heidi estudou Fátima. Ela não parecia decepcionada — Espero que não se zanguem comigo. Agradeço de verdade por tudo o que fizeram. Não quero que me julguem ingrata. Fátima aproximou-se dela e deu tapinhas confortadores em sua mão. — Desejo apenas que você seja feliz, criança, e farei o que for preciso para que isso aconteça. — Muito obrigada. — Heidi tirou os sapatos e ergueu-se. Era um alívio ser capaz de caminhar livremente outra vez. — Se eu e Jamal estamos destinados um ao outro, prefiro que ele me ame por mim mesma. Por mais inadequado que possa parecer. Pelo menos será mais honesto, não acha? — Como você quiser, meu bem. Naquela noite, Heidi tentou ler mais um capítulo de um dos livros de educação sexual. Era difícil acreditar em todas aquelas maneiras diferentes de fazer amor, ou nas coisas que as pessoas faziam umas com as outras. Mal acabara de experimentar um beijo de verdade, e ali estava ela, lendo sobre beijos dados em lugares que jamais imaginaria. Estava no meio de um capítulo intitulado "As delícias do sexo. Dez maneiras de fazer seu parceiro arrepiar-se de prazer", quando a porta da suíte foi aberta. Jamal estava de volta! Heidi não sabia aonde ele fora naquela noite Para sua grande decepção, o marido não participou do jantar em família. Heidi estava ansiosa para iniciar o plano que arquitetara para tentar salvar sozinha o matrimônio deles. Porém, agora ele voltara, e Heidi tinha a intenção de iniciar o ataque sem demora. Largou o livro sobre a cama e foi à procura dele nos aposentos ao lado. Jamal encontrava-se junto ao bar, no living, e servia-se de um drinque. — Olá. — Heidi parou junto da poltrona. -Como foi sua noite? Jamal voltou-se ao ouvi-la, e em seguida desejou não tê-lo feito. Heidi estava no meio da sala, usando um daqueles seus vestidos sem graça Tinha os cabelos presos em uma trança que caía-lhe nas costas, e os pés descalços, parecendo muito jovem e vulnerável. A pergunta muda em seus olhos aumentava a culpa que ele sentia. Uma coisa era evitá-la dentro do palácio, outra era ter saído sozinho. Não, não a convidou para acompanhá-lo, como também não avisou aonde iria. O remorso não era uma emoção familiar para Jamal. Ele não se lembrava de ter se sentido culpado, nem mesmo quando era casado com Yasmin. Mas então a situação era outra. No início do casamento, antes de saber a verdade sobre a ambição e o egoísmo de sua primeira mulher, o príncipe desejava passar todos os minutos disponíveis ao seu lado. Fora arrebatado por um par de olhos sedutores e um corpo que parecia ter fome do dele. 52

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Pouco depois, no entanto, Yasmin mudou da agua para o vinho. Ou melhor, ela voltou a ser o que era. Nada mais quis com Jamal, a não ser o que precisassem atender a alguma função esposa, onde ela brilharia como a princesa que era. Yasmin começou resistindo a seus avanços na cama. Em seguida, mudou-se para o quarto ao lado, o mesmo que agora Heidi ocupava, dizendo quee não o queria mais. Com Yasmin não houve remorso. Apenas humilhação. Jamal fora um grande tolo, atraído sem piedade. Indo para um inferno do qual não tinha como escapar, sem nem ao menos poder falar de seus problemas com alguém. Era por demais orgulhoso para revelar o fracasso de seu casamento ao pai e aos irmãos. Fátima, no entanto, sagaz como sempre fora, a única que notou que Yasmin estava mais interessada em continuar sendo princesa real, bem como nas compras e aparências, do que no próprio marido. A avó de Jamal comentou sobre a situação do neto com o rei. Mas nenhum dos dois chegou a suspeitar do horror pelo qual ele passava. Ainda assim, Fátima e Givon tentaram salvar o casamento deles. Porém, acabaram descobrindo que Yasmin não era a alma gentil que julgavam ser. Quando ela sofreu o acidente fatal, ninguém na família a apreciava o suficiente para ficar de luto por sua morte. E agora Jamal estava outra vez casado. Mantinha-se dizendo que Heidi não era como Yasmin, que ela demonstrava mais interesse em preservar a história de El Bahar do que em jóias e em aparições públicas. As roupas que usava deixavam claro que não costumava passar seus dias dentro de um shopping. Todavia, as duas mulheres partilhavam da mesma característica vital. Assim como Yasmin, Heidi também não queria dividir sua cama com o marido. — Você nem ao menos tenta ouvir o que estou dizendo — queixou-se Heidi. — Perdão, mas eu estava com os pensamento longe. — Jamal, então, sorriu. — Foi uma noite agradável. Jantei com um amigo e antigo colega de universidade. Nigel e eu estudamos juntos em Oxford. Ele se encontra no país a negócios e queria me ver. Pensei em convidá-la, mas, como Nigel não veio com a esposa, tive receio de que a noite pudesse não ser muito divertida para você. Amigos de juventude costumam falar dos velhos tempos e de pessoas que só eles conhecem. Heidi assentiu. — Entendo... Para ser sincera, eu não sabia que você havia saído. Jamal suspeitou que ela estava tentando ser gentil e conciliatória, mas aquela atitude aumentou seu mal-estar. — Quer beber alguma coisa? — O príncipe olhou para o bar. — Não, obrigada. Jamal convidou-a a sentar-se e em seguida pegou um drinque e juntou-se a ela. — Nigel ocupa uma posição de destaque no governo britânico. Como concentra sua atenção comercial no Oriente Médio, vez ou outra nos visita. Ficou de trazer a família, quando retornar de novo. Convidei-os para se hospedarem aqui, no palácio. Então, você os conhecerá. Os olhos cor de avelã arregalaram-se atrás das lentes do óculos. Em seguida, Heidi lançou-lhe um rápido sorriso, que não apagou a expressão do espanto em seu semblante. — Eu gostaria muito de conhecê-los, Jamal. O seu amigo tem filhos? 53

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— Sim, dois garotos, um de cinco e um de dois anos. Vi a fotografia deles. É uma família adorável. — Não entendo muito de crianças. Mas duas pequenas devem dar muito trabalho. A conversa que trocavam era cordial, e Jamal tentou adivinhar se Heidi seria uma boa mãe. Após um mês ou dois de casamento, Yasmin fizera questão que ficasse claro que ela não estava interessada em ter filhos, mas faria o sacrifício, já que era o que todos esperavam dela. Mas, quando as tivesse, queria contar com ajuda por vinte e quatro horas, pois não podia deixar seus afazeres de lado só para cuidar de um bebê. — Você teria toda a ajuda de que necessitasse garantiu Jamal. — Uma enfermeira e uma babá, o dia todo e a noite toda. — Não precisarei de tanto. Preferirei cuidar eu mesma de meus filhos. De outro modo, que tipo mãe eu seria? Era uma resposta correta, decidiu Jamal, e sabia que ela estava sendo sincera. Heidi não era como Yasmin, disse a si mesmo. Talvez seus temores quanto a eles se tornarem amantes se devesse a sua inexperiência, não ao desejo de feri-lo. Podia ser que sua mulher não estivesse rejeitando-o, mas tentando se proteger. Heidi mudou de posição, sentando-se sobre as pernas. Prendeu uma mecha atrás da orelha e ajeitou os óculos. — Precisamos conversar, Jamal. Sei que estraguei tudo entre nós, e gostaria de começar tudo de novo, desde a noite de nosso casamento. Se eu pudesse voltar atrás, faria tudo diferente. A honestidade dela o comoveu. O príncipe a interrompeu com um erguer de mão. — A culpa não foi só sua, Heidi. — Claro que foi. Eu não soube me fazer entender, e acabei armando a maior confusão. — Diria que somos ambos responsáveis. Você temia algo que desconhecia e que lhe parecia assustador, enquanto eu não consegui separar o passado do presente. Heidi franziu as sobrancelhas. — Está se referindo ao seu primeiro casamento? — Sim. — Como isso pode ter algo a ver conosco? — E complicado. Não tenho certeza se conseguirei explicar. E nem queria. Havia muitas coisas que Jamal gostaria de poder partilhar com Heidi, mas não suas dificuldades com Yasmin. Lembrava-se bem de como fora gentil com ela na noite de núpcias, e da própria surpresa ao ouvi-la afirmar que ele não precisava se preocupar, porque afinal não era mais virgem, Tampouco adorava sexo. Sendo assim, ele devia fazer o que era preciso e acabar logo com aquilo. Mais tarde, quando Jamal descobriu que Yasmin não mentira ao afirmar não gostar do lado intimo do casamento, se perguntou o que poderia fazer para agradá-la. Yasmin descartou seus bons propósitos. O príncipe chegou a se humilhar, se comparando com os seus outros amantes, julgando que todos pudessem ter usado técnicas que ele desconhecia. Yasmin riu por o marido ter sido tão tolo. Ela usava o sexo apenas para

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obter o que desejava. Fora isso, não tinha lugar em sua vida. Nada pessoal, afirmou, desdenhosa. Jamal, dali em diante, passou a odiá-la, e a si mesmo, por continuar a desejá-la. Apesar de tudo, era apaixonado pela mulher frívola que era sua esposa. — Você deve tê-la amado muito, Jamal. Ainda agora, parece muito revoltado quando fala a seu respeito. — Amar Yasmin foi a pior coisa que me aconteceu — confessou. — Sendo assim, a última coisa que quer para ti é outro relacionamento parecido com aquele. — Acertou em cheio. Meu dia-a-dia se tornou um tormento. Cada instante, um verdadeiro inferno. — Compreendo... Não, ela não compreendia, pensou Jamal. Só Deus sabia o que Heidi devia estar pensando, mas não a corrigiria. Ninguém jamais soube. Heidi suspirou. Jamal a fitou e notou que seus olhos estavam úmidos pelas lágrimas. — O que houve? Eu a magoei? — Não. — Heidi forçou um sorriso. Jamais entenderia as mulheres, decidiu Jamal. Mas não precisaria entender todas elas. Apenas a sua. Mais uma vez, afirmou para si mesmo que ela não era como Yasmin. Heidi merecia sua atenção. Eles mereciam uma segunda chance. Estendeu o braço e tocou de leve a mão dela. — Você tem razão, Heidi. Podemos tentar de novo, mas sem pressa. Vamos começar tentando ser amigos. — Eu gostaria — murmurou, com o pranto deslizando por suas faces. — Mas agora eu preciso ir. Antes que Jamal se desse conta do que estava acontecendo, Heidi já estava à soleira, indo abrigar-se em seus aposentos. Jamal quis ir atrás dela, mas não tinha certeza j do que diria quando a alcançasse. Seria mais fácil deixá-la a sós. Recostou-se no sofá, olhando para o copo. A vida era bem mais fácil antes de Heidi aparecer. Pelo visto, ele não tinha sorte com as esposas. O problema seria delas ou dele? Jamal recordou as outras namoradas que tivera. Heidi lhe pediu para que desistisse delas, alegando que queria que a respeitasse bem como os votos do matrimônio. Por ironia, o príncipe terminara com todas elas, e, para sua surpresa, fora muito fácil desfazer-se daquelas jovens. Para ser franco, decidira ser fiel à esposa. E agora, ali estava ele... sozinho. Nenhuma mulher, nem a sua própria, o queria em seu leito. De volta ao início. O casamento era uma instituição superestimada. Tomou mais um gole de uísque.

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CAPÍTULO VII Heidi atirou-se na cama e por fim rendeu-se aos soluços que procurava sufocar. Agora eles sacudiam seu corpo, fazendo-a pressionar o travesseiro contra o peito, em uma inútil tentativa de encontrar conforto. Não encontrou nenhum. Estava sendo pior do que imaginava. Jamal ainda amava Yasmin. Por que ela não se dera conta disso antes? Porque não adivinhou? Não admirava ele ter ficado tãoo zangado na noite de núpcias. O fato de estarem naquela tenda decerto o fez lembrar-se da sua primeira noite com ela, quando o amor entre os dois era fresco e novo, quando ambos julgavam que teriam todo o tempo do mundo para estarem juntos. No entanto, Yasmin fora cruelmente arrancada de seus braços, deixando-o sozinho e sofrendo. Jamal descreveu sua vida naquele período como sendo um inferno, e jurou não tornar a passar pela mesma experiência. O ar ficou preso na garganta de Heidi, e o intenso sofrimento tornou-se ainda maior. Que tola fora! Nada na rejeição de Jamal teve algo a ver com seu comportamento, mas sim por causa de Yasmin, porque ansiava por ela, por seu verdadeiro amor, mas só o que podia ter era Heidi. Não era justo, Heidi concluiu, com mais lágrimas escorrendo por suas faces. Sabia agora que jamais o teria. O casamento deles fracassara antes mesmo de começar. Jamal sempre amaria Yasmin. Heidi não saberia dizer quanto tempo ficou na cama, chorando, desejando não ter concordado com aquela união. Não por não querer Jamal, mas porque ele jamais seria seu. Até então, desejara encontrar um meio de fazer o enlace dar certo, mas aquilo tornou-se impossível. Não tinha uma pista sequer do que fazer para conquistar o coração do marido. Sentou-se no leito e tentou enxugar o pranto. Durante suas visitas de verão a El Bahar, Heidi encontrara várias vezes com Yasmin, uma moça bonita, elegante e autoconfiante. Suas roupas eram da mais alta qualidade, e as cores que escolhia e o estilo tinham o propósito de valorizá-la. Usava o traje certo para todas as ocasiões, e suas jóias eram belíssimas e desenhadas com exclusividade. Se Yasmin não fora gentil com uma garota desajeitada vinda da América, Heidi não podia culpá-la. A presença da primeira esposa de Jamal sempre a deixara muda. Ela na certa a julgara uma idiota Jamal pensaria o mesmo dela? Heidi engoliu em seco, lutando para não chorar mais. Precisava se acalmar, conter as emoções, para raciocinar direito. Talvez devesse partir. Seria melhor para todos que desistisse do trabalho com o qual sempre sonhou e de seu casamento e retornasse aos Estados Unido Em seu país, sem dúvida encontraria uma colocação adequada, e fingiria que nada daquilo acontecera. 56

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Só que não queria partir. Para ela, El Bahar sempre fora o lugar mais perto de um lar. Adorava tudo ali, amava o trabalho que fazia, o palácio, o país. Como deixar o rei e Fátima? Como abandonar Jamal? Heidi foi para o banheiro e lavou o rosto. Não tinha nem uma pista de como manter seu marido, mas não queria perdê-lo. Pegou a tolha e enxugou-se. Ao mirar-se no espelho, tentando descobrir se seus olhos estavam mais congestionados do que julgava, um leve movimento atrás dela chamou sua atenção. Virou a cabeça e viu o vestido pendurado no cabide, atrás da porta do banheiro. O vento vindo do aparelho do ar-condicionado agitava de leve a saia de seda. Deixou cair a toalha e pegou a barra do vestido. O leve tecido de seda era muito macio, e aquele vermelho era gritante e sensual. Não tinha mangas, e as alças eram tão finas que ela duvidava que fossem sustentar o corpete. A saia curta exporia mais suas pernas do que esconderia. Heidi McKinley jamais usaria uma peça como aquela. Mas não fora confeccionado para ela, e nem para Honey Martin, a amante sedutora. Mordeu o lábio. Evidente que ela, Heidi, não tinha armas para competir com a recordação da sempre perfeita Yasmin. Mas Honey era diferente. Honey tinha potencial. Podia ser que nem tudo estivesse perdido. Se não conseguia chamar a atenção de Jamal sendo como era, tentaria fazer isso sendo outra pessoa. Jamal encontrava-se no escritório, tentando trabalhar, mas não estava fazendo progresso. Não era capaz de tirar Heidi da cabeça. Na noite anterior, ele a ouvira chorar, e não sabia por quê. Claro que não foi até ela procurar saber o que acontecia, mas devia ter ido. Eles precisavam parar com aqueles desentendimentos; caso contrário, não teriam chance alguma juntos. Talvez devesse chamá-la e perguntar-lhe se estaria disponível para o almoço. Então, conversariam e tentariam se entender, embora toda vez que haviam tentado conversar a tentativa resultará em um desastre. A campainha do telefone interrompeu suas conjecturas. Jamal atendeu: — Sim? Do outro lado da linha, uma mulher riu, com suavidade. — Bom dia, Alteza. Tem um minutinho? O que tenho a dizer é de seu interesse. Jamal franziu as sobrancelhas. A voz lhe era um tanto familiar, embora não fosse capaz de reconhecê-la — Com quem estou falando? — Isso não importa, príncipe Jamal. O fato é que tenho em meu poder algo que lhe pertence, e se você for muito gentil comigo, o terá de volta, sem problema. — Não dará certo nunca. Por que fui acreditar que daria? — Heidi caminhava de um lado para o outro dentro da enorme suíte de hotel que Fátima reservara para ela. — Por que insisto em fazer isso? É loucura! Pior do que loucura. Necessito de ajuda médica, de terapia. Vou passar mal, sei que vou. Bem aqui, nesse tapete branco. Heidi apertou a barriga e dobrou-se para a frente gemendo. — Oh, Deus, não posso fazer isso! Salve-me de mim mesma. Só queria que a terra se abrisse num buraco para que eu pudesse me esconder.

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Não houve resposta. Não que ela esperasse que houvesse. O que fazia ali, naquela suíte branca? Sim, claro. Teria de agir feito uma mundana e seduzir o próprio marido. Sua garganta ainda doía devido ao esforço para mudar a entonação. O pior de tudo foi ligar para Jamal, do harém, com Dora e Fátima rodeando-a o dando sugestões, enquanto tentava agir com naturalidade ao ler o que precisava ser dito. Lógico que ele devia estar pensado que ela era uma desvairada. Ou talvez a tivesse reconhecido. Heidi estremeceu. Isso seria terrível. Jamal reconhecendo-a e adivinhando sua intenção de seduzi-lo... — Pense positivo — recomendou a si mesma, em uma frenética tentativa de se acalmar. — Dará tudo certo. Você conseguirá deslumbrá-lo. Certo. Isso se ela não tropeçasse, nem piscasse muito. Como as pessoas suportavam usar lentes de contato? Naquele instante, Heidi tinha a sensação de estar com toneladas de areia dentro dos olhos. Ainda bem que a visão clareara um pouco. — Procure se concentrar em alguma coisa, para relaxar... Respirou fundo e se pôs a estudar o ambiente luxuoso e aconchegante. Com sorte, Jamal ficaria tão impressionado com a decoração que prestaria mais atenção aos aposentos do que a ela. Heidi verificou as horas. O príncipe chegaria a qualquer momento. A sensação de náusea voltou, mas dessa vez procurou ignorá-la. Foi calçar as sandálias. Tentou equilibrar-se e cambaleou um pouco, antes de recuperar o equilíbrio. Pelo jeito, começava a se acostumar a ficar empoleirada sobre aquela plataforma. E agora, se pelo menos conseguisse fazer algo em relação ao vestido... Heidi pegou a roupa vermelha que havia apenas dois dias estivera no cabide de seu banheiro no palácio. Com aquelas alças tão estreitas, não poderia usar sutiã, o que não seria nada confortável. Esperava se lembrar de não ficar o tempo todo com os braços cruzados diante do peito, mas seria difícil. Não estava acostumada a exibir-se daquela maneira. Era como se estivesse usando apenas a metade do vestido. Tentando parar com aqueles devaneios desagradáveis, pigarreou e treinou mais um pouco a voz. Sua garganta tornou a doer ao fazer isso. Quanto mais treinasse, mais chances teria de não ser reconhecida por Jamal. Mas e se mesmo assim ele reconhecesse? E se descobrisse quem ela era no instante em que passasse por aquela porta? A humilhação a mataria. Heidi suspirou. Pelo menos, muitos de seus problemas seriam solucionados. Uma leve batida lhe causou um sobressalto. Respirou fundo, fez uma prece e foi atender. Jamal aguardava, impaciente, no corredor. Não queria ter vindo. Não tinha tempo nem disposição para lidar com a tal mulher. Se ela tivesse afirmado estar de posse de outra coisa que não fosse seu novo Lamborghini, ele teria enviado um de seus advogados para resolver o caso. Porém, aguardava pelo carro fazia um mês, e quando a moça misteriosa afirmou que fora entregue a ela por engano, preferiu ir pegá-lo pessoalmente e o mais depressa possível. Com a sorte que andava tendo, era possível que ela tivesse saído com o automóvel para um test drive.

