GONSALVES, Elisa Pereira. Iniciacão à Pesquisa Científica

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Iniciação à esquisa Científica Elisa Pereira Gonsalves

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ISBN 85-7516-002-8

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Conversas sobre Iniciação à Pesquisa Científica é uma bela síntese sobre a construção e apresentação de um projeto de pesquisa, além de ser um ponto de referência para aqueles alunos que, pela primeira vez, pretendem descobriros caminhos da ciência. Com um título sugestivo, este livro apresenta-se como uma boa conversa sobre as regras instituídas do jogo da ciência. Numa linguagem simples e objetiva sem perder a profundidade e o rigor no tratamento dado ao tema este livro configura-se como um material enxuto, didático e vigoroso. Sob a inspiração de filósofos, sociológos e neurocientistas como Michel Maffesoli, Humberto Maturana, Francisco Varela e Antonio Damásio, este livro supera a figura de um "manual clássico" para a organização de um projeto de pesquisa, quando introduz desconfianças e elementos próprios do cenário pós-moderno. Explorando a sua experiência como docente na área de Pesquisa Social, esclarecendo dúvidas comuns entre alunos de graduação, Elisa Pereira Gonsalves mostra que as regras instituídas pelo jogo da ciência estão em constante mutação e que o maior motor dessa transformação é um conjunto formado pela criatividade, ousadia e o rigor do pesquisador.

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Coordenação Editorial: Willian F. Mighton Revisão de Textos: Douglas Dias Ferreira Editoração Eletrônica: Sonia Traviski Capa: Fábio Cyrino Mortari

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Gonsalves, Elisa Pereira Conversas sobre iniciação à pesquisa científica / Elisa Pereira Gonsalves. -- Campinas, SP : Editora Alínea, 2001. 80 p. Bibliografia. I. Ciência - Metodologia 2. Métodos de estudo 3. Pesquisa - Metodologia I. Título. ISBN 85-7516-002-8 CDD - 001.42

01-0872

Índices para Catálogo Sistemático: 1. Pesquisa científica

001.42

Todos os direitos reservados à

Editora Alínea Rua Tiradentes, 1053 - Guanabara - Campinas-SP CEP: 13023-191 - PABX: (OxxI9) 3232.9340 e 3232.2319

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Para tornar esse livro um material didático, contei com olhares de alunos da graduação e da pós-graduação da Universidade Federal de São Carlos-UFSCar, como também de alunos do curso de especialização em educação da Faculdade de Ciências e Letras de Araras. De forma especial, agradeço à turminha de 1999 do Curso de Terapia Ocupacional e ao estudante do Curso de Mestrado em Educação da UFSCar, Marcelo José Araújo. As dicas foram preciosas, ajudaram a dar um tom mais agradável a esse trabalho. A autora

~umário Introdução

7

Capítulo I Projeto de pesquisa: primeiras questões . . . . . . . . 9 1. Definindo o que é um projeto de pesquisa.

..

11

2. A estrutura básica de um projeto de pesquisa .

13

3. Subjetividade e investigação científica . . . ..

17

4. Esclarecendo os termos monografia, dissertação e tese . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 20 Capítulo II Selecionando o tema da pesquisa . . . . . . . ..

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1. Considerações iniciais sobre a seleção do tema

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2. Primeiras aproximações ao tema

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2.1. Pesquisa documental

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2.2. Pesquisa bibliográfica

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2.3. Contatos diretos . . .

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3. Formas básicas de organização do trabalho científico

36

3.1. Fichamento .

37

3.2. Resumo.

40

3.3. Resenha .

. 42

Capítulo III Considerações em torno do objeto de pesquisa ....

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47

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1. O jogo da ciência. . .

47

2. O referencial teórico.

49

3. A delimitação da questão.

51

4. A elaboração da hipótese.

54

5. Os objetivos da pesquisa .

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6. A justificativa . . . . . . .

58

Capítulo IV Escolhendo o percurso metodológico

61

1. Tipos de pesquisa.

64

. . . . . . . . .

1.1. Tipos de pesquisa segundo os objetivos.

65

1.2. Tipos de pesquisa segundo os procedimentos de coleta. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 67 1.3. Tipos de pesquisa segundo as fontes de informação. . . . . . . . . . . . . .

68

1.4. Tipos de pesquisa segundo a natureza dos dados . . . . . .

68

2. Os sujeitos da pesquisa.

69

3. O espaço da pesquisa.

70

4. A produção dos dados

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5. Cronograma . . . . . .

72

Encerrando a nossa conversa.

75

Referências bibliográficas. . .

77

Introdução

Como elaborar um projeto de pesquisa? Essa pergunta talvez seja a que mais ouvi - e ouço nos dez anos de exercício como docente, ministrando disciplinas como Métodos e Técnicas de Pesquisa em Educação, Metodologia Científica e Métodos e Técnicas do Trabalho Acadêmico Científico, tanto em nível de graduação como em pós-graduação. Nesses anos, direcionei o meu olhar para aqueles alunos que, pela primeira vez, estavam se deparando com o desafio de descobrir coisas pelo caminho da ciência. Pude perceber que a ausência de noções básicas, a falta de clareza sobre a organização de alguns tópicos de um projeto de pesquisa, a não-familiaridade com a linguagem própria do campo da ciência são fatores que acarretam uma enorme dificuldade dos alunos em lidar com muitos manuais. O livro Conversas sobre Iniciação à Pesquisa Científica é um esforço de colaborar para a superação de algumas dificuldades iniciais do aluno que pretende elaborar um projeto de pesquisa. Numa linguagem simples, pretendo

colocar a sua disposição um material enxuto, didático, de fácil acesso e manuseio. Como o próprio título sugere, é uma conversa, ou melhor, o início de uma boa conversa sobre algumas regras instituídas do jogo da ciência. Esse livro está dividido em quatro capítulos. No Capítulo I, intitulado Projeto de pesquisa: primeiras noções, trato de definir o que é um projeto de pesquisa, destacando também a sua estrutura básica. Em seguida, busco esclarecer os termos monografia, dissertação e tese, assim como oferecer uma noção da estrutura do trabalho monográfico. No Capítulo II - Selecionando o tema da pesquisa - teço comentários sobre os critérios de seleção do tema de pesquisa, oferecendo uma orientação preliminar de como organizar a sua problemática, a partir de um levantamento inicial. Esse levantamento inicial poderá ser realizado melhor mediante pesquisa documental, a pesquisa bibliográfica e também contatos diretos. Neste capítulo você encontrará também sugestões para organizar o material levantado, através de fichamento, resumo e resenha. No Capítulo III, intitulado Considerações em torno do objeto de pesquisa, pretendo colocar alguns elementos que possibilitem a delimitação do problema, a explicitação d? referencial teórico, a elaboração de hipóteses, a orgamzação dos objetivos e a elaboração da justificativa do problema. Por fim, no Capítulo IV - Escolhendo o percurso metodológico - discorro sobre os tipos de pesquisa, a especificação dos sujeitos e do espaço da pesquisa. Ainda nesse capítulo, faço urna discussão sobre a produção dos dados. Espero que essa leitura seja útil e agradável para vo' . Um abraço. Elisa Pereira Gonsalves

Capítulo I

Projeto de pe~qui~a:primeira~que~tõe~

A exigência de fazer urna pesquisa no final de um curso de graduação ou de pós-graduação geralmente causa, entre os alunos, urna sensação incômoda: a pesquisa é compreendida como aquele trabalho difícil, que o aluno não tem lia menor idéia de como se começa". Quando existe urna noção de como se começa, muitas vezes o aluno não tem idéia se vai conseguir terminar". Se para o aluno o trabalho parece ser difícil, para o professor também não é tarefa fácil: antes mesmo de orientar o aluno sobre um determinado tema, ele precisa desconstruir o 'fantasma da pesquisa" ou o "pavor da monografia", desfazendo as pré-noções e os preconceitos criados em torno dessa questão. Esse trabalho de desconstrução não é tarefa fácil diante da resistência criada pelos alunos. O primeiro passo para quebrar essa resistência talvez seja o de criar urna abertura para urna compreensão muito simples: a de que o processo de pesquisa pode ser prazeroso. É preciso 11

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ter como ponto de partida a idéia de que, pela frente, você poderá mergulhar num espaço que pode ter como característica principal a alegria da descoberta. E isso só depende de você! Você pode até concluir a sua pesquisa sem estar envolvido com o tema, transformando o seu trabalho em uma cruz a ser carregada. Mas se você optar por colocar nesse caminho paisagens agradáveis, não tenho dúvida: o seu trabalho será muito mais interessante. Estar envolvido com a pesquisa é muito importante, sobretudo porque a investigação científica requer rigor, disciplina, atenção, enfim, um olhar que não dispensamos cotidianamente. Pesquisar dá trabalho, sim, não é tarefa simples, mas não é uma missão impossível! Ao optar por um trabalho de pesquisa científica, você se depara com a necessidade de tomar algumas decisões. Por exemplo, você precisa definir o que vai estudar, que tipo de abordagem irá fazer, que recursos metodológicos irá utilizar. O que pode orientar você diante de tantas decisões? A chave do mistério", sem dúvida, está relacionada à organização do projeto de pesquisa. Quando resolvemos seguir um caminho ou fazer uma viagem, o primeiro passo, geralmente, é fazer um planejamento. O projeto de pesquisa é uma expressão escrita desse planejamento, é o documento que revela uma série de decisões que você tomou para seguir viagem. Para iniciarmos nossa conversa, vamos colocar algumas questões básicas como a definição do que é um projeto de pesquisa, sua estrutura básica para, em seguida, esclarecermos alguns termos como monografia, dissertação e tese. 1/

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à Pesquisa Científica

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Definindo o Que é um projeto de pe~Qui~a

Para realizar uma monografia é necessário organizar primeiro um guia. É o momento de construir o seu projeto de pesquisa. Mas o que é um projeto de pesquisa? Certa vez, o professor Dr. Ettore Gelpi, da Universidade de Paris I, convidado para participar na qualidade de examinador na banca de projeto de uma aluna que cursava o mestrado em Educação na Universidade Federal da Paraíba, fez a seguinte consideração: o momento mais privilegiado de um curso de pós-graduação é a construção e a análise do projeto de pesquisa, pois lá estaria inscrito o sonho, a vontade. Como uma planta que se faz para construir uma casa: é o desejo que está contido ali. A casa não é o melhor momento, não é a fase mais criativa, é o que deu para fazer". O projeto de pesquisa deve funcionar como um guia do pesquisador em relação aos passos a seguir. Apesar de ser um roteiro pré-estabelecido e rigorosamente elaborado, o projeto não é imutável, ao contrário, o caminho percorrido ao longo da pesquisa acaba por imprimir-lhe novas características, novos aspectos, colocando novas exigências para o investigador. Podemos dizer que o momento da construção do projeto é o momento mais criativo e individual do pesquisador, como afirmou o professor Gelpi. Por outro lado, também é certo que o processo de investigação, pela sua riqueza, transforma o sonho, por vezes reduzindo-o, por vezes ampliando mais ainda os seus horizontes. O projeto é uma apresentação organizada do conjunto de decisões que você tomou em relação à investigação científica que pretende empreender. Para que o projeto seja eficiente, ele precisa ser bem pensado e bem redigido, pois ele é um documento escrito, é a matérialização de um planejamento. 1/

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o projeto deve ser entendido como um instrumento de ação. Ele existe para dar uma direção, para ajudar você a descobrir pistas para compreender alguns problemas e não para criar um obstáculo para o seu entendimento! Mas o projeto não é uma proposta fechada, imutável e inflexível. Ao contrário! Ao longo da investigação você pode incorporar novos elementos ao projeto, elementos que não foram previstos inicialmente. Esse movimento de abertura é próprio de qualquer atividade planejada. o projeto deve ser entendido como um produto - pois é um documento escrito resultante de um exercício acadêmico e científico -, e também como um processo - pois é um instrumento dinâmico, que tem a importante característica de ser flexível. Atente também para a seguinte questão: o planejamento da pesquisa é feito durante todo o processo de investigação e não só no momento inicial. Você elabora um guia como ponto de partida - que é o projeto =. mas ao longo do estudo novos elementos podem ser incorporados, outros podem ser descartados. Esse movimento de seleção / incorporação de elementos é próprio da ciência, é ele mesmo que imprime uma qualidade ao trabalho de investigação científica. O projeto também preenche a seguinte finalidade: possibilita a comunicação entre os seus pares, permitindo uma troca, o que é uma experiência muito rica e comum nos cursos de pós-graduação. Expondo seu projeto para seus colegas e professores, você pode descobrir lacunas, enxergar novas possibilidades metodológicas, dentre outras coisas.

