Obras Selecionadas - Vol. 9 ( PDFDrive.com )

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MARTINHO LUTERO

Obras Selecionadas Volume9 Interpretação do Novo Testamento Mateus 5-7 1 Coríntios 15 1 Timóteo

Martinho Lutero i@• LIBER UL •• A

Obras Selecionadas

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Volume9 Interpretação do Novo Testamento Mateus 5-7 1 Coríntios 15 1 Timóteo

Dedicatória I ·:sll' volume é dedicado in memoriam ao Prof. Dr. Martim Carlos Warth, que integrou :t ( 't1111issâo Editorial de Obras de Lutero- CEOL- de 1987 até o seu falecimento em

21 de dezembro de 2004.

Comissão Interluterana de Literatura São Leopoldo j

!

Co-Editoras Editora Sinodal Editora Concórdia São Leopoldo Porto Alegre Editora da Ulbra Canoas

2005

Seminário Concórdia Biblioteca 'u111is.wlo Interlutcrana de Literatura, fom1ada pela Igreja Evangélica de Confissão I .ttlt'r:u1:1 no Brasil e pela Igreja Evangélica Luterana do Brasil:

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Caixa Postal 11 93001-970 São Lcopuldo/RS- Te!. (51) 590-2366 Si te: www.lutero.com.br- E-mail: [email protected]

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em co-edição com: EDITORA SINODAL Caixa Postalll 93001-970 São Leopoldo/RS Site: www.editorasinodal.com.br t•: mail: [email protected]

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Jnterluterana de Literatura: Dieter J. Jagnow, Eric P. Nelson, Gerhard Grasel, João A. Müller da Silva, Rony Marquardt e Wilhelm Wachholz

t 'JJjaria, batinas cinzentas, nem a respeito de outros modos de vida ·.IH'' J;ti~;. !\~ora, todo aquele que vive de acordo con1 isso, faz a vontade de r .f

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257

7.22,23

Muteus 5-7

Deus que ele 1nesmo testemunhou. Esses sãos os que têm lugar no céu e nã1) aqueles que abandonaram a Palavra de Deus e que, uão obstante, quiseram servir a Deus com grande seriedade e devoção, a ponto de dizerem duas vezes: "Senhor, Senhor" enquanto nós outros dificilmente o dizemos un1a vez.

1.11, l\t. Aqui temos justamente o contrário. Eles fazetn sinais em seu nome e, 1:rtt

Pois esses sempre são muito mais dedicados e ardorosos em seu serviço a Deus elo que os verdadeiros cristãos. Mas porque fizeram sua própria vontade. que també1n procure1n outro senhor que os ouça e lhes abra o céu. Por isso nos quer ter advertido mais uma vez, que tomemos cuidado e não nos deixL:mos seduzir por esse tipo que apresenta tão grandes e excelentes serviços ti Deus- ainda que fizessem milagres-, rnas que fiquemos com aquilo que ek chama de bom, de modo que tudo cmra e seja feito de acordo com seu mandamento, ainda que não tenha grande aparência nen1 agrade à razfu,, visto que temos a garantia de que nenhum espírito sectário será capaz de ficar nisso, nem poderá ensinar ou produzir um bom fruto, e, sün, somcnlt' idéias próprias saídas de sua própria cabeça. Estes são, pois, os primeiros que Cristo rejeita- os que vêm aí e enche111 o mundo de cultos, conforme profetizou a respeito deles em Mt 24[.5,23,2··11: haverão de vir muitos falsos cristas e profetas e dirão: eis aqui o Cristo! I·:i lo ali!, c seduzirão a muitos. Depois deles vêm outros que não apenas dizt·rrl "Senhor, Senhor", mas que também farão grandes milagres e sinais. É disso que ele fala a seguir.

Muitos me dirâo naquele dia: Senhm; Senhor; não prrdetizamos ('11/ teu nome 1 Não expu/sarnas diabos em teu nome 1 Não fizemos muito.\ feitos em teu nome? Então lhes confessarei: jamais vos conheci. A.fústut vos de mim todos, seus malfeitores. 17.22,231 Esses, sün, são gente grande e excelente. Não obstante, serão esc;llul;l losamente decepcionados c irão para o inferno para sua total surpresa. l'or~. os outros- dos quais falou anteriormente- vão ao inferno como bons t•t·tt· •. dizendo: e nós não seríamos salvos? Afinal, pregamos em teu nome e J'r;t· mos tantos milagres. Que estaria acontecendo que aqueles que Lrl.l'IJI srn'"'• e milagres, e isso em nome de Cristo, são, não obstante, contados cntt"t· o·, falsos cristãos e entre a malvada gente condenada? Sempre pensei 11 tpw tan1bén1 é verdade- que Deus não dá sinais nem testemunho p;lLt t'tltilu mar a mentira, como também o diz Moisés em Dt I X1.20-221: Sl' 11111 f li "ki.J ousar falar em meu nome quando não lho ordenei, tu poderüs di;t·t t·tn 11·n coração: como posso sahcr que palavra I S2L~] Dc11s n:'to L dou'! I Nt·:;!c 1 .l'.t' ohserva o SC!-!,uintc:] se Hlll prolda fab l'tll tlonw du St•tJilnl' t' n:td;t :tt'nnlt·t 1 e não SL' n:;llit:l ]o qttl' cll· proJdiJnll] c:-;!;tl; ;l p:tlavr;t qttt• o St·rrltot tt,ltl

