Marcados Por Um Toque - Caroline Nonato

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Copyright © 2020 Caroline Nonato Capa e Arte da capa: Mirella Santana Imagens: © Sofia_Zhuravetis – Depositphotos © Sanneberg – Depositphotos © Depositphotos © Freepik (outros e notas musicais) © PngTree © PngFlow Ilustração do casal: Rosa Aguiar – @littlepinkdesign Revisão e Diagramação: Carla Santos Esta obra segue as regras do Novo Acordo Ortográfico. Todos os direitos reservados. Nenhuma parte dessa obra pode ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma, meio eletrônico ou mecânico sem a permissão da autora.

Capa Folha de Rosto Ficha Catalográfica Playlist Dedicatória Epígrafe Prefácio Prólogo 1 2 3 4 5 6 7 8

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“A vida é para quem é corajoso o suficiente para se arriscar e humilde o bastante para aprender.” (Clarice Lispector)

“Só com o coração conseguimos ver corretamente. O essencial é invisível aos olhos.” (Saint-Exupéry) Com essa frase, que você pode ter se deparado muitas vezes por aí, começamos a descrever esse romance, sim o essencial é invisível aos olhos. Veremos e sentiremos isso ao longo dessas páginas. Com Juliete e Andreas iremos ver que laços de amizade excedem muitas vezes os de sangue, que laços afetivos de familiares podem nem existir, pois o mais importante é mostrar uma versão para os outros apreciarem. Que medos todos temos e que muitas vezes têm mais proximidade do que o desejável, mas que eles podem ser nosso combustível para sermos fortes e lutarmos pelo que acreditamos; mas sem perder a essência; mesmo que mais à frente você se depare com perdas irreparáveis. Aqui, caro leitor, você vai entender que pode fazer e estar onde quiser sem que ninguém, além de você mesmo, possa buscar algo melhor! Ana Deliane – leitora

Vinte e quatro anos atrás... Não me cansaria de ouvi-la tocar, gravei na mente aquela nota e todas as outras que ouvia enquanto a observava absorta e inundada de emoções. Não saberia dizer o que sentia, mas eu amava ficar ali em meio à canção só prestando atenção no toque. Sabia que minha mãe estava triste, seus olhos verdes viviam tomados pela tristeza e solidão sem fim. O meu pai só sabia trabalhar, ele sequer olhava para ela direito. Eu sabia que eles tinham que estar mais unidos, assistia nos filmes que o casal estava sempre feliz. Mas, na minha casa, havia algo de errado que eu não entendia. Desde que minha irmã nasceu, tudo mudou, apesar de já ser bem grandinho para saber que havia algo de errado acontecendo com minha mãe. Infelizmente, meu pai não nos dava atenção, então ele não notava nada mesmo.

Eu não tive ciúmes da minha irmã, já tinha dez anos e queria muito um irmão; quando soube que era uma menina fiquei feliz. Pensei no quanto cuidaria bem dela e iríamos brincar juntos e não foi diferente do que imaginei, sempre ajudava minha mãe a olhá-la, tão pequenina e indefesa. Adorava quando ela agarrava meus dedos com força e me encarava com aqueles olhinhos lindos verdes-claros. Eu a protegeria de tudo que estivesse ao meu alcance. Não deixaria que nada de mal a afetasse. Depois de observar minha irmãzinha dormir tranquilamente, tomei o caminho de volta para o meu quarto, mas um grito abafado chamou minha atenção. Sem conseguir me conter, passei pela porta do meu quarto e fui direto até o fim do corredor. Os gritos aumentaram e ouvi minha mãe gritar: — Pare com isso, Eduardo! — Sua voz nem parecia normal, meu coração acelerou e senti um frio no estômago quando escutei mais barulhos. Meus olhos se encheram de lágrimas. — Você vai me pedir para parar? É isso mesmo, sua vagabunda? Por que, para ele, você estava dando com tanta vontade, Elizabete? — Escutei a voz gutural do meu pai, parecia bravo. Aproximei-me mais da porta, só que ela estava fechada, os sons estavam abafados, mas eu podia escutar. Comecei a pensar no que eu poderia fazer, não sabia direito o que estava acontecendo lá dentro e aquilo me fez sentir muito impotente. Eu era apenas uma criança, o que poderia fazer? Então, os barulhos aumentaram e minha mãe chorava aflita enquanto meu pai lhe dizia coisas horríveis. Não era a primeira vez que ouvia algo assim em minha casa à noite; no dia seguinte, eles estavam sempre muito calados e com os semblantes sérios. Mas, quando meu pai saía para trabalhar, minha mãe se

transformava em outra mulher; ela nos tratava com carinho e amor. Por isso, foi difícil demais para eu forçar meus pés a voltarem para o quarto naquela noite. A cada passo, uma lágrima caía pesada pelo meu rosto, tinha medo do que poderia acontecer conosco. Naquela noite, custei a dormir e, quando consegui fechar meus olhos, percebi que alguém havia entrado em meu quarto, senti os seus lábios em minha testa. Sabia que era minha mãe, mas se soubesse o real motivo por trás daquele beijo não teria deixado ela nos abandonar. — Nunca se esqueça de que sua mãe te ama muito, Andreas. Só que não posso mais viver assim — ela disse e pensei que estava sonhando, dormi com suas palavras amorosas e pesarosas em minha cabeça. Quando acordei, escutei um barulho ao longe, levantei-me e pela fresta da porta, que abri com cuidado, vi minha mãe empurrando uma mala grande. Com lágrimas nos olhos, ela chegou na escada e desceu ligeiramente olhando para trás, aflita. Sabia o que aquilo significava, ela estava nos deixando com o nosso pai. Como podia fazer isso comigo e Catarina? Ele sequer nos olhava, sentia falta de sua atenção, carinho e até mesmo das suas broncas. Sentindo uma dor no peito e por todo meu corpo me esgueirei para vê-la partir sem olhar para trás. Minha mãe nos abandonou sem ao menos dizer adeus. Aquela sua atitude cortou meu coração e me fez pensar em tantas coisas e nada ao mesmo tempo. Senti-me perdido e sozinho. Sem poder evitar, fui para o quarto da minha irmã, ela era apenas um bebê, sem saber de nada que acontecia ao nosso redor. Pensei que, se eu estivesse nessa condição, seria muito melhor. Eu amo a minha mãe, será que ela nos ama o suficiente para lutar?

Perdi a noção do tempo, enquanto olhava minha irmã dormir tranquilamente, mas ela não demorou a acordar chorando, querendo a sua mamãe, a nossa mãe. O que seria dela, tão pequenina e indefesa? Chorei junto com ela, que me encarou com aqueles olhos grandes e verdes. — Não chore. — Saí correndo do quarto para procurar alguma das babás contratadas pelo papai. — Rosa, ela está chorando muito — falei desesperado. — Calma, meu querido. Andreas, você não estava em seu quarto dormindo? — Não, eu vi, Rosa, ela se foi. Minha mãe nos deixou. — Chorei desesperado, sabia que ela tinha que ir ver minha irmã, mas estava doendo muito. Eu não sabia o que estava acontecendo. — Fique tranquilo, vou ver sua irmã, mas quero que volte para o seu quarto, por favor. — Ela se abaixou e me olhou nos olhos com carinho, limpou minhas lágrimas e me aconchegou em seus braços. — Agora vá, meu querido. Saí correndo e subi as escadas em um salto, cheguei em meu quarto e deixei meu travesseiro molhado de lágrimas. Sem poder controlar o ardor em meus olhos acabei adormecendo. Sonhei que minha mãe estava machucada e nos deixava com lágrimas nos olhos. Meu pai não poderia machucá-la. Como ele podia fazer algo assim? Não entendia o porquê, ele não a amava? Pessoas que amam não machucam, minha mãe dizia que o amor era o sentimento mais lindo que podemos sentir. Acordei e recusei tudo que Rosa me ofereceu para comer, entrei na sala principal e observei o piano, podia até sentir seu perfume, sua presença no ambiente. Mas ela se foi. Sentei-me naquele banco que ela se

sentava e se perdia nas notas, lembro o quanto fiquei observando por horas. Amava vê-la tocar, mais do que brincar de carrinho ou jogar com meus amigos. As canções me levavam a outro mundo, onde as notas ditavam o ritmo do meu coração. Completamente envolvido pelas lembranças, sem perceber comecei a tocar uma das canções que ela mais tocava: Clair de Lune, composta por Claude Debussy, um ícone da música erudita em todo o mundo. As notas eram de uma singeleza, melancolia, além de ser linda e serenamente angustiada. Senti-me mais próximo da minha mãe e continuei de olhos fechados. Era apenas um menino de dez anos que nada sabia da vida. Ainda assim, estava tentando passar por aquele dia, o pior de toda a minha vida. Chorei sem poder me controlar de saudades e não sabia se era de raiva ou decepção, por ela ter nos deixado. Cinco dias se passaram e papai não conversava com ninguém, ele chegou naquela noite e quebrou a casa toda gritando alto e falando mal de minha mãe. Tapei meus ouvidos e me sentei em um canto, de frente para a janela do meu quarto, fechei os olhos e, se eu pudesse fazer um pedido mágico, seria o de me tirar dali e me levar até minha mãe. Sentia muita falta dela, que chegava a doer. Meus olhos queimaram e não pude evitar que as lágrimas caíssem. Será que ela não nos amava? Aquela dúvida me corroía cada dia mais. Depois dos dias que se passaram, meu pai chegou do trabalho e finalmente conversou comigo e explicou o que havia acontecido. — Como já deve saber, sua mãe nos deixou. — Senti raiva em sua voz. — Ela não estava em seu juízo perfeito, pois me traiu e arrumou outro homem, e ainda me culpou por tudo de ruim. Filho, quero que saiba que vou procurá-la até o fim dos meus dias e a trarei de volta para nós. —

Estremeci diante de seu olhar e sua voz dura e fria, não havia saudade e nem amor ali, ele a machucaria, eu sabia, foi tudo culpa dele. — Não! Você a machucou e por isso ela foi embora! Você é um monstro! — gritei desesperado, sentindo a raiva rasgar meu peito. — Seu moleque, está louco? Ela me traiu, merecia muito mais do que dei a ela! Escute aqui. — Ele pegou meu braço com força e me fez encarálo, senti meu sangue gelar. — Você não sabe o que está dizendo, então volte para o seu quarto e nunca mais volte a falar assim comigo. Faço de tudo por vocês e é assim que me tratam? Menino ingrato! Sua mãe não prestou nem para criá-lo melhor. — Suas palavras me feriram tanto, teria sido melhor se me cortasse, doeria menos. Com isso, subi as escadas correndo e entrei no meu quarto e chorei por horas a fio. Mais tarde, quando a casa estava tomada pelo silêncio, fui ao quarto da minha irmã, andei nas pontas dos pés e com o coração acelerado abri a porta, a fechei com cuidado e fiquei ali olhando seu sono tranquilo. Peguei em sua mãozinha e ela agarrou forte a minha, como sempre. Sorri sem poder me conter, algo que não fazia desde que minha mãe nos deixou. Em meio ao silêncio, eu prometi que ela seria a única razão para eu viver. — Te prometo, minha Catarina, que vou fazer de tudo para protegêla, ninguém vai lhe fazer mal algum. Viverei por você, minha pequena rainha. — Beijei sua mãozinha quentinha e me senti bem ali. Lembro-me de ter ouvido na escola a professora dizer sobre várias rainhas importantes com o nome Catarina, resolvi chamá-la assim; mesmo dormindo, ela me fazia tão bem. Sem perceber adormeci na beirada da sua cama pequenina e aconchegante sob o seu perfume gostoso de bebê. Já a amava tanto e não teria nada nesse mundo que me afastaria dela. Seria nós dois contra o mundo.

Entrei no prédio onde era o escritório Scolari&Antúnez da nossa família, ele ficava no coração do centro de São Paulo, na Avenida Paulista, um dos logradouros mais importantes da capital. Além disso, era o principal centro financeiro, corporativo e mercantil da América do Sul. Considerado um dos pontos turísticos mais característicos, a avenida revelava sua importância não só como polo econômico, mas também cultural e de entretenimento. Orgulhava-me de onde chegamos, atendemos todas as áreas do Direito, apesar de eu gostar de atuar como advogado criminalista. Infelizmente, não consegui concluir a faculdade de Música, e sem o poder de escolha abandonei algo que queria fazer pela família. Entrei no elevador que estava razoavelmente cheio, pensei em todas as coisas que tinha para fazer no dia. A primeira seria repassar minha agenda com a minha assistente e ligar para Catarina. Quando saí do elevador e entrei no escritório, todos direcionaram seus olhares para mim. Sem graça, segui meu caminho cumprimentando-

os. Aproximei-me da bancada da recepção da minha sala e a senhorita Gleice estava falando ao telefone. Ela finalizou e pegou seu tablet. — Bom dia, Sr. Scolari — saudou-me com um sorriso, sempre muito educada e simpática, mesmo quando estou estressado. — Olá, senhorita Gleice! Pronta para passarmos a agenda de hoje? — Claro! — falou contornando a bancada e seguimos para a minha sala. Enquanto liguei o notebook, ela se sentou à minha frente. Passamos todas as audiências e preparação daquele dia e parte do seguinte. Quando ela saiu, comecei a trabalhar nos novos processos e me esqueci de ligar para a minha irmã. Como se tivesse ouvido meus pensamentos, meu celular tocou e na tela seu apelido piscou, o que ela julgava infantil demais. Sorri, incapaz de ignorar o fato de que sempre estávamos ligados. — Catarina, estava pensando em você agora — falei animado para conversar com a minha pessoa favorita da vida. — Que bom, Andreas. Estava esperando pela sua ligação! — ela me repreendeu e sorri. — Desculpe, estive concentrado em alguns processos e não vi o tempo passar. Ela bufou e consegui visualizar sua expressão de tédio. — Tudo bem, mas eu liguei. Você vai vir? — Com toda certeza, minha presença está confirmada. Nunca poderia perder um momento desse na sua vida, sabe que você é a minha prioridade. Então me diga como está tudo? — Ah, meu irmão, os preparativos estão a todo vapor, estamos trabalhando muito, mas estou bem satisfeita e Bianca também. — Não imagino menos vindo de vocês duas, qualquer coisa que precisar, pode me chamar, pequena rainha. — Levantei-me da cadeira e

parei diante do vidro para apreciar a vista panorâmica da Avenida Paulista, tomada por prédios e um trânsito formidável. Sabia que ela se irritaria pelo apelido. — Eu sei, Andreas, você é demais. Por que não para de me chamar por esse apelido ridículo? Afinal, não sou mais pequena. Então, sabe se o Ben virá? Mandei o convite para ele, mas ainda não me confirmou presença. — Não sei, ele não apareceu aqui na minha sala hoje, nem passei na dele porque tinha muito trabalho. Vou lembrá-lo, sabe como ele é meio esquecido dessas coisas e saiba que vou te chamar de pequena rainha para sempre — falei sabendo que ela ficaria com raiva, mas no fundo o amava. — Você é impossível! — esbravejou e sorri. — Avise ao Ben que quero vê-lo aqui também, é nosso grande amigo — falou com pesar e eu não soube o que pensar sobre aquilo. Sabia que Catarina sempre teve uma queda pelo meu amigo Benjamin Reis, que trabalhava comigo desde que nos formamos. Estudamos juntos na Universidade de São Paulo (USP) e o convidei para vir trabalhar na Scolari&Antúnez. — Obrigada, preciso desligar e voltar às tarefas. São muitas e ainda tenho que me arrumar. — Vai lá. Força, minha pequena rainha, você já é uma vencedora. Será um sucesso, tenho certeza. Te amo e tenha um bom trabalho. Quanto a se arrumar, não se preocupe muito, pois você já é linda. — Andreas, você é um bobo, mas te amo tanto. Até mais tarde — despediu-se e desligou, sorri por saber que minha irmã estava realizando seu grande sonho. Catarina era uma mulher de personalidade forte e muito independente. Apesar de estar ao seu lado, ela sempre teve em mente o

que queria fazer da vida. Estudou, trabalhou e conquistou. Antes de se formar, ela já tinha feito seu nome em todos os estágios de arquitetura. Era ousada, criativa e muito inteligente. Seus projetos começaram a ficar famosos e conseguiu começar a construir seu escritório. Ofereci ajuda a ela, mas minha irmã não aceitou, disse que dava conta sozinha. Fiquei preocupado e com receio de ela ter dificuldades e se enganar, pois corremos esse risco quando começamos. Mas ela não titubeou em nenhum momento. Foi tão forte e trabalhadora, procurou prédios por toda a cidade e encontrou um perfeito para o que estava em seu cérebro talentoso. Minha irmã não me deixou ver nada do projeto, disse que seria surpresa para o dia da inauguração. Então, só pude dar meu apoio moral e admirar todo seu trabalho até que perdi a conta de quantas vezes ficamos até tarde da noite falando sobre todos os seus planos. Sempre gostei de conversar com Catarina, ela gostava de se expressar bem em gestos; era impossível ela me esconder qualquer coisa, sabia como se sentia em relação a tudo. Afinal de contas, cuidava dela desde quando era pequenina, porque o meu pai piorou muito desde que a minha mãe nos deixou. Aliás, ainda procurava por ela, mas nunca mais escutei nenhuma notícia, ainda achava confuso como tudo aconteceu. Não conseguia entender alguns detalhes e, mesmo tendo uma pessoa investigando, eu sentia que havia algo que me impedia de chegar perto de qualquer informação, o que era muito estranho. Infelizmente, meu pai e eu não tínhamos uma boa relação, porque sabia que parte da culpa pela minha mãe ter ido embora era dele. Escutava tudo que acontecia naquela casa; podia ser pequeno, mas entendia boa parte. Entretanto, havia algo que nunca entendi: foi o fato

do meu pai ter passado a maltratar tanto a minha mãe. Não conseguia mesmo entender o motivo disso. Por nenhum motivo um homem deve tratar mal uma mulher. Sei que era uma criança naquela época, só que sinto que falhei em não ter feito nada pela minha mãe. Senti-me impotente. Hoje me sinto mal por isso, na verdade essa culpa corrói meu peito. Gostaria de ter feito algo por ela, mas eu sentia medo de tudo naquela época. Ouvia os gritos e aquilo me assombrou de tal forma, que ainda tenho pesadelos com isso. Mantive meus olhos na vista à minha frente, pensando em como minha vida poderia ser diferente se ela ainda estivesse conosco. Ela sumiu sem deixar nenhuma explicação e nunca mais nos procurou. Foi como se tivesse morrido. Meu Deus, eu não sabia como suportar a dor que foi não poder vê-la mais e não a ouvir tocar em seu piano. A verdade é que aqueles momentos ainda estavam tão vivos e claros em minha mente, revivia-os todos os dias. Doía mais a cada dia que me lembrava. Certas lembranças deveriam ser anuladas de nossa mente e coração. Mas como? Não existe tal possibilidade na vida que nos faça esquecer ou apagar. Temos só que aprender a conviver, o que é muito difícil. Estava tão distraído que não ouvi quando Benjamin entrou na minha sala, então ele assobiou, como sempre fazia, e eu me virei surpreso. — Andreas, estou aqui há alguns minutos. O que aconteceu? — Fitei sua expressão preocupada. — Benjamin, desculpe. Não aconteceu nada, o que traz você aqui? — resolvi não falar com ele, apesar do meu amigo saber de tudo sobre o passado. — Precisamos resolver o contrato dos Mota&Silva, mas vim também para confirmar minha presença na festa da Catarina. Estava me

esquecendo e minha assistente me lembrou. — Claro, vamos ver esse contrato. Já iria te lembrar da festa de inauguração, Catarina está trabalhando duro e muito feliz. — Ela se tornou uma excelente arquiteta e grande mulher. — Ah, sim, minha pequena rainha cresceu e, às vezes, me sinto como um pai protetor, preocupado demais com tudo que possa atingi-la. — Andreas, por favor pare com isso, sei que sempre esteve ao lado dela, mas precisa entender que ela já é uma mulher crescida e muito madura. — Eu sei, mas é difícil, sempre foi somente nós dois contra o mundo. Mas agora vejo que existe a possibilidade de ela conhecer alguém e se apaixonar. — Meu Deus, você vive nas cavernas ou o quê? — ele me perguntou, incrédulo. — Argh, Ben, você não entende! — Balancei a cabeça incapaz de fazêlo entender. — Não entendo, mas sei que precisa abrir sua mente e tentar ver as coisas de forma diferente, já que sua irmã é uma mulher linda e muito talentosa. Seria impossível nenhum homem notar — disse com admiração e orgulho. Fiquei desconfiado do que ele sentia pela minha irmã. Sei que não faria nada desrespeitoso, só que toda vez que Catarina perguntava sobre ele, sentia que havia algo entre eles. — Quer dizer então que você nota Catarina? — perguntei desconfiado. — Ah, Andreas, só estou dizendo que precisa pensar nas possibilidades, já que ela é adulta agora — falou e tentei acreditar no que ele estava querendo dizer.

— Sei disso, mas não consigo deixar de me preocupar. — Isso, na verdade, me trazia uma angústia muito grande. Tinha medo dela se afastar de mim. — Eu sei o que sente, meu amigo. Mas lembre-se de que tem de estar sempre ao lado dela e não contra ela. Você sabe que ela pode ficar magoada por você querer viver a vida dela. — Vou tentar, agora podemos mudar de assunto? — inquiri, considerando realmente o que ele falou. — Podemos almoçar juntos? — Claro que sim, antes vamos resolver sobre aquele contrato. Depois disso, saímos da sala e fomos para a sala de reuniões, onde nos sentamos com dois de nossos associados e discutimos as mudanças que seriam feitas no contrato da Mota&Silva. Eles queriam exclusividade no local que estavam alugando e as cláusulas estavam péssimas, sempre pensávamos no melhor para os nossos clientes. Benjamin e eu fomos almoçar e conversamos da nossa última aventura, há dois anos. Na verdade, fomos visitar uma de nossas filiais e fomos convidados por advogados locais. Nos juntamos com os advogados Adam, Alexandre e André. Depois até nos encontramos com o Junior. Foi uma noite marcante que eu nunca poderia esquecer. Pelo menos, naquela noite, consegui tirar o foco dos meus tormentos. Conhecemos três mulheres incríveis, proprietárias da danceteria que foi o evento. Uma delas se tornou nossa grande amiga, Alícia Portman. Uma morena linda, poderosa, de personalidade forte e muito sensual que adorava homens e mulheres, tivemos uma noite maravilhosa e desfrutamos do melhor sexo, boas lembranças. Depois do almoço com Benjamin, revisei alguns contratos e assinei documentos. Antes de sair deixei em minha mesa os currículos dos novos estagiários, para as entrevistas no dia seguinte.

Saí do escritório e fui ao meu apartamento me arrumar para a festa de inauguração da minha irmã. Coloquei o terno mais elegante que havia no meu closet, peguei meu celular e fui para o estacionamento do prédio. Dispensei o motorista, pois queria dirigir e pensar em pouco em tudo, estava ansioso para ver minha irmã em seu dia especial. Coloquei uma música clássica para tocar e comecei a pensar. Sabia que Ben estava certo; por mais que me preocupasse muito com Catarina, ela já era adulta e não podia me intrometer em suas decisões. Apesar de não querer vê-la sofrer, sabia que era impossível. Na vida tem sempre algo que vai nos machucar em nosso caminho. O importante é que ela saiba que tem um irmão ao seu lado. Cheguei ao prédio e me surpreendi com a iluminação, ela caprichou. Meu coração saltou de tamanho orgulho pela grandiosidade que minha irmã trabalhou e construiu. Quando entrei no lobby, havia vários jornalistas e fotógrafos, sabia que o evento era fechado e eles não teriam acesso à festa no décimo sexto andar. — Sr. Scolari, pode nos dar um minuto? — Uma jornalista se aproximou, avançando a faixa. — Outro dia, senhorita. Agradeço sua compreensão. — Passei por todos eles com pressa. Cheguei rapidamente no corredor dos elevadores e apertei o botão, vi um cartaz eletrônico que dava boas-vindas a quem estava chegando para a festa. Sorri e segui em frente. Quando o elevador abriu as portas, mais algumas pessoas em trajes elegantes entraram. Fomos até o décimo sexto andar, uma das mulheres não parava de falar com a outra sobre querer um estágio na Scolari&Perez Arquitetura e Urbanismo. Fiquei ainda mais orgulhoso por minha irmã. Seu negócio era um sucesso! Pensar que o nosso pai disse tantas coisas horríveis para ela

quando começou a faculdade de arquitetura. Ele queria que fôssemos todos advogados para continuar o legado da família, pois ele só sabia pensar em dinheiro e status social. Não entendia o porquê de ele viver como se fosse duas pessoas totalmente diferentes. De um lado era um advogado famoso, que tinha a família perfeita; e de outro, ele se mostrava ser arrogante e muito impiedoso. Enfim, era difícil entender como uma pessoa podia viver bem dessa forma, e depois de tudo que fez para a sua família. Quando o elevador anunciou a chegada e entrei, já me emocionei com a decoração, os tons escolhidos eram acolhedores e sofisticados: cinza, lilás e preto. Ela caprichou muito em uma recepção com um design e decoração incríveis e inspiradores. Sabia que Catarina sempre gostava de inspirar as pessoas com os ambientes que ela criava. Ela estava recebendo a todos em um vestido longo preto com detalhes de pequenas pérolas na fenda e no decote nas costas. O cabelo estava preso em um rabo alto e caía em ondas largas. A maquiagem era simples e muito elegante, mas seu sorriso a iluminava e realçava ainda mais sua beleza. Estava nítida a sua felicidade por estar inaugurando seu negócio, ao lado da sua amiga e sócia Bianca Perez. Ela sempre flertava comigo, mas eu não dava brechas para isso, ainda assim a mulher não se cansava. — Ah, Andreas! — Catarina me viu e alargou ainda mais seu lindo sorriso. — Catarina! — Abracei minha irmã — Estou tão orgulhoso, parabéns pelo lindo e incrível trabalho que fez. — Ela sorriu e pegou em minha mão, seus olhos verdes estavam brilhando mais do que qualquer estrela do céu.

— Obrigada, irmão. Fique à vontade, depois conversamos um pouco — falou e tratei de cumprimentar sua amiga. — Boa noite, Bianca, parabéns pelo excelente trabalho — Peguei em sua mão, mas ela me puxou para um abraço. — Obrigada, Andreas. Também mereço um abraço, não? — ela disse em meu ouvido depois de me provocar com sua língua. A mulher era muito sagaz. Afastei-me rapidamente, sendo salvo pela chegada de Benjamin. — Boa noite, Catarina! — Ele a abraçou e parabenizou. — Isso aqui está incrível, que bom gosto. Quando entrei, fiquei pensando em muitas coisas vendo essa decoração inspiradora. Ele beijou a testa dela e aquilo foi realmente estranho de se ver, Catarina fechou os olhos e ele a soltou. — Você está linda, desejo lhe muito sucesso — ele disse arranhando a garganta, um pouco rouco. Fiquei desconfiado de imediato. Ben cumprimentou também a sócia da minha irmã e o esperei para entrarmos juntos. O ambiente estava muito agradável, com o som de fundo baixo e muito gostoso de ouvir. — O que foi aquilo com a Catarina, Ben? — perguntei não me aguentando de curiosidade. — Andreas, estava só parabenizando sua irmã. Sempre tive um carinho enorme por ela e a respeito muito. O que é isso agora? — Hum... nada. Só fiz uma pergunta, até porque, se tivesse algo, com certeza eu saberia, não? — Claro que saberia, Andreas — ele me respondeu. — Então, está tudo certo, vamos pegar algo para beber e aproveitar o momento de conquista da Catarina. — Isso mesmo.

Saímos, pegamos a bebida e fomos conversar com algumas pessoas que estavam na festa. Era sempre bom ver rostos conhecidos em eventos assim. Conversamos com um de nossos colegas e conhecemos mais algumas pessoas. Então chegou o momento do discurso, Catarina e Bianca foram à frente da enorme sala. — Boa noite a todos. Estamos muito felizes em tê-los aqui nesta noite tão especial. Sejam bem-vindos a Scolari&Perez Arquitetura e Urbanismo. Buscamos inspiração em nós mesmas para fazer este projeto e estamos orgulhosas de termos chegado até aqui. Agradecemos a todos os nossos amigos, parentes e funcionários. Sem o apoio de vocês não teríamos força para tudo isso. Agora, vamos passar um vídeo com nossos novos projetos, que foram feitos para clientes muito queridos e que autorizaram a divulgação. No final tem imagens do nosso escritório. Obrigada e apreciem o momento. O vídeo começou e me senti cada vez mais orgulhoso pela profissional que minha irmã se tornou; sempre soube do seu potencial. Só que ver tudo que sonhou de forma concreta, tornava ainda mais real e emocionante. Todos temos sonhos e nunca podemos desistir de vê-los ganhando vida. Sempre me lembrava da minha mãe naqueles momentos, ficava imaginando como seria se ela estivesse conosco. Com isso em mente, me despedi da minha irmã e de Benjamin e fui embora, mas antes fui dar uma volta e me lembrei de que poderia passar no museu e me distrair um pouco do jeito que eu mais amava: tocando piano.

“Esquecer não é tão fácil, o passado não vem com uma borracha para ser apagado. As lembranças sendo boas ou ruins tomam nossa mente e coração todos os dias.” Despedi-me de Holambra com pesar, gostava de morar naquela cidadezinha tão linda e especial, só que ainda tenho lembranças sombrias do que vivi ali, por mais que gostasse não conseguiria conviver com tudo. Os meus últimos anos não foram os melhores e sim os piores da minha vida. Com lágrimas escorrendo pelo meu rosto, distraída demais em minhas lembranças, não percebi o celular tocando até uma menininha tocar em meu braço, virei-me assustada e a vi dando de ombros. — Me desculpe, mas seu celular está tocando — falou sorrindo, sua pele tinha um tom dourado lindo, devia ter em torno de nove anos, cabelos castanho-claros e olhos bem grandes, verdes. Sua boca rosinha abriu num lindo sorriso e devolvi a ela o que consegui naquele momento.

— Tudo bem, obrigada, estava distraída — falei mais para mim mesma me lembrando de tudo novamente, — Está triste, moça? — perguntou, curiosa, e sem poder esperar minha resposta ela se adiantou. — Vai embora da cidade, então é por isso? — Sim, vou embora, mas não sei se fico triste ou feliz, é uma mistura de sentimentos. — Sentimentos... — ela repetiu a última palavra e escutei o ônibus vindo pela rua e o vento bateu forte em meu rosto, bagunçando meus cabelos. — Olha, não fique assim, você vai voltar. Minha mãe sempre diz que, quando gostamos de algum lugar, sempre voltamos. Adorei suas sardas, são lindas assim como seu cabelo cor de fogo. — Sorri e me abaixei para ficar na mesma altura daquela menininha esperta. — Um dia, você vai entender melhor sobre sentimentos e das mudanças que temos de passar nessa vida. Obrigada por me chamar. — Beijei seu rosto e peguei o celular no bolso da melhor calça jeans que eu tinha, meio surrada, mas ainda dava para usar. Destravei o celular e Laura havia feito várias ligações, que retornei imediatamente. — Por que demorou tanto, Juju? — Sua voz acalmou um pouco o meu coração. — Me distrai, o ônibus já está vindo. Em uma hora e trinta minutos chego em São Paulo, não se preocupe. — Você não me disse nada sobre a transferência, deu tudo certo? — Laura, minha melhor amiga, vem me ajudando mais que pode arrumar um estágio na grande capital. — Deu sim, esqueci de te avisar sobre isso, me desculpe, Sininho. Fiquei tão mexida com essa mudança.

— Sei que ficou, Juju. Tente não pensar tanto nisso, você vai poder voltar sempre que quiser, só está vindo atrás de seus sonhos. — Sim, o ônibus chegou. Nos falamos mais quando chegar aí, te envio uma mensagem avisando. — Claro, tenha uma boa viagem e qualquer coisa não hesite em me ligar. Beijo e te amo. — Te amo mais, Sininho. — Encerrei a ligação e paguei minha passagem, entrei no ônibus e fiquei vendo aquela rua. Holambra foi fundada em 1948, tudo aqui era colorido e cheio de vida. Seu nome, junção de Holanda, América e Brasil, se dava em virtude da colônia neerlandesa que se firmou na antiga fazenda Ribeirão. É o maior centro de produção de flores e plantas ornamentais da América Latina. Sempre fui e ainda sou uma grande admiradora do que aquele lugar oferece. O problema foi dentro da minha própria casa e nunca mais conseguiria viver bem e ser feliz lá, por isso aproveitei a oportunidade para fazer o estágio de Direito em São Paulo. Laura foi morar lá há três anos para estudar. Sua enorme família se mudou para uma cidade do interior em Minas Gerais e eles sempre vêm visitá-la e vice-versa. Nunca nos deixamos de falar, estudamos juntas no colegial e não nos separamos mais. Assim que o ônibus partiu, fiquei olhando pela janela e pensando no que aquela menininha me falou: “quando gostamos de algum lugar, sempre voltamos”. Na verdade, aquele não era mais um lugar que eu gosto. Sorri sem graça e peguei meu livro, a escolha para aquela viagem era da série Os Ravenels, da melhor autora de romances de época, Lisa Kleypas. Rendi-me aos romances de época quando vi as capas e sinopses, todo aquele universo me atraiu. Estava no quarto livro, que vai contar a

história da médica. Estava ansiosa para ver o desenrolar do enredo e mergulhei na leitura. Acabei cochilando com o livro aberto no meu colo, o cansaço venceu. Enquanto arrumei minhas coisas para viajar, deixei para a corretora cuidar da venda da casa e, qualquer coisa, ela me ligaria para me comunicar. Esperava que ele também não voltasse, era algo improvável também, depois de tudo. Quando acordei, horas depois, marquei a página do livro que estava, guardei-o e peguei o celular, enviei a mensagem para Laura, que me respondeu de imediato. Mais alguns minutos e ela já chegaria, sentindo um frio no estômago fiquei ansiosa por ir morar em uma cidade tão grande como São Paulo. Mas para mim, não havia outra escolha, tinha que terminar meus estudos e conseguir ser a melhor advogada. A entrevista estava marcada para o dia seguinte e nada poderia ser tão empolgante quanto isso, pois estava começando no mundo do Direito, agora de verdade. Sentia-me ansiosa para começar e ainda mais por saber que seria em um grande escritório de advocacia na Avenida Paulista. Tinha economizado nos últimos meses para comprar algumas roupas para trabalhar. Pois trabalhava em um book café da cidade de Holambra, o único na verdade. Quando o ônibus parou na rodoviária, estava sentindo como se tivesse borboletas em meu estômago, tamanha ansiedade e medo das mudanças que já estavam se instalando em minha vida. A gente se acostuma com uma rotina e segue-a impreterivelmente, só que a vida tem uma forma de nos tirar da mesmice e nos colocar no lugar e momento certos.

Comigo não foi diferente, mas foi bem trágico. Afastei-me aquelas lembranças e sorri quando percebi que todos já desceram do ônibus. Quando me levantei e cheguei na escada, desci com um sorriso. Chegou o momento de recomeçar, espero que consiga mesmo realizar meus sonhos. O primeiro deles começava no próximo dia, então vi minha amiga e seu olhar me encontrou no mesmo momento e sorrimos cúmplices. — Amiga. — Ela encurtou a distância e logo abriu seus braços e me abraçou. Senti-me tão bem, Laura sempre foi a única pessoa que me compreendeu e acolheu. Era a irmã que nunca tive, a amava muito e agora ela estava me ajudando a seguir em frente com minha vida. — Laura, que bom te ver. — Afastamo-nos e ficamos nos encarando. Ela começou a pegar em meus braços conferindo minha pele. — Já passou, não se preocupe, Sininho. — Claro que me preocupo, depois do que te aconteceu, vivi os piores dias da minha vida pensando se você estava bem. — Oh, obrigada por tudo, sei o quanto te preocupei, mas, graças a Deus, aqueles dias terríveis passaram. Ele se foi, apesar de ainda ter medo dele aparecer sei que a medida protetiva vai mantê-lo afastado. — Mas e se ele nos surpreender? Fiquei pensando nisso enquanto não chegava. — Está tudo bem, se acalme — pedi encarando seu rosto. — Ok, vai ficar tudo bem, vamos logo. Preparei seu quarto e um almoço para nós duas, mas tenho estágio à tarde e aula à noite. — Vou me virar bem, só que podemos aproveitar bem o tempo que temos juntas antes de eu começar a estagiar. — Ela assentiu e seguimos para a saída da rodoviária, até onde estava o seu carro, soltei o ar aliviada por estar com minha amiga e por começar uma nova vida.

Aquele era o meu lugar de agora em diante e novas oportunidades me aguardavam. Observei pelo vidro do carro aquela cidade tão grande e cheia de prédios e um trânsito agitado e maçante, bem cansativo. Milhares de pessoas transitando com pressa pelas ruas em busca de algo melhor para suas vidas. Todos queriam ter um espaço, nem que fosse pequeno por aqui, foi o que senti ao ver o movimento intenso de São Paulo. — Conseguiu vender algum dos móveis? — Laura perguntou e me voltei para ela, que dirigia com atenção. — Vendi alguns, minha tia vai vender o restante e depois vamos ver se mandamos pintar a casa, quero vender ou alugar. — Tem certeza disso? — ela perguntou sem me encarar, mas senti o peso daquela pergunta assim que parei para pensar que não havia decidido nada quanto a casa que morei a minha vida toda. — Ainda não, mas espero tomar uma boa decisão. — Você vai, o que mais admiro em você é essa vontade de seguir em frente. É tão forte, no seu lugar não sei se conseguiria. — Claro que conseguiria, você é forte e eu estarei sempre ao seu lado, assim como você está do meu. — Sei disso, minha amiga. — Então, Sininho, como andam as coisas por aqui? Falamos tão pouco sobre você ultimamente — perguntei querendo mudar um pouco de assunto. — Bom, continuam do mesmo jeito. Estou estagiando e estudando, meus pais ainda querem que eu assuma os negócios da família e já aceitam melhor o fato de que não serei uma grande administradora e sim uma arquiteta.

— Eles não desistem fácil, sabe disso, não é? Só siga o seu coração, pois tem que fazer o que gosta, apesar de tudo e eles vão entender isso, pode demorar, mas não desista de seus sonhos. — Claro que não, na verdade com o estágio chegando ao fim, preciso arrumar um emprego como assistente até finalizar a faculdade. Estou bem otimista quanto a uma empresa que está começando hoje no mercado. — Oh, é mesmo? Vai dar certo, tenho certeza de que você vai conseguir, já enviou currículo? Fez entrevista? — Ainda não fiz entrevista, mas já enviei currículo, estou de olho no escritório de arquitetura da irmã do advogado mais famoso da cidade, você sabe. Os Scolari são implacáveis e os melhores. — Não me diga! — Sim, é a irmã do Andreas, ela está fazendo hoje uma festa de inauguração do escritório de arquitetura dela com a Bianca Perez, elas são as melhores da área e estão sendo muito bem recomendadas e faladas por toda a cidade. — Que maravilha, Sininho! — Já estou tentando conseguir um convite com alguém que a conheça diretamente. — Nossa, fico feliz. Acha que consegue o convite? — perguntei, pois já havia visto eles em algumas colunas de pessoas famosas da cidade e na internet. — Sim, uma colega da faculdade disse que eles são muito unidos e fazem de tudo um pelo outro. — Já li sobre eles, a história deles é bem triste, mas, apesar disso, conseguiram seguir em frente. Admiro pessoas que conseguem superar.

— Verdade, Catarina é uma mulher maravilhosa e parece que é muito solidária e determinada. — Eles são lindos, meu Deus, nem imagino como vou conseguir ficar de frente com aquele homem. É tão elegante e bonito, parece mais uma pintura — falei realmente me lembrando da beleza e profundidade do olhar de Andreas. Ele estava sempre nas colunas sociais de São Paulo. — Você sabe que precisa desse estágio, é um dos pouquíssimos remunerados e você também é muito boa, é só mostrar a ele isso e pronto, a vaga será sua. — Ela entrou em uma garagem e percebi que havia chegado no prédio. — Sei da minha capacidade, mas ficarei uma pilha de nervos. — Imagino que sim, o que é normal, mas precisa acreditar em você e que pode conseguir. — Laura desligou o carro e destravou a porta, descemos e a ajudei a pegar as malas, as minhas não eram muitas, pois eu tinha pouquíssimas roupas. — Vou precisar comprar uma roupa para a entrevista. — Então, te deixo em um shopping no centro, depois é só você pegar um Uber com o endereço do meu prédio, que você já sabe. — Pesquisei muito sobre seu bairro e como chegar ao centro, então espero que não tenha tanta dificuldade. — Se tiver, é só me ligar também. — Claro que ligo, mas quero aprender a me virar sozinha, nem sempre vou conseguir falar com você. — Sim, venha logo. Vamos almoçar e arrumar suas coisas, já que em breve vou sair, passa tão rápido, acho que só poderemos conversar melhor no final de semana — falou e concordei, depois disso subimos para o seu apartamento, que era no décimo segundo andar.

Quando entrei me senti feliz e com esperança de dias melhores para a minha vida. Aquele lugar seria meu lar, por mais que fosse o apartamento da Laura, sabia que em nenhum momento ela iria falar algo sobre isso. Éramos grandes amigas por nos conhecermos desde criança e por causa do respeito e da bondade. Pois a amizade é feita desses dois pilares, não é só gostar e simpatizar com a pessoa. É saber ser realmente bom e nunca usar de um ato bondoso para jogar na cara da pessoa o que você fez. Não temos nada para cobrar lá na frente, não é legal esperar por algo em troca, até mesmo porque hoje você faz e amanhã a pessoa faz por você e assim vamos vivendo. É um ciclo que temos que deixar fluir. Essa é a base para qualquer relacionamento, se pensam diferente não é verdadeiro. Se gosta de alguém de verdade, vai fazer por ela o que for preciso e o que não for também, mas sem esperar nada em troca. Só que essa pessoa vai fazer por você também, em algum momento. Então, não é preciso cobrar ninguém por nada. E é assim que Laura e eu somos tão amigas. Depois do almoço, minha amiga foi para o seu estágio e me deixou no shopping. Durante a ida pesquisei sobre os lugares próximos dali e descobri a Avenida Paulista, a mais famosa e cheia de São Paulo. Resolvi passear por ali e conhecer os lugares, passei pelo incrível prédio, onde ficava a Scolari&Antúnez Advocacia. Fiquei alguns minutos encarando o local onde estaria no dia seguinte para uma entrevista, fiz um pedido a Deus para que me abençoasse naquele momento. Sei que se for para ser, nada no mundo vai me atrapalhar, assim como se não for, vou entender. Sempre trabalhei isso em minha cabeça e coração. Se tem algo que é seu, ele virá normalmente. Pode demorar, pode ser rápido e pode ser que não seja também.

Andei tanto que não me dei conta de quanto tempo se passou, só quando saí do Shopping Paulista percebi que já havia anoitecido. Escolhi três pares de roupas para trabalhar, quando puder comprarei mais. Realmente, só comprava o que precisava, pois aprendi a dar prioridade a outras coisas. Sempre trabalhei para ajudar em casa, já que vivíamos tempos difíceis por causa do vício do meu pai. Afastei aquelas lembranças e segui meu caminho, andei mais um pouco por aquela avenida enorme e recheada de opções culturais e gastronômicas. São Paulo era mesmo uma cidade cultural como diziam. Meu celular apitou e vibrou na bolsa em sinal de uma mensagem, coloquei as sacolas em meu braço esquerdo e peguei o aparelho. Laura: Amiga, onde você está? Juliete: Ainda na Avenida Paulista, isso aqui é o paraíso. Sorri observando o quanto a avenida ficava ainda mais bonita à noite. Laura: Me espere aí, estou voltando da festa de inauguração. Respondi um ok para ela e mandei onde estava, depois disso fiquei esperando, mas meu estômago protestou e reparei que do outro lado da avenida tinha um restaurante japonês, o lugar estava cheio, pedi e, enquanto esperava, fiquei de olho no Museu de Arte de São Paulo. Mas minha vez chegou e então peguei meu pedido que era para levar e atravessei a rua para esperar Laura. Ao lado havia uma entrada e, curiosa, entrei. Percebi que estava dentro de um auditório e, encantada com o toque solitário e muito singelo de uma canção tocada ao piano, fui me aproximando. A luz

brilhava somente no palco em cima da imagem de um homem tocando, ele não percebeu que entrei. Estava longe, mas atraída pelas notas lindas, totalmente envolvida pelo toque melancólico e solitário me aproximei mais do palco. Senti-me conectada com a música, era triste demais, ainda assim lindo. Só havia uma luz no palco que iluminava muito pouco o restante do ambiente. O homem estava submerso tocando o piano de perfil, dava para sentir a tristeza. Meu celular tocou e ele se virou, eu estava perto, mas não o bastante para ele ver meu rosto. Mas eu vi o rosto dele, nos encaramos e jurava que ele poderia ouvir meus batimentos. Seu olhar travou no meu por alguns segundos, que pareceram a eternidade, fiquei envolvida na energia que vinha do seu olhar. Ele se levantou e começou a andar e eu me desesperei, virei de costas e saí correndo para a porta de saída. Quando consegui realmente respirar o ar puro da noite, ouvi uma buzina do outro lado da avenida, quando olhei vi Laura. — Vem logo, Juliete, te liguei e não atendeu. — Não falei nada, pois estava sem palavras, só corri olhando para os lados conferindo se tinha carros. Como estava tranquilo, atravessei e dei a volta no carro e entrei rapidamente. — Corra, amiga! — gritei sem fôlego e ela acelerou o carro e, graças a Deus, pude respirar melhor. No que fui me meter? Comecei a pensar se ele tinha realmente visto meu rosto, tinha uma entrevista marcada com Andreas no dia seguinte e não sabia o que pensar se ele me reconhecesse como a mulher que estava vigiando ele tocar piano.

“Fugir da escuridão que a dor nos transporta é um processo lento e solitário, apesar de ter luzes ao seu redor, elas ainda não parecem suficientes para te fazer emergir para a verdadeira luz.” Por quantas vezes ainda conseguiria tocar aquela mesma canção? Não sabia a resposta, quem sabe se algum dia a encontrasse tudo isso passasse. Só que pode também nunca passar. Será que viveria com esse sentimento de abandono pelo resto da minha vida? Ultimamente nem meu trabalho tem conseguido me fazer esquecer, pois houve um tempo que, quanto mais estava no escritório, menos me lembrava daquele dia. Sentia muita esperança de que ela fosse voltar, toda vez que ouvia uma porta se abrindo imaginava ela entrando. Recentemente, tudo tem voltado com uma intensidade enorme, o que me causa uma angústia muito grande no coração. Perguntei-me diversas vezes como as pessoas vivem assim, com esse sentimento de medo,

abandono, angústia e raiva. Sinceramente, não sei, na verdade ninguém tem conhecimento real disso. Fiquei muito feliz em ver Catarina realizando um de seus grandes sonhos, ela merecia todo o sucesso. Confesso o quanto tive medo da minha irmã ser ao contrário disso. Sempre estive ao seu lado, ensinei a ela sobre valores que aprendi desde pequeno com nossa mãe. Depois que saí da festa de inauguração, passei no Museu de Arte, sabia que Frederico estaria organizando o auditório. Ele era um maestro que admirava muito, estava sempre fazendo eventos beneficentes para ajudar instituições e orfanatos. Fazia doações e ajudava no que podia, ele insistia que eu pegasse uma turma de crianças para dar aulas de piano. Aprendi com minha mãe e depois que ela nos deixou fiz aulas, mas meu pai nunca me deixou dar continuidade à música, mesmo meu professor insistindo muito com ele de que seria um grande pianista. Quando cheguei ao auditório já me senti diferente, o vigia me cumprimentou com um leve aceno de cabeça que retribuí. Ele já me conhecia, pois estava sempre passando por ali para me sentar de frente para o piano e esquecer de tudo lá fora. Sentei-me no banco, fechei meus olhos dando passagem para todas aquelas lembranças de quando a tinha comigo. Seu sorriso, seu olhar, seu perfume de jasmim suave e todo seu amor, uma pena que não foi suficiente para fazê-la ficar conosco. Enquanto, me lembrava, abri o piano e sentindo aquela saudade e tristeza comecei a tocar as teclas enquanto as imagens de um dia feliz com ela me tomaram intensamente. — Andreas, meu filho, não mexa em nada — minha mãe pediu, mas eu não queria sair daquele banco, queria tocar igual a ela. — Mamãe, quero tocar como a senhora — disse fazendo bico para que ela me escutasse. Seus lábios se estenderam em um lindo sorriso, eu amava

ver minha mãe sorrindo, tudo ao redor se iluminava. — Então, preste atenção. Vou me sentar ao seu lado e te ensinar primeiro as escalas e depois vamos fazendo mais — Ela se sentou e começou a me ensinar. Nunca mais me esqueci de todos os seus ensinamentos, eles me deram base para as aulas que fiz depois e aprendi a canção que ela tocava todos os dias. Com o tempo, fomos tocando juntos e já conseguia identificar as notas na canção e nomeá-las corretamente. Minha mãe falou que isso era um dom que eu tinha, dizia ser ouvido absoluto. Não entendia completamente o que era, mas me sentia especial, pois conseguia ver em seus olhos a admiração e ficava muito feliz por aquilo. Por isso, quando tocava aquela canção, sentia sua presença, mesmo que na maioria das vezes doesse, nada era melhor para aplacar a minha saudade. Às vezes sentia mais saudade ainda. Era algo que não sabia explicar, só sentir, meus batimentos acompanhavam o toque da canção e minha pele se arrepiava. Viajei para a minha infância em que ela esteve presente e nada poderia estragar aqueles momentos. Pensava que lembranças eram tão importantes, pois tento sobreviver somente com as que realmente me fizeram feliz. Distraído pelo toque da canção Clair de Lune, composta por Claude Debussy, que seria sempre minha primeira opção para tocar piano. Totalmente envolvido pela emoção que aquela canção me trazia e, principalmente pelas lembranças, não percebi que tinha alguém me assistindo até o toque de um celular ecoar por todo o auditório. Parei imediatamente e me virei em direção ao toque que cessou rapidamente, vi que era uma mulher, estava próxima, mas não o suficiente para conseguir ver seu rosto completamente por causa da escuridão do local, somente o palco estava iluminado. Mas encarei seus olhos, que me

encaravam curiosos, e senti uma energia ali, meu coração saltou e mantive seu olhar no meu por alguns segundos. Senti uma enorme necessidade de chegar mais perto daquela mulher, mas assim que dei alguns passos, ela se virou e saiu correndo. Só consegui ver a cor de seus cabelos quando ela saiu pela porta e a claridade bateu em suas costas. Fiquei intrigado, ela deixou o auditório e nem vi seu rosto. Não sei por que, mas, enquanto nos encaramos, tive uma vontade de me aproximar dela, ouvir sua voz e sentir novamente seu perfume delicado de rosas e jasmim que ficou no ar. Ela despertou um interesse em mim que nem sabia que poderia ter por alguma mulher, não daquele jeito, tão forte. Loucura? Não sei dizer. Antes de fechar tudo, passei pelo mesmo corredor que aquela ruiva correu e vi algo brilhando no chão. Abaixei-me e peguei, era um terço em forma de pulseira com pedras transparentes em formato de rosa. Guardei-a no meu bolso, fechei tudo e me encontrei com Frederico na porta do Museu, entreguei as chaves para ele. Perguntei se tinha visto uma mulher ruiva sair dali, mas ele disse não ter visto ninguém. Entrei em meu carro e segui pelas ruas absorto, sentindo o coração acelerado. Cheguei no meu apartamento, tomei um banho e fiquei pensando na mulher que correu de mim, o será o que ela pensou? Ficou com medo de que fosse fazer algo com ela? Sequei meu cabelo e me deitei na cama e não parei de pensar em como seria seu rosto, a cor de sua pele, seus olhos e boca. Estava louco pensando na mulher misteriosa que estava me ouvindo tocar e saiu correndo quando resolvi me aproximar. Meu celular tocou e não estava esperando nenhuma ligação aquele horário. Atendi quando vi que era minha prima, ela chegou há um ano para trabalhar conosco no escritório.

— Andreas, boa noite. Me desculpe o horário — ela falou de um jeito preocupado. — Daiane, tudo bem. Aconteceu alguma coisa? — Tive que fazer uma viagem urgente, por isso não pude comparecer à festa de inauguração do escritório da Catarina. — Viagem urgente? Sua mãe está bem? — Sim, mas teve uma recaída, sabe como é o vício. — Fechei os olhos lembrando como meu pai ficava quando começou a beber sem controle. — Sei como é, se precisar de algo pode me procurar, mas não se preocupe, pois Catarina vai entender o motivo de não ter ido. — Pensei que você poderia explicar para ela, pois não consegui nem pensar em nada quando me ligaram — já sabia que ela me pediria isso. Elas são próximas, mas se elas têm se falado muito pouco desde que Catarina começou a trabalhar na reforma do seu escritório. — Tudo bem, pode deixar que falo com ela. Agora vá descansar, amanhã será um novo dia. — Obrigada Andreas. Sabe que está me devendo um jantar, não é? — ela me perguntou e fiquei tentando me lembrar de quando foi que prometi algo assim para ela. Mas sei que rolava um interesse da parte dela, na verdade nunca demonstrei nada além de amizade e respeito, só que Daiane insistia em algo. — Não me lembro, mas podemos jantar qualquer dia desses — respondi educadamente. — Ok, então vou deixar você dormir. Boa noite, Andreas — falou sedutoramente e fechei meus olhos, ela fazia isso sempre. Ben dizia que havia algo sombrio no olhar dela, mas não conseguia ver isso. Penso que ela devia ser carente por não ter os pais por perto. A família dela vivia em Minas Gerais e ela veio para São Paulo com o

propósito de estudar. Nos surpreendeu ao escolher Direito, claro que, quando se formasse, daríamos a ela uma vaga no escritório, pois era muito inteligente e perspicaz, mas ficava tentando me seduzir de alguma forma. Sempre a cortava de forma educada, mas ela não desistia. Depois de muito pensar nos acontecimentos do dia, adormeci pensando na moça misteriosa, seu perfume delicioso, seu cabelo ruivo intrigante e a pulseira que deixou para trás. Será que ela sentiu a saudade naquela canção? Com isso, sonhei a noite toda com uma mulher sem rosto, que me assistia à espreita na arquibancada enquanto eu tocava piano.

Acordei bem cedo, fui correr e depois fiz um pouco de musculação. A ruiva não saiu da minha mente e com isso, tomei banho e café pensando que nunca mais a veria. Pois era impossível que a encontrasse novamente. Tendo isso em mente, segui para o elevador para começar mais um dia no escritório. Algumas documentações para colocar em dia e a entrevista com os novos estagiários. Dirigi tranquilamente pela cidade, apesar do trânsito estar terrível, já havia me acostumado. Se eu me

estressasse seria pior, então sempre me distraía com as músicas clássicas, fora que era bom escutar música para começar o dia. Parei em um sinal e vi uma mulher ruiva atravessando a rua, fiquei logo mexido querendo ir perguntá-la se esteve no auditório do Museu de Arte. Será que estava ficando louco? Toda vez que visse uma mulher ruiva ficaria com esse sentimento e vontade de me aproximar e saber onde ela esteve na noite de quarta-feira. Loucura demais, seria melhor esquecer, havia uma chance praticamente nula de encontrá-la novamente já que nem sabia seu nome. Cheguei no escritório e já fui revisar a agenda com a senhorita Gleice, ela me avisou sobre as entrevistas depois do almoço. Confirmei e dei uma olhada na lista de candidatos que Benjamin e Daiane haviam preparado, eles fizeram uma pré-seleção para as entrevistas e eu faria a seleção. Passei a manhã toda resolvendo os documentos pendentes, fui ao Fórum também e depois almocei com Benjamin e Henrique, que havia voltado de férias. Desconfiava de que ele tivesse algo com minha prima Daiane, já que eles saíram juntos de férias. Sabia que meu amigo tinha ido viajar e que ela estava com a mãe. Claro que era coisa da minha cabeça, mas Ben desconfiava também e ficava me enchendo com isso. — Você sabe que, apesar de ele correr atrás, ela só quer saber de você. Não entendo como o Henrique fica ao redor da Daiane. — Olha, acho mais fácil se eles ficarem juntos. Ela sairá do meu pé. — Em que mundo você vive, Andreas? — meu amigo me perguntou, indignado. Revirei os olhos sem querer. — Daiane é uma mulher linda, é uma das melhores advogadas que conheço e ainda poderia... — Fitei seus olhos com raiva, ele não ousaria citar meus problemas sentimentais àquela hora do dia.

— Vivo em um mundo que penso que, para ficar com qualquer pessoa, precisa ter amor. O que sinto por Daiane é carinho, somos primos e trabalhamos juntos, não passa disso e não importa o que você diga. — Está para nascer um homem mais teimoso que você, meu amigo. — Ben saiu da minha sala. Depois que voltamos do almoço ele não parava de falar sobre minha prima e suas investidas em mim. Aquilo estava me enchendo o saco já, ele sabia disso e continuava me provocando, ele mesmo dizia sentir algo sombrio sobre ela. Respirei fundo e me preparei para começar as entrevistas. Comecei as entrevistas e entre moças e rapazes estava difícil sentir aquele fogo pelo Direito em algum deles. Queria ver paixão em seus olhos e sagacidade para trabalhar em um escritório grande. Antes de finalizar, preparei mais uma xícara de café expresso para ter forças, se tem algo que cansa é ficar fazendo perguntas inteligentes para conhecer o candidato. Liberei a entrada do próximo candidato com a Gleice, antes mesmo de me virar senti o perfume inconfundível de rosas e jasmim. Aquele mesmo da noite passada, quando aquela ruiva correu. Seria possível o destino brincar comigo assim? O que ele estava querendo me dizer? Na verdade, não sabia o que encontraria a minha frente quando me virasse, mas estava muito curioso para ver seu rosto e cor de cabelo. Com coragem e o coração acelerado, me virei de frente e encarei a mocinha e seu rosto me surpreendeu, o cabelo era ruivo e estava preso em um coque elegante. Seu rosto cheio de sardas, sua boca e olhos azuis expressivos. Seu olhar se manteve preso no meu por alguns segundos. Estendi minha mão para ela e percebi que estava nervosa. Será ela a moça que correu de mim no auditório na noite passada?

— Prazer, Andreas Scolari. — Sem tirar seus olhos dos meus, ela apertou minha mão. Senti a sua força, por mais que estivesse nervosa, ela queria esconder isso. Só esse fato já mexeu comigo, não sabia o motivo. — Juliete Barnes — ela disse seriamente e, sem poder me controlar, seu nome deslizou pela minha língua baixinho. Como poderia conhecer alguém naquele exato momento e parecer que já a conhece há muitos anos? Não entendia tal sentimento que estava pulsando dentro do meu peito e deixando sem ação. Seria ela a mulher da noite passada?

Passei os dedos pelo meu pulso, procurando pela minha pulseira para ter forças e coragem ir bem na entrevista, mas não a senti, pois a perdi na noite passada no Museu. Ela tinha sido um presente da minha mãe, ela me deu para proteção e me lembrar de que sem fé não conseguiria chegar a lugar algum. Não poderia acreditar que Andreas Scolari faria a entrevista. Quão boba sou? Mas, diante de seu olhar intenso e cheio de palavras não ditas, tive que me controlar e ser o mais profissional possível. — Então, senhora ou senhorita Barnes? — ele me perguntou. — Senhorita, por favor — respondi fitando seu olhar curioso. — Pelo seu currículo vi que transferiu seu curso para São Paulo. Estava cursando em uma excelente universidade, morava em Holambra. — Sim, senhor. Cheguei ontem em São Paulo. — Ok, o que espera estagiando em um escritório de advocacia? — Busco novas oportunidades, crescer pessoalmente e profissionalmente. Apesar de gostar muito de onde vivia, sei que em uma

cidade como São Paulo pode me oferecer inúmeras oportunidades. — Por quê? — perguntou me fitando com sagacidade. — Creio que, em um escritório como o Scolari&Antúnez, poderei aprender e evoluir melhor, visto que vocês estão inseridos em todas as áreas e, apesar de eu amar mais a área penal e trabalhista, sei que antes de me especializar será de suma importância entender como funciona todas as outras. Mesmo que, como estagiária, meu foco seja em determinado departamento, estar rodeada de bons profissionais fará toda a diferença no meu aprendizado. Ele assentiu e continuou. — Tem o hábito da leitura? Sorri, sem poder me conter. — Sim, senhor. Gosto de ler. — Quais seus métodos de estudo e doutrinadores? — Sabia que ele perguntaria isso, era essencial para um estudante de Direito. — Meus métodos são marcar e anotar tudo que julgo importante para o meu conhecimento, tenho vários cadernos onde estão registradas as minhas percepções. Leio e pesquiso todas as doutrinas, mas, como já falei, gosto mais de Direito Penal e Trabalhista. Paulo Sampaio e Vólia Bomfim são meus preferidos. Ele estava encantado, percebi pelo seu olhar admirado. Olhou para o lado e balançou a cabeça como se não acreditasse no que me ouviu dizer. — Agora, você fará um teste de interpretação de textos. Na mesa você terá uma folha com um texto que vai ler e escrever o que entendeu do teor do documento. A redação não precisa ser longa, mas no máximo quinze linhas. A senhorita Gleice vai acompanhá-la até uma sala, alguma dúvida?

— Qual o tempo que terei? — perguntei sabendo que ele estipularia o tempo. — No máximo quarenta minutos — ele falou de um jeito desafiador. Mas Andreas não me conhecia. Não era uma jovem preguiçosa para ler e sempre fui a nerd da turma, estudava e lia mais que qualquer um da minha sala, sem me gabar é claro. Minha vida era trabalhar e estudar, só isso. Andreas pegou o telefone e chamou a sua assistente, nem cinco minutos depois ela bateu na porta e entrou, ele a pediu para ficar comigo na sala. Não era permitido o uso de celular. Saímos da sala e fomos para outra ao lado com vidro escuro. Havia uma mesa redonda com quatro cadeiras, sentei-me e a assistente me encarou. — Está pronta para começar? — Sim — falei pegando a folha e lendo o documento, fiz primeiro uma leitura rápida, depois li novamente marcando o que julguei necessário destacar, as palavras chaves e, em seguida, anotei minhas considerações. Repeti o processo quatro vezes e comecei a escrever meu texto de quinze linhas. Reli e pensei no argumento que iria defender e no que interpretei do documento e o que faria em algo assim. Reescrevi e anunciei que já havia terminado, gastei trinta minutos, a senhorita Gleice pegou o telefone e chamou Andreas. Ele chegou e se sentou de frente para mim novamente, sorriu de lado e depois me encarou seriamente. — Já terminou? — Sim — respondi entregando a folha com meu texto para ele, que o pegou rapidamente sem me tocar. — Muito bem, pode desenvolver para mim verbalmente? Sorri com satisfação em fazer isso, sem gaguejar comecei a falar e Andreas não tirou seus olhos do meu rosto e parecia absorto. Fui falando

tudo que anotei e observei do documento e qual minha conduta diante do cliente e sua situação. Mesmo me sentindo um pouco nervosa, continuei firmemente falando. Ele nada disse, nem um questionamento. Quando finalizei, ele me encarou fixamente e se levantou. — Muito bem, Srta. Barnes. Obrigado por participar de nosso programa de seleção, entraremos em contato na manhã seguinte. — Feito isso, ele saiu da sala e me deixou sem palavras, soltei o ar com força e suspirei alto. Estava muito nervosa, não sabia que ele participava assim da seleção de estagiários e depois da noite passada me senti mais ansiosa e com medo de que ele soubesse que era eu naquele auditório. Sabia que entrei ali inocentemente, mas senti que o incomodei de alguma forma, parecia estar em um momento íntimo, profundo e muito triste tocando naquele piano. Admirei-o mais e fiquei com vontade de perguntar se ele queria tomar um café. Onde estava com a minha cabeça? Levantei-me da cadeira e saí daquela sala, peguei minha bolsa com a assistente dele e fui direto para o elevador. Apertei o botão e esperei impacientemente, balançando a perna. Quando as portas se abriram, um homem alto, de cabelo castanho-claro e olhos azuis saiu dele falando ao celular. Estava vestido em um terno elegante e muito bonito, observei-o andando pelo corredor com pressa. Sorri de lado e entrei no elevador, mais duas pessoas entraram e, enquanto aguardava, peguei o celular na bolsa. Desbloqueei e vi que havia duas mensagens da minha amiga: Laura: “Amiga, e aí? Já terminou?” Laura: “Não me deixe no escuro, please?” Sorri e respondi a sua mensagem, ela estava ansiosa para saber se consegui o estágio, quando só saberia a resposta no dia seguinte.

Juliete: “Amiga, terminou agora. Estou no elevador ainda, nem saí do prédio. O resultado sai amanhã, acredita? Estou nervosa. Vamos almoçar juntas?” Meu celular apitou, porque ela respondeu imediatamente. Laura: “Claro, me encontre no final da avenida.” Assim que o elevador chegou no térreo, esperei todos saírem e corri pelo corredor. Quando coloquei meus pés para fora daquele prédio, respirei melhor. Depois de alguns minutos, segui para o final da Avenida Paulista, Laura já estava me esperando. — E aí? Me conte como foi a entrevista. — Laura estava eufórica. — Fiz a entrevista, que era a primeira etapa da seleção; e a segunda e última etapa eram uma interpretação de texto que fiz rapidinho. — Foi fichinha para você, então. — Ela me puxou pelo braço. — Vamos andando, logo ali tem um café que podemos nos sentar e conversar melhor. — Tudo bem — falei e andei atrás dela, havia muitas pessoas andando por aquela avenida o dia todo, não parava. A segui até chegarmos ao Café Mestiço e passamos dentro de uma livraria, o que era um sonho para mim. Sorri, minha amiga e eu amávamos tomar café e conversar. Era um dos melhores prazeres da vida, depois de ler é claro. Escolhemos uma mesa no canto e nos sentamos, ela ficou de frente para mim. — Depois podemos passar na livraria? — perguntei a ela, não sabia o que Laura iria fazer depois, ela era sempre cheia de surpresas.

— Você pode ficar por aqui, tenho uma entrevista hoje também. — O quê? — Você não tinha me contado nada disso, pode começar a desenvolver. — Bato em seu braço, chamando sua atenção. Ela balança a cabeça, daquele seu jeito típico. — Queria te surpreender, aquela noite fui à festa e consegui um minutinho com a Catarina, irmã do Andreas. Amiga, que mulher maravilhosa e ela gostou muito de mim, claro sem querer ser convencida. — Caímos na gargalhada juntas, como amo nossos momentos juntos. — Oh, é mesmo, você comentou sobre a festa, mas não falamos mais nada sobre isso e nem perguntei também, pois estava ansiosa para a entrevista hoje. Como foi? — Minha colega é conhecida da Bianca, então ela nos apresentou e conversamos sobre estágio e oportunidades. A Catarina falou que eu poderia ir no dia seguinte para fazermos uma entrevista. Trocamos muitas ideias e fiquei encantada por ela ser tão humilde e acessível. — Nossa, humildade é algo raro de encontrar nas pessoas, principalmente no ramo profissional, pois todos querem somente serem melhores uns que os outros, ao invés de somar seus conhecimentos e experiências. — Isso é verdade, amiga, mas e você? O resultado sai mesmo amanhã? — Sim, fiquei nervosa, sabe, mas consegui controlar e fazer a entrevista. Não travei para responder nenhuma de suas perguntas. Fui clara e objetiva. — Maravilha, é isso aí, Juju. Sei que você é muito focada e estudiosa. Ele deve ter visto isso em seus olhos verdes expressivos. Mas, me conte um pouco como ele é?

— Um homem bonito, não tem nada de mais. — Não deixei transparecer que me encantei com o homem, pois se ela soubesse de tudo já começaria a especular coisas que não existem. O garçom chegou e pedimos café carioca e bolo de milho, que ela disse ser o seu preferido. — Que lugar mais aconchegante, acho que vou voltar mais vezes aqui. — Venho sempre aqui, amo todo o ambiente. A livraria é maravilhosa, mas esse café é o melhor. Agora, me conte mais da entrevista e do Andreas. — A entrevista é um conjunto que julgo ser crucial e unânime para a entrevista. — Ah sim, somente perguntas ou teve algo mais? — Sim, mas percebi que Andreas busca estagiários que tenham paixão pelo Direito e também saibam por que estão procurando estágio no escritório dele. — Nossa, básico e bem detalhista, mas ele é bonito como mostram nas revistas e nos jornais? — perguntou-me muito curiosa e empolgada. — Ele é muito bonito, mas nada de muito extraordinário — tentei ser convincente, que nem reparei tanto no homem. — Você é louca ou o quê? Ele é maravilhoso! Que mundo você tem vivido, Juju? — Não vi tanta graça nele, é um homem sério, focado em seu trabalho. Eu só achei que ele tem um olhar triste — desdenhei, para ver se ela encerrava o assunto. — Como assim, triste? — Não sei explicar. — Você não está bem ou precisa urgente de oftalmologista. A atendente chegou com nosso café e bolo, livrando-me daquela cena.

— Obrigada, moça — agradeci e ela me olhou sobre a sua xícara enquanto tomava o primeiro gole de seu café. — Bom, ainda estou sem acreditar que Andreas Scolari não te afetou, o homem é o solteiro mais cobiçado de toda a cidade. As mulheres caem aos seus pés e há uma fofoca de que ele gosta de ser bem discreto, mas possui gostos peculiares. — Oh, é o Christian Grey? Minha amiga quase se engasgou e fiquei realmente com medo de ela descobrir que eu o estava vigiando tocar naquela noite no museu e acabar me dando uns tapas por isso. Fiquei realmente com o rosto queimando. — Poderia ser, não é um CEO, mas está bem próximo de se tornar um. O homem é lindo demais, achei uma pena não ter visto ele na festa da irmã. Falei disso, porque o ano passado saiu algo nas redes sobre ele estar em uma festa em uma boate no interior. A festa foi sigilosa, mas a mídia consegue tudo, eles tiraram fotos dele e alguns amigos advogados entrando na boate de máscaras. — Sério? Ele não parece ser esse tipo de homem. — Fiquei pensando naquilo e a curiosidade foi aguçada. — As pessoas nunca são o que parecem, Juju! Já deveria saber disso — minha amiga falou e aquelas suas palavras me fizeram lembrar do monstro que tinha dentro de minha própria casa. Realmente, ninguém é o que aparenta e não podemos confiar nas pessoas. Terminamos de tomar nosso café e, graças a Deus, Laura não falou mais do Andreas, mudamos de assunto. Pagamos a conta e fiquei na livraria, ela foi embora, pois tinha que ir para a entrevista. Aquele lugar era o paraíso, fiquei horas vendo as prateleiras, diversos gêneros e livros de Direito que iria conseguir comprar se conseguisse o

estágio. Fiquei pensando nisso e me lembrei de Andreas, aquele homem lindo e que me pareceu tão solitário, triste. A energia que nos envolveu quando apertamos nossas mãos foi ainda mais intensa que a da noite passada. Balancei a cabeça afastando aqueles pensamentos, não poderia pensar em mais nada além do profissional, que era o que realmente precisava.

Estava conversando com Benjamin e pensando que não poderia deixar de escolher Juliete, ela foi a única candidata que realmente senti paixão pelo Direito e em estagiar no escritório. — Não tenho escolha, Ben. Ela foi a melhor candidata em anos que já passou por aqui para ser estagiária. Com toda certeza, será uma advogada excepcional. — Por que está lamentando assim? — Ele me encarou seriamente querendo me entender, algo que nem eu mesmo consigo. — Tenho a sensação de que ela é a mulher que estava me assistindo no auditório. Já conversamos sobre isso, e estou irritado por me sentir assim por alguém que sequer conheço, nem mesmo vi seu rosto. — Aí que está, meu amigo — ele falou como se tivesse encontrado um grande segredo ou tesouro. — Não entendo mesmo. — Passei a mão pelo meu cabelo que estava sempre muito bem penteado. Desde que saí daquela salinha, não

conseguia tirar os olhos verdes dela da minha mente. Vira e mexe, quando estava só, pensava neles. — Deixa eu te explicar então, como não conseguiu ver o rosto da mulher e não teve a chance de saber quem ela é, isso aguça sua curiosidade. Além disso, coincidiu de chegar na sua sala uma candidata com as mesmas características da mulher que viu correndo naquela noite. Isso para um homem é uma bomba. — Que exagero, não vejo dessa forma — falei nervoso, sabendo que ele tinha razão. O fato de eu não saber quem era aquela mulher me deixou fora do controle. Algo que odiava, sempre estive no controle da minha vida, desde que minha mãe me deixou com Catarina. — Comece a enxergar assim, meu amigo. Mas a Juliete pode não ser aquela mulher — falou e saiu da minha sala, deixando-me no silêncio mais agitado da minha vida. Minha mente não parava de girar, volta e meia me lembrava do perfume da mulher, o mesmo cheiro da Juliete, pensei que poderia ser uma fragrância comum. Será? Não conseguia realmente entender o porquê de o destino fazer isso. Me colocar de frente a duas mulheres que usam o mesmo perfume e são ruivas. Juliete é realmente surpreendente, não daria nada por aquela garota. Ela foi mais do que esperava, os outros candidatos não foram tão inteligentes como ela, alguns nem gostavam de ler e assumiram que pesquisavam mais na internet para fazerem seus trabalhos da faculdade. Aí me veio ela e me deixou sem palavras com seu texto e suas considerações, a forma que ela defendeu seu ponto e o colocou para mim foi o suficiente para saber que era um profissional assim que queria no meu escritório. Peguei o telefone e disquei para o ramal da senhorita Gleice, que atendeu no segundo toque.

— Senhorita Gleice, anote em sua agenda. Assim que chegar amanhã, ligue para a candidata Juliete Barnes e diga que ela foi a escolhida, por favor. — Anotado, Sr. Scolari. Deseja mais alguma coisa? — Não, só isso. Muito obrigado. Já vou embora, qualquer coisa pode me ligar, trabalharei em casa. — Desliguei e peguei minhas coisas, coloquei na pasta junto com meu notebook. Quando estava tudo pronto, saí do escritório, me despedi da senhorita Gleice e peguei o elevador, no entanto me encontrei com Daiane, ela também estava saindo. — Andreas — falou de forma astuta e sedutora. Seria possível meu dia ficar ainda mais confuso? Me perguntei e sorri sem graça para a minha prima. — Daiane, está tudo bem? — perguntei me virando para ver sua expressão. — Sim, mas senti falta de vê-lo pelo escritório hoje, sei que estava fazendo entrevista para os estagiários. — Isso mesmo, é sempre cansativo apesar de gostar de escolher a pessoa certa. — Imagino, você adora estar no controle, acho isso tão sexy. — E lá vinha ela de novo com seu joguinho de sedução que não me fazia sentir nada. — Se você acha, realmente adoro estar no controle, principalmente de meus desejos — falei a encarando seriamente e ela não recuou, aproximou-se mais. Ainda bem que o elevador apitou e chegou no térreo. — Tenha um bom descanso, Daiane. — Saí rapidamente não dando tempo para ela falar mais alguma coisa, tinha que fugir dela. Mesmo cortando, ela ainda voltava com as suas indiretas e tentativas de me

fisgar. Quando éramos adolescentes, sempre estávamos juntos, ela também me ajudou muito a não ser completamente sozinho. Apesar de tudo, atualmente ela estava diferente. Ainda não sabia realmente o que Daiane desejava. Desconfiava de que fosse o legado da família, já que ela voltou de repente para São Paulo e ofereci uma vaga de estagiária. Ela era da família e mesmo assim a entrevistei, como fazia com todos, contudo fiquei curioso para ver como ela se sairia e me surpreendi por sua astúcia e inteligência. Nada comparado ao que Juliete fez em sua entrevista. Cheguei em casa e me sentei de frente para o piano que era da minha mãe, fechei meus olhos por um instante e as imagens encheram minha mente. — Andreas, meu filho. Olhe para a mamãe — ela pediu com carinho e a encarei. — Precisa entender que somos o que escolhemos ser. — Não entendi, mamãe. — Olha só, mamãe vai te explicar. Hoje somos eu e seu pai que escolhemos o que é melhor para você, mas daqui um tempo, quando se tornar um lindo rapaz, quem vai escolher é você. — Sim, mamãe. Tipo quando me pede para escolher o que quero fazer durante o dia quando não tem escola? — perguntei a ela, que sorriu, tocou minha bochecha ternamente. — Isso mesmo, mas quando crescer mais verá o quanto as escolhas vão aumentando nossas responsabilidades. Então, escolha sempre ser um rapaz educado, respeitoso e justo, ok? — Pode deixar, mamãe, a senhora terá muito orgulho do rapaz que serei. — Sorri de volta e ela me abraçou, parecia estar emocionada.

Aquela lembrança sempre vinha em minha mente quando tinha que fazer escolhas. Ficava pensando se ela estivesse aqui comigo, será que estaria orgulhosa? Tentava todos os dias ser esse “rapaz”, gostava de manter viva as lembranças boas que tinha da minha mãe, apesar delas me machucarem muito também. Escolhi aceitar Juliete e ver como ela se sairia no escritório, acreditava muito no meu instinto e na forma que ela se apresentou a mim e na entrevista. Sem poder controlar lembrei de sua pele branca como a neve, suas sardas que eram um charme, os olhos verdes expressivos, profundos e sua boca vermelha. Mesmo sendo muito nova, Juliete era muito linda. Ao mesmo tempo que tinha um ar inocente e delicado, ela possuía uma inteligência que fazia dela uma mulher forte. Abri a tampa do piano e passei meus dedos pelas teclas, fechei meus olhos e eles começaram a queimar, as lágrimas caíram impiedosamente pelo meu rosto. Meu peito se apertou tamanha saudade e frustração. Levei aquele piano para o meu apartamento para que tivesse algo da minha mãe, como se tivesse uma parte dela comigo. Contudo, não conseguia tocá-lo, doía tanto saber que suas mãos passaram por aquelas teclas. Esperei mais alguns minutos e abri meus olhos, peguei o celular no bolso e liguei o bluetooth. Escolhi Mozart, que era o meu pianista favorito, amava ouvir e tocar suas canções emocionantes, porque ela também amava tocar músicas dele. Aprendi a gostar com ela a apreciar os melhores. Enquanto ouvia o concerto vinte e um, peguei o notebook e coloquei em cima da mesa na copa. Enquanto ligava, fui à cozinha e peguei um pouco de suco, sabia que Marta havia deixado pronto, ela era filha de

Rosa, que sempre trabalhou conosco. Muito atenciosa, honesta e gentil, confiava de olhos fechados. Meu celular tocou me chamando a atenção e deixei o copo em cima da bancada. Sorri ao ver quem estava me ligando. — Alícia, você não se aguenta de saudades — atendi já querendo tirar sarro da única mulher que me entendia e respeitava, apesar do que já vivemos. — Andreas, Andreas tão convencido. Como estão as coisas? Advogando muito? Revirei os olhos. — Não faz ideia do quanto. Qual o motivo da ligação? Está tudo bem? — Não se preocupe, só quero mesmo conversar um pouco, sinto que estou aos poucos enlouquecendo. — Por quê? — Posso gostar de duas pessoas ao mesmo tempo? — Alícia! — repreendi-a alto e depois ri, ela sempre estava em dilemas desse tipo. — Certeza de que tem sentimentos por duas pessoas? Ou é só uma fantasia que está apreciando muito? Ela sempre estava tendo relacionamentos intensos, odiava rótulos e ficava com quem desejava sem se importar com o que os outros falariam. — Estou me perdendo, sinto isso, Andreas. — Não acredito nisso, sempre foi tão decidida com seus sentimentos. — Sei disso, mas sei lá — ela disse e a escutei bufando — Está ouvindo Mozart? — Claro, melhor pianista que existe. — Coloque Schumann no seu repertório, tenho certeza de que vai amar, já que curte bastante canções tristes. — Não mude de assunto, o foco da conversa é você — advirto-a. — Já o conheço e é bem triste também, minha mãe ouvia muito.

— Entendi agora, olha só preciso me distrair. Não tem nada na grande São Paulo que possamos fazer? — Venha e vou te surpreender — falei me lembrando do quanto Alícia era maravilhosa e independente. — Não fale nada com o Benjamin, deixa ele se surpreender. — Claro, minhas amigas podem ir também? — Sim, vamos nos divertir juntos e você poderá esquecer um pouco seus dois amores. — É exatamente o que preciso, sempre me confundo, sabe que evito me envolver dessa forma, mas foi um descuido meu e sinto que preciso ser sincera e me decidir. — Claro, principalmente com você mesma, Alícia e sei que vai conseguir — falei com a mulher que se tornou uma amiga, mesmo depois de tudo que vivemos em sua boate. — Obrigada, meu amigo. Fique bem e pare de ouvir músicas triste, te aviso quando consegui a folga por aqui. — Vou aguardar sua visita e não se cobre tanto. — Ouvi seu riso antes de encerrar a ligação. Voltei à cozinha e peguei o copo com suco, decidi trabalhar e não pensar em nada mais. Tive que ligar para Gleice algumas vezes, agendamos alguns contratos e revisei alguns documentos. Não percebi o quanto a hora tinha passado, só quando recebi uma mensagem que me deixou inquieto pelo resto da noite. “Andreas, estou chegando em SP amanhã à noite, no sábado precisamos nos reunir. Avise Catarina e diga que não há como recusar.”

