Parte 8 - Dermatoses por noxas qu°micas, f°sicase mecÉnicas

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DERMATOSES POR TOXINAS E VENENOS ANIMAIS

As dermatoses ou reações cutâneas por introdução ou contato com toxinas ou venenos (peçonhas) de animais ocorrem por mordeduras, ferimentos, picadas ou contato com animais. São freqüentes, eventualmente graves e até fatais, podendo ocorrer em qualquer ambiente, inclusive domiciliar. Podem ser causad:is por numerosos animais, inclusive por. invertebrados aquáticos. ARTRÓPODES

Os artrópodes são animais metazoários, de simetria bilateral, com o corpo segmentado reves tido de quitina e com apêndices articulados. Esses animais são comumence encontrados em ambientes domésticos, o que amplifica a probabilidade de acidentes em seres humanos. CLASSE ARACHNIDA ORDEM ARANEAE E SCORPIONIDA

falotórax. No Brasil pertencem principalmente a três gêneros: Phoneutria, Loxosceles e Latrodectus. A aranhas deste último gênero, denomir;iadas viúvas negras ocorrem particularmente na Bal-\ia e Rio de Janeiro. As aranhas do gênero Lycosa e Migalomorpha (caranguejeiras) têm peçonhas pouco ativas em animais de sangue quente e apesar do aspecto terrível, são consideradas não venenosas. As caranguejeiras podem soltar pêlos abdominais que, por contato, podem provoc;.ar dermatites pápulo-urticadas na pele humana. FONEUTRISMO

Acidente aracnídico mais freqüente no Sul e Sudeste, provocado pelo gênero Phoneutria com ~árias espécies particularmente a P nigriventer (armadeira ou aranha da banana). As armadeiras são assim chamadas porque assumem posição de bote quando acuadas ou mesmo sem provocação. São aranhas agressivas que penetram em ambientes domésticos e provocam acidentes graves. M ANIF ESTAÇÕES CLÍNICAS

(ARANHAS E ESCORPIÕES) ARANEISMO

As aranhas constituem a ordem mais ampla de aracnídeos. Têm hábitos solitários, são ovíparas e carnívoras. As aranhas venenosas têm as glândulas de veneno, ligadas às presas na porção anterior do ce-

O veneno é neurotóxico de ação periférica. No local da picada, ocorre eritema, edema e dor local intensa que se irradia. Eventualmente, e particularmente em crianças, pode ocorrer choque do tipo neurogênico, com arritmia cardíaca, priapismo, il)suficiência respiratória e até óbito. O veneno da Lactrodectus (Viúva Negra) também é neurotóxico e o quadro clínico é similar.

DERM A T O L OG IA

TRATAMENTO

MAN IFESTAÇÕES CLÍN I CAS

Na quase totalidade dos casos o tratamento é sintomático, com infiltração local de anestésico, como lidocaína sem adrenalina ou bupivacaína 3 a 4 ml para adulto e 1 a 2 ml para crianças, que podem ser repetidas até três vezes com intervalo de um hora entre as doses. Em casos graves, com choque neurogênico, particularmente em crianças ou quando houver dor p ersistente, a terapia é usar soro antiaracnídico, em geral, 5 ampolas.

O veneno é proteolítico e h emolítico, agredindo pericitos e hemácias. A picada pode passar despercebida ou ser quadro álgico, semelhante a uma queimadura leve. Entre 12 e 24 horas após a picada, surge placa edematosa com vesiculação, bolha e equimose, restritos à área de inoculação do veneno. Esta lesão é chamada placa marmórea pelos tons azul (cianose), branco (isquemia) e vermelho (rubor) e pode evoluir para necrose e, pela eliminação do esfacelo, ulceração de cicatrização demorada (Figura 48.2). Na fase inicial o quadro deve ser diferenciado de infecções bacterianas e na tardia de doenças que apresentam úlceras como a leishmaniose, sífilis, esporotricose e outras ulcerações. Os fenômenos hemolíticos são raros (em 5-15% dos acidentes) podendo levar a uma insuficiência renal aguda.

LOXOSCELISMO

É causado por espécies do gênero Loxosceles (aranha marrom) (Figuras 48.lA-B). A maioria dos casos ocorre nas regiões Sul e Sudeste. Em São Paulo, no Instituto Butantan são registrados cerca de 50 casos por ano, mas existem relatos de ocorrência de grande número de casos em C uritiba. O s acidentes aumentam na época mais quente do ano.

A

TRATAMENTO

Nos casos leves, sem necrose, corticóide p.o. é empregado com resultados controversos. Nos casos com necrose extensa, usar soro antiaracnídico, i.v., dose total de 5 ampolas. Quando houver fenômenos hemolíticos, usar 10 ampolas de soro anriaracnídico. Pela ação antiinflamatória, tem sido empregada a sulfona, 100 mg/ dia, associada à soroterapia ou isoladamente na fase tardia.

