Rendida ao Guerreiro - Os Imãos MacEgan #6 - Michelle Willingham

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Michelle Willingham

Rendida ao Guerreiro

Os MacEgan 06

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Os Irmãos MacEgan 06

Realização: GRH Revisão Inicial: M. Emilia

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Revisão Final: Ana Catarina

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Formatação: Bea

Resumo Um guerreiro irlandês com uma sede de vingança...

Trahern MacEgan, seu corpo está forjado para a luta, sua alma é negra e torturada. As mulheres querem lhe dobrar, mas ele amou uma vez e agora a perdeu.

Uma mulher que sofreu em silêncio...

Morren Ó Reilly, conheceu a dor e a vergonha, mas mantém erguida a cabeça embora tema que um homem a toque.

Sua redenção apaixonado Pode Morren ser a luz que iluminará a escuridão de Trahern, e

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pode ele fazer com que se sinta completa rendendo-se a suas carícias?

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Revisora inicial M Emilia: este livro fala de uma mocinha

traumatizada de verdade, que realmente passou pelo inferno e de um mocinho quase tão sofrido quanto ela. É um amor que vem aos poucos, substituindo a dor. Por isso um amor com um sabor muito especial.

Toda esta série tem mocinhas e mocinhos mais sofridos, que passaram por problemas e perdas. Mas vale a pena ler, porque esta autora realmente sabe escrever sobre amor e superação.

Revisora Ana Catarina: Eu particularmente gostei do livro. Apenas me irritei um pouco com o mocinho, que na minha humilde opinião, é um pouco mala. Ele só pensa em vingança dos assassinos da sua ex-prometida. Explico, eu detesto mocinho que sofre por um antigo amor, só para depois admitir que “ama muito mais a mocinha” que “pensava” amar a ex, apesar dessa ex fosse um docinho e esteja

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mortinha, etc. etc. e tal.

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Um Irlanda, 1180

O vento de outono era gélido, como uma advertência sombria que tinha que encontrar proteção. Mesmo assim, Trahern MacEgan quase não sentia frio. Levava um tempo sem sentir absolutamente nada porque seus sentimentos eram tão gélidos quanto o ar que o açoitava. A vingança e a imprescindível necessidade de encontrar os homens que tinham matado Ciara o dominavam. Tinha abandonado sua família e seu lar para voltar para o sudoeste da Irlanda, a Glen Omrigh, onde vivia o clã dos Ó Reilley. Seus irmãos não sabiam que queria encontrar aos agressores, acreditavam que havia ido outra vez visitar seus amigos para lhes contar suas histórias. Era um bardo e nunca ficava muito tempo no mesmo lugar, por isso não suspeitaram. Entretanto, queria estar sozinho nessa viagem. Seus irmãos tinham esposa e filhos e nunca os poria em perigo. Ele não tinha ninguém e preferia assim. A terra era mais montanhosa ali e as verdes colinas se elevavam sobre a névoa. Um caminho estreito serpenteava através do vale e seu cavalo deixava escapar nuvens de vapor pelas fossas nasais. Essa solidão era a mesma que sentia em seu coração porque nunca havia esperado perder Ciara. No princípio do verão, Aron, irmão de Ciara, enviou um mensageiro para lhe dizer que invasores vikings tinham atacado o povoado fortificado onde viviam, tinham apanhado Ciara e a matado quando tentou escapar. A notícia devastadora o manteve afastado por meses de Glen Omrigh. Não queria ver a tumba de Ciara nem ouvir as condolências dos amigos. Sobretudo, tinha que esquecer. Entretanto, o tempo não suavizou a dor, só a aumentou. Não devia tê-la deixado ali. O remorso o consumia e o ódio corria por suas veias sufocando a dor da perda. O luto deu lugar à ira. Encontraria esses invasores e acabaria com eles como tinham acabado com Ciara.

Quando o sol se aproximou do horizonte, acendeu uma fogueira e montou a tenda de campanha.

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Poderia chegar a Glen Omrigh, se seguisse cavalgando mais umas horas, mas preferia passar a noite

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sozinho. O laranja resplandecente das chamas contrastava com a escuridão da noite. No dia seguinte, chegaria ao povoado fortificado e começaria a procurar o rastro de seus inimigos. Trahern se deitou sobre o capote, observou o fogo e escutou os sons do entardecer enquanto comia. Ouviu o rangido de umas folhas caídas ao longe, certamente, era algum animal, mas pegou sua espada. Era muito barulho para ser um esquilo ou uma raposa. Não era um animal, era uma pessoa. Empunhou a espada e esperou que a pessoa se aproximasse. A figura surgiu repentinamente de entre as árvores. Era uma jovem garota, de uns treze anos, usava um vestido verde e uma camisa branca, sujos e esfarrapados. Tinha o rosto igualmente sujo e estendeu os braços para esquentar as mãos na fogueira. Estava tão magra que parecia não ter comido bem por semanas. O seu cabelo castanho chegava até a cintura e estava descalça. Tinha que estar gelada! — Quem é? — ele perguntou com delicadeza. Ela não o olhou nem respondeu, mas corou. — Se aproxime para se esquentar. Também tenho comida se estiver com fome — ele ofereceu. Ela se aproximou um passo e sacudiu a cabeça apontando as árvores que tinha atrás. Trahern olhou com atenção, mas não viu nada. Embora a menina levantasse as mãos para esquentar-se sua expressão refletia mais medo ainda e voltou a apontar para as árvores. — O que aconteceu? — ele perguntou. Ela tossiu e moveu a boca como se estivesse há muito tempo sem falar. — Minha irmã. Trahern se levantou. — Traga-a. Também pode esquentar-se e comer. Tenho comida para as duas. Não era verdade, mas não se importava que acabassem com seus mantimentos. Preferia que saciassem sua fome porque ele sempre poderia caçar. A menina negou com a cabeça. — Está ferida. — Gravemente? Ela não respondeu, mas fez um sinal para que a seguisse enquanto voltava para o bosque. Ele olhou seu cavalo e à encosta arborizada. Embora fosse mais rápido ir a cavalo, as árvores estavam muito perto umas das outras. Não queria entrar no bosque, sobretudo, quando anoiteceria em seguida, mas tampouco podia permitir que a menina fosse sozinha. Fez uma careta de desgosto, mas acendeu uma tocha com um galho caído e carregou os mantimentos no ombro para não deixá-los abandonados. A menina o levou ladeira acima durante mais de meio quilômetro. O piso estava cheio de folhas mortas e ele manteve a tocha alta. Cruzaram um riacho e em seguida pôde ver um refúgio muito simples feito com os restos de uma cabana. Quando chegaram, seguiu à menina para dentro. — O que é isto?

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Era um lugar muito isolado e não podia entender por que estava ali.

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— É um refúgio de caçadores — respondeu a menina — Morren o encontrou faz uns anos. A lareira estava apagada e o interior escuro. Então, ouviu os lamentos de uma mulher. — Acenda um fogo — ele ordenou à menina, lhe entregando a tocha. Ele se agachou para examinar a mulher que estava deitada na cama. Estava tiritando e segurava os lençóis por cima do peito. Tocou-lhe a testa e comprovou que estava ardendo. Soltou uma maldição porque não era uma curandeira. Podia curar feridas de espada ou contusões, mas não sabia nada das enfermidades que afligiam o interior do corpo. Essa mulher estava sofrendo muito e não sabia o que fazer. Olhou para a pequena menina, que estava ocupada com o fogo. — Sua irmã necessita de uma curandeira. — Não há nenhuma — ela respondeu sacudindo a cabeça. Trahern se sentou e tirou os sapatos. Embora não fossem ficar bem, era melhor do que nada. — Ponha-os e amarre tudo que for necessário. Ela vacilou e ele se dirigiu a ela com mais delicadeza. — Volte para meu acampamento e pegue meu cavalo. Se cavalgar depressa por um par de horas, pode chegar a Glen Omrigh. E leve minha tocha. Em circunstâncias normais, não teria passado por sua imaginação mandar uma menina tão pequena sozinha, mas, dos dois, ele era quem tinha mais possibilidades de manter viva a mulher até que chegasse ajuda. Se ela conseguisse chegar, Trahern estava certo de que os Ó Reilley voltariam com a menina e uma curandeira. — Se não poder chegar tão longe, procure ajuda na abadia de St. Michael. A menina começou a negar-se, mas ele a olhou com muita firmeza. — Não posso salvá-la sozinho. Trahern se perguntou o que teria passado com sua família. Eles teriam sido mortos no ataque? A menina não tinha falado de ninguém e ele tinha assumido que estavam sozinhas. O rosto da menina refletia sua resistência, mas acabou assentindo com a cabeça. — Encontrarei a alguém. Atou os sapatos com pedaços de tecido, pegou a tocha e partiu sem dizer uma palavra. Demoraria horas para voltar e ele esperava que Deus não os abandonasse. Tentou recordar o que faria Aileen, a esposa de seu irmão, para curar uma pessoa e se lembrou de que a examinava de pés a cabeça. Dizia que algumas vezes podia se encontrar uma ferida no lugar mais inesperado. Aproximou-se da mulher, que tinha os olhos fechados e que estremeceu quando lhe tocou a mão, como se tivesse os dedos gelados. — Não passa nada — ele disse com suavidade — Já está a salvo. Olhou-a com atenção. Tinha o rosto magro pela fome, mas seus lábios eram carnudos e o comprido cabelo loiro lhe tampava a bochecha. Notou força embaixo desses traços delicados e embora

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a febre lhe atacasse o corpo, ela a combatia. Usava uma camisa esfarrapada que lhe cobria o busto, mas

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esse tecido tão fino não podia esquentar ninguém. Passou as mãos suavemente pelo rosto, pelo pescoço e pelos braços para tentar encontrar o motivo da febre. — Não… Ela tentou lhe afastar as mãos, mas desistiu. Tinha os olhos fechados e ele não pôde saber se tinha lhe feito mal com as mãos ou se estava sonhando. Parou e esperou para ver se ela recuperava a consciência. Entretanto, não despertou e ele a descobriu. Então, viu o motivo de seu sofrimento. Tinha o vestido manchado de sangue abaixo da cintura, o ventre levemente volumoso por uma gravidez principiante e juntava os joelhos com todas suas forças como se quisesse deter um parto malfadado. Ele elevou uma prece silenciosa porque, evidentemente, tinha chegado muito tarde. Não só ia perder esse filho, mas também podia perder a vida. Sua consciência lhe disse que tinha que ajudá-la, que não podia ser um covarde nesse momento só por sua ignorância. Nada do que pudesse fazer seria pior que o sofrimento que estava padecendo. Levantou a camisa embora desejasse poder preservar seu pudor de algum jeito. — Tudo sairá bem. Farei tudo o que possa para ajudá-la.

Morren Ó Reilley abriu os olhos e deu um grito. Não só pela dor que a estava rasgando por dentro, mas também pelo homem que estava sentado ao seu lado, segurando sua mão. Era Trahern MacEgan. O pânico por seu contato a deixou sem respiração. Retirou a mão bruscamente e, felizmente, ele a soltou. A febre ainda nublava sua mente e não se lembrava do que tinha acontecido no dia anterior. Por todos os Santos! O que estava Trahern fazendo ali? Seu rosto não refletia a menor delicadeza. Seguia sendo o homem mais alto que já tinha visto, mas estava muito mudado. Raspou a cabeça e a barba, o que fazia que seus traços ficassem duros e frios. Uns olhos cinza como uma rocha a olhavam fixamente, mas estavam vazios, não furiosos. Sob a túnica, os músculos se perfilavam ao longo das mangas e revelavam a imensa força de um guerreiro. O pulso de Morren acelerou e cravou as mãos no colchão enquanto se perguntava se Jilleen o teria levado ali. Não via sua irmã em nenhum lado. — O pior já passou — ele comentou em um tom grave e inexpressivo. Entretanto, não era verdade. Morren se enrolou de dor. Seu ventre volumoso estava plano e, a julgar pelo monte de trapos manchados de sangue que viu ao seu lado, tinha perdido seu filho. Era um castigo por tudo o que tinha passado. Seus olhos se encheram de lágrimas abrasadoras. Não tinha desejado esse filho, um lembrete eterno daquela noite atroz, entretanto, nesse momento, quando o tinha momento de barbárie. Pensou que nunca o teria amado. GRH – Grupo de

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perdido, sentiu-se vazia. Sentiu a perda dessa vida inocente que nunca tinha pedido para nascer de um

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Cobriu o rosto com o lençol ao perceber, subitamente, que estava nua exceto pelo pano que tinha entre as pernas. As bochechas se incendiaram pela humilhação. — O que fez? — ela perguntou — Quero minha roupa. — Estava encharcada de sangue. Tive que tirá-la para poder te ajudar - sua voz parecia lastreada pelo peso de um monte de pedras — Lamento não ter podido salvar seu filho. Essas palavras a atravessaram como uma faca e chorou pela perda. Uma mão cálida lhe acariciou o cabelo e ocultou o rosto. Embora supusesse que tinha tentado consolá-la, não podia suportar que ninguém a tocasse. — Não… Separou-se de Trahern e cobriu o corpo com os lençóis. Ele levantou as mãos para lhe indicar que não queria fazer nada. — Mandei sua irmã procurar ajuda. Até que volte, procurarei algo que possa pôr — ele acrescentou olhando-a atentamente. Ele vasculhou entre as coisas dela e embora Morren quisesse protestar, mordeu a língua. Sentiu outra dor dilaceradora e não pôde evitar o gemido. A sala dava voltas e voltou abaixar a cabeça para evitar o enjôo. — A vi antes, mas não me lembro de seu nome — ele reconheceu enquanto puxava uma camisa da cor da nata — Eu me chamo Trahern MacEgan — acrescentou lhe entregando o objeto e dando-à volta para que a vestisse. Morren ficou decepcionada que ele não se lembrasse. Entretanto, então, sua atenção se centrava em Ciara e em ninguém mais. Ela conhecia muito bem Trahern. Durante o tempo que viveu em seu clã, escutou as infinitas histórias que contou. Não era habitual que um bardo cativasse ou enfeitiçasse ao público só com as palavras, mas Trahern era um professor. — Meu nome é Morren Ó Reilley — respondeu ela ao fim de um momento. Ele não fez nada que indicasse que isso significasse algo para ele e ela aceitou. Outra dor aguda a atacou e quase se dobrou na metade. — Seu marido está vivo? — ele perguntou um instante depois, como se soubesse a resposta. — Não tenho marido. Nunca o teria. Sua irmã Jilleen era a única família que restava e a única que necessitava. Trahern a olhou nos olhos, mas sem julgá-la. Ela tampouco deu alguma explicação. — Quando comeu pela última vez? — Eu não me lembro. Não tenho fome. A comida não lhe importava absolutamente nada quando os dores chegaram. A simples idéia de comer algo lhe revolvia o estômago.

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— Poderia te fazer bem.

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— Não — ela tampou o rosto com o capote esfarrapado que sua irmã tinha usado como lençol — Deixe-me. Minha irmã voltará. Ele aproximou um tamborete e se sentou. — Posso ver que está passando mal. Diga-me o que posso fazer por você. — Nada. Ela mordeu o lábio inferior e desejou que partisse para não ter que agüentar penosamente a dor. Trahern cruzou os braços. — Sua irmã voltará logo com a curandeira. — Não — Morren não pôde conter o gemido quando sentiu outra onda de dor — Nossa mãe era a curandeira, mas morreu ano passado. Trahern se inclinou sem poder dissimular a impotência. — Então, irá à abadia e virá com alguém. — Não sei se alguém quererá vir — ela respondeu com sinceridade. Os monges atenderiam a qualquer um que fosse à abadia, mas não acreditava que nenhum dos irmãos anciões fizesse o trajeto até ali. Os olhos cinza dele se tornaram quase negros e apertou os lábios com irritação. Morren nunca o havia visto furioso e tentou afastar-se todo o possível dele. Fechou os olhos e se concentrou em respirar devagar. — Não culpe a Jilleen. É possível que, mesmo assim, traga alguém — ela seguiu. Entretanto, suspeitava que isso não fosse certo. Sua irmã partiu e era impossível saber se voltaria. Jilleen não tinha sido a mesma desde a noite do ataque. Ela, tampouco. Abraçou-se com força para não pensar nisso outra vez. Tinha que esquecer tinha sido um sacrifício necessário. — Houve muitos sobreviventes em Glen Omrigh? — ele perguntou. Morren sacudiu a cabeça porque não sabia a resposta. — Não sei. Partimos e não sei para onde os outros fugiram. Certamente, para outros clãs. — Quantos vikings atacaram naquela noite? Morren não respondeu por que o medo tomou conta dela. Apertou os dentes para tentar dominar-se. Entretanto, Trahern não ia ceder. — Quantos Morren? Você os viu? — Sei… exatamente quantos homens havia — ela respondeu olhando-o fixamente nos olhos. Ela se deu conta, pela expressão de seu rosto, que ele tinha entendido o que queria dizer. Trahern deixou escapar uma maldição e olhou o corpo esmigalhado dela. Morren não disse nada mais, não era necessário. Quando ele estendeu o braço para tocá-la, ela se afastou. Dessa vez, quando as trevas se

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apropriaram dela, sucumbiu.

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Ela começou a sangrar outra vez. Era difícil para Trahern ter que cuidar dela de uma maneira tão íntima. Era uma desconhecida e não sabia como lutar contra a enfermidade. Embora fizesse todo o possível, não sabia se seria o suficiente. Seguia ardendo em febre. Deu-lhe goles de água, mas não quis pegar sua mão, nem tocá-la, isto não lhe serviria de consolo. Sua fúria contra os vikings se tornou mais intensa. Fizeram isso com Morren e, pior ainda, temia que tivessem violado Ciara. Pagariam pelo que tinham feito. Se fosse verdade o que Morren lhe tinha contado, se o clã se dispersou, ela era a única esperança que tinha para saber algo mais desses agressores.

As horas passaram e Trahern velou Morren. Ela começou a tremer no meio da noite. O espanto contorceu seu rosto e ele teria gostado de poder fazer algo para diminuir sua dor. Entretanto, não sabia nada de plantas, nem remédios e tampouco queria deixá-la só quando tinha perdido tanto sangue. Sentiu-se impotente e se perguntou se Ciara teria sofrido igual ou teria morrido imediatamente. Alguém teria cuidado de sua prometida durante seus últimos momentos? Olhou as mãos sem saber o que fazer. Só podia lhe oferecer uma coisa: suas histórias. Embora tivesse sido um bardo toda sua vida, não tinha contado uma só história desde a morte de Ciara. Já não podia encontrar as palavras. Era como se as histórias tivessem secado dentro dele. Ele se sentia mal que outros rissem e passassem bem enquanto a mulher que amava tinha ido embora e nunca mais poderia ouvir suas fábulas. Entretanto, nesse momento, enquanto Morren lutava por sua vida, pareceu ser uma maneira de tranqüilizá-la sem ter que tocá-la. A história de Dagda e Eithne brotou como a tinha contado ano apos ano. Morren deixou de tremer um pouco quando a aliviou com suas palavras. — Dagda era um deus que invocava o bem entre a terra e os campos. Entretanto, um dia viu uma mulher muito bela e a desejou como nunca tinha desejado a outra. Chamava-se Eithne. Trahern pegou um pano e o pôs sobre a testa de Morren com muito cuidado para não tocá-la. Contou-lhe a história e empregou todos os matizes de sua voz para captar sua atenção. Falou do deus

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que seduziu Eithne e lhe deu um filho. Trahern seguiu até que ficou quase rouco e acabou pouco antes do amanhecer. GRH – Grupo de

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Morren estremeceu presa pela febre. Estava extenuada sobre o pequeno catre e com o rosto tenso pela dor. — Não — ele lhe ordenou — não vai se dar por vencida agora. — Não quero morrer. Tenho que cuidar de minha irmã — ela sussurrou inclinando-se um pouco para beber um gole de água. Levantou os olhos para olhá-lo. Eram azuis como o mar e ele captou uma força inflexível comparável à sua. — Vai viver — ele insistiu. Ela tinha a expressão desbotada pela febre, mas notou sua súplica. — Trahern, quando minha irmã voltar, não lhe diga nada do bebê. Ele tinha esperado que dissesse qualquer coisa menos isso e apertou os lábios. — Como é possível que já não saiba? — Eu… o ocultei. Jilleen sabe o que me passou a noite do ataque. Não precisa saber do filho… só tem treze anos. — Já é bem grande. Além disso, vai perceber quando cuidar de você. Ele não podia ficar com ela indefinidamente. — Por favor, não o diga — ela sussurrou.

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— Não posso prometê-lo — ele replicou apertando os punhos.

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Dois A manhã e tarde do dia seguinte passaram sem saber nada de sua irmã. As preocupações a assaltaram e tentou convencer Trahern para que partisse. — Jilleen é uma menina. Não deveria viajar sozinha. Tem que trazê-la de volta — ela lhe pediu temerosa de tudo o que podia acontecer com sua irmã. — Um dia a mais — Trahern cruzou os braços — Não vou deixá-la enquanto continua doente. — Eu tenho medo por ela. Trahern, por favor. — Não irei até que esteja mais forte. Tente comer. Entregou um prato com comida, mas Morren não podia comer o veado seco ou as maçãs ácidas que ele tinha levado. Entretanto, pegou um pedaço de veado. Estava insípido e fez um esforço para mastigá-lo. — Por que retornou? — perguntou-lhe ela. — Para vingar a morte dela. Morren soube que se referia a Ciara. — Como ficou sabendo? — Seu irmão me mandou uma mensagem. Quero saber o resto. Ela viu a assombrosa expressão de seu rosto e não disse nada. Havia coisas que era preferível não lembrar. — Conta-me. — ele ordenou — Você estava ali. — Não. Não havia motivos para atormentá-lo e isso não mudaria o destino de Ciara. — Tenho o direito de saber o que lhe aconteceu. Estávamos prometidos — argumentou ele com irritação. Ela ficou em silêncio e o olhou nos olhos com obstinação. — Quero saber tudo — ele insistiu — Além disso, meus inimigos receberão o mesmo multiplicado por dez. A ferocidade de seu olhar lhe deixou muito claro que o dizia de verdade. — Amanhã — murmurou ela — Me leve de volta para Glen Omrigh e me ajude a encontrar Jilleen. Então, contarei o que quer saber.

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— Conta-me agora. — Se não contar? GRH – Grupo de

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Ele não podia ameaçá-la. O pior já tinha acontecido. Trahern, com uma expressão de fúria, saiu e bateu a porta. Uma vez sozinha Morren levantou os joelhos. A dor tinha diminuído, mas continuava enjoada. Pegou outro pedaço de carne e fez um esforço para engolir. Tinha que viver por Jilleen. Voltou a levar as mãos ao ventre. Depois de ter sangrado tanto, não sabia se poderia voltar a ficar grávida. Entretanto, dava no mesmo. Nenhum homem iria querê-la depois do que tinha acontecido e ela não queria que ninguém voltasse a tocá-la. Lentamente, baixou os pés da cama e se perguntou se teria forças para levantar-se. A porta se abriu e Trahern estacou. — Nem pense. Está muito fraca. Aproximou-se de Morren e ela, instintivamente, acovardou-se e voltou a colocar as pernas na cama. — Não vou te fazer nada, mas nunca voltará para Glen Omrigh se você se precipitar. Trahern jogou um pouco de lenha no fogo. Seus ombros se flexionaram quase sem fazer nenhum esforço enquanto colocava os troncos de carvalho em um monte. — Só é febre — replicou ela — Vai passar dentro de alguns dias. Agachado ele a olhou, da lareira. — Disse que sua mãe era curandeira. O que teria feito para você? — Uma infusão com folhas de framboesa ou com casca de salgueiro se a febre for muito alta. — Não vi nenhuma das duas coisas quando fui pegar água. Sinto muito. — Não importa. Ela o encontraria se seguisse sangrando, mas parecia que estava diminuindo. Trahern deixou de dispor a lenha um momento. Sua cabeça brilhava com as chamas e ela se perguntou por que teria raspado o cabelo e a barba. A roupa que usava era mais apropriada para um escravo, como se não se importasse em nada seu aspecto. Compreendeu que estava desconsolado por Ciara, que a tinha amado. Olhou-o com atenção e não entendeu como um homem tão impulsivo e desumano tinha podido passar toda a noite ao seu lado lhe contando histórias. Tinha ouvido sua voz profunda entre o atordoamento da febre e isto lhe tinha dado algo ao que agarrar-se. Fixou-se em seu rosto e viu as rugas do cansaço. Não tinha dormido nada e tinha utilizado essa história cativante para aliviar a dor dela. Algo em seu interior o agradecia. — Onde estão outros? Sua família? — perguntou ele. — Jilleen e eu estamos sozinhas. Nossos pais estão mortos. Ele voltou junto à cama e lhe deu mais comida. — Há quanto tempo estão vivendo aqui? Ela pegou uma maçã sem intenção de comer. — Estiveram sozinhas após o ataque?

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— Desde o ataque, no princípio do verão.

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— Sim — respondeu Morren olhando-o fixamente — Não sei quantos Ó Reilley restam. Desde aquela noite, só tinha querido ter Jilleen perto. Não tinha voltado para o povoado fortificado nem à abadia de St. Michael. Não tinha querido que ninguém soubesse de sua vergonha. — Quando tivermos encontrado sua irmã, deveria ficar em Glen Omrigh — comentou Trahern com calma — Não é conveniente que as duas fiquem sozinhas. Ela deu voltas à maçã entre as mãos sem querer pensar no futuro. Só podia suportar as horas à medida que passavam. — Encontrarei um lugar para nós duas em alguma parte. Ele a olhou com atenção, como se quisesse determinar seu valor. — Sabe um pouco de curas como sua mãe? Poderia ser muito valioso para outro clã. — Não. Conheço as plantas e as árvores e para que servem, mas não sou curandeira. Seus familiares tinham lhe pedido conselhos quando a colheita não era boa. Seu talento estava em conseguir que as coisas crescessem. Fora, o vento agitava as árvores. Morren se cobriu com a manta ao notar o que se aproximava. O tempo ia mudar em seguida. — Deveria pôr o capote — ela lhe aconselhou — Vai chover. Como se quisessem confirmar sua profecia, ouviram as gotas cair e, pouco depois, a terra do chão se converteu em lama pelas goteiras. Trahern fez uma careta de desgosto e tampou a cabeça com o capote. A chuva refrescava o rosto dela e sufocava a febre. — Pegue a outra ponta disto — lhe disse Trahern lhe dando o capote — Cobriremos-nos juntos até que passe. Ela não fez nenhum gesto para pega-lo. — Não me importa me molhar. — Não convém. Vai esfriar e piorará. Ele se sentou na cama ao lado dela e lhe ofereceu a ponta do capote. Morren se afastou tanto o quanto pôde. — Não vou tocá-la — ele lhe assegurou mal-humorado — Não tem nada de mal em nos cobrirmos com o mesmo capote. Sem esperar réplica, tampou sua cabeça com o extremo do capote. Ela o separou da cara e protegeu a cabeça da chuva. O pesado capote cheirava a ele, a homem e segurança. Também podia notar o calor de seu corpo e as bochechas inflamaram por algo mais que a febre. Trahern não estava olhando-a, estava olhando fixamente ao fogo. A chuva lhe molhava o rosto e pôde notar a ligeira barba incipiente. Já lhe parecia charmoso antes, quando o cabelo escuro chegava aos ombros e a barba lhe cobria os traços do rosto. Nesse momento, tinha eliminado qualquer rastro a noite a seu lado. Não a tinha abandonado nem um instante. Não era o comportamento de um monstro,

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daquele homem. Frio e de granito, não era o mesmo absolutamente. Mesmo assim, tinha passado toda

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a não ser o de um homem ao qual não compreendia. Estremeceu ao pensar na devoção que sentia por Ciara. Era como se não tivesse existido outra mulher no mundo. Certamente, ele não a tinha notado. — Eu lembro quando veio o ano passado pela primeira vez ao nosso povoado — ela comentou — Ficou acordado toda a noite nos contando histórias. Ele ficou pensativo e ela se perguntou se não deveria havê-lo dito. — Sim, eu era bardo. — Ficou conosco todo o inverno. Foi por causa de Ciara? Ele assentiu com a cabeça, tirou o capote e se levantou. Ela percebeu que estava descalço e se perguntou o que teria ocorrido com seus sapatos. — Durma um pouco, Morren. Se amanhã estiver bem, procuraremos por Jilleen. Voltou a deitar-se e cobriu aos dois com o capote. Ela notou o cansaço em seu olhar. Estava há dois dias sem dormir. — Prometo que não vou te tocar — ele acrescentou ao ver que estava olhando-o. Ela, admiravelmente, acreditou. Não tinha o menor interesse nela e se sentia tranqüila ao seu lado. — Você também deveria dormir. Ontem à noite não dormiu por minha causa. — Alguém tem que lhe cuidar — a olhou com cautela — Eu prometo que não sou uma ameaça para você. Quando se virou para o outro lado da cama com o capote lhe cobrindo o cabelo, a angústia que a tinha atacado se dissipou. Possivelmente ele pudesse mantê-la a salvo.

Umas horas antes do amanhecer, Trahern ouviu uns gemidos. Morren seguia de costas para ele e coberta pelo capote. Seus ombros tremiam e tinha o corpo tenso. — Morren — sussurrou ele — Há algo errado? Ela não se virou, mas seguiu gemendo. — Foi um pesadelo, nada mais. Ele não soube o que dizer. As palavras não serviam para nada depois do que tinha passado. Não estranhou que tivesse pesadelos. — Tem febre? Ela se virou para olhá-lo. Tinha o cabelo escuro grudado no rosto e parecia que tinha passado

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uma noite terrível. — Menos. GRH – Grupo de

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Ele não acreditou e foi tocar lhe a testa. Ela se afastou e a mão ficou na metade do caminho. Sentiu um aperto por dentro porque ela ser incapaz de suportar o menor contato. — Estou bem — insistiu — Temos que encontrar Jilleen hoje. Embora tivesse melhor cor, ele queria que ficasse na cama ao menos um dia mais. Podia piorar se fizesse esforços. — Sei que se sente melhor, mas preferiria que ficasse aqui. Deixarei comida, bebida e lenha e irei procurar por sua irmã. — Se partir sem mim, eu vou segui-lo assim que tenha saído — ela o olhou com firmeza — É minha irmã e tenho que saber que está bem — Morren começou a sentar-se obstinadamente — Vou procurá-la com ou sem você. Trahern se sentou a seu lado da cama e se deu conta de que ela, no meio da noite, tinha coberto seus pés. Não tinha esperado tanta amabilidade. Levantou-se e voltou para montão de roupa que tinha encontrado antes. Remexeu e encontrou um vestido. Era de uma cor agradável e de lã grosseira e áspera, mas a abrigaria. Quando a tivesse ajudado a encontrar a sua irmã, levaria as duas para algum lugar seguro. Possivelmente com outro clã, se os Ó Reilley não tivessem reconstruído seu povoado. Voltou a sentir um arroubo de fúria ao imaginar o ataque devastador aos Ó Reilley. Não podia entender por que os vikings tinham querido destroçar um clã inteiro. Uma coisa era uma incursão para roubar ganho, mas essa matança era algo muito diferente. Tinha que entendê-lo e quando tivesse encontrado a seus inimigos, vingaria a morte de Ciara e deixaria a salvo Morren e Jilleen. Agarrou sua sacola de mantimentos e o recortou com a faca. Fez uns sapatos rudimentares e os isolou com palha. Deu uns para Morren e lhe ofereceu os cordões de sua túnica para que os atasse. Também lhe apontou seu capote com a cabeça. — Use-o, tem que abrigar-se. — Faz muito frio — ela replicou — Você vai necessitá-lo. Eu posso usar o que estava sobre a cama. — Ponha os dois. Você precisa abrigar-se mais do que eu — Trahern o pegou e o lançou quando ela ia protestar — A abadia está a uns quilômetros daqui. Pararemos para descansar. — Não é necessário que paremos por minha causa. Morren se levantou da cama. A camisola de lã lhe cobria o corpo magro e ele soube que nunca chegaria a Glen Omrigh. Por isso queria que chegasse à abadia sem desmoronar. Temia que ela acabasse esgotada por tentar encontrar sua irmã e não podia reprová-la. Ele faria o mesmo por seus irmãos. Não lhe importaria o quão esgotado estivesse ou o longe que estivessem eles, se alguém de sua família o necessitasse, arrastaria seu corpo por toda a Irlanda. — Conseguirei que os monges nos emprestem uns cavalos — ele comentou dissimulando sua

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irritação por ter perdido sua montaria, Barra — Isso irá facilitar as coisas.

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Ela pareceu aceitá-lo e se dirigiu para a porta, mas ele a deteve lhe oferecendo um copo de água e comida. — Não vai partir até que não tenha terminado. Embora a carne seca não fora apetitosa, era melhor que nada. A partir desse momento, teria que caçar para os dois. Morren bebeu e mordiscou o veado. Não comeu o suficiente, na opinião dele, mas tinha sido um bom começo. Quando terminaram, começaram a caminhar juntos. — Se cansar, diga-me isso e pararemos para que descanse. — Não vai me acontecer nada — replicou Morren. Trahern quis pegar a mão para ajudá-la, mas sabia que ela o rechaçaria. Desceram a ladeira e ele pôde ver seu fôlego condensado no frio do outono. Caminhava com cuidado pelas folhas caídas e se agarrava aos troncos para manter o equilíbrio. Sua palidez era como o céu cinza e tropeçou mais de uma vez. Quando chegaram à borda do bosque, onde ele tinha feito seu acampamento fazia umas noites, ela parecia a ponto de cair. — Quer seguir? — ele perguntou-lhe. — Não posso fazer outra coisa. A resposta não o convenceu e ele a tomou nos braços sem perguntar. Ela pareceu horrorizada e tentou escapar dele. — Desça-me! — Se eu te deixar no chão, vai cair. Além disso, assim iremos mais depressa. Teriam que parar na abadia. Ele já tinha renunciado à idéia de chegar a Glen Omrigh. Morren não podia chegar até lá. Parou de andar ao notar a tensão no corpo dela. — Já sei que não quer que a leve nos braços, mas se agüentar mais uma hora, chegaremos à abadia. Ela não o olhou, mas tampouco voltou a protestar. Sua postura, sua maneira de tentar afastar-se dele, refletia o medo que tinha. Pesava muito pouco e não lhe custava levá-la nos braços. Não podia entender que um homem tivesse podido atacar a uma mulher tão vulnerável como ela. Tinha um rosto que teria passado despercebido à maioria dos homens. Era delicada e sem traços destacáveis, mas seus olhos azuis o tinham surpreendido. Embora estivessem cansados e débeis, transmitiam força e decisão. — Os vikings atacaram a abadia? — ele perguntou. Se havia mais ameaças, tinha que saber. — Que eu saiba, nosso povoado foi à única vítima — ela respondeu olhando para o horizonte — Sigo sem entender por que nos atacaram. Vivemos muito tempo em paz com os vikings. Algumas de nossas mulheres se casaram com escandinavos. não tivesse feito nada que fosse uma ameaça.

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Trahern abriu caminho entre a grama alta estreitando-a contra si, mas ela não relaxava embora

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— O deus Dagda quis dar uma parte de terra ao Oengus quando fosse adulto, mas a terra que queria lhe oferecer era de um homem chamado Elemar. Oengus não queria matá-lo e por isso ele e seus homens atacaram durante a celebração do Samhain. Quando Oengus venceu Elemar, pediu-lhe para governar essa terra durante um dia e uma noite. Logo, os dois acorreriam a Dagda para lhe perguntar quem deveria possuir a terra. Embora Morren seguisse em silêncio, ele viu que seu rosto se serenava enquanto contava a história e sorriu levemente quando lhe contou a artimanha de Oengus. — Quando os dois homens foram ver Dagda, o deus proclamou que a terra pertencia a Oengus porque Samhain é uma festa onde o tempo não significa nada e governá-la durante um dia e uma noite durante a celebração significava governá-la eternamente. Quando terminou de contar a história, os muros da abadia apareceram a menos de um quilômetro e meio. Trahern deixou Morren no chão. — Quer andar o resto do trajeto ou prefere que a leve? Ele imaginou que não quereria parecer uma inválida perante os monges, mas se não tinha forças não se importava de levá-la o resto do caminho. — Irei andando — ela respondeu. A abadia de pedra se elevava no meio da paisagem. Tinha uma torre e janelas em forma de arco tão altas como um homem normal, mas não pôde ver monge nenhum. Ao final da ladeira havia um riacho prateado que abria caminho pelos campos. Morren se cobriu bem com o capote para abrigar-se. — Pensa em me deixar na abadia, certo? — Não tem forças para chegar até o povoado — era preferível deixá-la sã e salva e protegida pela Igreja — Encontrarei sua irmã e voltarei com ela. — Eu quero acreditar, mas não posso. — Você acha que a deixaria abandonada? — perguntou ele com raiva — Eu a mandei para que fosse procurar ajuda e tenho a obrigação de devolvê-la. — Jilleen é só uma menina desconhecida para você — ela bufou sem confiar nele — O que acontecerá se a encontraram os vikings? — Deixe de pensar isso. Não sabemos por que não retornou, mas te prometo que a encontrarei. — É um bardo, não um guerreiro. Trahern se aproximou um passo para impressioná-la com sua estatura e agarrou o punho da espada. — Asseguro-te, Morren, que sei lutar. Tinha passado vários anos exercitando-se com seus irmãos e embora fosse um pouco mais velho,

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não tinha perdido a destreza e seus instintos estavam mais aguçados.

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Os olhos azuis de Morren vacilaram e olhou para o outro lado. Ele se alegrou porque não estava acostumado a que as mulheres duvidassem dele. — Se tivesse estado ali àquela noite — ele seguiu — todos e cada um dos vikings estariam mortos. Eles não haveriam tocado nem a você, nem a Ciara. — Claro. Morren não o olhou, mas ele compreendeu que não a convenceria com palavras. Ela levantou a borda do capote e continuou andando. Seguiram em silêncio até que chegaram à igreja de pedra. Trahern estava a ponto de entrar quando cheirou algo. O aroma de fumaça subitamente impregnou o ar. Morren subiu no alto da colina e ele viu colunas de fumaça que se elevavam ao longe. Além disso, também pôde ver as chamas que envolviam o povoado arrasado. — Retornaram — disse Morren tampando o rosto com as mãos. Trahern quase empurrou Morren para a igreja e, uma vez dentro, puderam ouvir os cânticos dos monges. — Fique aqui com os monges. Vou persegui-los. — Não tem um cavalo — ela objetou — O partirão ao meio. — Não me tocarão — Trahern verificou suas armas e a olhou — Vou descobrir por que retornaram e o que querem. — Cuidado— ela lhe pediu.

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— Me espere, Morren — pegou sua mão — Voltarei ao anoitecer.

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Três Os restos de Glen Omrigh tinham um ar espectral com a grama calcinada ao redor do povoado. A paliçada que a protegia estava queimada e destruída em alguns lugares. Trahern se agachou entre umas plantas crescidas e observou dois cavaleiros. Tinha demorado quase uma hora para chegar e o sol estava começando a descer. Os invasores estavam vestidos como vikings. Levavam capas longas presas com grandes broches de bronze e embora o mais alto não levasse armadura, para Trahern pareceu que seria um temível oponente. O outro era mais baixo e com o cabelo loiro mais escuro. Segurou o punho da espada perguntando-se se poderia derrotá-los. Seria perigoso. Uma das cabanas continuava ardendo e todo o povoado estava envolto em fumaça. Trahern observou os dois homens que percorriam os restos das cabanas para ver o que restava dentro. Não viu ninguém mais. Os Ó Reilley que tivessem sobrevivido tinham abandonado o povoado. Os homens se aproximaram e ele não soltou a espada. Seus rostos refletiam desgosto e os ouviu discutir em seu idioma. Não tinham ido atacar nem roubar os valiosos mantimentos do clã, mas sua expressão era sombria, como se não gostassem do que viam. Trahern se aproximou um pouco mais com o corpo grudado no chão úmido e gelado. Quando chegou à paliçada exterior, protegeu-se com a parte queimada para ver melhor. Um dos cavaleiros ia montado em um cavalo que conhecia; era Barra, o enorme cavalo de guerra que lhe havia custado uma fortuna. Estava nervoso pela fumaça e escoiceava o chão. Se o viking não o dominasse, acabaria sendo atirado. Embora quisesse atacá-los e recuperar seu cavalo, o sentido comum o conteve. Queria respostas e esses homens o levariam a elas. Uns minutos depois, os vikings deixaram o povoado e se dirigiram para o oeste. Trahern se debateu entre segui-los ou entrar no povoado para procurar Jilleen. Embora acreditasse que a tinham aprisionado, não tinha certeza. Voltou a olhar para os homens antes de entrar correndo no povoado. Engasgou com a fumaça e o calor abrasador da cabana. Só podia perder uns momentos antes de seguir aqueles homens. Teve sorte porque viu um dos sapatos que tinha dado a Jilleen. Ele não se importava se ela o tinha deixado intencionadamente ou tinha caído. Confirmava que esteve ali e que a tinham

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apanhado.

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Os vikings pagariam por isso. Recolheu o sapato e voltou para caminho para correr atrás dos homens. Encontrou o outro sapato um quilômetro depois, no mesmo caminho que tinham tomado os cavaleiros. Quando chegou ao alto da colina seguinte, deitou-se para observar aos homens. Dirigiam-se para o acampamento viking da costa. Já o tinha visto antes, mas sabia que não poderia chegar antes do anoitecer sem um cavalo. Soltou uma maldição porque a única alternativa que tinha era voltar para que os monges lhe emprestassem um cavalo. Impotente e impaciente começou a retroceder o caminho para a abadia. Voltou a colocar seus sapatos enquanto imaginava exatamente como abriria caminho entre os guerreiros vikings.

O abade acolheu Morren e um monge mais velho, o irmão Chrysoganus, levou-a a hospedaria, adjacente ao monastério. Sorriu-lhe com amabilidade e começou a encher uma bacia com água. Quando ela compreendeu que pensava lavar seus pés como gesto de boas-vinda, deteve-o. — Me perdoe irmão Chrysoganus, mas eu prefiro lavar-me eu mesma. Não podia suportar a idéia de que alguém a tocasse embora fosse uma tradição. O ancião pareceu surpreender-se, mas não insistiu. — Se for o que deseja… — lhe entregou a bacia — Eu tenho que ir com outros para a nona hora. Se depois desejar algo mais, peça. Morren assentiu com a cabeça, desatou os sapatos que Trahern lhe tinha feito e colocou os pés na água quente. — Obrigada, irmão. Quando ficou sozinha, lavou os pés e os deixou um tempo na água quente. Os sinos chamaram a nona e ouviu as vozes dos monges em oração. Eram tranqüilizadoras, mas quando passou as mãos pela pele, começou a tremer. As lembranças dos rostos dos homens a derrubaram. Tentou deixá-las de lado, mas o pesadelo do ataque voltou. Baixou a cabeça ao sentir náuseas. Não podia suportar. Levou as mãos ao ventre vazio e o frio se apropriou dela. Tinha que esquecer e não pensar nisso. Fechou os olhos, tirou os pés da bacia e se ajoelhou. As vozes monótonas dos monges retumbavam entre os muros da igreja e suas orações se elevavam para o céu. O frio a devolveu à compaixão. Não sabia o que tinha feito para merecer esse destino. Pior ainda, chegou um momento no qual deixou de resistir. Ficou deitada, olhando para a escuridão do céu e esperando que tudo terminasse. GRH – Grupo de

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insensibilidade que necessitava para sobreviver. Não houve ninguém que a resgatasse, nem nenhuma

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A vergonha se apoderou dela porque deveria ter lutado com unhas e dentes. Entretanto, rezou para morrer. Dirigiu o olhar para os toscos sapatos que estavam junto à bacia. Trahern os tinha feito para que não tivesse frio. Deu-lhe um nó na garganta por esse gesto tão amável. Temia que não voltasse. Embora tivesse prometido voltar ao anoitecer, não estava certa de que fosse manter sua palavra. Entrelaçou os dedos e fez um esforço para levantar-se. Saiu da sala para hóspedes e foi, cambaleando, ao único lugar onde seus atormentados pensamentos encontrariam refúgio: a horta. Estava cheia de ervas mortas. Possivelmente os monges já não necessitassem dela, mas ela desejava fazer algo útil.

Durante algumas horas, limpou e voltou a adubar o terreno baldio. Possivelmente, na primavera poderia ser util. Teria que descansar durante o inverno, mas na primavera poderia dar uma boa colheita se alguém cuidasse dele. Entretanto, não deixou de preocupar-se com Trahern. Era muito provável que estivessem atacando outra vez ao povoado nesse momento. Estava sozinho e se os vikings o encontrassem, iriam matá-lo, embora sua força fosse inegável. Seus nervos ficaram tensos e elevou uma prece silenciosa para que não lhe acontecesse nada. Embora Trahern fosse quase um desconhecido para ela, tinha salvado sua vida. Se ele não estivesse estado ali para cuidá-la, teria sangrado até morrer. Só desejava que não tivesse mandado Jilleen para procurar ajuda. Sua irmã era a única família e companhia que tinha. Sem ela, ficaria completamente sozinha. Arrancou o mato pela raiz como se pudesse arrancar sua desolação e seus medos. Desejava voltar para o povoado para ver como tinha ficado, mas seu corpo não podia agüentar. Inclusive nesse momento, fez um esforço para não enjoar-se. Não sabia quanto tempo tinha passado, mas o irmão Chrysoganus lhe levou um singelo almoço de pão e queijo. — Pensei que você gostaria de comer algo. — Obrigada, irmão — ela limpou as mãos na saia e se deu conta de que tinha fome — Espero que não se importe que tenha passado o tempo trabalhando um pouco. Chrysoganus se apoiou pesadamente na bengala e olhou o que tinha feito. — Absolutamente. Temo que tenhamos abandonado esta parte da terra, mas já que o limpou, encontraremos alguma utilidade. Obrigado por seu trabalho — olhou a terra com mais cuidado — geralmente do interesse dos irmãos mais jovens.

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Minhas mãos já não podem arrancar os matos com tanta facilidade como eu gostaria. A horta não é

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Morren sorriu hesitante por seu agradecimento. Como não tinha prata nem posses, só podia lhe oferecer seus conhecimentos. — Amontoei os matos em um canto. Cubram com folhas e na primavera espalhem a mistura no chão junto com excrementos de animais. Seu jardim dará uma boa colheita. — Dará? — perguntou ele com um sorriso zombador. Ela assentiu com a cabeça e atacou diretamente o assunto que mais temia. — Pararam os incêndios no povoado? O sorriso de Chrysoganus desapareceu e ele se sentou em uma pedra plana na borda da horta. — Não, ainda, não. Não sabemos quem os provocou, mas teve que ser pela manhã cedo. — No ataque não morreram todos, por que não vieram para cá os sobreviventes? — perguntou Morren. — Não sei com certeza. Preparamos a hospedaria para recebê-los, mas só vimos você e seu acompanhante. Como era possível que nenhuma só pessoa se refugiasse na abadia? O medo que tinha contido começou a intensificar-se. Tinha querido pensar que poderia voltar com Jilleen, que poderiam voltar para encontrar sua casa e começar outra vez, mas o mais provável era que todo mundo partiu. Olhou aos olhos marrons e compassivos do irmão Chrysoganus. — Meu acompanhante, Trahern MacEgan, foi procurar minha irmã. Prometeu voltar ao anoitecer. — Irei me ocupar de que preparem um alojamento. O monge inclinou a cabeça para despedir-se e partiu. Morren se levantou. Embora o seu corpo doesse e se sentisse fraca, fez um esforço para dirigir-se para o ponto mais alto dos terrenos da abadia. Precisava ver sua casa embora a tivessem destruído. Cada passo era uma tortura e quando chegou ao topo da colina que havia diante da abadia, viu um cavaleiro que se aproximava com uma lança na mão. Entretanto, não era Trahern.

Gunnar Dalrata sabia que o tinham seguido. Tinha sido uma casualidade que visse a erva moverse diante de seus olhos. Se não, não teria visto o desconhecido que os observava de fora do povoado. Pegou com mais força a lança e olhou para seu irmão. Hoskuld não se deu conta, mas ele se manteve um irlandês. Seria um dos Ó Reilley que tinham sobrevivido? Pensou avisar a Hoskuld, mas lhe pareceu que

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pouco atrasado para olhar dissimuladamente para trás, ao homem que os seguia correndo. Era um

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não havia nenhum motivo. O irlandês não tinha feito nada, só os tinha observado. Possivelmente estivesse procurando à menina que tinham recolhido no dia anterior. Subiu a colina e o homem seguia perseguindo-os. Pensava segui-los a pé até o acampamento? Quando voltou a olhar, comprovou que ele ficou no alto da colina e que logo deu a volta. Gunnar se aproximou de Hoskuld. — Alguém estava nos seguindo e quero saber por que. — Quer que eu o acompanhe? — Não. Estava a pé e acredito que desarmado. Quero interrogá-lo. — Captura-o — propôs Hoskuld. — É possível — replicou Gunnar com um gesto sombrio. Acelerou o passo de seu cavalo e estava a ponto de alcançar ao irlandês quando olhou para cima. Dirigia-se para a abadia e, ao longe, viu o motivo. Uma mulher o esperava no alto da colina que havia diante da abadia e quando se adiantou, Gunnar pôde ver o medo e a fúria refletidos no rosto desse homem. Isso o intrigou. Possivelmente, a melhor maneira de obter a resposta fosse esperá-lo na abadia. Subiu a colina para St. Michael com a lança bem apertada e viu a mulher de mais perto. Tinha o cabelo loiro e uma beleza serena no rosto que faria qualquer homem querer lutar por ela. Entretanto, fugiu assim que o viu. Gunnar se deteve e deu a volta ao cavalo com a lança em riste. Quando o irlandês chegasse, estaria esperando-o.

Trahern subiu a colina a grandes passadas. A ira lhe dava uma velocidade que não tinha normalmente. Mataria a esse viking se tocasse Morren. Era o caminho mais longo que tinha feito em toda sua vida. O medo e o remorso por havê-la deixado sozinha marcavam o ritmo de seus passos. Quando chegou mais alto, viu que Morren se dirigia para a abadia. Felizmente, tinha tido o bom senso de não ficar. Ele quase não percebeu o esgotamento quando arremeteu sobre o cavaleiro que o esperava. Agarrou a lança, puxou com força e derrubou ao viking do cavalo. Seu inimigo pesava quase tanto quanto ele e Trahern fizeram uma careta de dor quando o outro homem conseguiu tombá-lo. — Eu não gosto que me persigam — comentou com um forte acento escandinavo. O viking o pôs de lado.

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— A mim tampouco — replicou Trahern tirando-o de cima.

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Quando o viking se levantou, Trahern ficou assombrado ao comprovar que era tão alto quanto ele. Havia poucos homens tão altos e menos ainda tão fortes. O homem estreitou os olhos e os dois perceberam de uma vez o quanto se pareciam. — É um dos nossos, verdade? — murmurou o estrangeiro — Não tinha esperado por isso. Trahern desembainhou a espada. — Não sou um maldito viking. — Então, faz muito tempo que não olha para si mesmo — o desconhecido também desembainhou a espada — Por que me persegue? — Onde está a menina? Trahern lançou um golpe com todas as suas forças, mas o viking o deteve e respondeu com uma estocada em sua cabeça. Trahern se afastou para esquivá-la. — Suponho que se refere a que encontramos ontem no povoado. Está em nosso acampamento, mas não acredito que o deixe nos acompanhar ali depois da recepção que me deu. O viking arremeteu com a espada dirigida para o ventre de Trahern, que conseguiu detê-la embora quase perdesse o equilíbrio. Concentrou-se no combate e empregou toda sua destreza para corresponder a todos os golpes. Começou a suar, mas conseguiu que o outro homem retrocedesse. Quando sua espada alcançou o ombro de seu oponente, sentiu uma satisfação imensa. Levava meio ano esperando por esse momento. Só desejava poder lutar contra outros invasores e matá-los a todos. Virou toda sua raiva e dor para o combate e pouco se importou que estivessem em terra sagrada e que fosse um pecado lutar ali. Esse homem tinha assassinado a inocentes como Ciara, tinha violado mulheres e merecia morrer. Viu Morren que caminhava lentamente por detrás do viking. As dobras de seu vestido se agarravam ao seu corpo magro e segurava as bordas do capote. Seu rosto estava contorcido pelo medo e pelo espanto. Isso lhe deu mais força e lançou um golpe brutal que fez que a espada de seu inimigo saísse voando e acabasse sobre a grama. A surpresa do viking se tornou uma resignação sombria quando Trahern o agarrou pelo cabelo e pôs o fio da espada no pescoço.