Simples assim, nada de “Olá Andreas, tudo bem?”. O homem que diz ser meu pai, é um seco e grosso com todos, menos com a mulher de seu segundo casamento. Não me lembro de uma só vez que ele tenha olhado para mim e Catarina com amor, carinho e respeito. Ele só queria nos dar ordens de como seguiríamos nossa vida. Só que minha irmã o colocou em seu lugar quando se recusou a fazer Direito. Ela simplesmente fez o vestibular para arquitetura e passou em primeiro lugar. Ao invés de ficar feliz, ele ficou com raiva, não poderia dar o braço a torcer e pelo menos uma vez na vida e compreender a escolha de sua filha. Não, ele nunca olhou por nós e principalmente por ela, sem dizer nem uma palavra gentil. Catarina cresceu cercada por mim e várias babás, sentia a falta de uma figura materna e paterna que, apesar de estar ali, nunca se fazia presente. Levantei-me da cadeira e soltei o ar com força, de repente parecia que iria, estava muito bem enquanto ele não estava nos rondando. Mas tudo que é bom tem o momento para acabar. E lá se foi minha paz, na verdade já tinha perdido há muito tempo. Pois Eduardo Scolari vivia fazendo joguinhos para nos manter presos em seu sobrenome e status. Odiava com todas as forças tudo que ele nos submeteu e ainda nos sujeitava. Gostaria muito de me ver livre dele, poderia somente ser feliz com sua nova família e nos esquecer, já que nunca nos olhou mesmo. Na verdade, meu pai não me deixava abandonar o escritório, ele dizia ser o legado da família, algo pelo qual ele trabalhou muito para nos dar a vida que temos hoje. Entrei em meu quarto e já preparei meu banho, tirei o resto das roupas com pressa, querendo me livrar logo delas. Assim que entrei debaixo do chuveiro, fechei meus olhos me sentindo pressionado e com

raiva soquei a parede mais próxima. Aquilo tinha que acabar e seria logo, não deixaria ele nos controlar dessa forma mais. Depois que saí do banho, vesti minha cueca e me sentei na cama, quando me virei, percebi algo brilhando: a pulseira da ruiva misteriosa. Peguei-a e senti o perfume que me deixou encantado. Gostaria tanto de descobrir o rosto daquela mulher, de abraçá-la e poder sentir que tudo ficaria bem. Não conseguia me conectar assim com as mulheres, elas não despertavam tudo isso em mim, esse sentimento poderoso e que deixava a gente ávido por mais. Aquela noite adormeci segurando a pulseira delicada da ruiva e sonhei com ela correndo de mim em um campo sem fim, não entendi nada do sonho. Assim como não entendia o fato de não ter visto o rosto da mulher que me assistiu tocar piano, depois encarou e saiu correndo. Qual o sentido disso tudo?

“A conquista nos prova que escolhemos o caminho certo, mas a luta só está começando. Persistir é o grande segredo.” — Alô, sim é ela. Quem fala? Muito obrigada, senhorita Gleice, começo na segunda então? Ok, muito obrigada. — Desliguei a ligação e minha amiga já estava perguntando eufórica. — O quê? Você conseguiu, eu já sabia é claro! — Laura gritou e correu para me abraçar. — Sim, era a assistente do Sr. Scolari, ela me disse que começo na segunda, mas tenho que passar lá hoje para levar os documentos para o Recursos Humanos. — Ah, maravilha. — Ela me abraçou forte novamente. — Temos que almoçar fora hoje, isso merece uma comemoração. — Então, tenho que tomar um banho já que estava lavando nossa louça suja. — Sorri com os olhos cheios de lágrimas, pois era a minha primeira conquista morando em São Paulo e nada me faria mal nesse dia.

— Vá logo, então. Precisamos comemorar, Ju! Estou tão feliz e orgulhosa por você, sua primeira vitória. O que eu te disse? Uma chance para recomeçar, era só o que precisava para seguir em frente. — Obrigada por estar ao meu lado e não me deixar cair em nenhum momento. Laura, você é a única pessoa que tenho, minha amiga e irmã. — Sempre, estamos juntas e não se esqueça disso. Estarei onde for te dando minha mão, já deveria saber disso. — Eu sei e digo o mesmo a você, estamos juntas. — Nos abraçamos e meus olhos se encheram de lágrimas, não pude conter a emoção em ouvir suas palavras cheias de sinceridade e amizade. Depois voltei para terminar de limpar a bancada da pia de granito preto, gostava da cozinha do apartamento, era pequena e simples, ainda assim aconchegante. Tomei um banho enquanto Laura terminava de se arrumar. Enquanto fui vestindo a roupa, ela estava enviando um trabalho para os seus colegas. Saímos assim que fiquei pronta, peguei os documentos que já havia organizado, minha amiga disse saber onde me levar. Fomos o tempo todo conversando sobre nossos sonhos. Laura estava sempre incomodada pelo fato dos pais ainda a sustentarem. Eles faziam questão, eram pessoas boas e que desejavam o melhor para ela. No entanto, minha amiga era orgulhosa e tinha anseio de conquistar sua total independência que concordava e apoiava. Esse era meu sonho também, ser uma excelente advogada e cuidar de mim mesma, a única pessoa que podia contar era a minha amiga. Aqueles que falavam ser da família viraram as costas para mim em um dos momentos mais difíceis da minha vida. Então só posso considerar quem nunca me abandonou. Observei a grande cidade de São Paulo, acho que demoraria muito tempo ainda para conhecer melhor tudo que havia nela, pois era muito

grande. Acostumei-me com Holambra, uma cidade de interior bem pequena, onde andamos e cumprimentamos todos pelas ruas. É estranho andar pela calçada e não reconhecer as pessoas, apesar de ter saído de Holambra justamente porque todos me olhavam com pena e tristeza no olhar. E por causa de todos as lembranças ruins, mesmo sabendo que não importa onde estou, elas sempre me perseguirão. Laura deixou o carro em um estacionamento, descemos e seguimos para o restaurante, que já gostei da fachada bonita e bem rústica. Subimos a escada e escolhemos uma mesa mais no canto da parede ao lado de uma janela de madeira muito bonita. Nos sentamos e o garçom já se aproximou para nos atender. — Boa tarde! Sejam bem-vindas ao nosso restaurante. Vou deixar os cardápios para que façam sua escolha. Qualquer dúvida estou à disposição. — Olá, muito obrigada — respondemos juntas e pegamos o cardápio que foi colocado à nossa frente. Gostaria de comer algo simples, filé de peixe e uma salada. Fiz minha escolha e encarei Laura a minha frente. Ela sempre pensava demais e ficava ainda mais confusa. — Já escolheu, né? Se eu ainda não estiver errada, sei que vai querer salada e peixe — ela falou, acertando minha opção, rolei os olhos e ela riu baixinho. — Você me conhece muito bem, sabe que isso já me deixa satisfeita. — Claro, por isso está tão magra — ela falou fechando o cardápio. — Sabe que hoje estamos comemorando sua primeira conquista, aproveite e coma direito, você merece. — Mas você sabe que não gosto muito de carne vermelha, então para não comer frango, será o peixe mesmo com salada completa, isso já me satisfaz muito.

— O que posso fazer com você? — bufou e sacudiu os ombros, achei engraçado e comecei a rir. Chamou o garçom e fez nossos pedidos, enquanto esperávamos começamos a conversar sobre tudo que vinha acontecendo. — Só tenho medo de que ele me reconheça, não sei se deu para ver o meu rosto. — Sem realmente perceber, pensei alto demais e Laura me fitou curiosa para saber mais. — O que você está falando? Juliete Barnes, faz o favor de me explicar. Como assim medo de que ele te reconheça, de onde Andreas pode te conhecer? — Fiquei nervosa, minha perna começou a balançar incontrolavelmente. Não havia contado a Laura sobre aquela noite em que vi Andreas tocando piano de forma tão intensa e emocionante. — Na... na... na... não é nada. — Fechei os olhos e soltei o ar que, de repente, ficou tenso. — Não consigo esconder as coisas de você — falei me rendendo, uma hora teria e precisava contar a ela sobre isso, pois não aguentaria a pressão. — Então me conte, por favor, Juju. — Depois disso contei tudo nos mínimos detalhes para a minha amiga, ela ficou empolgada e começou a criar várias teorias. — Já te disse que ele não me viu, mas não sei, me virei rápido e saí correndo, estava escuro, quer dizer o auditório estava com uma luz acesa somente no palco. Mas perdi o chão, não sei nem como tive forças para me virar tão rápido e sair correndo. — Então, será que ele encontrou sua pulseira? — Não sei, pois devo ter perdido ela enquanto corria para sair de lá o mais rápido possível. — Minha nossa, imagino que ele deve ter encontrado e fica a olhando o dia todo tentando descobrir algo e você vai estar bem ao lado dele

todos os dias a partir de segunda. — Nem me fale, isso me deixa tão ansiosa, que não sei se é certo. — Está louca? Que isso! Claro que é certo, você conseguiu o estágio honestamente, com toda sua inteligência e esforço. — Ela estava certa, nossos pratos chegaram e comemos enquanto ela confabulava várias formas de Andreas descobrir. — Será que ele não vai ficar chateado que escondi isso dele? — Claro que não, ele é um homem feito. Sinto que essa história ainda não terminou. — Que história? — A de vocês, é claro, Juju. Se ele correu atrás de você é porque se interessou. Andreas não parece ser o tipo de homem que faz algo escondido. Olha, ele estava lá tocando piano, eu não sabia disso. Os tabloides não sabem disso, senão eu saberia. — Não é uma história, só foi uma coincidência ser ele naquele piano e eu entrando naquele lugar. — Isso não foi coincidência e sim destino, você vai contar a ele? — Claro que não, ele não precisa saber, principalmente agora que consegui a vaga lá no escritório dele. — Vamos ver quando começar a estagiar lá. Já estou me coçando toda para saber — ela riu alto e depois tapou a boca com a mão, fazendo uma de suas expressões engraçadas. — Você não existe, Laura. — Olha, escreve o que estou te falando, Andreas deve ter encontrado sua pulseira e deve ficar o dia todo olhando para ela pensando na mulher de cabelos ruivos, que o deixou naquele lugar. Isso deve estar corroendo sua curiosidade. — Você anda lendo meus romances?

— Claro que não, sabe que não gosto de ler, prefiro filmes e séries. — Sei, mas parece que anda vendo muitos filmes românticos com cenas que só acontecem ali, conto de fadas assim não existe. — Ju, mas destino existe e tem alguma coisa nisso, posso sentir — ela estava convicta das suas palavras e eu não queria sequer pensar em tudo. Só sentia falta da minha pulseira, um presente especial dado por minha mãe antes dela morrer daquele jeito tão cruel. Lágrimas encheram meus olhos só por lembrar. — Essa pulseira será seu escudo protetor, minha doce Julie. Nada de mal vai te atingir, nunca a tire de seu braço, Nossa Senhora há de te iluminar todos os dias. Você é uma moça tão linda, delicada e inteligente, que merece o melhor. Nunca aceite menos de ninguém e lute para ser independente. Seja onde for, estarei orgulhosa por você. Essa é uma lembrança da minha mãe, pegando em minha mão depois de colocar a pulseira em meu braço, ela sorriu para mim com pesar, parecia saber que seu fim estava próximo. Sem perceber, três lágrimas rolaram pelo meu rosto e eu tratei de as limpar com o dorso das mãos rapidamente, aproveitando que Laura havia ido ao banheiro. Quando ela voltou, afastei aquela lembrança e todas as outras que vinham depois, pois me fazia muito mal. Tinha medo dos pesadelos voltarem, ainda sentia suas mãos em meu pescoço quando fechava os olhos durante as madrugadas. Nada era pior que aquele sentimento de impotência diante de alguém que usava da sua força para impor e violentar seja física como psicologicamente. — Então, vamos embora? — Laura falou pegando sua bolsa e a conta que tomei de suas mãos.

— Opa, me dê isso, dessa vez eu pago, senhorita. — Suas sobrancelhas se juntaram e ela estava pronta para protestar quando levantei a mão. — Sem discursos longos, por favor. Economizei para vir, pois já sabia que estagiaria aqui em SP, então me deixe pagar dessa vez e logo receberei meu salário. — Claro, sua metida! Dessa vez, você passa — ela falou sorrindo e se rendendo. Sorri de lado e passamos no caixa, pegamos um chiclete Trident de tutti-frutti, que amamos. Desde pequenas que gostamos muito de ficar mascando chiclete, uma de nossas manias. — Sabe que esse é o sabor da nossa infância — ela falou enquanto entrávamos no carro. — Verdade, sempre pegávamos uns trocados da sua mãe para comprar antes de chegar na escola e depois tinha que jogar fora, pois a professora Luisa mandava a gente parar de mascar chiclete, lembra. — Oh, como lembro, as vezes passávamos a perna nela — ela riu alto. — Sempre fomos espertas. — Verdade, tem como me deixar no escritório do Andreas? Já vou entregar os documentos e ler o contrato para assinar. — Isso aí, te deixo lá — falou e deu partida seguindo pelo trânsito agitadíssimo de São Paulo. Peguei meu celular e vi que um dos perfis literários me aceitaram no Instagram. Sorri feliz, queria saber mais sobre livros de autoras brasileiras, então estava buscando grupos de leitura e dicas de livros para ler. Recentemente terminei o Luz da Manhã, da Anne Marck, uma história maravilhosa e muito emocionante. Procurei pelo perfil da autora e vi como ela é carinhosa com seus leitores, passei a segui-la, além de ver algumas dicas de leitura do stories dela também.

Nem percebi quando chegamos no escritório, na grande Avenida Paulista. — Laura, obrigada pela carona. — Vou te esperar, pois tenho que passar no mercado, vamos comprar mais filé de frango e de peixe, então vamos juntas. — Ela me olhou de lado. — Tudo bem, fica aqui no saguão que vou lá rapidinho. — Saí do carro e entrei no prédio, enquanto o elevador subia sentia meu estômago gelar ainda mais pela ansiedade. Estava apreensiva, pensando no falaria se encontrasse com Andreas pelo corredor da empresa. Assim que as portas se abriram saí nervosa, dando rápidos passos para chegar à mesa da assistente do Sr. Scolari. Ela me viu e já sorriu muito simpática. — Olá, Srta. Barnes! Vou ligar para a Michele do setor de Recursos Humanos, ela que vai receber seus documentos e lhe passar o contrato juntamente com o Sr. Scolari. — Ouvi direito mesmo? O dono do escritório também estaria presente? — O Sr. Scolari? — perguntei curiosa, pois se o homem tinha pessoas para fazerem isso, por que ele estava presente nessas ocasiões? — Sim, ele faz questão de estar presente na assinatura do contrato. — Ah sim, tudo bem então. Ele sempre faz isso? — perguntei, pois comecei a desconfiar de que ele tenha descoberto sobre quem sou eu. — Sempre, o Sr. Scolari gosta de acompanhar de perto todas as contratações da empresa, não importa quem seja, ele se atenta a tudo. — Está certo, vou aguardar. — Pode ficar à vontade, se sentar em um dos sofás aqui à frente. Tem café e água na mesinha à esquerda. Ao lado da cafeteira estão os potes com as cápsulas, as marrons escuras são para cafés intensos, as azuis é para descafeinado e as douradas são de café adoçado.

— Nossa, quantas opções de café. — O Sr. Scolari ama café e gosta de servir bem a todos os seus clientes e colaboradores. — Que bacana, adoro café também, na verdade trabalhei em uma cafeteria da minha cidade por muitos anos. — Então conhece bem de café, é a bebida mais consumida no mundo. — Sim, sei toda a história, tive que aprender para conhecer e indicar as melhores preparações de café onde trabalhava. — Imagino, adoro histórias. — Ela sorriu amistosamente e devolvi a ela, percebi ali que nos daríamos muito bem. Depois disso me sentei e fiquei esperando, meu celular disparou vibrando na bolsa. Quando o peguei, já sabia que seria mensagens da Laura. Quando vi sorri de lado, ela não podia se conter. Comecei a respondê-la e não percebi que a moça do RH e Andreas se aproximavam de mim. — Olá, Srta. Barnes! — Pulei no sofá ao ouvir a voz grave dele, quando levantei a cabeça não teve como evitar o suspiro que dei. — Desculpe, não percebi vocês se aproximando — falei nervosa, mas ainda consegui responder. — Tudo bem, vimos que estava distraída — ele falou direcionando o olhar para o celular, que ainda estava em minhas mãos, guardei na bolsa e me levantei. — Estava aguardando, trouxe meus documentos como solicitado. — Muito bem, deixa eu te apresentar a nossa gerente de Recursos Humanos, Michele Moura. Ela tratará todos os assuntos e detalhes sobre sua contratação, horário e local de trabalho. — Ok — respondi sem saber até mesmo de onde vinha minha voz. — Michele, essa é a Juliete Barnes, nossa nova estagiária — ele falou indicando a mão na minha direção.

Ela apertou minha mão, sorrindo, vestindo uma roupa muito elegante e social. — Seja bem-vinda a Scolari&Antúnez! — ela falou e agradeci com um aceno de cabeça. — Vamos para a sala de reuniões rápidas — Andreas falou e segui atrás deles pelo corredor. Entramos em uma sala de tamanho médio, bem iluminada com uma mesa no centro, redonda com cinco cadeiras, as paredes eram em tom de cinza médio, o que deixava o ambiente mais sério e ainda assim elegante. — Muito bem, aqui temos seu contrato, Juliete, e por último é uma cartilha das normas e horários que vai cumprir. Pode ler tudo com calma, leve o tempo que precisar e, se tiver dúvida, por favor pode me perguntar. — Ok, muito obrigada! — Peguei as folhas e comecei a ler o contrato que estava muito bem escrito, fiz três leituras dele e não vi nada de errado. Peguei as regras e horários; eram seis horas de estágio de segunda a sexta, o escritório começava o expediente às oito da manhã e vai até as seis da tarde. Mas meu horário era até a uma da tarde e tinha o horário de lanche, podendo ser negociado, ou seja, alterado. Rubriquei todas as folhas do contrato e assinei a última junto com a de ciência das regras. — Tenho uma dúvida, tem algum padrão de roupas para vir trabalhar? — Essa é uma instrução que faço com todos antes de finalizarmos, então é indicado que venha mais social e com roupas bem comportadas. Nada de decotes ou saias curtas, por favor — enquanto Michele falava, Andreas me encarava de forma intensa, fitou minhas roupas e manteve seu semblante sério.

— Mais alguma dúvida, Srta. Barnes? — ele perguntou. — Não, era só isso mesmo, obrigada — respondi rapidamente, seu olhar estava me fazendo sentir tantas coisas que nem sabia como definir. — Então terminamos aqui e aguardamos você na segunda às oito da manhã, obrigado e seja bem-vinda a nossa família. — Ele sorriu e realmente parecia ter borboletas em meu estômago, ofereceu sua mão para mim mantendo seu sorriso, que era lindo demais. — Obrigada pela oportunidade. — Estendi minha mão e ele a apertou, senti seu calor passar pelo meu braço e meus pelos arrepiaram. Sem graça, tirei a mão da dele e senti o frio do ar-condicionado do local. Despedi-me da Michele e saí daquela sala sem olhar para trás, não entendia toda aquela intensidade. Precisava respirar o ar limpo da rua, meu Deus! O que aquele homem me fazia sentir?

Não conseguia tirar Juliete da minha cabeça, ainda mais estranho era o fato de achar que ela era a mesma mulher que me viu naquela noite. Seria possível que elas fossem a mesma? Mas ela seria capaz de esconder algo assim? Claro que ficaria com medo de perder a vaga de estagiária e entenderia isso. Só que ela perdeu sua pulseira, que acredito ser um acessório importante, já que estava com o perfume bem impregnado. Juliete foi levar seus documentos e assinar o contrato naquela tarde. Como em todas as contratações estive presente. Notei o quanto ela estava nervosa e afetada pela minha presença. Observei-a novamente e admirei suas sardas que davam a ela um charme; era uma garota linda, apesar de tudo ela parecia ser muito diferente das outras de sua idade. Sentia também algo profundo e triste em seus olhos verdes expressivos, além de sentir algo misterioso também. Ela não falou nada sobre sua vida pessoal, não sei se ela veio para São Paulo só por causa do estágio, intuía que havia muito por detrás disso.

Escutei um toque na porta e já sabia quem era, Benjamim abriu um pouco e me pediu licença, assenti com a cabeça e ele entrou. — No que está pensando tanto? — perguntou-me e se sentou na cadeira a minha frente. — Na mulher ruiva e Juliete. — Esquece isso um pouco, vamos tomar um drinque, o que acha? — Hoje não posso, infelizmente. Tem um jantar com meu pai e Antonela. — Nossa, só desejo força, meu amigo. Sei o quanto é difícil para você, Catarina vai? — Ela me disse que vai chegar atrasada, está com um cliente importante, mas ela não queria ir. — Segura as pontas do seu pai, ele sempre deixa Catarina desconfortável, é horrível um pai fazer isso com a própria filha. Não consigo entender seu pai a tratando daquele jeito. — Ben parecia bem nervoso e mexido com aquilo, igual a mim, na verdade. — Odeio isso, meu sangue ferve toda vez que escuto ele rebaixar Catarina, mas pode apostar que, se hoje ele fizer algo assim, vou perder a compostura e esquecer que ele é meu pai, o que nunca foi, não é mesmo? — Tenho que concordar com você. O investigador não descobriu mais nada sobre o paradeiro de sua mãe? — Não, ele mesmo me falou o quanto isso é estranho, tudo que ele encontra é engano, nunca vi algo parecido. Olha que já lidamos com diversos casos assim e conseguimos encontrar as pessoas. — Seu pai deve saber algo, sinto que ele esconde a verdade de vocês. — Sei disso, mas vou descobrir, nem que seja a última coisa que eu faça em toda minha vida. — Levantei-me da cadeira pegando minhas coisas e guardando dentro da pasta. — Agora, preciso ir, nos falamos

amanhã. Vá tomar seu drinque e vê se arruma uma mulher que te aguente. Não iria nem passar em casa para trocar de roupa, não queria demorar naquele jantar, sabia que Eduardo Scolari estava tramando algo. Só que ele não perdia por esperar, pois não pouparei minha sinceridade. Nem mesmo a sua esposa Antonela vai me impedir de falar. Hoje ele vai ouvir algumas coisas e terá que me responder alguns detalhes importantes também. Saí do escritório e me despedi de algumas pessoas pelos corredores, aqueles que sempre ficavam depois do expediente para adiantar algum trabalho. Entrei no elevador e peguei o celular, não curtia muito redes sociais e a única que tinha era no Instagram, publicava pouquíssimas vezes. Gostava de acompanhar tudo sobre os melhores pianistas e sobre os eventos culturais de São Paulo. Assim que o elevador apitou saí em direção ao estacionamento. O motorista já estava me esperando, Antônio nunca se atrasou, era sempre muito pontual e responsável e nos dávamos muito bem. O restaurante que meu pai escolheu era o de sempre, no KAÁ, ele amava comida italiana e lá servia a melhor, com toda certeza. Claro que Eduardo Scolari desfrutava de refeições extraordinárias em restaurantes luxuosos. Isso em qualquer lugar que ele fosse era a mesma coisa, e claro que ele conseguia chamar a atenção de jornalistas de plantão. Quando chegamos ao restaurante na movimentada avenida Juscelino Kubitschek, agradeci ao Antônio e desci. — Boa noite, seja bem-vindo! Possui uma reserva? — a recepcionista me recebeu perguntando. — Olá, obrigado. Tenho sim, em nome de Eduardo Scolari. — Ela sorriu educadamente.

— Eles já chegaram, pode me seguir, por favor? Assenti e a deixei me guiar pela entrada. Era difícil deixar de admirar o salão de pé-direito alto, com um espelho-d’água na entrada e um imenso jardim vertical que acompanhava uma das paredes. Era um restaurante muito aconchegante, sei que Catarina amava a decoração e arquitetura do lugar. Fora que a comida era incrível, saborosa e muito bem-feita. Meu pai escolheu a mesa em um canto mais reservado, ele já estava esperando com Antonela, que estava toda maquiada e muito bemvestida. Ela era bem mais nova do que o meu pai, muito me espantava ele não ver o fato de que ela estava com ele por interesse. Infelizmente fiquei sabendo que ela tinha um amante, não o conhecia e nem queria me intrometer no relacionamento deles. Só esperava que ela soubesse onde estava se metendo, pois minha mãe nos deixou sem nenhuma explicação. Tenho medo do que possa acontecer caso ele descubra que sua amada e querida esposa o trai. Lembro bem de que, quando descobri, fui falar com Antonela e lhe avisei sobre o descontrole do meu pai quanto a isso. Ela ficou morrendo de medo de eu abrir o bico, mas claro que eu ficaria na minha, só queria avisá-la de que ele não prestava. Só que ela, pelo visto, preferia viver perigosamente. Esbocei um sorriso quando cheguei à mesa onde eles estavam sentados. Meu pai sorriu e se levantou para me abraçar e ofereci minha mão, cortando-o. — Olá, filho. Que bom te ver, Andreas. — Ele apertou mais forte minha mão enquanto levantava suas grossas sobrancelhas e sorria de um jeito que, para mim, era falso. — Boa noite, pai e Antonela — cumprimentei também a esposa dele, que por sua vez estava com um sorriso enorme, algo característico dela,

sempre meio falsa. — Sente-se, Catarina não veio com você? — perguntou de um jeito bem interessado. — Ela está ainda em seu escritório trabalhando, vai chegar um pouco atrasada, mas disse que vem. — Então está tendo muitos clientes, não? — perguntou querendo saber mais sobre a vida da minha irmã. — Sim, Catarina está indo muito bem em seu negócio, a inauguração foi um sucesso. É uma pena vocês não terem vindo prestigiá-la. — Eu não seria tão falso, nunca concordei com essa escolha — ele falou sem dar brechas para questionamentos. Eu assenti e chamei um garçom, precisava tomar algo urgente. Quando um deles viu meu sinal, se aproximou. — O que o senhor deseja beber? — Bom, nos indique o melhor vinho. — Indico o Taylor Tawny 20 anos, do porto ou o Robert Mondavi Napa Valley Pinot Noir de 2009. — Quero o Robert, por favor. Vocês vão querer também? — virei-me perguntando ao meu pai e Antonela, que pediram do mesmo vinho. Depois que o garçom saiu, meu pai começou o interrogatório: — Então, Andreas, como está o escritório? — Estamos indo muito bem, os contratos empresariais estão crescendo e isso tem nos mantido bem ocupados. A área criminalista também está indo bem e já estamos selecionando novos estagiários. — Maravilha, continuamos crescendo então? — Claro, esse é o seu objetivo, certo? — É sim, Andreas. — Ele tomou um gole de seu vinho enquanto me encarava.

— Sabe algo sobre ela? — Mesmo sabendo que ele iria negar, eu perguntava, pois ainda tinha alguma esperança de que falasse algo. — Não, sabe que já esqueci esse assunto há muito tempo, por que insiste em me perguntar algo? Gosta de me fazer lembrar de todo o sofrimento que foi ela nos deixar? — Sei que se esqueceu até mesmo dos seus filhos — disse duramente e ele me fuzilou com o olhar, percebi que trincou o maxilar. Fechou os olhos e os abriu, soltando o ar. — Por favor, meninos. Não vamos discutir agora, é um jantar de família e queremos somente falar de coisas boas, não é mesmo? — Antonela falou acariciando o braço do meu pai e o fitando com cuidado. O silêncio recaiu na mesa e ficamos ali bebendo e vendo o movimento do restaurante, sabia que iria acontecer isso. Não aguentava mais o fato de ter que conviver com alguém que nunca me deu um pingo de atenção e carinho. Ele era o meu pai, afinal de contas. Mas Eduardo Scolari só pensava na empresa, se estava crescendo, faturando bem. Esse era o interesse verdadeiro dele. Poderia ter me telefonado que lhe contaria como andava o escritório. Vinte minutos se passaram e Catarina chegou, senti falta de seu sorriso aberto. Com o semblante sério, ela nos cumprimentou e se sentou ao meu lado. Aquilo me incomodava mais que tudo, o fato dele desdenhar da profissão que sua filha escolheu. Não fazia sentido para mim, um pai tratar os filhos dessa forma. — Andreas me contou que tem muitos clientes — debochou e aquilo talhou meu sangue. — Como consegue? Eles realmente confiam em uma mulher para o serviço? — Aquilo realmente acabou com o resto da minha paciência. — Levanta, Catarina, vamos embora, agora! — disse entredentes.

— Como assim? Temos mais uma convidada chegando, por favor não sejam mal-educados — meu pai falou sorrindo falsamente. — Não ligo para quem você convidou, só não podemos ficar ouvindo você debochar da sua filha. — Catarina se levantou também em silêncio, desde que ela chegou que trocou pouquíssimas palavras. — Como assim, não liga para mim? — escutei a voz de Daiane, cheia de segundas intenções, seu perfume doce chegou até meu nariz. Virei-me e lá estava ela com um sorriso sexy em seus lábios vermelhos escuros combinando com o vestido tubinho da mesma cor. — Daiane, querida! Que bom que chegou para colocar um pouco de juízo no seu primo. Eu queria realmente sumir daquele restaurante, um lugar tão bonito e aconchegante. — Boa noite, família! — Ela abriu ainda mais seu sorriso e abraçou Catarina e Antonela. Nos sentamos novamente e, graças a Daiane, o assunto mudou, pois meu pai perguntou como estava sua irmã, acho que ele nem ligava para ela. Nunca nem foi vê-la depois que minha tia começou o tratamento. — Daiane, como anda no escritório? — meu pai perguntou e revirei os olhos. — Estamos indo muito bem. — Daiane pegou em minha mão e me encarou. — Não é mesmo, Andreas? Trabalhamos em sincronia e muito bem juntos. — Que maravilha! — ele elogiou. — Só que Andreas está me devendo um jantar, sei que estive fora alguns dias e voltei recentemente. — Nossa, meu filho, não se pode dever a mulheres jantares e encontros. Não percam a oportunidade e marquem agora.

— Depois vemos isso, não é mesmo, Daiane? — Tirei minha mão debaixo da dela. — Como sempre me enrolando, tio Eduardo! Catarina me fitou e pediu um minuto comigo, pedimos licença e saímos da mesa. Fomos para o lounge do bar que havia no restaurante, encostei na bancada já cansado daquele jantar chato. — Preciso ir embora, Andreas. Não suporto a forma que ele fica me encarando. Parece que tem nojo de mim, na verdade sempre teve e nunca disfarçou. Isso é tão estranho, não sei o que pensar e, sinceramente, estou cansada disso. — Eu sei, minha pequena rainha — falei a abraçando e querendo levá-la embora dali o mais longe possível dele. — Vamos só comer e ir embora! Amanhã tenho que buscar uma amiga no aeroporto bem cedo, não posso ficar mais. — Ótimo, nem Daiane estou suportando. Ela não se cansa de ficar dando em cima de você daquele jeito. Não a reconheço mais. Algum tempo fora e voltou assim — comentou minha irmã. — Ela sempre deu em cima de mim, a diferença é que agora ela faz isso na frente de todos. — Aff! Que horror, é muito descarada, não parece verdadeiro e sim forçado. Agora, vamos voltar. Se ele falar alguma coisa pode deixar que vou calá-lo. Dei um beijo em sua testa e voltamos para a mesa. — Então, Antonela, gostou de Veneza? — Catarina perguntou a nossa madrasta enquanto se sentava na cadeira ao meu lado novamente. — Muito, é encantadora! As pequenas ilhas que tem pela cidade é um charme à parte, os palácios são realmente maravilhosos, tem tantos lugares incríveis para conhecer. Conhecemos muitos restaurantes,

poderia viver lá tranquilamente para sempre — falou sorrindo e encantada, e penso que seria um favor para nós que eles fariam morando lá na Itália. Daiane estava em uma conversa animada com meu pai sobre Direito Penal que não quis realmente me envolver. Meu celular vibrou no bolso e o peguei para conferir, destravei e vi que era uma mensagem de Alícia. ALÍCIA: Ansioso para me ver amanhã, bonitão? Te aviso quando embarcar. Boa noite! ANDREAS: Ansiosíssimo, temos muito o que conversar e fazer! ALÍCIA: Claro, além de surpreender o gostosão de olhos azuis. ANDREAS: Por que ele é o gostosão e não eu? ALÍCIA: Você é o bonitão! Está bom para você? Rsrsrs. Sorri e mandei um emoji para ela. Quando percebi, todos os olhares estavam voltados para mim. Levantei minha cabeça imediatamente e franzi a testa. — O que foi? Aconteceu alguma coisa? — Algo o fez sorrir, poderia compartilhar conosco, Andreas? — meu pai ironizou. — É algo particular, ok? Sobre o que estavam falando? — Sobre como seríamos bons juntos, formaríamos um belo time e casal — Daiane falou e a encarei confuso, ainda com a testa franzida.

Virei-me para a minha irmã e ela pegou sua taça de vinho e virou enquanto me fitava com aquele seu olhar que dizia tudo. — Daiane, depois vamos conversar sobre isso. Podemos continuar o jantar? Os pratos chegaram com nosso pedido e soltei o ar que nem sabia estar prendendo. Comemos conversando sobre as viagens de meu pai e Antonela, graças a Deus que mudamos de assunto, pois as indiretas bem diretas de Daiane estavam me irritando e seria bem ruim se eu me estressasse na frente de todos com ela e meu pai. Claro que ele a convidou, até nisso ele queria se meter. Incrível como era autoritário. Só que eu não iria deixá-lo influenciar em algo assim. Ele quer mandar em meu coração? Isso é impossível e não permitirei. Assim que terminamos de comer, esperei somente mais dez minutos e chamei meu pai para ir comigo no lounge do bar do restaurante. Assim que ele ficou de frente para mim fitei seus olhos castanho-claros e o enfrentei. — Preste bem atenção ao que vou te dizer, só vou falar uma vez. — Odiava como ele se achava o mais certo do mundo ao me olhar daquele jeito. — Pode dizer — seu tom astuto e convencido me enojou. — Não quero saber de você armando esses jantares com Daiane. Somos primos, amigos e colegas de trabalho e nossa relação não vai passar disso. Entenda de uma vez por todas que nunca te dei autorização para se intrometer em minha vida pessoal. — Você precisa escutar quem entende da vida, meu filho. Daiane é a mulher perfeita para você, é astuta, ambiciosa e muito bonita. É um perfeito combo para esposa. — Fechei os meus olhos e procurei por alguma justificativa para aquilo que ele tinha acabado de dizer e,

sinceramente, não encontrava nenhuma resposta. Só a de que ele continuava sendo controlador e prepotente. — Não é o combo que procuro em uma mulher, nem pense mais nisso ou deixo tudo, está me entendendo? — Cheguei mais perto dele e perdi o pouco de respeito que ainda havia e o encarei com os punhos cerrados. — Vou deixar a sua querida e tão amada empresa e não vou olhar para trás, vou fazer o que sempre sonhei sem me importar com nada. — Ele se fez de entendido, fechou seus olhos e depois os abriu seriamente. — Chamei você aqui hoje para te contar que descobri algo sobre sua mãe — quando ele falou aquela palavra “mãe”, meu corpo inteiro se arrepiou e meu coração bateu depressa, minhas mãos suaram e meus olhos se encheram de esperança. — Descobriu onde ela está? — Empolguei-me com aquilo e comecei a sacudi-lo pelos ombros. — Me diga tudo, eu mereço saber. — Meus olhos queimaram com o excesso de lágrimas, que começaram a rolar pelo meu rosto. — Sua mãe está morta há cinco anos. — Não podia acreditar naquilo que havia acabado de dizer, pensei que havia esperança e essa era a pior notícia. Na verdade, toda vez que pensava no motivo de nunca ter encontrado nada sobre ela, não queria acreditar que ela pudesse estar morta. Porém, saber assim tornava real demais tudo que imaginava e afastava da minha mente. Sem poder me controlar mais, deixei meu pai sem me despedir e todos naquela mesa. Catarina veio correndo atrás de mim e, quando me dei conta ela me abraçou, seus braços me confortaram. — Andreas! O que aconteceu? O que ele falou para te deixar assim?

— É... que... — não conseguia dizer, formular uma frase para dizer aquilo a Catarina, aquilo iria doer muito. Sei o quanto ela se agarrou às lembranças que eu contava a ela sobre a nossa mãe. Quis que ela crescesse com uma boa imagem de nossa mãe. Apesar de saber que minha irmã não era boba, porque ela sabia que aconteceu muito mais do que contei a ela. — Calma, puxa o ar com força e o solta devagar. Faça isso três vezes e só depois me conte, quando estiver preparado. — Não sei como te dizer isso. — Fitei seus olhos querendo lhe contar, aquela dor se ergueu como um muro alto e minha vontade de proteger minha irmã daquilo gritou dentro de mim. — Por favor, Andreas! Só me diga a verdade, posso suportar qualquer coisa. — Lembrei-me do que Benjamin havia me dito e decidi não esconder nada dela. — Ele falou que nossa mãe está morta há cinco anos, Catarina. — Chorei ainda mais sem me importar com nada, e ela também e me abraçou forte. Ficamos assim por não sei quanto tempo, perdi a noção de tempo e lugar. Algumas pessoas passavam pelo corredor de entrada e nos encaravam com o semblante preocupado. Catarina se voltou para mim, acariciou meu cabelo e limpou minhas lágrimas com o dorso de sua mão. — Andreas, sei o quanto isso é difícil para você. Eu não convivi com ela, não sabia nada. Era tão pequena e você lidou com tudo sozinho e ainda cuidou de mim. Sei o quanto deve estar doendo você não ter tido a oportunidade de vê-la novamente e realmente a conhecer de verdade. Não conseguimos entender o que aconteceu de verdade e nem tivemos a chance de amá-la.

— Como ele pôde? Ter a deixado partir, Catarina. Tem algo mais nisso e preciso descobrir tudo, não para por aqui. — Mas você sabia que isso podia ter acontecido, não é mesmo? — Sabia disso, só que preferia não acreditar nisso. — Eu sei, vamos descobrir tudo que aconteceu. Agora, vamos embora daqui, antes que Daiane venha nos importunar com perguntas desnecessárias. Aquela noite foi uma das piores da minha vida, pois fui dormir sabendo que minha mãe não estava mais viva há cinco anos e ela se foi sem poder conhecer o homem que me tornei. Antes de me deitar na cama, pela primeira vez toquei no piano que era dela e que meu pai queria jogar fora, lembro de como briguei com ele. Ainda não tinha me formado e tive que o convencer a guardar no porão para que eu o levasse dali quando conseguisse sair daquela casa. Passei meus dedos pelas teclas com os olhos cheios de lágrimas e criando coragem me sentei naquele banco. Não iria tocar, só queria sentila ali comigo. A emoção, saudade e decepção tomaram conta do meu peito e me permiti chorar tudo enquanto fechava os olhos. Podia até mesmo sentir seu perfume e ouvir o toque daquela canção triste que ela tocava. Envolvido demais por tudo que as notas significavam chorei ainda mais, me permitindo sofrer a dor da perda da mulher que me deu a vida, mas esteve presente somente em uma parte da minha infância. Tinha que me conformar com o meu destino.

Laura e eu passamos o final de semana montando meus looks de trabalho, já que começaria na segunda. Estava me sentindo nervosa e ansiosa por trabalhar em um grande escritório de advocacia. Ao som de Ouvi Dizer, do trio Melim, organizamos também minhas roupas no guarda-roupa do quarto que minha amiga havia preparado para me receber. Mais tarde, ainda no sábado, fomos comprar algumas roupas de cama para mim. Minha tia me ligou para saber se havia chegado bem. Na verdade, ela passou a ligar todos os dias, à noite. Ficou feliz que consegui a vaga de estagiária, me parabenizou e disse que eu ia conseguir ser uma excelente advogada. Bom, estava estudando e batalhando para isso. Desejo muito me realizar profissionalmente, é um sonho meu e era da minha mãe, me ver formada e sendo feliz com o que escolhi. Laura e eu assistimos a um filme em que choramos igual crianças, na verdade a história era muito emocionante. Quatro vidas de um cachorro conta a história de um cãozinho que realmente vive quatro vidas. Só não

posso falar da parte mais emocionante do filme, pois será spoiler. Então tem que assistir para se emocionar, realmente é muito lindo. No domingo, fizemos um passeio pelo Parque Ibirapuera e fiquei encantada com a grande área verde existente no meio de muitos prédios. Com toda certeza era um sopro de vida na cidade agitada, um lugar para encontrar paz e refletir. Possuía três lagos artificiais, que são interligados e ocupavam um enorme espaço. Possuía ciclovia, muitas quadras iluminadas, pistas de corrida, passeio e descanso e áreas abertas para show, segundo Laura. Também abrigava prédios públicos, museus, planetário, o prédio da Bienal, ginásio de esportes e outros museus, além do Monumento às Bandeiras e o Pavilhão Japonês. As árvores eram enormes, lindas e havia várias espécies do Brasil e do mundo. Um lugar realmente incrível. Depois de andar bastante pelo parque, nos sentamos na grama debaixo de uma árvore. Estava bem cheio, pois domingo todos queriam sair de casa um pouco. Fora que havia muitos turistas querendo conhecer o famoso Parque Ibirapuera. O dia passou voando e minha ansiedade aumentava conforme sentia a segunda mais próxima. Começar um trabalho onde não conhecia ninguém realmente me deixava ansiosa. Era um frio na barriga do bem. Já que estava começando uma nova vida profissional, onde sempre sonhei em trabalhar e ao que me dediquei nesses últimos anos. Estudar era minha prioridade, tudo o que fiz na minha vida foi isso. Além de ajudar em casa também. Quando deitei minha cabeça no travesseiro e fechei os olhos, pedi a Deus, em uma oração silenciosa, que não me abandonasse e agradeci a oportunidade de recomeçar. Feliz e realizada, adormeci e sonhei com

Andreas naquele palco tocando aquela canção linda e muito triste. Sabia que havia algo ali, ele tinha aquele olhar que eu reconhecia bem.

Levantei-me em um pulo quando meu despertador tocou com a voz de Iza cantando Brisa, uma cantora brasileira que amava escutar. Animada e muito ansiosa, já arrumei minha cama assim que levantei. Fui à cozinha sorrateiramente na ponta dos pés para não acordar a Sininho. Coloquei a água para ferver na chaleira e o pó no coador, amava fazer café só que amava mais ainda bebê-lo. Era minha bebida favorita da vida. Não vivia um dia sequer sem o líquido pretinho. Enquanto a água fervia, separei minha roupa e a deixei em cima da cama. Deixei o sapato também, comprei um scarpin lindo na cor nude para usar e um preto verniz, o salto era médio. Iria revezar durante a semana entre um e outro. Ouvi quando a chaleira apitou e me apressei para coar o café, o delicioso aroma se espalhou pela cozinha conjugada com a sala e copa. O apartamento da Laura, apesar de pequeno, era muito lindo e bem decorado. Seus pais não poupavam conforto e elegância. A decoração era bem como a minha amiga gostava: com quadros de arte modernos e alguns coloridos, os tons cinza e branco que deixava o ambiente bem

clean. A sacada era diferente, pois era cercada por vidro com uma enorme janela com persiana, o espaço era pequeno, mas aconchegante. No canto esquerdo havia um sofá com almofadas coloridas, de frente uma mesinha na cor azul. Na parede de trás do sofá tinha uma prateleira pequena com alguns livros e um vasinho com cacto. Além de duas lindas luminárias. Um charme total. Fiz ovos mexidos, tomei o café do jeito que amava. Gostava muito de ir a cafeterias tomar café e cappuccino, só que não podia negar que o sabor do café coado assim na hora era o melhor do mundo. Apressei-me, pois queria chegar adiantada no escritório. Depois que lavei as louças que sujei, fui tomar banho. Assim que terminei, vesti o look que havia escolhido para o meu primeiro dia: calça bege de pantalona para combinar com o sapato e camisete branco, que ficava muito elegante com a calça. Prendi uma parte do cabelo com uma presilha e deixei o restante solto. Gostava das minhas ondas naturais, fiz uma maquiagem bem leve, sem exageros. Não me importava que minhas sardas ficassem aparecendo, usava base bem levinha e um blush coral, na boca somente um lip tint vermelhinho. Peguei minha bolsa e pasta e me lembrei do perfume, gostava de me sentir cheirosa, mas nada tão enjoativo ou doce, usava somente meu cheiro de rosas e jasmim. Encarei-me no espelho sentindo um grande orgulho daquela garota que sofreu muito para chegar até aqui. Sorri para a minha imagem refletida e fechei meus olhos, agradeci a Deus e pedi a ele para me iluminar no meu primeiro dia. Automaticamente, levei minha mão esquerda em meu pulso direito, esperava sentir ali a pulseira, então me lembrei de que a perdi. Ainda não me acostumei a estar sem ela, um presente abençoado que minha mãe me deu antes de tudo desmoronar.

— Ei, o que foi? — Ouvi a voz rouca da minha amiga e, quando abri os olhos, a vi de pijama pelo espelho, então virei para trás e ela sorriu. — Levantei-me só para te dar bom dia e desejar sorte no seu primeiro dia. Por que está triste? — Me lembrei dela. — Ela desceu o olhar para a minha mão e já sabia do que estava faltando ali. — Eu sei que é difícil, mas ela está te olhando, tenho certeza. Esteja onde estiver, sua mãe sempre vai estar com você, Juju. — Ela me abraçou e me emocionei, Laura me entende tanto, somos como irmãs. — Não sei o que seria de mim sem você, Sininho. — Abri um sorriso e ela assentiu, sorrindo também. — Sei, agora vá logo, chegue adiantada e mostre ao Sr. Scolari que é a melhor estagiária que ele já teve, além de ser a mais linda. Arrasou, Juju! — Ela pegou em minha mão e me girou. — Uau! — Você é demais. — Ri da loucura dela. — Deixa eu ir então. Obrigada, Sininho, e bom dia para você também. Dei a volta e saí pegando minha bolsa, dando passos confiantes, minha vida profissional estava somente começando. Peguei o ônibus como havia feito antes para aprender qual pegar no horário que queria. Observei o movimento caótico daquele horário, todos indo em busca de ganhar seu pão de cada dia. Desci um ponto antes para andar um pouco e sentir o ar entrando pelos meus pulmões. Aquilo me fazia tão bem, assim como em Holambra, caminhava todos os dias até a cafeteria. Quando me aproximei do prédio imponente e muito elegante que residia na Avenida Paulista, a mais movimentada e famosa de São Paulo. O escritório da Scolari&Antúnez era famoso e muito bem falado, Andreas estava o administrando há alguns anos, desde que seu pai deixou tudo para se aposentar. Entrei com o pé direito e sorrindo por estar

começando meu primeiro dia, queria muito aprender e dar o meu melhor. Entrei no elevador e no mesmo momento trombei com uma loira muito elegante, que me encarou de um jeito estranho. Na verdade, ela não tirou mais seus olhos de mim, fitando toda minha roupa. Não gostei de ficar sentindo aquele seu olhar desdenhador sobre mim. O elevador apitou revelando que chegamos no andar do escritório e me encaminhei para a recepção do Sr. Scolari. A decoração do escritório era minimalista e muito elegante ao mesmo tempo, onde as cores predominantes eram cinza-claro e chumbo. Os móveis de madeira davam um toque ainda mais bonito ao ambiente e os vasos com plantas verdes, um verdadeiro charme. Avistei a senhorita Gleice atrás do balcão, que sorriu assim que me viu, sorri de volta e me aproximei. — Bom dia, Srta. Barnes! Chegou cedo, mas o Sr. Scolari já está chegando — ela me avisou e me entregou uma pasta cinza. — Bom dia, senhorita Gleice! Muito obrigada, vou aguardar então — falei e me sentei na poltrona ao lado do balcão. — Fique à vontade se quiser um café, a pasta é algo que todos os estagiários recebem em seu primeiro dia. — Ah, muito obrigada. — Esperei alguns minutos e curiosamente abri a pasta, havia agenda, bloco e o código de conduta do escritório, aproveitei e li tudo. Depois observei o movimento de vai e vem das pessoas entrando em suas salas para começarem seus trabalhos até ver um homem alto, de olhos azuis se aproximar. — Bom dia, Srta. Barnes! Seja bem-vinda a Scolari&Antúnez Advocacia! — Ele me ofereceu sua mão em um cumprimento. — Me chamo Benjamim Ritter, sou sócio aqui e vamos trabalhar juntos. — Prazer, será uma honra trabalhar aqui no escritório com vocês. Obrigada pela oportunidade.

— Bom dia a todos! — Ouvi a voz do Sr. Scolari e ele chegou no nosso campo de visão. — Seja bem-vinda, Srta. Barnes — ele falou se aproximando e me ofereceu sua mão também. — Obrigada — respondi fitando seus olhos. — Vamos entrar e já te chamamos, Srta. Barnes — Andreas avisou e só concordei. Eles entraram na sala e assim que fecharam a porta pude respirar de verdade, se toda vez que estivesse com ele ficasse me sentindo assim estaria perdida. Aguardei por mais quinze minutos, Benjamim saiu da sala e me deu um sinal. Levantei-me e entrei na sala de Andreas. Ele estava sentado em sua cadeira, o homem era muito elegante, tinha um bom gosto incrível, combinava perfeitamente com ele. — Srta. Barnes, vamos começar seu estágio hoje. Nesses primeiros dias, quero que nos acompanhe em um processo. Logo após poderá começar em Direito Penal e assim por diante. — Como quiser, no que posso ajudar no processo? — Estamos montando a defesa de uma atriz famosa, ela não consultou um advogado para analisar seu contrato, a cláusula de exclusividade é algo maldoso e a multa por quebra é um absurdo. Ela nos enviou o histórico de e-mails trocados com a emissora e precisamos organizar tudo para elaborar a defesa dela. — Ok, temos que colher mais informações sobre a relação dela com a emissora. Ele sorriu de lado e me encarou por alguns segundos, sustentei seu olhar até ele voltar a falar: — Isso, aqui está o seu notebook com o cartão com o seu login e senha para acessar esse processo. Vamos trabalhar juntos, qualquer

dúvida estou a sua disposição. Lembre-se de que está aqui para aprender e somar. Concordei e quando fui perguntar qual seria o meu local de trabalho alguém bateu a porta e Andreas pediu para entrar. — Com licença, bom dia, Andreas. — A mulher loira, que estava no elevador, me ignorou e deu a volta na mesa e abraçou o homem na minha frente. — Olá, Daiane! Não poderia esperar eu te chamar? — Que isso, Andreas, sabe que odeio esperar. Quero saber se vamos poder trabalhar hoje com o processo da atriz. Ele passou a mão pelo cabelo parecendo impaciente com aquela mulher sem educação e arrogante. “Como uma funcionária agia daquela forma? Será que ela era parente dele ou conhecida? Poderia ser a namorada, mas se fosse ela teria o beijado”, minha cabeça fervilhava de pensamentos. — Ah sim, vamos trabalhar nele hoje com a Srta. Juliete Barnes, já a conhece? — Ele se virou para mim e sorriu na direção daquela loira petulante. Já percebi que ela não foi com a minha cara, encarou-me com tanto desdém no elevador. Senti uma energia estranha vindo dela, passei a mão pelo meu pulso à procura da minha pulseira, esqueci-me de que não a tinha mais. Quando levantei os olhos, Andreas estava me encarando. — Não a conheço ainda, vai trabalhar diretamente comigo? — Ela continuava a me olhar com desprezo. — Claro, vai ajudar todos as áreas do Direito presentes nesse escritório. Precisa aprender, então vai auxiliar-nos sim. Cumprimente a moça, Daiane. Que falta de educação.

— Olá, Srta. Barnes! — Ela me ofereceu sua mão, que apertei sem muita vontade. Elevei meu olhar para ela, que sorriu com pouco caso. — Agora que estão apresentadas, quero que você organize tudo para uma reunião na sala principal. A Srta. Barnes vai montar um relatório com o que temos de documentos e provas da atriz. Ela vai propor sua defesa e vamos discutir sobre isso, avise ao Benjamim, por favor — Andreas pediu e se sentou novamente em sua cadeira. — Certo, vamos trabalhar — ela falou e saiu da sala sem me olhar. — Não ligue para esse jeito estranho de Daiane, ela é uma excelente profissional e começou como você aqui dentro. — Tudo bem, onde vou ficar? — Não iria ligar se ela ficasse quieta em seu canto, pelo jeito era algo que ela não fazia. — A senhorita Gleice vai te mostrar a sala de estagiários. — Ele pegou o telefone e falou com sua secretária, que, em apenas segundos, entrou na sala e a acompanhei depois de agradecer a Andreas. Assim que saímos, passamos pelos corredores até chegar em uma enorme sala com paredes de vidro e cabines cinza que separam o espaço com computadores e uma mesa muito bem organizada. Havia mais pessoas ali sentadas trabalhando, eles me fitaram e ninguém falou nada, fiquei sem graça e, ainda assim, consegui cumprimentá-los. Primeiro dia de trabalho nunca era fácil, até nos adaptarmos com as pessoas e ambiente, levava tempo. — Bom dia, gente! — cumprimentei-os e somente algumas pessoas responderam. — Não ligue para eles, depois se acostumam com você, essa será sua sala e aqui sua mesa. — Gleice apontou para a segunda cabine à esquerda próxima da janela de vidro que tinha a vista da cidade, muito bonita por sinal.

— Obrigada, senhorita Gleice — agradeci sorrindo para ela que devolveu e revirou os olhos. — Pode me chamar só de Gleice, por favor. Deixe a senhorita para o Sr. Scolari. — Tudo bem, obrigada por me receber tão bem. — Que isso, gostei de você. Olha, tudo que precisar, pode me chamar, mas aqui já deixei tudo preparado como o Sr. Scolari pediu: a agenda, o bloco para anotações, o carregador de notebook, canetas e qualquer coisa é só me solicitar que faço o pedido para o setor de compras. — Por enquanto está tranquilo, Gleice. Obrigada. — Então, bom trabalho — ela me desejou e saiu. Abri o notebook e o liguei, guardei minha bolsa na gaveta maior do armário que havia embaixo da mesa. Tranquei e o computador já tinha ligado, peguei o cartão e segui as instruções para acessar os documentos do processo. Com isso, comecei a leitura de tudo que haviam enviado, era claro que a emissora não respondeu a nenhum e-mail da atriz solicitando um acordo. Sorri e comecei a elaborar meu relatório, parei no meio e voltei no contrato, descobri duas brechas. Grifei e anotei ao lado das cláusulas. Não percebi quanto tempo havia se passado até que meu telefone tocou me assustando, mas atendi rapidamente. — Juliete, quer ir almoçar comigo? Aqui é Gleice da recepção. — Ela riu percebendo meu silêncio. — Oh, Gleice aceito almoçar com você, nem percebi o quanto a hora passou rápido. — Sei bem como é, a gente mergulha no trabalho. Passa aqui e te levo no restaurante mais próximo e com a comida gostosa por um preço bacana.

— Maravilha, já estou indo. — Desliguei com um sorriso e peguei minha bolsa. Deixei o meu notebook em descanso de tela, conferi se salvei tudo que estava fazendo e saí, mas antes uma morena me interrompeu. — Seja bem-vinda. Desculpe se não te demos atenção, mas estávamos todos ocupados fazendo algo para a Srta. Scolari. — Srta. Scolari? — perguntei curiosa, pois não sabia que havia outra pessoa da família de Andreas. Ele não era casado. — Daiane, ela é prima do Andreas. É a mais insuportável, nos trata com tanto desprezo, acha que somos escravos dela. — Ah, claro, a conheci na sala dele. Sem problemas, sei que estavam ocupados. — O que precisar, meu nome é Angelina e estou estagiando desde o início do ano. — Ela sorriu e me ofereceu sua mão, que apertei sorrindo. — Muito prazer, me chamo Juliete. — Bom, vou te deixar sair, desculpe novamente. — Que isso, pare de se desculpar. Até mais tarde e obrigada. — Sorri e saí percebendo que todos já haviam saído da sala para almoçar. Encontrei-me no corredor com Gleice. — Achei que não viria, já estava indo te buscar. — Ah, Angelina veio me cumprimentar. — Ela é um amor, sei que, quando entrou, a Daiane tinha acabado de passar por lá e ela é muito sem noção com os estagiários. Já falei com Andreas, ele falou que vai pedir para que ela os trate melhor, afinal já foi uma estagiária. — Não gostei muito da forma como ela me olhou. — Ela trata todos nós assim, somente Andreas, Benjamim e Henrique que ela abre aquele sorriso cínico dela. — Entramos no elevador e não

paramos de conversar mais, ela me contou que achava que Daiane tinha um caso com Henrique, mas que ela ficava dando em cima do primo, Andreas. Ela me levou a um restaurante no prédio ao lado, pedi minha salada, como de costume, com peixe grelhado e um suco de abacaxi com hortelã. Gleice me disse várias coisas sobre o funcionamento do escritório e as pessoas que trabalhavam lá, ela era engraçada e muito gente boa. Quando percebemos, já era hora de voltar, peguei um Kit Kat Dark para comer mais tarde e voltamos para o trabalho. Encontramos com Andreas e Benjamim no elevador, os olhos daquele homem me fitaram, tentei olhar para todos os lados e não sustentar seu olhar, mas eu podia sentir como ele me encarava. Benjamim e Gleice estava conversando, mas não conseguia prestar atenção no que eles estavam falando, parecia que estava em outra dimensão: uma em que Andreas se aproximava de mim. Só de imaginar isso sentia arrepios e meu coração pular em meu peito. Quando o elevador apitou, depois de uma eternidade, saímos e ele parou quando trombamos na porta. — Por favor, Srta. Barnes — ele falou com a voz rouca e grave. Oh, minha nossa! A tarde seria longa na reunião, estávamos só começando. Encarei-o, agradeci e saí apressadamente à sua frente, agradeci a Gleice e voltei para a minha sala, meu cubículo, para terminar meu trabalho a tempo da reunião.

Chorei tudo que podia aquela noite, a dor não passaria tão facilmente, mas precisava seguir minha vida. Tomei a decisão de não mexer mais no passado, pelo menos por um tempo, ainda queria descobrir tudo que aconteceu com minha mãe. Só que agora não sentia que era o momento. No domingo pela manhã busquei Alícia no aeroporto de Congonhas e, quando a vi, senti que ela me faria muito bem nos próximos dias. Combinamos de não falar nada com Benjamin, mas iremos o encontrar e surpreender nosso amigo. Ela saiu pela porta trazendo sua mala vermelha, como sempre estava muito elegante. Alícia era uma mulher muito linda, claro que tivemos uma noite gostosa, mas não passou disso, somente diversão. Tanto que não aconteceu mais, pois seguimos nossa vida normalmente. — Andreas Scolari — ela falou sorrindo para mim e nos abraçamos. — Alícia Portman, bem-vinda a grande São Paulo! — Peguei sua mala e seguimos para o estacionamento.

— Que saudades estava de você, meu amigo. É sempre bom falar com você pelo celular, mas ver nossos amigos e abraçá-los não tem preço. — Com toda certeza, preparada para surpreender o Ben? — É claro, para onde vamos? — Ele vai nos encontrar em um bar hoje à noite, te conto tudo no caminho. Suas amigas não quiseram vir? — perguntei sobre suas amigas, que não se desgrudavam dela. — Minhas amigas tiveram que ficar tomando conta de tudo, depois vamos combinar de virmos juntas passar uns dias com vocês. — Ótimo. Alícia começou a contar histórias da boate e fomos rindo até o estacionamento. Depois a levei no hotel onde ela ficaria, esperei enquanto ela tomava banho para irmos almoçar com Catarina. Ela gostava de almoços aos domingos em família, mas nem sempre meu pai esteve presente conosco. Ele preferia ficar com seus amigos e alguns clientes do escritório, nisso o tempo passou e nós crescemos e agora não fazemos questão da presença dele. — Seu pai vai a esse almoço? — Alícia perguntou enquanto estava atento ao trânsito. — Ele não curte nossos almoços, nem me lembro do último que ele esteve presente. Não se preocupe, o Sr. Scolari só vai onde o interessa. — Meu Deus, que pai não se interessa por passar um tempo com seus filhos? — ela perguntou incrédula. — O meu, já te disse que ele é diferente. Sempre esteve afastado de nós, Catarina sentia falta do seu carinho e atenção quando mais nova, só que agora ela não faz mais questão. — Oh, minha nossa! Deve ter algum motivo nisso, não é normal que ele rejeite a ideia de estar com vocês. Principalmente por terem a

ausência da mãe. Puxei o ar com força e o soltei, incomodado com aquele assunto. — Esqueça isso, não quero falar sobre esse assunto, por favor! — Como você quiser, te respeito muito, mas precisa procurar falar sobre isso, sinto que está guardando e está te fazendo mal. — Sei disso, mas estou tentando seguir minha vida em frente sem me preocupar tanto com isso. Me faz realmente muito mal pensar em tudo que não tenho conhecimento. — Imagino, então vamos mudar de assunto. — Melhor mesmo, pois já chegamos. — Estacionei de frente ao prédio da minha irmã e Alícia sorriu. — Que prédio bonito! — elogiou assim que entramos, pegamos o elevador depois de passar pela portaria. Eles já estavam acostumados a me ver ali aos domingos. — É sim, sabe que ela é arquiteta. Então sabe escolher o melhor. Ainda na faculdade, ela me ajudou a redecorar o meu apartamento, já fez nome e fama com seu trabalho excepcional e único. — Ah sim, você disse que ela inaugurou o escritório, ela é uma mulher muito decidida. — Minha irmã sempre soube o que gostaria de estudar e trabalhar, meu pai que nunca aceitou o fato dela não seguir o Direito como todos da família — comentei, orgulhoso. — Controlador, mas ela não deu o braço a torcer, muito interessante. Estou ansiosa para conhecê-la — ela falou, sorrindo, e percebi seus olhos brilhando. — Você não existe. Por favor, vê se não fique dando em cima dela, flertando. — Ela caiu na gargalhada no elevador e, quando chegamos ao andar, ela saiu sorrindo.

— A sua expressão foi impagável, Andreas, como você às vezes é chato. Já percebi que morre de ciúmes da sua irmã. Não se preocupe, vou me comportar, mas é claro que não deixarei de elogiar. — Alícia, Alícia — falei sorrindo do jeito dela e, quando vi Catarina, já apressei o passo para abraçá-la. — Como vai minha pequena rainha? — falei sabendo que iria irritá-la. — Estou bem, só não me chame assim. Já sou uma mulher agora — ela falou quando beijei sua testa, sorrindo, nunca deixaria de chamá-la assim. — Sei que é, mas sempre será minha pequena rainha. — Acho que ela é a grande rainha, Andreas! — Alícia falou e sorri. — Olha, como te falei trouxe uma convidada para o nosso almoço de hoje, Alícia Portman, minha amiga. — Muito prazer, Catarina Scolari. — Elas apertaram as mãos e se abraçaram em seguida. — Catarina, como você é linda, mais que nas fotos que já vi nos jornais e revistas. — Ah, obrigada, vamos entrando. A lasanha já está terminando de assar. — Minha nossa, você que preparou tudo? — Sim, adoro cozinhar, me faz muito bem. Mas gosto de pratos elaborados, passar um tempo trabalhando na cozinha é meu passatempo favorito. — Ah, que legal eu já não tenho interesse em cozinhar, gosto só de comer mesmo. — Elas riram e Alícia observou a sala, admirada. — Uau, que decoração maravilhosa! Nunca tinha visto algo igual, você que fez, é claro?! — Sim, é o estilo neoclássico, meu preferido.

— É muito elegante e clássico, além de ser levemente moderno. — Alícia estava encantada com a decoração do apartamento da minha irmã. Realmente era muito lindo e combinava com Catarina, todo mundo que chegava aqui ficava assim mesmo. — Eu amo esse estilo e está sendo muito utilizado nos projetos atuais. É marcado por elegância, charme e muito bom gosto. Ele remete ao movimento artístico e cultural surgido na Europa, específico no século XVIII — Catarina falou com admiração, pois era algo que ela amava falar e fiquei muito orgulhoso. — Sabe que essa decoração diz muito sobre você, deve ser uma mulher muito elegante. Charmosa e linda você já é. Andreas, você é muito sortudo. — Ah, Alícia, vai começar. — Sorri para ela, que devolveu me fitando. — Obrigada, fique à vontade vou só na cozinha ver a lasanha, mas se quiser pode vir conhecer também, é um dos meus cômodos preferidos. — Minha irmã saiu pela sala e entrou na cozinha com Alícia atrás. Realmente a cozinha dela era de um bom gosto extraordinário, lembrava bem quando vi pela primeira vez o apartamento pronto, fiquei orgulhoso de Catarina. — Minha nossa, mulher, que cozinha é essa? A cozinha era nas cores branco com detalhes cinzas escuros, a pedra do balcão de fora a fora era maravilhosa. Os armários, no estilo clássico mesmo; os puxadores e demais detalhes eram todos dourados até mesmo o exaustor, que era redondo e comprido e dava um ar chique e charmoso. Como era apartamento, a cozinha não era muito grande, mas tinha o espaço ideal e muito bem trabalhado. A mesa redonda ficava no canto, com as cadeiras estofadas rosa claro.

Catarina já havia arrumado tudo lindamente com um vaso de magnólias lilás no meio da mesa. Essa era a flor preferida da minha irmã, até fui eu que a presentei com aquelas flores. — Gostou? — Catarina perguntou, sorrindo, abrindo o forno e tirando a travessa com a lasanha que estava cheirando deliciosamente. — Muito e do cheiro também — Alícia falou e minha irmã nos convidou para nos sentarmos à mesa com ela. Depois disso começamos a conversar sobre nossos pratos preferidos. Minha amiga falou que nunca foi boa na cozinha e daí em diante rimos muito de seus casos sérios tentando cozinhar. O almoço foi muito gostoso e conversamos bastante, Catarina e Alícia se deram bem e fiquei aliviado de minha amiga não ficar flertando com minha irmã. Pois ela fazia isso até mesmo sem perceber, era muito simpática e acabava conquistando todos ao seu redor. Tinha uma energia diferente e muito transparente, algo incomum em muitas pessoas atualmente. Saímos de lá e deixei que ela descansasse em seu quarto de hotel, tinha oferecido para ela ficar comigo no meu apartamento. Só que Alícia amava quartos de hotéis, gostava de aproveitar os ambientes diferentes, eu dei de ombros e a deixei lá. Quando chegou à noite, nos encontramos no bar do hotel e surpreendemos Benjamin, que me repreendeu por não ter falado nada. — O que é isso? Vocês dois agora escondem coisas de mim? — Que nada, Ben, só queria te surpreender. Sabe que adoro essas coisas — Alícia falou agarrando meu amigo pelo pescoço em um abraço que só ela tinha. — Ok, então, vou perdoar só porque ver você faz bem demais para os meus olhos.

— Sempre cheiroso, você não me decepciona e ainda cheio de galanteios — ela falou o encarando com seu jeito sedutor, que sabíamos ser brincadeira. Sorri e tomei um pouco do vinho que havia pedido e estava delicioso por sinal. — Vocês dois arrumem um quarto. Aqui tem muitos, pois estamos em um hotel. — Nada disso, estou em um dilema e preciso que me ajudem — Alícia falou parecendo realmente desesperada. — Fale tudo, senhorita — Ben pediu e já sabia o que ela iria falar. — Estou gostando de duas pessoas. — Ela passou o dedo pela borda de seu copo cheio de rum Bacardi 151. — Desenvolva, Ali. Temos todo o tempo do mundo, não é mesmo, Andreas? Ah, e temos que resolver a situação dele também. — Agora fiquei curiosa, o que o engomadinho está passando? — Rolei os olhos e fuzilei meu amigo, depois sorri. — Primeiro as damas, Alícia — disse seriamente e ela piscou o olho para mim. — Tudo bem, mas não pense que esqueci, hein? — Jogou o seu cabelo preto para trás e nos encarou. — Me envolvi com uma mulher maravilhosa, loira de olhos verdes e boca carnuda. Um espetáculo, que prometi a mim mesma experimentar uma só vez, mas ela voltou e a persegui pela boate, mas ela não estava sozinha. — Ah, ela já tinha uma namorada? — Ben especulou e imaginei o contrário. — Não, ela tinha um namorado, que na verdade é seu noivo e eles estão prestes a se casar, mas naquela noite me envolvi com os dois. Não paramos mais e os dois ainda me dão atenção. Ele me manda mensagens

todos os dias e ela faz ligações sem que um saiba do outro. Sinceramente, não sei o que fazer. Essa é uma situação nova para mim. — Quanto tempo tem isso? — perguntei curioso. Nunca a julgaria, conhecia Alícia e sabia que ela era bissexual e muito decidida. — Seis meses desde que nos conhecemos e ficamos juntos, foi uma noite muito gostosa e acabei me envolvendo com os dois. Isso nunca poderia acontecer. — Sua voz frustrada expressou bem que ela estava mesmo em um dilema. — O que faço? — Nossa, por essa não esperava — Ben falou e bebericou sua cerveja. — Bom, o mais sensato seria você chamar os dois e conversar sobre tudo. — Mas... — ela começou a falar e já a interrompi. — Alícia, eles são noivos e estão escondendo algo importante um do outro, claro que se divertiram com você, mas ficou muito sério quando começaram a te procurar novamente — lembrei-a. — Isso é verdade, é melhor chamar e expor tudo, precisam decidir se vocês serão um trisal — Benjamin propôs. — Só que eu tenho medo de eles não entenderem bem isso, acho que é algo incomum para eles. — Ela sabia que muitas pessoas não conseguiam entender bem esses relacionamentos e nem aceitar. — Sim, mas você gosta dos dois, não é mesmo? — Gosto, aí está o problema. Odeio me apegar, gosto muito de ser desprendida e livre para fazer o que bem entendo da minha vida. — É por isso mesmo que deve conversar, porque, se eles querem só se divertir, você sairá machucada disso tudo — Ben falou e concordei. — Verdade, viu. Preciso pensar em mim — Alícia ponderou. — Isso mesmo, ligue e marque um dia com os dois para conversarem e exponha tudo, antes que seja tarde e descubram de uma forma trágica

— sugeri e ela soltou o ar parecendo aliviada. — Sabia que vocês me entenderiam, que saudades de vocês. O toque de More Than Words preencheu o ambiente e nos envolvemos em outra conversa aproveitando as canções dos anos 80 e 90. Dei graças a Deus que Benjamin e Alícia não tocaram no assunto sobre a ruiva misteriosa. Dançamos sozinhos no bar, pois a maioria das pessoas já haviam ido embora, minha amiga gostava de se divertir e sempre nos contagiava com sua energia. Nos divertimos muito e depois fomos cada um para a sua casa, dormi pensando no perfume e cor do cabelo daquela mulher, que estava me observando tocar piano. Por que será que ela correu? Adormeci pensando nisso e sonhei mais uma vez com ela e Juliete, minha mente estava sempre a ligando com a estagiária.

Cheguei no escritório na segunda no horário certo, Juliete já estava me aguardando, não pude deixar de notar o quanto a garota estava elegante com aquela roupa social. Sem muita maquiagem e o cabelo bem penteado, ela emanava beleza, quando a flagrei sorrindo então meu coração saltou.

Dei as boas-vindas e passei seu primeiro trabalho no escritório, ela saiu para almoçar com a senhorita Gleice e, quando voltou, nos encontramos no elevador e a fitei sem conseguir controlar o que sentia toda vez que a tinha à minha frente. Seu rosto delicado com sardas, olhos verdes intensos e sua boca vermelha instigante. Imaginei-me, por um segundo, sozinho com ela ali. Eu me aproximaria de seu corpo e tocaria seu rosto com a palma da minha mão. Poder tocá-la e sentir sua pele quente seria um sonho. Ela tentou não sustentar meu olhar, mas era impossível. Sabia que ela podia sentir aquela energia que nos ligava, algo inédito para mim, pois nunca me senti assim por nenhuma mulher. Parece clichê para muitas pessoas, só que no meu caso é bem incomum. Deixei que Juliete saísse primeiro do elevador e ela correu bem rápido para longe da recepção depois de agradecer a senhorita Gleice. Sorri de lado e me concentrei nos processos que estavam me esperando. Antes da reunião, peguei a pulseira no meu bolso e a observei por alguns segundos, até Benjamin entrar na minha sala, nem o escutei bater como sempre fazia antes de abrir a porta. — Andreas! — ele chamou minha atenção e estalou os dedos na minha frente e então despertei de meus pensamentos. — Opa, me desculpe, estava distraído. — Percebi mesmo como estava longe daqui, nem me ouviu bater. Estamos atrasados para a reunião, vamos? — Claro! — Peguei meu tablet e agenda e seguimos para a sala de reuniões, que já estava ocupada pelos estagiários, Henrique e Daiane, que me fitou com um sorriso sedutor. Minha prima estava precisando entender que não gostava da forma como ela ficava se insinuando para mim. Benjamin e eu nos acomodamos

nas primeiras cadeiras. Depois fui fazer a introdução e apresentar Juliete. — Boa tarde, como sabem estamos com uma nova estagiária. Ela começou hoje. Venha aqui, Juliete. Ela se levantou e me encarou seriamente, com uma postura profissional e muito elegante. Surpreendi-me e sorri para ela, que devolveu com um sorriso de canto. — Apresento a vocês Juliete Barnes, que hoje vai nos apresentar um relatório e esboço de sua defesa do processo da nossa cliente e atriz. Boa sorte e seja bem-vinda novamente! — falei e todos fizeram o mesmo. — Boa tarde, obrigada pela recepção, sinto-me muito honrada em fazer parte da equipe de profissionais da Scolari&Antúnez. Analisei todos os documentos, bem como o histórico de e-mails trocados pela assessoria da atriz e percebi que a emissora evitou de respondê-la quanto à questão de ela aceitar trabalhar com outras empresas. Depois lendo mais atentamente ao contrato, na quinta cláusula que fala da exclusividade temos o uso de uma palavra que tem sentidos diferentes no Direito... — Juliete começou a explicar de forma direta porque a atriz tinha o direito de fazer outros contratos sem precisar pedir autorização para a emissora, motivo pelo qual eles estão processando nossa cliente. Fiquei surpreso por ela entender nas entrelinhas daquele contrato, era algo que já sabia, mas estava curioso para saber como Juliete se sairia com um processo simples, que poderia haver algumas armadilhas que nos confundiam, eram brechas que faziam alguns advogados bons errarem. — Um minuto, Juliete. Não seria melhor fazer a defesa e finalizar o processo? — Daiane a indagou, logo após Juliete ver pelos e-mails a falta de pagamento por parte da emissora.

— Não, pois é uma boa oportunidade de fazer a reconvenção já que a emissora agiu de má-fé com a atriz, podemos fazer isso. Será um caso ganho. — Está muito certa disso? Você está só começando, queridinha, é melhor baixar sua bola, pois não decidimos dessa forma — Daiane falou querendo provocá-la e desestabilizá-la. — Esse é só um esboço que fiz, como solicitado pelo Sr. Scolari, e ele decidirá se vai adotá-lo ou não — Juliete respondeu e decidi falar. — Isso mesmo, Daiane, quem vai decidir sou eu quanto a isso. Deixe-a terminar e darei minha opinião e decisão final sobre esse processo — falei seriamente com raiva por Daiane estar sendo tão inconveniente com a garota. — Continue, Srta. Barnes, por favor? — E, então, reparei que ela procurou por algo em seu pulso novamente. O que será que ela está procurando? — Obrigada, Sr. Scolari. Continuando, depois de apresentar a defesa da atriz podemos fazer a reconvenção, pois temos elementos suficientes para isso. Nesse caso, vai facilitar o processo evitando novas demandas de ações conexas que podem facilmente serem julgadas na mesma sentença, ganhando tempo até mesmo evitando decisões conflitantes no caso de tramitarem em juízos diferentes. Enfim, essa é minha proposta de defesa e reconvenção para a cliente que me foi apresentada. — Muito bem, Srta. Barnes, vamos ver se seus colegas concordam ou se tem outra sugestão mais inteligente e lógica? Aos demais estagiários, o que acham sobre a defesa elaborada pela colega? — questionei a todos que foram unânimes em suas opiniões, até mesmo Benjamin. — Concordo com a defesa, na verdade para uma novata ela trouxe duas soluções para a cliente, e só pedimos uma, algo inesperado. Muito

bem, Srta. Barnes. — Benjamin acenou, concordando para Juliete, que sorriu feliz. — Eu também concordo e parabenizo a Srta. Barnes pelo excelente trabalho. De agora em diante, quero que trabalhe com seus colegas, farão tudo em equipes, ok? — falei enquanto todos aplaudiram a garota e Daiane me fuzilou com o olhar. Levantou-se e me puxou pelo colarinho. — Você está se precipitando com essa garota, Andreas. — Peguei sua mão e a retirei de perto de mim. — E você está louca se pensa que vai ficar me tocando na frente de todos do escritório. Quero que isso acabe agora mesmo. Nada de olhares e sorrisinhos sedutores, digo e repito que não quero nada além de nossa amizade e profissionalismo. — Encarei-a com a sobrancelha franzida e saí da sala pedindo a Juliete para vir à minha sala. Se Daiane estava achando que conseguiria me conquistar daquela forma, estava muito enganada. Para começar, nunca senti nada por ela além de respeito e amizade de primos, não sei por que ela não desencana e me deixa em paz. Entrei na minha sala sentindo-me estressado, Juliete entrou e ficou parada em pé me esperando, quando me virei ela estava me encarando e pensei muito em como seria poder abraçá-la. Mas afastei aquele pensamento e me sentei, convidando-a para sentar-se à minha frente e então ela colocou sua mão no pulso direito e ficou mexendo os dedos como uma massagem no local. Algo a incomodava e eu estava cada vez mais curioso para perguntar, mas evitei aquilo, seria demais. — Então, Srta. Barnes, foi uma excelente proposta de defesa e a ideia da reconvenção. Parabéns, vamos cuidar de tudo juntos, quero que me ajude diretamente nesse processo. Busque suas coisas e vamos trabalhar — falei e ela sorriu.

— Fico feliz, Sr. Scolari, obrigada. Vou buscar meu notebook e podemos começar a movimentar a defesa. — Concordei e ela saiu da sala, seu perfume de rosas e jasmim exalou por todo o ambiente, fechei meus olhos tentando me concentrar naquele processo e não na garota. Seria difícil, mas não impossível.

Reparei Andreas observar a forma como estava procurando em meu pulso pela minha pulseira, por um instante pensei que ele sabia que eu era a garota que ficou assistindo-o tocar tão lindo e profundamente. Depois que ouvi ele me parabenizando e falando que iremos trabalhar juntos na sua sala me levantei e saí para pegar minhas coisas. Cheguei no cubículo e encontrei Daiane sentada na minha cadeira, girando de um lado ao outro. Aquilo me irritou, pois depois do que passei com ela na reunião, sabia que não teria mais paz no meu próprio trabalho. Percebi seu olhar cheio de raiva em minha direção quando Andreas concordou com minha defesa e reconvenção. A meu ver, aquela mulher ficava ao redor do Andreas igual urubu na carniça e me irritava o fato dela ser tão próxima dele. — Precisa de alguma coisa? — perguntei depois de respirar fundo e me aproximar. — Somente que fique fora do meu caminho, garota.