B

F1Gs. 48. t A·B. Aranha marrom (Loxosce/es gaucho) e acidente recente (placa marmórea).

786

F1G. 48.2.

úlcera loxoscélica crônica (2 meses).

DERMATOSES POR TOXINAS E VENENOS ANIMAIS

ESCORPION!SMO

No Brasil é causado por espécies do gênero Tityus, principalmente pelos (escorpião amarelo), T. bahiensis (escorpião marrom) e T. stigmurus. Os escorpiões injetam veneno pelo aguilhão no fim da cauda. São animais que penetram nos domicílios, especialmente em ambientes com lixo, pois seu principal alimentos são as baratas. Acidentes em crianças podem ser graves e até fatais. MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS

O veneno é neurotóxico de ação periférica. Ocorre dor local imediata e intensa, similar ao acidente por Phoneutria. Os acidentes pelo T. serrulatus são mais graves, com alguns óbitos registrados. TRATAMENTO

Na maioria dos casos, bloqueio anestésico, como referido no foneutrismo. Nos casos graves, particularmente em áreas onde ocorre o escorpião amarelo, em

crianças, em dores intensas e persistentes, empregar o soro antiescorpiônico ou fração antiescorpiônica do soro antiaracnídico, dosagem total de 5 ampolas. CLASSE DIPLOPODA

Os diplopodas (mil pés, piolhos-de-cobra, embuás, gongolôs) são artropódos capazes de produzir quinonas e nitrilas, ejetadas por aberturas later;,iis do corpo, por pressão externa. Na área de contato, surge eritema inflamatório, com pigmentação acastanhada, e até vesiculação e exulceração. Pode haver comprometimento ocular. A diagnose é facilitada pela informação do acidentado, que, freqüentemente, traz consigo o animal. Suspeitar de acidente por diplopoda em quadro com área de pigmentação isolada, geralmente em extremidade surgida após calçar os sapatos ou em criança após brincar em jardim. O tratamento, na fase precoce, é a lavagem local com água e também com álcool e éter, pois funcionam como solvente do veneno. Usar corticóide tópico se n ecessário para controlar a inflamação. A pigmentação pode persistir por vários meses (Figuras 48.3 e 48.4) .

F1G. 48.3.

Diplopoda.

F1G. 48.4. Inflamação e pigmentação por diplopoda.

787

DERM ATOLOGIA

CLASSE INSECTA OU HEXÁPODA

Inseros são artrópodes com o corpo dividido em cabeça, tórax e abdome, com três pares de pernas, um par de antenas e de respiração aérea. Constituem o grupo de animais mais numeroso na natureza o que predispõe contacos com humanos nas mais variadas situações e ambientes. ORDEM HYMENÓPTERA (ABELHAS, VESPAS E FORMIGAS) PICADAS DE ABELHAS E VESPAS

As abelhas compreendem numerosas espécies e são insetos sociais que produzem cera, mel, da família da Apidae. Quando atacam o homem, o fazem em grupos. A mais comum entre nós é a Apis mellifica, assim chamada por ter sido importada do reino de Portugal. Esta, como outras espécies nativas, raramente atacam o homem. Há alguns anos, foi imporrada da África uma espécie, a abelha africana, por ser maior produtora de mel, extremamente agressiva, tendo sido registrados vários casos de morte, por toxemia em casos de picadas por ataque de enxam e desta abelha. O veneno de abelha ou vespa é uma mistura de proteínas e pode determinar reação imediata ou tardia. As reações imediaras podem ser por mecanismo não-alérgico ou alérgico. A reação não-alérgica ocorre logo após a picada e caracteriza-se pelo aparecimento, no local da picada, de eritema, edema, prurido e dor. Esta reação, em geral, persiste por algumas horas. Quando o indivíduo torna-se sensível após picadas anteriores, a reação local é mais intensa, sendo o edema e eritema mais persistentes. Pode-se acompanhar de quadro difuso como urticária generalizada, prurido, angioedema, podendo ser uma reação ana.filática com hirertensão, broncoespasmo, edema da laringe e, eventualmente choque anafilático e morte. As reações tardias são pouco comuns. Pode ocorrer necrose c utânea, reação tipo doença do soro, púrpura tromboci topênica e até quadro neurológico ou hepato-renal. Nas picadas de abelha e vespa, é importante a diagnose da reação de sensibilidade. A história é importante pela informação do desenvolvimento da reação de sensibilidade. O teste cutâneo com veneno é sensí-