1hstantc, são gente falsa e má. primeiro lugar, uma das respostas poderia ser que ant~riormet~te eles , 1.1rtt cristãos verdadeiros que pronunciaran1 sennões legítimos e fizeram 111.11:;, mas que depois se afastaram. Pois isso é o molesto diabo, contra o , 1 ,~.!1 ,'-)_Paulo também adverte seus coríntios 22 '~. Quando um cristão con:_eça , \(·r,Ther que é algo mais do que os outros e que tem uma compreensao ~ 1 d H ·tloria especial, e que tem outros dons, ele começa a agradar-se a SJ ,,,, ·.111o'' 11 e se torna arrogante e torna-se o tipo de pessoa que debulha os ,.,_,11'. dt) cereal e deixa somente a casca vazia. Não obstante, acha que é 1,, ,l.,·;,r c que tudo está bem com ele. Sempre houve e ainda há muita ,., ,Jl,· dt~sse tipo. Pois é especialmente perigoso para um ser hum~no se 1 ,, ,,.,o dota com sublimes e excelentes dons, pois corre grande pengo de , '"'11ar arrogante e de perder a humildade. A propósito disso conta-se , 1 ·•r1inle história a respeito de um velho Pai no deserto que tmha o 231 • , , "ri dom de expulsar demônios e que ajudou a muita gente, de 1 ,,, • .,In que todo mundo corria atrás dele e o consideravam quase como 11111 d,·,rs. Aí também lhe sobreveio a tentação da vã glória e quando se .1. ,, , nrlLt disso, pediu a Deus que o preservasse e que não o deixasse , 111 ILI ;rrrogância. Então Deus permitiu que fosse possuído e torturado .. o~ 11r1r tkmônio durante quatro semanas, de n1odo que perdeu toda sua 1 1 1111.1 ~.·todo mundo dizia: aí est:i. Ele ajudou a outras pessoas e agora~ ele , 1 1 .11 c 11~ío consegue ajudar a si tncstno. Assün se livrou da tentaçao e ,, 1r11.1rliTl"ll humilde. Conto esse exemplo para 1nostrar o quanto é peri1 ' ,, _,, IHI>..c>ttir grandes e sublimes dons e como a arrogância se~pre ~uer , .,. 1 ,·.l.tr sv neles, como também se pode verificar em ordinánas co1sas ,, ''""''·a lê mesmo, no bastão de mendigo, de bens e domínio tempo, ,,. 1 r11 n·sumo os dons de Deus são de tão elevada nobreza, nós, po,, 111 ·.llfrl()s tão i'mundos que não podemos de outra maneira, quando os , 111 rnH ,c,, !t•nws que tornar-nos arrogantes e insolentes, e vice-versa, de, I" r .1n1os quando não os temos. 1·.-.1, :1 IJteu ver, seria uma resposta, mas não é disso que queremos 11 11.11 ·"llrt, l·1nhora fosse correto fazê-lo. A interpretação correta aqui é ,I"' , 1,· ,... ~;, falando de falsa profecia e falsos milagres, conforme també_:n , 1 1 , " ' ~ 11 .'·IJ.'i J: haverão de surgir falsos cristas e falsos profetas e farao , ,,,,t,., ',1r1ais t• milagres, para seduzir ao erro, se possível, mclus1ve os , 1. ,,,, .. 1 .~ l'aullldÍ!.c!ll2 Ts2J.ls.l arespeitodoanticristoqueelevem ,111 1111 r1!1 ,,: ptH h-r\'S, si na i s c mi 1agres enganosos e com todo tipo de rnenI LI•, 1

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I'• I l'i!l!illll.f',lllo>/,'.':1!1 ..\ot''"'· porém, quer nos despertar e nos fortalecer por meio dessa bela 1•1 lllll'.ssa. para que não nos importemos com a ingratidão, o ódio, a inveja e ~~ dt ·•;prL'/.o do mundo, [542] e, sim, olhemos para ele que diz: eu sou teu I h·tls Sl' o lllliiHio não quer agradecer-te c te tira honra, bens, corpo e vida, ll'.ltl a tt· c til 1\Úill L' L·onsola-tc com o fato de cu ainda possuir um céu c, llt'lt·. l:tnlos hL'lls ~t·.•c lt·r;lr seu Cristo mais do que isso? Mes1no assim, realmente aconteceu 'I' f' o qu~rido apóstolo teve que passar por isso com seus alunos, vendo e

, ,,,,''"I'' em sua própria paróquia ou bispado, muito lhe machucando o co' ''· .111. 11;u 1conseguindo impedi-lo, com exceção do pequeno grupo autêntico