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— Este homem a desonrou? — Trahern perguntou ao Morren olhando-a fixa e implacavelmente.

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Quatro Morren ficou completamente pálida e soube com toda certeza que o viking ia morrer nas mãos de Trahern. Sua vida dependia do que respondesse. — Não — sussurrou antes de elevar a voz — Não, ele não foi um deles. Não eram tão altos — acrescentou com a voz firme e a esperança de que acreditasse. O olhar de aço de Trahern a atravessou. — Não minta. Merece morrer pelo que fez — Trahern replicou, sem afastar a espada do pescoço do viking. — Não estou mentindo. Embora não quisesse aproximar-se, fez um esforço para interceder e chegou a um metro do homem. — Deixa que parta, Trahern — lhe pediu. Ele, evidentemente, não queria e ela se aproximou mais ainda. — Não se mova — Trahern lhe ordenou. Não havia a menor compaixão em seu rosto e ela temeu que não fosse escutá-la. Ela olhou em seus olhos cinza para tentar lhe transmitir que dizia a verdade. Ele parecia tentar conter seu instinto de matar. — Deixe-o — ela repetiu. Os segundos pareceram eternos e Trahern baixou a espada depois de uma pausa muito longa. Empurrou ao viking e embainhou sua arma. Morren respirou com alívio. O viking passou a mão pelo sangue do ombro e a olhou com gratidão. — Obrigado por me conceder a vida, você é justa. Ela captou o interesse no fundo do elogio. Ele tinha os olhos de uma cor cinza escura e o cabelo loiro. Muitas mulheres o considerariam bonito. Ela, não. Não lhe interessava nenhum homem e muito menos um viking. — Quem é e por que estava no povoado? — ela lhe perguntou. — Sou Gunnar Dalrata e estávamos obedecendo às ordens de nosso chefe. Procurávamos mais sobreviventes, como a menina que encontramos ontem. maior importância. — Jilleen… — ela sussurrou com o pulso acelerado — Para onde a levou? GRH – Grupo de

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Olhou para Trahern e voltou a secar o sangue do ombro. A ferida não era profunda e não lhe deu

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— Nós a levamos para nosso povoado — respondeu Gunnar — Será bem recebida se quiser ir com ela. Eu a acompanharei. — Morren não irá a lugar nenhum com você. Trahern ficou ao lado dela como um escudo humano e com a mão no punho da espada. Parecia que preferia atravessar ao viking em vez de deixá-lo partir. — A menina que encontrou é minha irmã — Morren interveio — Por favor, solte-a, não lhe fez nenhum mau. — Não está prisioneira — Gunnar respondeu — Não queríamos que vagasse sozinha. A levamos conosco quando pediu uma curandeira. Ele a olhou com os olhos entrecerrados. Ela abraçou a cintura, mas não explicou nada. Embora quase tivesse parado de sangrar, ela não se sentia como sempre. Era como se estivesse vazia por dentro. O dia tinha cobrado seu preço e embora não quisesse sentir fraqueza, não havia se recuperado tão depressa como gostaria. O que era pior, Trahern parecia perceber. Ele não deixou de olhar para Gunnar, mas o que disse era dirigido a ela. — Iremos ao seu acampamento ao amanhecer e traremos Jilleen. — Deveríamos acompanhá-lo agora mesmo — replicou Morren. — Está muito fraca. Esperaremos uma noite — Trahern olhou com dureza a Gunnar — A não ser que queira que eu vá com ele. Ela duvidou. Por um lado, não queria deixar a sua irmã mais outra noite, sobretudo, quando não sabia se estava bem. Entretanto, temia que o temperamento de Trahern conseguisse que o matassem. — Não vai lhe acontecer nada. Eu prometo — Gunnar afirmou. Morren olhou fixamente ao viking, mas lhe pareceu que dizia a verdade. Seus olhos cinza refletiam sinceridade. — O resto do clã dos Ó Reilley se refugiou conosco — acrescentou com um olhar de desgosto para a igreja. Os monges tinham começado a voltar da oração e o abade acelerou o passo ao vê-los. Seu rosto se azedou com uma fúria silenciosa e levantou o crucifixo que estava pendurado no pescoço como se quisesse espantar demônios. Chegou até onde eles estavam com uma expressão sombria e um grupo de monges que o ladeavam como um amparo silencioso. Morren retrocedeu para afastar-se dos homens. — Voltarei para meu povoado e lhes direi que os esperem. Gunnar assobiou para seu cavalo e não dirigiu a palavra ao abade, limitou-se a lhe fazer um gesto muito frio com a cabeça. Trahern o deteve antes que pudesse montar. — Quero recuperar meu cavalo. O viking esboçou um sorriso.

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— Então, vamos buscá-lo.

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Uma nuvem ocultou o sol da tarde e escureceu o rosto do abade. — Peço-lhe perdão, padre — Trahern disse com a cabeça inclinada. — Derramar sangue em terra sagrada é pecado — ele objetou com os braços cruzados. O tom de censura na voz do sacerdote reavivou a fúria de Trahern. Morren se afastou um pouco mais. Trahern era muito mais alto que o diminuto abade e o olhou com uns olhos que pareciam de granito. — Eu tive compaixão. Os dois homens se olharam nos olhos e o abade fez o sinal da cruz. Para Morren pareceu mais uma absolvição que uma bênção. — Ainda há ódio em seu coração. — E o haverá até que todos estejam mortos. Quando Trahern se voltou para ela, Morren viu a dor disfarçada pela fúria. Assustou-a vê-lo tão absorto pela vingança e lhe pareceu que sua alma não lhe importava nada. Estava tão perdido quanto ela.

Trahern quase não falou com ela nessa noite. Ele não sabia o que estava lhe passando. Era como se não fosse ele mesmo, como se já não se importasse com absolutamente nada. Tinha estado a ponto de assassinar a um homem só por ser um viking. Como se não fizesse diferença que Gunnar não tivesse estado ali na noite do ataque. Tudo o relativo a esse homem ardia como o sal em uma ferida aberta. Mulheres inocentes tinham morrido e sofrido por culpa de homens como Gunnar. A sede de sangue se apropriou dele pela necessidade de vingança, a necessidade de matar. Entretanto, a voz de Morren abriu caminho entre essa loucura e aplacou à besta. Foi sentar se à mesa baixa que havia no centro da sala. O interior da hospedaria era pequeno, mas havia seis catres, três de cada lado, com a mesa no meio. Os restos de comida continuavam na mesa e ele franziu a testa ao ver o pouco que Morren tinha comido. Não era o suficiente nem para manter a uma menina viva e muito menos a uma mulher. Ele queria ter ido com o viking essa noite, mas Morren não iria agüentar o trajeto, teria caído antes de cinco quilômetros. Ela se deitou no catre mais afastado lhe dando as costas. Era frágil e delicada e estava clara a preocupação que a afligia. Entretanto, apesar da debilidade física, era evidente que estava decidida a

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encontrar sua irmã.

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Trahern verteu água em uma terrina de madeira e a jogou no rosto. A água caiu por suas bochechas e sentiu o cabelo que começava a nascer na cabeça e na barba. Embora quase todos os irlandeses se orgulhassem de seu cabelo e de sua barba, ele decidiu cortá-los por completo. Não queria calor, nem comodidade, só queria lembrar-se do que tinha perdido. Barbeou-se com a espada sem se importar com os cortes na pele. Sem cabelo, parecia mais temível, diferente dos outros, um homem no qual não se podia confiar. Se ao mudar seu aspecto físico afastava aos outros, ele o faria. Quando terminou, deixou a espada sobre a mesa com um brilho na lâmina, que tinha restos de seu sangue, mas não se importou. Verteu mais água na terrina de madeira e voltou a jogá-la pela cabeça para lavar seu sangue. Viu seu reflexo na água que restou, viu suas feições, viu o monstro que vivia só para a violência, um homem ao qual já não importava viver ou morrer, um homem que parecia um viking. Trahern quis jogar com fúria a terrina do outro lado da sala porque não queria ter nada a ver com eles. Eram uns assassinos desumanos, não eram pessoas. Não podia suportar parecer-se com eles. Não deveria ter se surpreendido, porque seu tio avô Tharand era um viking, igualmente ao pai de sua mãe. Mesmo assim, nunca tinha se comparado com os estrangeiros. Entretanto, quando lutou contra Gunnar, foi a primeira vez que seu inimigo não o fez olhar para baixo. Eram da mesma estatura e constituição física, algo que lhe tinha preocupado mais do que estava disposto a reconhecer. Como podia sequer pensar em levar Morren ao acampamento? Já tinha sofrido bastante. Era preferível que ficasse ali, onde não teria que encontrar-se com os homens que a tinham agredido. Embora a verdade fosse que não sabia quem tinham sido os atacantes. Sem ela, não poderia identificá-los. Apertou os dentes e passou o dedo pelo fio da espada antes de embainhá-la. Tinha que levá-la, não tinha alternativa. Olhou-a adormecida no extremo oposto da hospedaria. Morren, com seu aspecto fantasmagórico, parecia apanhada entre o mundo dos vivos e o dos mortos. Embora afirmasse que queria viver para cuidar de sua irmã, ele se perguntou se alguma vez encontraria satisfação em sua vida depois do terror que tinha passado. Ela se virou com o cabelo dourado lhe cobrindo as bochechas. Dormia agarrada à manta como se quisesse defender-se. Ele se perguntou se ela preferiria que dormisse longe ou seria melhor que ficasse por perto para protegê-la se chegasse alguém mais à hospedaria. Para não ter que tomar uma decisão, entreteve-se recolhendo os pratos e os restos de comida. A abadia estava em silêncio. Todos os monges estavam dormindo até as preces da manhã, que chegariam em breve. Escolheu o catre mais afastado dela porque pensou que se sentiria mais cômoda. Cobriu-se com a manta de pele, fechou os olhos e tentou dormir. Viu em sua cabeça o rosto de Ciara. Seu espírito o perseguia com um sorriso que o rasgava. «Amoimaginar que seria a última vez que a teria entre os braços. Muitas coisas ficaram sem dizer-se. Não

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te», ela sussurrou em seu ouvido na manhã que partiu. Deu-lhe um beijo de despedida sem poder

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havia lhe dito que a amava e ela já não o saberia. Agitou-se inquieto no catre e viu que Morren estava olhando-o. — Não posso dormir — ela reconheceu — Eu tentei, mas estou muito preocupada com Jilleen. Trahern se levantou, cruzou a sala e se sentou em um dos catres que havia ao lado do dela. Deitou-se tentando manter a distância, apoiou-se em um cotovelo e a olhou. — Tem medo de ir ao povoado viking? Ela apertou os lábios e assentiu com a cabeça. — Sim. Já sei que Gunnar disse que não a fizeram prisioneira, mas se isso é verdade, por que não retornou? Por que não mandaram a sua curandeira? — Não sei, mas amanhã saberemos — ele a olhou com atenção e viu que ela tinha os olhos azuis transbordando de preocupação — Se você se sentir melhor ficando, eu prometo que voltarei com ela. Morren se sentou com os joelhos puxados contra seu busto. — Não deveria ir sozinho. Ela rodeou os joelhos com os braços e abaixou a testa. Para ele pareceu que não confiava em que ele fosse cumprir sua palavra e que por isso não o olhava nos olhos. — Eu gostaria de ser mais forte — ela seguiu — Tenho medo de que quanto mais espere, mais perigo Jilleen vá correr. Não teria partido se não tivesse sido por mim. — Amanhã a recuperaremos — Trahern teve um pressentimento sombrio — Acredito que deveríamos ter retido Gunnar como refém. — Não. Fez bem ao deixá-lo livre — ela o olhou aos olhos — Além disso, duvido que os monges o tenham aceitado. Ele esboçou um meio sorriso. — Não? Talvez, com uma generosa doação tivessem olhado para o outro lado. Morren negou com a cabeça e uma expressão mais suave. Evidentemente, acreditava que estava brincando e ainda que não fosse verdade, isso diminui a tensão. — Gunnar está em dívida com você agora. Isto poderia proteger a nós dois. — Os vikings não têm honra. Ela ia dizer algo, mas ficou em silêncio, como se quisesse discutir, mas tivesse mudado de opinião. Trahern se deitou olhando para o teto. — Não quero te levar lá. Acho que deveria ficar aqui, na abadia. — Não irá me acontecer nada. A cada dia estou mais forte. Isto não lhe pareceu o suficiente. — Pediremos emprestados uns cavalos e se houver algum sinal de perigo, eu a mandarei de volta. Ele estava certo de que poderia defendê-los por tempo suficiente para que ela estivesse a salvo. tivessem deixado sozinhos na hospedaria. Era um espaço muito íntimo. Podia cheirar o aroma de

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Morren se deitou e ele, repentinamente, perguntou-se como era possível que os monges os

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alecrim da pele de Morren. Ficou curioso e se encontrou olhando-a fixamente. Tinha uns traços delicados, os olhos azuis e o cabelo loiro que chegava abaixo dos ombros, como se fizesse vários anos que não o cortava. Seu nariz era levemente torto, uma imperfeição que dirigiu sua atenção para a boca. Afastou o olhar, levantou-se do catre e foi até a lareira. Jogou mais turfa e voltou a controlar seus pensamentos irregulares. O que lhe passava? Supôs que sua reação se devia ao fato que não tinha estado com ninguém desde Ciara. Não era um maldito monge capaz de sufocar seus instintos. — Aconteceu algo? — Morren perguntou-lhe, sentando-se outra vez. — Sim — ele respondeu atiçando o fogo, embora não fosse necessário — Queria me certificar de que o fogo durará toda a noite. Trahern voltou para seu catre e se deitou de barriga para baixo. Fez todo o possível para não pensar nela, mas notou que continuava acordada. — Eu ia pedir que me contasse mais coisas de sua história, mas percebo que está cansado — ela murmurou. Ele podia pensar em muitas coisas, menos em dormir. — Pela manhã, talvez. Poderia ter seguido com a história de Eithne e Dagda, mas isso teria aumentado seu contato com ela e não queria que o olhasse com esses olhos azuis. Embora não pensasse em lhe pôr um dedo em cima, também não podia negar que era bonita. — Foi uma espada — disse ela em voz baixa. — O que…? — Ciara. Perguntou-me como morreu e eu prometi lhe dizer isso se ajudasse minha irmã. Ele cravou os dedos no catre com uma carga no peito. Não pôde falar e sentiu como se uma rocha o estivesse esmagando. — Um desses guerreiros a atravessou — seguiu Morren — Acredito que não quis fazê-lo, mas ela estava fugindo atrás dele quando levantou a espada. — Ela sofreu? Não pôde conter a pergunta embora temesse a resposta. — Foi muito rápido. A resposta foi um ligeiro alívio, mas não soltou o catre. Embora tivesse dado tudo para recuperar Ciara, ao menos sua morte foi rápida. — Obrigado. Ele tinha sido atormentado por imagens de sua morte e pediu a Deus para saber o que tinha acontecido. Ao saber a verdade, poderia suportá-lo um pouco mais facilmente. — Era minha amiga e você fez que ela fosse feliz. Falava muito de quanto o amava. dizer nada, abriu a porta e partiu. Cambaleou na escuridão da noite. Viu uma cruz solitária à luz da lua.

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Trahern sentiu que a carga no coração o atacava com mais força e que tinha que sair dali. Sem

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Ajoelhou-se asfixiado pela dor. No dia seguinte poderia morrer ao matar aos canalhas a tinham matado, mas isso pouco importava e que Deus o perdoasse. Não sabia se tinham passado horas ou minutos, mas notou a presença de Morren atrás dele. Ela pôs uma mão em seu ombro para consolá-lo. Ele sabia quanto lhe custava esse contato físico. — Volte para dentro — ele lhe pediu — Irei dentro de um momento. Apertou-lhe o ombro com a mão e obedeceu. Ao longe, Trahern ouviu os passos dos monges que voltavam para igreja para as preces matinais.

Pela manhã, Morren se sentia melhor e estava certa de que poderia terminar a viagem. Trahern tinha pedido emprestado uns cavalos aos monges e tinha lhes prometido que os devolveria ao fim de uns dias. Cavalgaram para o sul e ela notou que o rosto do Trahern ia refletindo a ira contida. Não falou com ela e parecia que sua mente estava ocupada por infinitos planos e estratégias. Via a vingança em sua expressão. Ele acreditava que encontraria os vikings que foram responsáveis pelo ataque, e que ela reconheceria aos culpados. Estremeceu-se. Embora esses homens merecessem morrer pelo que tinham feito, ela nunca iria querer ser a executora. Morren diminuiu o passo debatendo-se entre o desejo de vingar-se e o de esquecer. Trahern ficou ao seu lado e a olhou com preocupação enquanto entregava o odre com água. — Está pálida. Quer que voltemos? — Não. Estou bem. O que a incomodava não era o cansaço físico, era o medo que lhe dava o que poderia acontecer quando encontrassem os vikings. Devolveu-lhe o odre depois de beber e voltou a segurar as rédeas. — Não estamos longe. Chegaremos antes de uma hora — ela acrescentou. Acelerou um pouco antes que Trahern pudesse responder e o obrigou a segui-la. Independentemente do perigo que houvesse, não ia deixar Jilleen sozinha. Trahern a alcançou e embora não dissesse nada, ela viu que a observava. Tinha alguns cortes no queixo e na cabeça por haver raspado o cabelo outra vez. Com seu tamanho e aspecto bárbaro, estava certa de que intimidaria a muitos vikings. Mesmo assim, tinha visto uma faceta diferente dele. Na noite anterior ficou fora até que consumido pela dor. Uma parte dela quis acalmá-lo e, sem pensar, tocou-lhe o ombro. Tinha a pele quente e os músculos tensos. Ele estremeceu, mas relaxou quando viu que era ela. Esteve a ponto de GRH – Grupo de

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terminaram as preces. O guerreiro implacável tinha desaparecido e tinha surgido um homem

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retirar a mão, mas não o fez e apertou seu ombro. Foi um impulso em um momento fugaz no qual ele tinha necessitado de consolo. Quando voltou sozinha para seu catre, suas bochechas queimavam pela vergonha. Ele entenderia que só tinha lhe oferecido amizade? Ela virou o rosto em direção ao vento e olhou para o horizonte vazio. Sabia que estava maltratada para sempre e que nenhum homem a iria querer. Levou a mão ao ventre estéril e sentiu uma dor aguda. Tinha sonhado em ser mãe, em sentir um bracinho ao redor do pescoço, com a bochecha de um menino apoiada na sua. O vazio se converteu em uma dor física em seu ventre e logo deu lugar à raiva. Aqueles homens tinham lhe arrebatado a possibilidade de ter mais filhos. Nunca o tinha considerado daquela maneira. Agarrou as rédeas com toda a sua força e a raiva desatada golpeou contra a couraça de serenidade que construiu ao seu redor. Não podia pensar nisso. Tinha que deixá-lo no passado, onde tinha que estar. Entretanto, quando encontrou com o olhar sombrio de Trahern, viu-se refletida em seus

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olhos.

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Cinco O acampamento ficava no interior, a vários quilômetros de Beanntraí, ao longo do rio e de frente para a costa sudoeste. A água, de um azul resplandecente, banhava a costa e as montanhas escuras apareciam a certa distância. Embora a construção principal tivesse sido construída fazia uns séculos, os vikings a tinham ampliado e tinham acrescentado edifícios de pedra ao redor. Trahern a observou atentamente, como um invasor que procurasse seus pontos fracos. Daquela altura podia ver o interior da fortaleza. Três muros circulares com profundos fossos formavam as defesas. Os edifícios interiores, as moradias, eram alongados e formavam quadrados. Quase todos ficavam sobre plataformas elevadas para evitar as inundações. Também constatou que havia ao menos uma dúzia de homens dispostos ao redor da paliçada exterior. Não seria fácil infiltrar-se. Embora, a verdade, não tinham que fazê-lo. Gunnar os havia convidado para, supostamente, reunir-se com os sobreviventes. Os receios de Trahern aumentaram. Prometeu-se a si mesmo que se Morren pudesse correr o menor perigo, iria mandá-la de volta à abadia sem vacilar. Aproximou-se dela. — Está preparada? — Sim. Ele captou em seu rosto uma força de vontade renovada. Embora não tivesse se recuperado completamente, parecia pronta para lutar por sua irmã. Trahern apoiou uma mão no cavalo dela antes que pudesse adiantar-se. — Fique perto de mim. Não quero que se arrisque. Se você ver alguém que a atacou, avise-me. Eu cuidarei dele. Colocou na cabeça que ia protegê-la enquanto entravam. Embora fizesse um frio atroz, sentiase insensível aos elementos. A vingança fazia que seu sangue fervesse ao pensar nos homens que tinham matado Ciara e violado Morren. Pagariam seus crimes com suas vidas. Quando chegaram ao primeiro muro, uns homens ameaçadores os receberam com as lanças nas mãos. Trahern, sem alterar-se, olhou-os nos olhos. Entretanto, quando olharam para Morren, viu que vacilavam. Deteve-se na primeira porta porque sabia que já teriam informado de sua chegada. Segurou com firmeza o punho de sua espada e esperou. Os guerreiros de guarda não deixaram de olhá-lo nos

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olhos e ele tampouco.

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Passou quase um quarto de hora até que viu que Gunnar se aproximava deles. O viking também segurava sua espada como se não se importasse de estar a pé enquanto Morren e ele tinham a vantagem de estar a cavalo. — Vejo que decidiram nos visitar — ele os saudou antes de continuar, enquanto olhava para Morren — Sua irmã espera na casa de meu irmão. Morren apertou os lábios como se quisesse atravessar Gunnar com uma espada. — Quero ver Jilleen agora. — Me acompanhem. Gunnar fez um sinal para que dois jovens se ocupassem de seus cavalos. Trahern desmontou e ajudou Morren sem tocar sua cintura mais do que o necessário. O rosto de Morren refletiu o alívio quando a soltou. Ela fechou o capote como se assim pudesse proteger-se de todas as lembranças más e não o olhou nem uma vez. Trahern não gostava de ver que uma mulher se encerrava em si mesma dessa maneira e isso lhe reavivou a fúria. Manteve-se ao lado dela sem ligar para os olhares de quem os rodeava. Ninguém lhes dirigiu uma palavra e sua chegada estava carregada de tensão. — Morren… Um jovem se aproximou saudando-a com a cabeça e ele supôs que seria um Ó Reilley. Morren, com expressão de vergonha, sobressaltou-se ao ouvi-lo e não o olhou, como se tivesse medo do que ele pudesse lhe dizer. Trahern a levou e entraram no acampamento atrás de Gunnar. Outros integrantes do clã se dirigiram a Morren ao passar e quase todos pareciam surpresos de vê-la. Saberiam o que lhe aconteceu na noite do ataque? Aparentemente, não. Trahern tinha pensado em falar em particular com os sobreviventes para saber por que tinham ido viver entre os vikings. Era assombroso que não tivessem medo, comportavam-se como se estivessem entre amigos ou familiares, não inimigos. Não podia entender. A desconfiança se apropriou dele e observou aos Ó Reilley perguntando-se o que os teria levado ali e não a outro lugar. Quando chegaram a um dos edifícios alongados que havia no centro do acampamento, Gunnar os convidou a entrar. Uma lareira esquentava o interior e de uma panela lisa e tampada emanava o aroma do pão fermentando. Outros dois homens estavam conversando e uma mulher um pouco mais Quando Morren viu sua irmã, correu para ela e a abraçou com força. Jilleen ficou quieta a princípio, mas logo se agarrou a Morren com lágrimas nas bochechas. GRH – Grupo de

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velha, com um olhar vigilante inconfundível, estava sentada com Jilleen.

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— Está bem? — Morren lhe perguntou — Eles cuidaram de você? Jilleen assentiu com a cabeça e o rosto pálido. Trahern se aproximou olhando fixamente à mulher. — O que aconteceu? — Gunnar a encontrou vagando por Glen Omrigh — a mulher interveio com os olhos faiscantes de irritação — Como permitiu que uma menina tão jovem viajasse sozinha? Não sabe o que ela poderia haver sofrido? Claro que sabia os riscos, mas não podia ter feito outra coisa. Morren teria sangrado até a morte se a tivesse deixado sozinha. Entretanto, não estava disposto a dar explicações a uma viking. — Quem é? — Sou Katla Dalrata — ela respondeu. Tinha umas rugas leves ao redor dos olhos e Trahern calculou que seria um pouco mais velha que ele. — Deveriam estar gratos por a termos encontrado — ela acrescentou com uma mão no ombro de Jilleen. Ele compreendeu que a repreensão se devia à preocupação por Jilleen. Por isso, não se ofendeu nem respondeu. — Sinto muito, Morren — Jilleen tinha os olhos transbordando de lágrimas — Não deixaram que eu partisse. — Está tudo bem. Eu estou bem — Morren voltou a abraçar sua irmã para acalmá-la — Trahern cuidou de mim. Ela o olhou pedindo que não dissesse mais nada. Ele não pensava em fazer que uma menina de treze anos se sentisse mais culpada do que já se sentia e assentiu ligeiramente com a cabeça. Ele entendia a lealdade incondicional que Morren sentia por sua irmã. Os vínculos familiares eram inquebráveis, mas Morren não deixou de olhá-lo enquanto acariciava as costas de sua irmã e sussurrava em seu ouvido. Captou o agradecimento e uma delicadeza que não tinha visto antes. Sem querer, encontrou-se olhando sua boca. Tinha uns lábios normais e levemente rosas, mas, mesmo assim, chamaram-lhe a atenção. Corado, voltou a dirigir sua atenção para Gunnar. — Por que os Ó Reilley vieram para cá? Não posso imaginar que queriam ter algo a ver com os vikings. Gunnar adotou uma atitude defensiva. — Oferecemo-nos para ajudá-los com a reconstrução de seu povoado quando soubemos do que tinha acontecido. O fogo destruiu quase todas suas casas e lhes demos um lugar onde ficar. — Ontem eu vi você em seu povoado. Incendiou as casas que restavam, não?

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Trahern não acreditou nem por um instante.

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— É mais fácil as reconstruir quando não resta madeira velha. Nosso chefe ordenou que nós as queimássemos para começar do começo. Para Trahern pareceu muito oportuno. — Se isso é verdade, por que não o fizeram há meses? Por que esperaram até agora para reconstruí-lo? A expressão de Gunnar se contraiu. — No princípio, não havia muitos Ó Reilley. Só havia três até que outros sobreviventes vieram ficar conosco — Gunnar pareceu zangado por ter que dar explicações — Fomos lá todos os dias e agora a maioria está voltando. — Quantos Ó Reilley há agora? — Mais ou menos uma dúzia — Gunnar respondeu com um olhar implacável — Tanto faz você acredita ou não em nossas intenções. Os Ó Reilley estão aqui e decidimos ajudá-los. — Poderiam ter ido à abadia — Trahern contestou. — É verdade — concedeu Gunnar — mas preferiram não fazê-lo. Preferiram não dever nada ao abade. — Por quê? — Mais dízimos — se limitou a responder Gunnar levando a mão ao machado que tinha pendurado na cintura — Basta de perguntas. Encontrou à menina e se isso era o que queriam, podem pega-la e partir. — Quero encontrar os homens que atacaram o povoado e levá-los perante a justiça — Trahern também levou a mão ao punho da espada que levava na cintura — Se estiverem entre seus familiares, pode estar certo de que os encontrarei. Se não, Morren o faria, mas sentiu um peso por dentro só de pensar que ela teria que encontrarse com quem a agrediu. — Nossos homens não são os responsáveis — insistiu Gunnar — Além disso, já enviamos homens para que investiguem nos assentamentos próximos. — Por quê? Se o que diz é verdade, não é assunto seu. — É quando acusam meus familiares de tentar aniquilar um clã irlandês. A paz entre nós já é frágil o bastante. — Com motivo. Gunnar sacudiu a cabeça com desgosto e abriu a porta. — Os Ó Reilley confiam em que vamos ajudá-los. Você deveria fazer o mesmo. Não confiaria jamais em um viking, mas não o disse. Só pensava em levar Morren e a sua irmã o

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rapidamente possível.

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— Estou começando a me perguntar se Gunnar não disse a verdade — Morren sussurrou a noite enquanto jantavam com outros vikings — Não vi nenhum dos homens que estiveram na noite do ataque. Ela tinha observado a cada um dos vikings, mas nenhum tinha o rosto que a atormentava em sonhos. Os sobreviventes de seu clã pareciam despreocupados e isso a tranqüilizava. Muitas pessoas de seu clã tinham visto os atacantes e era improvável que estivessem ali. Mesmo assim, era difícil ficar tranqüila. Seguiu observando aos desconhecidos com um nó de medo e fome no estômago. Trahern quase não havia tocado a comida. Olhava aos vikings como se esperasse que fossem atacá-los a qualquer momento. — Eu não confio neles — ele rebateu pegando um pouco de peixe com sua faca — Este é o acampamento viking mais próximo, Morren. Algum deles deve ter participado. Sua insistência sombria lhe deu um calafrio, porque ela queria acreditar que ali estaria a salvo junto com seu povo. — Espero que esteja errado. Morren voltou a concentrar-se na comida, embora o pessimismo de Trahern a houvesse afetado nela. Para distrair-se, terminou o peixe e bebeu hidromel fermentado. Jilleen estava sentada ao seu lado e não disse quase nada. Embora tivessem passado várias horas juntas, sua irmã tinha permanecido calada e retraída, como uma sombra. Jilleen não olhou para ninguém e ela se deu conta de que tinha sido um engano esconder-se com sua irmã. Ao isolá-las, tinha conseguido que fosse mais complicado ainda para que Jilleen se reunisse com os Ó Reilley sobreviventes. Sentiu-se muito arrependida, mas não podia continuar assim, tinha que cuidar de sua irmã e conseguir que as duas tivessem a melhor vida possível. Seus pais estavam mortos e ela era a responsável por pensar no futuro. A idéia era entristecedora. Para pensar em outra coisa, pegou um bolo de mel com pedaços de maçã seca por cima. A acidez da maçã se misturou em sua boca com a doçura do mel. Fechou os olhos e se chupou os dedos deleitando-se com esses sabores tão intensos. Fazia muito tempo que não comia tão bem. Quando voltou a abrir os olhos, a expressão de Trahern tinha mudado completamente. Tinha os lábios muito apertados e os olhos semicerrados. Ela se ruborizou. — O que aconteceu? — perguntou-lhe. — Nada — ele respondeu olhando para outro lado e recuperando a expressão de irritação. Morren supôs que seu mau humor o impedia de desfrutar da comida. Olhou ao redor e viu que lhe com calorosamente e seus olhos cinza se suavizaram com uma expressão de amizade. Usava um

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Katla a observava. Embora a mulher viking se enfurecesse com Trahern há apenas um momento, sorriu-

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vestido vermelho e um avental marrom preso nos ombros com uns broches dourados. Um xale cinza estava pendurado em seus braços. Katla se aproximou deles com uma expressão de arrependimento. — Eu estava alterada antes— se desculpou — Quero lhes dar as bom-vindas a você e a sua irmã em nossa casa. Podem ficar conosco se quiserem — uma sombra de desolação cruzou seus olhos como se tivesse recordado o ataque, mas voltou a sorrir olhando para Jilleen — Sei que sua irmã se alegrou em vê-la. — Obrigada por cuidar dela. O sorriso de Katla ficou mais tenso, mas olhou para Jilleen com carinho. — Lembra a minha filha. Katla o disse com amargura, mas Morren não fez perguntas. Isso explicava por que se teve tanto interesse em cuidar de Jilleen. Apesar do motivo, estava agradecida a essa mulher. Katla partiu um pedaço de pão e o deixou no prato de Jilleen sem perguntar. Seus olhos não perdiam um detalhe e deve ter percebido que a menina estava muito magra. — Deveria ter vindo antes. Uma mulher só não está a salvo. Morren hesitou sem saber o que dizer. As desculpas não lhe saíam da boca. Ninguém, exceto Jilleen, sabia o que tinha lhe acontecido na noite do ataque e só Trahern sabia que tinha perdido o bebê. — Não quer viver entre inimigos — Trahern interveio em um tom gélido. — Somos o inimigo? — Katla riu — Quem deu comida e proteção aos Ó Reilley durante os últimos quatro meses? Quem mandou homens a Glen Omrigh todos os dias para ajudar a limpá-lo e reconstruílo? — Você espera que nós acreditemos que são incondicionalmente generosos? — Trahern perguntou sem dissimular o tom sarcástico. Katla pôs as mãos na mesa e o olhou com indignação. — Quem é você para duvidá-lo, irlandês? Morren deu uma taça com hidromel para Trahern para distraí-lo. Jilleen tinha ficado tensa com a discussão, tinha largado a comida, sem terminar e olhava fixamente à mesa como se quisesse desaparecer. — Não tenho nenhum motivo para acreditar — Trahern respondeu — Seu povo matou a mulher com a qual ia me casar. O rosto da Katla ficou arroxeado. — Você está errado! — ela esticou um braço e retirou sua comida — Se não for acreditar, então, pode partir. — Katla… — outro homem apareceu por detrás dela e lhe devolveu a comida — Deixe que fique. Entretanto, Katla não se desculpou e Trahern se levantou e partiu do edifício.

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A julgar como pôs as mãos nos ombros da mulher, Morren desconfiou que fosse seu marido.

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Morren olhou Jilleen, que não tinha levantado a vista da comida. — Me espere aqui — pediu a sua irmã — Voltarei em seguida. A energia irreprimível e a raiva acumulada de Trahern o convertiam em uma ameaça para qualquer um que se aproximasse. Alguém acabaria provocando-o e ela não sabia se poderia acalmar seu gênio. Possivelmente fosse preferível que ele partisse. A idéia era assombrosamente decepcionante. Durante os últimos dias, ele a tinha cuidado e protegido. Sua presença tinha sufocado seus medos. Se partisse, ela teria que enfrentar a todas as perguntas que não queria responder. Uma vez fora, o vento varria os telhados de palha. O céu estava salpicado de estrelas e ao redor se ouviam misturadas as vozes irlandesas e vikings. Trahern estava de costas para ela e sua imponente figura se recortava contra a escuridão. O brilho das fogueiras não era suficiente para ver com claridade. Suportava um peso invisível sobre suas costas e ele, como sua irmã, parecia com se a margem dos outros. Aproximou-se de seu lado fazendo um pouco de ruído para que a ouvisse. Dentro dele fervia a inquietação de um homem que não queria estar ali. Necessitava de liberdade e ela não podia lhe pedir que ficasse. — Não tem que ficar por mim. Não há nada que o retenha aqui — ela lhe disse com delicadeza. Ele se virou, olhou-a desde sua impressionante altura e a fúria pareceu dissipar-se. Começou a se serenar com cada respiração que tomava. — Isso não é verdade. Ela corou. Embora soubesse que não significava nada para ele, seu tom tinha indicado outra coisa. — Não nos acontecerá nada. — Deixei Ciara acreditando que não lhe aconteceria nada — ele se aproximou um pouco — Despedi-me dela acreditando que outros a protegeriam. Notou o frio da noite no pescoço e Morren retrocedeu um passo. — Não podia saber o que ia acontecer. Queimaram nossas casas em plena noite. Ninguém esperava que fossem atacar. — Você me pede que volte a fazer o mesmo. Quer que deixe você e a sua irmã ao cuidado desses vikings. Ela fechou as bordas do capote. O rosto dele era implacável e todo seu corpo estava rígido pela dor. — Não é o mesmo. Alguns de meus primos e amigos estão aqui. — Prometi a sua irmã que não permitiria que lhe fizessem nada. Trahern esticou um braço e tampou sua cabeça com o capote para abrigá-la. Morren quis — Quer que eu acompanhe as duas à abadia?

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retroceder, mas não pôde se mover. Seu ar protetor a manteve presa no lugar.

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Ela sabia que Trahern queria que estivessem a salvo, mas não podia ficar toda a vida com os monges. Tinha que voltar com seu clã por Jilleen e isso significava ficar ali. — Obrigada — ela respondeu — mas é melhor que minha irmã fique aqui, com nosso povo. Quando os outros Ó Reilley voltarem para o Glen Omrigh, iremos com eles. — Eu não gosto disso, Morren. — Minha família confia o suficiente nos Dalrata e estão aqui há meses. Além disso, não lhe ocorria outra alternativa. — O que aconteceu com seu chefe? — ele perguntou. Ela encolheu os ombros. — Suponho que Lucas morreu. Não sei quem é o chefe agora. — Eles tampouco sabem — Trahern apontou para o edifício — Não viu como olham uns para os outros esperando que alguém tome a iniciativa? Também mataram aos filhos do Lucas? — Não sei. Não estão entre os sobreviventes, mas, mesmo assim, há vários homens que poderiam ocupar o lugar de Lucas. Seu chefe não tinha sido o chefe mais forte e muitas vezes preferia que outros tomassem as decisões. Morren nunca o tinha apreciado especialmente, mas tampouco sabia por que. No momento, possivelmente fosse melhor que seu clã seguisse misturado com os vikings. Trahern a levou através do povoado para as portas. — Até que alguém seja o chefe, seu clã está nas mãos dos vikings. — Os Dalrata não eram nossos inimigos — ela detalhou — Algumas de nossas mulheres se casaram com eles. Temos vínculos. Trahern se deteve e observou a edificação que dominava todo o entorno. As terras vikings, tão extensas como o reino de seu irmão, chegavam até o mar. — Eu não confio neles e você tampouco deveria confiar. Ela cruzou os braços e o olhou. — Você não confia em ninguém. Ela não entendeu o que tinha acontecido com ele. A morte de uma mulher o tinha afetado tanto? Lembrou-se de sua risada e de que sempre tinha alguma história para contar; de como montava um menino sobre seus ombros e de como brincava com outros. Aquele homem tinha desaparecido. — Tenho motivos para estar zangado. Até que tenha me vingado, pouco me importa o que outros pensem de mim. — Está deixando que isso destrua o homem que foi. — É a mesma mulher que foi? Suas palavras a atravessaram e ela olhou para o outro lado pela vergonha. aconteceu. Não posso me permitir chorar ou me enfurecer. Tenho que cuidar de minha irmã.

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— Ninguém voltará a ser o mesmo, mas eu preferi enterrar meus sentimentos pelo que

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— Você acha de verdade que pode esquecer o que aconteceu? — Não posso fazer outra coisa. — Isso é um veneno, Morren — ele rebateu com delicadeza — Te corrói por dentro até que acha que vai ficar louco. Ela se estremeceu porque era verdade. Cada vez que acreditava deixar de lado seus pesadelos, eles acabavam voltando com mais força que antes. — Eu tentei esquecer e continuar com a minha vida — ele seguiu — Tenho família. Tenho quatro irmãos casados e com filhos. Cada vez que os olhava e via o quão felizes eram, pensava em Ciara. Arrebataram-me isso e me amaldiçoaria se permitisse que quem a matou pudessem ser feliz. Ela se afastou e sentiu mais frio ainda. — Sua ânsia de vingança o mudou. Ciara não teria querido isso. Morren lhe deu as costas e voltou para a casa onde tinha deixado sua irmã. O vento do outono lhe afastou o cabelo e voltou a sentir o frio na nuca. Ouviu os passos de Trahern que a seguia. Não a deixaria sozinha nem um instante. — Morren, espere — ele lhe pediu antes que entrasse na casa. Ela parou, mas não deu a volta. Ele podia dizer o que quisesse, mas isso não mudaria nada. — Se for ficar com os vikings, então, eu também ficarei até que saiba que está a salvo. O seu senso de honra era tão pronunciado que ela supôs que demoraria muito para partir. A idéia a fez se sentir como uma carga. — Não sou sua responsabilidade. Se ficar, será por seus motivos, não porque tenha que me proteger. Ela seguiu avançando, mas Trahern a alcançou cortou-lhe o caminho e a olhou nos olhos com os braços cruzados. — Você acha que não necessita que a protejam deles? — Não se quem for me proteger é um homem resmungão e mal-humorado, que vai dizer que eu estaria melhor se levasse a minha irmã para um lugar isolado. Ele esboçou um leve sorriso. — Não sou um resmungão. — É. Além disso, estou certa de que ficaria se queixando todo o tempo. Ele pareceu ficar admirado, mas ela não se desculpou por dizer a verdade. — Você acha que me comporto como um menino. Ele sorriu de repente. Era a primeira vez que o via sorrir e isso fazia com que o guerreiro mal encarado se transformasse em um homem. E em um homem bonito, se fosse sincera. Nunca tinha pensado nisso, mas a verdade era que Trahern MacEgan tinha atraído muitas mulheres do clã, não só a raspados contrastavam muito com seus olhos cinza e afiavam seus traços como o fio de uma espada.

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Ciara. Há alguns meses usava o cabelo e a barba longos, mas nesse momento, sua cabeça e rosto

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Além disso, estava olhando-a fixamente com ar zombador. Não sabia se estava rindo dela, para si mesmo, e se deu conta de seus defeitos. — Prometo não ser mal-humorado nem me queixar, mas tampouco vou confiar nos vikings — ele disse lhe fazendo um gesto para que seguisse andando. — Temos o mesmo objetivo: encontrar aos homens responsáveis pelo ataque. Apesar de seus receios, sei que há homens que querem encontrar aos agressores, como você. — Vai ter que provar antes. Quando chegaram ao edifício, ele abriu a porta para que ela entrasse. Morren o olhou. Embora já não sorrisse, parecia mais tranqüilo e menos disposto a matar o primeiro homem que visse. — Aonde você dormirá esta noite? — ela perguntou antes de reunir-se com os outros. Morren viu sua irmã sentada ao lado do chefe viking, mas parecia incomodada. Quando se aproximou deles, Gunnar levantou um sorriso de interesse. Trahern pôs a mão no seu ombro e ela fez um esforço para não afastar-se.

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— Não vou me separar de você, Morren. Esta noite dormirei onde você dormir.

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Seis Jilleen odiava a si mesma por ser uma covarde, pusilânime e egocêntrica. Embora já estivesse há vários dias com os Dalrata, tinha permitido que a tratassem como a uma menina pequena. Katla tinha lhe dado roupa e embora ela tivesse estado com as outras meninas de sua idade, ela sabia que não se encaixava, que era uma intrusa, diferente. Já a tinham classificado de forasteira e embora não lhe houvessem dito nada indelicado, notava sua distancia. Por que iriam querer ser amigas de uma menina irlandesa? Não era uma delas nem nunca o seria. Embora houvesse alguns vínculos por causa das mulheres que se casaram com eles, isso já não tinha muita importância. Poucas pessoas tinham sobrevivido ao ataque. Aparentemente, pouco mais de uma dúzia. O espanto daquela noite a afligia e seu estômago se encolhia. Gostaria de poder fechar os olhos e impedir a chegada das lembranças. Tinha visto o que os homens fizeram com sua irmã e o ódio queimou suas veias enquanto olhava. Não só pelo que fizeram a Morren, mas também se odiou a si mesma. Escondeu-se entre as árvores ao invés de ajudá-la. Não fez nada para deter aqueles homens e isso a converteu na pior covarde de todas. Essa noite, ao ver Morren entre essas pessoas, soube que sua irmã tinha mudado. Naturalmente, seguia sendo tímida, mas Morren já não sorria e ela não pôde evitar reprovar-se. Se não tivesse permitido que a apanhassem, nada disso teria acontecido. Iria corrigir isso de algum jeito. A necessidade imperiosa de reparar o sofrimento de Morren superava a todo o resto. Concentrou-se em Trahern. Esse gigante a assustou no começo, quando o encontrou, mas se lembrou das histórias que contava e de sua bondade. Soube que poderia ajudar Morren com a febre assim que o viu. E ele o tinha feito. Tinha-a protegido e, inclusive nesse momento, pôde ver como a olhava. Embora nunca tivesse sido uma casamenteira, se os ajudasse a ficar juntos, havia muitas possibilidades de que Trahern se ocupasse de Morren. Talvez isso compensasse sua covardia. Talvez…

começavam a partir — Aron pensou que iria querer assistir.

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— Esta noite vamos nos reunir para falar do ataque — Gunnar disse enquanto as pessoas

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Trahern ficou tenso para ouvir o nome do irmão de Ciara. Não o tinha visto nem sabia que havia retornado. Não estava entre os outros Ó Reilley e estranhou que não os tivesse saudado. Olhou para Morren, que respondeu à pergunta que não tinha formulado. — Vá com Gunnar. Eu ficarei bem com Jilleen. — Não quero que fique desprotegida. — Ela pode ficar com Katla — Gunnar propôs — A esposa de meu irmão a protegerá. Trahern estava certo disso. A viking atacaria a qualquer homem que fosse uma ameaça para alguém sob seu amparo. — Está tudo bem, Trahern. Pode ir com eles e encontrar as repostas está procurando. Ele teria preferido que Morren o acompanhasse, mas estava pálida e era melhor que descansasse. Também queria que uma curandeira a visse pela manhã para certificar-se de que não tinha seqüelas pelo parto malogrado. — Voltarei esta noite — ele lhe assegurou. — Eu sei. Ela o olhou nos olhos. Embora seus olhos azuis não transmitissem confiança, refletiam coragem. Ele, sem pensar, acariciou sua bochecha e ela se afastou tão bruscamente que ele retirou a mão. — Desculpe— ela murmurou — Sei que não queria me fazer nada. Ele balbuciou que não tinha importância, mas no fundo o incomodava que ela reagisse assim a qualquer contato inesperado. Partiu sem dizer mais nada e seguiu Gunnar até outro edifício retangular. O viking parou na entrada e o olhou pensativamente. — Reclamou Morren como sua mulher? — Não no sentido que dá a entender, mas não permitirei que você ou outro homem a incomodem. Jurei protegê-la. — Canalha egoísta — Gunnar abriu a porta — Não a quer, mas tampouco quer que seja de outro. — Precisamente. Não deu nenhuma explicação porque Morren já tinha suportado o suficiente. Quando entraram, Trahern viu cinco homens sentados. Aron, o irmão de Ciara, estava com uma expressão de resignação. Parecia como se tivesse perdido toda a esperança. Trahern se deu conta de que estava evitando-o, mas por quê? Era pela dor da perda de Ciara ou por remorso? — Este é nosso chefe, Dagmar — Gunnar lhe apresentou. O chefe, um homem mais alto e maior, levava anéis de ouro e um bracelete no alto do braço para indicar sua posição. Olhou-o fixamente com seus olhos castanhos e severos, como se quisesse assimilar seu tamanho. Trahern não se intimidou e manteve o olhar desafiando-o a dizer algo. — Sei que acha que estamos por trás daquele ataque, mas não é verdade — o chefe disse —

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Estamos tentando saber quem foi.

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Trahern se sentou ao lado de Aron e olhou atentamente aos outros vikings. A postura ou os gestos de um homem podiam denunciar sua culpa quando mentia, mas ainda não tinha visto nada. O chefe falou em irlandês por cortesia a Aron e a ele, que tinha aprendido um pouco do idioma viking quando era um menino com seu avô, mas não entendia muito bem. — Na noite passada chegou um mensageiro de Corca Dhuibhne. Os irlandeses e os escandinavos são virtualmente o mesmo clã ali. Não têm motivos para atacar Glen Omrigh — explicou o chefe. Trahern já sabia disso porque seu avô Kieran tinha passado muito tempo em Corca Dhuibhne com a família Ó Brannon. — O que me dizem de Port Láirge? — ele perguntou — Há um acampamento muito grande com ao longo do rio. — Fica muito longe daqui, mas é possível — Dagmar respondeu encolhendo os ombros como se isso não lhe importasse — Gunnar cuide disso — o chefe se dirigiu aos outros — Está chegando o frio e será mais difícil reconstruir o povoado quando o chão congelar. Um grupo de homens começará com os alicerces amanhã. Quanto antes o reconstruamos, antes poderão voltar os Ó Reilley. A conversa se desviou para as necessidades do clã irlandês e se todos os sobreviventes deveriam empreender a viagem. Trahern os observou, fingindo atenção, mas o que realmente lhe interessava era saber por que queriam ajudar aos Ó Reilley. Embora fosse normal que um clã irlandês ajudasse a outro, não se disse nada sobre o que os Dalrata receberiam em troca. No final, quando a reunião terminou e os homens começaram a retirar-se para suas casas, ele perguntou a Aron. — Querem ampliar seu território — Aron respondeu — Entregaremos parte de nossas terras aos Dalrata em troca de sua ajuda. O clã é menor agora e não necessitamos de tanto espaço. — Quanta terra? — Trahern perguntou sem gostar da idéia. — Não tanta quanto pode imaginar — Aron o olhou com cautela e baixou a voz até que foi um sussurro enquanto voltavam para centro do povoado — Trahern, se não fosse por eles, estaríamos mortos. Perdemos quase toda a colheita com os incêndios e nos convidaram a passar o inverno com eles. — Se eu fosse você, Aron, não confiaria neles. — Não podemos fazer outra coisa — Aron parou e sacudiu a cabeça — Você pode ter receios, mas eu sou grato. Amanhã pode nos acompanhar enquanto reconstruímos o povoado. — É possível. Quanto mais tempo passasse com eles, mais poderia saber do que aconteceu naquela noite. — Por que retornou, Trahern? — Aron lhe perguntou bruscamente. O irmão de Ciara tinha o rosto tenso, como se não quisesse que ele estivesse ali.

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— Vou vingar a morte de Ciara. Vou encontrar os homens responsáveis pelo ataque.

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Aron voltou a olhar para os vikings com inquietação e Trahern se convenceu, mais do que nunca, que ele sabia de algo. — Sei que amava minha irmã — reconheceu Aron — Eu teria gostado de o chamar de irmão, mas nada nos devolverá isso. Encontrar a esses homens não vai mudar nada. Trahern se aproximou sem dissimular a fúria gélida que tinha acumulado. — Vou encontrá-los, Aron, e pagarão por sua morte. Aron assentiu com a cabeça, mas não o olhou nos olhos. Dirigiu o olhar para a moradia viking onde dormiam as mulheres. — Como acabou viajando com Morren? Nunca soubemos o que tinha lhe acontecido. Trahern se conteve para não contar muitas coisas. — Encontrei-as, a Jilleen e a ela, em uma cabana de caçadores abandonada. Primeiro as levei para abadia, mas souberam que tinham vindo para cá. — Nós as procuramos, mas achávamos que as duas tinham morrido. A expressão de Aron era de desgosto, mas Trahern teve a sensação de que era falsa, de que ninguém tinha procurado pelas mulheres, e sua inquietação se triplicou. — Quando vi que os homens perseguiam Jilleen, temi o pior — Aron seguiu. — E não fez nada para ajudá-la? — Trahern se segurou com força ao marco de madeira — É uma menina! — Não estava ali naquela noite — Aron respondeu em um tom gélido — Todas as casas e os campos estavam ardendo. Estávamos tentando tirar as crianças, não estávamos preparados para o ataque. Quando se passaram alguns meses e Morren e Jilleen não voltaram, concluímos que estavam mortas ou prisioneiras. — Vocês as abandonaram. Ninguém as procurou — Trahern acusou. — Naquela noite perdi minha irmã e meus pais — Aron rebateu — Já tinha o bastante enterrando a meus mortos. A fúria de Trahern não se aplacou porque o clã estivesse estado ocupado com seus próprios problemas. Tinham deixado de um lado a dois de seus familiares. — O que aconteceu com a família de Morren? — Ela e sua irmã já estavam sozinhas. Seus pais morreram no ano passado e se tinha tios, nunca os conhecemos — Aron ficou pensativo — Acredito que havia um homem que cortejava Morren. Chamava-se Adham Ó Reilley. Trahern tentou lembrar se tinha visto Morren com alguém, mas tinha passado muito pouco tempo com o resto do clã e não sabia. — O que aconteceu com Adham?

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— Está aqui.