788

vel e específico, mas pode aumenrar a sensibilidade ao veneno. O RAST é menos sensível e específico. O tratamento nas reações discretas é feito localmente com compressas geladas e creme de corticóide e, por via sistêmica, anti-hisramínicos e corticóides. Nas reações graves, corricóides por via intramuscular ou intravenosa e, eventualmente, adrenalina. Quando o ferrão é introduzido o veneno é inoculado dentro de 2 minutos após a picada, sendo necessário retirá-lo o mais rápido possível. D eve ser retirado com cuidado, evitando o rompimento para não introduzir o veneno. As reações tardias são tratadas com corcicóides tópicos e sistêmicos. Em indivíduo que desenvolve reação de hipersensibilidade, além de evitar a exposição, é conveniente, em caso de risco de picada, ter consigo anci-hisramínico, conicóide ou adrenalina, para uso de imediato. A imunoterapia com extratos de venenos purificados, tem se mostrado altam ente eficaz para grande parte dos pacientes com hipersensibilidade. P ICADAS DE FORMIGAS

Dos himenópceros, a família dos formicídeos compreende inúmeras espécies que habicam áreas silvestres, agrícolas e ambientes domésticos. As Solenopsis (S. geminata, S. invicta, S. richeterz) têm picadas muito dolorosas, limitadas a locais das inoculações que rendem a desaparecer em alguns dias. As lesões são, inicialmente, pápulas urticariformes que desaparecem em 30 minutos a 1 hora. Depois de 24 horas no local da picada surge uma püstula estéril, que regride entre 3 e 8 dias. Pode ocorrer também o apareci mento de lesão eritematosa, edematosa e indurada muito pruriginosa no local da picada. Posteriormente, cicatrizes, manchas pigmentares ou pápulas fibr6ticas. Eventualmente, por picadas sucessivas, pode surgir hipersensibilidade com lesões à distância, porém, em geral, não se d esenvolvem reações sistêmicas. Admite-se que picadas de fo rmigas possam acuar como desencadeantes do prurigo agudo infantil e prurigo de Hebra. Nas regiões Norte e Centro-Oeste do Brasil, ocorre o gênero Paraponera (a rocandira) cujas picadas provocam dor int~nsa com febre e mal-estar. A diagnose se estabelece pela localização das picadas e exposição (Figuras 48.5 e 48.6A-B) . O tratamento é sintomático. Em casos de hipersensibilização, pode-se tentar a dessensibilização.

DERM ATOSES POR T OXINAS E VENENOS ANI MAIS

F1G. 4 8.s.

Acidentes por formigas,

Solenopsis (24 horas).

B

F1Gs. 4 8.6A-B .

Formigas lavapés (So/enopsis invicta) e acidente maciço em paciente que sofreu uma queda e apresentou secção de medula.

ORDEM COLE ÓPT ERA

DERMATITE VESICANTE POR

( BESOUROS E GORGULHOS)

PAEDERUS (POTÓS)

Os coleópteros constituem a ordem mais abundante dos insecos, conhecendo-se cerca de 300.000 espécies. Muitas espécies, em contato com a pele, produzem dermatite vesicante. Extrato da "mosca espanhola", Cantaris vesicatoria, é usado em terapia tópica. De interesse em nosso meio são os quadros originados por coleópteros da família Staphylínidae, gênero Paederus, encontrados na África, Ásia e América do Sul. No Brasil, já foram observados em várias regiões, tendo sido identificadas as seguintes espécies: P. amazonicus, P. brasiliensis, P. columbianus, P. foscipes, e P. goeldi.

Os Paederus ou porós provocam dermatite aguda em contaco com a pele (Figuras 48.7A-B e 48.8). O quadro clínico caracteriza-se por eritema, vesículas, pústulas e crostas, agrupadas em placas ou lineares, localizadas principalmente nas áreas expostas do corpo. Acompanham-se de sensação de ardor ou queimação. Pode haver adenopatias satélites. O quadro regride em torno de nove dias, deixando hiperpigmentação residual . Quando atingem os olhos, provocam conjuntivite. A diagnose diferencial deve ser feita com herpes simples, herpes zoster, dermatite de contato ou ficofotodermatose. 789

DERMATOLOGIA

A

F1Gs. 48.7A-B.

B

Potó (Paederus sp) e lesões vesiculosas em voluntário.

F1G. 48.a. Acidente por Paederus sp.

