Paul Ruditis - Ariel e a Perola da Sabedoria

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Paul Ruditis

UMA AVENTURA DESTEMIDA

© 2016 Disney Enterprises, Inc. All rights reserved. © 2017 by Universo dos Livros Todos os direitos reservados e protegidos pela Lei 9.610 de 19/02/1998. Nenhuma parte deste livro, sem autorização prévia por escrito da editora, poderá ser reproduzida ou transmitida sejam quais forem os meios empregados: eletrônicos, mecânicos, fotográficos, gravação ou quaisquer outros.

DIRETOR EDITORIAL

Luis Matos EDITORA-CHEFE

Marcia Batista ASSISTENTES EDITORIAIS

Aline Graça e Letícia Nakamura TRADUÇÃO

Francisco Sória PREPARAÇÃO

Carla Bitelli REVISÃO

Juliana Gregolin e Guilherme Summa ARTE

Francine C. Silva e Valdinei Gomes CAPA E PROJETO GRÁFICO

Francine C. Silva

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Angélica Ilacqua CRB-8/7057 R852a Ruditis, Paul Ariel e a pérola da sabedoria/Paul Ruditis; tradução de Francisco Sória. – São Paulo: Universo dos Livros, 2017.

256 p. ISBN: 978-85-503-0105-1 Título original: Ariel and the pearl of wisdom 1. Literatura infantojuvenil I. Título II. Sória, Francisco 17-0402

CDD 028.5

1

Ariel mergulhou as mãos na areia, tomando cuidado para não perturbar os pequenos corais adormecidos enquanto os removia de seus ninhos. Era sempre mais fácil mudá-los de lugar enquanto cochilavam. Eles se debatiam menos e era improvável que tentassem acertá-la com seus tentáculos afiados e pontiagudos. Não que os pequenos corais amarelos e laranja quisessem machucar Ariel. Eles confiavam na sereia para arrumar um lugar adequado para morarem. Se fossem manuseados da forma errada, porém, seus tentáculos atacariam naturalmente. Era um reflexo inevitável, eles não faziam por mal. Ariel, ciente desse risco, nadou com cuidado para o centro do jardim e colocou o coral na beirada do círculo. – Perfeito! – exclamou ela ao esfregar as mãos, deixando que a água do oceano removesse a areia presa entre seus dedos. Ela se reclinou no banco de pedra que sua mãe havia colocado no jardim marítimo. Este era o melhor lugar para relaxar enquanto admirava seu trabalho. Havia muitos anos que essa seção do jardim não parecia tão bonita. Os jardineiros reais eram talentosos, mas nada se comparava às habilidades de sua mãe em misturar fauna e flora para criar um lindo cenário. A mãe de Ariel havia ensinado à filha que os jardins não eram simplesmente uma coleção aleatória de plantas, mas murais que contam uma história e revelam a personalidade do jardineiro. Os jardins submarinos em Atlântida, sabia Ariel, eram especialmente peculiares por causa da combinação única de plantas, corais e conchas que não eram encontrados em nenhuma outra parte do mundo. Ariel estava orgulhosa de seu trabalho. Os ocasionais corais ásperos traziam as cores do arco-íris para dar vida ao fundo de algas marrom. A grama marinha ela havia plantado por diversão. A sereia apreciava a sensação do roçar da grama alta em sua barriga quando nadava por ali. As conchas eram amarradas para formar uma cerca ao redor das plantas e corais, criando assim um caminho para a passagem de seus amigos com pernas, como Sebastião. Outras sereias gostavam de admirar o jardim ao flutuarem por cima dele. O grande desafio dos jardins submarinos era fazê-los interessantes de se admirar tanto do chão quanto de cima. O que Ariel mais gostava em seu trabalho era a história que escolhera contar. O jardim era uma réplica perfeita da costa mais próxima de Atlântida, e o círculo de corais representava o sol brilhando sobre a terra. Ariel havia estudado aquela costa por anos, e imaginava como seria a vida por lá. Parecia algo muito mais empolgante do que o tedioso reino de seu pai, onde via sempre os mesmos sereianos e

peixes todos os dias. Atlântida era linda, e o palácio dourado de seu pai, com suas torres e paredes altas, era especialmente encantador, mas não se comparava aos sonhos de Ariel com o mundo em terra firme. Ela tentara reproduzir o que tinha visto do oceano, já que nunca tinha chegado muito perto da costa. Seu pai sempre a alertava que os humanos eram perigosos. Ela não parecia acreditar nele, mas já teria muitos problemas se simplesmente emergisse na superfície da água. Ela não queria forçar os limites e se aventurar no único lugar onde todos os habitantes de Atlântida eram proibidos de ir. Então, como a costa estava fora de seus limites, o jardim teria de bastar. Ela havia feito dele o lugar perfeito para relaxar de suas atribuições reais. – Ariel! A jovem sereia se contorceu ao ouvir a voz de seu pai ecoar pelos pátios do palácio. Ela se ergueu do banco de pedra, preparando-se para o pior, quando seu pai surgiu no portão do jardim. – Estou aqui, papai! – disse a sereia. O rei Tritão flutuava em sua tradicional e esguia pose real. O pai de Ariel se movia como um rei mesmo quando não usava sua coroa nem portava seu tridente dourado. Não que ela o visse com frequência sem esses acessórios. Ele estava com ambos no momento, com todos os ares próprios de um rei e pai incomodado. A coroa se acomodava perfeitamente sobre seus esvoaçantes cabelos brancos, e o tridente seguia firme em sua mão. A expressão no rosto de Tritão se apaziguou ao entrar no jardim. Ele observou um ponto atrás de Ariel e abriu um discreto sorriso. – Ariel, o que você fez? – Você gostou? Tritão plantou seu tridente na areia e passou um braço ao redor da filha. – Ficou lindo! – Obrigada, papai! – disse ela. – Não tinha certeza se o coral iria gostar de mudar de lugar, mas eles parecem mais felizes juntos agora. Tritão nadou pelo jardim para olhar melhor, e Ariel ficou tensa. Era improvável que ele entendesse a história que ela contava, mas havia uma ligeira chance que ele reconhecesse a fonte de inspiração. De repente, o trabalho de Ariel parecia bom demais. As algas representavam perfeitamente a linha da costa. A coleção de pedras se parecia o suficiente com o palácio distante que ela vislumbrava nos dias mais claros. Se seu pai captasse as referências, ela ficaria de castigo pelo resto da vida. – O jardim não ficava tão bonito assim desde quando era sua mãe quem cuidava dele – pontuou Tritão ao nadar pela grama marinha. – Ah! Fez cócegas nas minhas barbatanas! Ariel sorriu. Às vezes ela esquecia que seu pai tinha um lado brincalhão. Ele levava muito a sério sua função como rei, e esperava que Ariel tivesse a mesma atitude com suas atribuições de princesa, mas ela nunca tinha sucesso nisso. Com seis irmãs mais velhas para cumprir as funções reais, deveria ser mais fácil para Ariel escapar sem ser notada e se divertir de vez em quando, mas nunca era. Apesar de o rei manter o olhar vigilante sobre todas as filhas, Ariel sempre sentia que era ainda mais vigiada do que as outras. – Se eu bem me lembro, tem alguém aqui que não podia sair do quarto sem autorização. Não era esse o trato do castigo? – A voz do rei Tritão passou do tom brincalhão para um mais firme. O riso da grama roçando nele já havia desaparecido.

– Dá para ver meu quarto daqui – respondeu Ariel. Seu quarto era visível do jardim: se ela sentasse no banco, bastava se reclinar para trás e olhar o ponto mais alto do palácio. – Isso não vem ao caso! – Papai, eu precisava sair – insistiu ela. – Passo tanto tempo presa no palácio, nas minhas funções reais… Às vezes sinto que todo dia é um castigo. – As suas aulas de música não são castigo – observou Tritão. – São algo que você quis. Separar tempo para se preparar para seu concerto inaugural é responsabilidade sua. É uma honra compartilhar o talento que é a sua voz. Enquanto você faltar às aulas, ficará de castigo. – Desculpe, papai – respondeu Ariel. – Mas, se depender do Sebastião, vou ficar praticando da hora que acordo até morrer de exaustão. – O Sebastião é rígido com as tarefas – disse Tritão. – Isso porque as aulas são importantes para ele. As suas irmãs podem ser talentosas, mas ele me contou que você tem a voz de uma Sirena. Isso deveria ser um elogio, mas compará-la a uma terrível criatura do mar que usava as belas canções para levar marinheiros a lugares perigosos não parecia muito legal para Ariel. – Se eu praticar tanto quanto ele quer, não vai me sobrar voz nenhuma! Tritão riu. – Vou falar com Sebastião. Só que você vai ter que pedir desculpas para ele por ter faltado aos ensaios. Você precisa respeitar o tempo dele. Na verdade, Ariel gostava das aulas de canto com Sebastião. Ele podia ser durão, mas a voz dela estava ficando cada vez melhor. Ainda assim, era difícil ficar confinada no palácio quando ela podia estar explorando o mar. E era especialmente difícil ficar presa do lado de dentro agora que ela tinha encontrado sem querer uma possível fonte de novos tesouros para sua coleção, mas essa parte ela não podia explicar para seu pai. – Vou tentar melhorar. – Não basta só tentar – advertiu Tritão. – Você precisa honrar seus compromissos: tanto as atribuições reais quanto as obrigações do dia a dia. Isso valeria mesmo se você não fosse uma princesa, porque é o certo a ser feito. – Eu vou melhorar – corrigiu-se Ariel, sem tanta certeza se conseguiria manter a promessa. Ariel encarou o pai, tentando convencê-lo a permitir que ela saísse. Afinal, ela tinha ficado dentro dos muros do palácio a manhã inteira. Isso precisava valer de alguma coisa. – Tudo bem – concluiu Tritão, sorrindo. – Seu castigo acabou. Pode ir encontrar o seu amiguinho. – Obrigada, papai! – Ariel beijou a bochecha do pai, pegou sua bolsa e saiu apressada pelo portão do jardim. Ela saiu tão empolgada com sua liberdade que nem viu Sebastião até acidentalmente atingi-lo com sua cauda, o que fez com que o pequeno siri vermelho rolasse para longe na areia. – Ariel! – exclamou Sebastião com seu tom sério ao cair de costas. – Ah, Sebastião – disse Ariel, ao alcançar o maestro real e endireitá-lo. – Você precisa ser mais cuidadosa, criança! – Você não é o primeiro a me falar isso – comentou a sereia. Ele tinha razão, é claro. Mas Ariel estava mais preocupada com outra coisa, e olhou de volta para o jardim, para conferir se seu pai ainda estava por lá admirando seu trabalho. À distância, ela podia ouvi-lo murmurar uma canção de ninar que sua mãe cantava. – Sebastião, você estava nos ouvindo? Sebastião ficou horrorizado com o comentário, confirmando assim a suspeita de Ariel. – Eu estava procurando você – disse ele. – Para marcar a próxima aula.

Ariel flutuou na direção dele, deitando-se na areia macia com o queixo apoiado na mão. – Tem certeza de que não estava nos espionando? Nem um pouquinho? – Ariel, sou integrante da equipe real e um dos conselheiros mais confiáveis de seu pai. Não fico bisbilhotando conversas particulares. – Bom saber. – Ariel desenhava círculos na areia com o dedo e esperou que Sebastião continuasse. – Maaaaaas – completou Sebastião –, se eu estivesse ouvindo, iria querer algo de você bem agora, não é mesmo? Algo que começa com “des” e termina com “culpe”… Ariel pegou o siri com cuidado para evitar as pinças. – Sebastião, desculpe de verdade por ter perdido o ensaio, prometo que vou me esforçar mais, eu vou melhorar mesmo. A expressão séria de Sebastião enfim se desfez e ele sorriu. – Estou contando com isso – disse ele. – Agora, sobre a próxima aula… – Eu te confirmo assim que estiver livre. Nos vemos mais tarde! – Ariel saiu antes que Sebastião pudesse dizer qualquer coisa. Se ele começasse a falar sobre o planejamento dos ensaios, iria exigir todos os momentos disponíveis dela de agora até o concerto inicial, dali a alguns meses. Ariel realmente gostava das aulas. Cantar era sua segunda atividade favorita. Ela só não apreciava quanto tempo isso tirava de sua primeira atividade preferida: explorar o oceano. A sereia atravessou os pátios do palácio, tomando cuidado para evitar qualquer pessoa que pudesse atrasá-la. Suas irmãs eram piores que o siri em ocupar o tempo dela. Felizmente, o palácio era grande o suficiente para a família se espalhar. Muitas vezes, Ariel passava vários dias encontrando a família apenas no jantar. Attina era a única das princesas que realmente apreciava seus afazeres reais. O restante delas sempre tentava passar suas responsabilidades para outra irmã. Como era a mais nova, Ariel acabava fazendo tudo. O pátio real estava convenientemente vazio. Ariel presumiu que a maioria dos sereianos estava ocupada se preparando para o Festival das Profundezas. Os pátios do palácio estavam decorados com pedras brilhantes em lanternas ao longo dos caminhos. O trabalho devia estar acontecendo do lado de dentro agora. O evento anual era uma das maiores celebrações do reino, e a princesa Ariel tinha uma das maiores responsabilidades: recepcionar o rei visitante na cerimônia de abertura. Ao sair pelos portões do palácio, Ariel viu que a cidade estava um pouco mais movimentada. Os preparativos do festival estavam a todo vapor, e trabalhadores retocavam a estátua do rei Tritão na praça central. Um furacão recente havia causado pequenos danos a Atlântida, agitando as águas e lançando destroços nas profundezas. A estátua tinha alguns arranhões que passariam despercebidos pela maioria dos sereianos, mas seu pai queria que tudo estivesse perfeito no reino para o festival. Ariel avistou as familiares escamas azuis e amarelas de seu melhor amigo assim que entrou no mercado. Linguado estava ao lado de uma banca de comida, bem onde ela sabia que poderia encontrá-lo. Ele gostava de passear por ali, onde às vezes ganhava um agrado dos vendedores mais generosos. – Linguado! – chamou ela. O peixe pulou como se tivesse sido picado por uma arraia. – Ariel! Já conseguiu sair? Normalmente você fica muito mais tempo de castigo. Ariel cruzou os braços.

– Eu não fico tanto assim de castigo. – Fica, sim – disse Linguado, concordando com a cabeça com tanta ênfase que seu corpo inteiro balançava. – Papai é um pouco severo… – E você sempre desobedece as regras – completou Linguado. – Não é sempre – replicou Ariel. – Só acontece… de vez em quando. – Muitas vezes – insistiu Linguado. – Tá bom. – Ariel passou os dedos na nadadeira dorsal do peixe. – Isso significa que precisamos melhorar nossas técnicas para não sermos pegos. Vamos! – Ela deu as costas para a banca e saiu. – Aonde vamos? – perguntou Linguado atrás dela. – É surpresa! – Ariel desviou de um par de sereianos carregando uma grande cesta de conchas vazias. – Vamos apostar uma corrida! – Como eu vou competir com você se nem sei aonde vamos? – questionou Linguado. Ariel não respondeu e eles saíram do mercado. Se ela dissesse aonde iriam, discutiriam sobre como não deveriam ir. Era uma conversa frequente. Linguado sempre acabava cedendo. Ele gostava de explorar quase tanto quanto ela, mas precisava de mais convencimento. Agora que estavam do lado de fora do mercado, onde havia menos sereianos, Ariel baixou a cabeça e acelerou. Assim era mais divertido! Ela adorava a sensação da água passando rápido por seu corpo ao nadar. Detestava estar encarcerada, e era legal poder abanar a cauda de novo. Logo chegaram ao limite da cidade. Ariel queria poder viver assim o tempo inteiro: fora do palácio, livre para explorar o mar e a superfície. O reino de seu pai se estendia em todas as direções da costa até as Montanhas Pelágicas, uma cordilheira tão grande que alguns dos picos mais altos saíam pela superfície da água. A cidade era apenas uma pequena parte do reino. O mundo lá fora estava repleto de aventuras, e a vida em terra firme era a mais empolgante. Pelo menos era assim que Ariel imaginava. Ela sonhava com o mundo humano unindo os pedacinhos de histórias que ouvira ao longo dos anos. Era obcecada por encontrar tesouros humanos em navios naufragados, torcendo para juntar mais pedaços de seu quebra-cabeça. – Pare de sonhar – gritou Linguado quando passou por ela. – Corra de verdade comigo! Ariel riu e acelerou para alcançá-lo. Os dois competiram bravamente pela dianteira como os melhores desafiantes na Corrida Anual de Cavalos-Marinhos. Ficaram nadadeira a nadadeira por quase uma milha náutica, até que Ariel fez uma curva à esquerda no sentido do ponto de chegada. Sem saber para onde iam, Linguado alcançou Ariel quando ela chegou ao cume da elevação que escondia o objetivo deles. – Não é justo – disse Linguado ao se aproximar. – Eu não… Uau! – Não é lindo? – Ariel havia passado pelos destroços no dia anterior, mas não pôde fazer nada além de espiar porque tinha aula de canto. Ela conseguiu chegar em casa logo depois que Sebastião fechou a sala de ensaios e um pouco antes de seu pai a encontrar e proibi-la de sair do quarto. – Onde está o resto? – perguntou Linguado. A metade dianteira da embarcação de madeira estava de lado na areia. O restante do navio estava faltando. Ariel não conseguiu encontrá-la antes também. Essa era uma das questões que pairavam

sobre os destroços, mas o maior mistério que Ariel queria desvendar eram os possíveis tesouros escondidos ali. Para responder a essa questão, seria preciso explorar.

2

– É um treco! – exclamou Ariel, brincando com a tampa de um objeto de metal parecido com um bule, ao observar que abria e fechava. Ela deixou a tampa aberta e encheu de areia para assisti-la escorrendo pelo bico. – Um treco de verdade, funcionando! – Você já tem um treco – lembrou Linguado. – Você tem dois até.. – Estão quebrados. Este funciona. Linguado se aproximou. – O que isso faz? – Não tenho certeza – disse Ariel enquanto brincava com a tampa. – O Sabidão me disse que os humanos usam trecos para deixar a água boa para beber. Eles colocam água do mar por cima e despejam no outro negócio quando fica pronto. Tem alguma coisa com fogo e calor também, mas não entendi direito essa parte. Mas essa parte aqui de cima abre e fecha. Nos outros que eu encontrei, está travada. Acho que ficou embaixo d’água tempo demais. Ariel colocou o treco com cuidado em sua bolsa. Ela já tinha achado uma parada, dois negócios e umas coisas que precisou levar para Sabidão identificar. A gaivota sabia muito mais do mundo humano que qualquer outra pessoa em Atlântida. Ele era muito prestativo para ensinar Ariel sobre as coisas que ela não entendia. O navio misterioso (ou a metade dele) não tinha tantos tesouros quanto outros destroços que ela já havia explorado, mas as coisas incríveis que encontrou compensavam. – O que acha que aconteceu com o restante do navio? – perguntou Linguado ao examinar os detalhes na madeira que acabavam onde deveria estar o restante da embarcação. – Pode ter sido uma explosão. – Ariel observou as bordas do casco com seu amigo. – Veja como os cantos da madeira são mais escuros onde está quebrado. Acho que é isso que acontece em um incêndio. A madeira fica preta. – Por quê? Ariel pensou em tudo que Sabidão contou para ela sobre o fogo. Era uma das coisas mais destrutivas do mundo humano. O fogo podia destruir casas, machucar e até matar pessoas, mas Ariel ainda não entendia o seu propósito. Tudo que ela sabia era que o fogo não era nada perto do poder da água. – Não faço ideia. Ariel se afastou do centro do navio partido e voltou para o cômodo que estava explorando. Como os destroços estavam de lado, o teto e o chão haviam virado paredes, enquanto as paredes

de verdade viraram chão e teto. Tudo estava muito bagunçado e confuso ali, obstruindo a passagem. Era difícil para Ariel imaginar como os humanos viviam a bordo desses navios quando estavam na posição certa. Coisas como escadarias (como certa vez ouvira seu pai chamá-las) não faziam sentido em posição nenhuma. Uma grande fenda no chão, que antes era uma parede, chamou a atenção da sereia. Talvez levasse para outro cômodo que também poderia ser explorado. Já que a maioria das portas estava trancada, Ariel usava essas fendas maiores para se locomover por dentro dos destroços do navio pelos diferentes cômodos. No entanto, essa, ao contrário das demais fendas, não levava para outro quarto. Parecia haver outra parede por trás, como uma parede dentro da parede. E tinha alguma coisa dentro! Era difícil enxergar na escuridão. A fenda não era larga o suficiente para Ariel entrar, mas ela tinha certeza de ter visto algo no vão entre as duas paredes. Com cuidado, ela passou o braço pela fenda e tateou até sentir algo sólido. Inclinou-se para perto o máximo que conseguia, tentando apanhar o objeto, mas ele balançava e saiu de seu alcance. Ariel gesticulou para o amigo. – Linguado, preciso de sua ajuda. – O que posso fazer? – perguntou o peixinho ao nadar na direção dela. Era uma boa pergunta. Se Ariel não conseguia entrar pela fenda, será que Linguado conseguiria entrar e sair dali? A sereia segurou a beirada da abertura e puxou as placas de madeira. Ainda não era o bastante para nenhum deles passar, mas a parede começava a ceder conforme Ariel forçava a madeira. – Acho que está dando certo. – Eu ajudo. – Linguado passou entre Ariel e a fenda, forçando sua testa contra a madeira assim que ela ergueu a placa o suficiente para que ele pudesse entrar. – Você puxa, eu empurro. – Está se movendo! – disse Ariel ao ver que a placa de madeira se abria. A madeira subitamente se partiu e Ariel foi lançada de costas, enquanto Linguado cambaleou pela água e aterrissou no colo da amiga. A dupla riu ao avistar a placa de madeira flutuando por cima deles. – Parece que funcionou. – Ariel ergueu Linguado e voltou para o largo buraco que haviam feito na parede. Era bem mais fácil ver lá dentro agora. A coisa que havia tocado antes definitivamente não era parte do navio. Era algo que alguém teve muito trabalho para esconder. Ariel levou as mãos para dentro da parede de novo. Desta vez, nem teve que se esticar para alcançar o objeto retangular, que saiu com facilidade. O tesouro escondido era uma caixa de madeira quase do tamanho de Linguado. Ariel não conseguia imaginar por que estaria escondido em uma parede falsa. Não era nem de longe tão grande quanto os baús de madeira em que os piratas guardavam suas riquezas. Ariel havia encontrado alguns baús de tesouro em suas viagens, mas nunca entendeu por que os humanos se interessavam tanto por eles. As pedras coloridas dentro eram belas, e ela admirava seu brilho na luz. Já os pequenos discos de metal que normalmente enchiam os baús eram quase idênticos. Não parecia algo particularmente valioso, em especial quando se encontrava centenas deles empilhados juntos. Ela costumava pegar alguns para sua coleção e deixava o restante para os piratas que gostavam tanto daquilo. A sereia não tinha certeza do que esperar de uma caixa tão pequena, mas o fato de estar escondida

em um compartimento secreto sugeria que havia algo importante ali dentro. Os humanos não costumavam esconder nada a não ser que tivessem medo de que outras pessoas tentassem pegar suas coisas. Linguado flutuou sobre seu ombro. – O que é isso? – Boa pergunta. – Ariel segurou a caixa mais perto dos olhos para poder examinar melhor. Ela puxou o topo da caixa, tentando separá-lo do restante, mas se recusava a abrir. – Tem um buraco para colocar um daqueles… como foi que o Sabidão chamou? Um daqueles cliquinhos. – Cliquinhos? – Sim, você sabe. – Ela girou a mão. Sabidão havia girado a asa ao descrever o cliquinho que ela havia lhe mostrado. – Você põe o cliquinho no buraco e gira. Quando o buraco faz um clique, você pode abrir. – Parece mágica – disse Linguado. – Mas não é! – respondeu Ariel. – É um artefato. Os humanos sempre criam artefatos interessantes para as coisas que eles não querem fazer por conta própria. Estão por todo lugar na terra firme. Linguado olhou para o buraco. – Não estou vendo nenhum cliquinho aqui. – Não – continuou Ariel. – Quem escondeu essa caixa não ia guardar o cliquinho junto, senão qualquer um poderia abrir. – Então como nós vamos abrir? – perguntou Linguado. – Ainda não sei. – Ariel considerou quebrar a caixa com uma pedra, mas ela não queria danificar nada. Era uma caixa boa e seria uma aquisição bacana para sua coleção. Ela não ouviu nada se mexer dentro quando sacudiu a caixa. Não parecia haver nada sólido se movimentando ali dentro. Ela detestaria destruir a caixa para não encontrar nada. Mas por que alguém a manteria trancada se estivesse vazia? – Vamos levar de volta para a gruta e resolver isso lá – sugeriu Linguado, que olhava para as passagens atento a qualquer sinal de perigo. Se não fosse Ariel para arrastá-lo em suas aventuras, Linguado não sairia da segurança da cidade nem por um minuto. – Mas não exploramos nem metade do navio – protestou Ariel. – A sua bolsa já está cheia – disse Linguado. – Vai precisar de nós dois para carregar. Ariel suspirou. Linguado estava certo, é claro. Eles teriam que levar a bolsa juntos até a gruta. Mas ela detestava a ideia de voltar para casa sem dar pelo menos uma olhada no restante dos destroços. Com o festival se aproximando, ela não sabia se teria uma chance de voltar ali tão cedo. Alguém mais poderia vir e limpar o navio antes que ela pudesse encontrar mais coisas para sua coleção. – Só mais um cômodo – ela pediu ao colocar a caixa em sua bolsa. – Aí vamos embora. – Tudo bem – respondeu Linguado, cedendo, como ela sabia que aconteceria. – A caixa vai ser bem legal para guardar suas bugigangas. Talvez tenha outras caixas por aqui para guardar as outras coisas. Está tudo espalhado pela gruta. – Boa ideia! – Ariel deixou sua bolsa no meio do quarto. Não havia motivo para carregá-la até que saíssem dali, e Linguado tinha razão: estava mesmo meio pesada. O próximo cômodo era muito maior que o anterior. A maioria dos quartos que tinham explorado era de tripulantes, e o anterior tinha sido o maior. Ela supôs que fosse o do capitão. Já este cômodo

em que estavam agora era três vezes o tamanho do último. Pela aparência das mesas e cadeiras quebradas, Ariel imaginava que fosse um tipo de sala de jantar ou de reuniões. Ao procurar artefatos interessantes, ela pensou ter ouvido um barulho no quarto ao lado. Ariel parou sua busca para ficar atenta a outros sons, mas não ouviu mais nada. Era melhor tomar cuidado ao vasculhar destroços. Nunca dava para saber os perigos que espreitavam. – Não parece ter nada aqui – disse Linguado, sem perceber que Ariel estava tentando ouvir os sons. – Não sei como vamos encontrar um cliquinho pequeno em um navio deste tamanho. Pode estar até na metade que falta do barco… – Linguado, quieto! – Ariel agarrou o amigo e cobriu sua boca com a mão quando uma sombra passou por eles. Ela teria preferido ouvir outro barulho daqueles a ver uma sombra. Eles estavam sempre atentos a tubarões, especialmente tão longe da cidade. Ariel levou um momento para perceber de onde a sombra tinha saído. Ela veio e se foi muito rápido. Quando reapareceu e sumiu do outro lado do cômodo, a sereia percebeu que havia algo acima do casco rachado. O que quer que estivesse lá fora parecia ter saído nadando dos destroços. A sombra se movia devagar, o que deu tempo para Ariel nadar para cima e ver se estavam em perigo. Parecia estar se movendo para longe, o que teria sido um alívio, mas tubarões gostavam de nadar em círculos. Ariel precisava saber se o que estava lá fora tinha ido embora ou iria voltar. O vidro na última janela do salão provavelmente tinha se partido havia muito tempo. Naquele buraco, Ariel só conseguiria passar a cabeça para fora, mas não tinha certeza se era a coisa mais sensata a fazer. Infelizmente, era sua única opção. Com o navio tombado de lado e a pilha de mesas travando a porta, o buraco por onde tinham entrado era a única saída do ambiente. Se um tubarão viesse atrás deles, estariam encurralados. Ariel duvidava que pudesse passar seu corpo inteiro pela janela, e menos ainda que Linguado conseguisse. – Não faça isso – sussurrou Linguado ao se aproximar do portal. Ariel abanou a mão, pedindo silêncio. Ela torcia por outra opção que não passar a cabeça em um buraco para o desconhecido, mas não tinha muita escolha. Com cuidado, ela passou a cabeça pela janela, desejando que seu cabelo fosse mais escuro como o de sua irmã Alana. Seu longo e esvoaçante cabelo vermelho vivo era praticamente uma bandeira para chamar atenção para si nas profundezas mais escuras. O corpo amarelo-claro e azul de Linguado também não ajudava, ainda que ele conseguisse passar pela janela. Desistindo de qualquer cuidado, ela passou a cabeça depressa pela janela, olhando na direção da sombra que nadava: era só outra sereia se afastando. Ariel respirou aliviada. Era estranho avistar outra sereia tão longe da cidade, mas também não tão incomum. Ainda assim, era bom saber que não estavam em perigo. Ariel estava quase voltando para o navio quando algo chamou sua atenção. A estranha sereia carregava algo no ombro. Era grande, cor de salmão e parecia bastante pesado, como se ela tivesse dificuldade em nadar com aquilo. Era também bastante familiar. – Ela pegou a minha bolsa!

3

– Ela pegou as minhas coisas! – Ariel não conseguia acreditar que estivesse vendo uma sereia estranha nadar para longe com sua bolsa. – Quem? Que coisas? Ariel não perdeu tempo para responder à pergunta de Linguado e passou nadando por ele. Ela deslizou pelo buraco para o outro quarto e depois nadou para a fenda que levava para fora do navio partido. Por que raios uma estranha iria entrar no barco, ver todas as coisas que Ariel pegou e decidir levar consigo? – Ei! Ela pegou a sua bolsa! – gritou Linguado ao emergir do barco atrás de Ariel e entender o que estava acontecendo. – Quem é ela? Ariel nem esperou por ele. – É o que eu quero descobrir. A sereia de cabelos escuros tinha uma boa margem de distância, mas a bolsa de Ariel a deixava lenta. Ela não parecia estar com muita pressa, então provavelmente ainda não tinha percebido que estava sendo seguida. Ariel estava prestes a gritar, mas pensou que seria melhor não alertar a estranha antes de alcançá-la. Era possível que a garota não soubesse que estava pegando as coisas de outra pessoa. Ariel queria lhe dar o benefício da dúvida. Não era como se ela e Linguado estivessem fazendo muito barulho nos destroços. Talvez a garota não tivesse percebido a presença deles lá. Ela pode ter pensado que encontrou uma sacola aleatória de tralhas que alguém deixou para trás. Ariel quase havia eliminado a distância entre ela e a estranha quando a sereia olhou para trás e percebeu que estava sendo seguida. Então saiu em disparada. Com isso, apagou-se qualquer dúvida que Ariel tivesse de que a garota poderia não saber que a bolsa tinha dona. – Devolve a minha bolsa! – gritou Ariel. Não era preciso mais ser sorrateira agora. A sereia nadou mais rápido, deixando cair um treco aqui e uma parada ali. Ariel não parou para apanhá-los. Não poderia correr o risco de perder mais coisas. – Deixa comigo! – gritou Linguado atrás dela, dirigindo-se ao fundo para pegar os objetos caídos. Ariel acenou em agradecimento para o amigo e tentou nadar mais rápido. Mesmo a bolsa perdendo algumas coisinhas, o peso excessivo dela não deixaria a estranha ir muito longe. A garota rapidamente mudou de direção, entrando em uma trincheira à direita. A ladra de bolsa não hesitou em se embrenhar na escuridão, nem Ariel. A trincheira não era tão profunda quanto a grande trincheira marinha na fronteira oeste de

Atlântida. Aquela era uma das trincheiras mais profundas e escuras de todo o oceano, e era domínio do rei das Profundezas. Lá, havia pressão demais para qualquer sereiano nadar com conforto. Esta trincheira de agora nem se comparava à outra, mas era sombria o bastante para deixar Ariel nervosa. As paredes da trincheira eram apertadas e pontiagudas no alto, criando sombras que tornavam difícil de enxergar. Ariel tinha que nadar devagar, para desviar de formações rochosas e tomar cuidado com os perigos escondidos nas fendas. – Ariel! – chamou Linguado de cima. O treco e a parada estavam tilintando um contra o outro quando ele parou perto dela. – Saia já daí! É muito perigoso! – Eu vou ficar bem – ela respondeu. – Você fique aí em cima e garanta que ela não saia com as minhas coisas. – Farei isso – disse Linguado. O caminho adiante se dividia em duas direções. Se a garota que Ariel estava perseguindo tivesse deixado uma armadilha, seria por ali. Uma vozinha na cabeça de Ariel dizia para ela dar meia-volta e esquecer as coisas roubadas, mas ela escolheu ignorá-la. Um reflexo brilhante no chão do oceano chamou sua atenção. Um dos itens misteriosos que ela havia encontrado estava jogado ali, refletindo um pequeno raio de luz que chegava por entre as rochas. Ariel nadou até o fundo para apanhá-lo. Era bem no começo do caminho que levava para a esquerda. Era o caminho mais escuro, é claro, com muitos lugares para a estranha se esconder. O caminho da direita era muito melhor. Sem dúvida era o caminho mais seguro e a rota que teria seguido se o pequeno tesouro não apontasse para a outra direção. Parecia tudo muito conveniente para Ariel. Que ela encontrasse uma pista tão óbvia mostrando o caminho a seguir exatamente onde ela precisava se decidir. A garota devia ter deixado ali para que Ariel encontrasse. Mandá-la pelo caminho errado daria tempo o bastante para a estranha fugir. Ariel apanhou o pequeno objeto e tomou rapidamente a decisão de seguir pela direita, pelo caminho mais iluminado. Ela virou uma esquina, atenta caso houvesse alguma armadilha preparada para ela. No entanto, não havia motivo para preocupação. A garota que estava seguindo encontrava-se no final da trincheira, sem a menor ideia de que não estava mais só. Várias bugigangas que Ariel havia pegado no navio estavam espalhadas no chão em uma fileira organizada. Tudo, exceto a caixa de madeira que estava fechada. A estranha sereia estava segurando a caixa enquanto brincava com o buraco no qual ia o cliquinho. A garota tinha algo em sua mão e tentava espetar o objeto no buraco. Estava tão concentrada em sua tarefa que nem reparou que alguém se aproximava. Ela provavelmente imaginava que Ariel tivesse caído no truque e ido pelo outro caminho. Agora que Ariel tinha uma visão melhor da estranha, imaginava que ela fosse dos mares do sul. Tinha algo de tropical nela. Certamente não era alguém que Ariel já tivesse visto em Atlântida. Ariel tinha muito orgulho de conhecer todos os súditos de seu pai. – O que está fazendo? – perguntou Ariel. – Tentando abrir isto aqui – a garota respondeu casualmente. Talvez ela tivesse percebido a presença de Ariel e só não se importasse muito. – Essa fechadura é horrível. Fechadura! Era esse o nome do buraco onde o cliquinho entrava. Por mais que Ariel gostasse de aprender coisas sobre o mundo dos humanos, essa não era sua maior preocupação no momento.

– Não foi isso que eu perguntei! – exclamou Ariel. – Por que pegou a minha bolsa? – Não percebi que tinha dono. Achei que fosse só tralha velha. – A garota continuou focada em sua tarefa. Agora que Ariel estava mais perto, podia ver que a garota tinha uma concha de prata na mão. Ela girava o objeto no buraco com cuidado, como se estivesse tentando abrir a fechadura, e parecia precisar de muita concentração. Ariel não acreditou na explicação da garota. Ela devia ter percebido que a bolsa era de alguém quando começou a ser perseguida. – Então por que fugiu assim que notou que eu estava te seguindo? A caixa fez um som quase imperceptível. A garota parou de forçar a fechadura e soltou a concha, erguendo a cabeça para encarar Ariel. – Olha… – disse ela, afastando uma mecha de cabelo de seu rosto. – Começamos com a nadadeira errada. Vamos começar de novo. Eu me chamo Anyssa. Todo mundo me chama de Nyssa, porque os sereianos têm preguiça de pronunciar três sílabas inteiras. E você? – Ariel – ela respondeu, enfatizando cada uma das três sílabas de seu nome. Era um alívio para a princesa poder se apresentar. Todo mundo em Atlântida sabia quem ela era. Mesmo quem nunca a conheceu pessoalmente sabia da filha mais nova do rei Tritão. Todos sabiam de todas as filhas dele. Ser uma princesa não era algo que dava para manter em segredo. Era legal encontrar alguém que não tivesse uma opinião a seu respeito. – Ok, Ari. – Nyssa apanhou os poucos itens que sobraram na bolsa de Ariel e os alinhou no chão com as outras coisas. Ariel ficou contente de ver que tudo que recolhera nos destroços estava ali. As únicas coisas faltando eram os três itens que tinham caído durante a perseguição. Nyssa separou os objetos em dois grupos, ainda sem soltar a caixa. – Que tal dividirmos isto? Você fica com esta pilha e mais o que estiver dentro da caixa. Me parece um bom acordo. A caixa pareceu vazia quando Ariel a sacudiu antes. Podia não ter mesmo nada dentro. E ela não estava disposta a fazer um acordo com uma trapaceira. Além disso, era estranho barganhar pelos itens que ela mesma tinha encontrado. Eles não pertenciam a Nyssa. – Eu gosto da caixa – respondeu Ariel. – Que tal se eu ficar com ela e você com o que tem dentro? – Ariel! Ariel! Você está bem? Cadê você? – A voz de Linguado ecoou pela trincheira. Ele devia estar muito assustado para vir sozinho procurá-la. – Por aqui! – respondeu Ariel. – Pegue o caminho da direita. – Estou indo – ele gritou. – Quer que eu volte e chame a guarda real? Nyssa arregalou os olhos. – Guarda real? Linguado fez a curva e parou para observar a situação. Ele provavelmente não esperava encontrar duas pilhas de tralhas organizadas no chão, sem falar da estranha sereia segurando a caixa. – Quem é ela? – perguntou o peixe. – Nyssa – respondeu Ariel. – E não precisa chamar a guarda real. Estamos conversando. – Você ia mesmo chamar a guarda real? – perguntou Nyssa. – Por este monte de lixo? – Roubo é ilegal em Atlântida – disse Ariel. – Podemos não estar na cidade, mas ainda estamos nos limites do reino. – Era uma ameaça vazia. A guarda real não se importaria com objetos humanos encontrados nos destroços de um navio. Nem mesmo Ariel sabia por que estava fazendo tanto caso com aquilo.

