Curso de Direito Constitucional - Bernardo Fernandes - 2020

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GONÇALVES

FERNANDES

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2020 EDITORA /uTODlVM www.edi1orajuspodivm.com.br

*J a revista 1^,- atualizada edição ampliada

iZl EDITORA

lyl >PODIVM

www.edrtorajuspodivm.com.br

Rua Território Rio Branco, 87 - Pituba - CEP: 41830-530 - Salvador - Bahia Tel: (71)3045.9051 • Contato: https://www.editorajuspodivrn.com.br/sac Copyright: Edições JusPODIVM

Conselho Editorial: Eduardo Viana Portela Neves, Dirley da Cunha Jr„ Leonardo de Medeiros Garcia, Fredie

Didier Jr., José Henrique Mouta, José Marcelo Vigliar, Marcos Ehrhardt Júnior, NestorTávora, Robério Nunes Filho, Roberval Rocha Ferreira Filho. Rodolfo Pamplona Filho, Rodrigo Reis Mazzei e Rogério Sanches Cunha. Diagramação: Ana Paula Lopes Corrêa ([email protected])

Capa: Ana Caquetti

F363c

Fernandes, Bernardo Gonçalves. Curso de Direito Constitucional / Bernardo Gonçalves Fernandes ampl. - Salvador: Ed. JusPodivm, 2020.

12. ed. rev., atual, e

2.208 p.

Bibliografia. ISBN 978-85-442-3469-3.

1. Direito Constitucional. I. Fernandes, Bernardo Gonçalves. II. Título. CDD 341.5

Todos os direitos desta edição reservados à Edições JusPODIVM.

É terminantemente proibida a reprodução total ou parcial desta obra, por qualquer meio ou processo, sem

a expressa autorização do autor e da Edições JusPODIVM. A violação dos direitos autorais caracteriza crime descrito na legislação em vigor, sem prejuízo das sanções civis cabíveis.

Agradeço ao professor Menelick de Carvalho Netto, meu orientador no mestrado e doutorado. A minha inspiração como professor! Ao professor Rui Cunha Martins pela acolhida em Coimbra. Agradeço muito ao professor Marcelo Cattoni pela amizade, interlocução e ensinamentos de quase 30 anos. Agradeço ao professor Flávio Quinaud Pedron, pela colaboração, ao professor Thomas Bustamente, pela amizade e constante interlocução, e ao querido professor Aroldo

Plínio, pelo exemplo de vida e de trajetória acadêmica.

Para os professores: Álvaro Ricardo Souza Cruz, Luiz Edson Fachin, Lenio Streck, Ingo Sarlet, Luís Roberto Barroso, Marcelo Neves,

Daniel Sarmento, José Adércio Leite Sampaio, Virgílio Afonso da Silva, Daniel Assumpção e Fredie Didier, Mariah Brochado, Alexandre Freitas Câmara e Misabel Derzi pelo incentivo pessoal ou intelectual para

a obra. Para os alunos da UFMC, PUC-Minas, UFOP e dos Cursos: CPIURIS-DF, CPJUR-SP, Damásio-SP, Praetorium (SAT), LFC-SP, Supremo-MG, FórumR|, Anamages-MG, Alcance-RJ, FESMP-MG, Podivm-LFG (Salvador/BA e São Paulo/SP).

Para os amigos e professores: Carlos Vinha, Rodrigo Bello, Paulo Nasser, Marcelo Galante, Paulo Roberto, Felipe Novais, Bruninho Zampier, Fabrício, Gabriel Habib, Marcos Paulo, Rafael Oliveira, Bruno Pinheiro, Pedro Barreto e Rafael Barreto, Nelson Rosenvald, Vinícius Gontijo, Nathália Masson, Marcelo André, Alexandre Salim, Mônica Queiroz, Barney Bichara, Robério, José Simão, André Fígaro, Caio

Bartine, Fernando Armando, Wilba, Carlos Henrique Soares, Flávio Bernardes, Mário Lúcio Quintão, José Luiz Quadros, José Luiz Bolzan, Flaviane Magalhães, Adriana Campos, Leo Leoncy, André Moreira,

Márcio Luís, Rodolfo Viana, Bruno Wanderley, Onofre Batista, Alexandre Bahia, Emílio Meyer, Felipe Machado, Dierle Nunes, Alonso Freire, Miguel Godoy, Alexandre Coura, Nelson Camatta, Elton Xavier, Richardson,

Edson, Lucas Gonçalves, Cristiano Paixão, Juliana Neuenschwander, Luciano e Daniel (Escola Superior do mpdf) e Eduardo dos Santos.

À Josy, pela paciência e compreensão nos dias difíceis... e foram tantos!

Amor, podería não ter me apaixonado, podería ter sido diferente... A verdade é que não, não podería!

Apresentação à 12a Edição É com muita satisfação e orgulho que apresentamos à comunidade jurídica a 12a edição do nosso Curso de Direito Constitucional. Em 2020 completamos 10 anos da obra com milhares de livros vendidos no país, uma enorme aceitação entre os professores e juristas e 0 mais importante: com uma imensa sensação de dever cumprido.

Compartilho neste momento comemorativo que, desde a primeira edição, em abril de 2010, todas as edições sempre tiveram 2 ou 3 tiragens! A 10a edição, por exemplo, mesmo com duas tiragens, se esgotou já no final de setembro de 2018! A 11a Edição se esgotou em novembro de 2019! Mais uma vez agradeço a todos que contribuíram para 0 sucesso da obra nesses anos, sejam professores ou alunos, que acreditam em um Direito Constitucional não só descritivo de jurisprudências e infor­ mativos do STF (e de outros Tribunais pátrios), mas também - e sobretudo - crítico e reflexivo em inúmeros temas. A 12a edição apresenta a necessária atualização jurisprudencial e normativa. A obra também retrata, como de praxe, novos assuntos - cada vez mais discutidos e debatidos no âmbito acadêmico e prático do Direito. Foram trabalhados e amplia­ dos, temas como: Constitucionalismo Abusivo, Constitucionalismo Democrático da Escola de Yale, Constitucionalismo Popular e Constitucionalismo Popular Mediado, Teoria dos Diálogos Constitucionais, Justiça de Transição, Direito Internacional dos Direitos Humanos (universalismo, relativismo cultural e multiculturalismo). Estatuto das Pessoas com Deficiência, 0 Papel das Cortes Constitucionais, Tribunal do Júri, a nova Lei n° 13.964/2019 (Pacote Anticrime), a EC n° 103/2019 da Reforma da Previdên­ cia, entre vários outros assuntos.

Além disso, há novamente a expansão de vários capítulos, dentre eles: Conceito e Classificações das Constituições, Poder Constituinte, Hermenêutica e Hermenêutica Constitucional, Teoria dos Direitos Fundamentais, Direitos Individuais e Coletivos, Ações Constitucionais, Direitos Sociais, Direitos de Nacionalidade, Direitos Políticos, Organização do Estado, Poder Legislativo, Processo Legislativo, Poder Executivo, Poder Judiciário, Funções Essenciais à Justiça, Defesa do Estado e das Instituições Democráticas, Controle de Constitucionalidade, Ordem Econômica e Social, entre outros.

Belo Horizonte-MC Março de 2020

Sumário PARTE 1 TEORIA DA CONSTITUIÇÃO

1 CONCEITO E CLASSIFICAÇÕES DAS CONSTITUIÇÕES...............................................

31

1.

0 que é uma Constituição? Conceito de Constituição e constitucionalismo. Uma advertência inicial........................................................................................................................

32

2.

Um ponto de partida: 0 conceito histórico-universal e a primeira definição de Constituição: a Constituição material como Constituição reai.................................................

33

2.1.

A Constituição material e 0 seu sentido jurídico-normativo. 0 movimento do Constitucionalismo na Inglaterra do século XVII. A definição de Constitucionalismo...

35

2.2.

0 surgimento das Constituições formais no movimento do constitucionalismo. A Constituição (moderna) como a ordenação sistemática e racional da comunidade política, plasmada em um documento escrito.........................................

37

2.3.

Mas 0 que acontece com a Constituição material? Ela deixa de existir juridicamente com 0 surgimento das Constituições formais?.......................................

39

2.4.

A Constituição formal e a sua relação com a constituição material no decorrer do tempo. Uma rápida advertência! .............................................................................. Última digressão: o que é mesmo a Constituição formal? A definição de supralegalidade desenvolvida e explicitada nos EUA no começo do século XIX........

2.5.

40

3.

Classificações das Constituições: teorias tradicionais e usuais na doutrina pátria...............

40 42

4.

Classificação ontológica (ou essencialista) das Constituições de Karl Lõewenstein..............

54

5.

Reflexões sobre as classificações tradicionais; 0 conceito de bloco de constitucionalidade; e 0 entendimento sobre a denominação intitulada de Neoconstitucionalismo.................................................................................................................

57

6.

Última digressão sobre a classificação das Constituições. 0 nosso ponto de vista (que nós defendemos e não apenas descrevemos): a classificação paradigmática das Constituições, com base na teoria discursiva da Constituição de JLirgen Habermas: uma abordagem crítico-reflexiva das Constituições Clássicas (Estado Liberal), Sociais (Estado Social) e de Estado Democrático de Direito................................................................

68

7.

Sentidos ou concepções do termo Constituição: sentidos clássicos e contemporâneos.....

76

7.1.

A Constituição dirigente de J. J. Gomes Canotilho: 0 debate sobre a constituição dirigente e 0 constitucionalismo moralmente reflexivo................................................

7.2.

A Constituição para a Teoria dos Sistemas de Nihlas Luhmann....................................

7.3.

A Constituição na Teoria Discursiva do Direito e do Estado Democrático de Direito de JUrgen Habermas............................................................................................

87

7.4.

0 Constitucionalismo Abusivo de David Landau.............................................................

91

7.5.

A sociedade aberta de intérpretes da Constituição de Peter Hãberle: Constituição como cultura e processo público................................................................

7.6.

A força normativa da Constituição e a Constituição aberta de Konrad Hesse ...........

7.7.

A Constituição simbólica de Marcelo Neves e as digressões sobre 0 transconstitucionalismo (Tese do Transconstitucionalismo)..........................................

97

7.8.

0 conceito pluridimensional de Constituição de José Adércio Leite Sampaio.............

106

81 85

92 95

11

Bernardo Gonçalves Fernandes 0 (novo) Constitucionalismo plurinacional da América Latina e a sua ruptura paradigmática...................................................................................................................

107

Classificação quanto à aplicabilidade das Normas Constitucionais: Teoria de José Afonso da Silva............................................................................................................................

111

Classificação quanto à aplicabilidade das normas constitucionais de Carlos Ayres Britto e Celso Ribeiro Bastos...................................................................................................... 10. Classificação quanto à aplicabilidade das normas constitucionais deMariaHelenaDiniz...

118 119

11. Classificação quanto à aplicabilidade das normas constitucionais de LuísRobertoBarroso.........

120

7.9. 8.

9.

12. Classificação trabalhada por Uadi Lammêgo Bulos das normas constitucionais de eficácia exaurida.........................................................................................................................

120

13. Estrutura e Elementos das Constituições..................................................................................

120

2 PODER CONSTITUINTE

125

1.

Introdução.................................................................................................................................. 1.1. Um conceito preliminar de Poder Constituinte.............................................................. 1.2. Revelar, dizer ou criar uma Constituição?......................................................................

125 125 126

2. 3.

Três Leituras Concorrentes no Discurso Jurídico Atual............................................................. Poder Constituinte Originário..................................................................................................... 3.1. Conceito e natureza jurídica............................................................................................

127 129 129

Classificação...................................................................................................................... Características do Poder Constituinte Originário............................................................ Titularidade do Poder Constituinte Originário................................................................ Poder Constituinte Originário e direitos adquiridos......................................................

131 132 135 137

3.6. Dinâmica constitucional.................................................................................................... Poder Constituinte Derivado de Reforma da Constituição: Espécies e Limitações................ 4.1. Análise específica do Poder Constituinte derivado de revisão da Constituição.........

138 142 145

3.2. 3.3. 3.4. 3.5.

4.

Análise específica do Poder Constituinte derivado de reforma via emendas............

146

Poder Constituinte (Derivado) Decorrente: Espécies, Caracteres e Limitações......................

157

Poder Constituinte e Patriotismo Constitucional: Uma Releitura Contemporânea e Sofisticada da Teoria do Poder Constituinte.............................................................................

160

HERMENÊUTICA E HERMENÊUTICA CONSTITUCIONAL................ -............... ........

167

Da Hermenêutica Filosófica à Hermenêutica Jurídica................................................................ 1.1. Esclarecimentos iniciais: hermenêutica x interpretação................................................ 1.2. 0 desenvolvimento histórico da Hermenêutica: do movimento protestante ao giro hermenêutico e linguístico....................................................................................... 1.2.1. A Hermenêutica clássica..................................................................................... 1.2.2. A Hermenêutica no movimento do giro hermenêutico e do giro linguístico... 1.3. A Hermenêutica na Ciência Jurídica: do século XVIII ao século XX (ou do Estado Liberal ao Estado Social)............................... ~............. 1.3.1. Uma disputa inicial: voiuntos iegistatoris x voluntas fegís................................... 1.3.2. Os métodos clássicos de interpretação............................................................. 1.3.3. A interpretação do Direito na Teoria Pura de Kelsen.......................................

167 167

4.2.

5. 6.

3 1.

1.3.4.

12

0 Positivismo jurídico atual: Positivismo Exclusivista e Inclusivista e 0 Não Positivismo...................................................................................................

169 169 174

178 178 181 184 187

SumArio 2.

A Hermenêutica Constitucional...................................................................

2.1.

2.2. 2.3.

191 199

206 206

2.3.2. 2.3.3.

Ronald Dworkin e a Teoria da Integridade......................................................... John Hart Ely e sua concepção procedimental dedemocracia.........................

208 210

2.3.4.

Cass R. Sunstein: minimalismo judicial e as personasconstitucionais..............

2.3.5.

Adrian Vermeule e a virada institucional...........................................................

2.3.6. 2.3.7.

Mark Tushnet e 0 Constitucionalismo popular.................................................. Barry Friedman e 0 constitucionalismo popular mediado: levando a Constituição para além das Cortes..................................................................... 0 Constitucionalismo Democrático da Escola de Yale: Robert Post e Reva Siegel. A análise do efeito Backlash.................................................................... Jeremy Waldron e sua crítica ao judicial review................................................

212 220 224

2.3.8.

2.3.9.

2.4.

191

A Hermenêutica Jurídica na era da Hermenêutica Constitucional................................. Métodos de interpretação constitucional....................................................................... 0 debate no Direito Constitucional norte-americano: para além do debate entre interpretativistas e não interpretativistas: R. Dworkin, J. H. Ely, C. Sunstein, A. Vermeule, M. Tushnet, B. Friedman, Robert Post e Reva Siegel, J. Waldron, L. Tribe, R. Posner e M. Sandel............................................................................................. 2.3.1. Introdução............................................................................................................

226 232 249

2.3.10. Laurence Tribe: Constitutional choices................................................................ 2.3.11. Richard Posner: a análise econômica do direito e 0 movimento antiteórico.... 2.3.12. Michael Sandel e sua Filosofia Política: justice.................................................. A Hermenêutica Constitucional no paradigma do Estado Democrático de Direito: a ponderação de princípios por meio da técnica da proporcionalidade....................

253 255 260

2.4.1. 2.4.2. 2.4.3.

264 265

2.4.4. 2.4.5. 2.4.6.

Considerações iniciais..........................................................................................

Princípios e regras .............................................................................................. A Teoria dos princípios de Humberto Ávila e suas contribuições para a derrotabilidade................................................................................................... Proporcionalidade x Razoabilidade.................................................................... A estrutura "racional" da proporcionalidade...................................................

264

270 275 277

A distinção das teorias de Alexy (ponderação de princípios pela proporcionalidade) e Dworkin (integridade do direito)..................................

282

2.4.7.

A racionalidade das decisões judiciais: uma apreciação crítica à luz da teoria discursiva do direito e da democracia de Jíirgen Habermas...............

285

2.4.8.

A Hermenêutica jurídica na Doutrina pátria: as contribuições de Lenio Streck em "Verdade e Consenso".......................................................................

287

HISTÓRICO DAS CONSTITUIÇÕES BRASILEIRAS........................................................

295

4 1.

Introdução: advertência ............................................................................................................

295

2. 3.

Antecedentes históricos do nosso constitucionalismo.............................................................. A Constituição do Império de 1824.............................................................................................

296 296

4.

A Constituição da República de 1891..........................................................................................

299

5.

A Constituição de 1934.................................................................................................................

303

6.

A Constituição de 1937.................................................................................................................

306

7. 8.

A Constituição de 1946.................................................................................................................

309 313

A Constituição de 1967................................

9. A Constituição de 1969 (EC n» 01/69)........................................................................................... 10. A Constituição de 1988.................................................................................................................

315 316 13

Bernardo Gonçalves Fernandes

PARTE 2 DIREITO CONSTITUCIONAL

5 PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS (ESTRUTURANTES) DA CONSTITUIÇÃO DE 1988....

323

1. 2.

Introdução..................... A noção de Princípios Jurídicos e sua reconstrução a partir do movimento do póspositivismo..................................................................................................................................

323

3.

Classificação dos Princípios Estruturantes.........................................................................

328

4.

Princípio Republicano.................................................................................................................

329

5.

Princípio do Estado Democrático de Direito............................................................................. 5.1. Introdução: a conexão interna entre Direito e Democracia.......................................... 5.2. Estado de Direito..............................................................................................................

33° 330 331

5.3.

323

Democracia........................................................................................................................

333

6.

Princípio Federativo....................................................................................................................

337

7.

Princípio da Separação de Poderes...........................................................................................

338

8.

Fundamentos do Estado brasileiro...........................................................................................

342

8.2. 8.3.

Introdução........................................................... -............................................................ Soberania.......................................................................................................................... Cidadania..........................................................................................................................

342 343 344

8.4. 8.5.

Dignidade Humana............................................................................................................ Valores Sociais do Trabalho e da Livre Iniciativa...........................................................

345 352

8.6.

Pluralismo Político.............................................................................................................

Princípios que fixam os objetivos primordiais a serem perseguidos pela CR/88..................

355 356

10. Princípios que traçam diretrizes a serem adotadas nas relações internacionais.................

357

8.1.

9.

6 TEORIA GERAL DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS.......................................................

359

0 que são direitos fundamentais?............................................................................................. 1.1. Introdução: Direitos Humanos e Direitos Fundamentais................................................ 1.2. As dimensões subjetiva e objetiva dos direitos fundamentais ...................................

359 359 362

1.3.

Classificação dos direitos fundamentais: constitucional-literal.....................................

363

1.4.

Classificação dos direitos fundamentais: Gerações de direitos fundamentais...........

365

1.5.

Direitos Fundamentais e suas funções: Uma análise introdutória................................

372

1.6. 1.7. 1.8. 1.9.

Direitos Fundamentais como direitos de defesa........................................................... Direitos Fundamentais como normas de proteção deinstitutos jurídicos..................... Direitos Fundamentais como garantias positivas para 0 exercício dasliberdades......

1.

Direitos Fundamentais como Garantias Institucionais.....................................................

374 376 376 379

2.

1.10. Deveres Fundamentais..................................................................................................... Estrutura das normas sobre direitos fundamentais:direitos ou valores?.............................

379 383

3.

Características dos direitos fundamentais................................................................................

384

4. 5.

Titulares dos direitos fundamentais..........................................................................................

388

Vinculação dos Poderes Públicos...............................................................................................

390

6.

Limites (Restrições) aos direitos fundamentais e atese doslimites dos limites...................

391

7.

Suporte fático dos direitos fundamentais.................................................................................

396

14

Sumario Elementos do suporte fático............................................................................................

396

7.1.1.

Suporte fático, âmbito de proteção e intervenção nas diferentes espécies de normas de direitos fundamentais.................................................

397

7.1.2.

A crítica de Virgílio Afonso da Silva: o elemento da ausência de fundamentação constitucional.............................................................................

399

Espécies de suporte fático...............................................................................................

400

8.

Colisões entre Direitos Fundamentais e a crítica a elas...........................................................

403

9.

Eficácia dos direitos fundamentais nasrelações

7.1.

7.2.

privadas: eficácia horizontal....................

409

10. Direitos Humanos......................................................................................................................... 10.1. Histórico dos Direitos Humanos apartir de uma perspectiva clássica..........................

418 418

10.2. Etapa de Conversão em DireitoPositivo.......................................................................... 10.3. Etapa de Generalização....................................................................................................

418

10.4. Etapa de Internacionalização........................................................................................... 10.4.1. Sistema Internacional de Proteção aos Direitos Humanos...............................

420 421

10.5. Universalismo, Relativismo (cultural) e Multiculluralismo..............................................

427

10.5.1. Introdução.............................................................................................................

427

10.5.2. Alcance e aplicabilidade dos direitos humanos: universalismo e relativismo cultural.............................................................................................. 10.5.3. Diferentes correntes do universalismo e do relativismo cultural....................

428 430

10.5.4. Críticas à dicotomia entre 0 universalismo e 0 relativismo: multiculluralismo.................................................................................................. 10.5.5. Integridade Transnacional dos Direitos Humanos..............................................

10.5.6. Considerações finais............................................................................................

419

431 434 436

11. Justiça de transição......................................................................................................................

437

11.1. Introdução.......................................................................................................................... 11.2. Conceito e Características................................................................................................

11.3. Elementos da Justiça de Transição................................................................................... 11.3.1. Justiça..................................................................................................................... 11.3.2. verdade e Memória............................................................................................. 11.3.3. Reparação das vítimas e de suas famílias.........................................................

437 439 440 440 442 444

11.3.4. A Justiça de Transição noBrasil.............................................................................

446

12. Direito dos animais......................................................................................................................

449

13. Estatuto da Pessoa com Deficiência...........................................................................................

455

7 DIREITOS FUNDAMENTAIS INDIVIDUAIS E COLETIVOS NA CONSTITUIÇÃO

DE 1988............................................................................................................................

463

1.

Introdução: a noção de dignidade da pessoa humana como postulado/axioma justificante dos direitos fundamentais.......................................................................................

463

2. 3.

Vida............................................................................................................................................... Liberdade..................................................................................................................................... 3.1. Liberdade de ação............................................................................................................ 3.2. Liberdade de manifestação de pensamento ede expressão .......................................

469 482 484 484

3.3.

Liberdade de Consciência e Liberdade decrença..........................................................

515

3.4.

3.3.1. Liberdade de Consciência.................................................................................... 3.3.2. Liberdade de crença............................................................................................ Liberdade de locomoção ................................................................................................

515 517 532 15

Bernardo Gonçalves Fernandes 3.5. 3.6. 3.7.

Liberdade de profissão..................................................................................................

Liberdade de reunião...................................................................................................... Liberdade de associação.................................................................................................

533 534 538

4.

Igualdade.....................................................................................................................................

343

5.

Propriedade................................................................................................................................

565

Conceito de propriedade................................................................................................. Função Social da propriedade......................................................................................... Formas de intervenção estatal no direito de propriedade: Servidão, Desapropriação e Requisição.........................................................................................

565 367

5.1. 5.2. 3.3.

5.3.1. 5.3.2. 5.3.3.

568

Servidão ..............................................................................................................

568

Desapropriação.................................................................................................... Requisição............................................................................................................

568 373

Proteção constitucional ao bem de família....................................................................

573

6.

Direito à Privacidade, Direito à Intimidade e Direito à Imagem.............................................

575

7.

Quebras de sigilos: de correspondência, comunicação telegráfica e de dados. Interceptação telefônica e gravação clandestina....................................................................

579

8.

A inviolabilidade do domicílio....................................................................................................

593

9.

Direito Adquirido, Ato Jurídico Perfeito e Coisa Julgada..........................................................

599

10. 0 direito ao devido processo legal (constitucional) e seus princípios correlatos................. 10.1. Devido Processo Legal, Contraditório, Ampla Defesa, Juiz Natural, Acesso à Justiça e Duração Razoável do Processo........................................................................ 10.2. Presunção da Inocência e sua análise jurisprudencial..................................................

614

614 626

10.3. Garantias Constitucionais de cunho Penal e Processual Penal à luz da Dignidade da pessoa Humana........................................................................................................... 10.4. Juiz das Garantias e o Pacote anticríme da Lei n»i3.964 de 24.12. 2019....................... 10.5. Tribunal do Júri na Constituição de 1988 e na legislação infraconstitucional..............

660 677 685

11. Provas ilícitas e as provas lícitas derivadas das provas ilícitas.............................................

691

12. colaboração premiada e seus reflexos no STF........................................................................

698

13. Direito Geral de informação, direito de certidão e direito de petição..................................

713

14. Diferença entre 0 Princípio da legalidade e 0 Princípio da reserva legal.............................. 15. A questão dos Tratados Internacionais frente a Constituição: A nova exegese dos Tratados Internacionais de direitos humanos......................................................................... 16. 0 Tribunal Penal Internacional e a posição do Brasil frente a ELE..........................................

721

5.4.

723 726

8 AÇÕES CONSTITUCIONAIS................................................................. 1.

Mandado de segurança.............................................................................................................. 1.1. Conceito............................................................................................................................. 1.2. Requisitos do Mandado de Segurança...........................................................................

731 731 732

1.3. 1.4. 1.5. 1.6.

Espécies de Mandados de Segurança............................................................................ Direito Líquido e Certo..................................................................................................... Cabimento......................................................................................................................... Legitimidade do Mandado de Segurança.......................................................................

735 735 737 746

1.7. 1.8.

Competência no Mandado de Segurança........................................................................ Procedimento....................................................................................................................

753 757

1.9.

Decisão, Efeitos e Recursos Possíveis..............................................................................

1.10. Prazo do Mandado de Segurança.................................................................................... 16

731

765 771

SumArio 2.

3.

Mandado de Segurança Coletivo...............................................................................................

775

2.1. 2.2. 2.3.

Conceito.............................................................................................................................. Finalidades......................................................................................................................... Legitimidade do Mandado de Segurança Coletivo........................................................

775 776 776

2.4. Procedimento.................................................................................................................... 2.5. Decisão e Seus Efeitos...................................................................................................... Mandado de injunção................................................................................................................. 3.1. ^onceito e Antecedentes Históricos................................................................................. 3.2. Finalidades......................................................................................................................... 3.3. Espécies de Mandado de Injunção..................................................................................

781 782 787 787 788 788

Requisitos...................................... .................................................. Legitimidade.......................................................................................................................

789 791 793 794

3.4. 3.5. 3.6. 3.7. 3.8.

Competência..................................................................................................................... Procedimento..................................................................................................................... Decisão, recursos viáveis e 0 relevante debate dos efeitos da decisão concessiva da injunção..................................................................................................... Considerações Finais........................................................................................................

796 808

Habeas Data.............................................................................................................................. 4.1. Conceito.............................................................................................................................. 4.2. Cabimento............................ 4.3. Legitimidade..................................................................................................................... 4.4. Competência....................................................................................................... 4.5. Procedimento....................................................................................................................

810 810 811 812 814 815

Decisão.................................... Considerações finais......................................................................................................... Popular................................................................................................................................ Antecedentes Históricos...................................................................................................

816 818 819 819

5.2. 5.3. 5.4. 5.5.

Conceito.............................................................................................................................. Requisitos da Ação Popular.............................................................................................. Legitimidade....................................................................................................................... Procedimento.....................................................................................................................

820 821

5.6. 5.7. 5.8.

Competência...................................................................................................................... Decisão na Ação Popular.................................................................................................. Considerações finais.........................................................................................................

826

3.9. 4.

5.

6.

7.

4.6. 4.7. Ação 5.1.

822 825 828 829

Habeas corpus............................................................................................................................... 6.1. Origem do habeas corpus, a doutrina brasileira do habeas corpus e a sua inserção nasConstituições pátrias (breve histórico).......................................................

830

6.2. 6.3.

Conceito e natureza jurídica do instituto........................................................................ Algumas características da ação de habeas corpus.......................................................

833 834

6.4. 6.5. 6.6.

Espécies de habeas corpus.............................................................................................. Cabimento do habeas corpus.......................................................................................... Legitimidade ativa e passiva............................................................................................

835 837

6.7. 6.8. 6.9.

Competência ..................................................................................................................... Procedimento, decisão e recursos cabíveis.................................................................... Considerações finais.........................................................................................................

847 850

Reclamação..................................................................................................................................

869 869 869

7.1. 7.2.

Introdução.......................................................................................................................... Conceito e Natureza Jurídica............................................................................................

830

845

852

17

Bernardo Gonçalves Fernandes 7.3.

Hipóteses de Cabimento..................................................................................................

871

7.3.1. 7.3.2.

Para preservar a competência do Tribunal........................................................

872

Para garantir a autoridade de decisão do Tribunal...........................................

873

7.3.3. 7.3.4.

Para Garantir a Observância de Súmulas vinculantes do STF........................... Para garantir a observância de decisão do STF em controle concentrado de constitucionalidade........................................................................................ Para garantir a observância ao precedente proferido em julgamento de resolução de demandas repetitivas e ao precedente proferido em incidente de assunção de competência............................................................

875

7.3.5.

876

877

Reclamação proposta contra decisão que tenha descumprido tese fixada pelo STF em recurso extraordinário julgado sob 0 rito da repercussão geral...............................................................................................

878

7.4.

Da Legitimidade................................................................................................................

880

7.5.

Do Procedimento..............................................................................................................

883

DOS DIREITOS SOCIAIS..................................................................................................

887

7.3.6.

9 1.

Introdução....................................................................................................................................... 1.1. Conceito e desenvolvimento- perspectiva histórica.....................................................

2.

Os Direitos Sociais: características, vinculatividade e delimitação constitucional: Das normas programáticas aos direitos subjetivos prima facie.........................................................

3.

A ideia de um "mínimo existencial".........................................................................................

4.

887 887

889

A "cláusula" da reserva do possível comolimite de implementação dos direitos sociais...

892 894

5.

Princípio da Proibição (vedação) doRetrocesso......................................................................

901

6.

Classificação dos Direitos Sociais..............................................................................................

903

7.

Direitos Sociais do Trabalhador................................................................................................

905

8.

Direitos Sociais da Seguridade Social.......................................................................................

919

Direito à Saúde................................................................................................................. Direito à Previdência Social.............................................................................................

919 921

8.3. Direito à Assistência Social.............................................................................................. Direitos Sociais à Educação e à Cultura.................................................................................... 9.1. Direito à Educação...........................................................................................................

922

8.1. 8.2.

9.

9.2.

922 922

Direito à Cultura................................................................................................................

924

10. Direitos relativos à moradia............................................ 11. Direitos Sociais ao Meio Ambiente Ecologicamente Equilibrado.............................................

926 926

12. Direitos Sociais da Criança, do Adolescente, do Jovem e doIdoso.........................................

928

10 DIREITOS DA NACIONALIDADE...................................................................................

931

1.

Conceito de nacionalidade e algumas definições: povo, população, nação e cidadão.......

931

2. 3.

Natureza jurídica dos direitos de nacionalidade.....................................................................

Espécies de nacionalidade.........................................................................................................

932 932

4.

Critério de aquisição da nacionalidade primária ....................................................................

932

5.

Critério de aquisição da nacionalidade secundária.................................................................

933

6.

Análise específica do Brasil........................................................................................................

933

6.1.

933

18

Nacionalidade primária.....................................................................................................

Sumario 6.2.

Nacionalidade secundária...............................................................................................

936

7.

Distinção entre brasileiros natos e naturalizados....................................................................

942

8. 9.

Perda do direito de nacionalidade ..........................................................................................

944

Reflexões sobre a lei de migração (Lei n» 13.445/2017). Extradição, transferência de execução de pena e de pessoa condenada. Das medidas de retirada compulsória: expulsão, deportação e repatriação. Asilo Político e Refúgio................................................. 9.1. A nova Lei de Migração (Lei n° 13.445/2017)....................................................................

950 95°

Extradição ........................................................................................................................ 9.2.1. Conceito de extradição.......................................................................................

954 954

Espécies de extradição........................................................................................ Procedimento para a extradição e decisão sobre ela.....................................

954

9.2.4. Requisitos para a extradição............................................................................... Transferência de Execução de Pena e da Pessoa Condenada......................................

960 978

9.2.

9.2.2. 9.2.3.

9.3. 9.4.

9.5.

956

Das Medidas de Retirada Compulsória...........................................................................

980

9.4.1.

Expulsão................................................................................................................

9.4.2. 9.4.3.

Deportação........................................................................................................... Repatriação..........................................................................................................

981 986 988

Asilo Político e Refúgio......................................................................................................

988

11 DIREITOS POLÍTICOS

995

1.

Conceito........................................................................................................................................

2.

Espécies.......................................................................................................................................

995

3.

Direito de Sufrágio: núcleo dos Direitos Políticos..................................................................... 3.1. Conceito de Sufrágio.........................................................................................................

1004 1004 1005 1006

3.2. 3.3.

4. 5. 6.

Espécies de Sufrágio.......................................................................................................... Digressões sobre 0 voto...................................................................................................

Sistemas eleitorais...................................................................................................................... Direitos políticos positivos ........................................................................................................ Direitos políticos negativos........................................................................................................ 6.1. Espécies..............................................................................................................................

995

1009 1012 1019 1019

7.

Perda ou suspensão dos direitos políticos...............................................................................

1053

8.

Princípio da anualidade (ou da anterioridade)da legislação eleitoral..................................

1059

9.

Dos partidos políticos................................................................................................................. 9.1. Financiamento de campanha. Acesso ao rádio e à televisão. Debates eleitorais. Fidelidade partidária e extinção do mandato................................................................ 9.1.1 Financiamento de Campanha...............................................................................

1061

9.1.2.

Acesso ao Rádio e à Televisão (Direito de Antena) .........................................

1094

9.1.3.

Debates Eleitorais...............................................................................................

1101

9.1.4.

Fidelidade Partidária e a Extinção dos Mandatos ...........................................

1103

10. Vacância de cargos políticos no sistema majoritário................................................................

1112

1072 1073

12 ORGANIZAÇÃO DO ESTADO..................................................................

1117

1.

Introdução....................................................................................................................................

1117

2.

Espécies ou tipos de formas de Estado....................................................................................

1117

19

Bfrnahoo Gonçalves Ffrnanofs 3.

Análise específica do Federalismo presente em nossa atual Constituição............................

1122

4.

Técnicas de repartição de competências.................................................................................

1133

5.

Análise DA repartição de competências na constituição de 1988...........................................

1135

6.

Considerações finais sobre a organização do estado: Princípio da Simetria. Regiões Administrativas ou de Desenvolvimento. 8ens da União. Bens dos Estados. Homogeneidade Federativa. Análise dos Territórios. Complementações sobre o Distrito Federal. Criação de Novos Estados. Criação de Novos Municípios............................

1198

13 DA INTERVENÇÃO FEDERAL.........................................................................................

1213

Princípios que regem a intervenção federal............................................................................

1213

Princípio da excepcionalidade......................................................................................... Princípio da Taxatividade................................................................................................ Princípio da temporalidade............................................................................................

1213 1214 1214

2.

Conceito.......................................................................................................................................

1215

3.

4.

Procedimentos........................................................................................................................... Intervenção Estadual..................................................................................................................

1215 1221

5.

A recente intervenção Federal no Estado do Rio de Janeiro..................................................

1223

1.

1.1.

1.2. 1.3.

14 PODER LEGISLATIVO

1227

1.

Funções........................................................................................................................................ 1.1. Funções típicas..................................................................................................................

1227 1227

Funções atípicas................................................................................................................

1228

2.

Composição e atribuições.......................................................................................................... Comentários sobre 0 Teto Remuneratório: um histórico recente.................................

1228 1236

Funcionamento e Estrutura do Poder Legislativo.....................................................................

1243

3.1.

1243

1.2.

2.1. 3.

Funcionamento.................................................................................................................. 3.1.1.

Legislatura ...........................................................................................................

1243

3.1.2.

Sessão legislativa ordinária (sessãolegislativa)................................................

3.1.3.

3.1.5. 3.1.6.

Período legislativo .......................................................................................... Sessão preparatória .......................................................................................... Sessão ordinária ................................................................................................. Sessão extraordinária........................................................................................

1243 1243 1244 1244 1246

3.1.7. 3.1.8.

Sessão legislativa extraordinária...................................................................... Sobre os Quóruns...............................................................................................

1246 1248

Estrutura das Casas legislativas...................................................................................... 3.2.1. Mesas das Casas. 0 que sãoas mesas?..............................................................

1249 1249

Comissões.............................................................................................................

1252

Estatuto dos Congressistas........................................................................................................

4.1. Conceito.............................................................................................................................. 4.2. Análise................................................................................................................................ 4.3. Imunidade Material..............................................................................................

1264 1264 1264 1265

4.4.

imunidade Formal.............................................................................................................

1272

4.5.

Outras Imunidades dos Parlamentares...........................................................................

1307

3.1.4.

3.2.

3.2.2. 4.

20

Sumário Impedimentos e vedações dos Parlamentares. Perda de mandato dos Parlamentares e Temas Conexos. Caso do Mensalão (AP n»47o)..................................

1311

Da Fiscalização contábil, financeira e orçamentária e dos Tribunais de Contas....................

1332

4.6. 5.

15 PROCESSO LEGISLATIVO...............................................................................................

1355

1.

Conceito........................................................................................................................................ 1.1. Conceito jurídico................................................................................................................ 1.2. Conceito sociológico.........................................................................................................

1355 1355 1355

2. 3.

Espécies Normativas Primárias ................................................................................................. Tipos de processo legislativo..................................................................................................... 3.1. No que diz respeito à organização política.................................................................... 3.2. No que diz respeito ao aspecto técnico jurídico...........................................................

1355 1356 1356 1356

4.

Fases 4.1. 4.2. 4.3. 4.4.

do processo legislativo..................................................................................................... Fase introdutória (de iniciativa)....................................................................................... Fase constitutiva............................................................................................................... Fase complementar (integração de eficácia).................................................................. Observações sobre a fase de iniciativa ou introdutória............................................... 4.4.1. Conceito de iniciativa...........................................................................................

1358 1358 1358 1358 1358 1358

4.4.2. Espécies de iniciativa................. 4.4.3. Observações finais sobre a fase de iniciativa.................................................. Processo Legislativo Ordinário - lei ordinária........................................................................... Processos Legislativos Especiais - Leis Complementares ....................................................... 6.1. Leis Complementares: Conceito....................................................................................... 6.2. Procedimento para elaboração de leis complementares............................................ Processos Legislativos Especiais - Leis Delegadas.................................................................... 7.1. Leis Delegadas: Conceito.................................................... 7.2. Procedimentos.................................................................................................................. Medidas Provisórias.................................................................................................................... 8.1. Conceito.............................................................................................................................. 8.2. Diferenças: Antes e depois da EC n- 32/01 da CR/88 .......................................................

1358 1359 1364 1376 1376 1376 1380 1380 1381 1383 1383 1383

Procedimentos de tramitação de uma MP...................................................................... 8.3.1. Aprovação de uma Medida Provisória sem emendas......................................

1390 1390

8.3.2. Aprovação de uma Medida Provisória com emendas...................................... Observações Finais sobre as medidas provisórias........................................................

1391 1397

Processo Legislativo Especial das Emendas Constitucionais .................................................... Conceito.............................................................................................................................. 9.2. Procedimento..................................................................................................................... 10. Processo Legislativo especial dos Decretos Legislativos e Resoluções...................................

1405 1405 1405 1413

10.1. Conceito geral.................................................................................................................... 10.2. Conceito de Decreto Legislativo....................................................................................... 10.3. Procedimento do Decreto Legislativo..............................................................................

10.4. Conceito de Resoluções.....................................................................................................

1413 1413 1413 1413

10.5. Procedimento das Resoluções.........................................................................................

1414

5. 6.

7.

8.

8.3.

8.4.

9.

9.1.

16 PODER EXECUTIVO

1415 21

Bernardo Gonçalves Fernandes 1.

Introdução...................................................................................................................................

1415

2.

Funções........................................................................................................................................ 2.1. Função típica do Poder Executivo..................................................................................

1415 1415

2.2.

1416

3.

Sistema degoverno: Presidencialismo,Parlamentarismo e Semipresidencialismo.................

1416

3.1.

Conceito.............................................................................................................................

1416

3.2. 4.

5.

6.

Funções atípicas do Poder Executivo.............................................................................

Principais espécies..........................................................................................................

1416

Reflexões sobre 0 Presidencialismo de Coalizão......................................................................

1420

4.1. 4.2.

Introdução: Heterogeneidade, Dilema Institucional e Presidencialismo de Coalizão.. A Dinâmica do Presidencialismo de Coalizão: Eixo Partidário-Parlamentar, Eixo Regional e índices de Fracionamento Governamental. As considerações acerca do presidencialismo de coalizão em relação ao atual momento político brasileiro..

1420

4.3.

Considerações Finais.......................................................................................................

1427

Estrutura do Poder Executivo.................................................................................................... 5.1. Presidente: requisitos para 0 cargo, modo de investidura e atribuições................... 5.2. Vice-Presidente: requisitos para o cargo, modo de investidura e atribuições...........

1428 1429

5.3. Ministros de Estado: requisitos para 0 cargo, modo de investidura e atribuições.... 5.4. Conselho da República e Conselho da Defesa............................................................... Crimes de Responsabilidade e Crimes Comuns do Presidente da República.......................

1444 1451 1452

6.1.

6.2.

6.3.

1422

1443

Crimes de responsabilidade do Presidente da República............................................

1454

6.1.1. 6.1.2.

Conceito................................................................................................................ Procedimento...........................................

1454 1455

6.1.3.

Crime de responsabilidade do Vice-Presidenteda República..........................

Crimes Comuns do Presidente da República................................................................. 6.2.1. Conceito...............................................................................................................

1480 1483 1483

6.2.2. Procedimento...................................................................................................... Crimes dos Governadores de Estado e dos Prefeitos...................................................

1483 1486

17 PODER JUDICIÁRIO 1. 2.

3.

Funções do Poder Judiciário...................................................................................................... órgãos do Poder Judiciário: introdução....................................................................................

1495 1496

2.1 Análise do Conselho Nacional de justiça (CNJ)....................................................................

1497

Garantias.....................................................................................................................................

1517 1518 1522 1522 1523

3.1. 3.2.

Garantias Institucionais.................................................................................................... Garantias dos membros................................................................................................. 3.2.1. A vitaliciedade..................................................................................................... 3.2.2. Inamovibilidade .................................................................................................

Estrutura e composição dos órgãos do Poder Judiciário ....................................................... 5.1. Supremo Tribunal Federal............................................................................................... 5.2. Uma pequena Reflexão Crítica: quiscustodietipsos custodes?........................................ 5.3. Súmulas Vinculantes................................................................

1524 1526 1532 1533 1580 1587

A Teoria dos Precedentes nonovoCPC de 2015...... ........................................................ 5.4.1. Introdução............................................................................................................

1601 1601

5.4.2.

1602

3.2.3. 4. 5.

A irredutibilidade dos subsídios.......................................................................

Observações importantes sobre 0 Poder Judiciário................................................................

5.4.

22

1495

Conceito................................................................................................................

Sumário 5.4.3. 5.4.4.

Fundamentos do Respeito aos Precedentes: SegurançaJurídica...................... Eficácia Jurídica e Efeitos dos Precedentes.......................................................

1605 1606

5.4.5. 5.4.6.

Deveres Gerais dos Tribunais relacionadosaos precedentes........................... A dinâmica da aplicação dos precedentes........................................................

1614 1618

5.4.7.

Algumas considerações críticas quanto à teoria dos precedentes no novo CPC/2015......................................................................................................

5.5.

Superior Tribunal de Justiça.............................................................................................

1622 1626

5.6.

Tribunal Superior do Trabalho e a Justiça do Trabalho .................................................

1636

5.7.

Tribunal Superior Eleitoral e a Justiça Eleitoral...............................................................

1643

5.8.

Superior Tribunal Militar e a Justiça Militar.....................................................................

1645

Tribunais Regionais Federais e Juizes Federais e Tribunais de Justiça e Juizes de Direito................................................................................................................................. 5.10. Considerações Finais sobre 0 Poder Judiciário.............................................................. 5.10.1. Justiça de Paz.......................................................................................................

1652 1668 1668

5.9.

5.10.2. Quinto Constitucional...........................................................................................

1671

5.10.3. Juizados Especiais....................... 6. Precatórios.....................................................................................................................................

1674 1676

6.1.

Emenda Constitucional n° 62/2009 e o entendimento do STF.........................................

1686

6.2.

Emenda Constitucional n° 94/2016 e a Emenda Constitucional n« 99/2017....................

1693

6.3.

A questão da incidência dos juros de mora nos precatórios........................................

1698

6.4.

A questão da constitucionalidade do art. 86 do ADCT inserido pela Emenda Constitucional ^37/2002...................................................................................................

1700

FUNÇÕES ESSENCIAIS À JUSTIÇA ___ ___ ________________________________ -

1703

18 1.

Ministério Público .......................................................................................................................

1703

2.

Advocacia pública........................................................................................................................

1740

3.

Advocacia.....................................................................................................................................

1749

4.

Defensoria pública.......................................................................................................................

1759

19 DEFESA DO ESTADO E DAS INSTITUIÇÕES DEMOCRÁTICAS.......

1779

1.

Introdução: Finalidade das Medidas.........................................................................................

1779

2.

Princípios Noneadores................................................................................................................

1780

3.

Estado de Defesa.........................................................................................................................

1782

4.

3.1.

Conceito e Hipóteses........................................................................................................

1782

3.2.

Hipóteses............................................................................................................................

1782

3.3.

3.2.1. Requisitospara a Decretação.............................................................................. Procedimento...................................................................................................................

1782 1783

3.4. 3.5.

Prazo ................................................................................................................................. Abrangência........................................................................................................................

1783 1783

3.6.

Controle.............................................................................................................................

1784

3.7.

Restrições de Direitos.......................................................................................................

1784

Estado de Sítio.............................................................................................................................

1785

Conceito................................................................................................ Hipóteses............................................................................................................................

1785 1785

4.1. 4.2.

23

BtHNAROo

Gonçalves Fernandes

4.3. 4.4.

Procedimento.................................................................................................................... Prazo........... .....................................................................................................................

1786 1787

4.5. 4.6. 4.7.

Abrangência............................................-........................................................................... Controle............................................................................................................................. Restrições.........................................................................................................................

1787 1787 1788

5.

Forças Armadas...........................................................................................................................

1789

6.

Segurança Pública....................................................................................................................... 6.1. Polícias da união..............................................................................................................

1793 1794

6.2. 6.3.

Polícias dos Estados.......................................................................................................... Polícias Penais Federal,Estaduais e Distrital...................................................................

1795 1797

6.4. 6.5.

Considerações importantes sobre as Polícias civis e Militares..................................... Polícia do Distrito Federal................................................................................................

1804

6.6.

Polícia dos Municípios......................................................................................................

6.7.

Segurança Viária...............................................................................................................

1798 1804 1808

20 CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE

1809

1.

Conceito.......................................................................................................................................

2.

Espécies (tipos) de inconstitucionalidade................................................................................

1811

3.

Matrizes e Modalidades de Controle de Constitucionalidade................................................

1820

4. 5.

Análise do Brasil: Regra geral e exceções (outros controles).................................................

1826

Notas históricas sobre o controle de constitucionalidade judicial ........................................

1834

6.

Análise específica da Regra Geral............................................................................................ 6.1. Controle difuso-concreto no Brasil: Procedimento........................................................

1838 1838

6.2. 6.3.

6.4.

6.5. 6.6. 6.7.

24

1810

Controle difuso-concreto no Brasil: Efeitos e a análise da tese da mutação constitucional.................................................................................................................... Algumas observações finais sobre 0 controle difuso in concreto: Reinterpretação e modificação de decisão proferida em Ação Direta de Inconstitucionalidade, Modulação de efeitos no juízo de nao recepção. Quórum no juízo de não recepção, e a Questão do Controle difuso via Ação Civil Pública.....

1864

Controle Concentrado de Constitucionalidade no Brasil. ADI - Ação Direta de inconstitucionalidade........................................................................................................ 6.4.1. Conceito................................................................................................................ 6.4.2. Parâmetro e Objeto da ADI..................................................................................

1867 1867 1867

6.4.3. Legitimidade....................................... .......................................................... 6.4.4. Procedimento da ADI.......................................................................................... 6.4.5. Julgamento da ADI................................................................................................ 6.4.6. Algumas observações finais sobre a ADI........................................................... Procedimento da medida cautelar.................................................................................. Procedimento especial (diferenciado) na ADI................................................................ ADC - Ação Declaratória de Constitucionalidade............................................................. 6.7.1. Conceito.................................................................................................................

1887 1891 1901 1922 1932 1934 1935 1935

6.7.2. 6.7.3.

Objeto.................................................................................................................... Finalidade da ADC................................................................................................

1935 1936

6.7.4. 6.7.5. 6.7.6.

Legitimidade......................................................................................................... Procedimento....................................................................................................... Julgamento da ADC...............................................................................................

1936 1938

1846

1936

SUMÁSIQ

6.7.7.

Efeitos da decisão da ADC...................................................................................

1938

6.7.8.

Observações finais sobre a ADC..........................................................................

1939

Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO).......................................................

1940

Conceito.............................................................................................................................. Objeto................................................................................................................................. Legitimidade...................................................................................................................... Espécies de ADI por omissão (ADO)................................................................................. Procedimento.................................................................................................................... 7.5.1. Procedimento da ADI por omissão total............................................................. 7.5.2. Procedimento da ADI por omissão parcial......................................................... Julgamento da ADI por omissão total ou parcial............................................................. 7.6.1. Efeitos da decisão de uma ADI por omissão (ADO)...........................................

1940 1941 1942 1942 1943 1943 1944 1945 1945

Observações finais sobre a ADI por omissão (ADO).......................................................

1950

Ação Direta de Inconstitucionalidade Interventiva (Representação de Inconstitucionalidade Interventiva) ..........................................................................................

1953

8.4.

Conceito.............................................................................................................................. Finalidades......................................................................................................................... Objeto.................................................... .................. Legitimidade ativa.............................................................................................................

1953 1953 1953 1954

8.5. 8.6. 8.7. 8.8.

Procedimento..................................................................................................................... julgamento......................................................................................................................... Efeitos da decisão: provimento de uma ADIinterventiva............................................... Observações finais sobre a ADI interventiva..................................................................

1954 1956 1956

Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) ............................................

1958

9.1. 9.2. 9.3.

Conceito.............................................................................................................................. Espécies de adpf.............................................................................................................. Objeto.......................................................................................................................

1958 1959 1961

9.4. Legitimidade...... ................................................................................................................ 9.5. Procedimento.................................................................................................................... 9.6. julgamento......................................................................................................................... 9.7. Efeitos da decisão da adpf.............................................................................................. 9.8. Observações finais............................................................................................................ 10. Controle Concentrado In Abstrato de Constitucionalidade no Âmbito Estadual e do DF......

1963 1963 1969 1969

11. Últimas considerações sobre o Controle de Constitucionalidade........................................... 11.1. Interpretação conforme a Constituição...........................................................................

1984 1984

11.1.1. Introdução............................................................................................................ n.i.2. Conceito............................................................................................................... 11.1.3. Efeitos da interpretação conforme a Constituição............................................

1984 1985 1986

11.1.4. Observação final................................................................................................... 11.2. Declaração de inconstitucionalidade parcial semredução de texto.............................. 11.2.1. Introdução............................................................................................................

1986 1986

11.2.2. Conceito................................................................................................................. 11.2.3. Observações finais............................................................................................... 11.3. Declaração de inconstitucionalidade sempronúncia denulidade................................

1987 1987 1988

11.4. Declaração de constitucionalidade de lei"ainda" constitucional..................................

1989

7.

7.1. 7.2. 7.3. 7.4. 7.5.

7.6. 7.7. 8.

8.1. 8.2. 8.3.

9.

11.5. Sentenças intermediárias: sobretudo as sentenças normativas (ou sentenças manipulativas)................................................................................................................... 11.5.1. Conceito.................................................................................................................

1957

1971 1972

1986

1991 1991

25

Bernardo Gonçalves Fernanoes 12. As Sentenças Intermediárias no Controle de Constitucionalidade.......................................... 12.1. introdução......................................................................................................................... 12.2. Sentenças interpretativas................................................................................................. 12.2.1. A interpretação conforme a Constituição........... ............................................... 12.2.2. Declaração de inconstitucionalidade (nulidade) parcial sem redução de texto..................................................................................................................... 12.3. Sentenças aditivas...........................................................................................................

1994

1994 1996 1997

1998 1999

12.4. Sentenças aditivas de princípios........................................... ......................................... 12.5. Sentenças substitutivas ..................................................................................................

2001 2001

13. Sentenças Transitivas.................................................................................................................

2003

13.1. introdução........................................................................................................................ 13.2. Sentenças de inconstitucionalidade sem efeito ablativo..............................................

2003 2006

13.3. Sentença de inconstitucionalidade comablação diferida............................................. 13.4. Sentenças de apelo ou apelativas (declaração de constitucionalidade de norma "ainda" constitucional ou declaração de constitucionalidade provisória ou inconstitucionalidade progressiva)................................................................................ 13.5. Sentenças de aviso........................................................................................................... 13.6. Conclusão sobre as Sentenças intermediárias...............................................................

2007

2007 2008 2008

14. Estado de coisas inconstitucional.............................................................................................

2009

15. Controle de convencionalidade...............................................................................................

2018

16. A Teoria dos Diálogos Institucionais (constitucionais) ea superação (reação) legislativa....

2022

17. O papel das cortes constitucionais...........................................................................................

2032

18. Sobre a Deliberação nos Tribunais (Cortes) Constitucionais...................................................

2034

19. Jurisdição constitucional fraca e os novos desenhos institucionais: 0 novo modelo de constitucionalismo da comunidade britânica...........................................................................

2040

21 DA ORDEM ECONÔMICA E DA ORDEM SOCIAL........ . ........... 1. 2.

0 Conceito de "Ordem"..............................................................................................................

2047

A Ordem Econômica e a ConstituiçãoEconômica............................................................ A Ordem Econômica na Constituiçãobrasileirade 1988................................................... Princípios da Ordem Econômica..................................... 2.3.1. Função social da propriedade urbana/rural..................................................... 2.3.2. Livre concorrência................................................................................................ 2.3.3. Defesa do consumidor..................................................... A política urbana............................................................................................................... 2.4.1. Desapropriação por descumprimento da função social da propriedade urbana.................................................................................................................. A política agrícola e fundiária.......................................................................................... 2.5.1. Desapropriação para fins de Reforma Agrária..................................................

2048

A Ordem Social...........................................................................................................................

2067 2067 2068

2.4.

2.5.

3.1. 3.2.

26

2047

A Ordem Econômica....................................................................................................................

2.1. 2.2. 2.3.

3.

2047

A seguridade social........................................................................................................... 3.1.1. Saúde.................................................................................................................... A Previdência Social e a sua recente reforma pela Emenda Constitucional n° 103/2019.............................................................................................................................. 3.2.1. Aposentadoria voluntária no regime geral de previdência social...................

2049 2056

2057 2058

2061 2062

2064 2063 2066

2084 2085

Sumario Aposentadoria voluntária no regime próprio de previdência social da união.... Outras formas de aposentadoria........................................................................ 3.2.4. Pensão por morte................................................................................................ 3.2.5. Considerações finais............................................................................................ 3.3. Assistência social.............................................................................................................. 3.4. A educação, a cultura e 0 desporto................................................................................ 3.5. A ciência e tecnologia....................................................................................................... 3.6. A comunicação social........................................................................................................ 3.7. 0 meio ambiente.............................................................................................................. 3.8. A família, a criança, 0 adolescente, o jovem e 0 idoso : As decisões da União Estável Homoafetiva e da Criminalização da Homofobia e Transfobia nos termos da lei 7.716/89................................................................................................................... 3.9. Os Quilombolas................................................................................................................... 3.10. Os índios.............................................................................................................................

2090 2093 2096 2098 2100 2103 2118 2119 2120

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS..................................................................................

2177

3.2.2. 3.2.3.

2128 2161 2165

ANEXO..............................................................................................................................

2197

Emenda Constitucional n° 95/2016 - Teto dos Gastos Públicos................................................................

2197

27

PARTE 1

Teoria da Constituição

1 Conceito e classificações das Constituições Sumário: i. 0 que é uma Constituição? Conceito de Constituição e constitucionalismo. Uma

advertência inicial - 2. Um ponto de partida: 0 conceito histórico-universal e a primeira definição de Constituição: a Constituição material como Constituição real: 2.1. A Constitui­ ção material e 0 seu sentido jurídico-normativo. 0 movimento do Constitucionalismo na

Inglaterra do século XVII. A definição de Constitucionalismo; 2.2. 0 surgimento das Cons­

tituições formais no movimento do constitucionalismo. A Constituição (moderna) como a ordenação sistemática e racional da comunidade política, plasmada em um documento escrito; 2.3. Mas 0 que acontece com a Constituição material? Ela deixa de existir juridi­ camente com 0 surgimento das Constituições formais?; 2.4. A Constituição formal e a sua

relação com a constituição material no decorrer do tempo. Uma rápida advertência!; 2.5. Última digressão: 0 que é mesmo a Constituição formal? A definição de supralegalidade

desenvolvida e explicitada nos EUA no começo do século XIX - 3. Classificações das Cons­ tituições: teorias tradicionais e usuais na doutrina pátria - 4. Classificação ontológica (ou essencialista) das Constituições de Karl Lõewenstein - 5. Reflexões sobre as classificações tradicionais; o conceito de bloco de constitucionalidade; e 0 entendimento sobre a de nominação intitulada de Neoconstitucionalismo -6. Última digressão sobre a classificação

das Constituições. 0 nosso ponto de vista (que nós defendemos e não apenas descre­ vemos): a classificação paradigmática das Constituições, com base na teoria discursiva da Constituição de Jíirgen Habermas: uma abordagem crítico-rellexiva das Constituições Clássicas (Estado Liberal), Sociais (Estado Social) e de Estado Democrático de Direito - 7.

Sentidos ou concepções do termo Constituição: sentidos clássicos e contemporâneos; 7.1. A Constituição dirigente de J.). Comes Canotilho: 0 debate sobre a constituição dirigente e 0 constitucionalismo moralmente reflexivo; 7.2. A Constituição para a Teoria dos Sistemas de Niklas Luhmann; 7.3. A Constituição na Teoria Discursiva do Direito e do Estado Demo­ crático de Direito de Jíirgen Habermas; 7.4. 0 Constitucionalismo Abusivo de David Landau; 7.5. A sociedade aberta de intérpretes da Constituição de Peter Hãberle: Constituição

como cultura e processo público; 7.6. A força normativa da Constituição e a Constituição

aberta de Konrad Hesse, 7.7. A Constituição simbólica de Marcelo Neves e as digressões sobre 0 transconstitucionalismo (Tese do Transconstitucionalismo); 7.8. 0 conceito pluridi-

mensional de Constituição de José Adércio Leite Sampaio; 7.9. 0 (novo) Constitucionalismo plurinacional da América Latina e a sua ruptura paradigmática - 8. Classificação quanto à

aplicabilidade das Norrnas Constitucionais: Teoria de José Afonso da Silva - 9. Classificação quanto à aplicabilidade das normas constitucionais de Carlos Ayres Britto e Celso Ribeiro

Bastos - 10. Classificação quanto à aplicabilidade das normas constitucionais de Maria Helena Diniz- 11. Classificação quanto à aplicabilidade das normas constitucionais de Luís Roberto Barroso - 12. Classificação trabalhada por Uadi Lammêgo Bulos das normas cons­

titucionais de eficácia exaurida - 13. Estrutura e Elementos das Constituições.

Bernardo Gonçalves Fernandes

1. O QUE É UMA CONSTITUIÇÃO? CONCEITO DE CONSTITUIÇÃO E CONSTITUCIONALISMO. UMA ADVERTÊNCIA INICIAL Estabelecer o conceito de Constituição1 é, sem dúvida, uma tarefa árdua, pois, conforme iremos observar, o termo é multifacetado, não havendo uma linearidade e univocidade em torno de sua base semântica. Sem dúvida, não há, na literatura constitucionalista atual, um conceito único de Constituição, e nem mesmo que se possa considerar, tendencialmente, como dominante.23

Obviamente, qualquer conceito desenvolvido partirá de uma pré-compreensão subjacente, fruto da tradição na qual o autor está inserido. E, aqui, nossa primeira crítica a autores que citam, apenas por citar, conceitos e definições que vão do nada ao simplesmente nada, aparecendo, sem uma devida contextualização do motivo de estarem ali inseridos. É bem verdade que somos forçados a memorizar algumas definições que dizem respeito ao sentido (ou concepção) das Constituições. Os alu­ nos de graduação e já graduados que se preparam para concursos públicos (Magis­ tratura, Ministério Público etc.) são compelidos a conhecer tais conceitos, sem ne­ nhuma reflexão crítica ou mesmo enquadramento teórico minimamente sustentável. Conceitos, definições, classificações não surgem do nadai 0 cientista do direito, como qualquer outro cientista, seja de qual ciência for, não é, como se pensava outrora (iluministicamente), um ser neutro e indiferente ao seu contexto (descontextualizado) e ao seu tempo (a-histórico), que produz com o fruto de sua neutralidade e distanciamento, de suas digressões puras, inquestionáveis e absolutas. Pois bem, o século passado (século XX) nos ensinou que as verdades produzi­ das na ciência só são realmente científicas se passíveis de refutação (falibilismo) e que, portanto, são verdades datadas, históricas e eminentemente contingenciais. Ou seja, apreendemos com H. G. Gadamer’ (entre outros autores pós-giro hermenêuti­ co e linguístico) que o nosso olhar é sempre socialmente condicionado, pois nunca

1.

2.

3.

32

Em sentido lato (senso comum), a palavra Constituição é entendida costumeiramente como o ato de instituir, formar, estabelecer, criar, enfim, constituir: algo, alguma coisa, algum objeto, um ato, uma ideia, uma ação, ou mesmo um ser vivo. Se há uma (seja em qualquer dos sentidos apresentados) Constituição em algo (entendido esse algo como um ser, seja concreto ou abstrato) é porque ele existe em detrimento do não constituído, do não formado, do carente de formação, ou mesmo do que está em vias de formação. Embora de cunho ontológico (essencialista), essa perspectiva é usual nos manuais pátrios. Nesse sentido são as análises de J. J. Gomes Canotilho, que aponta, inclusive, os motivos principais de tais di­ vergências na doutrina constitucionalista. Segundo o autor de Coimbra, os motivos (explicações) para as discrepâncias doutrinárias seriam das mais diversas ordens, tais como: 1) aqueles que se relacionam com as próprias concepções de direito e de Estado, surgindo, por isso, concepções positivistas, concepções decisionistas e concepções materiais de Constituição. 2) outros que dizem respeito á função e estruturo da Constituição e nesses termos teriamos as Constituições garantia, Constituições programa, Constituições processuais além das "famosas" Constituições diri­ gentes. 3) outros que se relacionam com a abertura ou com o caráter cerrado dos documentos constitucionais, aludin do a Constituições ideológicas e Constituições neutrais dotados de uma "pretensa"neutralidade; 4) outros envolve riam o “modus"do compromisso ou consenso constituinte e, dai, a alusão a Constituições compromissórias, consensuais ou pactuadas; 5) teriamos, também, motivos que diriam respeito a perspectiva ideológica dominante nos textos consti­ tucionais, surgindo dai Constituições de cunho socialista, social democrata e liberais, bem como Constituições sociais (de Welfare State) e de Estado Democrático de Direito. (Direito constitucional e teoria da Constituição, 2003). GADAMER, Hans Georg, Verdade e método, v. I e II.

Conceito e classiucações das Constituições

temos acesso direto a um objeto (seja ele qual for, incluindo as normas jurídicas), que é sempre mediatizado por nossas vivências e tradições (pré-compreensões), às quais, querendo ou não, estamos imersos.

2. UM PONTO DE PARTIDA: O CONCEITO HISTÓRICO-UNIVERSAL E A PRIMEI­ RA DEFINIÇÃO DE CONSTITUIÇÃO: A CONSTITUIÇÃO MATERIAL COMO CONSTITUIÇÃO REAL Conforme observado, se quisermos saber o que é uma Constituição e o que ela pode vir a significar, será sempre necessário adotarmos (convencionalmente) um ponto de partida. Entre diversos (existentes), iremos escolher um que, didaticamen­ te, irá facilitar o entendimento básico sobre o que seja uma Constituição e, a partir daí, das classificações das Constituições adotadas, majoritariamente, no Brasil. Essas classificações, que de há muito fazem parte dos manuais de Direito Cons­ titucional brasileiros, já foram abandonadas em boa parte da Europa, na primeira metade do século XX/ Mas, por incrível que pareça, apesar de inadequadas e com alto grau de inconsistência, são cobradas, ainda hoje, em provas (da OAB e das principais carreiras jurídicas nacionais) e são trabalhadas nas graduações. É mister construirmos uma base lógica em torno delas para que possamos apresentá-la de­ vidamente. Senão, vejamos. Iremos, então, partir da seguinte digressão: "Em todos os lugares do mundo e em todas as épocas sempre existiu e sempre existirá isso que chamamos de Cons­ tituição."4 5

Ora, mesmo não definindo o que seja uma Constituição e seu significado, par­ timos de uma digressão de que ela sempre existiu e sempre existirá (perspectiva temporal) e em todos os lugares (perspectiva espacial-universal). No entanto, como a Constituição (que ainda não sabemos o que é) sempre existiu? E que tipo de Cons­ tituição é essa que existe desde os primórdios? Ela se confunde com as atuais que conhecemos? As Constituições escritas que conhecemos e que ora encontramos na maioria dos países não são uma criação tipicamente moderna? Como então falar em Constituição em períodos arcaicos?

4.

5.

Temas de debate, como Constituições formais, materiais, rígidas, flexíveis, escritas, não escritas etc., não fazem parte do ambiente doutrinário de inúmeros países da Europa na atualidade. Os autores não trabalham com classi­ ficações de cunho nem mesmo semântico, mas ainda sintático! São conceitos esvaziados de sentido à luz de uma Teoria da Constituição não só ontológica (à qual já criticava essas classificações), mas atualmente pós-ontológica nas pegadas de um constitucionalismo discursivo que foge ao objetivo da obra esmiuçar, mas que aqui será de­ fendido ainda que como pano de fundo paradigmático. A dicotomia Constituição formal X Constituição material que marcará o início de nossa abordagem também sofre criticas de outras importantes vertentes (embora não atreladas á teoria discursiva da Constituição) do constitucionalismo nacional e internacional. Nesses termos, em excelente abordagem José Adércio Leite Sampaio nos afirma que "as teorias formais e materiais da Constituição se revestiríam de uma visão unilateral de Constituição" causando, com isso um "déficit constante de eficácia e prestigio constitucional.” (SAMPAIO, José Adércio Leite, Teorias constitucionais em perspectiva, 2004, p. 8 e 54). Digressão desenvolvida propedeuticamente por Ferdinand Lassalle (1863) em seus estudos.

33

Bernahdo Gonçalves Fernandes

Bem, para provar a existência da Constituição devemos nos ater à seguinte pergunta: o que necessitamos para vislumbrar uma determinada comunidade, so­ ciedade ou (modernamente falando) um Estado? Ou seja, quais matérias são funda­ mentais (fundantes, basilares) para que consigamos enxergar determinadas comu­ nidades (sociedades ou Estados)?

Entre vários elementos (matérias) podemos trabalhar com três:

a)

Identidade: ideia de "nós e outros" (alteridade), noção de pertencimento. Aquilo que, por exemplo, me permite afirmar que sou cidadão de Esparta e não de Atenas.

b)

Organização social e especialização (hierárquica e de linha sucessória): quem detém o poder (mando), como manda e como se dá a reprodução social nessa estrutura.

c)

Valores subjacentes (regras): preestabelecidos e naturalizados a partir de um processo construtivo que permitiu, inclusive e sobretudo, desenvol­ ver um tipo de organização social e especialização de poder, bem como possibilitou a construção de uma identidade, diferenciando-se de outras identidades.

Pois bem, com a junção desses elementos (matérias), o que temos? 0 que vis­ lumbramos? 0 que enxergamos? Temos, sem dúvida, o nascimento, a formação ou criação de comunidades, sociedades ou sociedades políticas, denominadas Estados. Ou seja, essas matérias explicitam como os Estados existem e se reproduzem como tais com os seus respectivos "modos de ser". E se existem como comunidades, so­ ciedades ou Estados é porque foram constituídos e, portanto, a partir daí eles têm uma determinada Constituição.

Nesses termos, a Constituição poderia ser definida, a priori, como "o modo de ser" de uma comunidade, sociedade ou Estado? Ou seja, como ele(a) é e está constituído(a), formado(a), e, portanto, existe em relação com outras comunidades, sociedades ou Estados. No entanto, que definição é essa? Ora é fácil! Se estamos diante de matérias que constituíram essas sociedades e sem elas não seriam vis­ lumbradas como sociedades, conforme observamos, essa Constituição só pode ser definida sociologicamente como uma Constituição material (real). Voltando ao ponto de partida: se sempre existiu Constituição no mundo, sempre existiu Constituição material (real), ou seja, matérias que constituíram comunidades.*

6.

34

Aristóteles, em A Política, afirma ser a Constituição (politeia) o modo de ser da polis. Nesses termos, ela seria a 'totalidade da estrutura social da comunidade". Ver: ARISTÓTELES, A política. 2. ed. Trad. Roberto Leal Ferreira. São Paulo: Martins Fontes, 1988. [Clássicos da Filosofia], Fioravanti (Constitución, p. 19), compreende a politeia grega como um instrumento conceituai que busca definir uma forma de governo adequada à realidade do século IV, ao mesmo tempo que reforce a unidade da polis, dissolvendo as crises que se insurgem. Por isso mesmo, uma tradução, para nossos tempos, como sinônimo de "Constituição" não é apenas correto, mas apropriado do ponto de vista hermenêutico.

Conceito e classificações das Constituições

sociedades e Estados que se diferenciaram (com seus respectivos "modos de ser") fazendo com que cada um sociologicamente tivesse uma determinada Constituição. Portanto, a conclusão é de que todos os países (Estados ou mesmo comunidades) possuíram em todos os momentos de sua história Constituições reais e efetivas à luz, sobretudo, de uma perspectiva eminentemente sociológica.

Nesse sentido, é mister afirmar que a Constituição material, num primeiro mo­ mento, é entendida como Constituição real.7 Sendo assim, trata-se de um conceito de cunho sociológico, afeto à sociologia e, por que não dizer, hodiernamente, à sociologia do direito.

Entretanto, o conceito de Constituição material como Constituição real e efe­ tiva não resolve nosso problema, na medida em que apenas demonstra que a reprodução social de diferentes comunidades constituídas (forjadas ou criadas), no decorrer dos séculos, com suas peculiaridades e fatores (reais) de poder, as dife­ renciaram de outras comunidades. No entanto, como, então, trabalhar um conceito de Constituição que não seja apenas sociológico? Se há milênios sempre existiu, quando a Constituição deixou de ser algo, em regra, implícito (às costas da comunidade como seu "modo de ser", muitas vezes naturalizado) e passou a ser algo explícito (expresso) e "constitutivo" das comunidades, ou melhor, daquilo que poderiamos chamar juridicamente de "novas" comunidades? 2.1. A Constituição material e o seu sentido jurídico-normativo. O movimento do Constitucionalismo na Inglaterra do século XVII. A definição de Consti­ tucionalismo

Se a Constituição real é o modo de ser de uma comunidade, na medida em que carrega as matérias constitutivas de um modo de ser de Estado e de Sociedade, a partir dos séculos XVII e XVIII ela ganha contornos tipicamente jurídico-normativos. Sem dúvida, a ideia de organização constitucional formal (formalizada) dos Esta­ dos se estabelece (se funda), de forma solene, no século XVIII com o denominado

7.

J. J. GomesCanotilho, em antiga edição de sua monumental Teoria da Constituição e Direito Constitucional, definiu a Constituição material como Constituição real nos seguintes termos: “Constituição real (material) entendi­ da como o conjunto de forças políticas, ideológicas e econômicas, operantes na comunidade e decisiva­ mente condicionadoras de todo o ordenamento jurídico." Noutros termos pertencentes a autores contem­ porâneos:'^ constituição real é o conjunto de valores e de escolhas políticas de fundo, condivididas pelas forças políticas da maioria ou pelas forças políticas hegemônicas num determinado sistema Constitucional (BARTOLE)"; "a constituição real é conjunto de valores, princípios e praxes que constituem à visão ético-político essencial em torno da qual se agregam as forças hegemônicas da comunidade (BOGNETTI)". (6. ed. 1993, p. 67). Famosa também é a definição de Constituição real de Ferdinand Lassalle (1825-1864) em sua obra (citada acima) de 1863, intitulada A Essência da Constituição, na qual entende a mesma como os "fatores reais de poder que regem e determinam um país".Teríamos, segundo o jurista Prussiano do século XIX, um conjunto de forças que atuam para manter as instituições vigentes em uma dada época histórica formando uma Constituição muito maior do que aquela estabelecida na "folha de papel" (Constituição escrita) sendo esta, sim, a Constituição por excelência "real e efetiva".

35

Bernardo Gonçalves Fernandes

"movimento do constitucionalismo" que guarda íntima relação com as revoluções americana e francesa. No entanto, apesar daquilo que chamamos de ordem consti­ tucional formal surgir apenas no constitucionalismo americano e francês, não pode­ mos desconsiderar a existência de um constitucionalismo britânico.

Este, apesar de não estabelecer a formalização das constituições (Constituições formais), consolidou-se no século XVII com a Revolução Gloriosa de 1688-89 e a afir­ mação da Supremacia do Parlamento, após um longo processo de sedimentação que teve início no século XIII (com a Magna Carta de 1215). Nesse sentido, passamos a ter a Constituição material como efetivamente jurídica, nos moldes modernos (constitucionalismo moderno). A Constituição material passou a ser, a partir da experiência inglesa, enten­ dida como 0 conjunto de normas juridicamente instituidoras de uma comunidade (tipicamente constitutivas do Estado e da Sociedade).8 Nesses termos, podemos afirmar, repita-se, que, como resultado de um longo processo, 0 século XVII condu­ ziu ao surgimento de uma ("nova") ordem constitucional material, ou seja, de uma Constituição material normativamente institucionalizada com matérias tipicamente constitutivas do Estado e da Sociedade. Nesse sentido, urge salientar algo pouco explorado na doutrina pátria que se refere ao que comumente chamamos de constitucionalismo ou de movimento do Constitucionalismo. Parafraseando 0 magistral escritor mineiro Guimarães Rosa que dizia que "Minas são muitas", também os constitucionalismos, ou, de forma mais rigorosa,9 "os movimentos constitucionais são muitos" e não podem ser reduzidos (como não raro ocorre) ao fervor revolucionário americano e, posteriormente, 0 francês.

0 constitucionalismo (moderno) pode ser entendido como um movimento que traz consigo objetivos que, sem dúvida, irão fundar (constituir) uma nova ordem, sem precedentes na história da constituição das sociedades, formando aquilo que Rogério Soares chamou de "conceito ocidental de Constituição". Nesse diapasão, se perguntássemos sobre os dois grandes objetivos do constitucionalismo, qual seria a resposta? Ora, não tenhamos dúvidas que seriam:

8.

9.

36

Não se podería furtar de mencionar o exercício de reconstrução histórica do constitucionalismo inglês trazido por Cristiano Otávio Paixão Araújo Pinto em sua primeira parte de sua tese de doutoramento junto ao programa de pós-graduação da UFMG, intitulada "A reação norte-americana aos atentados de 11 de setembro de 2001 e seu impacto no constitucionalismo contemporâneo: um estudo a partir da teoria da diferenciação do direito". Concordamos com a posição de J. J. Gomes Canotilho no sentido de afirmar que é mais rigoroso falar de vá­ rios movimentos constitucionais do que de vários constitucionalismos (embora o próprio autor, em passagem anterior de sua obra, cite a existência de pelo menos três Constitucionalismos: inglês, americano, francês). Se­ gundo o autor in verbis: "E dizemos ser mais rigoroso falar de vários movimentos constitucionais do que de vários constitucionalismos porque isso permite recortar uma noção básica de constitucionalismo. Constitucionalismo é a teoria (ou ideologia) que ergue o principio do governo limitado indispensável á garantia dos direitos em dimensão estruturante da organização político-social de uma comunidade. Nesse sentido o constitucionalismo representará uma técnica especifica de limitação do poder com fins garantísticos." (Direito constitucionale teoria da Constituição, 2003).

CONCtllO t CLASSIFICAÇÕES DAS CONSTITUIÇÕES

1)

A limitação do poder com a necessária organização e estruturação do Estado (Estados nacionais que já eram, mas a partir daí se afirmam como, não mais absolutos). Em consequência disso, desenvolveram-se teorias consubstanciadas na práxis, como a "teoria da separação dos poderes", além de uma redefinição do funcionamento organizacional do Estado;

2)

A consecução (com 0 devido reconhecimento) de direitos e garantias fun­ damentais (num primeiro momento, com a afirmação em termos pelo me­ nos formais da: igualdade, liberdade e propriedade de todos).

Concluindo, com Canotilho, os temas centrais do constitucionalismo se relacio­ nam com a fundação e legitimação do poder político (em contraponto a um poder absoluto) e a constitucionalização das liberdades individuais. No entanto, 0 constitucionalismo moderno, com esses traços marcantes, apre­ senta-se, conforme já salientado, de forma diferenciada na tradição inglesa (e tam­ bém nas tradições francesa e americana, embora ambas trabalhem de forma se­ melhante com 0 que chamaremos, logo a seguir, de constituições formais). Nesse sentido, o constitucionalismo moderno (com seu intitulado conceito ocidental de constituição) é também tributário de uma "dimensão histórico-constitucional" de viés inglês (Engiish Constitution) que se desenvolveu por meio de momentos consti­ tucionais desde a Magna Carta de 1215 à Petition ofRíghts, de 1628, do Habeas Cor­ pus Act de 1679 ao Bill ofllights de 1689, que acabaram por sedimentar "dimensões estruturantes" de um Constitucionalismo ocidental?0

2.2. O surgimento das Constituições formais no movimento do constitucionalis­ mo. A Constituição (moderna) como a ordenação sistemática e racional da comunidade política, plasmada em um documento escrito Conforme trabalhado alhures, é certo que, após séculos de sedimentação e con­ solidação, podemos observar nitidamente a constituição material normativamente*

10.

Nesse sentido, temos o que J. J. Gomes Canotilho chamará de cristalizações juridico-constitucionais do mo­ vimento do constitucionalismo de viés inglês, que passaram a fazer parte do patrimônio criador (formador) do modelo ocidental de Constituição. Sendo elas: 1°) a noção de que a liberdade estaria radicada subjetivamente como liberdade pessoal de todos os ingleses e como segurança das pessoas e dos bens de que se é proprietário no sentido indicado pelo art. 39 da Magna Carta; 2o) a garantia da liberdade e da segurança jurídica impôs a criação de um processo justo regulado por lei (dueprocess oflaw), no qual se estabelecería as regras disciplinadoras da privação da liberdade e da propriedade; 3o) as leis do país (toivs ofthe lancf} reguladoras das tutelas das liberdades são dinamicamente interpretadas e reveladas pelos juizes - e não pelo legislador - que assim vão consubstanciando o chamado direito comum (common law) de todos os ingleses; e 4°) a partir, sobretudo, da Revolução Gloriosa (1688-89) ganha (adquire) estatuto constitucional a ideia de representação e soberania parla­ mentar indispensável à estruturação de um governo moderado. O poder deixa de ser concentrado nas mãos do monarca e passa a ser de forma mista perfilhado por outros órgãos do governo (conjunção: Rei - parlamento com a supremacia deste). Nesses termos (apesar de alguns resquícios medievais só vencidos posteriormente com as Revoluções Francesa e Americana), a intitulada soberania do parlamento na Inglaterra do século XVII exprimirá (também) a ideia de que o poder supremo deveria exercer-se através da forma da lei do parlamento. Essa ideia estará na gênese de um princípio básico do constitucionalismo: the rule oflaw. (Direito constitucional e teoria da Constituição, 2003).