ORDEM LEPIDÓPTERA

O tratamento é sintomático. Compressas de água boricada e cremes de conicóides com antibióticos. Nas lesões oculares, compressas de água boricada a 3% e colírios de conicóides e antibióticos. Em casos graves, terapia sistêmica. DERMATITE VESICANTE POR PENTATOM 1DAE (PERCEVEJO DO MATO, MARIA FEDI DA)

Descrita recentemente, lesões semelhantes às provocadas pelos potós, devido ao contato desses insetos com a pele. O tratamento é semelhante ao utilizado para acidentes por Paederus. 790

(BORBOLETAS E MARIPOSAS)

Os lepidópteros são caracterizados por apresentarem escamas nas asas. No estado alado, são as borboletas e as mariposas. As borboletas têm hábitos diurnos, asas com cores variadas, brilhantes e arrativas. As mariposas têm hábitos noturnos, asas de cores apagadas, sem brilho. Os lepidópteros depositam ovos geralmente em árvores que dão origem às larvas ou lagartas (taturanas) que formam crisálidas ou pupas que se envolvem em casulos e dão origem aos insetos adultos. A reprodução, consoante a espécie, pode ocorrer várias vezes durante o ano.

DERMATOSES POR T OX I NAS E VENENOS ANIMAIS

LEPIDOPTER I SMO

E. ERUCISMO

Chamam-se lepidoprerismo os quadros cutâneos decorrentes do contato com exemplares adultos de lepidópteros e de erucismo, os devidos às larvas ou lagartas. O Lepidopterismo é causado por espécies de mariposas do gênero Hyfesia, que são atraídas nos domicílios por focos luminosos. Elas têm abundantes setas venenosas, minúsculas, fixadas nos segmentos abdominais das fêmeas. Estas setas (flechinhas), liberadas, atingem a pele, olhos, depositando-se em móveis, camas e outros componentes do domicílio. Podem ocorrer surtos, por ondas invasivas de mariposas. A manifestação clínica inicial é prurido com eritema, conjuntivite e sintomas sistémicos, consoante a extensão do contato. O rraramento é sintomático, com banhos para remoção das setas, compressas, cremes de corticóides, anti-histamínicos e corticóides por via sistémica, se necessários. A profilaxia é, quando ocorrer um surto, fechar portas e janelas, pois as mariposas são atraídas pela luz. Importante é que as telas com luz acesa são inúteis, já que as mariposas, atraídas pela luz, chocam-se com a tela e liberam as setas. As mariposas que entram nos domicílios devem ser mortas com inseticidas e as setas devem ser removidas dos móveis e ourros componentes dos domicílios com panos molhados ou aspirador.

A

B

O erncismo é causado por lagartas de mariposas e borboletas que, quando em contato com a peles podem causar ardor, eritema, edema, vesículas, bolhas, erosões, petéquias, necroses, ulcerações, linfangites, conjuntivices, queratites, iridociclites (Figuras 48.9A-B). Consoante a intensidade do contato, podem haver sintomas gerais como febre, cefaléia, artralgias e convulsões e, eventualmente, rinire e asma. As taturanas que mais causam acidentes são das famílias Megafopygidae, Saturniidae, Eucfeidae e Arctiidae. O tratamento compreende limpeza com água e creme de corticóide. H avendo dor intensa anestesia troncular. AC ! DENTES POR L O NOM IA

No sul do país, têm sido relatados acidentes com a lagarta (vulgarmente, lagarta assassina) da espécie Lonomia obliqua, que apresenta cerdas que têm uma toxina de ação hemorrágica, com vários casos de óbito (Figuras 48.lOA-B) . Esta espécie só apresenta problema na fase larval e, na natureza, ela se encontra neste estágio, principalmente de novembro a abril, passando o período mais frio do ano em pupa sob restos vegetais. As lagartas são gregárias e se alimentam de folhas vegetais, particularmente árvores frutíferas, podendo ser encontradas nas matas, no meio rural e até mesmo em áreas urbanas, dependendo das condições ambientais, em face do desequilíbrio ecológico que vem se acentuando nos últimos anos. A toxina existente na cerda da lagarta é eliminada quando esta é pressionada. A ação principal é a fibrinólise, com destruição do fibrinogênio e fibrina, podendo, em casos graves, ocorrer insuficiência renal aguda e morte. Os sintomas se iniciam com sensação de dor intensa no local de contato e desconforto geral. De 8 horas até 2-3 dias após os sintomas iniciais, surgem edema e manchas hemorrágicas com hemorragias nasal, auditiva, intestinal e outras (Figura 48.11). O óbito pode ocorrer por hemorragia cerebral. O tratamento é com medidas gerais, e hospitalização consoante a gravidade do quadro toxêmico. Nos acidentes hemorrágicos o tratamento é feito com soro antilonômico desenvolvido e produzido no Instituto Butantan.

F1Gs. 48.9A-B. Erucismo. Lesões eritêmatovesiculosas pós-contato com Megalopigídeo.