— Que eu saiba, quem está no caminho de alguém aqui é você. Se me der licença preciso trabalhar. — O recado está dado. — Ela se levantou, jogou seu cabelo loiro de lado e me encarou com ousadia. — Se quiser podemos seguir para os Recursos Humanos, li todo o código de conduta e direitos dos funcionários, que se estende aos estagiários — ameacei-a. — Entendo isso como uma perseguição e ameaça. Não pense que vai me intimidar porque é prima do meu patrão, posso parecer inocente, mas não sou. — Ah, garota! Não venha com essa conversa, estou avisando para que depois não se arrependa, pois a corda sempre arrebenta do lado mais fraco — falou atrevidamente e saiu batendo o salto de seu sapato pelo piso incomodando a todos, seu perfume doce enjoativo ficou no ar e comecei a espirrar sem parar. Se ela pensava que eu iria ficar calada enquanto ouvia suas ameaças estava enganada. Peguei minhas coisas e segui para a sala do Sr. Scolari, cumprimentei Gleice e ela assentiu quando perguntei se ele estava sozinho, bati na porta e ele falou para entrar. — Desculpe a demora. — Não falei nada sobre Daiane, pois não sou de ficar fofocando para ter plena atenção e razão. Mas se acontecer dela vir me ameaçar novamente, claro que vou falar sim. — Tudo bem, pode ficar à vontade. Vamos começar pela defesa e depois partimos para a reconvenção, ok? — Sim, aqui está tudo que marquei com minhas anotações. — Ótimo, quero que faça as cópias dos documentos e se prepare para repassarmos todas as informações do caso. — Assenti e assim passamos o resto da tarde trabalhando completamente sincronizados. Incrível como ele começava um raciocínio e eu terminava. Perdemos a noção de

horário, algumas vezes o pegava me encarando, podia ser coisa da minha cabeça, mas ele parecia admirado. — Aceita um café, Srta. Barnes? — ele me perguntou se levantando. — Claro, vai ser bom para dar mais energia — falei despretensiosamente e ele sorriu e se aproximou do aparador que havia no canto direito da sua sala. Pegou as cápsulas no pote ao lado da cafeteira. — Prefere forte ou mais fraco? — perguntou levantando as sobrancelhas, percebi que era uma característica dele ao fazer perguntas. — Gosto do café mais forte — respondi fitando seus olhos verdes, ele sorriu e colocou a cápsula preta e esperou pacientemente sem deixar de me encarar. — É minha bebida preferida. — Alguém bateu na porta e abriu, uma mulher morena muito elegante adentrou e desvencilhamos nossos olhares para encará-la. — Atrapalho algo aqui? — perguntou e sorriu maldosamente. — Alícia, claro que não atrapalha. Entre e fique à vontade! Aceita um café? — Não, obrigada. Acabei de tomar com Benjamin. — Ela sorriu muito simpática. — Passei na sala dele primeiro porque a sua secretária falou que você estava em reunião. — Deixa eu te apresentar Juliete, a nova estagiária — Andreas nos apresentou. — Ah, claro! — Ela se aproximou e me deu dois beijinhos, sorrindo. — Muito prazer, Juliete, me chamo Alícia, sou amiga do Andreas. — O prazer é todo meu, Alícia! — respondi, sorrindo, pois a mulher era muito simpática e educada.

— Tudo bem, Juliete... hum... — Andreas pigarreou. — Senhorita Juliete, pode dar licença alguns minutinhos, por favor? — Claro, Sr. Scolari. — Peguei meu notebook, saindo, mas antes Andreas me chamou. — Srta. Barnes, o seu café. — Ele me ofereceu a xícara e a busquei sorrindo. — Obrigada — agradeci e saí, aquela mulher me deixou nervosa, ela nos fitava com curiosidade. Cheguei no balcão de Gleice e ela deu de ombros. — Ela entrou sem me deixar ligar para o Sr. Scolari autorizar. Benjamin falou que é amiga deles, não tinha problema. Então deixei, pelo menos ela bateu na porta. Vocês sabem que já estamos finalizando o expediente? — Já? Minha nossa, nem olhei a hora, ficamos envolvidos com o caso — falei e tomei o café, que estava delicioso, Andreas adoçou perfeitamente com açúcar mascavo, não gostava doce demais. — Ele colocou açúcar? — ela me perguntou. — Sim, mascavo ainda, do jeito que eu gosto. — Sorri e ela assentiu. — Tem dias que ele gosta com esse açúcar e tem dias que gosta de tomar sem açúcar nenhum. — Diferente, o humor dele muda então — deduzi. — É sim, mas o Sr. Scolari, mesmo estando com o humor ruim, não nos trata mal ou fica estressado com ninguém. Só vi ele bem nervoso com o Sr. Eduardo Scolari, pai dele. — Ah, é mesmo, ele vem muito aqui? — Não muito, desde que passou o posto para o filho, vem só algumas vezes, ele vive viajando com a esposa. — Ele tem outra mulher? — perguntei curiosa.

— Tem sim, sabe que a mãe do Andreas os abandonou, né? — Sei, mas não sabia que o pai se casou novamente. — Sim, é uma mulher mais nova que ele, muito bonita. Ela está sempre nas revistas, adora dizer nas entrevistas que é a Sra. Scolari. — Nossa, gosta muito do sobrenome famoso então? — Parece que sim. — Não dá para saber, não é mesmo? Nem podemos julgar, não a conhecemos. — Isso é verdade — Gleice concordou. — Quero me casar com alguém que eu ame e respeite. Bom, vou para a minha sala, vou aguardar Andreas. — Isso, sempre espero ele sair primeiro para ir embora. Ah, Daiane deixou esses documentos para você fazer cópias e organizar, conforme orientado aqui no recado dela — suspirei alto e revirei os olhos, sei que tenho de fazer isso, mas sinto que Daiane vai me tratar como sua secretária. — Não gosto dela também, trata todos com desdém. Ela só trata bem Benjamin, Henrique e o Sr. Scolari, é claro. Mas o resto para ela são todos meros empregados. Os estagiários a odeiam e a chamam de Cobriane, falam que combina com o nome dela. — Com toda certeza, tenho que concordar. — Faça seu trabalho e deixa essa abusante para lá, qualquer coisa fala com o Sr. Scolari. — Abusante? Onde arrumou essa palavra? — Minha mãe chamava a patroa dela assim, aí começou a nos apelidar assim lá em casa quando pedíamos algo para ela. — Gargalhei da Gleice imaginando. — Sua mãe deve ser engraçada.

— Ela é demais, só rimos dela. Claro que é brava quando tem de ser, mas sempre teve muito senso de humor. — Posso imaginar só pela forma carinhosa que falou. O papo está bom, mas preciso voltar para a minha sala. Ela concordou e saí pelo corredor, na verdade fugi do assunto, pois falar sobre mãe sempre me deixava abalada e aqui não posso me permitir ficar assim. Quando me sentei em minha mesa, peguei o celular e conferi a hora. Não era surpresa que a Sininho havia me mandado diversas mensagens, sorri e comecei a ler para responder. Laura: Oi, Juju! Como está aí no trabalho? Me conte tudo. Laura: Juju, arranja um tempinho e venha me contar sobre seu primeiro dia, está com o Andreas Scolari? Laura: Juliete Barnes, você faça o favor de me responder. Ela me enviou uma mensagem atrás da outra, deve estar se roendo de curiosidade. Respondi a ela e não me dei conta quando o Sr. Scolari entrou na sala, só quando senti sua mão em meu ombro e em como minha pele se arrepiou só por sentir seu toque. Fechei os olhos e ele arranhou a garganta, virei para trás e seus olhos me fitaram. — Desculpe se te assustei, já estamos encerrando o expediente, podemos continuar amanhã? — Claro que sim, como o senhor quiser — concordei e ele sorriu. — Então, se quiser, já pode ir embora. Gostou do primeiro dia? — Muito, espero aprender muito ainda aqui. — Você vai sim, é o que queremos para os nossos estagiários, que se tornem advogados excepcionais.

— Obrigada pela oportunidade. Vou organizar e ir embora, até amanhã! — Até amanhã — ele se despediu e saiu, peguei minhas coisas e desliguei o notebook. Percebi que já não tinha mais ninguém na sala, então saí da sala e me encontrei com a Gleice, saímos juntas e entramos no elevador. Conversamos sobre o dia, ela me elogiou e disse para não dar ouvidos para a Daiane, mas também disse para ficar esperta com a prima do Sr. Scolari. — Ela é uma dissimulada, pensa que ninguém no escritório sabe que ela fica em cima do Sr. Scolari só para conseguir a administração do negócio da família. — Nossa, então ela é interesseira, bem que reparei que todo aquele jeito dela ficar em cima do Sr. Scolari é bem falso. — Dizem que, na verdade, ela tem um caso com o Henrique, vivem juntos pelo escritório, é estranho isso, não é? — Muito estranho, se ela tem caso com outro, por que fica em cima do Sr. Scolari? — É como te falei, ela tem interesses que não são verdadeiros. — Pelo jeito sim — respondi, o elevador chegou no térreo, saímos conversando, mas me despedi dela que iria encontrar o seu namorado. Segui pela Avenida Paulista até o Conjunto Nacional, aquele lugar era mágico. Havia marcado de me encontrar com a Sininho ali. Enquanto ela não chegava fiquei olhando os livros encantada com o tamanho e beleza daquela Livraria Cultura. Sentia saudades da biblioteca de Holambra, passava horas a fio lá, pois evitava chegar em casa para não ter que presenciar as brigas constantes da minha mãe e do meu padrasto. Só de me lembrar daquilo,

já me arrepiava de um jeito muito ruim. Sentia medo dele conseguir me encontrar. São Paulo era grande, mas ele sabia muito bem perseguir pessoas. Meus olhos se encheram de lágrimas e me sentei em um dos pufes da livraria. Gostaria de apagar tudo que vivi naquela casa, mas aí as lembranças com minha mãe seriam apagadas e elas eram preciosas para mim. Meu celular tocou me tirando daquelas recordações, atendi de imediato. — Juju, você sumiu a tarde toda, estou aqui fora e morrendo de fome, não vou entrar — ela nem me deixou falar um “oi” já despejou tudo, aquela era a minha amiga. — Tudo bem, Sininho, estou saindo — falei e ela desligou, sabia que iria me dar bronca por ter demorado tanto para responder suas mensagens. Saí da livraria com pesar, nem consegui aproveitá-la muito já que deixei que minha mente vagasse para o passado que tinha que esquecer. Pelo menos sigo tentando fazê-lo desaparecer, mas nem sempre conseguimos, é algo inevitável. — Aqui, Juju! — Ouvi a voz de Laura se aproximar e sorri. — Desculpe, Sininho. Estive muito ocupada no meu primeiro dia, era de esperar, não é? — Sei disso, só falei para te encher o saco. Agora, vamos embora porque eu já pedi um macarrão para nós, na chapa como você adora e podemos falar sobre seu primeiro dia no escritório mais famoso de advocacia. — Ela me abraçou e fomos onde ela deixou seu carro. Já havia anoitecido. Fomos ouvindo música, cantando alto no carro, nos divertindo ao som de Rick Martin. Ela o adorava e no seu pen drive, havia em sua

maioria músicas do cantor porto-riquenho. Ela o admirava e sentia muito que não se casaria com ele, chorava de rir só de lembrar das coisas que ela falava que faria com o homem. Estar com Laura me fazia bem, principalmente porque ela tinha um humor único, sabia que, quando viesse para São Paulo, seria assim. Com ela não havia tempo ruim, claro que tínhamos nossos momentos, só que a Sininho sabia me colocar para cima. Quando chegamos no apartamento, não demorou mais de quinze e minutos e o espaguete chegou também. Estava saindo do banho e naquele momento senti falta do meu poodle toy, meu Kaduzinho. Ele sempre estava me esperando sair do banho, ficava na porta do banheiro. Às vezes, queria entrar comigo. Meus olhos se encheram de lágrimas tamanha saudade dele. — Juju, venha vamos comer. Estou com muita fome hoje. Jesus Cristo! — Estou indo, só vou me vestir aqui — respondi, limpei as lágrimas e peguei meu pijama, passei meu habitual creme de hidratação. Gostava de sair do banho e hidratar a minha pele, se ela ficava ressecada tinha gastura e sempre começava a coçar, algo que aprendi com minha mãe, é claro. Saí do quarto e fui para a sala onde minha amiga estava vibrando somente pelo cheiro gostoso do macarrão na chapa. Senti-me no paraíso, também estava com fome ainda mais depois do primeiro dia de estágio intenso que tive. Nos sentamos à mesa, peguei os pratos e talheres e comecei a nos servir, coloquei um pouco de molho de pimenta e, quando coloquei a primeira garfada na boca, fechei os olhos apreciando o sabor gostoso. — Hummm... Que delícia, já estava sentindo falta de comer um bom macarrão na chapa — comentei e Laura concordou.

— Sabe que eu também estava com saudades? Só como macarrão com você, Juju. Agora, me conte aqui como foi na Scolari&Antúnez. — Foi desafiador e muito produtivo, descobri muitas coisas. — Jesus, me conta tudo, quero saber de todos os detalhes, até os mínimos — falou empolgada. — Cheguei lá e esperei pelo Andreas, que chegou logo depois do Benjamin, que veio me cumprimentar. O homem tem olhos azuis lindos é de uma simpatia e educação que o deixa ainda mais bonito. — E o Andreas? — Ela estava afoita e curiosa. — Muito educado e elegante, em nenhum momento se aproveitou da sua posição de chefe, sabe. — Juju, me fale como ele estava? — Normal, em seu terno, elegante e sem nada fora do lugar. Percebi que ele tem bom gosto para relógio, estava com um que combinava perfeitamente com a cor de seu terno azul-marinho. Enfim, Andreas é um homem lindo — concluí sabendo que não tinha como esconder o que achava dele para a Sininho. — Ele é mesmo e vocês trabalharam juntos? — Inicialmente não, ele me recebeu bem, me passou tudo que precisava além de um processo para esboçar defesa, que teria de apresentar à tarde. Claro que conheci minha sala, a Gleice, que é a secretária dele, me levou e já me simpatizei com ela. Fomos almoçar e, quando voltamos, a hora passou rápido. — Suspirei. — Fui para a reunião com todos os outros estagiários e advogados do escritório. Apresentei a defesa e uma proposta que foi além do que ele havia pedido. — Nossa, quanto trabalho, hein? Nem consigo ler tanto assim, por isso nunca daria certo com um curso desses. Sou mais prática e lógica nas coisas, gosto de desenhar e imaginar os ambientes.

— É, Sininho, eu já amo tudo isso e, para mim, não foi difícil. Cada um com seu gosto profissional. — Sim, mas continue, eles aceitaram sua proposta? — Aceitaram, mas uma das advogadas, que é prima do Andreas, não sei se já ouviu falar dela, Daiane Scolari. Ela assentiu com a testa franzida e depois revirou os olhos. — Sei quem é sim, ela está em algumas revistas, as entrevistas dela são um porre de chatas. Loira, dos olhos verdes, esnobe e metida demais. — Isso mesmo, ela disse que minha proposta era arriscada e desnecessária, só que Andreas deixou a opinião de todos prevalecer e, claro, a dele. Todos, com exceção dela, votaram para considerar a minha proposta. — Ah, que delícia, a loira nojenta caiu do cavalo! — Caiu sim, ela ficou me encarando estranho, sabe? Sentia seu olhar cheio de ódio direcionado a mim, e não parou por aí. — Cruzei uma perna na cadeira para ficar mais à vontade. — O que ela fez? — Depois da apresentação fui à sala do Andreas para ajudar na defesa, só que tive de voltar na minha sala para pegar minhas coisas. Quando cheguei, dei de cara com Daiane sentada em minha cadeira. — Não creio! — Laura exclamou, incrédula. — Pois é, ela me ameaçou falando que estava no caminho dela, que a corda arrebenta para o lado mais fraco. — Que mulherzinha abusada! Como foi com o Andreas? — Tranquilo, trabalhamos bem o resto do expediente. — Ah! Só isso? Tem certeza? — Tenho certeza, Sininho, por favor. O homem tem várias mulheres lindas aos seus pés, é um solteiro cobiçado. Hoje mesmo chegou uma

mulher morena, linda e muito elegante no escritório dele dizendo ser sua amiga. — Sério? Estava na sala dele quando ela chegou? — Sim, ele me apresentou a ela e me pediu para dar licença. — Hum... interessante. Quer dizer que ele recebe visita de amigas. — Laura, vamos deixar isso para lá, pois não é da nossa conta — quis mudar de assunto e já entrando em outra conversa, lavamos nossos pratos e depois fomos assistir série; ela deitada no sofá e eu no tapete. Depois de algum tempo rindo dos personagens de Friends fomos dormir e tentei não pensar em Andreas, mas, quando fechei meus olhos, foi impossível não ver os seus olhos verdes me encarando como fez no elevador e em alguns momentos daquela tarde.

Quando vi Alícia entrando sabia que ela iria comentar algo sobre Juliete, primeiro ela elogiou a garota e até a apelidou. Sorri só de me lembrar da forma como ela falou, minha amiga era uma figura e adorava apelidar todos que conhecia. Antes dela chegar estava me sentindo tentado a perguntar para Juliete se havia acontecido algo com seu pulso, já que a flagrei pegando nele diversas vezes. Cada vez que fazia aquilo, meu coração saltava com a possibilidade de ela ser a ruiva que vi naquela noite. É loucura pensar assim e fantasiar sobre isso? É sim, mas também inevitável. — Gostosão, vem aqui me contar onde você achou aquela Pequena Sereia — Alícia falou segurando uma mecha de seu cabelo me encarando desconfiada, franzi a testa tentando entender até que me dei conta de quem ela estava falando. — Não acredito que você está falando da Juliete, minha estagiária! — Claro, de quem mais seria? Não é preciso reparar muito, só de bater os olhos na garota já se percebe a semelhança com a Ariel, a

Pequena Sereia. Interessante, gostei muito! — Nossa, Alícia! Você se supera a cada dia, não estava em um dilema, dividida entre duas pessoas e já está de olho na garota? Ela sorriu de lado. — Qual é o problema? A garota é linda, não sou cega, Andreas! Quem sabe, ela tenha interesse, não sabemos do que a Pequena Sereia gosta, acho que vou falar com ela. — Alícia se levantou e seguiu para a porta da sala e, sem controle, fui atrás dela, com o rosto queimando de raiva. — Alícia, o que você está fazendo? Volte aqui! Você não vai fazer isso. — Puxei seu braço sem me conter, ela recuou abrindo um sorriso de vencedora. Levantou as mãos se defendendo e a soltei. — Ah, Andreas, por que ficou tão incomodado com a possibilidade de rolar algo entre nós duas? — Eu... eu... — comecei a gaguejar nervoso, algo que não tinha o hábito de fazer, mas me dando conta do quanto aquilo me incomodou. — Eu sabia, você está interessado na pequena sereia e olha aqui, gostosão — ela bateu no meu ombro —, te entendo. A garota é linda e pode ficar tranquilo, pois só quis confirmar o que vi quando cheguei. — Meu Deus, Alícia! Como sempre vê maldade em tudo, não sei por que ainda me espanto com você. — Porque me conhece muito bem e sabe que nada passa aos olhos de Alicinha aqui, gostosão! — Alguém bateu na porta e, sem esperar pela permissão, a abriu totalmente. Vi Daiane entrar jogando seu cabelo loiro de lado e encarar minha amiga como um falcão. — Olá, atrapalho algo? — Daiane falou insinuando algo, ainda assim com o tom curioso na sua voz. — Não — respondi e Alícia tirou sua mão do meu ombro, observando Daiane, que se posicionou ao meu lado. — Deixa eu te apresentar, minha

amiga. — Passei a mão pelo cabelo. Que dia louco é esse? — Alícia, essa é minha prima Daiane, ela trabalha conosco como advogada também. — Hã, prazer Daiane. — Elas apertaram as mãos e ficaram se encarando, algo bem sinistro, aliás. — Andreas, vim te convidar para jantar, se não tiver compromisso. — Daiane não desistia do tal jantar, fechei os olhos querendo sumir daquela sala. Alícia se virou para mim com os olhos faiscando. — Me desculpe, Daiane, mas hoje já tenho um jantar com minha amiga. Ela não mora aqui em São Paulo, está passando uns dias aqui... — Tudo bem, deixa para a próxima então — minha prima falou decepcionada. — Desculpe, querida, se atrapalhei os seus planos — Alícia escarneceu, pois ela sabia sobre as investidas de Daiane. — Sem problemas. — O clima estava pesado e fiquei totalmente sem palavras, mas fomos salvos por Benjamin. — O que está acontecendo aqui? — ele perguntou e soltei o ar, que nem sabia estar prendendo. — Daiane precisa de uma companhia para jantar hoje à noite, você está disponível? — Alícia perguntou já sabendo da resposta, não sei o que ela estava querendo com aquilo. — Sinto muito, mas não marcamos de jantar? — Ben respondeu, dando de ombros. — Ah, é claro, gosto a três, quanto mais melhor! — Daiane fitou Alícia sem acreditar na ousadia da minha amiga e achei engraçado, e me segurei para não soltar uma gargalhada. — Tudo bem, vou indo. Até amanhã, Andreas e Benjamin — se despediu e saiu pegando sua bolsa na bancada.

— Tchau, queridinha, educação passou longe, hein? — minha amiga soltou com deboche. — Alícia! — adverti-a e ela me encarou com raiva. — Não sou obrigada a tolerar essa Barbie paraguaia. Que mulherzinha insuportável, não gostei dela e nem precisou conversar muito. Você precisa acabar com essas investidas dela. — Acredite, estou tentando, mas ela finge não ouvir, Ben sabe disso. — Claro, fica dando uma de desentendida, essas mulheres assim precisam cair do pedestal da arrogância e antipatia que se colocam. — Ah, vamos logo sair daqui e conversar sobre outros assuntos — Ben soltou, sorrindo, e abraçando Alícia. — Vamos lá, preciso saber tudo sobre a Pequena Sereia. — Sobre quem? — Ben perguntou curioso. — A ruivinha, é claro! Não notou como ela é a cara da Ariel? Pelo amor de Deus! — Só você mesma, Alícia. Mas vamos desenrolar essa história da Pequena Sereia — Ben falou rindo, achando graça da nossa amiga. Saímos do escritório e fomos para o restaurante, Varanda Grill Faria Lima, era um local bonito e gostoso que ficava em frente ao Shopping Iguatemi Faria Lima. Benjamin e eu sempre frequentávamos o lugar quando queríamos comer uma carne saborosa. Claro que Alícia amou o lugar, ela gostava de comer bem, então foi uma excelente escolha. Pedimos a carta de vinhos, não era sua bebida preferida, mas ela disse que iria nos acompanhar, escolhemos de entrada o steak tartar com batata rústica que era um tartar de filé de mignon à moda da casa, com batatas temperadas. — Que delícia! — Alícia elogiou assim que colocou o filé com batatas na boca.

— Sabíamos que iria gostar daqui, Ali. — Vocês me conhecem bem, eu amo vocês! Então, vamos falar da Pequena Sereia? — Vamos voltar nesse assunto? — Claro. Ben, você tinha que ver como Andreas ficou quando tentei ver se a Ariel gostaria de me conhecer melhor. — Ela soltou uma risada. — Ah não, sério isso? Ele ficou mexido? — Mexido é pouco, ele saiu do lugar para me impedir, algo bem incomum para o nosso amigo. — Estou aqui, hein? — Por isso mesmo estou falando, sabe que comigo não tem nada de esconder as coisas, falo o que penso e, pelo que vi, você está caidinho por essa garota, mas não quer assumir isso. — Fiquei mexido porque ela usa um perfume que ficou marcado naquela noite, em que vi a mulher me olhando tocar. Fora que ela também é ruiva, me intrigou. — Mas somente por esses detalhes você se interessou pela Juliete? — Foi a vez de Ben perguntar. — Foi sim, bem... — comecei a gaguejar e gostaria de sumir daquele lugar. — Desenrola, gostosão, pode deixar de lado o que tem em mente — Alícia falou muito segura. — Como sabe o que tenho em mente? — perguntei horrorizado por ela saber o que pensei. — Vocês homens sempre pensam nisso como um empecilho quando a mulher é mais nova, isso já é bem clichê. — Ah, nossa, você é demais, nisso o quê? — perguntei já sabendo sua resposta, só queria que ela falasse.

— Você se acha muito mais velho que ela, é claro. — Espertinha você, claro que me preocupo e com o fato de ela ser estagiária no meu escritório. — Nossa, Andreas, nunca pensei que você fosse ficar caído por uma garota mais nova assim, sempre gostou das mais experientes — Ben comentou e sorriu para Alícia, que piscou para ele. — Bom, nem eu, não vou mentir para vocês, Juliete me atrai muito e sinto que ela é a mulher que estava me vendo tocar, ao mesmo tempo sei que seria errado me envolver com ela. — Errado? Existe isso quando encontramos alguém que nos faz sentir assim? — Alícia indagou e fiquei pensando. — Acho que não existe regras para quando nos interessamos por alguém, vai que ela é a mulher da sua vida? — comentou Ben. — Ben, você foi longe demais! — Tomei um longo gole do meu vinho. — É uma possibilidade que merece ser considerada — Alícia complementou. — Sei disso, mas não sei ainda, só preciso descobrir se ela é a mulher daquela noite. — Então, você não notou nada de diferente no comportamento dela quando está com você? — A única coisa que reparei é que ela sempre está pegando ou acariciando seu pulso, isso me intriga muito. Pois a mulher que me assistiu perdeu sua pulseira, ela está comigo. — Aí está sua oportunidade de descobrir, é só a chamar na sua sala e ficar com a pulseira na mão, observando-a. Se for dela, com certeza terá uma reação. — Muito boa ideia, Alícia. Vou fazer isso, vai acabar com minhas dúvidas. — Ela sorriu e trocou toques com Ben, rolei os olhos e nosso

prato principal chegou, escolhemos medalhão de filé mignon com molho de frutas vermelhas e como acompanhamento risoto de camarão. Depois que comemos, conversamos mais um pouco e deixei minha amiga em seu hotel, segui para o meu apartamento ao som de If I Ain’t Got You, de Alicia Keys. Pensando em tudo que conversamos, minha cabeça fervilhou com as possibilidades, principalmente com a de me envolver com Juliete. Não podia negar que ela mexia comigo, tudo nela me atraía, sua inteligência e força de vontade, seu perfume, sua beleza. Gostaria muito de saber qual a sensação ao tocar sua pele. Ora de forma suave, ora mais intensa, como um piano.

Cheguei no escritório e me encontrei com Benjamin na recepção e seguimos para a minha sala, pois voltaríamos a dedicar nosso tempo a um caso polêmico e muito grande. Envolvia espionagem industrial, entre duas empresas de bebidas. Estávamos atrás de provas contra um dos exfuncionários, parece que ele entregou toda a receita para a concorrente onde começou a trabalhar. Precisamos de provas que comprovem o envolvimento dele nisso; se caso não foi ele, nós teremos que encontrar como as informações vazaram, já que a receita já havia sido patenteada.

— Então voltaremos ao grande caso, Adam virá tratar desse caso conosco? — Ben questionou enquanto ligava seu notebook. — Sim, Adam está chegando hoje e, como eles já estão querendo um posicionamento quanto ao processo, precisamos agilizar. — Peguei o telefone e liguei para a senhorita Gleice. — Senhorita Gleice, poderia, por favor, chamar Henrique e Daiane? Também chame Juliete e Angelina. E, por favor, organize a sala de Adam Dutra, ele chega hoje. — Sim, Sr. Scolari, agora mesmo — ela falou e desligou. Quinze minutos depois, chegaram Juliete e Angelina e, logo após, Henrique e Daiane entraram sorrindo e depois ficaram sérios. Nos sentamos na mesa maior do outro lado da minha sala, pedi a Juliete para me auxiliar no envio do material do caso a todos. Angelina entregou e Daiane ficou observando Juliete ao meu lado. — Bom dia a todos. Chamei vocês aqui para avisar que formaremos nos próximos dias a equipe que vai tratar do grande caso com as empresas Sienna Indústria de Bebidas Ltda. e a Lemone Indústria Brasileira de Bebidas. É um caso que envolve espionagem industrial e patentes. Quero todo o foco nesse caso, os demais ficarão a cargo dos outros advogados e estagiários. A Sienna é nossa cliente há anos e Adam Dutra chegará hoje para nos ajudar, já que ele é o advogado responsável por essa empresa. — Começamos hoje? — Henrique perguntou. — Sim, quero que passe seus casos para Daniel e Helena, eles já estão cientes de tudo, passei e-mail para todos do escritório. — Ok, como vocês quiserem — Henrique respondeu a contragosto. Ele ainda estava ali por ser bom demais, seu problema definitivamente era a arrogância e prepotência.

— Preciso ressaltar todo o sigilo referente a esse caso, estamos trabalhando para a Sienna e eles entraram em contato para andarmos com o processo. Faremos uma reunião após o almoço para tirarmos dúvidas. No mais, é importante que estudem todo o arquivo que temos do caso. Qualquer coisa, Benjamin e eu estamos à disposição. — Todos concordaram e saíram. Juliete me encarou, sorriu e, mais uma vez, meu coração saltou, ainda mais rápido do que quando ela entrou na minha sala. — Gostaria de agradecer a confiança que vem depositando em mim, principalmente agora que me colocou para auxiliar nesse caso grande. — Sei que você é capaz, Srta. Barnes. Ela abaixou a cabeça e pegou em seu pulso, novamente aquele seu gesto me intrigou. Ela pediu licença e saiu, preparei um café e me sentei à minha mesa para colocar todas as minhas energias naquele caso. Perdi a noção do tempo e, quando vi, já era hora do almoço. Meu telefone tocou e a senhorita Gleice anunciou a chegada de Alícia. Ela havia me mandado mensagem avisando que iríamos almoçar juntos. Saímos para almoçar na Avenida Paulista mesmo, Benjamin tinha algo para resolver no banco, ele comeu e saiu correndo. Quando voltamos ao escritório, Alícia já não se aguentava mais de ansiedade para ver Adam, segundo ela não o via desde aquele evento em que nos conhecemos. Minha amiga saiu da minha sala e foi para a de Benjamin, disse que tinha algo para perguntar a ele. Tirei meu celular do bolso e junto com ele a pulseira saiu também, coloquei ela em cima da mesa e comecei a reler os papéis do caso. O telefone tocou e a senhorita Gleice me disse que Juliete queria falar comigo, na verdade sabia que ela iria me auxiliar a organizar todo o material do caso, para a chegada do Adam. Escutei as batidas na porta,

ela abriu e entrou. Assim que se aproximou, apesar de parecer tímida, Juliete se posicionava muito bem, tinha opiniões fortes e inteligentes. — Podemos começar a organizar o material? — perguntou muito educada. — Claro, preciso que organize os papéis que levarei a reunião sobre o caso. Logo após a reunião vamos receber o Adam, é um de nossos grandes advogados, mas trabalha no Rio de Janeiro, em nossa filial. — Ah sim, não o conheço — ela falou e se aproximou da minha mesa. Meu coração saltou mais uma vez naquele dia. Senti seu perfume delicioso de rosas e jasmim dominar toda a minha sala e observei seus movimentos delicados e seguros ao mesmo tempo. — Pode ficar à vontade, alguns estão aí e os outros na mesa no canto esquerdo. — Ela assentiu e, assim que tirou os papéis, percebi seus olhos se arregalarem quando pegou em seu pulso com força. — O que foi, você está sentindo algo? — perguntei preocupado, pois ela ficou branca que nem papel e fiquei realmente com medo dela desmaiar. — Eu... é... — ela começou a gaguejar baixinho, arranhou a garganta e seus olhos marejaram. Então, olhei para a mesa e entendi o que estava acontecendo. — Essa pulseira. — Ela apontou para o acessório na minha mesa, parecia confusa, fechou os olhos e balançou a cabeça de um lado para o outro. — Então é sua? — perguntei com o coração batendo freneticamente. — Andreas, fui eu a mulher que estava te assistindo no escuro naquela noite, fiquei encantada com o toque da canção e não consegui evitar entrar para ver de onde vinha — ela revelou com a voz embargada e me arrepiei, pois era verdade tudo que estive pensando nos últimos

dias. — Me desculpe, me perdoe por não ter falado nada na entrevista, eu... — Não a deixei falar e me aproximei, peguei sua mão e coloquei a pulseira em seu pulso. Sem controle nenhum, beijei o dorso de sua mão e a encarei emocionado. Sabia que ela não havia escondido por mal, precisava da vaga de estagiária e eu não iria criar caso com isso. Fitei seus olhos verdes cheios de lágrimas e sinceridade, queria mesmo era abraçar aquela garota e senti-la em meu corpo. Mas, contrariando meu desejo, afastei e me sentei na cadeira tentando voltar ao normal, pois ainda havia a reunião do grande caso.

— Andreas, fui eu a mulher que estava te assistindo no escuro naquela noite, fiquei encantada com o toque da canção e não consegui evitar entrar para ver de onde vinha — revelei com a voz embargada e vi em seus olhos que ele desconfiou disso. — Me desculpe, me perdoe por não ter falado nada na entrevista, eu... — ele não me deixou falar e se aproximou, pegou minha mão e colocou a pulseira em meu pulso. Quando senti ele me tocar, meu corpo inteiro se acendeu, algo que nunca senti em toda a minha vida. Então ele beijou o dorso da minha mão, fechei meus olhos quando senti sua boca em minha pele. Por Deus... Abri os olhos quando ele me encarou com os olhos brilhando e com a íris verde-escura intensa. Apesar de meus olhos estarem nublados pelas lágrimas, que começaram a rolar pelo meu rosto, não sabia se era pelo medo ou pelo seu toque. — Não precisa se desculpar, Juliete — ele falou depois de se afastar e se sentar em sua cadeira. Por um momento pensei que ele fosse me abraçar. — Claro que entendo sua situação, é compreensível. Pode ficar

tranquila, você continuará estagiando aqui na Scolari&Antúnez sem problema algum. — Obrigada, Sr. Scolari — consegui responder, realmente tive medo do que poderia acontecer e não falei nada sobre aquela noite com ele no dia da entrevista e nem depois. Peguei em minha pulseira e me senti completa de novo e ele encarou aquele gesto com os olhos brilhando, senti meu rosto e todo meu corpo esquentar. — Ela é importante para você, pelo que parece — comentou apontando para a pulseira. — Muito, me dá forças para seguir em frente, sei que parece supérfluo, mas sinto que estou segura com ela aqui. — Sorri e lembreime da minha mãe e mais lágrimas marejaram meus olhos, respirei fundo tentando evitar que elas rolassem pelo meu rosto bem ali na frente daquele homem. — Você está bem? — perguntou pela segunda vez naquele dia. — Estou sim, não se preocupe. Bom, vou me organizar para a reunião, agradeço a compreensão, Sr. Scolari, me desculpe qualquer coisa e com licença — falei sentindo o olhar intenso de Andreas sobre mim. Saí da sala rápido, passei direto por aquele corredor e fui até o banheiro feminino. Quando entrei me encostei na pedra que havia ao lado de uma das pias e fechei meus olhos. Soltei o ar que estava prendendo e me lembrei do toque da boca de Andreas em minha mão, meu corpo inteiro se arrepiou com aquela lembrança de agora a pouco. Nunca havia me sentido daquela forma, a sensação era estranha e gostosa ao mesmo tempo, pois era como se aquilo fosse tão certo. Então, me lembrei do quanto éramos diferentes, ele era mais velho que eu com seus trinta e quatro anos, enquanto eu ainda estava vivendo meus vinte e dois anos.

Além disso, tínhamos uma relação profissional, ele era meu chefe e eu era uma mera estagiária de Direito enquanto ele era o dono do escritório. Não podia sequer pensar que aconteceria algo entre nós, de forma alguma, por mais que meu corpo e coração dissessem o contrário. Passei um pouco de água no rosto e o enxuguei, respirei fundo para sair do banheiro e me encontrei com Angelina na porta aflita. — Estava te procurando, garota. A reunião já vai começar. — Ela saiu me puxando feito louca. Aquele dia estava ganhando emoções fortes, ainda tinha aquela reunião com Andreas e todos que ele escolheu para trabalhar no grande caso da AMBEV. — O que você tem, Angelina? — perguntei para ela, pois estava muito afoita e ansiosa, mais do que eu, na verdade. — Estou nervosa, nunca trabalhei em um caso desses e agora o Sr. Scolari me escolhe assim. — Ela pegou seu notebook e agenda, fiz o mesmo. — Ah, e o pessoal aqui estão falando que o chefe puxa o seu saco — ela soltou assim como quem não queria nada, mas senti um tom de curiosidade e maldade, ela poderia estar me sondando para saber algo mais que não tinha nessa história. — O quê? — suspirei. — Olha, não entendo o motivo dessa conversa de puxa-saco, eu sequer conhecia o Sr. Scolari antes. Como ele iria me beneficiar aqui se não somos nem conhecidos? — Sei disso, foi o que falei com eles, mas disseram que você sempre é chamada na sala do chefe, que ele a olha diferente e blá-blá-blá. — Isso é conversa fiada, quem sabe se eles se dedicassem mais e falassem menos estariam sendo chamados para auxiliar em casos grandes com o chefe — enfatizei bem aquela palavra já com raiva daquele papo. — Pois é, falei o mesmo com eles.

Olhei para ela desconfiada, e saí à sua frente. Ela percebeu que não gostei daqueles comentários e não tocou mais no assunto, pois também entramos na sala de reuniões, que já estava com a cortina fechada. O processo era totalmente sigiloso e não podíamos nem comentar sobre o que envolvia nem mesmo com nossos colegas estagiários. Essa foi a recomendação do Sr. Scolari. Nos sentamos nos últimos lugares da enorme mesa retangular de vidro, abri meu computador com todo o material do caso. Passei a manhã lendo e só parei para atender aos pedidos do Henrique, aquele advogado que estava sempre grudado com Daiane. Ele era mais educado do que ela, apesar de ser arrogante na mesma proporção, formavam uma boa dupla. Fitei os dois do outro lado da mesa cochichando e desviei o olhar, pois eles começaram a me encarar, Daiane era uma mulher bonita, mas a sua falta de simpatia a deixava intragável. Incrível como uma pessoa podia ser tão diferente de sua beleza, era algo que não alcançava os olhos. Não era transparente e sim falso. Andreas entrou na sala com Benjamin, fecharam a porta e começaram a reunião, passamos as próximas horas tirando dúvidas sobre os detalhes e documentos enviados. Percebi os olhares de Andreas em minha direção várias vezes, tentei evitar de o encarar diretamente, mas algumas vezes foi impossível. Foi aí que comecei a anotar tudo que falavam sobre os eventos que antecederam o caso que eles estavam relatando, fiz uma linha do tempo e uma nota no canto do documento. O ex-funcionário assinou o contrato para admissão e nele havia a cláusula de sigilo a informações secretas como essa receita da nova bebida. Só precisávamos encontrar a prova de que realmente relatou tudo a empresa concorrente da AMBEV.

— Preciso que investiguem tudo sobre esse ex-funcionário. Vamos fazer também uma linha do tempo de todos os motivos que o levaram a sair da empresa. Levantei minha mão e Andreas permitiu que eu falasse. — Já fiz uma linha do tempo com tudo que vocês foram falando. — Ele sorriu de lado levantando uma de suas sobrancelhas e concordou com um aceno de cabeça, depois encarou Benjamin, que sorriu. — Excelente, Juliete. Poderia nos enviar tudo pelo e-mail agora? — Claro, mas há um detalhe importante também. O ex-funcionário assinou um contrato de admissão em que havia uma cláusula sobre o sigilo das informações. Então precisamos focar somente em investigar se ele repassou a receita, certo? — Perfeito, Juliete. Estava esperando que alguém comentasse sobre essa cláusula que está no contrato, essa será nossa garantia de processo em cima do ex-funcionário e da Lemone. Volto a lembrar sobre o sigilo sobre esse caso. Vamos trabalhar, pessoal! — Andreas falou e depois Benjamin separou as funções, cada um ficou responsável por algo, marcou a próxima reunião e fomos liberados. Quando voltei em minha sala e peguei meu celular vi que havia várias mensagens e chamadas não atendidas de Laura. A Sininho deveria estar aflita à minha procura, pois esqueci de avisar sobre a reunião que levou mais tempo que esperava. Guardei tudo e tranquei meu armário, peguei minha bolsa e saí da sala. Assim que cheguei na metade do corredor escutei uma movimentação, apressei meus passos e dei de cara com Alícia, Andreas, Benjamin e um homem alto, atlético e lindo. Parei e procurei Gleice com o olhar, ela sorriu e piscou para mim, depois começou a se abanar.

Ele deveria ser o tal advogado do Rio de Janeiro que tratava da Sienna, mas esse escritório era o sonho de toda mulher. Só havia homens lindos, minha Nossa Senhora! Nem me toquei que fiquei parada encarando a cena deles ali conversando e rindo, só quando escutei meu nome sendo chamado. — Juliete, venha conhecer o Adam! — Benjamin me chamou e Andreas sorriu me chamando também. — Adam, conheça a nova estagiária Juliete Barnes. — Ele me fitou de um jeito tão indecente, que tive certeza de que estava vermelha, pois meu rosto estava queimando de vergonha. — Muito prazer, Srta. Barnes, sou Adam Dutra. Já deve ter ouvido falar de mim por aqui. — Ele ofereceu sua mão enquanto seu olhar passeava por todo meu corpo. Minha nossa! Aquele homem era um perigo, olhei para o lado e vi a Sininho sentada lá. Pela sua expressão, ela também estava passada com a ousadia do olhar daquele homem e, claro, com seu jeito sexy. — O prazer é todo meu — falei baixinho e sorri de lado. — Preciso ir agora, com licença, até amanhã. — Acenei, mas aquele homem pegou minha mão e a beijou sem deixar de me encarar. Andreas pigarreou e ele soltou minha mão depois de sorrir novamente, mas olhando para a minha amiga, que já estava em pé ao nosso lado. Saí da roda deles respirando fundo, aquele sim foi um dia emocionante na Scolari&Antúnez. Senti-me aliviada quando entrei no elevador, mas minha paz não durou muito tempo, pois a Sininho começou a falar, eufórica: — Juju, o que é aquilo, mulher? — Ela se abanou. — Você viu, nunca vi nada igual em Holambra. — Sorri e ela também.

— Que Adônis é aquele? Menina, encontrei-me com ele no elevador e putz — ela suspirou alto e agradeci aos céus que estávamos sozinhas no elevador. — Precisamos da chave do Olimpo, porque esse escritório onde você está estagiando é o verdadeiro paraíso. Olha aquele homem mesmo de terno dá para ver o quanto seu corpo deve ser espetacular sem nenhuma daquelas roupas. — Sininho, você está terrível! — É claro, Juju, você viu aquilo? Parece que foi esculpido, e que olhar é aquele? Encontrei com ele no elevador, e a criatura ainda ficou me encarando e sorrindo de forma sensual. Meu corpo inteiro entrou em combustão. Meu Pai amado, eu pensei que estava no céu! Olha até viraria advogada se fosse para trabalhar com um homem desses! — Então, você já tinha visto ele no elevador? Estava muito ansiosa para me encontrar assim? — Não, é que estava lá embaixo esperando você, mas passou da sua hora e mandei mensagem, liguei e não tive sua resposta. Então vi esse homem passando e não deu outra, meus pés se mexeram e o segui. Quando vi estava entrando no escritório. Coisa louca, né? — Louca mesmo, na verdade o nome disso não é loucura e sim safadeza! — Ela bateu em meu braço e o elevador parou e apitou. Saímos rindo e pegamos algo de comer para o nosso jantar. — Você é mesmo uma figura! — Olha, eu quero aquele homem, anota aí o que estou falando porque vou tê-lo bem à minha mercê. — Ela fechou os olhos depois que entramos no seu carro. Estalei os dedos na sua frente e ela saiu de seu transe. Aquela noite nós passamos falando do tal Adam. Contei a ela sobre a minha pulseira e ela me disse que ainda sairíamos todos juntos. Chorei

de tanto que gargalhei dela falando aquelas coisas, comemos brigadeiro vendo mais um episódio de Friends e depois fomos dormir.

Os dias passavam rápido, pois estávamos tendo muito trabalho com o processo. Daiane e Henrique estavam investigando o ex-funcionário da Sienna e encontraram as provas que faltavam com a ajuda de Adam. Angelina e Juliete organizaram tudo para o dia da audiência, que já havia sido marcada. Trabalhamos com base na Lei de Propriedade Industrial, que protege segredos industriais, reputando concorrência desleal do seu uso desautorizado. A legislação impede, de forma ampla, o uso de dados de natureza confidencial que tenham sido obtidos durante relação contratual ou empregatícia, ou que tenham sido obtidos de forma ilícita ou fraudulenta1. Entraremos com uma ação de indenização também logo após provarmos a espionagem industrial feita pelo ex-empregado da Sienna. Claro que depois disso vamos obter reparação pelos danos sofridos. Consequentemente, eles vão receber indenização pelos prejuízos causados, segundo se refere os artigos 209 e 210. Só assim ingressamos uma Ação de Indenização por Danos Morais, fundada em violação de

segredo empresarial e em concorrência desleal. Para isso colhemos as provas como documentos e alguns testemunhos, a equipe fez um trabalho incrível. Depois do expediente, quase todos os dias da semana saí para jantar com Adam, Alícia e Benjamin. Claro, em alguns finais de semana Adam e Alícia nos levou em uma boate para dançarmos, minha amiga adorava a vida noturna. Ela se sentia em casa quando chegava em uma boate, seus olhos até brilhavam. O incrível era que Alícia combinava muito com a noite, ela disse que era porque nasceu à meia-noite. Adam também não ficava para trás, mas ele sempre chegava depois da gente na boate, ele não abria mão da academia. Era totalmente dedicado às atividades físicas e mantinha seu corpo como ninguém. Além disso, ele estava mostrando que sua fama de pegador ainda estava a todo vapor. A cada noitada era uma mulher, ele não tinha gosto específico, saía com mulheres tão diferentes, mas todas lindas. O que falar da minha amiga? Ela disse estar apaixonada por duas pessoas, mas não estava morta, ou seja, ela também estava aproveitando, disse que era sua despedida de solteira. Ben e eu só bebíamos e nos divertíamos muito com Alícia e Adam na pista, nossos amigos implacáveis na conquista. Falando nisso, o Ben andava muito quieto, ele era o primeiro a ir embora, é claro que o acompanhava. Mas meu amigo seguia pelo caminho contrário sempre e aquilo estava me deixando curioso. Apesar de não ser muito fã de academia, incentivado por Adam, voltei a treinar e tomei a decisão de não escapar mais das atividades físicas. Estava me fazendo bem e dando muito mais energia. Enquanto fazia os exercícios pensava com mais clareza em tudo. Principalmente em Juliete

e no episódio da pulseira, aquele momento em que me deixei levar pela emoção e beijei seu punho foi algo que me marcou, sentir sua pele. Incrível o que um toque podia nos fazer sentir, parecia simples, só que nos levava a uma montanha-russa de sensações. Sentia-me assim quando tocava piano, dificilmente uma mulher mexia tanto comigo desse jeito, era diferente de quando apenas sentia desejo. Durante nossas reuniões, ficava observando Juliete, encantado pela sua beleza delicada e ao mesmo tempo exótica. Sua pele branca como leite, olhos azuis que, dependendo da claridade, ficavam também acinzentados e com fundo verde me deixavam fascinado. Suas sardas também eram um charme à parte e combinavam com seu cabelo ruivo ondulado. Sua boca vermelha bem desenhada me deixava perdido e, ao mesmo tempo, admirado, pois Juliete era muito inteligente e perspicaz. Além disso, quando ela sorria, iluminava tudo ao redor e trazia um sentimento tão gostoso, às vezes sorria também. Ben e Adam não paravam de encher o saco com isso, além de Alícia ficar me perguntando como estava sendo nossa convivência. Respondi a verdade. Apesar do que aconteceu seguimos sendo profissionais. Claro que a senti um pouco intimidada alguns dias depois, mas reparei que Juliete era corajosa e sabia separar bem as coisas. Depois esse incômodo passou entre nós e, às vezes, até sentia seu olhar em mim e creio que ela devia estar sentindo o mesmo. Pois não conseguia deixar de encará-la e ficar admirado, era algo que não tinha controle. Cheguei no escritório para mais um dia, sexta-feira sempre tínhamos a agenda lotada, várias reuniões e marquei de almoçar com Catarina. Adam entrou em minha sala, de repente, e seu perfume forte importado tomou conta do ambiente. — Que perfume é esse, cara?

— Coisa boa. Olha só, já temos a data de audiência. As provas já estão prontas para apresentarmos e a Sienna já me respondeu quanto a isso. — Daqui quatro dias estaremos no Tribunal de Justiça. Sabe que é causa ganha, não é? Podemos até comemorar quando tudo acabar. — Ah, claro, será um alívio e merecemos uma festa mesmo. Vou começar a planejar com o RH. — Isso aí, se precisar de algum auxílio sabe que adoro festas e creio que Alícia poderia ajudar ainda mais. — É mesmo, vou ligar para ela, a festa será maravilhosa com a organização dela. — Ah sim, vai ser incrível e você terá a oportunidade de ficar a sós com a “Ariel”. — Ele sorriu de lado e me encarou. — Ah, pare de chamá-la assim. O nome dela é Juliete. Alícia cismou com isso e você ainda fica dando ouvidos a ela. — Olha, sei que nossa amiga gosta de apelidar todos, mas, dessa vez, ela acertou em cheio, viu? A moça realmente parece a Pequena Sereia. Se eu fosse você... — Nem se dê o trabalho de terminar essa frase, pelo amor de Deus! — interrompi-o. — Não vê que ela é muito nova, praticamente uma menina. — Andreas, você precisa parar com isso, não existe idade quando gostamos de alguém assim. — Como assim, gostamos? — Ele pirou, só pode. — Vejo como vocês se olham quando estão no mesmo ambiente, nem disfarçam. A conversa que está rolando é de que rola algo entre os dois, Daiane fica bufando de raiva vendo a troca de olhares de vocês, é no mínimo divertido.

— Meu Deus, já estão falando disso? — Rolei os olhos e fiquei preocupado com a Juliete. — Sabe como é, as fofocas correm soltas e bem rápidas, infelizmente. Sei que deveria ser algo só entre vocês, no entanto, as pessoas percebem essas coisas. — É, parece que não tem mais nada da vida para fazer. Bom, por enquanto não está acontecendo nada. Tem muito respeito entre nós e Juliete quer muito se tornar uma advogada excelente e vai conseguir. — Opa, você disse que por enquanto, então pode ser que aconteça algo? — Não sei, você está dizendo. — Suspirei alto, cansado daquela conversa. — Vamos chamar Alícia para que ela resolva sobre a organização da festa com o financeiro e RH. — Tudo bem, vou te deixar em paz com esse assunto, mas saiba que voltaremos a falar sobre isso. Nunca o vi assim para mulher nenhuma, já vivemos muitas coisas juntos e vou insistir nisso, porque sinto que pode ser diferente para você. — Meu Deus! O que deu em você, Adam? — perguntei depois de me levantar e me colocar à sua frente. — Sei lá, só sinto que pode ser bom para vocês dois e principalmente para você. Está na hora de sossegar, a idade chega para todos. — E para você também, hein! — Gargalhamos juntos e saímos da minha sala para irmos almoçar. Como se estivesse ouvindo nossa conversa, assim que fechamos a porta nos encontramos com Juliete e Gleice sorrindo. Meus olhos capturaram seu rosto iluminado pelo sorriso lindo dela e, sem querer, segurei firme seu olhar.

— Olá, meninas! Indo almoçar? — Adam perguntou, enquanto eu continuei a encarar Juliete e ela a mim, parecia que estávamos em um mundo paralelo. Me perdi da conversa e observei como ela ia sempre muito elegante para o trabalho, gostava de usar tons nude e brancos. Raramente a via de roupas pretas, impressionante como tudo nela ficava lindo e realçava sua pele branca como a neve. — Andreas? — Ouvi o estalar de dedos de Adam e sua voz empolgante. — O quê? — perguntei, já desvencilhando meu olhar da ruiva à minha frente. — As meninas vão almoçar conosco, acabei de convidar, tudo bem? — Ele me pagaria por isso e ainda piscou para mim com aquele seu sorrisinho cínico. — Tranquilo, vamos lá então? — Já entramos no elevador e não aguentei Adam todo animado conversando com as meninas, às vezes ele sorria e jogava cantadas para cima delas e eu rolava os olhos e, às vezes, sorria. Chegamos ao restaurante na Avenida Paulista mesmo, onde a maioria dos advogados almoçavam. Sentamo-nos em uma mesa no canto esquerdo e logo fizemos nosso pedido. — Juliete, só come isso? — Adam perguntou sem poder se segurar. — Sim e é muito visto que hoje me perdi no trabalho e esqueci de comer algo no meio da manhã — ela respondeu sendo muito simpática. — Ah sim — ele respondeu e comeu mais um pedaço do seu bife de frango grelhado. — Está ansiosa para a audiência no tribunal? — perguntei curioso. — Muito, será a primeira vez que vou assistir assim, na faculdade é diferente — ela respondeu empolgada e sorri vendo aquele seu

entusiasmo. Juliete refletia muito bem como gostava da profissão que escolheu e estava no caminho certo. — Sabe que teremos uma festa para comemorar quando ganharmos tudo? — Adam deu com a língua nos dentes, ele não podia mesmo se controlar. Juliete e Gleice se entreolharam, sorrindo. — Era para ser surpresa, Sr. Dutra — falei entredentes, mas sorri depois para me sobressair mais educado, apesar de que meu amigo merecia muito mais. — Oh, não sabia! Mas agora deixe todos saberem, bom que ficam mais empolgados com o caso. — Isso mesmo, mas já estão terminando, né? — Gleice perguntou. — Sim, agora só estamos aguardando a audiência, mas tenho certeza de que ganharemos — respondi. — Ótimo, aliás, Juliete, você me surpreendeu em todas as reuniões, continue assim e se tornará uma advogada excepcional, só tome cuidado com as invejosas de plantão, hein? — Adam a aconselhou e sabia a quem ele estava se referindo. — Que isso, Sr. Dutra — Juliete falou sem jeito pegando em sua pulseira e observei aquele gesto me lembrando, mais uma vez, do dia em que beijei seu punho. Ah, sua pele macia, cheirosa e que me despertou o desejo de querer ir além. — Só preste atenção e pare de me chamar de senhor, me sinto velho e o único aqui da mesa é o Sr. Scolari. — Elas sorriram da gracinha de Adam e meus olhos grudaram novamente naquela ruiva linda e completamente encantadora. — Está bem, Adam, melhor assim? — ela perguntou levantando a sobrancelha e sorrindo.

— Então, vamos voltar, porque o horário de almoço sempre passa muito rápido — Gleice falou nos lembrando de que tínhamos de voltar. — É claro, quase que o chefe aqui esquece, ainda bem que estamos com ele, as pessoas vão é morrer de inveja — Adam soltou mais uma e saímos do restaurante. Quando chegamos ao prédio fomos pegar o elevador, mas, como era horário de pico e todos estavam retornando, Juliete e eu ficamos esperando o elevador voltar, pois estava cheio e Adam, muito engraçadinho, me deixou ali. Meu corpo inteiro começou a formigar tamanha a emoção de estar tão perto de Juliete. — Está tudo bem com você? — perguntei, pois a flagrei bem pensativa girando sua pulseira entre seus dedos. — Claro que sim, só estava pensando em como nos conhecemos, foi diferente, pois eu te vi e você não me viu. Algo surreal. — Me pego pensando nisso as vezes também — falei engolindo em seco, com vontade de pressioná-la naquela parede e poder sentir seu perfume em seu lindo pescoço fino. — Foi marcante, o toque daquela canção... — O apito do elevador chegando nos fez despertar, sentia-me enfeitiçado por ela e me lembrei de Adam e Alícia a chamando de Ariel e tinha que concordar com eles. Juliete se parecia muito com a Pequena Sereia, poderia até imaginá-la vestida como a personagem. Sua pele molhada da água do mar, branca como neve e as sardas davam charme em seu rosto lindo e delicado. Meu Deus, o que estava pensando? Entramos no elevador e subimos com mais algumas pessoas, toda aquela proximidade me fez perder ainda mais a noção e me imaginar pegando seu cabelo e beijando seus lábios bem desenhados e vermelhinhos. Fitei-a e parecia que ela estava lendo meus pensamentos,

pois não desviou o olhar me deixando ainda mais louco de vontade de sentir sua boca na minha.

Adam era um homem totalmente bem-humorado e danadinho, ele jogava cantadas assim, como se fosse normal, para cima da gente e eu sempre me lembrava da Sininho. Se ela estivesse no almoço, com toda certeza jogaria cantadas nele também. Depois tivemos de esperar o elevador voltar, fiquei tentando ignorar o fato de que estava sozinha com Andreas, então girei minha pulseira em meu punho e evitei olhá-lo diretamente. Só que o homem não sabia ficar na dele, já havia percebido que sentia o mesmo que eu, podia ver em seus olhares direcionados a mim. Não que eu fosse convencida, mas uma mulher sabia bem quando um homem estava a olhando demais. Ele perguntou se estava tudo bem e, ao invés de eu responder somente que sim, não, sem perceber soltei o que realmente estava pensando nos últimos dias. Só não esperava que ele fosse me responder que também pensava na forma como nos conhecemos. O elevador apitou nos tirando do transe daquela conversa sem muitas palavras ditas. Comentei o quanto aquela canção que estava

tocando era marcante, pois não saiu mais da minha cabeça. Quando entramos no elevador, não imaginava o quanto seria difícil me manter sã tão próxima de Andreas. Seu perfume amadeirado me envolveu e seus cabelos perfeitamente alinhados me deixaram tentada a experimentar emaranhar seus fios entre meus dedos e senti-lo mais perto. Não desviei de seu olhar e mantive o meu sobre ele também, seus olhos verdes lindos e intensos, a barba bem aparada e sua boca. Ah, como queria beijar a boca de Andreas... Estava tão perdida, sabia que ele sentia o mesmo, a energia que emanava de nossos corpos crescia a cada vez que ficávamos sozinhos. Até mesmo quando deitava minha cabeça no travesseiro e fechava meus olhos conseguia me lembrar perfeitamente da forma como ele me encarava e o que me fazia sentir. Meu corpo inteiro começava a se arrepiar e esquentar, tudo desaparecia quando estávamos nos encarando assim. Mais uma vez, o elevador nos tirou daquele transe, esperamos todos saírem, fechei meus olhos e soltei o ar quando percebi que aquilo era uma loucura. Sem falar nada, tomamos o corredor a caminho das nossas salas, senti meu rosto quente e fui direto para o banheiro. Precisava passar uma água pelo pescoço e pensar melhor para voltar ao trabalho. Ainda teriam mais dias assim pela frente, estávamos trabalhando juntos e precisava focar no trabalho.

Andreas e eu passamos os próximos dias trabalhando juntos, claro que estive ao lado não só dele, mas também de Benjamin e Adam. Além de Daiane e Henrique, que estavam investigando sobre o ex-funcionário e encontraram as provas que faltavam, depois disso Angelina e eu organizamos tudo para o dia da audiência que já havia sido marcada. Os dias passaram rápido demais e eu só tinha tempo de me encontrar com a Sininho nos finais de semana, e alguns ela passou estudando assim como eu. Voltei às aulas à noite, então estava ainda mais corrido. O pessoal já estava comentando sobre a festa que o escritório faria se vencêssemos o grande caso. Na verdade, por tudo que já trabalhamos nele, acredito que já o vencemos. As provas e tudo que descobrimos e reunimos diziam que o resultado seria esse, a Sienna tinha tudo para vencer o processo e receber a indenização. Naquela tarde, Angelina e eu estávamos mais ansiosas que o normal, pois iríamos ao tribunal, só poderíamos assistir a tudo e seria a minha primeira vez em uma audiência com a Scolari. Sentia-me cada vez mais nervosa, claro de um jeito muito bom. Quando chegamos ao tribunal me senti muito feliz, pois estava fazendo o que realmente amava. Escolhi o Direito exatamente por isso, identifiquei-me com tudo que li sobre o curso e por ter tido a

oportunidade de conhecer alguns alunos nas feiras de profissionais nas faculdades de São Paulo que visitei. Enfim, identifiquei-me com as leis e todas as áreas que o Direito podia atuar e ajudar. Quando a audiência começou, Angelina e eu ficamos em silêncio e atentas em tudo, Andreas foi simplesmente implacável em sua defesa apresentando todas as provas. Adam esteve ao lado dele, gostei muito de ver os dois em ação, de terno azul-marinho ambos estavam impecáveis para aquele evento que, com certeza, traria ainda mais credibilidade e sucesso a Scolari&Antúnez. Aquela era uma vitória certa, trabalhamos nos últimos quinze dias duro mesmo, a dedicação e competência de todos foi crucial durante toda a elaboração do processo. Pude perceber que os advogados do escritório eram todos muito bons, na verdade excelentes. Daiane, apesar de ser insuportável, tinha que admitir que era uma advogada excepcional, só era falsa e difícil de lidar. Pois ela não aceitava estar errada e nem que outras pessoas tinham razão, prova disso era que todas as vezes que eu opinava dava e ideias, ela rolava os olhos e ficava me encarando de um jeito muito ruim. Saímos do tribunal vencedores naquele processo, fiquei radiante, assim como toda a equipe. Foram dias extenuantes de trabalho dedicados àquela causa e nada melhor do que a justiça realmente sendo feita. Voltei ao escritório só para pegar minhas coisas e ir à faculdade, aproveitei e passei na Livraria Cultura e fiquei um tempo lá antes de começar o horário da aula. Escolhi dois livros da Jane Austen, uma escritora inglesa famosa na literatura, seus romances se tornaram grandes clássicos. Escolhi os livros Orgulho e Preconceito e Razão e Sensibilidade, que eram lindos demais com capas duras, páginas

amareladas e fitinha para marcar a página. Fazia tempo que não via edições assim, fiquei encantada. Depois que saí da livraria fiquei andando pela Avenida Paulista e entrei no Starbucks, lugar famoso por seus cafés deliciosos. Com a correria do dia a dia, não havia passado ali ainda para me sentar e passar um tempo, olhei no relógio e ainda estava cedo, dava tempo para tomar um café e comer algo. Entrei e o atendente muito educado me ofereceu o cardápio para escolher. Ainda distraída escolhendo o que iria beber e comer, já que havia muitas opções deliciosas, fiquei na dúvida, até ouvir a voz dele. — Se aceita um conselho, acho que vai gostar de cold brew de baunilha e, para acompanhar, um waffle belga com calda do sabor que desejar — Andreas falou piscando para mim, um charme aquele homem. — Ah sim. — Sorri. — Obrigada pela dica, vou arriscar e seguir seu conselho. — Tenho certeza de que não vai se arrepender. — Ele entrou na minha frente e pediu para nós dois. Surpreendendo-me, virou-se e me falou com a maior tranquilidade: — Vamos nos sentar lá fora, a vista é incrível. Não estava acreditando no que estava acontecendo, nos encontramos e ele queria compartilhar a mesma mesa? Muito cavalheiro, ele puxou a cadeira para mim e depois se sentou à minha frente, realmente a vista da avenida dali era maravilhosa. O local era muito aconchegante e gostoso para apreciar uma bebida gostosa lendo um livro ou tendo uma boa conversa. Coloquei minha sacola na cadeira ao lado chamando sua atenção. — Não esperava te encontrar aqui, achei que iria comemorar com seus amigos — comentei sorrindo e colocando uma mecha do meu

cabelo atrás da orelha sob seu olhar. — É, mas vai ser mais tarde. Não pude deixar de reparar, estava na Livraria Cultura? — Ah sim, estou com um tempo livre antes de ir para a faculdade, resolvi passar lá e ver alguns livros que estavam na minha lista de desejo. — Interessante, Srta. Barnes, o que mais gosta de ler tirando os livros de Direito? — Gosto de diversos gêneros, mas meus preferidos são romances, entre eles os de época, contemporâneos, clássicos, dramas e new adult. — Bem eclética, muito bom. — Nosso pedido chegou e ele sorriu. — Vamos ver se acertei na dica, não é mesmo? Salivei quando vi o waffle com cobertura de caramelo e a bebida que ele indicou, coloquei um sachê de adoçante e bebi. Estava delicioso, era um café com leite mais forte, com um sabor de baunilha incrível. — Nossa, delicioso! — Ele levantou a sobrancelha e sorriu de lado como quem soubesse disso há um tempo. — Muitos dizem que é um café com leite comum, mas o café do cold brew é extraído de forma diferente do que o café comum e, claro, a baunilha dá um toque muito gostoso. Sabia que iria gostar. — Já deve ter percebido que amo café, não é mesmo? — Claro, dois amantes da bebida mais consumida se reconhecem mesmo em pouco tempo de convivência. — Ainda não podia acreditar que estávamos tendo aquela conversa ali no Starbucks. — Verdade, então foi um sucesso hoje na audiência. — Foi sim, era uma causa ganha, contra fatos não há argumentos. Animada para a festa? — Sim, vai ser na semana que vem?

— Sim, no haras da minha família no interior, não é muito longe da cidade, mas é um lugar amplo com muito verde. — Nossa, então vai ser muito bom! — Eu espero que sim. — Ele me encarou de um jeito intenso, que arrepiou meu corpo inteiro. Depois que terminamos de comer, ele insistiu para me levar na faculdade, apesar de resistir acabei aceitando sua carona. Assim que entramos em seu Honda Civic preto de vidros escuros e muito confortável, fiquei nervosa de um jeito diferente, estando dentro de um carro com o homem que era meu chefe e me atraía mais que qualquer outro. Quando ele ligou o carro e saiu do estacionamento do prédio da Scolari&Antúnez, o toque de piano tomou conta e apreciei um bom clássico, encantada com o gosto de Andreas. É claro que não poderia esperar outra coisa depois de tê-lo visto tocando no auditório daquele Museu ali mesmo na Avenida Paulista. O toque trazia calma e emoção, fechei os olhos e a sensação foi ainda mais gostosa e indescritível. Senti que o carro parou, ainda assim permaneci com os olhos fechados aproveitando melhor o toque daquela canção. Não entendia de músicas clássicas, principalmente em pianos, mas era tão lindo, lembrei-me da minha mãe, ela às vezes gostava de ouvir, dizia que a levava a lugares mais calmos e era verdade. — Gostou? — ele perguntou me fitando com seus olhos verdes brilhando intensamente. — Amei, que paz, nem sei descrever o que senti quando começou a tocar. Ele sorriu e deu partida, assim que o sinal abriu.

— Sou apaixonado por músicas clássicas, essa é Bluebird, de Alexis Ffrench — ele falou de um jeito tão admirado, podia perceber que gostava muito daquilo. — Imaginei, pois aquela noite, quando o vi tocando, fiquei encantada. Fui atraída pelas notas lindas daquela canção. Me levou a alguns momentos do meu passado. — Aquela canção sempre me leva de volta ao meu passado, muito distante, mas não a toco sempre. — Não sei por que, mas senti vontade de abraçá-lo, pois senti tanta tristeza em suas palavras, era estranho como tínhamos essa conexão louca. Mais músicas tocaram no carro e ele não falou mais nada, não sei se foi porque percebeu que falou demais ou se estava me deixando apreciar mais as canções clássicas. Não ousei perguntar, já que ele silenciou-se. Iria respeitá-lo, pois entendia muito bem que algumas coisas tinham de ficar realmente no passado. Chegamos e não queria sair do carro, sorri e me virei para agradecer a ele, mas Andreas foi rápido, me puxou e beijou minha bochecha, deixando-me tão perdida, que esqueci que tinha de abrir a porta. — Obrigada pela carona e o café, foi muito bom mesmo. — Eu te agradeço a companhia, não sabe o quão bem me fez. Boa aula, até semana que vem. — Senti seu tom de voz nervoso e apressado. — Então, tchau. — Saltei do carro e entrei para a minha aula com o corpo em chamas por ter sentido sua boca novamente em minha pele, o ar crepitava entre nós dois e aquilo era um misto de algo proibido com algo muito certo. Uma loucura, e trazia uma avalanche de sensações para meu corpo. Seria muito difícil ignorar o que sentimos, trabalhando assim tão juntos.

Naquela noite, desde a aula que não prestei muita atenção até quando me deitei, fiquei olhando para o teto pensando em tudo e nada ao mesmo tempo.

A sexta chegou e o escritório estava fechado pois iríamos viajar para o Haras Scolari, pois lá seria o local da festa de comemoração com toda a equipe. Recebemos autorização para levar acompanhante, mas convidei minha amiga Sininho para ir e ela aceitou toda empolgada com o fato de encontrar Adam na festa e iniciar seu plano de conquista. Sorri só de lembrar sua expressão ao saber que tomei café com meu chefe e ele me deu carona, claro que ela ficou criando várias teorias. Tentei não pensar muito em tudo que ela ficou falando, a semana no escritório foi corrida, mantive-me mais ocupada e longe da sala de Andreas. Ele também foi muito profissional, mas ainda assim educado e atencioso comigo. Sua amiga Alícia foi no escritório aqueles dias todos, ela estava organizando a festa, pois diziam que era expert nisso, já que comandava uma boate com mais duas amigas. Estava passando férias aqui em São Paulo e resolveu aproveitar com seus amigos, percebi o quanto eles se davam bem, claro que não sabia se já rolou algo entre os quatro, preferi ignorar esses pensamentos, só que era bonito de se ver a amizade deles.

— Você já terminou de arrumar sua mala? — Laura perguntou escorada no batente da porta. — Já sim, falta só colocar o vestido, vou levar um ferro para passar lá, odeio roupas amassadas. — Sei disso, Juju. Agora, vamos almoçar e depois terminar de nos arrumar para não perdermos a van. Esqueci-me de mencionar que Andreas alugou uma van para levar o pessoal e a Sininho estava superempolgada com a possibilidade de ver o Adam lá. Rolei os olhos sabendo que ele iria com o seu próprio carro. — Vamos sim. — Levantei-me deixando a mala em cima da cama e fui almoçar com a Sininho falando sem parar. Meu Deus, como ela estava ansiosa e superagitada para aquela viagem. Depois do almoço, escovei os dentes e terminei de me arrumar, coloquei meus livros novos na bolsa e lembrei do nécessaire de maquiagem. Fiz um checklist no celular para conferir tudo, tinha essa mania que minha mãe dizia ser uma qualidade minha, pois ela via como eu era organizada. Cheguei no quarto de Laura e ela estava correndo para lá e para cá como uma louca, colocando as coisas na mala de qualquer jeito e assim não fecharia. Sentei-me e comecei a arrumar tudo. — Você está louca? Dá para se acalmar um pouco? Só vamos ficar duas noites lá, não é para tanto. — Lá vem você, Juju. Sabe que odeio passar aperto nesses lugares. — Deveria fazer um checklist como eu, assim não ficaria perdida e doida assim. — Aff! — ela bufou e sorri, ela ficava irritada com o fato de eu ser tão metódica com minhas coisas. — Você é um caso à parte, querida. Agora, ao invés de ficar falando, me ajuda a fechar essa mala. — O zíper custou a

fechar, tive que me sentar em cima para ela conseguir. Quando terminamos, ela jogou seus cachos de lado. Achava eles tão lindos, seus fios de cabelo eram pretinhos e finos. — Graças a Deus conseguimos fechar! — Conferi o relógio, já estava na hora de sair. — Olha, já está na nossa hora. — Ela desceu sua mala com muito custo, saí e peguei a minha, entramos no elevador e Laura não parava de sorrir e falar, rolei os olhos. Minha amiga ansiosa era como uma criança querendo seu presente de Natal. — Você sabe se um daqueles advogados vai na van? Ou serão só os estagiários? — Não sei de nada, mas é claro que eles não vão conosco, você está louca pensando nisso. Meu Deus! — Você não sabe, ué — falou depois que entramos no carro. Deixaríamos no estacionamento do escritório, já que lá era o ponto de encontro e partida. A Sininho estava muito animada, pois colocou seu amado Rick Martin, mas em uma música com Maluma. A batida ecoava pelo som do carro, muito envolvente e me vi fazendo movimentos com os braços em cima do banco. Paramos em um sinal e ela cantarolou e tamborilou os dedos no volante animada: “Si tu quieres nos bañamos Si tu quieres nos soplamos Pa' secarnos lo mojao' Si tu boca quiere beso Y tu cuerpo quiere de eso

Arreglamos Si tu quieres un atajo y lo quieres por abajo yo te llevo bien callao' Vente pa' ca Vente pa' ca Vente pa' ca” — Essa música é boa demais, amo muito, me imagino dançando com aquele moreno gostoso. — Você está determinada, Sininho. Nunca a vi assim, é até engraçado. — Juju, você viu aquele homem. Seria loucura não o desejar tanto. — Ela acelerou quando o sinal abriu e seguimos mantendo aquele papo que tinha até medo de onde poderia ir. — Tenho que concordar, apesar de ser lindo não faz meu tipo — falei despretensiosamente. — Sei, tenho conhecimento de que um certo lorde inglês, de olhos verdes e cabelos bem alinhados, faça seu tipo. — Laura! — chamei sua atenção e ela sorriu de orelha a orelha, debochada. — Não falei mentira, não precisa negar isso a mim, sou sua melhor amiga. — Eu sei, mas seria melhor se me mantivesse longe dele e toda aquela sua intensidade. — Juju, você poderia pelo menos uma vez na sua vida se permitir. Nem lembro quando foi a última vez que você se encantou por um homem assim. Ah, espera aí! — Ela soltou um suspiro assim que

entramos no estacionamento. — Você nunca se encantou assim; se eu estiver errada, me corrija. — Você... — nem consegui terminar de falar porque ela tinha razão, nunca conheci um homem assim como Andreas. Em Holambra, tive namorados da mesma idade que eu, aproveitei bem a minha fase adolescente, claro com muita responsabilidade, pois meu sonho sempre foi estudar e trabalhar para ser independente. Minha mãe me fez acreditar que esse era o melhor caminho que nós mulheres tomamos, que nunca devemos deixar homem algum comandar nossa vida. Fiquei triste em pensar que ela não pôde aproveitar a sua. — Chegamos, deixa essa melancolia de lado. — Às vezes me assustava com a Sininho, ela sabia quando me lembrava do passado. — Sempre sabe quando penso nela, não é mesmo? — Claro, te conheço muito bem, Srta. Barnes. Agora, vamos descer e pegar nossas malas e avisar ao porteiro a placa do carro como combinado. Assenti e descemos, pegamos nossas coisas e, depois de preencher um formulário, fomos para a frente do prédio. De longe, já estava vendo a turma de estagiários toda presente ali, algumas meninas estavam no saguão, chamei a Sininho para irmos ao banheiro antes. Tinha escolhido um vestido confortável, leve e fresco, preto com estampa de poá, com caimento maior atrás, decote transpassado sem ser ousado. Coloquei um All Star vermelho que deu um charme ao look, no rosto somente hidratante e protetor solar. Na boca passei um Balm maravilhoso que havia comprado com Angelina, ela vendia Eudora e, quando vi que tinha um hidratante labial com tint, supernatural não perdi tempo e comprei. Deixava a boca bem natural, além disso muito

bem hidratada. Comprei mais de um, porque a Sininho também adorava essas coisas. — Ansiosa para ver o moreno? — perguntei quando entrei em um dos banheiros. — Claro! Nossa, ansiosa é pouco, cada minuto que passa me sinto mais nervosa, mas é algo bom, sabe? — Sei muito bem, pois me sinto do mesmo jeito. — Saí e ela entrou e depois lavamos as mãos. Quando estávamos saindo, encontrei-me com Daiane entrando, ela quase tropeçou na minha pequena mala. Estranhei, pois sabia que ela iria de carro, já que era prima de Andreas e devia conhecer o lugar. Ela não teve nem a coragem de me cumprimentar, antipática demais. — E essa loira mal amada? — Sininho perguntou com a voz irritada, jogou seu cabelo para trás e saímos de vez daquele lugar. — Que isso, mulher?! — explodi em uma risada depois que deixamos o corredor. — Ah, não sei, viu? Quando vi a cara azeda dela pensei que só pode ser mal amada e mal comida também! — Tapei a boca chocada com a boca suja da Sininho, de delicada ela só tinha o rosto mesmo. — Está ficando bem boca suja, hein? — Ela fez um bico e acenou como se não importasse e tive que sorrir. — A prima do Andreas, esqueceu? — Ah, essa antipatia toda, a gente nem consegue lembrar. É mesmo, agora clareou minha mente. Seguimos pelo saguão e, quando chegamos nas portas automáticas, não acreditei no que estava vendo. Eles alugaram um ônibus e todos os advogados estavam ali e o mais surreal foi ver os três homens que comandavam o escritório também. Fiquei boquiaberta, Andreas,

Benjamin e Adam pareciam ter saído de algum desses filmes em que só tinha homem lindo. Minha nossa, a Sininho! — Juju, que isso? — Ela já estava babando no trio, especificamente no moreno que estava deixando minha amiga maluca. — Nem eu sei. — Estava tão surpresa quanto ela, pois tinha falado que iríamos de van, apesar de que foi o que a turma de estagiários estava falando, acho que não sabiam como seria. Observei melhor o trio e meus olhos capturaram o par de olhos verdes que estava me encarando medindo bem todo o meu corpo. Mordi meu lábio inferior meio nervosa, continuei segurando seu olhar e então Adam cutucou o ombro de Andreas e olhou em nossa direção. O safado sorriu e abaixou seus óculos escuros piscando para nós duas, virei-me para Laura e ela estava se abanando mesmo. — Minha nossa, que homem é esse, Senhor?! — falou e começou a levantar o cabelo, virou-se de costas de frente para mim ainda se abanando. Sorri do seu jeito, acho que nosso final de semana seria bem interessante. Então vi Adam e Andreas vindo em nossa direção e não tive tempo de avisar a minha amiga. — Laura... — Foi em vão, ela suspirou e não parava de falar: — Desse jeito vou ter que tomar banho frio naquele lugar, porque esses homens não colaboram. Quer dizer, só aquele... — Está com problemas, muito calor? — A voz grossa de Adam não a deixou terminar e só pude colocar a mão no rosto e fechar os olhos, morta de vergonha por minha amiga. — Olá, meninas! Animadas? — Andreas se adiantou muito simpático nos cumprimentando. — Oi, Andreas, claro que estamos e estou muito feliz em ter feito parte da equipe no processo. — Ele sorriu e foi minha vez de quase cair

dura, pois o homem ficava lindo vestido de qualquer jeito, até mesmo casualmente com uma camisa polo verde cáqui, calça jeans bege clara e sapatênis. O cabelo, como sempre, bem alinhado e aquilo me deixava bem tentada a bagunçá-lo. O que eu estava pensando? — Estamos felizes em tê-la na nossa equipe, olha já estão colocando as malas no ônibus. Se me permitirem vamos levar e etiquetá-las para vocês. — Sorriu muito charmoso. — É claro, agradeço por isso. Ele sorriu de volta e até tinha me esquecido da Sininho, virei-me e me surpreendi ao ver como ela já estava à vontade com o moreno. — Minha nossa, esqueci de te cumprimentar. Olá, A... ops... Juliete, não é? — Andreas deu um tapa nas costas do amigo e sorriu, depois saíram com nossas malas. Adam estava muito bonito também, de bermuda cinza e blusa polo na cor mostarda e sapatênis também, o homem sabia ser charmoso e bem-humorado. Uma moça morena se aproximou e pediu a atenção, depois mandou fazermos uma fila para entrar. Conforme fomos entrando, vi que até mesmo os chefes estavam indo no ônibus. Daiane, com cara de poucos amigos, sentou-se ao lado de Henrique nas primeiras poltronas. Pelo que ouvi o pessoal falando, Alícia já tinha ido para o haras, pois ela estava organizando tudo. Andreas se sentou no banco atrás do nosso com Adam ao seu lado, pois Benjamin se sentou com a irmã dele, que passou cumprimentando Laura e a mim de forma muito simpática. A moça morena que estava organizando, pediu silêncio e fez uma chamada com os nomes, esperamos dez minutos para ver se chegava mais alguém. Só que Andreas, como sempre muito pontual, já se manifestou dizendo que tinha marcado bem antes do horário de partida.