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Behnasoo Gonçalves Fernandes

consubstanciada por meio de um conjunto de documentos que estabeleceríam uma verdadeira Constituição britânica materialmente verificável à luz, sobretudo, da Re­ volução Gloriosa. Contudo, também, é certo que, logo em seguida, no século XVIII, teremos o constitucionalismo moldado por teóricos e revolucionários norte-americanos e fran­ ceses, nos seus respectivos contextos, levado às últimas consequências como pac­ to fundador de um novo Estado e de uma nova sociedade. Temos então: a "era das Constituições formalizadas (formais) em um documento escrito". A Constituição passa a ser entendida como "a ordenação sistemática e racional da comunidade política plasmada em um documento escrito, no qual se fixam os limites do poder político e declaram-se direitos e liberdades fundamentais." A Constituição deixa de ser um "modo de ser" da comunidade (como ela simplesmente é) para se tornar o "ato constitutivo" (criador, formador, fundante) da (nova) comunidade.11

É claro que esse conceito moderno (ou ocidental de constituição), típico do constitucionalismo iluminista (oitocentista) é ideal (dotado de uma idealidade),1213 mas, nem por isso, deixa de ser paradigmático, apresentando-se como fruto das pré-compreensões subjacentes ao contexto revolucionário de ideologia liberal-burguesa, que propugnou a ruptura com cânones de um Estado nacional absoluto (ou até mesmo, ainda, estamental). Vejam bem: inicia-se a noção da constituição como algo que funda uma nova sociedade, como um documento escrito que se projeta para o futuro a partir da sua criação (produção) e que todos devem respeito, independentemente de sua posição social (status) ou até mesmo de sua colocação na estrutura organizacional do Estado (ideia do governo das leis e não dos homens).1’

Nesses termos, concluímos explicitando, mais uma vez, as bases da Constituição formal reduzida à forma (fôrma ou formato), escrita no fim do século XVIII. Essas constituições vão: 1) ordenar em termos jurídico-políticos o Estado, agora, por meio

11. SOARES, Rogério, O conceito ocidental de Constituição. 12. Trata-se de uma definição que, conforme J. J. Gomes Canotilho, não se apresenta perfeita a nenhum dos mo­ delos históricos de constitucionalismo. Exemplifica o autor que: um Englishman sentir-se-á arrepiado ao falar de uma ordenação sistemática e racional da comunidade por meio de um documento escrito. Para ele - The English Constitution - será a sedimentação histórica de direitos adquiridos pelos ingleses e o alicerçamento, também histórico, de um governo balanceado e moderado (the balanced constitution). A um FoundingFather(ea um qual­ quer americano) não repugnaria a ideia de uma carta escrita garantidora de direitos e reguladora de um governo com freios e contrapesos feita por um poder constituinte, mas já não se identificará com qualquer sugestão de uma cultura projetante traduzida na programação racional e sistemática da comunidade. Aos olhos de um citoyen revolucionário ou de um "vintista exaltado” português a constituição teria de transportar necessariamente um momento de ruptura e um momento construtivista. Momento de ruptura com a ordem ”histórico-natural das coisas", outra coisa não era senão os privileges do ancien regime. Momento construtivista porque a Constituição, feita por um novo poder - o poder constituinte -, teria de definir os esquemas ou projetos de ordenação de uma ordem racionalmente construída. (Direito constitucional e teoria da Constituição. 2003). 13. Hannah Arendt (Do Revolução} e Bernard Bailyn (As origens ideológicas da Revolução americana) relatam bem como o movimento revolucionário norte-americano encontrou no processo de elaboração da Constituição o seu ápice, consagrando uma abertura para o futuro no sentido da inauguração de uma "nova ordem”político-jurídica.

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CONCEITO £ CLASSIFICAÇÕES DAS CONSTITUIÇÕES

de um documento (pacto) escrito; 2) declarar nessa cana escrita um conjunto de di­ reitos fundamentais e 0 respectivo modo de garantia; 3) organizar 0 poder político segundo esquemas tendentes a tornar um poder limitado e moderado. 2.3. Mas o que acontece com a Constituição material? Ela deixa de existir juridi­ camente com o surgimento das Constituições formais?

Com a ruptura que envolve 0 nascimento das Constituições (formais), explici­ tadas sob a forma escrita, o que ocorre com a Constituição material (em sentido normativo)? É mister afirmar que, conforme discorremos anteriormente, a constitui­ ção material, sedimentada juridicamente, após longo processo, envolve as matérias tipicamente constitutivas (normativamente fundantes) do Estado e da sociedade e, obviamente, não vão desaparecer com a efetivação das Constituições formais. Mas 0 que será feito delas? Ora, a Constituição formal é fruto de um Poder Constituinte originário que a produz, inserindo as matérias que considera fundamentais para a constituição de um Estado. Então, acreditamos que, pelo menos num primeiro momento, as maté­ rias (realmente) constitucionais (típicas da Constituição material) vão ser alocadas na Constituição formal, sendo reduzidas a termo escrito. No entanto, uma pergun­ ta sempre nos vem à mente: quais seriam essas matérias em pleno século XVIII? Momento justamente de ruptura (iluminista, cientificista, racionalista, de ideologia liberal-burguesa) com Estados absolutos (e a falta de limite para o exercício poder) e com os privilégios de nascimento (estamentais)? Sem dúvida, as matérias tipicamente constitutivas do Estado e da Sociedade (constituição material), alocadas na Constituição formal, vão envolver claramente a organização do Estado (sua estruturação) e os direitos e as garantias funda­ mentais. Nunca é demais lembrar que esses foram os dois grandes objetivos do movimento do Constitucionalismo (moderno) que formalizou às constituições no século XVIII.

Isso pode ser, inclusive, referendado (provado) pelo teor de um famoso artigo da Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, no qual fica claro a força da ideologia dominante do paradigma de Estado liberal de então, bem como no constitucionalismo forjado no seu seio. Nesse sentido, 0 art. 16 da Decla­ ração acaba inclusive determinando os Estados que teriam Constituição (formal) e os Estados que não teriam Constituição (formal), na medida em que afirma literal­ mente nesse sentido: "os Estados que não tivessem 0 princípio da separação de poderes (limitação de poder) e os direitos e liberdades fundamentais, plasmados em um documento escrito não teriam Constituição (formal)." Portanto, a Constituição material acaba sendo, à luz da própria ideologia do­ minante, abarcada pela constituição formal produzida pelo movimento constitucio­ nalista de então. 39

Bernardo Gonçalves Fcrnandes

2.4. A Constituição formal e a sua relação com a constituição material no decor­ rer do tempo. Uma rápida advertência!

Como iremos, posteriormente, estudar, a Constituição é produto de um poder constituinte, e será reflexo de uma época, espelho de um momento, contextual, fruto de um "pano de fundo intersubjetivamente compartilhado" de Estado e de Sociedade que são sempre inafastáveis de nossa epocalidade e de nossa condição humana. Nesses termos, na sua elaboração é confrontada com diversos jogos de poder (políticos), grupos de interesses (pressão) que participam do poder consti­ tuinte e, portanto, acabam influenciando na feitura do documento constitucional, que será o fundamento de validade de todo o ordenamento jurídico posterior a ele.

Nesses termos, numa perspectiva dinâmica, a constituição formal, no decorrer da história do constitucionalismo moderno, aumenta ("incha") de tamanho. Seus assuntos (temas) são acrescidos de matérias não fundamentais, não tipicamente constitutivas do Estado e da sociedade, que acabam não guardando uma relação direta com a organização e a separação de poderes do Estado e os direitos e as garantias fundamentais. 0 que temos a partir daí? A percepção de que a constituição formal passa a abarcar matérias não tipicamente constitucionais (fundantes, fulcrais, importantes), mas, também, matérias apenas formalmente constitucionais, que não são material­ mente constitucionais. Esse fenômeno, que não teve data específica, é fruto da com­ plexidade social que permeia os arranjos políticos que envolvem a elaboração de uma constituição e o contexto no qual está sendo produzida. Como rápido exemplo, citamos o peculiar art. 242, § 2°, da atual Constituição da República, que preleciona: "0 Colégio Pedro Segundo localizado na cidade do Rio de Janeiro será mantido na órbita Federal." Definitivamente, essa norma constitucional faz parte da Constituição formal porque presente (inserida) na Constituição, mas não é materialmente cons­ titucional, sendo constitucional apenas pela perspectiva formal. 2.5. Última digressão: o que é mesmo a Constituição formal? A definição de supralegalidade desenvolvida e explicitada nos EUA no começo do século XIX

Até agora trabalhamos com um conceito de constituição formal só localizado historicamente. Apenas colocamos que, com 0 advento do constitucionalismo, as constituições, até então apenas materiais, formalizam-se, ganham uma forma, por meio de um documento escrito que será 0 "ato constitutivo" de uma nova socieda­ de. No entanto, 0 que é uma constituição tipicamente formal, dotada daquilo que poderiamos chamar de formalidade constitucional propriamente dita?

A Constituição formal, num primeiro momento do constitucionalismo, foi, sem dúvida, confundida com a constituição escrita, na medida em que se afirmava ser a constituição explicitada na forma (fôrma) escrita. Acontece que, a partir do início do século XIX, precisamente em 1803, a Constituição formal não podería mais ser 40

Conceito e classificações das Constituições

entendida apenas pela sua forma escrita. Aliás, esse passa a ser um equívoco que alguns manuais pátrios ainda incorrem!

No famoso julgamento Marburyx Mcidison (1803), realizado pela Suprema Corte Americana por meio do Chief Justice Marshall, foi decidido pela primeira vez um conflito entre a Constituição e a legislação infraconstitucional. Nesse horizonte, sem adentrar no caso concreto e suas especificidades, surgiram duas possibilidades de atuação da mais alta corte de magistrados americanos: 1) a adoção do critério cronológico, no qual lei posterior (ordinária originada do parlamento ou de ato executivo) revoga lei anterior (no caso, norma consubstanciada na Constituição); ou 2) a adoção do critério hierárquico, no qual lei posterior (inferior originada do parlamento ou de ato do executivo) não prevalece sobre lei anterior (superior con­ substanciada na Constituição).

0 problema é que, se adotada a primeira tese, a Constituição recém-criada (1787) estaria, logo no início de sua vida, assinando sua sentença de morte, pois sempre que 0 parlamento resolvesse modificá-la, ele conseguiría sem nenhum tipo de possibilidade de controle (defesa) das normas constitucionais sobre a atuação do Poder Legislativo (ou até mesmo do Poder Executivo). A Constituição estaria, portanto, fadada ao desaparecimento, ao alvedrio do legislador e de suas vicissitudes. Adotando a segunda tese, contudo, o Chief Justice Marshall acabou afirmando que 0 judiciário deveria defender a Constituição em todos os embates e conflitos de normas infraconstitucionais (produzidas pelo legislador ordinário) e constitucio­ nais, pois estas deveríam sempre prevalecer. Sendo a maneira pela qual, com base na doutrina dos freios e contrapesos, 0 judiciário deveria controlar a atuação dos outros poderes (legislativo e executivo) ante os ataques à Constituição americana. Portanto, do caso Marbury x Madison podemos fazer duas digressões que, até hoje, são atuais na Teoria da Constituição e que vão nos ajudar a entender a Cons­ tituição Formal desde então:

1)

A Constituição prevalece sobre todo 0 ordenamento ordinário, mesmo 0 posterior a ela, porque dotada de supralegalidade (doutrina da suprema­ cia da Constituição); e

2)

Se a Constituição prevalece e não sucumbe às normas ordinárias contrárias a ela, os ataques (as infringências) serão defendidos, em regra, na maioria dos países, pelo Poder judiciário (doutrina do controle de constitucionali­ dade das leis).

Nesses termos, a Constituição formal não é, nem pode ser, somente escrita. Muito mais que isso, a Constituição formal atualmente (ou pelo menos, a partir do século XIX) é aquela dotada de supralegalidade (supremacia) e que, portanto, não pode, de maneira nenhuma, ser modificada por normas ordinárias, na medida em que essas não prevalecem num embate com as normas constitucionais. Ou seja, a 41

Bernardo Gonçalves Fihnandes

formalidade tipicamente constitucional (Constituição formal) é observada quando uma Constituição é dotada de supralegalidade (supremacia) em relação a todo restante do ordenamento. Nesses termos, a única forma de modificação de uma Constituição formal seria por procedimentos específicos que o próprio texto da Constituição estabelecería. Esses procedimentos são mais difíceis, mais solenes e mais rigorosos do que aqueles usados para a produção das legislações ordinárias. 3. CLASSIFICAÇÕES DAS CONSTITUIÇÕES: TEORIAS TRADICIONAIS E USUAIS NA DOUTRINA PÁTRIA

Após as digressões iniciais de embasamento, iremos trabalhar com as classifi­ cações constitucionais (infelizmente) ainda usuais na doutrina brasileira.’4 Primeiro iremos fazer uma análise descritiva e, posteriormente, uma reflexão, colocando al­ gumas questões para análises de cunho crítico. Nesse sentido, teríamos as seguintes classificações tradicionais: a)

Quanto ao conteúdo - formais e materiais:



Constituição Formal: é aquela dotada de supralegalidade (supremacia), estando sempre acima de todas as outras normas do ordenamento jurí­ dico de um determinado país. Nesse sentido, por ter supralegalidade, só pode ser modificada por procedimentos especiais que ela no seu corpo prevê, na medida em que normas ordinárias não a modificam, estando certo que se contrariarem a constituição serão consideradas inconstitu­ cionais. Portanto, a Constituição formal, sem dúvida, quanto à estabilida­ de, será rígida.



Constituição Material: é aquela escrita ou não em um documento consti tucional e que contém as normas tipicamente constitutivas do Estado e da sociedade. Ou seja, são as normas fundantes (basilares) que fazem parte do "núcleo ideológico" constitutivo do Estado e da sociedade. Sem dúvida, essas matérias com o advento do constitucionalismo (moderno) vêm sendo definidas como: Organização e estruturação do Estado e Direitos e Garan­ tias Fundamentais.14

14. A crítica central às classificações tradicionais, que ora iremos trabalhar, envolve a sua perspectiva semântica que visa definir e classificar apriori uma Constituição como se fosse algo descontextualizado e somente informa­ do pelo seu texto (esqueleto normativo), não percebendo que a Constituição, com seu texto, não rege (de forma absoluta e atemporal) as situações de aplicação desse mesmo texto, que é fruto de pré-compreensões subjacentes e intersubjetivamente compartilhadas. Mesmo em uma lógica não discursiva (antológica) essas classificações não são imunes a críticas. Um exemplo simples se coloca quando observamos que a Consti­ tuição inglesa é classificada juridicamente como flexível, mas sociologicamente é muito mais rígida que a nossa que é classificada como rígida (segundo alguns autores ela seria até mesmo super-rígida!) Na verdade, essas classificações pouco acrescentam para uma reflexão crítica sobre o sentido das Constituições e do constitucio­ nalismo. Uma critica interessante, apesar de ontológica, foi delineada por Karl Lõwenstein em sua ontologia das Constituições, que posteriormente iremos trabalhar.

42

Conceito e classificações das Constituições

b) Quanto à estabilidade” - Rígida, Flexível, Semirrígida, Fixa e Imutável: •

Constituição Rígida: é aquela que necessita (requer) de procedimentos es­ peciais, mais difíceis (específicos) para sua modificação. Esses procedimen­ tos são definidos na própria Constituição.



Constituição Flexível: é aquela que não requer procedimentos especiais para sua modificação. Ou seja, ela pode ser modificada por procedimen­ tos comuns, os mesmos que produzem e modificam as normas ordiná­ rias, na lógica, por exemplo, tradicional de que lei posterior revoga lei anterior do mesmo nível hierárquico. Na verdade, o entendimento se perfaz de forma simples na afirmação de que, se a própria Constituição não solicitou procedimentos especiais para sua alteração, é porque ela afirma a possibilidade de modificação nos moldes em que se modificam as leis ordinárias. Um exemplo sempre citado pela doutrina clássica é o da Constituição inglesa.15 16



Constituição Semirrígida: é aquela que contém, no seu corpo, uma parte rígida e outra flexível. Nesse sentido, parte da Constituição solicita procedi­ mentos especiais para sua modificação e outra não requer procedimentos especiais (diferenciados dos comuns que produzem normas ordinárias) para sua modificação. Chamamos atenção ainda para o fato de que, para alguns doutrinadores, ela é classificada como semiflexível, não mudando em nada sua definição. Um exemplo de constituição semirrígida é a nossa Constituição de 1824.



Fixa ou silenciosa: é a Constituição que só pode ser modificada pelo mes­ mo poder que a criou (Poder constituinte originário). São as chamadas Constituições silenciosas, por não preverem procedimentos especiais para a sua modificação. Exemplo: Constituição espanhola de 1876.17



Imutável ou granítica: é a chamada Constituição granítica, pois não pre­ vê nenhum tipo de processo de modificação em seu texto. São, nos dias

15. Também identificada por alguns autores como classificação quanto ao processo de reforma. 16. Conforme o magistério de Virgílio Afonso da Silva, a Constituição inglesa, embora seja um clássico exemplo de Constituição flexível, atualmente, no que tange a essa classificação, está relativizada. Nesses termos, com o Human RightsAct aprovado em 1998eem vigor desde 0 ano 2000, o Parlamento inglês passou a se submeter aos dispositivos dessa declaração de direitos, colocando a sua supremacia em xeque e fazendo ruir o mo­ delo de Constituição flexível clássico. (A constitucionalizaçáo do direito: os direitos fundamentais nas relações entre particulares. 2005, p. 109). Segundo o autor, se o Parlamento inglês já não é mais soberano no sentido tradicional, e deve respeitar as disposições da declaração de direitos, o modelo de Constituição flexível tam­ bém cai por terra (2005, p. 109). E interessante, ainda, ressaltar que no ano de 2009 foi criada (deforma ino­ vadora) uma Corte Constitucional na Inglaterra (embora essa não tenha legitimidade para invalidar atos do Parlamento como as tradicionais Cortes Constitucionais que foram desenvolvidas na Europa no século XX). Ressaltamos também o processo de saída da Inglaterra da União Européia e as possíveis implicações para o tema. 17. Ver BULOS. Uadi Lammêgo, Curso de Direito Constitucional. 2006. E também CARVALHO, Kildare Gonçalves, Direito constitucional. Teoria do estado e da Constituição. Direito constitucional positivo.

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Bernawo Gonçalves Fernandes

atuais, relíquias históricas. Sem dúvida, em sociedades extremamente com­ plexas como a nossa (moderna, ou para alguns, pós-moderna), constitui­ ções graníticas estariam fadadas ao insucesso.

1819.

20.

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Transitoriamente flexível: trata-se da Constituição que traz a previsão de que até determinada data a Constituição poderá ser emendada por proce­ dimentos comuns. Após a data determinada, a Constituição só poderá ser alterada por procedimentos especiais definidos por ela. Exemplo: Consti­ tuição de Baden de 1947.’8



Transitoriamente imutável: é a Constituição que durante determinado pe­ ríodo não poderá ser alterada. Somente após esse período ela poderá ser alterada.'9 Como exemplo, a doutrina cita a nossa Constituição brasileira de 1824 (Constituição do Império) que só podería ser alterada após quatro anos de vigência. Aqui uma crítica pertinente que demonstra a precarie­ dade dessa classificação. Na verdade, 0 que existe é um limite temporal na Constituição que não permite que seja reformada em um determinado lapso temporal. 0 exemplo da Constituição do Império de 1824 demonstra justamente isso, devendo ser considerada como semirrígida, nos moldes já salientados.

c)

Quanto à forma - escritas e não escritas:



Constituição escrita: é aquela elaborada de forma escrita e sistemática em um documento único, feita de uma vez só (por meio de um processo espe­ cífico ou procedimento único), de um jato só por um poder, convenção ou assembléia constituinte.* 20 19



Constituição não escrita: é aquela elaborada e produzida com documen­ tos esparsos (de modo esparso) no decorrer do tempo, paulatinamente desenvolvidos, de forma histórica, fruto de um longo e contínuo processo de sedimentação e consolidação constitucional. Um exemplo clássico e comumente citado é 0 da Constituição inglesa que é intitulada de não escrita, além de histórica e também costumeira (consuetudinária).

BULOS, Uadi Lammégo, Curso de direito constitucional. 2006. E também CARVALHO, Kildare Gonçalves, Direito constitucional. Teoria do estado e da Constituição. Direito constitucional positivo. CARVALHO, Kildare Gonçalves, Direito constitucional. Teoria do estado e da Constituição. Direito constitucional posi­ tivo. SILVA, José Afonso da, Curso de direito constitucional positivo. 2006. Definitivamente não podemos classificar a Constituição como escrita simplesmente por ela ser e ter a forma escrita, como infelizmente querem alguns doutrinadores. Essa postura chega a ser risível! É óbvio que se assim fosse as Constituições não escritas, que diga-se de passagem contêm documentos escritos, também deveriam ser consideradas ou classificadas como escritas! Outro equívoco absurdo (que felizmente não se coaduna com a doutrina majoritária!) é afirmar que a classifi­ cação de Constituição escrita também diz respeito às Constituições elaboradas por diversas leis (do tipo não codi­ ficada). Aqui voltamos à lógica banal de uma Constituição ser classificada como escrita porque nela encontramos textos escritos!

Conceito e classificações das Constituições

d)

Quanto ao modo de elaboração - dogmáticas e históricas:



Constituição dogmática: é aquela escrita e sistematizada em um documen­ to que traz as idéias dominantes (dogmas) em uma determinada socieda­ de num determinado período (contexto) histórico. Ela se equivale à consti­ tuição escrita quanto à forma.



Constituição histórica: é aquela elaborada de forma esparsa (com docu­ mentos e costumes desenvolvidos) no decorrer do tempo, sendo fruto de um contínuo processo de construção e sedimentação do devir histórico. Ela se equivale à Constituição não escrita quanto à forma. 0 exemplo também comumente citado é o da Constituição inglesa.

e)

Quanto à origem2122 23 - promulgadas, outorgadas e cesaristas:



Constituição Promulgada: é aquela dotada de legitimidade popular, na me­ dida em que o povo participa do seu processo de elaboração, ainda que por meio de seus representantes. Para alguns autores, ela se apresenta como sinônimo de democrática. Como exemplo, poderiamos citar as Cons­ tituições brasileiras de 1891, 1934, 1946 e 1988.”



Constituição Outorgada: é aquela não dotada de legitimidade popular, na medida em que 0 povo não participa de seu processo de feitura, nem mes­ mo de forma indireta. Ela também é concebida na doutrina como sinônimo de Constituição autocrática ou mesmo ditatorial. Como exemplos, poderia­ mos citar as Constituições brasileiras de 1824, 1937 e 1967.’3

Essa classificação leva em consideração não a promulgação de cunho técnico realizada em qualquer documento constitucional (inclusive nas Constituições outorgadas), mas, sim, a forma de produção da Constituição com ou sem a participação popular. Ou seja, ela visa analisar se a Constituição foi elaborada com ou sem legitimida­ de (viés democrático). Nesses termos, também são as reflexões de parte da doutrina, defendendo que o mais correto seria o uso do termo Constituição democrática (em vez do termo técnico usado pela classificação, ora citada):"[...] uma Constituição, mesmo que promulgada, pode ser autoritária ou populista. A promulgação é o ato solene que integra a fase final do processo legislativo e equivale à certificação formal e pública de alteração do sistema jurídico por um novo texto normativo. A promulgação é seguida da publicação da nova norma. Assim, a expressão'Constituição promulgada' equivale apenas ao fato de que houve um processo legislativo colegiado de elaboração e de aprovação majoritária de seu texto. Apenas isso. Portanto, ao invés de 'Constituição promul­ gada' deveriamos utilizar a expressão Constituição democrática’para nos referir a uma Constituição que tenha sido elaborada com a efetiva participação da sociedade [...]" In: OLIVEIRA, Márcio Luís de. Os limites ideológicos e /usfilosófícos do poder constituinte originário, p. 379-407,2007. 22. Apesar de alguns senadores biônicos {termo usado para designar senadores que não haviam sido eleitos pelo voto popular) terem participado da Assembléia Nacional Constituinte de fevereiro de 1987 a outubro de 1988. 23. É interessante que boa parte da Teoria da Constituição atual compreende a denominação Constituição au­ tocrática (ou ditatorial) como uma verdadeira contradição, na medida em que o constitucionalismo está intimamente ligado á perspectiva democrática. Falar em Constituição autocrática é falar em algo que defi­ nitivamente não coaduna com o constitucionalismo e sua busca (emancipatória) pela limitação do poder (arbítrio) e desenvolvimento de direitos e garantias fundamentais. Nesse sentido, Mourizio Fioravanti, ao reconstruir a história semântico-institucional do termo'Constituição! observa que não mais podemos opor a ideia de Constituição á de democracia ou soberania popular, pois o constitucionalismo só é efetivamente constitucional se institucionaliza a democracia, o pluralismo e a cidadania de todos, em não fazendo o que temos é despotismo. Do mesmo modo a democracia só é democracia se impõe limites constitucionais à

21.

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Bernardo Gonçalves Fernandes



Constituição Cesarista: é aquela produzida sem a participação popular (de forma direta ou mediante representantes), mas que, posteriormente a sua elaboração, é submetida a referendum (uma verdadeira consulta plebiscitária) popular para que o povo diga sim ou não sobre o documento. Essas constituições, sem dúvida, aproximam-se das Constituições Outorgadas (e se distanciam das Promulgadas), pois os processos de produção (que, ob­ viamente, conferem legitimidade ao documento constitucional) não envol­ vem o povo, e sim algo pronto e acabado ("receita de bolo") que, de for­ ma não raro populista, é submetido para digressão popular. Os exemplos desse tipo de Constituição são as Constituições de Napoleão, na França, e de Pinochet, no Chile, entre outras.

f)

Quanto à extensão - analíticas e sintéticas:



Constituição Analítica: também chamada de prolixa, é aquela elaborada de forma extensa (formato amplo), com um cunho detalhista, na medida em que desce a pormenores não se preocupando somente em descrever e explicitar matérias constitucionais (tipicamente constitutivas do Estado e da sociedade). Portanto, acaba por regulamentar outros assuntos que entenda relevantes num dado contexto, estabelecendo princípios e regras e não apenas princípios (ainda que os princípios e a estrutura chamada atualmente de principiológica possam ser dominantes). Como exemplos, podemos citar as atuais Constituições do Brasil (1988), de Portugal (1976) e da Espanha (1978).



Constituição Sintética: é aquela elaborada de forma sucinta (resumida) e que estabelece os princípios fundamentais de organização do Estado e da sociedade preocupando-se em desenvolver no seu bojo apenas as matérias constitucionais típicas (Organização e estruturação do Estado e Direitos Fundamentais). Em regra, são Constituições eminentemente principiológicas.24

vontade popular, à vontade da maioria. No mesmo sentido:“(...] para a Teoria da Constituição constitucional­ mente adequada só é possível existir uma Constituição em sentido politico-juridico num Estado de Direito, no qual ocorre uma simbiose entre o exercício dos poderes políticos e a autoridade juridicamente investida e limitada, o que confere legitimidade às funções e aos atos de Estado. E com isso concordamos, uma vez que nas autocracias impera o poder político sem limites normativos efetivos. Fora do regime democrático o Direito não cumpre a sua principal finalidade que é garantir a dignidade humana nos contextos público e privado; nas autocracias o Direito é tão-somente um instrumento formal de opressão, submetido apenas às conveniências do grupo dominante. Portanto, numa autocracia o Direito perde a sua verdadeira essência emancipadora J"OLIVEIRA, Márcio Luís de, In: A Constituição juridicamente adequada, p. 1., 2009. 24. Um exemplo é a Constituição norte-americana de 1787 ainda hoje em vigor. Aqui temos uma observação inte­ ressante: apesar de a Constituição norte-americana ser classificada pela doutrina tradicional (de cunho semântico como anteriormente criticamos) como sintética (sucinta), algumas Constituições de estados norte-americanos sào excessivamente analíticas.

46

CONCFITO E CLASSIFICAÇÕES DAS CONSTITUIÇÕES

25.

26.

27.

g)

Quanto à ideologia (ou quanto à dogmática) - ortodoxas e ecléticas:



Constituição Ortodoxa: é aquela que prevê apenas um tipo de ideologia em seu texto. Exemplos recorrentemente lembrados são as Constituições da China e da ex-União Soviética.



Constituição Eclética: é aquela que traz a previsão em seu texto de mais de uma ideologia, na medida em que pelo seu pluralismo e abertura agrupa mais de um viés (linha) ideológico. A atual Constituição brasileira de 1988 é um exemplo.

h)

Quanto à unidade documental - orgânicas e inorgânicas:



Constituição Orgânica: é aquela que é elaborada em um documento único, num corpo único de uma só vez por um poder competente para tal e que contém uma articulação (interconexão) entre suas normas (títulos, capítu­ los, seções).25



Constituição Inorgânica: é aquela que não é dotada de uma unidade docu­ mental. É elaborada por textos escritos não dotados de uma interconexão que podem ser reunidos posteriormente (e solenemente) em um docu­ mento específico e ser intitulado de texto Constitucional. A doutrina cita como exemplos as atuais Constituições de Israel e da Nova Zelândia. Um exemplo interessante é 0 da Constituição francesa de 1875 da III República, que foi a junção de três documentos legais.

i)

Quanto ao sistema’6 - Principiológicas e Preceituais:



Constituição Principiológica: é aquela em que predominam os princípios (embora nela possam existir regras) considerados normas (constitucionais) de alto grau de abstração e generalidade para boa parte dos doutrinadores pátrios.27 Um exemplo seria a atual Constituição brasileira de 1988, que

Paulo Bonavides chama essas Constituições de codificadas e as diferencia das Constituições legais, que seriam Constituições escritas que se apresentam esparsas ou fragmentadas em vários textos, como a Constituição da III República francesa de 1875 (leis constitucionais elaboradas em momentos distintos da atividade legislativa, que foram tomadas em conjunto, passando a ser a Constituição francesa). (BONAVIDES, Paulo, Curso de direito consti­ tucional. p. 88). É importante deixar registrado que alguns doutrinadores, dentre eles Lammêgo Bulos (2006), classificam diferen­ temente as Constituições quanto à sistematização (e não quanto ao sistema!). Essa classificação divide as Cons­ tituições em unitárias (unitextuais ou codificadas) e variadas (pluritextuaisou não codificadas). As primeiras são aquelas que estão adstritas a um único texto. Portanto, a Constituição está contida em um único documento. Já as segundas (variadas ou plurítextuais) são aquelas que as normas constitucionais estão espalhadas em diversos documentos com força constitucional. O exemplo, assim como em Bonavides para as Constituições legais, tam­ bém é o da Constituição francesa da III República de 1875. A tese que diferencia as normas regras e as normas princípios pelo aspecto quantitativo (ou seja, pelo grau de abstração ou generalidade) é chamada de tese fraca, conforme iremos observar posteriormente quando formos tratar da diferença entre regras e princípios sob o ponto de vista do aspecto quantitativo (tese fraca) e qualitativo (tese forte).

47

Bernardo Gonçalves Fernandes

é entendida, trabalhada e interpretada pelo neoconstitucionalismo como principiológica.28 •

Constituição Preceitual: é aquela em que, embora possa conter princípios, predominam-se as regras que, para boa doutrina nacional, possuem um baixo grau de abstração e um alto grau de determinabilidade. Esse tipo de Constituição que enfatiza as regras em detrimento dos princípios tende a ser essencialmente detalhista. Um exemplo citado é a Constituição do Mé­ xico de 1917 (Constituição de Ouerétaro29).

j)

Quanto à Finalidade3031 - Garantia, Balanço ou Dirigentes:



Constituição Garantia, Abstencionista ou Negativa: ela tem um viés no pas­ sado, visando garantir direitos assegurados contra possíveis ataques do Poder Público. Trata-se de Constituição típica de Estado Liberal que se caracteriza pelo seu abstencionismo e sua atuação negativa (de não inter­ ferência ou ingerência na sociedade). Essa Constituição também intitulada por alguns autores de Constituição-quadro foi concebida apenas como um instrumento de governo que deveria trazer a limitação ao Poder com a devida organização do Estado, assim como direitos e garantias fundamen­ tais.” Porém aqui uma observação é fulcral, qual seja: a rigor mesmo as constituições atuais têm um pouco de constituição garantia e se apresen­ tam também como tal. Obviamente, mesmo as Constituições sociais e de Estado Democrático de direito do século XX também objetivam em certa

Todavia, entendemos ser equivocado afirmar tal tese, ainda que majoritária na doutrina nacional, pois mesmo que a Constituição de 1988 tenha se preocupado em explicitar um catálogo volumoso de princípios, quantita­ tivamente, há que vislumbrar uma primazia das regras como espécies de normas constitucionais. Na verdade, Klaus Günther {The sense of appropriateness) em sua obra já nos lembra que a problemática toda quanto à dife­ renciação de regras e princípios é decorrente da coexistência de dois paradigmas distintos. Seguindo a linha de L. Kohlberg uma tradição de supervalorização das regras é produto, ainda, de uma consciência coletiva apegada a um nível convencional (muito preocupado com a segurança jurídica, entendida como previsibilidade), enquanto aqueles que assumem o direito como um conjunto de princípios - principalmente, sem exclusão das regras por complexo - demonstram que já atingiram o nível pósconvencional (e por isso, compreendem o direto a partir de outro prisma: ou seja, como um todo coerente de normas dotadas de universalidade; de correção). A bem da verdade, o que vivenciamos hoje como neoconstitucionalismo é apenas um movimento teórico modesto que se situa em uma zona intermediária entre essas duas formas de consciência perante o direito. 29. Essa Constituição que é de 1917 é considerada a primeira Constituição do "constitucionalismo social". Posterior mente, em 1919, teremos na Europa a Constituição de Weimar (na Alemanha) que apresentará de forma explícita o constitucionalismo social europeu. 30. O jurista português Jorge Miranda também nos apresenta uma classificação das Constituições quanto á fi­ nalidade. Esta diz respeito justamente à pretensão (finalidade) da Constituição em ser um documento de transição ou um documento definitivo. Nesses termos, temos: a) Constituição revolucionária, provisória oupréconstituição: aquela que se apresenta como um conjunto de normas que tem por objetivo ou finalidade definir o regime de elaboração e aprovação da nova Constituição formal e estruturar o poder político no interstício cons­ titucional, dissipando e eliminando, com isso, resquícios do regime anterior; b) Constituição definitiva (de duração indeterminada no tempo, aberta para o futuro): esta é a Constituição produto final do poder Constituinte fruto de um processo Constituinte. (Manual de direito constitucional, Tomo II, p. 91). 31. FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves, Curso de direito constitucional, p. 12. 28.

48

Conceito

e classificações das

Constituições

medida garantir direitos assegurados aos cidadãos à luz de um determina­ do momento histórico (contexto histórico).



Constituição Balanço: visa trabalhar o presente. Trata-se de constitui­ ção típica dos regimes socialistas (constituições de cunho marxista). Essa constituição propõe-se a explicitar as características da atual sociedade, trazendo parâmetros que devem ser observados à luz da realidade eco­ nômica, política e social já existente. Ela realiza um balanço das planificações realizadas e explicita à sociedade o novo grau de planificação já em curso. A constituição tem por objetivo adequar-se à realidade social. É importante salientar que a Constituição de cunho socialista não é uma constituição de dever-ser (Sollen), mas, sim, uma Constituição típica do mundo do ser (Sein), que traduz juridicamente modificações sociais que já existem na sociedade.52 Um exemplo são as Constituições soviéticas de 1936 e de 1977.



Constituição Dirigente: tem viés de futuro. É uma constituição típica de Estado social e de seu pano de fundo paradigmático (democracias-sociais, sobretudo do pós-Segunda Guerra Mundial). Constituições dirigentes são planificadoras e visam predefinir uma pauta de vida para a sociedade e estabelecer uma ordem concreta de valores para 0 Estado e para a so­ ciedade, ou seja, programas e fins para serem cumpridos pelo Estado e também pela sociedade.53 Uma das características dessas Constituições, não raro, é a presença de normas programáticas em seu bojo.

Temos, ainda, outras classificações que merecem ser citadas, sendo: k) Classificação quanto ao papel das Constituições: essa classificação é apresentada por Virgílio Afonso da Silva31 e envolve um debate (ainda) atual sobre a função ou 0 papel desempenhado por uma Constituição em um Estado e uma sociedade. Nesses termos, é analisada de forma direta a liberdade de atuação ("capacidade de conformação da ordem jurídica") do legislador ordinário em relação à Constituição. Nesse sen­ tido, as Constituições podem ser concebidas como: Constituição-lei: são32 34 33

32. 33.

34.

FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves, Curso de direito constitucional, p. 12. É bem verdade que o conceito de Constituição dirigente de Canotilho, desenvolvido pelo autor na famosa obra Constituição dirigente e vinculação do legislador (1982), sofreu modificações no decorrer do tempo. Já chama­ mos a atenção do leitor para o prefácio da 2“ edição desse citado livro e das recentes edições de seu Direito cons­ titucional e teoria da Constituição, nos quais Canotilho explicita que a atenuação do Papel do Estado faz com que hoje o programa constitucional assuma mais o papel de legitimador da sociedade estatal do que a função de um direito dirigente do centro político. Nesse sentido, conforme aqui citado, as Constituições perderam um pouco de sua força dirigente, ainda que não tenham deixado de ser diretivas. Sem dúvida, o dirigismo constitucional das décadas de 70 e 80 do século passado não mais existe, porém a Constituição dirigente não morreu, pois ainda sobrevivem importantes dimensões de programaticidade e dirigismo constitucional, ainda que em uma perspectiva mais reflexiva (leve) e menos impositiva. Ver, sobretudo COUTINHO, Jacinto, Canoti­ lho e a Constituição dirigente, 2002. SILVA, Virgílio Afonso da, A constitucionalização do direito, 2005, p. 111 -122.

49

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aquelas em que a Constituição é entendida como uma norma que está no mesmo nível das outras normas do ordenamento. Nesse caso, conforme Virgílio Afonso da Silva,3536 37 a Constituição não teria supremacia nem mes­ mo vinculatividade formal para com o legislador ordinário, sendo "uma lei como qualquer outra" funcionando, apenas como uma diretriz para atuação do Poder Legislativo, ou seja, os dispositivos constitucionais, es­ pecialmente os direitos fundamentais, teriam uma função meramente in­ dicativa, pois apenas indicariam ao legislador um possível caminho, que ele não necessariamente poderia seguir. Constituição fundamento: essa concepção de constituição é também denominada de Constituição total. Nessa perspectiva, "a Constituição é entendida como lei fundamental, não somente de toda a atividade estatal e das atividades relacionadas ao Estado, mas também a lei fundamental de toda a vida social". Sem dúvida, por essa perspectiva, o espaço de conformação do legislador é extremamente reduzido. Nesses termos, "o legislador seria um mero in­ térprete da Constituição e nessa concepção haveria para os outros ramos do direito pouco ou nenhum espaço livre (liberdade de conformação dos outros ramos do direito estaria mitigada)"/ Constituição-moldura: essa concepção que não é nova,i? mas vem sendo objeto de constantes digres­ sões na doutrina alemã, trabalha a constituição apenas como um limite para a atividade legislativa. Ou seja, ela é apenas uma moldura, sem tela e sem preenchimento. Nesses termos, caberá a jurisdição constitucional apenas a tarefa de controlar se o legislador age dentro da moldura. Essa concepção, nos dizeres de Virgílio Afonso da Silva, pode ser entendida como intermediária entre as duas primeiras.38 I)

35. 36.

37. 38. 39.

50

Constituições Plásticas: Constituições plásticas são aquelas dotadas de uma maleabilidade. Ou seja, são maleáveis aos influxos da realidade social39 (política, econômica, educacional, jurisprudencial etc.). São Constituições que possibilitam releituras, (re)interpretações de seu texto, à luz de novas realidades sociais. A Constituição plástica pode ser flexível ou mesmo rígi­ da, desde que permita uma nova interpretação de seu texto à luz de novos

SILVA, Virgílio Afonso da, A constitucionalização do direito, p. 111. SILVA, Virgílio Afonso da, A constitucionalização do direito, p. 112. A critica estabelecida pelo autor é a seguinte: "[„.] As normas constitucionais, nesse sentido, não somente irradiarão efeitos pelos outros ramos do direito: elas determinarão o conteúdo deles por completo.” (2005, p. 115). Esta remonta a autores como Ernst-Wolfgang Bõckenfõrde e Christian Starck. SILVA, Virgílio Afonso da. A constitucionalização do direito. 2005, p. 116-117. Conforme a abalizada doutrina de Uadi Lammêgo Bulos, (Curso de direito constitucional. 2006). Também encon­ tramos tal posicionamento no clássico Estudos de direito constitucional de HORTA, Raul Machado (2002). Esses au­ tores demonstram que a Constituição plástica é aquela que possibilita novas releituras, podendo ser, portanto, tanto rígidas quanto flexíveis.

Conceito c classificações das Constituições

contextos sociais.40 Porém, é importante deixarmos consignado que alguns autores classificam as Constituições plásticas como flexíveis.41

m) Constituições Pactuadas ou Dualistas: são aquelas que resultam de um acordo entre o rei (monarca) e o parlamento. Buscam desenvolver um equilíbrio, não raro instável e precário, entre o princípio monárquico e o princípio da democracia. Segundo Paulo Bonavides, "elas acabam por ex­ primir um compromisso instável (frágil) de forças políticas rivais: a realeza debilitada de uma parte, e a nobreza e a burguesia, em franco progresso doutra".42

40.

41. 42.

43.

44.

n)

Constituições Nominalistas:43 para alguns doutrinadores são as Constitui­ ções que trazem normas dotadas de alta clareza e precisão, nas quais a interpretação de seu texto somente é realizada por meio de um método literal ou gramatical. Essa classificação (em claro desuso) atualmente só pode ser entendida como uma relíquia histórica, pois é de se perguntar: qual constituição atualmente é interpretada e aplicada apenas pelo manu­ seio do método gramatical? A hipercomplexidade jurídico-social, sem dúvi­ da, impede tal possibilidade.

o)

Constituições Semânticas:44 para alguns doutrinadores, são as constituições nas quais o texto não é dotado de uma clareza e especificidade e que, portanto, não vão trabalhar apenas o método gramatical, exigindo outros métodos de interpretação (ou outras posturas interpretativas). Aqui uma digressão se faz necessária: se formos utilizar os métodos clássicos de interpretação (atualmente em xeque pelo giro hermenêutico-pragmático, que posteriormente será desenvolvido), todas as constituições atualmente (modernamente) são semânticas. Mas devemos tomar cuidado, pois esta é apenas uma conceituação ou classificação de Constituição como semântica

Aqui uma observação importante. O fenômeno da teoria da Constituição, que possibilita que as Constituições plásticas recebam novas atribuições de sentidos, é chamado de mutações constitucionais. Ou seja, são mudanças informais da Constituição, o texto continua o mesmo, maséreinterpretadoà luz de novas realidades sociais. FERREIRA, Pinto, Curso de direito constitucional, p. 12. BONAVIDES, Paulo, Curso de direito constitucional, p. 9.0 referido constitucionalista cita como exemplos a Cons­ tituição francesa de 1791, a da Espanha de 1876 e documentos constitucionais ingleses, como o Bill of fíights de 1689. O termo nominalista, de forma totalmente diferenciada da ora apresentada, também é utilizado, por alguns doutrinadores, para a classificação das Constituições nominais (ou para alguns: nominalistas) de Karl Lõewenstein, que iremos analisar posteriormente. Nessa as constituições nominalistas são aquelas em que há um des­ compasso (hiato) entre o texto da constituição e a realidade social a ser regulada. Com isso, explicita-se um déficit de eficácia e concretização da Constituição. Ver também em Marcelo Neves, In: A Constitucionalização Simbólica, 2010. Para Gomes Canotilho, as Constituições intituladas de semânticas têm outro significado. Elas sáo aquelas que podem ser entendidas como Constituições fechadas de cunho meramente formal que não consagram um con­ teúdo mínimo de justiça em termos materiais. Estas, para o autor de Coimbra, se diferenciam das Constituições normativas, que são aquelas Constituições que trazem um conjunto de normas dotadas de bondade material que garantem direitos e liberdades, bem como impõem limites aos poderes. (Direito constitucional e teoria da Constituição, 2003, p. 1.095).

51

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e é minoritária. Além desta, temos: a conceituação de Gomes Canotilho, também citada (ver nota), e ainda a conceituação de Karl Lõewenstein, que será posteriormente trabalhada e detalhada (pois é a mais usada e de maior sucesso na doutrina). p)

Constituições em Branco: são aquelas que não trazem limitações explícitas ao poder de alteração ou reforma constitucional. Nesse sentido, o poder de reforma se vincula à discricionariedade dos órgãos revisores, que, sem qualquer dispositivo específico de delimitação revisional, ficam encarrega­ dos de estabelecer regras para a propositura de emendas constitucionais. Exemplos são as Constituições francesas de 1799 e 1814.45

q)

Constituições Compromissórias:46 são aquelas que resultam de acordos en­ tre as diversas forças políticas e sociais, nas quais não há uma identidade ideológica (ecletismo), sendo a Constituição resultado da "fragmentação de acordos tópicos" que explicitam uma diversidade de projetos, caracte­ rizando a textura aberta da Constituição, que possibilita a "consagração de valores e princípios contraditórios a serem equacionados e concretizados pelos aplicadores do direito".47 Essas Constituições, que trazem no seu bojo uma plêiade ideológica, acabam por fomentar a perspectiva dialógica pre­ sente no arcabouço típico de um Constitucionalismo democrático.

r)

Constituição Dúctil (suave) de Gustavo Zagrebelsky:48 essa classificação busca não trabalhar com uma dogmática (constitucional) rígida.49 Segun­ do 0 autor, "nas sociedades atuais, permeadas por determinados graus de relativização e caracterizadas pela diversidade de projetos de vida e concepções de vida digna", 0 papel das Constituições não deve consistir na realização de um projeto predeterminado de vida, cabendo-lhe ape­ nas a tarefa básica de "assegurar condições possíveis" para uma "vida em comum." Ou seja, a Constituição não predefine ou impõe uma forma de vida (projeto de vida), mas, sim, deve criar condições para 0 exercício dos mais variados projetos de vida (concepções de vida digna).50 Nesses

BULOS, Uadi Lammêgo, Curso de direito constitucional, 2006, p. 33. Conforme, CANOTILHO, José Joaquim Gomes, Direito constitucional e teoria da Constituição. Nesses termos, tam­ bém as digressões de VIEIRA, Oscar Vilhena. A Constituição como reserva dejustiça, p. 195. Segundo Uadi Lammê­ go BULOS, as Constituições compromissórias se originam de um processo constituinte tumultuado por corren­ tes de pensamento divergentes e convergentes, fruto de um jogo de fluxos e refluxos, que ao fim dos trabalhos estabelecem um consenso (compromisso constitucional) em meio a "salutar" pluralidade política existente. Um exemplo seria a nossa atual Constituição de 1988. (Curso de direito constitucional, 2006). 47. VIEIRA, Oscar Vilhena. A Constituição como reserva de justiça, p. 195. 48. ZAGREBELSKY, Gustavo, Elderecho dúctil: Ley, derechos.justicia. MadridTrotta, 1999. 49. ZAGREBELSKY, Gustavo, El derecho dúctil: Ley, derechos, justicia. Madrid Trotta, 1999. 50. Conforme o professor italiano:"As sociedades pluralistas atuais - isto é, as sociedades marcadas pela presença de uma diversidade de grupos sociais com interesses, ideologias e projetos diferentes, mas sem que nenhum tenha força suficiente para fazer-se exclusivoou dominante e, portanto, estabelecer a base material da soberania estatal no sentido do passado - isto é, as sociedades dotadas em seu conjunto de um certo grau de relativismo, con­ ferem à Constituição não a tarefa de estabelecer diretamente um projeto predeterminado de vida em comum,

45. 46.

52

Conceito e classificações das Constituições

termos, o adjetivo suave (ou leve) é utilizado com o objetivo de que a Constituição acompanhe a descentralização do Estado e, com isso, seja um espelho que reflita o pluralismo ideológico, moral, político e econômico existente nas sociedades. Ou seja, uma Constituição aberta51 (que permita a espontaneidade da vida social) que acompanhe o desenvolvimento de uma sociedade pluralista e democrática?2 Essa concepção se aproxima (embora com algumas divergências) da concepção de Constituição defen­ dida pela teoria discursiva do direito e da democracia de jürgen Habermas que trabalha justamente a perspectiva do que podemos chamar de consti­ tucionalismo procedimental do Estado Democrático de Direito.5’

senão a de realizar as condições de possibilidade da mesma." (ZAGREBELSKY, Gustavo. El derecho dúctil: Ley, derechos, justicia. Madrid Trotta, 1999, p. 13). Texto também citado no Informativo n’ 306 do STF pelo Ministro Gilmar Mendes. 51. Autores como Paulo Bonavides eCanotilho defendem (embora em um marco teórico diferenciado do trabalha­ do por Zagrebelsky) também uma perspectiva de Constituição aberta. Por exemplo, para Canotilho atualmente devemos "relativizar a função material de tarefa da Constituição além de ser justificável a desconstitucionalizaçào de elementos substantivadores da ordem constitucional (como exemplo: constituição econômica, constituição do trabalho, constituição social, constituição cultural)". Para o autor"a historicidade do direito constitucional e a índesejabilidade do "perfeccionismo constitucional" (constituição como um estatuto detalhado e sem aberturas) não são, porém, incompatíveis com o caráter de tarefa e projeto da lei constitucional"Ou seja, a Constituição pode ser aberta (plural, eclética e democrática), mas mesmo assim, não pode perder de vista: a fixação de limites para a atuação do Estado, a formulação de fins sociais significativos e a identificação de alguns programas de conformação constitucional. In: Direito constitucional e teoria do Constituição, 2003, p. 1339-1340. 52. ZAGREBELSKY, Gustavo, Elderechodúctil:Ley, derechos, justicia. MadridTrotta, 1999.Também NOVELINO, Marcelo, Direito constitucional. 2009. 53. Conforme o constitucionalismo da teoria discursiva da Constituição trabalhada por Habermas e por uma série de autores brasileiros, temos que a promessa de concessão de cidadania advinda da ruptura do Estado Liberal com o nascimento e desenvolvimento do Estado Social não foi efetivada. Com isso, a proposta do direi­ to constitucional e da teoria da Constituição adstrita a ele deve ser a de buscar o resgate da cidadania (nunca alcançada nos séculos XVIII e XIX com o constitucionalismo liberal e no século XX com um determinado tipo de constitucionalismo social) sem supostos (ou pressupostos) dirigentes e planificadores. A própria noção de cidadania (no constitucionalismo procedimental do Estado Democrático de Direito) deve ser enfocada sob outra perspectiva que não aquela de "vantagem ou beneficio“a ser concedida e distribuída de"cima para baixo" a uma massa de desvalidos e pobres coitados (descamisados). Esta deve ser encarada como um processo, que envolve aprendizado, fluxos e refluxos, mas sempre numa “luta contínua por reconhecimento". Nas pegadas da Teoria discursiva da democracia habermasiana, observamos então o que seria a caracterização reflexivo-procedimental da Constituição de um Estado Democrático de Direito. Conforme o autor alemão: "Se sob condições de um mais ou menos estabilizado compromisso relativo ao Estado de Bem-Estar Social, quer-se sustentar não somente um Estado de Direito mas também um Estado Democrático de Direito, e, assim, a ideia de auto-organização da comunidade jurídica, então não se pode manter a visão liberal de constituição como uma ordem-quadro que regule essencialmente a relação entre administração e cidadãos. O poder econômico e a pres­ são social necessitam ser conformados pelos meios do Estado de Direito não menos que o poder administrativo. Por outro lado, sob as condições de pluralismo societário e cultural, a Constituição deve também não ser con­ cebida como uma ordem jurídica concreta que imponha aprioristicamente uma forma de vida total à sociedade. Ao contrário, a Constituição estabelece procedimentos políticos de acordo com os quais os cidadãos possam, no exercício de seu direito de autodeterminação, com sucesso, buscar realizar o projeto cooperativo de estabelecer justas (i.e. relativamente mais justas) condições de vida. Somente as condições procedimentais da gênese demo­ crática das leis asseguram a legitimidade do Direito promulgado." (HABERMAS, Jürgen, 1998, p. 163). Seguindo a linha de raciocínio de Habermas, temos que a Constituição, sob o paradigma procedimental do Estado Democrático, deve ser compreendida como a prefiguração de um sistema de direitos fundamentais que representam as condições procedimentais para a institucionalização da democracia nos âmbitos e nas perspectivas específicas do processo legislativo, do processo jurisdicional e do processo administrativo e que garante, ainda, espaços públicos informais de geração da vontade e das opiniões políticas. Nesse

53

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s)

Heteroconstituições: são constituições decretadas de fora do Estado que irão reger. São incomuns. Um exemplo é a Constituição cipriota que surgiu de acordos elaborados em Zurique, nos idos de 1960 e que foram reali­ zados entre a Grã-Bretanha, Grécia e a Turquia.5'1 Outros exemplos seriam a da inicial Constituição da Albânia desenvolvida e produzida partir de uma conferência internacional em 1913 e a Constituição da Bósnia-Herzegovina elaborada mediante acordos prolatados em 1995. Certo também é que algumas Constituições dos países da Commonwealth foram aprovadas por leis do parlamento britânico, tendo como exemplo os documentos do Canadá, da Nova Zelândia e da Austrália.* 5556 54 Já as Autoconstituições (ou homoconstituições) são aquelas elaboradas e decretadas dentro do próprio Estado nacional que irão reger.

4. CLASSIFICAÇÃO ONTOLÓGICA (OU ESSENCIALISTA) DAS CONSTITUIÇÕES DE KARL LÕEWENSTEIN

0 autor dessa classificação é Karl Lõewenstein que desenvolveu, na década de 50 do século XX, a Teoria Ontológica da Constituição.55 A classificação proposta pelo autor visa estudar 0 ser das Constituições (a sua essência), ou seja, 0 que as diferencia de qualquer outro objeto ou ente. Nesse sentido, busca-se 0 que, na prática, “realmente é uma constituição". Lõewenstein critica com veemência a classificação tradicional, pois não diz 0 que realmente é uma constituição, na medida em que fica presa ao texto dela. Nesse sentido, a classificação tradicional só analisa 0 texto não levando em consi­ deração 0 contexto (realidade social: econômica, política, educacional, cultural etc.). Segundo 0 autor, as digressões que trabalham a constituição como, por exemplo: formal, rígida, flexível, analítica, sintética, escrita e dogmática, em nada acrescentam à definição de uma constituição. Sem dúvida, a constituição pode ser excelente em seu texto (democrática, promulgada) e na prática não corresponder aos ditames do seu texto. A constituição não é só seu texto se apresentando, então, a rigor, como aquilo que os detentores de poder fazem (ou realizam) dela na prática.

Nesse sentido, qual a seria a definição adequada da classificação ontológica? Ela é conceituada como a técnica de classificação das constituições que busca ana­ lisar a relação do texto da constituição com a realidade social. Realidade social vivenciada (haurida), subjacente ao texto constitucional. Trata-se da relação entre 0

54. 55. 56.

54

sentido, a Democracia, como princípio jurídico-constltucional a ser densificado de acordo com a perspectiva específica de cada um desses processos, significa participação em igualdade de direitos e de oportunidades daqueles que serão afetados pelas decisões nos procedimentos deliberativos que as preparam. BULOS, Uadi Lammêgo, Curso de direito constitucional, 2006, p. 35. MIRANDA, Jorge, Manuai de direito constitucional, Tomo II, p. 80 82. LÕEWENSTEIN. Karl, Teoria de Ia Constitución.

Conceito e ceassificações oas Constituições

texto (ideal) e a realidade (real): econômica, política, educacional, cultural e jurisprudencial do país. Para analisar a constituição de um país, deve-se analisar os elementos de sua realidade social, subjacentes ao texto constitucional, e não somente analisar o tex­ to constitucional. É necessário, então, ir ao país e analisar a adequação do texto constitucional à realidade social do país. Nesses termos, Karl Lõewenstein57 propõe a seguinte classificação:

57. 58.

a)

Constituições Normativas: são aquelas em que há uma adequação entre o texto constitucional (conteúdo normativo) e a realidade social. Há, portan­ to, uma simbiose do texto constitucional com a realidade social. Ou seja, a constituição conduz os processos de poder (e é tradutora dos anseios de justiça dos cidadãos), na medida em que detentores e destinatários de poder seguem (respeitam) a constituição. Como exemplos, temos: a Cons­ tituição americana de 1787; a Constituição alemã de 1949; a Constituição francesa de 1958, entre outras.

b)

Constituições Nominais: não há adequação do texto constitucional (conteúdo normativo) e a realidade social. Na verdade, os processos de poder é que conduzem a constituição, e não 0 contrário (a constituição não conduz os processos de poder). Não há simbiose do texto constitucional com a rea­ lidade social, 0 que ocorre é um descompasso do texto com a realidade social (econômica, política, educacional, jurisprudencial etc.). Porém, é mister deixar consignado que existe um lado positivo nessas Constituições. Este é 0 seu caráter educacional, pedagógico. Detentores e destinatários do poder fizeram (produziram) 0 texto diferente da realidade social, mas, se 0 texto existe, ele pode, nos dizeres de Lõewenstein, servir de "estrela guio", de "fio condutor" a ser observado pelo país, que, apesar de distante do texto, um dia poderá alcançá-lo. Exemplos: as Constituições brasileiras de 1934, 1946 e 198858. Sobre a atual Constituição de 1988, temos a informar que alguns doutrinadores, infelizmente, classificam-na de forma equivocada pela classi­ ficação ontológica. Nesse sentido, Pedro Lenza, em uma das últimas edições de seu manual, classificou-a como normativa (0 que é em grave equívoco!) e, posteriormente, na última edição de sua obra (tentando desfazer 0 equí­ voco) a classifica como uma Constituição que se "pretende normativa" (aqui, seguindo Guilherme Pena). Ora, esse entendimento, com todo 0 respeito, é inteiramente equivocado. Aqui, não se trata de corrente divergente (de opiniões diferentes), mas, sim, de erro explícito quanto a obra de Karl Lõe­ wenstein. Nesse sentido, óbvio que toda Constituição se pretende normativa

LÕEWENSTEIN, Karl, Teoria de la Constitución, p. 216-223. LÕEWENSTEIN, Karl, Teoria de la Constitudón. p. 216-223.Temos ainda, como exemplo, a Constituição alemã de Weimarde 1919, que, apesar de ser da Alemanha, explicitava um hiato (fosso) entre o seu texto e a realidade de um pais arrasado e humilhado em razão da 1a Guerra Mundial.

55

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(não só a brasileira), mas uma coisa é pretender ser, outra coisa é ser. Reiteramos que Lõewenstein busca o que a Constituição realmente é em um momento histórico (aliás, por isso, a classificação chama-se ontológíca). E a nossa é, pela lógica loewensreineana (pelo menos por enquanto, visto que sua classificação é dinâmica), nominal! Aliás, na sua Teoria da Constituição Karl Lõewenstein não classifica Constituições por uma "quarta via", pois, para ele, as Constituições são: normativas, nominais ou semânticas. Portanto, simples­ mente não existe a classificação: "se pretende normativa". Essa afirmação denota inclusive dois problemas: desconhecimento da obra de Lõewenstein e de sua construção teórica, e desconhecimento (por um déficit sociológico) da realidade brasileira (do descompasso "ainda existente" entre o texto de nossa Constituição e a sua realidade social subjacente)55. c)

Constituições Semânticas: são aquelas que traem o significado de Consti­ tuição (do termo Constituição). Sem dúvida. Constituição, em sua essência, é e deve ser entendida como limitação de poder. A Constituição semântica trai o conceito de Constituição, pois em vez de limitar o poder, legitima (naturaliza) práticas autoritárias de poder. A Constituição semântica vem para legitimar o poder autoritário (sendo, portanto, Constituições tipica­ mente autoritárias).59 60 Exemplos: Constituições brasileiras de 1937 (A polaca de Cetúlio Vargas), 1967 e 1969 (do governo militar).

Nesse sentido, para explicitar as teses de Karl Lõewenstein61 e a sua classifica­ ção, um quadro pode ser assim construído:

59.

60. 61.

56

Isso, obviamente, se seguirmos a ontologia das Constituições de Lõewenstein (que trabalha com a possibilidade de “hiato"entre o texto de uma Constituição e a realidade social vivenciada pelo texto). LÕEWENSTEIN, Karl, Teoria de Ia Constitución. Aqui uma advertência: Pior ainda é quem classifica a Constituição de 1988 como normativa. Flávio Martins (2019) a classifica assim e comete dois equívocos. O Primeiro é dizer que essa corrente é majoritária. Diz sem apresentar sequer um autor que diga o mesmo. Nesses termos, não há comprovação empirica que essa cor­ rente seja majoritária. Se observarmos os principais autores do Brasil (e seus livros), nenhum deles chama classifica a nossa constituição de normativa. Ingo Sarlet, Paulo Bonavides, José Afonso da Silva, Lenio Streck, Dirley da Cunha, Daniel Sarmento, Marcelo Neves, entre vários outros, não fazem isso (inclusive não se preocupam com isso, mesmo porque que a classificação ontolóoica é fraca, como iá dissemos). Ou seja, a afirmação de uma pretensa corrente majoritária náo se sustenta Outra questão inadequada é citar o Karl Lõewenstein para dizer que a Constituição do Brasil é normativa (citação indevida do autor). Aqui a citação usada do livro Teoria da Constituição (p, 220) além de errada (pois ele fala do constitucionalismo brasileiro e seu progresso, como fala também do constitucionalismo da: Argentina, Colômbia, Uruguai e México, entre outros) é também descontextualizada. pois a versão alemã de sua Teoria da Constituição é de 1959. Lõewenstein escreve citando O Brasil e outros países da América do sul e central da década de 50 do século XX (repito: o livro é de 1959). Então ele escreveu no contexto da Constituição de 1946 (que poderia caminhar para um "autentico normativismo", bem como outros constitucionalismos da América). E mais ainda: Lõewenstein falece em 1973. Ele jamais em 1959 poderia classificar a Constituição Brasileira de 1988 como normativa, mesmo porque ele não tinha“bola de cristal" e sequer era "vidente". LÕEWENSTEIN, Karl, Teoria de ta Constitución. p. 216-223. Sem dúvida a teoria orttológica de Karl Lõewenstein tem o mérito de ir além das classificações tradicionais, na medida em que desvela a necessidade de trabalhar a Constituição não só por sua perspectiva textual, mas tam­ bém contextual. Nesse sentido, Lõewenstein denuncia com propriedade uma série de mazelas que podem estar encobertas no texto da Constituição (Constituição ideal) e não cumpridas e concretizadas na práxis social (real). Porém, as suas digressões não estão imunes a críticas. Nesses termos, a partir do que chamamos de teoria discur­ siva da Constituição, o estabelecimento de um hiato ou fosso entre o real e o ideal desenvolvido pela teoria da

Conceito e classificações

oas

Constituições

Constituições

Eficácia social (efetividade)

Legitimidade

Normativas

Sim

Sim

Nominais

Não

Sim

Semânticas

Sim

Nâo

5. REFLEXÕES SOBRE AS CLASSIFICAÇÕES TRADICIONAIS; O CONCEITO DE BLOCO DE CONSTITUCIONALIDADE; E O ENTENDIMENTO SOBRE A DENO­ MINAÇÃO INTITULADA DE NEOCONSTITUCIONALISMO

i») Podemos afirmar que toda Constituição escrita é formal? Não. A forma pode ser escrita, mas a constituição formal vai muito além da Constituição escrita. Pode haver Constituição escrita que não pede (requer) procedi­ mentos especiais (solenes, diferenciados) para ser modificada. É o caso, por exem­ plo, de uma Constituição que é escrita e flexível. Esta, por colocar-se no mesmo nível das leis ordinárias, apesar de ter a forma escrita, não é rígida, não sendo, portanto, formal. Nesses termos, citamos o Estatuto Albertino, a anterior Constituição da Itália de 1848 (a atual é datada de 1948) que era escrita, porém flexível.* 62 2a) A Constituição americana de 1787 pode ser classificada como histórica? Não, constituição histórica é formada com documentos esparsos no decorrer do tempo. A Constituição americana foi promulgada (de uma vez em só um pro­ cedimento) pela Convenção da Filadélfia e, apesar de ter mais de 200 anos e toda uma construção hermenêutica à luz de mutações constitucionais desenvolvidas pela Suprema Corte, é tida pela classificação tradicional (ora explicitada) como escrita.63 É interessante que, aqui, no que tange a esse tema, a doutrina vem discutindo se a nossa Constituição de 1988, classificada tradicionalmente como escrita, podería passar a ser entendida como histórica (ou não escrita) em razão do art. 5», § 3°, fruto da Emenda Constitucional n« 45/2004, que explicita a possibilidade de trata­ dos internacionais de direitos humanos, que passarem pelo mesmo procedimen­ to das emendas constitucionais (aprovação com: dois turnos, nas duas casas e 3/5 de votos), serem positivados como normas constitucionais. Com isso teríamos

62. 63.

ontologia da Constituição de Lõewenstein acaba por naturalizar um real (com suas práticas perversas e não raro corrompidas) que na verdade é fruto de construções também por nós idealizadas. A rigor, com Habermas temos a noção de que a “realidade já é plena de idealidades",e que, justamente, por isso o real e o ideal permanecem em permanente tensão, e não em um hiato (fosso). Segundo Paulo BONAVIDES, uma Constituição escrita não formal também pode ser designada como Consti­ tuição legal. Curso de direito constitucional, 2007, p. 88. Embora alguns doutrinadores entendam ao contrário. Isso se deve a não levarem a sério a classificação de Cons tituição escrita, dando ênfase nas releituras desenvolvidas pela Suprema Corte que de fato ocorreram e ainda ocorrem, mas nem por isso modificam a classificação tradicional.

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documentos constitucionais esparsos que iriam paulatinamente agregando a normatividade constitucional de 1988.64

31) Conforme a classificação tradicional como podemos classificar a atual Constituição de 1988?

a) quanto ao conteúdo, é formal; b) quanto à estabilidade, é rígida65 (para alguns autores ela é super-rígida, em razão do art. 60, § 4°, da CR/8866); c) quanto à forma, é escrita67; d) quanto à origem, é promulgada; e) quanto ao modo de ela­ boração, é dogmática; f) quanto à extensão, é analítica; g) quanto à unidade docu­ mental, é orgânica; h) quanto à ideologia (ou à dogmática), é eclética; i) quanto ao sistema, é principiológica; e j) quanto à finalidade, é dirigente (embora não com 0 dirigismo forte de outrora atualmente relativizado por Gomes Canotilho).68 4a) 0 que é mesmo a Constituição material? Conceito teórico: a constituição material é 0 conjunto de matérias escritas ou não em um documento (constituição formal) constitutivas do Estado e da sociedade. Ou seja, 0 núcleo ideológico constitutivo do Estado e da Sociedade.69

Temos como exemplo o Decreto Legislativo n° 186/08. Nesses termos: Decreto Legislativo n° 186, de 09 de ju­ lho de 2008 - DOU 10.07.2008 Aprova o texto da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e de seu Protocolo Facultativo, assinados em Nova Iorque, em 30 de março de 2007.0 Congresso Nacional decreta: Art. 1 °. Fica aprovado, nos termos do § 3» do art. 5“ da Constituição Federal, o texto da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e de seu Protocolo Facultativo, assinados em Nova Iorque, em 30 de março de 2007. Parágrafo único. Ficam sujeitos à aprovação do Congresso Nacional quaisquer atos que alterem a referida Convenção e seu Protocolo Facultativo, bem como quaisquer outros ajustes complementares que, nos termos do inciso I do caput do art. 49 da Constituição Federal, acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional. Art. 2o. Este Decreto Legislativo entra em vigor na data de sua publicação. Senado Federal, em 9de julho de 2008. 65. É interessante, nessa fase de reflexões, raciocinarmos sobre um ponto, qual seja, a rigidez de nossa Constituição em contraposição à Constituição inglesa, que tradicionalmente sempre foi entendida como flexível (embora essa flexibilidade venha sendo relativizada). Senão, vejamos, a nossa Constituição é classificada como rígida, porém, já teve mais de 70 emendas em pouco mais de 20 anos de existência (média de uma reforma ou alte­ ração a cada 4 meses). Já a inglesa, que sempre foi tida como flexível (embora esse conceito esteja relativizado), definitivamente não foi alterada com tamanha intensidade nos últimos 300 anos. Se a classificação fosse socioló­ gica, e não jurídica, a Constituição inglesa deveria ser considerada muito mais rígida do que a nossa, quanto à estabilidade. Porém, pela ótica jurídica da classificação aqui trabalhada, não é o que ocorre! 66. Conforme o entendimento de Alexandre de Moraes (2008). É mister salientar que não concordamos com essa corrente doutrinária. 67. Como já dito é interessante que também alguns autores vêm defendendo que a nossa Constituição atual, após a Emenda n° 45/2004 e com o advento do art. 5o, § 3o, poderia ser classificada como histórica em virtude dos trata­ dos internacionais de direito humanos, que passando pelo procedimento de dois turnos, nas duas casas, com 3/5 de votos entrariam paulatinamente como normas constitucionais. 68. Podendo ainda ser classificada como: k) Plástica, na corrente defendida por Uadi Bulos e Raul Machado Horta; I) Dúctil, na classificação de Zagrebelsky: m) Compromissóna, na perspectiva de Oscar Vilhena; n) Nominal, na classificação ontológica de Lõewenstein. É interessante registrarmos que Raul Machado Horta classificaria nossa Constituição como Expansiva (no grupo das Constituições Expansivas). Isso se daria em função dos temas novos que ela apresenta e da ampliação de temas como os direitos e as garantias fundamentais. Nesses termos, a anatomia e estrutura do seu texto (títulos, capítulos, seções etc.), sua comparação interna com as Constituições anteriores e sua comparação externa com recentes constituições estrangeiras levariam à conclusão da sua expansividade. 69. "Lapidar" e "clássica" são colocações de Paulo Bonavides: "Em suma, a Constituição, em seu aspecto material, diz respeito ao conteúdo, mas tão somente ao conteúdo das determinações mais importantes, únicas merecedoras,

64.

58

Conceito t classificações das Constituições

Sem dúvida, ela também pode ser entendida, em termos práticos, como a conjunção de matérias que envolvem organização e estruturação do Estado e os direitos e as garantias fundamentais. 5a) Existe Constituição material fora da Constituição formal?

Sim. Basta que a norma jurídica diga respeito à organização do Estado ou a direitos e garantias fundamentais, independentemente de estar no texto constitucional (Cons­ tituição formal) que ela será matéria constitucional. É mister salientar que Constituição material não é definida pela forma, e sim pela matéria (assunto, conteúdo). Nesse sen­ tido, é pacífico o entendimento de que podemos ter, na legislação infraconstitucional (fora da constituição formal), matérias de cunho constitucional (Constituição material).

Não é porque o poder constituinte deixou de colocar na Constituição formal ma­ térias constitucionais que elas vão deixar de ser constitucionais. Mas atenção, elas (matérias constitucionais) não terão supralegalidade! Ou seja, embora sendo matérias constitucionais, serão legislação infraconstitucional e estarão sujeitas, por exemplo, ao critério cronológico (podendo ser revogadas por lei ordinária posterior). Como exemplos de constituição material fora da constituição formal, podemos citar: Estatuto do Idoso (Lei n° 10.741/2003); ECA (Lei n° 8.069/90); algumas normas do Código de Defe sa do Consumidor (Lei n° 8.078/90); algumas normas eleitorais, entre outras. 6a) Na Constituição formal existe hierarquia entre as normas só formalmente constitucionais e as normas formal e materialmente constitucionais? Não. Apesar de as normas materialmente constitucionais (constitutivas do Estado e da Sociedade) serem mais importantes (para a classificação ora trabalhada), segun­ do 0 STF, não há hierarquia entre as normas constitucionais.70 Essa reflexão também acaba por demonstrar que a dicotomia normas formalmente constitucionais e mate­ rialmente constitucionais, que ora trabalhamos, atualmente, para uma série de auto­ res deve ser alvo de críticas. Isso se deve, sobretudo, à inutilidade da diferenciação, pois todas as normas constitucionais, apesar da diversidade de tipos e de funções, são providas de juridicidade e, com isso, de obrigatoriedade e imperatividade.71

70.

71.

segundo o entendimento dominante, de serem designadas rigorosamente como matéria constitucional." Curso de direito constitucional, 2007, p. 81. O Supremo Tribunal Federal não adota teorias como a desenvolvida na década de 50 por Otto Bachof, na qual existiríam normas constitucionais (originárias) inconstitucionais, estabelecendo-se, assim, uma hierarquia entre normas constitucionais. Nesses termos: "corroborando o entendimento acima, acerca da inutilidade de tal distinção, anota Michel Temer que, à luz da Constituição atual, é irrelevante essa classificação, tendo em vista que, independentemente de se­ rem normas materiais ou formais, ambas tém igual hierarquia, produzem os mesmos efeitos jurídicos e só podem ser alteradas segundo o rigidoe idêntico processo tracejado no texto constitucional onde coabitam.Ouseja, são normas constitucionais e têm a mesma dignidade e juridicidade constitucionais. Assim, a distinção em tela não se reveste mais de qualquer sentido e importância, não só porque as Constituições atuais assumiríam a preocu­ pação de regulamentar a vida total do Estado e da Sociedade, como também em razão da contínua ampliação das funções do Estado numa sociedade complexa, plural e aberta." CUNHA JÚNIOR, Dirley da, Curso de direito constitucional, 2008, p. 139.

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7a) 0 conteúdo da Constituição material se modifica com o tempo?

Sim. 0 conteúdo da constituição material envolve a organização do Estado e os di­ reitos e as garantias fundamentais. Esse conteúdo, conforme a doutrina ora estudada, são as matérias constitucionais desde o advento do movimento do constitucionalismo. Nesse sentido, o conteúdo da constituição material depende das matérias cons­ titutivas do Estado e da sociedade em cada momento e dos direitos e garantias fundamentais, que se contextualizam paradigmaticamente a cada época. Tomando como exemplos os direitos e as garantias fundamentais, temos para um grupo de autores as chamadas gerações ou dimensões de direitos:

72.



Direitos de ia geração (ou dimensão).” São os direitos individuais (tam­ bém chamados de direitos civis e políticos) desenvolvidos formalmente e sobretudo no século XVIII (trata-se em linhas gerais da liberdade, igual­ dade e propriedade).



Direitos de 2a geração (ou dimensão). São os direitos sociais (também cha­ mados de direitos sociais, culturais e econômicos) desenvolvidos sobretu­ do no século XX. Tratam-se dos direitos à saúde, ao trabalho, à educação, ao lazer, previdenciários, entre outros. São tradicionalmente intitulados de direitos sociais, culturais e econômicos.



Direitos de 3a geração (ou dimensão). São os direitos coletivos, difusos e transindividuais, sobretudo do fim do século XX. Tratam-se, por exemplo, dos direitos ambientais, ao desenvolvimento, à comunicação etc.



Direitos de 4a geração (ou dimensão).7’ Embora não haja consenso sobre o tema, seriam do final do século XX e sobretudo início do século XXI. Tratam-se, para alguns, de direitos que envolvem globalização política mediante uma globalização (excludente) econômica - luta global contra a pobreza e a exclusão.” Temos, na visão de alguns doutrinadores,72 75 por exemplo, 74 73 direitos à democracia e ao pluralismo76. |á outros autores sustentam que

Para uma crítica das concepções de gerações de direitos (Paulo Bonavides) e dimensões de direitos (André Ramos Tavares) ver o capítulo sobre direitos e garantias fundamentais. Nesse capitulo observamos a defesa por alguns de mais gerações do que as 4 ora citadas. 73. Alguns autores citam também a existência de uma possível 5’ geração de direitos. Nesse sentido, ver: SAMPAIO, José Adércio Leite, Direitos fundamentais, 2004, p. 302, bem como Paulo Bonavides, em seu Curso de Direito Cons­ titucional, 2007. 74. O Ministro Celso de Mello, em já famoso voto proferido no Pretório Excelso, explicitou o desenvolvimento dos direitos e das garantias fundamentais à luz dos cânones da Revolução Francesa. Nesses termos: Cânone da li­ berdade da revolução francesa > direitos de 1 * geração (dimensão); Cânone da igualdade > direitos de 2a geração (dimensão); Cânone da fraternidade > direitos de 3* geração (dimensão); Cânone da fraternidade > direitos de 4a geração (dimensão). Portanto, em nossa leitura, o último cânone pode ser enquadrado tanto para a 3a quanto para a 4a geração (dimensão). 75. Bonavides, Paulo. Curso de Direito Constitudonol, 2007. 76. Acrescentamos que não apenas são agregados novos direitos como indicam as teorias da dimensão, mas es­ ses direitos são relidos à luz de paradigmas (gramáticas de práticas sociais) jurídicos (visões exemplares de uma comunidade jurídica). Portanto, só para se ter um exemplo, no séc. XX não só surgem efetivamente os direitos sociais, mas também são relidos (reinterpretados) os direitos individuais.

60

Conceito e classieicaçôes oas Constituições

essa nova geração (ou dimensão) estaria a referir-se aos intitulados "no­ vos direitos", fruto das novos tecnologias do início do século XXI (clonagem, patrimônio genético, pesquisas com células-tronco, informática etc.). 8a) É importante, por último, trabalharmos o conceito de bloco de constitucionalidade. Ou seja, o que é o bloco de constitucionalidade77? Como ele pode ser definido?

Aqui, temos duas correntes que merecem nossa atenção. Para um grupo de auto­ res, o bloco de constitucionalidade deve ser entendido como o conjunto de normas ma­ terialmente constitucionais que não fazem parte da Constituição formal78 (não inscritos na Constituição formal) conjuntamente com a Constituição formal (e suas normas for­ malmente constitucionais além de suas normas formal e materialmente constitucionais). Nesses termos, poderiamos incluir no bloco de constitucionalidade as: •

Normas infraconstitucionais materialmente constitucionais;



Costumes jurídico-constitucionais/9



Jurisprudências constitucionais.80

Mas é bom salientarmos que, no Brasil, a corrente majoritária não trabalha o conceito de bloco de constitucionalidade, nos termos citados. A doutrina pátria trabalha a noção de bloco de constitucionalidade como pa­ râmetro de controle de constitucionalidade.81 Nesse sentido, somente a Constitui­

T}.

78. 79.

80.

81.

Segundo posição majoritária, a doutrina estrangeira registra que o leading case que marcou a definição do bloco de constitucionalidade como tema constitucional foi a decisão do Conselho Constitucional da França, de 16 de julho de 1971, que estabeleceu as bases do valorjurídico do Preâmbulo da Constituição de 1958, o qual inclui em seu texto o respeito tanto à Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789 quanto ao Preâmbulo da Constituição de 1946. Nesses termos, tudo estaria integrado à Constituição francesa de 1958. Nesse sentido autores, como LOUIS FAVOREU e LOÍC PHILIP (Les Grandes Décisions Du ConseilConstitulionnel. Paris, 1991, p. 242), prelecionam que a decisão do Conse­ lho Constitucional foi muito importante e significativa, pois:"consagra de maneira definitiva o valorjurídico do Preâmbu­ lo; alarga a noção de conformidade à Cons tituiçào; aplica 'os princípios fundamentais reconhecidos pelas leis da República'; afirma o papel do Conselho como protetor das liberdades fundamentais e faz da liberdade de associação uma liberdade constitucional? É importante salientarmos ainda que o publicista Louis Favoreu (principal artífice do conceito de bloco de constitucionalidade') afirma em seus escritos que, na França, o bloco de constitucionalidade é atualmente composto da: Constituição de 1958; preâmbulo da Constituição de 1946 (que declara direitos econômicos e sociais); pelo DUDHC de 1789 e por princípios constantes das leis da República, como a liberdade de associação, de ensino e de consciência. Observamos, ai, uma diferença em relação à doutrina majoritária brasileira que também trabalha uma concepção de bloco de constitucionalidade como parâmetro de controle de constitucionalidade, porém ela apenas reconhece como pertencente ao bloco as normas expressas ou implícitas na Constituição formal Para alguns autores (de corrente minoritária), a junção da Constituição formal com o bloco de constitucionali­ dade podería também ser intitulada de Constituição total. Possui dois elementos: elemento objetivo: deve haver repetição habitual; elemento subjetivo: a repetição habi­ tual é aceita juridicamente pela sociedade. Exemplo de costume jurídico constitucional: o mais antigo dentre os membros do STF, que ainda não foi Presidente, será seu Presidente, e assim sucessivamente. Exemplo: no começo da década de 90 do século XX, o STF passa a entender que os estrangeiros não residentes no pais também serão destinatários de alguns direitos e garantias fundamentais, como o habeas corpus. Outro exemplo, entre inúmeros que poderiam ser citados, ocorreu em 2004, quando o STF decidiu (antes do advento da EC n° 58/2009) que deveria haver proporcionalidade entre a população e o número de vereadores dos municípios em respeito ao art 29, IV, da CR/88, conforme a decisão do Recurso Extraordinário n° 197.917/2004. BULOS, Uadi Lammêgo, Curso de direito constitucional, 2006, p. 98-99.