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É importante ressaltar também que o exercício de elaboração do projeto tem uma finalidade pedagógica. Ao elaborá-lo. você estará exercitando certas regras do jogo científico, aprendendo a lidar com elas em alguma medida. Nesse aspecto, esse exercício de elaboração é fundamental para a formação do pesquisador. Não se esqueça que, ao elaborar seu projeto, você estará lidando com elementos científicos e extra-ci ntíficos. A elaboração de um projeto de pesquisa implica lidar com pelo menos três dimensões, que estão int rligadas: • a dimensão técnica, que remete para as regras instituídas sobre a elaboração de um projeto de pesquisa científica, já que existe um consenso na comunidade científica sobre o núcleo básico que todo projeto deve contemplar; • a dimensão teórica, que corresponde às escolhas do pesquisador (tema, referencial teórico etc.) que norte iam a reconstrução de um objeto de conhecimento com procedimentos próprios e consensuais no campo da ciência; • a dimensão afetiua, que revela o envolvimento do pesquisador com o tema escolhido.

2. A eitrutura

báiica de um projeto de peiquiia

Um projeto de pesquisa pode ser organizado de várias maneiras. Não existe um padrão rigidamente stabelecido e imutável. Um pesquisador pode optar por presentar o seu sumário do projeto da forma mais lássica": justificativa, problema, objetivos, metodoI gia, cronograma, bibliografia.

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Essa é uma estrutura básica que pode ser apresentada de muitas outras formas. Uma outra possibilidade de apresentação é a seguinte: origem do problema, âmbito da problemática, objetivos, considerações teórico-metodológicas, cronograma e bibliografia. Também é comum encontrarmos projetos com a seguinte seqüência: delineando o objeto de estudo, considerações teórico-metodológicas, cronograma e bibliografia. Qualquer que seja a sua apresentação formal, o projeto de pesquisa deve contemplar um núcleo básico. Isto significa que, mesmo que a forma de apresentação seja diversa, todo projeto deve responder às seguintes perguntas: / o que pesquisar? (Definição do problema, hipóteses, base teórica e conceitual); • por que pesquisar? (Justificativa da escolha do problema); • para que pesquisar? (Propósitos do estudo, seus objetivos); • como pesquisar? (Metodologia); • quando pesquisar? (Cronograma de execução); • com que recursos? (Orçamento); • pesquisado por quem? (Equipe de trabalho, pesquisadores, coordenadores, orientadores). (Deslandes,

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Quando você está atento para o caminho do seu pensamento pode perceber as conexões que fez para chegar a uma questão, pode apontar com segurança, por exemplo, em que momento da sua reflexão o objetivo do seu projeto emergiu. No geral, o objetivo do projeto emerge da problematização que você faz de um tema e muitas vezes fica difícil recortá-lo para, em seguida, fazer uma colagem na parte específica do projeto destinada aos objetivos. Não crie esse tipo de obstáculo para você: se o seu objetivo fica melhor na parte destinada ao problema, tudo bem. O importante não é obedecer regras - que não são fixas -, o importante é deixar que as suas idéias sejam expostas com clareza. Não assassine a sua idéia em nome de uma camisa-de-força que você mesmo criou. Respondida cada pergunta do núcleo básico,é hora de pensar na forma de apresentar o seu projeto. Lembre-se: A forma de apresentação do projeto está, primeiramente, vinculada à construção do problema, já que está intimamente relacionada ao conteúdo. Isto significa que, ao delimitar o seu problema, você deve pensar na exposição mais adequada para o seu texto.

1996, p. 36)

Esse é o núcleo básico de um projeto de pesquisa. Para começar a elaborar o seu projeto, responda a cada uma das perguntas acima. Após tentar responder às questões nucleares que compõem o seu projeto de pesquisa, preste atenção no caminho que você está traçando, nas partes que você não consegue dissociar quando pensa no problema, nas questões que você pretende dar maior visibilidade. Atentando para o caminho do seu pensamento - "como cheguei até essa questão?" - você poderá apresentar melhor e com mais clareza as suas idéias.

Por isso, dedique um pouco do seu tempo para pensar sobre a forma de organização do seu projeto. Lembrese que existe uma lógica na forma. Ela não é depositária do seu projeto. Mais do que isso, a forma apresenta e faz o projeto. Você já sabe qual é o núcleo básico. A partir daí, sinta-se à vontade para dispor de forma criativa o seu trabalho. Da mesma maneira que a estrutura do projeto tem um núcleo básico, o percurso da investigação científica também possui alguns elementos comuns. É interessante a contribuição de Goldenberg (1999)neste momento. A

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autora compara o processo de investigação relação amorosa. Vamos acompanhá-Ia:

com uma

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Por fim, a autora apresenta o último momento. Talvez seja uma das poucas separações" felizes: /I

A pesquisa apresenta diferentes fases. A fase inicial, que pode ser chamada de exploratória, lembra uma 'paquera' de dois adolescentes. É o momento em que se tenta descobrir algo sobre o objeto de desejo, quem mais escreveu (ou se interessou) sobre ele, como poderia haver uma aproximação, qual a melhor abordagem dentre todas as possíveis para conquistar este objeto. (Goldenberg, 1999, p.72).

Observe que na fase exploratória você está sondando, buscando uma primeira aproximação. Podemos dizer que a fase exploratória corresponde a um olhar, ainda distante, mas que indica uma atenção, um desejo. Iniciada a paquera", é necessário um cuidado maior, uma disciplina. É o momento de organizar o projeto de investigação:

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Por último, a fase da "separação", em que o pesquisador precisa se distanciar do seu objeto para escrever o relatório final da pesquisa. É o momento em que é necessário olhar o mais criticamente possível o objeto estudado, em que é preciso fazer rupturas, sugerir novas pesquisas. É o momento de ver os defeitos e qualidades do objeto amado. (Goldenberg, 1999, p.73).

3. ~ubjetividade e inve~tigaçãocientífica

/I

Em seguida, vem a fase que equivale ao "namoro", uma fase de maior compromisso que exige um conhecimento mais profundo, uma dedicação quase que exclusiva ao objeto de paixão. É a fase de elaboração do projeto de pesquisa em que o estudioso mergulha profundamente no tema estudado. (Goldenberg, 1999, p.72).

Segundo Goldenberg (1999), se a fase do "namoro" for bem-sucedida, o pesquisador acaba por envolver-se profundamente com o seu objeto de estudo, iniciando a fase do casamento" : /I

A terceira fase é o 'casamento', em que a pesquisa exige fidelidade, dedicação, atenção ao seu cotidiano, que é feito de altos e baixos. O pesquisador deve resolver todos os problemas que vão aparecendo, desde os mais simples (como se vestir para realizar as entrevistas) até os mais cruciais (como garantir a verba para a execução da pesquisa). (Goldenberg, 1999, p.72-73).

Vamos refletir um pouco mais sobre a idéia de distanciamento" no trabalho de investigação científica, já que é muito difundida no espaço acadêmico a compreensão de que quanto mais distanciado, melhor você enxerga o objeto de pesquisa. Ao contrário de Goldenberg (1999), não creio que a "separação" seja uma condição necessária para que possa emergir um olhar mais crítico sobre a pesquisa. Destaco aqui três pontos importantes nessa discussão: o primeiro, que diz respeito à possibilidade de compreender a partir do envolvimento; o segundo ponto, que se refere à relação sujeito-objeto do conhecimento; e, por fim, a questão da afetividade do conhecimento. Sobre o primeiro ponto, destaco o seguinte: tenho nutrido uma certa desconfiança sobre o suposto olhar privilegiado" de posições que, de tão distanciadas, de tão iluminadas, não enxerga mais. Proponho o caminho inverso, aquele que acentua a condição de estar envolvido para buscar a compreensão. Estar envolvido não tem aqui o sentido reducionista - tal como muitas pesquisas participantes anunciaram - de fazer parte de uma deter1/

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minada comunidade. Estar envolvido significa assumir uma condição que é natural ao se humano: a condição do estar-junto, a condição de pertencer existencialmente a uma sociedade. A condição de estar-junto indica, de acordo com Maffesoli (1999), o reconhecimento de que o conhecimento está em ligação com o estado do mundo, impondo um julgamento de existência - que está aquém da discussão sobre julgamento de fato e julgamento de valor. Sobre esse tema, mais uma questão: nós nos enxergamos como humanos através de uma racionalidade que é histórica, que é produto da "posição normal" das pessoas que vivem em sociedade. Isto significa uma coisa, no mínimo, muito interessante: a idéia de distanciamento do objeto da pesquisa é uma criação humana datada de forma especial dos arautos do iluminismo! Pense nisso. O segundo ponto a ser destacado trata da distinção consagrada entre sujeito e objeto da pesquisa. Os estudos de Humberto Maturana e Francisco Varela (1995) sobre as bases biológicas do entendimento humano evidenciam que o cérebro não é um sistema que processa informações; ao contrário, é um criador de imagens da realidade. A realidade seria, portanto, uma expressão da organização cerebral que interage com imagens, modificando-as à luz das experiências reais. Nessa compreensão, a distinção sujeito-objeto perde os seus contornos dicotômicos, pois já não são pólos separados. A relação sujeito-objeto assume a forma de um continuum. Nesses termos, todo esforço de compreensão do mundo advêm de um espírito contemplativo, que modifica o que vê. Isso significa que, aquilo que muitos denominam de "coisa em si" é sua própria interpretação. Fazer ciência é, portanto, um exercício de riação e de admiração.

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A terceira questão fundamental nesse debate sobre "separação" do pesquisador com relação ao seu objeto de estudo se refere à afetividade do conhecimento. Tendo a não concordar com a idéia de que o distanciamento, exercido pelo controle do afeto, permitiria uma "visão mais realista" da vida social, especialmente pelas contribuições recentes do campo das biociências. Vejamos o debate colocado em cena por António Damásio (1996). Mediante análise empírica no âmbito da neurologia, Damásio (1996) supera a visão dicotômica que separa a razão da emoção e constata que os sentimentos são elementos constituintes da razão. Além disso, Damásio afirma que os sentimentos têm um estatuto privilegiado, pois estão presentes em toda a atividade mental e têm uma condição de anterioridade, isto é, constituem um quadro de referência para o que vem a seguir, eles têm sempre uma palavra a dizer sobre o modo de funcionamento do resto do cérebro e da cognição. Sua influência é imensa (Damásio, 1996, pp. 190-1).

A mente origina-se da atividade cerebral que interpreta, utilizando-se de afeto e de emoção. Não existe registro neutro, sem um componente de afetividade. Triste descoberta essa para os positivistas que pretendiam afastar as pré-noções e a subjetividade do trabalho do cientista social! Toda essa discussão para, finalmente, afirmar: nem distanciamento, nem separação, nem controle do afeto. O percurso teórico-metodológico da investigação científica não se dá em contraposição aos elementos subjetivos. A subjetividade é, ela mesma, condição para o exercício da investigação científica.

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4. E~clare(endoo~termo~ monografia, diHerta~ão e tee 'O trabalho mono gráfico pode ser compreendido como uma atividade de pesquisa científica, sendo geralmente solicitado para conclusão de cursos de graduação e de pós-graduação. A monografia é um estudo profundo sobre uma autor(a), um tema, uma época, isto é, remete para um trabalho escrito sobre um tema específico: mon(o) = único, graf( o) = escrever. Assim, ao escrever um trabalho mono gráfico, você estará diante do desafio de aprofundar um aspecto dos muitos que integram um determinado assunto. Nas palavras de Severino, o trabalho monográfico caracteriza-se mais pela unicidade e delimitação do tema e pela profundidade do tratamento do que por sua eventual extensão, generalidade ou valor didático (Severino, 1996, p.1 04).

A extensão do trabalho mono gráfico é variável. Mas tanto em nível de graduação ou de pós-graduação, o mais importante aqui é a qualidade e não a quantidade. Como produto de um estudo científico sobre um determinado tema, a monografia é caracterizada por um trabalho rigoroso, que sistematiza observações, críticas e reflexões feitas pelo aluno. Mas cabe destacar que uma monografia ultrapassa o nível da compilação de textos, ou seja, não se trata de uma série de resumos e opiniões pessoais, trata-se de uma análise de dados que contribua para elucidar determinados aspectos do tema estudado. Portanto, cuidado!