O ônibus saiu pela Avenida Paulista e ganhamos as demais ruas de São Paulo, todos estavam agitados conversando muito. Mas depois de mais alguns minutos, o silêncio imperou, então peguei meu livro enquanto a Sininho estava ouvindo música em seu fone. Abri o livro de capa dura e já me surpreendi na primeira linha de Orgulho e Preconceito ao me deparar com a seguinte frase: “É uma verdade universalmente reconhecida que um homem solteiro e muito rico precisa de uma esposa”. Tive certeza ali de que o livro entraria para a minha lista de favoritos, sorri de lado gostando muito da leitura, que fluiu como nunca enquanto viajamos por cerca de uma hora e vinte e dois minutos, chegamos em uma estrada de chão que nos levou para uma vista vasta verdinha e muito linda. — Minha nossa, que lugar lindo! — Sininho elogiou enquanto o ônibus virava à esquerda e depois à direita, pegou uma estrada ladeada com coqueiros enormes e lindos. Não conseguia ver muito à frente, mas podia ver um jardim e mais ao fundo uma casa. O ônibus se aproximou mais e pude avistar o quanto aquele lugar era lindo e muito bem cuidado. Ele parou e, passado alguns minutos, todos já estavam agitados se levantando querendo sair. A moça avisou que nossas malas iriam ser levadas diretamente para os nossos respectivos quartos. Quanta organização, fiquei bem impressionada! — Estão bem, garotas? — Adam perguntou fitando a Sininho, sorrindo. Acho que minha amiga vai realmente fisgar o moreno antes mesmo da festa. — Melhor que nunca — ela respondeu devolvendo o sorriso, enquanto Andreas me fitava. Quando saí do banco, ele me deixou passar na sua frente e podia sentir meu corpo inteiro formigar. De repente,

Adam parou nos fazendo trombar e Andreas me segurou quando desequilibrei. — Está tudo bem, Srta. Barnes? — perguntou em meu ouvido e senti minha pele se arrepiar deliciosamente com sua voz sexy. Será que eu voltaria sã dessa viagem? Só consegui assentir, pois engoli em seco e não consegui responder. Ele entendeu e, graças a Deus, saímos daquele ônibus, estava quente demais. Quando desci criei coragem e me virei para ele rapidamente. — Fora do escritório, pode me chamar só de Juliete — falei e saí com a Sininho falando sem parar de cada detalhe do haras, que parecia ser enorme. Começando pelo jardim na frente com uma fonte, havia várias entradas com corredores largos feitos com ladrilhos beges; do outro lado ficava as outras dependências, acredito que para os cavalos. A casa de dois pavimentos tinha uma entrada muito bonita com detalhes dos revestimentos em pedra, os contrastes com a palha e o vidro presente em toda extensão da varanda era sedutora, fora que dava um ar aconchegante para o lugar. — Que lindo a arquitetura desse lugar, parece que foi reformado recentemente — Laura comentou muito entendida do assunto. — Perfeito, se tivesse um lugar assim não iria querer saber de mais nada nessa vida. — Nem eu, viu? Só poderia vir com aquele moreno dentro, aí sim, minha querida, ninguém me tiraria desse lugar. — Sorrimos admiradas e a moça explicou tudo. Andreas e sua irmã se dividiram e fizeram um tour conosco pela casa e fiquei ainda mais apaixonada quando conheci a casa por dentro. Ela era dividida em basicamente três volumes, onde a parte central abrigava as áreas de convivência e apreciação (living, lareira, varandas e

um fogo de chão na parte externa). O volume em pedra tinha a função de diferenciar a parte do home, que era mais fechado, que dava privacidade e funcionalidade à área de TV. O volume principal (com térreo e superior) abrigava as áreas de serviço no térreo, além da sala de jantar e uma pequena adega; no piso superior estavam localizados os quartos, sendo quatro suítes mais dez quartos. Andreas falou que a casa recebia todo ano a visita de uma ONG, que acolhia mulheres que sofreram violência. Elas passavam um final de semana especial aqui com palestras e com direito a passeios a cavalos e um dia de spa. Tudo foi feito para atender essa e demais ONGs que ele e sua irmã ajudavam. Achei muito linda a iniciativa deles em ajudar. Como já chegamos à tarde, ele falou que só conheceríamos o restante no dia seguinte, com isso outra moça veio nos passar os números dos nossos quartos. Nosso quarto ficava no mesmo corredor das suítes, a Sininho ficou muito empolgada e seguimos para lá assim que terminamos o tour. Fiquei encantada com toda organização do lugar, quando entramos em nosso quarto e vi nossas malas em frente às nossas camas sorri e caí no colchão confortável. — Que maravilha, esse lugar é um sonho! — Nem fala, estou apaixonada. — Só pelo lugar? — perguntou se levantando e olhando o banheiro do quarto. — Nossa, você não perde tempo mesmo em me encher com esse assunto. — Juju, sabe que comigo você pode falar tudo. — Eu sei, mas ainda não sei o que rola com Andreas, pode ser só uma atração boba. — Posso ser sincera com você?

— Sempre. — Fitei-a para ouvir o que ela tinha para dizer sobre o assunto. — Não é só uma atração boba, é muito mais que isso. Quem está perto consegue ver que tem algo mais, entende? — É tão nítido assim? — perguntei preocupada, pois me lembrei de que o pessoal no escritório estava de conversinha sobre nós dois. — Tá vendo? Vocês não percebem, porque é muito forte isso. Que loucura, Juju. — Loucura mesmo, porque, quando estou perto dele nem me reconheço, perco meu controle. — Então é isso mesmo, amiga. Mas fique tranquila, relaxa, não pensa tanto, só deixa acontecer. — Tem razão, vamos aproveitar sem pensar muito — falei me levantando e começando a organizar nossas coisas no quarto, que tinha um guarda-roupa planejado com portas de vidro de correr. — Esse lado é seu e esse meu — Sininho falou já abrindo a porta do lado esquerdo. — Tudo bem, fico com esse lado mesmo, é tudo a mesma coisa. — Organizei minhas roupas rapidamente e me sentei na beirada da cama para observar a Sininho tirando suas roupas — Nossa, não acaba? Você trouxe quase todas! Onde vai com tudo isso? — soltei uma risada e ela me fitou revirando os olhos. — Você sabe que penso sempre no “se” não consigo evitar. — Ela riu de si mesma e se virou de novo para mim. — Entendo, mas fico boba de ver como você é exagerada, Sininho! — falei rindo e fui para o banheiro tomar banho, pois aquela noite tinha o jantar especial de boas-vindas.

Debaixo do chuveiro fiquei me lembrando de Andreas e seu olhar intenso sobre mim e me lembrei do que a Laura falou, realmente eu precisava deixar as coisas acontecerem, sem me preocupar com nada, somente sentir todas aquelas sensações inusitadas e únicas quando estava perto dele, pois nunca me senti assim antes.

Ainda tentava entender tudo que vinha sentindo na presença daquela ruiva, quando a vi chegando na entrada do prédio já me senti inquieto e admirado. Encantado diria, pois ela estava tão linda com um vestido preto de bolinhas e All Star vermelho. Simples e tão linda, me fazia refletir que a beleza estava além do que nossos olhos conseguiam ver. Quando pensei que uma garota fosse mexer tanto comigo assim? Despertar essa atração louca, ela era como um imã que me atraía sempre que a via e até mesmo quando não estava por perto. Adam não perdeu tempo e quis ir falar com elas, segundo ele não poderia perder a oportunidade de ver a morena amiga da Juliete de perto. Ele saiu na minha frente e tive que alcançá-lo, não queria nem imaginar Adam tão perto de Juliete, jogando aquelas suas cantadas para cima da garota. Sentia até minha pele queimar, aquilo me incomodava. Então fui atrás dele e, quando nos aproximamos, nem me lembro se cumprimentei direito a amiga dela, pois meus olhos não desviaram da ruiva. A brisa que bateu trouxe seu perfume, deixando-me ainda mais

arrebatado. Sua boca estava tão rosada e, quando ela abriu um sorriso para mim, meu coração disparou e minhas mãos começaram a suar. O meu corpo inteiro formigou tamanha a vontade em tocá-la. Desde aquele dia que a levei na faculdade e beijei seu rosto e senti sua pele macia em meus lábios, que não consegui esquecer do desejo de querer beijá-la e sentir seu corpo junto do meu. Uma loucura, pois aquilo tinha tudo para dar errado, mas não conseguia conter minha mente e muito menos meu coração. Depois de levar as malas delas, meu amigo escolheu se sentar bem atrás delas, pois ele não se controlava. Quando meu amigo colocava algo em sua cabeça, ninguém tirava, e agora ele queria a morena, amiga da Juliete. Foi uma viagem tranquila, quando chegamos deixei Juliete passar na minha frente; e, sem resistir, perguntei se estava tudo bem com ela. Não sabia o que me dava, que simplesmente não pensava antes de agir quando estava perto dela. Quando via, já estava próximo como quando me aproximei de seu ouvido para questioná-la, ela só assentiu, sabia que ela também sentia. Então ela me surpreendeu falando que fora do escritório poderia chamá-la de Juliete, fiquei sem palavras e ela saiu andando na frente com sua amiga sob o olhar de Adam. Aproximei-me dele e o fitei levantando a sobrancelha. — Você não perde tempo mesmo. — O que posso fazer se me sinto atraído por ela? — Ele levantou as mãos parecendo sem opções. — Claro, deveria ficar longe já que ela é uma garota muito nova para você. Tem que manter distância — falei aquilo mais para mim mesmo do que para Adam.

— Olha aí, cara, você precisa relaxar. Essas coisas acontecem, nem sempre vamos encontrar alguém e que aconteça essa atração e sentimentos avassaladores. Idade não é tudo em um relacionamento, há outras coisas muito mais importantes que isso, meu amigo — falou batendo em meu ombro. Olhei para trás e vi Catarina com Benjamin, eles estavam sorrindo e conversando, foi a viagem toda assim. Já esperava isso, pois desconfiava de que rolava algo entre eles, não sabia se era sério, mas podia perceber que Benjamin não parava de sorrir e os olhos brilhavam como um homem apaixonado. Mas esperava seriamente que ele viesse me falar algo, pois não irei resistir muito tempo em questionar. — Andreas, quanto tempo não venho aqui no haras. — Como se tivesse escutado meus pensamentos, ele se aproximou de mim. — É nem me lembro a última vez, acho que foi em um final de semana com as meninas da ONG. — Foi mesmo, foi ótimo. — Então o que está rolando entre você e minha irmã? — Parei-o no meio do corredor rodeado de coqueiros. — Estamos nos conhecendo, mas minhas intenções são sérias, não precisa se preocupar, porque gosto da Catarina e quero vê-la feliz. — Segurei seu olhar e vi verdade no que ele estava falando. — Tudo bem, mas estou de olho, só quero que saiba disso. — Apertei sua mão e ele sorriu, assentindo. Depois foi para o lado de Catarina, que me perscrutou com o olhar e sorri para acalmá-la. Minha pequena rainha se tornou uma mulher linda e maravilhosa. Ela merecia o melhor e eu sempre estaria ao seu lado para garantir isso. Precisava aprender a lidar com isso, não queria que percamos nossa amizade e confiança, sabia o quanto era importante termos um ao outro.

Sabrina, a responsável pela organização junto com Alícia, passou a tarefa de apresentação da casa para mim e Catarina fazermos. Dividimos a turma em duas e fizemos um tour. Eu sentia orgulho do que minha irmã e eu fizemos ali, sempre emprestamos o lugar para eventos de caridade e para uma ONG que cuidava de mulheres que foram violentadas. Depois do tour, todos receberam as orientações de seus quartos, também fui tomar um banho e me preparar para o jantar que foi na varanda ao lado da cozinha, já que aquele lugar possuía uma mesa grande que todos podiam se sentar à vontade. Durante todo o jantar, meus olhos não se desgrudaram de Juliete, ela estava tão linda e rindo com certeza das bobagens de Adam, que se sentou no meio dela e da amiga. Daiane se sentou ao meu lado e ficou tentando puxar conversa sobre a minha mãe, claramente as minhas respostas monossílabas não fizeram efeito. — Daiane, será que dá para você parar de insistir nesse assunto? Aproveitando, quero te pedir que pare com esse joguinho de sedução. Tento ser educado com você, mas já chega, para mim já deu. Ela me encarou furiosa, pois sabia que algumas pessoas ouviram, pois acabei me alterando. Todos silenciaram à mesa e direcionaram seus olhares para nós dois. — Andreas... — ela começou a falar e a cortei. — Não, me desculpem, mas preciso de um pouco de ar, com licença — falei, tomei o meu vinho todo e saí da mesa. Ela vir falar da minha mãe para cima de mim era demais, às vezes tinha tanta antipatia da minha prima. Sempre fingia não entender o fato de que não queria nada com ela, nunca quis na verdade, nos limitamos a conversas sobre Direito e algumas coisas sobre família. Não conseguia

entender toda essa gana dela em me fisgar, mas hoje ela passou de todos os limites. Saí da casa e segui pelos corredores até chegar nos jardins, sentei-me em um dos bancos que havia ali e apreciei o céu tomado por estrelas. Sempre gostei de ficar olhando o céu assim aqui, já que não tinha prédios e só o vasto campo, a noite era muito mais bonita e silenciosa. Fechei meus olhos e suspirei, na verdade entrei de cabeça naquele processo e me obriguei a não pensar em minha mãe nos dias que passaram. Mas a verdade é que não tinha como evitar pensar que não a conheci de verdade, não consegui colecionar muitas lembranças com ela e isso me doía tanto, sentia falta da sua presença e ainda sinto. Isso não seria suprido por mais ninguém, nem sentia que eu era amado pelo meu pai, era algo difícil de mensurar. Só queria sentir que eu era muito amado pelos meus pais, mas minha mãe me deixou e meu pai só se preocupava com aparências. Perdi a noção do tempo sentado ali, de olhos fechados, só aproveitando um pouco da paz que aquele lugar permitia. Então senti aquele perfume marcante de Juliete e sua presença. Sorri, pois aquela garota sabia o momento certo para aparecer. Virei meu rosto e abri meus olhos, ela estava de olhos fechados. Observei suas sardas e sua boca que eu desejava mais que tudo poder sentir na minha, ela abriu os olhos e aquelas íris azuis me encararam de forma intensa. — Está tudo bem? — perguntou me encarando e podia perceber que não estava ali por curiosidade somente, estava preocupada e podia ver em seu olhar. — Sim, só precisava de um pouco dessa paz. — Que bom, se quiser posso sair... — ela falou se levantando e rapidamente segurei em seu braço, senti uma vontade imensa de colocá-

la sentada em meu colo para poder apreciar seu rosto mais de perto, tocá-la e sentir melhor seu perfume. Que loucura de pensamento é esse? — Não, fica, por favor! — pedi a ela, que sorriu e se sentou novamente. Meu coração já estava como um louco, batendo forte em meu peito. Sentia-me até bobo perto dela, mexia tanto comigo, nunca me senti tão atraído por uma mulher assim. — Então, gostou do jantar? — perguntei tentando entrar em uma conversa mais segura. — Gostei muito, estava tudo muito delicioso. — A Rosa é maravilhosa na cozinha, ela trabalha conosco desde que eu e Catarina éramos pequenos — respondi me lembrando da Rosa, ainda tinha que passar na cozinha para dar um abraço nela. — Nossa, então ela acompanhou o crescimento de vocês. — Sim, ela nos criou e muito bem, mas depois que crescemos e saímos de casa, meu pai se casou novamente e ela quis vir para cá, disse que não se dava bem com a nova mulher dele. — Não sei o porquê, mas me senti à vontade para falar aquele assunto com Juliete tranquilamente, simplesmente fluiu. — É, tem pessoas que são difíceis de lidar, mas com o tempo a gente aprende. Ah, já agradeço a você por nos deixar conhecer esse lugar lindo. — Não precisa agradecer, foi por mérito de todos e já queria um momento assim com a equipe, faz bem e relaxa bastante. — Verdade, o ar puro faz muito bem, traz paz, ainda mais vivendo em uma cidade grande e movimentada como São Paulo. — E você conseguiu se adaptar com tudo isso, sente saudades da sua cidade? — Sinto falta de algumas coisas sim, mas já me adaptei com São Paulo — ela falou com temor na voz, desviou o olhar e olhou para o céu, senti

que Juliete veio para cá para fugir de algo. — Imagino, mas vi como se adaptou bem ao trabalho, a faculdade anda bem? — mudei de assunto para que ela não fosse embora. — Sim, estou começando a pensar no tema para trabalhar em minha monografia, fora que tenho vários outros trabalhos. — Sei muito bem como funciona, saiba que, se precisar de ajuda, estou à sua disposição. — Muito obrigada, Andreas. — O vento bateu forte e o cabelo dela bagunçou, seu perfume me envolveu e, sem pensar, me aproximei e o coloquei atrás de sua orelha e senti seus olhos me fitarem intensamente. Ficamos assim até que Alícia chegou arranhando a garganta. — Com licença — ela falou e fechei meus olhos antes de me virar para a minha amiga, que me encarou maliciosa. — Desculpe interromper, mas precisamos acertar alguns detalhes da festa, Andreas. — Bom, vou indo para deixar vocês à vontade! Boa noite! — ela falou meio sem graça por Alícia ter nos flagrado, ficou com as maçãs do rosto rosadas, achei aquilo tão lindo e tentador. — Bom descanso, até amanhã, Juliete — falei e Alícia também, ela saiu e ficou observando até ela sumir da minha vista. — Nossa, Andreas! Me desculpe, sei que parecia estar rolando um clima aqui, até eu pude sentir. — Alícia, você é demais. Juliete e eu estávamos só conversando, nada de mais. Vamos falar da festa, que é melhor e ainda tenho que ver a Rosa. — Ah, ela estava falando disso porque Catarina já passou lá na cozinha, aliás, que mulher maravilhosa, ficamos conversando e rindo muito juntas nesses dias que passei aqui para resolver a decoração da festa. — Eu imaginei isso. Que bom, sabia que se dariam bem.

— Vamos começar então — ela falou animada e não parou mais, acertamos os detalhes que faltavam da festa, entramos novamente e bebemos mais um pouco de vinho juntos. Passei na cozinha e Rosa abriu um sorriso lindo e saudoso quando me viu. — Ah, meu menino! — Senti o carinho na sua voz embargada ao me ver, aproximou-se já acariciando meu rosto e cabelo como ela sempre gostou de fazer. — Que saudades senti de você e Catarina. — Precisa parar de me chamar de menino, já estou ficando velho. Ela me encarou brava. — Para mim, você sempre será meu menino, como você está? — Estou bem, trabalhando muito, como gosto. — Disso eu sei, mas quero saber como anda aqui. — Ela tocou em meu peito no lugar do coração. — Andreas, você precisa encontrar uma mulher para se apaixonar e se casar. — Dona Rosa, você não muda. — Sorri para ela e beijei o topo de sua cabeça com facilidade, pois ela era baixinha e, quando cresci um pouco mais que ela, adorava fazer isso e a acolher em meu abraço. — Ainda bem que você sabe disso, falei com Catarina e ela está feliz, vi o brilho no olhar dela assim que entrou. Ela está apaixonada. — Você não perde uma, tão esperta, dona Rosa. — Ela sorriu para mim, como se soubesse de tudo, e não duvidava disso, nunca conheci alguém tão sábia como Rosa. Ela era a referência de mãe para mim, esteve ao nosso lado nos momentos mais importantes das nossas vidas, minha e de Catarina. Nem sabia expressar o quanto era grato a ela por estar presente enquanto ficávamos sozinhos e meu pai saía para seus compromissos com a alta sociedade de São Paulo. — Um dia, meu menino, você vai encontrar de verdade seu caminho, sabe muito bem do que estou falando, não é?

— Sei sim, apesar de achar loucura, é só um sonho, dona Rosa — falei e ela balançou a cabeça negando. — Eu amo tocar piano, mas viver para a música exigiria muito do meu tempo e o escritório... Ela se virou e me silenciou. — Você não sabe, mas eu sinto que seu destino não é ser advogado, mas quem precisa descobrir isso é você e sozinho. Só pense no que está fazendo da sua vida, sei que ama sua profissão. Mas reflita um pouco sobre tudo que realmente deseja, deixe seu coração falar, é somente isso o que peço para você, meu menino. — Ela me abraçou novamente e me despedi dela. — Obrigado, tenha uma boa-noite e descanso, saiba que amo muito a senhora — falei com a voz embargada, me emocionei com o que ela falou, pois dona Rosa me entendia mais que eu mesmo e eu precisava realmente pensar no que andava fazendo da minha vida. Subi pensando em suas palavras. Quando cheguei no meu quarto e vi aquele quadro, que ganhei da minha querida Rosa, na parede onde ficava a cama, entendi boa parte do que ela havia me falado. Não poderia negar que havia um fogo dentro de mim que me tentava a largar o escritório e me entregar à música, terminar meus estudos e focar na vida de pianista além de fazer ações sociais para ajudar crianças. Meu sangue corria em alta velocidade pelo meu corpo só de pensar nisso, assim como quando estava perto de Juliete, aquela garota que estava me deixando com um desejo louco de beijá-la e possuí-la de todas as formas. Não sairíamos ilesos caso algo acontecesse entre nós dois, era muita loucura.

Acordei cedo ansiosa demais para aquele sábado, pois seria um dia cheio e à noite ainda teria a festa. Passei parte da noite pensando na conversa e troca de olhares que tive com Andreas e no que ele me fazia sentir. Em toda a minha vida, nunca pensei que teria como sentir algo tão forte por alguém que sequer beijou, loucura não é mesmo? Não sei o que está se passando pela cabeça dele, mas percebo que ele se sente da mesma forma. Levantei-me primeiro que a Sininho, que sempre enrolava na cama alguns minutos, tomei banho animada para o dia que teríamos naquele lugar maravilhoso. Escovei os dentes, hidratei a pele e passei protetor solar; era muito branca e minha pele exigia um cuidado ainda maior. Sininho entrou animada cantando uma das músicas novas de Melim: Quem me viu. — Quem me viu chorar por aí. Hoje nem vai me reconhecer. A velha tristeza serviu pra fortalecer. — Essa letra sempre me fazia chorar, não de

tristeza e sim pelas lembranças de como vivia em Holambra e como vivo agora. — Amo a letra dessa música e você sabe. — Ela sorriu e me abraçou. Emocionei-me, pois, ela como ninguém mais sabia por tudo que passei para chegar até onde estou. — Sei sim e sempre que ouço, me lembro o quão forte você é e isso me dá um baita orgulho da mulher que está se tornando, minha amiga. Sorri e deixei as lágrimas caírem ao mesmo tempo. — Nem sei o que faria sem você, Sininho! Amo você e sabe que pode contar comigo sempre. — Digo o mesmo, é recíproco. Então quem te viu quem te vê, Srta. Barnes — ela cantou com o tom da música e quando saí dali, ouvi o som vindo da mesinha de cabeceira ao lado da cama. Mais uma música de Melim, Cantando eu vou, que também já estava viciada. Eles lançaram o álbum novo recentemente e já escutei tanto, que cantava sem mesmo perceber. Procurei pela minha roupa, que deixei separada para aquele dia. Como sabia que poderíamos andar a cavalo ou passear, escolhi uma calça jeans confortável, um camisete xadrez e uma bota de cano baixo, com salto baixinho e muito macia. Enquanto me arrumei, Sininho tomou banho cantando alto. Quando acabei de calçar a bota, ajeitei a blusa e coloquei um cinto que ganhei da minha mãe. Lembrei-me dela e do quanto me deixava feliz com presentes tão simples e especiais para mim. Hoje dava ainda mais valor, porque eles me traziam lembranças dos momentos que passamos juntas, quando ele simplesmente sumia por dias. Desconfiava que tinha uma outra família e doía só de pensar que podia fazer o mesmo com outra mulher ou até mesmo pior do que fazia com minha mãe.

— Nossa! Faltou só um chapéu. — Sininho chegou me tirando daquele pensamento, forcei um sorriso e ela me fitou, curiosa. — O que foi? Não gostou? — perguntou passando os olhos pelo meu corpo e parou no cinto. — Ah, é claro, o que acabamos de falar? Sei que tem muitas lembranças e nem todas são boas e até mesmo quando são levam as ruins. Mas vamos esquecer isso e viver o dia como merecemos nesse lugar maravilhoso? — Vamos sim. — Levantei as sobrancelhas e assenti. — Estou muito animada para o que teremos para fazer hoje. Com toda certeza vamos andar a cavalo, aproveitar a vista linda e tranquila desse lugar, além de que ontem ouvi rumores de que poderíamos passar algumas horas no spa. — Nossa, que chique, nunca estive em um spa antes. — Nem eu, então temos que animar, vamos poder relaxar antes da festa. Estou bem animada, Adam está muito interessado em mim e rolou um clima entre nós dois. — Isso eu pude perceber ontem, tive que sair de perto para não ficar queimando vela. — Ela riu alto e depois tapou a boca percebendo seu exagero. — Você percebeu então? Não é coisa da minha cabeça, porque fiquei meio em dúvida dos sinais de que ele me enviava. — Para mim estava bem nítido, não é coisa da sua cabeça, acho até que hoje rola algo mais. — Nossa, acha mesmo? — perguntou animada e fiquei feliz por minha amiga. — Oh, se acho! — bufei e depois sorri para ela. — Agora me conte o que rolou ontem com Andreas, sei que o procurou.

— Como sabe que fui atrás dele? — Juju, somos amigas desde pequeninas e sei muito bem quando acontece algo que te deixa até com insônia. Quero que me conte tudo, sabe que nunca vou te julgar, até mesmo porque estou na mesma situação, apesar de ser bem diferente. — Você não tem jeito. Não te contei ontem porque estava pensando em tudo que sinto quando estou com ele. É uma loucura, às vezes me vejo fazendo coisas sem pensar, apenas porque não consigo me controlar. — Isso que vocês têm é algo bem raro, apesar de que me sinto do mesmo jeito com Adam. Fico falando aqui daquele jeito, mas é sério. Só o olhar dele já me diz muito mais se ele falasse comigo. Sei que ele me quer, é simples. — É o que vejo nos olhos do Andreas. — Então, vamos viver, Juju, nos preocupamos com o depois quando ele chegar. Vamos viver hoje e pronto. — Está certa, Sininho, como sempre. — Ela me abraçou e depois descemos para o café da manhã, que estava farto; tinha de tudo em uma mesa enorme de madeira marrom clara. Vi Andreas de longe e, quando o olhei, ele já estava me encarando, aquilo era torturante e gostoso ao mesmo tempo, como a Sininho falou viverei o hoje. Depois do café saímos para conhecer as outras dependências do haras, passamos pelo estábulo, que era enorme e possuía muitas baias, todas muito bem cuidadas e limpas. Comparando com as fazendas luxuosas que conheci em Holambra diria que o estábulo desse lugar era muito mais bonito. Logo após a apresentação do spa e uma área de lazer com piscina, sauna e hidromassagem seguimos para aprendermos um pouco sobre os

cavalos e como estabelecer um vínculo de confiança com eles. Achei tão interessante, pois era um animal que possuía sim sentimentos e, às vezes, pensávamos que, por ser um cavalo, devíamos tratar de forma rigorosa, sem respeito. Na verdade, ele era um animal que precisava confiar para que pudesse se dar bem; se impusesse algo, talvez ele não respondesse como queria. Então depois de aprender um pouco sobre isso, nos ensinaram a montar, mas eu e Sininho já sabíamos, pois convivemos com cavalos antes, em Holambra. Andamos pelo campo vasto e verdinho, o sol estava começando a esquentar; quando o cavalo apressou, fomos mais longe e percebi Andreas ao meu lado quando paramos debaixo de uma árvore. Ele ajeitou a corda e desceu do cavalo parecendo que nasceu naquele lugar, fiquei encantada. Ofereceu ajuda, mas neguei, pois sabia descer de um cavalo, ele me observou e sorriu. — Você sabe mesmo andar a cavalo. — Em Holambra aprendi a cavalgar — tentei explicar, mas depois me dei conta de aquilo podia ter duplo sentido. Ele levantou a cabeça e sorriu. — Fique tranquila, entendi o que quis dizer. Fiquei aliviada e balancei a cabeça não acreditando naquilo. — Está gostando? — ele perguntou me fitando intensamente. — Muito, poderia viver em um lugar assim, mas penso que quando envelhecer, né, amo a cidade e toda aquela rotina do dia a dia. — Claro. — Ele desviou o olhar para o vasto campo com inúmeras árvores e ao fundo as serras que ladeavam o lugar. — É um lugar para ficar em paz, mantenho esse haras, porque sei que um dia vou passar a viver aqui.

— É um bom plano — falei e ele voltou seu olhar a mim e mantive-o sem perceber por quanto tempo ficamos nos encarando assim, então Adam e a Sininho chegaram agitados. — Ei, vocês dois, vamos logo, o almoço já vai ser servido! — seu amigo falou alto, então montamos nos cavalos e saímos atrás deles. Às vezes me virava e ele estava me observando. Senti-me como uma adolescente quando se interessava pela primeira vez por um rapaz, só que de forma ainda mais intensa. Pois meu corpo e coração nunca havia sentido assim antes, parecendo que ganhava ainda mais calor e batimentos. O almoço foi preparado de forma primorosa pela dona Rosa, que depois conheci, pois eu gostava de visitar a cozinha e ela foi tão simpática comigo. Conversamos sobre amenidades, por incrível que pareça me senti à vontade para falar da minha vida em Holambra, mas nada de mais, somente sobre as comidas, os lugares na cidade e ela disse que amaria conhecer a cidade das flores. Após o almoço, Sininho e eu descansamos e marcamos nosso horário no spa, pois estavam organizando para que todos pudessem desfrutar dele. Conversamos deitadas de pernas para o ar na cama, como fazíamos sempre desde crianças e depois de rir bastante dela e sua atração pelo Adam, a forma como eles se provocavam era muito diferente de tudo que minha amiga já viveu. Fomos para o spa e nunca poderia imaginar que teria uma oportunidade dessas. Quando entrei, já me senti em paz e mais tranquila. Quando me deitei seminua, fiquei um pouco envergonhada, mas a moça veio e foi tão simpática, que me deixou mais relaxada. Ela massageou desde meus pés até chegar nos ombros e me desliguei de tudo, sentindo uma paz enorme e o relaxamento em todos os meus músculos. Depois da

massagem fui para um banho relaxante que ela disse ser para deixar meu corpo melhor. Fiquei leve demais depois e voltei para o meu quarto para me arrumar para a festa. Escolhi um vestido mídi com caimento leve, na cor verde com decote em V, mas não ousado, atrás ele era mais aberto. Fiz uma maquiagem mediana como eu gostava, não sou muito de fazer maquiagens elaboradas, gostava de estar mais natural. O cabelo deixei as ondas, coloquei uma presilha em uma mecha que deixava o caimento mais bonito e destacando mais o rosto, puxei dois fios finos na frente e estava pronta. Sininho escolheu um vestido branco com decote V ousado, que deixava sua pele morena incrível exposta. Os cachos perfeitos davam ainda mais charme a minha amiga, que passou um batom vermelho lindo em seus lábios carnudos. Meu sonho era ter lábios assim volumosos e bem desenhados como os dela; quando sorria, ela deixava a todos babando. Acho que Adam não vai resistir à mulher linda que minha amiga era, ele já estava arriado, só precisava tomar atitude e seguir em frente. No corredor, já podia ouvir a música sertaneja se fazendo presente pelo ambiente, descemos as escadas e boa parte da turma já estava curtindo a festa. Alícia estava um espetáculo andando de um lado para o outro cuidando de tudo e sorriu assim que me viu. — Que deusas, hum... vocês estão maravilhosas! — ela falou, sorrindo, e depois nos abraçou. — Sejam bem-vindas à festa! Espero que gostem, aproveitem! Adam a Andreas já estão na área, hein? — Ela piscou para mim e Sininho, enrubesci e Laura se animou. — Que festão, a decoração está maravilhosa, parece até festa de final e ano com essa decoração dourada e prateada — ela comentou e tive que

concordar, mas Alícia deu o toque de elegância em cada cantinho. Arrastaram os sofás e os deixaram no fundo daquela área de convivência, o balcão do bar foi montado ao lado da pista de dança, que tinha luzes coloridas e vários cordões de luzes de LED douradas. Sininho me puxou para o bar de vidro iluminado e pedimos nosso mojito de limão, logo as músicas mudaram e vimos mais pessoas pela pista de dança. Encontramos Adam e Andreas no canto, Benjamin e Catarina estavam dançando e Henrique e Daiane também. Percebi o olhar dele passar por todo meu corpo e me queimar como uma brasa com a vontade de sentir seu toque e até mesmo sua boca na minha. Precisava sair de seu campo de visão ou iria entrar em combustão. Sininho me levou também para dançar o que me fez bem, pois assim que a batida de Me Necesita, de Prettymuch feat CNCO, começou a tocar, nos entregamos. Sabendo que ele ainda estava me encarando deixei meu corpo ganhar vida com aquela canção, percebi que minha amiga também e dançamos juntas até Adam a enlaçar pela cintura e puxá-la para junto de seu corpo. Observei e queria muito que Andreas fizesse o mesmo comigo, mas apenas me observou com olhos cheios de desejo e aquilo me consumia a cada batida e refrão da música. “(Uno) She want that (Um) Ela quer isso (Dos) I'll give that (Dois) Eu darei isso (Tres) She come back, me necessita (Três) Ela volta, precisa de mim (Uno) She want that

(Um) Ela quer isso (Dos) I'll give that (Dois) Eu darei isso (Tres) She come back, me necessita (Três) Ela volta, precisa de mim Oh, baby, you got me thinking 'bout you constantly (Hey) Oh, amor, você me fez pensar em ti constantemente (Ei) Yeah, I like how you don't play no games, siempre eres real conmigo ('Migo) Sim, gosto de como você não faz joguinhos, é sempre verdadeira comigo (Comigo) So beautiful, you must be a goddess (Goddess) Tão linda, você deve ser uma deusa (deusa) Ya tienes mi corazón (Corazón) Já tem o meu coração (Coração) How you go pretend to be modest? (Modest) Como você finge ser modesta? (Modesta) After how you shake it (Shake it) Depois de como você rebolou (Rebolou) Shake it, (Shake it), Shake it, yeah Rebolou, (rebolou), rebolou, sim” Quando a música terminou vi Andreas sair daquela área e sumir pelo corredor enorme que adentrava a casa e seguindo meus instintos e desejos fui atrás dele. Ele entrou na sala e já se aproximou da janela, parecia estar se controlando. Aproximei-me e ele se virou para mim. Com seu olhar no meu, podia ler tudo que nossas bocas não precisavam dizer. O silêncio dizia por si só. Minha pele se arrepiou e

meus batimentos aumentaram rápido demais e nos aproximamos sem dizer nada. Em seus olhos cheios de lágrimas podia ver a emoção que ele estava sentindo e se refletiu em mim, deixei que aquele líquido salgado caísse por meu rosto. Quando ele chegou bem pertinho de mim e senti sua mão me tocar, fechei meus olhos. Aquele toque foi algo totalmente distinto, que me fez sentir o sangue correr mais rápido pelo meu corpo e a necessidade de sentir sua pele também, o toquei. Vi em seu olhar que ele queria mais e assenti fazendo um movimento com a cabeça, suas mãos se abriram e as minhas também e só se fecharam ao redor de nossos corpos colados. Senti seu calor e ele sentiu o meu, em um abraço gostoso. Gememos sentindo o coração acelerado demais, perdemos a noção do tempo, não sei se foram segundos ou minutos. Só sei que ficamos sentindo o coração um do outro bater freneticamente. Inspiramos e soltamos o ar, enquanto somente nossas cabeças se descolaram e ele passou sua boca pela minha orelha, chegando no rosto e suavemente beijando cada pedacinho dele. Nos encaramos e sentimos o ar um do outro, nariz com nariz, ele se inclinou pegou uma mecha do meu cabelo e colou minha boca na sua. Sem poder me conter, minhas mãos vagaram para o seu cabelo e depois pelas suas costas, sentindo seus músculos bem definidos através de sua camisa, o paletó do seu terno escondia muito bem no dia a dia. Sua língua começou a se mover suavemente pela minha boca, com movimentos circulares, e o beijo foi se tornando intenso. Nossos corpos se encaixaram e percebi o quanto esperei por aquilo, meu corpo inteiro vibrou quando ele mordeu meu lábio inferior e rapidamente me virou, colou meu corpo no seu, me agarrou pelo

abdômen e começou a beijar meu pescoço, suas mãos acariciaram meu corpo, nem mesmo o tecido do vestido era capaz de esconder o calor de suas mãos. — Ah, Juliete! — ele falou com a voz rouca e gutural. Nunca o tinha ouvido falar naquele tom, aquilo me excitou. Fazia tempo que não sentia tantas sensações pelo meu corpo. Senti como ele já estava excitado também. Andreas me virou de frente de novo e tomou minha boca, dessa vez com mais lascívia, meu corpo inteiro estava pulsando para sentir mais do seu toque e da sua boca. Sua língua parecia estar sincronizada com suas mãos, com movimentos circulares ele me deixou em chamas. Quando diminuiu o ritmo e se afastou, eu me senti vazia imediatamente. — Andreas — falei fitando seu olhar escuro como nunca tinha visto antes. — Isso... — Ele passou a mão pelo cabelo e saiu andando de um lado para o outro. — Juliete, não consegui me controlar. — Fechei os olhos e depois os abri e me aproximei dele. — Nem eu, não podemos negar. Sei que temos uma relação profissional, mas desde que colocou a pulseira em meu pulso e senti seu toque, que não consigo me esquecer do calor de sua pele, do que me fez sentir. O que parecia ser um simples toque, na verdade é muito mais. Ele tocou a maçã do meu rosto, senti minha pele se arrepiar e fechei os olhos para gravar na minha mente e coração todas as sensações. — Sinto-me inteiramente viva, submersa pelo que me faz sentir. Até mesmo quando te ouvi tocar, a cada nota senti sua dor, tristeza e solidão, me senti e sinto conectada a você. A sua dor é a minha e tenho vontade de te abraçar e não soltar nunca mais. Entende a loucura e intensidade de tudo isso?

— Entendo sim, você não faz ideia do quanto pensei em você, Juliete. — Soltei o ar e ele continuou: — Desde aquela noite, sua silhueta sumindo na escuridão e seu perfume ficando marcado na minha memória é tudo no que sei pensar, mas parece tão errado e certo ao mesmo tempo, sinto-me confuso. Acariciei seu cabelo, que sempre estava tão perfeitamente alinhado e me aproximei mais dele e, sem controlar qualquer ação, o beijei novamente e nos perdemos em tudo que ele nos causava. Meu corpo inteiro precisava do dele, era como se tivesse encontrado a peça que faltava em um quebra-cabeça. Então, escutamos um arranhar de garganta feminino e tive medo de me virar e ver quem estava nos flagrando em um beijo. — Com licença, Andreas! — A voz fina de Daiane atravessou a sala e pude sentir um frio na espinha horrível, fechei meus olhos e só consegui me manter em pé porque ainda estava nos braços de Andreas. — O que aconteceu, Daiane? — perguntou com a voz contida, entredentes, e parecia muito incomodado. — Só queria conversar com você sobre aquele assunto de ontem no jantar. — Como ela ousava? Na certa, veio jogar verde para colher maduro, essa mulher não dava ponto sem nó. — Mas, pelo que vejo, está muito ocupado, volto a te procurar em outro momento — falou e ouvi o barulho de seu salto batendo no chão, como se ela estivesse correndo. Seria possível me sentir mais sem jeito do que naquele momento? Ficamos não sei por quanto tempo abraçados, com minha cabeça deitada em seu peito, enquanto ele acariciava meu cabelo e descia a outra mão pelas minhas costas. Não falamos nada, pois o silêncio que se instalou já dizia tudo, se falasse algo seria pior. Será que vamos conseguir lidar com a realidade e o que vai surgir depois dela ter nos visto?

Passei dos limites e me deixei levar por tudo que aquela garota ruiva me fazia sentir, impossível se controlar diante de tantas sensações intensas, diferentes e muito loucas. Quando vi Juliete dançando com sua amiga, a minha vontade foi de tomá-la em meus braços para sentir seu corpo mexer daquele jeito sensual junto do meu. Além de desejar sentir seu perfume direto de seu pescoço e poder beijar cada pedacinho de sua pele exposta. A minha mente simplesmente girou e pensei que, se não tivesse ninguém naquele lugar, eu faria isso, mas seria demais. Por isso, saí sem pensar pelo corredor em busca de ar, porque estava sentindo muito calor por todo meu corpo, minhas mãos queriam tocá-la e estavam coçando devido ao anseio para fazer isso. Pensando melhor, quando entrei na sala e abri a janela, pude sentir o ar da noite fresca, fechei meus olhos e ouvi alguém entrar, sabia que era ela e depois disso tudo aconteceu muito rápido.

Encarei-a e nunca um olhar significou tanto para mim, nos aproximamos sem dizer nada, pois não era necessário. Meus olhos se encheram de lágrimas tamanha emoção em estar tão próximo dela, assim como também a vi emocionada. Toquei-a e ela fechou os olhos, tão linda e delicada, sua pele se arrepiou e com o olhar pedi permissão para ir além e ela assentiu. A sintonia entre nós era mágica, algo que nunca senti, único e especial. Então nos abraçamos e foi tão gostoso, senti que esperei a minha vida toda para sentir seu corpo assim junto do meu e seu perfume, que sempre me marcou e me deixou hipnotizado. Não sei por quanto tempo ficamos abraçados, só sabia sentir seu coração bater freneticamente assim como ela devia estar sentindo o meu. De forma sincronizada inspiramos e soltamos o ar, descolamos somente nossas cabeças. Sem poder me controlar, passei a minha boca pela sua orelha e, quando cheguei em seu rosto, o beijei sentindo todo meu corpo pedir para beijar a sua boca, então puxei uma mecha de seu cabelo e tomei sua boca na minha. Suas mãos acariciaram meu cabelo e depois seguiu para as minhas costas e, conforme o beijo foi ficando intenso, as carícias pelos nossos corpos aumentaram nos deixando em um frenesi louco. Estava perdido nos lábios daquela garota. Sem mais nenhum controle e totalmente extasiado por todas aquelas sensações, mordi seu lábio inferior e a virei de costas para mim. Desejei tanto poder fazer aquilo, por muitas vezes observei seu pescoço e pensei exatamente nisso. Por isso, a agarrei pelo abdômen e beijei toda extensão do seu pescoço com minhas mãos acariciando seu corpo. Estava faminto, ela acordou algo dentro de mim que estava há muito tempo adormecido. — Ah... Juliete — falei sem poder conter o tom da minha voz, que já estava afetada por tudo que estava sentindo somente com aquele beijo.

Já estava excitado e com uma vontade louca de arrancar sua roupa e tomá-la ali mesmo, no chão daquela sala ou então no sofá. Minha mente dominada pela luxúria só pensava em como seria incrível poder sentir sua pele na minha, quente e suada. Rapidamente a virei de frente para mim e a beijei com mais necessidade e desejo, com movimentos circulares a beijei e a acariciei deixando seu corpo em chamas, podia sentir e, então, a lucidez me tomou e a consciência daquele ato me atormentou. O que estava fazendo? Ela era somente uma garota. — Andreas — ela chamou me fitando. — Isso... — Passei a mão pelo meu cabelo sem controle e andei de um lado para o outro. — Juliete, não consegui me controlar. — Ela se aproximou. — Nem eu, não podemos negar. Sei que temos uma relação profissional, mas desde que colocou a pulseira em meu pulso e senti seu toque, que não consigo me esquecer do calor de sua pele, do que me fez sentir. O que parecia um simples toque, na verdade é muito mais. — Sem me conter, toquei a maçã do seu rosto e ela fechou os olhos, sabia o que ela estava sentindo somente vendo isso. — Sinto-me inteiramente viva, submersa pelo que me faz sentir. Até mesmo quando te ouvi tocar, a cada nota senti sua dor, tristeza e solidão, me senti conectada a você. A sua dor é a minha e tenho vontade de te abraçar e não soltar nunca mais. Entende a loucura e intensidade de tudo isso? — Entendo sim, você não faz ideia do quanto pensei em você, Juliete. — Ela soltou o ar que estava prendendo. — Desde aquela noite, sua silhueta sumindo na escuridão e seu perfume ficando marcado na minha memória é tudo no que sei pensar, mas parece tão errado e certo ao mesmo tempo, sinto-me confuso.

Ela acariciou meu cabelo e se aproximou mais e me beijou com paixão e desejo, e não consegui negar tudo aquilo. Havia uma energia que me puxava para ela e agora não tinha mais jeito, nos rendemos aquele desejo e seria difícil me controlar perto dela. Mas escutamos um arranhar de garganta feminino e meu corpo inteiro congelou, não consegui sair do lugar. Abri meus olhos e dei de cara com a pessoa que vinha testando e muito minha paciência, poderia ser qualquer outra, mas ela, fiquei ainda mais perdido. — Com licença, Andreas. — A minha vontade foi de fechar a porta e não falar com ela, mas respirei fundo para responder. — O que aconteceu, Daiane? — perguntei entredentes, tentando me controlar para não surtar com ela de novo. — Só queria conversar com você sobre aquele assunto de ontem no jantar. — Ela só pode estar louca se pensa que ainda quero falar sobre isso. Meu Deus! O que essa mulher tem na cabeça? — Mas, pelo que vejo, está muito ocupado, volto a te procurar em outro momento. — Ela nem me deixou responder nada e saiu correndo pelo corredor fazendo um barulho ensurdecedor para os nossos ouvidos. Juliete estava ainda mais agarrada a mim e não consegui deixá-la. Nosso silêncio mais uma vez falou por nós dois e deixamos assim, pois não havia volta. Não sabia o que pensar e muito menos o que fazer. Sentia-me como um adolescente, perdido e com o coração batendo de forma frenética. Ficamos mais um tempo abraçados até que tomei a atitude de a encarar, não havia mais volta. — Juliete, não sei o que te dizer. — Seus olhos azuis me fitaram cheios de lágrimas, mas havia muito significado neles. — Eu sei, não quero que se sinta culpado e muito menos obrigado a procurar desculpas para o que aconteceu. Só quero que pense; e se caso

ela fizer algo, vamos assumir e ver o que vai acontecer. — Nem me sinto culpado, só sinto pesar de não poder ter você comigo. — Quem disse que não pode? — perguntou mudando sua postura e me enfrentando. — Sou seu chefe e mais velho que você, isso já são motivos relevantes para me manter longe de você e respeitá-la. Ela bufou e rolou os olhos, tão atrevida. — Tudo bem que é meu chefe, mas a idade, Andreas? — Ela se afastou e virou de costas para mim. — Não é motivo! — respondeu brava, com toda razão, nem eu estava me entendendo. — É sim e não me diga que nunca pensou nisso antes, porque sei que, em algum momento, se lembrou disso. — Claro que sim, mas não é um empecilho. — Encarei-a e em seu olhar havia um apelo, para que não a deixasse. Mas o que eu podia fazer? Eu era o mais velho e precisava pensar em tudo que nos envolvia de forma mais certa. — Mas é para mim e preciso pensar em tudo, processar melhor — falei e ela só me olhou e saiu chateada. Sinceramente não queria que terminasse assim. Sentei-me no sofá, abaixei a cabeça e fiquei por um tempo ali, sabia que tinha de voltar para festa, queria que tudo fosse mais fácil só que não era. O que eu poderia fazer? Sou mais velho que ela e seu chefe. Claro que todos falariam que estou lhe dando regalias por causa disso, não seria justo muito menos com Juliete. Ainda mais ela, uma garota inteligente e trabalhadora, que estava para terminar a faculdade e merecia se tornar uma advogada extraordinária. Não esperava menos que isso só por vê-la atuando como estagiária no escritório.

— Andreas. — Escutei a voz de Benjamin e olhei para trás sem graça. — Ben, eu saí da festa... — Eu a vi — ele me cortou —, foi lá para fora, a amiga foi atrás dela. O que aconteceu? — Aconteceu que nos beijamos e isso não poderia ter acontecido, me senti como um adolescente fora de controle. — Mas, Andreas, uma hora ou outra isso iria acontecer. Por que está se martirizando tanto? Não foi bom? — Só que não poderia, o problema é justamente esse, Ben. Foi melhor que eu imaginava, eu queria muito estar com ela em meus braços agora, mas Daiane entrou aqui e viu tudo. — O quê? Mas... — Ele balançou a cabeça e se sentou ao meu lado. — Ela está me tirando do sério, se surgir qualquer fofoca no escritório sobre isso, ela pode se preparar porque não tenho mais controle algum de tolerar seus joguinhos. — Ah, ela fica te seguindo até mesmo com o olhar, te vigia o tempo todo, mesmo estando com aquele Henrique no pé dela. — Pois é, preciso saber o que ela tanto quer, porque, sinceramente, Ben, acho que ela tem um interesse maior do que só em mim, entende? Ela vai fundo com esses joguinhos e já está me estressando. — Não consigo entender ela dar em cima de você e estar com Henrique. — Vai entender, mas eu preciso saber o que ela realmente quer com tudo isso. Vir querer falar comigo sobre minha mãe e agora ainda tem Juliete na jogada. — Vamos ver como ela vai agir; e, se caso sair alguma fofoca sobre isso, você assume e pronto, fala que a beijou e foi somente uma vez. Aconteceu e pronto.

— É, posso fazer assim, mas não sei se vai ficar só nisso, agora que a beijei vai ser difícil resistir. Estar tão perto dela e não poder sentir a sua pele e sua boca. Estou ficando maluco, meu amigo. — Sei bem como é, mas quer um conselho? — Ele me fitou seriamente. — Diga, Ben — falei sabendo o que iria dizer. — Deixa acontecer, pare de ficar procurando justificativas morais para deixar de viver algo que seu coração deseja tanto. A vida é um sopro e estamos aqui para viver. Pensa nisso. Vamos voltar logo antes que Adam chegue com Alícia. Voltamos para a festa e fiquei mais no bar bebendo, depois fui lá para fora e não encontrei Juliete. Quando voltei, tomei o restante da minha bebida e fui na cozinha e encontrei Rosa conversando com a “Ariel”. As duas estavam rindo de algo e, quando cheguei, elas me fitaram e Juliete logo fechou seu sorriso, parecia estar chateada e aquilo me afetou instantaneamente. — Ah, meu menino, estava falando com essa moça sobre quando era criança e rimos quando contei que você caiu do cavalo de tanto que insistiu em aprender a andar. — Verdade, foi um momento e tanto da minha infância. Você me deu bronca e depois ficou rindo como agora. — Claro, foi engraçado e eu havia acabado de te falar para ter calma, mas não, você insistiu com o pobre coitado do cavalo e não deu outra, ele te derrubou e caiu de bunda no chão. — Elas voltaram a sorrir, admirei o sorriso de Juliete que congelou novamente quando a fitei e me senti mexido em ver o quanto a minha presença a estava chateando. Não era assim que gostaria que Juliete se sentisse.

— O sorriso dela é lindo, que garota simpática, Andreas, não é mesmo? Juliete ficou sem graça, parou de sorrir e me encarou seriamente. Rosa piscou para mim e se virou novamente para o balcão da cozinha. Claro que ela percebeu a forma como encarei Juliete, nada passava por Rosa. Meu corpo formigou com a vontade de puxar a “Ariel” e abraçá-la até poder tirar toda aquela chateação dela, mas me controlei respirando fundo. — Concordo com você, Rosa. Juliete tem um lindo sorriso — concordei, ela tinha total razão. Então, Alícia entrou na cozinha com Adam e a amiga de Juliete. — Vejam só que é na cozinha que as coisas estão interessantes — Alícia falou e Adam puxou a amiga de Juliete pela mão abraçando-a pela cintura. Ele não tinha mesmo um pingo de juízo. A mocinha sorriu e jogou seu cabelo cacheado de lado e o fitou encantada. — Estamos só conversando aqui, recordando alguns momentos da minha infância, não há nada de mais nisso. — Claro que não, mas a Rosa está com cara de quem estava aprontando — Adam falou e ela sorriu de lado e concordou com ele. — Meu querido, sei das coisas — ela falou me fitando e só devolvi o olhar para a mulher que realmente me criou, a minha única referência de mãe. Ainda bem que o assunto parou ali, Alícia falou de outra coisa e saímos pelo corredor. Quando cheguei na festa sentia o olhar da Daiane por onde ia e aquilo estava me deixando com raiva. Como ela ousava ficar se intrometendo em minha vida? Se achava nesse direito só porque era minha prima? Pois iremos conversar e resolver isso na segunda-feira no escritório. Não suportava mais isso.

Tive que sair da festa para conseguir respirar, sabia que ele pensaria algo assim, Andreas era o tipo de homem que se preocupava com a sua moral. Mais que isso, com o que os outros irão falar. E aprendi desde muito nova a não me importar com tal, para viver conforme o que me fazia feliz. Como dizia minha mãe: “guarde somente o que realmente vai acrescentar algo bom em sua vida, o resto abstrai e finge demência”. Hoje, vejo o quanto ela tinha razão, havia tantas situações que vivia atualmente que me faziam recordar de tudo que minha mãe me ensinou. Ela se foi apenas desse mundo, pois ainda vivia comigo em minha memória. Seus ensinamentos perpetuavam em mim até hoje e seria assim até quando eu ficasse velhinha. Andreas estava confuso demais, por isso o deixei sozinho para pensar direito, esperava que ele fosse levar em consideração que aquele beijo foi a resposta para tudo que sentimos antes mesmo de ter o contato físico. O que aconteceu só foi a comprovação do que o corpo e o coração desejavam. Não dava para negar algo assim, sabia que ele resistiria um

pouco, mas não queria desistir dele. A forma como Andreas me fazia sentir era tão forte, meu coração ficava acelerado, meu corpo inteiro se arrepiava e não havia como ignorar. Depois que saí, voltei, dancei um pouco e fui a cozinha, lá conheci Rosa e conversamos um pouco, ela me falou que criou Andreas e Catarina com muito amor. Pois sabia que eles sentiam falta da mãe, principalmente ele que conviveu mais com ela. Ela me contou que a mãe dele tocava piano lindamente e então entendi o fato dele amar música clássica e aquele instrumento em específico. Claro que preferia descobrir isso através dele, mas nas circunstâncias que estávamos não saberia disso tão cedo, já que ele se negava a levar adiante o que aconteceu. Rimos alto quando ela me contou sobre como ele foi teimoso e queria aprender andar a cavalo e o animal o derrubou no chão. Como se estivesse sabendo que estávamos falando dele, Andreas chegou nesse momento nos fazendo encará-lo. Rosa falou que o motivo da nossa risada era seu tombo do cavalo na infância e ele assumiu que havia sido um tombo e tanto e rimos de novo. — O sorriso dela é lindo, que garota simpática, Andreas, não é mesmo? — Fiquei um pouco sem jeito e parei de sorrir, encarando-o seriamente. Rosa se virou novamente para o balcão da cozinha e percebi como Andreas respirou fundo. — Concordo com você, Rosa. Juliete tem um lindo sorriso — ele concordou com a Rosa e Alícia entrou na cozinha com Adam e a Sininho cheia de sorrisos para o seu moreno. — Vejam só que é na cozinha que as coisas estão interessantes — Alícia falou e Adam puxou a Sininho pela mão abraçando-a pela cintura. Ela realmente conseguiu conquistar o moreno bonitão. Sorriu e jogou seu cabelo cacheado de lado e continuou sorrindo para ele, parecia

realmente encantada. Só depois que ela me viu ao lado de Andreas, sorriu e balançou a cabeça aprovando. Mal sabia ela como tudo terminou. — Estamos só conversando aqui, recordando alguns momentos da minha infância, não há nada de mais nisso. — Claro que não, mas a Rosa está com cara de quem estava aprontando — Adam falou e ela sorriu de lado e concordou com ele. — Meu querido, sei das coisas — Rosa falou fitando Andreas. Ainda bem que Alícia falou de outra coisa e saímos pelo corredor. Depois que voltamos, às vezes sentia o olhar da Daiane em mim, um olhar de ódio e já não via a hora de ir me deitar, mas a festa rendeu até de madrugada. Bebi e dancei com os outros estagiários, já que a Sininho não se desgrudava de Adam, os dois estavam indo juntos até mesmo no banheiro. Um grude nojento. Na verdade, estava frustrada porque queria mesmo era que Andreas estivesse assim comigo, mas ele ainda estava com ressaca moral pelo que aconteceu entre nós e o fato de Daiane ter visto só piorou as coisas. Quando terminou tudo e fui me deitar, fiquei pensando no beijo e em como ele me fez sentir. Aquilo não poderia terminar assim, foi o melhor da minha vida e eu queria muito mais com aquele homem. Ah, como ele estava lindo e cheiroso, vestido de forma casual e descontraída. Ainda assim, muito elegante, com uma camisa polo azul-marinho e uma calça bege clara, o cabelo perfeitamente alinhado. Seu perfume... ah... tão másculo, marcante. Poderia viver somente sentindo seu cheiro exalar de sua pele. E minha nossa, gostaria muito de vê-lo sem camisa, na verdade sem roupa nenhuma. Tapei a boca com o quão longe fui em meus pensamentos e depois sorri, olhando pela janela com o dia quase raiando.

Laura não voltou para o quarto e não me preocupei, ela sabia como viver a vida e deu sorte em encontrar um homem que não se preocupava com a idade e nem com o que os outros falariam. Eles estavam se beijando no meio da festa, sorrindo e se divertindo juntos, fiquei feliz por minha amiga. Ela veio convicta de que iria conquistá-lo e conseguiu. O que Sininho não conseguia? Adormeci sem ver, me questionando sobre o que iria acontecer comigo e Andreas depois dessa festa. Confesso que senti um frio no estômago só de pensar, mas estava preparada para o que tivesse de acontecer. Principalmente se aquela loira nojenta soltasse a fofoca.

Quando acordei, encontrei-me com a Sininho saindo do banho enxugando o cabelo e sorrindo feito boba. — A noite foi boa, hein? — Perfeita, melhor impossível! — Ela se sentou na beirada da cama e se animou. — Aquele homem é MA-RA-VI-LHO-SO — soletrou e sorri. — Nossa, então foi mais do que esperava? Maravilha, Sininho! — comemorei com ela, que abriu um sorriso enorme. — Muito mais, que homem! — falou se abanando e ri de novo dela. — Você não existe, morro de rir com você!

— Mas me conte aqui e você? Vi que sumiu em vários momentos da festa. — Andreas e eu nos beijamos, mas naquela sala fechada. — Opa, espera aí! O lorde se rendeu à Pequena Sereia? — O que você está falando, Sininho? — Adam me contou que eles te acham parecidíssima com a Pequena Sereia, falam que você é a “Ariel” do lorde Andreas. — Fechei os olhos não acreditando naquilo e depois ri. — Eles são demais, Juju. Alícia te apelidou assim e eles sempre comentam dessa forma, bom que ninguém desconfia de nada. Mas o que aconteceu? Você parece estar chateada. — Nos beijamos e foi perfeito, mas ele logo parou o beijo e começou a falar que perdeu o controle, que não poderia, pois ele é meu chefe e muito mais velho que eu. E, para piorar, aquela cobra da Daiane viu a gente se beijando. — Minha nossa, mulher, que babado é esse? Mas aqui essa Barbie paraguaia vai dar com a língua nos dentes, com toda certeza. — Ela se levantou e começou a andar agitada. — Andreas ficou incomodado com o fato dele ser mais velho, diferente do Adam, claro que ele iria ficar confuso se fez certo ou errado. Mas e você como se sente? — Quero-o, apesar de tudo, Sininho. É loucura minha? — Olha desde que isso não te prejudique, lute pelo que seu coração deseja. — Claro, não farei nada que vá me atrapalhar dentro do escritório, mas acho difícil não me afetar. — Lógico que vai afetar, mas não deixe te derrubar. Seja sempre a Juliete, estagiária extraordinária e pronto. As pessoas não terão motivos para falar de uma pessoa que trabalha bem, se esforça e é muito inteligente e eficaz no que faz.

— Então acha que não devo desistir dele? — Se é o que seu coração deseja, não desista e o faça enxergar que não vale a pena viver sempre pisando em ovos nas suas ações pensando no que os outros vão pensar. — Isso mesmo, obrigada, minha Sininho linda. Agora vamos nos arrumar, pois temos que tomar café e ir embora. — Claro e não se esqueça: passe por cima dessa cobra e a esmague. Não deixe ela te colocar para baixo. — Não vou deixar, pode ficar tranquila. — Abracei-a. Sempre quando conversava com a Sininho, ela me colocava para cima, não me julgava e sempre era sensata.

Depois que descemos e tomamos café, nos despedimos de todas da casa, fui na cozinha para agradecer a Rosa pela conversa de ontem, ela me disse para voltar quando quisesse. Adorei sua simpatia e sinceridade, uma senhora cheia de vida que sabia das coisas. — Não desista de seus sonhos, seja forte e encare o que vier de cabeça erguida. — Pode deixar que vou fazer o meu melhor. Ela sorriu e me abraçou.

— Vá com Deus, garota! — Deu-me um beijo estalado, saí da cozinha e fui até o ônibus, entrei e trombei com Andreas, que me deixou passar na sua frente. Ele e Adam se sentaram atrás de nós, Sininho e o amigo dele não paravam de se falar e trocar amenidades e sorrisos. Quando pegamos a estrada, minha amiga sossegou e logo cochilou, também acabei me rendendo ao sono, pois o balançar do ônibus me deixou com o corpo leve e sonolento. Nem percebi quando chegamos em São Paulo, só quando senti alguém cutucar meu ombro e dei de cara com Andreas me chamando. — Juliete, Ju... — Ele parou quando abri meus olhos. — Já chegamos. — Ah sim, obrigada. — Espreguicei-me e chamei a Sininho, que acordou perdida. — Onde estamos? — Já chegamos, vamos logo. — Saímos do ônibus, Sininho e Adam se despediram com um beijo e a promessa de se falarem mais tarde por telefone. Agradecemos a todos e nos despedimos. Pegamos um café na lanchonete de frente ao escritório para que a Sininho despertasse mais um pouco para dirigir. — Nada melhor que um bom café forte. Vamos embora, Juju. — Verdade. — Pagamos nossos cafés e saímos em direção ao estacionamento do escritório, colocamos nossas malas. Chegamos no apartamento e tomamos banho e fomos dormir, queria realmente descansar um pouco minha cabeça para começar a semana, que ainda não sabia como seria. Acordei já estava noite, fui para a sala e Sininho estava sentada no sofá assistindo Jane, a virgem, na Netflix. Sentei-me e fui assistir com ela, pedimos uma pizza de pepperoni e matamos nossa fome. Depois

assistimos mais um pouco de episódios e fomos dormir, sonhei que estava com Andreas naquela sala nos beijando, mas não terminava daquele jeito e sim com ele me jogando no sofá. Mas acordei bem nessa parte, o despertador me jogou de volta na realidade, levantei e fui tomar banho. Arrumei-me e fui preparar um café para mim e a Sininho tomarmos. Chamei-a quando fui arrumar minha pasta e bolsa, ela rolou na cama e depois se levantou meio mal-humorada. Sabia que depois do banho e café ela ficaria mais animada, por isso voltei na cozinha e fiz ovos mexidos como ela gostava, bem molhadinho com queijo ralado. — Você é demais, já te disse isso hoje? — Não, mas obrigada, Sininho. — Nem precisa agradecer, Ariel! — ela me chamou pelo apelido que os amigos de Andreas me colocaram. — Vai me chamar assim agora? — Gostei muito, não tinha pensado nisso antes, mas não é que você se parece muito a Pequena Sereia? Acho que vou, algum problema? — Prefiro Juju, se não for demais. — Está bom, só queria ver como iria reagir. — Ela sorriu e se calou, comeu e tomou seu café. — Vamos logo que preciso chegar mais cedo hoje no escritório, Catarina falou que temos um novo projeto. — Ah, claro, não se preocupe que vai chegar adiantada. — Levanteime e guardei tudo, deixando somente a louça para ela lavar. Escovei dentes, passei o Balm Tint e um pouco de perfume, peguei minha bolsa e a Sininho já estava me esperando.

Assim que cheguei na Scolari&Antúnez, percebi que as pessoas estavam me olhando diferente, desejei um bom-dia a todos normalmente e continuei o caminho até a sala dos estagiários. Quando entrei, todos pararam o que estavam fazendo e me encararam, alguns cochicharam até Angelina se aproximar de mim. — O que está acontecendo? Por que estão me olhando assim? — Você não sabe? Chegou no celular de todos do escritório uma foto em que você e Andreas estão se beijando, é de um número anônimo. — Não olhei o celular hoje, meu Deus! — Fiquei boba que aquela loira nojenta foi tão longe com isso. Como pode expor a vida dos outros dessa forma? Entrei na sala me desvencilhando de Angelina e seu olhar julgador. Guardei minhas coisas e liguei o notebook, sentei-me e peguei o celular e vi que havia uma nova mensagem. Destravei o celular, e vi a foto com os seguintes dizeres: “Chefe é visto aos beijos com estagiaria novinha”. Quanto veneno essa mulherzinha jogou ali, estou passada. Fechei os olhos e respirei fundo, pois a vontade que tive foi de sair correndo dali, mas seria dar a Daiane como vencida. E isso eu não faria, como falei com Andreas era melhor assumirmos o que aconteceu e seguir em frente, apesar de não saber como ficaremos.

Tive uma noite de insônia, ora pensava que aquilo foi muito errado, ora pensava que fiz o certo em seguir meu coração. E a noite se estendeu com uma chuva inesperada, até fiz um chá de camomila para me tranquilizar. Fiquei olhando pelo vidro do meu quarto os pingos batendo na janela, e depois fui para a sala e então vi o piano da minha mãe ali, desde que me mudei não tive coragem de tocar nele. Pois as lembranças me dilaceravam, doía muito saber que não tive mais tempo com ela e nisso várias dúvidas surgiram. Realmente era doloroso para mim, abrir esse piano e lembrar que seus dedos passaram por aquelas teclas fazendo o som mais lindo do mundo para mim. Deitei-me no sofá e fiquei ouvindo a chuva e olhando o piano, adormeci sem mesmo perceber e acordei com o celular vibrando na mesa de centro da sala ao lado do sofá. Peguei e destravei. Quando li a mensagem fiquei chocado. Não estava acreditando que ela teve coragem, a mensagem dizia de forma astuta e maldosa: “Chefe é visto aos beijos com estagiária novinha”.

Senti meu rosto queimar tamanha a raiva que tomou conta de mim, respirei fundo e tentei não perder o controle. Sabia perfeitamente quem havia feito aquilo e ela seria responsabilizada por isso: não pense Daiane que ficaria impune. Fiquei paralisado e sem saber o que fazer de imediato, perdido diria. Sempre pensei muito antes de fazer qualquer coisa na minha vida, nunca fui um homem de agir por impulso. Claro, que eu não era santo, já tive minha cota de loucuras nessa vida. Mas tudo passava, naquele momento em que vi Juliete dançando na festa, só conseguia pensar como seria tê-la em meus braços. Quando senti sua presença na sala, não pude mais resistir. Sabe quando você perde totalmente o controle de seu próprio corpo? Foi o que aconteceu comigo, agi pelo meu coração e a sensação foi completamente diferente de tudo que já vivi e parecia ser tão certo que não sabia mais o que pensar. Não era mais um adolescente e entendia bem quando era só um desejo momentâneo e quando ultrapassava o momento. O que senti foi algo mais profundo, o meu coração e minha pele me mandaram sinais, mas sabia que era loucura querer viver algo com Juliete e não queria atrapalhar sua carreira como advogada. Infelizmente, ela enfrentaria muitos julgamentos no escritório, isso não era justo com uma das melhores estagiárias que já tive ali, faria o que pudesse para defendê-la. Meu celular vibrou novamente e vi o nome de Benjamin e atendi rapidamente. — Andreas, você já viu a mensagem? — ele me perguntou aflito. — Já sim, mas você também recebeu? — perguntei a Benjamin sem acreditar. — Recebi e Adam também, acredito que todo o escritório.

Não podia acreditar que ela teve coragem de ir tão baixo assim. — Hoje vou resolver isso com Daiane, sei que foi ela, a única que nos viu naquela sala. — Sei disso, lembro bem quando me contou, mas não pensei que ela seria capaz de espalhar isso dessa forma. — Ben, sinceramente esperava isso já. Primeiro, porque notei o olhar dela quando me viu com Juliete. Tenho certeza de que, se olhar cortasse, eu estaria em picadinhos. Pois foi assim me senti quando ela nos viu, sabia que faria algo assim. — Isso foi muito baixo para uma mulher tão elegante como Daiane, por isso não esperava, Andreas. — Ultimamente só tenho esperado o pior de algumas pessoas, principalmente dela, estou sentindo que ela sabe algo sobre minha mãe. — Tem muito mais nessa história que você não sabe, então cuidado com o que ela diz, desconfie, pois olha só o que ela fez. — Claro, vou me reunir com a equipe agora de manhã e me explicar. — Isso mesmo, vou estar lá para te apoiar e Adam também. Ele já me ligou aqui e disse para conversarmos assim que chegar no escritório. — Tudo bem, obrigado e nos vemos lá. — Nem precisa agradecer, sabe que pode sempre contar conosco, até mais — ele se despediu e desliguei a ligação. Fui tomar banho e, quando liguei o chuveiro, pensei nela, na “Ariel”, a ruiva que me deixou sem controle algum de meus atos. Nunca vivi algo parecido e muito menos me senti assim. Apesar do meu lado racional me dizer que aquilo foi errado, o meu emocional me dizia que foi muito certo. A minha vontade era de chegar no escritório e procurá-la, gostaria de ser o primeiro a falar com ela, ouvir sua voz, tocar sua pele e poder sentir o calor e perfume que emanava dela.

— Ah, Juliete, você vai me enlouquecer! — falei em voz alta e terminei meu banho, me arrumei e saí. Assim que liguei o carro, o toque de Moonlight, de Beethoven, me acalmou enquanto dirigi pelo trânsito caótico de São Paulo, observei o tempo nublado quando parei em um sinal, a chuva que mudou tudo à noite. A ventania também se fez presente, assim que desci do carro já senti o vento gelado em meu rosto. Entrei e já peguei o elevador, estava me sentindo ansioso, depois da mensagem estava esperando tudo, mas adentrei o escritório para enfrentar o que viesse. — Bom dia, senhorita Gleice. — Bom dia, Sr. Scolari! — falou de forma contida e percebi como as outras pessoas me olhavam de forma diferente, como Rosa uma vez disse: maus olhos. — Por favor, convoque todos para uma reunião agora mesmo — pedi a ela e fui para a minha sala. Benjamin entrou em seguida junto com Adam. — Meu amigo, que fofoqueira essa Daiane — Adam falou. — Como você está? — Estou bem, vou lidar com isso, não se preocupem. Só preciso que estejam ao meu lado. — Andreas, não temos nenhuma política aqui contra relacionamentos entre funcionários, desde que não prejudique o âmbito profissional. — Sei disso, Adam, e vou levar essa questão em consideração. — É bom deixar claro que não vai mais tolerar esse comportamento aqui dentro, seja quem for. — Claro, vou deixar tudo isso bem claro para todos, principalmente Daiane, pois vou conversar em particular com ela.

— Seja bem enfático com Daiane, ela agiu de forma muito maldosa e antiprofissional, não havia necessidade disso — Benjamin falou bravo e com razão. — Não mesmo. — O telefone tocou e atendi rapidamente. — Senhorita Gleice! Ok, muito obrigado, já estamos indo! — Desliguei o telefone e já deixei meu celular e pasta em cima da mesa. — Vamos para a reunião, depois discutimos sobre o novo caso em que você e Benjamin vão trabalhar e depois vai poder seguir de volta para o Rio. Saímos da sala e fomos para a de reuniões e, chegando lá, vi Juliete sentada à frente e não pude evitar encará-la, meus batimentos aceleraram e respirei fundo controlando minhas emoções. — Bom dia a todos! — cumprimentei, despertando a atenção de toda a equipe, que dirigiram seus olhares para mim e depois responderam em uníssono. — Convoquei essa reunião de urgência para falar sobre algo que aconteceu pela manhã. Acredito que todos receberam uma mensagem anônima maldosa em relação a mim e uma estagiária do escritório. Quero deixar claro que realmente aconteceu isso entre mim e Juliete. — Olhei em sua direção e ela estava mantendo seus olhos em mim, mas de cabeça erguida. Admirei-a ainda mais por sua coragem. — Mas isso aconteceu fora do nosso ambiente profissional, em uma festa. É importante lembrar que não temos nenhuma cláusula em contrato ou em normas do escritório que proíba relacionamentos entre funcionários, mas isso não pode afetar nosso profissional. Respeitando isso, quero deixar claro que esse fato não vai afetar minhas decisões no trabalho como chefe, é importante saber separar pessoal e profissional. Vale ressaltar ainda que não existem tratamentos especiais no escritório e se a estagiária Juliete tiver mérito será por seu excelente e dedicado trabalho como estagiária. Não quero ouvir nenhuma conversa aqui

dentro em relação a isso e muito menos olhares e brincadeiras maldosas. Estou encerrando esse assunto aqui e saibam que haverá punição a quem agiu de má-fé enviando esse tipo de mensagem, colocando as pessoas em situação constrangedora. Fui claro? — Sim — todos responderam e concordei. — Ok, podem retornar ao trabalho. — Olhei para o outro lado da sala e vi Daiane me fuzilando com o olhar e pouco me importava se ela estava brava, porque eu estava muito mais e isso não ficaria barato. Quando ela se levantou e passou ao meu lado me ignorando a chamei: — Daiane, peço que me acompanhe, por favor! — Ela não falou nada e passou à minha frente batendo seus saltos no piso, isso não me intimidou nem um pouco. Assim que entramos na minha sala, fechei a porta e a convidei para se sentar. — O que você quer comigo? Tenho muito trabalho a fazer. — Bem, Daiane, sei que foi você que espalhou a novidade para todos do escritório, é bem óbvio. — E o que você vai fazer? — Vou te suspender por quinze dias. — Seus olhos faiscaram e ela se levantou. — O que pensa que está fazendo, Andreas? — Estou exercendo minha função de chefe aqui dentro. Como falei na reunião, haverá punição para o culpado, no caso você. — Você não ousaria, Andreas! Fiz isso para chamar a sua atenção, você me ignorou o final de semana todo e depois o peguei aos beijos com aquela menina branquela insuportável. Logo você, um homem tão centrado e certinho. Como ela ousava?

— Escuta aqui, Daiane! Não estou com paciência para aguentar mais nada vindo de você. Principalmente julgamentos em relação a minha vida amorosa, quem escolho para beijar ou não. — Ah, você só pode estar louco! Me rejeita para ficar com uma songamonga como ela? Andreas, só vou permitir ficar na minha se você aceitar jantar comigo e ouvir tudo que tenho a lhe dizer sobre o motivo de sua mãe ter deixado você e Catarina. — Isso é uma chantagem? Tem certeza de que vai fazer isso, Daiane? E não aceito que você fale assim da Juliete. — Sim, você não pode me impedir e entenda como quiser, essa foi a única maneira que encontrei de chamar a sua atenção. Você não é o mesmo, anda nas nuvens desde que ela chegou aqui, parece que não pensa e falo dela como bem entender. — Daiane, você sabe muito bem que não quero falar nada com você, sobre minha mãe. Ela se foi e preciso virar essa página da minha vida e ninguém tem nada a ver com isso, vai ser bom se puder somente fazer seu trabalho e ficar na sua. — Mas eu tenho informações para você e, se quiser, podemos... Abaixei a cabeça e fechei meus olhos, trincando os dentes tamanha a raiva que senti por Daiane insistir naquele assunto, que me tirava a paz. — Não quero saber e você deveria me deixar em paz, vou emitir sua suspensão e você pode ir para casa pensar um pouco no que está fazendo. — Não vou, Andreas, porque sei que sua mãe foi ameaçada para largar vocês e não posso mais esconder isso — ela falou e aquilo me paralisou, eu queria saber, só não estava totalmente preparado para descobrir.

Quando pensei em marcar o tal jantar, meu pai entrou na minha sala como um louco. — Como você pode ficar com uma estagiária e deixar todos saberem disso, Andreas? O que pensa estar fazendo? — Passei a mão pelo meu cabelo nervoso demais por ter que enfrentar dois pesadelos em uma manhã de segunda-feira. Era muita coisa para eu processar em um espaço curto de tempo. — Daiane, por favor. Pode nos dar licença? — Ela assentiu e abraçou meu pai e saiu da sala batendo a porta com força. Peguei o telefone e pedi a Benjamin para emitir a suspensão de Daiane e levar em sua sala. — Meu pai pegou o telefone e interrompeu a ligação. — Vim conversar com você, Andreas, e preciso saber por que você está arriscando tanto nossa reputação por uma estagiária, quando deveria estar dando uma chance a Daiane? Pode me explicar? — Posso sim te explicar, Sr. Scolari — falei e bati na mesa descontrolado, pois ele não tinha nenhum direito em vir me cobrar qualquer coisa, já basta. — Escute aqui, o que faço ou deixo de fazer da minha vida pessoal não te diz respeito, desde o momento em que o senhor nunca deu atenção e explicações a seus filhos e nem se importou com eles, então não é agora que vai se intrometer em minhas decisões. Principalmente em relação a minha vida amorosa, entendeu? — Você só pode estar maluco, meu filho. — Estou realmente maluco e, se o senhor não sair daqui agora, eu saio e não volto mais para esse escritório, está me entendendo? — Você não faria isso! — Ele se aproximou vermelho de raiva e fiz o mesmo, ficando cara a cara com ele, o enfrentando como nunca fiz em toda a minha vida. — Olhe bem para mim e tire suas conclusões.

Ele ficou me encarando e procurando razões para argumentar comigo, mas tudo o que disse era verdade, ele se afastou e saiu. Quando chegou na porta falei: — Não ouse nunca mais se intrometer na minha vida. Ele me encarou furioso e saiu batendo a porta. O dia só estava começando e eu estava com o nervo do cão, acho que nunca havia me sentido daquela forma e não poderia negar que aquela avalanche de acontecimentos não me assolou. Estava incomodado pelas coisas terem perdido o controle assim do nada e ter virado tudo de cabeça para baixo. Não consegui me concentrar, pensando no fato que minha mãe foi ameaçada a nos deixar. O que aquilo significava? Tinha que descobrir mais sobre essa história, mas sentia que não podia confiar em ninguém com relação isso. Estava perdido e sozinho mais uma vez.

Não me sentia realmente culpada pelo beijo em Andreas, as pessoas no escritório estavam me encarando com olhares julgadores e algumas até mesmo comentando. Queria realmente não estar vivendo algo assim, mas o que podia fazer? Com certeza, Daiane que mandou a mensagem para todos e esperava que ela fosse fazer algo desse tipo mesmo. Depois da reunião em que Andreas esclareceu tudo, fui ao banheiro respirar fundo para não perder a cabeça e acabar discutindo com alguém. Nunca fui estourada, sempre fui tranquila, mas não aceitava que pisassem no meu calo, não conseguia ficar calada. Mandei uma mensagem para Sininho contando tudo e ela não me respondeu de imediato. Voltei para a sala dos estagiários e Benjamin me chamou para ajudar em um caso junto com Adam. Esse seria seu último caso em São Paulo, depois já retornaria à filial no Rio de Janeiro. A assistente de Benjamin

sorriu assim que me viu. Apesar de tudo que estava acontecendo, ela não me encarou de forma julgadora. — Bom dia, Srta. Barnes! Ele já está te aguardando, pode entrar. — Bom dia, obrigada senhorita Júlia — falei e sorri para ela também, entrei na sala e encontrei Benjamin e Adam sentados me esperando. — Bom que chegou, Srta. Barnes. Está tudo bem? — Benjamin perguntou, sendo muito simpático como sempre. — Tudo bem sim, em que posso ajudá-los? — Olá, Srta. Barnes, sente aqui e vamos começar a te passar tudo sobre o caso, não será algo demorado, pois tenho que voltar ao Rio — Adam falou e me sentei para começarmos. Ficamos quarenta minutos ali reunidos e conversando sobre o caso, eles me passaram algumas tarefas para os próximos dias. Quando me levantei para sair da sala, Adam comentou algo: — Não se preocupe com a repercussão da mensagem, Andreas não perdoou quem fez isso. — Tudo bem, obrigada. Qualquer coisa estou na sala dos estagiários, já vou começar com os documentos. — Ok, obrigado, Srta. Barnes. O que precisar pode ligar também, Adam vai passar o dia aqui para adiantarmos mais esse caso — Benjamin falou, assenti e saí da sala. Apesar de estar enfrentando tudo de cabeça erguida, saber que todos tinham conhecimento do que aconteceu era muito sem graça. Algo muito íntimo que não gostaria que descobrissem dessa forma, mas o que podia fazer, somente agir profissionalmente para não dar ainda mais motivos para as pessoas falarem mal. Passei pela recepção da sala de Andreas e vi Daiane saindo da sala dele com raiva, batendo a porta e tudo. Ignorei e continuei meu caminho

levantando a sobrancelha para Gleice, que piscou para mim. Chegando a minha mesa, abri o e-mail e comecei a trabalhar naquele caso, peguei o celular e havia várias mensagens da Sininho e ligações perdidas também. Abri a resposta dela ao que mandei antes de ir à sala de Benjamin. Laura: “Aff, não acredito que aquela Cobriane loira fez isso! Claro que ela ficou com inveja, ainda mais depois de ter sido claramente ignorada por Andreas naquele jantar.” Laura: “Por que não me atende, Juju?!” Laura: “Juju, me dá um sinal, amiga! Quero saber se você está bem.” Liguei para ela, sabia que deveria estar preocupada comigo, a Sininho sabia que eu não tolerava certos tipos de desaforos. Mas estava tolerando, claro que depois da reunião do Andreas todos começaram a nem me olhar mais. Pouco me importava com o que eles pensavam, queria saber o que realmente aconteceria comigo e Andreas, já que ele me encarou de um jeito tão intenso, antes de começar a reunião. Às vezes, pensava que ele podia ler tudo que estou sentindo só de me olhar daquele jeito. Sininho demorou a atender, mas antes de eu desligar ela atendeu. — Meu Deus, Juju! Pensei até em ir ver você aí no escritório. Como você está? — falou tudo de uma vez, o que me fez sorrir naquele momento. — Calma, estou bem. Podemos nos encontrar no fim do expediente, tenho aula, mas dá tempo de te contar tudo mais tranquilamente. — Claro que dá, saio do estágio e já vou direto para aí, não se preocupe. Podemos tomar algo quente e gostoso no Starbucks. Mas tem certeza de que está bem?

