Louise Allen - A Escrava e o Rei Bárbaro

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A Escrava e o Rei Bárbaro – Louise Allen

A Escrava eo Rei Bárbaro

Louise Allen

Geo, Sudy, Ruby, Luna, Iete, Lu

A Escrava e o Rei Bárbaro – Louise Allen

Sinopse Julia Livia Rufa fica horrorizada quando os bárbaros invadem Roma e roubam tudo que encontram à vista, mas ela não esperava estar entre os rendidos. Como escrava de Wulfric, ela está condenada a manter a casa para os incivilizados saqueadores. Logo, porém, Julia percebe que é mais livre como uma escrava, do que foi, quando era uma virgem romana. Seria muito fácil sucumbir à força tranquila de Wulfric, e Julia o quer, mais do que jamais quis alguma coisa. Mas Wulfric poderá um dia ser rei, e Julia é uma escrava romana. Que futuro pode existir para duas pessoas de mundos tão diferentes?

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Capítulo Um Roma Dia 24 de agosto, DC 410

O som era o terror tornado realidade. Entrava pelos ouvidos, e podia ser sentido através dos ossos. Era o som que seus antepassados ouviam, milhares de anos antes, quando se amontoavam na segurança duvidosa de uma caverna, com somente a proteção do fogo entre eles, e as coisas que os rondavam no escuro. As coisas que rosnavam. Julia parou de lutar contra as mãos ásperas que a seguravam. Os três, agressores e vítima, viraram-se como se fossem um só, os olhos entreabertos contra a fumaça, que subia do estabelecimento em chamas. Um pilar caiu e quebrou atravessado no caminho, faíscas espalhavam-se. À distância, a partir da direção do Fórum, gritos podiam ser ouvidos. Aqui, agora, depois do rosnado baixo, havia apenas o som da madeira, que o fogo lambia. Julia caiu nas garras de dois homens. Aterrorizada como estava teria imaginado aquilo? Mas os homens também ouviram. Fora ouvido através dos seus gritos frenéticos, através de suas ameaças e maldições e riso grosseiro. Em um mundo enlouquecido, onde os bárbaros saqueavam comerciantes respeitáveis da maior cidade do mundo, tentavam estuprar a filha de um senador, não era impossível de acreditar que um lobo estivesse cruzando as ruas. Com o canto do olho, ela pode ver o corpo inerte da escrava que sua mãe enviara com ela, naquela missão insana. Os homens a jogaram contra a parede com uma indiferença brutal, quando ela se agarrou ao braço de Julia. Não se moveu desde então. Eu nem sequer sei o nome dela… — Não há nada ali — o mais alto dos homens resmungou. — É só imaginação. — Ela também ouviu, não foi, cadela rica? — Era aquele, cujo rosto ela havia aranhado, inutilmente.

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— Sim. Sim, um lobo. É perigoso. Você deve correr. — Mesmo um lobo era melhor do que esses dois. Temerosos de fugir dos godos 1 invasores, e com medo de lutar, eles aproveitaram a chance de tomar o que só haviam sido capazes de cobiçar de longe. Muitas vezes ela, e as senhoras como ela, haviam passado ao lado deles nas ruas, andavam entre as bugigangas, em suas tendas, e nunca os notaram. Agora, uma dessas criaturas elegantes e mimadas caíra em suas mãos. No meio daquele caos eles poderiam ter prazer com ela, e entorpecer o terror do que estava acontecendo ao seu mundo. Mas esta virgem protegida dera trabalho, lutara, rasgando suas mãos e rostos, chutando as canelas, mordendo onde ela podia. E a outra menina, a pequena escrava, estava provavelmente morta, e não proporcionaria nenhuma diversão. O homem, com os arranhões sangrando em sua bochecha direita, feitos por quatro unhas requintadamente cuidadas, zombou de volta para ela. — Apenas um cão, acorrentado atrás do pórtico. Nenhuma ajuda para você, querida. — Seus dedos agarraram o decote de sua túnica e a puxaram para baixo, a mão suada deslizou sobre a carne, nua. — Por Hades. — A voz do homem mais alto tremeu, assim como a do segundo, o longo rosnado congelou a mão do homem em seu seio. A fumaça rodopiou e o animal estava lá, a menos de uma dúzia de metros na frente deles. Ele parou, cabeça baixa, observando-os. Os brilhantes olhos verdes, situados perto do longo focinho cinza os estudavam, com uma indiferença distante, que era mais tensa do que a agressão aberta. A boca rosnando, revelou longos dentes brancos. Ouviu-se um assobio baixo e o animal saiu para o lado e sumiu por trás deles. Os homens tentaram se virar, arrastando Julia, olharam para a fumaça enquanto tentavam manter o animal à vista. — Foi. — O homem alto passou a mão sobre a testa úmida. — Vamos sair daqui antes que o fogo se agrave, e encontrar um lugar mais confortável para nos divertir. — Sua voz falsamente confiante congelou, quando enfrentaram o prédio em chamas novamente e a ondeante fumaça esmaeceu revelando outra figura. Um homem. Alto, longos braços nus, dourado. A luz brilhou sobre a cota de malha, o elmo, os braceletes, e a fivela do cinto enquanto ele permanecia lá, assistindo-os, como o lobo havia feito, com serenidade absoluta. Não havia 1

Os godos eram uma tribo germânica, composto por uma amálgama de grupos e clãs com diversos líderes. A sua origem é objeto de controvérsias. Estão mencionados pela primeira vez em 98 d.C., como habitando a foz do Rio Vístula na atual Polónia. Wikipédia

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nenhuma expressão no rosto barbudo, e não havia nenhuma arma em sua mão, porém, uma longa espada pendurada no cinto largo que cingia sua cintura, e com toda a sua quietude, ele exalava a promessa de uma fortaleza, pronta para atacar. Julia engoliu em seco, tentando forçar a cabeça, que estava rodando, a pensar. Calças, longos cabelos loiros, barba. Um bárbaro. Um visigodo 2, um dos inimigos. Mas, seus inimigos imediatos estavam ao seu lado, sua própria raça. Agora ela estava em maior ou menor perigo? Mãos apertaram seus braços, meio que a levantando de seus pés quando os comerciantes começaram a recuar. Ela tomou uma decisão, se obrigou a ficar bem mole, fazendo de seu peso um fardo que eles deviam arrastar. — Solte-a. —O grande homem falou como se estivesse falando com um cão brincando com um pássaro e alcançou a mesma obediência cega. Julia caiu com força sobre os calcanhares e cambaleou, virou-se, e bateu na orelha do maldito homem com o punho fechado, o alívio absoluto de estar livre de suas mãos emprestando força à sua raiva. O homem lhe deu um tapa de volta, atirando-a descontroladamente, contra seu amigo. Então, enquanto ela se revolvia para encontrar o equilíbrio, ele grunhiu, abruptamente, e tombou no chão. Ela olhou para ele deitado a seus pés, o punho de uma adaga saindo de sua garganta, um filete de sangue ondulando até sua clavícula. Morto. Ela não vira o bárbaro se movimentar. O outro homem saiu correndo, depois parou, encolhido, quando o lobo saiu do esconderijo, na frente dele. O bárbaro o ignorou, seus olhos observando Julia. Não havia nenhuma garantia ali, somente a mesma aura gelada de poder que vira nos olhos do lobo. Ele apontou para a figura caída da escrava. — Eles fizeram isso? Julia assentiu silenciosamente, caindo de joelhos ao lado da menina. O bárbaro deu uma longa passada atrás dela, ela ouviu o raspar quando ele sacou a espada, em seguida, um grito, cortado por um som asfixiado. Um baque. Silêncio. Ela manteve a cabeça virada, procurando com os dedos por uma pulsação no pescoço da garota. Nada.

2Os visigodos foram um dos povos germânicos (bárbaros), originários do leste europeu, que invadiram o Império Romano do Ocidente nos séculos IV e V. A Escrava e o Rei Bárbaro – Louise Allen

— Ela está morta? — Julia deu meia volta, viu ele se inclinar para limpar a longa lâmina, na túnica do comerciante caído e, estremecendo, desviou o olhar. — Eu acho que ela está. Não consegui encontrar nenhum pulso. Eles a jogaram contra a parede quando nos pegaram. Estava tão assustada. Ela não queria vir comigo, coitadinha. Não conseguia assustar nem um ganso, e minha mãe mandou-a vir comigo para este pesadelo e eu não fiz nada para protestar. Ela não vai mais se assustar agora… O godo abaixou-se ao seu lado e ela ficou tomou ciência do tamanho, do cheiro de suor e sangue, metal e couro que ele exalava. Estranho, mas totalmente masculino. Ele estendeu a mão, grande, e tocou o pescoço da garota, então, com uma suavidade que deixou Julia surpresa, fechou os olhos castanhos dela, que se encontravam arregalados. — Qual é o nome dela? — Eu não sei como ela se chamava. — Julia olhou para o pequeno corpo inerte. Havia fogo queimando em seu peito, seus olhos ardendo. Não deve chorar, não deve mostrar fraqueza na frente de um bárbaro, um inferior. — Ela era uma das escravas de minha mãe. Ela a enviou comigo… Enviou-nos nessa missão insana. E eu não insisti em uma escolta de escravos homens. Apenas fiz como me foi dito, enquanto ela ficava atrás de muros altos, providenciando para que os tesouros da família fossem enterrados sob as lajes da pavimentação no peristilo. A mãe sempre sabia quais eram suas prioridades. — Eu estava tentando alcançar o meu pai e outro senador na Basílica. — O que a mãe esperava que eles pudessem fazer acerca disso? Ficariam pomposos em suas togas e diriam a milhares de homens como este, este lobo caçador, para irem embora e deixarem de ser um incômodo? Duas horas atrás, ela havia obedecido sem questionar, os homens sabiam melhor o que fazer. Seu pai, Julius Livius Rufus, um homem de confiança do Imperador por muitos anos; seu noivo, Antonius Justus Celsus, o futuro homem no Senado, um homem que nunca errou politicamente, que julgava cada oportunidade com frieza e, em seguida, agia corretamente. Só que eles foram embora há mais de doze horas e não enviaram nenhuma palavra. O que as mulheres deveriam fazer? Havia muitas opções. Ficar ou fugir? Esconder-se ou contar com os altos muros e portas pesadas? O bárbaro falou através de seus pensamentos.

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— Mas ela era um membro de sua família. — Ele se virou, com uma leveza que parecia impossível por sua posição abaixada, e olhou para Julia como se tivesse dificuldade para entender o que ela estava dizendo. Sua barba era de um marrom dourado, cortada rente, em contraste com o cabelo mais claro que escapava por debaixo do elmo de metal e fluía sobre os ombros. Seus olhos, fixos nos dela, eram verdes, o verde clarinho da neve derretendo sobre os seixos na água do rio. — Ela era um serviçal da casa — Julia corrigiu. O latim dele era bom, mas, obviamente, não era bom o suficiente para entender as sutilezas. Ela descobriu com vergonha que estava tremendo e endureceu seus membros. Por mostrar medo, por perder sua dignidade, o que lhe restava disso, era inaceitável. — Uma escrava. — Sua responsabilidade, então. — Os olhos verdes, gelados. Levantou-se, dispensando-a com uma volta de seu ombro, pegou o corpo da menina, como se ela fosse uma criança e entrou no prédio em chamas. — Pare! Ele está pegando fogo! — Era uma afirmação tola do óbvio e ele a ignorou. Julia ficou de pé, horrorizada. Outro feixe caiu dentro do estabelecimento, queimando, ferozmente, agora. Ela correu para frente e o viu, entre um halo de chamas, deitar a menina sobre o que deve ter sido um balcão de pedra. Ele alisou sua túnica, cruzou as mãos dela sobre o peito e tocou sua cabeça. Julia achou que seus lábios se moviam. Então, ele virou-se e saiu do edifício, bem quando o telhado desmoronou com um rugido de chamas e faíscas. — Melhor do que deixá-la na poeira para os cães — disse ele secamente, puxando Julia ainda mais, para o beco e virando uma esquina. Estava abençoadamente fresco ali, na sombra, longe das chamas e fora da vista dos dois corpos esparramados. — O fogo vai se espalhar — disse ela, querendo desenrolar os dedos que estavam em torno de seu antebraço e descobrindo que não conseguia. — Mas não neste sentido, o vento está contra ele. — Sua cabeça se levantou, suas narinas se abriram como se cheirasse a brisa. Um caçador, com certeza. Ele se obrigou a liberar seu aperto e olhou para cima. — Cuidado! — Um grande pedaço de madeira fumegante, tão grande quanto o punho dele, caiu em seu ombro e foi deslizando sobre a pele nua de seu braço. Ela estendeu a mão e afastou-o, sentindo a dor aguda da queimadura na palma da mão, o músculo apertado, o calor em seu braço.

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— Obrigada. — Ele pegou a mão dela e virou a palma para cima, estudandoa. — Isso vai parar de arder em um minuto. Qual é o seu nome? — Julia Livia Rufa. — Ele não parecia pronto para liberar sua mão; puxar seria indigno e podia demonstrar medo. — Eu sou a filha do senador Julius Livius Rufus. E qual é o seu nome? — Wulfric, filho de Atanagildo, filho de Thorismund. — Ele disse aquilo, sem ênfase, mas ela ficou com a nítida impressão de que seu nome era conhecido entre o seu povo, que ele estava acostumado a comandar e, a ser reconhecido. Ele pensou por um momento, então disse: — Talvez, você possa chamar de Rei dos Lobos. — Pela primeira vez, em busca de uma tradução, o seu latim parecia menos fluente, os sons estrangeiros da sua própria língua sobressaindo. Rei dos Lobos? Era só o que faltava, ela pensou, sentindo aumentar seu desejo de rir histericamente, mas controlou-se através de uma disciplina duramente conquistada. — Obrigada, Wulfric, filho de Athan…Atanagildo. — Julia conseguiu pronunciar as sílabas complicadas. — Eu ficaria muito grata se você pudesse me escoltar até a Basílica, onde espero encontrar meu pai. Naturalmente, não seremos ingratos por sua ajuda. O lobo apareceu no beco, onde ele estivera explorando e sentou-se ao lado de seu dono, com a língua de fora pelo calor. Dois pares de olhos verdes olharam para ela, e, ela podia jurar que existia diversão, em ambos. — Então, você ficaria grata com minha escolta? Ficaria, Julia? — Julia Livia — ela corrigiu. Ele era um bárbaro, ela não esperava que ele entendesse como lidar corretamente com a filha de uma família romana. Agora, Wulfric estava abertamente divertido. Sua barba foi cortada rente, o suficiente, para ela ver as linhas de sua boca, que somente agora, ondulavam inequivocamente. — Quão grata, Julia? — Tenho certeza de que será adequadamente recompensado com ouro — disse ela rigidamente —, minha família, isto é, e também o meu noivo, o senador Antonius Justus Celsus.

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— Mas eu posso pegar todo o ouro que eu quiser — disse ele suavemente. — Posso pegar qualquer coisa que eu deseje desta cidade. Por que você acha que estamos aqui, se não pela riqueza que está dentro destes muros? — Pelo seu rei, Alarico3, e para falar com o imperador Honório4. Eu sei que têm existido alguns mal-entendidos sobre uma promessa de terra… Discussões meio ouvidas entre os homens nos jantares, debates— Que ela apenas compreendera parcialmente, ou ignorava. Os visigodos haviam entrado em Roma, antes, exigindo um vasto suborno em ouro, em seguida, eles foram embora, deixando uma turbulência política. Ma, agora, isso tudo foi resolvido. Honório estava de volta no controle de Ravenna5… — Não há mal-entendido. Foi traição. Lutamos por seu imperador por muitos anos, seguramos as hordas dos hunos vindos do Leste de suas terras, mesmo quando eles invadiram as nossas, e ele nos prometeu terra, cereal, segurança. E nos deu mentiras. Agora, viemos tomar o que é devido. Há dois anos, entramos em Roma, mas parece que vocês, romanos, não aprenderam com o passado. Ele ficou ali, tão sólido quanto o pilar de pedra atrás dele, tão estranho quanto o lobo que caminhava ao seu lado, e ela podia acreditar que ele pegaria qualquer coisa que ele quisesse. E havia milhares como ele, espalhados em sua cidade, enquanto assustados e mega civilizados homens, envoltos em togas de seda tentavam falar afastando o perigo. Dois anos atrás, parecia que Alaric fora aplacado. Eles estavam errados. — Honório não está aqui, ele está em Ravenna. Atrás de muros intransponíveis, equipados para o mais longo cerco, enquanto aqui a comida já estava se esgotando. Os invasores encontrariam ouro e prata, mas muito pouco para comer. — Nós dois sabemos. O tempo de falar passou. Venha. — Ele se virou e começou a caminhar pelo corredor. Julia ficou observando suas costas. Ombros largos que vestiam uma cota de malha com a mesma facilidade como se fosse roupa, braços nus, bronzeados de uma cor dourada; tão diferente da sua própria pele, cor oliva; longas pernas cobertas por calças de pano, enfiadas em botas de couro como as de um legionário. O cinto largo cingido em torno de sua cintura era 3 Alarico I foi um rei visigodo da dinastia dos Baltos. Foi o primeiro líder germânico a tomar a cidade de Roma, no famoso saque de Roma em 410. 4 Flávio Honório foi um imperador romano do ocidente já nos anos finais do império, além de ter sido uma peça chave no declínio de Roma. Seu reinado foi marcado pelo saque de Roma em 410, entre outros eventos trágicos. 5 Ravena foi a terceira capital do Império Romano do Ocidente, depois de Roma e de Milão. Aí, o último imperador romano, Rômulo Augusto, foi destronado por Odoacro, que o humilhou publicamente, fazendo-o desfilar prisioneiro, vestido de camponês. A Escrava e o Rei Bárbaro – Louise Allen

kit legionário também, mas a figura alta era tudo, menos familiar. Em todos os lugares que o cobriam, se encontrava o brilho vivo de ouro e o soturno sangue vermelho, nos fiapos. O cabo de sua espada, a bainha, a fivela no cinto, as faixas de ouro que prendiam seus bíceps e pulsos, todos brilhavam. Ele era maior do que qualquer homem do qual ela estivera perto, tão grande quanto a Guarda Alemã do imperador, e se movia com a graça predatória de um gladiador na arena. Atrás dela, o estabelecimento que ardia caiu e soou em todo o beco com um estrondo. Não havia nenhum lugar para ela ir, apenas segui-lo. — Você vai me levar para a Basílica? — Ela precisou correr para alcançá-lo. — Podemos ir para lá. — Wulfric parou no final do corredor e observou a rua transversal. Um homem olhou para fora de uma porta, o viu e bateu a porta. Julia ouviu o baque de uma barra trancando. Uma mulher, com uma criança em seus braços, passou correndo, esquivou-se com um grito agudo e se apressou. Em ambas as extremidades, onde a rua abria para vias mais largas, havia um caos de carroções e mulas e de pessoas gritando e empurrando. — O que você quer dizer? Podemos ir para lá? — Ela colocou a mão em seu antebraço e o sacudiu quando ele não respondeu imediatamente. Wulfric olhou para ela, um canto de sua boca se elevou, e ela viu que os olhos verdes haviam perdido o frio. Julia ergueu a mão de seu braço com cuidado e deu um passo para trás, com o coração batendo em resposta ao calor naquele olhar. — Não. Não…você não faria… — Não faria… — Ele procurou uma palavra. — Eu não violentaria você? Eu não aprovo violentar mulheres, como você viu. Não precisa temer. Agora venha. O alívio a fez gritar com ele. — Vamos para onde? Eu quero ir para a Basílica. — Mas o que você quer não é o mais importante. Venha comigo. Eu lhe disse que vim pegar o que é devido. E precisamos que seja transportável. Grãos, cavalos, ouro, prata e escravos, levaremos tudo isso. — Mas… Você me quer como refém? — A incompreensão transformou-se em medo frio. Ela havia pulado da frigideira, para o fogo. — Não — Ela o divertira novamente. Era perversamente insultuoso —, nós já temos o melhor refém depois do imperador. Temos a irmã dele. Não precisamos de mais nada, reféns dão muito trabalho. Eles precisam ser cuidados.