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i 1'''1"'• que são pregadores e sobem no púlpito depois de S. Paulo e, no lug11r dck. regem a cristandade. Quando esses abrem sua boca infame, [48511'"'1'""')1' isso no meio do povo, eles causam o dano terrível, principalmente qua1Hit1 ~ir trata de pessoas cultas e muito sensatas. Contanto que os pregadorL·s """''"' na linha e a doutrina seja preservada, Deus dará a graça para LJlll'. nw~1111• assün, sempre haja alguns no meio do povo que o aceitam. Pois ond1· 11 Palavra estiver pura, ela não deixa de produzir frutos. Foi por essa razão que eu admoestei tantas vezes e continuo :ulnlot·~,lilll do a que, quem queira ser salvo, peça com todo empenho que I k11s ""'· ti•' (como o próprio Cristo manda orar) trabalhadores fiéis e prc~atlm,·s '·"" ,. ros que se atenham à Palavraw. Se Deus quiser, não havcrü l";llta ld,-J.-•,1. pois o púlpito pode e precisa, sozinho, manter puros o BatisnHJ, teve início e ganhou espaço por nosso intermédio. Portanto, estão es11 .tgando aquilo que nós semeamos e ensinan1os legitimamente. Com isso, quei ( ·tlt ser nossos mestres e fazer tudo melhor, quando, na verdade, sem nós, ••·1r:1m aprendido sequer uma palavra a respeito. Da mesma forma, também ' I·· I Paulo] teve que sofrer a experiência dentre seus alunos: assim que ele se .« '""ntou, apareceram alguns que se julgavam muito mais inteligentes e instrulllt )s, querendo reformar e con·igir tudo, como se o seu Evangelho nada fosse, 'pr:«Hio, na verdade, sob o nome do Evangelho, eles estavam invertendo tudo e I" >I ando [tudo] a perder, apenas levando as pessoas ao mau caminho. i\ lém disso, (continua ele) vocês sabem que não apenas o Evangelho lhes 1(11 proclamado pela primeira vez por 1neu intermédio, mas que ele veio a 1, ·C·s, não sem frutos nem ficou apenas com vocês. Pois, peJa graça de vocês o acolheram como Evangelho autêntico, reconhecendo ser a ~-~·t dade genuína, recebendo, por seu intermédio, a graça e o Espírito de 11,.,,, crendo de todo coração em Cristo. Além disso, o fato de tantos dentre 1 , ft ·t ·s ainda sere1n cristãos ocorre apenas por meio do mesmo Evangelho qtw receberam de mim; e não só isso: por meio dele, vocês também são ·.. ri vs. Por isso deveriam perseverar nele e não ficar boquiabertos, deixando .J, .. ,vi:rr o seu olhar para outra coisa por causa de outros [489] que os levam .< .J,·sprczar a minha pregação, como se ela nada fosse e como se pudessem [lll'f'.ar muito melhor. l'ois, mesmo que nada mais tivessem, considerem os frutos, aquilo que nH"tl I ~vangelho cria entre vocês, e cmnparem com aquilo que eles ensinam, ·.1· ,., Htseguem dar-lhes algo melhor; então, necessariamente, perceberão que, I"'' 111cio do meu Evangelho, vocês se tomaram cristãos; nele, vocês foram ll,t!tt.ados e creram, encontrando-se na mesma fé e, nela, necessariamente, · .. ti) .salvos. Isso eles não conseguiram realizar com a sua pregação e nem 1u (( lt"tJJ fazê-lo, pois não conseguem apresentar outro Evangelho que consiga tll.tl'> (1t) que o 1neu conseguiu e ainda consegue. E, se quisessem seguir a um I'I''I'.;Hhlr do Evangelho, deveriam, muito antes, seguir a mim, que fui o pri11·;am

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O provérbio "recompensar alguém como o carrasco a seu servo" significa rehibuir com escárnio e desprezo. No original:jnn di e spiess lat!fen. A expressão refere-se a uma forma de tortura e execução da época, aplicada, especialmente, a prisioneiros de guerra e desertores. Por dias sucessivos, o condenado era posto em meio a lanceiros, que o estocavam com suas armas, produzindo grande sofrimento que, na maioria dos casos. só findava com a morte. Assim consta no texto original. Omite-se, aqui, wm den tndtcn- "dos mortos", conforme acima, p. 288,12.

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coisa que fortaleça e alivie nosso coração, para que este não encare outra coisa senão a miserável e lamentável situação. Isso acontece, exclusivamente, mediante esta pregação, pois somos batizados e chamados e ouvimos o Evangelho não para [ver] como ficamos ricos, como obtemos e preservamos bens e prestígio, o que deve ficar a cargo da atividade e do ensinamento dos juristas, nem como comemos e bebemos, o que deve ficar a cargo dos nossos pais, nem como se deve governar e proteger o país e a sua gente, o que compete aos mandatários e príncipes, e, sim, que voltemos nosso coração para outra vida e existência, ainda não disponíveis, mas que virão, com certeza. Por isso Paulo diz, agora: sejamos miseráveis como nenhuma outra pessoa sobre a terra, fiquemos intimidados e abatidos o quanto se pode ficar intimidado e abatido, deixem a morte e o inferno e todo infortúnio serem tão malignos quanto puderem ser; só que, agora, [545] Cristo ressuscitou, não do sono, diz ele, mas da morte, pois ele morreu e esteve entenado tanto quanto outros, mas ressurgiu vivo da cova em que esteve enterrado, tendo estrangulado e devorado o diabo e a morte que o tinham devorado; dilacerou seu ventre e sua goela infernal, subindo aos céus, onde, agora, está sentado em vida e glória eternas. Este deverá ser nosso consolo e baluarte, pois no nome dele fomos batizados, ouvimos e confessamos sua Palavra, por causa dele nos chamamos de cristãos e em função dele sofremos todo infortúnio e at1ição do diabo. Pois, a intenção deste não é contra nós, mas contra ele próprio [Cristo] e seu Reino, ao qual ele é hostil; busca destmí-lo, destratando-nos e cansando-nos com perseguição, tormento e sufoco, para que o larguemos. Oponhamo-nos, entretanto, a ele, tranqüilamente, dizendo: não, diabo infame e nojento, não farás tanta maldade para que eu largue o Batismo e o nome do meu Senhor por tua causa! Podes resistir furiosamente com teu fogo, água, morte, pestilência e infemo. Assim, podemos nós resistir com este Senhor que é Cristo, que te superou e, por sua vez, te pode sufocar e lançar, eternamente, ao inferno, como, de fato, o fará, arrancando-nos vivos da tua goela. Por isso, devora-nos, se puderes, ou escorraça-nos para a goela da morte. Mas logo verás e sentirás o que fizeste e nós é que vamos fazer um tumulto na tua barriga e abrir um caminho por entre as tuas costelas, de forma que preferirias ter engolido uma tone, ou mesmo, uma t1oresta inteira. Pois, antes, também devoraste e levaste para debaixo da tena alguém que foi muito forte para ti e tiveste que devolvê-lo com o maior vexame, ainda que resistisses e xingasses: "Ele [546] ajudou a outros, agora ele ajude a si próprio" [Mt 27.42], etc. Mas, agora, ele resiste novamente a ti e se tornou a tua morte e inferno e, não demora, por Ineio de nós, ele te derrubará totalmente no dia [do juízo] final. Ora. dirás, para Cristo é fácil resistir ao diabo e à morte, porque está sei! lado lá em cima. de modo que ninguém pode atingi-lo. Mas que ganho eu .\.1.1

