Álvaro Villaça Azevedo - Curso de direito civil teoria geral das obrigações e responsabilidade

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ISBN 9788553609642

Azevedo, Álvaro Villaça Curso de direito civil : teoria geral das obrigações e responsabilidade civil / Álvaro Villaça Azevedo. – 13. ed. – São Paulo : Saraiva Educação, 2019. (Curso de direito civil ; v. 2) 1. Direito civil - Brasil 2. Obrigações (Direito) 3. Responsabilidade (Direito) I. Tí tulo. 18-1627 CDU 347(81)

Índices para catálogo sistemático: 1. Brasil : Direito civil 347(81)

Diretoria executiva Flávia Alves Bravin Diretora editorial Renata Pascual Müller Gerência editorial Roberto Navarro Consultoria acadêmica Murilo Angeli Dias dos Santos Edição Eveline Gonçalves Denardi (coord.) | Daniel Pavani Naveira Produção editorial Ana Cristina Garcia (coord.) | Carolina Massanhi | Luciana Cordeiro Shirakawa | Rosana Peroni Fazolari Arte e digital Mônica Landi (coord.) | Claudirene de Moura Santos Silva | Guilherme H. M. Salvador | Tiago Dela Rosa | Verônica Pivisan Reis Planejamento e processos Clarissa Boraschi Maria (coord.) | Juliana Bojczuk Fermino | Kelli Priscila Pinto | Marília Cordeiro | Fernando Penteado | Mônica Gonçalves Dias | Tatiana dos Santos Romão Novos projetos Fernando Alves Diagramação (Livro Físico) Ofá Design Revisão Jefferson Rosado Capa Mônica Landi

Livro digital (E-pub) Produção do e-pub Guilherme Henrique Martins Salvador

Data de fechamento da edição: 7-12-2018

Dúvidas? Acesse www.editorasaraiva.com.br/direito Nenhuma parte desta publicação poderá ser reproduzida por qualquer meio ou forma sem a prévia autorização da Editora Saraiva. A violação dos direitos autorais é crime estabelecido na Lei n. 9.610/98 e punido pelo artigo 184 do Código Penal.

SUMÁRIO

Obras publicadas Prefácio 1 - Âmbito do direito das obrigações 1 Generalidades 2 Âmbito 3 Quadro da matéria 2 - Posição do direito das obrigações no Código Civil brasileiro 1 Código Civil vigente 3 - Características principais do direito das obrigações 1 Breve estudo das características 4 - Evolução histórica do conceito de obrigação 1 Direito grego 2 Direito romano 3 Conceito moderno de obrigação 5 - Sentidos da palavra dever 6 - Elementos constitutivos da obrigação 1 Noções gerais 2 Elemento subjetivo 3 Elemento espiritual 4 Elemento objetivo

7 - Obrigação e responsabilidade 1 Diferença entre os institutos 8 - Fontes das obrigações 1 Fontes do Direito 2 Fontes das obrigações no Direito romano 3 Lei como fonte das obrigações 4 Fontes das obrigações segundo o Código Civil 9 - Classificação das obrigações 1 Espécies de obrigações em nosso Código 2 Espécies de obrigações quanto a seus elementos 3 Outras espécies de obrigações 10 - Obrigações de dar coisa certa 1 Noção de obrigação de dar e de entregar ou de restituir 2 A entrega ou restituição do objeto da prestação jurídica cognomina-se, tecnicamente, tradição 3 Tradição como transferência dominial 4 Perecimento ou deterioração do objeto, com ou sem culpa do devedor 5 Princípio res perit domino 6 Acessórios do objeto, nas obrigações de dar 11 - Obrigações de dar coisa incerta 1 Configuração da coisa incerta 2 Direito de escolha 12 - Obrigações de fazer 1 Noção de obrigação de fazer 2 Diferença entre as obrigações de dar e de fazer

3 Espécies de obrigação de fazer 4 Inadimplemento das obrigações de fazer 13 - Obrigações de não fazer 1 Noção de obrigação de não fazer 2 Inadimplemento da obrigação de não fazer 14 - Obrigações alternativas 1 Conceito de obrigação alternativa 2 Direito de escolha 3 Decadência do direito de escolha 4 Impossibilidade de cumprimento das alternativas 15 - Obrigações divisíveis e indivisíveis 1 Conceito de obrigação divisível e indivisível 2 Divisibilidade e indivisibilidade nas obrigações de dar, fazer e não fazer 3 Efeitos da divisibilidade e da indivisibilidade 16 - Obrigações solidárias 1 Conceito de obrigação solidária 2 Diferenças entre indivisibilidade e solidariedade 3 Solidariedade ativa 4 Solidariedade passiva 17 - Transmissão das obrigações 1 Noções gerais 18 - Cessão de crédito 1 Generalidades 2 Conceito e natureza jurídica

3 Objeto da cessão de crédito 4 Espécies de cessão de crédito 5 Notificação do devedor 6 Responsabilidade do cedente 7 Crédito penhorado 19 - Assunção de dívida 1 Generalidades 2 Conceito 3 Espécies 4 Efeitos 20 - Cessão da posição contratual 1 Terminologia utilizada 2 Conceito e espécies 3 Natureza jurídica 4 Cessão da posição contratual no Direito brasileiro 21 - Adimplemento ou execução e extinção das obrigações 1 Significado do termo adimplemento ou execução 2 Elementos do pagamento 3 Pagamento puro e simples 22 - Sujeito ativo e passivo do pagamento 1 Normas quanto ao pagador 2 Normas quanto ao recebedor 23 - Lugar, tempo e modo do pagamento 1 Normas quanto ao lugar do pagamento. Dívida quesível e portável

2 Normas quanto ao tempo do pagamento 3 Obrigações sem prazo e sem condição (puras) 4 Obrigações com prazo e condicionais (impuras) 5 Cobrança antecipada do débito 6 Normas quanto ao modo do pagamento 24 - Objeto do pagamento. Dívida em dinheiro e de valor 1 Considerações preliminares 2 Conceito e diferença entre dívida em dinheiro e de valor 3 Cláusula de escala móvel e evolução do sistema corretivo da moeda 4 Inovações no atual Código Civil 5 Curso forçado e legal da moeda 6 Diferença entre cláusula de escala móvel e teoria da imprevisão 25 - Prova do pagamento 1 Quitação, seus requisitos de validade e recibo 2 Prova de pagamento pela entrega do título 3 Perda ou extravio do título representativo da obrigação 4 Pagamento em cotas sucessivas 5 Situação dos juros ante a quitação do capital 6 Despesas com o pagamento e com a quitação 26 - Outros meios de extinção obrigacional 1 Generalidades 27 - Pagamento em consignação 1 Noções gerais 2 Natureza jurídica 3 Depósito em estabelecimento bancário

4 Hipóteses de pagamento em consignação fixadas no Código Civil 5 Requisitos de validade do pagamento por consignação 6 Levantamento do depósito 7 Consignação de coisa certa e incerta 8 Despesas da consignação 9 Prestações periódicas 10 Outras regras processuais 28 - Pagamento com sub-rogação 1 Sub-rogação real e pessoal 2 Noções gerais 3 Conceito 4 Sub-rogação legal 5 Sub-rogação convencional 6 Efeitos da sub-rogação 29 - Imputação do pagamento 1 Conceito 2 Autor da imputação 3 Imputação sobre juros 30 - Dação em pagamento 1 Conceito 2 Regras da dação 31 - Novação 1 Conceito 2 Espécies 3 Outras regras

32 - Compensação 1 Conceito 2 Espécies 3 Requisitos existenciais da compensação legal 4 Compensação de débitos fiscais 5 Compensação nas obrigações solidárias 6 Outras regras 33 - Confusão 1 Noções gerais 2 Espécies 3 Restabelecimento da obrigação 34 - Remissão das dívidas 1 Conceito 2 Modos de remissão 3 Remissão de garantia 4 Remissão a codevedor 35 - Descumprimento obrigacional. Mora e inadimplemento absoluto 1 Generalidades 2 Conceito de mora e de inadimplemento absoluto 3 Mora do devedor 4 Mora do credor 5 Purgação da mora 36 - Efeitos da inexecução obrigacional 1 Generalidades

37 - Perdas e danos 1 Conceito 2 Dano patrimonial e dano moral 3 Dano emergente e lucro cessante, direto e indireto 4 Perdas e danos nas obrigações de pagamento em dinheiro 5 Perda de uma chance 38 - Juros legais 1 Conceito 2 Espécies 3 Outros dispositivos 4 Juros bancários 39 - Correção monetária 1 Generalidades 2 Princípio do nominalismo e correção monetária (evolução histórica) 3 Conceito 4 Espécies 40 - Cláusula penal 1 Generalidades 2 Conceito 3 Natureza jurídica 4 Espécies 5 Valor 6 Divisibilidade e indivisibilidade da obrigação e da cláusula penal 41 - Arras ou sinal 1 Direito Romano

2 Conceito 3 Espécies 4 Atual Código Civil 42 - Inexecução obrigacional escusável. Caso fortuito. Força maior 1 Generalidades 2 Conceito de caso fortuito e de força maior 3 Exceção à regra de não indenizar 43 - Responsabilidade civil 1 Conceito 2 Responsabilidade contratual e extracontratual 3 A culpa como fundamento da responsabilidade extracontratual e o risco 4 Minha proposta de subclassificação da responsabilidade civil extracontratual objetiva: em pura e impura 5 Nexo de causalidade 5.1 Conceito 5.2 Teorias explicativas 5.3 Excludentes 6 Responsabilidade civil em nosso Código 6.1 Generalidades 6.2 Responsabilidade de indenizar 6.3 Responsabilidade dos pais, tutores e curadores 6.4 Responsabilidade do empregador ou comitente 6.5 Responsabilidade dos hoteleiros 6.6 Responsabilidade dos participantes a título gratuito, em produto de crime 7 Direito de regresso do indenizador do dano

8 Responsabilidade civil e criminal 9 Responsabilidade objetiva no Código Civil 10 Responsabilidade civil em algumas leis extravagantes 11 Responsabilidade civil das pessoas jurídicas de Direito Público 44 - Indenização 1 Noções gerais 2 Conceito 3 Extensão do dano 4 Graduação da culpa 45 - Liquidação das obrigações 1 Noções gerais 2 Conceito 3 Obrigação líquida e ilíquida 4 Espécies de liquidação 5 Liquidação convencional 6 Liquidação legal 7 Fixação do valor do dano moral 8 Liquidação judicial 46 - Preferências creditícias 1 Conceito 2 Concurso de credores 3 Categorias das preferências 4 Ordem preferencial no Direito Público 5 Ordem preferencial no Direito Privado 6 Outras normas

Referências bibliográficas

OBRAS PUBLICADAS

1. Curso de direito civil: teoria geral do direito civil: parte geral. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2019. 2. Curso de direito civil: teoria geral das obrigações e responsabilidade civil. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 2019. 3. Curso de direito civil: teoria geral dos contratos típicos e atípicos. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2019. 4. Curso de direito civil: contratos. 1. ed. São Paulo: Saraiva, 2019. 5. Curso de direito civil: direito das coisas. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2019. 6. Curso de direito civil: direito de família. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2019. 7. Curso de direito civil: direito das sucessões. 1. ed. São Paulo: Saraiva, 2019. 8. Código Civil comentado. Coord. Álvaro Villaça Azevedo. Negócio jurídico. Atos jurídicos lícitos. Atos ilícitos. São Paulo: Atlas, 2003. v. 2 (artigos 104 a 188). 9. Código Civil comentado. Com Gustavo René Nicolau. Coord. Álvaro Villaça Azevedo. Das pessoas e dos bens. São Paulo: Atlas, 2007. v. 1 (artigos 1º a 103). 10. Estatuto da família de fato. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2011. 11. Código Civil anotado e legislação complementar. Com Sílvio de Salvo Venosa. São Paulo: Atlas, 2004. 12. Comentários ao Código Civil. Coord. Antonio Junqueira de Azevedo. Do

bem da família, da união estável; da tutela e da curatela. São Paulo: Saraiva, 2003. v. 19 (artigos 1.711 a 1.783). 13. Comentários ao novo Código Civil. Coord. Sálvio de Figueiredo Teixeira. Das várias espécies de contrato. Da compra e venda. Do compromisso de compra e venda. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2012. v. VII (artigos 481 a 532). 14. Exercícios práticos de direito civil: teoria geral das obrigações. 4. ed. Belém: Cejup, 1987. 15. Bem de família: com comentários à Lei 8.009/90. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2010. 16. Dever de coabitação, inadimplemento. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2009. 17. Contratos inominados ou atípicos e negócio fiduciário. 3. ed. Belém: Cejup, 1988. 18. Tratado da locação predial urbana. Com Rogério Lauria Tucci. São Paulo: Sa-raiva, 1988. 2 v. 19. Direito privado: casos e pareceres. Belém: Cejup, 1986. v. 1; 1988. v. 2; 1989. v. 3. 20. Do concubinato ao casamento de fato. 2. ed. Belém: Cejup, 1987. 21. Prisão civil por dívida. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012. 22. Negócio fiduciário. Revista Trimestral de Direito Privado. São Paulo: Recta, ano 1, v. 1, p. 25-81, 1970. 23. 295 verbetes na Enciclopédia Saraiva de Direito. São Paulo: Saraiva, 1977-1982 (78 v.).

A minha querida esposa EVELINA, companheira de todas as horas. A meus filhos MARCELO, ANDRÉA, MARCOS E PATRÍCIA, razões de minha existência. A meus netos NICHOLAS, LUCAS, RAFAEL, MARIANA, PEDRO, CAMILA, VICTOR e ÁLVARO, nossa continuação, nosso futuro.

Agradecimento à minha filha Andréa de Almeida Villaça Azevedo, que colaborou com a digitação e a atualização deste livro.

PREFÁCIO

Meus alunos, As presentes lições mostram o Direito Civil por meio de esquemas, nas quais está demonstrada, com muita simplicidade, a substância indispensável da matéria central da Ciência do Direito Obrigacional. Nessas modestíssimas lições, não me moveu intuito de retratar erudição ou pesquisas mais aprofundadas, a não ser o resultado destas num plano acessível. É como se, na Faculdade de Direito, estivesse a nós, professores e alunos, entregue a responsabilidade de estudo dos institutos jurídicos, por um método racional, objetivo; primeiramente, sentindo suas informações mais genéricas, nos fatos da existência, depois, analisando seus elementos, as circunstâncias conhecidas, para, a final, apresentar-se uma síntese à altura do estudo feito, sem o emaranhado das grandes teses, sem a preocupação de muita erudição, mas com o fito de bom entendimento de uma essência duradoura, que não muda porque é simples, como deve ser toda Ciência. É certo que nosso sonho é o de construir o Templo do Direito, mas, sabem vocês, que nenhum edifício se constrói sem um bom alicerce. Por isso é melhor que sejam bem plantadas as bases da nossa Matéria para que, cada vez mais, e, a partir de agora, comecem vocês, ou reiniciem, a pesquisa bem dirigida, paralelamente a essas lições, a sentirem os meandros do Direito Civil.

O homem não pode construir Ciência só pelas teorias; é preciso, dada a sua posição de ser relativo, que praticize suas ideias, pois não tem ele o condão de descobrir as grandes essências do absoluto. Empiricamente, vai ele palmilhando pelas veredas da vida, descobrindo, na própria matéria da existência, o perfume das melhores flores do jardim do pensamento, da imaterialidade. Nessa posição de ente relativo é que o homem trabalha na Ciência Jurídica para descobrir, sempre por meio de um trabalho organizado, uma reformulação mais perfeita, no âmbito do Direito, para normatização mais apurada das suas relações. Esclareço, mais, a vocês que a linguagem de que me utilizei neste trabalho foi a mais direta, a mais simplificada, para que a mensagem de nossa Cadeira possa chegar nítida, como deveria ser a mensagem dos Códigos. Os defeitos ainda existem, porque tudo o que o homem faz, pela crítica construtiva, deve ser aperfeiçoado, como se o tempo fosse um grande filtro por onde passam todos os fatos da vida, purificando-se para o futuro, a justificar o princípio segundo o qual o tempo resolve todos os problemas (tempus omnia solvit). Mas, movendo-me, nesta obra, gravado no meu peito o idealismo, que não pode perecer ante as imperfeições humanas, lembro, com humildade, a frase de Marco Túlio Cícero, que deve ser o lema dos que transmitem o conhecimento, dos que transmitem mensagens à humanidade, dos que comunicam a soma de experiência vivida para encobrir os erros do passado, numa tentativa de tender ao divino, de olhar para os céus, se não com propósitos de se tornarem absolutos, mas sim com o de evocarem as luzes das estrelas, para a iluminação das mentes, a luz do sol, para se sentir de perto o

calor humano, e o nunca acabar do infinito, para se descobrirem as verdades eternas: Non solum aliquid scire artis est, sed est quaedam ars etiam docendi (“Não só é de conhecer-se alguma coisa de arte, mas também uma certa arte de ensinar”). O Autor

1 ÂMBITO DO DIREITO DAS OBRIGAÇÕES

1 Generalidades A pessoa, vivendo em sociedade, participa das mais variadas relações, sendo o centro das atenções da Ciência do Direito. O ente humano, dotado de razão, é, dessa maneira, um verdadeiro feixe de direitos e deveres, considerado, sempre, em relação a seu próximo. Entretanto, no capítulo dos direitos, há os que se aninham na própria pessoa humana, são a ela inerentes, sendo chamados direitos da personalidade, estudados na Parte Geral do Direito Civil, como o direito à vida, à liberdade, ao decoro, ao nome, à disposição do próprio corpo, e de tantos outros, que integram a pessoa em seu interior, em sua parte mais íntima. A Constituição da República Federativa do Brasil, promulgada em 5 de outubro de 1988, refere-se a alguns desses direitos, especialmente em seu art. 5o. Ressalta ela que um de seus princípios fundamentais é o respeito à dignidade humana (art. 1o, III). O Código Civil brasileiro de 1916 não possuía um capítulo a sistematizálos, mas muitos desses direitos estavam tratados esparsamente, como é o caso dos direitos autorais, do direito ao nome, entre outros, até que o nosso

legislador atenda à necessidade de sua sistematização em um corpo único de lei a tratar dessa importante matéria. O atual Código Civil instituiu um capítulo sobre os direitos da personalidade, do art. 11 ao 21. 2 Âmbito Contudo, nosso propósito, agora, é o de fixar o âmbito de nossa matéria, o Direito das Obrigações, cujo estudo nos vai ocupar neste trabalho. Assim, quando os direitos não são exercidos sobre a própria pessoa humana, quando eles não se agasalham na intimidade do ser humano, eles se exercitam fora dele, sobre um bem jurídico exterior, como se, figurativamente, esses direitos dele saíssem e fossem morar na própria sociedade. Esses bens jurídicos exteriores ao ser humano, que recebem a atuação de direitos, são, sempre, de valor econômico, daí chamarem-se esses direitos de patrimoniais, que, por sua vez, se dividem em reais e obrigacionais, também conhecidos estes últimos por direitos pessoais ou de crédito. Como já estudamos na Parte Geral do Direito Civil, o bem jurídico sempre se apresenta com esse caráter econômico, sendo tudo quanto seja suscetível de apropriação exclusiva pelo homem apreciável economicamente, dentro do critério da utilidade e da raridade. Desses direitos patrimoniais destacam-se, primeiramente, os direitos reais, que estão assentados sobre um objeto especificamente considerado em determinado patrimônio, é o ius in re, o direito recaindo sobre a coisa, que foi assim conceituado por Lafayette Rodrigues Pereira1: “O direito real é o que

afeta a coisa direta e imediatamente, sob todos ou sob certos respeitos, e a segue em poder de quem quer que a detenha.” Pelo direito real a coisa fica sujeita, diretamente, à vontade de seu titular, que exerce esse direito sem intervenção de quem quer que seja. Por exemplo, o direito de propriedade. Apresenta ele, principalmente, o titular do direito e a coisa sobre que se exerce esse mesmo direito. O proprietário de determinado objeto, exercendo sobre ele seu direito de propriedade, tem o poder de seguilo, de ir buscá-lo, onde quer que se encontre. Os direitos reais integram o Direito das Coisas. Já os direitos obrigacionais, pessoais ou de crédito, serão objeto de nosso estudo nesta oportunidade, uma vez que os mesmos se enquadram no Direito das Obrigações, constituindo o seu âmbito. Os direitos obrigacionais pertencem, como os reais, ao campo dos direitos patrimoniais, entretanto, dependem do cumprimento de uma prestação devida pelo devedor ao credor, que se encontram vinculados em uma relação jurídica obrigacional. Por exemplo, numa determinada relação jurídica obrigacional, certa pessoa (devedor) compromete-se a entregar um objeto (uma estatueta) a outro indivíduo (credor), podendo este exigir daquele a prestação jurídica desse mesmo objeto. 3 Quadro da matéria Podemos, agora, sintetizar a matéria exposta pelo quadro a seguir:

Direitos Patrimoniais Obrigacionais (também chamados pessoais ou de crédito) = Âmbito do Direito das Obrigações.

2 POSIÇÃO DO DIREITO DAS OBRIGAÇÕES NO CÓDIGO CIVIL BRASILEIRO

1 Código Civil vigente O Direito das Obrigações encontrava-se no terceiro Livro na Parte Especial do nosso Código Civil de 1916, sendo que, após o estudo de sua Parte Geral, no primeiro ano do Curso Jurídico, se se fosse seguir a ordem desse Código anterior, dever-se-ia estudar o primeiro Livro da Parte Especial, ou seja, o que correspondia à rama do Direito de Família. Entretanto, sem o conhecimento do Direito das Obrigações, torna-se mais difícil a compreensão dos outros Livros que compõem a Parte Especial desse Código: o Direito das Coisas, o Direito de Família e o Direito das Sucessões. O atual Código Civil2 bem posicionou a matéria, reservando, em sua Parte Especial, o primeiro Livro ao Direito das Obrigações, o segundo ao Direito de Empresa, o terceiro ao Direito das Coisas, o quarto ao Direito de Família e o quinto, e último Livro, ao Direito das Sucessões, como vinha acontecendo com o anteprojeto e o projeto de Código Civil. O tratamento jurídico do Livro relativo ao Direito Obrigacional, objeto de consideração neste volume, ficou à cura de Agostinho de Arruda Alvim. Destaque-se que, no projeto (634-B), o segundo Livro passou a denominarse Do Direito de Empresa. Antes era rotulado de Atividade Negocial.

Assim, após o estudo das considerações gerais no Direito Civil, com melhores resultados didáticos, em sua Parte Especial, sentimos a melhor presença, em primeiro lugar, do conhecimento das relações jurídicas obrigacionais (Direito das Obrigações), depois as de direito real (Direito das Coisas), em seguida as relações jurídicas no organismo familiar (Direito de Família) e, a final, as de direito sucessório (Direito das Sucessões), a cerrar o Código Civil com o fato jurídico da morte, com as consequências dele decorrentes. Ensinam-nos os autores que esse critério didático, nessa sequência apresentado, data de 1931 e se inspirou na sistemática do Código Civil alemão.

3 CARACTERÍSTICAS PRINCIPAIS DO DIREITO DAS OBRIGAÇÕES

1 Breve estudo das características O Direito das Obrigações, antes de mais nada, está assentado no princípio da autonomia da vontade, pois, fixando normas gerais, inclusive dos contratos, deixa à vontade individual um campo enorme para sua manifestação. As pessoas têm ampla liberdade no externar sua vontade, desde que não desrespeitem os princípios gerais de direito e que não resultem feridos a ordem pública e os bons costumes. Daí a ampla autonomia que se dá à vontade nessa importante rama do Direito Civil. As pessoas devem, ainda, comportar-se com probidade e boa-fé, respeitando a função social do contrato, a parte mais fraca e a dignidade humana. O Direito das Obrigações, dos ramos do Direito Civil, é o que menos se torna sensível às mutações sociais. Entretanto, não se pode dizer que seja ele imutável, pois o Direito não deixa de ser a própria vida social normatizada, regulamentada pelas normas. O Direito não pode estatizar-se. O mesmo não ocorre com o Direito das Coisas e o Direito de Família, aquele por estar ligado à organização política e social, este por ligar-se, diretamente, à moral e à religião.

Por essas razões, também, é que o Direito das Obrigações não sofre influências locais, como acontece, principalmente, com o Direito de Família. Dependendo do regime societário, dos costumes locais, preponderantemente os morais e religiosos, estrutura-se o Direito de Família. O Estado procura não interferir no organismo familiar, buscando, tão somente, regulamentar os efeitos que decorrem dessas aspirações do povo, dessas relações familiares. O que se quer mostrar é que o Direito das Obrigações, não sofrendo muito essas injunções locais, é universal, quase que imutável, pois as situações dele decorrentes são, praticamente, as mesmas em todo o mundo. Por exemplo, a compra e venda apresenta-se com as mesmas características gerais em qualquer país. É, de um lado, o vendedor, que se propõe a vender determinado objeto ao comprador, que, de outro lado, por sua vez, manifestando sua intenção de comprar, se compromete a pagar o preço desse mesmo objeto. A evolução do Direito das Obrigações está presa ao elemento econômico e se faz muito lentamente. Chegou a dizer Orlando Gomes3 que “é através das relações obrigacionais que se estrutura o regime econômico, sob formas definidas de atividade produtiva e permuta de bens”. E conclui: “Enfim, retrata o Direito das Obrigações a estrutura econômica da sociedade.” É o Direito das Obrigações, ainda, o que mais se presta à unificação, levada a efeito por muitos países, que, nesse campo obrigacional, unificaram o Direito Civil e o Comercial, como a Suíça (Código Federal das Obrigações, de 1881, revisado em 1911), a Polônia (Código Civil das Obrigações, de 1933), a Itália (Livro IV do Código Civil, de 1942), a Turquia (Código Civil Turco, de 1869 – obrigações e direitos reais), entre outros.

A Suíça foi o primeiro país que intentou essa unificação; entretanto, foi no Brasil que, pela primeira vez, se falou nessa unificação, pela palavra festejada do grande jurista Augusto Teixeira de Freitas. Em 1911, Inglês de Souza elaborou um projeto, em razão da Lei n. 2.379, que foi aprovada pelo Senado Federal, tendo, entretanto, parado seu curso na Câmara dos Deputados. Esse projeto pretendia a unificação do Direito Privado. Em 1941, no Brasil, foi divulgado o Anteprojeto de Código de Obrigações, elaborado pelos Ministros Orosimbo Nonato, Philadelpho Azevedo e Hahnemann Guimarães, que não chegou a ser submetido ao Legislativo. Aduza-se que, em 1964, nosso Governo propôs-se a essa unificação, novamente, tendo sido elaborados três Anteprojetos de Código de Obrigações (o primeiro pelo Prof. Caio Mário da Silva Pereira, versando sobre a Obrigação e suas Fontes; o segundo pelo Prof. Theophilo Azeredo Santos, abordando a matéria relativa aos títulos de crédito; o terceiro pelo Prof. Sylvio Marcondes, referente aos empresários e às sociedades), que foram unidos e convertidos no Projeto de Código de Obrigações, em 1965, que não teve mais seguimento. Mas, sobre a unificação do Direito das Obrigações, manifestou-se, no Relatório daquele Projeto de Código de Obrigações, por ele elaborado, o Prof. Caio Mário da Silva Pereira4: Este Projeto, com tais características, se convertido em lei, porá o Brasil na linha dos sistemas contemporâneos que repelem a dicotomia incongruente do Direito Privado, e consagrará uma ideia, que antes de ser posta em prática na codificação de sistemas jurídicos de povos do mais elevado conceito, já era nossa, preconizada que fora, antes de todos, pelo mais genial de nossos civilistas, Teixeira de Freitas.

Submeteu-se à reforma nossa legislação civil, tendo nosso atual Código Civil realizado um tratamento unitário, em seu próprio corpo, do direito privado. A França e a Itália chegaram a elaborar, em 1929, um Projeto de Código Unificado das Obrigações, sendo certo que já se falou em Código Universal de Obrigações. Assim, percebe-se que as características principais do Direito das Obrigações podem sintetizar-se no seguinte quadro:

a) assentado sobre o princípio da autonomia da vontade; b) menos sensível às mutações sociais; c) não sofre influências locais; d) universal; e) evolução ligada ao fator econômico; f) presta-se mais à unificação.

4 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO CONCEITO DE OBRIGAÇÃO

1 Direito grego Vamos, aqui, estudar a obrigação no passar do tempo, na Grécia, no direito romano e em nossos dias. Se procurarmos nas fontes gregas, não encontraremos uma definição de obrigação, embora tivessem os gregos noção desse instituto jurídico. Contudo, eles não firmaram bem sua conceituação, não vislumbraram nitidamente seus elementos componentes, que serão objeto de nosso estudo mais adiante. Foi Aristóteles quem dividiu as relações obrigatórias em dois tipos: as voluntárias e as involuntárias, como se sua classificação pudesse ser referida pelo quadro a seguir:

As primeiras relações foram chamadas, depois, pelos romanos, como veremos, de obrigações ex contractu (provenientes do contrato) e as

segundas, de obrigações ex delicto (provindas do delito, do ato ilícito). Aristóteles subdividiu as relações obrigatórias involuntárias, decorrentes de atos ilícitos, em dois outros tipos, assim:

Colocou esse filósofo entre as relações nascidas do acordo das partes, do contrato (relações obrigatórias voluntárias), a compra e venda, o mútuo e o comodato (contratos de empréstimo), o depósito, dentre outras figuras contratuais; entre as relações obrigatórias involuntárias nascidas do ato ilícito cometido às escondidas o furto, o adultério, além de outros atos ilícitos com essa mesma característica, entre as relações obrigatórias involuntárias provenientes de ato ilícito cometido com violência enumerou, dentre outros, o homicídio e o roubo. Isto no Direito grego. 2 Direito romano Por outro lado, o velho Direito romano não conheceu o termo obrigação, o qual não se encontra no texto da Lei das XII Tábuas e muito menos na terminologia jurídica dessa época. Como nos mostra J. Ortolan5, a expressão antiga parece ter sido nexum (espécie de empréstimo), do verbo latino nectere, que significa ligar, prender, unir, atar. O nexum conferia poder ao credor de exigir do devedor o cumprimento de determinada prestação. Em caso de inadimplemento, de não cumprimento

obrigacional, respondia esse devedor com seu próprio corpo, podendo ser reduzido à condição de escravo, o que se dava por meio da actio per manus iniectionem (ação pela qual o credor podia vender o devedor como escravo, além do rio Tibre). A Tábua Terceira, da Lei das XII Tábuas, não deixa dúvidas quanto à existência dessa execução pessoal, estatuindo, expressamente, em sua lei n. 9, o seguinte: Se são muitos os credores, é permitido, depois do terceiro dia de feira, dividir o corpo do devedor em tantos pedaços quantos sejam os credores, não importando cortar mais ou menos; se os credores preferirem, poderão vender o devedor a um estrangeiro, além do Tibre (Tabula Tertia – De rebus creditis – 9: Ast si plures erunt rei, tertis nundinis parteis secanto; si plus minusve secuerunt, se fraudesto: Si volent, uls Tiberim peregre venumdanto).

Isto porque a Tábua Sexta, dessa mesma Lei, assegurava que: “Se alguém empenha a sua coisa ou vende em presença de testemunhas, o que prometeu tem força de lei (Tabula Sexta – De dominio et possessione – I: Quum nexum faciet mancipiumque, uti lingua nuncupasit, ita ius esto).” Nesses tempos antigos, o cumprimento obrigacional, entre os romanos, deveria ocorrer espontaneamente, sendo certo que, muitas vezes, o devedor oferecia em penhor determinada coisa ao credor, que ficava em poder da mesma até que fosse realmente cumprida a obrigação, tendo o nexum surgido com a organização da cidade (civitas), com características semelhantes ao mútuo (empréstimo). A obrigação, sendo um instituto jurídico mais moderno do que o nexum, surgiu bem definida no Baixo Império, quando não mais se admitia a

execução pessoal, isto desde o advento, no século IV a.C., da Lei Petélia Papíria (Lex Poetelia Papiria). Assim, antes dessa Lei, a obrigação era vínculo meramente pessoal, sem qualquer sujeição ao patrimônio do devedor, sendo que, estando o devedor vinculado à obrigação com seu próprio corpo, o credor tinha direito sobre seu cadáver. Daí não admitir o Direito romano, nessa época, a cessão e transferência de obrigação de qualquer espécie, fosse realizada pelo credor ou fosse pelo devedor, pois a obrigação se apresentava com esse caráter pessoal, a vincular pessoas determinadas. Com o progresso do conceito de obrigação, passou sua execução, no caso de seu não cumprimento, da pessoa do devedor para o patrimônio deste, perdendo aquela antiga e deplorável característica que possuía. Para sentirmos a diferença entre a conceituação de obrigação dos romanos e a de nossos dias, transcreveremos as duas clássicas definições de obrigação, a dos jurisconsultos de Justiniano e a de Paulo. Os jurisconsultos de Justiniano6 definiram a obrigação como sendo o vínculo jurídico por necessidade do qual nos adstringimos a solver alguma coisa, segundo os direitos de nossa cidade (Obligatio est iuris vinculum, quo necessitate adstringimur alicuius solvendae rei, secundum nostrae civitatis iura).

Paulo7 mostrou, definindo-a, que a essência da obrigação não consiste em que se faça uma coisa corpórea ou uma servidão, mas em que se obrigue outrem a nos dar, fazer ou entregar alguma coisa (Obligationum substancia non in eo consistit, ut aliquod corpus nostrum aut servitutem nostram faciant, sed ut alium nobis obstringant ad dandum aliquid, vel faciendum vel praestandum).

As características conceituais da obrigação continuaram, praticamente, as mesmas, diferenciando-se a obrigação do Direito moderno pelo conteúdo econômico da prestação. Realmente, em caso de descumprimento obrigacional, como vimos, o devedor responde junto a seu credor com o seu patrimônio e não mais com sua própria pessoa. Essa característica econômica da obrigação, que incide sobre o patrimônio deste, retirou aquela importância central sobre a pessoa do devedor, possibilitando, hoje, a perfeita transmissibilidade das obrigações que era sumamente impossível entre os romanos. Vemos, ainda, que, no Direito romano, ao lado da verdadeira violência de execução pessoal, contra o devedor, existiam os pactos, que não eram assegurados por ação em Juízo. Hoje, qualquer obrigação contraída, desde que não contravenham as leis, a ordem pública e os bons costumes, é, perfeitamente, válida no mundo do Direito. O Código Civil francês, que é de 1804, deixou patente em seu texto essa conquista do Direito moderno, que deita raízes no Direito romano, referindo, expressamente, em seu art. 2.093, entre outras coisas, que “os bens do devedor são a garantia comum de seus credores (Les biens du débiteur sont le gage commun de ses créanciers)”. Biondo Biondi8 esclarece, com rara clareza, que a execução patrimonial desempenha melhor função do que a pessoal, pois nesta o credor realiza o obligatio, enquanto se apossa da pessoa vinculada, não obtendo, desta forma, a satisfação de seu crédito; naquela, ou seja, na execução patrimonial, o credor obtém, nos limites do patrimônio do devedor, a satisfação pecuniária de seu crédito.

Com todos esses progressos para eliminação da prisão civil por dívidas, ela ainda remanesce no texto de nossa Constituição Federal, de 5 de outubro de 1988, de modo excepcional, nos casos de “inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia e do depositário infiel” (art. 5o, LXVII). 3 Conceito moderno de obrigação Podemos, agora, referir o conceito moderno de obrigação dado por Washington de Barros Monteiro9, segundo o qual obrigação é a relação jurídica, de caráter transitório, estabelecida entre devedor e credor e cujo objeto consiste numa prestação pessoal econômica, positiva ou negativa, devida pelo primeiro ao segundo, garantindo-lhe o adimplemento através de seu patrimônio.

No conceito acima vemos, claramente, o caráter transitório da relação jurídica, que, se fosse perpétua, importaria servidão humana, escravidão, o que não mais se admite nos regimes civilizados. O caráter econômico dessa relação está, também, patente nesse conceito, a mostrar o patrimônio do devedor a responder pelo descumprimento obrigacional. Em última análise, poder-se-ia dizer, em rápidas palavras, que obrigação é a relação jurídica transitória, de natureza econômica, pela qual o devedor fica vinculado ao credor, devendo cumprir determinada prestação pessoal, positiva ou negativa, cujo inadimplemento enseja a este executar o patrimônio daquele para satisfação de seu interesse. Os conceitos anteriores referem-se à prestação positiva ou negativa. Positivas são as prestações de dar e de fazer, e negativas, as de não fazer, as

quais serão estudadas em pontos subsequentes, bem como todos os elementos que compõem a obrigação.

5 SENTIDOS DA PALAVRA DEVER

A palavra dever apresenta-se com um sentido amplo e com um restrito, que observamos no quadro a seguir:

ou, ainda,

Assim, no sentido amplo, dever equivale a qualquer tipo de dever, seja moral, social, religioso, entre outros, incluindo o dever jurídico. No sentido estrito, o significado dessa palavra cinge-se ao âmbito do Direito, correspondendo à ideia esboçada no conceito de obrigação, dever de natureza econômica (sentido estrito) antes referido, segundo o qual, de um lado, o credor aparece a exigir do devedor, do outro lado da relação jurídica, a prestação consistente num dar, fazer ou não fazer alguma coisa. Mesmo no âmbito da Ciência Jurídica, às vezes, surge essa palavra com sentidos mais ou menos restritos, como é o caso de significar, em certas oportunidades, o lado ativo da obrigação (o crédito), em outras, o lado

passivo (o débito), em outras, ainda, o próprio documento da obrigação, como, por exemplo, as antigas Obrigações do Tesouro Nacional (OTN) (depois BTN), apresentando, assim, uma série de significados que iremos estudando à medida que se forem os mesmos apresentando.

6 ELEMENTOS CONSTITUTIVOS DA OBRIGAÇÃO

1 Noções gerais Após mostrar que os elementos essenciais da obrigação, no Direito romano, são os mesmos que a integram hoje – “os sujeitos ativo e passivo, o vínculo existente entre eles e o objeto da relação jurídica” –, José Carlos Moreira Alves10 informa que, “modernamente, ao sujeito ativo denominamos credor; ao passivo, devedor. No direito romano, as palavras creditor e debitor, a princípio, se limitavam a indicar os sujeitos ativo e passivo na relação obrigacional decorrente do mútuo (empréstimo de coisa fungível); depois, passaram a designar, respectivamente, qualquer credor ou devedor”.

A obrigação constitui-se, modernamente, também, de três elementos essenciais: um subjetivo, outro espiritual e outro objetivo. Pelo quadro desenvolveremos a matéria:

2 Elemento subjetivo

O elemento subjetivo é o elemento pessoal, ou seja, aquele que reúne as pessoas que intervêm na relação jurídica obrigacional: o sujeito ativo, o credor, que pode exigir do devedor, sujeito passivo, o objeto da prestação jurídica. O sujeito da obrigação, seja o ativo, seja o passivo, tanto pode ser uma pessoa física ou natural, como jurídica ou coletiva, devendo ser determinado. Entretanto, às vezes, acontece surgir um sujeito que, não sendo determinado, em certo momento, é determinável, podendo ocorrer essa indeterminação de sujeito tanto no lado ativo como no passivo da obrigação. Assim, exemplificadamente, quando um devedor assina um cheque ao portador, não sabe quem irá recebê-lo no banco, pois o mesmo cheque pode circular na praça, restando, momentaneamente, indeterminado o sujeito ativo, credor do valor nele consignado. Mas esse credor é determinável, pois, no momento em que o portador desse mesmo cheque, seja quem for, comparecer ao referido banco para o competente recebimento, aí, nesse instante, determina-se o credor. O mesmo acontece quando a indeterminação for do sujeito passivo, do devedor. Realmente, no caso das despesas de condomínio, são elas devidas pelo proprietário de um apartamento: por exemplo, se o apartamento é vendido, essas despesas passam a ser devidas pelo novo dono, porque a obrigação é ambulatória, transeunte, passa de um indivíduo a outro, sendo certo que, em determinadas ocasiões, não se sabe, exatamente, qual é o devedor, pois, no caso do exemplo dado, o devedor das despesas condominiais será sempre o proprietário do referido apartamento. 3 Elemento espiritual O elemento espiritual da obrigação é o vínculo jurídico, o liame, que liga os sujeitos, ativo e passivo, que participam da mesma, possibilitando àquele exigir deste o objeto da prestação. É um elemento imaterial, que retrata a

coercibilidade, a jurisdicidade, da relação jurídica obrigacional. Ele garante, em qualquer espécie de obrigação, o seu cumprimento, porque, se este não se realizar espontaneamente, realizar-se-á coercitivamente, com o emprego da força, que o Estado coloca à disposição do credor, por intermédio do Poder Judiciário. 4 Elemento objetivo O elemento objetivo da obrigação é o seu componente material, físico; é o objeto que se apresenta na prestação, sendo, sempre, de conteúdo econômico ou conversível economicamente. Quando quisermos saber qual o objeto de uma prestação, que pode ser, como vimos, positiva (de dar ou fazer) ou negativa (de não fazer), perguntamos: dar, fazer ou não fazer o quê? A resposta será, sempre, demonstrativa de alguma coisa (essa coisa será o objeto da prestação). Por exemplo, determinado indivíduo obrigou-se a dar a outrem um livro. Perguntamos: qual o objeto da prestação? Dar o quê? Respondemos: um livro (o objeto da prestação positiva de dar, no exemplo acima). Agora, poderemos indagar acerca desse objeto para sabermos quais as características que deve preencher. Conforme já estudamos na parte Geral do Código Civil, qualquer ato jurídico para ser válido requer, além de sujeitos capazes, um objeto lícito, devendo ser ele, também, possível e, ainda, determinado ou, pelo menos, determinável. O mesmo acontece com o objeto da obrigação. Ele é lícito quando for possível juridicamente, pois que a iliceidade ou ilicitude do objeto é reprovada pela lei. O art. 104, inciso II, do CC brasileiro, estabelece que a

validade de qualquer negócio jurídico depende, entre outras coisas, de não ser ilícito o seu objeto. Quando o objeto é ilícito, torna-se impossível juridicamente a realização da obrigação. Por exemplo, se alguém promove um contrato de compra e venda do produto de um contrabando, tal não será possível, não porque exista impossibilidade física, mas porque essa impossibilidade decorre da iliceidade do objeto, produto de crime. Estamos, aqui, em face da impossibilidade jurídica. Mas, às vezes, a lei não proíbe a realização de determinados atos, acontecendo a impossibilidade física, material, de sua realização. Por exemplo, se alguém se obriga a entregar a outrem mercadoria que não mais existe no mercado. Ora, sabemos que, por força do disposto no inciso II do art. 166 do CC brasileiro, é nulo o negócio jurídico quando: for ilícito, impossível ou indeterminável o seu objeto. Por outro lado, o objeto da obrigação deve ser, como vimos, determinado, individuado. Não poderia um devedor obrigar-se, junto ao credor, a entregarlhe algo indeterminável. Há casos, no entanto, em que, não ficando, momentaneamente, determinado o objeto, é ele determinável no tempo. Assim, se um agricultor recebe de um comerciante cinco sacas de determinada semente e se obriga a pagá-las com o resultado da colheita, dando a esse comerciante, a título de pagamento, um terço do que colher, o objeto dessa obrigação, embora não esteja perfeitamente individualizado, é perfeitamente determinável, restando, ao cabo dessa colheita, plenamente delimitado. Outro exemplo: alguém que se obriga a comprar todo o peixe que vier na rede.

7 OBRIGAÇÃO E RESPONSABILIDADE

1 Diferença entre os institutos Embora alguns juristas tratem dos termos obrigação e responsabilidade como sinônimos, devem ser diferenciados. Eles exprimem situações diversas. A relação jurídica obrigacional nasce da vontade das pessoas ou da lei e deve ser cumprida no meio social, espontaneamente. Quando a obrigação não se cumpre pela forma espontânea é que surge a responsabilidade. Escudando-se em vários autores alemães, Pontes de Miranda11 afirma, primeiramente, que a obrigação resulta do dever; quem é obrigado só o é porque deve. Como há de solver, se voluntariamente não o faz, isso é questão que diz respeito à justiça de mão própria, ou à justiça estatal – já pertence ao direito processual. Há pessoas que devem e não podem ser executadas.

Afirma, mais, que “a distinção entre a dívida, com a sua relação jurídica, e a execução por infração, a despeito da falta da investigação científica, vem de tempos anteriores ao direito romano”. Afirma, finalmente, que não devem ser confundidas “a obrigação e a executabilidade do patrimônio”. É, ainda, Arnoldo Wald12 que, após mencionar que a distinção entre débito (Schuld) e responsabilidade (Haftung) surgiu na Alemanha, feita por Brinz,

nos mostra que os autores alemães, que se entregaram ao estudo dessa questão, admitem a possibilidade, malgrado a correlação entre a obrigação e a responsabilidade, da existência de uma sem a outra. Como exemplo de obrigação sem responsabilidade, cita esse professor o caso de dívidas de jogo e dos débitos prescritos. Os direitos prescrevem após o decurso de um determinado prazo fixado por lei. Depois de escoado esse prazo, perdura a obrigação, sem, contudo, perdurar a responsabilidade. O devedor continua a ser devedor, mas não pode ser compelido a prestar no mundo jurídico. Entretanto, pode ele cumprir sua obrigação após o escoamento desse prazo prescricional, espontaneamente, realizando o cumprimento de sua obrigação sem ter responsabilidade. Como exemplo de responsabilidade sem obrigação, menciona o caso do fiador, que é responsável, mas não é obrigado. Realmente, suponhamos que alguém se proponha a ser fiador num contrato de locação. O proprietário do prédio aluga-o ao inquilino, exigindo que este apresente um fiador. A obrigação de pagar aluguel é do inquilino e não do fiador, sendo este responsável a qualquer pagamento, se o inquilino não cumprir a sua obrigação de pagar o que deve em razão desse contrato. Assim, claro está que existem uma relação jurídica originária e outra derivada, como demonstra o quadro a seguir:

Como vemos, pelo gráfico, se a relação jurídica originária não for cumprida, ou seja, se o devedor, por ato espontâneo, não efetivar o pagamento da prestação jurídica a que se obrigou junto ao seu credor, surge, em razão desse descumprimento, desse inadimplemento obrigacional, a responsabilidade, com todas as suas implicações, que serão estudadas mais adiante. O credor aciona a máquina judiciária (o Poder Judiciário) promovendo a execução dos bens do devedor. Assim, a responsabilidade é uma relação jurídica derivada do inadimplemento da relação jurídica originária (obrigação).

8 FONTES DAS OBRIGAÇÕES

1 Fontes do Direito Na disciplina “Introdução à Ciência do Direito” percebe-se, nitidamente, que nas fontes do Direito está calcada nossa Ciência Jurídica. Estas, as fontes do Direito, são diretas ou imediatas (a lei e o costume) e indiretas ou mediatas (as demais). O art. 4o da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (Dec.-lei n. 4.657, de 4-9-1942) determina que o Juiz decidirá os casos, que lhe forem apresentados para julgamento, aplicando, primeiramente, a lei, e, se esta for omissa, a analogia, depois os costumes e, finalmente, os princípios gerais do direito. Mas, além dos princípios gerais do direito, que brotam dos próprios princípios de Direito Natural, surge a equidade, pois, em complemento à sistemática apresentada, o CPC brasileiro estatui, em seu art. 140, que “o juiz não se exime de sentenciar ou despachar alegando lacuna ou obscuridade da lei. No julgamento da lide caber-lhe-á aplicar as normas legais; não as havendo, recorrerá à analogia, aos costumes e aos princípios gerais de direito”. Assim, sob qualquer pretexto, não pode o Juiz deixar de julgar e, não existindo os elementos já referidos no art. 4o da Lei Introdutória, irá ele decidir pela equidade, nos expressos casos mostrados pelo ordenamento jurídico positivo, aplicando a norma que estabeleceria se tivesse que elaborá-

la. O art. 140, parágrafo único, do CPC, é claro ao assentar que “o juiz só decidirá por equidade nos casos previstos em lei”. Neste passo, o juiz cria o direito em face do caso concreto, que não pode restar sem julgamento. Mas essas são as fontes do Direito. E as fontes das obrigações? 2 Fontes das obrigações no Direito romano Sílvio Rodrigues1 conceitua fontes das obrigações como “aqueles atos ou fatos nos quais estas encontram nascedouro”. A importância do estudo das fontes das obrigações perdeu, hoje, quase todo o interesse, tendo valor histórico, entretanto. Isto porque os juristas sempre procuraram estudar as obrigações pelas suas origens, sendo estudadas, modernamente, pela sua própria natureza. É preciso, para entendermos bem as fontes das obrigações, que nos retroprojetemos no passado, até o tempo dos romanos, recebendo as lições de Gaio2, que, em suas Institutas, no período do direito clássico, relacionou, em sua Summa divisio, duas fontes das obrigações: o contrato e o delito. Estas foram as palavras de Gaio: A principal divisão das obrigações está deduzida em duas espécies; porque toda obrigação ou nasce do contrato ou do delito (Obligationum summa divisio in duas species deducitur: omnis enim obligatio vel ex contractu nascitur, vel ex delicto).

Acontece, entretanto, que dois outros textos, surgidos após a época do direito clássico, atribuídos ao mesmo jurisconsulto Gaio, apresentam outras fontes de obrigações, além do contrato e do delito. Realmente, o primeiro destes dois textos, que apareceu no Digesto3, acrescenta às referidas fontes outros casos de obrigações reconhecidos pela jurisprudência, que delas não

surgiam, mas de outras figuras não perfeitamente identificadas. Este é o texto: As obrigações ou nascem do contrato ou do delito ou por certo direito próprio (nascido) de várias espécies de causas (de obrigações) (Obligationes aut ex contractu nascuntur, aut ex maleficio, aut proprio quodam iure ex variis causarum figuris).

O segundo dos dois textos citados, que aparece nas Institutas do Imperador Justiniano4, também, como vimos, atribuído a Gaio, reza: Uma divisão subsequente é retratada em quatro espécies (de obrigações) porque elas (as obrigações) surgem ou do contrato, ou do quase contrato; ou do delito, ou do quase delito (Sequens divisio in quatuor species deducitur: aut enim ex contractu sunt, aut quasi ex contractu; aut ex maleficio, aut quasi ex maleficio).

Na realidade, não existe, propriamente, uma contradição dos textos, parecendo que foram eles sendo adaptados à medida das necessidades do momento, pois o quase contrato e o quase delito, talvez por não serem bem conhecidos em determinada época do Direito romano, pós-clássica, foram chamados de “várias espécies (figuras) de causas (de obrigações)”, sendo, respectivamente, subclassificações do contrato e do delito. Aliás, com muita propriedade, C. Accarias5 ensina, a propósito do assunto, que as fontes das obrigações no Direito romano são classificadas de duas maneiras bem diferentes, genericamente, os fatos lícitos (os contratos) e os fatos ilícitos (os delitos), sendo suficiente esta ampla, mas forte, distinção, pois que tudo o mais dessa classificação deriva. Mas, baseando-nos no texto das Institutas de Justiniano, que consolidou as fontes em quatro espécies, analisaremos o contrato, o delito, o quase contrato e o quase delito.

Antes, porém, vamos esquematizar em um quadro toda a matéria das fontes já estudada, para, após, seguirmos na análise proposta:

Assim, tomemos as quatro fontes das obrigações romanas. O contrato é o acordo, a convenção, entre as partes. O contrato é a conventio do Direito romano, que possuía força obrigatória, munida de ação em Juízo, ao lado do pactum que, não sendo obrigatório, era destituído de ação judicial. Tinha este, ante um inadimplemento obrigacional, mero valor moral. O credor não podia fazer valer o seu direito perante o magistrado. Alguns exemplos de contrato: a compra e venda, a permuta, o depósito, entre outros. O delito é ato ilícito (ato de causar dano) doloso, voluntário, intencional. Quem age dolosamente atua com sua vontade dirigida a causar o dano, o prejuízo. O ato doloso é, dessa forma, um ato premeditado. Por exemplo, o roubo, o furto, a injúria. O quase contrato é ato lícito, como é o contrato, mas dele não participa o acordo de vontades. É como se esse acordo existisse, tal qual na gestão de negócios, instituto jurídico pelo qual o gestor realiza atos em favor do dono da coisa sem autorização deste, sendo, entretanto, presumida essa autorização. O art. 861 do CC brasileiro reza: “Aquele que, sem autorização do interessado, intervém na gestão de negócio alheio, dirigi-lo-á segundo o

interesse e a vontade presumível de seu dono, ficando responsável a este e às pessoas com que tratar.” O quase delito é, também, como o delito, um ato ilícito (ato de causar dano), mas involuntário. Baseia-se o quase delito não na ideia do dolo, mas na de culpa (negligência, imprudência ou imperícia). Por exemplo, comete um quase delito, ou um ato ilícito culposo, quem arremete pela janela um cigarro aceso, que, caindo sobre um automóvel, ocasiona um incêndio. O autor do ato não teve intenção de causar o prejuízo (incêndio do automóvel); contudo, o seu ato, não sendo voluntário (doloso), foi involuntário (culposo), eivado de negligência, da falta de cuidados necessários a impedir o evento danoso. 3 Lei como fonte das obrigações Há obrigações, entretanto, que surgem diretamente do ordenamento jurídico positivo, sendo necessário, dessa maneira, que se enquadre a lei entre às quatro fontes das obrigações, atrás mencionadas. Foi como se comportou o Código Civil francês, de 1804, baseado nas lições de Pothier (art. 1.370). Por outro lado, Emanuele Gianturco6 afirma que as fontes das obrigações são: a lei e o fato do homem, podendo esse ser lícito ou ilícito; por sua vez, o fato lícito pode constituir-se em um contrato ou em um quase contrato e o fato ilícito, em um delito ou em um quase delito. É irrefutável a ideia de que a lei é fonte primeira das obrigações, pois, como vimos, logo no início deste capítulo, ela é fonte imediata da própria Ciência do Direito. São obrigações, que nascem da lei, por exemplo, a obrigação propter rem e a obrigação do empregador de indenizar os danos causados por seu

empregado (responsabilidade objetiva), que estudaremos logo mais, como também a obrigação de prestar alimentos. Figuremos uma situação: o filho (descendente) deve alimentos ao pai (ascendente) e vice-versa, por força do art. 1.696 do CC brasileiro, que estabelece: “O direito à prestação de alimentos é recíproco entre pais e filhos, e extensivo a todos os ascendentes, recaindo a obrigação nos mais próximos em grau, uns em falta de outros.” Ora, a obrigação, nesse caso, está nascendo do preceito legal, não se encontrando seu fundamento em nenhuma das quatro citadas fontes das obrigações. O direito a alimentos é da personalidade, encontra fundamento na preservação da própria vida, tendo a lei interesse imediato em protegê-la. Tudo acontece como se uma vontade superior à dos indivíduos estivesse a policiá-los para uma perfeita harmonia de entendimento entre os homens. Assim, essa vontade superior surge. É a vontade do Estado. É a lei, o ordenamento jurídico positivo, que, fazendo surgir certas obrigações, como vimos, acaba por regular todas as outras. Devemos, dessa forma, colocá-la em primeiro lugar, por ser um ato do Estado, um ato de império; depois as outras fontes, que são o agir dos homens, vivendo em sociedade. Podemos, sintetizando a matéria, considerar, de um lado, a vontade do Estado (a lei) e, de outro, a vontade individual, lícita ou ilícita. Assim:

4 Fontes das obrigações segundo o Código Civil O Código Civil brasileiro considera, expressamente, três fontes das obrigações: o contrato, o ato unilateral e o ato ilícito. Já estudamos o contrato e o ato ilícito. O ato unilateral enquadra-se, como se vê no gráfico referido, na manifestação lícita da vontade individual, podendo ser citados, como exemplos, o título ao portador e a promessa de recompensa. Em ambos, o credor é, momentaneamente, indeterminado, pois, no caso do título ao portador, surge o credor depois da emissão do título, sucedendo o mesmo no caso da promessa de recompensa, em que o credor aparece após o fato, por exemplo, o achado de uma coisa perdida, fazendo jus à recompensa, ao prêmio prometido. Antes do aparecimento do título e antes de ser encontrado o objeto perdido, nas hipóteses figuradas, já, pelo simples ato unilateral do devedor (do título e do prêmio), nasce a obrigação.

9 CLASSIFICAÇÃO DAS OBRIGAÇÕES

1 Espécies de obrigações em nosso Código O Código Civil brasileiro, inspirado nas espécies de obrigações do Direito romano (dare, facere e praestare, incluído o non facere), dividiu-as, quanto a seu objeto, em três modalidades: obrigação de dar (coisa certa ou incerta) e de fazer, positivas, e a de não fazer, negativa. No quadro, a seguir, oferecemos essa classificação de nosso Código:

Iremos estudá-las uma a uma, a seguir. 2 Espécies de obrigações quanto a seus elementos Por outro lado, dividem-se as obrigações em simples e compostas ou complexas.

Realmente, as obrigações simples são as que se apresentam com um sujeito ativo (credor), um sujeito passivo (devedor) e um objeto, ou seja, oferecem os elementos da obrigação (sujeitos e objeto) na singularidade, como, por exemplo, a obrigação de quem deve entregar a outrem determinado objeto (uma estatueta); alguém que entrega (o devedor) a outrem (o credor) uma estatueta (o objeto). As obrigações compostas ou complexas mostram-se, com relação a seus elementos, no plural. Se a pluralidade, ou multiplicidade, não for de objetos (vários objetos), será de sujeitos (dois ou mais sujeitos ativos ou dois ou mais sujeitos passivos ou ambos, concomitantemente). Desenvolvamos o quadro das obrigações compostas ou complexas com multiplicidade de objetos, que podem ser cumulativas ou alternativas.

As obrigações cumulativas ou conjuntivas apresentam-se com seus objetos ligados pelo conectivo e, o que quer dizer que esses objetos estão cumulados, somados, sendo que o cumprimento da obrigação ocorre, tão somente, pela prestação de todos eles. Exemplo: se me obriguei a entregar a alguém uma saca de trigo e uma de café e uma de milho, só cumprirei minha obrigação (que é cumulativa) entregando todas as três sacas referidas, prestando, dessa forma, todos os objetos.

Mas, se as obrigações são alternativas ou disjuntivas, mostram-se elas com seus objetos não somados, não cumulados, não juntos, daí seu nome: disjuntivas. Neste tipo de obrigação existem duas ou mais opções. Há necessidade de escolha. Exemplo: A se compromete a entregar a B uma saca de trigo ou uma de milho ou uma de café. Basta que uma das sacas seja entregue ao credor para que resulte cumprida a obrigação (ou bem uma coisa, ou bem outra deve ser prestada pelo devedor). Esta modalidade de obrigação oferece maiores facilidades para o seu cumprimento, pois a obrigação se realiza, se exaure, com a simples prestação de um dos objetos que a compõem. A lei não faz outra coisa senão facilitar o cumprimento das obrigações para que o credor se satisfaça do seu crédito e o devedor se liberte do seu débito. Voltaremos

a

estudar

as

obrigações

alternativas

com

maiores

particularizações. Cumpre notar, nesse passo, que alguns autores incluem entre as obrigações complexas com multiplicidade de objetos a obrigação facultativa. Na realidade, ela só possui um objeto que se encontra in obligatione (na obrigação), como diziam os romanos, ficando facultada ao devedor a prestação de outro objeto in facultate solutionis (na faculdade de solução). Mas a obrigação facultativa é simples e não pode ser incluída na categoria de obrigação composta ou complexa, porque, no Direito romano, não se prestava o objeto in facultate solutionis se houvesse impossibilidade quanto ao cumprimento do primeiro, do principal (in obligatione). Só este objeto era devido. A propósito, ensina-nos Ebert Vianna Chamoun7:

Das obrigações alternativas distinguem-se as facultativas, que eram obrigações simples, e que ocorriam quando fosse uma única a prestação devida, mas pudesse o devedor exonerar-se fazendo uma outra predeterminada. Extinguiam-se quando a primeira prestação se tornasse impossível.

Lembre-se, por outro lado, de que as obrigações facultativas apresentam certas semelhanças com as obrigações alternativas, sendo aquelas, verdadeiramente, uma espécie do gênero destas, um tipo sui generis de obrigação alternativa, sob certos aspectos. Isto porque, embora apresente uma única prestação devida, faculta-se ao devedor, e só a ele, optar pelo cumprimento de outra prestação (in facultate solutionis). Aqui o devedor escolhe entre uma ou outra solução da obrigação. Arnoldo Wald8 explica, chamando as obrigações facultativas de obrigações com faculdade de substituição, que existem obrigações com uma prestação única, nas quais a lei ou ato jurídico autoriza o devedor a substituir a prestação exigível por outra. O credor só pode exigir a prestação obrigatória, mas o devedor se desonera cumprindo a prestação facultativa.

Entretanto, embora a semelhança mostrada, diferem as obrigações alternativas das facultativas, principalmente porque, se, nesta última, a prestação principal se apresentar eivada de qualquer vício, inválida restará toda a obrigação; o que não acontecerá com as obrigações alternativas, porque, embora defeituosa uma de suas opções, a outra, ou outras, permanece eficaz. Ensinam Alexandre Corrêa e Gaetano Sciascia9: Para bem entender-se a diferença entre a obrigação alternativa e a facultativa deve-se notar que, na alternativa, são devidas duas coisas alternativamente; na facultativa, apenas uma coisa é devida, mas o devedor pode preferir pagar com outra. Por

consequência, na obrigação facultativa, perecendo a coisa, o liame obrigacional se desata, desde que não houve no perecimento culpa do devedor. A contraposição entre as duas espécies de obrigações enuncia-se com as palavras: una res in solutione (alternativa); duae in facultate solutionis (facultativa).

O Código Civil argentino, nesse ponto, por sua vez, tendo cuidado das obrigações facultativas, dos arts. 643 a 651, já patenteava essa diferença apontada. Realmente, o art. 643 desse Diploma Legislativo conceituava a obrigação facultativa, realçando que ela, tendo por objeto uma só prestação, dá ao devedor a faculdade de substituir essa prestação por outra. Vemos, por aqui, que a obrigação facultativa é simples, com um só objeto, o que deixa claro, também, esse Código, no art. 644, ao mencionar que a natureza dessa obrigação se determina unicamente pela prestação principal, que forma o seu objeto. O art. 645 desse mesmo Código complementava a matéria, acrescentando que, quando a obrigação facultativa fosse nula por vício inerente à prestação principal, é também nula a prestação acessória, mesmo que esta não apresente qualquer vício. Comentando esses dispositivos legais, Vélez Sarsfield10 demonstrava, com relativa facilidade, os elementos diferenciadores desses tipos de obrigação, apoiando-se, em parte, nas Lições de Aubry e Rau, o que se resume nas seguintes observações:

Vista a obrigação facultativa pelo prisma do credor, que pode, tão somente, exigir o objeto da prestação obrigatória, seria ela simples (um único objeto sendo exigido por um único credor de um único devedor). Observada pelo ângulo do devedor, que pode optar entre a prestação do objeto principal ou do facultativo, mostra-se ela como uma obrigação alternativa sui generis. Embora esse Código Argentino tenha sido revogado, promulgando-se o atual (Lei n. 26.994), em 7 de outubro de 2014, essas lições permanecem atuais. O atual CC Argentino cuida das obrigações facultativas nos arts. 786 a 788, com o mesmo sentido apontado anteriormente. O nosso Código Civil, bem como o anterior de 1916, não trataram das obrigações facultativas, não havendo interesse prático para sua cogitação legislativa, pois, pelo prisma do devedor, como vimos, praticamente, não deixa de ser alternativa a obrigação, sendo certo que, pelo lado do credor, não tem ele faculdade de escolha, tão só podendo exigir o objeto principal.

Vejamos,

agora,

as

obrigações

compostas

ou

complexas

com

multiplicidade de sujeitos, primeiramente, pelo quadro a seguir:

Por ora, diremos, tão só, que as obrigações divisíveis são aquelas cujo objeto pode, e as indivisíveis cujo objeto não pode, ser dividido entre os sujeitos. Fala-se em divisibilidade e indivisibilidade da prestação, mas já vimos que o que se divide, ou não, é o objeto da prestação. Assim, se alguém se obriga a prestar cinco sacas idênticas de milho (objeto) a cinco credores, cada credor receberá uma parte autônoma do objeto total, perfeitamente divisível, como podemos perceber. Já na indivisibilidade do objeto, este há que ser prestado por inteiro, por exemplo, um cavalo, porque a sua divisão, entre credores, importaria quebra da sua estrutura. Como vemos, a obrigação é indivisível por causa do objeto, que não pode ser dividido. Na solidariedade, a indivisibilidade existe, sempre, seja ou não divisível, fisicamente, o objeto da prestação, porque solidariedade se realiza entre os sujeitos da relação jurídica ou por vontade desses mesmos sujeitos ou por determinação da lei, como estudaremos mais adiante. Por ora, guardemos ideias bem simplificadas. 3 Outras espécies de obrigações Outros tipos de obrigação podem ser alinhados, como a obrigação com cláusula penal, a de meio e a de resultado, as civis e as naturais, dentre

muitas, que serão estudadas no correr deste Curso. Como noções gerais, exemplificaremos as que foram mencionadas. A obrigação com cláusula penal já é muito conhecida: é a multa, a pena, a cominação. Ela tem caráter acessório, ou seja, acompanha, sempre, um contrato principal. Por exemplo, estabelece-se em um contrato de compra e venda de determinada mercadoria em que a parte que não cumprir a obrigação assumida deverá pagar à inocente a multa correspondente a uma soma em dinheiro. A seu estudo tornaremos, a seguir, com maiores esclarecimentos. Veremos, agora, as obrigações de meio e de resultado. Pela primeira, o devedor obriga-se a fornecer meios necessários para a realização de um fim, sem responsabilizar-se por ele, pelo resultado. O devedor deve desenvolver, neste tipo obrigacional, todos os esforços, todos os cuidados necessários à consecução do resultado, sem, contudo, obrigar-se a ele. Por exemplo, o contrato de prestação de serviços médicos ou advocatícios. Obrigam-se os profissionais a cuidar de determinado caso, desempenhando-se com os seus melhores esforços, sem obrigarem-se pelo resultado, pelo fim. Assim, no caso, o médico não se obriga a curar, mas a tratar do cliente, o mesmo acontecendo com o advogado, que não se obriga a vencer a causa, mas a trabalhar por ela. Se houver obrigação de resultado, o devedor há que realizar determinada finalidade para cumprir sua obrigação. Realmente, por esta forma, enquanto o resultado não sobrevier, o devedor não tem por cumprida a obrigação, esta não se exaure. É muito citado o exemplo do contrato de transporte, pelo qual o transportador se obriga, mediante remuneração (paga), a levar alguém ou qualquer coisa incólume ao seu destino.

Quanto às obrigações civis e naturais, a primeira resulta do Direito Civil e a segunda do Direito Natural; a primeira, que está, perfeitamente, estruturada no direito positivo, no campo da exigibilidade da prestação, em caso de descumprimento obrigacional; a segunda, no âmbito moral, restando ao devedor a possibilidade de cumpri-la, espontaneamente, sem que tenha o credor o poder jurídico de exigi-la por meio de ação. Como obrigação natural, podemos citar a dívida de jogo e o débito prescrito. Assim, na obrigação civil, se o devedor não cumpre seu dever jurídico, o credor pode acioná-lo, sendo certo que, na obrigação natural, existe um dever moral, um dever de consciência, não tendo o credor ação contra o devedor, para forçá-lo ao cumprimento. Nos exemplos dados, no débito de jogo e no prescrito, o devedor é obrigado, mas seu dever é moral, não havendo dever jurídico de pagar. Contudo, se o devedor paga um débito de jogo ou prescrito, ou seja, se ele cumpre, espontaneamente, uma obrigação natural, não poderá repetir, exigir a restituição do pagamento, sob alegação que for, porque, no momento em que a mesma se cumpre, adquire juridicidade, obrigatoriedade, entra para o campo do Direito. Os romanos a isso chamavam de soluti retentio (retenção do pagamento). Fica, dessa forma, o credor, que recebe em decorrência de obrigação natural, com o direito de reter o pagamento, que lhe foi efetuado, espontaneamente. Vejamos os artigos de nosso Código Civil que tratam dos exemplos acima. Com relação ao pagamento de dívida de jogo, diz o art. 814: “As dívidas de jogo ou de aposta, não obrigam a pagamento; mas não se pode recobrar a quantia, que voluntariamente se pagou...”

Relativamente ao pagamento de dívida prescrita, salienta o art. 882 do mesmo Código: “Não se pode repetir o que se pagou para solver dívida prescrita, ou cumprir obrigação judicialmente inexigível.” Vale, aqui, terminar esta matéria com as sábias palavras de Giorgio Del Vecchio11: As obrigações naturais devem, por conseguinte, ser jurídicas, mas em um sentido mais amplo, genérico e, se assim se pode dizer, mais virtual que as obrigações estritamente civis ou absolutamente positivas; e não se concebe como se pode obter essa mais alta e indiferenciada noção da juridicidade, válida e apreciável, também, por determinados efeitos, no sistema vigente, se não for ascendendo aos princípios gerais, os quais, quando emanam da razão jurídica natural, representam, ao mesmo tempo, as diretrizes fundamentais do sistema positivo.

10 OBRIGAÇÕES DE DAR COISA CERTA

1 Noção de obrigação de dar e de entregar ou de restituir Pela classificação das obrigações, elas podem ser de três espécies: positivas de dar e de fazer e negativas de não fazer. Vamos estudar, nesta oportunidade, as obrigações positivas de dar, chamadas entre os romanos de obligationes dandi. Antes, porém, veremos as obrigações positivas de dar coisa certa, que implicam, propriamente, a entrega ou a restituição, pelo devedor, de uma coisa certa, ao seu credor; mais adiante estudaremos as de dar coisa incerta. Rubens Limongi França12 conceitua a obrigação de dar como sendo aquela em virtude da qual o devedor fica jungido a promover, em benefício do credor, a tradição da coisa (móvel ou imóvel), já com o fim de outorgar um novo direito, já com o de restituir a mesma ao seu dono.

O devedor, que se obrigou a entregar ou a restituir coisa certa, determinada, ao seu credor, deve cumprir sua obrigação de dar, entregando ou restituindo essa mesma coisa, sem que haja qualquer alteração no objeto da prestação jurídica. Assim, quem vendeu sua vitrola deve entregá-la ao comprador, como este deve, também, entregar ao vendedor o preço exato da coisa adquirida; quem tomou emprestado o livro de alguém, deve a este devolvê-lo. A coisa está certa, determinada: a vitrola; o livro. Não pode haver

substituição desses objetos; e, se examinarmos o art. 313 do nosso CC, perceberemos que nosso legislador estatui que quem é credor “não é obrigado a receber prestação diversa da que lhe é devida, ainda que mais valiosa”. 2 A entrega ou restituição do objeto da prestação jurídica cognomina-se, tecnicamente, tradição Por essa modalidade de obrigação, dar coisa certa, tem o devedor o dever jurídico de entregar ou de restituir a coisa determinada, bem como os seus acessórios, salvo se o contrário resultar do título obrigacional ou das circunstâncias do caso, segundo se depreende do art. 233 do nosso CC. Isso porque, nesse dispositivo, se ratifica, expressamente, o princípio segundo o qual o acessório segue a sorte do principal, salvo se o contrário resultar do título ou das circunstâncias do caso. Esse princípio expressa-se no aforismo latino: Acessorium sequitur principale. Assim, tradição quer dizer entrega ou restituição, significa transferência, e vem do latim traditio. Lembremo-nos, mais, de que quem entrega é o dono e de que quem restitui devolve ao dono. 3 Tradição como transferência dominial É preciso, repito, que haja a entrega ou a restituição do objeto, ou seja, a tradição da coisa (art. 237 do CC), pois a simples convenção das partes, em nosso Direito, não transfere o domínio dos bens. Veja-se, pelo quadro abaixo, em resumo:

A transferência do domínio dos móveis faz-se pela tradição, pela entrega do objeto, e dos imóveis pela tradição solene, pelo registro, na matrícula, do título aquisitivo, no competente Registro de Imóveis. Referindo-se à tradição, sobre a entrega de bens móveis, o art. 1.267 do CC assevera, em sua primeira parte, que “A propriedade das coisas não se transfere pelos negócios jurídicos antes da tradição.” Assim, não basta a mera assinatura de um contrato, em que alguém se obriga a entregar alguma coisa, para que essa entrega se materialize: é necessário que haja a efetiva transferência desse objeto. Já o registro, que é uma tradição solene, utilizada para transferência do domínio de bens imóveis, está tratado no art. 1.245, do CC, que, cuidando da matéria relativa à aquisição da propriedade imobiliária, estabelece que esta se perfaz pelo registro do título translativo no registro imobiliário. Lembre-se de que transcrição era o modo de registrar anterior à Lei n. 6.015, de 31 de dezembro de 1973, que simplificou o sistema, substituindo as longas e demoradas transcrições de escrituras pelo seu simples registro na matrículado imóvel, conforme esclarecem seus arts. 227 a 245. O CC, como visto, acompanhou essa modalidade de registro. Se alguém, por exemplo, adquire um imóvel por uma escritura pública, é preciso que a registre devidamente. Por ora, bastam essas ligeiras noções sobre a tradição e o registro, pois teremos oportunidade de revisar o assunto, com maiores detalhes, quando estudarmos o Livro do Código Civil referente ao Direito das Coisas. Resta-nos, entretanto, a síntese do quadro a seguir, como esquema dessa matéria:

4 Perecimento ou deterioração do objeto, com ou sem culpa do devedor Pode ocorrer, entretanto, que, por ocasião da entrega da coisa, tenha ela perecido ou se deteriorado, com culpa ou sem culpa do devedor. Como falamos em perecimento e deterioração, é bom que sintamos, nitidamente, a extensão dos significados desses termos. Se um automóvel se incendeia, reduzindo-se a cinzas, ou é furtado, por exemplo, dizemos, em linguagem jurídica, que ele pereceu, porque perecimento significa perda total do objeto, ou seja, o seu desaparecimento patrimonial. Por outro lado, tomando o exemplo do automóvel, se ele sofre danos, por pequeno incêndio, em seu interior, no assento dianteiro, estamos, no dizer jurídico, em face da deterioração do objeto, porque a palavra deterioração exprime a perda parcial da coisa. Com a deterioração do objeto ou, em outras palavras, com o seu perecimento parcial, esse mesmo objeto se vê desfalcado na sua substância, na sua estrutura, na sua capacidade de utilização. Melhor, então, seria que disséssemos, em vez de perecimento e deterioração, perda total e perda parcial da coisa; entretanto, aqueles vocábulos já se encontram consagrados no vocabulário jurídico.