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— Vocês têm Galla Placidia6? — A senhora graciosa, que vivia mais perto das pessoas do que o irmão. Ela ficara em Roma, não fugira para a segurança dos grossos muros e altas torres de Ravenna, ao primeiro sinal de perigo. — Sim. Agora venha. — Aonde? Por quê? Wulfric se virou e a estudou com o ar de um tutor confrontado por um aluno tolo. — Comigo. Você agora é minha. Preciso de uma escrava doméstica. Você vai me servir muito bem. — Uma escrava? Eu? Você está brincando. — Não havia nenhum indício de provocação no olhar calmo. — Uma…— Ele quis dizer isso. — Não! — Julia girou nos calcanhares. Em direção à turbulência da rua, antes tão aterrorizante, agora parecia oferecer santuário. A respiração rasgando sua garganta, ela puxou as saias e correu. Apenas mais alguns metros, mais alguns passos. Uma sombra passou por ela e, em seguida, parou em sua frente como uma estátua de pedra. O lobo. Julia se encontrou em um impasse. Ele não estava mostrando seus dentes. — Bom menino, lobo lindo. Pare! Sente-se? — Ele olhou para ela, impassível, em seguida, andou para frente. Ela girou nos calcanhares. Wulfric não se moveu. Se ela apenas conseguisse chegar até a porta que estava entreaberta… Algo duro, molhado e quente se fechou suavemente rodeando seu pulso direito. Ela olhou para baixo. O animal estava com seu braço entre as mandíbulas. Não estava mordendo, apenas segurando, com uma pressão que não conseguiria quebrar um ovo, mas que possuía todo o potencial para rasgar da carne aos ossos. Wulfric assobiou. Houve um distúrbio na multidão e um cavaleiro abriu o caminho para a estrada lateral, levando atrás de si outro cavalo puxado pela rédea. Não, não era um homem, era um jovem, ela percebeu, dezesseis anos, no máximo. Ele usava um colete de couro sobre uma camisa de linho, sem elmo em sua cabeça, um longo punhal pendurado no cinto e controlava os cavalos facilmente. 6 Élia Gala Placídia foi uma imperatriz-consorte romana do ocidente, esposa do imperador Constâncio III entre 417 e 422. Antes disso, ela era casada com o rei dos visigodos, Ataúlfo, entre 414 e a morte dele no ano seguinte.

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Ele falou com Wulfric em uma língua que ela não entendia. — Fale latim, senão como você o aprenderá? Esta é Julia, ela vem com a gente. Leve-a atrás de você. O menino virou os olhos azuis, interessado nela. — A nova escrava? Que você disse que encontraria para cozinhar para nós? Isso é bom, eu estou cansado de cozinhar, é trabalho para as mulheres. — Eu não sou uma escrava, não vou com você! Sou uma nobre! — Você não parece estar em qualquer posição para discutir. — O homem irritante caminhou em sua direção. — Quer dizer que deixaria seu lobo me atacar se eu tentasse escapar? — Julia perguntou sarcasticamente. — Então, eu não seria de muito uso como escrava. — É verdade. — Ele a pegou com rapidez surpreendente e jogou-a atrás do menino, tirando uma tira de couro do cinto e amarrando as mãos dela em um elo, no largo cinto do jovem. — Não se esqueça de que ela está aqui, Berig, — ele aconselhou. — Você não quer que ela caia em cima de você quando desmontar. — Oh, não! — Ele agarrou Julia, que estava tentando deslizar para baixo pelo outro lado. — Berig não é adulto ainda, mas ele é forte o suficiente. Aconselho-a se sentar. Ele pulou para cima do outro cavalo, um cinza, feio e magro. — Agora, nós iremos e vamos procurar mais um pouco de ouro. Com o lobo andando em seus calcanhares, ele forçou seu caminho para a rua lotada, somente a visão dele fazia os cidadãos aterrorizados mergulharem nos becos. O garoto Berig o seguiu. Julia deslizou, ofegou e apertou suas mãos em seu cinto, em um esforço para não cair. “Mais cedo ou mais tarde eles terão de me soltar. Esse lobo não pode estar em toda parte, mais cedo ou mais tarde eu poderei correr…” — Hwa namo thein? Er… Qual é o seu nome? É boa cozinheira? —Berig olhou por cima do ombro enquanto dirigia sua montaria no rastro de seu amo. — Julia Livia. E, não, eu não sou — Julia retrucou. — Não sei cozinhar. Não preciso cozinhar. Tenho escravos para fazer isso. O rapaz deu um suspiro de diversão. — Então é melhor você aprender rápido, porque não tem mais escravos agora e, meu senhor, tem um bom apetite e pouca paciência quando sente fome. Isso é bom. Agora nós temos você, não preciso matar galinhas, ou cozinhar A Escrava e o Rei Bárbaro – Louise Allen

qualquer coisa, ou buscar água quente, ou lavar a roupa ou mesmo esfregar as costas de meu senhor. Você pode fazer tudo isso. Esfregar suas costas? Julia olhou furiosamente para a figura larga na frente deles. Oh, eu vou esfregar bem as costas dele, com um machado em minhas mãos! Como se ele sentisse seus pensamentos, Wulfric virou-se na cela e olhou para ela fixamente. Ela sentiu seu desafio enfraquecer. Isto era real. Ele era uma insensível força selvagem, e ela estava com problemas muito sérios. Pela primeira vez em sua vida a sua posição na sociedade, suas conexões, seu status, não significavam nada. Tudo o que possuía para lutar contra este homem, era sua coragem e sua força e temia muito que não lhe ajudariam nada, contra os músculos e a fria inteligência de seus olhos verdes.

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Capítulo Dois Coragem e força, Julia zombou de si mesma, amargamente, quando agarrou o cinto de Berig e lutou para manter o equilíbrio na garupa do cavalo. E que oportunidade você teve para exercitar isso, Julia Livia? Você ainda as possui? Quando alguma vez precisou se defender e usar sua própria iniciativa? Compre aqui, use isso, vá a esta festa, não àquela. Seja amiga dessas meninas, aquela é inadequada… Case com Antonius Justus Celso. Sim, pai, sim, mãe. Qualquer coisa que vocês digam. Ele é chato e presunçoso e ele vai ter dois queixos em cinco anos, mas a coisa certa a fazer é casar com ele. Tão adequado. Sendo levada como escrava por um gigante dourado, com um lobo e um menino em seus calcanhares não era adequado. Mas como aprenderia a lutar, se antes, nunca precisou? — Aqui? — A voz de Berig tirou-a de seus pensamentos conflitantes. Eles haviam parado na frente de uma parede alta, simples e de portas fechadas onde ela imaginou que deveria ser a casa de um próspero comerciante. — Parece um lugar pobre. — Com estas paredes e essas trancas? — Wulfric se inclinou e martelou nas tábuas inflexíveis. — Eu não acredito que eles queiram nos deixar entrar. Por que você acha que é aqui? — Julia sorriu intimamente, sua própria casa possuía portas e paredes que eram ainda melhores do que estas. Wulfric levou o feio cavalo cinza até a parede, e ficou em pé em seu traseiro, com uma suavidade que a deixou boquiaberta. Ele alcançou o alto, agarrou a parte superior da parede e se levantou, os músculos salientaram com o esforço. Com um grunhido, ele subiu na parede, em seguida, desapareceu. — Vocês são ladrões, todos vocês — Julia cuspiu nas costas de Berig, furiosa, com sua própria reação à essa exibição de força bruta emprestando veneno a suas palavras. O rapaz mudou de posição na cela e deu meia volta. Concentrando-se nele, ela viu que ele possuía um nariz arrebitado, cabelo mais loiro do que os de Wulfric, e olhos azuis vivos.

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— Nós mantemos a nossa palavra, todos nós. Seu Imperador fez um falso juramento. — Ele colocou ódio nas palavras. — Não há nada pior. Se você não pode confiar na palavra de um homem, no que pode confiar? Ele é menos do que um homem, não está apto a liderar. — É política. Honório deve fazer o que é certo para o Estado — Julia protestou. O que estou fazendo, debatendo política com um jovem bárbaro enquanto a cidade arde em torno de nós? O menino olhou-a como se houvesse nascido duas cabeças nela. — As mulheres romanas não entendem nada de honra? Seu Imperador deu sua palavra. E quebrou-a, agora deve pagar. Ela foi salva de lhe responder por causa das portas que se abriram e Wulfric apareceu no limiar. — Eles fugiram e abandonaram seus escravos, vamos ver o que mais eles deixaram para trás. — Assobiou e o cavalo cinza o seguiu, Berig montando atrás. Cascos batendo fortemente nos mosaicos caros da entrada. — Onde você esconderia o tesouro da família, Julia? —Wulfric perguntou, com os olhos verificando o peristilo vazio. Houve um movimento silencioso nas sombras, apenas o branco dos olhos arregalados eram visíveis. — Você! Saia, eu não vou lhe machucar. — Para surpresa de Julia os escravos saíram dos esconderijos, seus olhos fixos no homem grande como ratos na frente de uma raposa. — Seu amo não os trata bem. — Era uma afirmação, não uma pergunta. O grupo estava magro, mostrando machucados. — Talvez tenham visto onde ele escondeu o ouro antes de correr e os deixar. Eles balançaram a cabeça, em silêncio. Em seguida, seus olhares deslizaram, furtivamente, para um grande vaso colocado no espaço aberto. Um loureiro caindo para fora, no topo. — Não é uma boa época do ano para se transplantar arbustos — Wulfric observou, aproximando-se e dando um empurrão no vaso. Era de rocha sólida, mais alto do que ele. — Traga-me uma corda, uma longa e forte. O escravo mais velho, talvez, o administrador, sorriu de repente e saiu correndo, retornando com uma bobina de cânhamo, pesada, em suas mãos. Wulfric amarrou em volta do vaso, prendeu-a em volta do pilar mais próximo, em seguida, jogou a ponta até Berig, antes de montar. Os dois cavaleiros enrolaram a corda em seus arreios e começaram a recuar os cavalos. Esticando-se por trás do ombro de Berig, Julia viu o vaso de rocha. Os cascos do cavalo cinza deslizando no A Escrava e o Rei Bárbaro – Louise Allen

mosaico houve uma guinada e o vaso de mármore tombou para se esmagar na pavimentação. Não é de admirar que o arbusto tenha caído! Foi plantada em ouro puro, uma massa de moedas que girou e brilhou na pavimentação. Os escravos se apressaram para frente e começaram a recolher o dinheiro, enchendo os alforjes que Wulfric lhes deu, com um entusiasmo, que dizia que sentiam por seu amo. Quando os sacos estavam cheios, uma mulher saiu correndo e encontrou mais. — Fique com isto. — Wulfric guardou o ouro atrás de sua sela. — Tenho a certeza de que um deles é capaz de cozinhar melhor do que eu, e eles já são escravos — Julia protestou. — Sim, mas eu quero você. — Wulfric sorriu. Não com uma indicação de fraqueza – mesmo em seu estado de desespero, ela estava muito ciente disso – mas ele falou de modo mais quente, novamente. Algo frio revolveu no estômago de Julia. Ela tentou dizer a si mesma que ele falara sério quando disse que não gostava de violar mulheres. Certamente ele não pensava que não precisaria? Que ela estaria disposta a… Oh, não, meu bárbaro arrogante, se você acha que ombros largos e grandes músculos seduzirão Julia Livia Rufa, terá uma grande decepção. Eles pararam novamente, mais abaixo na rua em frente a uma porta em arco. — Não! — Ela protestou. — Não ousem, seus ladrões pagãos! Essa é uma igreja, ela é sagrada… — Sim, eu sei. — Wulfric desceu da sela. — Quero verificar que não tiveram problemas. — Ele desapareceu dentro, deixando para trás uma Julia boquiaberta. — Somos cristãos — Berig disse com raiva. — Vocês romanos não sabem nada sobre qualquer outro povo? — Eu… eu não pensei. Mas vocês não são cristãos há muito tempo, não é? Alguns de vocês ainda adoram os deuses antigos? — Alguns, talvez — o rapaz admitiu. — Não quer dizer que esmagaríamos uma igreja. E eu aposto que alguns romanos ainda adoram os seus deuses antigos, também. Sua avó era um deles. Julia sabia que a mãe de seu pai mantinha o santuário para os deuses em casa, apesar do desagrado de seu filho. Ela mordeu o lábio. O A Escrava e o Rei Bárbaro – Louise Allen

que mais ela não sabia sobre essas pessoas? Ela lembrava de ter visto os lábios de Wulfric se moverem quando ele baixara a escrava e a colocara no prédio em fogo. Ele teria orado sobre ela? E ela, Julia, ainda não havia pensado em fazê-lo. Envergonhada, ela tentou encontrar as palavras, mas sua mente estava muito confusa para encontrá-las. Wulfric emergiu. — Eles estão bem, Theofrid passou por aqui há duas horas e deu-lhes uma senha. Julia olhou em volta, confusa. Não era assim que ela esperava que fosse o saque de uma cidade. É verdade, tinha havido pânico e confusão, fumaça subindo em todos os lugares que ela olhava, e estava com dois homens cujos alforjes inchavam com ouro saqueado. Mas, esperava sangue correndo nas ruas, igrejas e palácios ardendo, homens selvagens, pintados com símbolos estranhos, arrastando as mulheres para fora por seus cabelos para fins inconfessáveis. Seria como uma forma, particularmente, vigorosa da cobrança de impostos. Com moeda humana. — Vamos para o Fórum, ver quem mais está lá. — O espírito de Julia se elevou, certamente haveria soldados, com certeza alguma resistência a esta invasão estava sendo organizada? Ao ir para o Fórum andariam direto para as mãos de homens do imperador e ela seria salva. Mas eles estavam andando contra a maré de pessoas que fluía para fora do coração da cidade e sua confiança começou a diminuir. Por que as pessoas estavam fugindo, será que os godos tinham invadido o próprio Fórum? Outros cavaleiros, vestidos como Wulfric, seus cabelos longos sobre os ombros, apareceram ao lado deles. Saudações foram trocadas em uma língua que ela não conseguiu entender, trechos de notícias passando de cavaleiro para cavaleiro. Um grupo de homens a pé, estava conduzindo um grupo vestido com túnicas diante deles. Pelas expressões resignadas nos rostos dos cativos, Julia achou que já deviam ser escravos. Berig estava falando com outro grupo que parecia está provocando-o sobre sua cativa. Julia virou a cabeça para longe de seus olhares curiosos, com um elevar altivo do queixo e se viu olhando para o rosto assustado de um homem que ela conhecia, meio escondido em uma porta. — Marcus! Marcus Atilius! Ajude-me! — O jovem, seu vizinho, começou a sair de seu esconderijo, em seguida, começou a recuar enquanto os cavaleiros se A Escrava e o Rei Bárbaro – Louise Allen

fechavam em torno cavalo de Berig. — Diga ao meu pai — ela gritou quando ele girou sobre seus calcanhares. — Diga a Antonius Justus! Fui raptada! — Deixe-me ir! — Ver alguém que conhecia a galvanizou, deu-lhe esperança. Ela empurrou as amarras que a ligavam a Berig, em seguida, tentou enfiar as unhas em suas costas. — Aí, você é uma gata, pare com isso! — Ele se torceu virando-se, furioso, sibilando de dor enquanto Wulfric colocava sua montaria ao lado deles. — Pare com isso. — Ele estendeu a mão e empurrou de volta os dedos que arranhavam. — Se você fizer isso novamente, vou colocá-la sobre a frente da minha cela, como um saco de grãos, o que não vai ajudar muito à sua dignidade, minha senhora. Julia retrocedeu mais agitada do que estava disposta a admitir para si mesma. Em algum lugar, no fundo de sua mente, tivera o pensamento de que logo seria resgatada, assim que alguém, com autoridade percebesse sua situação. Ela esperava encontrar todos os jovens de patrícios armados e defendendo Roma, enquanto os mais velhos se reuniriam para montar a estratégia, na Basílica. Mas se homens como Marcus Atilius estavam se escondendo nas portas, nas togas ou túnicas de seda, escondidos sob capas escuras, então, quem estava reunindo as tropas? Ninguém, foi a resposta, ela viu logo que chegou ao Fórum. O coração de Roma, o seu orgulho, fora invadido pelos sitiantes. Grupos de homens montados gritavam notícias uns aos outros, outros reuniam carroções carregados com caixas, sacos de comida e barris. Ansiosas hordas de escravos esperavam com prazer por seus novos mestres – e não havia nenhum sinal de resistência. Wulfric freou sob a parede circular do antigo Templo de Vesta. Parecia ser um ponto de encontro previamente combinado pelos homens que já estavam lotando a frente, os punhos cerrados levantados em saudação. Sedenta, tensa, faminta, quase além do medo, extremamente desconfortável, Julia deixou-se inclinar contra as costas de Berig, deixando o ruído passar sobre ela, e afundou-se em um misto de desmaio e cochilo. — Aqui — Alguém estava balançando seu ombro. Exausta, ela levantou a cabeça. Wulfric estava segurando um cantil. — Beba, você deve estar com sede. — Como posso? Minhas mãos estão atadas. — Pensar em água fez sua garganta seca apertar de tanta sede, mas ela se recusou a agradecer-lhe.