61

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ção formal e suas normas constitucionais expressas ou implícitas é que servem de parâmetro para o controle de constitucionalidade, sendo este, para a corrente dominante, o nosso bloco de constitucionalidade.82 Portanto, o bloco de constitucionalidade, em sua máxima extensão, (contendo as normas materialmente constitucionais que estão fora da constituição formal) não é usado como parâmetro ou verificação (análise) de compatibilidade de leis ou atos normativos em relação à nossa Constituição. Nesse sentido, o STF ainda adota um conceito restrito de bloco de constitucionalidade.8384

9a) 0 que podemos entender como movimento do neoconstitucionalismo? O que ele significa? Ouais são suas características principais? Sem dúvida, para alguns doutrinadores e teóricos constitucionais europeus e brasileiros, estaríamos vivendo em tempos neoconstitucionais. Mas o que seria o neoconstitucionalismo? Com certeza, essa expressão demonstra que a existência de um (novo) constitucionalismo, de cunho contemporâneo,"3 não é da tradição alemã nem mesmo da tradição norte-americana, e chegou ao Brasil nos últimos anos, so­ bretudo, por derivação da doutrina constitucional espanhola e italiana.83

Porém, uma advertência importante e inicial para a reflexão é que as perspectivas tidas como neoconstitucionalistas não são uníssonas, aliás, muito pelo contrário, há uma profunda divergência sobre as teorias neoconstitucionalistas e o modo de aplicação de seus cânones. Sendo assim, existiríam neoconstitucionalismos e não apenas "um neo­ constitucionalismo'', conforme inclusive apregoa a famosa coletânea do professor mexi­ cano Miguel Carbonell publicada em 2003 na Espanha.8586 Portanto, é preciso termos cuida­ do e rigor sobre 0 tema em questão, pois conforme leciona Daniel Sarmento, em texto

Conforme a doutrina: Bloco de Constitucionalidade é o conjunto de normas e princípios extraídos da Constitui­ ção, que serve de paradigma para o Poder Judiciário averiguar a constitucionalidade das leis.Também é conhe­ cido como parâmetro constitucional, pois por seu intermédio as Cortes Supremas, a exemplo do nosso Pretório Excelso, aferem a parametricidade constitucional das leis e atos normativos perante a Carta Maior. BULOS, Uadi Lammêgo, Curso de direito constitucional, 2006, p. 98-99. Podemos incluir no Bloco os TIDH que passarem pelo procedimento doart. 5 § 3° da CR/88 equevão entrar no ordenamento equivalente às Emendas Constitu­ cionais (portanto como normas constitucionais). 83. Conferir o posicionamento contrário do Ministro Celso de Mello, no qual preleciona que: "O significado de bloco de constitucionalidade projeta-se para além da totalidade das regras constitucionais meramente escritas e dos princípios contemplados, explícita ou implicitamente, no corpo normativo da própria constituição formal, che­ gando até mesmo a compreender normas de caráter infraconstitucional, desde que vocacionadas a desenvolver em sua plenitude, a eficácia dos postulados inscritos na Lei Fundamental, viabilizando, desse modo, e em função de perspectivas conceituais mais amplas, a concretização da ideia de ordem constitucional global." (ADI n° 1.588/ DF, Rei. Min. Celso de Mello j. 11.04.2002. DJ17.04.2002). 84. Nos dízeres de Francisco Segado após os horrores da Segunda Guerra e do holocausto teriamos uma releitura da dogmática constitucional agora centrada na dignidade da pessoa humana, que se torna o núcleo central e fulcral do constitucionalismo atrelado à base dos direitos fundamentais, bem como do Estado Constitucional Democrático (ou para alguns: Estado Democrático de Direito). La dignidad de Ia persona como valor supremo dei ordenamentojurídico, 2000, p. 96-96. 85. SARMENTO, Daniel. "O neoconstitucionalismo no Brasil: riscos e possibilidades". In: Filosofia e teoria constitucional contemporânea, 2009, p. 114. 86. CARBONELL, Miguel, Neoconstitucionalismo(s). Madrid: EditorialTrotta, 2003. 82.

62

Conceito e classificações das Constituições

lapidar sobre o tema: "Os adeptos do neoconstitucionalismo buscam embasamento no pensamento de juristas que se filiam à linha bastante heterogênea, como Ronald Dwor kin, Robert Alexy, Peter Hãberie, Gustavo Zagrebelsky, Luigi Ferrajoli e Carlos Santiago Nino, e nenhum deles se define hoje, ou já se definiu no passado, como neoconstitucionalista. Tanto entre os referidos autores como entre aqueles que se apresentam como neoconstitucionalistas, constata-se uma ampla diversidade de posições jusfilosóficas e de filosofia política: há positivistas e não positivistas, defensores da necessidade do uso do método na aplicação do direito e ferrenhos opositores do emprego de qualquer metodologia na hermenêutica jurídica, adeptos do liberalismo político, comunitaristas e procedimentalistas. Nesse quadro, não é tarefa singela definir o neoconstitucionalismo, talvez porque, como já revela o bem escolhido título da obra organizada por Carbonell, não exista um único neoconstitucionalismo, que corresponda a uma concepção teórica dara e coesa, mas diversas visões sobre o fenômeno jurídico na contemporaneidade, que guardam entre si alguns denominadores comuns relevantes, o que justifica que sejam agrupadas sob o mesmo rótulo, mas compromete a possibilidade de uma com­ preensão mais precisa."87 Mas quais seriam esses pontos comuns? Ou seja, esse conjunto de cânones que permite (não sem divergências!) a boa parte da doutrina brasileira, por influência do constitucionalismo do pós-Segunda Guerra Mundial (que se descortinou na Euro­ pa), trabalhar e afirmar a existência de um novo e diferenciado constitucionalismo (contemporâneo). Para Luís Roberto Barroso,88 adepto fervoroso e um dos precursores do neo­ constitucionalismo na doutrina pátria, teríamos como características principais para o surgimento desse fenômeno os seguintes marcos:

1)

marco histórico: a formação do Estado Constitucional de direito, cuja con­ solidação se deu ao longo das décadas finais do século XX;89

SARMENTO, Daniel. "O neoconstitucionalismo no Brasil: riscos e possibilidades". In: Filosofia e teoria constitucional contemporânea, 2009, p. 114-115. 88. BARROSO, Luís Roberto. "Neoconstitucionalismo e constitucionalização do direito: o triunfo tardio do Direito Constitucional no Brasil ". In: A constitucionaiizaçàa do direito, 2007, p. 203-249:216. 89. Nesse sentido, conforme advoga Luís Roberto Barroso: "(1): O marco histórico do novo direito constitucional, na Europa Continental, foi constitucionalismo do pós-guerra, especialmente na Alemanha e na Itália. No Brasil foi a Constituição de 1988 e o processo de redemocratização que ela ajudou a protagonizar. (...) A reconstitucionalizaçào da Europa, imediatamente após a 2J grande guerra e ao longo da segunda metade do século XX, redefiniu o lugar da Constituição e a influência do direito constitucional sobre as instituições contemporâneas. A aproxi­ mação das idéias de constitucionalismo e de democracia produziu uma nova forma de organização política, que atende por nomes diversos: Estado democrático de direito. Estado constitucional de direito, Estado constitucio nal democrático. A principal referência no desenvolvimento do novo direito constitucional é a Lei fundamental de Bonn (Constituição Alemã), de 1949, e, especialmente a criação do Tribunal Constitucional Federal em 1951. A partir daí teve inicio uma fecunda produção teórica e jurisprudencial, responsável pela ascendência cientifica do direito constitucional no âmbito dos países de tradição romano-germânica. A segunda referência de destaque éa da Constituição da Itália de 1947, e a subsequente instalação da Corte Constitucional, em 1956. Ao longo da década de 70, a redemocratização e a reconstitucionalização de Portugal (1976) e da Espanha (1978) agregaram valor e volume ao debate sobre o novo direito constitucional."

87.

63

Bfrnardo Gonçaivfs Ffrnanoes

2)

marco filosófico: 0 pós-positivismo, com a centralidade dos direitos funda­ mentais e a reaproximação entre 0 direito e a ética;9091 92

3)

marco teórico: o conjunto de mudanças que incluem a força normativa à Constituição, a expansão da jurisdição constitucional e 0 desenvolvimento de uma nova dogmática da interpretação constitucional?1

Sem dúvida, para 0 autor 0 neoconstitucionalismo perpassa pela chamada constitucionalização do direito’1 e de sua força normativa (força normativa da cons­ tituição), com a devida centralidade das normas constitucionais (constituição como

Nesse sentido, buscando superar o jusnaturalismo e o positivismo, afirma o autor que (2): "A superação his­ tórica do jusnaturalismoe o fracasso político do positivismo abriram caminho para um conjunto amplo e ainda inacabado de reflexões acerca do direito, sua função social e sua interpretação. O pós-positivismo busca ir além da legalidade estrita, mas não despreza o direito posto; procura empreender uma leitura moral do direito, mas sem recorrer a categorias metafísicas. A interpretação e aplicação do ordenamento jurídico hão de ser inspiradas por uma teoria de justiça, mas não podem comportar voluntarismo ou personalismos, sobretudo os judiciais. No conjunto de idéias ricas e heterogêneas que procuram abrigo nesse paradigma em construção incluem-se a atribuição de normatividade aos princípios e a sua definição de suas relações com valores e regras: a reabilitação da razão prática e da argumentação jurídica; a formação de uma nova hermenêutica constitucional; e o desen volvimento de uma teoria dos direitos fundamentais edificada sobre o fundamento da dignidade humana. Nesse ambiente promove-se uma reaproximação entre o direito e a filosofia." 91. Por último, "(3): a) sobre a força normativa: Uma das grandes mudanças de paradigma ocorridas ao longo do século XX foi a atribuição ã norma constitucional do status de norma jurídica. Superou-se, assim, o modelo que vigorou na Europa até meados do século passado, no qual a Constituição era vista como um documento essen­ cialmente político, um convite a atuação dos Poderes Públicos. A concretização de suas propostas ficava invaria­ velmente condicionada à liberdade de conformação do legislador ou a discricionariedade do administrador. Ao judiciário não se reconhecia qualquer papel relevante na realização do conteúdo da Constituição. Com a reconstitucionalização que sobreveio à 2a Guerra mundial, este quadro começou a ser alterado. [...] Atualmente, passou a ser premissa do estudo da Constituição o reconhecimento da sua força normativa, do caráter obrigatório e vinculante de suas disposições; b) Antes de 1945 vigorava na maior parte da Europa um modelo de supremacia do Poder Legislativo, na linha da doutrina inglesa da soberania do Parlamento e da concepção francesa da lei como expressão da vontade geral. A partir da década de 40, todavia a onda constitucional trouxe não apenas novas constituições, mas também um novo modelo, inspirado pela experiência americana: o da supremacia da Constituição. A fórmula envolvia a constitucionalização dos direitos fundamentais, que ficavam imunizados em relação ao processo político majoritário: sua proteção passava a caber ao judiciário. Inúmeros países europeus vieram a adotar um modelo próprio de controle de constitucionalidade, associado à criação de Tribunais Consti­ tucionais; c) [..,] a especificidade das normas constitucionais levaram a doutrina e a jurisprudência, já de há muitos anos, a desenvolver ou sistematizar um elenco próprio de princípios aplicáveis a interpretação constitucional. [...] São eles, na ordenação que se afigura mais adequada para as circunstâncias brasileiras: o da supremacia da Constituição, o da presunção de constitucionalidade das normas e atos do Poder Público, o da interpretação con­ forme à constituição, o da unidade, o da razoabilidade e o da efetividade. [...] Essas transformações [...] tanto em relação à norma quanto ao intérprete, são ilustradas [...] pelas diferentes categorias com as quais trabalha a nova interpretação. Dentre elas incluem-se as cláusulas gerais, os princípios (e o novo papel assumido pelos mesmos diferenciando-se qualitativamente das regras), as colisões de normas constitucionais, a ponderação e a argu­ mentação." BARROSO, Luís Roberto. “Neoconstitucionalismo e constitucionalização do direito: o triunfo tardio do Direito Constitucional no Brasil" In: A constitucionalização do direito, 2007, p. 206-216. 92. Nos termos de Luís Roberto Barroso, a constitucionalização do direito' importa na irradiação dos valores abran­ gidos nos princípios e regras da Constituição por todo o ordenamento jurídico, notadamente pela via da ju­ risdição constitucional, em seus diferentes níveis." (Op. cit., p. 249). Conforme o neoconstitucionalista Ricardo Guastini, teríamos a figura da Constituição dotada de verdadeira ubiquidade, nos seguintes termos: invasora, intrometida (persuasiva, invasiva), capaz de condicionar tanto a legislação quanto a jurisprudência e o estilo dou trinal, a ação dos atores políticos, assim como as relações sociais. Nesses termos, prelecionadas as condições para a constitucionalização do direito, sendo as mesmas: a) existência de uma Constituição rígida; b) a garantia judicial da Constituição; c) a força normativa da Constituição; d) sobre a interpretação da Constituição; e) a aplicação dire ta das normas constitucionais; f) a interpretação das leis conforme a Constituição; g) a influência da Constituição 90.

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Conceito e classificações oas Constituições

centro do ordenamento), bem como pela reaproximação entre o direito e a ética, o direito e a moral e, sobretudo, o direito e a justiça, numa busca pela superação da velha e esgotada dicotomia jusnaturalismo versus positivismo, sob a base do pós-positivismo. Nesses termos, Dirley da Cunha, em síntese do posicionamento, recorrentemente comum entre a maioria dos neoconstitucionalistas pátrios, explicita que "o neoconstitucionalismo, portanto, a partir (1) da compreensão da Constitui­ ção como norma jurídica fundamental, dotada de supremacia, (2) da incorporação nos textos constitucionais contemporâneos de valores e opções políticas fundamen­ tais, notadamente associados à promoção da dignidade da pessoa humana, dos direitos fundamentais e do bem-estar social, assim como diversos temas do direito infraconstitucional e (3) da eficácia expansiva dos valores constitucionais que se irradiam por todo 0 sistema jurídico, condicionando a interpretação e aplicação do direito infraconstitucional à realização e concretização dos programas constitucio­ nais necessários a garantir as condições de existência mínima e digna das pessoas - deu início, na Europa com a Constituição da Alemanha de 1949, e no Brasil a partir da Constituição de 1988, ao fenômeno da constitucionalização do direito a exigir uma leitura constitucional de todos os ramos da ciência jurídica."” Além disso, nos moldes defendidos pela doutrina, 0 neoconstitucionalismo desenvolve uma revisão da teoria das fontes do direito. Conforme 0 jurista Pietro Sanchis, temos que "o neo­ constitucionalismo requer uma nova teoria das fontes afastada do legalismo, uma nova teoria da norma que dê entrada ao problema dos princípios e uma reforçada teoria da interpretação, nem puramente mecanicista nem puramente discricional, em que os riscos que comporta a interpretação constitucional possam ser conjuga­ dos por um esquema plausível de argumentação jurídica."93 94 Com isso, podemos afirmar que as perspectivas neoconstitucionais (embora, não sem divergências) se enveredam resumidamente pelas seguintes teses: a) cons­ titucionalização do direito, com a irradiação das normas constitucionais e valores constitucionais, sobretudo os relacionados aos direitos fundamentais (busca pela efetividade dos direitos fundamentais, tendo em vista sua eficácia irradiante), para todos os ramos do ordenamento, na lógica de que as normas constitucionais do­ tadas de força normativa devem percorrer todo 0 ordenamento e condicionar a interpretação e aplicação do direito; b) reconhecimento da força normativa dos princípios jurídicos e a valorização da sua importância no processo de aplicação do Direito; c) rejeição do formalismo e a busca mais frequente a métodos ou estilos mais abertos de raciocínio jurídico como: a ponderação, tópica, teorias da argu­ mentação, metódica estruturante, entre outros; d) reaproximação entre 0 direito e a moral (para alguns doutrinadores: um "moralismo jurídico" ou uma "leitura moral da Constituição" que se traduz numa nova relação entre 0 direito e a moral de

93.

sobre as relações políticas. GUASTINI, Ricardo, La constitucionalización dei ordenamiento jurídico el caso italiano, 2003, p. 49. CUNHA JÚNIOR, Dirley da, Curso de direito constitucional, 2009, p. 36.

94.

PIETRO SANCHIS, Luís, Neoconstitucionalismo y ponderación judicial, p. 158.

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cunho pós-positivista),95 com a penetração cada vez maior da Filosofia nos debates jurídicos; e) a judicialização da política e das relações sociais, com um significativo deslocamento de poder da esfera do Legislativo e do Executivo para o Poder Judi­ ciário (o Judiciário passa a ser um poder protagonista das ações96); f) com isso, em consequência, temos uma releitura da teoria da norma (como já citado: reconhe cimento da normatividade dos princípios, a exigência de procedimentos complexos como o da ponderação para o solucionamento de colisões entre eles), da teoria das fontes (como já dito: o desenvolvimento e fortalecimento do papel do judiciá­ rio, bem como dos Tribunais Constitucionais para a concretização da Constituição, levando, com isso, a uma ampliação da judicialização das questões político-sociais assumindo o Judiciário um papel central) e da teoria da interpretação (como já dito: a necessidade de novas posturas interpretativas à luz do papel assumido pela Constituição no que tange à sua centralidade e força normativa, fazendo com que os antigos métodos tradicionais da interpretação, nascidos do direito privado, sejam colocados em questionamento perante novas práticas hermenêuticas alinhadas a teorias da argumentação e à busca de racionalidade das decisões judiciais, tendo em vista a "filtragem constitucional" e a interpretação das normas jurídicas, confor­ me a constituição).97

Embora as teses e os desdobramentos intitulados de neoconstitucionalistas (ou de “constitucionalismo contemporâneo") não sejam imunes a críticas,98 o fervor

No que tange ao tema, temos divergências entre teses neoconstitucionalistas sobre a adequada relação (ou mesmo conexão necessária) do direito com a moral. Nesses termos, conforme a doutrina: “No paradigma neoconstitucionalista, a argumentação Jurídica, apesar de não se fundir com a moral, abre um significativo espa­ ço para ela. Por isso, se atenua a distinção da teoria jurídica clássica entre a descrição do Direito como ele é, e prescrição sobre como ele deveria ser. Os juízos descritivo e prescritivo de alguma maneira se sobrepõem, pela influência dos princípios e valores constitucionais impregnados de forte conteúdo moral, que conferem poder ao intérprete para buscar, em cada caso difícil, a solução mais justa, no próprio marco da ordem jurídica. Em outras palavras as fronteiras do Direito e Moral não são abolidas, e a diferenciação entre eles, essencial nas sociedades complexas, permanece em vigor, mas as fronteiras entre os dois domínios torna-se mais porosa, na medida em que o próprio ordenamento incorpora, no seu patamar mais elevado, princípios de justiça, e a cultura jurídica começa a levá-los a sério. Porém não há uma posição clara nas fileiras neoconstitucionalistas sobre a forma como devem ser compreendidos e aplicados os valores morais incorporados pela ordem constitucional, que, pela vagueza e indeterminação, abrem-se a leituras muito diversificadas. [...]“ Porém, conforme o autor: "O simples reconhecimento da penetração da Moral no Direito, preconizada pelos neoconstitucionalistas brasileiros não é suficiente, já que certas concepções morais podem tomar o ordenamento ainda mais opressivo do que já é." SARMENTO, Daniel, 2009, p. 122 e p. 146. 96. Esse ponto inclusive é motivo de várias críticas a algumas posturas neoconstitucionalistas que podem conduzir a um verdadeiro decisionismo e subjetivismo exacerbado por parte do Poder Judiciário. Nesses termos, o judiciá­ rio, na busca pela efetivação de direitos fundamentais, bem como por suprir as omissões dos outros poderes e por tentar proibir o excesso dos outros poderes, pode se tornar ele mesmo o excesso ilimitado. 97. MOREIRA, Eduardo, Neoconstitucionalismo: a invasão da Constituição. 2008. 98. Certo é que existem críticos do neoconstitucionalismo (negando sua existência) ou de leituras do neoconstltucionalismo (não concordando com posturas assumidas por ele). Como critico que nega o próprio neoconstitu­ cionalismo, temos Dimitri Dimoulis, que afirma de forma contundente que: a) no que tange à força normativa da Constituição: [...] se a reivindicação-afirmação da força normativa suprema da Constituição está presente nos discursos constitucionais e na prática institucional desde o início do constitucionalismo no século XVII, não é pos­ sível denominar essa tendência de neoconstitucionalismo, pois não se verifica nenhuma inovação. Caso contrário deveriamos alcunhar de neoconstitucionalistas o Juiz Marshall e Ruy Barbosa; b) sobre a expansão da jurisdição constitucional: [...] do ponto de vista histórico cronológico, não há rupturas na realização do controle nos Estados

95.

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Conceito

e classificações das

Constituições

neoconstitucionalista vem se desenvolvendo de forma célebre em solo nacional, conforme já dito, após a promulgação da Constituição de 1988, com 0 devido reco­ nhecimento da normatividade e centralidade constitucional, e por meio da busca de concretização e efetividade de suas normas.

Por último, é importante salientar que, até mesmo, pelas divergências a todo 0 tempo enfatizadas entre os teóricos neoconstitucionalistas (ou que poderíam ser tarjados como neoconstitucionalistas), 0 neoconstitucionalismo não pode ser con­ fundido (ou mesmo equiparado de forma acrítica e reducionista) com 0 intitulado "pós-posltMsmo".

Nesses termos, embora existam convergências, não podem essas concepções serem tratadas como sinônimas (como idênticas). Com isso, podemos observar aproximações e pontos comuns, bem como diferenciações entre os termos neocons­ titucionalismo e pós-positivismo. Assim, conforme acurada síntese, "assemelham-se, não apenas por terem surgido e desenvolvido no período do segundo pós-guerra, mas também por adotarem uma metodologia idêntica, por compartilharem de uma mesma plataforma teórica e por terem uma ideologia muito próxima. Diferem-se, no entanto, por atuarem em planos distintos e por não advogarem, ao menos necessa­ riamente, a mesma tese acerca da relação entre 0 direito e a moral. 0 pós-positivismo pretende ser uma teoria geral do direito aplicável a todos os ordenamentos jurí­ dicos, cujo aspecto distintivo consiste na defesa de uma conexão necessária entre 0 direito e a moral. 0 neoconstitucionalismo, por seu turno, propõe-se a ser uma teoria desenvolvida para um modelo específico de organização jurídico-política (constitu­ cionalismo contemporâneo) característico de determinados tipos de Estado (Estado

constitucionais modernos. Verifica-se tão somente a tendência quantitativa de fortalecimento do controle judi­ cial concentrado à custa do controle difuso e diminuindo o espeço reservado ao legislador. [_] nem o controle judicial concentrado nem a maior tutela dos direitos fundamentais (e muito menos a conexão causai desses dois elementos) podem ser vistos como traços característicos do neoconstitucionalismo; c) há também uma crítica a afirmação de que o neoconstitucionalismo teria como norte uma nova teoria da interpretação; Nesses termos, expressa de forma complementar que: [...] Independentemente dos problemas de definição, o neoconstitucio­ nalismo não tem nada de novo. Tendo identificado como (neo)constitucionallsta a abordagem de jusfilósofos como Ralf Dreir e Robert Alexy na Alemanha, Ronald Dworidn nos EUA, Gustavo Zagrebelsky e Luigl Ferrajoli na Itália e Carlos Santiago Nino na Argentina, seria preferível abandonar o termo genérico e, por Isso Inexpressivo, de (neo) constitucionalismo, Indicando o cerne da abordagem que se encontra na postura antipositivista. Temos aqui uma opção terminológica e substancial que nos parece convincente [...] Nessa perspectiva, os (neo)constitucionalistas seriam juristas que reconhecem, como todos os demais, a supre­ macia da Constituição e a necessidade de criar mecanismos para a sua preservação. O elemento peculiar estaria na crença de que a moral desempenha um papel fundamental na definição e na interpretação do direito. [_.] devemos entender o que o neoconstitucionalismo é um sinônimo vago e impreciso do moralismo jurídico e se faz necessário evitar análises que incorrem em simplificações e distorções. O neoconstitucionalismo é uma forma de reviver uma prática constitucional utilizada há mais de 200 anos, como (velha) solução para problemas que acompanham o direito desde sua estruturação com base na Constituição. (Neoconstitucionalismo e moralismo jurídico, 2009, p. 213-224). Temos também autores que não são críticos do neoconstitucionalismo em si mesmo como fenômeno (ou seja, não negam sua existência!), mas que criticam algumas posturas de tal movimento, sobretudo as posturas radicais, como, por exemplo, Daniel Sarmento. Entre os principais perigos de posturas neoconstitucionals radicais temos, segundo o autor: a) o perigo da judicialização ou judiciocracia, ou seja, um ex­ cesso de poder no Poder Judiciário: b) o perigo da radicalização da preferência por princípios e pela ponderação em detrimento das regras e da subsunção; c) perigo da panconstitucionalização. Op. cit., p. 132-145.

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constitucional democrático), no qual, a incorporação de um extensivo rol de valores morais pelo direito, sobretudo por meio dos princípios constitucionais, inviabiliza qualquer tentativa de separação entre os valores éticos e o conteúdo jurídico"99100 .

6. ÚLTIMA DIGRESSÃO SOBRE A CLASSIFICAÇÃO DAS CONSTITUIÇÕES. O NOSSO PONTO DE VISTA (QUE NÓS DEFENDEMOS E NÃO APENAS DESCRE­ VEMOS): A CLASSIFICAÇÃO PARADIGMÁTICA DAS CONSTITUIÇÕES, COM BASE NA TEORIA DISCURSIVA DA CONSTITUIÇÃO DE JÜRGEN HABERMAS: UMA ABORDAGEM CRÍTICO-REFLEXIVA DAS CONSTITUIÇÕES CLÁSSICAS (ESTADO LIBERAL), SOCIAIS (ESTADO SOCIAL) E DE ESTADO DEMOCRÁTI­ CO DE DIREITO

A atual doutrina constitucional vem cada vez mais reconhecendo a necessidade de estudar o Direito como um todo considerado, mas principalmente o Direito Cons­ titucional, à luz de uma abordagem paradigmática.’00

99. NOVELINO, Marcelo, Curso de Direito Constitucional, p.214,2012. 100. Com isso, apesar de nosso livro ser um curso, ele se propõe crítico-reflexivo. Assim, acreditamos que alguns po­ sicionamentos podem até ser explicitados, mas devem ser rejeitados ã luz de perspectivas mais avançadas e adequadas (filiadas à filosofia da linguagem). Nesses termos, rejeitamos exercícios de “futurologia" sobre o cons­ titucionalismo, nos moldes desenvolvidos por José Roberto Dromi em seu texto constitucionalismo do por vir, no qual o autor tenta “profetizar" sobre o que seria o constitucionalismo do futuro. Em síntese doutrinária sobre o autor, temos que: "José Roberto Dromi tenta profetizar quais serão os valores fundamentais marcantes das constituições do futuro. Segundo o jurista argentino, o futuro do constitucionalismo estaria no equilíbrio entre as concepções dominantes do constitucionalismo moderno e os excessos praticados no constitucionalismo con­ temporâneo, sendo as constituições influenciadas por sete valores fundamentais: ‘a verdade, a solidariedade, o consenso, a continuidade, a participação, a integração e a universalização'. Em relação à verdade, as futuras constituições não deverão consagrar promessas impossíveis de serem realizadas, cabendo ao legislador consti­ tuinte fazer uma análise daquilo que realmente é possível e precisa ser constitucionalizado. As constituições do futuro estarão mais próximas de uma nova ideia de igualdade, baseada na solidariedade entre os povos, no tratamento digno ao ser humano e na justiça social. A Constituição do futuro, por outro lado, deverá ser fruto de um consenso democrático. O consenso não importa necessariamente da vontade da maioria, mas sim o que um grupo decidiu, sem que haja rupturas no processo decisório, ou seja, pressupõe a manutenção da concretude da ordem democrática, com a adesão solidária da parte que consentiu, consensualmente, em prol de um interesse maior. A continuidade da constituição, sem modificações que destruam sua identidade ou causem uma ruptura na lógica de seu sistema, também deve ser um valor fundamental, tendo em vista os riscos de uma descontinuidade com todo o sistema precedente. A democracia participativa impõe uma ativa e responsável participação do povo na vida política do Estado, afastando-se a indiferença social. A integração entre os povos dos diversos Es­ tados é uma realidade, mas cabe às constituições futuras propiciar mecanismos de integração supranacional. Por fim, a universalização dos direitos humanos fundamentais é uma exigência decorrente do primado universal da dignidade da pessoa humana."ln: NOVELINO, 2009, p. 66. DROMI, José Roberto. La reforma constitucional: elcons­ titucionalismo dei por vir, p. 108-103. Outra tese que é Insuficiente é a desenvolvida por Biscaretti di Ruffia em sua doutrina intitulada de Ciclos constitucionais. Essa perspectiva não coaduna com uma análise paradigmática (típica da teoria discursiva da constituição), sendo apenas uma mera digressão histórica sobre o constitucio­ nalismo moderno (da modernidade) com a explicitação do Constitucionalismo clássico denominado de 1° ci­ clo: de 1787 a 1918: a) Constituições revolucionárias do sec. XVIII; b) Constituições napoleônicas; c) Constituições da restauração; Constituições liberais; Constituições democráticas; e do Constitucionalismo social pós 1918 denominado de 2o ciclo: Constituições Marxistas ou socialistas; Constituições de democracia racionalizada fde 1919-1937); Constituições de democracia social (de 1946 até os dias atuais na visão do autor); Constituições de países em desenvolvimento. In: Introduzione aldiritto costituzionale comparato, 1967, p. 48-50.

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Conceito e classificações das Constituições

Tais conclusões são, na verdade, frutos de aquisições de complexidades que a Ciência Jurídica vem tendo ao longo dos tempos, principalmente, sob influências dos estudos que a Filosofia vem desempenhando sobre a linguagem.101 Os professores Menelick de Carvalho Netto102 e Marcelo Andrade Cattoni de Oli­ veira103 apontam em seus estudos as origens da introdução do termo "paradigma", na discussão epistemológica contemporânea, partindo das digressões do filósofo da ciência Thomas Kuhn.

Em “A estrutura das revoluções científicas", Thomas Kuhn afirma que os para­ digmas são realizações científicas universalmente reconhecidas que, durante algum tempo, fornecem problemas e soluções modelares para uma comunidade de prati­ cantes de uma ciência.

Ampliando e redefinindo, com Habermas,104 o conceito de paradigma para o campo das ciências sociais e nesse âmbito para as reflexões acerca do Direito, po­ demos afirmar que um paradigma jurídico consolida as visões exemplares de uma comunidade jurídica que considera os mesmos princípios constitucionais e sistemas de direitos, realizados no contexto percebido por essa dada sociedade. E continua o autor mais adiante explicitando que: "Um paradigma delineia um modelo de sociedade contemporânea para explicar como direitos constitucionais e princípios devem ser concebidos e implementados para que cumpram naquele dado contexto

101. Nesse sentido, segundo alguns autores, há um paradoxo central na linguagem:'Nós só nos comunicamos por­ que não nos comunicamos."Mas a conclusão que segue é ainda mais perturbadora, pois "ainda assim, nos comunicamos“\ A solução de tal aporia, na verdade, nos remete ao estudo dos paradigmas. Na medida em que existe entre os homens (intersubjetivamente) um pano de fundo de“silêncio compartilhado" e esse pano de fundo de "silêncio" é um saber absoluto, e ele, justamente, por ser absoluto não é saber algum. Ora, os paradigmas são, nesse sentido, a grade seletiva que esse pano de fundo submete o nosso olhar. São, portanto, o resultado de nossa condição humana (intramundana), sendo o modo que nós teríamos de recortar uma parte desse pano de fundo (retirar algo de lá) e colocar no universo da discussão. Em síntese, o paradigma se apresenta como uma condição de comunicação exatamente na medida em que é redutor de complexidades. Nesse sentido, para que a análise possa ficar clara façamos a seguinte pergunta ao leitor de um texto: o que aconteceria se a cada palavra escrita, em um determinado texto, tivéssemos que explicar seu significado? Certamente, nunca chegaríamos ao final do texto, pois cada significado demandaria, por sua vez, a procura de um novo significado e assim infinitamen­ te. Na verdade, o paradigma seria (ou teria como função) fornecer um limite à indeterminação, funcionando como um redutor dessa complexidade. 102. CARVALHO NETTO, Menelick de, Requisitos pragmáticos da interpretaçãojurídica sob o paradigma do estado demo­ crático de direito. 103. CATTONI DE OLIVEIRA, Marcelo Andrade, Direito constitucional. Ver também: Tutelajurisdicional e estado democrá­ tico de direito. 104. Aqui é bom deixar claro que há uma fundamental diferença na noção de paradigmas adotada por Kuhn (típica do que classicamente chamaríamos de ciências naturais) e na trabalhada por Habermas no que tange ao Direito. Nesses termos, temos que para Kuhn o paradigma diz respeito à potencialidade (possibilidade) de se alcançar um consenso de fundo, no que tange a uma pretensão normativa voltada (direcionada) para a verdade. Já para Habermas, a questão é deslocada da filosofia da ciência (e do mundo objetivo) para a teoria do Direito (que se encontra, assim como a filosofia política) no campo normativo de correição normativa. A adver­ tência se justifica porque há uma clara distinção em Habermas (desde os primórdios da "pragmática universal" datada de 1976 e sempre desenvolvida pelo mesmo) entre as pretensões de "verdade" e de "correição" e os seus respectivos mundos: a verdade diz respeito à existência (ou não) de estados de coisas, ao passo que a correção reflete o caráter obrigatório dos modos de agir (Moral, Direito). Ver HABERMAS, Jürgen, Verdade e justificação: ensaios filosóficos, p.267.

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as funções a eles normativamente atribuídas."105 Nesse sentido, Cattoni de Oliveira esclarece as colocações habermasianas deixando assente, ainda, que "(...) as compreensões jurídicas paradigmáticas de uma época, refletidas por ordens jurídicas concretas, se referem às imagens Implícitas que se tem da própria sociedade; sen­ do, portanto, um conhecimento de fundo (um bachground) que confere às práticas de fazer e de aplicar o Direito uma perspectiva, orientando o projeto de realização da comunidade jurídica".106

É interessante observar, ainda no que diz respeito à conceituação do termo "paradigma", que, como nos mostra Menelick de Carvalho Netto, a história é irrecu­ perável e, com certeza, muito mais rica do que os esquemas traçados à luz de um paradigma, tendo, obviamente, a reconstrução paradigmática de estar necessaria­ mente vinculada aos objetivos delimitados em uma pesquisa. Ele apresenta, então, sua noção de paradigmas sob um duplo aspecto, nos seguintes termos: "(...) Por um lado, possibilita explicar o desenvolvimento científico como um processo que se verifica mediante rupturas, através da tematização e explicitação de aspectos centrais dos grandes esquemas gerais de pré-compreensões e visões de mundo, consubstanciados no pano de fundo naturalizado de silêncio assentado na gramáti­ ca das práticas sociais, que a um só tempo tornam possível a linguagem, a comuni­ cação, e limitam ou condicionam o nosso agir e a nossa percepção de nós mesmos e do mundo. Por outro lado, também padece de óbvias simplificações, que só são válidas na medida em que permitem que se apresente essas grades seletivas gerais pressupostas nas visões de mundo prevalentes e tendencialmente hegemônicas em determinadas sociedades por certos períodos de tempo e em contextos determi­ nados. É claro que a história como tal é irrecuperável e incomensuravelmente mais rica do que os esquemas que aqui serão apresentados, bem como se reconhece as infinitas possibilidades de reconstrução e releitura dos eventos históricos. Assim, o nível de detalhamento e preciosismo na reconstrução desses paradigmas vincula-se diretamente aos objetivos da pesquisa que se pretende empreender."107 Afirma-se, então, na modernidade (com a superação da concepção pré-moderna de visão de mundo108 que, infelizmente, ainda está presente nos manuais

105. HABERMAS, Jürgen, Facticidad y valider. sobre el derecho y el estado democrático de derecho en términos de teoria dei discurso. 106. CATTONI DE OUVEIRA, Marcelo Andrade, Tutelajurisdicional e estado democrático de direito, p. 37. 107. CARVALHO NETTO. Menelick de. Requisitos pragmáticos da interpretaçãojurídica sob o paradigma do estado demo­ crático de direito, p. 103. 108. Partindo de algumas digressões filosóficas comuns, alguns teóricos vâo consubstanciar a concepção pré-moderna devida e de mundo como uma amálgama, na qual Direito, Ética, Moral, Religião e tradições são fundamen­ tados em uma ordem transcendente que não se distingue (se diferencia). A ideia de direito se liga ainda à noção de debitum, coisa devida a alguém em virtude de seu lugar de origem de sua posição ou stotus, enquadrado num sistema de castas. O Direito funcionaria como um meio de conservação dos privilégios de cada casta, de modo a ensejar uma aplicação em regra casuística e individual sem (desvestido) um caráter (viés) universalizável advindo de um ordenamento dotado de normas gerais e abstratas válidas para todos indistintamente e da mesma forma. Segundo Marilena Chauí (1992), a modernidade traz a marca do pensamento racionalista, modi­ ficando a compreensão mítica e divinizada da pré-modernidade. Sem dúvida, a pré-modernidade absolutivizava

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Conceito e classificações das Constituições

nacionais que chegam ao absurdo de localizarem um constitucionalismo medieval ou mesmo arcaico, entre outros, sem uma mínima reflexão crítica do que realmente isso significaria!), a existência de dois grandes paradigmas (os de maior sucesso) de Estado e de Direito, que vão consubstanciar respectivamente o Estado Liberal e o Estado Social (Welfare State). Além dos paradigmas, iremos observar ainda (con­ forme nosso posicionamento) o que chamaremos de "reflexivo" paradigma pro­ cedimental do Estado Democrático de Direito. Eles, sem dúvida, vão trazer a lume uma imagem e um modelo implícito de mundo e de sociedade, consubstanciando respectiva mente no subsistema do Direito: o Constitucionalismo Clássico, o Consti­ tucionalismo Social e o Constitucionalismo procedimental do Estado Democrático de Direito advindos (sobretudo para alguns autores) do fim da d*'ada de 70 até os dias atuais.

0 primeiro paradigma, do Estado Liberal, centra-se na figura do indivíduo como sujeito de direito. Nesse sentido, caberia ao Estado, por meio do Direito Positivo (abstrato e geral), garantir certeza (previsibilidade) nas relações sociais, por inter­ médio da compatibilização dos interesses privados de cada um com 0 interesse de todos, deixando a busca da felicidade nas mãos de cada indivíduo.109 A Constitui­ ção é compreendida como um mero "instrumento de governo" (como 0 estatuto jurídico-político fundamental da organização da sociedade política), que organiza e limita 0 Poder Político. Assim: "(...) 0 Direito, sob 0 paradigma liberal, seria um "sistema fechado de regras", que teria por função de estabilizar expectativas de com­ portamento, determinando os limites e, ao mesmo tempo, garantindo a esfera privada

a concepção de mundo na medida em que se buscava a total eliminação do risco, baseada (a nosso ver) em um projeto único de vida atrelado à noção de pertencimento e comunhão. Nesse sentido, Marcelo Galuppo (2002) trabalha o pluralismo como um fenômeno eminentemente ligado á modernidade, afirmando que, com seu ad­ vento, a sociedade se torna complexa e, ao contrário das sociedades antigas e medievais, haverá uma convivência entre vários projetos de vida, formas de vida e valores muitas vezes diferenciados (e até antagônicos). A título de exemplo, Marcelo Galuppo. trabalhando a pré-modernidade (já no seu final) e a ruptura moderna, afirma de forma clara que:"A modernidade é uma época de profundas rupturas, uma época de descentramentos. O mundo medieval era um mundo centralizado na terra, na Europa e na Igreja Católica Romana. Como aponta Hannah Arendt (1991:260), a utilização por Galileu da luneta para investigar o céu, mostrando que a terra náo era o centro do universo, as grandes navegações mostrando que a Europa não era o centro da terra e a Reforma Protestante, fazendo a Igreja Católica Romana perdesse a posição de centro da civilização ocidental são decisivas na mudança de visão de mundo. Novos conceitos determinantes do modo moderno de ver o mundo, surgem nessa época (apesar de nos iludirmos quanto á sua existência desde sempre): 1. o conceito de sujeito, 2. o conceito de futuro, 3. o conceito de dever." (GALUPPO, 2002, p. 57). Sobre a relação do direito com a modernidade é importante co­ locar que com a mesma há uma autonomização de esferas sociais com cada uma assumindo seu código próprio (o direito se coloca como subsistema social com uma lógica própria de operacionalização e reprodução). Além disso (autonomização e especialização), é importante frisar ainda que:"[...] a Modernidade concebe a sociedade como uma sociedade de pessoas (aritmeticamente) Iguais que compartilham vários e distintos projetos de vida. Se todas as pessoas possuem (aritmeticamente) o mesmo valor, não há razões para que o direito crie distinções entre pessoas. O principio ideológico que orienta o surgimento do direito moderno é então, o principio da ge­ neralidade da lei, que surge como mecanismo para evitar os privilégios, típicos das ordens do Antigo Regime (FERRAZ JR, 1994, p. 122). Para esse novo direito, avesso aos privilégios e tendente à generalização, a igualdade deve desempenhar a função de incluir os cidadãos nos direitos e não mais de exclui-los (deprivilégios}"(GALUPPO, Marcelo, 2002, p. 74). 109. CATTONI DE OLIVEIRA, Marcelo Andrade. Tutela jurisdicional e estado democrático de direito, p. 37.

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de cada indivíduo. Com o uso de leis gerais e abstratas, busca-se garantir, ainda que apenas formalmente, a liberdade, a igualdade e a propriedade, de modo que todos os sujeitos receberíam os mesmos direitos subjetivos. É por isso que os direitos e garantias fundamentais passam a ser entendidos como verdadeiras garantias negativas da não intervenção do Estado na sociedade."110 À luz do raciocínio explicitado, afirmamos que a estrutura da Constituição do Estado de direito (liberal) foi essencialmente negativa (abstencionista). Após a Primeira Guerra Mundial tem início um novo paradigma de Estado. De­ vemos observar que o período do Estado Liberal gerou "a maior exploração do homem pelo homem de que se tem notícia na história da humanidade". Nesses termos, temos jornadas de trabalho de 15 a 17 horas por dia, idosos, crianças e mulheres em rodízio nos postos de trabalho, remunerações aviltantes levando ou conduzindo milhões de desvalidos à completa miséria, além de uma fortíssima repressão a qualquer tipo de protestos, bem como um exército de mão de obra de reserva criado nas periferias, em condições degradantes. Esse cenário levou à eclosão de um sem-número de questionamentos e movimentos sociais (socialismo utópico, científico e anarquistas). Com a "crise" da sociedade liberal e a cabal demonstração de seu desgaste com suas promessas irrealizadas, tem-se 0 surgimento (advindo das revoluções industriais burguesas) de um capitalismo cada vez mais monopolista e 0 aumento, sempre recorrente, das demandas sociais e políticas, levando os juristas (sobretudo após a primeira guerra mundial) a afirmar a necessidade de repensar 0 direito e 0 Estado, nascendo 0 "Constitucionalismo Social".

Em consequência, as técnicas e as instituições liberais tiveram que ser esten­ didas a parcelas da população antes excluídas. A universalização do sufrágio, a liberdade de associação entre os trabalhadores, 0 surgimento de grandes partidos políticos e a ampliação das atividades econômico-sociais do Estado são apontados por Pablo Lucas Verdú como as notas características do processo de transformação do paradigma liberal. Cabe salientar que, a partir desse novo paradigma, a sociedade de massas do pós-Primeira Guerra não é mais apenas reduzida a um agrupamento de indivíduos proprietários privados, mas composta por uma sociedade conflituosa, dividida em vários grupos, classes, partidos e facções em disputa, cada qual buscando seus interesses.

Já não dá para afirmar uma "neutralidade do Estado", como acontecia no Es­ tado Liberal, que se punha distante dos conflitos sociais, atuando de forma abs­ tencionista, como um garantidor da autonomia privada e do livre jogo dos inte­ resses, apenas agindo (de forma policial) para restabelecer, quando necessário, a

110. CATTONI DE OLIVEIRA, Marcelo Andrade, Tutela jurisdicional e estado democrático de direito, p. 38; QUADROS DE MAGALHÃES, José Luiz, Direito constitucional, p. 63.

Conceito e classificações das Constituições

normalidade. Logo, o Estado assume, nessa nova perspectiva, o papel de agente conformador (condutor) da realidade social e, com isso, busca, inclusive, estabe­ lecer formas de vida concretas impondo "pautas públicas” de "vida boa" (ou seja: que ele, Estado, entende como "boa" para a sociedade).111112 113 0 Estado Social, que surge após a Primeira Guerra e se afirma após a Segun­ da, intervém na Economia, por meio de ações diretas e indiretas; e visa garantir o capitalismo por meio de uma proposta de bem-estar que implica a manutenção artificial da livre concorrência e da livre iniciativa, assim como a compensação das desigualdades sociais por meio da prestação estatal de serviços e da concessão de direitos sociais.1” Tais direitos vêm alargar e, sobretudo, redefinir os clássicos direitos do cons­ titucionalismo liberal: direitos de vida, liberdade, propriedade, segurança e igual­ dade. Inicia-se a chamada "materialização dos direitos". Observa-se também, nesse momento, o surgimento dos direitos sociais. Marca-se assim uma ruptura: tem-se uma ampliação no conjunto dos direitos fundamentais, resultante não somente de um acréscimo de direitos, mas também de uma completa alteração nas bases de interpretação (releitura) dos direitos anteriores.11’ A estrutura da Constituição pas­ sa, então, a ser essencialmente positiva em termos de prestações que esse Estado deveria providenciar a seus (agora, tratados como) "clientes".

A Constituição prescrevería programas políticos, definindo procedimentos e estruturando competências que antes não eram de sua alçada. Nesse sentido, famosa é a citação do discípulo de Carl Schmitt, Ernst Forsthoff que afirma, nitida­ mente alinhado a esse paradigma, que o Estado Social "é um Estado que garante a subsistência e, portanto, é Estado de prestações".114

Logo, isso significa afirmar que, no paradigma do Estado social, líteralmente: "(...) todo o direito é público, imposição de um Estado colocado acima da socieda­ de, de uma massa amorfa, carente de acesso à saúde ou à educação, massa pronta a ser moldada pelo Leviatã onisciente sobre o qual recai essa imensa tarefa. 0 Estado subsume toda dimensão do público e tem que prover os serviços inerentes aos direitos de Segunda geração à sociedade, como saúde, educação, previdência, mediante aos quais alicia clientela."115

111. CATTONI DE OLIVEIRA, Marcelo Andrade, Direito constitucional, p. 58. QUADROS DE MAGALHÃES. José Luiz, Direito constitucional, p. 63. CARVALHO NETTO, Menelick de, Requisitos pragmáticos da interpretação jurídica sob o para­ digma do estado democrático de direito, p. 105. 112. As primeiras Constituições desse paradigma são as Constituições de Querétaro do México de 1917 e a de Weimar da Alemanha de 1919. No Brasil, a primeira Constituição do constitucionalismo social é a de 1934. 113. É muito difundido, no Brasil, o entendimento de que os direitos fundamentais poderíam ser divididos em gera­ ções, por exemplo, como faz Bonavides (1997). Todavia, o presente trabalho, tributário da posição defendida por Cattoni de Oliveira (2002, p. 103), considera imprópria a divisão dos direitos fundamentais em gerações, pois, a cada paradigma jurídico, assiste-se a uma redefinição completa dos direitos fundamentais. 114. FORSTHOFF, Ernst Problemas constitucionaiesdelestadosociai, 1986, p.49. 115. CARVALHO NETTO, Menelick de. Requisitos pragmáticos da interpretação jurídica sob o paradigma do estado demo­ crático de direito, p. 107.

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No início da década de 70, a crise do paradigma do Estado Social começou a se manifestar com grande intensidade. Aquele que deveria ser 0 "cidadão" se transformou em "cliente" desse Estado gigantesco que deveria reger toda a socie­ dade. A prometida cidadania se transforma em um repugnante "dientelismo","6 segundo 0 qual 0 direito é garantido e concretizado "no limite do possível".”7 Conforme Cattoni de Oliveira, temos que: "no esteio de movimentos sociais, tais como 0 estudantil de 1968, 0 pacifista, 0 ecologista e 0 das lutas pelos direitos das minorias, além dos movimentos contra culturais, que passam a eclodira partir da segunda metade da década de 60, a nova esquerda, a chamada esquerda não estalinista, a partir das duras críticas tanto ao Estado de Bem-Estar - denunciando os limites e o alcance das políticas públicas, as contradições entre capitalismo e democracia - quanto ao Estado de socialismo real - a formação de uma burocra­ cia autoritária, desligada das aspirações populares - cunha a expressão Estado Democrático de Direito." Nesse diapasão, afirma também 0 autor em consonância com a perspectiva habermasiana que "0 Estado Democrático de Direito passa a configurar uma alternativa de superação tanto do Estado de Bem-Estar quanto do Estado de Socialismo real".”8 Nesse mesmo sentido, Menelick de Carvalho Netto nos mostra que "as constan­ tes crises econômicas colocam em cheque a racionalidade objetivista dos tecnocratas, bem como a oposição antitética entre a política e a técnica.""9 Assim, 0 Estado interventor de bem-estar transformou-se em empresa acima das outras empresas e, com a chegada das sociedades hipercomplexas da era da computação ou pós-industrial, as relações se tornam extremamente complexas e fluidas. Nesse contexto, a relação entre 0 público e 0 privado é novamente rediscutida, as associações da sociedade civil passam a representar 0 interesse público contra um Estado privati­ zado ou omisso. Surge, nesse iter, os chamados interesses ou direitos difusos, que compreendem os direitos do consumidor, ambientais, entre outros.'20116 120 119 118 117

116. Habermas (HABERMAS, Jürgen. Facticidady valider sobre el derecho y el estado democrático de derecho en tér­ minos de teoria dei discurso, p. 497-498) identifica o desenvolvimento de um paternalismo por parte do Estado, no paradigma do Estado Social, em razão da adoção de programas políticos compensatórios às necessidades de uma "sociedade de massas", que se mostra incapaz de se autodeterminar, de definir para si suas necessidades. Logo, torna-se massa facilmente modelada por um Estado nos moldes do Leviatã hobbesiano. A proposta por cidadania permanece nesse paradigma como uma espera irrealizada. 117. CATTONI DE OLIVEIRA, Marcelo Andrade, Direito constitucional, p. 59. 118. CATTONI DE OLIVEIRA, Marcelo Andrade, Tutela jurisdicional e estado democrático de direito, p.43. 119. Segundo Habermas (HABERMAS, Jürgen, La crisis dei estado de bienestary el agotamiento de Ias energias utópicas, p. 124), o paradigma do Estado Social padece de uma contradição entre seu objetivo e o meio que escolhe para concretizá-lo. O que seria o seu objetivo - a construção de formas de vidas estruturadas igualitariamente, que fossem capazes de exercer uma autorregulação espontânea - se vê frustrado pelos obstáculos levantados pelo Poder Administrado, regido pela lógica da burocracia jurídico-administrativa, que acaba contaminando os pro­ gramas políticos. Além do mais, o estatal não é capaz de identificar a sociedade, que por meio de organizações civis passa a exigir uma maior participação; não mais depende da postura burocratizante (instrumentalizante) do Poder Administrativo nas decisões sobre direitos. 120. CARVALHO NETTO, Menelick de. Requisitos pragmáticos da interpretação jurídica sob o paradigma do estado demo­ crático de direito, p. 110.

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Conceito e classificações

das

Constituições

Se a promessa de concessão de cidadania, advinda da ruptura do Estado Li­ beral com o nascimento e desenvolvimento do Estado Social, não foi efetivada, agora busca-se novamente seu resgate sem supostos (ou pressupostos) dirigentes e planiflcadores. A própria noção de cidadania deve ser enfocada sob outra perspectiva, que não aquela de "vantagem ou benefício" a ser concedida e distribuída de "cima para baixo" a uma massa de desvalidos e pobres coitados (descamisados). Essa noção deve ser encarada como um processo que envolve aprendizado, fluxos e refluxos,'” mas sempre numa "luta contínua por reconhecimento".121 122

Nas pegadas da Teoria discursiva da democracia habermasiana, que nos ali­ nhamos, observamos o que seria a caracterização reflexivo-procedimental da Cons­ tituição de um Estado Democrático de Direito. Temos que a Constituição deve ser compreendida como a prefiguração de um sistema de direitos fundamentais que representam as condições procedimentais para a institucionalização da democra­ cia, nos âmbitos e nas perspectivas específicas do processo legislativo, jurisdicio­ nal e administrativo, e que garante, ainda, espaços públicos informais de geração da vontade e das opiniões políticas. Nesse sentido, a democracia, como princípio jurídico-constitucional a ser densificado de acordo com a perspectiva específica de cada um desses processos, significa participação em igualdade de direitos e de oportunidades, daqueles que serão afetados pelas decisões, nos procedimentos deliberativos que as preparam.123 Ao explicitarmos as colocações atinentes à teoria discursiva do direito e da democracia, é necessário termos em mente as noções fundamentais de autonomia pública e privada dos cidadãos. Sob esse prisma, o que os paradigmas anteriores (de Estado e de Constituição) fazem é justamente matar a cidadania, não obser­ vando a nítida cooriginalidade existente entre elas. A chave da visão procedimental do direito e da democracia está justamente sob essa concepção. Com o processo de desencantamento, o Direito moderno se configura como parte de um sistema de normas positivas e obrigatórias; to­ davia, essa positividade vem associada a uma pretensão de legitimidade, de modo que normas expressam uma expectativa no sentido de preservar equitativamente a autonomia de todos os sujeitos de direito. 0 processo legislativo

121. A cidadania é agora entendida como um processo, bem como a democracia, que conduz a um aprendizado social, de modo a nâo necessitar de pré-requisitos. 122. Um exemplo dessa “luta por reconhecimento" bem-sucedida pode ser encontrado nas políticas feministas de equiparação:"(...] os diretos subjetivos, cuja tarefa é garantir às mulheres um delineamento autônomo e privado para suas próprias vidas, não podem ser formulados de modo adequado sem que os próprios envolvidos articu­ lem e fundamentem os aspectos considerados relevantes para o tratamento igual ou desigual em casos típicos. Só se pode assegurar a autonomia privada de cidadãos em igualdade de direito quando isso se dá em conjunto com a intensificação de sua autonomia civil no âmbito do Estado." (HABERMAS, Jürgen, A inclusão do outro: estu­ dos de teoria política, p. 297). 123. HABERMAS, Jürgen. Facticidad y valider. sobre el derecho y el estado democrático de derecho en términos de teoria dei discurso, p. 502.

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deve ser suficiente para atender a essa exigência. Há uma relação entre o caráter coercitivo e a modificabilidade do Direito positivo, por um lado, e o processo de positivação ou de estabelecimento desse Direito capaz de gerar legitimidade, por outro - isto é, uma relação entre Estado de Direito e democracia; contudo essa re­ lação não é meramente fruto de uma história causai, mas uma relação conceituai que está alicerçada nas pressuposições da práxis jurídica cotidiana. Temos, então, uma reconstrução da soberania popular, que assume a forma jurídica por meio do processo legislativo democrático, que deve considerar a equiprimordialidade da autonomia jurídica.”4 Por um lado, aos indivíduos são garantidas determinadas liberdades subjetivas de ação a partir das quais podem agir em conformidade com seus próprios inte­ resses - é o que se chama de autonomia privada12’ - "liberando" esses indivíduos da pressão inerente à ação comunicativa, qual seja, a de fundamentar moralmente todas suas ações, bastando, portanto, a referência ao direito legislado.

Para tanto, é essencial a noção de direitos fundamentais como elementos asseguradores dessa autonomia por meio da não ingerência estatal na esfera privada dos cidadãos, como já afirmava a clássica leitura liberal. Em contrapartida, o prin­ cípio discursivo democrático compreende a autonomia pública a partir da ótica da garantia de legitimidade do procedimento legislativo por meio de iguais direitos de comunicação e de participação. Trata-se do fato de que os sujeitos de direito têm de se reconhecer como autores das normas às quais se submetem. Como conse­ quência, autonomias pública e privada devem estar pressupostas reciprocamente (coorígínárias), sem que, contudo, uma possa gozar de supremacia sobre a outra.

7. SENTIDOS OU CONCEPÇÕES DO TERMO CONSTITUIÇÃO: SENTIDOS CLÁS­ SICOS E CONTEMPORÂNEOS

Conforme a doutrina pátria, temos os (intitulados) sentidos: sociológico, jurí­ dico, político e cultural de Constituição que, geralmente, são atribuídos a autores de renome dos séculos XIX e XX, sendo, em regra, citados, respectivamente, como124 125

124. HABERMAS, Jürgen, A inclusão do outro: estudos de teoria política, p. 286. Para Habermas, o Direito moderno, não mais subordinado à moral mas sim, funcionando de maneira complementar (relação de complementariedade entre direito e moral) passa a organizar-se a partir de um código próprio, partindo de dois elementos restantes da dissolução da amálgama pré-moderna: soberania popular - relacionada com a noção de autonomia pública - e di­ reitos humanos - ligados á noção de autonomia privada. Desse modo, tanto uma quanto a outra representam uma mediação pelo Direito no tocante à autodeterminação moral (direitos humanos) e autodeterminação ética (soberania popular), de modo a falar-se em uma co originariedade. 125. "De ahi que Ia autonomia privada dei sujeto jurídico pueda entenderse esencialmente como Ia libertad negativa de abandonar Ia zona pública de obligaciones ilocucionárias recíprocas y retraerse a una posición de observación mutua y de mutuo ejercicio de influencias empíricas. La autonomia privada llega hasta allí donde el sujeto jurídi­ co tiene que empezar a dar cuenta y razón, hasta alli donde tiene que dar razones públicamente aceptas de sus planes de acción. Las libertades subjetivas de acción autorizan a apearse de Ia acción comunicativa y a negarse a contraer obligaciones ilocucionárias. Fundan una privacidad que libera de Ia carga aneja a una libertad comu­ nicativa reciprocamente reconocida y mutuamente supuesta y exigida." (HABERMAS. Jürgen, Facticidady validez: sobre el derecho y el estado democrático de derecho en términos de teoria dei discurso, p. 186).

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Conceito e classificações oas Constituições

exemplos: Ferdinand Lassalle (sentido sociológico), Hans Kelsen (sentido jurídico),126 Carl Schmitt (sentido político) e J.H.Meirelles Teixeira (sentido cultural).127128 131 130 129

Nesses termos, a nossa proposta é de apresentar, ainda que de forma sucinta, os quatro sentidos clássicos trabalhados na doutrina,”8 tentando situar tais con­ cepções à luz das pré-compreensões dos autores a seguir citados. Posteriormente, iremos abordar sentidos complexos desenvolvidos pela moderna Teoria da Consti­ tuição e que vem sendo motivo de reflexão de doutrinadores nacionais e interna­ cionais. Essas concepções12’ irão envolver os autores: J. J. Gomes Canotilho, Niklas Luhmann, Jürgen Habermas, Peter Haberle, Konrad Hesse, Marcelo Neves e José Adércio Leite Sampaio. Pois bem, iniciando pela perspectiva que nós estamos intitulando de clássica, temos os sentidos (ou concepções): sociológico, jurídico, político e culturalista de Constituição. Nesses termos:

1)

Sentido Sociológico: Ferdinand Lassalle desenvolveu sua análise sobre o sentido e conceituação de uma constituição em obra escrita em 1863 e inti­ tulada A essência da Constituição.1’0 0 autor ganhou notoriedade ao afirmar que devemos distinguir a verdadeira e efetiva Constituição, daquela que identifica e explicita a dinâmica de poder estabelecida em uma socieda­ de,1’1 em relação à Constituição escrita, que, como qualquer documento, equivale a uma mera “folha de papel". Sendo assim, uma investigação sobre qual seja a Constituição real e efetiva de um Estado e de uma so­ ciedade transborda e ultrapassa os limites da ciência jurídica, sendo, na

126. Embora o sentido jurídico, por uma outra vertente, tenha como válidas as digressões de Konrad Hesse em suas teorizações, a seguir delineadas e especificadas. 127. Embora o professor Peter Haberle tenha, sem dúvida, um viés culturalista em vários de seus escritos, como a seguir explicitaremos. 128. E que em regra são cobrados dos candidatos às carreiras jurídicas, não obstante as posições modernas (contem­ porâneas) que também iremos trabalhar serem hoje objeto de provas em concursos juridicos sofisticados (de nivel Estadual e Federal) e em digressões acadêmicas de graduação e pós-graduação (Mestrado e Doutorado). 129. A doutrina cita ainda outras concepções: a) Constituição como garantia do status quo econômico e social de Emst Forsthoff; b) Constituição como instrumento de governo de Hennis, na qual a Constituição acaba por se tornar uma lei processual definidora de competências e reguladora de processos de cunho estritamente formal; c) Constituição como programa de integração e representação nacionais de Kruger, na qual a Constituição se apresenta como um documento direcionado apenas a conter temas que envolvam diretamente à comunida­ de, à nação e à totalidade política do Estado (entendidas essas como matérias constitucionais); d) Constituição como legitimação do poder soberano de Georges Burdeau, na qual a Constituição é considerada a criadora do Estado de Direito (pressuposto do mesmo), pois, antes da mesma, teríamos um poder apenas de fato que se transforma em poder de direito mediante a existência da Constituição; e) Constituição como ordem fundamental e programa de ação que identifica uma ordem político-social e o seu processo de realização de Baulin, na qual a Constituição é entendida não só como instrumento de proteção das relações existentes, mas, também, como norma que se projeta para ordenar e conformar a vida social. Assim sendo, a Constituição é norma fundamental que delimita a vida social, indicando os programas de ação e os processos de realização dos mesmos. MENDES, Gilmar Ferreira; Curso de direito constitucional, p. 7-8. CANOTILHO. In: Constituição dirigente e vinculação do legisla­ dor, p-87-112. 130. A obra em alemão foi intitulada de Überdie Verfassung (sobre a Constituição). Esta deriva de uma conferência prolatada por Ferdinand Lassalle, em 1862, para operários e intelectuais da até então Prússia. 131. LASSALLE, Ferdinand, A essência da Constituição, p. 25-28.

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realidade, um problema dos sociólogos e dos cientistas políticos, que se­ riam mais aptos a identificar, na dinâmica social, os verdadeiros centros de poder e de decisão presentes nessa sociedade e os interesses aos quais esse poder serve (que, no século XIX, caracterizava-se na figura do monarca, de uma aristocracia, de uma grande burguesia ou dos banquei­ ros; apenas em casos extremos ter-se-ia a corporificação na forma de um poder inorgânico, que seria o povo, compreendido este como a união de uma pequena burguesia e da classe operária). Portanto, o que denominou de "fatores reais de poder" seriam o conjunto de forças que atuariam para a manutenção das instituições de um país em um dado momento histórico. Nesses termos, a Constituição escrita (folha de papel) seria adequada se, e somente se, correspondesse aos fatores reais de um determinado país, pois, se isso não acontecesse, conforme já citado, sucumbiría diante da Constituição real que efetivamente regularia a sociedade. Portanto, em sentido sociológico, a Constituição é entendida como os fatores reais de poder que regem uma sociedade.132133 135 134 Concluímos afirmando que Lassalle foi um dos precursores do que atualmente intitulamos de sociologia jurídica.

2)

132. 133. 134. 135.

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Sentido Jurídico: atribui-se a Hans Kelsen 0 desenvolvimento do sentido jurídico de Constituição. No quadro da "Teoria Pura do Direito", Kelsen pre­ tende expurgar do universo da ciência do direito todo e qualquer conteúdo que não possa ser reduzido ao critério de validade (isto é, 0 fato de encon­ trar em uma norma que lhe é hierarquicamente superior à sua autorização para existência no mundo jurídico). A Constituição, então, nessa perspecti­ va, adquire um significado exclusivamente normativo: ela se transforma no conjunto de normas mais importantes de um Estado conforme um critério hierárquico?” A partir daí, toda e qualquer norma deve encontrar sua validade no texto constitucional?” razão pela qual autores imaginam um diagrama da teoria da validade normativa kelseniana como uma pirâmi­ de, sempre colocando a Constituição em seu ápice?” Kelsen traz 2 (dois) sentidos jurídicos para a Constituição: a) Sentido lógico-jurídico: a Constituição, nesse sentido, deve ser entendida à luz do conceito de norma fundamental. Esta, definitivamente, não é posta no ordenamento, mas, sim, pressuposta por ele. A norma fundamental possui duas funções: 1*) dar

LASSALLE, Ferdinand, A essência da Constituição, p. 31. CALDWELL, Popularsovereignty and the crisis ofGerman Constitutional Law. p. 50. KELSEN, Hans, Teoria pura do direito, p. 247. Entretanto, Kelsen já faz uma advertência: dado o caráter generalista de sua teoria - uma vez que esta não se prende a explicar um ordenamento jurídico específico, mas funcionar como uma Teoria Geral do Direito - chama-se de Constituição em sentido material o conjunto de normas (escritas ou não; codificadas ou não) que estabele­ ce a função de regular a dinâmica de criação das demais normas jurídicas inferiores: por outro lado, a Constituição em sentido formal é o documento formal a que se atribui o nome de "Constituição'’ (como obra escrita), inde­ pendentemente de ele, além de regular o processo de produção de normas gerais, tratar de matérias diversas, consideradas como politicamente relevantes.

Conceito e classificações oas Constituições

fundamento de validade a todo sistema: ela autoriza o Poder Constituinte Originário a elaborara Constituição e determina que todos devem cumprir a Constituição; 2») Fechar 0 sistema jurídico: porque a norma fundamental nunca será posta por alguém, ela, como já citado, é suposta (pressuposto lógico transcendental), sendo uma convenção para que o sistema não se torne infinito, sendo 0 ponto de início e 0 final, ou seja, onde tudo começa e termina no sistema jurídico.1’6 Nesses termos, uma norma é válida, como salientado anteriormente, quando uma norma hierarquicamente superior dá validade a ela, e assim sucessivamente, até chegar à Constituição. E qual seria 0 fundamento de validade da Constituição? 0 fundamento de validade da Constituição é a norma fundamental (convenção lógico-transcendental). 0 fundamento de validade da norma fundamental é a própria norma fundamental, uma vez que ela dá fundamento de validade a outras normas e fecha 0 sistema.’’7 b) Sentido jurídico-posltlvo: é a norma supe­ rior, ou seja, é a Constituição como norma superior do Ordenamento Jurídi­ co, que dá validade a todas as outras normas do sistema. Leia-se 0 sentido jurídico positivo é a "norma constitucional propriamente dita."1’8

3)

Sentido Político: em sua "Teoria da Constituição" (Verfassungslehre), Schmitt1’9 apresenta uma distinção entre "Constituição"136 140 e "Lei Constitucional". Para 139 138 137 ele a Lei Constitucional estaria subordinada à Constituição. Para 0 autor, toda a normatividade do direito deveria ser atribuída a uma "decisão política" concreta, cuja magnitude e importância seriam responsáveis por dar for­ ma e unificar a vontade política existente em uma comunidade; a esse ato, designar-se-ia Constituição. Portanto, a Constituição seria a decisão política fundamental do povo. Tal Constituição, então, seria um ato de exercício da autoridade politicamente existente, que imporia sua vontade em consonân­ cia com a aclamação popular e, a partir daí, daria existência jurídica as "leis constitucionais". Ao Estado, como consequência, cabería a tarefa de superar 0 hiato que se estabelecería entre "normas" e "fatos sociais", superando-o e reduzindo tanto os elementos normativos quanto fáticos segundo os critérios

136. BOBBIO, Norberto, Teoria do ordenamentojurídico. 1984. 137. Portanto, para Kelsen. a norma jurídica é válida quando uma norma hierarquicamente superior do sistema dá validade a ela (a Constituição concede validade a todas as normas inferiores e a norma fundamental dá validade à Constituição). Com isso, temos um limite na norma fundamental. Sem dúvida, Kelsen não quer saber se uma norma é justa ou injusta, e sim se é válida. 138. KELSEN, Hans, Teoria pura do direito. 139. SCHMITT, Carl, Teoríodela Constitución, p. 23-24. 140. A rigor, Schmitt apresenta em sua obra, Teoria da Constituição, 4 (quatro) conceitos de Constituição. São eles: 1) conceito absoluto; 2) conceito relativo; 3) conceito positivo; e 4) conceito ideal. Para o autor, o único conceito no qual a Constituição pode ser concebida de forma adequada é o conceito positivo. É justamente neste em que Schmitt explicita seu viés decisionista e a concepção ou sentido político ora trabalhado, afirmando que a Consti­ tuição significa a decisão política fundamental do povo, sendo uma decisão concreta sobre a unidade política seu modo de ser e sua forma. Sendo a Nação, em sua unidade, a produtora da Constituição. Portanto, a Constituição não cria (gera) a Nação, e sim a Nação (povo como unidade) é que da vida à Constituição, pois a Constituição, como externalizado, são as decisões políticas fundamentais do povo! SCHMITT, Carl. Teoria de Ia constitución, p. 46.

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dessa "decisão política" anterior.141 À luz de seu “decisionismo”, concluímos que, para Schmitt, a essência da Constituição está alocada nas decisões po­ líticas fundamentais do (titular) Poder Constituinte (que seria o povo), e não em normas jurídicas positivadas,142143 o que o coloca em posição contrária e oposta àquela delineada pelo sentido (concepção) jurídico-normativo de Constituição de viés kelseniano, anteriormente trabalhado.

4)

Sentido culturalista: essa concepção desenvolve a premissa de que a Cons­ tituição é produto da cultura (fato cultural).145 Trabalha de forma comple­ mentar todas as concepções descritas anteriormente (sociológica, jurídica e política) desenvolvendo a lógica de que a Constituição possui fundamen­ tos diversos arraigados em fatores de poder, decisões políticas do povo e normas jurídicas de dever ser vinculantes. Surge daí a ideia de uma constituição total, com a junção dos aspectos econômicos, sociológicos, políticos, jurídico-normativos, filosóficos e morais a fim de construir uma unidade para a Constituição. Nesse sentido, a Constituição se coloca como um conjunto de normas fundamentais condicionadas pela cultura total e, ao mesmo tempo, condicionante, numa perspectiva eminentemente dialé­ tica. Nesses termos, a Constituição é determinada pela cultura, pois é fruto de pré-compreensões da sociedade (seu reflexo e espelho) na qual ela está inserida, mas também atua como elemento conformador do sentido de aspectos da cultura (portanto, como citado anteriormente, ela é condi­ cionada, mas também é condicionante).144

141. CALDWELL, Popularsovereignty and thecrisis ofGerman Constitutionol Law, p. 53-54. 142. É interessante a construção teórica de Schmitt que vai se caracterizar pelo que podemos chamar de conceito decisionista de Constituição. Esse conceito faz parte de uma plêiade de conceituaçôes desenvolvidas e enca­ deadas magistralmente pelo autor. Alguns conceitos merecem ser explicitados para o melhor entendimento do seu sentido de Constituição. Estes são: democracia, política e igualdade. Para Schmitt, democracia é a identida­ de governante/govemado. Ele rechaça o conceito liberal-burgués de democracia representativa. Esta seria uma contradição em termos, pois a democracia deveria ser direta, sendo o governado ao mesmo tempo governante e vice-versa. As democracias de massa do século XX só seriam possíveis com um retorno à democracia direta, sem intermediários (que, no fundo, representam, não o povo, mas seus próprios interesses na lógica da democracia representativa!). Portanto, 0 parlamento, para Schmitt, era uma doença, uma patologia, que deveria desaparecer no século XX. Nesse sentido, a democracia seria efetivada por um líder (hobbesianamente e teatralmente construído/forjado) que ao mesmo tempo seria o governante e o governado. O povo teria uma identidade direta com líder. O líder seria o povo e o povo seria o líder. Só assim feríamos democracia efetiva. Para tal, o conceito de política era fundamental. Política é a relação amigo-inimigo. Ou seja, ou comungamos dos mesmos ideais ou não pertencemos (não há pertencimento). Dal a noção de nós e outros. E a igualdade deveria ser nesse contexto entendida como a comunhão de um povo. Dai o conceito de Constituição decisionista ficar claro, pois a Consti­ tuição deve ser entendida como as decisões políticas fundamentais do povo. Pergunta-se: quem é povo? O povo é líder e o líder é o povo. Portanto, qualquer decisão do líder era do povo e, com isso, seria uma tomada de posição eminentemente constitucional. 143. Na literatura nacional ver: TEIXEIRA, J. H. Meirelles, Curso de direito constitucional, 1991.8ULOS, Uadi Lammêgo, Curso de direito constitucional, 2006, p. 32. CUNHA JÚNIOR, Dirley da. Curso de direito constitucional, 2008. Na li­ teratura juridica internacional ver, sobretudo: HÃBERLE, Peter. Teoria dela constitución como ciência de la cultura. Madrid:Tecnos, 2000. 144. TEIXEIRA, J. H. Meirelles, Curso de direito constitucional, 1991, p. 75-78. CUNHA JÚNIOR, Dirley da. Curso de direito constitucional, 2008, p. 85. No sentido da corrente ora trabalhada é a posição de Dirley da Cunha:"!-.] a concepção da Constituição como fato cultural é a melhor que desponta na teoria da Constituição, pois tem a virtude cultural

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Conceito e classificações oas Constituições

Posteriormente às concepções clássicas, é mister apresentarmos digressões de cunho crítico-reflexivo sobre as Constituições. Iremos intitulá-las de concepções ou sentidos modernos (contemporâneos) de Constituição. Conforme externalizado, iremos apresentar as análises de J. J Gomes Canotilho, Niklas Luhmann, Jürgen Ha­ bermas, David Landau, Peter Hãberle e Konrand Hesse, além, ainda, da perspectiva desenvolvida pelos autores brasileiros Marcelo Neves e José Adércio Leite Sampaio. 7.1. A Constituição dirigente de J. J. Gomes Canotilho: o debate sobre a consti­ tuição dirigente e o constitucionalismo moralmente reflexivo Com a ruptura em direção ao paradigma do Estado Social, denotando o esgota­ mento do Estado Liberal - notadamente, de sua postura formalista e abstencionista iniciou-se a discussão de que a Constituição também deveria passar por uma reestru­ turação, passando a assumir uma função dirigente, ampliando consideravelmente os espaços nos quais o Poder Público passava a interferir de modo ativo na sociedade, for­ necendo prestações exigidas pelas demandas sociais que clamavam por "justiça social".

Desse modo, o constitucionalismo de bem-estar social, segue por uma rota ideológica oposta do Estado Liberal. Se, no primeiro paradigma moderno de Esta­ do, a tônica se assentava na defesa das liberdades individuais, compreendendo os direitos fundamentais, essencialmente, como elementos contra (limites) a ação do próprio Estado, que se limitava em fornecer segurança e proteção às liberdades e à propriedade (Estado Polícia), após a Guerra Mundial, assiste-se a uma mu­ dança de mentalidade no Direito Público do mundo todo. É possível visualizar uma mudança de mentalidade que reflete diretamente na postura a ser assumida pelo Poder Público. Os direitos fundamentais passam a serem vistos como incluindo um catálogo de direitos a prestações positivas e, por isso mesmo, caracterizados num fazer por parte das instituições públicas.

É nesse contexto que se desenvolve a doutrina de Canotilho, afirmando a impor­ tância e a necessidade de que o Estado implemente medidas públicas que atendam às demandas sociais.* 145 A Constituição, então, passa a desempenhar um importante papel de determinação do plano de direção e de transformação da implementação de políticas públicas na ordem socioeconômica.146 Por isso, é no constitucionalismo do Estado Social que podemos registrar o surgimento das chamadas normas programáticas (que irão dispor sobre direitos sociais) e dos direitos econômicos, principalmente, buscando dar-lhes efetivação.

de explorar o texto constitucional ern todas as suas potencialidades e aspectos relevantes, resumindo em si todas as concepções a sociológica, a política e a jurídica - em face das quais se faz possível compreender o fenômeno constitucional. [...] um conceito de constituição constitucionalmente adequado deve partir da sua compreensão como um sistema aberto de normas em correlação com os fatos sociopoliticos [...] de tal modo que importe em reconhecer uma interação necessária entre a Constituição e a realidade a ela subjacente, indispensável a sua força normativa.'’ (p. 85-86). 145. CANOTILHO, José Joaquim Gomes, Constituição dirigente e vinculaçõo do legislador, p. 365. 146. CUNHA JÚNIOR, Dirley da, Curso de direito constitucional, p. 123.

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Para Canotilho, então, a Constituição (Dirigente) não pode ser compreendida apenas como um mecanismo jurídico-político estruturador do Estado e definidor do sistema de competências e atribuições de seus órgãos.147 Há, nela, uma importan­ te função de organização de um plano normativo-material global do Estado e da Sociedade, dotado de um caráter aberto, que vincula os Poderes Públicos à busca por concretude dos anseios populares (de natureza econômica, cultural e social).148149 Isso representa um limite imposto pela ordem constitucional aos domínios da po­ lítica - uma forma de judicialização - que deixa de ser compreendida como livre e desvinculada de um projeto constitucional.,4Ç Assim, a atividade política passa a ser conformada pelo Direito. Com isso, não se buscou anular o espaço da política, mas, apenas, sujeitá-la à força imperativa das normas constitucionais.150 Canotilho compreende a Constituição dirigente como um projeto de ação aber­ to no tempo, com os olhos voltados para o futuro, carecendo sempre de outras providências normativas que a complemente.151

Todavia, tal posicionamento acabou por ser revisto pelo professor lusitano, que passou a afirmar, pelo menos em um primeiro momento, a "morte" da Constituição Dirigente. Isso porque, mesmo as normas constitucionais ocupando um locus espe­ cial do Direito, outras forças imperativas fazem com que elas cedam espaço para outros projetos político-econômicos desvinculados do primado da "justiça social".

Canotilho, então, aponta alguns problemas que a tese do constitucionalismo dirigente não foi capaz de solucionar:152

1)

Problemas de indusão: o desafio de materialização do direito, que faz com que a constituição dirigente se assuma como um estatuto jurídico do político, acaba por ocultar a "rebeldia" desse político em se subordinar a uma normatização que concretize diversas práticas sociais plurais. Com Luhmann, vemos que cada sistema é dotado de uma autorreferenciabilidade e uma auto-organização, o que parece escapar aos defensores da constituição dirigente.