791

DERMATOLOGIA

B

F 1Gs. 48. 1OA-B. Lagarta da família Saturnidae (Lonomia obliqua) e equimoses em um paciente.

F1G. 48. 1 1.

Acidente por Lonomio. Notar equimoses.

PARARAMOSE

Também chamada pararama ou doença dos seringais, reumatismo dos seringueiros, é causada pelo contato com a lagarta ou casulo de uma mariposa, a Premo/is semirufa (Figura 48.12), da família Arctiidae, encontrada em áreas de seringais. É parasita de seringueiras (Hevea brasiliensis) de onde extrai seu alimento e deposita seus ovos n as folhas. A lagarta mede cerca d e 4,5 cm de comprimento. As cerdas existentes na lagarta ou no casulo das crisálidas ou

792

pupas, pelo contato, provocam prurido e dor, com edema e rubor de intensidade variável. Com o decorrer da exposição, o edema pode ficar crônico e surgir artralgia, com eventual evolução para artrite ou artrose (Figura 48.13). O tratamento, após o contato, é procurar retirar as cerdas com raspagem da área atingida, compressas úmidas, creme de corticóide ou corticóide por via sistêmica. Antibiótico se houver infecção secundária.

DERMATOSES POR TOXINAS E VENENOS ANIMAIS

F1G. 48. 1 2.

Lagarta causal da Pararamose (Premo/is semirufa).

F1G. 48. 1 3.

Artropatia na forma crônica de Pararamose.

VERTEBRADOS OFIDISMO

MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS

Estudos clínicos e epidemiológicos sobre este tipo de patologia são escassos, na m aioria dos países do mundo. No Brasil, há dados disponíveis, particularmente em relação à região Centro-Sul do país,. sendo os acidentes freqüentes. Em cerca de 90% dos casos, são botrópicos, causados pelo gênero Bothrops: B. jararaca (jararaca), B. jaracussu (jaracuçu), B. alternatus (urucu) e outras (Figura 48.14). O acidente crotálico, que corresponde a 9% dos casos é causado pela Crotalus durrissus (cascavel) e o elapídico e laquésico são devidos ao gênero Micrurus (corais verdadeiras) e Lachesis (Surucucu - pico de jaca).

No acidente botrópico, o veneno é proteolítico e hemolítico. No local da picada, surge edema, eritema, bolha, podendo evoluir para necrose e ulceração, com distúrbios da coagulação do sangue (Figuras 48.15 a

48.17) . No acidente crotálico, o veneno é hemolítico e neurotóxico. No local da picada, pode ocorrer d iscreto edema local. Os sinais clínicos iniciais do envenenamento são devidos à fração neurotóxica do veneno e caracterizam-se por ptose palpebral, diplopia, cicloplegia e anisocoria. Os distúrbios devidos à ação hemolítica são de aparecimento tardio e podem levar ao óbito por insuficiência renal aguda. N o acidente elapídico ou micrúrico, o veneno é neurotóxico e o quadro é similar ao crotálico. Pode ocorrer, no entanto, insuficiência respiratória progressiva, que pode levar ao óbito. No acidente faquésico, o veneno é proteolítico, hemolítico e, possivelmente, neurotóxico. O quadro clínico é similar ao do acidente botrópico.

F1G. 48.14.

Bothrops sp. 793

D ERMATOLOGIA

F1G. 48. t

A

s. Acidente precoce (botrópico).

B

F 1Gs. 48. , 6A-B.

Serpente do gênero Bothrops Gararaca) e acidente recente, com edema e eritema importantes.

T RATAMENTO

O M inistério da Saúde e o Instituto Butantan (SP) fornecem gratuitamente o soro antiofídico, indicação eletiva do tratamento cujo número varia consoante a gravidade do quadro.

FIG. 4 8 . t 7.

794

Acidente tardio (botrópico).

Acidente Botrópico

2-12 ampolas de soro antibotrópico

Acidente Crotálico

5-20 ampolas de soro anticrotálico

Acidente Elapídico

lO ampolas de soro antielapídico

Acidente Laquésico

10-20 ampolas de soro antilaquésico

DERMAT OSES POR TOXINAS E VENENOS ANIM AIS

A

ANIMAIS AQUÁTICOS

Diversos animais aquáticos podem provocar acrdenres em seres humanos. Lesões eritêmato-urticadas, edematosas lineares, eventualmente com componente neurot6xico ou cardiot6xico, sugerem contato com celenterado (caravela ou água-viva) (Figuras 48.18A-C) . Acidentes com acúleos de ouriço do mar são comuns, dolorosos e podem provocar nódulos granulomacosos em áreas onde os acúleos não foram retirados (Figuras 48.19A-B).