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Wulfric se inclinou para frente e libertou um pulso. Julia pegou o cantil e bebeu. Era vinho com água, um vinho ruim, vermelho, fino, provavelmente roubado de uma taberna, mas caiu como o mais fino vintage dos vinhedos da família. Ela o devolveu com um rígido aceno de cabeça. Ele não tentou prender seu pulso novamente, e ela percebeu quando se firmou, que o pomo da faca de Berig estava agora ao seu alcance. Ela poderia arrebatá-la, segurá-la entre suas costelas até que ele concordasse em levá-la de volta, ou… deixou sua mão livre deslizar para o lado do rapaz, como se quisesse garantir sua posição. — Berig, mova sua faca. — O rapaz mudou-a, para fora do alcance dela, e ela olhou furiosa, para o homem grande. — Você tem os olhos na parte de trás de sua cabeça? Ele sorriu, os olhos verdes enrugando-se divertidos. — Claro, é assim que permaneço vivo. Isso, e ser capaz de ler a mente de meu inimigo. É isso que eu sou? Seu inimigo? O que eu fiz para merecer isso? Um dos grupos de escravos passou se arrastando e ela olhou para eles, percebendo pela primeira vez, que eram uma mistura, as pessoas que faziam a vida no Império funcionar com a eficiência de um relógio d’água. Altos, de cabelos claros, nortistas de pele clara, alguns rostos negros, a estatura magra e peles cor de oliva de homens do Império do Oriente, todos presos e sendo conduzidos. O que eles fizeram para merecer isso? Estes bárbaros aprenderam conosco e agora colhemos o que semeamos. — Venha. — Wulfric levantou a voz e as cabeças se viraram. — Voltemos para o acampamento, fizemos o suficiente por hoje. Alaric convocou um conselho para amanhã. Parecia que a palavra de Wulfric possuía peso. Aquilo foi uma ordem, não uma sugestão, e Julia viu como o seguiam. Cerca de cinquenta homens, fazendo uma contagem grosseira, e muitos anciãos grisalhos, mais velhos do que ele em anos. — Quem é ele? — perguntou para Berig, uma vez que estavam longe da agitação do Fórum. O vinho, por mais suave que fosse, a revitalizou e para escapar ela precisava saber, precisava entender seu captor. — Quem são todos esses homens? — Nossos parentes e alguns daqueles que se aliaram conosco. Há muito mais que estes, é claro. A Escrava e o Rei Bárbaro – Louise Allen

— Mais? Um exército particular, então. — Você é o seu… não, ele não é velho o suficiente para você ser seu filho. — Eu não sei a palavra. — Berig lutou com aquilo. — A irmã da minha mãe se casou com o irmão da mãe dele. — Um primo distante? — Julia sugeriu. — Por que você o serve? — Primo. — O menino praticou a palavra. — É o costume. Eu o sirvo, ele me ensina a ser um homem e como lutar. Em dois anos, vai me entregar a minha espada. — Entendo. Mas por que todos esses homens o seguem? Eles são mais velhos do que ele, muitos deles. — Porque ele é, ah – eu não sei a palavra em latim! Rei-merecedor? Você entende? Ele é, ao seu modo, um líder. — Mas você tem um rei. Alaric. — Ele não vai viver para sempre. — O menino deu de ombros. — Wulfric é leal, diz que Alaric é um bom rei, mas, muitos murmuram contra ele. Temos andado durante anos, lutando, esperando que o seu imperador honre com sua palavra. Há alguns que dizem que Alaric deve cair duro, em breve. Julia olhou para a figura alta que cavalgava na frente deles. Rei-merecedor. Então, a que tipo de homem ela pertencia agora? — O que um homem deve fazer para ser rei-merecedor? — Ser sábio no Conselho, feroz em batalha, matar o inimigo, ser esperto na estratégia, um legislador e um juiz. Ser generoso com o seu povo e guiá-los para o ouro. — E Wulfric é tudo isso? — E muito mais. — O menino assentiu ferozmente apaixonado na defesa de seu senhor. — Ele é grande no Conselho de Alaric. — Mas outros também o são? — ela perguntou. — Ele não é o herdeiro? — Não — Berig admitiu. — Não é assim que funciona. Quando Alaric morrer, talvez haja uma luta. — O pensamento não parecia alarmá-lo. — Olhe, estamos quase lá. Eles haviam saído do Salarian Gate sem que ela percebesse. Agora, à distância, ela podia ver a fumaça de fogueiras, as linhas de tendas, muito maior do A Escrava e o Rei Bárbaro – Louise Allen

que o maior campo legionário que ela tenha visto. À medida que se aproximava ela viu que, enquanto os abrigos se pareciam com tendas do exército romano mesmo em uma mistura selvagem de tamanhos e cores - o campo mais parecia uma grande vila, do que uma guarnição militar. As mulheres estavam por toda parte, apressando-se em meio às tendas, curvadas sobre fogueiras, perseguindo as crianças errantes. Cercas mantinham cavalos, bois, porcos e ovelhas encurralados, as tendas estavam dispostas em blocos regulares, com ruas entre elas, grandes carroções estavam estabelecidos em linhas, estandartes se agitavam, preguiçosamente, e homens montados, circulavam a área, seus olhos no horizonte. — Há milhares — ela murmurou, então saltou quando Wulfric respondeu a ela. Ele deveria ouvir igual a seu lobo. — Este é um povo, uma nação, em busca de uma pátria. E agora, você é parte dela. — Nunca — ela disse, quando ele se virou e começou a fazer o seu caminho até uma das largas ruas entre as tendas. — Nunca. — Você é muito teimosa — Berig observou. — Eu pensei que as mulheres romanas ficavam em casa e faziam como lhes era ordenado. — E as mulheres godas? — Oh, não! — Berig riu. — Eu acho que você vai se sentir muito em casa aqui. Eu duvido muito, Julia pensou severamente. Havia coisas mais importantes para se preocupar - como escapar, como sobreviver, vivendo com um bárbaro arrogante e músculos até conseguir fugir. E depois, havia as coisas triviais. As coisas que faziam parte da sobrevivência, uma casa de banhos adequada, uma latrina adequada com água corrente, alimentos civilizados, e alguém para cozinhá-los, roupas limpas. - Estas eram todas as coisas que ela não encontraria no meio desses bárbaros. Wulfric desmontou na frente da maior tenda que ela já vira. Mulheres de tendas vizinhas olhavam por cima de panelas, sorrindo e acenando. Uma criança pequena, pernas robustas tropeçando enquanto corria, derrapou, até parar na frente dele, puxou a bainha de sua túnica e começou a atormentá-lo com perguntas. Wulfric respondeu pacientemente na sua própria língua, em seguida, pegou a criança que gritava com prazer, depositou-a na sela de seu cavalo e entregou-lhe A Escrava e o Rei Bárbaro – Louise Allen

as rédeas. Julia o olhou. Este era o homem que Berig disse ser um possível futuro rei, um guerreiro implacável. Tentou imaginar qualquer um dos senadores que conhecia, parando para conversar com uma criança suja e confiando-lhe seu cavalo. Ele puxou para baixo os alforjes carregados e desamarrou um pacote de peles e penas que Julia não notara antes. — Jantar. — Ele entregou a ela. Dois coelhos e um pássaro de alguma espécie. Enquanto ela os segurava longe de suas saias, fazendo uma careta de desgosto, o lobo saltou e um outro coelho caiu a seus pés, em seguida, ele sentouse, ofegante. — Suponho que você espera que eu seja grata, não é? — ela perguntou, olhando para o animal. Ele pendeu sua língua para fora. Ela poderia jurar que estava sorrindo. — Vamos comer bem esta noite — disse Wulfric. — E o nome dele é Smoke. — A criatura levantou sua grande cabeça ao som de seu nome. — Então, será que ele entende latim? — Claro. — Bem, Smoke devo enterrar a pele destes, ou arrancá-la, ou o que quer que faça? — Ela sabia muito bem o que precisava ser feito, na teoria, mas não possuía a menor intenção de fazê-lo. Deixaria que ele pensasse que era completamente mimada, isso o deixaria desprevenido. Ela esperava um show de mau humor em seu desafio, mas tudo o que Wulfric disse foi: — Berig vai fazê-lo esta noite. E amanhã eu vou encontrar alguém para mostrar-lhe como cozinhar. Julia baixou o nariz para ele. — Veremos sobre isso. E agora eu quero me lavar. — Todos nós queremos. — Por Hades, era impossível provocar o homem? — Se você for lá e pedir para Una… — Ele acenou para uma jovem que estava colocando madeira sob um vasto caldeirão —…ela vai lhe dar água quente. — Ele bateu na anca do cavalo cinzento e este partiu, seu pequeno cavaleiro cantando com prazer e seguido por um Berig vigilante. Wulfric abriu a porta da tenda e desapareceu no interior. A Escrava e o Rei Bárbaro – Louise Allen

O que aconteceria se ela, simplesmente se afastasse e desaparecesse na cidade de tendas? A seus pés Smoke se levantou, sacudiu-se vigorosamente e ficou esperando. Claro, seu guarda-costas peludo a traria de volta ao seu mestre peludo. Julia fez uma careta e foi até Una. A outra mulher sorriu. Ela possuía cabelo claro, era mais alta do que Julia e, era evidente, apesar de sua longa túnica e manto enrolado, que estava grávida. — Olá. Você é Una? Fala latim? — Um pouco. Melhor se eu praticá-lo. — Una se endireitou e esfregou a parte baixa de suas costas, sorrindo. — Você é a mulher de Wulfric agora? — Não! Ele acha que eu sou sua escrava. — Elas ficaram olhando uma para a outra. Una estava, obviamente, processando qual era a posição de Julia. — Preciso de água quente. E preciso da latrina. — E como ela explicaria isso através de gestos, se o latim de Una não fosse suficiente? Seu ar, levemente desesperado, deve ter comunicado o seu significado. Una sorriu e apontou para um quadrado feito de acácias, que estava isolado no meio de um espaço livre. Julia se aproximou cautelosamente, temendo o pior. A acácia, apenas a altura da cabeça, possuía uma abertura com uma confusa armação dentro dela: um buraco profundo com uma prancha, um balde de cinzas com uma colher e uma caixa de folhas grandes. Na ausência de água corrente, era notavelmente civilizado, embora uma indicação de que estava ocupado fosse um problema. Não havia nada para isso: Julia cantou. Ela saiu, para encontrar Una colocando água quente em dois baldes. Ela enganchou correntes sobre eles e levantou uma canga, para Julia se colocar por baixo. — O suficiente? — Sim. Sim, obrigada. — Julia puxou o peso e se endireitou. Não é que fosse muito pesado, embora ela certamente tivesse que se concentrar para manter os baldes constantes, era o simbolismo da coisa. Ela estava sob o jugo de Wulfric agora. Aceitara a primeira tarefa, haveria algum retorno com isso? — Meu nome é Julia — ela disse abruptamente. — Julia Livia. — Una sorriu e acenou com a cabeça e voltou à tarefa com o fogo. Julia caminhou lentamente para a tenda, abaixou-se através da aba e pousou os baldes sem derramar uma gota.

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— Por aqui. — A voz de Wulfric estava abafada. Nas sombras, na parte de trás da tenda, ela podia ver que ele descartara o elmo e o cinturão da espada e estava puxando a cota de malha sobre sua cabeça. Sem dúvida, ele esperava que ela se apressasse para ajudá-lo. Julia endireitou-se sob a canga, levou os baldes, parou e esperou enquanto ele se desembaraçava. A cota de malha sacudiu no chão, reunindo-se em uma massa pesada. Ela havia arrastado a túnica de linho dele, com ela, deixando o peito nu. Julia engoliu. Esperava-se dos homens romanos, de boa família, que se exercitassem, que cultivassem o corpo. Eles não eram tímidos com relação a mostrar seus corpos nos banhos ou no desporto. E a cidade estava cheia de estátuas de homens nus, em mármore branco brilhante ou pintado em cores realistas. Mas este homem era bronzeado. Um deus de bronze ganhando vida. Cada músculo se destacava definido, desenvolvido e poderoso. Sua pele era dourada e ela teve um impulso repentino, poderoso de colocar a mão e senti-lo, sentir o calor, a textura, a pulsação batendo por baixo. Ele demonstrava mais vida do que qualquer pessoa que ela já vira e a aterrorizava. Ela se deu conta que sua boca estava aberta e a fechou. — Você nunca sorri, Julia? — Ele estava olhando para ela, aparentemente bastante inconsciente do efeito que seu corpo seminu fazia nela. — Sim. O tempo todo, quando eu tenho algo para sorrir — ela respondeu. — Eu vou sorrir quando for resgatada. Wulfric ergueu sua mão direita e segurou o queixo dela, seu polegar suavemente empurrando para cima o canto da boca, teimosamente, em linha reta. — Sorria para mim agora, Julia.

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Capítulo três Julia mostrou os dentes para Wulfric. Será que ela vai me morder? ― Sorria para mim — disse ele de novo, intrigado para ver o que ela faria. Era como ter um exótico animal, meio manso, meio selvagem. Ele enlouquecera ao levá-la, e sabia disso. Ela estava tão aquém do que ele precisava que se admirou por seu impulso – nem a esposa que ele deveria adquirir, nem a escrava doméstica, que tornaria sua vida confortável – mas como poderia se iludir pensando que fora um impulso? Poderia tê-la deixado ir a qualquer momento. Algo sobre aquela criatura de cabelos e olhos escuros, de pele morena, o atraiu. Seria um inferno lhe ensinar boas maneiras, com sua arrogância aristocrática e sua rebeldia teimosa. Ele sabia perfeitamente bem que ela havia trazido a água só porque ela, também, queria usá-la. ― Eu prefiro sorrir para o seu lobo. ― Ela empurrou o queixo, mas ele se recusou a deixá-la ir e ela era orgulhosa demais para continuar lutando. Havia medo no fundo daqueles olhos castanhos, medo de que ele a forçasse a fazer mais do que levar água, apesar de sua promessa, e aquilo o irritou. Estes romanos não possuíam noção de honra e nenhum respeito pela palavra de um homem. Alaric, e todo o seu povo, experimentaram isso, ano após ano. Eles lutaram pelo imperador, aprenderam a língua, mantiveram seus inimigos à distância, à espera de sua recompensa, enquanto eram enganados e iludidos. E agora, o que fariam? Eles tomaram a maior cidade da Terra, tinham a irmã do imperador, poderiam esvaziar Roma do ouro, dos escravos e seus tesouros. Mas estariam mais perto daquilo que precisavam - uma pátria segura? A lealdade a seu rei lhes dizia para confiar no julgamento de Alaric. A experiência e sua própria intuição lhe diziam para duvidar do resultado. E também, porque não era honrado duvidar de seu rei. Frustrado, ele a soltou. ― Esse é o seu espaço, pegue um pouco de água. ― Ele apontou com o queixo, para uma cortina de pano listrado que protegia um canto da tenda. Ela se afastou, e ele viu como ela passou a mão sobre seu queixo onde ele a segurou, esfregando como se quisesse se livrar de seu toque indesejado.

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― Esta é uma tenda grande. — Observou ela, como se nada tivesse acontecido entre eles, levantando um dos baldes e fazendo o seu caminho até o canto. Ela era mais forte do que parecia. ― Nós copiamos o modelo das tendas dos legionários, porém maiores do que o modelo padrão para oito homens. Passamos anos vivendo nelas, agora elas estão tão parecidas com uma casa quanto podemos deixá-las. ― Ele olhou para ela remexendo em seu espaço, divertindo-se com o instinto feminino de construir um ninho nas circunstâncias menos promissoras. ― Vou lhe dar tapetes para uma cama e Berig vai encher alguns sacos com palha, para um colchão. ― Luxo de verdade — disse ela secamente, deixando a cortina cair entre eles. Wulfric assobiou para Smoke e quando o lobo entrou, ele acenou com a cabeça para o canto. O animal foi para trás da cortina e deve ter se sentado. Wulfric podia ver sua cauda saliente por baixo. Julia murmurou alguma coisa e a cauda começou a abanar. Smoke gostava dela, pelo que parecia. Berig, era óbvio, não o fazia. ― Onde ela está? ― Ele perguntou, ao entrar. ― Se lavando. — Wulfric fez um gesto com a cabeça em direção à cortina. ― Aqui, pegue um pouco dessa e faça o mesmo, fique decente. Você fede a cavalo e a fumaça. ― E você também. ― Berig começou a derramar água quente em uma bacia. ― Eu estou me lavando, não estou? ― Wulfric apontou um punho para a cabeça do rapaz, observando-o criticamente, quando ele se esquivou sem problemas. Ele estava crescendo rápido, muito rápido, para seu corpo magro. Possuía uma língua rápida, feroz lealdade e trabalhava como um mágico com os cavalos. Ele também estava começando a flertar com as meninas de sua idade. Wulfric lançou um olhar pensativo na direção do canto onde Julia estava. Ouvia-a chapinhar, mas nenhum outro som. Ele estava pedindo problemas, ao introduzir uma mulher jovem e atraente dentro da tenda com o rapaz? Provavelmente não, não enquanto eles continuassem brigando como um irmão e uma irmã, mas ele precisava observar. Berig merecia mais do que cair apaixonado pela primeira vez por uma moça romana altiva como esta. Ele pegou outra barra de sabão dentro do vaso de barro e a passou pela borda da cortina. ― Pegue aqui. A Escrava e o Rei Bárbaro – Louise Allen

Houve uma pausa, em seguida, os dedos molhados roçaram contra sua mão quando ela a pegou. ― Obrigada. Como se atingido pela mordida de uma víbora seu corpo ficou rígido pelo desejo. Wulfric sacudiu a cabeça, tentando limpá-la. Por que o toque fugaz o afetou assim, ele não fazia ideia. Em um momento, estava preocupado por não estar pensando no Conselho de amanhã, mas sim nas fantasias adolescentes de Berig, no próximo encontrava-se tão excitado como se Julia tivesse surgido nua, envolvendo-se em torno dele. O toque dos dedos úmidos disparou sua imaginação com imagens dela molhada e nua por trás da cortina frágil, e ele caminhou até os recessos sombrios da tenda para se dar uma chance de se recuperar. Não fora para isso que ele a trouxera. Somente desejava saber para quê. ― Há uma toalha aqui em algum lugar. ― Não, elas estão todas aqui ― Berig disse. — Una lavou todas as nossas coisas, e elas estão junto com as túnicas. ― Una tem sido sua criada até agora, eu presumo? ― A voz fria efetivamente acabou com suas fantasias. Wulfric se voltou para a água quente com uma careta. ― Una é minha irmã, ela cuida de nós quando não há mais ninguém ― Berig explodiu. ― E ela está esperando um bebê, então não deveria cuidar de duas famílias, agora. ― Então é melhor você sequestrar um escravo para ela também, não é? Ou lhe dar alguma ajuda. Maldição, a mulher possuía uma língua igual a uma víbora, assim como também, as suas presas. ― Uma ideia excelente, embora uma vez que você saiba o lugar das coisas, tenho certeza que poderá ajudá-la, ela vai apreciar a companhia de uma mulher ― Wulfric disse suavemente. ― Ela estará ocupada quando o bebê nascer. Silêncio. ― Então, exatamente o que você espera que eu faça? ― Cozinhar para nós três. Manter esta tenda limpa e arrumada. Lavar e consertar nossas roupas. Buscar água e aquecê-la quando voltamos. ― Cuidar de você quando você está doente, não é? A Escrava e o Rei Bárbaro – Louise Allen

― Claro. Ou ferido. Ele quase podia ler seus pensamentos. Quanto antes melhor… ― Vocês estão decentes? Wulfric lançou um olhar apressado para baixo, mas a troca gelada havia esfriado qualquer flash ridículo de luxúria. Ele ainda estava abalado com sua momentânea perda de controle. Agora era hora de pensar seriamente em uma esposa? Havia muitos que o aconselhariam a fazer exatamente isso. Um homem de sua posição, um líder, precisava de filhos fortes. Hilderico estava insinuando sobre sua filha Sunilda. Era uma boa aliança, que traria muitas lanças para o seu lado e ela era uma mulher forte, tanto de mente, quanto de corpo. Uma mulher que compreendia o que era necessário e o que deveria ser feito para que todas as crianças tivessem uma pátria onde crescer. Ele percebeu que deveria ter se perdido em pensamentos quando Berig respondeu: ― Nós temos nossas calças vestidas, se é isso que você quer saber. Wulfric sufocou um bufo de diversão. ― Então, coloque uma roupa, também — ele ordenou. ― E vá fazer alguma coisa sobre a nossa refeição da noite. ― Eu esfolei e arrumei os coelhos — disse Berig, sua voz abafada enquanto puxava a roupa limpa sobre a sua cabeça. ― Una levou-os, para adicionar a uma panela quente de legumes. Eles vão ser o suficiente para nós e para a sua prole. Sichar vai chegar tarde, ela disse algo sobre cavalos. Wulfric resmungou. O cunhado de Berig fora enviado por Alaric para fazer a contagem de todos os animais disponíveis e suas condições. Levantariam acampamento em breve, o que não era segredo – e ficar fora de uma cidade, morrendo de fome, uma vez que fora despojada de sua riqueza, era loucura – mas para onde iriam – norte ou sul – era o que perturbava seu sono à noite. ― Em seguida, encha os sacos de palha para a cama de Julia. ― Ela deveria ser nossa escrava. ― O menino começou a protestar. Wulfric levantou uma sobrancelha e ele parou. ― Desculpe. Sim, meu senhor. Wulfric esperou até que ele tivesse fechado a tenda, em seguida, sorriu ironicamente para Julia enquanto ela saia para o espaço principal. A Escrava e o Rei Bárbaro – Louise Allen

― Idade difícil. ― Talvez ela tivesse experiência com os irmãos, alguma ligação que ele poderia fazer para permitir que ela visse Berig como um homem jovem, não um inimigo. Tê-los brigando, ou de mau humor, e se ele exercesse a sua vontade, não faria nada para uma existência confortável. ― Eu não saberia dizer — disse ela com firmeza, sua atenção aparentemente fixa em amarrar sua longa trança. ― Não tenho irmãos. Chega dessa conversa. ― Mas você deve ter passado por uma fase de querer se rebelar, seguir seu próprio caminho. ― Isso condizia com ela, o estilo simples, ao contrário dos babados elaborados que estava vestindo antes. A fazia parecer mais velha, menos uma menina e mais uma mulher. Ele estava consciente dos traços bonitos de seu rosto. ― É bom que Berig se irrite com a autoridade, tenta os limites da sua paciência. Se ele não tentar e não encontrar o seu próprio caminho, nunca vai aprender a disciplina de subjugar a sua vontade a acatar ordens. E um dia vou soltar as rédeas e deixá-lo dono de si. Mas então, ele terá aprendido a autodisciplina por si mesmo. ― Eu nunca sonharia em desobedecer meus pais. ― Ela olhou para ele com altivez. ― As crianças romanas não são incentivadas a ser donas de si, como você falou. Elas tem bem claro os seus deveres para com sua formação e carreira préestabelecidos. ― Possivelmente, é por isso que derrotamos Roma e não o contrário — Ele sugeriu suavemente, ganhando um olhar de desdém, quando Berig entrou, puxando dois sacos abaulados por trás dele. ― Eu vou pegar uma estrutura para o catre. ― Ele saiu de novo, abrindo a aba da tenda.