2)

Problemas de referência: a constituição dirigente não consegue ultrapassar uma abordagem clássica quanto ao seu sujeito de referência - 0 indivíduo

COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda (OrgJ, Canotilho e a Constituição dirigente, p. 18-19. CUNHA JÚNIOR, Dirley da, Curso de direito constitucional, p. 124. CANOTILHO, José Joaquim Gomes, Constituição dirigente e vinculação do legislador, p. 12. Interessante é que tais idéias se mostram convergentes a uma linha do raciocínio que a seguir será apresentada por Niklas Luhmann em sua perspectiva sistêmica, como já tinha observado Lênio Streck em COUTINHO. Jacinto Nelson de Miranda (Org), Canotilho e a Constituição dirigente, p.22. 151. É justamente, nesse contexto, que ganha destaque a ideia de uma inconstitucionalidadeporomissão, que passaria a funcionar como um reforço judicial da garantia de imperatividade constitucional das normas programáticas. Ver: COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda (Org.), Canotilho e a Constituição dirigente, p. 37 e também CANOTI­ LHO, José Joaquim Gomes, "Brancosos" e interconstitucionalidade: itinerários dos discursos sobre a historicidade constitucional, p. 212-213. 152. CANOTILHO, José Joaquim Gomes,“Brancosos" einterconstitucionalidade: itinerários dos discursos sobre a histori­ cidade constitucional, p. 216-221.

147. 148. 149. 150.

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Conceito e classificações das Constituições

- e com isso, olvida-se das novas configurações sociais, como as entidades organizadas de cunho multinacional ou atores sociais neocorporativos. 3)

Problemas de reflexibilidade: a constituição dirigente ainda opera sob uma compreensão da racionalidade clássica (teleológica), razão pela qual vai cada vez mais se mostrando incapaz de justificar coerentemente um con­ junto unitário de respostas normativas ante 0 aumento de complexidade de demandas provindas do sistema social. A perspectiva clássica (atrelada ainda às bases de um direito positivista - ou mesmo realista) não suporta as exigências de fundamentação atuais, não encontrando legitimação em uma sociedade tão diferenciada em função dos múltiplos projetos e con­ cepções de vida.

4)

Problemas de universalização: a pretensão de universalização das normas contidas na constituição dirigente se torna ameaçada por não conseguir adaptar ou mesmo traduzir para os diálogos particulares as novas reali­ dades (mercado, sistemas de informações, alta tecnologia, conglomerados empresariais).

5)

Problemas de materialização do direito: 0 constitucionalismo dirigente acabou assumindo um papel de supradiscurso social, esvaziando os di­ ferentes diálogos constitucionais (sobre o meio ambiente, o direito dos consumidores, 0 biodireito etc.), trazendo uma perda de contextualização. Com isso, decorreu uma dificuldade de contextualização capaz de imprimir mudanças e inovação na ordem jurídica.

6)

Problemas de reinvenção do território estatal: a constituição dirigente operava, exclusivamente, sob a lógica da incidência de suas normas sob um determinado território, de modo que não respondia às questões de supranacionalização e internacionalização do direito constitucional.

Em substituição, e como nova proposta de uma Teoria da Constituição, Canoti­ lho passa à defesa de um constitucionalismo moralmente reflexivo,53 cujas premis­ sas se assentam numa noção de "eficácia reflexiva" ou de "direção indireta", por meio do desenvolvimento de instrumentos cooperativos, que resgatem 0 princípio da responsabilidade e encorajem a sociedade civil. Isso porque 0 autor passa a levar em conta as mudanças sociais operadas pela pluralização da sociedade hipermoderna, pelo advento do Estado Europeu, globalização etc., a fim de propor uma teoria constitucional que substitua um Direito autoritariamente dirigente e ineficaz diante do novo cenário imposto pela contemporaneidade.153 154

153. CANOTILHO, José Joaquim Gomes, "Brancosos" e interconstitucionalidade: itinerários dos discursos sobre a historicidade constitucional, p. 104. 154. CANOTILHO, José Joaquim Gomes, °Brancosos"e interconstitucionalidade: itinerários dos discursos sobre a historicidade constitucional, p. 127-128. "A lei dirigente cede o lugar ao contrato, o espaço nacional alarga se à transnacionalizaçâo e globalização, mas o ânimo de mudanças aí está de novo nos 'quatro contratos globais! Referimo-nos ao contrato para as 'necessidades globais' - remover as desigualdades, o contrato cultural - tolerância e

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Mas é importante que não encaremos como uma manifestação de pessimismo ou de derrotismo a mudança de posição do jurista de Coimbra. A nova teoria, na realidade, está preocupada em pensar as normas constitucionais a outra luz, reco­ nhecendo a existência de novos esquemas de condução das políticas econômico-sociais.'55 Por isso, em momento algum, houve a desistência da programaticidade constitucional, preservando-se a tese de que o legislador não é dotado de liber­ dade de conformação das políticas públicas, que devem se submeter ao projeto Constitucional de um Estado. Acreditamos, nas pegadas do próprio Canotilho, que a Constituição dirigente não morreu; morreu, sim, um tipo de Constituição dirigente típica de um paradigma de Estado e de sociedade não mais condizente. Com isso, sem dúvida, as Constituições perderam um pouco de sua força dirigente, ainda que não tenham deixado de ser diretivas. Nesses termos, o dirigismo constitucional das décadas de 70 e 80 do século passado não mais existe, porém, a constituição dirigente não morreu, pois ainda sobrevivem importantes dimensões de progra maticidade e dirigismo constitucional, ainda que em uma perspectiva mais reflexiva (leve) e menos impositiva. Além disso, conforme já observado, Canotilho afirma que, no atual contexto jurídico-político, devemos reconhecer que as Constituições (as europeias de forma direta) estão unidas a um grande esquema supranacional/56 que transfere (em vários aspectos) a programaticidade aos textos normativos in­ ternacionais.155 157 No final, 0 que também se tem é um certo deslocamento da ideia 156 de dirigismo constitucional para os tratados internacionais, à luz de uma arena de debates e conjecturas normativas não nacionais (locais), mas, sobretudo, interna­ cionais. Nas palavras de Canotilho no prefácio da 2’ edição de sua obra "Constitui­ ção Dirigente e Vinculação do Legislador", 0 autor, nesse diapasão, explicitou "numa época de cidadanias múltiplas e de múltiplos de cidadanias" que: "a Constituição dirigente está morta se o dirigismo constitucional for entendido como normativismo constitucional revolucionário capaz de, só por si, operar transformações emancipatórias. Também suportará impulsos fanáticos qualquer texto constitucional dirigente introvertidamente vergado sobre si próprio e alheio aos processos de abertura do direito constitucional ao direito internacional e aos direitos supranacionais."158

155. 156.

157. 158.

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diálogo de culturas -, contrato democrático - democracia como governo global, e contrato do planeta terra [s/c] - desenvolvimento sustentado. Se assim for, a constituição dirigente fica ou ficará menos espessa, menos regulativamente autoritária e menos estatizante, mas a mensagem subsistirá, agora enriquecida pela constitucionaliza­ ção da responsabilidade, isto é, pela garantia das condições sob as quais podem coexistir as diversas perspectivas de valor, conhecimento e ação."(CANOTILHO, José Joaquim Gomes, "Rrancosos^einterconstltucionalidade: itinerá­ rios dos discursos sobre a historicidade constitucional, p. 128-129). COUTIN HO, Jacinto Nelson de Miranda (Org), Canotilho e a Constituição dirigente, p. 31. Nesses termos:"Essa nova visão de Canotilho [,.J deve-se ao fato das recentes mudanças ocorridas no constitu cionalismo português, sobretudo em razão do advento da União Européia que impôs uma flexibilização na sobe­ rania dos Estados-membros (é o caso de Portugal) e que afetou, por via reflexa, a força normativa da Constituição Portuguesa, na medida em que esta passou a conviver com as diretivas da referida comunidade. [...]" CUNHA JÚNIOR, Dirley da, Curso de direito constitucional, 2008, p. 130. COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda (Org.), Canotilho e a Constituição dirigente, p. 15-16. CANOTILHO, José Joaquim Gomes, Prefácio ã 2a Edição da obra: Constituição dirigente e vinculação do legislador: contributo para a compreensão das normas constitucionais programáticas.

Conceito e classificações das Constituições

Nesses termos, nos moldes de Canotilho, é justamente dessa tensão entre o global e o local que se dará a nova configuração da Constituição e do constitucionalismo contemporâneo.159 7.2. A Constituição para a Teoria dos Sistemas de Niklas Luhmann Niklas Luhmann é um dos mais importantes sociólogos jurídicos dos últimos tempos. Ele ganhou destaque no universo internacional ao desenvolver sua Teoria Sistêmica da Sociedade,160 segundo a qual, com a Modernidade, a sociedade passou a se constituir a partir de diversos sistemas (ou subsistemas) sociais especializados (Política, Direito, Religião, Cultura, Ciência, Economia etc.), de modo que cada um assumisse reações próprias e uma linguagem (a partir de um processo de codifica­ ção) também própria.161162

Nesse sentido, Luhmann parte da distinção entre o sistema e seu ambiente (en­ torno ou mundo circundante). Cada sistema é, portanto, fechado do ponto de vista operacional e organizado a partir de seu código.161

Logo, não há comunicação entre sistema e seu ambiente (autopoiesis). Todos os acontecimentos externos são codificados e traduzidos pelo sistema a partir de sua linguagem própria. É esse código que permitirá a organização do sistema, do­ tando-o de identidade e diferenciando-o dos demais sistemas sociais.163 Para tanto,

159. Ver, sobretudo: Globalização e democracia pós-nacional à luz de uma teoria discursiva da constituição. Tese de Dou­ torado apresentada à Faculdade de Direito da UFMG. FERNANDES, Bernardo Gonçalves, 2004. 160. O pensamento de Luhmann foi inicialmente influenciado pela Teoria Estruturalista-Funcional de Tacott Parsons. de quem foi aluno no início da década de 60. "Os seus seminários eram seguidos com enorme interesse por estudantes de todo o mundo, e Luhmann não fugiu á regra. Ai nasceu uma afinidade intelectual que podemos hoje considerar a mais consistente do seu pensamento. Se quisermos arriscar uma caracterização geral da pro­ posta de Luhmann, podemos considerá-la na direta continuidade da Sociologia estrutural e funcional de Parsons; isto significa que ele toma essa proposta como ponto de partida, e apenas isso, para desenvolver um modelo intelectual próprio que, em múltiplos aspectos, se afasta da referência original." (ESTEVES, João Pissarra. Niklos Luhmann - uma apresentação). Outra referência obrigatória de menção são os trabalhos dos biólogos chilenos Humberto Maturana e Francisco Varela, que revolucionaram as Ciências Biológicas com sua Teoria Autopoiética. Através de pesquisas neurofisicas. perceberam que um sistema vivo é dotado de um circuito interno que permite uma interação fechada de seus elementos constituintes, possibilitando sua autoorganização e a autoprodução dos elementos que constituem o mesmo sistema. Com isso, "o sistema interage com seu ambiente, mantendo um processo de acoplamento, através de uma espécie de decodificaçâo das irritações causadas pelo ambiente, efetuadas mediante a utilização de suas próprias interações internas, circularmente organizadas em resposta ao ruído externo (order from noise) e operacionalmente fechado" (CARVALHO, Délton Winter de, O direito como um sistema socialautopoiético: autorreferència, circularidade e paradoxos da teoria e prática do direito, p. 04). 161. LUHMANN, Niklas. Elderecho de lasociedad. Ver também QUINAUD PEDRON, Flávio.A função dos tribunais consti­ tucionais para a teoria dos sistemas de Niklas Luhmann. 162. Ê bom que se diga que, para Luhmann, o sistema jurídico é simultaneamente aberto em termos cognitivos e fechado em termos operativos (ponto de vista operacional). Assim, o sistema jurídico é um só, pouco impor tando se as cadeias normativas sào variadas e podem ser produzidas em diferentes contextos. Essa unidade do sistema decorre de sua especialização funcional (do direito). 163. Conforme Rafaele Di Giorgr O sistema da sociedade moderna é diferenciado em sistemas especificados segun­ do a função. Cada um dos sistemas satisfaz a própria função e não pode ser substituído por outro. Dai brotam problemas relativos ao fechamento dos sistemas parciais e às prestações que eles oferecem aos outros sistemas sociais. Fechamento de um sistema significa que, aos estímulos ou aos distúrbios que provenham do ambiente,

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ele faz uso de uma diferenciação binária funcional, que separa o sistema de seu ambiente (por exemplo, a identificação da dupla direito/nâo direito).

Mas, para que isso funcione no nível da sociedade, assistiremos a determina­ dos fenômenos que provocam uma "irritação" mútua entre dois sistemas sociais, sendo lido por cada um, à luz de seu código - e por isso, diferentemente. A isso, Luhmann chama de acoplamento estrutural. É sob esse prisma que a Constituição será compreendida. Funcionalmente, en­ tão, a Constituição é o produto de um acoplamento estrutural entre os sistemas do Direito e da Política.’64

Ao Direito, cabe estabilizar expectativas sociais de comportamento, ou seja, diante de um futuro incerto, a ordem jurídica estabelece condutas que serão espe­ radas por todos os seus demais membros, forjando uma ideia de previsibilidade. Todavia, tal relação que se estabelece entre mudança social e expectativas de com­ portamento se dá de modo idealizado (contrafático).’65 É justamente nesse ponto que decorre a necessidade de o Direito "irritar" a Política e vice-versa, permitindo uma separação mútua. De um lado, o Direito pa­ rece depender da Política para dotar de legitimidade suas normas, já que esta faz uso do poder para garantir acatamento social a suas determinações, e com isso, permitir estabilizações. De outro, a Política se utiliza do Direito para diversificar o uso do poder politicamente concentrado.’66

Todavia, isso não leva à confusão entre ambos os sistemas sociais, ficando intacta a divisão funcional. A Política, distintamente do Direito, faz uso do meio do poder, de modo que o poder político se articule como um poder indicativo superior que ameaça com seu caráter obrigatório. Mas onde entra a preocupação sociológica com relação à Constituição? Para Giancarlo Corsi - discípulo de Luhmann se perguntarmos aos juristas o que é a "Consti­ tuição", encontraremos respostas bastante heterogêneas, mas que compartilham da ideia de que a Constituição é importante, sobretudo, porque marca a imposição do Direito positivo sobre o Direito natural, e também porque é universal: nisso se en­ contra sua novidade e sua ruptura com as representações normativas do passado.16' Sob um olhar histórico das Revoluções Francesa e Norte-Americana, Luhmann conclui que é na figura da Constituição que se dá a total separação de ambos os164 167 166 165

164. 165. 166. 167.

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o sistema só reage entrando em contato consigo mesmo, ativando operações internas acionadas a partir dos elementos que constituem o próprio sistema. Disso resulta a autorreferència e a autopoiese do sistema: o sis­ tema produz e reproduz os elementos dos quais é constituído, mediante os elementos que o constituem." Dl GIORGI, 2000, p. 199. Ver 1) LUHMANN, Niklas, La Cosfrtuzione come acquisizione evolutiva; e 2) LUHMANN, Niklas, Elderecho de Ia socie dad. LUHMANN, Niklas, El derecho de Ia sociedad, p. 187. LUHMANN, Niklas, Elderechode Ia sociedad, p. 207-208. CORSI, Giancarlo, Sociologia da Constituição, p. 171.

Conceito e classificações das Constituições

sistemas quanto às suas funções e, simultaneamente, a consequente necessidade de uma religação entre eles.’68 [Por] "acoplamento estrutural de direito e política", entendendo-se esses como dois diferentes subsistemas da sociedade atual. Com essa formulação - muito abstrata, como sempre quando se trata da teoria dos sistemas - pretende se descrever a situação na qual dois sistemas são completamente autônomos e, mediante uma estrutura comum (no caso, a Constituição), especificam, de modo extremamente circunscrito e seletivo, as possibilidades de "se irritarem" reciprocamente; no nosso caso, basta pensar na legislação como constante fator de irritação do Direito por parte da Política. Diversamente do que pode parecer à primeira vista, portanto, a invenção da Constituição é, sobretudo, uma reação à diferenciação (moderna) entre Direito e Política e uma tentativa de resolver (ou esconder!) os seus problemas: o problema da soberania popu­ lar e o problema da positivação (autodeterminação) do Direito.’69

A Constituição passa a ser o vetor de ordenação do código direito/não direito e, com isso, atua para a fundação da validade do direito. Isso quer dizer que a ideia moderna de Constituição permite ao Direito a sua autofundação, sem que tenha de apelar para elementos externos ao próprio Direito - como acontecia com a tradição do Direito Natural. Assim, o Direito, por meio da Constituição, fecha-se com relação ao seu ambiente.

Já no sistema da política, fenômeno similar acontece: a Constituição funciona como elemento legitimizador da vontade política, justificando-a e desamarrando-a da vinculação a fundamentos éticos, religiosos, morais, econômicos etc.'70

Em resumo, para Luhmann, a Constituição é um elemento funcional na estrutu­ ração tanto do sistema jurídico quanto do sistema político. Todavia, tal comunhão não significa que ambos a compreendam com o mesmo significado. Para a Política, a Constituição é instrumento de legitimação da vontade soberana. Para o Direito, a Constituição é elemento de fundação das suas normas, sem recurso a um suposto Direito natural.

7.3. A Constituição na Teoria Discursiva do Direito e do Estado Democrático de Direito de Jürgen Habermas A percepção, para a Teoria Discursiva do Direito e da Democracia, de J. Haber­ mas, sobre o que seja a Constituição, não se encontra sistematizada em uma única obra, mas somente pode ser compreendida adequadamente pela leitura de suas obras, principalmente a primeira edição datada de 1994, Fahtizitat und Geltung(cuja tradução para 0 português, poderia ser Fcicticidade e validez).'7’

168. 169. 170. 171.

LUHMANN, Niklas, La Costituzione come acquisizione evolutiva. CORSI, Giancarlo, Sociologia da Constituição, p. 172-173. LUHMANN, Niklas, La Costituzionecome acquisizioneevolutiva. Apesar de haver uma tradução para o português da referida obra, sob o titulo de Direito e democracia (1997), é explícita nossa preferência quanto ás versões para o espanhol de Jiménez Redondo (1998) e para o inglês de

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Todavia, para que se possa compreender bem a noção habermasiana de Cons­ tituição, mister se faz compreender sob que ótica o autor alemão enxerga o Direito. Como já afirmado, a partir de 1994, Habermas, alterando a posição anteriormente esboçada na sua obra magna, a Teoria da ação comunicativa,72 passa a compreen­ der 0 Direito como um importante componente da vida em sociedade. Isso porque o Direito torna-se um componente do mundo da vida (pano de fundo posto a todos os atores sociais, responsável por nos fornecer uma sensação de previsibilidade e segurança), coordenando os sistemas da Política e da Economia. Além disso, 0 Direito é responsável por direcionar a solidariedade social para um nível pós tradicional pela identificação dos destinatários das normas com os seus coautores.73 A Constituição, então, como cerne do Direito, representa, de um lado, um nor­ te normativo por meio de princípios de liberdade e de igualdade e, de outro, as balizas para 0 sistema político que passa a respeitar a legitimidade discursiva e a democracia participativa.7'1

Para tanto, Habermas desenvolve a noção de sistema de direitos como condição estruturante da validade das normas constitucionais. Tomando por base 0 princípio do discurso - que pergunta sobre a possibilidade de universalização de um determi­ nado interesse, de modo que sua pretensão possa ser passível de aceitação e reco­ nhecimento pelos seus afetados em qualquer tempo e contexto espacial - Habermas desenvolve 0 princípio discursivo democrático, que visa explicar 0 sentido da prática da autodeterminação dos membros de uma comunidade jurídica - estabelecida livre­ mente - que reconhece seus membros como parceiros livres e iguais.75

Rehg (1996), por considerá-las mais adequadas e mais fiéis ao pensamento habermasiano. 172. Isso significa que seu pensamento pretérito compreendia o Direito por um prisma mais estreito, segundo o qual este apenas podería ser avaliado como um meio para se instrumentalizar a Economia e a Política, como acon­ teceria, supostamente, com o Direito Civil, o Direito Empresarial e o Direito Econômico, por exemplo; ou como instituição, e. portanto, subordinado à Moral, permitindo que o Direito funcione como um reforço moral por meio de sua natureza coercitiva (Direito Constitucional, Direito Penal etc.) e, assim, contribuindo para manutenção da ordem social, mantendo-a coesa. 173. “O papel principal do Direito no que se refere à integração social se deve ao fato de que o risco do dissenso resta neutralizado agora não mais por uma autoridade sacra ou por instituições fortes que mantinham fora do criticável determinados conteúdos axiológicos e deontológicos. O posto de centralidade do Direito se deve a uma limitação na medida em que a validade das normas não pode ser questionada quando de uma pretensão individual orientada ao êxito. O Direito legítimo é coercitivo e esta coercibilidade possível reflete a aceitabilidade racional e não questionabilidade da validade desse fato - cisão entre facticidade e validade. Do contrário, o risco de dissenso estaria absurdamente largado, o que colocaria em risco a própria solidariedade social garantida, em última instância, pela ação comunicativa que. assim, fica aliviada de buscar soluções orientadas ao entendimento.“CHAMON JÚNIOR, Lúcio Antônio, Filosofia do direito na alta modernidade, p. 236. 174. SOUZA CRUZ, Álvaro Ricardo de, Poder constituinte e patriotismo constitucional, p. 67. "Nesse sentido, presente se faz o aspecto performativo do 'principio da democracia', que permite transformar os destinatários das normas jurídicas em seus autores, fazendo com que os indivíduos possam usufruir, da melhor maneira possível, suas liberdades subjetivas e suas liberdades comunicacionais." (Idem, p. 67). 175. HABERMAS, Jürgen. Facticidady validez. sobre el derecho y el estado democrático de derecho en términos de teoria dei discurso, p. 175. Deve ser destacado que o princípio democrático não busca um conteúdo a priori ás questões quando são propostas, mas, sim, dizer como podem a formação da opinião e da vontade serem

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0 sistema de direitos, então, é responsável por garantir aos indivíduos deter­ minadas liberdades subjetivas de ação a partir das quais podem agir em confor­ midade com seus próprios interesses - é o que se chama de autonomia privada1’5 - "liberando" esses indivíduos da pressão inerente à ação comunicativa. Em con­ trapartida, o princípio discursivo democrático compreende a autonomia pública a partir da ótica da garantia de legitimidade do procedimento legislativo por meio de iguais direitos de comunicação e de participação. Trata-se do fato de que os sujeitos de direito têm de se reconhecer como autores das normas às quais se submetem. Explicando melhor essa noção, tem-se que a reconstrução da noção de autonomia leva Habermas a afirmar que os indivíduos, como sujeitos de direito, devem, ao mesmo tempo, sempre ser autores e destinatários do Direito por eles produzidos. É, então, a partir dessa consciência de cooriginalidade entre autonomias pú­ blica e privada que os cidadãos, ao constituírem seu sistema de direitos, devem criar uma "ordem" que preveja a qualquer membro (seja atual, seja futuro) dessa comunidade uma série de direitos subjetivos, iniciando por três categorias: (i) Direitos fundamentais (de conteúdo concreto variável), que resultam da con­ figuração autônoma do direito, que prevê a maior medida possível de liberda­ des subjetivas de ação para cada um. (ii) Direitos fundamentais (de conteúdo concreto variável), que resultam da configuração autônoma do status de mem­ bro de uma associação livre de parceiros do direito, (iii) Direitos fundamentais (de conteúdo concreto variável), que resultam da configuração autônoma do igual direito de proteção individual, portanto da reclamabilidade de direitos subjetivos.1"

Essas três categorias decorrem de um resultado direto da aplicação do princí­ pio do discurso ao meio do Direito; estão associadas às condições de "socialização horizontal" produzidas pelo Direito. Assim, não podem ser compreendidas como os clássicos direitos liberais de defesa, uma vez que regulam apenas relações entre concidadãos livremente associados anteriormente a qualquer organização estatal. A função básica, desses direitos, então, é a garantia da autonomia privada dos su­ jeitos de direito, mas apenas à medida que se reconhecem mutuamente como des­ tinatários das leis, levantando um status que lhes possibilita a pretensão de obter direitos e de fazê-los valer reciprocamente. Somente no passo seguinte é que esses sujeitos de direito assumem o papel de autores de sua ordem jurídica. Uma vez que pretendem fundar uma associação de cidadãos que se dão a si mesmos suas leis, eles tomam consciência de que necessitam de uma quar­ ta categoria de direitos que lhes permita reconhecerem-se mutuamente, não

institucionalizados por um sistema de direitos capaz de assegurara participação no processo legislativo em con dições de igualdade. 176. HABERMAS, Jürgen, O estado democrático de direito - uma amarração paradoxal de princípios contraditórios?, p. 168. 177. HABERMAS, Jürgen, O estado democrático de direito - uma amarração paradoxal de princípios contraditórios?, p. 169.

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Bernardo Gonçalves Fernandes somente como autores desses direitos, mas também como autores do direi­ to em geral. Se quiserem continuar mantendo um aspecto importante de sua prática atual, a autonomia, eles têm que se autotransformar, pelo caminho da introdução de direitos fundamentais políticos, em legisladores políticos. Se, as primeiras três categorias de direitos fundamentais, não poderíam existir nada parecido com o direito, porém, sem uma configuração política dessas catego­ rias, o direito não poderia adquirir conteúdos concretos.1'8

Nessa quarta categoria, encontram-se os "(iv) Direitos fundamentais (de con­ teúdo concreto variável), que resultam da configuração autônoma do direito para uma participação, em igualdade de condições, na legislação política".178 179 Assim, para que os membros de uma dada comunidade possam atribuir reciprocamente direi­ tos subjetivos de maneira legítima, necessitam da institucionalização de procedi­ mentos de produção desse Direito, que pressupõe o reconhecimento mútuo como pessoas livres e iguais. Resta, todavia, mais uma categoria de direitos, que são: (v) Direitos fundamen­ tais "[...] ao provimento do bem-estar e da segurança sociais, à proteção contra ris­ cos sociais e tecnológicos, bem como ao provimento de condições ecologicamente não danificadas de vida e, quando necessário, sob as condições prevalecentes, o direito de igual oportunidade de exercício dos outros direitos elencados."180181

Nesse prisma, a Constituição é condição recíproca para o exercício da sobera­ nia popular e dos direitos fundamentais, no momento em que passa a instituciona­ lizar o sistema de direitos - o conjunto de direitos (fundamentais) que os membros de uma comunidade atribuem-se reciprocamente quando decidem regular legitima­ mente sua convivência por meio do Direito Positivo.18'

178. HABERMAS, Jürgen, O estado democrático de direito - uma amarração paradoxal de princípios contraditórios?, p. 169. 179. HABERMAS, Jürgen, O estado democrático de direito - uma amarração paradoxal de princípios contraditórios?, p. 169. 180. CATTONI DE OLIVEIRA, Marcelo Andrade, Direito constitucional, p. 72. 181. Conforme preleciona Habermas: "Se sob condições de um mais ou menos estabilizado compromisso relativo ao Estado de Bem-Estar Social, quer-se sustentar não somente um Estado de Direito mas também um Estado De­ mocrático de Direito, e, assim, a ideia de auto-organização da comunidade jurídica, então não se pode manter a visão liberal de constituição como uma ordem-quadro que regule essencialmente a relação entre administração e cidadãos. O poder econômico e a pressão social necessitam ser conformados pelos meios do Estado de Direi­ to não menos que o poder administrativo. Por outro lado, sob as condições de pluralismo societário e cultural, a Constituição deve também não ser concebida como uma ordem jurídica concreta que imponha aprioristicamente uma forma de vida total à sociedade. Ao contrário, a Constituição estabelece procedimentos políticos de acordo com os quais os cidadãos possam, no exercício de seu direito de autodeterminação, com sucesso, buscar realizar o projeto cooperativo de estabelecer justas (i.e. relativamente mais justas) condições de vida. Somente as condições procedimentais da gênese democrática das leis asseguram a legitimidade do Direito promulgado.” HABERMAS, Jürgen, Facticidad y valider. sobre el derecho y el estado democrático de derecho en términos de teoria dei discurso, p. 163. Importante, então, observar que a crítica de Michelman (Brennan and Dernocracy) a Habermas - no sentido de afirmar um paradoxo entre Estado de Direito e Democracia, o que provocaria um regresso ao infinito, já que a Assembléia Constituinte não poderia avocar legitimidade democrática das normas que ela mesma criou. Em resposta, □ autor alemão (0 estado democrático de direito - uma amarração paradoxal de princípios contraditórios?) argumenta que tal regresso pode ser mais bem compreendido no sentido não de um círculo vicioso, mas antes hermenêutico, como uma abertura para o futuro, a partir da ideia de um projeto a

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assificações das

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7.4. O Constitucionalismo Abusivo de David Landau A concepção cie constitucionalismo abusivo foi desenvolvida por David Landau. Ele define essa forma de constitucionalismo como o uso de institutos de origem democrática para minar ou mesmo ceifar o espaço do pluralismo num determinado país. 0 objetivo do autor é mostrar que mecanismos formais e institucionais de mu­ dança constitucional podem minar e usurpar a democracia.’82 Assim sendo, o fenômeno do "Constitucionalismo Abusivo" vai muito além dos comuns regimes autoritários, cuja inconstitucionalidade é clara (salta aos olhos), porquanto sua subsistência reside nas entranhas de suas cartas magnas, cujos me­ canismos ordinários de defesa para combatê-lo são praticamente ineficazes. Exem­ plos de constitucionalismo abusivo vêm de diferentes partes do mundo, mas a América Latina parece ser campo fértil para o seu desenvolvimento.

Aqui é interessante salientar que, na maioria dos países da América Latina, a ditadura militar esteve presente nas décadas de 6o em diante do século XX. E em­ bora em alguns casos os regimes autocráticos buscassem a legitimação legal de suas ações, os golpes militares foram geralmente feitos em desafio à ordem constitucio­ nal existente. Ou seja, observamos em regra uma ruptura institucional muito clara. Contudo, para a tese do constitucionalismo abusivo, os golpes militares deixa­ ram de ser um método comum de supressão da ordem democrática. Nesse sentido, atualmente é crescente a instituição de regimes autoritários ou semiautoritários por meio do uso de ferramentas constitucionais. Assim, presidentes autoritários e par­ tidos fortes eleitos em eleições válidas e democráticas podem promover mudanças constitucionais de forma a torná-los muito difíceis de substituir e de serem contro­ lados pelos outros poderes.182 183

ser enfrentado por diversas gerações, que assumirão a tarefa de atualizar a substância normativa do sistema de direitos estatuído pela Constituição. Para mais detalhes ver CATTONI DE OLIVEIRA, Marcelo Andrade. Poder consti­ tuinte epatriotismo constitucional, p. 35-39. Devemos, portanto, lembrar - já que parece passar despercebido aos autores ligados à tradição do Comunitarismo - que em Habermas (A inclusão do outro, p. 307) a ideia de “política deliberativa" adquire uma percepção muito mais drá/óg/co que instrumento/. 182. LANDAU, David. Abusive constitutionalism. UC Davis Law Review, Estados Unidos, v. 47, n. 1, p. 189-260, nov. 2013. O Constitucionalismo Abusivo é descrito pela literatura especializada como utilização indevida de mecanismos do direito constitucional para atacar e minar as estruturas da democracia constitucional e das bases filosóficas do constitucionalismo. Há duas formas principais de emprego da categoria constitucionalismo abusivo para compreender práticas e realidades constitucionais: a) frequente e reiterado uso de emendas à constituição e criação de novos documentos constitucionais com intuito de manter um grupo social e político no poder com destruição dos elementos centrais da democracia constitucional, designando esse modalidade como constitu­ cionalismo abusivo estrutural, e b) utilização de alguns institutos e técnicas constitucionais em desacordo com as diretrizes da democracia constitucional, consistindo esse fenômeno no constitucionalismo abusivo episódico. Apesar da existência de hiperpresidencialismo no Brasil, os mecanismos de accountability horizontal como do Poder Judiciário sobre o Executivo e o Legislativo, não permitem a classificação como constitucionalismo abusivo estrutural, mas existem fenômenos de constitucionalismo abusivo episódico e preocupantes. Barboza, E„ & Filho, I. (2019). Constitucionalismo Abusivo. Revista Brasileira De Direitos Fundamentais & Justiça, 12(39), 79-97. https:// doi.org/10.30899/dfj.v 12Í39.641. 183. LANDAU, David. Abusive constitutionalism. UC Davis Law Review, Estados Unidos, v. 47, n. 1, p. 189-260, nov. 2013.

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As "autocracias eleitorais" ou os "regimes híbridos" são aqueles observados em países nos quais geralmente o constitucionalismo assume um feitio abusivo. Nes­ ses termos, eles costumam satisfazer a comunidade internacional, uma vez que são democráticos o suficiente para não apontá-los em seu radar. Isso porque eleições são realizadas e não são meras aparências, quer dizer, há competitividade eleitoral a ponto de o partido/candidato da oposição ocasionalmente até ganhar. Ao mesmo tempo, contudo, há um enfraquecimento de várias instituições que deveríam estar fiscalizando o poder executivo, tornando-as praticamente inexpressivas ou então suas correligionárias.'84

Nesses termos, David Landau afirma que determinadas cláusulas são efetivas em detectar golpes militares tradicionais, que são abertamente inconstitucionais, mas muito menos efetivos em detectar o constitucionalismo abusivo, que utiliza meio que são tanto constitucionais ou então ambiguamente constitucionais.’85 7.5. A sociedade aberta de intérpretes da Constituição de Peter Haberle: Consti­ tuição como cultura e processo público

Na perspectiva de Peter Haberle, a assunção de uma perspectiva de um Estado Democrático de Direito, bem como de uma Hermenêutica Constitucional adequada, que visa à autocompreensão da Constituição, mostram-se como inadequadas se forem construídas (forjadas) tendo como destinatárias uma sociedade fechada de intérpretes184 186 - que, segundo o autor, estaria preocupada e, sobretudo, direcionada 185 à interpretação (constitucional) dada (apenas) pelos magistrados (principalmente os membros dos Tribunais e das Cortes Constitucionais). Ora, Estado Democrático de Direito impõe uma nova tônica como paradigma constitucional e, por isso, sua preocupação transborda além das paredes dos tri­ bunais. Ele se assume como referencial teórico para pensar uma sociedade plura­ lista, hipercomplexa, dotada em seu interior de diversos projetos de vida. Sob tal prisma, levanta exigências de uma sociedade aberta de intérpretes, na qual cada sujeito é destinatário da norma constitucional e igualmente o seu intérprete, em um

184. Kanegae, Kenji Nog uei ra. Constitucionalismo abusivo ou constituição sem constitucionalismo. Nesses termos: A va ler, princípios como a dignidade humana, igualdade racial ou a livre iniciativa, certamente permanecerão intactos ou até mesmo enaltecidos no constitucionalismo abusivo, sob pena de perder a sua feição democrática, inclusive, nesses países geralmente há um alto índice de aprovação popular, uma das principais "ferramentas" utilizadas pelos diri­ gentes políticos para legitimar o seu poder. Se assim não o fosse, alguns mecanismos criados para o embate contra regimes autoritários se revelariam eficazes contra o constitucionalismo abusivo, tais como, o conceito de “democracia militante" da Alemanha pós nazista em que é possível o banimento de partidos totalitários antes que tenham a chance de crescimento e ganhem poder dentro do sistema político, bem como os chamadas "cláusulas democráticas", onde países com práticas antidemocráticas podem sofrer sanções de organismos internacionais, tal como a exclusão da Venezuela do bloco Mercosul no ano passado por práticas abusivas do governo de NICOLAS MÁDURO e o “desrespeito à separação de poderes", 185. LANDAU, David. Abusiveconstitutionalism. UC Davis Law Review, Estados Unidos, v. 47, n. 1, p. 189-260, nov. 2013 186. HABERLE, Peter, Hermenêutica constitucional: a sociedade aberta dos intérpretes da Constituição - a contribuição para a interpretação pluralista e"procedinnental"da Constituição.

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Conceito e classificações oas Constituições

processo ativo de construção do seu sentido. Conforme a doutrina: "Sem prejuízo da precedência que atribui à jurisdição constitucional - até porque reconhece que a ela compete dar a última palavra sobre a interpretação - Haberle afirma que devem ser reconhecidos como igualmente legitimados a interpretar a Constituição os seguintes indivíduos e grupos sociais: 1) o recorrente e o recorrido, no recurso constitucional, como agentes que justificam a sua pretensão e obrigam o Tribunal Constitucional a tomar uma posição ou a assumir um diálogo jurídico; 2) outros par­ ticipantes do processo, que têm direito de manifestação ou de integração à lide, ou que são convocados, eventualmente, pela própria Corte; 3) os órgãos e entidades estatais, assim como os funcionários públicos, agentes políticos ou não, nas suas esferas de decisão; 4) os pareceristas ou experts; 5) os peritos e representantes de interesses, que atuam nos tribunais; 6) os partidos políticos e frações parlamenta­ res, no processo de escolha dos juizes das cortes constitucionais; 7) os grupos de pressão organizados; 8) os requerentes ou partes nos procedimentos administrati­ vos de caráter participativo; 9) a mídia, em geral, imprensa, rádio e televisão; io) a opinião pública democrática e pluralista, e o processo político; 11) os partidos políticos fora do seu âmbito de atuação organizada; 12) as escolas da comunidade e as associações de pais; 13) as igrejas e as organizações religiosas; 14) os jornalistas, professores, cientistas e artistas; 15) a doutrina constitucional, por sua própria atua­ ção e por tematizar a participação de outras forças produtoras de interpretação."’87

Logo, 0 mérito de Haberle está em nos lembrar que a interpretação constitucio­ nal não pode mais ser balizada nas atividades estatais exclusivamente, mas deve criar condições de abertura para penetração de um fluxo interpretativo que provém da sociedade civil.187 188 0 juiz constitucional, adverte 0 autor alemão, apesar de intér­ prete oficial, tem sempre que ter em mente que sua interpretação tem de encontrar (na medida do possível) correspondência com os demais intérpretes situados na sociedade aberta, o que exigirá dele uma mudança metodológica e de postura, tam­ bém, levando em conta sempre a posição e argumentos dos sujeitos envolvidos.189

187. COELHO, Inocêncio Mártires, Konrad Hesse/Peter Haberle: um retorno aos fatores reais de poder, p. 6. 188. CUNHA JÚNIOR, Dirley da, Curso de direito constitucional, p. 225-226. 189. Triste é, todavia, o fato de. principalmente, os juizes dos Tribunais Superiores brasileiros ainda virarem as costas para tal compreensão, mantendo autoritariamente e à revelia da Constituição posturas fechadas de interpreta çâo que levam em conta apenas o seu posicionamento pessoal, justificadas mais por discursos de autoridade do que por razões jurídicas. Ver, por exemplo, os seguintes votos: 1) do Min. Humberto Gomes de Barros, do 5TJ, no AgReg em ERESP n° 279.889-AL: "Não me importa o que pensam os doutrinadores. Enquanto for Ministro do Superior Tribunal de Justiça, assumo a autoridade da minha jurisdição. O pensamento daqueles que não são Ministros deste Tribunal importa como orientação. A eles, porém, não me submeto. Interessa conhecera doutri­ na de Barbosa Moreira ou Athos Carneiro. Decido, porém, conforme minha consciência. Precisamos estabelecer nossa autonomia intelectual, para que este Tribunal seja respeitado. É preciso consolidar o entendimento de que os Srs. Ministros Francisco Peçanha Martins e Humberto Gomes de Barros decidem assim, porque pensam assim. E o STJ decide assim, porque a maioria de seus integrantes pensa como esses Ministros. Esse é o pensamento do Superior Tribunal de Justiça, e a doutrina que se amolde a ele. É fundamental expressarmos o que somos. Ninguém nos dá lições. Não somos aprendizes de ninguém. Quando viemos para este Tribunal, corajosamente assumimos a declaração de que temos notável saberjurídico- uma imposição da Constituição Federal. Pode não ser verdade. Em relação a mim, certamente, não é, mas, para efeitos constitucionais, minha investidura obriga-me a pensar que assim seja"(grifosnossos); e 2) do Min. Eros Grau na Reclamação n° 4.335-5/AC:"Sucede que estamos

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Por isso, podemos com Haberle dizer que a Constituição em si é aberta e ca­ rente de interpretações que devem se dar à luz de uma discussão pública.190 196 Adotar 195 194 193 192 191 uma postura contrária é, necessariamente, correr o risco de perder a racionalidade e a legitimidade da decisão, pondo em cheque a normatividade da própria Consti­ tuição.’91

Nesse sentido, Haberle desenvolve sua concepção de Constituição aberta em uma sociedade aberta entendendo-a como um processo cultural”2 no qual temos uma tensão entre o passado e o futuro que se reproduz cotidianamente no con­ texto social de um povo concreto.”3 Conforme abalizada doutrina: "A Constituição, para Haberle, não se limita a ser apenas um compêndio de normas de conteúdo pré-determinado, seja pela história, seja por decisão do constituinte. Tampouco começa do zero. Ela é um processo que recebe do passado certas orientações e projeta alternativas para o futuro. Compreende, assim, a expressão de um certo grau de desenvolvimento cultural, um meio de autorrepresentação própria de todo um povo, espelho de seu legado cultural e fundamento de suas esperanças e dese­ jos. É a síntese da tradição, da cultura, das experiências históricas, bem como das esperanças, possibilidades reais e de configuração futura, viabilizadora de que os textos clássicos, os discursos presidenciais, os votos dos magistrados do tribunal da jurisdição constitucional, até os trabalhos artísticos e científicos cristalizem os valores culturais. É a catálise de posteriores desenvolvimentos dos textos normati­ vos positivos."”4 Nesse sentido, a Constituição não pode ser meramente entendida como o documento escrito (eixo”9), pois, a rigor, ela seria um "processo público" (aberto) "de interpretação" cotidiana do texto à luz dos contextos que permeiam as especificidades individuais e sociais.”6

190.

191. 192. 193.

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aqui não para caminhar seguindo os passos da doutrina, mas para produzir o direito e reproduzir o ordenamento. Ela nos acompanhará, a doutrina. Prontamente ou com alguma relutância. Mas sempre nos acompanhará, se nos mantivermos fiéis ao compromisso de que se nutre a nossa legitimidade, o compromisso de guardarmos a Constituição. O discurso da doutrina [= discurso sobre o direito] é caudatário do nosso discurso, o discurso do direito. Ele nos seguirá; não o inverso." MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocéncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet, Curso de direito constitucio­ nal, p. 7-8. Exemplos interessantes da perspectiva de uma sociedade aberta de intérpretes da Constituição positiva­ dos em nosso ordenamento, podem ser observados nos arts. 7°§ 2" (amicus curiae) e 9° da Lei n° 9.868/99. COELHO, Inocéncio Mártires, Konrad Hesse/PeterHaberle: um retorno aos fatores reais de poder. Podemos observar que sua tese guarda intima conexão com a perspectiva culturalista aqui já trabalhada. Nesse sentido:' [...] a Constituição é sempre de um povo concreto e de uma cultura específica, por mais que os textos possam se equivaler. A constituição não é, portanto, reserva do jurista, mas um fio condutor para o uso de todos os cidadãos." (SAMPAIO, José Adércio Leite, Teorias constitucionais em perspectiva, 2004, p. 28). (SAMPAIO, José Adércio Leite, Teorias constitucionais em perspectiva, 2004, p. 27). Nesses moldes, a Constituição escrita seria uma guia para a Constituição (intitulada) processo, instituindo garan­ tias para ela, como: respeito às minorias, liberdade de expressão, pressupostos processuais etc. SAMPAIO. José Adércio Leite, Teorias constitucionais em perspectiva, 2004, p. 27. Interessante é a conclusão de José Adércio: O procedimentalismo constitucional, no passo de Haberle, refere-se à Constituição como um conjunto de regras do processo de decisão política ou das formas de competição por programas sociais e políticos (Haus oder fórum). A doutrina de Haberle, além do ideário procedí mentalista, trouxe para o centro do debate constitucional o projeto popperiano de uma sociedade aberta. (SAMPAIO, José Adércio Leite. Teorias constitucionais em perspectiva, 2004, p. 28). Nesses termos, é importante registrar a crítica de Pablo Lucas Verdú ao posicionamento de Haberle. Este entende que o maniqueísmo que se apresenta na teoria critica

Conceito e classificações das Constituições

7.6. A força normativa da Constituição e a Constituição aberta de Konrad Hesse Em um famoso texto, o professor alemão Konrad Hesse pretendeu apresentar uma digressão sobre os problemas que parecem separar de modo abissal realida­ de e norma constitucional,’97 entrando, portanto, em franco debate com a tradição de pensamento que remonta às idéias de Lassalle. Partindo desse ponto, reconhecerá que a Constituição deve ser compreendida como ordem jurídica fundamental de uma sociedade, que se estrutura a partir de certos princípios fundamentais.”8 Logo, ao se falar em sua concretização, levantam-se exigências no sentido de: (1) fixar princípios diretores que conduzam à ideia de unidade política e de desenvolvimento estatal; (2) fixar procedimentos capazes de solucionar controvérsias internas à comunidade; (3) fixar uma disciplina de organi­ zação e de formação da unidade política e da atuação estatal; e (4) criar as bases dos princípios componentes da ordem jurídica.1" Com isso, Hesse busca se contrapor às teses mecanicistas, preferindo uma abordagem dialética que reafirme 0 caráter normativo da Constituição (como vontade normativa abstrata de uma comunidade).197 200 Logo, mesmo acabando por 199 198 reconhecer 0 significado dos fatores históricos, políticos e sociais para a força normativa da Constituição, 0 autor alemão irá enfatizar esse aspecto da vontade de Constituição.

É a partir de tal prisma que Hesse busca conciliar realidade e normatividade constitucionais. Sem virar as costas para a realidade histórica-política, a Constitui ção não pode perder sua natureza deontológica (ligada ao dever-ser). E, para que haja tal vontade de se cumprir a Constituição, três elementos devem ser obser­ vados:201 (1) "compreensão da necessidade e do valor de uma ordem normativa inquebrantável, que proteja 0 Estado contra 0 arbítrio desmedido e uniforme"; (2) "na compreensão de que essa ordem constituída é mais do que uma ordem

197. 198. 199. 200.

201.

de Popper e, segundo ele, de Hãberle, entre abertura-perfeição e fechamento-imperfeição é um radicalismo ina­ dequado. Para o professor espanhol nenhuma Constituição, bem como nenhuma sociedade, é exclusivamente fechada ou exclusiva mente aberta. (SAMPAIO, José Adércio Leite, Teorias constitucionais em perspectiva, 2004, p. 29). Ver também VERDÚ, Pablo Lucas, La Constitución abiertay sus enemigos. Madrid, 1993. Nesse ponto discorda mos de Verdú, pois acreditamos que Hãberle, no desenvolvimento (e na ênfase) da tese da Constituição como um processo público aberto, não retira a possibilidade de garantia de direitos (processuais e fundamentais) inarredáveis até mesmo para que a abertura seja viável e não meramente uma utopia ou mesmo uma panaceia. Ou­ tras criticas às posições de Hãberle podem ser encontradas em CANOTILHO, José Joaquim Gomes, Constituição dirigente e vinculação do legislador, contributo para a compreensão das normas constitucionais programáticas. HESSE, Konrad, A força normativa da Constituição. HESSE, Konrad, Elementos de direito constitucional da República Federal da Alemanha, p. 37. MENDES, Gilmar Ferreira. Curso de direito constitucional, p. 11. Para Inocêncio Coelho (Konrad Hesse/Peter Hãberle: um retorno aos fatores reais de poder, p. 4-5), tal postura destaca uma compreensão deontológica da Constituição, que se destaca muitas vezes como divergente na tradi­ ção do constitucionalismo alemão, tão afeito a posturas axiolõgicas - que identificam normas a valores, submetendo-as a cálculos utilitaristas de custo-beneficio, como faz Robert Alexy (ALEXY, Robert, Teoria de los derechos fundamentales). HESSE, Konrad, A força normativa da Constituição, p. 19-20.

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legitimada pelos fatos (e que, por isso, necessita de estar em constante processo de legitimação)”; e (3) "consciência de que, ao contrário do que se dá com uma lei do pensamento, essa ordem não logra ser eficaz sem 0 concurso da vontade hu­ mana. Essa ordem adquire e mantém sua vigência através de atos de vontade. Essa vontade tem consequência porque a vida do Estado, tal como a vida humana, não está abandonada à ação surda de forças aparentemente inelutáveis. Ao contrário, todos nós estamos permanentemente convocados a dar conformação à vida do Estado, assumindo e resolvendo as tarefas por ele colocadas. Não perceber esse aspecto da vida do Estado representaria um perigoso empobrecimento de nosso pensamento. Não abarcaríamos a totalidade desse fenômeno e sua integral e sin­ gular natureza. Essa natureza apresenta-se não apenas como problema decorrente dessas circunstâncias inelutáveis, mas também como problema de determinado ordenamento, isto é, como um problema normativo." É, portanto, tarefa delegada ao Direito Constitucional a manutenção de sua for­ ça normativa, evitando que questões constitucionais sejam confundidas e diluídas em questões políticas.302 Para tal é necessário a já citada "vontade de constituição" (Wille zur Verfassung) ou aquilo que 0 jurista espanhol Pablo Lucas Verdú chamou de "sentimento de constituição".

É importante afirmar que Konrad Hesse, além da tese da força normativa da Constituição, desenvolveu, conjuntamente, a defesa da abertura constitucional. Nesses termos, a Constituição adequada é aquela na qual projetos alternativos de vida fossem capazes de conviver sem sucumbirem, recebendo, portanto, a possibilidade efetiva de participarem com igualdade do jogo democrático. Porém, é mister salientar que a abertura não é ilimitada, pois a Constituição conforma o Estado a partir de regras e princípios que ela mesma estatui e que "não estão sujeitos a transações ou barganhas políticas (conteúdos constitucio­ nais não abertos)".20’ Assim, a teoria constitucional desenvolvida por Hesse objetiva se afastar de uma espécie de "totalitarismo constitucional" que consiste na "codificação global e detalhada das matérias constitucionais", mas ao mesmo tempo sua abertura e incompletude não se dissolvem numa "dinâmica total em que a constituição seja incapaz de orientar e ordenar a vida"304 da sociedade e do Estado, sendo, como já observado, assegurada sua força normativa. Concluímos afirmando que Hesse busca uma espécie de convívio ou coexistência entre os domínios abertos e não abertos, explicitando, portanto, que "uma Constituição, para ser duradoura, deve conciliar sua abertura ao tempo com sua estabilidade jurídica."’05202 205 204 203

202. 203. 204. 205.

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VIEIRA, lacyr de Aguilar, A essência do Constituição no pensamento de Lassalle e de Konrad Hesse, p. 10. SAMPAIO, José Adércio Leite, Teorias constitucionais em perspectiva, 2004, p. 27. CUNHA JÚNIOR, Dirley da, Curso de direito constitucional, 2008, p. 94. CUNHA JÚNIOR. Dirley da. Curso de direito constitucional, 2008, p. 95.

Conceito e classificações oas Constituições

7.7. A Constituição simbólica de Marcelo Neves e as digressões sobre o trans­ constitucionalismo (Tese do Transconstitucionalismo)

Para a compreensão da constitucionalização simbólica, o jurista Marcelo Neves desenvolve um interessante percurso crítico e reflexivo. Primeiro, demarca o que significa o "simbólico", depois, trabalha a concepção de "legislação simbólica" no que tange à sua definição e à sua tipologia, para, logo em seguida, analisar a Cons­ tituição simbólica, bem como as implicações e consequências da "constitucionaliza ­ ção simbólica" para o sistema jurídico. Para o professor titular da UNB, o que significaria o termo simbólico? Após várias teorizações e concepções na filosofia, sociologia, antropologia e psicologia, Marcelo Neves delimita (embora reconhecendo a "vagueza" e "ambiguidade" do termo) que o simbólico pode ser traduzido como a dimensão em que o discurso conotativo é mais forte que discurso denotativo, ou seja, que o sentido manifesto, é menos relevante do que o sentido latente (a linguagem "manifesta" é mais frágil que a linguagem "latente"’”6). Após isso, afirma Marcelo Neves que praticamente todas as normas jurídicas são dotadas de um aporte de carga simbólica, ou seja, todo texto normativo em par­ te tem funções sabidamente simbólicas (de natureza político-simbólica) que convi­ vem com as funções de natureza normativo-jurídicas. Esse, inclusive, não é o proble­ ma, pois é até salutar, para Neves, esse convívio. 0 problema se coloca, justamente, quando há uma "hipertrofia" da função político-simbólica em detrimento da força normativo-jurídica do diploma legal, ou seja, a dimensão político simbólica prevale­ ce sobre a natureza jurídica-normativa própria do direito.307 Aqui, a advertência é a de que não ocorre apenas um alto grau de ineficácia jurídica (inefetividade social), mas, conjuntamente, também um alto grau de força simbólica (político-simbólica) Marcelo Neves elenca, então, uma "tipologia de legislações simbólicas", sendo elas: (í) Fórmula de compromisso dilatório: em um cenário de conflito social a le­ gislação surge em circunstâncias políticas, nas quais as partes envolvidas aprovam uma lei que sabidamente não resolvería o conflito, ou seja, sabidamente ineficaz para aquela querela. Com isso, protela-se a resolução do problema (adiamento da solução do conflito) e, consequentemente, temos que as condições não admitiam a força normativa da lei, mas mesmo assim ela é aprovada, porém, não advém dela um significado prático para a realidade jurídico social e a solução é transferida para o futuro"18; (2) Confirmação de valores sociais de um grupo (contra outro grupo ou206 208 207

206. Como exemplos: a) o do "carrasco" que enforca em praça pública; b) o da "democracia" vide: República Democrá­ tica da Alemanha (democrática?); c) República Popularda China (popular?). 207. NEVES, Marcelo, A constitucionalização simbólica, p. 29-31. 208. O compromisso dilatório se mostra como medida de solução por meio de um ato legislativo aprovado consen­ sualmente por duas facções políticas opostas, no sentido não de apresentar um acordo quanto ao conteúdo do diploma normativo, mas, sim, em aceitar ambas que o conflito fique para ser resolvido em um futuro indeter­ minado. NEVES, Marcelo, A constitucionalização simbólica, p. 41. Um exemplo é o de reconhecimento de direitos trabalhistas para empregadas domésticas na Noruega na década de 40 do século passado. Os socialistas eram a

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outros grupos): nesse caso, resta explícito que um grupo quer deixar assente que seus valores são mais relevantes (melhores, mais adequados, mais virtuosos) que os de outros grupos sociais (esses valores, então, vão funcionar como elementos influenciadores da atividade legiferante309); (3) Legislação-álibi: ocorre quando 0 Es­ tado age para acalmar (em situações, por exemplo, de comoção pública, diante de um público aflito). Com isso, temos uma demonstração da capacidade de ação do Estado, no que se refere à solução de problemas sociais. Aqui, temos um papel tranquilizador, porém, sem significado prático relevante209 210. É, então, característica da legislação simbólica sua ineficácia. Mas este não é seu problema principal, mas, sim, a sua falta de vigência social.211 Uma vez que a norma jurídica não apenas regula uma conduta, fixando uma direção para 0 agir, mas, ainda, visa assegurar expectativas de comportamento generalizáveis, a estru­ tura da legislação simbólica prejudica, principalmente, esse segundo prisma, já que deixa de ser levada como uma orientação normativa do agir, ou seja: a lei existe, fixa uma conduta, mas ninguém socialmente espera que tal conduta seja observada. Mas certo é que, se 0 problema da legislação simbólica é grave, mais grave é 0 problema da Constituição simbólica. Marcelo Neves, então, trabalha a passagem do fenômeno da legislação simbólica para 0 da constitucionalização simbólica. Ora, aqui, 0 problema é, justamente, 0 da maior abrangência, nos diversos âmbitos de vigência do direito que envolvem a Constituição, na medida em que a Constituição é fundamento de validade para as outras normas do ordenamento jurídico, e suas normas se "irradiam" por todo 0 sistema jurídico. É bom lembrar que, na análise da Constituição, Marcelo Neves faz uso da teoria luhmanniana, que compreende a Constituição como acoplamento estrutural entre os sistemas do direito e da política.

A discussão sobre a constituição simbólica tem lugar no debate entre norma e realidade constitucional. Por isso, a constituição simbólica, por um lado, revela um

favor e os liberais contra. Ambos responderam aos seus eleitores. A lei foi aprovada, mas as cláusulas sancionató rias para seu descumprimento eram impossíveis de serem aplicadas. Ou seja, ambos os partidos deram repostas aos seus eleitores. Restou claro o compromisso dilatórioe a questão foi transferida para o futuro. 209. As discussões em torno da Lei Seca, nos Estados Unidos, demonstram bem esta perspectiva. A proibição do consumo de bebidas alcoólicas não apresentava preocupação primordial com a eficácia dos efeitos instrumen­ tais da norma, mas, sim, em afirmar a supremacia dos valores compartilhados pela comunidade protestante - contrário ao consumo de álcool - em detrimento da comunidade católica - favorável ao seu uso (NEVES. Marcelo. A constitucionalização simbólica, p. 33-34). Aliás, diga-se: "nunca se bebeu tanto nos EUA como na época da Lei seca". 210. Aqui, não se está tratando da confirmação de valores de um grupo particular, mas da produção de confiança no público, por meio da criação de diplomas normativos que satisfaçam as expectativas de cidadãos, sem que haja o mínimo de condições reais de efetivação. Ou seja, o legislador usa estrategicamente da legislação para se ver livre das pressões políticas ou para forçar uma imagem de um Estado sensível e preocupado com exigência e expectativas provindas da sociedade civil (NEVES, Marcelo, A constitucionalização simbólica, p. 36-37)."[...] no Brasil a partir das duas últimas décadas do século XX, a discussão em torno de uma legislação penal mais rigorosa apresenta-se como um álibi, uma vez que o problema não decorre da falta de legislação tipificadora, mas sim, fundamentalmente, da inexistência dos pressupostos socioeconômicos e políticos para a efetivação da legislação penal em vigor."NEVES, Marcelo, A constitucionalizaçãosimbólica, p. 38. 211. NEVES, Marcelo, A constitucionalização simbólica, p. 51.

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Conceito e classificações das Constituições

aspecto negativo, que é, justamente, o seu déficit de concretização jurídico-normativa, o que leva à perda da capacidade da Constituição generalizar expectativas de comportamento - função própria do Direito.212 Por outro lado, acaba revelando também um aspecto positivo, no que concerne ao seu papel ideológico-político, o que faz com que a Constituição se transforme em uma instância reflexiva de um sistema jurídico, aproximando as expectativas sociais e canalizando argumentos em prol da formação de um consenso discursivo. 0 risco, contudo, é de que a constituição simbólica crie um simulacro de realidade, servindo para encobrir problemas sociais,213214 obstruindo possíveis tomadas de atitude políti­ cas que levariam a mudanças sociais.

Mas o desgaste do constitucionalismo simbólico, também, acaba servindo para a eclosão de movimentos sociais reformistas. Todavia, novamente, o elemento simbó­ lico também pode revelar outra face, a condução a uma apatia das massas sociais e ao fortalecimento de um cinismo por pane da elite política.

Ao final, a emergência de um constitucionalismo simbólico acaba por represen­ tar sobreposição do sistema político sobre o sistema jurídico.212

Sob tais luzes, a constitucionalização simbólica apresenta-se essencialmente no bloqueio político destrutivo que obstaculizaria a reprodução operacionalmente au­ tônoma do sistema jurídico, acarretando, assim, a perda da relevância normativo-jurídica dos textos constitucionais como elementos de orientação das expectativas normativas. Dito de outro modo, o sistema jurídico perdería sua capacidade de gerar seu próprio código, já que encontra na Constituição sua matriz geradora.215 Com tudo isso, o princípio da legalidade acaba por não se realizar de modo suficiente, e, consequentemente, perde-se a condição de manutenção de uma igualdade perante a lei - que, no máximo, transforma-se em figura retórica do discurso do poder. 0 interessante é que, com isso, a própria autonomia do sistema político é posta em xeque, tornando-a aberta e suscetível a influências imediatas de interesses particulares.216 Isso acaba por explicar por que no plano das práticas informais-já que desprovidas de um procedimento constitucional - irão imperar deturpações e corrupções.

Após as análises sobre a concepção do constitucionalismo simbólico, passa­ mos às digressões do que o professor Marcelo Neves, recentemente, em instigante obra, denominou de transconstitucionalismo. Ora, segundo o autor, o que seria esse (novo) fenômeno e como poderia ser caracterizado?

212. 213. 214. 215. 216.

NEVES, Marcelo, A constitucionalização simbólica, p. 91. NEVES, Marcelo, A constitucionalização simbólica, p. 98. NEVES, Marce\o, A constitucionalização simbólica, p. 148. NEVES, Marce\o, A constitucionalização simbólica, p. 150. NEVES, Marcelo, A constitucionalização simbólica, p. 152.

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Em linhas gerais, o transconstitucionalismo pode ser definido como o entrela­ çamento de ordens jurídicas diversas (estatais, transnacionais, internacionais e até mesmo supranacionais) em torno dos mesmos problemas de natureza constitucio­ nal. Portanto, o fato de ordens jurídicas diferenciadas enfrentarem concomitante­ mente as mesmas questões de natureza constitucional pode (e deve), segundo o autor, ser traduzido como transconstitucionalismo.”7 Com isso, em nossa sociedade hipercomplexa, estaríamos diante de um novo paradigma constitucional, que abala com as nossas pré-compreensões subjacentes (arraigadas pelo direito nacional-estatal clássico e pelo direito internacional clássico), pois problemas, por exemplo, em torno de direitos fundamentais, ou mesmo de separação e limitação de poderes (envolvendo conflitos entre o Judiciário e o Executivo de um Estado nacional contra organizações internacionais ou contra um outro Estado nacional) passam, efetiva­ mente, a serem debatidos e discutidos por tribunais de ordens jurídicas diversas, podendo apresentar soluções distintas à luz dos contextos (e percepções) em que são analisados. Certo é que o transconstitucionalismo pode ocorrer entre ordens jurídicas da mesma espécie ou de espécies diferentes,”8 ou mesmo entre uma pluralidade de ordens jurídicas que podem estar envolvidas simultaneamente na solução de um caso (como exemplo, teríamos o transconstitucionalismo pluridimensional dos direi­ tos humanos).

Como forma de demonstrar tal ocorrência e, com isso, a mudança paradigmá­ tica em voga, Marcelo Neves cita em sua tese 98 exemplos”’ de transconstitucio-

217. Mas, aqui, uma advertência do autor, já na introdução de sua obra. Marcelo Neves, contra qualquer mal-enten­ dido, afirma que:“o transconstitucionalismo não se trata de constitucionalismo internacional, transnacional, su­ pranacional, estatal ou local. O conceito aponta exatamente para o desenvolvimento de problemas jurídicos que perpassam diversas ordens jurídicas. Um problema transconstitucional implica uma questão que poderá envol­ ver tribunais estatais, internacionais, supranacionais e transnacionais (arbitrais), assim como instituições jurídicas locais nativas, na busca de sua solução" NEVES, Marcelo, Transconstitucionalismo, p.XXI-XXII. É interessante que, no capitulo 3 da obra, esclarece o autor que, se quisermos definir as questões constitucionais que ensejam o transconstitucionalismo devemos nos afastar da noção arraigada do direito constitucional do constitucio­ nalismo clássico, ou seja, de um conceito de Constituição associado exclusivamente a um determinado Estado, sem que dai seja necessário recorrer a outras Constituições. Aliás, essa perspectiva não mais coaduna com a atual praxis constitucional que vai além dos Estados em virtude do incremento de relações transterritoriais {constitucio­ nalismo para além do Estado). Um exemplo extensivamente trabalhado pelo autor diz respeito aos direitos fun­ damentais (ou direitos humanos), pois é evidente como esse tema (entre outros) deixou de ser um privilégio do direito constitucional do Estado, perpassando suas fronteiras. Nesses termos: "Não interessa primariamente ao conceito de transconstitucionalidade saber em que ordem se encontra uma Constituição, nem mesmo defini-la como um privilégio do Estado. O fundamental é precisar que os problemas surgem em diversas ordens jurí­ dicas, exigindo soluções fundadas no entrelaçamento entre elas. Assim, um problema de direitos fundamen tais pode apresentar-se perante uma ordem estatal, local, internacional, supranacional e transnacional, ou com frequência, perante mais de uma dessas ordens, o que implica cooperações e conflitos, exigindo aprendizado recíproco." NEVES, Marcelo, Transconstitucionalismo, p. 121. 218. Como exemplos podemos citar o transconstitucionalismo entre: a) o direito internacional público e o direito estatal; b) o direito supranacional e o direito estatal; c) entre ordens jurídicas estatais; d) entre ordens jurídicas estatais e transnacionais. NEVES, Marcelo, Transconstitucionalismo, 2009. 219. Um exemplo interessante, citado por Marcelo Neves, em palestra, seria o comércio de pneus usados, que, sem dú­ vida, envolve questões de saúde, questões ambientais e de liberdade econômica. Essas questões são discutidas

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Conceito e classieicaçòes oas Constituições

nalismo em vários países (incluindo: Alemanha, Brasil, Áustria, França, Inglaterra, EUA, África do Sul, Suíça, entre outros* 220) e em variadas ordens jurídicas. Entre eles, podemos elencar: a) o caso de Caroline de Mônaco II, julgado em 1999 (BVerfCE 101, 361). Nesse case, 0 Tribunal Constitucional Alemão afirmou, de forma categórica, que figuras proeminentes (como uma princesa), diante da imprensa, não têm a mesma garantia de intimidade que 0 cidadão comum. A Corte Constitucional Alemã, então, decidiu que as fotos tiradas de Caroline de Mônaco por paparazzi, mesmo na esfera priva­ da (da intimidade), não poderíam ser proibidas. Nesses termos, 0 Tribunal proibiu apenas fotos que atingiam os filhos da princesa, porque eram menores.221 Porém, acontece que, no caso Caroline Von Hannover versus Germany (Caroline versus Ale­ manha), de 24 de julho de 2004, 0 Tribunal Europeu de Direitos Humanos (TEDH) decidiu contrariamente ao Tribunal Constitucional Alemão, exarando que "não há liberdade de imprensa que atinja a intimidade da princesa, mesmo sendo ela uma figura pública". Ou seja, 0 TEDH foi favorável à proteção da intimidade da autora em detrimento da liberdade de imprensa.222 b) Colisão entre 0 art. 7 da Convenção Americana de Direito Humanos e 0 art. 5, LXVII da Constituição brasileira de 1988. A Convenção (CADH) no citado artigo proí­ be a prisão do depositário infiel e a CR/88 permite a sua prisão civil. 0 STF enfrentou questão referente ao tema, no RE 466.343/SP (e também no RE 349.703/RS e HC 87585/

ao mesmo tempo pela Organização Mundial do Comércio, pela União Européia, pelo Mercosul e pelo Supremo Tribunal Federal no Brasil. Outro exemplo, também citado, seria o da recente decisão da Corte Européia de Direi­ tos Humanos (CEDH) que condenou a presença de crucifixos nas escolas públicas da Itália (caso: Luatsi v. Itália). Mais um, seria o caso da extradição de Cesare Battisti (e o provável conflito entre Brasil e Itália). 220. Um exemplo interessante e extremamente atual de transconstitucionalismo entre ordens Jurídicas estatais é o da cada dia mais frequente conversação constitucional, mediante referências recíprocas a decisões de tribunais de outros Estados nacionais. Não bastasse a migração de idéias constitucionais por meio de legislação e doutrina (que caracterizam um hibridismo cada dia mais comum entre os ordenamentos jurídicos), os Tribunais, sobretudo os Constitucionais, vem dialogando de forma cada vez mais contundente. Aqui não se trataria de mera influência, adverte Neves. Nesses termos: OTransconstitucionalismo entre ordens jurídicas importa que, em casos tipicamente constitucionais, as decisões de cortes constitucionais de outros Estados são invocadas em decisões de Tribunal Constitucional de um determinado Estado não só como obter dieta, mas como elemen­ tos construtores da ratio decidendi. Nesse caso o transjudicialismo implica uma releitura dos autofundamentos constitucionais da própria ordem que se toma como ponto de partida transformando-se em transconstituciona­ lismo. NEVES, Marcelo, Transconstitucionalismo, p. 168. 221. NEVES, Marcelo, Transconstitucionalismo, p. 138. 222. NEVES, Marcelo, Transconstitucionalismo, p. 138-139. Nesse embate, o Tribunal Constitucional Alemão afirmou no casoGorgu/u, em 14 de Outubro de 2004, que existem limites para a aplicação interna (na Alemanha) de decisões do TEDH. Nesses termos, afirma Marcelo Neves que: "O Tribunal Constitucional Federal alemão deve levar em conta as decisões do TEDH, mas não está vinculado a elas. No direito constitucional alemão, o texto do CEDH e a jurisprudência do TEDH servem como meios auxiliares de interpretação para determinar o conteúdo e a am­ plitude dos direitos fundamentais e dos princípios do Estado de direito, desde que não levem à redução ou limi­ tação da proteção dos direitos fundamentais prescritos na Lei Fundamental. No entanto uma negação narcisista das normas das decisões do Tribunal Europeu de Direitos Humanos por parte dos Tribunais estatais não parece suportável no grau de integração europeia. Daí por que imprescindível, também para os Tribunais nacionais en­ volvidos na solução de questões concernentes aos direitos humanos, o desenvolvimento de uma racionalidade transversal em face da ordem jurídica da CEDH. Qualquer unilateralidade pode ter efeitos destrutivos, irracionais, sobre a integração europeia no âmbito dos direitos humanos e fundamentais,”

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TO). Em 03.12.2008, 0 STF decidiu que os Tratados Internacionais de Direito Humanos, quando não aprovados nos termos do art. 5», § 3°, da CR/88 (procedimento equi­ valente ao das Emendas Constitucionais) serão considerados normas supralegais (hierarquia supralegal), ou seja, abaixo das normas constitucionais, mas acima das leis ordinárias. Com isso, 0 STF estabeleceu que os T1DH não mais entrariam como normas ordinárias em nosso ordenamento, pois ou entrariam como normas cons­ titucionais (seguindo 0 procedimento do art. 5°, § 3°, da CR/88), ou como normas supralegais infraconstitucionais, mas acima das normas ordinárias. Certo é que a manutenção da posição anterior (a de que todo tratado, mesmo de direitos huma­ nos, entraria no ordenamento como lei ordinária) criaria um conflito (tensão) entre a posição do STF em relação à Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH). Nesses termos, "0 STF estaria rompendo com um diálogo constitucional com a CIDH em torno da compreensão dos direitos humanos e dos direitos fundamentais. No entanto, na discussão que se travou, parece claro ter sido colocado em primeiro plano 0 esforço com vista à formação de uma racionalidade transversal, que se mostre suportável para ambas as ordens jurídicas."223224 No âmbito do Brasil, temos, ainda, uma questão não trabalhada por Marcelo Neves, até mesmo por uma questão temporal (sua tese foi finalizada em 2009). É a da recente decisão do STF considerando a recepção (constitucionalidade) da Lei da Anistia de 1979 pelo ordenamento constitucional de 1988. Pois bem, 0 Supre­ mo Tribunal Federal decidiu (de forma contrária a OAB e a vários doutrinadores nacionais), em 29.04.2010, que a Lei n° 6.683/79 (Lei da Anistia) é compatível com a Constituição Federal de 1988 e a anistia, por ela concedida, foi ampla e geral, alcançando os crimes de qualquer natureza praticados (mesmo) pelos agentes da repressão no período compreendido entre 02.9.61 e 15.8.79. Com base, então, nesse entendimento, 0 Tribunal, por maioria, julgou improcedente a arguição de descumprimento de Preceito Fundamental n° 153, ajuizada pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil em que se pretendia que fosse declarada a não recepção pela Constituição da República de 1988 da Lei n° 6.683/79 ou confe­ rido ao § i° do seu art. 1° interpretação conforme a Constituição, "de modo a de­ clarar, à luz dos seus preceitos fundamentais, que a anistia concedida pela citada lei aos crimes políticos ou conexos não se estende aos crimes comuns praticados pelos agentes da repressão contra opositores políticos, durante 0 regime militar (1964/1985)"”''

223. NEVES, Marcelo, Traniconstitucionalismo, p. 145-146. 224. No mérito da decisão da ADPF153:"afastou-se, primeiro, a alegação de que a Lei n° 6.683/79 não teria sido rece­ bida pela CF/88 porque a conexão criminal que aproveitaria aos agentes políticos que praticaram crimes comuns contra opositores políticos, presos ou não, durante o regime militar ofendería diversos preceitos fundamentais. (...) aduziu-se que o legislador realmente teria procurado estender a conexão aos crimes praticados pelos agentes do Estado contra os que lutavam contra o Estado de exceção. Dai o caráter bilateral da anistia, ampla e geral, que só não fora irrestrita porque não abrangera os já condenados, com sentença transitada em julgado, pela prática de crimes de terrorismo, assalto, sequestro e atentado pessoal. (...) Afirmou-se haver, portanto, necessidade de, no caso de lei-medida, interpretar-se, em conjunto com o seu texto, a realidade no e do momento histórico no qual

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Conceito e classificações das Constituições

Acontece que, no dia 14 de dezembro de 2010, em decisão histórica (caso: Gomes Lund e outros versus Brasil) a Corte Interamericana de Direitos Humanos (Tribunal em San José, na Costa Rica) afirmou que a interpretação da Lei de Anistia de 1979, exarada pelo Brasil, não pode continuar a ser um "obstáculo" para a in­ vestigação dos fatos e punição dos responsáveis por torturas realizadas durante 0 regime militar. Nesses termos, a CIDH analisou a compatibilidade (adequação) da Lei de Anistia n» 6.683/79 com as obrigações internacionais assumidas pelo Brasil, à luz da Convenção Americana sobre Direitos Humanos (CADH). Com isso, temos que, com base em sua jurisprudência, a Corte Interamericana concluiu que as disposições da Lei de Anistia (recepcionada pelo STF, em decisão na ADPF n° 153, supracitada) que impedem a investigação e sanção de graves violações de direitos humanos são incompatíveis com a Convenção Americana e carecem de efeitos jurídicos. Portanto, essa Convenção não pode ser óbice para a investiga­ ção dos fatos do caso em questão anteriormente citado, nem para a identificação e a punição dos responsáveis. Sem dúvida, entendemos que esse é um caso de transconstitucionalismo, nos moldes defendidos por Marcelo Neves. Assim, resta-nos aguardar a resolução da questão com a prevalência do posicionamento do STF (questão atinente à noção clássica de soberania) ou da CIDH à qual 0 Brasil está filiado pela vigência e validade em nosso ordenamento da Convenção Americana de Direitos Humanos225226 (questão atinente ao controle de convencionalidade224).

Mas essa, inclusive, é uma questão central na perspectiva do transconstitucio­ nalismo e deve ser trazida à baila. Pode ser resumida da seguinte forma: qual ordem jurídica deve prevalecer? Ouem deveria preponderar nesses conflitos e tensões (por

editada, e não a realidade atual. Assim, seria a realidade histórico-social da migração da ditadura para a democra­ cia política, da transição conciliada de 1979 que haveria de ser ponderada para poder se discernir o significado da expressão crimes conexos na Lei 6.683/79. Frisou se que, nesse contexto, a Lei 6.683/79 teria veiculado uma decisão política assumida nesse momento de transição, sendo certo que o § Io do seu art. 1°, ao definir o que se considerariam crimes conexos aos crimes políticos, teria o sentido indisfarçável de fazer compreender, no alcance da anistia, os delitos de qualquer natureza cometidos pelos agentes civis e militares da repressão. (...)" Julg. Em 29.04.2010. Rei. Min. Eros Grau. 225. Para uma sólida crítica a posição exarada pelo STF ver: Ditadura eResponsabilização. MEYER, Emilio Peluso Neder, 2012. Nesse sentido: "A Justiça de transição è um conjunto de medidas fundamental para a consolidação de um projeto constituinte de um Estado Democrático de Direito sob o signo do patriotismo constitucional. Isso implica no cumprimento de todos os elementos que a compõem. Desse modo, foge o Supremo Tribunal Federal de seu papel de guarda da Constituição ao não rechaçar a interpretação da Lei de Anistia de 1979 que visou estabelecer uma 'autoanistia'. Consequentemente, uma compreensão que leve na devida conta as exigências de uma Cons­ tituição permeada pelo Direito Internacional dos Direitos Humanos não poderá deixar de exigir o cumprimento in totum da decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos no caso Gomes Lund e, mais que isso, que a partir dela outras graves violações de direitos humanos ocorridas entre 1964 e 1985 sejam também investigadas e punidas.'p. 305,2012. 226. 0 controle de convencionalidade pode ser conceituado como "uma forma de compatibilização entre as normas de direito interno e os tratados de direitos humanos ratificados pelo governo e em vigor no pais. Ou seja, trata-se, portanto, de um controle de validade das normas nacionais, tendo por parâmetro não o texto constitucional, mas os compromissos internacionais assumidos em matéria de proteção aos direitos humanos'1 MAZZUOLI, Valério de Oliveira. O Controle Jurisdicionalda convencionalidade dos Leis. 2a ed. p, 73,2011.

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exemplo: entre ordens locais, nacionais, supranacionais etc.) cada vez mais presen­ tes em nossa sociedade mundializada e hipercomplexa? Marcelo Neves, advoga que não é possível uma imposição unilateral (de fechamento), defendendo um "diálogo constitucional" como vetor desse novo paradigma. Nesses termos, o ponto central se traduz na questão da necessidade (cada vez mais recorrente) que ordens jurídicas diversas, com pontos de partida diversos, dialoguem (cada dia mais) sobre questões constitucionais comuns, que afetam ao mesmo tempo ambas as ordens. Portanto, a proposta não é da primazia de uma ordem ou jurisdição sobre a outra (ou outras), mas, sim, a construção de uma racionalidade transversal, que permite (viabiliza) um diálogo construtivo entre as ordens jurídicas."7 Nesses termos, observamos a busca pela não imposição, mas, sim, pelo pluralismo e respeito às diferenças. Nas palavras de Marcelo Neves: "(...) 0 transconstitucionalismo não toma uma única ordem jurídica ou um tipo determinado de ordem como ponto de partida ou última ratio. Rejeita tanto o estatalismo quanto o internacionalismo, o supranacionalismo, o transnacionalismo e o localismo como espaço de solução privilegiado dos proble­ mas constitucionais. Aponta, antes, para a necessidade de construção de "pontes de transição", da promoção de "conversações constitucionais" entre as diversas ordens jurídicas: estatais, internacionais, transnacionais, supranacionais e locais. 0 modelo transconstitucional rompe com o dilema "monismo/pluralismo". A pluralidade de or­ dens jurídicas implica, na perspectiva do transconstitucionalismo, a relação comple­ mentar entre identidade e alteridade. As ordens envolvidas na solução do problema constitucional específico, no plano de sua própria autofundamentação, reconstroem continuamente sua identidade mediante o entrelaçamento transconstitucional com a(s) outra(s): a identidade é rearticulada a partir da alteridade."”8

Portanto, a tese visa afastar qualquer relação de verticalização ou de subor­ dinação entre instâncias decisórias (postura de fechamento). Sem dúvida, a busca*

227. é claro que Marcelo Neves não advoga (como alguns erroneamente concebem) o fim do direito constitucional interno (tradicional). Esse continua exercer um papel relevante em vários casos. Porém, advoga o autor que a cada dia mais problemas transconstitucionais estão se afirmando como qualitativamente relevantes, basta ob­ servarmos os debates sobre direitos humanos, biodireito, efeito estufa, dilapidação da camada de ozônio, guerra cambial, questões econômicas de cunho nacional, regional, transnacional e supranacional, intolerâncias religio sas e étnicas, corrida nuclear etc. Um ponto importante que merece nossa atenção é a relativização da ideia clássica de soberania com algo absoluto (o que, façamos justiça: alguns internacionalistas e constitucionalistas já advogam há algum tempo com base, por exemplo, no direito comunitário). Assim, Marcelo Neves trabalha a concepção de soberania não corno poder irrestrito e ilimitado, mas como responsabilidade. Portanto, a noção de soberania está ligada diretamente à ideia de responsabilização (soberania responsável). Devemos também, segundo o autor, ressaltar que, nessa visão, o Estado deixa de ser um tocus privilegiado de solução dos proble­ mas para se tornar apenas um dos loci em cooperação e concorrência com outros. Porém, também é rechaçada a saída do internacionalismo como ultima ratio (ou seja, como uma nova hierarquização absoluta), ou a safda do supranacionalismo (como nova panaceia jurídica) ou o transnacionalismo (como fragmentação libertadora contra as amarras do Estado), ou o localismo (como expressão da etnicidade definitiva e inviolável) NEVES, Mar­ celo, Transconstitucionalismo, p. 145-146. p. 297. 228. NEVES, Marcelo, Transconstitucionalismo, p. XXV. Acrescenta ainda que: "(,..)Daí por que, em vez da busca por uma Constituição hercúlea, o transconstitucionalismo aponta para a necessidade de enfrentamento dos problemas hidraconstitucionais mediante a articulação de observações recíprocas entre as diversas ordens jurídicas da socie­ dade mundial."