B

e

F1Gs. 48. 1aA-c. Cnidários brasileiros. A) Caravela (Physalia physalis). B) Cubomesas (Tamoya haplonema). C) Acidente típico com placas lineares entrecruzadas.

A

F1Gs . 48. 19A-B.

B

Ouriço-do-mar preto (Echinometra locunter) e acidente com penetração de espículas no pé de um banhista.

795

DERMATOLOGIA

Alguns peixes, como as arraias, peixe-sapo ou niquim (Talassophryne), mangangá ou peixe escorpião (Scorpaenidae), e os bagres (Ariidae), podem provocar acidentes por acúleos ligados às glândulas de venen o. Em todos, a dor é o sintoma principal (Figuras 48.20 a 48.22A-D). O local pode estar eritematoso, ocorrer infecção secundária e necrose. Os bagres e arraias de água doce têm comportamentos e venenos similares aos marinhos. As arraias fluviais (gênero Potamorrygon) são menores, mas o veneno é mais poderoso que da arraia marítima (gênero Dasyatis) e freqüentemente ocorre necrose semelhante a causada pelo veneno da aranha marrom (Loxosceles sp). TRATAMENTO

Indicado consoante o tipo de acidente:

..

para a retirada dos espículos ou fragmentos dos ferrões, se necessária. Nos ouriços, pode-se utilizar a cera quente, como em depilação. É conveniente fazer posteriormente Raios-X para controle. ERUPÇÕES URTICADAS OU VÉSICO-BOLHOSAS

Água-viva, Caravela, Corais, Anêmonas: Lavar com água do mar, corticóides tópicos, compressas de vinagre e se necessário, corticóides por via oral. ERUPÇÕES ECZEMATOSAS

Esponjas, Vermes marinhos, Pepinos do mar: Lavar com água salgada. Corticóides tópicos e p.o., se necessário. Em vermes marinhos pode ser aplicada a cera quente. FERIMENTOS LACERADOS

FERIMENTOS PUNTIFORMES

Espinhos, Ferrões, Acúleos, Ouriços, Bagres, Peixe-escorpião (mangangá), Peixe-sapo (niquim): Imersão em água q uente por 30-90 minutos. Os venenos têm efeito vaso-constritor e são rermo-lábeis. A água quente alivia a dor e a isquemia. Infiltração anestésica

F1G. 48.20.

796

Arraia.

Cações, Barracudas, Moréias e Arraias e outros peixes: lavagem, antibacterianos tópicos e antibióticos via oral. Anatoxina anriterarnca é indicada em todos os casos de ferimentos lacerados e, eventualmente, nos outros quadros.

F1G. 48.2 1.

Acidente por arraia (2 horas).

DERMATOSES POR T OX IN AS E VENENOS ANIMAIS

A

B

, e

D

Acidentes por peixes peçonhentos. Bagres, arraia (B e D) e acidente por arraia com transfixação do pé de um pescador (A). O exame radiológico mostra um fragmento de ferrão de bagre no pé de um banhista (C).

F1Gs. 48.22A-D.

797

REAÇÕES ADVERSAS ' AS DROGAS

As reações adversas às drogas assumem grande multiplicidade de aspectos clínicos, desde formas monossincomáticas até mulcissintomáticas, eventualmente graves e até fatais. A introdução de milhares de drogas medicamentosas possibilitou tratamentos eficientes para inúmeras doenças, com melhora da qualidade de vida e aumento da duração média da vida humana. Entretanto, as drogas e medicamentos també~o responsáveis por reações adversas e atualmente devem-se salientar as interações medicamentosas res12.onsáve1s por múmeros quadros, eyenmalmç:ote graves e fatais. Ainda que reações adversas ocorram comumente na pele, qualquer órgão ou sistema pode ser comprometido, podendo atingir somente a pele ou, simulcaneameme, outros órgãos e sistemas. As reações adversas podem ser relacionadas aos efeitos farmacológicos da droga, à predisposição constitucional, a distúrbios enzimáticos ou imunológicos e a interações medicamentosas.

REAÇÕES POR EFEITOS FARMACOLÓGICOS OU FATORES CONSTITUCIONAIS

.Reações adversas podem ser relacionadas à pró(2!ia ação farmacológica da droga ou devidas a fatores constitucionais, como alterações genéticas em enzi.in_as que metabolizam as drogas ou em antígenos de histocompatibilidade (HLA) . 4-.fil!=rolise_epidérmica t~ica pode ser devida a j.efeito genético na desintoxicação de drogas. Os aspectos clínicos são referidos a seguir:

-

INTOLERÂN CI A E ID IOSSINCRAS I A

Por anomalias enzimáticas constitucionais no metabolismo da droga, ocorre o aparecimento de manifestações de toxicidade com doses normalmente não

DER MATOLOGIA

tóxicas (intolerância) ou surge quadro diverso da ação farmacológica da substância (idiossincrasia). Exemplo de ~ância é o surgimento de zumbido com o uso dos derivados da quinina, em doses normais, que SQmente surge em doses muito elevadas. Exemplo de idiossincrasia é o desencadeamento Cfê agitação por EE_ometazina, droga de ação sedativa.