Ocorrendo culpa do devedor, em face do perecimento do objeto, tem o credor direito a receber o equivalente e mais as perdas e danos, segundo estabelece o art. 234, segunda parte, do CC. Quando a lei se refere ao termo equivalente, quer mencionar o equivalente em dinheiro, de maneira que, havendo o perecimento, a perda total da coisa, com culpa do devedor, deve este entregar a seu credor o equivalente em dinheiro, que corresponde ao valor do objeto perecido, mais as perdas e danos, que denotarão o prejuízo sofrido. No caso do art. 239, o mesmo ocorre, só que este dispositivo legal só se refere à obrigação de restituir. O que há de restituir o devedor, tendo incorrido em culpa, é o equivalente em dinheiro, acrescido das perdas e danos, como acontece com a situação prevista no art. 234, segunda parte, antes invocado. Sintamos o desenrolar da matéria pelo quadro exemplificativo, adiante: Perecimento com culpa do devedor obrigação de entregar (art. 234, 2a parte) Obrigação de restituir (art. 239)

Havendo, por outro lado, deterioração do objeto, sua perda parcial, com culpa do devedor, o art. 236 autoriza o credor a optar pelo equivalente em dinheiro, mais perdas e danos, ou, então, a aceitar a coisa no estado em que ela se encontra, recebendo, também, nesse caso, a indenização pelos prejuízos causados. No art. 240, segunda parte, havendo culpa do devedor, o legislador faz remissão ao art. 239, a mostrar que o mesmo acontece com relação às obrigações de restituir. No exemplo: Deterioração, com culpa do devedor obrigação de entregar (art. 236) obrigação de restituir (art. 240, 2a parte)

Obs.: Culpa = reposição ao estado anterior, mais perdas e danos. O que deve ser notado, nesse passo, é, justamente, a situação de existir, sempre, o pagamento das perdas e danos quando da ocorrência de culpa do devedor. Ressalte-se que, toda vez que se falar em culpa, o culpado deve, sempre, indenizar. Recapitulemos a explanação pelo esquema a seguir:

A preconizada reposição do equivalente em dinheiro tem como fundamento a substituição do objeto por seu valor, como que a recolocar a situação no estado primitivo. Mas é de notar-se: a mera recolocação das partes no estado inicial de negociação restaria injusta ante o procedimento do devedor culpado; por isso, o legislador entendeu de estabelecer, além dessa reposição em dinheiro, uma pena: a indenização dos prejuízos causados. Pode acontecer, entretanto, que, nessas obrigações, ora analisadas, de entregar e de restituir, ocorra a perda total ou parcial da coisa, inexistindo culpa do devedor. Aí, nenhuma responsabilidade por parte deste. Exaure-se a relação jurídica, voltando as partes ao estado anterior. Exemplificativamente, temos: Perecimento, sem culpa do devedor Obrigação de entregar (art. 234, 1a parte) Obrigação de restituir (art. 238)

Resolve-se a obrigação para ambas as partes. (Volta-se à estaca zero.) Em caso de deterioração da coisa, sem culpa do devedor, na obrigação de entregar, ou se exaure a relação jurídica obrigacional, voltando as partes à primitiva situação, ou o credor recebe a coisa no estado em que estiver, com abatimento do preço, na parte perdida do objeto. Vejam o exemplo, pelo esquema traçado: Deterioração, sem culpa do devedor Obrigação de entregar (art. 235)

Também, em se tratando de deterioração do objeto, na obrigação de restituir, vemos que, se alguém se obrigou junto a outrem a devolver determinado objeto, que se deteriorou, que se perdeu, parcialmente, sem sua culpa, esse objeto deve ser restituído, como ele se encontrar, no estado de sua deterioração, sem que, logicamente, possa o credor exigir qualquer indenização. No exemplo, esclarece-se melhor: Deterioração, sem culpa do devedor Obrigação de restituir (art. 240, 1a parte)

OBS.: Sem culpa = reposição ao estado anterior, sem perdas e

danos. (O dono perde, total ou parcialmente, o objeto, se ocorrer, respectivamente, perda ou deterioração do mesmo, sem que haja possibilidade de qualquer cobrança de indenização.) Assim, em resumo, analisemos: Perecimento ou deterioração da coisa

Uma coisa ficou clara: quando existe culpa do devedor, repõe-se a situação jurídica ao estado primitivo, sendo, sempre, devidas as perdas e danos. 5 Princípio res perit domino Não ocorrendo culpa do devedor, vemos que, também, se recoloca a relação jurídica no estado anterior, resolve-se a relação jurídica obrigacional, mas não há o devedor que indenizar ao credor os prejuízos, pois que o devedor não se houve com culpa. Neste caso, a coisa perece, total ou parcialmente, sempre, para o dono. É o princípio já existente entre os romanos, segundo o qual res perit domino. Para que provemos isto, para que se patenteie melhor este princípio, em face da nossa legislação, mostraremos, no quadro, a seguir, quem sofre os prejuízos, quando ocorre perda ou deterioração da coisa, antes da sua entrega, sem culpa do devedor, nas obrigações de dar (entregar) e quem sofre a perda

ou deterioração da coisa, quando não ocorre culpa do devedor, nas obrigações de restituir. Riscos na obrigação de dar e restituir Quem sofre os prejuízos? Se culpado, o culpado ou responsável (arts. 186 e 927 e 389); Se não culpado, o dono da coisa:

Res perit domino (a coisa perece para o dono). Cumpre observar que, pela análise do esquema proposto, na ocorrência de perda ou deterioração da coisa, sem culpa do devedor, nas obrigações, seja de entregar, seja de restituir, é sempre o dono que sofre o prejuízo. Ressalte-se, nesse passo, que pode haver obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei ou quando houver atividade normalmente desenvolvida, que implique risco aos direitos de outrem (art. 927, parágrafo único). 6 Acessórios do objeto, nas obrigações de dar Estudemos, agora, os acessórios da coisa, tendo em vista as obrigações de dar (entregar ou restituir).

O art. 237 do CC estabelece que, “até a tradição, pertence ao devedor a coisa, com os seus melhoramentos e acrescidos, pelos quais poderá exigir aumento no preço; se o credor não anuir, poderá o devedor resolver a obrigação”. Por esse artigo, nós vemos que se trata da obrigação de dar, propriamente, da obrigação de entregar o objeto por parte do devedor da coisa que é o seu legítimo proprietário. Assim, até a entrega, diz o art. 237, pertence ao devedor a coisa, quer dizer, pertence àquele que deve entregar o seu objeto a alguém. Se, antes dessa entrega, sobrevêm ao objeto melhoramentos e acrescidos, tem o devedor direito a exigir aumento no preço, uma vez que esse objeto foi negociado sem que existisse qualquer melhoramento ou qualquer acréscimo. Se, porventura, o credor não quiser anuir nesse aumento de preço, poderá o devedor resolver a obrigação, voltando-se a situação ao estado anterior, sendo certo, ainda, segundo declara o parágrafo único desse artigo, que os frutos percebidos, aqueles que foram retirados da coisa pelo devedor, até a entrega, lhe pertencem, cabendo, entretanto, ao credor, os frutos pendentes, aqueles que estão, ainda, ligados à coisa de que provêm. No caso da obrigação de restituir, o art. 241 refere que, se na situação do art. 238, sobrevier melhoramento ou acréscimo à coisa, sem despesa ou trabalho do devedor, lucrará o credor, desobrigado de indenização. Isso para que não haja locupletamento ilícito, enriquecimento de uma das partes em detrimento da outra.

11 OBRIGAÇÕES DE DAR COISA INCERTA

1 Configuração da coisa incerta Estudaremos, a seguir, as obrigações de dar coisa incerta. O art. 243 do CC estatui que a coisa incerta será indicada, ao menos, pelo gênero e pela quantidade. Isso vem demonstrar que a obrigação de dar coisa incerta tem objeto indeterminado, mas, já vimos que o objeto da obrigação não pode permanecer indeterminado, indefinidamente. Ele necessita ser determinável, sendo determinado, então, posteriormente, quando se conhecer sua qualidade. Sem, pelo menos, a indicação do gênero e da quantidade da coisa, não é possível o cumprimento obrigacional. Melhor seria, entretanto, que tivesse dito o legislador: espécie e quantidade. Não: gênero e quantidade, pois a palavra gênero tem sentido muito amplo. Considerando a terminologia do Código, por exemplo, cereal é gênero e feijão é espécie. Se, entretanto, alguém se obrigasse a entregar uma saca de cereal (quantidade: uma saca; gênero: cereal), essa obrigação seria impossível de cumprir-se, pois não se poderia saber qual dos cereais deveria ser o objeto da prestação jurídica. Nesses termos, é melhor dizer-se: espécie e quantidade. No exemplo supra, teríamos: quantidade (uma saca); espécie (de feijão). De maneira que, aí, o

objeto se torna determinável, desde que a qualidade seja posteriormente mostrada. Nesse exemplo, até que se demonstre a qualidade da saca de feijão, fica coisa incerta. 2 Direito de escolha Surge, nessa matéria, a seguinte indagação: a quem competirá o direito de escolha? Quem deverá escolher a qualidade do objeto, para que ele, tornandose certo, possa ser cumprido efetivamente? O art. 244 estabelece que o direito de escolha pertence ao devedor, se o contrário não resultar do título da obrigação. Dessa forma, quis o legislador colocar todos os meios, todas as facilidades, para que o devedor possa cumprir, da melhor maneira possível, seu encargo obrigacional. Contudo, dispôs, na segunda parte do art. 244, que, sendo do devedor, em princípio, esse direito de escolha, se nada ficar convencionado em contrário, exercendo-o, não poderá esse mesmo devedor dar coisa pior, como também não será obrigado a prestar a melhor. Deve, então, o devedor, exercendo seu direito de escolha, procurar o objeto na quantidade e espécie retratadas no contrato, dentro de uma qualidade intermediária. Por exemplo, se alguém deve entregar uma saca de café a outrem, não se tendo convencionado a qualidade, deverá o devedor entregar uma saca de café de qualidade média, ou seja, se existirem três qualidades, A, B e C, entregará uma saca de café tipo B. Após a escolha feita pelo devedor, a coisa, que era incerta, passa a ser certa, determinada, devendo, então, vigorar com relação à matéria o disposto na Seção correspondente às obrigações de dar coisa certa, conforme autoriza

o art. 245 do CC, porque, estabelecida a qualidade, já a coisa se torna individualizada, determinada, certa. Assim, se, antes dessa mesma escolha, ocorrer perda ou deterioração da coisa, o devedor não poderá alegá-la a seu favor, ainda que ocorra força maior ou caso fortuito, principalmente porque a coisa não estava individualizada, ainda não estava determinada. Tudo de acordo com o disposto no art. 246 do CC.

12 OBRIGAÇÕES DE FAZER

1 Noção de obrigação de fazer A obrigação de fazer, obligatio faciendi, é positiva, como a obrigação de dar. Por ela, o devedor compromete-se a prestar uma atividade qualquer, lícita e vantajosa, ao seu credor. Suponhamos, a título de exemplo, que um pintor se dispusesse a pintar a alguém um quadro. Aí está uma obrigação de fazer: alguém comprometendose junto a outrem a fazer, a realizar, a prestar uma atividade lícita. Temos, assim, na obrigação de fazer:

No dizer de Orosimbo Nonato1, “fazer compreende os atos, todos os atos que deixem de incidir na expressão dar”. Na obrigação de fazer existe alguma coisa que deve ser produzida pela atividade humana de alguém, que a tanto se compromete. 2 Diferença entre as obrigações de dar e de fazer

A grande diferença entre as obrigações de dar e as de fazer mostrou Robert Joseph Pothier2, quando ensinou que aquele que se compromete a dar alguma coisa pode ser constrangido a entregá-la, por autoridade da justiça, quando a coisa se encontrar em seu poder, quer queira, quer não queira o devedor. Já quem se obriga a fazer alguma coisa não pode ser constrangido a fazê-la, resolvendo-se a obrigação em perdas e danos, quando não for ela cumprida devidamente. 3 Espécies de obrigação de fazer A obrigação de fazer consiste em uma realização pessoal, de cunho imaterial ou material. Exemplificando, se alguém contrata com um intelectual (professor, escritor etc.) a prestação de um serviço, com um cientista a realização de qualquer trabalho científico ou com um artista a pintura de um quadro ou a escultura de uma estátua, vemos, claramente, que o contratante, credor, depositou confiança nas qualidades pessoais do devedor, nas aptidões, nos pendores intelectuais, científicos ou artísticos do mesmo. Estamos em face das obrigações de fazer personalíssimas, que dependem das qualidades individuais de quem se obriga, ou, como as chamavam os romanos, obrigações intuitu personae. Essa modalidade de obrigação encontrava-se prevista no art. 878 do CC brasileiro de 1916, nestes termos: “Na obrigação de fazer, o credor não é obrigado a aceitar de terceiro a prestação, quando for convencionado que o devedor a faça pessoalmente.” Embora esse texto não tenha sido recepcionado pelo atual CC, é óbvio que seu espírito permanece. Assim, acontece quando se contratam os serviços de um renomado médico para a realização de uma operação delicada, um famoso advogado para a

defesa de uma causa difícil. Nesses casos, os credores querem que os serviços se executem pelos próprios contratados, pois depositam confiança nos méritos dos devedores. Existe, nessas formas de prestar, uma imaterialidade, uma espiritualidade. Não é um fazer físico, material. Se, por exemplo, um pedreiro se compromete a construir um muro ou um marceneiro a consertar o pé de uma mesa, estamos em face da obrigação de fazer no campo material, pois, se o devedor não a cumprir, pode o credor providenciar seja ela cumprida por terceiro, por outra pessoa. Já, nesses casos, não se vê a obrigação imaterial, personalíssima, mas a obrigação que se retrata em um fazer físico, material (construir um muro, consertar o pé de uma mesa). A doutrina refere-se, como obrigação de fazer, ainda, à prática de ato jurídico. Aqui, um fazer, que se enquadra, perfeitamente, na obrigação material, no fazer físico. Por exemplo, alguém que se compromete a assinar determinado contrato. Tanto é fazer material que pode ser executado por outrem, o Juiz de Direito, nos moldes autorizados no CPC, arts. 497, 829, e 841. 4 Inadimplemento das obrigações de fazer Nesse passo, havemos de esclarecer, quanto ao descumprimento ou inadimplemento das obrigações de fazer: ou o devedor se recusa ao cumprimento ou implemento obrigacional ou ele se encontra na impossibilidade de cumprir aquilo a que se obrigou. Em caso de recusa pelo devedor em realizar o objeto da prestação, duas hipóteses são surgidas: ou quer o credor que se promova a obrigação pelo próprio devedor ou tem este aptidões específicas para o fazer contratado.

Como exemplo da primeira hipótese, alguém que contrata pessoa de sua inteira confiança para a execução de um serviço. Já na segunda configuração, vemos o devedor em posição de ser o único, dadas as suas qualidades pessoais, capaz de fazer. Em ambas as situações existe o caráter personalíssimo da obrigação, o intuitu personae é patente. Em caso de recusar-se o devedor ao cumprimento obrigacional de fazer, estará ele responsabilizado ao pagamento das perdas e danos. Vê-se, aqui, o ato do devedor obstando a realização obrigacional. A recusa é voluntária. Outro não é o ensinamento do art. 247, que esclarece: “Incorre na obrigação de indenizar perdas e danos o devedor que recusar a prestação a ele só imposta, ou só por ele exequível.” Assim, no quadro, melhor entendemos:

O art. 249 do CC mostra que, se for possível, o credor pode encarregar, à custa do devedor, terceiro para realizar a obrigação, que foi recusada ou retardada por esse devedor, ou, então, pedir o ressarcimento dos prejuízos. Pode ser que exista urgência na realização do fato, situação em que o credor, mesmo sem autorização judicial, poderá mandar executá-lo, para obter, após, indenização como autoriza o parágrafo único desse art. 249. A inclusão desse parágrafo único, no aludido dispositivo legal, foi de grande utilidade, pois, no CC de 1916, não havia essa possibilidade autorizada

expressamente, o que dá mais tranquilidade ao credor, que, em caso de urgência na realização do fazer, não necessita de aguardar autorização judicial. É o caso, por exemplo, de uma obra que não pode sofrer paralisação, ante o prazo de entrega da construção toda. Nesse passo, sentimos a ausência do caráter personalíssimo do vínculo, pois, podendo o terceiro realizar o ato, em lugar do devedor, já, com isso, possibilita-se a substituição pessoal, inadmissível nas obrigações de cunho personalíssimo.

Dessa forma, é livre ao credor, e só a ele, optar entre as duas possibilidades colocadas nesse artigo pelo legislador pátrio. Também o Código de Processo Civil cogita da matéria, no capítulo da execução das obrigações de fazer. Assim, o devedor deve ser citado para cumprimento do contratado, fazendo aquilo a que se obrigou, no prazo do contrato ou a ser fixado pelo Juiz (art.815), sob pena de o credor requerer, nos próprios autos do processo, que seja a obrigação executada à custa daquele devedor ou apuradas as perdas e danos (art. 816). Se o credor escolher a primeira hipótese, deverá seguir-se o procedimento estabelecido no art. 817 ss. do mesmo Código Processual.

Como medida de precaução, pode o credor ajuizar, paralelamente, vistoria ad perpetuam rei memoriam, se o devedor tiver iniciado o cumprimento obrigacional, retardando-o. Tudo, para retratar o estado do objeto, no momento adequado, para documentar-se em eventual lide judiciária. Pode não se configurar caso de recusa do devedor, mas de impossibilidade no cumprimento obrigacional. Aqui, devemos analisar a existência ou não de culpa do devedor, pois que, se a obrigação não se consuma por fato alheio à vontade do devedor, com a completa ausência de culpa deste, resolve-se a obrigação, voltando as partes à situação anterior. Se alguma delas sofrer qualquer prejuízo, não poderá reclamar indenização da outra. Seria o caso de A comprometer-se a promover um concerto de piano e que, no trajeto do teatro, sofre acidente, sendo removido ao hospital. Por obra do acaso, assim, o pianista A impossibilitou-se de cumprir a prestação de fazer (realizar o concerto), ficando obrigado a restituir ao que contratou o que por este foi, porventura, adiantado em razão do contratado. Já, ocorrendo culpa do devedor, não pode este invocar a impossibilidade para se desvencilhar do implemento da obrigação. Há ele que responder pelos prejuízos causados, pelas perdas e danos. Aproveitando o exemplo anteriormente dado, se o pianista cria a impossibilidade de estar presente ao referido teatro, viajando para outra cidade, não poderá ele alegar essa circunstância a seu favor. É o que se dessume do art. 248 do CC brasileiro. Analisemos, quanto a esta matéria (impossibilidade), o quadro a seguir:

De forma geral, sentimos que não pode a obrigação de fazer ser executada com o constrangimento físico do devedor. Quando, sem que exista esse constrangimento ou quebra de princípios legais, puder executar-se a obrigação por terceiro, nada pode existir em Direito que isto impeça.

13 OBRIGAÇÕES DE NÃO FAZER

1 Noção de obrigação de não fazer A obrigação de não fazer, obligatio non faciendi, sendo negativa, não passa de uma abstenção. É a obrigação de fazer, no prisma negativo. O que se obriga a não fazer deve omitir-se nesse sentido, sob pena de inadimplemento obrigacional. 2 Inadimplemento da obrigação de não fazer Assim, alguém que se obriga a não praticar determinado ato (não construir em seu terreno prédio além de três andares), em o praticando, descumpre sua obrigação de não fazer. Logo, se o devedor pratica o ato, que se obrigara a não praticar, deixa de cumprir a obrigação de não fazer, podendo o credor, com base no art. 251, caput, exigir o desfazimento desse ato pelo devedor, sob pena de ser desfeito às expensas deste, devendo o culpado indenizar as perdas e danos. O parágrafo único do art. 251 admite que, havendo urgência, o desfazimento do que foi feito indevidamente poderá ser providenciado pelo credor, independentemente de ordem judicial, sem prejuízo do ressarcimento devido. Esse dispositivo é importante para que não se agrave, em muitas situações, o prejuízo do credor, no aguardo de autorização judicial.

Como se vê do texto desse artigo, é facultado ao credor exigir a reposição das coisas ao estado anterior (statu quo ante), com o auxílio da Justiça, ou não, havendo urgência, pois assim se expressa: “o credor pode exigir dele que o desfaça”. Além disso, são devidas as perdas e danos, pois, no preceito em tela, cogita-se da culpa do devedor. Caso não opte o credor pelo desfazimento do ato praticado, cabe a ele pedir perdas e danos ao devedor inadimplente, com fundamento nos arts. 186 e 927, combinado com o 389, todos do CC. Quanto ao exemplo dado, em que o devedor se compromete a não construir prédio além de determinado gabarito, parece que, com maior propósito, deva o credor exigir a demolição do que exceder, mais as perdas e danos devidas; entretanto, pode o credor preferir, tão somente, o ressarcimento dos prejuízos. Há casos, contudo, em que o desfazimento do ato se torna impraticável, como no da difusão, pela imprensa, de notícia danosa ao credor, por parte do devedor, que se obrigara a não publicá-la. Aqui, só as perdas e danos remediariam a situação.

Pode, ainda, o descumprimento da obrigação de não fazer resultar de impossibilidade de abstenção, sem culpa do devedor; neste caso, resolve-se a obrigação, como determina o art. 250 do CC. Exaure-se o vínculo obrigacional. Ocorre esta hipótese, por exemplo, quando alguém, que se comprometera a não extinguir um lago, se vê

obrigado a fazê-lo por intimação do Poder Público.

Há que não se perder de vista que, ante a existência de culpa, sempre é devida indenização, além da reposição das coisas ao estado primitivo, sendo certo que, inexistindo culpa, afora esta última situação (reposição ao statu quo ante), nada mais será devido.

14 OBRIGAÇÕES ALTERNATIVAS

1 Conceito de obrigação alternativa Na classificação das obrigações, explanada no Capítulo 9, enquadram-se as alternativas entre as compostas ou complexas com multiplicidade de objetos. Realmente, já ficou visto que na obrigação alternativa existem, pelo menos, dois objetos, para que, por meio da escolha, um deles seja prestado, com a consequente extinção obrigacional. Assim, a obrigação alternativa apresenta-se com vários objetos, sendo um só devido. Ambroise Colin e Henry Capitant3 conceituaram-na como aquela que constrange o devedor a uma, somente, de duas ou mais prestações previstas, e que se extingue pela execução de uma ou outra. No Direito romano dizia-se que, nas alternativas, muitas coisas estão na obrigação, porém só uma no pagamento (plures sunt in obligatione, una autem in solutione). Como vemos, o devedor, para libertar-se do vínculo obrigacional, que o prende ao credor, deve prestar a este um dos vários objetos componentes da obrigação. Por exemplo, A obriga-se a entregar a B um livro, ou uma pasta, ou um lápis. Basta cumprir uma dessas entregas, realizar uma dessas opções, para

que se opere a total extinção da obrigação. 2 Direito de escolha Para que a obrigação alternativa exista, é preciso que haja pluralidade de objetos a serem prestados e que o devedor possa prestar um deles, por sua escolha, do credor ou, ainda, de terceiro. Nas obrigações alternativas, tudo se resume no poder da escolha. Quis o legislador pátrio que ela coubesse, em princípio, em primeiro lugar, ao devedor, conferindo a este maiores facilidades para libertar-se da obrigação; entretanto, podem as partes estipular que a escolha se faça pelo credor, ou, se quiserem, por terceiro, por elas indicado. É o que se infere do texto do art. 252 do CC brasileiro, não podendo, na prestação, confundir-se parte de um dos objetos com parte do outro. Um dos objetos da prestação deve ser prestado por inteiro, porque é indivisível. Assim, se o devedor se obriga a entregar duas sacas de milho ou duas de café, jamais poderá compelir seu credor ao recebimento, por exemplo, de uma saca de milho e uma de café, nem este credor poderá exigi-lo. Ou bem se entregam as duas sacas de milho ou as duas de café, integralmente, sem qualquer fracionamento. Este o alcance do citado dispositivo legal. É de ver-se, todavia, que o devedor, que se obriga ao pagamento de prestações periódicas, pode, ao cabo de cada período, optar pelo cumprimento da obrigação que entender, como é o caso de alguém que se obriga a entregar a outrem, anualmente, tantas ações da companhia A ou da B. No primeiro ano, pode o devedor optar pela entrega das ações da empresa A; no segundo ano, da sociedade B, e, assim, sucessivamente, como julgar

conveniente, cabendo-lhe a escolha. É o que ensina o parágrafo segundo desse mesmo dispositivo legal. Isso não querendo dizer que, nesse caso de pagamento por prestações periódicas, não se aplique o princípio da indivisibilidade do objeto, contido no preceito do parágrafo anterior, pois, realizada a escolha em prestar ações da companhia A, em determinado ano, nesse ano não poderá o devedor pagar parte em ações da empresa B. Renova-se, assim, de ano para ano, a escolha desta ou daquela prestação. Em suma, feita a escolha do objeto a ser prestado, torna-se simples a obrigação, porque, a partir da mesma, só será devido o objeto escolhido, como se fosse ele o único, desde o nascimento da obrigação. A escolha, que é irrevogável, salvo se, em contrário, dispuserem as partes, ou a lei, torna, definitivamente, individuado o objeto da prestação. Já dissemos que, em princípio, a escolha se defere ao devedor, que tem maior interesse em desligar-se do vínculo obrigacional. Ocorre, entretanto, que as partes podem convencionar que essa escolha caiba ao credor, ou, ainda, ao terceiro por elas eleito. Neste último caso, surge um problema: se o terceiro, por qualquer razão, se encontra impossibilitado de efetuar a escolha, ou, mesmo, não deseja realizá-la? A quem caberia escolher? Nosso Código de 1916 era omisso com relação à escolha, nesse caso, mas as legislações mais importantes, que preveem, especificamente, a matéria, têm-na atribuído ao Juiz. Aliás, outra não foi a solução proposta por Caio Mário da Silva Pereira, no art. 201, de seu Anteprojeto de Código das Obrigações. O atual Código Civil incluiu os §§ 3o e 4o em seu art. 252, da mais alta importância.

Tendo esse art. 252 mantido o direito de escolha cabente em princípio ao devedor, em ausência de outra convenção, menciona seu § 3o que, sendo vários optantes, não havendo acordo unânime entre os mesmos, caberá ao Juiz determinar um prazo para deliberação, após o qual decidirá como árbitro. Ao seu turno, o § 4o do mesmo dispositivo legal enfrenta a hipótese de o título obrigacional deferir ao terceiro o direito de escolha. Alude, ainda, a que, caso esse terceiro não queira ou não possa exercer mencionado direito, não havendo acordo entre as partes, ao Juiz caberá a escolha, decidindo, aqui, também, como árbitro. A escolha é, dessa forma, a manifestação de vontade do que tem de optar pelo cumprimento de uma entre as várias prestações, sem que seja necessária a anuência da outra parte da relação jurídica obrigacional. Pelo quadro abaixo, sintetizamos o exposto:

3 Decadência do direito de escolha No capítulo referente ao direito de escolha, surge questão que deve ser objeto de estudo, nessa oportunidade, qual seja, a de sua decadência. Realmente, não pode o credor ficar, eternamente, aguardando que o devedor

escolha o objeto da prestação e vice-versa, no caso dessa escolha caber ao credor. Nosso Código Civil não dedicou um artigo sequer, especialmente, para a solução do problema; entretanto, a matéria vem exposta no Código de Processo Civil pátrio, desde a Lei n. 5.869, de 11 de janeiro de 1973 (alterada pela Lei n. 5.925, de 1-10-1973), e no CPC de 2015, no Livro referente ao Processo de Execução (Título II – Das diversas espécies de execução, Capítulo I – Das Disposições gerais), no art. 800 e §§ 1o e 2o, que merecem transcrição e ligeiro comentário. Assim, expressa-se o legislador, por esse mencionado art. 800: “Nas obrigações alternativas, quando a escolha couber ao devedor, este será citado para exercer a opção e realizar a prestação dentro em 10 (dez) dias, se outro prazo não lhe foi determinado em lei, ou em contrato”. Completam os §§ 1o e 2o do mesmo dispositivo legal: “§ 1o Devolver-se-á ao credor a opção, se o devedor não a exercer no prazo determinado. § 2o. A escolha será a indicada na petição inicial da execução, quando couber ao credor exercê-la.” Vê-se, claramente, que, se o devedor, condenado a optar entre duas ou mais prestações, não cumprir a determinação judicial, esse direito de escolha passará, após o decurso do prazo de 10 (dez) dias, na forma da lei, automaticamente, ao credor. Reconhecida, plenamente, no citado § 1o, a decadência do direito de escolha cabente ao devedor. Realmente, se este devedor que tem, pela lei civil, o direito de escolher entre várias prestações, não o exerce, passa essa faculdade de exercício para o credor.

Aliás, o Código Civil alemão (BGB), que teve início de vigência em 1o de janeiro de 1900, em seu § 264 obtempera que, se o devedor, que tem opção, não efetuar a escolha antes de iniciado o processo de execução forçada, o credor pode executar um dos objetos, sendo certo, todavia, que, enquanto o credor não receber, no todo ou em parte, a prestação por ele escolhida, pode o devedor liberar-se cumprindo qualquer delas. Aqui, como vemos, não se opera a decadência enquanto o credor, que optar por um dos objetos da obrigação, não o receber, total ou parcialmente. Nesta última hipótese, iniciado, mesmo que de forma parcial, o recebimento de um dos objetos, já ele se torna o único devido, pelo princípio da indivisibilidade do objeto, que, por isso, deve, sempre, ser prestado por inteiro. A reforma do Schuldrecht entrou em vigência em 1o de janeiro de 2002. Mas, com relação à escolha pelo credor, aduz a parte final desse § 264 que, se ele não a exercitar, no prazo que lhe impuser o devedor, por intimação, perderá o direito em favor do devedor. Já o Código Civil italiano, em vigência desde 21 de abril de 1942, tratando da matéria, sob o título “Decadência da faculdade de escolha”, no art. 1.287, foi peremptório ao afirmar a decadência da faculdade de escolha não só do devedor (1a alínea), como do credor (2a alínea), como também do terceiro (3a alínea). Assim, se o devedor, condenado em obrigação alternativa, não escolhe a prestação a ser cumprida, no prazo fixado pelo Juiz, o direito de escolha passa ao credor. Já, se o credor é que tiver de escolher, não o fazendo no prazo estabelecido ou no fixado pelo devedor, este ficará com o direito de escolher. Ainda, se essa escolha estiver confiada a um terceiro, não escolhendo este, no tempo aprazado, caberá ao Juiz escolher.

Essa a melhor solução, a do legislador italiano, quase alcançada pelo CC de 2002. Capitulando a matéria no corpo do Código Civil, regulamentou-a de forma impecável, sem as deficiências do Código germânico mencionado, que, após referir na 2a alínea do § 263 que, feita a escolha, a prestação escolhida reputa-se a única devida, abre uma exceção, quebrando esse princípio quando afirma que o credor, que já optou pela execução de um dos objetos, ante a inércia do devedor, pode ser forçado por este a receber outro dos objetos, se não tiver, por qualquer forma, sido iniciado o recebimento do primeiro. 4 Impossibilidade de cumprimento das alternativas Pode ocorrer, entretanto, que apenas um dos objetos da obrigação possa ser prestado. Nesse caso, nessa única prestação fica o débito existindo. É o que menciona o art. 253 do nosso CC. Aqui, o legislador referiu-se à prestação, que não possa ser objeto de obrigação, e à que se torne inexequível, sempre tendo em vista uma impossibilidade material de cumprimento de uma das alternativas propostas na obrigação, porque, quanto à impossibilidade jurídica,

não

pode

subsistir

qualquer

obrigação.

Realmente,

na

impossibilidade material, o sujeito devedor não pode cumprir, fisicamente, seu dever jurídico. Ele está impedido ao cumprimento obrigacional por uma situação de fato. Por exemplo, se o devedor deve entregar alguma mercadoria que desapareceu do mercado, encontra-se impossibilitado, fisicamente, de prestá-la. Todavia, quando a impossibilidade é jurídica, o ato é nulo, todo ele, mesmo que só um dos objetos o seja, em face da iliceidade desse objeto. É o caso de quem se obriga a praticar um crime ou a pagar uma dívida ilegítima. Todo o ato jurídico é nulo, pois está contaminado pela ilicitude de

seu objeto. Se, desde o seu nascimento, a obrigação se apresentar com impossibilidade física de cumprimento, por uma de suas prestações, havendo só duas prestações, ela será alternativa por mera aparência, pois, na verdade, sempre existiu um só dos objetos, o que lhe dá a condição de obrigação simples. Havendo, contudo, mais de duas prestações, impossível uma delas, a obrigação continuará sendo alternativa com relação às demais. Vejam, por exemplo, se alguém se obriga a entregar um fantasma ou uma mesa. Ora, desde o início, a obrigação é simples, embora, aparentemente, alternativa, pois só um dos objetos é possível de prestar-se. Já se alguém se compromete a entregar um fantasma, ou uma mesa, ou um livro, embora impossível o primeiro objeto, subsiste a obrigação alternativa quanto aos demais objetos (uma mesa ou um livro). Assim, examinemos, pelo esquema:

Vejamos, agora, a impossibilidade superveniente, ou melhor, a que surge após a existência da obrigação alternativa. Se a impossibilidade for de uma das prestações, inexistindo culpa do devedor, haverá concentração do débito na outra ou nas outras prestações, independentemente da manifestação de vontade das partes.

Exemplificativamente, A obriga-se junto a B a fazer uma estátua, na qualidade de escultor, que é, ou a entregar uma coleção valiosa de selos, ou, ainda, uma pedra preciosa. Acontece que A, por motivo de saúde, fica impossibilitado de fazer a estátua, concentrando-se seu débito nas prestações remanescentes. Deve, por isso, entregar a referida coleção de selos ou a pedra preciosa. Se, entretanto, for culpado o devedor, cabendo a ele a escolha, poderá concentrá-la na prestação remanescente; sendo, por outro lado, a escolha do credor, poderá este pedir a prestação que remanescer ou o equivalente em dinheiro relativo à outra, acrescido das perdas e danos. Neste caso, devendo A a B uma partida de café, ou uma de trigo, ou uma de milho, impossibilitando-se as duas primeiras prestações por culpa do devedor, que, vamos dizer, as alienou, cabendo a ele a escolha, poderá cumprir a última prestação, remanescente, entregando ao credor a partida de milho. Tudo porque ao devedor cabia a escolha. Poderia este, mesmo que, por sua culpa, não se impossibilitassem as referidas prestações, escolher a terceira. Tal não ocorre, todavia, se a escolha pertencer ao credor. No exemplo, o credor poderia optar pelo recebimento da prestação subsistente (partilha de milho) ou pelo valor em dinheiro de uma das prestações, que se tornaram inexequíveis (partida de café ou de trigo), sempre acrescido das perdas e danos, em face do inadimplemento culposo do devedor. Nestes termos, propomos o quadro elucidativo:

Se a impossibilidade for de todas as prestações, sem que seja o devedor culpado, exaure-se a obrigação, por falta de objeto. Entretanto, se culpa houver do devedor, cabendo a escolha ao credor, pode este exigir o valor de qualquer das prestações, acrescido das perdas e danos; se couber ao devedor a escolha, deverá este prestar o valor do objeto que, por último, pereceu, pois nele concentrou-se o débito, mais a competente indenização pelos prejuízos causados. Se um comerciante se obriga a entregar um tipo A, ou B, ou C, de mercadoria e não pode executar nenhuma dessas alternativas, cumpre indagar se houve, ou não, culpa do devedor. Não havendo culpa, perde a obrigação, com a impossibilidade, o seu objeto; havendo culpa do devedor, com a impossibilidade de cumprimento de todas essas prestações, pode o credor, se lhe competir a escolha, exigir o equivalente em dinheiro de qualquer das prestações (mercadoria tipo A, ou B, ou C), acrescido do valor dos prejuízos; competindo a escolha ao devedor, o valor da que, por último, pereceu, além das perdas e danos. Demonstrando, no quadro a seguir:

15 OBRIGAÇÕES DIVISÍVEIS E INDIVISÍVEIS

1 Conceito de obrigação divisível e indivisível As obrigações divisíveis e indivisíveis pertencem à espécie das obrigações complexas ou compostas, com multiplicidade de sujeitos. É de atentar-se, antes de tudo, que todas as coisas, em princípio, podem ser divididas; hoje, chega-se, pela teoria atômica, à divisão das menores partículas, que compõem o mundo físico. Aqui, entretanto, estamos a considerar a divisibilidade e indivisibilidade no prisma, eminentemente, jurídico. Assim, em linhas genéricas, divisível é o bem que pode e indivisível o que não pode fracionar-se. Pelas noções já tidas, quando se estudaram os arts. 87 e 88 do CC, harmonizados em seus textos, vimos que os bens são divisíveis quando podem e indivisíveis quando não podem fracionar-se, sem que com isso se altere sua substância, podendo, ainda, a indivisibilidade resultar, não da própria natureza do objeto, mas da diminuição considerável de valor ou imprestabilidade ao uso a que se destina, bem como da determinação da lei ou da convenção das partes. Às vezes, sucede que a divisão é possível pela natureza do objeto, que, entretanto, fracionado, sem perder sua substância, perde o seu valor

econômico, ou a utilidade a que se destina, podendo ser considerado indivisível pela lei ou pelas partes. Nessa oportunidade, estamos tratando da obrigação divisível e indivisível, como as que se apresentam com pluralidade de sujeitos; entretanto, só falamos de divisibilidade e de indivisibilidade de objeto. É que ele tem que ser repartido entre os sujeitos credores na relação jurídica obrigacional ou entregue pelos sujeitos devedores. Aliás, Clóvis Beviláqua4 lembra, com muito propósito, que “a divisibilidade ou indivisibilidade das obrigações só aparece, em toda a luz, e só oferece interesse jurídico, havendo pluralidade de credores ou de devedores. Havendo unidade”, ensina, “nem mais de um devedor obrigado a somente um credor, as obrigações são, em regra, indivisíveis, porque nem o credor é obrigado a receber pagamentos parciais, nem o devedor a fazê-los, salvo se outra coisa for estipulada”. Os autores costumam mencionar que a obrigação divisível e a indivisível se conhecem pela prestação, sendo do primeiro tipo, quando fracionável, e do segundo, quando não. Assim, Caio Mário da Silva Pereira,5 baseando-se em Tito Fulgêncio, declara que, “em verdade, o que é divisível ou indivisível não é a obrigação, mas a prestação”, tendo chegado, mesmo, João Franzen de Lima6 a dizer que não tem importância verificar-se se a coisa ou fato, objeto da prestação, é divisível ou não, extraindo esta lição do grande jurisconsulto italiano Giorgi Giorgio, que a esposa em sua célebre Teoria delle obbligazioni. O CC brasileiro refere-se, no art. 314, a obrigação divisível, como a que tem por objeto prestação divisível. Parece-me, entretanto, que a divisibilidade ou indivisibilidade decorre, principal e diretamente, da possibilidade ou não de fracionamento do objeto

da prestação, e não desta. O art. 1.316 do Código Civil italiano, de 1942, enunciou, corretamente, a matéria, mostrando que a obrigação será indivisível quando a prestação tiver por objeto uma coisa ou um fato que não for suscetível de divisão, seja por sua própria natureza, seja pelo que dispuseram as partes contratantes. Comentando esse dispositivo legal, Rafaele Cicala7, da Universidade de Nápoles, esclarece que a divisibilidade e a indivisibilidade da obrigação se identificam com a divisibilidade e a indivisibilidade do objeto da prestação, ou seja, da coisa ou do fato devidos. Com a ideia ajustada de que é o objeto da prestação que pode ou não fracionar-se, lembro as noções relativas aos bens divisíveis e indivisíveis, já estudadas na Parte Geral de nosso CC, nos arts. 87 e 88, que, como foi visto, devem ser somados em seus enunciados para o perfeito entendimento distintivo entre os bens divisíveis e indivisíveis. Pelo primeiro artigo, é bem divisível o que pode ser partido, sem perda da sua substância. Mas sabemos que, por essa generalização conceitual, seria possível, por exemplo, dividirmos um automóvel em partes reais e distintas, desmontando-o, de forma que ele restaria um amontoado de peças. Vejam que a conceituação referiu o elemento principal da noção de divisibilidade, qual seja, o da preservação da substância do objeto, após a divisão. Assim, dividindo-se um automóvel, ele perde a sua substância, a sua estrutura, já não acontecendo o mesmo se for dividida, por exemplo, uma saca de feijão entre dois indivíduos, pois, após a divisão, o objeto dividido continua a existir em sua natureza primitiva. Há que não se esquecer, nesse passo, de que a indivisibilidade pode decorrer da vontade das partes ou da lei, sendo certo que, muitas vezes,

fracionando-se o objeto da prestação, não perde ele sua natureza, perdendo, entretanto, consideravelmente seu valor econômico. Resta às partes e à lei, pela forma que estabelecerem, policiarem nesse sentido, segundo os interesses que tutelam. Podem, desse modo, as partes convencionar a indivisibilidade do objeto para que, com seu fracionamento, não venha a perder o seu valor, por exemplo, tornar indivisível um lote de mercadorias, para fazer face às exigências do mercado, que o recebe por preço maior. Se os proprietários

das

unidades

dessa

mercadoria

fossem

vendê-las,

separadamente, não alcançariam bom preço. É o caso de vários proprietários armazenarem sacas de café, formando um lote indivisível, por sua vontade, para exportarem essa mercadoria, cuja procura no mercado externo é por lotes mínimos, por preços mais altos; tudo para não se sujeitarem à venda dividida da mesma, no mercado interno, que oferece preço menor. Por sua vez, a lei, às vezes, estabelece em seu texto, também, indivisibilidade de determinadas coisas, por sua exclusiva vontade. O art. 1.386, 1a parte, do nosso CC, assevera que “as servidões prediais são indivisíveis”. Assim, por exemplo, se uma servidão de trânsito é instituída em um terreno, a favor de outro, os proprietários deste têm direito de passar por aquele. Se esses proprietários dividirem o seu terreno, não se cindirá a servidão, pois que ela não poderá ser agravada ou ampliada. É de referir-se, agora, o fato da divisão possível, materialmente, mas que reduz o valor do objeto fracionado. Assim, o loteamento de uma fazenda pode desvalorizá-la, totalmente, conforme as situações. Valendo pelo todo a fazenda, suponhamos, estando muito afastada da cidade mais próxima e não havendo possibilidade de venda de lotes nesse local, seja de pequenas glebas para sítios ou de pequenos lotes para a construção de casas, sua divisão seria

um verdadeiro desastre, no âmbito pecuniário. O mesmo aconteceria com a divisão de um diamante, que vale mais pelo todo que por suas partes divididas. Podemos, agora, mencionar, em linhas gerais, o conceito de obrigação divisível e indivisível, dizendo que a obrigação é divisível, quando o objeto de sua prestação (coisa ou fato), devido pelo devedor ao credor, é suscetível de cumprir-se, fracionadamente, sendo indivisível, quando esse mesmo objeto não puder ser cumprido, parceladamente, seja em razão da sua própria natureza (indivisibilidade natural), seja pela vontade da lei ou das partes (indivisibilidade intelectual), seja, ainda, por perder consideravelmente seu valor ou sua utilidade (indivisibilidade econômica). 2 Divisibilidade e indivisibilidade nas obrigações de dar, fazer e não fazer Analisemos, primeiramente, a divisibilidade e a indivisibilidade nas obrigações de dar. Suponhamos que A se obrigue a entregar a B 20 (vinte) canetas idênticas; entregará 10 (dez) para cada um dos sujeitos credores. Se, por outro lado, a coisa, a ser entregue, for indivisível, uma casa, por exemplo, indivisível será a obrigação de dar. Assim, como vemos, a obrigação de dar, dependendo da possibilidade de fracionamento do objeto de sua prestação, tanto pode considerar-se divisível como indivisível. O mesmo acontece com a obrigação de fazer, pois, às vezes, pode, outras não, seu objeto dividir-se. Se alguém, por exemplo, contrata com um escultor a feitura de uma estátua, o objeto de fazer é indivisível; contudo, é possível que esse escultor seja contratado a fazer dez estátuas, realizando uma por mês; neste caso, será divisível. O mesmo não sucede com as obrigações negativas, de não fazer, pois, em princípio, são indivisíveis.

Realmente, se existe uma obrigação consistente em uma abstenção, qualquer que seja a prática de ato pelo devedor, mesmo que parcialmente, isso implicará o descumprimento obrigacional. Imaginemos que alguém se obrigue a não construir prédio além do terceiro gabarito, em determinado terreno. Esta obrigação tem em sua prestação objeto infracionável. Bastará o início da prática do ato de construir além do convencionado para que o devedor reste inadimplente. Ou bem não se realiza a obrigação, como avençado, ou a mesma se consuma, descumprindo-se, neste caso, a obrigação. É possível, por outro lado, que alguém se obrigue, por exemplo, a não plantar e a não colher. Neste caso, é viável a divisão, porque as abstenções são completamente independentes. 3 Efeitos da divisibilidade e da indivisibilidade Examinaremos, agora, os efeitos da divisibilidade e da indivisibilidade. Lembremos, primeiramente, que o problema da divisibilidade somente oferece algum interesse no Direito das Obrigações se houver pluralidade de pessoas na relação obrigacional, assim dois ou mais credores, dois ou mais devedores, ou, ainda, ambos, simultaneamente. O interesse jurídico resulta, como vimos, da necessidade de fracionar-se o objeto da prestação para ser distribuído entre os credores ou para que cada um dos devedores possa prestar uma parte desse objeto. Pois, se for um o devedor e um o credor, o objeto deve ser prestado por inteiro, salvo disposição em contrário, ante o princípio da indivisibilidade do objeto, constante do art. 889, já mencionado. Contudo, se muitos forem os credores ou os devedores, em face da divisibilidade do objeto da prestação, entre as mesmas partes far-se-á o

concurso, o rateio, a divisão, cumprindo-se o preceito contido no aforismo latino: concursu partes fiunt (as partes se satisfazem pelo concurso, pela divisão). Já no tocante à indivisibilidade, havendo pluralidade de devedores, cada um é obrigado pela dívida toda, ficando quem pagar sub-rogado em todos os direitos do credor. Por este prisma, vista a matéria pelo lado do débito, forma-se um verdadeiro concurso passivo. Se, entretanto, formos vislumbrar a indivisibilidade com pluralidade de credores, pelo lado do crédito, o concurso será ativo, podendo cada um dos credores exigir a dívida toda do devedor ou dos devedores. Neste caso, o devedor, ou devedores, ou pagam a todos os credores, conjuntamente, ou, se pagarem a um só dos credores, exigirão deste que preste caução de ratificação, no sentido de garantirem o outro ou os outros credores. Isto porque os credores é que devem receber o objeto; se um só o receber, será ele devedor junto aos demais credores, que precisam receber o que lhes é devido, os seus quinhões, ficando, com a caução, assim, garantidos. Dessa forma, se um só dos credores receber, sozinho, o objeto da prestação, por exemplo, um touro, poderá cada um dos demais exigir desse credor a parte que lhe competir, nessa coisa recebida, em dinheiro. Se, no exemplo, sendo três os credores e valendo R$ 300.000,00 o touro, que é recebido por um dos credores, ficará o que recebeu obrigado, junto aos outros dois, ao pagamento, a cada um deles, da soma de R$ 100.000,00.

Imaginemos, entretanto, que um dos credores perdoe a dívida; tal fato não implica extinção da obrigação com relação aos demais credores, que não poderão exigir o objeto da prestação sem pagarem a vantagem obtida pelos devedores, ou seja, o valor da cota do credor remitente. Assim, vejamos o exemplo contido no quadro adiante:

Aliás, o art. 262 do CC brasileiro estatui, expressamente, que “se um dos credores remitir a dívida, a obrigação não ficará extinta para com os outros;

mas estes só a poderão exigir, descontada a quota do credor remitente”. O mesmo acontecerá nos casos de transação, novação, compensação e confusão, acrescenta o parágrafo único desse dispositivo legal, institutos que iremos estudar mais adiante. A redação desse artigo não foi muito feliz, como nos mostra João Luiz Alves8, pois, como afirma, “no caso de prestação de coisa indivisível, o desconto é impossível”, preferindo esse autor a redação primitiva do art. 1.041 do Projeto de Clóvis Beviláqua, que é por ele taxada de “mais expressiva”, que vai adiante: “Se um dos concredores remite a dívida, esta subsiste inteira, mas os outros só podem exigir a prestação indenizando o devedor pela cota do credor remitente.” Melhor, assim, que se fale em indenização ao invés de desconto, ensinam os mestres, pois o desconto pressupõe a existência de coisa divisível. Melhor seria, entretanto, que não se referisse o termo indenização, que, no meu entender, poderia fazer supor a existência do ilícito (indenização, ressarcimento de prejuízos ou perdas e danos, por ato ilícito). Na realidade, como vimos, mais claramente, no exemplo citado, os devedores entregam todo o objeto indivisível e recebem, em pagamento, o valor da cota do credor remitente, pagamento este que lhes é feito pelos dois outros credores que recebem o objeto todo. Se este fosse divisível, já os devedores efetuariam o desconto do valor dessa cota para entregarem só o saldo aos credores não remitentes. Aqui, vemos a possibilidade do desconto na obrigação divisível. Na obrigação indivisível, como esse desconto é impossível, os devedores têm de entregar o objeto todo, para se reembolsarem do valor correspondente à cota do credor, que perdoou a dívida.

Analisemos, em resumo, pelo quadro seguinte, a matéria até aqui explanada: Efeitos da:

Se o objeto da obrigação vier a perecer com culpa do devedor, esta, que era indivisível, pela própria natureza daquele, torna-se divisível, pois que, no lugar do objeto desaparecido, surge o equivalente a seu valor, em dinheiro, além das perdas e danos. Dessa forma, o objeto que, por ser indivisível, não

podia ser repartido, para ser entregue pelos devedores ou para ser recebido pelos credores, transformando-se em dinheiro, é rateado. Aí, nas obrigações de dar, o mesmo acontecendo com as de fazer. Entretanto, a culpa é meramente pessoal, respondendo por perdas e danos só o culpado, daí o preceito do art. 263, que trata da perda da indivisibilidade das obrigações deste tipo, que se resolvem em perdas e danos, mencionando que, se todos os devedores se houverem com culpa, todos responderão em partes iguais (§ 1o), e que, se só um for culpado, só ele ficará responsável pelo prejuízo, restando dessa responsabilidade exonerados os demais, não culpados. Veja-se bem! Exonerados, tão somente, das perdas e danos, não do pagamento de suas cotas.

16 OBRIGAÇÕES SOLIDÁRIAS

1 Conceito de obrigação solidária Nessa classe de obrigações, concorrem vários credores, vários devedores ou vários credores e devedores, tendo cada credor o direito de exigir e cada devedor o dever de prestar, integralmente, as coisas, que são objeto da prestação. Existe, assim, solidariedade, quando, na mesma relação jurídica obrigacional, concorre pluralidade de credores e/ou de devedores, cada credor com direito e cada devedor obrigado à dívida toda, in solidum. Daí o nome: obrigação solidária. Pelo que vemos, não pode existir solidariedade sem que haja indivisibilidade do objeto a ser prestado. 2 Diferenças entre indivisibilidade e solidariedade Ora, neste ponto, percebemos que a solidariedade mantém estrita relação de semelhança com a indivisibilidade. Entretanto, apresentam diferenças entre si. Na indivisibilidade, a coisa não pode ser dividida, ou porque apresenta natureza insuscetível de divisão (um touro), ou porque a vontade das partes a torna indivisível (um lote de sacas de café, conforme exemplo já dado), ou porque a lei cria a indivisibilidade em face do objeto (servidão), ou, ainda,

porque a divisão da coisa importa redução do seu valor (loteamento de uma fazenda, consoante exemplo já dado). Já na solidariedade, a indivisibilidade do objeto é condição de sua própria existência, seja ou não, naturalmente, divisível esse objeto. Entretanto, vimos, anteriormente, que a indivisibilidade, nas obrigações indivisíveis, também pode ser criada por determinação da lei ou da vontade das pessoas. Assim, tanto na indivisibilidade como na solidariedade, o credor tem o direito de exigir, como o devedor, a obrigação de prestar, todo o objeto da prestação. Vejamos, por outro lado, as diferenças existentes entre os dois institutos: a) a solidariedade funda-se em uma relação jurídica subjetiva, com base nas pessoas, nos sujeitos dessa mesma relação, credores e devedores. Ela resulta, tecnicamente, da lei ou da vontade das partes, trazendo maior garantia ao credor, que tem mais facilidade para cobrar seu crédito. A indivisibilidade

baseia-se

em

uma

relação

jurídica

objetiva,

relacionando-se com a unidade do objeto, que integra a prestação, objeto esse que, em regra geral, não pode fracionar-se, seja por sua própria natureza, seja por perda do seu valor. b) na solidariedade, convertendo-se a obrigação em perdas e danos, subsiste a solidariedade, continuando indivisível o objeto (arts. 271 e 279 do CC brasileiro). Assim, se A e B se obrigam a entregar a C e D um touro e este vier a perecer por culpa de A, de B ou de ambos, subsistirá a solidariedade, devendo ser substituído o objeto perecido pelo equivalente em dinheiro, além das

perdas e danos devidas pelo culpado, permanecendo, mesmo com essa substituição, indivisível o objeto, que deverá ser cobrado ou pago por inteiro. Na indivisibilidade, o mesmo não acontece, pois se o bem, que era, por natureza, indivisível, no caso do exemplo citado (touro), for substituído pelo equivalente em dinheiro, além das perdas e danos, a obrigação, nesse momento, perderá sua qualidade de indivisível. Segue-se, desta forma, o disposto no art. 263 do CC brasileiro, fazendo-se o rateio entre as partes. c) na solidariedade, o devedor deve pagar por inteiro porque deve o todo, totum et totaliter. Na indivisibilidade, o devedor, embora seja obrigado ao todo, somente deve a sua parte. O pagamento da totalidade do objeto devido só se verifica ante a impossibilidade do fracionamento desse mesmo objeto. d) a solidariedade extingue-se, cessa, com a morte do credor, ou seja, o crédito reparte-se entre os herdeiros, sendo que na indivisibilidade o mesmo não se dá, pois ela não cessa com a morte do credor, não se repartindo entre os sucessores o objeto, tudo tendo-se em conta a natureza deste (art. 270 do CC). 3 Solidariedade ativa Estudemos, agora, a solidariedade ativa e a passiva. A solidariedade ativa mostra-se pelo lado ativo da relação obrigacional, sendo, desse modo, a concorrência, nessa relação, de dois ou mais credores (pluralidade de credores), cada um com direito ao recebimento de todo o objeto da prestação jurídica (de todo o crédito). Os credores são solidários. Vejamos:

Como esclarece Arnoldo Wald1, a solidariedade ativa apresenta importância diminuta, “pois visa a permitir a representação recíproca dos credores, que é alcançada, com maiores garantias, pelo mandato, que um credor pode outorgar a outro”. Realmente, fica insegura a posição dos credores, pois, um recebendo, os outros ficam sem garantias quanto à percepção de suas cotas, também porque, se um dos credores solidários iniciar demanda contra o devedor, este, que antes poderia pagar a qualquer desses credores, com extinção da obrigação, deverá pagar, tão somente, ao credor promovente do processo, segundo se depreende do art. 268, que altera a regra contida no antecedente. É porque, com o início do processo, fica prevento o Juízo, ou seja, o Juiz torna-se competente, devendo proferir sua decisão. Assim, os demais credores devem aguardar a terminação do processo. Entretanto, antes de intentada a lide, o pagamento feito, integralmente, pelo devedor a qualquer dos credores libera-o dos laços obrigacionais; não só o pagamento, como a novação, a compensação e a remissão, como veremos quando estudarmos estes institutos jurídicos, que funcionam como formas extintivas da obrigação. A solidariedade ativa nasce da vontade das partes, não da lei. Observando o disposto no art. 270 do nosso CC, vemos que o legislador, por não presumir-se a solidariedade, estabeleceu que os herdeiros de um dos

credores solidários, de per si, só terão direito a exigir e receber a cota do crédito que lhes couber, a título de quinhão hereditário, salvo se for indivisível o objeto da prestação. Isto não significa que deixe de existir a solidariedade. É que, com relação aos herdeiros do credor solidário, recebem eles suas cotas, podendo agir, em conjunto, com relação ao todo, correspondente à cota do credor falecido, o mesmo acontecendo se for um só herdeiro, além do que atrás se previu quanto ao objeto indivisível (quanto à solidariedade passiva – art. 276 –, mesmo princípio). É de patentear-se, para finalizar, que, sendo todos os credores solidários, se um deles receber todo o crédito, deverá responder junto aos demais, naquilo que lhes couber (art. 272). Isto porque, extinguindo-se a obrigação, não há que falar-se, mais, em solidariedade, seja por que forma de pagamento for, como veremos mais adiante, inclusive por remissão (perdão). Resta, dessa forma, ao credor, que recebeu sozinho, promover acerto com os demais cocredores, na forma estabelecida entre eles. 4 Solidariedade passiva Por outro lado, a solidariedade passiva apresenta-se sob o prisma passivo da obrigação, consistindo na concorrência de dois ou mais devedores (pluralidade de devedores), cada um com dever de prestar a dívida toda (todo o objeto da prestação). Os devedores são solidários. Como vimos, a solidariedade não se presume, decorrendo a solidariedade passiva da vontade da lei ou das partes. Às vezes, a lei, para maior garantia das relações jurídicas, fixa, em seu texto, a solidariedade, como na hipótese do art. 585, que dispõe sobre a solidariedade no comodato para que, existindo pluralidade de comodatários

(os que receberam em empréstimo gratuito determinado objeto infungível, por exemplo, uma casa), fiquem estes, solidariamente, obrigados, tendo, assim, o comodante (o proprietário da casa, no exemplo citado) maior facilidade para reivindicar o objeto, dado em comodato, de todos ou de quaisquer dos comodatários, isoladamente. Podem as partes estipulá-la na convenção. Suponhamos que A empreste R$ 30.000,00 (mútuo) para B, C e D. Se se convencionar a solidariedade passiva, cada um dos devedores, B, C ou D, ficará obrigado pela dívida toda (pelos R$ 30.000,00). Aliás, o Código Civil pátrio estabelece, no art. 275, o direito do credor de exigir e de receber de qualquer dos codevedores solidários, total ou parcialmente, a dívida comum. Ora, com o recebimento total, extingue-se não só a solidariedade, como a própria obrigação. Se, entretanto, for parcial o recebimento, mantém-se a solidariedade, respeitante ao remanescente, ou seja, os codevedores continuam, igualmente, obrigados pelo total desse saldo. Assim, pelo quadro, desdobremos o art. 275:

Ressalve-se, nessa oportunidade, que o art. 275, caput, usa das expressões “exigir e receber de um ou alguns dos devedores”; entretanto, é possível, como demonstrado no quadro retro, ao credor exigir e receber de todos os

devedores, pela própria conceituação da solidariedade passiva, que estabelece a coobrigatoriedade de todos os devedores pela dívida comum, integralmente, totum et totaliter. Não é outro o preceito do art. 275, parágrafo único, que reza: “O credor, propondo ação contra um dos devedores solidários, não fica inibido de acionar os outros” (todos os demais). Existe, aparentemente, uma desigualdade, autorizada pela lei, qual seja, o pagamento por um dos devedores da totalidade do objeto da prestação. Realmente, quem paga sozinho não é o único devedor, tendo, pela lei (art. 283), direito a exigir dos demais codevedores a sua cota. Se existir, entre os codevedores, algum insolvente, a cota deste será dividida pelos demais, igualmente. Pelos quadros exemplificativos podemos ver:

Havendo insolvência, por exemplo, de C, a cota deste (R$ 30.000,00) reparte-se pelos demais (B e D), segundo a regra contida no art. 283, 1a parte, in fine. Assim: B pode exigir de D R$ 45.000,00.

Esclarece Sílvio Rodrigues2, comentando esta última situação, estabelecida no art. 283: É verdade que as obrigações de cada um dos devedores solidários são autônomas, e que o devedor, que reembolsou o solvens da cota a ele correspondente, resgatou integralmente aquilo que devia. Assim, em rigor, está quite e nada mais lhe pode ser exigido. Todavia, a admissão de tal entendimento conduziria a clamante desequilíbrio dentro da relação jurídica, pois, enquanto cada devedor pagaria apenas a cota a ele correspondente, um deles, isto é, aquele que o credor arbitrariamente escolheu para solver o débito total, ficaria desembolsado não apenas de seu quinhão, como também da cota devida pelo insolvente.

Se, entretanto, algum dos devedores foi exonerado da solidariedade pelo credor, havendo rateio entre os codevedores, na parte que incumbia ao insolvente, este deverá contribuir, conforme determina o art. 284. Isso porque o benefício pelo devedor exonerado foi obtido por ato unilateral do credor, que não pode influir na solidariedade. Essa convenção entre um dos codevedores com o credor, trazendo benefício àquele, não pode, por outro lado, prejudicar os demais codevedores. Pode ocorrer, ainda, que, embora existindo na relação jurídica devedores solidários, somente a um deles interesse o pagamento, caso em que fica responsável por todo o débito junto aos demais coobrigados. É o que se infere do art. 285 do CC brasileiro. É o caso, por exemplo, do avalista, em uma nota promissória, que paga sozinho o valor nela consignado. Embora exista a solidariedade entre o emitente (que promete pagar) desse título de crédito e o avalista, aquele, na verdade, é o devedor, pois obteve, integralmente, os benefícios advindos da relação jurídica. Realmente, o emitente promete pagar ao favorecido o valor consignado no título, porque dessa soma se aproveitou. O avalista é um mero

garantidor, que, pela solidariedade, advinda da lei, é coobrigado nesse mesmo título. Se esse avalista pagar sozinho todo o valor da nota promissória, poderá reembolsar-se pelo total pago, não se cogitando, neste caso, de cotas, pois aqui não se trata da hipótese prevista, em regra geral, no art. 283, que pressupõe

devedores

todos

os

coobrigados.

Aqui,

cogitamos

da

coobrigatoriedade, mas na qual somente um é devedor beneficiado, ou, melhor dizendo, somente um, na realidade, é o devedor. Os outros devedores prestaram, como avalistas, um favor jurídico, sem qualquer benefício. Veja-se, por outro lado, que qualquer alteração gravosa da obrigação necessita da concordância de todos os devedores solidários, alerta o art. 278 do nosso CC, pois que a solidariedade foi contratada, tendo em vista uma situação presente, aquela que coincide com o nascimento da obrigação; caso contrário, um ou alguns dos codevedores, por estipulação complementar, poderiam agravar a obrigação primitiva, em detrimento dos demais. O princípio norteador desse dispositivo legal contém-se, também, no art. 266 do mesmo Estatuto. Está dito, no art. 275 do CC, já mencionado, que o credor tem direito a exigir de um, alguns, ou todos os devedores a dívida toda, total ou parcialmente. Se o credor iniciar ação contra um ou alguns dos devedores solidários, não ficará inibido de acionar os demais, o que quer dizer que, enquanto não for, totalmente, cumprida a obrigação, permanece a solidariedade (art. 275, parágrafo único, do CC). Em seguida, o art. 281 mostra que o devedor acionado pode apresentar defesas que chamou, impropriamente, de exceções, que têm sentido técnico específico; defesas “que lhe forem pessoais e as comuns a todos; não lhe aproveitando, porém, as pessoais a outro codevedor”.

Pode acontecer que se torne impossível a prestação, por exemplo, por perda do objeto, caso em que, inexistindo culpa dos devedores, extingue-se a obrigação. Se, por outro lado, existir culpa de todos os devedores, responderão eles pelo equivalente ao objeto em dinheiro, além das perdas e danos. Se, entretanto, a culpa não for de todos os coobrigados, somente o culpado responderá pelas perdas e danos, uma vez que a culpa é, sempre, pessoal, não exonerando os demais codevedores, contudo, pela reposição do equivalente em dinheiro, no lugar do objeto, cuja prestação se impossibilitou. É o que se deduz do art. 279 do CC. Com muita clareza, esclarece o art. 276 do CC sobre o falecimento de um dos devedores solidários, dizendo que, caso isso ocorra, havendo herdeiros, cada um destes somente será obrigado a pagar a cota que corresponder ao seu quinhão hereditário, salvo se a obrigação for indivisível, pois que, neste caso, o objeto não poderá fracionar-se; contudo, todos os herdeiros, em conjunto, serão tidos como um só devedor solidário, relativamente aos demais codevedores. Finalmente, ainda, com referência à extinção da solidariedade, esta ocorre, também, pela renúncia, que, entretanto, não opera a extinção da dívida. Pelo art. 282 do CC, essa renúncia pode ser total ou parcial. Se for total, os codevedores ficarão obrigados, de per si, ao pagamento da cota, que lhes couber, em razão da obrigação. Se, todavia, for parcial a renúncia à solidariedade, ficando exonerados desta, tão só, alguns dos codevedores, o credor terá direito de, somente, acionar os demais, abatendo, no débito, a cota relativa aos codevedores exonerados. Aliás, o fundamento do art. 282 é o mesmo do art. 277, já analisado, mostrando Clóvis Beviláqua3, com base em Huc, que “o credor não pode, por deliberação sua, mudar as relações

recíprocas dos devedores, nem melhorar a condição de um em detrimento dos outros”. Continua o mestre brasileiro, nesse mesmo passo, ensinando, com relação ao dispositivo legal invocado, que, “exonerando um dos devedores da solidariedade, dividiu a obrigação em duas partes: uma pela qual responde o devedor favorecido e a outra a que se acham, solidariamente, sujeitos os outros”.

17 TRANSMISSÃO DAS OBRIGAÇÕES

1 Noções gerais No Direito Romano primitivo, a obrigação estava ligada à pessoa, não se fazendo possível a transferência obrigacional dessa pessoa a outra, inter vivos. Quando ocorria a morte, dava-se a sucessão, a substituição do morto pelo herdeiro ou sucessor. Não se falava, então, de transmissão de crédito ou de débito. Mesmo em fases posteriores, o Direito Romano gravou-se por esse individualismo. Por meios indiretos, o romano foi admitido a transmissão obrigacional como no caso da novação (novatio) e da procuração em causa própria (procuratio in rem suam). Nesta, ficava o procurador isento de prestação de contas. Tal entrave nas relações jurídicas desapareceu no direito moderno, em que a transmissibilidade das obrigações é necessidade de ordem prática. O atual CC, sob o título Da Transmissão das Obrigações, englobou o tratamento da cessão de crédito e da assunção de dívida, contrariamente ao CC de 1916, que cuidara isoladamente da cessão de crédito. Transmissão, que descende da palavra latina transmissio, onis, formada pelo prefixo ou prevérbio trans (além de) e do verbo mitere (mito, is, isi, issum, ere – enviar, remeter por meio de), apresenta-se, no sentido literal de

linguagem, como a transferência de um bem jurídico por uma pessoa (transmitente) a outra (transmitido), que, em princípio, passa a ocupar o lugar da primeira. Nesse sentido geral de transmissão das obrigações encontramos todos os institutos jurídicos, que operam esse fenômeno translativo atualmente muito mais generalizados e existentes em leis extravagantes, com a unificação do Direito Privado. Assim, na legislação uniforme sobre Títulos de Crédito, em que está presente o princípio da cessibilidade desses documentos; como também na lei sobre Sociedades Anônimas (Lei n. 6.404, de 15-12-1976), que, exemplificativamente, estabelece a transferência das ações nominativas, no livro próprio da sociedade (art. 31). O atual CC tratou das disposições gerais dos títulos de crédito, garantindo que sua transferência implica a de todos os direitos que lhe são inerentes (art. 893), cuidando, ainda, do título ao portador, transferível por simples tradição (art. 904), do título à ordem, com a transferência por endosso (art. 910), do título nominativo que pode ser transferido por termo, no livro societário (art. 922) ou por endosso, contendo o nome do endossatário (art. 923). A transferência obrigacional é e sempre foi uma realidade, principalmente no mundo jurídico moderno, como meio indispensável e rápido na circulação da riqueza. A negociabilidade integra, atualmente, condição indispensável no comércio jurídico, em que as pessoas se substituem, como também os objetos da infraestrutura das relações jurídicas, a satisfazer a interesses e necessidades, com a segurança do Direito.

Lembre-se, nesse passo, de que Caio Mário da Silva Pereira já inserira em 1963, no Anteprojeto de Código das Obrigações, de que foi relator-geral, a transferência da obrigação, nos seus dois aspectos de cessão de crédito e assunção de débito (Parte Geral, arts. 160 e segs.).

18 CESSÃO DE CRÉDITO

1 Generalidades O CC de 1916 tratou isoladamente da cessão de crédito em um de seus títulos, tratamento que se repete quase integralmente no novo CC. 2 Conceito e natureza jurídica Cessão de crédito é o negócio jurídico bilateral pelo qual o credor (creditor) transfere ou aliena a outra pessoa sua qualidade creditória junto ao devedor, implicando a transferência do direito de crédito e de seus acessórios e de suas garantias. Na cessão de crédito intervêm as figuras do credor ou cedente (o que cede) e do cessionário (o que recebe, adquire o crédito), não tendo o devedor ou cedido necessidade de concordar; ele não participa do negócio jurídico. Todavia, como veremos adiante, o devedor precisa ser cientificado ou notificado da cessão, para que esta tenha eficácia com relação a ele, para que o devedor conheça seu novo credor (cessionário), para poder cumprir os termos do negócio da cessão (art. 290, 1a parte). Na relação jurídica obrigacional de que nasce o crédito, há uma substituição pessoal, quanto ao sujeito ativo. O cedente, antigo credor, é

substituído pelo cessionário, que passa a ser o novo credor, em situação análoga à da sub-rogação. A relação jurídica sofre um estremecimento, com essa substituição pessoal, mas permanece, não se extingue. Daí a diferença com a novação subjetiva, em que existe troca de sujeitos, mas com o nascimento de uma nova obrigação. Também o mesmo ocorre na sub-rogação, em que existe extinção obrigacional por pagamento. Destaque-se, mais, que os sujeitos da cessão devem ter capacidade jurídica e aptidão, autorização legal, para alienar. Devem ser observados, portanto, os requisitos de validade do negócio jurídico, como vêm assentados nos incisos I a III do art. 104 do CC, sendo capaz o agente; lícito, possível, determinado ou determinável o objeto; e cumprida a forma especial, quando exigida por lei. Podemos, nesse passo, lembrar com Alberto Trabucchi4, que “uma forma de contrato que se presta ao financiamento das empresas e que se pode grosso modo fazê-lo integrar o esquema da cessão de crédito é usado no comércio sob o nome de factoring”. Por este (faturização), o faturizado cede a instituição bancária (faturizadora), total ou parcialmente, seus créditos originados de vendas a terceiros, correndo o cessionário o risco de não recebê-los, mediante pagamento, pelo cedente, de determinada comissão. Como visto, a cessão de crédito tem natureza contratual, podendo ser total ou parcial. Pode, ainda, a cessão de crédito ser gratuita, sem contraprestação, aproximando-se da doação; ou, ainda, onerosa, quando está se avizinhando da compra e venda. Acentua Bruno Izitari5 que

o credor tem o direito de poder dispor e alienar o crédito contra o devedor. O credor tem, desse modo, o direito de vender, doar, permutar o crédito sem qualquer necessidade de autorização ou de aceitação à transferência, por parte do devedor.