Através da porta aberta Julia podia ver a agitação da vida no campo, quando o sol começava a se pôr. Os homens estavam começando a voltar para suas fogueiras domésticas, crianças correndo para os encontrarem, mulheres largando suas panelas para acenar, ou para trocar um beijo com os grandes guerreiros de cabelos compridos. Tão ferozes, parecendo tão selvagens, e no entanto, aparentemente, tão caseiros. Ali parecia afeição verdadeira. Julia não conseguia se lembrar da última vez que vira o pai beijar sua mãe, que não fosse com uma saudação fria na bochecha em ocasiões formais. Ela estremeceu. A Escrava e o Rei Bárbaro – Louise Allen

― Você está com frio? ― Wulfric disse, logo atrás dela. Movia-se muito silenciosamente para um homem tão grande, e ela sentiu seu corpo enrijecer como se estivesse pronto para correr. ― Não. ― Ela não devia ceder à gratidão por seus pequenos gestos de atenção, a ponto de ficar cega quanto ao pleno reconhecimento de que era uma prisioneira. Dessa forma, a fragilidade seria fatal. Ele era como seu lobo, domesticado até se transformar em um assassino. ― Tem certeza? Eu posso lhe encontrar um manto, Una emprestaria um. ― Não. ― Ela lutou para esconder outro arrepio. Não estava frio, o ar ainda mantinha o calor de um longo dia quente, mas um calafrio percorreu todo seu corpo, e ela sabia que, se relaxasse, começaria a tremer. Choque, ela supôs, embora surpresa por ser capaz de analisar alguma coisa. ― Então o que é? ― Ele disse gentilmente. ― O que você precisa, Julia? ― O que você acha? ― Ela se virou, ficando cara a cara com ele, tão perto, que precisou colocar a cabeça para trás para olhar no rosto dele. ― O que você acha que eu quero, o que eu preciso? Havia uma perigosa chama de raiva em seus olhos quando ela lhe respondeu. Ele estava com a esperança de que eu amolecesse, pensou amargamente. Ele não gosta que isto seja lançado de volta em seu rosto. ― Ser livre ― Wulfric respondeu. ― Mas você não pode ser livre agora, Julia, você é minha. ― Ela deu dois passos para longe dele, irritada, abaixando-se para sair da tenda ficou parada na entrada, com os braços cruzados apertados ao seu corpo, numa tentativa de conter o tremor. Lá fora as crianças de algumas das tendas mais próximas, estavam ajudando suas mães a colocar mesas de cavalete, alguns carregando pilhas de recipientes de cerâmica, pratos de madeira, copos e colheres feitos de chifre. ― Vamos comer lá fora. — Ele disse. Julia começou a se virar, para anunciar arrogantemente que não se importava aonde comeriam, pois não estava com fome, quando viu que Wulfric estava falando, não para ela, mas para Berig, que estava levantando uma caixa feita de tábuas. ― Badi — disse ele, fazendo uma pausa quando a viu observando. ― Cama. — Julia virou um ombro. Por que ela deveria aprender a sua língua grosseira? Ela não ficaria ali tempo suficiente para se incomodar em aprender.

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― As pessoas vão olhar — Berig acrescentou, pegando a referência de Wulfric à sua refeição. ― Deixe que olhem. Venha aqui, me ajude com o cavalete, está muito quente para comer no interior. Eles vão se acostumar com a visão dela em breve, mais cedo, se Una puder encontrar alguma roupa para ela. Julia sentiu algo se contraindo dentro dela. Trocar sua roupa por roupa de godos? Seria perder a sua identidade. Mesmo agora, olhando em volta, ela lamentou a trança simples, assim como a de muitas das mulheres bárbaras. Eu não sou como elas, sou romana, disse para si mesma ferozmente. Deixar de parecer uma romana seria mais um passo a descer, na encosta escorregadia, para aceitar o que Wulfric estava tentando fazer dela. Se ela se parecesse com as outras mulheres, Wulfric continuaria olhando para ela com aquele olhar quente, que sempre via brilhando por trás dos olhos verdes? Talvez parecer exótica para ele, fosse uma atração e quem sabe se passasse a usar as roupas de casa fosse uma proteção. Mas o calor daquele olhar era traiçoeiramente sedutor, mesmo quando ele a assustava. ― Vem, Julia, eu vou lhe mostrar onde estão as coisas para comer. ― Era Berig, muito obviamente fazendo um esforço para ser civilizado. Julia quase lhe disse que ela não estava com a intenção de comer, sentada em uma mesa, mas, em seguida, voltou-se humildemente e o seguiu para dentro da tenda. Quanto mais cedo se familiarizasse com a tenda e tudo o que ela continha, mais cedo ela saberia exatamente, que recursos tinha à mão, para ajudá-la a escapar. Uma faca, para começar, para cortar a pesada lona do lado da tenda. ― Aqui. ― O rapaz estava tirando travessas e tigelas de uma prateleira improvisada. ― As colheres e copos estão aqui, vê? ― Preciso de uma faca para comer — disse ela. ― Oh. ― Berig bateu a mão do seu lado, onde a faca de comer estava pendurada no cinto. ― Sim, claro que você precisa. Vamos ver o que há aqui. Tão fácil. Julia pegou a faca com um ar ausente e a acrescentou ao monte de coisas para levar. Seria demais esperar por divãs de jantar civilizados, toalhas de linho fino e vinho em copos, é claro. Berig estava carregando banquinhos dobráveis, o que respondia a, pelo menos, parte da especulação. Mas quando ela começou a colocar o prato, Julia se encontrou perguntando sobre a habilidade do artesão de madeira que havia produzido os pratos. Mesmo as tigelas de cerâmica não eram desagradáveis com o A Escrava e o Rei Bárbaro – Louise Allen

seu brilho sutil, paredes finas e estampas delicadas. Ela passou o polegar na tigela elegante, segurou a colher de chifre e foi forçada a reconhecer que essas pessoas podiam não ter a sofisticação dos cidadãos romanos, mas os objetos não eram rudes. ― Pergunta-se onde o vidro do Reno e as bandejas de prata estão, Julia? ― Wulfric estava olhando para ela. Wulfric parecia sempre está olhando para ela… ― Isto é suficientemente bom, eu acho. ― O vidro do Reno está na terceira prateleira à esquerda da porta. Eu pensei em cerveja, com o rico ensopado de coelho de Una, mas se você prefere vinho esta noite, podemos conseguir vidro. A prata, receio, esteja embalada e um pouco mais inacessível, mas se você me disser que deseja comer nela, tenho certeza que Berig pode encontrar alguma coisa. Um rico ensopado de coelho. Seu estômago se agitou, distraindo-a de seu sarcasmo, embora, para ser justa, ele provavelmente teria se reviltado igualmente, apenas com o pensamento de pão seco e água. ― Eu não iria perturbá-lo para encontrar uma coisa dessas para uma mera escrava — disse ela com sarcasmo e foi difícil não jogar um copo de chifre nele, quando Wulfric apenas sorriu. ― Você está determinada a não mostrar qualquer fraqueza, não é mesmo, Julia Livia? ― Seu nome formal pela primeira vez. ― Estou bem ciente de que você se sente totalmente inclinada a não comer, muito menos ter que se sentar aqui, em plena vista de um bom grupo de observadores interessados, e comer ensopado de coelho. Mas é exatamente isso o que você vai fazer. Comer, e manter a sua força. Julia estreitou os olhos para ele. O que saberia este grande homem forte, invencível? Alguma vez sentiu medo em sua vida? Já sentiu seu estômago se transformar em uma massa de borboletas? Já se sentiu pequeno, impotente e desesperado? Não, claro que não.

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Uma vez quando ela viu um pequeno musaranho 7 confrontado por um cão de caça mil vezes maior do que ele, ela pensou que o pequeno animal cairia morto de terror quando o cão estendeu seu nariz, fungando, com curiosidade, mas não, ele saltara no ar e enterrou seus dentes afiados no nariz do cão. Bem, eu sou o musaranho, ela disse para si mesma, bravamente. Eu vencerei. Berig estava voltando, carregando uma panela fumegante, sua irmã em seus calcanhares, com o seu próprio prato e colher nas mãos, quatro crianças em volta de suas saias. ― Saudações — ela disse para Julia, empurrando as crianças para que falassem. ― Saudações — ela respondeu, não querendo desprezar esta mulher por causa dos pecados dos seus homens. Sentaram-se, finalmente, e junto com o ensopado à mesa, pratos de pão, queijo, manteiga e um jarro de cerveja. Parecia uma maneira muito estranha de comer, mas Julia fez o seu melhor. Mantenha a sua força, uma voz interior a incomodava. O ensopado estava delicioso. Saboroso, quente, rico. Ela comia com um apetite que não pensara que pudesse sentir de novo, o frio em seu interior derreteu, os espasmos de tremores desapareceram. Então, ela olhou para cima e encontrou os olhos de Wulfric sobre ela. Seu captor. Julia deixou cair a colher, esqueceu a faca que tão cuidadosamente protegera, e correu para a latrina, cada pedaço que ela havia comido e bebido subindo para sufocá-la. Ela estava dobrada, sendo miseravelmente atacada por náuseas, quando um braço veio ao redor de seus ombros para apoiá-la e um pano úmido foi pressionado em sua mão. ― Obrigada, Una ― murmurou ela, grata pelo apoio. Por fim, a miséria cessou e ela caiu para trás contra o corpo atrás de si, a cabeça girando. Uma taça

7 Os musaranhos são pequenos mamíferos, que precisam comer o tempo todo. Podem morrer se ficarem mais de seis horas sem comer. Geralmente vivem sozinhos e possuem como característica marcante um focinho comprido.

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apareceu e ela lavou a boca com alívio. ― Obrigada ― ela disse novamente, um pouco mais forte. ― Sinto muito — disse seu salvador e ela congelou contra o braço de apoio. Não era Uma. Era Wulfric ―, deveria ter deixado você comer no interior. ― Deixe-me ir! ― Ela lutou para se libertar, o rosto escarlate de humilhação pela posição em que se encontrava, de repente totalmente consciente de onde estava. ― Claro, vamos para lá, você precisa descansar. ― Por um momento horroroso ela pensou que ele a pegaria para levá-la para fora. O pensamento de ser levada de uma latrina na frente do público curioso, das famílias bárbaras, foi demais. ― Não se atreva a me pegar — ela sussurrou, virando-se para encarar Wulfric. Ele ergueu as mãos em um gesto negativo e a deixou ficar de pé. ― Fique aí — ela acrescentou, empurrando para trás o peso de sua trança e convocando toda a sua dignidade. Então, ela saiu do quadro de acácia, atravessou o espaço até à tenda, sem olhar em qualquer direção. No interior, longe de todos os olhos, a determinação a abandonou e ela se agarrou trêmula, na estaca que erguia a frente da estrutura. ― Cama — disse uma voz atrás dela, e desta vez, quando seus joelhos cederam, ela o deixou pegá-la e levá-la até a cortina pendurada no canto. ― Aqui. — Wulfric a deitou na cama e ela sentiu seu peso se acomodar no colchão fofo que Berig havia tão relutantemente preparado. ― Aqui tem água. ― Ele apontou para um jarro. ― E aqui está Smoke para vigiar você. Descanse, você não tem nenhuma utilidade para mim doente. Boa noite, Julia. Ele não olhou para trás quando o tecido listrado caiu para protegê-la, no cantinho. Julia se esforçou para ouvir seus passos, mas só Smoke, com a cabeça levantada até que sentiu que seu dono havia deixado à tenda, deu-lhe uma pista. O lobo circulou ao redor, encontrou um local confortável e deitou-se ao pé da cama. Julia podia ver a ponta de sua cauda, por causa da luz da lâmpada que ardia na pequena prateleira situada ao lado da cama. Ficou deitada esfregando seu estômago dolorido e tentando recuperar algum equilíbrio. A faca ainda estava sobre a mesa do lado de fora, é claro, e o lobo estava em seu caminho para a porta. Não poderia escapar esta noite então. Julia sentou-se, desamarrou seu cinto e tirou a túnica, ficando com a longa camisa de linho branco. Ela dobrou o fino pano âmbar com cuidado e enrolou o A Escrava e o Rei Bárbaro – Louise Allen

tecido, em seguida, abriu uma segunda arca. Havia toalhas de linho tão fino quanto a que Wulfric lhe entregara mais cedo. Roubadas, sem dúvida, como sua prata, disse para si mesma, colocando suas roupas no topo, em seguida pendurou a toalha usada na caixa fechada. Ela desamarrou suas sandálias e lavou seus pés na água fria que permanecia na bacia, em seguida, começou a trabalhar espalhando as mantas na cama. Era um trabalho desconhecido. Todas as manhãs, ela se levantava, deixando a cama desarrumada para Tullia, sua escrava pessoal, para que ela arrumasse. As roupas que ela havia descartado na noite anterior teriam sido removidas, é claro, e um novo conjunto estaria escolhido para ela. Em sua penteadeira estariam seus pentes e espelhos, seus cosméticos e óleos, suas caixas de joias. Tudo o que precisava fazer era escolher. E à noite, Tullia soltaria seu cabelo e pentearia, ela colocaria o creme de rosto e enxugaria os traços das tintas usadas e seguraria uma camisa de noite, fresca, para Julia vestir. Flores estariam em cima da penteadeira e, claro, óleo queimando nas lâmpadas. Tudo seria perfeito. Acolhedor, de bom gosto, perfeito. Do lado de fora não haveria nada para ouvir. Os escravos estariam em silêncio, muito conscientes de que, se fossem ouvidos, despertariam a ira da dona da casa. Seu pai estaria em seu escritório, ou fora em uma reunião importante, sua mãe estaria divertindo-se com os amigos, ou no teatro. A casa era tão tranquila e tão solitária quanto uma sepultura. Julia arrumou a cama até ter um travesseiro para se encostar, em seguida, deslizou para baixo de uma manta leve. Smoke levantou a cabeça e veio para o lado da cama, sua cauda se agitando, lentamente, para trás e para frente, a língua de fora. Sorrindo, Julia se inclinou e o acariciou atrás das orelhas. O lobo fechou os olhos, e em seguida, lambeu-lhe o pulso antes de voltar ao seu lugar de dormir. Lá fora ela podia ouvir o murmúrio de conversa, conseguiu distinguir a voz de Wulfric, no meio de uma série de outros homens, apesar do fato de todos estarem falando sua própria língua. Havia algo profundo e calmo dominando sobre o discurso. Ela esperava que a língua gótica fosse grosseira e gutural, em vez disso, possuía um ritmo estranho e quase hipnótico. Mais longe um bebê chorou e foi silenciado, cachorros latiam, alguém passou em um cavalo, seus passos lentos e cansados. Seus olhos pesaram, Julia olhou ao redor do espaço que agora era dela. As cortinas brilhavam à luz do abajur, os poucos itens carregavam uma simplicidade reconfortante, que a acalmou, e começou a cair no sono. Vagamente havia a

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percepção de não estar se sentindo sozinha, ela estava se sentindo quente e segura e em casa. Seus olhos se abriram. Era aterrorizante – sua própria mente estava lhe traindo e enfraquecendo. Ela mordeu o lábio, sentindo as lágrimas brotarem e desejou não chorar. Seria forte e não cederia.

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Capítulo Quatro Wulfric acordou, subitamente, completamente desperto, o que o fez alcançar a espada desembainhada que estava junto à sua cama. Silêncio, com exceção do grito agudo das pequenas corujas que assombravam os ciprestes. Ele flexionou seus dedos em torno do tecido de couro do cabo e jogou para trás as cobertas, os olhos arregalados na escuridão, as orelhas esforçando-se para ouvir qualquer som fora do lugar. As sentinelas estavam caladas, os cães, silenciosos. Do canto mais distante da tenda, ouviu os ligeiros roncos de Berig, cortados quando o menino se virou de lado com um grunhido. Então ouviu um som fraco, repetido. Um soluço. Por Hades, ela estava chorando. Ele soltou a espada e se perguntou o que fazer. Não estava acostumado com mulheres, nem mulheres sob seu próprio teto. Sem irmãs, sem esposa, apenas fazendo intercursos de liberação física, com as que desejavam para quem o amor era uma alegre transação comercial, descomplicada. Descomplicado não era o que ele tinha ali. O que fazer com mulheres chorando? Em sua experiência as entregava às outras mulheres. De alguma forma, ele não achava que Una, ou Sichar, o agradecessem por acordá-los àquela hora para confortar uma escrava. Ele se virou, tentando endurecer seu coração como faria com os gemidos de uma ninhada de filhotes de cachorro, separada de sua mãe pela primeira vez. Lá estava novamente. Maldição! Se ela estivesse uivando e berrando, ele teria enfiado os dedos em seus ouvidos e a abandonada à histeria, mas havia algo sobre os dissimulados gemidos de tristeza que lhe subiu ao coração. Com um gemido, ele rolou para fora da cama, deu um passo, pensou melhor e vestiu as calças. Não havia sentido em lhe dar verdadeiros motivos de histerismo, aparecendo nu em seu espaço de dormir. Enquanto cruzava a tenda, o instinto o afastava dos obstáculos na escuridão, um nariz molhado o golpeou no dorso da mão. Era Smoke. O lobo levou os dedos entre os dentes e puxou suavemente. ― Sim, eu sei, eu a ouvi. Deixe-me ir ― Wulfric sussurrou, passando a mão livre sobre a cabeça do animal. Ele se esquivou da tenda e raspou entre as brasas do fogo até encontrar uma brasa vermelho vivo e acendeu uma luz com ela.