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Só esperava que a desconhecida não complicasse as coisas. Não estava com humor para ser gentil com quem quer que fosse. Se pensava em seduzi-lo, ficaria decepcionada. Na verdade... A porta se abriu, revelando uma jovem em um estonteante vestido vermelho. Jamal de imediato notou seus cabelos longos e ruivos, seus brilhantes olhos verdes e a boca bem-feita e um tanto trêmula. Era bem bonita, concluiu, mas milhares de outras também eram. — Príncipe Jamal... — disse ela, com uma voz que, embora rouca, continuava sendo familiar. — Sou Honey Martin. Por favor, entre. Ela afastou-se para o lado, para que ele entrasse. Jamal conteve um suspiro. Então, ela não pretendia apenas entregar-lhe as chaves e dispensá-lo. Por que aquilo não o surpreendeu? Sem dúvida, aquela era sua única chance de conhecer um verdadeiro príncipe. Mas não devia entrar no jogo dela. Quanto mais depressa resolvesse aquilo, mais depressa poderia ir embora. — É um prazer conhecê-la, srta. Martin. — Estendeu-lhe a mão. A srta. Martin pareceu um pouco assustada, em seguida aceitou o cumprimento. Diante desse gesto, algo ocorreu a Jamal. Tinha algo estranho ali. Estudou-a mais de perto. Seus cabelos ruivos caíam em ondas suaves em torno do rosto e do pescoço, de um modo que chamava a atenção para seus ombros nus. Seus olhos verdes o fitavam com uma mistura de antecipação e pânico. Ela piscou várias vezes. Jamal ficou sem saber se tinha algum cisco no olho, ou se tentava flertar. Pensando bem, decidiu ser tolice se importar com aquele tipo de coisa. Soltou os dedos dela e estudou suas curvas. Impressionante, admitiu. Honey era alta e esguia, e possuía seios fartos e cintura estreita, além de pernas fantásticas. Mas aquilo era nada mais que uma informação. No fundo, não estava dando a mínima para sua aparência. — Obrigada por ter vindo, Alteza. Quero dizer... eu sabia que viria. Estou com seu carro. E uma máquina e tanto. Não que eu o tenha dirigido, claro. Eu não faria isso. Gostaria de um drinque? Honey voltou-se e aproximou-se do bar. Jamal a observou caminhar e notou que parecia bastante instável, equilibrando-se sobre aquelas sandálias i de salto alto. Estaria embriagada? — Agradeço, mas não quero outra coisa além das chaves do meu Lamborghini. Estou com a agenda cheia e preciso ir, se não se importa. Honey parou junto ao bar e virou-se para fitá-lo. I — Não vá ainda... A tarde mal começou. — Deu uma risadinha. Jamal a fitou. Aquilo não podia estar acontecendo. Muitas garotas já tinham tentado seduzi-lo, dúzias dela, mas pelo menos costumavam ser mais discretas. Honey agia como uma colegial inocente determinada a mudar de vida. Ele não queria participar disso. A boa notícia era que ela não estava sendo nada sutil; sendo assim, ele também não precisava ser. —Srta, Martin, embora eu esteja muitíssimo grato...

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Jamal interrompeu o que ia dizendo, porque, naquele instante, Honey cruzou os braços diante do peito e inclinou a cabeça para o lado. Encolheu o nariz ao fitá-lo. Foi então que as peças do quebra-cabeça encaixaram-se. Heidi? A sua Heidi? "A solteirona", como Malik gostava de chamá-la? Mas, afinal, o que estava acontecendo? Seu sangue ferveu. Jamal respirou fundo, tentando compreender o que estava acontecendo. Aquela era Heidi? Naquele vestido? Com aquele corpo? Ela havia ficado extremamente atraente nas roupas de montaria, mas nada se comparava ao que ele via. O que sua mulher fazia ali, naquela suíte de hotel e trajada daquele jeito? — Jamal? Você está bem? Ela agora esqueceu de disfarçar o timbre, notou ele, e o chamou de Jamal, não de Alteza. Sua Heidi não era muito boa em disfarces. — Sim, estou bem, obrigado. E vou aceitar aquele drinque. Uísque com gelo, por favor. — Claro. O príncipe se sentou no sofá branco, e Heidi serviu-o. Jamal não podia acreditar no que via. O que ela estava pensando? Suspeitaria que ele não estava sendo fiel e por isso resolvera testá-lo? Franziu as sobrancelhas e sorveu um gole de seu drinque. Coisa estranha... Não conseguia ver Heidi sendo outra coisa senão direta com ele. Não seria mais fácil ela perguntar, antes de elaborar toda aquela farsa? Jamal não sabia se ficava furioso ou se ria. Sua tímida esposa bancando a sedutora... Pelo menos parecia ser essa sua intenção. Mas Heidi não era muito boa atriz, o que era bom saber. Mas sua principal questão permanecia: por quê? Heidi sentou-se em uma das poltronas e sorriu de maneira sexy. — Melhorou? — Sim. Estou bem, obrigado. Jamal devia dizer alguma coisa ou apenas entrar no jogo dela? Chegou a abrir a boca para perguntar o que ela julgava estar fazendo, mas desistiu. Talvez devesse esperar e tentar descobrir até onde Heidi pretendia ir com aquela charada. Se nada acontecesse, pelo menos estava tendo uma visão de sua esposa que nunca tivera antes. Aqueles vestidos feios e sem graça que Heidi usava escondiam um corpo fantástico. Estudou os seios fartos e tentou adivinhar por que ela nunca chegara perto dele sem sutiã. E que belo par de pernas possuía, concluiu, olhando para suas coxas. Voltou a fitar seu semblante. A transformação era impressionante. Jamal nunca se interessara por ruivas, mas a cor avermelhada dos cabelos dela iluminava suas feições. Heidi devia estar usando lentes de contato, o que explicava seu incessante piscar. Suas íris agora eram verdes, embora ele os preferisse cor de avelã. A maquiagem caprichada enfatizava sua pele translúcida, destacando seus belos traços.

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Estava linda e atraente como ele nunca a vira. De repente, desejou puxá-la para mais perto e beijá-la, e em seguida tocar-lhe cada curva. Mas não faria isso. Ainda não sabia por que Heidi se transformara daquele modo por fora, mas duvidava que por dentro estivesse diferente. De acordo com o que ouvira dela própria, Heidi não mudara de opinião sobre sexo, e ele não estava a fim de tornar a se humilhar. — Estou gostando demais de minha visita a El Bahar — disse ela, cruzando as mãos no colo. — Esta é a primeira vez que visito o país. Vim com meu irmão. — Você tem um irmão? — Na verdade, tenho quatro irmãos. Sou a única mulher. Tive de aprender a ser forte como eles, para conseguir sobreviver. Foi uma excelente lição de vida. Aonde ela pretendia chegar com aquela conversa? Teria escrito uma história para a personagem Honey Martin, ou pedira emprestada a de alguma conhecida? — Steve, meu irmão caçula, viajou para cá a negócios. Produção de petróleo. Ele está para assumir o comando dessa parte do império da família. — Heidi sorriu. — Presumo que não seja muito, se comparado com aquilo que você está acostumado a lidar, mas para nós é suficiente. Jamal não estava certo a respeito do que deveria dizer a seguir. Heidi o fitou em expectativa, piscando a cada meio segundo ou perto disso. O príncipe desejou falar que ela o confundia com aquele piscar incessante, que parasse com aquele tormento, que desistisse das lentes de contato e colocasse os óculos, que gostava de vê-la usando-os. Queria dizer uma porção de coisas. No entanto, decidiu ir em frente com a encenação. — Enquanto isso, você aproveita para se divertir em meu país? — Jamal tentava adivinhar se soava tão tolo quanto se sentia. — Isso. Heidi cruzou e descruzou as belas pernas. O príncipe ficou sem saber se foi para ficar mais confortável ou se julgava que o movimento era sexy. Na verdade, o gesto fez seus seios balançarem de maneira sensual, mas ele tentou não notar. — Ficarei mais algum tempo por aqui... sozinha... enquanto Steve viaja pelo país. — Ele não está nesta suíte com você? — Ele quem? — Steve, seu irmão. — Oh... Ah, não! Steve está em outra suíte, aqui mesmo neste hotel. Na verdade, quase nunca o vejo. Meu irmão prefere assim. Jamal fez força para não rir. Decidiu parar de pressioná-la. — Bem... Que tal irmos pegar o carro? Heidi sorriu de modo brilhante. — Boa idéia. Está estacionado na garagem. Acompanharei você. — Ela levantouse com todo o cuidado, cambaleou até que por fim conseguiu equilibrar-se. — Não precisa se preocupar. Irei sozinho. Jamal teve certeza de que ela não conseguiria chegar nem mesmo até o corredor sem tropeçar. Poderia, inclusive, cair e se machucar seriamente. — Mas preciso indicar o lugar onde está estacionado. — Heidi conseguiu chegar à porta, onde demorou e olhou em torno. — Preciso levar a bolsa. 61

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Jamal avistou a bolsa dela sobre o sofá e foi pegá-la. Em seguida, girou a maçaneta e aguardou que ela o precedesse. No elevador, ele não sabia o que dizer. O que Heidi, disfarçada de Honey Martin, esperava dele? Que se interessasse por ela? Será que julgava que, com menos de duas semanas de casado, ele trairia a esposa? Jamal nunca fora infiel, e não começaria a ser naquele momento. Preferiu pensar que ela estava penas testando-o. Mas não fazia sentido. Heidi não tinha motivo algum para duvidar dele. Será que de fato estava tentando seduzi-lo? Jamal não sabia decidir se aquilo o agradava ou preocupava. Alcançaram a garagem, e as portas do elevador se abriram. O calor o atingiu como um golpe. Com uma temperatura lá fora passando dos trinta graus e com as áreas abertas para ventilação, o frio do ar-condicionado não tinha a menor chance. Heidi lançou-lhe um sorriso rápido, em seguida procurou na bolsa pelo bilhete de estacionamento. Aquela foi a primeira vez que ela conseguiu dar dois passos sem cambalear, notou Jamal, sorrindo. Não tropeçou nem pendeu para o lado, apenas caminhou com a graça e elegância de uma bela jovem usando saltos altos. A saia curta balançava em torno de suas coxas enquanto ela andava. Entretanto, ele não foi o único que notou. Três funcionários do estacionamento pareceram se materializar, todos eles querendo atendê-la, procurando pela chance de trazer o carro ate Heidi. A única boa notícia, era que ela parecia ignorar por completo a sensação que causava. Jamal passou o braço em torno dos ombros dela, um gesto designado para proteger e se apossar., Em seguida, lançou aos rapazes um olhar de advertência. Eles recuaram. Após ter pegado o bilhete da mão dela e entregado a um dos atendentes, o príncipe a impeliu em direção aos elevadores, e apertou o botão de chamada. — Você ficará mais confortável lá em cima. Está muito quente aqui na garagem. Quando ela se curvou para ajeitar a tira da sandália, Jamal viu o vale tentador entre os seios firmes. Aquecido pelo desejo, deixou que o olhar descesse pela cintura estreita que ele poderia rodear com as mãos, e para os quadris arredondados. As pernas eram longas e bem-torneadas, e os pés, tão delicados quanto os de uma criança. — Na verdade, estou vestida para agüentar o calor — disse ela, com brilhantismo, mais uma vez se esquecendo de disfarçar a voz. — Está dando para ver. Precisava levá-la de volta para a segurança da suíte. Se Heidi se recusasse, teria de confessar que descobrira a farsa, para fazê-la cooperar. — Mas aqui não é lugar para uma moça como você. O leve tom autoritário a fez curvar as sobrancelhas. — Como eu? — Sim. Delicada, sensual e muito bonita. — Ele a encarou, e então riu. — Estou grato ao desuno por ter feito com que nos conhecêssemos. —Está?

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— Estou. Você não? Heidi o encarou com os olhos verdes ainda lacrimejantes, mas parará de piscar. — Não sente a mão da Providência em tudo isso? — O príncipe concentrava-se nela, mas estava ciente da audiência interessada nos dois. — Sendo assim, quer tornar a me ver? — Quero. Muito. Heidi engoliu em seco. —Eu também. Pode vir me apanhar aqui no hotel. — Entrarei em contato. As portas se abriram. Jamal a impeliu para dentro do ascensor antes de apertar o botão de seu andar. Em seguida, Heidi se foi. Jamal ficou parado no mesmo lugar, sentindo como se estivesse apostado corrida com um caminhão. Continuava confuso com tudo aquilo. Um dos dois ali era maluco, e podia afirmar com certeza que não era ele. — Seu carro, senhor. Jamal voltou-se e viu seu novo Lamborghini prateado estacionado a sua espera. Deu uma gorjeta ao atendente e escorregou para o assento atrás do volante. Não notou os bancos forrados em couro, ou o painel de controle. Mal percebeu o ronco suave do motor quando girou a chave e pisou de leve no acelerador, dirigindo-se à saída. Estava por demais transtornado pelo misterioso jogo de Heidi Ela estava a fim de quê, afinal? Heidi dançava, muito alegre, no meio do harém Parou para abraçar Fátima. — Consegui! E não foi tão terrível. Bem, só um pouquinho, mas não tropecei nem caí. Estou certa de que consegui! Fátima abraçou-a com força e em seguida soltou-a. — Eu sabia que conseguiria, querida. Mas agora sente-se aqui e me conte. Quero saber de todo os detalhes. Heidi acomodou-se no sofá. Estava de óculos já havia lavado os cabelos, retirando a tinta vermelha. Usava um de seus costumeiro vestidos, e nos pés, as sapatilhas confortáveis de sempre. — Fiquei tão nervosa, Fátima... E aquele traje não era nada confortável. Mas Jamal gostou. — Fez uma pausa, lembrando-se da inicial relutância dele, que custou a relaxar, mas, no fim, tornou-se bastante amigável. Fátima se sentou ao lado dela. — Espero não ter falado demais sobre o irmão que inventei. Por um momento, achei que Jamal fosse querer conhecê-lo. Graças a Deus isso não aconteceu! — Então ele passou o braço em torno de seus ombros na garagem? — Sim, Fátima. Achei estranho. De uma hora para outra, resolveu ser doce. E insistiu para que eu voltasse para a suíte, dizendo que ali não era lugar para uma mulher como eu. Fátima sorriu. -- Excelente! — Por que diz isso? 63

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A rainha meneou a cabeça. — Você é mesmo inocente. Quem mais se encontrava na garagem com vocês? — Só os atendentes. Nós éramos os únicos clientes. — Foi o que pensei. Jamal deve ter notado que você chamava a atenção usando aquela roupa, e ficou enciumado. Por isso insistiu para que retornasse aos seus aposentos. — Acha mesmo que foi isso? Heidi não tinha certeza se aquilo era verdade, mas a idéia a agradou. Afinal, havia passado a vida toda sendo uma moça simples, e era prazeroso saber que alguém a achava atraente. Sobretudo em se tratando de Jamal. — Quer dizer que o plano foi um sucesso? — Acredito que sim, Fátima. Jamal disse que entraria em contato. Na verdade, o príncipe confessara que queria tornar a vê-la, e o modo como a fitara ao dizer isso a deixara sem fôlego. A recordação a fazia tremer. Heidi fizera-se notar por Jamal. Está bem, na verdade não fora ela, mas já era um começo. Pelo menos, estava aprendendo a conhecê-lo melhor e ajudaria a informação para fazer com que o marido gostasse mais da esposa. Pensando bem, o plano tinha algumas falhas, mas Heidi pretendia corrigi-las. — E aposto que você gostou muito de ouvi-lo dizer isso... — Fátima brincou. — Mais do que qualquer outra coisa — confessou Heidi, nos lábios um sorriso sonhador.

CAPÍTULO VIII Jamal observava Heidi arreliar seu irmão. Costumava achar graça em vê-la embaraçar Malik, Ela era a única pessoa no planeta capaz de intimidar o herdeiro da coroa. Mas, naquela noite, a conversa deles não o preocupava, e sim o fato de que, fazia menos de cinco hora;;, sua mulher se encontrava em uma suíte de hotel, fingindo ser outra pessoa. Para tornar as coisas ainda mais confusas, Jamal estava tendo dificuldade em conciliar aquela que vira naquela tarde com a garota sentada diante dele, à mesa. Honey vestira-se para seduzir, e usando aquele vestido vermelho e intensamente sexy. Estava fantástica, sorrindo e bancando a fatal com seu modo de caminhar sensual e sua sandália de salto altíssimo, isso para não mencionar as coisas que disse. No entanto, Heidi não era nada daquilo. Vendo-a agora, Jamal percebia que ela continuava sendo a pessoa simples que sempre fora. Se ele não tivesse presenciado sua performance, não acreditaria que fosse capaz de vestir-se e portar-se daquela maneira. Heidi o fitou por um instante, e em seguida voltou-se de novo para Malik, ciente do modo como o marido a observava. Jamal procurou ficar atento a conversa, embora o que

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mais desejasse era desvendar o intrigante quebra-cabeça que era a jovem com quem se casara. - Os antigos príncipes herdeiros de El Bahar tiveram uma longa história de glórias em combates, Malik. Por exemplo, no século treze, o filho de um rei derrotou sozinho um exército de três mil homens. Malik quase engasgou com a água que tomava. — Um homem contra três mil?! EIa deu de ombros. — E o que dizem os textos. — Ridículo! Nenhum ser humano conseguiria Combater sozinho um exército desse tamanho. Não sem contar com a ajuda da moderna tecnologia, o, mesmo assim, seria difícil. — Creio que naquele tempo os príncipes eram mais durões — disse ela, com um suspiro, como se a tragédia da desintegração dos padrões fosse uma grande perda pessoal. Jamal conteve uma risada. Notou que o rei e Khalil também pareciam estar se divertindo. Só Malik não via humor na conversa. — Muito me admira você acreditar nessas crendices — resmungou Malik. Heidi o encarou com total inocência. — Desculpe-me, cunhado, mas estou dizendo que você não é... Ele levantou-se, interrompendo-a. — Não diga isso! Jamais diga isso! Sou bastante rapaz de dar conta de meus deveres como príncipe herdeiro de El Bahar! — Claro. Ninguém está dizendo que não é -Heidi murmurou. — Muito menos eu. Acredito que seja... embora com algumas limitações. Malik ia protestar, mas desistiu ao notar que todos o observavam e se divertiam a sua custa. — Controle sua esposa, Jamal — disse, tornando a sentar-se. — Você precisa trabalhar seu estado de espírito, meu irmão. — E fácil falar... Você não tem uma nova irmã a sua volta lhe dando indiretas sobre não estar preparado para governar o país. Heidi pegou a xícara de café e olhou para o herdeiro do trono de El Bahar. — Apesar de tudo, Malik, acho que você esta fazendo um belo trabalho. — Se crê que dizendo isso me fará dormir mais; sossegado... Decidido a intervir, o rei Givon inclinou-se para a frente e uniu as mãos. — E um prazer vê-los todos reunidos à mesa. Meu filho caçula está casado com uma mulher maravilhosa, embora tenha feito isso sem minha permissão. Mas, agora que a conheço, posso afirmar que ele não poderia ter escolhido melhor. — Obrigada — disse Dora, enquanto Khalil pegava sua mão e levava aos lábios. — Khalil e Dora já me deram um neto, e há outro a caminho — continuou Givon. — Jamal também se casou, e sei que é apenas uma questão de tempo, até que ele e Heidi me dêem mais um neto. 65

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Heidi sentiu o rosto arder e baixou a cabeça para que ninguém notasse. Jamal olhou para Malik e riu. Você sabe aonde toda essa conversa levará, não sabe? Malik mirou os irmãos. Vocês dois estão casados, e nosso querido pai devia contentar-se com isso, pois, por ora, pretendo continuar solteiro. — Malik tornou a levantar-se e fez uma ligeira reverência ao rei. — Desejo-lhe boa noite, Majestade, Givon franziu o cenho. - Não conseguirá escapar para sempre do treinamento. — Talvez não, mas posso adiá-lo. — E, em seguida, se foi. Pouco depois, o jantar foi encerrado. Jamal seguiu a caminho da suíte ao lado de Heidi. Mais uma voz comparou-a com à mulher com quem estivera naquela tarde. Uma coisa ficou clara: andou subestimando-a, de várias maneiras, e agora morria de curiosidade a respeito dela. Embora pretendesse conhecê-la melhor, até aquele momento Jamal não fizera nenhuma tentativa para alcançar seu intento. — Como estão indo suas aulas de equitação? - indagou, ao entrarem nos aposentos. Heidi voltou-se para encará-lo. — Eu as cancelei. — Por quê? Perdeu o interesse? — Não. Gosto muito de montar, mas cavalgar só dentro do curral não é nada estimulante. — Será bem-vinda, se quiser cavalgar comigo uma manhã dessas. O semblante dela iluminou-se com um sorriso satisfeito, como se Jamal tivesse lhe oferecido ti mundo inteiro. — Quer mesmo que eu vá com você? — Lógico. Você é minha esposa. E importante que passemos algum tempo juntos, nos divertindo O sorriso dela desapareceu. — E assim que penso... Mas, depois do casamento, cheguei a imaginar que você queria distância de mim. — Pois saiba que se enganou. Ficarei feliz em cavalgar em sua companhia. Olhou para seu rosto jovem. Seus olhos eram tão transparentes... Podia ler a esperança nele seus temores, suas preocupações com tanta nitidez, como se Heidi estivesse falando sobre todas aqueIas emoções. — Sei que cometi vários erros. — Não. Você cavalga muito bem. Ela sorriu. — Estou me referindo a você. Jamal suspirou. — Não existe esta ou aquela maneira de conhecermos um ao outro, Heidi. Há só um modo, o nosso, e será como queremos que seja. Heidi assentiu. — Não sou como Yasmin...