Após conceituar a cessão de crédito como negócio jurídico, “em geral de caráter oneroso”, acrescenta Sílvio Rodrigues6 que essa espécie de cessão encontra justificativa no fato de o crédito se apresentar como um bem de caráter patrimonial e capaz, portanto, de ser negociado. Da mesma maneira que os bens materiais, móveis ou imóveis, têm valor de mercado onde alcançam um preço, assim também os créditos, que representam promessa de pagamento futuro, podem ser objeto de negócio, pois sempre haverá quem por eles ofereça certo valor. A cessão desempenha, quanto aos créditos, papel idêntico ao da compra e venda, quanto aos bens corpóreos. O paralelismo entre a compra e venda e a cessão de crédito conduziu o legislador francês e o italiano de 1865 a tratarem deste último instituto sob a rubrica daquele.

Assim, os arts. 1.689 e seguintes do CC francês, tratando du transport des créances et d´autres droits incorporels; e os arts. 1.538 e seguintes do CC italiano de 1865, com a mesma solução; ambos cuidando da matéria no capítulo relativo ao contrato de compra e venda, orientação esta abandonada pelo legislador do CC italiano de 1942 (arts. 1.260 e seguintes). Embora a caracterização da cessão de crédito como contrato seja controvertida, entendo, com Orlando Gomes7, que ela é contrato simplesmente consensual. À primeira vista, causa estranheza enquadrá-lo na classificação baseada na exigência ou dispensa da entrega da coisa para que se torne perfeito e acabado. No entanto, justifica-se porque há créditos incorporados a um documento, o qual deve ser entregue ao cessionário para que ele possa exercer o respectivo direito. Quando se diz, pois, que o contrato de cessão é simplesmente consensual, significa-se que não é necessária a tradição do documento para sua perfeição, bastando o acordo de vontades entre cedente e cessionário. Tanto que se

efetive, estará perfeito e acabado. Em alguns casos, porém, a natureza do título exige a entrega, assimilando-se aos contratos reais.

Por outro lado, não pode ser considerado contrato típico, pois reveste, em muitas oportunidades, causas diversas. Ora apresenta as características da compra e venda, ora da doação, ora da dação em pagamento, entre outras. Diga-se, quanto à forma, que, em princípio, a cessão de crédito não necessita de forma especial para valer entre cedente e cessionário; todavia, deverá celebrar-se por documento escrito, público ou particular, para ser eficaz, em relação a terceiros, assenta o art. 288 do CC. É claro que, se a cessão objetivar direitos relativos a bens imóveis, deverá revestir a forma de escritura pública, como a cessão de crédito hipotecário. O cessionário de crédito hipotecário tem, ainda, o direito de fazer averbar a cessão no registro do imóvel hipotecado (art. 289), para valer contra terceiros e ilidir eventual situação de boa-fé destes. Todavia, o termo correto seria registrar e não averbar, pois averbação pressupõe um documento anterior (crédito cedido?). A Lei de Registros Públicos (Lei n. 6.015, de 31-12-1973) fala em “registro...para surtir efeitos em relação a terceiros” (art. 129) dos “instrumentos de cessão de direitos e de créditos, de sub-rogação e de dação em pagamento” (n. 9). Também a cessão de direitos hereditários, ante a sucessão aberta, considerada bem imóvel (art. 80, II, do CC), deve ela sujeitar-se à escritura pública, pois implica a transferência de direitos reais sobre imóveis, de valor superior a 30 vezes o maior salário-mínimo vigente no País (art. 108 do CC). Sendo a cessão por instrumento particular, deverá conter a indicação do lugar em que foi celebrado, a qualificação das partes, a data e o objetivo negocial (art. 654, § 1o).

3 Objeto da cessão de crédito Em princípio, qualquer direito de crédito pode ser objeto de cessão, assenta o art. 286 do CC, a não ser que se oponha a isso “a natureza da obrigação, a lei ou a convenção com o devedor”. O direito de crédito faz parte do patrimônio da pessoa, que pode cedê-lo, de acordo com os seus interesses e para satisfazer a suas necessidades. Há exceções, como retrata o artigo sob análise, entretanto, que devem ser respeitadas. Assim, não podem se cedidos, por sua natureza, os direitos vinculados estritamente à pessoa (direitos personalíssimos), ou quando se destinam à manutenção da vida humana como o crédito decorrente do direito alimentar. Os alimentos estão ligados à necessidade de sobrevivência de determinada pessoa, fazendo parte, portanto, dos direitos da personalidade, não podendo seu titular deles dispor. Em razão da lei, também é proibida a cessão de crédito de herança de pessoa viva (art. 426); e nos mesmos casos em que é condenada a compra e venda, como, por exemplo, a venda que for realizada de ascendente a descendente (anulável – art. 496 do CC); a cessão que resultar de obrigação de fazer personalíssima, quando só pelo devedor exequível (art. 247); a cessão dos tutores, curadores e testamenteiros, que derivar de bens confiados à sua guarda ou administração (inciso I), a dos servidores públicos em geral, quanto aos bens sob sua administração direta ou indireta (inciso II), a dos juízes e outros serventuários ou auxiliares da justiça, no tocante aos bens ou direitos sobre que se litigar no local em que servirem ou que se estender sua autoridade (inciso III), a dos leiloeiros e seus prepostos, sobre os bens de cuja venda estejam encarregados (inciso IV), incisos esses do art. 497 do CC,

especialmente por seu parágrafo único, que estende a proibição às compras ali retratadas, sob pena de nulidade, ainda que em hasta pública, à cessão de crédito; bem como a proibição, sob pena de nulidade e ainda que exista autorização judicial, ao tutor de constituir-se cessionário de crédito ou de direito contra o menor, seu pupilo (art. 1.749, III). Por outro lado, ocorre, também, impossibilidade de cessão de crédito, quando as partes assim convencionarem, por seu interesse e conveniência própria. A esse respeito, esclarece Paulo Nader8 que, em se tratando de proibição originária de convenção, tal cláusula somente poderá ser oposta ao cessionário de boa-fé se constante nos termos do negócio jurídico primitivo. A teleologia de tal disposição, que figura na segunda parte do art. 286, é a de cercar de segurança jurídica o cessionário que desconhecia a restrição, impedindo que a fraude perpetrada consuma os seus efeitos. A contrai dívida em face de B e, em documento a parte, estabelece-se cláusula impeditiva de cessão. Não obstante, B transfere o seu crédito a favor de C, que estava alheio ao documento complementar. Considerando-se que C agiu de boa-fé e foram preenchidos os requisitos legais, temse a cessão como negócio jurídico perfeito e acabado. Havendo B atuando de má-fé, A poderá ajuizar ação de indenização por perdas e danos se, de fato, ocorreu-lhe algum desses prejuízos.

Realmente, por acréscimo ao antigo art. 1.065 do CC de 1916, o atual art. 286 vem mais completo com sua segunda parte, em ressalva do cessionário de boa-fé, ao mencionar que a cláusula que proíbe a cessão deve constar expressamente no instrumento da obrigação, para que dela tome conhecimento o cessionário. É claro que o que visa a lei é a essa ciência do cessionário, que pode ser evidenciada por qualquer meio, por exemplo, se ele tinha conhecimento do negócio jurídico originário. Caso contrário, será ilícito o comportamento do cedente, que oculta do cessionário a existência dessa

proibição. Por outro lado, será negligente o devedor que não exigir que essa proibição conste do instrumento obrigacional. Destaque-se, nesse passo, que, no tocante aos acessórios do crédito cedido, vigora o princípio segundo o qual o acessório segue o principal (accessorium sequitur principale), como, por exemplo, os juros que resultam de um capital. Cedido o principal, cedem-se os juros, se não resultar em contrário na contratação, pois a norma do art. 289 do CC é dispositiva, não de ordem pública (“salvo disposição em contrário”). 4 Espécies de cessão de crédito A cessão de crédito vem sendo classificada em três espécies: (a) convencional, que nasce da manifestação de vontade entre cedente e cessionário; (b) legal, que decorre da lei; ou (c) judicial, que resulta de decisão do Poder Judiciário. Em verdade, a única cessão que se deve considerar é a convencional, por que resulta do negócio espontâneo, do querer dos interessados. Sim, por que a cessão legal, resultando de preceito legal, não dá bem a ideia de transferência, mas de sucessão, de substituição. A sucessão no crédito é chamada pelo CC de sub-rogação, que, no Direito das Obrigações, em geral, é de natureza pessoal e não real. Substitui-se, assim, uma pessoa por outra e não um bem por outro. É o caso de subrogação, por exemplo, previsto no art. 831 (o fiador, que é terceiro interessado, que pagar integralmente o débito, fica sub-rogado nos direitos do credor); é o caso, ainda, das situações previstas nos incisos I e II do art. 346 do CC, em que a sub-rogação opera-se, de pleno direito; e, na hipótese

prevista no art. 287, quando a cessão de um crédito implicar a de todos os seus acessórios. Por sua vez, a chamada cessão judicial seria a decorrente de um ato judiciário, de uma adjudicação, por exemplo, ordenada pelo Juiz. Parece-me inadequado chamar-se de cessão o que resulta de sentença judicial. Há, sim, uma espécie de sub-rogação, de substituição pessoal do titular do direito por outro. 5 Notificação do devedor Como é certo, a cessão de crédito não necessita da anuência do devedor, para ser válida; todavia, não terá ela eficácia junto a esse devedor se este não for notificado. Comentando o revogado art. 1.069 do CC de 1916, que corresponde ao art. 290 do CC atual, esclarece Clóvis Beviláqua9 que, em relação ao cedente e ao cessionário, a cessão produz os seus efeitos, desde que é celebrada. Mas, em relação ao devedor, não pode ela ter eficácia, senão depois que este a conhece. Se assim fosse, seria o devedor prejudicado; porque, na ignorância de estar o crédito transferido, poderia pagar ao credor originário, e esse pagamento feito de boa-fé seria considerado inoperante. Ou o prejudicado seria o cessionário, se tal pagamento se considerasse eficaz.

Essa notificação deve conter a informação ao devedor de que o crédito foi cedido e deve ser provada, por todos os meios, podendo fazer-se judicial ou extrajudicialmente, por Títulos e Documentos ou com assinatura de recebimento na cópia de uma carta notificatória, por exemplo. Todavia, se, por escrito público ou particular, teve conhecimento da cessão, declarando-se dela ciente, estará notificado. A prova desse conhecimento, como resta evidenciado no artigo sob comentário, deve ser por escrito. Pode acontecer,

por exemplo, que o devedor assine o instrumento da cessão de crédito, como testemunha, não podendo alegar desconhecimento. Pode acontecer, entretanto, em certos casos, que a transferência prescinda de notificação, por realizar-se por forma especial, como os títulos ao portador, transferíveis por simples tradição e os cedíveis por endosso, entre outros. Tenha-se presente, ainda, que o devedor antes de ter ciência da cessão, antes, portanto, de ser notificado dela, desobriga-se, se pagar ao credor primitivo (art. 292, 1a parte). O devedor paga mal, entretanto, se pagar a este, depois de ser notificado, quando já ocorreu a substituição do credor primitivo (cedente) pelo novo credor (cessionário). Na primeira hipótese preserva-se o princípio da boa-fé do devedor que paga ao credor primitivo; todavia, no caso deste, a situação é gravíssima, por receber do devedor depois de ter alienado seu crédito. Além de responder por esse recebimento criminoso, o credor deve pagar perdas e danos, pela prática de ato ilícito doloso. Tenha-se presente, ainda, que podem ocorrer várias cessões do mesmo crédito a vários cessionários, cometendo verdadeiro crime de estelionato, situação em que prevalece a cessão que se completar com a tradição do título cedido (art. 291 do CC). Por essa razão, no caso de várias cessões notificadas, o devedor deverá pagar ao cessionário se lhe apresentar, com o título de cessão, o que comprova a obrigação cedida (art. 292, 2a parte). O Direito brasileiro optou, nesse caso, por esse critério objetivo da tradição, que me parece mais seguro do que o de priorizar entre notificações.

O devedor paga contra a entrega do documento originário, que representa, oficialmente, o crédito, juntamente com o da cessão do crédito. O art. 292 do CC apresenta-se ainda, com uma 3a parte, acrescentada ao primitivo art. 1.071 do CC de 1916, aduzindo que, se o crédito constar de escritura pública, prevalecerá a prioridade da notificação. Ainda que o devedor não tenha conhecimento da cessão, o cessionário poderá promover providências para conservação do direito cedido (art. 293 do CC). Lembre-se, também, de que o devedor pode opor as exceções (defesas) cabíveis junto ao cessionário, bem como, ainda, as que tinha contra o cedente, no momento em que veio a conhecer a cessão. Assim, o legislador quer atuação imediata do devedor, logo após ter conhecimento da cessão, sob pena de consentir com esta. Essas defesas, que podem ser opostas pelo devedor, são várias, como a de que já pagou seu débito, pura e simplesmente, ou por uma das modalidades de pagamento existentes; ou que o negócio que originou o crédito, ou a cessão mesma, está eivado de erro, dolo ou coação. 6 Responsabilidade do cedente O cedente, na cessão onerosa, é responsável pela existência do crédito, no momento de sua transmissão. É regra que exige o comportamento de boa-fé do cedente. O art. 295, primeira parte, do CC é claro ao mencionar que essa responsabilidade existe, ainda que o cedente não se responsabilize. Em outra situação seria inadmissível que a lei permitisse alienação onerosa de má-fé, sem o seu objeto.

Nessa hipótese, acentua Renan Lotufo10, com apoio em Rubens Limongi França, que o cedente garante o nomen verum (existência do crédito), sua qualidade de credor, mas não garante o nomen bonum (a solvência do devedor), a efetiva cobrança do crédito; daí a clareza do texto da primeira parte do art. 295, ao referir-se à independência de expressa responsabilização, por que “não se concebe, senão por má-fé, que o cedente engane o cessionário, recebendo prestação sem que haja contraprestação, por inexistente o crédito prometido”. A mesma responsabilidade do cedente existe, mesmo na cessão por título gratuito, assenta o art. 295, segunda parte, se ele proceder de má-fé. Aqui, estaria configurado verdadeiro presente com intenção de prejudicar. O Direito não tolera a má-fé. Por outro lado, o art. 296 do CC assinala que, não havendo disposição em contrário, o cedente não responde pela solvência do devedor. Isso, a demonstrar que, no âmbito do comportamento de boa-fé, não só, como visto, deve existir o crédito cedido, como não deve pairar dúvida quanto à solvência do devedor, no momento em que se faça a cessão11. Pode, todavia, o cedente assegurar a solvência futura do devedor, tornando-se, dessa forma, responsável12. A regra é dispositiva, pois admite que as partes estipulem em contrário, ou seja, que o cedente responda junto ao cessionário pela solvência do devedor. Nesse caso, estabelece, peremptoriamente, o art. 297 do CC que o cedente não responderá por mais do que o cessionário recebeu, acrescido dos juros (e, acrescentamos, com correção monetária). Terá o cedente, nesse caso, ainda, de reembolsar as despesas da cessão e as que o cessionário tiver feito com a cobrança do crédito.

7 Crédito penhorado O credor fica impossibilitado de transferir seu crédito, quando este tiver sido penhorado, se esse credor tiver conhecimento da penhora, menciona o art. 298, primeira parte, do CC. Recorda J. M. de Carvalho Santos13 que “uma das condições indispensáveis à transmissão do crédito é a sua disponibilidade; sem que o cedente possa dispor dele, não pode ocorrer a cessão, porque ninguém pode transferir o que não tem”. Contudo, exige-se a boa-fé do credor, que pode desconhecer o ato de penhora. Veja-se, entretanto, que quando existe o estado de insolvência do credor, a aludida penhora é inevitável, como a execução do patrimônio desse credor-devedor. Desse modo, para que se caracterize a boa-fé do credorcedente é preciso que ele não conheça da penhora e seja solvente. O credor, ao executar o patrimônio do seu devedor, o fará, não prevalecendo qualquer cessão que este tenha feito, sendo insolvente. Se solvente, quando o exequente for penhorar o crédito cedido, não mais o encontrará no patrimônio de seu devedor-cedente, devendo buscar outro bem para satisfazer-se de seu crédito. Por outro lado, reza a segunda parte do citado art. 298, se o devedor pagar, não tendo sido notificado da penhora, ficará exonerado, subsistindo tão somente contra o credor os direitos de terceiro. O que não pode, sob pena de pagar mal, é o devedor fazê-lo depois de notificado da penhora, ou tendo ciência dela. Nesse caso, não poderá ser considerado de boa-fé.

19 ASSUNÇÃO DE DÍVIDA

1 Generalidades A assunção de dívida é instituto novo, no CC, implicando, em princípio, a transferência do débito, no polo passivo da obrigação. Apresenta-se esse instituto com menor importância do que o da cessão de crédito, já estudada. E isso, lembra Sílvio Rodrigues14, preferindo a expressão cessão de débito, acontecendo “tanto no campo doutrinário como no legislativo”. “No campo doutrinário porque, envolvendo a transmissão de um valor negativo” (conforme Ruggiero e Maroi), “não são poucos os estudiosos que negam não apenas a utilidade do instituto, como até a possibilidade teórica de sua existência. No campo legislativo porque apenas algumas legislações sistematizam a matéria da assunção de dívida, pois a maioria dos códigos continua a ignorar-lhe a existência”. O atual CC agiu bem em cuidar da assunção de dívida, porque considerou a substituição do sujeito passivo da obrigação, depois de fazê-lo com relação ao sujeito ativo (cessão de crédito). Em Direito Obrigacional não se pode tratar do crédito sem levar em conta o débito; daí a posição correta do legislador brasileiro, que seguiu exemplos de regulamentação dessa matéria, como no Código Civil alemão (BGB) e no Código Suíço das Obrigações.

Utilizando-se desses modelos estrangeiros, Caio Mário da Silva Pereira já regulamentara em seu Anteprojeto de Código de Obrigações a assunção de débito (arts. 175 a 179). 2 Conceito Assunção de dívida está praticamente conceituada com seus elementos, na primeira parte do art. 299 do CC, sendo o negócio jurídico pelo qual pode o terceiro assumir a obrigação do devedor, com o consentimento expresso do credor. Esse mesmo sentido vinha expresso no Anteprojeto de Código de Obrigações, de Caio Mário da Silva Pereira. Assim ocorrendo, deverá o devedor ceder o seu débito a essa mesma terceira pessoa que o substituirá na relação jurídica. O devedor será substituído pelo mesmo terceiro, mas sem extinção da aludida relação jurídica, que permanece. Aqui ocorre, também, como na cessão de crédito, o que chamo de estremecimento da relação jurídica; sai o sujeito passivo e entra no seu lugar o terceiro, sem que ocorra novação, que implicaria pagamento, com extinção obrigacional. A assunção de dívida é também chamada, como visto, de cessão de débito. 3 Espécies Conforme os sistemas jurídicos que regulamentam a assunção de dívida, diferenciam-se eles quanto à configuração do polo passivo e quanto à participação do credor. Quanto ao passivo, pode a assunção de dívida ser privativa ou liberatória (libera o devedor), em que existe a substituição do devedor, sistema que foi adotado pelo novo CC; pode, por outro lado, ser cumulativa ou de reforço,

em que se soma mais um devedor, em reforço da posição do credor, nada impedindo que as partes interessadas adotem, elejam, esse sistema. Quanto à participação do credor, pode a assunção ser por expromissão ou por delegação. Quando existe expromissão, a assunção ocorre independentemente do consentimento do devedor, pois o próprio credor realiza o negócio com terceiro. O expromitente assume espontaneamente a dívida de outrem. Esse devedor originário não participa dessa negociação, podendo ser liberado ou não. Na delegação, um terceiro substitui o devedor, ou se soma a ele, assumindo o débito, com o consentimento do credor. Cogita-se, portanto, da delegação liberatória, havendo substituição do devedor, e da cumulativa, quando ao devedor soma-se outro. A delegação liberatória foi adotada pelo art. 299 do CC, que faculta ao terceiro assumir a obrigação do devedor, com o consentimento expresso do credor, ficando exonerado, liberado, o devedor primitivo, salvo se aquele, ao tempo da assunção, era insolvente e o credor o ignorava. Vejamos, no quadro.

Como explica Orlando Gomes15, a expromissão distingue-se da delegação porque dispensa intervenção do devedor originário. O expromitente não assume a dívida por ordem ou autorização do devedor, como na delegação. Sua atitude caracteriza-se pela espontaneidade. Por ser proveitosa para o devedor, não se exige que ele intervenha no negócio. Tal como a delegação, a expromissão pode ser: liberatória ou cumulativa. Na primeira forma, verifica-se perfeita sucessão no débito, pois o devedor é substituído na relação obrigacional pelo expromitente. Na expromissão cumulativa, a chamada adpromissio, o expromitente entra na relação como novo devedor, ao lado do devedor originário. Mas, ao contrário do que ocorre com a delegação, passa a ser devedor solidário. A entrada do terceiro não libera o devedor originário. Por outro lado, não adquire prioridade para ser executado. Uma vez que expromitente e devedor originário são devedores solidários, o credor pode exigir o pagamento, indiferentemente, de qualquer deles.

A exoneração ou liberação do devedor primitivo deixa de ser eficaz, se o assuntor da dívida, ao tempo da assunção, era insolvente, desconhecendo esse

fato o credor. Nesse caso, mais do que razoável, porque o primitivo devedor seria substituído por quem não tem condições de pagar o débito. Por outro lado, se houver a referida assunção de dívida sem o consentimento expresso do credor, pode este ser interpelado, por qualquer das partes interessadas, para, em determinado prazo, expressar seu consentimento, sempre indispensável. Por isso que, não ocorrendo este, seu silêncio é tido pela lei (parágrafo único do art. 299) como recusa a essa assunção. Não se admite consentimento tácito ou presumido, portanto. As espécies estudadas, nesse item, até esse ponto, são voluntárias ou convencionais; sendo certo que, todavia, o sistema jurídico admite assunção legal de dívida, prevista na lei. A ela pode aplicar-se o mesmo regramento da assunção voluntária ou convencional. Acentua Munir Karam16 que as hipóteses mais frequentes são as de assunção cumulativa legal, “pelas quais respondem o assuntor e o devedor primitivo”, havendo, entretanto, “diversos casos de assunção liberatória ou privativa da dívida”. Cita, entre outros, em seguida, várias hipóteses: Em se tratando de condomínio edilício, por exemplo, o adquirente responde pelos débitos do alienante, em relação ao condomínio, inclusive multas e juros moratórios (art. 1.345, do NCCB). No contrato de seguro de responsabilidade civil, subsiste a responsabilidade do segurado perante a terceira vítima do dano, se o segurador for insolvente (§ 4o, do art. 787, do NCCB). Na gestão de negócios, se o negócio for utilmente administrado, cumprirá ao dono as obrigações contraídas pelo gestor em seu nome (art. 869, do NCCB). O sócio, admitido em sociedade já construída, assume as dívidas sociais anteriores à admissão (art. 1.025, do NCCB). Pela lei do inquilinato, o locatário responde ao locador como principal pagador, inclusive pelos alugueres devidos pelo sublocatário, cuja responsabilidade é apenas subsidiária (art. 16, da Lei n. 8.245). Na cessão de contrato de imóvel, o cessionário responde pelas prestações vencidas, juntamente com o cedente (§ 1o, do art. 32, da Lei n. 6.766).

Hipótese especial de assunção de obrigações é a que se origina de transformação ou aquisição de empresas comerciais. A empresa nova assume o ativo e o passivo das que foram absorvidas e, desta forma, configura-se a assunção indiscriminada dos débitos preexistentes.

4 Efeitos O art. 300 do CC considera extintas, a contar da assunção de dívida, as garantias especiais originariamente dadas pelo devedor primitivo ao credor, a não ser que se manifeste esse devedor expressamente em sentido contrário. Primeiramente, há que se considerar que o dispositivo legal sob análise refere-se a garantias especiais dadas pelo devedor ou por terceiro. Desse modo, se estes não as mantiverem expressamente, o acessório (garantias) perde sua eficácia em face do débito garantido, havendo substituição do devedor. Se, entretanto, a substituição do devedor for anulada, restaura-se o débito, com todas as suas garantias, ficando, entretanto, extintas as garantias prestadas por terceiro, de boa-fé, pois essas mesmas garantias restabelecer-seão, se ficar provado que o terceiro conhecia o vício que maculava a obrigação. Dá-se, nesse caso, verdadeira restituição das partes ao estado anterior à referida substituição. Extinguem-se, com a assunção de dívida, ainda, as exceções (defesas) pessoais que competiam ao devedor primitivo, não podendo o novo devedor opô-las ao credor (art. 302). Faz ver, nesse ponto, Paulo Nader17 que o art. 302 da Lei Civil limita, para o novo devedor, o campo de defesa ou de ataque, impedindo-o de ‘opor ao credor as exceções pessoais que competiam ao devedor

primitivo’. Importante que se distinga as exceções gerais das que possuem caráter pessoal. Aquelas são objetivas e dizem respeito tanto ao negócio jurídico do qual a obrigação se originou quanto do que deu origem à substituição do devedor. As exceções subjetivas são uma história à parte do negócio, como o direito de se alegar compensação da dívida com um crédito pertencente ao devedor. Na lição de Pontes de Miranda: ‘O assuntor ou assumente pode opor ao credor as exceções que nasceram das relações jurídicas entre o credor e o devedor, porque assumiu a dívida tal qual era. Não pode opor, em compensação, crédito que pertence ao devedor anterior.’ O notável civilista acrescenta que o assuntor pode abrir mão de algumas exceções, desde que não sejam irrenunciáveis. Na dúvida prevalece a não renúncia. Importante considerar que a abrangência das chamadas exceções pessoais varia de acordo com o instituto a que se referem. Em se tratando de solidariedade passiva, por exemplo, a remissão parcial concedida a um dos devedores configura exceção que não se comunica aos demais reus debendi.

Por outro lado, o adquirente de imóvel hipotecado pode assumir o pagamento do crédito garantido, menciona o art. 303 do CC, excepcionando as disposições legais, até esse ponto examinadas, pois pode ocorrer o consentimento tácito do credor hipotecário se ele, sendo interpelado, não impugnar em trinta dias a transferência do débito. Nesse caso, de não impugnação, o legislador admite que o consentimento foi dado (tacitamente). Tenha-se presente que o credor hipotecário poderá opor-se, por mero capricho, quando, por exemplo, o valor do bem onerado for maior do que a própria dívida. Nesse caso o credor estará garantido por direito real, nada tendo a reclamar, pessoalmente, junto ao devedor ou de um terceiro, que teria hipotecado sua própria coisa para garantir débito de outrem. Em face do estudado art. 303, posiciona-se Sílvio Rodrigues18 no sentido de que “a cessão de débito devia ser admitida, mesmo sem a anuência do credor”, “por mero acordo entre devedor e cessionário, pois a oposição do credor não encontra outro esteio que não seu capricho, visto que seu interesse

não sofre ameaça, por força da excelência da garantia” (escudado em Yvon Hannequart). Entendo que a situação é delicada, pois o bem hipotecado pode desmerecer-se, com o tempo, com redução de seu valor, ante um fato qualquer (inundação, movimento de terra, com rachaduras etc.). O credor pode, ainda, acreditar mais na honorabilidade do devedor e no valor de sua fortuna, ante a necessidade de executar eventual saldo devedor, ainda que como crédito quirografário, junto ao primitivo devedor.

20 CESSÃO DA POSIÇÃO CONTRATUAL

1 Terminologia utilizada A matéria de cessão da posição contratual não foi regulamentada, no CC, mas está presente em grande número de negócios, merecendo uma referência, nessa oportunidade. Estudamos, isoladamente, a cessão de crédito e a cessão de débito (assunção de dívida), não podendo faltar noções sobre a cessão do contrato. O contrato como relação jurídica mostra-se como um complexo de direitos e de obrigações, que podem ser cedidas, integralmente. A cessão sob estudo tem sido denominada com expressões diversas, como cessão de contrato, alienação de contrato, venda de contrato e transferência de contrato, transferência da relação jurídica (Pontes de Miranda)1, além da que preferimos, cessão da posição contratual. Esta utilizada pelo CC português de 1966 (arts. 424o e segs.). 2 Conceito e espécies “Constitui esse tipo de contrato o meio dirigido à circulação da relação contratual”, ensina Carlos Alberto da Mota Pinto2, isto é, à transferência ex negotio por uma das partes contratuais (cedente), com consentimento do outro contraente (cedido), para um terceiro (cessionário), do

complexo de posições ativas e passivas criadas por um contrato. Opera-se, assim, o subingresso negocial dum terceiro na posição de parte contratual do cedente, isto é, na titularidade, antes encabeçada neste, da relação contratual.

O contrato a ser transferido deve ser, portanto, bilateral ou de prestações recíprocas. Explica Alberto Trabucchi3 que se fala de cessão de contrato de venda ou de locação, por exemplo, que são frequentes, somente nos contratos correspectivos (bilaterais ou sinalagmáticos), porque, nas outras relações, se cede a posição do credor, ou eventualmente a substituição do devedor. Ao seu turno, com fundamento no art. 1.406 do CC italiano, acentua C. Massimo Bianca4 que, por esse contrato, o titular de uma relação contratual, com prestações correspectivas ainda não exigidas (cedente) substitui a si por um terceiro (cessionário), com o consentimento da outra parte (cedido). E que, como um fato translativo de relação contratual, a cessão pode ser objeto de um negócio (cessão negocial) ou estar prevista na lei (cessão legal). Pela cessão de contrato, por um só negócio transfere-se toda a posição contratual de uma pessoa a outra, “por vezes e excepcionalmente, sem a própria anuência do cedido”, podendo ser citados alguns exemplos, como o do locatário, com opção de compra de prédio locado e autorizado pelo próprio contrato; o promitente comprador de terreno loteado pode fazer a transferência do compromisso de venda e compra do lote, sem concordância do credor; os contratos de empreitada; o contrato de lavra e fornecimento de minérios (Dimas de Oliveira César); o contrato de mandato, pelo substabelecimento sem reserva de poderes (Dimas de Oliveira César)5.

Destacando o exemplo da cessão do contrato de empresa, o cessionário assume todo o ativo e o passivo, geralmente fazendo o negócio preceder-se

de uma auditoria, com a realização de balanço e de balancete especial, para constatar o valor real da empresa. A cessão da posição contratual, como na cessão de crédito e na assunção de débito, não implica novação, pois o negócio ocasiona a substituição do cedente pelo cessionário, sem extinção do contrato cedido. A cessão legal de contrato refere-se, principalmente, a contratos de utilização e de seguro de um bem. A transferência do contrato importa, automaticamente, a alienação do bem6. No contrato de locação, ele transferese em seguida à alienação da coisa locada. O CC português regula, em seu art. 1.059o, a cessão da posição de locatário. 3 Natureza jurídica Há muitas teorias sobre a natureza jurídica da cessão da posição contratual, como a da inadmissibilidade da cessão do contrato, pois, quando o credor consente, há novação (Redenti, na Itália); a atomística ou a decomposição, justapondo-se à cessão de crédito a do débito (Andreoli, na Itália; Stammler, Gierke, Demelius, Von Thur, Enneccerus-Lehmann, na Alemanha); na Itália, essa teoria da decomposição foi defendida por Fontana e Finzi; a da renovatio contractus, por que é inadmissível o conceito abstrato de sucessão no débito, a título particular (Nicolò, na Itália); e a teoria unitária, com a íntima composição orgânica dos elementos transmitidos, que é a essência da cessão de contrato, relevando sua utilidade (Siber, na Alemanha, e Mossa Puleo e F. Ferrara Jr., na Itália), entre outras, optando Dimas de Oliveira Cesar pela teoria unitária7.

Como visto, quanto à natureza jurídica da cessão da posição contratual, há dois grupos doutrinários, propriamente, o de orientações atomísticas e o de orientações unitárias, quando o problema se condiciona diretamente pela situação do objeto (caráter misto ou unitário). “As tomadas de posição desencadeadas pelo problema da natureza jurídica da cessão de contratos, na parte em que este problema é diretamente condicionado pelo problema do objeto (abstraindo, portanto, do problema da sua eficácia normativa ou sucessória e do problema de sua estrutura bilateral ou trilateral)”, podem mostrar-se pelos dois aludidos grupos doutrinários8. Pela teoria unitária, predominante, e mais lógica, não firmam os contratantes da cessão da posição contratual vários negócios ou cessões, mas somente um, integrado. 4 Cessão da posição contratual no Direito brasileiro Embora não regulada pelo CC brasileiro, é a cessão sob estudo muito utilizada nas realizações negociais. Não a proíbe a legislação brasileira. Podem ser aplicadas à cessão da posição contratual as regras sobre a cessão de crédito, como também as que cuidam da novação, quando não quebrarem a estrutura do instituto em causa. Até o direito comparado pode, em muitas situações, ser admitido como fonte formal de direito, suprindo as lacunas da lei (art. 4o da Lei de Introdução ao CC). Assim, o preceituado no CC italiano, de 19429; como também no CC português, de 1966. Ao seu turno, muitos são os julgados dos Tribunais brasileiros, admitindo a cessão, em estudo, como a cessão de contrato de locação, quando vedada à revelia do locador (STF, Relator Min. Abner de Vasconcelos); o reconhecimento válido dessa cessão em ação renovatória (STF, Relator Min.

Luís Gallotti); a atribuição à cessão de crédito de efeito próprio da cessão de contrato – a cessão da posição contratual pressupõe a existência de contrato – base, em que participam apenas o cedente e o cedido, podendo o cessionário figurar no processo como terceiro interessado, na ação de rescisão contratual (STJ, Relator Min. Ari Pargendler); a licitude de celebração entre as partes de cessão de posição contratual, englobando créditos e débitos, com participação da arrendadora (em arrendamento mercantil), da anterior arrendatária e de sua sucessora no contrato, pois o ordenamento jurídico não coíbe a cessão de contrato, que implica a transferência de um complexo de direitos, de deveres, débitos e créditos (STJ, Relator Min. Nancy Andrighi)10.

21 ADIMPLEMENTO OU EXECUÇÃO E EXTINÇÃO DAS OBRIGAÇÕES

1 Significado do termo adimplemento ou execução Vimos, até este capítulo, além de outros aspectos da obrigação, suas fontes (onde elas nascem), seu conceito, seus elementos e sua classificação. Estudaremos, agora, seu adimplemento ou sua execução, ou seja, a maneira pela qual a obrigação se cumpre. Antes, devemos saber que adimplemento ou execução são palavras sinônimas de pagamento, solução, implemento, entre outras. Os romanos já escudavam-se, quanto ao pagamento, no aforismo segundo o qual solução – ou pagamento – é a prestação daquilo que está na obrigação (solutio est praestatio eius quod in obligatione est). É bom fixar o sentido técnico-jurídico do vocábulo pagamento, pois o primeiro pensamento que vem à mente, no significado popular, é o de que seja ele a prestação de uma importância em dinheiro. Essa a significação mais estrita da palavra, popular, vulgar. Na acepção mais ampla, entende-se pagamento como toda e qualquer maneira de extinção obrigacional. Até a prescrição estaria enquadrada nesta última hipótese. Já, em sentido técnico, na ciência jurídica, pagamento é o implemento, o adimplemento, o cumprimento, a execução normal da obrigação.

2 Elementos do pagamento No pagamento estão retratados três elementos indispensáveis, sendo que o primeiro é o vínculo obrigacional, que é uma causa; o segundo é o sujeito ativo, ou seja, quem paga, e, finalmente, o sujeito passivo, que é quem recebe o objeto da prestação jurídica. É de ver-se, desde logo, que, não havendo vínculo obrigacional, entre os sujeitos, não há que falar-se em pagamento, pois só deve pagar quem se obrigou; e o deve ao credor, com quem se obrigou na relação jurídica. Por isso, sem vínculo, não nasce a obrigação de pagar, sendo certo, mesmo, que só deve pagar o devedor ao credor a que se vinculou, pois se pagar a pessoa errada estará pagando mal, em consequência do que não se extinguirá a obrigação. O princípio que norteia a matéria é conhecido: quem paga mal paga duas vezes. O sujeito ativo é quem paga o objeto, o pagador, o devedor da obrigação, chamado tradente, reminiscência do pagador romano, o tradens, que efetivava a tradição (traditio), entrega de determinado objeto. O sujeito passivo é quem recebe a coisa, o recebedor, o credor da obrigação, que os romanos cognominavam de accipiens, o accipiente. Pelo que vocês estão vendo, há, em matéria de pagamento, uma inversão de elementos, comparativamente com os da obrigação. Realmente, o sujeito ativo do pagamento, o pagador, é o sujeito passivo da obrigação, o devedor, sendo que o sujeito passivo do pagamento, o recebedor, é o sujeito ativo da relação obrigacional, o credor. Isso porque o direito e o dever são correlatos, como certamente consignou o adágio latino ius et obligatio sunt correlata. É correta a expressão porque,

quando o devedor, sujeito passivo da obrigação, dá início à execução obrigacional, dá mostras de querer pagar, ele passa de sujeito passivo dessa obrigação a ativo do pagamento, iniciando o exercício de um direito, o de pagar. Pelo quadro, analisem melhor:

3 Pagamento puro e simples Estudaremos, nos capítulos seguintes, as normas que regulamentam o pagamento puro e simples, ou pagamento voluntário, que se realiza, espontaneamente, pelo devedor, para depois estudarmos outros meios, complexos, de pagamento.

22 SUJEITO ATIVO E PASSIVO DO PAGAMENTO

1 Normas quanto ao pagador Estudaremos, em seguida, as normas que disciplinam o sujeito ativo do pagamento, que é, como vimos, o devedor na obrigação, o solvens. Primeiramente, respondendo à pergunta: quem deve efetuar o pagamento? O Código Civil brasileiro, em seu art. 304, caput, menciona que “qualquer interessado na extinção da dívida pode pagá-la”, completando, no parágrafo único desse dispositivo legal, que “igual direito cabe ao terceiro não interessado”. Ora, é de ver-se, no caso, que a lei possibilita a qualquer pessoa efetuar o pagamento de qualquer débito. Entretanto, existem duas categorias de solvens: o interessado e o não interessado. O primeiro interessado na extinção obrigacional é o devedor, que se encontra, diretamente, preso na relação jurídica junto ao credor. Contudo, é possível que existam, na obrigação, terceiros interessados. Terceiros, porque nela não figuram quer como devedores, quer como credores; interessados, porque, estando vinculados aos laços obrigacionais, como é o caso, por exemplo, de um subinquilino, de um fiador, veem possibilidade, a qualquer momento, de um agravamento de sua posição.

É o caso, como foi referido, do subinquilino, que, em razão de cessão pelo inquilino, que lhe foi feita, do contrato de locação, corre o risco de ser despejado por falta de pagamento, se não liquidar os aluguéis em atraso. Por outro lado, o fiador, na mesma situação de terceiro interessado, pois, caso o devedor (afiançado) não cumpra a obrigação assumida, o fiador será responsável pelo pagamento, vendo, com esse inadimplemento, agravada sua situação jurídica. Mas, não parou aí o legislador pátrio, pois admitiu igual direito de pagamento ao terceiro não interessado, mostrando, entretanto, que, se este pagar em seu nome, terá direito, tão somente, a reembolsar-se do que pagou, sem qualquer direito a sub-rogação; todavia, se o terceiro não interessado pagar em nome do devedor, fará doação a este, sem qualquer direito a reembolso. É o que se depreende da combinação do parágrafo único do art. 304 com o art. 305, ambos do CC brasileiro. Assim, podemos esquematizar a matéria:

Esclarecendo melhor, o terceiro não interessado é o que não está, originariamente, vinculado à obrigação; ele surge como verdadeiro intruso na relação obrigacional: é um parente, ou um amigo, por exemplo, que vai saldar o débito por questão meramente moral. A lei, como examinado, nega sub-rogação nos direitos do credor por parte desse terceiro não interessado, porque, não fazendo parte da relação jurídica, não pode este substituir o credor por ele pago para executar o devedor (subrogação). A intromissão nos laços obrigacionais primitivos deveu-se, tão só, à sua iniciativa. Pode, entretanto, o devedor opor-se, fundado em justo motivo, à realização do pagamento por esse terceiro não interessado, não sendo, caso o mesmo venha a efetuar-se, obrigado a qualquer reembolso, a não ser que esse pagamento lhe aproveitasse, conforme estabelecia o art. 932 do CC de 1916. Esse art. 932 do CC de 1916, que foi alterado pelo art. 306 do novo CC, estabelece que o devedor não se obriga a reembolsar terceiro que efetua pagamento de seu débito, desde que aquele desconheça o pagamento ou ao mesmo se oponha, mas, “se o devedor tinha meios para ilidir a ação”. Assim, afasta o novo CC, nesse passo, a ideia do benefício que possa ter sido auferido pelo devedor, para enfatizar que só se eximirá do reembolso o devedor quando tiver “meios para ilidir a ação”. A redação do texto analisado deixa a desejar, principalmente, quanto a esta última expressão, muito generalizada. Tem-se a impressão de estar o mesmo dispositivo referindo-se à ação do terceiro, mas isso não seria possível, mormente se o devedor desconhecesse o pagamento por ele realizado. No caso, a referência é aos meios de defesa do devedor junto a seu credor, ilidindo a ação deste, na cobrança de seu crédito.

O art. 307 do mesmo Código estabelece aptidão especial do solvens para que o pagamento, por transmissão da propriedade, seja eficaz. Não basta, aqui, a capacidade normal do agente, diante dos preceitos genéricos do nosso Código. É preciso que ele tenha capacidade para alienar o objeto da prestação jurídica. Se for, entretanto, esse objeto fungível, ressalta o parágrafo único desse dispositivo legal, ou seja, se a coisa puder substituir-se por outra da mesma espécie, quantidade e qualidade, recebendo-a e consumindo-a o credor, estando este de boa-fé, nada mais poderá do mesmo reclamar o devedor, ainda que este não pudesse alienar dito objeto. Fica, assim, respondida a pergunta: “Quem deve realizar o pagamento?” que havíamos feito. 2 Normas quanto ao recebedor Iremos, agora, ocupar-nos da solução de outra importante indagação: a quem deve ser feito o pagamento? Isto porque é preciso pagar a quem, realmente, deva receber, pois quem paga mal paga duas vezes, diz o adágio já citado. Nosso Código Civil estabelece que o pagamento deve fazer-se ao credor ou ao seu representante, conforme preceitua seu art. 308. Como credores entendem-se, também, os que os substituíram na titularidade do crédito, seja a título universal, como é o caso do herdeiro, do legatário, seja a título particular, como, por exemplo, o cessionário e o subrogado. Há que fazer-se o pagamento, ainda, à pessoa capaz de dar a devida quitação, pois, sem esta, validamente realizada, não se liberta o devedor dos laços obrigacionais.

Assim, é completamente nulo o pagamento feito ao credor absolutamente incapaz, mesmo que esteja o devedor de boa-fé, pois os atos dos absolutamente incapazes, relacionados, como sabemos, no art. 3o1 do nosso CC, não produzem quaisquer efeitos jurídicos. Já com relação aos relativamente capazes, não tendo o solvens (pagador) conhecimento da relativa incapacidade, estando, pois, de boa-fé, é válido o pagamento. Entretanto, mesmo conhecendo a relativa incapacidade, será eficaz o pagamento se o que assiste o menor ratificá-lo, ou se restar provado que com ele beneficiou-se o incapaz, tudo a inferir-se do ensinamento do art. 310 do CC. Pode acontecer, por outro lado, que o credor, por dever a outrem, tenha seu crédito por este (credor do credor) penhorado ou impugnado judicialmente. Se o devedor, apesar de ter sido intimado desse ato judicial (penhora ou impugnação), realizar o pagamento ao seu credor, este pagamento não valerá ao promovente da medida judicial, que poderá, como autoriza o art. 312 do nosso Código, forçar esse devedor a pagar novamente, podendo, entretanto, reembolsar-se este do que pagou ao seu credor. Isto porque o devedor, ciente de que o objeto, que deveria pagar, estava contrariado judicialmente, efetivou pagamento, assim mesmo, ao credor, frustrando o terceiro, credor deste credor. Por outras vezes, o credor tem, apenas, aparência de credor, não o sendo na realidade; é o chamado credor putativo. Nesse caso, se o devedor a ele efetuar o pagamento, este será válido se aquele estiver de boa-fé, ignorar por completo a situação. O CC reconheceu a validade do pagamento realizado nessas condições do art. 309.

Exemplificativamente, seriam válidos os pagamentos feitos ao herdeiro aparente do falecido credor, uma vez que esse herdeiro sempre foi tido como único descendente do de cuius. Também, se alguém se intitula proprietário de uma casa e a aluga a outrem, que paga, regularmente, os aluguéis, caso fique provada a boa-fé deste e que aquele não seja o legítimo proprietário do imóvel, válidos serão os pagamentos dos aluguéis realizados. Tem-se, no caso, sentido que o princípio da nulidade dos negócios jurídicos fica, de certa forma, abalado, pois efeitos defluem de situações totalmente nulas, como as mostradas nos exemplos. No primeiro não houve descendência, não podendo existir herdeiro; no segundo não houve locação, por faltar qualidade de proprietário ao que alugou o prédio. Entretanto, mesmo assim, consideram-se válidos os pagamentos havidos. É que, neste caso, mais alto se alça o princípio da boa-fé, norteador supremo do Direito. Ele é a única coluna do Templo do Direito que não pode ruir, em qualquer momento, sob pena de negar-se o próprio fundamento da ciência jurídica. Pode, ainda, como visto, fazer-se o pagamento ao representante do credor. A representação pode ser de três tipos: legal, judicial e convencional. A representação legal é a que decorre de dispositivo de lei. Ela é estabelecida pela lei. Dessa forma, os pais são representantes legais dos filhos, como mostra o art. 1.690 do CC. São, também, representantes legais os tutores e curadores, na forma que a lei determinar, com relação aos menores, interditos e ausentes. Ainda, aos cônjuges compete a representação legal da família, consoante estabelece o art. 1.567 do CC. O representante da massa falida, por exemplo, é o administrador judicial, segundo dispõe o

parágrafo único do art. 76 da Lei n. 11.101, de 9 de fevereiro de 2005 (Lei de Recuperação Judicial, Extrajudicial e Falência). A representação judicial estabelece-se por determinação do Juiz, por nomeação deste, como é o caso do depositário judicial. A representação convencional é a que provém da convenção, do mandato, tanto podendo ser expressa como tácita. Pode o credor nomear determinado indivíduo seu procurador, mandatário, firmando a competente procuração, onde deverão constar os poderes para receber e dar quitação, principalmente. É de cautela que o devedor fique com cópia autenticada desse mandato para poder comprovar, futuramente, que pagou bem, ou seja, ao representante do credor. Isto porque, sendo, somente, exibida a procuração, após o recebimento pode a mesma desaparecer, não havendo, dessa forma, prova do pagamento, como veremos mais adiante. A não ser que essa procuração tenha sido outorgada por instrumento público. Neste caso, basta ao devedor, que paga, anotar o livro e folha do Tabelião em que o mandato foi lavrado. Quanto ao mandatário tácito, a própria lei civil o menciona, em seu art. 311, pelo qual o portador da quitação está autorizado a receber o pagamento. Neste caso, o cobrador, que, de posse do recibo, assinado pelo credor, efetua a cobrança e o recebimento da soma nele consignada, entregando-o ao devedor, é procurador tácito desse credor. Entretanto, é bem de notar-se que a parte final desse dispositivo de lei acrescenta: “salvo se as circunstâncias contrariarem a presunção daí resultante”. Aqui, uma presunção iuris tantum, que admite prova em contrário. Assim, no caso do exemplo citado, deve o pagador tomar as cautelas legais, verificando se quem está portando a quitação é empregado do

credor ou se está a mandado dele, pois ninguém pode excluir a hipótese de ter sido dito recibo extraviado, estando em mãos indevidas. É de ver-se, por outro lado, que, como refere a segunda parte do art. 308 do CC, o pagamento feito a terceiro, em regra, não vale. O Código, entretanto, nesse ponto, quer impedir o locupletamento, o enriquecimento indevido, mencionando que, embora feito a terceiro, valerá se for ratificado pelo credor, ou seja, se este confirmar que recebeu o pagamento, feito por via do referido terceiro, indiretamente. A outra hipótese é a de o pagamento, executado por meio do terceiro, aproveitar, total ou parcialmente, ao credor. Se restar provado que o credor teve qualquer benefício, embora feito o pagamento a terceiro, não autorizado ao recebimento, essa vantagem será descontada do que ele tiver que receber. É um princípio de justiça. Melhor analisaremos toda a matéria até aqui explanada, com relação a quem deve ser feito o pagamento, pelo quadro adiante:

23 LUGAR, TEMPO E MODO DO PAGAMENTO

1 Normas quanto ao lugar do pagamento. Dívida quesível e portável Estudaremos, aqui, as regras do pagamento atinentes ao lugar em que ele se realiza, quando e de que maneira. Assim, primeiramente, é de saber-se onde, em que lugar, deve ser feito o pagamento. No domicílio do devedor, no do credor, ou em outro lugar qualquer? O art. 327 do CC estatui que o pagamento deve efetuar-se no domicílio do devedor, logicamente, à época em que tiver de executar-se a obrigação. Acrescenta, entretanto, esse dispositivo de lei: “... salvo se as partes convencionarem diversamente, ou se o contrário resultar da lei, da natureza da obrigação ou das circunstâncias”. Isso quer dizer que, em princípio, o pagamento deve ser feito no domicílio do devedor. A dívida, neste caso, será quesível, ou seja, deve ser cobrada, buscada, pelo credor no domicílio do devedor. Tudo indica que a palavra quesível encontra origem no verbo latino quaero, is, sivi, situm, ere, da terceira conjugação, que significa buscar, inquirir, procurar, informar, indagar, perguntar.

Por exemplo, nada estando estipulado no contrato de locação quanto ao lugar em que devam ser pagos os aluguéis, eles devem ser cobrados pelo credor (proprietário da coisa locada, locador) no domicílio do devedor (inquilino, locatário). É de lembrar-se, por outro lado, de que, às vezes, consta, expressamente, no contrato, a obrigação do devedor de levar o débito ao domicílio do credor ou onde este indicar. Neste caso, então, a dívida será portável, levável, pois o devedor deverá portá-la, levá-la à presença do credor. No caso do exemplo dado, constando no contrato a obrigação de pagamento dos aluguéis no domicílio do locador, proprietário do objeto locado, o inquilino deverá efetuá-lo nesse local, sob pena de descumprimento obrigacional. O termo portável encontra sua origem no verbo latino da primeira conjugação porto, as, avi, atum, are, que significa levar, portar, transportar. No Direito inglês, no sistema da Common Law, fala-se em dívida querable e portable, e, no Direito francês, em quérable e portable, vocábulos esses muito usados em nossa Doutrina e Jurisprudência. Já vimos que a regra geral de que a dívida é quesível é quebrada só pelas quatro hipóteses constantes da segunda parte do já referido art. 327, ou seja, quando as partes convencionarem diversamente, quando o contrário dispuserem as circunstâncias, a natureza da obrigação ou a lei. Já percebemos, examinando a primeira hipótese, que as partes podem convencionar, livre e expressamente, estabelecendo no contrato onde deva realizar-se o pagamento, e que só no silêncio da convenção é que impera o princípio geral da dívida quesível.

Quanto à segunda hipótese, é de notar-se que, embora omisso o contrato, quanto ao lugar do pagamento, este presume-se pelas próprias circunstâncias do negócio, que impõem outro local de pagamento que não o do domicílio do devedor, como é o caso, por exemplo, do empregador que remunera os seus funcionários no local de trabalho. Por outro lado, se duas pessoas saem de sua cidade e, em viagem, uma vem a emprestar dinheiro à outra, com a condição de que seja devolvido por ocasião de sua volta, claro está que o devedor deverá restituir a soma que lhe foi emprestada na cidade de onde partiram. A convenção, nestes casos, ante as circunstâncias negociais, é tácita. Pela terceira hipótese, a natureza da obrigação, por si, mostra, às vezes, o lugar do pagamento, sendo praticamente impossível a estipulação de outro local. Pode-se dizer, aqui, da venda a vista com pagamento do preço contra a entrega da mercadoria. Ora, tanto a coisa vendida deve ser entregue, como pago o preço, no local da entrega. Se uma empresa vende tapetes para serem colocados em determinado lugar, nesse lugar é que deve realizar-se o pagamento (entrega dos tapetes e sua colocação). Já a quarta hipótese relaciona-se com os casos de pagamento, cujo lugar é determinado por lei. A lei é que fixa o local de pagamento, como acontece com as dívidas fiscais, que devem ser pagas na repartição competente. O art. 328 do CC é exemplo típico de indicação legal do lugar do pagamento, quando alude que, “se o pagamento consistir na tradição de um imóvel, ou em prestações relativas a imóvel, far-se-á no lugar onde este se acha”. Entretanto, está com razão João Franzen de Lima1, quando afirma “que as hipóteses figuradas nesse dispositivo são mais de exceção imposta pela natureza da obrigação do que pela lei. Esse dispositivo poderá

desaparecer do Código sem que as situações nele previstas se alterem nos efeitos visados”. A expressão prestações relativas a imóvel, que tem sido criticada por nossos juristas, principalmente por Clóvis Beviláqua, deve ser entendida como significando as despesas relativas a serviços, construções e suas reparações etc., que só podem realizar-se no local do imóvel. O art. 329, sem correspondente no CC de 1916, refere-se à possibilidade de pagamento em outro local, que não o determinado, sem prejuízo ao credor, desde que ocorra motivo grave. Ressalte-se que uma certa instabilidade, insegurança de dizer, decorre da expressão motivo grave, muito genérica e que será interpretada pelo Juiz, de caso para caso concreto, de acordo com as suas circunstâncias. Assim, se o devedor entender grave determinado motivo e alterar o lugar do pagamento, deverá, caso o credor recorra ao Judiciário, aguardar a manifestação desse órgão, que dirá da correção do procedimento do devedor ou não. Por outro lado, o art. 330, que também não encontra correspondente no Código de 1916, estabelece uma presunção, ao nosso ver, iuris tantum, pois admite prova em contrário, segundo a qual a reiteração de pagamento em outro lugar, diverso do estabelecido no contrato, leva à renúncia tácita do credor, relativamente a esse local, marcado no contrato. Entendo inadequada a expressão renúncia tácita, pois a renúncia deve ser sempre expressa. Melhor que se entenda como alteração tácita do contratado. 2 Normas quanto ao tempo do pagamento Quanto ao tempo, o pagamento deve executar-se no vencimento da obrigação, não podendo, em regra geral, o credor exigi-lo antes de vencido o

prazo. 3 Obrigações sem prazo e sem condição (puras) Há obrigações, entretanto, que não possuem tempo determinado, vencimento fixo. Quando a obrigação não possui prazo ou condição para seu cumprimento (obrigação pura e simples), o objeto de sua prestação é exigível imediatamente. Aliás, é o que reza o art. 331 do CC, que, todavia, admite a existência de disposição legal em contrário. Realmente, nosso Corpo Legislativo Civil refere vários artigos, amplamente citados por nossos doutrinadores, nesse sentido. Assim, o art. 592 estatui que, no caso de mútuo (empréstimo de coisa fungível), não tendo sido convencionado, expressamente, prazo para restituição da coisa mutuada (emprestada), os prazos serão os que se elencam em seus três incisos. O primeiro determina que, se o mútuo for de produtos agrícolas, seja para o consumo, seja para semeadura, a restituição deverá ser efetuada até a próxima colheita. O segundo inciso confere o prazo de 30 (trinta) dias, pelo menos, até prova em contrário, para a devolução do dinheiro emprestado. O terceiro inciso autoriza ao mutuante (emprestador), caso seja o mútuo de qualquer outra coisa fungível, a fixação do prazo, que não deve ser marcado arbitrariamente, entendo. Melhor seria que a lei tivesse estabelecido um prazo mínimo, fosse de 30 (trinta) dias, a exemplo do inciso anterior, pois, interpretando-se friamente o dispositivo em causa, chega-se à conclusão da possibilidade do empréstimo, concomitantemente com o pedido de restituição do bem mutuado.

Por outro lado, esse art. 331 deve ser combinado com o 134 do CC, pois este, na Parte Geral do Código, repete o preceito daquele, nos seguintes termos: “Os negócios jurídicos entre vivos, sem prazo, são exequíveis desde logo, salvo se a execução tiver de ser feita em lugar diverso ou depender de tempo.” Em certas situações, entretanto, torna-se impossível aplicar o princípio constante desses artigos, como, por exemplo, no caso de alguém que empresta (dá em comodato) a outrem um ônibus para a realização de uma viagem de recreio; não havendo prazo estipulado, entende-se que ele o foi pelo tempo indispensável à realização de dita viagem. O art. 581 do nosso CC consigna essa atenuante à regra acima retratada, dizendo, em sua primeira parte, que, se no comodato (empréstimo gratuito de coisa infungível) as partes contratantes não tiverem convencionado prazo para a devolução da coisa emprestada, “presumir-se-lhe-á o necessário para o uso concedido”. O referido art. 134 menciona, também, a hipótese de ter a execução de realizar-se “em lugar diverso”. Aqui, também, vê-se a impossibilidade de cumprimento obrigacional imediato. Suponham que alguém se obrigue a dar a outrem determinado objeto e que este se encontre em local distante. É óbvio que a obrigação não poderá cumprir-se imediatamente, pois necessitará o devedor de tempo suficiente para trasladar a coisa da prestação. Cumpre observar, nesta oportunidade, que restou consagrada a regra geral segundo a qual, não havendo prazo estipulado para o pagamento, este poderá ser, a qualquer momento, exigido pelo credor; entretanto, é preciso que ele, credor, dê ao devedor conhecimento de sua pretensão por meio de

interpelação, consoante determina o art. 726, parágrafo único, do CC, pois só após a efetivação da mesma é que estará em mora, em demora, em retardamento no cumprimento obrigacional, o devedor. O CPC brasileiro regulamenta, a partir de seu art. 726, a matéria relativa às, notificações e interpelações, entre os procedimentos cautelares específicos. 4 Obrigações com prazo e condicionais (impuras) Estudaremos, agora, as obrigações com prazo ajustado (a termo) e as condicionais. Essas duas espécies de obrigação podem ser chamadas impuras, pois estão modificadas em sua estrutura, ora pelo prazo, ora pela condição. As obrigações com prazo ajustado devem ser cumpridas no prazo – é o que se deduz dos arts. 331 e 397 do CC. Realmente, porque, sendo ajustada época para o pagamento, o prazo avençado deverá ser observado, tanto que o Código não fez a essa hipótese menção direta, dizendo que, “não tendo sido ajustada época para o pagamento”, este é exigível imediatamente (art. 331), pois que, se convencionado o prazo, deverá ser o mesmo respeitado. É, também, de ver-se que o devedor restará inadimplente, descumpridor de sua obrigação, caso não a execute em seu termo, em seu vencimento (art. 397, caput). Aqui o adágio romano dies interpellat pro homine (o dia, do vencimento, interpela pelo homem); quer dizer que o devedor, pelo simples vencimento da obrigação, já está chamado a seu cumprimento, sem necessidade de qualquer interpelação, notificação ou protesto. Aqui, como vimos, o contrário ocorre, relativamente às obrigações sem prazo ajustado. Nestas, a interpelação, a notificação e o protesto são necessários, no campo

do Direito Civil, pois que, não havendo prazo avençado, é preciso que o devedor tome conhecimento da exigência do credor, do seu propósito de receber. A título de ilustração, a necessidade desse aviso ao devedor, como frisado, só existe no Direito Civil, com relação às obrigações sem prazo avençado, pois que ele será desnecessário quanto às obrigações com vencimento estipulado. No Direito Comercial, em qualquer caso (fosse a obrigação com ou sem prazo estipulado), era necessária, sempre, a interpelação do devedor e por via judicial, como reclamavam os arts. 138 e 205 do Código Comercial brasileiro, de 1850, hoje revogados. A matéria está unificada no atual CC, não podendo falar-se em tratamento diferenciado ao comerciante. O

prazo

pode

ser

ajustado

pelas

partes,

determinada

ou

indeterminadamente. Assim, por exemplo, se alguém se obriga junto a outrem a entregar determinado objeto em determinado dia, mês e ano, está obrigando-se por tempo determinado. Todavia, é possível que, por liberalidade do credor, conceda este prazo indeterminado, indefinido, possibilitando ao devedor que pague quando puder ou lhe convier. Na primeira hipótese, caso o devedor não pague, provando o credor que ele possui meios possibilitadores do pagamento, poderá cobrar seu crédito. Basta provar que o devedor pode pagar, ou seja, está em condições de realizar o pagamento. Na segunda hipótese, já o mesmo não será possível pois o devedor recebeu o benefício de escolher a época do pagamento e de efetuá-lo, se quiser.

Outras vezes, o prazo vem estabelecido na própria lei, como já visto, quando da análise do art. 581, que fixa, no comodato (empréstimo), por presunção, o prazo necessário ao uso da coisa emprestada, para ser devolvida depois desse prazo, se as partes contratantes não o tiverem convencionado. Também os arts. 1.531 e 1.532 e art. 71 da Lei n. 6.015/73 (Registros Públicos) e arts. 2o e 3o da Lei n. 1.110/50 (Reconhecimento dos efeitos civis do casamento religioso), no processo de habilitação para casamento, conferem o prazo de 3 (três) meses aos nubentes, a partir da declaração de que estão habilitados a casarem-se, para realizarem o matrimônio. Assim, como em muitos outros casos, a lei incumbe-se de fixar prazos. As obrigações condicionais, por sua vez, devem ser cumpridas na data do implemento da condição, diz o art. 332 do CC; quer dizer: quando se verificar a condição. Na Parte Geral do nosso Código, encontramos, do art. 121 a 130, disciplinadas as condições, principalmente as suspensivas e as resolutivas. Pois bem, vale lembrar o conceito de condição para sabermos que ela subordina o efeito do ato jurídico a um evento futuro e incerto. É preciso, assim, que algo no futuro, que pode, ou que não pode, acontecer, ocorra para que o ato jurídico produza, validamente, os seus efeitos. Por exemplo, quem promete um prêmio a determinado competidor, sob condição suspensiva, se este competidor ganhar a competição, fará jus ao prêmio. Vejam que o evento futuro (ganhar a competição) é incerto, pois poderá o competidor ganhar ou perder. Neste tipo de condição (suspensiva) o efeito do ato (dar o prêmio) fica suspenso, protelado. Já na condição resolutiva, o próprio nome diz, ela provoca a resolução do ato, cujos efeitos já estavam fluindo. Se alguém confere prêmio, lembrando

as circunstâncias do exemplo dado, sob pena de restituição pelo competidor, caso não se saia vencedor na competição, observem, o prêmio já foi entregue. O ato de doação do mesmo já começou a produzir efeitos, que, entretanto, serão resolvidos, finados, se o competidor perder, ou serão confirmados, validados, definitivamente, se for vencida a competição por ele. A parte final do citado art. 332 atribui ao credor a prova de que o devedor teve conhecimento do implemento da condição, pois este tem de cumprir a obrigação na data desse evento. Analisem o quadro abaixo, que resume a matéria estudada:

5 Cobrança antecipada do débito A possibilidade de cobrança antecipada da dívida pelo credor, que encontra fundamento no art. 333 do CC, mostra, dessa forma, esse dispositivo em que há casos em que o credor pode exigir seu crédito antes de vencido o prazo ajustado no contrato ou determinado na lei.

Refere-se esse artigo ao credor. E quanto ao devedor? Pode ele pagar antes do vencimento? A resposta é positiva, pois, em regra, é o próprio Código que o afirma, por seu art. 133, o prazo presume-se em proveito do devedor, salvo se for estabelecido expressamente na convenção em benefício do credor ou de ambos os contratantes, ou se resultar das circunstâncias. Em princípio, como vemos, o prazo estabelece-se em favorecimento do devedor, para que ele tenha tempo ao cumprimento de seu dever jurídico. Assim, pode ele renunciar a esse benefício e pagar, antecipadamente, salvo as situações antes mencionadas, previstas em lei. Entretanto, o mesmo não se dava no Direito Comercial, que, por seu revogado art. 431, dava força ao credor, que não era obrigado a receber seu crédito antes de vencido o prazo, dispositivo legal, ao meu ver, mais correto, que deveria ter sido seguido pelo CC. Atualmente, o credor só poderá recusar o recebimento de seu crédito, em pagamento antecipado, quando o prazo for estabelecido a seu favor, ou nas hipóteses prefixadas na lei. Pode o prazo ser estabelecido a favor do credor, expressamente, por exemplo, num contrato de compra e venda de material de construção. Um particular adquire, antecipadamente, no início da construção de sua casa, todo o material necessário à obra, estipulando prazo para sua entrega. Não pode, assim, o devedor querer entregar os azulejos, por exemplo, antes do prazo de 6 (seis) meses, fixado no contrato, pois o credor previu que nesse prazo erguerá as paredes da construção, não lhe sendo interessante receber ditos azulejos antes dessa época, para não arcar com os ônus de armazenagem, além dos riscos quanto à conservação do objeto.

Precisamos, nesta oportunidade, analisar algumas situações relativas a prazos preestabelecidos na lei, quanto à possibilidade de cobrança antecipada da dívida pelo credor. O art. 333 do CC admite três hipóteses, em seus incisos, nesse sentido. A primeira refere-se à abertura de falência ou de concurso de credores. Quando executado o devedor, pode estar falido ou pode acontecer que seus bens não bastem ao pagamento de todo o débito e que outros credores concorram ao recebimento de seus créditos, simultaneamente, contra o mesmo devedor, caso em que será aberto o concurso creditório. Os credores receberão seus créditos por rateio. Assim, o patrimônio do devedor insolvente é dividido entre os credores. É por eles coletivamente executado. Na segunda hipótese, trata o artigo citado de bens do devedor já onerados (por hipoteca ou penhora, institutos que serão estudados no Livro do Direito das Coisas), que sofrem penhora (nova oneração), quando executados por outro credor. Dessa forma, por exemplo, se alguém toma emprestado de outrem uma soma em dinheiro, comprometendo-se a devolvê-la 3 (três) meses após, dando uma coisa de seu patrimônio (uma mobília) em penhor (em garantia) e se, depois de 2 (dois) meses, essa coisa vem a ser penhorada em execução promovida por outro credor, restará vencido, antecipadamente, o prazo referido de 3 (três) meses. Da mesma forma, na hipótese terceira, a lei considera vencido antecipadamente o prazo se, tendo sido dadas garantias do débito pelo devedor ao credor, sejam quais forem, elas cessarem ou se tornarem insuficientes e, tendo sido intimado o devedor, este não reforçá-las. O art. 1.425 do CC também refere situações que acarretam o vencimento antecipado da dívida, não só no caso de cair o devedor em insolvência ou

falir, mas também de perecer ou de ser desapropriado o objeto da prestação dado em garantia, entre outras. A Lei de Recuperação Judicial extrajudicial e falência (Lei n.11.101, de 09-02-2005), em seu art. 77, declara que a falência acarreta o vencimento antecipado de todas as dívidas do falido. Visto o pagamento com relação ao tempo de sua execução, cumpre, agora, saber o modo de sua realização. 6 Normas quanto ao modo do pagamento Quanto ao modo, o pagamento deve fazer-se dentro do rigor obrigacional. A obrigação deve ser cumprida com toda a fieldade, em seus exatos termos, moldes e limites, sem distorções. Por exemplo, se convencionarem as partes o pagamento de determinada mercadoria, parte num local, parte noutro, com determinados cuidados quanto à sua segurança, em certo tempo, todas estas situações devem cumprir-se à risca, com todo o zelo.

24 OBJETO DO PAGAMENTO. DÍVIDA EM DINHEIRO E DE VALOR

1 Considerações preliminares O objeto do pagamento é o que deve ser prestado na obrigação, sendo certo que as normas a ele relativas encontram-se espalhadas pelo Código Civil. Assim, o art. 313 desse mesmo Código pondera que o credor de determinado objeto não pode ser obrigado a receber outro, ainda que de maior valor, bem como o art. 314, que não autoriza o pagamento por partes, quando não convencionado, mesmo que o objeto da prestação seja divisível, ambos os dispositivos legais já devidamente comentados nos capítulos precedentes. 2 Conceito e diferença entre dívida em dinheiro e de valor Cumpre, antes de tudo, diferenciar o que seja dívida em dinheiro e dívida de valor; esta é o pagamento de soma de dinheiro, que representa determinado valor, pois esse dinheiro não é, por sua valia nominal, o objeto da prestação, mas sim o meio de medi-lo, de valorá-lo. Dívida em dinheiro é a que se representa pela moeda considerada em seu valor nominal, ou seja, pelo importe econômico nela consignado.

Já a dívida de valor é paga em dinheiro, que visa a medir o real valor do objeto da prestação. Na primeira, esse objeto é o próprio dinheiro; na segunda, o dinheiro valora o objeto. Como exemplo de dívida em dinheiro, podemos citar o mútuo (empréstimo) em que, sem maiores estipulações, alguém toma emprestado certa soma em dinheiro, comprometendo-se a devolvê-la dentro de determinado prazo. Para figurar, exemplificativamente, a dívida de valor, basta que se atente à prestação de alimentos. O pagamento de pensão alimentícia é, tipicamente, dívida de valor, pois o devedor deve ao credor não determinada soma de dinheiro, mas a que for necessária à subsistência do credor dessa pensão. Também é, indiscutivelmente, dívida de valor a indenização devida em razão das desapropriações. O Poder Público expropriante, por exigência constitucional (art. 5o, XXIV), há que pagar ao expropriado prévia e justa indenização, o que quer dizer que o valor do bem expropriado, obtido mediante avaliação, é que se faz devido, e não, meramente, o valor inicial depositado no processo por esse Poder Público. A indenização necessita de ser justa. Deve ser paga ao expropriado não uma soma em dinheiro, simplesmente, mas uma importância que corresponda ao valor da coisa desapropriada. O pagamento em dinheiro, concernente às dívidas em dinheiro, consiste, assim, na modalidade de execução obrigacional que importa a entrega de uma quantia em moeda corrente, pelo devedor ao credor, com liberação daquele. É um modo de pagamento que deve realizar-se, em princípio, em moeda

corrente, e pelo valor nominal, conforme o art. 315, salvo o disposto nos artigos a ele subsequentes. O § 1o do art. 947 do CC de 1916, revogado pela Lei n. 10.192 de 2001, possibilitava às partes estipularem o pagamento em uma determinada espécie de moeda, nacional ou estrangeira, bem como, ainda, o art. 1.258 do mesmo Código de 1916, o mútuo (empréstimo) em moedas de ouro e prata, e que derrogados foram pelo revogado Dec. n. 23.501, de 27 de novembro de 1933, que fulminava de nulidade todas as estipulações de pagamento em ouro ou em moeda que não a nacional. Só em alguns casos, e devidamente regulados por lei, é que se excluíam os efeitos desse Decreto, como, por exemplo, nos contratos que objetivavam a importação de mercadorias do estrangeiro, matéria regulamentada pela Lei n. 28, de 15 de fevereiro de 1935, também revogada. O Dec. n. 23.501/33, citado, surgiu para impedir que essas estipulações de pagamento em ouro ou em qualquer espécie de moeda estrangeira se realizassem em desrespeito da moeda nacional. Foi a desvalorização de nossa moeda que determinou essa, entre outras medidas saneadoras de nosso Governo. A inflação grassou entre nós, tomando conta de tudo, asfixiando a economia nacional, bem melhor, hoje, depois do processo de verdadeira recuperação por que está passando. É bem de ver-se, entretanto, que o alcance do mencionado Dec. n. 23.501/33 era no sentido de proibir aquelas estipulações em detrimento da moeda nacional. Ao seu turno, o Dec.-lei n. 857, de 11 de setembro de 1969, que consolidou e alterou a legislação sobre moeda de pagamento de obrigações exequíveis no Brasil, revogou, expressamente, por seu art. 4o, não só o Dec. n. 23.501, de

27 de novembro de 1933, bem como legislação esparsa, especificamente, a Lei n. 28, de 15 de fevereiro de 1935, o Dec.-lei n. 236, de 2 de fevereiro de 1938, o Dec.-lei n. 1.079, de 27 de janeiro de 1939, o Dec.-lei n. 6.650, de 29 de junho de 1944, e o Dec.-lei n. 316, de 13 de março de 1967, mantendo-se a suspensão do § 1o do art. 947 do nosso CC (o Dec.-lei n. 238, de 28-2-1967, por seu art. 6o, já revogara o Dec. n. 23.501/33). Embora revogados esses diplomas legislativos, seu espírito permanece no revogador que, em apertada síntese, declara, no seu art. 1o, que se consideram nulos, pleno iure, os “contratos, títulos e quaisquer documentos, bem como as obrigações, que, exequíveis no Brasil, estipulem pagamento em ouro, em moeda estrangeira ou, por alguma forma, restrinjam ou recusem, nos seus efeitos, o curso legal do cruzeiro” (hoje real). As exceções programam-se em seus arts. 2o e 3o, muito limitadamente. Lembre-se, nesse passo, em confirmação do que vem sendo exposto, de que os §§ 1o e 2o do mencionado art. 947 do Código Civil de 1916 estiveram com sua vigência suspensa por força da Medida Provisória n. 2.074-72, de 27 de dezembro de 2000 (DOU de 28-12-2000), que dispôs sobre medidas complementares ao Plano Real, encontrando-se, atualmente, revogados pela Lei n. 10.192, de 2001. Assim, se duas pessoas firmam, no Brasil, um contrato de locação predial estipulando o aluguel mensal de quinhentos dólares, claro está que, em princípio, nula é a cláusula. Por outro lado, se a obrigação de pagar em moeda estrangeira, validamente firmada no exterior, e se o documento, que a contiver, vier a ser executado no Brasil, nada impede que isso ocorra (também pelo revogado Dec.-lei n. 6.650, de 29-6-1944); terá, todavia, o pagamento que converter-se em moeda nacional.