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Smoke abriu o caminho sob a luz vacilante e sentou-se junto à cama de Julia, com a cabeça para um lado, como se estivesse intrigado. Ela estava deitada de costas, as cobertas jogadas para trás, os braços acima da cabeça, esparramada num sono inquieto, interrompido de instante em instante por um soluço suave e desesperado. O lobo choramingou. ― Ela está sonhando ― sussurrou Wulfric, olhando para o corpo magro e vulnerável. Ela era linda, ele percebeu, agora que não estava assustada ou carrancuda. Seu rosto estava rígido com uma espécie de miséria. Seu corpo era esguio, elegante, até mesmo relaxado no sono. Suas panturrilhas – tudo o que podia ser visto de suas pernas sob a túnica longa – estavam nuas. Queria tocar, passar a palma sobre a macia pele de cor azeitona, ver o contraste entre ela e seu próprio bronzeado dourado como quando ela colocara a mão em seu braço no beco. Fora o momento em que decidira levá-la? O sensato seria deixá-la ficar com seu pesadelo. Ela poderia acordar de manhã com alguns desses medos exorcizados, mas despertá-la agora, seria arriscar aterrorizá-la, ela imaginaria que seus motivos eram bem diferentes do que realmente eram. Wulfric se abaixou ao lado da cama, levantando a pequena lâmpada para estudar seu rosto, tentando afastar os ignóbeis pensamentos do que aconteceria se ele deslizasse para a cama ao lado dela, baixasse a boca para a dela…Oh, sim, seus motivos não eram tão puros, ou eram? Ele bufou para si mesmo. Então viu as lágrimas em suas bochechas e algo dentro dele parecia torcer dolorosamente. Eu fiz isso. Ela é minha responsabilidade agora. Cautelosamente ele se levantou e se inclinou sobre a cama, pegou Julia e se sentou, a figura esbelta sendo embalada em seus braços. Ela não pesava nada em seu colo e era fácil virá-la, de modo que sua cabeça descansasse contra seu peito, sobre seu coração. Ele a segurou com uma mão e passou a outra palma sobre a têmpora e a bochecha. ― Shh, Julia. Shh, está tudo bem. Você está segura. — Ele quase não conseguiu falar, pressionando sua bochecha sobre a suave seda preta do cabelo dela. Podia sentir a umidade das lágrimas contra a pele quente de seus peitorais, a vibração de sua pulsação, quando sua mão acariciante atingiu sua garganta. Ela soltou um grande suspiro e se deitou contra ele, completamente relaxada no sono, os soluços acalmados. Um peso pousou em seu joelho, Smoke estava descansando sua mandíbula lá, contente.

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― Saia, seu velho idiota. ― Sibilou Wulfric. O lobo olhou para ele e se acomodou mais confortavelmente, como se estivesse ciente de que seu dono não correria o risco de afastá-lo. Ele começou a driblar suavemente. Wulfric sentiu que suas pálpebras começavam a cair. Isso era tolice. Amanhã ele precisava assistir o Conselho, dar ao rei sua opinião, lutar por sua opinião contra aqueles que se opusessem a ela, em uma questão que poderia afetar o destino de seu povo por gerações. Amanhã, os batedores poderiam cavalgar com a notícia de que o imperador tomara o campo e estava marchando em Roma, e ele poderia encontrar-se precisando se preparar para a batalha. Amanhã, mesmo que tudo corresse bem, ele deveria fazer planos para atacar o campo e conduzir seu grupo familiar e seus aliados, para onde Alaric ordenasse. E aqui estava ele, perdendo um valioso sono sentado confortando uma escrava que nem sabia que ele a segurava, enquanto um lobo babava sobre suas calças. Era bom. Acalmando Julia, acalmou também um tumulto interior, que nem sequer percebera que estava sofrendo. Ele podia sentir seus ombros caírem em relaxamento, podia sentir sua respiração desacelerando para o ritmo que tentou ensinar a Berig, o semi-transe focado do guerreiro, com espada. Tudo se tornou muito simples, centrado no corpo quente e frágil em seus braços. Ela moveu ligeiramente suas mãos, que se encontravam sobre seu colo, se moviam inquietas, uma deslizando em volta de suas costas, a outra deslizando pelo peito. O toque inocente, inconsciente, fez sua respiração grudar na garganta, seu relaxamento desapareceu, para ser suplantado por uma consciência sensual que endureceu seu corpo, e fez sua virilha doer. Precisava soltá-la, e com urgência. Smoke gemeu quando sua cabeça foi empurrada sem cerimônia para um lado. Wulfric torceu-se na cama e colocou Julia para baixo, puxando o cobertor para cima, por cima da saia que estava levantada até seus joelhos. Ele saiu do canto, pegando a pequena tocha quando saiu, tão tenso, como se estivesse enfrentando um oponente armado. ― Fique — Ele disse e Smoke deitou-se ao pé da cama. Retomou à sua própria cama, abalado. Julia era perigosa para sua paz de espírito, para o equilíbrio de seu corpo, para seu foco e controle. Inquieto, ele se virou de lado e tentou ficar confortável, aceitando a dor em sua virilha, apenas como punição por seus pensamentos. Perigosa. Alguma parte de sua mente – a parte que o observava – o repreendeu, sua consciência, ele supôs, notando friamente que não considerava levá-la de volta com ele para Roma pela manhã e libertá-la. Não, ele disse a si mesmo quando voltou a dormir. Ela fica.

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Julia acordou com uma luz estranha, uma sala desconhecida, uma cama peculiar. Onde…? Ela se sentou, afastando os cabelos soltos de seu rosto, e se viu olhando para um lobo grande, que estava observando-a do outro lado da cama. Oh, meu Deus, não foi um sonho. Ela estava na tenda de um visigodo, o ontem acontecera, ela era uma cativa, uma escrava, e não fazia ideia de como escaparia. Seu lado da tenda devia estar virado para o leste, ela percebeu, enquanto o forte brilho do nascer do sol penetrava no tecido pesado, para iluminar o espaço. E então o sonho voltou. Julia caiu de volta no colchão cheio de palha com um gemido de horror e se esforçou para lembrar de sua fantasia noturna. Wulfric a havia capturado, a abraçara contra sua vontade e, no entanto, sua traiçoeira imaginação o trouxera até sua cama praticamente nua. Sonhou que ele a abraçava, lhe acariciava o rosto e o pescoço, e sentira o calor de seu corpo nu, a sensação de seda sobre o aço que era sua pele e seus músculos. Ela fantasiara que seu corpo ficara duro quando ele a segurou e que ela quisera acariciá-lo, sentir sua boca sobre a dela…em cada parte dela… ― Não! ― Julia rolou para o lado, arrastando as cobertas sobre a cabeça como se seus pensamentos vergonhosos pudessem ser apagados. Não funcionou. Como poderia ser tão desprezível e sonhar assim? Querer seu inimigo assim? Ele era lindo. Não havia como negar. Descrever a forma masculina nua, era considerada uma convenção artística aceitável; então, admirar o resultado era bastante normal. Mas uma virgem respeitável não desejava homens como esse. Não se pensava em… ― Está acordada? ― Era Berig, do outro lado da cortina, um antídoto tão eficaz contra o desejo, quanto qualquer outra coisa em que pudesse pensar. ― Sim. ― Bem, levante-se, então! ― Ele parecia irritado. ― Wulfric disse que eu precisava ficar aqui até que você estivesse de pé e trabalhando com a Una. ― Ele não está aqui? ― Oh, fuga misericordiosa se não estivesse! Ter que enfrentá-lo com as memórias desse sonho fresco em minha mente… ― Ele está em Roma, foi para o Conselho. Eu deveria estar lá, esperando por ele, não ficar por aí enquanto você acorda. A Escrava e o Rei Bárbaro – Louise Allen

― Bem, então vá ― ela explodiu. ― Não posso ― A voz de Berig tornou-se mais fraca, ele obviamente estava se afastando. ― Tenho que me certificar que você tome o café da manhã e chegue com segurança até a Una. ― Eu sou bastante capaz de ambos. ― Julia jogou para trás os cobertores e se levantou. ― Há água quente? ― Sim, minha senhora. Em uma panela em nosso fogo se sua senhoria consentisse em vir e pegar alguma. ― Berig soou irritado e sarcástico. Elevando a túnica sobre a cabeça e enrolando o cinto em torno de seus quadris, Julia pegou suas sandálias e emergiu na tenda principal. Berig, vestindo uma túnica de linho fino bordado com trança pesada e com um fecho de prata ao redor de seu pulso, parecia mais velho, até que ela viu sua expressão, que era pura juventude carrancuda. ― Você está muito bem ― Comentou ela, empurrando os pés para dentro das sandálias. ― Eu esperava ver o rei. Tenho de fazer a honra de meu senhor. ― Bem, vá e veja o seu precioso rei então, e segure o cavalo de Wulfric, ou o que quer que esteja vestido para fazer. ― Alareiks ist thiudans thizos mikilaizos thiudos thize Gutane ― Berig rosnou para ela. ― Is mikils guma ist. ― Compreendi uma palavra disso tudo, Alaric ― disse Julia, impaciente, e então, percebeu que a cor viva nas bochechas de Berig era raiva verdadeira, por ela ter falado de modo negligente de seu líder. ― Desculpe, eu não quis insultar seu rei, mas ele é meu inimigo. Eu lhe dou minha palavra, vou me lavar, comer e vou para a tenda de Una, você pode ir para Wulfric. Não é provável escapar com Smoke perseguindo cada passo meu, não acha? Berig estreitou os olhos para ela. ― Sua palavra? A palavra de uma mulher romana é melhor do que a dos homens? ― Minha palavra é boa ― disse Julia com firmeza. —E eu não prometi não tentar fugir, somente ir até Una. ― Muito bem ― ele saiu da tenda correndo. Um minuto depois, o viu passar a galope, o vento fazendo com que o manto batesse atrás dele. A Escrava e o Rei Bárbaro – Louise Allen

Julia foi até a latrina, conseguindo, com alguma dificuldade, persuadir Smoke a esperar lá fora. Ainda assim, ele era tão bom, quanto um prego na porta, para garantir a privacidade. Ele ficou ao seu lado enquanto ela pegou uma concha de água quente em uma bacia e puxou o gancho de suspensão, para poder balançar para um lado para que a água não fervesse até secar. Lavada, sua roupa arrumada, ela colocou seu espaço para dormir em ordem, então examinou o resto da tenda. As travessas e as colheres de ontem estavam para lavar em um balde grande. Ela puxou para trás a cortina que separava o espaço de Berig e viu que sua cama estava em desordem e uma pilha de roupas sujas estavam no chão. Julia as cutucou com o dedo, encolheu os ombros e foi investigar o espaço de Wulfric. Estava em um estado semelhante, apenas a pilha de peças descartadas era maior. Julia encontrou pão, queijo e mel, derramou água quente sobre o mel, temperou com um pouco de vinho e sentou-se dentro da tenda para comer. Ela lavou o que usou naquela manhã e na noite passada e guardou nas prateleiras, amarrou uma alça de couro ao redor de uma faca de comer e a fixou em torno da cintura sob a túnica e saiu da tenda, deixando o resto da casa, exatamente, como a encontrara. Una estava jogando roupas em um grande balde de água fumegante. ― Bom dia, Julia ― ela sorriu. ― Você traz… tão rou…? Eu não sei a palavra. ― Ela levantou uma roupa pingando para fora da água. ― Roupas? Lavagem? ― Una assentiu. ― Não, obrigada. Eu encontrei água quente. ― Isso satisfez a outra mulher, que deve ter assumido que ela deixara a roupa secando na tenda. Julia sorriu. ― Posso ajudá-la? —Ela não possuía nenhuma objeção em ajudar aquela mulher amigável, com os olhos de um azul claro e a barriga inchada. Ela simplesmente não tinha intenção de ajudar aqueles dois machos bagunceiros. ― Thu hilpis. ― Una assentiu com a cabeça. ― Você poderia trazer mais água? ― Ela gesticulou para a canga encostada na parede da tenda. ― Muito bem. ― Julia enganchou os baldes vazios e levantou o jugo. ― Onde busco? ― O rio é por ali ― disse Una. ― Um rio muito pequeno. Interessada em ver até onde Smoke estava preparado para deixá-la ir, Julia seguiu a direção indicada pela outra mulher. Precisava descer a colina, quando foi até lá, passou por outras mulheres voltando, todas levando água. Elas olharam, de A Escrava e o Rei Bárbaro – Louise Allen

olhos arregalados, para suas roupas, mas assentiram e sorriram quando as cumprimentou. Nenhuma delas mostrou nenhum alarme com o lobo ao seu lado, sem dúvida todas sabiam, agora, que Wulfric havia adquirido uma escrava. Quantos deles entenderiam seu latim, ela não fazia ideia, mas um dia, provavelmente, soaria muito parecido para todos, quaisquer que fossem as palavras usadas. No fundo da encosta havia o córrego, as suas margens enlameadas e pisoteadas. Alguém havia colocado pedras como uma fortaleza improvisada, e uma pequena fila de mulheres se acumulava, esperando pacientemente, enquanto suas amigas usavam a vez para ficarem em terreno seco, enquanto mergulhavam seus baldes. ― Vou apenas ver se há outro ponto ― disse Julia alegremente para Smoke enquanto passeava pelo vale. Ela perambulou, tentando dar a impressão de que estava interessada apenas no brilho lindo de uma poupa8 voando, ou nos tufos de flores silvestres, na sombra de arbustos. O primeiro meandro do córrego levou-os para fora da vista do lugar molhado e, de qualquer das tendas no monte e ali, em linha reta como uma seta através da água, estava uma linha de pedras, e na margem oposta, um profundo bosque de árvores. Agora, tudo que ela precisava fazer era distrair o lobo. Havia uma árvore junto às pedras ao seu lado. Se ela pudesse simplesmente deslizar o cinto em volta do pescoço de Smoke e depois amarrá-lo à árvore… Então houve uma agitação de movimento na grama na frente deles, uma dúzia de coelhos brancos correndo, freneticamente, para longe. ― Olha, Smoke, coelhos! Pega! O lobo estava de pé, como uma morte terrível, atrás dos coelhos desesperados. Julia aproveitou e correu, deslizando e descendo a encosta, até o primeiro degrau. Ela saltou para o próximo, e para o seguinte. Quase. Houve um esguicho em um lado dela e Smoke se levantou do córrego, na margem oposta. Ele correu para encará-la no final da linha de pedras, com a cabeça para um lado, o pelo pingando.

8 A Escrava e o Rei Bárbaro – Louise Allen

Julia equilibrada, braços estendidos, a pedra balançando traiçoeira sob seus pés calçados em sandálias. ― Você deveria perseguir coelhos. —O lobo não se moveu. ― Oh! Muito bem, vamos voltar e buscar água para Una.

― Bem? Alguma decisão? O que Alaric disse? Meu senhor? ― Cerig estava saltando de um pé para o outro quando Wulfric emergiu da Basílica onde o rei estava reunindo com seu Conselho. De um lado, um grupo de senadores deprimidos procurava uma audiência com o invasor. Wulfric olhou-os com curiosidade. Um deles era o pai de Julia? Ou seu noivo? Haviam dispensado suas sedas e bordados e vestiam túnicas, imaculadamente brancas, sufocando sob o peso de suas togas9 como para enfatizar seu papel e status como patrícios romanos. Era muito bom que o fizessem. ― Senhor? ― Berig, se Alaric quisesse que você ficasse ciente de seus conselhos, então ele o convidaria. ― Wulfric sentia-se quente, irritado e suado. Ele discordara violentamente da decisão de Alaric para a próxima etapa de sua jornada, e em nada ajudava sua tendência de pensar em Julia, em momentos inapropriados. Estivera de pé durante a maior parte do dia, discutindo o caso de que, talvez, eles se mudassem para o noroeste, para a Gália, para as terras ricas e bem irrigadas que estavam abertas e convidando um povo agricultor. Mas o rei, apoiado por seu círculo íntimo, possuía outras ideias e nada do que Wulfric e seus partidários disseram os balançara. Hilderic se aproximou, e o resto de seus parentes veio se reunir. ― Os homens de Alaric estão cautelosos com você ― murmurou o homem mais velho, passando uma mão com cicatrizes, pela barba. ― Ele sabe que há muitos que o seguiriam e ele não está confortável com isso. ― Sou um homem de Alaric ― retorquiu Wulfric, em voz baixa. ― Seu homem até a morte.

9 A toga era uma peça de vestuário característica da Roma Antiga. A toga era a marca distintiva do cidadão romano, sendo proibido o seu uso aos estrangeiros e escravos.

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― Muito bem ― disse Hilderic com um sorriso malicioso. ― E até a morte dele, é claro. Olhe para você mesmo, olhe quem fica às costas ou a seu lado. Olhe para o ouro que você usa e o ouro que seus parentes ganharam seguindo-lhe. E então pergunte: a quem devem temer os velhos que estão atrás de Alaric, quando ele partir? Isso o abalava. Isso ainda o sacudia. Sua ambição era liderar seus parentes, como fazia agora. Além disso, queria se aliar com quantos homens fortes pudesse, para proteção mútua. Ser reconhecido como um líder pelos guerreiros, da experiência e da posição de Hilderic era embriagador, mas isso era até onde sua ambição o conduzira, apesar dos sussurros que às vezes lhe haviam chegado aos ouvidos. Agora Hilderic, que falava para a maioria dos homens na aliança frouxa alinhada com ele, estava insinuando, abertamente, que ele deveria concorrer ao trono quando Alaric se fosse. Não havia mal em especular sobre o que viria, outros argumentariam. A saúde de Alaric era incerta, seu temperamento e julgamento inseguros. Um dia, ele não lideraria mais. Seria um tolice não estar pronto para aquele dia. Wulfric percebeu que estava de pé no meio do pátio, a mão no punho da espada, uma carranca no rosto. O pobre Berig estava visivelmente tremendo. ― Ficamos mais um dia. É tudo o que posso dizer. A comida está acabando. ― Mas…vamos lutar contra o imperador? Marchar para Ravenna? ― Ficamos mais um dia. Quando eu puder lhe dizer o que acontece em seguida, eu o farei. Agora, onde estão os cavalos? ― Aqui, senhor. ― Adornado em suas melhores roupas, Berig liderou o caminho, até onde um menino estava segurando as rédeas. Jogou-lhe uma pequena moeda e subiu na sela, enquanto Wulfric seguia o exemplo. ― Você parece cansado ― Se aventurou a dizer, enquanto saíam da cidade. ― Eu estive o dia todo em pé, em um ambiente quente com uma multidão de homens suados. Eu estive subindo e descendo como um balde num poço, conversando e discutindo, e minha garganta está ferida. Meus pés doem, pior do que se eu estivesse em uma caminhada de dois dias de marcha e nessas roupas, eu me sinto como um frango amarrado. De outra forma, eu estou bem. ― Ele puxou, irritado, a faixa do pescoço de sua melhor túnica. ― Poderíamos lutar? ― Sugeriu Berig, esperançoso. ― Você prometeu que me mostraria o que usou em Rathar. A Escrava e o Rei Bárbaro – Louise Allen

Wulfric sombreou os olhos e olhou para onde eles haviam chegado. Outra divisão no acampamento. Quando chegasse lá, havia reuniões para realizar, os homens para informar, toda a organização de levantar o acampamento para colocar em marcha. E aquela mulher confusa para enfurecer sua mente e inflamar seu corpo. ― Você está dentro. Vê aquele bosque de árvores? Corra.

Voltavam para o acampamento uma hora mais tarde, maltratados e rindo, suas boas túnicas penduradas em seus arcos de cela, seus peitos nus, reluzindo de suor. Berig estava com um lábio partido, uma contusão interessante, subindo em seu bíceps direito e um centímetro de pele faltando em seus nós esquerdos. Wulfric suspeitava que, ele mesmo, teria um olho negro na manhã seguinte. Certamente recebera uma contusão em suas costelas e um dedo torcido. O rapaz era rápido e começava a aumentar a força, à medida que seus músculos se desenvolviam. Seria o momento de levar sua prática de espada a sério. ― Eu poderia comer um cavalo ― declarou Berig, deslizando para o chão e fazendo uma careta quando suas contusões foram sacudidas. ― Dois cavalos, mas primeiro um banho quente ― Wulfric deu-lhe um tapa nas costas e caminhou com ele para a tenda. ― Estranho. Não há nada no fogo. Onde está Julia? ― Ele virou a aba da tenda e entrou. As moscas zumbiam em torno dos pratos sujos da noite anterior. A cama de Berig estava, exatamente, como ele a deixara e assim estava a dele, quando ele foi olhar. Chutou a pilha de roupas sujas e caminhou através da tenda até o canto com o cortinado. ― Julia! Seu espaço de cama estava imaculado, e vazio.