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— Não vejo nenhum problema nisso. Não quero outra mulher igual a ela em minha vida. — Espero que esteja certo quanto a encontrarmos um caminho para nós dois. Eu gostaria muito que isso acontecesse. Antes que Jamal percebesse, Heidi se pôs na ponta dos pés e beijou-o na face. No instante seguinte, se afastou. Jamal tentou adivinhar do que é que eles estavam falando, ao vê-la se distanciar, até que a porta fechou-se atrás de Heidi. Tinha a impressão de que estava havendo um terrível mal-entendido entre eles. Heidi parecia muito preocupada em competir com Yasmin. Talvez devesse dizer-lhe que já a tinha vencido. Foi até o terraço e olhou para o oceano que se loscortinava dali. Pensou em Yasmin e sobre seu desejo de desfrutar tudo o que a união podia oferecer. Queria tudo, menos ele. A ela só o que importava eram as festas, as jóias, as roupas e os casacos de pele. Por outro lado, Heidi não parecia interessada por essas coisas. Desde que se casaram, não saíra uma só vez para fazer compras. Pelo menos, não para si mesma. De repente, a realidade tornou-se evidente. Jamal ia passando tudo o que ocorrera naquela tarde. A voz rouca e sensual, o vestido provocante... Heidi estava tentando conquistá-lo, mas não sendo ela mesma, .julgava não ser capaz de fazer isso, e resolveu inventar outra mulher para fazer-se notar. Alguém que supostamente era tudo o que não conseguia ser. Jamal, que sempre acreditou que as jovens não queriam os príncipes como pessoas, encontrara uma mulher que tinha dinheiro e posição, e, no entanto, desejava algo mais. Ele! Na manhã seguinte, Jamal continuava longe de entender por que Heidi queria conquistá-lo Seria mesmo que era esse seu objetivo? Podia ser esse apenas um desejo secreto dele. Mas, fosse como fosse, queria que o relacionamento deles se tornasse agradável, tanto para ele quanto para Heidi, embora não pretendesse tornar a se apaixonar. Sua paixão por Yasmin o tornara vulnerável, tanto que permitiu que ela brincasse com seus sentimentos, que o fizesse de tolo Pôs-se a caminhar de um lado para o outro em sua sala, e mais uma vez repassou tudo aquilo que Heidi fizera para criar aquela charada. Existiam muitos detalhes que precisava entender. Como foi que ela conseguira colocar as mãos em seu Lamborghini? A grande ironia era como Jamal havia ficado tão perturbado com aquela maluquice que quando, por fim, entrara no veículo, mal notara que estava dirigindo seu novo automóvel. Nem uma só vez na vida uma mulher lhe causara aquela espécie de entorpecimento. O que não respondia a sua pergunta. Como Heidi conseguira levar o carro para o estacionamento do hotel? Na certa não tinha agido sozinha. Passou pela mesa e parou diante da janela olhando para os jardins. Quem a teria ajudado. Dois nomes de imediato lhe ocorreram: Fátima e Dora. Na verdade, tinha uma vaga lembrança de ter ouvido histórias sobre o passado de Fátima o seu marido, o falecido rei, seu avô, e como o conquistara, fazendo-se passar por uma das mulheres que na época viviam no harém.

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Claro! Sua avó tinha tudo a ver com aquela farsa, e devia ter as respostas de que ele precisava. .Jamal se aproximou da mesa e pegou o telefone. Ligou para o harém e pediu a Fátima para vir vê-lo o mais rápido possível. A avó concordou de imediato. Afinal, o neto não poderia ir até ela. Nenhum homem tinha permissão de atravessar aquelas portas, a não ser que fosse eunuco. Nem mesmo o rei podia entrar naquela parte do palácio. Jamal pensou em trabalhar um pouco ao aguardá-la, mas abandonou a idéia. Não tinha a menor disposição para o trabalho, queria apenas descobrir a verdade. Depois da conversa com Fátima pretendia passar algum tempo com Heidi, tentar saber mais sobre a mulher que se dispôs a fazer tudo aquilo para chamar sua atenção. A questão era: quem ele queria ver? Heidi ou i sensual Honey Martin? — Não sei do que está falando, Jamal — disse Fátima, meia hora depois, sentada em uma das poltronas de couro no escritório do neto. O príncipe providenciara seu chá favorito e uma porção dos biscoitos ingleses que a avó tanto apreciava. Naquele momento, Fátima mordiscava um deles. — Quero saber o que está acontecendo, vovó. Não levou muito tempo para eu descobrir que Honey Martin era uma personagem. Heidi pode ser muitas coisas, mas jamais uma femme fatale. —E isso é tão ruim? Nós já tivemos uma na família. Jamal sabia que ela se referia à primeira esposa de Malik, a mulher cujo nome ninguém ousava pronunciar em voz alta. — Não estou me queixando. Só fiquei curioso Quero saber por que Heidi achou que precisava fazer o que fez. Com essa informação, espero descobrir uma melhor maneira de lidar com a situação. Estou em dúvida... Não sei se devo dizer a ela que descobri tudo. Fátima suspirou. — Bem, eu e Dora a ajudamos a se transformar na adorável Honey Martin, porque Heidi estava convencida de que de outra maneira jamais o conquistaria. A pobrezinha se considera uma nulidade na arte de seduzir um homem. — Então, Heidi quer me seduzir? — Jamal era incapaz de acreditar que estava tendo aquela conversa com sua avó. Fátima tomou um gole. — O que acha? Ela está sofrendo e se culpando por ter causado um terrível malentendido entre vocês dois, e quer reparar o seu erro. No início, recomendei uma conversa séria entre vocês dois, mas, quanto mais eu pensava em modificá-la, mais gostava da possibilidade. Julguei que Honey Martin serviria para dar autoconfiança a Heidi como mulher, que é uma garota brilhante, fala bem, é divertida, mas ainda não percebeu que na verdade é bastante atraente sendo ela mesma. Fátima lançou-lhe um olhar severo. — Eu confiava que você fosse capaz de enxergá-la, apesar das roupas sem graça que usa, e que perceberia o quanto sua mulher é charmosa. — E acha que não sei disso? — disse ele, não se negando a admitir que fora um cego no que dizia respeito aos atributos físicos de Heidi, até que ela ou deixou à mostra, usando aquele vestido vermelho. 68

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Fátima não pareceu convencida. — De qualquer modo, alguma coisa precisava ser feita para que vocês dois se acertassem. Agora que você tem a faca e o queijo na mão, mostre a sua esposa, o quanto ela é desejável. —Acha que devo entrar nesse seu jogo de sedução? Fátima sorriu. — Só se você estiver disposto a se deixar seduzir. Sendo Heidi a sedutora, Jamal estava mais do que disposto a se deixar seduzir. No entanto, tinha mais dúvidas sobre a habilidade dela quanto a saber o que fazer. Ele, decerto, teria de lhe dar algumas dicas. Fátima pousou a xícara sobre a mesa. — Seja gentil, Jamal. Heidi é uma fortaleza em muitas áreas, mas não nessa. Não quero que a magoe. Com minha experiência, posso afirmar que poucos casamentos de conveniência começam com a mulher tão determinada a conquistar a afeição do marido. Esse é um ponto importante a seu favor. — Tentarei não me esquecer disso. Fátima inclinou-se para a frente e tocou o braço do neto. — Sei que seu enlace com Yasmin foi um desastre, querido. Você tentou com todo o empenho esconder isso, mas todos nós sabíamos que não era feliz com ela. — Fátima fez uma pausa, como :se procurasse pelas palavras certas. — Mas não permita que as mágoas passadas arruínem sua felicidade. Não dê as costas a Heidi por causa de uma tola promessa que fez de não tornar a se apaixonar. Jamal não respondeu, porque não sabia o que dizer. Fátima estava certa. Ninguém na família sabia ao certo o que acontecera entre ele e Yasmin. A avó também acertara quanto à promessa que Jamal fizera a si mesmo de nunca mais apaixonar-se — Amar ou não amar Heidi não é o maior dos meus problemas, vovó. Primeiro, preciso descobrir como entrar em contato com a luminosa Honey Martin. Fátima piscou, marota. — Acredito que a encontrará registrada no mesmo hotel onde a encontrou ontem. Sendo assim, peça para ligarem para seu quarto. Ela atenderá à ligação. Jamal a fitou, espantado. — Mas Heidi não se encontra no hotel. — Eu sei. Essa tal tecnologia moderna não é uma maravilha? — Li há pouco um artigo muito interessante na revista Fortune. Falava sobre o poder atrás do poder — disse Heidi, ou melhor, a srta. Honey Martin, no dia seguinte, enquanto ela e Jamal aguardavam que o almoço fosse servido na sua suíte do hotel. Jamal recostou-se no confortável sofá branco e estudou a mulher, que, na verdade, era sua esposa. Na véspera, ela usara vermelho, mas naquele dia trajava calça comprida e camisa, e parecia combinar com a decoração toda branca da sala de estar. Na teoria, os dois trajes, eram totalmente diferentes. Na prática, eram bem parecidos. Ambos foram designados para destruir a paz de espírito de um homem. Honey encontrava-se sentada na poltrona diante dele. A calça era bastante normal, exceto por não começar na cintura, e sim abaixo do umbigo delicioso, decorado com um minúsculo aro dourado. A blusa era apenas uma faixa de tecido stretch nobre os seios fartos. A combinação de pele à mostra e partes cobertas distraíam a atenção de Jamal, embora não tanto quanto as mechas ruivas, presas com displicência no alto da cabeça. O 69

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penteado dava a impressão de que ela acabara de sair da cama e pegou para vestir a primeira peça de roupa que lhe chegou às mãos. Heidi parecia ter se ajustado melhor às lentes de contato, porque agora piscava bem menos. Ela provocava sem nem ao menos tentar fazer-lo. Quando Jamal chegou à suíte, precisou se conter para não tomá-la nos braços e beijá-la. Gostava do fato de ela se importar tanto, a ponto de fazer aquele sacrifício por ele. Determinara-se a responder e ela desejava que respondesse. — Você não está me ouvindo... — queixou-se ela. O batom rubro deixava seus lábios cheios e sedutores. — Claro que estou. Estava falando sobre o poder atrás do poder. Não apenas a ouvira como também lera aquele artigo, assim como o restante da revista. Lembrava-se de tê-la deixado na sala de estar da suíte, na semana anterior. Era óbvio que Heidi a pegara e lera. Estaria tentando impressioná-lo com seus conhecimentos sobre negócios? Jamal preferia que falassem sobre algo mais pessoal. — Então, Honey? Esta gostando de El Bahar? — Muito. Ainda não tive a chance de conhecer tudo, mas adorei o que vi. E fabuloso o contraste do mar com o deserto, para não mencionar a intrigante combinação do moderno com o antigo. Gosto sobretudo do distrito financeiro. Foi uma surpresa descobrir o quanto aquela região é elegante, embora seja tão funcional. Ela fez o último comentário fitando-o através dos cílios longos e espessos. Jamal quase riu. Como Honey, ela falava como uma turista, mas como Heidi estava ciente do quanto ele colaborara para o desenvolvimento de El Bahar, que era considerado como sendo o maior centro financeiro do Oriente Médio. — Fico feliz que tenha gostado. Costuma viajar muito? — Oh, não muito — disse ela, sem pensar. — Nos últimos anos tenho estado muito ocupada com os estud... Heidi interrompeu o que ia dizendo, como se tivesse lembrado quem ela era. — Mas tenho viajado bastante. Adoro estar em lugares diferentes em diferentes épocas do ano. Paris, Londres, Los Angeles... — Sorriu. Jamal assentiu. — Sua família deve sentir sua falta quando se ausenta. — Sim... Mas meus irmãos, ao contrário de mim, estão sempre em casa. — Eles são casados? Heidi engoliu em seco. — Quer mesmo falar sobre meus familiares? — perguntou ela, a voz agora levemente rouca. Sempre se esquecia de que devia manter aquele tom. • - Não prefere falar sobre... nós? — Existe um nós? — Não gostaria que existisse? — Para ser sincero, gostaria, embora ache que primeiro precisamos nos conhecer melhor. Que tal começar dizendo qual é seu tipo preferido de homem? Heidi piscou várias vezes. 70

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— Meu tipo preferido? — Sim. Você deve ter alguma preferência. Alto, baixo, loiro, moreno... Esse tipo de coisa. — Jamal estendeu o braço ao longo do encosto do sofá. — O que espera de um amante? — O que eu espero? — Ela mordeu o lábio, recostou-se melhor e cruzou os braços. — Alguém que seja agradável, claro. Ele ergueu as sobrancelhas. — Só agradável? — Sim, por quê? — Não sei. Os amantes são seus. — Está bem. Gentil e agradável. — Fez um vago gesto com a mão. — Bem, você sabe... — Na verdade, não sei. Por que não me fala sobre seu último amante? Ou será que tem um? — Não, não tenho. O último deles me decepcionou bastante... Estou dando um tempo. Jamal não queria pressioná-la, mas não pôde evitar o desejo de atormentá-la. Além disso, desejava de fato saber o que Heidi desejava em um homem. — E bom saber que está livre... — Sim, eu também acho. — Heidi suspirou. — Meu último namorado era italiano. Chamava-se Jacques. — Jacques? Não é um nome francês? — Eu. disse italiano? Jamal assentiu. — A mãe dele era francesa. — Onde o conheceu? Heidi fez uma pausa. — Esquiando. Jacques é instrutor de esqui. — Deu de ombros. — Foi um desses namoros de férias, — Gstaad? — Quem? —A estação de esqui. Você o conheceu em Gstaad? — Lógico. Onde mais seria? Heidi levantou-se e apontou para a garrafa do vinho dentro do balde de gelo sobre a mesa. — O serviço de quarto deste hotel é bem demorado. Devo abrir a garrafa de vinho ou tentar saber por que estão demorando tanto para trazer o almoço? Jamal não conteve o sorriso. — Eles não estão demorando. Pedi que aguardassem, para que tivéssemos chance de... conversar. — Ah, sei... — Ela se moveu, parecendo pouco à vontade, sem decidir se devia sentar-se ou não, ou ainda, se devia sair correndo dali. Jamal decidiu ajudá-la. Inclinou-se para a frente e bateu na almofada ao lado. 71

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— Sente-se aqui, Honey. Os olhos dela se arregalaram, e Heidi piscou sem parar, como se uma das lentes tivesse saído do lugar. — Aí? — Sim, bem perto de mim. Ela deu uma risadinha nervosa e contornou a mesa. Se Heidi fosse outra pessoa, Jamal teria assumido que aquilo que aconteceu a seguir tinha sido planejado. Mas aquela era Heidi, e ela continuava tão inocente como no dia em que nasceu. Quando sua mulher tropeçou no tapete, ele soube que foi um acidente genuíno. A subseqüente queda a atirou direto no seu colo. — Isto não foi programado, Alteza. — Eu sei, Honey. Foi um feliz tropeção. Heidi desistiu de tentar se levantar e o fitou, Intrigada. Os lábios dele se curvaram, e seus olhos se estreitaram, brilhando sob os cílios espessos, um olhar repleto de segundas intenções. A inocência não pressupõe, necessariamente, ausência de perspicácia, e Heidi não pôde deixar do detectar, na maneira como Jamal a fitava, o intenso desejo que não fazia questão alguma de esconder. Respirou fundo. — Feliz? Por quê? Jamal gargalhou, sem se desviar dos lábios dela. e, em vez de responder, decidiu lhe mostrar. Tomou-a nos braços e, com muita gentileza, apossou-se da boca tentadora.

CAPÍTULO IX Heidi só pensava em sair do colo d Jamal, mas mudou de idéia quando ele começou a beijá-la. No momento em que marido roçou os lábios firmes nos seus, de repente trêmulos, ela não desejou mais afastar-se. Estranho como, em questão de segundos, o que parecia ser tão embaraçoso passou a ser tão natural... Heidi pestanejou, com um arrepio, ao sentir que os braços dele envolviam-na pela cintura e a prendiam em um abraço. Sua garganta fechou-se, e teve de engolir em seco, respirando fundo, quando Jamal a apertou, pressionando-a contra o próprio corpo. O peito firme e musculoso acolheu os seios dela, macios e sensíveis. Heidi deixou escapar um gemido. Lá dentro, em suas entranhas, em algum lugar de que jamais tomara conhecimento, uma agitação diferente instalou-se, irradiando calor. Em um movimento instintivo, Heidi mexeu os quadris, procurando libertar a tensão, e, ao fazê-lo, comprimiuse contra as partes íntimas de Jamal. — Deus do céu! — As palavras foram murmuradas com veemência, soando como um clamor nos ouvidos dela, que se assustou. Então, ele se inclinou, a virilidade despertada. — Deixe-me ir...

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Quando conseguiu protestar, seu pedido soou tímido, sem a intensidade pela qual Heidi esperava. Semicerrou as pálpebras, vendo o rosto de .Jamal crescendo em sua direção. Estava tão perto que Heidi podia ver os matizes de marrom, preto e verde que compunham suas íris escuras. Incerta quanto a ser permitido, sem saber se teria coragem para tanto, devagar ergueu a mão e acariciou a face dele. A pele bronzeada era suave e macia após o recente barbear. Jamal, de imediato, pegou seu pulso e beijou-lhe na palma. — Quem é você, Honey Martin? — indagou, rouco. — O que está fazendo em minha vida? Ela sorriu. — Não sei. — O que farei, agora que tenho você? — Você me tem? — Não ainda, mas acredito que terei. Era inacreditável que eles estivessem tendo uma conversa tão excitante, tão sensual. Heidi sabia apenas que não queria que terminasse. Estava adorando se aconchegar no colo de Jamal. Não importava o fato de estar tão insegura. Graças a Deus, ele não parecia notar. Jamal tornou a beijá-la, segurando-a firme pela nuca. Dessa vez, ela entreabriu os lábios. Heidi era um pedaço de mau caminho, a mais tentadora criatura que o príncipe já abraçara. Estava louco para tocá-la, queria sentir seu sabor. E, então, ela correspondeu ao beijo, a respiração arfante passando por entre os lábios carnudos. A tentação foi tanta que ele não pôde resistir. Notou que Heidi fechava os olhos, quando inclinou-se sobre ela, ouviu-lhe o gemido contido. Pousou os lábios nos dela, a língua ávida por sorver-lhe o gosto, por apropriar-se da intimidade da sua boca. A mão dele fechou-se em torno de seu seio, segurando-o com gentileza. Ondas de prazer a percorreram, com uma intensidade que a fez gemer. Heidi não sabia que tocar assim outra pessoa pudesse ser tão incrível. Sem pensar, apossou-se da língua de Jamal e sugou-a. Ele respondeu, acariciando-lhe sensualmente os mamilos. Houve uma pequena explosão de intenso prazer em seu interior. Entre as pernas Heidi sentiu uma súbita umidade. Aquilo não podia estar acontecendo com ela. Não imaginava que podia ser possível. Estava sendo a melhor experiência de sua vida. Jamal afastou a mão e interrompeu o beijo. Heidi desejou trazê-la de volta e colocá-la sobre si, mas não sabia se seria permitido. Antes que Heidi se desse conta, Jamal ergueu-a do colo e colocou-a sentada a seu lado no sofá. — Eu não entendo... — disse, preferindo continuar sentada perto dele, a arriscar levantar-se com pernas tão fracas. Jamal pegou seu rosto com as mãos em concha, e em seguida beijou-a de leve. — Preciso voltar para o palácio. 73

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— Precisa mesmo? Ele estava indo embora?! Mas... mas... Então não tornariam a se beijar? — E quanto a nosso almoço, Jamal? Não vai esperar por ele? — Não vim aqui para almoçar, e sim para vê-la. — Oh! — O que Heidi deveria dizer em tal situação? — Tornarei a vê-lo? — Claro.—Deu-lhe um beijo na testa e levantou-se. Em seguida, Jamal se foi. — E agora? — Heidi fitava a porta pela qual seu marido acabava de passar, mais confusa do que nunca. O plano estava funcionando. Jamal se mostrava muito atraído por ela, ou melhor, por Honey. As carícias trocadas provavam isso. E que beijo! Levou os dedos aos lábios intumescidos. Jamal a fazia sentir coisas que jamais sentira. Tocara-a de um modo como ninguém jamais havia tocado, e Heidi gostou, sobremaneira. Tanto que queria mais. Só que... Jamal estava interessado por outra mulher, e não por Heidi, sua esposa. Ela e Honey eram a mesma pessoa, mas o príncipe não sabia disso. Isso significava que a estava traindo... com ela própria. — Não sei se de fato fiz algum progresso ou se confundi ainda mais as coisas entre nós — Heidi disse a si mesma, ao dirigir-se ao banheiro, para tirar a fantasia de Honey e voltar a ser ela mesma. Ainda assim, a resposta apaixonada dele a enchia de esperanças. Jamal não parecia mais tão ligado ao passado. Talvez ele estivesse fingindo. Quem sabe... — Pare com isso! — ordenou, ao entrar na imensa banheira.— Jamal a beijou, você gostou, e fim da história! Três dias depois, Heidi se encontrava sentada em sua cama, no palácio, estudando alguns papéis. Costumava ser capaz de se esquecer de tudo e concentrar-se no trabalho, mas, nos últimos tempos, vinha tendo dificuldade em fazer isso. Abandonou as cópias dos antigos documentos. Não quis carregar os frágeis manuscritos originais para o quarto, temendo arruiná-los. Porém, sua situação atual não permitia que trabalhasse no escritório. Afinal, queria estar disponível para falar com Jamal, se ele ligasse para Honey, usando a linha particular que Fátima mandara instalar. Elas discutiram sobre colocar uma extensão em seu escritório, mas Heidi não quis fazer isso, temendo ter de responder a perguntas. Afinal, que motivo teria para querer uma linha particular que não passasse pela recepcionista? Sendo assim, lá estava, trabalhando sobre o leito, em vez de em sua sala, incapaz de concentrar-se em outra coisa além do telefone. Estremecia toda vez que o ouvia tocar, e, após ter falado com Jamal, não conseguia mais parar de sorrir. Pelo menos Jamal alimentava suas fantasias, telefonando todos os dias. Haviam marcado um novo almoço no final da semana. Dessa vez, ele prometeu ficar e almoçar. Com os nervos à flor da pele só de imaginar que em breve estaria com ele, e que talvez o beijasse, Heidi não tinha certeza se conseguiria comer alguma coisa.