Nyssa acenou com a cabeça devagar e colocou a caixa no chão. – Não quero problemas. É só uma caixa e umas tralhas enferrujadas. Pode ficar com tudo. Os olhos de Ariel se arregalaram. Nyssa estava desistindo muito fácil. – Tem certeza? Nyssa se afastou da pilha. – Positivo. Divirta-se! – A sereia saiu nadando antes que Ariel pudesse dizer qualquer outra coisa. – Isso foi estranho – comentou Linguado quando Nyssa já tinha ido embora. – Sim, foi. – Ariel reuniu as pilhas de tesouros e pôs tudo de volta com cuidado em sua bolsa. Felizmente, nada parecia ter sido danificado por ficar se batendo durante a perseguição. A maior parte das coisas era lixo mesmo, como Nyssa disse. A caixa foi a última coisa que Ariel pegou. Pelo menos Nyssa tinha conseguido abrir para ela sem o cliquinho. Ariel levantou a tampa para enfim ver o que havia dentro, mas descobriu que estava vazia. – Ela pegou – disse Linguado. – Ela pegou o que estava aí. Ariel olhou na direção que Nyssa tinha ido e se arrependeu de não ter nadado atrás dela. Era tarde demais. Depois de sair da trincheira, Nyssa poderia ter ido para qualquer direção. O que quer que estivesse na caixa já tinha sumido. No entanto, era estranho. Ariel ficou de olho em Nyssa o tempo inteiro. Ela não se lembrava de um momento em que a garota pudesse ter colocado a mão na caixa sem que Ariel tivesse visto. E ela parecia mais interessada na caixa do que em seu conteúdo. A mente de Ariel estava cheia de perguntas quando colocou a caixa vazia na bolsa. Eles precisavam partir. Não fazia sentido perder tempo com uma sereia que ela duvidava que fosse voltar a ver.

4

Ariel se certificou de que não havia ninguém por perto. Ela e Linguado estavam muito mais próximos da cidade agora, então havia uma chance maior de passarem nadando por alguém conhecido. O chão do oceano parecia deserto, mas, com todas as rochas, corais e plantas do local, era difícil ter uma boa visão das coisas. Ainda assim, parecia seguro o bastante para continuar. A sereia empurrou para o lado a pedra que cobria a entrada da gruta secreta, onde ela guardava os tesouros do mundo humano que encontrava. Seria bom finalmente guardar a bolsa pesada que carregavam desde os destroços do navio. Não tinha sido uma jornada fácil. Assim que a pedra foi movida, Ariel nadou pela abertura, tomando cuidado para não enroscar a bolsa na porta. A fenda que levava ao espaço secreto não era muito larga. A gruta tinha se formado naturalmente na parede de uma saliência do mar. O espaço consistia de um tubo alto, com aberturas no topo e no fundo. A pequena caverna era repleta de uma sequência de estantes naturais por dentro. Aquelas estantes reuniam todos os maravilhosos tesouros que Ariel coletara ao longo dos anos. Tinha se tornado seu museu particular de maravilhas humanas, e ela o visitava sempre que possível. Linguado era o único que sabia desse esconderijo secreto de Ariel. Ela temia a reação de seu pai caso ele descobrisse o lugar. Ariel e Linguado depositaram a bolsa gentilmente assim que entraram na gruta. Que alívio se livrar daquele peso todo. Ariel esticou o braço e Linguado moveu os cantos de sua mandíbula. Ele carregou a alça na boca o trajeto inteiro. Ariel nem podia imaginar o quanto isso tinha sido desconfortável para ele. – Vamos separar as coisas que sabemos o que são das que precisamos levar para o Sabidão identificar – instruiu Ariel. – Acho que temos tempo para uma passadinha rápida na superfície para vê-lo. – Não tem passadinha rápida com o Sabidão – comentou Linguado. Ariel riu. O peixinho estava certo. Sabidão era uma gaivota bastante tagarela. Ele podia falar por horas se deixassem. Normalmente, Ariel gostava de escutar Sabidão. Ele contava coisas interessantes, e às vezes bastante incríveis, sobre a vida em terra firme. Ela nunca conheceu alguém com tanto conhecimento sobre o mundo fora do mar. As histórias dele nem sempre faziam sentido para ela, mas era divertido para alimentar sua imaginação. – Vamos levar só umas coisinhas – disse ela. – Guardamos o restante para depois.

Não tinham muito tempo até antes do jantar. O que levariam? Eles tinham reunido uma porção de coisas dos destroços. Seria difícil escolher. Ariel enfileirou as novas descobertas no chão. Ela escolheu um ou dois objetos para Sabidão identificar. Os demais poderiam esperar por quando eles tivessem mais tempo. A caixa de madeira vazia já tinha causado tantos problemas que foi o último item que ela tirou da bolsa. Era uma boa caixa, mas ela não entendia o porquê do desespero de Nyssa em pegá-la. Sendo sincera, se a garota tivesse pedido no começo, Ariel provavelmente teria dado sem muitas perguntas. Ariel reuniu seus badulaques e os colocou em segurança dentro da caixa. Então enfiou os dois itens misteriosos na bolsa e se preparou para uma viagem à superfície. – Está ficando tarde – comentou Linguado, espiando a bolsa. – Você não quer ficar de castigo por perder o jantar. Outra vez. Ariel passou a mão nas barbatanas do amigo. – Nós vamos ficar bem. São só duas coisinhas. Vamos chegar em casa com bastante tempo. – Não estou gostando disso – disse Linguado. – Você nunca gosta de nada – brincou Ariel ao nadar para a entrada. Ela botou a pedra de volta na entrada da gruta. Linguado tinha razão. Eles estavam brincando com a sorte ao ir visitar Sabidão. Ela deveria retornar ao palácio logo. Mas Ariel não podia deixar aquelas coisas maravilhosas envoltas em mistério. Valeria a pena a nadada rápida para descobrir tanto quanto possível. Para a sorte deles, ao chegarem à superfície encontraram Sabidão descansando na pedra que fazia de casa. – Ariel – gritou a gaivota, cumprimentando-a no momento em que a cabeça dela surgiu na água. – E Linguado! Sua bolinha de sol e céu azul! Como estão meus habitantes aquáticos favoritos? – Tudo bem! Veja o que encontramos! Ariel colocou os dois tesouros na pedra, aos pés de Sabidão. A gaivota dançou animada no momento em que viu os pertences. – Ah, Ariel, você sempre traz as coisas mais empolgantes! – Você sabe o que são? – perguntou Linguado. – Se eu sei o que são? Se eu sei o que são? – perguntou Sabidão. – É claro que eu sei o que são. Só… preciso de um momento para me lembrar. Sabidão apanhou os círculos de metal que pareciam dois braceletes presos um ao outro. Ele segurou um dos aros enquanto o outro pendia na ponta da corrente que os unia. – Isso é um batedor! Os humanos põem isso nos prisioneiros que eles colocam no clique! – Clique? – perguntou Ariel. Uma sombra cruzou as penas do rosto de Sabidão. – É um quarto com grades nas janelas e na porta. É o lugar do navio que eles põem os maus elementos antes de fazê-los andar pela prancha. Ariel já tinha visto diversos cliques nos destroços de navios que visitou. Pareciam masmorras flutuantes. Sabidão apontou uma pena para um buraco no batedor. – Eles usam um cliquinho neste buraco para abrir e fechar. – A fechadura! – disse Ariel. Sabidão arregalou os olhos empolgado.

– Sim! A fechadura! É assim que se chama! Veja só você! Aprendendo coisas do mundo dos humanos sem mim. Continue assim e logo, logo vou estar te pedindo informações. – Topamos com alguém que era tipo um mau elemento – explicou Ariel. – Não tenho planos de aprender mais nada com ela. – Ariel – disse Linguado. – O sol está se pondo. – Não, não… Ah. Está sim. Ariel sabia que era tarde, mas não percebeu que já era tão tarde. O sol já estava quase tocando a água ao longe. Quando mergulhasse no horizonte, ela sabia que estaria em apuros. Ela pegou o batedor e colocou de volta em sua bolsa. Ariel detestava ter que sair com apenas uma história para sua coleção. Talvez eles tivessem um tempinho mais. Linguado estava sacudindo a cabeça quando ela pegou um pedacinho de metal com uma pequena cavidade fina e longa no fundo. – Eu odeio te apressar, Sabidão, mas preciso ir logo. Você sabe o que é isto? – Isso! – Sua voz se ergueu ao apanhar o tesouro. – Isso é… um belo achado. É um tralalá! Um instrumento de fazer música! A pulsação de Ariel acelerou. Um instrumento musical! Talvez ela pudesse convencer Sebastião a deixá-la usar no concerto. Se ao menos ela conseguisse esconder de seu pai o fato de que veio da superfície. – E como se toca? – Bem, esse é o problema – disse Sabidão. – Precisa de dois desses para funcionar. Aí bate um no outro. – Ah. Ariel ficou decepcionada ao saber que seu tesouro era inútil sem a outra peça. Ainda assim, era legal ter algo do mundo humano. – Arieeeeeel – resmungou Linguado, tentando chamar sua atenção. Ela nem precisou perguntar. A sereia tomou o tralalá de Sabidão e o colocou na bolsa junto com o batedor, onde um tilintou no outro. – Obrigada, Sabidão! Nós até ficaríamos pra conversar mais, mas… – Você não quer se encrencar – completou Sabidão. – Eu entendo. Ariel fez uma careta. – Juro para você e para o Linguado, eu já fiquei presa naquele quarto metade da minha vida. O peixe e a gaivota se entreolharam sem dizer nada. – Tá bom – sorriu Ariel. – Talvez um quarto da minha vida. Mas precisamos ir antes que eu fique ainda mais tempo. – Tchau, Ariel – gritou Sabidão. – Tchau, Linguado. Ariel e Linguado deram adeus e voltaram para o fundo do mar. – Temos que nos apressar, senão chegaremos muito atrasados para o jantar – disse Ariel, nadando em alta velocidade. Ariel considerou ir direto para o palácio, mas aparecer com objetos humanos por lá seria a garantia de um belo castigo. – Eu disse que não dava tempo de ir à superfície – disse Linguado. – Você nunca me ouve. – Sempre te ouço, Linguado – retrucou Ariel. – Só não sou boa em seguir os seus conselhos. – O

peixe estava certo com mais frequência do que Ariel gostaria de admitir. Ariel parou perto da gruta. A pedra redonda que cobria a entrada estava no chão, expondo a entrada secreta para qualquer um que passasse por ali. – Achei que você tinha fechado quando saímos – disse Linguado. Ariel nadou para perto. – Eu fechei. Era isso. Seu pai tinha descoberto seu segredo. Esse era um medo constante de Ariel. Não que ela se preocupasse com os castigos: ela estava mais preocupada com o que o pai faria com sua coleção quando a encontrasse. – Olá? – ela disse espiando o interior. – Tem alguém aí? – Ninguém respondeu. Era um bom sinal. O silêncio, no entanto, não necessariamente significava que a barra estava limpa. Havia muitos lugares para se esconder ali que ela não podia ver da entrada. Mas ela não conseguia imaginar o rei Tritão se escondendo da filha. Muito pelo contrário. Se ele estivesse ali dentro, ela saberia antes mesmo de se aproximar. Metade do oceano teria ouvido os gritos. Ariel experimentou nadar para dentro. A gruta tinha a mesma aparência de quando saíra. Nada estava fora do lugar, exceto pelo amontoado de coisas no chão. Ariel nadou na direção da bagunça, já suspeitando o pior cenário. Tinha sumido. A caixa que ela encontrou nos destroços, que ela tinha usado para guardar as bugigangas que estavam espalhadas no chão, tinha desaparecido. – Ela pegou! – Quem pegou o quê? – perguntou Linguado se juntando a ela. – Nyssa! – Ariel passou por Linguado e nadou na direção da saída. – Ela deve ter nos seguido até aqui para pegar a caixa. – Que sorrateira – comentou Linguado ao alcançar Ariel no lado de fora da gruta. – Eu não a vi o caminho todo até aqui. – Sabia que era estranho ela ter me entregado tudo e ido embora. Nunca houve nada dentro da caixa. – Então por que ela teria todo esse trabalho por uma caixa vazia? – perguntou Linguado. – Não sei. – Ariel olhou em todas as direções, mas não havia nada para ver. Nyssa não estava por ali. Com o sol se pondo, já estava escurecendo. Ela realmente estava forçando a barra de seu toque de recolher. Precisava ir para casa. Ariel prometeu a si mesma voltar no dia seguinte à procura de pistas. Não que ela esperasse encontrar alguma. Nyssa não deixaria nada para trás que indicasse a Ariel onde encontrá-la. A garota provavelmente já estava longe, escondida em seu lar, onde quer que fosse. Mas Ariel não planejava desistir tão fácil. Ela queria respostas. O que tinha naquela caixa vazia que compensasse o roubo? A sereia não iria descansar até descobrir.

5

– Muito bem, Ariel – comentou Sebastião com sua pose perfeita de maestro no palanque na frente do salão de ensaio, como sempre fazia durante as aulas de música. Ariel suspeitava que ele usasse a plataforma alta para ficar mais fácil de encará-la. – Obrigada! – Ariel olhou de relance para a bolsa vazia largada no canto do banco. Ela tinha esperanças de escapar depois do ensaio para continuar a exploração do navio. Talvez Nyssa voltasse lá também. Ariel ainda queria algumas repostas. O restante da tarde depois do ensaio seria livre para Ariel fazer o que bem entendesse. Ela podia usar esse tempo. Naquela manhã, ela já teve que ficar duas horas repassando o protocolo de como se comportar ao receber o rei das Profundezas e sua corte. Seu pai agia como se fosse a primeira vez que ela encontraria a outra realeza. O festival acontecia todo ano! O Festival das Profundezas começaria na próxima tarde com uma procissão formal. Por ali desfilaria uma infinidade de dignitários das profundezas mais baixas do oceano: criaturas que nunca se aventuravam nem perto da superfície que Ariel tanto amava. Era a única vez do ano que eles saíam de seu reino sombrio para encontrar a monarquia vizinha em uma estadia de três dias. Até mesmo a princesa mais nova teria uma série de encargos reais desta vez. O oficial de protocolos de seu pai a lembrava disso a cada cinco minutos. Ariel nunca deveria ter encaixado no cronograma esse recital para início de conversa. – O seu tom está ficando muito mais forte no registro alto – disse Sebastião, afastando o foco dela da bolsa que sonhava em encher. – Estou muito feliz com o seu progresso. – Isso quer dizer que terminamos? – perguntou Ariel, esperançosa. Sebastião bateu uma de suas pinças no balcão. – Eu disse que está ficando mais forte, não forte o suficiente. Isso virá com mais ensaios. Ariel se reclinou no banco. Mesmo quando Sebastião elogiava seu canto, ainda não era bom o suficiente. Ensaio. Ensaio. Ensaio. Era tudo que ele queria fazer. A aula de música já durava muito mais do que deveria. O atraso não era culpa exclusiva de Sebastião. Ariel o deixou esperando, para começar. Mas isso foi porque ela queria evitar Arista. Sua irmã estava rondando o lado de fora do salão de ensaios para tentar convencer Ariel a assumir em seu lugar uma função real pré-festival. Felizmente, Sebastião não questionou o motivo de Ariel ter entrado nadando pela janela em vez de usar a porta como um sereiano normal. Ela entendeu que já estava sendo punida pelo atraso com aquele ensaio até mais tarde para compensar o tempo perdido.

Ela estava determinada a deixar Sebastião seguir com a aula até ele encerrar. Isso deveria compensar qualquer preocupação remanescente de que ela não estivesse levando as aulas a sério. – Quer que eu repasse as escalas uma última vez? – perguntou com entusiasmo forçado. Sebastião nadou para baixo de seu pedestal. – Agora não – disse gentilmente, segurando a mão dela em sua pinça. – Tenho uma pequena surpresa. Não quis falar nada antes. – O que é? Ariel gostava de surpresas. Pelo menos das boas. Sebastião estava radiante. – Estou compondo uma música nova especialmente para você. Ainda não está pronta, mas gostaria que você tentasse. Acho que será um bom número para a sua primeira apresentação. Ariel se iluminou de imediato. Uma canção? Para ela? Para a estreia? – Isso quer dizer que estou pronta para o recital? – Ainda não – disse Sebastião soltando a mão dela para retornar à sua mesa. – Mas está ficando melhor a cada dia. Espero que sua apresentação coroe a minha maior conquista. Vamos garantir que você esteja perfeita antes de incluir na programação. – Perfeição pode levar anos – disse Ariel. – Ou pelo menos o resto da tarde. Não podemos nos contentar com muito bom? – Crustáceos nunca se contentam – disse o pequeno siri ao folhear as partituras. – Agora, onde foi que eu coloquei? Ariel se ergueu. Essa podia ser a chance dela. – Tudo bem se não estiver com você. Podemos sempre deixar para amanhã. – Ela teria prometido qualquer coisa para sair da sala de ensaios. – No dia do festival? – questionou Sebastião. – Você e eu já temos muita coisa a fazer para o rei. Isso sem falar na minha responsabilidade de preparar a banda de Atlântida para a cerimônia de abertura. Não. Ensaiar amanhã seria impossível. – Desculpe – disse Ariel. – Você está certo. – Não havia qualquer chance de Sebastião ter algum tempo livre até que o festival terminasse. Sebastião se dirigiu à porta. – Devo ter deixado no meu escritório. Espere aqui. Volto logo. Ariel estava dividida. As composições de Sebastião eram sempre incríveis. E a simples ideia de que ele havia escrito uma canção especial para ela era maravilhosamente doce. Mas ela odiava ficar presa no palácio. Tinha que haver um jeito educado de sair daquele ensaio infinito. Um assobio desviou a atenção de Ariel de seus pensamentos. Era tão suave no começo que ela quase nem ouviu, mas logo ficou alto o bastante para ser impossível de se ignorar. O som vinha da janela pela qual Ariel entrara mais cedo. O topo de uma nadadeira azul era ligeiramente visível na beirada. – Linguado? O amigo apareceu na janela. – Ariel! A sua aula ainda não acabou? A sereia se dirigiu à janela. – O Sebastião tem uma música para me mostrar. Não deve demorar muito mais. Eu espero. – Mas… eu a encontrei!

– Encontrou quem? – Ela! A garota misteriosa. Nyssa! Ariel arregalou os olhos. – Você a encontrou? Onde? – Entrando na biblioteca – disse Linguado. Ariel verificou se Sebastião já tinha voltado, mas não havia sinal dele. Ela não podia simplesmente fugir da aula sem avisá-lo. Seria muitíssimo grosseiro. Ela nunca o ofenderia assim. No entanto, também sentia que não conseguiria ficar. Já Nyssa não ficaria muito tempo na biblioteca. Quando Sebastião voltasse, ele iria querer repassar a música, e Nyssa já teria ido embora quando eles terminassem. – O que vamos fazer? – perguntou Linguado. – Não sei – respondeu Ariel. A biblioteca era o último lugar onde Ariel esperava encontrar Nyssa. O que ela poderia querer lá? A garota ficava mais misteriosa a cada momento. – Não sei quanto tempo ela vai ficar lá – comentou Linguado. Sebastião ainda não tinha voltado. Se Ariel esperasse um pouco mais, Nyssa poderia desaparecer, junto com o que quer que ela estivesse procurando. Ariel não deixaria a garota escapar sem obter algumas respostas. Nesse momento, ela ouviu Sebastião cantarolar ao entrar de volta na sala. – Sebastião! – ela gritou. – Sinto muito. Vamos ter que deixar a música para depois! Preciso ir! É uma emergência. – Uma emergência? – perguntou Sebastião com um tom cético na voz. – Que tipo de emergência? – Uma emergência pessoal – ela respondeu. – É algo que seu pai precise saber? – Não! Essa era última coisa de que Ariel precisava. Ela não queria mentir para Sebastião. Nem queria preocupá-lo. Ariel olhou pela sala de ensaio como se ela fosse fornecer respostas para a pergunta, sem sucesso. – Está bem, então – disse Sebastião após ficar claro que ela não sabia o que dizer. – Se precisar de alguma ajuda com a sua emergência, me avise. Podemos ensaiar a canção depois do festival. – Ah, obrigada, Sebastião. – Ela se abaixou para dar um beijo na bochecha do siri. – Você salvou a minha vida. Ariel não perdeu mais um momento e saiu nadando pela janela. Não era só pela caixa velha: ela precisava descobrir o que Nyssa estava tramando. A biblioteca de Atlântida estava quase vazia quando Ariel chegou. Isso não era incomum. A construção era mais um arquivo para documentos importantes e informações históricas. A estrutura de pedras brancas não continha nenhum dos maravilhosos livros de histórias que Ariel ouvira dizer que enchiam as bibliotecas humanas. Não havia contos de aventuras ou romances ali. A maioria das estantes de madeira de navios era repleta de rolos entediantes, cheios de informações que não interessariam a grande parte dos sereianos. Como o lugar estava quase vazio, não foi difícil encontrar Nyssa. Ela estava reclinada casualmente no balcão de atendimento na entrada da biblioteca, conversando com Meranda, a bibliotecária-chefe. Nyssa nem se incomodou em sussurrar, como as pessoas costumavam fazer em bibliotecas. Ela falava

em tom normal, e a bibliotecária não a repreendia. A garota tinha convencido Meranda que essa era apenas uma visita inocente à biblioteca. Mas Ariel se preocupava com suas reais motivações. Ariel se censurou em silêncio pelo pensamento. Não era justo. Ela não tinha nenhuma evidência concreta de que Nyssa viera à biblioteca com más intenções. Ela nem tinha certeza se Nyssa havia mesmo roubado a caixa de sua coleção. Só porque era a explicação mais provável não queria dizer que fosse verdade. – Qual é o plano? – perguntou Linguado quando enfim alcançou Ariel. – Acompanhe o que eu fizer – respondeu Ariel, dirigindo-se ao balcão de atendimento. – Nyssa! Aí está você! A sereia revelou uma ligeira surpresa em seus olhos antes de retomar o ar inexpressivo para evitar ser traída por suas emoções. – Ari! O que está fazendo aqui? – Princesa! – disse Meranda com uma ligeira reverência. – Não imaginei que você conhecesse a nossa visitante. – Elas se conhecem há muito tempo – comentou Linguado com um sorriso. Ele estava claramente curtindo o espetáculo. – Princesa?! – Nyssa não conseguiu esconder o choque em seus olhos desta vez. – Somos velhas amigas. – Ariel passou um braço por trás de Nyssa para parecer amigável, mas também para garantir que a sereia não tentasse escapar. Ela tinha muitas perguntas para aquela garota. – Fico feliz que pôde ajudá-la, Meranda. O que você está procurando? – Oh, é fascinante, princesa – disse a bibliotecária. – Absolutamente fascinante! É claro, sempre que um sereiano vem aqui para aprender é uma aventura fascinante. A sua amiga fez as perguntas mais interessantes do mundo sobre o palácio. Coisas que os jovens residentes de Atlântida nunca sonhariam em perguntar. – O palácio! – exclamou Ariel, preocupada. O que aquela garota queria saber sobre a casa de Ariel? – Que tipo de pergunta? Nyssa tentou se desvencilhar de Ariel. – Nada que pudesse te interessar. Só vou levar mais um minuto. Você pode me esperar lá fora. Ariel apertou a pegada. Era evidente que Nyssa já estava procurando outra saída para escapar. – Não seja boba! Eu vivi no palácio minha vida inteira. Adoraria saber o que esses rolos dizem sobre ele. Não consigo nem imaginar quantos segredos eles escondem. – Ariel adora segredos – comentou Linguado, alegre. – Adoro desvendá-los – completou Ariel, brincalhona. Ela não se divertia assim havia muito tempo. O que quer que Nyssa estivesse escondendo, Ariel desvendaria também. Ela simplesmente sabia disso. Meranda sacudiu a cabeça. – Sinto que não tivemos muita sorte, princesa. Os rolos não parecem ter a resposta para a pergunta mais interessante de Nyssa. – Sério? – Ariel fingiu estar decepcionada. – É uma pena. Qual era a pergunta? Nyssa estava prestes a dizer alguma coisa, mas Meranda interveio. – É uma charada, na verdade. – Adoro charadas! – disse Linguado, fingindo entusiasmo. Ariel se juntou ao amigo.

– Sim. Conte para a gente, Nyssa. A sereia de cabelos pretos se contorceu, obviamente tentando encontrar uma forma de se livrar da situação. Ela parecia o tipo que estava sempre pensando, sempre formulando um plano alternativo. Quando pareceu que Meranda estava prestes a contar a charada, Nyssa soltou um suspiro frustrado. – Está bem – ela disse, e puxou uma mecha de cabelo solto de seu rosto, acomodando-a atrás da orelha. – É assim: Nas terras do rei Tritão, desde os dias de seu nascimento, jaz a chave para iluminar… um segredo a desvendar. Nyssa parou nesse ponto, mas não parecia uma charada completa para Ariel. Ela esperou o restante, e Meranda insistiu. – Prossiga, Nyssa – pediu a bibliotecária. – Chegue à parte boa. Nyssa revirou os olhos com desdém. – No lar da grande realeza, sob uma terrível besta, eis a chave misteriosa no grande salão de festas. Meranda bateu palmas. – Não é uma charada divertida? É claro que não faz o menor sentido. Não há besta alguma no salão de banquetes de Atlântida. Certamente nenhuma que eu já tenha visto. – Você acha que está falando de uma besta de verdade? – perguntou Linguado temeroso. – Bem, não – disse Meranda. – É só uma charada, afinal. Mas não tem nenhuma obra de arte no salão do banquete. Nenhuma estátua. Nada que se assemelhe à besta de que fala a charada. Para ser absolutamente sincera, sempre achei o salão de banquetes um dos lugares menos interessantes do palácio. Meranda parou como se percebesse ter dito algo que não deveria. – Minhas desculpas, princesa. Não quis ofender. – Tudo bem – respondeu Ariel, sorrindo. Meranda estava certa. O salão de banquetes do palácio era realmente um tédio. Mas essa não era a sala de que a charada falava ao mencionar que no palácio havia um segredo a desvendar. Não, não e não. Não era isso. Ariel viveu sua vida inteira no “lar da grande realeza”. Ela sabia o que era a “terrível besta”. E que havia mais de um “grande salão de festas”. O que ela não fazia ideia era do mistério que Nyssa estava tentando desvendar. Ariel garantiu que Nyssa visse seu sorriso de quem sabia a resposta. Ela estava tentando mandar uma mensagem silenciosa para a garota, uma que dissesse: Eu tenho a resposta para a sua pergunta. – É uma pena – disse Ariel com um sorriso no canto do rosto, e soltou Nyssa, dando um tapinha em seu ombro. – Seria divertido descobrir os segredos do palácio. Vivi lá minha vida inteira e não consegui abrir todas as fechaduras. – Precisamos ir, Ari. Nyssa estava subitamente interessada em prosseguir a conversa longe dos ouvidos de Meranda. – Sim, Anyssa – concordou Ariel. – Vamos. As duas sereias deram os braços como se fossem velhas amigas, despediram-se de Meranda e se encaminharam para fora da biblioteca, seguidas por Linguado. Desta vez, era Nyssa que segurava firme em Ariel, para garantir que ela não nadasse para longe sem contar a resposta da charada. Assim que saíram da biblioteca, Ariel se dirigiu à lateral do prédio, onde não seriam perturbadas. Linguado foi o primeiro a falar.

– O que você fez com a caixa da Ariel, sua ladra? – Não sou ladra – respondeu Nyssa. – Não roubei a caixa. Simplesmente peguei emprestada. – Pegar algo emprestado sem autorização é roubo – insistiu Linguado. Nyssa passou a mão na nadadeira dorsal de Linguado, tal qual Ariel fazia para brincar. – Gostei dele. É um fofo. Linguado encarou a sereia, mas não disse nada. Ariel estava surpresa que Nyssa admitisse abertamente ter pegado a caixa. Ela esperava ao menos um pouco de negação. – Se você só pegou emprestada, quero de volta agora – disse Ariel. – Posso fazer isso – retrucou Nyssa com os braços cruzados. – Mas tudo a seu tempo. Primeiro eu preciso de ajuda. Imagino que aquele sorriso de tubarão no seu rosto lá dentro da biblioteca significa que você tem a resposta para a charada. Agora foi Ariel quem cruzou os braços. – Tenho. – Bom. Então podemos fazer um trato. Venha comigo. Nyssa deu as coisas e saiu nadando sem dizer mais nada. Ariel parou por um momento e olhou para Linguado enquanto considerava as opções. Ele tinha o misto tradicional de medo e suspeita em seus olhos, mas não disse nada. Ele não precisava. Ariel sabia o que ele estava pensando: seria mais fácil deixar Nyssa ficar com a caixa e esquecê-la. Mas já não era mais só pela velha caixa encontrada nos destroços do navio. Ariel queria saber o que a garota estava tramando. Ela sorriu, acariciando as barbatanas de Linguado, e partiu atrás de Nyssa. – Sabia que isso iria acontecer – reclamou Linguado com um suspiro resignado antes de as seguir.

6

Nyssa estava ligeiramente à frente, mas Ariel logo cobriu a distância entre as duas. Por um breve momento, ela temeu que Nyssa tentasse perdê-la nas ruas de Atlântida, mas isso não fazia sentido. Nyssa precisava da ajuda dela agora. Ela tinha uma pergunta sem resposta, enquanto Ariel tinha uma resposta, mas não entendia o significado da pergunta. A única maneira de as duas decifrarem o mistério seria trabalhando juntas. Nyssa seguiu olhando para trás enquanto nadava para além dos limites da cidade. A princípio, Ariel achou que fosse apenas para verificar se ela e Linguado ainda a seguiam, mas a frequência dos olhares fez com que suspeitasse que algo mais estava em jogo. Nyssa não estava apenas olhando para eles. Sua cabeça virava em todas as direções, e ela sistematicamente analisava os arredores. Ela estava perdida ou preocupada que estivessem sendo seguidos. Mas por quem? – Chegamos! – exclamou Nyssa ao chegar perto de uma grande formação rochosa no meio do nada. Ariel não via nenhum indicativo de que haviam chegado a qualquer lugar. Eles não estavam muito longe da cidade. Ariel devia ter nadado por essas pedras centenas de vezes na vida, talvez milhares. Não havia nada de especial nelas. – Sigam-me! – avisou Nyssa ao disparar por entre as rochas. Ariel trocou olhares com Linguado. Preocupação era seu estado natural. Mas, se Nyssa queria brincar de esconde-esconde nas pedras, Ariel topava, pelo menos até que conseguisse algumas respostas. Dando de ombros, ela nadou na direção dos pedregulhos, e Linguado a seguiu relutante. Dentro da formação rochosa, as coisas pareciam muito diferentes do que por fora. O que Ariel nunca tinha percebido nas muitas vezes que passou por aquele lugar era que as pedras continham um empolgante segredo. As rochas estavam organizadas de modo a formar uma casinha por dentro. Ainda melhor, um buraco no chão levava ao andar de baixo, criando assim uma pequena e confortável moradia. A luz que entrava pelas fendas iluminava a área sem fazê-la perder a privacidade. Nyssa desapareceu no piso inferior, e Ariel e Linguado ficaram no de cima, observando os arredores. – Uau – Linguado expressou um resumo dos pensamentos de Ariel. – Como você encontrou este lugar? – perguntou Ariel deslumbrada. Se um dia ela precisasse retirar as coisas dela da gruta, ali seria um ótimo lugar reserva para guardá-las. – Eu me mudo bastante – disse Nyssa, trazendo junto uma bolsa. – Por isso sou boa em encontrar lugares seguros para ficar. Nyssa não parecia muito mais velha que Ariel, mas estava bastante confortável em se virar

sozinha. A casa improvisada não tinha muito mais do que as necessidades básicas, mas Nyssa tinha feito tudo sem ajuda. Ela até mesmo colocou um vidro dourado no espaço entre as pedras por onde a luz brilhava. Nyssa viu Ariel observando o vidro brilhante. – Quando se vive por aí como eu, é legal ter sempre alguma coisa de casa por perto. – Casa? – perguntou Ariel. – Onde fica, exatamente? Nyssa pensou antes de responder. – No momento, é qualquer lugar onde eu pendure esse vidro, acho. Não respondia exatamente à pergunta, mas dizia bastante sobre ela. Ariel nunca tinha viajado para fora de Atlântida. Seu pai não gostaria de saber nem mesmo o quanto do reino ela já tinha explorado por conta. Os destroços do navio que visitara no dia anterior eram o limite das fronteiras de suas viagens. Ainda assim, não era nem de longe comparável a se aventurar sozinha por outros reinos, seja lá de onde Nyssa tivesse vindo. – Aqui está! – Nyssa tirou a caixa de sua bolsa. Parecia menor para Ariel e nem de perto tão interessante como quando a encontrou. – Obrigada – agradeceu Ariel ao apanhar o suposto tesouro. – Mas por que você queria tanto isto? É só uma caixa. – Eu poderia perguntar o mesmo – respondeu Nyssa. – Ariel não queria o suficiente a ponto de roubar – lembrou Linguado. – Você está certo – disse Nyssa. – Isso foi errado. Eu devia ter pedido a sua ajuda. Não estou acostumada a… confiar nas pessoas. Não tenho muitas oportunidades de conhecer alguém. – E agora você confia em mim? – perguntou Ariel. – Você mal me conhece. – Você podia ter contado para a bibliotecária quando pensou que eu estava armando alguma coisa – respondeu Nyssa. – Podia ter chamado a guarda real quando percebeu que eu peguei a caixa. Você é a princesa, afinal de contas. – E o que isso tem a ver? – perguntou de novo Ariel. Nyssa deu os ombros. – A maioria das princesas que eu conheci pensa que são donas do oceano e de tudo que existe nele. Elas teriam me entregado sem pensar duas vezes, mesmo sem ter provas de que eu fiz qualquer coisa errada. – Você… conheceu muitas princesas? – questionou Ariel. – Como eu disse, já andei bastante por aí. – Nyssa apoiou a mão sobre a caixa. – Posso te mostrar uma coisa? Ariel não hesitou em devolver a caixa para Nyssa. – Ainda está vazia. – Não exatamente – disse Nyssa ao abrir a caixa. – Ela contém um segredo, basta saber onde procurar. – Ela removeu o forro com cuidado e revelou as palavras inscritas na tampa. Ali estava a charada que ela mencionou na biblioteca, gravada na madeira: Nas terras do rei Tritão, Desde os dias de seu nascimento, Jaz a chave para iluminar

Um segredo a desvendar No lar da grande realeza, Sob uma terrível besta, Eis a chave misteriosa No grande salão de festas. – Interessante – comentou Ariel. – Mas o que uma charada sobre o palácio estava fazendo em algo feito por humanos? Nenhum humano jamais pôs os pés em Atlântida, pelo menos não que eu saiba, especialmente depois que meu pai se tornou rei. – É um mistério! – disse Nyssa. – É isso que torna tudo tão empolgante. A caixa é claramente feita por humanos e requer uma chave humana para abrir. – A menos que você tenha uma concha de prata. – Ela tomou nota mental da palavra “chave”, presumindo que fosse outro nome para “cliquinho”. Talvez fosse uma abreviação. Era mais fácil falar chave do que cliquinho. Aparentemente, Nyssa gostava de encurtar as palavras. Talvez fosse por isso que ela chamasse Ariel de Ari. Nyssa ergueu uma sobrancelha. – Tenho certa experiência com fechaduras humanas. Mas nunca encontrei nada sobre Atlântida escrito em um tesouro humano. Eles têm mitos sobre nós, sereias, no mundo deles, mas essa charada é bem específica. – Você caça muitos tesouros humanos? – perguntou Ariel. Ela estava animada de ter encontrado alguém como ela. – Caço muitas coisas – respondeu Nyssa casualmente. Ariel não tinha certeza de qual era o mistério maior: Nyssa ou a charada. A garota não dava nenhuma resposta objetiva, o que era ao mesmo tempo incrivelmente irritante e bastante divertido. Ariel não se decidiu sobre isso também. – O que você estava caçando desta vez? – Se quiser descobrir, vai ter que me ajudar – disse Nyssa. – É claro que eu não posso entrar sozinha no palácio, especialmente com o festival se aproximando. A guarda real mantém tudo muito restrito. – Você tem espionado o palácio? – perguntou Linguado. Nyssa deu os ombros mais uma vez. – Fico de olho em tudo. Ajuda a entender o lugar quando você está em um ambiente novo. – E como você pretendia entrar se não tivesse me encontrado? – perguntou Ariel. Ela estava curiosa de verdade. Nyssa parecia ter muitos recursos. Talvez ela soubesse um jeito de convencer o pai de Ariel a lhe dar mais liberdade. – Eu encontraria alguém que me colocasse para dentro – disse Nyssa. – Essa não é a parte difícil. O desafio mesmo é saber por onde começar depois de entrar. A bibliotecária acabou com o meu único ponto de partida. Ela não acha que seja o salão de banquetes, apesar de ser o lugar mais óbvio. – Ah, não – comentou Ariel. – Meranda está certa. Não tem nenhuma besta terrível no salão de banquetes formais. Você está procurando um lugar que Meranda nunca teria permissão de visitar. É a ala do palácio onde a minha família vive. – A ala particular da família? – exclamou Linguado. – O lugar que eu não podia entrar antes de te conhecer por quase um ano?