Suponhamos que alguém firme um cheque de cinco mil dólares nos Estados Unidos da América do Norte, contra um Banco de Nova Iorque, e que, quando da apresentação desse cheque naquele Banco, por não possuir suficiente provisão de fundos, seja protestado. Se o devedor tiver, também, além do de Nova Iorque, domicílio em São Paulo, poderá ser executado neste último, devendo, entretanto, ser compelido ao pagamento dos cinco mil dólares, neste foro, que não poderá negar validade a um ato jurídico perfeito realizado no estrangeiro, devendo, contudo, ser convertidos os dólares em reais, no meu entender, à época do pagamento. Veja-se, porém, que, em um País como o nosso, com a moeda a desvalorizar-se dia a dia, antes do Plano Real, o problema do pagamento em dinheiro agravava-se com perspectivas sombrias ao Direito, pois qualquer prazo, e mesmo atraso, na realização obrigacional desse tipo colocava o credor em verdadeira desvantagem perante o devedor. 3 Cláusula de escala móvel e evolução do sistema corretivo da moeda Diante desse problema da constante perda valorativa do nosso dinheiro, aplicou-se e aplica-se, muito, entre nós, a cláusula de escala móvel, corretiva do valor do objeto da prestação. Melhor dizendo, se o proprietário de uma loja a alugar a um comerciante, poderão fixar no contrato de locação comercial que o aluguel seja, automaticamente, atualizado, de acordo com o índice escolhido pelas partes. Daí o nome de cláusula de escala móvel, pois essa cláusula, que fixa o valor do aluguel, estará, sempre, sendo alterada, de acordo com o aumento mencionado. Podiam as partes, livremente, escolher índices corretivos, como os editados pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), pela Prefeitura Municipal de São

Paulo (índices que acompanham o aumento do custo de vida), pelo Ministério do Planejamento (relativos aos aluguéis), ou, ainda, pelo valor das coisas (do café, da gasolina) ou serviços, ou, ainda, de moedas estáveis. Entretanto, a Lei n. 6.205, de 29 de abril de 1975, proibiu o reajustamento clausular com base no salário-mínimo (art. 1o), sugerindo que ele se desse até o limite da Obrigação Reajustável do Tesouro Nacional (ORTN). Pela Lei n. 6.423, de 17 de junho de 1977, ficou vedada a estipulação de cláusula de escala móvel, por outro índice que não fosse a variação nominal da ORTN (art. 1o e § 3o). Lembre-se, entretanto, de que, no art. 2o dessa mesma Lei, assentou-se que esta não se aplicava aos contratos em que houvesse obrigação de venda de bens, para entrega futura ou prestação ou fornecimento de serviços a serem produzidos, pois, nesses casos, o preço poderia sofrer reajuste em razão do custo de produção ou da variação no valor do preço dos insumos utilizados. Essa situação legal não foi alterada pelo “Plano Cruzado”, conforme adiante se percebe (art. 7o, § 3o). Com a criação do Plano Cruzado, o Dec.-lei n. 2.284, de 10 de março de 1986, por seu art. 7o, confirmando o mesmo artigo do decreto-lei anterior, n. 2.283, de 27 de fevereiro de 1986, proibiu, sob pena de nulidade, cláusula de reajuste monetário nos contratos de prazos inferiores a um ano, sendo certo que possibilitou a inclusão dessa cláusula nos contratos e nas obrigações por prazo igual ou superior a 12 (doze) meses, mas desde que vinculada à OTN, criada em substituição à ORTN, pelo art. 6o desses mesmos decretos-leis. Com a desindexação da economia, pelo Dec.-lei n. 2.290, de 21 de novembro de 1986, revogou-se, expressamente, o art. 7o do Dec.-lei n.

2.284/86 (art. 8o), estabelecendo o art. 2o, daquele, que somente as obrigações contratuais por prazo igual ou superior a 12 meses poderiam conter “cláusula de revisão livremente pactuada pelas partes, vinculadas a índices setoriais de preços ou custos, que não incluam variação cambial”. Todavia, as obrigações contratuais realizadas no mercado financeiro deviam regular-se pelo Conselho Monetário Nacional (§ 1o). Também os contratos de locação de imóveis podiam conter “cláusula de revisão do aluguel”, por período igual ou superior a 12 (doze) meses (§ 3o). Institui-se o Cruzado Novo pela Lei n. 7.730, de 31 de janeiro de 1989, que congelou os preços, estabelecendo regras de desindexação da economia. Assim, pelo art. 13 dessa mesma Lei, as obrigações pecuniárias, constituídas no período de 1 de janeiro de 1988 a 15 de janeiro de 1989, sem cláusula de correção monetária ou com ela prefixada, foram convertidas, no vencimento, na forma ali estabelecida (§ 1o). Ressalte-se que a Lei n. 7.738, de 9 de março de 1989, facilitando a execução da Lei n. 7.730/89, possibilitou a cláusula de reajustamento de preços, tão somente, nos contratos com prazo superior a 90 (noventa) dias (art. 3o). A seu turno, a Lei n. 7.774, de 8 de junho de 1989, substituiu o índice de reajustamento com base na OTN, por índices nacionais, regionais ou setoriais de custos ou preços que refletissem a variação do custo de produção ou do preço dos insumos utilizados, nos contratos em execução, cujo objeto fosse a produção ou o fornecimento de bens para entrega futura, a prestação de serviços contínuos ou futuros, a realização de obras e naqueles relativos a operações de alienação de bens imóveis não abrangidos pelos normais do Sistema Financeiro de Habitação (SFH).

Nessa lei proibiu-se cláusula de reajustamento de preços com prazo inferior a 90 (noventa) dias (art. 4o). Por outro lado, adotando a Medida Provisória n. 57, de 22 de maio de 1989, que autorizou o Ministro da Fazenda a emitir Bônus do Tesouro Nacional (BTN), a Lei n. 7.777, de 19 de junho de 1989, fixou as características do BTN. O art. 6o da mesma Lei possibilitou cláusula de referência monetária, com base no valor do BTN, com prazo superior a 90 (noventa) dias. Esse prazo desapareceu, em face da Lei n. 7.801, de 11 de julho de 1989. A Lei n. 7.799, de 10 de julho de 1989, possibilitou a utilização do BTN Fiscal, para atualização monetária de obrigações assumidas após seu início de vigência (art. 1o, § 3o), adotando, também, o reajustamento obrigacional, em BTN, nos moldes que preconizou a Lei n. 7.801, antes mencionada.2 Enfim, com a Lei n. 10.192, de 14 de fevereiro de 2001, instituiu-se o Plano Real, com essa nova moeda e com a proibição de estipulações, em seu art. 1o, parágrafo único, sob pena de nulidade, de: I – pagamento expressas em, ou vinculadas a ouro ou moeda estrangeira, ressalvado o disposto nos arts. 2o e 3o do Decreto-lei n. 857, de 11 de setembro de 1969, e na parte final do art. 6o da Lei n. 8.880, de 27 de maio de 1994; II – reajuste ou correção monetária, expressas em, ou vinculadas a unidade monetária de conta de qualquer natureza; III – correção monetária ou de reajuste por índices de preço gerais, setoriais ou que reflitam a variação dos custos de produção ou dos insumos utilizados, ressalvado o disposto no artigo seguinte.

Arnoldo Wald3, em recomendável estudo monográfico sobre a cláusula de escala móvel, também chamada cláusula número índice, escala de escalonamento ou revisão, define “como sendo aquela que estabelece uma

revisão, preconvencionada pelas partes, dos pagamentos que deverão ser feitos de acordo com as variações do preço de determinadas mercadorias ou serviços ou do índice geral do custo da vida ou dos salários”. Autores há que negam conveniência à cláusula de escala móvel, vendo na mesma verdadeiro caráter inflacionário, como Sílvio Rodrigues4, que se baseia em Michel Vasseur; outros há que a acolhem, como Caio Mário da Silva Pereira e Arnoldo Wald, este último franco defensor do instituto. Como ensinava Caio Mário da Silva Pereirat , defensor da cláusula de escala móvel, embora com moderação, “o grande obstáculo à instituição dessa cláusula” era o preconceito nominalista. Nós vivemos sob o regime desta doutrina, e não temos facilidade de compreender como o devedor da soma de Cr$ 100.000,00, em virtude de um contrato, tenha a sua dívida elevada, nominalmente, para Cr$ 110.000,00, em razão do custo da vida ter-se elevado de 10% (dez por cento) entre a data da obrigação e a do pagamento. Se atentarmos, porém, em que esta cláusula é moralizadora, de vez que não traz enriquecimento para ninguém, sentiremos que importa em restabelecer a justiça ferida pela inflação. Sob o domínio da teoria nominalista em que vivemos é que surgem as injustiças: o devedor de Cr$ 100.000,00 libera-se da obrigação mediante o pagamento de uma soma que tem apenas o nome de Cr$ 100.000,00, embora na data do pagamento não valha mais do que Cr$ 90.000,00, por ter a moeda, entre um e outro momento, perdido 10% (dez por cento) de seu valor aquisitivo (em moeda da época).

É de ressaltar-se, nesse passo, que, embora sendo de extrema necessidade a cláusula de escala móvel, ela situa-se em uma zona cinzenta, entre os direitos individuais e os da coletividade. Nada havia, então, na lei brasileira, que a invalidasse; lícita era, portanto, não indo de encontro às leis de ordem pública.

Entretanto, caminhamos para uma era de sacrifícios dos direitos individuais para prevalência dos interesses coletivos. Caso típico foi a instauração do Dec. n. 23.501/33, que alterou o liberalismo do Código Civil de 1916 e que limitou o campo de atuação da cláusula móvel, que não podia quebrar as linhas gerais nesse Diploma Legislativo traçadas, e repetidas, no revogado Dec.-lei n. 857/69, sob base de que se vede a estipulação de pagamento em ouro ou por qualquer outro meio que vise a recusar ou a restringir o curso forçado do Cruzeiro (hoje Real). Destaque-se, entretanto, que a cláusula de escala móvel, com as restrições que vinham sendo impostas por legislação de emergência, não podiam sofrer proibições absolutas, como o decreto legal de sua nulidade. Essas leis de intervenção na ordem econômica também estão sujeitas ao princípio

de

equidade,

que

rege,

fundamentalmente,

as

relações

obrigacionais. Assim, em determinada época de controle do Estado, com a aludida intervenção, pode ele tentar a unificação de medidas de tratamento entre as partes, criando uma justiça contratual, nos moldes do período de exceção. Como é fácil de notar, mesmo quando negada a aplicação prática da cláusula de escala móvel, nessas épocas de emergência, como na de congelamento dos preços, ela não é, nem pode ser, proibida nos contratos. O que ocorre é a neutralização de seus efeitos durante o referido período. Por isso, essa cláusula foi sempre válida, pois, albergando princípio de equidade, não é contrária à ordem pública, aos princípios gerais de direito e aos bons costumes. A contratação dela era, mesmo, necessária para afastar o princípio do nominalismo do Código Civil de 1916, segundo o qual deve pagar-se a

obrigação por seu valor nominal. Nesses momentos de emergência, portanto, a contratação da escala móvel era perfeitamente correta. Ela não é nula, mas ineficaz, durante o tempo de congelamento, por exemplo. Se a lei emergencial disser, portanto, que não pode existir cláusula de escala móvel, em seu período de vigência, ela não quer impedir a contratação nesse sentido, mas a eficácia do contratado, tão somente. Ficam suspensos, neutralizados, os efeitos da cláusula, durante a emergência. Ressalte-se, entretanto, que o novo CC acolheu a utilização da correção monetária, na fixação de preço por índices ou parâmetros (cláusula de escala móvel), por seu art. 487, desde que possam ser objetivamente determinados. O novo CC, como visto, admite a possibilidade de os contratantes basearem o preço em índices ou parâmetros. Podem eles, assim, estipular cláusulas de escala móvel. 4 Inovações no atual Código Civil Por todas essas situações, então existentes na vigência do CC de 1916, o atual Código promoveu importantes modificações no sistema anterior, acrescentando os três arts. 316 a 318, adiante analisados. Possibilitando, primeiramente, em seu art. 316, às partes convencionar o aumento progressivo de prestações sucessivas. Nessas prestações futuras, as partes podem prever as variações valorativas dos objetos de sua negociação, principalmente com relação ao valor monetário. Assim, podem acontecer modificações no estado desses objetos, que tornem insuportáveis, a um ou a ambos os contratantes, o cumprimento

obrigacional. Em face disso, o art. 317 possibilita ao Juiz de Direito, a pedido da parte, atualizar o valor da moeda, quando houver desproporção manifesta entre o valor da prestação devida e o do momento da execução, ocorrendo “motivos imprevisíveis”. Sempre no sentido de manter o equilíbrio da balança obrigacional, pois ninguém deve sofrer perda em seu direito pela simples ação do tempo, o que viria a beneficiar o devedor inadimplente, que, no mais das vezes, se vale do Poder Judiciário para protelar o cumprimento de sua obrigação. Esse o mesmo princípio que não poderia deixar de existir no preceituado anterior, como demonstrado, pois a equivalência das prestações, no tempo, se dá, ante a inflação, com a correção monetária. Entretanto, esse aludido art. 317 não satisfez, pois só possibilitava ao Magistrado a atualização monetária, quando houver solicitação da parte (“a pedido da parte”), e quando aquele entender (“poderá o Juiz corrigi-lo”). O projeto 634-B, por seu art. 317, havia sanado essa falha, assentando que, ocorrendo essa situação, “o juiz determinará a correção monetária, mediante aplicação dos índices oficiais, por cálculo do contador”. Todavia, alterou-se a redação desse dispositivo projetado, voltando-se à situação primitiva, estabelecendo: “Quando, por motivos imprevisíveis” (volta, aqui, a teoria da imprevisão), “sobrevier desproporção manifesta entre o valor da prestação devida e o do momento de sua execução, poderá o juiz” (facultativo) “corrigi-lo, a pedido da parte” (não pode o juiz agir de ofício, deve haver provocação da parte), “de modo que assegure, quanto possível, o valor real da prestação”. Esta é a redação do art. 317 do atual CC.

Diferentemente do princípio da onerosidade excessiva, a teoria da imprevisão é impossível de aplicar-se à inflação, como já reconhecido pelo STF, por voto de seu Ministro Aldir Passarinho5. Por isso, seria conveniente a eliminação dessa expressão, por motivos imprevisíveis, futuramente adotando, não a teoria da imprevisão, mas, tão somente, o princípio da onerosidade excessiva, conhecida como lesão enorme (laesio enormis), no Direito Romano justinianeu. Pelo princípio da onerosidade excessiva, basta o desequilíbrio contratual, para que se deva reequilibrar a relação jurídica, ante um prejuízo insuportável (alea extraordinaria). Entendo, todavia, que, mesmo com a intervenção do Juiz, a pedido da parte, com a tentativa de revisão dos moldes contratuais, como verdadeiro árbitro, procurando salvar o contrato, pode, ainda, continuar insuportável o cumprimento da obrigação, por uma ou por ambas as partes; mesmo porque o Juiz, agindo como árbitro, não pode estabelecer cláusulas ou regras contratuais. Nesse caso, resolve-se o contrato, voltando as partes ao estágio anterior à contratação. Nesse caso opera-se a regra contida no art. 478 do CC, caso não seja evitada a resolução pela oferta de modificação equitativa expressa no art. 479 do CC. Pelo primeiro dispositivo legal, “poderá o devedor pedir a resolução do contrato”. Por sua vez, o art. 318 do CC (art. 312 do anteprojeto inicial do CC, 316 do projeto 634 e art. 317 do projeto 634-B), enquadrando-se no espírito do revogado Dec. n. 23.501, de 1933, já mencionado, e de sua legislação posterior, declara “nulas as convenções de pagamento em ouro ou em moeda

estrangeira, bem como para compensar a diferença entre o valor desta e o da moeda nacional, excetuados os casos previstos na legislação especial”. 5 Curso forçado e legal da moeda Para que entendam melhor essa legislação, cumpre explicar que curso forçado não é o mesmo que curso legal. A moeda tem curso legal quando, sendo reconhecida pela lei, não pode ser recusada. O credor deve aceitá-la, ficando, com o pagamento, liberado o devedor. Como acentua Caio Mário da Silva Pereira6, “curso legal é o efeito liberatório nos pagamentos, que a lei atribui a uma ou mais moedas num determinado país”. O curso forçado da moeda existe, complementa esse mestre, “quando a lei determina que um certo padrão monetário dotado de curso legal tem de ser obrigatoriamente aceito pelo credor, não podendo ser recusado o seu poder liberatório pela convenção das partes”. Antes do Dec. n. 23.501/33, o dinheiro brasileiro, naquela época mil réis, hoje real, tinha o curso legal, mas não forçado, pois que o devedor, por convenção das partes, podia liberar-se, pagando em outra moeda. Após ele, mesmo depois de revogado, e pelo espírito da legislação posterior, instaurouse o curso forçado, não cabendo mais escolha de outro padrão monetário para pagamento. As partes, forçadamente, sem poderem convencionar em contrário, só se podem utilizar do real, no pagamento em dinheiro, salvo as exceções previstas, expressamente em lei. 6 Diferença entre cláusula de escala móvel e teoria da imprevisão

Não podemos confundir a cláusula de escala móvel com a teoria da imprevisão. Aquela decorre de uma prévia estipulação em que as partes contratantes escolhem os meios de atualização econômica do contrato; esta independe de qualquer contratação e é aplicada pelo Juiz toda vez que para uma das partes se tornar impossível, economicamente, a execução obrigacional, em razão de brutal alteração na ordem das coisas. Os romanos reparavam os efeitos dessa impossibilidade, que colocava em desigualdade as partes no contrato, com a laesio enormis (onerosidade excessiva), na época de Justiniano. Mais tarde, surge a cláusula rebus sic stantibus, que, modernamente, ficou agregada à teoria da imprevisão. O Código Civil de 1916 não sistematizou a matéria, sendo que a jurisprudência considera essa cláusula rebus sic stantibus imanente em todos os contratos, como se estivesse expressa, mas exigindo que a alteração na relação jurídica ocorra por motivos imprevisíveis (expressão esta que deve ser eliminada). Suponhamos que um empreiteiro de obras contrate a construção de uma casa por um preço determinado, calculando um lucro normal. Alterando-se a situação econômico-financeira do País (aumento do preço dos materiais de construção, de salários etc.), vê-se ele impossibilitado de, com o preço contratado, sequer terminar dita obra. Ora, o Direito não pode acolher o enriquecimento indevido, ficando o devedor em verdadeira situação desesperadora e o credor enriquecido com a vantagem referida, tudo ante a imprevisão da profunda modificação ocorrida. Na parte referente aos contratos, tornaremos no volume da Teoria Geral dos Contratos Típicos e Atípicos, com maiores explicações, ao assunto, bastando, agora, a diferença apontada.

25 PROVA DO PAGAMENTO

1 Quitação, seus requisitos de validade e recibo Prova-se o pagamento pela quitação, que libera o devedor do vínculo obrigacional, que o prendia ao credor. Essa prova não pode ser negada ao devedor, que efetua o pagamento de seu débito, pois que, sem ela, estará ele sujeito à exigência de novo pagamento, sem poder demonstrar que já cumpriu com seu dever jurídico. Por isso, nosso Código estabelece, no art. 319, que o devedor, que realiza o pagamento, tem direito à comprovação desse ato, a quitação, podendo reter esse pagamento caso esta lhe seja negada pelo credor. Este artigo fala em quitação regular e o seguinte completa, mencionando todos os requisitos que a quitação deve conter, para ser regular, quais sejam: o valor e a espécie da dívida, o objeto da quitação, o nome do devedor ou de quem por este pagou, o tempo e o lugar do pagamento, devendo o recibo de quitação ser assinado pelo credor ou por seu representante. Assim, A, tendo recebido de B o aluguel de um imóvel, que locara a este, diria, exemplificativamente, no recibo de quitação: Recebi, nesta data e nesta Capital, de B (ou de alguém por ele) a importância tal, em moeda corrente nacional, contada e achada conforme (ou: pelo cheque 3.412, nesse valor, emitido nesta data, a meu favor, contra o banco tal), relativa ao pagamento do

aluguel do imóvel sito nesta Capital, na rua tal, número tal, vencido em 3 de março passado, dando da soma recebida plena, geral e rasa quitação, para não mais repetir, no presente ou no futuro, seja a que título for, firmando, por ser verdade, o presente recibo (convém que conste, se o pagamento for em cheque, que o recibo restará sem qualquer efeito jurídico caso o cheque, por qualquer motivo, não seja pago). A data do recebimento deve encimar a assinatura do credor (recebedor). Apresentando a quitação esses requisitos, seja ela dada por escrito público ou particular, produzirá todos os efeitos jurídicos, liberando o devedor, pois que a lei civil estabelece, em seu art. 320, que ela vale qualquer que seja a sua forma, desde que preenchidos aqueles requisitos. Assim, valerá a quitação dada por instrumento particular, mesmo se for público o contrato de que se originou a obrigação quitada. Inova o atual CC, no parágrafo único de seu art. 320, ao admitir que, mesmo sem o preenchimento dos aludidos requisitos, valerá a quitação, se de seus termos ou das circunstâncias ficar provado que a dívida foi paga. Sim, porque a finalidade do recibo é provar o pagamento do débito; restando esse pagamento provado estará cumprida a exigência legal. Assim, o comprovante de depósito bancário ou pagamento por cheque ou a declaração do credor de que recebeu, entre outras situações, comprovam o pagamento. Se o credor recusar-se a dar a devida quitação, pode o devedor efetuar o pagamento por meio de ação judicial (consignação em pagamento, que estudaremos a seguir), valendo a sentença, que declarar feito o pagamento, como prova deste. 2 Prova de pagamento pela entrega do título

Os arts. 324 e 321 do CC referem-se à prova de pagamento pela entrega do título ao devedor. Se o credor entregar ao devedor o título que lhe dá direito ao crédito, por exemplo, uma nota promissória, presume-se realizado o pagamento ou perdoado este, pois que o credor está se desfazendo da prova do seu crédito; contudo, essa presunção admite prova em contrário; suponhamos que o credor, cientificado de que tinha sido efetuado, em sua conta bancária, depósito pelo devedor, equivalente ao débito, por malícia deste e em conluio com um funcionário do banco, tenha entregue ao mesmo devedor o título de seu crédito. Nesse caso, caberá ao credor provar, dentro de 60 (sessenta) dias, a falta do pagamento, tornando sem efeito a quitação pela entrega do referido título. É o caso, por exemplo, do credor que entrega o título ao devedor para que este efetue o pagamento por depósito, em sua conta bancária, da soma devida, situação em que o credor deposita extrema confiança no devedor. Pode ocorrer, ainda, que o título não tenha sido entregue ao devedor, mas por ele obtido criminosamente. 3 Perda ou extravio do título representativo da obrigação Se ocorrer, entretanto, a perda ou o extravio do título, o Código autoriza ao devedor que não pague antes de munir-se de uma declaração, que torne aquele sem qualquer efeito jurídico. É o caso de ter o devedor confessado, por um documento particular, uma dívida. Perdido este título, ao receber o objeto da prestação, o credor é obrigado a declarar o mesmo sem qualquer valia jurídica. Todavia, se este for transferível, e o credor, antes ou depois de receber dito objeto, transferi-lo a terceiro de boa-fé, este ficará com direito a exigir o recebimento do título e o devedor será compelido a pagar novamente. Assim, a melhor solução, nesses casos, é pagar por via judicial, em que serão,

também, citados os terceiros, por edital, que, futuramente, não poderão alegar desconhecimento quanto ao pagamento, judicialmente realizado. O § 2o do art. 200 do Projeto do Código de Obrigações do Prof. Caio Mário da Silva Pereira previu a hipótese, nesse caso, de títulos ao portador ou à ordem, que podem ser transferidos, cedidos, mostrando que essa declaração pelo credor, ante a impossibilidade de devolução do título (perda, extravio, não estar em poder do credor no momento da quitação etc.), tornando-o inútil, só é possível se esse mesmo título for intransferível, justamente para impedir que um terceiro o receba do primitivo credor, estando de boa-fé e, por isso, autorizado ao recebimento do seu valor. 4 Pagamento em cotas sucessivas Vejam, ainda, que o pagamento pode ser em cotas sucessivas, periódicas. Nesse caso, o Código estabeleceu, no art. 322, outra presunção, que também admite prova em contrário, segundo a qual, quitada a última cota, consideram-se pagas as anteriores. Imagine-se o inquilino, que paga mensalmente os aluguéis do prédio que lhe foi alugado. Tendo ele, por exemplo, a quitação correspondente ao aluguel do mês de julho de 2003, a presunção da lei é de que todos os aluguéis anteriores foram pagos, pois, de ordinário, o locador (proprietário do imóvel alugado) não iria receber o aluguel desse mês se não tivesse recebido os anteriores. Todavia, ninguém nega que pode o proprietário, por erro, consignar no recibo outro mês, que não seja o que está sendo objeto da quitação, ou confundir-se na sequência numérica dos pagamentos. 5 Situação dos juros ante a quitação do capital

Outra presunção, a nosso ver iuris tantum, como as anteriores, ou seja, admitindo prova em contrário, embora outros a entendam absoluta (iuris et de iure), não admitindo comprovação em contrário, é a que se insere no art. 323 do CC, segundo a qual, sendo quitado o capital, sem ressalva quanto aos juros, presumem-se estes pagos. Isso porque os juros são acessórios do capital, devendo ser pagos em primeiro lugar. Porém, é possível que o credor receba parte do capital e prove, posteriormente, que restaram devidos determinados juros, nada o impedindo, segundo nossa opinião, de cobrá-los. 6 Despesas com o pagamento e com a quitação Resta, agora, saber por conta de quem correm as despesas com o pagamento e com a quitação: por conta do devedor ou do credor? Não se refere o Código, tratando do assunto no art. 325, às despesas judiciais, que têm um tratamento próprio, mas às despesas indispensáveis à realização extrajudicial do pagamento e da quitação. Assim, as despesas de transporte do objeto da prestação, taxas bancárias e outras. Antes, cogitavase, quando era devida, da selagem do recibo. Configurava-se ela uma despesa. Esse artigo do Código atribui, salvo disposição em contrário das partes, que essas despesas com o pagamento e com a quitação correm por conta do devedor, mencionando que, ocorrendo aumento dessas despesas por fato do credor, este suportará a despesa acrescida. Isso poderá ocorrer, por exemplo, se o credor mudar de domicílio ou morrer, deixando herdeiros em lugares diferentes. Havendo acréscimo de despesa, nessas situações, por exemplo, por ele responderá o credor ou quem o suceda.

26 OUTROS MEIOS DE EXTINÇÃO OBRIGACIONAL

1 Generalidades Até aqui, procuramos mostrar os lineamentos mais genéricos do pagamento puro e simples, voluntário. Ainda dentro do grande tema do adimplemento ou da execução obrigacional, enquadram-se outros meios de extinção da obrigação, que serão analisados nas lições seguintes. Assim, estudaremos as figuras jurídicas, na ordem do quadro abaixo: pagamento em consignação pagamento com sub-rogação imputação do pagamento dação em pagamento novação compensação confusão remissão das dívidas Esses institutos jurídicos apresentam-se como meios complexos de extinção da relação obrigacional.

27 PAGAMENTO EM CONSIGNAÇÃO

1 Noções gerais Quando, por qualquer razão, não for possível ao devedor efetuar o pagamento, pura e simplesmente, deverá valer-se do pagamento em consignação, que é o depósito judicial ou em estabelecimento bancário da coisa devida, com o fito de liberação obrigacional. A consignação é, assim, um instituto jurídico colocado à disposição do devedor para que ele, ante o obstáculo ao recebimento criado pelo credor ou por quaisquer outras circunstâncias impeditivas do pagamento, exerça, por depósito judicial ou em estabelecimento bancário da coisa devida, o direito de pagar, libertando-se do liame obrigacional. 2 Natureza jurídica A consignação, sempre, realizava-se por depósito em juízo do objeto da prestação, apresentando, portanto, quando assim realizada, natureza jurídica mista ou híbrida, pois o instituto jurídico, ao mesmo tempo que é meio de execução de obrigação, comungando da rama do Direito Civil (arts. 334 a 345 do CC), participa, também, do Direito Processual Civil (arts. 539 a 549 do CPC brasileiro), ante sua realização em juízo, consoante mostrado (depósito judicial).

Cumpre destacar que, com a reforma de nossa legislação processual civil, o revogado art. 890 foi acrescido de quatro parágrafos, que já possibilitavam o depósito extrajudicial, por estabelecimento bancário oficial, onde houver, quando a obrigação for de pagamento em dinheiro. Esse depósito é facultativo. Se esse pagamento assim se efetivar, não haverá de se considerar mista a natureza jurídica dessa nova espécie de consignação. O atual CC inova nessa matéria, tornando mais prático esse instituto, quando possibilita que possa o pagamento em consignação realizar-se, também, em estabelecimento bancário. O art. 334 refere-se a pagamento da coisa devida; entretanto, não sendo dinheiro, torna-se impossível depositar outro objeto, por exemplo, uma mobília, um automóvel, em estabelecimento bancário, que não está preparado para tal situação. Suponhamos que A queira efetuar o pagamento do aluguel de sua moradia ao proprietário da mesma, B, e que este não queira, por qualquer razão injusta, recebê-lo. O dever de A, de efetuar o pagamento, transforma-se em direito, quando ele dá início à execução obrigacional. Assim, efetua o depósito em favor de B, no estabelecimento bancário, ou ingressa contra B com uma ação de consignação em pagamento, depositando esse aluguel, caso B não possa ou insista em não receber o que lhe é devido. Vê-se que o devedor está procurando libertar-se da obrigação de pagamento do aluguel, depositando seu débito, para não sofrer, futuramente, as consequências da mora (retardamento de cumprimento da obrigação). 3 Depósito em estabelecimento bancário

Como visto, já era admitida no CPC a consignação em pagamento, por depósito em estabelecimento bancário. Nesse caso, o procedimento vinha tratado nos quatro parágrafos do art. 890 do CPC, com as regras ali constantes, no CPC de 2015, art.539. Requisito primeiro é que o objeto da obrigação a ser depositado seja dinheiro e que o estabelecimento bancário em que será realizado esse depósito seja oficial, onde houver, situado no lugar do pagamento. Desse modo, não havendo nesse local banco oficial, poderá realizar-se em outro. O dinheiro será consignado pelo devedor em conta com correção monetária, em nome do credor, cientificando-se este dessa consignação por carta com aviso de recepção ou de recebimento (AR), concedendo-se ao mesmo credor o prazo de dez dias para sua eventual manifestação de aceitação ou de recusa. Havendo aceitação, o pagamento realiza-se levantando o credor a soma depositada. Se nesse prazo não houver recusa ao depósito, tal fato implicará concordância tácita do credor, ficando o devedor liberado da obrigação, e a quantia depositada estará à disposição do credor. Poderá, entretanto, o credor recusar, por escrito, essa oferta ao estabelecimento bancário. Nesse caso, o devedor ou terceiro poderá propor a ação de consignação em pagamento, no prazo de 30 dias, devendo instruir sua petição inicial com a prova do depósito e da recusa. Se o devedor ou terceiro não propuser essa demanda, no aludido prazo, ficará ineficaz o depósito, podendo ele levantar o depósito. Portanto, não havendo sucesso, nesse procedimento via bancária, nas obrigações em dinheiro, não restará outro caminho ao devedor, ou

interessado em pagar, que o do judiciário; também quando o objeto do débito não seja dinheiro. 4 Hipóteses de pagamento em consignação fixadas no Código Civil A Lei Civil estabeleceu, no art. 335, as hipóteses em que ocorre a consignação, que serão estudadas uma a uma, na sequência dos incisos desse dispositivo legal. Assim, se o credor não puder ou, sem justo motivo, se recusar a receber o pagamento ou a dar quitação, devidamente, caberá a consignação. Relembremos o exemplo dado anteriormente, relativo ao pagamento por A a B do aluguel. Se B recusar-se a receber dito aluguel, por mero capricho, para forçar uma rescisão contratual, a consignação será legítima e A será, fatalmente, o ganhador da demanda. Se, contudo, B não quiser receber o aluguel, porque o inquilino não quer acrescê-lo de um aumento, havido em razão de lei, não terá propósito a consignação feita por A, em face do justo motivo de recusa apresentado por B. Ninguém é obrigado a receber menos do que lhe é devido. Pode ocorrer, também, ainda no exemplo mencionado, que B não se oponha ao recebimento do aluguel, mas que se recuse ao fornecimento do competente recibo. Ora, como vimos no Capítulo 25, prova do pagamento, a esta tem direito o que paga, podendo, se lhe não for fornecida, reter, suspender o pagamento, efetuando este, para sua garantia, por meio de depósito judicial ou em estabelecimento bancário, se for em dinheiro (consignação).

Como já estudamos, em princípio, salvo se o contrário estipularem as partes no contrato, a dívida é quesível, ou seja, buscável. O credor há que ir ou mandar receber a coisa devida, de acordo com o que tiver sido avençado, no tempo e no lugar convencionados. Caso assim não proceda, ensejará que o devedor pague por meio da consignação. Valer-se-á do depósito judicial o devedor que não conseguir localizar seu credor, ou por ser desconhecido no local marcado para o pagamento (pode, por exemplo, ter havido um erro na fixação contratual do domicílio do credor, ninguém o conhecendo no local do pagamento), ou por se encontrar ausente (fora de seu domicílio, sem que se tenham notícias suas, quando, suponham, os integrantes da casa do credor informam sobre seu desaparecimento – a ausência há que se declarar por sentença judicial), ou por habitar em lugar incerto, ou de acesso perigoso, ou difícil. Lugar incerto é o que não se pode precisar. Idealizem que o devedor procure o credor e, não o encontrando, é informado pelos vizinhos de que ele se mudou para outra cidade, sem que, todavia, possam esses vizinhos fornecer o seu endereço. Já, se o lugar for de acesso perigoso, arrisca-se o devedor para chega até lá, ou porque esteja esse local dizimado por uma peste ou por outro motivo qualquer, que oponha obstáculos à visita normal ao devedor. Se de difícil acesso, o lugar mostra-se com barreiras intransponíveis, pelos meios normais de comunicação, por exemplo, se, por um desabamento, ficou intransitável a estrada de acesso ao local do pagamento, sem outro meio de comunicação. Havendo dúvida sobre quem deva legitimamente receber a coisa devida, o devedor corre o risco de pagar mal, tendo na consignação um meio eficaz para pagar, legitimamente, sem riscos. Realmente, pode acontecer que surjam

divergências quanto ao fato de quem deva receber: quando dois credores se mostram, ao mesmo tempo, interessados no recebimento, havendo dúvida quanto à legitimidade do direito de crédito. É também o que dispõe o art. 547 do CPC (examinar, ainda, o art. 548, do mesmo Código). Pode acontecer, ainda, que sobre o objeto a ser pago penda litígio, em que um terceiro pretenda sobre ele exercer direitos, situação em que o devedor depositará esse objeto, judicialmente, por meio de consignação. Por outro lado, a mesma medida impõe-se quando o credor estiver sofrendo execução coletiva de seus bens (concurso de preferência de credores), posição em que os credores do credor do objeto a ser pago, pela insolvência deste, executam seu patrimônio, inclusive o crédito relativo a esse objeto. A recomendação legal da consignação, nesse caso, tem em vista impedir que o credor receba o seu crédito e o desencaminhe, deixando de pagar os seus credores. A última consideração prevista, a autorizar a consignação, nesse mesmo inciso, relaciona-se com o credor incapaz. O devedor não deverá pagar ao credor incapaz, mas a quem de direito o represente; entretanto, se, por qualquer motivo, for impossibilitado esse pagamento ao representante do menor, deverá valer-se o devedor do depósito da coisa devida. 5 Requisitos de validade do pagamento por consignação Diz o art. 336 que a consignação, para valer como pagamento, deve preencher todos os requisitos de validez deste, tendo em vista as pessoas, o objeto, o modo e o tempo. Quando estudamos o pagamento, esses pressupostos de validade foram passados em revista e são repetidos, agora, porque a consignação é uma espécie de pagamento, existente nos mesmos

moldes deste, que também se realiza por via judicial, daí, como vimos, nessa hipótese, sua natureza mista. Assim, por exemplo, se alguém consigna contra quem não é o credor, ou oferecendo objeto, que não seja o devido, ou descumprindo as cláusulas ou condições contratuais (pagamento em prestações, quando deva ser realizado, a vista, por exemplo), ou antes de vencida a dívida, tendo o credor, por contrato, direito de recusar o pagamento antecipado, não poderá valer-se desse instrumento consignatório para escapar do vínculo da obrigação. 6 Levantamento do depósito Do art. 338 ao art. 340, trata o nosso Código Civil do levantamento do depósito, mostrando situações distintas, que vamos estudar. A primeira situação, retratada no art. 338, prevê a possibilidade de levantamento pelo devedor do objeto por ele depositado, antes de ser aceito ou impugnado pelo credor, prescrevendo, entretanto, que, em caso do referido levantamento ocorrer, subsistirá a obrigação, devendo esse devedor pagar as despesas havidas. Isso porque, aceitando o credor a oferta de pagamento, feita pelo devedor, a execução obrigacional consuma-se, extinguindo-se o vínculo. Não pode, nesse caso, o devedor ofertante desistir do pagamento, levantando o objeto depositado, pois que, com a aceitação, ele já se incorpora ao patrimônio do credor. Também, se este impugnar o depósito, torna-se a coisa litigiosa, devendo as partes do processo aguardar a decisão judicial. A segunda posição é tomada pelo legislador pátrio civil no art. 339, que cuida

da

impossibilidade

do

levantamento

do

objeto

depositado

judicialmente, depois de julgado procedente o depósito, mesmo anuindo o

credor, quando existirem outros devedores e fiadores, tudo para resguardar os direitos destes. Realmente, sendo julgado procedente o depósito, o pagamento consuma-se, exaurindo-se a obrigação, com o automático desligamento dos codevedores e fiadores, que não podem ser prejudicados ou encontrar-se em insegurança. Se estes concordarem, todavia, com o levantamento, cai o impedimento criado pela lei. A terceira consideração legal, a do art. 340 citado, refere-se ao levantamento do depósito judicial pelo devedor, com a aquiescência do credor, depois da aceitação da coisa depositada ou da contestação da demanda por parte deste. Nesse caso, contudo, perde o credor a preferência e garantia a que tinha direito, restando desobrigados os codevedores e fiadores, que não concordaram com esse levantamento. Isso porque, concordando o credor com o levantamento, sem a anuência dos demais implicados na obrigação, não pode prejudicar estes, por esse ato unilateral de verdadeira renúncia. Destaque-se que, se o pagamento, em dinheiro, der-se por depósito bancário, por opção do devedor ou de terceiro, nos moldes do § 1o do art. 539 do CPC, em conta com correção monetária, o credor será cientificado por carta com aviso de recebimento, para, no prazo de 10 (dez) dias, manifestar sua recusa ao recebimento, como analisado atrás. 7 Consignação de coisa certa e incerta Trataremos, agora, de analisar a consignação de coisa certa e de coisa incerta, referida, respectivamente, a matéria nos arts. 341 e 342 do CC. O primeiro dispositivo legal confere ao devedor de “imóvel ou de corpo certo, que deva ser entregue no mesmo lugar” em que se encontra, a opção ou

de promover, diretamente, a consignação ou, antes, de citar o credor, para que venha ele, ou mande alguém, receber esse objeto, sob pena de depósito, em juízo, do mesmo. Como já vimos, corpo certo (coisa certa) é o que se encontra perfeitamente determinado em seus contornos (espécie, quantidade e qualidade). Também o imóvel. O CPC estabelece, em seu art. 540, que o devedor pode ajuizar a ação consignatória no foro em que se encontra a coisa devida, se esta for corpo que deva ser entregue nesse local. Por exemplo, pode ser mencionada a obrigação do devedor de entregar um imóvel, que só pode realizar-se no local em que se encontra, ou uma coisa móvel, cujo transporte não seja de obrigação do devedor, como determinada mercadoria estocada em uma loja. Entretanto, ensina Clóvis Beviláqua1, comentando o artigo 980 do CC anterior, cujo texto corresponde ao atual art. 341, que, “se a coisa certa estiver em lugar diferente daquele em que tenha de ser entregue”, imóvel ou corpo certo, “correm por conta do devedor as despesas de transporte. Somente depois de achar-se a coisa no lugar, em que se há de entregar, é que se fará a intimação, ou a consignação”. Se, por outro lado, a coisa for indeterminada, diz, impropriamente, o art. 342 do CC, competindo o direito de escolha ao credor, deverá este ser citado para exercer esse direito, sob pena de perdê-lo. Inicialmente, é de se ressaltar a erronia terminológica do Código, que se refere a coisa indeterminada. Vimos, já, quando do estudo dos elementos da obrigação, que o objeto desta deve ser lícito, possível, determinado ou, pelo menos, determinável; daí, não se pode cogitar da categoria “coisa indeterminada”. A coisa indeterminada não pode figurar no esquema

obrigacional, porque é inaproveitável, tornando impossível, fisicamente, o cumprimento da obrigação. Imaginem que o devedor prometesse entregar ao credor uma coisa, sem determiná-la, sendo, também, impossível sua determinação futura, por exemplo, uma saca, um quilo, sem que se mencionasse a espécie (saca de quê? de café? de milho?). Na realidade, quis o Código referir-se à coisa incerta, indefinida, não à indeterminada. Assim, a coisa incerta é perfeitamente aproveitável no mundo jurídico, pois que lhe falta, tão somente, a qualidade, devendo, pelo menos, indicar-se sua espécie e quantidade. Dessa forma, se alguém promete entregar a outrem uma saca de café (uma saca – quantidade, de café – espécie), falta ao objeto, tão só, a qualidade, que, já vimos, diz a lei, não pode ser nem pior, nem melhor, mas deve ser intermediária. Se couber ao devedor a escolha (direito que lhe cabe em regra, quando não houver estipulação contratual em contrário), ele consignará o objeto de qualidade média, sem necessidade de citar o credor. Entretanto, se a escolha for deste, não poderá o devedor ficar, eternamente, aguardando que essa escolha se realize, devendo, neste caso, citar o credor para que ele exerça o direito de escolher o objeto a ser consignado pelo devedor, sob pena de perder esse direito, que passará ao devedor, que, exercendo-o, depositará o objeto que escolher. Incidindo no mesmo erro do CC, o CPC, em seu art. 543, refere-se à consignação de “coisa indeterminada”, estabelecendo, malgrado isso, salutar preceito, segundo o qual, sendo a escolha do credor, terá este o prazo de 5 (cinco) dias, se outro não constar da lei ou do contrato, a contar de sua citação, para exercer esse direito de escolha, “ou para aceitar que o devedor o faça”.

A perda do direito material (direito de escolha) é caso de decadência, não podendo, mais, o credor, que se viu, assim, decair desse direito, exercê-lo. 8 Despesas da consignação Resta, agora, saber quem deve pagar as despesas da consignação. O art. 343 esclarece que, quando julgada procedente a consignação, o credor responderá pelo custeio das despesas, e, em caso contrário, o devedor. Quem perde a demanda deve arcar com o pagamento das custas. O devedor, que deposita o objeto, é autor da ação, e o credor, que obstaculou, impediu o pagamento, por exemplo, é o réu. Pode acontecer, como vimos, que o credor oponha obstáculos ao recebimento, entretanto, baseado em justo motivo. Um único problema, contudo, existe. Se o devedor promove ação ofertando o objeto da prestação ao credor e este, sem impugnar a demanda, o recebe, não haverá perdedor nem ganhador no processo, devendo o autor, devedor, que exerceu seu direito de pagar, forçadamente, em juízo, arcar com as despesas judiciais. Parece-nos, neste caso, que, havendo a oferta do objeto pelo devedor e a concordância do credor no recebimento do mesmo, tal fato importa, por parte deste, confissão de que o que lhe foi pago era-lhe realmente devido, tendo, assim, causado incômodo ao devedor, que teve de se valer do Poder Judiciário para exercitar seu direito de cumprir sua obrigação. Esta deveria ser a presunção da lei, iuris tantum, admitindo, assim, prova em contrário. Parece ter sido essa a orientação do CPC, no parágrafo único de seu art. 546, pois, após estatuir que o Juiz julgará procedente o pedido, condenando o réu nas custas e na verba advocatícia, não sendo oferecida contestação no

prazo, e ocorrentes os efeitos da revelia, acrescenta, no referido parágrafo, que o mesmo deve acontecer se o credor receber e der quitação. 9 Prestações periódicas Quando se tratar de prestações periódicas, sendo consignada a primeira, pode

o

devedor

continuar

a

depositar,

no

mesmo

processo,

e,

independentemente de formalidades, as demais prestações que forem vencendo, desde que esses depósitos se realizem até 5 (cinco) dias da data do vencimento. É o que autoriza o art. 541 do CPC. 10 Outras regras processuais É importante acentuar, nesse ponto, o que deve o consignante requerer em sua petição inicial, ou seja, o depósito judicial que pretenda realizar (dinheiro ou outro objeto), no prazo de 5 (cinco) dias, depois de deferido, e a citação do demandado credor, para levantá-lo ou apresentar sua contestação. É o que determina o art. 542 do CPC. Por outro lado, o demandado poderá alegar que não houve recusa ou mora, de sua parte, no recebimento do objeto da prestação consignada, ou que recusou esse recebimento de maneira justa, ou, ainda, que o depósito foi extemporâneo ou fora do local de pagamento, ou, também, que não foi integral. Esse preceituado do caput do art. 544 da lei processual é de caráter facultativo, enunciando-se, nos incisos I a IV, as hipóteses que poderão ser arguidas, que não são taxativas, portanto. Contudo, é muito importante o parágrafo único desse dispositivo legal, com a redação dada pela Lei n. 8.951, de 13 de dezembro de 1994, pois obrigava o demandado, que alegasse insuficiência do depósito, a indicar o

montante que entendesse devido. Essa matéria é referida, atualmente, no art. 544, parágrafo único. A grande utilidade dessa estipulação é a de evitar procrastinações. Realmente, porque impugnar o montante depositado significa pretender outro, que, sendo conhecido pelo consignante, se aceito, poderá completar o depósito, evitando-se o prosseguimento da demanda. Esse complemento, no prazo de 10 (dez) dias, é possibilitado pelo caput do art. 545 do mesmo Código, a não ser que o inadimplemento obrigacional acarrete a rescisão do contrato. Acrescentaram-se, ainda, a esse artigo, dois parágrafos de grande utilidade, pela mesma mencionada Lei n. 8.951/94, repetidos no atual art. 545 do CPC. O primeiro possibilita ao demandado levantar, desde logo, mesmo ante a alegação de insuficiência do depósito, a quantia ou a coisa depositada, liberando-se o consignante, desse modo, parcialmente. Circunscreve-se o processo quanto à parcela controvertida. Muito lógico que a lide exista, tão só quanto ao que for impugnado. O segundo determina que deverá, sempre quando possível, o Juiz estabelecer, na sentença, o montante devido, quando decidir pela insuficiência do depósito. Assim, poderá o credor, no mesmo processo, promover a execução desse montante, que valerá como título executivo.

28 PAGAMENTO COM SUB-ROGAÇÃO

1 Sub-rogação real e pessoal Primeiramente, é bom que se perceba o sentido da palavra sub-rogação que nos orienta, por si, ao entendimento do instituto jurídico, que nomina. Já, no latim, subrogo, as, avi, atum, are, significava sub-rogar, substituir, pôr uma coisa no lugar de outra (sub--rogação real) ou substituir uma pessoa por outra (sub-rogação pessoal). Na sub-rogação real, uma coisa substitui-se por outra, devendo ser observadas as mesmas situações já existentes com relação ao bem substituído. Há alguns casos de sub--rogação real espalhados em nosso Código Civil, como, por exemplo, o retratado no art. 1.425, inciso I (reforço ou substituição do bem, dado em garantia, por outra, quando ocorrer sua deterioração ou depreciação; vence-se a dívida se o devedor, intimado, não reforçar ou substituir essa garantia), e no art. 1.911, parágrafo único (alienação de bens com cláusula de inalienabilidade – deve o produto converter-se em outros bens, que ficarão substituídos nas obrigações dos primeiros). 2 Noções gerais No pagamento com sub-rogação, vamos estudar a substituição pessoal.

Imaginem que um terceiro interessado, por exemplo, um fiador, seja compelido a efetuar o pagamento por não ter o devedor cumprido sua obrigação. Como esse terceiro é interessado, já sabemos, ele tem direito à sub-rogação, tem direito a substituir-se ao credor, por ele pago para executar o devedor. Essa substituição não rompe os laços obrigacionais, que ficam, entretanto, estremecidos, digamos assim. Percebam pelo esquema adiante:

Observem que o devedor é que deveria ter cumprido sua obrigação, mas não o fez. O fiador, terceiro interessado, porque estava de certa forma preso à obrigação, na qualidade de garantidor, é forçado a pagar ao credor, que sai da relação jurídica obrigacional, para que, em seu lugar, entre esse fiador, que passa a ser o novo credor, a cobrar do devedor tudo o que deveria este pagar ao primitivo credor. É como se a obrigação sofresse um estremecimento, com a saída do credor pago e a entrada, em seu lugar, do terceiro interessado, autor do pagamento.

Como vemos, o pagamento realizado não exauriu a obrigação, mas operou uma substituição de pessoas. 3 Conceito Marcel Planiol2, conceituando o instituto, com muita felicidade, afirma que o pagamento com sub-rogação é um pagamento não liberatório para o devedor, porque não é feito por ele, e a sub-rogação que o acompanha é uma instituição jurídica em virtude da qual o crédito pago pelo terceiro subsiste em seu proveito e lhe é transmitido com todos os seus acessórios, se bem que ele seja considerado como extinto relativamente ao credor.

Melhor seria que a conceituação não repetisse o definido, mencionando que “pagamento é um pagamento”. Por outro lado, em nosso modesto ver, não pode a sub-rogação considerar-se instituição, mas instituto jurídico. Também quanto ao terceiro, a menção correta deve ser terceiro interessado, pois certo é que o terceiro não interessado, que paga, não tem direito à subrogação, mas, tão somente, a reembolso, se pagou em nome próprio, pois, se executou o pagamento em nome do devedor, fez a ele doação, sem possibilidade de qualquer reivindicação (reembolso). Tanto o terceiro interessado como o coobrigado podem pagar ou emprestar o suficiente para a execução obrigacional, sub-rogando-se nos direitos do credor, por ele pago. Quanto ao pagamento pelo coobrigado, podemos imaginar o avalista que paga o título (nota promissória, por exemplo) e que, depois, executa o emitente que deveria tê-lo pago. Mário Rotondi3 desconsidera o pagamento por sub-rogação, mostrando que ele não promove a extinção da obrigação que, ficando, tão somente,

modificada, sofre uma alteração subjetiva “porque se muda só o credor”. Entretanto, é bem de se ver, ocorre na sub-rogação uma extinção obrigacional só com relação ao credor, que nada mais poderá reclamar, depois de receber seu crédito do terceiro interessado ou do coobrigado. Isto fez com que Giorgio Giorgi4 se referisse à sub-rogação como “uma figura jurídica anômala e difícil de definir-se”, acrescentando que, “em suma, pode dizer-se que é uma ficção jurídica, pela qual se extingue o crédito, face ao credor, mas não para o devedor; e o terceiro, que paga, toma o posto do credor satisfeito”. 4 Sub-rogação legal Existem duas espécies de sub-rogação: a legal e a convencional. A primeira, que se consuma por vontade da lei, e a segunda, pela vontade das partes. A sub-rogação legal, que se opera pela força da lei, em proveito daquele que paga, sem que nenhuma vontade, do credor ou do devedor, seja necessária ou possa se opor, como ministra Jean Carbonnier5, comentando o art. 1.251 do Código Civil francês, foi prevista em nosso CC no art. 346, em seus três incisos. O primeiro deles enuncia a sub-rogação legal em favor “do credor que paga a dívida do devedor comum”. Como se sente, é preciso que existam, pelo menos, dois credores, de um mesmo devedor, sendo um deles titular de crédito privilegiado, e, ainda, que este receba o que lhe for devido do titular do outro crédito. O segundo inciso do dispositivo legal, em exame, mostra que ocorre, ainda, sub-rogação legal em favor “do adquirente do imóvel hipotecado, que

paga a credor hipotecário, bem como do terceiro que efetiva o pagamento para não ser privado de direito sobre imóvel”. Essa disposição é de pouquíssima utilidade prática, pois o adquirente de um imóvel hipotecado, pagando ao credor hipotecário, vai sub-rogar-se nos direitos deste, que terão de se exercer sobre esse mesmo imóvel, de sua propriedade. É como se ele fosse executar seu próprio patrimônio. Sob esse aspecto, a utilidade do instituto jurídico em causa é nenhuma. Entretanto, existindo outros credores não hipotecários, sub-rogando-se esse adquirente nos direitos do credor hipotecário por ele pago, fica garantido quanto àqueles. Resta, agora, analisar o terceiro e o último inciso do art. 346, que menciona a sub--rogação legal em favor “do terceiro interessado, que paga a dívida pela qual era ou podia ser obrigado, no todo ou em parte”. O devedor solidário, por exemplo, ao pagar a dívida toda pela qual se obrigou com outro ou outros, codevedores, fica sub-rogado nos direitos do credor por ele pago. Também é o caso do fiador que paga a dívida do afiançado. Em suma, o terceiro interessado, como já examinado, é o que, não participando, diretamente, da relação jurídica obrigacional, está preso a ela, podendo sofrer as consequências do não cumprimento obrigacional pelo devedor. A lei quer proteger esse terceiro, dando-lhe as mesmas condições de recebimento e garantias do crédito, havidas pelo credor, que dele recebeu e por ele foi substituído, sem solução de continuidade. Por exemplo, se um avalista paga sozinho uma nota promissória, restará titular do crédito desse título, nas mesmas condições em que era o credor por

ele pago. Se, por outro lado, duas pessoas se obrigaram a entregar a outra um bem indivisível (uma mesa, por exemplo), uma delas, só, efetuando a entrega, ficará sub-rogada nos direitos do credor, que dita mesa recebeu, para se assegurar do recebimento da cota referente ao outro devedor. Isto porque quem entregou a mesa não a devia por inteiro, somente a entregando de forma integral ante a impossibilidade natural do fracionamento do objeto. 5 Sub-rogação convencional Cumpre-nos, agora, estudar a sub-rogação convencional, retratada nos dois incisos do art. 347 do CC, que deriva, como vimos, do poder da vontade das partes. Realmente, o credor, recebendo de um terceiro o que lhe é devido, poderá transferir-lhe todos os direitos de seu crédito, sem que haja necessidade de qualquer anuência do devedor. Esta sub-rogação, que deve ser expressa, como bem mostra o art. 348, é uma espécie de cessão de crédito, matéria tratada nos arts. 286 a 298, em nosso Código, estudada atrás, lembrando que a sub-rogação é um meio de extinção obrigacional, e a cessão de crédito apresenta princípios que se aplicam a essa forma de sub-rogação, embora com características próprias. Por outro lado, ainda, opera-se a sub-rogação convencional, também devendo ser expressa, quando o devedor, que paga seu débito com soma que lhe foi emprestada por um terceiro, transfere a este todos os direitos do credor a quem pagou, prescindindo da aquiescência deste. 6 Efeitos da sub-rogação A sub-rogação, como determina o art. 349 de nosso CC, “transfere ao novo

credor todos os direitos, ações, privilégios e garantias do primitivo, em relação à dívida, contra o devedor principal e os fiadores”, podendo, entretanto, na sub-rogação convencional, as partes diminuir os direitos do sub-rogado (novo credor). Relembrem, agora, o exemplo dado relativo ao pagamento pelo segundo ao primeiro credor hipotecário, figurado anteriormente como caso típico de subrogação legal. Neste caso, só é possível ao pagador (segundo credor hipotecário) cobrar do devedor comum, exatamente, o que tiver desembolsado, mesmo que tenha sido paga soma menor do que o valor do crédito satisfeito, por se tratar de sub-rogação legal. Como é a lei que estabelece a sub-rogação, não quis o legislador proporcionar direitos além das suas vantagens normais. Assim, se alguém paga, na sub-rogação legal, soma menor que a do crédito, não se sub-rogará neste, a não ser pelo valor efetivamente pago, o que não acontece na sub-rogação convencional, segundo se infere do art. 350 do CC brasileiro. Para finalizar, lembramos a vocês o preceito contido no art. 351 do mesmo Estatuto, que é de clareza meridiana: “O credor originário, só em parte reembolsado, terá preferência ao sub-rogado, na cobrança da dívida restante, se os bens do devedor não chegarem para saldar inteiramente o que a um e outro dever.” Imaginemos que o credor originário tenha recebido só parte de seu crédito e que, nessa parte, se tenha sub-rogado o credor, que lhe pagou. Na execução do patrimônio do devedor, aquele terá preferência de receber seu saldo, com relação a este credor sub-rogado.

29 IMPUTAÇÃO DO PAGAMENTO

1 Conceito Suponhamos que alguém seja devedor de outrem de duas importâncias em dinheiro, no valor cada uma de cem mil reais, estando vencidas, e que remeta para pagamento esse devedor ao mencionado credor a soma de cem mil reais. Surge, imediatamente, uma indagação: qual dos dois débitos está sendo pago? A imputação do pagamento consiste, justamente, no fato de determinar qual a dívida que se está querendo quitar. Já, do caso supra, podemos extrair os elementos conceituais do instituto jurídico da imputação do pagamento. Primeiramente, é preciso que existam dois ou mais débitos de um devedor a um só credor, e que esses débitos sejam da mesma natureza. No caso do exemplo dado, os objetos das prestações são dinheiro (duas somas de cem mil reais cada uma), pois, se fossem de natureza diferente, por exemplo, uma quantia de cem mil reais e um automóvel, não haveria necessidade de imputação do pagamento. É preciso, ainda, que as dívidas sejam positivas (líquidas e certas) e vencidas.

A dívida positiva (líquida e certa) é a que está perfeitamente determinada (cem mil reais). Seria ilíquida e incerta, por exemplo, uma condenação a pagamento de perdas e danos, antes da apuração destes (o Juiz condenando o devedor a pagar perdas e danos a liquidarem-se na fase executória, final do processo). Neste caso, o devedor sabe que deve, mas não quanto deve. Por sua vez, as dívidas devem estar vencidas, pois se, no exemplo das duas somas de cem mil reais, uma estiver vencida e a outra não, o pagamento realizar-se-á na vencida, pois a não vencida não pode, ainda, ser exigida pelo credor. Entendemos, entretanto, que, sendo o prazo estabelecido para favorecer o devedor, como é em regra, pode este imputar o pagamento em débito ainda não vencido, quando quiser antecipar um pagamento, tendo, por exemplo, desconto, ou qualquer outra vantagem com isso. Imputação de pagamento é, assim, a determinação feita pelo devedor, entre dois ou mais débitos da mesma natureza, positivos e vencidos, devidos a um só credor, indicativa de qual dessas dívidas quer solver. O Código Civil brasileiro tratou da matéria nos arts. 352 a 355, conceituando a imputação do pagamento, no primeiro dos preceitos legais indicados, da seguinte forma: “Art. 352. A pessoa obrigada por dois ou mais débitos da mesma natureza, a um só credor, tem o direito de indicar a qual deles oferece pagamento, se todos forem líquidos e vencidos.” 2 Autor da imputação No art. 352, o legislador pátrio, como em princípio sempre faz, favorecendo o devedor, conferiu a este o direito de imputar o pagamento.

Entretanto, pode ocorrer que o devedor efetue o pagamento sem fazer a imputação mencionada, podendo o credor determinar na quitação qual a obrigação que está sendo extinta. Se o devedor concordar com esta imputação, não mais poderá reclamar a qualquer título, salvo, diz o final do art. 353 do CC pátrio, se o credor agir com violência ou dolo. Nesse caso, o ato será anulável, em razão do defeito, que nele se encerra. É bem de ver que, nesse ponto, para que seja válida a imputação feita pelo credor, não deve impugná-la o devedor, parece-nos, pois o art. 353 é claro, quando exige que essa imputação seja, pelo menos tacitamente, aceita pelo devedor, quando menciona: “se aceitar a quitação de uma delas, não terá direito a reclamar contra a imputação feita pelo credor...”. O art. 355 do mesmo Estatuto Civil mostra que, se não for imputado o pagamento pelo devedor, nem pelo credor, nas condições anteriormente estabelecidas, ela far-se-á na ordem nele estruturada, ou seja, primeiro nas dívidas líquidas e vencidas, ou, se todas o forem e não houver precedência de vencimentos (o mais velho prefere ao mais recente), nas mais onerosas. O revogado art. 433, item 4, do Código Comercial brasileiro, já estatuía: “Sendo as dívidas da mesma data e de igual natureza, entende-se feito o pagamento por conta de todas em devida proporção.” 3 Imputação sobre juros O art. 354 do CC teve em mira a consideração dos juros vencidos, ao lado do capital. Se as partes não convencionaram em contrário, a imputação deverá, primeiramente, recair sobre os juros vencidos, isso se o credor não deu quitação por conta do capital, o que favorece o devedor, tendo em vista a diminuição do rendimento desse capital (capital menor, juros menores).

A lei não quer que o devedor, exercendo o direito de imputação no pagamento, prejudique, unilateralmente, o credor, que tem direito ao recebimento dos juros, em primeiro lugar (acessório), depois do capital (principal), que lhe rende aqueles.

30 DAÇÃO EM PAGAMENTO

1 Conceito A dação em pagamento, sendo um meio pelo qual se extingue a obrigação, consiste na entrega pelo devedor, a título de pagamento, de uma outra coisa, que não a devida, ao credor, com aceitação deste. Está claro que, sem a concordância do credor em receber outra coisa que não a convencionada na obrigação, não se pode falar em dação em pagamento. Da mesma forma ocorria no Direito romano, segundo texto de Paulo1, pois a dação em pagamento (datio in solutum) impunha: “uma coisa por outra, contra a vontade do credor, não pode ser solvida” (aliud pro alio, invito creditore, solvi non potest). 2 Regras da dação Pelo art. 357 do CC, depois de ser determinado o preço (o valor) da coisa dada em pagamento, considerou o legislador válidas, a regulamentar a dação, as normas aplicáveis ao contrato de venda e compra. O mesmo princípio consigna-se no artigo seguinte. Se a dação for de bens móveis, bastará a entrega (a tradição), se de imóveis, deverá a tradição verificar-se pela transcrição ou registro, na

matrícula, do título aquisitivo, no competente Registro de Imóveis (da circunscrição imobiliária onde se localizar o imóvel). Vejam, melhor, pelo desenvolvimento adiante:

Podemos observar, no exemplo supra, que A se obrigou a entregar a B o objeto referido no contrato (objeto devido – 1); entretanto, no momento de pagar, propôs a entrega do outro objeto (2), com o que consentiu B (este, assim, concordou em receber outro objeto que não o convencionado no contrato). Deu-se, mesmo, verdadeira compra e venda. Pelo menos, as regras são idênticas, pois A, devedor de um objeto já pago (senão não teria a obrigação de transferi-lo), o entrega a B. Daí responder o alienante pela evicção. Realmente, caso quem transfira não seja o dono do objeto trasladado, a título de dação em pagamento, a quitação dada pelo credor (evicto), que perderá o objeto ao legítimo dono do mesmo,

quando

acionado,

restará

sem

qualquer

efeito

jurídico,

restabelecendo-se a relação jurídica originária, consoante se depreende do art. 359 do CC brasileiro, ressalvados os direitos de terceiros.

31 NOVAÇÃO

1 Conceito Comecemos por um exemplo, que nos vai dar as coordenadas possibilitadoras da conceituação do instituto jurídico da novação. Suponham que A deva a um banco a importância de R$ 50.000,00, representada por uma nota promissória e que, vencida esta, A se encontre impossibilitado de saldála, no total, fazendo proposta de pagamento de R$ 20.000,00, com a renovação do saldo por mais 90 (noventa) dias. Se o banco, recebendo de A esta última soma, quitar o título primitivo, emitindo nova nota promissória, no valor do saldo, incluindo juros e despesas bancárias, haverá novação. Um novo título, que substitui o anterior, que resta completamente extinto, quitado. Assim, pelo quadro, teríamos:

Como percebemos, a novação é um meio de execução obrigacional, que importa a extinção da obrigação primitiva, pelo nascimento da nova. É, em síntese, a extinção da obrigação originária por uma nova. Os pressupostos existenciais da novação são, portanto: obrigação primitiva, obrigação nova a extinguir aquela e o ânimo de novar (animus novandi). Sim, porque, “não havendo ânimo de novar, expresso ou tácito mas inequívoco, a segunda obrigação confirma simplesmente a primeira”, reza o art. 361 do CC brasileiro. Nesse caso, haveria cumulação das obrigações, mero reforço da primeira pela segunda. 2 Espécies Há três espécies de novação: a subjetiva, a objetiva e a mista. A primeira importa a substituição dos sujeitos da relação jurídica obrigacional primitiva (credor e devedor ou ambos), a segunda a alteração do objeto da prestação jurídica e a última congrega, simultaneamente, as duas categorias anteriores. O art. 360 do CC prevê, expressamente, as espécies referidas. Vejamos:

O exemplo dado retrata um caso de novação objetiva, pois se percebe mutação, tão somente, no objeto da prestação, com o pagamento parcialmente efetuado. Para retratarmos um caso de novação subjetiva, basta alterarmos os sujeitos participantes da obrigação, ou seja, no mesmo exemplo, figurarmos a hipótese da reforma do título com a substituição, tão só, do credor (novação subjetiva ativa) ou do devedor (novação subjetiva passiva). Examinem o esquema:

Como vimos, só os sujeitos alteram-se, não o objeto, podendo ser imaginadas as razões, que se confundem com os próprios interesses humanos. Pode ser que o devedor tenha querido substituir-se a outro, que lhe devesse, por querer ausentar-se do país. Consentindo o credor na substituição, na emissão de novo título, com quitação do anterior, haverá a novação, que, como veem, baseia-se no acordo de vontades. Ainda os arts. 362, 363 e 365 do CC referem-se à novação subjetiva. Analisemo-los. O primeiro deles autoriza a novação subjetiva em que ocorre substituição do devedor, sem que seja necessária a concordância deste. Ocorre, nesta hipótese, o fenômeno da expromissão. Realmente, o expromissor (novo devedor), aquiescendo o credor, substitui-se ao primitivo devedor, quer consinta este, quer não. Dessa forma, a obrigação nova, preenchendo todos os requisitos de validade desse ato jurídico, extingue a anterior.

No artigo em exame, nosso Código somente referiu-se à expromissão (substituição do devedor, sem o consentimento deste), que, segundo ensinam os vários autores, é instituto pouquíssimo usado, não mencionando a delegação, que é, também, válida no nosso Direito, importando a substituição do devedor, com seu consentimento. J. M. de Carvalho Santos1 pontifica, com real oportunidade, que a omissão do Código, porém, não significa que fosse sua intenção excluir a possibilidade da delegação. Nada disso. Previu apenas o caso de expromissão, precisamente porque precisava deixar claro que a novação pode se operar sem o consentimento do devedor, um dos interessados, de vez que ocorre uma exceção, que não se podia admitir sem lei expressa. O mesmo já não sucede com a delegação, em que basta aplicar as regras gerais, para se obter a certeza da possibilidade da novação, em casos tais, pois a delegação, em última análise, não é senão um novo contrato, em que todos os interessados precisam dar o seu consentimento.

Essa omissão a que se refere Carvalho Santos, relativamente ao art. 1001 do CC de 1916, é a mesma do art. 362 do CC de 2002 (ambos os artigos com o mesmo texto), havendo falta da menção à delegação. Por sua vez, o art. 363 é corolário do anterior, pois assenta que a novação subjetiva, com a substituição do devedor, extingue a obrigação primitiva, mesmo que o novo devedor seja insolvente, negando ao credor, neste caso, ação de regresso (qualquer cobrança) contra o primitivo devedor, ressalvando, entretanto, tão somente, a hipótese de ter havido má-fé por parte deste último na substituição. Assim, mesmo que o credor aceite o novo devedor, se ficar provado que o primitivo devedor ocultou, maliciosamente, a insolvência do seu substituto na obrigação, ou acenou com maior fortuna deste, será dada ao credor ação regressiva contra esse antigo devedor, anulando-se a novação. Acolhe, aqui, o

Código, mais uma vez, o princípio da boa-fé, que deve sempre prevalecer contra a malícia, a maquinação, que tornam anuláveis os atos jurídicos, quando patenteadas. 3 Outras regras O art. 365 do CC pátrio prescreve a libertação dos devedores solidários ligados à obrigação primitiva, extinta, mostrando que só terão a ver com a obrigação nova se dela participarem. Muito lógico, pois, exaurida a obrigação antiga, exaure-se a solidariedade, que só prevalecerá na obrigação nova ser for ali contratada. O princípio do acessório seguindo a sorte do principal vem reproduzido nos arts. 364 e 366 do mesmo diploma legal. Realmente, como a nova obrigação extingue a anterior, não sendo renovados naquela, restarão também extintos os acessórios e as garantias da dívida desaparecida. O artigo seguinte, 367, trata da novação de obrigações anuláveis, nulas ou extintas. O primeiro dispositivo em causa inadmite a possibilidade de novação das obrigações nulas ou extintas, porque aquela estaria pretendendo extinguir o que, sendo nulo, jamais produziu efeitos, e esta terminar o que já não mais existia à época novatória. Verdadeiras impossibilidades, a lembrar-se, aqui, do aforismo latino, em face do qual, ante a impossibilidade, nada se tem (ad impossibilia nemo tenetur). Entretanto, o segundo artigo, em exame, possibilita a novação de obrigações anuláveis. Aqui, andou bem, e logicamente, o legislador, porque os atos jurídicos anuláveis podem ser sanados, corrigidos, ratificados. Dessa

forma, sendo válida a nova obrigação, tem ela força de ratificar e extinguir a obrigação anterior, que chegou a produzir efeitos jurídicos, embora a anulabilidade existente. A obrigação nova corrige o defeito da anterior, extinguindo-a, após, para valer sozinha em sua substituição.