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Trahern não reagiu, mas foi como se tivessem atravessado seu ventre com um fio de aço. Não conhecia Adham, mas não se confiava em nenhum dos homens Ó Reilley. Não havia nenhum motivo para que o clã tivesse abandonado Morren apesar do perigo. — Irei com você quando sair — Trahern disse — Além disso, vou fazer com que Gunnar me devolva o cavalo. — Eu me ocuparei — Aron disse com um sorriso. Os dois homens cruzaram o povoado, mas Trahern se separou de Aron e seguiu para a casa de Katla, onde estava Morren. A mulher o deteve na porta e praticamente o empurrou para fora. — Não pode entrar. Só as mulheres podem entrar. Trahern não deu atenção. — Seu marido está aqui, não está? Katla colocou as mãos na cintura. — Confio plenamente em Hoskuld, mas não em você. — Prometi a Morren que as protegeria, a ela e a Jilleen. Se a incomodar que tenham um protetor, eu vou levá-las para outro lugar. — Você não é da família — Katla contestou — Não tem esse direito. — Sou o único homem que se preocupou com elas, por isso tenho o direito. Não estava disposto a deixar que uma viking desbocada o importunasse. — Irlandês bruto e teimoso — ela o insultou tentando fechar a porta. — Isso e muito mais — ele não se intimidou e pôs uma coxa para que não fechasse a porta — Não vou lhes fazer nada. Morren tinha se levantado com os olhos sonolentos e o cabelo preso em uma trança. — Está tudo bem, Katla. Ele pode ficar. — E as demais? Um homem como este não tem por que as incomodar. Morren tocou Katla no ombro. — Trahern não vai fazer nada a nenhuma das mulheres, mas se preferir, irei para outro lugar para dormir. Ele sentiu uma pontada pela tranqüila insistência em permanecer ao seu lado. Sua confiança nele foi inesperada e comovedora. Katla os olhou fixamente e dirigiu um olhar de censura para Trahern. — Então, fique naquele lado — ela lhe disse apontando o fundo da moradia. Trahern esperou que a mulher se afastasse para se aproximar de Morren. Olhou-a e se perguntou se ela gostaria que partisse. — Não queria a acordar. — A verdade é que não estava dormindo. Eu não gosto de sonhar. — Quer que eu vá? Dormirei do lado de fora se isso a tranqüilizar.

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Não lhe perguntou o por que.

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— Não seja tolo. Esta noite pode gelar e do que servirá se morrer? Foi difícil não sorrir com esse comentário macabro. — Tem certeza? Ela assentiu com a cabeça e deu uma palmada no chão, ao seu lado. — Sente-se comigo e me conte o que descobriu com os outros. Ele contou em voz baixa, mas não lhe disse nada sobre Adham. Embora não o conhecesse, também não confiava nele por ter abandonado Morren. Também se perguntou o que sentiria ela por Adham, se sentisse algo. — Pela manhã vão ao povoado para reconstruir as casas. Quer ir? — Você vai? — Sim, eu pensei nisso. Quero falar com os outros homens Ó Reilley sobre o ataque — suavizou o tom ao lembrar-se das lembranças que ela podia ter — Entretanto, se preferir que eu fique… — Não, tenho que voltar — Morren olhou para sua irmã — Acredito que também seja melhor para Jilleen. Morren apoiou as costas na parede e como falavam em voz baixa teve que aproximar-se dele para ouvi-lo. Ele se perguntou se lhe daria medo estar tão perto. — Trahern, até quando você vai ficar? Estava a ponto de dizer que ficaria até que ela estivesse a salvo, mas se conteve. Podia o interpretar mal. Proteger a Morren e a sua irmã era uma maneira de expiar todos os enganos que tinha cometido com Ciara. Queria estar certo de que o clã dela não fora vítima dos vikings nem que o clã dos Dalrata os absorvesse e isso poderia demorar um tempo que ele não tinha. Embora não gostasse da idéia de passar o inverno entre os vikings, em breve seria muito perigoso viajar. — O suficiente para ajudar seu clã a reconstruir o povoado — ele respondeu — Quero saber por que os vikings estão tão interessados em suas terras. Acho que estão escondendo algo — olhou para Katla, que tinha se deitado — Entre os Ó Reilley, eu posso me inteirar de mais coisas sobre o ataque e se trabalharmos muito, vão poder passar o inverno em suas casas. Morren negou com a cabeça. — Embora se reconstrua o povoado, não temos mantimentos suficientes para passar o inverno. A não ser que se recolhesse a colheita e duvido muito que alguém se ocupasse dos campos. — Ainda dá tempo para caçar e se todo mundo colaborar, poderíamos reunir carne suficiente. — Mas não temos grãos — ela dobrou as pernas com os joelhos para cima e ficou um momento em silêncio — Já é muito tarde para plantá-lo. — Poderíamos comercializar — ele respondeu — Sempre fica a esperança. Trahern lhe estendeu a mão aberta. Ela o olhou nos olhos e ele captou a delicadeza mesclada com a decisão. Levantou hesitantemente a mão e a pôs sobre a dele.

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— Tem razão. Há esperança.

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Tomou a mão sabendo o esforço que tinha feito. A beleza serena de seu rosto o alcançou como uma lança entre as costelas. Morren Ó Reilley era mais do que parecia, a delicadeza de seus traços ocultava muita força e seus olhos azuis e melancólicos tinham visto muitos horrores. Subitamente, quis que ela voltasse a encontrar a felicidade… mas não com Adham Ó Reilley. Não compreendeu de onde tinha saído um sentimento tão possessivo. Ela necessitava de um homem estável que cuidasse dela e apagasse seus pesadelos do passado. Por que ia importar se fosse Adham, Gunnar ou outro homem? Porque eles não sabiam o que tinha sofrido. Não tinham tido o corpo de seu filho entre as mãos nem sabiam o atroz suplício que tinha padecido e encerrado embaixo de sete chaves. Não deveria ter que contar. Eles não tinham por que saber. Morren lhe olhou os pés. Tinha os sapatos desatados e o couro estava rígido pelo frio. Esticou os braços para amarrá-los. O leve toque de suas mãos nos pés fez que lhe fervesse o sangue. Embora se limitasse a lhe amarrar os sapatos, foi um gesto inesperadamente excitante. Não teria podido evitar a reação nem que tivesse deixado de respirar. O ligeiro aroma de seu cabelo e a fragilidade que transmitia fizeram que quisesse abraçá-la. Podia saber-se o que estava lhe passando? Estava tão necessitado de uma mulher que se expôs em tocar Morren? Detestou-se por esses pensamentos que profanavam a lembrança de Ciara. Separouse de Morren e se levantou. — Vá se deitar. Sairemos pela manhã. Sem lhe dar nenhuma explicação, afastou-se dela. Entretanto, embora fizesse todo o possível por dormir, só pôde pensar nela.

Ao amanhecer, Morren os acompanhou a Glen Omrigh. Fazia tantos meses que não ia que quase teve medo do que poderia encontrar. Trahern tinha enviado um viking à abadia para que devolvesse os dois cavalos que eles tinham emprestado. Já montava seu cavalo outra vez e parecia mais relaxado. Mesmo assim, não disse nenhuma palavra. Sua frieza a desconcertava. Na noite anterior a tinha tratado como a um frasco de veneno porque, indevidamente, havia tocado os laços de seus sapatos. Tinha feito isso sem pensar, como teria amarrado os sapatos de um menino. Entretanto, Trahern tinha se comportado de uma forma muito estranha depois. Essa manhã não tinha lhe dirigido a palavra nem a tinha cuidadoso nos olhos. Se não Deve ter pensado que com aquele gesto o desejou como uma mulher deseja a um homem. Não era verdade. Ruborizou-se. Entretanto, mesmo que fosse verdade, tinha a tratado como a uma mulher GRH – Grupo de

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fosse porque a protegia a todo o momento, teria pensado que a evitava.

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corrompida. Isso a tocou no seu intimo, ali onde tinha confinado toda sua dor, e reavivou toda sua raiva. Ela não tinha culpa, não podia reprová-la. Sabia com o coração, mas sufocou energicamente suas emoções. Não podia pensar nisso. Agarrou com força as rédeas para conter as lágrimas. Embora Trahern a tivesse salvado, acreditava que ele a considerava uma carga. Mas por quê? Acaso tinha lhe pedido algo? Quanto mais pensava nisso, mais rancor sentia. Tratava-a como a uma irmã menor ou a uma menina da qual se considerava responsável. Entretanto, era uma mulher adulta e bem capaz de viver por conta própria. Não o necessitava. Fechou os olhos e desejou ser forte. Não seria um aborrecimento para um homem, e nem deixaria que o medo a transformasse em uma sombra. Tinha que pensar em Jilleen. Enquanto seguia a viagem, foi olhando ao pequeno grupo dos Ó Reilley e uma cara conhecida lhe chamou a atenção. Era Adham, o homem que havia se interessado por ela fazia um tempo. Ele se dirigiu a ela quando chegou ao povoado viking, mas ela não respondeu por que não quis encontrar-se com ele e esperou que ele não a cortejasse. Já não queria que nenhum homem olhasse para ela. Com uma atitude hermética, cavalgou ao lado de Trahern. Era estranho estar rodeada de tantas pessoas e, mesmo assim, nunca havia se sentido mais sozinha. Fazia frio e as nuvens baixas subiam pelas encostas das colinas. Cavalgaram uma hora para o nordeste, passaram a abadia e subiram a colina. Depois de cavalgar meia hora mais para o norte, chegaram a Glen Omrigh. O aroma acre de fumaça estava impregnado nas ruínas carbonizadas. Entretanto, Morren dirigiu o olhar para os campos queimados, não para a fortaleza arrasada. Os atacantes puseram fogo nos grão naquela noite. A cevada verde não deveria ter se queimado facilmente, mas tinham passado por uma seca e então ardeu como uma tocha. Não acreditava que pudessem salvar algo dos grãos. Podiam reconstruir as casas, mas demorariam muito mais para revitalizar a terra devastada. Os homens já estavam desmontando e Morren se dirigiu para o arroio que corria ao redor do povoado, desmontou e deixou o animal beber. Não olharia para o exterior do povoado fortificado, onde a atacaram. As lembranças eram muito vívidas. Olhou fixamente para o chão e se concentrou na terra. Quando outros entraram, ela ficou atrás. Trahern acompanhou Jilleen até a porta de entrada e parou para esperá-la. Embora soubesse que era absurdo, precisava ficar mais tempo fora. Fez um gesto para que seguisse, mas Trahern não se moveu e a observou como um sentinela silencioso. Ela caminhou pelo campo de cevada queimada e se ajoelhou para examinar os danos. Assombrosamente, alguns caules tinham sobrevivido à destruição. Sua cor dourada contrastava com as cinzas e era um brilho de esperança. A cevada tinha lutado para sobreviver só com a chuva e o sol. Perdeu a noção do tempo até que um movimento chamou sua atenção. Trahern estava na borda seu capote escuro. Morren fez um esforço para deixar o grão calcinado e aproximar-se dele. Quando

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do campo, mas não havia lhe dito nada. Observava-a com a mão no punho da espada. O vento ondeava

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parou, lhe estendeu a mão. Ela vacilou ao lembrar-se de que na noite anterior ele tinha tomado sua mão. Foi um gesto inocente, mas ainda a deixava inquieta. O contato com sua mão a estremeceu. Não foi ameaçador nem autoritário, mas o calor de seus dedos lhe pareceu como um abraço, como a confirmação de que estaria ali. Entretanto, isso não era verdade. Seus caminhos estavam separados e nada o mudaria. Trahern notou seu desconforto e baixou a mão. Ela temeu havê-lo ofendido, mas ele não expressou seus pensamentos nem suas emoções.

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— Vamos, quero que veja uma coisa — ele disse com aspereza.

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Sete — O que é? Morren acompanhou Trahern para dentro do povoado, onde Jilleen estava esperando-os. Sua irmã tinha uma expressão de nervosismo no rosto. — É algo que Jilleen descobriu — ele reconheceu — Pensei que talvez quisesse vir conosco. Seu tom de alguma maneira a fez notar o medo de sua irmã. — De acordo. O alívio de Jilleen foi evidente e Morren entrou com eles. Alguns homens tinham começado a retirar a madeira queimada e outros estavam cortando barras. Algumas mulheres vikings tinham ido com eles e estavam reunindo palha para arrumar os telhados. Katla dirigia a operação como se quisesse reconstruir pessoalmente cada casa. Os homens pareciam incomodados e Morren dissimulou um sorriso pela presença autoritária da mulher. Jilleen seguiu levando-os para o extremo mais afastado do povoado e Morren começou a andar mais devagar. Se seguissem, teria que passar pelo lugar onde… Afastou de si mesma esse pensamento. Jilleen estava levando-os a uma passagem subterrânea. Pegou a mão de Trahern e não olhou. Não queria ver as ervas esmagadas nem recordar absolutamente de nada. A mão firme dele a guiou e a tranqüilizou. Ela só desejou que também pudesse protegê-la dos pesadelos. Jilleen afastou um mato alto para deixar à vista a passagem. O túnel subterrâneo se utilizava como armazém e via de fuga. Aquela noite, os atacantes puseram fogo no matagal que cobria a entrada para que não pudessem utilizar a passagem. — Por que viemos aqui? Morren não podia entender por que sua irmã os tinha levado ali em vez de utilizar a escada que havia no povoado. Trahern apertou sua mão. — Continue Jilleen. Iremos atrás de você. Uma vez dentro, Morren não pôde ver mais nada. O interior cheirava a terra e putrefação. Conteve o fôlego e os seguiu. A mão de Trahern a levou até um raio de luz que entrava por uma abertura e Jilleen apontou um monte de vasilhas quebradas. — Olhe. Morren conteve a respiração quando viu o que sua irmã lhe apontava. No piso havia um punhado

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de moedas de prata. — De onde saíram? GRH – Grupo de

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Trahern pegou uma das moedas e a pôs na luz. — Suspeito que fosse um pagamento aos atacantes vikings — ele respondeu antes de olhar para Jilleen — Fez bem em nos trazer por aqui para que não nos seguissem. Trahern se agachou, pegou um punhado de moedas e as deu a Morren. Ela não pôde evitar um tremor quando a prata, muito fria, tocou sua mão. — Como sabe que pertenciam aos vikings? — Porque são antigas. Vê a cruz? Não são irlandesas. É possível que tenham cem anos. Mostrou-lhe uma e ela a olhou com atenção. Tinha razão. Nunca tinha visto uma moeda assim. — Deveríamos mostrar ao chefe dos Dalrata? — Não. Não conte a ninguém até nos inteiramos melhor das coisas. Quando os vikings tiverem voltado para seu acampamento, vocês poderão usá-las para comprar mais grãos e mantimentos para o inverno. Morren se deu conta de que ele que não confiava em Dagmar, mas ela não acreditava que o chefe tivesse algo há ver com o ataque. Se tivesse sido o responsável, por que ia dedicar tanto esforço para reconstruir o povoado? O calor da mão de Trahern durou um pouco mais do necessário. Ela ficou arrepiada e não entendeu sua reação a seu contato. Não era medo, era outra coisa, algo inesperado. Soltou-se e se agachou para recolher o resto das moedas. Assim pôde dissimular o desconforto enquanto as guardava em uma vasilha. — Eu vou voltar antes que Katla perceba — Jilleen disse. — Iremos em seguida — Trahern assegurou. Jilleen partiu pela passagem enquanto Morren terminava de recolher as moedas. Quando se levantou, uma rajada de vento colocou uns flocos brancos pela abertura. — Neve…? — ela perguntou. Não podia acreditar. Ainda era cedo e, além disso, nevava muito poucas vezes nessa parte da Irlanda. Estava mais acostumada à chuva e o frio. Trahern estendeu uma mão e os flocos se derreteram na palma. — É cedo ainda — comentou ele com um leve sorriso — Quando era menino, brigava com meus irmãos adotivos na neve. Fazíamos bolas e as atirávamos. — Os meninos saíam correndo quando me viam — ela recordou. Ela também estendeu a mão e os flocos caíram em seus dedos. — Por quê? Trahern a tirou do túnel e a levou para os campos de cevada. Morren suspirou aliviada porque não a tinha levado por onde tinham chegado. — Porque podia alcançá-los com uma bola de neve. Jilleen zombava deles e eu tinha que defendê-

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la.

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Ele a olhou com os olhos entreabertos. — Ter boa pontaria é muito útil. Os olhos dele se suavizaram pelo interesse e ela se ruborizou. Não era a primeira vez que um homem a olhava assim, mas nunca tinha esperado que Trahern o fizesse. Sobretudo, quando antes tinha estado tão distante. Olhou para o outro lado e se dirigiu para a entrada do povoado. — Vamos nos reunir com outros. Os flocos formavam redemoinhos no ar, mas quase todos desapareciam assim que tocavam o chão. Quando Morren voltou a entrar, observou os danos com mais atenção. Havia pedras caídas e madeira carbonizada por todos os lados. A destruição apertou a sua garganta ao lembrar-se de todas as famílias que tinham vivido ali. Deu a volta lentamente e as lágrimas lhe queimavam os olhos. Tanta violência sem motivo, exceto as moedas de prata. Trahern se aproximou por detrás, mas não disse nada. Quando o olhou, viu sua própria dor refletida nos olhos dele. A neve lhe atravessava a pele e tinha o coração tão frio como o ar gelado. Fechou os punhos e entendeu a necessidade de vingança dele. Amigos, familiares distantes… todos se foram. Segurou a vasilha com todas as suas forças, como se pudesse desfazer a argila com as mãos. A entregou para ele. — Trahern, encontre os homens que fizeram isto, por favor. — Eu o farei. Trahern o disse sem se alterar, mas com muita intensidade. Ela acreditou. Sabia que não se daria por vencido até que os atacantes estivessem nas mãos da justiça. — Necessitará das moedas para comprar grão para sua gente — ele declarou. Dava-lhe calafrios só de pensar em tocar nas moedas que tinham pago a morte de seus parentes. Entretanto, ele tinha razão. Teria que as usar e, mesmo assim, poderiam não ser suficientes. — Guarde isso para mim — ela lhe pediu — Ao menos por enquanto. Ele esvaziou a vasilha na bolsa que levava na cintura. — Você pode me pedia-las quando quiser, são suas. Morren se virou e se afastou um pouco mais depressa que Trahern. Não queria acreditar que alguém de seu clã tivesse contratado a esses homens, mas era possível. Observou a um grupo de vikings que trabalhava com Aron e outros sobreviventes. Faziam a rudimentar estrutura de duas cabanas e ao fim de uns dias estariam terminadas. Gunnar estava sobre uma das paredes e pregava a estrutura de madeira que seguraria o telhado. Jilleen acompanhava Katla e outras mulheres que faziam feixes de palha. Quando passou perto dos homens de seu clã, viu que Adham a olhava com um ligeiro sorriso, como se lhe perguntasse se ia falar com ele. Ela olhou para o outro lado inquieta. A verdade era que não queria saber nada dele. Naquela noite não fez nada para protegê-la e, ela pelo que soube tampouco a

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tinha procurado.

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Trahern voltou a pegar a sua mão. Embora fingisse levá-la para longe dos homens, ela notou a impaciência. — O que aconteceu? — Está pálida — ele a levou para dentro de uma cabana meio terminada e a aproximou de um pedaço de tronco para que sentasse — Não quero que faça esforços. — Deixa de me tratar como se eu fosse romper em mil pedaços — ela objetou — Não me aconteceu nada. — Só se passaram uns dias — ele lhe recordou — Além disso, não tem nada de errado em que descansemos um pouco — a olhou como se a examinasse em silêncio — Não viu à curandeira dos Dalrata, certo? — Não. Não foi necessário. Por acaso ele acreditava que iria mostrar sua vergonha para uma desconhecida? — Morren, necessita de tempo para melhorar — ele se sentou em sua frente — Naquela noite perdeu muito… A lembrança de seu filho a rasgou. Os olhos se encheram de lágrimas, mas não as derramou. — Estou bem — a verdade era que não estava, mas fez um esforço para seguir — Não é preciso que me trate como se estivesse fraca. — Que precise de tempo para se recompor não é sinal de fraqueza, é bom senso — ele a olhou com uma expressão sombria — Não deveria ter trazido você aqui. — Eu tinha que vir — Morren apoiou os punhos nos joelhos — Além disso, dentro de um momento vou sair. Tenho que fazer muitas coisas. — Você, não. Outros são mais fortes. — Não posso ficar de braços cruzados, Trahern. Começaria a me lembrar. Tenho que trabalhar ajuda-me a suportar. Ela levantou e ficou diante dele — Não pode entender? Uma sombra de tristeza cruzou seu rosto curtido. — Sim, entendo a necessidade de esquecer. — Então, me deixe trabalhar. Quero me ocupar dos campos queimados e fazer o que puder para que tudo volte a ficar bem. Ele lhe acariciou levemente o cabelo. Foi um gesto como o que um pai faria em um filho para tranqüilizá-lo. Ela já não temia seu contato, mas essa carícia a pôs nervosa. Quis repousar sobre seu peito enorme e sentir seus poderosos braços ao redor dela, absorver sua força porque não lhe restava nenhuma. — Eu trabalharei com você e se você cansar, vai parar. — É uma ordem? — ela perguntou esboçando um sorriso muito leve.

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— Sim.

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Ele voltou a sair e esperou que ela o seguisse. Quando se aproximaram dos outros, Jilleen foi até eles. Tinha o cabelo castanho grudado nas bochechas e Morren lhe colocou uma mecha para trás da orelha. Embora na noite anterior tivesse dormido ao lado de Jilleen, sua irmã quase não lhe tinha falado. — Vou até aos campos com Trahern — Morren disse — Venha nos ajudar. Jilleen fez uma expressão estranha, olhou para Trahern e voltou a olhar para ela. — Não, eu acho que não devo ir. Morren franziu o cenho porque não sabia se sua irmã tinha medo de Trahern ou, simplesmente, não queria trabalhar. — Por quê? — perguntou-lhe — Algo aconteceu? — Não, nada, mas Katla me pediu que a ajudasse a ela e às mulheres com a palha. Estamos preparando-a para os telhados. Morren ficou pensativa e sua irmã insistiu. — Por favor… É muito aborrecido trabalhar no campo. Além disso, as colheitas queimaram. Não posso ficar aqui? O tom era muito entusiasmado. Jilleen não conhecia as vikings, por que queria ficar com elas? — Trahern a ajudará mais que eu — seguiu Jilleen sorrindo hesitantemente para ele — Ele fará tudo o que lhe pedir. Morren duvidava, mas as intenções de sua irmã começavam a ficar evidentes e a palidez de seu rosto as deixava ainda mais claras. — Eu gostaria de falar um momento com minha irmã — pediu a Trahern. — Eu irei ajudar com a muralha — respondeu ele apontando um grupo de homens. Quando se afastou, Morren se inclinou sobre sua irmã. — Jilleen, posso saber o que está se passando por sua cabeça? — Ele cuida de você — Jilleen deu de ombros — Necessita de alguém que cuide de você. Ele nos protegerá. Morren rodeou a sua irmã com um braço. — Não vai nos acontecer nada. Não permitirei que volte a acontecer algo com você. — E Trahern? — Salvou a minha vida, isso é tudo. Jilleen não pareceu muito convencida. — Ele gosta de você e não se afastou de seu lado. Poderia ficar bonito se deixar o cabelo comprido outra vez. Morren não podia acreditar que estava mantendo essa conversa. Sua irmã estava tentando casála com Trahern?

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— Não, isso não vai acontecer — Morren replicou.

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Trahern continuava apaixonado por Ciara e ela não tinha nenhum interesse em casar-se com homem nenhum. — Não vai acontecer se você não tentar. Jilleen olhou para os homens que estavam reconstruindo a muralha. — Por que acha que ia tentar depois de tudo o que me aconteceu? Sua irmã ficou um momento imóvel. Quando Morren foi repetir a pergunta, viu a expressão de infelicidade no rosto de Jilleen e a abraçou com todas as suas forças. — Tudo foi por minha culpa, Morren, e não quero que fique sozinha. — Não, não foi culpa sua — Morren acariciou o cabelo de seu irmã — O que passou naquela noite ficou no passado. Eu estou bem. Repetiu para que Jilleen se sentisse melhor, mas lhe pareceu como se realmente fosse um desejo fervoroso que ela tinha. Viu que Trahern a observava com um ar de preocupação. Estava vendo como abraçava Jilleen e a pergunta que ele fazia em silêncio era evidente. Morren fez um gesto com a cabeça para tranqüilizá-lo e lhe indicou com a mão que seguisse trabalhando. Ele ficou onde estava e sua expressão lhe lembrou que estava ali por ela. Notou um calor que lhe percorria a pele. Já estava começando a entender o comportamento tão brusco que teve no dia anterior. Ela se tinha excedido, agindo como uma esposa, não como uma amiga. Não era sua obrigação cuidar de Trahern. Entretanto, ele tinha cuidado dela. Soltou Jilleen em meio de sentimentos confusos. Sua irmã tinha boa intenção, mas não podia haver mais nada entre Trahern e ela. Se não o tentasse, segundo sua irmã. Morren caminhou junto a sua irmã com uma confiança que não tinha. Pensava trabalhar no campo e que o cansaço do trabalho a fizesse esquecer-se de suas lembranças sinistras. Possivelmente, algum dia, poderia esquecê-las para sempre. Os homens estavam amontoando pedras para levantar a muralha do outro lado do povoado. Estavam levantando-a mais alta que antes. Embora começasse a ter a altura da muralha do povoado viking, não gostou do aspecto que tinha. — Estão pondo muitas pedras — ela sussurrou para Jilleen — Ficará instável. Deveria dizer algo? Os homens sabiam o que estavam fazendo, não? O chefe tinha uma expressão de firmeza e ela duvidou que fosse lhe dar atenção. Entretanto, Trahern possivelmente sim. Aproximou-se da muralha para avisá-lo. Quando chegou ao lado dele, o mundo pareceu parar. O monte de pedras balançou e Trahern se equilibrou sobre elas para afastá-la. — Recue! — ele gritou. Ele tentou fazer com que as pedras não caíssem em cima dela e, nesse momento, Gunnar se aproximou correndo. Os dois se apoiaram contra o muro. Morren se afastou e as pedras começaram há

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cair uns segundos depois.

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Oito Gunnar tentou segurá-las. — Deixe! — Trahern ordenou — Não compensa quebrar um braço. Os dois homens se afastaram de uma vez e a muralha desabou. Trahern tropeçou e caiu de joelhos ao lado de Morren, que estava pálida e assustada. Ele tinha o pulso acelerado e fez um esforço para não abraçá-la. Entretanto, acariciou-lhe a bochecha. — Está bem? — Sim. Não queria atrapalhar. Vi que o muro era instável e quis avisar — ela tocou seu braço e notou que estava sangrando — Está ferido. — Não é nada. Trahern a ajudou a levantar-se. Ela o segurou pela mão e com os olhos transbordando de preocupação. Embora seguisse pálida, o susto tinha dado lugar ao alívio. Apertou sua mão e ficou admirado quando ela também apertou a sua com delicadeza. — Me alegro que esteja bem. Ela sorriu ligeiramente, soltou-lhe a mão e foi para a porta do povoado com sua irmã ao lado. Ele sabia que queria olhar os campos com mais atenção para verificar se podia salvar um pouco de grão. — Perdeu uma oportunidade, irlandês — Gunnar lhe disse, que estava observando a Morren — Deveria haver lhe dito que precisava dela para que cuidasse de seu ferimento. Não há nada como uma mulher para que um homem se sinta melhor. O tom zombador de Gunnar recordou a seus irmãos e Trahern o olhou com irritação. — Não iria mentir para ela. — É possível que uma pedra o tenha atordoado. Use a cabeça, irlandês — Gunnar levantou umas pedras e as afastou — Aproveita o que lhe oferecem. Não viu como ela o olha? — Acredite em mim. Prometi protegê-la e isso é tudo. — Se algum de meus familiares quisesse… protegê-la, suponho que não se importaria. Trahern o olhou com fúria, mas isso não impressionou em nada a Gunnar. — Eu arrancaria uns braços. — Abra os olhos, irlandês. É uma mulher preciosa. Deveria fazer algo mais que protegê-la. — Eu a conheci só faz uns dias — Trahern rebateu sacudindo a cabeça.

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Não podia. Morren tinha sofrido muito e não podia trair Ciara substituindo-a por outra mulher.

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— Algumas vezes, é o suficiente — Gunnar tirou umas pedras — Nós terminaremos isto. Vá ajudá-la no campo. Além disso, não deveria estar sozinha — o viking lhe deu um ligeiro empurrão — Se gostar, esta noite podemos beber um barril de hidromel. — Faz dois dias eu tentei te matar. A troco do que podia querer beber comigo? — Eu beberia com o próprio demônio se a bebida for boa. Trahern esboçou um sorriso, embora não conseguisse entender como pode perdoá-lo tão facilmente. Poderia tê-lo matado com um leve movimento da espada. — É possível que chegue um momento no qual lamente não tê-lo matado — comentou Trahern — mas, agora, me alegro que Morren interferisse. — Estou de acordo — Gunnar levantou uma pedra pequena e a lançou ao ar — Quando ela o rechaçar, vai querer beber. Trahern não respondeu e ajudou os homens a retirar as pedras caídas. Olharam o muro sem saber se deviam reconstruí-lo ou não. — Necessitamos de argamassa — disse Gunnar. — Deixem — interveio Dagmar, o chefe viking — Eu decidi que ficaremos esta noite em vez de voltar. Teremos que acabar duas cabanas, uma para os homens e outra para as mulheres. Trahern olhou para o campo onde estavam Morren e sua irmã. — Vá com ela, irlandês — lhe disse Gunnar — Se não, eu irei em seu lugar. — Nem pense, se quer conservar seus braços em seu corpo. O viking sorriu e apontou para uma fileira de ferramentas de ferro. — Poderia necessitar de alguma delas. Trahern pegou duas foices e saiu do povoado. As duas cabanas estavam quase terminadas e havia homens suficientes. Além disso, não queria que Morren estivesse sozinha nem por um instante. Sobretudo, ali, onde não sabia em quem podia confiar.

Morren cruzou o campo de cevada queimada. Uns caules dourados e muito frágeis tentavam agüentar o frio. Embora fosse tarde para colher, possivelmente pudesse salvar algo do grão. Teriam que começar a cortá-lo hoje mesmo, se possível. Depois de andar uns minutos ao redor do campo, Jilleen para trás e viu sua irmã, que voltava para dentro do povoado. Pensou em chamá-la, mas mudou de

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balbuciou que tinha que dizer algo para Katla sobre a palha. Morren não lhe deu atenção, até que olhou

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opinião. Possivelmente fosse melhor que Jilleen trabalhasse com as demais mulheres. Não era bom que ficasse isolada. Morren cruzou os braços e olhou a cevada para tentar decidir por onde começar. O lado leste parecia menos danificado e o mais próximo ao povoado estava reduzido a cinzas. — Necessita de ajuda? — perguntou-lhe uma voz. Ela se virou e viu Trahern com duas foices em uma mão. Sorriu-lhe com gratidão. — Agradeceria muito. Pelo que parece, minha irmã tem que fazer outras coisas. Ele sorriu levemente. — Quando eu tinha a idade dela, fazia qualquer coisa para não trabalhar. — Não posso imaginá-lo como um menino preguiçoso. Ela o disse em tom de brincadeira e Trahern sorriu com indolência. — Enrolava as garotas para que fizessem minha parte do trabalho. — Não teria podido enrolar a mim. Ele pareceu tomar isso como um desafio e sua expressão mudou repentinamente. Seu olhar se tornou um daqueles que teria conseguido que algumas garotas mais jovens se ruborizassem e outras, o paquerassem. Olhava-a como se não importasse nada mais no mundo, como se quisesse soltar as foices, abraçá-la e beijá-la. Ela teve a sensação de que muito gostaria… disso. Sentiu uma onda de vergonha e calor e olhou para o outro lado. Para pensar em outra coisa, pegou uma das foices e olhou por volta da primeira fileira de caules. — Cortaremos a cevada que esteja amadurecida, mas se ver que tem manchas cinza, deixa-a. Não quero que nada danifique o grão sadio. Morren se aproximou e passou o dedo pelos caules dourados. — Por onde quer que comece? — ele perguntou. — Comece por aquele lado e eu começarei por este — respondeu ela lhe mostrando. Trahern tirou o capote e o estendeu no chão. — Iremos amontoá-lo aqui. Embora não gostasse da idéia de que trabalhasse sem casaco, não tinham outra coisa e ele parecia entender o quão importante era para ela. Trahern foi até o extremo do campo, pegou um feixe de caules e os cortou com a foice perto do chão. Morren percebeu que já o tinha feito outras vezes. Ela ficou uns passos a sua esquerda. A cevada foi formando um monte no capote e a encantou esquecer-se de tudo com esse trabalho monótono. — Tinha uma pequena horta quando me abrigaram — ela comentou quando Trahern foi deixar seu monte de cevada sobre o capote — Quando menina, eu adorava ver germinar as sementes. Minha avó me contou uma vez que as fadas benziam a terra e as colheitas.

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Trahern ficou diante dela.

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— Quando menino, eu acreditava na magia. Por isso aprendi todas as histórias do poeta que normalmente passava por nosso povoado — a olhou nos olhos com um ar melancólico — Acreditava que se aprendesse as histórias, também poderia aprender a magia. Ele segurou a foice como se fosse uma arma e voltou a cortar os caules de cevada. Morren ficou ao seu lado enquanto trabalhava. — Suas histórias tinham magias em si mesmas porque tranqüilizavam as pessoas. Ele pareceu envergonhar-se um pouco pelo elogio, mas o agradeceu com a cabeça. Trabalharam um ao lado do outro durante uma hora e ela não parou para descansar até que doeram seus braços. Trahern continuou usando a foice com seus braços poderosos. Já sabia que era forte, mas ficou hipnotizada pelos músculos que se notavam debaixo das mangas de sua túnica. Tinha impedido que o muro caísse em cima dela e a tinha protegido com seu corpo. Afligia-a pensar que a tinha protegido sem pensar, por instinto. Estremeceu-se ao observá-lo. Embora tenha baixado a cabeça para fingir que cortava cevada, não podia deixar de olhar os movimentos de Trahern. Tinha os ombros tensos e movia a foice sem descanso. Ela não podia seguir esse ritmo e trabalhava mais devagar enquanto o olhava de soslaio. Apesar de sua força física, sua alma parecia presa ao passado e às lembranças de Ciara. Perguntou-se se alguma vez encontraria uma mulher que iria aliviar as feridas em carne viva que ninguém podia ver.

Surpreendeu-a observando-o quando chegou à metade da terceira fileira e abaixou a foice. Estava corada e olhou para outro lado. — Aconteceu algo? Ele se aproximou e ela pôde ver uma gota de suor que descia pelo seu pescoço e entrava em sua túnica. Aproximou-se mais e Morren também abaixou a foice. Estava envergonhada porque tinha cortado a metade que ele. — Não, estou bem — ela respondeu colocando uma mecha de cabelo atrás da orelha — Estou com os braços cansados. — Não deveria trabalhar tanto. Ele também se ruborizou pelo remorso ao haver-se esquecido de quão mal estava. Aproximouse mais ainda e ela se sentiu um pouco aturdida. Era imponente e agarrou com força a foice.

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— Precisa acabar de cortar.

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— Mas não é necessário que você o faça — Trahern tomou a foice — Volte com outros. Eu terminarei. — Mas você não pode terminar hoje, ao menos, sozinho — ela limpou as mãos na saia — Além disso, está ficando tarde. Voltaremos juntos. Trahern foi até seu capote e a ajudou a envolver o monte de cevada. Ela tentou levantá-lo, mas pesava mais do que imaginou. Ele tentou arrebatá-lo mas Morren não deixou. — Eu posso fazê-lo. — Se quer tentar… Ele esperou enquanto ela segurava o fardo com os dedos tremendo pelo frio e tentava colocá-lo no ombro para lhe demonstrar que tinha recuperado a força. — Pesa cerca da metade do que você pesa — ele comentou sem alterar-se — Poderia levar as ferramentas. — Estou sendo uma tola, não? Morren suspirou e deixou o fardo. Trahern o jogou no ombro como se fosse um monte de plumas e ela recolheu as duas foices. — Não uma tola, muito ambiciosa, possivelmente. Dirigiram-se para o povoado, mas Adham Ó Reilley saiu ao seu encontro antes que chegassem à porta. Tinha o cabelo molhado, como se o tivesse arrumado antes de vê-la. Trahern se colocou ao seu lado com uma atitude receosa. — Morren, me alegro de ver que está bem — ele a saudou. — Adham… — ela cumprimentou. Por que tinha ido falar com ela? Esperava cortejá-la outra vez? Ela não estava disposta. — Pensei que podia necessitar de ajuda. Depois de duas horas de trabalho? Não acreditava que essa fosse sua intenção. — Já terminamos por hoje — Trahern contestou — Morren não necessita de sua ajuda. Trahern era uma cabeça mais alto que Adham, que o olhou sem dissimular sua irritação. — Preferiria ouvir isso dela— Adham disse olhando-a nos olhos. Morren sabia que se voltaria com outros se o dizia. Não era conflituosa, mas também não sabia como se livrar dele sem parecer rude. Quando Adham se aproximou mais, ela retrocedeu e sua mão roçou a de Trahern sem querer. Ele a segurou para tranqüilizá-la. Adham viu o gesto e franziu o cenho. — Eu estou bem com a ajuda de Trahern. Não é preciso que se preocupe. — Mas… — Volte com outros — Trahern lhe ordenou deixando o fardo no chão e segurando a foice como

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se fosse uma arma.

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— Sinto muito, Morren — Adham balbuciou — Não pude te encontrar depois e… — baixou o olhar com arrependimento — pensei que tinha morrido naquela noite. Voltou a olhá-la com seus olhos castanhos como se lhe pedisse perdão. Ela viu o homem acanhado e silencioso que sempre tinha sido. Um homem que teria se escondido em um ataque antes de pegar a arma que tivesse mais perto. Decepcionou-a dar-se conta de que tinha chegado a considerálo um pretendente. — Não devia ter deixado a ela e Jilleen sozinhas — lhe reprovou Trahern — Na verdade, está viva, mas não graças a homens como você. Morren não gostava que discutissem por ela. Sentia-se como um osso ao qual dois cães disputavam. Entretanto, Trahern tinha razão. Nem Adham nem nenhum dos outros homens tinham feito nada para proteger a Jilleen e a ela. Tinham-nas deixado para que se defendessem sozinhas. Adham a olhou com cautela, como se não quisesse que ficasse sozinha com Trahern. Ela não cedeu e o olhou com firmeza. Ele acabou abaixando a cabeça para despedir-se. — Talvez possamos nos falar mais tarde. — Talvez. Ela não assegurou nada. Nesse momento, não podia decifrar tudo o que tinha na cabeça. Trahern seguia lhe segurando a mão e não a soltou embora Adham partisse. Ela, além disso, tampouco queria que a soltasse. Entretanto, lhe devolveu a foice e recolheu o fardo. — Queria falar com ele? — A verdade é que não — ela voltou a andar sem olhar — Sei que não deveria estar zangada com ele, mas estou. Se eu realmente importasse de verdade… — Nada o teria impedido de manter-se a seu lado. Morren olhou para Trahern. Sua intensidade implacável fez com que corasse. Por um instante, foi como se estivesse falando de si mesmo e embora fossem quase uns desconhecidos, teve a sensação de que era um homem apaixonado. Um homem que amaria a uma mulher com todas suas forças. Além disso, captou certa tristeza em suas palavras pela lembrança de Ciara. Se tivesse estado ali naquela noite, teria defendido a sua prometida com sua vida. Para Morren doeu a perda dele e desejou ter as palavras para expressar-se. Acabou passando as

Quando entraram no povoado, Morren pôde cheirar o guisado que fervia em uma das fogueiras. O seu estômago rugia de fome e teve que fazer um esforço para não sair correndo para a comida. GRH – Grupo de

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pontas dos dedos pela bochecha dele antes de deixá-lo.

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Duas cabanas já estavam terminadas e uma terceira começada. Nesse ritmo, o povoado estaria terminado ao fim de umas duas semanas. Morren foi deixar as foices em seu lugar e esteve a ponto de chocar-se com Gunnar, que os olhou para os dois, mas ela não pôde entender o olhar que dirigiu a Trahern. — Estiveram ocupados… — Conseguimos salvar um pouco de grão — ela lhe explicou. — Perfeito — Gunnar apontou para uma das cabanas novas — Vão usá-la para guardar as ferramentas e a comida. As mulheres dormirão aí e os homens na cabana que acabamos de terminar. Trahern foi deixar o fardo na cabana que Gunnar tinha lhe indicado. Embora a tivesse abandonado por só um momento, ela se deu conta de que não deixou de olhá-la. Estava certa de que nunca permitiria que algo lhe acontecesse. Esse dia tinha abaixado a guarda e tinha permitido que ela vislumbrasse o homem que conheceu uma vez. Lembraria dessa tarde que tinham passado juntos, embora tivesse sido exaustiva. Gostava de ser útil e ter levado algo que ajudaria a sua gente. Além disso, quando estava perto de Trahern, conseguia encontrar uma parte de si mesma que tinha perdido. Ele conseguia que se esquecesse das trevas. Entretanto, quanto tempo ficaria? — Sua irmã está com a Katla — Gunnar estava lhe contando quando Trahern voltou para perto deles — Estão preparando o jantar. Morren não podia entender por que sua irmã se foi do campo para trabalhar entre desconhecidas, mas, ao menos, não tinha estado sozinha. — Irei com ela para ajudá-las. Pelo que vejo, não vamos voltar para o povoado viking esta noite. — Não — Gunnar confirmou — Ficaremos apertados, mas Dagmar quer que passemos a noite aqui e que sigamos trabalhando pela manhã. — Por que não vamos à abadia? — propôs ela — Não está longe e têm mais lugar. Gunnar esboçou um sorriso forçado. — Não somos amigos dos irmãos. O abade acha que deveríamos dar mais terras à Igreja. Não lhes parece suficiente ter reclamado uma boa parte das terras dos Ó Reilley — Gunnar acrescentou com uma careta de desgosto. Morren se perguntou se seu povoado e o abade teriam tido um confronto. Isso explicaria por que tinham resistido a ficar na abadia, embora seu chefe nunca tenha falado de nenhum conflito entre eles. Era possível que o abade tivesse tido algo a ver com o ataque? Era difícil acreditar que um religioso fizesse algo assim. O irmão Chrysoganus a recebeu muito bem na abadia. Entretanto, se seu

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povo desaparecesse, a abadia poderia reclamar suas terras… assim como os vikings.

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Trahern pareceu pensar exatamente o mesmo e se dirigiu a Gunnar. — Por acaso vocês não fizeram o mesmo ao pedir terras aos Ó Reilley em troca de seu trabalho? — Alguns de nossos homens estão casados com mulheres Ó Reilley. Não é o mesmo. A terra se compartilhará entre nós. — Realmente? — Trahern perguntou em um tom gélido — Não vão ficar com o que lhes corresponde? Trahern não esperou uma resposta e se afastou para um grupo de cabanas em ruínas. Morren não o seguiu imediatamente e se dirigiu a Gunnar. — Está inquieto — ela se desculpou por ele. — Frustrado, eu temo. Gunnar esboçou um sorriso zombador e ela captou sua insinuação. — Não é isso. Sua prometida morreu no ataque e está furioso. — Não sabia — Gunnar respondeu deixando de sorrir. Morren esfregou os braços ao sentir frio. — Tenho que falar com ele. Trahern estava furioso por algo mais do que por uma disputa sobre as terras e ela queria saber o que era. — Você pode fazer muito para consolá-lo, Morren — murmurou Gunnar — Uma mulher tão formosa como você faria que qualquer homem se esquecesse de suas cruzes. Gunnar partiu movendo a cabeça. Ela olhou para Trahern, que estava sozinho junto à paliçada, como um forasteiro. O vento soprava frio e cortante. Uma neblina tinha rodeado o povoado e quase não podia ver-se a abadia. Uns ligeiros flocos de neve formavam redemoinhos e quando chegou a seu lado, pôs-lhe o capote sobre os ombros para protegê-lo do vento. Trahern lhe agradeceu com um fio de voz. Tinha um ar melancólico e ela o olhou nos olhos cinza. — O que houve? — ela perguntou. — Não deveria passar o inverno aqui, como tinha pensado. Reconstruir o povoado, viver entre os vikings… É como se estivesse me esquecendo de meu propósito. Ela pôde notar que a amargura estava lhe corroendo o coração e acabando com o homem ele que tinha sido. — Qual é o seu propósito? A vingança? — Sim. Estou perdendo tempo. Tenho que encontrá-los. Morren não soube o que dizer, mas entendeu sua frustração. — Eu também quero que os encontre. Ela se aproximou um pouco mais e seus dedos roçaram os responsáveis pelo ataque, isso não te proporcione a paz que procura.

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involuntariamente os dele, mas não os afastou — Entretanto, tenho medo de que mesmo que encontre

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— Só necessito de vingança. — Eu não acredito. Pegou a mão com a dor refletida no seu rosto.

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— Não tente me salvar, Morren. Já é muito tarde.

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Nove Trahern não se moveu embora devesse tê-lo feito. Nesse momento, se desprezava por ter tão presente a Morren. Ela tinha o cabelo dourado grudado no rosto e os olhos azuis transbordando de incerteza. Merecia sua confiança e amparo, não os pensamentos deslocados que percorriam seu cérebro incontrolável. Por algum motivo, ela tinha reavivado sentimentos que já considerava enterrados fazia muito tempo. Nada no mundo poderia ser mais errado. Tinha que afastar-se dela e deste lugar. Cada minuto que passava ao seu lado, a vingança era menos por Ciara e mais por ela. O que estava se passando? Soltou-lhe a mão, furioso consigo mesmo. Embora nunca lhe fizesse nada, nesse momento não podia entender essa incompreensível atração entre eles. — Você espera morrer depois de ter enfrentado seus inimigos? — ela lhe perguntou. Ele não respondeu. A verdade era que não sabia. Viver cada dia era uma tortura. Estar ali, entre os familiares de Ciara, desenterrava lembranças que não queria recordar. Morren tocou seu ombro com suavidade. Seus olhos azuis olharam aos dele com uma firmeza de aço. — Você tem força bastante para superar a dor do que aconteceu. Assim como eu. Ele golpeou a paliçada de madeira com tanta força que cravou umas lascas em sua mão. Ela viu que a fúria tinha alcançado o centro de seu dolorido coração e lhe acariciou delicadamente a cabeça e as bochechas raspadas como se o recordasse que não podia desfazer-se da última parte de si mesmo. Ele pegou a mão dela com a intenção de afastá-la de si, mas o calor desta pareceu aliviar o frio de sua pele e se aferrou a ela sem saber por que. Morren se retirou bruscamente. — Tenho que ir. Desapareceu em um abrir e fechar de olhos e ele ficou sozinho como um tolo. O que acabava de acontecer? Observou-a afastar-se dos outros. Procurou a sua irmã com o olhar, mas não se dirigiu para ela. Lembrou-se das palavras do Gunnar: «Deveria fazer algo mais que protegê-la». Entretanto, não havia nada entre eles. Trahern respirou algumas vezes para recuperar sua integridade. Falaria com os outros vikings e descobriria o que pudesse. Viu Morren com a mão sobre o muro de pedra que tinham reconstruído antes. Estava pálida e imóvel. Estaria dolorida? Estaria sangrando outra vez? Então, viu o motivo de seu desassossego. Uma marido estava de pé junto a ela, que embalava um bebê entre os braços. Morren não afastou o olhar deles e Trahern deixou escapar uma maldição. A dor que se refletia em seus olhos era dilaceradora, GRH – Grupo de

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das jovens Ó Reilley que se casou com um dos homens Dalrata estava sentada junto a uma fogueira. Seu

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como se soubesse que nunca voltaria a gerar um filho. Quis consolá-la, lhe transmitir a esperança de que possivelmente concebesse algum dia. Se tivesse um pouco de cérebro, falaria com Adham e lhe arrancaria a promessa de que cuidaria dela, mas a idéia de que alguém se aproximasse o tirava do serio. Embora ela não fosse dele e necessitasse de alguém que se ocupasse dela. Morren, como se tivesse captado seus pensamentos, deu-se a volta e o olhou tentando reunir forças. O resto da gente se esfumou e só viu sua dor e seus temores. Estava sofrendo, mas havia certa esperança em seu olhar. Trahern cruzou o povoado sem se importar que estivesse escurecendo. Tinha que conseguir que ela soubesse que a vida não tinha terminado e lhe ocorreu algo que a faria se sentir melhor. — Me acompanhe — ele lhe ordenou estendendo a mão. Morren o olhou desconcertada, mas pegou sua mão. — O que quer? Ele apanhou uma tocha e a levou para fora. — Já vai ver — ele respondeu. Ela o acompanhou aos campos onde tinham estado trabalhando antes. Embora quase toda a terra estivesse calcinada, a parte que tinham colhido poderia ser arada outra vez na primavera. — Por que me trouxe aqui? Ele continuava segurando sua mão para tentar tranqüilizá-la. — Eu a vi olhando o bebê. Ela assentiu levemente com a cabeça e corou a luz da tocha. — Não deveria havê-lo feito. Só conseguiu que me seja mais difícil suportá-lo. — Eu gostaria de ter salvado seu filho. — O destino era outro. Ela afundou os ombros, mas ele não deixou que se soltasse sua mão. — Poderá ter outros filhos algum dia. Morren, sua vida não acabou por causa do que aconteceu naquela noite. — Nenhum homem me aceitará depois do que aconteceu — ela sorriu com cansaço — Você é o único que sabe da verdade. Reconheça que nunca aceitaria uma mulher que foi usada dessa maneira, no caso de que não amasse mais a Ciara. Ele acariciou a sua bochecha. — Está errada. Ele o disse com a intenção de tranqüilizá-la, mas se assombrou ao perceber que era verdade. Havia algo em Morren Ó Reilley que se infiltrou nele apesar da couraça de fúria. Seu cabelo loiro resplandeceu a luz das chamas e ela separou ligeiramente os lábios. Ele se la. Fazia muito tempo que não abraçava uma mulher e seu corpo começou a reagir apesar da oposição

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perguntou o que sentiria ao beijar uma mulher como essa e satisfazer a necessidade humana de tocá-

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de seu cérebro. Quis soltar sua mão, mas se o fizesse, ela o interpretaria mal. Notou a incerteza nela e como culpava a si mesma. — Não pode se culpar pelo que fizeram com você. — Sim posso — ela respondeu sacudindo a cabeça. — Como pode dizer isso? — Porque eu o escolhi — ela se separou dele com os braços ao redor da cintura — Eu disse que não resistiria, que podiam fazer o que quisessem comigo. Trahern se sentiu como se lhe tivessem jogado um balde de água gelada. Não podia acreditar no que tinha ouvido. Entretanto, a serenidade dela confirmava que era verdade e ele, subitamente, compreendeu o motivo. — Foi por ela, não é? Iam maltratar sua irmã. — Ocupei seu lugar para que Jilleen pudesse escapar — reconheceu Morren — Quando terminaram comigo, esqueceram-se dela. Não me arrependo — acrescentou com um gesto de firmeza. Ele não soube o que dizer. Esse sacrifício e coragem superavam qualquer coisa que tivesse ouvido. Poucas mulheres entregariam sua virtude por uma pessoa querida. — Já o entendeu — ela ficou silenciosa e foi dando a volta. — Sim, mas continuo sem a culpar por isso — Trahern levantou a tocha para que pudesse ver a cevada que continuava viva entre as cinzas — Algumas vezes, pode-se reconstruir o que se arruinou e ver brotar uma vida nova. Ela se virou outra vez e o olhou com lágrimas nos olhos. — Quero esquecer o que me aconteceu. — Você vai esquecer — ele assegurou olhando-a nos olhos. A expressão dela indicava que não acreditava. Ele secou suas lágrimas com uma mão, passou os dedos entre seu cabelo, apoiou a testa na dela e pôde ouvir sua respiração. O calor de sua pele o privou de todo senso comum e alguns segundos depois, levado pelo instinto, beijou-a levemente nos lábios. O fez sem pensar, só para consolá-la, mas a calidez de sua boca tinha despertado uma sintonia inesperada com ela. Por um instante, ela tinha preenchido seu vazio. Morren se afastou, pálida. — Sinto — ele se desculpou. Sem dizer mais nada, pegou sua mão e começaram a voltar para o povoado. Por dentro, sua cabeça o abominava aos gritos. Ela tinha contado seu segredo mais doloroso e ele tinha minado essa confiança obrigando-a a lhe dar um beijo que não queria dar. Quis bater a cabeça dele contra um muro. Era um tolo. Deveria partir imediatamente, antes de fazer algo pior. Quando ela se reuniu com sua irmã junto ao fogo, ele se manteve a parte. Morren se sentou ao

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lado de Jilleen e quase não provou o guisado que Katla lhe deu. Não o olhou e ele se manteve a parte,

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sem saber o que dizer ou fazer. Ele teve que reunir de todo o seu autocontrole para continuar sentado quando Adham Ó Reilley se aproximou dela.