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Fazer monografia não é fazer um exercício de cópia de vários textos, repetindo incessantemente o que já foi dito por outro! Também cuide do oposto: um trabalho monográfico não é a manifestação de suas opiniões pessoais, sem fundamentá-Ias!

o trabalho monográfico pode ser caracterizado a partir dos seguintes pontos: é um trabalho escrito, organizado sistematicamente e completo; versa sobre um tema específico; é um estudo detalhado de um objeto; trata o objeto em profundidade e não em alcance; possui uma metodologia científica; revela-se como uma contribuição pessoal para o desenvolvimento da ciência (Lakatos e Marconi, 1992,p. 152). A monografia apresenta a seguinte estrutura: introdução, desenvolvimento e conclusão. Apesar de ser a primeira parte do trabalho rnonográfico, a introdução é a última tarefa a ser feita. Isso ocorre porque você precisa de um texto para saber o que você deve introduzir. Booth (2000) distingue três elementos que devem estar contidos numa introdução: • coniexio: você localiza o seu problema em um "pano de fundo", situando-o no interior das discussões mais relevantes sobre o tema. Ao fazer isso você estará criando uma "base comum", mapeando um terreno que permitirá ao leitor uma compreensão mais ampliada do seu problema. • problema: deixe claro qual é objeto da sua pesquisa, qual é a contribuição que pretende dar para a compreensão do tema. • resposta: declare qual é a resposta - sempre provisória - que você descobriu para o seu problema.

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É importante lembrar que, na introdução, você deve

formular de maneira clara o tema da pesquisa, considerando dois aspectos: o assunto que será tratado (a idéia geral, situando e delimitando o problema, justificando o tema, definindo os termos e indicando o percurso metodológico) e como será desenvolvido (as idéias mais importantes, a distribuição e os objetivos dos capítulos). No geral, a primeira referência para elaborar a introdução da monografia é o projeto de pesquisa. Retome o projeto, avalie o que foi cumprido, o que foi modificado, o que foi ampliado, o que foi descartado. A introdução é uma espécie de acerto de contas" com o seu projeto inicial. E não se esqueça de que a introdução deve conter um elemento de sedução, de convencimento. A partir dela, o leitor deve se convencer de que você descobriu um problema que merece atenção e que tem considerações importantes a fazer sobre ele. A segunda parte da monografia é o desenvolvimento. Nessa parte você deverá explicar, discutir e demonstrar as principais idéias do trabalho. É o" miolo" do texto; por isso, a sua parte mais extensa. O desenvolvimento será sempre dividido em partes. O número de partes ou capítulos depende do tipo de investigação feita. A divisão traz clareza à exposição e deve ser organizada de forma equilibrada, ou seja, cada parte deve ter aproximadamente o mesmo número de páginas. Preste atenção: o sumário do seu projeto não precisa ser dividido exatamente em introdução, desenvolvimento e conclusão. A coisa não funciona assim. Essa é a estrutura básica que toda monografia deve conter. Mas na apresentação formal, é privilegiada outra forma de exposição: no geral, o sumário apresenta uma introdução, os capítulos e a conclusão. O conjunto dos capítulos é que forma o que estamos chamando de desenvolvimento. 1/

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Na última parte da monografia, a conclusão, você deve retomar de forma sintética as principais idéias colocadas nas duas primeiras partes do trabalho (na introdução e no desenvolvimento), estabelecendo possíveis relações e elaborando algumas considerações finais, a título de fechamento. São três as principais características da conclusão: a essencialidade (síntese interpretativa das principais idéias do trabalho); a brevidade (o texto deve ser curto, claro e convincente); e a pessoalidade (a conclusão deve evidenciar com muita clareza o ponto de vista do autor após as reflexões feitas). No sentido lato, monografia indica todo trabalho científico que resulte de pesquisa. Apesar de ter o caráter de "tratamento de um tema delimitado", as monografias variam com relação ao nível de investigação. Isto significa que você pode ter uma monografia feita em nível de graduação ou de pós-graduação: o que difere é a qualidade do aprofundamento. Em nível de pós-graduação stricto sensu, destacamos dois tipos de trabalhos científicos: tese de doutoramento e a dissertação de mestrado. A tese de doutorado é o tipo mais característico de monografia. Refletindo sobre um tema único e específico, a tese deve colocar um problema, demonstrando hipótese - se for o caso -, e, através de uma argumentação sólida, convencer o leitor da sua proposição. Exige-se da tese de doutoramento uma contribuição original sobre o tema. Ela deve significar um progresso para o campo em que está inserida, uma descoberta", no sentido atribuído por Umberto Eco: /I

Quando se fala em "descoberta", em especial no campo humanista, não cogitamos de invenções revolucionárias como a descoberta da fissão do átomo, a teoria da relatividade ou uma vacina contra o câncer: podem ser descobertas mais

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modestas, considerando-se resuitado "científico" até mesmo uma maneira nova de ler e entender um texto clássico, a identificação de um manuscrito que lança nova luz sobre a biografia de um autor, uma reorganização e releitura de estudos precedentes que conduzem à maturação e sistematização das idéias que se encontravam dispersas em outros textos. Em qualquer caso, o estudioso deve produzir um trabalho que, teoricamente, os outros estudiosos do ramo não deveriam ignorar, porquanto diz algo de novo sobre o assunto (Eco, 1983, p. 2).

A dissertação de mestrado, por sua vez, cumpre as exigências de uma monografia: é a apresentação dos resultados de uma reflexão sobre um tema delimitado. Como é um trabalho de iniciação à ciência, rigorosamente orientado, é evidente que não se pode exigir da dissertação de mestrado um nível de originalidade. Assim, por ser um trabalho científico que corresponde à iniciação à investigação, a dissertação possui um caráter didático acentuado.

Capítulo 11

~ele(ionando o tema da pesquisa

Você já sabe quais são as partes constituintes de um projeto de pesquisa. Sabe que, no geral, o primeiro item do projeto se refere a uma justificativa do tema/ problema selecionado. Quer dizer que você deve escrever primeiro a justificativa para depois escrever o problema? Como justificar alguma coisa que não sabemos ainda o que é? É importante reafirmar que o momento da construção do projeto é diferente da forma de apresentação do projeto. Você já sabe qual é o núcleo básico de um projeto de pesquisa, mas isso não significa que você deva começar a escrever primeiro a justificativa. De fato, o começo é sempre a organização da situação problemática. Então, lembre-se: Uma coisa é a forma de apresentação do projeto; outra coisa é a construção do projeto.

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Assim, ciente de como se dá a ordem formal de apresentação de um projeto de pesquisa, cuidaremos agora do caminho que você deve trilhar para escrever, aos poucos, cada parte constituinte do seu projeto.

1. (onsideraçõe~ ini(iai~~obre a ~eleção do tema A primeira pergunta que está posta quando você pretende organizar um projeto de pesquisa é a seguinte: o que pesquisar? Este é o momento de selecionar o tema. Surgem mil idéias. Muitos temas aparecem e, possivelmente, você não conseguirá precisar exatamente o ponto-chave logo de início. Não se preocupe, esse momento faz parte do processo de construção do problema pois ele indica as possibilidades, ainda que de forma nebulosa. O perigo está em permanecer nas nuvens até o final. Essa é uma fase preliminar necessária e natural, mas que deve ser superada. Muitas vezes o primeiro impulso é o de escrever sobre A Política Educacional na Atualidade ou sobre O Construtivismo Hoje. Ao pretender falar de tudo o resultado é um trabalho que, geralmente, não trata do tema com profundidade. Mas, por onde começar? Que critérios devem ser observados na seleção de um objeto de estudo? Para início de conversa é importante sublinhar que os temas para uma pesquisa podem surgir de várias maneiras. Vejamos algumas delas: • da observação do cotidiano, através do qual, direcionando o seu olhar, o pesquisador poderá descobrir problemas interessantes;

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• da vida profissional, que suscita a vivência de muitas situações dilemáticas que podem ser pensadas como projetos de pesquisa; • de contato com especialistas,' de maneira individual ou coletiva (através de conferências, seminários etc.), que costumam proporcionar o levantamento de novas questões; • do estudo de literatura especializada, que pode indicar controvérsias e lacunas a serem preenchidas; • da criatividade, da descoberta repentina e algumas vezes casual de um problema a ser investigado. Quando for escolher um tema de pesquisa, considere que o tema a ser selecionado deve indicar a área de interesse a ser investigada. No geral, a área de interesse pode ser definida, primeiramente, pela sua vontade, pela sua motivação em fazer essa pesquisa. Na escolha da área de interesse também é importante ser considerada a sua carreira e as exigências do curso. Em outros casos, a área pode ser indicada pelo professor, apenas com a finalidade de auxiliar o aluno no processo. A tendência atual nos cursos de pós-graduação é a de que o aluno se engaje num grupo de pesquisa cujo coordenador seja um pesquisador experiente. As vantagens desse tipo de organização são muitas, uma delas é a de que possibilita o aprofundamento de um campo temáticó e, conseqüentemente, faz avançar o conhecimento naquela área. Se você está diante desse cenário, o ideal é que os seus interesses estejam em sintonia com as preocupações de um grupo de pesquisa. Caso contrário, não é preciso se desesperar. Espaços para projetos consistentes e criativos também são conquistados.

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Mas uma coisa é fundamental: o seu interesse é o critério mais precioso. É importante destacar também que você deve considerar para a seleção de um tema a sua área de especialização. O que isso significa? Significa que aconselho você a não escolher um tema sobre o qual não tenha nenhuma aproximação ou referência, pois isso poderá dificultar ou mesmo impedir a execução do seu trabalho. O pesquisador deve ter uma certa familiaridade com o tema escolhido, pois isso tende a facilitar a busca pela bibliografia disponível. Além disso, a familiarização com o tema pode proporcionar uma reflexão mais consistente. Você também pode escolher um tema pelo desejo de preencher uma lacuna na sua formação profissional. Muitas vezes nos deparamos com temas e problemas importantes na nossa prática profissional, que não tivemos oportunidade de estudar com maior rigor. Embora exista aqui a dificuldade de não estar familiarizado com o tema, a motivação pode ser um poderoso instrumento de trabalho. Mas, lembre-se: f

Na escolha de um tema de pesquisa, a opção ideal é unir uma grande motivação com urna certa familiaridade!

Os motivos que orientam a escolha de um tema nem sempre são "racionalizáveis", no sentido mais reducionista do termo. Certo dia ouvi o seguinte depoimento de um aluno do curso de pós-graduação em educação da UFSCar, Alberto Brunetta: Tinha tudo para escolher um tema de Sociologia Rural. Fiz Ciências Sociais na graduação. Vim da roça, de família pobre, já cortei cana ...mas uma coisa me chamou a atenção,

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não saiu da minha cabeça. Foi uma cena que presenciei: um dia, numa escola de ensino noturno, vi policiais ficarem olhando para uma sala de aula como se os alunos fossem bandidos. Eu estava naquela sala de aula como estagiário de Prática de Ensino. Vi aquela cena e fiquei pensando eu podia ser um daqueles alunos, fui aluno de curso noturno as pessoas só estavam estudando, estavam ali porque queriam aprender, não eram obrigadas a ficar ali. Não esqueci isso. Essa é a minha motivação maior para uma dissertação que eu chamo de B.O. da educação: a visão dos políciais ...

Você consegue perceber o quanto tem de envolvimento na construção do tema? Percebeu o quanto a dimensão afetiva ofereceu os melhores contornos para pensar o objeto de estudo? Os manuais de pesquisa incluem, como razões para a escolha de um tema de pesquisa, o interesse pelo problema em função de sua carreira", ou "a partir das exigências do curso", ou ainda" pelo desejo de preencher uma lacuna na sua formação profissional". Todas essas razões são legítimas e muito importantes. Entretanto, é preciso atentar para elementos de outra natureza, que revelam uma sensibilidade, um envolvimento com o tema escolhido, como indica Alberto Brunetta. Creio que a razão maior para a escolha de um tema está relacionada com esse envolvimento: o pesquisador, de alguma forma, é seduzido pelo que vê. Um aspecto relevante a ser considerado n st momento é se o tema escolhido é exeqüível, isto, é possível de ser executado por você. Muitas vezes s .J ge um tema interessantíssimo, mas que, diante da disponibilidade do pesquisador, da amplitude do tema ou mesmo das condições concretas que limitam principalmente o trabalho de pesquisadores iniciantes, não é possível de ser executado. 1/

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Por exemplo: é muito interessante estudar as condições de trabalho do professor leigo no interior do Pará. Mas se você quer fazer um trabalho de campo e mora no Estado de São Paulo, não tem bolsa de estudo para proporcionar uma viagem até lá, não possui contatos e nem mesmo tem informações além das referências oferecidas pela mídia, com certeza esse tema não é para você.