v v. 20,21

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com isso'! Ou como entro eu nesta ilistúria? Fico de fora e, agora, ele me

quer indicar que se deve considerar e entender a ressu~reição co~o se ela jú

deixa preso em poder do diabo e da morte? S. Paulo responde muito bem com uma palavra, ao dizer: "Cristo ressuscitou dos mortos, tendo-se tornado as primícias dentre aqueles que estão dormindo" [1 Co 15.20]. Com o termo "primícias", ele dá a entender que ele [Cristo] não está sozinho, mas outros se seguirão. Tu não deves encarar esse homem de tal maneira como se ele

tivesse iniciado em Cristo, já tendo, inclusive, decomdo em ma2s do que a metade, de modo que aquilo que, ainda, está presente da morte r:ao deve ser considerado mais do que um sono profundo e, com a ressurrerçao futura do nosso corpo não sucederá diferente do que com alguém que acorda, repentinamente, desse sono. [548] Pois o principal e melhor já ocorreu, ou seja, que Cristo, nosso cabeça, ressuscitou; mas como a cabeça está em cima e vive, uão há mais problema e nós, que a ele arnda estamos presos, necessa-

tivesse ressuscitado, exclusivamente, para sua própria pessoa, pois isso seria

um consolo precário, caso não tivesse continuidade, e não nos adiantaria mais do que se ele jamais tivesse encarnado. Acontece que ele não teria tido necessidade alguma de morrer para si próprio, porque nasceu sem pecado; e o diabo não tinha direito sobre ele, além de ser ele o Senhor do diabo e da morte, de modo que não precisaria atacá-lo e poderia resistir muito bem a ele, se este quisesse lhe entortar um fio de cabelo sequer, assim, como ele rebateu os judeus, no jardim, com uma única palavra: "Aqui estou" [Jo J8.5]. Ao invés, é preciso encará-lo da se-

riamente, também seguiremos como seu corpo e membros. Pms aonde _a

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humanos e de todos os animais: a cabeça aparece primeiro e, uma vez nas-

cida esta, todo o corpo acompanha com facilidade. Então, como Cristo atravessou e, lá em cima, no céu, reina sobre pecado, morte~ d1~bo e ~udo m.ms, tendo feito isso em função de nós, para nos levar para sr, nao mars precrs~­ mos nos preocupar com a ressurrejção nem com a nossa vHJa, am~a 9ue n~s passemos e apodreçamos debaixo da terra. Isso, porque, agora, nao e ccmsr: derado mais do que um sono e, para ele, trata-se apenas de uma nmte ate

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guinte maneira: essa morte e ressurreição valem para mün e para ti; e assim

como ele morreu e esteve enterrado em função de nós, como tu e eu morremos e temos que ir para debaixo da terra, ele também ressuscitou por nossa causa e fez conosco a seguinte permuta: assim como ele [547] foi levado à morte por nós, nós, por meio dele, voltamos da morte para a vida. Pois, mediante sua morte, ele tragou a nossa morte, de modo que nós também

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ressuscitemos todos e vivamos, assim corno ele ressuscitou e vive. Por isso, ele se chama, com razão, de primitiae, primícias dentre os mortos, no senti-

do de que ele segue na frente, conduzindo atrás de si todo o povo. Pois quando se fala de "primeiro", é preciso que haja mais do que uma pessoa, é preciso subentender os que se seguem, o segundo, o terceiro e, assim por diante, todos interligados, tantos quantos são os que estão dormindo. Caso contrário, ele não poderia ser chamado de primeiro, se tivesse ressuscitado sozinho e ninguém lhe sucedesse. Observe que aqueles que ressuscitarão após Cristo, ele não quer cbamar de mortos, mas denomina [Cristo] de primícias dentre os que dormem. A respeito de Cristo, porém, ele diz que ele ressuscitou não do sono, mas dos mortos; pois aquilo que antes, sem Cristo, era, autenticamente, morte eterna, agora, depois que Cristo passou pela morte e ressuscitou, deixou de ser morte, tornou-se mero sono, de modo que os cristãos enterrados são chamados não de mortos, mas de "os que dormem", na qualidade daqueles que, com certeza, também ressuscitarão. Pois "dormir" diz-se daqueles que estão deitados e que voltarão a despertar e a levantar-se e não, daqueles [que estão] deitados dos quais não há esperança de que voltem a levantar; destes não se diz que estão dormindo, mas que são cadáveres mortos, de modo que, justamente, na palavra "dormir" a Escritura indica a ressurreição futura. E mais: ao chamar Cristo de primicias dentre os que estão dormindo, ele 334

cabeça vai e [omle ela] fica, também o corpo, com todos os membros, precrsa ir e ficar, da mesma forma, como [acontece] no nascrmento dos seres