— Sim, Andreas fez uma reunião e exigiu respeito de todos com essa situação. Só sei que não me sinto realmente culpada pelo nosso beijo, pode ser loucura, Sininho! Não consigo tirá-lo da minha cabeça — falei baixinho e saí para o corredor. — Ah, Juju! Esse homem já vem mexendo com você há um tempo e não poderia ser diferente, pela forma que me falou sobre como ele reagiu ao beijo. Tenho certeza de que ele está se sentindo assim também. — Será mesmo? Vamos conversar melhor então mais tarde. Preciso voltar ao trabalho, não quero dar mais assunto aqui. — Ok, mantenha a calma e faça seu trabalho normalmente. Mais tarde, a gente se fala. Ah, mande um beijinho para o Adam — ela pediu com a voz melosa, revirei os olhos e depois sorri. — Sininho, como você é danada! Até mais. — Ela riu e desligou. Voltei para a minha mesa e tentei me concentrar naquele caso para ajudar Adam e Benjamin. Peguei os papéis e comecei a digitar rapidamente os documentos para obter a certidão e auto do processo. Depois fiz a leitura e análise dos documentos e fui anotando todos os detalhes importantes que observei. Coloquei essas tarefas na minha agenda de atividades e o tempo que estava gastando em cada uma era algo que todo o escritório fazia. Andreas era muito meticuloso com organização e até admirava essa qualidade dele. Depois disso, percebi que já era hora do almoço, liguei para Gleice e ela falou que já ia me chamar para almoçarmos juntas. Ela também não estava me tratando diferente pelo que aconteceu, já Angelina virou a cara para mim e não se aproximou em nenhum momento. Peguei os documentos, que fiz cópias e análises, e deixei com a assistente de Benjamin, já que ele saiu para almoçar com Adam. Depois

passei pela recepção e encontrei Gleice me esperando com sua bolsa a tiracolo. — Como você está? — Bem, estou com muito trabalho, o que me ajudou muito a não pensar no quanto as pessoas me olham com maus olhos. — É chato isso, a Daiane saiu cuspindo fogo do escritório, o Sr. Scolari a suspendeu por quinze dias. Sabe que eu achei foi pouco, poderia ter demitido. — Imagino, vi quando ela saiu da sala dele àquela hora. Mas o que posso fazer, isso é consequência do que fez, achou que ficaria impune por ser prima do chefe. — Pois é, mas vamos comer que estou faminta, a manhã foi agitada. — Foi sim, também estou com fome. — Descemos conversando sobre o haras da família Scolari e da festa, depois falamos sobre assuntos esporádicos e que me fizeram esquecer um pouco de tudo. Quando voltamos ao escritório, uma hora depois, Andreas estava esperando na recepção. — Juliete, preciso falar com você — ele falou e depois que me virei para entrar na sala ele se voltou para Gleice. — Senhorita Gleice, não nos interrompa. Entramos e ele se sentou na sua cadeira e acenou me pedindo para sentar-se à sua frente. Seus olhos me fitaram brilhando e o ar mudou naquela sala, deixando-me totalmente quente. — Primeiro, como você está? — Sua voz ficou mais baixa e rouca e ele arranhou a garganta. — Estou bem, tenho muito trabalho com Benjamin e Adam. Ele assentiu, mas se aproximou mais apoiando o braço na mesa.

— Que bom, mas alguém te importunou com algo? Preciso que me conte qualquer coisa que acontecer em relação a isso aqui dentro, não esconda nada. — Tirando algumas pessoas me ignorando e me encarando mal, está tudo bem. Ninguém falou nada, vou fazer o trabalho normalmente e ignorar, Andreas. — Ok, queria ver com você um dia e horário para conversarmos. Precisamos esclarecer tudo e não quero que isso a atrapalhe de forma alguma, então pensei em nos encontrarmos fora daqui, para que não gere ainda mais conversas. — Ok, tudo bem, Andreas! — Será que vem mais conversa sobre que não foi certo o que fizemos? — Você tem aula durante a semana toda? — Amanhã tenho somente o primeiro horário, como é o último período e temos muitas horas de estágio, eles diminuem na carga horária de aula. — Certo. Posso te buscar amanhã depois da aula? Só me dizer a hora que vou estar lá. — Às 20h estarei livre. Ele concordou e ainda me fitando falou: — Não quero em hipótese alguma que seja prejudicada e malvista aqui dentro, Juliete, é uma excelente estagiária. — Sua voz demonstrou realmente preocupação com isso e aquilo aqueceu meu coração. Era bobo levar para esse lado, mas não deixei de pensar nisso e no que me fez sentir se preocupando daquele jeito comigo. — Algumas coisas são impossíveis de controlarmos, não é mesmo? Mas sigo fazendo o meu melhor aqui e de forma profissional.

— Muito bem, pode voltar ao trabalho e qualquer coisa me avise, por favor — ele pediu mais uma vez, segurei seu olhar no meu e me levantei depois. Podia sentir que se sentia culpado pelo que aconteceu e não queria que fosse dessa forma. Saí da sala e não olhei para trás, sentei na minha mesa e voltei para os documentos e depois recebi uma ligação de Benjamin agradecendo pela eficiência e os detalhes que anotei. Falamos sobre mais algumas coisas e, quando encerrou, a ligação Angelina estava me esperando. — Juliete, você poderia me dizer que caso está trabalhando? — Ela tinha muita cara de pau de vir me perguntar isso. — Você já conhece tão bem as regras quanto eu, não consegui entender sua pergunta sabendo que os casos nos quais estamos trabalhando são sigilosos. O que exatamente você quer, Angelina? — respondi a encarando seriamente. — Queria saber, já que esperava que eu fosse chamada e não você — desdenhou, respirei fundo para não surtar. — Olha aqui, Angelina. Se você tem alguma dúvida sobre isso ou qualquer outra coisa, pergunte ao Benjamin, poderia me dar licença? — Ela sorriu de lado e saiu me deixando vermelha e fervendo de raiva por dentro. Inicialmente pensei em correr dali, mas pensando bem era o que eles realmente queriam: que eu perdesse o controle e a minha vaga ali e não daria motivo nenhum para isso. Eu faria meu trabalho de forma ainda mais extraordinária e eficiente. Só queria que soubessem que tudo aqui dentro era pela minha competência e não porque beijei o chefe. Coloquei um fone de ouvido com uma música e relaxei um pouco enquanto organizava mais alguns relatórios, imprimi e levei para a sala

de Benjamin, que me recebeu com um sorriso junto com Adam. — Meu Deus, você é muito rápida e detalhista! Por isso Andreas gostou tanto de você, ele é excelente em identificar novos talentos e você, realmente, tem tudo para ser uma ótima advogada — ele me elogiou e me senti feliz em ouvir um elogio assim vindo de um advogado como Benjamin. — Agora sente-se aqui e vamos conversar mais sobre o processo — Adam falou, discutimos mais alguns detalhes e já começamos a esboçar defesa. — Por tudo que pesquisei sobre a rotina dela, não tem nada de mais, está sendo acusada injustamente quando o seu chefe que está escondendo algo. É estranho, li e reli tudo e analisei cada passo dela. — Sabemos o que aconteceu aqui, minha querida — Benjamin falou. — Suborno, eu já sabia, mas não sei de qual lado, suspeitava dele. Mas agora, com tudo que você pesquisou, tenho certeza! — Adam falou empolgado. — Vamos chamá-la para vir aqui, precisamos ouvi-la — Benjamin propôs. — E depois chamamos ele também e comparamos as versões, e logo após convocamos toda a equipe e familiares para nos confirmarem os detalhes — falei e me lembrei das câmeras. — Isso mesmo! — Adam disse. — Tem as câmeras, sabem algo? — Parece que há cortes nas imagens, mas vamos solicitar novamente para verificar. — Fiquei feliz em saber que estava ajudando em um caso tão detalhista novamente. — Bom, Juliete, você está liberada por hoje e amanhã continuamos. Vamos marcar com os dois.

— Tudo bem, obrigada pelo trabalho de hoje. — Nós que agradecemos. Conseguimos avançar mais por sua causa, continue assim, enfrente tudo de cabeça erguida e não deixe que ninguém pise e humilhe você — Adam falou e assenti para ele. Despedi-me e saí da sala, desliguei meu notebook e o guardei no armário, depois peguei a bolsa e o celular e fui embora. Despedi-me de Gleice e fui me encontrar com a Sininho que já havia me mandado mensagem. Quando cheguei já a vi lá me esperando, ela se virou e veio correndo em minha direção, ela sabia o que se passava no meu coração. Ninguém no mundo me entendia melhor que minha amiga Sininho. Quando senti seus braços me acolhendo, fechei meus olhos e respirei fundo. — Ah Juju, fiquei tão preocupada com você — uma amiga como ela não encontro nunca mais, somos como irmãs e só tenho ela nessa vida. — Sininho, foi um dia terrível, mas agora acabei de ser muito elogiada pelo Benjamin e Adam e vi que posso continuar fazendo meu melhor. — Imagino, venha vamos conversar tomando algo quente. Está gelado hoje, viu como choveu durante o dia? Agora está garoando. — Sim, vamos. — Ela pegou meu braço e depois beijou minha mão com carinho, esse era o jeito de ser da Sininho, sabia que ela faria tudo por mim. Saímos do prédio e fomos andando até o Starbucks. Chegando lá resolvi pedir logo um chocolate quente, acompanhado de um Stroopwafel – um doce que parecia um favo gigante –, que sempre ficava no caixa. Sininho pediu caramelo macchiato. Como sempre, ela amava o café com leite gourmetizado com toque de caramelo. Nos sentamos e começamos a conversar, contei a ela sobre tudo que aconteceu e como as pessoas estavam me olhando. Quando falei que

Andreas marcou de me buscar amanhã na faculdade, ela ficou empolgada. Nosso pedido foi chamado, peguei e ela não parava de falar que seria a oportunidade de ver como ele vai reagir estando sozinho comigo. Tirei a tampa da minha bebida e coloquei o Stroopwafel na boca do copo e o usei como tampa. O vapor do chocolate quente aqueceu o caramelo que ficava no meio do Stroop e o deixou macio e cremoso, uma delícia. Era disso que precisava antes de fechar meu dia enfrentando uma aula maçante de Direito Financeiro e Tributário. — Nossa, isso aí parece bom! — Sininho falou e lhe ofereci. — É magnífico, precisava disso. — Muito — ela falou depois de comer um pedaço. — Então, amanhã você faz o favor de ir bem linda para essa aula e arrasa com o psicológico do Andreas. — Veremos, estou ansiosa — falei terminando meu Stroop, depois finalizei meu chocolate e a Sininho começou a falar da troca intensa de mensagens com Adam. Não sabia se ele falou sobre voltar ao Rio depois daquele caso. Espero que não a engane e seja sincero com ela, pois a Sininho parece bem empolgada com ele. Conversamos mais um pouco e depois saímos, ela me levou para a faculdade e enfrentei o segundo tempo daquele dia cansativo.

Quando ela me encarou daquele jeito antes de sair da sala, senti-me confuso. Mesmo meu lado racional gritando que aquilo estava errado, meu coração, ah, ele me dizia totalmente o contrário. Eu precisava conversar a sós com Juliete para ver em seus olhos o que estava sentindo e saber o que ela pensava. Sei que deveria evitá-la, mas eu queria e precisava realmente tomar as rédeas da minha vida e fazer o que meu coração mandava. Por isso, decidi que deixaria que ele me guiasse, pouco me importando o que as pessoas pensariam ou como meu pai reagiria. Na idade em que estou, já passou da hora de realmente me permitir viver conforme meus instintos e sentimentos. Sempre assumirei minhas responsabilidades, sejam elas quais forem. Depois do trabalho resolvi passar no MASP, já que aquele dia foi difícil, precisava tocar nas teclas do piano e ouvir o som emanar por todo o ambiente, entrando em meus ouvidos e chegando até o meu coração. Cheguei e já acenei para o vigia, que retribuiu. Entrei no auditório e foi impossível não me lembrar de Juliete. Passei pelo corredor em que ela

saiu correndo naquela noite sem me deixar ver seu rosto, deixando-me somente sentir seu perfume delicado de rosas e jasmim, que me marcou fortemente. Não só por isso, mas pela forma que ela me fez sentir, nunca havia experimentado algo igual. Meu corpo inteiro formigou e esquentou só de sentir sua presença, assim como quando ela entrou na minha sala hoje. Minha vontade foi de sentir seu corpo junto do meu e esquecer o mundo lá fora. Desviei esses pensamentos e procurei por Frederico ali, estava tudo aberto, mas ele não estava por perto, por isso entrei na porta que tinha do lado do palco e o vi organizando algumas apostilas na prateleira, ele gostava de mantê-las, já que ele mesmo as elaborou para dar aulas. Arranhei a garganta para não o assustar muito, já que estava de costas e ele se virou. — Andreas, quanto tempo! Você sumiu, o escritório anda te consumindo muito? — Frederico, um pouco. Não consegui voltar aqui, desde aquela noite, estamos cheios de trabalho. Tudo bem por aqui? — Tudo muito bem sim, graças a Deus! Sabe que me lembrei de você. Chegou um menino aqui esses dias para começar as aulas e ele me lembrou muito quando você entrou aqui pela primeira vez e deu um show tocando, era pequeno ainda, só que me lembro muito bem. — Nossa, faz muito tempo isso — comentei me lembrando realmente daquele fatídico dia em que meu sorriso chegava aos olhos por começar as minhas aulas com o Sr. Beaumont. Ele era de uma família francesa, mas que vivia no Brasil. Foi meu primeiro professor de piano e através dele que conheci Frederico, fomos amigos de classe. Claro que nos afastamos muito quando minha vida inteira mudou e me vi sem poder ter muitas escolhas.

Renunciei ao que sempre amei para prosseguir com o escritório da família. Mas nunca deixamos de nos falar, mesmo bem pouco, ele sempre me deixou vir no auditório do Museu para tocar. — Faz sim, mas nunca me esqueci da sua capacidade de perceber e dar nome às notas que escutava durante as aulas. Lembro-me bem de que perguntei aos seus pais se haviam percebido isso, mas só sua mãe tinha notado. Ela era uma grande pianista, que encerrou sua carreira no auge do sucesso. — Pouco sei sobre isso, somente o que guardei das revistas e jornais antigos, mas ela realmente era incrível. Sentia em cada toque o que ela estava sentindo tocando, ela se entregava à música. — Essa era uma lembrança da qual nunca esqueci, minha mãe sentia e mostrava sentimento tocando de uma forma que arrancava lágrimas e, às vezes, sorrisos. — Sentimentos diversos, ora pesar, ora alegria, simplesmente perfeita. — Sim. — Fechei meus olhos, respirei fundo e soltei o ar para controlar tudo o que aquelas lembranças despertavam em mim, uma saudade e dor terríveis. — Desculpe, não queria fazer você se sentir assim, só que aquele menino me lembrou muito de você. — Tudo bem, Frederico. Entendo perfeitamente. — Acenei, balançando a cabeça, concordando com ele. — Então, pode ficar à vontade. Esqueça que estou aqui, vou aos fundos daqui a pouco, vá se distrair, entrar no mundo das emoções — ele falou e sorri. Voltou a sua tarefa e voltei para o palco. Quando me aproximei do piano, tirei o paletó do terno e o deixei sobre a mesa ao lado, centralizei o banco e me sentei de frente dele,

relaxei meus ombros e braços deixando todo o peso daquele dia se esvair, e o observei primeiro, relaxei também as mãos e me permiti tocar as teclas suavemente. Fechei meus olhos e deixei meu coração escolher a canção e comecei com aqueles toques tão profundos de Kiss the rain, de Yiruma, e me deixei levar sentindo exatamente tudo que aquela música transmitia. Era tão romântico e triste ao mesmo tempo, mas me fez lembrar dela, a ruiva que me intrigou desde aquela noite e a imaginei ali me ouvindo tocar e entendendo que não queria apenas uma memória ou somente o que existia em meus sonhos. Queria mais que só aquele beijo, precisava me entregar e viver além, sentia que podemos ir além. Quando finalizei aquela melodia em quatro minutos e vinte segundos, as lágrimas rolavam pelo meu rosto como quando me rendi e beijei Juliete. Abri meus olhos e vi Frederico sentado na primeira fileira me observando e ele aplaudiu. — Você sempre me deixa muito emocionado quando toca assim, mas hoje foi além, você está exalando paixão. — Realmente, foi tocante para mim também. — Limpei minhas lágrimas, sorri para ele, me levantei e peguei meu paletó. Desci do palco e me aproximei dele. — Vir aqui hoje foi a melhor coisa que fiz, tive algo bom nesse dia terrível afinal. Pois, depois de tocar essa canção, sei o que fazer amanhã. — Bom, fico feliz por isso, tenho certeza de que está escolhendo bem. — Como tem certeza? — Porque estava tocando com todo seu coração e alma, então é a escolha certa. — É o que desejo, Frederico — respondi a ele, que sorriu e me abraçou.

— Tenha um bom descanso! Quando precisar, sabe que a casa está sempre aberta para você. — Obrigado, boa noite! — Saí do auditório e voltei para o estacionamento do prédio do escritório. Quando destravei o carro, meu celular vibrou no paletó, então vi o nome da minha prima no visor chamando, ignorei a ligação e vi que já havia ligado e deixado várias mensagens. Rolei os olhos e entrei no carro. Se ela pensou que me dizer que sabia algo sobre minha mãe fosse me atrair para um jantar, estava muito enganada e ficou possessa quando passou em minha sala antes de ir embora e neguei, não cedi a sua chantagem ridícula e sem sentido. Liguei o carro e o toque de Gold, de Tolan Shaw, me envolveu e saí do estacionamento ganhando as ruas da tão agitada Avenida Paulista que, à noite, também não parava. Apreciei a música e ignorei completamente as ligações da minha prima incansável, parecia que ela ainda não havia entendido que não irei ceder. Há pessoas que a gente mantém por perto, mas não as prioriza mais, pois tudo que fazem é nos importunar. Infelizmente, ela fazia parte da minha família e não era do meu feitio tratar ninguém mal, mas acreditei estar fazendo o certo em ignorá-la com toda certeza era melhor que acabar sendo até mal-educado com ela. Cheguei ao meu apartamento e fui direto para meu quarto, tomei banho e depois procurei por uma salada e frango desfiado que a Luzia sempre deixava para mim. Ela sabia que, à noite, quando estava em casa preferia salada e frango, ela trabalhava aqui há muito tempo, desde que Rosa decidiu ficar no haras e decidimos ter cada um nosso canto. Comi e assisti um pouco de televisão na sala. Peguei meu celular e vi uma mensagem de Catarina e liguei para ela.

— Andreas, boa noite! Como você está? — Ouvir a voz da minha pequena rainha encheu meu coração de amor. — Ah, minha pequena rainha, muito melhor depois que ouvi sua voz. Como você está? — Estou bem, trabalhando bastante, graças a Deus. Mas quero saber de você, recebi a tal mensagem também. Não te liguei antes porque já tinha marcado horários com clientes. — Sem problemas, Catarina. Está tudo bem, fiz uma reunião com a equipe e tive uma conversa com Daiane, ela foi a única que me viu com a Juliete na festa. — Daiane passou dos limites! Nunca pensei que ela fosse capaz de fazer uma coisa desse tipo. — Pois ela fez e percebi que não podemos colocar a mão no fogo por ninguém. Se uma pessoa do nosso sangue faz isso, em quem podemos confiar? — Nossa, infelizmente. Pelo menos, agora você sabe o tipo de pessoa que ela é e pode ficar mais atento. — Isso mesmo que estou fazendo. — Então, o que está acontecendo entre você e a moça ruiva? — Sei que não vai parar de perguntar até ter uma resposta, vou te contar que estou muito surpreso comigo mesmo. Não consigo identificar ao certo o que sinto por ela, é muito intensa a forma como a quero perto de mim, nunca me senti assim antes. — Meu Deus, Andreas! — ela gritou animada no telefone. — O que foi, Catarina? — perguntei até preocupado. — Você está A-PAI-XO-NA-DO! — Ela soletrou com a voz melosa. — Não posso acreditar que finalmente encontrou alguém que mexeu de verdade com você. — Ela só podia estar louca, ou não?

— Você está fora de si, pelo amor de Deus, Catarina! Não é para tanto, só disse... — Disse que nunca se sentiu assim, que é intenso e blá-blá-blá... — ela me interrompeu, rindo do outro lado. — Aff, Andreas, pelo menos uma vez na sua vida ouça seu coração e viva isso, você merece e esqueça o que os outros vão pensar. Porque, se te conheço bem, sei tudo o que está se passando por sua cabecinha. — Você sabe, é? Minha pequena rainha nunca muda mesmo! — Só quero que meu irmão lindo seja feliz, eu te amo muito e ninguém mais deseja seu bem como eu, então me escute e não deixe essa chance escapar. Tudo acontece em nossa vida com um propósito e pode ser que mais para a frente você entenda. — Quando você se tornou tão sábia? — Sorri imaginando o semblante convencido dela. — Sempre fui, mas você ainda acha que sou pequena. — Podia até mesmo visualizar seus olhos se revirando. — Você já falou com ela? — Claro, trabalhamos juntos, mas marquei de pegá-la depois da aula na faculdade amanhã. — Isso mesmo e, por favor, não estrague tudo falando sobre problemas morais. Deixe seu coração conduzir. — Está ok, obrigado pelos conselhos amorosos. — Estarei sempre aqui por você e, por favor, me ligue para contar tudo. — Minha pequena rainha, também estou aqui, não se esqueça do seu irmão. Como andam as coisas aí? Até agora, só falamos sobre mim e nada de você. — Como te falei, está tudo bem e se quer saber sobre mim e o Benjamin, estamos muito bem.

— Que maravilha, fico realmente feliz por vocês, quero muito o bem dos dois. — Realmente você me surpreendeu agora. — Ela riu parecendo aliviada. — Gosto disso! Bom, vou deixar você descansar. Tenha uma boanoite, te amo muito! — Você é um lorde, sabia? Te amo mais e, por favor, deixe seu coração comandar. Um abraço pra você e boa noite! — Encerrei a ligação com um sorriso enorme, sabia que ela me diria algo assim, pois Catarina sempre ouviu seu coração. Por isso ela se tornou uma arquiteta de sucesso, era o que amava fazer e sempre dava o seu melhor. Orgulho-me muito dela, tornou-se uma mulher forte, linda e talentosa e nunca desistiu de seu sonho. Voltei à cozinha, lavei e guardei o prato e depois fui dormir. Quando deitei a cabeça no travesseiro, imagens daquele beijo vieram como flashes. Como poderia evitar tudo que senti quando meus lábios encontraram os dela? Impossível esquecer e seguir em frente sem poder tocá-la, vou seguir meu coração e com esse propósito adormeci e acordei na manhã seguinte antes do despertador tocar. Já estava ansioso para aquele encontro com Juliete, liguei o sistema de som do apartamento e o ambiente foi preenchido com a voz de Tolan Shaw, Don’t Look Like You, para me animar naquele dia. Depois, segui para a cozinha e preparei um café expresso, tomei e me arrumei, peguei o celular já na hora de sair e vi uma mensagem do Adam. “Bom dia, tenho um assunto importante para falar com você. Se puder chegar mais cedo, estou te esperando.”

Mandei uma resposta falando que já estava saindo e logo chegaria, me apressei, pois ele me deixou bem curioso para saber o que tinha de tão importante para falar comigo. Saí da garagem e, conforme fui ganhando as ruas, o trânsito foi aumentando. Quando cheguei, já entrei rapidamente e peguei o elevador. — Bom dia, Sr. Scolari — a senhorita Gleice me cumprimentou. — Bom dia, sabe me dizer se Adam está na sala dele? — Ele está sim, disse que iria o aguardar. — Muito obrigado — agradeci e saí em direção ao corredor. Bati na porta e abri um pouco e o vi encerrando uma ligação. — Bom dia, Andreas! Entre e fique à vontade, mas feche a porta, por favor — falou e me esperou entrar completamente. — Bom dia, Adam! O que tem de tão importante para me dizer? Fiquei até preocupado! — Bom, ontem quando disse que não poderia confiar em ninguém para lhe dizer sobre sua mãe eu fiquei pensando e conheço alguém que pode nos ajudar a descobrir mais sobre isso. — Fiquei inicialmente surpreso e muito ansioso, pois era tudo que sempre quis. — Nossa, Adam! — exclamei realmente sentindo que poderia conseguir descobrir algo verdadeiramente certo sobre aquele passado que tanto me deixava em dúvidas. — Sim, lembrei-me de um amigo de longa data e nele podemos confiar plenamente. — Quem é, Adam? — perguntei ansioso demais. — Acho que você não conhece, ele se chama Lucas Matarazzo. O conheço do Rio, ele morava na Região dos Lagos, agora trabalha na Polícia Federal. Já liguei para ele e tomei a liberdade de contar o que sabemos até agora, não foi tudo, mas um resumo.

— Ele aceitou? — Fiquei muito animado, não sei por que sentia que esse seria o ponta pé inicial para realmente chegar à verdade sobre minha mãe. — Sim, ele vai fazer a investigação como um favor pessoal a mim, então fique tranquilo. Vamos marcar de nos encontrar com ele, vou precisar que você vá ao Rio para que se conheçam e conversem. — Claro, vou quando ele puder. — A esperança de descobrir algo sobre minha mãe começou a se acender dentro de mim e meu peito queimou pela ansiedade, assim como minhas mãos suaram. — Ele disse que é importante que leve fotos e tudo que tem sobre ela. — Penso em todas as coisas que ela deixou e que antes de sair da casa do meu pai, juntei tudo e levei comigo para o meu apartamento. — E o mais importante é que não comente nada com ninguém, isso vai ficar entre mim, você e Benjamin. — Pode deixar — respondi e o abracei, pois só queria agradecê-lo por se lembrar e querer me ajudar. — Benjamin e eu vamos finalizar o processo que estamos trabalhando, a audiência já foi marcada. Aliás, preciso elogiar o trabalho da Juliete. Você, como sempre, tem o olhar mais precioso para enxergar talentos. Ela adiantou muito todos os documentos e detalhes e fez uma análise crítica de tudo, foi detalhista e me lembrou muito de você. — Ela vai ser uma grande advogada, tenho certeza disso. — E vocês dois, o que está rolando? — Adam perguntou daquele seu jeito bem-humorado e sacana de ser, sorrindo de lado e levantando as sobrancelhas. — Vou conversar com ela hoje ainda, mas isso não pode se espalhar, pelo menos por enquanto. Claro que não quero deixá-la em uma situação difícil aqui dentro, mas acredito que há tempo certo para tudo.

— Com toda certeza, mas não deixe de viver pelo que os outros vão falar ou sequer pensar. Deixe seu coração te guiar, meu amigo! — falou e me surpreendi com aquele conselho. Adam sempre foi o mais desencanado e bem-humorado totalmente ao contrário de Benjamin e de mim. — Nossa, quem diria que você fosse me dizer algo realmente tão sábio. — Vivendo e aprendendo, lorde Andreas! — Ele citou aquele apelido com bom humor, sorrindo muito. Ele, Benjamin e Alícia me apelidaram assim e, consequentemente, Catarina descobriu através de Ben e eu deixava eles me chamarem assim. — Você é demais! Enfim, muito obrigado por tudo e principalmente o conselho, mas sobre a história da minha mãe, não sabe como me sinto nesse momento. — Não sei, mas posso imaginar. Sei o quanto isso é importante para você e tenho certeza de que Lucas vai conseguir te ajudar a descobrir a verdade por trás da ida da sua mãe. O conselho foi um bônus para que pense bem e faça o que você realmente deseja. — Realmente, pode deixar que vou seguir meus desejos. Sobre essa investigação, tenho esperança de que ele consiga, pois sempre senti algo errado em toda essa história que meu pai nos contou e não consigo acreditar. — Se você pressente, é preciso investigar melhor mesmo. — Então vamos trabalhar e, mais uma vez, muito obrigado. Ele sorriu de lado e assobiou. — Como diria Giovanni Improtta: “O tempo ruge e a Sapucaí é grande!”.

Sorri, por incrível que pareça, Adam adorava assistir as novelas das nove, no canal Rede Globo, e sua preferida era Senhora do Destino e ele constantemente soltava algumas pérolas do seu personagem preferido. — Você não tem jeito mesmo, bom trabalho. — Sorri e saí de sua sala. Passei pelos corredores e cruzei com muitas pessoas chegando ao escritório e notei que os olhares não estavam mais estranhos. Entrei em minha sala e mergulhei no trabalho, precisava organizar tudo para uma audiência no dia seguinte, então me concentrei em terminar tudo. Claro que pedi ajuda de uma das estagiárias e me lembrei do encontro que teria com Juliete aquela noite. Sorri me lembrando do fato que seria a primeira vez que realmente estaremos sozinhos e longes de qualquer olhar maldoso ou curioso demais. Saí para almoçar com Adam e Benjamin e falamos por ligação de vídeo com Alícia, que estava toda animada com a segunda edição do famoso evento “Noite Selvagem”, que ela e suas sócias organizarão. Esse ano não tinha vontade de participar e ela sorriu assim que soube dizendo que eu já estava de quatro pela Pequena Sereia, coisas que só ela diria. A tarde passou rapidamente, visto que estive ocupado em duas reuniões com o administrativo e o Recursos Humanos. Saí do escritório, já passava das 18h. Passei em meu apartamento para tomar um banho e trocar de roupa. Estava me sentindo ansioso a cada minuto que se passava e aproximava da hora que fosse me encontrar com ela. Assim que terminei de me arrumar, peguei a carteira, o celular e a chave do carro. Dirigi tranquilamente pelas ruas agitadas de São Paulo e em cada sinal vermelho tamborilei meus dedos no volante, ansioso demais. Passei o dia sem vê-la no escritório e isso só aumentou a minha expectativa.

Quando cheguei no portão da faculdade, mandei mensagem avisando que estava na portaria principal a esperando. Ela respondeu uns quinze minutos depois, cheguei meia hora adiantado, pois estava muito afobado e não poderia esperar mais para vê-la. Sentia-me como um adolescente em seu primeiro encontro, tomara que eu não estrague tudo. Troquei a música que estava tocando e fiquei observando todos que passavam pela calçada e a voz melódica de Adele saiu pelos alto-falantes do som do carro, embalando-me como um dia estrondoso de chuva, era sinistra e cativante ao mesmo tempo. Ela cantava para emocionar e podia identificar claramente as notas da canção, estava tentando me distrair enquanto esperava passar menos de vinte minutos. Perdi a noção do tempo com os olhos fechados e me imaginando de frente ao piano tocando When We Were Young, o Mi bemol maior se fazia presente nas notas daquela música, lindamente extraordinário, e me imaginei mergulhado nela. Por isso não percebi quando Juliete chegou, só mesmo quando escutei outro som, que não era da música. Abri meus olhos e a vi, senti o impacto em todo meu corpo, que começou a formigar. Destravei a porta e ela entrou. — Oi, Andreas — ela me cumprimentou sorrindo, parecendo se divertir. — Olá, senho... — gaguejei. — Juliete! Ela aumentou seu sorriso me deixando ainda mais encantado e quebrando um pouco a tensão. — Desculpe as formalidades do escritório. — Claro, mas o que estava fazendo de olhos fechados e mexendo os dedos no ar? Ela deve ter pensado que sou louco.

— Ah, isso. — Balancei a cabeça pensando que deveria ter sido engraçado mesmo me ver assim. — Estava me conectando com a música. — E se imaginando tocando, não é? — Ela me encarou com os olhos brilhando. — Sim, como você sabe? — perguntei muito curioso. — Aquela noite que te vi, nunca vou me esquecer de como você estava imerso nas notas da canção. — Certo, você tem uma excelente memória e então podemos ir? — Podemos sim. — Virei-me depois de encará-la mais um pouco e sentir o impetuoso desejo em beijar seus lábios rosados. Coloquei o cinto novamente e ela fez o mesmo e acelerei pelas ruas rumo ao restaurante que pensei mais cedo em levá-la. Ela apreciou a cidade em silêncio, parecia estar atenta as músicas da Adele. — A voz dela nos emociona e nos leva ao drama e remete a dias chuvosos. — Sabe que estava pensando nisso poucos minutos atrás? — Adoro as músicas dela. — Escuto sempre, amo identificar as notas das canções dela. — Interessante! — ela falou e depois se calou novamente. Quando chegamos na Vila Olímpia fiquei ainda mais nervoso, para mim aquele era um passo muito importante que estava dando. Estava me permitindo seguir meu coração e começar a abri-lo para viver algo que nunca senti antes. Estacionei do outro lado da rua João Cachoeira, mas de frente ao local que havia escolhido para levar Juliete a primeira vez. O Ruella Bistrô era um local muito lindo, uma casa instalada nessa ruazinha pequena e, pela pesquisa que fiz, era perfeito para um encontro romântico. Fitei Juliete e me lembrei de que tínhamos que descer, gostaria de ser cavalheiro com ela.

— Espere aí, vou abrir a porta para você. Ela sorriu, surpresa, e concordou com um aceno de cabeça. Desci do carro, dei a volta e abri a porta. Ofereci minha mão e ela aceitou e senti que também estava ansiosa, pois sua mão estava suada e gelada. Fechei a porta com a outra mão e travei o carro. Atravessamos a pequena rua e entramos no bistrô. Realmente o lugar era muito romântico, apreciei a entrada que já dava uma sensação diferente, parece que estava entrando em uma casa antiga e a decoração remetia a isso, assim como vi no site quando pesquisei. Aliás, a história era muito interessante e me atraiu muito me dando vontade de estar ali e sabia que aquele bistrô se tornaria especial. A decoração era uma mistura de artigos do Brasil e da Europa, mas como uma extensão de casa que fazia com que nos sintamos mais à vontade. A culinária do local era artesanal com ingredientes vindos de pequenos produtores locais e isso me conquistou muito. Juliete parecia encantada e surpresa pelo lugar, mas queria que ela entendesse que aquele não seria um encontro comum em que conversaríamos sobre o que aconteceu. Queria que ela já tivesse a visão de que aquele seria um encontro especial. — Que lugar lindo, Andreas! — ela falou com a voz baixa, para que só eu pudesse escutar, e realmente tinha de concordar com ela. Era ainda mais lindo do que havia nas fotos. Cadeiras vermelhas estofadas, luz baixa, velas nas mesas, lampadazinhas em cordões que pendiam do teto e uma música suave de fundo. Atmosfera propícia a um encontro romântico. O atendente nos recebeu bem e com muita simpatia. — Boa noite! Sejam bem-vindos ao Ruella Bistrô! Esperamos que seja uma experiência maravilhosa para vocês!

— Muito obrigado! Fiz uma reserva de mesa no nome de Andreas Scolari — respondi e acenei. — Claro. — Ele conferiu em um tablet. — Podem me acompanhar. — Ele nos encaminhou para uma pequena mesa de dois lugares que havia escolhido na reserva. Puxei a cadeira para Juliete, que me agradeceu. O atendente já chamou um dos garçons, que nos recebeu muito bem e deixou o cardápio. — Esse Drink Ruella me parece muito bom. — Sim, é o famoso que existe desde a inauguração do Ruella, a chefe Dahoui que o criou; uma combinação única de vodca, frutas cítricas e o ingrediente principal, a romã, que é uma fruta afrodisíaca, símbolo do amor. — Juliete me encarou e entendi que ela queria experimentar quando concordou. Pedimos nossos pratos, entrada e drinques. Descartamos o vinho que também era bem indicado no menu. Quando o garçom saiu, o silêncio recaiu na mesa e meus olhos não saíram da garota ruiva que tinha a minha frente. Juliete jogou o cabelo de lado ficando ainda mais linda e charmosa, adorava como as sardas em seu rosto a deixavam ainda mais bela. — Como foi a aula de hoje? — Foi tranquila, sabe como é Direito Administrativo, muitos detalhes. — E como sei disso. — Sorri tentando dissipar meu nervosismo em começar a falar sobre o motivo real daquele convite. — Então, Juliete queria deixar claro para você que meu convite não foi para conversarmos somente sobre o que aconteceu no haras. — O que aconteceu foi que nos beijamos, Andreas, e que sentimos uma atração forte um pelo outro.

— Sim e não quero deixar isso de lado. — Seus olhos se abriram um pouco mais, ela parecia estar surpresa. — Espero não a assustar, mas eu quero deixar claro para você que o meu desejo é poder conhecê-la melhor e quem sabe… — Andreas… — ela falou parecendo estar perplexa com o que tinha acabado de dizer. — Tem certeza do que está me propondo? — Claro que tenho e no momento é uma das únicas certezas que tenho na minha vida. — O garçom chegou com nossos drinques e entrada interrompendo nossa conversa. Escolhemos bolinho de risoto com queijo azul e geleia de pimenta bem picante. Quando ele terminou, nos desejou uma boa refeição e saiu. Juliete voltou a me encarar, estar tão próximo dela era algo além do real para mim, visto que nunca me senti assim. Era assustador e perfeito ao mesmo tempo. Seria loucura alguém sentir que seu coração vai sair pela boca e seu corpo formigar e esquentar em alto nível? Quando era o coração que ditava tudo poderia acontecer. — Sabe que teremos que enfrentar muitos obstáculos para estarmos juntos? — ela me perguntou pegando um bolinho. — Tenho conhecimento disso e vou assumir todas as consequências. — Ela sorriu e balançou a cabeça parecendo não acreditar no que estava falando. — O que foi? Não se sente segura quanto a isso? — Sorriu mais e depois ficou séria. — Depois de como você reagiu naquele dia? Não esperava essa atitude agora. — Quer saber o real motivo dessa decisão? — Não deixei seu olhar e senti a necessidade de tocá-la para dizer aquilo, levei minha mão até a sua em cima da mesa e entrelacei nossos dedos sentindo meu coração

bater acelerado e o calor se espalhar por todo meu corpo. Ela observou nossas mãos juntas e depois me encarou e podia sentir que ela também sentia toda aquela sensação que o toque nos proporcionava. — O motivo, Juliete, é que não paro de pensar em você, na sua boca junto da minha e do seu corpo colado ao meu. É isso.

Dizer que estava chocada com a atitude de Andreas em me trazer em um restaurante totalmente romântico e ainda ouvir tudo que ele falou agora era pouco, na verdade me senti completamente surpresa. Parecia que estava em um sonho e realmente não queria acordar dele. — Andreas... — falei e minha vontade foi de abraçá-lo, sentir o calor de seu corpo, pois me arrepiei somente ao sentir sua mão na minha. Fechei meus olhos por alguns instantes para eternizar aquele momento em minha memória. Quando os abri, ele me encarou com seus olhos verdes brilhando e ele sorriu tão lindamente, que meu coração acelerou ainda mais como se fosse possível. — Não consigo resistir o que sinto quando estou com você, Juliete, e não posso mais viver pensando no que os outros vão falar ou pensar — ele falou com total atenção em mim, mostrando o quanto estava sendo sincero comigo e acariciou minha mão. — Bom, não esperava por isso, sinceramente te falando. Pois pensei que me convidou para dizer que iria manter distância, então estou

surpresa. — Te surpreendi de um jeito bom ou ruim? — perguntou parecendo bem nervoso de repente. — De um jeito bom, com toda certeza — falei e ele sorriu me deixando mais admirada. — Me sinto da mesma forma que você, não consigo evitar tudo que sinto mesmo quando não estamos juntos. — Posso ver como se sente, o ar ao nosso redor muda completamente e perco meu controle, Juliete. Se sente assim também? — Da mesma forma que você, como se não pudesse evitar. Andreas se aproximou e tocou a maçã do meu rosto com carinho, o toque dele despertava em mim sensações que nunca senti. Era totalmente diferente e intenso. — Quero estar com você, Juliete — falou com a voz mais baixa e ainda assim grossa. — Esse sentimento é mútuo, mas como faremos no escritório? — Seremos totalmente profissionais, mas não vou esconder de ninguém que estamos juntos, pois não quero que descubram de forma errada, você concorda? — Claro, vamos fazer assim — concordei com ele sentindo meu coração vibrar por tudo que estou vivendo, parecia inacreditável. Ele beijou minha mão e depois a soltou devagar. — Então, gostou do bistrô? — ele me perguntou sorrindo de lado e levantando a sobrancelha. — Muito acolhedor, bonito e romântico. — Sim, pensei exatamente isso quando escolhi, podemos voltar sempre que quiser — ele falou e nosso jantar fluiu perfeitamente, comemos e bebemos muito bem e depois fomos embora, ele me levou

para casa. Quando parou de frente o prédio, pediu para esperar e desceu do carro, abriu a porta e me ofereceu sua mão. Saí com seu apoio e entramos no prédio, ele entrou comigo no elevador e parei de frente para ele e em um segundo colou meu corpo ao seu, me acendendo inteira e então, sem pensar, acariciei seu rosto e ele me encarou, aproximei a boca dos seus lábios e o beijei de leve. Rocei o nariz no seu totalmente entorpecida pelo que ele me fazia sentir, passei os lábios pelo seu rosto, beijando o canto da sua boca, mordiscando o lábio inferior. Fechei os olhos e senti um desejo avassalador, queria sentir suas mãos em mim e seu corpo no meu, todo contato que tivesse ainda parecia pouco quando ele me tocou assim. Suas mãos me seguraram ainda mais forte, uma delas na nuca, a outra nas costas. Era assim que o desejei desde o primeiro dia que o vi, nada se comparava ao que ele me fazia sentir. — Juliete... — Sua voz grossa fez meu corpo se arrepiar. Abri meus olhos e ele me encarou com o corpo praticamente colado ao meu, suas mãos seguraram meu rosto e me forçaram a encará-lo. — Andreas... Então fui arrebatada por um beijo avassalador. Ele me beijava com a mesma intensidade com que apertava meu corpo junto do seu. Passei minhas mãos pelo seu peito e podia sentir seus músculos definidos mesmo sob a camisa que ele usava e como estavam tremendo pelo meu toque. O beijo se estendeu, ficamos sem fôlego e ainda assim nenhum dos dois ousou parar. Ele era o único oxigênio que precisava, ele trilhou o caminho até meu pescoço e segurou minhas mãos enquanto beijava cada canto dele. Então, me encarou e vi fogo em seus olhos e eu queria me queimar neles. Então encarou meus lábios, segurou meus braços na

lateral do meu corpo, com os pulsos presos na altura dos ombros, fiquei imobilizada e ele roçou seu quadril contra o meu, me fazendo sentir o quanto estava excitado e me deixou ainda mais louca por saber como o afetava. O tesão me consumia por inteira, nunca tinha me sentido tão quente com apenas um beijo. Cada célula do meu corpo desejava aquele homem e implorava por seu toque. Estava perdida por tudo que ele me fazia sentir. O elevador apitou que chegamos no andar certo e nos tirou da nuvem de luxúria que estávamos. Respirei fundo e soltei o ar e ele me encarou com intensidade. — Juliete, perdemos o controle — ele falou ainda com a voz grossa. — Mas eu... Calei-o com um beijo intenso e gostoso e selei nossos lábios. — Estamos no controle, tenha uma boa-noite, Andreas! — Saí do elevador e corri para entrar no apartamento. Quando fechei a porta, me encostei nela e fechei meus olhos sorrindo colocando a mão na minha boca. — Vejam só — Sininho falou me tirando totalmente da minha nuvem de sentimentos. — Chegou toda sorridente e coradinha, me conte tudo sobre esse encontro. — Foi maravilhoso, nunca me senti tão especial para alguém. Ela me olhou de lado. — Imagino, Juju, e você sabe que merece isso e muito mais — falou e a abracei, depois fomos para meu o quarto e conversamos enquanto me arrumava para dormir. Depois de conversar tanto, ela se despediu e fomos nos deitar.

No dia seguinte, recebi uma ligação da corretora da casa em Holambra, ela me disse que conseguiu vender a casa, fiquei muito feliz e aliviada em saber disso. Ela iria me enviar os documentos para assinar, pois não queria voltar lá, pelo menos por enquanto. Trabalhei junto com Adam e Benjamin no processo, avançamos bastante, consegui adiantar os documentos que seriam necessários. Ajudei a Gleice com alguns relatórios e depois fomos almoçar juntas. Estava me sentindo tão bem, mas podia melhorar se pelo menos conseguisse ver Andreas. Ele me mandou uma mensagem de bom dia tão romântica. “Bom dia, Juliete. Nosso encontro foi maravilhoso e espero que seja o primeiro de muitos. Tenha um excelente dia! Já sinto sua falta. Beijos.” Suas palavras encheram meu coração de alegria, sabia que ele estava trabalhando em um novo processo e estava muito ocupado. Gleice falou que ele mal saiu de sua sala e que estava de muito bom humor quando chegou. — Mas Andreas nunca foi mal-educado com ninguém, nem mesmo quando estava muito estressado com alguma coisa. Ele é justo e centrado no trabalho, sempre foi assim.

— Percebi mesmo, mas sabe também estou de bom humor hoje — falei, saímos do restaurante e andamos até chegar ao prédio novamente, a calçada estava cheia de pessoas indo e vindo. O tempo estava frio, tinha chovido um pouco pela madrugada e o vento estava gelado, mas senti um calafrio forte perpassar meu corpo e meu estômago embrulhar, tive uma sensação tão estranha e ruim que, instintivamente, olhei para os lados e depois para trás. Não vi nenhum rosto conhecido, mas, ainda assim, fiquei atordoada. Quando entramos no prédio pude me sentir melhor, mas estava nervosa e sentia que algo ruim estava bem próximo de mim. Minha mãe sempre dizia que o instinto da gente nos enviava sinais de quando algo bom ou ruim vai acontecer e, dessa vez, infelizmente não senti nada de bom. Despedi-me de Gleice e segui para a sala dos estagiários, vários de meus colegas ainda não me cumprimentavam ou me encaravam mal. Por um lado, entendia como se sentiam, mas eles deveriam ver meu lado também. Mas, infelizmente, faltava empatia nas pessoas, a capacidade de sentir com o outro e compreender o que ele passava. Não era o mesmo que sentir pelo outro, pois não havia como, cada um sentia e passava por cada situação da vida de forma diferente. Nesse caso, eles preferiam me julgar como uma pessoa que só desejava ser bem vista e privilegiada pelo chefe. Eles não poderiam sequer entender o que sentimos quando estávamos juntos, isso ninguém além de nós mesmos somos capazes de perceber. Aquele calafrio e sensação ruim não passaram pelo resto do dia e lembranças de Holambra me tomaram. Entre um documento e outro me vi mais perdida em meus pensamentos. Será que ele ousaria vir atrás de mim, mesmo com uma medida protetiva? Meu corpo inteiro estremeceu

só de pensar na possibilidade de ele estar à espreita, me observando. Só eu sabia do que ele era capaz para alcançar suas vontades ruins. Saí do escritório e fui direto para a faculdade, pois tinha que estudar um pouco e terminar uma atividade de Direito Administrativo. Sentei-me na sala de estudos da biblioteca e me concentrei na matéria. Quando dei por mim, já estava na hora da aula começar. Guardei minhas coisas na bolsa e segui para a sala de aula, a cada explicação do professor tentei realmente prestar atenção, mas aquela sensação ruim voltou e o medo me assolou durante toda o horário. Quando terminou, dei graças a Deus que iria para casa, saí apressada da sala. Cheguei no portão principal e o vi, meu coração acelerou de alegria, pois precisava muito sentir o calor de seu corpo no meu. Nossos olhares se encontraram, ele sorriu e veio ao meu encontro, não sei se percebeu no meu olhar que precisava de um abraço daqueles, mas senti que encontrei meu lugar preferido no mundo quando senti seus braços ao meu redor. — Andreas, que surpresa linda! Ele sorriu e selou nossos lábios enquanto segurava meu rosto com carinho. — Fico feliz que gostou, não pude te ver o dia todo, foi uma tortura para mim. — Ele beijou todo o meu rosto e trilhou pelo meu pescoço até chegar em meu ouvido e dizer aquelas palavras: — Senti a falta do seu perfume, sua pele macia e sorriso lindo. — Beijou a ponta do meu nariz e sorriu lindamente com os olhos brilhando. — Não sabe como precisava te abraçar você hoje — falei e sorri de volta para ele. — Aconteceu alguma coisa, Juliete?

— Não, só foi uma tarde estranha, mas passou a partir do momento que te vi aqui me esperando. — Tem certeza disso? Quero que conte comigo para qualquer coisa que precisar. — Obrigada, Andreas! Mas está tudo bem, podemos ir? — agradeci e olhei para os lados, preocupada. — Tudo bem, venha. — Ele abriu a porta do carro e entrei aliviada por estar indo para casa com ele e não sozinha.

Quando chegamos ao apartamento, ele me levou novamente até o andar, foi até a porta e, antes de abrir, ele me prendeu nela e me beijou apaixonadamente me deixando quente de forma intensa. Depois mordeu de leve meu lábio inferior, selou nosso beijo e me encarou. — Esperei por você minha vida toda. — Ele tocou meu rosto e foi descendo suas mãos por todo meu corpo me deixando arrepiada e quente. — Ah, Juliete, poderia tocar a mais linda canção em seu corpo. Pensei em você o dia todo e em como me senti bem só de pensar que iria vê-la e beijá-la novamente. Vamos esperar mais alguns dias para contar a todos na empresa, pois quero poder ir e vir com você sem me preocupar com nada.

— Tudo bem, Andreas! Preciso entrar, obrigada por ter ido me buscar, tenha uma boa-noite! — falei sem poder conter minha respiração acelerada e meu coração batendo forte enquanto meu corpo inteiro estava arrepiado. Virei-me e destranquei a porta, depois entrei e fui correndo para o meu quarto. Ouvi risadas e voltei para a sala dando de cara com a Sininho e Adam sorrindo. — Ah! Boa noite para vocês dois, passei correndo e nem mesmo vi vocês. — Boa noite, Ariel! — Eles me encararam me deixando sem graça. — Juju, aconteceu alguma coisa? — Não, está tudo bem. Só quero descansar, o dia foi puxado. Podem ficar à vontade, boa noite. — Sorri e voltei para o meu quarto, tomei banho pensando em como Andreas me fazia sentir. Era tão intenso e fomos marcados literalmente primeiro pelo toque do piano e agora pelo nosso corpo, mente e coração. Era assim que me sentia cada vez que ele me encarava cheio de paixão e desejo. Não poderíamos mesmo conseguir esconder o que tínhamos e seria melhor se fôssemos honestos com todos, mas tinha que me preparar para a chuva de olhares ruins em cima de mim naquele escritório.

— Impossível não perceber o quanto está feliz, Andreas. Está escrito no seu rosto... — Ben comentou, mas não terminou a frase e Adam concordou com um aceno de cabeça. — São os efeitos da paixão, Ben — Adam falou sorrindo demais. — E vocês sabem bem como é isso, não é mesmo? — perguntei, sorrindo, e levantando a sobrancelha. — É como aquele velho ditado “o sujo falando do mal lavado”. — Vamos dizer que tenho um pouco de experiência nesse tópico e assumo tranquilamente isso. — Ben respondeu sorrindo, parecendo bem feliz com sua vida amorosa. — Mas vejam só como meus amigos mudaram! — Adam ironizou, parecendo até que ele também não estava rendido pela amiga da Juliete. — E você? Como anda com a Laura? Aliás, qual é sua intenção com ela, já que vai voltar ao Rio nos próximos dias? — perguntei, curioso para ouvir sua resposta, ele primeiramente ficou em silêncio e parecia estar pensando a respeito, depois se aproximou e se sentou no braço do sofá

da minha sala. — Adam, desenvolva logo isso para nós e me diga que está diferente de nós dois. — Ok. Estava pensando nisso, por incrível que possa parecer para vocês, realmente gostei dela, estou encantado e não sei o que vai acontecer ou onde vamos chegar, mas não quero que termine. Estou com receio em voltar e deixá-la aqui, mas, por favor, não venham me caçoar por causa disso. Aliás, Andreas, quando vai ser a reunião com a equipe? — Você está fugindo do assunto? — perguntei e me aproximei dele. — Claro que não, respondi completamente a sua pergunta, mas se quer saber se estou namorando, como vocês já sabem, não gosto de rótulos e prefiro esperar mais um tempo. Não quero deixar de lado o que estamos vivendo. Mas e você, Andreas, quando vai reunir a equipe e fazer o comunicado? — Pretendo me reunir com a equipe depois da audiência, vocês fiquem aqui porque Alícia vai ligar e quer falar conosco. Confesso que fiquei curioso, ela foi muito misteriosa na última ligação. — Alícia e suas loucuras, estou ansioso para saber, apesar que nada mais me surpreende em relação a ela — Benjamin comentou e pegou seu celular, que apitou no bolso. — Preciso atender uma ligação na minha sala. Quando ela ligar me chamem, por favor. — Saiu depressa da minha sala, e Adam sorriu. — Deve ser sua irmã, pela pressa que ele saiu — falou e pegou seu celular, peguei tudo que tinha guardado da minha mãe e alguns documentos que tinha deixado com o investigador. — Sabe que precisa ir ao Rio, assim que chegar lá vou me encontrar com Lucas. — Falando nisso, aqui está tudo que consegui, tem alguns documentos que ela deixou.

— Ótimo, com certeza já vai ajudar muito Lucas a encontrar mais detalhes sobre ela! — Adam começou a batucar na mesa, ele era inquieto, não era um homem que gostava de esperar. — Cadê Alícia, hein? Preciso trabalhar, organizar com Juliete os detalhes para a audiência, ela vai assistir. Olha, não poderia deixar de dizer que ela é uma profissional maravilhosa e será uma advogada excepcional. — Você está em um assunto e depois em outro, Adam. Às vezes, não consigo te acompanhar. — Sou assim mesmo, vamos ligar para Alícia, ela está demorando demais — quando ele terminou de falar, nossa amiga ligou, atendi rapidamente antes que Adam passasse mal. — Alícia, como vai? — Quando vi seu rosto amassado, sorri, ela odiava acordar cedo, mas quando me perguntou o melhor horário para falar conosco, não tinha outro, ainda mais que Adam e Ben tinham a audiência. — Vou bem, olha só nosso menino do Rio ainda está em solo paulista — ela falou esfregando os olhos. — Estou aqui trabalhando, meu amor — ele falou piscando para ela. — Claro e eu nasci ontem também — Alícia respondeu ousada como sempre, ela nos conhecia bem e sabia que Adam estava caidinho pela Laura. — Não seria porque uma morena lindíssima conquistou o garanhão? — Você não tem jeito, Alícia, olha o que está pensando. — Ele balançou a cabeça, negando, e tive que segurar a risada. — Eu não tenho ou você, menino do Rio? Volte para a sua terra carioca e aí sim veremos se ela te conquistou, porque você é um caso à parte. — Ele fechou a cara para ela, que sorriu adorando provocá-lo. —

Está faltando nosso advogado de olhos azuis, cadê ele? Não me diga que está com a morena Scolari? Que grude! — Alícia, Alícia, você me paga! O que você está aprontando, que até acordou cedo para falar com a gente? Estou realmente muito curioso, nem dormi à noite, sabia? — Aff, como você é debochado! — Ela fechou a cara para ele e eu só queria rir daqueles dois juntos. Deixei o celular com Adam e liguei para a sala de Ben. — Você nunca acorda com as galinhas, só quando é algo de seu total interesse, estou realmente bem curioso. — Você é o mais ansioso mesmo, aposto que estava batucando em algum lugar. — Como você me conhece tão bem, mesmo? — ele perguntou e Ben entrou na sala, ainda bem. Não aguentava Adam e Alícia batendo boca assim, eles pareciam cão e gato se provocando. — Não posso nem me lembrar em como te conheço tão bem, Adam. — Então, conte-nos a boa nova porque eu cheguei — Ben falou e ela sorriu. — Oi, Ben, bom que chegou. Acho melhor vocês se sentarem. — Sentamo-nos no sofá e colocamos o celular na mesinha à frente. — Agora, sou uma mulher comprometida — ela falou e ficamos todos em um silêncio digerindo a informação que nossa amiga contou. — Espera aí, entendi direito? Você está namorando? — Adam perguntou sem poder se conter, é claro. — Sim, estou em um relacionamento seríssimo com duas pessoas. — É sério isso? Com aquele casal que você nos contou que se envolveu. — Com eles sim, formamos agora um trisal.

— Você nunca me decepciona, mas não pensei que iria se envolver com um homem e uma mulher para namorar assim — Adam falou. — Nos conte como foi, parece que você chegou e eles já estavam te esperando — comentei. — Sim e resolvi esclarecer que gostava dos dois e que não poderia mais levar adiante ficar com ambos escondidos e não estava certo isso que eles fizeram com eles mesmos. — Está certa. E aí, eles decidiram que ficariam juntos? — perguntei curioso. — Eles me pediram um dia para pensarem e depois me procuraram para dizer o que decidiram e conversamos muito. No momento fiquei emocionada e aceitei, depois fiquei pensando que sou louca, mas sorri e segui em frente, pois é a primeira vez que deixo meu coração me guiar assim. — Para tudo tem uma primeira vez, o importante é você estar feliz com isso, Alícia — falei e ela sorriu. — Andreas, você tem toda razão e espero que esteja feliz pelo que decidiu também. — Estou e muito, mas no momento fico feliz por você ter finalmente decidido, lembro que veio aqui confusa com relação ao que estava se passando com os dois. — Sim, mas liguei só para contar a vocês, meus grandes amigos, e claro agradecer por todo o apoio que sempre me deram e nunca me julgaram mal, sabem o quanto sofro com isso. — Não tem de quê, você é maravilhosa e queremos que seja feliz! — Adam elogiou e ela assobiou do outro lado. — Nossa, Adam Dutra está falando sério e não me provocando! Grande avanço que tivemos aqui. Enfim, depois vamos marcar de vocês

trazerem as suas amadas aqui para dançar. — Claro que vamos, e a “Noite Selvagem” como andam os preparativos? — Ben perguntou. — Muito bem, esse ano farei com o tema fantasia e tenho para mim que ficará incrível. — Você tem ideias excelentes, Alícia! — Adam falou e depois a provocou. — Já decidiu sua fantasia? — perguntou e sorrimos juntos. — Prefiro surpreender vocês no dia com outra ligação de vídeo. — Ela abriu um sorriso, que indicava que já havia decidido sobre sua fantasia. — Agora, vão trabalhar, não quero mais tomar o tempo precioso de vocês. — Ah, claro, somos muito ocupados! Nos falamos mais depois, Alícia, agora mulher comprometida. Fique bem e qualquer coisa é só nos chamar, sabe que somos pau para toda obra — Adam falou e Ben bateu nele. — Sei, vai trabalhar e cuidar da sua morena, menino do Rio. Bye, bye, rapazes... — ela falou e encerrou a ligação. Depois disso, só nos entreolhamos e sorrimos, Ben e Adam saíram da minha sala e comecei a trabalhar. Mandei uma mensagem para Juliete, avisando que hoje faria a reunião para comunicar que estamos juntos. Já tem alguns dias que ela estava estranha, na última noite perguntei se estava tudo bem e ela disse que sim. Mas desde o dia que a busquei na faculdade e vi em seu rosto o alívio ao me ver, fiquei preocupado. Ela parecia estar com medo, estava sempre olhando para os lados, desconfiada, e não sabia muito de seu passado em Holambra, mas queria que ela confiasse em mim e me contasse tudo no momento que ela julgasse certo.

Depois de sua resposta, desejei sorte a ela pela audiência do processo e peguei os documentos que Gleice havia deixado em minha mesa naquela manhã para analisar. Com isso não percebi o tempo passar, atendi telefonemas importantes e respondi alguns e-mails. Só vi que já era hora do almoço quando Gleice me ligou para avisar que estava saindo para almoçar e me dei conta de que estava atrasado para o almoço com Catarina. Havia marcado com ela, pois Ben hoje estava por conta da audiência, já estava trabalhando há meses naquele processo e Adam aproveitou seus dias a mais para ajudá-lo. Saí do escritório me desculpando pelo atraso com minha pequena rainha no celular, ela já estava me esperando no restaurante. Catarina gostava de ir a lugares muito diferentes e já almocei com ela em vários restaurantes assim por toda a cidade. Com o trânsito cheio e agitado de São Paulo, cheguei mais de trinta minutos depois, ela sorriu paciente comigo assim que entrei e a encontrei sentada no meio de todas aquelas mesas. O Figueira Rubaiyat era um restaurante elegante com terraço coberto, que servia carnes grelhadas e frutos do mar sob uma árvore gigante. — Demorei, né? Me desculpe — falei e ela sorriu mais, me abraçando. — Sei bem como é, você se concentrou muito no trabalho e esqueceu do almoço, mas não me chateio com isso e muito menos com o trânsito — falou e nos sentamos. — Como você está? — perguntei curioso para saber dela. — Muito bem e você? Como andam as coisas com a ruiva? — Estou bem e tudo anda muito bem entre mim e Juliete — respondi com um sorriso. — Dá para ver em seu rosto, o lorde está apaixonado e fico muito feliz em vê-lo assim.

— Você é demais, agora gosta de me chamar assim não é mesmo, pequena rainha? — Vamos dizer que é uma forma de te provocar, já que não para de me chamar com esse apelido ridículo. — Eu sei. — Sorri e depois a encarei ficando sério. — Mas quero conversar com você sobre outro assunto hoje. — Imaginei, pode falar — ela respondeu, o garçom chegou e pedimos nossos pratos. — Quero que saiba que Adam tem um conhecido da Polícia Federal e ele vai me ajudar a investigar sobre o que aconteceu com nossa mãe. — Minha irmã ficou séria de repente, sabia que ela agiria assim, pois não falava muito sobre isso, mas tinha que contar, pois éramos irmãos e Catarina era a pessoa em quem mais confiava, sempre fomos nós dois contra o mundo e não fazia nada escondido dela, só se fosse para protegê-la. — Andreas, você não desiste disso e tenho muito medo do que possa te acontecer, pois nosso pai claramente nos esconde algo e tenho a intuição de que tem algo muito ruim por trás disso tudo. — Por esse motivo que não vou me cansar de procurar pela verdade, ele mente para nós dois e quero saber por mim mesmo a verdadeira história. É nossa mãe e temos o direito de saber. — Sei disso, mas não quero que corra nenhum risco ou que se decepcione — ela falou, pegando em minha mão e me encarou com carinho. — Não tenho esse interesse em descobrir, sabe como me sinto em relação a isso, eu sequer a conheci. Entendo que você viveu mais tempo com ela, mas não sei... — Ei, tudo bem, te entendo perfeitamente. Não se preocupe com isso, quero que saiba de tudo e que esse seja nosso segredo. Vou falar com

nosso pai somente quando descobrir algo e precisar contestá-lo a contar a verdade. — Estou do seu lado e sabe que pode contar comigo para tudo, somos nós dois contra o mundo, lembra o que me disse quando ainda era bem pequena? Você nunca me deixou e eu te amo muito, Andreas. Você foi mais que um irmão para mim e sabe que me dói ver que você não teve ninguém que te deu apoio, você me dava sempre a sua mão, mas nunca teve uma para te dar amor e carinho. Sei que deseja saber disso por causa da falta que sentiu deles e eu também senti essa falta, mas ela foi suprida por você e Rosa, que nunca me deixaram. — Ah, Catarina. — Olhei com pesar para ela, éramos dois adultos e ainda assim com um buraco muito grande dentro do nosso coração, que nunca foi preenchido. Sempre sonhamos em ter uma família e o amor de nossos pais, mas fomos jogados no meio de mentiras e uma fachada. Tinha que fingir ser uma família feliz, quando estávamos sempre só aos cacos esparramados por todo canto daquela casa grande. Tudo para manter um sobrenome de pé, o que valia isso, afinal de contas? Depois disso, falei sobre os detalhes e que iria ao Rio de Janeiro para conversar com o Lucas, ela escutou tudo e reforçou que poderia contar com ela e eu já sabia disso. Quando voltei ao escritório, trabalhei mais com os documentos e foi aí que Adam e Ben chegaram satisfeitos por terem vencido o processo, que foi um sucesso a audiência. Parabenizei-os e Juliete também pelo trabalho excepcional que fizeram, liguei para Gleice e pedi a ela para convocar todos para uma reunião urgente. Encarei Juliete e busquei em seu olhar a resposta final e ela concordou, meio que receosa, tranquei a porta da minha sala e a mantive ali em minha frente.

— Tem certeza de que está tudo bem? — Acariciei a maçã do seu rosto e seus olhos azuis se fecharam sob meu toque e, quando ela os abriu, percebi que poderia me perder completamente ali e não teria nada no mundo que me fizesse abrir mão de estar com ela. — Quero que me diga agora, sabe que só quero poder andar livremente com você. — Também quero isso, Andreas, estamos juntos — ela falou e sendo ousada me tomou um beijo apaixonado e gostoso, deixando-me louco com seu perfume delicioso. — Tudo bem — falei depois de selar nossos lábios feliz por ter a sua resposta. — Vamos lá e quero que fique segura, sei que vamos enfrentar muitos julgamentos ruins aqui dentro, mas, antes de tudo, vou deixar bem claro tudo para que não aconteça aquilo novamente. Ela concordou e saímos juntos, quando cheguei na sala de reuniões percebi todos nos encarando curiosos. — Boa tarde, convoquei essa reunião para fazer um esclarecimento e comunicado e pedir encarecidamente que compreendam a situação e respeitem minha decisão. Juliete e eu estamos juntos, é oficial e esse fato, como dito anteriormente, não vai influenciar em nenhuma das minhas decisões profissionais e nem ela se beneficiará disso. Não vamos misturar isso e quero que confiem em mim, no meu caráter profissional e responsabilidade com esse escritório. Enfim, peço que tenham respeito com Juliete e não a julguem mal por isso, tudo que ela conquistar aqui dentro será por mérito de seu excelente trabalho como estagiária. Ninguém tem ou terá benefícios aqui, a não ser por seu esforço e dedicação, essa não é a política da empresa. Deixo claro, novamente, que não temos nenhuma regra que proíba relacionamentos entre funcionários, desde que isso não afete o ambiente profissional. Então, é

isso e espero que possamos continuar como uma equipe, unidos pelo nosso bem maior, que é advogar com excelência. Estamos de acordo? — Sim — todos responderam concordando em uníssono. — Estão todos liberados, vamos voltar ao trabalho. — Saíram todos em silêncio e sabia que poderiam falar pelos corredores sobre o assunto. Mesmo tendo pedido tanto por respeito e compreensão. Daiane passou ao meu lado com um olhar mortal e pouco me importei com o que ela pensava sobre isso. Queria que ela se tocasse de que nunca irá acontecer algo entre nós dois, de uma vez por todas. Adam e Ben apertaram minha mão me dando apoio, depois voltei a minha sala e trabalhei pelo resto do expediente. Marquei de beber com meus amigos, para nos despedir de Adam que voltaria ao Rio no dia seguinte. Cheguei ao meu apartamento, tomei um banho e me arrumei, mandei uma mensagem para Juliete, que iria buscá-la depois da aula. Saí e cheguei no bar do hotel que Adam estava hospedado e já encontrei ele e Benjamin conversando. — Olha, chegou quem estava faltando — Adam comentou assim que me viu. — Demorei? Acho que não, né? O trânsito estava caótico, o que estão bebendo? — Eles sorriram. — Cerveja, hoje precisamos para dar aquela relaxada, depois da conclusão desse caso — Ben falou com satisfação, sorrindo. — Estão certos, vou pedir uma limonada, pois ainda vou buscar Juliete. — Ah, é claro! Falando nisso, tem que ficar de olho no pessoal do escritório, principalmente Daiane, ela vai vir com artilharia pesada para cima de vocês — Adam comentou.

— Com toda certeza, viram o olhar dela quando saiu da sala de reuniões? — Ah sim, ela estava soltando fumaça de raiva porque não é com ela que você está. Como pode ser assim? — Ben completou. — Meu pai sempre deu esperança a ela, fazia questão de mostrar seu apoio a ela para que ficássemos juntos. — É, mas ela bem que queria também, dá para ver, mas tem algo no olhar dela que não me passa confiança — Adam falou e Ben concordou. — Nem em mim, mas, enfim, o que importa é que estou com Juliete e agora todos sabem disso, não vou desistir de ficar com ela. Pela primeira vez, estou fazendo algo por mim mesmo — falei convicto. — Isso mesmo, conte conosco para tudo, sabe que somos amigos e que nunca vamos estar contra você, só queremos que seja feliz. Mas vamos conversar sobre sua ida ao Rio, precisamos agendar isso. Você me envie até na segunda a data e já reserve sua passagem — Adam falou parecendo tão ansioso quanto eu para descobrir a verdade sobre minha mãe, meus amigos me apoiavam tanto. — Pode deixar, farei isso. Só espere passar esse final de semana, quero contar tudo a Juliete para ela saber o motivo da minha ida, tenho de ser totalmente sincero com ela. — Isso mesmo, tudo no tempo certo e ela vai se abrir com você também — Ben comentou com o tom de quem sabia o que estava dizendo. — Lógico, sei que tem algo do passado dela e nos últimos dias sinto que ela está receosa e com medo, tanto que perguntei a ela antes da reunião se estava tudo bem e ela disse que sim. Por esse motivo segui em frente, não quero que ela se sinta pressionada a nada.

— Está certo, ela é mais nova que você e não sabemos da história de vida dela, mas com o tempo vai confiar isso a você, basta demonstrar a ela seu apoio e amor. Continue sendo você mesmo e tudo vai dar certo — Ben me aconselhou. — Você é um lorde e sei o quanto compreende as pessoas, Andreas, a empatia que tem é algo que admiro, sempre tão paciente, sem julgamentos — Adam falou apontando o dedo para mim e sorri. — Nossa, obrigado pelo apoio de vocês, nem sei o que seria de mim sem nossa amizade. Eles concordaram e conversamos mais sobre alguns assuntos, incluindo nossa amiga Alícia, ficamos felizes por ela estar comprometida. Chegou a hora de eu ir buscar Juliete e saí do bar satisfeito por ter meus amigos comigo, não tinha uma família perfeita, mas sempre tive outras pessoas comigo que nunca me abandonaram. Parei em frente ao portão principal da faculdade e aguardei pela minha “Ariel”. Com as mãos nos bolsos encostei no carro e então vi seu cabelo ruivo se destacar no grupo de pessoas saindo, mas só ela me importava. Meu corpo inteiro reagiu ao vê-la sorrir ao me fitar, acho que seria sempre assim, aquela era a sensação que eu tinha quando a via ou me lembrava dela. Era inevitável não sentir meu coração bater mais rápido e meu corpo inteiro vibrar por dentro ao senti-la se aproximar. Sem poder me conter, encurtei nossa distância e seus braços me puxaram em um abraço e depois descansaram em meus ombros, ela sorriu me deixando ainda mais encantado. — Boa noite, Ariel! — cumprimentei-a com a voz mais grossa, afetado demais pelo que ela me fazia sentir. — Olá, Andreas. Agora vai me chamar assim? Sorri e fitei seus olhos azuis lindos.

— Se não for te incomodar, esse apelido cai muito bem em você, se parece muito com a Pequena Sereia e agora é minha. — Hum... — ela falou e me encarou seriamente. — Isso será algo só nosso, pode ser? Adoro como soa quando fala assim. — Eu gosto mais ainda de saber disso, minha Ariel — falei e tomei seus lábios nos meus em um beijo intenso e cheio de paixão, não queria me soltar mais dela, gostaria de morar nesse beijo e em seus braços. Sentindo seu perfume de rosas e jasmim só para mim, tocando sua pele branca e cheia de sardas. A contragosto, selei nossos lábios e ela sorriu lindamente para mim. Abri a porta do carro e ela entrou, reparei que ela vestia um sobretudo preto elegante, a elogiei antes de fechar a porta, dei a volta e entrei no carro e saímos. Fomos ouvindo músicas pot-pourri, tinha deixado essa playlist, pois gostava muito de ouvir aquelas canções dos melhores anos 80 e 90. Ela parecia estar apreciando e entrei na garagem do meu prédio. — Onde estamos indo? — Encarou-me curiosa. — No meu apartamento, quero que saiba onde moro, sei que já tarde, mas será só para conhecer, mas só se estiver tudo bem para você. — Sem problemas, quero conhecer o local onde você vive. Depois, te levarei no apartamento que divido com Laura, minha amiga. — Será um prazer, minha Ariel. — Sorri ao desligar o carro, nos encaramos por um tempo, às vezes não era preciso dizer nada, nossos olhares diziam tudo, desde o primeiro momento em que nos vimos. Desci e abri a porta para ela, subimos conversando para dissipar e tensão que nos cercava por aquele momento em que ficaríamos sozinhos onde morava. Era muito íntimo e gostaria de fazer o pedido oficial de namoro lá, onde estaríamos compartilhando um momento só nosso, sem ninguém por perto.

Chegamos ao meu andar e saímos pelo corredor de mãos dadas, destranquei a porta e abri sorrindo para ela. — Seja bem-vinda! Ela me fitou com um sorriso de lado e passou por mim, deixando-me ansioso para mostrar mais do meu espaço pessoal que, a partir de hoje, ela poderia compartilhar comigo. — Nossa, bem como imaginei mesmo — ela falou enquanto observava tudo parecendo encantada. — Como imaginou? — perguntei curioso por saber que ela pensava nisso. — Clássico e totalmente limpo e organizado, você é bem metódico. — Sou assim desde quando era pequeno, Rosa até desconfiou que tinha problemas, me levou na psicóloga. Mas não tinha nada, é algo da minha personalidade mesmo. — Verdade, Rosa não deixa passar nada em relação a você. — Não mesmo, ela sempre esteve conosco, é como se fosse minha mãe, a considero muito. Venha aqui, um minutinho. — Sentei-me no sofá e pedi a ela para se sentar ao meu lado. — Quero fazer um pedido a você. — Peguei suas mãos e a encarei. — Gostaria muito de fazer isso aqui e poder te contar sobre meu passado, porque vou precisar de todo seu apoio e compreensão. Você já é muito especial para mim e depois de ter falado que estamos juntos hoje no escritório para todos, me dei conta de que não rotulamos o que temos entre nós. Mas quero que você se sinta totalmente segura com o que temos e não quero que percamos mais tempo. — Meu Deus, Andreas, me diga logo! — Senti suas mãos suando junto das minhas.

— Aceita ser dona da minha vida e do meu coração, ser minha namorada? — perguntei sentindo meu coração na boca tamanha a emoção pelo momento e significado da pergunta. — Claro que aceito, depois do que fez hoje não me resta nenhuma dúvida do que estamos vivendo, Andreas. — Puxei-a para mais perto e colei minha boca na sua com fervor e paixão, o corpo inteiro querendo mais do seu junto do meu em uma confirmação de que estávamos realmente juntos. Quando estava ficando muito quente e intenso, beijei seus lábios devagar e todo seu rosto a vendo sorrir deixando meu coração ainda mais feliz. — Desculpe se me excedi, não quero que se sinta pressionada a nada. — Não precisa disso, estamos envolvidos demais e nosso corpo fala por si só o que nosso coração tanto deseja, não tem como evitar. Então, me apresente seu apartamento. — Claro, venha! Levantei-me e a puxei comigo, mostrei a copa conjugada com sala e cozinha, depois os dois quartos, banheiro, sacada e, por último, o piano. Ela ficou encantada com ele, o observou e sorriu. Senti que tinha chegado o momento certo de contar a ela. — Que lindo, Andreas. Parece ser muito especial para você. — Sim, foi a única coisa que minha mãe deixou quando foi embora, ela tocava nele todos os dias e eu assistia admirado em ver como se entregava às canções. — Imagino, são lembranças que não se apagam — falou parecendo saber bem o que estava dizendo. Não perguntei nada, porque sabia que, no momento certo, ela me falaria sobre o seu passado. — É sim, não sei o porquê dela ter ido, tinha dez anos e ouvia as brigas constantes que ela tinha com meu pai, sentia que ele a maltratava

e isso partia meu coração. Mas acredito que minha mãe teve seus motivos para nos deixar. Quero descobrir isso, Juliete, e nos próximos dias terei de ir ao Rio de Janeiro para conversar com a pessoa que vai me ajudar nisso. Espero que compreenda e esteja ao meu lado. — Claro que estarei aqui para o que precisar, sempre. Saiba que nunca vou julgá-lo, quero que sejamos o apoio um do outro, além de tudo. — Obrigado por tudo, meu amor. — Selei nossos lábios e ela me encarou com um sorriso diferente. — Não precisa agradecer, mas se quiser pode tocar um pouquinho para mim. — Minha respiração acelerou e fiquei nervoso. — Juliete, não toco esse piano há anos e não sei se poderia... Ela me calou aproximando seu dedo da minha boca. — Shhh... sei que pode e, no fundo, você sabe disso também, claro que respeito se não quiser, mas precisa dar o primeiro passo, para descobrir o que realmente sente depois de alguns anos. — Acariciou meu rosto, emocionada e com lágrimas nos olhos, Juliete sempre expressava tão bem seus sentimentos, era algo natural nela. Sem tirar meus olhos dela, sentei-me de frente ao piano e o abri, fechei meus olhos e deixando meu coração falar comecei a tocar a canção que minha mãe tocava para mim todos os dias, as lágrimas caíram sem controle e, então, Juliete se aproximou e me tocou. O calor de suas mãos se espalhou por todo meu corpo, parei de tocar e abri meus olhos e a vi se deitar na cauda do piano, em um silêncio mais cheio de palavras que já vivi, pude ver em seus olhos o que ela desejava. — Você... — falei. — Não diga nada — ela me interrompeu —, estou aqui e não vou mais te deixar. — Ela abriu o sobretudo e fiquei surpreso com aquela

garota. Juliete era uma menina-mulher. Delicada e, ao mesmo tempo, ousada. Tirou seu vestido e vi a lingerie sexy em renda preta e vermelha que se destacava sob sua pele branca como neve, marcando perfeitamente cada curva de seu corpo. Não pude mais evitar e a puxei para mim, ela se sentou em cima das teclas do piano, que ecoou um som alto e desconexo pela sala e nem mesmo isso foi capaz de me distrair daquele momento. Puxei seu lábio inferior e tomei sua boca enquanto minhas mãos tatearam por todo seu corpo. Peguei uma mecha de seu cabelo, aproximando mais de seu pescoço fino e lindo para a minha boca e a devorei. Cada centímetro de sua pele deliciosa e perfumada. Nada poderia ser mais perfeito. Meu corpo inteiro se inflamou pelo calor e me entreguei completamente, assim como ela estava fazendo, em um momento nos encaramos e vi que estava tudo bem. Não era preciso falar nada, nossos olhos diziam tudo e assim nos amamos intensamente.

Quando abri meus olhos me dei conta de que não estava na minha cama e quarto, olhei para o lado e o vi dormindo serenamente. Sorri ao me lembrar do quanto nossa noite foi incrível, nunca me senti tão amada e bem cuidada. Não havia adjetivos suficientes que eu pudesse descrevêlo, acho que minha surpresa era devido a sempre ter visto o homem de forma diferente. Por tudo que tive que conviver e presenciar em casa, acreditava que a minha percepção fosse distorcida. Claro que não podia generalizar, hoje entendia isso perfeitamente. Andreas não seria capaz de mover um fio do meu cabelo sem me respeitar e me tratar com muito carinho. Isso pude ver ontem, na forma como me tocou com admiração e adoração. Fiquei um tempo admirando a beleza dele, os traços perfeitos de seu rosto e sua boca perfeita. Além disso, era um gentleman, um homem cavalheiro, carismático e muito elegante. Decidi me levantar para preparar o café da manhã e ligar para Laura, mas antes de conseguir sair da cama fui puxada por mãos fortes que me

prenderam na cama, com o semblante sério ele enrugou a sobrancelha ao me fitar. — Onde você pensa que vai? — perguntou com a voz rouca fazendo meu coração acelerar e meu corpo se arrepiar. — Só iria preparar o café e ligar para Laura — respondi e ele sorriu lindamente, vi seus olhos brilhando e as íris em um tom de verde-claro lindo. — Mas antes de deixar você ir, preciso sentir sua boca na minha e esse seu perfume incrível. — Hum... mas eu nem escovei os dentes. Então pode desistir dessa ideia de me beijar. — Ele fitou meus olhos como se estivesse me dizendo que não iria permitir que eu saísse dali e dei de ombros. Tentei fugir dele, mas me agarrou e beijou meu pescoço e depois veio enchendo meu rosto de beijos. — Sabe que adoro suas sardas, te deixam ainda mais linda e charmosa. — É mesmo? Não escondo, gosto delas aparecendo. — Acho que seria estranho te ver muito maquiada e com elas cobertas, você fica realmente muito linda e única assim. — Muito obrigada. Receber elogios assim logo de manhã é muito bom, desse jeito vai me deixar mal acostumada. — É melhor você se acostumar mesmo — ele falou e me beijou, sua língua girou por toda minha boca em um beijo frenético, quente e apaixonado. Suas mãos acariciaram meu corpo e por onde as sentia o calor se espalhava me deixando em combustão. Ele puxou meu lábio inferior lentamente enquanto seus olhos se abriram e me fitaram, sua íris naquele momento já estava verde-escura.