32 COMPENSAÇÃO

1 Conceito Imagine que um indivíduo, que chamaremos de A, deva a outro, B, uma soma de dois mil reais e que, por sua vez, este deva àquele a importância de mil e quinhentos reais. Assim:

A e B são, reciprocamente, devedor e credor um do outro. Devem-se, mutuamente, operando-se, pelo exemplo dado, a extinção obrigacional até a concordância dos valores dos objetos das obrigações apontadas, restando, assim, um saldo favorável a B de quinhentos reais. Neste caso, a compensação foi parcial. Seria total, se os valores desses objetos fossem idênticos.

O art. 368 do nosso CC conceituou a compensação, dizendo: “Se duas pessoas forem, ao mesmo tempo, credor e devedor uma da outra, as duas obrigações extinguem-se, até onde se compensarem.” 2 Espécies Esta a compensação legal, pois está estabelecida na lei, nasce por vontade desta, existindo, a seu lado duas outras espécies de compensação: a voluntária e a judicial. A voluntária, que é criada pela vontade das partes, pela convenção, e a judicial, que é determinada pelo Juiz em sua decisão, quando perceber no processo o citado fenômeno. Para que exista a compensação voluntária, basta que as partes convencionem a respeito. Seria o caso de A dever para B R$ 30.000,00 e de B dever para A um touro, avaliado por ambos nesse valor, ajustando eles a compensação que, pela simples vontade da lei, seria, como veremos logo mais, impossível. Como, também, a compensação de um débito vencido com outro ainda não vencido. Por outro lado, a compensação judicial realiza-se em juízo. O Juiz é que a declara,

cumprindo,

entretanto,

as

disposições

legais

aplicáveis

à

compensação legal, que iremos estudar a seguir. A compensação judicial está prevista no CPC brasileiro, no art. 343 sob o título “Da reconvenção”. Com muita simplicidade, afirma João Franzen de Lima2: “A reconvenção é a ação do réu contra o autor, proposta no mesmo feito, em que está sendo demandado, visando a receber deste o que lhe é devido para extinguir ou diminuir o que lhe é cobrado.”

Imaginemos, por aí, que determinado indivíduo, autor, promova uma demanda contra outro, réu, cobrando R$ 50.000,00, e que este, por reconvenção, alegue ser credor daquele da soma de R$ 60.000,00. A final, se o Juiz do feito julgar procedente a ação e a reconvenção, condenará o autor a pagar ao réu (reconvinte), além do que for de direito, a importância de R$ 10.000,00, o que importa ter reconhecido o crédito de ambas as partes do processo, compensando-os. 3 Requisitos existenciais da compensação legal Quanto à compensação legal, a lei estabelece seus pressupostos, requisitos ou condições existenciais, que valem para a judicial. Assim, devem as dívidas ser recíprocas (no exemplo, A deve para B e B deve para A). Sem reciprocidade não há que se falar em compensação. O art. 371, entretanto, diz que “o devedor somente pode compensar com o credor o que este lhe dever”, abrindo uma única exceção, a possibilitar a compensação do débito do fiador com o do credor junto ao afiançado. A lei, assim, possibilitou para evitar vários pagamentos simultâneos, atendendo ao fato de que o fiador é terceiro interessado. Ainda, se o fiador compensar seu débito com o que lhe deve o credor de seu afiançado, poderá exercer contra este o direito de regresso, cobrando-lhe o que por ele tiver pago. Poderia causar espécie, em face do artigo analisado, o 376 do CC brasileiro, que refere: “Obrigando-se por terceiro uma pessoa, não pode compensar essa dívida com a que o credor lhe dever.” Todavia, o próprio Clóvis Beviláqua esclarece que seu projeto primitivo tratava, nesse artigo, da estipulação a favor de terceiro, que será estudada na parte relativa aos contratos, mostrando sua defeituosa redação. Assevera Clóvis Beviláqua3:

“Com outra inteligência, o art. 1.019 reproduz a matéria do art. 1.013, dispondo diferentemente”, acrescentando que “a razão do dispositivo é que o que se obriga em favor de terceiro não lhe paga o que lhe prometeu, mas o que prometeu ao estipulante. É em virtude da obrigação contraída com este que ele realiza o pagamento a terceiro”. Esses artigos correspondem no atual CC, respectivamente, aos arts. 376 e 371. Vejamos o esquema:

Imagine, agora, que um credor A queira ceder seu crédito a um terceiro C e que seu devedor B queira opor o crédito, que possui contra A, junto a C, cessionário. Temos:

O crédito de B junto a C, entretanto, há que ser anterior à cessão. Daí o disposto no art. 377 do CC pátrio, que verbera:

O devedor que, notificado, nada opõe à cessão, que o credor faz a terceiros, dos seus direitos, não pode opor ao cessionário a compensação, que antes da cessão teria podido opor ao cedente. Se, porém, a cessão lhe não tiver sido notificada, poderá opor ao cessionário compensação do crédito que antes tinha contra o cedente.

O que vemos é a necessidade de notificação do devedor B, por parte do credor cedente A, para que aquele tome conhecimento da cessão, opondo a compensação como lhe propicia a lei. Se o devedor B, notificado, não tomar essa providência, estará, tacitamente, renunciando a esse direito de compensar. Por outro lado, as obrigações para se compensarem devem ser líquidas, vencidas e de coisas fungíveis, segundo exigência do art. 369 do CC. Líquidas são as dívidas existentes com exata determinação do seu valor (“certa, quanto à sua existência, e determinada, quanto ao seu objeto” assentava o art. 1.533 do CC de 1916). São distinguidas pela expressão corrente: “dívidas líquidas e certas”. Esse artigo não encontra correspondente no CC. As dívidas ilíquidas não possibilitam a compensação porque, justamente, lhes falta a expressão numérica. Assim, se determinado indivíduo for condenado ao pagamento de perdas e danos, até que estas sejam mostradas em seu valor exato, não há possibilidade de se saber a quanto montam. E, não se sabendo o seu quantum, não podem ser exigidas, daí não poderem ser compensadas. Vencidas são as dívidas que chegaram a seu termo final, ao seu vencimento, devendo ser prestadas. São, dessa forma, exigíveis. Não pode, desse modo, ser compensado um débito vencido com outro não vencido, a não ser que a compensação seja convencional, resulte da vontade das partes.

Não se levam em conta, para efeito de compensação, os prazos concedidos de favor. Se, no exemplo mostrado anteriormente, A concedesse a B uma dilatação de prazo, não seria justo que este impedisse a compensação, exigindo o débito de A, utilizando-se desse prazo de favor para pagar depois o seu débito. É o que recomenda o art. 372 do CC. É de ver-se, ainda, que os objetos devidos em ambas as obrigações devem ser fungíveis entre si, da mesma natureza (substituíveis por outros da mesma espécie, quantidade e qualidade – art. 85 do CC brasileiro). Isso porque, se forem heterogêneos os débitos, existe mesmo impossibilidade material de compensação. Vejamos, neste exemplo, em que A deve a B 30 (trinta) sacas de café e B deve a A 30 (trinta) sacas de milho. Impossível a compensação, pela heterogeneidade dos débitos. O mesmo aconteceria se, embora fossem da mesma espécie (café), lhes faltasse a qualidade. Entretanto, devendo ser os objetos da mesma espécie (café, por exemplo) e da mesma qualidade (tipo A), não me parece que a quantidade influa, pois que a compensação, como vimos, pode ser total ou parcial. Assim, podem compensar-se débitos homogêneos (da mesma natureza), divergindo quanto à quantidade – 30 (trinta) sacas de café tipo A, com 20 (vinte) sacas de café desse mesmo tipo, restando um saldo credor a uma das partes de 10 (dez) sacas. Não podem, embora da mesma espécie, ser os objetos de qualidade diversa, como aponta o art. 370 do CC. Caso em que não ocorrerá a compensação. Pelo esquema a seguir, teremos:

O art. 373, por seu turno, não coloca óbice à compensação entre dívidas de causas diferentes (exemplo: A deve para B dois mil reais, em razão da aquisição de um objeto deste; B deve para A, em devolução, mil reais, em razão de um empréstimo, que lhe fizera este). Aqui, duas causas, dois motivos, que possibilitaram o nascimento dos dois débitos, o que não importa sejam eles compensados. Contudo, esse mesmo artigo excepcionou as hipóteses, que retrata em seus três incisos. O primeiro dos incisos nega a compensação às dívidas, “se uma provier de esbulho, furto ou roubo” (repressão ao ato ilícito); o segundo, “se uma se originar de comodato, depósito ou alimentos” (quanto ao comodato e depósito existe neles obrigação de restituir a coisa infungível emprestada ou depositada e quanto aos alimentos eles não se compensam, porque o que os recebe tem direito à vida, que não pode sofrer qualquer restrição – os alimentos são necessários à existência); o terceiro, “se uma for de coisa não suscetível de penhora” (a coisa que não pode ser penhorada não é cobrável judicialmente, sendo não exigível, o que impede a compensação). O art. 833 do CPC brasileiro faz desfilarem, em seus doze incisos, os bens absolutamente impenhoráveis, entre os quais “os livros, as máquinas, os utensílios e os instrumentos, necessários ou úteis ao exercício de qualquer profissão”, “o anel nupcial e os retratos de família” e “o seguro de vida”. 4 Compensação de débitos fiscais

O art. 374, que foi revogado pela Lei n. 10.677, de 22 de maio de 2003, proibia a possibilidade de compensação dos débitos fiscais e parafiscais. O art. 1.017 do Código Civil de 1916 não possibilitava a compensação de débitos fiscais da União, dos Estados e dos Municípios, excetuando os “casos de encontro entre a administração e o devedor”, quando deveria existir expressa autorização “nas leis e regulamentos da Fazenda”. O princípio repetiu-se, melhor, no art. 170 do CTN (Lei n. 5.172, de 25-10-1966), que reza: Art. 170. A lei pode, nas condições e sob as garantias que estipular, ou cuja estipulação em cada caso atribuir à autoridade administrativa, autorizar a compensação de créditos tributários com créditos líquidos e certos, vencidos ou vincendos, do sujeito passivo contra a Fazenda Pública. Parágrafo único. Sendo vincendo o crédito do sujeito passivo, a lei determinará, para os efeitos deste artigo, a apuração do seu montante, não podendo, porém, cominar redução maior que a correspondente ao juro de 1% (um por cento) ao mês pelo tempo a decorrer entre a data da compensação e a do vencimento. Art. 170-A. É vedada a compensação mediante o aproveitamento de tributo, objeto de contestação judicial pelo sujeito passivo, antes do trânsito em julgado da respectiva decisão judicial (Artigo acrescentado pela LC n.104/2001).

Esclareça-se que o Enunciado n. 19 da I Jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal (de 11 a 13-09-2002) reconheceu que “na matéria de compensação, no que concerne às dívidas fiscais e parafiscais de Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, não é regida pelo art. 374 do CC”. 5 Compensação nas obrigações solidárias

O art. 1.020 do CC de 1916, sem correspondente no atual, tratava da compensação nas obrigações solidárias, tema interessante, admitindo que o devedor solidário, cobrado, compense com o credor o que este dever ao seu coobrigado, até o limite do débito deste. Pode acontecer que o credor cobre a dívida de um dos devedores solidários, que, sendo também seu credor, oponha a compensação na forma legal. Vejamos o quadro da hipótese:

Todavia, a situação prevista no já mencionado artigo, mostra o credor cobrando o débito comum de um dos devedores solidários, sendo o outro seu credor, caso em que poderá esse devedor solidário cobrado opor a compensação do crédito deste na proporção de sua cota devedora. Teríamos, assim:

Exemplificando: A e B devem a C R$ 200.000,00 e C deve a B R$ 110.000,00. Se C cobrar os R$ 200.000,00 de A, este oporá a compensação do crédito de B, junto a C (R$ 110.000,00), sem prejudicar B, ou seja, sem obrigá-lo a pagar além de sua cota devida, que é de R$ 100.000,00, montante que será objeto de dita compensação. 6 Outras regras É de ver-se, já analisando o art. 380 do nosso CC, que a compensação não pode prejudicar direito de terceiros. Assim, por exemplo, havendo uma penhora sobre determinada coisa, não pode esta ser objeto de compensação. Também o art. 378 do mesmo Estatuto Legal autoriza o desconto das despesas ocorridas em compensação de débitos, quando estes não forem pagáveis no mesmo lugar. O artigo seguinte ordena a aplicação das normas fixadas para a imputação do pagamento (Capítulo 29), quando houver pluralidade de débitos suscetíveis de compensação.

Para finalizar, o art. 375 do CC trata da renúncia à compensação. Na 2a parte, o dispositivo refere-se à renúncia por um dos devedores (unilateralmente) e sua 1a parte, à renúncia por acordo entre as partes (bilateralmente).

33 CONFUSÃO

1 Noções gerais Este instituto jurídico tanto participa do Direito das Obrigações, como do Direito das Coisas. Neste último, significa a reunião de substâncias líquidas, como, por exemplo, duas espécies de vinho, formando mistura, que se torna impossível de separação ou dispendiosa de tal forma que não compense ao proprietário de cada um dos objetos reunidos (art. 1.272 e segs. do CC). Neste volume, estudaremos a confusão no Direito das Obrigações, que vem a ser a união, na mesma pessoa, das qualidades de credor e de devedor, o que a imobiliza quanto à exigência do crédito, pois teria de exigi-lo de si própria. É o caso, por exemplo, de A, filho de B, dever a este uma soma em dinheiro. Falecendo B, e sendo A seu herdeiro, cessa o dever deste de pagar. Assim, pelo quadro:

A é credor e devedor de B, relativamente ao mesmo objeto. A confusão é mais frequente na sucessão mortis causa, podendo ocorrer, entretanto, em outros ramos do Direito Civil. Nas servidões, no Direito das Coisas, o prédio serviente deve servir ao prédio dominante, por exemplo, pelo trânsito que deve suportar. Entretanto, a servidão só existe se os prédios forem de donos diferentes. Vejam: No esquema, o prédio de B (serviente) serve ao de A (dominante). Se o proprietário do prédio A adquirir o imóvel de B, dá-se a confusão, pois ele vai passar, transitar, sobre o seu próprio imóvel. É bom deixar-se claro que a confusão pode dar-se, ainda, por ato inter vivos, seja a título gratuito (doação), seja oneroso (cessão). 2 Espécies

Após conceituar a confusão em seu art. 381, no 382 o CC brasileiro mostra que há duas espécies de confusão: a total e a parcial, quer se realize com relação a toda a dívida ou só a parte da mesma. No exemplo dado anteriormente, da herança, basta, para que não seja total a confusão, que lá é mostrada, que se suponha que, além do herdeiro A, exista o herdeiro C, e que a cota hereditária daquele seja menor que seu débito extinto.

Aqui, a confusão ocorre, parcialmente, pois A tem de pagar à massa hereditária R$ 10.000,00 (a confusão deu-se nos outros R$ 10.000,00) para que esta quantia reverta a C a título de pagamento de sua cota hereditária. O art. 383 do CC refere a confusão em face da obrigação solidária, esclarecendo que aquela, quando “operada na pessoa do credor ou devedor solidário, só extingue a obrigação até a concorrência da respectiva parte no crédito, ou na dívida, subsistindo, quanto ao mais, a solidariedade”. Da confusão resulta extinta, parcialmente, a obrigação, só no atinente à cota do credor ou devedor em que ela se deu, sem que termine a solidariedade quanto ao remanescente; aliás, princípio que já foi estudado nas lições relativas à solidariedade ativa e passiva. Podem raciocinar pelo quadro adiante:

A confusão em A não vai liberá-lo da obrigação solidária, que permanece pelo saldo, retirada a parte que o beneficiou, o mesmo ocorrendo com D, que não poderá exercer direito de crédito sobre a cota que lhe pertence. 3 Restabelecimento da obrigação Em seguida, o art. 384 de nosso CC diz da possibilidade de cessação da confusão, com o restabelecimento da obrigação, com os acessórios, que a acompanhavam, na ocasião em que se concretizou. Aqui, não há que se falar do instituto como meio de extinção obrigacional, pois seria impossível que se restabelecesse a obrigação já por ele extinta. É que, na realidade, em certos casos, não se opera extinção obrigacional pela confusão, mas mera neutralização ou paralisação do direito, como se ficasse dormindo a obrigação, paralisada, até o surgimento de uma causa que a viesse acordar, restabelecer, no mundo jurídico. Sílvio Rodrigues4 aponta que essa sutileza foi percebida por BaudryLacantinerie e Barde, que conceituaram a confusão como “a neutralização de um direito em virtude da reunião em uma única pessoa de duas qualidades incompatíveis”. Seria o caso de se operar a confusão, de acordo com o primeiro exemplo dado, tendo em vista a sucessão provisória de B (ante sua morte presumida – desaparecimento em um desastre aviatório).

Neste caso, durante o prazo e as condições que a lei prevê, aparecendo vivo B, desaparece a causa da confusão, podendo dizer-se que A esteve impossibilitado de pagar seu débito, porque iria fazê-lo a si próprio, por ser herdeiro de B, como se, nesse período, estivesse neutralizado o dever de pagar com o direito de receber.

34 REMISSÃO DAS DÍVIDAS

1 Conceito A palavra remissão descende do verbo remitir, que significa perdoar, dispensar de uma obrigação, de um gravame. Assim, a remissão é o perdão da dívida, aceito pelo devedor, é a renúncia do crédito pelo credor, que nada recebe do devedor em retribuição. É a remissão, como visto, verdadeira doação. Imaginemos que um credor, cuja prova de seu crédito seja um documento particular, o rasgue, declarando que não mais pretende receber do devedor o que lhe era devido, seja por motivos de ordem sentimental, seja por de ordem econômica, por não compensar a cobrança, às vezes, muito onerosa, não importa. 2 Modos de remissão Nosso Código Civil, ao abrir o Capítulo da remissão das dívidas, inicia-o referindo, no art. 385, sem correspondência no CC de 1916, que “a remissão da dívida, aceita pelo devedor, extingue a obrigação, mas sem prejuízo de terceiro”. Sim, porque a renúncia do crédito pelo credor, beneficiando o devedor, não pode prejudicar terceiro, que participou dessa relação jurídica. Os efeitos dessa renúncia não o atingem.

Por outro lado, acentua o art. 386, que, sendo o credor capaz de alienar e o devedor capaz de adquirir, a transferência voluntária por aquele a este do título representativo da obrigação (um contrato particular, por exemplo, ou uma nota promissória) desonera o devedor e seus coobrigados. Aliás, essa presunção legal, que admite prova em contrário, já foi estudada quando se examinou o art. 324 do CC (prova do pagamento). Pode acontecer, ainda, que, embora não existindo documento do crédito, o credor a ele renuncie, enviando, por exemplo, uma carta ao devedor, perdoando a dívida, ou pode ser, também, que esse credor perdoe esse débito por testamento. O que deve estar patente na atitude do credor, nesse caso, é o ânimo de perdoar, e, na do devedor, a aceitação do perdão, para que este se materialize, extinguindo-se, como consequência, a obrigação. 3 Remissão de garantia Todavia, retrata o mesmo Código, no art. 387, que é possível que alguém, que tenha recebido um objeto como garantia de um débito (penhor), venha a restituí-lo voluntariamente ao devedor, o que, entretanto, não importa a extinção do débito, mas, tão somente, renúncia da garantia. 4 Remissão a codevedor Já por ocasião do estudo da solidariedade passiva, Capítulo 16, item 4, examinamos os arts. 277 e 282 do CC, cujo pensamento é ora repetido no art. 388, que estabelece que a remissão, que se der a um dos codevedores, exaure o débito na parte a ele relativa, sendo certo que, ainda que esse credor reserve a solidariedade contra os outros codevedores, já destes não mais poderá cobrar o débito, sem deduzir a parte relevada (cota do codevedor remitido). Percebam, melhor, pelo esquema a seguir:

35 DESCUMPRIMENTO OBRIGACIONAL. MORA E INADIMPLEMENTO ABSOLUTO

1 Generalidades Vimos, até aqui, como se cumpre, como se executa, a obrigação. Agora, estudaremos o que acontece quando ela se descumpre e, depois, os efeitos relativos a esse descumprimento. Tivemos perfeita noção de que é o patrimônio do devedor que responde pela inexecução da obrigação, não sua pessoa. É o princípio geral, que foi conquistado através do tempo e que caminha a um melhor aperfeiçoamento. Assim, todo aquele que descumprir sua obrigação responderá pelos prejuízos que causar. Por exemplo, se alguém se obriga a entregar determinado objeto a outrem, a quem o comprou e de quem recebeu o preço, e não realiza a entrega, descumpre obrigação de dar coisa certa (objeto vendido), como, também, quem se obriga a fazer um muro e não o faz deixa de executar obrigação de fazer, sujeitando-se ambos os inadimplentes aos efeitos da mora (pagamento dos prejuízos, juros etc.), que estudaremos a seguir. Se, entretanto, for negativa a obrigação (de não fazer), o inadimplemento ocorre com a prática do ato por quem dela deveria abster-se, retrata o art. 390

do CC. Dessa forma, descumprirá o devedor sua obrigação de não fazer um muro, quando o fizer. Para que alguém se torne responsável pelo pagamento dos danos causados, é preciso que exista um nexo de causalidade entre a ação nociva e os mesmos danos. O art. 395, primeira parte, do CC, deixa patente essa ideia. Pelo visto, não basta o ato ilícito e o prejuízo, tão só. É necessário que este tenha extrema ligação com aquele. Se alguém, suponhamos, sofre um atropelamento (ato ilícito), em consequência do qual se remove ao hospital, com pequenas escoriações, pelos danos causados, diretamente, ligados ao acidente, responde o atropelador, não, por exemplo, por uma doença, que a vítima do acidente venha a contrair no hospital, por culpa do médico. Este responderá pelos danos que causar a seu paciente (art. 403 do CC). O parágrafo único do art. 395 do CC estabelece princípio segundo o qual toda a vez que a prestação, ante a mora do devedor, não representar, mais, interesse ao credor, mostrando-se-lhe inútil, poderá este enjeitá-la, pedindo o ressarcimento pelos prejuízos causados. Imaginem, neste caso, que um comerciante contrate com uma companhia estrangeira a exportação de determinado produto, que ele adquire de um industrial, para que o mesmo seja embarcado em dia certo, no Porto de Santos, em navio daquela companhia. Se o industrial, por culpa sua, não fornecê-lo no prazo, que possibilite o dito embarque, todo o interesse do comerciante em recebê-lo desaparecerá, principalmente, ante os prejuízos sofridos. 2 Conceito de mora e de inadimplemento absoluto

O próprio vocábulo mora indica o sentido desse instituto jurídico, pois mora é demora, atraso, retardamento, inexecução, inadimplemento, descumprimento obrigacional. O art. 394 do CC estabelece que a mora existe quando o devedor não paga e o credor não recebe, por culpa sua, o objeto da prestação jurídica, no tempo, lugar e pelo modo convencionados. Qualquer meio empregado para obviar o pagamento, em que se atue, pelo menos, com culpa, é suficiente para colocar em mora quem dele se utilizar. Com basificação no entendimento de Agostinho Alvim, exposto em sua monografia Da inexecução das obrigações e das suas consequências, ensina Rubens Limongi França1 que “mora é a inexecução culposa da obrigação (mora debitoris), bem como a recusa de recebê-la (mora creditoris), no tempo, lugar e forma devidos”. Cumpre, nesta oportunidade, ao lado da mora, estudar outra espécie de inadimplemento, o absoluto, que se verifica, segundo o ensinamento de Agostinho Alvim2, “quando a obrigação não foi cumprida, nem poderá sê-lo, como no caso de perecimento do objeto, por culpa do devedor”, ou seja, “quando não mais subsiste para o credor a possibilidade de receber”. Na mora, em contrapartida, acentua esse jurista, embora não tenha sido cumprida a obrigação, subsiste “a possibilidade de cumprimento”. A mora pode ser purgada. 3 Mora do devedor No conceito de mora apresentado, suas espécies estão delineadas: mora do devedor e do credor.

A primeira espécie, mora do devedor, também chamada pelos romanos de mora debitoris (mora do devedor) ou mora solvendi (mora de pagar), configura-se ante o não cumprimento da obrigação pelo devedor. Assim, é preciso que exista um débito, perfeitamente legítimo e exato, ou seja, é necessário que o devedor saiba quanto deve pagar. O CC, em seu art. 397, caput, refere-se à mora pelo não cumprimento de obrigação “positiva e líquida”, “no seu termo”. A primeira expressão quer significar o débito exato, perfeitamente conhecido, “líquido e certo”, como prefere a doutrina. Por outro lado, o termo, a que se refere dito dispositivo legal, é o final, o dies ad quem, o vencimento. Realmente, pois, se a dívida, mesmo exata, não estiver vencida, não é suscetível de ser exigida pelo credor, ressalvadas as exceções contidas na lei, já analisadas na lição que versou sobre o tempo do pagamento. Isso quer dizer que nosso Código preferiu estabelecer, como regra geral, a mora ex re (em razão do fato ou da coisa), ou seja, dado o vencimento da obrigação, automaticamente se torna exigível o crédito. Assim, a simples ocorrência do vencimento já insta em mora o devedor. De lembrar-se, aqui, da enunciação romana, segundo a qual dies interpellat pro homine (o dia – do vencimento – interpela pelo homem – devedor). Para que exista exceção a essa regra e se aplique o princípio oposto, da mora ex persona, ou seja, com o aviso do devedor para que cumpra a obrigação em determinado prazo, fixado nessa comunicação, é necessário que a obrigação não tenha termo final ou que seja imposta, expressamente, pela lei. Por exemplo, o Dec.-lei n. 58, de 10 de dezembro de 1937, que tratou do loteamento e da venda de terrenos, com pagamento em prestações, em seu art. 14, modificado pelo mesmo artigo do Dec. n. 3.079, de 15 de setembro de

1938, só considera rescindido o contrato 30 (trinta) dias após a constituição em mora do devedor, que deixou de pagar prestação vencida. Para que o prazo mencionado comece a fluir, o devedor deve ser interpelado pelo Oficial do Registro, a requerimento do compromitente. Se a mora for purgada, convalescerá o compromisso, caso contrário os compromitentes requererão ao Oficial o cancelamento do registro. Vemos, aqui, plenamente caracterizada a mora ex persona (mora em razão da pessoa). A pessoa do devedor é comunicada, após o que flui o prazo para o cumprimento obrigacional. O Dec.-lei n. 745, de 7 de agosto de 1969, dispondo sobre os contratos disciplinados no art. 22 do citado Dec.-lei n. 58/37, de compromisso de compra e venda e cessão de direitos de imóveis não loteados, estabelece, em seu art. 1o, a impossibilidade de sua rescisão (mesmo constando dele “cláusula resolutiva expressa”), sem a prévia interpelação, judicial ou por Cartório de Títulos e Documentos, do comprador, com prazo de 15 (quinze) dias, antes do qual este não será considerado inadimplente. Esse salutar dispositivo é de ordem pública (a vontade das partes não pode sobrepor-se à da lei), impedindo que compromissos de venda e compra de imóveis não loteados, nas condições do citado decreto-lei, possam considerar-se rescindidos, por cláusulas automáticas, antes de um justo prazo para a purgação da mora pelo devedor. Certo é, entretanto, que esse prazo se apresenta com natureza decadencial. Não pode, portanto, ser interrompido. É derradeiro, para que o devedor, nele, pague seu débito sob pena de concretizar-se, irremediavelmente, sua mora, em inadimplemento absoluto. Obrigações há, entretanto, que não apresentam termo final, vencimento, o que impossibilita a aplicação da regra estudada.

Nesse caso, a interpelação do devedor, para sua constituição em mora, é imprescindível, por força do que dispõe o art. 397, parágrafo único. O CPC, por sua vez, estabelece, no art. 219, que a citação válida, que é o chamamento, primeiro, do réu devedor a juízo, o constitui em mora. De todo ato ilícito advém responsabilidade a seu autor, que se constitui em mora, a partir da prática nociva. Tal determinação encontra-se no art. 398 do CC. Todavia, se o descumprimento obrigacional, que pode ser total ou parcial, ocorrer, sem que, pelo menos, tenha havido culpa por parte do devedor, pode este escusar-se ante os efeitos da mora. O art. 396 do nosso CC estatui que não incorre em mora o devedor, se não houver fato ou omissão a ele imputável. O devedor, imaginem, pode deixar de cumprir sua obrigação em razão de um desmoronamento, que bloqueie a passagem por certo lugar; de uma tempestade; de uma guerra etc. Essas escusas, pelo não cumprimento obrigacional, estudaremos, a seguir, em lição autônoma. 4 Mora do credor A outra espécie de mora é a do credor, conhecida, no Direito romano, como mora creditoris (mora do credor) ou mora accipiendi (mora de receber); materializa-se no momento em que o credor se recusa ou a receber o objeto da prestação ou a fornecer o competente recibo comprovador do pagamento. Basta, suponham, que o proprietário de um prédio alugado se recuse a receber de seu inquilino o aluguel atrasado ou, querendo recebê-lo, se recuse ao fornecimento do recibo de aluguel, para levá-lo à mora.

A recusa do credor é fundamental para que sua mora se concretize. Essa recusa, para causar a mora, deve ser injustificada e deve embaraçar o pagamento do débito líquido e certo. Por sua vez, é preciso que o devedor tenha dado mostras de sua intenção de pagar, por meios exteriores. Assim, se o devedor, não tendo tido possibilidade de pagar por subterfúgios do credor, tendo iniciado providências, que denotam seu desejo de pagar, como, por exemplo, a visita ao domicílio do credor com o objeto do pagamento, afinal, vê frustrada essa iniciativa, com a oposição ilegítima do credor, o descumprimento obrigacional, por parte deste, resta patente. Frise-se que a recusa do credor deve ser injustificada, sem o que não haverá mora. Realmente, se o proprietário do prédio alugado, no exemplo dado, se recusa a receber o aluguel, porque o inquilino quer pagar-lhe o indevido, menos do valor, não incidirá em atraso no recebimento. Já vimos, no Capítulo 27, que essa recusa, sem justa causa, pelo credor, motiva o devedor ao ajuizamento de uma ação de consignação em pagamento, que se inicia com o depósito judicial da coisa devida. O art. 400 do CC estabelece, em princípio, que, não agindo com dolo, ante a mora do credor, o devedor se isenta de responsabilidade pela conservação do objeto do pagamento, ficando o credor, sempre, obrigado a arcar com o ressarcimento das despesas hauridas em conservá-lo. Completa o dispositivo legal que, havendo oscilação no valor da coisa devida, entre a época do contrato e a do pagamento, o credor será obrigado a “recebê-la pela estimação mais favorável ao devedor”. Este artigo traz consideração da mais alta relevância, pois, certo é que, se o devedor deu início ao pagamento e viu obstado seu proceder, não pode ele correr riscos, seja com a conservação do objeto, seja com o pagamento de

despesas desta, devendo, ainda, beneficiar-se com qualquer aumento de valor, que esse objeto venha a agasalhar. Dessa forma, se a coisa vier a perecer, sem culpa do devedor, como vimos no Capítulo 10, antes da tradição, sendo este o dono, sofrerá a perda, ante o inexorável princípio do art. 234 do nosso CC. Entretanto, esse entendimento sucumbe, sofrendo a perda o credor, em caso de sua mora, pois, se a tradição não ocorre, por culpa do credor, não seria justo que essa falha dele viesse a onerar o patrimônio do devedor, também, com a perda do objeto. Retratemos, no quadro a seguir, para melhor entendimento, e como resumo, as espécies de mora até aqui estudadas:

5 Purgação da mora Purgar a mora, em sentido jurídico, quer dizer sanar, purificar, limpar, fazer desaparecer o atraso verificado no cumprimento da obrigação. Os romanos utilizavam-se da expressão emendatio vel purgatio morae (emenda ou purgação da mora) para significarem o instituto jurídico capaz de neutralizar, total ou parcialmente, os efeitos moratórios. O vocábulo purgação, embora incrustado no uso, não se acomoda na Ciência do Direito, no rigor de sua técnica vocabular. Renderemos homenagem à tradição, sem deixarmos, contudo, de lembrar os sinônimos: emenda ou reparação.

Pela purgação da mora, efetua-se o pagamento de obrigação já descumprida, procurando-se evitar efeitos mais graves. O CC, em seu art. 401, estabelece duas situações, em seus três incisos: a primeira, figurando a purgação pelo devedor; a segunda, pelo credor. Assim, o devedor, para purgar a mora, deve cumprir a prestação atrasada, pagando, além, os danos dela advindos, até a época do efetivo cumprimento. Já o credor, em mora, deve purgá-la, dispondo-se a receber o pagamento que recusara, suportando os efeitos do atraso provenientes, até a data dessa efetiva disposição de receber. Algumas leis, extra Código, têm disciplinado, com certas tolerâncias, o instituto da purgação da mora, tendo em vista as metas a que visam. Elas serão, a seu tempo, estudadas, no correr do curso jurídico. Citaremos, por ora, a título de exemplo, a Lei n.8.245, de 18 de outubro de 1991, que regula matéria de locação predial urbana, alterada pela Lei n. 12.112, de 9 de dezembro de 2009. O art. 62, inciso I, desse Diploma Legislativo, faz ver que será concedido despejo em caso de o inquilino não pagar o aluguel e os acessórios da locação (despesas de condomínio, por exemplo), no prazo estabelecido na lei, no contrato, ou, na falta de convenção, devendo ser apresentado na inicial o cálculo discriminado do valor do débito. Dessa forma, o inquilino (locatário), que não efetuar referido pagamento, consoante o estatuído, estará em mora, completando o inciso II, do citado art. 62, que o locatário e o fiador poderão evitar a rescisão do contrato locacional, efetuando o pagamento no prazo de quinze dias, contados da citação, independentemente de cálculo. Diz o inciso III, seguinte, que, “efetuada a purga da mora, se o locador alegar que a oferta não é integral, justificando a diferença, o locatário poderá

complementar o depósito no prazo de 10 (dez) dias, contado da intimação, que poderá ser dirigida ao locatário ou diretamente ao patrono deste, por carta ou publicação no órgão oficial, a requerimento do locador.” Como ficou visto, a própria lei incumbiu-se de fixar, nesse caso, os efeitos moratórios, quais sejam, as multas ou penalidades contratuais, os juros moratórios, as custas processuais e a verba honorária do advogado do locador3. Essa Lei n. 12.112/2009 incluiu, ainda, um inciso IV, mencionando que, “não sendo integralmente complementado o depósito, prosseguirá o pedido de rescisão pela diferença, podendo o locador levantar a soma depositada”. Também, o parágrafo único desse artigo, acrescentado pela lei veda, ao meu ver, o abuso de direito de purgação da mora, não a admitindo se o locatário já houver dela se valido 24 meses imediatamente anteriores à propositura da ação.

36 EFEITOS DA INEXECUÇÃO OBRIGACIONAL

1 Generalidades Da inexecução obrigacional decorrem vários efeitos, tendentes à reposição da situação anômala ao estado anterior. O descumprimento da obrigação desequilibra a posição das partes na relação jurídica, devendo restaurar-se por institutos jurídicos, que serão, ora, objeto de exame. Não estudaremos todos os efeitos, provindos do inadimplemento obrigacional, senão os mais importantes: culpa, dolo, risco, as perdas e danos, juros legais e correção monetária. Os demais serão vistos no correr do curso. Imaginem que determinada pessoa deva pagar a outrem uma soma em dinheiro, ou certo objeto de valor, e não cumpra a obrigação na época certa, no lugar exato e pela forma a que se obrigou. Imaginem, mais, que esse inadimplemento se deu por culpa desse mesmo devedor. Dessa situação ilícita, por ele criada, consequências surgem, para o credor, as mais variadas. A não entrega culposa a ele do dinheiro, ou do objeto, referidos, no tempo, lugar ou forma convencionados, ocasiona a impossibilidade de dos mesmos utilizar-se, tendo outros negócios por essa mora atrapalhados. A consequência principal desse inadimplemento é a responsabilidade por perdas e danos, mais juros e atualização monetária (art. 389 do CC).

Às vezes, as implicações são tamanhas, a complexidade dos negócios é tão grande, que basta um atraso para que se desencadeiem as mais imprevisíveis decorrências. O art. 392 de nosso CC mostra, em sua 1a parte, que nos contratos benéficos, querendo referir-se aos gratuitos, o contratante, beneficiado pelo contrato, só responde por culpa, respondendo por dolo o que dele não auferiu vantagem. Sabemos que, na culpa, não existe intenção de causar mal (animus nocendi), o que está presente no dolo. A culpa a que se refere o dispositivo legal, sub examine, é a contratual, que advém da inobservância dos deveres contratuais, e não a extracontratual (ou aquiliana), que corresponde à quebra do dever, que temos, de respeitar o direito do próximo. No comodato, que é um contrato pelo qual se efetua o empréstimo gratuito de coisa infungível (insubstituível por outra da mesma espécie, quantidade e qualidade), um imóvel, por exemplo, o beneficiado é o comodatário, que recebe o bem cedido, e sua utilização, pelo comodante. Só o comodatário responde por simples culpa, se descumprir seus deveres contratuais, por ser o beneficiado, pois injusto seria que o que presta o benefício respondesse por ela. Entretanto, por dolo, e só, responderá o comodante, que, prestando esse benefício, não pode prejudicar o beneficiado, intencionalmente. A 2a parte desse mesmo artigo reza, por outro lado, que, nos contratos onerosos, como na compra e venda e na locação, em que as partes se encontram em igualdade de condições, responderá cada uma delas por culpa, salvo as exceções previstas em lei. A igualdade de situação das partes decorre da equivalência das prestações. Na compra e venda, o vendedor entrega o

objeto vendido e recebe o preço, que mede seu valor. Na locação de uma casa, por exemplo, o proprietário cede o uso da mesma ao locatário, inquilino, recebendo deste o valor equivalente a essa utilização, o aluguel. O art. 393 do CC menciona isenção de responsabilidade do devedor por prejuízos decorrentes de caso fortuito ou força maior, o que foi estudado no Capítulo 35. A matéria sobre culpa, dolo e risco já foi por nós estudada no capítulo 34 (dos atos ilícitos, do meu livro Teoria Geral do Direito Civil – Parte Geral).

37 PERDAS E DANOS

1 Conceito A expressão perdas e danos, que não se apresenta com a felicidade de exprimir seu exato conceito, nada mais significa do que os prejuízos, os danos, causados ante o descumprimento obrigacional. A palavra dano tem extensão ilimitada de sentido, representando o resultado de qualquer espécie de lesão (moral, religiosa, econômica, política etc.); entretanto, no prisma jurídico, o dano circunscreve-se à detrimência econômica ou moral. Toda vez que alguém sofrer uma diminuição no seu patrimônio, estará experimentando um prejuízo material, sofrendo um dano, que, para existir, juridicamente, no Direito brasileiro, deve representar uma redução no acerco dos bens materiais. Por outro lado, esse dano pode ser moral, quando a pessoa vitimada por ato ilícito de outrem experimenta uma dor considerável, com ou sem perda patrimonial. 2 Dano patrimonial e dano moral Lembrando que todo patrimônio compõe-se de bens materiais e imateriais, quando, pelo ato ilícito de quem não seja seu titular, ele vier a se perder, em

uma parte ou totalmente, ocorrendo uma diminuição pecuniária, em dinheiro, o prejuízo material concretiza-se. Assim, são bens materiais, por exemplo, um imóvel, um animal, uma soma em dinheiro; como imateriais, a honra, a vida, a liberdade. Quando qualquer desses bens sofre admoestação, por atitude nociva de outrem, no campo civil, procura-se saber qual a consequência econômica advinda. Se o ataque se dirigir ao bem material, o dano será material, chamado pela doutrina de patrimonial; se ao bem imaterial, o dano será imaterial, cognominado moral. Não fugiremos da terminologia usual. Sendo patrimonial o dano, o que importa, no Direito brasileiro, é a perquirição da existência ou não de repercussão econômica, que possa ser convertida em dinheiro. Se o dano for patrimonial, já por si, será indenizável. Tal é o caso de alguém que destrói um objeto alheio. Se o dano for moral, para que se indenize, certamente, no Direito brasileiro, é preciso que agrida direitos da personalidade, com ou sem reflexos de perda patrimonial. Suponham que um jornalista perpetre, injustificadamente, verdadeira campanha difamatória contra determinado político, fazendo de seu jornal um meio pérfido de vingança privada. Dano, indiscutivelmente, existe; tão só, por essa conduta. Sem cogitar-se da responsabilidade, no âmbito penal, do jornalista, será este condenado a indenizar danos patrimoniais e também morais na esfera civil, se restar comprovado efetivo prejuízo ao político. Por exemplo, no âmbito patrimonial, pode ele, em razão dessa difamação, perder um empréstimo, que

estivesse por obter, junto a determinado banco, independentemente de se ver ofendido em sua honra. Esta é a situação, atualmente, a partir da Constituição de 5 de outubro de 1988, que, no inciso X de seu art. 5o, admitiu, expressamente, a indenização do dano moral, nestes termos: “São invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.” Discute-se, entretanto, se foi geral ou específico esse texto constitucional no tratamento da matéria, ou, melhor dizendo, se somente cogitou da violação da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem das pessoas, ou não. Entendemos que essa enumeração não é taxativa; entretanto, é tão ampla que, praticamente, teve em mira abarcar toda violação à intimidade, à vida privada, quer dizer, aos direitos da personalidade, que se aninham na pessoa, como seu maior tesouro. E mencionamos, indistintamente, direitos da pessoa como o texto constitucional, abrangendo, assim, não só a pessoa física, como também a jurídica que, como aquela, tem patrimônio imaterial a preservar. Mesmo antes dessa permissão constitucional, éramos a favor da indenização do dano moral; somente que sempre entendemos ser necessária autorização legal, embora nossa doutrina e jurisprudência viessem abrandando esse posicionamento, para admitir a reparação decorrente do pretium doloris (preço da dor). Aliás, o que mostrado por Wilson Melo da Silva4, que, malgrado a falta de referência de nossa lei civil, em linguagem positiva e genérica, sobre a indenização do dano moral, ensina que ela já encontrava fundamento, substancial, no art. 159 do CC de 1916. O atual CC, essa espécie de ilícito

por dano moral está prevista no art. 186 (in fine). A obrigação de indenizar está consignada no art. 927 e seguintes do CC. Problema, de difícil solução, que têm enfrentado nossos Tribunais, é o da quantificação, da avaliação ou da apuração desse dano, fundado em reprimir a sensação dolorosa, sentida pela vítima do dano moral. Essa dificuldade, entretanto, jamais foi ou poderá ser levada a que não se indenize o dano moral. Todavia, é preciso muito cuidado na consideração desse ilícito, pois a intimidade, em algumas oportunidades, divulga-se como fato social, passando a existir como notícias em jornais, em revistas, divulgada na mídia, como fatos relativos a comportamento humano minoritário (homossexualismo), erros médicos que ocasionam traumatismos ou mesmo morte. Às vezes, por outro lado, existe divulgação restrita como documento científico. Melhor, em caso de dúvida, optar-se pela caracterização da culpa, da necessidade de ser o mal causado culposamente à causação do dano moral. Sim, porque o dano moral vem previsto no art. 186, na parte referente aos atos ilícitos. Nosso Código de 1916, por seu art. 1.553, apresentava solução genérica, para que não restasse irreparado qualquer dano, quando aludia a que, nos casos não previstos em lei, no tocante à liquidação de danos resultantes de atos ilícitos, a indenização dar-se-á por arbitramento. Atualmente, o art. 946 do CC assenta que, sendo a obrigação indeterminada, não havendo na lei ou no contrato disposição fixando o quantum indenizatório devido, o valor das perdas e danos será fixado na forma de liquidação prevista no CPC. Entendo que a melhor forma continua sendo a do arbitramento. Ressalte-se que o Projeto de CC 634-B/75 (118 no Senado, com redação final de 1997) já declarava, em seus arts. 952 e 953, especialmente no

parágrafo único do primeiro, que, não sendo possível a prova do prejuízo material, quanto ao dano, em razão de injúria, calúnia ou difamação, caberá ao Juiz fixar, equitativamente, o valor indenizatório, de acordo com as circunstâncias do caso. Atualmente, esse texto adotou-se pelos arts. 953 e 954 do CC. Cabe, nesse passo, a seguinte indagação: pode o montante indenizatório acumular prejuízos decorrentes do dano material e moral? Não temos dúvida em afirmar que sim, pois as situações danosas e seus efeitos são, completamente, diferentes: uma agride a matéria, outra o espírito. Os patrimônios são distintos e se veem, individualmente, violados. Uma vez incorporado, indene de dúvidas, o dano moral ao antigo art. 159 do CC de 1916, hoje art. 186, temos que a reparação deve ser global. Assim, quem, por ato ilícito, violar direito ou causar prejuízo a outrem, deve reparar o dano material e moral. Estes podem ser cumulados. Esse

ressarcimento

encontra

sentido,

também,

na

orientação

jurisprudencial, que determina, ante a iliceidade, a providência de global indenização, a mais completa possível. Daí por que entendo que o dano moral, ocorrendo ante a aludida violação de direitos da personalidade, existe com o ato ilícito, necessitando, para sua confirmação, da existência de culpa do agente. Organizemos as duas espécies de dano, analisadas, no quadro a seguir:

3 Dano emergente e lucro cessante, direto e indireto Duas são as espécies de dano indenizável: o dano emergente (damnum emergens) e o lucro cessante (lucrum cessans). Dano emergente é o que se liga, diretamente, ao ato ilícito, obrigando uma retirada patrimonial. Assim, se alguém, imprimindo velocidade, além do permissivo legal, a seu veículo, abalroa o de outrem, causando ferimentos neste, que, em consequência, se remove a um hospital, dano emergente será o que provier de gastos relacionados com o evento, tais como o conserto do veículo abalroado, as despesas com ambulância, médico, hospital etc. Lucro cessante, por outro lado, é o que se deixou de auferir em razão do evento danoso. É vantagem patrimonial que não chega a ingressar no patrimônio do que sofreu a lesão. No exemplo dado, suponham que a pessoa vitimada no acidente paralise sua atividade normal e que, com isso, deixe de auferir, durante sua hospitalização e tratamento, seus vencimentos; aqui, o lucro cessante, o numerário, que não veio ter ao patrimônio de dita pessoa. Esses dois tipos de dano indenizável encontram-se previstos no art. 402 do CC, que diz abrangerem as perdas e danos, além do que o credor, efetivamente, perdeu (dano emergente), “o que razoavelmente deixou de lucrar” (lucro cessante). Quando o Código se utiliza da palavra efetivamente, quer ele patentear que o dano emergente não pode ser presumido, devendo existir, materialmente, numericamente. Assim, se alguém alega ter sofrido prejuízo, não basta a simples asserção, sendo necessário comprová-lo, em seu quantum, em seu exato valor, que, vindo ao seu patrimônio, vai suprir o déficit causado pelo ato ilícito. Também, essa ideia preside à comprovação do lucro cessante. Não

basta, por exemplo, alguém dizer que perdeu o crédito nos bancos, sendo preciso provar qual crédito perdeu, quanto em dinheiro. A prova da existência do dano é essencial, como, depois, a extensão de seu exato valor. Com relação ao lucro cessante, recomenda o Código, no estabelecimento de seu valor, certa moderação, certa razoabilidade. O parágrafo único do revogado art. 1.059 do CC de 1916 estabelecia um princípio a levar-se em conta na fixação do valor dos prejuízos, segundo o qual o devedor inadimplente responde, tão somente, “pelos lucros, que foram ou podiam ser previstos na data da obrigação”. Esse parágrafo único foi eliminado no atual CC. Contudo, lembra Clóvis Beviláqua5, muito bem, que, se a inexecução resulta de dolo do devedor, não se atende à regra de previsão feita ou meramente possível na data da obrigação (art. 1.059, parágrafo único), porque não era lícito prever o dolo. Neste caso, as perdas e danos terão maior amplitude, a reparação deverá ser a mais completa que for possível.

Embora tenha sido eliminado esse aludido parágrafo único, resta patente essa lição de Clóvis. Assim, o lucro cessante não se presume, não pode ser imaginário. Por isso que a expressão usada pelo Código, “o que razoavelmente deixou de lucrar”, significa que, “até prova em contrário, admite-se que o credor haveria de lucrar aquilo que o bom senso diz que lucraria”, na ponderação de Agostinho Alvim6. E acrescenta esse professor: “Há aí uma presunção de que os fatos se desenrolariam dentro do seu curso normal, tendo-se em vista os antecedentes.” Consideramos7, certa feita, que quem se propõe a adquirir bem imóvel tem em mira exercer, sobre ele, poderes de proprietário, quais o de usar, gozar,

dispor e reaver, quando do desapossamento injusto (art. 1.228, caput, do CC). É certo, portanto, razoável e normal que o inadimplemento obrigacional, que prive o proprietário de fruir esse bem, ocasione, pelo menos, a ele lucro cessante correspondente à perda do rendimento, que tal imóvel poderia propiciar-lhe, o aluguel. Em verdade, lucro cessante é uma espécie de dano, formando um só gênero com o emergente. Desse modo, existe o dano emergente e o dano lucro cessante. Cogitemos, agora, do dano direto e indireto. Autores italianos têm feito distinção entre essas duas espécies de dano, ante o texto do art. 1.223 do CC italiano, como demonstrei no parecer, antes citado (verbis: “O ressarcimento do dano, por inexecução ou por atraso, deve compreender, também, a perda sofrida pelo credor pela falta de ganho, desde que seja ela sua consequência imediata e direta”). Explicando essa locução “consequência imediata e direta”, alude Francesco Messineo8 a que ela tem por escopo exprimir a irressarcibilidade do dano indireto, tanto que, na avaliação do dano direto e na determinação da medida do ressarcimento, não só inclui o dano emergente (elemento positivo), como também o lucro cessante (elemento negativo), porque este se configura “como elemento de dano direto”, concluindo: “Dano indireto é o que exorbita da relação de causa e efeito entre descumprimento e dano”; por essa razão, “não pode entrar, nem como dano emergente, na avaliação do dano ressarcível”; por outro lado, “lucro cessante é um componente do dano direto”, “um componente ressarcível do dano direto”. Como visto, dano direto engloba o dano emergente e o lucro cessante, ao passo que o dano indireto extrapola a possibilidade indenizatória.

Desse modo, tanto existe o dano direto ou imediato e indireto ou mediato, como o lucro cessante, nas mesmas categorias. Restou evidente, entretanto, que as figuras indiretas ou mediatas estão fora da cogitação indenizável. Nelas, vislumbram-se danos imaginários, como, por exemplo, o de quem rescinde um contrato por falta de pagamento porque deixou de receber um crédito, ou o de quem, à falta do recebimento desse numerário, alega que poderia ter ganho prêmio da loteria, se com ele tivesse comprado um bilhete. O modelo italiano não destoa do nosso, pois nossa legislação, com o apoio da doutrina e da jurisprudência, não admite indenização por dano imaginário, imprevisível ou presumido. Visualizemos a matéria, no esquema seguinte:

Por sua vez, o art. 403 de nosso CC estabelece os pressupostos do dano indenizável, mostrando que, tão só, a culpa já é suficiente para que o culpado responda pelas perdas e danos, sendo certo, entretanto, que entre os prejuízos e a atuação ou omissão do transgressor deve existir um liame, uma estreita ligação, como já mostramos em lição anterior (Capítulo 35, n. 1). Vejamos, pelo quadro adiante:

Pelo que estudamos, aproveitando o exemplo da lição anterior, o nexo causal, o liame existente entre a ação e a omissão, de um lado, e o resultado danoso, do outro, é essencial, primeiramente, para que a indenização ocorra. Voltaremos a estudar o nexo de causalidade no Capítulo 43 (Responsabilidade civil), n. 5 (nexo de causalidade). 4 Perdas e danos nas obrigações de pagamento em dinheiro O assunto foi capitulado no art. 404 do CC, que, em face do descumprimento de obrigação de pagar em dinheiro, fixa os prejuízos nos juros da mora, com atualização monetária segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, abrangendo juros, custas e honorários de advogado, sem prejuízo da pena convencional (multa), se existir. Acrescentou-se, ainda, no art. 404, um parágrafo único, segundo o qual, “Provado que os juros da mora não cobrem o prejuízo, e não havendo pena convencional, pode o Juiz conceder ao credor indenização suplementar.” Decorre desse analisado dispositivo legal que o prejuízo necessita ser ressarcido, complementando o Juiz o que faltar, para que a reparação seja

completa. O princípio é de que o patrimônio do lesado deve ser recomposto integralmente. A palavra custas tanto envolve as judiciais, como as extrajudiciais. Se o credor não necessitar ir a juízo para forçar o recebimento de seu crédito, o devedor pagará, além da multa, se houver, os juros moratórios, que estudaremos, a seguir, e as custas extrajudiciais, por exemplo, despesas com cartório de protesto ou de títulos e documentos. Se, todavia, o credor precisar mover a máquina judiciária para satisfazer a sua pretensão, neste caso, o devedor arcará, ainda, com as custas processuais além dos honorários advocatícios da parte contrária (art. 20 do CPC brasileiro). Ao elenco dos artigos que versam sobre perdas e danos, destacou-se o art. 405, que determina que os juros de mora devem ser contados desde a citação inicial. A citação inicial, entre outros efeitos, constitui em mora o devedor (art. 240 do CPC). 5 Perda de uma chance A responsabilidade civil por perda de uma chance surgiu na França e vem sendo adotada no Brasil, concretizando-se quando a vítima perde uma possibilidade e uma certeza, ou seja, uma incerteza no dano e uma certeza na probabilidade. Indeniza-se a perda da oportunidade, pois o resultado é aleatório. Ressalte-se à balha a lição da Min. Fátima Nancy Andrighi9 no sentido de que o Poder Judiciário deve saber diferenciar entre o “improvável” e o “quase certo”, e a “probabilidade de perda” da “chance de lucro”, atribuindo aos fatos as consequências adequadas10. Ver, ainda, Tratado de Rui Stoco, adiante citado.

Segundo Rui Stoco11, outro aspecto que parece fundamental está em que a teoria da perda de uma chance, só terá utilidade e aplicação plenas quando a obrigação for de resultado e não de meios. Também de citar-se julgado do STJ, 4ª Turma, sendo Rel. a Min. Maria Isabel Gallotti12, julgado em 10 de abril de 2012, segundo o qual “Mero aborrecimento” não é possível de ressarcimento, uma vez que não houve publicidade enganosa ou fraudulenta. Um outro caso de citar-se é o do médico que não se utilizou de técnica mais avançada para tratamento do câncer e o paciente morreu. Ver Rui Stoco citado. Outro caso de destacar-se foi julgado pelo TJ RG do Sul, que responsabilizou um curso preparatório, que assumiu o compromisso de levar o aluno ao local da prova, tendo o atraso do transporte ocasionado a perda da chance de realizar um concurso público13. Flávio Tartuce14 enumera vários julgamentos admitindo danos por perda de uma chance, deixando claro que seu entendimento tem sido contrário a essa admissão, pelo menos, até o presente momento. Já que os arts. 186 e 403 do CC exigem o dano presente e efetivo. A tendência da Jurisprudência, como visto, é de admissibilidade dessa Teoria da perda de uma chance.

38 JUROS LEGAIS

1 Conceito Os juros nada mais são do que um pagamento, que se faz, para utilização de capital alheio, com ou sem concordância do titular deste. São frutos civis, advêm de uma importância em dinheiro, que se considera principal, com relação a eles (acessórios). Sabemos que o capital é um objeto como outro qualquer, que consiste em uma soma em dinheiro, que foi criado para medir o valor dos outros objetos. Assim, por exemplo, como se aluga uma casa, pagando o inquilino o competente aluguel, mutua-se (empresta-se) o dinheiro contra o pagamento dos juros. Ocorre, entretanto, que, às vezes, o capital de alguém fica, contra a vontade deste, em mãos de outra pessoa, sendo, também, nesta hipótese, devidos os juros. Idealizem um negócio de empréstimo de dinheiro de A para B, pelo prazo de 60 (sessenta) dias. Ao cabo deste, B não restituiu a A o numerário, que lhe fora mutuado (emprestado). Os juros pagos durante os 60 (sessenta) dias, com o consentimento do dono do capital, são diferentes dos que serão pagos, em razão do atraso, na restituição da mencionada quantia. 2 Espécies

Surgem, dessa maneira, as duas espécies de juros: compensatórios e moratórios. Os primeiros são devidos como compensação pelo uso do capital de outrem, os segundos pela mora, pelo atraso, em sua devolução. Os juros compensatórios são previstos no contrato. As partes os fixam, estabelecendo os limites de seu proveito, enquanto durar essa convenção. Se os não fixarem, sua taxa será a que consta da lei, se convencionados. Assim, temos certo que os juros compensatórios resultam de uma utilização consentida de capital alheio. As partes, aqui, combinam os juros pelo prazo do contrato. Podem, por outro lado, os juros moratórios ser convencionados pelas partes, que preveem, na avença, sua taxa, em caso de inadimplemento obrigacional, situação em que se denominam moratórios convencionais, por nascerem do contrato, da convenção. Se, ainda, moratórios forem, e devidos, sem que sua taxa tenha sido fixada pelos interessados, esta será a referida na lei, pelo que serão chamados de juros moratórios legais. Nas duas hipóteses, os juros moratórios resultam de uma utilização não consentida de capital alheio. Um exemplo viria melhor esclarecer o que foi dito. Admitam que A empreste para B a soma de cem mil reais, pelo prazo de 30 (trinta) dias. No contrato de mútuo (empréstimo), convencionam as partes contratantes que os juros devidos, durante mencionado prazo, serão de 1% (um por cento) ao mês, podendo, entretanto, clarividenciar que serão devidos juros, sem que estipulem sua taxa, vigorando, neste caso, a preestabelecida na lei. De toda a forma, os juros compensatórios devem ser convencionados, com ou sem taxa fixa, para que existam, pois eles dizem, de perto, ao interesse das partes.

No mesmo exemplo dado é, ainda, faculdade das partes convencionarem que a não restituição da importância emprestada (mora), no prazo do contrato, sujeitará B ao pagamento dos juros moratórios de 1% (um por cento) ao mês. Esses juros moratórios convencionais são previstos como efeito do inadimplemento, coisa que não acontece com os compensatórios, que restam fora do âmbito da inexecução. Entretanto, mesmo que não se convencionem os juros moratórios, ou se forem convencionados sem taxa estipulada, ou, ainda, quando provierem de determinação de lei, sempre serão devidos a taxa legal. A vontade da lei, aqui, existe para punir o que se aproveita do alheio, como sanção inibidora dessa atividade ilícita. Veja-se, primeiramente, que a Constituição Federal, por seu art. 192, § 3o, vedava que as taxas de juros reais, ainda que nelas incluídas comissões e quaisquer outras remunerações, ultrapassassem o limite de 12% ao ano. O atual CC, em seu art. 406, estabeleceu, quanto aos juros moratórios, que eles, não sendo convencionados ou o sendo sem taxa estipulada, ou ainda se decorrerem de determinação legal, serão fixados “segundo a taxa que estiver em vigor para a mora do pagamento de impostos devidos à Fazenda Nacional”. Esse artigo foi tido como inconstitucional, ante a aludida limitação do texto constitucional. Em verdade, deveria ser considerada a taxa de juros reais, com ineficácia do que ultrapassasse o valor destes. Sim, porque juros não podem ser confundidos com comissões, custos operacionais etc. Pelo atual CC, assim, revogou-se a fixação do limite máximo legal de juros em 12%, estabelecido na Lei da Usura (Dec. n. 22.626, de 7-4-1933, modificado pelo Dec.-lei n. 182, de 5-1-1938).

Todavia, prevalecia o limite máximo de 12% ao ano, em face do mencionado § 3o do art. 192 da Constituição Federal, até que fosse editada a Emenda Constitucional n. 40, de 20 de maio de 2003, publicada no Diário Oficial da União do dia seguinte, que revogou os oito incisos e três parágrafos do mesmo art. 192. Ante essa revogação, ressalta de interesse saber-se, por exemplo, o que serão, propriamente, os juros de mora devidos à Fazenda Nacional, portanto, os juros reais, expurgados todos os custos que a estes se somam. Vemos que, atualmente, chega-se a dizer que existem taxas acima de 12% ao ano; todavia, não se cuida de juros especificamente, mas de despesas, comissões e outros custos aos juros aderentes. Por isso, entendemos correta a primeira parte do enunciado aprovado na “Jornada de Direito Civil”, promovida pelo Conselho da Justiça Federal, em Brasília, dos dias 11 a 13 de setembro de 2002, verbis: “A taxa de juros remuneratórios a que se refere o art. 406 é a do art. 161, § 1o, do CTN, ou seja, 1% ao mês....” Entendeu-se, então, como não juridicamente segura a utilização da taxa Selic como índice de apuração dos juros legais, porque encobre o prévio conhecimento dos juros15. No tocante à taxa Selic, esclarece Domingos Franciulli Netto16 que ela retrata a remuneração dos agentes econômicos pela compra e venda de títulos públicos e não os rendimentos do Governo com a negociação e renegociação da Dívida Mobiliária Federal. A utilização da taxa Selic como remuneração de títulos – desde que limitada à taxa constitucional – é perfeitamente legal, pois toca ao Bacen e ao Tesouro Nacional ditar as regras sobre os títulos públicos e sua remuneração. Nesse ponto, nada há de ilegal ou inconstitucional. A balda exsurge quando se transplantou a taxa Selic, sem lei, para terreno tributário.

Com fundamento nessa lição, assenta Luiz Antonio Scavone Júnior17: De fato, tratando-se de matéria tributária, a doutrina dominante (Ives Gandra da Silva Martins) aponta a inconstitucionalidade da aplicação da taxa Selic, vez que: a) não há definição legal da taxa Selic e inexiste gênese legal da taxa Selic para fins tributários, ou seja, ‘não há lei instituindo, definindo e dizendo como deve ser calculada a taxa Selic’ e deve o contribuinte, de antemão, saber como será apurado o quantum debeatur, b) a taxa Selic é direcionada; c) é impossível aferir o percentual de correção monetária ante acta, mesmo considerando alguma função de neutralização dos efeitos inflacionários contidos na taxa Selic; d) ocorre bis in idem na cobrança de taxa Selic e correção monetária; e) há aplicação de juros de natureza remuneratória em matéria tributária, mormente que os títulos podem gerar renda, os tributos não (tributo não é título e a taxa Selic foi criada para remunerar títulos públicos); f) além da ofensa ao princípio da legalidade (CF, art. 150, I), afrontam-se os princípios da anterioridade (CF, art. 150, III), segurança jurídica e indelegabilidade de competência tributária, esta na exata medida em que a taxa Selic é determinada por ato unilateral e potestativo de órgão do Poder Executivo em matéria exclusiva do Congresso Nacional (CF, art. 48, I); g) como o art. 160, § 1o, do Código Tributário Nacional (materialmente, Lei Complementar a teor do que dispõe o art. 34 do ADCT), estipula juros máximos de 1% ao mês contados desde o vencimento, lei ordinária jamais poderia estipular aplicação de juros superiores, como tem ocorrido com a taxa Selic (Vladimir Passos de Freitas).

E conclui o mesmo autor que, Em decorrência dessas razões, impossível, também, aplicar a taxa Selic ao art. 406, do Código Civil de 2002, que determina a aplicação da taxa devida em razão da mora no pagamento de impostos à Fazenda Nacional como taxa legal de juros moratórios no direito privado. Portanto, aplica-se a taxa de 1% ao mês do art. 161, § 1o, do Código Tributário Nacional.

Arremata, finalmente, que, no âmbito do Código Civil de 2002, o art. 406 prevê os juros legais ‘segundo a taxa que estiver em vigor para a mora do pagamento de impostos devidos à Fazenda

Nacional’ que hoje é, exatamente, a taxa Selic. Posta assim a questão, resta evidente que a taxa Selic não poderá ser estendida a toda economia em virtude das limitações impostas pelo art. 161, § 1o, do Código Tributário Nacional, que determina a taxa de 1% ao mês e passa a ser a taxa legal de juros nos termos do Código Civil de 2002.

Outros casos há de fixação legal de juros, como dos arts. 404 (juros devidos como perdas e danos, nas obrigações de pagamento em dinheiro), 677 (juros devidos pelo mandante sobre as somas adiantadas pelo mandatário, na execução do mandato) e 405 (juros devidos na liquidação das obrigações), todos do CC. Também, por exemplo, a Fazenda Pública responde por juros moratórios, nas mesmas bases da lei civil, proclama a Lei n. 4.414, de 24 de setembro de 1964. Por outro ângulo, para não serem devidos juros moratórios, é preciso que a lei estabeleça, especificamente, a isenção, como no art. 552 (CC), que retira do doador a responsabilidade pelo pagamento de juros moratórios. Ao seu turno, o caput do art. 26 do Dec.-lei n. 7.661, de 21 de junho de 1945 (Lei de Falências), modificado pela Lei n. 4.983, de 18 de maio de 1966, proibia a fluência de juros contra a massa falida, mesmo que tivessem sido avençados, quando o acervo (ativo) arrecadado não for suficiente ao pagamento do principal. Atualmente, a matéria vem tratada na Lei n. 11.101, de 9 de fevereiro de 2005 (recuperação judicial, extrajudicial e falência), em que existe o “abatimento proporcional dos juros, com a decretação da falência – art. 77. Pelo quadro, sintetizemos:

No Direito Tributário, ramo do Direito Público, como visto, os juros legais são contados à taxa de 1% (um por cento) ao mês, segundo determina a Lei n. 5.172, de 25 de outubro de 1966 (Código Tributário Nacional), em seu art. 161, caput: “O crédito não integralmente pago no vencimento é acrescido de juros de mora”, completando seu § 1o: “Se a lei não dispuser de modo diverso, os juros de mora são calculados à taxa de 1% (um por cento) ao mês.” Também, o art. 407 do CC estabelece que, ainda que se não alegue prejuízo, é obrigado o devedor aos juros da mora, que se contarão assim às dívidas em dinheiro, como às prestações de outra natureza, uma vez lhes esteja fixado o valor pecuniário por sentença judicial, arbitramento, ou acordo entre as partes.

Washington de Barros Monteiro18 ensina que desse preceito decorrem as duas consequências seguintes: a) os juros moratórios são devidos independentemente de alegação de prejuízo. Decorre este, necessariamente, da própria mora... b) os juros moratórios são devidos seja qual for a natureza da prestação (obrigações pecuniárias ou de qualquer outra espécie). No primeiro caso, tornam-se devidos desde que constituído em mora o devedor (art. 59 e 240 do CPC); no segundo, se a dívida não for em dinheiro, contam-se os juros sobre a estimação

atribuída ao objeto da prestação por sentença judicial, arbitramento ou acordo entre as partes.

3 Outros dispositivos Mostra, ao seu turno, o art. 404 do CC, em seu parágrafo único, que, restando provado que os juros da mora não cobrem os prejuízos, e não havendo pena convencional, é faculdade do juiz conceder ao credor indenização complementar. Vê-se, aí, a preocupação do legislador de que sejam, as perdas e danos, integralmente cobertos. Com relação à contagem dos juros de mora, com relação às perdas e danos, ela ocorre desde a citação (art. 405 do CC). 4 Juros bancários O anteprojeto do atual CC inovara, bastante, nesse capítulo dos juros legais, tendo, em seu art. 400, fundido os arts. 1.062 e 1.063 do CC de 1916, substituindo, entretanto, a taxa de juros fixa, de 6% ao ano, por estes admitida, pela “taxa bancária para os empréstimos ordinários”, do local do pagamento. Advertimos, então, que, assim agindo, não fora feliz o elaborador do anteprojeto, pois, respeitada sua boa intenção de querer igualar os direitos de cobrança de juros, dando a qualquer um a possibilidade de receber os mesmos juros, que são recebidos pelos bancos, esqueceu-se de que são inúmeras as taxas bancárias, tendo em vista os vários negócios de empréstimos, que com essas casas creditícias se realizam. Os juros bancários procuram, de certa forma, tendo em vista que a mercadoria dos bancos é o dinheiro, obviar a desvalorização monetária.

Assim, a taxa bancária inclui, além dos juros normais, outras despesas, que os estabelecimentos bancários dispendem para atendimento do público, como uma parcela representativa da depreciação monetária, sendo, dessa forma, complexa em sua constituição. Se nossa taxa de juros é, para os bancos, alta, o é tendo em vista esses fatores, pois, nos países em que a desvalorização da moeda é nenhuma, ou irrisória, a taxa de juros é baixa, medeando entre 6% (seis por cento) a 8% (oito por cento) ao ano. O problema, no Brasil, não se resume em aumentar a taxa de juros, mas em aceitar índices oficiais para atualização do valor da moeda, o que estudaremos a seguir, examinando a correção monetária.

39 CORREÇÃO MONETÁRIA

1 Generalidades Entre nós, povo que ainda sofre desvalorização monetária, o instituto da correção monetária não deve restar fora de cogitação legislativa civil. Bem é verdade que ela pertence à Ciência Econômica; contudo, o Direito não pode dela prescindir, principalmente, tendo-se em conta as relações obrigacionais, que se estruturam em interesses econômicos. Na Parte Geral do Código Civil, quando estudamos o bem jurídico, com suas várias classificações, sentimos o conteúdo econômico, que existe em sua configuração. O bem jurídico, afinal, é o mesmo da Economia. Dessa forma, não é justo que o mesmo bem, que, hoje, apresenta um valor, em uma mesma relação obrigacional, amanhã, apresente outro. A desigualdade, com isso, vem morar nessa relação, desequilibrando os interesses das partes, em quebra completa do princípio da equidade. O Direito não pode ser meio de opressão; ele tende ao equilíbrio, não podendo permitir que, à sua sombra, sossobrem os direitos, com oneração dos deveres, com enriquecimento sem causa, pela mera atuação do tempo, que, sempre, beneficia o inadimplente.

2 Princípio do nominalismo e correção monetária (evolução histórica) Posto que a correção monetária é, no Direito, imperativo de justiça, para que não se negue o princípio da equidade, que deve nortear todas as relações humanas, vem ela impondo-se, com plena aceitação da doutrina, no cenário jurídico brasileiro. Estando nosso Direito Civil marcado pela influência do nominalismo, que apresenta o interesse obrigacional pelo valor nominado, retratado no título, vem cedendo à correção monetária, em busca, cada vez mais, de uma justiça social, que se vai implantando por legislação esparsa. Principalmente, essa tendência vai-se fazendo sentir no Direito do Trabalho e no Tributário. A necessidade da adoção do princípio da correção monetária, nos débitos em geral, pode ser bem visualizada no seguinte exemplo: A promove contra B ação executiva para cobrar uma nota promissória, no valor de cinco milhões de reais. A ação dura um ano, aproximadamente. O devedor B, embora tenha de pagar os juros legais de meio por cento ao mês, a partir da mora, as custas judiciais e os honorários advocatícios do patrono de A, a final da demanda, beneficia-se com o passar do tempo (um ano, no exemplo dado), pagando esse débito (cinco milhões de reais), em execução do processo, completamente

desatualizado.