— Posso me sentar com você? — Adham lhe perguntou. Morren hesitou, mas não encontrou nenhum motivo para não lhe dirigir a palavra. Não tinha feito nada de errado. Olhou fugazmente para Trahern e comprovou que não estava olhando-a. Suas bochechas queimavam e concordou com a cabeça. — Se quiser… — respondeu para Adham. Nesse momento, tinha que pensar em outra coisa. Em algo que não fosse aquele beijo roubado. Tinha sido tão rápido que estava certa de que Trahern o tinha feito sem pensar. Foi um gesto para consolá-la, como o abraço de um amigo. Entretanto, algo tinha mudado entre eles. O beijo, leve como um floco de neve derreteu-se em sua pele. Ainda sentia o calor dos lábios de Trahern ao tocar os dela sem impor-se, como se ela fosse uma mulher com da qual podia gostar. Tinha despertado sensações ocultas por muito tempo, não tinha percebido que ainda podia sentir o estímulo do desejo. Quis chorar nesse momento. Não tinha acreditado em Trahern quando lhe disse que sua vida não tinha terminado por causa do que aconteceu naquela noite. Tinha sentido durante muito tempo que as correntes de sua vergonha a tinham dominado. Ele já sabia de tudo, tinha lhe revelado seus segredos mais terríveis. Entretanto, ele tinha entendido o porquê, que tinha protegido a Jilleen, algo que ela nunca não tinha esperado. Morren voltou a dirigir sua atenção para Adham, que tinha se sentado a seu lado com uma cuia que tinha contido guisado e estava vazia. Parecia que tinha estado ensaiando o que ia dizer, como se tentasse decidir o que ia dizer. — MacEgan tinha razão — ele reconheceu por fim — Deveria ter te procurado. Ela pensou que se alegrava por ele não o ter feito. Não queria que ninguém soubesse o que tinha lhe ocorrido e sua gravidez. — Não importa — ela respondeu — Eu estou aqui e esqueci o passado. Ele pareceu aliviado e largou a tigela. — Que bom. Eu esperava… que ficasse conosco enquanto reconstruímos o povoado. estremecer. Para onde iria? Perguntou-se a si mesma com irritação. Ou ficava ali, com seus familiares,

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Adham a olhou com suas intenções evidentes e Morren teve que fazer um esforço para não

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ou Jilleen e ela podiam voltar com os Moriarty, quem acolheram sua irmã. Ela não gostava da idéia de ser uma carga para outro clã. Além disso, Trahern partiria em seguida. Olhou-o. Estava tenso, como se quisesse aproximar-se e arrastar Adham para longe dali, mas não se moveu. Ele queria que começar outra vez. Sem dúvida, Adham era um homem que garantiria que ela tivesse tudo o que necessitava. Entretanto, se soubesse de seu passado, ficaria chocado. Não entenderia seus motivos para fazer o que fez. Trahern, entretanto, não a reprovava em nada. Sabia de tudo e não lhe tinha dado as costas. Essa era a diferença. Estar ali com o Adham parecia uma mentira e quanto mais tempo estivesse com ele, pior se sentiria. As mulheres tinham começado a recolher o jantar e Morren desejou boa noite a Adham com a desculpa de que tinha que trabalhar com Jilleen e Katla. Ficou junto delas, mas notava a presença de Trahern e como a observava atentamente. Quando seguiu às mulheres para uma das cabanas terminadas, viu que Trahern se afastava da fogueira. Os homens se dirigiram para outra cabana falando dos planos para começar a reparar a terceira cabana pela manhã. Ele começou a dirigir-se para ela, mas parou em seco. Por um instante, olhou-a aos olhos. Ela quis seguir às mulheres para que ele não a olhasse. Entretanto, ele se aproximou e se manteve a uma distância prudente. — Sinto muito pelo que fiz. Eu nunca quis… — Não importa. Ela não queria ouvir lamentações ou desculpas por havê-la beijado. — Sim importa — seus olhos cinza estavam negros pelo remorso — Quero que saiba que não voltará a acontecer. Seu tom foi cortante como o ar da noite. Morren não soube como reagir e se limitou a assentir com a cabeça. Uma desolação inesperada se apropriou dela. Embora fizesse uns dias que ela tinha conhecido, nesse momento eles compartilhavam um vínculo de dor. — Sei… que para você é difícil estar aqui… e lembrar-se de Ciara — ela balbuciou. Olhou-o nos olhos com a esperança de que entendesse o pesar que levava no coração.

Morren estava chorando outra vez e Jilleen se perguntou se sua irmã sabia que isso acontecia todas as noites. Ao menos, tinha ocorrido durante os últimos meses. Apesar de Morren parecer um GRH – Grupo de

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Quando ele se virou, ela não pôde conter a lágrima que rodou por sua bochecha.

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novelo a seu lado, podia notar suas bochechas úmidas. Jilleen se perguntou se lhe teria acontecido o mesmo. Se ela tivesse suportado o que suportou sua irmã, teria sofrido tanto noite após noite? O remorso tomou conta dela como a mais escura sombra. Era sua culpa. Se tivesse escapado de seus captores, nada teria ocorrido com Morren. Aquela noite, as chamas se elevaram na noite e arrasaram as cabanas. O aroma de fumaça e morte foi insuportável e os gritos dos moribundos afogaram seus gritos pedindo ajuda. Entretanto, Morren a ouviu. Desarmada e desprotegida, enfrentou aos homens e se ofereceu em sacrifício. Graças à decisão de Morren, ela escapou intacta. As lágrimas caíram pelas suas bochechas quando a sensação de culpa a afligiu. Tinha sido uma covarde. Se pudesse retroceder no tempo, faria algo. Roubaria uma espada e os atacaria quando não olhassem. Faria algo. Pegou a mão de Morren, que abriu os olhos. — O que foi? — perguntou-lhe com preocupação, ao ver suas lágrimas. — Estava chorando — Jilleen apertou sua mão e secou suas lágrimas — Outro pesadelo? — Sim. Houve algo? — Não. Eu estou bem. Só estava… preocupada com você. Morren a abraçou com todas as suas forças. — Não se preocupe por mim, Jilleen. Tudo sairá bem. Estamos a salvo. Entretanto, Jilleen sabia que não era verdade. Nada ficaria bem até que sua irmã deixasse de ter pesadelos e se podia fazer algo para que o passado desaparecesse, ela o faria sem vacilar. Seus temores deixaram entrar uma estranha sensação de poder. Possivelmente, ser valente não fosse não ter de medo, e sim ser capaz de agir em vez de fugir. Jilleen se deitou ao lado de sua irmã. Sentia-se melhor. Não podia mudar o que aconteceu, mas possivelmente pudesse mudar o futuro de sua irmã.

Trahern não pôde dormir essa noite. Ficou olhando durante horas as paredes da cabana dos homens. Estava obcecado com Morren. Queria que ela encontrasse a serenidade depois de tudo o que tinha passado. silenciosas à luz da lua, que aparecia por trás de uma nuvem. O ar, frio e cortante, seguia cheirando a fumaça, embora cada vez menos. Quando chegou ao canto mais afastado, o relincho de um cavalo, fora GRH – Grupo de

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Pôs os sapatos e saiu fora para respirar ar puro e esclarecer as idéias. Caminhou entre as ruínas

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do povoado, chamou sua atenção. Não deveria haver ninguém ali a essa hora da noite. Parecia um cavaleiro solitário e podia ser um dos irmãos da abadia. Entretanto, seu instinto lhe disse que era um intruso. Trahern voltou para a cabana dos homens, onde apanhou sua espada. Se o visitante não tinha más intenções, saberia logo. Gunnar despertou com seus movimentos. — O que houve? — o viking lhe perguntou, levantando-se. — Há um cavaleiro lá fora — Trahern falou em voz baixa para não despertar os outros — Vou ver quem é. Gunnar empunhou sua arma, um machado um pouco menor que o de guerra. — Eu vou te acompanhar. Trahern o conduziu para onde tinha ouvido o ruído. Esquadrinharam na escuridão e aguçaram o ouvido durante um bom tempo, até que Trahern ouviu um ligeiro chiado e compreendeu de onde vinha: da passagem subterrânea. A curiosidade e o interesse foram muito maiores que o possível perigo. O mais provável era que tivesse ido procurar as moedas que tinha escondido ali. Acendeu uma tocha em uma das fogueiras e se dirigiu para a entrada da passagem. Normalmente, ficava escondida em uma das casas, mas não havia mais que entulhos e cinzas ao redor da escada para descer. — Espere aqui — pediu a Gunnar. Preferia enfrentar sozinho o intruso, mas o viking poderia ajudá-lo se o precisasse. Trahern desceu a escada e Gunnar ficou com a tocha em uma mão e o machado na outra. O interior da passagem estava gélido e Trahern manteve as costas junto às paredes geladas com a espada na mão. Os passos do intruso foram aproximando-se da sala onde estavam as vasilhas. A escuridão era absoluta e embora não soubesse quem era, estava certo de que tinha tido algo a ver com os ataques. Jogou-se sobre o intruso e o encurralou contra a parede. Seu inimigo deixou escapar um grunhido e as vasilhas se fizeram em pedacinhos sob seus pés. Trahern o golpeou com todas suas forças na mandíbula e derrubou o homem. — Aproxime a tocha! — gritou ao Gunnar — Quero ver quem é! A tocha iluminou a passagem. Trahern agarrou o homem pelo cabelo e levantou seu rosto para vê-lo. Não era um Ó Reilley ou um dos irmãos da abadia, mas sim, inegavelmente, um viking. Trahern jogou o homem inconsciente sobre o ombro e tentou subir a escada. O peso fez que um dos degraus rangesse. — Agarre-o. Gunnar o agarrou por debaixo dos braços e o tirou da passagem. Gunnar o deitou para olhar seu rosto.

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— Sabe quem é? — Trahern perguntou-lhe.

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— Nunca o vi. Parece um dos dinamarqueses. — Eu sim o vi — disse com serenidade uma voz. Trahern saiu da passagem e viu Morren na porta da cabana das mulheres. Estava completamente pálida. Soube o que ia dizer antes que falasse. — É um dos atacantes — Morren se rodeou com os braços como se quisesse sair correndo —

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Esteve aqui naquela noite.

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Dez Trahern o pôs de barriga para baixo. Morren não se moveu enquanto amarravam as mãos dele às costas. Sangrava pelo nariz e quando o viking recuperou a consciência, tentou resistir, mas o submeteram em seguida. Embora não soubesse como se chamava, Morren reconheceu seu rosto. Sentiu-se vazia por dentro. Tinha tentado esquecer-se durante meses e fingir que nunca a tinham atacado. Entretanto, assim que viu o agressor, tudo voltou. Ela sentiu náuseas e fez um esforço para não vomitar. Era um dos homens que a tinham sujeitado entre risadas enquanto o primeiro homem a violou. Mordeu a língua para tentar controlar-se e sentiu o sabor do sangue. Trahern o levou até uma viga caída e o prendeu. — Eu não fiz nada errado — o intruso se queixou — Me perdi e estava procurando abrigo. Ela tentou chamá-lo de mentiroso, mas não podia falar ou respirar. — Você entrou na passagem — Trahern colocou a mão na bolsa que levava a cintura — Procurava por isto. Deixou que as moedas caíssem entre seus dedos. Morren não queria aproximar-se, mas seus pés a arrastaram para que o enfrentasse, para lhe demonstrar que podia suportar isso. Quando surgiu entre a luz trêmula, ele a viu e sorriu levemente, como se a desafiasse com desprezo. — Onde estão os outros? O homem não respondeu e recebeu outro murro que lhe partiu o lábio. — Diga-me. Morren se aproximou outro passo embora lhe doesse imensamente estar perto dele. Seu estômago revolveu, mas conteve a náusea e cravou as unhas nas palmas das mãos. Trahern a viu e levantou a mão para que não continuasse se aproximando. — Não é necessário que o veja. Ela sabia que o atacante ia morrer. Sofreria enquanto o interrogassem e o rosto do Trahern não refletia nenhuma emoção. Para ele não importava o que pudesse acontecer com o prisioneiro. Tinha chegado o momento da vingança e ele ia celebrá-lo. — Vá procurar o chefe — ele ordenou para ela — Ele decidirá o que será feito. GRH – Grupo de

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Gunnar se aproximou.

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— Não — Trahern replicou em um tom cortante e inclemente — Que eu saiba, este é o homem que matou Ciara. Não o era, mas Morren não podia articular uma palavra. O medo a paralisava como se fosse uma entidade própria. Sentia raiva, uma fúria gélida por esse homem que a tinha agredido sem se importar que não tivesse estado antes com nenhum homem. Ele e outros a tinham feito passar pelo pior pesadelo de sua vida. Não se merecia viver. Queria que sofresse como ela tinha sofrido. — Onde estão os seus? — Trahern perguntou-lhe. O atacante sangrava pela boca, mas não respondeu. Trahern olhou para Morren antes de lhe dar um chute entre as pernas. O inimigo soltou um grito de dor. Trahern queria vingá-la onde mais podia doer em um homem. — Gall Tir… — o homem balbuciou dobrado pela dor. Esse acampamento ficava longe, estava mais perto das terras de Trahern em Laochre, ao lado do Port Láirge. Que este homem fazia tão longe de seu clã? Morren não podia entender. Trahern se afastou para que o intruso recuperasse o fôlego. Outros homens despertaram com ruído e se amontoaram no pequeno espaço murmurando. Morren os ouviu. Eles sabiam quem ele era, mas não sabiam por que estava ali. Ele estaria sozinho ou teria ido com os outros atacantes? Trahern pareceu ler seus pensamentos porque se dirigiu a Gunnar, que ordenou a alguns vikings que inspecionassem as terras ao redor. Os nervos de Morren se esticaram quando viu Jilleen. Sua irmã olhou fixamente ao homem e o reconheceu. Os seus olhos se velaram de lágrimas e ela se aproximou de Trahern. Tudo aconteceu tão depressa que Morren não percebeu a intenção de sua irmã. Em um abrir e fechar de olhos, Jilleen se apoderou da faca de Trahern e se equilibrou sobre o intruso. Trahern tentou detê-la, mas não conseguiu. A faca ficou presa no pescoço do homem. Morren só pôde olhar espantada enquanto Jilleen se afastava do homem soluçando. Sua irmã rodeou sua cintura com os braços e tremendo de pés a cabeça. — Sinto muito, Morren. Eu fui à culpada naquela noite. Sinto muito. Ela abraçou a Jilleen com todas as suas forças e lhe acariciou o cabelo.

— O que vai acontecer? — perguntou Trahern ao chefe. regeriam pelas leis irlandesas, mas, segundo estas, Jilleen teria que compensar à família do morto com um sacrifício humano. Entretanto, se levassem em conta o que esse homem tinha feito, possivelmente GRH – Grupo de

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Jilleen tinha cometido um assassinato diante de várias testemunhas. Não sabia se os vikings se

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não fosse necessário. Nenhum dos homens presente tinha desejado que não morresse. O intruso tinha matado a muitas pessoas e isso compensava sua morte. — Não há dúvida — o chefe comentou — Que ela cometeu um assassinato. — Esse homem foi um dos que atacou o povoado naquela noite — Trahern replicou — Há pessoas que podem testemunhá-lo. — É possível. Realizaremos uma assembléia pela manhã e decidiremos o castigo. No momento, ficará confinada e vigiada entre as mulheres. — É uma menina, não uma adulta — Trahern interveio com certa veemência — Uma menina de treze anos que naquela noite presenciou mais violência da que deveria ter presenciado. Não disse nada sobre o que padeceu Morren embora quisesse fazê-lo. A verdade era que se Jilleen não tivesse matado o intruso, ele o teria feito sem pensar um segundo. — É tarde, MacEgan. Como já disse, reuniremo-nos todos pela manhã e tomaremos uma decisão. — Vamos enterrá-lo e depois alguns homens irão a Gall Tir para encontrar os outros atacantes e levá-los perante a justiça — Trahern propôs. — Não é nossa batalha — o chefe contrapôs. — Eu não falei de seus homens, certo? Trahern se virou e partiu antes de perder o domínio sobre si mesmo. Embora faltasse muito pouco para o amanhecer, sentia-se dominado por uma cólera abrasadora. Quando Morren olhou para esse homem, o horror se refletiu em seu rosto como se estivesse revivendo todo o pesadelo daquela noite. Quis consolá-la e tranqüilizá-la com seu amparo, mas nesse momento estava concentrado em obter informação. O intruso tinha vindo desde Gall Tir, um acampamento viking que ficava a uns quilômetros das terras de sua família. Por que tinham viajado de tão longe? Alguém os tinha contratado, mas quem? Necessitava dessas respostas e estava decidido a encontrar esses homens. Embora não fosse o melhor momento para viajar, ainda sobrava um pouco de tempo antes que chegará o rigor do inverno. Podia recrutar alguns homens entre os Ó Reilley, homens que queriam vingar-se tanto quanto ele. Possivelmente o acompanhasse Aron, o irmão de Ciara. A cabeça lhe dava voltas com os planos e pensou em alguns nomes. Quando foi se dirigir para a cabana dos homens, viu Morren perto da paliçada. Estava de costas para ele, mas o tremor de seus ombros lhe disse que estava chorando. Trahern não pensou. Foi até ela e a abraçou. Suas lágrimas lhe umedeceram a túnica. — O que vai acontecer com Jilleen? — ela perguntou por fim olhando-o com os olhos transbordando de lágrimas. — Nada — ele respondeu em tom contundente — Não permitirei que nada lhe aconteça.

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Trahern acariciou seu cabelo e a estreitou contra si.

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— Ela é tudo o que tenho, Trahern. Não posso permitir que lhe façam mal — Morren secou as lágrimas — Eles não deixam que eu me aproxime dela, está muito vigiada. — Falarei com eles — tomou sua mão e a levou para a cabana das mulheres — Confie em mim. — Não sei por que ela o fez — Morren reconheceu — Ela nunca faria mal a ninguém. Jilleen é a pessoa com melhor coração que conheço. A angústia de seu rosto lhe atravessou o coração. Trahern parou lhe acariciando os dedos. — Ela a adora, Morren. — Eu também a adoro, mas nunca teria lhe pedido para que fizesse algo assim. — Sacrificou-se por ela. Não acha que ela faria o mesmo? Ela quis que o intruso pagasse pelo que tinha feito. — Eu estava furiosa — ela reconheceu — Não sabia o quanto até que o vi. Não lamento que esteja morto. — Eu tampouco. Depois de um momento, ela pareceu dar-se conta de que continuava segurando a mão dele. Ruborizou-se à luz das tochas e a soltou. Entretanto, não se afastou. — Você vai persegui-los, certo? — ela perguntou — Vai para Gall Tir. — Assim que eu reúna a alguns homens para que me acompanhem. — Quero ir contigo. Ele cortaria as próprias pernas antes. — Nem pensar. Os homens podem reconhecer os atacantes. — Podem? Duvido. Aquela noite estava muito escura e todo mundo estava tentando apagar os incêndios. Ela ficou muito reta, como se quisesse dar confiança a si mesma. — Você fica com os outros e reconstrói seu povoado. Deixe que um homem como Adham cuide de você. Disse o que tinha que dizer. Estaria a salvo com seu clã e protegida por um homem que a admirava. Entretanto, no mais profundo de seu ser sabia que Adham Ó Reilley não tinha o valor nem a capacidade para compreender uma mulher como Morren. Nunca entenderia o inferno pelo qual ela tinha passado. Além disso, se ele se atrevesse a culpá-la pelo que tinha acontecido ou a tratá-la como a uma perdida… Trahern fechou os punhos e apertou os lábios. — Não vou casar-me com Adham nem com ninguém — ela tomou fôlego para que ele não pudesse dizer nada — Vou com você para Gall Tir porque quero justiça, como você. Já fiquei bastante tempo acovardada — ela cruzou os braços e o olhou diretamente nos olhos — Quero olhá-los na cara para que saibam que não me derrotaram. Quando o tiver feito, os pesadelos irão terminar — levou as

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mãos ao ventre — Arrebataram-me isso tudo. Não terei filhos por culpa deles.

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Ele queria rebater, mas não lhe saíram as palavras. Lembrou-se da noite em que ela perdeu seu filho. A dor o rasgou como uma espada entre as costelas, mas também sentiu a necessidade de que ela soubesse a verdade. — Aquela noite teve um filho — ele confessou. Morren ficou petrificada e com os olhos cheios de lágrimas outra vez. Ele notou que as lágrimas também lhe queimavam os olhos, mas continuou falando. — Era muito pequeno para sobreviver, menor do que minha mão. Batizei-o com um pouco de água e rezei por sua alma — ele tomou fôlego para terminar — Está enterrado perto da cabana. Ela chorou em silêncio e ele voltou a abraçá-la. Embora muitos tenham perdido a vida e muitas mulheres tinham sofrido a mesma perda que Morren, sentiu sua dor como se fosse sua. — Acreditei que ia morrer naquela noite — ela confessou. Trahern pegou seu rosto entre as mãos e apoiou a testa na dela. — Entretanto, encontrou forças para viver. Ficou um momento com o rosto dela junto ao seu e seu aroma de orvalho de verão o cativou. Morren rodeou seu pescoço com os braços para ficar a altura de seu braço. Estreitou-se contra seu peito como se quisesse absorver uma força que só ele podia lhe dar. Embora Trahern tenha hesitado em consolá-la, acreditou que aquilo não era uma traição a Ciara. Morren o necessitava nesse momento e não tinha nada de errado. Quanto mais a abraçou, mais começou a alterar-se por dentro. Não queria soltá-la. Queria retêla entre os braços porque tinha lhe dado a oportunidade de redimir-se. Era uma mulher bonita e desejável que tinha perdido tanto quanto ele, possivelmente mais. Quando ela levantou o rosto, precisou beijá-la outra vez para aliviar sua dor e lhe oferecer os pedaços quebrados de si mesmo. Ela vacilou, estava insegura, mas seus lábios acabaram movendo-se junto aos dele. Sua boca, leve como a chuva, despertou uma voracidade nele que não sabia que tinha. Seu corpo reagiu e embora tivessem os quadris separados, rezou para que ela não se desse conta do efeito que tinha nele. Embora tenha lhe prometido que isso não voltaria a acontecer, aquilo não era um ato de desejo; era consolo e alívio. Seu senso comum lhe ordenava que parasse de beijá-la antes que perdesse mais a cabeça, mas se a afastasse nesse momento, ela pensaria que era porque o desgostava. Ao contrário. Deleitou-se com seus lábios e o calor de sua língua. Ciara não tinha sido muito dada em beijá-lo. Beijava-o rapidamente antes de abraçá-lo. Queria sua força e se deleitava com ela quando a levava a um lugar afastado onde podiam amar-se. Morren era diferente. Parecia precisar do seu beijo como se a liberasse das trevas que tinha

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sofrido. Deixou que a beijasse tanto quanto quisesse e moveu a boca sobre seus lábios vacilantes.

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Ela acariciou sua nuca, onde o cabelo estava começando a crescer outra vez. Afastou-se um pouco. — É mais suave do que eu tinha imaginado. Morren tinha os lábios inchados e estava ruborizada como se tivesse vergonha de falar do que acabava de fazer. Ele não soube o que dizer. Ela o surpreendeu ao voltar a lhe acariciar o cabelo. — Você deveria deixá-lo comprido outra vez, Trahern. Ele não estava certo. Ao menos, até que tivesse se vingado e tivesse terminado a tarefa que se impôs. Ela pareceu dar-se conta de sua reserva, mas antes de poder afastar as mãos, seus quadris se chocaram acidentalmente. Ficou pálida ao ver a reação que tinha despertado nele. — Morren… Ela retrocedeu tampando o rosto com as mãos. Seguia pálida, mas tomou fôlego. — Não o diga. Eu queria que me beijasse e não violou sua promessa. Foi minha culpa. — Não — ele a olhou nos olhos — mas é outro motivo para que não vá comigo. Será melhor para nós dois se seguirmos nossos caminhos. Quanto mais tempo ficava com ela, mais despertava um desejo que não queria sentir. Podia esquecer-se involuntariamente de si mesmo e assustá-la. — Você me faz sentir segura, Trahern. Quando estou com você, posso me esquecer de meu passado — ela baixou o olhar — Entretanto, eu entendo que não me queira. Aqueles homens… — É o que pensa? — ele perguntou com raiva — Você acha que a considero responsável pelo que fizeram aqueles bastardos? — Não, mas… — Beijei-a porque estava sofrendo, porque queria que soubesse que, apesar de tudo, é uma mulher bela e que merece um futuro com uma família sua — Trahern passou a mão pela cabeça — Estou zangado comigo mesmo porque devia vingar Ciara, mas cada dia que passo contigo ela mais se apaga em minha cabeça. Eu não gosto disso. Parece-me que a traio porque não posso pensar nela quando estou com você. Morren o olhou fixamente e atônita por suas palavras. Estava se comportando como um tolo. O que importava a ela tudo isso? — Sinto— ela sussurrou passando os dedos por sua cabeça, suas bochechas e seus lábios — O sinto pelos dois. Ele pegou suas mãos. — Eu também sinto. — Fazia quase um ano que não beijava um homem — ela reconheceu com desconforto, embora fizesse um esforço para seguir — Além disso, até este momento, não podia suportar que me tocassem. Até esse momento? Suas palavras o alarmaram, mas ela se afastou antes que ele soubesse o que

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dizer.

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— Eu agradeço — ela acrescentou isso cobrindo os ombros com o xale — Você me ajudaria para que pudesse ver Jilleen? Quero passar a noite com ela. Assim, sem mais, o momento desapareceu como se não tivesse acontecido nada. Trahern concordou com a cabeça e a acompanhou de volta. Não voltou a olhar para Morren nem relembrou o inesperado beijo. Não significava nada. Entretanto, sim sentiu a confiança que ela tinha nele, a confiança em que ele conseguiria que as

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coisas se encaminhassem outra vez. Sem saber o porquê, pegou sua mão como uma promessa silenciosa.

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Onze Não soube como ele tinha conseguido, mas Trahern manteve sua promessa. Com a ajuda de Katla, conseguiram que os guardas a deixassem ver Jilleen. Morren abraçou sua irmã com todas suas forças enquanto Trahern ficou na porta. Ficaram juntas o tempo que restava embora Morren soubesse que Jilleen não estava adormecida. Antes que o amanhecer começasse a iluminar suavemente a cabana, sua irmã se levantou para dirigir-se a ela. — Não me arrependo do que fiz. — Shhh… Não fale disso agora — Morren pegou as mãos de Jilleen — Tente dormir um pouco. Os olhos de Jilleen já não tinham a inocência de uma menina de treze anos quando ela olhou para Morren. — Me alegro de que esteja morto. Morren afastou uma mecha de cabelo do rosto dela. — Ele não vai nos incomodar mais. Os lábios de Jilleen tremeram e agarrou suas mãos. — Naquela noite eu devia ter corrido mais rápido. Se não tivessem me apanhado, não nos teria acontecido nada. — Não foi sua culpa — Morren objetou com o coração estilhaçado. — Sim foi. Agora fiz algo para repará-lo. Viu que Trahern se aproximava e que sua sombra cobria à menina. — Não era seu dever matá-lo — disse Trahern — mas entendo que tivesse vontade de vingar Morren. Jilleen dirigiu sua atenção para Trahern e corou. Ele colocou um joelho no chão para não intimidá-la e quando olhou para Morren, ela percebeu que estava tentando ajudá-la. — Quando meu irmão Ewan era pequeno, seguia a meus irmãos e a mim por toda parte — seguiu Trahern — Dava no mesmo se montássemos a cavalo pelo campo ou fôssemos a alguma missão perigosa, ele queria estar ali. Éramos mais que irmãos — Trahern adotou o tom de um bardo e Jilleen começou a escutar com toda sua atenção, sentada com as mãos ao redor dos joelhos — Ficamos mais íntimos quando todos nós voltamos de nossos lugares de treinamento. Uma noite, faz uns dez anos, Liam, nosso irmão mais velho, morreu naquela noite. A emoção de sua voz foi quase imperceptível, mas Jilleen a captou. GRH – Grupo de

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sofremos um ataque normando. Dúzias de arqueiros e cavaleiros com cotas de malha nos atacaram.

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— Tentaram salvá-lo — a menina disse em voz baixa. — Sim, mas não fomos rápidos o suficientemente para deter a espada que o abateu. Morren não sabia essa tragédia porque nunca tinha lhe falado de seu irmão mais velho. Ele já havia falado de seus outros quatro irmãos. — Quiseram matar aos normandos — Jilleen adivinhou. — Sim. Sobretudo meu irmão Bevan, porque era o que estava mais unido a Liam. Guardou a vingança no coração durante muito tempo e deixou que esta fosse crescendo porque não só tinha perdido a seu irmão nessa batalha, como também morreu sua esposa. Jilleen derramou uma lágrima e abraçou com força os joelhos. Morren notou que os seus olhos ardiam porque lhe parecia que Trahern já não falava de seu irmão. — Viveu cada dia corroído pela dor e todos culpávamos a nós mesmos — Trahern continuou quase sussurrando — Entretanto, tivemos que seguir com nossas vidas porque isso era o que Liam teria querido. Morren abraçou a Jilleen comovida pela história e o olhou fixamente em seus olhos cinza, tristes e resignados. — Durma um pouco — ela disse a sua irmã deitando-a para que repousasse a cabeça em seu colo. Morren estendeu a mão para Trahern para lhe agradecer com um leve contato e se perguntou se ele poderia esquecer a dor e seguir vivendo depois de uma perda assim… ou se ela poderia.

Dagmar, o chefe viking, celebrou a assembléia ao amanhecer. Morren não tinha soltado a mão de sua irmã e Trahern viu suas olheiras. Celebrou-se no centro do povoado e se expôs o corpo do viking intruso. Todos os Ó Reilley, homens e mulheres, passaram diante dele para identificá-lo e todos concordaram que era uns dos atacantes. Antes que cobrissem o cadáver, Trahern viu que Gunnar pegava algo do cinturão, certamente, uma faca. — Ele merecia — Adham

Ó Reilley afirmou — Se estivesse vivo, teria que pagar uma

compensação pelo que fez a nossas casas — seu olhar se dirigiu para Morren — Também teria que pagar pelo que fez a nossos familiares. Trahern se levantou e esperou que cessassem os murmúrios irados. Olhou à irmã de Morren com uma expressão delicada e aproveitou a força de sua voz para que o escutassem. pensasse em lhe tirar a vida. — Acredito que deveria haver algum castigo — o chefe interveio. GRH – Grupo de

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— Jilleen Ó Reilley não deveria ter matado este homem, mas não há um só homem aqui que não

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Morren agarrou com força a mão de sua irmã e Trahern foi rebatê-lo, mas Dagmar seguiu. — Embora um leve — o chefe se levantou e apontou em volta para as casas em ruínas — Jilleen terá que trabalhar durante o próximo mês para ajudar a reparar os destroços. Assim expiará a morte desse homem. — Não deveria levantar uma só pedra — Trahern respondeu. — Está questionando minha sentença? O chefe se levantou, aproximou-se dele e o olhou nos olhos como se o estivesse desafiado pessoalmente. — Uma menina de treze anos não é igual a um assassino — Trahern respondeu sem alterar-se — É possível que não saibamos por que participou esse homem do ataque, mas seus delitos são evidentes. — Não importa, Trahern — Jilleen se levantou, ficou entre os dois homens e os olhou — Aceito o castigo. Ajudarei a reconstruir o povoado. A menina o segurou pela mão para tranqüilizá-lo e o chefe olhou com severidade para Trahern, mas logo fez um gesto com a cabeça a Jilleen para que se retirasse e passou para outros assuntos. Jilleen voltou com Morren e Katla se aproximou uns minutos depois. Olhou atentamente às duas mulheres durante um bom tempo, mas não disse nada. Morren abraçou sua irmã sem olhar à mulher. Katla falou com Trahern como se estivesse respondendo a uma pergunta formulada no silêncio. — Cuidarei delas quando você partir. Dou minha palavra. O rosto da mulher era sombrio e agradável, mas não disse mais nada. Era uma saída, uma maneira de deixá-las com a tranqüilidade de que Katla se ocuparia delas. Era casada e podia lhes oferecer sua casa. Ele tinha certeza de que Morren e Jilleen ficariam bem. Mesmo assim, hesitou. Tinha a sensação de que estava abandonando Morren como abandonou Ciara e, por mais que tentasse, não podia evitar certa inquietação. A multidão começou a dispersar-se e o chefe, acompanhado por vários homens, ia voltar para povoado viking. Trahern ficou com Morren e Jilleen e, junto com outros, passaram várias horas trabalhando nas cabanas novas. Entretanto, apesar do trabalho, não pôde deixar de olhar Morren. Usava seu cabelo dourado preso em uma trança e o xale lhe rodeando os ombros. Na noite anterior tinha chovido e o piso estava cheio de atoleiros e barro. Morren cuidava de sua irmã, mas, a julgar como olhava para o exterior do povoado, ele compreendeu que desejava voltar para campo. — Quer ir cortar a cevada que resta? — perguntou-lhe — Poderíamos pedir a ajuda de algumas pessoas. — Não quero abandonar Jilleen — ela reconheceu olhando a sua irmã. — Não sou uma menina, Morren — Jilleen replicou — Não tem que me vigiar. Não vai me

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acontecer nada e prefiro trabalhar aqui com outros que no barro do campo. Vá com ele se é o que quer.

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As palavras de Jilleen não a convenceram, mas Katla lhe fez um gesto tranqüilizador com a cabeça e então mudou de opinião. — Muito bem, mas só por um tempo — Morren concedeu cobrindo a cabeça com o xale para se proteger do vento. Trahern pegou as foices enquanto a acompanhava e tentou animar a alguns dos homens para que os ajudassem, mas não a Adham. Não podia convidá-lo depois de o covarde ter abandonado Morren. Entretanto, ninguém do clã quis ir para campo quando havia tanto para se fazer no povoado. Se não fosse pelo medo que Morren tinha de que apodrecesse o grão, ele tampouco teria ido. Entretanto, era importante para ela. Havia uma conexão entre ela e a terra que não podia se negar. Tinha visto sua tristeza pela colheita queimada e a ligeira esperança quando salvaram alguns grãos no dia anterior. Quando saíam do povoado, e ele se perguntou se não seria um engano voltar a ficar a sós com ela. O beijo da noite anterior o tinha alterado. Essa noite tinha sonhado com sua boca e o sabor de sua inocência. Morren, apesar do horror que tinha sofrido, era uma mulher bonita e desejável. Além disso, desejava-a mais do que deveria. Quando saíram dos limites do povoado, o piso estava mais firme e a grama os ajudava a manter-se de pé. Escolheram uma área perto do que restava do grão para colher pelos lados opostos. — Obrigada por conseguir que visse Jilleen ontem — Morren lhe disse de repente. — Não vai acontecer nada com ela — ele a tranqüilizou — Os outros cuidaram dela e Katla a trata como a uma filha. Morren sorriu levemente. — Sei que Katla perdeu sua filha e que cuidar de Jilleen é uma nova motivação para ela. É como se minha irmã tivesse uma mãe adotiva e um lar outra vez. — E você? Acha que voltará a encontrar um lar? — Não — ela respondeu com ar sério, enquanto ceifava uns caules de cevada — Acreditam que sou a mesma mulher que antes, mas não sou. — É mais forte que essa mulher, porque você sobreviveu. — Algumas vezes, acredito que uma parte de mim morreu naquela noite — ela disse olhando-o nos olhos. Ele se apoiou na foice e a olhou com atenção. Não se via a si mesma como ele a via e procurou uma maneira de explicar-se para ajudá-la a superar o passado. — Eu te assustei ontem à noite quando a beijei? — Um pouco — ela respondeu ficando parada. — Você achou que ia forçá-la?

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Ela negou com a cabeça.

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— Você sabe que eu não o faria. Quando encontrar um homem que a ame — ele pôs uma mão no ombro dela— Vai saber que não tem nada a temer. Quando há amor, trata-se de se entregar, não de tomar. Ela posou a mão sobre a dele e seu calor impregnou sua pele. Voltou a desejar abraçá-la e sentir o consolo do contato de uma mulher. Recuou lentamente para que ela não tivesse uma sensação errada e, repentinamente, escorregou e caiu no chão de costas. — Maldito barro — ele se levantou e notou a risada contida de Morren — Tome cuidado ou acabará… Morren escorregou para frente e, entre risadas, caiu de barriga para baixo. Ela se virou com os braços e bochechas cobertos de barro. — É assombroso. Parece que nós nos banhamos em barro. Ela limpou o barro do rosto com a manga do vestido e fez uma careta de desgosto. — É muito escorregadio — ele lhe ofereceu a mão para ajudá-la a levantar-se — Tome cuidado. — Tenho as mãos cheias de barro. Entretanto, ela o disse com um brilho de humor nos olhos pelo que tinha acontecido. — Eu acho que hoje não é o melhor dia para colher — ele comentou — Além disso, acredito que já colhemos quase tudo. — É um frouxo — Morren recolheu a foice com muito cuidado — Tem medo de manchar sua roupa, certo? — Já está manchada e não tenho nada mais que vestir. — Acredito que sobrou um vestido de Katla— ela brincou. — Eu acredito que preferiria ficar nu a usar uma roupa de mulher, minha amiga. Ele viu um brilho nos olhos de Morren e que ela parecia se animar. Ela seguiu ceifando com muito cuidado para não cair. — Eu já terminarei. Pode voltar e trabalhar em um pouco mais duro. Com certeza terá que quebrar muitas pedras e levantar algumas barras. Um segundo depois, ela voltou a escorregar, caiu de costas e a foice saiu voando. — Ei! — exclamou ele depois de esquivar — Queria me matar? Ela ficou engatinhando horrorizada pelo que tinha acontecido. — Perdoe-me, Trahern. Nunca esperei… — Já sei que tenho que raspar o cabelo outra vez, mas não dessa maneira. Ela se sentou com as mãos cheias de barro sobre os joelhos. — Me perdoe. Foi um acidente, de verdade. Trahern se aproximou com cuidado e recolheu a foice. Morren tentou levantar-se, mas voltou a escorregar e a cair de costas.

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— Hoje não vai mais utilizar lâminas afiadas. Tenho amor à vida.

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— É inútil — se lamentou — Não sei como vou voltar para o povoado se não for engatinhando. Trahern também tinha as mãos cheias de barro, mas assentou os pés em uma parte de chão com grama. — Vou ajudá-la. A tomou em seus braços e a levou com muito cuidado através do campo. — Não quero que volte a cair. Vou deixá-la no chão quando chegarmos à grama. Ela se agarrou com força em seu pescoço e a calor de sua pele aliviou o frio do barro. — Você gosta de se mover entre a terra, não é? — Entre a terra seca, sim, no barro, não. Trahern conseguiu chegar a um lugar seguro e a deixou no chão. Morren o olhou maravilhada e espantada. — Temos que nos lavar ou não nos deixarão entrar no povoado. Olhou-a fugazmente no rosto e o seu sangue ferveu diante da visão de seu corpo. O barro tinha grudado seu vestido no corpo magro e desenhava a generosa curva dos seus seios. Tinha uma manga caída e se via um ombro. O cabelo caía em mechas enlameadas que acariciavam seus mamilos. Ele lembrou-se do beijo e do calor de sua língua na boca. Era tão desejável nesse momento como era no dia anterior. Mais ainda, porque estava sorrindo. Trahern não disse nada e se dirigiu para o rio. Para ele não importava que estivesse gelado. Nesse momento não estava pensando na limpeza, a não ser em sufocar a excitação que o alterava. Mergulhou da borda na água gelada e nadou a grandes braçadas para limpar o barro. Morren o olhou sem saber por que partiu tão abruptamente. Ele estava diante dela num minuto e em seguida quase a afasta com um empurrão. Olhou a água sabendo o quanto estava fria. Entretanto, o barro estava secando e se não o limpasse sua pele arderia. Teria coragem de meter-se na água como ele? Esta parecia terrivelmente fria. — Como está? — ela perguntou a Trahern quando este emergiu. — Muito fria para você. Ele saiu da água com a roupa encharcada. Embora certamente fosse verdade, não gostou que desse fosse obvio que não poderia suportar a temperatura. Não podia ser tão mal. Antes de arrepender-se, tirou o xale, correu até a borda e saltou na água. A impressão foi como se uma espada lhe tivesse atravessado a espinha dorsal. Emergiu tiritando. — Posso perguntar por que você fez isto? — ele perguntou antes de atirar-se à água para segurála. — Tinha que… lavar meu o cabelo. — Está muito fria. Certamente, esta manhã estava congelada. Poderia ter se afogado.

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— Dá… pé.

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Ela tentou tirar o barro da cabeleira. Trahern segurou seu cabelo e esfregou sua nuca até que as mechas ficaram limpas. — Poderíamos ter esquentado água e pô-la em uma tina. Não precisava ter feito isto. Trahern a tirou da água, mas o ar frio fez com que começasse a tremer mais ainda. Envolveu-a com o xale, mas este não esquentou sua pele. Só podia suportá-lo pelo calor de seu corpo. — Pensei que não era para tanto — ela reconheceu — Você se banhou e não o afetou. — Sou maior que você e a água não fica tão fria contra minha pele. Trahern a levou para povoado em grandes passadas e sem fazer nenhum esforço. Morren se agarrou nele como se quisesse absorver o calor de sua pele. Estavam muito perto da porta quando ele parou e a deixou no chão. Ela quase dobrou os joelhos. — Sinto — ela se lamentou — Não deveria ter entrado na água. Agarrou-se com força aos ombros dele sem deixar de tremer. Entretanto, não tremia só de frio. Também tremia por seu olhar, o olhar de um homem que a desejava. Estava lhe dando a oportunidade de se afastar e sabia com toda certeza que não poria uma mão nela. Entretanto, tanta esforço para se conter tinha conseqüências. Seu olhar era abrasador, como um fogo que começava na pele e abria caminho pelos seios até lhe chegar às coxas. Seus mamilos se endureceram sob o vestido de lã molhada e notou um calor inesperado entre as pernas. Era desejo. Trahern MacEgan estava despertando nela algumas sensações que tinha enterrado. Possivelmente não estivesse tão acabada como tinha acreditado. Nesse momento, quis que a abraçasse outra vez, que lhe desse calor e a fizesse sentir-se segura porque sabia que jamais lhe faria mal. — Sinto muito. Trahern se aproximou um pouco. Tinha a cabeça molhada e a pele pálida pelo frio, mas quando o teve ao alcance da mão, ela notou a barba que começava a aparecer no rosto e na força imponente de seus braços. — O que sente? — perguntou ela com um fio de voz. — Isto.

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Trahern a segurou pelo pescoço e a beijou apaixonadamente na boca.

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Doze O desejo e uma voracidade primitiva se apropriaram de Trahern. Não pensava com claridade e sabia, no mais profundo de seu ser, que isso estava errado. Entretanto, ela era muito bonita e ao ver seu sorriso não tinha podido passar por cima do desejo que sentia. Esperou que Morren o afastasse e o remorso o apressava para que não o fizesse. Estava comportando-se como os vikings que a atacaram. Entretanto, seus lábios e seus braços ao redor do pescoço… eram como um bálsamo para seu espírito. Estreitava-se contra ele e estava lhe devolvendo o beijo. A pele fria dela estava esquentando e a abraçou com força. Por fim, o senso comum se impôs e parou de beijá-la. Ela olhou-o fixamente e seus olhos azuis refletiram o mesmo desejo que ele sentia. Entretanto, também transmitiam medo e vergonha. Abraçou-se a si mesma e esfregou os braços. — Trahern… — Não siga. Perdi o controle por um momento. Ele passou a mão pela cabeça sentindo-se um indesejável. Não lamentava ter infringido as normas, mas sim lamentava as conseqüências. — É possível que Katla tenha roupa seca e que possa se sentar junto ao fogo para esquentar. A verdade era que queria se envolver com Morren em uma manta e que o calor de seu corpo lhe esquentasse a pele. Imaginou aos dois junto ao fogo e o corpo nu dela sobre o dele. Iria acariciar seus quadris e sua pele suave e delicada. Uns vestígios de raiva lhe surgiram na mente ao pensar que estava traindo Ciara com esses pensamentos. — Vou voltar a colher o grão — ele disse a Morren para poder afastar-se um pouco. Ele alegrou-se que o pesado fardo manteria suas mãos ocupadas e quando voltou ao lado dela, ela olhou-o com os olhos entrecerrados. — Parece que pretende voltar a incendiar o povoado — ela comentou sem deixar de olhá-lo — O que aconteceu? O que acontecia é que era um bastardo que tinha que molhar a cabeça com água fria. — Nada. Estou com frio. Ela concordou com a cabeça e abraçou-se com força. — Sonho com a fogueira, mas nenhum de nós dois tem mais roupa e sei que o chefe não trouxe

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provisões ainda.

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Entretanto, quando entraram no povoado, comprovaram que estava errada. Havia provisões, mas não do povoado viking. Um grupo de monges tinha chegado da abadia com o abade, quem estava indicando aos irmãos como repartir a comida e a roupa. Trahern desconfiou, embora Morren parecesse se alegrar em vê-los. Por que tinham os monges aparecido depois da morte do atacante? Souberam de seu falecimento? Ele não conseguiria recebê-los bem. Morren o abandonou para saudar o irmão Chrysoganus e Trahern foi armazenar o grão junto da colheita do dia anterior. Voltou para a cabana dos homens com a intenção de se esquentar com a fogueira. Viu Aron, o irmão de Ciara, que se servia de cerveja de um dos odres. Não o saudou embora vê-lo o deixou pensativo, pareceu que tinha adivinhado o que tinha estado fazendo com Morren uns minutos antes. Aron se aproximou da fogueira com um ar sério. — Ouvi dizer que vai partir. — Sim — Trahern reconheceu — Vou a Gall Tir para procurar os outros. — Você vai levá-la com você? Trahern soube que se referia a Morren. — Não. Esperava que você ou algum dos Ó Reilley me acompanhasse. — Eu irei. Gunnar Dalrata estava na porta e franziu o cenho ao ver a roupa encharcada de Trahern. — O que aconteceu? — Tomei um banho. Gunnar fez uma expressão de zombaria. — Por quê? Bom, imagino que se eu tivesse passado toda a manhã com Morren Ó Reilley eu também precisaria tomar um banho de água fria. Trahern se deu conta de que Aron se zangava cada vez mais ainda. — Cale a boca, viking. Outra vez está deixando claro que não tem dois dedos de cérebro. Aron terminou de falar e Gunnar já o agarrava pelo pescoço contra a parede da cabana. — Eu poderia te estrangular, irlandês. — Solte-o. Trahern se aproximou de Gunnar como se quisesse amedrontá-lo. Gunnar acabou soltando-o, embora a contra gosto. O viking era impetuoso e isso podia lhe causar problemas ou ser muito útil nas circunstâncias adequadas. Era um risco, mas Gunnar já tinha demonstrado ser um lutador muito forte. — Pode nos acompanhar se reservar sua agressividade para nossos inimigos — Trahern lhe

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disse — Não é necessário que pratique com os Ó Reilley.

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— Não sei por que quer que um deles nos acompanhe— Aron interveio tossindo e esfregando o pescoço — Irá nos trair assim que poder. Embora em outro momento teria concordado com Aron, Trahern não podia considerar Gunnar como um inimigo. — Você vai vir conosco? — ele perguntou a Aron. — Sim — Aron respondeu sem deixar de esfregar o pescoço — Imagino que não deveria me surpreender que queira que Gunnar nos acompanhe. Têm muito sangue em comum. — O que quer dizer? Aron se dirigiu para a porta. — Se olhe, Trahern. É um viking quer o reconheça ou não. — Sou um MacEgan. É possível que tenha sangue escandinavo por parte de meu avô, mas… — Não. É um filho bastardo. Aron se deteve na porta e Trahern viu que tinha começado a chover. Aron desapareceu na chuva antes que Trahern pudesse alcançá-lo. Sabia que podia segui-lo, mas do que serviria? Eram só palavras e não iria se importar. Havia muitos MacEgan descendentes e casados com vikings. Ele não se perguntava quem era. Entretanto, esteve tentado em perseguir Aron para negar e fazê-lo ver a razão. Quando se virou, viu que Gunnar o olhava fixamente. — O que acontece? — Trahern perguntou-lhe — Você não vai acreditar, não é? — Não — Gunnar o olhou nos olhos — A verdade é que não. — Então, posso saber por que me olha assim? — Por nada, MacEgan — embora o tom do viking fosse casual, tinha um brilho nos olhos — Nada que importe. Entretanto, Trahern teve a sensação de que Gunnar estava mentindo e não soube o que fazer.

Choveu toda a tarde e o piso ficou encharcado. Morren continuou com a roupa molhada porque os monges não tinham levado nada para ela. Mesmo assim, agradeceu o pão e a carne fresca. O irmão Chrysoganus tinha benzido a comida e rezado pela reconstrução. O abade já tinha voltado para a abadia com outro monge e só ficaram dois. Como não parou de chover, Chrysoganus tentou entretê-los com histórias de cruzados que

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tinham ido a Jerusalém.

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— Rezaram a Deus para derrotar aos infiéis e muitos caíram na batalha para reunir-se com o Pai Eterno. Enquanto o monge cantava as virtudes de morrer pela fé e como se podia dedicar a vida a Deus, Morren se aproximou de Trahern e lhe sussurrou no ouvido. — Por que não conta uma de suas histórias? Eu lembro como nos fazia rir no inverno passado. Ele começou a sacudir a cabeça, mas ela se agachou para voltar a lhe sussurrar e o roce de sua bochecha pareceu lhe transmitir uma intensidade inesperada. — Por favor, Trahern. Acredito que todos estão cansados de ouvir falar de peregrinos mortos. Antes que ele pudesse se negar, ela se levantou. Se Trahern necessitava de um estímulo, ela estaria encantada em dar-lhe. — Obrigada, irmão Chrysoganus. Estou certa de que está faminto depois de contar tantas histórias. Por que não ouvimos uma história de Trahern enquanto desfruta da comida? Pegou um pedaço de pão e o ofereceu ao monge. O ancião o recebeu com um sorriso. — É muito amável. Trahern a olhou como se não importasse o que ela fizesse. Ela sabia que fazia muitos meses que não contava histórias em público, mas também estava certa de que não as tinha esquecido. Quando esteve sofrendo na outra noite, ele tinha aliviado sua dor com sua voz. Fez que se esquecesse de sua perda tecendo um feitiço ao redor da tristeza. Todos precisavam descontrair-se nesse momento. Morren voltou a sentar-se e lhe fez um gesto para que ele se sentasse no meio do círculo. Quando se levantou para ocupar seu lugar, olhou às pessoas como se estivesse escolhendo a história que lhes convinha. Começou com a história de Lugh e sua melodiosa voz de barítono encheu a cabana. Narrou a viagem de Lugh para saudar o rei Nuada e deslumbrou a todo mundo até que conseguiram ver o jovem Lugh que desejava entrar no reino. — Antes de permitissem que entrasse, Lugh tinha que demonstrar sua destreza. Trahern desembainhou sua espada e a brandiu no ar. Seus músculos se flexionaram e algumas mulheres vikings o aclamaram. Morren ficou em silêncio, mas admirou o poderoso braço de Trahern. Havia sentido esses braços ao redor dela protegendo-a. Embora tivesse tido frio, começou a sentir calor em toda sua pele e se inclinou um pouco para ouvir melhor a história. — Lugh quis demonstrar sua destreza com a espada e a ofereceu à sentinela, que lhe disse que já tinham guerreiros melhores que ele e lhe negou a entrada — Trahern embainhou a espada e voltou a sentar-se — Lugh não se intimidou e ofereceu seu talento como harpista, como poeta e como mago. Ele ficou desapontado quando o rechaçaram uma e outra vez porque não lhe ocorriam mais habilidades

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que pudessem lhe permitir a entrada. Tinha visto de longe à criada Nás e desejava estar com ela.

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Olhou a Morren e seu tom grave a envolveu como uma carícia. Não deixou de olhá-la enquanto elogiava as virtudes de Nás. Olhou para sua boca e ela levou a mão aos lábios ao lembrar-se do beijo embriagador e de como havia se sentido. Perguntou-se… o que sentiria se a acariciasse em outros lugares. Cairia enfeitiçada como com suas histórias? Trahern seguiu contando todos os esforços de Lugh para entrar no palácio e ela se encontrou cativada pela história. Rodeou os joelhos com os braços e comprovou que Trahern havia devolvido o bom humor ao clã. Percebeu que ele fora feito para ser um contador de histórias. Era um homem que podia conseguir que um grupo se concentrasse em sua imaginação e que se entretivesse entre tanta ruína. Inclinou-se mais ainda para ouvir o final da história. — Ao final, quando Lugh se aproximou pela última vez, o sentinela o recordou que já havia gente com aqueles talentos. Lugh, entretanto, perguntou-lhe se havia alguém que os tivesse todos. O sentinela não pôde dizer o nome de nenhum e Lugh pôde entrar no reino de Tara. Trahern se levantou entre gritos de viva e aplausos e inclinou a cabeça. Embora não dissesse nada, tinha uma cara de satisfação, quase, como se tivesse tido saudades contar histórias. A chuva tinha amainado o suficiente para que as mulheres pudessem voltar para sua cabana e Morren, antes de partir com elas, deteve-se para falar com Trahern. — Você tem um dom, Trahern MacEgan, eu sentia falta de suas histórias. Ele respondeu com um sorriso e ela sentiu calor em seu interior ao vê-lo sem a máscara de raiva e sendo o homem de bom coração que foi uma vez. Quando partiu, ela conservou a história dentro de si como se também conservasse uma parte dele.