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CONCEITO E CLASSIFICAÇÕES DAS CONSTITUIÇÕES

é por intercâmbio constante, nos termos de um diálogo construtivo que vise ao aperfeiçoamento e, com isso, a decisões mais adequadas.229 Contra qualquer tipo de absolutização (do tipo "convergência ou resistência", ou mesmo abertura/fechamento) afirma-se que, "o caminho mais adequado em matéria de direitos humanos parece ser o 'modelo de articulação', ou melhor, de entrelaçamento transversal entre ordens jurídicas, de tal maneira que todas se apresentem capazes de recons­ truírem-se permanentemente mediante o aprendizado com as experiências de or­ dens jurídicas interessadas concomitantemente na solução dos mesmos problemas jurídicos constitucionais de direitos fundamentais ou direitos humanos".230

Porém, as digressões de Marcelo Neves não são blindadas de problemas ou críticas. No atual contexto, ainda (apesar do aumento qualitativo e quantitativo das querelas transconstitucionais) apresenta-se de difícil enquadramento prático toda a sua gama (e riqueza) de abordagem. 0 próprio autor, com sua peculiar competên­ cia, reconhece tal dificuldade empírica em um horizonte de assimetrias nas formas de direito (e não só nelas), afirmando que "não há transconstitucionalismo sem uma relativa simetria nas formas de direito." Nesses termos, "o transconstituciona­ lismo é um recurso escasso da sociedade mundial. Entrelaçamentos transconstitu­ cionais estáveis entre ordens jurídicas só ocorreram, até agora, em âmbitos muito limitados do sistema mundial de níveis múltiplos, seja do ponto de vista territorial ou funcional”.231

229. Conforme a doutrina:"(...) significa a aceitação da concorrência de várias ordens jurídicas sem que nenhuma de­ las possa se arrogar no direito de se impor sobre as demais. Assim, o mais importante não é saber quem é que tem a última palavra sobre um determinado problema, mas estimular uma conversação entre as várias instâncias decisórias a fim de que os casos comuns possam ser enfrentados conjuntamente. Na prática, isso significa que os juizes nacionais, no julgamento dos casos, devem aproveitar o material informativo desenvolvido por outras cortes pelo mundo afora, a fim de determinar com mais consistência o conteúdo dos direitos funda­ mentais. Isso permitiría que os juizes testassem a compreensão de suas próprias tradições, comparando-as com outras visões de mundo, ampliando o seu repertório de conhecimento e, assim, produzindo decisões melhores." Marmelstein, George. p.l, 2010. 230. NEVES, Marcelo, Transconstitucionalismo, p. 264. Uma figura adotada para a busca do reconhecimento da reci­ procidade e da alteridade mediante um diálogo construtivo está ligada à teoria do 'ponto cego" adotada por Marcelo Neves após o capítulo 5 de sua obra. A ideia de abertura no sentido de aprender com o outro é posta em relevo. Nesses termos:"(...) todo observador tem um limite de visão no ponto cego, aquele que o observador não pode ver em virtude da sua posição ou perspectiva de observação. (...) cabe observar que o ponto cego de um observador pode ser visto pelo outro. Nesse sentido, pode-se afirmar que o transconstitucionalismo im­ plica o reconhecimento dos limites da observação de uma determinada ordem, que admite a alternativa: o ponto cego, o outro pode ver" p. 297-298. 231. NEVES, Marcelo, Transconstitucionalismo, p. 264. Nesses termos:"(...) prevalecem as perspectivas desfavoráveis a desenvolvimentos positivos. Seria totalmente ilusória a ideia de que as experiências com a racionalidade trans versai nos termos do transconstitucionalismo entre ordens jurídicas estão generalizadas ou em condições de generalizar-se em um curto ou médio prazo. Essas experiências fazem parte dos privilégios de alguns âmbitos jurídicos de uma sociedade mundial sensivelmente assimétrica. Em suma: pode-se verificar que formas de direito fortes sobrepõem-se de maneira opressora a formas de direito frágeis no sistema mundial de níveis múltiplos. Assim, formas estatais de direito das grandes potências permanecem intocáveis perante o direito internacional público e contra essas imunizadas. Também essas formas jurídicas comportam-se opressivamente em relação às formas de direito dos países fracos na constelação internacional." p, 285. Portanto, um dos desafios nesse pro­ cesso em voga do trasnconstitucionalismo é a promoção (busca recorrente) da inclusão com a consequente redução do que o autor chama de exclusão (primária) crescente (especialmente no âmbito do direito).

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A conclusão é de que o transconstitucionalismo, apesar das barreiras, está (ainda que contrafactualmente) em processo de desenvolvimento, e, a cada dia mais, devemos buscar, com base nele, formas transversais de articulação ("pon­ tes de transição" ou "conversações constitucionais", nos dizeres de Marcelo Ne­ ves) para solucionar casos-problema constitucionais concomitantes a ordens jurí­ dicas diversas. A questão central seria a da reconstrução da identidade a partir da alteridade. 7.8. O conceito pluridimensional de Constituição de José Adércio Leite Sampaio

No artigo "Teorias Constitucionais em Perspectiva", o constitucionalista José Adércio Leite Sampaio, após apresentar um estudo sistematizado dos múltiplos conceitos que a ideia de Constituição irá assumir nas diversas teorias, ao longo de nosso transcurso histórico (Constituição Formal, Constituição Material, Constituição Dirigente etc.), termina por apresentar a proposta do que chama de uma "Consti­ tuição pluridimensional".232 Segundo o autor, essa mudança de entendimento concernente à Constituição é necessária, pois a teoria política e constitucional vem passando, nos últimos vinte anos, por reviravoltas acerca do que seja uma concepção adequada de Constituição para nossos tempos atuais. Apenas para citar exemplos dessas mudanças, tem-se o aumento da complexidade social sempre crescente, a submissão da ordem eco­ nômica estatal às pressões de um grande capital internacional, a defesa de um multiculturalismo cosmopolita etc.

Sendo assim, a noção de uma pluridimensionalidade da Constituição se mos­ traria importante já que lhe permitiría ajustar às exigências próprias tanto do Estado-nação quanto de Estados pós-nacionais. Por pluridimensionalidade quer-se afirmar a abertura espacial, temporal, semântica e pluralista de Constituição.233 Nesses termos, explicitando sua concepção, afirma o constitucionalista que: "Ela é pluridimensional ou compósita porque reúne o texto normativo que se imbrica com a realidade existencial sob a catálise do sentido constitucional militante. 0 enunciado de norma não é, sem embargo, um topoí concorrente com as deter­ minações fáticas. Ele é, ao contrário, guia de conduta cujo conteúdo se desvela no envolvimento da sociedade em caminhar ativamente para a realização de seu sentido. Não é um fato - de expressão público-política - fora da Constituição, se os atores políticos sociais assumirem o compromisso cultural de se desenvolve­ rem nos quadros por ela definidos, de serem 'atores de concretização'. Ela se chama 'pluridimensional' exatamente porque resulta da conjugação dialética das dimensões normativo-textual (enunciados de norma), fático-limitador-interativo

232. SAMPAIO, José Adércio Leite, Teorias constitucionais em perspectiva, p. 43, 2004. 233. SAMPAIO, José Adércio Leite, Teorias constitucionais em perspectiva, p. 54,2004.

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Conceito e classificações das Constituições

(a complexidade do real) e volitivo-pragmático (do querer e da ação). Mas tam­ bém porque admite o pluralismo de projetos vida boa, sem prévio compromisso com uma determinada 'ideologia' em sentido forte do termo, a não ser a própria ‘ideologia de Constituição'."

É por isso que em tal concepção a Constituição não perdería sua característica normativa; ao contrário, a possibilidade de abertura dos seus significados (semânti­ ca) atrairía para a condição de guardiões, não apenas os magistrados ou os opera­ dores jurídicos, mas todos os cidadãos, diminuindo o hiato que se estabelece entre normas constitucionais e realidade social. Tal postura dinâmica de encarara norma constitucional permite sua leitura por meio de uma abertura, primeiro, de ordem espacial - ou seja, não restringe ao es­ paço do texto constitucional, mas reconhece normatividade constitucional a normas situadas em outros dispositivos legais infraconstitucionais, por serem materialmen­ te constitucionais; segundo, leva a uma abertura temporal da Constituição - já que a Constituição passa a ser compreendida como o resultado tanto de operações quanto de escolhas de um passado constitucional, religados a um projeto de futuro; terceiro, reafirma a noção de patriotismo constitucional - como pertencimento de todo cidadão a esse projeto constitucional maior buscando superar preconceitos e desigualdades sociais por meio da reafirmação de uma solidariedade que permita a coexistência do diferente na sociedade; e, por fim, por não afirmar uma subs­ tância axiológica (valores) determinados, o que abre o texto constitucional para coexistência de múltiplos projetos de vida boa. 7.9. O (novo) Constitucionalismo plurinacional da América Latina e a sua ruptu­ ra paradigmática

Esse (novo) constitucionalismo nasce a partir, sobretudo, das Constituições da Bolívia de 2009 e do Equador de 2008, e se apresenta, para alguns, como uma "ruptura" com as tradicionais bases do "constitucionalismo clássico" e do "neo­ constitucionalismo" de matriz europeia, até então vigentes e estudados na Teoria da Constituição. Estudiosos do porte de Roberto Viciano Pastor, Ruben Martinez Dalmau, Boaventura de Souza Santos, josé Luiz Quadros de Magalhães, Antonio Carlos Wolkmer, José Ribas Vieira, Mário Lúcio Quintão e Fernando Dantas,234 vem desenvol­ vendo trabalhos sobre a temática.

Sobre os autores citados, é interessante salientar que Rubén Dalmau, professor titular da Universidade de Valência na Espanha, desenvolveu uma série de estudos

234. SANTOS, Boaventura de Souza. Refundacion dei estado em América Latina: Perspectivas desde uma espistemologia dei Sur. Instituto Internacional de Dereche y Sociedade, 2010;e Pensarei estado y Ia sociedade: desafios atuales. Buenos Aires, 2009. QUADROS DE MAGALHÃES, José Luiz, Pluralismo epistemológico e modernidade. In: Direito à Diversidade e o Estado Plurinacional, 2012; e "O Estado Plurinacional na América Latina", 2011. Ver também: "Rede pelo Constitucionalismo Democrático’que desde 2011, congrega inúmeros pesquisadores de todo o Brasil.

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sobre o tema. Ele inclusive participou diretamente, na qualidade de Assessor das Assembléias Constituintes, dos processos de transição do Equador e Bolívia.335

Sem dúvida, o Constitucionalismo plurinacional advoga uma transformação radi­ cal nos modos de ver, pensar, trabalhar e aplicar o direito, bem como as suas Constitui ções adstritas. Para tal, parte da afirmação de que o atual modelo de Estado nacional e de direito estatal, e até mesmo de direito internacional se encontram em xeque.

0 Constitucionalismo plurinacional está adstrito a um Estado plurinacional que se contrapõe aos Estados modernos e aos seus respectivos ordenamentos jurídicos. Pois bem, a fundamentação de tal teorização é a de que os Estado nacionais mo­ dernos foram criados a partir da lógica da homogeneização e uniformização, sendo desde a origem Estados que visariam negar a diversidade. Nesses termos, a reprodução social só foi possível desde o advento desses Estados nacionais por meio de mecanismos de normalização e estabilização que passariam pela construção de uma identidade nacional com um direito nacional, uma moeda nacional, um exército nacional, uma língua nacional entre outros tipos de anulação das diversidades e plurivocidades.

Esse processo de "ocultamento e encobrimento" teria se iniciado, sobretudo, no século XV (aqui teriamos o início do processo de formação do "Estado Moder­ no", tendo como data simbólica o ano de 1492, com a invasão das Américas pelos europeus e a expulsão dos muçulmanos da Europa) e se desenvolveu até 0 final do século XIX com a formação dos últimos Estados nacionais europeus (Itália e Alema­ nha). Com isso, ocorre a predominância dos valores europeus e de um processo civilizatório eurocêntrico que determina a homogeneização de um "modelo de vida", de "Estado", de "Constituição" e de "direitos humanos de matriz europeia". Com isso, 0 colonizador se apresenta como alguém superior mediante 0 colonizado (re­ lação: nós e outros, iguais/diferentes, superiores/inferiores). As bases jurídicas desse arcabouço foram determinadas de forma monológica pelo direito de propriedade, direito de família e pela proteção jurídica à economia capitalista (e seus marcos regulatórios).*

235. Para Dalmau: Et pensamiento liberal revolucionário quiso ocobar con el antiguo régimen y elpoder absoluto dei mo narca creando Ia ilusión homogeneizadora de un pueblo uniforme conformado por los ciudadanos. El concepto de pueblo, aunque sirviópara crear Ia noción de poder constituyente y soberania popular, nació limitado: no era un con cepto socialmente integrador, sino excluyente. En el nuevo constitucionalismo el concepto de pueblo es sociológico, integrador, e incluye a todas Ias personas que forman Ia sociedad: entre ellas Ias históricamente excluídas, como las mujeres, los emigrantes, los pueblos indígenas y los afrodescendientes. En el nuevo constitucionalismo Ia fuerzo po­ pulares liberadora (UNB, 2015). Segundo Dalmau: Uma Constituição que esteja à altura do novo constitucionalismo deveria, em primeiro lugar, se basear na participação do povo, que é o que lhe dá legitimidade. Isso significa que a elaboração da proposta de Constituição deve ser redigida por uma Assembléia Constituinte eleita para isso eque deve ser principalmente participativa na hora de receber propostas e incorporá-las no texto constitucional. E deve ser uma Constituição que não tenha medo de regular as principais funções do Estado: a melhor distribuição da riqueza, a busca por igualdade de oportunidades, a integração das classes marginalizodas. Em resumo, uma Constituição que busque o "Sumak kamana" ou o "Sumak kawsay" como dizem as Constituições boliviana e equatoriana: o "viver bem" (em quêchua) da população. (Março de 2009).

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Conceito e classificações das Constituições

Temos, aí, a construção de nacionalidades sobre as já existentes, ou seja, a "invenção" de nacionalidades sobre as preexistentes, forjando-se "tradições", "mi­ tos nacionais", "língua pátria" etc. Com isso, as identidades são sufocadas pela uniformização e as diferenças são rejeitadas mediante artificialismos formadores dos Estados Nacionais de padrão europeu, que acaba por justificar a superiorida­ de de determinadas culturas sobre outras (intituladas por vezes de pré-modernas, bárbaras, inferiores etc.236).

Todo esse processo de "culturicídio" de grupos e etnias por meio do modelo homogêneo e uniformizador é questionado pelo novo constitucionalismo da Amé­ rica Latina, que visa ao respeito às singularidades, grupos e etnias mediante uma ênfase na diversidade e no seu reconhecimento constitucional, tendo em vista um pluralismo epistemológico que possibilite, para além da "homogeneização assujeitadora europeia", outras formas de ver, compreender e interpretar o mundo (seja pelas perspectivas: culturais, científicas, políticas, econômicas e filosóficas, entre outras237). Com isso, os vários grupos e comunidades devem ser representados não só no Poder Executivo, mas sobretudo nos Poderes Legislativo e Judiciário, tendo em vista uma perspectiva plural de reconhecimento e assunção (inclusão) do outro nos processos de formação da vontade política e do poder.

Nesses termos, a Constituição atual da Bolívia seria um exemplo de Estado e constitucionalismo plurinacional238. No seu texto, temos a definição de 36 povos originários (aqueles que viviam na Bolívia antes do colonizador europeu), que pas­ saram a ter participação ampla e efetiva em todos os níveis do Poder estatal e na economia. Com isso, a Bolívia passa a ter uma cota de parlamentares oriundos dos povos indígenas, que, além disso, passam a ter propriedade exclusiva sobre recur­ sos florestais e hídricos de suas comunidades. A Constituição estabelece também a equivalência entre a justiça tradicional indígena e a formal ordinária da Bolívia. Cada comunidade indígena poderá ter seu próprio tribunal e as decisões não poderão ser revisadas pela justiça comum. Outra questão interessante é a descentralização do processo eleitoral, tendo em vista que os representantes dos povos indígenas poderão ser eleitos a partir das normas eleitorais de suas comunidades. A Constituição prevê, ainda, a cria­ ção de um Tribunal Constitucional plurinacional, com membros eleitos pelo sistema ordinário e pelo sistema indígena. Outro aspecto importante é 0 reconhecimento

236. Conforme Enrique Dussel"(...) a Europa pôde se confrontar com seu outro e controlá-lo, vencê-lo, violentá-lo: quando pôde se descobrir com um ego descobridor, conquistador, colonizador da Alteridade constitutiva pró­ pria da modernidade. De qualquer maneira, esse outro não foi descoberto como Outro, mas foi 'em-coberto' como o 'sr-mesmo' que a Europa já era desde sempre. De maneira que 1492 será o momento de nascimento da Modernidade como conceito, o momento concreto da 'origem de um mito de violência sacrificial muito parti­ cular, e, ao mesmo tempo, um processo de encobrimento do não europeu'!" 1492 - O Encobrimento do Outro - A Origem do Mito da Modernidade, Ed. Vozes, p.08,1993. 237. QUADROS DE MAGALHÃES, José Luiz, Pluralismo epistemológico e modernidade, p. 121 136,2012. 238. QUADROS DE MAGALHÃES, José Luiz, O Estado Plurinacional na América latina, p. 02, 2011.

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de várias formas de constituição de família (fugindo do padrão ocidental europeu vigente). Com isso, temos não só o reconhecimento das "diferenças" (que ainda enxerga o outro como diferente), mas, muito mais que isso, a assunção do reconhecimento e efetivação "da diversidade" e pluralismo no novo constitucionalismo (dtalógico) que desponta na América Latina, mediante os últimos quinhentos anos de colonização e imposição da cultura e das práticas europeias2”. A busca por um constitucionalismo democrático, plural e multicultural de cunho indusivo, que objetiva esse processo, é o atual (novo) desafio a ser enfrentado pela Teoria da Constituição.

Por último, é interessante citarmos a constitucionalista peruana Raquel Yrigoyen Fajardo que desenvolveu a tese de Ciclos Constitucionais na América do Sul. Raquel Fajardo define o desenvolvimento do novo constitucionalismo latino-americano em três etapas: o "ciclo multicultural" (1982-1988), marcado pelo reconhecimento do multiculturalismo e de alguns direitos indígenas; 0 "ciclo pluricultural" (1989-2005), caracterizado pelos conceitos de nação e estado multiculturais e multiétnicos, bem como a presença dos direitos indígenas no texto constitucional; e 0 "ciclo plurina­ cional" (2006-2009), que refunda 0 estado como Estado Plurinacional, a partir de um pacto de povos, e não apenas como mero reconhecedor de direitos dos povos in­ dígenas. É 0 que se observou, por exemplo, na Bolívia com a Constituição de 2009.239 240

Conforme a doutrina, temos que: a) Ciclo do constitucionalismo multicultural (1982-1988): As constituições introduzem 0 conceito de diversidade cultural, reco­ nhecimento da configuração multicultural e multilíngue da sociedade, 0 direito à identidade cultural e alguns direitos indígenas específicos. Neste primeiro ciclo, as constituições não chegam a fazer um reconhecimento explícito do pluralismo jurídico. No entanto, em alguns países onde não havia reconhecimento constitu­ cional do pluralismo jurídico, existiam normas secundárias, seja por velha herança colonial, seja por "fissuras intrassistêmicas" aliviadas pelo Convênio 107 da OIT, que reconheciam a justiça indígena; b) Ciclo do constitucionalismo pluricultural (1989-2005): As constituições reafirmam 0 direito à identidade e diversidade cul­ tural já introduzido no primeiro ciclo, e desenvolvem os conceitos de "nação multiétnica/multicultural" e de "Estado plurinacional", qualificando a natureza da população e avançando em direção a uma redefinição do caráter do Estado. Plu­ ralismo e diversidade cultural se convertem em princípios constitucionais e permi­ tem fundar os direitos dos indígenas assim como dos afrodescendentes e outros grupos. Esses direitos incluem a oficialização dos idiomas indígenas, a educação

239. QUADROS DE MAGALHÃES, José Luiz, O Estado Plurinacional na América latina, p. 02, 2011. É bom que se diga que essa perspectiva, que estamos apresentando para o debate, é crítica do Estado Nacional clássico (de padrão europeu), mas também do Direito Internacional Clássico e de suas instituições e do Direito Comunitário (ambos também de padrão europeu). Ver: QUADROS DE MAGALHÃES, José Luiz, Pluralismo epistemolôgico e modernida­ de, p. 121-136,2012. 240. Emanuel Corrêa MergulhãorThalyta Rocha Belfort; Simone Maria Palheta Pires. O novo constitucionalismo latinoamericano e o direito constitucional de acesso à justiça das populações indígenas, 2013.

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Conceito e classificações das Constituições

bilíngue intercultural, o direito sobre as terras, a consulta e novas formas de par­ ticipação. As constituições deste ciclo reconhecem as autoridades indígenas, com suas próprias normas e procedimentos, ou seu direito consuetudinário e funções jurisdicionais ou de justiça. Pluralizam as fontes de produção legal do direito e da violência legítima, além das funções de produção de normas, administração da justiça e organização da ordem pública interna poderem ser exercidas tanto pelos órgãos soberanos clássicos do Estado como pelas autoridades dos povos indígenas, sempre sob controle constitucional. No entanto, trata-se de fórmulas não isentas de limitações que nem sempre são implementadas de forma orgânica e sistemática; c) Ciclo do constitucionalismo plurinacional (2006-2009): As Consti­ tuições do Equador e Bolívia propõem uma refundação do Estado a partir do reco­ nhecimento explícito das raízes milenares dos povos indígenas ignorados na pri­ meira fundação republicana. Como parte integrante do Poder Constituinte, esses povos passam a atuar como agentes políticos com direito a definir seu destino, autogovernar-se autonomamente e participar dos novos pactos estatais. Ao defi­ nir-se como Estado plurinacional, resultado de um pacto entre povos, não é um Estado alheio que "reconhece" direitos indígenas, mas as próprias comunidades indígenas se colocam como membros integrantes do Estado e, como tais e junto com outros povos, têm poder de definir 0 novo modelo de Estado.241

8. CLASSIFICAÇÃO QUANTO Ã APLICABILIDADE DAS NORMAS CONSTITUCIO­ NAIS: TEORIA DE JOSÉ AFONSO DA SILVA242

Essa classificação não envolve as constituições em si, mas, sim, a aplicabilidade das normas presentes e adstritas às Constituições. Portanto, passamos agora a um breve estudo da teoria das normas constitucionais. Começaremos trabalhando duas teorias que serviram de base para a classifica­ ção mais usada na doutrina e jurisprudência pátrias: 1» Teoria: teoria americana. É a primeira teoria sistematizada que apareceu no mundo sobre a aplicabilidade das normas constitucionais. Ela surgiu no século XIX e foi desenvolvida por autores americanos, sobretudo por Thomas Cooley.243

Qual é seu aspecto central? Ora, ele afirma que em uma Constituição existiríam dois tipos de norma: (a) normas constitucionais autoexecutáveis (self-executing); (b) normas constitucionais não autoexecutáveis (not self-executing).

241. Aqui tomamos como base: PIRES LEAL, Gabriel Bustamente. O Novo Constitucionalismo Latino-americano, 2013. FAJARDO, Raquel Vrigoyen. El horizonte dei constitucionalismo pluralista: dei multiculturalismo a Ia descolonización. In: El derecho en América Latina. Cesar Rodriguez Garavito(org). Siglo Veintiuno Editores, Buenos Aires. Novem­ bro de 2011. p. 139-160 242. Conforme: SILVA, José Afonso da, Aplicabilidade das normas constitucionais, Ed. Malheiros, 1999. Sobretudo as pp. 73-87,88-102,103-116 e 117-166. 243. COOLEY, Thomas M., A treatise on the constitutional limitations which rest upon thepower of the States ofthe American Union, Boston, 1903.

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Bernardo Gonçalves Fernanoes

Nesse sentido, algumas normas constitucionais seriam dotadas de autoexecutoriedade e outras não teriam tal virtude, mesmo sendo normas presentes na Cons­ tituição. Ou seja, as normas autoaplicáveis seriam dotadas de aptidão para gerar, desde logo, efeitos jurídicos independentemente do legislador ordinário, tendo em vista sua completude. Já as normas não autoaplicáveis necessitariam do legislador, pois não teriam meios necessários para a viabilização dos direitos nelas previstos. Essa teoria de cunho liberal será (duramente) criticada à luz do Constitucionalismo social, que vai se instaurar no século XX. Assim, nesse diapasão os entraves seriam: (i) a alegação de que algumas normas constitucionais não seriam dotadas de imperatividade (destituídas de imperatividade);244 (2) devido ao contexto no qual a classificação estava inserida: falta (inexistência) de análise do papel das normas programáticas típicas das constituições sociais.

2a Teoria: teoria italiana. Surgiu no século XX, a partir, sobretudo, da década de 50, e foi capitaneada por autores como Vezio Crisafulli,245 entre outros.246247 Estes, apesar de não produzirem um resultado adequado ou satisfatório no que tange à aplicabilidade das normas constitucionais, vão, embora não sem divergências, sa­ lientar a importância das intituladas normas programáticas. Sem dúvida, com a doutrina desenvolvida no Brasil por José Afonso da Silva 0 debate ganhou novos ares’47 com a definição explícita de que em uma Constituição não teríamos normas não autoaplicáveis e, portanto, sem aplicabilidade. 0 grande ponto da teoria (que vai se contrapor à teoria americana e até mesmo aos debates italianos) será então que todas as normas constitucionais são dotadas de aplica­ bilidade (praticidade jurídica), pois todas as normas constitucionais teriam eficácia jurídica.

244. Corroborando com essa critica:"enfim o próprio Ruy Barbosa, embora defensor implacável da imperatividade das normas constitucionais, reconhecia que muitas dessas normas - as não autoexecutáveis ou não bastantes em si mesmas - não eram providas dos instrumentos necessários que lhes propiciassem concretude, circunstância que comprometia a sua força normativa vinculante." (CUNHA DA JÚNIOR, Dirley da, Curso de direito constitucional, p. 156). No mesmo sentido, José Afonso da Silva afirma que:"A classificação pura e simples das normas constitucionais em autoaplicáveis e não autoaplicáveis não corresponde, com efeito, à realidade das coisas e às exigências da ciência jurídica, nem as necessidades práticas de aplicação das constituições, pois sugere a existência, nestas, de normas ineficazes e destituídas de imperatividade, como demonstra o conceito de Cooley, quando fala em regras sem estabelecer normas cujo meio se logre dar a esses princípios vigor de lei." 245. Crisafulli, em La Costituzione e le sue disposizioni di principio (1952) que influenciou diretamente o desenvolvi­ mento da doutrina brasileira da aplicabilidade das normas constitucionais, classificou as normas constitucionais em: a) Normas constitucionais de eficácia plena (aquelas de imediata aplicação) e b) normas constitucionais de eficácia limitada (normas de legislação e programáticas). Sem dúvida, a contribuição de Crisafulli foi a de reco­ nhecer (diferentemente de outros autores italianos como Gaetano Azzariti) às normas programáticas juridicidade entendendo as como jurídico-constitucionais. Aplicabilidade das normas constitucionais, 1999, p. 75. 246. AZZERATI,Gaetano, Problemiattuallididirittocostituzionale, 1951. Dl RUFFIA, Paolo Biscaretti, Dirrittocostituziona te, 1965. 247. Embora não possamos esquecer (olvidar) que J.H.Meirelles Teixeira foi quem primariamente no Brasil se preocu­ pou com uma classificação das normas constitucionais quanto á eficácia. Ele propôs a reformulação da doutrina norte-americana sugerindo a inexistência de normas constitucionais desprovidas de qualquer eficácia. O autor dividiu as normas constitucionais em normas constitucionais de eficácia plena e de eficácia limitada.

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Conceito e classificações

das

Constituições

Isso seria facilmente provado, pois no mínimo dois efeitos todas as normas constitucionais vão conter:

Efeitos positivos

Efeitos negativos

Pelo simples fato de surgir uma nova Constituição, ela revoga tudo do ordenamento anterior que for contrário a ela. As normas constitucionais têm, nes­ ses termos, efeitos positivos, no sentido de proativo, pois revogam (não recepcionam) tudo do ordena­ mento anterior que for contrário a elas.

Pelo simples fato de existir uma Constituição, esta vai vedar/negar ao legislador ordinário a possi­ bilidade de produzir normas infraconstitucionais contrárias a ela; e, se o legislador fizer e o judiciário entender que o legislador o fez, pelo controle de constitucionalidade, ele, judiciário, retira a aludida norma do Ordenamento Jurídico.

Assim, ao mesmo tempo em que ela estabelece essa premissa, também explici­ ta que, se todas as normas constitucionais têm aplicabilidade, esta seria desenvol­ vida em graus. Ou seja, existe uma escala de aplicabilidade, que deve ser aferida em relação às normas constitucionais, sendo que umas (normas) teriam elevado grau de aplicabilidade e eficácia jurídica; outras, reduzido grau de aplicabilidade e eficácia jurídica. Sem dúvida, a teoria da aplicabilidade das normas constitucionais, desenvolvida em terrae brasilis a partir da década de 70 do século XX, é muito comum na doutrina e em arrestos judiciais. Tornou-se corriqueiro no constituciona­ lismo pátrio a teoria que reconhece que todas as normas constitucionais têm apli­ cabilidade e eficácia jurídica, mas que existem graus de aplicabilidade para essas mesmas normas.

Porém, antes de trabalharmos a classificação propriamente dita, é mister que façamos algumas considerações sobre 0 que significam aplicabilidade, eficácia jurí­ dica e eficácia social para essa teoria.

Primeiramente, temos que identificar a noção de aplicabilidade que é central para as nossas futuras digressões. Pois bem, a aplicabilidade de uma norma signifi­ ca, obviamente, a possibilidade de sua aplicação. Se uma norma tem aplicabilidade, significa tão somente que ela é aplicável, ou (como dito) tem a possibilidade de ser aplicada. Mas quais são os requisitos para que isso ocorra? Ora, uma norma só tem aplicabilidade (é aplicável) se preencher determinadas condições (requisitos), quais sejam: 1) vigência (a norma deve estar em vigor, ou seja, ser promulgada e publicada e existir juridicamente com força vinculante); 2) validade (estar em conso­ nância e conformidade com 0 sistema normativo constitucional, não 0 usurpando); 3) eficácia (em termos jurídicos e não sociológicos deve ser trabalhada como a ca­ pacidade de produção de efeitos jurídicos).248 Portanto, a aplicabilidade acaba por depender da eficácia (jurídica) da norma, pois não há possibilidade de aplicação de uma norma que não tem a aptidão para produzir efeitos jurídicos. Esta jamais

248. CUNHA DA JÚNIOR, Dirley da, Curso de direito constitucional, p. 143.

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seria aplicável! Nesse sentido, conforme a doutrina ora trabalhada "uma norma só é aplicável na medida em que é eficaz" e sendo assim afirma-se que: "eficácia e aplicabilidade das normas constitucionais constituem fenômenos conexos, aspectos talvez do mesmo fenômeno, encarados por prismas diferentes: aquela como poten­ cialidade; está como realizabilidade, praticidade."245 Pois bem, observada a noção básica da aplicabilidade como possibilidade de aplicação que está sempre depen­ dente da vigência, validade e, sobretudo, da eficácia jurídica, devemos, agora, nos debruçarmos sobre sua análise.

A eficácia jurídica se diferencia da intitulada eficácia social. Nesses termos, a eficácia jurídica é entendida como a aptidão (potencialidade) de uma norma para a produção de efeitos em situações concretas.249 250 Nesse sentido, como já colocado na base da teoria anteriormente exposta, todas as normas constitucionais teriam eficácia jurídica, variando-se o seu grau (e com isso a aplicabilidade! Ou seja, possibilidade de aplicação, de serem realizadas, praticadas.). Já a eficácia social é o que poderiamos chamar de efetividade, ou seja, a real e efetiva produção concreta de efeitos.251 Com isso, a eficácia social designa que a norma é realmente obedecida e aplicada (tendo o que podemos chamar de efetividade). Nesse diapasão, são as digressões de Luís Roberto Barroso ao referendar que a "efetividade (eficácia social) significa, portanto, a realização do Direito, o desempenho concreto de sua função social. Ela representa a materialização, no mundo dos fatos, dos preceitos legais e simboliza a aproximação, tão íntima quanto possível, entre o dever ser normativo e o ser da realidade social."252253

Assim, para efeito de conclusão, para a teoria ora exposta uma norma pode perfeitamente ter eficácia jurídica sem ter eficácia social (efetividade ou validade social), ou seja, ter eficácia jurídica (e com isso ter aplicabilidade) sem ser social­ mente eficaz, gerando, por exemplo, efeitos jurídicos como o de revogar tudo do ordenamento anterior contrário a elas e, apesar disso, não ser efetivamente cum­ prida no plano social.25’ À luz da teoria ora ventilada, podemos afirmar que as normas constitucionais, no que diz respeito à sua eficácia jurídica, seriam classificadas como:

1)

Normas constitucionais de eficácia plena: reúnem todos os elementos ne­ cessários para a produção de todos os efeitos jurídicos imediatos. São

249. SILVA, José Afonso da, Aplicabilidade das normas constitucionais. São Paulo: Ed. Malheiros, 1999, p. 60. 250. TEMER, Michel, Elementos de direito constitucional, 2003, p. 23. 251. Conforme o próprio José Afonso da Silva: *[...] a eficácia jurídica da norma designa a qualidade de produzir, em maior ou menor grau, efeitos jurídicos, ao regular, desde logo, as situações, relações e comportamentos de que cogita; nesse sentido, a eficácia diz respeito à aplicabilidade, exigibilidade ou executoriedade da norma, como possibilidade de sua aplicação jurídica. O alcance dos objetivos da norma constitui efetividade. Esta é, portanto, a medida da extensão em que o objetivo é alcançado, relacionando-se ao produto final Aplicabilidade das normas constitucionais, 1999, p. 66. 252. BARROSO, Luis Roberto, O direito constitucional e a efetividade de suas normas, limites e possibilidades da Constitui­ ção brasileira, 1993, p. 79. 253. SILVA, José Afonso da, Aplicabilidade das normas constitucionais. São Paulo: Ed. Malheiros, 1999, p. 66.

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Conceito e

classificações das

Constituições

dotadas de uma aplicabilidade imediata, direta. Temos como exemplos os artigos: 1°, 22, I; 44; 46 da CR/88.

2)

Normas constitucionais de eficácia contida: nascem com eficácia plena, reú­ nem todos os elementos necessários para a produção de todos os efeitos jurídicos imediatos, mas terão seu âmbito de eficácia restringido, reduzido ou contido pelo legislador infraconstitucional (ordinário).254 Temos como exemplos os artigos: 5», incisos XIII (sobre a regulamentação de profissões) e VIII (escusa de consciência), art. 37,1, da CR/88.

3)

Normas constitucionais de eficácia limitada: são as únicas que, definitiva­ mente, não são bastantes em si. Nesses termos, elas não reúnem todos os elementos necessários para a produção de todos os efeitos jurídicos. São normas que têm aplicabilidade apenas indireta ou mediata. Elas vão preci­ sar de regulamentação para a produção de todos os efeitos jurídicos. Essas normas só vão ter aplicabilidade direta e imediata se forem reguladas, complementadas pelo legislador infraconstitucional. Elas se dividem em:



Normas constitucionais de eficácia limitada de princípios institutivos: são normas constitucionais que traçam esquemas gerais de organi­ zação e estruturação de órgãos, entidades ou instituições do Estado. E, obviamente, vai depender do legislador a complementação desses esquemas gerais. Exemplos: arts. 18, § 2°; 33, caput; 25, § 3»; 90, § 2° da CR/88. É mister salientar que as normas de eficácia limitada de princípios institutivos podem, ainda, ser subdivididas em impositivas (determinam ao legislador em termos peremptórios a emissão de uma legislação integrativa) e facultativas (não impõe uma obrigação, limi­ tam-se a dar ao legislador ordinário a possibilidade de instituir ou regular uma situação nelas delineada).255



Normas constitucionais de eficácia limitada de princípios programáticos: traçam tarefas, fins e programas, para cumprimento por parte dos Poderes Públicos e atualmente pela própria sociedade. Exemplos: arts. 196; 205; 217; 218 todos da CR/88.

Após a descrição teórica com a respectiva classificação é mister elaborarmos algumas reflexões:

254. Segundo José Afonso da Silva:'[...] São aquelas em que o legislador constituinte regulou suficiente os interesses relativos a determinada matéria, mas deixou margem à atuação restritiva por parte da competência discricionária do Poder Público, nos termos que a lei estabelecer ou nos conceitos gerais nela enunciados." Aplicabilidade das normas constitucionais. Ed. Malhelros, 1999, p. 116. 255. Exemplo de Impositiva: "Art. 33. A lei disporá sobre a organização administrativa e judiciária dos territórios." Exemplo de facultativa: Art 22, parágrafo único: "Lei complementar poderá autorizar os Estados a legislar sobre questões especificas das matérias relacionadas neste artigo." SILVA, José Afonso da, Aplicabilidade das normas constitucionais. São Paulo: Ed. Malheiros, 1999, p. 126-127.

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i») Reflexão: é muito comum o estabelecimento de uma confusão em relação às normas constitucionais de eficácia contida e limitada. Nesse sentido, qual seria a diferença entre elas? Alguns autores vão afirmar que a norma de eficácia limitada se diferencia pela atuação do legislador (conforme a constituição: "[...] nos termos, na forma, nas hipóteses que a lei estabe­ lecer [...]"). Acreditamos que esse padrão de diferenciação é errôneo e equivocado, pois todas as duas (tanto a limitada quanto a contida) vão trabalhar com a sindicabilidade da atuação do legislador (como explicitado anteriormente: "[...] nos termos da lei, mediante lei Nesses termos, a diferença não envolve a atuação ou não dos Poderes Públicos (em ambas há atuação), mas, sim, a maneira ou o modo pelo qual a atuação se desen­ volve (se realiza). As normas de eficácia contidas vão ter a atuação do legislador para restringir, reduzir. Elas têm uma aplicabilidade direta e imediata, independentemente da in­ terferência ou sindicabilidade do legislador. Por exemplo, citamos novamente o art. 5°, VIII (escusa de consciência). As normas de eficácia limitada vão requerer (necessitar) a atuação do legisla­ dor para passarem a ter eficácia plena, para a devida complementação (regulamen­ tação) da Constituição. Ou seja, a atuação dos Poderes Públicos será para aumentar o âmbito de eficácia das normas constitucionais. 2») Reflexão: refere-se às normas constitucionais de eficácia limitada (de prin­ cípios institutivos ou programáticos). Senão, vejamos, considerando que ainda não houve a sindicabilidade (atuação) dos Poderes Públicos (do le­ gislativo ou do executivo), é possível afirmar que elas teriam algum tipo de aplicabilidade? Essa pergunta muito comum deve ser respondida de forma afirmativa. Portanto a resposta correta é sim, em razão da base da teoria brasileira que preleciona, como supracitado, que todas as normas constitu­ cionais têm aplicabilidade (no mínimo os efeitos positivos e negativos elas sempre terão). Com isso, elas sempre terão uma aplicabilidade ou eficácia jurídica, mesmo sem a atuação dos Poderes Públicos. É claro que essa aplicabilidade é indireta e mediata e a eficácia jurídica é limitada, como já observado. Com isso, é correto afirmar que essas normas não produzem todos os efeitos, mas produzem alguns efeitos (como dito: o efeito positivo e o negativo).

Após essas pequenas e necessárias reflexões, algumas críticas também são pertinentes, pois demonstram que, apesar do uso corriqueiro da teoria, ela se tor­ na insustentável à luz de perspectivas hermenêuticas mais sofisticadas.

1a) Crítica: esta é uma teoria de cunho semântico, que define, a priori, o con­ teúdo normativo de uma norma, ou seja, na verdade ele predefine o con­ teúdo normativo da norma jurídica. Uma norma jurídica diferencia-se do seu texto. Essa teoria confunde a norma jurídica com o seu texto. Ela não 116

Conceito

e classificações das

Constituições

leva em consideração o momento de aplicação do que está contido no texto da norma esquivando-se ou esquecendo-se de analisar a situação concreta de aplicação. Nesses termos, a teoria de forma estática e a priori define quais normas tem eficácia plena e quais tem eficácia limitada, sem relacioná-las com um contexto, ou melhor, com uma situação de aplicação, bastando para a classificação o texto da norma. 2a) Crítica: essa teoria faz uma subversão do ordenamento jurídico, pois ela passa a dar mais importância e sobretudo peso à legislação infraconsti­ tucional do que à própria Constituição. Ou seja, apesar de a norma es­ tar presente na constituição, ela não pode ser aplicada devido à falta de regulamentação infraconstitucional! Ora, não estamos aqui defendendo a desnecessidade de regulamentação e esmiuçamento das normas constitu­ cionais, porém essa necessidade não pode se sobrepor à força normativa da Constituição/56 fazendo com que os Poderes Públicos, vez por outra, utilizem-se de um verdadeiro "álibi" para a não viabilização de direitos definidos e assegurados na Constituição/57

3a) Crítica: é de se notar que essa teoria pretende apenas classificar as cons­ tituições quanto à eficácia das regras constitucionais, uma vez que, dada sua lógica, parece não se aplicar aos princípios constitucionais, que, no moderno constitucionalismo, são espécies normativas dotadas de igual de­ ver de observância que as regras constitucionais. Todavia, os princípios se diferenciam das regras, justamente, pela sua lógica de aplicação, que somente se revela diante do caso concreto e nunca a priori. Até porque

256. Um exemplo interessante ocorreu na década de 90 na jurisprudência do STF. O art. 5o, inciso XII, CR/88, trouxe explicitamente a possibilidade de interceptação telefônica por ordem judicial nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal. Após inúmeras interceptações concedidas pelo Poder Judiciário (conforme ditame constitucional), que resultaram em uma série de prisões por delitos desvelados nas interceptações, a discussão teve a análise do STF, pois, ao serem presos com base nas inter­ ceptações telefônicas concedidas, uma série de habeascorpus foi interposta sob a alegação de que a prova com base na interceptação era ilícita por falta de regulamentação legal. O STF aceitou essa tese por considerar a norma inscrita no art. 5o, XII, de eficácia limitada e deferiu uma série de habeas corpus. Somente em 1996 a interceptação telefônica foi regulamentada pela Lei n° 9.296/96. Conclui-se, então, que, nesse caso, passou a ser mais importan­ te para o STF a norma infraconstitucional do que a própria Constituição. Essa teoria pode levar o Poder Judiciário a deixar de aplicar a Constituição porque não existe norma infraconstitucional regulamentando-a, subvertendo o ordenamento. 257. Critica também exposta por André Ramos Tavares, nos seguintes moldes: há uma tomada de consciência de que as normas programáticas não são implementadas por força de decisões essencialmente políticas. Se é certo que se reconhece o direito à discricionariedade administrativa, bem como a conveniência e oportunidade de praticar determinados atos, não se pode tolerar o abuso de direito que se tem instalado na atividade desempenhada pelos responsáveis por implementar as chamadas normas programáticas. Após diversos anos de vigência da Constituição, fica-se estarrecido com o desprezo com que foram premiados determinados comando constitu­ cionais, com uma doutrina formalista a serviço da desconsideração de sua normatividade plena. Curso de direito constitucional, p. 85. No que tange a algumas normas programáticas que dizem respeito a direitos sociais, te­ mos que alguns Tribunais pátrios (para alguns: assumindo uma postura ativista), incluindo o STF, já vem dando uma aplicação imediata a elas à luz da teoria do mínimo existencial atrelado à dignidade da pessoa humana. Os exemplos atuais envolvem, sobretudo, normas sobre saúde e educação presentes na Constituição. Como exem­ plo, citamos o RE n° 410.715 (Rei. Min Celso de Mello).

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os princípios se ligam aos direitos fundamentais, em sentido amplo e, por isso, devem ser considerados por um constitucionalismo renovado como normas de eficácia plena a serem concretizadas em uma situação de apli­ cação.’58*

9. CLASSIFICAÇÃO QUANTO À APLICABILIDADE DAS NORMAS CONSTITUCIO­ NAIS DE CARLOS AYRES BRITTO E CELSO RIBEIRO BASTOS2” Trata-se de uma classificação’60 que envolve a vocação das normas constitu­ cionais para atuação ou não do legislador. Dependendo da vocação, elas serão classificadas em:

A)

Normas Constitucionais de aplicação: não vão necessitar da sindicabilidade (atuação) do legislador. Equivale, na teoria de José Afonso da Silva, às nor­ mas de eficácia plena. Porém, elas são subdivididas em duas: •

Normas Constitucionais de aplicação irregulamentáveis: não há ne­ nhuma possibilidade de atuação do legislador, nem se ele quiser. São normas cuja matéria é insuscetível de tratamento no nível infraconstitucional.26’ Nesse sentido, nos moldes trabalhados pelos autores, são normas em que "a normatividade surge e se esgota na própria consti­ tuição". Como exemplo os autores citam o artigo 2« da CR/88.



Normas Constitucionais de aplicação regulamentáveis: não há nenhu­ ma possibilidade de atuação do legislador para produzir mais efeitos, mas o legislador pode atuar (pois a norma é regulamentável), embora não necessite (precise) dessa atuação. Nesse sentido, a atuação servi­ rá apenas para auxiliar a norma constitucional à sua melhor aplicação. Porém, é mister referendar que, com o legislador atuando ou não, a norma será dotada de eficácia plena.

258. Clássica já se tornou a definição de J. J. Gomes Canotilho, que entende que a Constituição deve ser compreendi­ da como um sistema jurídico aberto de regras e princípios. Nesses termos: (1) é um sistema jurídico porque é um sistema dinâmico; (2) é um sistema aberto porque tem uma estrutura dialógica, traduzida na disponibilidade e capacidade de aprendizagem das normas constitucionais para captarem a mudança da realidade e estarem abertas às concepções cambiantes da verdade e da justiça; (3) é um sistema normativo, porque a estruturação das expectativas referentes a valores, programas, funções e pessoas, é feita por melo de normas; (4) é um sistema de regras e princípios, pois as normas do sistema tanto podem revelar-se sob a forma de princípios como sob a forma de regras. CANOTILHO, José Joaquim Gomes, Direito constitucional e teoria da Constituição, 2003, p. 1.085. 259. BASTOS, Celso Ribeiro; BRITTO, Carlos Ayres. Interpretação e aplicabilidade das normas constitucionais. São Paulo: Ed. Saraiva, 1982, p. 62-63. 260. Essa classificação está sujeita às mesmas criticas da Teoria da Aplicabilidade das normas Constitucionais de José Afonso da Silva. 261. Conforme os autores:'São normas que Incidem diretamente sobre fatos regulados, repudiando qualquer regramento adjutório, normas cuja matéria é insuscetível de tratamento, senão a nível constitucional.’’ BASTOS, Cel­ so Ribeiro; BRITTO, Carlos Ayres. Interpretação e aplicabilidade das normas constitucionais. São Paulo: Ed, Saraiva, 1982, p. 39.

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Conceito e classificações das Constituições

B)

Normas Constitucionais de integração:26’ necessitam (pedem ou carecem) da atuação do legislador. Entre elas, temos mais uma subdivisão em: •

Normas Constitucionais de integração completáveis: são aquelas que requerem uma atuação dos Poderes Públicos para ganhar eficácia plena. Ou seja, carecem de complementação (regulamentação) para adquirir o status de normas de aplicação, ou seja, para a produção integral de seus efeitos. Elas se equivalem às normas constitucionais de eficácia limitada.



Normas Constitucionais de integração restringíveis: são aquelas nor­ mas constitucionais que requerem uma atuação para a restrição ou contenção de seus efeitos (campo de incidência). Equivalem às normas constitucionais de eficácia contida.

10. CLASSIFICAÇÃO QUANTO À APLICABILIDADE DAS NORMAS CONSTITU­ CIONAIS DE MARIA HELENA DINIZ262 263

Essa classificação guarda uma semelhança na sua base de fundamentação com a teoria de José Afonso da Silva.264 A professora Maria Helena Diniz confirma com o mesmo nome a norma constitucional de eficácia plena. Também trabalha com a norma constitucional de eficácia contida chamando-a de norma consti­ tucional de eficácia relativa restringível. E denomina a norma constitucional de eficácia limitada de norma constitucional de eficácia relativa dependente de complementação.

Porém, acrescenta mais uma classificação para as normas constitucionais. Elas também podem ser de eficácia absoluta. Elas são justamente as normas constitucio­ nais imodiflcáveis (insuscetíveis de modificação), que não podem ser modificadas. Na sua classificação são as normas do artigo 6o, § 4°, da CR/88, que se intitulam (não sem problemas!) como "cláusulas pétreas".

Mas, aqui, podemos estabelecer uma crítica à professora e aos adeptos de sua classificação. Sem dúvida, as intituladas por muitos de cláusulas pétreas não podem ser abolidas, mas podem ser, sim, modificadas (melhoradas, sofisticadas). Existe uma diferença entre não poder abolir e não poder modificar que não é levada a sério por aqueles que adotam a classificação das normas constitucionais de eficácia absoluta.

262. Nesses termos: "têm por traço distintivo a abertura de espaço entre seu desiderato e o efetivo desencadear dos seus efeitos. No seu interior existe uma permanente tensão entre a predisposição para incidir e a efetiva concreção. Padecem de visceral imprecisão, ou deficiência instrumental, e se tornam, por si mesmas, inexequiveis em toda a sua potencialidade." BASTOS, Celso Ribeiro; BRITTO, Carlos Ayres. Interpretação e aplicabilidade das normas constitucionais. São Paulo: Ed. Saraiva, 1982, p. 48. 263. DINIZ, Maria Helena, Norma constitucional e seus efeitos, p. 97-104. 264. Essa classificação está sujeita às mesmas criticas da Teoria da Aplicabilidade das normas Constitucionais de José Afonso da Silva.

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11. CLASSIFICAÇÃO QUANTO À APLICABILIDADE DAS NORMAS CONSTITU­ CIONAIS DE LUÍS ROBERTO BARROSO265

Segundo o constitucionalista Luís Roberto Barroso, as normas constitucionais podem ser classificadas em:

a)

normas constitucionais de organização: são aquelas que se direcionam aos poderes do Estado e seus agentes, podendo obviamente repercutir ou causar impacto na esfera dos indivíduos. Elas são normas que definem competência dos órgãos constitucionais, criam órgãos públicos e, ainda, es­ tabelecem e regulam os processos e procedimentos de revisão (alteração) da Constituição.

b)

normas constitucionais definidoras de direitos: são as normas que en­ volvem, ou, pelo menos, guardam relação com os direitos dassicamente intitulados de subjetivos. Essas normas, de acordo com a posição ou en­ quadramento dos cidadãos em relação às normas, subdividem-se em: b.i) normas que originam situações desfrutáveis que irão depender apenas de uma abstenção; b.2) normas que ensejam a exigibilidade de prestações positivas do Estado; b.3) normas que agasalham interesses cuja realização (efetivação/viabilização) depende da produção de normas infraconstitucionais de cunho integrador.

c)

normas constitucionais programáticas: são aquelas que indicam fins a se­ rem alcançados, bem como estabelecem princípios ou programas de ação para os Poderes Públicos.

12. CLASSIFICAÇÃO TRABALHADA POR UADI LAMMÊGO BULOS DAS NOR­ MAS CONSTITUCIONAIS DE EFICÁCIA EXAURIDA266 É interessante ainda citar a digressão de Lammêgo Bulos em que afirma existir mais de um tipo de normas constitucionais. Seriam as normas constitucionais de eficácia exaurida. Como exemplo, temos as normas constitucionais do ADCT267268 (atos das disposições constitucionais transitórias) que já cumpriram sua função no Orde­ namento Jurídico, no que tange à perspectiva de regulação jurídico-temporal.

13. ESTRUTURA E ELEMENTOS DAS CONSTITUIÇÕES

As Constituições, segundo a doutrina pátria, apresentam, em regra, a seguinte estrutura: (a) Preâmbulo; (b) Parte Dogmática; (c) Disposições transitórias.168

265. BARROSO, Luís Roberto, O direito constitucional e a efetividade de suas normas, p. 84-106. 266. BULOS, Uadi Lammêgo, Curso de direito constitucional, 2006. 267. Aqui uma observação importante. O ADCT, ou seja, os atos das disposições constitucionais transitórias fazem parte da Constituição, e, portanto, são considerados normas constitucionais que só podem ser modificadas por emenda constitucional. 268. Nesse sentido, ver: CUNHA DA JÚNIOR, Dirley da, Curso de direito constitucional, p. 119-120.

120

Conceito e classificações das Constituições

0 preâmbulo269 deve ser compreendido como uma verdadeira carta de inten­ ções, uma proclamação de princípios, um diploma de origem e legitimidade da Constituição que indica a ruptura com o passado e o surgimento do novo texto constitucional que irá reger o Estado e a sociedade.270

Sem dúvida, há uma enorme divergência em relação: (a) ao preâmbulo ser ou não parte do texto constitucional, propriamente dito; (b) se o preâmbulo é dotado ou não de força normativa. Sobre a primeira dúvida, há uma corrente que sustenta que, por uma interpre­ tação sistemática, o preâmbulo deve ser entendido como parte do texto constitu­ cional. Na realidade seria uma parte precedente, inicial, que apresenta e "sintetiza" os princípios norteadores do documento constitucional. Outra corrente de autores entende, a partir de uma lógica de cunho literal e gramatical,271272 *que o preâmbulo 273 não está contido no corpo da Constituição, sendo apenas uma proclamação de princípios, ou um diploma de intenções do texto constitucional que se iniciaria com o artigo i» da Constituição. Dessa primeira questão desaguamos na segunda diver­ gência, visto que as duas estão intimamente relacionadas. Sobre a segunda questão, alguns advogam2'2 que o preâmbulo é dotado de força normativa na medida em que tecnicamente é parte integrante da Constituição. Essa corrente de tradição francesa275 entende, portanto, que o preâmbulo deve ser considerado norma constitucional dotada de força vinculante.

Uma segunda linha de doutrinadores, por outro lado, afirma que o preâmbulo não tem força normativa, não podendo, portanto, ser considerado norma consti­ tucional. É bem verdade que a segunda corrente não desconsidera o preâmbulo de todo, pois ela, pelo menos, reconhece que, apesar de não ser dotado de força vinculante, ele pode ser usado (manejado) como elemento de interpretação e in­ tegração do texto constitucional propriamente dito. Porém, apesar disso, ela, não negando suas origens, preleciona que o preâmbulo não pode contrariar texto ex­ presso da Constituição e, muito menos, pode ser usado como paradigma (parâme­ tro) para o controle de constitucionalidade das leis na medida em que não é parte integrante do texto constitucional.

269. A palavra “preâmbulo" se origina do latim (praeambulo).’Na linguagem comum significa o conjunto de frases que introduz o texto principal". OLIVEIRA, Márcio Luís de, A força normativa do preâmbulo, 2009, p. 1. 270. No que tange ao ordenamento jurídico-constitucional pátrio, certo é que todas as Constituições brasileiras {1824, 1891,1934,1937,1946.1967-69,1988) foram introduzidas por preâmbulos. 271. Nesse sentido prelecionam com uma base textual que a literalidade indicaria que o preâmbulo que começa com a frase: "nós representantes do povo brasileiro" é finalizado com a seguinte expressão: promulgamos "a seguinte Constituição da República Federativa do Brasil". 272. Entre eles: Menelick de Carvalho Netto, Jorge Miranda, Georges Vedei, Edvaldo Brito, Dirley da Cunha Júnior, Georges Bordeau, Giuseppe Vergottini e Kildare Gonçalves Carvalho, entre outros. 273. Visto que o Conselho Constitucional, órgão que controla a constitucionalidade das leis na França, afirmou a força normativa do preâmbulo da Constituição francesa de 1958.

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Assim, temos uma primeira corrente que afirma a relevância jurídica direta e imediata do preâmbulo, conforme demonstramos, e uma segunda corrente que concede ao preâmbulo uma relevância jurídica indireta, reflexa ou apenas mediata (de cunho hermenêutico), conforme também explicitamos. Porém, há ainda uma terceira corrente que desconsidera por inteiro o preâmbulo. Essa é a tese da irrelevância jurídica do preâmbulo, que o considera como uma mera expressão política (com isso, ele não funcionaria nem mesmo como elemento de integração e interpretação do texto constitucional). Portanto, seguindo a esteira do professor de Lisboa Jorge Miranda, temos: a) relevância jurídica direta e imediata (atribui ao preâmbulo plena natureza jurídica equiparando-o a qualquer outra norma constitucional); b) relevância jurídica indireta (reconhece o preâmbulo como um vetor de cunho hermenêutico, situando-o, por conseguinte, numa condição inter­ mediária entre a relevância jurídica direta e a irrelevância jurídica); c) irrelevân­ cia jurídica (preâmbulo constitucional não tem natureza normativa, sendo apenas uma declaração política e, portanto, de caráter mais simbólico do que propria­ mente jurídico).274

Somos da opinião de que o preâmbulo é dotado de força normativa e rele­ vância jurídica direta e imediata e deve ser obedecido como qualquer outra nor­ ma presente na Constituição, até mesmo porque ele, de forma precedente, acaba por ser a síntese da normatividade constitucional posteriormente desenvolvida explicitando princípios dotados de inerente normatividade.

Porém, o posicionamento majoritário ainda é aquele que não reconhece força normativa ao preâmbulo. Este, inclusive, vem sendo o posicionamento do Su­ premo Tribunal Federal que, na ADI n° 2.076/AC, de Relatoria do Ministro Carlos Velloso,275 negou força normativa obrigatória ao preâmbulo. 0 caso envolveu pe­ dido formulado pelo PSL contra 0 preâmbulo da Constituição do Acre alegando a inconstitucionalidade por omissão no que diz respeito à falta da expressão "sob a proteção de Deus", constante no preâmbulo da Constituição da RFB/88. Nesse caso, o Pretório Excelso considerou que a invocação da proteção de Deus no preâmbulo da Constituição não seria dotada de força normativa, desconsiderando a alegação de que a expressão em causa seria uma norma de reprodução obri­ gatória para os Estados-membros em suas respectivas Constituições. Mas, aqui, uma advertência: é bom que se diga que já existem vozes dissonantes no STF que corroboram com 0 nosso posicionamento. Nesse sentido, recentemente, a Minis­ tra Cármen Lúcia na ADI n° 2.649 deixou assente que 0 preâmbulo deve ser dotado de relevância jurídica.276

274. MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional. Coimbra: Coimbra, 1983, t. 2, p. 209. 275. ADI n 1533/51 e outros arcabouços normativos que diziam respeito ao mandamus.4

1.2. Requisitos do Mandado de Segurança Para que possamos trabalhar de forma adequada com 0 instituto, é mister ob­ servarmos, conforme a doutrina, os requisitos necessários para a existência de um mandado de segurança. Nesses termos, seriam eles:

i°) Ato comissivo ou omissivo da autoridade pública ou agente jurídico no exer­ cício de atribuições públicas. Em regra: não haverá mandado de segurança sem ato (seja administrativo, legislativo ou judicial). E o mesmo, conforme externado, deve ser praticado por autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no uso de atri­ buições públicas.

Mas, a rigor, 0 que a doutrina e a jurisprudência entendem por autoridade pública? Ora, por autoridade pública deve-se entender todo agente público que detém poder de decisão e é titular de uma esfera de competência. Nesse sentido, são

2.

3.

4.

732

Embora existisse, antes dessa Constituição, a chamada doutrina brasileira do habeas corpus que interpretava o mesmo habeas corpus de forma ampla não só para proteger a liberdade de locomoção, mas também para pro­ teger o indivíduo de qualquer tipo de abuso de poder (ainda que sem relação com direito de ir e vir); inspirando, portanto, o que posteriormente foi concebido como mandado de segurança na Constituição seguinte. A Lei n° 12.016/09 foi sancionada em 07.08.2009 e publicada no D.O.Ude 10.08.2009e entrou em vigor deforma imediata na data de sua publicação. Certo é que a nova Lei revogou inúmeros textos legais sobre o mandado de segurança. Porém, não inovou de maneira radical a tradicional ação do mandamus. O que a lei traz, além de umas poucas inovações, é a consolidação em um único diploma das diversas normas concernentes ao mandado de segurança, que existiam espalhadas nos textos normativos sobre o mesmo, bem como uma plêiade de direcio­ namentos jurisprudenciais sobre o remédio heroico, que já estavam sumuladas pelo STF e pelo STJ. Conforme o art. 29 da Lei n“ 12.016/09, foram revogadas as Leis n°s 1.533, de 31 de dezembro de 1951,4.166, de 4 de dezembro de 1962,4.348, de 26 de junho de 1964,5.021, de 9 de junho de 1966; o art. 3o da Lei n° 6.014, de 27 de dezembro de 1973, o art. 1 ° da Lei n° 6.071, de 3 de julho de 1974, o art. 12 da Lei n° 6.978, de 19 de janeiro de 1982, e o art 2o da Lei n° 9.259, de 9 de janeiro de 1996.

Ações Constitucionais

autoridades públicas os representantes da administração pública direta (União, Es­ tados, Distrito Federal e Municípios) e os agentes da administração indireta (autar­ quias e fundações).

Mas, atenção, pois o conceito de autoridade pública para fins de mandado de segurança é ainda mais extenso, alcançando, também os agentes que desempe­ nham atividades em nome de pessoas jurídicas de direito privado cujo capital social seja majoritariamente titularizado pelo Poder Público. Estamos obviamente falando dos agentes vinculados às sociedades de economia mista e às empresas públicas, quando praticarem atos regidos pelo direito público.5

E o que a doutrina entende pela expressão agente de pessoa jurídica no exer­ cício de atribuição pública? Estes seriam os representantes de pessoas jurídicas de direito privado (em cujo capital social não há a participação do Poder Público). Sendo assim, toda vez que o particular atuar sob delegação do Poder Público seria cabível o remédio heroico.6 Mas, aqui, há uma advertência: não devemos confundir os conceitos de ativi­ dades delegadas e autorizadas. Na atividade delegada, o particular desempenha função que seria de atribuição do Poder Público, possibilitando, assim, o cabimento do mandado de segurança (vide Súmula n° 510). Porém, na atividade (meramente) autorizada, tem-se apenas a fiscalização do Poder Público (com seu poder de polí­ cia) em face de sua natureza ou importância social, 0 que não possibilita (a priori) 0 mandado de segurança.7 Daí a conclusão insofismável de que a simples razão de ser a atividade autorizada pelo Poder Público (como, por exemplo, no caso das escolas, seguradoras, bancos e consórcios...) não torna automaticamente viável 0 ajuizamento da ação heróica, pois 0 agente de pessoa jurídica privada pode tam­ bém realizar atos de interesse interno e particular. Assim, é sempre condição sine qua non a existência de delegação (ato realizado por delegação pública) para que haja a possibilidade de impetração do writ contra particular.8

5.

6.

7. 8.

Se o ato estiver regido apenas pelo direito privado (atos realizados no interesse interno e particular da empresa ou instituição), não caberá mandado de segurança! Aqui é importante citar uma interessante e recente delimi­ tação do STJ com a edição em 2007 da Súmula n° 333, que preleciona: cabe mandado de segurança contra ato praticado em licitação promovida por sociedade de economia mista ou empresa pública. Nesses termos, a súmula 510 do STF afirma que: “Praticado o ato por autoridade, no exercício de competência delegada, contra ele cabe o mandado de segurança ou a medida judicial'1 É interessante aqui, observarmos de forma extensiva que, conforme a doutrina: A expressão competência delegada deve ser compreendida como sinônimo de exercício de função pública. Onde quer que haja função pública cabe mandado de segurança, desde que estejam presentes seus demais pressupostos constitucionais e legais. In: Mandado de Segurança, Scarpinella Bueno, Cãssio, p. 22,2009. In: Mandado de Segurança. Sodré, Eduardo, p. 92,2007. Nesses termos, conforme abalizada doutrina: quando o diretor de uma escola particular nega ilegalmente uma matrícula, ou uma instituição bancária rejeita ilegalmente uma operação de crédito, ou a empresa comete uma ilegalidade no desempenho de função delegada, cabe mandado de segurança. STF, RTJn° 66/442, fíDA n° 72/206, RTn° 329/840 e Súmula n°510; STJ REsps n° 100.941-CE e n° 101596-CE, ambos Rei. Ari Pargendler,DJU 13.10.97. Mas, quando tais entidades, por seus dirigentes, realizam atividade civil ou comercial estranha à delegação, res­ pondem perante a Justiça como particulares desvestidos de autoridade pública e por isso só se sujeitam às ações

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A recente Lei n 12.016/09, em consonância com a doutrina e jurisprudência sobre 0 tema, ora debatido, afirma categoricamente que "não cabe mandado de segurança contra os atos de gestão comercial praticados pelos administradores de empresas públicas, de sociedade de economia mista e de concessionárias de serviço público".

Por último, é importante deixarmos consignado que a regulamentação do manda­ mus também explicita aqueles que devem ser equiparados à autoridade, reforçando, no seu texto, a necessidade do exercício de atribuições do Poder Público. Nesses termos, para esse diploma legal, "equiparam-se às autoridades, os representantes ou órgãos de partidos políticos e os administradores de entidades autárquicas, bem como os dirigentes de pessoas jurídicas ou as pessoas naturais no exercício de atri­ buições do Poder Público, somente no que disser respeito a essas atribuições". 2°) Ilegalidade ou abuso de poder. É mister que 0 ato seja dotado de ilegalida­ de’ (entendida de forma ampla como violação no que diz respeito a: norma consti­ tucional, leis complementares, leis ordinárias, leis delegadas, medidas provisórias, decretos legislativos, resoluções, editais de concurso, decretos regulamentares etc.) ou abuso de poder (entendido como uma ilegalidade que vai além dos parâmetros e limites permitidos por lei)10. E, segundo entendimento doutrinário e jurisprudencial, esse ato pode ser tanto vinculado como discricionário* 11 (este, sobretudo, no que diz respeito a alguns pressupostos, como, por exemplo, aos elementos de com­ petência, forma e finalidade, existindo resistência da doutrina e da jurisprudência apenas no que diz respeito ao cabimento de mandamus para atacar 0 mérito dos atos administrativos discricionários, ou seja, seus elementos motivo e objeto. Assim, 0 Judiciário, conforme corrente majoritária, só pode controlar a legalidade dos atos

comuns, excluindo o mandamus. Certa é que a jurisprudência vem reconhecendo a possibilidade de impetração de mandado de segurança contra agentes de: estabelecimentos particulares de ensino, sindicatos, agentes fi­ nanceiros e serviços sociais autônomos (SESI, SESC, SENAI, entre outros). Dl PIETRO, Maria Sylvia, Direito adminis­ trativo, 2003, p. 662. 9. Nesses termos, conforme doutrina: "A ilegalidade é delimitada como contraste entre o ato cuja invalidade é pre­ tendida no mandado de segurança e a norma juridica na qual deveria ter sido (o mesmo) praticado [_.] A elocução ilegalidade alcança os vícios da ilegalidade e da inconstitucionalidade, porquanto o mandado de segurança é hábil para suscitar o controle de constitucionalidade difuso, instrumentalizado pela via de exceção." MORAES, Guilherme Pena de, 2008, p. 159. 10. Conforme a doutrina: o abuso de poder é uma ilegalidade qualificada pela arbitrariedade. Todavia pode ocorrer o abuso de poder também quando o ato impugnado for formalmente legal, mas substancialmente desproporcional. ALMEIDA, Gregório Assagra de, Manual das ações constitucionais, 2007, p. 443. 11. Conforme as lições de Raquel Melo Urbano de Carvalho: (...) No tocante aos atos discricionários, não se pode imis­ cuir no núcleo da conveniência e oportunidade administrativas, o que em nenhum momento significa a exclusão de qualquer controle jurisdicional como ortodoxamente já se defendera no Direito Administrativo. Atualmente, pode o Judiciário aferir os aspectos vinculados do ato que seja discricionário no conteúdo e/ou no motivo. Um ato discricio­ nário quanto ao conteúdo pode ter, p. ex., o sujeito, a Finalidade, o motivo, e a forma fixados de modo vinculado na lei. Nesse caso, incumbe ao magistrado verificar os pressupostos (subjetivo, teleológico e fático) e o elemento formal vinculado da atuação administrativa. Outrossim, no tocante à discricionariedade, impõe-se uma interpretação sis­ têmica do ordenamento constitucional, das normas legais e administrativas de regência, de modo a definir qual é a margem de liberdade que, de fato, remanesce naquele caso concreto. Deve o judiciário delimitar os contornos da discricionariedade (ação dentro dos limites da lei) a fim de evitar que, com base nela, possa o administrador resvalar em comportamento arbitrário (ação fora dos limites da lei). Curso de direito administrativo, 2008, p. 567-568.

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Ações Constitucionais

administrativos discricionários de outros Poderes, mas não pode controlar o mérito dos mesmos).1213 14

3°) Lesão ou ameaça de lesão a direito líquido e certo. Nesses termos, o man­ dado de segurança poderá ser tanto repressivo quanto preventivo. 0 primeiro para cessar com a lesão a direito líquido e certo e o segundo para evitar a lesão a direi­ to líquido e certo.

4°) Requisito da subsidiariedade: 0 ato dotado de ilegalidade ou abuso de poder que lesiona (ou ameaça de lesão) direito líquido e certo não pode ser ampa­ rado por habeas corpus (art. 5°, LXVIII, da CR/88) ou habeas data (art. 5», LXXII, da CR/88).” 1.3. Espécies de Mandados de Segurança

Tradicionalmente, temos a diferenciação do mandado de segurança em repres­ sivo e preventivo. 0 primeiro visa a cessar a lesão a direito líquido e certo já existente e 0 segundo objetiva a evitar a lesão a direito líquido e certo em virtude de ameaça concreta (demonstração de atos ou situações atuais que configurem a ameaça ou risco de lesão ao direito subjetivo'4).

1.4. Direito Líquido e Certo Conforme entendimento doutrinário15*e jurisprudencial, 0 direito líquido e certo é aquele direito comprovado de plano, que resulta de fato certo, com prova

12.

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14.

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Nesse sentido, explicita Raquel Carvalho que: (...] O controle judicial, destarte, é possível para aferir a juridicidade que condiciona os limites da liberdade outorgada à Administração. Não se legitima a invasão do espaço de decisão política reservado ao Poder Público, sob pena do magistrado transmutar-se indevidamente em adminis­ trador, substituindo, por seus próprios critérios de escolha, a opção feita pela autoridade competente com base em razões de oportunidade e conveniência que ela, melhor do que ninguém, pode decidir diante de cada caso concreto (Curso de direito administrativo, 2008, p. 567-568). Na mesma linha, Celso Antônio Bandeira de Mello, Curso de direito administrativo, 2006, p. 837 e 850. Mas, aqui, é bom que se diga, que a cada dia mais, teorias vem sendo desenvolvidas para enfrentar os limites dos atos discricionários (e a atuação do administrador com base neles). Essas, à luz de um intitulado "atívismo judicial", visam a ampliar o nível de controle judicial sobre os mes­ mos, com fundamentos em princípios como o da proporcionalidade. Exemplos: 1) À luz do art. 5o, XVI, da CR/88 é marcada uma reunião para determinado logradouro com fins líci­ tos, pacífica e sem armas e com prévio aviso às autoridades competentes. Se o destacamento da Polícia Militar por ordem de seu comandante impede a passagem dos manifestantes para não deixar que aconteça a reunião, caberia o manejo de um Mandado de Segurança ou de um Habeas Corpus? A resposta correta seria o mandado de segurança, pois o cerceamento da passagem foi o meio para atingir o fim, qual seja, cercear o direito de reu­ nião. Portanto, se o direito não estiver amparado pelo artigo 5o, incisos LXVIII e LXXII, da CR/88, caberá Mandado de Segurança, tendo em vista a subsidiariedade. 2) Um cidadão solicita certidão em repartição pública na qual trabalhou para fins de aposentadoria e lhe é negado esse direito. Apesar de ser dado da pessoa do impetrante solicitado e em banco de dado público, o remédio constitucional será o Mandado de Segurança (art. 5o, LXIX) e não o habeas data (art. 5o, LXXII), em virtude do direito de certidão pleiteado estar alocado no art. 5°, XXXIV, e não no acima referido art. 5o LXXII. Portanto, essa é a lógica da subsidiariedade. Conforme o STF - 2o T. - RE n° 106.849/SC e o STJ - 3a T. Ms n° 6.971 - v.u. - rei. Min. José Arnaldo Fonseca, DJU, 20.11.2000, p. 266. Certo é que, de longa data, a questão do direito líquido e certo, que se direcionava à certeza (ou incerteza) do direi­ to, foi deslocada na doutrina pátria para a necessidade de comprovação dos fatos. Portanto, direito comprovado

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inequívoca, apto e manifesto no ato de sua existência. Nos dizeres de Cássio Scarpinella Bueno, "o direito líquido e certo é justamente aquele direito cuja existência e delimitação são claras e passíveis de demonstração documentar.16 Nesse sentido, com a necessidade da prova pré-constituída na exordial (inicial), não há dilação probatória1' em mandado de segurança.18 Assim sendo, como exemplo: PROCESSUAL CIVIL. MANDADO DE SEGURANÇA. PROVA PRÉ CONSTITUÍDA. AUSÊNCIA. EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM JULGAMENTO DO MÉRITO. 1. Entre os requisitos espe cificos da ação mandamental está a comprovação, mediante prova pré-cons­ tituída, do direito subjetivo líquido e certo do impetrante. 2. Na hipótese, dis­ cute-se a respeito da nulidade de pesquisa mineral, sob 0 fundamento de que a autorização de que trata 0 art. 27 do Decreto-Lei 227/1967 não foi concedida pelo legítimo proprietário ou posseiro da área objeto da pesquisa. Todavia, a titularidade da propriedade onde se localizam as jazidas é objeto de ação de usucapião ainda em curso, e depende de minuciosa instrução probatória, incabível em sede de mandado de segurança. 3. Mandado de segurança extin­ to sem julgamento do mérito. (STJ - MS n° 11.944/DF, Rei. Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 26/11/2008, DJe 09/12/2008)”

É bem verdade que existe uma exceção a essa regra (não sendo a pré-constituição probatória exigida de maneira absoluta) localizada no art. 6a, § i°, da Lei n° 12.016/09.“

de plano na verdade induz (nos leva) à noção de comprovação fática (de plano com documentação inequivoca e pré-constituída). 16. BUENO, Cássio Scarpinella, Mandado de segurança, 2009, p. 15. 17. Assim sendo: "o impetrante deverá demonstrar, já com a petição inicial, no que consiste a ilegalidade ou a abusividade que pretende ver expungida do ordenamento jurídico, não havendo espaço para que demonstre sua ocorrência no decorrer do procedimento." BUENO, Cássio Scarpinella, 2009, p. 15. 18 Segundo Maria Sylvia Di Pietro:"é aceitável, mesmo após o ajuizamento da inicial, a juntada de parecer jurídico, já que este nãoconstitui prova, mas apenas reforça a tese jurídica defendida pelo impetrante." Direito administrativo, 2003, p. 663. 19. Em outro exem pio interessante, o STF deixou assente, que o mandado de segurança nãoéa via adequada para afe­ rir critérios utilizados pelo TCUe que culminaram por condenar solidariamente a empresa impetrante à devolução de valores ao erário, em razão de superfaturamento de preços constatado em aditamentos contratuais por ela celebrados com a Administração Pública. Isso porque para a análise do pedido seda necessária a análise pericial e verificação de preços, dados e tabelas, o que é incompatível com o rito do mandado de segurança. STF. 13 Turma. MS 29599/DF, Rei. Min. Dias Toffoli. julg. em 01.03.2016. Em outro caso o STF, recentemente, entendeu que não é seu papel fazer a revisão do mérito das decisões do CNJ. Assim, os atos e procedimentos do CNJ estão sujeitos apenas ao contro­ le de legalidade por parte do STF. Assim sendo, o mandado de segurança não se presta ao reexame de fatos e provas analisados pelo CNJ no processo disciplinar. STF. 2" Turma. MS 35540/DF e MS 35521/DF, Rei. Min. Gilmar Mendes, julgados em 12.03.2019 (Info 933) No mesmo sentido: (...) A reprimenda imposta aos recorren­ tes mostrou-se plenamente adequada aos atos ilícitos praticados, para os quais a lei comina a pena de demissão. Conclusão diversa em relaçáo à proporcionalidade na dosimetria da pena demandaria a reapreciação de aspectos (óticos, o que não se admite na via estreita do mandado de segurança, haja vista tratar-se de ação que demanda prova pré-constituida. (...) STF. 2a Turma. RMS 31494, Rei. Min. Ricardo Lewandowski, julgado em 26.11.2013. 20. Art. 6 § 10 da Lei n° 12.016/09: "No caso em que o documento necessário à prova do alegado se ache em repartição ou estabelecimento público ou em poder de autoridade que se recuse a fornecê-lo por certidão ou de terceiro, o juiz ordenará, preliminarmente, por ofício, a exibição desse documento em original ou em cópia autêntica e marcará, para o cumprimento da ordem, o prazo de 10 (dez) dias. O escrivão extrairá cópias do documento para juntá-las à segunda via da petição "

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É interessante afirmar ainda que o direito em si mesmo já existe (deve, por­ tanto, estar previsto normativamente). Porém, conforme observado no conceito, o que se tem que provar de plano é a situação fática (inequívoca) que está ocorrendo e que está inviabilizando (ou usurpando) o direito.2' Além disso, é mister salientar que, para a corrente majoritária, o direito líquido e certo deve ser entendido como condição da ação21 22 do mandamus (nos moldes do Interesse de agir) e não como questão de mérito.23 Outro ponto lembrado pela doutrina e pela jurisprudência é que o juiz não pode alegar complexidade (ou mesmo controvérsia) para não conhecer do mandamus, ou mesmo para não concedê-lo. Nesse sentido, por mais intrincada, conflituosa e complexa que seja a questão, o magistrado não poderá se furtar de enfrentá-la. Vide a Súmula n» 625 do STF que preleciona no sentido de que: a controvérsia em matéria de direito não impede a concessão de mandado de segurança. Nesses ter­ mos, 0 juiz não pode denegar 0 mandado de segurança sob 0 pretexto de tratar-se de matéria jurídica de grande complexidade. 1.5. Cabimento

Preenchidos os requisitos, caberá mandado de segurança, mas haverá casos em que não será cabível 0 mandamus. São diversas hipóteses nas quais por dicção legal, ou mesmo jurisprudencial, não poderemos impetrar 0 writ. Mas é bom que se

Conforme o exemplo, aqui já citado (ver nota), o direito de reunião já existe (devidamente situado no art 5°, XVI). Necessário, portanto, será a prova dos fatos que ocorreram (ver nota) e que impediram o exercício do direito. 22. Com isso, na prática, para a doutrina majoritária (não sem divergências!), "a ausência do direito líquido e certo é obstativa somente do cabimento, do conhecimento ou da admissibilidade do mandado de segurança, sendo pos­ sível que por outras vias, o impetrante busque a tutela jurisdicional da afirmação de seu direito, como, de resto, permitia expressamente o art. 16 da Lei n°1S33/51 (Atualmente expressado no art 19 da Lei n“ 12.016/09)." BUENO, Scarpinella Cássio, Mandado de segurança, 2009, p. 17-18. Afirma também o autor que: Direito líquido e certo, pois, é condição da ação e náo corresponde à existência de ilegalidade ou de abuso de poder, mas apenas e tão somente, a uma especial forma de demonstração desses vícios que rendem ensejo ao ajuizamento do mandado de segurança. Corresponde, pois, à adequação que faz parte do interesse de agir na escolha deste writ como a ação própria para os fins descritos na petição inicial. Trata-se, friso de condição de ação do mandado de segurança, instituto de caráter nitidamente processual Porém, adverte o processualista, que devemos ficar atentos ao conteúdo da sentença do mandamus, pois, algumas decisões judiciais, sem o devido rigor (prelecionado pela corrente majoritária) que julgam o pedido improcedente ou denegom a ordem por ausência de direito líquido e certo acabam sendo deci­ sões inequivocamente de mérito. Portanto, é sempre importante analisar o conteúdo da decisão no caso concreto. 23. É verdade que existe aqui uma enorme divergência, na medida em que há autores que entendem que o direito líquido e certo não é apenas condição de ação, mas também é questão (matéria) de mérito, advogando uma natureza dúplice ao direito líquido e certo. Nas lições de Sérgio Ferraz: "o direito líquido e certo é, a um só tempo, condição da ação e seu fim último. Assim, a sentença que negue ou afirme o direito líquido e certo realiza o próprio fim da ação; trata-se de uma decisão de mérito. Cuida-se de condição da ação não-ortodoxa, amalgamada com a própria finalidade da ação, condição não afinada integralmente aos cânones da lei processual. Por tudo isso, a sentença que nega a existência do direito liquido e certo é verdadeira decisão de mérito, e não, apenas, dec/aratória de inexistência de uma condição da ação. Deve elo, por consequência, concluir pela denegação do writ, e não pela extinção do pro­ cesso sem julgamento do mérito." Mandado de segurança (individual e coletivo): aspectos polêmicos, 1996. p. 58. Para outros autores o direito líquido e certo deve ser entendido apenas como questão de mérito. Nesses termos: "o direito líquido e certo está vinculado ao mérito do mandado de segurança. Ausente a caracterização do direito nestas condi­ ções (liquido e certo) deve a ordem ser denegada, podendo ou não ter reflexos na coisa julgada". In: Cruz, Cerqueira, Gomes Junior, Favreto, Pal harini Júnior. Comentários à nova Lei do mandado de segurança, p. 188,2009. 21.