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nos despertar do sono. . "' . Se então, eu sei isso e nisso creio, meu coração ou consc1encm e alma

também já passaram pela morte e sepultura, estão com Cristo no céu, vivendo e alegrando-se por isso; já têm, portanto, as ct.uas melhores cmsas_e mats que a metade da ressurreição. E, como ele vrvrhca e renova o coraçao pela fé, ele, certamente, também arrastará o cadáver apodrecrdo, vestmdo-lhe, novamente, o traje, de modo que o vejamos diante dos nossos olbos e com ele vivamos. Pois esta é sua Palavra e obra nas qums estamos batizados, vivemos e morremos. Por isso, com certeza, não nos falhará, assim como

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não falbou com ele. Tanto faz quando e como Deus dê que morramos, seja na cama ou no fogo, na água, na corda ou pela espada; o diabo, como carn~­ ceiro e mestre da morte, cuidará do seu ofício e de como nos estrangulara, de modo que não precisamos escolher urna morte. [549] Mas seja ~ como ele nos executará, não nos prejudicará. Ele poderá dar-nos uma poçaozmha ácida como se dá aos que se quer fazer dornair, para que nã~ smtam mats [nada]. Nós, porém, queremos despertar novamente e ressurgrr naquele dra em que a trombeta soará, isso ele não impedirá, porque já, ago~a, en_r Cnsto, saímos da morte em mais que a metade, de modo que ele tambem nao poderá ficar com a pobre pança ou saco de vermes. Eis a maneira como precisamos aprender a encarar noss~ tesour~o, largando as coisas temporais que estão di~nte ~os olhos ~ sentidos, _nao nos deixando intimidar pela morte e outros mfortumos, mrsena e afhçoes, nem levando em consideração o que o mundo tem e consegue, mas contrapondo o que somos e temos em Cristo. Nossa confiança baseia-se em que ele 335

1 Coríntios 15 ressuscitou e, com ele, já temos a vida e não mais nos encontramos em poder da morte. Por isso, deixe o mundo ser louco e desmiolado com sua insistência e teimosia por seu dinheiro e bens e deixe o diabo esbravejar com suas flechas envenenadas na [nossa] consciência, ainda nos aplicando toda sorte de tormento. Contra isso, nossa única jactância e obstinação deverá ser o fato de que ele é "nossas primícias" e iniciou a ressurreição, irrompendo pelo império do diabo, do inferno e da morte, não mais morreudo e dormindo, mas reinando e governando lá em cima, eternamente, para que ele nos ajude a sair também desse cárcere e morte. Nas primícias, deverão estar todo nosso dinheiro, nossos bens e tudo mais; nisso é que precisamos insistir, num lugar em que nem o diabo, nem o mundo conseguem chegar. Por que vamos, então, nos intimidar e desanimar, ainda que o diabo apareça diante de nós e pareça querer tirar-nos tudo, estrangulando nossa esposa e filhos, torturando o coração com toda sorte de aflição e desânimo, finalmente, também, destruindo nosso corpo, acreditando que, assim, tenha tirado tudo de nós? Com isso, ele, nem de longe, ainda o conseguiu; o corpo e a vida ele pode nos tirar agora, porque nos encontramos aqui em seu albergue, onde ele nada faz senão estrangular e assassinar diariamente, feito um carrasco [550] ou açougueiro num estábulo cheio de ovelhas. E como consumimos nessa pensão, também precisamos pagar-lhe. Ele não dá outra comida senão pestilência e toda sorte de doença, não nos dá outro vinho ou bebida senão puro veneno. Por isso, não precisamos esperar outra coisa senão que ele nos encha com isso e, em seguida, nos abata e tire o couro. Mas, se já fez tudo isso, ele, com essas medidas, nada nos tirou, pois isso não é nosso patrimônio nem nosso tesouro que temos como cristãos, da forma como o mundo [o] busca e possui nessa vida na terra; e, sim, já o temos resguardado dele, para que ele não o tire de nós nesse que é as primícias dos mortos, assentado lá em cima, saído do antro de assassinos, tendo levado consigo nossa vida e tudo o mais. Nisso insistimos e, ainda, caçoamos do diabo, dizendo: já que tens tanta vontade de devorar a nós, cristãos, e acreditas obter um belo naco, fica estrangulando e matando, assando e devorandonos por inteiro, mas começa por trás, pois, então, terás a mostarda e o molho de aperitivo! Porém, que mais terás quando nos tiveres devorado totalmente? Com isso, ainda nem de longe terás satisfeito tua fome insaciável, pois não encontrarás o que buscas e desejas, que é nosso melhor e maior quinhão, sim, toda a nossa vida e tesouro, qual seja, este artigo da ressurreição em Cristo. Com isso, nós já escapamos dos teus dentes e estamos colocados muito alto, pois o tesouro não está conosco (caso contrário já o terias abocanhado), mas está lá em cima, em Cristo, onde- gostes ou não- hás de deixá-lo incólume. Que mal nos faz que, agora, nos estrangules fisicamente? Pois, com isso, nada consegues a não ser ajudar esse miserável saco de vermes a sair da miséria para, também, chegar ali onde deve chegar, onde