Embora tivesse passado uma hora desde que contou a história, Trahern seguia inquieto. Foi até o canto mais afastado do povoado com a cabeça cheia de pensamentos descontrolados. Conheceu Ciara em uma noite como essa. Contou-lhe histórias e viu que o rosto se iluminava pelo interesse. Depois disso, sua amizade foi convertendo-se em um amor que o encheu por dentro. Sentou-se e apoiou as costas na paliçada. Recordá-la já não doía tanto como uma vez doeu. Ainda podia ver seu sorriso e quase imaginar seus braços ao redor dele. Tinha sido uma mulher incomparável que tinha entregado seu carinho a todos os que a rodeavam. deixar-se dominar pela dor. Morren tinha razão. Se Ciara estivesse ali, não gostaria do homem no qual se converteu. Tinha deixado que o ódio o moldasse e tinha perdido toda sua identidade. GRH – Grupo de

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Entretanto, não ia voltar. Não queria aceitá-lo, mas sabia que era a verdade. Fechou os olhos para

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Essa noite, ao contar a história de Lugh, tinha ressuscitado uma parte de seu espírito. Havia se sentido satisfeito. Além disso, quando viu o sorriso de Morren, sentiu-se agradecido. Ela tinha passado momentos tão escuros que quis agradá-la. Os beijos que deram não se pareciam com nada que tivesse conhecido. Nem sequer com Ciara. Como se aferrou a ele e se entregou com tanta confiança… Não queria deixá-la embora tivesse que fazê-lo. Viajaria sozinho como tinha feito antes. Morreria quando ele estivesse longe? Estaria verdadeiramente a salvo? Não estava certo. Embora tentasse convencer-se de que Morren tinha as raízes ali, com sua irmã e seus familiares, a verdade era que a queria a seu lado. Queria-a para ele. Fechou o punho com raiva só por pensá-lo. Ela não queria a ele e nem a nenhum homem e nunca o quereria. Tinha sofrido uma dor muito profunda e querer que se entregasse a ele como amante era pedir muito. Um ruído muito ligeiro lhe chamou a atenção e ficou muito quieto. Viu uma figura agachada entre as cabanas. Não soube quem era e se arrastou para aproximar-se. O homem usava um capote escuro com um cinturão de corda. Apoiava-se em uma bengala e pôde reconhecê-lo quando a lua surgiu detrás de uma nuvem. Era o irmão Chrysoganus. O que procurava o monge a essas horas da noite? Estaria procurando a entrada da passagem e umas moedas caídas que deixou ali? Trahern se moveu com rapidez e surpreendeu ao monge, que retrocedeu com uma risada nervosa. — Trahern… me assustou. — Estavam procurando algo? — Trahern perguntou sem dissimular o tom cortante. — Não. Bom, sim. Certamente não seja nada, mas pensei que podia ajudá-los a procurar. Trahern agarrou o punho da espada. — O que é o que estão procurando? — Não é o que, meu amigo, é quem. Katla nos alertou e nos pediu ajuda. O monge limpou a garganta e se secou a testa com a manga. Trahern sentiu o terror inclusive antes que o monge terminasse.

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— Morren Ó Reilley desapareceu e ninguém sabe onde está.

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Treze Não era, muito menos, o que tinha esperado que dissesse. — Desde quando? — Meia hora. Katla disse que saiu da cabana e não voltou — o monge encolheu os ombros — Eu estava falando com sua irmã Jilleen e quando voltamos, Morren tinha desaparecido. Pensei que podia ajudá-los a procurar por aqui. Suponho que não a viu… Trahern negou com a cabeça e foi correndo para a cabana das mulheres sem se despedir do monge. Quando viu o rosto abatido de Jilleen, seu medo triplicou porque Morren não abandonaria a sua irmã por nada deste mundo. — Eu só sai por uns minutos — Jilleen se lamentou entre soluços — Queria ver o irmão Chrysoganus, que me desse uma penitência por… pelo que eu fiz. Quando voltei, Morren tinha desaparecido. Trahern olhou com atenção a todos os integrantes do clã, vikings e irlandeses. Quando comprovou que Adham não estava, a ira o apertou por dentro. Enquanto ele chorava Ciara, o bastardo a tinha levado. Que Deus tivesse piedade dele quando o encontrasse.

— Onde está Jilleen? — Morren perguntou agoniada pela preocupação. Sua irmã sumiu enquanto Trahern contava a história e ninguém sabia para aonde tinha ido. Morren deixou a cabana das mulheres para procurá-la e Adham se ofereceu para acompanhá-la. — Você acha que ela pode ter caído na passagem? — ele perguntou-lhe — Pode ter tropeçado e caído no buraco. — Não — ela respondeu — Jilleen não tinha por que estar perto da passagem subterrânea. — Já procuramos por toda parte — ele respondeu encolhendo os ombros — Além disso, pode ter batido a cabeça e se machucado. Não poderia gritar para pedir ajuda.

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Embora isso parecesse improvável, Morren pensou que tampouco tinha motivos para não procurar na passagem.

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— Tudo bem. Desceu primeiro pela escada e tremeu de frio. Adham a seguiu com a tocha. — Não está aqui — a opressão pelo medo se fez insuportável — Onde ela está? — Vamos encontrá-la, Morren. Não tenha medo. Ele passou um braço ao redor dos seus ombros e ela se assustou. Era tola, disse a si mesma, só queria lhe esquentar. Entretanto, não podia suportar a idéia de ter seu corpo tão perto do dela. Não era irracional quando se havia aconchegado entre os braços de Trahern? Afastou-se para subir a escada. — Espere, Morren. Adham lhe acariciou o cabelo e ela sentiu uma onda de repulsa. — É muito bonita — ele seguiu — Eu queria lhe dizer isso. Morren ficou gelada, mas conseguiu afastar-se outra vez e tocar o primeiro degrau da escada. — Re… recua. Seus dentes batiam, mas não só pelo frio da passagem. Ele a agarrou pela cintura para que não subisse. — Você passou a noite toda olhando ao MacEgan — ele disse com um sorriso — Esperava uma oportunidade para poder falar contigo. Se ele se aproximasse um pouco mais, poderia cheirar o hidromel fermentado em seu hálito, o que, certamente, tinha lhe dado a coragem para ser tão ousado. O mundo pareceu deter-se quando ele aproximou sua boca da dela, que queria correr, mas estava petrificada. O beijo não quis ser ameaçador, mas Morren o empurrou ao notar o contato não desejado de seus lábios. A lembrança dos homens abusando dela estourou em sua cabeça. A dor dilaceradora da humilhação. Uma raiva incontrolável tomou conta dela e embora soubesse que estava se comportando como se houvesse ficado louca, não podia evitá-lo. Adham tentou acalmá-la e tocou seus ombros, mas ela voltou a empurrá-lo. — Não me toque! Por favor, não me toque! Ele balbuciou uma desculpa, mas ela não conseguia parar a explosão de fúria. Não voltaria a permitir que qualquer homem se apropriasse do que ela não queria entregar. Para o espanto de Adham, lhe arrebatou a tocha e apontou a escada. — Não o desejo. Vá e não volte a se aproximar de mim. Ele deu um passo vacilante e ela o ameaçou com a tocha. Atordoado, subiu a escada e de repente Morren ouviu as vozes. Era Trahern. Ouviram-se vozes iradas e o som de um murro. Um segundo depois, Trahern desceu a escada. Ela estava tremendo e a tocha projetava sombras trêmulas nas paredes.

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— Ele foi embora — Trahern a tranqüilizou com delicadeza.

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A tocha caiu no chão e Morren soluçou enquanto se agachava apoiada na parede com as mãos no ventre. — Ele te fez algo? — Tentou… tentou me beijar — baixou a cabeça sobre os joelhos e soltou toda sua raiva — Sei que só foi um desejo, que não queria nada, mas eu não queria que me tocasse. Não podia… não podia… outra vez. Suas palavras eram incoerentes, mas Trahern balbuciou algo de esfolá-lo vivo. — Não… Ela tomou fôlego várias vezes para tentar acalmar-se. A raiva foi dissipando-se e deu lugar a vergonha. — Só queria me roubar um beijo. Não sabe o que me aconteceu. Eu acho que pensa que fiquei louca. Trahern a olhou com seriedade, mas pediu que esperasse um momento. Subiu a escada e ela o ouviu falar com outros, que estavam do lado de fora. — Ela está bem. Voltem para a cabana. A levarei em seguida. Quando ouviu a voz de sua irmã misturada com a de Trahern, sentiu um alívio imenso. Trahern voltou a descer e se sentou ao lado dela. — Enquanto contava a história, Jilleen foi confessar se com o irmão Chrysoganus. Nunca saiu do povoado. — Ela está bem? — Sim. — Você não precisa ficar aqui — Morren secou as lágrimas — Tenho criado mais problemas do que o necessário. Ele, sem entender, esperou que ela desabafasse. Finalmente ela parou de chorar e se sentiu vazia, esgotada. — Não teria permitido que me tocasse — ela confessou — Resisti como queria ter resistido naquela noite. Ela estremeceu e ele pôs seu capote por cima dos seus ombros sem tocá-la, para respeitar a distância física. — Tive medo e me enfureci com ele — Morren reconheceu — Não sabia que podia me sentir assim. Agora… — ela se cobriu mais com o capote —… agora falarão de mim. Saberão o que aconteceu naquela noite. Não posso suportá-lo. — Não foi sua culpa. — Eu sei. tivesse resistido como tinha feito essa noite, teria se salvado? Seria tudo diferente?

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Embora o dissesse sem pensar, uma parte de si mesmo se perguntou se era verdade. Se ela

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— Eu quero aliviar seu medo — ele disse com suavidade — mas não quero que tenha medo de mim. Ela o olhou no rosto. Seus olhos cinza, na trêmula luz da tocha, tinham um brilho de compaixão. Sua mandíbula era muito firme, mas não mostrava nenhuma condenação contra ela. Quando abriu os braços, ela se deixou cair neles. Seu poderoso abraço dissipou todo o resto e ela também o abraçou com força sentada em seu colo. Ele tinha ido atrás dela e ela percebeu que tinha querido que ele o fizesse. Tinha esperado que a ajudasse. Esse homem afugentava seus demônios e a mantinha a salvo. As barreiras caíram e ela captou seu aroma ao permitir que ele a abraçasse. Como ia deixar que partisse depois de tudo isso? Doía só de pensar. — Trahern… Queria-o de uma maneira que não podia entender. Precisava estar com ele. — O que, minha amiga? Tinha a chamado de «amiga». Não de « amor» ou «carinho». Isto partiu uma parte do seu coração. Como podia lhe expressar o que sentia? Ele tinha entregado seu coração para outra, não para ela. Abraçou-o com mais força para que não notasse o vazio que se apresentava para ela. — Me abrace um pouco mais. Ele a abraçou sem perguntar por que. Além disso, embora o necessitasse essa noite, não havia dito nada sobre o que se ocultava em seu coração. O tempo passava e ela temia não voltar a vê-lo quando partisse.

— Trahern parte hoje, não é? — Jilleen perguntou. Embora acabasse de amanhecer, sua irmã percebeu os preparativos e o grupo de homens que se reunia com Trahern. — Foi o que me disseram. Morren colocou o vestido e lamentou que estivesse tão puído. Necessitava de um novo, mas não havia lã para fazer um. — Por que você não vai com ele? — Jilleen perguntou preocupada Morren não respondeu. Limitou-se a sacudir a cabeça e a abraçar a sua irmã acariciando seu — Ele não quer que eu vá. Além disso, não posso te abandonar.

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cabelo.

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— Não se preocupe comigo — Jilleen a abraçou com mais força — Estarei muito bem aqui — ela deixou escapar um soluço e sua irmã a abraçou como se não quisesse soltá-la nunca mais — Esses homens não merecem viver pelo que te fizeram. Naquela noite eu deveria ter sido a vítima, Morren. Não você — ela secou as lágrimas — Antes tivesse sido valente o suficientemente para suportar o que você suportou. — Você tem só treze anos. Não é uma mulher adulta. Morren não se arrependia do que fez. Estava certa de que Jilleen não teria sobrevivido se ela não tivesse interferido. — Não me arrependo de ter matado a esse homem — Jilleen respondeu — Além disso, quero que julguem os outros. Se pudesse ir, eu iria. Felizmente, o chefe Dalrata não o permitiria, mas Morren não gostava da idéia de deixá-la só embora houvesse outros Ó Reilley. — Não vou deixá-la sozinha. Não há mais nada a dizer. — Está se apaixonando por ele, não é? — Jilleen lhe perguntou — Ele a resgatou ontem à noite. Acreditei que ia matar ao Adham por te roubar um beijo. Ele… — Você está errada. Eu não o amo. Morren ficou vermelha porque não era verdade. Ela não… ela não podia. Seus pensamentos não tinham sentido nem para si mesma. — Vá com ele, Morren — Jilleen a apressou — Mesmo que não encontrem aos atacantes, é um bom homem, cuidará de você. A porta se abriu e Katla entrou. Levava uma trouxa de roupa nos braços. A expressão preocupada de seu rosto indicava que tinha ouvido mais do que deveria. — Não a culpo por matar aquele homem, Jilleen — ela lhe disse com os olhos entrecerrados — Qualquer um que ameace à família merece morrer. Embora não devesse ter estado escutado atrás da porta, acredito que Jilleen tem razão. Alguém tem que levar os outros perante a justiça. A voz da mulher se dissolveu e ela deu umas palmadas nos ombros de Jilleen como se quisesse substituir à menina que tinha perdido. Quando voltou a olhar para Morren, ruborizou-se de vergonha. Katla sabia o que tinha lhe acontecido. Era possível que Jilleen houvesse lhe dito a verdade. — Vai com eles — Katla lhe disse categoricamente — Trahern precisa de sua ajuda. — Ele não quer que eu vá — Morren replicou. — Você está enganada — Katla sorriu com compreensão — Você significa muito para Trahern. Todos nós o notamos. Ontem à noite teria posto o povoado de pernas pro ar para a encontrar. A viking cruzou a sala e pegou um pequeno pacote envolto em lã. — Aqui tem outro vestido e mantimentos para a viagem. Eu prometo que cuidarei de Jilleen como

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se fosse minha filha.

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Morren pegou o embrulho com um nó na garganta. Embora quisesse estar com o Trahern, o medo pelo passado era muito assustador. Não estava segura de que pudesse enfrentar aqueles homens mesmo que fosse para levá-los perante a justiça. Quanto a Trahern… Seu teimoso coração pulsava muito depressa só de pensar nele. Ontem à noite havia voltado com ela segurando sua mão e a abraçou antes de despedir-se, como se fosse a última vez. — Não me deixará ir — ela insistiu — É impossível. — Pergunte para ele — Katla contestou — Não vai perder nada. Ela começou a procurar outra desculpa, mas Jilleen pegou sua mão e a olhou nos olhos. — Traga-os diante da justiça, Morren. Não só por mim, mas por você.

Trahern preparou seu cavalo e atou a comida e bebida que lhe tinha dado o chefe Dalrata, como tinha prometido. Quatro homens, Aron e Gunnar entre eles, tinham decidido acompanhá-lo. Já estavam no meio da manhã, mas se surpreendeu ao ver Morren que se aproximava com um cavalo. O pacote com mantimentos que levava o animal sobre o lombo lhe indicou suas intenções. Foi até ela e tomou as rédeas. — Não. Não ia permitir que Morren viajasse com eles. Era muito perigoso. Ela o ignorou e montou no cavalo. — Esses homens não podem reconhecer os outros quatro e mas eu sim. — Você acha que vou permitir que te aconteça algo por viajar conosco? — Não. Eu sei que me protegerá. Além disso, quando já o tiver ajudado a encontrar esses homens, voltarei para cá. Ele não pôde entender sua insistência e levantou as mãos para novamente descê-la do cavalo. Ela as pegou para evitá-lo. — Sou uma mulher adulta, Trahern, e tomo minhas decisões. Ele, mesmo assim, a desceu e se inclinou para ela sem soltar sua cintura. — Tem que cuidar de sua irmã. Por acaso se esqueceu? aqui com os outros. Ele ia negar outra vez, mas ela pegou suas mãos. GRH – Grupo de

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— Katla me prometeu que cuidará dela e eu acredito que o fará. Além disso, Jilleen quer ficar

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— Não é o único que quer vingança, Trahern — ela continuou enfática — Cada vez que vejo o rosto de uma criança, lembro-me desses homens. Eles me arrebataram isso — o olhou fixamente nos olhos — Não durmo a noite porque vejo seus rostos. Lembro-me do que me fizeram e o revivo todos os dias. Quero resolvê-lo. Quando a olhou nos olhos tão azuis, viu as mesmas trevas que o tinham perseguido fazia meses, o mesmo desespero que tinha triturado e feito o seu espírito em pedacinhos. Não queria isso para Morren. Queria que ficasse com sua família e a salvo, mas, por outro lado, não era isso que ele tinha tentado? Tinha vivido com seus irmãos para tentar esquecer Ciara e só tinha conseguido ficar alucinado. Morren voltou a montar em sua égua com uma expressão decidida e sem um indício de medo. Trahern também montou em seu cavalo, Barra, e ficou ao lado dela. Morren manteve o olhar para frente, como se ele não estivesse ali. — Você vai ficar comigo. Em minha tenda de campanha — ele avisou — Não vou permitir que nenhum destes homens se aproxime de ti. Ela ficou pálida, mas dirigiu sua atenção para ele ao dar-se conta do que queria dizer. — Pensarão que somos amantes — ele seguiu — Acreditarão nisso mesmo que eu negue. — Eu não me importo com que o que achem — ela respondeu com uma voz quase inaudível — Confio em que me manterá a salvo e em que… não me tocará. Ele acariciou a crina de Barra. Embora quisesse lhe prometer que não lhe poria um dedo em cima, não pôde articular uma palavra. — Morreria antes de te fazer mal — ele conseguiu dizer, porque era a única verdade que podia

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reconhecer.

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Quatorze Viajaram quase em silencio do amanhecer até o anoitecer. Morren não disse nada por medo de que Trahern mudasse de opinião e os outros homens se mantiveram afastados dela em parte por respeito e, sobretudo, pelo olhar carrancudo de Trahern. Ela o olhou com atenção e se deu conta de que não havia tornado a raspar a cabeça desde que saíram da abadia. Ele tinha uma leve camada de cabelo escuro e, certamente, muito suave. Tentou afastar esses pensamentos e se recordou que não podia pensar nele dessa maneira. Eram apenas, se muito, amigos. Trahern não expressava seus sentimentos, nem o que pensava e ela quase não o conhecia. Só deixava ver algo de si mesmo quando contava histórias. Então, transformava-se. Era brincalhão e afável, um gigante encantador que sabia como conseguir que um grupo de pessoas ficasse com um sorriso nos lábios. — Está me olhando. O que aconteceu? — ele perguntou. — Nada. Estava me perguntando se esta noite contaria alguma história. — Não — ele respondeu com o rosto inexpressivo. Sua tentativa de aproximar-se esfumaçou diante de sua frieza. Morren agarrou as rédeas fingindo que não se importava. Entretanto, não era verdade. Não podia deixar de pensar em que ia ter que dormir em sua tenda. Tinha a cabeça cheia de lembranças do beijo. Embora lhe tivesse tomado a boca, não foi pela força. Apesar das sensações embriagadoras que despertou nela, notou que ele se conteve. Havia lhe dito que morreria antes de a machucar. Ela acreditou. Além disso, sua intensidade, seu caráter protetor a atraía para ele. Dormiria essa noite ao lado dela para que se tranqüilizasse com sua presença ou lhe daria as costas como se ela o fosse repugnante? Seu coração ficou gelado ao pensá-lo. Embora ele insistisse em que podia esquecer seu passado, ela não podia acreditar. Uma vez violada, não restava nela quase nada da mulher que tinha sido. Mesmo assim, quando estava com ele se sentia segura. Quando a tinha beijado, esqueceu-se de todo o resto. Olhou para outro lado ao dar-se conta do que estava fazendo. Não havia nenhuma possibilidade de que um homem como Trahern pudesse fechar suas feridas invisíveis. Ele também levava a cruz da morte de Ciara e era possível que isso não mudasse nunca. enquanto comeram, mas não a olhou. Era como uma sombra que passava quase inadvertida para todos. Os homens comentaram o plano de dirigir-se para Laochre, o castelo do rei Patrick, o irmão de Trahern. GRH – Grupo de

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A desilusão se apropriou de Morren quando pararam para passar a noite. Sentou-se a seu lado

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— Você pode ficar com meu irmão e sua esposa e dar testemunho se levarmos esses homens a julgamento — disse Trahern. Em outras palavras, ela não iria ao acampamento viking. Gunnar pareceu dar-se conta de seu desgosto. Enquanto Trahern seguia comentado o plano, o viking se sentou em frente dela. Trahern franziu o cenho, mas estava ocupado desenhando um mapa da zona no chão. — Eu sei que tem um motivo para vir conosco — disse Gunnar em voz muito baixa — Acho que foi uma vítima, não? Ela foi incapaz de admitir algo. — Não se preocupe, Morren — Gunnar a tranqüilizou — Todos temos algum segredo e eu também tenho meus motivos para ir a Gall Tir — uma sombra cruzou seu rosto — Motivos que não têm nada a ver com o ataque. Trahern foi até eles, pegou Morren pela mão e impediu que Gunnar lhe desse mais explicações. — Vá para a tenda, Morren. É tarde. Também grunhiu para Gunnar, mas ela, de qualquer maneira, estava cansada de ouvir os planos da batalha e queria dormir. Assim que chegou à entrada da tenda, virou-se para olhar Trahern. Ele suavizou sua expressão como se pedisse desculpas e ela entendeu que sua irritação era dirigida para Gunnar, não para ela. Parecia como se ainda não confiasse nele e depois de ouvir que Gunnar tinha seus motivos para viajar com eles, ela se perguntou se teria razão. Uma vez na escuridão da tenda, encontrou no chão uma pele para dormir e uma manta de lã áspera que Trahern tinha levado. Tirou os sapatos e se deitou na pele cobrindo-se com a manta. Só tinham passado uns minutos quando Trahern entrou. — Boa noite — ele balbuciou deitando-se o mais distante dela que pôde. Não tinha manta e estava convexo no chão frio. — Pegue isto — ela lhe ofereceu a pele — O abrigará. Ele não se moveu e ela se sentiu ridícula com a pele na mão. Até que a deixou diante dele, no chão. — Trahern, o que houve? O que o preocupa? — ela perguntou sentando-se em frente dele. — Foi um engano — ele devolveu a pele — Não deveria ter compartilhado a tenda com você. Seu desespero pareceu encher o espaço diminuto. Ela não pôde entender sua resistência. Ela era tão detestável para ele? — Sinto muito. Se amanhã pararmos em algum lugar, tentarei conseguir outra tenda. Não sabia que se incomodaria por estar perto de mim. Morren se enrolou para tentar manter o calor e ocultar sua vergonha. Como ela teria podido imaginar que ele se comportaria assim?

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— Morren, entendeu-me mal — ele contestou com delicadeza — Não fez nada de errado.

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Ele tocou o ombro dela e de repente o viu convexo a seu lado com a cabeça apoiada em uma mão e olhando-a. — Então, o que houve? — ela se sentou e rodeou os joelhos com os braços — Não o entendo. — Se aconteceu algo, é minha culpa. Ele esboçou um sorriso, pegou uma mecha do cabelo dela que tinha caído pelo ombro e a levou até seu rosto para cheirá-la. — Olha-me como se pudesse arrancar cabeças de dragões — ele continuou acariciando a sua bochecha — Não sou um santo, Morren. Ela sentiu uma pontada de desejo e quis voltar a sentir seus braços rodeando-a. Entretanto, um instante depois, ele voltou a lhe dar as costas. Doeu vê-lo. Possivelmente tivesse razão. Possivelmente não fosse seguro estar tão perto dele. Só conseguiria destroçar seu coração.

Um grito rasgou o silêncio da noite. Trahern despertou e ouviu a Morren, que chutava a pele com a qual a tinha coberto. Embora não pudesse vê-la, respirava com dificuldade. — É um sonho… — ele tentou acalmá-la. Entretanto, suas palavras lhe mostraram que não saiu de seu pesadelo. — Corra, Jilleen! — ela gritou presa do terror. Trahern se sentou e tentou tirá-la do sonho. Uns segundos depois, ela estava entre seus braços. Tinha a pele gelada e estava tremendo. Abraçou-a com todas as suas forças e a sentou em seu colo. Acariciou-lhe o cabelo e os batimentos do coração se compassaram a sua proximidade. — Por que não pára? — ela perguntou — Por que tenho que revivê-lo noite após noite? Agarrou-se a ele e as lágrimas lhe molharam sua túnica. — Você tem a força, pode dobrar seus medos. Ela manteve as mãos ao redor de seu pescoço e seu corpo foi esquentando. Era um tormento abraçá-la assim quando suas necessidades mais instintivas o impeliam. Queria agasalhar os dois com a pele e estreitá-la contra ele. Morren

Ó Reilley, de algum jeito, infiltrou-se entre suas defesas.

Necessitava seu amparo quase tanto como ele necessitava dela. Morren apertou os dedos contra sua nuca e, pouco a pouco, sua respiração se suavizou. — Por favor, durma ao meu lado — ela pediu. delicado aroma… seria insuportável. Entretanto, a necessidade de tranqüilizá-la era maior. Deitou-se

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Se dormisse ao seu lado, não poderia conter-se. Sentir seu corpo contra o dele, dormir com seu

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com ela entre os braços. Ela se aconchegou e ele apertou os dentes enquanto rezava para poder refrear qualquer reação física. — Obrigada — ela sussurrou. Tinha seu traseiro contra o ventre e estava se excitando. Não pôde conter a ereção por mais que o tentasse. — Não importa… — ela balbuciou. Havia-o dito com um temor que ele não tinha querido induzir e fez um esforço para não soltar uma maldição. Fazia tanto tempo que não estava com uma mulher que essa abstinência estava começando a ter conseqüências. — Como disse antes, não vou te incomodar. Começou a afastar-se, mas ela agarrou suas mãos e voltou as colocar ao redor de sua cintura. — Fique, por favor. Trahern os agasalhou com a pele, mas então, subitamente, ela se virou e ficou cara a cara com ele. Tinha sua boca tão perto que a tentação de beijá-la era enlouquecedora. — Me conte outra história, Trahern. Ele fechou os olhos para tentar pensar. Os dois tinham que pensar em outras coisas antes que fizesse algo do qual se arrependeria. Entretanto, tinha sua boca muito perto e seu corpo lutava contra a imperiosa necessidade de deixar-se arrastar por um beijo. — Houve um guerreiro chamado Tristan que amava a uma princesa irlandesa que se chamava Iseult — ele acariciou seu cabelo e sua bochecha — Era uma mulher que não podia alcançar que nunca deveria ter desejado. Passou o polegar pelos seus lábios e ela conteve o fôlego olhando-o fixamente nos olhos. — Mas a amava, verdade? — Morren perguntou em um sussurro — Embora fosse um engano. — Sim — ele acariciou o rosto dela — A amava. Morren o beijou levemente na boca e a doçura de seus lábios se transformou em um desejo como ele não tinha jamais esperado. Apesar do desejo de vingança, as lembranças de Ciara pareceram esfumaçar. Só existia Morren. O corpo dela se amoldou com delicadeza e fragilidade ao dele e o estreitou contra si. Ele tomou cuidado para não ficar em cima e ficou ao seu lado. O beijo se tornou mais ávido e o empurrou com a necessidade de derrubar as barreiras que os separavam, com a necessidade de sentir sua pele, de estar dentro dela e de acabar com a solidão. Acariciou-lhe um seio e tomou o mamilo entre os dedos. Este se endureceu e ela gemeu, mas se afastou. — Sinto muito. — Morren, não queria que isto tivesse acontecido.

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Morren lhe deu as costas e se enrolou. Ele se amaldiçoou por havê-la pressionado.

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Trahern se sentou e pensou que possivelmente devesse partir. — Não… — ela sussurrou — Pensei que poderia superar o medo. Queria saber o que aconteceria um homem bom me acariciava. Ele ouviu como tremia sua voz, mas não estava chorando. Parecia angústia misturada com vergonha de si mesma. — Eu reprovo a mim mesma — ela seguiu em um sussurro — Não a você. Morren esticou o braço e ele a abraçou acariciando suas costas. Ela apoiou a cabeça em seu peito como se quisesse absorver o consolo e Trahern começou a lhe contar uma história que inventou. — Faz muito tempo, havia um sultão com muitas concubinas. Deteve-se para esperar a reação dela e com a esperança de que a história lhe aliviasse a tensão. Ela demorou um momento. — Continue. Trahern a cobriu com a manta de pele. — Todas as noites se deitava com uma diferente, mas ele se sentia insatisfeito independentemente de quão formosa ela fosse. Um dia, no mercado, viu uma jovem donzela que tentava escapar de um homem que a reclamava. Morren apoiou a bochecha em uma mão para escutá-lo. Parecia inocente e tinha os lábios separados pelo interesse. Trahern sentiu vontades de voltar a beijá-la, de acariciar as curvas de seu corpo e de fazê-la sentir um prazer sensual que a ajudaria a compreender que fazer amor podia ser emocionante. — O sultão a agarrou e a montou em seu cavalo para levá-la para um lugar seguro. — Protegeu-a — ela sussurrou sem deixar de olhá-lo. — O sultão estava cativado por sua beleza e sabia que nenhum homem a havia tocado. Queria que fosse dele. Queria lhe dar de presente as jóias e as sedas mais refinadas, fazer o que fosse para conquistar seu coração. — Ele conseguiu? Morren acariciou seu peito e ao fazê-lo foi como se tivesse alcançado seu coração. O passado se dissolveu e só ficou lugar para ela, para essa mulher assustada que o necessitava tanto quanto ele a ela. Estremeceu-se até o fundo do seu ser, mas soube o que tinha acontecido. — Conquistou seu amor? — voltou a sussurrar Morren. Afastou a mão e Trahern sentiu como se suas veias se enchessem de barro. Não podia pensar nesse momento. — Amanhã eu contarei o resto da história. Deitou-se de costas para ela e reprimiu o desejo com todas as células de seu corpo. Quando

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fechou os olhos, notou o calor da manta de pele que lhe tinha posto em cima.

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Trahern a evitou durante vários dias. Manteve-se em seu lado da tenda e Morren no seu. De vez em quando, despertava e sentia o calor de seu corpo junto ao dela. Embora no começo se sentisse restringida, já tinha se acostumado. Ele não dormia ao lado dela porque queria, mas a tenda era muito pequena para que um homem de seu tamanho pudesse evitá-lo. O mais leve movimento os juntava. Com o tempo, ela começou a ter o desejo de dormir entre seus braços. Ontem à noite, quando se certificou de que ele estava adormecido, ficou ao lado dele para que lhe desse calor. Assim podia suportar melhor o chão tão frio. Além disso, seu enorme corpo a tranqüilizava. Aconchegou-se junto a ele e pensou na noite em que ele acariciou o mamilo. Sua primeira reação foi afastá-lo. Entretanto, ao recordar a excitação que sentiu, perguntou-se se não o teria rechaçado muito depressa. Sabia que Trahern nunca lhe faria mal. O que teria acontecido se tivesse lhe deixado continuar? Fechou os olhos e tentou imaginar suas mãos enormes sobre sua pele. Quando era uma jovenzinha, tinha ouvido suas amigas falarem sobre o que era estar com um homem. Ruborizavam-se e deixavam escapar risinhos. Não tinham sentido dor nem tinham tido a sensação de que estivessem abusando delas. Ela se sentia decepcionada porque seu único conhecimento carnal era brutal e doloroso. Pôs a cabeça debaixo do queixo de Trahern e se fez um novelo contra ele. Dormindo, ele rodeou-

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lhe o corpo com um braço para estreitá-la contra si. Ela sorriu antes de adormecer.

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Quinze Pouca antes do amanhecer, Morren voltou para seu lado da tenda e não lhe disse que tinha dormido junto a ele. Entretanto, essa manhã ele parecia mais nervoso do que o costume. Ela o surpreendeu um par de vezes olhando-a, mas não pôde adivinhar o que pensava. No meio da amanhã, chegaram a Laochre, as terras do rei Patrick, o irmão de Trahern. Assim que alcançaram seus limites, Morren notou a transformação dele. Acelerou o passo de seu cavalo como se estivesse ansioso por ver sua família. Ela se manteve ao seu lado e esticou o pescoço para ver o castelo. Lembrava os castelos normandos que tinha visto no norte e na Inglaterra. Era imponente e manteria afastado qualquer invasor que chegasse pelo mar. Quando chegaram dentro, uma mulher apareceu para saudá-los. Usava um véu e uma tiara de prata na cabeça e um colar do mesmo metal. Abraçou a Trahern com um sorriso e um olhar em seus olhos castanhos que delataram sua alegria por vê-lo. — Trahern, me alegro muito de que esteja em casa — ela se afastou um pouco para olhá-lo com atenção — Tem um aspecto melhor do que da última vez que o vi. A mulher olhou para Morren com uma expressão de curiosidade. Trahern ignorou a pergunta subentendida. — Minha rainha, você está tão formosa como sempre. Ela esboçou um sorriso zombador. — Por que continua me chamando de «rainha» quando sabe muito bem que prefiro que me chame de Isabel? — Rainha Isabel — ele disse ressaltando o título — apresento-lhe Morren Ó Reilley. Também apresentou os outros homens e Morren captou a resistência ao apresentar Gunnar. A rainha olhou ao viking com os olhos entrecerrados, mas em seguida parecia que seu receio se dissipou. Sorriu para Morren, embora com cautela. Morren sabia que a rainha faria perguntas e não estava certa de poder responder. Não tinha pensado no que diria para justificar sua presença à família de Trahern. — Pedirei que preparem seus aposentos, Trahern — a rainha comentou — Morren, você pode ficar com minhas damas — ela a olhou um instante antes de prosseguir — Quanto tempo vai ficar, — Até que resolva o que vim a fazer.

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Trahern?

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A rainha deu instruções aos seus servos, tomou Trahern pelo braço e se foi com ele. Morren os seguiu, mas Trahern lhe estendeu a outra mão. Ela ficou emocionada por seu desejo de integrá-la. — Patrick está com o Ewan — a rainha lhe explicou — Estão trabalhando na fortificação de Ewan. Imagino que irá querer construir um castelo tão grandioso quanto o de Laochre — a rainha olhou Morren com um sorriso — Ewan se casou faz umas semanas com sua noiva normanda. Estão pensando em viver a uns quilômetros terra adentro daqui. Subiram as escadas que levavam a sala comum. Os muros eram muito grossos, certamente, tanto quanto o comprimento de seu braço. Morren levantou a barra do vestido, mas Trahern não soltou sua mão. — Chegaram a tempo de nos acompanhar no almoço — a rainha os convidou — Morren, você pode trocar seu vestido ou se lavar se quiser. Morren esboçou um sorriso forçado. Katla tinha lhe emprestado outro vestido, mas era mais alta que ela. Tinha que encurtá-lo, mas não havia tempo e não tinha outro vestido. Envergonhava-se em pensar sobre seu aspecto na presença da rainha. Trahern se dirigiu em voz baixa a um servo. Morren não ouviu o que ele disse, mas viu que lhe dava umas moedas e que o servo foi apressadamente obedecer. A rainha os introduziu na sala principal e Morren viu dois homens sentados com suas esposas e uns meninos que corriam ao redor perseguindo os cães. O ambiente era de satisfação. Entretanto, Morren sentiu uma pontada no coração quando viu uma mulher, sentada junto à lareira, que amamentava a um recém-nascido. Usava um véu na cabeça e um homem moreno a olhava com ar protetor. Dois dos homens se aproximaram e Morren supôs que eram irmãos porque se pareciam embora um fosse moreno e o outro loiro. — São meus irmãos, Bevan — Trahern lhe apresentou ao moreno— e Connor. — Puxa, tem cabelo de novo — brincou Connor lhe dando umas palmadas nas costas — Não estava certo de que voltasse a crescer já que está velho. — Você só tem um ano menos que eu — Trahern rebateu — Quanto ao meu cabelo, as noites estavam começando a ficar muito frias e pensei que era o momento de que crescesse outra vez. Entretanto, Morren não ficou nada convencida pelo motivo. — Eu gosto mais assim — ela sussurrou. Bevan assentiu com a cabeça. — É mais você mesmo. Eu me alegro. Trahern ficou com uma expressão de incômodo e voltou a concentrar-se nas apresentações. Levou Morren junto à mulher com o menino e o véu na cabeça. Outra mulher se aproximou e Trahern a apresentou como Aileen, a esposa de Connor.

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— Eu te apresento Genevieve, a esposa de Bevan.

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— É a melhor curandeira que conheci. Morren se voltou para Genevieve depois de saudar Aileen. A mulher sorriu, mas parecia esgotada, como se tivesse estado acordada a noite toda. — Eu me levantaria para a saudar, mas me dá medo que Alanna, minha filha, comece a protestar. — Não importa — Morren conseguiu dizer com um sorriso. Por dentro, não pôde evitar lembrar-se de sua gravidez. O doloroso vazio não se sufocou apesar da semana que tinha passado. Maravilhou-se com os dedos diminutos do bebê e por sua cabecinha que cabia na palma da sua mão. Genevieve deu uma palmada no assento que tinha ao lado. — Me acompanhe se quer esquentar. Morren se sentou em frente da lareira e um dos meninos se aproximou pouco depois com ar de confiança em si mesmo. — Eu sou Liam MacEgan. Quem é você? Vai se casar com meu tio Trahern? Morren piscou diante de uma pergunta tão direta e lhe disse seu nome. — Não, eu não vou me casar com seu tio. — Então, por que veio? — Liam insistiu com as mãos nos quadris. Genevieve apertou os lábios para conter um sorriso. — Liam, não é cortês fazer tantas perguntas a uma pessoa que acaba de conhecer. Se desculpe. — Peço desculpas. Entretanto, ela notou que não se desculpava e que tinha curiosidade. Entrelaçou as mãos sobre o colo e não dissimulou um sorriso. Sempre tinha gostado de crianças e Liam tinha um sorriso tão cativante quanto Trahern. Ela percebeu que lhe tinham dado o nome do irmão mais velho, que morreu fazia uns anos. Repentinamente, o menino pegou sua mão e a beijou. — Liam! — Genevieve o repreendeu — Por que tem fez isso? — O tio Ewan diz que se quer conseguir algo de uma mulher, tem que beijá-la. — De verdade? — Genevieve revirou os olhos — Típico do Ewan… — Dá resultado? — Trahern interveio com um brilho nos olhos. Liam franziu o cenho e olhou a mão de Morren. — Ainda, não, mas eu gostaria de um bolo de mel ou um doce se os tiver — Liam respondeu sorrindo para Morren. — Sinto muito, mas não tenho nenhuma comida — ela respondeu sem poder evitá-lo. — Será melhor que vá à cozinha e pratique os beijos com uma das donzelas. Talvez consiga um bolo de mel — Trahern lhe aconselhou. O menino captou a indireta e Isabel lhe deu um beijo na testa antes que partisse.

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— Liam é meu filho mais velho — a rainha lhe explicou — Bevan e Genevieve o acolheram e veio passar a festividade do Samhain.

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— Vocês seguem celebrando os ritos antigos? Morren sabia que muitos clãs seguiam as antigas tradições embora isso desgostasse a quase todas as igrejas. — Acredito que não tem nada de errado em celebrá-lo com a família e os amigos. Aqui se agradece qualquer desculpa para comer, beber e contar histórias. Isabel olhou expressivamente para Trahern. — Não há melhor bardo que Trahern — Morren assegurou — Suas histórias sempre me encantaram. Trahern pareceu gostar do elogio e a olhou com delicadeza. Morren dirigiu o olhar para sua boca e se lembrou do contato de seus lábios. Connor deu uma cotovelada em seu irmão com um sorriso zombador. — Liam tem razão. Beijar uma mulher é bom para conseguir o que se quer — se inclinou para beijar Aileen com um sorriso muito expressivo — Se souber beijar… Embora possa ter perdido a prática, Trahern. Morren ficou muito vermelha e Connor se deu conta. — Ou não… — Connor, pare de brincadeiras — a rainha interveio — Morren, se quiser se libertar deles, eu a acompanharei acima. Morren acompanhou à rainha e a uma criada pela escada de caracol e um corredor muito estreito. A criada abriu a porta da sala e Isabel a convidou a passar. — Genevieve virá assim que tenha terminado de dar de comer a Alanna — Isabel disse antes de ordenar à criada que leve uma bacia com água quente e roupa — Vai querer saber tudo. — Tudo? A rainha sorriu misteriosamente. — Trahern nunca havia trazido uma mulher a Laochre. Você deve significar muito para ele. — Não. Somos amigos, nada mais. — Não deixou de a olhar nem por um instante — comentou Isabel — É possível que agora sejam amigos, mas mais adiante… — Não — Morren a interrompeu. Isso é tudo o que há entre nós — Morren decidiu lhe contar uma versão resumida do que tinha passado — Atacaram nosso povoado e Ciara, a prometida de Trahern, morreu. Eu sobrevivi e prometi que lhe ajudaria a identificar os atacantes. Acreditam que estão no acampamento viking de Gall Tir, bem perto daqui. — Não pode ser verdade — Isabel rebateu com o cenho franzido — Os Hardrata são nossos aliados. Tharand, o tio avô de Patrick, viveu muito tempo ali. Seus homens não têm nenhum motivo para — Trahern pode lhe contar mais coisas.

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atacar um povoado tão afastado. Está certa de que foram eles?

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Isabel pareceu notar sua resistência. — Minha criada a ajudará a te vestir para o almoço. É bem vinda a Laochre e se necessitar de algo, peça-o. — Obrigado — ela murmurou. Quando a rainha saiu, a criada a ajudou a colocar o vestido verde que tinha em sua bagagem. Felizmente, ficava melhor do que o outro que Katla também lhe tinha emprestado. Morren se sentou enquanto a criada a penteava. Fechou os olhos pelo movimento tão relaxante. A família de Trahern tinha um ar desembaraçado que a fazia que se sentir bem recebida. A porta se abriu pouco depois e viu a curandeira morena, Aileen, com Trahern atrás. Morren não sabia o que podiam querer, mas descobriu assim que viu a expressão de tristeza de Aileen. Trahern tinha contado. Morren, vermelha pela vergonha, olhou para o outro lado. Não queria que ninguém prestasse atenção ou que soubesse. Aileen pediu à criada que se retirasse e Morren olhou para Trahern com o cenho franzido. Por que ele tinha contado sua desonra para uma desconhecida? Não havia nenhuma necessidade, já se tinha curado. — Pedi a Aileen que a veja. Pensei que depois do nascimento… — Eu estou bem — ela o interrompeu com raiva. — Trahern me contou que perdeu um bebê faz umas semanas — Aileen disse com delicadeza — Queria certificar-me de que se curou. — Eu me curei e não necessito que ninguém me examine — Morren replicou irritada. Sabia que tinha parecido ingrata e áspera, mas não podia entender por que ele tinha contado seu segredo. — Trahern, nos deixe — Aileen ordenou. Embora o houvesse dito sem alterar-se, o tom foi firme. Ele quis opor-se, mas acabou obedecendo e Aileen fechou a porta quando saiu. — Ele tem medo — Aileen reconheceu depois de um momento. — Do que? — Ele cuidou de você naquela noite e tem medo de ter feito algo errado. Quer estar certo de que está bem. — Eu estou. Morren se abraçou e esfregou os braços. — Eu sei o que é perder um filho — Aileen confessou com uma expressão de dor — Passei seis anos sem ter filhos e abortei vários — pegou uma cadeira e se sentou — Não vou te fazer perguntas que

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não queira responder, mas quero que saiba que tem uma amiga com a qual pode falar se quiser.

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Morren sentiu uma opressão no peito e apertou os dentes. Não queria falar disso. Queria esquecer toda a dor e as lagrimas daquela noite. — É muito amável — Morren a olhou nos olhos — Faz dias que parei de sangrar. Não me acontecerá nada. — Se tiver febre ou se sentir angustiada, diga-me isso e farei o que poder — Aileen mudou de assunto — Você gostaria de ajudar a preparar o Samhain? Estou certa de que Isabel adorará contar com mais duas mãos. Morren assentiu com a cabeça e ficou contente por poder estar ocupada. — Esta tarde vamos ajudar aos meninos a fazer as máscaras — Aileen seguiu — Costumam usar na noite de Samhain, mas os adultos também colocam suas máscaras. Temos nosso festejo quando os meninos se deitam. As máscaras podem conseguir que a noite seja mais incerta. Aileen começou a acompanhá-la escada abaixo, mas se parou na metade do caminho e a olhou. — Trahern gosta de você, se quiser algo mais que uma amizade, só tem que ir a ele. Morren não disse nada porque já não sabia o que pensar. Ela continuava chateada porque ele tinha contado a Aileen que tinha perdido um filho. Aileen lhe havia dito que queria certificar-se de que estava bem. Ele também teria falado daquela noite? Saberia a curandeira mais do que tinha que saber? Embora ele tivesse querido ficar tranqüilo, parecia uma traição. Sentiu um nó no intimo enquanto descia com Aileen. Uma vez no salão principal, as longas mesas estavam cheias de pescado recém assado e bolos de carne com ovos de ganso cozidos. Aileen a levou para que se sentasse com a família e Morren comprovou que Trahern também trocou de roupa. Ficou olhando-o. Era um homem bonito com traços finos. Ele devia ter muito sangue de seu avô porque ao vê-lo ao lado de seus irmãos percebeu que não se parecia com eles. Só tinham os olhos de uma cor parecida. Quando Trahern a viu, cruzou a sala, pegou sua mão e a conduziu para que se sentasse a seu lado. — Está muito bonita, minha amiga — ele murmurou. Seu elogio a surpreendeu. Ela nunca teria dito que era bonita. Agradeceu com um murmúrio, mas não o olhou nos olhos. Ele se inclinou para lhe sussurrar no ouvido. — Eu não disse nada a Aileen, só que perdeu o bebê. Nada mais. Ela percebeu que ele se preocupava e não pôde evitar o alívio de saber que seu segredo estava a salvo. — Eu gostaria que não tivesse dito nada. Sua perda era muito recente e não queria pensar nisso. — Eu quero que você fique bem — ele acariciou seu pescoço — Não pude fazer grande coisa por você naquela noite e quando se negou a ver a curandeira viking, pensei que possivelmente aceitasse

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que Aileen a ajudasse.

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— Preferiria que não — ela se afastou e fez um esforço para olhá-lo nos olhos — Sinto que antes eu tenha sido áspera. Acreditei que tinha contado tudo a Aileen. — Eu não teria feito isso. Ela apertou sua mão como se o perdoasse em silêncio e ele a acompanhou para sua família, que estava sentada em uma mesa sobre um estrado. Não puderam continuar falando quando se sentaram entre os MacEgan. Liam MacEgan não deixou de lhe fazer perguntas e os gêmeos de Connor o seguiam a todo lugar. O tumulto era contagioso e no final da refeição Morren tinha nos braços Alanna, a filha de Genevieve. Os olhos cinza do bebê estavam sérios e tinha sua boquinha enrugada como o botão de uma rosa. Teria uns três meses e quando Morren a levantou para colocá-la no ombro, Alanna abriu a boca e começou a lhe mordiscar o pescoço. Foi uma sensação agridoce. Se não tivesse perdido a seu filho, nesse momento teria o ventre volumoso e possivelmente houvesse sentido um chute ou dois. — Não tenho nada para te dar de comer, pequena — ela se desculpou. — Acabou de comer — Genevieve interveio — Não precisa de nada. Um momento depois, Alanna colocou o diminuto punho na boca e começou a sugá-lo. Apoiou a cabecinha peluda em Morren e adormeceu. — Quer que eu a pegue? — uma voz perguntou-lhe. Morren se virou e viu Aileen, que o tinha perguntado com muita delicadeza porque sabia o que estava lhe custando. Entretanto, Morren não quis deixar o bebê. — Ainda, não. Morren acariciou o suave cabelo de Alanna. Trahern lhe sorriu e ela notou que o fazia com carinho. Para todo mundo parecia um homem feito para ser pai. Embora fosse mais velho que muitos de seus irmãos, um desejo se refletia em seu rosto. Doeu-lhe um pouco porque sabia que teria que sê-lo com outra mulher, que com ela não ia ser possível. Morren, tremendo, devolveu o bebê a sua mãe e comeu um pouco sem poder concentrar-se. Trahern juntou sua perna a dela. Era dura e musculosa e ela se lembrou do contato de seu corpo. Entretanto, atraía-a em vez de assustá-la. “Se quiser algo mais que uma amizade, só tem que ir até ele” as palavras de Aileen lhe retumbaram na cabeça. Alguns homens se levantaram depois de comer e viu que Connor e Ewan estavam falando. Trahern se inclinou para ela. — Vamos a Gall Tir. — Quando? — Agora. Ele respondeu com uma expressão sombria e ela tremeu. Embora ela soubesse que era necessário, ficou gelada por dentro.

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— Quer que o acompanhe?

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— Desta vez, não. Vamos fingir que é uma visita e se for conosco, os agressores poderiam suspeitar. — Tome cuidado — ela pediu agarrando sua mão. — Voltarei esta noite — ele disse lhe apertando a mão. Morren se deu conta dos eloqüentes olhares de Isabel e Aileen, mas não disse nada. Não quis pensar no que estava acontecendo entre Trahern e ela. Algo tinha mudado de alguma maneira. Ele estava entre sua família e sua raiva se abrandou. Pouco a pouco, voltava a ser o homem que ela tinha conhecido. Isso a inquietava. Enquanto estava centrado em vingar Ciara, tinha-a considerado uma amiga. Entretanto, cada vez se sentia mais compenetrada em Trahern num sentido que não entendia. Ele foi se dirigir para seus irmãos, mas se deteve. Ela esperou para ver o que queria. Antes que pudesse tomar fôlego, apertou-a contra si e a beijou apaixonadamente. — Até esta noite, querida.

Mais tarde, Morren ajudou Isabel, Genevieve e Aileen a fazer as máscaras dos meninos para o Samhain. Isso lhe recordou momentos de sua infância quando Jilleen e ela faziam suas máscaras. As máscaras, feitas com casca e breu, não durariam mais de uma noite ou duas. Liam estava sentado sozinho, esvaziando um nabo e com sua máscara secando em cima de uma mesa. — Será uma lanterna — o menino afirmou — Cavam e eu tentaremos apanhar um dos espíritos da noite de Todos os Santos — lhe iluminou o rosto ao pensá-lo — Talvez encontremos um dos mortos. — Você será um dos mortos se Cavam e você saírem do castelo depois que anoiteça — a rainha lhe avisou. Apesar de Liam olhou melancolicamente a sua mãe, Morren notou o brilho travesso de seu olhar. Quando terminou de esvaziar o nabo, Liam lhe levou uma parte de bétula para que o decorasse como uma máscara. — Posso te emprestar uma de prata — a rainha lhe ofereceu — Depois do banquete, haverá danças e jogos e, além disso, possivelmente convençamos ao Trahern para que nos conte umas histórias. — É possível — Morren admitiu, observando o frágil pedaço de bétula, e tranqüilizou a Liam — Acredito que ficará muito bom. Não precisarei de outra. — Buscarei plumas de ganso — o menino lhe prometeu com um sorriso — Pode usá-las para

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decorar a máscara.