2. Primeira~

aproximaçõe~ ao tema

Você já' definiu o seu tema, que é muito amplo. O passo seguinte é começar a se aproximar mais para descobrir qual é o ponto exato que você pretende pesquisar. Para determinar esse ponto é preciso conhecer um pouco o tema selecionado. De acordo com Richardon (1985), você pode utilizar dois processos para iniciar essa tarefa. O primeiro processo se realiza com a da atitude do próprio pesquisador, que define o seu problema sem a participação dos sujeitos da pesquisa. Isto significa que o pesquisador, conhecedor do tema, possuindo um domínio na área e uma larga experiência em pesquisa, levanta a priori o problema. No segundo processo, o pesquisador" escuta" os sujeitos da pesquisa, que levantam os problemas. Nesta forma de delimitar o problema, o pesquisador reconhece que os sujeitos têm melhores condições de indicar temas/problemas relevantes. Mas preste atenção: "escutar" o outro não significa, necessariamente, estar fazendo uma observação participante. "Escutar", aqui, tem o sentido de ter como foco elementos do cotidiano.

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Ciente das suas opções iniciais, o passo seguinte será o de realizar um levantamento de documentos íisporuveis, a fim de mapear as diferentes contribuições 'xpressas em livros, periódicos, dentre outros. Uma questão sempre se coloca nessa fase: devo buscar toda a literatura existente sobre o assunto ou devo Iimitar-me ao material disponível? Evidentemente que é impossível reunir toda a literatura sobre um determinado assunto, mas, sem dúvida, , possível e imprescindível reunir as contribuições mais relevantes sobre o tema selecionado. E esse esforço sempre indica ir ao encontro de materiais bibliográficos desonhecidos, muitas vezes indicados pelo professor·· orientador. Esse aspecto deve ser ressaltado porque ainda encontramos os seguintes casos: • aquele aluno que pretende realizar uma monografia sem consultar um único livro, porque acredita ser a sua experiência "absolutamente suficiente para escrevê-Ia"; • aquele aluno que possui dois ou três livros e acredita que eles possam" dar conta de toda a monografia, por isso não precisará fazer nenhum levantamento". Desfazendo esses nós, você pode dispor de três procedimentos: a pesquisa bibliográfica, a pesquisa documental e os contatos diretos.

2.1.

Pe~qui~adocumental

Para discutir a idéia de pesquisa documental é preciso esclarecer o que seja um documento. O documento é

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qualquer informação sob a forma de textos, imagens, sons, sinais etc., contida em um suporte material (papel, madeira, tecido, pedra), fixados por técnicas especiais como impressão, gravação, pintura, incrustação etc. Quaisquer informações orais (diálogo, exposições, aula, reportagens faladas) tornam-se documentos quando transcritas em suporte material (Chizzotti, 1991, p. 109).

Isto significa que, possivelmente, você deverá superar aquela idéia de que documento é apenas o escrito oficialmente, guardado nos arquivos governamentais. A noção de documento corresponde a uma informação organizada sistematicamente, comunicada de diferentes maneiras (oral, escrita, visual ou gestualmente) e registrada em material durável. Assim, ao lado de comunicados à imprensa, livros de recortes, artigos de jornal, registros individuais e processos, os materiais que os sujeitos escrevem por si mesmos como autobiografias, diários e cartas pessoais também são documentos. A pesquisa documental é muito próxima da pesquisa bibliográfica. O elemento diferenciador está na natureza das fontes: a pesquisa bibliográfica remete para as contribuições de diferentes autores sobre um assunto , atentando para fontes secundárias, enquanto a pesquisa documental recorre a materiais que ainda não receberam tratamento analítico, ou seja, as fontes primárias. Vamos comentar um pouco mais sobre a idéia de fontes primárias e de fontes secundárias. Entende-se por fontes primárias dados originais, produzidos pelas próprias pessoas que os coletaram. Esse tipo de fonte é caracterizada pela relação direta com os fatos a serem analisados: o sujeito faz um relato, observa uma fotografia, analisa uma gravação.

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Uma questão é fundamental nessa discussão: o que aracteriza a fonte primária é a proximidade da fonte com acontecimento, a relação mais próxima entre as pessoas o registro. Isto significa que, quando se trata de fonte primária, interessa uma relação direta com o documento. No entanto, mesmo que se anuncie uma" exatidão", um "retrato fiel" de um documento, como fazem alguns manuais de pesquisa, é importante lembrar que todo documento é produzido por alguém e para alguém, e, portanto, está na dependência de olhares. O esforço de buscar esse "retrato fiel" é, no mínimo, estressante, já que ssa busca não garante a veracidade e exatidão do registro em termos absolutos. Qualquer pessoa que relata um acontecimento não o faz imparcialmente; apresenta a versão pessoal com suas distorções conscientes ou inconscientes. Portanto, a fonte "primária" não se refere à exatidão ou veracidade do registro, mas à minimização de interferência entre o registro e o acontecimento (Richardson, 1985, p. 207).

Por sua vez, a compreensão de fontes secundárias remete para aqueles "dados de segunda mão". Nesse caso, não se tem uma relação direta com o acontecimento registrado, mas sim com conhecimento através de elementos ou de sujeitos mediadores. Vejamos um exemplo: um pesquisador que pretende escrever a biografia de Paulo Freire. Para tanto, ele vai em busca de documentos produzidos por outros pesquisadores que não conheceram Paulo Freire pessoalmente mas que fizeram entrevistas com amigos do educador. Tais entrevistas revelam diferentes olhares: dos amigos pessoais de Paulo Freire que foram entrevistados e dos pesquisadores que conduziram as entrevistas.

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É importante sublinhar que as características das fontes secundárias não diminuem a sua relevância. A questão é saber qual é o tipo de fonte adequada para seu problema. Lembre-se que a discussão sobre fontes, quer sejam primárias, quer sejam secundárias, remete necessariamente para o olhar. Se isso já ficou claro quando se trata de fontes secundárias, que possuem diferentes mediadores para que a informação possa surgir, é preciso atentar também para essa idéia quando se trata de fontes primárias. A observação de um acontecimento, o ângulo privilegiado para fotografar, uma carta ou uma autobiografia sempre carregam consigo a marca, a interpretação de um sujeito que é o seu produtor.

2.2. PeiQuiia

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A pesquisa bibliográfica é caracterizada pela utilização de fontes secundárias, ou seja, pela identificação e análise dos dados escritos em livros, artigos de revistas, dentre outros. Sua finalidade é colocar o investigador em contato com o que já se produziu a respeito do seu tema de pesquisa. Na pesquisa bibliográfica o pesquisador vai se deparar com dois tipos de dados: aqueles que são ncontrados em fontes de referência (dados populacionai ,económicos, históricos etc.) e aqueles dados especializados em cada área do saber, indispensáveis para o des nvolvimento da sua pesquisa. Em termos de síntese, Mann (1975,p. 66) apr senta a distinção essencial, quando se trata da natur z das fontes, a partir da "ocasião em que os documento foram escritos". O autor apresenta a seguinte classificaçã

bibliográfica

A pesquisa bibliográfica é muito próxima da pesquisa documental. O elemento diferenciador está na natureza das fontes. Nas palavras de Gil: Enquanto a pesquisa bibliográfica se utiliza fundamenta/mente das contribuições dos diversos autores sobre um determinado assunto, a pesquisa documental vale-se de materiais que não receberam ainda um tratamento analítico, ou que ainda podem ser reelaborados de acordo com os objetivos da pesquisa. (Gii, 1994, p. 73).

Primárioi

~e(Undárioi

Contemporâneos Compilados na ocasião pelo autor (autos do tribunal, ata oficial, contratos, cartas, filme, censo, gravação).

Contemporâneos Transcritas de font 5 primárias contemporâneas ( tudos que recorrem a d umentos originais ou trabalho de campo).

"Eu estou escrevendo agora"

"Ele escreveu no momento"

Caracteriza-se a pesquisa bibliográfica pela identificação e análise dos dados escritos em livros, artigos de revistas, dentre outros. Sua finalidade é colocar o investigador em contato com o que já se produziu a respeito do seu tema de pesquisa.

Retrospectivos Compilados após o acontecimento, pelo autor (diário pessoal, autobiografia, relatos).

Retrospectivos Transcritos por font s primárias retrospectivas (pesquisa recorrendo a diários, autobiografias, relatos).

"Eu escrevi depois"

"Ele escreveu depois"

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Atente para uma questão: o eu" do quadro de Mann não se refere ao eu-pesquisador", mas sim ao eu-autor", aquele que registra suas próprias impressões sobre um determinado fato, aquele que se autoriza a escrever histórias. O ele" do quadro de Mann indica a figura do pesquisador que recorreu ao eu-autor" para escrever outras histórias, a partir do relato inicial. É importante que o levantamento bibliográfico inicial seja discutido com o professor-orientador, que poderá indicar a necessidade de ampliar e diversificar o material selecionado para o início do trabalho. Lembre-se que esse é um levantamento inicial. No decorrer da pesquisa, a reflexão geralmente indica novas necessidades de aprofundamento de questões inicialmente não previstas. 11

11

11

11

11

2.~.(Ontatoi

diretoi

O esforço de levantar dados pode ser realizado através de contatos diretos. Isto significa que o pesquisador deve conversar informalmente com pessoas que podem fornecer dados ou sugerir possíveis fontes de informações úteis.

~. fOrmai báiicai de organização do trabalho científico Você já escolheu o tema que pretende pesquisar. Também já realizou um levantamento inicial dos materiais disponíveis sobre o assunto. Feito esse levantamento, você precisa conhecer melhor o material selecionado. E, certamente, cada material examinado indicará novas fontes a serem pesquisadas.

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Essa fase é muito importante para a construção do eu projeto e também para a sua monografia. Quantas vezes lemos um livro e depois de alguns dias vem aquela pergunta: onde foi mesmo que eu li isso? Qual é o autor que trabalha essa questão? Para evitar esses e tantos outros problemas semelhantes, organize-se! Após o levantamento inicial dos documentos, da bibliografia disponível e feitos contatos diretos, o passo seguinte é organizar o material através de fichamentos, resumos e resenhas. Selecionado o material, organize uma base de dados ou um fichário de apontamentos. Aos poucos, ao adquirir mais experiência, cada pesquisador define que tipo de organização é mais adequada para o seu campo de pesquisa e para a sua forma de trabalho. A cada leitura, registre suas impressões sobre o material. Sugiro três formas de sistematização: o fichamento, o resumo e a resenha.

3-1. fichamento Você pode recorrer a dois tipos de fichamento para organizar o seu material. O primeiro tipo de fichamento é o mais simples, denominado de fichamento bibliográfico, e serve apenas como um guia de busca: você seleciona o material e faz um registro numa ficha, incluindo dados bibliográficos completos do texto, número de registro na biblioteca (se for o caso) e um resumo do seu conteúdo, feito apenas a partir do sumário. Quando se trata de revistas especializadas, os artigos, no geral, são antecedidos de um resumo, que também deve ser anotado.

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Veja o seguinte exemplo:

Fi(ha Bibliográfi(a Título: Autor(a): ReferênciaBibliográfica: Indicadopara,

_ _ _ _

Referênciai Importantei / Anotaçõei

Podemos dizer que essa é uma fase de reconhecimento, uma "pré-Ieitura" que permite uma primeira aproximação do assunto a ser investigado. Nessa fase, o pesquisador examina prefácios, introdução, conclusão, sumários etc. Esse tipo de fichamento é, na verdade, um guia bibliográfico para o aluno e tem como objetivos: • Evitar pesquisas com a mesma abordagem (a não ser nos casos de verificação ou confirmação; • pesquisar se existem outras abordagens do problema levantado e verificar como foi pesquisado, quais os instrumentos (técnicas) utilizados e se há possibilidade de se aperfeiçoar técnicas já existentes; • estabelecer uma visão global e crítica a respeito do problema e das hipóteses levantadas para sua solução; • iniciar (pré-seleção) o guia bibliográfico, indicando a possível bibliografia básica e a bibliografia complementar para o estudo da temática proposta.