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Naquele dia, Jamal ainda não havia chamado, e, sendo assim, ela permanecia nos aposentos. — O que está fazendo aqui? Heidi ergueu os olhos e sobressaltou-se ao deparar com Jamal, que acabara de chegar. Olhou em torno do aposento, para certificar-se de que não deixara nada que pertencesse a Honey espalhado por ali. — Nada... Apenas trabalhando. — Aqui dentro? Não ficaria mais confortável em sua sala privativa? Jamal parará à soleira, alto, bonito e impecavelmente vestindo. O tecido cinzento do terno que usava enfatizava o brilho de seus cabelos escuros, e a camisa branca intensificava o tom bronzeado de sua pele. Heidi deu de ombros. — Lógico que ficaria. — Então por que está fazendo seu serviço aqui? Ora! Porque Heidi não esperava que ele viesse procurá-la e não tinha uma desculpa preparada para dar. E também não sabia mentir, por isso, precisava raciocinar rápido. — Bem... Gosto da vista daqui, e poder olhar para o oceano. Ele me ajuda a pensar. Trabalhar aqui é uma inspiração. Jamal entrou no dormitório, em seguida olhou em torno. — Mas, Heidi, as janelas aqui dão para o jardim. Ela fitou à esquerda e viu que Jamal tinha razão. — Não me refiro às janelas daqui, e sim às do living. E para lá que vou quando preciso de inspiração. Jamal nada disse. Em seguida deu de ombros. — Eu trouxe algo para você. — Tirou um disquete do bolso do paletó. — Lembrase daquele general sobre quem me falou? Aquele que estava na guerra, distante da mulher grávida? Heidi largou os papéis e endireitou o corpo. — Claro que lembro! Jamal abanou o disquete na direção dela. — Acontece que nosso departamento de defesa também está interessado em preservar a história de El Bahar. Eles têm um site com arquivos contendo a história de nossos militares e grandes heróis. A vida desse general também está lá. — Sorriu estendeu-lhe o disquete. — Não posso acreditar! — Ele conseguiu voltar para casa, e estava lá quando nasceu o primeiro dos oito filhos que tiveram. Na verdade, a neta mais velha do casal casou-se com um príncipe da família real... um nosso parente distante. Heidi não sabia o que dizer. O gesto carinhoso de Jamal tocou-a fundo. O marido não havia esquecido a conversa que tiveram, e fora ele mesmo procurar pela informação. — Não sei como agradecer, Jamal. Você é muito gentil... Fiquei muito contente.

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— Não precisa agradecer. Foi um prazer. Um brilho estranho surgiu nos olhos dele, que Heidi não soube identificar, mas despertou nela as lembranças dos beijos que trocaram. 364 SOB O SOL DO DESERTO Jamal contornou a cama e deu um passo em direção à saída, como se fosse deixála a qualquer momento. — Está com pressa, Jamal? Se não, eu poderia lhe oferecer um café, ou talvez uma bebida... A não ser que precise ir. — De fato, preciso, mas isso não impede que eu fique mais um pouco e tome café com você. — Ele sentou-se na beirada da cama. O colchão afundou sob seu peso, e Heidi se viu escorregando para perto dele, o bastante para que sentisse o calor emanando do corpo de Jamal. Gostou daquilo e também do perfume de sua colônia, tão masculina. Sorriu ao pensar que seria capaz de reconhecer seu marido no escuro, só pelo cheiro. — Como está se ajustando de volta a El Bahar, Heidi? A questão era tão diferente daquilo que ela estava pensando que levou alguns instantes para que respondesse: — Muito bem. Adoro este lugar. É onde sempre quis viver, apesar do calor. Levarei algum tempo para me adaptar a temperaturas tão elevadas, mas acabarei me acostumando. — O convite que lhe fiz para cavalgarmos juntos ainda está valendo. Costumo sair todas as manhãs, uma hora antes de o dia clarear. Gostaria de me acompanhar uma manhã dessas? — Eu adoraria! — Ótimo. Quando resolver ir, é só avisar... — Estendeu a mão para prender uma mecha atrás da orelha dela. — Sempre me esqueço de que você é sozinha no mundo. Não tem mais ninguém, além de mim, não é? — Tenho amigos — tratou de dizer, sem saber se ele estava sendo polido ou se sentia pena dela. — Desde que meu avô faleceu, Fátima e o rei têm sido como pais para mim. Os olhos escuros pareciam penetrar sua alma. — Eles a amam muito. — Eu tinha quatro anos quando meus pais faleceram, e não me lembro deles. Foram mortos durante um safári na África, quando o jipe em que viajavam sofreu um acidente. Vovô passou a cuidar de mim. Aquilo sempre a comovia, mas eram todas recordações boas, que a faziam se sentir segura. — Edmund foi um grande homem, um verdadeiro herói — afirmou Jamal. — Ele ajudou nosso país durante a Segunda Guerra Mundial. Heidi assentiu. — Vovô costumava me falar sobre a guerra, assim como seu pai.

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— Nós temos isso em comum... Meu avô e o seu eram amigos de verdade. — Jamal pegou a mão de Heidi e entrelaçou os dedos nos dela. — Havia muitos motivos para eu não resistir, quando meu pai sugeriu que nos casássemos, Heidi. Sabia que você ficaria feliz vivendo aqui em El Bahar. Entende nossos costumes, é inteligente, divertida e ama nosso povo... Além disso, tem uma adorável habilidade de fazer o futuro rei perder a calma. Heidi se emocionou e enrubesceu. — Não sei por que, mas, toda vez que tento melhorar as coisas com Malik, elas só pioram. — Você o desafia, e Malik precisa disso. Muita gente o leva a sério. Só espero que, quando ele tornar a se casar, que seja com uma moça que se iguale a ele, e que não se sinta intimidada por sua posição. Heidi o encarou. — Não lamenta o fato de ter sido obrigado a se casar comigo? — Nem um pouco. — Fico feliz em saber disso. Jamal inclinou-se em sua direção, fazendo o coração de Heidi disparar. Será que ele ia beijá-la como beijava Honey? Para sua grande decepção, ele beijou-a na face. — Vou deixá-la com seus afazeres. — Obrigada pelo disquete. Heidi esperava que seu desapontamento não estivesse estampado em seu semblante. Jamal se foi sem dizer mais nada. Heidi franziu o nariz. Seria ela? Devia ser mesmo muito sem graça e incapaz de atraí-lo sexualmente. Mas Jamal acabava de confessar que não lamentava estarem casados. No entanto, mesmo tendo se alegrado com a revelação, ela sabia que aquilo não seria suficiente. Era Yasmin, concluiu, pesarosa. A primeira esposa de seu marido ainda era dona de seu coração. Aquilo significava que Jamal continuaria sendo apenas amigo de Heidi, mas dormiria com Honey. No entanto, seu amor mais profundo o príncipe não daria a nenhuma delas. Não, decidiu. Devia haver um meio de mudar aquela situação. Heidi precisava ser capaz de competir com as lembranças de Yasmin e vencê-las. Continuaria procurando uma maneira de fazer isso, até achar o caminho. Decisão tomada, Heidi retornou ao trabalho. Procurou ignorar uma voz interior que perguntava por que era tão importante ter o afeto de Jamal. A mesma que também sussurrava que seria melhor que tentasse salvaguardar seus sentimentos, para não acabar se apaixonando por um homem que poderia não conseguir corresponder a seu amor. — Excelente! — Jamal largou o guardanapo ao lado do prato. Heidi deixou os talheres, esperando que ele não notasse que ela mal tocara a comida. Aquele era seu segundo encontro com Jamal, e ficou um tanto desapontada 77

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quando ele quis mesmo almoçar. Para ser sincera, esperava uma repetição dos beijos ardentes que trocaram na última vez. A antecipação dos lábios dele nos dela, de suas mãos tocando-a, tirou seu apetite. Jamal inclinou-se sobre Heidi. — Como eu ia dizendo, não existe época melhor na vida de alguém do que a da faculdade. Eles falavam sobre o período em que Jamal estudou na Inglaterra. Heidi meneou a cabeça. — Pelo jeito, você se divertiu bem mais do que eu. Não sei dizer quantas noites de sábado passei estudando. Jamal a fitou e sorriu. — Está falando sério? Não consigo imaginá-la trancada estudando numa noite de sábado. Heidi ia protestar, mas se conteve antes de cometer um grave deslize. Eles estavam falando sobre Honey, a femme fatale, não sobre a inocente Heidi. — Agora você me pegou. — Heidi deu uma risadinha. — Jamais troquei uma boa festa pelo estudo, e foi um espanto ter conseguido me formar. Ela ofereceu um sorriso falso e esperou que Jamal tivesse acreditado. Então, decidiu mudar de assunto, antes que estragasse tudo. — E quanto a seus irmãos? Todos estudaram fora, Jamal? Suponho que tem irmãos, não tem? — Tenho. São dois, e todos nós estudamos na Inglaterra. Embora existam excelentes faculdades aqui em El Bahar, nosso pai preocupava-se com o perigo de nos expor. El Bahar é uma bem-sucedida mistura do leste e do oeste, do velho e do novo, e foi o rei, meu pai, que conseguiu criar esse equilíbrio e é incansável na luta tentando mantê-lo. — Parece maravilhoso. Imagino que seja bem difícil para um filho seguir seu pai e ser um rei. — E é. Por nada no mundo eu iria querer para mim a responsabilidade que Malik tem sobre os ombros. Heidi estava tendo dificuldade em côncentrar-se na conversa. Os dedos dele pareciam tão fortes e calorosos, segurando sua mão... E, para dificultar ainda mais sua situação, Jamal posicionara sua poltrona bem em frente da dela, como se desejasse focalizar toda a atenção em sua pessoa. Jamal agora acariciava sua mão. — Papai sempre foi mais duro com Malik do que com os outros filhos. Khalil e eu podíamos faltar à aula de vez em quando, para cavalgar ou para jogar futebol, mas não Malik. — Jamal olhou a distância. — Ele foi treinado para jamais demonstrar fraqueza. Não importava o que acontecesse, Malik devia ser forte. — E sua mãe? O que ela achava de tudo isso? — Assim que fez a pergunta, Heidi se arrependeu. Nada sabia sobre a falecida esposa do rei, exceto que ninguém jamais a mencionava. Até mesmo Edmund mantinha um estranho silêncio a respeito disso. — Desculpe-me, Jamal. Não precisa responder, se não quiser. 78

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— Não há muito o que falar. Minha mãe morreu um ano após Khalil ter nascido. Não me lembro dela... O que recordo é meu pai sendo pressionado por todos para que tornasse a se casar. Ele sempre recusava, alegando que tinha amado uma grande mulher, e escolheu permanecer viúvo. — O rei deve ter sido louco por ela. — Mamãe era todo seu universo, de acordo com o que ouvi dizer. — Apertou os dedos de Heidi. — Meu pai é do tipo que ama de verdade, e só uma vez. Heidi não soube o que dizer depois daquilo. Desejou perguntar se era um traço de família, se ele, Jamal, pensava do mesmo modo. O príncipe também amaria apenas uma vez? Heidi não queria que fosse verdade. Se fosse, então ela estaria se esforçando por nada, porque Jamal jamais a amaria. Começava a temer que a amizade e a paixão não seriam suficientes. — Em que tanto pensa, Honey? — Em sua falecida esposa — confessou. — Li algo sobre você ter sido casado. — Prefiro não falar sobre o passado, se não se importa. — Por que não? — Porque não seria educado. Seu passado, para mim, está fora dos limites. Duvido que você seja do tipo que sai com alguém e espalha para todos o que houve. — Evidente que não! Jamal a estudou. — É tão bonita, Honey... Os homens devem ser um problema para você, aonde quer que vá. "Oh, sem dúvida! Quase preciso pisar sobre eles para conseguir chegar ao carro", pensou ela, bem-humorada. — Você ficaria surpreso, Jamal. "Espere um pouco. Ele disse 'bonita'? Disse que sou bonita? De verdade?" Jamal levantou-se, fazendo Heidi erguer-se da poltrona, segurando-a com firmeza pelos ombros. — No entanto, está aqui agora, em meu poder, por assim dizer. E tenho um súbito desejo de fazer tudo para impedir que vá embora. Jamal estava tornando impossível para ela respirar. De verdade. Sua garganta e seu peito se apertavam. Heidi não conseguia imaginar uma só palavra para dizer, e isso piorou quando Jamal aumentou a pressão dos dedos, puxando-a para mais perto. Heidi cambaleou e prendeu o fôlego, quando os braços dele deslizaram, indo fechar-se em torno de sua cintura. Sabia o que iria acontecer a seguir, e descobriu que mal podia esperar. Desejava demais que o marido a beijasse como fizera antes, com intensa volúpia, com as línguas se roçando e mãos se explorando. Naquele instante, estando tão perto dele, olhando para seus olhos escuros, para seu rosto formoso, Heidi não podia imaginar por que tinha tanto medo de se tornar íntima de um homem. Jamal a fez querer descobrir tudo sobre essa intimidade, fazer amor com ele, vezes e vezes sem fim. 79

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— No que está pensando agora, Honey? — Em nada importante. — Em seguida, mordiscou seu lábio inferior. Jamal estremeceu diante de seu toque, o que a fez estremecer também. — Deve ter sido, sim. Seu rosto ficou vermelho. — E beijou-lhe a curva do pescoço. — Nunca fico vermelha, Jamal. Deve ser a luz. — Mentirosa... — A voz dele soou baixa e sedutora. — Mas, se não quer revelar seus pensamentos, talvez possa gostar de saber sobre os meus. Ela tornou a estremecer, mas desta vez mais devido à apreensão do que à antecipação. Não havia dúvida em sua mente de que Jamal conseguiria chocá-la de várias maneiras diferentes se tentasse. O truque era fingir-se de inconseqüente, porque, afinal, deveria parecer uma amante experiente. Jamal começou a trilhar a linha de seu queixo com beijos úmidos e enlouquecedores, que desceram pelo pescoço até alcançar a curva suave de seu colo, beijando vale tentador entre os seios. Heidi tremia, com as pernas bambas. Agarrou-se a ele, rezando para que não parasse de abraçá-la. i — Não quer saber, Honey? > — Hein!? Ele riu, parecendo muito satisfeito. — Sobre o que eu estava pensando? — Isso... Naquele instante, Heidi concordaria com qualquer coisa, contanto que Jamal continuasse a beijá-la, decidiu, inclinando a cabeça para trás, para lhe dar acesso à parte atrás da orelha. — Tenho uma fantasia faz anos, mas nunca consegui realizá-la. Aquilo chamou a atenção de Heidi, que endireitou-se e o encarou. — Nunca? — Nunca. Decerto parecerá uma tolice para alguém tão sofisticada como você. — Duvido muito. Diga-me do que se trata. Heidi queria ouvir qualquer coisa que ele quisesse fazia anos, ainda mais algo que Yasmin não foi capaz de satisfazer. Jamal inclinou-se mais e sussurrou em seu ouvido: — Eu adoraria que você dançasse a dança dos sete véus para mim. Heidi pestanejou. — Como nos filmes antigos? — Isso mesmo. — Não é aquela em que as mulheres vão tirando os véus que as cobrem até ficarem nuas? 373 SOB O SOL DO DESERTO

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— É. Em seguida, a garota e o xeque bonitão acabam fazendo amor. — Sorriu, cheio de malícia. — Você daria uma dançarina fantástica. — Então quer que em dance para você? — Não posso imaginar nada mais perfeito. "Jamal quer que eu faça algo que Yasmin não fez!" — Dê-me alguns dias, para que encontre o traje adequado e tome algumas lições de dança árabe. Depois disso, estarei pronta — afirmou Heidi, antes que conseguisse se conter. E, quase que por encanto, Jamal se foi. — Homens! — murmurou ela, no quarto vazio. E agora? Heidi ponderou um pouco e chegou àconclusão de que só uma pessoa poderia ajudá-la a respeito da dança e do traje que ela deveria usar: Fátima.

CAPÍTULO X Jamal saiu do hotel com seu Lamborghini e tentou não pensar naquilo que acabara de acontecer entre ele e Heidi. Apenas ficar na mesma sala com ela o fazia delirar. Isso, combinado com o fato de abraçá-la e beijá-la, foi suficiente para mandá-lo às alturas. Desejava-a e gostava dela, uma combinação fatal para sua paz de espírito. No trajeto de volta ao palácio, tentou se convencer de que, dessa vez, seria diferente. Embora ele e Heidi estivessem casados fazia algum tempo, seu relacionamento estava apenas começando. E, apesar das tolices que ela dissera na noite de núpcias, tudo indicava que agora Heidi se interessava em manter relações com o marido. Heidi respondia aos beijos de Jamal com uma paixão que se igualava à dele. Jamal a sentia tremer em seus braços, deliciando-se com seu crescente desejo. Heidi em nada se parecia com Yasmin. Desse modo, talvez eles tivessem alguma chance. Heidi era tão inocente, e ainda assim muito determinada. Pensar em sua charmosa esposa o fazia sorrir. Ela não era como nenhuma outra que Jamal conhecia. Claro que as mulheres com quem o príncipe saíra depois da morte de Yasmin tinham um propósito específico. E Jamal admitia não se orgulhar das coisas que andara fazendo nos últimos seis anos. Tentando esquecer o que Yasmin dissera, o modo como o rejeitara, Jamal procurara as jovens mais belas e sofisticadas, e aquelas que o queriam em sua cama. Presenteava-as com jóias, roupas caras e viagens, e lhes proporcionava a grande emoção de terem um príncipe como acompanhante. Tudo o que Jamal esperava em troca era que o desejassem. Mas ele não era tolo, e sabia que as namoradas eram como uma desforra por toda a dor que Yasmin havia lhe causado. No entanto, todos aqueles assentimentos não podiam apagar de sua mente a afrontosa rejeição. E, no canto mais profundo e escuro de seu coração, não podia evitar de questionar-se se Heidi também lhe diria "não". Jamal entrou no pátio do palácio com o carro. Agora, tinha a oportunidade única de conhecer sua esposa como uma noiva tímida e uma amante ousada. Sorriu. Não via 81

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problema algum no plano maluco de Heidi, mas gostaria de saber se ela já havia pesado as conseqüências de seus atos. Como esposa, devia ser inocente; como amante, teria de ter alguma experiência sexual. Afinal, uma amante não poderia ser virgem. Isso significava que, na pele de Heidi, ela teria de superar aquele particular obstáculo. Heidi tentaria seduzi-lo, ou resolveria pôr fim naquele jogo? Jamal viu-se querendo a primeira opção, e prometeu a si mesmo que, nesse caso, não dificultaria as coisas para ela. — Você não pode estar falando sério, Heidi! — disse Fátima, ajeitando rosas vermelhas num vaso. — Nunca falei mais sério em toda minha vida. Preciso descobrir onde comprar os véus, e, além disso, vou precisar de um vídeo ou coisa parecida para aprender tudo a respeito dessa dança. Fátima meneou a cabeça. — Deve ter entendido errado, querida. A dança dos sete véus foi inventada pelos estúdios de Hollywood, anos atrás. Ela não existe. Abra aquela caixa, criança, e separe as rosas vermelhas para mim. Heidi sorriu. Fátima às vezes parecia achar que ela só tinha treze anos. Se tudo na vida fosse assim tão simples... — Ouvi muito bem, Fátima. Estava bem pertinho dele. Dança dos sete véus, foi o que ele disse. — Tal insensatez vinda de meu neto? Jamal deve estar tentando apenas tirar suas roupas, garota. Heidi abriu a caixa com as rosas e começou a retirá-las uma a uma. Eram longas e perfeitas, e muito perfumadas, o que era anormal naquela espécie de flor. — Estou ciente de quais são as metas dele... O que não sei é o que fazer — admitiu, tentando não pensar em precisar ficar nua na presença de um homem. — A questão é: o que você quer? Heidi também se fez a mesma pergunta. Seria fácil chamar Jamal e dizer que sabia que ele estava 377 SOB O SOL DO DESERTO tentando vê-la despida. Só que ele a julgava uma mulher experiente, que não seria tão pudica. Sem dúvida tratava-se de um teste. 0 príncipe queria descobrir até onde Honey, a femme fatale, iria. — Posso aprender uma dança parecida. Talvez modificar o número e não tirar todos os véus no final. Fátima olhou para ela por sobre o vaso. — Todas elas são iguais. Tirar os véus é o que faz a diferença. —- A rainha ergueu as sobrancelhas escuras. — Presumo que as coisas estejam indo bem entre vocês. Heidi entregou-lhe mais três flores.