A

consequência

sofrida

por

A

é,

verdadeiramente, absurda, adiantando as custas processuais, os honorários de seu advogado, para receber seu crédito, um ano após, em moeda totalmente desprestigiada em seu conteúdo econômico. Nossa jurisprudência tem admitido a aplicação do princípio da correção monetária, e não do nominalismo, quando se trata de dívida resultante de ato

ilícito. Daí, podemos inferir que quem causa dano tem dívida de valor, pela necessidade de indenização completa desse prejuízo. A Constituição de 16 de julho de 1934, no entender de Limongi França19, perpetrou “um dos mais importantes golpes contra o princípio nominalístico”, em seu art. 121, § 1o, b, mostrando a necessidade de a lei amparar a produção e criar condições de trabalho, não só nos meios urbanos, mas nos rurais, no sentido de uma maior proteção do trabalhador e do próprio país, proclamando: “§ 1o A legislação do trabalho observará os seguintes preceitos, além de outros que colimem melhor as condições do trabalhador: (...) b) salário-mínimo, capaz de satisfazer, conforme as condições de cada região, às necessidades normais do trabalhador.” Isto porque o trabalhador deve receber um mínimo necessário para subsistir, e não uma soma imutável de dinheiro, nominalmente considerada, que seria desrespeitada de tal forma, com o passar do tempo, que, decorridos alguns anos, seria inexpressiva a atingir tal finalidade. Aqui, verdadeiro débito de valor, pois o salário-mínimo representa não uma mera soma em dinheiro, mas o que a lei considera como mínimo ao sustento de uma família. No

Direito

Tributário,

a

correção

foi

logo

aplicada,

embora

unilateralmente, ou seja, só se atualizavam os créditos das pessoas jurídicas de direito público, credoras do tributo. À primeira vista, pode parecer quebrado o princípio constitucional da isonomia, da igualdade perante a lei (Constituição da República Federativa do Brasil, de 1988, art. 5o, I); contudo, antes que a correção monetária fosse, totalmente, regulamentada, era preciso que o Fisco, desde logo, se beneficiasse, porque, como pontifica Rafael Bielsa20, analisando o conceito de obrigação fiscal, “ela é de ordem pública,

não só porque é imposta por lei às duas partes, fisco e contribuinte, como também porque seu cumprimento é indispensável para que o Estado obtenha recursos necessários para a realização dos gastos, que suas funções requerem”. O Estado não recebe seu crédito fiscal para enriquecer-se, mas para devolvê-lo ao povo, em forma de utilidades públicas, necessitando, assim, receber o que foi orçado, exatamente, sem distorções econômicas. Algumas leis surgiram, aplicando a correção monetária fora do âmbito do Direito Público, como, por exemplo, a chamada Lei de Luvas (Dec. n. 24.150, de 20-4-1934), atualmente revogada, a Lei do Inquilinato (Lei n. 8.245, de 18-10-1991) e a Lei de Condomínio em Edificações e das Incorporações Imobiliárias (Lei n. 4.591, de 16-12-1964), matéria, hoje, tratada, em parte, no CC, do art. 1.331 ao 1.358 (condomínio edilício). A Lei de Luvas estabeleceu normas processuais para a renovação dos contratos de locação de imóveis, com destinação mercantil, os quais se reajustavam, por laudos periciais, judicialmente, quando não estivessem acordes as partes contratantes quanto ao valor do novo aluguel. Atualmente, com a revogação da Lei de Luvas, a renovação desses contratos faz-se pelos próprios dispositivos da Lei do Inquilinato (n. 8.245/91). Por sua vez, a Lei do Inquilinato, que trata da locação predial urbana, por seu art. 17, admite a livre convenção do aluguel, com a possibilidade de estipulação no contrato locatício da correção monetária, com sua época de incidência e seus condicionamentos, vedada estipulação em moeda estrangeira e sua vinculação à variação cambial ou ao salário-mínimo. A autorização de correção monetária, no campo privado, dada às partes sempre foi muito acanhada, pois não existe um dispositivo que a imponha,

por vontade da lei. O que esta não proíbe é que as partes convencionem o reajustamento, que pretenderem, ou, em algumas situações, que o façam dentro de certos limites, legalmente estabelecidos. Também, no mesmo sentido era a Lei de Condomínio em Edificações, que, no capítulo relativo às despesas condominiais, sujeitava o condômino, que as mesmas não pagasse, no prazo da Convenção do Condomínio, ao pagamento de juros moratórios de 1% (um por cento) ao mês, e multa de até 20% (vinte por cento) sobre o débito, “que será atualizado, se o estipular a Convenção, com a aplicação dos índices de correção monetária levantados pelo Conselho Nacional de Economia, no caso de mora por período igual ou superior a seis meses” (art. 12, § 3o). Com a extinção do Conselho Nacional de Economia, a partir de sua liquidação, à época, editaram-se esses índices corretivos pelo Ministério do Planejamento. Frise-se, mais, que esse dispositivo legal invocado admitia a correção, mas ressalvava que deveria ela ser estipulada na Convenção pelos condôminos. Sem a vontade das partes, não podia a mesma existir. No atual CC, conforme o § 1o do art. 1.336, “O condômino que não pagar a sua contribuição ficará sujeito aos juros moratórios convencionados, ou não sendo previstos”, na Convenção do Condomínio, “os de 1% (um por cento) ao mês e multa de até 2% (dois por cento) sobre o débito”21. De lembrar-se, aqui, que a Lei n. 6.205, de 29 de abril de 1975, proibiu reajustamento monetário com base no salário-mínimo (art. 1o), sugerindo o limite da correção ao valor da ORTN (à época).

Em seguida, a Lei n. 6.423, de 17 de junho de 1977, estabeleceu base à correção monetária, assentando, por seu art. 1o, que ela só poderia existir em disposição legal ou contratual, desde que calculada pela variação nominal da mesma OTN. As exceções existiram quanto aos contratos para entrega futura ou fornecimento de serviços, cujo preço poderia reajustar-se em função do custo da produção ou da variação no preço dos insumos utilizados. Também podemos figurar, como exceção, a Lei n. 7.069, de 20 de dezembro de 1982, que limitou os reajustamentos dos aluguéis das locações residenciais, que não podiam ultrapassar 80% (oitenta por cento) da variação do Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC), conforme seu art. 1o. Não se contentando com a limitação prevista no art. 1o da mencionada Lei n. 6.423/77, caput, seu § 3o era expresso em considerar “de nenhum efeito a estipulação (...) de correção monetária com base em índice diverso da variação nominal da OTN”. Por sua vez, editou-se, em 8 de abril de 1981, a Lei n. 6.899, que determinou a aplicação da correção monetária nos débitos oriundos de decisão judicial, inclusive sobre custas e honorários advocatícios (art. 1o). Com o advento do Plano Cruzado, pelo Dec.-lei n. 2.283, de 27 de fevereiro de 1986, a unidade do sistema monetário brasileiro passou a denominar-se cruzado (art. 1o), tendo sido a ORTN rotulada de OTN, com fixação de seu valor de 106,40 cruzados, para que ficasse inalterado até 1o de março de 1987 (art. 6o). Em seguida, o Dec.-lei n. 2.284, de 10 de março de 1986, confirmou, quase com a mesma redação e pelos arts. 1o e 6o, o texto dos mesmos artigos da lei anterior, respectivamente.

É certo que essa proibição nunca atingiu as dívidas de valor (art. 2o da Lei n. 6.423/77). Assim, na venda de bens para entrega futura e na prestação ou fornecimento de serviços a serem produzidos. Nesses casos, observam-se o custo de produção e a variação do preço dos insumos. É certo, ainda, que o Dec.-lei n. 2.284/86, por seu art. 7o, ratificando, praticamente, o mesmo artigo do Dec.-lei n. 2.283/86, vedou, sob pena de nulidade, cláusula de reajuste monetário nos contratos, cujos prazos fossem inferiores a um ano; e, nos prazos iguais ou superiores, possibilitou a inclusão da cláusula, uma vez vinculada à OTN. Não se cuida, na espécie, de nulidade propriamente, mas de ineficácia temporária, como já esclarecemos antes (Capítulo 24, item 3). Como se estivéssemos vivendo um sonho, acordados, sentimos o apagar fictício de uma inflação, avassaladora, por decreto. Esse sistema, infelizmente, não estava fadado a vingar, o que demonstrou Ives Gandra da Silva Martins22, escudado no ensinamento de J. A. Wilson (L’Egypte, vie et mort d’une civilization, Arthaud, 1961), ao afirmar que alguns dos sintomas clássicos de qualquer política de congelamento de preços, que a história detectou em todos os espaços geográficos em que o congelamento foi praticado, já começam a surgir, quais sejam, os da falta de produtos, quebra de qualidade e mercado paralelo, que terminam por acarretar, a médio prazo, um processo recessivo.

Não tardou, portanto, o Dec.-lei n. 2.290, de 21 de novembro de 1986, que estabeleceu normas sobre a desindexação da economia. Foi, então, revogado o art. 7o do Dec.-lei n. 2.284/86, pelo art. 8o. O art. 2o daquele Dec.-lei (n. 2.290/86) assentou que, tão somente, as obrigações contratuais por prazo igual ou superior a 12 (doze) meses poderão conter “cláusula de revisão

livremente pactuada pelas partes, vinculadas a índices setoriais de preços ou custos, que não incluam variação cambial”. Ressalva-se, entretanto, que as obrigações contratuais realizadas no mercado financeiro devem ser reguladas pelo Conselho Monetário Nacional (§ 1o). Também os contratos de locação de imóveis podem conter “cláusula de revisão do aluguel”, por período igual ou superior a 12 (doze) meses (§ 3o). Surgiu, depois, a Medida Provisória n. 32, de 15 de janeiro de 1989, adotada pela Lei n. 7.730, de 31 de janeiro de 1989, que instituiu o cruzado novo, determinando congelamento de preços e estabelecendo regras de desindexação da economia. Congelaram-se, assim, por prazo indeterminado, todos os preços, inclusive os referentes a mercadorias, prestação de serviços e tarifas, nos níveis oficiais, então tabelados, ou dos preços efetivamente praticados em 14 de novembro de 1989 (art. 8o). Por sua vez, o art. 11 da mesma Lei n. 7.730/89 estendeu essa norma de congelamento aos contratos, cujo objeto seja a venda de bens para entrega futura, aos contratos de prestação de serviços contínuos e futuros e aos contratos cujo objeto seja a realização de obras. Estabeleceu-se,

então,

que

o

preço

desses

serviços,

obras

ou

fornecimentos, realizados durante janeiro/89, relativos aos aludidos contratos, seriam reajustados “de acordo com as cláusulas contratuais pertinentes” (§ 1o), sendo certo que a cláusula em OTN adotaria o Índice de Preços ao Consumidor (IPC) com o índice substitutivo (§ 2o). Ao seu turno, pelo art. 13 dessa mesma lei, as obrigações pecuniárias, constituídas no período de 1o de janeiro de 1988 a 15 de janeiro de 1989, sem

cláusula de correção monetária ou com ela prefixada, foram convertidas, no vencimento, nos moldes ali estabelecidos (§ 1o). Destaque-se que a Lei n. 7.738, de 9 de março de 1989, com normas facilitadoras da execução da Lei n. 7.730/89, possibilitou a cláusula de reajustamento de preços, tão somente, nos contratos com prazo superior a 90 (noventa) dias (art. 3o). A Medida Provisória n. 54, de 11 de maio de 1989, expediu normas de ajustamento do Programa de Estabilização Econômica, de que tratava a Lei n. 7.730/89; todavia, não foi adotada pelo Congresso Nacional, que a substituiu pela Lei n. 7.774, de 8 de junho de 1989, que alterou os arts. 3o e 8o daquela. Importante ressaltar o art. 1o dessa Lei n. 7.774/89, que rezava: Nos contratos em execução cujo objeto seja a produção ou o fornecimento de bens para entrega futura, a prestação de serviços contínuos ou futuros, a realização de obras (Lei n. 7.730, de 31-1-1989, art. 11) e naqueles relativos a operações de alienação de bens imóveis não abrangidos pelas normas do Sistema Financeiro da Habitação, o índice de reajustamento com base na Obrigação do Tesouro Nacional – OTN será substituído por índices nacionais, regionais ou setoriais de custos ou preços que reflitam a variação do custo de produção ou do preço dos insumos utilizados. § 1o No caso de contratos que prevejam índice alternativo de reajustamento, prevalecerá este. § 2o. O Índice de Preços ao Consumidor – IPC somente poderá ser utilizado como índice substitutivo na hipótese prevista no parágrafo anterior.

Manteve-se, nessa lei, ainda, a proibição de cláusula de reajustamento de preços, antes de 90 dias de sua existência (art. 4o). Por outro lado, pouco antes, pela Medida Provisória n. 57, de 22 de maio de 1989, ficou o Ministro da Fazenda autorizado a emitir BTN, para prover esse Tesouro de recursos necessários à manutenção do equilíbrio

orçamentário ou para a realização de operações de crédito por antecipação da receita. Essa medida foi adotada pela Lei n. 7.777, de 19 de junho de 1989, que manteve o aludido art. 5o, por seu art. 5o, fixando as características dos BTN (à época). O art. 6o desta lei possibilitou a cláusula de referência monetária pactuada com base no valor dos BTN, nos contratos e nas obrigações expressas em moeda nacional, com prazo superior a 90 (noventa) dias, respeitadas as normas do Banco Central nas operações realizadas no mercado financeiro (art. 15, § 5o, da Lei n. 7.730/89). Essa expressão “com prazo superior a 90 dias” foi revogada pela Lei n. 7.801, de 11 de julho de 1989. No dia 10 de julho de 1989, a Lei n. 7.799 possibilitou a utilização do BTN Fiscal, para atualização monetária de contratos ou de obrigações, expressos em moeda nacional, após seu início de vigência (art. 1o, § 3o). Só que o disposto neste parágrafo não se aplica: (a) às mensalidades escolares; (b) aos aluguéis residenciais; (c) aos salários; (d) aos contratos sujeitos ao regime do Dec.-lei n. 2.300, de 21 de novembro de 1989; (e) aos preços e tarifas submetidos a controle oficial; (f) às demais obrigações, regidas por legislação especial, indicadas pelo Ministro da Fazenda (§ 4o). A Lei n. 7.801, de 11 de julho de 1989, possibilitava, ressalvado o § 4o do art. 1o da Lei n. 7.799/89, a existência de cláusula de reajuste de preços referenciada em BTN, nos contratos celebrados, a partir de sua publicação (art. 4o). Destacava, entretanto, que, no caso dos contratos mencionados no art. 11 da Lei n. 7.730/89, a cláusula de reajuste deverá tomar por base,

preferencialmente, índices nacionais, setoriais ou regionais de custos ou preços, que melhor reflitam a variação do custo de produção ou do preço dos insumos utilizados (§ 1o). E, ainda, que a cláusula, aqui cogitada, não poderá vincular-se, direta ou indiretamente, a rendimentos produzidos por outros títulos da dívida pública, ao salário-mínimo ou à variação cambial, a não ser, neste caso, quando se tratar de insumos importados (§ 2o). Podem, mais, as partes pactuar a correção monetária de cada prestação, inclusive pelo BTN, no período compreendido entre a data do adimplemento da obrigação que lhe deu origem e o dia de seu efetivo pagamento (§ 3o). A Medida Provisória n. 75, de 31 de julho de 1989, substituída pela Medida Provisória n. 83, de 31 de agosto de 1989, substituída, a seu turno, pela Lei n. 7.843, de 18 de outubro de 1989, dispunha sobre a forma de atualização das obrigações que vencessem a partir da data da publicação da lei, oriundas de contratos celebrados até 15 de janeiro de 1989, vinculadas à variação da OTN Fiscal, e que não fossem abrangidas pela Lei n. 7.774, de 8 de junho de 1989, estabelecendo a mudança do índice de atualização, a partir de janeiro de 1989, da OTN Fiscal para a BTN, e, a partir de julho de 1989, para a BTN Fiscal, esclarecendo, contudo, que, para os contratos que previam índice substitutivo à OTN Fiscal, prevaleceria, a partir de 16 de janeiro de 1989, o convencionado. A Lei n. 7.868, de 7 de novembro de 1989, dispôs sobre o valor da correção monetária dos depósitos de poupança. A Medida Provisória n. 102, de 9 de novembro de 1989, dispôs sobre a correção monetária dos saldos credores das contas dos Fundos de Investimento criados pelo Dec.-lei n. 1.376, de 12 de dezembro de 1974,

sendo substituída pela Lei n. 7.918, de 7 de dezembro de 1989, que também dispôs sobre a correção monetária das deduções do imposto sobre a renda. A Lei n. 7.989, de 28 de dezembro de 1989, dispôs sobre o critério de reajustamento do valor das obrigações relativas aos contratos de alienação de bens não abrangidos pelas normas do SFH. A Medida Provisória n. 154, de 15 de março de 1990, substituída pela Lei n. 8.030, de 12 de abril de 1990, instituiu nova sistemática sobre reajuste de preços e salários, em geral, inclusive dispondo sobre o salário-mínimo no art. 5o, reajuste de aluguéis no art. 6o, e reajuste de mensalidades escolares no art. 7o. Por sua vez, a Medida Provisória n. 168, de 15 de março de 1990, instituiu o cruzeiro como nova moeda, dispondo, também, sobre a liquidação dos ativos financeiros (Plano Collor). Essa Medida Provisória foi modificada, em diversos artigos, por outra: a número n. 172, de 17 de março de 1990. A Medida Provisória n. 172 foi convalidada pela Medida Provisória n. 180, de 17 de abril de 1990, tendo, ainda, a Medida Provisória n. 184, de 4 de maio de 1990, convalidado todos os atos praticados durante a sua vigência. A mesma Medida foi, ainda, alterada pela Medida Provisória n. 174, de 23 de março de 1990, nos seus arts. 11, 12, 13 e 18. Já a Medida Provisória n. 173, de 18 de março de 1990, dispôs sobre a concessão de medida liminar em mandado de segurança e em ações ordinárias e cautelares, decorrentes das Medidas Provisórias, dando outras providências. Foi prorrogada pelas Medidas Provisórias n. 181, de 17 de abril de 1990, e n. 182, de 23 de abril de 1990. Em seguida, a Medida Provisória n. 176, de 26 de março de 1990, dispôs sobre os critérios de reajuste das mensalidades escolares. Foi substituída pelo

art. 8o da Lei n. 8.030, de 12 de abril de 1990, mencionada adiante, no que dizia respeito aos reajustes devidos a partir de abril de 1990, e pela Medida Provisória n. 183, de 27 de abril de 1990, quanto aos serviços prestados a partir de 1o de maio de 1990. Essa Lei n. 8.024, de 12 de abril de 1990, adotou a Medida Provisória n. 168, anteriormente referida. Cumpre destacar, contudo, que o Tribunal Regional Federal da 3a Região confirmou a inconstitucionalidade dos seus arts. 5o e 9o, referentes ao bloqueio de cruzados novos. Em 12 de abril de 1990, foi editada a Lei n. 8.030, que instituiu a nova sistemática para reajuste de preços e salários em geral. Esta lei substituiu a Medida Provisória n. 154, cujo art. 7o e seu parágrafo único já haviam sido revogados pela Medida Provisória n. 176. O art. 5o, dessa Lei n. 8.030, dispunha sobre o salário-mínimo, o art. 7o, sobre reajuste de aluguéis e o art. 8o, sobre reajuste de mensalidades escolares. Note-se, também, que a Medida Provisória n. 180, de 17 de abril de 1990, alterou a Lei n. 8.024, de 12 de abril de 1990, que instituiu o cruzeiro, no que se referia à liquidez dos ativos financeiros. Substituiu e consolidou as Medidas Provisórias n. 172 e 174. Foi revogada antes de ser votada no Congresso Nacional, pela Medida Provisória n. 184, de 4 de maio de 1990. A Medida Provisória n. 183, de 27 de abril de 1990, dispôs sobre critérios para o reajuste de mensalidades escolares. Foi substituída pela Lei n. 8.039, de 30 de maio de 1990. Ao seu turno, a Medida Provisória n. 186, de 23 de maio e 1990, estabeleceu as hipóteses nas quais ficava suspensa a concessão de medidas liminares. Essa Medida foi reiterada pela Medida Provisória n. 192, de 22 de

junho de 1990. Também a Medida Provisória n. 197, de 24 de julho de 1990, estabeleceu hipóteses a respeito, tendo esta última sido substituída pela Medida Provisória n. 198, de 26 de julho de 1990, adotada pela Lei n. 8.076, de 23 de agosto de 1990, que dispôs que a concessão de liminares, nos casos por ela elencados, ficaria suspensa até 15 de setembro de 1992. De se ver, ainda, que a Medida Provisória n. 189, de 30 de maio de 1990, dispôs sobre a atualização do BTN e dos depósitos de poupança. Foi substituída pela Medida Provisória n. 195, de 30 de junho de 1990, e, posteriormente, pelas Medidas Provisórias n. 200, de 27 de julho de 1990, e n. 212, de 29 de agosto de 1990. A Medida Provisória n. 237, de 28 de setembro de 1990, dispunha sobre o mesmo assunto, referindo-se a todas essas medidas, tendo sido substituída pela Lei n. 8.088, de 31 de outubro de 1990. Refira-se que a Medida Provisória n. 191, de 6 de junho de 1990, dispôs sobre o reajuste de prestações pactuadas nos contratos de financiamento firmados no âmbito do SFH, vinculados ao Plano de Equivalência Salarial. Essa medida foi revogada pela Medida Provisória n. 196, de 30 de junho de 1990, e esta substituída pela Medida Provisória n. 202, de 1o de agosto de 1990, e esta, por sua vez, substituída pela Medida Provisória n. 217, de 31 de agosto de 1990. A Medida Provisória n. 239, de 2 de outubro de 1990, reiterada pela Medida Provisória n. 260, de 1o de novembro de 1990, e pela Lei n. 8.100, de 5 de dezembro de 1990, também tratava desse mesmo reajuste. Em 31 de janeiro de 1991, foram editadas as Medidas Provisórias n. 294, estabelecendo regras para a desindexação da economia, e n. 295, estabelecendo regras sobre preços e salários.

A primeira foi substituída pela Lei n. 8.177, de 1o de março de 1991, que estabeleceu as regras de desindexação da economia, tendo criado a Taxa Referencial (TR), no art. 1o, e a TR Diária, no art. 2o, extinguindo o BTN Fiscal, o BTN e o MVR, tendo mantido, contudo, o INPC. Dispôs, ainda, sobre a atualização de obrigações com cláusula de correção monetária, pela variação dos índices extintos. Proibiu cláusula de correção monetária, com fundamento em índice de preços, nos contratos com prazo ou período de repactuação inferior a um ano. Por fim, dispôs sobre as cadernetas de poupança, contratos regulados pelo SFH, operações de crédito rural, obrigações e títulos de crédito constituídos de 1o de setembro 1990 a 31 de janeiro de 1991, saldos em cruzados novos e débitos trabalhistas a que se refere o depósito do art. 899 da CLT. O STF considerou inconstitucionais os arts. 18, caput, e §§ 1o e 4o, 20, 21 e parágrafo único, 23 e parágrafos, 24 e parágrafos, da Lei n. 8.177. O STJ mandou corrigir os Títulos da Dívida Agrária, considerando a taxa de inflação de 21,87%. O Desembargador Corregedor-Geral da Justiça de São Paulo determinou que, na realização dos cálculos dos processos submetidos à Corregedoria, fosse utilizada, para a conversão dos valores, a TR, a partir de 2 de fevereiro de 1991, providenciando, antes, a atualização pelos BTNs, até 1o de fevereiro de 1991, independentemente de qualquer provocação, salvo determinação em contrário do Juiz do processo ou de Tribunal, com indicação expressa da fórmula a ser, então, adotada. A Medida Provisória n. 295, ao seu turno, foi substituída pela Lei n. 8.178, de 1o de março de 1991, que estabeleceu regras sobre preços e salários. Vedou a utilização, nos contratos celebrados por prazo ou período de

repactuação inferior a um ano, da inclusão de cláusula de reajustamento de preços baseada em índices que não refletissem a variação do custo de produção ou do preço dos insumos. Fixou, também, o valor do saláriomínimo, em fevereiro e março de 1991. Alterou, ainda, o art. 2o da Lei n. 8.170, de 17 de janeiro de 1991, sobre mensalidades escolares. Por fim, dispôs sobre reajuste ou revisão de aluguéis de imóveis residenciais e fixou a taxa de conversão do BTN, do BTN Fiscal e do MVR em cruzeiros. A Lei n. 8.200, de 28 de junho de 1991, dispôs sobre a correção monetária das demonstrações financeiras para efeitos fiscais e societários. Em 30 de dezembro de 1991, editou-se a Lei n. 8.383, que instituiu a Unidade Fiscal de Referência (Ufir), alterando a legislação do imposto sobre a renda e dando outras providências. A Lei n. 8.542, de 23 de dezembro de 1992, dispôs sobre a política nacional de salários. A Medida Provisória n. 319, de 30 de abril de 1993, estabeleceu novos critérios para a fixação da TR, extinguindo, ainda, a Taxa Referencial Diária. Essa medida foi convertida na Lei n. 8.660, de 28 de maio de 1993. Em seguida, a Medida Provisória n. 326, de 14 de junho de 1993, substituída, posteriormente, pela Lei n. 8.681, de 13 de julho de 1993, deu nova redação ao art. 30 da Lei n. 8.177, de 1o de março de 1991, sobre a Nota do Tesouro Nacional (NTN). A Lei n. 8.681 foi revogada pelo art. 6o da Medida Provisória n. 335, de 27 de julho de 1993, e pela Lei n. 8.696, de 26 de agosto de 1993. Em 28 de julho de 1993 alterou-se, pela Medida Provisória n. 336, a moeda nacional, estabelecendo-se a denominação “cruzeiro real”, para a

unidade do sistema monetário brasileiro. Essa medida foi convertida na Lei n. 8.697, de 27 de agosto de 1993. Nessa mesma data, foi editada a Lei n. 8.700, que dispôs sobre a política nacional de salários. Enfim, em 27 de fevereiro de 1994, pela Medida Provisória n. 434, criouse o Programa de Estabilização Econômica, dispondo, ainda, sobre o sistema monetário nacional, e instituindo a Unidade Real de Valor – URV (Plano Real). A Medida foi reeditada, subsequentemente, pela Medida Provisória n. 457, de 29 de março de 1994, e pela Medida Provisória n. 482, de 28 de abril de 1994. Esta última foi convertida na Lei n. 8.880, de 27 de maio de 1994. A Medida Provisória n. 542, de 30 de junho de 1994, dispôs sobre o Plano Real, estabelecendo as regras e as condições de emissão do real e os critérios para conversão das obrigações para o real. Essa medida foi reeditada subsequentemente, pelas Medidas Provisórias n. 566, de 29 de julho de 1994; n. 596, de 26 de agosto de 1994; n. 635, de 27 de setembro de 1994; n. 681, de 27 de outubro de 1994; n. 731, de 25 de novembro de 1994; n. 785, de 23 de dezembro de 1994; n. 851, de 20 de janeiro de 1995; n. 911, de 21 de fevereiro de 1995; n. 953, de 23 de março de 1995; n. 978, de 20 de abril de 1995; n. 1.004, de 19 de maio de 1995; n. 1.027, de 20 de junho de 1995, que foi, finalmente, adotada pela Lei n. 9.069, de 29 de junho de 1995. A Medida Provisória n. 598, de 31 de agosto de 1994, dispôs sobre o valor do salário-mínimo, alterando as disposições das Leis n. 8.212 e 8.213, de 24 de julho de 1991. Essa Medida Provisória foi reeditada, sucessivamente, pelas Medidas Provisórias n. 637, de 29 de setembro de 1994; n. 679, de 27 de outubro de 1994; n. 728, de 25 de novembro de 1994; n. 782, de 23 de dezembro de 1994; n. 848, de 20 de janeiro de 1995; n. 908, de 21 de

fevereiro de 1995; n. 951, de 23 de março de 1995; n. 976, de 20 de abril de 1995, que, por fim, foi adotada pela Lei n. 9.063, de 14 de junho de 1995, que também adotou a Medida Provisória n. 1.002, de 19 de maio de 1995. Também a Lei n. 9.032, de 28 de abril de 1995, tratou da mesma questão. Houve, posteriormente, reajustamento do salário--mínimo, em 29 de abril de 1996, pela Medida Provisória n. 1.415, passando o mesmo a valer R$ 112,00 (cento e doze reais), tendo sido essa Medida Provisória reeditada pelas seguintes Medidas Provisórias: n. 1.463, de 29 de maio de 1996; n. 1.463-2, de 28 de junho de 1996; n. 1.463-3, de 26 de julho de 1996; n. 1.463-4, de 27 de agosto de 1996; n. 1.463-5, de 26 de setembro de 1996; n. 1.463-6, de 24 de outubro de 1996; n. 1.463-7, de 22 de novembro de 1996; e n. 1.463, de 19 de dezembro 1996. Atualmente, a Lei n. 9.971, de 18 de maio de 2000, convalidou as disposições sobre o salário-mínimo a partir de 1o de maio de 1996, revogando-se as Medidas Provisórias referentes ao assunto, sendo que o valor hoje vigente é de R$ 260,00 (duzentos e sessenta reais). A Medida Provisória n. 865, de 27 de janeiro de 1995, instituiu a Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP), dispondo, ainda, sobre a remuneração de recursos do Fundo de Participação PIS-Pasep e do Fundo de Amparo ao Trabalhador, e do Fundo da Marinha Mercante. Essa Medida foi reeditada, sucessivamente, pelas Medidas Provisórias n. 918, de 24 de fevereiro de 1995; n. 956, de 30 de março de 1995; n. 981, de 28 de abril de 1995; n. 1.007, de 26 de maio de 1995; n. 1.030, de 27 de junho de 1995; n. 1.055, de 27 de julho de 1995; n. 1.082, de 25 de agosto de 1995; n. 1.114, de 22 de setembro de 1995; n. 1.147, de 24 de outubro de 1995; n. 1.183, de 23 de novembro de 1995; n. 1.219, de 14 de dezembro de 1995; n. 1.256, de 12 de janeiro de 1996; n. 1.295, de 9 de fevereiro de 1996; n. 1.335, de 12 de março

de 1996; n. 1.377, de 11 de abril de 1996; n. 1.423, de 9 de maio de 1996; n. 1.471, de 5 de junho de 1996; n. 1.471-21, de 4 de julho de 1996; n. 1.47122, de 1o de agosto de 1996; n. 1.471-23, de 29 de agosto de 1996; n. 1.47124, de 26 de setembro de 1996; 1.471-25, de 24-10-1996; n. 1.471-26, de 22 de novembro de 1996, que foi adotada pela Lei n. 9.365, de 16 de dezembro de 1996, alterada pelas Leis n. 10.199, de 14 de fevereiro de 2001 e n. 10.206, de 12 de fevereiro de 2001. A Medida Provisória n. 1.053, de 30 de junho de 1995, dispôs sobre as medidas complementares do Plano Real, dando outras providências, inclusive as referentes à caderneta de poupança, Taxa Básica Financeira (TBF) e Unidade Fiscal de Referência (Ufir). Essa Medida foi reeditada pelas Medidas Provisórias n. 1.079, de 28 de julho de 1995; n. 1.106, de 29 de agosto de 1995; n. 1.138, de 28 de setembro de 1995; n. 1.171, de 27 de outubro de 1995; n. 1.205, de 24 de novembro de 1995; n. 1.240, de 14 de dezembro de 1995; n. 1.277, de 12 de janeiro de 1996; n. 1.316, de 19 de fevereiro de 1996; n. 1.356, de 12 de março de 1996; n. 1.398, de 11 de abril de 1996; n. 1.440, de 10 de maio de 1996 (esta Medida também determinou a substituição do INPC pelo IGP-DI, da FGV, a partir da referência maio/96, no art. 8o, § 3o); n. 1.488, de 7 de junho de 1996; n. 1.488-13, de 9 de julho de 1996; n. 1.488-14, de 8 de agosto de 1996; n. 1.488-15, de 5 de setembro de 1996; n. 1.488-16, de 2 de outubro de 1996; n. 1.488-17, de 31 de outubro de 1996; n. 1.488-18, de 29 de novembro de 1996; n. 1.540, de 18 de dezembro de 1996; n. 1.540-20, de 16 de janeiro de 1997; n. 1.540-21, de 13 de fevereiro de 1997; n. 1.540-22, de 13 de março de 1997; n. 1.540-23, de 11 de abril de 1997; n. 1.540-24, de 9 de maio de 1997; n. 1.540-25, de 10 de junho de 1997; n. 1.540-26, de 10 de julho de 1997; n. 1.540-27, de 7 de

agosto de 1997; n. 1.540-28, de 4 de setembro de 1997; n. 1.540-29, de 2 de outubro de 1997; n. 1.540-30, de 30 de outubro de 1997; n. 1.540-31, de 27 de novembro de 1997; n. 1.620-32, de 12 de dezembro de 1997; n. 1.620-33, de 13 de janeiro de 1998; n. 1.620-34, de 12 de fevereiro de 1998; n. 1.62035, de 13 de março de 1998; n. 1.620-36, de 9 de abril de 1998; n. 1.620-37, de 12 de maio de 1998; n. 1.620-38, de 10 de junho de 1998; n. 1.675-39, de 29 de junho de 1998; n. 1.675-40, de 29 de julho de 1998; n. 1.675-41, de 27 de agosto de 1998; n. 1.675-42, de 25 de setembro de 1998; n. 1.675-43, de 26 de outubro de 1998; n. 1.675-44, de 25 de novembro de 1998; n. 1.750-45, de 14 de dezembro de 1998; n. 1.750-46, de 13 de janeiro de 1999; n. 1.75047, de 11 de fevereiro de 1999; n. 1.750-48, de 11 de março de 1999; n. 1.750-49, de 8 de abril de 1999; n. 1.750-50, de 6 de maio de 1999; n. 1.75051, de 2 dejunho de 1999; n. 1.875-52, de 29 de junho de 1999; n. 1.875-53, de 28 de julho de 1999; n. 1.875-54, de 26 de agosto de 1999; n. 1.875-55, de 24 de setembro de 1999; n. 1.875-56, de 22 de outubro de 1999; n. 1.875-57, de 23 de novembro de 1999; n. 1.950-58, de 9 de dezembro de 1999; n. 1.950-59, de 6 de janeiro de 2000; n. 1.950-60, de 3 de fevereiro de 2000; n. 1.950-61, de 2 de março de 2000; n. 1.950-62, de 30 de março de 2000; n. 1.950-65, de 26 de abril de 2000; n. 1.950-63, de 27 de abril de 2000; n. 1.950-64, de 26 de maio de 2000; n. 1.950-66, de 26 de junho de 2000; n. 1.950-67, de 23 de agosto de 2000; n. 1.950-68, de 21 de setembro de 2000; n. 1.950-69, de 19 de outubro de 2000; n. 1.950-70, de 16 de novembro de 2000; n. 1.950-71, de 14 de dezembro de 2000; n. 2.074-72, de 27 de dezembro de 2000. A Lei n. 9.126, de 10 de novembro de 1995, dispôs sobre a aplicação da TJLP

sobre

empréstimos

concedidos

com

recursos

dos

Fundos

Constitucionais de Financiamento da Região Norte, Nordeste, Centro-Oeste, dos Fundos de Investimentos do Nordeste e da Amazônia e do Fundo de Recuperação Econômica do Espírito Santo, e com recursos das Operações Oficiais de Crédito, alterando a Lei n. 7.827, de 27 de setembro de 1989. Como é fácil notar, têm sido adotados os mais variados critérios para a correção monetária, que deve sempre existir admitida nas obrigações, em face da inflação, como medida de justiça. As cláusulas e as situações corretivas da moeda criam os justos valores esperados pelos contratantes, promovendo o equilíbrio de seus interesses nas relações jurídicas. 3 Conceito Como a própria expressão denota, correção monetária é um corretivo que tem por objeto manter atualizada, no tempo, em seu valor, determinada espécie de moeda. Ou, como ministra Rubens Limongi França23: “Correção monetária é, em suma, a atualização do valor real da moeda, tendo-se em vista a data do entabulamento do vínculo e a da execução da prestação.” Realmente, suponham que alguém venda um seu imóvel a outrem, pelo preço de duzentos mil reais, que deva ser pago, integralmente, um ano depois. No entabulamento deste negócio, ou seja, quando as partes realizaram dito contrato de compra e venda de imóvel, este valia os duzentos mil reais. Um ano após, na data da execução da prestação (pagamento do preço), imaginem, com a desvalorização monetária, o comprador, recebendo aquele preço, não poderia comprar imóvel igual ao que vendera, por valer este, nessa época, duzentos e oitenta mil reais. O que se assiste, no caso em tela, é a depreciação do valor pecuniário, pelo simples passar do tempo.

A correção monetária é, no caso citado, o instituto jurídico adequado para reequilibrar a mencionada relação obrigacional de venda e compra, que pressupõe o exato pagamento do valor (preço) do objeto comprado (coisa), com a concordância de vendedor e comprador, neste sentido (consentimento). 4 Espécies Como a correção monetária, fundada na equidade, não ofende aos princípios gerais de direito, nem aos bons costumes, embora silencie sobre ela o Código Civil, pode a mesma ser objeto de contratação. A vontade das partes é autônoma e poderá fixar, em suas avenças, não só cláusulas corretivas do valor da prestação obrigacional, como também, caso esta venha a ser descumprida, para que, durante o atraso, não sofra a relação contratual, primitiva, qualquer alteração em seu valor. Aqui, a correção monetária contratual ou convencional que deve ser, sempre, expressa. Por outro lado, a lei pode estabelecer, como vem estabelecendo, desordenadamente, a correção monetária. Nesse caso, será ela obrigatória, pois resulta do império da lei, chamando-se, por isso, correção monetária legal. Lembrem-se, entretanto, de que urge um tratamento legislativo que compreenda todas as espécies de correção, com princípios gerais reguladores da matéria, para que não deixe o Direito tudo à autonomia contratual, que, em sua ilusória liberdade, tendo em vista as várias implicações negociais, é, às vezes, escravizante. Lembre-se, nessa feita, de que o atual CC deu passo à frente, nessa matéria, conforme já comentamos no capítulo sobre o objeto do pagamento (Capítulo 24), analisando os arts. 316 e 317, que possibilitam às partes o

“aumento progressivo de prestações sucessivas” e a correção pelo Juiz, a pedido da parte, do valor da prestação devida quando este apresentar desproporção manifesta com o momento da execução. Também comentamos, naquela oportunidade, a onerosidade excessiva, que pode agravar o contrato a ponto de levá-lo à revisão judicial e, até, à resolução. O princípio da correção monetária, como vimos demonstrando, também com a análise dos arts. 389, 395 e 404 do CC, está por ele consagrado, retratando o grande avanço e reconhecimento histórico dessa nova Lei Civil.

40 CLÁUSULA PENAL

1 Generalidades A matéria relativa à cláusula penal era cuidada, no CC de 1916, do art. 916 ao 927, na área das “modalidades das obrigações’’, como uma espécie destas; o atual CC trata dessa cláusula no título do “inadimplemento das obrigações’’, do art. 408 ao 416. Destoando desse pensamento, deixamos24 de versá-la na 9a edição em minha Teoria geral das obrigações, porque, também por não se justificar sua inclusão no âmbito da responsabilidade civil como sanção ao inadimplemento obrigacional, ali explicamos que nosso entendimento é de considerá-la mais ligada aos contratos, como um reforço das obrigações nestes assumidas. Contudo, como a matéria vem versada expressamente no âmbito do inadimplemento das obrigações, a ela retomamos nessa oportunidade. 2 Conceito A cláusula penal, stipulatio poenae (estipulação de pena), entre os romanos, também conhecida como multa ou pena convencional, é a fixação contratual, por escrito, nos limites da lei, de uma pena, ou sanção, de natureza econômica, imposta a quem retardar ou descumprir determinada obrigação assumida.

Essa penalidade pode consistir no pagamento de uma soma em dinheiro, ou no cumprimento de qualquer outra obrigação, seja de dar outro objeto, seja de realizar uma atividade, mas desde que exista a possibilidade de ela converter-se pecuniariamente. Assim, suponhamos que, em um contrato de venda e compra de um imóvel, em prestações, o vendedor queira garantir-se, quanto ao recebimento de todas as parcelas devidas, e que o comprador, por sua vez, da mesma forma, queira assegurar-se, quanto ao cumprimento, por aquele, das obrigações assumidas, como, por exemplo, a de efetuar reforma no objeto vendido, antes de entregar sua posse ao comprador. Diante desse quadro, podem tais contratantes estipular, inserindo em uma das cláusulas contratuais uma penalidade de caráter econômico a que se sujeitará aquele que descumprir qualquer das obrigações contraídas. A estipulação dessa cláusula, consoante o disposto no art. 409 do CC (art. 916 do Código anterior), pode nascer com a própria obrigação, como uma de suas cláusulas, ou por ato posterior, como outro documento, firmado pelos contratantes, que venha a integrar referida, e anterior, obrigação. 3 Natureza jurídica Como facilmente observamos pelo conceito expendido, a cláusula penal é um dispositivo acessório, em reforço da obrigação principal a que se vincula. Denota, claramente, essa natureza acessória da cláusula penal o art. 412 do CC (arts. 920 e 922 do Código anterior), que demonstra a impossibilidade de ser o valor da cominação maior do que o da “obrigação principal’’, como acontece, por exemplo, com o contrato em que se declare que o não pagamento de um débito de 100 mil reais importe a obrigação de pagar uma

multa excessiva de 200 mil reais. O art. 922 do CC anterior, não reeditado no Código, declarava a nulidade dessa pena, quando nula fosse aquela obrigação; o que é óbvio. Acentuemos que, neste último dispositivo legal do Código anterior (art. 922), encontra-se o princípio constante do art. 59, também do Código anterior, segundo o qual, não havendo “disposição especial em contrário’’, o que é acessório segue o mesmo destino do que é principal. Assim, se for nula a obrigação principal, que se apresente com objeto ilícito, como, por exemplo, um produto contrabandeado que deva ser entregue, em razão de um contrato de compra e venda, nula será, também, a penalidade que for convencionada em cláusula desse documento. Embora não reeditados, diretamente, esses dispositivos legais servem de suporte doutrinário indispensável à boa compreensão dos institutos jurídicos, sob análise. Isso porque, como a cláusula penal é acessória à obrigação assumida, não pode viver independentemente desta. Seria, mesmo, impossível imaginar uma cominação sem obrigação a cumprir. Jamais existirá autônoma uma cláusula penal ou um “contrato de multa’’, mas, sempre, uma multa em um contrato, deste dependente. É de incluir, entre os antigos artigos mencionados, o 923 do CC de 1916, que consagra, também, o princípio da acessoriedade da cláusula penal, mostrando que, resolvendo-se a obrigação principal, desde que sem culpa do devedor, resolve-se, da mesma forma, a pena convencional. Realmente, pois, ante uma impossibilidade surgida, que iniba o devedor de cumprir sua obrigação (não entrega de um bem que desapareceu do mercado), não tendo sido tal impasse criado por ele, seria injusto que fosse compelido, ainda, ao

pagamento de multa, pois seu inadimplemento obrigacional é, plenamente, escusável. Como resta evidente, a não-reedição, também, desse artigo deve-se à repetição principiológica nele contida que está imanente na legislação em geral e na doutrina. Por outro lado, caso seja nula a cláusula penal, perde ela sua eficácia, mas permanece íntegra, perfeitamente válida, a obrigação principal, que existe, por si, sem qualquer subordinação ao que lhe for acessório. O risco da ineficácia da cláusula não afeta a existência da obrigação, que possui vida autônoma. Acrescentamos, nesse passo, que a cláusula penal pode coexistir com qualquer das espécies de obrigação existentes, devendo, entretanto, comprovar-se por escrito. Por essa razão, jamais poderia ser válida a pena convencional, que se fixasse, verbalmente, mesmo existindo, por escrito, a obrigação principal. Entendo, todavia, que deve ser reconhecida a validade da cláusula penal, que se faça, por escrito; a obrigação a que ela se liga pode ser expressa verbalmente, desde que não seja esta ineficaz. Acentuamos, por outro lado, a natureza jurídica da cláusula penal com sua característica de reforço obrigacional, pois, como tal, ela impõe-se para garantir o cumprimento da obrigação assumida, assegurando à parte inocente, independentemente da prova de culpabilidade da outra, em caso de atraso ou de inadimplemento, o recebimento da multa, cujo conteúdo econômico reflete-se como verdadeiro e prévio estabelecimento de prejuízos. Quanto à mencionada culpabilidade, entendemos que a comprovação de sua existência, como também do dano, é dispensada à parte inocente que vai invocar a seu favor os benefícios da cláusula penal. Basta o descumprimento ou mora obrigacional para que a pena convencional seja devida. Por isso, o

art. 416, caput, do CC (1a parte do art. 927 do Código anterior) autoriza o credor da pena convencional a exigi-la de seu devedor, independentemente de alegação de prejuízo. Também não necessita esse credor provar a culpa do mesmo devedor. Cabe, isto sim, ao inadimplente ou ao instado em mora escusar-se, ante essa situação criada, provando ausência de culpa sua. Assim, ao lado desse reforço, tem o instituto em causa essa característica de facilitar a liquidação do débito, evitando a demorada e dificultosa apuração de danos. Caracteriza-se, ainda, a pena convencional por nascer, em um contrato, aliás, como a própria expressão do CC indica, por ser uma das cláusulas de uma convenção. Nem se diga que essa natureza convencional desapareça, quando for a cláusula objeto de fixação unilateral, como em um testamento, por exemplo, pois, se ela for imposta, deve ser, a posteriori e no momento oportuno, aceita ou não, concomitantemente com a aceitação ou a recusa da obrigação principal a que se liga. Daí existir esse caráter convencional, pois a cláusula, em estudo, não opera sozinha; ela não existe sem a obrigação principal, em perfeito estado de consentimento das partes interessadas. Os caracteres da cláusula penal, que explicam sua natureza jurídica, assim, podem ser resumidos, no esquema a seguir: a) acessoriedade (liga-se, inevitavelmente, a uma obrigação principal); b) coexistência na área obrigacional (adapta-se a qualquer das espécies de obrigação: dar, fazer ou não fazer); c) facilidade de liquidação do dano (em seu conteúdo econômico, traz a prefixação deste); d) dispensabilidade de comprovação da culpa ou do dano, pelo inocente (presume-se a culpa do que se atrasou, no cumprimento de sua obrigação, ou do que a

inadimpliu); e e) contratualidade (torna-se eficaz com o consentimento dos interessados, mesmo que, imposta por um, o assentimento do outro ocorra depois).

4 Espécies A cláusula penal pode ser de duas espécies: compensatória ou moratória. Se atentarmos à 2a parte do art. 409 do CC (art. 917 do Código anterior), veremos que ele admite que a cláusula penal refere-se à “inexecução completa da obrigação’’, à de “alguma cláusula especial’’, ou, ainda, tão somente, “à mora’’. A primeira hipótese é de multa compensatória; as demais, de multa moratória. Como pudemos sentir, a cláusula penal pode reforçar toda a obrigação assumida, ou parcialmente, uma de suas cláusulas, ou, ainda, garantir a execução obrigacional, sem retardamento. É compensatória a multa, ante o completo descumprimento da obrigação assumida, porque ela compensa, ou procura compensar, em princípio, pelo valor que apresenta, a lesão patrimonial causada. Entretanto, para que não exista qualquer risco ao credor, que, com o recebimento do valor da penalidade, poderia ficar desfalcado, por ser esse valor menor do que o da obrigação principal, faculta-lhe o art. 410 do CC (art. 918 do Código anterior) que exija a realização desta ou o pagamento da multa, conforme entender. O mesmo não ocorre, todavia, se o reforço for de cláusula especial, pois, nesse caso, se é moratória a multa, a obrigação maior reclama cumprimento (não compensação), paralelamente ao da multa devida em razão do inadimplemento da obrigação específica clausulada; daí, a 2a parte do art. 411 do CC (2a parte do art. 919 do Código anterior) possibilitar ao credor,

nesse caso, a cobrança, concomitantemente, do cumprimento da obrigação principal e da pena convencional. Tal é a situação, por exemplo, de quem se obriga a pagar determinada soma em dinheiro, a título de penalidade, caso descumpra a obrigação de pintar o imóvel, antes de entregar sua posse ao inquilino, conforme consta de uma cláusula do contrato de locação. Se ocorrer esse inadimplemento, ele ensejará ao credor, inquilino, cobrar do locador, proprietário do imóvel, não só a referida multa (soma em dinheiro), como também a realização da obrigação descumprida (pintura do imóvel). Adverte Washington de Barros Monteiro25, comentando essas duas hipóteses de multa, que aos espíritos menos avisados pode causar estranheza essa aparente incongruência do legislador, que, para infração menos grave (inexecução de simples cláusula), concede duas prestações conjuntas (multa e adimplemento da obrigação principal), enquanto, para violação mais grave (inexecução completa ou inadimplemento total), outorga apenas a alternativa (uma ou outra prestação).

Entretanto, mostra esse professor que o absurdo existiria, se ficasse o devedor liberado de executar toda a obrigação principal, tão somente, por ter inadimplido uma de suas cláusulas, pois, isto sim, consistiria em premiar-se a “malícia’’ e a “má-fé’’. E conclui, argumentando que não há exagero na cobrança simultânea do desempenho da obrigação principal e da multa pelo descumprimento de determinada cláusula do negócio, porque essa penalidade é restrita, costumando, por isso mesmo, ser de valor razoável. Figuremos, agora, um exemplo de multa compensatória, em que há completo inadimplemento da obrigação principal, como a que estabelece a rescisão de um contrato, com prestações sucessivas, e o pagamento de uma soma em dinheiro, caso não seja executada qualquer das parcelas avençadas.

Vemos, assim, que o inadimplemento acarreta a necessidade de substituir a obrigação principal, integralmente, pela penalidade estipulada, daí seu sentido compensatório. Ao seu turno, ao lado da multa moratória por inexecução de cláusula especial, já examinada, coloca-se a multa moratória por retardamento de execução obrigacional, prevista na 1a parte do art. 411 do CC (art. 919 do Código anterior), como acontece quando alguém se submete a pagar uma multa, por exemplo, de 1% sobre o valor de uma prestação, caso deixe de cumpri-la até determinada data. Aí, a simples mora ou atraso no cumprimento dessa prestação, que sujeitará o devedor a seu pagamento, acrescido de multa, consoante o dispositivo legal invocado. Também o art. 408 do CC (art. 921 do Código anterior), referindo-se à pena convencional moratória, assegura que, deixando de cumprir a obrigação, ou constituindo-se em mora o devedor, torna-se, desde logo, exigível a cláusula penal. Nesse caso, na ausência de termo final na obrigação assumida, o devedor deverá constituir-se em mora por meio de interpelação. 5 Valor Cuidando do valor imposto na cláusula penal, o art. 412 do CC (art. 920 do Código anterior) estabelece o princípio fundamental de que não poderá ele ultrapassar o da obrigação principal. Há nesse dispositivo legal, e de ordem pública, a preocupação do legislador em preservar a própria natureza do instituto estudado, colocando-o em posição acessória, dependente, pois, da obrigação principal, de valor nunca superior ao dela.

Acontece que, com o advento do Dec. n. 22.626, de 7 de abril de 1933, dúvidas surgiram quanto à revogação ou não, por ele, do mencionado art. 920 do CC de 1916, pois o art. 9o daquele é expresso em admitir a nulidade absoluta da cláusula penal, quando seu valor ultrapassar 10% do valor do débito. Miguel Maria de Serpa Lopes26, referindo-se a esse Decreto, procura mostrar que, querendo combater a usura, ele visa, indistintamente, a todos os contratos, não só o de mútuo, concluindo que seu art. 1o “refere-se expressamente à estipulação em quaisquer contratos e que seu art. 8o é também genérico’’, aludindo às “multas ou cláusulas penais, quando convencionadas”, sem fazer referência a qualquer espécie determinada de contrato. Melhor que entendamos, com a maioria, que a preocupação do legislador, nessa Lei de Usura, foi a de combater a camuflagem de juros sob o manto da cláusula penal, o que pode ocorrer nos contratos de mútuo; daí sua restrição circunscrever-se à área desse tipo de convenção. Essa restrição em nada interfere, também, com o art. 412 do CC. Aduzamos nesse passo que o Dec.-lei n. 58, de 10 de dezembro de 1937, pela letra f, de seu art. 11, da mesma forma que a letra f do art. 11 de seu Regulamento, aprovado pelo Dec. n. 3.079, de 15 de setembro de 1938, admitindo a cláusula penal nos compromissos de compra e venda de terrenos em loteamento, limita, também, como a referida Lei da Usura, o valor da penalidade a 10% sobre o débito. Esse valor da penalidade deverá ser reduzido pelo juiz, equitativamente, determina o art. 413 do CC (art. 924 do Código anterior), em qualquer tipo de cláusula penal, quando a obrigação principal tiver sido, parcialmente,

cumprida. Desse modo, se a multa é de mil reais, tendo sido cumprida, por metade, a obrigação principal, ante seu descumprimento, nesse estágio, deverá ser exigível tão somente metade da referida pena pecuniária (cinco mil reais). Vemos que é um critério impositivo ao juiz, não facultativo, como era ante o citado art. 924. Em sã consciência, essa determinação, por norma de ordem pública, traz em si grande dose de justiça. Tanto relativamente à pena convencional compensatória, quanto à moratória, o certo é que, descumprida a obrigação principal, em seu curso, não se poderia considerá-la inadimplida por inteiro. O que quer o legislador enfatizar é que, quando as partes fixam o valor da pena, encontram-se em uma situação inicial, que se vai modificando e não é a mesma no momento em que o inadimplemento ou mora ocorrem. Daí, a redução proporcional ao que for devido, nesse estágio. Imbuído dessa orientação, concluiu o legislador pátrio, no parágrafo único do art. 416 do CC (2a parte do art. 927 do Código anterior), que não pode o devedor, alegando ser excessivo o valor da cláusula, furtar-se a seu cumprimento. Por isso, em face desse possível excesso, não perderá a cláusula penal sua validade, merecendo, sim, redução de seu valor. Todavia, poderá o credor exigir indenização complementar, se o prejuízo exceder o valor previsto na cláusula, mas somente se isso tiver sido convencionado. Havendo essa convenção, a penalidade valerá como mínimo da indenização, devendo o credor comprovar eventual prejuízo excedente. De lembrar-se, nessa oportunidade, que o art. 847 do CC (art. 1.034 do Código anterior) possibilita a existência da cláusula penal na transação (contrato em que as partes realizam, fazendo mútuas concessões, para resolverem, amistosamente, relação jurídica entre elas duvidosa, prevenindo

ou terminando litígio), devendo, quanto a seu valor, ser aplicada a regra geral do já comentado art. 412 do CC (art. 920 do Código anterior). Por outro lado, o art. 404 do CC (art. 1.061 do Código anterior) estabelece que, nas obrigações de pagar em dinheiro, os prejuízos implicam atualização monetária abrangendo os juros, as custas e os honorários advocatícios, a cujo valor, entretanto, deve acrescentar-se o da pena convencional, que existir retratada no contrato. O parágrafo único desse art. 404 admite que, não havendo pena convencional, o juiz pode conceder indenização complementar, quando os juros não forem suficientes à cobertura dos danos. 6 Divisibilidade e indivisibilidade da obrigação e da cláusula penal Dois artigos do CC trataram dos efeitos da cláusula penal, relativamente às obrigações indivisíveis e divisíveis, respectivamente, os arts. 414 e 415 (arts. 925 e 926 do Código anterior). Se a obrigação principal for indivisível, como a de várias pessoas, que se comprometem a entregar um touro de raça, reprodutor, a outra; e se um desses codevedores descumpri-la ou retardá-la, culposamente, todos incorrerão na pena, mas esta só poderá ser exigida, integralmente, do culpado, pois os outros codevedores só respondem, individualmente, pelo valor de sua quota, daí poderem estes exercer direito regressivo contra o causador de tal prejuízo. Entendo que essa mensagem, contida no primeiro dos citados artigos, é de aplicar-se, em sua primeira parte e parágrafo único, quando o objeto da prestação clausulada, ou seja, a pena, tiver também natureza indivisível,

como o caso de importar o perdimento de um cavalo ou de uma dívida solidária. Este e esta seriam insuscetíveis de se repartirem, por isso a necessidade de se exigirem integralmente, tal como se constata no esquema adiante:

Por sua vez, a 2a parte do art. 414 do CC (2a parte do art. 925 do Código anterior) menciona a hipótese em que, embora indivisível a obrigação principal, ainda que se torne divisível, pela perda de seu objeto, o objeto da cláusula penal é, também, ou assim se torna, divisível como o pagamento de

uma pena pecuniária. Nesse caso, se a multa for divisível, só quem a deve, por inteiro, é o culpado, pois os codevedores inocentes, ainda que nela incorram, só podem ser demandados pelo valor de suas quotas, de per si, e com o direito de regresso contra o que se houve com culpa. Assim, utilizando o mesmo exemplo:

Aliás, para bem entender esse dispositivo legal (art. 925 do Código anterior; atualmente art. 414), indispensável é lembrar o texto do projeto primitivo de Clóvis Beviláqua27, que, segundo ele mesmo informa, dizia que, “em regra”, a pena só ao culpado podia ser pedida integralmente, ressalvando o caso da “indivisibilidade, e o da solidariedade’’, e esclarecendo que essas

mesmas e indispensáveis ressalvas foram tidas como “ociosas’’ por João Luiz Alves. Quando a obrigação for divisível, só poderá ser responsabilizado por seu inadimplemento, ou retardamento, o devedor, ou seu herdeiro, que for culpado, mesmo assim, proporcionalmente a sua quota obrigacional, consoante depreende-se do art. 415 do CC (art. 926 do Código anterior). Realmente,

na

obrigação

divisível

que

tenha

por

objeto,

exemplificativamente, 12 sacas de feijão e que tenha também sua cláusula penal por objeto um bem divisível, como, por exemplo, uma soma em dinheiro, cada codevedor responderá por sua quota obrigacional, mas só o culpado pela multa, em proporção a sua quota. Assim, no esquema adiante, percebemos:

41 ARRAS OU SINAL

1 Direito Romano A palavra arras é de origem semita, tendo passado ao idioma grego (arrhabon), com o significado de penhor, garantia. Chegou ao latim, com a forma arrahabo, onis, abreviando-se para arrha, ae, sempre com o mesmo significado; daí, ao português, pelo acusativo plural latino, arrhas, atualmente arras. Por sua vez, sinal descende do vocábulo signum, i (sinal, marca, vestígio, selo, indício, gesto), que origina o verbo signare (marcar, por um sinal ou marca). Sinal é, assim, a mostra exterior de uma intenção. Entre os romanos, as arras eram uma pequena soma em dinheiro, ou outra coisa, que se dava em garantia de um negócio; geralmente, o comprador ao vendedor, com o intuito de assegurar a realização do contrato de compra e venda. Essa operação, de caráter real, é acessória. Como nos mostra Paul Frédéric Girard28, era acrescida ao contrato consensual, possuindo, no direito clássico, finalidade probatória, reputando-se perfeito o contrato quando dadas as arras. À época do Imperador Justiniano, essa doutrina clássica continuou a ser utilizada, mas no tocante aos contratos verbais de compra e venda, pois, nos escritos, a função das arras passou a ter caráter indenizatório, já que o inadimplemento contratual, se por parte do comprador, implicava a

restituição das arras, em dobro, ao vendedor; se, por parte deste, a perda desse sinal dado. Ao lado das arras do Direito Contratual existiram, no Direito de Família, as chamadas arras esponsalícias (arrhae sponsalitiae), que implicavam a entrega pelo noivo a sua noiva de um anel de ferro, como sinal de que cumpriria, de futuro, a promessa de com ela casar-se (esponsais). 2 Conceito Cuidando de conceituar as arras, ou sinal, ensina Sílvio Rodrigues29 que elas constituem a importância em dinheiro ou a coisa dada por um contratante ao outro, por ocasião da conclusão do contrato, com o escopo de firmar a presunção de acordo final e tornar obrigatório o ajuste; ou ainda, excepcionalmente, com o propósito de assegurar, para cada um dos contratantes, o direito de arrependimento.

Como podemos perceber, as arras só se configuram com a entrega de um bem (dinheiro ou outra coisa), daí seu caráter real. Elas inexistem, sem a tradição. Sinal é, assim, uma mostra exterior de que o devedor vai cumprir a obrigação. Vejam, ainda, que as arras ajustam-se em um contrato principal, e não podem existir isoladamente, daí sua posição acessória. Figuremos, para bom entendimento da matéria, um exemplo: alguém entabula com outrem um contrato de venda e compra de um imóvel, propondo-se o comprador a saldar o preço em prestações sucessivas. Na conclusão desse contrato, entrega o comprador ao vendedor uma importância em dinheiro, a título de sinal e princípio de pagamento (usando as expressões

comuns nos contratos dessa ordem); aí, as arras, que denotam um marco inicial, confirmatório de um negócio. Este, com elas dadas, aperfeiçoa-se. 3 Espécies Do conceito dado podemos extrair as duas espécies de arras (ou sinal): as confirmatórias e as penitenciais. As arras são confirmatórias quando realizam a função de tornarem concretas as negociações iniciais, pois, com a entrega do sinal, tornam-se estas obrigatórias, definitivas. Relembremos que outro não era o preceito do art. 1.094 do CC de 1916, pelo qual a dação das arras “firma a presunção de acordo final e torna obrigatório o contrato’’. Essa a regra geral, que continua acolhida por nosso legislador; e é de mencionar, no mesmo sentido, a orientação do legislador alemão e do italiano. Entretanto, antes do CC anterior, vigoraram, entre nós, as Ordenações Filipinas30 do ano de 1603, que admitiam as arras penitenciais, como regra, orientação tomada, também, pelo legislador francês. Pelas arras penitenciais, as partes contratam a possibilidade de arrependimento do negócio principal, e é certo que essa espécie está prevista no art. 420 do CC (art. 1.095 do CC anterior), como regra excepcional. Como visto, nosso CC, sob a influência do CC alemão (BGB), acolheu as arras confirmatórias, como regra geral. Assim, se nada dispuser o contrato, no sentido de demonstrar a existência das arras penitenciais, elas serão confirmatórias, tanto que o mencionado art. 420 faculta às partes a contratação daquelas, reservando para si o direito de se

arrependerem, perdendo as arras, quem as deu, e restituindo-as, em dobro, quem as recebeu, caso seja de um ou de outro o arrependimento. O CC assenta ao final desse mencionado artigo que em nenhum dos casos nele aludidos haverá direito a indenização suplementar. Nas arras penitenciais, embora exista essa penalidade de sua perda, elas não se confundem com a cláusula penal, principalmente porque aquelas préestipulam uma compensação econômica pelo exercício do direito de arrependimento, enquanto esta preestabelece perdas e danos, devidos por ato ilícito de qualquer das partes, em caso de inadimplemento contratual. A cláusula penal é multa, devida pela parte que não cumprir obrigação contratual, em qualquer momento do contrato. Os arts. 1.096 e 1.097 do CC anterior foram desacreditados pela doutrina e pela jurisprudência pátrias, apresentando verdadeira contradição aos dois artigos anteriores, que, por sua clareza a denotar o verdadeiro espírito do legislador de 1916, não podiam ser revogados por eles que restavam, por sua confusão literal, inúteis. O CC atual eliminou essa verdadeira contradição desses artigos, cuidando de toda a matéria das arras de modo claro e lógico, como adiante exposto. 4 Atual Código Civil Sob o título “Das arras ou sinal’’, cuidou o CC dessa matéria em seus arts. 417 a 420, em que se nota a presença das duas espécies de arras, estudadas, continuando as confirmatórias, como regra geral, e as penitenciais, como exceção, mas ambas com melhor tratamento normativo que o do Código anterior.

Realmente, com muita clareza, o CC inicia por tratar das primeiras, nos arts. 417 a 419. Vemos, então, que as arras podem consistir em “dinheiro ou outro bem móvel’’, devendo, caso exista cumprimento do contrato, ser restituídas, se não forem da mesma espécie do objeto principal, pois, em tal hipótese, serão incluídas no montante da prestação. Esse o art. 417. Em seguida, há duas possibilidades de inexecução do contrato, uma por parte de quem deu as arras, com a consequência de poder a outra reter o sinal, declarando desfeita a contratação; outra por parte de quem as recebeu, podendo, nesse caso, o outro contratante exigir sua restituição mais o equivalente, com atualização monetária, de acordo com os índices oficiais, juros e honorários de advogado, declarando, assim, desfeito o negócio. Esse o art. 418. Vejamos o esquema do art. 418, nas duas mencionadas hipóteses, para melhor entendimento:

O art. 419 possibilita, ainda, à parte inocente pedir “indenização suplementar’’, caso comprove que os prejuízos foram maiores, ou, então, exigir o cumprimento do contrato, bem como perdas e danos, que, em ambas as situações, não poderão ser de montante inferior ao das arras. Estas valem como o mínimo de indenização.

Finalizando, o art. 420 trata das arras penitenciais, admitindo-as, desde que conste do contrato o direito de arrependimento a qualquer dos contratantes, situação em que elas “terão função unicamente indenizatória’’. Assim, quem der o sinal, arrependendo-se da contratação, deverá perdê-lo em favor da outra parte, e, se o arrependimento for de quem receber as arras, deverá devolvê-las, “mais o equivalente’’, não sendo devida, em ambos os casos, indenização suplementar. Nesse ponto, nenhuma inovação em face do art. 1.095 do CC anterior, a não ser a modificação redacional do dispositivo.

42 INEXECUÇÃO OBRIGACIONAL ESCUSÁVEL. CASO FORTUITO. FORÇA MAIOR

1 Generalidades Já estudamos que o descumprimento obrigacional deve, para revestir-se de iliceidade, pelo menos, ser movido de culpa, afora os casos de responsabilidade objetiva, como veremos adiante. Para tanto, o autor do ato ilícito contribui com sua vontade. Há situações, contudo, que ocorrem sem a participação da vontade do inadimplente, ou em razão de fenômenos naturais, ou de acontecimentos causados por terceiro. 2 Conceito de caso fortuito e de força maior Pelo que acabamos de perceber, caso fortuito é o acontecimento provindo da natureza, sem qualquer intervenção da vontade humana, como, por exemplo, a inundação de um rio, em consequência do que se arrasta uma ponte, impossibilitando tal fato o devedor, com seu caminhão, de transportar o objeto da prestação ao local certo, no dia certo. Esse devedor restará exonerado da responsabilidade de indenizar. Por outro lado, a força maior é o fato de terceiro, ou do credor; é a atuação humana, não do devedor, que impossibilita o cumprimento obrigacional.

Suponham que o devedor se obrigue a vender sua casa, recebendo parte do preço, sendo, logo em seguida, desapropriado esse imóvel, ou que alguém deixe de entregar determinada mercadoria em certo lugar, por nele ter eclodido uma sedição. Nenhuma culpa pode caber ao devedor, tanto do imóvel, caso o vendedor não soubesse da iminência do ato expropriatório, como da mercadoria. Certo é que, tanto no caso fortuito, como na força maior, existe ausência de culpabilidade do devedor, que fica liberado do cumprimento da obrigação, sem qualquer pagamento de indenização, daí por que deixaremos de estabelecer qualquer outro critério diferenciador entre os referidos institutos jurídicos, pois que nenhum dos que se apresentam na doutrina se reveste de precisão. Nosso

CC,

em

seu

art.

393,

parágrafo

único,

conceituou-os,

conjuntamente, sem preocupar-se em distingui-los, como sendo aqueles que se verificam “no fato necessário, cujos efeitos não era possível evitar, ou impedir”. Assim, o fato deve impossibilitar a realização obrigacional, não, por exemplo, simplesmente, estorvá-la ou onerá-la. Esse acontecimento deve ser tal, também, que não possa ser evitado pelo devedor. Arnoldo Medeiros da Fonseca31, após mostrar várias concepções, que visaram a distinguir o caso fortuito da força maior, inclina-se por admitir que, praticamente, em nosso Direito, tal distinção não existe, “nem mesmo em face da legislação especial sobre acidentes do trabalho, estando generalizado o uso das duas expressões como sinônimas”, terminando por dizer: “de nossa parte, preferimos aceitar também essa sinonímia, tanto mais quanto os

variados e contraditórios critérios diferenciais, propostos, aconselham, ainda, do ponto de vista prático, a orientação que adotamos”. Surgem, assim, o caso fortuito e a força maior, de um acontecimento, que, sendo necessário, é, também, inevitável. 3 Exceção à regra de não indenizar Certo é, como vimos, que, não cumprindo a obrigação, não tem o devedor que indenizar, sem que tenha atuado com culpa, se o inadimplemento resultou de caso fortuito ou de força maior. A não ser nos casos de responsabilidade objetiva. Podem, todavia, por convenção, as partes estipular, expressamente, que a indenização será devida em qualquer hipótese, mesmo ante a ocorrência de caso fortuito ou de força maior. O caput do art. 393 do CC prevê a situação mencionada, nos seguintes termos: “O devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior, se expressamente não se houver por eles responsabilizado”, exceto nos casos dos arts. 394 e 395, já estudados no capítulo 35, ligando-se à mora do devedor. Ao seu turno, o art. 399, ocorrendo caso fortuito ou de força maior, após a verificação da mora, posição em que, para excluir-se da hipótese nele firmada, deverá o devedor provar isenção de culpa, ante sua mora, ou que o dano sobreviria, ainda quando a obrigação fosse oportunamente desempenhada. Como se vê, existindo culpa do devedor, antes da verificação do caso fortuito ou de força maior, não estará ele isento de responsabilidade indenizatória.

Destaque-se, nesse passo, que, nas relações jurídicas de consumo, aplica-se o Código de Defesa do Consumidor (Lei n. 8.078, de 11-9-1990), que, por seu art. 25, veda a estipulação contratual de cláusula de não indenizar que impossibilite, exonere ou atenue a obrigação de indenizar.

43 RESPONSABILIDADE CIVIL

1 Conceito A responsabilidade civil, nós a diferenciamos da obrigação, surge em face do descumprimento obrigacional. Realmente, ou o devedor deixa de cumprir um preceito estabelecido num contrato, ou deixa de observar o sistema normativo, que regulamenta sua vida. A responsabilidade nada mais é do que o dever de indenizar o dano. A palavra responsabilidade descende do verbo latino respondere, de spondeo, primitiva obrigação de natureza contratual do direito quiritário, romano, pela qual o devedor se vinculava ao credor nos contratos verbais, por intermédio de pergunta e resposta (spondesne mihi dare Centum? Spondeo; ou seja, prometes me dar um cento? Prometo). Como é de notar-se, a ideia da palavra é a de responder por algo. Conceituando o instituto, sob exame, explica Maria Helena Diniz32 que a responsabilidade civil é a aplicação de medidas que obriguem alguém a reparar dano moral ou patrimonial causado a terceiros, em razão de ato do próprio imputado, de pessoa por quem ele responde, ou de fato de coisa ou animal sob sua guarda, ou, ainda, de simples imposição legal (vários autores). Definição esta que guarda em sua estrutura, a ideia da culpa quando se cogita da existência de ilícito (responsabilidade subjetiva), e a do

risco, ou seja, da responsabilidade sem culpa (responsabilidade objetiva) (Álvaro Villaça Azevedo).

Após

essas

considerações

e

alguma

reflexão,

entendemos

que

responsabilidade civil é a situação de indenizar o dano moral ou patrimonial, decorrente de inadimplemento culposo, de obrigação legal ou contratual, ou imposta por lei, ou, ainda, decorrente do risco para os direitos de outrem. 2 Responsabilidade contratual e extracontratual Cuida-se da responsabilidade, em duas grandes espécies, pelo visto: a primeira, que se situa no âmbito da inexecução obrigacional do contrato, chamada

responsabilidade

contratual;

a

segunda,

posicionada

no

inadimplemento obrigacional normativo, cognominada responsabilidade extracontratual. Se A e B realizam um contrato qualquer, por este aqueles regulamentam seus interesses particulares, de tal forma que fazem do contrato verdadeira lei entre eles. As cláusulas contratuais devem ser, por eles, observadas, rigorosamente, sob pena de responsabilidade do que as descumprir (responsabilidade contratual). Por outro lado, todos devemos respeitar o direito alheio, obedecer às normas que regram nossa conduta. Qualquer inobservância de um preceito legal, por exemplo, acarreta responsabilidade ao transgressor. Aqui, a responsabilidade não se situa no âmbito contratual, daí chamar-se, como referido, responsabilidade extracontratual. Imaginemos que alguém quebre o vidro de uma vitrina; nenhum contrato preexistiu, senão uma obrigação de não lesar o próximo, contida na lei. Ante esse ato ilícito, a responsabilidade emerge.

A responsabilidade contratual, entre os romanos, à época da Lei das XII Tábuas, de 450 a.C., nascia do nexum e da mancipium, com todos os inconvenientes da execução pessoal do devedor, demonstrados no Capítulo 4, item 2 (Evolução histórica do conceito de obrigação). Mesmo com o advento da Lex Poetelia Papiria, do século IV a.C., com a proibição da execução pessoal, em certos casos ela continuou a existir, vindo a renascer no Baixo Império e na Idade Média. A Lex Vallia, que veio em seguida só possibilitava a execução dos indicati; e dos confessi (dos julgados e dos confessos). Contudo, com a proibição da execução pessoal, nasceu o princípio, pelo qual o patrimônio do devedor deve responder por suas dívidas, não sua pessoa. Por isso, passaram os pretores romanos, em defesa dos credores prejudicados, a conceder uma in integrum restitutio, que restituía o patrimônio do devedor ao estado anterior à sua insolvência, anulando-se todas as vendas feitas in fraudem creditorum (em fraude de credores). A ação anulatória desses negócios em fraude de credores denomina-se ação pauliana, e a anulação encontra fundamento no art. 171, inciso II, do CC. Ainda hoje, existem resquícios dessa execução pessoal, pois, embora ninguém possa ser preso por dívidas, o próprio preceito constitucional, que assim garante, abra odiosa exceção ao devedor de alimentos e ao depositário infiel33. Atualmente não mais se admite a prisão do depositário infiel. A execução do patrimônio do devedor encontra fundamento no art. 942, caput, do CC.