vv. 20,21

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15

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está o cabeça, o coração e tudo o mais, fora de todo infortúnio, o que esperamos e desejamos diariamente. Então verás e sentirás o que devoraste e ninguém sentirá o amargo senão tu, sozinho, porque terás que engolir e beber, novamente, tu próprio, a pestilência e o veneno que nos deste, e isso te dilacerará a goela e a barriga, acabando com teu desvario! É assim que precisamos nos defender e resistir a todo terror do incômodo inimigo, porque ele não sabe fazer outra coisa senão aplicar-nos todo o tormento e [551] a amargura, para tirar dos nossos olhos e corações esse artigo e as primícias, Cristo, para que não lembremos quem somos, o que temos e como nos chamamos. Assim, S. Paulo comprovou, então, que a ressurreição de Cristo é a causa de nós, também, termos que ressuscitar; isso, ele, agora, explica melhor, usando uma analogia, quando diz: "Por meio de uma pessoa vem a morte e, através de uma pessoa, a ressurreição dos mortos" [I Co 15.21], ou seja: da mesma forma como Adão é o início e as primícias, pelo qual todos temos que morrer, assim como ele morreu, assim, Cristo é as primícias pelo qual nós

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todos ressuscitaremos para nova vida, como ele ressuscitou por primeiro.

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Pois essas são as duas pessoas e duas imagens que a Escritura contrapõe; e Deus o ordenou de tal maneira que, como por meio de um a morte sobreveio a todos e, assim continua, por meio de um, a ressurreição da morte haveria de chegar. Por isso, Adão é uma imagem de Cristo (como ele diz em Rm 5[.14], onde trata mais demoradamente dos dois), porém, de uma forma tal que essa imagem retrate muito melhor um outro aspecto, ou seja, justamente, a contrapartida daquilo que sua imagem oposta, Adão, realizou. Pois este nada mais fez do que passar a morte por herança a todos os seres humanos, de modo que, tanto ele quanto nós, nela, temos que permanecer, ninguém podendo escapar da mesma. Mas, para ajudar a estes [que não podem escapar], Deus, novamente, teve que enviar outra pessoa que nos trouxesse da morte de volta para a vida. Assim, Paulo contrapõe essas duas imagens, querendo, portanto, dizer que uma pessoa, chamada Adão, teve o efeito de todas as pessoas terem que morrer, tanto ele quanto todos nós que não incorremos nem causamos a dívida; mas, apenas pelo fato de termos nascido dele, entramos em pecado e morte (embora isso [tenha ocorrido] após a queda; e, uma vez que nós nascemos, não é mais pecado alheio, mas passa a ser nosso próprio). Ora, essa é uma negociata lamentável, uma sentença terrível e cruel de Deus e seria, ainda, mais cruel, se todos tivéssemos que ficar eternamente na morte. Só que Deus contrapôs outra pessoa, chamada Cristo, [552] para que, assim cmno morremos por causa daquele, sem nossa culpa, nós, inversamente,

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vivamos por causa de Cristo, sem nosso mérito. E, assim, como em Adão nôs todos s{) temos que pagar pelo fato de sermos da sua forma ou do seu sangue c carne, assim. em Cristo, também usufruímos, exclusivamente, o

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fato de ele ser o nosso cabeça, por pura graça e dádiva, de modo que não podemos ficar enaltecendo nossas obras e nosso mérito, conforme ensinam nossos monges e santos hipócritas. Que pretenderíamos conseguir por meio dos nossos hábitos ou outras obras para nos resgatar do pecado e da morte, nós, nascidos em pecados e pertencentes à morte, já que somos da carne e do sangue de Adão, para sairmos do pó e da cinza, vivos, brilhantes e mais belos do que o sol e todas as criaturas? Isso não pode ser força e capacidade humanas, nem de qualquer criatura, nem, mesmo, dos anjos no céu, mas, exclusivamente, do próprio Deus. E é preciso haver outro homem que mereça e alcance isso e este se chama Cristo, o Filho de Deus e Senhor sobre todo o pecado, a morte, o diabo e todas as coisas, como Paulo dirá, depois, a seu respeito: esse é o que conquista este artigo, começando em si próprio, dando-o a nós, para que, por seu intermédio, também cheguemos a tal, exclusivamente, pelo fato de sermos incorporados a ele mediante o Batismo, sendo chamados e implantados neste artigo, de modo que ressurjamos e vivamos mediante a mesma força e mérito pela qual ele ressuscitou e vive. Como nenhuma das duas coisas está em nós, nem que vamos para a morte nem que teremos a vida eterna, temos consolo e esperança tanto maiores de que teremos a vida por meio de Cristo, com tanta certeza como, agora, temos e sentimos o pecado e a morte desde Adão. Pois, se estivesse em nós fazer com que saíssemos do pecado e da morte, mediante nossa própria atuação e, assim, a vida dependesse apenas de nós, jamais poderíamos sossegar. Teríamos que nos atormentar e afligir, incessantemente, com obras; mesmo que nos torturássemos até a morte com isso e, se uma pessoa