Sem dizer nada, ele deslizou sua boca pelo meu pescoço, seios e abdômen e, antes de continuar, me fitou novamente com fogo nos olhos, algo que nunca tinha visto antes nele. Como poderia ir de superromântico a supersafado com tanta rapidez? Ah, estou amando descobrir essas outras faces do famoso lorde Andreas Scolari. Ele me levou ao êxtase e depois passou a mão pelo cabelo como se estivesse arrumandoo, só que bagunçou ainda mais e o admirei. Essa versão dele assim tão desleixado, com cara de quem teve a melhor noite era totalmente nova para mim e me deixou ainda mais apaixonada. — Sabe que fica lindo assim? — comentei sem poder me conter e ele se levantou da cama. — Assim como? — perguntou sorrindo de lado, fazendo charme, sabendo bem do que estava falando. — Sem terno? — Sim, com o cabelo bagunçado e esse semblante de felicidade. — Realmente estou feliz, mas sabe que sou metódico, né, o cabelo assim já me deixa louco. Levantei-me da cama e me aproximei dele ficando na ponta dos pés para alcançar sua boca e selar nossos lábios. — Você que tem me deixado louca — falei e ele abriu mais os olhos, como se estivesse surpreso. — Nem preciso falar o que você anda fazendo comigo, minha Ariel. — Ele me puxou — Mas sabe o que estou pensando agora? — Balancei a cabeça, negando. — Que podemos tirar o final de semana para nós, podemos ir a um lugar especial. — Nossa, fiquei realmente animada agora! Passar o final de semana com você, parece perfeito, meu lorde! — exclamei com entusiasmo. — Só preciso passar em casa para pegar roupas e avisar para Laura, pois ontem só deixei uma mensagem.

— Passamos lá e depois seguimos para o nosso destino — pela forma que ele falou, só aguçou minha curiosidade. Para onde ele me levaria? — Ok, enquanto você toma banho, preparo o café para tomarmos juntos. — Gosto mais dos cafés intensos e ovos mexidos pela manhã — informou piscando um olho para mim. — Imaginei mesmo que gosta de café intenso. — Ele concordou, deu um beijo em minha testa e foi para o banheiro. Vesti sua camisa branca, que ficou enorme em mim, sorri e fiz um coque no cabelo. Apesar de ter tomado banho de madrugada, deixaria para tomar outro quando chegasse em casa. Fui para a cozinha e comecei a minha procura, abri armários e encontrei xícaras, coloquei na máquina e a liguei. Ao lado estava as cápsulas e escolhi as marrons escuras. O gosto dele para café era bem parecido com o meu, fiz os ovos mexidos e coloquei nos pratos que encontrei nos armários. Preparei a mesa com os cafés prontos e senti o perfume de sabonete misturado com algo bem amadeirado. Quando me virei, o vi parado me encarando os olhos verdes brilhando e sorrindo para mim lindamente. — Então a Srta. Barnes preparou nosso café — Ele se aproximou, agarrando-me e beijando o meu pescoço. — Sim, espero que goste, ainda estamos nos conhecendo e não sei exatamente o que você gosta. — Vamos descobrir juntos tudo um do outro. — Mordeu de leve o lóbulo da minha orelha fazendo meu corpo inteiro arrepiar. — Ah, Andreas... — falei baixinho depois de soltar o ar. — Eu sei, mas vamos tomar café, temos um final de semana para viver. — Ele me soltou como se tivesse todo o controle do mundo. — Claro, é o controle em pessoa — falei baixinho.

— O que disse? — perguntou e eu sorri de lado para ele. — Nada, falei comigo mesma aqui, a propósito espero que goste. Ele tomou um pouco do café e balançou a cabeça em sinal de aprovação, abri um sorriso. — Acertou na escolha do café intenso e os ovos ficaram muito bons. — Fico feliz por isso, então, você não vai me dar nenhuma pista de onde vamos passar o dia. — Não, será surpresa, mas escolha roupas confortáveis e sapato fechado — respondeu e piscou no final, sorrindo. Ele comeu também um pouco de frutas vermelhas, Andreas parecia se alimentar muito bem. Depois disso, voltei ao seu quarto e reparei na cor dele, verde-turquesa, que combinava muito bem com ele, os detalhes eram cinza e os móveis de madeira mais clara. Gostei da combinação e admirei a organização daquele homem. Pelo que fiquei sabendo por Gleice, em uma de nossas conversas no horário de almoço, Andreas fazia aniversário neste mês de setembro e já era na próxima semana e gostaria de preparar algo especial para ele. Depois que me vesti e escovei os dentes com a escova nova que Andreas me deu, observei-o se aproximar, saindo do closet com uma camisa azul de manga comprida e calça jeans escura com tênis. O cabelo perfeitamente penteado e exalando seu perfume amadeirado delicioso. A beleza de Andreas estava no charme que exalava em seus olhos verdes e os traços de seu rosto que harmonizavam com todo o resto, principalmente sua boca. As mãos dele era algo que me atraía também, sempre que o via arrumando a camisa prestava atenção nelas, as veias protuberantes mostravam a força que ele tinha. Desviei meus olhos e sorri, estava babando nele e claro que havia percebido.

— Gostou da vista? — perguntou, sorrindo. E, para mim, esse Andreas galanteador era algo novo. — Você sempre foi assim? — perguntei curiosa demais pela sua resposta. — Assim como? — Galanteador, pois eu não imaginava isso, você só me surpreende. — Bom, nunca fui conquistador como está pensando, na verdade sou muito discreto e não me mostro para as pessoas tão facilmente, só que com você isso está acontecendo naturalmente. — Ah, entendi. Então é só comigo? — Aproximei-me dele, que enlaçou meu corpo ao seu em uma pegada forte. — Só com você, meu amor — ele falou com a voz rouca e me beijou com paixão, fazendo meu coração acelerar e minhas pernas ficarem bambas com sua pegada, depois selou nossos lábios e me encarou. — Agora, vamos porque temos 70km pela frente após passar no seu apartamento. Ele pegou uma caixa, que julguei ser de óculos escuros, a pequena mala de mão, carteira e celular. Saímos de mãos dadas e conversando sobre o próximo domingo e ele me convidou para almoçar com ele e Catarina. Ia ser bom poder conhecê-la melhor. Ele até ligou para a irmã e justificou sua ausência e o peguei sorrindo no telefone e imaginei que os dois se davam muito bem, ela parecia ser uma pessoa encantadora. Não cheguei a conversar com ela na festa que teve no haras Scolari, mas me passou uma boa impressão, foi simpática com todos e estava sempre com o Benjamin, acho que os dois namoravam. Chegamos na garagem e Andreas destravou seu Honda Civic preto, que achava que combinava muito com ele na elegância e masculinidade. Ele colocou seus óculos escuros estilo aviador, que me encheu os olhos

com a visão, tão lindo. Deu a volta e abriu a porta para mim, depois entrou e saímos pelas ruas de São Paulo. No som do carro estava tocando ainda a playlist de pot-pourri e apreciei aquelas músicas maravilhosas. Paramos em um sinal nos encaramos, sorrimos juntos e ele tocou em minha mão e depois a levou em sua boca e depositou um beijo, que fez meu corpo inteiro se arrepiar. Parece que esse final de semana seria todinho assim e nem havia começado ainda. Every breath you take, de The Police, preencheu o som do carro e o sinal abriu. Envolvida pelo toque da música, mexi meus ombros no ritmo e ele sorriu quando viu. Assim que chegamos ao prédio, falei que ele não precisava abrir a porta e já fui abrindo e descendo. Ele deu de ombros e entramos no prédio, cumprimentei o porteiro e já fomos para o elevador. Andreas atendeu a ligação de Benjamin e depois de Alícia enquanto subimos, chegamos no andar e, assim que entrei, dei de cara com a Sininho de camisola. Fiz um sinal para ela, que sorriu e saiu correndo pelo corredor, indo direto para o seu quarto. Só escutei a porta batendo e me virei para trás e vi Andreas sorrindo. — Pode ficar à vontade, sente-se aqui — pedi mostrando o sofá. — É pequeno, mas bem acolhedor e confortável. — É o tamanho ideal para vocês duas. — Sim, perfeito. Gostei bastante daqui, mas vou lá rapidinho e você pode ficar à vontade, que já volto — falei depois de me aproximar e selar nossos lábios. Depois fui para o meu quarto, tomei um banho rápido e peguei a mala de mão pequena para organizar as roupas. Como seria somente uma noite, peguei dois pares de roupas, claro que as mais confortáveis e melhores que tinha. Além de uma bota de cano baixo com salto curto e um tênis, peguei sabonete líquido, cremes, desodorantes e minhas

nécessaires, gostava de guardar tudo nelas. Peguei dois casacos de frio, pois não sabia como o tempo ficaria. Esses dias tem chovido e esfriado bastante. Comecei a me trocar e ouvi a voz da Sininho me chamando. — Oi, Juju, você vai viajar? — perguntou com o tom surpresa na voz. — Vou sim, passei aqui para te avisar e pegar roupas. Andreas decidiu agora de manhã, está tudo bem? Recebeu minha mensagem, ontem à noite? — Fitei minha amiga preocupada. — Está tudo bem sim, não se preocupe. Adam vai passar o final de semana comigo, já que vai voltar para o Rio essa semana. — Ah, é mesmo? — perguntei curiosa para saber como eles vão ficar com essa distância. — Sei que a distância preocupa, mas ele me disse que podemos nos ver, só precisamos revezar, tipo eu vou e ele vem. — Detalhes que tenho certeza de que vão resolver. — Então, você e Andreas e estão realmente juntos? — Sim, o escritório todo sabe agora, ele não quis esconder que somos um casal e isso realmente me deixou muito feliz, sabe. — Espero que as pessoas te tratem bem e com respeito. — Ele deixou isso bem claro — falei e depois ela abriu um sorriso lindo. — Fico muito feliz em saber disso, minha amiga, só quero sua felicidade e bem-estar, você sabe muito bem como te considero. — Ah, Sininho! Você é a irmã que nunca tive e minha única família. É importante para mim ter você me apoiando. — Você sempre me terá! — Nos abraçamos e fiquei emocionada. — Quando voltar quero saber de tudo, não o faça esperar mais, aproveitem bastante esses dias.

— Obrigada, você é demais, Sininho, e quando voltar teremos muito papo para colocar em dia. — Sim, agora vá, tem certeza de que vai levar somente isso? — Ela se aproximou da minha mala e começou a olhar. Sorri, pois ela não tinha limites quando precisava arrumar alguma mala. — Sabe que levo o estritamente necessário — Olhei a mesinha de cabeceira ao lado da minha cama e peguei minha leitura atual, que era Mulherzinhas, da Louisa May Alcott, uma indicação de um Instagram literário que seguia. Comprei uma edição linda de capa dura e estou amando, um clássico que transcorreu gerações e ainda assim era apaixonante, cheio de lições de vida e motivação. Coloquei na bolsa sob o olhar da Sininho, que estava nervosa por saber que levaria poucas coisas. — Sei disso, Juju. Não sei como consegue, mas tudo bem. — Vou fazer uma sala para o Andreas, não demore muito. — Só vou conferir se peguei tudo, calçar meu tênis e já estou indo. Obrigada, Sininho. — Ela saiu e conferi minha mala, peguei um vestido longo por precaução, aquela preocupação exagerada da minha amiga era contagiante, meu Deus! Rolei os olhos e depois sorri, peguei o carregador e o fone do celular e fechei a mala, peguei minha bolsa e os óculos escuros na gaveta da mesa de cabeceira e saí. Quando voltei vi Laura conversando com Andreas, coloquei minha mala no sofá e sorri para os dois. — Estou pronta! — Então podemos ir, obrigado por ter oferecido o café e foi um prazer poder falar com você, mesmo que tão rapidamente. — Ele se levantou do sofá, apertou a mão da Sininho e sorriu. — Claro, o prazer foi meu, espero que possa voltar em um outro momento com mais tempo. — Concordei com um aceno de cabeça e

Andreas pegou a minha mala. — Façam uma boa viagem e aproveitem. Juju, me dê notícias. — Ela me abraçou. — Claro, fique bem e bom final de semana, aproveite bastante. — Ela assentiu quando saí e dei tchau. Entramos no elevador e Andreas me fitou admirado. — Você está linda e levou em consideração minha recomendação de roupa confortável. — Virei-me para o espelho e gostei do look que estava vestindo: calça jeans mais leve, T-shirt e tênis. — Gosto de roupas confortáveis. Ele fitou meus olhos, a energia dentro do elevador se tornou insustentável já que aquele seu olhar arrepiou todo o meu corpo. — Sabe que está sendo difícil me manter longe de você assim. Chega mais perto, minha Pequena Sereia. — Sorri de lado e me aproximei, ficando de frente para ele. — Agora vire de costas. — Fiz o que me pediu e ele colou seu corpo no meu, senti meu rosto esquentar. — Linda e cheirosa, essa maciez da sua pele me deixa louco, Juliete — falou com a voz rouca, com a boca em meu ouvido e beijando o lóbulo da minha orelha e pescoço fazendo-me fechar os olhos e sentir melhor tudo de uma forma mais intensa. Ele tocou minha cintura e começou a acariciar minha pele por baixo da blusa, me fazendo suspirar seu nome alto, afetada por seu toque. — Andreas... — Sim, Juliete, já pensou que hoje e amanhã seremos só eu e você em um lugar maravilhoso? — Já pensei que você vai me deixar ainda mais fora de mim. — Ele sorriu e o elevador apitou nos tirando daquele transe louco nosso. As portas se abriram no momento que meus olhos também se abriram e

vimos um casal com duas crianças esperando, saímos e passamos pelo porteiro, que acenou. Ele destravou o carro, abriu a porta de trás e colocou minha mala, dei a volta e entrei rapidamente e em seguida Andreas entrou. — Pronta para a nossa primeira viagem como casal? — ele perguntou e sorri. — Claro que sim, estou ansiosa para descobrir para onde vamos. — Só aproveite a vista e a música, podemos continuar ouvindo potpourri ou quer ouvir outra coisa? — Podemos continuar, só acelere porque estou curiosa. — Pisquei e ele sorriu lindamente, depois colocou seus óculos escuros. Fiz o mesmo colocando também os óculos enquanto ele ligava o carro, saiu acelerando e o toque da música Another Day in Paradise, de Phil Collins, preencheu o som me fazendo fechar os olhos e apreciar o toque e sentir a brisa daquele dia maravilhoso. Depois de algum tempo pegamos a via BR-374, conversamos sobre assuntos aleatórios como música boa, comida, gêneros literários, séries e filmes de TV. Chegamos à conclusão de que gostávamos de algumas coisas diferentes, apesar que gostei do jeito como ele falou que gostava das coisas dele bem organizadas. Reparei que, como ele fazia aniversário em setembro, era virginiano e todos deste signo eram bem metódicos e organizados e ele falou que isso o fazia se sentir seguro e no controle. Apreciei a paisagem lotada de árvores de um lado e de outro, com certeza o lugar seria tranquilo, com uma vista daquelas. Olhei no relógio do celular e vi que já tinha quase uma hora que estávamos na estrada e então observei nas placas os dizeres: “Você está no Roteiro do Vinho. Bem-vindo!”. Virei-me para Andreas e ele sorriu lindamente.

— Meu Deus! Já vi algumas fotos desse lugar na internet e é realmente muito lindo, não estou acreditando. — Vai gostar ainda mais quando começarmos a passear para conhecer as vinícolas e lugares lindos de São Roque. — Nossa! — exclamei admirada e muito feliz. — Você já conhece? — Não, mas pesquisei alguns dias atrás e achei perfeito para nós dois, parece que acertei na escolha. — Com toda certeza. — Aproximei-me e beijei seu rosto. — Fico realmente feliz em saber que gostou. Vamos passar um maravilhoso final de semana juntos e ainda nem chegamos na pousada que aluguei. Em alguns minutos, ele estacionou em uma das garagens do estacionamento do lugar que iríamos ficar e já me apaixonei pela beleza e tranquilidade do lugar. Descemos do carro e Andreas pegou nossas malas. A pousada era simples e rústica, mas linda e parecia muito aconchegante. Meu lorde falou com o pessoal da recepção, que nos guiou para dentro da pousada, observei a área de lazer com piscina, quadra de tênis, mesa de bilhar, chalés e me surpreendi quando entramos em um deles. Fiquei encantada com a decoração rústica e colorida do lugar. Um quarto com uma vista linda do lago à frente da pousada, além de ter uma banheira lindíssima dentro do quarto. Nosso final de semana só estava começando e eu estava muito ansiosa para aproveitar bastante São Roque e as vinícolas com o meu namorado.

Quando fechei a porta do nosso chalé e meus olhos fitaram Juliete, ela sorriu tão lindamente, que fiquei feliz por poder fazê-la se sentir bem estando ao meu lado. Não sabia muito sobre sua vida ainda, mas queria que ela confiasse em mim. Para tudo na vida havia o momento certo e tinha certeza de que ela irá me dizer quando estivesse pronta. Não queria que ela se sentisse pressionada só porque dividi parte do meu passado na noite passada, claro que não foi com esse intuito que contei a ela. Fiz porque estava pronto e senti que podia confiar nela e no seu total apoio. Sabia que ela se sentia tensa. Apesar de não saber o motivo ainda, queria que ela se sentisse bem, e pensando nisso organizei essa pequena viagem que iria nos aproximar ainda mais. — Então, gostou? Ela sorriu, colocou sua bolsa em cima de uma das poltronas, se aproximou de mim e me abraçou.

— Eu amei, é simplesmente perfeito. Como sabia que precisava respirar um pouco de ar puro? — Ah, eu pensei que poderia nos fazer bem, sei que anda tensa, o final da faculdade nos deixa realmente loucos. Só pensei que poderíamos nos conhecer melhor e viver momentos únicos nesse lugar. — Muito obrigada, você me compreende tanto. Serão dias maravilhosos. Ao seu lado me sinto em paz e muito segura. — Fico realmente feliz que gostou da surpresa, quero que saiba que pode sempre contar comigo seja o que for, estarei ao seu lado. Sou seu namorado, mas também quero ser seu melhor amigo — falei e acariciei seu rosto enquanto fitei seus olhos azuis lindos, que aceleravam meus batimentos e me faziam sentir o homem mais sortudo do mundo. Não deixei passar o que ela disse sobre estar segura. Será que há algo que ela tem medo? Ou até mesmo alguém? Isso me preocupava, mas por enquanto era melhor não a pressionar, sabia que existiam pessoas que precisavam de mais tempo para se abrirem e confiarem. — Então, vamos conhecer as vinícolas hoje? — ela me perguntou animada. — Vai ser hoje sim. O que acha de organizar nossas coisas e depois nos trocarmos e podermos andar um pouco para conhecer melhor tudo por aqui? — Excelente ideia! Começamos a organizar as roupas no pequeno armário que havia no chalé, depois saímos na pequena sacada. Já que o chalé ficava mais no alto, ele tinha uma vista maravilhosa do vasto verde da região. Quando adentrei pelo quarto do chalé e descobri a banheira, pensei no quanto a escolha foi perfeita. Poderemos aproveitar muito. Depois voltei para a

sacada onde Juliete ainda estava admirando toda aquela imagem incrível e o silêncio do lugar, parei ao seu lado e ela se aconchegou. — É uma vista linda, não é mesmo? — questionou e pude sentir seu perfume de rosas e jasmim, que me marcou desde nosso primeiro encontro naquele auditório e me deixou ainda mais louco por ela. Observei seu cabelo ruivo ondulado solto por seus ombros e apreciei sua beleza. — Você é mais linda! — Passei a mão pelo seu cabelo o jogando para trás, depois de a tomar em meus braços e encarar seus olhos. — Sei que temos um roteiro, mas poderia facilmente passar o dia todo com você aqui nesse chalé e aproveitar cada segundo para tocar sua pele macia e perfumada. — Aproximei-me de seu pescoço para sentir melhor seu perfume. — Sabe que não seria nenhum esforço para mim, só perderíamos um lindo passeio — ela disse sorrindo. — Sei sim, minha Ariel. — Beijei sua boca levemente e voltei a encará-la. — Então vamos aproveitar o dia, até o tempo colaborou com a gente. — Verdade, o sol está gostoso. Saímos do chalé e andamos um pouco pela pousada que tinha de tudo, um campo verde e um jardim muito bonito. Além de uma área de lazer enorme e completa. Entramos no carro e segui para a rota do vinho. São Roque era conhecida como a Terra do Vinho pelas dezenas de vinícolas instaladas na região. Peguei uma das vias que possuíam diversos estabelecimentos, entre restaurantes, lojas, fazendas, vinícolas, empórios e centros de entretenimento. Assim que chegamos no local de encontro com o guia, já apreciamos a vista com todo campo ao redor. O guia nos deu uma explicação geral da

nossa rota de passeio, comprei um chapéu para Juliete e ela ficou tão linda, a admirei quando se virou sorrindo e entramos na Adega Terra do Vinho, localizada no início da estrada do vinho. A adega possuía uma cantina, espaço para degustação de vinho no local, lojinha com souvenires e mesas ao ar livre onde nos sentamos para tomar vinho e comer muçarela com ervas. Depois fomos conhecer a Vila Don Patto, conhecida como o maior complexo gastronômico de São Roque, tinha várias opções de ambientes como adega, empório, artesanato e mais opções de restaurantes, cafeterias e sorveterias. Quando chegamos na Quinta de Olivardo, aproveitei um momento que Juliete olhou por sobre seu ombro, soltei sua mão e tirei uma foto, depois iria enviar em seu celular. — O chapéu caiu bem em você, parece até mesmo uma modelo! — falei e paramos no caminho, ela sorriu lindamente e a agarrei no meio da vinícola e tomei sua boca na minha em um beijo delicioso. Depois passamos pelas demais vinícolas e fomos conversando sobre a faculdade e os planos dela para o seu futuro profissional, não queria influenciar em nenhuma de suas decisões. Estaria ali para ser seu apoio, alguém em quem ela pode confiar e que vai dizer que ela pode e vai conseguir ser o que tanto almeja. Comprei diversos vinhos, ideias brotaram em minha mente para usálos à noite com minha Pequena Sereia. Quando voltamos para o chalé, coloquei o vinho para gelar. Enquanto Juliete tomava banho, pedi um serviço de quarto especial. Quando ela saiu enrolada na toalha branca, com o cabelo molhado, não resisti e a tomei em meus braços em uma pegada firme. Seus olhos me fitaram com

desejo e neles podia ver o meu próprio, era algo que entendíamos bem um no outro, desde o primeiro toque e olhar. — Hoje vamos ter uma noite especial — consegui me controlar e falar com ela, criando uma expectativa ali que, mais tarde, iria deixar nossa noite ainda melhor. — Onde vamos? — perguntou curiosa. — Lugar nenhum, só vamos nos sentar na sacada, jantar juntos e depois teremos uma degustação diferente de um dos vinhos que comprei hoje. — Passei o polegar pelo seu lábio inferior, resistindo à vontade de beijá-la e arrancar a toalha de seu corpo. Mas eu faria tudo com muita calma e com todo amor que ela merecia sentir em cada toque. — Você adora surpresas, não esperava isso de você, Andreas. — Gosto disso. — Pisquei para ela e a soltei, fui para o banheiro tomar banho e fiquei pensando que estava rendido pelo que Juliete me fazia sentir e até nem me reconhecia, pois nunca tinha vivido nada semelhante. Era tudo muito novo para mim e aconteceu muito rápido, mas acreditava que tinha de ser assim. Tudo em Juliete me chamava a atenção, a garota me conquistou e roubou meu coração para si de um jeito irrefreável. Quando saí do banheiro, Juliete já estava com um vestido longo estampado de oncinha com decote em V transpassado e uma fenda lateral que dava um ar tão sensual. Sua pele reluzia um brilho incrível e, mais uma vez, tive que me controlar. Alguém bateu na porta e deixei que entrasse para colocarem tudo na mesa da sacada. — Que jantar é esse? — ela comentou. — Algo romântico para nós dois e você está mais do que linda para a noite.

Agradeci o pessoal e dei gorjetas a eles. — Agora, espere aqui, porque eu já volto para te buscar — pedi e fui na sacada, acendi as velas com o fósforo que deixaram e o ambiente ficou ainda mais romântico com as rosas em um vaso pequeno. Perfeito e a noite estava linda e estrelada. — Então, está pronta para o nosso jantar sob as estrelas e a lua? — Claro que sim. Peguei em sua mão e depois deixei que ela passasse em minha frente, puxei a cortina branca e a brisa da noite nos recebeu. Ainda não estava frio e sim um clima mais fresco e delicioso, perfeito para um jantar ao ar livre, puxei sua cadeira e depois me sentei à sua frente. — Você preparou isso enquanto eu tomava banho? — Tive a ideia depois de comprar muitos vinhos e fiz o pedido. E eles foram bem rápidos para entregar. Lembre-me depois de avaliar bem essa pousada. — Que delícia, filé ao molho de queijo — ela elogiou ao ver o prato que havia escolhido. — Sei que gosta de queijo, por isso escolhi esse molho. — Servi a ela e a mim em seguida, assim como o vinho também. — Vamos brindar para celebrar nosso primeiro final de semana juntos como namorados, que venham muitos mais momentos assim! Ela sorriu e completou: — Que venham, pois já está sendo inesquecível! Concordei e tomamos nossos vinhos nos encarando. — Então, vamos comer esse prato, o cheiro está muito bom. — Assim que coloquei um pedaço de bife grelhado com o molho de queijo na boca, não resisti e gemi, a combinação de sabores e textura era delicioso.

— Hum... Andreas, que delicioso, acertou na escolha — comentou admirada também, apreciamos nosso jantar e aproveitamos para conversar sobre nossos pratos e alimentos preferidos. Quando o silêncio recaiu e nossos olhares se cruzaram, tive a ideia de colocar uma música na caixinha que havia levado, dei play e me levantei sob seu olhar surpreso, ofereci minha mão. — Aceita dançar um pouco? Ela assentiu e se levantou pegando em minha mão. Com nossos corpos colados pude sentir seu perfume mais intenso, fechei meus olhos e aproveitei aquele momento com ela em meus braços e o silêncio da noite estrelada. — Sua escolha da música foi realmente maravilhosa, gosta de Dirty Dancing? — Já assisti mais de duas vezes, adoro a trilha sonora e toda a trama do filme. — Sabia que ela iria comentar, pois escolhi She’s like the wind, de Patrick Swayze. — Assisti mais vezes que você, adoro os personagens e a história, um romance proibido e escondido. — Sorri de lado. — Verdade, confesso que gosto também. — Você é um romântico incurável, pelo que posso perceber. — Gosto de filmes antigos, assim como músicas e várias outras coisas. Mas no momento estou amando estar com você. — Não resisti e beijei seu pescoço a fazendo suspirar, a música terminou e nem percebemos, ficamos sentindo o coração um do outro pulsar. Nos desgrudamos e selei nossos lábios, tomamos mais uma taça de vinho apreciando a vista que a lua cheia nos dava naquela sacada. Juliete mordeu seu lábio inferior e soube que começaríamos ali mesmo, já que não podia mais me controlar. Minhas mãos a puxaram e a

encarei com luxúria, antes de beijar sua boca, queria sentir seu perfume e passei minha boca pelo seu pescoço, sentindo meu corpo inteiro entrar em erupção. O calor que o vinho causava iria nos fazer derreter naquela sacada. Sem poder me conter, puxei a alça fina de seu vestido pelo seu ombro, vi sua pele se arrepiar sob meu toque. — Ah, Juliete! — exclamei com a voz mais grossa, afetado pelo tesão. — Vou começar pelos seus seios. — Passei a mão sobre eles apertando, fazendo-a se curvar e gemer meu nome deliciosamente. Em um instante puxei a outra alça de seu vestido e ele caiu, revelando o sutiã preto rendado sobre sua pele branca. Minhas mãos ágeis demais, levadas pelo desejo desenfreado, desabotoaram a peça deixando-a cair também. Peguei a taça de vinho tinto e pedi a ela que cruzasse os braços, para deixar seus seios bem unidos, derramei um pouquinho de vinho entre eles delicadamente até formar uma poça e primeiro bebi da visão que ela estava me dando, ali praticamente nua sob meu olhar. Sua pele se arrepiou, pois a bebida estava gelada e, sem poder resistir, tomei tudo em minha boca, chupando e arranhando enquanto ela gemia baixinho. — Você e vinho é uma combinação perfeita e deliciosa, Juliete — falei com a voz gutural, enquanto alternava entre seus dois seios branquinhos e a via se contorcer e fechar suas pernas. — Quero provar desse vinho em todo seu corpo. Depois disso tirei tudo de cima da mesa e a deitei em cima dela, derramei delicadamente o líquido rubro em seu abdômen e observei sua pele branca macia com o vinho e o tomei, beijando todo seu corpo até chegar onde eu mais queria, arranquei sua calcinha pequenina de renda preta e a joguei longe. Bebi um pouco do vinho que tinha na taça depois de constatar o quanto ela estava molhada para mim.

— Minha nossa, você está assim para mim, que delícia! — Massageei seus pequenos e grandes lábios, fazendo-a se contorcer sobre a mesa e gemer um pouco mais alto. Sem mais, chupei sua boceta com fome e ela começou a rebolar e só parei quando senti seu corpo inteiro convulsionar e ela gozar lindamente em minha boca. — Que gostosa, meu amor! Sem dar a ela tempo de pensar, virei-a de costas na mesa e derramei o restante do vinho sobre suas costas. Deixando-me tonto de tesão, ela empinou seus quadris e não pude mais resistir, peguei uma camisinha no bolso e tirei a calça e a boxer rapidamente e a camisa, pois estava sentindo um calor insano. Meu membro estava tão duro que não teria mais como esperar, deslizei a camisinha por toda a extensão e fitei o quadril branco como neve da minha garota. — Vou tentar ir devagar, mas não prometo que terei tanta resistência, meu amor. — Aproximei-me segurando meu pênis pela base, depois coloquei somente a pontinha e escutei seu gemido rouco. — Está tudo bem? — perguntei um pouco preocupado. — Sim, só não demore muito, hein? Assim que ela silenciou-se, já entrei um pouco mais, sentindo-me tonto de tesão. Ela era tão apertadinha e quente, empurrei um pouco mais até estar todo dentro dela. Arfamos e comecei a me mexer e, quando ela rebolou, perdi o controle e estoquei com vontade, o barulho de nossos corpos se movendo era tão erótico e gostoso, que me excitou ainda mais. Criamos um ritmo frenético e intenso, a visão era tão perfeita, que me aproximei entrando até o fundo dela, joguei seu cabelo para trás e ela se virou, beijei seu pescoço e mordi de leve o lóbulo de sua orelha — Você é tão maravilhosa, meu amor. — Estoquei mais algumas vezes até chegarmos juntos em um orgasmo delicioso.

Depois disso, saí de dentro dela e descartei a camisinha no banheiro, voltei e a levei para a banheira onde completamos nossa noite nos amando de um jeito ainda mais intenso. Só de madrugada que fomos para a cama e foi quando deitei com ela em meus braços que me dei conta do que estava sentindo por aquela ruiva: era o sentimento mais intenso e verdadeiro, maior que tudo que já experimentei em minha vida.

Quando amanheceu e acordei com Juliete em meu peito, senti-me o homem mais sortudo do mundo. Fiquei ali refletindo sobre como tudo podia mudar em instantes em nossa vida, fui outro menino depois que minha mãe me deixou junto com Catarina. Também me tornei um adolescente diferente dos meus amigos e colegas, um jovem com algumas dúvidas e ainda sentindo a ausência de seus pais, não só física, mas de amor. Catarina e eu tivemos que nos acostumar que seria só nós dois, pois meu pai nunca esteve presente e se ele tivesse nos deixado não faria nenhuma falta. Apesar de sempre ter sentido falta de sua presença paterna, não somente para me cobrar e pressionar. — Posso ouvir seus pensamentos daqui, Andreas — escutei Juliete falar baixinho com a voz rouca, a encarei e sorri.

— Desculpe se meus pensamentos te acordaram, meu amor. — Que nada, não se preocupe, só que acordei e o vi longe. Está tudo bem? — Mais do que bem, só estava pensando em como as coisas acontecem em nossa vida e como mudamos. — Já parei para pensar nisso também e sempre tem algo ruim no meio do nosso caminho que nos muda completamente. — Isso mesmo e não nos reconhecemos, mas deixo claro que você chegou e mudou de uma forma que ninguém fez antes. — É mesmo? Digo o mesmo a você. — Como em pouco tempo nos sentimos tão loucos por alguém assim? — Passei a mão pelo seu cabelo em uma carícia. — Acredito que possa ser algo do destino, nada é por ironia e sim predestinado a ser assim! — Também acredito nisso e no que venho sentindo por você. — Beijei sua testa e ela fechou os olhos sorrindo lindamente. — Agora, vamos nos levantar e tomar um banho para tomarmos café e passearmos pelas produções de alcachofras e hortaliças? — Claro, já estou animada! Saímos da cama e fomos direto para o banheiro, ela tirou sua camisola de seda me deixando louco e entrou debaixo do chuveiro e não podendo resistir entrei também, nos amamos intensamente e depois lavei seu cabelo e a passei o sabonete sobre sua pele delicadamente. — Estamos terríveis — ela comentou enquanto enxugava seu cabelo e seu corpo e ela fez o mesmo comigo. — Eu adoro isso, você não? Se quiser posso parar... — Ela não me deixou terminar, se virou e me beijou com paixão se agarrando em meus músculos e arranhando-os com a unha me acendendo novamente.

— Foi só uma observação e não uma reclamação, eu estou amando conhecer esse seu lado mais fogoso — ela falou depois de selar nossos lábios. — Gosto de surpreender. Ela piscou para mim, sorrindo. Saímos do banheiro e nos vestimos. Depois tomamos um café maravilhoso da pousada e fomos passear, aproveitar as horas que nos restavam daquele lugar maravilhoso. Após passarmos algumas horas admirando a produção de hortaliças e alcachofras que foram trazidas pelos europeus, que encontraram em São Roque, um clima ideal para desenvolver as culturas, tiramos algumas fotos e passamos na Estrada dos Venâncios. Admirando o lugar, voltamos e resolvemos almoçar na Adega e Restaurante Vinhedo com uma vista incrível de arvoredos. Juliete tomou um pouco de vinho e escolhi o suco de uva integral, já que tinha de dirigir de volta para São Paulo. Comemos a famosa alcachofras. Então, algo inesperado aconteceu, meu pai e Antonela entraram e se sentaram ao nosso lado. Quando nos viu, ele sorriu sem graça quando seu olhar se recaiu em Juliete com desprezo, deixando o clima bem chato. — Andreas, que surpresa você por aqui. — Tudo bem? Vim passar um tempo com minha namorada. — Peguei na mão dela, que se levantou. — Me deixa te apresentar a mulher que roubou meu coração. Pai, essa é Juliete Barnes. Meu amor, esse é meu pai Eduardo Scolari. — Ele a encarou com descaso e aquilo talhou meu sangue e meu coração acelerou de raiva por ele estar fazendo isso com ela. — Barnes? — repetiu o sobrenome com escárnio e depois sorriu falsamente. — Muito prazer, senhorita.

— O prazer é todo meu — Juliete foi simpática mesmo percebendo o semblante de desprezo dele. Para o meu pai, o essencial era eu me relacionar com pessoas que tinham sobrenomes importantes e famosos na sociedade. Mas eu nunca iria me envolver com ninguém por causa de um sobrenome, isso não importava em nada para mim. — Que feliz coincidência nos encontrarmos aqui, não é mesmo? — Muita mesmo, vocês já vieram aqui uma vez se não me engano. — Já, mas Antonela ama a paz e a natureza do lugar, não é, meu amor? — Sim, nem me levantei para cumprimentar vocês, me desculpe. — Ela se levantou com o nariz em pé e observou minha namorada da cabeça aos pés. Era incrível como ela e meu pai davam certo, apesar de saber o que Antonela fazia. — Muito prazer, Juliete, sou Antonela Scolari, madrasta do Andreas — ela encheu a boca para falar e tossi sem graça, já que nunca a considerei assim, pois nunca nos mostrou muita consideração. — Prazer, Antonela — Juliete falou e percebi que tinha de sair dali, não estava suportando a forma que meu pai estava encarando minha namorada com descaso, desprezo e raiva. Ele tinha acabado de conhecêla e já estava com seu olhar julgador e tudo o mais. — Já estamos de saída, bom apetite para vocês — despedi-me, peguei a bolsa de Juliete e meu óculos. Após paguei a conta e fomos embora em silêncio. Acredito que ver a forma como meu pai a tratou e a encarou me deixou de mau humor. Não deixaria que ele fizesse nada para nos prejudicar e muito menos que a humilhasse. Ele teria de aceitar as

minhas escolhas e isso já deveria estar acontecendo há muito tempo. Não iria permitir que ele sequer opinasse sobre meu relacionamento. Basta!

Voltamos de São Roque em silêncio, Andreas ficou chateado por termos visto o pai, na verdade fiquei incomodada com a forma que ele me encarou, vi desprezo e descaso em seus olhos. Reparei que repetiu meu sobrenome como se conhecesse e estivesse relembrando algo, tive uma sensação ruim ao escutá-lo dizer. Apesar disso, quis deixar claro para Andreas o quanto nosso final de semana juntos foi perfeito. Quando ele me deixou em casa insistiu em levar minha pequena mala e, quando chegamos na porta, ele pegou em minha mão e a beijou. — Me desculpe pela forma como meu pai te olhou. Fiquei realmente chateado por ele ter feito aquilo. — Não fique preocupado com isso, Andreas! Está tudo bem. Além disso, tivemos um final de semana incrível juntos, amei cada segundo dos momentos maravilhosos. Lembre-se somente do que valeu a pena e esqueça aquilo com seu pai. — Tudo bem, realmente tivemos um final de semana perfeito, só tenho que agradecer por ter uma namorada tão maravilhosa como você,

minha Pequena Sereia — ele falou e me abraçou, depois nos beijamos e nos despedimos. — Obrigada, Andreas, por tudo. Até amanhã. — Quer que eu venha te buscar? — Não precisa, Laura me dá carona e aproveitamos para conversar, já que durante a semana trabalhando e estudando fica corrido. — Claro, mas qualquer coisa é só me ligar, boa noite e bom descanso. — Selou nossos lábios e saiu, entrei e pude soltar o ar que estava prendendo. — Finalmente Juju! — Escutei a voz de alívio da Sininho vindo do sofá da sala e, quando me aproximei, vi que ela estava com um prato de brigadeiro no colo e uma colher. O nariz e os olhos estavam um pouco vermelhos, parece que andou chorando. Estava assistindo Friends, acho que para melhorar seu humor, que parecia não estar tão bem. — Sininho, você está bem? — Corri e me sentei no sofá deixando a mala e a bolsa no chão. — Não estou, já sinto falta do meu moreno, ele voltou para o Rio de Janeiro hoje de manhã e, apesar de termos ficado o sábado todo juntos e ele ter me prometido voltar, fiquei triste. Então me aproximei e a abracei. — Ah, minha amiga! — falei enquanto acariciava seu cabelo cacheado. — Não fique assim. Se ele prometeu voltar, você sabia que teria a distância. — Não sabia que iria me sentir assim. Nem consigo me reconhecer, caramba! — Normal, não estamos acostumadas a lidar com essas emoções loucas, me sinto assim em relação a Andreas.

— E então? Como foi o final de semana? — perguntou parecendo mais animada de repente. — Foi perfeito, melhor impossível. Andreas me surpreendeu de diversas formas, desde o local que escolheu até a noite que tivemos ontem, nunca vivi algo tão intenso. — Para onde vocês foram? Confesso que fiquei curiosa, nem Adam sabia. — Ninguém sabia pelo que parece, fomos para São Roque. Seus olhos se arregalaram de surpresa. — Mas, gente, tem noção de que não conheço? Já ouvi falar muito bem. Então foram conhecer as vinícolas, posso imaginar como foi romântico. Me conte tudo, precisamos conversar para eu me distrair um pouco. — Claro. Olha, eu fiquei surpresa e feliz, pois precisava muito respirar um pouco de ar puro. Desde que vim para cá que não fazia isso. Apesar de ele ter me falado de manhã quando acordamos que decidiu, de repente, sei que ele planejou isso antes. Andreas é tão organizado e metódico, precisa ver o apartamento dele, tudo minimamente no lugar, além de ser muito bonito e de bom gosto. — Pela forma que ele se veste, a gente já percebe que é um homem com essa personalidade metódica e com todo esse bom gosto. Mas, me conte mais, onde vocês ficaram lá? — Ficamos em um chalé dentro de uma pousada muito linda. Tem que ver que lugar lindo, tirei várias fotos. — Ah, que maravilha, deve ser um lugar lindo, já vi algumas fotos no Instagram de alguns colegas que foram para lá. — Ontem andamos o dia todo conhecendo as vinícolas com um guia. Quando chegamos, degustamos diversos vinhos. Quando chegamos do

passeio, à noite, Andreas pediu um jantar para nós no chalé, e comemos na sacada. Pediu flores e velas. e comemos um filé delicioso com molho de queijo e tomamos vinho. — E depois disso? — ela perguntou me encarando com curiosidade. — Transamos na mesa, ele tirou tudo dela e derramou vinho em meu corpo todo, foi intenso e maravilhoso. É cedo demais para dizer que já estou apaixonada? — Não existe tempo certo para se apaixonar, Juju, e posso ver que já o ama pelo seu olhar que brilha mais que as estrelas falando dele. Não é errado isso, não se preocupe. — Sei disso, sabe, não conversamos na sexta, mas eu me senti sendo seguida há uns dias quando estava voltando do almoço com Gleice. Fiquei tão incomodada, que acho até que Andreas percebeu e planejou essa viagem. — Como pôde não me ligar imediatamente? — Eu fiquei atordoada, mas depois Andreas me surpreendeu me buscando na faculdade e depois disso ficamos juntos e essa sensação passou. — Vou ligar para a minha tia em Holambra e perguntar se ela sabe algo sobre o paradeiro dele. — Faça isso, tenho tanto medo. — Meus olhos se encheram de lágrimas e o tremor em meu corpo tomou conta, Sininho me abraçou. — Eu sei, Juju, mas você não está sozinha e em algum momento terá que contar tudo a Andreas. Vá preparando seu psicológico e emocional para isso, sei que ele vai entender e te proteger. — Sei disso e ainda tenho receio em contar para ele, será a primeira pessoa além de você a saber de tudo isso. Claro que toda a Holambra sabia, mas eles tiveram conhecimento somente de parte da história.

— Sim, não se preocupe com isso, no momento certo você vai conseguir contar tudo, por enquanto só vamos descobrir o paradeiro desse homem. Depois saí e fui tomar um banho, organizei as roupas, levei tudo e coloquei na máquina, já separei a roupa para ir trabalhar no dia seguinte e preparei um sanduíche natural para nós duas. Fiquei com a Sininho vendo série e ela me contou sobre seu sábado com Adam e que os dois decidiram não rotular o que tinham, apesar de concluir que, na verdade, estavam namorando, mesmo com a distância. Quando fui me deitar e coloquei o despertador no celular, recebi uma mensagem de Andreas com uma foto minha de chapéu em uma das vinícolas, a foto ficou linda com o fundo desfocado, a legenda que ele colocou fez meu coração acelerar. “Você ilumina tudo ao seu redor, mas principalmente meu coração. Tão linda, minha Ariel. Obrigado pelos dias incríveis, espero que tenha uma maravilhosa noite, bom descanso. Um grande beijo na sua boca.” Fechei os olhos e me lembrei da forma com que ele me amou intensamente naquela sacada, somente com as estrelas e a lua como testemunhas. Foi um dos momentos mais marcantes de todo nosso final de semana. Ali, a cada olhar que trocamos, pude ver além de sentir seu amor e desejo por mim. Andreas só me surpreendia, ele era um homem culto, inteligente, educado, elegante, lindo, além de ser muito justo e compreensivo. Parecia que realmente encontrei o homem certo para mim, queria poder ser totalmente sincera com ele.

“E você é um lorde nato, todinho meu. Eu que sou grata pelos dois dias junto com você. Cada segundo deles foi perfeito. Bom descanso e um grande beijo.” Depois de responder a sua mensagem, deitei-me e pedi a Deus e minha mãe para me darem forças para contar a ele sobre meu passado. Sabia que corria risco de ele bater a minha porta a qualquer momento e precisaria de Andreas ao meu lado. Mas sabia que ele não me abandonaria de forma alguma e muito menos me julgaria. Fechei meus olhos e caí no sono. Comecei a ver o rosto dele a me perseguir, eu corria pela rua vazia e não via nada, nem ninguém até que olhei para trás e não o vi mais, tudo estava escuro, então me levantei assustada. Olhei ao redor do quarto conferindo se não estava naquela rua, esfreguei meus olhos e sentindo meu corpo inteiro tremer. Era incrível o que minha intuição andava me dizendo. Tenho certeza de que ele está cada vez mais próximo, o que eu faria? Fui ao banheiro e lavei meu rosto, voltei para a cama e me deitei. Tentei me acalmar e fazer com que aqueles pensamentos sumissem da minha cabeça e me deixasse voltar a dormir. Acabei dormindo sem perceber, o despertador tocou e o desliguei ainda de olhos meio fechados. Espreguicei-me na cama criando coragem para levantar, aquele maldito pesadelo acabou com minha noite de sono. Ainda com um aperto no coração, saí da cama e fui tomar banho para despertar, depois fui para a cozinha preparar o café, fiz ovos mexidos e coloquei morangos em uma tigela para comermos. Voltei no corredor e fui chamar a Sininho, que estava toda esparramada na cama, é o jeito dela de dormir. Sorri de lado e a balancei,

parece que ela não escutou seu despertador de tanto que o sono estava pesado. — Laura, acorde! — falei mais alto e abri as cortinas. — Hum... — ela resmungou baixo com preguiça. — Vai perder a hora e se atrasar, não escutou seu despertador? — Não, estou com uma preguiça do cão de sair dessa cama. — Já preparei nosso café, o ovo já deve estar esfriando, ande logo — avisei e a vi se espreguiçar, saí rindo dela. Voltei para a cozinha e me sentei à mesa, peguei o celular e fiquei vendo as últimas postagens dos perfis literários que seguia. Anotei no bloco de notas algumas dicas e, quando pensei em chamar pela Sininho, escutei seus passos pelo corredor. — Bom dia, dormi muito, na verdade Adam me ligou ontem e ficamos conversando até tarde no telefone. — Nem vou perguntar qual era o assunto. — Ela sorriu de lado, toda maldosa, e se sentou na cadeira a minha frente. — São detalhes sórdidos, vou te poupar. Argh, odeio segundas-feiras, pois me lembro de toda minha realidade atual: trabalho, estudo e mais trabalho para fazer, rotina louca. — Nem me fale, preciso entregar uma parte do meu trabalho de conclusão de curso e estou ficando louca com os detalhes. — Que tenhamos muita força, Juju. Comemos conversando sobre nossa rotina e programação da semana, depois nos arrumamos ao som de So Am I, da Ava Max, minha amiga estava viciada nessa música, ela dançou de calcinha pelo corredor me fazendo rir alto logo cedo. Saímos e ela me deixou em frente ao prédio da Scolari&Antúnez. Entrei e já encontrei Gleice no elevador, subimos juntas e meu celular

vibrou na bolsa com uma mensagem de Andreas chegando. “Bom dia, minha Ariel. Desejo que sua semana seja iluminada como você. Beijos e estou com saudades. P.S.: vou te buscar depois da aula.” Sorri ainda boba com todo seu carinho, com isso entrei no escritório mais animada, decidi que não daria mais importância para o que as pessoas pensariam sobre mim. Tinha plena consciência de que estava fazendo tudo de forma honesta dentro do meu profissional. Em nenhum momento pensei que Andreas me beneficiaria por ser sua namorada, as pessoas é que gostavam de julgar aos outros sem pensarem melhor. Coloquei minha bolsa na gaveta e tranquei, peguei meu notebook e, assim que ele ligou, já comecei a trabalhar, verifiquei e-mails e organizei documentos que Henrique havia deixado em minha mesa. Ele parecia estar querendo me testar a todo momento, e não confiava nele, pois era amigo da Daiane. Eles deviam estar querendo encontrar alguma falha para poder usarem contra mim. Mas não daria nenhum motivo para eles e nem ninguém dentro daquele escritório. Com isso, fiz tudo e depois fui chamada para uma reunião. Benjamin e Andreas estavam com um novo processo em mãos: um caso editorial grande. Convocaram uma equipe fechada novamente para cuidar de tudo, sentia o olhar de Andreas em mim as vezes, mas nada que fosse ousado demais. Ele sabia muito bem agir profissionalmente. Henrique estava na sala e observava tudo com os olhos faiscando de raiva e intolerância. A cada opinião que eu dava, ele refutava com argumentos desnecessários e

vi até o momento que Benjamin revirou os olhos discretamente se virando de lado. — Será que dá para você opinar sem provocar, Henrique? — Ben perguntou com impaciência. — Estou somente indagando algo, pois temos que enxergar todos os ângulos. — Depende muito das provas que vamos encontrar, peço que se acalme para que a gente consiga chegar em algum lugar. — Isso mesmo, Henrique, acho desnecessário certos comentários. Vamos podar um pouco e falar somente o que for realmente importante para o caso — Andreas falou por mim, contendo a sua voz para não soar com raiva. Ele não gostava de ser ríspido e nem mal-educado com ninguém. Era impressionante a classe que ele tinha até mesmo com pessoas que tiravam qualquer um do sério. — Tudo bem, Andreas — ele respondeu entredentes e não falou mais nada, concordou e deu ideias mais simples. Andreas e Benjamin nos passaram todos os documentos e e-mails trocados entre a autora e a editora. Precisávamos reunir as provas que a autora tinha para fazer a reconvenção e defesa. Depois que eles distribuíram as funções voltamos para as nossas salas e começamos a trabalhar mesmo. Só parei para almoçar depois que já tinha cumprido minhas horas de expediente de estagiária. Depois que saí do escritório, fui a livraria Cultura comprar alguns livros que tinha anotado mais cedo na minha listinha. Comprei dois da A. C. Meyer, uma escritora brasileira que morava no Rio de Janeiro, ela escrevia comédias românticas e foi muito indicada em um post que vi sobre livros, comprei Cadu e Mari além de ABC do amor, que reunia mais duas autoras, uma nacional, que também já tive o prazer de ler, Camila

Moreira, e Brittainy C. Cherry, uma escritora internacional maravilhosa também. Laura me encontrou e fomos para casa juntas. Depois que comemos e tomamos banho, nos arrumamos e seguimos para a nossa faculdade. Sentada na sala de aula, recebi uma mensagem de Andreas falando que já havia chegado e estava me esperando, sorri e continuei anotando tudo que o professor de Direito Administrativo falava, ansiosa para ver o meu namorado. Quando a aula terminou saí apressada pelos corredores até conseguir vê-lo encostado no carro com as mãos nos bolsos. Tão lindo e, quando me viu, seus olhos brilharam e ele sorriu. Sempre que o via me direcionando esse olhar e sorriso parecia que meu coração iria sair pela boca. Andei depressa tirando a distância entre nós dois, passava o dia todo ansiando sentir seu perfume amadeirado e seu braços. — Minha Pequena Sereia, que dia longo passei sem você. Sabe que me acostumei a acordar e vê-la do meu lado, sei que foram somente duas noites que passamos juntos, mas para mim parece uma vida. — Me sinto exatamente da mesma forma que você, o dia não passa, não é mesmo? — falei sorrindo. — Não e agora preciso beijar sua boca, porque estou sedento por você. — Ele me beijou de um jeito intenso e frenético levando meu juízo para longe tão rápido, que, por um momento, até me esqueci onde estávamos. Depois ele direcionou seu beijo para meu pescoço me deixando arrepiada e com a respiração acelerada. — Só precisava de você, que dia difícil. Temos que conversar sobre algo e preciso do seu apoio. — Você já tem meu apoio, mesmo não sabendo o que é. Sabe que sempre estarei aqui por você. — Coloquei a minha mão em seu peito, na

direção de seu coração. — Você é demais, obrigado. Não sabe o quanto significa tê-la do meu lado nesse momento. — Beijou minha testa e depois abriu a porta do carro e me deixou entrar, deu a volta e saiu pelas ruas ainda agitadas de São Paulo. No caminho, ele recebeu uma mensagem e me pediu para ignorar, disse que iríamos jantar na sua casa, que já tinha preparado tudo.

Chegamos lá e fomos abraçados para o elevador e, enquanto subia, fomos nos beijando, suas mãos não me deixaram um minuto sequer. Quando entramos, lavei minhas mãos e o lembrei da mensagem, ele pegou o celular e ficou em silêncio e com a expressão contrita. Preocupei-me e aproximei dele. — O que foi, Andreas? Aconteceu alguma coisa? — Ele me entregou o celular e, quando li aquela mensagem, meu corpo inteiro estremeceu e me senti fraca imediatamente. Sabia muito bem quem era o remetente daquela mensagem, isso me mostrava que minha intuição estava certa. “Estou observando você com a minha garota ruiva.”

Andreas me questionou algo que nem consegui ouvir e entender direito, pois comecei a chorar. Ele tentou me acalmar, mas não conseguiu, já que chorei de soluçar. Meu corpo congelou por um tempo e senti um medo sem fim tomar conta da minha alma.

Quando abri a mensagem de um número confidencial, não esperava que aquilo fosse deixar Juliete daquela forma. A mensagem me deixou muito preocupado e com muita raiva, apenas pelo fato de que ela soava bem ameaçadora para mim, pois indicava que havia alguém a perseguindo. Tentei me controlar e não expressar toda aquela raiva que estava sentindo ao saber que alguém estava vigiando minha namorada e ainda ousava mandar uma mensagem ameaçadora. Não sabia o que esperar, só que não deixaria ninguém encostar em nenhum fio de cabelo dela. Ela chorou tanto e seu corpo inteiro estremeceu, que a vi ficar por um tempo perdida, então a abracei forte e não a soltei até que se acalmasse. Depois de algum tempo que não soube definir, ela parou de chorar. Então nos sentamos no sofá e ficamos frente a frente, ver seus olhos vermelhos e sua tristeza dilacerava meu coração de uma forma que, se eu pudesse, trocaria de lugar com ela. Não gostei de ver o sofrimento e

desespero que ela sentiu quando leu aquela mensagem e algo me dizia que era pior do que imaginei. Quando nos encaramos, senti que ela iria me revelar algo importante e, infelizmente, não gostaria que fosse dessa forma, sabia que tinha algo, mas ela parecia não estar preparada ainda para termos essa conversa. Peguei um pouco de água para ela, que tomou tudo com as mãos tremendo, aquilo me deixou louco de raiva, pois seja o que for fez muito mal a minha Pequena Sereia. — Juliete, não quero que se sinta na obrigação de me contar algo assim. Quero que saiba antes de tudo que sempre, escute bem, sempre estarei do seu lado. Seja o que for, não vou deixá-la. — Me promete isso? — perguntou com a voz embargada e peguei em suas mãos e as beijei com todo meu carinho e amor. — Sei que respeita meu tempo, claro que não estou preparada para te revelar meu passado. — Ela virou seu rosto e respirou fundo, como se estivesse buscando forças para continuar, então me fitou. — Mas preciso te contar para o nosso bem, essa mensagem que recebeu é um sinal para que possamos ficar em alerta. Infelizmente, o que passei junto com minha mãe foi doloroso demais e perdê-la quase me fez desistir de continuar vivendo, mas segui em frente. — Tudo bem, meu amor. Se quiser parar a qualquer momento, não tem problema. Quero que fique bem, estamos bem e não vou permitir que nada te aconteça. — Agradeço sua compreensão e por não ter me julgado, fiquei com medo de te perder. Balancei a cabeça, negando aquilo, pois não a deixaria sem saber tudo, isso não era do meu feitio.

— Jamais faria isso, sei que nos conhecemos há pouco tempo. Só que vi em seus olhos a sua dor e o quanto essa mensagem a desesperou. — Vou te contar toda a história para que possa entender. Minha mãe se chamava Clarice e ela levava uma vida simples em Holambra, sem muitas expectativas. Ela namorou um rapaz chamado Enrico a quem ela amava muito, mas a família dela era contra e, mesmo assim, ela se casou com ele contrariando tudo o que planejaram para ela. Os dois se amavam muito, construíram uma vida honesta e simples com muito esforço. Minha mãe engravidou depois de um ano e me teve, ela e meu pai ficaram muito felizes por estarem formando uma família. O tempo passou e meu pai trabalhava como pedreiro junto com o irmão, César, e eles receberam uma proposta para trabalhar fora de Holambra. Na volta, eles sofreram um acidente de carro e meu pai não resistiu e acabou falecendo, o seu irmão sofreu ferimentos, mas nada tão grave como Enrico. — Ela parou e chorou, ajudei-a a limpar suas lágrimas. — Eu tinha apenas quatro anos quando ele se foi, minha mãe ficou muito triste e se sentindo sozinha, meu tio César que nos ajudou e minha mãe não percebeu as más intenções dele com isso. Como eles estavam muito próximos e minha mãe não pôde contar com sua família, pois eles cortaram contato, ela deixou que César entrasse em nossa vida. Depois de um ano, ele foi morar conosco e, após seis meses, se casaram no civil. Dois anos depois, percebi a mudança na forma que ele estava tratando minha mãe, ficava louco de ciúmes e não era algo simples, tudo ficava grandioso e ele surtava com ela e quebrava tudo. — Meu Deus, isso não é normal e nem saudável. — Pois é, minha mãe achava normal até que ele a proibiu de trabalhar. Ela teve de passar a fazer doces de casa mesmo para vender somente por encomenda para mulheres, pois ele não queria que nenhum

homem chegasse perto dela. Os anos foram passando e comecei a ver minha mãe sofrer cada vez mais. Ele batia nela sempre que saía de casa e, às vezes, até em mim. — Ela deixou as lágrimas caírem e aquilo me devastou de uma forma que minha vontade foi de ir atrás desse homem e acabar com ele. Como podia fazer isso com uma mulher e criança? — Meu amor, se quiser pode parar por aqui, você está sofrendo muito. — Deixei suas mãos para acariciar seu rosto e limpar suas lágrimas. — Não, preciso continuar. — Soltou o ar e prosseguiu: — Quando cheguei na adolescência, eu o ameacei, falei que iria o denunciar caso continuasse nos tratando daquela forma e acabei piorando tudo, pois minha mãe desmaiou. César a levou para o hospital e, depois de muitos exames, os médicos descobriram que minha mãe estava com um tumor e ele já tinha tomado parte do cérebro dela. — Peguei em sua mão e lhe dei forças para continuar. — Eles disseram que uma cirurgia seria arriscada demais, pois ela corria risco de vida ou de sobreviver com muitas sequelas. Minha mãe não quis fazer nada, ela só escolheu viver sem saber se acordaria no dia seguinte e aquilo acabou comigo. Ainda assim, minha mãe passou a se dedicar mais a mim, me apoiou no meu último ano no Ensino Médio e indo contra as ordens de César, ela foi na minha formatura. Quando chegamos, ele já nos esperava com sangue nos olhos e nos bateu muito e nos ameaçou e prometi a minha mãe que iria fazer algo para nos tirar daquele inferno. — Ela chorou e a abracei forte sem conseguir me segurar. A raiva que estava sentindo ferveu meu sangue por ver todo aquele sofrimento e pesar em seus olhos. Muitos se questionam: Como essas pessoas se permitem viver assim? Nunca sabemos o que se passa dentro do outro, suas lutas diárias. Não julgava Juliete e sua mãe. Pelo que ela

estava me contando, elas sofriam ameaças físicas e psicológicas diárias desse monstro. — Sei que pode estar pensando no motivo de termos conseguido viver assim durante todo esse tempo. — Não julgo, meu amor. Sei bem como isso funciona. Infelizmente, ninguém está livre de passar por algo assim, está enganado quem acha que está com a razão ao julgar uma mulher que sofre violência do homem que ela só esperava receber amor e apoio. — Minha mãe não sabia quem ele era quando o deixou entrar, ela sofria por causa da morte do meu pai e César era o único que não nos abandonou. De um jeito ou de outro, minha mãe se sentia grata. Ela se arrependeu muito, sabe, porque confundiu tudo, mas disse a ela que não tinha culpa, pois achou que, como ele estava ali do lado dela, quem pensaria que poderia chegar nesse ponto? Ninguém sequer imaginava que passávamos por tudo aquilo. Ele era um homem visivelmente trabalhador e generoso com as pessoas. — Entendo, as aparências enganam muito. Tenho experiência nisso, infelizmente. — Sim, sei disso. Então, ele a atormentava mesmo sabendo que ela estava doente e aquilo me deixava louca de raiva. Consegui entrar na faculdade e minha mãe ficou muito feliz e orgulhosa. — Ela sorriu de lado, em meio às lágrimas. — Comecei a trabalhar na cafeteria de Holambra, minha mãe o convenceu e sabia que aquilo custava algo a ela e sempre que saía de casa ficava preocupada com ela. Farta de ver minha mãe doente passar por tudo isso e não suportando mais tudo aquilo, criei coragem e fui à polícia, o denunciei e mostrei alguns hematomas que haviam pelo meu corpo da ultima vez que ele me agrediu, pois levei meu namorado para minha mãe conhecer e ele surtou depois que o rapaz foi

embora — falou com a voz embargada. — Depois que voltei para casa do trabalho, encontrei minha mãe passando mal, chamei a emergência, desesperada, mas ela não resistiu e faleceu ainda no caminho. O corpo dela estava tomado por hematomas, pois mesmo estando doente, ele ainda batia nela. Enfim, depois de tudo isso, tive que organizar tudo sozinha, além de arcar com todas as despesas, pois César desapareceu sem deixar rastros, a família da Laura me ajudou com tudo. A polícia expediu um mandado de busca e apreensão, eles procuraram por toda a região de Holambra e não o encontraram e foi aí que descobri que a polícia havia concedido a medida protetiva e ele havia recebido. Por isso cheguei em casa e minha mãe estava passando mal sozinha, ele a deixou lá para morrer. Aquele monstro! Não bastava tudo que já havia nos feito, ainda tinha que fazer isso — ela chorou alto e a abracei forte novamente sentindo meu coração apertado em saber tudo que essa garota passou. — Sabe que você é muito forte, meu amor? — perguntei em seu ouvido acariciando seu cabelo, tentando fazê-la se acalmar. — Andreas, o que vamos fazer? Ele está nos vigiando, tenho tanto medo do que possa vir a acontecer. — Ela se afastou para fitar meus olhos, desesperada. — Não se preocupe, você não está mais sozinha e não vou deixar que nada te aconteça. — Coloquei-a sentada em meu colo e cuidei dela com todo o carinho e amor que merecia. — Agora, você sabe o motivo da minha mudança. Sei que gostaria de saber disso, Andreas, mas nunca me perguntou por ter medo de estar me pressionando. Engraçado que eu tive um pesadelo e, quando acordei, rezei pedindo a Deus e minha mãe forças para te contar. — Como disse antes, você foi é muito forte. Sua mãe deve estar muito orgulhosa por você.

— Espero que sim, lembro de tudo que ela me falou e foram palavras cheias de esperança, ela queria que eu tivesse uma vida melhor, que encontrasse pessoas verdadeiras e que me fariam felizes. — Emocioneime com as palavras de Juliete, pois senti forte dentro do meu coração que não foi por acaso que nossos caminhos se cruzaram. — E ela deve estar satisfeita, pois só quero te fazer feliz e tratar você com todo amor que merece, minha Pequena Sereia. — Beijei suas mãos e ela abriu um pequeno sorriso em seus lábios lindos. Ficamos um tempo ali juntinhos, deixei que ela tivesse um momento de silêncio para acalmar seu coração. Depois de alguns minutos que não sei dizer, convidei-a para se sentar ao meu lado no piano e toquei uma canção de Alexis Ffrench para ela. Bluebird tinha o poder de nos trazer paz e tranquilidade e era o que queria dar a ela depois de tudo que me revelou. Fechei meus olhos e toquei com toda a minha alma, sentindo-me arrepiado e com o coração acelerado nos três minutos e vinte segundos que toquei. Quando finalizei, ouvi-a bater palmas e com um sorriso singelo no seu rosto, ainda vermelho por causa do choro, mas me senti melhor por fazê-la sorrir mesmo que fosse um pouco. — Obrigada, Andreas. Não tem ideia do quanto me fez bem ouvir você tocar, agradeço ainda por me compreender. — Não precisa agradecer, sei que você faria o mesmo por mim. — Sorri e coloquei uma mecha de seu cabelo atrás da orelha. — Agora, o que acha de tomar um banho para jantarmos? — É uma ideia excelente, mas vou precisar avisar a Laura, ela pode estar preocupada comigo. — Claro, fique à vontade. Enquanto liga vou preparar nosso banho. — Beijei sua boca de leve e saí.

Preparei um banho na banheira, para que ela relaxasse um pouco, sabia que ficou tensa com a mensagem e por tudo que me contou. É realmente egoísta da nossa parte às vezes pensar que nossos problemas são maiores do que os dos outros. Não temos dimensão do que a maioria das pessoas passam, por isso muitos falam muito do significado da empatia, mas quando precisa de praticar não o fazem. Quanto mais Juliete falava sobre sua história triste de vida, eu pensava como ela passou por tudo isso e ainda conseguiu encontrar forças para estudar e trabalhar, mesmo sofrendo tanto nas mãos do padrasto e ainda vendo sua mãe viver aquele inferno. Sinceramente, não sei se eu teria toda aquela força que ela teve, admirava-a muito e tinha orgulho da mulher que ela estava se tornando, para mim era uma honra estar ao lado dela. Coloquei alguns sais na água e a deixei borbulhando, voltei na sala para buscar Juliete, que estava em frente ao vidro observando a noite paulista com o olhar longe. Cheguei devagar atrás dela e a chamei. — Juliete, falou com sua amiga? — Sim, ela está bem e ficou preocupada, pois não cheguei em casa no horário de costume. Pedi desculpas a ela e disse que amanhã nós conversamos. Não quis contar a ela nada sobre a mensagem para não a deixar ainda mais preocupada. — Fez certo, avisou a ela que vai dormir aqui? — Andreas, não gosto de deixá-la sozinha, ainda mais que o Adam voltou para o Rio, tinha que ver quando cheguei ontem. Ela estava desolada, tenho medo dela sofrer por causa dele. — Tudo bem, não vejo problema, meu amor. Mas você toma um banho relaxante, jantamos e vamos para o seu apartamento. Acha demais se eu for dormir lá com você?

— Claro que não, Andreas, minha cama só não é tão grande quanto a sua, mas vai ser maravilhoso ter você comigo essa noite. — Não me importo de dormir grudado a você, só não quero deixá-la dormir sozinha depois de tudo que passou hoje. — Acariciei seu rosto com carinho e ela fechou os olhos sob meu toque. — Sabe que, às vezes, me pergunto se você realmente existe? — Sorri de lado e ela abriu os olhos. — Assim você vai me deixar sem graça. — Beijei o canto de seus lábios e a peguei em meu colo e saí andando pela sala e corredor com ela gritando em meus braços. — Andreas, você está louco? — Só se for por você, Juliete — falei quando entramos no banheiro e ela viu a banheira. — Agora, por favor, fique quietinha para que eu possa cuidar de você como merece. — Hum... claro — ela concordou e comecei a despi-la, a admirei e selei nossos lábios e ajudei ela a entrar na banheira. Depois tirei a minha roupa e coloquei um roupão e, com todo carinho, enquanto isso ela fez um coque alto em seu cabelo, esfreguei sua pele branca e macia com sabonete. O silêncio trouxe conforto e paz no ambiente, mantive assim até terminarmos, não entrei na banheira com ela, queria que ela sentisse somente meu cuidado, carinho e amor com aquele gesto. Aquela noite, jantamos e fomos para o seu apartamento, assim que chegamos vimos que sua amiga já estava dormindo. Fomos silenciosamente para o seu quarto, até mesmo deixamos nossos sapatos ao lado da porta, vesti meu short de dormir e ela sua linda camisola e nos deitamos de conchinha em sua cama pequena.

Ficamos um tempo conversando e contei a ela que Adam havia me ligado e pedido que fosse ao Rio de Janeiro e que seu amigo policial havia conseguido descobrir algo sobre minha mãe. Ela ficou feliz por mim e disse que assim como ela podia contar comigo, eu podia contar com ela que seríamos o apoio um do outro com esses nossos problemas familiares. Ela dormiu dez minutos depois que comecei a acariciar seu cabelo e no silêncio da noite e com Juliete em meus braços, cheguei a conclusão de que a amava e não poderia mais deixá-la. Enfrentaremos tudo que vier juntos, seremos maiores e mais fortes que qualquer coisa que pudesse nos atingir, pois tínhamos o amor conosco.

Consegui dormir bem com Andreas, a noite foi melhor que a anterior, apesar de ter revelado a ele minha história de vida. Claro que ele me surpreendeu mais uma vez, me abraçou forte e deu seu apoio e compreensão. O tempo todo ele ficou preocupado, falou que se fosse demais, podia parar, mas eu queria contar tudo de uma vez, pelo menos não teria que reviver mais aquele passado tão difícil. Lembrar-me de tudo que minha mãe e eu vivemos era como estar lá de novo, naquele inferno. E não queria nunca mais voltar para aquela vida e nem a Holambra. Os parentes de sangue nem podia considerar, pois eles cortaram relações com minha mãe e a desprezaram; nem quando meu pai morreu, eles foram capazes de vencer o orgulho e dar o apoio que ela precisava. Então era melhor que permanecessem longe mesmo, já que não fizeram questão nem mesmo de saber como eu estava. Quando acordei e procurei por Andreas, não o vi na cama, me levantei, fui ao banheiro, escovei os dentes e lavei meu rosto. Depois saí

pelo corredor e, quando cheguei na sala conjugada com a copa e cozinha, vi-o. Estava tão lindo, ele tinha trazido uma pequena mala com suas roupas, mas hoje ele não iria ao escritório, já que, pelo que conversamos, vai ter que ir ao Rio de Janeiro. Adam havia ligado e dito a ele que descobriram sobre a mãe dele, fiquei feliz pois sabia o quanto Andreas queria descobrir a verdade. Só esperava que não o deixasse ainda mais devastado, pois já bastava tudo que passou. Sabemos que chega um momento que o passado volta e cabe a nós decidir se vamos nos deixar ser arrastados por ele ou enfrentar e seguir em frente. Não temos uma varinha mágica para fazê-lo desaparecer e ele é parte do que somos, não podemos negar. Ontem, quando contei tudo a Andreas, pude chegar a essa conclusão. — Bom dia, minha Ariel dorminhoca! — Ele se virou e falou com animação na voz. Aproximei-me e ele me acolheu em seu peito, beijou o topo da minha cabeça e acariciou meus braços. — Bom dia! Dormiu bem? Fiquei preocupada com você, a cama é pequena — falei e ele abriu seu charmoso sorriso de lado. — Ao seu lado é impossível não dormir bem, meu amor! — Beijou meu pescoço e depois beijou cada pedacinho do meu rosto e depois puxou a cadeira para mim. — Agora, você vai sentar aqui para tomarmos café juntos e pare de se preocupar com o tamanho da cama, isso é o de menos para mim. — Levantou a sobrancelha, insistindo. — Preciso chamar a Sininho, mas ainda está cedo. Temos tempo, sei que precisa passar no seu apartamento para pegar suas coisas. — Sim, antes de sairmos, você a chama que dá tempo. Agora, me conte por que a chama de Sininho. — Ele se sentou na cadeira a minha frente e começamos a comer.

Havia preparado ovos mexidos, uma fatia de pão integral e cortou duas fatias de queijo. O café estava fumegante e cheiroso. Dando-me conta do que ele fez, sorri para ele. — Nossa, você coou o café? — Sim, vi o suporte para o coador no escorredor e o filtro, encontrei o café e fiz. Lembro-me de que comentou comigo na pousada que gostava de café coado assim. — Adoro, fica mais saboroso. Vou te explicar o significado do apelido da Laura. Desde que a conheci ela nunca me deixou. Sempre me respeitou e nunca me julgou, foi a minha única amiga. Quando conhecemos a história do Peter Pan comecei a zoar chamando a Laura de Sininho. E depois que conheci o significado, não parei mais e ela aceitou. Combina muito com ela, pois minha amiga sempre foi travessa, um pouco irritada com certas coisas e sempre leal. — Interessante, os significados são autênticos e mostra o quanto ela é importante para você, uma linda amizade a de vocês. Fico feliz em saber que ela esteve do seu lado. — Verdade, Laura nunca me deixou e a considero como a irmã que nunca tive. — Isso é maravilhoso, meu amor! — Demais e agora vou chamar a Sininho para que ela não se atrase — avisei e saí da mesa indo em direção ao quarto da minha amiga, abri a porta e ela já estava acordada. — Sininho, já acordou? — Sim, agora que escutei a voz de um homem no apartamento. Quem está aí? — Andreas. — Ela me fitou surpresa e se sentou na cama, entrei e fechei a porta.

— Por que ele dormiu aqui? Ontem estava com uma dor de cabeça terrível, sabe como é, a abençoada está chegando e sempre fico com enxaqueca. — Preciso te contar tudo, mas será que pode ser à noite? Pois ele terá que viajar para o Rio de Janeiro para se encontrar com Adam. — Ah sim, sem problemas. À noite, quando chegar da aula, conversamos e você me conta tudo. Vou tomar um banho e já vou tomar café. — Isso, não se atrase, já vou me arrumar para sair, pois vou levá-lo ao aeroporto e voltar com Benjamin para o escritório. — Tudo bem, vai lá e mais tarde nos falamos. Nem acredito que o Sr. Scolari dormiu em minha casa. Meu Deus! — ela falou como se não acreditasse, saí sorrindo. Quando voltei para a copa, Andreas não estava lá, cruzamos no corredor e ele disse que me esperaria na sala. Voltei para o meu quarto, tomei um banho e me arrumei em tempo recorde, peguei minha bolsa e saímos. Passamos no seu apartamento e ele organizou tudo com muita agilidade. Logo fomos direto para o aeroporto, onde nos encontramos com Benjamin, Andreas conversou a sós com ele depois de fazer o checkin. Sabia que estavam falando sobre a mensagem que ele recebeu e depois ele me chamou e ficou falando para me cuidar e disse ainda que Benjamin cuidaria da minha segurança enquanto ele estivesse fora. — Meu amor, realmente não queria viajar agora, pois claramente há alguém de olho em nossos passos. Mas preciso que você tenha cuidado e não fique mais quieta, vamos pedir ajuda. Benjamin vai estar ao seu lado e será meus olhos. Só quero que fique bem e segura.

— Tudo bem, vou me cuidar, não se preocupe. Desejo sorte nas investigações sobre sua mãe, fique bem também e vamos estar nos falando sempre, até você voltar. — Sim, são só alguns dias e voltarei para você, minha Ariel. — Ele pegou em meu rosto com carinho e o olhar pesaroso e amoroso ao mesmo tempo me disse aquelas palavras que não saíram mais da minha memória e coração. — Eu te amo e, por favor, tome cuidado. — Meu coração deu um salto e minhas pernas ficaram bambas com o significado daquelas palavras, comecei a ouvi-las repetidamente e ele percebeu que fiquei calada e me chamou: — Juliete, você está me ouvindo, meu amor? — Desculpe, Andreas. — Fechei os olhos e depois o encarei. — Você acabou de dizer que me ama? — Meus olhos estavam queimando e as lágrimas caíram assim que ele me confirmou sorrindo e limpando-as. — Eu disse que te amo e quero que você se cuide, não sei o que faria se algo lhe acontecesse... — Emocionada demais para ouvir mais, o puxei e beijei sua boca, um beijo delicioso cheio de cumplicidade, que encheu meu coração de amor e meu corpo de um êxtase e felicidade sem tamanho. Quando selei nossos lábios, o mantive perto com nossos narizes colados, ele pegou em meu pulso e segurou a pulseira. — Não se preocupe, que ela está me protegendo — falei ainda afetada pelas três palavras que ele disse e apontei para a pulseira, ele a beijou e vi em seus olhos a emoção. É loucura já amarmos alguém dessa forma em tão pouco tempo? Pode ser, mas impossível não é, pois, para mim e Andreas, parecia que estava predestinado, entendi o que as pessoas falavam sobre almas gêmeas. Sei que fiquei calada e não o respondi como deveria, mas ainda estava me sentindo tocada, não sei o que aconteceu, só que fiquei sem palavras

diante de sua declaração. — Faça uma boa viagem e vamos nos falando, me ligue assim que chegar e se cuide também, não podemos subestimar quem está por trás dessa mensagem. Ele concordou, beijou minha mão uma última vez e depois se despediu do amigo e entrou na sala de embarque. Benjamin e eu fomos direto para escritório e, quando chegamos, já começamos a trabalhar intensamente no caso da editora e autora. Ajudei a organizar os documentos e provas, depois verificamos os emails trocados entre eles e buscamos os deslizes da editora para com a autora. Um tempo depois, fui atender a ligação de Henrique, que me chamou em sua sala, me passou um monte de documentos para verificar e passar a ele até o final do meu expediente. Ele sabia que estava trabalhando em um caso, o mesmo que ele e ainda assim estava me passando mais tarefas. Não reclamei para não dar motivos para discussões desnecessárias. Então Andreas me ligou e o atendi rapidamente. — Olá, minha estagiária preferida. Como estão as coisas por aí? — Oi, meu chefe preferido. Aqui estamos trabalhando muito como sempre, o chefe sai e os ratos não fazem a festa. Ele riu. — Isso é bom, que equipe disciplinada eu tenho. Brincadeiras à parte, está tudo bem mesmo? — Sim, não se preocupe. Estou trabalhando com Benjamin no caso que nos deixou e resolvendo mais papeladas. Como foi o voo? — Foi ótimo, já passei no hotel e me encontrei com Adam e vamos almoçar com o Lucas daqui a algumas horas. Estamos no escritório Scolari&Antúnez aqui e está sendo bom rever a equipe carioca.

— Que maravilha, espero que dê tudo certo com o policial amigo do Adam. — Obrigado, meu amor. Você está próxima do Ben? — Sim, estamos na sala de reunião, ficou mais fácil para trabalharmos. — Ótimo, passe para ele rapidinho, por favor, e você fique bem, um grande beijo, minha Ariel. — Despedi-me dele e passei o celular para Benjamin, que me encarou com o olhar questionador. Ele se levantou e se afastou um pouco, mas pude ouvir Ben o acalmando no celular, falando para não se preocupar. Andreas estava realmente incomodado com o fato de ter me deixado aqui depois daquela mensagem que chegou em seu celular. Ele já deve ter mostrado ao Ben e a Adam, com toda certeza. Eles não sossegarão enquanto não descobrirem quem a enviou e o motivo por trás disso. Confesso que fiquei com medo de andar sozinha hoje e estou pensando seriamente em pedir o almoço e combinar com a Sininho de me dar uma carona até a faculdade e na volta dela. Em alguns minutos, Benjamin voltou com o celular e me entregou, mergulhamos no trabalho até recebermos uma ligação da recepção e ele disse que já estava indo. — Juliete, você quer almoçar comigo e Catarina? Não aceitamos não como resposta — ele disse convicto. — Posso sim, não tenho escolha. — respondi sorrindo e com uma repentina ansiedade por saber que iria almoçar com a irmã de Andreas. Saímos da sala e segui para a dos estagiários, peguei minha bolsa e os encontrei na recepção. Gleice sorriu para mim e disse que iria almoçar com seu namorado, falei que estava tranquilo. Então encontrei a irmã de

Andreas conversando com Henrique e, depois que ele saiu, Benjamin chegou e nos apresentou. — Catarina, acho que já conhece a Juliete, a namorada do seu irmão e nossa melhor estagiária. — Senti a admiração em sua voz ao dizer aquelas palavras e me senti orgulhosa também. — Oi, Catarina! — cumprimentei-a e ela sorriu e me abraçou. — Juliete, nos vimos no final de semana no haras, mas não nos conhecemos pessoalmente. Estava ansiosa para conhecer você! — Também estava, Catarina. Desculpe por atrapalhar o almoço de vocês hoje. Mas Andreas e Benjamin estão em uma missão. — Ah, é mesmo, esses dois quando estão dispostos a algo, ninguém segura. — Sorrimos e saímos conversando para o elevador. Almoçamos juntos em um restaurante diferente da Avenida Paulista, uma sugestão da Catarina. Falamos sobre seus projetos e amenidades e coisas da nossa rotina e gostos, ela era muito tranquila e simples, quero dizer que nem parecia que foi criada com aquele homem que me olhou com descaso no restaurante no domingo em São Roque. Ou seja, os filhos de Eduardo Scolari eram melhores que ele em todos os aspectos pelo que estou tendo conhecimento. Catarina elogiou minha amiga e disse que ela era muito inteligente e esforçada e que estava amando tê-la como estagiária no seu escritório de arquitetura. Claro que fiquei cheia de orgulho e admiração pela minha Sininho, era tão bom saber disso. Fiquei realmente feliz em saber que ela estava fazendo o que amava de forma tão admirável e competente. Após o almoço voltamos para o prédio da Scolari&Antúnez e me despedi da Catarina com a promessa de que voltaríamos a nos encontrar em um dos almoços de domingo dela e Andreas. Agradeci o convite e nos despedimos, pude reparar em como ela e Benjamin combinavam e

formavam um casal lindo. Eles pareciam se complementar em tudo e vi muita harmonia e amor entre eles. Antes de chegar ao corredor que levava ao elevador, ainda no hall do prédio, encontramos com Gleice e seu namorado, que estavam se despedindo. Então a esperei e Benjamin foi na frente e disse que me aguardaria na sala de reuniões. Assim que passei pertos dos sofás que havia no hall senti um calafrio e algo estranho no ar, respirei fundo e olhei para o lado e vi um homem sentado em um dos sofás. Ele estava sentado de costas, mas eu nunca me esqueci daquele monstro que destruiu minha vida e da minha mãe, o corte de cabelo era outro, mas parecia muito ele de costas. Meu corpo começou a estremecer, e fiquei tão nervosa e sentindo tanto medo que corri para pegar o elevador, Gleice teve que me alcançar. Acabei esquecendo que estava ao lado dela, claro que ela iria estranhar minha reação e peguei meu celular correndo para ligar para Sininho. Falei rápido contando a ela sobre a mensagem e o fato de ter visto um homem estranho no hall do prédio do escritório, deixei claro que não vi o rosto, mas eu o conhecia perfeitamente e ele podia mudar o quanto quisesse que ainda assim eu o reconheceria, mesmo estando sentado de costas lendo um jornal. Desesperada, comecei a sentir aquela sensação de sufocamento e Gleice teve que me ajudar, pois parecia que o elevador iria me engolir. Não, não e não! Deixei o celular cair no chão, a minha visão foi ficando turva e meu corpo amoleceu, a escuridão me tomou e nela havia um silêncio que, para mim, foi confortável naquele momento de medo extremo, então me deixei levar.