A responsabilidade extracontratual, ao seu turno, é também conhecida por responsabilidade aquiliana, tendo em vista que a Lex Aquilia de damno (do século III a.C.) cuidou de estabelecer, no Direito romano, as bases jurídicas dessa espécie de responsabilidade civil, criando uma forma pecuniária de indenização do dano, assentada no estabelecimento de seu valor. Primitivamente, aplicava-se a pena do Talião (“olho por olho, dente por dente”), baseada na vingança privada, em que os homens faziam justiça pelas próprias mãos. Resquícios dessa pena do Talião encontram-se na Lei das XII Tábuas. A Tábua VII, Lei 11a – De delictis –, consagra-a, com o seguinte texto: 11 – Si membrum rupsit, ni cum eo pacit, talio esto (Se alguém fere a outrem, que sofra a pena do Talião, salvo se existiu acordo). José Cretella Júnior34 dá-nos esclarecimentos objetivos sobre a Lei Aquília, plebiscito que se fez votar por proposição do tribuno da plebe Aquílio, mostrando que é uma lei de circunstância, provocada pelos plebeus (Inst. 4, 3, 15), que desse modo se protegiam contra os prejuízos que lhes causavam os patrícios, nos limites de suas propriedades. Trata-se, aliás, da reunião de disposições anteriores dispersas, agora agrupadas em bloco (Ulpiano, Digesto 9, Livro 2, Título 1, pr.).

O damnum iniuria datum (dano causado à coisa alheia) merece ser estudado antes da Lei Aquília e durante o seu regime jurídico, esclarece o Professor Cretella, tecendo considerações nesse sentido, que merecem a reprodução adiante: Antes da Lei Aquília, imperava o regime jurídico da Lei das XII Tábuas, que continha regras isoladas, ao contrário do estado aquiliano, que é uma verdadeira sistematização no sentido de punir através de um determinado tipo de ação todos os

atos prejudiciais a alguém. No período pré-aquiliano, a actio de arboribus succisis punia a pessoa que cortasse as árvores do vizinho, a actio incensarum punia quem incendiasse algo, involuntariamente, a actio de pastu pecoris era movida contra quem fizesse pastar seu rebanho em pastagens alheias. No regime da Lei Aquília, é introduzido um novo delito civil – o damnum iniuria datum –, isto é, prejuízo causado à coisa alheia, delito que, à semelhança do furto, empobrece a vítima, sem no entanto enriquecer seu autor.

Thomas Marky35, após esclarecer que a Lei Aquília, inicialmente, só tinha aplicação ante o “dano causado por ato positivo e consistente em estrago físico e material da coisa corpórea”, afirma que, além destes requisitos, a lex Aquilia exigia que a danificação fosse feita iniuria, isto é, contra a lei. Mais tarde, os jurisconsultos entenderam que a palavra iniuria não significava apenas o ilícito, o contrário à lei, mas implicava, também, a culpabilidade do autor do dano. Exigiu-se, pois, que o dano causado o fosse dolosa ou ao menos culposamente, sendo imputável também a mais leve negligência: in lege Aquilia et levissima culpa venit (Digesto, Livro 9, Tít. 2, 44). Outrossim, as sanções da lex Aquilia aplicavam-se, mais tarde, a outros casos de danificação, além das restrições originárias acima mencionadas, como aos prejuízos causados por omissão ou verificados sem o estrago físico e material da coisa.

Esse sentido aquiliano da mais leve culpa levar à indenização está presente no art. 186, 1a parte, do CC (art. 159 do CC anterior). O descumprimento das obrigações relativas a esse novo delito civil era sancionado pela actio legis Aquiliae, que era promovida pelo proprietário da coisa danificada contra o autor do ato ilícito, que devia pagar o dano emergente (damnum emergens) e o lucro cessante (lucrum cessans). Todavia, mesmo no Direito justinianeu, em que se nota a tendência de tornar-se a actio legis Aquiliae “remédio jurídico, de caráter geral, para os danos praticados em coisa alheia”, pondera José Carlos Moreira Alves36, não

se chegou a conceber a figura autônoma do ato ilícito, como acontece no Direito moderno, “graças à construção dos autores do Direito intermédio, elaborada sobre textos romanos”. Repita-se, nesse passo, a lição de Ulpiano37, segundo a qual, pela Lei Aquília, a mais leve culpa deve ser considerada (in lege Aquilia et levissima culpa venit). Com a evolução do conceito de responsabilidade extracontratual, esta ampliou-se em seu significado, abrangendo, também, a indenização de danos, sem existência de culpa, o que se constitui em verdadeiro risco aos que, em face da lei, se sujeitam a repará-los. Não se pode falar, nessa hipótese, em ilicitude, mesmo ante a reparação do dano. Da responsabilidade extracontratual, então, surgem duas subespécies: a responsabilidade delitual ou por ato ilícito, que resulta da existência deste fora do contrato, baseada na ideia de culpa, e a responsabilidade sem culpa, fundada no risco. Para que se configure a culpa, genericamente considerada, indaga-se se o sujeito, autor do dano, agiu dolosa ou culposamente; prende-se esta indagação, diretamente, ao sujeito, daí ser conhecida pela doutrina por subjetiva essa responsabilidade extracontratual, que resulte de uma ação ou omissão, lesiva a determinada pessoa. A cogitar-se da responsabilidade pelo risco, entendem-na os doutrinadores objetiva, pois basta a ocorrência, objetivamente, de algum dos fatos previstos em lei para que ela se materialize, responsabilizando-se aquele que, em decorrência de sua atividade, ensejou a existência do risco.

É requisito essencial da iliceidade a atuação dolosa ou culposa do agente lesionário, pois, como sabem, existem ocorrências danosas, de que não deriva responsabilidade, tal em face do caso fortuito ou da força maior. A indenização só será devida se existir o dano, e nem todo dano se indeniza – vejam-se as hipóteses contidas no art. 188 do CC. Se a pessoa, por sua negligência, ocasiona um incêndio em sua casa, quem nela penetrar, quebrando uma porta, para salvar uma vida, não será obrigado à reparação desse dano. O perigo, que se procura remover, adveio de culpa do dono do objeto danificado (art. 188, II, c/c art. 929 do CC, que adiante estudaremos, mais detalhadamente). Também, como vimos, havia resistência, em certos casos, para a indenização do dano moral que, no Direito pátrio, não apresentasse repercussão econômica. Todavia, com o advento da Constituição de 1988, admite-se, amplamente, o ressarcimento nesse campo (art. 5o, X). Tenha-se presente, entretanto, que o dano moral somente pode ser admitido se houver culpa do agente. Não pode, portanto, cogitar-se de dano moral em caso de responsabilidade objetiva pura (em que não se vislumbra culpa), conforme item 4, adiante. Cite-se, como ilustração de responsabilidade civil pelo risco, a atividade de um grande empresário. No desempenho dela, no afã de movimentar sua empresa, ele reparte-se, distribuindo atribuições a seus subordinados, que, no mais das vezes, não têm condição econômico-financeira sequer sofrível. Ante o risco criado por essa atividade, que visa a obtenção de um lucro, desumano seria que os prejuízos dela advindos não fossem reparados, ante a nenhuma fortuna de seus causadores diretos.

Imaginemos a empresa em funcionamento: funcionários praticando atos de toda a sorte, movimento intenso de entrada e saída de mercadorias, veículos transportando-as etc. De repente, um caminhão, que abalroa; um empregado, que se acidenta; o dano está causado. Onde a culpa? Do empregado paupérrimo? E a vítima? Estas perguntas não seriam respondidas, proficientemente, pela ciência jurídica, se a teoria do risco não viesse a responsabilizar a pessoa que o propiciou, pois, só pela teoria subjetiva, muito difícil seria a responsabilização da empresa, ante a impossibilidade de culpála pelo ocorrido. Analisemos a matéria exposta, pelo quadro, adiante:

3 A culpa como fundamento da responsabilidade extracontratual e o risco Em nosso CC, o grande fundamento da responsabilidade extracontratual é a culpa, embora, como vimos, se admita responsabilidade sem culpa, que se vem impondo aos povos modernos, ante a insuficiência da culpa à cobertura de todos os danos. O art. 186 de nosso CC, cuidando do ato ilícito, prescreve que este existe, quando alguém, por ação ou omissão voluntária (dolo), negligência ou

imprudência (culpa), viola direito ou causa dano a outrem, em face do que se responsabiliza pela reparação dos prejuízos. Nesse passo, o Código assenta a responsabilidade na culpa, em sentido amplo, que abrange a culpa em sentido estrito (todas as formas de negligência) e o dolo, que é a culpa gravíssima, intencionalmente dirigida à consecução do fim ilícito. É de lembrar-se a lição de Alvino Lima38, que, após admitir que “a teoria da culpa vem consagrada, como princípio fundamental, em todas as legislações vigentes”, adverte, com base em vários autores, entre os quais Josserand, que estava, todavia, reservada à teoria clássica da culpa o mais intenso dos ataques doutrinários que talvez se tenha registrado na evolução de um instituto jurídico. As necessidades prementes da vida, o surgir dos casos concretos, cuja solução não era prevista em lei, ou não era satisfatoriamente amparada, levaram a jurisprudência a ampliar o conceito da culpa e acolher, embora excepcionalmente, as conclusões das novas tendências doutrinárias,

referindo-se o autor à implantação, a pouco e pouco, da responsabilidade objetiva, pela teoria do risco. Tanto o instituto jurídico da culpa como o do risco devem coexistir, para que se fortaleça a ideia de que a responsabilidade civil extracontratual, com ou sem culpa, deve ser a cidadela de ataque a todos os prejuízos que se causam na sociedade. Como, em síntese, aponta Louis Josserand39, “a responsabilidade moderna comporta dois polos, o polo objetivo, onde reina o risco criado, o polo subjetivo, onde triunfa a culpa, e é em torno desses dois polos que gira a vasta teoria da responsabilidade”.

Entretanto, a crescente tecnicização da vida moderna vai levando o homem a uma vivência quase maquinal, de onde promana, em grau cada vez maior, a brutalidade, que estorva a subjetividade, mesmo nos condicionamentos jurídicos. Com razão, pontifica Antônio Chaves40 que “não há, a rigor, contrato, atividade, ato, até mesmo abstenção, que não contenha o germe de uma responsabilidade criminal ou civil”. Por isso que, continua, “numa ocasião em que se contam às centenas de milhares as vítimas de acidentes de trânsito e das negligências ou imperícias profissionais, apresentam-se não sob o manto de conveniência, mas de uma necessidade imperiosa lançar mão dos dois recursos técnicos possíveis: a teoria do risco e o seguro obrigatório”. Destaque-se, nessa oportunidade, entretanto, que, mesmo nos casos de aplicação da teoria do risco, previstos no CC, ensejavam indenização por culpa de outrem, por aquele que não teve culpa ou cuja culpa fosse presumida na lei. Atualmente, também, além dos casos taxativos de responsabilidade objetiva, na lei, admite-se ainda obrigação de reparar o dano, quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem (parágrafo único do art. 927, in fine). Assim, quando o empregador, ainda que sem culpa, é levado a indenizar, por culpa de seu empregado, sem condições de fazê-lo, em tese, quem está pagando é o empregado, pois o empregador pode voltar-se contra o patrimônio dele, para reembolsar-se do que pagou (direito de regresso). Todavia, na responsabilidade pelo risco da atividade, no mais das vezes, não haverá contra quem regressar.

4 Minha proposta de subclassificação da responsabilidade civil extracontratual objetiva: em pura e impura Por isso, costumamos41 dizer que há duas categorias de responsabilidade com fundamento na teoria do risco: pura e impura. A impura tem, sempre, como substrato, a culpa de terceiro, que está vinculado à atividade do indenizador. A pura implica ressarcimento, ainda que inexista culpa de qualquer dos envolvidos no evento danoso. Nesse caso, indeniza-se por ato lícito ou por mero fato jurídico, porque a lei assim o determina. Nessa hipótese, portanto, não existe direito de regresso, arcando o indenizador, exclusivamente, com o pagamento do dano. Assim, por exemplo, se, por um fato jurídico (tufão), um recipiente de ácido (instalado com toda segurança) é arrastado a um rio, causando danos ecológicos, a obrigação de indenizar existe, como também por ato lícito, de uma empresa poluente, que está autorizada à sua atividade, dentro de certos parâmetros, controlados por órgãos públicos. Por exemplo, empresa poluidora, fiscalizada pela Companhia Estadual de Tecnologia de Saneamento Básico e de Defesa do Meio Ambiente – CETESB. A indenização existe, portanto, tão somente, por causa da atividade de risco, conforme definido no § 1o do art. 14 da Lei n. 6.938, de 31 de agosto de 1981, regulamentada pelo Dec. n. 99.274, de 6 de junho de 1990 (verbis: “Sem obstar a aplicação das penalidades previstas nesse artigo, é o poluidor obrigado, independentemente da existência de culpa”, seja por ato lícito ou por fato jurídico, “a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade. O Ministério Público da União e dos

Estados terá legitimidade para propor ação de responsabilidade civil e criminal, por danos causados ao meio ambiente”). A par dessa responsabilidade objetiva, só por danos diretos e imediatos, no aludido dispositivo legal, o mencionado Regulamento, no parágrafo único de seu art. 14, completa: “As normas e padrões dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios poderão fixar parâmetros de emissão, ejeção e emanação de agentes poluidores, observada a legislação federal.” O mesmo acontece relativamente aos danos causados por atividades nucleares, como se assenta no art. 4o da Lei n. 6.453, de 17 de outubro de 1977: “Será exclusiva do operador da instalação nuclear, nos termos desta Lei, independentemente da existência de culpa, a responsabilidade civil pela reparação de dano nuclear causado por acidente nuclear”, nas situações previstas nos incisos desse mesmo dispositivo legal. O Código de Defesa do Consumidor (CDC), ao seu turno, fundiu as espécies de responsabilidade civil, com conceitos próprios. Assim, cuida da responsabilidade pelo fato do produto e do serviço, declarando, quanto ao defeito do produto, que o fabricante, o produtor, o construtor, nacional ou estrangeiro, e o importador respondem por ele “independentemente da existência de culpa” (art. 12); do mesmo modo responde o fornecedor de serviços pelos defeitos relativamente à sua prestação (art. 14). Somente a responsabilidade pessoal dos profissionais liberais deverá ser apurada mediante verificação de culpa (art. 14, § 4o). Como

resta

evidente,

a

fixação

da

responsabilidade

objetiva,

principalmente nos casos de responsabilidade pura, é da competência exclusiva do legislador; pois, quer presumindo culpa, ou independentemente dela, é preciso que se fixe, na lei, a atividade perigosa e seus limites, como

medida de segurança indispensável. Ressalvem-se as atividades de risco, previstas no parágrafo único, in fine, do art. 927 do CC. Tal ônus, e tão pesado, não pode surtir de interpretação e de decisões judiciais, sem um fundado argumento, autorizado por lei, o que, além da insegurança,

no

âmbito

obrigacional,

traria

riscos

imprevistos

e

incontornáveis aos interessados. Cite-se, como exemplo de jurisprudência criando responsabilidade objetiva, a do STF, que, por vários acórdãos, admitiu, extrapolando o sentido da Súmula 341, e do fundamento em doutrinação de Aguiar Dias, que o proprietário do veículo não se exime de responsabilidade, se este continua matriculado em seu nome, embora vendido e no poder de terceiro, causador do dano. Presume-se, portanto, a responsabilidade de quem figura como proprietário do veículo na repartição competente42. Destaque-se que essa jurisprudência criativa, que ultrapassou os limites da Súmula 341, citada, que presume a culpa do patrão ou do comitente, pelo ato culposo do empregado ou do preposto, não foi acompanhada pelos Tribunais dos Estados, que continuaram a atuar nos limites da elástica interpretação da lei, mas, sem responsabilidade objetiva, tarefa só cometida, como visto, ao legislador e atualmente à extrema cautela do Poder Judiciário. Todavia, essa interpretação criativa do STF foi eliminada pela jurisprudência do STJ, que editou a Súmula 132, no sentido de que “a ausência de registro da transferência não implica a responsabilidade do antigo proprietário por dano resultante de acidente que envolva o veículo alienado”. Desse modo, provada a venda do veículo, não mais responde seu antigo proprietário pelos danos causados pelo seu comprador.

Na mesma linha de jurisprudência criativa, citada, existem decisões do STF, que resultaram em sua Súmula 492, segundo a qual “a empresa locadora de veículos responde, civil e solidariamente, com o locatário, pelos danos por este causados a terceiros, no uso do carro locado”. Essa interpretação elástica e criativa do aludido art. 932, inciso III, do CC, tem sido acolhida pelo STJ43. Entendo que o contrato de locação firmado pelo proprietário do veículo com o conducente (o mesmo aconteceria no contrato de comodato) transfere o uso e a guarda da coisa ao locatário, que deve ficar responsável por sua atuação danosa. Não se vislumbra, nesse caso, relação laborativa ou de mera preposição, mas de contrato autônomo, independente. A atividade do locatário, sim, pode ser, atualmente, considerada perigosa, de risco, não a do locador, entendemos, ainda. Ressalte-se que, nesse caso da Súmula 492, existem duas relações jurídicas distintas: uma de responsabilidade contratual (locadora e locatário do automóvel) e outra de responsabilidade extracontratual (eventuais atos ilícitos do mesmo locatário causando prejuízos a terceiros). Não pode, portanto, a locadora ser responsável pelos atos ilícitos do locatário do veículo. A responsabilidade da empresa locadora subsistirá, entretanto, se ela locar seu veículo, com motorista, seu empregado. Nesse caso, sim, aplica-se o disposto no mencionado art. 932, inciso III, do CC, no nosso entender. Pelo esquema, adiante, temos:

5 Nexo de causalidade 5.1 Conceito Nexo de causalidade ou causal é o liame que se estabelece entre o fato danoso e o dano. Sem essa relação causal não há responsabilidade civil. O fato, que pode resultar de uma atuação ilícita ou de uma situação definida em lei, é pois imprescindível como causa geradora da indenização. Essa questão do nexo, como visto, é de fato (quaestio facti) e não de direito (quaestio iuris). 5.2 Teorias explicativas Podemos destacar, fundamentalmente, três teorias, que procuram explicar o nexo causal: (a) a teoria da equivalência das condições (conditio sine qua non); (b) a teoria da causalidade adequada; e (c) a teoria dos danos diretos e imediatos. Pela teoria da equivalência das condições, todas as concausas, condições e circunstâncias que tenham concorrido para o evento danoso devem ser consideradas englobadamente como causas. Sem esse somatório de condições e circunstâncias, o prejuízo não ocorreria. Essa teoria é por demais abrangente, levando a uma cadeia infindável de causas, sem qualquer lógica de entendimento razoável. Reconhecendo a “inconveniência dessa teoria, pondera Gustavo Tepedino44 sobre sua “desmensurada ampliação, em infinita espiral de concausas, do dever de reparar, imputado a um sem-número de agentes. Afirmou-se, com fina ironia, que a fórmula tenderia a tornar cada homem responsável por todos os males que atingem a humanidade”. Menciona, ainda, o exemplo

dado por Binding, também citado por Wilson Melo da Silva, que mostra o absurdo do acolhimento dessa teoria, qual seja, a cumplicidade, no adultério do marceneiro que fabricou o leito em que se deitou o casal de amantes. Chama-se esta teoria, também, da condição sine qua non, porque a atuação do autor do dano é a única condição para que o dano ocorra. Quanto à teoria da causalidade adequada, deve existir uma condição que provocou o dano. Ou a causa é adequada à produção do prejuízo ou não é, por ser meramente acidental. Essa teoria nos leva à causa capaz de produzir o dano. Os doutrinadores, em geral, citam o exemplo da pessoa que deu uma pancada leve no crânio de outrem, que, em uma pessoa normal, não causaria qualquer dano, sequer pequeno ferimento. Todavia, a vítima da pancada, sendo portador de fragilidade dos ossos do crânio, que já se encontrava fraturado, vem a falecer. Essa causa não é adequada para produzir a morte. Contudo, pela teoria da equivalência de condições, essa batida considerada conditio sine qua non para ocasionar o falecimento. Considerando, agora, a teoria dos danos diretos e imediatos (melhor seria mediatos), embora congregue as duas teorias antes analisadas, é mais razoável e decorre da posição adotada pelo legislador brasileiro, no art. 403 do CC atual (art. 1060 do CC de 1916). O citado art. 403 assenta: “Ainda que a inexecução resulte de dolo do devedor, as perdas e danos só incluem os prejuízos efetivos e os lucros cessantes por efeito dela direto e imediato, sem prejuízo do disposto na lei processual.” Lembra Arnaldo Rizzardo45 que

Interessa, no caso, o dano que é efeito direto e imediato do fato causador, e não o remoto, ou o advindo de novas causas. Apenas aqueles danos que têm relação com o fato ocorrido, e não outros que aparecem”... “Se o ato desencadeou uma alteração anatômica do organismo humano, mas se uma segunda causa agrava esta alteração, a conclusão é que surge um fenômeno superveniente, o qual determina um segundo resultado, a que deve responder o provocador.

Acentua, ao seu turno, Carlos Roberto Gonçalves46 que “ao legislador, portanto, quando adotou a teoria do dano direto e imediato, repugnou-lhe sujeitar o autor do dano a todas as nefastas consequências do seu ato, quando já não ligadas a ele diretamente”. No que agiu com acerto. Eu tratei47 do dano direto e indireto, anteriormente, dando exemplo de alguém que sofre um atropelamento (ato ilícito), sendo removido a um hospital, com pequenas escoriações, pelos danos causados, diretamente ligados ao acidente. Aí, a causa direta pela qual deve responder o causador desse acidente. Se o atropelado vem, depois, a falecer nesse hospital, em razão de um erro médico, por uma injeção aplicada indevidamente, ou pela aquisição de uma doença, esse novo resultado deve ser suportado pelo seu causador. É o que se depreende do art. 403 do CC. 5.3 Excludentes Como vimos, anteriormente, não existe responsabilidade civil sem a relação de causalidade. O nexo é, portanto, uma relação necessária, para que exista responsabilidade. Às vezes, o evento acontece, mas depara com uma exceção; é o que chamamos de excludente, que atenua ou extingue a obrigação de indenizar. As excludentes da responsabilidade são: a) a culpa, exclusiva ou concorrente, da vítima;

b) o fato de terceiro; c) o caso fortuito ou de força maior; d) legítima defesa e exercício regular de um direito; e) estado de necessidade; e f) a cláusula de não indenizar, no campo exclusivamente da responsabilidade contratual.

Assim, havendo culpa exclusiva da vítima, esta, em verdade, foi a causadora do evento danoso. Cite-se o caso de alguém que queira suicidar-se e se jogue, inopinadamente, na frente de um veículo em movimento. Outro caso é o da empresa que se utiliza de um combustível errado ou em desconformidade com a orientação contratual, comprometendo a estrutura de um maquinário altamente sofisticado. Nesses casos, não existe possibilidade de indenizar, respondendo a própria vítima, integralmente, pelo dano causado. Já se a culpa for concorrente, causada pela atuação do agente causador do prejuízo e pela vítima, a responsabilidade fica atenuada, repartindo-se entre os culpados a indenização, na proporção que o juiz entender justa, de acordo com as circunstâncias do caso. No caso de culpa concorrente, tem-se admitido a repartição do prejuízo entre os culpados, pela metade. Se o grau de culpabilidade for o mesmo, entendo correta a solução; entretanto, se for diverso o grau de culpabilidade, a divisão dos danos entre os culpados deve obedecer o critério proporcional a esse grau. Se a excludente ocorrer por fato de terceiro, este pode ser considerado qualquer pessoa que não seja o agente causador do dano e a vítima. Desse modo, a exclusão de responsabilidade do agente ocorre se for constatada a culpa exclusiva do terceiro, sem ter esse fato sido provocado

pelo agente ofensor. Sendo o terceiro culpado, o fato por ele causado deve ser ilícito. Destaque-se que, com relação ao contrato de transporte, existia a Súmula 187 do Supremo Tribunal Federal, que assentava seu fundamento nos arts. 17 e 18 do Decreto Legislativo n. 2.681, de 1912: verbis: “A responsabilidade contratual do transportador, pelo acidente com o passageiro, não é elidida por culpa de terceiro, contra o qual tem ação regressiva.” Todavia, esse ato culposo de terceiros, em muitas situações enquadra-se, perfeitamente, como caso fortuito ou força maior, quando o evento por eles causado não puder, por qualquer modo, ser evitado, tornando impossível o cumprimento contratual pelo transportador. Assim, nossa Jurisprudência48 tem excluído a responsabilidade do transportador, em caso de “roubo ocorrido dentro do ônibus”, “de assalto praticado dentro do ônibus”, quando “não for frequente”, de “disparos efetuados por terceiros contra os trens” ou “pedras atiradas nas janelas, ferindo passageiros”, a não ser, neste caso, quando for frequente esse evento, em determinadas áreas; além de outros casos. Quando existe atuação ilícita de terceiros, com frequência, em certos lugares conhecidos, exclui-se a existência de caso fortuito, sendo devida a indenização49. “A imprevisibilidade exonera de responsabilidade civil a transportadora”50; o ato de terceiro, sendo equiparável ao caso fortuito ou força maior, deve ser inevitável51.

Portanto, a jurisprudência tem considerado o fato de terceiro, na responsabilidade civil do transportador, como caso fortuito ou força maior, porque o evento acontece de modo inevitável.

Tenha-se presente, ainda, que, com o advento do Código de Defesa do Consumidor (CDC), pela Lei de 11 de março de 1991, ficou revogado o art. 18 do citado Decreto Legislativo n. 2.681/1912, pois a culpa exclusiva do terceiro, atualmente, exclui a responsabilidade do transportador, não implicando qualquer relação com o contrato de transporte (art. 14, § 3o, II, do CDC). Assim, no caso de um ônibus ser abalroado por um caminhão desgovernado, que, ultrapassando o guard rail, vindo da outra pista da estrada, a empresa de ônibus não indenizará, pois nenhum defeito ocorreu na prestação do serviço dessa transportadora, que, isto sim, inopinadamente, foi interrompida, no cumprimento de sua obrigação de transportar. O fato de terceiro foi imprevisto e inevitável. A causa direta do dano foi o abalroamento do ônibus pelo caminhão. A excludente, por outro lado, pode ocorrer por caso fortuito ou força maior, não incidindo responsabilidade civil, nesse caso. Procurando diferenciar o caso fortuito da força maior, ao comentar o art. 1.058 do Código Civil de 1916, acentua Clóvis Beviláqua52 que o primeiro, conforme o conceito de Huc, é “o acidente produzido por força física ininteligente, em condições, que não podiam ser previstas pelas partes”. A segunda “é o fato de terceiro, que criou, para a inexecução da obrigação, um obstáculo, que a boa vontade do devedor não pode vencer”. “O essencial”, completa o autor, “é, pois, que do fato resulte a impossibilidade, em que se acha o devedor, de cumprir a obrigação”. Caso fortuito seria o acontecimento natural, sem intervenção da vontade humana, e força maior o fato do terceiro ou do credor, ambos inevitáveis, com completa impossibilidade do cumprimento obrigacional.

Nossa jurisprudência vem considerando como sinônimas essas expressões, como consideraram o Código Civil de 1916 e o de 2002. Este último assenta: Art. 393. O devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior, se expressamente não se houver por eles responsabilizado. Parágrafo único. O caso fortuito ou de força maior verifica-se no fato necessário, cujos efeitos não era possível evitar ou impedir.

Assim, para efeito meramente acadêmico, constitui-se força maior o acontecimento do ser humano que impede o cumprimento da obrigação, como uma greve, um movimento popular, que bloqueie um caminhão impedindo a entrega de mercadorias, uma ordem judicial; ou caso fortuito como um terremoto, um incêndio, um raio, a queda de barreira que impedem a realização obrigacional. Na prática, os efeitos são iguais, tanto do caso fortuito como da força maior. (Ver, ainda, sobre a matéria, o Capítulo 42 deste volume, sobre Inexecução Obrigacional Escusável. Caso Fortuito. Força maior – com mais informações.) Também exclui a responsabilidade civil a atuação em legítima defesa ou no exercício regular de um direito reconhecido, por não se configurar o ato ilícito (art. 188, inciso I do CC)53. A legítima defesa encontra seus elementos conceituais no art. 25 do Código Penal, que enuncia seus pressupostos: agressão atual ou iminente; de caráter injusto; e moderação dos meios defensivos empregados. Na impossibilidade de recorrer ao Poder Judiciário, no momento em que ocorre a agressão injusta, o Estado autoriza que a pessoa se defenda, por desforço próprio, contra essa violência a direito seu ou de outrem, que acaba de acontecer ou está na iminência de tornar-se concreta.

O Código Civil atual e o de 1916 não conceituaram a legítima defesa; contudo, referem-se à possibilidade de desforço pessoal na legítima defesa da posse, respectivamente, no § 1o do art. 1.210 (atual Código) e no parágrafo único do art. 502 (Código de 1916), com textos idênticos. O mencionado § 1o clarividencia que o possuidor, estando a sofrer turbações ou tendo sido esbulhado, poderá manter-se ou restituir-se, por sua própria força, desde que o faça logo e que os atos de defesa ou de desforço sejam os indispensáveis à manutenção ou reintegração possessória. Dúvidas houve quanto ao exato significado da palavra logo; todavia, ela sempre foi entendida pelo advérbio imediatamente. Assim, a legítima defesa é a que ocorre imediatamente após a violência; o desforço deve ser imediato e justo, quando moderado. Por outro lado, entendo que os incapazes praticam atos, nulos e anuláveis, conforme o caso, e que se defendem, como qualquer adulto, diante das adversidades que lhes opuserem. É que o ato de defesa não necessita de capacidade do agente, a não ser da defensiva, que, certamente, não terá um recém-nascido. Na maioria dos atos jurídicos, os incapazes não manifestam sua vontade validamente, mas, mesmo incapazes, exercitam seus instintos pressentindo a presença do mal. Muitas vezes, um menor absolutamente incapaz é ouvido em juízo sobre questão de sua guarda, ante a separação de seu pai e sua mãe, e prefere estar com um ou com outro. O absolutamente incapaz que se defende nem pode ter faculdade de defesa, pois sua opção, sua capacidade de escolha, está obstada, por exemplo, por uma falta completa de manifestação de vontade. Assim, a defesa pode ocorrer em função do próprio instinto da pessoa que sofre a violência e a repele.

Assim como o incapaz pode praticar atos jurídicos ilícitos, criando responsabilidade extracontratual (por exemplo, a destruição de uma coisa), pode ele praticar atos defensivos, ante a violência contra ele perpetrada. A legítima defesa não só abrange os direitos de quem a exerce, mas também direitos de terceiros. Assim, quem age em legítima defesa pode estar defendendo pessoas ou bens alheios, o que demonstra o caráter social do instituto em causa. Nesse passo, pode acontecer que um possuidor, como o locatário ou o comodatário, defenda a propriedade da coisa possuída contra a violência a ela praticada. Veja-se, mais, que o art. 188 declara expressamente não constituírem atos ilícitos os que ocorrem no exercício regular de um direito reconhecido. Desse modo, os atos assim praticados, não sendo ilícitos, não causam a responsabilidade de seus agentes. Assim acontece quando alguém exerce seu direito de crédito, penhorando bens do devedor, removendo-os ao depositário público, com autorização judicial; promove ação de despejo e retoma o imóvel locado; constrói regularmente em seu terreno, tolhendo a vista do mar de que desfrutava o vizinho prejudicado. O direito reconhecido encontra-se na esfera da atuação jurídica, nos moldes da lei ou do contrato. O estado de necessidade, igualmente, é excludente de responsabilidade, pois quem age nessa situação, deteriorando ou destruindo coisa alheia, ou lesando pessoa, para remover perigo iminente, não comete ato ilícito (art. 188, II, e parágrafo único do CC)54.

Como demonstrado no estudo da legítima defesa, o Código Penal mostra os elementos conceituais do estado de necessidade, em seu art. 24, pelo qual considera-se em estado de necessidade quem pratica o fato para salvar de perigo atual, que não provocou por sua vontade, nem podia de outro modo evitar, direito próprio ou alheio, cujo sacrifício, nas circunstâncias, não era razoável exigir-se.

Deve haver, então, ou seja, “uma ameaça a direito próprio ou alheio e que um bem jurídico esteja em risco”, para que o sujeito pratique ato típico para salvá-lo. Esse perigo, criado pela natureza ou por pessoa, deve ser atual, com probabilidade de causação de dano, presente e imediato, ao bem jurídico. Esse perigo deve ser inevitável, não podendo ser impedido pelo agente, e a ação deste deve ser imprescindível, sem que seja possível socorrer-se de quem quer que seja. O § 1o do art. 24 do Código Penal veda, ainda, a possibilidade de arguição do estado de necessidade por quem tenha o dever legal de enfrentar o perigo. Nesse caso, pode citar-se o bombeiro que, por sua profissão, tem o dever legal de enfrentar as chamas, para salvar pessoas e a propriedade alheia. Assim, um acontecimento natural (tempestade, terremoto), ou criado por pessoas (incêndio, acidente de automóvel), pode levar alguém que não causou o evento a salvar-se e não outra pessoa envolvida nele, ou coisa sua e não de outrem, sendo inevitável qualquer das perdas. Pode acontecer que o perigo surja em razão de culpa do agente, como no caso de ter provocado o incêndio de sua casa, por sua negligência, por não ter evitado problema que vinha acontecendo relativo à instalação elétrica. Nesse caso, o agente não pode valer-se do estado de necessidade salvando-se ou a coisa sua, conforme o caso programado nos exemplos anteriores. Isso porque

a culpa (negligência, imprudência ou imperícia), em direito privado, constitui-se em espécie de ato ilícito culposo. Depois de estudar inúmeras teorias que procuram solucionar a questão da responsabilidade civil, nos casos de estado de necessidade, Alvino Lima55 tira conclusão geral: “estamos em face de uma responsabilidade sem culpa”. O art. 188 inclui em seu inciso II a expressão: ou a lesão a pessoa, que não constava do inciso II do art. 160 do Código de 1916. Desse modo, não só o perecimento, parcial ou total, da coisa alheia pode ocorrer na remoção do perigo iminente, mas também a lesão a pessoa. Pode ocorrer que, em um naufrágio, alguém possa salvar somente algumas coisas que lhe pertencem e não outras alheias, que lhe foram emprestadas; ou que possa salvar-se e não, também, um amigo seu ou mesmo um parente seu. Aí o estado de necessidade. Quanto ao prejuízo, o parágrafo único do art. 188 estabelece que o ato será legítimo quando as circunstâncias o tornarem absolutamente necessário, completando o mesmo dispositivo legal, quanto a sua limitação, que ele não poderá exceder os limites para a remoção do perigo. Finalmente, as partes podem, no contrato, isentar-se de pagamento indenizatório, no caso de inadimplemento obrigacional ou de execução inadequada por meio de cláusula de não indenizar ou de irresponsabilidade. Conceitua Sílvio Rodrigues56 a cláusula de não indenizar como a estipulação pela qual “uma das partes contratantes declara, com a concordância da outra, que não será responsável pelo dano por esta experimentado, resultante da inexecução ou da execução inadequada de um contrato, dano este que, sem a cláusula, deveria ser ressarcido pelo estipulante”.

Acentua José de Aguiar Dias57 que há várias correntes doutrinárias sobre a possibilidade de admissão da cláusula de indenizar: alguns juristas entendemna contrária ao interesse social, fomentando desídia, negligência etc.; por isso, a condenam; outros admitem-na, amplamente, com fundamento na autonomia da vontade; havendo posições intermediárias, com a sua admissão com restrições maiores ou menores. Esta última corrente é a mais razoável, admitindo-a Sílvio Rodrigues58. Assim, também entendo que essa cláusula pode ser admitida, desde que preenchidos três requisitos: bilateralidade; não ofender norma cogente, a ordem pública e aos bons costumes; e não acobertar o dolo. A bilateralidade de consentimento é imprescindível, resultando de transação, não podendo existir simples declaração unilateral para excluí-la. É comum, por exemplo, a expressão: “não nos responsabilizamos por perda de objetos deixados em veículos”. Esta declaração é ineficaz. Nesse sentido, o parágrafo único do art. 649 do CC estabelece que: “Os hospedeiros responderão como depositários, assim como pelos furtos e roubos que perpetrarem as pessoas empregadas ou admitidas nos seus estabelecimentos.” Essa norma é de ordem pública, mas pode ser interpretada como se referindo a coisas comuns de bagagens dos viajantes (caput do art. 649. Por isso é que, geralmente, os hoteleiros recomendam aos hóspedes que guardem em cofres de seus estabelecimentos objetos valiosos, como joias, dinheiro, documentos importantes etc. Nesse caso, entendo que existe até negligência do hóspede em deixar ao risco de furto ou roubo tais objetos. A mesma responsabilidade existe nas garagens e nos estacionamentos.

Nosso legislador não se manifesta expressamente sobre a admissibilidade da cláusula de indenizar, nem no CC de 1916, nem no atual, como o fizera Caio Mário da Silva Pereira, em seu Anteprojeto de Código de Obrigações59, acolhendo os limites dessa cláusula, justamente, com os três requisitos atrás expostos. Desse modo, além da bilateralidade, a cláusula não pode ferir norma cogente, nem a ordem pública e aos bons costumes, como a regra do art. 649, já citada. Também não pode ser acobertado, pela cláusula, o dolo, pois seria inadmissível alguém valer-se de cláusula de exclusão de sua responsabilidade decorrente de sua atuação dolosa. Lembre-se ainda, de que, “Em contrato de transporte, é inoperante a cláusula de não indenizar”, conforme Súmula 161 do Supremo Tribunal Federal. Igualmente, nas relações de consumo, é vedada a utilização de cláusulas de não indenizar. Realmente, o art. 25 do Código de Defesa do Consumidor (CDC) assenta: “É vedada a estipulação contratual de cláusula que impossibilite, exonere ou atenue a obrigação de indenizar prevista nesta e nas seções anteriores.” Tudo no sentido de proteger a parte mais fraca na relação de consumo, o consumidor, que se encontra com sua vontade reduzida. Seu pagamento indenizatório não pode sofrer qualquer restrição. 6 Responsabilidade civil em nosso Código 6.1 Generalidades

O CC de 1916, sob o rótulo “Das obrigações por atos ilícitos”, disciplinava, embora sem rígida sistematização, a matéria relativa à responsabilidade civil, guardando, em sua estrutura, a ideia da culpa, que é inevitável, quando se cogita da existência do ilícito, adotando, em algumas oportunidades, a teoria objetiva, do risco, da responsabilidade sem culpa. O atual CC cuida da Responsabilidade Civil, em dois capítulos: um sobre a obrigação de indenizar e outro sobre a indenização, propriamente. 6.2 Responsabilidade de indenizar O caput do art. 927 do CC reedita o sentido da indenização por ato ilícito e por abuso de direito, constante dos arts. 186 e 187. Desse modo, quem, por ato ilícito, causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo. Nesse artigo, cogita-se, portanto, da responsabilidade de indenizar com culpa do agente (caput), considerando-se a responsabilidade de indenizar, independentemente de culpa, no seu parágrafo único. Nesse ponto, o atual CC inova em duas situações: a responsabilidade objetiva pura, conforme o que estiver especificado em lei, e a responsabilidade objetiva pura em razão do risco criado pela atividade do agente, por sua “atividade normalmente desenvolvida”, que “implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem”. Eu sempre entendi que a responsabilidade objetiva pura, sem culpa do agente, deveria constar expressamente de lei e, agora, consta. Todavia, o atual CC cria uma abertura muito grande, deixando aos operadores do Direito, principalmente aos Juízes, a interpretação do que venha a ser “atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano”, que implique “por sua natureza risco para os direitos de outrem”.

Sim, porque, em toda atividade, ainda que normalmente desenvolvida, existe risco. Por isso, há que existir muita parcimônia, muito cuidado, na caracterização desse tipo de responsabilidade. Prefiro entender que o CC, nesse passo, refere-se às atividades perigosas. Lembre-se, nessa oportunidade, de que o CC português assenta, em seu art. 483, n. 2, que qualquer caso de responsabilidade objetiva deverá constar especificadamente em lei. Destaco, nessa feita, o art. 942 do CC, a demonstrar a responsabilidade patrimonial do autor do dano, que, assim, responde com seus bens por seu ato ilícito, estatuindo, mais, esse dispositivo legal, que, havendo mais de um autor do dano, todos serão, solidariamente, responsáveis por sua reparação, bem como os coautores desses autores e as pessoas retratadas no art. 932. 6.3 Responsabilidade dos pais, tutores e curadores Esse citado art. 932 enumera várias hipóteses de reparação civil, em seus cinco incisos. Primeiramente, trata da responsabilidade dos pais pela reparação dos danos, causados por seus filhos menores, que estiveram sob sua autoridade e em sua companhia, e, em seguida, da do tutor e do curador pelos pupilos e curatelados, que se encontrem nas mesmas condições. Tanto os pais têm o dever de cuidar de seus filhos menores, que com os mesmos se encontrem, como os tutores e curadores de seus tutelados e curatelados, sendo certo que a quebra desse dever de por eles zelar faz surgir, automaticamente, sua culpa por falta de vigilância (culpa in vigilando). Como se vê, a culpa dessas pessoas foi presumida, na lei, presunção essa iuris et de iure (absoluta), pois não pode ser ilidida por comprovação em contrário,

consoante se nota pelo exame do art. 933, cuja disposição assenta que essa responsabilidade existe ainda que não haja culpa das pessoas indicadas nesses incisos I e II, bem como, também, das que se indicam nos outros incisos III a V. A título de ilustração, o revogado art. 1.523 do CC de 1916 possibilitava, ante a presunção iuris tantum dos seus incisos I a IV, que as pessoas ali indicadas pudessem provar que não haviam concorrido para a causação do dano. Assim, também o era o § 4o do art. 68 do Decr. n. 17.943-A, de 12 de outubro de 1927 (Código de Menores), revogado pelo então aprovado pela Lei n. 6.697, de 10 de outubro de 1979, todos atualmente revogados. O art. 933 do CC, portanto, substitui a primitiva teoria subjetiva (da culpa), do revogado art. 1.523 do CC de 1916, pela teoria objetiva (do risco). Será, por exemplo, responsável o pai pelos danos que seu filho de 10 (dez) anos causar a terceiros, por utilização de um revólver, que lhe emprestara aquele ou deixara em cima de uma mesa ou que, sem culpa, foi encontrado por esse filho. O art. 180 do CC alude à responsabilidade do menor, entre 16 e 18 anos, que oculta dolosamente sua idade. O art. 928 do CC estabelece que o incapaz, em geral, deve responder pelos danos que causar, com seu patrimônio, se tiver, caso as pessoas por ele responsáveis não tiverem obrigação de fazê-lo ou não dispuserem de meios suficientes. Assim, respondem, em primeiro lugar, as pessoas indicadas no art. 932, incisos I e II; não sendo obrigadas ou não tendo patrimônio (meios suficientes) é que o incapaz deverá indenizar a vítima do dano por ele causado. Mesmo assim, deve a indenização ser fixada equitativamente, não privando do necessário para viver o incapaz ou as pessoas dele dependentes.

Mais uma vez, nessa parte do CC, está presente o instituto do favor debitoris, em que o devedor fraco economicamente merece o favor e a proteção do legislador. Como visto, o atual CC cuida da condição do incapaz, ante o dano por ele causado, não fazendo distinção entre menor relativa ou absolutamente capaz. Ante o CC de 1916, Clóvis Beviláqua e Caio Mário da Silva Pereira60 proclamavam

que

o

menor,

absolutamente

incapaz,

é

totalmente

irresponsável pela reparação dos danos causados por seus atos ilícitos, sendo, por esta, responsáveis seus pais, que o tiverem sob sua guarda, ou quem os substituir nesse encargo. Nesse caso, o menor não estava sujeito a indenizar. Suponhamos que seu responsável não possuísse patrimônio, em consequência do que também nada indenizaria. Mesmo que o menor tivesse bens, estes, segundo esse mencionado e revogado entendimento, não entrariam na composição reparatória dos danos. O CC atual é positivo, como visto, com as restrições que estabelece, ao admitir que o “incapaz responde pelos prejuízos que causar”, embora em segundo plano (art. 928, caput). Mas, a admitirmos tenha o ascendente pago os prejuízos, o art. 934 do CC veda a ele a possibilidade de reaver de seu descendente a soma paga em razão desse ressarcimento. Orlando Gomes61 bem revela esta situação, demonstrando que, verificados os pressupostos da responsabilidade paterna, nasce a obrigação de indenizar o dano causado pelo ato do filho menor. Ao contrário dos outros casos de responsabilidade por infração do dever de vigilância, o pai, que paga a indenização, não pode exercer ação regressiva contra o filho. Proíbe-a terminantemente a lei (CC, art. 1.524).

Ressalte-se, ainda, que o art. 934 impede esse direito de regresso contra descendente do indenizador, seja absoluta, seja relativamente capaz. 6.4 Responsabilidade do empregador ou comitente Por outro lado, o art. 932, em seu inciso III, prossegue na enumeração aludida, apreciando a responsabilidade do “empregador ou comitente, por seus empregados, serviçais e prepostos, no exercício do trabalho que lhes competir, ou em razão dele”. Completava esse inciso o art. 1.522 do CC de 1916, de que a mesma responsabilidade cabia às empresas “que exercerem exploração industrial”. Esse artigo em nada contribuiu ao entendimento do mencionado inciso; pelo contrário, conturbou sua clareza, fazendo parecer que a empresa que não se dedicasse à exploração industrial, como a associação civil (sem fins lucrativos), se encontrasse fora do âmbito da responsabilidade, o que não era de admitir-se. Isso no entender desse revogado artigo, pois por indústria compreende-se toda e qualquer atividade humana. A bom tempo revogou-se esse art. 1.522 do CC de 1916, sem correspondência no atual CC. A lei presume, de modo absoluto (art. 933 do CC), a responsabilidade do empregador, ante o ilícito procedimento de seu empregado, mesmo que não exista culpa daquele. A referida presunção absoluta, como vimos, assenta-se na ideia de que o empregador ou comitente devem bem escolher e vigiar seus subordinados, sob pena de serem responsáveis, respectivamente, por culpa em sua eleição (culpa in eligendo) e em sua vigilância (culpa in vigilando), e mesmo não havendo culpa de sua parte.

A Súmula 341 do STF, ainda na vigência do CC de 1916, como demonstra Roberto Rosas62, após muita dificuldade na alteração da jurisprudência dessa Corte de Justiça, no tocante à interpretação do art. 1.521, inciso III, do CC de 1916, ante o preceituado no revogado art. 1.523, do mesmo Estatuto, editouse, presumindo a culpa do patrão, ou comitente, pelo ato culposo do empregado ou preposto. E isso antes do atual CC. Considerando-se comitente o que dá ordens ao preposto, fiscalizando a atividade deste, o que se nota é que tanto ele, e o empregador, como o amo, mantêm, em clima de subordinação, respectivamente, o preposto, o empregado e o serviçal. O inciso, em análise, impõe circunstâncias para que essa responsabilidade exista: que o ato lesivo ocorra, estando os empregados, serviçais e prepostos no exercício de seu trabalho, ou em razão dele. Dessa forma, se um empregado sai à rua com um caminhão da empresa para entrega de mercadorias e ocasiona um acidente de trânsito, a empresa responde pelo dano causado, ainda que pudesse comprovar, além de ter bem escolhido o empregado que o fiscalizara, de toda a forma, a impedir tal acidente, o que se tornaria quase impossível, escondendo, por trás de si, essa situação, o acolhimento da teoria objetiva, do risco. Mesmo que esses subordinados exorbitem em suas funções, permanece a responsabilidade dos que ordenaram a atividade, cabendo a estes direito regressivo contra aqueles, em qualquer hipótese, para reembolsarem-se da indenização paga. Como vimos, o direito de reembolso existe, sempre, a não ser que o ocasionador do dano tenha sido o próprio empregador, genericamente falando, como, por exemplo, se este incumbe ao empregado de cobrar um

crédito que não existe, entregando-lhe um título falso, ordenando-lhe, em caso de não pagamento do mesmo, que o coloque em Cartório de Protesto. No caso especificado, o empregado foi mero e inocente instrumento da atitude dolosa do empregador. De ressaltar-se, nessa oportunidade, o papel de nossa jurisprudência, que, encarando realisticamente o problema, vinha decidindo pela aplicação da teoria do risco, a responsabilizar o empregador ou comitente, pela atuação culposa de seu empregado ou preposto, a ponto de nosso STF, pela aludida Súmula 341, editar que: “É presumida a culpa do patrão ou comitente pelo ato culposo do empregado ou preposto.” Tenha-se presente, entretanto, que essa posição do nosso Pretório Excelso encontra-se nos limites dos dispositivos legais interpretados, a demonstrar a responsabilidade do empregador ou do comitente, que deve indenizar, ocorrendo culpa de seu empregado ou de seu preposto. Cuida a espécie, portanto, de responsabilidade objetiva impura, com culpa subjacente. Entretanto, condenávamos, como demonstrado anteriormente, que essa situação do Código Civil de 1916, por atuação jurisprudencial, pudesse alçarse à condição de responsabilidade objetiva pura, indene de culpa do empregado ou do preposto, como a do proprietário de um veículo que continue responsável pelos danos causados por terceiros, depois de tê-lo vendido, só porque ainda esse objeto continua matriculado em seu nome. Por mais que se queira interpretar desse modo, a lei jamais apresentou esse conteúdo, no contexto do CC de 1916 e no atual. Repita-se, nesse passo, que a responsabilidade objetiva, seja pura ou impura, e, mormente, a primeira, devia resultar de lei e nunca da jurisprudência. Pelo atual CC, entretanto, como visto, abriu-se a possibilidade

da jurisprudência interpretar as atividades normalmente desenvolvidas pelo autor do dano, a implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem. Essa abertura muito genérica à interpretação dará margens à jurisprudência para entender o que seja essa atividade de risco. Entendo que ela deva ser perigosa, para que tal responsabilidade exista. Completando o entendimento do art. 932, inciso III, podemos incluir a responsabilidade solidária dos farmacêuticos pelos erros e enganos de seus prepostos, que vinha tratada no revogado art. 1.546 do CC, sem correspondente no atual. O CC de 1916 quis ressaltar, em apartado, a responsabilidade civil do farmacêutico, para evitar que pudesse ele procurar isentar-se dela, provando que não se houve com culpa pela escolha do preposto (culpa in eligendo) ou pela falta de vigilância (culpa in vigilando). No CC atual a responsabilidade existe independentemente de dispositivo legal específico. Havendo erro ou engano do preposto, tanto este quanto o farmacêutico serão solidariamente responsáveis. No artigo sob exame, encontra-se aplicada a teoria do risco, da responsabilidade objetiva. A complexidade do assunto mereceria tratamento monográfico, que escapa à índole deste trabalho, em face do que julgo suficientes as noções expendidas. 6.5 Responsabilidade dos hoteleiros O estudado art. 932, no seu inc. IV, prevê a responsabilidade civil dos “donos de hotéis, hospedarias, casas ou estabelecimentos”, onde se hospede,

mediante paga, mesmo com finalidade educativa, pelos prejuízos causados aos “hóspedes, moradores e educandos”. Como observamos, trata a lei civil da hospedagem remunerada, restando o hospedeiro responsável pela pessoa hospedada e pelos bens que a acompanham. Suponhamos que um empregado de um hotel quebre um objeto valioso do hóspede ou o furte; só pelo fato objetivamente considerado responde o hoteleiro. Pelo que se vê, a lei protege os que se encontram devidamente hospedados, não, por exemplo, alguém que esteja visitando o hotel, tão somente, percorrendo suas dependências. 6.6 Responsabilidade dos participantes a título gratuito, em produto de crime Essa hipótese mostra-se no inciso V, último, do art. 932, ora em exame. Por ela, são responsáveis pela reparação civil todos os que, a título gratuito, participarem “nos produtos do crime, até a concorrente quantia”. Não trata o Código, nessa parte, dos coautores do delito, que estão mencionados na parte final do caput do art. 942 e em seu parágrafo único. Os coautores do ato ilícito respondem, solidariamente, com seu autor direto. Assim, quem, sendo inocente perante o Direito Penal, receber determinado objeto, que seja produto de crime, resta no dever de devolvê-lo a seu legítimo proprietário. 7 Direito de regresso do indenizador do dano

Aquele que indenizar dano causado por outrem fica autorizado, pelo art. 934 do CC, a reembolsar-se da soma indenizatória, que pagou. Essa regra sofre uma única exceção, já vista, e, em meu entender, sem qualquer propósito, qual seja, a de impedir que o ascendente se reembolse de dano, por ele pago, causado por seu descendente. A princípio, pode parecer estranho que o pai se reembolse junto a seu filho, ou que o avô aja da mesma forma junto a seu neto; todavia, se tal ato pode causar espécie à moral familiar, é fruto de verdadeira justiça, pois os outros descendentes, irmãos do causador do dano, terão diminuídas as suas cotas hereditárias, por exemplo, em caso de falecimento do ascendente indenizador. Por outro lado, pode ocorrer que o ascendente seja de poucos recursos econômicos e financeiros, sendo rico o descendente, causador do dano. Enfim, não se justifica a quebra, só nessa hipótese, do princípio da igualdade. Quem sofre os mesmos ônus deve receber os mesmos benefícios. 8 Responsabilidade civil e criminal “A responsabilidade civil é independente da criminal”, reza a primeira parte do art. 935 do CC. A responsabilidade civil acarreta a necessidade de ressarcimento dos danos causados; a criminal, a de cumprimento da pena estabelecida na lei penal. Se, por exemplo, dois carros chocam-se, não existindo vítimas, só o fato do acidente automobilístico, em si, não acarreta responsabilidade penal; entretanto, a civil, pela reparação dos danos, existe. Se, por outro lado, em razão do acidente, alguém vitimar-se, sofrer lesões físicas, será a matéria submetida a tratamento penal. Nesse ponto, completa a segunda parte do artigo, em análise, o fato, que for objeto de julgamento, no

âmbito criminal, imputado a determinado autor, não pode ser questionado no juízo cível. A decisão criminal definitiva, que estabelece a culpabilidade de determinado agente, com relação a determinado fato, faz coisa julgada, no juízo cível, é exequível, desde logo, para que o dano se repare. 9 Responsabilidade objetiva no Código Civil O CC e algumas leis extravagantes (fora do Código) admitem, em certos casos, a aplicação da teoria objetiva do dano, baseada no risco e não na culpa do indenizador. Não esgotaremos o assunto, que comportaria extenso estudo, mas procuraremos dar uma visão bem genérica, que conceda um panorama geral da matéria. Toda vez que um prejuízo se causa, o princípio, que decorre de tal fato, é que deva ser ressarcido. Mesmo na excludente de iliceidade do art. 188, inciso II, diz o art. 929 do CC que, se a pessoa lesada ou o dono do objeto “não forem culpados do perigo”, terá direito à indenização pelos danos sofridos. De início, pode parecer uma contradição, dizendo o primeiro dispositivo que não se considera ato ilícito “a deterioração ou destruição da coisa alheia ou a lesão a pessoa”, desde que para remoção de perigo iminente, e o segundo que “a pessoa lesada, ou o dono da coisa”, nessas condições, têm direito à indenização. Quem remove o perigo, a tanto autorizado por lei, deve indenizar o proprietário do objeto perecido, total ou parcialmente, se o dono deste não for culpado. A responsabilidade do indenizador é objetiva.

Suponhamos que alguém, dirigindo, cautelosamente, seu veículo, para não acidentar um transeunte incauto, que atravessou, inopinadamente, a rua, projete seu veículo sobre um carro estacionado. O ato do motorista foi louvável; entretanto, causou ele dano ao veículo estacionado regularmente, não tendo qualquer culpa o proprietário deste, que deve ser indenizado. Como, no caso acima, existiu culpa do terceiro (do transeunte), após o motorista pagar o dano sofrido pelo proprietário do veículo estacionado poderá reembolsar-se do que pagou junto àquele; é o que se depreende do art. 930 do CC. Se, no mesmo exemplo, o proprietário do carro abalroado o tivesse estacionado em local proibido (contramão de direção), e agido com culpa, esta excluiria direito a qualquer indenização, junto ao autor do dano. Elucidando sobre a construção jurídica do Projeto do Código Civil Brasileiro de Clóvis Beviláqua, em face do art. 160, inciso II, do mesmo Diploma Legal, Justiniano de Serpa63 ponderou que essa construção é a seguinte: (a) causar dano a outrem, por culpa ou dolo, constitui ato ilícito (art. 159); (b) a legítima defesa e o estado de necessidade autorizam o dano, dentro de certos limites (art. 160); (c) o dano injusto, resultante do ato ilícito, deve ser ressarcido, por quem o causou (obrigações resultantes dos atos ilícitos, arts. 1.518, 1.519 e seguintes); (d) também deve ser reparado o dano causado por necessidade, se o dono da coisa não for culpado do perigo (art. 160, inciso II). Qual é a ideia dominante nessa construção jurídica? É que todo dano deve ser reparado, independentemente de culpa ou dolo. Intervindo culpa ou dolo, tem-se o ato ilícito, e o agente culpado ou doloso responde pelo prejuízo causado. Não havendo culpa ou dolo, o agente é, ainda assim, obrigado a indenizar, salvo quando a outrem se deve atribuir a culpa do ato danoso. Se o culpado é o próprio dono da coisa deteriorada ou destruída, afasta-se, então, a ideia

de indenização; ele sofre as consequências de sua culpa (art. 1.519). Se o culpado é terceiro, o agente indeniza a quem for prejudicado, mas vai haver de quem, por negligência ou má-fé, criou a situação, a quantia, que foi constrangido a pagar (art. 1.520).

Por outro lado, o CC presume a culpa do dono, ou detentor, de animal, obrigando-o a indenizar os danos por este causados, se não provar culpa da vítima ou que o acontecimento resultou de força maior (art. 936). Por sua vez, o art. 937 do mesmo Código responsabiliza o dono do edifício ou da construção pelos danos que advierem de sua ruína, se esta se causar por falta de reparos indispensáveis. O Código é claro em atribuir ao dono do prédio a responsabilidade, pois a ele cabe cuidar do que lhe pertence. Não se procura, no caso, a culpabilidade desse proprietário, cuja responsabilidade é objetiva, se bem que possa ele, após ter indenizado, procurar reembolsar-se, com ação regressiva, contra o culpado (por exemplo, o engenheiro, o zelador etc.). É, também, responsável pela indenização de danos provindos de coisas caídas de imóvel ou parte dele, ou que forem lançadas em lugar impróprio, quem o habitar (art. 938 do CC). A responsabilidade do habitante do prédio de onde saiu o objeto, causador do dano, é objetiva, pois seria difícil a materialização da indenização, se o prejudicado tivesse de procurar o causador direto do prejuízo. Esse mister caberá ao habitante do imóvel, que, se quiser, procurará conhecer o autor do dano, para se ressarcir junto a ele do que, efetivamente, pagou ao vitimado. O credor não pode promover ação de cobrança, contra o devedor, de débito ainda não vencido, a não ser nos casos expressamente previstos por lei. Se assim agir, diz o art. 939, restará na obrigação de esperar o tempo faltante

para o vencimento, bem como de descontar os juros correspondentes e a pagar as custas processuais em dobro. Também, não pode o credor acionar o devedor para receber crédito já pago, no todo ou em parte. Se, todavia, o credor já tiver recebido parte de seu crédito, cobrando o saldo, deverá fazer menção exata ao que já recebeu. Não pode, ainda, o credor cobrar além do que lhe for devido. Nesses dois casos, o CC, em seu art. 940, estabelece pena ao credor, no primeiro caso, obrigando este a pagar ao devedor o dobro do que houver cobrado e, no segundo, o equivalente do que dele exigir, “salvo se houver prescrição”. Entretanto, ficarão inaplicadas as penas constantes dos arts. 939 e 940, menciona o art. 941 do CC, se o autor da ação de cobrança dela desistir antes de contestada a demanda, ressalvado ao demandado receber indenização por algum dano que prove ter sofrido. Quando a culpa está por detrás da hipótese mencionada, o CC demonstra que o indenizador deve ressarcir, por atuação culposa de outrem, cuidando sempre, como vimos, nesse caso, da teoria do risco, da responsabilidade objetiva impura. Assenta, ainda, o art. 943 do CC que existe transmissão com a herança do direito de exigir reparação e a obrigação de prestá-la. 10 Responsabilidade civil em algumas leis extravagantes Referimos, nessa oportunidade, algumas leis extravagantes (que existem fora do corpo do Código), que cogitam da responsabilidade civil. Em 7 de dezembro de 1912 surgiu a Lei n. 2.681, regulando a responsabilidade civil das estradas de ferro. O art. 1o dessa lei responsabiliza estas ferrovias pela perda, total ou parcial, furto ou avaria dos objetos que

forem por elas transportados, presumindo, nestes casos, sua culpabilidade, só destrutível pelas provas referidas em seus sete parágrafos, dentre as quais o caso fortuito ou força maior (§ 1o) e o perecimento da mercadoria por vício intrínseco ou por causas inerentes à sua natureza (§ 2o). A matéria relativa às estradas de ferro sofreu regulamentações pelo Decreto n. 15.673, de 7 de julho de 1930, e pela Portaria Ministerial n. 575, de 23 de novembro de 1939 (Regulamento Geral dos Transportes). Em 1938, o Dec.-lei n. 483, de 8 de junho, instituiu o Código Brasileiro do Ar, que capitulou a matéria relativa à responsabilidade civil do transportador aéreo, do art. 83 ao 108. Este Código sofreu alterações em alguns de seus dispositivos (art. 91 e seus parágrafos, alínea a do art. 102, art. 115 e alínea b do art. 124), em 1963, pela Lei n. 4.221, de 8 de maio. Ainda, em 1963, o Dec. n. 52.019, de 20 de maio, promulgou a “Convenção relativa aos danos causados a terceiros na superfície por aeronaves estrangeiras”, firmada na cidade de Roma, em 7 de outubro de 1952. Em 1966, a 18 de novembro, o Dec.-lei n. 32 instituiu novo Código Brasileiro do Ar, regulando a responsabilidade civil do transportador, a partir de seu art. 97. Por outro lado, o Dec.-lei n. 7.036, de 10 de novembro de 1944, a grande Lei de Acidentes do Trabalho, regulava a responsabilidade patronal pela ocorrência destes, e asseverava, em seu art. 94, que “todo empregador é obrigado a segurar os seus empregados contra os riscos de acidentes do trabalho”. O art. 31 dessa mesma lei assegurava que o pagamento de indenização, nela estipulado, exonerava quanto a qualquer indenização do

direito comum, a não ser que resultasse de dolo do empregador ou de seus prepostos. Como vimos, o legislador pátrio estabeleceu, então, seguro obrigatório contra os riscos de acidentes do trabalho, visando a uma dupla proteção: a do empregado acidentado e a do empregador. O Regulamento da Lei de Acidentes do Trabalho foi aprovado pelo Dec. n. 18.809, de 5 de junho de 1945. Ao seu turno, o STF editou sua Súmula 229, que assentava: “A indenização acidentária não exclui a do direito comum, em caso de dolo ou culpa grave do empregador.” A Lei n. 599-A, de 26 de dezembro de 1948, deu nova redação aos arts. 22 (alterado, depois, pela Lei n. 2.249, de 26-6-1954), 23, 44, 95 e 112 da Lei Acidentária. Em 1967, a Lei n. 5.316, de 14 de setembro, integrou o seguro de acidentes do trabalho na previdência social. Esta lei, em seu art. 2o, caput, conceitua o acidente do trabalho como “aquele que ocorrer pelo exercício do trabalho, a serviço da empresa, provocando lesão corporal, perturbação funcional ou doença que cause a morte ou a perda ou redução, permanente ou temporária, da capacidade para o trabalho”. Editou-se, em 19 de outubro de 1976, a Lei Acidentária n. 6.367, em vigência, determinando que a indenização de acidentes seja paga pela Previdência Social, independentemente da indenização de Direito Comum, devida pelo empregador, em caso de culpa grave ou dolo. A cumulação das duas responsabilidades passou a admitir-se, integralmente. Continuava a viger, então, a mencionada Súmula 229 do STF, segundo alguns autores.

Registre-se, nesse passo, decisão da 6a Câmara do 2o TACivSP, sendo relator o Juiz Paulo Hungria64, que destaca julgado do STJ, sendo relator o Ministro Sálvio de Figueiredo65, em que se admite que, desde a Lei n. 6.367/76, a Súmula 229 do STF perdeu sua eficácia, nesses termos: “Pela reparação civil … passaram a responder todos aqueles que para os mesmos” (danos) “tenham concorrido com culpa, em qualquer grau, ainda que leve, independentemente da existência, ou não, de vínculo empregatício com a vítima”. Com o advento da Constituição Federal de 1988, ratificou-se a natureza subjetiva da indenização devida pelo empregador, com fundamento no art. 159 do CC de 1916 (art. 186 do atual), independentemente de grau de culpabilidade. No texto constitucional coexistem, assim, as duas espécies de indenização: a acidentária e a civil, conforme se nota da leitura do art. 7o e de seu inc. XXVIII, seguintes: Art. 7o São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: (...) XXVIII – seguro contra acidentes de trabalho, a cargo do empregador, sem excluir a indenização a que este está obrigado, quando incorrer em dolo ou culpa.

Como se vê, o texto constitucional usa a palavra culpa, sem qualquer adjetivação. Considerada desde a mais leve culpa, portanto. Muitas outras leis existem, em torno da responsabilidade civil, como a que atine aos seguros obrigatórios (de trânsito, do construtor, rurais etc.) previstos já no Dec.-lei n. 73, de 21 de novembro de 1966 (regulamentação dos seguros obrigatórios), em seu art. 20, que foi regulamentado pelo Decreto n. 61.867, de 7 de dezembro de 1967.

Refira-se, ainda, o Decreto n. 62.127, de 16 de janeiro de 1968, que aprovou o antigo Regulamento do Código Nacional de Trânsito, que estabelecia variado sistema de multas punitivas das infrações, em quebra da legislação específica da época. O mesmo acontece com o atual Código, instituído pela Lei n. 9.503, de 23 de setembro de 1997. 11 Responsabilidade civil das pessoas jurídicas de Direito Público Na evolução histórica da responsabilidade da pessoa jurídica surgem três posições fundamentais: a da teoria da irresponsabilidade absoluta; e a da teoria civilista e a da teoria publicística. A primeira entende que não existe culpa do Estado, mas de funcionário, porque, segundo ela, o Rei não pode errar (the Kinf can do no wrong); o que agrada ao Príncipe tem força de lei (quod principis placuit legis ‘habet vigorem); o Estado sou eu (l’État c’ est moi). Essa concepção existiu no começo do século XIX. Pela segunda concepção, a civilista, já cuidada pelo art. 15 do CC de 1916, existem os atos de império, que é o exercício da soberania e os atos de gestão, equiparados aos dos particulares. E, na concepção publicística, entende-se que é preciso defender sempre os súditos contra funcionamento defeituoso do Estado, por seus funcionários. É a aplicação da responsabilidade objetiva do Estado, por toda e qualquer atuação. Nosso CC, em sua Parte Geral, no art. 43, declara a responsabilidade civil das pessoas jurídicas de Direito Público interno “por atos dos seus agentes,

que nessa qualidade causem danos a terceiros, ressalvado o direito regressivo contra os causadores do dano, se houver, por parte destes, culpa ou dolo”. Esse preceito decreta a responsabilidade objetiva pura e impura das mesmas pessoas jurídicas, que, também retratada em Constituições anteriores, se reafirma, com redação melhor, no § 6o do art. 37 da atual Constituição da República Federativa do Brasil, de 5 de outubro de 1988: “As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurando o direito de regresso contra o responsável no caso de dolo ou culpa.” Não deixa dúvidas nossa Constituição, como também o CC, de que os danos, assim causados, devem ser ressarcidos pelo Estado (genericamente falando), que corre o risco do desempenho das funções públicas, só tendo direito de cobrar-se dos prejuízos, junto a agentes, seus causadores, se, por parte destes, se constatar culpa ou dolo. Dessa forma, a título de ilustração, é o Poder Público responsável por danos que se causem aos particulares, por má ou nenhuma conservação dos esgotos ou das redes pluviais, pelo atropelamento de alguém causado por carro dirigido por motorista oficial, pela depredação causada por multidão, em face da inoperância policial, incumbida da manutenção da segurança e da ordem, como por ferimento ocasionado a qualquer pessoa, por disparo de um policial em perseguição de um criminoso66. Tenha-se presente, em face desse texto constitucional e do CC, que, mesmo não havendo culpa ou dolo, dos agentes públicos, responde o Estado pelos prejuízos por eles causados, não tendo, como visto, nessa hipótese, direito de regresso. Basta, nesse caso, a existência do nexo de causalidade.

No primeiro caso, ante a culpa do agente do Estado, cuida-se de responsabilidade objetiva impura, com direito de regresso; no segundo, não havendo culpa desse agente, a responsabilidade do Estado será objetiva pura, sem direito de regresso.

44 INDENIZAÇÃO

1 Noções gerais O atual CC inovou a matéria sobre responsabilidade civil, inserindo, ao lado da responsabilidade de indenizar, a indenização. A palavra indenização descende do adjetivo latino indemnis, e, formado da partícula negativa in mais o substantivo damnum, i (dano, perda, detrimento, prejuízo, lesão). Indemnis, assim, significa que não teve dano, prejuízo; que está livre de perda, de dano; que está indene. Formou-se, então, em nosso vernáculo, o verbo indenizar (reparar, retribuir, reembolsar, recompensar). Indenização, portanto, guarda o sentido etimológico de tornar indene, de reparação. 2 Conceito Se a responsabilidade é a necessidade de reparar um dano, como já analisado, a indenização é o ressarcimento do prejuízo, recompondo o patrimônio do lesado, tornando-o indene da situação lesiva por ele experimentada.

Existem critérios indenizatórios que serão adiante estudados, para a reparação dos danos materiais e morais. Em princípio, ressalvados os casos excepcionais, previstos em lei, o dano deve compreender o dano emergente (damnum emergens) e o lucro cessante (lucrum cessans), respectivamente, o que está ligado, diretamente, ao ato ilícito, obrigando uma retirada patrimonial; e o que deixou a vítima de auferir, razoavelmente, em razão do evento danoso. 3 Extensão do dano Cumpre, inicialmente, esclarecer que, como já estudado, nasceu na primeira metade do século III a.C. uma lei da plebe contra os prejuízos causados pelos patrícios, no Direito Romano, e que foi redigida pelo tribuno da plebe Aquílio, daí a chamada Lex Aquilia de damno, aprovada por sua moção em plebiscito. Por essa lei criou-se uma forma pecuniária de indenização do dano, estabelecendo-se o valor deste (damnum iniuria datum). Esse delito, causado contra essa lei, foi objeto de interpretação; registramos a de Ulpiano1, segundo a qual, na lei Aquília, a mais leve (levíssima) culpa deve ser considerada, advém (In lege Aquilia et levissima culpa venit). Desse modo, a teoria dual romana (culpa lata e levis – culpa máxima e leve) foi interpretada, na Idade Média, pelos glosadores (Irnério e Acúrsio, da Escola de Bolonha) e pós-glosadores (Bártolo, de Sassoferrato), criando-se a teoria das três culpas: grave ou lata, leve e levíssima (da Lex Aquilia), acolhida modernamente, embora com algumas exceções. Primeiramente, determina o CC, em seu art. 944, caput, que a indenização deve ser medida pela extensão do dano.