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Recomendamos que a ficha de leitura seja organizada em três partes: • o resumo das idéias do autor: apresentação por escrito da compreensão do texto, por tópicos, com vocabulário próprio; • destaque de citações do autor: apresentação de algumas passagens do texto consideradas mais relevantes e que representem cada tópico anteriormente destacado (não esquecendo de registrar sempre o número da página); • interpretação do texto: reconstrução mais livre do tema abordado no texto, expressando um diálogo com o autor, incorporando ou questionando posições assumidas. Você pode organizar esse tipo de fichamento da seguinte forma:

ficha de leitura Título: Autor(a): Referênciabibliográfica: Indicadopara

Remmo Citaçõei Importantei

(Pádua, 1996, pp. 42-43).

o segundo tipo de fichamento é mais elaborado, é quele que recorre à ficha de leitura.

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Comentárioi

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É importante

que o levantamento bibliográfico inicial seja discutido com o professor-orientador, que poderá indicar a necessidade de ampliar e diversificar o material selecionado para o início do trabalho. Lembre-se que esse é um levantamento inicial. No decorrer da pesquisa, a reflexão geralmente indica novas necessidades de aprofundamentos de questões inicialmente não previstas.

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e dispensa a leitura desse último, se for o caso. O objetivodesse tipo de resumo é informar o conteúdo e as principais idéias do autor contidas naquele texto-base, destacando o objetivo do autor, a metodologia adotada e as conclusões obtidas. O resumo informativo possui, no final, um conjunto de palavras-chave; • o resumo crítico, que é um resumo informativo que formula um julgamento sobre o texto-base. Trataremos neste livro do resumo crítico como resenha.

~.2.Remmo É muito comum, no meio acadêmico, a solicitação

de resumo de um livro ou artigo. De imediato, surgem dúvidas: alguns têm dificuldade de resumir, outros não conseguem discernir o que é o principal e o secundáriona dúvida escreve sobre tudo -, não compreende bem o texto e por aí vai... O primeiro passo é saber o que é um resumo e como resumir um texto. O resumo é um pequeno texto que destaca as idéias essenciais do texto-base, procurando guardar uma fidelidade ao texto original. O resumo é, portanto, uma apresentação concisa e seletiva de um artigo, obra ou outro documento que põe em relevo aspectos de maior interesse e importância. Destaco aqui três tipos de resumo: • o resumo indicativo, que não dispensa a leitura do texto completo, faz uma referência às partes mais importantes do texto, descrevendo a natureza, forma e objetivo do texto-base, utilizando-se de frases curtas; • o resumo informativo, que contém todas as informações mais importantes apresentadas no texto-base

Qualquer que seja o tipo de resumo que você pretenda fazer, atente para as seguintes dicas: • a primeira coisa que deve ser escrita no resumo é a referência bibliográfica do texto-base. Faça um cabeçalho e escreva a referência completa; • procure ser fiel ao texto original, buscando reproduzir as idéias do autor, mesmo quando você estiver usando as suas próprias palavras. Nunca é demais lembrar que, apesar dessa vigilância, todo leitor é um co-autor, já que a leitura não é um ato passivo. Portanto, tenha em mente que o que vai nortear os destaques que você deverá fazer é, em última análise, a sua própria subjetividade; • destaque a idéia principal do texto e os detalhes mais importantes. Preste atenção na estrutura do texto, identificando idéias de conseqüências, adição, oposição, incorporação de novas questões e complementação do raciocínio. Atente para os exemplos oferecidos, geralmente eles compõem um detalhe importante; • sublinhe. Lembre-se que você deve sublinhar numa segunda leitura, quando tem condições de

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examinar o capítulo, de pontuar as idéias mais importantes. Não precisa sublinhar orações inteiras, aprenda a sublinhar só os termos essenciais; • organize um esquema lógico. Visualizar o texto pode ajudar muito, facilitando uma consulta, a explicitação da relação entre as partes, dentre outros.

~l Re~enha Pedir para um aluno de graduação uma resenha é um verdadeiro tormento! Explico: geralmente o professor não diz exatamente do que se trata porque acredita que o aluno já possui informações básicas necessárias; por sua vez, o aluno acha que resenha é isso ou aquilo (um colega disse isso, ele ouviu aquilo e por aí vai ...), não consulta nenhuma fonte bibliográfica para esclarecer o termo e nem pergunta ao professor. Na maioria das vezes, entrega-se como resenha alguma coisa parecida com um resumo. Lembro-me bem do depoimento de algumas alunas de graduação do Curso de Terapia Ocupacional. Segundo elas, já tinham feito muitas resenhas durante o curso. A partir do momento em que coloquei nas mãos delas algumas resenhas de estilos bem variados, publicadas em revistas especializa das de circulação nacional, uma aluna olhou para a colega que estava sentada ao lado e disse assustada: "Nossa! Você já fez alguma coisa parecida com isso7". A resposta foi um sonoro não! Então, vamos "voltar um pouco a fita" para entendermos a importância da resenha. A rigor, esse tipo de trabalho tenderia a n'~oser qualificado como científico,já

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que sua característica principal é tida como de "extração" e não de "produção". No entanto, é praticamente um consenso na comunidade científica a importância desse tipo de comunicação. Destaco aqui dois pontos registrados por Salomon (1991, p. 134), que identificam de forma precisa a importância da resenha: • diante da enorme produção bibliográfica,as comunicações sucintas oferecem informações precisas, contribuindo para uma" atualização" das pessoas interessadas no assunto; • fazer uma resenha, para quem está iniciando no campo da investigação científica, é muito importante porque constitui um passo significativo na elaboração tanto de um projeto como de uma monografia, que impõe a condição, ao aluno, de fazer sínteses e apreciações.

o termo resenha indica trabalho de síntese, uma análise resumida de produções científicas ou não, podendo ser seguida de apreciação crítica. Distinguimos dois tipos de resenha: a informativa (considerada também como resumo informativo) e a crítica (que contempla uma apreciação, um julgamento explícito). A idéia de resenha crítica deve ser compreendida sob a observância do seguinte alerta: a criticidade do trabalho está vinculada à maturidade e autonomia do autor da resenha; portanto, é bastante variável. Mas o que significa fazer uma resenha crítica7 O sentido atribuído é o seguinte: você deve elaborar um julgamento sobre a obra. Para tanto, você pode fazer dois tipos de crítica:

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• a crítica externa, que ressalta a importância da obra no seu contexto histórico, social, cultural e filosófico; • a crítica interna, que se dedica ao exame do conteúdo da obra, julgando-o. Mais uma vez eu digo: não existe uma receita. Mas para que você não se perca, sugiro um roteiro que contempla alguns pontos importantes e que, geralmente, são abordados numa resenha:

• Referência bibliográfica: em algum lugar da resenha você deve registrar o(s) autor(es) do livro, o título e o subtítulo da obra e a referência completa, inclusive o número de páginas. Algumas pessoas colocam logo na primeira frase da resenha, outros chamam uma nota de rodapé. Não importa o lugar, mas esse é um dado indispensável.

• Credenciais do autor: é interessante

oferecer ao leitor da resenha informações gerais sobre o autor do livro que você está resenhando, como também em que circunstâncias ele fez o estudo (quando, onde, por quê).

• Conteúdo da obra: aqui é o momento do resumo das principais idéias da obra. Pergunte-se sobre o que diz a obra, se tem alguma característica especial, a forma pela qual foi abordado o tema, se exige conhecimentos prévios para compreendê-Ia, que teoria serviu de referência, qual o método utilizado.

• Conclusão dota) autoria): é importante

registrar se o(a) autor(a) faz conclusão, se sim, em que momento (no final do livro ou dos capítulos) e, finalmente, qual foi a conclusão.

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• Apreciação: esse é o momento mais trabalhoso, que exige mais de quem está elaborando uma resenh~ porque se refere ao julgamento da obra. Voce pode se perguntar sobre o.n:~rit0,9-a o~ra.(qual a contribuição dada, se as idéias sao cnatIvas, se desenvolve novos conhecimentos, se propõe uma abordagem diferente), sobre o estilo (~la.ro, conciso, objetivo, coerente), sobre a forma (lógica. sistematizada, se há equilíbrio entre as partes, se há originalidade), sobre o lugar d~ on~e fala o autor (onde se situa em relação as diferentes correntes científicas, filosóficas). Nesse momento, também são feitas considerações sobre uma possível indicação da obra (é dirigi da a que público?). Lembre-se que a resenha é um comentário d~ ~n:a obra, escrito em uma redação contínua e que a divisão que fiz em cinco partes (referência bibliogr~fica, credenciais do autor, conteúdo da obra, conclusao do autor e apreciação) é apenas didática. , Quando for escrever uma resenha, observe tambem as "normas práticas" sugeridas porSalomon (1991, p.137): • se o assunto a ser abordado estiver fora da sua competência, é melhor optar por uma .resenha informativa ou por deixar claro para o leitor essa limitação; • ao ler o texto-base, aquele que você vai resenhar, faça anotações em núcleos do tipo "passagens profundas", " pontos obscuros", "novidade", repetição"; • destaque com cuidado a tese central que o autor está desenvolvendo. Acompanhe a sua argumentação. Essa apreciação tornará o seu julgamento mais denso e criterioso. /I

I

I

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Apesar de oferecer todas essas informações sobre o que é uma resenha, acredito que a melhor forma de se aproximar da idéia do que seja uma resenha é lendo uma. Existem ótimas revistas especializadas que trazem excelentes resenhas. Lendo-as, você se dará conta da diversidade de estilos e de formas de estruturar um trabalho desse tipo.

Capítulo 11I

(omideraçõe~ em torno do objeto de pe~Qui~a

1. o jogo

da ciência

A compreensão mais corrente entre os pesquisadores é a de que, na investigação científica, deve-se percorrer um caminho que exija um esforço na descoberta da coisa em si", que é o desconhecido. Isto significa que você deve partir das impressões primeiras sobre um determinado fenômeno e buscar conhecer o seu núcleo, a sua essência. Nesses termos, dois momentos podem ser destacados no processo de conhecimento na investigação científica. O primeiro momento é o da aproximação imediata ao fenômeno estudado, que é formada pelas impressões que temos a partir do nosso cotidiano. Nesse terreno, estamos diante das formas fenomênicas da realidade", ou seja, estamos nos deparando com o que está diante do nosso nariz: não precisamos fazer muito esforço para enxergar. Esse é o mundo fenomênico, o mundo das /I

/I

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aparências ou, como diz Kosik (1985), o mundo da pseudoconcreticidade. Mas por que pseudoconcreticidade? Porque é o que parece mas não é. Você vê um fenômeno que não se mostra por inteiro, revela-se parcialmente aos seus olhos, escondendo partes ou detalhes. O que está escondido é compreendido como a essência, o concreto, o que você precisa descobrir. Aí estaria o jogo da ciência: elucidar como os elementos fenomênicos e essenciais se relacionam, se interpenetram.

Na atualidade, diante da crise de paradigmas, algumas desconfianças estão sendo semeadas sobre o clássico entendimento ocidental da relação aparência/ essência, que secundariza a imagem, o aparente. É importante sublinhar que o mundo contemporâneo tem sido cenário de mudanças na organização social: das descobertas da microinformática ao genoma, passando pelas diversas e novas formas de convivência social - que são expressões de uma socialidade que encarna uma emoção compartilhada e que orienta a vontade individual - é possível enxergar elementos de uma cultura nascente. ' O ritmo é acelerado. As imagens do cotidiano são rápidas, quase "invisíveis", pois não exigem compreensão. Parece que as imagens não têm tempo. E é justamente diante do sentimento de urgência, do domínio do instantâneo que convém uma abertura de espírito para compreender o mundo lentamente. A "estratégia da lentidão" remete para um vetor epistemológico que privilegie a apresentação do mundo,

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a emergência de uma atitu~e mais narrativa que descreva, que emita paradoxos. E preciso cultivar, portanto, um" espírito contemplativo" para ouvir a música que está para nascer. Neste cenário, a observação do mundo não se presta à conclusão, nem mesmo à mania classificatória própria do pensamento moderno. É preciso afirmar uma postura mais respeitosa com as múltiplas experiências da vida cotidiana, distanciada das noções afirmadas pela Razão Moderna. É no interior desse debate que emerge um movimento instituinte que tende a modificar as regras da ciência: a aparência não é um dado a ser ultrapassado: ela é considerada em si, já que, como disse Novalis "o exterior é um interior elevado a estado de mistério" . É certo que algumas pessoas tendem a reagir às novas concepções com misoneísmo, isto é, com hostilidade à inovação, à mudança. Por certo, é cômodo entrincheirar-se por trás de um método universal, desencarnado. Mas é sempre bom lembrar da belíssima passagem de Hegel que afirma que a filosofia somente toma uma forma quando a realidade terminou o seu processo de formação: "não e senão no início do crepúsculo que a coruja de Minerva alça vôo". Pense nisso.