Ariel concordou. – A ala particular da família. Ninguém de fora da minha família tem permissão de entrar lá, exceto os amigos mais próximos e os conselheiros mais confiáveis do meu pai. – Ela se inclinou na direção de Nyssa. – Então, se quiser a nossa ajuda, acho bom contar a história inteira. Agora. Nyssa encarou Ariel e Linguado, dosando suas opções. Não parecia haver nenhuma outra. Não tinha como ela entrar no palácio sem eles, muito menos na ala da família. A guarda real não brincava em serviço quando o assunto era invasores. E Nyssa estava certa: o palácio estava totalmente restrito durante os dias que antecediam o festival. Atlântida nem sempre teve a melhor das relações com os vizinhos do reino das Profundezas. A guarda real não permitiria nenhum incidente interoceânico sob a sua vigia. – Então? – pressionou Ariel. Nyssa suspirou. – O que eu vou contar aqui precisa ficar entre nós três. Prometem? Ariel trocou olhares com seu melhor amigo. – Prometemos. Linguado concordou com a cabeça. Nyssa suspirou de novo. – Estou em uma caça ao tesouro. Ariel se esforçou para não sorrir. Ela não queria que Nyssa soubesse de sua empolgação com a ideia de uma caça ao tesouro. – O que você está caçando? – É algo… indescritível! Ariel cruzou os braços tentando conter a curiosidade. – Vamos ver. Nyssa sorriu. – É um tesouro cheio de coisas humanas. O maior tesouro de todos os mares. – Continue – disse Ariel assentindo com a cabeça. – É uma lenda, na verdade – prosseguiu Nyssa, abaixando a voz. Ela não estava exatamente sussurrando, mas era claro que ela não queria que ninguém que estivesse passando pela formação rochosa os ouvisse. – De muito antes de você nascer. – Não pode ser de tão antes assim se meu pai é mencionado nas pistas – replicou Ariel. – Isso que é interessante – disse Nyssa. – A lenda já causou inúmeras caçadas pelos mares. Novas pistas aparecem escritas a cada década, a cada século. A lenda é poderosa. E seguiu crescendo conforme as pessoas foram espalhando. – Qual é a lenda? – perguntou Ariel, já sem conseguir se conter. Ela não se importava se Nyssa visse a empolgação em seus olhos. Amava esse tipo de coisa. – De um navio – disse Nyssa, agora praticamente sussurrando. – Cheio das maiores obras de arte já criadas pela espécie humana. Esculturas. Pinturas. Entalhes. Tudo! – Tudo? – perguntou Ariel em um sussurro similar. – Tudo que você puder imaginar – continuou Nyssa. Sua voz tinha ficado alta de novo. Ela se inclinou para sussurrar. – Um navio pirata, de um grupo de piratas da terra que roubou obras de arte do maior museu humano do mundo. – Piratas da terra? – perguntou Ariel.

– Os humanos talvez deem outro nome – comentou Nyssa. – Maus elementos? – sugeriu Linguado. Nyssa o olhou de lado como se não soubesse do que ele estava falando. – Talvez. Eles eram piratas. – Entendi – disse Ariel. – Piratas. Nyssa chegou mais perto. – À noite, eles carregavam tantos desses tesouros quanto podiam carregar. Com os braços lotados de pinturas e esculturas. Sob o manto da escuridão, eles enchiam o navio, indo e voltando do museu, até a primeira luz da aurora surgir sobre o oceano. Segundo a lenda, eles só pegavam o que havia de melhor. – Eles carregavam tudo? – perguntou Ariel. – Lutando contra o peso – disse Nyssa. – As coisas ficam mais pesadas fora da água. Ainda que estivessem muito cansados pela manhã, nem todos consideraram o trabalho terminado. Alguns dos piratas queriam pegar tudo mesmo, ir e voltar até as pernas humanas não aguentarem mais. Mas o capitão foi esperto. Ele não queria correr riscos. Ele ergueu âncora e zarpou para o mar, com o maior tesouro já roubado na terra. Mas mesmo a sabedoria do capitão não conseguiu prever a tormenta. – Tormenta? – perguntou Linguado em um sussurrando. Até ele estava intrigado. – Uma terrível tempestade – disse Nyssa. – O vento rasgou as velas. As ondas quebravam no deque. O navio afundou, tragado por um redemoinho que o levou para uma caverna marinha, onde está até hoje. O tesouro está em segurança lá dentro, esperando ser encontrado. A ideia de um navio humano cheio de obras de arte era muito intrigante para ser ignorada. Mesmo se só tivesse metade das coisas que Nyssa descreveu, Ariel conseguiria encher dez vezes a sua gruta. E ainda aprenderia muito mais sobre o mundo humano! Na verdade, Ariel só queria mesmo ver aquilo. Olhar para as obras de arte e imaginar no que pensavam os humanos que as criaram. Uma única peça daquelas seria o suficiente para satisfazer a princesa. A vozinha no fundo da cabeça de Ariel a alertou para não se juntar a Nyssa, mas seu coração bateu com empolgação, afogando seus pensamentos. – Estou dentro – disse Ariel. – Vamos encontrar esse tesouro!

7

Ariel nadou pelo corredor, para além da sala do trono do pai e seu escritório particular, seguida de Nyssa e Linguado, formando um estranho desfile. Eles tinham que andar bem pertinho para não se separarem. A parte pública do palácio estava toda em preparação para o Festival das Profundezas. Por duas vezes, Ariel quase derrubou sereianos que carregavam postes de pedras luminosas para a entrada do palácio. As lâmpadas fracas iluminariam a saída do palácio para os cidadãos de Atlântida quando a procissão terminasse. Todas as outras luzes da cidade estariam apagadas durante o festival, pois as criaturas das Profundezas não gostavam de nada com muito brilho. É por isso que todas as festividades aconteciam após o pôr do sol. – Desculpe, princesa! – disse um dos sereianos que passava com um poste de iluminação. – Tudo bem – respondeu Ariel. – Vamos sair do caminho em poucos segundos. – Olá, princesa! – cumprimentou outro trabalhador com um largo sorriso. – Olá! – ela respondeu. Ariel guiou Nyssa e Linguado por um corredor lateral do palácio. Levaria mais tempo para chegar à residência por esse caminho, mas haveria menos chance de encontrar outros sereianos. – Boa tarde, princesa! – disse um time de esponjas que se esfregavam no chão abaixo de Ariel, removendo a areia e comendo qualquer bactéria que estivesse infestando o palácio. – Olá! – respondeu ela com um aceno ao passar. Os salões estariam brilhando com o trabalho deles. – Seu palácio é bem amigável – elogiou Nyssa enquanto nadavam. – Nós gostamos – respondeu Ariel. Como que para provar isso, todos que encontraram pelo caminho foram mais amigáveis do que de costume. A empolgação do festival punha todo o reino de bom humor. Foi um alívio enfim chegar às guardas familiares alocadas do lado de fora da residência privativa. Flora e Oceanique não iriam pará-los para bater papo. Elas sempre flutuavam com atenção, olhos para a frente e cabelo preso atrás, na trança tradicional das mulheres de guarda. Elas não sorriam nem quando alguém da família passava. Ariel cumprimentou educadamente as duas e prosseguiu pelo salão. Quando fez a curva, ficou espantada em perceber que estava sozinha! Nyssa e Linguado tinham desaparecido em algum lugar do caminho. Era estranho. Eles estavam atrás dela um momento atrás. – Algo de errado, princesa? – perguntou Oceanique. – Não – respondeu Ariel, tentando não parecer preocupada. – Nada de errado. Nadinha mesmo. –

Ela só tinha perdido seu melhor amigo e uma total estranha que estava tentando colocar para dentro da residência privativa. O que poderia dar errado? Ariel avistou de relance algo azul na curva do último corredor pelo qual tinham passado. Com um sorriso para as guardas, ela nadou de volta e encontrou Linguado e Nyssa colados à parede. – O que está acontecendo? – perguntou Ariel. – Não faço ideia – respondeu Linguado. – Ela travou. – Achei que fôssemos entrar escondidos – disse Nyssa. – Não estava esperando as guardas. – Não precisamos nos esconder – respondeu Ariel. – Esta é a minha casa. – Ah – disse Nyssa. – Certo. Nyssa adentrou o salão principal, ainda hesitante em se mover. Ariel a pegou pelo braço e arrastou para a frente, nadando juntas, seguidas por Linguado na retaguarda. – Oi para vocês! – cumprimentou Nyssa ao se aproximar das guardas. – Que belo dia, não? Oceanique e Flora acenaram com a cabeça em concordância e voltaram à guarda silenciosa. Sem abrir um sorriso. – Vamos logo – disse Ariel, puxando Nyssa junto. Além das guardas, não havia nada nos corredores para marcar que alguém tivesse passado para a residência privativa, mas Ariel tinha a sensação de estar em casa. A vida no palácio era tudo que Ariel conhecia, mas às vezes era um pouco estranho acordar em um lugar onde o público tinha acesso livre durante o dia. Era legal voltar para a área privada, ainda que, com seis irmãs e com os funcionários entrando e saindo, Ariel raramente estivesse sozinha. – Que lugar legal este – comentou Nyssa, que admirava as obras de arte nas paredes. Imagens dos antigos reis e rainhas de Atlântida se enfileiravam nos salões como um lindo mosaico criado pelos melhores artistas da história do reino. As pinturas lembravam Ariel da missão em que estavam, deixando-a ainda mais empolgada com o que poderia descobrir sobre a história humana com o tesouro que a esperava no fim da caçada. – Obrigada – agradeceu Ariel. – O que estamos procurando fica por aqui. É perto do quarto do meu pai, então precisamos falar baixo. Não que seja preciso se esconder ou coisa parecida, mas é melhor se ele não… Afastem-se! – Ariel puxou Nyssa para um canto do salão no momento em que avistou a concha vermelha de Sebastião aparecer ao longe. Nyssa veio rápido para seu lado. – Mas você tinha dito… Ariel tapou a boca de Nyssa com a mão. As duas tinham escapado tão depressa que Linguado não teve tempo de acompanhá-las. Ele ainda estava no salão principal, completamente exposto. Antes ele que Ariel. Ela ainda se sentia mal por abandonar Sebastião quando ele quis mostrar a música mais cedo. Ele provavelmente não consideraria que trazer uma amiga para conhecer o palácio era algo tão urgente assim. – Linguado? – disse Sebastião. – O que você está fazendo aqui? Houve uma longa pausa e Ariel começou a ficar nervosa. Ela não podia ver nenhum deles de onde estava, e não podia correr o risco de espiar e ser vista. – Err… É… – resmungou Linguado. – Estou indo… Quer dizer… – Fale logo, Linguado, não tenho o dia todo. Estou em uma missão para o rei. – Sério? – perguntou Linguado. – Uma missão? Para o rei? Parece importante. O que é? Ariel sorriu. Era legal saber que Linguado a ouvia de vez em quando. Ela lhe disse muito tempo

atrás que a melhor maneira de se esquivar de Sebastião era fazê-lo falar sobre si. Não é que ele tivesse um ego tão grande assim, mas seu papel no palácio era muito importante e ele tinha muito orgulho de seus feitos. – É uma missão secreta – disse Sebastião, como se estivesse prestes a dar com a língua nos dentes. – Não posso te contar na verdade. Já falei demais. – Está indo buscar o massageador de barbatanas dele? – perguntou Linguado. – Como você…? Por que…? O que…? – balbuciou Sebastião com os olhos arregalados. Ariel cobriu a boca para que Sebastião não a ouvisse rindo. Seu pai devia ter aberto a sala do trono para encontrar seus súditos. Dias como este pareciam durar para sempre, e ele acabava ficando com cãibra nas barbatanas de tanto sentar em posição real a tarde inteira. Era muito divertido ver que Linguado tinha acertado qual era a “missão secreta” de Sebastião. – Não quero te atrasar – disse Linguado. – Eu sei o quanto o rei… Não vá por ali! Sebastião soltou um gritinho fino que parecia muito Ariel cantando em dó maior. Ele estava a poucos metros do lugar onde ela e Nyssa estavam escondidas. – Linguado! – gritou o siri. – O que há de errado com você, garoto? Quase me deu um ataque do coração! Enquanto Sebastião estava distraído, Ariel arrastou Nyssa pelo corredor para a sala que estavam procurando. Felizmente, havia duas entradas. – Este é o seu quarto? – perguntou Nyssa ao entrarem. – É maior que todos os lugares que já vivi juntos! Ariel corou. – Este é o berçário. A maior parte do tempo que estive aqui passei com as minhas irmãs. Somos em sete. – Ela nunca tinha pensado de verdade sobre isso antes, mas o quarto era mesmo bem grande. Muito maior do que o necessário, mesmo para sete garotas. E ficava ainda maior cada vez que uma de suas irmãs ia embora, até que só restaram ela e Andrina vivendo ali. Ainda que o quarto fosse amplo, Ariel sempre se sentia um pouco claustrofóbica quando ela e todas suas irmãs estavam ali juntas. O pequeno esconderijo entre as pedras onde Nyssa morava era apenas uma pequena fração do tamanho do quarto e, no entanto, era mais libertador que qualquer lugar que Ariel já tivesse conhecido. – Você tem irmãs ou irmãos? – perguntou Ariel, tentando ouvir atrás da porta para garantir que Sebastião não as encontrasse ali. – Não – respondeu Nyssa. – Só eu e meus pais. – E eles não se importam que você viva em cavernas secretas por conta própria? Nyssa voltou a dar os ombros. – Já vivemos em lugares piores. – Você se muda bastante – Ariel repetiu a explicação que Nyssa deu mais cedo, na esperança de obter mais informações. – Bem, não são exatamente mudanças, na verdade – comentou Nyssa nadando ao redor do berçário abandonado. – Nós nunca fixamos residência em lugar nenhum. Meus pais gostam de andar por aí. Já estivemos por todo lado nos mares, à procura de tesouros com nossas coisas nas costas. É divertido. – Parece mesmo! – Na verdade, essa parecia a vida dos sonhos de Ariel: ser livre para explorar o oceano inteiro além das fronteiras de Atlântida, sem tarefas reais e responsabilidades. Ariel estava

tentando seriamente não sentir inveja. – Onde estão seus pais agora? – perguntou Linguado, surpreendendo as duas com sua súbita aparição. – Linguado! – exclamou Ariel ao olhar para a porta ao seu lado. – Como você passou por nós? – Usei a outra porta – ele disse. – Estamos a salvo. O Sebastião pegou o massageador de seu pai e está a caminho da sala do trono agora. Ariel acariciou a nadadeira do amigo. – Obrigada, Linguado. Você nos salvou. – O Sebastião também pediu que eu te lembrasse da sua aula de idioma – disse Linguado. – Ele não quer que você esqueça. – Aula de idioma? – perguntou Nyssa. – Não é nada – Ariel se esquivou de perguntas. Ainda havia bastante tempo antes do horário marcado da aula. Era só o Sebastião sendo Sebastião, preocupado sem motivo. Mas não era o “nada” que ela disse a Nyssa. Na verdade, era bem importante. Nyssa não pareceu se importar. Ela já estava explorando o quarto, focando os mosaicos que havia lá desde muito antes de as princesas nascerem, quando o cômodo ainda era o salão de banquetes da residência real. – Certamente tem um monte de monstros horríveis aqui – disse Nyssa ao examinar o retrato de uma cobra-do-mar gigante. As conchas pretas e as pedras que compunham o mosaico original haviam sido substituídas por outras mais claras, então agora a serpente tinha cômicas listras vermelhas e brancas. – É meio nojento. – Foi o que eu sempre disse! – exclamou Linguado. Linguado não foi o único a mencionar isso. Os murais do berçário causaram pesadelos em Arista por anos. – Eles são do tempo que isto aqui era o salão de banquetes – explicou Ariel. – Nossa mãe queria que eles fossem cobertos antes de transformar o cômodo em berçário, mas o papai não permitiu. Ele se comprometeu a trocar as cores dos monstros mais amedrontadores pelas cores do arco-íris para que não nos assustassem. Ele achava que nós precisávamos saber tudo sobre nosso reino. Essas pinturas contam uma história importante de Atlântida. Nyssa apontou para o mural que continha duas lulas roxas lutando em frente ao palácio. Seus tentáculos estavam entrelaçados, e elas pareciam estar batalhando até a morte. – História violenta essa. – Não se você imaginar que elas estão dançando – disse Ariel. – Essa era uma das histórias que a babá nos contava antes de dormir. Ela não concordava com o papai, então inventava suas próprias histórias. – E essa? – apontou Nyssa com a cabeça para uma antiga rainha de Atlântida disparando um raio mágico de seu tridente na direção de uma escola de tubarões abaixo dela. – Circo de tubarões – disse Ariel. – Circo de tubarões? – Éramos crianças. – Ariel deu de ombros. Nyssa olhou para ela com ceticismo. – E a besta terrível da charada? Você faz ideia de qual dos monstros pode ser? Ariel nadou para o outro lado do cômodo.

– O único com algo embaixo dele. – Ela se dirigiu ao mural de uma criatura fantástica. Algo que ela nem tinha certeza se era real. A besta tinha o corpo de um leão marinho e cabeça de golfinho, com pintas roxas e nadadeiras gigantes que pareciam estrelas do mar. Era a coisa mais estranha que Ariel já tinha visto. O mosaico a fascinara quando criança, não apenas por conter uma criatura marinha única, mas porque a besta parecia estar nadando em um vulcão enquanto a lava vazava dele. – Existe algum vulcão em Atlântida? – perguntou Nyssa. – Existe? – perguntou Linguado, mais assustado que de costume. – Está adormecido – garantiu Ariel. – Não está ativo há alguns séculos, pelo que eu saiba. – Você não podia ter me contado sobre ele? – disse Nyssa. – Tinha que me trazer escondida até o palácio? – Ninguém entrou escondido – disse Ariel. – E já faz um tempo que eu estive aqui. Precisava ter certeza de que nenhuma das outras imagens continha monstros com alguma coisa embaixo. Nyssa olhou ao redor do cômodo e concordou com a cabeça. – Parece que é a única. Acho que consegui o que queria. Desculpa pela parte do roubo. Eu devia ter pedido a sua ajuda desde o começo. Foi um prazer te conhecer, Ari. Você também, Linguado. Talvez a gente se encontre mais uma vez antes que eu vá embora. Ariel nadou para a frente de Nyssa quando ela se dirigiu para a porta. – Achei que estávamos nesta caçada juntas. – Não esquenta – disse Nyssa, afastando-se dela. – Já tomei muito do seu tempo. Detestaria que você perdesse o próximo baile real, ou deixasse de conhecer outro príncipe que vem pedir a sua mão em casamento, ou qualquer outra dessas coisas de princesa. Ariel riu. Sendo a última na linha de sucessão do trono, ela não precisava se preocupar com essas bobagens. – Você talvez queira reconsiderar – Ariel falou. – Eu sei para onde a pista aponta. – É um vulcão inativo – respondeu Nyssa. – Não acho que seja tão difícil assim de encontrar. Não é como procurar um urso-polar no Polo Norte. Ariel não fazia ideia do que Nyssa estava falando. – Vai ser mais difícil de encontrar se você não souber pelo que procurar. Quem disse que ainda parece um vulcão? Nyssa pausou próxima da porta, mas não deu meia-volta. Ariel não tinha certeza se a garota iria embora ou ficaria. Nyssa parecia estar pensando a mesma coisa. – Não quero roubar o seu tesouro – disse Ariel ao se aproximar de Nyssa. – Mas não posso perder a chance de ver a maior coleção de arte dos humanos! Quero mesmo ajudar. Esse vulcão pode não ser tão fácil de encontrar quanto você pensa. Nyssa por fim se voltou para Ariel. – Você tem certeza? Pode ser perigoso. Ariel agarrou Linguado. – Eu rio na cara do perigo. – He, he – Linguado deu uma risadinha pouco convincente. Ele era do tipo que gritava ao se aproximar do perigo. – Ariel, você tem a sua aula. – Ainda falta uma hora – respondeu ela sem tirar os olhos de Nyssa. – Temos tempo de sobra. – Não sei – disse Nyssa. – Não costumo trabalhar com gente que não conheço. Não costumo fazer

parceria com ninguém. – Nyssa parou de falar enquanto considerava a proposta de Ariel. A garota poderia levá-los para a maior aventura da vida ou para a pior encrenca em que Ariel já tinha entrado. De qualquer jeito, valeria o risco se tivesse a chance de dar uma olhada no tesouro prometido. – Está bem – cedeu Nyssa. – Você está dentro. Hora de nos levar para a próxima pista. – Que ótimo! – comemorou Ariel, que abraçou Linguado, empolgada. Ela mal o ouviu murmurar: – Seu pai não vai gostar nada disso.

8

– Isso é incrível! – disse Nyssa quando o trio nadou sobre a enorme cratera, perfeitamente redonda. – Como você encontrou isso? – Você não é a única exploradora – respondeu Ariel, recostando na beirada. – O vulcão entrou em colapso depois da erupção, muito antes de a cidade ser construída. Tudo que sobrou do vulcão original é o vão no centro. Ninguém sabe quão fundo é. – Ninguém? – questionou Nyssa. – Achei que fosse uma pista secreta. Foi assim que você me ofereceu ajuda. Me disse que o vulcão não seria fácil de encontrar. – Talvez não fosse – respondeu Ariel. – Eu disse que talvez não fosse fácil de encontrar. Depende de para quem você pergunta. Não é como se um vulcão adormecido do lado de fora da cidade fosse um grande segredo. – Todo mundo sabe sobre a cratera – completou Linguado. – Eu só não sabia que era de um vulcão. Ariel nem se desculpou antes de deslizar da beirada para o interior da cratera, mergulhando com Linguado. Nyssa seguiu logo depois, resmungando. – Tem um motivo para eu ser solitária, sabe! – Alguma ideia do que estamos procurando? – perguntou Linguado, ignorando o comentário dela. Nyssa sacudiu a cabeça. Ariel também não tinha certeza. A dica do berçário era ainda mais vaga que a da caixa. Era só a imagem de um vulcão. Nenhum poema, nada para indicar onde deveriam procurar. Eles flutuaram pelo centro da cratera, olhando para todos os lados. A cratera não era tão funda, mas bastante larga. Havia muita superfície onde procurar. As paredes da cratera eram grandes, mas não havia muitos lugares onde esconder pistas, a não ser que fosse preciso escavar. Se fosse esse o caso, eles teriam problemas. Ariel não estava vendo nenhum X demarcando o lugar. Ela tinha alguma experiência com mapas do tesouro humanos. O X sempre indicava onde o tesouro estava escondido. Bem no centro da cratera, estava a maior preocupação de Ariel. Um pequeno acesso que ia muito fundo no solo do oceano. Era tudo que havia sobrado do vulcão. Ariel duvidava que a caverna escondida com o tesouro estivesse assim tão ao fundo, mas havia uma pequena possibilidade de que estivesse. Ela não gostava da ideia de explorar algo tão fundo. Nyssa a pegou olhando para o buraco. – Pode ser aquele o caminho? – Espero que não – respondeu Ariel.

– Vamos procurar aqui em cima antes – disse Nyssa. – Meus pais me ensinaram a começar pela parte conhecida antes de explorar o desconhecido. – Bom – comentou Linguado. – Lá dentro é muito escuro. – É só um truque de luz – disse Ariel. – Já esteve lá dentro? – perguntou Nyssa. – Eu gosto de explorar – repetiu Ariel. Ela não fez questão de contar que só havia entrado no buraco porque sua irmã Arista tinha lhe desafiado. Mesmo certa de que não era tão escuro lá dentro quanto parecia, ainda era assustadora a ideia de entrar num lugar que já foi parte de um vulcão. – Interessante – disse Nyssa, de olho no buraco. – Devemos tomar cuidado mesmo assim. Nunca se sabe o que pode haver lá dentro. – Pode ser a besta terrível – disse Linguado. – É perfeitamente seguro – comentou Ariel, tentando se convencer junto com os outros. – Eu nado por aqui o tempo todo. – Precisamos começar a busca pelas bordas e ir descendo – disse Nyssa. – Cada um escolhe um ponto e dividimos a cratera em três partes. Assim vai ser mais rápido. – Parece um bom plano – respondeu Ariel. O trio se dividiu, tomando posições diferentes na beirada da cratera. Ariel pensou em ficar junto de Nyssa para garantir que ela não tentasse esconder a pista se a encontrasse antes, mas por fim decidiu que não era necessário. Exceto por seu estranho primeiro encontro, Nyssa parecia confiável. Ariel entendia que uma garota que vive sozinha provavelmente não tinha muitos amigos em quem confiar. E isso fazia Ariel se perguntar onde estariam os pais de Nyssa. – Encontrei! – Linguado nadava em círculos sob uma rocha protuberante do lado oposto de Ariel. – Eu acho. Bem, talvez. Nyssa foi a primeira a chegar perto de Linguado, com Ariel logo atrás. Ela imediatamente entendeu a hesitação dele. Só podia ser a dica que procuravam, mas não fazia nenhum sentido. Não eram palavras. Eram símbolos.

Não era um idioma que Ariel reconhecesse, mas ainda assim tinha algo vagamente familiar. – O que significa? – perguntou Ariel. – Não faço ideia – disse Nyssa. – Mas podemos descobrir. Pode levar um tempo, mas é como diz a hidra: três cabeças pensam melhor do que uma. Nyssa se encostou na beirada da cratera, sob a rocha, acomodando-se na areia. Ariel pensou se ela estava brincando ou se realmente tinha encontrado a mítica serpente de várias cabeças. De toda forma, o plano não era atraente. – Não acho uma boa ideia ficar estudando a pista aqui em público. Qualquer um pode passar e perguntar o que estamos fazendo. Ariel não estava preocupada com qualquer um. Estava pensando em seu pai. Ele devia estar na sala do trono agora, mas não havia garantias de que ficaria por lá. O rei Tritão costumava passear pelo reino às vésperas de qualquer evento grande, para garantir que tudo estivesse nas melhores condições. Ele não queria ser envergonhado diante dos visitantes.

E não havia evento maior que o Festival das Profundezas. O rei iria passar por ali cedo ou tarde. – Olhem – disse Linguado ao nadar por cima das pedras. – Acho que está solta. Podemos levar conosco! – Ele se bateu contra a pedra lisa, que começou a ceder mais fácil do que o esperado. Ariel viu a areia e as pedras desmoronarem. – Não acho que seja uma boa… – Está tudo bem – disse Linguado, ainda forçando a pedra. – Eu consigo… – Linguado, cuidado! – gritou Ariel. Ela agarrou seu amigo no instante em que a pedra se soltou da areia para rolar cratera abaixo. – Não! – exclamou Nyssa, indo atrás da pedra com as inscrições que rodopiou várias vezes e por fim repousou no fundo. – Desculpem! – gritou Linguado, seguindo para o fundo com Ariel. – Está tudo bem? – perguntou Ariel ao alcançarem a pedra, que tinha aterrissado com os símbolos voltados para o chão. Nyssa encarou Linguado com tanta intensidade que ele se escondeu atrás de Ariel. Ela apanhou um pedaço de pergaminho na bolsa. – Não era preciso fazer nada disso. Eu podia ter anotado. – Desculpe – disse Linguado. Nyssa guardou de volta o pergaminho na bolsa e segurou a pedra lisa, tentando erguê-la. Era mais pesada do que parecia. – Alguém me ajuda? Ariel segurou a beirada da pedra. Sentiu um pouco de vergonha quando viu suas unhas bem cuidadas perto das de Nyssa. As unhas de sua nova amiga eram rachadas. Essa não era a primeira vez que a garota precisava cavar no oceano com as mãos. Ariel já passara muito tempo entre os destroços também, mas suas unhas davam a impressão de que vivia como uma princesa mimada. Ela tentou se esquecer disso quando ergueram a pedra e a giraram, deixando os símbolos virados para cima. Linguado usou sua barbatana traseira para limpar a areia da pedra de modo que todos pudessem enxergar melhor. – Prontinho! – disse e apontou para os símbolos. Mas a atenção de Nyssa já estava em outro lugar. – Ouvi alguma coisa – falou ela. – E vocês? Ariel estava ouvindo algo. Duas vozes se moviam na direção deles. Felizmente, nenhuma delas parecia a de seu pai. – São provavelmente sereianos da cidade – falou, tentando se convencer mais do que a Nyssa. – Nada com que se preocupar. A expressão no rosto de Nyssa, no entanto, sugeria que definitivamente era algo com que deveriam se preocupar. – Precisamos nos esconder. Agora. Linguado ficou agitado instantaneamente. – O quê? Onde? Por quê? – Tenho certeza de que está tudo bem – insistiu Ariel. Contanto que não fosse seu pai, não haveria nenhum problema. Ela voltou sua atenção para os símbolos na pedra. – Ari – chamou a voz sussurrante de Nyssa. – É sério. Precisamos nos esconder. Agora.

9

Ariel não entendia por que Nyssa estava tão preocupada. Não era como se alguém fosse deduzir que eles estavam em uma caça ao tesouro e tentar seguir as pistas também. No entanto, era possível que mencionassem para seu pai o que Ariel estava fazendo. Muitos súditos do rei Tritão pensariam que não é apropriado para uma princesa ficar escavando um vulcão adormecido. – Como eu gostaria de ser invisível – suspirou ela. – Onde vamos nos esconder? – perguntou Linguado conforme as vozes se aproximavam. Não havia como sair da cratera sem serem vistos. Ariel e Nyssa olharam juntas para o buraco profundo e escuro ali no meio. – Ah não! – exclamou Linguado. – Não, não e não! Nós não sabemos o que tem lá embaixo. Ariel tampou a boca de Linguado com a mão. As vozes estavam quase sobre eles. Nyssa conduziu Ariel e Linguado para o centro da cratera, onde a água parecia tingida de tinta preta. O buraco era largo o bastante para entrarem os três juntos se não se movessem muito. Parecia muito menor agora do que na vez que a irmã de Ariel a fez entrar ali. Ariel não acreditava nem por um segundo que alguma terrível besta antiga vivesse naquele lugar. Ela estava mais preocupada com as ameaças modernas. Um monte de predadores do oceano preferia fazer suas casas em lugares profundos e escuros. Descer pelo buraco era um risco maior do que ser visto por quem quer que estivesse passando ali em cima. Linguado tremia de medo enquanto Ariel o segurava, mas permaneceu em silêncio, tal como as sereias. Era possível que a reação deles fosse exagerada diante da situação. Provavelmente não havia com o que se preocupar. Ariel podia ver acima deles, mas sabia que ninguém conseguia vê-los. Nyssa se abaixou ainda mais quando uma dupla de águas-vivas, cada uma do tamanho de Ariel, pairaram sobre a borda da cratera. – Tem certeza de que essa é a cratera certa? – perguntou a água-viva maior. Sua voz era grave, como se tivesse engolido areia. – Não acho que seja a cratera certa. Acho que parece mais um buraco no chão do que uma cratera. – Uma cratera é um buraco no chão, cabeça de gelatina – replicou a segunda visitante com desdém. – Foi aqui que Balão nos mandou vir. É aqui que deve estar. A não ser que você queira voltar e questionar as ordens dele, mas eu não faria isso. A primeira água-viva grunhiu. – Tudo bem! Tudo bem! Só estava perguntando. Não precisa encher meus tentáculos.

– Você vai por aquele lado da cratera e eu vou por este. – As águas-vivas se dividiram da mesma forma que Ariel, Nyssa e Linguado tinham feito. Elas estavam conduzindo a busca metodicamente. Não levaria muito tempo para encontrarem a pista, se fosse isso que estivessem procurando. Ariel achava que era exatamente isso. Ariel devia ter virado a pedra antes de se esconder. A pista estava lá, na base da cratera, com os símbolos voltados para cima, para todo o oceano ver. Ariel queria perguntar a Nyssa se ela conhecia as águas-vivas ou o misterioso Balão que mencionaram. Isso explicaria o porquê de Nyssa estar com tanta pressa em se esconder, mas não valia a pena o risco. Só porque eles não podiam ser vistos em seu esconderijo, não queria dizer que não pudessem ser ouvidos. Sua teoria se provou correta com o suspiro que Linguado soltou ao ver a água-viva de voz áspera examinar o local onde a pedra estivera antes de rolar para o fundo da cratera. – O que foi isso? – perguntou a segunda água-viva. – Isso o quê? – replicou a outra. – Esqueça! Achei uma coisa. Venha aqui. Do ponto de vista privilegiado de Ariel, ela conseguia enxergar o caminho que a pedra fez até cair na areia, não muito longe de onde estavam escondidos. – Pensei ter ouvido alguma coisa – comentou a água-viva ao nadar para o outro lado da cratera. A outra limpou a garganta. – A menos que seja Balão nos mandando voltar, não estou interessado. Olhe isto aqui, Bell. É um rastro. – Alguém esteve aqui – ela respondeu. Levou um momento para Ariel perceber que Bell provavelmente era o nome da água-viva. Ela tomou nota mental disso. Se Nyssa não soubesse quem eram Balão e Bell, talvez alguém em casa soubesse. – Bem, não estão mais aqui – disse o parceiro de Bell. – O que é aquilo ali embaixo? Ariel não podia acreditar que estava torcendo para eles encontrarem logo a pedra. Caso contrário, “ali embaixo” seria o buraco que os três estavam usando como esconderijo. As águas-vivas tinham ido tão baixo na cratera que já estavam fora do campo de visão de Ariel, mas ela ainda podia ouvi-los. Eles pareciam desconfortavelmente próximos. – Tem umas imagens – falou a água-viva de voz áspera. Ela devia ter chegado à pedra. Ariel suspirou momentaneamente aliviada. Estavam seguros, mas ela se preocupava com o que aconteceria com a pista. – O que significam? – Como é que vou saber, Cowl? – respondeu Bell. – Nenhuma dessas pistas nunca fez sentido para mim desde o começo. Desde o começo? Ariel perguntou-se há quanto tempo eles estavam nessa caçada. E por que Nyssa não tinha mencionado outros caçadores. Ariel também memorizou o nome de Cowl. Balão, Bell e Cowl não eram nomes populares em Atlântida. Ela não conhecia ninguém que se chamasse assim. Era possível que tivessem vindo do mesmo lugar que Nyssa. – Precisamos levar para Balão – disse Bell. – Ajude aqui. Ariel podia ouvir Nyssa resmungar no buraco ao seu lado quando as águas-vivas começaram a erguer a pedra. – Espere um pouco – disse Bell quando sua sombra passou pelo buraco. – O que você acha que tem ali?