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Liam saiu correndo e Morren continuou trabalhando na máscara, mas percebeu que estava cada vez mais preocupada com Trahern e não era a única. Uma hora depois, os meninos começaram a perseguir-se pela sala e a atirar-se pelo chão. — Fora — lhes ordenou a rainha Isabel — Gosto muito de meu filho, mas algumas vezes me alegro de que Bevan o tenha acolhido porque se não, poderia assassiná-lo. Genevieve riu. — Estou certa de que o mesmo acontece com Duncan e Cavam. Isabel piscou um olho para Morren. — Absolutamente. Os filhos de Genevieve não fazem nada de errado. Enquanto o dizia, os dois meninos cruzaram o salão a toda velocidade e se chocaram com Liam antes que os três saíssem. Quando ficaram sozinhas, a rainha propôs que se sentassem perto da lareira. — Vamos nos divertir um pouco? Aileen viu um montão de avelãs e negou com a cabeça. — Isabel, isso é um disparate. Não pode decidir o futuro de uma mulher com um montão de avelãs. — Mas é divertido — Genevieve interveio — Vamos, Isabel. Eu serei a primeira. Morren tinha ouvido falar desses jogos e lhe pareceu que não tinham nada de mau. Genevieve colocou duas avelãs perto das pedras da lareira e à medida que foram esquentando, as avelãs se aproximavam uma da outra. — Parece que Bevan e você seguirão sendo felizes juntos — a rainha interpretou — Agora, eu. Deixou outras duas avelãs no fogo e Morren se aproximou para olhar como as demais. Isabel soltou uma gargalhada quando a duas avelãs arderam. — Alguém vai passar uma noite apaixonada — Aileen predisse. — Patrick passou muito tempo longe — Isabel ruborizou — Sempre fica um pouco ávido quando volta de uma viagem. As bochechas coradas da rainha indicaram que a predição não lhe desgostava em nada. Morren também se ruborizou, embora nunca tivesse sentido prazer com um homem. Sem querer, pensou no corpo quente de Trahern e no contato de sua língua. Teve que cruzar os braços para cobrir os mamilos endurecidos. — Sua vez, Morren — a rainha lhe disse. Deu as avelãs e lhe pediu que as lançasse no fogo. Morren as jogou perguntando-se o que aconteceria. As avelãs rodaram juntas ao princípio, mas, ao esquentar-se, uma se separou da outra. Fezse o silêncio e Morren soube o significado. Trahern e ela se afastariam.

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— É só um jogo — a rainha a tranqüilizou.

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Ela sabia e não deveria se incomodar porque sempre tinha sabido que voltaria para seu povoado, mas não foi fácil livrar-se dessa estranha sensação de insatisfação. — Trahern voltará com outros — Aileen insistiu — O acampamento de Gall Tir está bem perto. Estou certa de que voltarão logo. Morren tentou esboçar um sorriso, mas não pôde. — Claro, estou segura. Genevieve sugeriu que pusesse Alanna para dormir. O pequeno bebê era delicado e Morren soube que tinha querido que servisse para pensar em outra coisa, mas era como ter nos braços a uma parte estilhaçada de seu coração. À medida que passou o tempo sem que Trahern houvesse retornado, seu ânimo foi decaindo

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cada vez mais.

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Dezesseis Trahern entrou no quarto que Morren compartilhava com as outras mulheres solteiras e tocou em seu ombro para despertá-la. — Se quer saber o que aconteceu com os vikings, me acompanhe agora — ele sussurrou em seu ouvido. Morren assentiu com a cabeça, levantou-se e alcançou seu vestido. Trahern se virou enquanto ela se vestia e quando ela pegou sua mão, levou-a ao andar de baixo. Passaram entre os homens adormecidos e saíram ao pátio com as mãos entrelaçadas. Levou-a ao pomar de ervas que Isabel tinha e ela se sentou no piso olhando para as plantas sem prestar atenção nelas. Embora não perguntasse nada, ele sabia o que queria que lhe contasse. — Acreditamos que eles estavam ali — ele reconheceu — Aron Ó Reilley jura que viu um deles. — Vocês os viram com o chefe? — Não. Primeiro quero falar com meu irmão Patrick. Como rei de Laochre, ele saberá qual é a melhor maneira de fazer justiça. Depois de ver o acampamento fortificado, havia reconsiderado seus planos. Embora fosse um clã de irlandeses e vikings misturados, Gall Tir estava muito bem defendido por guerreiros habilitados. Apesar de sua necessidade de vingar-se, de que esses homens fossem castigados, Trahern não podia arriscar a segurança de sua família ao provocar uma guerra. Era preferível voltar a visitá-los acompanhado por seu irmão, o rei. Na horta havia uma pedra muito grande ligeiramente coberta com musgo. Trahern se sentou no chão e apoiou as costas na pedra. Morren não levou seu xale e ele lhe deu seu capote para que se cobrisse. Ela se sentou ao seu lado. — Podemos compartilhá-lo e abrigar a nós dois. Ele a abraçou coberta com o capote. — Eu a levaria para dentro, mas não quero incomodar aos outros nem quero que possam nos ouvir. Ela tremeu e ele fez o que pôde para a aquecer. — Você ainda quer ir ao acampamento? Entretanto, disse-o quase num sussurro e ele captou mais do que havia lhe dito. — Se não estiver segura, não será necessário. Eu não lhe pediria isso. GRH – Grupo de

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— Sim — ela respondeu.

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Morren apoiou a cabeça em seu peito. — Eu vou te acompanhar, Trahern. Amanhã, se quiser. — Nós não iremos até que o rei volte e temos que planejar tudo com cuidado. Sentou-a em seu colo e a apertou contra si. A suavidade de seu cabelo lhe fez cócegas no nariz e aspirou seu aroma. Gostava de tê-la assim. Ela acariciou seu peito e Trahern sentiu uma paz que não sentia fazia muito tempo. — Morren… — ele sussurrou segurando sua mão. Ele virou o rosto dela para ele e viu uma expressão sombria a tênue luz da lua. — Queria te dizer… que se quero que se castigue a esses homens… não é só por Ciara. É por você. Morren não disse nada, mas sim lhe acariciou a bochecha e sentiu a barba incipiente. Sorriu levemente e ele jurou para si mesmo que não voltaria a barbear-se. A delicadeza de seus dedos o cativou. Ela saberia que tinha conseguido que a besta se transformasse em um homem? Que tinha acabado com o vazio e tinha conseguido que sentisse emoções outra vez. — Sei que amou Ciara. — É verdade. — Você tem saudades? Não esqueceria facilmente de Ciara, mas o laço entre Morren e ele tinha algo que fechava as feridas em carne viva e aliviava a dor da perda. — Sim, mas não como antes — Trahern pegou sua nuca e a atraiu para si até que as testas se encontraram — Você me dá consolo. A respiração dela se entrecortou ligeiramente e parecia que já não tremia de frio. — Cada momento que passo com você torna tudo mais fácil — ele continuou aproximando a boca da dela — Eu agradeço por isso. Quando a beijou, ela se entregou. Bebeu de seus lábios como uma planta sedenta de água. Embora ele tivesse querido aprofundar o beijo, não a apressou e o deixou como um oferecimento. — Quando tudo isto houver terminado, voltarei para minha casa — ela disse afastando-se dele. Parecia disposta a sair correndo. Tinha o medo escrito no rosto e se ocultou no ombro dele. — Eu sei, mas há algo de ruim em que queira ficar contigo para saber o que acontece? — Trahern acariciou suas costas — A não ser que prefira que a deixe em paz. — Trahern, hoje tive o bebê de Genevieve nos braços — ela lhe contou com todo o peso das lágrimas não derramadas — Fez com que me lembrasse de meu filho. Ele a abraçou com os braços ao redor de seu pescoço e se alegrou que não o rechaçasse. — Eu gostaria de ter podido salvá-lo — ele falou com a voz serena. — É que… você esta destinado a ser pai algum dia. Posso ver quanto ama aos seus sobrinhos e — Não pense no que pode acontecer ou deixar de acontecer no futuro. Cada coisa em seu tempo.

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eu não lhe posso dar isso.

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Acariciou-lhe o cabelo e ela ficou imóvel entre seus braços. — A não ser que prefira que não a toque de jeito nenhum — ele acrescentou. Morren não soube o que dizer. Nesse momento, entre seus braços, podia notar o desejo que ele estava tentando dominar e que ela tinha cada vez mais calor apesar do frio da noite. Não podia negar o que ele fazia que ela sentisse. Estavam em uma encruzilhada e embora sua cabeça lhe avisasse que não podia esperar nada mais com Trahern, seu corpo estava reagindo a sua proximidade. Sua hesitação devolveu a expressão cautelosa ao rosto dele. Ao ficar calada, fazia com que ele pensasse que não queria ter nada há ver com ele. Ele a ajudou a levantar. — Vou acompanhá-la ao seu quarto Ela não queria, não queria que se afastasse nesse momento. Quando estava com o Trahern, o passado parecia não importava. Ele não a olhava como a uma mulher manchada. — Espere. Agarrou-o pela mão. Embora suas bochechas queimassem, queria que soubesse que ela o queria. Levou-o até a pedra e empurrou um pouco seus ombros para baixo. — Sente-se um momento. Ele obedeceu e ela ficou de pé com as mãos em seus ombros. Aproximou-se um pouco mais, tomou suas mãos e as pôs em sua cintura. Não sabia se teria a coragem de ir a ele dessa maneira porque tampouco sabia o que tinha no coração, porque não entendia seus próprios sentimentos. Só sabia que precisava dele. Sua presença a acalmava e não queria desistir disso. Agachou-se lentamente e roçou os lábios dele com os seus. Era só que o podia lhe oferecer e ele o aceitou. Apertou-a contra si, abriu a boca e procurou sua língua com a dele. Estremeceu com a sensação e os mamilos se endureceram, mas não de frio. Trahern a beijava como se fosse a única mulher no mundo, a qual o tinha resgatado quando estava a beira da loucura. Seu interior se abrasou e ela notou a umidade entre as pernas. Sentiu o desejo e se surpreendeu em pensar que poderia receber a um homem dessa maneira. — Venha — ele sussurrou — Sente-se comigo. Ela acreditou que ia sentá-la em seu colo, mas a pôs escarranchada sobre sua coxa musculosa. O instinto de afastar-se foi tão forte que quase o fez. Ele, entretanto, não se moveu e se limitou a lhe rodear a cintura com as mãos e a lhe acariciar levemente a espinha dorsal. Ela começou a relaxar. A coxa dele entre suas pernas lhe produziu outra sensação palpitante que não entendeu, mas ele voltou a beijá-la na boca antes que pudesse dizer algo. Sua língua, úmida e deslizante, perseguiu a dela. Ele moveu levemente a perna e a respiração dela se acelerou. A sensação de sua coxa fez com que se esticasse e não queria sentir isso. O medo se apropriou

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dela, mas fez um esforço para deixar de lado as lembranças. Confiava que Trahern nunca lhe faria mal e seus olhos cinza a arrastaram.

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— Não resista — ele pediu com a voz rouca — Deixe-me te oferecer isto. Se deixe levar. Ele voltou a mover a coxa. Quase não podia respirar quando sua boca voltou a beijá-la e dissipou todas as trevas. Moveu a coxa com um ritmo que a hipnotizou e aterrou enquanto a língua entrava em sua boca. Um desejo desconhecido começou a dominá-la e se estreitou contra sua coxa. Ardendo pelo desejo, estava a ponto de afastar-se dele, mas ele a conteve imediatamente. — Deixa que aconteça — ele voltou a lhe pedir. Fez outro leve movimento e ela se encontrou estremecendo-se a ponto de algo. Beijou-a na boca e, repentinamente, seu corpo estourou em um prazer deslumbrante. Ofegou contra os lábios dele e os mamilos se esfregaram contra o tecido de sua camisola enquanto cavalgava arrastada por um vulcão de sensações. Derreteu-se e se agarrou a seu pescoço com o pulso acelerado. — O que me aconteceu? — ela sussurrou — Agora, quando você… — ela não pôde seguir porque ele voltou a levantar um pouco a perna — Não, por favor… Ele acariciou suas costas e a apertou contra si com um sorriso. — Isso é fazer amor, querida. É dar prazer a uma mulher. Ela se lembrou do comentário da rainha Isabel sobre seu marido e a paixão que desfrutavam. Seu rubor não tinha indicado medo. Era assim como devia ser? Olhou a Trahern para tentar entendê-lo e, além de seu sorriso indolente, viu uma pitada de frustração. — E você? — Não se preocupe comigo. Esta vez era para você. Beijou-o levemente nos lábios. Ele devolveu o beijo e se levantou. — Eu a acompanharei de volta. Ela quase não podia andar pelas maravilhosas sensações que ferviam em seu corpo. Mesmo assim, percebeu a voracidade que ele tentava sufocar e de como a olhou pelo canto do olho. Seu olhar abrasador fez que se lembrasse do prazer enlouquecedor. Estava se entendendo com ele de outra maneira e se perguntou por que teria despertado isso nela. Quando chegaram à porta do quarto que compartilhava com as outras mulheres, lhe acariciou a bochecha. — Durma bem, querida. Ela corou, mas assentiu com a cabeça. — Você também. — Dentro de uns dias, voltaremos para Gall Tir. Depois do Samhain e de que o rei tenha retornado. Um frio gélido a tomou por dentro. Embora entendesse que tinha que encarar seus agressores, — Não estará sozinha — ele a tranqüilizou — O rei e seus homens estarão ali. Eu te protegerei.

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também queria olhar para o outro lado.

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Ela sabia, mas isso não apagava sua angústia nem o medo de que, depois de ver esses homens, voltasse a retrair-se.

Trahern quase não viu Morren no dia seguinte. O rei Patrick havia retornado com o Ewan, seu irmão caçula, e todos se reuniram para falar dos ataques. — Eram mercenários — Trahern lhes comunicou — Alguém os contratou para que matassem a todos os Ó Reilley que pudessem. — Entretanto, embora os encontre no clã dos Hardrata, pode provar? — Patrick perguntou — É a nossa palavra contra a deles. — Temos muitas testemunhas que podem reconhecê-los e tiveram que partir de Gall Tir quando foram atacar. — Onde Morren se encaixa em tudo isto? — o rei perguntou subitamente. Trahern viu em seu olhar que sabia e que sua pergunta não era por mera curiosidade. Podia tentar esconder a verdade, mas o conheciam muito bem. Se acreditassem que só tinha perdido sua casa e seus familiares, possivelmente não entendessem sua necessidade imperiosa de que se fizesse justiça. Ele queria que esses homens morressem e eles não entenderiam nunca o motivo se não o explicasse. — É uma das testemunhas — Trahern respondeu em tom duro e com os punhos apertados — Pode identificar aos homens melhor que ninguém. A todos eles — ele levantou da mesa e olhou para seus irmãos — A agrediram. Não disse nada sobre a violação nem precisou. Viu a tensão em seus rostos. — Se um homem houvesse tocado Genevieve, iria esfolá-lo vivo — reconheceu Bevan. — Então, sabe por que quero que os castiguem. Trahern voltou a sentar-se para esperar a opinião de Patrick, mas o rei parecia estar ponderando sobre o que ouvira e seus pensamentos. — Como devemos expor ao chefe? — Trahern perguntou — Eu adoraria entrar ali e matar a esses bastardos, mas prefiro não provocar uma guerra entre nosso clã e o deles. Patrick se deixou cair contra o encosto como se meditasse no assunto. — Os Ó Reilley têm motivos para apresentar uma acusação. Podem expor o assunto aos brehons, e olhou a Trahern — Também pode pedir justiça. Não precisa que você se implique. — Está sob meu amparo. Não vou deixá-la sozinha. GRH – Grupo de

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os juízes, e pedir uma compensação se os homens forem culpados. Quanto a Morren… — fez uma pausa

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Trahern não disse mais nada porque não podia dizer o que sentia por ela. Era mais profundo do que imaginou. Queria vingança por ela, para que pudesse seguir sua vida. — Eu prometi que os homens MacEgan a apoiariam. — Não pode prometer isso, Trahern — Patrick contestou em tom severo — Se fosse Genevieve, Isabel ou outra das esposas, eu não o hesitaria. Entretanto, Morren não é de nosso clã. Não vou pôr em perigo aos nossos homens ou a paz de nosso clã por uma forasteira. — Não é uma forasteira. Trahern olhou com raiva a seu irmão mais velho. Não podia acreditar que fosse lhe negar sua ajuda. — Nem é sua esposa. O rei deixou claro que não ia apoiar uma empreitada que podia representar um perigo para seu clã. Foi como se o tivesse deixado sem ar porque não o tinha esperado. Os irmãos MacEgan sempre estavam juntos. — E se fosse? — Trahern perguntou sem alterar-se. — Então, iríamos tratá-la como a qualquer uma de nossas mulheres. Iríamos defendê-la. — Prepare os seus homens — Trahern se levantou — Eu me casarei com ela durante o Samhain e depois, iremos ver os vikings. Sabia que deveria sentir-se traído por Patrick, furioso por haver-se visto obrigado a chegar a isso, mas não o estava. Era como se o abraço de Ciara o tivesse tranqüilizado. Acreditava que sua prometida teria entendido que tinha que fazê-lo. Entretanto, tinha que convencer Morren de que era necessário e não sabia como.

— Ele aceitou? — Isabel perguntou a Patrick esta manhã — Ele se casará com ela? Seu marido subiu com ela a escada de caracol para levá-la ao seu dormitório. — É uma agitadora, Isabel MacEgan. Ela notou o brilho de seus olhos e deixou cair o xale. — Trahern merece a felicidade e já é hora de que se case. Não é um jovenzinho. — Entretanto, é Morren Ó Reilley a mulher indicada para ele? — Está cego? Não viu como a olha nem como ela não pode sair de seu lado? Ficou — Ontem à noite os vi no pomar — ele reconheceu. — O que estavam…? GRH – Grupo de

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preocupadíssima no dia em que foi a Gall Tir.

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Não pôde terminar a pergunta por que seu marido a beijou com toda sua alma. Ela deixou escapar um suspiro e se abraçou a ele, que não deixou de beijá-la enquanto a deitava na cama. — Isto era o que estavam fazendo, querida. Por isso aceitei sua idéia de pressioná-lo para que se case. Isabel tirou sua túnica embora fosse meio-dia. Não tinha deixado de amar a seu marido apesar dos anos que tinham passado. — Vou me ocupar de que o dia de suas núpcias seja inesquecível. — Se ela aceitar.

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— Seria uma tola se não se casar com um MacEgan — Isabel afirmou antes de abraçá-lo.

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Dezessete A primeira noite do Samhain foi fria e cortante. Quando o sol caiu sobre os campos, Morren viu um feixe de milho com forma de mulher. A Cailleach, deusa harpia, estava rodeada de garotas que se desafiavam umas a outras para que se atrevessem a tocá-la. Annle, que tinha sido curandeira do clã dos MacEgan as vigiava com um sorriso. Tinha quase setenta anos e tinha visto gerações de MacEgan que cresciam e davam lugar de pais a filhos. Estava sentada em uma cadeira e observava a emoção das meninas. Com suas mãos nodosas ajudava aos mais jovens a amarrar as máscaras. Morren levava a máscara de casca que Liam tinha feito para ela, embora lhe arranhasse o rosto. Não era nada bonita, mas, depois do que tinha trabalhado o menino, não diria nada que pudesse ofendê-lo. A máscara de Trahern era feita com ouro moído e cobria a parte superior do rosto, deixando a boca descoberta. Essa noite estava diferente. Parecia distraído e quase não tinha lhe dirigido a palavra. Morren se perguntou se seria por causa do tempo que tinham passado no pomar. Só de pensar nisso estremecia por dentro com a sensação de que havia muito mais que não lhe tinha sido ensinado. Liam se aproximou com a lanterna feita com o nabo e uma vela acesa dentro. — Vê-? — ele lhe ensinou. Esta lanterna afugentará aos maus espíritos. Morren fingiu assustar-se e o menino lhe sorriu de orelha a orelha. — É espantosa — ela disse. Rapidamente, Liam se foi com seu primo Cavam, a quem faltavam dois dentes da frente. — Vamos — Cavam o apressou — Sir Anselm nos prometeu bolos. Os dois meninos se uniram com outros para recolher presentes e doces entre os integrantes do clã. Fizeram-se jogos para adivinhar o futuro e um grupo de meninos maiores competiu para ganhar maçãs. Connor, o irmão de Trahern, tinha pendurado uma corda no ramo de uma árvore com uma cruz que tinha duas velas acesas e duas maçãs nas pontas. Os meninos maiores saltavam para tentar morder as maçãs sem queimar-se com as velas. Trahern tinha se sentado em um canto afastado e perto de uma das fogueiras. Começou contando a história de Nera, um homem que se casou com a filha do rei das fadas e salvou seu clã das bruxas. Morren ia aproximar se quando ouviu Annle. — Sua mãe teria ficado orgulhosa de vê-lo — a anciã curandeira sussurrou. encurvadas e os dedos com veias azuis. — É uma verdadeira lástima que morreu tão jovem. GRH – Grupo de

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Morren se aproximou e viu que o xale da mulher caído no chão. Tinha as costas estreitas

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Quando chegou a seu lado, pôs-lhe o xale de lã sobre as costas e a anciã lhe recompensou com um cálido sorriso. Annle tinha o olhar cravado nas costas de um dos homens. — Trahern se parece com seu pai, não como os outros. — O que quer dizer? — Nada — Annle respondeu com um sorriso misterioso — Só é a loucura de uma anciã. Vá desfrutar das histórias — ela esboçou um sorriso com seus lábios enrugados — Está te esperando. Morren não entendeu a enigmática resposta, mas apertou a mão da mulher antes de partir. Sentou-se perto da fogueira para ouvir Trahern, que tecia seu feitiço sobre as pessoas. — Nera avisou a seu povo de que as bruxas se aproximavam com intenção de atacá-los. Preparou aos guerreiros, mas então pensou em sua esposa e em seu filho recém-nascido que o esperavam do outro lado da porta dourada do reino das fadas. Trahern a olhou e seus olhos cinza lhe pediram que não olhasse para outro lado. Morren notou que corava e não soube se estava contando a história ou não. — Ela significava tudo para ele e não ia perdê-la em face à traição de outros. Morren estremeceu e ouviu o leve pranto de Alanna, a filha de Genevieve. O ar de Trahern se suavizou quando olhou para o bebê e seguiu narrando a vitória de Nera sobre os seres imortais e sua reunião com sua esposa e seu filho. Trahern se levantou quando terminou e esperou que o grupo se dispersasse para levantar a máscara. — Pesa muito? — ela perguntou-lhe apontando o ouro. — Um pouco, mas os meninos adoram quando eu coloco — ele segurou a máscara com a mão — Acompanha-me a um passeio? Quero… falar com você de uma coisa. Já não era o contador de histórias eloqüente e seguro de si mesmo. Parecia intranqüilo pelo que tinha que dizer. Ela sabia que essa manhã tinha falado com seus irmãos sobre Gall Tir. O mais provável era que não a deixassem acompanhá-los, mas não estava disposta a deixar que a abandonassem quando estavam tão perto. Também tirou a máscara e ficou com ela pendurada nos dedos. Levou-a além dos campos baldios, perto do braço de mar que os separava de uma ilha próxima. Ele levava uma tocha e pelo caminho lhe pediu que recolhesse lenha e mato para fazer uma fogueira. Quando chegaram à beira do escarpado, fizeram uma fogueira rodeada de pedras. — Vou com você ver os vikings — ela afirmou taxativamente quando se sentaram — Vou aconteça o que acontecer. Trahern não respondeu e ficou olhando o mar. — Meu irmão se negou a mandar homens para nos ajudar nesse assunto — ele disse depois de um tempo.

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Disse-o com expressão de descrença, mas ela teve a sensação de que também se calava sobre algo.

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— Não necessitamos de seus homens — Morren rebateu — Podemos ir com os outros e reclamar justiça. Aproximou-se dele e pôs a mão no seu braço. — Poderíamos, mas se o rei nos apoiasse reforçaria nossa exigência — ele aproximou a mão da dela — Há uma maneira… de que nos ceda sua ajuda. Ela esperou, embora parecesse incapaz de falar. Ele olhou várias vezes seu rosto antes dela soltálo confusamente. — Se você casar comigo. — O que? Você não fala a sério. As palavras brotaram antes que pudesse evitá-lo. Casar-se com ele só para conseguir soldados que reforçassem suas exigências aos vikings? — Eu esperava que ele entendesse, mas ele tem razão. Se fosse minha esposa, os MacEgan seriam sua família. É um motivo suficiente para apresentar aos vikings. Ela ficou boquiaberta. Havia dito isso de verdade? Não estava lhe pedindo que se casasse com ele porque a amava ou queria compartilhar sua vida com ela. Não, uma vez mais, tratava-se de uma vingança. A raiva se apoderou dela. — Não! Não vou me casar com você! Respirou lenta e profundamente para tentar conter a frustração. Nunca tinha pensado em casarse, mas se o tivesse feito, o que menos teria gostado era que a pedissem porque seu irmão o tinha dado a entender. Trahern voltou a olhar fixamente para o mar. — Pensei que poderia se negar, mas há outros motivos — ele agarrou sua mão — Poderia te proteger. Nenhum homem voltaria a te fazer algo. Ela retirou a mão. — Você acha que isso é tudo o que me importa? Morren se levantou e foi até a beira do escarpado. O mar golpeava as rochas e levantava ondas de espuma. — Não. Eu pensei… — Você não pensa nada — ela se virou e cambaleou. Ele a agarrou pelos punhos e a afastou da borda — Se eu necessitasse de um guardião, contrataria um. Não preciso de um marido. — Você tem medo do matrimônio. — Não, eu estou zangada. Não posso acreditar que me de tão pouco valor… ou a si mesmo. Vejamos… «meu irmão acha que deveria me casar e isso é motivo suficiente». — Eu não danço ao som que meu irmão toca— ele contestou — Tomo minhas decisões e acredito Ele não sabia de absolutamente nada.

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que seríamos um bom casal.

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— Eu não acredito. Morren o afastou com um empurrão. A fúria e a humilhação faziam com que seus olhos lhe ardessem pelas lágrimas, mas não ia chorar diante dele. Trahern a agarrou pelos ombros. — Eu não pediria que se deitasse comigo, Morren. Já sabe. Todos seus sonhos se fizeram em mil pedaços no mais profundo dela. — Não quero um matrimônio pela metade, Trahern. «Quero um marido que me ame ou não quero nenhum marido». Ele não vacilou como ela tinha esperado que fizesse. Seus polegares se cravaram em seus ombros e acariciaram a tensão que tinha acumulada. — E não acha que possa querer a um homem como eu. Ela deixou cair a cabeça contra seu peito e ele desfez os nós de sua nuca. Ela escolheu cuidadosamente as palavras para não revelar muito. — Não disse isso. Ele acariciou seu cabelo com delicadeza e ao conseguir que reagisse, ela se apertou contra ele. — Significa mais que qualquer homem para mim, Trahern, mas sei que nunca encherei o vazio que Ciara deixou — tomou fôlego e se afastou — Não serei uma substituta ou uma desculpa. Não me conformo com isso. O rosto de Trahern era indecifrável e seus olhos cinza inexpressivos. — Vou acompanhá-la de volta — ele disse depois de um momento.

A comida e a bebida acabaram e as crianças dormiram nas cabanas. Trahern voltou a colocar a máscara, assim como Morren. Os adultos riam e desfrutavam enquanto a anciã Annle contava histórias que inventou. Ele tinha ficado sem vontade de celebrar qualquer coisa. Morren tinha razão. Tinha lhe pedido que se casasse com ele não porque a quisesse como mulher, a não ser para levar a cabo sua vingança. Sabia que não podia pressionar aos vikings sem a ajuda de seu irmão Patrick. Não tinha pensado no matrimônio em longo prazo nem em como ela interpretaria sua intenção. Tinha todo o direito de estar zangada. O que mais lhe assombrava era sua desilusão pela rejeição dela. Não tinha esperado sentir nada pelo pacto. Tinha o considerado como uma estratégia militar, como uma forma de alcançar um objetivo. Tinha começado a substituí-la por Morren. Nem sequer sabia quando ou como isso tinha acontecido.

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Além disso, assim não trairia a memória de Ciara. Estava inquieto porque já não pensava muito nela.

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O remorso começou a tomar conta dele porque Morren tinha tido razão. Tinha compreendido que seu pretexto para casar-se era inaceitável. Mesmo assim, ele acreditava que teriam sido um bom casal. Apertou a mão de Morren e passaram entre algumas pessoas. Gunnar estava afastado, como se quisesse misturar-se com o clã dos MacEgan, mas não se atrevesse. Trahern o olhou fixamente e, de repente, deu-se conta de coisas que não tinha visto antes. Estava sentado perto dos outros, prestando muita atenção à história de Annle, e era mais alto que eles. A anciã estava contando a história dos pais de Trahern e como seu pai, Duncan, fazia todo o possível para conquistar o amor de sua mãe, Saraid. Trahern, sem soltar a mão de Morren, aproximouse para ouvi-la. — Uma noite, quando Saraid estava esperando a seu quarto filho, viu uma desconhecida fora da fortaleza. Essa mulher também estava esperando um filho e Saraid a convidou para que ficasse com eles. A mulher não disse nada — a anciã seguiu cativando-os com sua voz ancestral — Todos se perguntaram quem seria. Teria chegado das terras desconhecidas? Seria uma fada disfarçada? Gunnar abriu caminho entre a multidão com o olhar cravado em Annle. — Como ela era? A pergunta rompeu o feitiço e alguns MacEgan se zangaram pela interrupção. Annle, entretanto, fez-lhe um gesto para que se sentasse entre outros. Trahern apertou a mão de Morren com força embora pensasse que era só uma história como tantas outras que ele tinha contado. No entanto, teve a sensação de que não o era e não pôde sair dali. — A mulher se parecia com você — Annle reconheceu dirigindo-se a Gunnar — Tinha o cabelo comprido e loiro preso em uma trança que lhe chegava à cintura. Achamos que havia chegado andando desde Gall Tir, mas estávamos errados — Annle deu um gole no hidromel — Se diz que quem oferece hospitalidade aos desconhecidos recebem as benções dos deuses originários, os Tuatha De Danann. Saraid sabia e ficou amiga da mulher. Chegado o momento, a mulher deu a luz — Annle fez uma pausa para olhar à multidão — Ao amanhecer, a mulher e seu filho desapareceram. Ninguém sabe se eram mortais ou não, mas os MacEgan foram abençoados com a prosperidade. A anciã sorriu pelos aplausos e tomou a mão de um jovem, que a acompanhou de volta a sua casa. Trahern não se moveu. Fixou-se no semblante pensativo de Gunnar e este se virou para olhá-lo. Ele parecia que tentava esclarecer uma verdade dúbia. Trahern teve um pressentimento entristecedor e, sem refletir, pediu desculpas a Morren e seguiu Annle. Ela andava devagar e se apoiava no jovem para manter o equilíbrio. — Eu a acompanharei — Trahern se ofereceu quando os alcançou. Annle sorriu e o segurou pelo braço. falavam de suas histórias e do muito que gostavam.

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— Como está, Trahern? Tem um aspecto melhor do que da última vez que o vimos. Os meninos

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Ele agradeceu o elogio com um murmúrio, mas caminhou mais devagar. — Annle, quanto a sua história… — Quer saber se é verdade? — ela perguntou-lhe com uma voz rouca e um olhar que pareceu atravessá-lo — Quem se importa Trahern? — ela perguntou outra vez parando. — Sabe o que aconteceu com essa mulher, não é? Annle começou a andar outra vez e ele teve que segui-la. — Sim. Annle lhe fez um gesto para que abrisse a porta da cabana. Trahern a abriu e viu que alguém tinha levado pedras quentes para esquentar o interior. Annle era a mulher mais velha do clã e todos a amavam. — Não me pareço com meus irmãos — ele disse quando estavam dentro — Sempre pensei que me parecia com meu avô, mas há algo mais, certo? — Viu aos que se parecem com você e se preocupa — ela respondeu enquanto ele a ajudava a sentar-se. Referia-se aos vikings. O sangue de Trahern gelou e o medo apertou sua garganta. — Não, não é verdade. Annle entrelaçou as mãos sobre o colo. — Aquela viking chegou aqui faz muito tempo. Deu a luz a um filho na noite depois de que sua mãe o fizesse. Entretanto, o filho de sua mãe estava doente. Nasceu muito cedo e eu não pude fazer nada — Annle pegou a mão de Trahern — Sei que pode adivinhar o que sua mãe fez. A mulher sangrou e morreu nessa noite. Saraid o criou como se fosse dele. Ele quis negá-lo e dar argumentos para demonstrar que isso não era verdade. Entretanto, o aspecto físico não enganava. Sua estatura e traços eram distintos dos de seus irmãos. Aron lhe havia dito que era um viking. Trahern apertou os dentes e detestou a idéia de que fosse verdade. Até Gunnar o tomou por um dos seus quando tentou matá-lo. Ao que parece, tinham-lhe vendado os olhos perante a verdade. Quis dar um murro na parede para liberar a raiva que o corroia por dentro. Entretanto, a delicada mão de Annle o dominou com firmeza. — Disse que aquela mulher não chegou de Gall Tir. — Não era do clã dos Hardrata — Annle confirmou — Escapou de seu acampamento e nos pediu refúgio. — O que aconteceu com ela quando morreu? O sorriso sereno de Annle foi ligeiramente zombador. — Sabe que não desapareceu. Nós a enterramos no escarpado debaixo de uma pilha de pedras.

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É verdade que essa mulher lhe deu a luz, mas Saraid te deu um lar e uma família. É verdade que seu

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sangue não é MacEgan, mas… — estendeu o braço e pôs a mão no coração —… isto sim o é e isso é o que importa. Trahern não ouviu mais nada, não ouviu as palavras de consolo e as que tentavam explicar a mentira. Sempre tinha acreditado que Saraid e Duncan eram seus pais. Além disso, sua mãe sempre o tratou como se tivesse nascido de seu corpo. — Meu pai sabia? — Sim, mas decidiram te tratar como a seu filho, um presente maravilhoso na tragédia de Saraid — a anciã curandeira lhe deu umas palmadas na mão — Não se agonie, Trahern. Entretanto, agoniava-o. Não só não conhecia seus verdadeiros pais, mas também seus laços familiares se foram. Não era um MacEgan. Saber a verdade era como uma faca que atravessava seu coração. Despediu-se de Annle, mas estava dormente. Viu Connor, que ria com Aileen e seu irmão o saudou com a mão. Já não era seu irmão. Ele era um viking com o mesmo sangue que seus inimigos. Seguiu andando para se afastar do festejo. Não podia assimilar o que tinha acontecido nem sabia o que podia fazer com essa informação. Ouviu uns passos que o seguiam. Continuou em volta do castelo porque sabia quem era e não sabia o que dizer a Morren. — Trahern… — ela o chamou quando chegou à escada de caracol — Aconteceu algo errado? Sim, aconteceu algo errado, mas só pôde encolher os ombros. — Preciso ficar sozinho por um momento. O suficiente para decidir o que devia fazer com a confissão de Annle. Era como se alguém lhe tivesse apagado o passado e tivesse aniquilado a sua família. Morren se aproximou com a preocupação refletida nos olhos. — Aconteceu algo desde a última vez que falamos. Parece alterado desde que saiu da cabana de Annle. — Não tem nada que a ver com os que a agrediram — ele a tranqüilizou — Pode voltar com outros. Morren passou junto a ele e ficou por cima na escada. Acariciou sua bochecha com uma expressão de pesar. — Você permanece sendo meu amigo, Trahern. Diga-me. Quis rejeitá-la outra vez. Tinha que permanecer em silencio para não sobrecarregá-la com seus pensamentos erráticos, mas a presença de Morren o acalmava. Conhecia-o como nenhuma outra mulher o tinha conhecido e não o julgaria.

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— Venha.

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Pegou-a da mão e subiram a escada até que chegaram aos aposentos da família. Abriu uma das portas e a convidou a entrar. Tinha a cabeça atordoada e não soube como começar. Ela não o apressou e esperou. — Annle contou uma história sobre minha mãe. Eu me preocupei. Explicou-lhe sobre o filho que Saraid tinha perdido e que tinha criado a ele como se fosse dela. — Sei que me amou e cresci acreditando que tinha cinco irmãos — ele reconheceu. — Isso mesmo. Fossem irmãos de sangue ou não, sabe que é verdade. — Eu deveria dizer-lhes mas, por outro lado, eu não quero. Preferiria que acreditassem na mentira. — Que não tenha sangue MacEgan não vai mudar seus sentimentos. É irmão deles e sempre o será. — Não quero ter o sangue dos vikings. Cada vez que penso neles me lembro de Ciara e de você — Trahern lhe pôs uma mecha de cabelo para trás da orelha — Não quero ter nenhuma relação com meus inimigos. Ela tinha fugido de Gall Tir, Morren. É provável que meu pai fosse um deles. Morren o abraçou com um gesto de consolo. — Nada mudou, Trahern. Nada absolutamente. Estava errada. Algo tinha mudado entre eles. Embora dissesse ser sua amiga, era algo mais. Abraçou-a com força e aspirou seu aroma. Não insistiu, mas tampouco pôde evitar a reação física. O contato de seu corpo lhe recordava que cada vez que a havia tocado, estava profanando a memória de Ciara. Ia afastar-se quando Morren o agarrou pela nuca e isso foi como uma faísca sobre um montão de folhas secas. Queria eliminar todas as camadas de roupa que haviam entre eles, mas tomou suas mãos e as abaixou. O sorriso dela se dissipou e se separou dele. — Está zangado comigo. — Não, estou zangado comigo mesmo. Ela encolheu os ombros e se estremeceu levemente. — Está zangado porque não quis me casar contigo. Ele negou com a cabeça. — Prometi que nunca me esqueceria de Ciara. Que vingaria o que aconteceu mesmo se morresse na tentativa. Ela levou a mão à boca como se quisesse conter o que ia dizer. — Estou zangado comigo mesmo por que… deixei de pensar nela — a olhou nos olhos com raiva por ser tão fraco — E porque te desejo mais do que convém a algum de nós. — Vá, Morren, antes que eu faça algo que lamentaria.

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Ela abaixou os ombros pela perplexidade, mas não disse nada.

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Não podia pensar com claridade e a raiva se misturava com a frustração sexual de uma forma que o fazia se sentir como um animal. — Não está traindo a Ciara — ela sussurrou aproximando-se um pouco — Ela te amava e teria querido que seguisse com sua vida. Morren ficou nas pontas dos pés e abaixou sua cabeça para beijá-lo na boca. Era o que necessitava. Necessitava da delicadeza de Morren e seu calor reparador. Além disso, ela parecia dar-se conta. Sem deixar de beijá-la, sentou-se em uma cadeira com ela em seu colo. Ela conteve o fôlego, mas não deixo de beijá-la. Quando as línguas se encontraram, Morren deixou escapar um gemido. — Não deveria ter começado isto — ele murmurou tomando sua nuca entre as mãos. Trahern sufocou as vozes que o avisavam do engano que estava cometendo. Ele não se incomodava. Morren tinha ido a ele e não ia renunciar a esse momento com ela. Já a tinha beijado assim, mas ela parecia hesitante. — Não tenha medo, Morren. — Eu sei que não vai me machucar — ela sussurrou com a voz tremula. — Jamais — ele sussurrou tonto pelo desejo — Você sabe, não é? — Sim. Ela acariciou suas costas. O contato de sua mão fria sobre a túnica lhe inflamou o corpo e ele se agarrou no assento da cadeira. Ela o notou e se afastou. — Eu não queria machucá-lo. — Não, eu gostei— ele respondeu entre os dentes apertados. Para demonstrar-lhe desatou a túnica e a tirou. Ficou quieto observando a mistura de medo e curiosidade dela. Como ficou quieta, tomou suas mãos e as levou a seu peito. — Continue. Encostou-se no espaldar e fechou os olhos. Ela não faria nada, até Ciara sempre tinha preferido que fosse ele quem a acariciasse. Entretanto, Morren o surpreendeu. Acariciou lentamente o musculoso peito. Percorreu-lhe as cicatrizes com a ponta dos dedos. — Como fez isso? — ela perguntou-lhe. — Faz anos, na batalha contra os normandos. Ele não abriu os olhos. Era um tormento sentir suas carícias e sua cabeça lhe avisava de que tinha que detê-la antes que chegasse muito longe. — É muito forte. Morren lhe acariciou os músculos do abdômen e desceu até que roçou os cordões das calças. — Morren, pare… — ele conseguiu dizer.

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Agarrou-lhe as mãos com a respiração entrecortada pelo esforço de controlar-se.

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Ela afastou as mãos com a boca entreaberta pelo susto. — Fiz algo errado? Ele fechou os olhos e sacudiu a cabeça. — Eu estou a ponto de fazer algo errado se não parar. Ela se levantou de seu colo, mas as palavras ásperas dele não tinham diminuído sua curiosidade. — O que… aconteceria? Ele se inclinou para diante com as mãos nos joelhos. Queimava por dentro e a desejava. — Tiraria o vestido, tiraria tudo o que leva em cima e te sentaria nua sobre meu colo. Ela se ruborizou com uma expressão cautelosa e retrocedeu um passo abraçando-se a si mesmo. — E depois? Perguntou-o com um espio de interesse e ele se levantou. Sua pergunta inocente o tinha excitado mais ainda. Embora não quisesse assustá-la, ela tinha que entendê-lo. Aproximou-se dela, agarrou-a pela cintura e lhe abaixou as mãos pelos quadris. — Eu a sentaria nessa cadeira, Morren, e beijaria cada centímetro de sua pele — se inclinou e a beijou no pescoço — Aqui. Segurou-a enquanto abaixava a cabeça até a curva de um seio. Apesar do tecido de lã, deixou escapar o fôlego sobre o mamilo. Este endureceu-se e ele captou o leve estremecimento de desejo. — Aqui — ele sussurrou. Introduziu a perna entre as dela. Embora o vestido e as meias fossem como uma barreira, ele sabia que tinha notado sua ereção contra a coxa. — Eu a beijaria inclusive aí, Morren. A respiração dela se acelerou e teve a certeza de que se a acariciava intimamente, estaria úmida pelo desejo. — Usaria minha língua para me deleitar com sua essência. A beijaria até que se estremecesse, lamberia suas dobras até que gritasse. Quando se afastou um pouco para olhá-la, ela tinha os olhos fechados e as bochechas vermelhas. Também tinha a boca inchada pelos beijos e quis apropriar-se outra vez dela para aproximá-la mais do êxtase. Ela arqueou seu corpo contra sua ereção e ele compreendeu o perto que estava. Apoiou-a contra a parede com as mãos debaixo dos braços. Vislumbrou seus mamilos contra a lã e voltou a tomá-los entre os lábios. — Sabe o que faria depois? — ele sussurrou lhe roçando um mamilo. — O que faria? — ela perguntou-lhe entre suspiros. — Levantaria suas saias e uniria meu corpo ao seu. Lamberia aqui… — ele lambeu o mamilo e Tomou o outro mamilo entre os dedos e a ela tinha o rosto contraído pelo desejo.

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molhou o tecido— e deixaria que me montasse. Lenta e profundamente…

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— Ou rápida e implacavelmente… Ele levantou a perna entre as dela para que alcançasse a plenitude que desejava.

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— Eu te entregaria meu corpo, Morren, só para seu prazer.

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Dezoito Beijou-a sem compaixão e isso bastou para que ultrapassasse o limite. Morren se agarrou a seu pescoço arrastada pelo turbilhão do êxtase. Ela estremeceu com as ondas de prazer que a devastavam. Sua essência, úmida e inflamada, exigia mais. Trahern a apertou contra si com o rosto transfigurado diante do alívio se apropriasse dele. Tinha acontecido algo e ela percebeu que ele não estava tão frustrado como antes. Tremeu e repousou a cabeça no peito dele enquanto o acariciava e tomava um mamilo entre os dedos. Então, deu-se conta do que estava fazendo e se afastou envergonhada. — Sinto muito. Acho que deveria partir. Uma sensação gélida se interpôs entre eles e ele a soltou sem dizer nada. Mesmo assim, ela não pôde evitar dizer tudo o que lhe passou pela cabeça. — Sei que tinha outros motivos para querer se casar comigo. Que não se tratava de… amor — se desanimou e revelou seu segredo mais embaraçoso — Mesmo que eu tivesse concordado, nunca poderia ser o que você queria. — O que você acha que eu quero? Ele o perguntou em um tom inflexível e ela teve que olhar para o outro lado. — É um homem que deveria ter filhos e eu não posso lhe dar isso. — Só seria um matrimônio provisório. Um pacto. Sua voz foi tão fria quanto às pedras desse quarto. — Eu… sei — ela balbuciou — É que… pensei que iria querer… que me comportasse como sua esposa em todos os sentidos. Morren apoiou a testa na parede e se sentiu ridícula. Ele era um homem como qualquer outro. Quando se entregou a ele, tomou o que lhe oferecia. Mas ela, além disso, tinha sempre presente o medo de que ele queria deitar-se com ela, fazer amor. A idéia de que algum homem se unisse a ela a deixava nervosa e lhe dava náuseas. Não lhe importava como Trahern a tinha acariciado essa noite porque o tinha feito com palavras além de com suas mãos. Tinha sido muito diferente da violência que tinha conhecido. Entretanto, ele queria mais. Não acreditava que seu matrimônio pudesse ser casto a julgar — Não sou um animal, Morren. Acredite-me, eu posso não te tocar.

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pelo modo que a tinha acariciado.

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Santo céu! Tinha-o ofendido e não era, nem de perto, sua intenção. Ele virou e ela percebeu a irritação, a frustração, em seus olhos cinza. — Não acredito que pudesse… ficar deitada e que voltar a estar com outro homem. Ele apertou os dentes. — Como disse, quando pedi que se casasse comigo, não pretendia consumar o matrimônio — Trahern bufou — Entretanto, deveria saber que nunca pediria que ficasse aí deitada para agüentar minhas carícias — seus olhos refletiram uma emoção indefinida e suavizou o tom — Eu juro que você usufruiria. Ela se estremeceu. Quando a acariciou, derreteu-se por dentro. Engoliu o medo. — É possível, mas você não desfrutaria de estar comigo se… Não pôde terminar a frase pela humilhação. Nem sequer podia dizer essas palavras. Estava segura de que se paralisaria ou gritaria como fez com Adham e não queria que seu medo danificasse sua amizade. — Eu desfrutaria de cada segundo, Morren — ele pegou sua mão, mas escolheu as palavras e empregou um tom sereno — Entretanto, respeitarei seus desejos. Acabaremos o assunto de Gall Tir e depois a acompanharei de volta a Glen Omrigh. A alma de Morren lhe caiu aos pés. Não queria que se desfizesse dela. — Não é isso o que eu quero. Ela o disse em um sussurro e ele retirou a mão, apoiou-a na parede e baixou a testa até tocar a dela. — Se quiser algo mais… Ele passou a língua pelo lóbulo de sua orelha. Uma palpitação lhe percorreu os seios e chegou entre as pernas. Morren se agarrou a ele ao temer que seus joelhos se dobrassem. — Ensinarei tudo o que queira aprender. Era difícil para ela pensar com clareza. Ele estava lhe provocando uma reação que não tinha previsto. Seu corpo seguia seus próprios desejos sem se importar com o senso comum. Estreitou-se contra ele para sentir o calor de seu corpo. Entretanto, Morren se recordou que só seria um pacto, não um matrimônio verdadeiro. Embora ele conseguisse acabar com seus fantasmas do passado, seus caminhos não iriam nunca se ligar. Fechou os olhos e o afastou. — Me leve para junto dos outros — ela lhe pediu — Desfrutemos da primeira noite do Samhain com sua família. Trahern a olhou fixamente um instante, mas assentiu com a cabeça. Uns minutos depois, já tinham descido e estavam fora. Ele voltou a colocar-la máscara de ouro e nesse instante, ela notou que

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a distância entre eles aumentava. Sua máscara estava desfazendo-se e a deixou cair no chão.

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O ambiente tinha mudado durante sua ausência e isso fez que tivesse uma sensação de incerteza. Os homens e mulheres mascarados foram retirando-se entre as sombras. Trahern a levou pela cintura e ela observou que Connor e Aileen escapuliam juntos. Ele a olhava com a mesma expressão de desejo que tinha visto em Trahern fazia uns minutos. As fogueiras resplandeciam e as lanternas feitas com nabos iluminavam as entradas das cabanas. Outros homens e mulheres comiam, bebiam e riam. Morren viu um casal que se beijava com as mãos atadas com três cordões coloridos. Compreendeu que se comprometeram em matrimônio durante um ano e um dia. Se não combinavam como marido e esposa durante o período da prova, poderiam desfazer esse vínculo. Era o mesmo que Trahern lhe tinha oferecido; uma união provisória. Embora não fosse uma ameaça em nenhum sentido, a chateava. Ele já tinha reconhecido que acabariam com o matrimônio assim que tivessem visto os homens de Gall Tir. Percebeu que nem sequer queria tentar. Isso era o que doía. Considerava que essa união podia desfazer-se facilmente. Que mulher podia querer um matrimônio assim? Entretanto, tampouco podia negar o que sentia no coração. Ele fazia que se sentisse a salvo e, quase, amada. Não gostava da idéia de separar-se dele. A máscara de Trahern resplandecia a luz da fogueira e embora tentasse esboçar um sorriso quando seu irmão Patrick o saudou, ela captou a tensão e um certo remorso. Contaria a Patrick que não eram irmãos? Isso faria alguma diferença? Passaram junto a uma mesa com comida e Trahern pegou um pedaço de pão. Ela, em troca, pegou uma jarra de vinho. Tinham fome e ele escolheu um lugar junto a uma fogueira. Ele partiu o pão pela metade e deu uma parte para ela. Provou e deu um gole no vinho antes de passar para ele. Ele lhe roçou os dedos ao pegar a jarra e isso acelerou seu pulso. Tinha o cabelo escuro e muito curto. Seus olhos cinza se cravaram nela e o resto do mundo pareceu desaparecer. — Parece um deus da antigüidade com isso colocado — ela brincou lhe apontando sua máscara. Ele não sorriu e tirou a máscara. — Não sou um deus, Morren. Só sou um homem. Um homem que ela tinha repelido. Sentiu uma pontada de arrependimento. Trahern tinha lhe ensinado que as carícias de um homem não tinham por que ser degradantes nem dolorosas. Podiam ser algo precioso. Ao redor havia homens e mulheres juntos. Trahern fixou o olhar em um casal noivos. Embora não dissesse nada, ela notou algo em seu olhar. Seria inveja? Ficou desconcertada porque viu que seu rechaço o tinha aborrecido. Tinha ofendido seu orgulho Entretanto, possivelmente isso não fosse tudo. Em seus olhos cinza percebeu a solidão de sua vida. Tinha sido um nômade, tinha viajado de um lugar para outro enquanto seus irmãos tinham um lar

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porque tinha acreditado que só queria utilizá-la em um matrimônio por interesse.

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e família. Além disso, agora já não tinha direito ao nome MacEgan. Tinha perdido a única coisa estável que tinha. Doeu-lhe sua perda e se deu conta de quanto o queria. Assim como lhe dava segurança, ela quis lhe oferecer consolo com um abraço. Sua proposta de matrimônio tinha sido torpe e improcedente, mas tinha a sensação de que manteria as promessas e a trataria como a uma esposa amada. Embora em princípio pudesse ser um pacto, também podia chegar a ser algo mais. Ela queria que fosse? Queria dormir e despertar todos os dias entre seus braços? A idéia despertava um desejo muito profundo nela. Perguntava-se se seria possível dissipar as trevas do passado e aprender o que significava sentir desejo. Estava ficando tarde e comeu o que restava ao perceber de que quase todos os homens e mulheres se retiraram para passar a noite. Estava a ponto de pedir a Trahern que voltassem para castelo quando ouviu um som. Franziu o cenho e aguçou o ouvido. Era um som rítmico acompanhado pelos gemidos de uma mulher. Um homem deixou escapar um grunhido e ela compreendeu o que estava ouvindo. Sentiu um surto de pânico e Trahern percebeu. As imagens se apropriaram dela, deixou o pão e rodeou os joelhos com os braços até tocar o peito. Tinha que partir. Não tinha por que ouvir isso. Entretanto, os pés não se moviam. — Ele não a está machucando, Morren. Não tenha medo — Trahern lhe disse agarrando sua mão. O casal emitiu uns gemidos e ela se jogou nos braços de Trahern para tentar não ouvi-los. Mais lembranças atrozes a afligiram e ameaçaram asfixiá-la, mas, acima de tudo, ele a abraçava. Ele se converteu em seu amparo entre as trevas. Entre seus braços, tinha o que mais necessitava: um homem que entendia sua dor. Ajoelhou-se rodeando seu pescoço com os braços. Trahern sussurrou palavras de consolo e lhe acariciou as costas. Foi um contato suave e ela entendeu que necessitava desse homem tão forte e que tinha perdido tantas coisas. Ele tinha estado ao seu lado apesar de tudo. Não podia fazer o mesmo por ele? Olhava-a fixamente, como se não existisse mais ninguém. Tomou suas mãos e as pôs na cintura enquanto o agarrava pelos ombros. Ouviu os gemidos de satisfação do casal e se fez o silêncio. Morren se lembrou do casal com as mãos atadas. Um ano e um dia não era pedir muito. Era tempo suficiente para saber se o pacto poderia chegar a converter-se em uma união duradoura. Sua única dúvida estava no leito conjugal. — Te aconteceu algo? — ele perguntou-lhe soltando-a do abraço. Ela assentiu com a cabeça e tomou fôlego. Era melhor ser sincera sobre o que a atormentava. — Trahern, se aceitar sua proposta de matrimônio, não quero que me menospreze — ela corou pela vergonha — Não posso ser… como a maioria das mulheres. Ela dirigiu o olhar para os amantes e ele entendeu o que queria dizer.