Isso quer dizer que, conforme seja o dano, maior, médio ou menor, deve ser a indenização. Esse o princípio tradicional, que autoriza a indenização, repondo-se o patrimônio do lesado, no estado anterior à lesão. 4 Graduação da culpa Todavia, essa influência medieval, de graduação das culpas, está presente no parágrafo único do mesmo art. 944, que assenta: “Se houver excessiva desproporção entre a gravidade da culpa e o dano, poderá o juiz reduzir, equitativamente a indenização.” Assim, se a culpa for levíssima, poderá o Juiz reduzir o valor indenizatório, sempre de modo equitativo, o que pode, mesmo desse modo, configurar injustiça irreparável, pois o lesado não terá o dano, que lhe foi causado, devidamente reparado. Seu patrimônio sofrerá um desfalque. Desse modo, se houver, por exemplo, o incêndio de um veículo caríssimo, causado por uma simples negligência, poderá não restar o dano coberto integralmente. Seria de perguntar-se: quem pagará a diferença? Um fundo público, o Estado? O CC não responde a essa pergunta. Melhor que se interprete que essa redução de valor indenizatório possa ocorrer em matéria de dano moral, dependendo, nesse caso, de existir dolo, culpa grave, leve ou levíssima, graduando-se o quantum do ressarcimento. Se o dano for material, a recomposição do patrimônio deverá ser integral, entendo. Havendo culpa concorrente da vítima para o evento danoso, será confrontada a gravidade de sua culpa com a do autor do dano, fixando-se, então, o valor indenizatório (art. 945 do CC).

Portanto, quando o autor do dano e a vítima forem culpados, é preciso avaliar a culpa de cada um segundo sua maior e menor gravidade, para desse confronto fixar-se a indenização.

45 LIQUIDAÇÃO DAS OBRIGAÇÕES

1 Noções gerais Tivemos oportunidade de estudar a inexecução obrigacional e suas decorrências no mundo jurídico. Vimos que, toda vez que o descumprimento existe, se irradiam efeitos, como as perdas e danos, os juros legais e a correção monetária, entre outros. Todavia, pode a obrigação ser indeterminada, não constando na lei nem no contrato a fixação do valor da indenização devida. Nesse caso, esse valor dos danos será determinado na forma da legislação processual, assegura o art. 946 do CC. A cobrança de crédito deve fundar-se sempre em título líquido, certo e exigível (art. 783 do CPC), devendo proceder-se à liquidação da sentença quando ela não determinar o valor ou não individuar o objeto da condenação (art. 603 do CPC)2. Leve-se em conta, nessa oportunidade, o princípio sumulado sob no 562 do STF, seguinte: “Na indenização de danos materiais decorrentes de ato ilícito cabe a atualização de seu valor utilizando-se, para esse fim, entre outros critérios, dos índices de correção monetária.” O ressarcimento do dano pessoal foi o primeiro a exigir a atualização do valor monetário. Em seguida, passou-se a indenizar o dano material,

convertendo-se a indenização em uma dívida de valor, sempre atualizável. Assim, a Suprema Corte impõe a indenização dos danos materiais (RTJ 75/978, 76/314, 76/883; RE 84.829; RE 84.468; RTJ 86/560, 87/549, 88/581). E finalmente consubstanciou-se no enunciado da Súmula 562”. (...) Enfim, a atualização do quantum indenizatório ficou assegurada em relação às dívidas de valor, aos danos pessoais e aos danos materiais: faltava o ideal absoluto, do reajustamento total, nas dívidas em geral, entre elas a dívida em dinheiro (RTJ 107/424, 108/437), o que foi alcançado com a promulgação da Lei 6.899/813.

A Lei n. 6.899, de 8 de abril de 1981, determinou a aplicação da correção monetária nos débitos oriundos de decisão judicial, inclusive sobre custas e honorários advocatícios. Assim, supondo que, por não ter cumprido sua obrigação, deva alguém pagar perdas e danos, como saber quais seriam? Surge, para tanto, o capítulo jurídico da liquidação das obrigações, que possibilitará liquidar, tornar líquida, a obrigação. Desse modo, será fixado o valor da indenização, para o ressarcimento do dano. 2 Conceito Dessa forma, liquidação das obrigações (aestimatio damni – estimação do dano) é o conjunto de normas tendente à fixação do valor do objeto, momentaneamente, indeterminado da prestação jurídica, para que se possa esta cumprir. Liquidar é tornar exato, é tornar certo, líquido. Se alguém deve a importância de dez mil reais a outrem, sabe quanto pagar, pois o objeto da prestação positiva de dar (dez mil reais) está perfeitamente delimitado em seu valor. Já se esse mesmo devedor é

condenado a pagar prejuízos que causou ao credor, resultantes de sua atuação ilícita, restará sem saber quanto pagar, até que, pelos meios competentes, por uma liquidação, se fixe o exato valor dos danos. Estes, no caso, necessitam ser reduzidos a uma expressão econômica. Em suma, quando a obrigação existir não definida, com relação a certo quantum, necessitará ser liquidada. 3 Obrigação líquida e ilíquida Como vimos, líquida é a obrigação perfeitamente conhecida quanto a seu valor e ilíquida a inexata quanto ao mesmo. O CC de 1916, em seu art. 1.533, considerava “líquida a obrigação certa, quanto à sua existência, e determinada, quanto ao seu objeto”. As obrigações ilíquidas é que se visam, em última análise, na liquidação, pois, sem esta, o credor não terá possibilidade de cobrar seu crédito. Mesmo que a obrigação líquida seja descumprida, devendo ser cumulado seu valor determinado com o dos danos, a liquidação operar-se-á, tão só, tendo em vista a apuração destes, para determiná-los. O CC estabelece algumas normas gerais, que devem ser observadas na liquidação das obrigações. Assim, seu art. 947 estabelece que, ante a impossibilidade de cumprimento da prestação “na espécie ajustada”, deverá o objeto desta ser substituído pelo seu valor, em moeda corrente. Quando a obrigação for ilíquida, portanto, deverá ser fixado o seu valor, judicialmente, caso não tenha sido pela lei ou pela convenção das partes, pelas três espécies de liquidação, que serão estudadas, a seguir.

4 Espécies de liquidação Muitas vezes, as próprias partes interessadas convencionam, criando normas para liquidarem obrigação entre elas pendente. Compõem-se, assim, em termos matemáticos, estabelecendo quanto, exatamente, uma (devedor) deva pagar à outra (credor). Nesse caso, chama-se convencional a liquidação, pois surte do contrato, da avença. Em outros casos, a lei mesma incumbe-se de gravar em seu texto a maneira, que deve ser obedecida, para a liquidação de certos danos, cognominando-se, por isso, legal. Quando não existir forma de liquidação de danos expressa em lei e quando as partes não a realizarem por convenção, ela deverá ser objeto de fixação por decisão judicial. Como acabamos de ver, três são as espécies de liquidação: convencional, legal e judicial. 5 Liquidação convencional Nascendo do acordo das partes, a liquidação convencional realiza-se por transação (composição amigável), pela qual os transigentes acomodam seus interesses pela forma que julgarem mais conveniente. A convenção, nesse sentido, poderá realizar-se a qualquer tempo, mesmo antes da inexecução obrigacional, pela pena convencional (multa), pela qual as partes, previamente, estipulam as perdas e danos para aquele que descumprir o avençado. Lembre-se de que esse acordo entre as partes, no caso da liquidação, versará sobre a exata fixação do valor da obrigação, que deva ser cumprida. 6 Liquidação legal

O CC regulou, em seu texto, várias situações em que se opera a liquidação legal, ou seja, a lei é que fixa a indenização. Assim, o autor do homicídio indenizará a vítima, pagando as despesas com seu tratamento, seu funeral e luto da família, como ainda prestando alimentos às pessoas a quem o morto os devia, “levando-se em conta a duração provável da vida da vítima” (art. 948, I e II). O art. 949 refere que, em caso de lesão ou ofensa à saúde, deverá a indenização do ofensor compreender: as despesas com o tratamento do ofendido, os lucros cessantes, até final de sua convalescença, além de algum outro prejuízo que o ofendido prove haver sofrido. A ideia do art. 950, seguinte, é a de que, se a lesão corporal ocasionar defeito, que impossibilite ao ofendido o exercício profissional (incapacidade ao trabalho), total ou parcialmente, ou lhe diminua a capacidade de trabalho, a indenização corresponderá ao pagamento à vítima das despesas de seu tratamento, dos lucros cessantes, até final convalescença, além de uma pensão relativa à importância do trabalho, se a ele se inabilitou, ou da depreciação por ele sofrida. Completa o parágrafo único: “O prejudicado, se preferir, poderá exigir que a indenização seja arbitrada e paga de uma só vez.” Como estamos percebendo, neste capítulo, em que se retrata a liquidação das obrigações, para fixação de valor indenizatório, o tratamento jurídico casuístico do antigo CC de 1916 trazia sérios inconvenientes, que foram obviados no atual CC. Assim é que pecou o legislador de 1916, também, pela falta de lógica na apreciação da matéria constante do revogado art. 1.537, em confronto com o 1.538, atualmente, arts. 948 e 949.

Criticava Washington de Barros Monteiro4, ponderando que surge aí a incongruência; no caso de simples lesões corporais, disciplinado pelo art. 1.538, os lucros cessantes acham-se incluídos expressamente na indenização; no de homicídio, porém, incomparavelmente mais grave, a mesma verba é excluída, já que o ressarcimento consiste, isto é, se resume às parcelas especificadas pelo dispositivo. A verdade é que se torna incompleta a indenização concebida pelo citado art. 1.537; quanto ao n. I, porque há casos em que não existem despesas com o tratamento da vítima, por exemplo, quando esta perece imediatamente, ou com o respectivo funeral, se o cadáver desaparece (por exemplo, tragado pelo mar), ou ainda com o luto da família (quando esta o dispensa). Relativamente ao n. II, porque casos há em que o defunto não devia alimentos, o que sucede, exemplificativamente, na hipótese de tratar-se de menor, que ainda não contribua para a subsistência da família. Como se vê, conforme a hipótese ou as peculiaridades, pode desaparecer totalmente o direito à indenização.

Como se vê, a situação persiste, em parte, no art. 948, em confronto com o revogado art. 1.537. Se a morte ou a lesão advier de negligência, imprudência ou imperícia de médico, cirurgião, farmacêutico, parteira e dentista, no exercício de sua profissão, deverão indenizar os danos causados. O CC de 1916 previa essa matéria no art. 1.545, procurando mostrar que os profissionais, ali indicados, que podiam colocar em risco a vida ou a saúde de seus clientes, responderiam civilmente, desde que atuassem culposamente. Só quanto ao farmacêutico, o CC de 1916 criava exceção, no art. 1.546, responsabilizando-o, solidariamente, pelos erros e enganos do seu preposto, sem qualquer escusa. A preocupação do legislador foi objetivar uma maior proteção à vida e à saúde, pois a farmácia, aberta à credibilidade pública, não pode cometer enganos. Admitisse a lei qualquer válvula de escape a essa

responsabilidade e, talvez, uma insegurança existisse, ante uma menor e menos direta fiscalização. O atual CC, entretanto, em seu art. 951 generalizou essa atuação ao exercício de atividade profissional, nos casos dos arts. 948, 949 e 950, a todos os profissionais liberais que causem a morte, lesão ou defeito por negligência, imprudência ou imperícia (culpa). A responsabilidade existirá, naqueles moldes, se a atuação “causar a morte do paciente, agravar-lhe o mal, causarlhe lesão, ou inabilitá-lo para o trabalho”. É de ver-se, por outro ângulo, que, se alguém usurpar ou esbulhar coisa alheia, ficará obrigado, além da restituição de mencionado objeto, a indenizar o valor correspondente às deteriorações, que o mesmo sofrer e o que for devido a título de lucros cessantes. Se, entretanto, faltar a coisa, o autor do desaparecimento deverá reembolsar ao vitimado o equivalente em dinheiro, ao valor da mesma, que será apurado tendo em vista seu preço ordinário e seu valor estimativo (de estima, de afeição), desde que este não suplante aquele. É o que ressalta do art. 952 do CC. Lembre-se, para melhor orientação, de que, sob o título de usurpação, genérico, o Código Penal abrangeu as figuras delituosas da alteração de limites, usurpação de águas, esbulho possessório e supressão ou alteração de marca em animais, nos arts. 161 e 162. Algumas situações, que autorizam a indenização do dano moral, retratamse no CC, nos arts. 953 e 954. Com muita parcimônia, foi a matéria tratada por nosso legislador, que previu a indenização por injúria, difamação ou calúnia (crimes contra a honra), por violência sexual ou ultraje ao pudor (crimes contra os costumes) e por ofensa à liberdade pessoal (crimes contra a liberdade pessoal).

Assim, os danos advindos à vítima, por injúria, difamação ou calúnia, devem ser, devidamente, reparados pelo ofensor. Se o ofendido não puder provar a repercussão do prejuízo material, deverá o juiz, de modo equitativo, fixar o valor da indenização, atentando às circunstâncias do caso, fazendo justiça pela equidade. Em caso de ofensa à liberdade pessoal (cárcere privado, prisão ilegal, ou por queixa ou denúncia falsa e de má-fé), o ofendido tem direito à indenização, consistente no pagamento dos prejuízos que se lhe causarem do fato (reparação do dano material). Não podendo o ofendido provar o prejuízo, ele será apurado nos moldes do parágrafo único do art. 953, já estudado. Quando a prisão for ilegal, será obrigada à reparação do dano a autoridade que ordenou a prisão, dizia o art. 1.552 do CC de 1916, nada impedindo, entretanto, seja acionada a tal ressarcimento a pessoa jurídica de direito público a que estiver subordinada dita autoridade, tendo aquela, contra esta, direito de regresso, para reaver o que pagar ao ofendido. Esse artigo foi eliminado porque despiciendo. Lembre-se, mais, de que essa é a interpretação correta, que é roborada pelo art. 37, § 6o, da Constituição da República Federativa do Brasil. Ressalte-se, em tudo quanto dissemos sobre o dano moral, que está ele, plenamente, admitido na CF do Brasil, no inciso X, do seu art. 5o. Daí porque, sendo insuficiente o valor indenizatório previsto em lei, poderá ser complementado para o completo ressarcimento da vítima. Veja-se, mais, que esse dispositivo constitucional é autoaplicável, no tocante à liquidação do dano moral, porque ela se faz, sempre, por arbitramento. A verdade está com Antônio Chaves5,

quando,

assinalando

a

responsabilidade decorrente de dolo, alerta sobre o dever de uma maior

preocupação com a vítima, aventando que o fato é que o legislador mostra-se muito mais preocupado com a sorte do criminoso ou do culpado, o andamento de cujo processo tem de regulamentar e acompanhar nos mínimos detalhes, do que com a da vítima, em geral logo esquecida. E não existe nenhum outro setor em que uma punição civil melhor dosada seria o complemento mais lógico da diferente punição no âmbito criminal.

7 Fixação do valor do dano moral A fixação do valor indenizatório do dano moral é tarefa de muita dificuldade. Depois de muito relutar a Jurisprudência na aceitação do ressarcimento do dano moral, que não decorresse de prejuízo material, o STF editou a Súmula 491, que declara “indenizável o acidente que cause a morte de filho menor, ainda que não exerça trabalho remunerado”. Corroborando esse posicionamento, entendeu o TARJ6 que “o cabimento de indenização por morte de filho menor em acidente, ainda que este não exerça qualquer atividade lucrativa, cristalizado na Súmula 491 do STF, consagra a reparabilidade do dano moral, nada tendo a ver com o dano emergente”. No mesmo sentido, outros julgados do STF7. Quanto à fixação do valor do dano moral, “deve ficar a critério do juiz, pois não há outro modo razoável de avaliá-lo”8. Lembra Teresa Ancona Lopes9 que o juiz deverá sempre usar de seu prudente arbítrio, pois a ofensa objetiva “bens estritamente pessoais”, tornando-se impossível uma prévia avaliação. A seu turno, pondera Caio Mário da Silva Pereira10 que,

na ausência de um padrão ou de uma contraprestação, que dê o correspectivo da mágoa, o que prevalece é o critério de atribuir ao juiz o arbitramento da indenização. O Anteprojeto de Código de Obrigações de 1941, ao deixar ao juiz o poder de fixar a reparação, fazia-o acompanhar da recomendação de que seria ‘moderadamente arbitrada’ (art. 181). Em meu Projeto de Obrigações de 1965 mantive o mesmo princípio, segundo o qual, no caso de dano simplesmente moral, o juiz arbitrará moderada e equitativamente a indenização (art. 879). O Projeto de Código Civil de 1975 (Projeto 634-B), abrangendo no conceito amplo de ato ilícito o dano ainda que exclusivamente moral (art. 186), não cogita de sua limitação nem recomenda seja moderado o ressarcimento. Isto não impede que o juiz assim proceda, pois se é certo, como visto acima, que a indenização, em termos gerais, não pode ter o objetivo de provocar o enriquecimento ou proporcionar ao ofendido um avantajamento, por mais forte razão deve ser equitativa a reparação do dano moral para que se não converta o sofrimento em móvel de captação de lucro (de lucro capiendo).

O art. 186 era o art. 185 do aludido Projeto, que no Senado Federal recebeu o número 118, com sua redação final de 1997. Atualmente é o art. 186 do atual CC. Em acórdão da 3a Câmara Civil do TJMG11, reconheceu-se cabível a indenização do dano moral, ocorrido pela morte de pais e irmãos, devendo o julgador, ao fixar o valor e à falta de critérios objetivos, agir com prudência, atendendo, em cada caso, às suas peculiaridades e à repercussão econômica da indenização, de modo que o valor da mesma não deve ser nem tão grande, que se converta em fonte de enriquecimento, nem tão pequeno, que se torne inexpressivo.

Cuidando da matéria, sugere Rubens Limongi França12 que se adote, como princípio, o que já se constitui em preceito legal em um dos mais modernos e elaborados ordenamentos, qual o Código do Peru, nos moldes de seus arts. 1.984 e 1.985, assim por esse jurista resumidos: O dano moral, por ação ou por omissão, é reparado considerando-se sua magnitude e o menoscabo produzido à vítima ou à sua família. Quando a reparação inclua

indenização, seu montante merece correção monetária e juros legais desde a data em que se produziu o dano.

Esse texto apresenta alguma semelhança com o do art. 84 e seus parágrafos, do Código Brasileiro de Telecomunicações, editado pela Lei n. 4.117, de 27 de agosto de 1962, e com o do art. 53 e seus incisos da Lei n. 5.250, de 9 de fevereiro de 1967 (Lei de Imprensa). É de referir-se, nesse passo, que o mencionado art. 84 e seus parágrafos foram revogados, expressamente, pelo art. 3o do Decreto-lei n. 236, de 28 de fevereiro de 1967; todavia, os critérios ali citados podem ser seguidos como orientação que a jurisprudência vem admitindo. O primeiro dos mencionados textos (art. 84) é expresso, ao assentar que, na estimação de dano moral, o juiz terá em conta, notadamente, a posição social ou política do ofendido, a situação econômica do ofensor, a intensidade do ânimo de ofender, a gravidade e repercussão da ofensa. § 1o O montante da reparação terá o mínimo de 5 (cinco) e o máximo de 100 (cem) vezes o maior salário mínimo vigente no País. § 2o O valor da indenização será elevado ao dobro quando comprovada a reincidência do ofensor em ilícito contra a honra, seja por que meio for. § 3o A mesma agravação ocorrerá no caso de ser o ilícito contra a honra praticado no interesse de grupos econômicos ou visando a objetivos antinacionais.

O segundo texto (art. 53) assim se enuncia: No arbitramento da indenização em reparação de dano moral, o juiz terá em conta, notadamente: I – a intensidade do sofrimento do ofendido, a gravidade, a natureza e repercussão da ofensa e a posição social e política do ofendido; II – a intensidade do dolo ou o grau da culpa do responsável, sua situação econômica e sua condenação anterior em ação criminal ou cível fundada em abuso no exercício da liberdade de manifestação do pensamento e informação; III – a retratação espontânea e cabal, antes da propositura da ação penal ou cível, a publicação ou transmissão da resposta

ou pedido de retificação, nos prazos previstos na Lei e independentemente de intervenção judicial, e a extensão da reparação por esse meio obtida pelo ofendido.

Todos esses critérios, até aqui mostrados, dão largo leque de opções ao juiz, para fixar o valor dos danos morais, ainda que genéricos e abrangentes de muitas hipóteses. Além das circunstâncias apontadas, ressalte-se a da intensidade do dolo ou o grau da culpa do ofensor, bem como sua possibilidade indenizatória. Até a retratação espontânea, o arrependimento eficaz pode minimizar a dor causada na vítima ou em seus sucessores. Prestigiando os critérios de fixação do montante indenizatório do aludido art. 84 do Código Brasileiro de Telecomunicações, por aplicação analógica, e do art. 52 da Lei de Imprensa, destaca-se expressivo julgado da 4a Câmara do extinto 1o TACivSP13, em que se reconheceu em sua ementa que, “considerando-se as dificuldades da positivação, traços, contornos do ‘dano moral’, deve-se levar em conta para a sua fixação a regra do art. 84 do Código Brasileiro de Telecomunicações (Lei n. 4.117/62), que prevê a reparação do dano moral de 5 a 100 salários-mínimos, por injúria, difamação e calúnia, considerando-se ainda o art. 52 da Lei de Imprensa (Lei n. 5.250/67), que permite o arbitramento do dano moral até 200 saláriosmínimos, sendo também matéria de ponderação os dispositivos dos arts. 4o e 5o da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro”. Aponta Wilson Melo da Silva14 que o Código Brasileiro de Telecomunicações emparelhou-se, principalmente, com os Códigos Civis da Etiópia e do México, quanto ao ressarcimento dos danos morais, acolhendo o princípio da fixação de um teto limite. Tudo isso, como se vê, diz ele,

são regras que, criticáveis umas, louváveis outras, poderiam ir orientando o julgador, em cada caso singular e concreto, na aplicação, objetiva, da tese da reparabilidade dos danos não econômicos. A par desses princípios gerais, a prática e a experiência iriam ditando, cada dia, novas regras subsidiárias, que a argúcia e a inteligência dos doutrinadores iriam catalogando para diretrizes futuras ou para a indução de novas regras gerais a serem observadas na reparabilidade dos diferentes casos de danos morais.

Ao seu turno, acentua Fábio Maria De Mattia15 que a proteção dos direitos da personalidade não pode limitar-se às regras da responsabilidade civil, sendo de grande dificuldade a quantificação do dano moral. Julga ele conveniente que se inclua, na lei, uma fixação indenizatória mínima, a ser aplicada quando ocorrer violação aos direitos da personalidade. Acrescenta ainda: “Havendo possibilidade, o prejudicado pleitearia quantia maior, dependendo da comprovação do quantum do seu dano moral”, mostrando que, por analogia, pode ser aplicado o art. 84 da Lei n. 4.117, de 27 de agosto de 1962 (Código Nacional de Telecomunicações), que estabelece valor do ressarcimento desse mesmo dano no importe de sessenta vezes o maior salário-mínimo vigente no país. Afirma Carlos Roberto Gonçalves16, que, após evidenciar a falta de critério uniforme para fixação do dano moral e a necessidade de proceder-se a arbitramento, mostra que nossa Jurisprudência tem-se utilizado do critério estabelecido no aludido Código de Telecomunicações, que prevê o ressarcimento do dano moral, causado por calúnia, difamação ou injúria, divulgadas pela imprensa. E continua: “Durante muito tempo esse critério serviu de norte para o arbitramento das indenizações em geral. Argumentavase: se, para uma simples calúnia, a indenização pode alcançar cifra correspondente a duzentos salários-mínimos, em caso de dano mais grave tal

valor pode ser multiplicado uma ou várias vezes. Esse limite de duzentos salários-mínimos não mais subside, em face da atual Constituição, que não prevê nenhuma tabela ou tarifação a ser observada pelo juiz.” O critério da intensidade da culpa está reconhecido, também, em aresto do TJRJ17, em que se decidiu: “Dano moral. Reparação. Execução de sentença. No arbitramento do valor do dano moral é preciso ter em conta o grau em que o prejuízo causado terá influído no ânimo, no sentimento daquele que pleiteia a reparação. A intensidade da culpa, a violência, as circunstâncias em que ocorreu o evento danoso poderão informar o critério a ser adotado em tal arbitramento, árduo e delicado, porque entranhado de subjetividade.” Como resta evidente, a culpa deve estar sempre presente na violação dos direitos da personalidade. Daí a importância da consideração de seu grau, de sua intensidade. Em sede de embargos declaratórios, esclareceu-se que a correção monetária do valor do dano moral fixado em liquidação de sentença incide desde a data do laudo em que foi arbitrado, se assim foi determinado expressamente na sentença de liquidação e não foi interposto recurso quanto à aplicação desse critério, embora seja hoje dominante em doutrina e jurisprudência o entendimento no sentido de que essa incidência ocorre desde a data do evento danoso.

Acentue-se, ainda, que já se reconheceu que o cálculo do montante devido, em razão de dano moral, será feito pelo valor do salário-mínimo vigente na data da efetiva liquidação18. A 2a Câmara Civil do TJSP19 estipulou indenização “pelos danos morais, sem prejuízo dos materiais, em importância equivalente a 120 salários-

mínimos vigentes ao tempo do pagamento, o que dispensa a correção monetária (Súmula 490 do STF)”. A ementa desse julgado é a seguinte: O dano moral alcança prevalentemente valores ideais, não apenas a dor física que geralmente o acompanha, nem se descaracteriza quando simultaneamente ocorrem danos patrimoniais, que podem até consistir numa decorrência, de sorte que as duas modalidades se cumulam e têm incidências autônomas (Súmula 37 do STF).

No mesmo sentido, o acórdão da 4a Turma do STJ20 admitiu a reparabilidade do dano material e moral, cumulativamente, ainda que oriundos do mesmo fato, em caso de morte em consequência de atropelamento por comboio ferroviário. Nesse caso, entendeu-se que os recorrentes merecem receber indenização por dano moral, “como compensação econômica para a dor sofrida, embora não se trate, evidentemente, de valorar uma vida, que não tem preço, mas apenas porque uma boa importância em dinheiro irá, naturalmente, minorar as agruras da família, fazendo com que, em melhor situação econômica, sirva de lenitivo para outros interesses na vida, esquecendo um pouco a tristeza pela perda irreparável, fazendo com que sirva, de um lado, para estímulo para novos interesses, e de outro, para também estimular a coletividade em geral e, em especial, para que tenha maior consideração com a vida humana, procurando evitar a indenização e acautelando-se mais nos meios de evitar tais danos. Fixa-se tal indenização, a exemplo de casos anteriores (Cód. Bras. de Telecomunicações, maior pena pecuniária penal em 50 vezes o piso salarial)”. Como visto, essas fixações jurisprudenciais de valores, no tocante ao ressarcimento de dano moral, só podem existir por arbitramento, já que lidam

com bens imateriais, obedecendo a critérios estabelecidos em algumas leis, na doutrina e na jurisprudência. Em geral, essas fixações objetivam-se por quantia determinada ou por percentual sobre a condenação por dano material. Quanto ao termo inicial da correção monetária do valor do dano moral, ele coincide com a data da fixação deste. É o que tem decidido nosso STJ: “Fixada pela sentença a indenização em valor determinado, a correção monetária flui a partir da data em que prolatada a decisão, à consideração de que o quantum se encontrava atualizado naquele momento. Precedente do STJ21.” E, ainda: “Na forma de precedente da Corte, a ‘correção monetária em casos de responsabilidade civil tem o seu termo inicial na data do evento danoso. Todavia, em se tratando de dano moral o termo inicial é, logicamente, a data em que o valor foi fixado22’.” Do mesmo modo: “A correção monetária da indenização do dano moral inicia a partir da data do respectivo arbitramento; a retroação à data do ajuizamento da demanda implicaria corrigir o que já está atualizada23.” Noutro caso: “a Turma, ao reduzir o quantum indenizatório fixado originariamente em sentença, fixou um novo quantum, concluindo que esse, em valores da época do julgamento do recurso especial, seria suficiente para reparar o dano. E é isso que importa para fins de fixação do termo inicial da correção monetária24.” E muitos outros julgados desse mesmo STJ, nesse mesmo sentido25. 8 Liquidação judicial Esta forma de liquidação faz-se por arbitramento, por via judicial.

Será necessário o arbitramento toda vez que não se compuserem as partes, quanto à fixação dos danos. A palavra arbitramento denota a atividade do árbitro, do perito, que trabalha por laudo, que é informativo técnico do juiz, para que, formando sua convicção, possa julgar, devidamente, embora o juiz não esteja adstrito à prova pericial. O perito, no estabelecimento dos danos, deverá ater-se ao texto da lei, quando a forma de reparação do ilícito nela estiver prevista; por outro lado, a lei oferece a ele, em outros casos, preceitos genéricos, que serão orientadores de seu trabalho. Poderá, entretanto, como demonstrado, complementar o valor sob liquidação, quando for ele insuficiente. Nossa Constituição Federal autoriza esse procedimento. O art. 1.553 do CC de 1916 (seria, atualmente, o art. 946) apontava esse caminho, quando afirmava que, nos casos não previstos no capítulo, relativo à liquidação de danos resultantes de atos ilícitos, a indenização dar-se-ia por arbitramento. A ideia permanece. Em execução judicial, assim, será reduzida a dinheiro a obrigação de indenizar, sendo certo que a forma de proceder em juízo encontra-se prevista no art. 603 e seguintes do CPC26, matéria que transcende à que deva constar neste trabalho.

46 PREFERÊNCIAS CREDITÍCIAS

1 Conceito A ideia de preferência ensina-nos que algo deve ser considerado em primeiro lugar, antes. Preferência de crédito será a admissão de um crédito, que deva ser saldado antes de outro ou outros. Assim, fácil é constatar que a preferência creditícia é o direito, conferido ao credor preferencial, de ordenar seu crédito, de acordo com a categoria deste, estabelecida na lei ou no contrato. 2 Concurso de credores Imaginemos que vários credores pretendam, ao mesmo tempo, receber seus créditos, caso em que será preciso que se promova, entre eles, uma distribuição. Há que se apurar o patrimônio do devedor comum, para que seja, em seguida, objeto da repartição. Se esse acervo patrimonial for suficiente ao pagamento integral de todos os créditos, não há que falar-se em concurso, pois todos os credores estarão satisfeitos, nenhuma concorrência existindo. Só um crédito concorrerá com outro, em verdadeira disputa pela precedência de pagamento ou pelo rateio proporcional, quando a insuficiência

patrimonial, econômica, for constatada. Aqui, a ordem dos créditos deve ser, fielmente, observada, para o exato exercício das preferências creditórias. O concurso de credores nada mais é do que a disputa ordenada destes para o recebimento de seus créditos, em execução judicial dos haveres do devedor comum, insolvente. Realmente, o art. 955 do CC só ordena o referido concurso quando as dívidas forem de valor maior do que o do patrimonial do devedor (passivo maior que o ativo). No concurso, ou se levam em conta as preferências, quanto aos créditos concorrentes, e o concurso será de preferência, ou, não existindo qualquer crédito preferencial, cogita-se do rateio dos bens do executado e teremos o concurso, propriamente dito. Pode, ainda, ocorrer uma terceira categoria de concurso, misto, onde, ao lado dos créditos privilegiados, existam créditos comuns, quirografários. Aqueles deverão ser pagos, integralmente, antes destes. Como ilustração, citamos o caso de um devedor da importância de duzentos mil reais a três credores, um privilegiado, com crédito de cem mil reais, e dois outros com créditos comuns, um de sessenta, outro de quarenta mil reais, tendo o devedor comum um patrimônio que se converteu, judicialmente, na soma de cento e sessenta mil reais (portanto, devedor insolvente, pois o passivo é maior do que o ativo). A liquidação será feita da seguinte forma:

Por outro lado, por exemplo, se o patrimônio do devedor executado nem é suficiente à cobertura dos créditos privilegiados, existirá, sempre dentro da mesma categoria da ordem creditícia, rateio entre os credores a ela pertencentes, como estudaremos adiante. É o que ministra o art. 962 do CC. Os créditos, no concurso, serão liquidados, judicialmente, de acordo com as normas aplicáveis à liquidação das obrigações. O art. 956 de nosso CC, disciplinando o comportamento dos credores, no concurso, estabelece que eles podem discutir ou sobre a preferência de seus créditos, ou sobre a nulidade, simulação, fraude ou falsidade dos débitos e contratos. 3 Categorias das preferências As categorias das preferências creditícias, que concedem a determinadas classes de credores privilégios, necessitam, por isso mesmo, de se estatuírem na lei ou de se avençarem nos contratos, nos termos daquela. Por essa razão, dizem os arts. 957 e 958 do CC que, em falta de um título legal (privilégios e direitos reais) à preferência, os bens do devedor comum devem repartir-se, igualmente, entre os credores, respeitada, no rateio, a proporcionalidade de seus créditos.

Os créditos, dessa forma, ou serão comuns (quirografários), destituídos de qualquer preferência, ou privilegiados, na ordem preferencial estabelecida na lei. Destes últimos é que trataremos, nesta oportunidade. As preferências dividem-se em privilégios reais (direitos reais de garantia sobre a coisa alheia) e privilégios pessoais (chamados, tão somente, privilégios pelo Código). Nosso CC tratou dos privilégios reais como “Dos direitos reais de garantia”, disciplinando os três tipos de direito real de garantia: penhor (art. 1.431 e ss.), hipoteca (art. 1.473 e ss.) e anticrese (arts. 1.506 e ss.). Esses três institutos jurídicos são estudados no Direito das Coisas. Por ora, basta saber que os mesmos conferem ao credor uma garantia real para o recebimento de seu crédito, bem como todos os outros direitos reais, criados, e que se criem, por leis. A garantia real representa-se pela res, pela coisa, que integra a relação jurídica obrigacional. Suponhamos que A tome emprestado de B uma quantia em dinheiro, dando em penhor o seu relógio. Esse objeto ficará em poder do credor B, como garantia pela restituição da soma mutuada. Se A se tornar insolvente e outro credor (C) tentar executar seu patrimônio, o credor B tem crédito privilegiado (pignoratício, em razão do penhor), podendo executar, primeiramente, a coisa dada em penhor. Sua garantia é real, sobre essa mesma coisa. Fazendo um estudo comparativo entre o Direito romano das obrigações e o atual, depois de aduzir que o credor pignoratício e o hipotecário “gozam de preferência em concorrência com os demais credores, não enquanto credores, mas enquanto garantidos”, Alexandre Augusto de Castro Correa27 ensina que

“a preferência, como é óbvio, decorre do fato dos direitos de penhor ou hipoteca” (e também de anticrese – CC, art. 1.506 e ss.) serem reais, tendo por objeto coisas sobre as quais de modo imediato e direto recai a garantia dos credores. Dessa forma, é claro, os credores meramente quirografários não podem concorrer com os preferenciais, justamente por não terem, enquanto quirografários, aquele ius in re pertencente aos garantidos.

Quanto aos privilégios pessoais, o CC dividiu-os em especiais e gerais. Os privilégios pessoais especiais estão enumerados no art. 964 do CC, nos seguintes termos: Têm privilégio especial: I – sobre a coisa arrecadada e liquidada, o credor de custas e despesas judiciais feitas com a arrecadação e liquidação; II – sobre a coisa salvada, o credor por despesas de salvamento; III – sobre a coisa beneficiada, o credor por benfeitorias necessárias ou úteis; IV – sobre os prédios rústicos ou urbanos, fábricas, oficinas, ou quaisquer outras construções, o credor de materiais, dinheiro, ou serviços para a sua edificação, reconstrução ou melhoramento; V – sobre os frutos agrícolas, o credor por sementes, instrumentos e serviços à cultura, ou à colheita; VI – sobre as alfaias e utensílios de uso doméstico, nos prédios rústicos ou urbanos, o credor de aluguéis, quanto às prestações do ano corrente e do anterior; VII – sobre os exemplares da obra existente na massa do editor, o autor dela, ou seus legítimos representantes, pelo crédito fundado contra aquele no contrato da edição; VIII – sobre o produto da colheita, para a qual houver concorrido com o seu trabalho, e precipuamente a quaisquer outros créditos, ainda que reais, o trabalhador agrícola, quanto à dívida dos seus salários.

A lei n. 13.176, de 21 de outubro de 2015, acrescentou o inciso IX a esse art. 964, “sobre os produtos do abate, o credor por animais”. Seja, pois, o fato de alguém pagar as custas e despesas judiciais para a arrecadação e liquidação judicial de determinado objeto, existindo outros credores executando esse mesmo objeto: o credor, que dispendeu as

mencionadas custas e despesas, terá direito preferencial de recebê-las, respeitadas as demais preferências, se existentes. O mesmo ocorre, por exemplo, com o salvador de determinada coisa (digamos, de um incêndio, de um naufrágio), tendo direito a receber, antes dos demais, as despesas havidas com o salvamento. Quando credores, com privilégios constantes dos incisos III e IV do art. 964, simultaneamente, concorrerem ao recebimento de seus créditos, deverá existir rateio entre eles, na proporção de suas cotas creditícias, ante a aplicação, no caso, do art. 962 do mesmo Código. Os privilégios pessoais gerais encontram-se elencados no art. 965 do CC, nesses termos: Goza de privilégio geral, na ordem seguinte, sobre os bens do devedor: I – o crédito por despesa do seu funeral, feito segundo a condição do morto e o costume do lugar; II – o crédito por custas judiciais, ou por despesas com a arrecadação e liquidação da massa; III – o crédito por despesas com o luto do cônjuge sobrevivo e dos filhos do devedor falecido, se forem moderadas; IV – o crédito por despesas com a doença de que faleceu o devedor, no semestre anterior à sua morte; V – o crédito pelos gastos necessários à mantença do devedor falecido e sua família, no trimestre anterior ao falecimento; VI – o crédito pelos impostos devidos à Fazenda Pública, no ano corrente e no anterior; VII – o crédito pelos salários dos empregados do serviço doméstico do devedor, nos seus derradeiros seis meses de vida; VIII – os demais créditos de privilégio geral.

A ordem desse dispositivo legal deve ser respeitada, rigorosamente, pois o crédito, mencionado antes, prefere, sempre, o que se refere depois. Assim, tem privilégio geral de recebimento da despesa do funeral do devedor, nas condições estipuladas, por exemplo, um parente próximo do finado, que com as mesmas arcou.

Bem é lembrar, por autorização do disposto no art. 963 do CC, que os privilégios especiais só podem visar aos bens especificados em lei, no art. 964. Desse modo, percebam, esta disposição menciona o privilégio, sempre, sobre determinada coisa. Para tanto, basta examinar seus incisos, já referidos antes. Se o titular desse privilégio especial executar o objeto, a ele sujeito, e, ainda, restar saldo de seu crédito, quanto a este, desaparecerá o privilégio, tornando-se, o que restar, crédito comum, quirografário. Já o privilégio geral compreende todos os bens do devedor, logicamente que não estejam gravados por crédito real (por exemplo, hipoteca) ou por privilégio especial, cuja enumeração já declinamos. Pelo exame da matéria, até esse passo, podemos estruturar, em suma, as categorias preferenciais, no seguinte esquema:

4 Ordem preferencial no Direito Público Já vimos da importância do crédito da pessoa jurídica de Direito Público (Capítulo 39 – Correção monetária), ao mostrarmos que ele é necessário ao cumprimento de uma programação de vida, que transcende ao direito individual. Pelo recebimento dos tributos o Poder Público realiza a satisfação dos interesses de toda a coletividade.

Por essa razão, o crédito tributário é privilegiado sobre qualquer crédito de Direito Privado, o que se expressa no art. 186 da Lei n. 5.172, de 25 de outubro de 1966 (Código Tributário Nacional), verbis: “O crédito tributário prefere a qualquer outro, seja qual for a natureza ou o tempo da constituição deste, ressalvados os créditos decorrentes da legislação do trabalho.” Sem sombra de dúvida que só o crédito trabalhista prefere ao tributário, encarado aquele no sentido amplo. Assim, o crédito de acidente do trabalho, no capítulo da infortunística, acode ao entendimento desse privilégio. O art. 97 da Lei Acidentária, Dec.-lei n. 7.036, de 10 de novembro de 1944, assenta que é privilegiado e insuscetível de penhora o crédito do acidentado ou de seus herdeiros e beneficiários, pelas indenizações determinadas nesta lei, não podendo, outrossim, ser objeto de qualquer transação, inclusive mediante outorga de procuração em causa própria ou com poderes irrevogáveis. Parágrafo único – No concurso de quaisquer créditos privilegiados, o de que trata este artigo prevalecerá sobre os demais.

Veja-se, ainda, que, no crédito tributário, o federal prefere ao estadual e este ao municipal, normalmente. Por sua vez, o Dec.-lei n. 6.016, de 22 de novembro de 1943, conferiu às autarquias personalidade jurídica de Direito Público, por seu art. 2o, pelo que seus créditos, sejam essas autarquias federais, estaduais ou municipais, são privilegiados de Direito Público. As autarquias são consideradas pessoas jurídicas de direito público interno, pelo atual CC (art. 41, IV). O quadro mostra, em resumo:

5 Ordem preferencial no Direito Privado As categorias preferenciais no Direito Privado, já estudadas antes, existem, também, em uma ordem prevista em lei. Nenhuma preferência existindo de Direito Público, observam-se as de Direito Privado, sendo certo que os créditos reais (privilégios reais) preferem aos pessoais especiais (privilégios pessoais especiais) e estes aos pessoais gerais (privilégios pessoais gerais). É o que deflui do art. 961 do CC, sendo certo que a matéria relativa aos direitos reais é tratada no Livro do Direito das Coisas. Assim, pelo quadro, temos:

6 Outras normas O art. 959 do CC figura duas hipóteses de sub-rogação real, em que os privilégios continuam a existir, ocorrendo perda ou danificação do objeto gravado, no preço do seguro ou na indenização, que for apurada, se a coisa for expropriada. Se o segurador ou o que tiver de indenizar, nas hipóteses antes mostradas, pagarem o devido, sem oposição dos credores privilegiados, restarão

desobrigados, diz o art. 960, seguinte.

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CÓDIGO CIVIL ARGENTINO Lei n. 26.994, 07 de outubro de 2014.

1 Pereira, Lafayette Rodrigues, Direito das cousas. Freitas Bastos, Rio de Janeiro, 3. ed., 1940, p. 2.

2 Comissão Elaboradora e Revisora do Anteprojeto de Código Civil, Departamento de Imprensa Nacional, 1972: Miguel Reale, José Carlos Moreira Alves, Agostinho de Arruda Alvim, Sylvio Marcondes, Ebert Vianna Chamoun, Clóvis do Couto e Silva e Torquato Castro. Esse anteprojeto converteu-se no Projeto de Lei n. 634, de 1975; 634-B, depois de aprovada sua redação pela Câmara dos Deputados, em 1984. Esse Projeto tramitou no Senado Federal (Projeto de Lei da Câmara n. 118, de 1984), com redação final em 1997; no Senado, foram indicados para darem sugestões: Miguel Reale, Moreira Alves e Álvaro Villaça Azevedo, o último por indicação do Senador Bernardo Cabral; o Relator no Senado foi Josaphat Marinho; na volta do Projeto à Câmara Federal, foi Relator-geral da Comissão Especial o Deputado Ricardo Fiuza; a convite desse Relator, Álvaro Villaça Azevedo fez algumas sugestões, especialmente, em 13 de setembro de 2000, além de muitos outros professores e juristas; pela Resolução 1 de 2000 do Congresso Nacional, os deputados adequaram o texto do Projeto ao da Constituição Federal, editada em 5 de outubro de 1988. Em 15 de agosto de 2001 a Câmara dos Deputados aprovou, por votação simbólica, sem registro no painel eletrônico, o atual Código Civil, que tramitava no Congresso Nacional há vinte e seis anos; nesse período sofreu muitas emendas; o atual Código Civil foi promulgado em 10 de janeiro de 2002 (Lei n. 10.406) e teve início de vigência, a partir do dia 10 de janeiro de 2003.

3 Gomes, Orlando. Obrigações, revista, atualizada e aumentada de acordo com o Código Civil de 2002, atualizador Edvaldo Brito, Rio de Janeiro, Forense, 16. ed., 2004, p. 8. 4 Pereira, Caio Mário da Silva. Projeto de código de obrigações. Departamento de Imprensa Nacional, Brasília, 1965, p. VIII.

51 Ortolan, J. Explication historique des instituts de l’empereur Justinien. Plon, Paris, 12. ed., 1883, v. III, p. 129. 6 Institutas do Imperador Justiniano. livro III, título XIII, princípio. 7 Paulo, Digesto. livro 44, título 7, lei n. 3. 8 Biondi, Biondo, Istituzioni di diritto romano. Dott. A. Giuffrè, Milão, 3. ed., 1956, p. 333 e 334. 9 Monteiro, Washington de Barros, Curso de direito civil: direito das obrigações. 32. ed., revista e atualizada por Carlos Alberto Dabus Maluf, de acordo com o Atual Código Civil, Saraiva, 2003, v. 4, 1a parte, p. 8.

10 ALVES, José Carlos Moreira. Direito romano, 6. ed. Forense, Rio de Janeiro, 1998, v. 2, p. 9.

11 Miranda, Pontes de. Tratado de direito privado, Borsoi, Rio de Janeiro, 2. ed., 1958, t. 22, p. 24. 12 Wald, Arnoldo. Curso de direito civil brasileiro, obrigações e contratos, rev., atual. e ampl. com a colaboração de Semy Glanz, Revista dos Tribunais, São Paulo, 14. ed., 2000, p. 29 e 30.

1 Rodrigues, Sílvio. Direito civil: parte geral das obrigações, 30. ed., atualizada de acordo com o novo Código Civil, Saraiva, São Paulo, 2002, v. 2, p. 8. 2 Gaio, Institutas. III, § 88. 3 Gaio, Digesto. Livro 44, título 7, frag. I, princípio – De obligationibus et actionibus (Das obrigações e das ações). 4 Gaio, Institutas. livro 3, título 13, § 2o – De obligationibus (Das obrigações). 5 Accarias, C., Précis de droit romain. Cottilon, Paris, 4. ed., 1891, t. 2. p. 2. 6 Gianturco, Emanuele, Istituzioni di diritto civile italiano. G. Barbera, Firenze, 9. ed. p. 141.

7 Chamoun, Ebert Vianna, Instituições de direito romano. Forense, Rio de Janeiro, 4. ed. 1962, p. 299. 8 Wald, Arnoldo, Curso de direito civil brasileiro, obrigações e contratos. rev., atual. e ampl. com a colaboração de Semy Glanz, Revista dos Tribunais, São Paulo, 14. ed. 2000, p. 51 e 52. 9 Corrêa, Alexandre & Sciastia, Gaetano, Manual de direito romano. Sedegra, Rio de Janeiro, 5. ed. p. 167. 10 Sarsfield, Vélez, Código Civil argentino anotado. Claridad, Buenos Aires, 1970, com notas de Vélez Sarsfield, p. 117. 11 Del Vecchio, Giorgio, Los principios generales del derecho. trad. esp. de Juan Ossorio Morales, Bosch, Barcelona, 2. ed. 1948, p. 133.

12 França, Rubens Limongi, Manual de direito civil, doutrina geral dos direitos obrigacionais. Revista dos Tribunais, São Paulo, 1964, v. 4, t. 1, p. 60.

1 Nonato, Orosimbo, Curso de obrigações. Forense, Rio de Janeiro, 1959, v. 1, 1a parte, p. 288. 2 Pothier, Robert Joseph, Oeuvres complètes de Pothier, traité des obligations. Eugène Crochard, Paris, 1830, n. 178, p. 435.

3 Colin, Ambroise & Capitant, Henry, Cours élémentaire de droit civil français. Dalloz, Paris, 1924, 4. ed., t. 2, p. 174.

4 Beviláqua, Clóvis, Direito das obrigações. Francisco Alves, Rio de Janeiro, 8. ed., 1954, p. 68. 5 Pereira, Caio Mário da Silva, Instituições de direito civil, Teoria Geral das Obrigações. Forense, Rio de Janeiro, 19. ed., 2000, v. 2, p. 46. 6 Lima, João Franzen de, Curso de direito civil: direito das obrigações – teoria geral. Forense, Rio de Janeiro, 2. ed., 1961, v. 2, t. 1, p. 70. 7 Cicala, Rafaele, “Obbligazione divisibile e indivisibile”. in Novissimo Digesto Italiano, Utet, Torino, 1957, v. 11, p. 636. 8 Alves, João Luiz, Código Civil anotado. F. Briguiet, Rio de Janeiro, 1917, p. 611.

1 Wald, Arnoldo, Curso de direito civil brasileiro: obrigações e contratos. rev., atual. e ampl. com a colaboração de Semy Glanz, Revista dos Tribunais, São Paulo, 14. ed., 2000, p. 70. 2 Rodrigues, Sílvio, Direito civil: parte geral das obrigações. v. 2, 30. ed., atualizada de acordo com o novo Código Civil, 2002, Saraiva, São Paulo, p. 735. 3 Beviláqua, Clóvis, Código Civil comentado. Francisco Alves, Paulo de Azevedo, Rio de Janeiro, 10. ed., 1955, v. 4, p. 50.

4 Trabucchi, Alberto, Istituzioni di diritto civile. Cedam, Pádua, 39. ed., 1999, p. 585. 5 Izitari, Bruno, La circolazione del credito. in Istituzioni di Diritto, sob a direção de Mario Bessone, Bruno Inzitari e outros, G. Giappichelli, Turim, 1998, 5. ed., p. 510. 6 Rodrigues, Sílvio, Direito Civil: parte geral das obrigações. Saraiva, São Paulo, 30. ed., 2002, v. 2, p. 91. 7 Gomes, Orlando, Obrigações, Forense. Rio de Janeiro, 2004, 16. ed. revista, atualizada e aumentada por Edvaldo Brito, p. 239. Informa o autor que alguns qualificam-no como contrato real. 8 Nader, Paulo, Curso de Direito Civil: obrigações. Forense, Rio de Janeiro, 2003, v. 2, p. 231. 9 Beviláqua, Clóvis, Código Civil comentado. Francisco Alves, Paulo de Azevedo, Rio de Janeiro, 10. ed., 1955, atualizada por Achilles e Isaias Beviláqua, v. 4, p. 185. 10 Lotufo, Renan, Código Civil comentado: obrigações. parte geral, Saraiva, São Paulo, v. 2, 2003, p. 155. 11 Lotufo, Renan, op. cit, p. 159. 12 Lembra Clóvis Beviláqua, op. cit. p. 189. 13 Santos, J. M. de Carvalho, Código Civil brasileiro interpretado: direito das obrigações. Calvino Filho, Rio de Janeiro, 1936, v. 13, p. 389.

14 Rodrigues, Sílvio, Direito Civil: parte geral das obrigações. Saraiva, São Paulo, 30. ed., 2002, v. 2, p. 103 e 104. 15 Gomes, Orlando, Obrigações. Forense, Rio de Janeiro, 2004, 16. ed. revista, atualizada e aumentada por Edvaldo Brito, p. 261. 16 Karam, Munir, A transmissão das obrigações, cessão de crédito e assunção de dívida, O novo código civil, estudos em homenagem ao Professor Miguel Reale, com vários autores. LTr, São Paulo, 2003, p. 313 a 330, especialmente p. 326 e 327. 17 Nader, Paulo, Curso de Direito Civil: obrigações. Forense, Rio de Janeiro, 2003, v. 2, p. 260. 18 Rodrigues, Sílvio, Op. cit., p. 107 e 108.

1 Cesar, Dimas de Oliveira, Estudo sobre a cessão do contrato. tese, Revista dos Tribunais, São Paulo, 1954, p. 64 a 66. 2 Pinto, Carlos Alberto da Mota, Cessão da posição contratual. Atlântida, Coimbra, 1970, p. 71 e 72, n. 9. 3 Trabucchi, Alberto, Istituzioni di diritto civile. Cedam, Pádua, 39. ed., 1999, p. 591, § 254. 4 Bianca, C. Massimo, Diritto civile: il contratto. Giuffrè, Milão, 2. ed., 2000, p. 715. 5 Rodrigues, Sílvio, Direito civil: parte geral das obrigações. Saraiva, São Paulo, 30. ed., v. 2, 2002, p. 110 e 116. 6 Bianca, C. Massimo, Diritto civile. op. cit., p. 725 e 726, no 400. 7 Cesar, Dimas de Oliveira, op. cit., p. 82 a 90 e 101. 8 Pinto, Carlos Alberto Mota, op. cit., p. 191 a 219, especialmente p. 198. 9 Rodrigues, Sílvio, op. cit., p. 117, no 64. 10 Julgados in Nader, Paulo, Curso de direito civil: obrigações. Forense, Rio de Janeiro, 2003, v. 2, p. 276 e 277. Ver rodapés 17 a 20, respectivamente os acórdãos cit.: RE 19.200, 2a T, j. em 12-11-1951, ement. v. 67, p. 168; AI 16.681, 1a T., j. em 26-4-1954, ement. v. 175-01, p. 189; RSTJ, v. 134, p. 236, e RSTJ, v. 156, p. 291.

1 Já revogado em parte pela LBI.

1 Lima, João Franzen de, Curso de direito civil: direito das obrigações – teoria geral. Forense, Rio de Janeiro, 2. ed., 1961, p. 166.

2 A evolução legislativa da matéria relativa à correção monetária encontra-se com maiores esclarecimentos no Capítulo 39, item 2. 3 Wald, Arnoldo, A cláusula de escala móvel. Nacional de Direito, Rio de Janeiro, 2. ed., 1959, p. 99 e 100. 4 Rodrigues, Sílvio, Instituições de direito civil: Teoria geral das obrigações. ob. cit., p. 140 e 141. 5 JSTF-Lex 61/132. No mesmo sentido: RT 669/175, 664/127, 659/141, 655/151, 654/157, 635/226, 619/87; TJMG AC 10687150006801001-MG, 14ª C. Cív.,j. em 4-8-2016, Rel. Desª. Evangelina Castilho Duarte, publ. em 12-8-2016; e TJMG AC 10559.10.000273-7001-Rio Preto, Rel. Des. Marcelo Rodrigues, j. em 9-9-2014, publ. 19-9-2014, entre outros julgados. Em sentido contrário, TJDF, APC 201 50310212509, 6ª T. Cív., Rel. Jair Soares, J. em 11-5-2016, pub. DJE em 17-05-2016.. 6 Pereira, Caio Mário da Silva, Instituições de direito civil: Teoria geral das obrigações. v. 2, p. 86.

1 Beviláqua, Clóvis, Código Civil comentado. Francisco Alves, Rio de Janeiro, 10. ed., 1955, v. 4, p. 113.

2 Planiol, Marcel, Traité élémentaire de droit civil. Générale de Droit & Jurisprudence, Paris, 4. ed. 1907, t. 2, p. 160. 3 Rotondi, Mário, Istituzioni di diritto privato. Ambrosiana, Milão, 5. ed., 1945, p. 387. 4 Giorgi, Giorgio, Teoria delle obbligazioni. Índice geral, Fratelle Cammelli, Florença, 3. ed., 1894, v. 7, incisos 156 e 157, p. 279. 5 Carbonnier, Jean, Droit civil. Coleção Thémis, Presses Universitaires de France, Paris, 1969, Les obligations, v. 4, p. 478.

1 Paulo, Digesto. Livro 12, Título I, frag. 2, de Iulius Paulus, § 1o.

1 Carvalho Santos, J. M. de, Código Civil brasileiro interpretado, Direito das obrigações, Calvino Filho, Rio de Janeiro, 1936, v. 13, p. 183.

2 Lima, João Franzen de, Curso de direito civil, direito das obrigações: teoria geral. Forense, Rio de Janeiro, 2. ed., 1961, p. 281. 3 Beviláqua, Clóvis, Código civil comentado. Francisco Alves, Rio de Janeiro, 10. ed., 1955, v. 4, p. 140.

4 RODRIGUES, Sílvio, Direito civil: parte geral das obrigações. 30. ed. atualizada de acordo com o novo Código Civil, Saraiva, São Paulo, 2002, v. 2, p. 253.

1 França, Rubens Limongi, Manual de direito civil: doutrina geral dos direitos obrigacionais. Revista dos Tribunais, São Paulo, 1969, v. 4, t. 1, p. 148. 2 Alvim, Agostinho, Da inexecução das obrigações e das suas consequências. Saraiva, São Paulo, 4. ed., 1972, p. 7. 3 Consultar Tucci, Rogério Laura e Azevedo, Álvaro Villaça, Tratado da locação predial urbana. Saraiva, São Paulo, 1988, 2 v.

4 Silva, Wilson Melo da, O dano moral e sua reparação. Forense, Rio de Janeiro, 3. ed., 1983, p. 485 a 525. 5 Beviláqua, Clóvis, Código Civil comentado. Francisco Alves, Rio de Janeiro, 10. ed., 1955, v. 4, p. 177. 6 Alvim, Agostinho, Da inexecução das obrigações e suas consequências. Saraiva, São Paulo, 4. ed., 1972, p. 189. 7 Azevedo, Álvaro Villaça, Direito privado, casos e pareceres. Cejup, Belém, 1989, v. 3, p. 48 a 62. 8 Messineo, Francesco, Manuale di diritto civile e commerciale. Giuffrè, Milão, 1959, v. 3, p. 336 a 340. 9 Fundamentos atuais da responsabilidade na ordem civil – constitucional. O papel da jurisprudência na concretização das cláusulas gerais. in: Temas de Responsabilidade Civil, Ed. Lumen Juris, Rio de Janeiro, 2011, vários autores pp. 163 e 164. 10 JSTJ. REsp 965.758-RS. 3 ª Turma, Min. Relatora Fátima Nancy Andrighi; Dj de 3-92008. 11 Stoco, Rui, Tratado de Responsabilidade Civil. Ed. Revista dos Tribunais, 10ª edição, 2014, pp. 268 12 Edcl. No Agr. Reg. no Agr. In 1.196.957-DF, RT922/612. 13 TJRS, proc. Nº 71000889238, 2ª Turma Recursal, juiz Relator Clóvis Moacyr Mattana Ramos, j. em 07-06-2006. 14 Tartuce, Flávio, Direito Civil, vol. 2, Ed. Gen e Forense, Direito das Obrigações e Responsabilidade Civil, 12ª edição, 2017, pp. 439 a 447.

15 Em sentido contrário, aponta Ruy Rosado de Aguiar Júnior, Os contratos bancários e a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, in RT 811/99 a 141, especialmente p. 130 e 131 (ante o art. 406 do CC, com nova taxa legal, “tem sido lembrada para esse fim a Selic, que serve à remuneração dos títulos do Tesouro, fixada periodicamente pelo Copom”). 16 Franciulli Netto, Domingos, Da inconstitucionalidade da taxa Selic para correção de débitos tributários. in Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, p. 139 a 142, abr./jun. 2000. 17 Scavone Júnior, Luiz Antonio, Juros no direito brasileiro. Revista dos Tribunais, São Paulo, 2003, p. 314 a 316. 18 Monteiro, Washington Barros, Curso de direito civil: direito das obrigações. 1a parte, 32. ed, revista e atualizada por Carlos Dabus Maluf de acordo com o novo Código Civil, 2003, Saraiva, São Paulo, p. 333.

19 França, Limongi, Manual de direito civil: doutrina geral dos direitos obrigacionais. Revista dos Tribunais, São Paulo, 1969, v. 4, t. 1, p. 163. 20 Biersa, Rafael, Compendio de derecho público, derecho fiscal. Depalma, Buenos Aires, 1952, p. 63. 21 Consulte-se, a respeito, Azevedo, Álvaro Villaça, artigo sobre O Condomínio no novo Código Civil, in O novo Código Civil, estudos em homenagem ao professor Miguel Reale. LTr, 2003, p. 1017 a 1038. 22 Martins, Ives Gandra da Silva, Os créditos em concordata à luz dos Decretos-leis n. 2.283/86 e n. 2.284/86. Parecer, in Resenha Tributária, Imposto de Renda 16/86, Comentário 1.3, Resenha Tributária, São Paulo, 1986, p. 291. 23 França, Rubens Limongi Manual de direito civil: doutrina geral dos direitos obrigacionais. Revista dos Tribunais, São Paulo, 1969, v. 4, t. 1, p. 161.

24 Azevedo, Álvaro Villaça, Teoria geral das obrigações: curso de direito civil. Revista dos Tribunais, São Paulo, 2001, p. 106. 25 Monteiro, Washington de Barros, Curso de direito civil: direito das obrigações. 1a parte, 32. ed. revista e atualizada por Carlos Dabus Maluf, de acordo com o novo Código Civil, 2003. Saraiva, São Paulo, v. 4, p. 342. 26 Lopes, Miguel Maria de Serpa, Curso de direito civil, Freitas Bastos, 2. ed., Rio de Janeiro, 1957, v. 2, p. 204. 27 Beviláqua, Clóvis, Código civil comentado. Francisco Alves, Rio de Janeiro, 10. ed., 1995. v. 4, p. 6, obs. 1.

28 Girard, Paul Frédéric, Manuel élémentaire de droit romain. Rousseau, Paris, 8. ed. 1929, p. 577. 29 Rodrigues, Sílvio, Direito civil: dos contratos e das declarações unilaterais da vontade. Saraiva, São Paulo, 27. ed., 2000, v. 3, p. 83; consultar monografia do mesmo Autor, Das arras, Revista dos Tribunais, São Paulo, 1955. 30 Livro IV, tít. 2, par. 1.

31 Fonseca, Arnoldo Medeiros da, Caso fortuito e teoria da imprevisão, Tip. do Jornal do Comércio, Rio de Janeiro, 1932, p. 70.

32 Diniz, Maria Helena, Curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil. Saraiva, São Paulo, 21. ed., 2007, v. 7, p. 34. 33 Veja, a respeito, Azevedo, Álvaro Villaça, Prisão civil por dívida. Revista dos Tribunais, São Paulo, 2. ed., 2000. Veja, ainda, o art. 5o, inciso LXVII, da Constituição Federal de 5-10-1988. 34 Cretella Júnior, José, Curso elementar de direito romano. Forense, Rio de Janeiro, 22. ed., 1999, p. 312. 35 Marky, Thomas, Curso elementar de direito romano. Saraiva, São Paulo, 8. ed., 1995, p. 136. 36 Alves, José Carlos Moreira, Direito romano. Forense, Rio de Janeiro, 6. ed., 1998, v. 2, p. 236. 37 Digesto, Livro 9, Título 2, 44, Ulpiano lib. 42 ad Sabinum. 38 Lima, Alvino, Culpa e risco. Revista dos Tribunais, São Paulo, 1963, p. 42 e 43. 39 Josserand, Louis, L’évolution de la responsabilité, in Évolutions et actualités. Ed. Paris, 1936, p. 49. 40 Chaves, Antonio, Responsabilidade civil. São Paulo, Edusp, 1972, p. 17 e 36. 41 Azevedo, Álvaro Villaça, Proposta de classificação da responsabilidade objetiva: pura e impura. Revista dos Tribunais, São Paulo, v. 698, p. 7 a 11, especialmente p. 10 e 11. 42 RTJ, do STF, 55/643 (rel. Min. Aliomar Baleeiro), 37/594 (rel. Min. V. Boas), 47/760 (rel. Min. Oswaldo Trigueiro) e 40/133. 43 REsp. 36.386-1-SP, de 31-8-1993, v.u., 4a T., rel. Min. Sálvio de Figueiredo, DJ 4-101993; REsp 33.055-9-RJ, de 9-5-1994, v.u., 4a T., rel. Min. Barros Monteiro, DJ 5-9-1994. 44 Tepedino, Gustavo, Notas sobre o nexo de causalidade, in Revista Trimestral de Direito Civil, Padma, Rio de Janeiro, v. 6, 2001, p. 3 a 19. 45 Rizzardo, Arnaldo, Responsabilidade civil, Forense, Rio de Janeiro, 1. ed., 2a tiragem, 2005, p. 76, no 2.2. 46 Gonçalves, Carlos Roberto, Direito civil brasileiro: responsabilidade civil, Saraiva, São Paulo, v. IV, 2007, p. 333. 47 Ver Capítulos 35, n. 1, e 37, n. 3.

48 REsp 172.333, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, publicado no DJ de 14-9-98; RT 660/126 (Rel. Juiz Carlos Roberto Gonçalves – 1o TA-Civ. SP, 6a Câmara Especial); RT 642/150, 643/219, 429/260; RTJ 96/1.201; situações em que o fato de terceiro é equiparado ao caso fortuito ou de força maior. 49 RT 610/271 (STF, Rel. Min. Aldir Passarinho). 50 RT 643/219 (STF, Rel. Min. Aldir Passarinho). 51 Citado no mesmo caso (in RT 643/219, STF, Rel. Min. José Carlos Moreira Alves). 52 Beviláqua, Clóvis, Código Civil Comentado. Ed. Paulo de Azevedo, Liv. Francisco Alves, Rio de Janeiro, 10. ed., 1955, atualizada por Achilles e Isaias Beviláqua, v. IV, p. 173 e 174. 53 Ver, a respeito, Azevedo, Álvaro Villaça, Código civil comentado, Negócio jurídico. Atos jurídicos lícitos. Atos ilícitos. Atlas, São Paulo, 2003, Coordenação de Álvaro Villaça Azevedo, v. II, p. 366 a 372. 54 Ver, a respeito, Azevedo, Álvaro Villaça, Negócio jurídico... ob. cit., p. 369 a 372. 55 Lima, Alvino, Culpa e risco. Revista dos Tribunais, São Paulo, 1963, p. 202. 56 Rodrigues, Sílvio, Direito Civil: responsabilidade civil. Saraiva, São Paulo, 2002, 19. ed., v. 4, p. 179. 57 Aguiar Dias, José de, Cláusula de não indenizar. Forense, Rio de Janeiro, 1980, 4. ed. 58 Rodrigues, Sílvio, Ob. cit., p. 179 ss. Também Aguiar Dias, José ob. cit., p. 247. 59 Em 1962; art. 924: “A cláusula de não indenizar somente prevalecerá se for bilateralmente ajustada, e não contrariar a lei expressa, a ordem pública e os bons costumes, e nem tiver por objeto eximir o agente dos efeitos do seu dolo.” Esse artigo foi eliminado do Projeto, à época. 60 Beviláqua, Clóvis, Código Civil comentado. Francisco Alves, Paulo de Azevedo, Rio de Janeiro, 10. ed., 1954, v. 5, p. 231; Pereira, Caio Mário da Silva, Instituições de direito civil, Forense, Rio de Janeiro, 10. ed., 1993, v. 3, p. 364. 61 Gomes, Orlando, Obrigações. Forense, Rio de Janeiro, revista e atualizada por Humberto Theodoro Júnior, 12. ed., 1999, p. 292 e 293. 62 Rosas, Roberto, Direito sumular. Malheiros, São Paulo, 7. ed. 1995, p. 133 e 134.

63 Presidente da Comissão, na sessão de 7-12-1915 (Diário do Congresso, de 8-12-1915), in Beviláqua, Clóvis, Código Civil comentado, v. 1, p. 346. Consultar, pela ordem de citação dos arts. do CC de 1916, os correspondentes, respectivamente, do novo CC: arts. 188, inciso II, 186, 188, 942, 929, 188, inciso II, 929 e 930. 64 Apelação c/ Revisão no 483.260-00/9 – Guarulhos. 65 RSTJ 53/117. 66 Recomendamos, nesse passo, a leitura da monografia de Yussef Said Cahali, Responsabilidade civil do Estado. Revista dos Tribunais, São Paulo, 1982.

1 Digesto, livro 9, tít. 2, lei 44 (Ulp. 42 sab.).

2 Revogado pelo atual CPC de 2015. 3 Rosas, Roberto, Direito sumular. Malheiros, São Paulo, 11. ed., 2002, p. 278 a 282, especialmente p. 282, n. 12 e 14. 4 Monteiro, Washington de Barros, Curso de direito civil – direito das obrigações. Saraiva, São Paulo, 32 ed., 2000, 2a parte rev. e atual. por Ana Cristina de Barros Monteiro França Pinto, v. 5, p. 417. 5 Chaves, Antonio, Responsabilidade civil. Edusp, São Paulo, 1972, p. 53. 6 RT 616/195, 2o Grupo de Câmaras, rel. Juiz Carlos Motta, j. em 30-6-1986. 7 RTJ 108/912, 106/165, 105/742, 86/560 e 67/184. 8 ADCOAS 134760, Ap. 3.700/90, 1a CC do TJRJ, rel. Des. Renato Maneschy, j. em 17-41991, v.u. 9 Lopes, Teresa Ancona, O dano estético, responsabilidade civil. Revista dos Tribunais, São Paulo, 1980, p. 73. 10 Pereira, Caio Mário da Silva, Responsabilidade civil: de acordo com a Constituição de 1988. Forense, Rio de Janeiro, 4. ed., 1993, p. 316. 11 ADCOAS, 140250, rel. Des. Bady Curi, Ap. 87.244/3 – Capital, v.u., DJ de 23-9-1992. 12 França, Rubens Limongi, in Reparação do dano moral. in RT 631/29-37, especialmente p. 37. 13 RT 698/104, rel. Juiz Octaviano Santos Lobo, j. em 12-5-1993. Há também fixação de valores maiores, como a do TJRJ, 6a CC, rel. Des. Pedro Fernardo Ligiéro, AC 2.101-93, j. em 10-8-1993, no montante de 500 salários-mínimos. 14 Melo da Silva, Wilson, O dano moral e sua reparação. Forense, Rio de Janeiro, 3. ed., 1983, p. 670-671. 15 De Mattia, Fábio Faria, Direitos da personalidade: aspectos gerais. in Revista de informação legislativa, Revista dos Tribunais, São Paulo, out./dez. 1977, p. 265-266. 16 Gonçalves, Carlos Roberto, Responsabilidade civil. Saraiva, São Paulo, v. IV, 2007, p. 378. O autor cita acórdãos do 1o TACivSP, respectivamente na Ap. 434.734/90-SP, da 2a C., j. em 27-8-1990, e nas Apelações 412.831-4, de Suzano, da 6a C, e 404.563-6, de São José dos Campos, que corroboram sua manifestação. 17 RT 602/180, da 8a CC, rel. Des. Paulo Pinto, j. em 6-8-1985.

18 RJTJESP-Lex 124/139, 47/214 e 46/99. Já foi decidido, entretanto, que a pensão deve ser calculada com apoio no Piso Nacional de Salários e não no salário-mínimo de referência, conforme iterativas decisões: RT 641/181, 1o TACiv SP, 6a C., rel. Juiz Carlos Gonçalves, j. em 28-3-1989, v.u.; em consequência, fixou-se “a indenização por dano moral em 20% do valor de cada pensão, devendo ser paga mensalmente, junto com esta” (p. 184). 19 RT 703/57, rel. Des. Pereira da Silva, j. em 21-9-1993. 20 REsp 1604-SP, rel. Min. Athos Carneiro, v.u., j. em 9-10-1991. 21 4a Turma, REsp no 75.076 – RJ, Rel. Min. Barros Monteiro, j. em 10-8-1999, in DJ de 18-10-1999, p. 233. 22 3a Turma, REsp no 204.677 – ES, Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, j. em 612-1999, in DJ de 28-2-2000, p. 77. 23 3a Turma, EDel no REsp no 194.625 – SP, Rel. Min. Ari Pargendler, j. em 24-6-2002, in DJ de 5-8-2002, p. 325. 24 4a Turma, EDcl no REsp no 309.725 – MA, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, j. em 25-2-2003, in DJ de 24-3-2003, p. 224. 25 4a Turma, EDcl no REsp no 425.445 – RJ, Rel. Min. Fernando Gonçalves, j. em 21-102003, in DJ de 3-11-2003, p. 321; 3a Turma, REsp no 612.886 – MT, Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, j. em 2-6-2005, in DJ de 22-8-2005, p. 263; 3a Turma, AgRg nos EDcl no Ag no 583.294 – SP, Rel. Min. Castro Filho, j. em 3-11-2005, in DJ de 28-112005, p. 274; 3a Turma, REsp no 66.647 – DF, Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, j. em 26-11-1996, in DJ de 3-2-1997, p. 717; 3a Turma, REsp no 376.900 – SP, Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, j. em 2-5-2002, in DJ de 17-6-2002, p. 259; 3a Turma, EDcl no REsp no 435.203 – MA, Rel. Min. Nancy Andrighi, j. em 18-3-2004, in DJ de 194-2004, p. 188; 3a Turma, REsp no 611.723 – PI, Rel. Min. Castro Filho, j. em 6-5-2004, in DJ de 24-5-2004, p. 274; 4a Turma, REsp no 702.895 – MS, Rel. Min. Jorge Scartezzini, j. em 12-12-2005, in DJ de 13-3-2006, p. 329. 26 Revogado pelo atual CPC de 2015.

27 Castro Correa, Alexandre Augusto de, Introdução ao direito romano das obrigações, aplicado ao direito civil, in Revista Trimestral de Direito Privado, São Paulo, 1970, p. 147 e 148.
Álvaro Villaça Azevedo - Curso de direito civil teoria geral das obrigações e responsabilidade

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