Ariel, Nyssa e Linguado se abaixaram ainda mais quando os tentáculos da água-viva tocaram o buraco escuro. O trio teve que ficar ainda mais colado uns aos outros, porque a passagem ficava cada vez mais apertada conforme se descia. Um toque dos tentáculos os deixaria fora do ar por um tempo. Tentáculos de água-viva não eram letais para sereias, mas causavam bastante dor. – E eu lá me importo? – perguntou Cowl. – Encontramos o que procurávamos. Vamos embora. Preciso da sua ajuda aqui. – Você precisa de muita ajuda – resmungou Bell, afastando os tentáculos do buraco escuro, o que fez o trio escondido respirar aliviado. Eles ouviram a dupla lutar de novo com a pedra momentos depois. Nyssa parecia estar lutando também, dividida entre ficar no buraco e sair dali para impedi-los. As duas sereias e o peixe assistiram às águas-vivas nadarem para fora da cratera, com a pedra enrolada em seus tentáculos, levando consigo a única pista do tesouro. Assim que as águas-vivas se afastaram da beirada da cratera, Nyssa estava prestes a disparar do buraco quando Ariel a segurou firme. – Espere – sussurrou. – Não sabemos se é seguro. Ariel tocou a nadadeira de Linguado e murmurou: – Vá na frente ver se é seguro sair. – Eu? – sussurrou Linguado, parecendo aterrorizado. – Por que eu? – Porque a Nyssa talvez queira ir atrás deles e eu posso ser reconhecida – respondeu Ariel. Às vezes ser uma princesa tinha seus desafios. Um deles era viajar sem ser reconhecida. – Mas… – Quanto mais cedo você confirmar que é seguro, mais cedo sairemos daqui – encerrou Ariel. Ela não precisou olhar nos olhos do amigo para saber que ele estava considerando qual opção era mais assustadora. Um barulho veio das profundezas abaixo deles, o que fez Linguado entrar em ação. Ele saltou do buraco com um pulo, nadando até a beirada da cratera. Ariel olhou para baixo, mas não viu nada na escuridão sombria. Devia ser o mar, apenas. Nada com que se preocupar. Nada mesmo, ela esperava. – Tudo limpo! – avisou Linguado. Nyssa se desvencilhou de Ariel e nadou para fora do buraco. – Não! Não! Não! Não! Por que você me impediu? Eu devia ter seguido eles e pegado a pista antes de chegarem… aonde quer que estejam indo. – Não podemos seguir ninguém – disse Linguado. – Ariel tem aula de idioma. Nyssa encarou Ariel como se ela tivesse falado. – Você acha mesmo que aprender o idioma de algum reino distante vai te ajudar a conquistar um príncipe… – Ei – interrompeu Ariel. – Não precisa ser grosseira. É importante de verdade. Além disso, não acho que tentar pegar a pista de volta seja uma boa ideia. Qualquer criatura de quem você precise se esconder em um buraco desses não é alguém aconselhável de seguir. – Ariel tem razão – completou Linguado. – Não é seguro. – Já explorei um navio naufragado no meio de um ponto de pesca humano bem popular – retrucou Nyssa. – Estou acostumada a coisas que não são seguras.

Mais uma vez, Ariel se perguntou por onde andariam os pais de Nyssa. Ela mesma já tinha feito algumas coisas arriscadas na vida, e seu pai teria um troço se soubesse, mas não levava nem de longe a vida perigosa de Nyssa. – Como é que eles chegaram aqui, para começo de conversa? – perguntou Ariel. – Se a caixa com a pista está conosco? Nyssa suspirou. – Existem pistas por todo o oceano. É só saber como procurar. – Então talvez haja alguma outra para nós também. – E como vamos encontrar? – questionou Nyssa. – A pedra era nossa única chance. – Acho que me lembro da pista. Nós vamos resolver. Juntos, provavelmente conseguiriam recriar os símbolos de cabeça. – Você não entende – disse Nyssa. – As pistas são muito específicas. Uma palavra errada pode bagunçar todo o sentido. Os símbolos precisam estar na ordem certa. – Tudo bem, Nyssa – disse Linguado, ao voltar na direção delas com um sorriso iluminado. – Encontrei algo de que você pode gostar. Ariel e Nyssa seguiram Linguado pelo caminho formado na areia quando a pedra caiu pela primeira vez. – Tcharãn! – Ele apontou com a nadadeira para o lugar na areia onde a pedra tinha aterrissado. Nyssa não estava com humor para brincadeiras. – Linguado, eu não… – Não, Nyssa, olhe! Os símbolos. Ariel pegou na mão da sereia e a levou para o lugar na areia para o qual Linguado estava apontando. Quando a pedra caiu com as inscrições voltadas para o solo, deixou uma impressão. Os símbolos agora estavam na areia, em uma imagem quase perfeitamente espelhada da gravação na pedra. Eles ainda tinham a pista.

10

– Linguado, você é um gênio! – Nyssa agarrou o peixe em um abraço tão apertado que ou fez com que ele corasse ou prendeu todo seu sangue no rosto. – Não foi nada – disse ele, tentando pegar fôlego quando foi solto. Nyssa levou a mão na bolsa. – Vou desenhar os símbolos antes que a água os apague. – Não se esqueça de desenhar ao contrário – lembrou Ariel. – Entendi! – Nyssa focou a tarefa. Não demorou muito para que tivesse copiado todos os símbolos exatamente como apareciam na areia.

Nyssa segurou o pergaminho. – Então, o que significa? Ariel olhou por cima do ombro de Nyssa. – Tem algo familiar nisso… Mas não lembro o quê. Linguado? O peixe deu de barbatanas. – Não sei. Nyssa os conduziu por uma sessão de ideias. Eles se reuniram ao redor do pergaminho oferecendo diferentes sugestões para o que os símbolos poderiam representar. Os últimos dois eram fáceis de adivinhar. O ponto de interrogação era óbvio. Porém, eles realmente não entendiam o que a flecha apontava. O símbolo antes desses dois provavelmente representava água. Parecia claro o bastante. Mas nenhum deles entendia o que a linha embaixo queria dizer. Ariel ficou frustrada quando Nyssa recusou sua última sugestão sobre o significado dos símbolos. Eles não estavam chegando a lugar nenhum e ela tinha pouco tempo livre naquela tarde. – E Meranda? Ela pode ter a resposta na biblioteca. – Não é seguro compartilhar o que sabemos com outros sereianos – disse Nyssa. – Não estamos sozinhos na caçada. – É, eu percebi – disse Ariel. – Inclusive, quem eram aqueles dois? E o tal de Balão que eles mencionaram? Você pareceu conhecê-los.

– Não conheço – insistiu Nyssa. – Conhece sim – retrucou Linguado. – Como você sabe? – perguntou Nyssa. – Ficou de olhos fechados o tempo inteiro. – Não precisa ser grosseira – alertou Ariel. – Mas você os reconheceu. Tenho certeza de que foi por isso que nos escondemos quando ouvimos as vozes. Nyssa os encarou vagamente sem dizer nada. – Precisamos ir, Ariel – sugeriu Linguado. – A sua aula. – Você tem razão – respondeu Ariel, relutante. Ela estava torcendo para que Nyssa confiasse nela e contasse a verdade. Ela estava quase indo embora com Linguado quando ouviu a sereia respirar fundo. – Balão é um caçador de tesouros – disse Nyssa, por fim. – Perigoso. Alguns dizem que ele é a barracuda mais perigosa de todo o oceano. Ele não vai parar por nada até conseguir o que deseja. Por nada. – Mas por que ele está atrás de um tesouro humano? – perguntou Linguado. – A arte humana não tem valor nenhum aqui embaixo. A não ser que você seja obcecada, feito a Ariel. Ariel teve que concordar. Não com a parte do “obcecada”, mas com a outra coisa. Obras de arte dos humanos não tinham valor nenhum para quem vivia no mar. Exatamente por isso Ariel não entendia direito por que a caçada toda era tão importante para Nyssa. Um navio repleto de maravilhosas obras de arte era algo que Ariel adoraria ver, mas não conseguia imaginar por que interessava tanto a Nyssa. – Se ele é tão perigoso, não sei se compensa arriscar nossas vidas pelo tesouro – comentou Ariel. – Arte não quer dizer só belas imagens – respondeu Nyssa. – Ela conta uma história. É um navio cheio de histórias de humanos que viveram há muito tempo. Como eles viveram. Podemos ser as únicas sereias na história do mar a saber das coisas que estão nessa coleção. – Isso parece legal. – Ariel pensou no jardim de sua mãe. Ela se sentia muito mais próxima da mãe quando estava lá, pois contava a história da vida dela. A ideia de um navio cheio de arte que conta a história das antigas civilizações humanas era empolgante. – Isso ainda não explica por que uma barracuda do mal quer o tesouro – disse Linguado. – É uma boa pergunta – continuou Ariel, e os dois olharam para a sereia de cabelos pretos, aguardando maiores explicações. Nyssa ficou em silêncio de novo, observando o movimento das barbatanas de seu rabo. Ela parecia estar sinceramente dividida entre contar ou não alguma coisa. – Ele não quer o tesouro inteiro – disse Nyssa. – Ele está à procura de algo específico… Uma pérola. – Uma pérola? – perguntou Ariel. Era isso? Ela esperava… mais. – Nós temos um monte de pérolas em casa. Minha irmã Alana coleciona. Ele pode ficar com todas. – Não é qualquer pérola – disse Nyssa quando enfim parou de enrolar as barbatanas. – É uma perola incrivelmente rara. E temo que ele destrua o restante do tesouro para encontrá-la. Você não quer que isso aconteça, quer? – Bem… não. – Ariel sentiu que essa história não tinha terminado, mas não havia mais tempo para descobrir. Ela iria se atrasar para a aula se esperasse mais. – Nossa vida só estaria em risco se Balão descobrisse – disse Nyssa. – Se chegarmos antes dele, vemos o tesouro. Podemos pegar a pérola que as águas-vivas estão procurando e deixar em um lugar

fácil, assim eles não destroem nada. Aí pegamos alguma coisa para nós mesmas também. Ariel gostou da ideia. Ela adoraria ter alguma outra obra de arte humana em sua gruta. Ela adorava olhar para a única pintura que já estava lá. Não era como se eles tivessem passado por algum perigo real até aquele momento. Se as coisas ficassem assustadoras, era só parar. – Obrigada – agradeceu Ariel. Ela ainda achava que não tinha todas as informações daquela história toda, mas sem dúvida já sabia mais do que no começo da aventura. – Sem problemas, Ari – disse Nyssa, voltando os olhos para suas barbatanas. O pai de Ariel tinha alertado que não confiasse em ninguém que não olhasse nos olhos ao falar. Mas Nyssa tinha compartilhado as pistas com eles. Primeiro, o poema sobre a besta terrível e, agora, esses símbolos estranhos. Ela admitira ter pegado a caixa. E contara sobre o maravilhoso tesouro. Ainda assim, Nyssa parecia ter dificuldade em confiar nos outros. Ariel teria que fazer isso por ela. Não seria tão ruim ter outra pessoa envolvida na caçada. – Acho que Meranda pode nos ajudar – falou Ariel. – Ou pelo menos apontar o caminho na biblioteca. Não chegamos a lugar nenhum por conta própria até agora. – E não precisamos contar tudo – sugeriu Linguado. – Só o suficiente para conseguir ajuda. Mas precisamos ir logo, pois a biblioteca já vai fechar. Nyssa não parecia gostar da ideia. – Acho que vocês têm razão. Mas só Meranda. Não podemos contar para mais ninguém. Entendido? – Entendido – concordaram Ariel e Linguado. O trio nadou de volta para a cidade, com pressa para chegar antes que a biblioteca fechasse. As correntes estavam a favor deles, e percorreram o trajeto em um bom tempo. Infelizmente, não foi bom o bastante, pois Meranda já estava trancando as portas. – Visita em dois dias seguidos? – perguntou a bibliotecária. – E nunca tinha visto nenhum de vocês por aqui antes disso. – Já fechou? – perguntou Ariel. – Tenho que ir embora mais cedo hoje – explicou Meranda. – Vou ajudar minha irmã com a fantasia para o Festival das Profundezas amanhã. Ela vai dançar na cerimônia de abertura. – A gente queria fazer uma pesquisa – disse Ariel. – Vamos abrir amanhã cedo – comentou Meranda. – Só meio período, por causa do festival, por isso decidi dar aos frequentadores um tempinho a mais. – Você não pode nos deixar entrar agora? – perguntou Nyssa. – Ela é a princesa, afinal. Ariel se contorceu. Detestava quando alguém usava sua posição real para que fizessem algo por ela. Era constrangedor e nunca funcionava. O rei Tritão deixara bem claro que as filhas não deveriam ter tratamento especial por causa de seu título. Ariel era tratada como qualquer habitante de Atlântida. – Sinto muito – disse Meranda. – Mas regras são regras. Ninguém pode estar dentro do prédio sem a bibliotecária. – Mas é importante – insistiu Nyssa. – Tenho certeza de que o rei não iria se importar se você… – Nyssa – interrompeu Ariel com firmeza. – Está tudo bem. Podemos voltar amanhã. – Mas… – Amanhã – repetiu Ariel. – De qualquer forma, preciso voltar para o palácio. – Os rolos ainda vão estar aí amanhã – disse Meranda. – Mas, se tiverem alguma pergunta que eu

consiga responder antes de ir, posso ficar um momentinho mais. De repente, Nyssa ficou em silêncio. Ariel lançou um olhar para a amiga e levou a mão dentro da bolsa para pegar o pergaminho com os símbolos escritos. – É outra charada – disse Ariel. – Como a última? – perguntou Meranda. – Foi tão divertido. Nas terras do rei Tritão, desde os dias de seu nascimento, jaz a chave para iluminar, um segredo a desvendar. No lar da grande realeza, sob uma terrível besta, eis a chave misteriosa, no grande salão de festas. Viu? Lembreime dela inteira. Vocês descobriram essa? Nyssa parecia ainda mais desconfortável agora e não tirou os olhos do chão. – Era no berçário do palácio – contou Ariel. Ela pensou que, como as águas-vivas já tinham a próxima pista, não importava quem soubesse a resposta da charada que as levou até lá. Meranda riu. – O antigo salão de banquetes! É claro! Eu devia ter imaginado. – A próxima pista não está escrita do mesmo jeito que a outra – disse Ariel. – Nem sabemos por onde começar. Meranda deu uma olhada na página. – É um projeto bem interessante esse, Nyssa. É quase uma caça ao tesouro. Houve um silêncio desconfortável e a bibliotecária riu de novo. Nyssa, Ariel e Linguado demoraram um momento antes de se juntarem a ela, como se fosse a coisa mais engraçada do mundo. Linguado seguiu rindo um pouco mais do que o necessário. – Desculpem – ele disse ao perceber que todas o encaravam. Meranda lançou um olhar preocupado a Linguado antes de voltar a atenção para a página. – Não posso dizer que esteja familiarizada com esses símbolos. Bem, exceto o de água. Mas não sei o que a linha significa. E o círculo com um ponto no meio costuma se referir ao sol, mas nunca o vi atravessado por uma linha. Não sei o que quer dizer assim. – Você tem certeza de que nada na biblioteca pode nos ajudar? – implorou Nyssa. – Talvez – disse Meranda. – Mas pode demorar. Certamente vai precisar de mais tempo do que tenho agora de tarde. Voltem pela manhã. Ficarei feliz em ajudá-las. Nyssa encarou a bibliotecária com frustração. – Nós voltaremos – disse Ariel com seu melhor sorriso. – Estaremos aqui assim que abrir. – Até lá! – Meranda acenou e saiu nadando. Nyssa tentou puxar as portas assim que a bibliotecária se afastou. Estavam trancadas. – Deve haver outro jeito de entrar na biblioteca. Você é a princesa. Não pode mandar a guarda real abrir ou algo assim? – Não sem o meu pai descobrir o que estamos fazendo – disse Ariel. – E você pode parar de falar que eu sou a princesa? Isso não significa muito por aqui. – Se você não pode usar isso a seu favor, qual a vantagem de ser da realeza? – perguntou Nyssa. – Eu me faço essa mesma pergunta mais do que você imagina – disse Ariel. – Mas tenho um recurso que pode nos ajudar. Tenho permissão para entrar nos arquivos reais sempre que quiser. É uma espécie de biblioteca particular do meu pai. Deve haver algo de útil por lá. Nyssa segurou o braço de Ariel. – Por que não disse antes? Vamos! – Ela tentou sair nadando, mas Ariel a impediu.

– Sinto muito – disse Ariel. – Está fechado agora também. Posso entrar lá fora do horário, mas sem convidados. Tudo bem. Eu passo pelos arquivos depois do jantar e devemos ter alguma coisa pela manhã. – De manhã? – exclamou Nyssa. – Você se esqueceu das águas-vivas? Não somos as únicas procurando o tesouro. Se esperarmos até de manhã para encontrar a próxima pista, eles podem chegar na nossa frente. Estamos numa corrida agora. Ariel sacudiu a cabeça. Era provavelmente assim que seu pai se sentia quando a proibia de fazer alguma coisa. – Tudo bem. Me encontre nos jardins do palácio à meia-noite. Vou pegar o que conseguir dos arquivos reais. Vamos vasculhar tudo para ver o que encontramos. – Como vou entrar nos jardins do palácio durante a noite? – perguntou Nyssa. – Os guardas vão me parar. – Se eu posso sair de casa, o mínimo que você pode fazer é me encontrar no meio do caminho – disse Ariel. Não havia chance alguma de ela conseguir sair dos limites do palácio. Já era arriscado demais sair da residência privativa. Linguado estava prestes a dizer alguma coisa, mas Ariel o silenciou com o olhar. Então voltou a atenção para Nyssa, que sorriu. – Me parece um bom plano.

11

– OOOOOOOOOOOOOOOOOOOAAHHHH. – Muito bem, Ariel. Já foi muito melhor do que na tentativa anterior. – Madame Hipólita abriu algo que se assemelhava a um sorriso. A cavalo-marinho não se impressionava facilmente em seus melhores dias, e Ariel não acreditou por um momento que nesta aula em particular estivesse perto de ter pronunciado bem. Ainda assim, Ariel suspirou aliviada e relaxou um pouco. Elas já estavam ali havia uma hora. Isso era pior que os ensaios com Sebastião. – Quer dizer que eu acertei desta vez? – Bem, não – respondeu a cavalo-marinho. – Mas você já evitou insultar o rei e sua linhagem inteira. Isso merece reconhecimento. Ariel resmungou agitada. – Nunca vou conseguir falar isso direito. – É claro que vai – respondeu madame Hipólita. – Você chegou bem perto desta vez. Só precisa estender o “Ahhh” um pouquinho mais e pronunciar menos o “Ooo” final. O idioma das Profundezas é um desafio para os sereianos. As suas cordas vocais não conseguem compensar a falta de pressão das Profundezas. É um milagre não ter acontecido nenhum incidente interoceânico durante os festivais. – Quase tivemos um quando foi a vez de Arista cumprimentar o rei – lembrou Ariel. – Bem, sim, mas ninguém imaginou que ela fosse ter laringite – disse a cavalo-marinho. – Mas eu treinei cada uma das suas irmãs. Sei que você vai cumprir esta tarefa admiravelmente. Agora tente outra vez. Ariel respirou fundo e soltou seu cumprimento: – OooOooOOOOoOOoOooOOAAHHHOOO. Madame Hipólita bateu palmas duas vezes. – Maravilhoso! Foi perfeito. Absolutamente perfeito. Agora mais uma vez. Ariel repetiu o som, tentando reproduzir exatamente o que fez no momento anterior. A linguagem das Profundezas se assemelhava aos gemidos de uma baleia doente para Ariel, mas cada “Ooo” e “Ah” significavam algo completamente diferente. Era importante que ela acertasse com precisão, pois teria o papel mais importante na cerimônia de abertura do festival na noite seguinte. Era tarefa de Ariel cumprimentar formalmente o rei das Profundezas. Madame Hipólita fez Ariel repetir sem cessar a frase até chegar à perfeição. A aula só terminou

quando ela conseguiu repetir tudo corretamente cinco vezes seguidas. Foi bom poder sair dali, ela já estava atrasada para o jantar. Esta seria a última vez que sua família estaria junta antes da procissão de abertura do Festival das Profundezas, por isso o rei Tritão decidiu repassar as tarefas de cada princesa para o evento. Ser a princesa mais nova significava que Ariel tinha que esperar pacientemente cada uma das suas irmãs mais velhas combinarem os detalhes dos próximos dias. Elas começaram sem ela e, quando Ariel entrou, estavam discutindo o itinerário de Aquata. Na maioria das noites, suas irmãs ficavam mais tempo na mesa conversando sobre o que haviam feito durante o dia. Felizmente, todos já estavam prontos para sair quando Ariel terminou sua refeição. A princesa mais nova não queria ser a primeira a sair da sala, para não chamar atenção para si, mas ficou longe de ser a última. Ariel nadou discretamente para os arquivos do palácio. Não queria nenhuma de suas irmãs questionando por que ela estava indo a um lugar que raramente visitava. O arquivista já tinha ido embora, mas a sala ficava aberta para a família real dia e noite. Assim foi solicitado pelo rei Tritão, para que suas filhas pudessem ter interesse ativo no reino. Ele esperava poder prepará-las para um dia serem rainhas de Atlântida ou dos reinos vizinhos. Attina era a única que visitava os arquivos com frequência, por ser a primeira na linha de sucessão ao trono. Quando Ariel entrou na sala, as pedras brilhantes da parede ganharam vida, iluminando o espaço e dando a Ariel a noção do tamanho de sua tarefa. A sala de arquivos era quase tão grande quanto o antigo berçário, e as paredes, forradas de rolos do chão ao teto. Ariel quase desejou que sua irmã estivesse ali. Tinha ido tão poucas vezes aos arquivos que mal se lembrava de como os documentos estavam organizados. Não fazia ideia de como iniciar a pesquisa. Ariel desdobrou o pergaminho com os símbolos desenhados. Nyssa tinha feito uma cópia para ela antes de se separarem naquela tarde. Ariel tentava não se preocupar com os problemas em que Nyssa pudesse estar metida, afinal, não podia se responsabilizar pela garota em todos os minutos do dia. Os símbolos estavam exatamente como ela se lembrava.

Eles ainda não significavam nada para ela além de uma vaga recordação. Ariel suspeitava de que fosse uma língua de algum reino estrangeiro. Os arquivos continham valiosas informações sobre a vida em todos os sete mares. O desafio era saber onde procurar. – Não sei onde eu estava com a cabeça. – Ariel! Ariel é você? A princesa sorriu ao reconhecer o sotaque. Não pertencia ao arquivista, mas era a segunda melhor criatura para se perguntar. – Sebastião! O siri parou na porta com uma expressão perplexa no rosto. – Aconteceu alguma coisa? – perguntou a sereia enquanto dobrava discretamente o pergaminho para que ele não visse no que ela estava trabalhando. – Nada – o siri respondeu. – Só não estou acostumado a ser recebido com tanto entusiasmo.

– Sebastião, sempre piadista! Agora ele encarava Ariel como se ela tivesse ficado maluca. Talvez ela precisasse relaxar. A sereia respirou fundo quando ele entrou na sala. – O que você está fazendo aqui esta noite? – perguntou Sebastião. – Lição de casa? Pesquisa real? – Mais ou menos – disse Ariel. – É meio que um projeto pessoal. – Não está se distraindo dos ensaios, né? – perguntou Sebastião, batendo uma perna no chão. – Madame Hipólita me disse que a sua aula de idioma foi impressionante, mas você precisa trabalhar mais nos exercícios vocais. – Vou fazê-los antes de dormir – disse Ariel, o que era verdade a maior parte das vezes. Ainda assim, ela sabia que essa era a resposta errada. – Só uma vez por dia? Ariel, você precisa ter mais comprometimento com o canto. – Você tem toda razão – disse ela. – E vou começar a ensaiar assim que encontrar o que vim procurar aqui. O que pode levar uma eternidade. – Ariel olhou para as pilhas e encarou a tarefa monumental que tinha à sua frente, fazendo questão de que Sebastião visse seu olhar. A cabeça do siri se inclinou para enxergar as fileiras intermináveis de rolos. Ele provavelmente estava pensando em todo o tempo que isso tomaria dos ensaios. – Como posso ajudá-la? – ele perguntou. Agora que ele se ofereceu, Ariel não tinha certeza de como proceder. Não era como se pudesse explicar os símbolos para ele sem mencionar sua origem. A única esperança era mostrar o pergaminho, como tinha feito com Meranda. Nyssa não iria gostar de saber que mais gente tinha lido a pista, mas não era como se Ariel tivesse outra opção. Ariel desdobrou devagar o pergaminho. – Encontrei este desafio – começou ela. – Bem, é um jogo que eu tenho. Com o Linguado. Estas imagens me parecem familiares, mas estou travada e não consigo descobrir o que significam. A maior parte disso era verdade. Ariel não chamaria aquilo exatamente de jogo, mas o restante era bastante preciso. Também, era muito mais do que Nyssa iria gostar que ela revelasse. Sebastião olhou para o pergaminho e riu. – Bem, é claro que você reconhece – disse ele. – Você não se lembra? De quando comecei a trabalhar para o seu pai? – Isso foi há muito tempo, Sebastião. – Quando você pensou que eu era um espião tentando dominar o reino? Ariel arregalou os olhos. – É por isso que reconheço os símbolos! Ah, Sebastião. Nem acredito que cheguei a pensar isso de você! – Você sempre teve uma imaginação fértil – disse Sebastião. É claro que os símbolos eram familiares! Quando criança, ela tinha visto Sebastião usá-los. Infelizmente, na época, ela pensou que fosse um código secreto usado por espiões e contou para seu pai que o novo conselheiro estava tentando dominar o reino. Foi estranho. – É a linguagem antiga do meu povo – lembrou-a Sebastião. – Nem posso acreditar que cheguei a pensar que você estava tramando contra o meu pai – disse Ariel, rindo. – Não são muitos os sereianos que conhecem a escrita antiga – comentou Sebastião. – E foi uma sacada lógica.

– Quer dizer que você pode ler isto! – É claro que eu posso – disse Sebastião. – Mas não seria trapaça se eu lhe desse a resposta? O que vocês estão jogando? – É só um jogo de desafio – disse Ariel. – Não tem problema pedir ajuda. Não tem nenhuma regra que proíba. – Neste caso, abaixe o pergaminho que vou lhe ensinar algumas coisas. Ariel fez como o siri pediu. – Obrigada, Sebastião. Você está salvando a minha vida. Nyssa ficaria empolgada quando Ariel aparecesse com a solução do desafio. Agora elas não precisariam passar a noite toda acordadas tentando resolver. A apenas uma noite do festival, Ariel estava sinceramente preocupada de não conseguir ir até o final da caçada. – Vamos lá – disse Sebastião ao se aproximar do pergaminho. – Vamos trabalhar nisto juntos. – Ele tocou o primeiro símbolo com sua pinça: . – Tem alguma ideia do que possa ser? Ariel se lembrou do que Meranda dissera mais cedo. – Acho que é o símbolo do sol. Mas não sei o que a linha significa. – Está correto, Ariel. Bom trabalho. O círculo com o ponto no meio é o sol. E você está certa em dizer que a linha não pertence tradicionalmente ao símbolo. O que você acha que quer dizer um sol com uma linha? Ariel examinou o símbolo. Só conseguia pensar em uma coisa. – Parece um pôr do sol. Ou o sol nascendo. – Exatamente – disse Sebastião. – Pode ser qualquer um dos dois. Como é o primeiro símbolo da fileira, é o sol nascente. Se fosse o pôr do sol, estaria no final da fileira. – Não sei como não pensei nisso antes! – Você estava tentando resolver como um todo, não um símbolo de cada vez – explicou Sebastião. – Observe um símbolo por vez para começar. O que você entende do próximo? Ariel encarou o segundo símbolo do pergaminho: . Agora que ela tinha resolvido o primeiro, esse era bem mais fácil. – Se o círculo com o ponto no meio é o sol, então o círculo vazio é a lua? – Correto – disse Sebastião. – E a linha diagonal? Ariel pensou na linha. Não fazia sentido ser o nascer ou o poente da lua. A linha não seria diagonal. Ela olhou para Sebastião pedindo ajuda. O siri sorriu. – Essa é mais difícil. Normalmente uma linha assim se refere à metade de alguma coisa. Nesse caso, significa meia-lua. Ariel arregalou os olhos, empolgada. Estava começando a fazer sentido. Tinha a ver com o nascer do sol e a meia-lua. Isso ainda não esclarecia a charada, mas era um começo. – E este daqui? Parece a letra C. – Sim, este é difícil de resolver sozinho. É o símbolo de uma lagoa. Sebastião estava certo. Ela nunca teria adivinhado sozinha. – Espere! Eu conheço isso. É a Lagoa da Meia-Lua, um lugar na costa. – Parece correto – disse Sebastião. – E o próximo? O que parecem estes dois pontos?

Ariel não sabia se os dois pontos deveriam ser lidos juntos ou separadamente. Como Sebastião se referiu a eles como um par, ficou um pouco mais fácil, já que eles pareciam uma figura: – Parecem um par de olhos. – Sim. Podem ter muitos significados. Neste caso, acho que está mandando você procurar alguma coisa. – Como estrelas? – palpitou Ariel, tendo em vista o próximo símbolo: . Parecia apropriado com a temática do sol e da lua. – Creio que sim. Você tem que olhar as estrelas. – Sebastião arregalou os olhos. – Não! Espere um pouco, Ariel. Você não vai olhar estrela nenhuma. Você sabe o que seu pai pensa sobre idas à superfície. Não. Eu a proíbo terminantemente. – Mas Sebastião… – Não – ele insistiu. – Não vou ajudá-la a fazer algo que seu pai desaprova. Você deveria ter me contado que isso envolvia o mundo da superfície. Nós dois podemos nos encrencar com o rei por causa disso. – É só um desafio. – Ariel tentou acalmar o siri. – Não significa que eu vá à superfície. – Nem significava que ela não fosse, mas ela não queria preocupá-lo com aquilo. Se Sebastião soubesse de todas suas viagens até lá em cima, não ficaria nada feliz. – Sinto muito, Ariel. Não posso ajudá-la mais. Não seria prudente. – Eu entendo – ela disse. Ariel não queria que Sebastião se complicasse com seu pai. Ele já tinha ajudado bastante com o desafio. Ela tinha confiança de que agora Nyssa e ela conseguiriam terminar de resolver. – Obrigada pela ajuda. – Não comente sobre isso – respondeu Sebastião. – Especialmente com seu pai. Ariel deu um beijo na concha do siri. – Vai ser o nosso segredinho. – Bem, então, vá praticar as escalas antes de dormir. Espero que você esteja preparada no próximo ensaio. – Eu estarei, Sebastião – ela respondeu, indo embora. – Vou praticar agora mesmo. – E a sua saudação ao rei das Profundezas também – ele completou. – Você precisa recitar aquela frase até dormindo. Não quero ter que resolver nenhum incidente como o que aconteceu com Arista. E pensar que os nossos reinos quase entraram em guerra por causa de uma laringite. – Guerra? – perguntou Ariel. Ela nunca soube que as coisas ficaram tão ruins. – O rei das Profundezas leva o protocolo muito a sério – alertou Sebastião. – E você deveria também. – Vou levar – disse Ariel, pela primeira vez entendendo de verdade a importância desse cumprimento e o que Sebastião esperava ouvir dela. – Prometo que vai ser perfeito.

12

– AH-AH-AHHH. Ah-ah-ahhh. Ah-ah-ahhhh-ah-ah-ah-ah-ahhhhh. Ah-ah-ahhhh. Ariel sustentou a última nota o máximo possível, esforçando-se para fortalecer o tom até se contentar com o que ouvia. Isso deveria bastar. Ela manteve sua promessa a Sebastião: praticou tanto o cumprimento ao rei das Profundezas quanto suas escalas musicais até quase a hora de encontrar Nyssa. Felizmente, suas irmãs que moravam no quarto logo ao lado gostavam de dormir ouvindo a cantoria de Ariel, caso contrário seria impossível praticar até tão tarde. Era bom também que sua família soubesse que ela estava no quarto, especialmente hoje, que não planejava ficar muito mais por ali. Ariel pôs de lado suas partituras e espiou o salão para se certificar de que o palácio tinha se acalmado. Sempre havia algo acontecendo em outras partes do palácio. Os guardas passavam a noite inteira patrulhando, e os empregados da casa às vezes trabalhavam até tarde. Na residência, depois que o pai de Ariel e suas irmãs iam para a cama, era fácil se convencer de que era a única ainda acordada. Mas Ariel sabia por experiência própria que isso raramente era verdade. Não era como se Ariel pudesse simplesmente sair nadando por uma janela para encontrar Nyssa. Apesar de poder ver seu jardim do quarto, não havia um caminho direto até seu destino sem correr o risco de passar por pelo menos uma patrulha. Nadar pelos corredores do palácio também não funcionaria, pois havia muitos guardas. Ariel retornou ao quarto. Ela precisava encontrar um jeito de sair. Tinha prometido encontrar Nyssa à meia-noite. Nem a porta nem a janela serviriam aos planos de Ariel, mas isso não importava. Havia uma terceira saída de seu quarto, uma que nunca tinha usado, mas sempre tivera curiosidade. Era arriscado. Ela podia se machucar. Mas nesta noite parecia ser sua única opção. Ariel nadou para a canaleta da lavanderia e ergueu a portinhola na parede. Ela enfiou a cabeça no tubo que recolhia roupas de todo o palácio e imediatamente sentiu a força da corrente de água puxar seu cabelo. Seria bem apertado, mesmo, mas podia funcionar. Certamente estaria mais perto dos jardins sem encontrar nenhum guarda. Ariel não perdeu tempo questionando a própria decisão. Apanhou o pergaminho e mergulhou de cabeça, torcendo pelo melhor. A corrente que normalmente levava as roupas do palácio agora arrastava Ariel pelo apertado tubo. Para completar, a canaleta não deixava espaço para que ela

movesse os braços nem a cauda. Ela foi descendo, conforme o tubo espiralava sob a torre da residência privativa, através do palácio, e por fim foi depositada em um cesto de roupas. A lavanderia estava vazia, como era de se esperar. Ariel saiu nadando da cesta de roupas e apertou um botão na parede. Ele paralisava a corrente do cano que a trouxera até o porão. Já seria bem difícil voltar pelo caminho apertado depois; ela não precisava lutar contra a corrente no processo. Assim que garantiu o caminho de volta, Ariel saiu da lavanderia. Havia poucos guardas nesta parte baixa do prédio, mas em compensação havia mais funcionários ali durante a noite enquanto o restante do palácio dormia. Ela podia ter evitado os guardas, mas ainda teria que lidar com a equipe da cozinha no fim do corredor. Havia um chef na cozinha a maior parte das horas do dia e da noite, mas não só porque Andrina gostava de comer durante a noite. A carga de trabalho aumentava quando o rei Tritão tinha convidados no reino. Toda a equipe estava trabalhando muito mais, preparando-se para o festival. Passar pela cozinha significaria lidar com metade dos funcionários de lá. Ariel podia ouvir a cozinha ocupada antes mesmo de chegar à porta. O chef estava gritando alguma coisa sobre um patê de baiacu, uma iguaria que só os baiacus sabiam fazer. O chef sereiano devia estar se esforçando bastante para impressionar os convidados das Profundezas. O patê de baiacu era incrivelmente difícil de fazer, em especial porque os peixes venenosos guardavam a receita com suas vidas. Isso demonstrava a importância do festival. Era possível que a equipe da cozinha estivesse ocupada demais para reparar nela nadando pela porta. Se ao menos houvesse uma distração… Infelizmente, sua única opção era avançar pela porta e torcer pelo melhor. Ela abaixou a cabeça e deu propulsão com a cauda, nadando o mais rápido possível. O chef tinha seguido adiante do patê de baiacu e agora gritava algo sobre uma salada de algas. Ninguém percebeu Ariel passar pela porta. Ela soltou um suspiro aliviado e nadou para a entrada de serviço para sair do palácio. Tudo parecia estar dando certo até ali. Ariel se manteve nas sombras até alcançar o jardim. Os guardas deviam ter mudado a rotina em função do festival. Ariel teve que se esconder duas vezes e esperar que eles passassem, mas chegou ao jardim sem ser notada. Nyssa já estava lá esperando por ela, deitada no banco, admirando a seção em que Ariel trabalhara no dia anterior. Nyssa se sentou quando avistou a princesa. – Você veio! Ariel parou pouco antes de alcançar Nyssa. – Você parece surpresa. Nyssa deu os ombros, como se estivesse envergonhada. – Como entrou aqui? – perguntou Ariel. A outra sereia rolou os olhos. Fim da vergonha. – Você não quer saber. Na verdade, Ariel queria saber. Não seria ruim ter outros métodos de sair do pátio sem ser notada. Nyssa abriu sua cópia do pergaminho com os símbolos desenhados. – Tive algumas ideias do que podem significar. – Tenho certeza de que são boas – respondeu Ariel. – Mas não precisamos delas. Sei o que os

símbolos significam. Pelo menos a maior parte deles. – Você sabe? – Tive uma ajudinha de um amigo – admitiu Ariel. Ela não queria mentir para Nyssa. Nyssa segurou firme o braço de Ariel. – Não era para contar para mais ninguém. – Xiiiu! – Ariel olhou ao redor para se certificar de que ninguém estava vindo. Os guardas não costumavam patrulhar o jardim à noite e por isso elas o elegeram como ponto de encontro, mas, se ouvissem vozes, viriam investigar. E Nyssa não estava sendo silenciosa. – Desculpe – disse Nyssa, apressadamente. – Mas pensei que era algo só meu, seu e do Linguado. Eu não queria nem envolver a bibliotecária. – Nós ainda somos os únicos que sabem do tesouro – garantiu Ariel. – Fui cautelosa. Nyssa relaxou. – É claro que foi. Deveria ter imaginado. O que descobriu? Ariel abriu seu próprio pergaminho e o colocou ao lado do de Nyssa. Os dois desenhos eram idênticos, e, a esta altura, Ariel já tinha gravado os símbolos na memória.