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— Mais ou menos... Está tudo muito confuso. Gosto de Jamal. Ele tem sido gentil comigo. — Rápido, Heidi contou como Jamal fora atencioso trazendo-lhe informações do general cuja história tanto a havia interessado. — Tem sido carinhoso, e gosto de estar em sua companhia. Porém, é bastante estranho ser sua esposa e ao mesmo tempo sua amante. — Pois a mim me parece que você obteve o melhor de ambos os mundos. Muitas esposas gostariam de ser amantes de seus maridos, e vice-versa. Heidi fez um esgar. — Quanto a isso, não sei, mas Jamal parece mais interessado em Honey do que em mim. — Não pode ser. Vocês duas são a mesma pessoa. Heidi não sabia como explicar que Honey o excitava mais. Era ela que recebia os beijos apaixonados de Jamal, enquanto Heidi, como sua paciente esposa, recebia apenas beijinhos afetuosos no rosto. — Gosto da idéia de ser a outra, Fátima. No entanto, o fato de ser casada com Jamal, ao mesmo tempo, me confunde. Não sei se aprecio o fato de ele achar que está com outra pessoa. — Mas ele não está. — Não? É justo isso o que me deixa mais confusa. Fátima colocou as últimas rosas no vaso, e recuou um passo para observar seu trabalho. — Mais tarde você decidirá sobre isso. Há problemas maiores com que se preocupar. — Como assim? A rainha sorriu. — Você encontrará os véus no mercado, e eu providenciarei o vídeo com a dança. Essa parte é fácil. Mas e o restante? — Ora, se eu conseguir os véus e o vídeo, estará tudo bem. — Acha mesmo? De acordo com o que me lembro, Honey é uma mulher sexualmente experiente. — De fato é. — Sendo assim, Jamal ficará de queixo caído quando descobrir que ela é virgem. Heidi quase deixou escapar um gritinho quando as palavras de Fátima fizeram sentido. — Meu Deus... — Pois é. Como vê, minha cara, os véus e a dança são bagatela se comparados ao que vem por aí. Antes de mais nada, você terá de descobrir um modo de fazer amor com ele, como sua mulher. Heidi sentiu o rosto arder. — Fátima, o que farei?! — Muito simples: seduza-o. Dois dias depois, Heidi se preparava para deixar o palácio e passar a tarde no centro, fazendo compras. Estava menos preocupada em adquirir algo novo para si mesma do que em encontrar os véus e praticar a dança com eles. 83

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Fátima ficara de providenciar o vídeo e, através dele, Heidi poderia aprender a dançar, e até modificar o número original, mas, sem os véus, nada podia fazer. Não que ela não precisasse de umas poucas coisas para si mesma, pensou, ajeitando a saia de, seu vestido. Embora não apreciasse o estilo sensual das roupas de Honey, estava pronta para tentar algo mais sofisticado. Talvez algumas peças mais leves e joviais, calças compridas, camisas e alguns vestidos mais clássicos, para não mencionar os de noite. Teria algumas funções oficiais a cumprir nos próximos meses. Mas, no momento, os véus eram sua maior preocupação, disse a si mesma ao deixar a suíte que partilhava com Jamal e dirigir-se à saída do palácio, assaltada por uma crescente sensação de pânico diante da possibilidade de ter de seduzir o próprio marido. Heidi ainda não conseguia crer que teria de fazer aquilo. Mas Fátima tinha razão. Honey, a sedutora, não podia ser virgem. Devido a isso, teria de mudar o próprio status no departamento da inocência, e sem demora. Caso contrário, Honey teria de dar algumas explicações. Mas como?, perguntou-se, percorrendo os amplos corredores, em direção à garagem. Não tinha certeza se Jamal estava interessado nela daquele modo. Ele ainda amava Yasmin, o que tornava a situação inteira ainda mais confusa. Contudo, o príncipe tivera várias namoradas após a viuvez. Então, não devia ser contra se tornarem íntimos. Jamal ficara bastante zangado na noite de núpcias, quando ela falara sobre união mental e espiritual, opondo-se à física. Sendo assim, talvez seu marido aceitasse que consumassem a união. O difícil seria trazer o assunto à baila, comunicar sua decisão de se entregar a ele. Talvez devesse evitar uma conversa cara a cara e enviar um e-mail. Heidi ainda sorria da piada quando colidiu com alguém ao dobrar o corredor. Braços poderosos a enlaçaram evitando que perdesse o equilíbrio. De imediato reconheceu o perfume de Jamal. — Heidi! Para onde está indo? — Eu... bem... Eu? — Sim, você. — Jamal sorriu. Seus olhos se estreitaram ao fitá-la. — Se eu não a conhecesse, juraria que está tentando sair daqui sem que ninguém perceba. Ele tocou seu queixo e a fez fitá-lo. — Isso é verdade? — Estou indo ao centro. — Ah! Saindo para gastar meu dinheiro, hein? Não admira que esteja agindo como se tivesse culpa no cartório. — Pretendo comprar umas poucas coisas de que preciso. Jamal percorreu-a com os olhos. Heidi deleitou-se, o que era uma loucura, já que ele não se sentia nem um pouco atraído por ela. Beijava-a apenas na face, guardando todo seu ardor para Honey. — Estou brincando, Heidi. Gostei de saber que está indo fazer compras... Quero que tenha coisas bonitas. — Jamal fez uma pausa, conjecturando. Em seguida, pegou-a pelos ombros. — E se eu for com você? Posso cancelar a reunião desta tarde e acompanhá-la. Não acha bom ter a opinião de um homem a respeito do que levar? 84

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Heidi tinha de raciocinar rápido. Se dissesse "não", na certa Jamal não entenderia, e julgaria que ela não estava interessada nele, ou em seu casamento, ou que ela estava bancando a difícil. Se dissesse "sim", como faria para adquirir os véus? Além disso, não pretendia comprar nada para si. Não tinha certeza do que queria. No entanto, a idéia de passar uma tarde inteira com Jamal era eletrizante. A alegria desapareceu do semblante dele. — Esqueça... Vá e divirta-se. Veremo-nos mais tarde. — E voltou-se para deixá-la. — Espere, Jamal! Eu gostaria muito que fosse comigo, mas estou incerta sobre o que comprar, e receio que você acabará ficando entediado. — Não, se estiver com você. Além disso, sei de um lugar onde encontrará roupas que a farão sentir-se como uma princesa de contos de fada. Heidi o encarou. — Nem vou indagar como você sabe disso... Decerto comprando sabe-se lá o que para outras garotas. — E verdade, mas agora a história é diferente. Diferente como? Melhor? Heidi adoraria saber se Jamal e Yasmin faziam aquele tipo de passeio juntos e se, se divertiam. Mas não questionou. Em vez disso, se concentrou no modo como Jamal segurava sua mão e na felicidade que se apossava dela ao caminharem em direção à garagem. Foram direto à butique de madame Monique. Heidi seguia Jamal ao entrarem no estabelecimento, perguntando-se como devia se comportar. Embora apreciasse sobremaneira estar ao lado do marido, sua maior preocupação eram os véus, e não via como conseguir comprá-los. E, sem eles, não haveria dança. — Alteza... E um prazer recebê-lo — saldou uma vendedora. — Sua avó e a adorável princesa Dora são nossas assíduas clientes, e agora vocês! Sejam bem-vindos. Em seguida, a dramática madame Monique surgiu diante deles e fez uma reverência. — Príncipe Jamal, princesa Heidi, estamos muito honrados. As três vendedoras saíram de trás do balcão e fizeram o mesmo, deixando Heidi desconcertada. Não estranhou como madame Monique a conhecia. Se ela reconheceu Jamal, então estaria segura assumindo que a mulher a seu lado, usando uma aliança no dedo anular da mão esquerda, era sua esposa. Também não sabia bem como responder às reverências, e foi salva quando Jamal aproximou-se do grupo e estendeu a mão, cumprimentando uma a uma. Heidi o imitou. A proprietária, que devia ter em torno de quarenta anos de idade, fez um gesto em direção às roupas em torno deles. — Estamos aqui para servi-los. O que procura, princesa? Heidi experimentou vestidos para usar durante o dia, trajes para a noite, blusas, calças compridas, camisolas, meias, roupas íntimas, jaquetas e suéteres. Também jeans e camisetas, sapatos, sandálias e botas. Algumas peças ela vestia e ia ver seu reflexo, do lado de fora do provador. Enquanto isso, Jamal folheava algumas revistas e tomava café perto dali. Quando Heidi 85

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deu um giro diante do espelho, usando um vestido de noite preto que a fazia sentir-se uma estrela de cinema, Jamal fez um sinal indicando sua aprovação. Um segundo traje, ele achou curto demais, informando a madame Monique que só ele devia admirar as pernas perfeitas da esposa. Quando Heidi surgiu com um terceiro vestido, que mostrava um amplo decote nas costas, o príncipe deixou a escolha para ela, mas não sem antes correr sensualmente a mão por sua pele exposta. A carícia a deixou sem fôlego. Quando Heidi retornou ao provador, madame Monique lhe sorriu. — O príncipe é um homem feliz. Meus parabéns! — Espero que ele seja... Obrigada. — Roupas bonitas ajudam bastante, Alteza. Mas a mulher a usá-las é que faz a diferença. — Concordo. — Heidi encarou Monique. — Ouça, eu gostaria de lhe pedir um favor, se não se importa. — Pois não. — Estou querendo comprar alguns véus... Sabe, daqueles usados em danças. Os olhos da madame Monique iluminaram-se. Ela suspirou. — Oh, como é bom ser jovem e estar apaixonado! Quer surpreender seu marido, não é? — Monique olhou em torno e baixou o tom de voz. — Não tenho tais coisas aqui na loja, mas sei do que está falando. Aguarde um minuto. Uma de minhas funcionárias irá buscar o que quer. Monique afastou-se, não sem antes afirmar: — O príncipe ficará deleitado. — Já estou. Heidi engoliu em seco ao dar com Jamal parado à entrada do provador. Tinha os braços cruzados diante do peito e a fitava de um jeito indagador. — Vai levar isso, não vai, Heidi? Baseando-se em seu comentário, Jamal não devia ter ouvido o que elas falavam, o que fez Heidi respirar aliviada. Voltou a atenção a sua própria imagem. Arregalou os olhos. A camisola branca que colocara era quase transparente, revelando mais do que escondendo, fazendo seu corpo parecer curvilíneo e sensual. Nunca antes se sentira tão desejável. E, se a expressão de Jamal era alguma indicação, ele devia concordar com ela. Isso significava que tentar seduzi-lo poderia não ser tão difícil quanto Heidi imaginara. Heidi ficou bastante nervosa no momento em que Jamal chegou ao provador e a viu vestida na camisola branca e tão sensual. Mas não podia culpá-la. Apesar de viver dizendo a si mesmo para ir mais devagar com sua inocente esposa, não estava conseguindo dissimular seu crescente desejo por ela. Naquele momento, o príncipe a desejou mais do que jamais desejara outra mulher. O arrebatamento foi muito grande, quase desesperado, e a intensidade o surpreendeu. E agora, quase duas horas depois, Heidi continuava esquiva. — Comprou coisas demais, Jamal — disse ela, parada junto dele na suíte do palácio, enquanto Rihana trazia as várias sacolas para o quarto de vestir. 86

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— Você é minha mulher. Além disso, é uma princesa, e precisa se vestir de acordo. Por algum motivo que Jamal desconhecia, Heidi não se julgava atraente. Ou talvez não acreditasse que ele pudesse se sentir atraído. Fosse como fosse, Heidi continuava estranhando seus elogios. Jamal resolveu não se esquecer de insistir nisso, até que sua mulher se sentisse confortável ao ser elogiada por ele. — Eu de fato precisava de alguns trajes para noite — ela murmurou, quando Rihana se afastou para ir apanhar o restante dos pacotes. — Mas você exagerou. Jamais conseguirei usar tudo isso. — Divirta-se com suas novas aquisições. — Jamal estendeu a mão e tocou de leve seu rosto. — Não precisa esperar uma ocasião especial para usá-las. Coloque-as para jantar aqui no palácio. Heidi continuava cheia de dúvidas. No entanto, assentiu. — Adorei tudo o que comprou para mim, mas não quero que pense que sou uma consumista fanática. — Jamais pensaria isso de você. — Ainda bem, porque eu... — Onde coloco isto, princesa? — Rihana havia retornado e trazia vários vestidos no braço. Na mão, carregava um pacotinho. Heidi empalideceu quando o viu, e logo o apanhou. — Deixe que eu mesma guardo. — Heidi sorriu para o marido, o que enfatizou sua mentira. — Coisas de mulher... Largou o pacote sobre a cama, como se não fosse importante. Jamal suspeitou que o conteúdo fossem os véus para a dança. Heidi continuou a tirar as peças do braço de Rihana. — Você pode ir... Eu mesma colocarei o restante no armário. Obrigada. Rihana assentiu e deixou-os a sós. Jamal entrou com Heidi no closet e se pôs a observá-la guardar seus pertences. As três paredes de espelhos permitiam que ele seguisse todos os seus movimentos. Concordando com um pedido dele, Heidi saiu da loja usando um dos trajes novos. Em vez do costumeiro vestido estampadinho e sem graça, ela deixou a butique usando calça comprida, sandálias de salto alto e uma camisa de seda. O estilo simples enfatizava suas curvas suaves, em especial as nádegas arredondadas, visíveis no espelho de qualquer ângulo. Jamal pensou em puxá-la para si e beijá-la, usando uma das mãos para tirar a fivela que prendia seus cabelos e a outra para acariciaria as carnes que tanto admirava. O que será que Heidi diria? Corresponderia a seus beijos, ou o rejeitaria? — Heidi? Ela voltou-se. — Sim? — Jante comigo hoje... e use algo que comprou esta tarde. Pedirei que sirvam a refeição em nossa suíte. ' Os olhos dela se arregalaram, mas Jamal não soube dizer se por antecipação ou aversão. Ela de fato o quereria? O príncipe queria acreditar que aquela campanha era um modo que Heidi encontrara para tentar conquistá-lo. Estava disposto a cooperar com sua mulher de todas as maneiras possíveis. Mas, em momentos como aquele, ficava inseguro. 87

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Yasmin fora uma exímia jogadora, e, quando por fim ela mostrara as garras, além de destruir a fé que Jamal tinha nela, também afetara seu amor-próprio. -----Eu gostaria muito, Jamal. Você vai se trocar? — Quer que eu me troque? Ela assentiu. — Então, me trocarei. Jamal lançou-lhe um breve sorriso antes de sair e fechar a porta atrás de si. Quando se viu sozinho no corredor, Jamal olhou para trás e tentou adivinhar se não estava prestes a fazer papel de tolo, pela segunda vez. — Isso é insano — Heidi murmurou ao caminhar de um lado para o outro na suíte. — Eu sou insana 388 m SOB O SOL DO DESERTO Parou diante do espelho, que, com a graça de Deus, da cintura para baixo nada revelava Nem queria pensar em como parecia de corpo inteiro. O que conseguia ver já era desagradável o bastante. Jamal sugerira um jantar íntimo. A ocasião era perfeita para tentar seduzi-lo. Havia apenas um problema: Heidi nada sabia sobre a arte de seduzir um homem. Por onde começar? E se Jamal não entendesse o que ela tentava fazer? Então, seria um desastre. Heidi sentia a pele quente, em seguida fria, e seu estômago dava voltas. Precisava se trocar. Olhou seu reflexo e concluiu que seria desastroso usar o que estava usando. Tiraria aquilo e vestiria uma das peças que adquiriu. Talvez uma das calças compridas, um suéter, ou... Houve uma batida à porta. Sua boca ficou seca. — Heidi? Está pronta? "Jamal! Oh, que ótimo... E agora?" — Sim... Já estou indo. Fez uma rápida oração, para que nada fosse tão terrível quanto imaginava. Em seguida, girou a maçaneta e saiu para o corredor. Sentia o peito apertado, e os pés descalços, gelados, ao seguir rumo ao living, onde Jamal a aguardava. Ao entrar no aposento, viu que o marido se encontrava perto do bar, uma garrafa de champanhe na mão. Usava smoking preto e estava mais bonito do que nunca. — Gostaria de um pouco de... Ele por fim voltou-se e a viu. Parou de falar, o queixo caído. Por um instante, Heidi julgou que ' a garrafa iria ao chão. Permaneceu imóvel, enquanto seu marido a estudava, da cabeça aos pés descalços. Heidi enrolara os cabelos, e as mechas sedosas caíam-lhe até o meio das costas. A única jóia que usava era a aliança de casada. A camisola branca, a mesma que deixara Jamal embevecido, e que ela escolheu de propósito para enlouquecê-lo, não combinava com nenhum acessório. 88

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Exceto pelo tecido macio cobrindo seu corpo, estava inteiramente nua. E vulnerável. — Heidi? A voz dele soou baixa e muito sedutora. E a fez querer derreter-se inteira, ali mesmo, sem reservas. Mas, em vez disso, Heidi endireitou os ombros e encontrou o olhar dele, confuso, porém, ardente. — Eu tenho... ouvido falar muitas coisas sobre paixão animal, mas não tenho nenhuma experiência no assunto. Achei que você talvez quisesse mudar isso. Jamal não respondeu. Então ela soube que havia cometido um erro terrível. Ele não a queria, nunca quisera. Fora uma tola. Justo quando pensou em sair correndo, Jamal pousou a garrafa sobre o balcão e foi até ela. Parou a centímetros dela, enlaçou-a pela cintura e acariciou-lhe a face. — Quer fazer amor comigo, Heidi? interessado. "Graças a Deus!"

Jamal parecia maravilhado, intrigado,

— Sim, Jamal. Mas prefiro não falar. Estou muito nervosa. Ele esboçou um sorriso lento que a encantou. — Eu falarei por nós dois — prometeu, antes de baixar a cabeça e roçar os lábios nos dela. Jamal a beijou como se estivesse sedento e ela fosse uma fonte cristalina de água pura. Sua boca se abriu sobre a dela, os dentes comprimindo-lhe os lábios e forçando a entrada para o úmido recesso de sua boca. Quando o encarou, Heidi esperou que ele nada perguntasse, porque sua cabeça girava, e ela não teria acesso a um simples pensamento coerente. Para seu grande alívio, só o que Jamal fez foi pegá-la pela mão e conduzi-la ao dormitório. Pararam perto da cama. Jamal fitou-a com intensidade e sorriu. — Tensa? Heidi assentiu. — Chego a tremer, tamanho nervosismo. — Estendeu a mão para mostrar o quanto tremia. Jamal pegou-a e levou seus dedos aos lábios. — Eu a farei tremer por inteiro, querida. — Em seguida, Jamal beijou sua pele sensível. — E não devido ao nervoso. O príncipe tomou a beijá-la, os lábios sedutores, roçando a superfície macia, sem pressa. Com um murmúrio rouco de satisfação, afastou-se um pouco. — Toque-me, querida. Heidi notou que seus braços haviam caído de lado, e os levou aos ombros dele. Correu os dedos através dos cabelos escuros e sedosos. Com a mão livre, explorou as costas largas e fortes, deliciando-se com a própria ousadia. Nunca havia tocado um homem daquele modo. Mas, com o tempo, iria conhecer o corpo dele tão bem quanto conhecia o próprio. Reconheceria Jamal pelo cheiro e pelo toque. Pensar em tal intimidade chegava a ser assustador. Jamal continuou a beijá-la, cheio de paixão. De repente, algo sólido pressionou o abdome de Heidi, sobressaltando-a. O que seria aquilo? 89

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Então ela soube. Não sabia se reconheceu por instinto, ou se foi resultado do que aprendeu nos livros que Fátima lhe deu. De qualquer modo, entendia que aquela rigidez era o resultado daquilo que eles faziam. Jamal estava excitado. Heidi se viu dividida, uma parte embaraçada, a outra, curiosa. Na verdade, a porção curiosa levou a melhor. Como seu marido seria sem as roupas? Jamal permitiria que ela o visse? Deixaria que o tocasse? O príncipe afastou-se um pouco e a fitou. — No que é que está pensando? Parece estar a quilômetros daqui. Está parecendo que perdi minha técnica e estou aborrecendo minha esposa donzela. Heidi baixou a cabeça. — Perdão... Não é o que está pensando. Você não está me aborrecendo. — Então, o que a faz ficar tão pensativa, minha princesa? — E deslizou o polegar ao longo da maciez de seus lábios. O contato era tão leve e delicado que Heidi mal o sentia. Mas, mesmo assim, desejou beijá-lo. — Eu... bem... com você me tocando desse modo é impossível raciocinar com coerência. — Não quero que raciocine, quero que sinta. — Estou sentindo. As pupilas dele brilharam, e ela não soube dizer 392 SOB O SOL DO DESERTO se devido ao humor ou à volúpia. Talvez a ambos, decidiu. Devia estar fazendo tudo errado. — Quero que sinta isto. — Jamal a estreitou nos braços. A rigidez tornou a tocá-la. " — Nunca estive com um homem, Jamal, e nunca tive contato com seu... Ele deu uma risadinha. — Heidi, você é a mulher mais charmosa que conheci. — Verdade? "Eu? Charmosa?!" —Acredite. Está assustada porque estou excitado. Ele ia começar a falar? Por que simplesmente não agia? — Heidi? — Gosto de saber que me deseja — confessou, sem se atrever a fitá-lo. — Desejo-a muito. Quero fazer amor com você, beijá-la, tocá-la e ensinar-lhe todas as maravilhas que acontecem entre um homem e uma mulher. Por fim ela o encarou. — Faça isso, Jamal. — Obrigado por ter concordado. Ele brincava com ela outra vez. Heidi estava para protestar quando Jamal tornou a beijá-la. 90

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Heidi descobriu que não se importava com suas brincadeiras. Jamal pegou-a no colo e a colocou sobre o leito macio. Em seguida, ajoelhou-se e segurou a barra de sua camisola. — Eu gostaria de tirar isto de você. Heidi engoliu em seco. — Sim... suponho que seria ótimo, só que não estou usando nada por baixo. — Não diga! Mas então pode-se afirmar que está nua. — Receio que sim. — Nada de roupas, apenas sua pele desnuda, para eu tocar e me deliciar. — Está me embaraçando de propósito! — E que graça teria embaraçá-la se não fosse de propósito? Apesar do nervosismo, ela achou graça. — Não esperava que fosse assim. Pensei que ambos estaríamos solenes e sérios. Jamal inclinou-se e beijou-a. — Pode acreditar, querida, que logo, logo estarei, muito sério. Confie em mim. Heidi confiava. Queria que sua primeira vez fosse inesquecível. Então, quando Jamal começou a tirar sua camisola, ela ergueu os braços para facilitar-lhe a tarefa. O flash de bravura e confiança apagou-se no instante em que se viu nua. Mas, antes que pudesse tentar se cobrir, Jamal tirava a camisa e inclinava-se sobre ela, beijando-a, e tudo em que Heidi conseguiu pensar foi na glória de estar assim tão unida a seu marido. — Toque-me, Heidi. Morrerei se você não fizer isso. As palavras dele a chocaram. Evidente que Heidi sabia que Jamal apreciaria fazer amor com ela, mas duvidava que fosse capaz de se comparar à perfeita Yasmin. Mas pensar que para Jamal tocá-lo importava era mais do que ela poderia esperar. O peito dele, agora, estava desnudo, os pêlos formando uma trama de caracóis sobre os músculos. Heidi baixou o olhar, sentindo a boca seca. Forçou-se a afastar a mão do ombro largo, em seguida deslizou-a pelo braço forte. Explorou seu tórax, seu pescoço e a curva atrás da orelha. Estava para passar os dedos por entre os cabelos dele outra vez quando a mão de Jamal começou a se mover em direção a seus seios. Heidi ansiava por aquilo. Lembrava-se de como fora delicioso.a primeira vez em que ele a tocou. Não sabia que seu corpo era capaz de sentir tanto prazer. O pensamento enrijeceu seus mamilos. — Como você é adorável... — murmurou ele, contra seus lábios. — Quero tocá-la toda, abraçá-la, beijá-la e provar cada pedacinho seu. Então, a mão de Jamal fechou-se em torno de seu seio, e Heidi não conseguiu pensar em mais nada. A estranha sensação quase a fez perder os sentidos. Viu-se agarrando-se a ele, emitindo sons que não chegavam a ser palavras, mas insistiam para que ele não parasse.