2. O referencial

teórico

Definindo o tema e organizando o levantamento inicial, é necessário precisar mais o que você vai estudar, especificando melhor que aspecto do tema você pretende privilegiar na sua investigação. Esse é o momento da problematização do tema e da sua delimitação.

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Problematizar um tema significa abrir um leque de questões que possam colaborar para que o seu problema seja definido, para que a sua hipótese possa emergir, para que você possa situar o seu problema no interior de um debate teórico. É importante esclarecer que o caminho para elaborar a problematização do tema começa a exigir mais do que o levantamento bibliográfico inicial, impõe uma análise sobre a literatura disponível sobre o tema. A tarefa aqui é a de, diante de vários estudos e interpretações, selecionar o seu campo de atuação, fazer o seu recorte. Isto significa que na problematização do tema deve estar contido o tão temido e pouco entendido

referencial teórico. Essa parte do projeto não é consensual entre os pesquisadores. Alguns adotam a postura de que a teorização deva emergir da análise dos dados, enquanto outros defendem a sua antecipação. Acredito que o olhar já sup?e um referencial. E o caso de explicitá-lo. E importante ressaltar que a explicitação das referências teóricas não constitui uma camisa-de-força": é necessário estar atento aos dados, que são sempre construídos. A partir deles, novas categorias teóricas podem surgir. Nas palavras de Moura: 1/

a revisão da literatura é uma busca sistemática no sentido de mapear o que se tem pesquisado na área. Não é uma fase discreta, independente da pesquisa. A integração do material levantado deve permitir uma análise do que se tem denominado "o estado da questão" sobre um determinado tema ou problema de pesquisa, revelando lacunas que justificam o estudo que se pretende fazer (Moura, 1998, p. 38).

Até aqui teremos uma primeira aproximação do que chamamos de objeto de estudo. É uma primeira aproximação porque o que ocorre nesse percurso é que no

Conversas sobre Iniciação

à Pesquisa Científica

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processo de investigação você descobrirá os contornos mais nítidos do objeto que você está pesquisando, e isso permitirá inclusões ou exclusões de determinados elementos.

No projeto, você constrói, no máximo, uma indicação do objeto de estudo. A aproximação e a sua construção só é possível no interior do próprio processo de investigação.

3. A delimitação da que~tão A investigação científica começa como uma questão, que permite ao pesquisador lançar-se à procura de novas respostas. Formular uma questão tem aqui um duplo sentido: pode indicar uma indagação, um problema a ser resolvido, como também pode indicar um tema sujeito a estudo, um ponto que merece discussão. A caracterização de uma questão é condição necessária para o bom desenvolvimento da pesquisa. Se você seleciona uma questão muito abrangente, torna a pesquisa mais complexa, às vezes até mesmo inviável. Ao contrário, se você delimitar bem a sua questão, a condução da sua pesquisa será facilitada, os objetivos ficam claros, a metodologia é indicada. Não existe uma receita para construir uma situação problemática, da qual você extrairá a sua questão. Esse é um processo singular, que está na dependência da natureza do assunto a ser pesquisado e também do tipo de pesquisa que se quer realizar. Sob esse importante alerta, você pode considerar, como inspiração, os seguintes pontos:

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• identifique a situação problemática que pretende estudar em seu contexto histórico, social e filosófico; • examine os fatos que compõe a situação escolhida e as explicações já existentes sobre esses fatos. Nesse momento você estará iniciando um diálogo com os autores que se dedicam ao estudo daquele tema; • através do diálogo estabelecido você registrará concordâncias, discordâncias (entre os próprios autores que você selecionou e também de autores com você) e lacunas a serem preenchidas. São justamente essas lacunas que evidenciam o que ainda precisa ser pesquisado; • descubra a ótica sob a qual cada autor está falando, isto é, qual a sua tendência teórica. Isso permite um vigor maior no diálogo, e a construção de um mapa dos diferentes olhares sobre a questão; • para o diálogo ser mais denso, reflita sobre a pertinência das relações estabelecidas entre os fatos e as explicações oferecidas pelos autores. Organizada a situação problemática, você pode destacar o aspecto que pretende investigar, a sua questão específica. Dentre os vários aspectos você deverá 'escolher um "pedaço", a parte que você quer estudar com profundidade. Formular a questão significa que você deve colocar de maneira clara, específica e operacional, qual é a dificuldade que você pretende examinar. Muitos autores sugerem que a questão deva ser formulada, explicitamente, como pergunta. Uma vantagem de escrever dessa maneira está em facilitar a identificação da questão para o leitor, e também em tornar rápida asso-

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ciação com a hipótese e com os objetivos do projeto. Mas formular o problema" como pergunta não é uma condição obrigatória. Lembre-se que a questão deve ser clara e precisa. Nem pense em escrever coisas do tipo" como funciona a /I

mente

dos operários

da construção

civil, que possuem

uma

descrença sobre a escola como veículo de ascensão social?"

Já pensou na tarefa ainda impossível de desvendar a mente do outro, que, para completar a missão, ainda se trata do conjunto dos operários da construção civil de toda a parte do mundo, já que também não está especificado? Outro aspecto importante é, portanto, o seguinte: o "problema" deve ter uma dimensão variável. Isso significa que, se a sua primeira indagação é "os operários da construção civil possuem uma descrença sobre a escola como veí-

você deverá ser mais preciso, já que não conseguirá saber se todos os operários da construção pensam sobre o assunto. Tome cuidado e delimite bem o seu problema. Lembre-se que, ao delimitar a questão, você deverá responder também a uma série de indagações: a questão é relevante? Mesmo que seja um tema interessante, é adequado para mim? Tenho condições concretas para realizar esse estudo? Tenho fontes de consulta acessíveis e de fácil manuseio? Existem recursos financeiros para o desenvolvimento da pesquisa? Terei tempo disponível para investigar essa questão? Delimitado o tema, elaborada a sua problematização e pontuada a questão, uma direção é tomada. Essa direção pode indicar possíveis "respostas", mesmo que provisórias. É nesse momento que emerge o que chamamos de hipótese. culo de ascensão social?",

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4. A elaboração da hipówe No sentido etimológico, hipótese significa" o que está suposto". Assim, a hipótese é uma" antecipação" do resultado da pesquisa, uma resposta possível à pergunta q~e você fez ~o elaborar o seu problema, que poderá (ou nao) ser confirmada pela pesquisa. . DAea~ordo com Gil (1994, pp. 60-66) podemos distingUIr tres trpos de hipóteses: as casuísticas (que afirmam que um objeto, uma pessoa ou um fato têm determinada c~racterístic.a); ~s que se referem à freqüência de aconteCImentos (indicam se determinadas características ocorrem com maior ou menor intensidade); e as que esta~e~ece~ relações entre variáveis (que permitem a classificação em duas ou mais categorias, como; por exemplo, sexo, classe social). Como voc~ pode perceber, a não é uma resposta qualquer, alucinada, estabelecida sem critérios. Ao elaborar, a ~ua hipótese, observe se ela possui as seguintes características: se é plausível, consistente, específica, ~lara, explicativa e simples. Se a sua pergunta é "os operános da construção civil, que trabalham na empresa X, na cidade Y, possuem uma descrença sobre a escola como veículo de ascensão social?", a sua hipótese pode ser colocada da seguinte maneira: "Há evidências de que os operários da construção civil, que trabalham na empresa X, na cidade Y, possuem uma descrença sobre a escola como veículo de ascensão social".

E, lembre-se:

Vo.cê não é obrigado a justificar a sua hipótese. O enunciado da hipótese é uma expressão da livre escolha, que mistura intuição, bom senso, experiência e competência. .

Conversas sobre Iniciação à Pesquisa Científica

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A hipótese é a sua explicação, a sua resposta à pergunta, ao problema que você formulou. Ela tem como característica ser um enunciado conjetural, isto é, sem um fundamento preciso. A hipótese é, portanto, uma suposição, uma opinião. É comum entender a hipótese como uma resposta provisória. Mas lembre-se: a todo instante é necessário suspeitar dessa resposta. O caminho da investigação científica indica pontos desconhecidos ou, pelo menos, parcialmente conhecidos. De posse de novos elementos, você pode afirmar, complementar ou mesmo contradizer a sua resposta provisória. É comum encontrarmos em pesquisadores iniciantes aquele desejo quase incontrolável de querer provar que a sua hipótese está certa. Se você tem a resposta, não precisa pesquisar. A ciência está alicerçada na dúvida e não na certeza. Muitas vezes a hipótese é compreendida como uma herança positivista. Concordamos com Minayo, de que se pode relativizar o parâmetro objetivista do positivismo e encarar a formulação de hipóteses como uma tentativa de criar indagações a serem verificadas na investigação. Portanto, consideramos que este item pode ser substituído ou encarado como uma formulação de pressupostos ou de questões. Enfim, como um diálogo que se estabelece entre o olhar do pesquisador e a realidade a ser investigada. São, em suma, afirmações provisórias a respeito de determinado problema em estudo (Minayo, 1996, p. 40).

Ao formular a sua hipótese, lembre-se que os conceitos expressos devem ser claros e específicos. Além disso, a hipótese não deve se basear em valores morais", indicando o que é "bom", o que é "prejudicial", dentre outros.

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5. O~objetivo~ da pe~Qui~a É importante registrar agora o que se pretende com a investigação, que metas você pretende alcançar ao terminar a pesquisa. É o momento de definir os objetivos da pesquisa. Preste atenção:

o objetivo

é o que você pretende atingir com a

sua pesquisa e não o que você vai fazer para atingi-Ia!

Dentro de um projeto de pesquisa, os objetivos servem para dar a direção da ação do pesquisador e para definir a natureza do trabalho. Ao estabelecer objetivos, você estará, mais uma vez, evidenciando o seu problema. Assim, uma maneira prática e eficiente de organizar o seu objetivo é revisitar o seu problema. Lembre-se que, além de indicar a natureza do seu problema, os objetivos oferecem indicações sobre a escolha do seu percurso metodológico, pois norteiam a escolha dos métodos e das técnicas de pesquisa. Podemos esperar, portanto, uma coerência entre a delimitação da questão, a determinação dos objetivos e a escolha da metodologia. Atente para essa questão e redija os objetivos do seu projeto de pesquisa buscando aumentar a probabilidade de coerência entre as partes do seu projeto. Os objetivos devem ser reais e atingíveis, isto é, representam de fato a execução das atividades, manifestando-se de forma concreta e possível dentro do tempo disponível. No geral, os objetivos são iniciados por um verbo no infinitivo. Sem dúvida que estamos cansados de fórrnu-

Conversas sobre Iniciação

à Pesquisa Científica

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Ias e de receitas. No entanto, é muito mais fácil criar um novo bolo quando se tem uma boa noção do "bolo da vovó". Nesses termos, recorro à seguinte classificação de Santos (1999)sobre verbos específicos,a partir de estágios cognitivos que possibilitam atividades intelectuais: Estágio de conhecimento - Se expressa em verbos como apontar, citar, classificar, conhecer, definir, descrever, identificar, reconhecer, relatar. Estágio de compreensão - Em verbos como compreender, concluir, deduzir, demonstrar, determinar, diferenciar, discutir, interpretar, localizar, reafirmar. Estágio de aplicação - Em verbos como aplicar, desenvolver, empregar, estruturar, operar, organizar, praticar, selecionar, traçar. Estágio de análise - Em verbos como analisar, comparar, criticar, debater, diferenciar, discriminar, examinar, investigar, provar. Estágio de síntese - Em verbos como compor, construir, documentar, especificar, esquematizar, formular, produzir, propor, reunir, sintetizar. Estágio de avaliação - Em verbos como argumentar, avaliar, contrastar, decidir, escolher, estimar,julgar, medir, selecionar. (Santos, 1999, pp.61-62).