– O meu professor de música, o Sebastião, é um siri. A família dele veio de outra parte do oceano. Estes símbolos são a linguagem antiga deles. – A linguagem antiga tinha ponto de interrogação? – perguntou Nyssa. – Não chegamos nessa parte – disse Ariel. – Mas talvez tenha sido colocado por quem gravou os símbolos na pedra. Não me preocuparia com isso agora. – Nem eu – disse Nyssa. – Prossiga. – Nós traduzimos a maioria dos símbolos. A próxima pista vai ser revelada ao amanhecer. – Ariel apontou para o primeiro símbolo e escorregou o dedo enquanto lia. – Aqui diz: “No nascer do sol, na Lagoa da Meia-Lua, olhe para as estrelas…”. – E? – Só cheguei até aqui – disse Ariel. – O Sebastião… bem, ele teve que ir antes de chegarmos ao próximo símbolo. O que achamos que é água, mas não sei o que a linha embaixo dele quer dizer. – Bem, vamos trabalhar com o que temos – disse Nyssa. – Precisa se encaixar com os outros símbolos de alguma forma. O que você aprendeu com estes? – A linha sob o sol quer dizer nascer do sol – explicou Ariel. – E a linha atravessada na lua significa metade. – Então, se a água está sublinhada – disse Nyssa –, suponho que signifique “submerso”. Ariel fez uma careta. – Nós precisamos olhar para as estrelas submersas? Tipo estrelas-do-mar? – Talvez a gente deva olhar para as estrelas enquanto estamos embaixo d’água – sugeriu Nyssa. – Vai ser bem difícil ver estrelas depois que o sol nascer – disse Ariel. – A menos que seja essa a estrela. – Não temos como saber antes de chegarmos lá – concluiu Nyssa. – A seta apontando para o ponto de interrogação parece bem óbvia: as estrelas vão apontar a próxima pista.

– Ou para o fim da caçada – sugeriu Ariel. – Talvez o ponto de interrogação signifique que tudo será revelado. Nyssa enrolou seu pergaminho. – Podemos torcer. Ariel observou os símbolos em sua página uma última vez. – Então, juntando tudo, a pista diz: “No nascer do sol, na Lagoa da Meia-Lua, olhe para as estrelas submersas para encontrar a resposta”. – Parece correto – disse Nyssa. – Tem alguma chance de você conseguir escapar do palácio perto do nascer do sol? Vamos precisar estar na Lagoa da Meia-Lua a essa hora. Talvez antes, para ganhar da Bell e do Cowl. – Você acha que eles também resolveram a charada? – perguntou Ariel. – Eles podem não ter um siri para ajudar. – Eles têm outros recursos – disse Nyssa. – Acha que conseguimos chegar lá antes do nascer do sol? – Provavelmente – disse Ariel. – A lagoa não é tão longe daqui. Posso te encontrar na entrada dos pátios do castelo. Não teremos tempo de chamar o Linguado. – Algo me diz que ele não vai se importar de perder esta – disse Nyssa. Ariel não tinha tanta certeza. Ela não gostava de deixar o amigo para trás, mas simplesmente não havia tempo para encontrá-lo. A princesa considerou enviar Nyssa para atualizá-lo de tudo quando saíssem do jardim, mas mandar a sereia buscá-lo no meio da noite não parecia o plano mais prudente. Linguado tinha uma família enorme, não havia como sair sem ser percebido. Sempre havia alguém acordado, de olho nos predadores. A guarda real costumava fazer rondas para manter as águas de Atlântida seguras, mas a vigília era uma velha tradição que a maioria dos peixes ainda praticava. Nunca se estava seguro demais nestas águas. – Tudo bem – disse Ariel. – Sairemos antes do amanhecer. Podemos pegar o Linguado depois de encontrar a pista. – Ou o tesouro – disse Nyssa. – Vou tentar um pouco da sua abordagem positiva e torcer para que nos leve ao nosso destino. – Ou o tesouro – concordou Ariel, apesar de uma vozinha em sua cabeça suspeitar que a caçada estava longe de terminar.

13

Sair do palácio nas primeiras horas da manhã era muito mais fácil do que no meio da noite. Ariel podia nadar pelos corredores sem que levantasse muitas perguntas, ainda que mais de um guarda, inclusive Oceanique e Flora, tenham erguido uma sobrancelha, perguntando-se o que a princesa mais nova estaria fazendo fora da cama tão cedo. Nyssa já estava à espera de Ariel atrás da recém-reformada estátua do rei Tritão na praça da cidade. Ela começou a nadar assim que Ariel chegou. – Bom dia, Ari! Ariel se apressou para acompanhá-la. – Bom dia. Está com pressa? – O sol está surgindo – respondeu Nyssa. – Você não tem aquele festival hoje à noite? – Tenho – disse Ariel. – Mas fico com você até o pôr do sol. Nyssa acelerou. – Espero que seja o suficiente. Ariel manteve o ritmo, batendo a cauda na água, forçando-se a acompanhar Nyssa. O pôr do sol parecia distante da aurora, e assim era mais fácil para Ariel se convencer de que tinham todo o tempo do mundo. Elas só tinham um dia para trabalhar no problema juntas, então Nyssa estaria mais uma vez por conta. Ariel não queria perder a diversão. As águas do lado de fora da cidade ainda estavam escuras a esta hora da manhã, mas Ariel sabia exatamente para onde iam. Ela esteve na Lagoa da Meia-Lua muitas vezes. Era longe o bastante das áreas habitadas do reino da superfície, e Ariel podia arriscar colocar a cabeça para fora da água sem maiores problemas. Seu interesse no mundo da superfície era sempre balanceado entre o que ela queria fazer e o que lhe traria problemas. Um dia, Ariel teria que falar com seu pai sobre o quanto ele estava errado sobre os humanos. Ela o ensinaria que eles poderiam ser aliados, talvez até amigos. Mas esse dia ainda estava distante. Ela também esperava conhecer algum humano antes. Isso era parte do motivo pelo qual estava tão empolgada com o tesouro de arte. Quanto mais aprendesse sobre os humanos, mais bem preparada estaria para defender seu caso. Qualquer sociedade que passasse o tempo criando arte não podia ser tão ruim assim. – Precisamos reduzir a velocidade, Nyssa – disse Ariel ao se aproximarem de seu destino. – Estamos chegando perto da superfície. – É para lá que estamos indo – respondeu Nyssa. – É difícil ver o sol nascer daqui de baixo.

– Eu sei – disse Ariel, parando antes da linha da água. – É que… o meu pai não gosta que eu venha à superfície. Nyssa flutuou na água, quase tocando a cabeça no ar. – Isso nunca te impediu de fazer nada. Você vem muito aqui. – Não muito – disse Ariel. – Mas como você sabe? – Seu pai não teria um problema com isso se não acontecesse com mais frequência do que ele acha apropriado. Ariel não podia rebater essa lógica. – Ainda assim, precisamos ser cuidadosas. Vir tão perto da costa é perigoso. Podemos ser vistas. – Não tão longe da cidade humana – disse Nyssa. – Não tão cedo. Confie em mim. Vários humanos já me viram. Ou pensam que viram. Nunca fui pega. A maioria pensa que não passei de uma ilusão. A parte boa de pensarem que somos um mito é que eles mesmos buscam outras explicações para o que veem. Ariel não tinha muita certeza de concordar com isso, mas, nas poucas vezes que viera a esta parte do oceano, nunca tinha visto um humano. Considerando que ainda estava escuro e era muito cedo, ela duvidava que alguém pudesse vê-la com clareza. Juntas, Ariel e Nyssa emergiram na superfície para o ar fresco da manhã. Fora da água era muito mais gelado do que nas profundezas de Atlântida. Havia neblina baixa. Ariel se preocupou que isso bloquearia a luz necessária para revelar a pista. Ainda assim, achou que a costa parecia perfeita e acolhedora. Elas tinham emergido na margem de uma pequena lagoa na base de umas colinas baixas. Árvores verdes floridas enfeitavam a praia ao redor, formando dois bancos de areia de cada lado, como se a terra se esticasse para abraçar o oceano. Ariel não tinha certeza de por que aquele lugar se chamava Lagoa da Meia-Lua. Parecia mais uma lua crescente, assim como o símbolo em forma de C que encontrara na pedra. Os bancos de areia se estendiam por quase todo o contorno da lagoa e terminavam sem encostar as pontas, deixando uma pequena abertura entre eles. – Será que devemos entrar? – perguntou Nyssa. – Ou ficamos aqui? Desta vez, a voz na cabeça de Ariel parecia a de seu pai. Ela alertava que estariam mais seguras se ficassem do lado de fora. Poderia ter qualquer coisa na lagoa. Depois que entrassem, só havia uma saída. Normalmente, Ariel teria ignorado a voz e se apressado para entrar. Mas elas não eram as únicas atrás do tesouro. Era melhor esperar ali e assistir ao sol nascer para saber com o que estavam lidando. – Nós podemos ver melhor daqui o nascer do sol – disse Ariel conforme o céu se iluminava. – Quanto mais perto da terra, mais aquelas colinas estarão no caminho. Eu acho, não tenho certeza. Nunca vi o sol nascer antes. Só o pôr do sol. E o sol sempre se põe sobre o oceano ali. – Você vai ver algo incrível – disse Nyssa, sorridente. – Já vi o sol nascer dezenas de vezes na costa. Não tem nada que se compare à terra ganhando vida. Tudo sai das sombras esverdeadas e explode em cores! É um verdadeiro espetáculo. Pela primeira vez desde que conheceu Nyssa, Ariel viu nela algum tipo de deslumbramento como o que ela própria sentia ao explorar os destroços de um navio ou algo novo e empolgante em uma costa distante. Era o olhar de alguém que gostava de explorar. Isso enfim fez com que Ariel percebesse o que a vinha incomodando esse tempo todo.

Para alguém que se dizia uma exploradora, Nyssa não parecia gostar de explorar de verdade. Ela se aproximava das pistas como se fosse estritamente um desafio a ser resolvido, e não um mistério empolgante a desvendar. Ela deveria ficar maravilhada com as pistas. Ansiosa pelos desafios que tinha pela frente. Toda essa caça ao tesouro parecia apenas uma caçada, pura e simplesmente. Nyssa não parecia estar aproveitando. Isso incomodava Ariel. Ela sentia que ainda não sabia da história completa. – Você acha que as águas-vivas podem estar aqui? – perguntou Ariel. – Será que eles desvendaram a pista? – Ah, eles virão – disse Nyssa. – Mas eles não iriam desvendar a pista sozinhos. Eu mesma não teria conseguido sem você. – E a barracuda para quem eles trabalham? – perguntou Ariel. – Será que ele consegue? – Não sem ajuda – disse Nyssa misteriosamente. Ariel sentiu um arrepio que não tinha nada a ver com o ar da manhã. – Mas você ainda acha que eles virão? – Sem dúvida. A dupla esperou em silêncio o sol surgir entre as colinas junto à costa. Tal como Nyssa havia prometido, a lagoa adormecida ganhou vida sob a luz do sol. O verde escuro e sombrio das árvores virou um tom esmeralda vibrante. As flores abriram suas pétalas para receber o sol, colorindo a costa de rosa, azul, amarelo e vermelho. Os pássaros acordaram e preencheram o amanhecer com suas magníficas canções. Era a vista mais bonita que Ariel já tinha presenciado. Ela sequer conseguia imaginar como seria acordar todo dia assim, bem como não queria pensar na vida que teria se fosse proibida de fazer tudo. – Abaixe! – sussurrou Nyssa, puxando Ariel mais para dentro d’água, até que só os olhos ficaram acima da superfície. Nyssa apontou com a cabeça para a direita. Ariel se voltou para aquela direção, mas não via nada além de um par de sombras na superfície da água, à distância. Ela levou um momento para perceber que eram as cabeças de Bell e Cowl. Bem como elas temiam: as águas-vivas tinham desvendado a pista. Ariel queria poder aproveitar o sol nascente um pouco mais antes de voltar à caçada. Agora era uma corrida de novo, uma que ela e Nyssa precisavam vencer. Os olhos de Ariel observaram a lagoa e sua mente repassou a pista que tinham traduzido dos símbolos: Ao nascer do sol, na Lagoa da Meia-Lua, procure a resposta nas estrelas submersas. Ela torcia para que tivessem traduzido os símbolos corretamente. Ariel não entendia como deveriam observar as “estrelas submersas” quando o sol surgisse. Conforme o dia clareou, também se iluminaram as águas azuis e brilhantes da lagoa. A superfície da água refletia porções de luz, mas era tudo igual dentro e fora da lagoa, onde estavam Nyssa e Ariel. Ela estava prestes e mergulhar na água para ver se enxergava algo diferente quando um reflexo na beira da lagoa chamou sua atenção. O banco de areia na beirada externa da lagoa estava brilhando sob a luz do sol. Era como as pedras preciosas de que os humanos tanto gostavam. Diamantes, ela achava que era esse o nome. Talvez não diamantes de verdade, mas havia algo brilhante por toda a areia. Ela estava vendo a resposta do enigma. Tinha que ser isso. Pareciam-se muito com estrelas na terra e estavam sob a água

que avançava sobre a areia. O outro lado do círculo não tinha brilho algum. Era só o fundo do C que brilhava sob a luz. O lado oposto do banco de areia, sobre a terra, parecia com areia normal. Já a areia no fundo do C era diferente, e em determinado ponto parecia uma flecha que desaparecia na água: uma flecha apontando para a próxima pista, tal como os símbolos indicavam. Ariel apontou com a cabeça na direção da seta e Nyssa apontou na direção das águas-vivas. Bell e Cowl já se dirigiam à pequena entrada no meio dos bancos de areia. Seria uma corrida de quem chegava lá primeiro. Uma corrida na qual as sereias já estavam atrás. As águas-vivas chegaram perto da superfície, e Ariel e Nyssa mergulharam o quanto conseguiram para entrar na lagoa. Mas o oceano era raso ali e oferecia poucas opções de esconderijo. Agora o sol já havia nascido e era impossível se esconder nas sombras. Não havia nenhuma nessa profundidade. Quem entrasse na lagoa primeiro teria vantagem. Foi por isso que Ariel ficou chocada quando Nyssa subitamente parou na sua frente. – O que você está fazendo? – disse Ariel em um sussurro forçado. – Precisamos entrar lá antes deles. – Não vai dar tempo – disse Nyssa. – Não importa. Estamos fazendo errado. Não posso deixar que eles me vejam. Se souberem que eu estou na caçada… não vai ser bom. Mas quem se importa se eles virem você? – O que você quer dizer? Eles não vão, não sei, me atacar? – Por quê? – perguntou Nyssa. – Você é só uma sereia na lagoa. Não necessariamente está na caçada. Mas, se eles me virem, vão saber que estou atrás do tesouro. – E daí? – questionou Ariel. – Talvez seja hora de eles descobrirem que têm concorrentes. – Não! – disse Nyssa. – Eles não podem saber de mim! Não podem. O olhar de Nyssa era revelador para Ariel. Estava acontecendo alguma coisa além do que a garota tinha compartilhado. Não era hora de perguntas. As águas-vivas já tinham levado embora a pista anterior. Ariel não queria correr o risco de chegar tão perto e vê-las levar mais uma. Ela queria ver o tesouro tanto quanto Nyssa. Talvez até mais. – Eles estão na lagoa – disse Nyssa. – Vão descobrir para o que a seta brilhante está apontando. – E se souberem quem eu sou? – perguntou Ariel. – Uma princesa pode sair para nadar logo cedo – respondeu Nyssa. – É ainda melhor. Quem imaginaria que uma das filhas do rei Tritão está metida em uma caça ao tesouro? Ariel observou de longe. Elas já tinham perdido muito tempo. As águas-vivas estavam na lagoa, examinando as estrelas brilhando submersas. Encontrariam a pista. Ela sabia. – Tudo bem – ela disse. – Eu vou. Ariel foi sozinha, torcendo para que não estivesse cometendo o maior erro de sua vida.

14

Ariel nadou pensando no misterioso tesouro. Como ele esteve escondido por todos esses anos sem ninguém encontrar? As pistas eram desafiadoras, sem dúvida, mas não tão difíceis assim. As obras de arte humanas que as águas-vivas e o misterioso Balão estavam caçando não faziam muito sentido também. Um tesouro como esse só era interessante para colecionadores como Ariel. Não havia muitos como ela no mar. Nyssa dissera algo sobre uma pérola especial, mas Ariel tinha dificuldade em imaginar o que haveria de tão importante. Havia milhares de pérolas no oceano. As pérolas eram bonitas, mas só um pouco mais raras do que grãos de areia. Ariel afastou essas dúvidas de sua mente ao entrar na lagoa. Era preciso foco. Ela não deveria se arriscar ainda mais por não prestar atenção nas águas-vivas. Bell e Cowl estavam observando o lado brilhante do banco de areia, onde as pedras eram banhadas pela luz e cintilavam como estrelas. As águas-vivas não perceberam que havia uma flecha apontando para a próxima pista, do outro lado do banco de areia, no alto do C, na areia que não brilhava sob a luz. Ariel parou na entrada da lagoa para apanhar seus pertences. Seria ótimo se ela pudesse entrar lá e procurar pela pista sem ser notada pelas águas-vivas. Bell e Cowl estavam tão focados em sua própria busca que ela quase se convenceu de que seria possível. Se ela fosse veloz o bastante, eles talvez nem a vissem. Era tentador. Porém, a vozinha na cabeça de Ariel alertou que seria impossível passar pelas águas-vivas sem chamar atenção. A vibração na água já seria o suficiente para alertá-las de sua presença. Nesse caso, Ariel decidiu que não haveria motivo algum para entrar em segredo. – Areia, areia e areia – resmungou Cowl. Eles tinham ido até o limite da água no banco de areia. – Não há nada aqui além de areia. É uma perda de tempo. Eu poderia estar fazendo outras coisas agora se não tivesse que prestar contas para Balão. – Tipo o quê? – perguntou Bell. – A sua vida é tão empolgante quanto um pedaço de madeira à deriva. – Ei, não fale mal dos pedaços de madeira – repreendeu Cowl. – Eles passeiam bastante. – Só na corrente – retrucou Bell. Foi quando Ariel veio na direção das águas-vivas, que não tinham notado sua presença até então. Certamente não eram as criaturas mais observadoras do mar. – Olá! – cumprimentou Ariel. Ela teve o cuidado de ficar fora do alcance dos tentáculos venenosos, no caso de eles não estarem de bom humor com visitantes ocasionais da lagoa. – Vá embora – resmungou Cowl, e Ariel ficou contente de ter parado onde estava.

– Não seja rude – disse Bell, voltando-se para a sereia. Ariel arriscou se mover, tentando sempre manter certa distância sem parecer querer ficar longe deles. – Esta lagoa é sua, senhorita? – perguntou Bell educadamente. – Você mora aqui? – Não – respondeu Ariel. – Eu só estava passando e vi as luzes brilhantes. Pareceu tão bonito e decidi parar para ver. – Nós vimos também – disse Bell. – É muito bonito mesmo. – E completamente inútil – murmurou Cowl. – É mesmo – respondeu Ariel para Bell, ignorando seu parceiro mal-humorado. A sereia estava pensando em como encaminhá-los para procurar em outra direção, mas a lagoa não era grande o bastante para afastá-los por completo. Não importaria para onde Ariel apontasse, Bell e Cowl ainda estariam no campo de visão. As opções eram limitadas. A única saída para Ariel era se aliar a Bell e Cowl, de forma que eles não percebessem que ela estava se aliando a eles. Se as águas-vivas notassem que ela também estava na caçada, não haveria como evitar os tentáculos venenosos. – Você já viu algo assim antes? – perguntou Bell. Ela parou de se mover na direção de Ariel. Provavelmente estava acostumada à distância que deveria manter de sereianos por causa dos tentáculos. – Nunca – disse Ariel. – Mas é curioso… – O que é curioso? – perguntou Cowl sem demonstrar nenhum entusiasmo. Ariel se dirigiu para a superfície. – Quando você olha de longe, parece um tipo de flecha. Como se estivesse apontando para o outro banco de areia. Cowl olhou embasbacado para Ariel. Ou talvez essa fosse a cara dele mesmo. Era difícil de distinguir isso em águas-vivas. Os olhos de Bell se afastaram do banco de areia brilhante. Havia algo como um sorriso em seu rosto, e ela cutucou o parceiro com um tentáculo. – A sereia está certa. Está apontando para o outro lado da lagoa. Cowl olhou naquela direção. Nenhum deles podia ver nada de onde estavam, mas era uma dica promissora. – Obrigado, sereia – disse Cowl quando ele e Bell saíram nadando em direção à pista em potencial. – Por nada – disse Ariel, indo atrás deles. – Posso ir junto? As águas-vivas pararam brevemente, e Ariel seguiu atrás com cuidado, para evitar os tentáculos. Ela precisou se forçar a permanecer calma quando eles a encararam de novo. Até onde eles sabiam, ela era só uma sereia nadando pela manhã. Não havia motivo para suspeitarem que ela estivesse atrás da pista. Era bom que Linguado não estivesse junto agora, pois ele não saberia ficar calmo nesta situação. Bell fez que sim com a cabeça. – É claro, sereia. Adoraríamos mais um par de olhos. – Eu devia ter chamado o primo Boxie – disse Cowl. – Ele tem vinte e quatro pares de olhos. Bicho de sorte. – Isso significa que ele precisaria te ver ainda mais – disse Bell. – Já que só temos quatro olhos

junto, a garota pode nos ajudar. – Ela se voltou para Ariel. – Nós estamos procurando por… alguma coisa. Bem… não temos certeza do que é. Mas, se quiser vir junto, fique à vontade. Ariel tentou não sorrir muito para não se entregar. Foi mais fácil do que tinha imaginado. Agora, se houvesse uma maneira de encontrar a pista e não contar para as águas-vivas… Seria pedir muito, mas valia a tentativa. – Não precisamos de uma intrusa na busca – disse Cowl em um sussurro não tão discreto quanto ele gostaria. Ou talvez ele simplesmente não se importasse se Ariel o ouvisse. – E se ela estiver atrás da pérola? Pérola? Ariel parou ao ouvir a palavra. Nyssa havia mencionado uma pérola, mas não falou mais nada a respeito. As águas-vivas talvez mencionassem o segredo se ela conseguisse não demonstrar interesse. Até onde elas sabiam, Ariel era uma sereia desavisada que encontrou alguns novos amigos enquanto nadava pela manhã. Ariel rapidamente assumiu uma expressão vazia quando Bell olhou em sua direção. Ela sorriu e acenou, fingindo achar que as águas-vivas estavam checando se ela ainda as acompanhava. Bell deu as costas e pareceu satisfeita que Ariel não teve nenhuma reação ao ouvir falar da pérola misteriosa. – Duvido que uma garota esteja atrás da pérola – comentou Bell em um sussurro um pouco mais baixo. Ariel teve que se esforçar para ouvi-la. – O que ela iria fazer com a pérola? Perguntar qual garoto gosta dela? Ariel rangeu os dentes. Ela não fazia ideia do que as águas-vivas estavam falando, mas odiava que qualquer um achasse que ela fosse uma fanática por garotos simplesmente por ser uma garota. Acontecia muito com ela e suas irmãs. Quando se tem sete princesas em uma única família, é esperado que em algum momento elas se casem com príncipes. Ariel deixou o incômodo de lado e voltou para a questão principal. O que Bell queria dizer com fazer perguntas à pérola? Pérolas não falam. Elas certamente não entendem nada de garotos ou qualquer outro assunto. São apenas… pérolas. Agora parecia muito que havia mais sobre o tesouro do que ela sabia. Bell tinha dado uma ideia a Ariel. Se as águas-vivas queriam pensar que ela era uma garotinha fútil obcecada com garotos e coisas bobas, por que não entrar na personagem? Se continuassem subestimando a sereia, nunca perceberiam que ela estava atrás do mesmo prêmio. – Vocês estão procurando uma pérola? – perguntou Ariel com um gritinho. – Adoro pérolas. São tão bonitas. Eu tenho um par de brincos de pérola em casa. São os meus favoritos. – Ariel imaginou que as águas-vivas não seriam tão perceptivas a ponto de reparar que ela sequer tinha as orelhas furadas. – Você pareceria uma tonta se usasse uma pérola desse tamanho – disse Cowl, o que lhe rendeu um tapa de um tentáculo de Bell. Ariel achava que a água-viva não tinha queimado o seu parceiro, mas o tapa parecia ter doído bastante. O olhar que Bell lançou para Cowl também pareceu queimar. No entanto, veio tarde demais. Cowl já havia movido seus tentáculos em um círculo que Ariel assumiu que fosse o tamanho da pérola. Se fosse isso mesmo, era a maior pérola do oceano. Era no mínimo maior que a sua cabeça. Ariel não queria testar a sorte e perguntar mais sobre a pérola, mas parecia que as águas-vivas estavam mais interessadas nisso do que em todo o resto. Elas nem mencionaram obras de arte

humanas. Nyssa tinha mencionado a pérola na conversa sobre o tesouro, mas isso era diferente. Elas não estavam falando de mais nada além da pérola. Isso fez Ariel pensar se haveria alguma obra de arte no fim das contas. A pérola era parte de uma coleção ou toda a história do naufrágio fora inventada por Nyssa? – Acho que a flecha estava apontando nesta direção – avisou Ariel quando percebeu que as águasvivas estavam saindo do caminho. Ariel considerou a opção de deixar seus parceiros relutantes irem para longe, mas não queria levantar suspeitas de que estivesse tramando algo. Ela ainda queria sair dali em segurança. – Onde? – perguntou Cowl. – Não tem nada ali. A água-viva estava certa. Não parecia haver nada submerso naquele lado além da areia que não brilhava no sol. – A sereia não sabe do que está falando – disse Cowl para Bell ao olhar para a areia deserta. – Não era uma seta. Ela nos trouxe para este lado da lagoa de propósito. Ariel ignorou a água-viva. Ela estava focada em um montinho em particular que parecia fora do lugar. Ela nem notou que as águas-vivas estavam se aproximando dela, apesar da vozinha em sua cabeça ter gritado um alerta. Bell passou um tentáculo por trás de seu parceiro. – Acho que ela está tramando algo. Ariel começou a afastar a areia com a cauda. O montinho desapareceu completamente e revelou uma fina camada de cascalho que cobria algo maior. Quanto mais a sereia esfregava a cauda, mais revelava. No começo, Ariel pensou que fosse uma enorme concha, mas, conforme seguiu desenterrando, começou a perceber o formato. Não era uma concha. Eram duas. Uma em cima da outra. Era um mexilhão. O maior mexilhão que Ariel já tinha visto. Devia ser muito velho para ter atingido aquele tamanho. Era ainda maior do que os que suas irmãs usavam no número musical. – Ela encontrou a pérola! – gritou Cowl mais alto do que era necessário para uma manhã silenciosa na lagoa. – Isso não faz sentido – disse Bell. – A Pérola da Sabedoria vem de uma ostra, não de um mexilhão. Não pode ser tão fácil assim. Ariel teve que se esforçar para não reagir. Ela não sabia nada sobre a tal Pérola da Sabedoria, mas estava certa de uma coisa: dentro daquela concha não estava escondido um navio com um empolgante tesouro humano. – Me empresta um tentáculo – disse Bell para o parceiro. – Só se você me devolver depois – brincou Cowl ao se aproximar do mexilhão. As águas-vivas passaram nadando por Ariel e tentaram colocar os tentáculos dentro da boca do mexilhão. Cada vez que tentavam forçar a concha, os tentáculos escorregavam e eram lançados para trás, embolados em seus próprios braços. Ariel tentou não rir enquanto assistia a esse exercício inútil. Ela conheceu mexilhões o suficiente em sua vida para saber que não era possível forçá-los a abrir se eles não quisessem. Certamente um mexilhão desses que já viveu tanto não iria abrir a boca assim para qualquer um, e especialmente para uma dupla de águas-vivas que estavam tentando forçar a entrada sem o seu consentimento. – Você quer que eu te queime? Isso vai fazer você abrir fácil, fácil! – gritou Cowl para o mexilhão

quando se desembaraçou de seus próprios tentáculos após a terceira tentativa fracassada. Era uma ameaça vazia, Ariel sabia. A concha do mexilhão era rígida e não tinha sensibilidade alguma a queimaduras de água-viva. Bell e Cowl poderiam usar todo o seu veneno tentando queimar a concha e ele não iria sentir nada. Ariel não tinha tempo para perder ali enquanto as águas-vivas desperdiçavam a manhã. O Festival das Profundezas era naquela noite. Se ela quisesse terminar a caçada, era melhor se apressar. Já que forçar não estava funcionando, Ariel decidiu que era hora de outra abordagem. – Posso tentar uma coisa? – perguntou Ariel, adiantando-se. – Você ainda está aqui? – retrucou Cowl. Ele estava tão frustrado que parecia pronto para atacar qualquer um com seus tentáculos. Ariel deixou claro que manteria distância. Bell afastou seus tentáculos de ataque. – É claro que ela ainda está aqui. Você está fazendo uma cena todo embolado nos tentáculos desse jeito. – Pois é, e você aí bem ao meu lado – resmungou Cowl. Bell ignorou seu parceiro e focou Ariel. – O que você quer tentar? – Deixe eu mostrar. – Ariel nadou até o mexilhão e colocou a mão gentilmente sobre a concha. – Com licença. Desculpa incomodar você. Estava pensando se você poderia abrir só um segundinho. Meus amigos e eu estamos procurando uma coisa e parece que está escondida aí dentro. É claro, se nós estivermos certos, você já está sabendo, não é? Ariel acariciou delicadamente a concha para demonstrar que não lhe faria mal. Era tudo de que precisava, e a concha se abriu em um momento para revelar o que havia ali dentro. Não era uma pérola, nem certamente uma do tamanho da cabeça de Ariel, se pudesse acreditar na água-viva, mas eles estavam certos em suspeitar que o mexilhão estivesse envolvido na caça ao tesouro. Havia uma pista estampada do lado de dentro.

15

– Eles deixaram você ir? – perguntou Nyssa assim que viu Ariel retornar da lagoa. – Você parece surpresa – comentou Ariel ao passar por Nyssa enquanto retornavam para Atlântida. Ela nem ligou se a sereia de cabelos pretos a estava acompanhando. Ela se incomodara com Nyssa por ter mantido o segredo sobre a pérola, mas não sabia como puxar o assunto. Havia algo a mais ali além de uma simples caça ao tesouro, mas Nyssa era seletiva quanto às coisas que compartilhava. Era no mínimo confuso. – Tinha chance de dar errado. Poderia ter acontecido qualquer coisa – continuou Nyssa ao lado de Ariel. Nyssa estava agindo com indiferença, mas era possível perceber que estava aliviada. De certa forma, isso deixava Ariel ainda mais nervosa com o que acontecera. Ela não sabia nada sobre as águas-vivas. Podia ter ficado presa em uma enorme enrascada. – Você está certa – disse Ariel casualmente, tentando imitar o tom de Nyssa. – Eles nem imaginaram que eu soubesse algo da caça ao tesouro. Até me deixaram ajudar a procurar a pista. Ariel seguiu nadando em direção a Atlântida. Linguado logo estaria no palácio. Ele ficaria preocupado se ela fosse a qualquer lugar sem dar explicações. Tudo que seu melhor amigo sabia era que ela encontraria Nyssa à meia-noite. Ele poderia imaginar que Ariel tivesse sido sequestrada e que nunca mais a veria. Ele tinha uma imaginação e tanto. – Então, você encontrou? A pista? – perguntou Nyssa preocupada. Incerta. – Encontramos. – Bell e Cowl viram também? – Sim. – Ei, Ariel. Calma aí! – Preciso voltar para Atlântida – respondeu a princesa sem reduzir a velocidade. Ela não tinha certeza se estava brava com Nyssa ou se queria que ela pensasse que estava chateada. Ariel tinha perguntas. Muitas. Mas não tinha certeza se Nyssa lhe daria respostas. Até pouco tempo antes, ela achava que estavam se tornando amigas. As águas-vivas deixaram Ariel partir sem nada além de um aviso para ficar longe da caça ao tesouro. Eles não cairiam no mesmo truque se a encontrassem perto da próxima pista. Mas já não era mais tão importante se tudo o que eles estavam procurando era uma pérola gigante. Ariel nem tinha certeza se iria atrás da próxima pista. A essa altura, poderia decidir qualquer coisa. – Você não vai me contar o que encontrou? – perguntou Nyssa ao alcançá-la. Ariel parou.

– Isso depende. Você vai me contar sobre a pérola? Nyssa congelou. Por um breve momento, demonstrou surpresa, e depois seu rosto retomou a expressão neutra. – Eu te contei sobre a pérola. – Na verdade, não – disse Ariel. – Você mencionou uma pérola e depois mudou de assunto como se não fosse importante. Mas Bell e Cowl só falaram disso. Eles chamaram de Pérola da Sabedoria. Da maneira como falaram, fiquei pensando se não é atrás disso que você está. Nyssa engoliu em seco. – Você está certa. Eu não fui totalmente sincera. Mas era a única maneira de ter a sua ajuda. – Mas por quê? – perguntou Ariel. – Por que essa pérola é tão importante? Ela é parte do tesouro? Existe mesmo a tal da coleção de arte? – Desculpe, Ariel. – Nyssa olhou em seus olhos e disse seu nome inteiro pela primeira vez desde que se conheceram. – Eu vi o quanto você gostava de coisas humanas e imaginei que um tesouro mítico de arte seria a forma mais fácil de fazer você se interessar. Eu precisava de ajuda para resolver a pista sobre a besta. Precisava entrar no palácio. Ariel queria deixar tudo às claras. – Então não existe tesouro nenhum? Nyssa sacudiu a cabeça. Sua mecha de cabelo solto caiu sobre o rosto e ela a deixou lá. – Eu teria ajudado. Teria ficado feliz em ajudar – disse Ariel com sinceridade. Ela teria ido com Nyssa se ela tivesse pedido. Mesmo depois de ela ter pegado a caixa dos destroços. Ariel estava bastante decepcionada com a verdade. Ela tinha sonhado com aquele tesouro humano, imaginando as coisas que poderia aprender sobre a vida fora do mar. Era difícil aceitar que ele sequer existisse e acreditar que Nyssa tinha inventado tudo. As barbatanas de Nyssa se encolheram. – Da forma que eu vivo, nadando de um lugar para o outro, é difícil de realmente conhecer as pessoas. Toda vez que precisei da ajuda de alguém, a maneira mais fácil sempre foi oferecer algo em troca. Eu não tinha nada para te oferecer. Nada além daquela caixa velha com a pista na tampa. Então eu fingi ter. Foi a única coisa em que consegui pensar na hora. – E pelo quê? Por uma pérola? Isso é mais importante que a nossa amizade? – Ariel estava magoada, mas não com raiva de verdade. Ela não entendia o que era viver como Nyssa. Mesmo se Ariel não fosse uma princesa, as pessoas de Atlântida continuariam sendo bondosas e generosas. Qualquer um ajudaria um estranho. Mas Ariel não fazia ideia de como era a vida além das fronteiras do reino. Talvez não fosse sempre tão agradável como imaginava. – A pérola não tem valor nenhum – disse Nyssa. – Não para mim. Pelo menos não sozinha. Mas Balão a tornou importante. Ele a transformou na coisa mais importante do mar. Ariel suspirou. – Não estou entendendo. – Você vai entender. Siga-me. – Nyssa arrumou o cabelo atrás da orelha, desembaraçou as barbatanas e saiu nadando, para longe de Atlântida. Ariel olhou na direção de casa. Ela talvez tivesse algum tempo antes de Linguado chegar ao palácio. Ele iria tomar café da manhã antes. Isso garantia algum tempo. Não muito, mas, com sorte, o suficiente. Contanto que ela chegasse ao palácio antes de Linguado, ele nem saberia que ela esteve fora. Não haveria com o que se preocupar e, o mais importante, não haveria motivo para ele

preocupar o pai dela. – Este é o caminho por onde foram as águas-vivas – comentou Ariel ao alcançar Nyssa. – Nós estamos seguindo eles? Achei que fosse perigoso. – É perigoso – respondeu Nyssa. – Mas eu sei para onde eles estão indo. Não é longe daqui. Ariel e Nyssa nadaram em silêncio por um tempo, mas a mente de Ariel não conseguia se acalmar. Ela ainda tinha muitas perguntas. Esperava que Nyssa já estivesse pronta para respondê-las. – Se essa pérola não é valiosa, o que ela faz? – perguntou Ariel. – Existem pérolas por todo o oceano. Elas são bonitas. Fazem boas joias. Mas só os humanos colecionam como tesouros. Nós podemos pegar as pérolas que quisermos em Atlântida. Não tem nada a ver com ser uma princesa. O Linguado poderia pegar com a mesma facilidade. – Ele ficaria muito bem com um longo colar esvoaçante. Combina com os olhos. Ariel não riu. Nyssa resolveu responder: – Não é qualquer pérola. Chama-se Pérola da Sabedoria. – Ela parou de nadar, à espera de uma reação. Ariel respondeu dando de ombros e parou também. – Foi o que as águas-vivas disseram. Elas também falaram algo de perguntar coisas a ela, mas não faz sentido. Nunca ouvi falar dessa Pérola da Sabedoria. – Isso é surpreendente – comentou Nyssa. – Já que você é tão obcecada pelos humanos. – Interessada – corrigiu Ariel. – Não obcecada. Nyssa sorriu e apenas ergueu a sobrancelha. – Eles estão à procura dessa pérola há tanto tempo quanto os sereianos. É por isso que a gente encontra pistas em artefatos humanos sob o mar. É um dos interesses em comum entre a nossa espécie e a deles. – E quem está espalhando essas pistas? – perguntou Ariel, acompanhando-a. – O mexilhão que tinha a última não era muito de papo. – Mexilhão? – É uma longa história. – Ninguém sabe de onde elas vêm – disse Nyssa. – É parte da lenda. Pistas para encontrar a Pérola da Sabedoria têm surgido ao longo dos séculos. Em terra firme. No oceano. Em todos os oceanos. Exploradores do mundo inteiro estão procurando por ela. – E você acha que está perto de Atlântida? – Ou em Atlântida – disse Nyssa. – Era para lá que apontavam as últimas pistas. – E o que faz dela tão especial? – questionou Ariel. – Você disse que não era valiosa. – Não para mim – respondeu Nyssa. – Eu disse que não era valiosa para mim. Alguns a consideram muito valiosa. – Por quê? Nyssa olhou para Ariel, que vinha nadando atrás dela. – Ela é mágica! – Mágica? – perguntou Ariel, cética. Ela sabia que a magia existia em seu mundo. O tridente de seu pai era um objeto poderoso. Mas também extremamente raro. Era por isso que todos sabiam sobre o objeto de seu pai e ficavam apropriadamente intimidados por ele. Era isso que mantinha o rei das Profundezas à distância quando ele ficava enfurecido. Ariel suspeitava que teria ouvido rumores sobre uma pérola gigante mágica se algo do tipo

existisse. Especialmente tão perto de Atlântida. No entanto, admitia, sua atenção normalmente estava voltada para qualquer lugar que não fosse Atlântida. – A Pérola da Sabedoria responde qualquer coisa que você perguntar – explicou Nyssa. – Pode dizer tudo que você quiser saber. Precisa das respostas da próxima prova? A pérola resolve. Quer saber se um garoto gosta de você? A pérola diz. – Então… é uma pérola falante? Isso é mágico. Mas não vejo o grande poder em conseguir colar em um teste. Eu consigo boas notas sozinha. Nyssa suspirou. – Você não entendeu. Você quer saber algo sobre o mundo dos humanos? Quer saber como é ser um humano? A pérola pode te mostrar. Orientar o caminho direto para naufrágios cheios de tesouros humanos. Dar um jeito de você encontrar um humano. Tudo que precisa é fazer a pergunta certa. É incrivelmente poderosa. E incrivelmente perigosa também. Ariel começava a ver o potencial em algo assim. Mais importante, ela começava a perceber por que outras criaturas a desejavam. Nas mãos erradas, era o tipo de poder capaz de destruir o mundo. – O que Balão quer com a pérola? – Não sei – respondeu Nyssa. – Mas não deve ser coisa boa. Balão quer poder. Ele quer comandar os mares. Ele procura a pérola há anos. Não pode ser uma coincidência que ele esteja se esforçando tanto bem nas vésperas do Festival das Profundezas. Ariel tinha medo do que Nyssa pudesse estar sugerindo. O Festival das Profundezas era a única vez que as criaturas dos cantos mais fundos do oceano subiam para encontrar os moradores de Atlântida. Com toda a comemoração, era fácil se esquecer das implicações históricas do festival. Muito tempo antes, Atlântida esteve em guerra com os habitantes das Profundezas. O festival veio apenas depois de uma trégua que encerrou diversos anos de conflitos. Era a única vez do ano que o rei das Profundezas emergia da escuridão para se comunicar com o reino mais próximo. Não era preciso muito para reanimar as tensões entre Atlântida e as criaturas das Profundezas. Se a Pérola da Sabedoria fosse mais que um mito, poderia dar a Balão todas as informações de que ele precisava para começar uma guerra. Poderia dar a qualquer um esse poder. – E por que você quer a pérola? – perguntou Ariel. Suas suspeitas em relação a Nyssa aumentavam a cada pergunta que vinha à sua mente. Algo nessa história incomodava Ariel, mas ela ainda não tinha certeza do quê. – É o que vou te mostrar agora.