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Mas Jamal parou, apenas o tempo suficiente para acabar de despir-se. Antes que Heidi entendesse o que estava acontecendo, Jamal já abocanhava um de seus mamilos e começava a lambê-lo. Jamal prosseguiu com a carícia atrevida, deslizando a mão livre pelo ventre liso. Sem que Heidi tomasse conhecimento, suas pernas se afastaram. Pequenos tremores a percorreram. Estava temerosa, mas mesmo assim pronta para o que quer que fosse que Jamal pretendesse fazer. Então, a tocou. Ninguém jamais a tocara ali. Nenhum homem havia explorado suas partes mais secretas. Heidi não costumava pensar naquela parte tão íntima. Porém, quando pensava, achava que seria horrível. Agora começava a crer que estivera errada. Adorava senti-lo contra si, o modo como Jamal se movia devagar e com uma certeza que eliminava seus temores. Ele a acariciava sem pressa, até encontrar e explorar um ponto especial. Heidi, de modo involuntário, apoiou a ponta dos pés no colchão e ergueu os quadris. — Sim! — gemeu, quando ele retomou sua boca. Heidi deixou-se envolver pelo momento mágico, enroscando os dedos nos cabelos dele, ondulando Os quadris, tendo a boca e as mãos de Jamal a desvendar os mistérios de seu corpo inexperiente, despertando-a para a luxúria. Murmurando frases desconexas, Jamal pôs-se a distribuir beijos e carícias pelas curvas suaves e macias, aturdindo-a, persuadindo-a a deixá-lo prosseguir. Os dedos dele agiam com firmeza, mas gentis. Experientes, provocavam-na, fazendo com que se movesse ao compasso dos afagos. Tímida, Heidi acariciou-lhe os ombros, sentindo os músculos rijos sob a pele acetinada. — Heidi... O desejo era tão intenso, tão incontrolável que Jamal não soube expressá-lo com palavras. Heidi já se arqueava, procurando por mais contato. Na semi-escuridão do quarto, Jamal deitou-se sobre ela, procurando penetrá-la. Heidi gritou, contraindo-se sob ele, a respiração entrecortada, assaltada por uma sensação de plenitude ante o rápido e agudo ataque à sua pureza. E mal gritara, já sussurrava o nome dele. Jamal ficou imóvel, pulsando dentro dela. — Heidi? Desculpe-me, querida, desculpe-me... Beijou-a nas faces e na testa, tremendo, mal controlando a tensão. E ela, compreendendo a imensa necessidade que o consumia, apertou-o mais forte nos braços. Afinal, Jamal a possuiu, mas não houve tanta dor, apenas doação de si mesma para o homem que a queria como mulher. Um grande orgulho a invadiu. — Estou bem, Jamal. Heidi entreabriu os lábios, retribuindo os beijos, a língua buscando a dele. E Jamal gritou de prazer, ao sentir-se ligado a ela. Murmurando promessas de delícias, Jamal abafou-lhe os gritos de lascívia com a boca, excitando-a, provocando-a. Então, Heidi sentiu que todo seu corpo se entregava ao encantamento. No instante seguinte, sentiu que flutuava, consciente apenas do êxtase do momento e da total consumação do ato de entrega. 92

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Agarrou-se ao marido, sentindo os últimos e demorados tremores de seus músculos. Eles tinham feito amor. Ela não era mais virgem, e Jamal, por fim, era seu marido de verdade. Doeu um pouco, mas não como Heidi esperara. Para ser franca, fazer sexo era bem melhor do que pudera imaginar. — Agora você é minha — disse Jamal, trazendo-a para mais perto de si. Heidi sorriu, sonhadora, pela primeira vez na vida sentindo que de fato pertencia a alguém.

CAPÍTULO XI Heidi acordou com o quarto iluminado pelo sol. Soube, sem precisar olhar para o relógio, que já passava das nove horas. E também que estava sozinha. Ainda bem cedo, sentiu, mais do que ouviu, quando Jamal levantou-se, para iniciar seu dia. Ele abraçou-a e beijou-a, em seguida ajeitou-lhe as cobertas, sugerindo baixinho que continuasse dormindo, afirmando que a veria mais tarde. Heidi sentou-se no leito e espreguiçou-se. Sorriu ao ver a rosa vermelha sobre o travesseiro ao lado. Jamal era um amante incrível, pensou, ao pegar a flor e sentir seu aroma. A segunda vez que fizeram amor foi ainda melhor do que a primeira. O pensamento a deliciou, assim como também a deliciava saber que ela e Jamal eram compatíveis sexualmente. No início, quando leu os livros que Fátima lhe dera, Heidi ficou chocada e embaraçada. Agora, relembrar todas as coisas que fizera com Jamal a excitava. Talvez devesse mostrar a ele algumas daquelas figuras e tentar saber de suas preferências. Heidi foi para seu dormitório. Achou um pacote no meio da cama, o mesmo que madame Monique lhe entregara na véspera. Os véus que Honey devia usar. Nos filmes que vira a dança de sete véus era uma lenta sedução, onde cada véu aos poucos era tirado, um a um, até que a dançarina estivesse nua. A mensagem era clara. Jamal queria ser seduzido, mas não por ela. — Mas eu sou Honey. Então, ele quer que eu o seduza. Só que Jamal não sabia que ela era Honey, o que significava que se interessava por outra mulher. Heidi quis matá-lo. Para tornar as coisas ainda mais confusas, havia uma parte nela louca para executar a tal dança. Seria divertido, além de sensual, e ansiava por testar o próprio poder de sedução. Heidi pressionou os lábios. Havia muitas perguntas e nenhuma resposta. A situação estava para lá de complicada, e, para resolvê-la, precisaria da ajuda de uma expert no assunto. Heidi entrou na sala de Dora e acomodou-se numa poltrona. Sua concunhada juntou-se a dela.

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— Você está com uma aparência radiante, apesar de me parecer preocupada, Heidi. Sem dúvida, uma interessante combinação. — Radiante, eu? — Isso mesmo. Mas agora me diga o que a preocupa. Qual é o problema? Era uma questão simples. Uma que Heidi vinha se fazendo. Só que não sabia respondê-la. — É que de repente estou achando detestável a idéia de Jamal ter uma amante, mesmo que seja eu. Quero dizer, ele está vendo outra mulher, que sou eu mesma. Sendo assim, é óbvio que meu marido se sente atraído por mim, mas de maneira diferente. Dora franziu as sobrancelhas. — Desculpe-me por dizer, mas você se meteu em uma tremenda confusão. Heidi suspirou. — Diga algo que eu ainda não saiba, Dora. Vim atrás de auxílio. Como acha que poderei resolver isso tudo? Dora sorriu. — Não faço a menor idéia. Mas diga-me: o que quer fazer? — Foi o que Fátima indagou quando tudo começou. — E na época você não soube o que dizer, não foi? O que pretendia? Heidi pensou na própria situação. Tinha um trabalho que adorava, um lugar importante no palácio, um marido que... que... Tinha um marido que possuía potencial para se tornar todo seu universo. Jamal era bom, atencioso, gentil e sexy. — Eu amo meu marido — confessou, maravilhada. Por que não havia percebido aquilo antes? — Adoro Jamal, e quero que ele também me ame e que fique comigo para sempre. — Então, para começar, conte-lhe a verdade. Heidi não estava certa de que devia. Jamal entenderia por que ela quisera se passar por outra pessoa? Não se zangaria? Haviam consumado o casamento na noite anterior, e Heidi não queria que a lua-de-mel deles acabasse tão cedo. Dora a observava. — Não quer que Jamal fique sabendo? — Não sei... Não tenho certeza se estou pronta para isso. Também existia o problema com Yasmin, embora Heidi não pretendesse conversar a respeito dela com Dora. Se as coisas continuassem bem entre ela e Jamal, talvez tivesse a chance de ganhar um pedacinho de seu coração. Sabia que o marido sempre amaria Yasmin, mas não importava, contanto que a amasse um pouquinho. — Quando Jamal irá ver Honey? — Dentro de dois dias. Quando ela dançará para ele, a dança dos sete véus. -— Que interessante! Heidi assentiu. — Interessante não, Dora; preocupante. Estou ansiosa e querendo dançar para ele, o que torna tudo ainda mais confuso. Como posso querer que Jamal desista de Honey, se gosto tanto de ser ela? 94

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— Por que você não relaxa e apenas dança para ele, para ver o que acontece? Se gosta tanto de ser Honey, o que a impede de manter o segredo por mais algum tempo? Revele tudo a Jamal quando achar que deve. — Tem razão. Se eu ainda não descobri quem quero ser, melhor esperar para decidir mais tarde. Heidi conversou com Dora mais um pouco e em seguida foi para sua sala de trabalho. A realização de seu amor por Jamal mudava tudo. Ter se entregado a ele fora fantástico, porém, trazia certas dificuldades. Jamal poderia ficar muito bravo quando soubesse que ela o enganara se passando por Honey. E se ele nunca mais a perdoasse? E se acabasse gostando mais de Honey? — Pare com isso! — ordenou a si mesma ao entrar em seu escritório. — Se não parar, acabará ficando maluca. E a prova disso estava bem diante dela. A sala, onde na véspera se encontravam seu computador, seus arquivos e livros estava vazia. — Princesa Heidi? — Uma das secretárias aproximou-se. — Estive a sua procura, mas não a ouvi chegar. Queira me desculpar... — Claro. Mas talvez você possa me dizer onde foi parar meu escritório. A jovem sorriu. — Foi para bem perto daqui, Alteza. Por favor, venha comigo. Percorreram alguns metros no corredor, até que a secretária abriu uma porta. Heidi adentrou uma sala espaçosa, mobilhada com extrema elegância e conforto. Seus arquivos, livros e o computador encontravam-se sobre a imensa mesa de mogno. O que mais lhe chamou a atenção foi a ampla janela. Em vez de dar vista para o jardim dos fundos, como em seu antigo escritório, o que se via dali era ó oceano imenso brilhando contra um céu muito azul. — Não estou entendendo. Por que me transferiram para cá? A mocinha sorriu e olhou para o vaso com flores no centro da mesa. Havia um pequeno cartão preso entre duas orquídeas brancas. "Para minha princesa, que ansiava por uma janela onde se descortinasse o mar da Arábia. J." — Jamal... — sussurrou Heidi. — Sim, Alteza. Que romântico! O príncipe chegou aqui esta manhã e providenciou a mudança. — Obrigada por me dizer. A secretária assentiu e deixou-a. Heidi estudou o ambiente. Tocou no tampo da mesa, no espaldar da poltrona giratória. Em seguida, foi olhar a janela. Levou o cartão de Jamal ao peito e deu uma risadinha. Aquele gesto tão carinhoso devia significar que ele se importava com ela. Não devia ser amor, mas era um começo. Com um pouco de sorte, seria capaz de conquistá-lo por si mesma. Com o tempo, talvez o conquistasse de vez.

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Heidi moveu-se devagar no centro da suíte do hotel. O aparelho de som portátil pulsava com o som de sinos e tambores. O batida constante ia aos poucos aumentando, à medida que balançava os quadris. Jamal a observava do sofá, dizendo a si mesmo que, não importando o que acontecesse, não devia rir. Heidi poderia achar que caçoava dela. Sua esposa era fabulosa e tinha muitos talentos, mas não uma dançarina, concluiu, ao seguir seus movimentos. Heidi não parecia nada confortável com os passos da dança. Mas não importava. Para Jamal, ela era uma criatura linda e misteriosa, e estava grato por tê-la em sua vida. Os raios de sol de fim de tarde atravessavam as frestas das portas francesas, banhando o quarto e iluminando sua pele. Heidi usava os cabelos soltos e lisos, e os véus cobriam seu corpo escultura!, mas Jamal podia ver que sob eles Heidi colocara sutiã e calcinha. E dançava para ele, sorrindo, descalça, a visão mais exótica que seus olhos já viram. Desejava-a com uma intensidade a que jamais se permitira. A vontade de tê-la ali mesmo estava sendo impossível de controlar. Fez força para ficar parado, para conter a própria volúpia, porque queria que Heidi pensasse que o conquistara por si própria. Aquele era o jogo dela, e o príncipe se determinara a permitir que o vencesse. Prosseguindo com a tentativa da dança sensual, Heidi improvisou uma pirueta, em seguida rodopiou, as mãos erguidas acima da cabeça. Estava detestando fazer aquilo, e nunca se sentira tão ridícula. O que havia com ela? Só rezava para não estar parecendo tão boba como se sentia. Piscou várias vezes e ficou horrorizada ao se dar conta de que continha as lágrimas. Por que estava chorando? Não fora ela mesma quem decidira continuar com a farsa? Achou divertido aprender a dançar e criar alguns dos passos. Mas agora, diante de Jamal, as coisas eram diferentes. Seu peito doeu ao dar um gracioso salto na direção dele e alcançar-lhe o primeiro véu. O mais interessante era que, apesar de eles terem se tornado íntimos fazia apenas poucos dias, Heidi já podia reconhecer o desejo nos olhos do marido. Jamal a queria. Só que não era ela, mas sim outra mulher. Como podia ter feito amor com Heidi horas antes e agora estar desejando outra? Como podia fazer aquilo com ela? Como se atrevia a estar com outra?! E se em vez de se apaixonar por ela Jamal se apaixonasse por Honey? Heidi girou nos calcanhares para encará-lo. Revelaria a verdade e arcaria com as conseqüências. No entanto, ao se voltar, tropeçou na perna da mesa e cambaleou. Por um instante, quase recuperou o equilíbrio, mas em seguida, o perdeu de vez e caiu no tapete. As várias almofadas espalhadas pelo chão amorteceram-lhe a queda, mas seu tornozelo se torceu, e Heidi soltou um gemido agudo. No instante seguinte, Jamal estava a seu lado. — Você está bem? Está doendo? Quer que eu chame o médico? — Eu... estou bem.

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— Não está parecendo. Onde foi que machucou? Em todos os lugares, mas onde mais doía era em seu coração. Mas Heidi não disse isso, e apontou para o pé. — Creio que torci o tornozelo. Preciso só de um minuto para recuperar o fôlego. Sem responder, Jamal deslizou um braço por suas costas e o outro sob suas coxas. Em seguida a ergueu no colo e carregou-a para a mesa da sala de jantar, onde a sentou sobre o tampo de vidro. — Deixe-me dar uma olhada. — Ele inclinou-se para examiná-la. Seus dedos eram gentis ao apertar o local da contusão. — Não está inchado, o que é um bom sinal. Veja se consegue mexer os dedos. Heidi o obedeceu. Jamal olhou para seu semblante e sorriu. — Belos dedos... — Obrigada. Ela queria dizer algo, então notou que estava prestes a cair no choro. Para seu horror, uma lágrimas escorreu por sua face. — O que está havendo, Honey? — Jamal deu um passo à frente e posicionou-se entre as pernas dela, puxando-a contra si. — Está sentindo dor em algum outro lugar? — Não. — Heidi saboreou a sensação de tê-lo abraçando-a daquele modo, como se ela fosse preciosa. Seus próprios sentimentos a confundiam. Detestava saber que o marido estava com Honey, embora adorasse ser cortejada por ele. Heidi precisava estar perto de Jamal. Queria que fizessem amor. Mas não naquele momento, não assim. No entanto, quando o príncipe abaixou a cabeça e roçou os lábios nos dela, Heidi não resistiu. Entreabriu a boca para recebê-lo, aceitando a intimidade de seus beijos, enquanto mais lágrimas rolavam por suas faces. Jamal tornou a beijá-la com impetuosidade antes de se afastar para o lado, as mãos deslizando até a braguilha da calça, abrindo-a com impaciência. Heidi podia ver-lhe pouco do corpo, mas notava o brilho ardente das pupilas, e foi o que focalizou. Pareceu ter sido uma eternidade, porém, não passou de alguns segundos até que Jamal tornasse a se inclinar sobre ela, os dedos hábeis voltando a afagá-la com desconcertante intimidade, e então se deitasse sobre Heidi. — Você tem certeza? — perguntou ele, a voz rouca e carregada de paixão. Ela o fitou. — O quê? — Tem certeza de que quer fazer amor comigo? E o que você quer? Jamal estaria tendo testá-la? Encarou-o. — Não estou entendendo. — Quero que não tenha dúvida de que quer que façamos amor. Heidi cobriu a mão dele com a sua e sorriu. — Não acha que é um pouco tarde para me questionar? Jamal não correspondeu ao sorriso. — Nem tanto. Pararei por aqui, se quiser. Ela enlaçou-o pelo pescoço e trouxe-o para mais perto. — Não pare. Não pare nunca! — Sentou-se e escorregou para a ponta da mesa. 97

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Jamal abaixou a calça, e não se importou de tirá-la. Em vez disso, posicionou-se entre as coxas roliças, trouxe-a de encontro a si e penetrou-a. Heidi gritou. O prazer foi tão intenso que perdeu por completo o controle e soltou um suspiro deliciado. Estava extasiada com a intensidade daquilo que partilhavam, e movia-se, frenética, agora sobre ele, acompanhando seu ritmo, enquanto Jamal continuava a beijá-la com possessividade e a afagar-lhe os mamilos. Em meio aos movimentos cadenciados e culminantes, o êxtase arrebatou-os. De repente, no mundo não havia mais nada para Heidi, exceto aquele homem e as sensações indescritíveis que despertava nela. Desabou sobre o peito de Jamal, enfim, ofegante, e abraçou-o, sentindo um imenso contentamento. Que perfeição, pensou ela, atônita pelo que acabara de acontecer. E quanto a contar a verdade a Jamal... Bem, Heidi não se arriscaria a destruir a mágica, porém frágil, ligação entre eles revelando sua mentira. Por enquanto, daria um jeito de continuar a ser sua esposa e sua amante. Jamal tinha Heidi na cabeça ao retornar ao palácio, pouco depois. Nunca imaginara que pudesse encontrar uma mulher tão especial quanto ela. Heidi era a garota mais surpreendente e fabulosa que já conhecera. Possuía uma paixão nata e era instintivamente ardorosa, como também uma pessoa de fibra, determinada, corajosa, que só causaria orgulho a um homem em tê-la como esposa. Sem mencionar o quanto era linda e adorável... Talvez não fosse merecedor de tal dádiva, mas agradecia aos céus por tê-la junto a si.

CAPÍTULO XII O sol nasceria em menos e uma hora, mas o calor já era sufocante. Heidi sentia a boca seca e o suor escorrendo-lhe pelas costas, ao conduzir o cavalo pela vastidão do deserto de El Bahar. Mas, para ela, aquela era a melhor hora do dia, e era assim desde que começara a sair junto com Jamal para cavalgar, havia três semanas. — Está cansada? Heidi lançou ao marido um sorriso radiante e fez o animal ir mais rápido. — Nem um pouco. Seguiram em direção a um oásis logo adiante, a parada favorita dos cavaleiros madrugadores. Costumavam encontrar Dora e Malik no local, porém, naquela manhã, a faixa verde de vegetação no meio do deserto parecia não ter mais ninguém. Após desmontarem e prenderem as montarias, Jamal tirou o cantil da sela e o ofereceu a Heidi, que bebeu, sedenta. — No fim de setembro, o pior do calor já terá deixado Londres — disse ele, continuando a conversa iniciada no trajeto até ali. — Que tal darmos uma fugidinha até lá? 98

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Heidi deu uma risadinha. — Jamal, estamos no meio do deserto e em pleno verão, e você se preocupando com a temperatura amena que faz em Londres? Ele deu de ombros. — E por que não? Setembro é a melhor época, e a mais tranqüila. Os turistas vão embora no final de agosto. — Com medo de ser reconhecido? — Que nada! Disso eu não posso escapar. — Aposto que não. Heidi olhou para o homem com quem havia se casado, admirando seu porte, as feições perfeitas, os cabelos escuros e brilhantes. Sem dúvida, ele jamais passaria despercebido, aonde quer que fosse. — Se quer mesmo ir, Jamal, eu também quero. Heidi sentou-se no chão e passou a mão na grama ainda fria. Em menos de uma hora, tudo estaria fervendo sob o sol abrasador. Tinham no máximo vinte minutos para retornar ao palácio. — Quero levá-la ao teatro — disse Jamal, sentando-se perto dela. — Há várias peças estreando, entre elas, um musical. Você vai gostar. Heidi observou sua postura casual e o modo como movia aos mãos ao falar. Aquele homem era seu marido, amoroso, gentil... Um sonho! Naquelas semanas, Jamal continuou vendo Honey. Heidi estava vivendo uma vida dupla e não sabia como sair daquela situação. Por várias vezes esteve tentada a confessar a verdade e aceitar as conseqüências. Mas não pôde fazer isso. Quando Jamal a fitava com tanta ternura, quando a tomava nos braços e murmurava o quanto a desejava, não conseguia resistir. Amava com paixão seu príncipe, e faria qualquer coisa para não perdê-lo. No entanto, quanto mais se envolvia, mais detestava a situação em que se encontrava. Vivia aterrorizada, temendo que Jamal descobrisse tudo, ou que acabasse amando Honey mais do que a ela. O fato de que ambas, eram a mesma pessoa fazia sua cabeça girar. O que começara como uma simples brincadeira para atrair seu marido transformara-se em uma árdua série de circunstâncias que Heidi não conseguia mais controlar. O fantasma de Yasmin também a atormentava. E se Jamal nunca mais se desligasse do passado? E se ela estivesse passando por toda aquela tortura por nada? Ansiava para que ele terminasse tudo com Honey e confessasse que amava apenas a ela. Heidi sabia estar pretendendo o impossível. — Está tão séria, Heidi... Algum problema? — Nenhum. Estou um pouco cansada, só isso. Ainda não me adaptei a essa quentura infernal. Jamal pegou sua mão. — Está com saudade dos Estados Unidos? — Não. Minha vida é aqui, em El Bahar, o país que sempre sonhei ter como lar. 99