Podemos distinguir os objetivos da pesquisa em objetivos gerais e objetivos específicos: • os objetivos gerais definem o que se p~etende alcançar com a realização da pesquisa. E um objetivo mais amplo, a questão principal da pesquisa. • os objetivos especificos são considerados objetivos secundários, estão relacionados à questão principal e definem aspectos mais específicos, que contribuem para alcançar o objetivo geral.

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Para compreender melhor como organizar os seus objetivos, vejamos um exemplo oferecido por Santos (1999). Vamos supor que o seu objetivo geral seja o de "analisar se o limão é eficaz no combate aos resfriados". Como você já fez uma revisão bibliográfica inicial, tem algumas pistas de elementos que podem ajudar a resolver o problema. Por exemplo, você já sabe que alguns aspectos são importantes nessa pesquisa, como "o vírus do res-

friado", "os componentes químicos do limão", "as reações do vírus do resfriado aos componentes químicos do limão". Essa é a fase denominada "levantamento importantes do problema" (Santos,

dos aspectos componentes

1999, p. 64). Feito isso, você passará para a segunda fase, que é a

transformação de cada um dos aspectos escolhidos em um objetivo, colocando um verbo no início do enunciado que indique a atividade que você pretende realizar. Exemplo: "examinar o vírus do resfriado", "identificar os componentes químicos do limão" . A partir daí, duas tarefas estão postas. A primeira é a de "verificar a suficiência dos objetivos específicos propostos", isto é, você deve se perguntar se o conjunto dos objetivos que você definiu é suficiente para que você atinja o objetivo geral. A segunda tarefa é a de "decidir sobre a melhor seqüência lógica", ou seja, você deve ter o cuidado de estabelecer quais os assuntos que precedem a outros (Santos, 1999, p. 65).

b. A ju~tifi(ativa Depois de ter delimitado indagar sobre a sua relevância. zar a justificativa, considerando que escolhi esse tema? O tema

a questão de estudo, cabe É o momento de organios seguintes aspectos: Por que escolhi é importante?

Conversas sobre Iniciação à Pesquisa Científica

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Que motivos o justificam, nos planos teórico e prático? Qual é a relação do tema ej ou do problema formulado com o contexto social? Que contribuição posso oferecer com esse estudo e, se for o caso, quais os aspectos inovadores do trabalho?

Justificar um tema é evidenciar razões suficientes para que haja o desenvolvimento da pesquisa. Isto significa que você deve apresentar bons e convincentes motivos para empreender o seu esforço de investigação.

Não existe um padrão para escrever a justificativa. Sob esse alerta, Richardson (1985) indica os seguintes pontos que podem ser contemplados: 1. Modo como foi escolhido o tema para ser pesquisado e como surgiu o problema levantado para o estudo. 2. Apresentação das razões em defesa do estudo realizado. 3. Relação do tema e/ou do problema estudado com o contexto social. 4. Explicação dos motivos que justificam a pesquisa nos planos teórico e prático, considerando as possíveis contribuições do estudo para o conhecimento humano e para a solução do problema em questão. 5. Fundamentação da viabilidade da execução proposta de estudo. 6. Referências aos possíveis aspectos inovativos do trabalho( ...) 7. Considerações sobre a escolha do(s) local(is) que será(ão) pesquisado(s). Relatar se a pesquisa será realizada em nível local, regional, nacional ou internacional. (Richardson,

1985, p.20)

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Lembre-se que a justificativa não é outra revisão bibliográfica. No geral, ela não apresenta citações de outros autores. Apesar de tratar de razões de ordem teórica, seu objetivo não é o de registrar todo o referencial teórico adotado mas, sim, de sublinhar a importância daquela investigação no debate teórico.

Capítulo IV

E~colhendo o percuno metodológico

o percurso

metodológico se refere ao caminho trilhado para que você atinja os objetivos que definiu. Aqui você também deverá explicitar os instrumentos que utilizará na investigação e as fontes de pesquisa. Uma concepção muito difundida - e extremamente reducionista - é aquela que associa metodologia a um conjunto de técnicas e de procedimentos para a coleta de dados empíricos. Neste sentido, metodologia significa o caminho a ser percorrido. No entanto, a questão metodológica é bem mais ampla e indica um processo de construção, um movimento que o pensamento humano realiza para compreender a realidade social. Isso significa que, ao registrar o seu percurso metodológico, você estará evidenciando a sua postura epistemológica enquanto pesquisador, ou seja, você deixará pistas de como está concebendo a relação sujeito-objeto do conhecimento.

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Méthodos significa o caminho para chegar a um fim, enquanto logos indica estudo sistemático, investigação. Assim, no sentido etimológico, metodologia significa o estudo dos caminhos a serem seguidos, incluindo aí os procedimentos escolhidos.

Entendida como o caminho e o instrumental próprios para abordar aspectos do real, a metodologia inclui concepções teóricas, técnicas de pesquisa e a criatividade do pesquisador.

Incluir concepções teóricas na metodologia não significa que você deverá fazer outra revisão bibliográfica. O que está sendo colocado é que a escolha do método remete para uma posição teórica (positivista, estruturalista, dialética, fenomenológica, dentre outras) e que deve ser explicitada. Não se trata de elaborar um discurso, por exemplo, sobre o que é fenomenologia, quando surgiu, quais as principais contribuições etc. etc. Não é um discurso sobre o método. Trata-se de evidenciar como você está se aproximando do seu objeto de estudo, como você prete;nde abordá-lo. Essa aproximação já deve ter sido feita quando você elaborou o seu "problema". Trata-se agora de nomeá-Ia. Ná parte do projeto que cabe à metodologia você deverá explicitar os procedimentos que pretende utilizar na produção dos dados (entrevista, questionário, dentre outros). Mas não basta uma frase em que você afirma: como instrumento utilizarei a entrevista serni-estruturada". Você deve deixar claro por que aquele - e não outro - procedimento foi escolhido, por que ele é mais adequado. Além disso, cada procedimento tem suas variações - por exemplo, uma entrevista pode ser estru/I

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turada, semi-estruturada OU não-estruturada - e você deve esclarecer a sua opção. Quando possível, recomenda-se que seja apresentado o seu roteiro de entrevista ou a primeira versão do questionário a ser aplicado, quando for o caso. A metodologia inclui também a criatividade e a experiência do pesquisador. A partir deste entendimento, pesquisadores, de posse de elementos próprios do campo da investigação social, têm o poder de criar o seu próprio caminho e, ao narrarem os seus percursos, poderão evidenciar o método como aquilo que se construiu ao caminhar. Como você deve ter percebido, esse é o pedaço da metodologia que faz parte de todo o caminho trilhado mas que, evidentemente, só poderá ser escrito no relatório da sua pesquisa, já que não se pode antecipar os produtos de um caminho criativo. Assim, a criatividade é um poderoso elemento do processo de pesquisa, que está posto desde o seu início e que não pode ser definido a priori, pois está na dependência do processo de investigação. Se a criatividade faz parte do processo de investi:" gação, como colocá-Ia em movimento? As possibilidades são muitas, mas destaco aqui a intuição, que não se identifica apenas como uma qualidade psicológica: a intuição é oriunda de um tipo de sedimentação da experiência, ela exprime o que Maffesoli denomina de saber incorporado". Essa intuição, reveladora de uma sensibilidade intelectual, pode ser um ato de conhecimento. Após tecer considerações metodológicas, você deve distinguir, de forma mais específica, a direção do seu olhar. Sugerimos que você contemple os seguintes pontos: tipo de pesquisa, sujeitos da pesquisa, espaço da pesquisa, coleta de dados, análise dos dados (de que não trataremos nesse livro) e cronograma. Vejamos cada um desses pontos. /I

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1. Tipo~depe~qui~a

• • • • •

Que tipo de pesquisa você vai fazer? Vou fazer uma pesquisa descritiva. Ah, legal. É um estudo de caso? Não, é uma pesquisa descritiva. Tudo bem, já entendi. É uma pesquisa qualitativa ou quantitativa? • Eu já falei que é uma pesquisa descritiva. Haja paciência ...

Haja paciência mesmo para tanta confusão na cabeça donossoamigo,que sódefinea sua pesquisacomodescritiva! No geral, existe um desconhecimento entre os alunos sobre como se pode classificar um tipo de pesquisa. Vamos ver se conseguimos esclarecer um pouco. Podemos classificar as pesquisas segundo diferentes critérios: segundo seus objetivos, segundo seus procedimentos de coleta, segundo suas fontes de informação e ainda segundo a natureza dos seus dados. Vejamos o quadro abaixo: Tipos de pesquisas Tipos de pesquisas Tipos de pesquisas Tipos de pesquisas segundo os segundo os prece- segundo as fontes segundo a natureza objetivos dimentos de coleta de informação dos dados Exploratória Descritiva Experimental Explicativa

• • • • • •

Experimento levantamento Estudo de caso Bibliográfica Documental Particioativa

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1.1. Tipo~de pe~qui~a~egundoo~objetivo~

Se você quer arrumar uma confusão, pergunte para um estudante que tipo de pesquisa ele pretende fazer. Eu já ouvi diálogos interessantíssimos, como o seguinte:

• • • •

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• • • •

Campo laboratório Bibliográfica Documental

• Quantitativa • Qualitativa

Classificar tipos de pesquisa segundo os objetivos significa indagar sobre as suas metas, as suas finalidades, sobre o tipo de resultado esperado: alguns são mais conceituais, outros mais descritivos etc. Considerando como critério o objetivo a ser alcançado, podem-se registrar cinco tipos de pesquisa, que não são necessariamente excludentes: a exploratória, a descritiva, a experimental e a explicativa. A pesquisa exploratória é aquela que se caracteriza pelo desenvolvimento e esclarecimento de idéias, com objetivo de oferecer uma visão panorâmica, uma primeira aproximação a um determinado fenômeno que é pouco explorado. Esse tipo de pesquisa também é denominada "pesquisa de base", pois oferece dados elementares que dão suporte para a realização de estudos mais aprofundados sobre o tema. A pesquisa descritiva objetiva escrever as características de um objeto de estudo. Dentre esse tipo de pesquisa estão as que atualizam as características de um grupo social, nível de atendimento do sistema educacional, como também aquelas que pretendem descobrir a existência de relações' entre variáveis. Nesse caso, a pesquisa não está interessada no porquê, nas fontes do fenômeno; preocupa-se em apresentar suas características. É muito comum encontrar uma certa resistência quando se trata de pesquisa descritiva. A primeira desconfiança aparece com a seguinte pergunta: "Só descreve? Isso é muito pouco, não descobre as origens, et... é uma pesquisa que deve ser descartada.". Preste bem atenção: o tipo de pesquisa está na dependência do seu problema. Se o seu problema pede um tipo de

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pesquisa X ou Y, você deve atendê-Io, sob pena de não atingir o objetivo proposto. Além disso, lembre-se da nossa conversa sobre o "simulacro": descrever o jogo da imagem não é tarefa simples, sobretudo porque exige a descoberta de uma dinâmica própria e singular, afastando discursos gerais e circulares, que cabem em qualquer fenômeno. Buscam-se aqui as razões que existem nas coisas. Lembro-me de um estudo no qual o autor pretendia demonstrar como grupos populares se apropriavam e reelaboravam o saber da ciência médica, enriquecendo-o. O estilo descritivo poderia cansar muitos leitores desavisados, mas permitiu claramente a visualização desse processo de ressignificação por parte dos pobres. Como o objetivo da pesquisa estava relacionado com a explicitação desse movimento de apropriaçãojreelaboração por parte dos grupos populares, eleger o tipo de pesquisa descritiva foi a opção mais acertada. Por sua vez, a pesquisa experimental é aquela que se refere a um fenômeno que é reproduzido de forma controlada, submetendo os fatos à experimentação (verificação), buscando, a partir daí, evidenciar as relações entre os fatos e as teorias. Herança do positivismo sociológico, esse tipo de pesquisa exige sua observação sistemática dos resultados para estabelecer correlações entre os efeitos e suas causas. A pesquisa explicativa pretende identificar os fatores que contribuem para ocorrência e o desenvolvimento de um determinado fenômeno. Buscam-se aqui as fontes, as razões das coisas. Note bem: no geral, a pesquisa explicativa convive muito bem com os tipos de pesquisa colocados anteriormente.