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diga que são hipóteses construídas ao longo dos anos nos diplomas normativos e nos repositórios pretorianos que, à luz da Constituição de 1988, podem estar relativizadas. Iremos estudar as situações e as suas possíveis interpretações (releituras) atuais.

É interessante que a nova Lei n® 12.016/09, que disciplina 0 mandado de se­ gurança em alguns de seus dispositivos, apenas repete vedações já existentes na antiga Lei n® 1.533/51,24 0 que, a nosso ver, faz com que já esteja relativizada de an­ temão, ou seja, desde seu nascedouro. Nesses termos, 0 art. 5®, da Lei n» 12.016/09, irá explicitar que não se concederá mandado de segurança quando se tratar: (1) de ato do qual caiba recurso administrativo com efeito suspensivo, independentemente de caução;

Essa hipótese já estava relativizada com base na Lei n° 1.533/51 e continuará relativizada, pois, à luz do art. 5®, XXXV,25 da CR/88, não é obrigatório esgotar as vias administrativas para acionar 0 Poder judiciário.26 Mas é importante salientar que, assim como 0 art. 5° da Lei n° 1.533/51 não tinha sido revogado (não recepcionado) pela Constituição de 1988, 0 art. 5® da Lei n® 12.016/09 também terá força norma­ tiva, pois há uma hipótese em que essa disposição normativa deve prevalecer (assim como a anterior prevalecia). Nesse sentido, se 0 interessado optar pela via administrativa e obter 0 efeito suspensivo, a lesão estará suspensa (efeitos do ato sobrestados não existindo exequibilidade e operatividade na lesão) e não caberá mandado de segurança, pois será mister que aguardemos 0 desfecho do recurso administrativo (com efeito suspensivo) para um eventual mandamus. Entretanto, mesmo existindo 0 recurso administrativo com efeito suspensivo, se houver omis­ são ilegal ou abusiva da administração, caberá mandado de segurança nos moldes da Súmula n® 429 do STF, que preleciona: "A existência de recurso administrativo com efeito suspensivo não impede 0 uso do mandado de segurança contra a omissão da autoridade."

Porém, devemos deixar consignado que a hipótese do art. 5®, III, da Lei n° 1.533/51 foi suprimida da recente Lei do mandamus, não encontrando amparo no novo diploma legal do mandado de segurança. Esta dispunha que não caberia mandado de segurança contra: "ato disciplinar, salvo quando praticado por autoridade incompeten­ te ou com inobservância de formalidade essencial.” 25. Art. 5° XXXV: A lei não pode excluir de apreciação do poder Judiciário lesão ou ameaça a direito. A necessidade do exaurimento da via administrativa para viabilizar o acesso ao judiciário presente na Constituição anterior foi abolida pelo artigo supracitado. É bem verdade, que temos uma exceção no art. 217 da atual Constituição no que tange à justiça desportiva, mas, mesmo assim, por no máximo 60 dias, pois após os mesmos, não tendo a justiça desportiva decidido, existirá a possibilidade de admissão de ações relativas à disciplina e competições desporti­ vas no Poder Judiciário. 26. Por exemplo, a hipótese de se deixar fluir (escoar) o prazo do recurso administrativo com efeito suspensivo, sem manejar o recurso. Outro exemplo seria o de se impetrar diretamente o mandamus, abdicando de interpor o recurso administrativo com efeito suspensivo. Porém, é importante salientar que, se o recurso administrativo não tiver efeito suspensivo, nada impede a propositura concomitante do mesmo (recurso administrativo sem efeito suspensivo) com o mandado de segurança. 24.

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(2) de decisão judicial da qual caiba recurso com efeito suspensivo;

0 texto normativo é claro ao tentar impedir a impetração de mandado de se­ gurança contra decisões judiciais em que é cabível 0 efeito suspensivo, 0 que, aliás, também era assente na interpretação corrente da antiga e hoje revogada Lei n® 1.533/51. Acontece que a referida Lei n® 1.533/51, diferentemente da atual, estabele­ cia expressamente que não seria caso de concessão da segurança contra 0 ato de despacho ou decisão judicial de que houvesse recurso previsto nas leis processuais ou que pudesse ser modificado pela via da correição. Além dessa, tínhamos ainda, como reforço, a exegese da Súmula n° 267 do STF que prelecionava, e ainda preleciona (visto que não está cancelada), que "não cabe mandado de segurança contra ato judicial passível de recurso ou correição". Advogávamos que a Lei n® 1.533/51 se encontrava relativizada à época de sua vigên­ cia, bem como a própria Súmula n® 267 do STF, pois apesar de ser possibilidade excep­ cional, reconhecida pela doutrina e jurisprudência, caberia 0 mandado de segurança contra ato judicial (seja 0 despacho ou a decisão judicial ora em comento), mesmo com a existência de recurso cabível.27 As exceções, citadas pela doutrina e reconhecidas pela jurisprudência, envolviam duas hipóteses: a) decisões judiciais teratológicas (absurdas) com ilegalidade manifesta, que podem causar dano irreparável ou mesmo de difícil ou incerta reparação (lesão ou ameaça de lesão a direito líquido e certo) em virtude, por exemplo, de abuso ou arbitrariedade do magistrado; b) inexistência de efeito suspen­ sivo no recurso, observando-se aí uma verdadeira e iminente ameaça de perecimento do direito, ou mesmo um dano irreparável ao direito líquido e certo.28 Com a nova redação da Lei n« 12.016/09, entendemos que os casos acima ainda devem ser objeto de mandado de segurança, pois 0 que prescreve a nova Lei é o impedimento do mandamus contra decisão judicial da qual caiba recurso com efeito suspensivo, não impedindo 0 cabimento contra ato judicial, ainda que

27.

28.

Embora seja verdade que a regra sempre foi a que preleciona a exegese da Súmula n° 267 do STF, nos seguintes termos: EMENTA: Agravo regimental. Mandado de segurança contra ato judicial emanado das turmas ou do ple­ nário do SupremoTribunal Federal. Inadmissibilidade, especialmente se a decisão judicial transitou em julgado. Súmulas 267 e 268. Uso do wr/f como sucedâneo de ação rescisória. Impossibilidade. 1. Não se admite a impe­ tração de mandado de segurança contra decisões de caráter jurisdicional emanadas das Turmas ou do Plenário. Súmula n. 267. Precedentes [MS n. 24.633, Relator o Ministro Cézar Peluso, DJ de 12.03.2004 e MS n. 21.734, Relator o Ministro limar Galvão, DJ de 15.10.93]. 2. Nâo cabe mandado de segurança contra decisão judicial com trânsito em julgado. Súmula 268.3.0 mandado de segurança não pode ser utilizado como sucedâneo de ação rescisória ou de qualquer outro recurso contra decisão judicial. 4. Agravo regimental a que se nega provimento. (MS n°26.193/DF, Julg. em 29.11.2006. Rei. Min. Eros Grau. DJ02.02.2007). É necessário um esclarecimento sobre esse caso, pois existe sim essa possibilidade, apesar de hodiernamente ser menos usual e utilizada excepcionalmente: "Parte da doutrina e da Jurisprudência desvirtuando a natureza do mandado de segurança, passou a conferir-lhe também função cautelar, admitindo sua impetração para obter efeito suspensivo a recurso desse efeito desprovido. Essa situação, contudo, atualmente está alterada no campo do direito processual civil, pois atualmente a aplicabilidade do MS para atacar ato jurisdicional na área civil é muito tênue. A mudança de direção para evitar desvirtuamento do mandado de segurança, se deve as últimas reformas do CPC (Lei n° 9.139/95; Lei n° 8.952/94 e Lei n° 10.352/2001). [...] Essas reformas no CPC não fecham completamente as portas para a utilização do mandado de segurança na área civil para atacar atos jurisdicionais e nem poderíam fechar, considerando a natureza de garantia constitucional fundamental do mandado de segurança." ALMEIDA, Gregório Assagra de, Manual das ações constitucionais, 2007, p. 509.

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passível de recurso (sem efeito suspensivo). Lapidares são as digressões de Cássio Scarpinella Bueno sobre a questão em debate, na medida em que, coadunan­ do com nosso entendimento, afirma que 'toda vez que se puder evitar a consumação da lesão ou da ameaça pelo pró­ prio sistema recursal, isto é, interpretando-o de uma tal forma que ele, por si próprio, independentemente de qualquer outra medida judicial, tenha aptidão para evitar a consumação de dano irreparável ou de difícil reparação para o recorrente, e pela dinâmica do efeito suspensivo dos recursos, forte no que dispõem o caput e o parágrafo único do art. 558 do Código de Processo Civil”, descabe 0 mandado de segurança contra ato judicial à míngua de interesse jurídico na impetração. Inversamente, toda vez que 0 sistema recursal não tiver aptidão para evitar a consumação de lesão ou ameaça na esfera jurídica do recorrente [...] o mandado de segurança contra ato judicial tem amplo ca­ bimento.” ”

Acreditamos, que esse posicionamento, pode ser também referendado pela lógica de que 0 art. 5», LXIX, da CR/88 prevê claramente que há possibilidade de im­ petração do mandamus quando da prática de atos ilegais ou abusivos que lesionem ou ameacem de lesão direito líquido e certo, não existindo, portanto, dispositivo constitucional que proíba 0 manejo do remédio heroico contra decisões judiciais. Apenas a título de exemplo e corroborando com nosso entendimento, decidiu o STF no RMS 36.114 em 22.10.2019 que é admissível a impetração de mandado de segurança para impugnar ato judicial que decidiu pela intempestividade de recur­ so que havia sido protocolado dentro do prazo legal. 0 fundamento é da situação de excepcionalidade.29 31 30 (3) de decisão judicial transitada em julgado.

Essa hipótese não estava prevista na antiga Lei n° 1.533/51, mas foi explicitada pela jurisprudência do STF, nos termos da Súmula n° 268, que preleciona não ca­ ber mandado de segurança contra decisão judicial transitada em julgado. Nesses

29. 30. 31.

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A citação aqui é do antigo CPC de 1973 que foi revogado pelo CPC de 2015. BUENO, Scarpinella Cássio, Mandado de segurança, 2009, p. 37. RMS 36114/AM, STF. Ia Turma. Rei. Min. Marco Aurélio, julg em 22.10.2019. APrimeira Turma deu provimento a recurso ordinário em mandado de segurança, a fim de que o Superior Tribunal de Justiça aprecie, como entender de direito, recurso especial interposto pela empresa ora impetrante, afastado o óbice relativo à tempestividade. Na espécie, a presidência do STJ não conheceu de recurso especial, interposto na vigência do novo Código de Processo Civil (CPC/2015), por considerá-lo intempestivo. No pronunciamento, aduziu que, conforme o art. 1.003, § 6°, do CPC/2015, o recorrente deve comprovara ocorrência de feriado local no ato de interposição do recurso, o que impossibilita a regula­ rização posterior. A recorrente então interpôs agravo, ao qual negado provimento. Na sequência, impetrou mandado de segurança A Turma entendeu ser admissível a impetração de mandado de segurança para impugnar ato judicial em que assentada a intempestividade de recurso protocolado dentro do prazo legal, considerada a excepcionalidade. Registrou que o recurso especial foi admitido no tribunal de origem, porque presentes os feriados. Ademais, no ato da interposição do especial, o recorrente teve o cuidado dejuntar calendário disponível no sítio do tribunal dejustiça a re­ velar que certos dias se mostraram feriados na localidade. A ministra Rosa Weber enfatizou que, no caso, a observância da forma — longe de se prestar á segurança jurídica, na medida em que houve a admissão do recurso na origem — conduz à consagração da absoluta injustiça. (Informativo 957)

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termos, o novo dispositivo apresentado pela Lei n» 12.016/09 já se fazia presente (desde a década de 60 do século passado) no entendimento pretoriano. Nesse sentido, conforme o STF e agora presente na nova Lei do mandamus, te­ mos que, se 0 prazo recursal não mais existe, a decisão judicial transita em julgado e não é mais objeto de recurso, mas tão somente de ação rescisória. A conclusão dara (com base na súmula e expressada na nova Lei) é que 0 mandado de seguran­ ça não é substitutivo de recurso.32

Mas, é preciso deixar assente que também nessa hipótese (jurisprudencial e legal), há exceção. Esta ocorrerá quando a decisão for teratológica (absurda) dota­ da de uma ilegalidade ou nulidade manifesta. Assim sendo, mesmo não cabível 0 recurso, caberá (ainda que excepcionalmente) mandado de segurança.33 Por último, outra questão interessante, que guarda relação com 0 tema ora debatido, se refere à figura do terceiro prejudicado no mandamus. Sem dúvida, se não for 0 terceiro intimado de decisões judiciais proferidas no processo no qual não figurou como litigante, não é razoável que do mesmo se venha a exigir 0 manejo tempestivo e oportuno do instrumental recursal. Nesse sentido, é a Súmula n° 202 do STJ, que assim preleciona: "A impetração de mandado de segurança por terceiro, contra ato judicial, não se condiciona à interposição de recurso.”

(4) Súmula n° 266 do STF: nõo cabe mandado de segurança contra lei em tese. 0 entendimento aqui envolve a assertiva de que sem um ato (comissivo ou omissivo) ilegal ou abusivo que cause lesão a direito líquido e certo de alguém não há que se falar em mandado de segurança. Sem dúvida, a busca pela nulidade ou anulabilidade de uma lei "em tese" não ocorre via mandamus, mas sim pela via do controle concentrado de constitucionalidade.34 Agora, cuidado, pois existe uma exceção! Quando a lei for de efeito concreto caberá mandado de segurança. Mas, 0 que vem a ser esse tipo de lei? A lei de efeito concreto é aquela que não precisa de

32.

33.

34.

Nesses termos: "O S77 já firmou entendimento no sentido de que o mandado de segurança não pode constituir-se em sucedâneo recursal e deve ser admitido pela jurisprudência apenas para conferir efeito suspensivo a recurso, res­ salvados os casos excepcionais de erro teratológico ou ofensa ostensiva e direta à norma constitucional relevante." ALMEIDA, 2007, p. 510. Nesses termos, corroborando com o nosso entendimento: "É de se consignar que a aplicabilidade da súmula 268 do STF não é absoluta, havendo jurisprudência admitindo, excepcional mente, o cabimento de mandado de segurança para atacar coisa julgada decorrente de decisão teratológica ou que gere um absurdo jurídica Assim, é certo que o mandado de segurança não pode, em regra, substituir a ação rescisória, mas em situações excep­ cionais é possível que lhe seja conferida função rescindente (._)" ALMEIDA, 2007, p. 518. Nesse sentido, é o MS n° 25.456/DF de Rel. Min. Cezar Peluso: (-) Pedido de declaração de inconstitucionalidade de dispositivos da Lei n° 9.099/95. Inadmissibilidade. Pedido contra lei em tese. Dedução como sucedâneo de ação direta de inconstitucionalidade. Agravo improvido. Aplicação da Súmula n° 266. Não cabe mandado de segurança contra lei em tese, nem como sucedâneo de ação direta de inconstitucionalidade. Julg: 17.11.2005. No mesmo sentido: O mandado de segurança não se qualifica como sucedâneo da ação direta de inconstitucionalidade, não podendo ser utilizado, em consequência, como instrumento de controle abstrato da validade constitucional das leis e dos atos normativos em geral. STF. Plenário. MS 28554 AgR, Rel. Min. Celso de Mello, julg. em 10/04/2014. E mais recente: O mandado de segurança não é o instrumento processual adequado para o controle abstrato de constitucionalidade de leis eatos normativos. STF. 2aTurma. RMS 32.482/DF, red. p/ o ac. Min. Edson Fachin, julg. em 21.08.2018 (Info 912).

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ato administrativo com base nela para ferir (lesionar) direito líquido e certo, pois a lei em si já causa dano (prejuízo) no ato de sua existência (com operatividade e exequibilidade automáticas).

Nesse caso, temos lei apenas no sentido formal (emanada regularmente do Poder Legislativo), pois materialmente (no seu conteúdo) a lei se reveste de ato administrativo, sendo, portanto, um verdadeiro ato administrativo mascarado na forma de lei. São exemplos que podemos apontar: leis de planificação urbana; leis que criam municípios e suprimem distritos; leis de isenções fiscais; leis que proíbem determinadas condutas (proibitivas); decretos de desapropriação; e decretos de nomeação ou exoneração.35

Porém, aqui uma última observação é importante. Apesar do mandado de segurança não ser instrumento processual adequado para o controle abstrato de constitucionalidade de leis e atos normativos (ou seja, não cabe mandado de segurança que tem como pedido autônomo a declaração de inconstitucionalidade de norma), é possível a declaração incidental de inconstitucionalidade, em mandado de segurança, de quaisquer leis ou atos normativos do Poder Público, desde que a controvérsia constitucional não figure como pedido, mas sim como causa de pedir, fundamento ou simples questão prejudicial, indispensável à resolução do litígio principal. (5) Também, segundo 0 STF, não cabe mandado de segurança contra matéria interna corporis, que é entendida como uma matéria privada (interna, de cunho particular) das Casas Legislativas, sob pena de infringir 0 princípio da Separação dos Poderes. Exemplo de matéria interna corporis é a interpretação do regimento interno das Casas (Câmara ou Senado Federal). Aqui devemos criticar a posição do Pretório Excelso, pois com ela temos uma interpretação privatística do que seja regimento interno, fazendo com que não raro a maioria possa "tratorar" minorias parlamentares sob os auspícios da digressão regimental. Em nosso entendimen­ to, a interpretação do regimento das casas é matéria que diz respeito aos mais de 120 milhões de eleitores que os parlamentares representam e, sobretudo, a

35. In: Meirelles, Hely Lopes. Mondado de Segurança, 2003. Di Pietro cita em sua clássica obra não só o termo 'leis de efeitos concretos! mas também as chamadas por ela de “leis auto executórias". In literis: “Lei de efeito concreto é a emanada do Poder Legislativo, segundo o processo de elaboração das leis, mas sem o caráter de generalidade e abs­ tração próprio dos atos normativos Eia é lei em sentido formal, mas ato administrativo, em sentido material (quanto ao conteúdo), já que atinge pessoas determinadas. Por exemplo, uma lei que desaproprie determinado imóvel ou que defina uma área como sendo sujeita a restrições para a proteção do meio ambiente. Leis dessa natureza produzem efeitos no caso concreto, independentemente de edição de ato administrativo; na falta deste, o mandado deve ser im­ petrado diretamente contra a lei. Lei autoexecutória é aquela que independe de ato administrativo para aplicar-se aos casos concretos. Além da própria lei de efeito concreto, que é autoexecutória, também são as que encerram proibição:’ (Direito administrativo, p. 666). Interessante também é a análise que envolve contra quem impetrar o mandado de segurança nessa situação, ou seja, contra a lei (chamada de "lei de efeito concreto"). Aqui estamos de acordo com Di Pietro, pois, partindo-se do pressuposto de que a lei é um ato complexo, que resulta da manifestação de vontade de dois órgãos (legislativo e o executivo), o mandamus deve ser impetrado contra o legislativo que aprovou e o Chefe do Executivo que sancionou a lei. No que tange a uma possível impetraçãopreventiva, esta épossível e deve dar-se não contra quem aprovou a lei, mas contra autoridade administrativa que irá aplicá-la ao caso concreto.

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todo o país que pode ser prejudicado por atos praticados por parlamentares ou mesmo aprovações pelos mesmos de proposições normativas viciadas regimen­ talmente sem a devida possibilidade de questionamento via mandamus?6 Mas, por outro lado, felizmente, o STF pelo menos admite que se o conflito en­ volver normas constitucionais não há que se falar em matéria interna corporls. Se­ gundo o Pretório Excelso, ocorrendo contrariedade a normas constitucionais (regras do processo legislativo previsto na Constituição) no iter da atividade parlamentar, a matéria deixa de ser interna corporis (por dizer respeito à Constituição) e caberá mandado de segurança.

Nesse caso, podemos construir um exemplo de acordo com o posicionamento pretoriano, usando dos requisitos já trabalhados sobre o mandado de segurança. Nesse sentido, teríamos a seguinte possibilidade: Ato da Mesa da Câmara ou do Se­ nado; 1) ilegal (dotado de ilegalidade); 2) que cause lesão ao direito líquido e certo de um deputado ou um senador (direito ao devido processo legislativo); e 3) não amparado por Habeas Corpus ou Habeas Data. A legitimidade para impetração des­ se tipo de mandado de segurança é somente do deputado federal ou do senador da República, pois somente eles têm direito (líquido e certo) ao devido processo legislativo. Ou seja, enquanto participantes do processo legislativo, têm direito de participarem de um processo adequado (devido) e sem vícios que porventura con­ trariem as regras dos arts. 59 a 69 da Constituição da República (que podem envol­ ver, por exemplo, a tramitação de uma PEC ou mesmo de um PLO, respectivamente: Proposta de Emenda à Constituição e Projeto de Lei Ordinária). (6) 0 mandado de segurança não substitui a ação popular, a teor da Súmula n° 101 do STF,36 37 e também não pode ser substitutivo da ação de cobrança, nos moldes da Súmula n° 269 do STF. Porém, no que diz respeito a Súmula n» 269, já decidiu 0 STF, que cabe mandado de segurança contra ato do Ministro da Defesa que não efetua 0 pa­ gamento dos valores atrasados decorrentes da reparação econômica devida a anis­ tiado político (art. 8° do ADCT da CR/88). Diferentemente de uma ação de cobrança, que é proposta para 0 pagamento de valores atrasados, no caso em tela temos um mandado de segurança impetrado para que seja cumprida norma editada pela própria

36.

37.

Esse posicionamento do STF, inclusive, encontra-se em debate no próprio STF. após voto monocrático do Ministro Gilmar Mendes no MS n° 26.915, constante do Informativo n°483 do STF. No caso, o Ministro trabalhando a teoria das normas constitucionais interpostas, derivada do professor Gustavo Zagrebelsky, sustenta que, em deter­ minados casos, atos com base na interpretação e aplicação do regimento interno das Casas podem (devem) ser questionados via mandado de segurança. Porém, o posicionamento majoritário, citado acima, ainda prevalece (pelo menos, até a decisão do MS n° 26.915) Nesse sentido, é ementa da decisão do MS AgR-ED n° 25.609/DF julgada em 30.08.2006:1. Mandado de segu­ rança contra Decreto-Legislatívo n° 780, de 7.7.05, que autorizou a realização de referendo acerca da comercia­ lização de arma de fogo e munição em território nacional: incidência da Súmula n° 266 ("Não cabe mandado de segurança contra lei em tese"). 2. Mandado de segurança: pretensão à declaração de nulidade da consulta popular realizada: incidência da Súmula n° 101 ("O mandado de segurança não substitui a ação popular"). 3. Embargos de declaração rejeitados. Rei. Min. Sepúlveda Pertence.

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Administração (Portaria do Ministro da Justiça).58 Logo, não incide, no caso, a proibição contida nas Súmulas 269 e 271 do STF. Aqui, conforme 0 STF no RMS n° 36162, além do valor principal, 0 acórdão do man­ dado de segurança deverá assegurar ao impetrante também os consectários legais (juros e correção monetária). Assim sendo, 0 autor não terá que ajuizar uma outra ação apenas para cobrar esses valores. Portanto, 0 próprio acórdão do MS deverá assegurar 0 pagamento dos juros e correção monetária. Nesses termos, não é necessário 0 ajuizamento de ação autônoma para 0 paga­ mento dos consectários legais inerentes à reparação econômica devida a anistiado político e reconhecida por meio de Portaria do Ministro da Justiça, a teor do dis­ posto no art. 8° do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT) e no art. 6®, § 6®, da Lei 10.559/2002. Assim, 0 acórdão concessivo do mandado de segurança deverá determinar 0 pagamento retroativo dos valores devidos a anistiado político acrescidos de juros de mora e correção monetária, por serem estes acessórios ao valor principal, afastando-se a incidência da Súmula 269 do STF.59 No mesmo sentido, conforme já citado: (...) 2. Havendo condenação da instância inferior ao pagamento de juros de mora e correção monetária, uma vez mantido o acórdão recorrido, também está reco­ nhecido 0 direito ao percebimento de tais valores, ainda que a respeito do tema não se tenha pronunciado expressamente 0 STF. 3. Os juros de mora e a correção monetária constituem consectários legais da condenação, de modo que incidem independentemente de expresso pronunciamento judicial. 4. Embargos de decla­ ração acolhidos apenas para esclarecer que os valores retroativos previstos nas portarias de anistia deverão ser acrescidos de juros moratórios e de correção monetária.*’

Aqui, na mesma linha, temos recente posicionamento do STJ, também sobre 0 verbete da Súmula n® 269 do STF: (...) 2. 0 Superior Tribunal de Justiça aplica orientação, segundo a qual, 0 direito líquido e certo amparável na via mandamental restringia-se ao reconhecimento da omissão da autoridade impetrada em providenciar 0 pagamento das parcelas pretéritas da reparação econômica decorrente de anistia política, conforme valor nominal previsto na Portaria Ministerial concessiva do benefício. Assim, a fixação de juros e correção monetária poderia ser buscada em ação própria, dada a impos­ sibilidade da cobrança de valores em sede de Mandado de Segurança, consoante enunciado da Súmula 269/STF. 3. No entanto, essa orientação há de ser modifica­ da, para se ajustar à compreensão atual e contemporânea da problemática da recomposição da situação jurídica derivada de direito líquido e certo amparável na via mandamental, ou seja, direito subjetivo na esmerada posição de liquidez e certeza, comprovado de plano e por meio de elementos materiais prévios. Parece de absoluta transparência e calcada na mais definida intuição de justiça que a

38. 39. 40.

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STF. Plenário. RE 553710/DF, Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 17.11.2016. RMS 36182/DF, STF. 1'Turma. Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 14.05.2019 (Info 940) RE 553710 ED, STF. Plenário. Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 01.08.2018

Ações Constitucionais situação ilegal ou abusiva a que o mandamus pôs fim deve retomar, integralmente, ao estado anterior à prática do ato vulnerador. Por tal razão, tudo o que for devido ao impetrante lhe deve ser reposto prontamente, pela força da decisão mandamental concessiva da ordem. 4. A Súmula 269/STF, cujo enunciado se opõe a este entendimento, tem a seu favor a ancianidade de sua edição - 55 anos - de modo que, somente por milagre, haveria de se manter atual e ensejadora de observân­ cia irrestrita. A interpretação deste verbete, porém, deve ser temperada com as várias regras legais que alteraram 0 perfil do Mandado de Segurança. E deve ser alterada, sobretudo, pela evolução vigorosa que este instituto sofreu nas últimas décadas, em virtude da progressiva afirmação dos Direitos Humanos e Fundamen tais, no sentido albergar sob a sua proteção os mais vastos contingentes individuais e os mais amplos direitos subjetivos. 5. Não há mais razão jurídica e nem moral na alternativa de encaminhar-se 0 pleito de valores anteriores à impetração para as chamadas vias ordinárias, quando jâ se tem uma decisão judicial mandamental favorável ao direito da parte. Isso significaria protelar para as calendas gregas a fruição do direito pela parte que o titula, congestionar as instâncias judiciais, em si­ tuação de desnecessidade, expor-se a União ao pagamento de honorários, porque a Ação de Cobrança lhe seria, fatalmente, desfavorável e, além disso, amesquinhar o préstimo do Mandado de Segurança, encurtando 0 alcance de sua eficácia. 6. Bem por isso, no julgamento dos Embargos Declaratórios opostos no RE 953.710/DF, de relatoria do Ministro DIAS TOFFOLI, DJe 23.8.2018, o STF decidiu que os valores retroa­ tivos previstos nas Portarias de Anistia hão de ser acrescidos de juros moratórios e de correção monetária, desde 0 momento em que verba se tomou devida. Como bem disse 0 ilustre Relator, incumbe lembrar que a correção monetária e os juros moratórios consistem em consectários legais da condenação, consequências auto­ máticas da decisão condenatória e, portanto, são devidos independentemente de expresso pronunciamento judicial - sua obrigatoriedade decorre automaticamente de dispositivo de lei. 7. A leitura principiológica desse precedente, bem como da decisão do eminente Ministro LUIZ FUX, no RE 35.990/DF, asseguram 0 entendimento de que os juros moratórios e a correção monetária, por serem consectários legais, são deferidos ao impetrante mandamental vitorioso, junta mente com a sua própria pretensão no writ Isso não constitui pretensão autônoma, nem pedido isolado e, muito menos, significa deferimento de pedido não formulado. Este é 0 pensamento judicial contemporâneo, atualizador da máxima eficácia da plataforma garantista, de modo a prover os institutos de proteção dos direitos e das liberdades da maior abrangência possível e também de sua efetividade maximizada. (...)“

(7) Segundo entendimento do STF, exarado no RE n® 576.874 de Rei. do Min. Eros Grau, julgado em 20.05.2009: "Não cabe mandado de segurança das decisões interlocutórias exaradas em processos submetidos ao rito da Lei 9.099/1995." Entendeu 0 STF que "a Lei 9.099/1995 está voltada à promoção de celeridade no processamento e julgamento de causas cíveis de complexidade menor. Daí ter consagrado a regra da irrecorribilidade das decisões interlocutórias, inarredável." Nesses termos, "não cabe, nos casos por ela abrangidos, aplicação subsidiária do CPC, sob a forma do agravo de instrumento, ou 0 uso do instituto do mandado de segurança. Assim sendo, não há afronta ao princípio constitucional da ampla defesa (art. 5», LV, da CR/88), uma vez que decisões interlocutórias podem ser impugnadas quando da

41. MS22.221/DF, STJ. Ia Seção. Rei. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, julgado em 10.04.2019.

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interposição de recurso inominado."42 (Rel. Min. Eros Grau, julgado em 20.05.2009, Plenário do STF, DJE de 07.08.2009)

(8) Na seara trabalhista, 0 TST já se manifestou no que diz respeito a acordo e termos de conciliação que são lavrados e assinados pelo Juiz Titular ou Subs­ tituto e pelas partes. Porém, 0 Juiz não está obrigado a homologar acordo pro­ duzido diretamente pelas partes, não constituindo 0 ato indeferitório violação a direito líquido e certo dos interessados. Nesses termos, é a Súmula n» 418 do TST: "A concessão de liminar ou a homologação de acordo constituem faculdade do juiz, inexistindo direito líquido e certo tutelável pela via do mandado de se­ gurança." (9) Por último, entende 0 Pretório Excelso, que não possui lesividade que justifi­ que a impetração de mandado de segurança 0 ato do STF que determina 0 retorno dos autos à origem para aplicação da sistemática de repercussão geral.43

1.6. Legitimidade do Mandado de Segurança a) Legitimidade Ativa: pessoa física nacional ou estrangeira (mesmo aquela que reside no exterior44), pessoa jurídica (privada ou pública45), universalidade de bens (são exemplos 0 espólio e a massa falida) e órgãos públicos46 despersonalizados (são exemplos: a Chefia dos Executivos, Chefia do Tribunal de Contas, Mesa da Câ­ mara, Mesa do Senado, Ministério Público).

Sobre a legitimidade ativa, é interessante observarmos, recente decisão do STF, em que afirmou não caber a habilitação de herdeiros em mandado de se­ gurança, quando houver falecimento do impetrante. Com base nessa orientação, a 1* Turma do STF negou provimento a agravo regimental, interposto de decisão monocrática do Min. Dias Toffoli, que julgara extinto, sem julgamento de mérito, processo do qual relator. Reconheceu-se, entretanto, a possibilidade dos herdei­ ros de buscar seus direitos pelas vias ordinárias. Nos termos da ementa do RMS

RE n° 576.874 Julg. em 20.05.2009. Plenário do STF. No mesmo sentido RE 857.811 julg. em 16.04.2013. MS 32.485 AgR/SP julg. em 27.02.2014:” 1. Não possui lesividade o ato do Supremo Tribunal Federal que determina o retorno dos autos à origem, para aplicação da sistemática de repercussão geral, porquanto a instância a quo poderá, ao receber o processo, recusar-se á retratação ou à declaração de prejudicialidade (art. 543-B, § 3o, do CPC), caso em que o recurso deverá ser admitido, subindo os autos ao STF (art. 543-B, S 4°, do CPC). 2. Agravo regimental a que se nega provimento". 44. A peça de impetração deve ser redigida em português. (STF - RE n“ 215.267/SP - Rel. Min. Ellen Gracie, DJU, 25.05.2001). 45. Conforme abalizada doutrina, “na maioria dos casos, que envolvem a impetração de mandado de segurança por pessoa jurídica de direito público o mesmo será utilizado não como um mecanismo de proteção de direitos fundamentais, mas sim de prerrogativas e atribuições de pessoas jurídicas de direito público assumindo feição de instrumento processual apto a solucionar conflitos entre órgãos públicos, poderes ou entre entes federativos diversos." MENDES; COELHO; BRANCO, Curso de direito constitucional, 2008, p. 539. 46. Também no que tange aos órgãos públicos despersonalizados, "o mandado de segurança poderá se destinar o resolver conflitos de atribuições entre órgãos públicos, colmatando lacuna relativa á ausência de efetivo instrumento para a solução desse tipo de conflito" MENDE5; COELHO e BR ANCO, p. 540,2008.

42. 43.

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26.806/DF "(...) 1. A decisão ora atacada reflete a pacífica jurisprudência desta Corte a respeito do tema, conforme a qual, é de cunho personalíssimo 0 direito em disputa em ação de mandado de segurança. 2. Não há que se falar, portan­ to, em habilitação de herdeiros em caso de óbito do impetrante, devendo seus sucessores socorrer-se das vias ordinárias na busca de seus direitos. 3. Agravo regimental não provido."47

Também já decidiu 0 STF, conforme 0 MS 33.736/DF, que 0 Procurador-Geral da República não possui legitimidade ativa para impetrar mandado de segu­ rança em face do CNJ com 0 objetivo de questionar decisão que reconheça a prescrição da pretensão punitiva em processo administrativo disciplinar. Enten­ deu a 2a turma do STF, que a legitimidade para impetrar mandado de segurança pressupõe a titularidade do direito pretensamente lesado ou ameaçado de lesão por ato de autoridade pública. Assim sendo, 0 Procurador-Geral da Repú­ blica não é dotado de legitimidade para a impetração, pois não é 0 titular do direito líquido e certo que afirmara ultrajado. Nesses termos, para a impetração do mandado de segurança não bastaria a demonstração do simples interesse ou atuação como custos legis, uma vez que os direitos à ordem democrática e à ordem jurídica não são de titularidade do Ministério Público, mas de toda a sociedade.48 Por último, 0 STF já decidiu que Tribunal de Justiça, mesmo não possuindo per­ sonalidade jurídica própria, detém legitimidade autônoma para ajuizar mandado de segurança contra ato do Governador do Estado em defesa de sua autonomia institucional.4950

b) Legitimidade Passiva: é da autoridade coatora?0 Considerada como aquela que pratica ou ordena a execução ou a inexecução do ato a ser impugnado via mandado de segurança. É mister, também, afirmarmos que ela detém a responsabi­ lidade administrativa pelo ato e 0 poder de corrigir a ilegalidade do mesmo. Mas, atenção, esse entendimento, por muitos anos consolidado, vem se modificando tanto na doutrina quanto, sobretudo, na jurisprudência. Mas, por quê?

A dúvida, objeto de controvérsia, envolve a legitimidade passiva ou não da pessoa jurídica (pública ou privada no uso de atribuições públicas) na qual está vinculada (alocada) a autoridade coatora. A pergunta é: seria a pessoa jurídica em nome da qual 0 ato (comissivo ou omissivo) foi praticado legitimada passiva?

47. 48. 49.

50.

RMS 26.806 AgR, julgado em 22.05.2012, Rei. Min. Dias Toffoli. 2’Turma do STF. MS 33736/DF. Rei. Min. Cármen Lúcia, julg. em21.06.2016. No caso concreto: mandado de segurança contra ato do Governador que estava atrasando o repasse dos duodécimos devidos ao Poder Judiciário. MS 34483-MC/RJ STF. Ia Turma do STF, Rei. Min. Dias Toffoli, julgado em 22.11.2016. Lei n° 12.016/09: Art. 7": Ao despachar a inicial, o juiz ordenará: I - que se notifique o coator do conteúdo da petição inicial, enviando-lhe a segunda via apresentada com as cópias dos documentos, a fim de que, no prazo de 10 (dez) dias, preste as informações.

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A resposta atualmente é que sim. Apesar de entendermos de difícil enquadra­ mento essa tese, fato é que boa parte da doutrina,51 e posicionamentos do STJ52 e do STF,5’ vem corroborando a posição de que a pessoa jurídica é legitimada passiva no mandamus pelos seguintes motivos: 1) É ela que suporta o ônus da decisão (por exemplo, os efeitos pecuniários decorrentes da concessão da segurança); 2) É ela que recorre da decisão prolatada no mandado de segurança;54 3) A redação da nova Lei n° 12.016/09, que deixa assente a possibilidade de participação da pessoa jurídica à qual está vinculada a autoridade coatora na relação processual. Nesses termos, está positivado no art. 7°, II, que no despacho da inicial 0 juiz ordenará "que se dê ciência do feito ao órgão de representação judicial da pessoa jurídica interessada55, enviando-lhe cópia da inicial sem documentos, para que, querendo, ingresse no feito".56

51.

52.

53.

54. 55.

56.

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Nesse sentido, legitimado passivo é a pessoa jurídica de direito público ou de direito privado que esteja no exercí­ cio de atribuições do Poder Público. A matéria é controvertida porque, para alguns, sujeito passivo é a autoridade coatora, já que ela é quem presta as Informações e cumpre o mandado; no entanto, esse entendimento deve ser afastado quando se observa que a fase recursal fica a cargo da pessoa jurídica e não do impetrado e que os efeitos decorrentes do mandado são suportados pela pessoa jurídica e não pela autoridade coatora. (Dl PIETRO, Maria Sylvia Zanella, p. 699). Nesse diapasão, também é o posicionamento atual da professora Lucia Valle Figueiredo (2004), de Celso Agrícola Barbi(1993) e Cássio Scarpinella Bueno (2009). Contra, sustentando ser legitimada passiva apenas a autoridade coatora, temos: MENEZES, Carlos Alberto, Direito: manual do mandado de segurança; além do clássico MEIRELLES, Hely Lopes, Mandado de segurança, 2003. Nesses termos, o posicionamento do STJ, conforme a ementa: Processual civil. Mandado de segurança. Pessoa ju­ rídica de direito público. Parte na relação jurídica formal. 1 - A pessoa jurídico de direito público a suportar o ônus da sentença proferida em mandado de segurança é parte legitima, por ter interesse direto na causa e integrar a lide em qualquer fase que ela se encontre. 2 - Recurso provido para anular a decisão a fim de que se conheça da apelação in­ terposta pela pessoajurídica de direito público e se decida como de direito. (STJ -1 • T. - Resp. n° 83.633/ CE - v.u - rei. José Delgado, DJU, 15.04.1996, p. 11) Nesse sentido, a decisão do STF no RE n° 412.430, julg. em 13.12.2005 de Rei. Min. Ellen Gracie: [...] 1. A Nesse sentido, a decisão do STF no RE n° 412.430, julg. em 13.12.2005 de Rei. Min. Ellen Gracie: [_.] 1. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é no sentido de que a pessoa jurídica de direito público a que pertence a autoridade ou o órgão tido como coator é o sujeito passivo do mandado de segurança, razão por que é ele o único legiti­ mado para recorrer da decisão que defere a ordem. [...J.Temos também, como exemplo, a decisão da Rec. n° 367/ DF de 04.02.1993: Mandado de segurança: legitimação passiva da pessoa de direito público ou assemelhada, à qual seja imputável o ato coator, cabendo à autoridade coatora o papel de seu representante processual, posto que de identificação necessária: consequente possibilidade de sanar-se o erro do impetrante na identificação da autoridade coatora, mediante emenda da inicial, para o que se determina a intimação da parte: voto médio do relator para o acórdão. Apesar da nova Lei n° 12.016/09 deixar expresso no art. 14, § 2o, que se estende "à autoridade coatora o direito de recorrer". Conforme o STF: "A União pode intervir em mandado de segurança no qual o ato apontado como coator for do Con selho Nacional de Justiça - CNJ. Essa a conclusão do Plenário em dar provimento, por maioria, a agravo regimental interposto de decisão do Min. Marco Aurélio, em que indeferido pleito formulado pelo União, agravante, em mandado de segurança do qual relator. A União postulava a intimação pessoal do Advogado-Geral da União do acórdão con­ cessivo da ordem e a abertura de prazo para eventual interposição de recurso. (...) Assinalou-se que o aludido Conselho seria órgão de extração constitucional, destituído de personalidade jurídica e que integraria a estrutura institucional do União. MS AgR/DF 25962 julg. em 11.04.2013. Nesses termos, conforme a atual corrente majoritária: ‘Defendemos (...) que a pessoa jurídica é quem ocupa o pólo passivo no mandado de segurança porque quem pratica o ato o faz em nome da atribuição que lhe é feita, por ocasião da posição que ocupa e da função que exerce no órgão, pessoa jurídica. Não o pratica em nome pró­ prio, ou seja, por força de sua vontade, tampouco como pessoa física desvinculada do órgão, mas repetimos, em nome da atribuição ou cargo que exerce. A autoridade coatora, assim, não é necessariamente parte passiva (por mais que a lei traga a previsão de constar o seu nome da petição inicial) (...) A autoridade coatora é, portanto, a

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Sobre os assim chamados meros executores do ato (por exemplo: os fiscais da Anatel, Aneel, INSS etc.), que cumprem ordens emanadas da autoridade coatora, é pacífico o entendimento de que não são os mesmos considerados legitimados pas­ sivos na ação de Mandado de Segurança. Ainda sobre a legitimidade do mandamus, é necessário que façamos algu­ mas observações finais, que acreditamos serem de fundamental importância. São elas:

(1) Erro na indicação da autoridade coatora. Nesses casos, temos que refletir sobre situações diferenciadas que podem ocorrer. Senão, vejamos: a) Hipótese de erro na indicação da autoridade na qual o impetrante ajuiza o mandamus contra um agente coator indevido, que está vinculado a uma pessoa jurídica diversa daquela em nome da qual atua o verdadeiro (adequado) agente coator. Nesse caso o processo deve realmente ser extinto sem julgamento do méri­ to.”

b) Hipótese de erro na indicação da autoridade coatora em que a correção da ilegalidade não implica em alteração do polo passivo da relação processual, pois ambas as autoridades (a indicada equivocadamente e a que deveria ser in­ dicada) estão vinculadas à mesma pessoa jurídica. Nesse caso, sob o fundamento da economia processual, a correção pode ser realizada inclusive ex offício pelo magistrado.57 58

57.

58.

que presta informações no mandado de segurança, já que somente ela saberá os detalhes, de fato, do ato ao qual se atribui a violação ao direito líquido e certo do impetrante. Deverá, porém, cumprir a decisão judicial proferida no mandado de segurança, por ser atribuição sua, praticar o ato determinado. No entanto, como já foi dito, não pratica em nome próprio, mas em nome da pessoa jurídica ao qual está vinculado". In: Cruz, Cerqueira, Gomes Junior, Favreto, Palharini Júnior, p.32. É bom deixarmos consignado, também, a existência do posi­ cionamento minoritário de Gregório Assagra que advoga que a legitimidade passiva do MS possui dupla dimensão: a) é legitimada passiva a pessoa jurídica de direito público ou de direito privado nas funções do Poder Público, conforme o caso, que vai sofrer os efeitos da decisão; e b) também é legitimada passiva a própria autoridade coatora cujo ato omissivo ou comissivo está atacado pela via do mandado de segurança. In: Almeida, p.455, 2007. Contra esse posicionamento, temos Cássio Scarpinella Bueno: in: Mandado de Se­ gurança, 2009; Cruz, Cerqueira, Gomes Junior, Favreto, Palharini Júnior. Comentários à nova Lei do mandado de segurança, p. 32, 2009. Conforme o STJ 6a TURMA. Recurso em Mandado de Segurança n° 14886/TO, Rei. HAMILTON CARVALHO, j. em 09.03.2004, DJ de 20.09.2004, p. 334. Contra essa posição, temos a doutrina de Cássio Scarpinella Bueno, que afir­ ma: [...] Mesmo nos casos em que a ilegitimidade passiva for visível ao magistrado - entendendo-se ilegitimidade passiva no mandado de segurança como a indicação errada da pessoa jurídica a que pertence a autoridade coa­ tora -, melhor que a mera extinção do mandado de segurança sem julgamento do mérito, solução usualmente encontrada na jurisprudência, é a possibilidade de correção do erro nos termos do (antigo) art. 284 ou, eventual­ mente, pela aplicação do (antigo) art. 13, ambos do Códigode Processo Civil (antigo CPC de 1973) (...) In: Mandado de segurança, Scarpinella Bueno, Cássio, 2009, p, 27. A errônea indicação da autoridade coatora não implica ilegitimidade ad causam passiva, se aquela pertence à mesma pessoa jurídica de direito público; porquanto, nesse caso, não se altera a polarização processual, o que preserva a condição da ação. Deveras, a estrutura complexa dos órgãos administrativos, como sói ocorrer com os fazendários, pode gerar dificuldade, por parte do administrado, na identificação da autoridade coatora, revelan­ do, apriori, aparência de propositura correta. (STJ, 1 aTURMA. RMS n° 17889/RS, Rei. Min. Luiz Fux, j. em 07.12.2004, DJde 28.12.2005, p. 187)

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c) Uma última situação envolve um erro na indicação em que, em vez de in­ dicar o Presidente de Casa Parlamentar (como autoridade coatora), indica-se, de forma equivocada, a mesa da Casa (órgão público despersonalizado). Nesse caso, conforme o informativo 586 do STFM temos que: “Por ilegitimidade da autoridade coatora, 0 Tribunal não conheceu de mandado de segurança impetrado contra suposto ato omissivo da Mesa da Câmara dos Deputados, substanciado na não nomeação dos impetrantes para 0 cargo de Analista Legislativo -Taquígrafo Legislativo da Câmara dos Deputados, e deter­ minou a remessa dos autos à Justiça Federal, nos termos do art. 109, VIII, da CF -v. Informativo 502. Entendeu-se que 0 ato omissivo impugnado não seria da Mesa, mas do Presidente da Câmara dos Deputados, 0 qual não estaria incluso no rol taxativo de autoridades sujeitas à competência originária da Corte (CF, art. 102,1, d)“.

(2) Teoria da encampação: ora, se ocorre a indicação como autoridade coatora de uma autoridade hierarquicamente superior àquela que seria realmente a autori­ dade coatora responsável pelo ato (dentro da pessoa jurídica na qual ambas estão vinculadas), será desnecessária a correção da irregularidade, se 0 agente trazido a lide assume a defesa do ato impugnado. Isso é muito comum, pois a autoridade superior maneja informações negando ser a autoridade realmente coatora, mas ao mesmo tempo maneja a defesa do ato em suas informações. Nesse sentido, temos, à luz do STJ, a manifestação da teoria da encampação, não havendo a necessidade da correção do polo passivo do mandamus.59 60

(3) Contra quem será impetrado 0 Mandado de Segurança no caso da existência do que comumente chamamos de autoridade delegante e de autoridade delegada. Contra a autoridade delegante ou a autoridade delegada? Vejamos com atenção. Aqui não se trata de mero executor do ato, pois tanto a autoridade delegante quan­ to a autoridade delegada pode ter um mero executor do ato para a execução do mesmo. A resposta adequada é: a legitimidade passiva é da autoridade delegada, pois estamos diante da delegação de poder, no qual a autoridade delegante delega competência para a autoridade delegada praticar atos com poder. Então, a autori­ dade delegada passa a deter a responsabilidade administrativa e pode corrigir as

59. 60.

750

MS n»23.977/DF rel. Min. Cezar Peluso. Julg. em 12.05.2010. Aplica-se a teoria da encampação quando a autoridade apontada como coatora, ao prestar suas informações, não se limita a alegar sua ilegitimidade, mas defende o mérito do ato impugnado, requerendo a denegação da segurança, assumindo a legitimatioad causam passiva (STJ, PTURMA. Recurso em MS n° 17.889, rel. Min. Luiz Fux, j. 07.12.2004). No mesmo sentido, SODRÉ, Eduardo, Mandado de Segurança. 2007, p. 98. Porém, é mister salientar que a teoria da encampação não terá aplicação, conforme o próprio STJ, quando não existir vínculo hierárquico entre a autoridade apontada como coatora (que presta informações) e oquela que deveria ter sido indicada como tal. Nesse sentido: STJ, RMS n° 13.696/DF, julg. em 24.09.2008. Também não haverá aplicação da teoria da encampação quando houver modificação da competência estabelecida na CR/88. Nesse sentido: STJ Ia Seção, MS n° 12.779/ DF, Rel. Min. Castro Moreira, julg. em 13.02.2008. BUENO, Cássio Scarpinella, Mandado de segurança, 2009, p. 28. No Resumo do Min. Luiz Fux: 1.A teoria da encampação é aplicável ao mandado de segurança tão-somente quando preenchidos os seguintes requisitos: existência de vínculo hierárquico entre a autoridade que prestou informações e a que ordenou a prática do ato impugnado; ausência de modificação de competência estabelecida na Constituição Federal; e manifestação a respeito do mérito nas informações prestadas. Precedentes da Ia Seção: MS 12.779/DF.

Ações Constitucionais

possíveis ilegalidades. Exemplo interessante: se o Presidente da República delega poderes para um Ministro de Estado, nos moldes do art. 84, parágrafo único, de nossa atual Constituição, ele (Ministro de Estado) é que será 0 legitimado passivo. É interessante que a competência para julgar 0 mandado de segurança contra seus atos será do STJ à luz do art. 105,1, "b", da CR/88, e não do STF (isso ocorrería se 0 legitimado passivo fosse a autoridade delegante do nosso exemplo: Presidente da República).

Mas, nesse ponto, ainda cabe mais uma reflexão que não podemos olvidar. Existe um outro tipo de delegação interessante de ser trabalhada que é a delega­ ção de assinatura. Nesta (delegação de assinatura), a autoridade delegante dele­ ga "meros atos de representação material" à autoridade delegada, por isso ela (autoridade delegante) continuará sendo legitimada passiva para a impetração de Mandado de Segurança. (4) É pacífico que se aplica, no que tange ao mandado de segurança, os artigos do CPC que regulam 0 instituto do litisconsórcio, conforme prescrevia expressamen­ te a Lei n» 1.533/51 e agora prescreve a nova Lei n° 12.016/09 no seu art. 24.6’ Nesse sentido, é mister apenas as seguintes observações: a) Conforme a Lei n° 12.016/09, 0 ingresso de litisconsorte ativo não será admi­ tido após 0 despacho da petição inicial.61 62 Nesses termos, temos também, a observa­ ção jurisprudencial de que, após a concessão de medida liminar, não será possível a formação de litisconsórcio facultativo ativo, sob pena, segundo 0 STJ, de ferir 0 princípio do juiz natural.63

b) Nesse ponto, é importante salientar, que em discutível posicionamento no MS 32.033 AgR, julgado em 05.06.2013 0 Pleno do STF, por maioria, admitiu a possibilidade da participação de amicus curiae em ação de mandado de seguran­ ça. No caso, 0 relator Min. Gilmar Mendes afirmou que a Corte vem aceitando a possibilidade de ingresso do amicus curiae não apenas em processos objetivos de controle abstrato de constitucionalidade, mas também em outros feitos com perfil de transcendência subjetiva. Entendeu 0 Ministro que ante a ampla reper­ cussão do tema e a específica feição de controle preventivo do MS 32.033, que a participação de alguns parlamentares e partidos políticos, nessa qualidade, não

61.

62. 63.

é interessante aqui, deixar consignado, que a doutrina, embora com divergência, aceita também a possibilida­

de da assistência em mandado de segurança, com base no emprego subsidiário do CPC no procedimento do mandamus. Porém, na jurisprudência, o STJ tem decisões contrárias á admissão da assistência (Ia Turma, Resp n° 1.065.574/RJ,julgadoem: 2.10.2008) Nos termos do art. 10, § 2», da Lei n“ 12.016/09. É interessante salientar que essa norma descrita na nova Lei do MS é uma novidade, pois não encontrava assento na revogada Lei n° 1533/51. STJ - 2a T. - Resp n°89.581/PR - v.u. Rei Min. Ari Pargendler, DJU 29.06.1998 p. 139. Conforme a doutrina:"[...] a iniciativa viola o princípio do juízo natural porque, em última análise, o litisconsorte acaba escolhendo onde litigar. De preferência - a prática confirma a veracidade desta observação - aquele juízo que já concedeu a me­ dida liminar e que, portanto, exercendo atividade jurisdicional, já se manifestou sua simpatia por determinada tese jurídica, favorável àquele que pretende litisconsorciar-se na ação já proposta e em curso. [...]" BUENO, Cássio Scarpinella, 2009, p. 211.

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feriria a dogmática processual.64 Já a 1a Turma do STF no MS n» 29.192/DF julg. em 19.08.2014, afirmou que: Não é cabível a intervenção de “amicus curiae" em man­ dado de segurança. Com base nessa orientação, a Turma resolveu questão de or­ dem suscitada pelo Ministro Dias Toffoli (relator do MS) no sentido de se indeferir pedido formulado pela Associação dos Notários e Registradores do Brasil - Anoreg/Br para que fosse admitida no feito na condição de "amicus curiae". A Turma consignou que, tendo em conta 0 quanto disposto no art. 24 da Lei 12.016/2009 - dispositivo que afirma serem aplicáveis ao rito do mandado de segurança as normas do CPC que disciplinam exclusivamente 0 litisconsórcio -, a intervenção de terceiros nessa classe processual seria limitada e excepcional. Asseverou que entendimento contrário poderia, inclusive, comprometer a celeridade do "writ" constitucional.65 c) Sobre 0 litisconsórcio passivo,66 a jurisprudência do STF já consolidou enten­ dimento na Súmula n» 631, que: extingue-se 0 processo de mandado de segurança se 0 impetrante não promove, no prazo assinado, a citação do litisconsorte passivo necessário67. Um exemplo interessante pode ser observado à luz da Súmula n° 701 do STF que preleciona que os mandados de segurança impetrados pelo Ministério Público contra decisões judiciais em processos penais devem obrigatoriamente ter como litisconsorte passivo 0 réu.

64. Já o Min. Celso de Mello consignou que a figura do amicus curiae não poderia ser reduzida à condição de mero assistente, uma vez que ele não interviria na situação de terceiro interessado na solução da contro­ vérsia. Entendeu que a figura do amicus curiae pluralizaria o debate constitucional, de modo que o STF pu­ desse dispor de todos os elementos informativos possíveis e necessários ao enfrentamento da questão, a enfatizara impessoalidade do litígio constitucional. Ficaram vencidos os Ministros Teori Zavascki, Ricardo Lewandowski e Marco Aurélio. O Min. Teori Zavascki salientava que o writ conteria pretensão de controle preventivo de constitucionalidade de norma. Tendo isso em conta, afirmava a existência de dois óbices para a admissão de amicus curiae: a) incompatibilidade dessa figura com o mandado de segurança no seu sentido estrito de tutela de direitos subjetivos individuais ameaçados ou lesados; e b) óbice legislativo do ingresso de terceiros em ação direta de inconstitucionalidade. Registrava que os peticionantes teriam natureza de assistentes do autor, a defender interesse próprio. O Min. Ricardo Lewandowski, em acrésci­ mo, ressaltava a jurisprudência do Supremo no sentido do não cabimento do amicus curiae em mandado de segurança. Observava que a feição objetiva da presente ação seria examinada durante o julgamento do writ. O Min. Marco Aurélio assentava, ainda, a vedação legal da participação do terceiro juridicamente interessado (Lei 12.016/2009: "Art. 24. Aplicam-se ao mandado de segurança os arts. 46 a 49 do Código de Processo Civil"). Reputava não ser possível acionar a legislação que disporia sobre o processo objetivo para permitir-se o ingresso do amigo da Corte em mandado de segurança, voltado à proteção de direito individual. (Informativo 709 do STF) 65. MS n° 29.192/DF julg. em 19.08.2014 pela IaTurma do STF, Rei. Min. DiasToffoli. (Informativo 755 do STF) 66. É importante salientar que para a doutrina majoritária não há litisconsórcio passivo entre a autoridade coatora e a pessoa jurídica a que ela pertença. BUENO, Cássio Scarpinella, 2009, p. 208. 67. Conforme o posicionamento do STF no HC n° 76.660/PR, julgado em 09.06.1998: [...] 1. Aplicam-se ao processo do mondado de segurança as disposições do Código de Processo Civil que regulam o litisconsórcio (art. 19 da Lei n° 1.533/51, com a redação dada pelo art. 1° da Lei n° 6.071/74). Há litisconsórcio passivo necessário quando, pela natureza da relação jurídica, o juiz tiver de decidir a lide de modo uniforme para todos os interessados (CPC, art. 47). A não citação de litisconsorte passivo necessário para integrar a lide impede a formação de relação proces­ sual válida e, em consequência, obsta a eficácia da decisão que venha a ser lavrada, porque influi nas relações jurídicas de interessados estranhos à demanda (CPC, art. 47). [...]. (Rei. Maurício Corrêa).

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Ações Constitucionais

1.7. Competência no Mandado de Segurança Existem duas regras básicas de competências em sede de Mandado de Se­ gurança:

a) Competência Constitucional, prevista na Constituição, sendo também en­ tendida como competência funcional (por prerrogativa de função): Artigos: 102,1, "d" (STF); 102,1 "r" (STF); 105,1, "b" (STJ); 108,1, "c" (TRF); 109, VIII (Justiça Federal); art. 114, IV (Justiça do Trabalho) da CR/88. b) Competência infraconstitucional, na qual o juízo competente para a impetra­ ção do remédio heroico deve ser 0 da sede da autoridade coatora.68

Nesses termos, a competência jurisdicional para processar e julgar mandado de segurança se define pela natureza da autoridade que pratica a conduta comissiva ou omissiva da qual possa resultar lesão ou ameaça de lesão a direito.

É mister também afirmar que a competência funcional para processar e jul­ gar 0 mandado de segurança é fixada no momento da propositura da ação e será indiferente a posterior modificação da natureza do status funcional da au­ toridade coatora.6’ Além disso, mesmo que a autoridade seja removida de sua função, a competência de foro não se modifica. Sobre a competência no mandamus, é mister, ainda, algumas observações. São elas:

(1) Quando a ilegalidade é praticada por um Tribunal de Justiça (desembar­ gador ou mesmo turma), a competência para processar e julgar 0 mandado de segurança será do próprio Tribunal nos moldes da Súmula 417071 72 do STJ e das Súmu­ las 33o7’ e ó247’ do STF.73

68.

69. 70. 71.

72. 73.

No que tange às autoridades estaduais e municipais, desde que não haja prerrogativa de foro nas respecti­ vas Constituições Estaduais, como, por exemplo, a de São Paulo (que estabelece a competência do TJ/SPpara processar e julgar originariamente os mandados de segurança, contra atos do Governador do Estado, da Mesa e da Presidência da Assembléia Legislativa do Estado, do Procurador-Geral de Justiça, dos membros do Tribunal de Contas do Estado e do Município de São Paulo, do Prefeito de São Paulo e do Presidente da Câmara Municipal da Capital), a competência será das chamadas varas de fazenda pública e nas comarcas, nas quais estas não existirem, a competência será da justiça comum, ou seja, do juiz de direito da comarca. É interessante colocarmos que na Constituição do Rio de Janeiro no art. 161 também há prerrogativa de foro noTJ/RJ para o julgamento de MS, por exemplo, contra atos do: Governador e Secretários de Estado, Prefeito da Capital e de Municípios com mais de 200 mil eleitores, Mesa Diretora e Presidente da Assembléia Legislativa, Procurador-Ge­ ral de Justiça e Defensor Público-Geral do Estado. O STJ 3*T- MS n° 4.515 - v.u. - rel. Min. Vicente Leal, DJU02.02.1998, p. 49. Súmula n°41 do STJ: O Superior Tribunal de Justiça não tem competência para processar e julgar, originariamente, mandado de segurança contra ato de outros tribunais ou dos respectivos órgãos. Súmula n° 330 do STF: O Supremo Tribunal Federal náo ê competente para conhecer de mandado de segurança contra atos dos tribunais dejustiça dos Estados. Súmula n“ 624 do STF: Não compete ao Supremo Tribunal Federal conhecer originariamente de mandado de segu­ rança contra atos de outros tribunais. Acrescentamos, ainda, no que tange à seara do direito e processo doTrabalho, a Súmula n° 433 do STF: Écompe­ tente o Tribunal Regional do Trabalho para julgar mandado de segurança contra ato de seu presidente em execução de sentença trabalhista.

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(2) Porém 0 STF decidiu recentemente que compete ao STF julgar mandado de segurança contra ato do Presidente de Tribunal de justiça que, na condição de mero executor do ato, apenas dá cumprimento à resolução do CNJ. Nesse sentido, a Reclamação n° 4731/DF julgada em 05.08.2014: "Alegada usurpação da compe­ tência deste Supremo Tribunal Federal estabelecida no art. 102, inc. I, alíneas n e r, da Constituição da República. Mandado de segurança impetrado no tribunal de justiça do Distrito Federal e Territórios. 0 Presidente daquele tribunal de justiça é mero executor do ato emanado do Conselho Nacional de Justiça. Supressão do adicional por tempo de serviço determinada pela resolução n. 13/2006 do Con­ selho Nacional de justiça. Interesse de toda a magistratura. Reclamação julgada procedente."

(3) Compete ao STF julgar mandado de segurança impetrado pelo Tribunal de Justiça contra ato do Governador do Estado que atrasa 0 repasse do duodécimo devido ao Poder Judiciário. No caso, todos os magistrados do TJ possuem interesse econômico no julgamento do feito, uma vez que o pagamento dos subsídios está condicionado ao cumprimento do dever constitucional de repasse das dotações consignadas ao Poder Judiciário estadual pelo chefe do Poder Executivo respecti­ vo. Nesses termos, a situação em comento se amolda ao art. 102,1, "n", da CR/88.74

(4) Contra decisões proferidas pelas turmas do STF, não cabe Mandado de Segurança, pois a turma é 0 próprio STF, ou seja, representam o próprio Pretório Excelso.75 (5) Os Mandados de Segurança contra atos dos juizes dos Juizados Especiais Cíveis, bem como contra atos das Turmas Recursais Cíveis, devem ser impetrados nas próprias Turmas Recursais, tanto da Justiça Federal quanto da Justiça Esta­ dual. Nesse sentido, 0 posicionamento do STF no MS n» 24.691/03: "a competência para processar e julgar a ação mandamental impetrada contra atos dos Juizados Especiais é das Turmas Recursais Cíveis", bem como "a competência para conhe­ cer do mandado de segurança contra atos das turmas Recursais dos Juizados Especiais é dela mesma."76 Aqui, é interessante salientarmos, que existe uma discussão (debate) sobre a competência no que tange aos Mandados de Segurança contra atos das Turmas Recursais dos Juizados Especiais. Com base em um posicionamento monocrático

74. 75.

76.

754

MS 34483-MC/RJ, STF. P Turma, Rei. Min. DiasToffoli, julgado em 22.11.2016. Conforme trecho da ementa da decisão proferida no MS n° 26.193/DF, temos que: [...] 1. Não se admite a impetra­ ção de mandado de segurança contra decisões de caráter jurisdicional emanadas das Turmas ou do Plenário. [_.] Precedentes [MS n. 24.633, Relator o Ministro CÉZAR PELUSO, DJde 12.03.2004 e MS n. 21.734, Relator o Ministro ILMAR GALVÃO, DJ de 15.10.93]. (Julgamento em 29.11.2006. Rei. Min. Eros Grau. DJ: 02.02.2007). Nesses termos: Ementa: Competência:Turma Recursal dos Juizados Especiais: mandado de segurança contra seus próprios atos e decisões: aplicação analógica do art. 21, VI, da LOMAN. A competência originária para conhecer de mandado de segurança contra coação imputada aTurma Recursal dos Juizados Especiais é dela mesma e não do SupremoTribunal Federal. (Ms n° 24.961 /03 Rei. Min. Sepúlveda Pertence Pleno do STF DJU, 24.06.2005). No mesmo sentido o STJ, CC n° 40319, Rei. Min. José Armando Fonseca, Julg. 10.03.2004, DJU 05.04.2004.

Ações Constitucionais

do Ministro Marco Aurélio (MS n» 24.674 DJ: 04.12.2003), há a defesa77 de que a competência nesse caso seria não da Turma Recursal, mas sim do Tribunal de justiça (ou na esfera Federal do TRF). Nesses termos, teríamos: a) ato de Juiz do Juizado Especial: competência da Turma Recursal para conhecer do mandado de segurança; b) ato da Turma Recursal: competência do TJ para processar e julgar originariamente 0 mandamus. Porém, este (pelo menos atualmente) não é 0 posicionamento trabalhado nos juizados Especiais que (ainda) estão adotando 0 estipulado no MS n° 24.691/03, acima citado, no qual a competência (para pro­ cessar e julgar 0 mandamus) está adstrita apenas à Turma Recursal dos Juizados Especiais (seja por ato de juiz do Juizado ou mesmo da própria Turma Recursal).78 (6) Havendo foro por prerrogativa de função e 0 mandado de segurança tiver que ser impetrado contra diferentes autoridades coatoras, a autoridade de maior hierarquia determinará a competência para 0 julgamento do feito. Por exemplo, se as autoridades coatoras forem 0 Presidente da República e um Mi­ nistro de Estado, a competência para processamento e julgamento será do STF.

(7) Nos órgãos colegiados, 0 Mandado de Segurança será impetrado contra o presidente do órgão colegiado, pois ele é 0 representante máximo do órgão que subscreve 0 ato e responde obviamente por sua execução. Mas cuidado, pois, aqui, é mister que prestemos atenção ao posicionamento do STJ sobre uma interessante questão. Quando 0 presidente do órgão colegiado for Ministro de Estado, a competência para processamento e julgamento não será do STJ. Isso se coloca a partir do teor da Súmula n° 177 do STJ, que preleciona que: 0 Superior Tribunal de Justiça é incompetente para processar e julgar, originariamente, mandado de segurança contra ato de órgão colegiado presidido por Ministro de Estado. A competência, portanto, será da Justiça Federal.

(8) Aqui temos uma outra exceção interessante sobre os Ministros do Estado. Conforme a 1» Turma do STF, por decisão majoritária, a competência para julgar mandado de segurança contra ato de Ministro da Justiça em matéria extradicional será do próprio STF. Aqui podemos considerar tal competência uma exceção pois em regra a competência para processar e julgar mandado de segurança contra ato de Ministro de Estado é do STJ nos termos, do art. 105,1, b da CR/88.79

Nesse sentido: l_] avançando o entendimento fixado no MS 24.691 e agora à luz da tese fixada no HC 86.834, não temos por coerente o julgamento do MS contra ato de Turma Recursal pela própria Turma Recursal. [.-] In: Lenza, Pedro, Direito constitucional, 2009, p. 531. 78. Temos também em recente decisão do STF no RE n° 586.789, julgado em 16.11.2011 que compete à Turma Re­ cursal o exame de mandado de segurança, quando utilizado como substitutivo recursal, contra ato de juiz federal dos juizados especiais federais. Nesse sentido:"(...) Desse modo, competente a turma recursal para processar e julgar recursos contra decisões de 1o grau, também o seria no que concerne a mandado de segurança substituti­ vo de recurso, sob pena de transformar o Tribunal Regional Federal em instância ordinária para reapreciação de decisões interlocutórias proferidas pelos juizados especiais". 79. MS 33864/DF 1 - T do STF, julg. em 19.04.2016, Rei. Min Roberto Barroso. Vide: HC 83.113/DF, Rei. Min. Celso de Mello. 77.

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(9) Nos atos complexos, apesar da exigência jurisprudencial da notificação de todos os que participam do ato, a autoridade coatora é a última autoridade que nele (no ato) intervém para seu aperfeiçoamento. Nos atos compostos, 0 coator é a autoridade que pratica 0 ato principal, já nos procedimentos adminis­ trativos o coator é a autoridade que preside sua realização. (10) Conforme 0 STJ,80 compete à Justiça Federal processar e julgar mandado de segurança contra ato praticado por Presidente ou Secretário da Junta Comer­ cial do Estado. Isso se deve à questão de a junta comercial exercer função dele­ gada do Poder Público Federal, na medida em que efetua registro comercial por delegação federal (vinculada ao Ministério da Indústria e Comércio).

(11) Quando 0 praticante da ação ou omissão for Promotor de Justiça, a com­ petência para julgar 0 mandamus é do juiz de primeiro grau e não do Tribunal (como no caso do habeas corpus). (12) Conforme entendimento jurisprudencial, se 0 ato comissivo ou omissivo for de autoria de Comissão Parlamentar de Inquérito, a competência para pro­ cessamento e julgamento será do STF. (13) Conforme posicionamento firmado pelo extinto TRF (Súmula n» 15), 0 STJ já decidiu que é de competência da Justiça Federal processar e julgar mandado de segurança contra ato de dirigente de entidade particular de ensino superior no exercício de função delegada federal. Isso se deve à questão de o ato coator ser derivado de atividade praticada por delegação do Poder Público Federal. Já no que diz respeito a atos de sociedades de economia mista a competência para processar e julgar 0 mandamus será (em regra) da Justiça Estadual, nos moldes das Súmulas 517 e 556 do STF.81 (14) 0 STF solucionando conflito de competência entre Tribunal Regional Elei­ toral e 0 STJ, decidiu que compete ao juízo da vara federal com atuação na cidade de domicílio do impetrante processar e julgar mandado de segurança impetrado por Promotor de justiça contra ato administrativo de Procurador Re­ gional Eleitoral, desde que não se trate de matéria eleitoral82. No caso, 0 STF des­ tacou que 0 "writ" impetrado dirigir-se-ia contra a exoneração de cargo público, em processo administrativo disciplinar (exoneração do impetrante das funções de Promotor Eleitoral pelo Procurador Regional Eleitoral). Assinalou que, ante a ausência de matéria eleitoral em discussão, seria 0 Tribunal Regional Eleitoral incompetente para julgar 0 mandamus.

80. 81.

82.

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STJ C. Comp. n° 313.357 - MG, 1 ' Seção, Rel. Sálvio de Figueiredo Teixeira, j. 26.02.2003, DJU 14.4.2003. Conforme a súmula 517 do STF, temos que: As sociedades de economia mista só têm foro na Justiça Federal, quando a união intervém como assistente ou oponente. Já a súmula 556 do STF expressa que: É competente a Justiça comum para julgar as causas em que é parte sociedade de economia mista. CC n°7698/Pljulg.em 13.05.2014, Ia Turma, Rel. Min. Marco Aurélio.

Ações Constitucionais

(15) Por último, acrescentamos posicionamento também do STF no que diz respeito ao mandado de segurança contra nomeação de magistrado pelo Presi­ dente da República. Nesse caso, ainda que 0 vício que fundamenta a impetração ocorra em fase anterior do procedimento (por exemplo: na lista da OAB ou do Ministério Público ou mesmo na lista do Tribunal em questão), a autoridade coa­ tora será 0 Presidente da República, sendo, portanto, 0 mandamus impetrado no STF; aliás é 0 que se depreende da Súmula 627 do STF.8384 85

1.8. Procedimento Conforme descrito no conceito, trata-se de um procedimento8* especial de rito sumaríssimo no qual o objeto central do mandado será a anulação de ato ilegal ou abusivo a direito líquido e certo, ou a determinação da prática de ato omitido pela respectiva autoridade coatora competente ou mesmo uma ordem de não fazer. A causa de pedir envolve necessariamente a ilegalidade ou o abu­ so de poder que venha a causar lesão ou ameaça de lesão ao, já aqui estudado, direito líquido e certo.

0 legitimado ativo83 impetra 0 Mandado de Segurança no órgão do Poder Judiciário competente86 (podendo fazer pedido de medida liminar com base no art. 70, III, da Lei n° 12.016/09). Certo é que a petição inicial, que deverá preencher os requisitos estabelecidos pela lei processual, será apresentada em 2 (duas) vias com os documentos que instruírem a primeira, reproduzidos na segunda, e indicará, além da autoridade coatora, a pessoa jurídica que esta in­ tegra, à qual se acha vinculada ou da qual exerce atribuições. Após (não sendo.

Súmula n° 627 do STF: No mandado de segurança contra nomeação de magistrado da competência do Presiden­ te da República, este é considerado autoridade coatora, ainda que o fundamento da impetração seja nulidade ocorrida em fase anterior do procedimento. 84. Conforme dicção legal, presente no art. 20 da Lei n° 12.016/09: Os processos de mandado de segurança e os respectivos recursos terão prioridade sobre todos os atos judiciais, salvo habeas corpus. Na instância superior, deverão ser levados a julgamento na primeira sessão que se seguir à data em forem conclusos ao relator. 0 prazo para a conclusão dos autos não poderá exceder de 5 (cinco) dias. Além disso, é mister salientar, que conforme a recente Lei n°13.676/2018 (que alterou o art.lóda Lei n°12.016/2009) nos casos de competência originária do STF e dos outros Tribunais pátrios caberá ao relator a instrução do processo, sendo assegurada a defesa oral na sessão de julgamento do mérito ou do pedido liminar. Ressalta-se também, conforme entendimento doutrinário e jurisprudencial, que em virtude da natureza excepcional do procedimento não cabe em sede de mandado de segurança o alegação de incidente de falsidade e também de reconvenção de ação com pedido declaratório incidental. 85. Nos termos do art. Io da Lei n° 12.016/09, temos que: Quando o direito ameaçado ou violado coubera várias pessoas, qualquer delas poderá requerer o mandado de segurança. Já no art. 3o do mesmo diploma legal, temos ainda que: O titular de direito liquido e certo decorrente de direito, em condições idênticas, de terceiro poderá impetrar mandado de segurança a favor do direito originário, se o seu titular não o fizer, no prazo de 30 (trinta) dias, quando notificadojudicialmente. 86. É mister afirmar que o impetrante deverá indicar o valor da causa, mesmo que para efeitos meramente fiscais. Além disso, temos como posição dominante na doutrina e na jurisprudência a possibilidade do impetrante do mandamus desistir do mesmo sem o necessário e devido consentimento do impetrado. Portanto não se aplica ao writ o dispositivo normativo previsto no antigo art. 267 § 4° do CPC de 1973 e previsto no art. 485 § 4° do novo CPC de 2015.

83.

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obviamente, o mandado de segurança indeferido de plano80, a autoridade coa­ tora é notificada (e não citada) a prestar informações. 0 legitimado passivo terá 10 (dez) dias para prestar informações.87 88 A seguir, o órgão do Poder judiciário ouvirá o representante do Ministério Público, que opinará (como custos legis), dentro do prazo improrrogável de ío (dez) dias. Com ou sem o parecer do Mi­ nistério Público, os autos serão conclusos ao juiz para a decisão, a qual deverá ser necessariamente proferida em 30 (trinta) dias (exceto se estivermos diante da hipótese normativa do art. 20 da Lei n» 12.016/09).

Aqui são necessárias inúmeras observações sobre 0 procedimento. São elas: 1) Para alguns doutrinadores, a nova Lei deixa consignado a obrigatorie­ dade de participação do Ministério Público. Por exemplo, é 0 posicionamento de Cássio Scarpinella Bueno.89 Nesses termos, não bastaria a mera intimação do porquet, sendo indispensável que 0 Ministério Público oficiasse no feito (com efetivo pronunciamento).

Assim não existiría qualquer espaço para juízo de valor do magistrado acer­ ca da necessidade ou não da intervenção ministerial no feito. Ao magistrado caberia tão somente a abertura de vista ao membro ministerial, que por sua vez analisará 0 conteúdo do pedido e causa de pedir do mandado de segurança sob

Conforme a Lei n° 12.016/09, no seu art. 10:4 inicial será desde logo indeferida, por decisão motivada, quando não for o caso de mandado de segurança ou lhe faltar algum dos requisitos legais ou quando decorrido o prazo legal para a impetração. 88. Conforme a exegese do art. 7°, I e II, da Lei n*> 12.016/09, ao despachara inicial, o juiz ordenará:/- que se notifique o coator do conteúdo da petição inicial, enviando lhe a segunda via apresentada com as cópias dos documentos, a fim de que, no prazo de 10 (dez) dias, preste as informações; II - que se dê ciência do feito ao órgão de representação judicial da pessoa jurídica interessada, enviando-lhe cópia da inicial sem documen­ tos, para que, querendo, ingresse no feito. Certo é que haverá a devida notificação da autoridade coatora e a necessária ciência ao feito para a pessoa jurídica em nome da qual a autoridade atua. Nesses termos, a autoridade apontada como coatora deverá manejar as informações e a pessoa jurídica a que a mesma está vinculada deverá, querendo, apresentar contestação. Existem algumas diferenças entre a prestação de informações e a apresentação da contestação, que não raro sáo olvidadas pela doutrina, entre elas, podemos citar: 1) As informações são assinadas pela autoridade coatora e a contestação exige advogado (capacidade postulatória); 2) O não oferecimento das informações pode gerar sanções civis, criminais e administrativas para a autoridade coatora e o não oferecimento da contestação acarreta a sanção pro­ cessual (revelia). Nesse sentido, o não oferecimento das informações não acarreta a confissão ficta, não tendo o condão de gerar a presunção de veracidade dos fatos alegados pelo impetrante (posicionamento do STJ). Acrescentamos que, apesar de ser esse o nosso posicionamento, existe divergência doutriná­ ria perpetuada por Hely Lopes Meirelles, entre outros; 3) Nas informações, a autoridade impetrada deve justificar a prática do ato atacado e esclarecer as circunstâncias em que ele foi levado a cabo (embora, aqui, também exista divergência doutrinária, pois autores como Hely Lopes Meirelles entendem que as informações são verdadeiras defesas da administração e não, como defendido por Fredie Didier Jr., ape­ nas meio de prova. Sem dúvida, o posicionamento mais adequado é aquele que enxerga as informações como meio de prova, porém, excepcionalmente, acreditamos que a mesma poderá ser meio de defesa. Nesse sentido, Gregório Assagra de Almeida nos apresenta a hipótese exemplificativa, de mandado de se­ gurança, no qual, sejam discutidas apenas questões de direito e que não haja necessariamente discussões sobre questões de fato. Nesse caso específico, não podemos vislumbrar a possibilidade das informações serem apenas meio de prova). Já na contestação a pessoa jurídica como ré (no polo passivo da relação processual) irá necessariamente apresentar verdadeira defesa. 89. BUENO, Cássio Scarpinella, A nova lei do mandado de segurança, 2009. 87.