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— E agora ele é. Estou feliz por você estar aqui, Heidi. — Jamal sorriu. — Confesso que no início cheguei a temer por nosso casamento. Achava que tínhamos cometido um grande erro nos casando. Mas agora estou convencido de que seremos felizes. Heidi o encarou. O príncipe estaria querendo dizer que se importava com ela? Que a amava? Jamal levantou-se e puxou-a consigo. Em seguida, pousou as mãos em seus ombros e fitou-a com intensidade. — Tenho de discutir algo com você, mas peço que não diga nada até que eu acabe de falar, está bem? Heidi assentiu. — Quero ter filhos com você, Heidi. Sei muito bem que ainda não está pronta, mas saiba que vou esperar com ansiedade por isso. Todos esperam que tenhamos herdeiros, pelo bem de El Bahar. Mas não é só por meu país. Quero que sejamos uma família. Emoção, amor, esperança. Heidi quis responder, mas não sabia o quê. Seria fácil confessar seus sentimentos, mas e quanto à mentira que permanecia entre eles? Não apenas por ela estar fingindo ser outra mulher, mas também por Jamal ter uma amante. Jamal tornou a sorrir. — Consegui assustá-la? — Um pouco, mas vou sobreviver. Jamal olhou além dela e para o horizonte. — Quase amanheceu. E melhor voltarmos. Ainda perturbada com tudo o que ele dissera, Heidi caminhou até os cavalos. Antes que colocasse o pé no estribo, Jamal se aproximou e abraçou-a por trás e, com muita ternura, beijou a pele sensível atrás de sua orelha. — Promete que pensará no que eu disse? — Prometo. — Heidi duvidava que conseguiria pensar em outra coisa. Heidi andava de um lado para o outro na sua suíte no hotel. Jamal queria ter filhos com ela. Filhos! Claro que Heidi sempre desejou ter uma família. Adorava estar cercada de crianças, e esperava ser uma boa mãe. Mas imaginar gerá-los era uma coisa, bem diferente. Estaria pronta? Eles estariam prontos? De qualquer modo, antes disso, ela e Jamal tinham algumas coisas para resolver. A principal delas, o caso dele com Honey. Continuava andando de um lado para o outro quando ele chegou. Fosse o que fosse que seu coração sentisse a respeito do caso dele com Honey, seu corpo sempre tremia de emoção quando Jamal estava por perto. — Boa tarde — cumprimentou ele, roçado os lábios nos dela. — Está linda. — Obrigada. — Trouxe isto para você. — Jamal entregou-lhe uma pequena caixa preta, forrada de veludo. 100

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— O que é? A caixinha era mais pesada do que ela julgara, e as discretas letras em dourado a identificavam como tendo vindo de uma joalheria exclusiva. O príncipe dera-lhe um presente. Não para a esposa, mas para sua amante. Mesmo enquanto tentava adivinhar do que se tratava, Heidi sentia as lágrimas ameaçando-a. Não queria que Jamal presenteasse Honey. Ele devia romper com ela, isso sim. Afinal, naquela mesma manhã, dissera à esposa que queria que tivessem filhos. Mesmo machucada, Heidi ergueu a tampa. Dentro, havia um colar de pérolas, o tom suave das contas destacando-se contra o fundo negro. — Gostou, Honey? Lembrei-me de você no momento em que o vi na vitrine da joalheria. Imaginei vê-la usando-o, e nada mais. Jamal se aproximou de suas costas e apanhou a jóia. — Levante seus cabelos. Ele esperou até que Heidi recolhesse as mechas e as segurasse no alto da cabeça. Então, prendeu o colar em torno do pescoço delicado. — Venha ver. — Jamal a impeliu em direção ao espelho sobre o bufê na sala de jantar. — Maravilhoso! Em vez de mirar seu reflexo, Heidi manteve o olhar fixo no tampo polido do móvel. Não queria ver aquele colar sobre sua pele. Seu marido dera aquele presente à amante, e não à esposa. Como Jamal pudera fazer aquilo, logo após o que lhe dissera naquela mesma manhã? Estaria mentindo ao falar que queria ter filhos com ela? Ou planejava engravidála e continuar o relacionamento com a amante? —Algum problema, Honey? Não gosta de pérolas? Mesmo sem precisar ver, Heidi tinha certeza de que as pedras eram perfeitas. Jamal compraria apenas o melhor. Devagar, ergueu os olhos, até ver sua imagem. As pérolas brilhavam, magníficas. — São tão adoráveis quanto você. — Jamal enlaçou-a e beijou-a na nuca. Heidi desvencilhou-se dele e empurrou-o. Deve tê-lo pego de surpresa, porque Jamal foi forcado a dar alguns passos para trás, antes de recuperar o equilíbrio. — O que está havendo?! Uma fúria incontrolável a arrebatava. Raiva, mágoa e uma sensação de ter sido traída pelo homem a quem só queria amar. — Como se atreve? Como se atreve a mentir para mim?! Acha que não sei o que está fazendo? Acredita que sou uma imbecil? Eu o desprezo por isso! Jamal parecia assombrado, o que aumentou ainda mais sua zanga. — Não sou sua amante. Sou sua esposa! E parou de falar, em expectativa. Pelo que lhe dizia respeito, Jamal tinha muito o que explicar. Ele não parecia nem um pouco preocupado. Em vez de ficar boquiaberto e gaguejar, como Heidi esperava, apenas sorriu. — O que é isso, Heidi? O que está havendo com você, afinal? 101

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— Não vá querer me dizer que sabia que era eu. — Evidente que sabia. Desde o início. — Deu de ombros. — Você pode ser muitos talentos, minha querida, mas não é uma boa atriz. Jamal estendeu a mão e tocou seu rosto. — No começo eu não sabia por que motivo fingia ser outra garota. Depois concluí que queria chamar minha atenção. Fiquei encantado, e ao mesmo tempo intrigado com esse outro lado da minha mulher que não conhecia. E tenho gostado dele. Não são todos os maridos que têm tal chance. Heidi deixou que ele falasse, mesmo porque não podia interrompê-lo. Cada célula de seu corpo parecia ter congelado. As palavras dele ecoavam em seu cérebro, sem parar. "Claro que sabia. Desde o começo." Não era possível. Jamal não pode ter sabido. O príncipe continuava falando, mas ela não ouvia. Ele sabia? Desde a primeira vez que vira Honey? Adivinhara no dia em que entrou no quarto dela e perguntou por que não estava trabalhando? E quando mencionou a dança dos sete véus, e quando acompanhou-a às compras? Todos os seus planos, todas as suas esperanças, toda sua agonia... Tudo por nada. Fora uma tola. Pior do que isso. — Heidi? Ela piscou e o focalizou. Jamal ainda tinha aquela expressão calorosa. Enquanto ela queria arrancar-lhe os olhos. — Está tudo bem, Heidi. Estou feliz que tenharesolvido me contar. — Sério? Eu começava a achar que você preferia continuar a ter-me como esposa e como amante. — Heidi, não fique tão zangada. — O sorriso dele se alargou. — Pelo menos, você aprendeu a usar sapatos de salto alto. Heidi sentiu as faces arder. Precisava sair dali. Tinha de feri-lo também, para que Jamal visse como era bom. Mas não tinha certeza se conseguiria se mover. O choque ainda a mantinha paralisada no lugar. Jamal deu um passo à frente, como se pretendesse abraçá-la. Heidi recuou. — Não, Jamal. — Ergueu os braços para tirar o colar do pescoço e atirou-o sobre ele. — Não me toque. Não quero mais nada com você. Posso imaginar como deve ter se divertido a minha custa. Como pôde?! Heidi sentia o pranto se formando, mas recusava-se a chorar. Não lhe daria tal satisfação. Jamal abaixou-se para pegar a jóia do chão e guardou-a no bolso. — Precisa me ouvir, Heidi. Não pretendi magoá-la. Lamento por tudo isso. Julguei estar agindo certo, permitindo que se passasse por outra, se era o que você queria fazer. Ela riu, ironicamente. — Permitiu?! Quanta gentileza! Mas não preciso de sua permissão para fazer o que quero. Não se atreva a me tratar com condescendência. Não torne as coisas piores do que estão. Banquei a idiota, e você se viu no direito de caçoar de mim! A expressão de Jamal tornou-se sombria, — Jamais caçoaria de você, e, se é capaz de imaginar isso de mim, é porque, afinal, não me conhece de verdade. 102

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— Tem razão. Não o conheço, nem quero conhecer! Heidi tinha muitas coisas a falar, mas seu estômago de repente se pronunciou. Uma forte náusea a acometeu fazendo-a correr para o banheiro. Após se recompor, fez força para retornar à sala. Mas Jamal não se encontrava mais ali. Sentou-se no sofá e escondeu o rosto entre as mãos. A humilhação que sentia era grande. Lembrar o que sofrerá, temendo pela reação dele ao descobrir a verdade. Seu desespero, julgando que o marido estava sendo infiel. E todo aquele tempo ele sabia. Estivera tão distraída se apaixonando por Jamal que nem. percebeu estar sendo motivo de caçoada. Mas o que mais a magoava era que aquela fora a primeira vez na vida em que Heidi se arriscara. Vivia segura, até decidir conquistar uma parte do coração de Jamal. Suspirou, desalentada. Ouviu o que Givon e Fátima lhe disseram a respeito de sua educação. Fora para a Suíça estudar a pedido deles, quando, na verdade, não tinha interesse algum em fazer isso. E tudo por não querer decepcioná-los. Voltou para El Bahar, em parte porque viver no palácio a deixava feliz, mas também porque ali se sentia segura. E até concordou em se casar com Jamal em vez de opor-se à idéia. Recostou-se no sofá e cerrou as pálpebras. Imagens das últimas semanas surgiram em sua mente. Dançara para Jamal, vestira aquela fantasia ridícula e ainda se preocupara em não fazer nada errado. Mudou de forma radical seu estilo de vestir-se, inclusive a cor dos cabelos, e sofreu para se adaptar às lentes de contato. Tudo por ele. Podia imaginar quantas vezes Jamal a comparou com a sempre perfeita Yasmin. Encolheu-se diante da súbita constatação de que havia se casado com um homem que sempre a consideraria a segunda melhor. Tinha pela frente um futuro longo e desolado, com seu amor insensato, com Jamal dando boas risadas de seus sonhos tolos, e com a sombra Yasmin se interpondo para sempre entre eles.

CAPÍTULO XIII Heidi entrou na sua suíte no palácio e fechou a porta. Tudo o que mais desejava era trancar-se ali e não falar com ninguém, nunca mais. Doía respirar, e ainda mais pensar. Fora uma tola inocente, fazendo tudo para conquistar seu marido, quando todo tempo ele caçoava dela. — Jamal me contou o que aconteceu. Heidi engoliu em seco e virou-se em direção à voz. Viu Fátima sentada no sofá no living do quarto. — Ele estava muito preocupado quando retornou do hotel — continuou a rainha. Heidi enxugou as lágrimas com as costas da mão e aproximou-se da cama. Não aquela em que dormia com Jamal, mas a outra, onde ficara sozinha nos primeiros dias após o casamento. 103

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— Não quero falar sobre isso, Majestade. Apreciaria se me deixasse sozinha. — Receio que não seja possível. — Fátima aproximou-se de Heidi. — Em parte sou culpada pelo que aconteceu. Sabia que Jamal havia reconhecido você, já no primeiro dia. Meu neto presumiu que eu a tinha ajudado, e veio falar comigo. Fui eu que pedi a ele para fingir não tê-la reconhecido. Heidi acreditava que não seria capaz de se sentir pior do que se sentia. Mas estava errada. Abraçou a si mesma e balançou a cabeça. — Não posso acreditar. Como pôde fazer isso comigo?! Fátima colocou a mão em seu braço. — Fiz pensando ser o melhor para você. Pelo menos era o que achava na época. Jamal ficou confuso quando descobriu que Honey e você eram a mesma pessoa, mas assegurei a ele que suas intenções eram as melhores, que não pretendia enganá-lo, nem humilhá-lo. Queria apenas chamar sua atenção. Aconselhei meu neto a manter silêncio sobre Honey. Disse a ele que você precisava fazer isso se sentir mais confiante. — Faz sentido. Afinal, Jamal é seu neto. Eu devia ter imaginado que ficaria do lado dele. Fátima pareceu prestes a perder a paciência. — Não existe essa coisa de lado. Fiz o que achei que era melhor para ambos. Esbraveje se quiser, mas saiba que sou uma pessoa correta e não saio por aí supondo isso ou aquilo com leviandade. Precisava saber que tinha potencial necessário para conquistar seu marido, Heidi, pois não acreditava nisso. Ao se tornar outra pessoa, começou a confiar em si mesma e em sua habilidade. Quanto a Jamal, tinha de saber até onde sua esposa iria para conquistá-lo. Precisava se sentir especial e digno de ser amado. Na pele de Honey você conseguiu tudo isso! Heidi deu um passo atrás, para ficar fora do alcance do toque de Fátima, então deu-lhe as costas. — Podia ter me avisado. — Heidi voltou-se para encarar a rainha. — Mas não. Permitiu que eu me preocupasse com a dança e dançasse, mesmo sabendo que Jamal não se deixou enganar. Fátima sorriu. — Sei como está se sentindo, meu bem, mas isso passa. — É fácil dizer. Não foi de você que fizeram caçoada. Aposto como a família real inteira deu boas risadas de mim. — Não exagere. Só eu e Jamal sabemos de tudo. Não contei essa história com ninguém, e está me ofendendo julgando o contrário. Conheço-a e te amo desde que era apenas uma garotinha, Heidi, e sempre vou querer o melhor para você. Pode zangar-se comigo pelo que fiz, mas não me acuse de não ter me importado. Heidi baixou a cabeça. Fátima estava fazendo com que ela se sentisse como uma criança mimada e petulante. — Sei disso... mas achei que tivesse me traído. Você me fez passar por uma completa idiota diante de meu marido, e isso não foi justo. Fátima suspirou. — Lamento muito, Heidi. Não foi essa minha intenção.

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Heidi a fitou e viu muito amor nos olhos escuros da rainha. E compreensão. Quando Fátima estendeu os braços, ela correu para abrigar-se neles. Agarrou-se à amiga e chorou. — Não chore, minha criança... Não é assim tão terrível. — Ele pensa que sou uma tola. Pior. Depois de tudo, não consegui fazer com que se apaixonasse por mim. Falhei miseravelmente! Agindo do modo como agiu, Heidi garantiu que Jamal nunca se esquecesse de Yasmin. —Você está enganada, filha. Jamal a quer, e muito. Heidi endireitou-se. — Não sei se algum dia conseguirei perdoá-lo por ter me enganado. — Se meu neto sabia que você era Honey, não houve traição. Então, onde foi que ele pecou? Heidi não pôde responder. Talvez não fizesse sentido para ninguém, mas para ela estava bastante claro. Seu mundo inteiro fora destruído, e seu coração, partido. Arriscarase e perdera, essa era a realidade. — Jamal não me ama. — E você o ama, Heidi? — Amo, e é isso o que torna tudo tão duro. — Precisa dar um tempo, querida. Vocês ainda serão muito felizes. Quem viver, verá. "Ah, se as coisas fossem tão simples..." Mas Heidi aprendeu uma amarga lição quando resolveu desejar a Lua. Heidi encolheu-se toda no leito e esperou que a náusea passasse. Acabava de passar mal outra vez. Aquela era a terceira nas últimas vinte e quatro horas. Rezava para que fosse algo simples, como estresse ou tensão, mas tinha o pressentimento de que era muito pior. Suspeitava que estava grávida. Tornou a calcular a última vez que menstruou, então rememorou as ocasiões que ela e Jamal fizeram amor, quase que todos os dias no último mês. Eles nunca falaram sobre controle de natalidade. O conceito jamais lhe ocorrera. Além disso, estava casada. Engravidar fazia parte de sua função. Justo na véspera, Jamal havia falado em ter filhos, e sugeriu que Heidi pensasse sobre o assunto. Estava parecendo que era tarde demais para isso. Pronta ou não para ser mãe, ela teria um bebê. Isso queria dizer que não poderia deixar El Bahar tão cedo. De acordo com as leis do país, estando grávida uma mulher não poderia deixar o marido. A única exceção era se o marido a tivesse agredido. Heidi rolou de lado e fitou o teto. O que faria agora? De uma hora para outra, seu mundo inteiro de transformou, e não para melhor. Após a conversa que teve com Fátima, se trancou no dormitório e lá ficou, recusando-se a sair. Jamal batera na porta várias vezes, pedindo para conversarem, mas Heidi não o atendeu. Porém, sabia que não poderia ficar reclusa para sempre. Teria de chegar a um bom termo com a nova circunstância de sua existência. Precisava se acostumar com o fato de ter se colocado em um posição desprezível, e que o homem que amava zombara dela. Depois, haveria de descobrir um modo de encontrar a paz naquele matrimônio. Pelo próprio bem e da criança que esperava. 105

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Não tinha escolha. Uma mulher comum poderia se divorciar após o nascimento do bebê e obter sua custódia. Mas Heidi era uma princesa, casada com o filho de um rei. Se decidisse partir após o nascimento do filho, não haveria custódia. Teria de partir sozinha. Heidi não conseguia se imaginar abandonando um filho. Isso significava que teria de continuar junto de Jamal, mesmo que nenhum dos dois estivesse satisfeito com a união. Uma enorme mágoa quase a fez chorar. Apesar de tudo, não queria que seu enlace com Jamal terminasse. Ainda o amava muito. Alguém bateu, e Heidi ergueu o corpo, apoiando-se nos cotovelos. Rihana aparecia em regulares intervalos, trazendo-lhe um bandeja com comida. Por menos apetite que tivesse, se esforçava para se alimentar, por causa do bebê. — Quem é? — Malik. Heidi sentou-se e olhou para a porta, surpresa. Correu para atender e o fez entrar. — Malik? O que está fazendo aqui? — perguntou, sem acreditar que o herdeiro da coroa se encontrava à sua soleira. — Necessito falar com você — disse ele, mudando o peso do corpo de uma perna para a outra, como se não se sentisse nada à vontade. Enfiou as mãos nos bolsos e a encarou. — Seja lá o que Jamal tenha feito, posso afirmar que não é culpa dele. Heidi retornou à cama e sentou-se, indicando uma cadeira para que o príncipe herdeiro se sentasse. — Como pode afirmar isso, sem saber dos fatos? — Meu irmão é um homem de bem. Você sabe disso melhor do que eu. — Hesitou um instante, em seguida acrescentou: — Tenho uma pergunta. Sei que poderá parecer estranho, mas, por favor, responda. Pode ser importante. — Está bem. — Naquela primeira noite, após você chegar a El Bahar, houve um jantar com a família. Logo após, Jamal a levou a uma passeio no jardim. Quero saber se ele a beijou. Heidi não precisou de esforço para se lembrar. Estava em pânico, na ocasião, por ver-se forçada a aceitar uma proposta de casamento que não queria, e desesperada para evitar aquela situação. Isso até Jamal tê-la beijado. Aquele fora seu primeiro beijo, e adorara a experiência. Apesar da mágoa, sorriu diante da recordação. — Sim, ele me beijou. — Eu sabia! Mas Jamal não disse uma palavra sobre o assunto. — E por que faria isso? — Porque fizemos uma aposta. — Malik explicou rápido de que se tratava. — Se ele ganhasse, ficaria com meu carro por uma semana. Mas, se não a beijasse, perderia, então eu poderia cruzar seu garanhão com várias de minhas éguas. Só que, na manhã seguinte, ele jurou que nada havia acontecido. Heidi franziu as sobrancelhas. — Ele negou ter me beijado? — Isso mesmo. — Malik pareceu satisfeito, como se aquilo explicasse tudo. 106

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— Malik, você espera, que eu fique feliz porque meu marido, talvez por constrangimento, não admitiu que me beijara? — Não está entendo, Heidi. O fato de ele não ter comentado significa que aquele beijo teve significado. Os homens não comentam sobre uma mulher quando ela é importante. Quando um sujeito fala sobre a pessoa com quem saiu é porque ela nada significou. A questão é: já naquela época você era importante para Jamal. Heidi encarou o cunhado. — Faz algum sentido... — Faz muito sentido. — Malik deu um passo na direção dela. — Não sei o que aconteceu entre vocês. Jamal não me disse. Mas, seja lá o que for, meu irmão se sente muito mal. Só queria que soubesse, Heidi, que ele a tem em altíssima conta. Pense bem no que eu falei e dê uma chance a ele, está bem? Heidi olhou para a porta que Malik acabava de fechar atrás de si. Seu cunhado, e futuro rei de El Bahar, se dera ao trabalho de vir até ali para lhe dar conselhos. Ele teria razão? Jamal de fato se importava com ela? Deitou-se de novo e fechou os olhos. Devia acreditar na história de Malik? Afinal, ele não tinha motivos para mentir. Na verdade, Jamal fora muito atencioso trazendo-lhe o disquete sobre a vida do general que tanto a interessava, mudando seu escritório, para que tivesse a vista do oceano que tanto a agradava. Por várias vezes demonstrou seu afeto por ela, e se aquilo não era amor, era algo positivo. Não era suficiente? Heidi seria capaz de esquecer o quanto fora humilhada? Fátima teria razão? Jamal fez o que fez sem nenhuma maldade? Entendera-o mal? Talvez tivesse reagido com exagero. Continuou remoendo os erros do passado e tentando descobrir qual seria o melhor curso de ação. Seria capaz de vender a própria alma para acreditar em Jamal, mas acabava sempre batendo na mesma tecla, aquilo que julgava ser uma verdade inevitável: ele ainda amava Yasmin. Jamal encontrava-se sentado sozinho, com um drinque na mão. Não era algo que costumava fazer, mas, àquela altura dos acontecimentos, seria capaz de tudo para esquecer. E, não importando quanto uísque consumisse, não era capaz de apagar da mente a expressão sofrida do rosto de Heidi quando confessou que sempre soubera de Honey Martin. Tampouco estava sendo capaz de bloquear as palavras dela e o som de seus soluços. Tudo o que sempre quisera foi que as coisas dessem certo entre eles. Mas acabara arruinando tudo. Fitou as estrelas no céu, visíveis na noite clara. Aquele terraço era o único lugar onde tinha privacidade, e precisava ficar sozinho. Heidi não queria vê-lo nem falar com ele. Desde a tarde anterior, não houve nada, a não ser silêncio da parte dela. Fátima o aconselhara a ser paciente, mas sua paciência já se esgotara. Entretanto, ele não tinha uma solução melhor. Jamais pretendera magoá-la. Heidi era a luz mais brilhante de seu universo. Não conseguia se imaginar com outra pessoa. Para um homem que temia que a esposa fosse rejeitá-lo, a sensualidade dela havia sido como um bálsamo para suas feridas. Sua avidez no leito fez com que Jamal acreditasse que seriam felicíssimos juntos.