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Capítulo Cinco ― Julia Livia! ― Era um berro agora. Estava com calor, com fome, o fulgor quente do exercício intenso avançava para a rigidez e ele esperava conforto e atenção delicada, feminina, para suas necessidades, não pratos cobertos de moscas e montes de roupa suja. ― Ela lavou as coisas que usou ― disse Berig, cutucando os pratos. ― Somente os dela. Julia… O som do ladrar de Smoke os levou para o canto da tenda. Julia estava sentada em um dos bancos dobráveis, aproveitando o sol da tarde. Ela parecia, ele viu com fúria crescente, linda, sua trança jogada sobre um ombro, seu perfil patrício suave e calmo. Havia os restos de uma refeição ao seu lado e ela estava se divertindo, penteando o pelo grosso de Smoke. O lobo estava deitado de costas, com as patas no ar, deixando-a ajeitar seu estômago. ― Esse é o meu pente! ― A queixa infantil estava fora de sua boca antes que ele pudesse impedir. Berig deu um suspiro de riso, chocado e se afastou do caminho da retribuição. ― Realmente? ― Ela disse indiferente. ― Estava no chão e alguns dos dentes estavam quebrados. Aqui está lindo menino! Tudo aparentava que este pertencia ao lobo e não a seu dono. ― Onde está o nosso jantar? Por que a lavagem não está feita? Por que a tenda está uma bagunça? ― Porque foi assim que você a deixou. Una deu-me um pouco de comida agora, acho que ela esperava que você comesse na cidade. ― Porque você disse isso a ela, eu suponho? ― Ele estava tão zangado que estava vendo vermelho. Julia acrescentou combustível às chamas encolhendo um ombro com elegância. Wulfric respirou fundo. ― Smoke, levante-se e pare de se comportar como um cachorro. Berig, vá e acumule o fogo, coloque o maior caldeirão. Então compre um frango e pergunte a A Escrava e o Rei Bárbaro – Louise Allen

Una se ela o coloca em seu assador para nós. Em seguida, vá e tire a banheira da carroça e peça um pouco mais de água quente. Você pode se banhar na casa da sua irmã, Sichar não voltará por um tempo. ― E você… ― Apontou um dedo comprido para Julia — … você faça as camas, recolha as roupas sujas e lave os pratos e, quando terminar, pode, amaldiçoadamente, esfregar minhas costas. Berig saiu na corrida, ele se alegrou ao ver. Quanto a Julia ― Halja, ele estava com raiva o suficiente para colocá-la sobre seu joelho. Smoke levantou e se aproximou, a cauda abanando, se desculpando. Julia apenas se sentou e olhou fixamente para ele, desafiadora. ― Mova-se! ― Ele rugiu. Ela saltou, levantou-se com um olhar de desdém e caminhou até a tenda. Wulfric seguiu-a, encostando-se ao poste da frente da tenda, observando com os olhos semicerrados enquanto Julia arrumava as roupas de cama, de forma desdenhosa, colocava a roupa suja em uma pilha, empurrou-a para uma cesta e pegou o balde cheio de pratos sujos. ― Você terá que se mover, se quiser que eu os coloque em água quente. ― Ela parou na frente dele, sua mão livre apertada em seu quadril, e olhou para ele. Se não fosse tão hábil em ler um oponente, observando os olhos de um espadachim, pelo brilho da intenção, ele teria acreditado que ela não o temia. Assim, ele podia sentir uma admiração dissimulada pelo modo como ela o enfrentava, apesar, do medo tremular na parte de trás daqueles grandes olhos castanhos e da pulsação traidora em sua têmpora sob a pele fina. E ele era assustador, Wulfric sabia disso, e cultivava essa reação. Para liderar e lutar, precisava parecer perigoso, e precisava avançar sempre que necessário. Não podia esconder isso dela, mesmo que quisesse… e não o fez. Ele tinha quase o dobro do seu peso e cabeça e ombros mais altos. Estava meio nu, suado, maltratado e, obviamente, estivera lutando, mas ela não se encolheu. Lembrou-se do modo como ela havia resistido àqueles dois homens no beco, desesperadamente, superada em número e tamanho, mas não desistiu. Ele não queria quebrar seu espírito, mas estava começando a se perguntar se isso seria o que precisaria, para dobrá-la à sua vontade.

― Você vai se mover? ― Repetiu Julia, tentando não deixar sua voz tremer. Oh, mas ele é assustador. E grande. E atraente. Ela estava, completamente, horrorizada A Escrava e o Rei Bárbaro – Louise Allen

por pensar nisso, mas não podia negar. Algo fundamentalmente feminino estava respondendo vergonhosamente à proximidade de poder, arrogância e pura beleza masculina. Wulfric se moveu para o lado, com uma graça felina e ela se forçou a passar por ele e caminhar até fogo. Se seu tamanho o tornasse desajeitado, então ela sabia que não sentiria esse puxão erótico. Mas ele se movia como uma pantera, não como o urso que pareceu quando rosnou, e quando ele estava perto ela não podia deixar de observá-lo. Julia jogou água quente nos pratos gordurosos, bem ciente de que seus olhos a seguiam. O que diabos ele pensaria se soubesse que ela estava tendo sonhos espantosos sobre ele? Sonhos tão vivos, que ainda podia recordar a sensação de sua pele, sob a palma da mão, ainda sentia os entalhes em torno de seus bíceps, onde removera um bracelete, ainda… Ela deu uma vigorosa sacudida mental, e fixou uma estudada expressão neutra em seu rosto. Um rumor anunciou Berig com outro jovem, rolando o que parecia um grande, meio barril para a lateral da tenda. Eles o passaram através das abas da tenda, então houve um baque quando o balançaram e viraram para o chão. Julia entrou na tenda e olhou para dentro da banheira. Era mais alta que sua cintura, alta o suficiente para um homem grande se sentar, confortavelmente. ― Ugh ― comentou ela. ― Você se senta em sua própria água suja? ― Na ausência de um sistema de hipocausto10 e de casas de banhos11, um estrígil 12 e um escravo para me alimentar, sim. ― Wulfric estava tirando os braceletes. Colocou-os num banquinho e inclinou-se para tirar as botas. ― Julia, cuide de suas costas! ― Era Berig e seu amigo, novamente, desta vez carregando baldes de água quente. ― Ele vai querer toalhas limpas… ― O rapaz inclinou a cabeça para a parte de trás da tenda e esvaziou os baldes. Quantas toalhas um homem grande molhado precisa? Ela se perguntou, então pegou uma pilha, junto com o frasco de bolas de sabão. Elas pareciam estranhas para se lavar, mas ela tinha que admitir que eram eficazes. Havia mais salpicos, os rapazes estavam trabalhando duro para encher a grande banheira. 10 O hipocausto era o sistema de aquecimento de piso, inventado ou aperfeiçoado pelo engenheiro romano Sérgio Orata e usado especialmente nas fontes termais do Império Romano. 11 As casas ricas romanas possuíam os Balneum (casas de banhos), o banho dos romanos comuns ocorria em instalações públicas chamadas Thermae. 12 O estrígil era um pequeno instrumento, usado na Roma e Grécia Antigas, feito de metal recurvado, usado para raspar a sujeira e suor do corpo, principalmente nas costas. Segundo o costume da época, aplicavam-se óleos perfumados na pele, que em seguida eram raspados, retirando assim também as impurezas e sujidades. A Escrava e o Rei Bárbaro – Louise Allen

― Isso deve ser suficiente ― declarou Berig. ― Eu vou tomar meu próprio banho agora. ― Ele saiu, soltando a aba da tenda e deixando Julia sozinha com Wulfric. Ele estendeu a mão para testar a temperatura, depois se espreguiçou. Julia colocou as toalhas, rapidamente, ao seu alcance. ― Não, dobre uma para que eu possa descansar a cabeça sobre ela. Sim, meu senhor, não, meu senhor. Fumegando, Julia fez o que ele pediu e colocou a toalha dobrada sobre a borda da banheira, em seguida, virou as costas com um suspiro, quando as mãos dele foram para a fivela do cinto. Definitivamente era hora de sair. ― Onde você vai? ― Para fora. — Não havia nenhum som de água espirrando atrás dela, o que significava que bem mais de um metro e oitenta de homem nu, ainda estava lá, ao alcance. ― Espere. Posso querer mais água quente. Ela parou e ficou, apenas dentro da porta, escutando o som de Wulfric subindo na banheira, o salpico de água, sua longa exalação de prazer. ― Isto é bom. Então, eu preciso de mais um balde de água quente. Julia agarrou um dos baldes vazios e se abaixou até o lado de fora. A água estava fumegando no caldeirão e, ao lado, Berig havia deixado outro balde para preenchê-lo. Julia experimentou com um dedo. Frio, direto do córrego. Não tinha sequer estado ao sol para tirar o frio. Com um sorriso ela o levantou e voltou para dentro. Ao longo da borda da banheira, podia ver a cabeça de Wulfric, molhada, o cabelo comprido loiro escuro e liso. Ele descansava sobre a toalha dobrada. ― Apenas despeje a água. ― Certamente. ― O lado da banheira era muito alto para levantar o balde cheio. Julia puxou um banquinho e ficou de pé, equilibrando o recipiente de madeira na borda. Wulfric estava deitado de costas, com os olhos fechados. Ela deixou seu olhar vagar sobre a pele molhada, a forma como a água fluía por cima dos músculos esculpidos, as sombras da parte submersa de seu corpo. ― Onde exatamente devo derramá-la? ― Ela perguntou docemente. Os olhos verdes se abriram ao tom dela, mas tarde demais. Julia virou o balde e uma torrente de água fria o atingiu, diretamente, no peito. A Escrava e o Rei Bárbaro – Louise Allen

Esperava barulho, salpicos e um grito de raiva. O que ela não estava preparada, era para ele levantar-se, diretamente, para fora da água com um bramido de fúria, agarrá-la pela cintura e levá-la para dentro da banheira com ele. ― Aagh! ― Ela estava molhada até a cintura, então, repentinamente, Wulfric sentou-se, arrastando-a com ele, e mergulhou-a debaixo da água. Ela chutou e lutou, batendo contra os joelhos, enredando as pernas, pisando nos pés, até que ele a deixou respirar. ― Waurms! Thaunus! Unhultha! ― Ele lhe deu uma sacudida e segurou-a, balbuciando, na frente de seu rosto. ― Serpente! ― Eu não sou sua escrava, não sou sua serva, sou uma cidadã romana livre e não buscarei e carregarei, sob as ordens de um louco bárbaro! ― Seu desafio foi um pouco prejudicado pelo fato de que sua trança se desfizera e estava tentando falar através de uma massa de cabelos molhados. Ela se torceu em seu aperto, tentou ficar de pé, emaranhando seus pés em sua túnica e caiu para trás, como um respingo, para aterrizar dolorosamente, em sua bunda. ― Ah, não posso me mexer! Soluçando com raiva e frustração Julia puxou sua roupa, então, começou a lutar quando sentiu as mãos de Wulfric em seu cinto. Ele se soltou como se fosse um fio único e, apesar de seus gritos e mãos arranhando, ele arrastou a túnica e a casaca sobre a túnica, juntas, sobre sua cabeça e jogou o molho encharcado para fora da banheira. Estou nua. Estou nua em uma banheira com este homem nu. Eu quero… Não! ― Deixe-me sair daqui ― ela exigiu, sua voz vibrando com sentimentos que não ousava expressar. Envolveu os braços em torno de seus seios, não pareciam cobrir muito. A raiva de Wulfric parecia ter desaparecido, completamente. Ele estava encostado para trás, seus braços ao redor da borda, água pingando de seu queixo, um sorriso apreciativo em seu rosto. A água rolava em volta do peito. Julia tentou não olhar muito, para os peitorais achatados, os fortes tendões de sua garganta. Ela podia sentir seus pés, um de cada lado de seus quadris enquanto ela se encobria lá entre suas pernas. ― Por favor. Ele ergueu uma mão e gesticulou para a borda da banheira. ― Fique à vontade.

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― Levantar-me? Na sua frente? ― Eu sempre poderia me levantar e virar as costas ― ele ofereceu. Ela podia ver que ele estava mordendo o interior de sua bochecha para não rir. ― Obrigada, não. ― Ela olhou para ele. ― Por que não pode fechar os olhos? ― Porque estou me divertindo. ― Admitiu ele simplesmente. Julia colocou as mãos na borda da banheira, como se estivesse erguendo-se, depois agarrou a toalha onde Wulfric apoiava a cabeça. Ele agarrou seu pulso facilmente e o segurou. ― E agora? ― Perguntou ele, com a cara séria. ― Isto. ― Com a frágil contenção de seu temperamento, ela se lançou contra ele, golpeando com a mão livre em seu punho aprisionado. ― Deixe-me… Sua resposta não foi o que ela esperava, já devia ter aprendido isso. Ele não fez nenhuma tentativa de evitar seus golpes, simplesmente puxando-a para dentro, contra ele. Assustada, furiosa e excitada em igual medida, olhou para os claros olhos verdes tão próximos que conseguiria contar os cílios. ― Você é selvagem! Deixe-me ir. Por um longo momento eles se encararam, então, com um grunhido Wulfric soltou sua mão, rodeou sua cintura e aprisionou sua boca sob a dele. Era seu sonho da noite anterior e mais. Seus corpos se tocaram, se afastaram, elas levou as mãos aos ombros dele e sua boca se abriu sob a dele, em uma resposta instintiva e feroz que ela não sabia que possuía. Ambos estavam com raiva. Ela não fazia ideia se estava mais zangada com ele, ou consigo mesma, mas não restava dúvida de que Wulfric estava furioso com ela, e totalmente determinado a deixá-la ofegante e implorando a seus pés. Seu aperto sobre ela era punitivo, sua boca era saqueada sem qualquer misericórdia, lábios, dentes e língua possuídos e tomados com um poder que parecia aumentar, apenas quando ela se recusava a ser intimidada por ele. Ele mergulhou a língua em sua boca aberta, dura e quente. Poderia ser inocente quanto ao corpo de um homem, mas Julia sabia o que essa invasão imitava. Contorcendo-se contra ele debaixo da água, ela enredou a própria língua com a dele. Vou reduzi-lo a implorar por mim, e então vou rir… Ele a deixou ir, tão violentamente, como a puxara. Julia caiu de costas contra o lado da banheira ofegante, esfregando o dorso de sua mão em sua boca inchada, olhando para ele com olhos selvagens. A Escrava e o Rei Bárbaro – Louise Allen

― Você é virgem. Deve se comportar como uma ― disse ele bruscamente, com o peito arfando. ― Seu hipócrita! Presume em me dar uma palestra sobre o meu comportamento? Você me beijou, me forçou! ― Suas mãos tremiam. Ela as apertou. ― Forcei você? Acho que não, Julia. Ela podia sentir o sangue manchando suas bochechas, não viu no rosto de Wulfric nada, além de arrogância masculina e o desejo de dominar. Ela havia lutado, não com seus punhos, mas com sua sensualidade e ele não poderia lidar com isso, ela disse a si mesma, lutando por algum equilíbrio. ― Você é um animal. ― Ela conseguiu cuspir. ― Eu levaria você ao chão, agora, se esse fosse o caso. ― Ela ofegou. Ele olhou para ela com altivez e ela leu seu orgulho e a indignação do insulto no olhar verde e quente. ― Lave minhas costas. ― O quê? Agora? ― Sim, agora. ― Ele alcançou um longo braço sobre o lado da banheira, tateou no frasco e trouxe uma bola de sabão. ― Preferia enfiar uma faca nelas ― retorquiu ela. ― Estou ciente disso ― Wulfric se virou até que suas costas estavam voltadas para ela. Seu desprezo pelo perigo que ela representava era uma afronta a si mesmo. Julia olhou para a extensão do ombro, a longa e flexível linha de suas costas, o forte mergulho na espinha, o dramático estreitamento até os quadris. Abaixo da água, ela podia ver a forma esticada de suas nádegas. Seu cabelo estava solto, cobrindo as omoplatas. ― Agora ― grunhiu ele. ― A água está ficando fria. Julia começou a fazer espuma, e depois a lavar seu próprio corpo o mais rápido que conseguiu. Compartilhar a água do banho era uma maneira duvidosa de ficar limpa, em sua opinião, mas ela tiraria o benefício que pudesse daquela situação horrível. ― O que você está fazendo? ― Me lavando. ― Ela se afundou na água para enxaguar a espuma, empurrando seu cabelo para trás, afastando-o de seu rosto. Não era lavagem de A Escrava e o Rei Bárbaro – Louise Allen

cabelo com alecrim, nem com óleos doces, apenas uma água de banho de bárbaro grande e suado. Julia fez uma careta para as magníficas costas na frente dela. ― Então, lave-me, escrava. Ela enfiou uma mão sob seu cabelo caído e o jogou sobre seu ombro, então atacou suas costas tão duro quanto podia. Wulfric resmungou, não sentiu pena ao perceber o desconforto, mas, sim, prazer. Apertando os dentes, esfregou a bola grossa de sabão sobre suas costas, seguindo com a outra mão, massageando os músculos como se quisesse esmagar sua raiva para dentro deles. Ela seguiu as fascinantes linhas masculinas até a cintura. Não mais. ― Você parou. ― Ele virou a cabeça para olhá-la. Julia se aproximou, a única maneira de proteger seu corpo nu. Seus seios estavam a um dedo de distância das suas costas. ― Você pode chegar ao resto. ― Ela jogou a bola de sabão por cima do ombro dele. Reflexivamente, ele pulou para pegá-la e ela correu para a borda da banheira, agarrou sua roupa encharcada e correu para seu espaço de cama.