LIBERAÇÃO DE H!STAMINA

A liberação de histamina dos mastócitos pela ação de substâncias como codeína, atropina, hidralazina, polimixina B, d-tubocurarina e contrastes radiológicos R.Qde determinar urticária, hipotensáo e cefaléia. ATIVAÇÃO DO COMPLEMENTO

SUPERDOSAGEM E EFEITOS

COLATERAIS

A superdose ocorre por ter sido ultrapassado, na administração ou após uso prolongado (efeito cumulativo), o limite de tolerância à d roga. São manifestações relacionadas ao efeito farmacológico da dosagem excessiva. São exemplos os fenômenos necrócicos da ergotamina e derivados, quando utilizados em dose excessiva, e a coloração amarelada da pele provocada por altas doses de ateb..rina. .Os efeitos colaterais são sintomas ou sinais deco-rrentes da ação farmacológiéâ ~-mal da droga não relacionados à finalidade da sua administração, como a queilite e secura das mucosas ~ausadas pefa' isotretinoína e a alopecia difusa de citotóxicos. DISTÚRBIO ECOLÓGICO E BlOTROPISMO

_Alteração da flora n ormal de microrganisn~,os · pela droga com distúrbio ecológico. A eliminação de alguns microrganismos favorece o crescimento de outros, como a candidose que surge no decurso de antibioticoterapia de amplo espectro. O efeito biotrópico é quando há estímulo direto da droga sobre agentes infecciosos. É possível que o eritema nodoso desencadeado por sulfas não decorra de hipersensibilidade à droga, mas de estímulo biotrópico sobre . . m1crorga111smos. REAÇÃO DE JARISCH-HERXHEIMER

Consiste na exacerbação de lesões já existentes, geraTmente acompanhada de fenômenos gerais, febre, cefaléia, mal-estar geral. :E'.: encontrada no início do tratamenco de doenças infecciosas, como a sífilis. Admite-se que surja em conseqüência da destruiçao de grande número dos microrganismos pela droga, liberando-se produtos tóxicos ou sensibilizantes para o hospedeiro. Algumas erupções disidrosiformes por penicilina parecem obedecer ao mesmo mecanismo, pela destruição de bactérias provocada pelo antibiótico.

800

.•

É exemplo deste tipo de mecanismo, a urticária provocada por contrastes radiológicos. ALTERAÇÕES DO METABOLISMO DO ÁCIDO ARAQUIDÔNlCO

~ o caso da inibição da ciclooxigenase pelos an~ii nflamatórios

não hormonais, levando à inibição das 12rostaglandinas e excesso de formação de leucotrienos, q ue atuam como mediadores de reações inflamatórias. REAÇÕES FOTOQU f MlCAS

São manifestações que decorrem de alterações da droga em presença da luz, como se ve rifica com sulfas, fenotiazina e demetilclortetraciclina. DESENCADEAMENTO OU EXACERBAÇÃO DE DOENÇAS

Existem múltiplos exemplos deste fenômeno, exacerbaçáo de psoríase por lítio e beta bloqueadores, exacerbação de acne por lítio e halógenos, indução de lúpus eritematoso por hidralazina. ALTERACÕES METABÓLICAS ~

Certas drogas são capazes de provocar alterações nas vias metabólicas normais, como por exemplo, asteatose cutânea provocada por hipocolesterolemiantes. EFEITOS SOBRE A PIGMENTAÇÃO CUTÂNEA

Certas drogas são capazes de aumentar a síntese de melanina. São exemplos a bleomicina, que produz hiperpigmentações mais freqüentem ente no dorso e cotovelos e as hiperpigmentações ungueais produzidas pelo AZT e ciclofosfamida.

REAÇÕES ADVERSAS ÀS DROGAS

INDUÇÃO DE NEOPLASIAS

O uso prolongado de algumas drogas, como os imunossupressores, pode induzir ao aparecimento de tumores cutâneos ou viscerais e de linfomas. TERATOGENIA

É o efeito adverso da droga sobre o desenvolvime~to fetal.

da penicilina ligada a proteínas e o determinante h aptênico "minor" que com preende o utros metabóliros da penicilina, entre outros, peniciloatos, peniloatos e penicil::i min;i. N;i m;iiori;i cios inclivíd11os com alergia à penicilina, a determinação de IgE específica pelo RAST (Radio Allergo Sorbent Test) demonstra anticorpos tipo IgE específicos ao grupo peniciloil. As reações imediatas são causadas pelos chamados determinanres antigénicos mínor, e as reações tardias, urticariformes e exantemáticas relacionam-se aos determ inantes antigénicos major.