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sua apreciação, para então exarar manifestação se ostenta interesse público primário ou não, que justifique sua intervenção. Assim, o juiz cumpre seu dever ao abrir vista ao Ministério Público, e este cumpre o seu exarando ou não pare­ cer após a abertura de vista (que ao tudo indica, não seria mais obrigatório em determinadas circunstâncias dependentes do caso concreto).w

Aqui, é importante salientar, que em recente decisão a 2a turma do STF afir­ mou que em regra, é indispensável a intimação do Ministério Público para opinar nos processos de mandado de segurança, conforme previsto no art. 12 da Lei n° 12.016/2009. No entanto, a oitiva do Ministério Público é desnecessária quando se

tratar de controvérsia acerca da qual 0 tribunal já tenha firmado jurisprudên­ cia. Assim, não há qualquer vício na ausência de remessa dos autos ao Parquet que enseje nulidade processual se já houver posicionamento sólido do Tribunal. Nesses casos, é legítima a apreciação de pronto pelo relator.”

2) Conforme a dicção legal, presente no art. 4» da Lei n« 12.016/09, temos que em caso de urgência, será permitido, observados os requisitos legais, im­ petrar mandado de segurança por telegrama, radiograma, fax ou outro meio eletrônico de autenticidade comprovada. Nesses termos, poderá 0 juiz, em caso de urgência, notificar a autoridade por telegrama, radiograma ou outro meio que assegure a autenticidade do documento e a imediata ciência pela autorida­ de. Porém, 0 texto original da petição deverá ser apresentado nos 5 (cinco) dias úteis seguintes à impetração. Para os fins dessas normas, previstas na nova Lei do MS, em se tratando de documento eletrônico, serão observadas as regras da Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil.

3) A concessão de liminar é direito subjetivo do autor ou ato discricionário do juiz? Existindo os requisitos (fundado receio de dano e plausibilidade do direito alegado) para a concessão, 0 magistrado tem escolha ou não? Resposta: a concessão da liminar é direito subjetivo do autor, sendo 0 juiz (preenchidos os requisitos) obrigado a concedê-la.” Nesses termos, ao despachar a inicial 0

SOBRINHO, Osório e ANDRÉA, Gianfranco. MP deve ser ouvido durante a análise do Mandado de Segurança, CON­ JUR, 2013. 91. RMS 32.482/DF, STF. 2*Turma. rel. orig. Min.Teori Zavaski, red. p/oac.Min. Edson Fachin, julgado em 21.08.2018 (Info 912). 92. Com a Lei n° 12.016 temos que, se deferida a Liminar, o processo passará a ter prioridade de julgamento. Mas, aqui, cabe uma pergunta: há prazo para a manutenção da Liminar? Embora fosse questão contro­ vertida na doutrina, pelo menos legalmente a dicção presente na antiga Lei n° 4348/64 (hoje revogada pela Lei n° 12.016/09) estabelecia que a liminar devia obedecer a um prazo estabelecido, sendo o mes­ mo de 90 dias (a contar da data de concessão) prorrogáveis por mais 30 dias quando havia acúmulo de processos a justificar a prorrogação. Certo é que o STJ, em julgados recentes afirmou que o limite para a eficácia temporal nas medidas liminares não mais devia prevalecer em nosso ordenamento, à luz do art. 798 do CPC, que concedeu ao magistrado o chamado Poder Geral de Cautela. Nesse sentido, as decisões: STJ - RE n° 413.343, rel. Humberto Martins j 29.09.2006 DJU 11.10.2006; STJ- 800.600, Rel. Min. Francisco Falcão j 05.12.2006, DJU 01.02.2007. Certo também é que a nova Lei do MS n° 12.016/09 no seu art. 7°, corroborando com a jurisprudência, afirma categoricamente que: "Os efeitos da medida liminar, salvo se revogada ou cassada, persistirão até a prolação da sentença." Ainda sobre a liminar, nos moldes da nova 90.

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juiz ordenará que se suspenda o ato que deu motivo ao pedido, quando houver fundamento relevante e do ato impugnado puder resultar a ineficácia da me­ dida, caso seja finalmente deferida, sendo facultado exigir do impetrante cau­ ção, fiança ou depósito, com o objetivo de assegurar o ressarcimento à pessoa jurídica. É bem verdade que existem exceções legais,” presentes atualmente na Lei n° 12.016/09, que 0 juiz deve obedecer, pois será vedada a concessão de liminar, nos seguintes casos, que tenham por objeto: a) a compensação de créditos tributários (hipótese já prevista na Súmula n° 212 do STJ); b) a entrega de mercadorias e bens provenientes do exterior (essa hipótese estava prevista no art. i° da Lei n° 2.770/56); c) a redassificação ou equiparação de servidores públicos e a concessão de aumento ou a extensão de vantagens ou pagamento de qualquer natureza (hipótese prevista no art. 50 da antiga e hoje revogada Lei n° 4.348/64 e no art. 1, § 40, da também revogada Lei n» 5.021/66).”

4) Uma vez concedida a liminar (ou mesmo denegada) pelo Juiz de primei­ ro grau, existirá a possibilidade de recurso. Como a decisão é interlocutória, 0 recurso cabível será 0 agravo de instrumento.” Mas, além dessa possibilidade, a pessoa jurídica de direito público interessada (União, Estados, Municípios, e DF) ou mesmo 0 Ministério Público também podem requerer ao Presidente do Tribunal competente (ao qual cabe 0 conhecimento recursal) a concessão da suspensão dos efeitos da liminar. Esse instituto é chamado de pedido de "sus­ pensão da liminar ou de segurança". Ele foi previsto originalmente na legislação para suspender as decisões liminares ou sentenças proferidas em mandados de segurança (tema que será abordado posteriormente). A suspensão de liminar (e de sentença) limita-se a averiguar a possibilidade de grave lesão à ordem, à segurança, à saúde e à economia públicas96. É interessante que se a decisão for

Lei do MS, acrescentamos que será decretada a perempção ou caducidade da medida liminar exofficio ou a requerimento do Ministério Público quando, concedida a medida, o impetrante criar obstáculo ao normal andamento do processo ou deixar de promover, por mais de 3 (três) dias úteis, os atos e as diligências que lhe cumprirem. Portanto, a mesma pode ser revogada ex offício ou a requerimento do Ministério Público, quando o impetrante criar obstáculo ao normal andamento do processo. Temos, também, que à luz do art. 807 do CPC (CPC de 1973) o juiz pode revogá-la quando ficar convencido de que ela não mais se justifica. Porém, não pode a liminar, segundo melhor doutrina, ser concedida de ofício pelo magistrado. 93. Embora seja objeto de severas criticas doutrinárias, como, por exemplo, as de Luiz Guilherme Marinoni, no texto: Proibição da concessão de liminares: inconstitucionalidade. Revista de Processo, n. 60, p. 148,1994; e também as de Cássio Scarpinella Bueno (2009), temos que a Jurisprudência aceita os impeditivos legais. Nesse sentido, o STJ nos Recursos Especiais n°s 380327 (Rei. Min. Arnaldo Esteves Lima, j 06.06.2006 DJU 26.06.2006); 626.507 (Rei. Min. João Otávio Noronha j 15.02.2007, DJU 06.03.2007); e 666.092 (Rei. Min. Eliana Calmon, j. 22.03.2006, DJU 30.05.2006) 94. Art. 7° § 5° Lei n° 12.016/09: § 5° As vedações relacionadas com a concessão de liminares previstas nesse artigo se estendem à tutela antecipada a que se referem os arts. 273 e461 da Lei n° 5.869, de 11 janeiro de 1973 - Código de Processo Civil (antigo CPC). 95. Nos termos do art. 7°, § 1 °, da Lei n“ 12.016/09. 96. Portanto, contra uma decisão interlocutória proferida por um juiz, em 1* instância, poderão ser interpostos o agravo de instrumento e, concomitantemente, o pedido de suspensão. Isso porque o pedido de suspensão não é recurso. Logo, não há violação ao principio da singularidade ou unirrecorribilidade. Além disso, os objetivos do agravo e do pedido de suspensão são diferentes. Os temas de mérito da demanda principal não podem ser examinados nessa medida, que não substitui o recurso próprio. Conforme o art.15 § 3° da Lei n° 12.016. A interposição de

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prolatada por juiz de 1a instância, a competência para apreciar o pedido de sus­ pensão é do Presidente do Tribunal que teria competência para julgar o recurso contra a decisão. Como Exemplo: se concedida liminar por Juiz Federal em São Paulo, o pedido de suspensão será julgado pelo Presidente do TRF da 3a região. Já se concedida liminar por Juiz de Direito de São Paulo, 0 pedido de suspensão será julgado pelo Presidente do TJ/SP. Porém, se a decisão for prolatada por membro de TJ ou TRF, 0 pedido de suspensão será decidido pelo Presidente do STF se a matéria for constitucional (fundamento constitucional) ou pelo Presiden­ te do STJ se a matéria for infraconstitucional. Portanto, se concedida liminar por um Desembargador do TJ/SP, 0 pedido de suspensão será dirigido ao Presidente do STF ou do STJ, e não ao Presidente do TJ/AM (art. 25 da Lei n® 8.038/90). Aqui, atualmente, é importante salientar ainda, que temos duas correntes sobre 0 caráter político ou jurídico dessa decisão de suspensão.* 97Para 0 STJ, trata-se de um juízo político a respeito da lesividade do ato judicial à ordem, à saúde, à segurança e à economia públicas, já 0 STF, por manifestação da sua ia Turma, entende que a decisão de suspensão de segurança não é estritamente política, possuindo conteúdo jurisdicional. Nesse sentido, conforme o informativo 797 do STF, 0 STJ não conheceu de recurso especial sob 0 fundamento de que não poderia ser utilizado para impugnar decisões proferidas no âmbito do pedido de suspensão de segurança. Segundo 0 STJ, 0 recurso especial se destinaria a combater argumentos que dissessem respeito a exame de legalidade, ao passo que 0 pedido de suspensão ostentaria juízo político. Porém, a 1a Turma do STF entendeu que a decisão em sede de suspensão de segurança (ou de liminar em MS) não seria estritamente política, mas teria conteúdo jurisdicional, 0 que, de início, desafiaria recurso especial. Com base nesse entendimento, 0 STF decidiu que é cabível, em tese, recurso especial no STJ contra decisões proferidas no âmbito do pedido de suspensão de segurança.98

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agravo de instrumento contra liminar concedida nas ações movidas contra o Poder Público e seus agentes não preju­ dica nem condiciona o julgamento do pedido de suspensão. Conforme a Lei n° 12.016/09: Art. 15. Quando, a requerimento de pessoajurídica de direito público interessada ou do Ministério Público e para evitar grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia públicas, o presidente do tribunal ao qual couber o conhecimento do respectivo recurso suspender, em decisão fundamentada, a execução da liminar e da sentença, dessa decisão caberá agravo, sem efeito suspensivo, no prazo de 5 (cinco) dias, que será levado a julgamento na sessão seguinte à sua interposição. § 1° Indeferido o pedido de suspensão ou provido o agravo a que se refere o caput deste artigo, caberá novo pedido de suspensão ao presidente do tribunal competente para conhecer de eventual recurso especial ou extraordinário. § 2a £ cabível também o pedido de suspensão a que se refere o § 1° deste artigo, quando negado provimento a agravo de instrumento interposto contra a liminar a que se refere este artigo. § 3“ A interposição de agravo de instrumento contra liminar concedida nas ações movidas contra o Poder Público e seus agentes não prejudica nem condiciona ojulgamento do pedido de suspensão a que se refere este artigo. § 4“ O presidente do tribunalpoderá conferirão pedido efeito suspensivo liminar se constatar, emjuízo prévio, a plausi­ bilidade do direito invocado e a urgência na concessão da medida. § 5“ As liminares cujo objeto seja idêntico poderão ser suspensas em uma única decisão, podendo o presidente do tribunal estender os efeitos da suspensão a liminares supervenientes, mediante simples aditamento do pedido original. RE 798740 AgR/DF Julg. em 01.09.2015, Rei. p/ acordão Min Marco Aurélio.

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5) Tanto da decisão do Presidente do Tribunal (que julga 0 pedido de sus­ pensão) que denega quanto da que concede a suspensão da liminar cabe re­ curso de agravo interno. Isso porque foram canceladas em 2003 as Súmulas n° 506 do STF e n» 217 do STJ, que diziam expressamente só caber 0 recurso de agravo da decisão que deferisse a suspensão da liminar e não da que denegasse a suspensão. Pois bem, atualmente, de ambas as decisões interlocutórias do Presidente do Tribunal cabe 0 já referido agravo conforme posicionamento ju­ risprudencial. Entendemos que mesmo com a Lei n° 12.016/09 fazendo referência apenas à possibilidade de agravo da decisão que defere 0 pedido de suspen­ são, deve prevalecera possibilidade de agravo interno da decisão do presiden­ te do Tribunal que defere e da decisão que indefere 0 pedido de suspensão." Aqui, seguimos 0 entendimento de que caberá agravo interno para 0 Plenário ou Corte Especial do Tribunal, conforme 0 § 3° do art. 4» da Lei n» 8.437/92 que afirma que "do despacho que conceder ou negar a suspensão, caberá agravo, no prazo de cinco dias, que será levado a julgamento na sessão seguinte a sua interposição." 6) É mister afirmar que, se 0 mandado de segurança for impetrado origi­ nariamente em um Tribunal, obviamente a apreciação do possível pedido de liminar será feita pelo relator (pois cabe ao mesmo a instrução do processo, 0 que não é nenhuma novidade).99 100 Porém, coadunando com a sistemática proces­ sual, reza 0 novo diploma legal do mandamus que da decisão do relator que conceder ou denegar a medida liminar caberá agravo ao órgão competente do tribunal que integre. 0 problema aqui é que a nova Lei do MS entra em conflito com um posicionamento já consolidado do STF. Conforme entendimento da ju­ risprudência reiterada do Pretório Excelso, da decisão que concede, ou mesmo da que indefere a liminar requerida, não caberia agravo interno ou regimental, a teor da Súmula n° 622 do STF, que preleciona: "Não cabe agravo regimental contra decisão do relator que concede ou indefere liminar em mandado de segurança." É bom que se diga que esse posicionamento pretoriano, embora já estivesse sendo seguido pelo STJ,101102 não era vinculante para os outros Tribunais pátrios.10’ Resta-nos aguardar como 0 STF e o STJ vão enfrentar essa questão.

Aqui é bom registrar que existe posicionamento contrário ao nosso expressado por Cássio Scarpinella Bueno. (A nova lei do mandado de segurança, 2009). O mesmo entende que a Lei tomou posicionamento diferente do STF e STJ (que cancelaram as súmulas acima citadas) e por isso não caberia agravo interno da decisão do Presidente que não concedesse a suspensão do pedido. 100. De acordo com a Lei n° 12.016/09, em seu art. 16: Nos casos de competência originária dos tribunais, caberá ao relator a instrução do processo, sendo assegurada a defesa oral na sessão dojulgamento. 101. Conforme trecho de decisão do STJ de Rel. do Min. Edson Vidigal: ”[...] O Superior Tribunal de Justiça, em obser­ vância à orientação consignada no verbete 622 da Súmula do Supremo Tribunal Federal, tem como pacifico, já, o entendimento de que não é cabivel agravo regimental contra decisão de relator, que em mandado de segurança, defere ou indefere liminar [...]“ (STJ. Corte Especial. AgRg na Rel. n° 1975/RJ. DJ 10.04.2006) 102. Nesse sentido, a decisão do STF de Rel. da Min. Ellen Gracie no julgamento em 19.04.2007 da Rel. AgR n° S.082/DF, conforme a ementa: Agravo regimental em reclamação. Liminar em mandado de segurança. Provimento de agravo regimental no tribunal de origem. Súmula stín”622. Ausência de eficácia vinculante. Inocorrêncio de usurpação de

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na medida em que o legislador pátrio positivou norma processual que não corrobora com a prática jurisprudencial adotada nesses Tribunais Superiores. Entendemos que o posicionamento adequado está previsto na nova Lei do MS, devendo a jurisprudência ceder em prol do novo diploma legal (que é mais adequado à sistemática processual e constitucional). 7) Como fica a liminar concedida após a decisão denegatória do manda­ mus? Conforme a Súmula n° 405 do STF: "Denegado 0 mandado de segurança pela sentença, ou julgamento do agravo, dela interposto, fica sem efeito a liminar concedida, retroagindo os efeitos da decisão contrária."103 105 Esse posicionamento, * de certa maneira, foi positivado na Lei n° 12.016/09, que afirma em seu art. 70 § 3° que os efeitos da medida liminar, salvo se revogada ou cassada, persistirão até a prolação da sentença.

competência do Supremo Tribunal Federal. 1. Ato reclamado: acórdão do Conselho Especial do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios que conheceu e deu provimento a agravo regimental interposto de decisão que deferira liminar em mandado de segurança. 2. Alegação de usurpação da competência do Supremo Tribunal Federal, ante o que dispõe a Súmula STF n° 622: inocorrência. 3. Precedentes do Supremo Tribunal Federal: Reclamações 1.616/PE e 976/ES, rei. Min. Marco Aurélio, Plenário, DJ 16.6.2003 e 25.6.2004.4. Inexistência de vinculação ou subordinação por parte dos tribunais pátrios à Súmula STF n° 622, tendo em vista a sua natureza processual. 5.0 fato de o Supremo Tribunal Federal entender que não cabe agravo regimental da decisão que defere ou indefere medida liminar em mandado de segurança, de sua competência originária, não impede que outros tribunais adotem entendimento diverso. 6. Agravo regimental improvido. (DJ 04.05.2007). 103. Aqui, há de se ressaltar interessante crítica à Súmula n° 405 do STF feita por autores que entendem que a medida liminar tem natureza cautelar. Estes advogam que o magistrado não deve apenas se manifestar so­ bre o mérito do mandamus denegando a segurança, mas também sobre a liminar anteriormente concedida, revogando-a (do contrário, ela continuaria válida até o julgamento de eventual recurso). Nesse sentido: "sendo a medida cautelar uma providência cautelar, de preservação do direito invocado pelo impetrante, é concedida por fundamentos diversos e independentes dos da decisão de mérito. Por isso mesmo não basta que o juiz se manifeste sobre o mérito, denegando o mandado, para que fique automaticamente invalidada a medida liminar. É preciso que o julgador a revogue explicitamente para que cessem seus efeitos. O só fato de denegar a segurança não importa afirmar a desnecessidade da liminar, porque ela visa a preservar danos irreversíveis para o impetrante, e esta possibilidade pode subsistir até que a sentença passe em julgado, negando direito pleiteado. Enquanto pende o recurso, a sentença denegatória é reformável e, como tal, nenhum efeito produz em relação à suspensão provisória do ato. O que sustenta ou invalida a liminar, a nosso ver, é o pronunciamento autônomo do juiz sobre sua persistência ou insubsistência. [...] considerar-se sempre cassada a liminar quando a sentença denegue a segurança é tornar inane uma providência cautelar instituída precisamente para evitar lesões irreparáveis." Nesse sentido, três seriam as soluções engendradas: 1) se o Juiz cassa expressamente a liminar ao denegar a segurança, não nos parece admissível seu restabele­ cimento pela só interposição do recurso cabível contra a decisão de mérito; 2) se o Juiz silencia na sentença sobre a cassação da liminar, é de entender-se mantida até o julgamento da instância superior; 3) se o Juiz expressamente ressalva a subsistência da liminar até a sentença passar em julgado, torna-se manifesta a persistência de seus efeitos enquanto a decisão estiver pendente de recurso (MEIRELLES, p. 84). Mas aqui uma advertência! Apesar do STJ já ter se posicionado esparsamente (em alguns julgados!) de acordo com a crítica supra exposta e o STF já ter afirmado que a subsistência ou não da liminar depende do caso con­ creto (conforme a seguinte decisáo:”(...) Decisão que cassou liminar que conferia efeito suspensivo a recurso ordinário em ação declaratória. 5. Alegação de que a extinção do processo acessório ou cautelar depende do trânsito em julgado da decisão definitiva do processo principal. 6. Eventual subsistência dos efeitos de decisão liminar em relação à decisão de mérito da açâo principal deve ser analisada de acordo com o caso concreto. 7. Não há que falar, indistintamente, que a liminar sempre subsiste até o trânsito em julgado da sentença, pois ao juiz cabe conceder ou negar, manter ou revogar a liminar, segundo as peculiaridades do caso ajuizado. Natureza precária do provimento cautelar. 8. Recurso a que se nega provimento." (RE MS n° 23.147/SP Rei. Min. Gilmar Mendes j 25.02.2003, permanece o entendimento no STF de acordo com a Sú­ mula n*> 405 que, diga-se de passagem, nâo está cancelada!

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8) Nos moldes da Súmula n« 626 do STF: "A suspensão da liminar em man­ dado de segurança, salvo determinação em contrário da decisão que a deferir, vigorará até 0 trânsito em julgado da decisão definitiva da segurança ou, haven­ do recurso, até a sua manutenção pelo Supremo Tribunal Federal, desde que 0 objeto da liminar deferida coincida, total ou parcialmente, com 0 da impetra­ ção."1W

9) Segundo recente posicionamento do STF 0 impetrante pode desistir de mandado de segurança a qualquer tempo, ainda que proferida decisão de mé­ rito a ele favorável, e sem anuência da parte contrária. Asseverou 0 Pretório Excelso que o mandado de segurança, enquanto ação constitucional, com base em alegado direito líquido e certo frente a ato ilegal ou abusivo de autoridade, não se revestiría de lide, em sentido material. Pontuou-se não se aplicar, ao manda­ do de segurança, a condição disposta na pane final do art. 267, § 40, do CPC de 1973 ("Art. 267. Extingue-se 0 processo, sem resolução de mérito: § 4° Depois de decorrido 0 prazo para a resposta, 0 autor não poderá, sem 0 consentimento do réu, desistir da ação"). De igual forma, não incidiría 0 art. 269, V, do CPC de 1973 ("Art. 269. Haverá resolução de mérito: V - quando 0 autor renunciar ao direito sobre que se funda a ação")104 105. Porém, 0 próprio STF, recentemente já se pronunciou admitindo exceção a essa regra. Nesse sentido, 0 STF afirmou que não é cabível a desistência de mandado de segurança, nas hipóteses em que se discute a exigibilidade de concurso público para delegação de serventias extra­ judiciais, quando na espécie já houver sido proferida decisão de mérito, objeto de sucessivos recursos. No caso concreto, 0 pedido de desistência do Mandado de Segurança foi formulado após 0 impetrante ter interposto vários recursos sucessivos (embargos de declaração e agravos regimentais), todos eles julgados improvidos. Dessa forma, 0 Ministro Relator entendeu que tudo levaria a crer que 0 objetivo do impetrante ao desistir seria 0 de evitar 0 fim da discussão com a constituição de coisa julgada. Com isso, ele poderia propor uma ação ordinária em ia instância e, assim, perpetuar a controvérsia, ganhando tempo antes do desfecho definitivo contrário. Portanto, com base nessas peculiarida­ des (de intuito abusivo), a 2’ Turma do STF indeferiu 0 pedido de desistência.106

104. Nesses termos, conforme a ementa da Rec. n° 429 de Rei. do Min. Octavio Gallotti, temos que: Persiste, após a concessão da segurança pelo Tribunal estadual, a decisão do Presidente do Supremo Tribunal, que, fundada no art. 4° da Lei n° 4348-64, suspendeu a execução de liminar dotada dos mesmos efeitos do mandado deferido no mérito. Reclamação julgada procedente por maioria de votos. (Julgamento: 14.10.1993. DJ 18.05.2001). 105. RE 669.367/RJ julg. em 02.05.2013, Rei. Min. Luiz Fux. (Inf. 704 do STF) Registra-se aqui que o art. 267 § 4o do CPC de 1973 tem o seu'equivalente" no art. 485 § 4° do novo CPC de 2015,jáoart.269,V terá como'equivalente' o art. 487, III, "c" do novo CPC de 2015. Também: 2a Turma do STJ. REsp 1.405.532-SR Rei. Min. Eliana Calmon, julg em 10.12-2013. (Informativo S33 do STJ). 106. 2aTurma do STF, MS 29093 ED-ED-AgR/DF, MS 29129 ED-ED-AgR/DF, MS 29189 ED-ED-AgR/DF, MS 29128 ED-ED-AgR/DF, MS 29130 ED-ED-AgR/DF, MS 29186 ED-ED-AgR/DF, MS 29101 ED-ED-AgR/DF, MS 29146 ED ED-AgR/DF, julgados em 14.04.2015 Rei. Min. Teori Zavascki. (Informativo 781 do STF)

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10)Segundo o STF, não cabe sustentação oral no julgamento que aprecia o pedido de liminar formulado em mandado de segurança. Porém é importante salientar que caberá sustentação oral no julgamento final de mérito do man­ dado de segurança. Nesses termos, 0 STF fundamentou seu entendimento nos seguintes argumentos: a) o art. 937, § 3», do novo CPC, prevê 0 cabimento de sus­ tentação oral em julgamento de mandado de segurança unicamente no "agravo interno interposto contra decisão de relator que 0 extinga"; e b) o art. 16 da Lei n° 12.016/2009 prevê a sustentação oral em mandado de segurança na sessão de julgamento de mérito e não no caso da apreciação de limtnar.’OÍ

1.9. Decisão, Efeitos e Recursos Possíveis

A sentença pode, conforme a lógica processual, extinguir 0 feito sem jul­ gamento de mérito ou solucionar a lide nos moldes do antigo art. 269 também do CPC de 1973. É mister consignar que, no mandado de segurança, a sentença concessiva é mandamental contendo uma ordem direcionada à autoridade coa­ tora, sendo, em regra, de execução imediata, cumprindo-se por ofício do juiz, via oficial de justiça ou pelo correio, mediante correspondência com aviso de recebimento à luz do art. 13 da Lei n° 12.016/09.107 108 Nesse sentido, antes mesmo de ser transitada em julgado, a decisão pode ser executada provisoriamente, salvo nos casos em que for vedada a concessão da medida liminar.109 No que tange à decisão concessiva, é importante também lembrarmos da existência do reexame necessário (recurso de ofício ou duplo grau de jurisdição obrigatório) descrito no art. 14 § 3» da Lei n° 12.016/09, à qual a sentença estará sujeita. Tanto da decisão que denega quanto da que concede a segurança, 0 recurso cabível é 0 de apelação. Os legitimados ao recurso são o impetrante (autor do mandamus), a pessoa jurídica à qual está vinculada a autoridade coatora, a pró­ pria autoridade coatora110 e 0 Ministério Público (como custos legis) conforme a

107. MS 34127 MC/DF, MS 34128 MC/DF, Pleno do STF. Rel. p/ o ac. Min. Roberto Barroso, red. p/o acórdão Min.Teori Zavascki, julg. em 14.04.2016. é interessante que conforme o novo CPC de 2015: Art. 937. Na sessão dejulgamen­ to, depois da exposição da causa pelo relator, o presidente dará a palavra, sucessivamente, ao recorrente, ao recorrido e, nos casos de sua intervenção, ao membro do Ministério Público, pelo prazo improrrogável de 15 (quinze) minutos para cada um, a fim de sustentarem suas razões, nas seguintes hipóteses, nos termos da parte final do caput do art. 1.021:1-no recurso de apelação; II - no recurso ordinário; lll - no recurso especial; IV - no recurso extraordinário; V nos embargos de divergência; VI - na ação rescisória, no mandado de segurança e na reclamoção; VII - (VETADO); VIII -no agravo de instrum ento interposto contra decisões in teriocutórias q ue versem sobre tutelas provisórias de urgência ou da evidência; IX - em outras hipóteses previstas em lei ou no regimento interno do tribunal. 108. Nos termos legais, do art. 13 da Lei n° 12.016/09: Concedido o mandado, ojuiz transmitirá em ofício, por intermédio do oficial do juízo, ou pelo correio, mediante correspondência com aviso de recebimento, o inteiro teor da sentença à autoridade coatora e à pessoa jurídica interessada. Parágrafo único. Em caso de urgência, poderá o juiz observar o disposto no art. 4° desta Lei. Esse art. 4a da Lei n° 12.016/09, diz respeito à notificação da autoridade por telegrama, radiograma ou por qualquer outro meio que assegure a autenticidade do documento e a imediata ciência da autori­ dade, bem como no caso da pessoa jurídica. 109. Conforme o art. 14 da Lei n° 12.016/09. 110. Essa novidade é fruto do art. 14 § 2o da Lei n° 12.016/09. Aqui, também, é bom que se diga que, à luz do CPC obviamente o terceiro prejudicado sempre poderá recorrer. E, sendo ele a autoridade coatora, ele poderá recorrer na figura do terceiro prejudicado.

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Súmula n° 99 do STJ.111112 É claro que existem outras possibilidades recursais que irão depender da situação concreta e da devida adequação.

Essas outras competências recursais, que são de suma importância, estão previstas na Constituição da República, conforme: 0 art. 102, III (Recurso Extraor­ dinário para 0 STF); 0 art. 105, III (Recurso Especial para 0 STJ); 0 art. 102, II, "a* (Recurso Ordinário para 0 STF); e 0 art. 105, II, "b" (Recurso Ordinário para 0 STJ). Essas hipóteses devem preencher requisitos previstos constitucionalmente para tal enquadramento.113 Se 0 legitimado ativo impetra 0 Mandado de Segurança e o juiz de primeira instância indefere, de plano, a petição inicial, caberá, conforme citado, 0 recur­ so de Apelação.113 Mas, atenção, pois, se a impetração se deu originariamente em um Tribunal e este (por ato do relator) indefere de plano a petição inicial do mandamus, não caberá apelação, mas, sim, agravo regimental.114 Voltando à decisão concessiva do mandamus, em regra, ela não tem efeito suspensivo. É bem verdade que existem exceções (ao caráter autoexecutório da sentença) nos casos nos quais é vedada a concessão de medida liminar (confor­ me aqui já citado). Nessas hipóteses, 0 recurso terá efeito não só devolutivo, mas também efeito suspensivo.

Nos casos (em regra) que a apelação não tenha efeito suspensivo, a pes­ soa jurídica de direito público pode pleitear (nos moldes do estudo anterior, no que diz respeito a liminar concedida em mandamus à luz do art. 15 da Lei n» 12.016/09) a suspensão dos efeitos da sentença. Esse pedido também (como no caso da liminar) se baseia em motivos de ordem, segurança, saúde ou eco­ nomia pública. Aqui, atualmente, é importante salientar, ainda, que temos duas correntes sobre 0 caráter político ou jurídico dessa decisão de suspensão da segurança.115 Como já dito (no caso da suspensão de liminar anteriormente tra­

iu. Súmula n° 99 do STJ: O Ministério Público tem legitimidade para recorrer no processo em que oficiou como fiscal da lei, ainda que nào haja recurso da parte. 112. Art. 102, II "a": Compete ao STF julgar recurso ordinário sobre mandado de segurança se: 1) decididos em única ins­ tância pelos Tribunais Superiores e2) se denegatória a decisão. Art. 105, II “b": Compete ao STJjulgar recurso ordinário sobre mandado de segurança se: 1) decididos em única instância pelos TRFs e TJ dos Estados edoDFe Territórios e 2) se denegatória a decisão. 113. Se a decisão da apelação for improcedente não caberá Recurso Ordinário para o STJ, mas sim Recurso Especial ou Extraordinário respectiva mente para o STJ e STF, se obviamente houver enquadramento nos dispositivos (per­ missivos) constitucionais do art. 102, III, e do art. 105, III, da Constituição de 1988. 114. Se houver o indeferimento do agravo regimental em um Tribunal de Justiça, caberá Recurso Ordinário para o STJ à luz do art. 105, II, CR/88. Isso agora está expresso no art. 18 da Lei n° 12.016/09, nos seguintes termos: Das decisões em mandado de segurança proferidas em única instância pelos tribunais cabe recurso especial e ex­ traordinário, nos casos legalmente previstos, e recurso ordinário, quando a ordem for denegada. 115. Conforme a Lei n° 12.016/09: Art. 15. Quando, a requerimentode pessoajurídica de direito público interessada ou do Ministério Público e para evitar grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia públicas, o presidente do tribunal ao qual couber o conhecimento do respectivo recurso suspender, em decisão fundamentada, a execução da liminar e da sentença, dessa decisão caberá agravo, sem efeito suspensivo, no prazo de 5 (cinco) dias, que será levado a julgamento na sessão seguinte à sua interposiçào. § 1° Indeferido o pedido de suspensão ou provido o agravo a que se refere o caput deste artigo, caberá novo pedido de suspensão ao presidente do tribunal competente para

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balhado), para o STJ, trata-se de um juízo político a respeito da lesividade do ato judicial à ordem, à saúde, à segurança e à economia públicas. Já o STF, por manifestação da sua i» Turma, entende que a decisão de suspensão de seguran­ ça não é estritamente política, possuindo conteúdo jurisdicional. Nesse sentido, conforme (novamente) o informativo 797 do STF, 0 STJ não conheceu de recurso especial sob 0 fundamento de que não poderia ser utilizado para impugnar decisões proferidas no âmbito do pedido de suspensão de segurança. Segundo 0 STJ, 0 recurso especial se destinaria a combater argumentos que dissessem respeito a exame de legalidade, ao passo que 0 pedido de suspensão osten­ taria juízo político. Porém, a i» Turma do STF entendeu que a decisão em sede de suspensão de segurança não seria estritamente política, mas teria conteúdo jurisdicional, 0 que, de início, desafiaria recurso especial. Com base nesse en­ tendimento, 0 STF decidiu que é cabível, em tese, recurso especial no STJ con­ tra decisões proferidas no âmbito do pedido de suspensão de segurança.”6Da decisão do Presidente do Tribunal que concede ou da que denega a suspensão dos efeitos da sentença, cabe agravo interno em virtude do cancelamento, aqui citado, da Súmula n« 506 e da Súmula n° 217 respectivamente do STF e do STJ, que permitiam a interposição do agravo interno somente nos casos de conces­ são da suspensão da sentença, e não da denegação da suspensão.116 117 Embora a nova Lei n« 12.016/09 deixe assente a possibilidade do manejo recursal apenas da decisão que concede 0 efeito suspensivo, entendemos, em consonância com 0 posicionamento anterior do STF (que cancelou as referidas súmulas), que de ambas as decisões do Presidente do Tribunal caberá agravo interno. No entanto, se, na decisão do agravo, não for concedida ou mantida a suspensão, a Fazenda Pública ainda terá outro instrumento que será 0 de apresentar novo pedido de suspensão, desta vez para 0 STJ ou para 0 STF, a depender da natureza da ma­ téria (se infraconstitucional ou constitucional).118 Ainda, sobre os efeitos da sentença do mandamus, é importante ressaltar que, segundo a jurisprudência pátria, a teor da Súmula n° 271 do STF, a "conces­ são de mandado de segurança não produz efeitos patrimoniais em relação a

conhecer de eventual recurso especial ou extraordinário. §2QÉ cabível também o pedido de suspensão a que se refere o § 1° deste artigo, quando negado provimento a agravo de instrumento interposto contra a liminar a que se refere este artigo. §3° A interposição de agravo de instrumento contra liminar concedida nas ações movidas contra o Poder Público e seus agentes não prejudica nem condiciona ojulgamento do pedido de suspensão a que se refere este artigo. §4QO presidente do tribunal poderá conferirão pedido efeito suspensivo liminar se constatar, em juízo prévio, a plausi­ bilidade do direito invocado e a urgência na concessão da medida. § 5a As liminares cujo objeto seja idêntico poderão ser suspensas em uma única decisão, podendo o presidente do tribunal estender os efeitos da suspensão a liminares supervenientes, mediante simples aditamento do pedido original. 116. RE 798740 AgR/DF julg. em 01.09.2015, Rei. p/ acórdão Min. Marco Aurélio. 117. Aqui, é bom registrar, que existe posicionamento contrário ao nosso, expressado por Cássio Scarpinella Bueno (A nova Lei do mandado de segurança, 2009). 118. Lei n° 8437/92, art 4° (.„) § 4o Se do julgamento do agravo de que trata o § 3o resultar a manutenção ou o resta­ belecimento da decisão que se pretende suspender, caberá novo pedido de suspensão ao Presidente doTribunal competente para conhecer de eventual recurso especial ou extraordinário.

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período pretérito, os quais devem ser reclamados administrativamente ou pela via judicial própria"?19

Nesses termos, a decisão somente proporciona efeitos pecuniários relativos a períodos posteriores à impetração. Mas, não podemos olvidar que as parcelas vencidas, entre a impetração do remédio heroico e a concessão da seguran­ ça, deverão, logicamente, ser objeto de execução contra a Fazenda Pública?” Esse entendimento é escorado não só jurisprudencialmente,1’1*mas, inclusive, na dicção legal da Lei n° 12.016/09 (e estava expresso também na revogada Lei n» 5.021/66’”) que explicita que o pagamento de vencimentos e vantagens pecuniá­ rias, assegurado em sentença concessiva de mandado de segurança a servidor público da administração direta ou autárquica federal, estadual e municipal, somente será efetuado relativamente às prestações que se vencerem a contar da data do ajuizamento da inicial?23

119. Além da Súmula n°271 do STF, é mister também a explicitação da Súmula n° 269 que afirma que: "o mandado de segurança não é substitutivo de ação de cobrança." Assim sendo, conforme a Ementa: 2.0 mandado de seguran­ ça não constitui instrumento hábil a pleitear parcelas remanescentes de Títulos da Dívida Agrária já resgatados, vez que não substitui a ação de cobrança [Súmula n°269j. 3. Agravo regimental a que se nega provimento. RMS-AgR n° 25.129/DF julg em 12.12.2006. Porém aqui devemos chamar a tenção para tema já abordado quando trabalha­ mos a Súmula n°269 do STF (e que guarda relação com a Súmula 271), qual seja, a sua releitura em determinadas situações como a de Anistia. Como exemplos já citados: MS 22.221 /DF, STJ. 1 ‘ Seção. Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, julg. em 10.04.2019. RMS 36182/DF, STF. Ia Turma. Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 14.05.2019: O acórdão concessivo do MS que determina o pagamento retroativo dos valores devidos a anistiado político deve incluir também as juros de mora e correção monetária Ver também: RE 553710 ED, STF. Plenário. Rel. Min. DiasToffoli, julgado em 01.082018. 120. Nos moldes inclusive do art. 730 do CPC de 1973, que foi revogado pela Lei 13.105/2015 (novo CPC). 121. Mandado de segurança. Execução do julgado. Devolução das quantias descontadas. Súmula 271/STF. Inaplicabilidade. 1. Em ação de mandado de segurança, é devida a execução do julgado das prestações vencidas entre a impetração e a concessão da segurança, não havendo que se falar em efeitos pretéritos (súmula 211/STF) 2. Agravo provido. (TRF 1 *, 4a T. Rel. Mário César Ribeiro, j. em 29.02.2000). 122. No mesmo sentido era o art 1°da revogada Lei n° 5.021/66: "O pagamento de vencimentos e vantagens pecu­ niárias asseguradas, em sentença concessiva de mandado de segurança, a servidor público federal, da Adminis­ tração direta ou autárquica, e a servidor público estadual ou municipal, somente será efetuado relativamente às prestações que se vencerem a contar da data de ajuizamento da inicial." 123. Contra esse posicionamento do STF, temos: “Injustificável a manutenção deste entendimento. Não há qualquer sen­ tido em obrigar a parte interessada a ingressar com nova demanda quando seu direitojá foi reconhecido em sede de mandado de segurança Os efeitos do mandado de segurança devem ser ex tunc, com o afastamento do ato ilegal e abusivo do direito violado, ainda que o mesmo tenha natureza financeira. (...) A necessidade de uma tutela jurisdicio­ nal efetiva e tempestiva é elemento essencial e encontra respaldo constitucional (art. 5°, LXXVlll, da CF/88). O tempo é sempre uma fonte de Dano, especialmente para o litigante que tem razão. A decisão judicial não pode ser apenas um prêmio de consolação, como se a mesma fosse um valor em si mesmo." Nesses termos, como fundamento à critica esposada, os autores (embora reconhecendo o posicionamento ainda dominante no STF), apresentam posicionamento recente do STJ que afasta a limitação quanto aos efeitos patrimoniais: “(-) Na hipótese em que servidor público deixa de auferir seus vencimentos, parcial ou integralmente, por ato ilegal ou abusivo da autori­ dade impetrada, os efeitos patrimoniais da concessão da ordem em mandado de segurança devem retroogir à data da prática do ato impugnado, violador do direito liquido e certo. Inaplicabilidade dos enunciados das Súmulas 269/ STF e 271/STF. A Alteração no texto constitucional que excluiu do regime de precatório o pagamento de obrigações definidas em lei como de pequeno valor aponta para a necessidade de revisão do alcance das referidas súmulas e, por conseguinte, do disposto no art. 1°da Lei5.021/1966, principalmente em se tratando de débitos de natureza alimentar, tal como no caso, que envolve verbas remuneratórias de servidores públicos." (MS 12397-DF, Julg. em 09/04/2008, rei. Min. Arnaldo Esteves Lima) In: Cruz, Cerqueira, Gomes Junior, Favreto, Palharini Júnior. Comentários á nova Lei do mondado de segurança, p. 128,2009.

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No que tange à coisa julgada, a disciplina do mandado de segurança traz relevantes digressões. A revogada Lei n° 1533/51, no seu art. 16, afirmava que 0 pedido de mandado de segurança poderia ser renovado se a decisão dene­ gatória não tivesse apreciado 0 mérito do mandamus. Conjuntamente com essa assertiva, que vigorou por mais de 50 anos em nosso ordenamento, a Súmula n» 304 do STF prelecionava (e ainda preleciona) que "a decisão denegatória de mandado de segurança, não fazendo coisa julgada contra o impetrante, não impede 0 uso de ação própria". É claro que a dicção sumular ainda válida se refere à não existência da coisa julgada material em decisões meramente ter­ minativas. Nesse sentido, se existir coisa julgada material, não há que se falar na renovação do mandamus e nem mesmo no manejo de uma ação ordinária (própria). Portanto, com base no ordenamento normativo anterior do manda­ mus tínhamos (para a corrente majoritária) duas possibilidades: 1) se a não concessão da segurança (denegação do mandamus) tivesse apreciado 0 mérito, não havería que se falar na impetração de um novo mandado de segurança ou mesmo no uso de uma outra ação judicial;124 2) se a denegação do mandamus não houvesse apreciado 0 mérito, poderia ser manejado um novo mandado de segurança ou uma outra ação própria. É mister apenas lembrarmos que se a opção fosse a impetração de um novo wrlt, esta deveria ser realizada no pra­ zo decadencial de 120 dias advindo do mandado de segurança inicial, pois, do contrário, não caberia 0 mandamus, mas apenas uma outra ação judicial. Mas como fica essa questão à luz da Lei n° 12.016/09? Ora, 0 novo diploma normativo, que regulamenta 0 mandado de segurança, deixa assente no art. 6 § 6° que "0 pedido de mandado de segurança poderá ser renovado dentro do prazo deca­ dencial, se a decisão denegatória não lhe houver apreciado 0 mérito", e no seu art. 19 que "a sentença ou 0 acórdão que denegar mandado de segurança, sem decidir 0 mérito, não impedirá que o requerente, por ação própria, pleiteie os seus direitos e os respectivos efeitos patrimoniais". Nesse sentido, entendemos, com base no posicionamento majoritário de outrora (tanto doutrinário como jurisprudencial), que a falta da coisa julgada material (decisão denegatória sem

124. Vejamos a posição do STJ sobre o tema: [...] Mandado de segurança. Apreciação de mérito. Ação própria. Impossibili dade de ajuizamento. Coisa Julgada. - A jurisprudência desta corte é uníssona no sentido de que já tendo sido agitado o tema em sede de mandado de segurança e havendo pronunciamento de mérito acerca da questão, não se pode mais buscar a prestaçãojurisdicional em ação própria, por operar-se a coisajulgada. (STJ Ia Turma. Rtsp. n°4157. Rei. Min. César Asfor Rocha. DJ 25.10.1993). Contra esse posicionamento, ver Alexandre Freitas Câmara. (Lições de direito processual civil, v. 1, 2009, p. 485-486). Nesses termos, em posição interessante, porém minoritária: "A sentença que afirma a inexistência de direito liquido e certo (mas não a existência do direito substancial) é sentença de mérito e, por essa razão, alconça a autoridade de coisajulgada substancial. Apenas seu conteúdo, porém, é que se torna imutável, e o conteúdo da sentença, na hipótese, limita-se a declarar a inexistência de direito líquido e certo. Fica, pois, o autor, im­ pedido de novamente impetrar mandado de segurança (contra ato de autoridade, pela mesma causa de pedir e com o mesmo objeto), mas nada impede que vá ás vias ordinárias. Não existe obstáculo a propositura de nova demanda, com os mesmos elementos identificadores, mas por outra via que não seja a especialissima do mandado de segurança, pela simples razão de que a coisa julgada tornou imutável e indiscutível, tão-somente, a inexistêncio de direito líquido e certo, mas não a existência do direito substancial, o qual, poderá, assim, ser deduzido, em juízo em processo que permita uma maior dilação probatória'.'

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julgamento do mérito) faz com que tenhamos a possibilidade de renovação do pedido (impetração de novo mandamus), obviamente respeitando-se o prazo decadencial de 120 dias ou, de outro modo, se vencido esse prazo, 0 uso de uma ação própria nos termos da Súmula n° 304 do STF, agora escorada no refe­ rido art. 19 da Lei n° 12.016/09.

Por fim, a decisão do mandado de segurança, enseja ainda algumas refle­ xões, sem as quais nossa análise não seria satisfatória. São elas: 1) No que tange à seara trabalhista, a Súmula n° 201 do TST125 determina que cabe recurso ordinário para o TST de decisão em mandado de segurança decidido por Tribunal Regional do Trabalho. 0 prazo recursal será de 8 (oito) dias. Adverti­ mos, porém, que o recurso ordinário aqui tratado não se confunde com 0 recurso ordinário constitucional delimitado para 0 STF (art. 102, II, a, da CR/88) e para o STJ (art. 105, II, b, da CR/88), pois esses tratam de matérias diferentes.

2) A teor da Súmula n» 392 do STF, 0 prazo para recorrer de acórdão concessivo de segurança conta-se da publicação oficial de suas conclusões, e não da anterior ciência da autoridade para o cumprimento da decisão.126 3) Conforme já salientado, das decisões denegatórias de mandado de segu­ rança decididas em única instância por Tribunal Superior, caberá recurso ordinário para 0 STF, conforme 0 art. 102, II, "a", da Constituição, sendo 0 prazo para a interposição do mesmo de 15 (quinze) dias, conforme 0 art. 508 do Código de Processo Civil. É mister salientar que a (antiga) Súmula n 319 do STF, que estabelecia um prazo de 5 (cinco) dias para a interposição desse recurso, encontra-se superada.

4) Conforme já aventado, existe a possibilidade de interposição de Recurso Ex­ traordinário para 0 STF em sede de mandado de segurança, havendo, obviamente, a necessidade de preenchimento dos requisitos do recurso extremo e de encaixe em um dos permissivos do art. 102, III, da Constituição da República. Aqui, é inte­ ressante observarmos a posição do STF no sentido de que, existindo erro grosseiro, não se deve aplicar 0 princípio da fungibilidade recursal no caso em que devería ser interposto recurso ordinário e ocorre 0 manejo (extremo) de recurso extraordinário (hipótese de erro grosseiro). Nesses termos, é a dicção da Súmula n° 272 do STF, que preleciona que: Não se admite como ordinário recurso extraordinário da decisão denegatória de mandado de segurança.127

125. Súmula n” 201 do TST: Da decisão de Tribunal Regional do Trabalho em mandado de segurança cabe recurso ordi­ nário, no prazo de 8 (oito) dias, para o Superior Tribunal do Trabalho, e igual dilação para o recorrido e interessados apresentarem razões de contrariedade. 126. A Lei n° 12.016/09 apresenta uma novidade sobre as decisões proferidas em mandado de segurança. Nesses ter­ mos, conforme o art. 17, "nas decisões proferidas em mandado de segurança e nos respectivos recursos, quando não publicado, no prazo de 30 (trinta) dias, contado da data do julgamento, o acórdão será substituído pelas respectivas notas taquigráficas, independentemente de revisão.” 127. Nesse sentido, a decisão do AI-AgR n° 410.552/CE de Rei. da Min. Ellen Gracie: I. incabível a conversão de recurso extraordinário em ordinário, na hipótese de decisão denegatória de mandado de segurança, prolatada pelo Supe­ rior Tribunal de Justiça, mediante disposição expressa prevista no art. 102, II, "a" da CS, ocorrendo o cometimento de

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5) A teor da Súmula n« 597 do STF, não haverá a possibilidade de interposição de "embargos infringentes de acórdão que, em mandado de segurança, decidiu por maioria de votos a apelação". Nesse sentido, também, é a exegese da Súmula n° 169 do STJ que prescreve: são inadmissíveis embargos infringentes no processo de mando de segurança. Pois bem, essas dicções presentes em verbetes sumulares foram abarcadas pela nova Lei n» 12.016/09, que, no mesmo diapasão, afirma no seu art. 25 não caber embargos infringentes no processo do mandado de segurança. 6) Apesar de algumas críticas doutrinárias, de acordo com 0 posicionamento tanto do STF na Súmula n° 512, quanto do STJ, na Súmula n» 105, na ação de manda­ do de segurança não se admite a condenação em honorários advocatícios. 0 acima citado art. 25, da Lei n« 12.016/09, também, adota 0 posicionamento (extremamente criticado) jurisprudencial, deixando assente que não cabe no processo do mandado de segurança a condenação em pagamento de honorários advocatícios.™

7) Por último, temos a salientar que a Lei n» 12.016/09, nos apresenta a no­ vidade (não existente na antiga Lei n° 1533/51) de, expressamente, criminalizar 0 comportamento de não cumprimento de decisões proferidas em sede de mandado de segurança. Nesses termos, 0 descumprimento de decisões de mondnmi/s é crime de desobediência, nos termos do art. 330 do Código Penal. Certo é que 0 descum­ primento pode se dar em decisões liminares ou em decisões de mérito, transitadas em julgado ou não transitadas, desde que 0 órgão julgador prolate a decisão e determine, com isso, seu devido cumprimento.

1.10. Prazo do Mandado de Segurança 0 prazo para a impetração do mandamus é de 120 (cento e vinte) dias a contar do conhecimento (pelo interessado) oficial do ato (da autoridade coa­ tora) a ser impugnado, conforme 0 art. 23 da Lei n° 12.016/09.128 129 Esse prazo é

erro grosseiro na utilização dos instrumentos processuais disponíveis para o acesso à devida prestação jurisdicional. 2. Agravo regimental improvido. Julg.: 14.12.2004.0 mesmo ocorre no STJ em relação à interposição equivocada de recurso especial quondo o adequado (o correto) seria o recurso ordinário. Porém, o STJ vem entendendo que se o erro for o da interposição de apelação quando o correto seria o recurso ordinário constitucional, deve-se adotara fungibilidade e o recurso deve ser conhecido. (RMS 20.652-MT, julg. em 03.04.2007, rel. Min. Arnaldo Esteves Lima). 128. Lei n° 12.016/09, no seu art. 25, "não cabem, no processo de mandado de segurança, a interposição de embargos infringentes e a condenação ao pagamento dos honorários advocatícios, sem prejuízo da aplicação de sanções no caso de litigáncia de má-fé". Conforme a Ia Turma do STF, temos ainda que: "Não cabe a fixação de honorários recursais (art. 85, 9 11, do CPC/2015) em coso de recurso interposto no curso de processo cujo rito exclua a possibilidade de condenação em honorários. £m outras palavras, nãoé possível fixar honorários recursais quando o processo origi­ nário não preveja condenação em honorários. Nesses termos, se for proposta uma ação que não admite fixação de honorários advocatícios (como o MS) e uma das partes, no bojo do processo, interpor recurso extraordinário, o STF, aojulgar o RE, não fixará honorários recursais, considerando que o rito aplicável ao processo originário não comporta condenação em honorários advocatícios." 1a Turma do STF. ARE 948578 AgR/RS, ARE 951589 AgR/PRe ARE 952384 AgR/MS, Rel. Min. Marco Aurélio, julg. em 21.06,2016. 129. Lei n° 12.016/09, "o direito de requerer mandado de segurança extinguir-se-á decorridos 120 (cento e vinte) dias, contados da ciência, pelo interessado, do ato impugnado. Aqui algumas digressões são válidas. Segundo clássica doutrina, a fluência do prazo só se inicia na data em que o ato a ser impugnado se torna operante e exequível, ou seja, capaz de produzir lesão ao direito líquido e certo do impetrante". Nesse sentido, uma advertência olvidada

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eminentemente decadencial, e, portanto, após iniciado, não se interrompe e nem se suspende.130131 132 Um exemplo desse entendimento se encontra no teor da Súmula n° 430 do STF, na qual aflrma-se que: 0 "pedido de reconsideração na via administrativa não interrompe 0 prazo para 0 mandado de segurança". Mas, aqui, devemos ter atenção, pois não podemos confundir esse pedido com o in­ titulado recurso administrativo com efeito suspensivo, 0 qual, se interposto, faz com que 0 referido prazo de 120 dias seja obstaculizado de se iniciar.13' Nesses termos, com a interposição de recurso administrativo com efeito suspensivo, 0 prazo para a impetração do mandamus deverá iniciar-se após 0 conhecimento (ciência) da decisão do mesmo.133

Questão de relevo envolve 0 debate sobre a constitucionalidade desse pra­ zo de 120 (cento e vinte) dias para a impetração do mandamus, à luz do art. 5», LXIX, de nossa atual Constituição. 0 Pretório Excelso ainda à época da Lei n° 1.533/51 firmou posicionamento pela constitucionalidade, conforme 0 teor da Sú­ mula n° 632, na qual afirma: "é constitucional lei que fixa 0 prazo de decadência para a impetração de mandado de segurança."

Sobre 0 tema, ora aventado, temos ainda as seguintes digressões: 1) Nos atos ilegais ou abusivos de trato sucessivo,133 0 prazo decadencial para a impetração se renova a cada ato, ou seja, a cada vez que se verifica a lesão ao direito (por exemplo, ao patrimônio) do impetrante.

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por muitos merece atenção: é desenvolto o entendimento de que o prazo para a impetração do mandamus não se deve (em regra) contar da publicação da lei ou decreto normativo, mas do ato administrativo, com base nos mesmos, que concretiza a ofensa ao direito líquido e certo do impetrante. Isso, obviamente, se a lei ou o decreto não forem de efeitos concretos, as quais, pelo simples fato de entrarem em vigor, já causam prejuízos que poderão ser imedia tamente atacados pelo remédio heroico. Porém, aqui, existe exceção, na medida em que o Código Civil explicita que não corre o prazo decadencial contra os absolutamente incapazes. Portanto, se o direito liquido e certo em voga for de incapaz, entendemos que nào haverá decadência. Nesses termos, o posicionamento do STJ: [...] O Superior Tribunal de Justiça, secundando o entendimento do Su­ premo Tribunal Federal cristalizado na Súmula 430, possui jurisprudência uniforme no sentido de que a fluência do prazo decadencial no mandado de segurança tem início na data em que o interessado teve ciência inequívoco do ato atacado, independentemente do manejo de eventual recurso administrativo, salvo se o mesmo tivesse o excepcional efeito suspensivo, hipótese que não se vislumbra nestes autos [...]. (STJ, 5a Turma. AgRg nos EDd no Resp n° 644.640/ RS. Rei: Min. Gilson Dipp. DJ 30.04.2007) Lembramos aqui que não estamos trabalhando o cabimento do mandado de segurança, e sim seu prazo deca dencial. Ou seja, o posicionamento adequado é aquele que afirma a obstaculizaçâo do início do prazo de 120 (cento e vinte) dias quando há recurso administrativo com efeito suspensivo interposto ainda sem decisão. Ago­ ra, é claro que, se a decisão acarretar lesão a direito liquido e certo, da sua ciência passa a contar-se o prazo de 120 (cento e vinte) dias. Porém, nunca é demais lembrarmos que o writ caberá mesmo com a existência de recurso administrativo com efeito suspensivo, ao teor da aqui citada Súmula n° 429 do STF que preleciona que, mesmo havendo recurso administrativo com efeito suspensivo, ocorrendo omissão, caberá mandado de segurança. Mas atenção, pois abalizada doutrina em conformidade com o STJ nos apresenta uma interessante exceção. Fazendo-se uma analogia ao raciocínio que é trabalhado na Súmula n° 85 do STJ, temos que o direito negado pelo ato pode ser"o próprio direito de fundo". Nas questões que são atinentes ao direito de fundo"(negado por ato da autoridade) nào estaríamos diante de atos que se renovam causando lesões cíclicas. Portanto, se ocorre a negativa do "direito de fundo", o prazo para a impetração do mandamus deve ser contado da data em que a denegação chega ao conhecimento do impetrante com operatividade e exequibilidade. Trazemos

Açofs Constitucionais

2) Ocorrendo a hipótese da impetração do remédio heroico dentro do pra­ zo de 120 (cento e vinte) dias, porém, em juízo incompetente, e, posteriormen­ te, sendo 0 mandamus remetido a juízo competente, 0 STF já se posicionou no sentido de que não haverá caducidade na medida em que a impetração se deu no prazo adequado.

3) Em recente julgado, a ia Turma do STF reconheceu que um Mandado de Segurança foi impetrado fora do prazo, no entanto, como foi concedida liminar e esta perdurou por mais de 12 anos, os Ministros entenderam que deveria ser apreciado 0 mérito da ação, em nome da segurança jurídica. Claro que é um posicionamento excepcional (exceção devido à peculiaridade do caso), mas que não deixa de ser interessante?34 4) Se 0 mandado de segurança é interposto contra omissão de autoridade, temos a possibilidade de: 1) se a administração não está sujeita a prazo para praticar 0 ato, não haverá prazo decadencial a ser observado, pois, enquanto durar a omissão, caberá mandado de segurança; 2) se a administração está sujeita a prazo para a prática de determinado ato, findo 0 prazo sem a sua realização, começa a valer (a existir) 0 prazo decadencial de 120 (cento e vinte) dias para a impetração do mandamus.'” 5) Pode ser, ainda, que, embora a autoridade em princípio não esteja su­ jeita a prazo, a prática de determinado ato pela autoridade pode fazer concluir que a lesão a direito líquido e certo se tornou operante e exequível. Nesses termos, enquanto a omissão existia (de forma continuada), não era deflagrado 0*

um exemplo à luz da jurisprudência do STJ: Mandado de Segurança. Pedido de incorporação de quintos. Indeferimento administrativo. Ato único de feitos permanentes. Decadência. I - Por se rratar de mandamus impetrado por servidores contra ato da Administração de efeitos imediatos e concretos - consubstanciando no indeferimento de pedido de incorporação de quintos, não há que se falar em obrigação de troto sucessivo que se renova més a mês. II Deve ser reconhecida a decadência à impetração do presente instrumento processual, eis que 0 lapso temporal entre o ato da administração e o ajuizamento da ação ultrapassou o prazo de cento e vinte dias, a teor do art. 18 da Lein01.533/51. Recurso não conhecido. (STJ, 5°TURMA. RMS n° 17.804, Rei. Ministro FelixFischerj. em 16.09.7004). Conforme: SODRÉ, Eduardo. Mandado de segurança, 2007, p. 113. Conforme o STJ: O prazo de­ cadencial para impetrar mandado de segurança contra redução do valor de vantagem integrante de proventos ou de remuneração de servidor publico renova-se mês a mês. A redução, ao contrário da supressão de van tagem (como quintos ou outras gratificações), configura relação de trato sucessivo, pois não equivale à negação do próprio fundo de direito. Assim, o prazo decadencial para se impetrar a ação mandamento! renova-se més a mês. STJ. Corte Espe ciai. EREsp 1.164.514-AM, Rei. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, julg. em 16.12.2015 (Informativo 578 do STJ) 134. MS 25097/DF, 2d Turma do STF. Rei. Min. Gilmar Mendes, julg. em 28.03.2017. No caso o MS foi proposto depois que já havia se passado mais de 120 dias da publicação do ato impugnado. Dessa forma, o Ministro Relator deve­ ria ter extinguido o mandado de segurança sem resolução do mérito pela decadência. Porém, o Ministro não se atentou para esse fato e concedeu a liminar pleiteada. Em março de 2017, a ldT do STF apreciou o mandado de segurança. Ela reconheceu que o MS foi impetrado fora do prazo, no entanto, como foi concedida liminar e esta perdurou por mais de 12 anos, os Ministros entenderam que deveria ser apreciado o mérito da ação. 135. Um exemplo interessante dessa hipótese pode ser encontrado na jurisprudência do STF: Mandado de Segurança. Omissão da mesa diretora do Senado Federal no julgamento de recurso administrativo. Decadência verificada, já que de há muito fluido o prazo legal de 120 dias para a impetração, computável, no caso, do momento em que se configu­ rou a omissão impugnada, seja, do vencimento do lapso temporal de que dispunha o órgão impetrado para decidir, na forma do Regimento da Casa Legislativo. Precedentes da Corte. Segurança nào conhecido. (STF: pleno. MS n° 21.067/ DF. Rei. Min. limar Galvão. DJ 13.03.1992)

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prazo de 120 (cento e vinte) dias, mas, a partir de determinada conduta, 0 pra­ zo inicia sua contagem. Nesse sentido, é 0 posicionamento do Pretório Excelso exarado no julgamento do RMS n° 23.987/DF, conforme a ementa: Recurso ordinário em mandado de segurança. - Enquanto há omissão conti­ nuada da Administração Pública, não corre 0 prazo de decadência para a im petração do mandado de segurança, sendo certo, porém, que essa omissão cessa no momento em que há situação jurídica de que decorre inequivoca­ mente a recusa, por parte da Administração Pública, do pretendido direito, fluindo a partir daí 0 prazo de 120 (cento e vinte) dias para a impetração da segurança contra essa recusa. - Em se tratando de concurso público, a aber­ tura de novo concurso pela Administração Pública traduz situação jurídica de evidente recusa de aproveitamento dos candidatos do concurso anterior, pondo termo, assim, à omissão continuada pela falta desse aproveitamento, começando a correr 0 prazo de decadência para a impetração da seguran­ ça. - Ocorrência, no caso, da decadência. Recurso ordinário a que se nega provimento. (STF - RMS n° 23.897/DF de Rel. Min. Moreira Alves, julgado em 25.03.2003. DJ: 02.05.2003)

6) Conforme 0 MS n° 23.586 julgado pelo STF em 26.10.2011, 0 termo inicial para impetração de mandado de segurança a fim de impugnar critérios de apro­ vação e de classificação de concurso público conta-se do momento em que a cláusula do edital causar prejuízo ao candidato.136 7) Segundo 0 STF, se no curso de um processo administrativo federal é praticado ato contrário aos interesses da parte, 0 prazo de 120 dias para impe­ tração de mandado de segurança somente se inicia quando a pane for intimada diretamente, na forma do § 3» do art. 26 da Lei n° 9.784/99. Ou seja, 0 termo inicial para a formalização de mandado de segurança pressupõe a ciência do impetrante, nos termos dos arts. 3° e 26 da Lei n« 9.784/99, quando 0 ato impug­ nado surgir no âmbito de processo administrativo do qual seja parte.137 8) Sobre 0 novo CPC de 2015 0 seu art. 219 estabelece que "na contagem de prazo em dias, estabelecido por lei ou pelo juiz, computar-se-ão somente os dias úteis". A questão aqui é se este art. 219 do CP 2015 é aplicado para 0 prazo do mandado de segurança? Ou seja, se a partir dessa norma 0 prazo de 120 dias deverá ser contado em dias úteis. Por obvio que não, pois 0 art. 219 aplica-se apenas aos prazos processuais, ou seja, àqueles prazos para a prática de atos dentro do processo. Já 0 prazo de impetração do Mandado de Segurança, em regra, não é processual, de forma que ele deve ser contado de forma corrida (e não em dias úteis). Porém, existe uma exceção. Essa será no caso de mandado de segurança contra ato judicial, na qual o prazo máximo para impetração será

136. No caso a autoridade coatora, suscitava decadência do direito de impetração, uma vez que o prazo para questio­ nar cláusula editalícia teria se dado coma publicação do edital de abertura do concurso na imprensa oficial, e não da data do ato lesivo ao candidato. Porém não foi esse o entendimento da 2a Turma do STF. (RMS 23.586/DF, Rel. Min. Gilmar Mendes, 25.10.2011) 137. RMS 32487/RS, STF. 1 «Turma. Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 07.11.2017 (Informativo 884}

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contado em dias úteis. 0 fundamento é do que neste caso o prazo terá natureza processual já que corre dentro do processo. Assim, por exemplo, se é prolatada uma decisão judicial irrecorrível, a parte prejudicada terá 120 dias úteis para impetrar mandado de segurança.'3í 9) Por último, é mister salientar que, se 0 mandamus é impetrado de forma preventiva em virtude de ameaça de lesão a direito líquido e certo, não há que se falar em prazo decadencial de 120 (cento e vinte) dias, na medida em que, enquanto perdurar a ameaça, há a possibilidade de interposição do writ.'39 2. MANDADO DE SEGURANÇA COLETIVO 2.1. Conceito

A rigor, a sua conceituação é a mesma138 140141 139 142 do mandado de segurança indivi­ dual, com exceção dos afetados (atingidos) pela proteção do mandamus. Nesse sentido, podemos afirmar que 0 mesmo se apresenta como: uma ação consti­ tucional de natureza civil e procedimento especial, que visa a proteger direito líquido e certo da coletividade'4’ (direitos coletivos, difusos’42 e individuais ho­ mogêneos), lesionado ou ameaçado de lesão, não amparado por Habeas Corpus ou Habeas Data, em virtude de ilegalidade ou abuso de poder praticado por autoridade pública ou agente jurídico (privado) no exercício de atribuições pú­ blicas. Certo é que a recente Lei n° 12.016/09 deixa assente, de forma expressa, que os direitos protegidos pelo mandado de segurança coletivo podem ser os direitos: a) coletivos, assim entendidos, para efeito da Lei, os transindividuais, de natureza indivisível, de que seja titular grupo ou categoria de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica básica; b) individuais homogêneos, assim entendidos, para efeito da referida Lei, os decorrentes de

138. CUNHA, Leonardo Carneiro da. A Fazenda Pública em Juízo. Rio de Janeiro: Forense, 2016, p. 562. Também In: Már­ cio André Cavalcante, Dizer o Direito. 2016. 139. Dl PIETRO, Maria Sylvia, Direito administrativo, 2003, p. 675. Nesse sentido, também é a jurisprudência do STJ, conforme a ementa: “Processual Civil e Tributário. Recurso especial. Mandado de segurança preventivo. Prazo deca­ dencial de 120 dias. Não aplicação. 1. Tratando-se de mandado de segurança preventivo, não há por que se falar em prazo decadencial de 120 dias. 2. Recurso especial provido." (STJ, 2a Turma, REsp n°652046/RJ, Rei. Min. João Otávio Noronha, j. em 24.08.2004) 140. Conforme posicionamento majoritário: '(...] O mandado de segurança coletivo nada mais é do que a possibilidade de impetrar-seo mandado de segurança tradicional por intermédio da tutela jurisdicional coletiva. Í...1O adjetivo coletivo diz respeito à forma de exercer-se a pretensão mandamental e não propriamente a pretensão deduzida em si mesma. Portanto, o mandado de segurança poderá ser utilizado para a tutela de direitos difusos, coletivos ou individuais [...]" In: Almeida, 2007, p. 412. 141. Atenção á seguinte digressão: "O que define o mandado de segurança como ação coletiva ou não é o seu objeto material e não (apenas) a simples legitimidade ativa coletiva. (...) para se definir o mandado de segurança impetrado como sendo ação coletiva ou individual, torna-se imprescindível a análise da causa de pedir e do pedido formulado concretamente.'In: Almeida, 2007, Estes envolvem ilegalidade ou abuso de poder que causam lesão ou ameaça de lesão a direitos líquidos e certos coletivos. 142. É bom que o leitor seja informado, que, ainda existe corrente minoritária (e inadequada a nosso ver, apesar da falta de referência dos direitos difusos na nova Lei do MS) que entende nào caber mandado de segurança coletivo para a defesa de direitos ou interesses difusos.

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origem comum e da atividade ou situação específica da totalidade ou de par­ te dos associados ou membros do impetrante. Porém, devemos salientar que, além dos, ora citados, direitos coletivos e individuais homogêneos, devemos acrescentar os direitos difusos. Embora a Lei tenha olvidado sobre os mesmos, eles também devem ser objeto de mandado de segurança coletivo. Aliás, chega a ser risível (e inadequado à luz do sistema de proteção das tutelas coletivas) o argumento de que pela falta de inclusão no novo diploma legal, eles não pode­ riam ser objeto de MS coletivo. Corroborando com nosso posicionamento, temos que "andou mal o legislador, ao tentar excluir- ou deixar de incluir - os direitos difusos dentre aqueles que podem ser protegidos através do mandado de se­ gurança coletivo". (...) De qualquer modo, a omissão do legislador em deixar de incluir os direitos difusos no rol do art. 21 da Lei do Mandado de Segurança mostra-se irrelevante, data vênia, pois o art. 50, incisos LXIX e LXX, da CF/88 exige apenas que tenha sido violado direito líquido e certo, não restringindo a categoria do direito (difuso, coletivo ou individual homogêneo).145 Assim, temos que 0 mandado de segurança é, atualmente, à luz da nossa atual Constituição, um gênero que se divide em duas espécies que são: 0 mandado de segurança individual e 0 coletivo.

2.2. Finalidades Segundo abalizada doutrina, 0 Mandado de Segurança Coletivo tem tríplice finalidade, quais sejam: 1) evitar acúmulo de demandas idênticas (na medida em que, por exemplo, em vez de centenas ou milhares de mandados de segu­ rança individuais basta um mandado de segurança coletivo); 2) facilitar 0 acesso à justiça; 3) fortalecer as entidades de classe (na medida em que 0 mandado de segurança coletivo se arvora na defesa de direitos dos membros ou associados, por exemplo, das associações ou das entidades de classe). 2.3. Legitimidade do Mandado de Segurança Coletivo

Conforme normativa constitucional, a legitimidade ativa será do Partido Po­ lítico com representação no Congresso Nacional e dos sindicatos, entidades de classe e associações em funcionamento há pelo menos 1 ano, legalmente cons­ tituídas e para a defesa de seus membros ou associados.143 144

143. In: Cruz, Cerqueira, Gomes Junior, Favreto, Palharini Júnior. Comentários à nova Lei do mandado de segurança, p. 192-193,2009. Afirmam ainda os autores, a nosso ver, de forma adequada que: "O art. 83 do Código de Defesa do Consumidor, que integra o sistema único coletivo de proteção dos direitos coletivos, autoriza a utilização de qualquer espécie de demanda (incluindo logicamente o atual mandado de segurança coletivo) para a defesa de direitos difusos." 144. Cuidado com relação à legitimidade ativa, pois não devemos confundir a mesma nos mandados de seguran­ ça individual e coletivo. O seguinte caso, ilustra a advertência, ora explicitada: Em um Município X, existe uma associação que atua na defesa de interesses e direitos de seus membros ou associados que estão presentes no Município. Se o Prefeito desse Município pratica um ato ilegal que lesa a associação, o que caberá? MS Individual

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Sobre o tema, algumas reflexões devem ser aventadas: 1) 0 Partido Político para ter representação no Congresso Nacional (e, por­ tanto, legitimidade ativa) necessita de um deputado federal ou de um senador da República, não havendo a exigência de membros do Poder Legislativo nas duas casas para tal.145146

2) Desde 0 começo da década de 90, até os dias atuais, 0 STJ vem enten­ dendo que os partidos políticos com representação no Congresso Nacional, só podem ajuizar Mandado de Segurança Coletivo para defesa de direitos dos seus filiados e em questões que guardem relação com o Estatuto do partido político. Portanto, segundo esse posicionamento, não caberia a impetração de mandado de segurança coletivo para defesa de direitos da sociedade?45 Sem dúvida, 0 STJ tem uma interpretação restritiva do instituto, pois, apesar dos partidos políticos serem pessoas jurídicas de direito privado, nos moldes das associações (socie­ dade sem fins lucrativos), eles são instrumentos de intermediação entre repre­ sentantes e representados, na medida em que não existe candidatura avulsa em nosso ordenamento jurídico. Certo é que 0 exercício de nossa soberania po­ pular, passa necessariamente, pela escolha de candidatos (representantes que exercem 0 poder em nosso nome) atrelados aos partidos que, mesmo com esse viés público, só poderíam, segundo 0 posicionamento do STJ, defender seus filiados. Aliás, não pode ser outra a nossa crítica à luz da dicção normativa do art. i° da Lei n° 9.096/95 (Lei Orgânica dos Partidos Políticos), na qual: "0 partido político pessoa jurídica de direito privado, destina-se a assegurar, no interesse do regime democrático, a autenticidade do sistema representativo e a defen­ der os direitos humanos fundamentais, definidos na Constituição Federal."147 0 STF, acompanhou de forma inconteste a interpretação restritiva (e inadequada) conferida pelo STJ, até 0 ano de 2004. Apesar de parte da doutrina se olvidar (estranhamente) em relação a uma possível mudança de posicionamento do

ou Coletivo? Mandado de Segurança individual, pois o Prefeito feriu um direito líquido e certo da associação e nâo dos seus associados. 145. Alguns doutrinadores defendem que a legitimidade dos partidos, prevista na CR/88 poderia ser ampliada (in­ terpretação extensiva) por simetria ao âmbito estadual (representação na Assembléia Legislativa) se a questão for estadual, e municipal (representação na Câmara dos Vereadores) se a questão aventada for de cunho local In: Cruz, Cerqueira, Gomes Junior, Favreto, Palharini Júnior. Comentários à nova Lei do mandado de segurança, p. 178,2009. Contra esse posicionamento: Klippel, Rodrigo e Neffa Junior, José Antônio, p. 316.2010. 146. Segundo o SuperiorTribunal de Justiça:"Quando a Constituição autoriza um partido político a impetrar mandado de segurança coletivo, só pode ser no sentido de defender os seus filiados e em questões políticas, ainda assim, quando autorizado por lei ou pelo estatuto. Impossibilidade de dar ao partido político legitimidade para vir a Juízo defender 50 milhões de aposentados, que nâo são, em sua totalidade, filiados ao partido e que não auto­ rizam o mesmo a impetrar mandado de segurança em nome deles." (RSTJ 12:215) (STJ Ia Seção - Mandadode Segurança n° 197/DF - Rel. Garcia Vieira acórdão publicado em 20/08/90). Nos mesmos moldes: STJ - 2“ T. - RMS n° 1,348/MA - Rel. Américo Luz DJU Seção 1,13 dez. 1993. Nesse mesmo sentido: (...) O partido político, por essa via, só tem legitimidade para postular direito integrante de sua coletividade. (STJ - 6°T.~ recurso ordinário em MS n° 2.423/PR - v.u - DJU, 27.04.1993) 147. Nesse diapasão, também as abalizadas doutrinas de Lucia Valle Figueiredo (2005) e Maria Sylvia Zanella Di Pietro (2006).

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Pretório Excelso, esta se encontra debatida no Informativo n° 372,148 no qual 0 STF passou a discutir, com vozes dissonantes, se os partidos políticos podem im­ petrar mandado de segurança coletivo para defesa de interesses da sociedade (direitos coletivos ou difusos) e não só de seus filiados. A Ministra Ellen Gracie (no que foi acompanhada pelos Ministros Carlos Ayres Britto e Marco Aurélio) entendeu que os partidos políticos podem impetrar mandado de segurança coletivo para defesa de interesses da sociedade (direitos coletivos ou difusos) não podendo, porém, impetrar mandado de segurança coletivo para impugnar exigência (cobrança) tributária.149

148. Conforme o voto da Ministra relatora Ellen Gracie, no R. Ext. n° 196.184/AM julgado em 27.10.2004, temos que: "[...] A tese do recorrente no sentido da legitimidade dos partidos políticos para impetrar mandado de segurança coletivo estar limitada aos interesses de seus filiados não resiste a uma leitura atenta do dispositivo constitucional supra. Ora, se o Legislador Constitucional dividiu os legitimados para a impetração do Mandado de Segurança Coletivo em duas alíneas, e empregou somente com relação à organização sindical, à entidade de classe e à associação legalmente constituída a expressão'em defesa dos interesses de seus membros ou associados'é por­ que não quis criar esta restrição aos partidos políticos. Isso significa dizer que está reconhecido na Constituição o dever do partido político de zelar pelos interesses coletivos, independente de estarem relacionados a seus filiados. Também entendo não haver limitações materiais ao uso deste instituto por agremiações partidárias, à semelhança do que ocorre na legitimação para propor ações declaratórias de inconstitucionalidade. Com efeito, o Plenário desta Corte, no julgamento da ADIMC 1.096 (DJ 07/04/2000), entendeu que o requisito da pertinência temática é inexigível no exercício do controle abstrato de constitucionalidade pelos partidos políticos. [...] Dessa forma, tudo o que foi dito a respeito da legitimação dos partidos políticos na ação direta de inconstitucionali­ dade pode ser aplicado ao mandado de segurança coletivo. A previsão do art. 5o, LXX, da Constituição objetiva aumentar os mecanismos de atuação dos partidos políticos no exercício de seu mister, tão bem delineado na transcrição supra, não podendo, portanto, ter esse campo restrito à defesa de direitos políticos, e sim de todos aqueles interesses difuso e coletivos que afetam a sociedade. A defesa da ordem constitucional pelos Partidos Políticos não pode ficar adstrita somente ao uso do controle abstrato das normas. A Carta de 1988 consagra uma série de direitos que exigem a atuação destas instituições, mesmo em sede de controle concreto. À agremiação partidária, não pode ser vedado o uso do mandado de segurança coletivo em hipóteses concretas em que este­ jam em risco, por exemplo, o patrimônio histórico, cultural ou ambiental de determinada comunidade. Assim, se o partido político entender que determinado direito difuso se encontra ameaçado ou lesado por qualquer ato da administração, poderá fazer uso do mandado de segurança coletivo, que não se restringirá apenas aos assuntos relativos a direitos políticos e nem a seus integrantes. Não se está a excluir a necessidade do atendimento dos requisitos formais previstos nos estatutos dos partidos, tampouco afastando a necessidade de respeito aos pres­ supostos de cabimento de mandado de segurança, que, no presente feito, não foram objeto de impugnação no recurso extraordinário. 2. A hipótese dos autos, todavia, não trata de direito coletivo ou interesse difuso, mas da majoração de um tributo, o que, conforme já decidido pelo Plenário desta Corte, no RE 213.631, rei. Min. limar Galvão (DJ 07/04/2000) configura um direito individualizável ou divisível, nos termos da ementa ora transcrita in verbís: 'Ministério Público. Ação Civil Pública. Taxa de iluminação pública do município de Rio IMovo-MG. Exigibi­ lidade impugnada por meio de ação pública, sob alegação de inconstitucionalidade. Acórdão que concluiu pelo seu não-cabímento, sob invocação dos arts. 102,1, a, e 125, 5 2°, da Constituição. Ausência de legitimação do Mi nistério Público para ações da espécie, por não configurada, no caso, a hipótese de interesses difusos, como tais considerados os pertencentes concomitantemente a todos e a cada um dos membros da sociedade, como um bem não individualizável ou divisível, mas, ao revés, interesses de grupo ou classe de pessoas, sujeitos passivos de uma exigência tributária cuja impugnação, por isso, só pode ser promovida por eles próprios, deforma individual ou coletiva. Recurso nâo conhecido.' Se o Partido Político pode atuar na defesa do interesse de várias pessoas, inde­ pendente de filiação, não pode, contudo, substituir todos os cidadãos na defesa de interesses individuais a serem pos­ tulados emjuizo por meio de ações próprias. Por estes motivos, entendo que o Partido Político pode impetrar mandado de segurança coletivo na defesa de qualquerinteresse difuso, abrangendo, inclusive, pessoas não filiadas a ele, nâo estando, porém, autorizado a se valer desta via para impugnar uma exigência tributária...'’. 149. STF - pleno - MS n° 24.394/DF - Rei. Min. Sepúlveda Pertence, Diário de Justiça, Seção 1,6 set. 2004, p. 47. STF-2a T. - Rextr. n“ 196.184/AM - Rei. Ellen Gracie, Informativo STF n“ 372. Porém, devemos deixar consignado que o novo posicionamento do STF ainda é insuficiente, pois, apesar de deixar assente a possibilidade da impetração

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Mas aqui, ainda que o debate permaneça, uma advertência é necessária. Como se posicionou a atual Lei n° 12.016/09 sobre a questão? A nova lei n» 12.016/09, que regulamenta 0 mandamus, deixa assente, em seu art. 21, que os partidos políticos com representação no Congresso Nacional devem atuar em mandado de segurança coletivo na defesa de seus interesses legítimos relativos a seus integrantes ou à finalidade partidária. Nesse sentido, embora 0 tema seja controvertido, entendemos que 0 recente diploma legal corrobora com 0 posicionamento da Ex-Ministra Ellen Gracie no STF. Ou seja, 0 dispositivo normativo explicita que os partidos devem impetrar 0 mandado de segurança coletivo não só para a defesa de seus filiados,150151 mas também para a finalidade partidária, que a nosso ver alcança (em uma leitura constitucional­ mente adequada), devido ao caráter público dos partidos (como instrumentos constitucionais de intermediação entre representantes e representados no de­ senvolvimento da soberania popular), os interesses da sociedade, referindo-se, sem dúvida, de forma ampla a direitos da coletividade (direitos e interesses de cunho coletivo e difuso).