Wulfric pegou o sabão com uma mão, virando-se enquanto isto, para admirar a requintada vista traseira de Julia, desaparecendo atrás da cortina. ― Pequena bruxa ― Murmurou para si mesmo, acomodando-se na água, que arrefecia rapidamente. ― Pequena bruxa. O que havia acontecido agora, não fazia parte de suas intenções, mas, com Julia Livia parecia que seu prezado autocontrole era como uma cana no vento. Podia provocá-lo apenas pelo modo como baixava os cílios, com um desdém invulgar, e muito mais, com a visão de seu corpo nu, a um braço da mão dele. Wulfric ergueu um pé na borda da banheira e começou a passar sabão na perna, tentando dar atenção adequada à condição de seus músculos e à sensação do tendão que havia distendido duas semanas antes. Sua condição física era importante, uma menina, por mais bela, não. Sozinho… ele abaixou a perna, satisfeito com a falta de desconforto no tendão, e levantou a outra. Só que ela não era uma menina. Ele havia deixado que a falta de estatura dela, em comparação com as mulheres que o rodeavam, o levasse a pensar que sua idade estava mais próxima de Berig, do que de seus vinte e sete verões. Mas ela devia ter vinte anos, ele supôs. A Escrava e o Rei Bárbaro – Louise Allen

Bem passada da idade de casar em sua sociedade. Qual era o problema com esse senador com quem ela deveria estar prometida? O homem carregava água gelada em suas veias? Ele, Wulfric, estava desconfortavelmente ciente de que o que estava correndo em suas próprias veias não era água gelada, mas sangue quente. Não tivera a intenção de beijá-la. Ele sabia, sem ter que pensar nisso, qual seria o efeito de tomar aquela boca exuberante, vermelha e zangada. Seu próprio corpo imaginara, absolutamente, como seria ter sua delgada estrutura em suas mãos, como as curvas doces e a pele macia se sentiriam contra sua própria dureza, contra sua carne machucada. Mas, ele não pegaria o que poderia tão facilmente, porque sua fé lhe dizia que era errado e sua honra desprezava o pensamento de forçar uma mulher. Mesmo esta que o atacou com suas próprias armas de sensualidade e de raiva. Ele sabia o que ela queria, mesmo que duvidasse que ela pudesse explicar para si mesma. Ela desejava mostrar-lhe que ele era menos do que ele acreditava que fosse, e sabia que ainda mais do que o medo que sentia por ele, era seu próprio terror, de não estar de acordo com os padrões de uma patrícia romana. Ela sabia em que perigo se encontrava? Fazia alguma ideia do fogo com que estava brincando? Certamente ela fazia. Em algum lugar, sob aquele desafio zangado, devia estar a crença de que ele não a forçaria. Ela ficara branca ao redor da boca, quando ele lançara a observação acerca de poder tomá-la no chão. Isso a chocara, profundamente e, no entanto, tivera o espírito de continuar a provocá-lo, a jogar seus perigosos e provocantes jogos com ele. Em algum lugar, havia uma confiança nele e em sua honra. Ele não deveria se importar, mas parece que o fez e o pensamento o esquentou, bem no fundo, onde mantinha as emoções que um líder não podia mostrar. Ele se levantou em uma onda de água e pegou uma toalha, enrolando-a em torno de seus quadris enquanto Berig se enfiava na tenda. O garoto estava limpo, úmido e seu cabelo estava alisado para trás. ― Una disse que você precisa do bálsamo para…Inferno sangrento! Wulfric seguiu o olhar dele para a terra batida do chão da tenda. Trodden, varrido com uma vassoura dura, a terra endurecida pelo verão formara um piso que servia perfeitamente. Agora havia um anel enlameado à direita em torno da banheira, um pântano, diretamente, no centro do espaço livre. ― Seu senhor entornou bastante água ― Julia saiu de trás da cortina, com as roupas enrugadas que se agarravam a ela, seu olhar desdenhosamente afastado de A Escrava e o Rei Bárbaro – Louise Allen

Wulfric, enquanto ele ficava ali, até a metade da coxa, dentro da água fria e suja. ― Fiquei surpresa ao saber que ele é tão desajeitado. Com um movimento de suas saias ela escolheu seu caminho em torno da lama, saindo alegremente da tenda. Wulfric balançou a toalha em suas mãos. ― Esvazie a banheira, pegue um pouco de palha para o chão e resolva alguma coisa para o jantar, com aquela gata do inferno ― Ele saiu da banheira para o banquinho e de lá, para o chão seco. Berig engoliu em tom audível. ― O que você vai fazer com ela? Wulfric permaneceu onde estava, mãos nos quadris, e considerou sua tática. Ele viu a sombra deslizar sob a aba da tenda e ergueu a voz. ― O que vou fazer com ela? Nada. Nada mesmo. Se ela quiser comer, ela deve cozinhar. Se ela quiser beber, então ela deve buscar água e, se quiser dormir em uma cama limpa, então ela deve lavar os lençóis. ― E se ela quiser me tentar e me atormentar com aqueles lábios vermelhos e aquelas curvas suaves, aqueles grandes olhos castanhos – então ela vai achar que eu sou uma pedra tanto para suas ciladas, quanto para seu temperamento.

A Escrava e o Rei Bárbaro – Louise Allen

Capítulo Seis Julia afastou-se, silenciosamente da entrada da tenda. Smoke se aproximou do canto e olhou para ela. ― Nós dois estamos em desgraça ― disse ela. ― Você por agir como um cão, eu por ser eu, suponho. ― Levar o desafio mais longe parecia inútil. Ela acabaria com fome e sede, Wulfric não ficaria pior do que estivera antes de ela ter entrado em sua vida e Una continuaria a cuidar dos dois lares. O sol já estava fraco, o cheiro de comida saía das panelas nas proximidades, os níveis de ruído aumentavam à medida que os homens voltavam e as crianças corriam para casa depois de brincar. Era tarde demais para começar a preparar a comida, mesmo que ela soubesse como. Se Wulfric dissera a Una para não alimentá-la, a outra mulher obedeceria a ele, mas, certamente esta noite ela ajudaria. Una saiu de sua tenda quando Julia se aproximou, sua filha pequena olhando em volta de suas saias para a estranha. ― Tenho roupas para você ― ela disse antes que Julia pudesse falar. ― Não sei os nomes na sua língua, mas aqui estão ― Ela estendeu uma pilha de tecidos e sorriu quando Julia os pegou. ― Logo, eles serão pequenos para mim. ― Ela gesticulou para sua figura inchada. ― Eu vou lhe ensinar, você pode fazer mais. ― Obrigada. Você vai me ensinar a cozinhar também? Depois desta noite, Wulfric diz que devo cozinhar, ou não comerei. Una sorriu, um brilho em seus olhos que fez Julia corar. A voz de Wulfric, em um rugido, não fora filtrada pelas paredes de lona. Quanto dos seus vizinhos teriam ouvido? ― Sirva-se. ― Ela fez um gesto para o lado da lareira. ― Berig já me trouxe duas galinhas, elas estarão prontas em breve. Há pão aqui, manteiga na panela na tenda. Julia lhe agradeceu de novo, sorriu para a menina tímida e voltou, passando por Berig carregado com dois baldes de água suja enquanto fazia isso. Ela não tinha intenção de entrar na tenda enquanto Wulfric estivesse sabe-se lá em que estado de perturbação, se despindo, então, ela colocou as roupas novas em um banquinho, despejou a água fria e gordurosa dos pratos sujos e começou a lavá-los. A Escrava e o Rei Bárbaro – Louise Allen

Eles estavam escorrendo no balde quando Smoke levantou a cabeça e sua cauda começou a bater, cautelosamente. Ela se virou, com a mesma cautela. Wulfric estava nu até a cintura, uma toalha jogada sobre seu ombro, um pente de osso na mão. Ele acenou para ela, tão casualmente, como se eles tivessem discutido sobre o tempo apenas alguns momentos antes, puxou as orelhas do lobo e arrastou um banquinho até ele, com o pé. Se eu disser para ele colocar sua túnica, ele vai perceber o quanto ele me perturba, vagando meio nu, ela se exasperou, mostrando um sorriso apertado. Berig, com seu amigo nos calcanhares, desapareceu dentro da tenda, reaparecendo por fim com a banheira. Julia arrastou os cavaletes e os montou, decidiu que não conseguiria controlar a prancha de madeira sozinha e começou a arrumar os banquinhos. Quando ela se voltou para Wulfric, ele estava alisando uma longa mecha de cabelo. Agora que o via molhado e penteado, era quase tão longo quanto o dela. Deveria ser um incômodo completo, ao prender-se na cota de malha, aderindo à pele suada durante a batalha, caindo em seus olhos. Todos os homens usavam os cabelos longos, por isso deveria ser a moda, ela supôs, mas não pensara que Wulfric fosse tão ligado a tais trivialidades, para ignorar as desvantagens. Os soldados romanos cortavam os cabelos, ainda mais curtos do que a maioria, o que parecia eminentemente prático para um homem em combate. ― O que você está fazendo? Ele olhou para cima trançando a parte inferior do cabelo. ― Trançando meu cabelo. ― Isso eu posso ver. ― Por que os homens têm que ser tão literais? ― Por quê? ― Não foi isso que você me perguntou. Por que as mulheres têm que ser tão indiretas? ― Ele não esperou que ela respondesse. ― Eu tranço as extremidades, porque é o costume, e o entrelaçado retira um pouco do comprimento. ― Mas, em primeiro lugar, por que ele é comprido? ― Obviamente ele nunca pensara nisso e não percebeu o interesse. Não respondeu, absorto na tarefa complicada. Havia algumas pequenas tesouras nas prateleiras da tenda, ela lembrou. Ela poderia cortá-lo para ele agora, seria mais fácil enquanto estivesse molhado. O centro do chão estava coberto de palha. Julia se aproximou, encontrou as tesouras e olhou para as lâminas. Elas eram afiadas e estavam com algumas cerdas A Escrava e o Rei Bárbaro – Louise Allen

de cabelo cor de ouro escuro agarradas a elas. Ele deveria usá-las para cortar sua barba. Elas serviriam muito bem. Julia saiu da tenda atrás das costas de Wulfric. Ele havia trançado meia dúzia de partes de cada lado, e estava chegando sobre seu ombro para pegar o cabelo de trás. ― Deixe-me ajudá-lo. ― Ela pegou uma parte e levantou-a, correndo seus dedos para baixo enquanto tentava julgar onde cortar. Fez um corte experimental no ar com as tesouras para senti-las. Fizeram um som agudo. Julia levantou a tesoura, puxou a mecha de cabelo entre seus dedos e foi jogada no chão quando Wulfric se virou, agarrou seus pulsos e atirou-a para longe dele. A tesoura caiu, apontando para baixo, ao lado de sua garganta. Berig veio correndo, caindo de joelhos ao lado de Wulfric, que ainda estava no banquinho, com o rosto completamente branco. ― Ela cortou? ― O menino ofegou, suas mãos alcançando o cabelo do seu senhor. ― Eu não sei. ― As palavras vieram entre os dentes cerrados. ― Verifique. Meio tonta, confusa, Julia se endireitou onde havia caído enquanto Berig passava as mãos pelo cabelo molhado, depois o pente. ― Não. Não, está tudo bem. Você chegou a tempo. ― Eu não estava tentando atacá-lo ― Julia ofegou quando os dois homens se viraram para olhar para ela, olhos verdes e azuis em uma emoção que ia além da fúria. ― Só ia cortar o cabelo dele. ― Cortar o cabelo dele! Você não tem ideia do que quase fez? ― Cerig ofegou. ― Pelo amor de Deus… ― Julia se levantou ― Você está se comportando como uma senhora cujos ferros de enrolar queimaram parte de seu penteado! Esse cabelo comprido pode ser a moda, mas dificilmente representa a vida ou a morte. ― É vida ou morte ― Berrou Berig. Atrás dele Wulfric se levantou. A cor que tinha saído de seu rosto há um momento estava de volta. ― Ela não sabe. Não acho que tenha sido deliberado. ― O quê? Você está falando em enigmas. O que importa se o seu cabelo está cortado? A Escrava e o Rei Bárbaro – Louise Allen

― Eles nos chamam de gente dos Reis de Cabelos Compridos ― disse Wulfric. Ele estendeu a mão e a puxou, com gentileza, para sentar em um banquinho ao lado dele. ― Nenhum homem cujo cabelo é cortado pode liderar, e muito menos governar. Seu único papel pode ser como proscrito ou padre. ― É melhor você cortar as bolas ― acrescentou Berig. ― Obrigado, Berig, explicativo, mas desnecessário. ― Um leve sorriso tocou a boca de Wulfric e ela viu seus ombros relaxarem de sua tensão. ― Não sei por que isso é assim, mas é sagrado para a nossa realeza. ― Mas vocês agora são cristãos ― protestou Julia. O que ela quase havia feito era extremamente grave, estava começando a entender isso, mas não conseguia entender o motivo. ― Não tem nada a ver com religião, é conosco como povo, o que somos, o que sou. Não posso lhe explicar. ― Mas todos possuem cabelos longos ― disse ela, confusa. ― Vocês não podem ser todos reis. ― Nós todos lideramos de acordo com nossas habilidades e nossas posições, seja uma família, um bando de guerra ou um reino. ― Mas cresce de novo ― murmurou ela. ― Quem saberia se eu tivesse cortado um pouco? ― Eu saberia ― disse Wulfric com voz áspera. Smoke se aproximou e enfiou o focinho nas mãos entrelaçadas de seu dono, sensível à emoção que estava escondendo de seus companheiros humanos. Então ele sorriu. ― Como perder sua virgindade, isso não pode ser reparado. Berig deu uma gargalhada, mesmo quando Una chegou, com um prato, com duas galinhas cozidas na mão. Se ela notou a briga, não deu nenhuma indicação. ― Do que você está rindo? ― perguntou ela em seu acento latino. ― Virgindade. ― Berig ainda estava convulsionado em risadinhas adolescentes. Sua irmã o pegou pelas orelhas, tirando um grito de dor. Ela disse algo, bruscamente, a ambos os homens em seu próprio idioma, deu a comida para Julia com um olhar de compaixão e se afastou. ― O que ela disse?

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― Que nós dois somos garotos sujos. ― Traduziu Wulfric. ― E que eu, pelo menos, deveria saber me comportar melhor. ― É verdade. ― Concordou Julia, observando-o sob seus cílios. A emoção perigosa dos últimos minutos havia passado deixando-o aparentemente divertido e relaxado, mas ela não se enganou. O que ela quase fizera, seria tão sério como se o esfaqueasse pelas costas. Pior, porque podia ver que aquilo estragaria a profundeza do que ele era como um homem. E, contando isso, ele lhe entregara uma arma de poder terrível. Ela pegou a tesoura e estremeceu. Podia matar alguém em legítima defesa, ou salvar outra pessoa, pensou. Se tivesse segurado uma faca quando aqueles comerciantes a atacaram, os teria esfaqueado, sem arrependimento. Mas não se podia imaginar matar a alma de alguém, seu sentido de si mesmo. Parecia que Wulfric sabia disso, assim como ela sabia, no fundo, que ele nunca a forçaria, nunca a prejudicaria. Julia ergueu os olhos de sua análise ao metal polido, e encontrou os olhos dele, enquanto ele observava seu rosto. Algo passou entre eles, um pouco de compreensão. Ela não fazia ideia de seu significado, mas sua pele começou a arrepiar como se uma tempestade estivesse se formando.

Sua dócil aceitação das tarefas domésticas, parecia não levantar nenhum comentário. Se Wulfric presumiu que ela ouvira suas ameaças, não fez nenhuma referência a elas. Julia tratou do jantar, colocou as roupas molhadas em água limpa, jogou uma bola de sabão e esperou, para que Una demonstrasse pela manhã como fazer para deixá-las limpas. Wulfric se afastou, dizendo secamente que havia homens com quem precisava conversar e Berig nos calcanhares, como uma sombra. Smoke choramingou, mas ficou perto, ao lado de Julia, enquanto ela passava uma hora sacudindo as roupas que Una lhe dera e as experimentando. Duas longas túnicas de linho não eram diferentes de suas próprias túnicas, embora ambas tivessem mangas compridas e fendas no pescoço. Não haveria necessidade de apertá-las cuidadosamente com alfinetes e broches. Havia também, duas sobre túnicas, uma com listras de marrom e verde, e outra, fracamente colorida em tons naturais de lã. Una completou-as com uma capa encapuzada e com um cinto longo para amarrá-las, o que foi um alívio, dado que Wulfric havia rasgado o seu.

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Julia pegou uma sobre-túnica limpa. Era muito longa, é claro, Una era uma cabeça mais alta do que ela, mas, sem dúvida encurtá-la seria outra lição para amanhã. Ela jogou suas roupas muito usadas na tina, esperando que sua nova amiga tivesse alguma magia para remover a lama do linho fino; a túnica âmbar era sua favorita. Quando terminou, não havia nada mais para ocupá-la. A tenda estava arrumada, ela fizera tudo o que sabia fazer. Havia gargalhadas na direção da moradia de Una e Sichar, alguém a poucas fileiras estava cantando e tocando harpa, um grupo de mulheres passou, rindo. Se eu pudesse falar algumas palavras da sua língua, poderia ir e me juntar a um grupo em sua fogueira, ela pensou. Descobrir o que aconteceria quando eles levantassem o acampamento. Pois isso, ela estava certa, proporcionaria a maior confusão e sua melhor chance de escapar. Julia dobrou suas roupas novas e subiu na cama, cobertores amontoados atrás dela, seus braços enrolados em torno de seus joelhos. Smoke decidiu que o fim da cama fora deixado deliberadamente vazio para ele e subiu, estabeleceu-se com um suspiro e foi dormir. Ela o cutucou com o dedo, mas ele simplesmente se enrolou mais forte. Ou ela teria que empurrá-lo para fora quando quisesse dormir, ou teria que permanecer sentada durante toda a noite. Os habitantes masculinos daquela tenda eram, cada um deles, profundamente irritantes. Os lábios sempre curvados em um sorriso persistente, e Julia se surpreendeu, que depois de quase um dia e meio trabalhando, ela estava se acostumando com a vida, com o homem, com a juventude de Berig, com o amável sorriso de Una e com a constante companhia de Smoke. Era loucura e ela não entendia. Smoke era um animal grande, perigoso, e ela tivera mais do que um cachorrinho. Berig era um adolescente, com todas as piores características de um homem jovem, e Wulfric… …Wulfric era alguém com quem ela deveria ser, profundamente, cautelosa. Ele a sequestrara, não escondendo o fato de que a queria como escrava e, agora, ele mostrava, mesmo através de sua gentileza, que não tinha a menor inclinação para deixá-la ir. Na pior das hipóteses, ele é dominador, violento e sexualmente poderoso. Ela fora criada para ser a esposa de um homem poderoso, é claro, mas um que fosse civilizado, agradável, reservado. Ela não estava preparada para se sentir atraída por um selvagem, por um bárbaro que lhe fazia subir o sangue. Não estava A Escrava e o Rei Bárbaro – Louise Allen

destinada a se sentir viva, apenas na presença de um homem que era um inimigo de seu povo e uma ameaça direta à sua própria liberdade. Julia se mexeu, desconfortavelmente, em seus travesseiros improvisados, tentando dizer a si mesma que esses sentimentos ambíguos, eram o resultado de sua dependência do homem para tudo neste mundo estranho, e o fato inegável de que ele salvara sua vida. Ela falhou, o que a deixou lidar com o pensamento ainda mais desconfortável que era, simplesmente, a sua fiscalização o que a deslumbrava. Mas era mais do que isso. Ela não era como aquelas mulheres, das quais ouvira falar, que gostavam de gladiadores. Não entendia Wulfric, não podia perdoá-lo por roubá-la, mas ela gostava dele e de alguma maneira perversa, visto que ele era seu captor, confiava nele. ― Você é uma tola, Julia Livia ― disse em voz alta, fazendo com que Smoke levantasse seu longo focinho para olhá-la. ― Você pode confiar que ele não a deixará ir, e isso é tudo. E você… ― ela pôs os dois pés contra as costelas do lobo e empurrou ― você pode sair da minha cama.

Wulfric estava sorrindo quando subiu na cela e saiu do acampamento ao amanhecer na manhã seguinte, com Berig bocejando às suas costas. Não houvera nenhum som de Julia durante a noite, mas, olhando para ela naquela manhã, ele a encontrara enrolada na cabeceira de sua cama, Smoke ocupando o resto do espaço. Parecia que, apesar de todos os seus confrontos, Julia estava se acomodando. Quando ela aprendesse a cozinhar e a lavar as coisas ficariam, consideravelmente, mais confortáveis uma vez que ele conseguisse superar o estado de excitação que ela produzia nele. Era tão inesperado quanto inconveniente; ela não se mostrava o tipo de mulher que normalmente apelava para ele, não fez nada para esconder que o considerava o inimigo e que sua colaboração atual era, simplesmente, por necessidade. Sua resposta incrivelmente erótica a ele na banheira não provava nada, disse a si mesmo, ironicamente. Ela estava zombando dele, batendo de volta, fazendo o mesmo jogo que ele, confiante de que ele não levaria à conclusão lógica. ― Por que você está franzindo a testa? ― Cerig estava cavalgando ao lado, tão confortável em sua montaria que podia concentrar-se no rosto do seu mestre.