Voltei do Rio mais convicto de que minha mãe não morreu, pois Lucas descobriu que ela tinha usado outra identidade fora do país. Ele conseguiu rastrear pouca coisa ainda, mas continuará investigando para trazer notícias mais concretas. Conversamos um pouco sobre a relação do meu pai e minha mãe, eu tinha dez anos, mas via a forma que meu pai a tratava e como ele gostava de aparências. Para a alta sociedade, ele nos fazia posar como uma família feliz, coisa que na realidade nunca fomos. Pois ele vivia no escritório e em eventos da sociedade que julgava mais importante do que estar conosco. Lucas disse que ele podia sim ter escondido muitas coisas sobre a minha mãe e ter manipulado todas as informações para mim durante todo esse tempo. Não me surpreenderia se caso isso fosse verdade, pois Eduardo Scolari fazia de tudo para manter o mundo girando a seu favor. Quando estava saindo da sala de desembarque, meus olhos se encheram de

lágrimas com a visão de Juliete, Catarina e Benjamin me esperando na porta. Juliete sorriu e me apressei para abraçá-la e quando pude sentir seu corpo e seu cheiro me dei conta de que ficar longe dela, mesmo que fosse três dias, era demais para mim. Nos falamos por vídeochamada e sabia o que havia acontecido com ela enquanto estive fora, fiquei preocupado com a crise de pânico que ela teve no elevador depois que pensou ter visto César no hall do prédio. Lembrei-me de que Benjamin havia pedido aos seguranças do prédio para verificarem a câmera, mas não o encontramos. — Minha Ariel, quantas saudades senti de você! — Beijei sua boca com amor e pude ver a sombra de olheiras abaixo de seus olhos, o que significava que ela não havia dormido bem nas últimas noites. — Você não tem dormido bem, não é mesmo? Mas isso vai mudar, porque eu cheguei e não vou sair do seu lado à noite, ok? Ela assentiu e depois me aproximei de Catarina e Benjamin. — Que bom que está de volta, meu querido irmão. Como foi o voo? — Foi tranquilo, rapidinho, uma hora e voltei para vocês. — Depois agradeci ao meu amigo: — Ben, obrigado por ter cuidado das minhas pequenas. Sorrimos e vi Catarina revirando os olhos enquanto Juliete sorria também. — Tudo bem, sabe que pode sempre contar comigo. Mas, infelizmente, as câmeras foram desligadas bem no horário de almoço naquele dia. Estão averiguando e buscando o que ocorreu, temos que aguardar — falou me puxando e deixando Juliete e Catarina na nossa frente.

— Ótimo, mas já podemos concluir que ele esteve lá — falei mais baixo somente para Juliete não ouvir, pois penso que ela pode ficar muito abalada e ter uma crise. Aquilo me deixava cada vez mais louco, só de pensar que ele poderia se aproximar da minha namorada. Balancei a cabeça sem acreditar ainda na audácia dele em se aproximar assim dela, mas encerrei o assunto com Ben. Como cheguei à noite, saímos juntos para jantar em um restaurante próximo ao prédio de Catarina. Ela nos convidou para almoçar no domingo em seu apartamento e claro que aceitamos, contei a eles o que Lucas havia descoberto. Falei também que ele havia me aconselhado a entrar em contato com a polícia civil e mostrar a mensagem que recebi e relatar o que aconteceu com Juliete, já que ela tinha uma medida protetiva, eles precisavam estar cientes. Depois que nos despedimos, levei Juliete para o meu apartamento, já que sua amiga foi para Minas Gerais, pois eles abriram um negócio lá recentemente e se mudaram, então ela foi fazer uma visita rápida a sua família. Quando chegamos, preparei um banho para nós dois bem quentinho, já que o tempo em São Paulo estava frio. — Venha, meu amor. Preparei a banheira para que possamos relaxar um pouco, me deixe matar as saudades e cuidar de você — falei a levando para o banheiro já enfumaçado. — Que delícia, Andreas! Ajudei-a a entrar e o fiz em seguida, ela se sentou de frente para mim e fitei seus olhos azuis com amor. — Você não me falou sobre a crise de pânico, fiquei tão preocupado quando soube.

— Me desculpe, eu... e... — ela gaguejou e então fechou os olhos e olhou para cima como se estivesse se preparando para me contar. — Eu lutei por muitos anos com as crises e fiz um acompanhamento com um profissional, mas desde que havia me mudado para São Paulo, não tive mais e errei ao não ter continuado, pois o medo começou a me assombrar novamente. — Seus olhos se encheram de lágrimas e me aproximei dela e colei nossos corpos. — Você não está mais sozinha — falei pausadamente. — Quero poder cuidar de você, sei que pensa que deve me poupar já que estou descobrindo a verdade sobre minha mãe, mas não se esqueça de que, antes de tudo, quero que fique bem, pois eu te amo e você é uma mulher forte e incrível. Vamos passar por tudo isso juntos. — Obrigada por ser tão compreensivo — ela falou baixinho e fitando meus olhos com gratidão. — Não me agradeça por isso, minha Pequena Sereia. Pois isso é o mínimo que um homem deve fazer à mulher que ama: respeitar, apoiar e cuidar. Sei que você deve decidir quando voltar a fazer terapias e tudo tem seu tempo. Mas saiba que nunca deve agradecer a mim e nenhum homem por te compreender assim, é uma obrigação nossa. — Tudo bem, agora podemos não falar mais sobre esses assuntos? — Claro, pois tive saudades de tudo em você, meu amor. — Ela sorriu quando comecei a fazer cócegas em seu abdômen. — Assim não vale! — Lógico que sim, venha aqui. — Agarrei-a e beijei sua boca com desejo, saudade e amor, nos beijamos e nos acariciamos muito. Meu corpo inteiro se acendeu com aquele beijo e carícias. Juliete tomou as rédeas e a deixei comandar, pois amava ver como ela ficava ainda mais linda e sexy assim. Ela se sentou em meu colo e gemeu

deliciosamente quando sentiu o quanto já estava excitado. Era aquilo que ela fazia comigo, mordi seu lábio inferior e com completo acesso ao seu pescoço, desci minha boca por ele e segui para os seus seios, que chupei e os puxei em minha boca. A minha Pequena Sereia era mesmo maravilhosa, ainda mais gemendo me pedindo mais e rebolando em cima do meu membro duro e pronto para entrar nela. Com um movimento rápido coloquei minha mão para fora da banheira e peguei a camisinha, mas Juliete me encarou e parou meu movimento. — Não vamos usar, tomo anticoncepcional e quero muito sentir você sem nada. — Meu amor, tem certeza disso? — perguntei a ela antes, que assentiu, fitando meus olhos com certeza e desejo e, sem esperar que eu desse meu próximo passo, ela pegou meu pau e sentou devagar jogando a cabeça para trás e gemendo. Quando senti seu calor ao redor dele e o quanto era apertada não resisti, gemi algo desconexo com a voz rouca. — Ah, Juliete! Ela desceu mais um pouco e me deixou ainda mais louco, o sangue correu ainda mais rápido pelo meu corpo e meu coração acelerou e ela começou a se movimentar me fazendo sentir o prazer mais intenso e louco de toda a minha vida. Chupei seus seios e beijei sua boca, conforme ela se movimentava em cima do meu pau nos deixando cada vez mais próximos do êxtase de um orgasmo. Então ela deixou meus lábios, fitou meus olhos e me disse aquelas três palavras:

— Eu. — Subiu. — Te. — Desceu devagar. — Amo. — Desceu mais um pouco e apertou sua boceta ao redor do meu pau me fazendo ter o orgasmo mais intenso e longo. Nossos olhos se encontraram e pude ver o sentimento neles e ainda sentindo seu corpo inteiro se contrair e estremecer em um orgasmo lindo de se ver. — Eu te amo mais, meu amor — falei a abraçando e ficando um pouco mais dentro dela, o silêncio se fez presente e só escutava nossas respirações alteradas demais depois do sexo mais cheio de entrega que fizemos. Impressionante como a cada vez que estávamos juntos tínhamos mais certeza de que fomos feitos um para o outro. Depois disso, tomamos banho e fomos nos deitar, dormir com ela em meus braços era o melhor de todo meu dia. Ver seu cabelo espalhado pelo meu peito e poder sentir seu perfume era ter a certeza de uma noite plena. Fiquei feliz por ver como ela se deitou e dormiu rápido, conversamos um pouco e, quando vi, estava falando sozinho, pois ela já estava no sétimo sono. Sei que não dormiu bem esses dias que estive fora e pensei que teria de arrumar uma segurança para nós dois, principalmente para ela. Na manhã seguinte, acordei e vi que ela não estava na cama, então saí do quarto e fui para a cozinha e a vi, estava com um semblante feliz e sereno. Sorri vendo-a dançar enquanto mexia os ovos na frigideira e cantava uma música baixinho. Então ela olhou para o lado e me viu, sorriu sem graça, pois viu que foi flagrada. Aproximei-me e enlacei seu corpo por trás, beijei seu pescoço e senti seu perfume delicioso. Como amava esse perfume que exalava de sua pele macia e branca como a neve.

— Bom dia, alguém acordou cedo e animada? — Olá, depois da noite que teve esse alguém só poderia estar assim, não é mesmo? — Ela desligou o fogo e se virou de frente para mim. Nos beijamos deliciosamente e me senti o homem mais sortudo do mundo. Com isso, lembrei-me de que havia comprado algo para ela no Rio e fui pegar na mala. — Que isso, Andreas, volte aqui. — Espere aí que me esqueci de algo importante — falei do corredor, entrei no quarto e peguei a caixinha dourada. Sorri e me apressei a voltar para a cozinha, ela já estava sentada na mesa, então me sentei à sua frente e coloquei a caixinha ao lado de sua xícara. Juliete me encarou surpresa e então abriu um sorriso. — Andreas... — Vamos, abra logo, estou curioso para saber se vai gostar. — Você é demais! — Ela desfez o laço, abriu a caixa, sorriu e tirou-o da caixa. — Meu Deus, Andreas! É um girassol, realmente é lindo! — Agora, abra-o — a instruí-a e assim ela o fez e ficou ainda mais surpresa com um sorriso enorme. — Você é o meu raio de sol! — Lágrimas brotaram nos olhos dela e continuei assim mesmo. — Lembrase de quando te enviei aquela mensagem com a sua foto? — Ela concordou. — Então, te disse que você ilumina tudo ao seu redor e meu coração, assim como o sol ilumina o dia e as flores. Quando vi esse pingente, achei que combinaria muito com você e, principalmente, com o que você significa para mim. — Esse é o significado de “You are my sunshine” então? — Sim, é um presente especial para a minha Pequena Sereia, que, na verdade, é meu raio de sol, minha esperança, o amor da minha vida — pedi licença e peguei o colar e ela me permitiu colocar.

Voltei para a minha cadeira e admirei o pingente em seu pescoço fino, que combinou muito com ela, por isso escolhi o ouro rosé. Limpei suas lágrimas, peguei em sua mão e a beijei com o coração acelerado por poder fazê-la sentir felicidade. Sei que teve uma vida difícil e agora ela só merecia viver assim, nada menos que isso. Tomamos café, depois nos arrumamos e fomos para o escritório, no caminho ela conversou com a amiga Laura, parece que ela chegou bem em Minas e já estava com os pais. Não sabia se havia acontecido alguma coisa, pois Juliete não comentou nada e nem perguntei, gostava que ela se sentisse à vontade para me contar qualquer coisa quando quisesse. Pouco antes do almoço, Juliete entrou em minha sala desesperada se sentindo mal, pois havia recebido uma ligação de um número anônimo. Fiquei imediatamente preocupado e liguei para a polícia e marquei um horário com uma empresa de segurança. Não sabia o que César Barnes pretendia com tudo isso, mas de uma coisa eu tinha certeza: ele não iria mais colocar as mãos em Juliete. Ele faria isso só se fosse por cima do meu cadáver. Já bastava tudo que ele já fez a ela e a mãe, agora ela tinha quem a apoiasse e cuidasse dela, alguém que a amava e estava disposto a assumir qualquer risco.

Entrei desesperada na sala de Andreas, tinha certeza de que foi César que me ligou de um número confidencial. Sem conseguir me controlar, aquela sensação terrível começou a me atingir novamente, o medo fazia isso comigo. Sentia calafrios, depois parecia que não conseguiria respirar, seja onde estivesse, sentia que o lugar estava se fechando ao meu redor. Mas então Andreas segurou minhas mãos e me pediu para respirar fundo. — Meu amor, olhe para mim, vamos respirar juntos. — Acompanheio para conseguir me acalmar. — Puxe o ar — ele falou com tranquilidade na voz. — Isso, agora solte. — E assim fizemos mais três vezes e consegui me acalmar, a sensação de sufocamento passou. — Vou procurar hoje mesmo um psicoterapeuta, meus episódios são isolados, fazia tempo que não tinha, depois que recebemos a mensagem e aquele dia no hall do prédio que tive essas crises. — Sei disso e não se preocupe que vou procurar ajuda da polícia e de uma equipe de segurança. Espero que não se sinta desconfortável com

essa situação, mas é para o nosso bem. — Entendo, Andreas. Claro que não vou me sentir totalmente confortável tendo um segurança ao meu encalço o dia todo, mas se é necessário o que posso fazer? Ele concordou e me abraçou forte, mais uma vez reforçou que estava do meu lado, que tudo isso ia passar e eu não sabia se tinha certeza, mas tive de que precisava ser forte e não deixar que ele me vencesse. Nessas situações, sabia que tinha de ter em mente o pensamento de que o medo não era maior que eu, ele era pequeno e tinha que esmagá-lo e afastar isso de mim. Andreas cumpriu sua palavra, primeiro tive que relatar tudo aos policiais sobre o que aconteceu em Holambra, eles falaram que entrariam em contato com a polícia de lá para se atualizarem. Depois, a empresa de segurança se reuniu com Andreas e Benjamin, eles enviaram uma equipe e me senti sem graça com tudo aquilo. Engraçado era que deveria me sentir mais segura quando saí do prédio da Scolari&Antúnez escoltada por um homem alto, forte e sério. Mas, ainda assim, sentia a insegurança e tentava me controlar a cada passo que dava pela Avenida Paulista, tive saudades da minha amiga e resolvi ligar para ela quando desisti de andar e entrei no carro com o segurança. Liguei e contei a Sininho que estava com um motorista e segurança e estava tentando me acostumar com a ideia. — Agora, você anda escoltada? — ela me perguntou e a imaginei arregalando os olhos e levantando as sobrancelhas com seu jeito típico. — Sim, não vou precisar pegar carona com você por um bom tempo quando voltar. Mas me conte como andam as coisas aí, seus pais estão bem?

— Compreendo, Juju, Andreas está mesmo preocupado com você. Aqui está tudo bem sim, minha mãe mandou um abraço para você e disse que pode vir na próxima vez. — Ah, gente, mande outro para ela e diga que, assim que me formar, vou poder ir com calma, por enquanto tudo está corrido por aqui. Não diga nada a ela sobre César e essa situação. — Não falei e nem vou comentar por enquanto, pois sei que ela largaria tudo aqui para ir te ver — ela falou e tenho certeza de que dona Ana faria isso, pois, quando tudo aquilo aconteceu, os pais da Sininho saíram de Minas para me darem apoio e força. — Hoje liguei para algumas clínicas de psicoterapia, preciso voltar com as sessões de terapia. — Isso mesmo, conseguiu marcar com alguma? — Não. Estão todas com agendas cheias, estou em uma fila de espera. — Imaginei, por isso liguei para algumas e reservei um horário, na sexta, espero que não fique chateada por isso. — Ah, Sininho, claro que não. Ajudou muito, minha amiga. Te agradeço por isso. — Vou te enviar o telefone, endereço e horários certinhos. Olha, fica bem viu, vou voltar segunda-feira, mas qualquer coisa me ligue e podemos conversar. Sabe disso, não é? — ela me perguntou, preocupada. — Claro, não se preocupe, Laura, estamos tomando todos os cuidados e a polícia também já sabe e estão procurando e investigando ele. — Eu sei, mas sempre vou me preocupar com você, é a minha irmã de alma e coração. — Obrigada, minha amiga, eu te amo muito. Dê um abraço nos seus pais por mim e diga que estou com muitas saudades.

— Claro, amiga. Fica com Deus e se cuide. Te amo e vou desligar logo antes que comece a me debulhar em lágrimas. — Sorri com os olhos já embaçados, ela desligou e vi que já estava entrando na rua do prédio. Desci e passei pela entrada com o segurança atrás de mim, quando chegamos no andar, ele passou a minha frente, me pediu a chave e educadamente disse para esperar que iria conferir o local. Depois de uns minutos, ele voltou e me deixou entrar e disse que estaria na porta. Entrei e deixei a bolsa no sofá, fui para a cozinha tomar uma água, tudo isso me deixava muito tensa. Comecei a pensar no que César ainda poderia querer comigo, já que não conseguia encontrar nenhuma justificativa para essa perseguição toda. Na verdade, ele fugiu e deixou muitas dívidas, além de ser a responsável pelo velório da minha mãe e ainda pago até hoje por isso, já que o seguro que ela deixou era pouco. Lavei o copo ainda pensando quando escutei meu celular apitar, fui conferir e era um e-mail da professora falando que teve um imprevisto e não poderia comparecer à aula. Então mandei uma mensagem para Andreas, ele insistiu que eu fosse para a sua casa, disse que aproveitaria para dar andamento no meu trabalho de conclusão de curso e o danado me falou que poderia me ajudar. Não falei mais nada e fui tomar um banho e arrumar minhas coisas, Quarenta minutos depois, saí do apartamento com o segurança.

Cheguei no prédio de Andreas junto com ele, uma sincronia perfeita, ele sorriu para mim e me abraçou forte. — Senti sua falta — ele falou ao beijar meu pescoço. — Essa incerteza tira minha paz, Juliete. Não vejo a hora de podermos nos livrar dessa sensação horrível. — Também senti saudades e espero que possamos nos ver livres logo de tudo isso. — Nós vamos, minha Pequena Sereia. — Ele beijou de leve minha boca e chegamos em seu andar, entramos em seu apartamento e, enquanto ele tomava banho, comecei a desenvolver meu trabalho. Depois ele chegou e me ajudou, procurou alguns artigos e discutimos sobre o caso em questão. Andreas era tão inteligente e perspicaz que fiquei admirando enquanto ele explicava tudo, então ele se calou e me fitou curioso. — O que está pensando, senhorita? — Só no quanto você fica mais lindo e sexy assim. — Sorri de lado e ele balançou a cabeça. — Eu aqui fazendo explicações e você pensando nessas coisas, Juliete — falou com a voz baixa e rouca.

— Claro, você não ajuda, é difícil me concentrar assim com você tão perto, todo inteligente e profissional. — Como consegue no escritório? — Consigo porque lá sou profissional e ainda estagiária, preciso ter foco e aproveitar a oportunidade de aprender e crescer. Agora, estando aqui no seu apartamento, vendo você assim de banho tomado, exalando esse seu cheiro misturado de sabonete e perfume amadeirado, com essa camisa branca meio aberta e essas palavras inteligentes saindo de sua boca, é difícil. — Meu Deus, Juliete, você é terrível! — exclamou sorrindo e me puxou para o seu colo. — Sabe que penso o mesmo de você, sempre me pego te admirando no escritório, amo a forma que você fica quando começa a indagar e fazer comentários inteligentes nas reuniões. — Somos dois bobos? — inquiri sorrindo, fitando seus olhos verdes brilhantes e lindos. — Não diria bobos, mas apaixonados e admirados. — Ele beijou de leve o canto da minha boca e depois puxou o lábio inferior me deixando toda arrepiada. — Estamos vivendo momentos muito tensos, você poderia tocar para mim, o que acha? — Isso vai se tornar um hábito, hum? — ele perguntou e piscou um olho para mim. — Posso te perguntar algo antes? — Tudo que quiser, minha Pequena Sereia. — Você tem vontade de investir na carreira de pianista? Ele me encarou sério e fiquei com medo de ter ido longe demais. — Tenho sim e venho pensando muito nisso ultimamente, desde que decidi que meu pai não iria mais interferir em minhas decisões de vida,

carreira e relacionamento. — Ele pegou uma mecha do meu cabelo e colocou para trás. — Quero voltar às aulas de piano e procurar me especializar nisso para me dedicar às ONGs e escolas para crianças carentes não só aqui do Brasil, mas de fora também. — Meu Deus, Andreas, que maravilhoso! Sabe que tem todo o meu apoio. Quando você toca, expressa todos os sentimentos da canção, é muito lindo e emocionante de se ver e ouvir. — Fico feliz demais em ouvir isso, só que, enquanto isso, vou tocar somente para você, Juliete. — Ele se levantou comigo no colo e me colocou sentada na cauda do piano. Sentou-se e me fitou com um sorriso sensual, depois fechou os olhos e, por alguns minutos, seus dedos ganharam vida e ouvi o primeiro toque da canção. Admirei-o e ouvir trouxe alento para meu coração, já que me encontrava em uma situação muito difícil de medos e incertezas. Identifiquei a canção que estava tocando, Tears In Heaven; ele tocou lindamente, a suavidade e a emoção se fizeram presentes e, quando estava terminando, segurei o seu queixo o fazendo me fitar. — Você me disse hoje de manhã que ilumino seu coração, mas só vejo a forma com que você me ilumina quando toca piano para mim. — Ah, minha linda! — Selei nossos lábios e ele sorriu para mim. Depois disso fomos para a cozinha, jantar e meu estômago roncou denunciando minha fome. — Então, temos muito em comum, nossas famílias são quebradas de alguma forma e nos encontramos no meio de tudo isso. — Verdade, sabe que pensei nisso enquanto estava no Rio, mas você tem sua irmã Catarina e seus amigos. Eu só tenho Laura e seus pais, que me apoiaram muito quando precisei organizar o velório da minha mãe.

— Mas e a família de sua mãe, realmente deram as costas para você assim? — Sim, desde que ela se casou com meu pai, eles não se falaram mais e também nunca me procuraram, infelizmente na cidade pequena, as notícias correm e depois de tudo que aconteceu com minha mãe, todos passaram a me olhar de um jeito estranho. Alguns me julgaram e diziam que eu e ela gostávamos de viver apanhando e assim por diante. — Isso é muito triste, as pessoas julgam demais sem saber de verdade o que os outros estão realmente passando. É injusto, pois nunca sabemos do que o futuro nos reserva. — Aprendi muito com tudo isso que passei, infelizmente as pessoas são cruéis e vi o quanto as que são do mesmo sangue podem ser ainda mais que isso. Eles me ignoravam no café que trabalhavam, me tratavam como uma qualquer, sabiam de tudo e ainda assim nunca me perguntaram se estava tudo bem, enfim, prefiro nem lembrar disso. — Imagino o quanto foi difícil para você, não vamos falar disso. Melhor aproveitarmos nosso tempo juntos, o que acha agora de começarmos a ver uma série de TV? — Excelente ideia, alguma sugestão? O que você mais gosta, tipo gênero? — Tenho algumas sugestões, gosto mais de séries de investigação e ação, filmes gosto assim e de comédias, dramas românticos. — Temos gostos parecidos, mas gosto de fantasia também, mas assisto pouco a séries, acompanho algumas com a Sininho, ela ama. Como se soubesse que estava falando dela, recebi uma mensagem dela e ri alto quando vi o tanto de figurinha que ela me mandou como: “expectativas foram criadas”, “ai, que tudo!”, “laudo médico: surtada”. Abaixo havia o que seria um trailer e, quando abri, logo me surpreendi

com o idioma trocado entre os personagens. Fiquei envolvida somente com o pequeno teaser e abaixo dele ela enviou: “Quando eu chegar vamos começar a assistir, estou me segurando de ansiedade, acredita que minha mãe está viciada em séries turcas desse tipo? Pois é, nem eu acredito, mas seguimos. Esteja avisada, viu? Espero que esteja bem, tenha uma noite maravilhosa com seu lorde. Te amo, beijo.” — Qual o motivo da risada? — Andreas me perguntou curioso. — A Sininho, estávamos falando dela e acabei de receber uma mensagem na mesma hora. Que coisa, parece que sabia. Enfim, ela me enviou um pequeno trailer de uma série turca, indicação da mãe dela. — Sincronia de irmãs, interessante ela mandar logo algo relacionado com série — ele falou me fitando e o encarei de volta. — Pois é, você entende bem disso, não é? — Sorri e me levantei. — Sim, tenho experiência em tudo que envolve relacionamento de irmãos, mas vamos escolher a nossa série logo, antes que fique muito tarde. — Claro, está certo. — Fomos para a sala e ele ligou sua televisão de cinquenta e duas polegadas, já abriu a Netflix e passou pelas opções — Grey’s Anatomy todo mundo já assistiu, não vale rever. — Por que não? E se eu ainda não tiver visto, por um acaso? — Ainda não conhece Grey’s Anatomy? Não acredito! — Estou brincando, claro que conheço! E Suits você conhece? Já ouvi falar bem dela, alguns dos meus colegas da faculdade já comentaram, mas nunca parei para assistir.

— O que acha de assistirmos juntos então? — perguntou levantando as sobrancelhas. — É uma excelente opção, por mim pode ser ela e podemos revezar com outra, como Arrow? — Perfeito, mas vamos começar hoje com dois episódios de Suits, amanhã vemos Arrow. — Ri e ele ficou me encarando procurando a graça. — Você é muito organizado até para assistir séries de televisão, meu Deus! — Eu sei, é chato para você? — De forma alguma, só acho bem engraçado, mas eu gosto do seu jeito metódico. — Não me diga que acha sexy também? — Ele sorriu, presunçoso. — Andreas, coloque o primeiro episódio logo, estamos perdendo tempo. — Ele sorriu ainda mais e deu play e começamos a assistir o episódio e, em poucos minutos, já estávamos grudados um no outro, comentando sobre os personagens, principalmente o Harvey Specter, Mike Ross, Rachel Zane e Donna Paulsen. Eles eram os grandes destaques da série, pelo que parecia. Assistimos exatamente dois episódios, já que Andreas começou a me tocar de um jeito que não dava mais para continuar prestando atenção no episódio. Então fomos para a cama, depois que ele conferiu com os seguranças se estava tudo bem, nos amamos e adormecemos abraçadinhos. Senti-me vivendo um sonho, sempre que estava com ele era assim, nada parecia real; era difícil acreditar que estou mesmo namorando com um homem tão maravilhoso como Andreas Scolari, ainda restava uma esperança, a sorte resolveu sorrir para mim.

Juliete e eu passamos mais um final de semana juntos, já que sua amiga estava com os pais em Minas Gerais. No domingo almoçamos com Catarina e Benjamin, que nos receberam muito bem, Juliete e minha irmã conversaram bastante e se deram bem. Sabia que já haviam almoçado juntas quando fui ao Rio de Janeiro. Fiquei feliz, mesmo tendo muitos seguranças ao nosso redor, não sentia que estávamos cem por cento seguros. A senhorita Gleice me ligou avisando que Benjamin estava querendo falar comigo, pedi que deixasse ele entrar. — Então, Andreas, sabe que ando revisando alguns relatórios financeiros. — Ele se sentou à minha frente no sofá. — Certo, há algo errado? — perguntei já interessado, pois, se não tivesse nada, Ben não viria falar comigo. — Há sim, pude ver que há um desvio de uma quantia bem grande em nossos relatórios, sei que sua prima revisa tudo e trabalha bem junto com o financeiro, mas fiquei bem cismado com isso.

— Investigue mais sobre isso, Ben, e me envie os relatórios por email. Vamos descobrir o que está acontecendo, nunca passamos por isso antes. — Claro, fiquei realmente preocupado e já enviei tudo no seu e-mail. Vou investigar isso com a equipe, apurar tudo e te retorno em breve. Depois disso, falamos sobre outros assuntos do trabalho e fiquei pensando que poderia ser um erro, mas fiquei desconfiado também. Trabalhamos muito naqueles dias e o tempo têm passado rápido demais, mantive contato com Lucas, mas ele me ligou bem cedo, atendi já na expectativa de receber novidades sobre minha mãe. — Bom dia, Andreas! Como você está? — Olá, Lucas! Estou bem, só algumas preocupações, mas vamos passar por isso. — Tenho certeza de que sim, tenho novidades sobre sua mãe, está preparado para o que vou contar? — Estou ansioso, mas preparado para o que for, já que desejo muito saber a verdade, é importante estar pronto — respondi ansioso para saber o que ele iria me contar de novo. — Isso mesmo. Primeiramente, sua mãe não está morta — ele falou devagar e soltei o ar, que não percebi estar prendendo. — Tudo bem? Posso continuar? — ele perguntou antes de continuar e assenti, me lembrando de responder somente alguns minutos depois. Sentei-me no sofá da minha sala. — Pode continuar, me desculpe. — Ok, continuando, ela está internada em uma clínica em Minnesota, conversei com um dos médicos responsáveis por ela. Faz anos que ela está lá, Andreas. e tem alguém que cuida de tudo e faz visitas periódicas. Eles não podiam me revelar o nome da pessoa, mas é alguém da família que

relatou que ela sofreu ameaças e que teve grandes perdas, infelizmente os detalhes mais importantes eles não podiam falar. Estou tentando ver com a polícia de lá, mas não será fácil, só que você já deve fazer alguma ideia de quem a mantém lá. — Eu sei quem está por trás disso, vou confrontá-lo. Lucas, muito obrigado. E assim que tiver mais alguma novidade sobre isso vou entrar em contato com você. — Isso, vamos descobrir tudo, mas sinto que essas ameaças não é algo pequeno. Ela está fora do país, escondida de todos. Há muito mais motivos por trás de toda essa história. — Tem sim e não vou sossegar enquanto não souber de tudo e ter minha mãe de volta. — Sei que você quer descobrir e ver sua mãe, mas não se esqueça de ir com calma, isso pode dilacerar seu coração. Sabemos que para tudo tem uma explicação lógica, por isso te digo que, para o seu próprio bem, é melhor se preparar. — Você tem razão e não tenho nem palavras para te agradecer por tudo que vem fazendo. Conseguiu algo que o investigador não descobriu em anos. — Veja isso também, acredito que ele foi silenciado. — Vou averiguar tudo com ele e te dou um retorno, mais uma vez muito obrigado. — Gosto de trazer a verdade e justiça para as pessoas, espero que tudo dê certo e que consiga ter sua mãe de volta. — Isso significa muito, obrigado. Tenha um excelente dia, Lucas. — Ele se despediu e, assim que desligou, já procurei pelo número do meu pai e disquei rapidamente.

— Andreas, meu filho! Sabe que já iria te ligar hoje mesmo, precisamos conversar. — Sim, realmente temos que nos falar. Onde você está? — perguntei já com nervosismo presente na voz. — Estou com Antonela em uma loja do shopping, passo aí daqui uns trinta minutos. — Te aguardo então. — Desliguei, fechei os olhos e tentei me acalmar, pois saber que minha mãe estava viva era sinal de que meu pai mentiu para mim e, ainda por cima, se intrometeu nas investigações que fiz para descobrir para onde ela foi. Eu só queria respostas verdadeiras e agora ele não tinha como escapar da verdade, pois ela tardava, mas não falhava. Andei de um lado para o outro na minha sala, com os olhos cheios de lágrimas e o coração apertado, foram vinte e quatro anos sem tê-la na minha vida. Como ele tinha o direito de nos tirar isso tudo? Não consegui atender os telefonemas que a Gleice estava passando e aqueles trinta minutos foram os mais longos da minha vida. Quando o telefone tocou com Gleice me avisando de que meu pai chegou, já pedi para ela para mandá-lo entrar sozinho, não queria que Antonela estivesse presente. Esse era um assunto de família. Assim que ele entrou, estava de costas para a porta e esperei que ele soltasse seu descontentamento sobre a minha namorada, algo bem típico do meu pai. — Andreas, que bom que me procurou. Sabe que precisamos falar sobre aquela sua namorada ruiva, ela não é quem você está pensando... Virei-me rapidamente com o sangue fervendo e circulando pelo meu corpo em alta velocidade. Ele que não ouse falar dela em hipótese alguma.

— Cale a boca! — gritei nervoso, com raiva pelo que ele estava falando. — O assunto aqui não é sobre minha namorada, não quero saber sua opinião. Primeiro, que você não a conhece; e segundo, é que não tem nenhum direito. Não sou mais aquele menino de anos atrás, sou um homem que tem total capacidade de decidir o que faz da própria vida. — Andreas, por favor, você precisa me... — Não quero ouvir nada sobre isso, a única coisa que me importa aqui é saber tudo sobre o motivo da minha mãe estar internada em uma clínica de Minnesota e sobre as ameaças que ela sofreu. Eu quero saber tudo, está me entendendo? — Mas, filho, como soube disso? — perguntou surpreso por eu já estar sabendo de tudo aquilo. — Não importa, você pode comprar o silêncio do meu investigador, mas nem todos estão à venda. O que realmente aconteceu com minha mãe? — inquiri entredentes, travando o maxilar com raiva por todos aqueles anos de mentira que vivemos. Ele respirou fundo e se sentou à minha frente. — Acho que não tem como esconder mais de você já que sabe até mesmo onde ela está, não queria te envolver em tudo isso, é perigoso demais. — Posso muito bem decidir o que é ou não perigoso para mim e não pode viver mentindo para os seus filhos a vida toda, não é justo isso. — Ok, mas preciso que saiba antes de tudo que só fiz isso para proteger você e Catarina, todos corremos risco. Quando você tinha dez anos, há exatos vinte e quatro anos, sua mãe e eu estávamos vivendo um casamento muito conturbado. Ela não entendia o motivo pelo qual eu trabalhava muito, mas só queria dar uma vida melhor para vocês. Nos afastamos muito, sua mãe ficava muito sozinha. — Ele abaixou a cabeça,

parecia não estar à vontade em falar daquilo. — Ela sentia falta de alguém que a desse mais carinho, tivesse mais tempo com ela e os filhos. Concordei, já que mesmo sendo uma criança eu via isso perfeitamente e sentia a mesma falta que ela. — Então, na última semana dela conosco, descobri que ela estava tendo um caso com o pedreiro da obra ao lado da nossa casa. Surtei de raiva e a tratei muito mal e não me orgulho disso, não a deixei explicar direito assim que ela me disse que iria embora com ele, porque naquele momento fiquei cego de raiva. Foi o maior erro de toda minha vida, pois não a deixei explicar mais nada e disse que ela não ficaria mais naquela casa e por isso ela se foi. Mas não termina por aí, pois, dias depois, recebi o telefonema do homem que ela me traiu e ele estava a ameaçando e a mantendo em cativeiro. — Meu Deus! — exclamei em choque com todas aquelas informações. Eu imaginava que ela nos deixou por causa dele, claro que errou, mas isso? Não poderia realmente pensar que tivesse sido assim. — Quem é esse homem e qual foi a ameaça dele? — Ele queria dinheiro, e se não desse ele disse que mataria todos vocês: sua mãe, você e Catarina — ele falou com lágrimas nos olhos, respirou fundo. — Me senti perdido, pois eu não fiz nada para impedi-la de ir embora, não a deixei terminar de falar naquele dia e fui um estúpido com a sua mãe. Então, consegui a ajuda de um amigo da polícia e conseguimos resgatar sua mãe, mas ele passou a nos perseguir por um tempo, sumia e voltava, porém, estava sempre à espreita, fazendo ameaças a nossa família. Não estava nos planos dele entregar sua mãe a nós, mas conseguimos encontrá-la e por isso a mandei para fora. Elizabete acabou adoecendo, entrou em um estado de depressão muito grave, perdeu parte da memória devido a isso, por isso tivemos a ideia de

interná-la em uma clínica fora do país. Contudo, ainda tive que convencêlo de que não estava com ela, por isso me casei tão rápido e comprei todos que sabiam de tudo. — Quem é esse homem? — perguntei sem conter minha curiosidade e raiva. — É por isso que queria conversar sobre sua namorada, ele se chama César Barnes — quando ele terminou de falar, minha cabeça deu um giro rápido e, então, fechei meus olhos sem conseguir acreditar na coincidência. — Ele é padrasto da sua namorada, tenho medo de que ele a enviou para que possa se vingar, pode ser que ele descobriu que sua mãe ainda está viva... — Não, ela nunca faria algo assim, pois o odeia e sente medo dele por tudo que a fez passar junto com mãe dela, que morreu. Ela está devastada ainda. Você nem imagina o que Juliete passou e não a conhece direito, até mesmo medida protetiva ela tem contra ele. Não aceito que a acuse e julgue por algo que ela nem mesmo tem conhecimento. — Tem certeza disso? — Absoluta, ela me contou tudo recentemente e não quero que você se intrometa em nada, pode deixar que eu vou lidar sozinho com essa situação. — É você que sabe, depois não vem me dizer que deixei de avisar. — Não corro esse risco, agora me diga como minha mãe está? — Está em tratamento há anos, ela se recusa a cooperar e se fechou para todos. A tristeza acabou com a vida de sua mãe. Sei que tenho parte da culpa e por isso cuido dela em uma das melhores clínicas, escolhi fora do país para mantê-la segura. — Quero visitá-la, preciso disso e Catarina...

— Sei o que pensa sobre a forma que a trato, mas eu a protegi também, mas não tenho certeza se ela é minha filha e nunca tive coragem de fazer o teste de DNA. — Como você pode ser tão covarde e conseguir viver assim? — perguntei indignado por ele ter feito tudo errado. Acompanhei por todos os anos a forma como tratou a minha irmã e sempre discutimos muito por causa disso. — Me senti confuso com tudo isso, sei que não é motivo para ter agido dessa forma, mas… — ele não terminou sua frase, parecia realmente envergonhado. — Apesar de entender tudo que passou, preciso de um tempo. Mas quero que você fique o mais longe possível da minha namorada. Ela não tem culpa de nada disso, é só mais uma vítima nas mãos do psicopata César Barnes. — Será mesmo? — indagou com maldade na voz e fiquei com ainda mais raiva dele. — Sabe que você nem merece o benefício da dúvida, pai? Depois de todos os seus erros, ainda quer culpar uma mulher que sequer conhece? — Fechei os olhos e, então, me levantei e abri a porta da minha sala. — Você me faria um grande favor se puder se retirar, preciso pensar com clareza em tudo. — Tem razão, precisa mesmo refletir. Qualquer coisa pode me ligar, que estarei disposto a ajudar. — Vai ajudar muito se continuar vivendo sua vida cheia de futilidades e aparências com Antonela. — Ele me fitou ao chegar na porta com os olhos faiscando de raiva pelas minhas palavras. Assim que fechei a porta, me escorei nela e tentei achar uma lógica em tudo, tinha acabado de descobrir algo que não esperava. Com toda

certeza, nada nessa vida era ironia do destino. Andei pela sala processando todas as informações, depois de ficar um tempo parado e com a cabeça cheia, ouvi alguém bater na porta e abrir um pouco. Então vi o rosto de Benjamin. — Posso entrar? — Claro, preciso mesmo falar com alguém ou vou enlouquecer. — O que aconteceu? — indagou com preocupação na voz. — Descobri tudo sobre minha mãe. E meu pai escondeu tudo e comprou o silêncio dos investigadores que contratei todos esses anos. — Convidei-o para se sentar e contei a ele toda a história, no final revelei o nome do homem que se envolveu com minha mãe. Benjamin ficou um tempo em silêncio processando tudo, até que ele me encarou e perguntou: — Já ligou para o Lucas? Ele precisa saber do César, todos vocês estão correndo risco de vida com esse psicopata à solta. — Vou ligar agora, só estava refletindo primeiro. Acredita que meu pai teve a coragem de dizer que Juliete pode estar em um plano com o padrasto? É incrível como ele julga as pessoas tão facilmente assim, sem ao menos conhecer e saber sobre o que realmente aconteceu. — Minha nossa, Andreas! Ele não sabe o que essa garota passou? Acho que, na verdade, ele deve ter pesquisado tudo sobre o César e descoberto sobre Juliete. Mas como ele gosta de interferir na sua vida, jogou isso para confundi-lo. — É mesmo, não duvido disso, Ben. Meu pai não aprende com os erros dele. Mesmo depois de me contar tudo e admitir que errou, não vi arrependimento em seus olhos. Sei que descobrir uma traição não deve ser fácil, mas ele não pensou com clareza, não ouviu e sequer analisou todos os fatos.

— Complicado demais defender alguém assim, infelizmente, no final das contas, ele fez de tudo para não sair nada nas mídias. — Ele vive de aparências, grande ilusão e infelicidade — cheguei à conclusão rapidamente, completando o que meu amigo falou. Conversei mais um pouco com Ben e, em seguida, liguei para o Lucas detalhando tudo e ele me disse que teria que passar as informações e o caso do César Barnes para a polícia civil. Trabalhei a tarde toda pensando em tudo, à noite, quando fui buscar Juliete, não consegui esconder dela toda minha tristeza e ela percebeu assim que seus olhos me fitaram. — O que aconteceu? Você está... — ela perguntou aflita. — Só preciso que me abrace, meu amor — pedi com a voz embargada e com medo de perdê-la. Ficamos ali abraçados por um tempo indeterminado e, quando entramos no carro, ela perguntou novamente. — Quero te contar tudo, mas antes precisamos estar em um local mais seguro — falei olhando para os lados e vendo os seguranças logo atrás. Nem mesmo estando com todos aqueles homens me fazia sentir seguro. Ela concordou e fomos para o meu apartamento e, assim que chegamos, nos sentamos juntos no sofá e contei tudo detalhadamente a ela, que me fitou com os olhos arregalados. — Meu Deus! Como ele pode ter mantido sua mãe em cárcere privado e ameaçar todos vocês assim, tudo pelo dinheiro. Esse homem é mesmo um psicopata — falou com a voz temerosa e sabia que isso a deixaria com ainda mais medo. — Eu sei, meu amor. Mas já conversei com o Lucas e ele vai passar tudo para a polícia civil, ainda assim estamos correndo risco. Não

sabemos o que César pode fazer e nem quando ele vai agir, mas tudo indica que ele está à espreita. Nos abraçamos e ficamos um tempo assim pensando que loucura era essa que estávamos vivendo. Só pensava em proteger todos que amava, principalmente a minha Ariel que já sofreu tanto e ainda tinha a minha mãe que foi vítima de um homem que se aproveitou de sua fraqueza e carência. Já me deparei com casos parecidos, mas não tão complexos assim, só que nunca pensei que poderia viver isso. Quando é conosco sentimos um peso tão grande que ficamos perdidos, só que eu precisava ser forte para não deixar que ninguém fosse atingido por esse psicopata.

Depois do que Andreas havia acabado de contar sobre César ter um caso com sua mãe, fiquei alguns minutos abraçada com ele e tentando entender. Como poderia algo assim acontecer? O destino não brincava mesmo com as coincidências, algo inesperado e completamente inexplicável. Claro que não poderia esperar menos do homem que acabou com as nossas vidas e ainda estava à espreita. O medo e a aflição estavam querendo me dominar novamente e assim que Andreas sentiu meu corpo estremecer ele me abraçou mais forte e acariciou meu cabelo com carinho. — Não se preocupe, estou aqui com você e não vou te deixar. — Tem certeza de que não pensou que eu... Ele me calou fazendo encará-lo. — Nem complete essa pergunta, por favor, pois nem por um segundo pensei na hipótese de que pudesse estar junto com ele nisso. Não vou permitir que ninguém cogite essa ideia, pois é inaceitável e injusto com

você. Ninguém conhece sua história ou sabe tudo que passou e sofreu. Eu te admiro muito e vou protegê-la com tudo que puder. — Ah, Andreas! — Beijei-o de leve e me afastei para olhar em seus olhos. — Obrigada por acreditar em mim e me dar todo esse apoio, carinho e amor. — O que já te falei sobre ficar me agradecendo, Srta. Barnes? — Oh! Acredita que acabei me esquecendo? — inquiri, sorrindo de lado, e ele me encarou por um tempo e sorriu também. — Onde já se viu agradecer ao homem que a ama por estar ao seu lado? — Você existe mesmo? — perguntei a ele, ainda sem acreditar que seria possível existir no mundo um homem tão maravilhoso. — Pode pegar se quiser para ver se é de verdade, senhorita — falou em um tom sedutor e sorrindo lindamente. Coloquei a mão em seu peito e ele levantou uma sobrancelha como se estivesse questionando se seria só isso. Então passei com minhas mãos por todo o seu ombro e chegando em suas costas. — Realmente existe e é todinho meu — falei com autoridade e ele sorriu se achando demais. Nos beijamos e conversamos sobre a descoberta de que sua mãe estava viva e achei linda a forma como ele ainda a queria de volta em sua vida. — Como se sente, agora que tem certeza de que está viva? — Me sinto aliviado e feliz, mas é algo contido e ainda tenho a impressão de que estou vivendo um sonho, é estranho e bom ao mesmo tempo, faz sentido? — Claro que faz, há anos você procura por respostas e só agora descobriu a verdade. É normal que ainda esteja procurando entender o que isso significa para você.

— Verdade, estou bem ansioso para poder encontrá-la, mas por enquanto não posso trazer ela de volta, já que temos esse psicopata à espreita, sendo capaz de fazer qualquer coisa. Todo cuidado é pouco nessas situações e não quero colocar ninguém que amo em risco. — Você está certo, é melhor agir com cautela nessas situações. César é ardiloso e esperto, com toda certeza está armando algo grande e espero que não dê certo. — Também espero e não vamos dar chances a ele, mas e então, mudando de assunto, a terapia como foi? — ele me perguntou, pois tinha voltado a fazer as sessões e não tínhamos conversado sobre isso ainda. — Bom, eu gostei muito da psicoterapeuta e começamos muito bem, falamos sobre todos meus atuais medos e anseios. — Isso é excelente, espero que consiga te ajudar e, no que precisar, é claro que estou à sua disposição. — Te agradeço por isso, mas quero saber quando vai voltar às suas aulas de piano com aquele professor, qual é o nome dele mesmo? — O Sr. Beaumont? — Isso, ele mesmo, vai marcar suas aulas? — Já marquei, liguei hoje no final da tarde para ele e consegui um horário muito bom aos sábados. — Nossa, que incrível! Espero que você encontre a resposta que tanto busca. — Realmente, precisava dar esse passo e dedicar um tempo para o piano. Se quero respostas sobre isso é voltando às aulas que vou encontrar. — Verdade, você pode tudo, meu lorde. Beijamo-nos e ele me carregou para o seu quarto, tomamos banho juntos, mas antes nos amamos intensamente debaixo do chuveiro

quente. Andreas me surpreendia cada dia mais, era um lorde nos momentos certos e muito sexy e safado na cama. Uma combinação perfeita e viciante. Depois fomos para o meu apartamento e encontramos Laura em uma chamada de vídeo com Adam e foi uma zoação sem tamanho, já que ele era amigo de Andreas. Rimos alto das bobagens que ele falou, às vezes nem acreditava que Adam era mesmo um advogado, mas como já o vi em ação no escritório e no tribunal, podia dizer que parecia mesmo outro homem. Assim como Andreas, que sempre mantinha uma postura muito profissional no escritório. Nunca ultrapassamos a linha lá, pois nos mantínhamos mais longe um do outro, nos falávamos somente no horário de almoço e, quando retornávamos, mantínhamos nossa postura séria. Os dias passaram voando, tanto que Laura foi buscar Adam no aeroporto toda feliz naquele sábado enquanto eu esperava por Andreas. Ele estava em sua aula e, pelo que me contou e pude notar, estava muito empolgado e cheio de ideias maravilhosas. Como se não bastasse, ele queria ajudar crianças carentes através da música, já estava procurando outros professores para montar uma ONG. Conheci o seu professor há uns dias e, apesar de seus setenta anos, ele continuava dando aulas e abraçou a ideia de Andreas em criar a escola de música para crianças carentes e abandonadas. Claro que me dispus a ajudá-los e até perdemos a hora de tanto que conversamos naquele dia. Aproveitando que Adam estava na cidade, resolvemos comemorar juntos o aniversário de Andreas: doze de setembro era o dia do meu lorde e eu estava ansiosa. Ele foi para a aula de piano e recebi Adam,

Laura, Benjamin e Catarina. Preparamos um jantar, Catarina me ajudou na cozinha e, enquanto isso, conversamos sobre pratos que amamos. Estava ansiosa para a chegada dele, o presente que comprei era algo simples, pois via que ele tinha tudo, mas tinha todo um significado e esperava que ele gostasse muito. — Vamos ligar para Alícia em que momento mesmo? — Adam perguntou ajudando a arrumar a mesa. — Assim que Andreas chegar. — Terminei de organizar os pratos e talheres na bancada junto com os copos, deixei as taças também e já peguei as garrafas de vinho que trouxemos de São Roque. — Nossa, esses vinhos devem ser deliciosos! — ela falou e me lembrei na noite perfeita que eu e Andreas tivemos. Assenti e sorri para Catarina. — Simplesmente perfeito, não é mesmo, Juju? — Sininho indagou me deixando sem graça, ela sabia que estava me lembrando daquela noite. — Muito — arranhei a garganta, depois a fitei com raiva momentânea. — Meu Deus, essa torta está maravilhosa, será que ele vai gostar mesmo? — Laura perguntou curiosa. — Acredito que sim, ele ama recheios com frutas, as vermelhas são suas preferidas e leite Ninho, já falamos sobre isso. — Vejo que vocês já se conhecem bem, mesmo com pouco tempo de namoro. — Conversamos bastante e os primeiros assuntos foram os nossos gostos para tudo e fizemos bem, não é mesmo? — Preciso tentar fazer isso com Adam. Quando chega, ele só pensa em outras coisas, se é que me entendem — Sininho falou e rimos juntas.

— Você não começa, pois não estamos a fim de ouvir os detalhes sórdidos de seus momentos com o safado do Adam. — Sabe, Juju, você fala como se seu lorde fosse muito santo — ela não podia se conter e, antes que conseguisse responder algo, o interfone tocou e era o porteiro do prédio nos avisando que Andreas já estava subindo. Nos reunimos na sala e apagamos as luzes e deixamos somente a vela em cima da torta acesa. Escutamos o barulho da chave na porta e ele logo abriu e me aproximei. Começamos a cantar parabéns e vi a surpresa em seus olhos, então sorriu de lado não acreditando que estávamos todos ali. Claro que Benjamin havia ligado para o pai de Andreas, mas ele disse que passaria depois para dar um abraço no filho. Tenho para mim que ele andava o evitando demais, pois tentou falar com o pai sobre a mãe e o homem sequer o atendeu. Sabia o quanto isso o deixava chateado e decepcionado com o próprio pai, apesar de ele já estar acostumado com esse tratamento. Mas isso não deveria ser assim. — Você, minha Ariel, é demais — ele falou quando me coloquei à sua frente. Todos cantamos parabéns, Adam estava com o celular na mão, já que ele ficou com a tarefa de fazer a chamada de vídeo com Alícia. — Muitos anos de vida! Viva, Andreas! — finalizamos e o encarei com um sorriso. — Agora sopre a vela, meu lorde. — Ele me fitou levantando as sobrancelhas e soprou a vela, o abracei com cuidado para não deixar sua torta cair no chão e acenderam as luzes do apartamento. — Parabéns, meu lindo! Você sabe que merece tudo de mais lindo nessa vida e eu te amo muito.

— Já tenho tudo, pois você está comigo — ele respondeu. — Obrigado por essa surpresa, a propósito você está linda nesse vestido — elogiou e sorri em agradecimento. Havia comprado algo especial para me vestir. Gostava bastante de longos e aquele era lindíssimo, na cor verde-mar, estampado com pequenas flores vermelhas e brancas, com decote V na frente e em U atrás. Como naquele dia estava um pouco mais quente em São Paulo, deu muito certo. — Agora que o casal já se abraçou, chegou a minha vez de parabenizar o lorde junto com Alícia, a dama da noite que tirou uma folga só para estar aqui conosco, mesmo que seja pela tela do celular. — Andreas sorriu e os amigos trocaram abraços rápidos e tapas nas costas além de aperto de mãos. — Parabéns, meu amigo querido. — Ouvimos a voz de Alícia no telefone e os deixei à vontade. Voltei à cozinha para verificar novamente o fricassê de frango. Coloquei a torta na geladeira e desliguei o forno. Peguei a travessa e a coloquei na mesa da copa. Voltei à sala de estar e convidei todos para jantarmos, Catarina voltou e me ajudou nos últimos detalhes. Andreas abriu a garrafa de vinho e serviu a todos com seu olhar em minha direção, eu sabia que ele queria repetir a dose essa noite e sorri pensando que mal ele sabia que tinha deixado a surpresa para o final da noite, quando ficássemos sozinhos. Brindamos por mais um ano de vida do meu lorde, depois jantamos e conversamos muito, claro que Adam quis colocar uma música. Logo após sairmos da mesa, dançamos juntos, cada um com seu par, a música Rewrite the Stars, de Anne-Marie with James Arthur.

Andreas colou tanto meu corpo no seu e entramos numa bolha onde não existia mais nada, só nós dois naquela sala balançando nossos corpos lentamente de um lado para o outro. Podia ouvir o compasso do meu coração acelerado, o calor se espalhando quando sua mão tocou acima do meu quadril. — Amo seu cheiro, a cor do seu cabelo e como faz de tudo para me deixar feliz, minha Ariel. Obrigado por reunir as pessoas que mais amo. — Ele me fitou e selou nossos lábios e meu coração errou mais uma batida, tamanha emoção que senti em sua voz rouca ao me dizer aquelas palavras. Fiquei feliz por ele ter gostado da surpresa, que ainda não terminou. Depois dançamos com nossos amigos Table for 2, de Alok, e encerramos a noite comendo a torta de frutas vermelhas e leite Ninho, que estava divinamente deliciosa. Quando terminamos de nos despedir de todos e ficamos sozinhos, nos encaramos e nos abraçamos. — Obrigado, minha Ariel, por esse jantar especial. — Você merece muito mais e, na verdade, não acabamos por aqui. Ele sorriu de um jeito tão pecaminoso, que quase pulei todas as etapas. — Nossa, então vamos logo para sua surpresa, estou pronto já! Peguei sua mão e o levei para o quarto, que estava iluminado somente por velas, com pétalas de rosas espalhadas, meu perfume ainda estava presente como imaginei. Peguei o controle de som do quarto e liguei, deixei a música mais baixa, como um som ambiente. Já havia deixado um pote com frutas e taças com a garrafa de vinho. — Antes de se sentar, quero que tire toda sua roupa e fique só de cueca.

Ele me encarou com os olhos verdes-escuros em chamas e se sentou na cama e fiquei na sua frente, sem dizer nada, servimos um ao outro na boca. Nossos olhares diziam tudo o que nosso corpo desejava naquele momento, mas eu tinha um roteiro que gostaria muito de seguir. Logo depois, pedi a ele para se deitar de bruços e ele cravou seus olhos em mim com curiosidade e volúpia. — Só faça o que estou pedindo, vai chegar o seu momento. Ele fez o que pedi e deslizei minhas mãos pelas suas costas, braços, bumbum e pernas, acariciando-o. Pedi para Andreas se virar de frente e comecei pelos seus ombros, peito e abdômen fazendo movimentos de vai e vem massageando seu corpo e admirando-o. Depois tirei meu vestido e ele me fitou com os olhos brilhando. — Você estava a todo momento sem calcinha e sutiã, meu amor? — perguntou com a voz grossa, afetado pela minha total nudez, e neguei com um movimento de cabeça. — Agora, você vai me massagear. — Deitei-me e, quando senti suas mãos em meu corpo, me relaxando e me deixando toda arrepiada, e depois me deixando excitada e louca por ele, nos abraçamos e deslizamos nossas mãos pelos nossos corpos, em uma troca deliciosa e nos unimos como se fôssemos um só até chegarmos ao êxtase. Depois disso, entreguei lhe presente e, quando o abriu, me encarou impressionado. — Onde conseguiu esse disco? — Estava surpreso e mal sabia ele que, na verdade, foi muito difícil de encontrar, mas não desisti. — É um segredo, mas digo que não foi fácil achar, mas pensei no que poderia dar de presente a você, que tem tudo. — Acertou muito, Beethoven 9ª Sinfonia Choral Symphony, realmente é algo que ainda não tinha aqui na minha coleção e tem outro presente

aqui? — Ele abriu a caixa e me fitou com um sorriso lindo. — Uma xícara? Você realmente sabe me surpreender, pois é algo que nunca ganhei de ninguém, ainda mais tão linda com notas de piano e com essa alça chique com desenho das teclas. Realmente muito original e especial. Obrigado, minha Ariel! — Ele me beijou. Depois de guardarmos seus presentes, fomos nos deitar e acabamos dormindo logo após nos amarmos um pouco mais.

Passamos a manhã de domingo no apartamento de Andreas, ele estava me ajudando com o trabalho de conclusão de curso. Depois fomos almoçar na casa de Catarina com Benjamin. À tarde, decidimos dar uma volta pela cidade e ele me levou para conhecer o Solo Sagrado, que ficava no Jardim Casa Grande. Na verdade, nem parecia que estávamos dentro de São Paulo, pois era realmente encantador e diferente de tudo que já tinha conhecido na cidade. O local foi construído em 1945 para ser um protótipo do Paraíso Terrestre, deixando para a humanidade a base para a construção do Mundo Ideal. Ao todo são trezentos mil metros quadrados de jardins com paisagismo, cachoeiras artificiais, árvores e espaço para caminhada que

usufruímos e foi maravilhoso. Tudo isso às margens da Represa de Guarapiranga, uma das maiores represas da capital. É incrível como Andreas sabe bem me levar a lugares assim para poder me acalmar e respirar melhor, pois temos vivido com uma expectativa muito ruim em que o medo do que vai acontecer nos consome. Infelizmente, não tinha como saber quando César vai agir e tivemos a certeza de que ele pode estar bem perto. Já que, naquele dia em que pensei tê-lo visto no hall do prédio, as câmeras foram desligadas e a pessoa que trabalhava na segurança do prédio pediu demissão e sumiu. Isso indicava que era ele sim e a polícia também já estava ciente de todos esses detalhes. Por isso, às vezes era bom nos permitir passear um pouco e sair do apartamento, pois nossa rotina se resumia a trabalho, faculdade e um de nossos apartamentos. No meio da semana, Daiane havia retornado ao escritório com um ar de superioridade enorme. De um jeito bem estranho, ela me cumprimentou quando nos encontramos no corredor. Achei, na verdade, aquele seu comportamento bem falso, ela parecia saber de algo que não sabíamos, algo incomum para ela. Já que sempre me encarou mal, ainda assim me deu uma pilha de autos de processos para devolver no cartório. Só peguei os documentos e segui em frente com meu trabalho, se ela pensava que iria me derrubar me dando mais coisas para fazer, estava muito enganada. À noite, depois que Andreas me pegou na faculdade, ele me disse que Daiane se comportou da mesma forma com ele, estranhamente educada. Falei que estava soando mais falsa do que nota de dez e meu lorde concordou comigo, encerramos o assunto e fomos assistir a mais dois

episódios de Suits, aproveitamos mais uma noite juntos em seu apartamento, já que no dia seguinte iríamos para o meu, pois Adam voltaria ao Rio de Janeiro e a Sininho precisava de mim. Fomos dormir, depois de teorizar sobre os episódios e eu estava me sentindo muito feliz, apesar de toda aquela incerteza e insegurança pela qual nos encontrávamos.

Andreas era um homem maravilhoso e no trabalho as coisas também estavam fluindo, ignorava as pessoas que ainda me olhavam com antipatia por ser a namorada do chefe. Preferia ser superior e trabalhar cada vez mais para ser uma profissional excepcional. Isso não era para provar nada a essas pessoas e sim a mim mesma que conseguia ser forte e realizar meus sonhos sem deixar que ninguém me afetasse.

Desde que Daiane voltou ao escritório, que ela tem agido de uma forma bem dissimulada e não sei ainda o motivo, mas minha intuição me dizia que isso não era bom. Já se passou um mês, Juliete concluiu seu trabalho de conclusão de curso, fiquei feliz e orgulhoso por ela e agora já estava começando a estudar para fazer a apresentação no final do ano. Lucas me ligou recentemente e passou o contato da clínica que minha mãe estava internada, tive que solicitar ao meu pai autorização para falar com os médicos. Claro que ele fez isso a contragosto, mas já havia deixado claro para ele que não iria tolerar mais mentiras. Quando consegui falar na clínica, o médico não estava naquele horário, infelizmente ainda teria que esperar mais um pouco para realmente ver minha mãe. Catarina me ligou para confirmar nosso almoço, já que ainda não tinha contado a ela tudo que descobri. Sei que ela ficava perdida quanto a esse assunto, claro que era normal e compreensível, visto que não

conviveu com a nossa mãe. Ela era uma bebê quando ela se foi e só de pensar nisso, ficava totalmente com raiva, apesar de toda a falta que minha mãe fez em todos esses anos. Quando ela se foi, depois da tristeza, vieram a raiva e a decepção, pois nos deixou literalmente sozinhos, sem amor, carinho e valores. Pois meu pai, como ele mesmo disse, faltou com tudo isso comigo e com Catarina. Ainda teria que ser totalmente sincero com minha irmã, pois foi algo que prometi a ela assim que fez seus quinze anos. Apesar de ficar com o pé atrás nisso, consegui não esconder quase nada dela, só tentava protegê-la da forma que meu pai sempre a tratou. Agora, conseguia entender o motivo que para mim não era justificável, mais um erro dele. Juliete e eu até conversamos sobre isso e ela disse que as pessoas fazem suas próprias convicções serem verdades absolutas e não conseguem enxergar como erram em atitudes e gestos. Mas nunca é tarde demais para quem realmente consegue entender e quer muito mudar. Esse ainda não era o caso do meu pai, mas esperava que um dia fosse. Saí para almoçar com Catarina, enquanto Juliete foi com sua amiga Laura e Gleice, elas agora estavam bem próximas e gostava muito de ver que, pelo menos, alguém naquele escritório não a tratava com indiferença. Infelizmente, não dava para fazer nada, era a consciência de cada um conter seus maus julgamentos e serem mais empáticos uns com os outros. Mas o mundo está cada vez mais extremista, cada um se fecha no que pensa e as pessoas não têm respeito e um entende o outro. Nós dois, como casal, respeitamos totalmente o ambiente profissional, desde o momento que pisamos no andar da Scolari&Antúnez que evitamos ser um casal. Sabemos muito bem separar nossa relação e

o profissional e Juliete mostrava a cada dia o quanto era madura em relação a isso. Encontrei-me com Catarina no restaurante, ela escolheu um lugar mais reservado e já estava me esperando, conferi no relógio e vi que ainda estava adiantado, não gostava de me atrasar. — Olá! Chegou mais cedo! — falei e ela se levantou para me abraçar. — Sim, fui visitar uma reforma aqui perto, mas como vai o lorde mais apaixonado do momento? — Vou muito bem, apesar de tudo e você? — Estou bem, só ainda incomodada com os seguranças. Por que temos que ficar andando assim? — Infelizmente estamos enfrentando um momento de muita insegurança em que todos podem estar correndo riscos. Sei que Benjamin já deve ter te falado sobre essa questão, mas não entrou nos detalhes. — Sim, vamos pedir primeiro e, enquanto esperamos, você me fala tudo. Concordei e chamei o garçom, fizemos nossos pedidos e assim que ele saiu respirei fundo para contar a ela toda a história. — Olha, Catarina, preciso te falar a verdade, pois desde que fez quinze anos prometi ser sincero com você e, por mais que queira te proteger, sei que é forte e vai enfrentar tudo, na verdade sempre estarei ao seu lado. — Sei disso, você sempre foi mais que um irmão para mim, foi o pai e a mãe que não tive e, por mais estivéssemos sempre juntos, sei que sentiu falta de ter uma referência de amor. — Você me entende perfeitamente e agradeço todo seu amor e paciência que teve comigo. Já faz alguns dias que descobri que nossa mãe

está viva e sei que você nutre um ressentimento devido a isso, principalmente pela forma que aquele que se diz nosso pai sempre te tratou. Ela me encarou surpresa e ficamos alguns minutos em silêncio, o garçom serviu os sucos naturais que pedimos e esperei que ela falasse ou perguntasse primeiro. — Como você descobriu? — Ela me fitou novamente. — Adam se lembrou de um amigo policial federal no Rio de Janeiro, ele o contatou e nos apresentou, por isso fiz aquela viagem repentina. Me desculpe por não ter te falado antes, mas realmente tive que conversar com o Sr. Eduardo Scolari também. Já que, com isso, descobri que ele mentiu por todos esses anos. — Como assim? O que aconteceu? Ela não nos deixou? — Ela foi ameaçada, sei que também foi consequência das escolhas dela, mas se envolveu com um homem, teve caso com ele e nosso pai descobriu. Infelizmente, eles brigaram muito e ele não a deixou terminar de falar e ela acabou indo embora para que nada acontecesse. O homem, que é um psicopata, a manteve presa e pediu um dinheiro alto para o nosso pai, que contatou a polícia e pediu ajuda. Ele tinha contatos que conseguiram auxiliar no resgate dela. Sendo assim, mandou nossa mãe para fora do país e, devido a tudo que ela passou, entrou em depressão forte e perdeu a memória. Está internada em uma clínica em Minnesota. — Meu Deus! Sabe que me sinto em uma dessas histórias de novela ou filme. É inacreditável pensar que existem pessoas tão más assim perto da gente. — Por isso, toda a segurança e porque esse homem é o padrasto da Juliete, que maltratava a ela e sua mãe, que já faleceu devido a um tumor no cérebro, e acredito que ele colaborou com isso também. Ele está à

espreita e tenho para mim que o alvo é Juliete. Infelizmente, ela vem sendo muito forte, mas o medo a deixa perdida — tive de encerrar o assunto, pois o garçom chegou com nossos pratos, esperamos ele sair e continuamos nossa conversa. — Quando pensei que não podia piorar, você me contou isso. Como ela está? Sabe que gosto muito dela, é tão jovem, mas tão madura e responsável. — Ela está bem, voltou a fazer terapia com uma profissional, não faz ideia do quanto isso a assusta. Estou fazendo o meu melhor para mantêla segura e ainda assim não me mostrar um verdadeiro homem protetor, mas estou preocupado. — Imagino, realmente precisamos organizar nossas agendas para termos mais tempo para nos falar, você precisa de mim e quero muito que possa contar comigo. — Eu sei, ainda não falei tudo a você e nem sei se devo, mas sinto que esse outro assunto deveria ser nosso pai a conversar com você, mas ele precisa estar pronto. — Lembrei-me da covardia dele, claro que ele tinha medo da verdade, mas precisava enfrentar. — Bom, quero que ele venha conversar comigo, se for o que estou pensando. Sou esperta e já liguei os fatos, nem precisou você me dizer nada. Agora, vamos comer antes que esfrie e estou faminta — ela falou e sorriu de lado sem graça, sabia que aquele assunto mexeria com ela. Catarina sempre soube mascarar suas emoções, apesar de nem sempre conseguir, pelo menos comigo não. A conheço desde que nasceu e praticamente a criei junto com Rosa e sabia tudo sobre minha irmã. Mudamos de assunto enquanto almoçamos, falamos sobre a minha volta às aulas de piano, sobre todos os meus planos para projetos sociais envolvendo a música. Claro que ela ficou encantada e, antes de nos

despedirmos, ela me disse: “Viva seu sonho, o torne realidade, nunca é tarde para nos realizar”. Fui embora com aquela frase em minha mente, trabalhei pelo resto da tarde ainda pensando nisso. Recebi uma mensagem de Juliete avisando que ela passaria em meu apartamento antes de ir para a faculdade, pois deixou um trabalho lá. Depois disso, falei com Alícia no celular e ela já estava planejando todo meu casamento com Juliete. Claro que exagerada como só ela, já deve até ter começado a orçar algumas coisas. Ela me confessou que fez uma pasta no aplicativo Pinterest com o nome Casamento Lorde e Ariel. Falei com ela para ir com calma, pois estávamos vivendo um momento de insegurança enorme e Juliete ainda estava com medo. Queria fazer isso somente quando aquele psicopata estivesse na cadeia. Benjamin entrou em minha sala para discutirmos sobre as planilhas financeiras da Scolari&Antúnez, mas ele deixou os relatórios em minha mesa e acabamos falando de outros processos. Respondi mensagem da Juliete, confirmando que iria buscá-la na faculdade depois da aula, ela estava satisfeita com a nota de sua última prova, tanto que a parabenizei. Trabalhei duas horas a mais naquele dia, mas antes de sair recebi o telefonema de um dos seguranças me dizendo que meu apartamento foi revirado. Eles estavam procurando nas câmeras e com os porteiros para saber quem subiu, mas houve algum erro. Falei que já estava saindo e que chegaria o mais rápido que conseguisse e, quando desliguei a ligação, joguei o celular no sofá e sem controle esmurrei a parede de frente a ele tomado pela raiva. Aquele homem não irá encostar em nenhum um fio de cabelo da minha Ariel, eu não irei permitir que ele faça. Temos que conseguir pegá-lo antes

que ele chegue até ela e fico louco só de pensar no que pode fazer a minha Ariel. Dirigi aflito pelas ruas de São Paulo, o trânsito estava ainda mais caótico, mas eu precisava vê-la e saber que estava bem. Quarenta minutos depois consegui chegar em meu prédio e corri para o elevador, os seguranças já estavam no corredor. Assim que entrei vi tudo virado e algumas coisas quebradas, mas o que mais me chamou a atenção foi a imagem de Juliete encolhida no sofá em posição fetal. Aquilo me devastou, o sangue correu solto e a minha raiva cresceu ainda mais por um homem que sequer conhecia. Infelizmente, os seguranças só disseram que tentaram acalmá-la e ela pediu para se afastarem, com certeza ela se lembrou de algo daquele passado horroroso e se sentiu com medo de alguém a tocar. A polícia também estava presente junto com meus seguranças e não consegui raciocinar enquanto não peguei Juliete no colo e a levei para o quarto. — Meu amor, eu estou aqui e não vou te deixar. — Ela sequer me olhou, continuou com os olhos molhados e fechados, o nariz e o rosto vermelhos. O corpo ainda estava com leves tremores, me dando a certeza de que ela teve uma crise. Deitei-a na cama e comecei a sussurrar palavras de amor e conforto para ela, mas continuou em silêncio. Não sei por quanto tempo fiquei abraçado com ela ali na cama, deixei todos lá esperando, mas não importava, só queria poder arrancar todo esse medo e sofrimento dela. Juliete acabou adormecendo e saí do quarto para conversar no corredor de frente do quarto com a polícia e um dos meus seguranças. Eles me disseram que não conseguiram nenhuma digital, mas que já expediram um mandado de busca para César Barnes. Eles disseram que o

suposto invasor entrou com o crachá de alguns dos funcionários do prédio e que iriam interrogar todos eles. Só que devido às ameaças e todo o histórico, tinha certeza de que era ele que entrou no meu apartamento que ficava na cobertura. Alguém deve ter visto esse homem, não é possível que ele ande por aí e ninguém consegue pegá-lo. A polícia e os seguranças saíram depois de um tempo, foram colher depoimento de quem ainda estava em expediente no prédio. Deitei-me ao lado de Juliette, a coloquei junto do meu peito e beijei o topo de sua cabeça com carinho. Sentia que poderia enlouquecer com a simples suposição de a perder, isso não poderia acontecer. Vou reforçar a segurança e teremos que restringir nossos passos, já vi que esse homem não está de brincadeira e fará de tudo para conseguir o que tanto deseja.

Quando entrei no apartamento e vi tudo quebrado e revirado, meu coração congelou assim como meu corpo, fiquei parada enquanto minha mente voltava a alguns anos. Eu havia chegado da aula e a casa estava uma confusão: quadros no chão, vários cacos de vidros espalhados pelo chão. Tentando entender o que havia acontecido, fiquei um tempo parada só observando tudo. Então lembrei-me da minha mãe, o silêncio era ensurdecedor e entrei correndo em seu quarto, o último do corredor e a vi sentada no chão em um canto ao lado do guarda-roupa, ela estava olhando para a janela, o olhar parado e vidrado, fiquei com medo e corri para sacudi-la gritando. Então ela me fitou com os olhos roxos e hematomas por todo seu corpo, seu vestido todo rasgado e o nariz sangrando. — Me perdoe, minha filha. Me perdoa, filha, me perdoa, me perdoa — ela dizia enquanto chorava inconscientemente.

Consegui ajudar a levantá-la e a levar até o banheiro, que não sei por qual milagre estava inteiro. Tirei as roupas de seu corpo e lhe dei banho, cuidei dela como se fosse uma criança, ela ficou congelada e não me disse mais nada. Ele tinha passado de todos os limites, aquele homem não conhecia limites e aquilo me deixava cada vez mais preocupada. Levei minha mãe para o meu quarto e a coloquei deitada em minha cama, antes dei um analgésico para a dor e ela adormeceu pedindo perdão. Acabei adormecendo ao lado dela observando seu rosto tomado por marcas que partiam meu coração e faziam meu corpo estremecer. Acordei com a porta do meu quarto sendo arrombada, já que antes de entrar com minha mãe a tranquei, levei um susto e pulei da cama. Assim como minha mãe, gemendo de dor. Ele sequer teve consideração, em seus olhos vermelhos e com a pupila dilatada, percebi que ele tinha ido para o bar beber todas. — Você e a cadela da sua mãe, já disse que ninguém tranca a porta dos quartos e você se acha no direito de fazer isso? — Ele me encarou e então senti o peso da sua mão atingir meu rosto queimando e me fazendo ficar tonta por um segundo, mas consegui me manter em pé, respirei fundo com o meu corpo começando a dar sinais estranhos. O suor em minha testa, o tremor e o sufocamento, de repente o quarto se fechou e não consegui respirar. — Srta. Barnes... — Escutei ao longe, até que abri meus olhos e senti alguém me sacudir pelo ombro. — Não me toque. — Virei-me batendo no homem à minha frente e, então, me dei conta de que estava no apartamento de Andreas e ele estava todo revirado. — Não encoste em mim, me deixe aqui! — gritei

sem controle, tentando manter a calma, trabalhei a respiração, mas quando me vi já estava encolhida no sofá em posição fetal. Acordei e vi que estava em meu quarto no apartamento de Laura, me espreguicei e gemi um pouco, Andreas se mexeu ao meu lado e acordou. — Meu amor, você já acordou, está tudo bem? — Ele me fitou com os olhos meio abertos. — Estou bem, não lembro de termos vindo... Ele me calou com um selinho e então acariciou meu rosto com carinho. — Sim, te dei o remédio que deixou na sua bolsa, que a psicoterapeuta te receitou, e você adormeceu. Lembra-se de algo? — ele me perguntou devagar me estudando com seus olhos verdes, que pareciam cansados e me lembro de ter chegado no apartamento dele e ter visto tudo quebrado e então tive uma crise terrível. — Me lembro sim, mas o que aconteceu com seu apartamento, aquilo foi minha culpa, me desculpe, Andreas — comecei a falar sem parar e ele me abraçou forte. — Não, nada foi culpa sua, por favor não faça isso. Ainda não temos provas, mas achamos que foi ele mesmo. — Foi ele sim que fez isso sabendo que iria me atingir, pois tive a crise porque ele fez o mesmo com a nossa casa em Holambra e com minha mãe. Adormecemos juntas e acordei com ele derrubando a porta do meu quarto que eu havia deixado trancada. — Andreas levantou a cabeça e fechou os olhos, fechou os punhos e parecia estar se controlando. — Meu Deus, como pode esse homem fazer tudo de propósito, para te machucar e deixá-la assim? — Ele me abraçou e beijou o meu pescoço. — Não vou permitir que ele encoste mais em você, sempre vou te proteger,

minha Ariel. — Ficamos um tempo ainda na cama conversando, ele falou que não dormiu e ficou me observando e cada movimento no apartamento. O que o medo fazia com a gente? Nem podíamos dormir mais em paz, mesmo com toda segurança. César era inteligente, mas usava tudo para destruir a vida das pessoas, deixando-as loucas de medo e aflição. Passei a temer pela vida de Andreas, Catarina e todos os outros, ninguém estava livre de suas maldades. Estávamos todos enrolados e presos em sua teia doentia, ele construía a insegurança, para então atacar. Andreas e eu tomamos café com a Sininho, que já havia deixado tudo preparado. Ela me abraçou assim que me viu, me perguntou mais de cinco vezes se estava bem. Liguei para a minha psicoterapeuta e consegui uma horinha com ela, depois do que aconteceu precisava com toda certeza falar mais sobre tudo aquilo. Tomamos café e Andreas me levou na clínica, na verdade ele desceu e entrou comigo e um segurança atrás, perto do carro havia mais dois seguranças. Assim começamos a andar ainda mais escoltados e, quando saí da sala da minha terapeuta, Andreas estava lá me esperando com o olhar preocupado. Dei um sorriso mais contido no intuito de dizer que estava tudo bem e saímos do prédio, ele me deixou processar a consulta e disse que mais tarde conversaríamos sobre este assunto. Depois fomos para o escritório, Andreas queria me dar um repouso, mas trabalhar fazia muito bem para mim e foi o que a terapeuta disse. Que seria bom fazer algo que me distraísse de todo aquele acontecimento, para me acalmar. Claro que falamos sobre o gatilho e ela disse que iremos trabalhar mais nisso. No final do expediente, como tinha de esperar Andreas para me levar na faculdade, fiquei na biblioteca do escritório e resolvi acrescentar algo

em meu trabalho de conclusão de curso. Sentia-me ansiosa para apresentar, aquele tema envolvia a violência doméstica em seu âmbito físico, psicológico e emocional. Meu lorde havia me ajudado muito, já que escolhi aquele tema como um desafio não só no profissional, mas também pessoal. Gostaria muito de ajudar todas as mulheres que passavam por isso em suas casas e claro seus filhos que também desenvolviam o medo e isso os atrapalhava a se tornarem adultos. Pois, de uma forma ou de outra, isso afetava nossas relações, confiança e até mesmo a fé no próximo. Quando ele me pegou pela mão depois que saímos do elevador, me senti segura estando ao seu lado. Teria que enfrentar esse medo de vez. Tendo um homem como ele ao meu lado conseguia, não só por ele, mas por mim mesma, como a terapeuta me disse. Ela me explicou que era normal ter dúvida do caráter e sinceridade de um homem, já que convivi com um que só maltratou a minha mãe e a mim. Entramos no carro e Andreas colocou uma de suas músicas clássicas para tocar, ele me explicou que era de um pianista que admirava muito: Alexis Ffrench. Os toques ora suaves e ora mais intensos realmente nos faziam viajar e aquela canção me levava para um cenário com uma história de época, tipo Outlander que amava demais. Apreciamos a música, Andreas pegou minha mão e entrelaçou nossos dedos, depois a levou até sua boca e beijou. Quando cheguei à faculdade, ele e o segurança me levaram até onde podiam, então entrei na sala de aula junto com a professora. A aula começou e não parei de anotar e participar, aquela era a forma que encontrei de não deixar os pensamentos ruins me tomarem. Então, depois de vinte minutos de aula, percebi que tinha esquecido minha

garrafinha de água, então pedi licença e saí para comprar uma na lanchonete na praça de alimentação. Andando sozinha pelos corredores ainda cheios de pessoas, não pude deixar de sentir um calafrio perpassar meu corpo, comprei minha água e, quando estava voltando para a aula, senti que estava sendo seguida, olhei para trás e não vi nenhum rosto conhecido. Entrei rapidamente na sala de aula e me sentei já abrindo a garrafinha de água, pois meu coração acelerou e minha respiração se alterou. Tentei me acalmar e voltei a prestar atenção na aula, que seguiu mais tranquila. Quando terminou, antes de seguir o caminho até o portão de saída por onde tinha costume de sair, passei no banheiro já que havia bebido muita água. Saí e, quando estava no caminho rumo ao portão, senti uma mão em minha cintura. Quando me virei para trás levei um susto ao ver de César, que estava com um capuz e boné. Ele se aproximou do meu ouvido e falou com a voz mais rouca do que me lembrava: — Fique quietinha ou vou sair atirando em todas as pessoas aqui nesse lugar. Pensou que estava livre de mim, sua vagabunda?! — Aproximou-se mais me fazendo sentir que ele estava armado. Entrei em pânico e o medo do que ele poderia fazer ali foi maior que tudo. — E disfarça esse semblante, não quero que ninguém nos pare. — Ele foi na direção contrária e assim saímos pelo portão do outro lado que dava em outra rua. Um carro preto dos vidros escuros nos aguardava próximo à calçada. Quando entramos, ele cobriu meu rosto com um capuz e foi aí que senti meu corpo inteiro estremecer e minha visão ficar turva, tive dificuldade para respirar e me debati até me deixar ser levada pela escuridão, pois não podia mais fazer nada. Deixei que aquele silêncio tomasse conta, quem sabe assim teria um segundo de paz.