Nesses termos, corroborando com nosso entendimento, conforme Cássio Scarpinella Bueno, temos que à luz da nova Lei do mandamus "0 partido po­ lítico tem legitimidade para a impetração do mandado de segurança coletivo tanto que 0 direito (interesse) a ser tutelado coincida com as suas finalidades programáticas, amplamente consideradas, independentemente de a impetração buscar a tutela jurisdicional de seus próprios membros".'5’

do mandamus por partido político para a defesa de direitos coletivos e difusos da sociedade (de filiados e não filiados), não permite a impetração para impugnar cobrança de tributos, ou seja, para a defesa de direitos indivi­ duais homogêneos. Assim, a conclusão é a seguinte: o partido politico com representação no Congresso Nacional pode impetrar mandado de segurança para a defesa da sociedade (proteção de direitos ou interesses difusos), mas não tem legitimidade para impetrar o mandamus para a proteção dedireitos individuais homogêneos. Assim sendo, entendemos e advogamos que o posicionamento correto é o de admitir a impetração de MS coletivo para a defesa de qualquer tipo de interesse ou direito da coletividade (seja ele: direito coletivo, difuso ou mesmo individual homogêneo). 150. Nesses termos: "Os partidos políticos não têm como razão de ser a satisfação de interesses ou necessidades par­ ticulares de seus filiados, nem são eles o objeto das atividades partidárias. Ao contrário das demais associações, cujo objeto está voltado para dentro de si mesmas, já que ligado diretamente aos interesses dos associados, os partidos políticos visam a objetivos externos, só remotamente relacionados a interesses específicos de seus filiados. (...) Por conseguinte, os filiados ao partido são, na verdade, instrumentos das atividades e bandeiras par­ tidárias, e não objeto delas. O objeto das atenções partidárias são os membros da coletividade em que atuam, independentemente da condição de filiados." ZAVASCKI, Teori Albino. Defesa de direitos coletivos e defesa coletiva dedireitos, p. 147, 2007. No mesmo sentido, defendendo a impetração de mandado de segurança coletivo por partidos políticos para a defesa de interesses difusos, temos o clássico Celso Agrícola Barbi. BARBI, Celso Agrícola. Do mandado de segurança. 8a Ed. Rio de janeiro, Forense, p. 295,1996. 151. BUENO, Scarpinella Cássio, A nova Lei do Mandado de Segurança, São Paulo: Ed. Saraiva, p. 124,2009. Contra esse posicionamento, entendendo que o art. 21 da Lei n“ 12.016/09 deve ser declarado inconstitucional em virtude de ter positivado de forma restritiva (e inadequada) a legitimidade ativa dos Partidos Políticos, temos Fernando Jay me. O professor também advoga (como nós) uma legitimação mais ampliada para os Partidos Políticos visando, sobretudo, a defesa de direitos fundamentais da sociedade, porém não busca uma leitura constitucionalmente adequada (e compatível) da nova Lei n” 12.016/09 com a Legislação infraconstitucional dos partidos políticos (Lei n°9.096/95) e com a Constituição (interpretação conforme) advogando, em virtude disso, a inconstitucionalidade

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3) 0 STF firmou entendimento no Informativo n» 154 que 0 requisito em fun­ cionamento há pelo menos 1 ano é somente para as associações152153 154 e não para as entidades de classe ou sindicatos.15’ Portanto, sindicato e entidade de Classe só precisam estar legalmente constituídos e terem por objetivo a defesa de in­ teresses de seus membros ou associados.

4) Segundo entendimento consolidado no Pretório Excelso, a legitimidade ativa no mandado de segurança é a extraordinária. Ou seja, não teriamos repre­ sentação, mas sim legitimidade extraordinária no mandamus coletivo, advindo daí 0 que chamamos processualmente de substituição processual, na qual 0 impetrante irá ajuizar a ação em nome próprio, só que para a defesa de direito de terceiros, quais sejam, os direitos de membros ou associados.

5) Mas, atenção, pois o STF entende, a teor do R. Ext. n» 181.438/SP, que, se 0 objeto do mandado de segurança coletivo é um direito dos associados, não há necessidade (independe) do direito de guardar vínculo com os fins próprios da entidade e nem mesmo há exigência de ser um direito peculiar ou próprio da classe. Porém, 0 direito deve estar compreendido na titularidade dos asso­ ciados e existir em razão das atividades exercidas pelos mesmos.15-'

6) Sem dúvida, a entidade deve defender direitos subjetivos comuns de seus membros (direitos que estejam na titularidade dos mesmos). Mas, pode ser que 0 mandamus interesse apenas a uma parte da categoria, 0 que não obstaculiza a impetração. É o que se depreende da atual Súmula n° 630 do STF: "a entidade de classe tem legitimação para o mandado de segurança ainda quando a pretensão veiculada interesse apenas a uma parte da respectiva categoria."155 7) Ainda sobre a legitimidade, é mister ressaltar que 0 STF não exige a au­ torização expressa dos membros da entidade para a impetração do mandamus. Nesse sentido, a determinação de autorização expressa, aludida no art. 5», xxi (hipótese de representação), não se aplica no mandado de segurança coletivo (hipótese de substituição processual). Aliás, não é outra a dicção contida na

152.

153. 154.

155.

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do diploma normativo em comento. JAYME, Fernando G. Mandado de Segurança. Belo Horizonte, Dei Rey, p. 151 161,2011. Embora o entendimento constitucionalmente mais adequado, em nossa opinião, seja o de que, até mesmo, as associações comportariam exceções, na medida em que em determinados casos poderiamos estar diante de um manifesto interesse social que poderia ser evidenciado pela dimensão de um dano ou mesmo pelas característi­ cas do mesmo ou ainda pelo bem juridico a ser protegido. Nesses termos, a pré constituição no lapso temporal determinado não deveria ser exigida, inclusive, das associações. ALMEIDA, Gregório Assagra de p. 604,2007. STF - laT. - Rextr. nQ 198.919-DF-Rel.Min. limar Galvão, decisão, decisão: 15-06-1999 - Informativo STF n“ 154. STF - Tribunal Pleno - RE n° 181.438/SP - v.u. - Rel. Min. Carlos Velloso, j. em 28.06.1995. Como exemplo: (...) um sindicato pode impetrar mandado de segurança coletivo para impugnar um tributo que incida sobre a renda dos associados, vez que a renda é fruto das atividades por ele exercidas, nâo sendo este um direito peculiar da classe de trabalhadores a ser defendida no mandamus. In: Direito Constitucional, Holthe. Leo Van. p. 360.2008. Nesse sentido, também está expresso no art 21 da Lei n° 12.016/09. Nesta, foi positivado o entendimento pretoriano de que o MS coletivo pode ser impetrado para a defesa da totalidade ou de parte dos membros ou associa­ dos de uma entidade de classe.

Ações Constitucionais

Súmula n° 629 do STF: a impetração de mandado de segurança coletivo por en­ tidade classe em favor de associados independe da autorização destes.

8) E, por digressão, não haverá a necessidade de constar na petição inicial do mandamus coletivo os nomes de todos os associados, pois, como aqui cita­ do, estamos diante do instituto da legitimação extraordinária, e não de litiscon­ sórcio ativo em mandado de segurança individual. 9) Por último, é mister colocar que, conforme entendimento externalizado no MS n° 21.059/RJ (Rei. Ministro Sepúlveda Pertence), 0 Supremo Tribunal Fede­ ral já decidiu que Estados-membros não são dotados de legitimidade ativa para propor mandado de segurança coletivo contra a União em defesa de "supostos interesses das populações residentes nas respectivas unidades federadas". A fundamentação de tal falta de legitimação pode ser resumida nos seguintes ter­ mos: a) os Estados não estão arrolados na restrita legitimidade ativa do art. 5°, LXX; b) os Estados (entes políticos da federação) "não são propriamente órgãos de representação ou de gestão de interesses da população".’56 Já a legitimidade passiva é a mesma outrora trabalhada no mandado de segurança individual.

2.4. Procedimento 0 procedimento,156 157 em linhas gerais, segue a mesma exegese do mandamus individual, mas com uma ressalva envolvendo a concessão de medida liminar, pois ela só será possível após a audiência do representante judicial da pessoa jurídica de direito público, que deverá se pronunciar no prazo de 72 (setenta e duas) horas, conforme 0 art. 22 da Lei n° 12.016/09 (norma que anteriormente estava presente no art. 2» da Lei n° 8.437/92). Embora a matéria seja contro­ vertida, inclusive no que diz respeito à constitucionalidade de tal dispositivo normativo, é mister afirmar que, apesar de sua validade, ela não pode ser trabalhada de forma absoluta, pois haverá casos em que tal procedimento en­ sejará a possibilidade de dano grave e de difícil reparação ao impetrante do

156. MENDES; COELHO; BRANCO, Curso de direito constitucional, 2008, p. 537. Aqui, é interessante, deixarmos consig­ nado, que pensamos diferente, em relação ao Ministério Público, pois esse, apesar de não estar arrolado como legitimado no rol da Constituição, bem como no rol da Lei n° 12.016/09, deve ser dotado (em nossa opinião) de legitimidade ativa em MS coletivo. A exegese de tal assertiva deve-se a interpretação adequada dos arts. 127 e 129 da CR/88, bem como da Lei Complementar n° 75/93 (no que tange ao MPU) e Lei n° 8625/93 (No que tange ao Ministério Público dos Estados). No mesmo posicionamento: Nelson Nery Jr e Rosa Maria de Andrade Nery, In: Constituição Federal Anotada, p. 196,2008; Cássio Scarpinella Bueno, p. 127, 2009. In: Mandado de Segurança, 2009. Porém, contra nosso posicionamento, bem como dos autores citados: JAYME, Fernando Gonzaga, Mandado de Segurança, Belo horizonte: Ed. Dei Rey, 2011. 157. Segundo o STF: "Os princípios básicos que regem o mandado de segurança informam e condicionam no planojurídico-processual, a utilização do writmandamentalcoletivo"(STF - Pleno MS n° 21.615-8/RJ - Rei. Celso de Mello, DJU. Seção 1,13 mar. 1998, p. 4)

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mandamus, devendo o pedido liminar ser analisado de plano à luz do art. 5, XXXV, da Constituição da República de 1988. 2.5. Decisão e Seus Efeitos No que tange à decisão, os seus efeitos irão abranger todos os associados que se encontram na situação descrita na petição inicial do remédio heroico, não importando se ingressaram na associação antes ou depois da impetração do mandamus. Nesses termos, corroborando com 0 nosso entendimento, esta­ beleceu a Lei n 12.016/09 que no mandado de segurança coletivo a sentença fará coisa julgada limitadamente aos membros do grupo ou categoria substituí­ dos pelo impetrante.

Certo é que, para boa parte da doutrina,158159 160 havendo a concessão do manda­ mus, existirá coisa julgada material com 0 agraciamento de todos aqueles que se encontram como membros da entidade no momento de execução da sen­ tença. Mas, se a sentença for denegatória, gerará apenas coisa julgada formal, não excluindo a possibilidade de qualquer um dos membros ou associados da entidade pleitearem individualmente mandado de segurança.155 Portanto, a impetração do mandado de segurança coletivo não impedirá a utilização do mandado de segurança individual'60 (não ocorrendo litispendência entre 0 individual e 0 coletivo), obviamente, desde que preenchidos os requi­ sitos, inclusive 0 do prazo decadencial de 120 dias. Porém, é mister explicitar que a Lei n° 12.016/09, regulando 0 MS individual e 0 coletivo, estabeleceu que 0 mandado de segurança coletivo não induz litispendência para as ações indi­ viduais, mas os efeitos da coisa julgada não beneficiarão 0 impetrante a título individual se ele não requerer a desistência de seu mandado de segurança no prazo de 30 (trinta) dias a contar da ciência comprovada da impetração da

segurança coletiva. Entendemos que essa norma não coaduna com 0 modelo processual-constitucional ínsito ao mandado de segurança presente em nosso ordenamento, pois a desistência da ação individual fulminaria com qualquer possibilidade

158. Nesse sentido, a posição de Michel Temer: "A decisão judicial fará coisa julgada quando for favorável à entidade impetrante e não fará coisa julgada quando a ela desfavorável. Com isso fica aberta a possibilidade do mandado de segurança individual quando a organização coletiva não for sucedida no pleito judicial." (1993:196). Este tam­ bém é o posicionamento de Lúcia Valle Figueiredo Perfil do mondado de segurança coletivo, 1989, p. 36. 159. Nesses termos:"[...] em regra a ação coletiva, não prejudica as ações individuais, mesmo quando julgada impro­ cedente. O resultado favorável, contudo, tende a beneficiar os indivíduos. Trata se de uma nítida opção política feita pelo legislador brasileiro para incentivar o uso das ações coletivas sem o receio de que uma má atuação do legitimado coletivo possa, por si só, prejudicar aqueles que não agiram em juízo (...]". BUENO, Cássio Scarpinella, Mandado de segurança, 2009, p. 189. 160. Segundo antigo posicionamento do STJ: O ajuizamento de mandado de segurança coletivo por entidade de classe não inibe o exercício do direito subjetivo de postular, por via do writ individual, o resguardo de direito líquido e certo, lesado ou ameaçado de lesão por ato de autoridade, não ocorrendo, na hipótese, os efeitos da litispendência. (STJ, MS n° 7.522 - DF, Rei. Min. Vicente Leal, DJU 06.05.2002, p. 239)

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Ações Constitucionais

processual de obter um direito pleiteado e não alcançado na tutela coletiva. Certo é que a tutela coletiva pode ser eivada de insucesso por uma plêiade de motivos e possibilidades, e diante de tal ocorrência o direito individual ficaria obstado em virtude da desistência, acima citada. Sem dúvida, o mais correto e adequado seria a nova Lei ter normatizado a possibilidade de suspensão do mandado de segurança individual (e não de desistência!), nos moldes do art. 104 do CDC (código de defesa do consumidor).'61 Porém, infelizmente não foi essa a positivação do legislador. Por último, acreditamos que a saída mais adequada para tal problemática (envolvendo o MS individual e 0 Coletivo), deve ser uma leitura constitucional­ mente adequada do mandado de segurança, coadunando com um modelo cons­ titucional de processo coerente (e que dê ênfase à força normativa da Consti­ tuição). Nesses termos, apesar de haver divergência na doutrina, expressando apenas nossa opinião, salientamos que somos adeptos da corrente que advoga (com base no diálogo das fontes e mesmo sob a égide da Lei n° 12.016/09) a prevalência, em regra, da decisão de mérito do mandado de segurança indi­ vidual sobre a decisão do mandado de segurança coletivo, nos seguintes ter­ mos: 1) "Em se tratando de mandado de segurança coletivo impetrado para a tutela de direitos difusos, a coisa julgada coletiva será (art. 103, I, do CDC) erga omnes em caso de concessão definitiva da segurança pleiteada. Denegatória a decisão, mesmo com julgamento de mérito, não haverá prejuízo às pretensões individuais (art. 103, parágrafo 1° do CDC). [...] 2) Em se tratando de mandado de segurança coletivo impetrado para a tutela de direitos coletivos em sentido estrito, a coisa julgada coletiva será (art. 103, II, do CDC): ultra partes, mas li­ mitadamente ao grupo, classe ou categoria de pessoas, em caso de concessão definitiva da segurança pleiteada. Também se denegatória a decisão, mesmo que com julgamento de mérito, não haverá prejuízo às pretensões individuais (art. 103, parágrafo 1°, do CDC); [...] 3) Em se tratando de impetração para a tu­ tela de direitos individuais homogêneos, a coisa julgada coletiva será (art. 103, lll, do CDC): erga omnes, em caso de concessão definitiva da sentença pleiteada, beneficiando-se assim todas as vítimas e sucessores, titulares dos respectivos direitos de dimensão homogênea. Também, se denegatória a decisão não ha­ verá prejuízo às pretensões individuais, salvo em relação aos interessados que tiverem intervindo como litisconsortes no processo do mandado de segurança coletivo (art. 103, parágrafo 2», do CDC)."16' A conclusão, aqui, é a de que temos três possibilidades aventadas, que merecem nossa reflexão: a) a legal (dogmatizada na exigência de desistência do MS individual); b) a do "diálogo entre as fontes", que advoga, com base no sistema de proteção coletiva processual a interpretação de que 0 impetrante do161 162

161. No mesmo sentido, temos: Cássio Scarpinella Bueno, 2009 162. ALMEIDA, Gregório Assagra de, 2007, p. 607.

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MS individual poderá manejar a suspensão do MS individual (e não a desistên­ cia), nos termos do art. 104 do CDC; c) a que advoga (com base em um modelo constitucional do processo adequado) que a decisão do MS individual, deve, em regra, prevalecer sobre a decisão (denegatória) do MS coletivo, e nesse caso, também deveria haver a suspensão do MS individual e não a necessidade de desistência do mesmo. SÚMULAS DO STF SOBRE MANDADO DE SEGURANÇA

Súmula n° 101

0 mandado de segurança não substitu a ação popular

Súmula n° 248

É competente, origina riamente, o Supremo Tribunal Federal, para mandado de segu­ rança contra ato do tribunal de contas da União.

Súmula n° 266

Nâo cabe mandado de segurança contra lei em tese.

Súmula n° 267

Nâo cabe mandado de segurança contra ato judicial passíve de recurso ou correição.

Súmula n° 268

Nào caoe mandado de segurança contra decisão judicial com trânsito em julgado.

Súmula n° 269

0 mandado de segurança não é substitutivo de ação de cobrança.

Súmula n° 270

Não cabe mandado de segurança para impugnar enquadramento da lei 3780, oe 12/7/1960, que envolva exame de prova ou de situação funcionai complexa.

Súmula n° 271

Concessão de mandado de segurança não produz efeitos patrimoniais em relação a período pretérito, os quais devem ser reclamados administrativamente ou pela via ju­ dicial própria.

Súmula n° 272

Não se admite como ordinário recurso extraordinário de decisão denegatória de man­ dado de segurança.

Súmula n° 294

São inadmissíveis embargos infringentes contra decisão do Supremo tribunal Federal em mandado de segurança.

Súmula n° 299

O recurso ordinário e o extraordinário interpostos no mesmo processo de mandado de segurança, ou de "habeas corpus'', serão julgados conjuntamente pelo tribunal pleno.

Súmula n° 304

Decisão denegatória de mandado de segurança, não fazendo coisa julgada contra o impetrante, não impede o uso da ação própria.

Súmula n°310

Quando a int mação tiver lugar na sexta-feira, ou a publicaçáo com efeito de intimação for feita nesse dia, o prazo judicial terá início na segunda-feira imediata, salvo se não houver expediente, caso em que começará no primeiro dia útil que se seguir.

Súmula n° 319

O prazo do recurso ordinário para o Supremo Iribunal Federai, em habeas corpus' ou mandado de segurança, é de cinco dias, (súmula superada)

Súmula n°330

Q SupremoTribunal Federa não é competente para conhecer de mandado de segu­ rança contra atos dos tribunais de justiça dos estados.

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Açóes Constitucionais

SÚMULAS DO STF SOBRE MANDADO DE SEGURANÇA

Súmula n® 392

0 prazo para recorrer de acórdão concessivo de segurança conta-se da publicação ofi ciai de suas conclusões, e não da anterior ciência à autor dade para cumprimento da decisão.

Súmula n®405

Donegado o mandado de segurança pela sentença, ou no julgamento do agravo, dela interposto, fica sem efeito a liminar concedida, retroagindo os efeitos da decisão con­ trária.

Súmula n® 429

A existência de recurso administrativo com efeito suspensivo não impede o uso do mandado de segurança contra omissão da autoridade.

Súmula n® 430

Pedido de reconsideração na via administrativa não interrompe o prazo para o manda do de segurança.

Súmula n® 433

É competente o tribunal regional do trabalho para julgar mandado de segurança con­ tra ato de seu presidente em execução de sentença trabalhista.

Súmula n°474

Não há direito líquido e cerro, amparado pelo mandado de segurança, quando se es­ cuda em lei cujos efeitos foram anulados por outra, declarada constitucional pelo SupremoTribunal federal.

Súmula n° 506

0 agravo a que se refere o art. 4“ da lei 4348, de 26/6/1964. cabe, somente, do despa­ cho do presidente do Supremo Tribunal Federal que defere a suspensão da liminar, em mandado de segurança; não do que a “denega". (súmula cancelada em abril 2003)

Súmula n®510

Praticado o aTO por autoridade, no exercício de competência delegada, contra ela cabe o mandado de segurança ou a medida judiciei.

Súmula n®511

Compete à justiça federal, em ambas as instâncias, processar e julgar as causas entre autarquias federais e entidades públicas locais, inclusive mandados de segurança, res­ salvada a ação fiscal, nos termos da constituição federal de 1967, art. 119. § 3°. (CR/88, art. 109,1)

Súmula n° 512

Não cabe condenação em honorários de advogado na ação de mandado de seguran­ ça.

Súmula n°597

Não cabem embargos infringentes de acórdão que, em mandado de segurança deci­ diu. por maioria de votos, a apelação.

Súmula n®622

Não cabe agravo regimental contra decisão do relator que concede ou indefere liminar em mandado de segurança.

Súmula n°623

Não gera por si só a competência originária do SupremoTribunal Federal para conhecer do mandado de segurança com base no art. 102, ,"n', da constituição, dirigir-se o pedi­ do contra deliberação administrativa do tribunal de origem, da qual haja participado a maioria ou a totalidade de seus membros.

Súmula n® 624

Não compete ao Supremo Tribunal Federal conhecer originariamente de mandado de segurança contra atos de outros tribunais.

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Bernardo Gonçalves Fernandes

SÚMULAS DO STF SOBRE MANDADO DE SEGURANÇA

Súmula n° 625

Controvérsia sobre matéria de direito não impede concessão de mandado de segu­ rança.

Súmula n° 626

A suspensão da liminar em mandado de segurança, salvo determinação em contrário da decisão que a deferir, vigorará até o trânsito em julgado da decisão definitiva de concessão da segurança ou, havendo recurso, até a sua manutenção pelo Supremo Tribunal Federal, desde que o objeto da liminar deferida coincida, total ou parcialmente, com o da impetração.

Súmula n° 627

No mandado de segurança contra a nomeação de magistrado da competência do pre­ sidente da república, este é considerado autoridade coatora, ainda que o fundamento da impetração seja nulidade ocorrida em fase anterior do procedimento.

Súmula n° 628

ntegrante de lista de candidatos a determinada vaga da composição de tribunal é par­ te legítima para impugnar a validade da nomeação de concorrente.

Súmula n°629

A impetração de mandado de segurança coletivo por entidade de classe em favor dos associados independe da autorização destes.

Súmula n°630

A entidade de classe tem legitimação para o mandado de segurança ainda quando a pretensão veiculada interesse apenas a uma parte da respectiva categoria.

Súmula n°631

Extingue-se o processo de mandado de segurança se o impetrante não promove, no prazo assinado, a citação do litisconsorte passivo necessário.

Súmula n° 632

É constitucional lei que fixa o prazo de decadência para a impetração de mandado do segurança.

Súmula n° 701

No mandado de segurança impetrado pelo Ministério Público contra decisão proferida em processo penal, é obrigatória a citação do réu como litisconsorte passivo.

SÚMULAS DO STJ SOBRE MANDADO DE SEGURANÇA

Súmula n° 41

0 Superior Tribunal de Justiça não tem competência para processar e julgar, origina­ riamente, mandado de segurança contra ato de outros tribunais ou dos respectivos órgãos.

Súmula n° 99

0 Ministério Público tem legitimidade para recorrer no processo em que oficiou como fiscal da lei, ainda que não haja recurso da parte.

Súmula n°105

Na ação de mandado de segurança não se admite condenação em honorários advo­ catícios.

Súmula n° 106

Proposta a ação no prazo fixado para o seu exercício, a demora na citação, por motivos inerentes ao mecanismo da justiça, não justifica o acolhimento da arguição de prescri­ ção ou decadência.

Súmula n° 169

São inadmissíveis embargos infringentes no processo de mandado de segurança.

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AçOes Constitucionais

SÚMULAS DO STJ SOBRE MANDADO DE SEGURANÇA

Súmula n°177

0 Superior iribunal de Justiça é incompetente para processar e julgar, originariamen te. mandado de segurança contra ate de órgão colegiado presidido por ministro de estado.

Súmula n° 202

A impetração de segurança por terceiro, contra ato judicial, não se condiciona a interposiçáo de recurso.

Súmula n° 213

0 mandado de segurança constitui ação adequada para a declaração do direito à com­ pensação tributária.

Súmula n°217

Não cabe agravo de decisão que indefere o pedido de suspensão da execução da limi­ nar, ou da sentença em mandado de segurança, (súmula cancelada em outubro 2003).

Súmula n°333

Caoe mandado de segurança contra ato praticado em licitação promovida por socie­ dade de economia mista ou empresa púb ica.

3. MANDADO DE INJUNÇÀO

3.1. Conceito e Antecedentes Históricos Ação Constitucional de natureza civil e procedimento especial,163164 que visa a viabilizar o exercício de direitos, liberdades constitucionais ou prerrogativas inerentes à nossa nacionalidade, soberania ou cidadania, que estão inviabili­ zados por falta de norma regulamentadora de normas constitucionais ou pela insuficiência de norma regulamentadora de norma constitucional. Sobre os antecedentes históricos, a doutrina, não raro, cita, sobretudo, o writ of injunction do direito norte-americano e institutos do ordenamento jurí­ dico português.’6'’

163. Segundo o STJ, o Mandado de Injunçào terá prioridade sobre os demais atos judiciais, exceto sobre o Habeas Cor­ pus. Mandado de Segurança e o Habeas Data. 164. A existência de ligação com o direito norte-americano não passa da similitude do nome, pois á luz de abalizada doutrina: "No direito norte americano, inglês e nos direitos de família do commow law, o writ of injunction é a ordem jurídica da Corte de Justiça, que proibe pessoa - ou grupo de pessoas - de praticar determinada açào, ou que ordena que certa ordem seja realizada, ('a legalorder from a court probating a person orgroup from carrying out a given action, or ordering a given action to be done ou então, a judicial process or order requiring the person or person to whom it is directed to do or, more commonly, not do a particular thing". Em suma, no direito inglês e norte-americano, o writ of injunction equivale, ou tem a natureza, da antiga ação cominatória do direito brasileiro. É determinação do Poder Judiciário ao particular, consistindo em um facere, ou em um non facere. Já no que tange ao direito luso a relação de similitude é buscada com o art. 283 da Constituição da República Portuguesa: art. 283 - Inconstitucionalidade por omissão: 1. A requerimento do Presidente da República, do Provedor de Justiça ou, com fundamento em violação de direitos das regiões autônomas, dos presidentes das assembléias legislativas regionais, o Tribunal Constitucional aprecia e verifica o nâo cumprimento da Constituição por omissão de medidas legislativas necessárias para tornar exequíveis as normas constitucionais. 2. Quando oTribunal Constitucional verificar a existência de inconstitucionalidade por omissão, dará disso conhecimento ao órgão legislativo competente." (CRETELLA JÜNIOR, 1989, p. 101). Nesse sentido, o direito português, no que diz respeito às omissões em tornar efetiva normas constitucionais,

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Bernardo Gonçalves Fernanoes

Sem dúvida, apesar da busca no direito comparado, não há paradigma adequado no mesmo para descrever a especificidade do hodierno mandado de injunção inserido pelo Poder Constituinte Originário em nossa atual Constituição da República de 1988. 3.2. Finalidades

0 mandado de injunção, segundo abalizada doutrina, trabalha com duas grandes finalidades. São elas:

1)

Viabilizar 0 exercício de direitos previstos na Constituição.

2)

Atacar a inércia do legislador ou a chamada síndrome de inefetividade dos Poderes Públicos em não complementar (regulamentar) a Constitui­ ção ou em complementar de forma insuficiente (insatisfatória) a Consti­ tuição.

3.3. Espécies de Mandado de Injunção

Nos termos da Lei n° 13.300/2016 que regulamentou a ação de mandado de injunção podemos ter 0 mando de injunção total e o parcial. 0 mandado de in­ junção total ocorre quando há falta de norma regulamentadora de norma cons­ titucional, já 0 mandado de injunção parcial ocorre quando existe norma, porém ela é insuficiente para viabilizar 0 direito previsto na Constituição.'66

Nos termos da Lei n» 13.300/2016, podemos falar ainda em mandado de injunção individual e mandado de injunção coletivo. 0 individual visa viabilizar direitos para pessoas físicas e jurídicas, já 0 coletivo visa viabilizar direitos das coletividades (direitos de cunho coletivo).165 166 Aqui é interessante afirmar que conforme 0 parágrafo único do art. 12 da Lei n° 13.300/2016 os direitos, as liber­ dades e as prerrogativas protegidos por mandado de injunção coletivo são os

assemelha-se de forma direta e explicita, na verdade, com a nossa atual Ação Direita de Inconstitucionalidade por Omissão e nào com o mandado de injunção. 165. Lei 13.300/2016: Art. 2° Conceder-se-á mandado de injunção sempre que a falta total ou pardal de norma regulamen­ tadora torne inviável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes á nacionalidade, à soberania e á cidadania. Parágrafo único. Considera-se parcial a regulamentação quando forem insuficientes as normas editadas pelo órgão legislador competente. 166. Lei 13.300/20 /6: Art. 12 O mandado de injunção coletivo pode ser promovido: a) pelo Ministério Público, quando a tutela requerida for especialmente relevante para a defesa da ordemjurídica, do regime democrático ou dos interesses sociais ou individuais indisponíveis; ou b) por partido político com representação no Congresso Nacional, para assegu­ rar o exercício de direitos, liberdades e prerrogativas de seus integrantes ou relacionados com a finalidade partidária: c) por organização sindical, entidade de classe ou associação legalrnente constituída e em funcionamento há pelo menos 1 (um) ano, para assegurar o exercício de direitos, liberdades e prerrogativas em favor da totalidade ou de parte de seus membros ou associados, na forma de seus estatutos e desde que pertinentes a suas finalidades, dispensada, para tanto, autorização especial; d) pela Defensoria Pública, quando a tutela requerida for especialmente relevante para a promoção dos direitos humanos e a defesa dos direitos individuais e coletivos dos necessitados, na forma do inciso LXXIVdo art. 5" da Constituição Federal.

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pertencentes, indistintamente, a uma coletividade indeterminada de pessoas ou determinada por grupo, classe ou categoria. 3.4. Requisitos 1)

Falta de norma regulamentadora de norma constitucional.

0 STF vai determinar em seus julgados que somente caberá mandado de in­ junção em relação à norma constitucional de eficácia limitada (sejam as de prin­ cípios institutivos, sejam as de princípios programáticos). Portanto, não caberá mandado de injunção em relação a todas as normas constitucionais, pois as nor­ mas constitucionais de eficácia plena e de eficácia contida não vão dar ensejo ao mandado de injunção. Isso se explica porque na doutrina da aplicabilidade das normas constitucionais de feição italiana, desenvolvida no Brasil, as únicas normas constitucionais que não são bastantes em si, ou seja, não reúnem todos os elementos necessários para a produção de todos os efeitos (dotadas apenas de uma aplicabilidade indireta ou mediata), são as normas constitucionais de eficácia limitada. Estas vão necessitar da sindicabiiidade dos Poderes Públicos (mormente do legislador, mas não só dele) para terem uma eficácia plena. A jurisprudência do Pretório Excelso já afirmou em seus julgados que não cabería mandado de injunção para buscar uma "melhor interpretação" (ou uma "interpretação mais justa") da norma regulamentadora que já regulamentou norma constitucional. Porém devemos observar como ficará esse posicionamen­ to em virtude da recente possibilidade do mandado de injunção parcial, pois nesse caso caberá legalmente o mandado de injunção mesmo com a existência de norma regulamentadora de norma constitucional, isso em virtude de essa ser insuficiente para viabilizar (concretizar) o direito. Aqui alguns poderíam alegar que a ação do mandado de injunção parcial poderia servir para busca por uma melhor interpretação de norma infraconstitucional que regulamentou norma constitucional que está sendo aplicada de forma insuficiente (por um problema inclusive de interpretação).

0 STF entende, também, que não caberá mandado de injunção em rela­ ção à falta de complemento (inexistência de regulamentação) de norma infra­ constitucional. Nesses termos, se faltar regulamentação a uma determinada lei ordinária (por exemplo, a falta de um decreto regulamentar para dar-lhe fiel execução), não caberá mandado de injunção. Nesse sentido, temos recente de­ cisão do Pretório Excelso: "(...) Os agravantes objetivam a regulamentação da atividade de jogos de bingo, mas não indicam o dispositivo constitucional que expressamente enuncie esse suposto direito. Para o cabimento do mandado de injunção, é imprescindível a existência de um direito previsto na Constituição que não esteja sendo exercido por ausência de norma regulamentadora. 0 man­ dado de injunção não é remédio destinado a fazer suprir lacuna ou ausência 789

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de regulamentação de direito previsto em norma infraconstitucional, e muito menos de legislação que se refere a eventuais prerrogativas a serem estabele­ cidas discricionariamente pela União. No presente caso, não existe norma cons­ titucional que confira o direito que, segundo os impetrantes, estaria à espera de regulamentação. Como ressaltou o Procurador-Geral da República, a União não está obrigada a legislar sobre a matéria, porque não existe, na CF, qualquer preceito consubstanciador de determinação constitucional para se que legisle, especificamente, sobre exploração de jogos de bingo".16'

Sobre o cabimento, é necessário, ainda, afirmarmos de forma contundente que:

1) A impetração do mandado de injunção ficará prejudicada pela modificação na Constituição que revogar norma constitucional de eficácia limitada, em virtude da qual existia mandado de injunção;

2) No mesmo sentido, surgimento de regulamentação da norma constitucio­ nal posterior à impetração do writ injuncional deve prejudicá-lo.167 168 Nesses termos, inclusive é a norma do art. n§ único da Lei n° 13.300/2016, que afirma que "estara prejudicada a impetração do mandado de injunção se a norma regulamentadora for editada antes da decisão, caso em que 0 processo serd extinto sem resolução de méri­ to". Embora, nesse ponto, é bom salientar posicionamento do STF, entendendo pela não prejudicialidade de mandado de injunção impetrado sobre norma constitucio­ nal que posteriormente foi regulamentada. 0 caso se deu em relação à impetração de mandado de injunção pela falta de regulamentação do art. 7, XXI da CR/88 (aviso prévio proporcional) que posteriormente foi regulamentado pela Lei n° 12.506/2011. Aqui é interessante observar que essa decisão é anterior ao art. 11, § único da cita­ da Lei n° 13.300 de 23.06.2016 que regulamentou 0 mandado de injunção169170 ; 3) Não cabe mandado de injunção para a disciplina de relações jurídicas de­ correntes de medida provisória não convertida em lei, em virtude de recusa ou omissão do Congresso Nacional, conforme entendimento do STF no Ml n° 415/SP1'0;

167. Ml 766 AgR, Rei. Min. Joaquim Barbosa, julg. em 21.10.2009, Plenário. DJEde 13.11.2009. 168. STF, Ml n° 634, Rei. Min. Sepúlveda Pertence. DJU 26.10.2005. STJ, Ml n” 36, Rei. Min. José de Jesus Filho, DJU 10.05.1990. 169. Entendeu o STF, nos termos do informativo n" 694. que □ superveniÊncia da lei não prejudicaria a continuidade de julgamento dos mandados de injunção sobre o tema. Registrou-se que, a partir da valoração feita pelo legislador infraconstitucional, seria possível adotar-se, para expungir a omissão, nâo a norma regulamentadora posteriormente editada, mas parâmetros idênticos aos da referida lei, a fim de solucionar os casos em apreço. Nesse tocante, o Min. Marco Aurélio salientou a impossibilidade de incidência retroativa dessa norma. Conforme o Ml 943/DF julgado em 06.02.2013: Ementa: Mandado de injunção. 2. Aviso prévio proporcional ao tempo de serviço. Art. 7o, XXI, da Cons­ tituição Federal. 3. Ausência de regulamentação. 4. Ação julgada procedente (...) 7. Advento da Lei 12.506/2011, que regulamentou o direito ao aviso prévio proporcional. 8. Aplicação judicial de parâmetros idênticos aos da referida legislação. 9. Autorização para que os ministros apliquem monocraticamente esse entendimento aos mandados de injunção pendentes dejulgamento, desde que impetrados antes do advento da lei regulamentadora. 10. Mandado de injunção julgado procedente. (Rei. Min. Gilmar Mendes) 170. Nesse sentido: “Importações favorecidas por decreto-lei transformado em medida provisória, que nào veio a ser con­ vertida em lei (art. 25, § 2°, do A.D.C.T.). Pretensão de que sejam regulados os efeitos consumados da medida. Não e

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4) Não cabe mandado de injunção para a implementação de Isonomia de ven­ cimentos entre servidores públicos (obtenção de aumento ou extensão de vanta­ gens pecuniárias aos servidores públicos), de acordo com o posicionamento do STF no Ml n« 347/SC37’; 5) E, por último, a inertia deliberandi (inércia na deliberação sobre projeto de lei que visa a regulamentar norma constitucional de eficácia limitada), que 0 STF não aceitava como fundamento para 0 Ml visto que 0 projeto de lei já estava tramitando, passou a ser considerada para efeitos de cabimento do Mandado de Injunção, de seu processamento e julgamento. Nesse sentido, a partir de um novo posicionamento do Pretório Excelso, não basta, para descaracterizar a inércia, a mera apresentação do projeto de lei, sendo necessária a devida deliberação do mesmo. 2)

Inviabilização do direito, liberdade, ou prerrogativa prevista na Constituição.

Aqui, 0 Pretório Excelso trabalha com a figura do nexo de causalidade.'7’ Ou seja, não basta a inércia do legislador, mas também a caracterização de que a partir desta temos um direito (liberdade ou prerrogativa) de alguém violado (não podendo ser exercitado). 3.5. Legitimidade

1) Legitimidade Ativa: Pessoa física (pessoa natural), pessoa jurídica. Ministé­ rio Público, Partido Político com representação no Congresso Nacional, organização sindical, entidade de classe ou associação legalmente constituída e em funciona­ mento há pelo menos 1 (um) ano e Defensoria Pública. Aqui temos que o STF, na década de 90 do século XX, mesmo sem previsão legal aceitou a impetração de mandado de injunção coletivo,373 com base analó­ gica no Mandado de Segurança Coletivo (evitando, assim, um possível acúmulo de demandas idênticas e facilitando, com isso, 0 acesso à justiça).* 173 172 171

idôneo, paro esse fim, o mandado de injunção, por demandar-se a regulamentação de situação decorrente da apli­ cação de norma ordinária, não de alguma regra que torne viável o exercício de liberdade constitucional, de direito ou liberdade constitucional, ou de prerrogativa inerente a nacionalidade, a soberania e a cidadania (art. 5", LXXI, da CR)" (Ml n° 415/SP Rei. Min. Octávio Galotti DJU 07.05.1993) 171. Ml n° 347/SC Rei. Min. Néri da Silveira DJU08-04-1994. 172. Nesses termos, conforme voto proferido pelo Ministro Celso de Mello: [...] revela-se essencial que se estabeleça, tal como sucede na espécie, a necessária correlação entre a imposição constitucional de legislar, de um lado, e o consequente reconhecimento do direito público subjetivo à legislação. [_) O exame dos elementos constantes deste processo evidencia que existe, na espécie em análise, o necessário nexo de causalidade entre o direito sub jetivo à legislação, invocado pela impetrante, e o dever da União Federal em editar a lei [...). (Ml n" 708/DF, decisão do Pleno de 25.10.2007) 173. STF - Mandado de Injunção n° 361 -1 - Diário de Justiça. Seção 1,17deJun. 1994, p. 15.707.

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Certo é que também foi reconhecida ao Ministério Público a legitimidade para a impetração do mandado de injunçào com base no art. 129, II, da CR/88'74 e na Lei Complementar n° 75/93,174 175 nos casos que envolvessem direitos difusos e coletivos previstos no diploma constitucional e inviabilizados pela falta de norma regulamentadora. Pois bem, com a recente regulamentação do mandado de injunçào pela Lei n° 13.300/2006, todo esse complexo normativo da legitimidade ativa foi regulado e ampliado.

Nesses termos, 0 art. 3° afirma que são legitimados para 0 mandado de injunçào, como impetrantes, as pessoas naturais ou jurídicas que se afirmam titulares dos direitos, das liberdades ou das prerrogativas descritas no art. 2« da referida Lei (aqui já citado). Já 0 art. 12 também da Lei n° 13.300/2016 estabelece de forma expressa que 0 mandado de injunçào coletivo pode ser promovido: a) pelo Ministério Público, quan­ do a tutela requerida for especialmente relevante para a defesa da ordem jurídica, do regime democrático ou dos interesses sociais ou individuais indisponíveis; ou b) por partido político com representação no Congresso Nacional, para assegurar 0 exercício de direitos, liberdades e prerrogativas de seus integrantes ou relacionados com a finalidade partidária; c) por organização sindical, entidade de classe ou asso­ ciação legalmente constituída e em funcionamento há pelo menos 1 (um) ano, para assegurar 0 exercício de direitos, liberdades e prerrogativas em favor da totalidade ou de parte de seus membros ou associados, na forma de seus estatutos e desde que pertinentes a suas finalidades, dispensada, para tanto, autorização especial; d) pela Defensoria Pública, quando a tutela requerida for especialmente relevante para a promoção dos direitos humanos e a defesa dos direitos individuais e cole­ tivos dos necessitados, na forma do inciso LXXIV do art. 5° da Constituição Federal. 2) Legitimidade Passiva: Será sempre do órgão ou entidade pública (pessoa estatal) encarregada da viabilização (normativa176) de direitos previstos na Consti­ tuição da República de 1988.177

Nesses termos, conforme a recente Lei n° 13.300/2016 em seu art. 3» são le­ gitimados para 0 mandado de injunçào, como impetrado, 0 Poder, 0 órgão ou a autoridade com atribuição para editar a norma regulamentadora.

174. Art. 129 - São funções institucionais do Ministério Público: [...] II - zelar pelo efetivo respeito dos poderes públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados nesta Constituição, promovendo as medidas neces­ sárias á sua garantia. 175. Art. 6C - Compete ao Ministério Público da União: “Promover outras ações, nelas incluídas o mandado de injunçào sempre que a falta de norma regulamentadora torne inviável o exercício de direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania, quando difusos os interesses a serem protegidos”. 176. É bom que se diga que as normas regulamentadoras nâo são apenas as emanadas do Poder Legislativo, mas também espécies normativas secundárias, como: os decretos, resoluções, regulamentos, portarias entre outras. 177. STF - Mandado de Injunçào n" 502-8- Rel. Min. Mauricio Corrêa, Diário de Justiça, Seção I, p. 12.211.

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Órgãos ou Entidades privados que estiverem sendo beneficiados pela falta de regulamentação podem ser legitimados passivos? Não (embora boa parte da doutrina178 não coadune com o entendimento pretorianol), pois eles não legis­ lam’79 (deles não emanam provimento normativo) e, segundo a jurisprudência dominante, não poderão atuar, nem mesmo, como litisconsorte passivo (seja necessário ou facultativo). E o Presidente da República pode ser legitimado passivo? Sim, pois a inércia pode ser dele, na medida em que existem matérias que só a ele cabe deflagrar o processo legislativo, devido à sua iniciativa reservada (privativa), à luz do art. 61, parágrafo primeiro da Constituição. Em não fazendo, restará configurada sua omissão, devendo, conforme orientação jurisprudencial, logicamente, ser impe­ trado o mandado de injunção contra o chefe do Poder Executivo, e não contra o Congresso Nacional.180

Enfatizamos ainda, conforme anteriormente exarado, dúvida assaz corri­ queira que o STF já enfrentou que diz respeito à deflagração do processo le­ gislativo e sua tramitação. Nesse sentido, segundo a jurisprudência dominante, mesmo que exista projeto de lei sobre a matéria objeto de mandado de injun­ ção, essa tramitação não faz com que o Poder Público não se encontre em mora, podendo, mesmo nesses casos, haver o reconhecimento da mora pelo Pretório Excelso (inertia deliberandi).

3.6. Competência

A competência do mandado de injunção é definida constitucionalmente (é interessante que a recente Lei n° 13.300/2016 que regulamentou 0 instituto não apresentou a positivação de competências).

178. Aqui 3 correntes diferenciam-se, nos dizeres de Luís Roberto Barroso: 1) Sustenta que a legitimidade passiva é da autoridade ou órgão público responsável pela omissão legislativa e, em litisconsórcio, da parte, pública ou pri­ vada, que irá sofrer os efeitos da decisão (entendimento minoritário quejá foi seguido pelo STF nos Ml n°s 305/DF e 562-9/RS; 2) sustenta que a legitimidade passiva é da parte, pública ou privada, que vai sofrer os efeitos da decisão; 3) defende que a legitimidade passiva será somente da autoridade ou órgão responsável pela omissão legislativa (entendimento majoritário no STF e agora presente na Lei n°l3.300/2016). 179. STF Mandado de Injunção n° 288-õ/DF Rei. Min. Celso de Mello, Diário de Justiça Seção I, 3 maio de 1995, p. 11.629. Nesse sentido, citamos parte de ementa de acórdão do STF:" Firmou-se. no Supremo Tribunal Federal, o en­ tendimento segundo o qual o mondado de injunção há de se dirigir-se contra o Poder, órgão, entidade ou autoridade que tem o dever de regulamentara norma constitucional, não se legitimando ad causam, passivamente, em principio, quem não estiver obrigado a editar a regulamentação respectiva. Não é viável dar curso a mandado de injunção, por ilegitimidade passiva ad causam, da ex-empregadora do requerente, única que se indica como demandada, na inicial. Mandado de injunção não conhecido:' (STF - Ml n° 352/RS, Rei. Min. Néri da Silveira, DJU, de 12.12.1997). Em julgado de 2007, no mesmo sentido temos o Ml n° 695 de Rei. do Ministro Sepúlveda Pertence, no qual foi indeferida notificação ao Banco do Brasil para figurar no polo passivo, tendo o pedido que ser retificado para o devido enquadramento no polo passivo do Congresso Nacional. 180. Nesse sentido: Gregório Assagra de Almeida (2007), Luís Roberto Barroso (2006), bem como Alexandre de Moraes (2007).

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Portanto, ela encontra-se nos artigos: 102, I, q (competência do STF) da CR/88 e no 105, I, h, (competência do STJ) da CR/88. 0 artigo 121, parágrafo 4», V, de nossa atual Constituição traz ainda uma competência recursal do TSE para receber, em grau de recurso, mandados de injunção advindos dos Tribunais Re­ gionais Eleitorais. Temos ainda que os Tribunais Regionais Federais e os Juizes Federais terão competência quando a produção normativa for de atribuição das demais auto­ ridades, órgãos ou entidades federais conforme 0 art. 109, I, da CR/88. Nesses termos, como exemplo, temos que segundo 0 STJ compete à Justiça Federal nos termos do art. 109, I, a competência para julgar mandado de injunção em vir­ tude de omissão em relação à norma que deveria ser emanada pelo Conselho Nacional de Trânsito (Contran), órgão autônomo vinculado ao Ministério das cidades e presidido pelo chefe do Departamento Nacional de Trânsito.’81 Pergunta recorrente na doutrina envolve a possibilidade ou não da existên­ cia de mandado de injunção estadual. A resposta é claramente afirmativa. Por­ tanto, é possível 0 mandado de injunção estadual desde que haja previsão na respectiva Constituição Estadual, devendo a competência para processamento e julgamento ser definida pela própria Constituição do Estado-membro. 181 182

3.7. Procedimento A Lei no 8.038/90, no seu art. 24, parágrafo único, determinava que enquanto não sobreviesse lei para estabelecer procedimento do mandado de injunção, o procedimento seria 0 estabelecido para o mandado de segurança.183

Pois bem, com a regulamentação do mandado de injunção pela Lei n° 13.300/2016 temos que essa questão foi resolvida. Nesses termos, conforme 0 novo instrumento normativo, a petição inicial deverá preencher os requisitos estabelecidos pela lei processual e indicará, além do órgão impetrado, a pessoa jurídica que ele integra ou aquela a que está vinculado. É interessante que quando não for transmitida por meio eletrô­ nico, a petição inicial e os documentos que a instruem serão acompanhados de tantas vias quantos forem os impetrados.

181. Nos termos do Ml n° 193/DF. Corte Especial do STJ, Rei. Min. Menezes Direito, julg. em 22.05.2006. 182. Como exemplos, temos as Constituições de São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Bahia. Espirito Santo. Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Ceará, Rio Grande do Norte, entre outras. Mas aqui uma advertência! Deve-se tomar cuidado com a competência para processamento e julgamento, conforme ora citado. Conforme a Consti tuição de São Paulo no seu art. 74 os mandados de injunção contra autoridades estaduais e municipais serão de competência originária do TJ/SP. Já no Estado do Rio de Janeiro, de acordo com o art. 158 da atual Constituição, a competência originária doTJ/RJ será apenas para os mandados de injunção contra autoridades estaduais, sendo do Juiz de primeira instância quando a omissão for de autoridade municipal. 183. Embora esse referido diploma normativo regulamente o procedimento no STF e STJ, esse entendimento vinha sendo observado por outros tribunais pátrios.

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Além disso, quando o documento necessário à prova do alegado encontrarse em repartição ou estabelecimento público, em poder de autoridade ou de terceiro, havendo recusa em fornecê-lo por certidão, no original, ou em cópia autêntica, será ordenada, a pedido do impetrante, a exibição do documento no prazo de 10 (dez) dias, devendo, nesse caso, ser juntada cópia à segunda via da petição. Se a recusa em fornecer o documento for do impetrado, a ordem será feita no próprio instrumento da notificação.

Pois bem, nos termos legais, recebida a petição inicial, será ordenada: a) a notificação do impetrado sobre o conteúdo da petição inicial, devendo-lhe ser enviada a segunda via apresentada com as cópias dos documentos, a fim de que, no prazo de 10 (dez) dias, preste informações; b) a ciência do ajuizamen­ to da ação ao órgão de representação judicial da pessoa jurídica interessada, devendo-lhe ser enviada cópia da petição inicial, para que, querendo, ingresse no feito. Certo é que a petição inicial será desde logo indeferida quando a impetra­ ção for manifestamente incabível ou manifestamente improcedente.184 Da deci­ são de relator que indeferir a petição inicial, caberá agravo, em 5 (cinco) dias, para o órgão colegiado competente para 0 julgamento da impetração.185 Na sequência findo 0 prazo para apresentação das informações, será ouvido 0 Mi­ nistério Público, que opinará em 10 (dez) dias, após o que, com ou sem parecer, os autos serão conclusos para decisão. Sobre 0 procedimento ainda algumas questões ainda são interessantes:

A recente Lei n« 13.300/2016 não traz a previsão de medida liminar em man­ dado de injunçào. 0 STF, quando adotava a tese não concretista como a majoritá­ ria em sua jurisprudência decidiu em alguns julgados que não caberia concessão de medida liminar no mandado de injunçào.186 Aqui é interessante que mesmo com a aplicação da Lei do mandado de segurança (que prevê a concessão de liminar) entendia 0 STF que essa não deveria ser utilizada nos mandados de injunção processados e julgados no STF, visto que 0 provimento provisório (da liminar) iria além (ultrapassaria) dos limites da decisão final prolatada no man­ dado de injunção.

Pois bem, entendemos que com a adoção da tese concretista na jurispru­ dência do STF a partir de 2007 e agora também com a previsão legal dessa tese (concretista) na Lei n« 13.300/2016, seria sim viável a concessão de liminar em

184. Se o indeferimento da petição inicial for feito por Juiz (de 1a instância): será realizado por meio de sentença, que desafia apelação, admitmdo-se até que o magistrado faça juízo de retratação, se assim entender (art. 331 do CPC/2015). 185. Aqui temos o agravo interno estabelecido no art. 6o, § único, da Lei n° 13.300/2016, não se aplicando, portanto, o art. 1.021 do CPC/2015. Certo é que o agravo interno previsto no CPC de 2015 tem prazo de 15 dias, mas a Lei especial do Mandado de Injunção determina o prazo de 5 dias. 186. Nesses termos: Ml n°s 342/ SP (Rel. Min. Celso de Mello); 530-3/SP (Rel. Min. Oscar Correia); 535-4/SP (Rel. Min. limar Galvão); 536-2/MG (Rel. Min. limar Galvão).

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sede de mandado de injunção. E isso mesmo sem a previsão expressa na Lei n° 13.300/2016. Aqui temos os fundamentos: a) no reconhecimento jurisprudencial e legal (normativo) da tese concretista; b) e também na medida em que a própria Lei n° 13.300/2016 determina a aplicação subsidiaria das normas do mandado de segurança, disciplinado pela Lei n° 12.016/2009, bem como da aplicação novo CPC de 2015.187

Por último, é importante afirmar que 0 STF em julgado não conheceu de mandado de injunção usado como substituto (sucedâneo) do mandado de segu­ rança. 0 caso envolveu pedido pleiteado pelo Sindicato dos Servidores do Poder Judiciário do Estado da Paraíba para a implementação do direito de greve dos servidores públicos, constante no art. 37, VII, da CR/88 e inviabilizado por omis­ são legislativa. Porém, além da viabilização do direito de greve, 0 autor do writ injuncional também pediu a fixação de multa diária a ser paga pelo Congresso Nacional caso 0 mesmo não legislasse sobre a matéria.188

3.8. Decisão, recursos viáveis e o relevante debate dos efeitos da decisão concessiva da injunção

A decisão de um mandado de injunção, podendo ser concessiva ou não concessiva, via de regra, enseja recurso. É claro que as decisões do STF prola­ tadas em grau originário, à luz do art. 102, I, "q", da CR/88, serão insuscetíveis de nova análise por outro órgão do Poder Judiciário. Nessa situação, não haverá dispositivo constitucional que produza revisão da decisão do writ.

Porém, não sendo este 0 caso, as hipóteses recursais serão as seguintes: 1)

Recurso Extraordinário para 0 STF, à luz do art. 102, III, da CR/88 (nesse caso, devem ser preenchidos os requisitos de tal recurso, além do caso ter de se encaixar em um dos permissivos previstos na Constituição);

2)

Recurso Especial para 0 STJ, à luz do art. 105, III, da CR/88 (também nesse caso, devem ser preenchidos os requisitos de tal recurso, além do caso ter de se encaixar em um dos permissivos previstos na Constituição);

187. Conforme a Lei n° 13300/2016: Art. 14. Aplicam-se subsidiariamente ao mandado de Injunção as normas do manda do de segurança, disciplinado pela Lei no 12.016, de 7 de agosto de 2009, e do Código de Processo Civil, instituído pela Lei no 5.869, de 11 dejaneiro de 1973, e pela Lei no 13.105, de 16 de março de 2015, observado o disposto em seus arts. 1.045 e 1.046. 188. Nesses termos, a decisão do STF: 1.0 acesso de entidades de classe à via do mandado de injunção coletivo é proces­ sualmente admissível, desde que legalmente constituídas e ern funcionamento M pelo menos um ano. 2. Este Tribunal entende que a utilização do mandado de injunção como sucedâneo do mandado de segurança é inviável. Preceden­ tes. 3.0 mandado de injunção é ação constitutiva; não é ação condenatória, não se presta a condenar o Congresso ao cumprimento de obrigação de fazer. Não cabe a cominação de pena pecuniária pela continuidade da omissão legislativa. 4. Mandado de injunção não conhecido. (Ml n° 689/PB, Pleno do STF, 07.06.2007)

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3)

Recurso Ordinário Constitucional para 0 STF, à luz do art. 102, II, "a", da CR/88 (nesse caso, conforme explícito na CR/88, os requisitos serão: decisão denegatória da injunção oriunda de competência originária dos Tribunais Superiores189);

4)

Competência Recursal do TSE, à luz do art. 121, parágrafo 40, V, da CR/88 (Recurso Ordinário para 0 TSE);

5)

Se 0 mandado de injunção for de competência do primeiro grau do Po­ der judiciário, 0 recurso cabível será 0 de apelação, à luz da exegese subsidiária da Lei n° 12.016/09 (visto que a Lei 13.300/2016 não estabele­ ceu expressamente a questão);

6)

Embargos de declaração, à luz do CPC, bem como os agravos (de instru­ mento, de acordo com 0 caso), também à luz da Lei n° 13.300/2016, bem como do Código de Processo Civil.

Aqui, é mister que tenhamos atenção, pois não podemos confundir, no que diz respeito às competências recursais do STJ, 0 mandado de injunção com 0 habeas corpus e 0 mandado de segurança.’90 Senão, vejamos, nas hipóteses de decisões dos Tribunais Estaduais ou Tribunais Regionais Federais, denegatórias ou concessivas do mandado de injunção, 0 recurso correto para 0 STJ é o es­ pecial (art. 105, III, da CR/88) e não 0 recurso ordinário constitucional do art. 105, II, da CR/88.’9’ Essa observação é importante, justamente porque segundo 0 STJ 0 manejo equivocado do referido recurso caracteriza erro grosseiro que acaba por impedir a aplicação do princípio da fungibilidade, não se admitindo, definitivamente a interposição de recurso ordinário constitucional como recurso especial.’92 Questão das mais interessantes envolve os efeitos da decisão concessiva do mandado de injunção, visto que a decisão não concessiva apenas nega provi­ mento ao autor.

Portanto, a partir deste momento, voltaremos nossas análises e atenções para esse (instigante) debate. A proposta193 é fazermos uma análise doutrinária, jurisprudencial e legal sobre 0 tema (visto que a recente Lei n° 13.300/2016 trata expressamente dos efeitos da decisão do mandado de injunção)

189. Porém, se a decisão for concessiva da injunção, o recurso cabível será o Recurso Extraordinário para o STF à luz do art. 102,111, da CR/88. 190. Nestes, conforme o art. 105, II, da decisão denegatória de competência originária dos Tribunais de Justiça ou dos Tribunais Regionais Federais caberá Recurso Ordinário constitucional para o STJ. 191. STJ: Petição n° 192-0/SP, Rei. Min. Hélio Mosinamm; RSTJ n° 65/149. Nesse sentido, também ALMEIDA, 2007, p. 657. 192. STJ: Petição n"612/MG, Rei. Min. Edson Vidigal, DJU 17.05.1999, p. 217. Nesse sentido também: ALMEIDA, 2007, p. 657. 193. Nos moldes do professor Gregório Assagra de Almeida, que em recente obra (2007) desenvolve suas digressões nesse diapasão. Também merece referência o bom trabalho desenvolvido pelo professor Rodrigo Mazzei (2007).

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No viés doutrinário, temos três correntes sobre os efeitos da decisão que são definidas por Rodrigo Mazzei nos seguintes termos:

1) Teoria da subsidiariedade: nesta, o Poder judiciário se limita a tão somente declarar a mora legislativa, nos moldes da ação direita de inconstitucionalidade por omissão.”4

2) Teoria da independência jurisdicional: nesta, a sentença do mandado de injunção possui caráter constitutivo erga omnes, cabendo, portanto, ao Poder judi­ ciário editar a norma geral se estendendo de forma abstrata a todos, inclusive a aqueles que não pleitearam a tutela. 3) Teoria da resolutividade:194 195 nesta, a sentença do mandado de injunção pro duz a norma para 0 caso concreto com natureza constitutiva inter partes, viabilizan­ do o direito de forma imediata à luz da própria exegese do art. 5°, LXXI, da CR/88, que preleciona a concessão da injunção justamente para viabilizar direitos inviabi­ lizados por falta de norma regulamentadora de norma constitucional, ocorrendo, portanto, uma "atividade integradora do Poder Judiciário".

No que diz respeito ao entendimento jurisprudencial, é mister a análise das posições que se formaram no Pretório Excelso em torno do tema. Também no STF se formaram grandes correntes. Estas foram explicitadas pelo Ministro Néri da Silveira em sessão extraordinária do STF realizada em 16.03.1995, com publi­ cação no D/U em 4 de abril do mesmo ano.196 0 resumo (síntese) das correntes adotadas pelo STF foi, posteriormente, descrito, de forma clara, por Alexandre

194. Entendimento esposado por Manoel Gonçalves Ferreira Filho em seu curso de Direito Constitucional. 195. Esta é corrente a que se filiam a maioria dos juristas pátrios. Entre eles: José Carlos Barbosa Moreira, Calmos de Passos, Luís Roberto Barroso, José Afonso da Silva, entre outros. Aqui ocorrem divergências sobre o modo e o limite de concretização dos direitos pelos órgãos julgadores. Ressaltamos aqui as posições doutrinárias de José Carlos Barbosa Moreira e Luís Roberto Barroso, nas quais os órgãos competentes para julgar o mandado de injunção de­ vem nâo só editar a norma faltante, mas também resolver efetivamente a lide prolatando decisão condenatória, constitutiva, declaratória ou mesmo mandamental (com o expedição de ordem para que se faça ou deixe de fazer alguma coisa), segundo o pedido engendrado pelo autor da ação e a necessidade de adequação à situação con­ creta. 196. Conforme o já clássico pronunciamento do Ministro Néri da Silveira: "Há, como sabemos, na Corte, no jul­ gamento dos mandados de injunção, três correntes: a majoritária, que se formou a partir do Mandado de Injunção 107, que entende deva o Supremo Tribunal Federal, em reconhecendo a existência mora do Con­ gresso Nacional, comunicar a existência dessa omissão, para que o Poder Legislativo elabore a lei, Outra corrente, minoritária, reconhecendo também a mora do Congresso Nacional, 'decide) desde logo, o pedido do requerente do mandado de injunção e provê sobre o exercício do direito constitucionalmente previsto. Por último, registro minha posição, que é isolada: partilho do entendimento de que o Congresso Nacional é que deve elaborar a lei, mas também tenho presente que a Constituição, por via do mandado de injun­ ção, quer assegurar aos cidadãos o exercício de direitos e liberdades, contemplados na Carta Política, mas dependentes de regulamentação. Adoto a posição que considero'intermediária', Entendendo que se deva, também, em primeiro lugar, comunicar ao Congresso Nacional a omissão inconstitucional, para que ele, exercitando sua competência, faça a lei indispensável ao exercício constitucionalmente assegurado aos ci­ dadãos. Compreendendo, entretanto, que, se o Congresso Nacional não fizer a lei, em certo prazo que se estabelecería na decisão, o Supremo Tribunal Federal pode tomar conhecimento de reclamação da parte, quanto ao prosseguimento da omissão, e, a seguir, dispor a respeito do direito In: concreto' [...]" (STF ata da 7a sessão extraordinária realizada em 16.03.1995, p. 8.265).

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de Morais com a seguinte denominação: 1) tese concretista (que se subdivide em geral e individual sendo esta, ainda, subdividida em direta e intermediária) e a 2) tese não concretista.197198 199

1) Tese Concretista:1’8 esta iria viabilizar (implementar) 0 exercício do direito até que sobrevenha norma regulamentadora.

a) Tese concretista gerai: iria viabilizar (implementar) 0 exercício do direito previsto na Constituição com efeitos erga omnes, ou seja, ao Poder judiciário incumbiría a tarefa de elaborar a norma regulamentadora para suprir a omissão do legislador, só que com efeitos não apenas para 0 caso concreto, mas válido para todos. 0 STF, em linha de princípio, não adotou essa tese, afirmando que tal entendimento fere 0 princípio da separação dos poderes, pois estende os efeitos para todos colocando 0 Pretório Excelso como um verdadeiro legislador positivo. b) Tese concretista individual: iria viabilizar (implementar) 0 direito previsto na Constituição com efeitos inter partes. Essa corrente se subdivide em: concretista direta e concretista intermediária. •

Concretista direta: é a corrente que sustenta que 0 Poder Judi­ ciário deve viabilizar (implementar) 0 direito de forma imedia­ ta (de plano);



Concretista intermediária: é a corrente que entende que 0 Po­ der Judiciário não deveria viabilizar 0 direito de forma imedia­ ta. Reconhecida a mora e dada ciência ao poder competente para supri-la, assim, caso 0 mesmo, num prazo determinado (estabelecido), não a suprisse, o órgão julgador da injunção deveria tomar as providências necessárias para concretizar 0 direito implementando-o.

2) Tese Não Concretista: tradicionalmente, adotada pela maioria dos Mi­ nistros do STF à luz do Mandado de Injunção n° 107/DF, que teve por relator 0 Ministro Moreira Alves.'99 Essa tese reconhece a mora, mas não implementa (não

197. O interessante aqui é que na verdade e a rigor não são 3 posições conforme apregoado acima pelo Ministro Néri da Silveira (e, até hoje, por boa parte da doutrina), mas sim 4 correntes com efeitos diversos, conforme depreen­ de-se da síntese acima referida. 198. A natureza da decisão é em regra constitutiva, podendo ser também condenatória ou até mesmo de caráter executivo ou mandamental, conforme as necessidades do caso e a adoção da tese concretista geral, individual intermediária ou direta. 199. Nesses termos, o posicionamento do STF: Em face dos textos da Constituição Federal relativos ao mandado de in­ junção, é ele ação outorgada ao titular de direito, garantia ou prerrogativa a que alude o art. 5° LXXI, dos quais o exercício está inviabilizado pela falta de norma regulamentadora, e ação que visa a obter do Poder Judiciário a decla­ ração de inconstitucionalidade dessa omissão se estiver caracterizada a mora em regulamentar por parte do Poder, órgão, entidade ou autoridade de que ela dependa, com a finalidade de que se lhe dê ciência dessa declaração, para que adote as providências necessárias, à semelhança do que ocorre com a ação direta de inconstitucionalidade por omissão (art. 103, parágrafo 2a, da Carta Magna), e de que se determine, se se tratar de direito constitucional oponível

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viabiliza) o exercício cio direito para o autor da ação, apenas recomendando ao legislador que supra a mora. Portanto, para essa corrente concede-se a injunção ao autor afirmando-se que, realmente, existe um direito sem regulamentação (complementação) e que os Poderes Públicos se encontram em mora, mas, após esse reconhecimento da mora do legislador, há somente a recomendação para que o mesmo a supra. Nesse caso, a natureza da decisão é meramente dedaratória.

Sobre os efeitos da decisão do mandado de injunção, é mister afirmar que a tese não concretista, que se consolidou no início da década 90 do século XX, vem sendo paulatinamente relativizada pelo próprio STF. Isso se deve a uma série de fatores, entre os quais seguramente podemos citar:

1) A forte crítica doutrinária sobre 0 entendimento esposado no Ml n° 107/ DF. Com certeza, com raríssimas exceções, a esmagadora doutrina constitucional e processual sempre criticou veementemente 0 posicionamento do Pretório Ex­ celso. Entre as críticas estão as que não concordam com a interpretação restriti­ va e amesquinhada do writ em detrimento da máxima efetividade da Constitui­ ção, que normativamente explicita a concessão da injunção para a viabilização de direitos, leia-se: para a implementação do exercício de direitos enquanto 0 legislador reste em omissão, e não para uma mera ciência ao poder competente para uma futura supressão da mora. Ou seja, a crítica contra a posição assumida pelo STF envolvería seu próprio papel (sua postura), na medida em que 0 mes­ mo afirma que não caberia ao Poder judiciário regulamentar no caso concreto a Constituição sob a justificativa de que estaria contrariando 0 princípio da separação dos Poderes.200 Nesses termos, 0 mandado de injunção seria ainda igualado, inadvertidamente e sem base constitucional, à ação direta de inconsti­ tucionalidade por omissão, também, sendo isso motivo de várias manifestações em contrário pela doutrina. 2) Ao passar dos anos, com a infeliz e contumaz inércia dos Poderes Públicos em complementar a Constituição para a viabilização de direitos nela previstos (A essa altura, estamos completando mais de 27 anos da Constituição cidadã e a

contra o Estado, a suspensão dos processos judiciais ou administrativos de que possa advir para o impetrante dano que não ocorrería se não houvesse a omissão inconstitucional (STF, Ml n" 107-3/DF, Rei. Min. Moreira Alves, DJU 21.09.1990, p. 9782). 200. Nesse sentido, sobre o Ml n" 107, explana Marcelo Cattoni a posição do STF como sendo a da velha escola formalista, liberal-conservadora, que preleciona escorada em bases privatistas a não ingerência do Poder Judiciário: “Esse julgado, que passa a ser considerado o precedente na matéria, consagra não somente uma interpretação inadequada da separação de poderes, como, em razão de uma compreensão da norma jurí­ dica reduzida à regra, nào reconhece ao ordenamento o seu caráter principiológico, carente não somente de concreção legislativa, mas também jurisdicional, pois cada uma dessas distintas tarefas cumpre papel próprio e especifico no processo de possibilitar que a liberdade e a igualdade que reciprocamente nos re­ conhecemos tenham a garantida a chance de se enraizarem em nossa vida concreta cotidiana de tal sorte a efetivamente regerem as expectativas de comportamento internalizadas e por nós compartilhadas." In: CATTONI DE OLIVEIRA, p. 115, 2007.

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Açôrs Constitucionais

in efetividade legislativa, com raras exceções, continua patente) a pergunta seria: até quando? 0 STF, após 27 anos de promulgação do documento constitucional, talvez não queira mais assumir 0 risco de comunhão com 0 Legislativo (parceria), no que tange à desestima constitucional. Sem dúvida, a constante busca e afirma­ ção da força normativa da Constituição (desenvolvida por Konrad Hesse) implícita ou mesmo explícita pode fazer com que 0 Pretório Excelso continue a relativizar, ou seja, a não trabalhar de forma absoluta com a tese (não concretista) construí­ da nos primórdios de nossa atual Constituição. Portanto, 0 desgaste da relação: Constituição/legislador e omissão/tempo/STF, poderá pesar nas decisões pretorianas.’'” Como exemplo de nossas digressões temos 0 recente voto proferido pelo Ministro Celso de Mello (Ministro, até então, adepto recorrente da tese não concretista) no Ml n° 708/DF: "Decorridos quase 19 (dezenove) anos da promulgação da vigente carta política, ainda não se registrou - no que concerne à norma inscrita no art. 37, VII, da constituição - a necessária intervenção concretizadora do Congresso Nacional, que se absteve de editar, até 0 presente momento, 0 ato legislativo essencial ao desenvolvimento da plena eficácia jurídica do preceito constitucional em questão, não obstante esta Suprema Corte, em 19/05/1994 ao julgar 0 Ml 20/DF, de que fui relator, houvesse reconhecido o estado de mora (inconstitucional) do Poder Legislativo da União, que ainda subsiste, porque não editada, até agora, a lei disciplinadora do exercício do direito de greve no serviço público. Registra-se, portanto, quase decorrido o período de uma geração, clara situação positivadora de omissão abusiva no adimplemento da prestação legislativa imposta, pela Constituição da República, à União Federal. (...) O mandado de injunção, desse modo, deve traduzir significativa reação jurisdicional, fundada e autorizada pelo texto da carta política que, nesse writ processual, forjou 0 instrumento destinado a impedir o desprestígio da própria Constituição, consideradas as graves consequências que decorrer do desrespeito ao texto da Lei Fundamental, seja por ação do Estado, seja, como no caso, por omissão - e prolongada inércia do Poder Público. [...] A jurisprudência se formou no Supremo Tri­ bunal Federal a partir do julgamento do Ml 107/DF, Rel. Min. Moreira Alves (RTJ 133/11) (...) esse entendimento restritivo não mais pode prevalecer, sob pena de esterilizar a importantíssima função político-jurídica para a qual foi concebido, pelo constituinte o mandado de injunção, que deve ser visto e qualificado como instrumento de concretização das cláusulas constitucionais frustradas, em sua eficácia, pela inaceitável omissão do Con­ gresso Nacional, impedindo-se, desse modo, que se degrade a Constituição à inadmissível condição subalterna de um estatuto subordinado à vontade ordinária comum [...]”’*

201. Vide as manifestações de alguns Ministros (como, por exemplo, Eros Roberto Grau, Gilmar Ferreira Mendes e Celso de Melo} em votos prolatados nos Mandados de Injunção n"s 712/PA. 670/ES e 708/DF. decididos em outubro de 2007 pelo STF. Esses julgados envolveram o tema do direito de greve do servidor público previsto no art. 37, VII, da CR/88. 202. Ml n» 708/DF, Decisão do Pleno do STF 25.10.2007.

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3) E, por último, não podemos olvidar a modificação de composição do STF nos últimos anos, sobretudo, de 2003, até os dias atuais. Sem dúvida, com uma composição renovada, a chance de ruptura com a conservadora posição de outrora apresentou-se. Isso demonstra, mais uma vez, que 0 direito e a sua interpretação à luz da Constituição e a própria Constituição são e sempre estão em processo (em permanente fazer), visto que não são e nem podem ser consideradas como algo dado (absolutizado).

Nesses termos, as exceções à tese não concretista (visando a dar uma fun­ ção mais concreta e efetiva ao writ), que começaram já no século passado. Senão vejamos:

i°) Exceção Fraca (chamamos didaticamente de exceção fraca porque não pode ser propriamente uma exceção, pois o STF ainda adota a tese não concretista, po­ rém com novos contornos que irão se aproximar da tese concretista). Esses casos envolvem mandados de injunção impetrados com base no art. 8», parágrafo 3°, do ADCT. Conforme salientado, o STF não decidiu de acordo com a corrente concretista. Adota 0 Pretório Excelso a corrente não concretista, porém afirma que as requeren­ tes (autoras das ações) descritas no referido artigo não vão receber a indenização lá prevista, mas terão 0 direito a uma Ação Cível de Reparação de Danos de na­ tureza econômica, se provado 0 prejuízo em decorrência da omissão dos Poderes Públicos (falta de lei regulamentadora).

Aqui, é interessante comentar a evolução do entendimento do STF, pois, primeiramente, no julgamento de injunção sobre a questão do art. 8», § 3», do ADCT, decidiu 0 mesmo que a omissão legislativa consubstanciada daria ensejo à ação de indenização por perdas e danos.203 Posteriormente, 0 STF não apenas reconheceu 0 direito de reparação, mas fixou de plano em sua decisão a obriga­ ção de indenizar, facultando aos impetrantes 0 ingresso em juízo já diretamente

203. Conforme o Pretório Excelso: Mandado de injunção: mora legislativa na edição da lei necessária ao gozo do direito à reparação econômica contra a União, outorgado pelo art. 8°parágrafo 3°, ADCT: deferimento parcial, com estabelecimento de prazo para a purgação da mora e, caso subsista a lacuna, facultando o titular do direito obstado a obter, em juízo, contra a União, sentença líquida de indenização perdas e danos (RDA n° 185/204, Ml n° 283-5-DF, Rei. Min. Sepúlveda Pertence). Nessa decisão, observa-se que o STF fixou prazo para o suprimento da omissão e ao mesmo tempo facultou ao titular do direito obstado, caso persista a omissão, o direito de obter indenização por perdas e danos contra a União. Logo em seguida, o STF confirmou esse entendimento e ainda considerou, em relação à aplicabilidode do mesmo dispositivo constitucional, desnecessária nova comunicação ao congresso nacional sobre a omissão, firmando entendimento de que os impetrantes do mandado de injunção já poderíam ingressar em juizo com a tutela ressarcitória dos dados sofridos. Reconhecido o estado de mora in­ fraconstitucional do Congresso Nacional - único destinatário do comando para satisfazer, no caso, a prestação legislativa reclamada - e considerando que, embora previamente cientificado no Mandado de Injunção n° 283. absteve-se de adimplir a obrigação que lhe foi constitucionalmente imposta, torna-se prescindível nova comu­ nicação à instituição parlamentar, assegurando-se aos impetrantes, desde logo, a possibilidade de ajuizarem, imediatamente, nos termos do direito comum ou ordinário, a ação de reparação de natureza econômica insti­ tuída em seu favor pelo preceito transitório (STF, Ml n° 284-3, relator para o acórdão Min. Celso de Mello, DJU de 26.06.1992).

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com a ação com pedido de liquidação de sentença para a fixação do quantum debeatur (valor devido).204 2o) Exceção Forte (nesse caso, o STF adotou a tese concretista sem nenhum tipo de cisão procedimental sendo, portanto, uma decisão completa): esse caso envolve mandado de injunção impetrado com fundamento no art. 195, § 70, da CR/88. 0 STF decidiu pela tese concretista, na medida em que estabeleceu o prazo de seis meses para 0 legislador suprir a mora e, se não suprisse, o impetrante (entidade benefi­ cente de assistência social) passaria a gozar da imunidade (isenção de contribuição para a seguridade social) pretendida, à luz do dispositivo constitucional ora citado. Nesse sentido, a exegese do Ml n° 232-1/RJ: "Mandado de injunção conhecido, em parte e, nessa parte, deferido para declarar-se 0 estado de mora em que se encontra 0 Congresso Nacional, a fim de que, no prazo de seis meses, adote ele as providências legislativas que se impõe para 0 cumprimento da obrigação de legislar decorrente do artigo 195, parágrafo 7» da Constituição, sob pena de vencido esse prazo sem que essa obrigação se cumpra, passar 0 requerente a gozar da imu­ nidade requerida." (STF - Ml n» 232 í/RJ, Rei. Min. Moreira Alves, DJU, de 27.3.1992).

3o) Por último, é mister que façamos referência às decisões prolatadas pelo Pretório Excelso em 2007205 nos Mandados de Injunção n» 670/ES e n
Curso de Direito Constitucional - Bernardo Fernandes - 2020

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