16

Nyssa guiou Ariel pela costa enquanto o sol continuava a se erguer sobre o céu e iluminar o mar. Ariel não viu nenhum sinal de Bell ou Cowl enquanto nadavam, mas as águas-vivas tinham uma pequena vantagem em relação a elas. Além disso, Nyssa não estava nadando muito rápido. Ariel entendeu que ela não pretendia correr na competição. Essa caça ao tesouro estava se tornando mais perigosa do que Nyssa a informara a princípio. As garotas ainda estavam nos limites de Atlântida, que se estendia até a costa, mas se aproximaram da fronteira sul impulsionadas por suas caudas na água. Já era tarde na manhã, e Ariel começava a se preocupar que Linguado notaria sua falta se ela ficasse longe por muito mais tempo. Ele não alertaria seu desaparecimento para seu pai de imediato, mas ficaria trêmulo o tempo inteiro até que ela retornasse. Ariel estava prestes a compartilhar sua preocupação com Nyssa quando a sereia nadou em direção ao fundo do mar e se escondeu atrás de uma porção de grama marinha. Ariel a seguiu, temendo que alguém as tivesse visto. – Ali – sussurrou Nyssa, apontando para um local além do gramado. – É a casa de Balão. Ariel espiou pela grama na direção que Nyssa apontara. Um enorme recife submerso feito inteiramente de coral estava bem diante delas. Devia ter se formado ao longo de milhares de anos para atingir aquele tamanho todo. Os corais nos jardins reais eram apenas bebês se comparados a este, que era uma das maiores colônias que Ariel já tinha visto. Parecia que o coral formava um círculo perfeito, com um espaço no centro que talvez fosse ainda maior que a sala do trono do rei Tritão. Um arco coberto levava à entrada principal do recife. Não havia guardas ali, mas Ariel duvidava de que Nyssa pretendesse levá-la para dentro. – Por que estamos aqui? – perguntou Ariel com um sussurro. As barbatanas de Nyssa se encolheram. – Ele os pegou. – Ele pegou quem? – Meus pais – revelou Nyssa. – Balão pegou os meus pais. Ele está os forçando a resolver as charadas e a interpretar as pistas para encontrar a pérola. Ele está os mantendo em cativeiro. Tenho medo do que ele possa fazer com eles depois que encontrar o que está procurando. – Ai, Nyssa, eu sinto muito. – Ariel lançou outro olhar para além da grama. Ela estava pronta para entrar e salvar os pais de Nyssa quando percebeu que precisariam de um plano antes. – Você quer entrar e tentar um resgate? Pode contar comigo. É só falar.

Nyssa fechou os olhos e sorriu. – Obrigada, Ariel. Isso significa muito para mim. Mas é perigoso demais. Vamos lá. Eu te mostro. Precisamos ficar quietas. Ariel concordou com um aceno da cabeça e seguiu Nyssa, que se movia para além da grama. Ela evitou a entrada, como Ariel suspeitava, e nadou em silêncio ao redor do recife. No começo, Ariel não tinha certeza de aonde estavam indo, mas então ela viu: havia um pequeno vão no coral, bem onde o recife encontrava o fundo do mar. – Eu entro por aqui para vê-los – sussurrou Nyssa ao nadar pela abertura. – Para me certificar de que estejam bem. Ariel concordou. Ela seguiu Nyssa para dentro do coral. Não era largo o bastante para elas entrarem lado a lado. Teriam que se arrastar na areia antes, puxando o corpo com as mãos e a cauda atrás. Nadar não era uma opção nesse espaço apertado. Não havia como balançar a cauda. Ariel fez uma careta ao sentir um pedaço de coral arranhar suas costas quando passou debaixo dele. Eventualmente, o buraco se alargou um pouco e elas puderam erguer a cabeça e se movimentar com mais liberdade. O espaço se ampliava conforme se aproximava do centro do recife, e Ariel pôde se posicionar ao lado de Nyssa. Ali ainda era apertado, mas não era de todo ruim. O coral dava cobertura para que não fossem vistas. O centro do recife era tão largo quanto Ariel tinha imaginado. O trono de seu pai caberia com facilidade naquele lugar, com muito espaço de sobra para seus assessores e súditos. Estava vazio, exceto por Balão e as águas-vivas flutuando na água no centro do cômodo. Era a primeira barracuda que Ariel via tão de perto. A maioria dos peixes dessa espécie não se aproximava de Atlântida. A não ser que alguma pérola mítica estivesse escondida por lá, pensou Ariel. O corpo de Balão era muito maior que o de Ariel, fino como uma enguia, mas com barbatanas e um rabo maiores que os da maioria dos peixes, mas foram seus dentes que chamaram a atenção de Ariel. Eles eram pontiagudos e afiados, saltando ameaçadoramente da boca mesmo quando estava fechada. Mas ele não ficou calado muito tempo. – Avalon? – gritou Balão. – É isso? – Essa é a pista – disse Cowl, dando de tentáculos. Nyssa olhou para Ariel, que fez que sim com a cabeça. Essa era a única palavra que estava estampada dentro da concha. Ariel pretendia contar para Nyssa tão logo saíssem do recife. Agora elas podiam ouvir, e quem sabe Balão desvendaria a próxima pista para elas. – Era só isso? – perguntou Balão. – Nenhum poeminha bobo nem símbolos ridículos? – Não, senhor – respondeu Bell. – Só isso mesmo. Balão se aproximou das águas-vivas até que sua maior e mais afiada presa estivesse quase as tocando. – Vocês têm certeza de que não deixaram escapar nada? – Não tinha como errar – disse Cowl. – Era um mexilhão. Tinha uma palavra estampada na concha. O que mais você queria? – Eu quero a pérola! – exclamou Balão, e as águas-vivas foram se afastando para dar espaço. – Eu quero respostas! Sem joguinhos. – Ignore-o, senhor – disse Bell. – Exceto pela parte que ele está certo. Nós não sabemos de mais nada. Mas não é para isso que você está com eles? – Ela apontou um tentáculo para o outro lado do

recife. Ariel teve que ajustar sua posição para ver o que era. Balão sorriu com a boca cheia de dentes. – Sim. Vamos pedir ajuda aos nossos convidados. – Então a barracuda afastou seu longo corpo das águas-vivas e nadou na direção da parede oposta do recife. No começo, Ariel não podia ver aonde Balão estava indo, mas, quando se abaixou, tudo ficou mais claro. Um casal sereiano estava preso em um bolsão do coral que fora transformado em cela de prisão. O espaço era pequeno demais até para os sereianos esticarem a cauda. Eles se pareciam muito com Nyssa, e Ariel teria presumido que fossem seus pais mesmo se ela não tivesse contado nada. Balão tinha colocado o enorme timão de um barco no coral, transformando-o em uma gaiola. A porta improvisada os mantinha presos ali dentro, e duas fechaduras feitas por humanos lacravam o coral. A roda combinava tão bem com o marrom do coral que em um primeiro olhar parecia ser mais uma parte da parede. Era difícil ver atrás do timão, mas os pais de Nyssa não pareciam bem. Ariel não sabia há quanto tempo eles estavam aprisionados por Balão, mas não devia ser pouco. A forma como estavam abaixados na cela sugeria que era muito tempo, mas Ariel se sentiu encorajada quando eles se levantaram à aproximação de seu captor. Eles não tinham perdido a esperança. – Avalon – disse Balão. – Por que eu conheço essa palavra? O que ela significa? – Você realmente não sabe nada do mar em que você mora, não é? – retrucou a mãe de Nyssa, desafiadora. – Sei que vou comandá-lo um dia – respondeu Balão. – E vou me lembrar dos que ficaram no meu caminho. O pai de Nyssa riu. – Como você quer comandar qualquer coisa se nem consegue desvendar algumas charadas básicas? Nyssa se contorceu quando Balão bateu na roda de madeira com a cauda. – Cowl! Venha cá! A água-viva nadou na direção da porta. Sem precisar de outro comando, ele ergueu um tentáculo e o colocou em um vão do timão, em busca do pai de Nyssa. Ariel arranhou a areia, para sair dali e ir ajudar. Ela não tinha ideia do que faria, mas precisava impedir isso. Nyssa segurou a amiga pelo braço, puxando-a de volta. Ela sacudiu a cabeça com vigor, alertando Ariel para não ir. Ter que ficar escondida enquanto seus pais eram ameaçados devia estar matando a sereia, mas ela estava certa. Era muito perigoso. Tudo que podiam fazer era assistir. – Vá em frente – disse o pai de Nyssa, ficando na frente da esposa. – É só uma queimadura. – Basta, Cowl – disse Balão, agarrando a cabeça da água-viva antes que o tentáculo alcançasse a vítima. – Se você não se preocupa com a própria segurança, pense ao menos na sua filha. Posso mandar minhas águas-vivas atrás dela. Talvez a captura dela deixe você mais propenso a me ajudar. – Não ouse machucá-la – retrucou o pai de Nyssa. A mãe dela saiu de trás dele. – Nós ajudaremos. Mas vamos precisar consultar alguns mapas. Não sei onde fica Avalon. É uma parte do mar que não é muito familiar. Mas temos algumas ideias. Ariel percebeu que Nyssa já tinha visto o bastante. Mesmo debaixo d’água era possível perceber as lágrimas se formando nos olhos da amiga. A princesa levou a mão no ombro da sereia e acenou para o caminho por onde tinham vindo. Era hora de partir. Nyssa fez que sim com a cabeça e as duas

sereias cuidadosamente deram a volta no pequeno espaço e saíram dali. Ariel tinha uma relação tensa com o pai às vezes, mas sempre teve certeza de que se amavam muito. Ela não podia imaginar o que faria se a vida dele estivesse em perigo. Ela mentiria? Roubaria? Era difícil dizer. Ela não podia se chatear com Nyssa por inventar essa história toda sobre um tesouro de obras de arte humanas. Ariel teria feito mais que isso se sua família estivesse em perigo. – Balão não vai simplesmente libertá-los quando encontrar a pérola – contou Nyssa quando saíram do recife. – Há muitos tesouros tentadores nos mares. Com a pérola e meus pais, ele ficaria imbatível. – Você tem razão – disse Ariel enquanto nadavam para Atlântida. – Ele não vai parar até que a caçada termine. – É por isso que quero encontrar a pérola antes – disse Nyssa. – Tenho esperança de poder trocála com Balão pelos meus pais. Ele pode libertá-los se for a única maneira de conseguir o que quer. – Mas você não pode dar a pérola para ele – disse Ariel. – Se um peixe como Balão tiver acesso a todas as coisas que essa pérola pode fazer… Você não pode entregar para ele. É muito perigoso. – Não tenho escolha – insistiu Nyssa. – São os meus pais. Ariel não sabia o que dizer. Eram muitos os furos do plano. O principal é que não havia garantia de que Balão fosse soltar os pais de Nyssa quando descobrisse onde conseguir a pérola. O olhar de Nyssa dizia que não era hora de fazer esses questionamentos. Agora que Nyssa tinha tirado uma folga da caça ao tesouro, sua mente estava livre para imaginar o pior. Ariel viu algo na garota que não tinha notado antes: medo. – Sinto muito – disse Nyssa, suavemente. – Tudo que eu fiz foi roubar e mentir. Eu não sou assim, juro. Mas farei qualquer coisa para salvar os meus pais. Você não pode me impedir. Ariel sacudiu a cabeça. Ela não tinha intenção nenhuma de abandonar Nyssa agora. – Não quero te impedir – falou Ariel, por fim. – Vou te ajudar. Vamos trazer os seus pais de volta. Prometo.

17

Linguado nadava em círculos na praça do lado de fora do palácio. Não eram os aterrorizantes e ameaçadores círculos que Balão nadava em sua residência, mas o tipo de marcha frenética de um jovem peixe temendo que o pior tivesse acontecido à sua amiga e se perguntando quanto tempo deveria esperar antes de alertar ao pai dela, à guarda real e a todos no mar que Ariel estava desaparecida. Pelo menos, era isso que parecia a Ariel quando ela se apressou na direção da praça da cidade. Mesmo à distância, era possível ver o medo no rosto do amigo. Ela estava chateada consigo mesma por tê-lo deixado preocupado, especialmente em um dia daqueles. Essa era a noite favorita de Linguado do ano todo. Ariel detestava a ideia de arruinar tudo. Ela poderia arranjar uma desculpa vazia de ter que ajudar o pai durante o dia inteiro para poder caçar a pérola sem Linguado, mas não estava disposta a mentir para seu melhor amigo. Por mais que saber dos planos de Balão de dominar todo o reino fosse preocupar Linguado, ele nunca desejaria que ela escondesse algo assim dele. – Ariel! – exclamou Linguado, parando ao avistá-la por fim. O alívio era visível em seu rosto. – Fiquei tão preocupado. Você nunca sai do palácio tão cedo assim! Normalmente alguém precisa ir ao seu quarto pelo menos três vezes antes de você acordar. Ariel riu. Parecia forçado para ela. – Desculpe ter te assustado. E eu nem sou tão difícil quanto a Andrina. – É verdade – disse Linguado. – Mas é quase. Eu estava aqui pensando se deveria contar para o seu pai. Ariel olhou para sua cauda. Ela não sabia como contar para o amigo o que tinha descoberto. – Onde está Nyssa? – ele perguntou. – Não me diga que fugiu do palácio para passar a noite inteira fora com ela! – Não – respondeu rapidamente Ariel. – Meu pai me mataria se eu fizesse isso. Fui direto para a cama depois de encontrar ela no jardim. Mas acordei bem cedo hoje de manhã e descobri algumas coisas. Ariel atualizou Linguado do que ele havia perdido enquanto dormia. Ela não iria esconder nada. Sabia bem como era se sentir no escuro. Ele teria que decidir se queria ou não continuar na caçada, ciente de que estaria colocando a vida em risco. Ariel teve que pedir a Nyssa que ficasse afastada enquanto ela conversava com o amigo. A presença dela não ajudaria em nada a conversa.

Linguado fez todas as perguntas certas. Ele até fez algumas em que Ariel não tinha pensado. Não levou muito tempo para botarem o assunto em dia, até porque ela não sabia muito bem para onde tudo isso os levaria. O que Ariel sabia era que ajudar Nyssa seria perigoso, mas era algo que ela precisava fazer, principalmente depois de ver os pais da sereia naquela prisão de Balão. Quanto a Linguado, porém, ela não tinha tanta certeza se ele participaria. – Pode contar comigo – ele disse assim que ela terminou de relatar tudo que sabia. Ariel ficou surpresa no começo, mas então se lembrou de que não havia ninguém mais confiável, mesmo que às vezes ele ficasse muito assustado. – Vou com você falar com o seu pai – disse Linguado, nadando ao lado dela em direção ao palácio. – Ele não vai gostar de saber de tudo que você fez até agora, mas vai dar um basta nesse Balão. Mal posso esperar para ver a cara daquelas águas-vivas quando o rei Tritão apontar o tridente para elas. Ariel estendeu a mão para parar Linguado antes que ele chegasse ao portão. – Não podemos contar nada ao papai. – Por que não? Ele é o rei. Pode mandar todos os soldados para resgatar os pais de Nyssa. Uma barracuda mal-encarada não é páreo para a guarda real. – Esse é o problema – disse Ariel. – Mobilizar a guarda real envolve muita coisa. Se vazar algum rumor de que Nyssa procurou o rei e contou sobre a pérola… Bem, ela tem medo do que Balão possa fazer com os pais dela. Linguado arregalou os olhos. Ariel entendeu que ele estava imaginando os piores cenários. – E logo no dia do início do festival. – Esse é outro problema – disse Ariel. – Se os habitantes das Profundezas acharem que está acontecendo alguma coisa que ponha o festival em risco, eles podem nem vir. Ou pior, podem achar que meu pai está por trás disso. Podem pensar que ele está tentando trazê-los para uma armadilha. Você lembra o quanto eles ficaram ofendidos quando o papai teve que adiar o festival uma semana quando metade do reino pegou gripe? O rei das Profundezas achou que estávamos planejando uma guerra com germes. – E teve a vez que a sua irmã pegou laringite – lembrou Linguado, com os olhos arregalados. – Você tem razão. Ele não é o rei mais calmo dos oceanos. Mas o que vamos fazer? – Encontrar a Pérola da Sabedoria – disse Ariel. – E garantir que Balão não a pegue. – Eu topo – disse Linguado. – Por onde começamos? – Pela pista que a Ariel encontrou – interveio Nyssa, que saiu nadando detrás da estátua do rei Tritão. Ela devia ter chegado à praça enquanto Ariel e Linguado conversavam. Ariel cruzou os braços. – Nyssa? Eu disse para nos encontrarmos na sua casa. – Por que eu faria você nadar até lá, fora da cidade? Não temos tempo a perder. – O sorriso de Nyssa era forçado. Ela sabia que tinha feito algo errado e claramente esperava que Ariel não se importasse muito. – Tudo bem – disse Ariel, perdoando Nyssa. A garota já estava sob muita pressão. – Foi melhor mesmo você ter vindo até a cidade. Meranda deve abrir a biblioteca logo. Desta vez, temos uma pista com a qual ela pode nos ajudar. Nyssa saiu em disparada antes mesmo de Ariel terminar a frase.

– Então vamos! Ariel abriu um sorriso amigável para Linguado e ele estremeceu de preocupação. Então, os dois saíram nadando atrás da sereia através de Atlântida. As portas da biblioteca já tinham sido abertas, mas o lugar estava ainda mais vazio do que Ariel acostumara-se a ver. Então se lembrou de que normalmente não estava acordada tão cedo assim. Os olhos de Meranda se iluminaram e ela abriu um enorme sorriso ao ver o trio se aproximar do balcão de atendimento. – Olá! É tão bom ver vocês tão alegres cedinho pela manhã. É bem raro nós recebermos a visita de estudantes durante a semana do festival, já que eles não têm aula. – Precisamos ficar em dia com os estudos – disse Linguado. – Nós recebermos a visita? – perguntou Nyssa ao olhar para a biblioteca vazia. Meranda era a única funcionária do local e a única sereiana ali. – Nós quem? – Ora, eu e os rolos, é claro! Eles ficam muito solitários quando ninguém vem até aqui ler. – Meranda estendeu a mão. – Vocês precisam traduzir aqueles símbolos? Tive algumas ideias noite passada de onde podemos procurar. – Na verdade – disse Ariel –, já estamos trabalhando em outra coisa agora. Algo que você é especialmente qualificada para nos ajudar. Meranda bateu palmas. – Ah, então não façam suspense. Minhas barbatanas estão vibrando de empolgação. Ariel olhou para Nyssa, que concordou com a cabeça que podia contar para a bibliotecária. Afinal, era esse o motivo pelo qual tinham vindo. – Você sabe alguma coisa sobre bibliotecas humanas? – perguntou Ariel. – Mais especificamente: você já ouviu falar da Biblioteca Perdida de Avalon? Meranda engasgou. – Quem te falou disso? – Eu passeio bastante – comentou Nyssa, com sua resposta vazia na ponta da língua. Eles estavam certos! A pista se referia à mítica biblioteca. Foi exatamente o que Ariel suspeitou quando viu a primeira palavra dentro da concha do mexilhão. Ao contrário de Balão, ela pegou a referência de imediato. Ariel podia nunca ter ouvido falar da Pérola da Sabedoria, mas a Biblioteca Perdida de Avalon era um lugar que ela sempre sonhou em encontrar. Nyssa garantiu a Ariel que seus pais também estavam familiarizados com a biblioteca. Eles talvez até soubessem onde estava localizada ou pelo menos tinham uma boa ideia. Ela achou que eles estavam ganhando tempo quando pediram os mapas para a barracuda. As garotas estavam torcendo para que os pais de Nyssa pudessem manter Balão e as águas-vivas distraídos por tempo o suficiente para que Ariel e sua turma encontrassem a próxima pista ou a própria pérola. Meranda focou Ariel. – Princesa, você sabe que não deve falar do mundo da superfície. Seu pai não ficaria feliz em saber que você andou perguntando sobre a Biblioteca Perdida de Avalon. Ele não ficaria nada contente. – O que é a Biblioteca Perdida de Avalon? – quis saber Linguado. – E quem a perdeu? Meranda ficou em silêncio, o que era incomum para a falante bibliotecária. Ariel tinha alertado Nyssa de que talvez não conseguissem muita informação de Meranda sobre o

assunto. Coisas humanas eram um assunto proibido de ser discutido em Atlântida. Mas Nyssa garantiu que as pessoas gostavam de compartilhar segredos. Era só uma questão de encontrar a maneira certa de fazê-la contar tudo. Quando a bibliotecária se recusou a responder, Nyssa entrou em ação. – Já ouvi tantas histórias sobre essa biblioteca em minhas viagens que não sei qual delas é verdadeira – disse Nyssa. – Estou apostando na teoria que diz que se trata de uma biblioteca submersa que os humanos construíram para atrair os sereianos para perto da superfície. É por isso que ninguém fala sobre o lugar. É uma armadilha! – Uma armadilha! – disse Linguado bastante amedrontado. Ariel se sentiu mal, pois não teve tempo de contar para ele essa parte do plano. Havia muito a discutir ainda. – Uma armadilha para capturar sereianos interessados em aprender sobre os humanos – Nyssa concluiu seu argumento. Ariel se contorceu. Essa não era a melhor história que circulava no mar sobre o local, mas foi a melhor que elas conseguiram inventar no caminho de volta para a cidade. – Não, não, não! – disse Meranda. – Não é nada disso. A Biblioteca Perdida de Avalon é uma simples biblioteca construída pelos humanos à beira-mar. Infelizmente, eles a construíram sobre a areia, e um dia ela simplesmente afundou no oceano. Mas, falando sério, princesa, nós não devemos falar sobre essas coisas. Meranda se reclinou em sua cadeira, com os braços cruzados e lábios cerrados, demonstrando ter encerrado o assunto. Nyssa apoiou os cotovelos no balcão e o queixo nas mãos. Ela não estava disposta a desistir. – Então, tecnicamente, se ela afundou, a biblioteca não pertence mais ao mundo dos humanos. Agora ela é parte do nosso mundo. Então, assim, tecnicamente, seria perfeitamente aceitável falar sobre ela. Meranda pareceu pensar no que Nyssa estava dizendo. A postura da bibliotecária se transformou. Ela descruzou os braços e se inclinou de novo para a frente. Depois de um momento, um sorriso apareceu no canto dos lábios já não tão cerrados da mulher. – Sim – ela disse. – Você tem razão. A biblioteca pertence ao mar agora. Mas os atlantes ainda são proibidos de entrar lá. É muito perigoso. A estrutura repousa na beira de um abismo agora e, quando cair, será esquecida nas profundezas. – Então você sabe onde fica? – perguntou Ariel. – Achei que a localização fosse um segredo. – Princesa, é claro que eu sei onde fica. – Meranda abriu ainda mais o sorriso. – Afinal, sou a bibliotecária-chefe de Atlântida.

18

A Biblioteca Perdida de Avalon. Era muito maior do que Ariel imaginara quando ouviu falar dela pela primeira vez. À exceção do palácio distante na costa, ela nunca tinha visto uma estrutura tão grande feita por humanos. Era uma vergonha ter sido construída em um local tão precário e agora estar afundada no oceano. Apesar da vista impressionante da biblioteca submersa, na mente de Ariel só havia espaço para um pensamento: como encontrariam a pista ali? Algumas partes do prédio haviam desabado, e outros setores estavam faltando. Ela tinha sofrido muito dano ao afundar no mar. As janelas se partiram, as portas viraram pó. O prédio parecia pronto para sucumbir a qualquer momento, mas essa não era a pior parte. Meranda estava certa. A biblioteca estava apoiada na beirada de um penhasco marinho, próximo a um abismo profundo. Parecia que até mesmo uma leve corrente poderia levá-la para o fundo. A princípio, Meranda relutara em compartilhar a localização. Uma coisa era falar do lugar, outra completamente diferente era a bibliotecária-chefe mandar a filha mais nova do rei para um local proibido aos habitantes de Atlântida. Para conseguir a informação, Nyssa usou toda sua criatividade. Ela confiava bastante no fato de não ser uma atlante e, portanto, não estar coberta pelo decreto de proibição do rei. Era um detalhe técnico, é claro, mas com isso conseguiu a informação de que precisava. Outra coisa que ajudou bastante foi que Meranda estava ansiosa para compartilhar o que sabia. Eles nunca teriam conseguido aquela informação de alguém como Sebastião. A biblioteca ficava bem longe, na costa, e eles tinham levado a manhã toda para nadar até lá. Ariel esperava que fosse a última pista da caçada ou que a pérola estivesse escondida por lá. Estavam ficando sem tempo. O festival começaria ao anoitecer. Já estavam na metade do dia. A viagem para Atlântida tomaria boa parte desse tempo. Eles ainda não tinham nem chegado à biblioteca. Se a próxima pista apontasse para além das fronteiras de Atlântida, Ariel não poderia ir. Ela teria que desistir da busca. Não poderia evitar sua tarefa de recepcionar o rei das Profundezas. – Vamos logo – chamou Nyssa enquanto se encaminhavam para a biblioteca. Ela também parecia estar contando o tempo. Ela provavelmente não queria perder os aliados tanto quanto Ariel não queria interromper a busca. O trio se aproximou com cuidado do prédio em ruínas, procurando não causar muita agitação na água ao nadar. A biblioteca devia ter suportado dezenas, se não centenas, de tempestades ao longo

dos anos, mas todas elas haviam surtido efeito no prédio. Quando atravessaram a entrada, o prédio parecia mesmo pronto para vir abaixo. O interior da biblioteca era ainda mais assustador que qualquer navio naufragado em que Ariel já estivera antes. O sol mal iluminava o átrio. As sombras escuras impediam que a sereia enxergasse bem o primeiro cômodo ao entrarem. Qualquer coisa poderia estar escondida nos cantos. Ela se preocupava se Bell ou Cowl estariam ali à espera deles. Ainda assim, era uma construção humana sobre a qual um dia andaram homens e mulheres. Eles haviam se sentado naquelas cadeiras e lido aqueles livros. Era triste pensar que ninguém mais viraria aquelas páginas, mas Ariel ficou empolgada de ter a chance de espiar lá dentro. Aquilo tudo era quase tão bom quanto um navio cheio de obras de arte! Livros humanos não eram feitos para passar muito tempo debaixo d’água sem proteção. Por isso, o que restava na biblioteca estava em péssimas condições. Páginas se soltavam das capas. Palavras eram perdidas para sempre em volumes encharcados. Os livros humanos não eram feitos da mesma forma que os pergaminhos dos sereianos. As páginas não eram próprias para passar tanto tempo submersas. Os poucos livros que Ariel possuía em sua coleção estavam protegidos por uma camada protetora natural do mar para mantê-los a salvo. Apesar da empolgação de estar em uma construção humana, era tudo muito confuso. Escadas de mão eram ainda mais misteriosas para Ariel do que degraus. Se um sereiano queria algo de um lugar alto, era só nadar para pegar. Pensar que os humanos passavam a vida no solo era assombroso. Eles precisavam de estruturas para subir e descer. O ar era muito mais leve que a água e também mais limitante. Ariel desejou poder explorar a biblioteca para sempre. Ela não ficaria por muito mais tempo na beirada daquele abismo. Mas eles simplesmente não tinham tempo. Estavam em uma missão. – Por onde começamos? – perguntou Ariel. – Que tal algum lugar mais iluminado? – questionou Linguado. – Está muito escuro aqui. – Não – respondeu Nyssa. – Precisamos ser sistemáticos. Temos que vasculhar este lugar de cima a baixo. Não podemos deixar passar nenhum cômodo. Vamos começar por aqui e ir avançando para os fundos. Ariel observou o espaço, ou pelo menos o que conseguia enxergar. Linguado estava certo. Era muito escuro. E também incrivelmente bagunçado. Havia estantes caídas sobre outras estantes. Restos de livros espalhados por todo o lugar. Em alguns pontos, o teto estava perturbadoramente perto do piso. O toque acidental de uma nadadeira poderia fazer tudo desabar sobre eles. – Precisamos ter cuidado na busca – avisou Nyssa. Ela devia ter adivinhado no que Ariel estava pensando. Conforme Nyssa começou a examinar cada livro caído, Ariel pensou no plano da amiga. Parecia que seria muito mais difícil do que deveria. Eles não tinham tempo para uma busca tão minuciosa. – Nyssa – chamou Ariel. – Como você sabia que aquela caixa estava escondida no navio? – Ela não precisava saber que estava escondida – disse Linguado. – Ela só pegou de você. Nyssa interrompeu sua busca segurando dois livros. – Você não vai me deixar esquecer, não é? Linguado sorriu.

– Não foi por isso que perguntei – disse Ariel. – Se Linguado e eu não estivéssemos lá, como você saberia que era para procurar dentro da parede? Você teria procurado por todo o navio como nós? Nyssa sacudiu a cabeça. – Não. Era parte da pista que me levou até lá. Eu precisava “derrubar as paredes do capitão para encontrar o tesouro enterrado”. Não esperava que fosse literal. Ariel concordou. – Então a dica era específica? – Sim. Onde você quer chegar? Ariel pensou na aventura até ali. – A pedra com os símbolos estava na beirada da cratera. Seria impossível não encontrá-la. – É verdade – disse Nyssa. – E havia uma flecha brilhante na areia apontando diretamente para o lugar onde o mexilhão estava escondido sob a areia – continuou Ariel. Nyssa voltou a fingir que estava lendo um dos livros que segurava. – Chegue a algum lugar, Ariel. Estamos perdendo tempo. – Não – disse Linguado. – Eu entendi. Nenhuma das pistas estava escondida em algum lugar aleatório. Era bem fácil de achar depois de chegar lá. – Nós não precisamos revirar cada gota d’água deste lugar para encontrar o que estamos procurando – explicou Ariel. – Deveria ser óbvio. Acho que precisamos nadar mais para dentro da biblioteca para encontrar alguma coisa que nos diga que estamos no caminho certo. – Um lugar menos escuro – completou Linguado. Nyssa olhou para os livros que segurava, pensando em suas opções. Ela devia ter concordado, pois deu de ombros e jogou os livros para trás. Ariel arregalou os olhos quando os livros atingiram a parede. Um deles atravessou a madeira, deixando um buraco em forma de livro. A biblioteca soltou um rangido e balançou, levantando poeira e sujeira na água. – Nyssa! Linguado! – Tossindo por causa da poeira, Ariel pegou seus amigos pelas mãos e barbatanas e os arrastou para fora do cômodo quando viu algumas das estantes desabarem. Livros velhos começaram a cair e suas páginas passaram flutuando. As paredes e o teto desabaram. Pedaços de madeira e pedra caíram perto de suas cabeças. Ariel, Nyssa e Linguado chegaram ao próximo cômodo bem no momento em que o local onde estavam instantes antes terminou de desabar. Ariel e Linguado olharam feio para Nyssa. – Desculpem – ela disse, sorridente. Tudo que Ariel pôde fazer foi sacudir a cabeça. O novo cômodo parecia mais resistente, pelo menos um pouco. Ainda estava em condições precárias, mas havia resistido à destruição da sala ao lado. Ariel não sabia por quanto tempo o restante da biblioteca aguentaria, mas eles precisavam seguir em frente. A entrada por onde chegaram havia desabado completamente. Não poderiam mais sair por ali. A sala na qual estavam, pelo menos, era mais iluminada que a anterior. As janelas quebradas, ainda que muito pequenas para servirem de saída, deixavam passar a luz do sol. Era fácil de perceber que não havia nada interessante ali além de algumas fileiras de livros destruídos. – E se nós deixamos passar? – perguntou Nyssa ao se encaminharem para a próxima sala. – E se o

que estamos procurando não estiver exposto? – Então voltamos para procurar de novo – disse Ariel. – Não podemos passar o dia inteiro aqui, mas temos algum tempo. Nyssa não pareceu gostar do plano. – Deve ter… – Olhem aquilo – disse Linguado, apontando uma barbatana para um mural na parede oposta. A pintura retratava uma coleção de artefatos humanos, inclusive algumas coisas que Ariel possuía em sua coleção. Um dos objetos em particular parecia muito familiar. – Que obra de arte estranha – disse Nyssa. – É aquela caixa de madeira que começou tudo isso! – Linguado nadou bem ao lado do retângulo pintado no alto do mural. A caixa era uma réplica exata da que encontraram no começo da aventura. – Deve ser só uma coincidência – sugeriu Ariel. – Um monte de objetos humanos se parece. Nyssa percorreu os dedos pelo mural. – Acho que não. A pintura estaria descascando se fosse feita por humanos. Não. Esse mural foi criado quando a biblioteca já estava submersa. Estamos no caminho certo. – Você acha que a pérola está nesta sala? – perguntou Linguado. Ariel examinou o mural. Ela reconheceu alguns artefatos humanos na pintura, como o treco e a parada. Mas o que mais chamou sua atenção foi que a coleção de objetos estava pintada de uma forma que se parecia com os bancos de areia da lagoa. – É uma flecha! – Você está certa! – disse Nyssa. – E está apontando para a próxima sala! Nyssa se apressou sem esperar por eles, e foi seguida por Ariel. Quando Linguado e Ariel chegaram à sala, viram que Nyssa já observava outro mural. Era um vulcão que parecia quase idêntico ao do mosaico no berçário de Ariel. Só não tinha o monstro saindo dele. Essa sala tinha três saídas que levavam para diferentes cômodos, mas Nyssa não pegou nenhuma delas. Ao invés disso, nadou para cima e passou por um buraco no teto sem hesitar. A lava que saia do teto do vulcão na pintura formava uma seta apontando diretamente para cima. Ariel e Linguado seguiram Nyssa pelo buraco e entraram em uma sala mais escura. – Uau. – Você tirou as palavras da minha boca, Linguado – disse Ariel. – Impressionante, não é? – perguntou Nyssa. Ela parou por tempo o suficiente para apreciar a vista incrível. A sala não era muito maior do que um amplo closet. Era pequena e sem janelas. Naturalmente seria tão escura quanto o primeiro cômodo que encontraram… se não fossem as estrelas. A princípio, Ariel pensou que fossem pequenas pedras brilhantes decorando a parede, mas não era o caso. Era a luz do sol. A claridade vinha dos pequenos raios que atravessavam a escuridão. Alguém havia feito buraquinhos na parede. As centenas de raios de luz que banhavam a água ao redor compunham uma vista incrível. – Obrigada por esperar – disse Ariel. Ela ficou contente que a sereia impetuosa havia decidido exercitar um pouco a cautela. Talvez Linguado fosse uma boa influência para elas, afinal. – Não tive escolha – respondeu Nyssa. – Não tem saída. Ariel examinou o pequeno cômodo. Nyssa estava certa. A única saída era o buraco no teto por

onde tinham entrado. – Deve haver um caminho – disse Ariel. – Os humanos não construiriam uma sala em que não pudessem entrar. Isso seria estúpido. – Veja você mesma – disse Nyssa, batendo no chão. – Talvez alguém tenha coberto. Provavelmente foi a mesma pessoa que organizou esta caça ao tesouro ridícula. Ariel passou as mãos na parede, à procura de uma porta. À exceção dos buracos, estava inteiramente lisa. Quando a princesa olhou pelos buracos, avistou salas amplamente iluminadas do outro lado. Mas não fazia ideia de como chegar lá. As paredes pareciam finas o bastante. Eles talvez conseguissem quebrá-las. E derrubar a biblioteca inteira junto. Não parecia a atitude mais sábia. Eles poderiam simplesmente sair pelo buraco no chão e encontrar outro acesso àquele piso. Deveria haver uma escadaria humana de quando a biblioteca ficava em terra firme. Mas e daí? Eles iriam procurar a resposta em uma das salas? Não parecia provável que o vulcão os mandasse para cima apenas para saírem às cegas para outro lado. Não. A resposta deveria estar naquele cômodo. Eles precisavam da resposta. Ariel sentou-se ao lado de Nyssa. Ela entendia a reação da garota. A caçada para ela significava muito mais do que a Pérola da Sabedoria. Era para salvar seus pais. A frustração de Nyssa ao encontrar um beco sem saída era perfeitamente compreensível. – Está tudo bem, Nyssa – garantiu Linguado. – Vamos encontrar o caminho. Ariel estava pronta para confortar a amiga quando algo no teto chamou sua atenção. Na verdade, o que ela achou interessante foi a ausência de algo no teto. Quem criou as estrelas naquela sala havia coberto toda a parede, mas não mexeu no teto. Mesmo com toda aquela luz, ele permanecia completamente escuro. Então, Ariel examinou um ponto em especial. Com um sorriso, ela se projetou para cima. Ariel examinou o teto. Não levou muito tempo para encontrar o que estava procurando. Havia algo entalhado ali. Sulcos profundos na madeira. No formato de um mexilhão.