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— Você confia em mim? — perguntou-lhe ele. — Sim.

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— Então, tem que saber que nunca te farei mal nem a menosprezarei aconteça o que acontecer. Morren levantou a cabeça até que suas bocas quase se roçaram. Queria acreditar nisso com toda sua alma. — Eu vou casar com você, Trahern — ela acabou dizendo embora fosse contra seus instintos — Até que deixemos resolvido o assunto dos vikings. Ele assentiu com a cabeça, mas seu rosto não refletiu ilusão nem alegria. Ela dissimulou a decepção e desejou ter a esperança de algo mais.

Na tarde seguinte, Trahern ia de um lado a outro. Não tinha visto Morren desde que expressou seu desejo de casar-se. Embora tivesse se comportado como se não fosse nada de especial, isso não era verdade. Quando ela concordou, ele sentiu alívio. Não só porque conseguiriam o respaldo de Patrick, mas sim por seus próprios motivos. Queria estar perto dela embora fosse por pouco tempo. Na noite anterior, quando se refugiou em seus braços, quis protegê-la do mundo. Quando se agarrou a ele, foi como se ela fosse uma parte física de si mesmo da qual não podia prescindir embora tivesse que fazê-lo. Estava abatido porque, embora tivesse prometido não tocá-la, desejava Morren. Seu corpo parecia zombar dele por isso. Na noite anterior tinha tido que fazer um esforço imenso para dominar seu desejo. Desejava-a tanto que suas mãos tremiam. Além disso, quando ouviram o outro casal fazendo amor, imaginou-se entrando nas úmidas profundezas dela. Era um disparate deixar que seus pensamentos tomassem esses rumos. Felizmente, seu matrimônio seria provisório. Certamente, morreria se não pudesse tocar a Morren. Preocupava-lhe que ela não tivesse chegado ainda para se comprometer. A rainha Isabel e Aileen não haviam dito nada da cerimônia dessa noite. Morren teria contado que iam casar-se? Alguém saberia? Ele duvidava ao julgar pela despreocupação de sua família. Trahern tinha colocado seus melhores ornamentos. Usava uma túnica vermelho escuro e prendou a capa com um broche com forma de serpente. Sentia-se nervoso como um moço que fosse dar o primeiro beijo em uma mulher. Ao anoitecer se comprometeria o grupo seguinte de casais e o padre Brian os benzeria, mas ele não sabia se Morren iria ou não. — Parece nervoso — Annle disse. — Tenho algo para você. Guardei-o todos estes anos e talvez você o queira — Annle lhe deu um pacote envolto em um pano — Era dela. GRH – Grupo de

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Ele saudou com um sorriso à anciã e ela se aproximou.

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Trahern não teve que de lhe perguntar a quem se referia. Sem mais, a curandeira anciã se retirou para reunir-se com os meninos. Ele esperou ficar sozinho para desembrulhar o pacote. Encontrou uma pedra muito singular. Parecia como se tivesse capturado o espírito de um peixe e o tivesse esculpido na pedra. Faltava uma parte da pedra, mas o peixe se via claramente. Alguém tinha perfurado a pedra e tinha posto um cordão de couro para convertê-la em um pendente. Passou o polegar pela tosca forma do peixe e se perguntou que tipo de mulher teria sido sua mãe. Também lhe parecia que lhe faltava uma parte de si mesmo, como à pedra. Era um mistério que nunca poderia elucidar plenamente. No mais profundo de seu ser, temia que seu pai fosse um dos vikings de Gall Tir. Ele encontraria a um homem parecido com ele entre seus inimigos? Pendurou a pedra no pescoço por debaixo da túnica. Desejou ter podido conhecer a mulher que lhe deu a luz. Era uma sensação estranha levar algo que tinha sido dela. — Trahern — alguém lhe chamou — Você vem para ver a cerimônia? Connor se aproximou, mas parou em seco ao ver a elegância de Trahern e sorriu. — Bem, está muito elegante, não? Trahern encolheu os ombros e olhou ao redor para procurar a Morren. — O que quer? — O que quero? — Connor deixou escapar um suspiro muito teatral — Se quer saber, quero dormir, irmão. Dormir uma noite toda — ele arranhou a cabeça — Ontem à noite, Finn veio correndo ao nosso quarto porque, segundo ele, tinha medo da escuridão. Um minuto depois, apareceu Dylan — Connor bocejou — Você vai ver quando tiver filhos. São uma bênção e uma maldição ao mesmo tempo. Trahern não disse nada porque não podia se imaginar como pai. Nem com Morren como esposa nem com ninguém mais. Parecia-lhe impossível, embora tivesse gostado de ter filhos. — Não se preocupe, Trahern — Connor brincou — Algum dia saberá o que quero dizer… se Morren aceitar casar-se contigo. — Ela… Trahern foi responder, mas Connor o interrompeu. — Afinal, é muito alto e nem a metade de bonito que nós. Connor foi passar lhe a mão pela cabeça, mas Trahern o agarrou pelo punho. — Não tem graça, Connor. Sabia que seu irmão só queria animá-lo com suas brincadeiras, mas tinha conseguido justamente o contrário. Sempre se tinham brincado com Trahern por causa de sua altura e ele a tinha usado muitas vezes para brigar com Bevan ou Connor quando o insultavam. Entretanto, nesse momento só lhe lembrava que não era de sua família. Havia um motivo para que não se parecessem. Fazia com que se sentisse um forasteiro. Quase desejou que Annle não lhe houvesse dito a verdade. Sentiu a pedra contra — Viu Morren? — perguntou ao Connor.

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a pele do peito.

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— Está com as mulheres. Antes, esteve falando com Annle, mas não sei de mais nada — os olhos de seu irmão brilharam — Ela aceitou casar-se? Você pediu, certo? — Eu pedi e acredito que é possível. O rosto de Connor passou da surpresa à felicidade e ele lhe deu umas palmadas nas costas. — Perfeito. Já era hora de que abrisse os olhos e visse o que tinha na frente. — O que quer dizer? — Ela combina com você, Trahern. É mais feliz com ela — seu irmão ficou sério — Eu sei que aconteceu algo errado. Nunca tinha te visto como na noite do solstício de verão. — Como? — Raivoso — Connor reconheceu — Como se fosses cravar uma faca na garganta. Como se nada te importasse, nem nós. Trahern o olhou fixamente. Tinha estado tão dominado pela dor e pelo desejo de vingança que tinha deixado tudo à margem. — Queria morrer — Trahern reconheceu — A inveja me corroia cada vez que o via com Aileen ou ao Patrick com Isabel. Só podia pensar no que tinha tido com Ciara. — Era alarmante vê-lo assim — Connor apoiou sua mão no ombro de Trahern — Somos uma família, Trahern, e, saiba ou não, sua dor era nossa dor — sua expressão sombria se suavizou — Se Morren o devolve a nós, só posso lhe estar agradecido. Dirigiram-se para o pátio, mas as palavras de Connor o abateram mais ainda. Não eram uma verdadeira família. Seus irmãos acreditavam que tinham os mesmos pais quando não tinham o mesmo sangue. Só tinham lembranças. Mordeu a língua para não perder isso. Morren tinha afirmado que seus irmãos permaneceriam ao seu lado embora soubessem da verdade, mas não podia reconhecê-lo ainda porque não queria renunciar ao nome MacEgan. Vários casais e o sacerdote esperavam no pequeno pátio. Entre eles estavam Ewan, seu irmão menor, com Honora, sua esposa recente. Casaram-se fazia umas semanas e sua felicidade era radiante. Honora se aproximou dele e o abraçou. — Ewan me disse que estava aqui, Trahern. Me alegro muito em vê-lo — ela acariciou sua cabeça e sorriu pelo cabelo — Devo dizer que está mais bonito. — Por que será que as mulheres adoram me tocar na cabeça? — Aproveite — Ewan recomendou — Se as mulheres me acariciassem a cabeça, iria raspá-la todos os dias. — E eu lhe cortaria o pescoço — Honora lhe advertiu — Se cuide, MacEgan. — Você pode me acariciar a cabeça quando quiser querida… e outras coisas. Honora ficou vermelha.

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Ewan a beijou.

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— Não posso me acreditar que diga essas coisas em voz alta. As brincadeiras de seu irmão o fizeram rir e Trahern, de melhor humor, foi ver a cerimônia. Os casais, um depois do outro, foram fazendo suas promessas e o padre Brian benzeu os matrimônios com uma mescla de ritos cristãos e pagãos. Esse era o estilo de sua família, onde se recordava o passado e se adaptava ao presente. Quando o último casal atou as mãos, ignorou o vazio da decepção. Morren não apareceu e se perguntou se teria mudado de idéia. Virou-se com um gesto de desgosto e não deu atenção as bandejas com comida que estavam trazendo da cozinha. — Trahern! — a esposa do Connor, Aileen o chamou, e com a cara muito pálida o levou à parte — Falei com Morren esta tarde. — Aconteceu algo? — ele perguntou ao ver sua expressão. Ela negou com a cabeça, mas hesitante. — Contou-me… tudo — os olhos da curandeira se encheram de lágrimas e pegou suas mãos — Agora entendo por que a protege tanto. — Onde está? — Está vindo para reunir-se contigo e o padre Brian — Aileen lhe acariciou a bochecha — Mas há algo que tem que saber, Trahern. Embora seu corpo pudesse curar-se completamente, ainda tem algumas lesões e não acredito que possa ter filhos. — Não me importa. Era verdade. Não tinha terras próprias e não necessitava de herdeiros. — Desejo-te felicidade — Aileen lhe disse antes de afastar-se. Pouco depois, viu a Morren, que chegava para falar com o sacerdote. Tinha o cabelo coroado com urze e usava um vestido que não tinha visto antes. A seda, de uma vibrante cor verde escura, estava debruada com pele. — É o vestido que pediu para Morren — Aileen murmurou — Isabel comprou a seda depois de que no outro dia mandou procurar um vestido para ela. — O dinheiro não era suficiente para seda — ele objetou. — Não, mas Isabel contribuiu com algo. Acreditou que chegaria um momento no qual Morren necessitaria de um vestido mais elegante. Tinha razão. Agradou-lhe ter contribuído para comprar o vestido, embora só tivesse querido naquele momento que Morren tivesse algo melhor que a roupa da viagem. — Passamos quase todo o dia costurando — Aileen seguiu — Morren está linda, não é? Trahern se aproximou. O cabelo de sua noiva estava entrelaçado com pequenas bolinhas douradas que ressaltavam a cor dele. — Sim.

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Foi até Morren e pegou suas mãos enfeitiçado por sua beleza. — O vestido está muito bonito.

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Ela corou e lhe apertou um pouco as mãos. — Obrigada. Voltaram-se para o sacerdote e Trahern se deu conta de que todos os seus irmãos, com suas esposas, aproximaram-se para ouvir suas promessas. Quando pronunciou as palavras que o uniam a Morren, deu-se conta de que Patrick e todos seus irmãos abraçavam a suas esposas como se quisessem confirmar suas próprias promessas. Alegrou-se de que estivessem ali embora o passado lhe pesasse como uma laje. Morren apertou sua mão com um olhar delicado de seus olhos azuis. Embora parecesse incomodada porque todo mundo os olhava, esboçou um leve sorriso. Trahern não soube se o fez para tranqüilizá-lo ou a si mesma. Entretanto, quando a olhou nos olhos, ficou assombrado por quão contente estava de tê-la a seu lado. Fazia umas semanas, ela não teria suportado que ele tocasse sua mão. Tinham trocado muitas coisas entre eles. Via fé e confiança em sua expressão. Também apertou sua mão como se quisesse lhe prometer que cuidaria dela. Quando lhe uniram os punhos com os três cordões, todos os MacEgan aplaudiram entre vivas e gritos para que a beijasse. Trahern não pediu permissão e roçou os lábios de Morren com os seus. Ela vacilou, mas aceitou o beijo. — Beija-a mais! — gritou Ewan. Trahern foi se recusar para não embaraçar a sua esposa, mas Morren já estava nas pontas dos pés. Embora estivesse aturdida, viu um brilho zombador em seus olhos. Dessa vez, quando foi beijá-la, ela inclinou a cabeça para receber melhor o beijo. Ele não ouviu as vozes nem as brincadeiras quando lhe rodeou o pescoço com a mão que tinha solta. Beijou-a como um marido devia beijar a sua esposa. Ávido e ardente tomou a boca para que se entregasse a ele. Morren colocou a mão no rosto e se afastou chorando. Estava corada e Trahern a agarrou pela cintura.

O resto da noite se apagou e ele não se lembrava de quase nada, embora tivessem compartilhado a comida e a bebida. Não podia afastar o olhar de sua esposa e Morren lhe sorriu. — Não vou te deixar, Trahern. Temos as mãos atadas — ela lhe recordou — Não poderia nem se Mesmo assim, ele notou algo em sua voz, como se estivesse preocupada. — Parece assustada — ele lhe sussurrou — O que a preocupa? GRH – Grupo de

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quisesse.

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Ela olhou para a Aileen e lhe pareceu saber a resposta. — Deixe que pensem o que queiram. Não vou tocá-la— ele tranqüilizou sobre isso. Morren tentou sorrir embora ficasse pálida. Trahern a levou para fora para poderem falar sozinhos. — Estive pensando no que aconteceu naquela noite — ela reconheceu — Me deu tantas voltas na cabeça que quase não dormi. Ele esperou que continuasse e ela abaixou a cabeça. — Disse-me o que aconteceria se cedesse a seus desejos — ela tremeu ligeiramente — Embora me assuste, quero me liberar das lembranças que me atormentam — ela levou a mão atada ao coração

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e o olhou nos olhos — Quero ser sua esposa tanto em corpo como no título. Durante o tempo que for.

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Dezenove Essa noite, quando os festejos terminaram, o rei e a rainha lhes ofereceram uns aposentos próprios. Ao contrario do que em outras bodas as quais Morren tinha ido, não havia mulheres que riam e a despiriam. Felizmente, Aileen tinha mantido afastadas as outras esposas e eles estavam sozinhos. Entretanto, Morren ficou com o olhar cravado na cama que havia no centro do quarto. Era pequena e, evidentemente, Trahern e ela iriam se tocar enquanto estavam dormindo. Ela mordeu o lábio para que não tremesse. O medo a atava de tal maneira que quase não podia mover-se. Não sabia se poderia cumprir sua promessa. No fundo de si mesma, tinha medo de gritar e tentar afastá-lo dela… ou, pior ainda, de ficar inerte embaixo dele enquanto utilizava seu corpo para seu próprio prazer. Um nó se formou em sua garganta porque não queria acreditar que fosse passar isso. Queria com toda sua alma deixar para trás o passado e superar seu medo. Entretanto, tinha a sensação de que seria uma decepção para ele. Trahern desatou os cordões que os uniam e Morren tomou fôlego para não gritar. Para sua surpresa, ele a abraçou entre seus poderosos e protetores braços e ela inalou o aroma daquele homem que se preocupava com ela. — Está cansada, certo? — ele sussurrou. Com essas palavras lhe deu a possibilidade de evitar seu contato, de limitar-se a dormir a seu lado. Entretanto… — Não, estou bem — ela respondeu. Ele soltou suas tranças até que o cabelo caiu sobre seus ombros e tirou a coroa feita com urze e folhas de parreira. — Sente-se — ele pediu levando-a para um banco de madeira. No piso a havia uma bacia com água quente e ela pôde ver a lavanda seca flutuando na água para serenar. Começou a tirar os sapatos, mas Trahern a deteve. — Deixe-me. Ele a descalçou e colocou seus pés na água. Os lavou com uma leve massagem. Morren fechou os olhos e se entregou à delicadeza de seu contato. Verteu água quente pelas panturrilhas e acariciou sua pele como se fosse algo muito prezado. se como um servo. Quando a viu, suas mãos ficaram quietas.

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Sentiu um calor que se apropriava dela e o olhou nos olhos. Estava centrado nela e rebaixando-

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— Não tenha medo de mim, Morren — ele disse lentamente — Não vou exigir nada — pegou um pano e secou os pés — Como disse ontem à noite, nada mudou — acrescentou com um sorriso sereno. Ela não sabia o que tinha esperado, mas não era isso. Então, lhe ocorreu que ele tinha desejado casar-se com Ciara. Estaria pensando nela e no que tinham vivido juntos? — Se não quiser ficar comigo, eu entendo— ela conseguiu dizer com vergonha inclusive de perguntar isso. Ele ficou hesitando, como se escolhesse cuidadosamente as palavras. — Não é o que tinha pensado — ele se sentou na cama e tirou os sapatos — Acho que será melhor que a deixe sozinha. Ela sentiu uma inesperada pontada de frustração. Preparou-se para isso, para confrontar o maior de seus medos. O que menos tinha esperado era que lhe desse as costas. — Muito bem — ela mentiu — Para mim está muito bem. Era tão admirável esperar que ele cedesse ao entusiasmo da paixão que os dois sentiram na noite anterior? Por que se comportava de repente com essa cordialidade? Naquela manhã, ela tinha confessado tudo a Aileen. Tinha liberado os dolorosos pesadelos que levava dentro e si e a curandeira a tinha abraçado com força. Então, Aileen lhe disse que Trahern podia curar estas feridas ninguém via, que se lhe pedia isso, ele não se negaria. Entretanto, tinha-o feito. — Eu a feri, certo? Ele o tinha perguntado com certa pena e isso estava começando a zangá-la. Levantou-se e se aproximou da cama. — Não — antes que ele pudesse dizer algo condescendente, ela disse tudo o que pensava — Queria esquecer o que me fizeram e pensei que você poderia… ajudar-me a superar o medo de… me unir com um homem. Embora não pudesse acreditar no que estava dizendo isso, tampouco podia parar. — Ontem à noite me desejou. Disse-me tudo o que queria me fazer. Ela sentia uma mistura de medo e desejo. Trahern estava olhando-a fixamente como se não soubesse o que dizer ou fazer. Morren, envergonhada, soltou atropeladamente todo o resto. — Já sei que não é um matrimônio duradouro, mas acreditei que, possivelmente, poderia… — ela se calou sentindo-se ridícula — Esqueça o que eu disse. Foi uma má idéia. Trahern, entretanto, não tinha deixado de olhá-la. Ela notou o interesse, mas também alguns sentimentos contraditórios. — Faz muito tempo que não estou com uma mulher. — Ah… Ficou com a boca aberta, mas não lhe ocorreu nada que dizer. — Não importa — ela respondeu com um suspiro e encolhendo os ombros.

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— Não quero que lamente nada — ele acrescentou.

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Morren tentou convencer-se de que era verdade. Que não importava porque, certamente, não teria podido agüentar. Mesmo assim, lamentava-o embora isso fosse inexplicável. — Não me olhe assim. Estou tentando fazer o que é certo. Ele o havia dito em um tom sombrio e ela tentou deixar de lado seus sentimentos feridos. — Eu gostava mais quando não pensava — ela reconheceu — Eu gostei de te beijar. Foi agradável. Ela se sentou na cama ao lado dele. — Agradável? — Trahern perguntou em um tom seco, como se o tivesse ofendido. — Sim… — possivelmente estivesse esperando por outro elogio — Você beija muito bem. Ele a olhou um instante antes de tirar a túnica. Ela pôde ver os músculos do peito e do abdômen. Sentiu uma enorme vontade de tocá-lo, mas se conteve. Decidiu que estava despindo-se para se deitar, e não porque quisesse algo mais. Seu pulso batia acelerado, como um tambor primitivo. Os olhos cinza dele a olharam com atenção e ela corou. A coragem se esfumaçava e desejava não ter dito nada. Para pensar em outra coisa além de seu constrangimento, tirou o vestido e ficou com a regata. O objeto cobria todo o seu corpo, mas se estremeceu quando Trahern a olhou. Julgou que ficaria mais quente quando estivesse debaixo da manta. Entretanto, dormir seria impossível. — Venha, Morren, e eu te darei um beijo de boa noite. Era uma forma de apaziguá-la e, mesmo assim, de fixar uns limites. Antes que ela pudesse dizer algo, os lábios dele roçaram os dela. Foi algo mais que um toque, mas tampouco foi o beijo cativante que a deixou louca na noite anterior. Apoiou-se nele com as mãos em seu peito. Trahern estremeceu e ela afastou as mãos. — Não — ele murmurou pondo outra vez suas mãos no peito — Não houve nada. Ela moveu as mãos hesitante, insegura de si mesma. Entretanto, ele a fascinava com esses músculos duros e a pele suave e quente. Desceu pelo peito e as costelas até a cintura. Trahern deixou escapar um gemido e seu olhar foi abrasador. Tentava-a de uma maneira que não podia entender. Ele se deitou de barriga para baixo lhe dando as costas nuas. — Se deite ao meu lado — ele pediu com um sorriso — Se quiser continuar me acariciando, eu não vou reclamar. Ela vacilou, mas decidiu que ficaria mais cômoda deitada na cama. Ele parecia não ter pressa e se deitou ao seu lado acariciando suas costas com uma mão. Ele estremeceu quando chegou à parte mais baixa. Realmente tinha esse efeito nele? Sentiu-se tentada a saborear sua pele e percorreu com os lábios os lugares que tinha acabado de acariciar. Ele ficou arrepiado. Ela parou e se perguntou o que estava fazendo. Trahern ficou de lado e sua expressão a cativou.

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— Não tem problema se parar — ele voltou a pôr suas mãos nas costas — Eu agüentarei se tiver que fazê-lo.

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O tom brincalhão a tranqüilizou e ela acariciou seus ombros, o pescoço e a cabeça. Ele gemeu e se agarrou ao colchão. Estimulada por sua reação, aliviou-lhe a tensão e os nós do pescoço, mas quando ela passou os lábios pela nuca, ele se virou. Seus olhos cinza se cravaram nos dela, pegou seu pescoço entre as mãos e a cabeleira caiu entre eles. A puxou para cima dele, beijando-a apaixonadamente na boca. O beijo, como uma chuva cálida, derreteu-a e alcançou os cantos mais remotos de seu corpo. Notou que seus seios se endureciam e sensibilizavam. Ele introduziu a mão por debaixo da barra da regata e acariciou suas panturrilhas sem deixar de beijá-la. Embora já o tivesse feito antes, ao lavar seus pés, a sensação se estendeu por todo seu corpo e quando passou a seus acariciar os ombros, não pôde evitar a onda de palpitações que tomou conta dela. — Quero tirar isso— ele disse com a voz rouca — Que Deus tenha piedade de mim porque sei que não deveria. Ela ficou muda pela vergonha e se fez um silêncio sepulcral. — Eu não deveria ter lhe pedido isso. Ele entrelaçou seus dedos com os dela e a olhou um momento como se procurasse por respostas. — Você disse que queria esquecer o que te aconteceu. Ela assentiu com a cabeça. O simples fato de estar ao seu lado despertava seu desejo e não se esqueceu de como tinha conseguido que se liberasse tão intensamente. — Aileen disse… que a melhor maneira de esquecer aquela noite é substituí-la por lembranças melhores e você é o único homem no qual eu confio. Trahern acariciou sua bochecha e colocou uma mecha de cabelo atrás da orelha. — Está certa de que quer fazê-lo? Ela assentiu com a cabeça e tentou dissimular o medo. — Se quiser parar, diga-o, querida. Seus olhos cinza refletiam desejo e algo que ela não entendeu completamente. Embora estivesse aterrorizada pelo que ia acontecer, confiava nele. — Vire-se. Ele obedeceu, levantou-se e ficou olhando para a parede. Morren tirou a regata e se deitou nua, debaixo da manta. Notou a aspereza da lã e sentiu frio pelo medo e a excitação. Fechou os olhos e se dirigiu a ele. — Estou pronta. Sentiu o peso dele no colchão e que se deitava debaixo das mantas com ela. Os pés se tocaram e quando a mão dele roçou seu joelho, percebeu que ele também estava nu. O pânico a deixou petrificada e apertou os dentes quando ele tocou seus ombros.

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— Calma, querida. Fique de barriga para baixo.

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Ela obedeceu e ele a descobriu e acariciou seu pescoço como ela tinha feito. Então, começou a percorrer suas costas com os lábios. A suavidade de sua boca fez com que se lembrasse de que na outra noite havia dito que beijaria cada canto de seu corpo. Ele iria fazê-lo? Estremeceu ao pensá-lo. O que sentiria? Lentamente, ficou de lado e lhe mostrou os seios. Seus olhos se escureceram pelo desejo. — Quero te acariciar, quero te saborear — ele sussurrou. Suas palavras eram embriagadoras e tomou fôlego para preparar-se diante do que se aproximava. Assentiu levemente com a cabeça, mas nada a teria preparado para o que sentiu quando tomou o mamilo endurecido entre o polegar e o indicador. Ele o acariciou delicada e sensualmente e a sensação chegou entre suas coxas. Voltou a estremecer, mas não foi nada comparado com o delicioso calor de sua boca em seu seio. Ele percorreu-lhe o mamilo com língua e ela não pôde evitar apertá-lo contra si. Colocou um seio na boca e o sugou enquanto acariciava o outro mamilo com a mão. A respiração de Morren se acelerou e ela agarrou os curtos cabelos dele. — Seu sabor é igual aos dos frutos mais doces da primavera. Trahern desceu a boca seu ventre. Era como se uma língua de fogo lhe percorresse as coxas e a incendiasse. Agarrou-se ao seu pescoço e tremeu quando ele acariciou seu quadril com a mão. Precisou fazer um esforço imenso para ficar quieta enquanto sua mão percorria os cachos entre suas coxas. Instintivamente, juntou os joelhos. Trahern não protestou, mas também não deixou de lhe acariciar seu ventre. — Nunca desejei a uma mulher tanto como a você — ele reconheceu — Eu adoraria ver você gemer em êxtase. Quero ver seu rosto quando perder a consciência. Ele passou um dedo pela parte superior de suas dobras. Embora não tenha separado em nada as pernas, ficou sobressaltada pela sensação de seu dedo acariciando-a. Entregou-se a sua carícia desejando que alcançasse essa parte dela que derretia. Voltou a tomar o mamilo entre os lábios e ela juntou as coxas. Desesperava-a que necessitasse que a acariciasse em outro lugar e que não estivesse no certo. A carícia rítmica de sua mão se converteu em uma tortura e Morren levantou os quadris para abrir-se para ele, que abaixou um pouco o polegar, não o suficiente para liberá-la, mas quase. Ela voltou a arquear-se e o agarrou pela nuca. — Você esta percebendo? — ele perguntou-lhe em um tom áspero. O rosto de Trahern tinha a intensidade do de um guerreiro no campo de batalha, como se fosse lutar até a morte por ela. — Sim. Ela estremeceu e separou as pernas um pouco mais. Ele correspondeu acariciando sua umidade. Ela ficou atônita ao dar-se conta de que o que queria era sentir aí sua carícia. Não se parecia em nada despertava a mesma sensação perturbadora que sentiu na noite que teve seu joelho entre suas pernas.

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com a noite na qual a agrediram. Trahern estava completamente compenetrado nela e sua mão

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Deixou escapar um grito quando ele encontrou o ponto que ela tinha desejado que encontrasse e se desfez em mil pedaços. Uma onda de estremecimentos ardentes percorreu todo o corpo. Beijou-a e ela se agarrou a ele arrastada pelo prazer. Passou o joelho por cima de seu quadril e notou sua ereção muito perto. Deixou de se mover nesse instante. — Não vai acontecer nada se quiser que eu pare agora — ele a tranqüilizou. Ela queria que parasse porque o que tinha lhe proporcionado era tão maravilhoso, íntimo e prazeroso que queria conservar a lembrança como um tesouro. Entretanto, ele não tinha sentido o mesmo. Estava tenso embora quisesse dissimulá-lo. Ela acariciou-lhe o rosto e se perguntou se atreveria a chegar mais longe. Apoiou a cabeça em seu peito e sentiu a força de seu abraço. Ele acariciou suas costas e quando seus seios se estreitaram contra ele, um calor irresistível que pareceu brotar de suas vísceras. Tinha a perna sobre seu quadril, mas ele ficou de barriga para baixo para não tocá-la com a ereção. Tinha entendido seu medo como nenhum homem não teria feito. Além disso, tinha dado prioridade a suas necessidades sobre as dele. Se ela não seguisse, ele aceitaria, mas queria saber o que era um verdadeiro matrimônio com Trahern. Recordou-se que era um ano e um dia, possivelmente, menos. A idéia de separar-se despedaçou sua alma. Entretanto, essa noite eles tinham um ao outro. Acariciou seu cabelo muito curto e sua mandíbula firme. — Não se oculte de mim. Não aconteceu nada. Era mentira, mas estava disposta a passar por isso. Agüentaria o que fosse porque queria que ele vivesse o mesmo arrebatamento incontrolável. Ele ficou de lado e ela notou sua ereção contra o ventre. Ele mexeu a perna dela para que a ponta roçasse sua entrada. — Devagar — ela lhe pediu. Ele entendeu. Cada segundo pareceu durar uma eternidade, mas quando começou a entrar, ela se contraiu tanto que teve que fazer um esforço para não gritar. — Calma… Beijou-a nos lábios e introduziu a língua enquanto apertava seu corpo contra ela. Utilizou o membro para que reagisse e umedecesse. Voltou a estremecer e foi mais fácil que suas carnes se unissem. Beijou-a e ela se deleitou com a pressão ardente de sua boca. Segurou o seu traseiro e, para surpresa dela, com esse movimento conseguiu entrar plenamente. Trahern não se moveu e a olhou fixamente nos olhos. — Você está bem? — ele perguntou com gotas de suor na testa.

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Ela notou o esforço que estava fazendo para não a machucar. — Sim.

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Não tinha doído nada e, para sua surpresa, gostava de estar unida a ele. Trahern começou a retirar-se e a fricção fez com que ela deixasse escapar um gemido pela sensação de que estivesse acariciando-a por dentro. Tomou novamente um mamilo com a boca e foi como se a beijasse intimamente. Ele voltou a entrar nela. Encheu-a com investidas longas e suaves, mas não estava lhe arrebatando nada nem a utilizando para sua própria satisfação. Ao contrário, estava utilizando seu corpo para que ela gozasse. Voltou a sentir uma necessidade urgente. Cada penetração a excitava e a respiração se entrecortava. — Você se importa se eu fizer isto? Trahern começou a mover-se mais depressa, colocou-a debaixo dele e se apoiou nas duas mãos. A mudança de ritmo fez com que ela se arqueasse. — Mais… — ela sussurrou. Queria que ele sentisse o mesmo que ela estava sentindo. Queria que ele perdesse o sentido e ver o arroubo de prazer refletido em seu rosto. Ele levantou seus joelhos e ela gritou de desejo com cada penetração. Moveu os quadris ao ritmo dele, cada vez mais depressa. Rodeou sua cintura com as pernas para se agarrar a ele enquanto alcançava no mais profundo de seu ser. Percebeu o instante em que ele estremeceu e seu corpo sucumbiu à explosão dentro dela. Com um último ataque, voltou a levá-la até o êxtase e ela tremeu entre seus baços. Estava coberta por seu corpo enorme e só podia abraçá-lo. Sentiu as lágrimas e chorou porque

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ele havia conseguido despertar uma parte de si que tinha perdido.

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Vinte — Está preparada? — perguntou Trahern. — Sim. Morren se agarrou às rédeas de seu cavalo com certa tensão. O vestido cinza que colocou era um que Katla tinha lhe dado e ela tinha arrumado para que ficasse bem. Também se tinha preso o cabelo em uma trança e um capuz cobria sua cabeça. Fazia muito frio e Trahern preferia estar em qualquer lugar ao invés das portas de Gall Tir. Teria preferido muito mais voltar e levá-la para o quarto em Laochre e esquentá-la com sua pele. Durante os três dias posteriores à cerimônia, fizeram amor quase todas as horas da noite e ele dormiu com ela aconchegada contra ele. Entretanto, ele se amaldiçoou toda vez. Nunca quis que este matrimônio fosse outra coisa além de um pacto, mas, à medida que os dias passaram, encontrou-se lutando contra o que estava acontecendo entre eles. Amou uma vez a uma mulher e a morte de Ciara quase o destroçou. O amor o tinha debilitado e tinha criado um monstro, um homem sem alma. Não podia permitir que voltasse a ocorrer. Já tinha deixado que Morren se aproximasse demais dele. Quanto antes ela identificasse a esses homens e voltasse para seu clã, melhor. Ele tinha ido ali para fazer justiça, para vingar a Ciara e aos Ó Reilley e não podia se esquecer de seu objetivo. — Tudo terá terminado dentro de algumas horas — ele tranqüilizou a Morren — Nós os encontraremos e eu a mandarei de volta para Laochre. Ela assentiu com a cabeça, mas estava excepcionalmente pálida e os nódulos de sua mão ficaram brancos enquanto o acompanhava para dentro. Seu irmão, o rei Patrick, encabeçava o grupo rodeado por seus soldados. Ewan e sua esposa Honora cavalgavam ao lado do rei. Trahern agradecia que Honora tivesse ido porque os Hardrata não a conheciam e era uma guerreira muito habilidosa que o ajudaria a proteger Morren. Tinha os nervos tensos como a corda de um arco quando ajudou Morren a desmontar. Ela ficou com o capuz para ocultar o rosto. As sentinelas vikings também estavam tensas porque a presença de soldados de Laochre supunha uma ameaça física. Não era uma visita amigável e eles sabiam. Morren o agarrou pela mão e o procurou com o olhar. Tinha os dedos frios e ele se inclinou para lhe sussurrar no ouvido. — Diga-me se vir alguém ou se quiser partir a qualquer momento. Ewan a levará de volta.

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— Eu prefiro resolver isto.

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Ela caminhou junto a Trahern e um sentinela viking os levou até a casa do chefe, quase no centro do acampamento. Gunnar ficou atrás dos outros e Trahern captou a tensão em seu rosto. Havia algo que o viking não lhe havia dito um motivo para estar ali que não tinha nada a ver com o ataque aos Ó Reilley. Entretanto, não era o momento de perguntar. Antes que chegassem à cabana do chefe, Morren apertou sua mão com tanta força que acreditou que ia quebrar seus dedos. Virou a cabeça para ver o motivo de sua aflição e um homem se afastou apressadamente. Não pôde ver seu rosto, mas se aproximou de seu irmão Ewan. — Siga-o. Ewan tinha talento para escapar-se sem que ninguém percebesse e ele estava certo de que encontraria a esse homem. Ele teria ficado encantado em acompanhá-lo, mas tinha que falar com o chefe. Fez um esforço para manter a paciência quando entraram na moradia. Vigus Hardrata, sobre um estrado, estava sentado em uma poltrona muito trabalhada, que tinha passado de geração em geração. Havia sido feito por Kieran, o avô de Trahern, como um presente para sua irmã Aisling, que tinha se casado com um guerreiro Hardrata. A cadeira também era um aviso dos laços entre eles. O chefe se levantou e convidou Patrick para que se sentasse com ele. — Há algo que vai mal — Vigus começou — Se não, não teria vindo com soldados. Patrick assentiu com a cabeça e fez um sinal a Trahern para que se aproximasse do estrado. Todos os olhares se dirigiram a ele quando pegou a mão de Morren. Ela tirou o capuz para mostrar seu rosto ao chefe. Apesar da expressão serena, ele viu seu medo atroz. Quis tranqüilizá-la com o olhar e lhe dizer que a protegeria. Mesmo assim, não soltou sua mão. — No verão passado, cinco de seus homens atacaram o povoado de minha esposa, Glen Omrigh — ele disse — Queimaram as casas e mataram pessoas inocentes. — Como sabe que foram Hardrata? — chefe perguntou-lhe. — Um dos atacantes voltou para povoado dos Ó Reilley para procurar o resto do pagamento — Trahern afirmou — Antes de morrer ele disse que vivia em Gall Tir. O chefe não se alterou. — Se o que diz é verdade, não os deixaremos impunes — ele se inclinou para frente com as mãos dadas — Entretanto, tem que haver provas. Vigus tinha os olhos azuis e gélidos e o cabelo cinza caía sobre o rosto barbudo. Trahern se recordou de seu tio avô Tharand, um homem sereno que valorizava a honra acima de tudo. Trahern colocou a mão na bolsa que tinha pendurada da cintura, tirou um punhado de moedas e as ofereceu ao chefe. — Muito poucos homens têm moedas como estas. São de um tesouro antigo. Um dos vikings se inclinou para examinar as moedas, sussurrou algo ao ouvido do chefe e a — Um homem pode ter moedas como essas, mas isso não o converte em um assassino.

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expressão deste se escureceu.

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— Temos testemunhas que viram esses homens. Testemunhas que perderam pais e filhos — seguiu Trahern em um tom mais duro — Violaram a mulheres e exigimos justiça. — Por que te mandou o chefe dos Ó Reilley e ele não veio? — Porque está morto e não pode falar por quem também morreu — Trahern respondeu cada vez mais raivoso — Também falo em nome de minha esposa. Fez-se um silêncio muito tenso e seu irmão Patrick interveio. — Como cabeça dos Hardrata, certamente sabe que homens saíram do povoado no verão passado. O chefe assentiu levemente com a cabeça. — Sim, mas têm direito a que lhes pergunte. — Sim. Viemos para presenciar sua confissão — a ameaça de uma guerra pendia sobre suas cabeças como uma espada invisível — Chame-os e que eles digam o que tenham para dizer. O chefe, com expressão de fúria, sussurrou algo a seu servo. — É verdade que alguns de nossos homens partiram para visitar um clã do oeste. Um deles não voltou. Gunnar se aproximou nesse momento e lhe ofereceu uma faca com o punho por frente. — Acredito que pertence ao atacante. Estava ao seu lado. Trahern olhou fixamente a Gunnar. Lembrava que o viking tinha recolhido a faca e era uma prova conclusiva contra o intruso que tinham capturado. O chefe a examinou e sua expressão ficou mais sombria. — Pertencia a Illugi, o homem que não voltou. O rosto de Gunnar mostrou sua satisfação e ele fez um gesto com a cabeça a Trahern para lhe confirmar seu apoio. Trahern agradeceu porque sabia que as moedas não eram uma prova suficiente, mas a prova de Gunnar era inapelável. — Esta tarde julgaremos aos quatro homens — Vigus se levantou — Poderão presenciá-lo se quiserem. Ouviu-se o som de um homem que tentava resistir. Trahern se virou e viu seu irmão Ewan, que se aproximava com o homem que tinha capturado, aquele que Morren tinha identificado antes. — Me solte! — exclamou o viking. Entretanto, ficou congelado quando viu o chefe que o olhava fixamente. Desviou o olhar para os visitantes e se deteve em Morren. Ela levantou o queixo e lhe sustentou o olhar. Olhou-o como se fosse o rosto da morte que desejava que reconhecesse sua culpa. — Ela mente! — o homem defendeu-se — Diga o que disser, eu não lhe fiz nada, Vigus. O chefe não lhe deu atenção e se dirigiu a uns dos servos. fez nenhuma acusação. Proclamou sua culpa ao tentar negá-la. Levem-no.

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— Amarre Brael e que se prepare o julgamento — Vigus olhou com fúria a Brael — A mulher não

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Morren escondeu o rosto no peito de Trahern durante o julgamento. No piso havia carvões em brasa. Um dos homens caiu e confessou sua culpa, o que lhe rendeu o castigo do desterro. Os Hardrata lhe deram as costas como se já não existisse. Ela sentiu um pavor glacial. Iriam deixá-lo partir sem outro castigo? Suas mãos tremeram, mas quando o homem passou junto ao grupo dos Ó Reilley, Aron o agarrou, desembainhou sua faca e cortou seu pescoço antes que alguém pudesse impedi-lo. Aron olhou para Trahern. — Por Ciara. Os Hardrata fingiram não ter visto nada e Morren, espantada, tampou a boca com as mãos. Trahern a abraçou com força. — Pode-se matar a um banido sem que nada aconteça — ele sussurrou em seu ouvido — Por isso os outros não confessaram. Embora Morren não pudesse quase vê-lo, tampouco podia olhar para o outro lado. Um a um, obrigaram os outros atacantes a caminhar sobre as brasas. Seus gritos a aterrorizaram. Era uma prova brutal e se acreditava que Deus protegeria ao inocente. Se um homem não se queimava, ficava livre, mas ela sabia que aqueles homens eram culpados. Alguém cambaleou e caiu. Sua roupa ardeu e ele gritou pedindo ajuda e tentando correr, mas o fogo acabou consumindo-o e parou de gritar. Então, Morren viu que o último a olhava fixamente. Seu rosto tinha estado em todos os seus pesadelos. Foi o primeiro a agredi-la e não tinha o esquecido. Seus olhos gelados a olhavam com ódio. Embora tivesse aceitado o julgamento e o castigo, seu rosto não expressava arrependimento, só sentia raiva porque o tinham capturado. O chefe havia dito que se chamava Egill Hardrata e que era um mercenário que já tinha sofrido outros castigos por delitos menores. Egill não disse nada durante o interrogatório e manteve uma atitude desafiante. Nem ele nem o outro sobrevivente confessaram quem os tinha pagado pelo ataque. Os dois se dirigiram cambaleantes para a porta com os pés queimados pelos carvões. Entretanto, quando Aron o atacou, Egill esquivou do golpe, derrubou-o e tirou sua faca. Foi como se não lhe doessem os pés, como se nada pudesse atravessar a couraça de indiferença que se colocou. Estava anoitecendo. Morren não pôde relaxar nem sequer quando os dois homens já haviam partiram. Era pouco provável que pudessem sobreviver sem comida ou proteção agora que o inverno quase tinha chegado, mas nunca poderia esquecer-se de seus rostos, os rostos de seus pesadelos. Não se tinha dado conta de que estava chorando até que Trahern secou suas lágrimas das bochechas. — Já acabou, querida — ele sussurrou — Não voltarão a te fazer algo. Ela sabia, mas, nesse momento, estava arrasada. — Eu gostaria que pudéssemos partir. — É tarde, Morren. Ewan te levará a Laochre pela manhã.

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Já tinha visto muitas torturas e mortes. Trahern lhe pôs o capuz para protegê-la do frio.

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— E você? Ele havia falado como se não fosse acompanhá-los. A assustou não saber suas intenções. Trahern levou a mão ao punho da espada com o olhar fixo no caminho que tinham tomado os desterrados. — Patrick vai ficar para falar com o chefe — Trahern olhou a Aron, que tinha montado no cavalo para perseguir aos desterrados — Eu tenho que resolver um assunto, querida. — Irei com você — Gunnar se ofereceu. Trahern olhou ao viking e negou com a cabeça. — Não é sua batalha — ele se dirigiu para os cavalos — Aron quer o sangue desses homens e eu não quero que os persiga sozinho. Não via nenhum motivo para que Gunnar os acompanhasse, como também não entendia por que tinha vindo nessa viagem. Trahern parou de repente para sabê-lo. — Nunca me disse por que veio a Gall Tir — disse ao viking. — Tenho meus motivos — Gunnar replicou. — Se quiser vir conosco, terá que contá-lo. O viking o olhou como se pesasse sua decisão. — Levaram a minha mãe — ele confessou por fim — A perdemos quando eu era um menino pequeno. Ela estava me segurando pela mão e, em seguida, a levaram no dorso de um cavalo. Sempre me perguntei o que aconteceu. A buscamos pelos clãs e assentamentos próximos, mas tinha desaparecido. — Você acha que os homens do Gall Tir a levaram. — Nunca soube — Gunnar encolheu os ombros — mas quando vi seu rosto, tive suspeitas. Trahern ficou gelado ao entender o que tinha insinuado. Tinha ouvido a história de Annle sobre a mulher viking que tinha dado a luz a um menino. — Estava grávida quando a levaram — Gunnar reconheceu — Meu pai me contou isso quando fiquei mais velho. Trahern não disse nada e tirou o pendente que Annle lhe tinha dado. Quando viu o peixe, Gunnar o agarrou com uma mão. — Ela adorava o mar. Meu pai o deu de presente. Gunnar tirou um pedaço de pedra de uma dobra de sua túnica, aproximou-o do pendente e as duas partes se encaixaram perfeitamente. — É tudo o que tenho dela — Gunnar lhe devolveu o pendente com uma expressão de resignação — Eu era muito jovem para recordar dela, mas jurei que descobriria o que tinha acontecido, jurei a meu pai.

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— Seu pai ainda está vivo? — Não. Morreu faz uns anos.

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Era desesperador dar-se conta de que nunca conheceria ao homem que lhe tinha dado a vida. Mesmo assim, Gunnar era seu irmão de sangue apesar de terem passado separados quase todas suas vidas. — Nossa mãe morreu ao me dar a luz — Trahern contou com a tristeza de não havê-la conhecido — Entretanto, encontrou refúgio entre os MacEgan. Saraid MacEgan a acolheu. O rosto de Gunnar refletiu seu pesar, mas o aceitou. — O rei sabe? — Não. Eu o direi em seguida, como a meus irm… — Trahern se calou ao dar-se conta de que não podia chamá-los assim — Aos MacEgan. Gunnar montou em seu cavalo. — Se quer saber algo sobre nosso pai, pergunte-me — Gunnar lhe ofereceu com tristeza — Era poeta e contava histórias, assim como você.

Passaram a noite em Gall Tir e embora Trahern havia retornado para dormir, estava muito inquieto. Morren o abraçou para tentar lhe esquentar. — Encontraram Aron? — perguntou-lhe ela. — Sim. Retornou com outros, mas não encontramos a esses dois homens. Seguiam vivos e saber isso lhe tirou o sono. Estreitou-se contra Trahern, mas quando começou a lhe acariciar o ventre, ele segurou sua mão. — Esta noite, não, querida. Era a primeira vez que ele a rechaçava. Alegrou-se de que ele estivesse de costas e não pudesse ver sua humilhação. Seria porque já tinham feito justiça? Estava pensando em deixá-la de lado e devolvê-la ao seu povoado? Sentiu uma opressão no peito e sua garganta secou. Separou-se dele e se virou para tentar dormir. Com quatro palavras, tinha-lhe deixado muito claro que o pacto terminaria muito em breve. Tinha sido uma ingênua em pensar que ele poderia mudar de opinião. Embora Trahern tenha lhe ensinado a não temer o contato com um homem, a idéia de estar com outro lhe parecia errada. Ele era o único homem com o qual se imaginava estar intimamente. As noites anteriores tinham sido apaixonadas e transbordavam de amor, mas a sombra do que não quisesse, mas era o único homem no qual confiava, o único homem que desejava.

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passado não se dissipou completamente. Trahern sufocava seus medos e nunca a obrigava a fazer nada

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Embora o calor de seu corpo a esquentasse essa noite, estava congelada por dentro porque temia perdê-lo.

Trahern partiu com os primeiros raios de luz e Morren estava a caminho de Laochre com Ewan e Honora. Ewan disse que Trahern os alcançaria, mas depois de ter cavalgado duas horas, ainda não sabiam nada dele nem dos outros Ó Reilley. O rei Patrick ficou com seus soldados para falar com o chefe Hardrata e abrir o caminho da paz entre seus povos. Embora ela soubesse que estava a salvo com Ewan e Honora, não deixou de olhar ao redor para procurar por Trahern.

Meia hora depois, começou a nevar e em seguida se formou uma capa branca sobre o chão. Era muito cedo para que nevasse assim e Morren soprou nas mãos para tentar esquentar-se. Ewan os levou para um bosque para proteger-se e se aproximou de Morren. — Prefere voltar ou esperar que passe a tormenta? — ele perguntou-lhe. Ela hesitou. Era mais sensato voltar para Gall Tir, mas não tinha vontade de ir outra vez para esse povoado. — Vamos esperar para ver se a neve para. Ewan deve ter notado sua preocupação porque lhe segurou as rédeas. — Trahern pode cuidar de si mesmo, Morren. Logo se reunirá conosco. Não tema por ele. Morren assentiu levemente com a cabeça embora suas palavras não a tivessem tranqüilizado. Não confiava em Egill. O viking ferido era desumano e não duvidaria em atacá-lo pelas costas se tivesse uma oportunidade. Chegaram a um bosque, mas nevava muito e era impossível fazer uma fogueira. Morren se protegeu debaixo de uma árvore e olhou para o horizonte para procurar um indício de Trahern. Rezou

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em silêncio para que voltasse com ela.

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Ewan e Honora estavam perto do limite do bosque. Ele rodeava a cintura dela com um braço e lhe dizia algo. Honora apoiou a cabeça em seu ombro e o amor brilhou em seu rosto. Morren sentiu uma pontada de inveja misturada com a preocupação por seu marido. Entretanto, preocupava-lhe mais o que aconteceria quando chegassem a Laochre. Ele sempre havia dito que seu matrimônio seria provisório, para conseguir o apoio de seu irmão. Daria por terminada sua união uma vez que se vingou dos vikings? A idéia de ficar em Glen Omrigh lhe dava uma solidão enorme. Ele não a amava como tinha amado Ciara. Embora tivessem feito amor todas as noites desde que se casaram, ela notava a couraça que ele pôs ao redor do coração. Ele fazia amor com ela e lhe ensinava maneiras de gozar com seus corpos, mas logo, deitava-se de lado e desviava o olhar. Ela não sabia o que dizer ou fazer e estava acostumada a enrolar-se até adormecer. Não queria que a deixasse, queria continuar casada com ele, despertar ao seu lado, amá-lo e saber que nunca a abandonaria. Passou a mão pelo ventre. Aileen havia dito que era improvável que voltasse a ter outro filho, que se ficava grávida, certamente o perderia outra vez. Por um instante, permitiu-se sonhar com um filho, com um bebê com o sorriso e a inteligência de Trahern. Entretanto, eram sonhos que nunca se realizariam. Rodeou-se com a capa para afastá-los. Até que, subitamente, perguntou-se por que não lutava por ele. Seria possível? Poderia conquistar o coração de Trahern? Na noite anterior a tinha repelido, mas entendia que poderia derrubar suas defesas se o tentasse com força. Era um homem pelo qual valia a pena lutar. Embora ele não tivesse esquecido seu amor por Ciara, não podia deixar que se afastasse dela sem fazer nada. Tinha que tentar. Fazia mais frio e suas angústias se multiplicaram. Estava certa de que Trahern estava tentando seguir o rastro de Egill e do outro homem. O mais provável era que morreriam pelos ferimentos, encontrasse-os Trahern ou não. Aproximou-se de Ewan e Honora quando olhou para fora do bosque e viu uma mancha no chão. Era sangue. Ainda que não soubesse se era de um homem ou de um animal. — Ewan, você se importaria de ver isto? — perguntou-lhe. Rezou para que não fosse de Trahern. Ewan olhou para a mancha e gritou quando estava a ponto de chegar ao limite do bosque. — Morren! Não continue! — Por quê? Está se afastando de nós e pode ser de Trahern. Ela obedeceu e ficou onde estava, embora temesse que o que podia significar o sangue. — Eu irei olhar. Ewan desembainhou a espada e começou a seguir o rastro e se ouviram umas vozes aos longe.

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— Honora, tome conta dela — ele ordenou a sua esposa — Morren, não saia do bosque.