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Então, ele a feriu, e sabia do fundo da alma que a amava, mas que agora era muito tarde para confessar-lhe isso. Detestando a si mesmo, mesmo assim incapaz de evitar isso, repisou a última conversa que teve com sua mulher na suíte do hotel. Pensou em uma centena de diferentes respostas para sua furiosa confissão. Cada uma delas começava com a simples frase: "Eu te amo". Teria aquilo feito alguma diferença? Heidi o teria ouvido? Seria muito tarde agora para tentar consertar o estrago feito? Não havia respostas, e Jamal estava cansado de tantas indagações. Deixou o copo sobre a mesa, pensando em ir para o quarto e dormir; ou melhor, tentar dormir. Duvidava que fosse conseguir. Em todo caso, pela manhã reconsideraria suas opções e imaginaria um plano para fazê-la entender o quanto significava para ele, e que nunca pretendera magoá-la. Atravessou a sala de estar e entrou na escuridão do quarto de dormir. Sua cama estaria vazia e fria, sem Heidi. Foi tão fácil habituar-se com seu corpo caloroso abraçado ao dele! Yasmin estava sempre a seu lado, entre os lençóis, o mais distante possível, como se tivesse medo de que ele a tocasse. E quase sempre fingia estar dormindo. Com Heidi era diferente. Jamal acordava no meio da noite com suas pernas entrelaçadas. Habituarase com isso, e levaria tempo até que conseguisse tornar a conciliar o sono sozinho. Entrou no dormitório e inclinou-se para acender a luz do abajur sobre a mesinha. Quando a luz se acendeu, procurou pelo botão da camisa. Então, gelou. Viu Heidi sentada na poltrona, em posição de lótus. Usava jeans, camiseta, e tinha os pés descalços. Estava com os cabelos soltos, e parecia pálida e cansada. Jamal pensou em algo para dizer, mas não conseguiu. O nó apertando sua garganta não permitiria que dissesse nada, mesmo com esforço. — Eu tinha preparado um discurso, mas será mais fácil para mim se você apenas ouvir e deixar os comentários para depois. — Heidi olhou para o chão, em seguida de volta para o rosto amado. — Venho trabalhando nisso a tarde toda, até agora. Porém, se esquecer alguma coisa, me avise. O que Jamal de fato desejava era encurtar a distância, tomá-la nos braços e beijála. Queria dizer que a amava e que lamentava muito tê-la feito sofrer. Contudo, sentiu que não devia. Portanto, permaneceu onde estava. — Combinado. Heidi assentiu e pigarreou. — Quero que me desculpe, Jamal. Sei que agi de um jeito muito infantil, ontem, no hotel. Quando você afirmou que sabia que eu era Honey, me senti como uma perfeita cretina. — Foi um grande erro de minha parte. Já devia ter esclarecido tudo com você. Ou, quando me confrontou, devia ter reagido de modo diferente. O que interessa é que jamais pretendi magoá-la. — Sei disso... Mas deixe que eu termine, está bem? — Claro.

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— Não dá para explicar o quanto me sinto péssima. Achei que você estivesse caçoando de mim, ou tentando ser indulgente comigo. Senti-me como uma tola. A maior de todas as tolas. A tristeza dela o machucava. Jamal tentou descobrir o que poderia fazer para melhorar as coisas entre eles. — Eu adorava o que você estava fazendo por mim, Heidi. — Seja como for, ainda preciso trabalhar essa parte em meu íntimo. Nunca me senti muito confortável com os homens. Falta de prática, creio. Estava tão certa de o estar seduzindo, e todo o tempo você estava sendo complacente comigo. — Você me seduziu. Heidi o encarou. — Prometeu que iria me ouvir. — Desculpe-me. Vá em frente. Ela suspirou. — Creio que a melhor coisa a fazer agora é darmos um tempo. Então, falaremos sobre a atitude a tomar. — Heidi deu de ombros. — Nunca quis me casar, porque não via razão. Então, Givon me procura e diz que quer que eu me case com você. Lógico que fiquei assustada. E se eu estragasse tudo, com minha inexperiência? E se você não se interessasse por mim? Jamal detestava todas aquelas dúvidas. Será que Heidi não via o quanto era bonita, maravilhosa e desejável? — E quanto mais tempo nós passávamos juntos, 430 SOB O SOL DO DESERTO mais eu me convencia de estar gostando de você, Jamal. No entanto, temia ser inadequada, por isso lhe disse aquelas coisas sobre evitar o sexo, em nossa noite de núpcias. Tudo piorou ainda mais quando descobri que você ainda amava Yasmin. Então ela achava que ele ainda amava Yasmin?! Que ainda chorava sua morte?! — Quanto a isso, está completamente enganada. Heidi ergueu a mão. — Deixe-me terminar. Transformei-me em Honey porque achava que Heidi não era especial o bastante para conquistá-lo. Acreditei que teria mais chance sendo outra pessoa, uma mulher sensual e provocante. Na verdade, foi tudo idéia de Fátima. Heidi desdobrou as pernas e apoiou os pés no chão, inclinando-se para a frente. — Agora, você precisa decidir se serei suficiente sendo apenas eu mesma. Embora gostasse de algumas coisas em Honey, não sou ela. Não me sinto confortável na pele de mulher fatal. — Heidi fez uma pausa e empertigou-se. Jamal viu as lágrimas em seus olhos, que ela tentava sufocar. — Sei que jamais esquecerá sua primeira esposa, Jamal, mas posso chegar a um bom termo com isso. O que de fato necessito é saber o quanto você gosta de mim. Não precisa ser muito... Um pequeno lugar em seu coração será suficiente. — Sorriu. — Como vê, estou me esforçando para salvar nossa união. Gosto de você, amo este país, e não quero deixá-lo. Portanto, quero que decida o que quer. A honestidade dela o comoveu. — E se eu disser que só o que quero é você?

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— Por favor, ainda não... Não quero que fale no calor do momento. Tenho de ter certeza, que pondere sobre o que afirmei e faça o que achar ser melhor para você. — E quanto ao que é melhor para você? — Também preciso pensar nisso. De repente, algo lhe ocorreu, o que o deixou bastante assustado. — Pretende me deixar, Heidi? — Não posso. — Eu não a prenderia aqui à força. — Ele morreria se ela fosse embora, mas não a impediria, se fosse sua vontade. — Sei disso, mas minha partida não faz parte da equação. Não irei a lugar algum, a não ser que você queira que eu vá. Heidi levantou-se e atravessou o aposento. Parou diante da porta e voltou-se. — Tornaremos a conversar quando você estiver pronto. Jamal desejou agarrá-la e sacudi-la até que sua mulher enxergasse a verdade. Em vez disso, todavia, abriu a boca para dizer que a amava, mas tornou a fechá-la e assentiu. Não devia dizer aquilo agora. Heidi não acreditaria. Por algum motivo ridículo, ela estava convencida de que Jamal ainda amava Yasmin, que ainda chorava sua perda. Heidi queria dar-lhe um tempo, e se, naquele momento, Jamal se declarasse, julgaria que ele pretendia apenas aliviar a própria culpa, ou então que queria fazer com que ela se sentisse melhor. Heidi saiu da suíte. Deixá-la ir foi a coisa mais difícil pela qual Jamal passou, sabendo que era a atitude mais certa no momento. Ele insistiu em lhe dar algum tempo, mais Jamal suspeitava ser Heidi quem precisava chegar a um bom termo em tudo o que estava acontecendo. Mas Heidi algum dia acreditaria nele? O príncipe conseguiria convencê-la? Jamal fechou os olhos, o peito apertado pela dor que sentiu diante da possibilidade de perdê-la para sempre. Então, recordou-se de algo, e um sorriso lento iluminou seu semblante. O plano era perfeito. Heidi poderia resisti a ele, mas duvidava que resistisse à história de El Bahar.

CAPÍTULO XIV Então., não está mais zangada comigo? manhã seguinte.

— disse Fátima, abraçando Heidi, na

— Não estava zangada, exatamente... Foi meu modo de reagir. Estava tão atordoada, tão magoada que não conseguia raciocinar direito. Heidi afastou-se um pouco para olhar para a mulher que amava como se fosse sua mãe.

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— Você significa muito para mim, Majestade, e sei que não faria nada para me magoar. — Lógico que não! — Fátima pegou-lhe as mãos dela nas suas. — Se eu soubesse que daria nisso, teria feito Jamal abrir o jogo com você, naquele primeiro dia. A rainha fez uma pausa e encarou Heidi. — E como estão as coisas entre vocês? Era uma pergunta razoável, mas Heidi não tinha a resposta. — Nós conversamos bastante, ontem. Na verdade, eu falei, e Jamal apenas ouviu. Disse-lhe que queria que nosso casamento desse certo, mas que ele também precisava querer e que teria de me aceitar como sou, não como Honey. Afirmei também que eu nunca seria igual a Yasmin, e que ele precisava ter certeza de que havia um lugar para mim em seu coração. Fátima ergueu as sobrancelhas. — Não tem de se preocupar com Yasmin, Heidi. Jamal nunca foi feliz com aquela mulher. Era uma egoísta, que se casou com meu neto por interesse, e não merecia seus sentimentos. — Como assim? Eu julgava que todos a adoravam. Fátima soltou-a e caminhou até a janela, que dava vistas para o jardim. Apesar do calor imenso, a vegetação lá fora era magnífica. A rainha ficou alguns momentos apreciando o panorama, e em seguida pressionou as têmporas com a ponta dos dedos. — Yasmin foi uma grande decepção para todos nós. Comparada à ex-mulher de Malik, ela era uma santa. Mesmo assim, não merecia ter entrado para esta família. Heidi não acreditou no que ouvia. Nada parecia fazer sentido. — Mas Jamal a adorava. E ainda a ama. Eu sei. Ele me contou. — Jamal pode ter dito muitas tolices na vida, mas tenho certeza de que jamais disse que amava Yasmin. — Fátima fez uma pausa. — Ou melhor, no início ele a amou, sim, mas sua atitude o decepcionou, pondo fim a qualquer afeição que meu neto pudesse nutrir pela esposa. Heidi meneou a cabeça. — Não pode ser. Ele... — Heidi interrompeu o que ia dizendo. Não conseguia lembrar-se do que Jamal falara sobre sua primeira mulher. Mas estava certa que ele dera a entender que ainda a amava. Deus do céu, então, ela acabava de passar várias semanas no inferno, lutando com um fantasma que só existia em sua mente?! Fátima sorriu. — Está me parecendo que vocês dois têm muito o que aprender sobre se comunicar um com o outro. Heidi continuava atônita com o que a rainha havia revelado. Não sabia mais no que acreditar. Se Fátima tivesse dito a verdade, então nada impediria Jamal de se apaixonar por ela. A não ser que ele fosse um homem sem coração. Mas só descobriria isso perguntando a ele. Heidi exalou um suspiro. Deixara clara sua posição, ao afirmar que caberia ao marido responder, quando achasse que devia. O que significava que teria de aguardar até que Jamal a procurasse. Um dia já se passara. Vinte e quatro horas inteiras. Aquela era uma notícia boa ou ruim? 111

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— Não posso crer. Como foi que tudo se complicou dessa maneira, Fátima? — E pensar que poderia ter sido tão simples... Entretanto, o curso do verdadeiro amor nunca é. Amor... Heidi amava Jamal, sem dúvida, mas como ele se sentia em relação a ela? E se Fátima estivesse enganada sobre Yasmin? E se... — Poderia vir comigo, Alteza? Heidi voltou-se em direção a Rihana, parada à soleira. A jovem criada sorriu. — O príncipe Jamal pediu para que eu a acompanhasse até o jardim principal. Heidi sentiu, então, que poderia estar aprestes a obter as respostas que queria. Só esperava que fossem as que queria ouvir. — Deseje-me sorte — pediu a Fátima, ao sair do harém atrás de Rihana. — Tenho certeza de que não precisará disso. — A rainha piscou. Heidi esperava que Fátima tivesse razão. Por que Jamal queria vê-la? O que quereria lhe dizer? Seria uma boa novidade? Enfim, saberia a verdade sobre Yasmin? Seu coração batia em disparada ao seguir Rihana através dos corredores do palácio. Saíram para o pátio que as levaria ao jardim principal. — Por aqui, princesa. — Rihana indicou uma passagem que Heidi não conhecia. — Para onde estamos indo? — quis saber ao dobrarem à direita. Rihana não precisou revelar. De repente, uma tenda branca surgiu diante de seus olhos. Havia dois camelos no local. Um guarda deu um passo à frente, bloqueando-lhe a passagem. Ele não se vestia como os demais guardas do palácio, e tinha o peito nu. A faixa que trazia presa nos quadris servia para prender a adaga de lâmina curva e cintilante. Sua calça era justa na cintura e largas nos quadris, e tinha os pés descalços. Heidi olhava para ele, espantada. O homem estava vestido como um dos guardas do harém, e seu traje era completado pela adaga cerimonial. Outrora, os guardas usavam-na para matar aquele que se aproximasse das odaliscas, ameaçando-lhes a virtude. Mesmo assim, não conseguiu conter um tremor quando o estranho inclinou-se, numa reverência, antes de indicar-lhe a entrada da tenda. — Apenas a princesa — disse, quando Rihana fez menção de acompanhá-la. A criada curvou-se, com extrema graça, e em seguida afastou-se. Heidi deu dois passos em direção à tenda. Sabia que se encontrava dentro do palácio, a poucos metros da passagem para o jardim. Mas se sentiu de volta no tempo, para duzentos, trezentos anos atrás. Por que Jamal a queria ali? Quis muito acreditar que aquilo significava que ele a amava. Seu estômago revirou, e ela rezou para não passar mal. Não era daquela maneira que planejava dizer a Jamal que eles teriam um filho. Heidi encheu-se de coragem e entrou, e de imediato viu-se transportada para outra época. Os móveis baixos, as almofadas coloridas e douradas, o cheiro de incenso, tudo parecia conspirar para fazê-la acreditar que o passado e o presente, de algum modo, se fundiam.

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Observou o lugar, até que seus olhos se fixaram em Jamal. Ele se encontrava sentado sobre as almofadas, as pernas cruzadas à moda indiana, e vestido de maneira tradicional. Assemelhava-se a um personagem de As Mmil e Uma Noites. Um arrepio de medo percorreu-a. Para se acalmar, Heidi se pôs a examinar a mesa. Sobre seu tampo, avistou uma pilha de papéis, uma caixa e um chaveiro. O que significava aquilo? — Venha sentar-se comigo, minha mulher — disse ele, com formalidade. Enquanto Heidi se sentava sobre diante dele, Jamal acendia dois palitos de incenso. Colocou um em cada uma das extremidades da mesa. Em seguida, fitou-a com intensidade. — Esta noite é dedicada a você, minha única e verdadeira esposa. Diante de Deus e do deserto, e de todas as minhas posses, eu a declaro como sendo minha única e verdadeira esposa, dona do meu coração e mãe de meus filhos ainda não nascidos. Amanhã, e a cada amanhã depois deste, após minha morte e na vida além, você continuará sendo minha única e verdadeira esposa. Heidi ficou paralisada. As palavras dele pareciam pairar no silêncio dentro da tenda, levando lágrimas emocionadas a seus olhos. Reconhecia aquelas frases antigas, pela primeira vez pronunciadas logo após o nascimento de Cristo, quando El Bahar era uma terra de nômades e os homens faziam as próprias leis, usando a força, em vez da sabedoria. Foram ditas em uma monumental ocasião, quando um antigo rei dissolveu seu harém e renunciou a seu direito de possuir mais de uma esposa. Com aquilo, um marido comprometia-se a ter apenas uma mulher, única e verdadeira, e lhe prometia fidelidade, mesmo após a morte. Heidi observou os objetos espalhados sobre o tampo. Reconheceu as chaves dos vários carros de Jamal, os títulos de propriedade de terras e de cavalos e a documentação bancária. Aquilo representava tudo o que possuía. A caixa continha as jóias da família dadas a ele. "Permita que seja verdade, meu bom Deus!" —: Por que realizou essa cerimônia? — Heidi ainda temia esperar demais, mas era incapaz de evitar a alegria que a acometia. — Porque você é minha única e verdadeira esposa, e eu não sabia mais como fazê-la entender isso. — O olhar de Jamal era intenso e sincero. O pranto que Heidi até então estivera contendo, por fim, escorreu-lhe pelas faces. Jamal levantou-se e aproximou-se dela. — Creio que jamais conseguirei entender as mulheres. — Abraçou-a. — Podia jurar que ficaria feliz. — E estou! Radiante! — Então, por que chora? — Jamal roçou os lábios nos dela. — Não importa. Por mais que você explique, duvido que consiga entender. O príncipe sentou-se na almofada ao lado e segurou seu rosto com as mãos em concha. — Nós precisamos conversar sobre várias coisas, querida. No entanto, quero que saiba que tudo o que eu disse aqui foi sincero. Você é minha única e verdadeira esposa, Heidi. E eu te amo. Heidi atirou-se em seus braços, precisando sentir seu calor. Amor! Ele disse a sagrada palavra. "Verdadeiro amor." E também se comprometeu a amá-la através dos tempos, não apenas nesta vida, mas também na outra. 113

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Jamal a fez deitar-se e se colocou a seu lado. Em seguida, puxou-a para si, até que estivessem colados dos ombros às coxas. Escorregou um dos joelhos por entre as pernas dela e sorriu-lhe. — Por sua reação, posso assumir que você gostou da notícia. Heidi riu, apesar de continuar chorando. — Gostei muito. E também te amo, Jamal. — Ama mesmo? Tem certeza?! — Tenho. Amo você há muito tempo, mas tinha receio de que não correspondesse a meu sentimento, que ainda pensasse em Yasmin. Foi por isso que inventei Honey Martin. Julgava que, sendo ela, teria melhores chances de conquistá-lo. Creio que já o amava, mas não sabia disso. — Minha doce e inocente, Heidi... Como temos sido tolos! Quero esclarecer uma coisa. Eu já havia deixado de amar Yasmin muito antes de ela falecer. É uma pena, mas preciso dizer que ela era uma criatura egoísta, interesseira, e se casou comigo sem me amar, só para poder desfrutar as vantagens de ser uma princesa. Jamal se deitou de costas e fitou o teto, absorto no que dizia. — Logo após nos casarmos, Yasmin confessou que não me amava e que nada queria comigo. Passamos a viver de aparências, até que houve o acidente. Como vê, uma história que nada tem de romântico, e que tratei logo de esquecer. Heidi não podia crer que aquilo estava acontecendo, que estava nos braços de Jamal e que ele estava dizendo que a amava, e não a Yasmin. Era como se todos os seus sonhos estivessem se tornando realidade. Pousou a cabeça no ombro largo. — Eu te amo e te quero para sempre. — Jamal passou os braços em torno dela e colocou-a sobre si. Fique comigo e deixe que te ame. Tenha filhos meus. Partilhe de minha existência, como quero partilhar da sua. Seremos invencíveis juntos. Em algum trecho da conversa, Heidi parará de chorar, mas, agora, tornava a sentir as lágrimas brotando em seus olhos. Tentou contê-las. — Ficarei para sempre — sussurrou, contra os lábios sedutores. — Quero fazer amor com você agora, e todas as vezes possíveis. Preciso sentir seu corpo dentro do meu. Qualquer dia desses, quem sabe, eu torne a dançar aquela dança ridícula para você. Jamal gargalhou, satisfeito. — Eu gostaria muito. — Fez menção de levantar-se. — Não saia daí. Vou pegar o champanhe. — Obrigada, mas não vou poder tomar. — Por quê? Está doente? Heidi deu uma risadinha. — Não. Estou me sentindo muito bem, a maior parte do tempo. No entanto, logo começarei a engordar, ficarei com os quadris largos e talvez também mal-humorada. Acha mesmo que ainda assim continuará me amando? Heidi tremia quando terminou o pequeno discurso. Aquela decerto não era a melhor maneira de contar a Jamal que estava grávida, mas queria que ele soubesse e que ficasse feliz com a notícia. O príncipe a fez rolar para o lado e se ergueu de um salto. 114

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— Heidi! Teremos um bebê?! — Sim! — Heidi... Obrigado. — Jamal retornou às almofadas junto dela e a enlaçou. — Um bebê! Será maravilhoso! Você será uma mãe inacreditável. — E você, um pai perfeito. Oh, Jamal, seremos o casal mais feliz do mundo! Ele olhou dentro de seus olhos e sorriu. — Mas isso nós já somos, meu amor.

FIM

SUSAN MALLERY É uma autora que já escreveu mais de trinta romances. Fã de histórias românticas, Susan se viu na extraordinária posição de viver a fantasia de ser sua própria personagem romântica com um novo homem em sua vida. Susan vive na ensolarada Califórnia com seu belo herói e marido, e com seus dois adoráveis gatinhos.

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Susan Mallery - Sob o Sol do Deserto

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