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11. Tipo~de

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pe~qui~a~egundoo~pro(edimento~ de coleta

Nesse caso, o critério para classificar a pesquisa é o tipo de procedimento metodológico utilizado. A~ui podem ser contemplados os seguintes tipos de ~es~UIs~: experimento, levantamento, estudo de caso, bibliográfica, documental e participativa. . Denomina-se pesquisa de campo o tipo de pesqUIsa que pretende buscar a informa~ão diretament: com a população pesquisada. A pesqUIsa de campo. e a~uela que exige do pesquisador um. en~ontro mars direto. Nesse caso, o pesquisador precIsa Ir ao espaço onde o fenômeno ocorre - ou ocorreu - e reunir um conjunto de informações a serem documentadas. Muitas pesquisas utilizam esse procedimento, sobretudo aquelas que possuem um caráter exploratório o,: descriti~o: . Estudo de caso é o tipo de pesqUIsa que privilegia um caso particular, uma unidade significativa, /c~nsiderada suficiente para análise de um fenômeno. E Importante destacar que, no geral, o estudo de caso, ao realizar um exame minucioso de uma experiência, objetiva colaborar na tomada de decisões sobre o problema estudado, indicando as possibilidades para sua modific~ç~o .. Compreende-se como pesquisa partlclpatlV~, neste trabalho, os tipos de pesquisa que propõem a efetiva participação da população pesquisada no processo de geração de conhecimento, que é considerado um processo ~ormativo. Nessa modalidade estão incluídas pesqUIsas participantes, a investigação-ação e a sociopoética.

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1J Tipo~de pe~Qui~a~egundoa~fonte~de informação Nessa classificação, os tipos de pesquisa são agrupados segundo a natureza das fontes utilizadas. No geral, são contemplados quatro tipos de pesquisa, que já tratamos anteriormente: de campo, experimental, bibliográfica e documental.

1.4. Tipo~de pe~Qui~a~egundoa natureza do~dado~ Durante muito tempo, autores trataram os tipos de pesquisa quantitativa e qualitativa como paradigmas. De um lado, a pesquisa quantitativa remeteu para uma explanação das causas, por meio de medidas objetivas, testando hipóteses, utilizando-se basicamente da estatística. Nesses termos, transformou-se a vida social em números. Por sua vez, a pesquisa qualitativa preocupou-se com a compreensão, com a interpretação do fenômeno, considerando o significado que os outros dão às suas práticas, o que impõe ao pesquisador uma abordagem hermenêutica. Atualmente, coloc,a-se como necessidade a superação desse dualismo. E necessário distinguir níveis de intensidades presentes em cada pesquisa quando se trata da natureza dos dados. Cabe ao pesquisador corrigir desequilíbrios, esforçar-se para ampliar o conjunto de materiais disponíveis para dar conta de um entendimento amplo sobre o seu problema. Nessa perspectiva, não se trata de fazer uma salada epistemológica", trata-se de pontuar, com muita clareza, que utilizar um dado quantitativo não significa necessariamente mergulhar nos pressupostos teóricos do positivismo. Assim como a utilização de um dado qualitativo não indica que você estará mergulhando em pesquisas de caráter etnográfico, que remontam às origens da abordagem qualitativa. 1/

Conversas sobre Iniciação à Pesquisa Científica

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2. O~mjeito~ da pe~Qui~a Neste item você deverá explicitar a sua população-alvo e, se for o caso, indicar a amostra, justificando os critérios adotados e as suas características. Alguns alunos perguntam: a população que pretendo estudar é sujeito da pesquisa ou é objeto da minha pesquisa? Questões como essa evidenciam o quanto o espírito positivista ainda se faz presente no meio acadêmico. Por muito tempo, esse espírito impediu o devido reconhecimento do papel do sujeito - aquele que entrevistamos, por exemplo -, no processo de investigação científica. O sujeito ficou reduzido a uma coisa, a um objeto de conhecimento. Coloco para você uma questão que é anterior: quais são as razões ocultas para destituir das pessoas a condição de sujeitos, de atores e autores das relações que estabelecem umas com as outras? Se você responder à questão acima, possivelmente terá compreendido que o objeto da sua pesquisa é o tema/ questão que você elegeu para a sua investigação. Os sujeitos da pesquisa" se referem ao universo populacional que você privilegiará, as pessoas que fazem parte do fenômeno que você pretende desvelar. No processo de investigação social, você estará se deparando, portanto, com dois tipos de sujeitos: o sujeito investigador e o sujeito investigado, este último imerso em uma situação-problema que é objeto de investigação do primeiro. Está cada vez mais evidente que, num processo de pesquisa, o investigador interage com o sujeito e é dessa 1/

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interação que os dados são produzidos. Nessa perspectiva, descobre-se o sujeito-investigado como sujeito produtor de realidade e de conhecimento. A realidade investigada seria, portanto, construída pela interação entre os sujeitos, pelas trocas que conferem significados às mutantes configurações sociais.

~. Oe~paçoda pe~Qui~a Possivelmente, a primeira impressão que você pode ter tido ao ler" espaço da pesquisa" é a de que, aqui, você deverá registrar o lugar, a cidade, o bairro onde será realizada a pesquisa. ,. Este ponto precisa de uma equação melhor. É necessário refletir um pouco mais sobre a noção de espaço e de local da pesquisa. Lembro-me de um projeto de dissertação de mestrado da PUC-SP, sobre a prostituição sob o olhar de adolescentes prostituídas. A mestranda optou por conhecer a história. de vida daquelas adolescentes que vivem em São Vicente. A questão que coloquei para ela foi a seguinte: a história de vida das meninas, possivelmente, remeteria para muitos locais, muitos municípios onde nasceram, por onde andaram, onde e com quem se relacionaram ... nesse sentido, quais seriam os elementos estruturantes, que conferem uma identidade ao local? É apenas o aspecto geográfico? Isso coloca em outro patamar a discussão pois extrapola a noção de lugar geograficamente delimitado. Ela não estava fazendo um trabalho sobre a história daquele município; ela estava querendo conhecer a

Conversas sobre Iniciação

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história daquelas meninas, que ajudavam a construir a história daquele município e de tantos outros, por onde tinham passado, por onde tinham se relacionado de alguma maneira. . . Ora, o "lugar" é o familiar, o concreto, o delimitado. A noção de "lugar" indica o ponto de práticas sociais específicas que são dominadas pela presença. No entanto, a dinâmica social atual tende a separar, cada vez mais, o "espaço" do "lugar": o espaço remete para relações entre outros que estão ausentes, distar:tes em termos do lugar. A noção de espaço contempla muitos locais. Assim, o espaço transcende o objeto geográfico São Vicente é uma paisagem e um pretexto. N as palavras de Giddens (1990) O que estrutura o local não é simplesmente aquilo que está presente na cena; a 'forma visível' do local oculta as relações distanciadas que determinam sua natureza. (Giddens, 1990, p.18).

4. A produção do~dado~ É muito comum encontrarmos nos projetos de pesquisa o momento da "coleta de dados" . Vamos conversar um pouco sobre isso. Pense um pouco no que significa" coletar" dados. O dado estaria ali, pronto. Caberia ao pesquisador o único esforço de buscá-lo. Será isso mesmo? Este é o momento em que você deverá indicar os instrumentos a serem utilizados na pesquisa. A indicação não deve ser entendida com uma simples citação do tipo "pretendo utilizar o questionário". É importante deixar

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claro os critérios de escolha do instrumento assim como que informações você pretende obter a partir da utilização deles. É interessante destacar também como será aplicado o instrumento escolhido. Nesta etapa você deverá ter o recurso metodológico mais adequado para a sua investigação e até mesmo fazer uma combinação entre dois ou mais recursos. Lembre-se que estamos no campo da ciência, que tem suas regras! Evidentemente que a ciência também é constituída da criação, de elementos inovadores. Mas o avanço só pode ser realizado a partir do conhecimento do que lhe é anterior: o novo surge do velho.

Conversas sobre Iniciação à Pesquisa Científica

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• análise do material coletado; • preparação do relatório da pesquisa; • redação do trabalho final.

A forma mais comum de se apresentar o cronograma é por meio do gráfico em que são cruzado~ as atividades da investigação e o tempo, como o segumte exemplo: Atividade/Mês 1. Revisão bibliográfica

Jan i».

Fev Mar Abr Mai Jun ,

Jul

'!:,

"

2. Elaboração dos instrumentos de pesquisa

5. Cronograma

3. Coleta de dados 4. Análise do material coletado

Após a escolha do caminho a ser percorrido, é importante que você delimite o tempo que será utilizado para fazer a pesquisa, é preciso organizar um cronograma. Com base no cronograma, você poderá organizar o tempo disponível para cada parte da investigação, de forma seqüencial e de acordo com as etapas de realização da pesquisa. Lembre-se também que o cronograma deve contemplar tanto o seu efetivo tempo disponível para realizar a pesquisa como o prazo legal que você dispõe para concluir o curso. Sugerimos que no cronograma sejam contempladas as seguintes fases: • revisão bibliográfica; • elaboração dos instrumentos de pesquisa; • coleta de dados;

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5. Preparação do relatório de pesquisa 6. Redação do trabalho final

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Encerrando a no~~aconvena

A questão de pesquisa consiste em uma criação, uma interpretação às situações. Muitos afirmam, certamente, que a alma de um bom projeto é a elaboração de uma boa pergunta. Talvez a palavra problema não dê conta de significar todas as questões que estão postas no processo de investigação social. Um dos motivos é que nem sempre as perguntas que formulamos - ou que nos são formuladas - realmente são aceitas por nós. Como diz Humberto Maturana: "Aceitar uma pergunta significa mergulhar-se na procura de sua resposta". E todo mergulho exige inteireza. Por outro lado, é preciso romper com a idéia de ciência como "prática da suspeição", como "busca do oculto". Há de se resgatar "uma sabedoria de vida que repouse sobre a consideração do sensível, da aparência, daquilo que convida a ser visto; de certo modo, um pensamento da forma" (Maffesoli, 1998,p.115).

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Ellsa Pereira Gonsalves

Ao final desta leitura espero que você tenha encontrado pistas que lhe permitam dar os primeiros passos no caminho da investigação científica. Ainda há muito para ser dito, ainda há muito para ser aprofundado. No entanto, possibilitar a realização desse diálogo, espero que você tenha se deparado com novas exigências, com novas questões que remetam você para novas leituras. Ao criar novas dificuldades, novos mistérios a serem desvelados você estará atento para a sua formação, para a sua forma de aprender. Encerro a nossa conversa com a sensação de que a forma de expor também indica o desejo de acolhimento. Este talvez seja o elemento mais forte e presente no livro. Encerro também, com a esperança de que, aos poucos, você adquira uma postura que contemple a incerteza, que é condição para o acolhimento de novas perguntas e que também é a passagem que permite dar visibilidade aos erros: Mas então, ousei comentar, estais ainda longe da solução ... o Estou pertíssimo, disse Guillaume, mas não sei de qual. o Então não tendes uma única resposta para vossas perguntas? o Adso, se a tivesse ensinaria teologia em Paris. o Em Paris eles têm sempre a resposta verdadeira? o Nunca, disse Guillaume, mas são muitos seguros de seus erros.

Umberto Eco - O Nome da Rosa

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Elisa Pereira Gonsalves

Conversas sobre Iniciação

à Pesquisa Científica

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Elisa Pereira Gonsalves Licenciada em Pedagogia, especialização em Pesquisa Educacional e Mestre em Educação pela Universidade Federal da Paraíba UFPB. Doutora em Educação pela Universidade Metodista de Piracicaba UNIMEP. Atualmente, é professora adjunta do Departamento de Educação da Universidade Federal de São Caríos UFSCar, atuando na graduação e no programa de pós-graduação em Educação. Participa do Grupo de Trabalho Educação Popular da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Educação - ANPEd e da diretoria da Associação Nacional de Política e Administração da Educação - ANPAE, Seção São Paulo.
GONSALVES, Elisa Pereira. Iniciacão à Pesquisa Científica

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