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Morren estremeceu quando ele saiu a campo aberto, onde qualquer um poderia atacá-lo. Estava inquieta e viu o medo refletido no rosto de Honora, que ia de um lado para outro com a mão no punho de sua espada. Estava nervosa por não poder seguir a Ewan. — Não me acontecerá nada — Morren lhe disse — Vá lhe cobrir as costas. — Mas você… — Ele corre mais perigo que eu. Eu prometo que ficarei entre as árvores. Honora não sabia o que fazer, mas acabou assentindo com a cabeça e desembainhou a espada. — Voltarei em seguida. Morren os observou seguir as pegadas pela ladeira. O vento gélido agitava os ramos e ela se aproximou de uma das árvores para proteger-se. — Matou meu irmão — disse uma voz. Ela se virou e Egill saiu detrás de uma pedra com uma faca na mão. Morren tentou gritar, mas tinha a garganta paralisada. Ewan e Honora não estavam longe, mas ela não podia evitar ao pânico que a asfixiava. Egill se aproximou e ela retrocedeu. — Não terão tempo para ajudá-la. Cortarei seu o pescoço antes que possam mover-se – ele levantou a faca com o rosto crispado pela fúria — Eu o vi queimar-se por suas acusações, cadela maldita. Morren retrocedeu outro passo. Se pudesse sair para a clareira, Ewan a ajudaria. Entretanto, Egill conseguiu agarrá-la pelo braço e a arrastou para si. Sentiu a faca no pescoço. Ia morrer. Lembrou-se de todos os momentos prévios ao ataque, enjoou e sentiu náuseas. Quis resistir, mas estava paralisada. Para Egill Hardrata nada importava exceto vingar seu irmão. Sua rigidez sombria lhe recordou a frieza de Trahern de alguns meses atrás. Então, ela tinha medo de tudo, era uma mulher quebrada e sem nada por dentro. Entretanto, Trahern lhe havia devolvido a força e tinha lhe ensinado a não temer as trevas. Havia tornado a encontrar-se nele, era uma mulher com dignidade. Não ia ser sua vítima outra vez. Lembrou-se das feridas de Egill e o pisou com todas suas forças. Este soltou um grito de dor e moveu sua mão contra seu o pescoço. Morren sentiu o fio da faca e o calor do sangue na pele. Entretanto, voltou a pisá-lo, afugentando seus próprios medos e tomando o controle. Ele não ia arrebatar lhe a vida, nem ela ia morrer sem resistir. Escapou dele e deu um grito que fez com que Ewan e Honora voltassem correndo. Egill se equilibrou sobre ela, mas quando lhe agarrou o punho, Morren se atirou no chão, deu uma volta e encontrou uma pedra com a mão. Ouviu gritos embora não entendesse o que diziam. Viu o brilho de uma faca, golpeou o rosto de Egill com a pedra e ouviu o ruído dos ossos ao quebrar-se. Ele começou a sangrar e caiu no chão. Então, mas seu marido a abraçou e ela se agarrou a ele com tanta força que foi como se fizesse parte dele.

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viu uma faca aparecer nas costas de Egill e a Trahern atrás. Não soube quando tinha chegado nem como,

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— Você está bem?— ele perguntou-lhe em um sussurro — Está sangrando. — Não é nada — Morren limpou o sangue com o xale — Como…? — Eu estava o seguindo— olhou sobriamente ao cadáver — Banido ou não, queria respostas. — O que houve com o outro? — ela perguntou com uma voz tremula — Segue vivo… — Não — Ewan que tinha chegado com a Honora, interveio — Aron se ocupou dele. O que viu na neve era seu rastro — Ewan lhe explicou — Encontrei a Trahern e aos outros ao seguir seu rastro de sangue. Ewan olhou a sua esposa e ela corou. — Não devia ter deixado Morren só — Trahern reprovou olhando zangado para Ewan — Podiam havê-la matado. — Sinto— Honora se desculpou — Foi minha culpa. — Não — Morren rebateu agarrando Trahern pela cintura — Eu disse a Honora que se fosse. Acreditei que não ocorreria nada — acariciou a bochecha de Trahern para tentar sufocar sua irritação — Não sabia que Egill estava escondido entre as árvores. Nenhum de nós sabia. O brilho nos olhos de Trahern lhe indicou que havia algo mais que o preocupava. Gunnar chegou com uma expressão séria. — O que aconteceu? — Morren perguntou. Trahern e Gunnar se olharam. — O outro homem, antes de morrer, confessou quem os contratou para atacar o povoado dos Ó Reilley. — Quem? — perguntou ela temerosa de ouvir a resposta.

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— Katla — Gunnar respondeu com raiva — A esposa de meu irmão.

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Vinte e um Umas horas mais tarde no castelo de Laochre — Temos que voltar — Morren andava de um lado a outro do quarto — Deixei Jilleen com Katla. Trahern notou a angústia e a preocupação dela por sua irmã. — Voltaremos assim que pare de nevar. A nevasca tinha aumentado e ele se alegrou de que tivessem podido chegar ao castelo antes que a tormenta os alcançasse. Ela olhou pela janela com uma expressão de inquietação. — Você acha que é verdade? É possível que Katla tenha feito algo assim? — Não sei. Parece impossível, mas se não fez, como sabia ele seu nome? Katla tinha acolhido aos Ó Reilley sobreviventes e lhes tinha dado proteção e comida. Ela indignou-se com a desconfiança de Trahern e assegurou que sua família era inocente. Ele, entretanto, perguntava-se agora se tudo não teria sido uma farsa. Morren se sentou na cama com uma expressão triste e pensativa e rodeou os joelhos com os braços. — Não posso permitir que aconteça algo a Jilleen. Não devia tê-la deixado. Ele não podia dizer nada para aliviar seu remorso e prometeu para si mesmo que faria o que fosse necessário para resolvê-lo. Então, fixou-se na linha vermelha que tinha no pescoço. Embora o corte fosse leve, se tivesse sido um centímetro mais longo, a teria matado. Ele ficou sem fôlego. Não teria podido suportá-lo. Sentou-se a seu lado, pegou suas mãos e lhe acariciou os dedos. Ela o olhou nos olhos e se espantou com o medo que viu. — Eu prometo que não permitirei que algo aconteça com Jilleen. Ela se apoiou nele, rodeando sua cintura com os braços. — Trahern, quando você tiver me levado para casa… — Morren se calou como se não soubesse terminar a pergunta — Você tem pensado em me deixar? Ela o perguntou em um tom que misturava decepção com resignação. Acreditava que a abandonaria e daria por terminado seu breve matrimônio. Era o que ele tinha proposto. Seu matrimônio tinha sido um pacto para que se fizesse justiça com os atacantes. Uma vez isso conseguido, tinha que devolvê-la para seu povo. Entretanto, não queria deixá-la. As mechas loiras e despenteadas pela cavalgada cobriam seu rosto. Parecia como se acabasse de se, quando ele despertava descoberto porque ela puxou a manta. Ele recuperava a manta e acabavam

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despertar, estava maravilhosamente desalinhada. Lembrou das primeiras manhãs depois de casarem-

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fazendo amor envolto nela. A lembrança lhe apertou as vísceras. Não queria deixá-la, mas também não queria pressioná-la para que se casasse definitivamente. — O que quer você? — ele perguntou sem responder a pergunta dela — Vou ou fico? Ela acariciou sua bochecha e ficou de joelhos ao lado dele. — Hoje tive medo quando partiu. Ela não tinha respondido à pergunta e ele não sabia o que pensar. — Eu me arrependo pelo que fiz — ele se desculpou — Confiei em meu irmão e achei que… Não continuou ao perceber o que havia dito. Ewan não era seu irmão verdadeiro. Gunnar sim o era e não o conhecia. Não sabia nada de sua família de sangue nem de Hoskuld, seu outro irmão, o marido de Katla. Sentiu-se intranqüilo. Havia muitas perguntas sem responder. Muitos segredos sem revelar. Tinha que saber essas respostas e conhecer sua família perdida. Além disso, devia a verdade aos MacEgan. — Ewan continua sendo seu irmão, Trahern — Morren o beijou ligeiramente nos lábios para aliviar suas angústias — Além disso, eu não culpo a ninguém pelo que aconteceu. Em definitivo, você me protegeu. Não o duvidei nem um instante — ela acrescentou com a fé refletida em seus olhos. — Morren, eu não permitirei que alguém lhe faça mal. Ele beijou-a e ela se apertou contra ele como se pudesse fundir sua pele com a dele. — Fique comigo, Trahern. Aconteça o que acontecer — o beijou com força e seguiu em um sussurro — Sei que não sou Ciara… mas não quero que nosso matrimônio termine ainda. Ele se emocionou por saber a coragem que tinha necessitado para dizer isso. — Não é uma substituta de Ciara nem nunca o foi. Beijou-a na boca como se não houvesse dito o que tinha que haver dito, mas lhe demonstrou seus sentimentos com as mãos. Passou os dedos em seu cabelo e acariciou suas têmporas com os polegares, como um cego que estivesse conhecendo seu rosto. — Quando vi aquele viking que queria te matar… - Trahern desceu as mãos pelos seus ombros e seus braços— eu teria morrido em seu lugar, Morren. Teria dado minha vida pela sua. Não quero te deixar. Ficarei enquanto me queira como seu marido. — Casamo-nos na noite de Samhain — ela sorriu — Uma vez me disse que tudo o que acontece naquela noite dura para sempre, lembra-se? Ele sorriu ao lembrar-se da história de Oengus, o filho de Dagda. — Tem razão. Quando ela o atraiu para si para lhe dar outro beijo, Trahern sentiu a necessidade de convertêla em sua, de unir seus corpos. A colocou em cima dele e começou a lutar com sua roupa. Tinha o vestido enredado entre as pernas e não podia desfazer a confusão. Morren começou a rir.

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— Derrotado por um pedaço de lã.

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— Se não poder soltar os cordões, irei cortar-los com a faca — ele assegurou meio a sério e meio brincando. Ela os desatou e tirou a roupa por cima da cabeça. A curva dos seios e a delicadeza da cintura o alcançaram como um murro no estômago. — Quando a olho, fica difícil respirar — ele sussurrou. Percorreu seus seios com a língua. Ela estremeceu e tirou a roupa dele. Quando estavam nus, ele ficou em cima dela. — Você me esquenta — ela murmurou levantando a boca para que a beijasse. — Talvez você possa esquentar outra parte de meu corpo — ele a provocou com a ereção contra seu ventre. Ela estremeceu outra vez, mas sorriu e o beijou antes de abrir-se e deixar escapar um leve gemido quando sentiu sua firmeza contra sua umidade mais íntima. Ele queria deixá-la louca, levá-la mais à frente do limite, que retorcesse de desejo. Endureceu-lhe os mamilos com a língua e ela vibrou de alívio quando a encheu. — Trahern… Agarrou-a pelos quadris e fez amor lentamente, deleitando-se com suas profundidades aveludadas enquanto entrava e saía. — Você acha que poderia… ter outro bebê? As palavras o pararam. Ficou petrificado sem saber o que responder. A idéia não tinha lhe passado pela cabeça. — Achei que Aileen havia dito que era impossível. Morren lhe rodeou a cintura com as pernas para que seguisse. — Não disse que fosse impossível, disse que é improvável — Morren segurou seu rosto entre as mãos — É o que mais eu gostaria. Um medo atroz se apropriou dele e o fez ficar imóvel dentro dela. Sempre tinha acreditado que ela não teria filhos depois do que sangrou e da dor que sofreu. O que aconteceria se ficasse grávida? O que aconteceria se seu próprio filho morresse? Teria que voltar a ver como sofria? Pior ainda, o que aconteceria se ela morresse no parto? Tinha acontecido com a mãe dele. — Não há necessidade de parar — ela sussurrou. Ele captou a desilusão em sua voz, mas não teria podido continuar mesmo que quisesse. Estava muito alterado. — Morren, não — ele se separou dela — Não posso ser o motivo de sua morte. — Não vou morrer. Ela o disse com raiva, sentou-se e se cobriu com a manta.

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— Esteve a ponto de morrer faz uns meses — ele rebateu — Eu estava ali, lembra-se? Eu tive o corpo de seu filho em minhas mãos.

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Ela se encolheu como se tivesse lhe dado uma bofetada, os olhos se encheram de lágrimas e o olhou fixamente. — Trahern, está sendo irracional. — Eu? Eu jurei que nunca te faria mal — ele não pôde evitar a veemência — E eu não o farei. Estive com você porque acreditava que não aconteceria nada. Acreditei que não poderia ter mais filhos. — Eu não sei se posso ou não — ela reconheceu. — E eu não serei o motivo de seu sofrimento. Se quiser um filho, podemos adotar Alanna, a filha do Genevieve, quando for um pouco mais velha. — E vai se torturar com um matrimônio casto? — ela perguntou sem dissimular a irritação e a frustração sexual. — Podemos ter prazer sem… nos unir. — Não é o mesmo. Morren se deitou virada para a parede. Ele a tinha ofendido, mas ele tinha estado ali naquela noite e tinha visto seu sofrimento. Nada teria podido prepará-lo para aquela impotência de não saber se sobreviveria ou não. Não voltaria a passar por isso. Desejava-a e tinha uma excitação incontrolável. Acariciou-lhe o quadril e deslizou os dedos para a fenda entre as pernas. Ela segurou sua mão. — Não, Trahern. Não quero se você não vir. O rechaço o queimou por dentro e ele se virou para olhar para o outro lado do quarto. Lembrouse do que sentiu quando seus corpos estiveram unidos. Tinha sido muito mais que consumar um matrimônio. Era uma maneira de entregar-se a ela e o teria encantado ver seu rosto suavizado pelo prazer. Entretanto, que Deus o perdoasse, mas não podia permitir que ficasse grávida. Não ia lhe causar dor e amargura se podia evitá-lo. Tinha que conseguir que ela o entendesse.

Seu irmão, o rei Patrick, chegou essa tarde apesar da neve. A rainha Isabel estava preocupada e Trahern pediu para reunir-se com ele e outros MacEgan. — Tenho que falar com você e nossos irmãos em privado — ele disse ao rei — Também com Annle se puder organizá-lo. — Acreditei que já tínhamos resolvido o assunto de Gall Tir — Patrick replicou — Ocorreu algo Embora não estivesse esclarecido, Trahern não quis comentar a participação de Katla. Patrick tinha feito tudo o que podia e ele preferia ocupar-se pessoalmente do resto. GRH – Grupo de

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mais?

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— Não se trata disso. — Trata-se de Morren? — Não. É outra coisa. A menção de sua esposa o inquietou porque ela não lhe tinha dirigido a palavra desde a noite anterior. Quando ele tentou conversar, ela respondeu, mas com tristeza e recriminação na voz. — Dentro de uma hora em seu quarto — o rei lhe disse. Trahern teve uma sensação de vazio. Tinha que lhes dizer a verdade sobre sua mãe natural, mas tinha medo de que Annle tivesse se equivocado e que sua confissão fizesse que o considerassem de outra maneira.

Seus irmãos foram chegando de um em um. Connor, Ewan, Patrick e Bevan. Todos eram guerreiros, como ele mesmo. Patrick, o rei daquele território que ponha as necessidades dos outros por cima das próprias. Bevan, um guerreiro discreto cujos atos expressavam muitas vezes o que não dizia com as palavras. Connor, um homem brincalhão que tinha uma mão inutilizada embora não por isso era menos guerreiro. Ewan, o caçula, tinha tido que esforçasse para encontrar um espaço, mas tinha demonstrado seu valor uma e outra vez. Esperavam que falasse e o olhavam como se quisessem lhe transmitir que permaneceriam juntos acontecesse o que acontecesse, como sempre tinham feito. Annle chegou por último. Seu rosto enrugado estava sereno porque sabia para que a tinham chamado. — Conte— Trahern lhe pediu. A anciã curandeira se sentou com as mãos em um joelho e Trahern fechou os punhos quando terminou a história. Rasgava-o por dentro, mas tinha que saber a verdade. — Não sou um de vocês — ele disse por fim — Fui criado como um MacEgan, mas Duncan e Saraid não eram meus pais. Patrick apertou os lábios. — Soube disso faz umas noites e não há disse nada até agora — ele falou em tom de censura e com a autoridade de um rei. Trahern olhou a todos. Entretanto, sempre fomos sinceros e confiamos uns nos outros.

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— Eu poderia ter me calado sobre isso. Se Annle não houvesse dito nada, não o teriam sabido.

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Pareceu como se Bevan fosse falar, mas voltou a fechar a boca. As cicatrizes que lhe sulcavam as bochechas se endureceram e olhou para Ewan. — O que quer que digamos? — perguntou o irmão menor — Quer que lhe expulsemos e que finjamos que todos estes anos não importam? — Não sei o que lhes importa. Só sei que a vida que conhecia era uma mentira. Acreditei que Saraid era minha mãe. — Ela foi — Annle interveio — Foi em todos os sentidos. Amou-o tanto quanto aos outros. — Possivelmente o amasse um pouco mais — Patrick coçou o queixo e Trahern comprovou que tinha alguns fios grisalhos — Quando você arranhava um joelho ou fazia um machucado, ela o consolava e mimava. Mais de uma vez quis te afogar por isso. — Você tentou — Trahern replicou entre risadas. — Todos tentamos nos matar uns aos outros — Bevan acrescentou — Você esqueceu quando Liam nos convenceu de que poderíamos voar se nos concentrávamos o suficiente? — Eu tinha sete anos — Trahern recordou — Era a noite de solstício do verão e tinha vindo os visitar desde minha casa de adoção. Alegrou-se tanto de voltar a ver sua família que passou todo o dia brincando com seus irmãos. — Subimos na árvore mais alta que encontramos — Trahern sentiu uma pontada no coração ao lembrar-se de seu irmão morto — Liam me disse que fechasse os olhos e batesse as asas com os braços tão depressa quanto pudesse. — Você percebeu que era mentira quando se chocou com o terceiro ramo — Bevan comentou com um sorriso — Papai deu uma surra no Liam e mamãe o deixou uma semana comendo papa. Acreditei que nunca o perdoaria. — Eu estive a ponto de não perdoá-lo — Trahern sorriu e olhou para seus irmãos — Quebrei o braço naquele verão. — Foi divertido vê-lo bater as asas — Bevan sorriu — Até você se machucar. — Também me pareceu bastante divertido — Connor reconheceu — Alegrei-me de que saltou primeiro porque depois, mudei de idéia. Trahern compreendeu que havia centenas de histórias que os uniam com o elo inquebrável da fraternidade. — Não importa Trahern — Patrick disse com serenidade — De sangue ou não, foi meu irmão toda minha vida e vai continuar sendo. Então, Annle partiu silenciosamente do quarto e com um ligeiro sorriso. Ela sabia. Manter o segredo de seu nascimento não tinha significado que tivesse enganado aos outros. Seus pais tinham sabido a verdade e não tinha importado. Saraid nunca o tratou de forma diferente. Ele tinha acreditado — Já não sei o que nome usar — Trahern reconheceu — MacEgan ou Dalrata?

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que era um MacEgan porque o criaram como um deles.

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— Você já sabe a resposta — Patrick respondeu — Acha que vamos te dar as costas depois de tantos anos? — Não — Trahern entendeu que seria um insulto para eles se adotava outro nome — Não o fariam. — Perfeito. Assunto resolvido — Ewan se levantou e foi para a porta — Há muita neve e acredito que deveríamos aproveitá-la. Saíram e foi como se voltassem a ser meninos pensando em como divertir-se com a neve. Patrick o deteve antes que fosse com outros. — Você vai levar Morren para sua casa ou vai ficar aqui? — Tenho que voltar com ela — ele respondeu com ar sério — Depois, eu não sei. Ainda sentia os restos do desencontro que tinha tido com Morren. Não podia pensar nisso quando não sabia o que fazer respeito do seu desejo de ter um filho. — É possível que queira ficar algum tempo com os Dalrata no inverno. Poderia ser sensato que quisesse conhecer sua outra família — Patrick lhe aconselhou. — Tem razão — Trahern começou a descer as escadas — Entretanto, acredito que Ewan necessita uma lição de humildade antes. A rainha estava subindo as escadas com sua criada e ouviu a conversa. — Não estará pensando em deixar meu marido encharcado de neve, certo? — Sim, a ele e a outros — Trahern encolheu os ombros — Faremos uma guerra de bolas de neve e quando tiver terminado, você poderá lhe tirar a roupa molhada. Isabel corou. — Então, se apresse — ela sorriu sedutoramente para seu marido — Estarei te esperando. Patrick a olhou com malicia. — Faz quanto tempo que não joga na neve, querida? Ela riu. — Eu vou apontar.

Morren ficou dentro do castelo e observou aos homens que atiravam bolas de neve uns nos outros. Quando viu Trahern entre seus irmãos, sorriu com melancolia. A curandeira colocou um vestido de lã e cobriu a cabeça com o xale. Honora e Isabel já estavam entre os outros e tentavam se esquivar das bolas que lançavam. GRH – Grupo de

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— Venha — a animou Aileen desde detrás dela — Eu vou sair.

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— Não sei se ele quer que eu vá. Depois de como Trahern a tinha rechaçado, não seu aborrecimento passava. Nunca tinha imaginado que pudesse sentir-se tão humilhada. Embora ele tivesse afirmado que era para não pôr em perigo sua vida, ela só podia pensar no vazio que sentiu com ele dormido do lado oposto da cama. — Você é sua esposa — Aileen contestou agasalhando-a com o xale — Claro que deve vir. Será divertido. — Neste momento, está zangado comigo — Morren reconheceu. — Quantas vezes Connor e eu brigamos? Estamos casados há cinco anos e eu não poderia contar quantas discussões que tivemos. Pode ser teimoso como uma mula quando decide que tem razão. Mas estou certa de que pode convencê-lo a sua maneira. Morren seguiu Aileen. — Tem medo de que eu fique grávida. Aileen parou. — Então, trata-se disso… Eu não lhe mentiria e dizendo que não é perigoso, mas sempre há esperança - a curandeira lhe sorriu com ternura — Acredito que te faria bem descarregar sua raiva com uma briga de bolas de neve. Quem sabe lhe dá um pouco de sensatez a tapa. — Não acho que dê resultado. — Se a afastar na cama, tem mais de um motivo para lhe dar uma surra — Aileen se agachou e fez uma bola de neve muito apertada — É uma mulher. A melhor maneira de vingar-se é deixá-lo louco de desejo. — Mas não sei como. A idéia de seduzi-lo, embora a fascinasse, fazia com que se sentisse como uma menina tola de treze anos. Tinha que despir-se e jogar-se em seus braços? — Fuja dele — Aileen explicou — Utilize seu corpo para lhe dizer que pode olhar, mas não tocar. Eu asseguro que irá querer estar contigo ao fim de muito poucas horas. Os homens MacEgan têm sangue ardente. Sei muito bem — ela entregou a bola para Morren — Lhe dê uma boa lição. Morren sorriu para Aileen.

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— Acredito que vou fazê-lo.

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Vinte e dois Uma bola de neve o alcançou na nuca. Trahern se virou disposto a lançar a que tinha preparada, mas quando viu Morren, ficou atônito. — Você…? Não pode terminar a pergunta por que ela atirou outra bola que o atingiu no ombro. — Você fez muito mal, Morren. Ele se aproximou e jogou sua bola contra o ombro dela. Esta estourou com o impacto e a encheu de neve. — Eu não me arrependo nem um pouco. Ela sorriu e ele percebeu que estava aproveitando a briga para liberar a raiva e a frustração. Quando recebeu outra bolada, deu-se a volta e viu Ewan, mas antes que pudesse responder, Morren já tinha estampado uma bola de neve no rosto de Ewan. — Bom disparo — ele murmurou. Ela sorriu com cumplicidade. A briga com seus irmãos seguiu e Morren demonstrou que sua pontaria era tão certeira como tinha comentado uma vez. Embora seus irmãos corressem para tentar esquivar, ela conseguia alcançálos em cheio. Gunnar também se uniu ao grupo e demonstrou que tinha uma pontaria tão boa quanto Morren. Os três se aliaram contra Connor, Aileen, Patrick e Isabel. Ewan e Honora ajudavam cada vez a um grupo.

Depois de quase uma hora, todos estavam empapados e congelados. — Canalha sortudo — Gunnar murmurou — Você ao menos tem uma mulher para esquentar a cama esta noite. Eu dormirei no chão da sala comum com os cães. — Não se preocupe irmão. Se os beijar com carinho, o cão certo poderia aconchegar-se a você. Gunnar o amaldiçoou em viking, mas o significado foi muito claro.

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Trahern lhe deu uma palmada no ombro.

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Morren começou a subir as escadas e Trahern a seguiu. Embora parecesse que estava menos zangada com ele, também não sabia o que, mas lhe dizer. Tinha tentado pensar em argumentos que ela entendesse, em formas racionais de lhe explicar por que não deveriam chegar à intimidade. Entretanto, todas as palavras abandonaram seu cérebro assim que a viu tirando o vestido em um canto do quarto. Ela se movia devagar para tirar a roupa ensopada por cima da cabeça. Em seguida tirou a regata e ficou com as pernas e o traseiro nus. A boca dele secou. Ela passou as mãos pelo cabelo e escorreu as pontas. Quando se virou, tinha os mamilos rodeados de mechas molhadas. Estava tentando matá-lo? Sim, definitivamente. Aproximou-se da cama com passos lentos e seguros e se meteu debaixo da manta. Trahern apertou os dentes, tirou a roupa molhada e a deixou secando. Seus dentes batiam quando se meteu na cama ao lado dela. A necessidade imperiosa de tocá-la, de estar com Morren, tomou conta dele. Tinha o membro rígido e se agarrava com todas suas forças ao colchão. Repentinamente, ela se virou para olhá-lo. Embora estivesse coberta com a manta, sorriu-lhe ligeiramente. — Foi divertido. Tinha sido divertido, mas a ele lhe ocorriam coisas mais divertidas que podiam estar fazendo nesse momento. — Sim — ele reconheceu assentindo com a cabeça. — Patrick disse que amanhã o caminho deve estar desimpedido e poderemos sair para Glen Omrigh. — Sim. Ele não podia dizer mais de uma palavra ou duas. Era uma tortura saber que sua pele suave e nua estava a uns centímetros dele. — Tenho um pouco de frio. Não se importa de me esquentar, não é? Antes que ele pudesse responder, ela se virou e apoiou o traseiro em sua ereção, pegou os braços dele para que a abraçasse e as pontas dos dedos lhe roçaram o contorno do peito. Ele mordeu a língua para não gemer quando ela levantou um pouco o traseiro e deixou seu membro quase entre suas pernas. Se as separava, entraria nela sem nenhuma dificuldade. — Sei o que está fazendo — ele balbuciou — Não dará resultado. — Não sei o que quer dizer — ela replicou — Você mesmo disse que não havia nada de errado em nos dar prazer de outras maneiras. Ela esticou um braço e pegou o ardente membro na mão. Com uma carícia, fez que ele se esquecesse de todos os motivos para não tocá-la. Passou-lhe a perna ao redor do quadril provocando-o claramente. Ele ia protestar, mas o beijo dela o impediu e o calor de sua pele sobrepujou qualquer

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tentativa de controlar-se.

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Necessitava dessa mulher que se converteu em uma parte de si mesmo. Essa tarde, quando ela tinha jogado bolas de neve, esqueceu-se de todas suas desavenças. Só tinha visto uma mulher impressionante com um sorriso contagioso. A mulher que significava tudo para ele. A mulher que amava. — Sinto— ela sussurrou separando os lábios — Não queria que se sentisse incômodo - ela voltou a acariciá-lo entre as pernas e ele não pôde conter o gemido — Se preferir que só nos acariciemos… Começou a beijá-lo pelo pescoço enquanto movia ritmicamente a mão sobre sua ereção. Embora o prazer fosse inegável, queria que ela sentisse o mesmo. Ele acariciou as dobras de sua feminilidade para acender o fogo que a liberaria. Sua respiração oscilou e ela moveu a mão mais depressa. Trahern estremeceu e quando ela se arqueou contra ele entre espasmos, sua semente fluiu em torrentes. Abraçou-a com o coração batendo forte, mas ela tinha razão: não era o mesmo. A incerteza e a solidão mancharam sua satisfação. Era mais prazeroso estar dentro dela com suas pernas entrelaçadas. Entretanto, como ia pôr sua vida em perigo? Simplesmente, não podia. Unir-se com ela era um ato de egoísmo e não estava disposto a deixar que ela corresse esse perigo independentemente do quanto a desejasse.

Demoraram mais de duas semanas para chegar a Glen Omrigh. As tormentas e o frio invernal faziam que viajar fosse quase impossível e tiveram que parar várias vezes nos povoados dos arredores. Morren tinha enfrentado a viagem da melhor maneira que tinha podido, mas durante os dias passados se preocupou tanto com Jilleen que só de pensar nela fazia que se sentisse mal fisicamente. Seu estômago se comprimia e não podia comer quase nada. Quando estavam perto do povoado, Morren se alegrou em comprovar que tinham arado e preparado os campos para plantá-lo na próxima primavera. Se pudessem reunir grão suficiente, possivelmente pudessem voltar a repor lentamente seus mantimentos. Entraram em Glen Omrigh e viu que o povoado estava completamente reconstruído. A fumaça saía das casinhas de pedra com telhado de palha, a muralha estava construída com pedras e viu os rostos dos amigos que os esperavam. Tinha um gosto amargo pelo medo, mas Trahern ficou ao seu lado. Sua presença lhe deu tranqüilidade no meio da turbulência que se apropriou dela. Embora não tivessem feito amor desde que queria. Rezou para que o tempo acabasse com sua decisão.

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estiveram em Laochre, tinha dormido com ela entre seus braços. Era algo, embora não tudo o que ela

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Viu Jilleen falando com um grupo de meninas. Assim que sua irmã a viu, saiu correndo com um sorriso de orelha a orelha. Morren desmontou e abraçou Jilleen. Quis chorar de felicidade por ver sua irmã sã e salva. — Eu estou feliz em te ver. Viu Gunnar e Trahern atrás delas. Os dois, já desmontados, observavam o povoado com expressão cautelosa. — Onde está Katla? — perguntou a Jilleen. — Está lá dentro, com Hoskuld. Estava ajudando-a a fazer sopa — sua irmã respondeu — Quer… quer entrar? — perguntou olhando para Trahern e Gunnar com certa curiosidade. Morren apontou para os dois homens. — Trahern é meu marido. — Eu fico muito feliz — Jilleen sorriu de felicidade — Eu esperava que ele cuidasse de você. Jilleen pegou a mão de Morren e a levou para dentro, seguidas por Trahern e Gunnar. Uma vez lá, o aroma de cordeiro impregnava o ambiente da pequena cabana. Embora devesse ter sido tentador, o aroma, muito forte, fez com que Morren se sentisse pior. — Morren! — Katla exclamou limpando-as mãos no avental — Não esperava vê-la tão cedo. Entre! A recepção calorosa não pareceu falsa e ele fechou a porta quando Trahern e Gunnar já estavam dentro. — Hoskuld está visitando Dagmar, mas voltará logo. Sentem-se e podem comer um pouco deste guisado. Felizmente, tenho bastante para todos. Trahern olhou para Gunnar e tirou uma bolsa da cintura. — Nós viemos para falar com você disto. Pegou algumas das moedas estrangeiras na mão e as mostrou para Katla. A expressão da mulher se alterou e ficou pálida enquanto deixava umas tigelas diante deles. — Eu nunca tinha visto moedas como estas. Ela falou bruscamente e seus olhos delataram sua culpa. Morren não provou do guisado que havia na tigela. Jilleen olhou fixamente para Katla. — São as moedas que encontramos na passagem subterrânea, as que usaram para pagar aos atacantes. Katla voltou a revolver o guisado, embora não parecesse necessitar de seus cuidados. — Ele sabia seu nome — Morren disse em voz baixa — Egill Hardrata falou de você. Katla não se moveu. Golpeou a colher contra a borda da panela, mas não se virou. — Por quê? — Gunnar perguntou aproximando-se e agarrando-a pelo braço — Diga-me por que — O que quer que eu diga? — Katla sussurrou com lágrimas nos olhos.

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ele sabia seu nome!

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— Contratou-os para que destruíram o clã dos Ó Reilley, não é? — Trahern se levantou e se aproximou dela para intimidá-la com seu tamanho — Queimaram suas casas e mataram a pessoas. Por sua culpa, mataram a mulher com a qual eu pensava me casar. Katla cobriu o rosto entre soluços. — Não queria que isso acontecesse. — Então, o que você queria? — Trahern perguntou-lhe num tom implacável. — Fizeram o que queriam. Eu não os paguei para isso — ela insistiu. Estava tão alterada que Morren quase acreditou e tentou outra tática. — Como conheceu esses homens? Eles vivem muito longe. — Na primavera passada eles vieram comercializar — Katla respondeu com a voz entrecortada. — Dagmar…? — Trahern começou a perguntar. — Espera — Morren interrompeu — Deixa-a terminar. Ela, subitamente, lembrou-se de algo que tinha se esquecido durante muitos meses. — Você tinha uma filha, certo? Era da idade de Jilleen? O rosto de Katla se contraiu entre as lágrimas, concordou com a cabeça e cobriu o rosto com as mãos. — Nosso chefe falou com ela um par de vezes — Morren relembrou — Lembro-me de uma vez que alguns de vocês vieram de visita. Ele parecia gostar. Apesar da fúria, percebeu o que tinha feito Katla. — Nosso chefe era muito mais velho que ela, não é? — Morren seguiu em um sussurro — Ele lhe deu mais atenção da que deveria haver lhe dado. — Ele fez-lhe mal — Katla se lamentou — Minha filha não tinha feito nada errado em sua vida. Acabava de voltar da adoção e tínhamos passado muito pouco tempo juntas. Esse bastardo lhe arrebatou a inocência e a ameaçou matá-la se contasse. Entretanto, ela me contou porque sabia que eu o arrumaria — Katla apertou os punhos — Uns dias depois encontrei seu corpo no campo e jurei que o mataria. Seus olhos brilharam com ferocidade e Morren agarrou a mão de Trahern, que conseguiu tranqüilizá-la. — Depois de que Dagmar se reuniu com os supostos comerciantes, me dirigi a eles com umas moedas que tirei de entre as posses de meu avô. Disse-lhes que poderiam encontrar o resto das moedas na passagem subterrânea dos Ó Reilley quando tivessem terminado seu encargo — os soluços a engasgavam — Assim, teriam que ir ali. Entretanto, nunca pensei que fossem matar pessoas inocentes. Agiram por conta própria, queimaram as casas e mataram muitas pessoas — ela se sentou com a cabeça entre as mãos — Pensei em me suicidar quando me inteirei do que tinha acontecido. Entretanto, quem por isso. Não posso me perdoar nem vou pedir que me perdoem.

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iria cuidar de Hoskuld e de nossos filhos? — olhou-os com os olhos avermelhados — Só posso pagar

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Morren se aproximou de Jilleen e a abraçou com força. Em seguida, olhou para Trahern, que tinha uma expressão indecifrável. — Eu acredito em você — ele disse por fim — Não a perdôo, mas entendo o motivo. — Não quero que me desterrem, mas sempre soube que teria que receber algum castigo — Katla reconheceu. Hoskuld voltou nesse momento e Katla empalideceu ao vê-lo. Gunnar explicou ao seu irmão o que tinha havido. — Por que não me contou nada disso? — Hoskuld perguntou-lhe — Sabia quem tinha feito isso a nossa filha e não confiou em mim para que a vingasse? — Só queria te proteger — ela se defendeu — Poderia ter começado uma guerra se tivesse atacado ao chefe. Achei que eu poderia passar despercebida e que os atacantes levariam a culpa se os encontrassem. Tentou jogar-se nos braços de seu marido, mas Hoskuld ficou com os braços ao lado do corpo e com uma fúria evidente. Morren olhou a Trahern para tentar ver sua reação, mas só viu incerteza em seu rosto. — Não devia tê-lo feito — Trahern disse a Katla — Eu quero falar com Gunnar, Hoskuld e o chefe antes que se tome uma decisão. Morren olhou com atenção o rosto avermelhado de Katla. Não era o rosto de uma assassina. Era uma mãe destroçada que quis vingar a morte de sua filha. Além disso, teria que viver o resto de sua vida com o peso do remorso. — Eu acredito — Morren disse para Trahern — Foi culpa de quem nos atacou. Eles decidiram o que destruiriam e pagaram por isso com suas vidas. Não acredito que Katla deva sofrer o mesmo. Trahern assentiu com a cabeça e se dirigiu aos outros homens. — Chamem Dagmar.

No dia seguinte, quando Dagmar chegou, o chefe escutou a confissão de Katla. Uma mistura de fúria e vergonha se refletiu em seu rosto. Depois de deliberar durante várias horas tomaram uma decisão serena. Katla poderia viver, mas teria que ficar entre os Ó Reilley para que nunca esquecesse o que tinha feito. Não diriam a ninguém sua participação desde que pagasse por isso durante o resto de

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sua vida.

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— Trabalhará com eles — Dagmar sentenciou — Se dedicará a reconstruir o que se perdeu e não poderá voltar a viver entre nós — ele se dirigiu a Hoskuld — Eu o faço responsável pela obediência de sua esposa. Era um desterro, mas não uma condenação a morte. Para Trahern pareceu justo e isso aumentou seu respeito por Dagmar. Embora ainda lhe custasse pensar que esses homens eram parentes dele, já não sentia tanta antipatia por eles. Quando saíram da moradia do chefe, Gunnar, seu irmão, voltou-se para ele. — Os Ó Reilley necessitam de um líder. Você não pensa em se unir a eles como chefe? — Não sou um Ó Reilley — Trahern respondeu olhando-o fixamente. — Não, mas muitos Dalrata estão misturando-se com eles. Um homem que pode considerar-se irlandês e viking seria muito representativo. A não ser que te considere incapaz de mandar… Trahern captou a provocação de seu irmão. Nunca tinha lhe passado pela cabeça ser o chefe de um clã porque sempre se considerou um MacEgan. Entretanto, também era Dalrata por nascimento. Era estranho dar-se conta de que tinha duas famílias. Certamente, era o único homem que podia servir de ponte entre as duas partes e as unir. — Se os Dalrata e os Ó Reilley me aceitarem, ficarei. Embora não estivesse seguro de querer aceitar a responsabilidade de ser seu chefe, sim estava seguro de que poderia guiá-los se o escolhessem. — Você vai dizer ao Hoskuld que somos irmãos? — Trahern perguntou-lhe. Ele não havia lhe dito nada porque não sabia como o receberia. — Sim. Ele vai querer saber. É possível que lhe sirva de algum consolo depois do que Katla fez. Era o momento de confrontar a verdade. Trahern olhou nos olhos de Gunnar e se viu refletido neles. Entretanto, não se incomodou, mas sim encontrou a aceitação de sua família de sangue. — Os irmãos deveriam permanecer juntos — ele disse por fim. — Deveriam — Gunnar confirmou apontar com a cabeça para Morren — Além disso, acho que a sua esposa gostará de saber que pode ficar aqui com sua irmã. Uns pensamentos sombrios nublaram a cabeça de Trahern porque seu matrimônio se debilitou durante as últimas semanas. A castidade estava começando a esgotá-los. Embora tivesse dormido com Morren e haviam se tocado de vez em quando, havia um vazio que os afligia. — Já veremos o que pensa Morren — eles caminharam juntos — O que me diz de você? Para onde vai? Gunnar o olhou com uns olhos irreverentes. — Construirei uma cabana aqui e a encherei de mulheres bonitas. Falando de mulheres, acredito que deveria atender à sua.

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Morren tinha se dirigido para eles, mas parou e se apoiou em uma cabana com o rosto pálida. Trahern saiu correndo até ela.

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— O que houve, querida? Ela levou as mãos ao ventre. — Dói Trahern — o olhou nos olhos com uma expressão de terror — Como da outra vez. Dobrou-se ao meio ilustrando claramente a dor que sentia. — Quando teve o último período? — ele perguntou. — Eu não o tive desde antes de nos casarmos. Que Deus tivesse piedade dele, estava esperando um filho. Poderia perdê-lo se não fazia algo

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para ajudá-la. Não havia palavras para expressar o medo que sentiu.

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Vinte e três Trahern a pegou em seus braços e a levou a grandes passos até a cabana mais próxima. Morren tentava agüentar a dor e rezou em silencio pela vida do filho dos dois. Sentou-a no catre e quando ela se deitou, a dor começou há diminuir um pouco. Manteve os joelhos no alto e respirou devagar. Sentiu-se um pouco melhor e não parecia ter sangrado. Entretanto, seu marido parecia a ponto de desmaiar. Seu cabelo escuro e sua barba eram mais grossos, como os de um anjo desumano que a observava do alto. — Já não dói tanto — ela reconheceu — A dor me pegou despreparada. — Desde quando você sabe? — ele perguntou como se acreditasse que ela ia morrer. — Não sabia, sério. Só um período me falhou e isso pode acontecer — Morren pegou sua mão porque necessitava de seu contato — Entretanto, é uma bênção com a qual tinha sonhado. — Eu não vou voltar a te tocar — ele prometeu — Foi minha culpa. Estava tão sério que ela compreendeu que dizia de verdade. — Trahern, era meu maior sonho. Ter um filho do homem que… Calou-se ruborizada. Tinham passado muitas coisas juntos. Ele tinha permanecido ao seu lado nos momentos mais atrozes e nos melhores. Não podia imaginar-se estar com ninguém mais. — Do homem que amo — ela terminou. Trahern se sentou ao seu lado e pegou a mão. — Morren, eu daria tudo para aliviar sua dor. O medo que se refletia em seu rosto indicava o quanto a queria. Ela se sentou e se apoiou nele. — Eu sei. Entretanto, se for verdade que vou ter outra oportunidade de ser mãe, eu o desejo. Ele a tomou entre seus braços e ela captou em seu olhar o medo de perdê-la. — Você me concedeu este presente maravilhoso, Trahern — Morren esboçou um sorriso — Eu lhe agradeço isso. Ele a abraçou com todas as suas forças, como se ela pudesse desaparecer. — Aconteça o que acontecer, eu não irei abandoná-la — ele beijou sua cabeça — Não a abandonarei nunca, aconteça o que acontecer. Eu te amo, Morren. Ela se afastou um pouco para olhá-lo nos olhos. O medo de perder esse filho os unia mais, mas — Não vai me acontecer nada, Trahern.

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ela se aferrava à esperança.

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A dor não era a mesma de quando perdeu o outro filho, era mais parecido com a que tinha durante os períodos. — Eu rezo para que tenha razão — ele a abraçou com força — Posso fazer algo para ajudá-la? Chamo à curandeira? — Não. Eu só quero neste momento é que nosso matrimônio seja como foi antes. Não continuarei vivendo assim. Estamos nos machucando aos dois. A verdade era que ela podia ver a tensão que tinha ao tentar manter-se afastado dela. Todas as noites, entre seus braços, podia notar seu desejo e sentir sua dor. Sabia por que se continha e lhe incomodava saber que era por ela. Ele não disse nada e ela insistiu com a testa apoiada na dele. — Eu preciso de você. Não só espiritualmente, mas também fisicamente. O rosto de Trahern estava contorcido. Debatia-se entre a necessidade de tocá-la e a de mantê-la a salvo. Ela o beijou na boca. — Eu te amo, Trahern e sei que cuidará de nós dois. — Você significa tudo para mim. Ele a beijou como se tivesse medo de que se fizesse em pedacinhos entre seus braços, como se a amasse com cada parte de si mesmo e isso foi o suficiente.

O inverno deu lugar à primavera. As sementes começaram a germinar nos campos e também em Morren. Trahern a vigiava sem descanso. Seu ventre se avolumava um pouco cada mês. Quase deixou de dormir agoniado pela preocupação. Ao chegar o verão, enviou a um homem do clã para procurar Aileen, a esposa de Connor. Se alguém podia ajudar Morren a sobreviver ao parto, era ela. — Tem um aspecto assombroso — Connor comentou quando o viu — É tão horrível ser o chefe dos Ó Reilley? — Não é tão complicado como imaginei. Hoskuld e Gunnar me ajudam. Tinha aceitado o cargo sem pensar muito. Os Ó Reilley sobreviventes se misturaram com alguns Dalrata e o novo clã era uma combinação de tradições. Além disso, seus novos irmãos lhe tinham dado sua opinião, quisesse-a ele ou não. Trahern dissimulou um sorriso ao lembrar-se. — Tiveram mantimentos suficientes para passar o inverno? — Connor perguntou-lhe. um montão de moedas enterradas ali — ele acompanhou seu irmão para a entrada do povoado — Aparentemente, o chefe anterior dos Ó Reilley era o motivo do desentendimento com a abadia. Reunia GRH – Grupo de

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— Sim — Trahern apontou para uma parte dos campos — Faz um par de semanas encontramos

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dízimos entre seus familiares e acusava de cobiça o abade quando ele era quem roubava a seu próprio povo — Trahern fez uma careta de desgosto e sacudiu a cabeça — Eu disse ao abade que os Dalrata tinham roubado os dízimos. — E ele podia manter tudo— Connor concluiu. — Certamente. Embora, pelo menos, encontramos as moedas. Pudemos comprar mais sementes e continuar reconstruindo — eles entraram no povoado e o som das atividades os rodeou — É como tomar conta de uma família muito grande. Você tem que ocupar-se das disputas e de que todo mundo tenha o que precisa. — É como ser pai — Connor comentou em um tom levemente zombador — Acredito que você será um pai muito bom. Trahern tinha tentado não pensar em seu filho. Só queria que sua esposa sobrevivesse ao parto. — Como você agüenta? — ele perguntou de repente — Penso em Morren dando a luz e daria meu braço em troca de que não sofresse dor. — Não vou te enganar — Connor respondeu — Nada no mundo me pôs tão tenso quanto ver Aileen dando a luz. Você pensa em tudo o que pode lhe acontecer, mas quando tem ao bebê nos braços, não sei como, se esquece de todo o resto — seu irmão esboçou um sorriso — É como ter nos braços uma parte do amor que compartilham. Você vê a ela e se vê no rosto do bebê — Connor lhe deu uma palmada nas costas, mas não dissimulou sua emoção — Ela sobreviverá, irmão. Só demora umas horas. — Umas horas? — Trahern perguntou olhando a seu irmão sem saber o que queria dizer. — Sim. Normalmente, o primeiro demora um pouco mais, mas… — Vai dar a luz hoje? Posso saber por que ninguém me diz nada? Quis apagar com um murro o sorriso eloqüente de seu irmão. — Foi melhor, porque se preocuparia muito. Não percebeu que Aileen não se separou de Morren todo o dia? — Estava falando com ela e moendo substâncias medicinais — ele contestou — Nenhuma delas disse algo sobre o bebê estar chegando. Trahern saiu correndo para a cabana que compartilhava com Morren, que estava sentada e respirando lentamente. — Muito bem — a tranqüilizava Aileen. Morren abriu os olhos e sorriu. — Olá, Trahern. — Você pensava em me contar isso ou iria sofrê-lo em silêncio? — Eu não diria que a última dor fosse especialmente silenciosa, mas tampouco queria que se assustasse. A verdade é que vai tudo muito bem.

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Ele olhou com fúria para Aileen.

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— Ela tem razão — Aileen encolheu de ombros — Eu diria que o bebê irá nascer à última hora da tarde… Não prosseguiu porque Morren voltou a fechar os olhos e agarrou com força a manta. Sua respiração acelerou e pôde ver a dor refletida em seu rosto. — Connor, leve o Trahern — Aileen pediu. — Não vou a nenhuma parte. Trahern se aproximou de Morren e acariciou seus ombros para tentar tranqüilizá-la. — Não me toque! — ela exclamou. Aileen riu sem poder evitá-lo. — Não leve como algo pessoal, Trahern, mas quando e está a ponto de dar a luz, o que menos se quer é que um homem a toque. — Perdoa-me — Morren se desculpou. Entretanto, sentiu outra onda de dor e agarrou sua mão com tanta força que ele achou que ia quebrar seu os dedos. — Não voltarei a fazer isto, carinho. Eu prometo que nunca voltará a sofrer esta dor outra vez. Quando ela voltou a abrir os olhos, olhou-o sem dissimular a fúria. — Se eu der a luz um filho saudável, não voltará a me dar as costas, compartilhará a cama comigo quando eu quiser! Connor e Aileen riram e Trahern os olhou com o cenho franzido. — Morren, eu não acredito… Ela sentiu outro arroubo de dor. — Sim, isto foi sua culpa e quando eu tiver me recomposto, vai descobrir. Deixe de ser um santo e seja um maldito marido! A última palavra brotou como uma grosseria porque voltou a sentir dor e Aileen se aproximou para examiná-la. — Não vai demorar tanto como imaginávamos — Aileen anunciou — Trahern me ajude a segurála.

gritos, lhe dizia quanto a amava. Com cada grito de dor, revivia os momentos quando ele levou a mundo seu filho morto. Lembrou-se de como sangrou e como a aliviou que lhe contasse histórias. GRH – Grupo de

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As horas seguintes foram as piores que ele tinha passado. Quando Morren empurrava entre

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Voltou a lhe sussurrar a história de Lugh e a de Dagda. As histórias lhe foram surgindo enquanto lutava com ela para trazer essa vida tão frágil e indefesa. Quando Morren deu a luz ao seu filho, ficou sem palavras. Só sentiu a felicidade mais completa que jamais havia sentido. Aileen deixou ao recém-nascido sobre o abdômen nu de Morren e ele se maravilhou com sua diminuta perfeição. — É maravilhoso e é nosso… — Morren gemeu. Acariciou a cabecinha do bebê transbordando de felicidade e roçou os dedos com seus dedinhos minúsculos. O medo deu lugar ao agradecimento no coração dele, que beijou Morren com delicadeza. Estava impressionado que alguém pudesse ser tão feliz.

Chegou a colheita e o outono tingiu de cores as folhas do bosque. Morren subiu a ladeira para voltar para a cabana dos caçadores. Trahern pegou a seu filho Iain em seus braços quando chegaram ao pequeno monte de terra coberto com pedras. Ela tinha plantado urze e estas tinham florescido durante todo o verão. Ajoelhou-se junto à pequena tumba e rezou por seu filho perdido. Pensou nele e se perguntou se teria sido como Iain. Teria tido os mesmos olhos cinza e essa boquinha delicada como o botão de uma rosa? Morren se levantou com lágrimas agridoces nos olhos. — Eu tenho saudades dele embora não o tenha conhecido. — Ele me levou até você — Trahern disse abraçando-a — É o melhor presente que pôde me dar. Ela o beijou, com Iain dormido entre eles, e ele correspondeu com a intensidade de um homem que a amava mais do que a sua vida. — Vamos para dentro — ela disse — Iain pode dormir e eu vou demonstrar o quanto te amo. Morren abriu a porta e esperou enquanto ele preparava um lugar para que o bebê dormisse. Quando se virou, ela deixou cair o vestido e a regata e abriu os braços. Trahern tirou a roupa e a abraçou. Não fizeram falta as palavras e suas mãos expressaram seus sentimentos, o muito que a amava. Quando os corpos acabaram unindo-se, ela deixou escapar um suspiro. — Eu te amo, Trahern. Ele se moveu lentamente dentro dela, como se a venerasse. — Você é minha, Morren e eu sou seu para sempre. Ela pegou o rosto entre as mãos com o coração cheio de felicidade.

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— Sempre…

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Michelle Willingham «Nasci em Maryland, mas depois de crescer em uma família militar, viajei por todo mundo. Vivi na Tailândia, Alemanha, Inglaterra, Washington, DC, e agora vivo no sul da Virginia com meu marido e os meninos. As

novelas

históricas

foram

sempre minhas favoritas. Comecei a escrever meu primeiro romance, à idade de doze anos, e não parei depois. Fui à escola secundária na nacionalmente reconhecida Thomas Jefferson High School de Ciência e Tecnologia, mas quando desmaiei ao ver sangue, decidi que a carreira de medicina não estava em meu futuro. Depois disso, fui à Universidade de Notre Dame, onde recebi meu título de licenciatura em Inglês. Eu adorei cada minuto dele e prometi que algum dia cumpriria meu sonho de me converter em escritora. Pensei que a edição poderia ser meu caminho, mas aprendi que prefiro a criação de novas histórias que a busca de enganos tipográficos. Fui à escola de pós-graduação na Universidade George Mason e obteve o máster em ensino. Ensinei História e Inglês para estudantes do sexto grau de onze

anos antes de me licenciar para escrever e para criar a meus filhos. Quando viajei para a Irlanda em 1993, senti-me como se estivesse voltando para casa, e cinco de minhas novelas se passam na Irlanda medieval. Realizei uma segunda viagem em 2006 para fins de

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pesquisa.»

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Os Irmãos MacEgan (MacEgan Broters) 01. Her warrior slave (Guerreiro Escravo) 1.5. The Viking’s forbidden Love-slave (Pertence à antologia Pleasurably Undone, História curta vinculada ao Her warrior slave)

02. Her warrior King (Rei Guerreiro) 03. Her Irish warrior – (Guerreiro Guardião)

04. The warrior's touch – (O toque do guerreiro) 04.5. The Warrior's Forbidden Virgin (História curta relacionada com o Taming her Íris warrior)

05. Taming her Irish warrior (Guerreiro Guardião) (Também pertence a Multiserie Undone! 2)

05.5. Pleasured by the Viking (História curta relacionada com Surrender to an Irish warrior)

06. Surrender to an Irish Warrior

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As novelas com .5, são pertencentes a antologias ou que só se publicaram em e-book.

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GÊNERO: Romance Histórico-Medieval Título Original: Surrender Her Irish Warrior Traduzido por: Laura Molina García Editor Original: HQN, 09/2010 © Editorial: Harlequin Ibérica, 04/2011 Coleção: Internacional Nº 478 ISBN: 978-84-671-7307-9 -2Michelle WILLINGHAM

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