conseguisse realizar a santidade de todo o mundo, [553] ainda assim, não poderíamos ter segurança nem certeza de ter feito o suficiente para satisfazer a Deus. Por isso, Deus nos concedeu a graça e nos fez depender de uma pessoa que, sem nós e antes de nós, tudo já granjeou e realizou o que, para nós, é certo e não pode falhar. Dessa forma, da nossa parte, chegamos a tal inocentemente e, para conseguir a graça e a ressurreição, de nada nos adianta o que fazemos ou conseguimos, ainda que façamos e devamos fazer boas obras, da mesma forma como, sem nossa culpa, chegamos a ser pecadores e temos que morrer. Pois em nada contribuímos para que ele comesse a maçã e caísse, mesmo que, após ele, nós, próprios, também pequemos. Portanto, tudo que se refere a pecado e justiça, morte e vida, repousa nessas duas pessoas, como ele, agora, ainda sublinha: Pois, assim como em Adão todos morrem, em Cristo todos tmnlu;m serão vivificados. [15.22] S. Paulo fala. aqui, apenas dos cristãos. os quais ele quer ensinar c con·· fortar com este artigo; pois. mesmo que todos tenham que ressuscitar. 1:1111

v.22

bém, os não-cristãos, só que, para eles, [a ressurreição] não será conforto nem alegria, uma vez que ressurgirão não para a vida, mas, para o juízo. Por isso, também, agora, não se trata de uma pregação confortadora e alegre para o mundo e os ímpios, ao ouvirem esse artigo, conforme o senti em mün mesmo quando eu queria ser um monge santo - e eu era o mais

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devoto, a ponto de preferir ouvir a respeito de todos os diabos no inferno a ouvir sobre o dia derradeiro e [554] os meus cabelos ficavam em pé só de pensar nisso. Pois fora o fato de o mundo todo ter a mentalidade de não querer renunciar a esta vida e morrer, levando um susto quando se fala da morte ou da vida no além, nós, todos, participamos da baboseira da santidade própria, acreditando que, com nossa vida e obras, deveríamos saciar o juízo de Deus e merecer o céu, quando, na verdade, com isso, nada mais conseguíamos do que piorar e detestar ainda mais esse dia. Nem quero falar da outra multidão grosseira dos que, aqui, só buscam seu prazer e conforto, desprezam a Palavra de Deus e não dão um centavo por Deus e seu Reino. Se esses se sentem atormentados e não gostam de ouvir [falar] da bem-aventurada ressurreição, isso não causa surpresa. Mas, para nós, essa pregação é puro conforto e alegria, porque ouvimos que já temos, lá em cima, no céu, o nosso melhor tesouro no qual nos alegramos e, não por último 36 , o fato de que ele [nos] ressuscitará e levará para lá, com a facilidade com que se desperta uma pessoa do sono, de modo que sofrimento e dor deixarão de ser e nem mundo nem diabo vão nos atormentar e [555] nos entristecer mais. Ao invés, como agora eles nos perseguem e tortu~ ram, o jogo se inverterá, de modo que gritarão de dor eternamente, ao passo que nós nos alegraremos eternamente. Pois, como Cristo será juiz sobre retos e maus, eles, naqueles dias, também terão que aparecer, para receber seu juízo e punição por aquilo que cometeram em Cristo e em nós, por :naldade impenitente e diabólica. E ridícula a pregação que S. Paulo faz aqui sobre a origem da morte e da vida eterna, que todo o gênero humano morreria em função de culpa alheia de uma única pessoa, podendo ser considerada uma grande mentira pela razão inteligente e pela sabedoria do mundo. Afinal, parece demasiadamente insensato e contraditório que Deus encaminhe as coisas de forma tão estranha e arbitrária, adotando uma postura tão ignorante com seu [556] juízo, de, pelo fato de Adão dar uma mordida numa maçã, fazer com que todos os seres humanos, depois dele, até o fim do mundo, sejam condenados à morte. Mas que vamos fazer? Que a morte nos acomete, isso todos nós vemos muito bem com os próprios olhos, mas que ela surja de um pecado ínfimo parece muito estranho e desproporcional quando se tenta explicá-lo em palavras, pesando uma coisa contra a outra.