19

– É uma porta! – Os dedos de Ariel buscaram por uma trava ou qualquer coisa que pudesse abrir a concha. Ela tinha certeza de que era algum tipo de saída. Tinha que ser. – Você acha que a pérola está aqui? – perguntou Linguado. – Seria um bom lugar para esconder – respondeu Nyssa. – Tente empurrar. Ariel fez o que Nyssa sugeriu. Ela sentiu a concha se mover um pouco mais e ouviu um estalo, mas a tampa não se moveu. – Não vai mais. – Ariel puxou as mãos e a concha veio junto. Ela não escancarava para o teto, mas cedeu em direção ao chão, abrindo caminho para eles continuarem. O buraco em forma de concha no chão tinha largura o suficiente para o trio passar. Ariel foi a primeira, pois já estava mais perto da entrada. Nyssa e Linguado vieram logo atrás. O alçapão os levou para outro cômodo, o que era estranho, já que Ariel esperava que ali estivesse o telhado. O que Ariel não viu quando estavam flutuando do lado de fora da biblioteca era que havia outro nível parcial nos fundos do prédio. Estava coberto de algas marinhas, o que o mascarava de curiosos, mas Ariel presumiu que fosse a parte mais incrível do prédio quando em terra firme. Era um cômodo perfeitamente redondo coberto por um domo de arcos de metal. Ariel imaginou que o domo devia ter janelas de vidro, o que criava um deque de observação, de onde os visitantes podiam olhar para o mar ou para as estrelas. O vidro já não existia mais, provavelmente se quebrara quando a biblioteca afundou no mar, mas a estrutura de metal era uma obra de arte por si só. O domo era ainda mais bonito coberto pelas algas verdes do mar. A cúpula, porém, não era feita apenas de metal. Havia uma parede nos fundos da sala esférica. O espaço estava vazio a não ser por alguns livros empilhados contra a parede, onde havia um último mural: uma réplica da cratera que um dia fora um vulcão. – Não entendo – disse Linguado. – O que significa? – Eu esperava a pérola – respondeu Nyssa. – E não outra pista. Já tem uma pintura do vulcão lá embaixo. – Deve significar alguma coisa – disse Ariel ao examinar a parede. Era estranho que os livros estivessem empilhados logo embaixo do mural. Não havia estantes nem prateleiras no domo para os livros estarem ali. Alguém deve tê-los colocado naquela posição. – Me ajudem com isto – disse Ariel, e começou a retirar os livros do caminho.

Nyssa e Linguado se juntaram a ela. Logo haviam removido a pilha inteira, revelando outra parte escondida do mural. – A pérola! – exclamou Nyssa. Não era de fato a Pérola da Sabedoria, mas uma pintura dela. Estava na parede, sob o mural da cratera dos arredores de Atlântida. Parecia mais a pintura de um círculo do que uma pérola. Somente alguém familiarizado com a lenda teria entendido seu significado. – Acho que sabemos o que tem naquele buraco escuro agora – disse Linguado, estremecendo do nariz ao rabo. – Temos que voltar? – disse Nyssa. – Já estivemos lá ontem! Por que raios nos mandariam duas vezes ao mesmo lugar? Não é um jogo! Ariel não pôde deixar de notar que era exatamente isso. Toda a busca pela Pérola da Sabedoria não era uma caçada, e sim um jogo. Mas quem mais estaria jogando além deles e de Balão? – Vamos focar no lado positivo – disse Ariel. – Já sabemos onde a pérola está. Não deve ser tão difícil de… – Ela parou de falar ao avistar uma dupla de águas-vivas se aproximando do domo. – São eles! – disse Linguado em um sussurro agitado. – Rápido! – Nyssa jogou alguns livros de volta na pilha. – Escondam o mural. – Cuidado! – alertou Ariel ao sentir a biblioteca tremer. Quando o prédio se acalmou, o trio continuou a empilhar com cuidado os livros diante da pintura da pérola. Não era o melhor dos planos, mas poderia convencer as águas-vivas de que eles estavam procurando por outra pista, e não pelo prêmio no fim do caminho. Felizmente, as algas cobriam a cúpula quase que totalmente, mantendo-os longe da vista de Bell e Cowl. – Precisamos sair daqui – disse Linguado quando os livros já estavam empilhados. – Não temos tempo – Ariel respondeu. – Façam como eu disser. – O quê? – perguntou Nyssa. Ariel falou como se não tivesse ouvido a pergunta. – Eu sei onde fica isso – disse em voz alta. – Tem outra cratera, do lado oposto de Atlântida. Nos pés das montanhas pelágicas. Logo além de… você! Ariel fingiu estar chocada quando as águas-vivas entraram no domo. – Você! – grunhiu Cowl em resposta. – Vá em frente – disse Bell com um aceno de tentáculo. – Termine o que começou. A pérola está no pé de uma montanha, logo além do quê? Ariel forçou um sorriso ao ver as águas-vivas descerem para dentro do domo. – Nada de mais. Nem sei do que eu estava falando. Não é nada. – Eu devia ter imaginado que ela estava junto com Nyssa. Devia ter percebido que ela também estava atrás da pérola – disse Cowl. – Eu devia era ter queimado ela no mexilhão. Deixá-la fora do jogo por alguns dias. Isso iria ensinar uma lição para essa garota. – E por que você faria isso quando ela pode nos levar até a pérola? – perguntou Bell ao se aproximar de Ariel, movendo seus tentáculos de forma ameaçadora. – Não preciso te contar nada. – Ariel se afastou da água-viva. Ela estaria segura enquanto eles acreditassem que ela tinha a informação que desejavam. Nyssa e Linguado assistiram a tudo sem poder ajudar. Ariel torcia para que eles tivessem algum plano, porque ela só conseguiria distrair as águas-vivas até que alguém conseguisse tirá-los dessa enrascada.

– Só uma queimadura? – disse Cowl ao se aproximar de Ariel. – Para ela sentir um pouquinho de dor. – Tudo bem – respondeu Bell. – Uma queimadura rapidinha. – A floresta de algas! – exclamou Ariel, como se estivesse temendo de verdade por sua vida e entregar a localização da pérola fosse a coisa mais difícil no mundo para ela. As águas-vivas não sabiam que ela tinha inventado a segunda cratera. Pelo menos era isso que ela esperava. – Viu, foi difícil? – disse Bell, ainda se aproximando de Ariel. – Sinto que vou ter que queimar você do mesmo jeito. Ariel se encostou no domo de metal, à procura de uma rota de fuga. Ela não conseguiria se esgueirar pelos arcos. Os vãos na estrutura não eram largos o bastante nesse ponto. Ela estava encurralada. – Mas ela disse para onde ir – falou Linguado. Cowl estava entre ele e Ariel e bloqueava o caminho. – Por que vocês não vão embora? – E deixar vocês irem atrás da pérola? – perguntou Bell. – Além do mais, Cowl está certo. Ela precisa ser punida por ter nos enganado hoje mais cedo. Ariel apanhou algumas algas penduradas na estrutura. Ela estava prestes a fazer seu movimento quando Nyssa acenou em sua direção. Ariel imaginou que Nyssa tivesse um plano, pois estava segurando Linguado para fugir de Cowl. Ariel se reclinou o máximo que conseguiu e se preparou para o que quer que acontecesse. – Ei, Bell! – chamou Nyssa, forçando assim a água-viva a olhar na sua direção. – Coma alga! Nyssa bateu os ombros na estrutura de metal do domo. A biblioteca soltou um grunhido, e a alga caiu do teto quando o prédio inteiro estremeceu. Ariel jogou seu próprio punhado de algas em Bell antes de nadar para longe, na direção da abertura mais próxima, esquivando-se das algas que caíam. Bell e Cowl não conseguiram escapar a tempo de serem soterrados. A alga caiu toda sobre as águas-vivas e se embaraçou em seus corpos e tentáculos. Quanto mais eles se debatiam, mais presos ficavam. – Ariel? Você está bem? – Linguado se apressou para o lado da amiga. Ele e Nyssa haviam saído do domo quando a alga começara a cair. Eles assistiram de uma distância segura às águas-vivas se debaterem enquanto a biblioteca estremecia. – Estou bem – disse Ariel. – Mas não sei se foi o melhor dos planos. A biblioteca ainda não tinha parado de vibrar desde o primeiro golpe de Nyssa. Agora parecia vibrar com mais violência. Cowl só havia piorado as coisas ao bater a cabeça no arco de metal enquanto tentava se libertar das algas. O lugar estava prestes a desabar. – Precisamos salvá-los! – exclamou Ariel, encaminhando-se para o prédio trêmulo. Nyssa segurou a cauda da outra sereia para impedi-la, puxando-a para trás. – Salvá-los? Você só pode estar brincando. Eles queriam queimar você! – Queimá-la! Não matá-la! Vamos lá! – Linguado avançou por entre as sereias. Ele alcançou o domo quando a biblioteca abaixo começou a desmoronar. Ariel parou de lutar com Nyssa e olhou em seus olhos. Quando o mais tímido do grupo era o primeiro a mergulhar no perigo para salvar o inimigo, não havia mais nada a ser dito. Nyssa soltou Ariel.

– Nós vamos nos arrepender disso. As sereias se juntaram a Linguado no domo quando o metal começou a ceder. O que sobrou da alga havia se soltado por completo da estrutura de metal e caído no telhado da biblioteca, que já estava afundando. Isso era bom para eles. Menos coisas no que se prender ao tentar o resgate. Linguado já estava dentro da cúpula quando as sereias o alcançaram. Ele estava tentando segurar Cowl, mas a água-viva se debatia tanto com a alga que o prendia que era impossível se aproximar. – Flutue direito! – gritou Ariel ao segurar nas algas, certificando-se de evitar os tentáculos. Nyssa nadou na direção de Bell, que estava mais próxima do teto que caía. Linguado usou o corpo inteiro para ajudar Ariel a arrastar Cowl para um lugar seguro. – Juro que se você me queimar, eu vou… eu vou… – Vai o quê? – grunhiu Cowl enquanto Ariel e Linguado desviavam dos arcos que desmoronavam. – Eu vou… pensar em alguma coisa – disse Linguado, empurrando com ainda mais força. Ariel puxava a alga enquanto Linguado empurrava. Juntos, eles saíram pelo alto do domo bem no momento que começou a cair com Nyssa e Bell ainda do lado de dentro. – Nyssa! – gritou Ariel. Ela e Linguado não podiam fazer nada além de assistir quando Nyssa passou as duas mãos pela alga que prendia Bell e nadou para uma abertura da cúpula que caía ao redor dela. Areia, pó e sujeira se ergueram quando o prédio começou a afundar. – Você consegue! – gritou Linguado. Impulsionada pela torcida, Nyssa nadou por uma abertura, puxando Bell consigo bem no momento em que a construção cedeu de vez com um enorme estrondo. Um piso caiu sobre o outro, achatando os livros, estantes, mesas e cadeiras para sempre. O prédio fez tanto barulho ao cair que Ariel teve certeza de que todos em Atlântida podiam ouvir. Primeiro, os pedaços da biblioteca caíram um a um. Então a estrutura inteira desandou, levando parte do penhasco com ela para o fundo da escuridão, sem deixar nada para trás além de areia e silêncio enquanto desaparecia nas profundezas. Ariel podia finalmente respirar aliviada. Estava acabado. Exceto pelo fato de que ela e Nyssa estavam segurando águas-vivas presas em algas. Quando perceberam que a biblioteca havia desaparecido e a caçada continuava, Bell e Cowl se debateram em suas prisões de alga. Nyssa largou as algas e segurou Ariel. – Precisamos partir antes que eles se soltem. – Não devemos ajudá-los? – perguntou Ariel. – Pra eles nos queimarem depois? – replicou Nyssa. – Eles iam nos fazer mal de verdade. É a nossa chance de escapar. Nyssa tinha razão. Eles estavam correndo contra o relógio, assim como as águas-vivas. Qualquer vantagem que pudessem ter era bem-vinda. – Desculpem – disse Ariel ao soltar Cowl ao lado de sua amiga. – Sem ressentimentos. A água-viva apenas grunhiu. – Vamos – falou Ariel. Então ela e sua amiga se apressaram para recuperar a pérola e pôr um ponto-final na caçada.

20

– Não há nada aqui – insistiu Nyssa. – Se tivesse algo na cratera, nós teríamos encontrado da primeira vez. Precisamos entrar. – Ela está certa, Linguado. É a única opção. – Ariel flutuou sobre o buraco no centro da cratera. Era verdade que ninguém em Atlântida sabia quão fundo ele ia, mas isso não significava que não tivesse fim. Talvez simplesmente ninguém tivesse ido fundo o bastante. – Ah, não! – disse Linguado. – Não, não, não e não. Eu não vou entrar em um lugar onde um monstro com pontinhos roxos pode estar nos esperando. – Provavelmente alguém pintou os pontinhos nele porque era um berçário – lembrou Ariel. – Isso não ajuda, Ariel! – insistiu Linguado. – O monstro deve viver quietinho aí há centenas de anos. Não quero incomodá-lo agora. Ariel não tinha tempo para argumentar. Já estava ficando tarde. Eles tinham que encontrar a pérola e descobrir como convencer Balão a trocá-la pelos pais de Nyssa. Isso sem deixar que ele usasse o poder da pérola para dominar o oceano. E tudo isso antes do sol se pôr no oceano, pois Ariel precisava recepcionar formalmente o rei das Profundezas em Atlântida. Havia muita coisa a se fazer em pouco tempo. Gastar minutos preciosos para convencer Linguado de que era seguro entrar na cratera não estava nos planos. – Você entrou na biblioteca que estava desmoronando para salvar aquelas águas-vivas horríveis – lembrou Ariel. – Foi a coisa mais corajosa que já vi. – É fácil ser corajoso com águas-vivas amarradas – disse Linguado. – Não eram monstros. – Monstros não existem – insistiu Ariel. – Monstro ou não, ainda tem um vulcão lá embaixo – apontou Nyssa ao encarar o buraco escuro com Ariel. – Não me parece um bom lugar para esconder a Pérola da Sabedoria. – Você não está ajudando – disse Ariel. Eles não tinham tempo para se preocupar. – O vulcão não está ativo há muito, muito tempo. Até me pergunto se era mesmo um vulcão. Talvez tenha sido uma história para evitar que os sereianos encontrassem a pérola. Não sabemos o que existe ali embaixo. Ninguém sabe. – Você acha que é lá que a Pérola da Sabedoria está escondida? – Nyssa se inclinou para espiar o buraco, como se estivesse esperançosa em enxergar as profundezas nebulosas. Ariel deu de ombros. – Por que mais nos mandariam duas vezes para o mesmo lugar? Não faria sentido deixar duas pistas aqui.

– Isso se estivermos interpretando corretamente a última pista – disse Linguado. – Uma pena não poder voltar lá para tirar a dúvida. Ariel sabia que Linguado estava receoso, mas não entendia o porquê de Nyssa estar com tanto medo. O fim da caçada estava logo abaixo deles. – Você está bem? – Estou com medo – respondeu Nyssa. – Se a pérola não estiver aqui embaixo… Ariel não precisou ouvir o fim da frase. Nyssa estava preocupada com seus pais. – Se a pérola não estiver lá, vamos falar com meu pai – disse Ariel. – Não me importo com o festival. A vida dos seus pais é mais importante. – Obrigada, Ariel. Mas não vou colocar o reino em risco. Vamos acabar com isso. Agora. Vamos ver quem chega primeiro até o fundo! – disse Nyssa e mergulhou pelo buraco escuro. Ariel e Linguado trocaram um olhar surpreso e ela mergulhou. – Você não precisa vir, Linguado – ela gritou para o amigo. – Pode ficar aqui em cima de guarda. – E estar sozinho aqui quando as águas-vivas chegarem? – disse Linguado. Ele foi logo atrás dela. – De jeito nenhum. No começo, o acesso era estreito demais para os três nadarem juntos, então precisaram ficar em fila. Quanto mais fundo nadavam, mais escuro ficava, até que Ariel não conseguia ver Nyssa logo à sua frente. – Você realmente acha que as águas-vivas podem aparecer? – perguntou Nyssa. Conversar era uma boa distração. – Tenho certeza de que o truque de Ariel sobre a outra cratera vai mandá-los para outro caminho. – É melhor prevenir do que remediar – disse Linguado. – Não sei bem se prevenir é a palavra certa. É bem escuro aqui. – Fique perto de nós – falou Ariel. – Vamos ficar bem. O trio continuou a descer pela canaleta, chamando uns aos outros de tempos em tempos para garantir que ninguém ficasse perdido na escuridão. Não que houvesse muita chance de se perder em um lugar tão estreito. A voz de Linguado era a mais trêmula, mas nunca estava muito longe. Ele trombou com a cauda de Ariel mais de uma vez conforme desciam para encontrar o que quer que estivesse à espera deles. O canal estava começando a parecer cada vez mais claustrofóbico para Ariel. Era estranho, pois as paredes pareciam estar ficando mais largas. Devia ser a pressão da profundidade em que estavam nadando. Ela nunca tinha estado em um lugar tão fundo. Felizmente, parecia estar ficando mais claro. – Acho que estou vendo uma luz – avisou Nyssa. Ariel viu também. Ao menos pensou ter visto. Eles estavam nadando havia tanto tempo na escuridão completa que era possível que seus olhos tivessem simplesmente se adaptado. Mas não era o caso. Havia uma luz. E estava ficando mais clara! Linguado avançou, passando por Ariel e Nyssa. Ele claramente queria ser o primeiro a ver a luz. Isso era mais importante que qualquer medo que ele pudesse ter do que estavam prestes a encontrar. A luz encheu o túnel, e Ariel viu que as paredes estavam de fato mais afastadas umas das outras. Havia mais espaço para eles agora. Não era mais um canal, mas a entrada de uma enorme caverna subterrânea. – Uau! – Pode repetir isso, Linguado? – disse Ariel, impressionada. A caverna era maior que o salão de

baile do palácio e muito mais bonita. – E olhe: nenhum monstro! As paredes da caverna sem monstros brilhavam em cores vibrantes como Ariel nunca tinha visto no mar. Elas cintilavam, fornecendo luz própria no fundo da caverna. O lugar era banhado por um ligeiro brilho morno, que dava um tom rosado a tudo, inclusive aos três visitantes. O cabelo de Ariel nunca brilhou tanto. – A pérola! – exclamou Nyssa. Ariel viu o que devia ser a Pérola da Sabedoria um instante depois. Era enorme! Cowl havia indicado que a pérola era maior que a cabeça da sereia, e mesmo vendo pessoalmente ainda era difícil de acreditar. Devia ser a maior pérola do oceano. A Pérola da Sabedoria repousava sobre uma mesa ovalada esquisita. Era estranho que a pérola estivesse simplesmente ali no meio da caverna, esperando para alguém pegá-la. Ariel havia esperado uma busca maior. Nyssa avançou em direção ao tesouro e mergulhou para o fundo da caverna. Ariel temia que a pérola estivesse escondida em algum lugar da caverna, talvez ainda com uma última pista de sua localização secreta. Ela esperava muitas coisas, mas não que a mesa começaria a tremer quando Nyssa se aproximasse. – Volte – alertou Ariel. – Pode ser uma armadilha. – É o monstro – gritou Linguado antes de se esconder atrás da amiga. Nyssa parou momentos antes de alcançar a pérola. Ela estava tão perto de seu objeto de desejo que Ariel ficou surpresa que a garota tivesse ouvido seu aviso. O tremor da mesa ficou cada vez mais violento conforme se ergueu da areia. A pérola permaneceu fixa no lugar, sem se mover nem cair enquanto sua base se erguia. Quando a mesa saiu completamente da areia, Ariel percebeu que não era mesa coisa nenhuma. Tinha pernas. E um rabo. E algo que parecia ser uma cabeça na frente. Era uma tartaruga marinha! E uma bem grande. A pérola estava encrustada no casco da tartaruga, ainda no lugar, como se estivesse presa ali. – Saudações – cumprimentou a tartaruga casualmente, como se recebesse visitantes em sua caverna secreta todos os dias. – Parabéns. Vocês encontraram a Pérola da Sabedoria. – Err… Obrigada? – disse Nyssa, seguida por Ariel e Linguado. Ainda havia uma boa distância entre eles e a tartaruga, mas estava ficando cada vez menor, pois seu anfitrião havia decidido esticar as pernas. – É sempre bom receber visitantes – disse a tartaruga, que avançava lentamente para a frente. – Você pode imaginar que não aparecem muitos visitantes por aqui. Das coisas que Ariel esperava encontrar junto à Pérola da Sabedoria, uma tartaruga marinha de guarda não era uma delas. – Quem é você? – perguntou Linguado. A tartaruga sorriu. – Desculpem meus modos. Como eu disse, não recebo muitos visitantes. Meu nome é Chellington, mas podem me chamar de Chell. – Mas você recebeu alguns? – perguntou Nyssa. – Visitantes, quero dizer? – E com quem tenho a honra de conversar hoje? – questionou Chell. – Quem são esses sábios exploradores que encontraram o caminho até mim? Ariel nadou em frente para se apresentar. Ela percebeu que Nyssa estava ficando impaciente. Cada

momento a mais que ficavam na caverna era tempo a mais que Balão mantinha seus pais reféns. Não havia como prever o que a barracuda faria quando Bell e Cowl reportassem que Nyssa estava tentando chegar à pérola antes. A tartaruga fez uma reverência para cada um deles conforme se apresentavam. – Saudações – ele repetiu. – Espero que sua jornada tenha sido iluminadora. Nyssa soltou um suspiro exasperado, mas não disse nada. Ariel reconheceu o esforço da garota em não apanhar a pérola e fugir, como ela gostaria. – Muito iluminadora – disse Ariel, trocando olhares com Nyssa. – Mas você disse alguma coisa sobre outros visitantes? As sereias deviam estar pensando a mesma coisa. Era muito improvável que as águas-vivas tivessem chegado à caverna antes deles. Mas, se outros caçadores já tinham chegado à pérola, o que ela ainda estava fazendo ali? – Ah, sim – disse a tartaruga. – Recebo visitantes de tempos em tempos. Não tantos, devo admitir. Todos vêm atrás da pérola eventualmente. Nem todos compreendem. – Sei como eles se sentem – disse Linguado. A tartaruga soltou uma risada. – É porque você ainda não passou pela iluminação. Lá estava aquela palavra de novo. Ariel sentia que aquilo era um tipo de dica. – Você pode nos iluminar? – ela perguntou. – Oh, não! – disse Chell. – Se você ainda não foi iluminada, arrisco dizer que nunca terá a Pérola da Sabedoria. – Ok. Isso é ridículo – disse Nyssa. – Sinto muito, mas preciso da pérola para salvar meus pais. Se você não vai nos dar, vou ter de pegá-la. A tartaruga suspirou. – Parece que essa também não foi iluminada. – Os meus pais não têm tempo para isso. – Nyssa agarrou e pérola, mas ela se recusava a sair do lugar, não importava quanta força a sereia fizesse. Nyssa tentou arrancar a pérola do casco da tartaruga, mas estava presa. Ela puxou e empurrou até parecer que estava se machucando mais do que à tartaruga. Suas mãos estavam vermelhas pelo esforço. Lágrimas enchiam seus olhos enquanto ela se debatia. – Nyssa! Pare! – Ariel puxou a amiga para longe da tartaruga antes que Nyssa se ferisse ainda mais. Chell suspirou e sacudiu a cabeça devagar. – Pegar a pérola à força não é o caminho da iluminação.

21

O silêncio encheu a caverna, e Nyssa encarou o guardião da Pérola da Sabedoria. Chell não reagiu, mas parecia ligeiramente decepcionado. A expressão no rosto de Nyssa era um misto de raiva, confusão e medo. Ariel não conseguia imaginar o que a amiga devia estar sentindo por estar tão perto do prêmio que poderia libertar seus pais, mas sem saber como pegá-lo. – É uma vergonha – completou Chell. – Tão claramente não iluminada. Nyssa parecia estar pronta para atacar de novo. Ariel temia que o foco de seu novo ataque fosse Chell, e não a pérola. – Perdoe-nos – disse Ariel para Chell, presumindo que era melhor ser formal com essa tartaruga em particular. – Mas você pode nos sugerir que tipo de iluminação é preciso para conquistar a pérola? É muito importante para nós. – Especialmente antes das águas-vivas chegarem até aqui – completou Linguado. – Eles vão quebrar seu casco em pedaços para consegui-la. Eles não se importam com quem possa se machucar. – Ah, então é mais um desafio para conseguir o prêmio no fim da caçada. – Chell não demonstrou nenhuma preocupação com sua própria segurança. Ariel achou que ele simplesmente não entendia a ameaça que eram Balão e seus capangas. Deveria haver uma forma de convencer Chell do perigo, ainda que ele parecesse muito maduro para se preocupar com qualquer coisa. Não. Não era esse o modo de conseguir o que desejavam. A dica de Chell era relacionada à iluminação, especificamente ao caminho da iluminação, como ele dissera. Ele queria saber o que elas tinham aprendido no caminho de busca da pérola. Era a Pérola da Sabedoria, afinal. Ariel precisou se perguntar o que ela sabia agora que não sabia antes da jornada. A resposta era não muito. – Acho que ele quer saber o que aprendemos – disse Ariel. – O que a busca pela pérola nos ensinou. – Eu aprendi a resolver pistas – disse Linguado. – Uma lição admirável – falou Chell antes de retomar o silêncio. Ariel achava que não era isso de que precisavam. Suas suspeitas se confirmaram quando Linguado tentou remover a pérola. Ela ainda se recusava a se soltar das costas de Chell.

O trio voltou a se entreolhar. – Então, o que aprendemos? – perguntou Ariel. Mais olhares. – Desculpe – disse Ariel com uma reverência para a tartaruga. – Precisamos conversar. – Todo o tempo de que precisarem – respondeu Chell. – Não tenho planos de ir a lugar nenhum. Nunca vou a lugar nenhum. É por isso que aprecio tanto as raras visitas que recebo. – Os seus visitantes iriam gostar mais das visitas se você entregasse o que eles vieram buscar – resmungou Nyssa alto o suficiente para que seus amigos a ouvissem. Ela não parecia se importar se Chell a ouvia também. Ariel puxou os amigos de lado para discutirem suas opções. – Nyssa, você tem um plano para salvar seus pais? Se você disser que sim, acho que não precisaremos da sabedoria da pérola. Talvez seja essa a iluminação de que ele está falando. – Não – disse Nyssa. – O plano era a pérola. Sem ela, não tenho nada. E você? O que ia perguntar? – Eu pretendia descobrir uma forma de convencer meu pai a me dar mais liberdade – respondeu Ariel. – De convencê-lo a confiar em mim para eu fazer o que quiser, que eu ficarei bem. Mas acho que passar os últimos dias me escondendo dele enquanto nado por todo o reino não vai ajudar a convencer ninguém. – Sempre ajuda pensar nos desafios que vocês tiveram para descobrir a pérola – sugeriu Chell. – As coisas que ficaram no seu caminho. Nyssa olhou para a tartaruga. – As águas-vivas foram um desafio – disse Linguado, tentando distraí-la. Nyssa se acalmou e foi falar com o guardião. – Confiança? – Prossiga – disse Chell com um aceno de cabeça. Mas Nyssa parou. Ela parecia insegura. – Sim! – Ariel passou um braço ao redor de Nyssa. – Confiança. Aprendemos a confiar uma na outra pelo caminho. Mesmo quando Nyssa mentiu e roubou… – Ei! Eu pedi desculpa. – Bem, é verdade, Nyssa – disse Ariel. – Mas já superamos isso. E trabalhamos juntas. O que não foi fácil. – Ela está certa – admitiu Nyssa. – Não estou acostumada a confiar nas pessoas. Nunca foi fácil fazer amigos. Mas Ariel e Linguado… Eles me ajudaram mesmo sem precisar. Eles me apoiaram mesmo quando eu dei boas razões para não confiarem em mim quando nos conhecemos. Isso foi importante para mim. Parecia que ela estava respondendo à pergunta de Chell, mas, na verdade, Nyssa direcionava sua confissão a Ariel e Linguado. – Uma lição valiosa – disse Chell. – Você pode remover a pérola. – De verdade? – perguntou Nyssa. – É isso? Chell assentiu com a cabeça. – É isso. Ariel esperou que Nyssa a pegasse, mas a sereia parecia cética. Era possível que ela ainda estivesse aprendendo sobre confiança. Para ser justa, a situação inteira era muito esquisita, e a

própria Ariel não estava de todo confiante. Nyssa não se mexeu, então Ariel nadou adiante e pôs as mãos na pérola. Lembrando-se da experiência de Nyssa, Ariel deu um forte puxão e ficou surpresa quando a pérola saiu com facilidade. Seu próprio impulso a levou de volta para Nyssa e Linguado. – Parabéns pela sua iluminação – cumprimentou Chell. Nyssa estendeu a mão, sorrindo pela primeira vez em um bom tempo. – Posso segurar? – Claro. – Ariel ofereceu a pérola à amiga. Ela podia quase sentir a pressão crescente em Nyssa, que conquistara um meio de salvar os pais. Agora precisavam descobrir como trocar a pérola sem dar a Balão o poder de dominar o mar. Nyssa virou a pérola nas mãos. – Como esta coisa funciona? Chell fitou o vazio, sem oferecer sugestões. Dando de ombros, Nyssa apresentou sua pergunta: – Pérola da Sabedoria, como posso salvar meus pais de Balão? Nada aconteceu. Ela virou a pérola de novo, buscando algum tipo de resposta. Mas a pérola continuava em branco. Não falou nada. Nem mesmo brilhou. Nyssa segurou a pérola diante de sua boca, quase tocando os lábios nela. – Me diga como libertar meus pais. Todos se inclinaram para ver o que a pérola faria. Mas nada aconteceu. – Vai ver ela só responde a perguntas do tipo sim ou não – propôs Linguado. – E como isso ajudaria? – perguntou Nyssa. Todos sabiam a resposta: não ajudaria em nada. A menos que eles fizessem uma pergunta antes de cada ação. Os três olharam para a tartaruga marinha. Chell continuava fitando o vazio. – Isso é inútil – disse Nyssa, parecendo estar prestes a jogar a pérola para o outro lado. Ariel pôs a mão sobre a pérola para garantir que não fosse arremessada. – Não precisamos que ela responda às nossas perguntas. Só temos que entregar para Balão. Então é problema dele. – E se ele descobrir como usar a pérola? – perguntou Linguado. – Ele pode começar uma guerra. – Aí terei que contar para o meu pai – disse Ariel. Ela suspeitava de que não teria com o que se preocupar. A pérola não parecia uma ameaça, independente de quem a possuísse. – Você tem certeza? – perguntou Nyssa. – Como você vai começar a explicar o que fizemos? – Até lá eu penso em alguma coisa – respondeu Ariel. – Você mesma disse: é uma questão de confiança. Se conseguimos fazer tudo isso juntas, podemos muito bem lidar com uma barracuda que pensa ter todas as respostas. Nyssa segurou a mão da amiga. – Estarei ao seu lado quando você for falar com seu pai. Vamos fazer isso juntas. Ariel apertou sua mão. – Não pensei que seria diferente. O corpo de Nyssa relaxou. – Bom. Mas precisamos acabar com isso e entregar a pérola para Balão. Aí pelo menos essa caçada vai acabar e meus pais estarão seguros.

– Que engraçado você dizer isso – falou uma voz sobre eles. – Nós tínhamos o mesmo plano. Ariel e Nyssa olharam para cima e viram o corpo ondulante de Bell descendo pela caverna. – Bem, exceto pela parte de os seus pais ficarem em segurança – completou a água-viva. – Acho que ninguém aqui vai ficar em segurança depois que sairmos. Ariel engasgou. Ela não esperava encontrar Bell tão rápido depois do incidente da biblioteca. – Vocês acharam que nós não conseguiríamos encontrar vocês? – perguntou Bell, como se estivesse lendo os pensamentos de Ariel. – Nós? – retrucou Nyssa. – Não vejo um “nós”. Só vejo você. – Err… Ariel? – disse a voz oscilante de Linguado. – Nyssa? As sereias se viraram para avistar Cowl logo atrás delas. Seus tentáculos flutuavam ao redor do peixinho como uma prisão de braços venenosos. Se Linguado se movesse em qualquer direção, arriscaria sofrer uma queimadura venenosa. Talvez mais de uma. Talvez o suficiente para ser mortal.

22

– Pensei que você estaria do outro lado do reino agora, procurando na floresta de algas por outra cratera – disse Nyssa com coragem forçada. Bell riu. – Você achou que iríamos cair no truque da sua amiga com tanta facilidade? Como se não estivéssemos prestando atenção. Não, mocinha. Nós aprendemos algumas coisas nesta jornada, não estamos seguindo às cegas. – Nós conseguimos resolver os desafios sem a sua ajuda – disse Cowl. – Sem Balão nos dizer o que fazer. Sem os seus pais apontarem o caminho. Linguado se contorceu de medo quando o tentáculo o tocou suavemente. – Não se mexa, Linguado – alertou Ariel. O peixinho forçou uma risada e disse: – Não estava nos meus planos. – Troco a pérola pelo seu amigo – disse Bell. – Meus pais pela pérola – propôs Nyssa. Cowl soltou uma risada profunda. – Parece que alguém não entendeu como se joga este jogo. Você nos dá a pérola e o seu amigo não se machuca. Se você não der… – Cowl movimentou seus tentáculos ao redor de Linguado, esfregando-os nas nadadeiras e no rabo dele. Era preciso apenas um toque para causar imensa dor ao peixinho. Os peixes eram muito mais sensíveis ao veneno de águas-vivas do que sereianos. Cowl tinha escolhido a vítima certa para conseguir o que queria. – A-A-Ariel – chamou Linguado. – Está tudo bem – respondeu ela. – Não vamos deixar ele te machucar. Não é, Nyssa? A sereia encarou a pérola. Ela significava a liberdade de seus pais. E também significava a segurança de Linguado. – Nyssa? Nyssa saiu de seu breve transe. – É claro que não. Pega! – Ela jogou a pérola na direção de Cowl, por cima de sua cabeça e fora de alcance. Assim que a água-viva se lançou na direção da pérola, Nyssa gritou: – Corra, Linguado! Agora!