REAÇÕES ADVERSAS POR DISTÚRBIOS IMUNOLÓGICOS

CITOTÓXJCOS

As reações adversas às drogas causadas por distúrbios imunológicos são do tipo das reações de hipersensibilidade e ocorrem principalmente na pele, pela participação fundamental na m aioria dos processos' imunológicos. As drogas podem acuar como antígenos completos ou como haptenos. Em muitas reações adversas, o distúrbio imunológico é provável ainda que não comprovado, e a hipersensibilidade tem como características:

A reação tipo II foi detectada em vários outros órgãos ou sistemas com diversos mecanismos. Introdução de grupos h aptenos na superfície celular, torna a célula susceptível à ação ciro tóxica de anticorpos ou linfo toxinas._ O utro m ecan ismo é a form ação de complexos d roga-anticorpo-complemento que se fixam e lisam células o u a droga lesa a cé-. lula expondo antígenos celulares que desencadeiam o aparecimento de anticorpos. Exemplo de reação citotóxica são as an emias hemolíticas e plaquetopenias por drogas. É possível que a síndrom e de Stevens-Johnson seja uma reação citotóxica envolvendo queratinócitos.

1. 2. 3. 4. 5. 6. 7.

Manifestações clínicas diferentes dos efeitos farmacológicos da droga. Múltiplos tipos de erupções pela mesma droga. Mesmo tipo de erupção por diferentes drogas. Há em geral uso anterior da droga sugerindo haver período de sensibilização. Na reexposição à droga a erupção surge mais precocemente. Quantidades pequenas da droga são suficientes para desencadear a erupção. A hipersensibilidade à droga é persistente.

Os mecanismos imunes, que podem estar envolvidos nas erupções por drogas são: 1. Dependentes de IgE. 2. Citotóxicos. 3. Dependentes de complexos imunes. 4. Mediados pela imunidade celular. D EP EN DE NTES DE IGE

Reação do tipo 1, devida a IgE ocorre com várias drogas p rincipalmente com a penicilina. Existem dois grupos de determinantes antigênicos haptênicos na penicilina, o determinante haptênico "major" que compreende o grupo peniciloil e que representa 95%

D E P E NDENTES DE COMPLEXOS I MUNES

A reação III ou tipo Arthus, surge em torno de 14 dias após administração da droga ou de soro caracterizando-se por febre, artralgias, edema, urticas, adenopatias e eosinofilia sanguínea. Form am-se complexos antígeno-anticorpo solúveis que se depositam nos tecidos onde produzirão lesões. H á queda do complem ento, indicando seu consumo. O mecanismo das lesões de pele é discutido admitindo-se duas possibilidades: a fixação e ativação da cadeia do complemento libera anafi!atoxinas que, atuando sobre os mastócitos, produziriam a degranulação e conseqüente liberação de histamina. Outro mecanismo admitido é a fixação dos complexos antígeno-anticorpos associadamente ao complem ento nas paredes vasculares, produzindo vascularite. O exemplo padrão deste mecanismo é a doença do soro. Esta é produzida não somente por soros heterólogos, mas também por várias drogas como penicilina, sulfonamida, tiouracil, hidantoínas e estrepton11c1na .

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DERMATOLOGIA

M E DIADOS POR IMUNIDADE CELULAR

O mecanismo da reação tipo IV está bem estabelecido nas dermatites de conraro, inclusive por drogas de uso tópico. Além disso, este mecanismo possivelmente está implicado em outras reações medicamentosas não decorrentes do uso tópico de medicamentos. INTERAÇÕES MEDICAMENTOSAS

Sã.o reações adversas fregüentes e ocorrem por interferência de uma droga...na absorção ou fixação de 12.roteínas, nos r;ceptores, na imbição ou aumento da metabolização de ourra droga. As enzimas são responsáveis pelo metabolismo elas drogas e a ingestão de uma droga que inibe uma enzima gue mecaboliza outras drogas· em uso, pode ocasionar reações adyersas graves e fatais. Recentemente foram reportadas reações adversas relacionadas as enzimas da subfamília do Citocromo P450 que metabolizam hormônios e detoxificam numerosas drogas. A enzima CYP3 A da subfamília do citocr
Parte 8 - Dermatoses por noxas qu°micas, f°sicase mecÉnicas

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