Fiquei esperando a aula de Juliete terminar e falei com Lucas ao telefone enquanto isso, ele disse que, na verdade, César Barnes tinha outros mandados de prisão também por violência doméstica. Ele continuava agindo de forma violenta com as mulheres com quem se relacionava. Quando olhei no relógio já tinha passado da hora de Juliete ter saído, vi alguns alunos saindo pelo portão e fiquei instantaneamente preocupado. Liguei em seu celular e deu que estava desligado, caiu direto na caixa postal. Estranhei aquilo e já pedi ao porteiro para me deixar entrar, andei pelos corredores da faculdade e não a encontrei, fui até a secretaria e perguntei da sala do curso de Direito. Corri até a sala de aula, que já estava vazia e nem sinal de Juliete. Entrei em desespero total, liguei para os seguranças e pedi para darem uma varrida no local e nada de encontrarem a minha Ariel. — Meu Deus do céu! O que vou fazer? — perguntei para um dos seguranças. — Ligue para a polícia. Como ele pode ter levado ela daqui?

É minha culpa, não podia ter deixado ela vir hoje na faculdade, deveria ter esperado por ela aqui dentro! Que porra! — Soquei a parede mais próxima dominado por um estado de fúria, raiva e loucura. Se eu a perder, o que vou fazer? Isso não pode estar acontecendo. O desespero tomou conta e naquele momento eu precisava, além de tudo, me acalmar. Esperamos a polícia chegar, enquanto isso liguei para Benjamin, que disse que em breve chegaria e pensei realmente que estava vivendo em algum desses filmes de crime. Mas, ao invés de assistir aos personagens sofrendo, era eu que estava ali sendo tomado por um sentimento intenso de desolação e preocupação. O desespero consumia rapidinho tudo dentro de você e eu poderia até mesmo fazer algo que nunca faria para tirar minha Juliete das mãos daquele psicopata. A cada segundo que pensava que ele estava com ela, meu sangue fervia de raiva, fechei minhas mãos procurando outra parede para socar, mas Benjamin chegou e tentou me acalmar, e com ele Catarina também. — O que você está fazendo aqui? Não precisava... Ela me interrompeu e me abraçou, o que eu sentia era só desolação e raiva. — Shhh... Você sabe que nunca iria te abandonar nesse momento. A polícia chegou e nos interrompeu, ela me deu a mão e não saiu do meu lado. Senti-me um pouco melhor tendo as duas pessoas que sempre estavam comigo me dando apoio e força para não surtar e sair quebrando tudo de raiva. Falei com os policiais e eles disseram que o sequestrador poderia tentar entrar em contato, que era para gente ficar atento. Na verdade, aquela noite não pregaria meus olhos, só conseguiria dormir com minha Ariel ao meu lado.

— O melhor que você pode fazer no momento é ir para casa, descansar e aguardar. Assim que ele entrar em contato vamos elaborar um plano de resgate. — Como posso descansar sabendo que a mulher da minha vida está nas mãos de um psicopata que bateu nela e na mãe a vida delas toda? — Entendemos sua situação, mas já alertamos até mesmo a polícia no aeroporto e enviamos fotos dos dois para todos. Colocamos policiais nas estradas, a busca não vai parar, mas podemos esperar o contato dele, tenha paciência que vamos conseguir trazê-la de volta para você. — Tudo bem, agradecemos por tudo — Benjamin respondeu e saímos de dentro da faculdade. Fomos para o meu apartamento e, quando chegamos lá, nem banho consegui tomar, pois não conseguia me desligar. Andei de um lado para o outro com o celular na mão esperando um sinal. Adam me ligou, pois Ben o avisou e ele disse que entraria no próximo voo que já havia comprado e que de manhã ele já estaria comigo. Alícia me ligou também muito preocupada e disse que qualquer coisa ela correria para São Paulo, acabei a tranquilizando. Liguei para Laura, amiga da Juliete, que já chegou e me abraçou. Catarina a abraçou também e Benjamin trouxe água, enquanto tentamos acalmá-la, estava tão desesperada quanto eu, pois as duas eram como irmãs. Sabia muito bem o que ela estava sentindo, pois se algo acontecesse com Catarina eu ficaria desse mesmo jeito. Durante toda a noite tomei cafés descafeinados, não consegui relaxar e nem Laura, Catarina acabou dormindo um pouco no quarto de hóspedes. Benjamin ficou ao meu lado na sala, sentados no sofá não tirei os olhos do celular, esperando uma mensagem ou ligação.

Minha mente só conseguia pensar em como Juliete estaria, com certeza teve alguma crise de pânico, o maior medo dela era estar frente a frente com aquele psicopata. Nem sei do que seria capaz se ela voltasse com um arranhão sequer, ficava louco só de pensar. Levantei-me do sofá e andei de um lado ao outro, ainda mais nervoso e com raiva, fiquei me culpando por ter acontecido algo desse tipo. Contratei muitos seguranças, fiquei me indagando e pensando. Ben viu que eu estava com a cabeça fervendo e tentou me acalmar conversando sobre outros assuntos. Quando já eram oito horas da manhã, meu celular apitou e recebi uma mensagem de um número confidencial, direto e simples assim: “Consegui pegar seu bem mais precioso, a ruiva que também é minha. Mas, como sou muito bonzinho, te dou até oito horas e nenhum minuto a mais para me trazer um milhão de reais e levarei sua donzela de volta. Vá sozinho e, se caso eu vir algum sinal de polícia, ela vai sumir do mapa ou desse mundo. César Barnes.” Terminei de ler, pois da sua assinatura tinha um número e endereço, teria que enviar a mensagem com um “Ok”. Benjamin já havia ligado para a polícia e combinamos que faríamos tudo no apartamento de Catarina, já que ele poderia de alguma forma ter colocado uma câmera e escutamos no meu apartamento. Consegui tomar um banho, sentindo falta de ter Juliete ali comigo, ela fazia parte dos meus dias e criamos uma rotina para nós dois que confesso amava. Saímos quinze minutos depois, seguimos para o apartamento de Catarina, assim que chegamos a polícia já nos aguardava. O policial que

falei na noite passada e estava cuidando daquele caso, sentou-se na mesa e mostrei a ele a mensagem e exigências de César. Agora tínhamos certeza de que era ele, o policial disse que, com toda certeza, ele tinha ajuda. — Vamos fazer o seguinte, o plano é evitar que ele saiba da nossa presença no local, mas estaremos lá, vamos desligar as sirenes e você realmente vai chegar sozinho e agir como se fosse fazer o resgate de Juliete. Vamos preparar o dinheiro e, assim que estiver pronto, vamos seguir em frente. — Tenho que me controlar para não encher aquele embuste de pancada quando o vir na minha frente. — Com toda certeza precisa se controlar e agir de forma bem colaborativa com ele, precisa convencê-lo de que está fazendo do jeito que mandou na mensagem e o resto pode deixar que vamos fazer. Temos de agir com cautela, qualquer deslize a vida da Juliete está em jogo, assim como a sua, que vai estar lá também. Tem certeza de que vai conseguir fazer isso? — ele me perguntou e assenti. — Estou mais do que preparado, tudo que mais quero é trazer Juliete de volta sã e salva. — Ótimo, então vamos prosseguir com o plano, só vou fazer umas ligações e providenciar o dinheiro. Não se preocupe que vamos conseguir trazê-la de volta. — O policial apertou minha mão e depois fez algumas ligações. — Como é seu nome? Me desculpe, mas estou bem nervoso e não prestei atenção, isso não é típico de acontecer comigo, mas acabou fugindo do meu controle. — Não se preocupe, sei que essas situações nos deixam imersos e acabamos não enxergando bem tudo ao nosso redor. Sou o delegado

Mendes e farei de tudo para que essa operação de resgate seja um sucesso. Falamos com o Lucas Matarazzo, da Polícia Federal do Rio, e nos inteiramos sobre esse César Barnes. Até mesmo em Minas Gerais ele está sendo procurado, queremos muito pegá-lo para acabar com esse ciclo terrível de vítimas femininas das mãos dele. — Claro, falei com Lucas, um amigo o indicou para investigar sobre a verdadeira história da minha mãe, ela ainda está fora do país e em tratamento. — Nem posso imaginar tudo que passaram e ainda mais isso. Como entender o destino, não é mesmo? Concordei com ele e, em mais alguns minutos, começamos a nos organizar. Nesse tempo, Adam chegou e ficou com Laura junto com Benjamin e Catarina. Enviei a mensagem do sinal para César, a polícia tentou rastrear, mas não conseguiram nenhum sinal, claro que ele deve ter usado telefones descartáveis além dos números confidenciais. Saímos em vários carros, claro que eu estava sozinho, já que o combinado era chegar sozinho no local que ele marcou. O bairro era bem afastado da cidade, um terreno baldio e cheio de mato com alguns barracões no fundo. Vi um carro preto de vidros escuros parado ao fundo da área, aproximei-me um pouco sabendo que a polícia estava atrás de todo aquele mato. Com o coração acelerado e nervoso, peguei a maleta de dinheiro e saí do carro sentindo-me forte de repente. Observei mais um pouco o carro preto e me aproximei como um sinal para que fizesse o mesmo, gostaria de acabar com aquilo logo. Então o vi descendo e abrindo a porta de trás do carro e saiu puxando Juliete, que estava amordaçada e com as mãos amarradas.

Tentei controlar minha raiva e a vontade de acabar com aquele homem, que a trouxe até ficarmos frente a frente. Desviei o olhar dele indo de encontro a Juliete, que estava com olheiras abaixo dos olhos e a expressão cansada e o corpo estava um pouco mole. Além disso, pude ver o medo dentro de seus olhos, que estavam vermelhos. Ela deve ter ficado tão desesperada. — Aqui está essa vagabunda, pode me passar essa maleta aqui. — Fechei minhas mãos em punho e novamente me controlei para não dar um soco no meio da cara desse ser deplorável, mas sabia o que ia acontecer com ele. Por isso, entreguei a maleta de dinheiro e corri para pegar Juliete, saindo da mira do tiro que acabou de ser disparado em César. Ele caiu no chão e começou a gritar de dor, vi o carro preto sendo ligado e, então, a polícia cercou tudo. O mais estranho era que vendo melhor o motorista no carro era uma mulher loira. Os policiais gritaram mandando eles saírem do veículo. Quando saíram, não acreditei no que vi, a própria Daiane e Henrique.

Quando acordei e olhei ao redor, percebi que não era um pesadelo e sim realidade aquilo que estava vivendo. Ele conseguiu me pegar na faculdade, eu estava amarrada em uma cadeira e amordaçada, sentia sede e fome. Não sabia que horas eram, só havia basculantes naquele galpão vazio e sujo, vi que já estava de dia. Tentei gritar e tirar as cordas que me prendiam, mas não consegui, caí da cadeira e escutei a enorme porta se abrindo. — Ora, ora, quem acordou, a princesa adormecida. — A cada passo que César dava em minha direção podia sentir meu corpo inteiro em calafrios de medo do que ele podia fazer comigo. Quando levantou as duas mãos, fechei meus olhos, pois sabia que o tapa era certo. Mas então escutei palmas, o barulho de saltos e a risada de uma mulher, seu perfume importado invadiu o local e ele não me era estranho. Quando abri meus olhos e vi quem era, fiquei surpresa e pensando como ela conhecia César e se juntou a ele, pois era Daiane

Scolari que estava a minha frente e lá na porta escorado, Henrique Avelar. — Muito bem, olha só quem está de mãos atadas agora. — Sua voz ecoou pelo galpão como um veneno e ela sorriu de lado, sua boca colorida com um batom vermelho vivo, que destacava bem sua pele branca, estava perfeitamente maquiada e com uma roupa de couro preta, se aproximou e pegou uma mecha do meu cabelo. Forçando-me a encarála, ela puxou com força — Está com medo, Pequena Sereia? — o tom debochado com que ela pronunciou me deixou com raiva. Ela estava se vingando porque ele me escolheu e não a ela? Como pode a mente de uma pessoa querer fazer algo contra alguém que não pode ir contra os seus sentimentos e pelo que o destino já havia preparado para ela? Com toda certeza, a cobiça e a inveja falavam mais alto. — Pare com isso, não quero que essa cadelinha tenha nenhum arranhão feito por você, Daiane. Tire suas mãos dela, se alguém tiver que bater, sou eu — César falou e então o fitei. Sua barba estava cheia e com isso, se não o conhecesse bem, nem poderia dizer que era ele mesmo. Só se olhasse de costas, então aquele dia no hall do prédio era ele mesmo. Como não conseguia falar, só os encarei com raiva nos olhos e naquele momento busquei forças dentro de mim e não chorei. A coragem surgia no momento mais inesperado, mesmo estando naquela situação. Trabalhei minha respiração e direcionei meus pensamentos no que mais me importava: Andreas e seu amor. — Vocês disseram que não fariam nada a ela, só a usaríamos para obter o dinheiro, então sosseguem. — Ouvi Henrique dizer e eles se viraram e saíram. — Mas é melhor apagá-la um pouco — ele falou e se virou para mim de repente.

— Não. — César o empurrou. — Deixe-a acordada, quero que ela sinta um pouco de medo. Ela tem problemas com isso, não é mesmo, cadelinha da mamãe? — ele escarneceu me fitando. Naquele momento, ao invés de desmoronar, o encarei de volta seriamente, com a raiva eclodindo pelo meu corpo e me deixando com a respiração acelerada. César soltou uma risada horrorosa que eu sabia que era para me deixar assustada, como ele fazia antigamente, pois tinha conhecimento do quanto eu tinha medo dele. Mas naquele momento, ao invés de deixar as lágrimas e o medo me atingirem com toda força, me controlei e continuei o seguindo com o olhar firme em minha decisão de ser corajosa. Pensei tanto que meu estômago começou a roncar alto, estava com muita fome e sede. Meu corpo amoleceu rapidamente, minha pressão deve ter caído e acabei me sentindo tonta, então a escuridão me tomou novamente. Não sei por quanto tempo fiquei desacordada, mas o suficiente para estarmos parados em um terreno baldio e com muito mato ao redor. Escutei um carro chegando e, depois de uns segundos, César desceu do carro e abriu a porta de trás e me puxou com agressividade, então vi Andreas a uma distância de nós. O monstro saiu me puxando como uma coisa qualquer. Quando nos aproximamos dele, vi que ele estava com uma maleta que presumia ser do dinheiro que César pediu, é claro que faria isso. Fez o mesmo com a mãe de Andreas, mas o Eduardo havia conseguido resgatá-la. Quando ficamos próximos, fitei Andreas querendo mais que tudo sentir seu corpo junto do meu. Apesar de tudo, naquele momento morri de medo de César fazer algo com Andreas. Sabia perfeitamente do que

ele era capaz de fazer e nunca conseguiria entender como sua mente doentia e maquiavélica funcionava. — Aqui está essa vagabunda, pode me passar essa maleta aqui. Vi Andreas fechar as mãos em punho e ele parecia estar se controlando muito, podia ver a raiva em seus olhos ao fitar César. Ele entregou a maleta sem dizer nada e correu para me abraçar, então ouvi um tiro. Assustei-me, mas Andreas continuava a me segurar forte contra seu peito e, quando olhei para o lado, o monstro estava caído no chão gritando alto de dor. Então a polícia cercou todo o terreno, bloqueando as saídas. Os policiais desceram e mandaram saírem do veículo, Andreas assistiu a tudo, pude ver que ele ficou surpreso quando viu Daiane e Henrique saindo do carro com as mãos para cima. — Daiane e Henrique? — Andreas perguntou surpreso, mas me observando e tocando. Ele viu que estava com as mãos amarradas e desfez o nó da corda e a tirou. Meus punhos estavam doloridos e vermelhos. — Infelizmente, eles nos enganaram, estavam em um plano com César e fiquei surpresa vendo-a no galpão. Apesar disso, não sei por que senti pena ao ver uma mulher ir tão fundo por causa de uma vingança tão boba. — Verdade. Mas quero saber de você agora, como está? Eles te machucaram? — Andreas me perguntou aflito e neguei. Ele ainda passou as mãos por todo meu corpo desesperado, com o olhar preocupado, beijou meu rosto e, por fim, minha testa. — Então, vamos embora daqui logo, estão todos te esperando no meu apartamento para um almoço digno e, claro, um banho relaxante. — Andreas pegou minha mão e saímos juntos sem olhar para trás.

A polícia estava fazendo seu trabalho em prender os culpados. Passou por nós junto com Daiane e Henrique, que estavam de cabeça baixa. As pessoas têm tudo na vida e acabam desperdiçando tudo por causa de cobiça, ego, inveja e ambição. Do que adianta ter tudo se não tiver o essencial: caráter e honestidade. Apesar de estar bem, aquele acontecimento terrível ainda mexeu comigo, senti medo mesmo acreditando que Andreas me resgataria. Fiquei mais aliviada por não me render a uma crise de ansiedade, mesmo depois da pressão e incerteza. É difícil mesmo quando tentamos ser fortes, é um esforço enorme e que, às vezes, só depois de algumas conseguimos processar e o medo vem com tudo novamente. Chegamos no apartamento de Andreas e, quando entramos, ouvi a Sininho me chamar. — Juju! — A voz da Sininho estava embargada e, quando ela me abraçou, senti como se tivesse chegado em casa. — Pelo amor de Deus! Nunca mais seja sequestrada, por favor. Meu coração não aguenta isso, você é minha irmã e o simples pensamento de te perder é demais para mim. — Sininho, estou bem e já voltei para você. Sempre voltarei para vocês. — Abracei minha amiga com os olhos tomados por lágrimas, mas dessa vez sentindo somente alívio e amor por estar com minhas pessoas favoritas. — Eu amo você demais, nunca se esqueça disso. — Ficamos um tempo assim até que Adam arranhou a garganta e nos separamos, ele me abraçou com carinho. — Graças a Deus que voltou para nós, Pequena Sereia. Sabe que não vivemos mais sem você, mas principalmente o lorde aqui! — ele falou e

bateu nas costas do meu namorado, que sorriu e rolou os olhos para o amigo. Depois disso, Benjamin e Catarina vieram à cozinha e me abraçaram também, ali estavam todos que realmente importavam para mim. Vê-los trouxe um conforto e alívio enorme para o meu coração angustiado pelo medo e ansiedade. Passamos a tarde todos juntos no apartamento de Andreas, onde almoçamos e não nos permitimos falar sobre tudo que aconteceu e me senti vitoriosa e orgulhosa de mim mesma, porque, naqueles momentos de aflição e medo, a coragem surgiu me trazendo força para não cair. Podia sim ter tido uma crise quando César me pegou no corredor da faculdade, mas quando acordei me dei conta de que era isso que ele e Daiane queriam: que o medo me vencesse. Mas fui mais forte do que ele e não chorei ou me permiti deixar que ele tomasse conta. Agora, tinha pessoas ao meu lado que podia considerar mais que uma família, além de ter um homem que me amava, respeitava e apoiava incondicionalmente.

Soubemos que César, foi preso por feminicídio, formação de quadrilha e sequestro. Assim como Henrique e Daiane foram presos por causa da formação de quadrilha, invasão do apartamento de Andreas e o

sequestro, eles contaram com a ajuda de mais duas pessoas. Descobriram também que Daiane que ajudou César apagando os registros das câmeras de segurança do prédio do escritório. Claro que ainda iriam a julgamento e esse era processo demorado. Só que sabíamos que a pena poderia chegar a mais de trinta anos para César. Daiane e Henrique também estavam desviando dinheiro no escritório e responderiam por isso. Benjamin estava investigando e comentou há um tempo com Andreas e pouco antes do meu sequestro, eles conseguiram as provas concretas. Como tudo aconteceu muito rápido, eles não puderam dar andamento a essa situação. Daiane e Henrique tinham um futuro promissor, mas fizeram escolhas erradas, munidos pela ambição, cobiça, vingança e loucura de César. Fiquei triste por saber que tiveram mais mulheres que passaram pelas mãos dele. Porém, aliviada, pois sabia que ele não sairia nunca mais da prisão e corria o risco de os presos acabarem com ele dentro da cadeia. Ele merecia, essa foi a consequência de suas escolhas psicóticas.

Alguns meses depois...

Chegou o meu grande dia, aquele em que eu gostaria muito de ter a presença da minha mãe, mas sabia que, onde ela estivesse, sentiria muito orgulho de mim. Hoje, eu era uma mulher diferente, estou vencendo dia a dia os traumas que a violência física e psicológica trouxe para a minha vida. Por isso, escolhi o tema do meu trabalho de curso como: Violência Doméstica contra a mulher – um estudo de caso e seus reflexos jurídicos no Brasil. Estar ali na frente daquela sala cheia, para mim era uma vitória, sobretudo era o começo da minha carreira, pois sabia que não estava encerrando e sim começando minha história profissional. Andreas estava na primeira fila junto com todos os meus amigos, Laura, Adam, Catarina e Benjamin, podia ver o orgulho em seus olhos. Eu estava na expectativa e muito ansiosa, mas muito feliz também por ter chegado nesse momento. Assim que os avaliadores deram autorização para começar, já iniciei minha apresentação introduzindo resumidamente sobre como a Lei Maria da Penha surgiu. — A Lei Maria da Penha surgiu no intuito de criar mecanismos que buscam coibir e prevenir a violência doméstica e familiar contra a mulher, arraigada na cultura ocidental, que ainda cultiva a mulher como inferior ao homem. Nos termos do § 8º do art. 226 da Constituição Federal, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Violência contra a Mulher, da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher e de outros tratados internacionais ratificados pela República Federativa do Brasil, dispõe sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher e vem estabelecer medidas de assistência e proteção às mulheres em situação de violência doméstica e familiar.

Senti-me segura e muito feliz por estar ali falando sobre um tema que realmente tinha mais do que propriedade para discutir, pois vivi na pele e vi a minha mãe sofrer tudo que ia contra essa lei, assim como muitas mulheres passam por nosso país. Continuei a explicar e falar sobre o tema do meu trabalho, que, a cada palavra que dizia, me fazia sentir muito orgulhosa. Pontuei detalhes que envolvem a segurança pública, como a autoridade policial tem que proceder nos casos e citei depoimentos de pessoas que já passaram dificuldades quando precisaram desses atendimentos. Citei ainda que uma grande parte das delegacias de São Paulo e mais estados do Brasil não conta com um delegado de polícia titular na delegacia, como a Lei Maria da Penha reserva o Capítulo II para direcionar os procedimentos que a autoridade policial deve executar no tocante a ocorrências dessas naturezas, a Polícia Militar, que é acionada quando há ocorrências dessa natureza. Cheguei à conclusão de que, nesses casos, apesar das previsões supramencionadas para serem observadas no momento de atender a ocorrências envolvendo violência doméstica e familiar contra a mulher, tais procedimentos só são seguidos quando a ação é pública incondicionada, pois, só nessas ocorrências, a autoridade policial tem conhecimento, no decorrer da flagrância do ocorrido. Nas ocorrências que tratam de ações públicas incondicionadas, a vítima é convidada a se manifestar sobre o pedido das medidas protetivas de urgência, sendo que, quando solicitadas, serão encaminhadas pela autoridade policial ao juiz, com a comunicação de ocorrência, os depoimentos e o boletim de antecedentes do agressor, conforme ensinamento do inciso III do art. 12 da Lei.

No mais, apresentei os resultados da pesquisa que fiz e ressaltando todos os detalhes que colhi com pessoas que se dispuseram a colaborar com meu estudo e finalizei deixando as minhas sugestões de melhorias, para que esse trabalho seja de forma padronizada e integralizada, com a instituição de um Gabinete de Gestão Integrada Municipal, com ferramentas disponíveis para combate da violência doméstica e familiar contra a mulher, promovendo o atendimento direto, humanizado e especializado a vítima. Claro que isso só aconteceria se tivesse um trabalho multidisciplinar entre a Polícia Militar, Civil, Guarda Municipal, Ministério Público, Juiz de Direito e Chefe do Executivo Municipal oferecendo um atendimento a vítima a Secretária Municipal de Assistência Social evitando assim que a vítima tenha a sensação de que está tendo seu direito tolhido pelo próprio Estado e passe a ser mais bem assistida. Além disso, essa gestão integrada da segurança pública com poderes executivos e judiciário não deveria apenas se limitar aos casos de violência doméstica, já que a sociedade se encontra vítima de uma infinidade de crimes. Muitas vezes a falta de informação e incompetência de determinado órgão levam à burocratização que, incompreendida pela grande massa da população, geram um sentimento de impunidade e de inação por parte do Estado. Portanto, defende-se aqui que esta conexão direta entre os órgãos responsáveis pela proteção e bem-estar das vítimas de violência doméstica, podem culminar em uma maior eficiência e, desta forma, o modelo deste caso em particular sugere a necessidade de uma unificação para melhor apresentar uma resolução satisfatória destas carências, facilitando o acesso da vítima à justiça em sentido amplo.2

— Por fim, encerro esse trabalho não só como uma aluna que fez seu trabalho de conclusão de curso, mas como uma das vítimas de violência doméstica e que viu sua mãe ir embora sem poder fazer nada. Então deixo uma mensagem a todas as mulheres que são vítimas e passam por isso: O medo pode te paralisar, mas não deve te vencer. Você precisa derrotá-lo, não o deixe te dominar, tome as rédeas e lute com todas as suas forças, seja maior do que ele, por mais difícil que seja. Seja a sua própria salvação e lembre-se de que você é poderosa e merece amar, ser amada e ser dona de sua vida. Todos me aplaudiram de pé e meus olhos se encheram de lágrimas. Quem diria que eu fosse chegar até aqui? Muitos duvidaram quando me olharam com desconfiança e pena, mas eu lutei não só por minha mãe, mas por mim mesma e estou só começando, pois quero ajudar muitas mulheres a lutarem para chegarem onde estou hoje. Nessa batalha eu venci muito mais que o medo, eu venci os julgamentos, as noites maldormidas, a inveja, a arrogância e a ganância. A banca avaliadora me pediu tempo para analisarem e concluírem se eu seria aprovada ou não e me senti mais aliviada do que nervosa, pois eu sabia que tinha dado tudo de mim naquele trabalho. Quando me chamaram, Andreas me olhou e li em seus lábios as palavras: — Você já venceu, meu amor! Entrei novamente na sala e fiquei de frente para a banca. — Juliete Barnes, chegamos à conclusão de que seu tema foi muito pertinente e você trabalhou todos os pontos esperados de um estudo de caso como esse e de uma forma também revelou que foi uma vítima da violência. Ficamos muito interessados em sua proposta e queremos trabalhar junto com você para, quem sabe, propor mudanças nesse sistema ainda tão falho. Enfim, decidimos que você merece até mais que

100. Parabéns, você foi APROVADA! — Quando eles acabaram de falar tudo, vi todos entrando na sala, fiquei em êxtase e me vi abraçando Andreas, depois Sininho, Adam, Catarina e Benjamin, que me parabenizaram. Agradeci a todos que estavam fazendo parte daquela banca que me avaliou. Combinamos de conversar para iniciarmos um trabalho juntos, logo após me despedi e saí com Andreas e meus amigos. — Meu amor, estou tão orgulhoso de você. Sabia que você arrasaria, pois, desde que a entrevistei, que eu soube o quão excepcional você seria como profissional do Direito. Saiba que sempre vou te apoiar e estar do seu lado, mas já quero que passe na OAB, pois você será uma das advogadas principais do escritório Scolari&Antúnez. — Fitei seus olhos antes de entrarmos no carro e fiquei realmente muito feliz em ouvir aquilo. — E, por favor, não pense que é devido a ser minha namorada, ok? Sorri e o beijei com muito amor, senti suas mãos cravando acima do meu quadril tirando todo o meu fôlego e fazendo-me incendiar pelo seu toque forte e intenso. Depois disso, entramos no carro e Andreas nos levou a um restaurante para comemorarmos aquele momento tão importante para mim.

Alguns dias depois... Quando vi Juliete recebendo seu diploma no auditório lotado da faculdade, fiquei muito feliz e orgulhoso por sua conquista. Lembrei-me de quando me formei, não no curso que eu realmente sonhei em me graduar, mas ainda assim em um curso que a gente dedicava tempo, dinheiro e muito esforço. O momento foi de nostalgia, pois me lembrei de quando realmente comecei a faculdade de Música, senti-me em êxtase por poder estudar e conhecer melhor o que sempre me fascinou. Infelizmente, não consegui seguir adiante, meu pai havia colocado a condição de que, se eu conseguisse conciliar o Direito e a música, ele não se importaria, já que no final teria que trabalhar no escritório da família. Com isso, vencido pelo cansaço cheguei a um ponto que não conseguia mais conciliar, então tranquei a graduação de Música e segui com o curso de Direito. Lembrei-me de que eu ainda poderia finalizar o

curso que sempre sonhei em trabalhar. Apesar de amar o Direito, ainda sentia que faltava algo em minha vida nesse quesito profissional, não era totalmente realizado. Deixei esses pensamentos e foquei na minha Ariel toda linda de beca e sorridente com seu canudo na mão, tirando muitas fotos. Contratei um fotógrafo, pois era um dos momentos mais importantes para ela e o primeiro de muitos que viriam. Antes dela chegar às escadas, já me apressei para ajudá-la a descer, Juliete sorriu lindamente para mim quando ofereci a minha mão a ela. Quando a colação encerrou fomos jantar juntos, o que já se tornou algo que amávamos compartilhar com nossos amigos. Claro que Alícia nos ligou, ela estava ansiosa para nos vermos, em breve faria uma visita e disse que já estava com as opções de detalhes do casamento para nos mostrar. Com isso, lembrei de conferir se a aliança estava em meu bolso. Quando senti a caixinha fiquei aliviado, pois queria surpreender Juliete. Alícia não perdia tempo, estava sempre falando sobre esse assunto, mas isso iria mudar hoje. — Agora, vou pedir licença a vocês para irmos embora, já que preciso de um tempo com minha namorada só para mim. — Mas é claro que dispensamos vocês, também não aguentamos mais tanto romantismo — Adam falou, sorrindo, e rolei os olhos para ele. — Olha só quem fala, grude da Sininho. Não pode falar quando você age da mesma forma, não é? — Juliete falou e todos rimos dele. Depois nos despedimos de todos, Juliete agradeceu pelos presentes que eles levaram e, claro, a presença de todos. Saímos e, enquanto andávamos até onde estacionei o carro, percebi o quanto estava certo da

minha decisão. Juliete era a mulher da minha vida, a que me apresentou o amor com toda sua delicadeza e força. Entramos no carro e, assim que ela viu que estava indo na direção diferente, já me fitou com curiosidade quando paramos em um sinal vermelho. — Para onde estamos indo? — Quando chegarmos lá, você verá, meu amor! — Está bem, que dia sua mãe vai chegar mesmo? — Ela chega no início da próxima semana e estou muito ansioso para vê-la, até mesmo Catarina está na expectativa. Liguei na clínica e conversei com o médico, meu pai seria o responsável, ele já viajou para Minnesota, claro que conseguimos um avião médico e uma equipe muito boa para cuidar dela durante a viagem. O diagnóstico é de Alzheimer precoce devido a depressão. Infelizmente, o médico já deixou claro que o tempo de vida dela é curto, pois ela teve uma perda muscular rápida, devido à perda das células cerebrais, então ela está muito fraca. — É muito triste essa doença e pensar que ela ainda desenvolveu muito precocemente, né? — Sim, isso que me deixou aflito e o fato de que o médico também me disse que ela tem muitas crises, fica agressiva e eles têm de imobilizá-la para manter ela no soro. O que a tristeza pode fazer com as pessoas, não é mesmo? — Infelizmente, a depressão deve ser tratada, não se pode deixar o medo e a tristeza vencerem, sua mãe teve assistência, mas não teve a família para apoiar. Claro que é uma situação em que você e Catarina não tiveram culpa. — Apesar da minha mãe ter errado, acho que meu pai foi o maior culpado por tudo isso. Ele nunca nos deu além do conforto financeiro e

isso não é tudo para se manter uma família. — Verdade, meu amor. Estou ansiosa para ver sua mãe e feliz por você poder finalmente tê-la por perto, por mais que seja nessa situação. — Realmente estou ansioso, mas pensando se vai realmente ser bom para ela, sei que a clínica em Minnesota é uma das melhores e mais indicadas para casos como o dela. — Fica tranquilo, que vai dar tudo certo, você vai ver! — Ela beijou minha mão com carinho. Entramos na Avenida Paulista e me senti mais ansioso, pois fazer um pedido de casamento era algo que vinha pensando e planejando desde que a resgatei das mãos do César. Estacionei em frente ao Museu de Arte de São Paulo, já havia ligado para Frederico e pedido para liberar minha entrada e como já estava tarde, não havia ninguém ali, demos a mão e entramos juntos. — Andreas, o que vamos fazer aqui? — Você se lembra do dia que me viu tocar aqui anonimamente? — Claro, como poderia esquecer, foi tão marcante para mim ver você tocando, mas o que você está aprontando para hoje? — Vou tocar para você, em sua homenagem e para parabenizar pela sua formatura. — Subimos no palco que estava cheio de pétalas de rosas vermelhas e velas, a luz estava direcionada ao piano. — Minha Ariel, sente-se aqui e aprecie a canção — convidei-a para se sentar na cadeira que havia deixado ali quando Adam e Benjamin foram comigo preparar. — Ah, Andreas... — ela falou parecendo estar encantada, sentei-me de frente ao piano, a fitei e posicionei minhas mãos e deixei que todo aquele amor que sentia eclodisse naquela canção de Alexis Ffrench, Moments, que expressava o quanto Juliete, essa garota que veio de Holambra me tocou e me fez sentir de verdade o amor.

Toquei com todo meu coração, mente e alma as notas daquela canção que me emocionava. Abri os olhos e a vi em minha frente com os olhos brilhando e o vislumbre de um sorriso em seu rosto. Quando finalizei e a encarei e toquei. Então me aproximei dela e ajoelhei, peguei a caixinha em meu bolso vendo-a colocar a mão na boca, surpresa. — Minha nossa, Andreas! — Juliete, antes de tudo, o intuito de tocar para você foi para fazê-la se lembrar de quando nos encontramos aqui pela primeira vez. Mesmo sem saber seu rosto e identidade, senti algo quando a vi parada aqui me olhando tocar. De uma forma assustadora, senti-me conectado a você. Estava tocando uma canção triste, que me remetia a um passado muito distante. Seu perfume, a cor de seu cabelo e tudo em você me instigou e mexeu comigo e, quando a vi na minha sala no dia da entrevista, senti que era você que estava me assistindo, mas não tinha certeza. Primeiramente, me senti atraído por sua beleza, inteligência e força de vontade em ser melhor a cada dia. Já sabia que você se tornaria uma advogada incrível e, então, descobri a mulher maravilhosa que é e não resisti a todo o conjunto da obra. Não posso e nem consigo mais viver sem você, quero acordar e ver seu cabelo ruivo esparramado pela minha cama, quero poder sentir seu cheiro e apreciar o charme que é suas sardas, enfim quero que seja minha para sempre e eu serei seu de corpo, alma e coração. Aceita se casar com o homem que te ama mais que tudo? Seus olhos já estavam tomados por lágrimas, e ainda assim abri a caixinha com o anel que comprei de noivado. Com o coração acelerado, aguardei sua resposta. — Claro que eu aceito, você me provou que posso ser feliz e acreditar que ainda existem pessoas boas, que querem realmente amar e construírem uma vida juntos. Quero mais que tudo que possamos

sempre manter esse respeito e empatia que temos um pelo outro. Eu te amo muito, meu lorde, e obrigada por ser tão especial. — Não me agradeça por isso, você merece tudo isso e muito mais. — Peguei o anel de ouro rose, ele se destacava com pedrinhas de diamantes e a maior de morganita e coloquei em seu dedo. Beijei sua mão e nos levantamos, ela observou o anel em seu dedo. — É muito lindo, Andreas, estou apaixonada. — Exuberante como você, minha Ariel. — Tomei-a em meus braços e, sem poder mais resistir, beijei sua boca e acariciei seu corpo enquanto minha língua girava em sua boca, o meu corpo inteiro queria senti-la. Cravei meus dedos em seu quadril já tomado pelo desejo que me consumia toda vez que a tinha assim todinha para mim, selei nossos lábios e fitei seus olhos, que também estavam inflamados pelo desejo. — Agora, vamos para casa antes que eu faça uma loucura com você bem aqui. — Podemos experimentar, seria realmente delicioso — ela falou, o timbre da voz bem rouco me deixando muito tentado a realmente fazer isso, mas eu havia preparado uma noite no apartamento, na banheira, que seria mais delicioso. — Queria muito, mas vamos logo para casa, preparei algo especial para nós. — Puxei-a e saímos depois de apagar a luz e fechar tudo. Entreguei a chave para o vigia daquela noite e entramos rapidamente no carro. Como o trânsito estava um pouco mais tranquilo naquele horário pude acelerar para chegarmos logo.

Três dias depois... Estava tudo certo para a chegada da minha mãe, Catarina e eu estávamos ansiosos para isso. Eles iriam sair de Minnesota pela manhã, meu pai havia me ligado e disse que estava tudo certo para trazerem minha mãe, até aquele momento, em que recebi um telefonema da clínica com o médico que cuidava da minha mãe lá e a notícia que ele me deu, me deixou sem chão. — Sr. Scolari, infelizmente sua mãe teve uma parada cardiorrespiratória, antes de saírem com ela na ambulância para levar até o aeroporto. Como já havia te comunicado antes, o estado dela era grave e estava muito fraca e fizemos todo o possível. Sentimos muito. Seu pai vai cuidar de todos os detalhes burocráticos e nos disponibilizamos para qualquer coisa que precisarem. — Obrigado, Dr. Lewis, por tudo. Sei que vocês a trataram muito bem e fizeram de tudo. — Depois disso, nos despedimos e senti Juliete se aproximar e passar seus braços ao meu redor em um abraço. Nem precisava falar nada, pois ela sabia, pelo tom da minha voz, que havia acabado de receber a notícia mais triste de toda a minha vida.

Por vinte e quatro anos alimentei uma chama de esperança de que um dia fosse voltar a ver minha mãe, que sentiria seu perfume, ouviria sua voz e pudesse vê-la tocar piano novamente. Eu me sentia frustrado e muito triste por ter sido privado de todo seu amor, ela não suportou tudo pelo que teve de passar e se deixou levar pela depressão e, consequentemente, por uma doença tão triste e inescrupulosa como o Alzheimer. Chorei abraçado a minha Ariel, agarrei-me fortemente em seus braços e neles encontrei todo o conforto que precisava naquele momento. Ainda teria de contar a Catarina, que estava na cozinha preparando um almoço especial. Ela também estava ansiosa para ver nossa mãe, mas ela se foi antes mesmo de ver a mulher maravilhosa que sua filha se tornou. Era triste demais e era uma perda ao mesmo tempo estranha, pois passamos grande parte da nossa vida sem a presença dela. — Chore tudo que quiser, meu amor. Sei o que você está sentindo. — Não tivemos tempo... — Catarina entrou na sala, viu meu estado e logo presumiu tudo e correu para me abraçar. Ela chorou em meu ombro assim como chorei no dela, sinto que voltamos aquele tempo atrás, onde ela chorava e eu cuidava dela e depois eu chorava sozinho em meu quarto. Fui forte por todos esses anos, mas hoje eu só queria poder viver aquela dor de perder uma mãe que sequer tive, pois ela foi tirada de nós muito antes de uma forma injusta demais.

Alguns meses depois... Depois de tudo que aconteceu com a mãe de Andreas, ele começou a fazer terapia também, o apoiei totalmente nisso. Mas ele ainda se sentia muito frustrado em relação ao fato de seu pai ter mentido todos esses anos. Recentemente, encontrei-me com Eduardo no escritório, ele me procurou e estranhei que quisesse conversar comigo. — Olá, Juliete! Com licença, desculpe te incomodar, mas gostaria de te perguntar como anda o Andreas, ele não falou comigo. Nunca tivemos um bom relacionamento, mas ficar sem nos falarmos, ainda não tinha acontecido desse jeito — ele falou tudo de uma vez, deixando-me até surpresa. — Oi, Sr. Scolari. Fique à vontade, entendo sua situação com Andreas. Mas depois de tudo que ele passou com a mãe, ele escolheu se afastar do senhor. Mas ele está indo bem, começou a fazer terapia e voltou às aulas na faculdade de Música.

— Ele voltou a estudar Música... — ele falou mais para si do que para mim e achei realmente estranho. — Sim e penso que o senhor deveria deixá-lo viver a vida como ele deseja. — Não vou impedi-lo, só quero me reconciliar com Andreas e Catarina. Estou há alguns meses sozinho, Antonela e eu nos separamos e tudo aconteceu muito de repente. Assumo a culpa pelo que aconteceu com a Elizabete e as consequências disso para os meus filhos. Quero muito que eles me perdoem. Fitei seus olhos e procurei a veracidade neles e, então, reparei nas olheiras. Ele parecia um pouco mais velho, para mim isso era incomum de ver, pois, da última vez que nos vimos em São Roque, ele estava muito bem. — Só me responda uma coisa, Sr. Scolari. — Ele concordou com um aceno. — Está querendo pedir perdão porque se sente sozinho ou porque realmente se arrepende? — Estou arrependido e o que me trouxe até aqui para pedir a você que me ajude, é porque preciso muito do perdão dos meus filhos. Estou há muitos dias sem conseguir dormir e me vejo perdido em meus próprios medos. Me pego perguntando a cada segundo, se eu tivesse feito tudo diferente, como seria minha vida hoje. — Ali, eu vi a verdade, ele me convenceu. — Sabe que precisa ser sincero ao pedir perdão. Em primeiro lugar, você precisa realmente demonstrar de forma sincera que se arrepende. Posso te ajudar reunindo todos e o resto é com você. — Pode marcar que estarei lá. Agora eu vou embora, não quero mais te incomodar no trabalho. Mas posso te perguntar algo antes de ir? — Claro.

— Por que você está me ajudando? Encarei-o e pensei no quanto meu sogro já me julgou muito mal e sorri. — O motivo é simples, mas de grande valor, prefiro não guardar rancor de ninguém nessa vida e não ganho nada te tratando da mesma forma que você me tratou um dia. Minha mãe me ensinou quando eu ainda era criança de algo que nunca esqueci: se alguém te oferecer pedras, devolva flores. Ele assentiu, apertou minha mão, agradeceu e saiu da minha sala sem responder. O alarme do lembrete da reunião soou alto e já estava me esquecendo. Peguei minha agenda e uma caneta e, quando saí no corredor, me encontrei com a Gleice. Andreas e eu já tínhamos conversado sobre a sua decisão e o apoiei totalmente, já estava passando da hora dele realizar seus sonhos. Quando todos terminaram de entrar na sala de reuniões, ele me fitou e pisquei para ele duas vezes. Sempre fomos extremamente profissionais e nunca fazemos nenhum contato além do necessário quando pisamos no escritório. Com o tempo, as pessoas no escritório passaram a me respeitar mais, pois viram que eu não tinha privilégios. Se eu conseguia os melhores casos era porque eu trabalhava duro para isso. Quando passei na OAB, Andreas reforçou a ideia de que estaria na equipe junto com Benjamin e Adam, falei que poderia ajudar e ele concordou, pois sabia que eu gostava de conseguir tudo pelos meus próprios méritos. — Boa tarde a todos. Gostaria primeiramente de agradecer a presença de vocês aqui, sei que temos muito trabalho, mas serei breve. Depois de muito pensar, tomei uma decisão. A partir do mês que vem,

passarei a ser um sócio participativo, então não serei mais o administrador do escritório. Benjamin e Adam serão meus procuradores e eles que vão tomar as decisões administrativas; e claro, quanto às funções de todos vocês, tudo que precisarem, pode passar a procurá-los, esse resto de mês estarei ainda presente apenas para resolver os detalhes burocráticos. No mais, agradeço a cada um de vocês pelo tempo de trabalho e conhecimento que compartilhamos. Desejo ainda sucesso e sorte para todos. Obrigado — ele falou muito bem, me orgulhava tanto do meu lorde, todos aplaudiram e logo após começaram a sair da sala. Procurei Benjamin para que conversássemos sobre os documentos de um caso, pisquei novamente para Andreas e saí da sala. Liguei para Catarina e marquei um jantar no sábado com ela, depois de responder a alguns e-mails, consegui contato com algumas instituições que ajudavam mulheres que sofreram violência doméstica. Marquei um horário com todas, para que pudesse apresentar minha proposta de trabalho voluntário que farei para ajudar como advogada dando o apoio que elas precisavam. Sininho me ligou e combinamos de tomar um café no Starbucks, fazia um tempo que não íamos e precisávamos conversar um pouco, já que Adam se mudou para o seu apartamento e eu me mudei para o apartamento de Andreas. Claro que, às vezes, a gente fazia uma troca para termos nosso momento juntas, mas já tinha algumas semanas que só nos falávamos pelo telefone e eu estava morrendo de saudade da minha amiga. Antes de sair, enviei uma mensagem para Andreas avisando que já estava saindo e ele respondeu rapidamente. Nos encontramos no hall do prédio e ele me encarou com os olhos brilhando.

— Sabia que cada dia que passa fico mais apaixonado por você? Principalmente vestida assim, fica tão séria e sexy — falou e beijou meu pescoço depois de me agarrar quando saímos do elevador, que estava cheio. — Sei e você está ficando cada vez mais sem controle, Sr. Scolari. Ele sorriu e piscou. — Claro que é sua culpa, meu amor. Acha que é fácil resistir aos encantos da Pequena Sereia — falou no meu ouvido deixando-me com arrepios e o rosto pegando fogo assim como todo o corpo. — É isso que estou falando, cada vez mais safado. Será que vai perder o título de lorde ou podemos dizer que é um lorde safado? — Me chame do que você quiser, minha Ariel! A propósito, obrigado por seu apoio com minha decisão. — Nem preciso dizer que sempre vou te apoiar, Andreas. Mas você vai me atrasar para encontrar com a Sininho. — Ela que espere, preciso sentir um pouquinho mais do seu cheiro, pois ainda tenho uma reunião com Adam e ele me deixa de cabelo em pé. Depois que se cansa de falar do trabalho, começa a falar sem parar e reclama que Alícia não dá mais paz a ele. O que faço com esses dois? Ela me envia mensagens a cada cinco minutos do meu dia, imagens de decoração de casamento, estou farto. — Bloqueia ela então. — Está louca, ela pega o próximo avião e chega aqui como uma louca e só vai ser pior, ela não te manda essas coisas? — Manda, mas eu silenciei as mensagens dela. À noite respondo que achei tudo lindo, ela começa a conversar e digo que também quer participar das escolhas.

— É culpa sua então, agora entendi tudo. Vou dizer a ela que não vou olhar nada disso, onde já se viu. Sabe que ela quer usar o tema da Ariel para o casamento, mas falou que são só as cores em tons de azul-claro. — Sei de tudo isso, meu amor. Agora, vá para a sua reunião com o Adam e anote na sua agenda que teremos um jantar especial com Catarina. — Você marcou, isto é perfeito, pois no domingo ela estará com a família do Benjamin. — Claro, agora preciso ir, eu te amo muito e diga a Alícia que estamos dando a ela carta branca para cuidar do casamento, ela ama organizar eventos, deixe-a vir. — Vou ligar para ela depois da reunião. Obrigado, minha Ariel. Vá para o seu compromisso, me desculpe. Tinha como ficar com raiva desse homem? Não tem! Nos beijamos e ele entrou de volta no elevador. A terapia e o fato de que ele decidiu dedicar sua vida à música o tem deixado mais feliz e torcia para que, quando o pai dele pedisse perdão, ele não se revoltasse contra mim, afinal só queria que tivéssemos paz na família.

Quando cheguei na Starbucks, já vi a Sininho sentada lá, fizemos nossos pedidos e começamos a conversar, ela reclamou do quanto Adam era desorganizado e que ele assistia todas as novelas turcas com ela, no momento estou assistindo aos episódios sozinha e depois comentamos sobre tudo que aconteceu. Ela ainda me contou que seus pais estão vindo a São Paulo para passarem alguns dias aqui e conhecerem Adam e estava ansiosa com isso. Tranquilizei-a dizendo que eles iriam gostar muito do seu namorado e que, apesar de ser desorganizado, era um homem incrível. Ela me deixou no apartamento de Andreas e me lembrou de que, na semana que vem, tínhamos uma nova reunião com Catarina sobre a casa que elas estão fazendo para nós dois. Já adicionei na minha agenda pelo celular, depois entrei na cozinha, onde Andreas estava fazendo macarrão integral ao alho e óleo, um molho branco e de frango desfiado para o jantar. O cheiro estava muito bom, o abracei tentando cobrir suas costas largas e ele gemeu. — Ah, finalmente minha Ariel chegou em casa. — Cheguei e vou tomar um banho para comermos, o cheiro está delicioso. — Isso, tome um banho quente e relaxante, coloque aquela sua camisola de seda e desfile para mim — ele falou e deu um tapinha na minha bunda assim que me virei para sair. Sorri e olhei para ele, depois fui tomar meu banho. Aquela noite nós comemos, conversamos e assistimos um pouco de série tomando um bom vinho. Antes do episódio de Suits acabar, já estávamos nos agarrando no sofá como dois adolescentes. Depois ele me levou para a cama e nos amamos intensamente até de madrugada.

Na sexta, mandei uma mensagem para Eduardo lembrando-o do jantar e ele confirmou sua presença. Já no sábado à noite, quando Catarina chegou e em seguida ele, fiquei preocupada, mas os reuni na sala e expus o motivo daquela reunião. — Andreas e Catarina, sei como vocês sentem raiva do pai de vocês, mas hoje terão que resolver sobre isso. Só o ouça e pensem com cuidado. Lembrem-se de que a vida é curta e viver de rancor não é algo que faz bem a nenhum de vocês. O perdão é importante para conseguirem superar e seguir em frente. Andreas me encarou pensativo e Catarina também, então resolvi deixá-los sozinhos. Fui para o quarto e fiquei lendo um livro enquanto eles conversavam, claro que estava curiosa para saber se eles iriam perdoar o pai. Principalmente Catarina, que fez o teste de DNA e descobriu que era realmente filha do Eduardo, que sempre desconfiou sobre a paternidade dela. Mas não poderia deixá-los vivendo assim com tanta raiva e rancor no coração. Poderia ter sido tudo diferente? Sim. Mas não foi, então era o momento de se acertarem e aprenderem com todos os erros, um passo de cada vez e tudo chegaria onde tinha de estar.

Esgueirei-me pelo corredor, não contendo minha ansiedade e os ouvi conversando. Eduardo realmente estava se redimindo, vi que estava chorando e pedindo perdão aos dois, que o analisavam seriamente. Depois que ele finalizou, o silêncio se seguiu por alguns segundos ou até minutos, não sabia precisar. — Eu te perdoo, pai, mas o quero mais presente conosco, sem tratar Juliete mal, pois ela agora é da família e vai passar a ser oficial quando nos casarmos. — Sei disso, na verdade ela marcou essa reunião, já que vocês não me atenderiam. — Pai, eu te perdoo — Catarina falou, chorando. — Quero que saiba, minha filha, que tenho muito orgulho de você, na verdade de vocês dois. O que escolherem fazer da vida eu vou apoiar, contem comigo. — Eles se abraçaram e Eduardo me viu no corredor e me chamou e então, quando se afastou dos dois filhos, ele me puxou para um abraço e senti sinceridade em seu gesto e olhar. Era disso que eu estava falando: unidos nos tornamos mais fortes, o fardo fica um pouco mais leve, pois temos uns aos outros. Antes ir embora, Eduardo entregou um papel a Andreas e Catarina e disse que era algo que deveria ter entregado há muito tempo, mas que não o fez pensando que causaria mais dor a eles. Falou que ela escreveu para os dois e o fez prometer que entregaria quando já estivessem adultos. Andreas, com lágrimas nos olhos, se despediu do pai, colocou a carta no bolso assim como Catarina guardou a sua na bolsa. Não falamos mais sobre isso, mas sabia que teria de estar segurando a mão dele depois que ele a lesse.

“Viver momentos especiais e inesquecíveis nos faz sentir tão certos daquilo que nenhuma dúvida é capaz de derrubar a felicidade de viver e amar intensamente.” Depois de alguns meses onde consegui reorganizar um pouco minha nova rotina com as aulas de piano e a faculdade de música que decidi terminar me sentia mais leve. As terapias e o fato de termos tido uma conversa bem sincera com meu pai, me fez muito bem. Incrível como Juliete conseguiu nos fazer perceber o quanto perdoar era importante. Consegui aceitar melhor a morte da minha mãe e que havia chegado a hora dela, sabia que não estava bem, na verdade o estado dela era muito grave e ela estava sofrendo muito, realmente ela descansou. Meu pai havia nos entregado naquele jantar uma carta. Como a terapeuta havia me dito que deveria abrir quando me sentisse realmente preparado, ela ressaltou que isso me faria bem. Por isso, resolvi pegá-la

na gaveta da mesa de cabeceira e lê-la. Só de pegar aquele papel amarelado, minhas mãos queimaram. Juliete se sentou ao meu lado e segurou minha mão, dando-me forças para seguir em frente. Então a abri e vi sua letra curvada e linda. Sem poder conter, as lágrimas caíram pelo meu rosto e minhas mãos começaram a tremer, enquanto sentia o calor dos braços de Juliete me acalentarem. Respirei fundo e soltei o ar com os olhos fechados, tomei coragem e com o coração acelerado comecei a ler. Meu querido Andreas, Primeiramente, espero que possa me perdoar por tudo que o fiz sofrer e causei em sua vida. Reconheço que errei, me perdi no meio do caminho e vocês não mereciam isso. Deixar você e a pequena foi a coisa mais difícil e dolorosa que fiz em minha vida. Mas o fiz para proteger vocês até de mim mesma, pois não queria que nada afetasse a vida que tinham pela frente. É triste pensar assim, mas sinto que nunca mais vou ver vocês e isso, além de consumir minha alma e coração, me faz desistir de tudo. É egoísta demais, eu sei, mas não vejo outra saída para mim. Espero e sei que será um homem maravilhoso, gentil e que vai conquistar o mundo tocando piano e ajudando as pessoas. Nunca se esqueça de dar prioridade as coisas simples da vida e ao amor. Não desista nem por um segundo de seus sonhos, seja eles o que for. Viva como se não houvesse amanhã. Com todo amor, De sua mãe Elizabete.

Chorei descontroladamente, sentindo o meu corpo inteiro tremer com a dor de saber que ela sabia que nunca mais nos veríamos. Às vezes, a vida é assim, não é mesmo? Podia muitas vezes não entender certas coisas que acontecem, mas haveria o momento certo para isso. Ler aquela carta me trouxe mais clareza, realmente minha mãe não estava bem, fez escolhas erradas. O que eu poderia fazer? Nem podia julgá-la, isso não cabia a mim. Só teria que seguir em frente. Minha Ariel me ajudou muito com o luto, pois ela viveu o mesmo quando perdeu sua mãe para uma doença cruel e que não dava muitas opções. Fomos a força um do outro diversas vezes, pois a vida nem sempre são só rosas, havia os espinhos e eles nos ajudavam a sermos ainda melhores e mais fortes e tendo alguém ao nosso lado, tudo se torna melhor. Podia dizer que estava feliz, pois o dia do meu casamento com Juliete havia chegado, estávamos no Haras Scolari para o grande evento que Alícia estava organizando. Ela chegou há uns quinze dias e não tivemos mais paz com todo seu alvoroço para fazer tudo. Conferindo minha gravata borboleta olhando pelo reflexo do espelho confesso que estava sentindo um friozinho no estômago, pois seria o dia mais importante da minha vida, aquele em que Juliete se tornaria minha esposa. Adam entrou no quarto já aflito, perguntando se estava tudo bem, se precisava de ajuda e acabei o tranquilizando. — Está tudo perfeitamente bem, só você que não. — O quê? Há alguma coisa de errado comigo? — Lógico que não! — Alícia entrou também já respondendo junto comigo. Ela estava lindíssima em seu vestido de madrinha em um tom de azul-claro que lembrava um pouco a água clara do mar.

— Nossa, você está linda! — Adam elogiou pegando na mão dela e a fazendo girar. — Agradeço o elogio, mas preciso saber se está tudo certo com o noivo? — Claro, já podemos ir? — Sim, mas antes quero falar a sós com meu amigo Andreas. Pode nos dar licença alguns minutinhos, Adam? — É isso que eu ganho, depois de te elogiar, já está me expulsando. — Não seja tão dramático, Adam! — falou e ele saiu fechando a porta e, então, minha amiga que me deixou louco nos últimos meses para montar meu casamento me encarou parecendo estar emocionada. — Não sabe o quanto estou feliz por esse momento, não porque cuidei de tudo, mas porque você encontrou a mulher da sua vida e está lutando muito para conseguir realizar seus sonhos com a música, mesmo depois de tudo que passou. Eu te admiro e desejo a você e Juliete toda a felicidade do mundo, pois são pessoas maravilhosas que venceram todos os obstáculos juntos. Eu te amo, mesmo quando nos odiamos, e saiba que fiz o meu melhor. Quando descer e ver tudo pronto se atente a cada detalhe, eles foram pensados e feitos com muito amor e carinho para vocês nesse dia especial. — Eu te amo, mesmo quando te odeio e só tenho que te agradecer por tudo que fez por nós organizando o nosso casamento. Obrigado de todo o meu coração. Agora me conte, você já a viu? — Claro que sim, você não tem mesmo jeito. — Só quero saber como ela está, Alícia. — Ela sorriu largamente e me puxou para fora do quarto. — Você vai ver quando ela estiver entrando, sei que vai estar tocando piano, mas assim que colocar os olhos tenho certeza de que vai se

apaixonar ainda mais — ela falou e descemos. Quando passamos pela enorme sala, encontrei-me com Rosa e parei para dar um abraço nela e elogiá-la um pouco, pois estava linda em seu vestido longo. — Andreas, você está lindíssimo, pronto para viver o dia mais emocionante de sua vida? — Estou mais que preparado, Rosa. — Ela sorriu, estava muito feliz com meu casamento, desde que fomos ao haras passar um final de semana e contar a ela que não parou de ligar animada para a festa. Ela e Alícia se uniram e começaram a se ajudar. — Então vamos lá para fora para você ver o que sua amiga fez. Está tudo muito lindo, como ela é maravilhosa e detalhista. Assim que saímos fiquei surpreso e admirado pelo trabalho incrível que Alícia fez, ela teve a ideia de montar uma estrutura redonda de madeira e telhado de vidro na área da grama ao lado do jardim, já fazia algumas semanas que a equipe que ela contratou para montar tudo havia chegado no haras. As flores brancas e azul-claro davam um toque romântico ao local, havia fileiras de cadeiras de madeiras confortáveis, no corredor ela mandou colocar um tapete branco muito bonito, o altar estava lindíssimo com flores adornando toda a estrutura e luzinhas amarelas. O piano estava logo ao lado, e para trazê-lo até aqui foi realmente trabalhoso, mas conseguimos. Estava enfeitado com flores e pétalas de rosa branca. Ensaiei nele pela manhã a canção que tocaria. Olhando tudo reparei que já estava cheio, pois a maioria dos nossos convidados já vieram para passar o final de semana no haras. Cumprimentei algumas pessoas que passaram por mim e me senti ainda

mais emocionado por ver tudo pronto, ainda estava ansioso para ver minha Ariel em seu vestido de noiva. Alícia se aproximou e começou a organizar todos em uma fila junto com a sua assistente, uma organizadora que ela contratou para ajudá-la na cerimônia, já que ela era uma das madrinhas junto com Laura e Catarina. — Já podemos começar? Já são quatro e meia. — Claro, está na hora — falei e ela fez um sinal para a sua assistente e a marcha nupcial começou a tocar, a cada toque sentia meu coração acelerado de um jeito louco. Emocionado, sentei-me de frente para o piano, aguardei o sinal e, assim que fecharam as cortinas brancas da estrutura no final do corredor, senti um frenesi de emoção ainda mais forte. Fechei meus olhos e seguindo o meu coração comecei a tocar Ave Maria e todos se levantaram novamente. Quando meus olhos fitaram Juliete, eu me emocionei. Ela estava lindíssima em seu vestido de noiva, me controlei para não correr e pegá-la. Ela havia aceitado o pedido do pai de Laura, que se dispôs a levá-la até o altar. O toque da canção e a imagem de Juliete formaram para mim o conjunto mais lindo de todo aquele dia e, quando finalizei, Frederico voltou a canção e a repetiu para que eu fosse buscar Juliete na metade do corredor e, quando ela parou e me aproximei deles, o senhor Raul me entregou a mão dela sorrindo. Quando senti sua pele suada, soube que ela também estava nervosa, beijei o topo de sua cabeça com todo meu amor e carinho e ela fechou seus olhos sob meu toque. Terminamos de entrar e o padre começou a celebração do casamento, tentei me atentar ao que o estava falando, mas fiquei admirando Juliete sem poder resistir, pois ela estava muito linda em seu vestido estilo

sereia todo rendado e bordado com pequenos brilhos, parecia mais uma princesa. A maquiagem, como ela mesmo disse, estava mais natural e os lábios em um tom nude muito bonito. Esse dia com certeza se tornou um dos mais especiais de minha vida, é claro que não podia esquecer que o primeiro foi quando a conheci e nos beijamos pela primeira vez. Na verdade, só tínhamos momentos lindos juntos. — Andreas Scolari, aceita Juliete Barnes como sua esposa, para amála, respeitá-la e honrá-la para o resto de suas vidas? — Sim, aceito — respondi fitando os olhos verdes lindos da minha Ariel. — Juliete Barnes, aceita Andreas Scolari como seu esposo, para amálo, respeitá-lo e honrá-lo para o resto de sua vida? — Sim — ela respondeu e vi as lágrimas escorrendo por seu rosto. Continuei encarando seus olhos, sentindo um amor tão grande dentro do meu coração. Com a mão direita, acariciei seu rosto saboreando a maciez de sua pele, limpei suas lágrimas, Juliete fechou seus olhos e vi seu rosto corar e sua pele se arrepiar. — Vamos receber as alianças — o celebrante falou e ouvimos o toque do piano de All of me, de John Legend, e assistimos Gleice entrar com as alianças, ela havia aceitado o convite de Juliete. — Muito bem, vamos para o momento mais importante dessa celebração de união, de amor. — O celebrante pediu para darmos as mãos e ficarmos de frente um para o outro. Peguei em sua mão e olhei em meus olhos e com todo o amor exalando por nós, sentimos a emoção à flor da pele, e repeti o que o celebrante falou: — Eu, Andreas, recebo-te por minha mulher, a ti, Juliete, e prometo ser-te fiel, amar-te e respeitar-te na alegria e na tristeza, na saúde e na

doença, todos os dias da nossa vida. Ela me encarou com amor e lágrimas nos olhos e ela sorriu lindamente para mim, vi em sua expressão a felicidade por estarmos vivendo aquele momento tão marcante. — Eu, Juliete, recebo-te por meu marido, a ti, Andreas, e prometo serte fiel, amar-te e respeitar-te na alegria e na tristeza, na saúde e na doença, todos os dias da nossa vida. O padre deu continuidade e passamos para o momento da troca das alianças. Posicionei a aliança em seu dedo e repeti as palavras do sacerdote: — Juliete, receba esta aliança como sinal do meu amor e da minha fidelidade. Em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo. Olhei para sua mão no final me sentindo muito emocionado por ver aquela aliança, sinal de nosso amor intenso. Ela posicionou a aliança em meu dedo e repetiu as mesmas palavras: — Andreas, recebe esta aliança como sinal do meu amor e da minha fidelidade. Em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo. Logo após esse momento, o padre fez pedidos a nós, com todos que estavam presentes, pela nossa vida, nossa felicidade, pela Igreja Católica e por todos. Depois recebemos a Eucaristia, e veio a bênção final, e ele disse: — Pode beijar a noiva. Meus olhos se encheram de felicidade e emoção, pois beijaria pela primeira vez Juliete como minha esposa, a mulher que tocou meu coração desde o primeiro momento que nos vimos e me fez admirá-la a cada dia mais, tornando-se impossível resistir a tudo que ela me fazia sentir.

Beijei sua boca com carinho e, ainda assim, com a intensidade que sempre nos envolveu, por fim selei nossos lábios sentindo uma emoção tão grande, que parecia que iria explodir. Demos as mãos, nos viramos e saímos pelo corredor sorrindo ao som de Love Someone, de Jason Mraz, somente no toque lindo e emocionante do piano. Todos começaram a jogar pétalas de rosas brancas em nós. Como a festa seria no mesmo local, nos deslocamos para o outro lado onde já estava pronto tão lindamente, que fiquei feliz quando os convidados começaram a formar a fila para nos abraçar. Depois de receber muitas parabenizações e desejo de felicidades, meu pai foi nos abraçar, eu o havia visto à tarde e ele me disse que estava se sentindo em paz e muito orgulhoso por eu ter encontrado o amor com uma mulher tão maravilhosa como Juliete. Depois posamos para as fotos com todos os nossos amigos e familiares. A festa seguiu em um ritmo delicioso e aconchegante. Mesas redondas detalhadamente bem preparadas com flores, lustres espalhados por todo espaço. A música dominou a pista de dança e nos preparamos para dançarmos juntos, quando colei seu corpo no meu e aproveitei o momento para elogiar a minha esposa. — Você está incrivelmente linda, sabe que conseguiu iluminar ainda mais meu coração quando a vi entrar por aquele corredor? — Ah, marido, você também não está nada mal, hum? — ela falou em meu ouvido e beijei seu pescoço enquanto dançamos Part of Your World, na voz de Michel Bublé. A ideia foi de Alícia, já que ela gostaria de remeter a Ariel, sorrimos quando ela comentou conosco.

Quando finalizamos a dança dos noivos, a inclinei e beijei sua boca. Todos aplaudiram e assobiaram e depois de alguns minutos Adam e Laura, Catarina e Benjamin, Alícia e seu casal de namorados entraram na pista de dança e dançamos juntos algumas músicas pot-pourri dos anos 80 e 90. Vimos todos se divertindo na pista de dança onde o DJ tocou as músicas que escolhemos. Brindamos juntos com champanhe e logo após o jantar ter sido servido, a festa continuou animada. Juliete trocou seu vestido e conseguimos dançar mais com nossos amigos, mas estava mesmo era ansioso para ficar sozinho com a minha esposa. Por fim, puxei Juliete em um canto não podendo mais resistir. — Já podemos ir, meu amor? — Claro, estava esperando você me chamar, mas antes preciso jogar o buquê — ela falou e puxou meu lábio inferior enquanto acariciava meu cabelo, então, para disfarçar, arrumou minha gravata que estava torta devido a termos dançado tanto. — Então vamos lá, depois nos despedimos e saímos logo. Ela concordou e me puxou. Ela pegou o buquê de lisianto, as flores estavam lindíssimas e quase não a deixei jogar o buquê, mas a Sininho logo percebeu a intenção da amiga e chamou todas as mulheres da festa, que se reuniram atrás de Juliete na grama. Ela fez graça para jogar e, quando foi atirado no ar, todas gritaram histéricas pelo buquê, mas quem conseguiu pegar foi Catarina, minha irmã. Adam começou a gritar para o Benjamin, que foi de encontro a ela e levantou a mão, mostrando que ele já havia feito o pedido e ela aceitou. Então já tínhamos o próximo casório à vista.

Agradecemos a Alícia e Rosa que nos ajudaram a organizar um casamento tão lindo para nós dois, teve tanto amor e carinho, podíamos sentir em cada detalhe. Então, depois disso a levei para o carro que deixamos na frente do haras e abri a porta e ela entrou, em um silêncio que dizia mais que quaisquer palavras. Estava tão linda, que ainda bem que o chalé que preparamos ficava pertinho do haras. Quando chegamos ao quarto, que estava todo iluminado com luzinhas amarelas e rosas brancas, ficamos um tempo nos olhando e senti aquelas três palavras escaparem da minha boca, enquanto tirava o vestido da minha esposa. — Eu te amo, minha Ariel, e vou fazê-la muito feliz! — Eu te amo mais, meu lorde! — Beijei-a com todo o desejo que estava sentindo e a saudade também, pois passamos o dia todo sem nos vermos e estava realmente ficando louco por não poder vê-la. Tivemos uma noite perfeitamente perfeita e romântica e consegui sentir ainda mais amor pela minha esposa.

Quatro anos depois… Como fazer para vencer na vida? Há uma fórmula mágica que nos leve até a vitória? Tem como viver apenas realizando seus sonhos ou fazendo somente o que ama? Por quantos obstáculos ainda vou ter de passar? Vai doer muito quando eu cair? Terá alguém para me ajudar a levantar? Poderia ficar o dia todo aqui fazendo inúmeras perguntas, que, se for para pensar bem, só há uma resposta: tudo depende unicamente da força que há dentro de você. Por incrível que pareça isso é algo único, especial, particular, cada um tem sua resposta, é só olhar com muito amor para dentro de si mesmo e acreditar que é possível. Muitos diriam que cheguei até aqui porque tive influências da família ao qual faço parte hoje, mas não, eu escolhi subir cada degrau com meus

próprios passos. E se eu errar? Assumo, aprendo e sigo em frente para o próximo passo. Eu dizia isso sempre que abria uma palestra. Ultimamente, além de trabalhar no jurídico de uma das principais Organizações do país que ajudavam mulheres que sofreram violência doméstica continuava advogando na Scolari&Antúnez. Enquanto isso, Andreas se tornou um dos mais famosos pianistas clássicos do Brasil. Juntos decidimos simplesmente viver e realizar nossos sonhos ajudando pessoas que realmente precisavam de atenção, apoio, carinho e amor. Ele vinha ajudando muitas crianças que não tinham lar e eram abandonadas por quem os geraram. Ele montou uma Escola de Arte e Música junto com Frederico. Contaram com o apoio de seu professor, o Sr. Beaumont e vários outros profissionais da arte e música brasileira. Juntos eles construíram um lugar onde todos conseguiam se encontrar e serem salvos da violência, drogas, fome e muitos outros males que atingiam milhares de pessoas no nosso mundo. Sentia-me orgulhosa em estar na primeira fila do auditório do Museu de Arte de São Paulo, aquele em que nos vimos pela primeira vez e fomos marcados por um toque que mudou nossas vidas e nos fez descobrir que amar era uma das melhores coisas da vida. Hoje, apreciarei o trabalho maravilhoso que Andreas vinha fazendo com a orquestra e logo após a apresentação com eles, meu marido faria um show solo e já estava ansiosa para assistir. Todo o auditório ficou escuro, a luz se acendeu somente no palco especificamente em Andreas no piano, então a tela que eles colocaram atrás acendeu com o vídeo de um sol nascendo, os pássaros, as praias,

matas e rios. O toque da canção começou suavemente e rapidamente ganhou mais força, então outra luz acendeu e focou na violinista, que somava ao som do piano, atrás de Andreas as luzes azuis se acenderam e um DJ tocou. Ouvimos a voz de Frederico no fundo falando “A arte e a música salva”, então a orquestra do outro lado do palco recebeu luz completamente e o conjunto de todos juntos era impressionante e absurdamente envolvente. Nos fazia sentir que éramos capazes de tudo, nem conseguia explicar em palavras tamanha emoção que senti assistindo, então bailarinos surgiram em passos lindos e sincronizados, algumas outras luzes coloridas se acenderam em várias crianças mostrando a arte em quadros magníficos. Era uma explosão de arte e música que juntos faziam as lágrimas caírem, o coração acelerar e o corpo vibrar. Quando eles encerraram e as luzes se acenderam totalmente, toda a plateia, que lotou o auditório do MASP, aplaudiu de pé por muito tempo. Senti-me tão orgulhosa por estar ali e ter a oportunidade de ver e participar de algo tão lindo. Fiquei ainda mais feliz quando olhei para o lado e flagrei Eduardo Scolari aplaudindo sorridente e orgulhoso por ver seu filho se apresentando. Tenho que dizer o quanto ele evoluiu no sentido de estar mais próximo dos filhos sem se impor e intrometer, já estava passando da hora, já que Andreas e Catarina eram adultos e totalmente responsáveis e brilhantes. Sorri para ele e Catarina, que também estava aplaudindo o irmão ao lado de Rosa, que fez questão de vir assistir à apresentação. Para resumir, todas as pessoas importantes para o meu lorde estavam ali e ele ficou muito feliz em ver toda a sua família e amigos presentes.

Quando as cortinas se fecharam, todos se sentaram e, então, ouvimos um toque suave no fundo. — Prepare o seu coração, há uma nova apresentação a seguir. O pianista Andreas Scolari vai apresentar uma canção especial para vocês. As cortinas se abriram e a luz voltou a focar no meu marido lindo. Todos aplaudiram e ele agradeceu. Em seguida, ele pediu a atenção de todos falando no microfone: — Boa noite a todos! Estou imensamente feliz por estar me apresentando hoje aqui para vocês junto com a equipe maravilhosa da orquestra e conjunto de música e arte da nossa Organização. E tenho um prazer enorme em oferecer a vocês mais uma apresentação emocionante para encerrar a noite. Quero dedicar essa canção à pessoa que mais quis ao meu lado durante toda a minha vida, mas por motivos maiores ela não está mais entre nós. — Ele fez uma pausa, a voz já estava embargada. — Mãe, essa canção é em sua homenagem, me apaixonei pela música clássica de tanto vê-la tocar lindamente. A música me salvou em muitos momentos e me fez ser um homem ainda melhor nesses últimos anos, assim como o apoio e amor da mulher da minha vida que está sentada aqui na primeira fila, não sei o que seria de mim. Então essa é uma forma de agradecer também a toda a minha família, amigos e, claro, a todos vocês por acreditarem na música e na arte. Apreciem essa canção. A plateia aplaudiu novamente e ele se sentou em frente ao piano, fechou os olhos e deixou a emoção o dominar. Lindamente, o toque de Clair de Lune, de Debussy, invadiu o auditório. As notas traziam uma melancolia, singeleza além de ser serenamente angustiada, mas de uma forma linda e emocionante. A cada nota elevada, meu coração acelerou e me senti como na primeira vez que o vi tocar nesse mesmo lugar, me senti conectada com ele através da canção e por ver a forma como ele se

entregava passando os dedos pelas teclas do piano. Era realmente tocante e forte a forma como nos marcava. Depois de muitos aplausos e algum tempo abraçando diversas pessoas, Andreas se aproximou e me abraçou por trás na porta do Museu, onde eu o aguardava. Sentir seu corpo junto do meu e o perfume amadeirado ainda me deixava de coração acelerado, pernas bambas e um arrepio delicioso em minha pele. — Vamos para casa, minha Ariel? Mas antes vamos andar um pouco. — Como esperei por esse momento. Mas preciso dizer que foi emocionante te ver tocar primeiro junto com a orquestra e os bailarinos, que foi na verdade um espetáculo. Depois sozinho e sua homenagem foi lindíssima, meu amor. Parabéns, você é um pianista excepcional e admirável. — Eu tenho que te agradecer quantas vezes por ser a esposa mais maravilhosa e linda desse mundo? — Ah, meu lorde! — Ele me virou de frente e nos beijamos apaixonadamente e intensamente. Depois passeamos pela Avenida Paulista abraçados e fomos para casa. Andreas e eu conversávamos sobre tudo e isso era a base do nosso relacionamento, além do respeito e amor. Tudo isso andava junto e decidimos deixar o destino nos mostrar quando teríamos filhos. Por enquanto estávamos realizando nossos sonhos dedicando ao que amávamos realmente fazer. Peguei em minha pulseira e me lembrei da minha mãe, podia sentir que ela estava orgulhosa e feliz por mim, onde estivesse. Aquela noite eu tive mais certeza ainda que, quanto mais nos doamos para ajudar alguém, mais sua vida flui lindamente. Mas não se pode esperar nada em troca, no momento certo tudo acontece como tem de

ser, no meu caso e no de Andreas fomos marcados por um toque que mudou nossas vidas para sempre.

Primeiramente, agradeço a Deus pelo dom de escrever e de ter me dado forças para finalizar essa história que passei oito meses escrevendo, foi um alento em um dos momentos mais difíceis da minha vida. Andreas e Juliete me carregaram no colo e com todo amor me deram forças para continuar. A toda minha família pela compreensão, já que passei horas escrevendo. Obrigada por acreditarem tanto em mim. Agradeço ainda, de forma grandiosa, a Ana Deliane pelo apoio incondicional, principalmente quando chegamos na metade da história. Não posso me esquecer da minha beta maravilhosa, que puxou minha orelha e me fez perceber detalhes que não estava atenta, Wilka Maria, muito obrigada por tudo. Às betas Sabrina Almeida, Jaqueline Gonchoroski, Kah Bruce, Thalissa Betinelli e Lily Freitas, sem vocês eu nada seria. Também a minha amiga Anne Marck pelo apoio e incentivo quando falei dessa história e ela me deu muitas dicas valiosas. À Lucy Foster, Erica Macedo, Mary Dias e a todas pelo apoio incrível que me deram durante todo o tempo que levei para escrever.

À capista Mirella Santana que, com todo seu talento excepcional, ilustrou tão perfeitamente meus personagens em uma capa lindíssima que me deixou emocionada. À ilustradora Rosa Aguiar, que se entregou de mente e coração a Andreas e Juliete para desenhá-los e ficaram realmente perfeitos. A minha revisora, Carla Santos, como sempre maravilhosa e atenciosa comigo. Obrigada por ser, além de tudo, uma amiga que se entrega de coração a meus livros. Agradeço de todo meu coração a minhas leitoras por todo carinho, apoio, paciência e amor. Vocês são tudo para mim. Por fim, agradeço a Andreas e Juliete por não desistirem e não me deixarem cair. Vocês estarão sempre em meu coração.

Caroline Nonato, 29 anos, geminiana, mineira e estudante de Nutrição, sempre foi apaixonada por livros. Completamente viciada pela leitura, acabou se encantando pelas novas sensações que a levaram a começar a escrever. Em suas folgas da faculdade e do trabalho, tomou gosto e amor pela escrita e se aventurou na história de seus personagens. Começou a publicar suas histórias no Wattpad e amou o feedback dos leitores. Tomada por emoções intensas e uma inspiração incrível, saiu de sua zona de conforto escrevendo um drama romântico. Atualmente, possui cinco obras publicadas na Amazon: Foster, Intense, The player, Ramaro e Marcados por um toque.

Site: www.carolinenonato.com.br

Facebook: Caroline Nonato www.facebook.com/caroline.nonato.9 Fanpage: www.facebook.com/carolinenonatoromances/ Instagram: @carolinenonaoautora

1) Lei n° 9.279/1996 ↵

2) Trechos retirados do Artigo Violência doméstica contra a mulher: um estudo de caso e seus reflexos jurídicos e Lei Maria da Penha. ↵
Marcados Por Um Toque - Caroline Nonato

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