v.22

I Coríntios I 5

Afinal, ele ainda não tinha cometido nenhum assassinato nem adultério, não roubara nem assaltara ninguém, nem blasfetnara contra Deus ou fizera algo semelhante ao que [se faz] agora, que o mundo está cheio de pecado blasfemo e terrível, mas, apenas, deu uma mordida numa maçã, persuadido e trapaceado pelo diabo, por meio da mulher. Será necessário (dirá a razão) dar tanta importância a uma úuica maçã, para que, por sua causa, o mundo inteiro tenha que morrer, inclusive muita gente inteligente e sábia, sim, até o próprio Filho de Deus, juntamente, com todos os profetas, patriarcas e santos? Ora, se fosse apenas a morte, como dizem o mundo e os sábios, confortando-se diante da morte, pois ela seria o fim de toda infelicidade. Se houver algo depois, onde passarão melhor (conforme era sua esperança), eles também o aceitam (ainda que não o possam inferir com certeza, pois nada sabem a respeito da ressurreição). Mas que nós todos tenhamos merecido punição e condenação eternas por causa do pecado alheio, para sofrer no inferno, exclusivamente, devido a essa única culpa, isso entra ainda menos no coração da pessoa, pois parece uma sentença, demasiadamente, descabida e um ato, demasiadamente, incompassivo de tão elevada majestade que é a suprema sabedoria e bondade. [557] Entretanto, como foi dito, e, por mais ridículo que pareça, todos precisamos admitir que temos que morrer. Mas que isso tenha sua origem em Adão, isso precisamos aprender a crer. Pois, nenhum capricho nem sabedoria humana inventou, por si própria, que a morte fosse punição dos pecados, mas todos pensarmn que se tratasse de uma sina natural; assim corno um cachorro, um porco ou qualquer outro anilnal morre, ou como o sol nasce e se põe, a grama cresce e seca, todas as coisas seriam efêmeras por natureza, desaparecendo assim como vieram. A Escritura, entretanto, nos ensina que nossa morte não tem origem natural, mas é fruto e punição do pecado do nosso pai Adão que cometeu delito tão grave contra a elevada majestade, a ponto de ele e tudo que dele provém e nasce sobre a terra estar, eternamente, condenado à morte e ninguém sobre a terra pode escapar ou fazer algutna coisa contra esse infortúnio. Por outro lado, ao mundo parece contraditório e mentiroso e, até, muito mais inacreditável o que Paulo diz aqui que, a partir de uma pessoa, todos os seres humanos ressuscitarão. Tudo, portanto, dependeria de uma pessoa, tanto a morte quanto a vida; ninguém poderia contribuir nem, mesmo, conseguir nada, nem sequer o poder ou a força de pessoa alguma, uem a vida ou virtude e obra de santo algum seriam razão suficiente para esse ressurgir da morte. Em vez da capacidade e mérito de cada um, simplesmente, deposita-se [tudo] sobre um único homem que era desconhecido e desprezado pelo mundo, além de ter morri do da forn1a mais ignominiosa e lamcntúvcl. A esse, o mundo deve prestigiar, considerando-o, cxclusivalllL'IliL', como aquciL· pelo qual nús todos ressuscitamos. Nenhum nlongc . \.)()

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santo, cartuxo 37 , nem mesmo, profeta e apóstolo nada contribuem para tal, nem o merecem, com toda a sua qualidade. Ora, é algo descabido quando se fica pensando nisso e tne pareceu, muitas vezes, estranho e esquisito, sendo [5581 um artigo difícil de se botar no coração, quando vejo carregarem um falecido e enterrá-lo. Como e de que jeito sairei dali com a convicção e a idéia de que ressuscitaremos juntos? Não por meu intermédio ou por causa de algum mérito sobre a terra, mas por meio desse único homem, e isso é tão certo, e muito n1ais certo do que ser eu enterrado ou ver outra pessoa ser enterrada, o que sei com toda certeza e vejo com meus próprios olhos. Por isso, para os cristãos, trata-se de uma pregação, de artigo de fé. Porque o mundo, em si, considera isso mera trapaça, concluindo que não poderia ser verdade que Deus agisse de forma tão estúpida, sentenciando que, por conta de uma pessoa, ele condenaria o mundo inteiro, sem distinção, ou, por outro lado, mercê de um único, ele salvaria a todos, sem o médto desses. Pois, julgando bem, segundo o entendimento [do mundo] teria que ser assim que cada um morreria ou viveria para si e em função de seu mérito, assim, como se enforca ou decapita um malfeitor por causa do seu delito, pois cada qual paga ou usufrui pela sua maldade ou retidão; não tem cabimento, alguém tnorrer ou ser solto por causa de outro. Isso seria correto e sensato perante o mundo, como é, agora, a crença dos turcos e, com efeHo, do mundo inteiro (na sua melhor versão): quem foi reto, ressuscitará no dia derradeiro e viverá, e vice-versa. Mas que uma pessoa valha por todos os seres humanos e nós morramos ou vivamos etn função de mérito alheio, ou seja, que tudo tenha um só pai [se. causador[, sem qualquer outro motivo, isso é ensinamento e pregação escandalosa e ridícula. Mas é assim que agradou a Deus. Ele quer desconcertar o mundo, [559] fazendo os sábios de bobos, realizando a sua obra, de forma que ninguém a entenda. Pois, se ele o fizesse do jeito que eu e você entendemos e lhe déssemos sugestões, que glória ele levaria" Ou que Deus seria esse que, por nós, se deixasse ensinar, julgando e atuando segundo a nossa sabedoria? No entanto, ele o faz de tal modo que sua sabedoria permaneça mais elevada que a nossa, que nós nos resignemos com ela, largando a nossa argúcia e dizendo: segundo a minha sabedoria, não estaria bem, mas, como tu o dizes, está bem e correto. Quem não quer e coloca sua sabedoria antes e acima da sabedoria de Deus, julgando-o de acordo, veja o que faz. Nós, porém, devemos e queremos deixar nossa inteligência aqui embaixo, rusando-al para vacas e 37

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Cartuxo, monge da Cartuxa, ordem religiosa contemplativa e cenobltica (membros entregues à oração, afastados do mundo, em habitações de monges), fundada por Bruno de Colônia, em 1084, num sítio dos Alpes, chamado La Grande Chartreuse (em latim, Cartusia, de onde se deriva o nome da ordem). Lutero freqüentemente cita a Cmtuxa como exemplo de ordem especialmente austera que se caracterizava por ahstinência total de carne, silêncio quase ClllllpJe[(l, trahtllh(l 11\(lll\la], (IJ" c cartas", cxprc.
Obras Selecionadas - Vol. 9 ( PDFDrive.com )

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