O peixe não esperou ela dizer duas vezes. Ele saltou, escapando por pouco de uma queimadura dos tentáculos de Cowl, que se moviam em todas as direções. A pérola tinha passado por Cowl, que não sabia direito o que fazer. Deveria pegar a pérola ou segurar seu refém? Bell, no entanto, avançou determinada na direção da pérola. Nyssa também nadou em busca da pérola, enquanto Ariel foi ao encontro de Linguado, para garantir que ele ficasse fora do alcance das águas-vivas. Bell estava na frente na corrida, mas Nyssa se movia depressa. Era visível que Cowl não alcançaria Linguado nem a pérola a tempo, então adaptou seu plano. A água-viva ficou de lado e espalhou seus tentáculos como uma estrela. Totalmente esticados, eles bloqueariam o caminho de Nyssa até a pérola. Ariel não poderia passar também ao tentar alcançar Linguado. Cowl rebateu cada movimento, bloqueando as duas sereias que tentavam atravessar a barreira de tentáculos. – Vamos ao mesmo tempo – disse Nyssa. – Aí nos dividimos e o contornamos. Cowl não pode impedir nós três. – Mas ele pode nos queimar – observou Linguado. Não importava. Já era tarde demais. Bell tinha a pérola em seus tentáculos. Não havia como recuperá-la se não passassem por Cowl. – Sinto muito – disse a água-viva com um sorriso ao apertar a pérola contra si. – Parece que vocês perderam. Não se preocupem. Não vamos contar para Balão sobre esse joguinho de pega-pérola. Talvez ele liberte seus pais, como prometeu. Cowl riu e completou: – Eu não contaria com isso. – Não – disse Bell se encaminhando para a saída. – Nem eu. – Nem pense em nos seguir – alertou Cowl enquanto se dirigia ao canal que levava à superfície, dando um aceno dos tentáculos ameaçadores. Ariel viu as águas-vivas desaparecerem na escuridão. Ela e seus amigos flutuavam atordoados, em silêncio, enquanto como a tartaruga marinha permanecia quieta como estivera durante todo o encontro. – Como você os deixou saírem com a pérola? – gritou Nyssa para ele. – Você não deveria ser um tipo de guardião? Por que não a protegeu? – Você ouviu o que eles disseram. As águas-vivas encontraram a iluminação também. Elas têm todo direito à pérola – respondeu Chell. – Mas eles não chegaram primeiro – disse Nyssa. – Eles não encontraram a pérola! Ariel segurou sua amiga. – Não importa, Nyssa. Ele não poderia fazer nada para impedi-los. Devemos ir antes que eles vão mais longe. – Você quer segui-los? – perguntou Linguado. – Mas… e o que Cowl disse? – Não podemos deixar eles irem embora – disse Ariel. – Não temos nada para trocar pelos meus pais – completou Nyssa. – O que vai acontecer quando Balão perceber que a pérola na verdade não faz nada? – É verdade! – Linguado se voltou à tartaruga. – E isso, hein? Uma Pérola da Sabedoria que não traz sabedoria nenhuma.

– Sabedoria é uma jornada – respondeu Chell. – Não é um prêmio para se ganhar. Ou roubar. E também não é uma Pérola da Sabedoria. Nyssa soltou um suspiro exasperado. – Estou cansada dessas charadas. Ariel não estava disposta a desistir. A resposta estava bem na cara deles. Ela só precisava juntar as peças. Parecia claro para Ariel que a Pérola da Sabedoria não fazia nada. As pistas eram o foco da caçada, e não o tesouro no final. Sem dúvida, Ariel havia aprendido algumas coisas pelo caminho. Ela fez uma nova amiga. E viveu uma aventura divertida. Se os pais de Nyssa não estivessem em um cativeiro, Ariel teria aproveitado a experiência e não se importaria que a pérola tivesse sido levada. Ela não tinha certeza de que Balão se sentiria da mesma maneira. Ou qualquer um dos caçadores de tesouros que buscaram a pérola ao longo dos anos. Era isso! Chell disse que ele teve outros visitantes. Se outros já haviam chegado à caverna, por que a pérola ainda estava ali? Não fazia sentido. O suposto guardião da pérola não fez nada para impedir Bell e Cowl de levá-la. Como ele teria impedido os outros caçadores de tesouros? As pistas que seguiram pelo caminho não eram fáceis, mas também não eram impossíveis de resolver. Outros caçadores de tesouros com muito mais conhecimento dos mares teriam chegado até ali também. – Chell – disse Ariel. – Sobre os outros visitantes que você recebeu ao longo dos anos… – Ao longo das décadas – apontou Chell. Ariel entrou no jogo. – Ao longo do tempo. Você disse que nem todos conseguiram a sua pérola. Não a pérola. Você nunca a chamaria de a pérola, a menos que estivesse falando especificamente da que estava na sua frente no momento. Assim, seria sempre uma Pérola da Sabedoria. – Do que você está falando? – perguntou Nyssa. – Acho que existe mais de uma pérola – disse Ariel. – Tudo isso foi um jogo. Não. Não um jogo. Uma lição. Tudo armado para encontrarem o Chell. Ele está deixando as pistas da caça ao tesouro por aí. – Não pessoalmente – falou Chell. – Vocês não são os únicos que têm amigos. Meu papel é permanecer aqui e guardar as pérolas. – Pérolas? – disse Nyssa. – Mas por quê? – perguntou Linguado. – Pela iluminação – respondeu Ariel. Ela tinha desvendado o mistério. Não havia tesouro nem nenhum prêmio no fim. Provavelmente não era nem uma pérola. As pérolas simplesmente não ficavam daquele tamanho. – Então… existem outras Pérolas da Sabedoria? – questionou Nyssa. – Ah, sim – respondeu a tartaruga. – Tenho um quarto lotado delas. – E são todas inúteis, como a que Bell e Cowl estão levando para Balão – palpitou Nyssa. Ariel sorriu e disse: – Eu não as chamaria assim.

– Você acha que alguma delas vai nos dizer como impedir Balão? – perguntou Linguado. – Não – respondeu Ariel. – Mas não acho que sejam inúteis. O sorriso de Ariel se abriu e ela elaborou um plano.

23

Balão circulou a Pérola da Sabedoria, que jazia no chão do oceano dentro de seu lar. A barracuda estava resmungando alguma coisa. Ariel não conseguia ouvir suas palavras, mas estava claro em sua expressão que ele não estava feliz. Isso poderia ser bom ou ruim para seu plano. A forma com que Bell e Cowl se escondiam em um canto fez Ariel desconfiar de que o chefe já havia tentado fazer a pérola responder a alguma pergunta. Ele não parecia ter tido sorte, o que não surpreendia. Ariel se enfiou no pequeno espaço em que Nyssa e ela haviam se escondido mais cedo, assistindo ao procedimento. Linguado tinha entrado por outro vão no recife, mas não dava para vê-lo. Ambos esperavam pela chegada de Nyssa. Ariel torcia para que tudo acontecesse logo. Ela estava ficando sem tempo. Era muito estressante pensar no que aconteceria se o festival começasse sem a presença da princesa mais nova. Ariel deveria recepcionar o rei das Profundezas. Sua ausência não passaria despercebida. Seria de uma grosseria absurda com os convidados de seu pai se ela não chegasse a tempo. Se o rei das Profundezas se ofendesse, eles não precisariam se preocupar com os planos de Balão de começar uma guerra, pois isso aconteceria por conta própria. O sol logo se poria. Eles precisavam entrar em ação. Ariel focou o presente quando viu Nyssa entrar nadando pelo arco de corais. Ela carregava consigo uma Pérola da Sabedoria idêntica à que Balão circundava. Era tudo parte do plano de Ariel. – Tem alguém em casa? – perguntou Nyssa ao entrar pelo arco. Ela não escondeu sua presença nem a pérola que portava. – Nyssa, saia já daqui! – exclamou sua mãe de dentro da pequena prisão de coral. – Nós vamos ficar bem – gritou o pai. – Proteja-se. – Está tudo bem – respondeu Nyssa. – Eu tenho isto. Ariel ficou impressionada que os pais dela não protestaram mais. Ela imaginou que, se estivesse em uma situação similar, seu pai não pararia um instante de man-dá-la embora. – O que você está fazendo aqui? – questionou Cowl, quando ele e Bell nadaram na direção da sereia. – O que você acha? – Nyssa jogou a pérola de uma mão para a outra casualmente, como se não tivesse nenhuma preocupação no mundo. – Vim fazer uma troca com o seu chefe pelo prêmio que vocês falharam em trazer.

Ariel tinha que dar crédito à coragem da amiga. Nyssa não demonstrava medo nenhum. Ariel estaria morrendo de medo se tivesse que encarar a barracuda e as águas-vivas sozinha. – Nós não falhamos – disse Bell, apontando um tentáculo para a grama. – A Pérola da Sabedoria está bem aqui. Ariel se preocupou que Balão ainda não havia dito nada. Ele continuou circulando, com um olho em sua pérola e o outro em Nyssa. Eles nunca conseguiriam conduzir seu plano se apenas Bell e Cowl falassem o tempo inteiro. Balão também precisaria estar distraído para que funcionasse. Nyssa riu. – Como estão indo as coisas com essa pérola? Ela já te revelou algum mistério dos mares? A barracuda seguiu circulando, mas estava mais focada em Nyssa agora do que quando a sereia entrou. Ainda não era o suficiente para Ariel e Linguado fazerem seu movimento. – Ainda não – disse Bell. – Mas, quando voltarmos lá, vamos fazer aquela tartaruga contar como funciona… – A tartaruga não vai dizer nada – retrucou Nyssa. – Vocês estão com a pérola falsa. Não acredito que pensaram que podiam convencer o chefe que encontraram a pérola sozinhos. Balão, você precisa de capangas melhores. – Ei! – resmungou Cowl. – Roubamos a pérola de forma justa. Não venha inventar… – Por que eu precisaria inventar alguma coisa? – perguntou Nyssa. – Vocês podem ver por conta que essa aí não funciona. Balão enfim falou. – Você está dizendo que a sua pérola vai fazer mais que esta? – Eu disse que tenho a sua Pérola da Sabedoria – respondeu Nyssa. Ariel percebeu que Nyssa estava evitando chamar o objeto de a Pérola da Sabedoria, tal como Chell fizera. Balão não se afastou de sua pérola. – Mostre. Pergunte alguma coisa a ela. – Tem alguma pergunta em mente? – questionou Nyssa. Ou ela estava checando se Ariel e Linguado estavam posicionados ou queria descobrir o plano final da barracuda. Talvez estivesse fazendo as duas coisas. – Pergunte como se causa uma guerra entre dois reinos – disse Balão. Nyssa olhou na direção de Ariel, mas se recuperou depressa. – Você não pode estar falando sério. Balão mostrou os dentes. – Muito sério. Nyssa deu de ombros. – Tudo bem, então. Bell e Cowl se inclinaram para ver, ainda mantendo distância do chefe. Ariel achou que eles estavam torcendo para que a pérola de Nyssa fosse tão silenciosa quanto a que trouxeram. Não tinham com o que se preocupar. Nyssa acenou com a cabeça concordando com o pedido de Balão, mas na verdade era um sinal para Ariel e Linguado se prepararem. Ariel estava pronta para entrar em ação quando Nyssa fez a pergunta. – Ó, sábia e maravilhosa Pérola da Sabedoria! Tesouro perdido dos sete mares e além. Guardiã do conhecimento das marés do oceano e…

– Sim, sim – disse Balão. – Prossiga. – É – completou Cowl. – Pergunte! Pergunte! Nyssa parecia frustrada, mas Ariel sabia que era tudo parte do plano. – Sinto muito – disse Nyssa. – A Pérola da Sabedoria precisa ser questionada de uma forma muito específica. A tartaruga marinha insistiu. – Está bem – respondeu Balão. – Mas vai logo. – Vou ter que repetir tudo desde o começo – disse a sereia. – Desculpe. – Fale mais rápido. – Vou fazer meu melhor – disse Nyssa com uma ligeira reverência a Balão. Ela não fez a reverência por educação. Era o sinal. Ariel apanhou uma Pérola da Sabedoria de seu estoque a seu lado no coral quando Nyssa recomeçou sua pergunta. Elas ensaiaram a fala no caminho. Era completamente sem sentido e totalmente repetitiva. Mas era longa o suficiente para distrair Balão e as águas-vivas para Ariel e Linguado trabalharem enquanto os vilões focavam Nyssa. Ariel rolou sua pérola para fora do coral, antecipadamente. Se eles fossem pegos agora, tudo iria por água abaixo. Ela viu Linguado empurrar uma pérola de seu esconderijo do outro lado do recife. Nada aconteceu quando as duas pérolas pararam do lado da que Bell e Cowl trouxeram para Balão. Era bom. Mas estavam longe de terminar. Nyssa se ergueu um pouco na água enquanto prosseguia com sua pergunta incrivelmente longa. Quanto mais alto ela ia, mais Balão e seus capangas precisavam olhar para cima. Nesse meio-tempo, Ariel seguiu rolando uma pérola após a outra para dentro da casa sob eles. Chell havia dado a eles dúzias de pérolas falsas. Era a coisa mais lógica a se fazer quando contaram que a caça ao tesouro havia lhes ensinado como lidar com seus inimigos. Foi muito útil que o guardião das Pérolas da Sabedoria tivesse um estoque delas escondido na caverna. Muitos caçadores haviam chegado à caverna ao longo dos anos. De acordo com Chell, cada um deles havia aprendido algo mais valioso do que a pérola poderia oferecer. Chell sempre lhes dava uma pérola como lembrança da experiência, antes de se preparar para esperar o próximo concorrente. Ela duvidava que Balão ficasse contente ao descobrir a verdade. A barracuda e suas águas-vivas estavam tão concentradas na pérola de Nyssa que nem perceberam o que estava acontecendo logo abaixo. Mas os pais de Nyssa viram. Seus olhos se arregalavam a cada pérola que entrava na sala, até que o estoque de Ariel e Linguado acabou. Era tudo que as garotas e Linguado conseguiram carregar com a rede abandonada que a tartaruga lhes deu para o transporte. Dezenas de pérolas enchiam o chão da casa de Balão. Quando a última foi colocada no lugar, Ariel cantarolou uma única nota, aumentando o volume lentamente até que Nyssa confirmasse ter ouvido o recado. Balão, Bell e Cowl poderiam ter ouvido também se não estivessem tão focados na voz de Nyssa, que estava ficando rouca de tanto falar. – Assim sendo – ela continuou. – Pergunto a você, grande Pérola da Sabedoria: como Balão pode começar uma guerra entre o rei de Atlântida e o rei das Profundezas? – Finalmente – gritou Cowl, exasperado. – Oh! – Nyssa saltou com o barulho, reagindo exageradamente, como se tivesse se assustado. A

pérola voou de seus braços, juntando-se no chão às dezenas de outras exatamente como ela. – Que truque é esse? – questionou Balão ao perceber que o chão de seu esconderijo estava coberto de Pérolas da Sabedoria. – Não faço ideia de como isso chegou aqui – disse Nyssa, fingindo surpresa. – Bell! Detenha a garota! – disse Balão. – Cowl, encontre a pérola! A água-viva entrou em ação, e isso foi o gatilho para Ariel e Linguado fazerem o mesmo. Nyssa avançou pelo arco, fugindo do recife, e Bell a perseguiu, enquanto Ariel e Linguado saíam de seus esconderijos. Balão e Cowl estavam tão preocupados em encontrar a pérola verdadeira, como se algo assim existisse, que não perceberam que não estavam mais a sós. Ariel se dirigiu para os pais de Nyssa. Ela tinha uma pequena concha de prata que Nyssa lhe dera. A rápida aula de abrir fechaduras no caminho deveria ser o suficiente para resolver o problema. – Eu sou Ariel – disse ela, cumprimentando os pais de Nyssa. – Vou tirar vocês daqui. A princesa olhou para trás, para checar se Linguado estava cumprindo sua parte do plano, que lhe garantia fazer seu trabalho em segurança. – O que estão procurando? – perguntou Linguado aos caçadores de pérola a uma distância segura. – Você! – Cowl esqueceu sua busca e saiu atrás do peixe azul e amarelo. Linguado não perdeu tempo. Ele zarpou pelo arco de entrada, levando consigo a água-viva, como Nyssa havia feito pouco antes. Ariel forçava a fechadura enquanto Balão seguia sua procura pela pérola. Era uma tarefa impossível, já que todas eram iguais. As mãos trêmulas de Ariel tornavam impossível a tarefa de segurar a chave. Conforme sua frustração crescia, ela batia a concha no buraco, tentando desesperada abrir a porta. Foi então que Nyssa nadou de volta para o esconderijo sem ser seguida por Bell. – Linguado vai manter as águas-vivas ocupadas – gritou a sereia de cabelo escuros ao pegar a pérola mais próxima e jogar em Balão. – É esta que você está procurando? Ou esta? Talvez esta! Nyssa atacou a barracuda com várias pérolas enquanto Ariel encaixou a concha de prata na fechadura, à procura da trava de metal por dentro. Abrir uma fechadura não era tão fácil quanto Nyssa fazia parecer. A concha ainda não tinha encontrado o pino interno que soltaria a trava e seguia escorregando. – Eu consigo fazer isso – disse Ariel, especialmente para si. – Posso ajudar – disse Nyssa, subitamente atrás dela. Ariel olhou para a amiga e viu que Balão estava soterrado sob uma montanha de pérolas. Mas isso não o deteria por muito tempo. Ela girou a concha de prata na fechadura de novo, tentando forçar a abertura. – Ariel, pare – disse Nyssa com calma ao segurar a mão da amiga. – Não encaixe a concha e gire. Faça uma coisa de cada vez. Sinta o caminho. Ignore a jaula. Ignore a água. Apenas sinta o pino. Aí você puxa. Ariel se concentrou em sua tarefa. Com a orientação de Nyssa, ela sentiu o pino na fechadura com a concha de prata. Então deu um giro rápido e ouviu o estalo pelo qual estava esperando. A tranca se abriu! Nyssa puxou o timão do coral, libertando seus pais, que a abraçaram. Ariel saiu do caminho, sorridente. Ela estava feliz em poder ajudar uma família.

– Ariel! – chamou Linguado atrás dela. – Ajude-me! A felicidade de Ariel se transformou em pânico ao ver que Bell e Cowl haviam seguido Linguado de volta ao esconderijo. Eles o encurralaram em uma parede de coral. As águas-vivas estenderam os tentáculos à frente antes de queimarem. Linguado estava totalmente desprotegido, sem nenhuma pérola para atirar. Balão já tinha se libertado das pérolas também. Ele flutuou sobre os grupos com um sorriso malicioso nos lábios, seus dentes de tubarão à mostra. – Entregue a pérola verdadeira e deixaremos seu amigo ir embora. – Fique longe dessas crianças – disse o pai de Nyssa. – Vou garantir que consiga a pérola, mas você precisa soltá-los. Todos eles. – Está tudo bem, pai – disse Nyssa. – Estamos bem. Nyssa segurou a mão de Ariel e saíram nadando juntas. Ariel podia ver a preocupação no rosto dos adultos, mas eles não impediram a filha de se envolver. – Não existe pérola de verdade – contou Nyssa a Balão. – São todas falsas. O propósito da caçada é a jornada, e não o prêmio no final. É uma busca infinita. Balão riu. – E eu deveria acreditar em você? Como se eu não soubesse que você quer a pérola de verdade para si. Talvez dar aos seus pais o poder que ela possui. – Não existe poder nenhum – insistiu Nyssa. – Nenhuma delas tem. É esse o propósito da caçada. Balão seguiu circulando por entre os grupos, ainda não convencido. No entanto, Ariel viu Bell e Cowl se afastarem um pouco de Linguado. As águas-vivas pareciam estar ouvindo. – Pode ir falar você mesmo com a tartaruga – disse Nyssa. – Chell vai te explicar. – Ah, Bell e Cowl vão voltar para lá assim que terminarmos aqui – disse Balão. – Guarde as minhas palavras. Eu vou fazer a tartaruga pagar caro por isso. – Você vai fazer a tartaruga pagar? – perguntou Ariel, falando mais para as águas-vivas do que para seu mestre. – Parece que você não faz nada. Não foi você que nadou por todo o mar. Não foi você que saiu ameaçando uma dupla de garotas e um peixinho. Não foi você que esteve próximo da morte em um prédio desabando. – A pérola é inútil – insistiu Nyssa. – Foi tudo uma perda de tempo. Ariel sabia que isso não era verdade para todos eles. Nyssa aprendeu a confiar em outras pessoas. Uma nova amizade surgiu. Mas Balão não aprendeu nada disso em seu esconderijo, mandando seus capangas fazerem todo o serviço. Ariel apoiou a mão no braço de Nyssa. – É inútil. Ele não vai ouvir. – Então o que faremos? – perguntou Nyssa. – Fale com quem vai ouvir. – Ariel nadou adiante, com cuidado para manter distância de Balão. – Bell? Cowl? Estamos falando a verdade. A Pérola da Sabedoria não é real. Balão fez vocês revirarem o mar por nada. – Você acha que somos tão idiotas a ponto de acreditar nas suas mentiras? – perguntou Cowl. Bell não disse nada. Ela parecia estar ouvindo. Ariel voltou-se para ela. – Por que haveria tantas pérolas? – perguntou Ariel. – Para substituir as que foram levadas por outros caçadores de tesouros. Todo tipo de caçador esteve na caverna ao longo dos anos. – Quantos? – perguntou Bell.

– O suficiente – respondeu Nyssa depressa, apoiando a explicação de Ariel. – Mas não muitos. Só os caçadores mais espertos encontraram a pérola. Era esse o propósito. Não é qualquer um que consegue fazer o que nós fizemos… o que você fez. Ariel prosseguiu. – É raro encontrar a caverna, mas não é impossível. É por isso que Chell tinha tantas pérolas. Ele só as entrega para os merecedores. E ele não te impediu de sair com aquela Pérola da Sabedoria porque você mereceu. – Ele teria impedido Balão – completou Nyssa confiante, pois sabia que era verdade. – Ele não tinha direito à pérola. Você e Cowl tinham. Foram vocês que passaram pela caçada. Ele só ficou relaxando em seu esconderijo enquanto vocês e os meus pais fizeram todo o trabalho. Cowl parecia estar ouvindo agora também. Ariel dirigiu suas palavras para as duas águas-vivas. – Balão não teria feito nada sem vocês. Ele precisa de vocês mais do que vocês precisam dele. – Não seja ridícula – disse Balão. – Essas gelatinas não seriam nada sem mim. – Não sei, não – sorriu Nyssa, sacudindo a cabeça. – Para mim, parece o contrário. – Sim! – disse Cowl. – Eu vejo assim também. – Concordo – falou Bell. As águas-vivas nadaram lentamente na direção de Balão. Linguado aproveitou a chance para se afastar deles, apesar de saber que não precisava mais se preocupar. No momento, as águas-vivas estavam mais concentradas em seu mestre… antigo mestre. – Você nos mandou atravessar o mar? – perguntou Cowl. – Em uma busca inútil? – E, mesmo se fosse real, você não iria compartilhar o poder da pérola conosco, iria? – questionou Bell. – Eu iria deixar vocês me ajudarem a governar os mares – disse Balão. – Não é o suficiente? – Parece que nós seríamos bons em governar o mar por conta própria – comentou Bell ao se aproximar com os tentáculos espalhados. – Mas a ajuda de alguns serviçais seria bem-vinda – completou Cowl ao encurralar a barracuda. Balão sabia que estava vencido. A barracuda deu as costas e se encaminhou para a saída, com Bell e Cowl quase que literalmente na sua cauda. Os sereianos e Linguado soltaram um suspiro coletivo de alívio quando eles partiram. – Excelente trabalho – disse a mãe de Nyssa ao acolher as duas garotas em seus braços. – Como você sabia que Bell e Cowl iriam mudar de lado? – perguntou Nyssa. Ariel sorriu. – Da mesma maneira que a gente. Imaginei que eles também tivessem adquirido alguma sabedoria.

24

Pontos flutuantes de iluminação se moviam pelas sombras na direção do palácio. As luzes de Atlântida enfraqueceram quando o sol enfim se pôs sobre as águas, deixando a cidade na escuridão, exceto pela sequência de pontos brilhantes que se aproximava. Ariel sabia, por causa de festivais anteriores, que as luzes não eram pedras brilhantes flutuantes, e sim pequenos bulbos nas varas ligadas à cabeça dos tamboris que acendiam no breu. Ela só os via uma vez no ano, quando a guarda real das Profundezas liderava a procissão até Atlântida. – Ah, não – exclamou Linguado enquanto nadavam a toda velocidade para casa. – Já começou. – Está tudo bem – respondeu Ariel, forçando-se a manter a calma. – Ainda temos tempo. Eles não chegaram ao palácio. Só precisamos estar lá antes que o rei das Profundezas chegue ao trono. O rei estava no fim da fileira de luzes. Ele seria o último a entrar na sala do trono. – Vamos chegar bem em cima da hora – disse Linguado. – É verdade – concordou Ariel, aumentando a velocidade. – Mas vai dar tempo! Ariel deixou Nyssa e os pais dela para trás, para garantir que Balão não ameaçasse mais ninguém. Eles também levaram de volta as pérolas para Chell. A última coisa que desejavam era deixar os futuros caçadores de tesouros sem a sua merecida lembrança da iluminação. Ariel tentou se manter positiva quando chegaram à cidade. Havia um caminho direto para o palácio. As ruas estavam vazias, já que todos queriam participar do festival. Bem, quase todos. Alguém pequeno, vermelho e claramente agitado corria na praça da cidade. Ariel só conseguia pensar em uma razão para Sebastião não estar na cerimônia de abertura: ela. A voz de Sebastião ecoava pelas ruas escuras da cidade quando ele falava sozinho. Ariel não conseguiu entender bem as palavras, mas podia imaginar quase tudo que estava sendo dito. Ela nem se preocupou em reduzir a velocidade ao se aproximar do siri. Parar para o sermão não seria bom para ninguém. Ela já estava quase lá quando entreouviu: – E mais uma coisa – resmungou Sebastião, sem perceber que havia audiência nadando na sua direção. – Não sou babá. Sou o conselheiro… – Desculpe, Sebastião! Estou a caminho do palácio agora! – avisou Ariel ao passar nadando por ele. – O quê? – assustou-se o siri. – Onde? – Vamos logo, Sebastião – chamou Linguado, que seguia a amiga. – Você vai perder a procissão! – Esperem! – falou Sebastião, indo se juntar a eles.

Ariel não podia esperar. Ela não podia desacelerar. A sereia atravessou a entrada principal do palácio e passou pelos atlantes enfileirados do lado de fora por não caberem na sala do trono. Ela atravessou uma parede de colunas e se encaminhou para a entrada da cozinha. Não seria de bom tom se ela se juntasse à procissão, ainda que fosse a rota mais rápida para seu destino. Não havia ninguém na cozinha, já que a equipe estava na sala do trono, com todos os outros. Devia estar lotado lá, mas isso significava que os corredores estavam vazios, sem ninguém para bloquear o caminho. Em algum ponto do percurso, Ariel se deu conta de que tinha perdido Linguado e Sebastião. Até ali, sem surpresas. Linguado provavelmente estava exausto do dia que tiveram, e Sebastião, por seu corpo pequeno de siri, não teve chance de acompanhar uma sereia nadando em alta velocidade. Ariel quase bateu em uma parede no corredor escuro. Ela teve que pausar para reencontrar o caminho. A sereia não conhecia os pisos inferiores do palácio, mas não queria virar à esquerda quando precisava pegar a direita. Felizmente, a música da sala do trono indicava o caminho. Devia ser a orquestra das Profundezas, caso contrário Sebastião não estaria na rua à sua procura. Era óbvio que o siri não tinha escrito aquela música, pois suas composições costumavam ser mais alegres. Ariel seguiu a música fúnebre até a sala do trono. Ela entrou pela porta dos fundos quando o último par de tamboris entrou. O rei das Profundezas seria o próximo. Ela chegara bem a tempo! Ariel se encaixou na fila de recepção ao lado de Andrina, que segurou o riso ao vê-la se aproximar. O pai lançou um olhar firme a Ariel do começo da fila, e a sereia pediu desculpas com um dar de ombros. Ele não conseguia ficar bravo com ela por muito tempo, mas desta vez ela estava forçando os limites. A fanfarra anunciou a chegada do rei, e o peixe-dragão entrou na sala do trono, sobre uma cama de concha de ostra puxada por um par de minúsculos cavalos-marinhos. O rei das Profundezas tinha metade do tamanho de Linguado, mas ainda assim era uma figura imponente em seu posto real. Todas as cabeças se curvaram quando Ariel nadou até a frente. Todos os olhos estavam voltados para ela quando Ariel abriu a boca e saudou o rei no idioma nativo dele. Quando ele sorriu em vez de se exaltar com raiva, Ariel soube que tinha acertado. A família real inteira suspirou aliviada quando o rei das Profundezas prosseguiu para a fileira de irmãs que terminava em Tritão. Ariel não tinha estragado tudo. Ela não havia começado uma guerra. Ela tinha salvado os pais de Nyssa e evitado que Balão, na verdade, não fizesse nada, pois a pérola não lhe dera nenhum poder. Ainda assim, foi um dia muito bom. Agora que Ariel tinha cumprido seu papel na breve recepção, ela podia relaxar e se ausentar da sala. Viu que Linguado e Sebastião haviam chegado. Bem a tempo também. Quando as saudações reais terminaram, Sebastião subiu no palanque assim que a orquestra das Profundezas terminou sua trágica melodia. O siri apanhou a batuta, e a banda de Atlântida encheu a sala de uma música muito mais alegre, e sereias dançarinas tomaram as águas para a cerimônia de abertura. Enquanto Ariel assistia, viu uma mão acenar para ela do fundo da multidão. Era Meranda, que tentava chamar sua atenção. A bibliotecária acenou com insistência para a dançarina principal, que trajava um vestido de penas gigantes. As dançarinas estavam maravilhosas, assim como todos na cerimônia.

Logo a festa se espalhou para as ruas de Atlântida, onde Ariel pôde se reunir com Linguado. Suas tarefas de princesa estavam concluídas naquela noite, e agora ela queria se divertir. Ariel teria muitos afazeres nos próximos dias de festival. E ainda mais quando as aulas recomeçassem. Ela podia ter usado os últimos dias para relaxar e se divertir, mas estava feliz em ter ajudado Nyssa. Era uma pena que a Pérola da Sabedoria não tivesse trazido a ela a iluminação de como fazer seu pai lhe dar mais tempo livre para aproveitar a vida. Ela estava esquivando-se do rei até então, para evitar um sermão sobre como ela quase não chegara a tempo para a abertura. – Essa foi por pouco – disse Linguado, ecoando seus pensamentos. – Nem me fale – disse Ariel. – Mas nós conseguimos. Agora eu só quero dormir pelo resto da semana. – Não, Ariel! Nós precisamos ficar na festa – disse Linguado. – Olhe! Até Sebastião está se divertindo. A irmã de Meranda havia convencido Sebastião a dançar na praça da cidade. O pequeno siri estava fazendo alguns movimentos estranhos ao rodopiar em sua casca com as pernas balançando no ar. – Ele parece… – Ariel se distraiu ao avistar um rosto familiar assistindo às dançarinas na multidão. – Nyssa! – Ele parece Nyssa? – perguntou Linguado. – Não vejo a semelhança. Ariel apontou para o outro lado da praça. A dupla abriu caminho por entre as dançarinas no momento em que Sebastião fez um salto mortal na água. Era um movimento impressionante, e Ariel parou para aplaudir com todos os outros. Durante a pausa, Meranda agarrou Linguado e pediu que ele dançasse com ela. Ariel riu quando ele saiu com a bibliotecária, então seguiu seu caminho na direção de Nyssa. – Não tinha certeza se voltaria a te ver – comentou Ariel quando as garotas se reuniram. – Meus pais decidiram ficar por aqui um pouco mais. Ariel abraçou Nyssa. – Isso é ótimo! Posso te mostrar o restante de Atlântida. Vai ter que ser entre um compromisso real e outro, mas tenho certeza de que poderemos fazer várias coisas. Nyssa ficou tensa e Ariel a soltou. – Algum problema? – perguntou Ariel. – Não vou ter muito tempo nas próximas duas semanas – explicou Nyssa. – Também tenho algumas tarefas agora. Ariel ergueu uma sobrancelha questionadora. – Estou cobrindo o Chell como guardiã temporária – explicou Nyssa. – Ele finalmente vai tirar umas férias. Alguém precisa entregar as Pérolas da Sabedoria caso algum caçador de tesouros apareça enquanto ele está fora. Ariel riu. – Você só pode estar brincando! Como isso aconteceu? – Quando voltamos para devolver as pérolas, meus pais ficaram conversando com ele sobre explorar os mares – explicou Nyssa. – Naturalmente, ele disse que não costuma sair muito. Bem, meus pais ficaram chocados! Eles nem imaginam como é ficar no mesmo lugar por tanto tempo. – Então eles decidiram ficar por aqui enquanto Chell sai de férias? – perguntou Ariel. – Sim e não – respondeu Nyssa. – Acontece que a Biblioteca Perdida de Avalon era algo que eles

estavam procurando quando eu nasci. Era a caçada deles na época em que se apaixonaram. – É uma pena que foi destruída – disse Ariel. – Ainda assim foi um achado incrível – falou Nyssa. – Eles estão planejando uma expedição em profundidade, só eles, para ver se conseguem recuperar alguma coisa. – E vão deixar você para trás, sozinha naquela caverna? – perguntou Ariel. Nyssa olhou para o chão, mexendo a areia com a barbatana. – É meio que um castigo. – Castigo? Por resgatá-los? Nyssa riu. – Por mentir para você e roubar a caixa de madeira. Eles acham que eu poderia ter conseguido a sua ajuda de outra maneira. Não gostaram nada quando contei o que fiz. Foi a vez de Ariel rir. Parecia que todos os pais eram iguais, no fim das contas, fossem reis ou exploradores. – E onde eles estão agora? – perguntou Ariel. – Já saíram para a próxima aventura? Nyssa deu um sorriso travesso. – Ah, não. Eles estão conversando com o seu pai. Queriam agradecer pela sua ajuda. – Nyssa! – Ariel arregalou os olhos à procura do pai no meio da multidão. Ele estava mesmo conversando com os pais de Nyssa. À distância, Ariel não conseguia ver a expressão no rosto do pai, mas temia pelo pior. Ela não sabia como ele reagiria ao descobrir todas as coisas perigosas que ela fizera nos últimos dias e a aventura que quase a atrasou para sua responsabilidade real. Ela descobriria em breve. O rei Tritão vinha nadando em sua direção. – Hora de dançar – disse Nyssa, indo se juntar a Linguado e Meranda. Ariel esperou seu pai se aproximar e tentou inventar qualquer desculpa possível para seu comportamento. No entanto, o sorriso no rosto do rei sugeria que ela não tinha nada a temer. – Ouvi falar que você andou ocupada esses dias – ele disse. – Sim, papai – respondeu ela. – Você foi à superfície? – perguntou o rei. – Só uma vez. Ela imaginou que ele não teria como saber de sua escapada para ver Sabidão, então decidiu deixar essa parte de fora. – Você sabe que não gosto que faça isso. – Eu sei, desculpe – ela respondeu. Tritão passou um braço ao redor da filha. – Não tem problema desta vez – disse ele. – Você estava fazendo uma coisa importante. Mas não quero que volte lá. – Eu entendo – disse ela, sem falar mais nada. Ela não queria fazer promessas que sabia que não poderia cumprir. – Estou muito orgulhoso de você – comentou o pai. – Está? – É claro que sim! Os pais da sua amiga me disseram que você foi muito corajosa. Ariel olhou a pista de dança. A mãe e o pai de Nyssa acenavam para ela de lá. Ela acenou de volta.

– Só fiz o que precisava fazer. – Não, você fez algo que ninguém mais teria feito – disse Tritão. – Às vezes, esqueço que você não é mais uma garotinha e é tão madura quanto suas irmãs. Talvez até mais madura que Adella. Eles riram. – Não conte a ela que eu falei isso – completou Tritão. – Seu segredo está a salvo comigo – disse Ariel. Tritão pôs a mão no queixo da filha e ergueu o rosto dela para que pudessem olhar um ao outro nos olhos. – Quando o festival acabar, vamos ter uma conversinha – ele disse. – Vamos reduzir algumas das suas responsabilidades mais entediantes. Vou te dar uma chance de sair mais e explorar Atlântida. Você gostaria disso? – Mais que tudo, papai! – Ariel agarrou o rei em um enorme abraço. – Eu adoraria isso mais que qualquer coisa. – Você mereceu, Ariel – disse ele ao retribuir o abraço. – Merece se divertir um pouco e conhecer mais o reino. – Mas não a superfície? – ela perguntou, brincalhona. – A superfície não – ele respondeu incisivo. Ariel riu ao soltá-lo. – Não pode me culpar por tentar. – Não – falou ele. – Não posso mesmo. Agora vá encontrar seus amigos. – Como quiser, vossa alteza. – Ariel fez uma reverência divertida e o puxou para a pista de dança com ela. Os atlantes abriram caminho para o rei Tritão dançar com a filha. Aparentemente, a Pérola da Sabedoria havia trazido a resposta que Ariel desejava. Ela estava contente que o rei Tritão tivesse encontrado a iluminação.
Paul Ruditis - Ariel e a Perola da Sabedoria

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