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― Estou me perguntando se sou um tolo. ― Um tolo de ter esses escrúpulos, ou um tolo por não tentar seduzi-la para a minha cama? Berig apenas olhou para trás, de olhos arregalados. Em sua percepção, Wulfric, dava um passo para se afastar da magnificência geral do rei – um engano do qual ele estava bem ciente – nunca sentiu a menor ponta de dúvida. ― Venha ― disse Wulfric, apertando os joelhos e empurrando o cinza feio para o galope. ― Tenho outra manhã no Conselho.

Julia também não tinha tempo para ficar entediada naquela manhã. Una, felicíssima, demonstrou como lavar roupas, como transformar uma túnica e como lidar com um coelho para a panela. ― Ugh! ― Julia olhou para a carcaça esfolada com repulsa e aceitou, relutante, a faca estendida para ela. ― E você pare de ficar aí espreitando ― Informou para Smoke, bruscamente. O lobo reconhecia uma refeição fácil quando a via e estava, obviamente, impaciente para ela continuar com a preparação do coelho e lhe dar a cabeça. Finalmente, um ensopado foi preparado, coletadas ervas e verduras para uma salada, óleos e temperos agitados em um molho e foram aprendidas as primeiras lições de panificação. Por volta do meio dia Julia estava com calor, cansada e suas costas doíam. A chegada de Wulfric de volta ao acampamento à frente do maior grupo de homens que ela já havia visto, era uma distração bem-vinda. Ele caminhou até a tenda e comeu o pão, o queijo e a cerveja que ela havia oferecido. Ao redor do acampamento, enquanto os homens se espalhavam, levando as notícias com eles, os níveis de ruído aumentaram até o som das vozes encherem o ar, como um enxame gigante de abelhas. ― O que é isso? O que aconteceu? ― Julia precisou puxar a manga de Wulfric para chamar sua atenção. ― O exército do imperador veio? ― Não. ― Ele foi desdenhoso. ― Ele está em Ravenna com suas tropas em volta dele. Nem mesmo o insulto para sua irmã o tirou de lá. A decisão foi tomada, levantaremos o acampamento e partiremos amanhã.

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― Aonde? Para onde iremos? ― Como meu pai vai me encontrar? A voz em pânico encheu sua cabeça por um momento, então o juízo se apossou dela. Não havia maneira de que essas centenas de pessoas pudessem se mover secretamente pelo Império. Seu paradeiro não seria segredo, mas como alguém poderia encontrá-la no meio daquele formigueiro? ― Espere e eu vou lhe dizer junto com todos os outros. Os homens foram chamar as famílias e vou contar a todos os meus parentes. ― Seu rosto estava calmo, composto. No entanto, Julia conseguia sentir uma emoção que ele não estava revelando. Ela tentou ler, mas em toda sua mente podia sentir apenas raiva, rigidamente controlada. E de todas as direções às pessoas estavam convergindo. Grupos de famílias acompanhavam seus homens, bandos de homens jovens se empurrando e flexionando músculos, guerreiros maduros, espadas ao lado, rostos sérios, como pedras quebrando o fluxo do rio, enquanto paravam e ficavam de pé, pernas separadas, braços cruzados e olhos semicerrados. Homens perigosos, homens que seguiam Wulfric, homens que lutariam e matariam os romanos, se assim fosse ordenado. Alguém havia puxado uma mesa para um espaço livre na beira do acampamento. Wulfric baixou a caneca de chifre, saiu e foi até ele. Quando subiu para ficar de pé na mesa, a multidão ficou em silêncio, todos os rostos virados para ele. ― Você sabe? ― Julia pegou o braço de Berig. ― Sabe para onde estamos indo? O garoto balançou a cabeça. ― Não. Somente o rei e seu Conselho sabem. Ouça, e Wulfric vai nos contar agora. Wulfric começou a falar, sua voz soando através da multidão imóvel, como se estivesse dando ordens em um campo de batalha. Ela não podia entender uma palavra do que ele disse, mas seu estilo não teria desonrado um orador romano. Havia paixão, flexibilidade e força em sua voz. Queria apoiar sem entender por quê. Este era um homem nascido para liderar, que aperfeiçoara todas as suas habilidades e as adicionou a um carisma natural. Os rostos ao redor dela estavam arrebatados, envolvidos, inspirados.

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Então ele disse uma frase e houve um suspiro, acompanhado por cem vozes. Um murmúrio se espalhava, os rostos mostravam excitação, perplexidade, medo, especulação – horror. ― Berig! O que ele está dizendo? ― perguntou Julia. ― Não consigo entender o que ele está dizendo. ― Hwa? ― Cerig piscou para ela como se estivesse em choque e lutou para encontrar as palavras em latim. ― Er… nós vamos para o sul. ― Sul? Onde no Sul? ― África ― balbuciou o menino. ― África. O fim do mundo.

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Capítulo Sete ― África? Não, é impossível! Por que a África? ― Julia sentiu-se doente. Tão longe, ninguém a encontraria lá. Tudo ao seu redor era turbulência. As mulheres gemiam, os homens faziam perguntas. A voz de Wulfric, levantou-se em um rugido, cortou o burburinho e eles ficaram em silêncio novamente, enquanto ele falava. ― Porque é rica em grãos…porque há mais terra lá…porque nos dá um domínio do Império através das remessas de grãos…― Concentrando-se para traduzir, Berig estava mais composto agora.― Porque o Império do Oriente está enviando quatro mil homens para ajudar Honorius. ― Alaric não vai ficar firme e lutar? ― Quatro mil! Será um banho de sangue, seja quem for o vencedor. ― Eles estão perguntando isso agora. ― Berig levantou uma mão para silenciar suas perguntas urgentes, sussurradas. ― Wulfric diz que o rei declara que ele não nos trouxe aqui para os corvos pegarem nossos ossos, ou os dos romanos, mas sim, para a terra que nos é devida. ― E partimos amanhã? ― Sim. Estaríamos mesmo indo embora amanhã, não há comida suficiente em Roma. Então, na primeira chance que eu tiver, devo escapar. Haverá confusão agora com as pessoas embalando tudo para levantar o acampamento. Julia examinou a multidão e o acampamento. Durante toda a manhã, ela estava subindo e descendo o caminho para o rio, aquele seria o caminho a percorrer para escapar, Wulfric certamente colocaria Smoke a sua procura, e seu cheiro seria esperado lá. Se ela entrasse na água e andasse rio abaixo, o lobo ficaria confuso. Mas para que isso funcionasse, primeiro precisava fugir de Smoke. A multidão começara a se separar, voltando às suas tendas, falando com urgência entre si. ― Você deve me mostrar como ajudar com o empacotamento ― começou ela, quando um grito interrompeu todo mundo em sua caminhada. Wulfric saltou da mesa, depois, ele se virou para encarar um homem que saia do meio da multidão. Ele era um gigante, meia cabeça mais alto do que A Escrava e o Rei Bárbaro – Louise Allen

Wulfric, com a constituição de um sólido tronco de árvore, seu torso enorme como o de um urso. Seus cabelos eram vermelhos, o rosto estava encolerizado de raiva e em sua mão brandia uma espada. ― Oh! Senhor. É Rathar. Ele sempre se opôs a Wulfric. Traidor ― começou Berig a traduzir, com o rosto branco. ― Covarde. Alaric está errado e todos sabem disso, você está nos liderando, para não cedermos a esquemas loucos que serão a morte de todos nós. Eu não o seguirei mais, Wulfric, filho de Athanagild, nem meus parentes, pois você procura alguma vantagem para você em tudo isso, planeja tomar o trono, mesmo quando esta loucura leva a todos à perdição. Wulfric ficou de pé, segurando a espada enquanto o furioso gigante se encolhia. Sua voz quando ele respondeu era clara, firme, desdenhosa. ― Thu wuarda thoei thu qast, lugan, Rathar. ― Wulfric diz que Rathar mente, ele diz para ele se acalmar e para retirar seus insultos e ele não lhes dará qualquer atenção. O homem ruivo deu um rugido furioso e pulou com sua espada. ― Gagg du haljai! ― Vá para o inferno! ― Berig entrou em uma corrida, de volta para a tenda, e Smoke desapareceu do lado de Julia para reaparecer atrás de Wulfric, os pelos levantados, os dentes descobertos. A espada de Wulfric varreu a bainha enquanto ele se esquivava como uma pantera elegante contra o ataque do urso. As lâminas se cruzaram, o choque do metal soando alto, no silêncio total que caíra. Cada rosto se voltou para o drama que se desenrolava no círculo de grama esmagada e Julia percebeu que estava, completamente, desprotegida. Atrás da fileira de barracas mais próxima, fora da vista, estavam as linhas dos cavalos, ela nem precisaria correr para o rio… Um jovem quebrou a multidão e estendeu um escudo para Rathar, que o agarrou ao mesmo tempo em que ele saltou para trás ao ataque de Wulfric, assim como Berig apareceu atrás de seu senhor, o escudo redondo em relevo com um dragão, que ela vira pendurado na tenda, em seus braços. Graças a Deus eles estavam em igualdade novamente: em tudo, menos no tamanho… Começou a abrir caminho entre a multidão, mas apenas quando chegou ao limite ela percebeu o que estava fazendo: em vez de fugir para a borda, ela estava agora na borda interna do círculo à vista de Berig e Smoke. Mas não podia recuar. Na frente dela Wulfric estava lutando, não apenas por domínio, mas por sua vida. Talvez ela não soubesse nada sobre o jogo de espadas, mas era óbvio que os dois A Escrava e o Rei Bárbaro – Louise Allen

homens estavam, mortalmente derramamento de sangue ou pior.

sérios,

que

aquilo

não

terminaria

sem

Na lateral do terreno, os dois jovens também circulavam, os olhos cintilando, facas nas mãos, guardando as costas de seus senhores um do outro. Se Wulfric fosse morto, o que aconteceria com Berig? E certamente ele não poderia vencer contra esse gigante furioso. O homem possuía a vantagem do peso, alcance e altura. Julia fechou os dedos sobre a boca e obrigou-se a olhar. Wulfric era mais rápido, ela percebeu, ofegante enquanto ele se abaixava sob um balanço selvagem. Ele não parecia menos forte do que Rathar, e estava calmo, em uma calma gelada. Gradualmente, ela começou a notar as táticas no que ele estava fazendo, levando Rathar para dentro, e então se afastando, tentando cansar o homem mais pesado, quando sua própria espada brilhava e golpeava, cegando e enganando em golpes e contragolpes. Eles estavam suando, ambos. Wulfric passou a mão livre pela testa, sacudiu o cabelo e, em seguida, com os olhos do oponente, momentaneamente distraídos pelos movimentos, pulou para baixo, sua lâmina rasgando uma perna da calça. Era um corte oblíquo e oportunista e não cortou fundo, mas o sangue apareceu através do pano e Rathar deu um grande grito de raiva. Ele se lançou em Wulfric, cortando e apunhalando, o peso e fúria de sua carga levando seu oponente de volta contra o lado da mesa, removendo todas as vantagens de Wulfric, velocidade e flexibilidade. Com um grunhido de triunfo, Rathar retirou o braço de sua espada e empurrou-o diretamente para o peito de Wulfric. Julia não fazia ideia de como mantinha os olhos abertos, como ela se calava, ou, porque simplesmente não desmoronava de puro terror. A grande lâmina brilhou para a frente, e de repente Wulfric não estava lá, mas no chão, rodando sob a grama, levantando-se. Havia deixado cair seu escudo, sua longa faca estava em sua mão esquerda, sua espada firme em sua mão direita. E por seu antebraço direito o sangue estava derramando-se de um corte longo, em uma inundação carmesim incontrolável. ― Não! ― Ela pensou que havia gritado, mas era apenas um sussurro de desespero. Berig congelou em sua trilha, o lobo se agachou, como se fosse saltar. Wulfric parecia tropeçar, sua guarda vacilou e com um rugido de triunfo o gigante atacou-lhe, espada estendida. Wulfric voltou a cair, com o peso firmado sobre o braço ferido, e fincou para cima, com a mão segurando sua faca, sob a guarda de Rathar, sob a borda de malha, para encontrar o alvo. A Escrava e o Rei Bárbaro – Louise Allen

O homem caiu como uma árvore derrubada, Wulfric ficou debaixo dele, sua cabeça batendo na roda de uma carroça. Julia viu Berig correr para o escudo, agarrá-lo e agitar em volta, para ficar de guarda sobre os homens caídos, sua longa e afiada faca segurando o seguidor de Rathar, Smoke rosnando ao seu lado. Ela descobriu que estava correndo, tropeçando na relva escorregadia, até que chegou até eles. ― Me dê a faca. ― Ela arrancou a faca de Berig e a mostrou para o seu oponente. ― Tire-o de lá, temos de parar o sangramento. O homem de Rathar a ameaçou e Smoke grunhiu. ― Quer que sua garganta seja arrancada? ― perguntou Julia. ― Pois eu juro que o atiçarei em você se não se afastar. Então, Una estava do seu lado, com seu marido nos calcanhares para pegar a faca de Julia, e entre eles, as duas mulheres e o jovem rolaram o corpo de Rathar para longe de Wulfric. Olhos gelados encaravam os dela. ― Por que você não fugiu quando teve a chance? ― Então o olhar aguçado vacilou, desfocado e suas pálpebras fecharam. ― Idiota ― disse Una, de joelhos ao lado de Julia. ― Ele precisa perguntar? ― Ela pegou as mãos de Julia e as prendeu ao redor da ferida aberta no antebraço de Wulfric. ― Aqui, segure apertado, nós devemos parar o sangramento. ― A sua cabeça… ― É como carvalho ― respondeu a outra mulher. ― Mas uma cabeça dura não é boa sem sangue. ― Tirou o cinto e o amarrou ao braço de Wulfric. ― Vê? Isso impede o sangue, mas não devemos deixá-lo apertado muito tempo, ou o braço vai morrer. Ela está me ensinando, Julia percebeu, tentando ignorar a náusea subindo dentro dela, tentando se concentrar no que estava fazendo, determinada a não desmaiar, enquanto suas mãos escorregavam no sangue. Os homens vieram com uma maca onde colocaram Wulfric. Julia os seguiu de volta para a tenda, ouvindo Una contar, observando-a soltar o cinturão e depois apertando-o.

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Posso ir agora, eles não vão notar. O acampamento estava em tumulto, gritos agudos saindo do local da luta enquanto as mulheres do grupo de Rathar se reuniam ao redor do corpo, homens leais a Wulfric se aglomerando em grupos para debater o que acontecera. Berig estava ajoelhado ao lado de seu senhor, Smoke deitado no outro, rosnando suavemente. Ele está vivo, não há nada que eu possa fazer. Eu vou… Mas seus pés não a levavam. Em vez disso, inexplicavelmente, a levaram para a tenda do lado de Una. ― O que eu posso fazer? ― Pegue água e toalhas. ― Una olhou para seu irmão e falou em sua própria língua. ― Eu o enviei para buscar agulhas e fio de linho, esse braço deve ser costurado. Naturalmente, Una podia fazer todas essas coisas que deixavam Julia sentindo-se desajeitada, indefesa e envergonhada de sua existência mimada e descuidada. ― Julia o fará. ― As duas mulheres olharam para Wulfric. Ele estava pálido sob seu bronzeado e havia linhas de dor ao redor de seus olhos, mas estava sorrindo. ― Julia Livia Rufa pode costurar um ponto fino, estou certo. Não é bom para você em sua condição, Una, sentar-se encurvada sobre meu corpo ferido. ― Eu…eu nunca costurei uma ferida ― Julia protestou. Por que ele não está inconsciente? ― Um coelho pelado me deixou doente do estômago. ― Não sou um coelho. ― Não. ― Certamente ele não era. Julia manteve o olhar bem afastado do braço de Wulfric. ― Eu não sei como. ― Ontem você não sabia como arranjar aquele coelho, nem amassar pão ou lavar roupa. E agora? ― Incrivelmente, foi Una quem perguntou. ― Sim! Mas… mas isso é diferente! ― De que outra forma você aprenderá, exceto fazendo? ― Mas por quê, quando você vai fazer melhor? ― Porque você é a mulher dele ― disse Una, levantando-se com um grunhido e esfregando as costas. ― Eu não sou!

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― Eu salvei sua vida. Tenho você. Isso faz de você minha mulher, ― disse Wulfric. ― E se não for, por que não fugiu agora? ― Havia mais do que perguntas naquele olhar verde, havia suposições e contestações e algo que a puxou… ― Porque eu sou estúpida ― disse Julia, furiosamente. ― Eu deveria ter ido. Incrivelmente, apesar do fato do braço dele estar aberto até o osso, ela arriscou um olhar nauseabundo, e mesmo tendo sofrido um golpe na cabeça que teria matado a maioria dos homens, Wulfric parecia muito capaz de manter uma conversa, em sua maneira mais provocante. Berig entrou correndo e empurrou um pequeno rolo de pano nas mãos de sua irmã. ― Não. ― Ela acenou para Julia. ― Ela vai fazer isso. ― Ela! Eu sou seu homem, eu farei isso se você não quiser! ― Não tenho vontade de parecer uma maldita peneira ― disse Wulfric secamente. ― Julia o fará. Parecia que não havia escapatória. Enquanto Una pedia a Berig, Julia puxou um banquinho e sentou-se ao lado da cama de Wulfric. ― Eu machucarei você. ― Doerá, seja quem for que o fizer. Não tê-lo costurado será pior, ― ele apontou seu braço para ela. ― Eu o faria sozinho, se fosse o meu braço esquerdo. ― Oh! ― Berig empurrou uma toalha em seu colo e Una entregou-lhe uma agulha com um longo fio marrom pendurado. ― O que eu faço? ― Faça lotes de pequenos pontos durante todo o processo, amarre cada um deles. Vou lhe dizer onde. ― Una… Berig… ― Eles foram desaparecendo nas sombras da tenda, deixando-a sozinha para lidar com aquilo. Wulfric colocou a mão esquerda sobre a ferida, juntando as bordas mais perto do cotovelo. ― Comece lá. Deve doer terrivelmente. Tentou esconder isso de sua mente, tentou não pensar na carne viva por onde estava passando sua agulha enquanto fazia nó após nó, a voz de Wulfric calma em seus ouvidos, enquanto aprendia a conseguir a tensão certa, o espaçamento correto. Sob as mãos, ela sentia a carne estremecer quando A Escrava e o Rei Bárbaro – Louise Allen

empurrava a agulha, mas manteve o braço tão firme como quando segurou a espada, e sua respiração nunca vacilou. Após os primeiros pontos, suas mãos estabilizaram e seu foco inteiro estava na largura do próximo ponto da ferida, na profundidade precisa, na tensão correta. Ela continuou fazendo, o sangue rugindo em seus ouvidos, até que o ouviu dizer: ― Está pronto ― e percebeu que a coisa toda tinha acabado. ― Não, você não pode desmaiar ainda, Julia. —A voz de Wulfric era como se ela estivesse costurando uma bainha na túnica. ― Lave o sangue e enfaixe-o com força. Una deixara as coisas para ela. Julia fez como ele instruiu e finalmente sentou-se para trás, suas mãos vermelhas até aos pulsos. Ela olhou para elas, afastando-as de seu corpo como se não lhe pertencessem. ― Agora lave as mãos ― disse Wulfric pacientemente. ― Sim… sim, é claro. ― Julia colocou a água para um lado e se levantou, procurando um cobertor. ― Deite-se agora, você deve descansar. ― Não. ― Wulfric balançou as pernas sobre o lado da cama. ― Preciso ser visto, e preciso ir falar com os parentes de Rathar. ― Você não está em estado perfeito! ― Julia apertou as mãos nos ombros dele e tentou empurrá-lo para baixo. Ele poderia estar ferido e enfraquecido por um golpe na cabeça, mas ainda era tão sólido quanto uma pedra, contra a força que podia reunir. ― E certamente não é exatamente seguro ir até eles quando você o matou? ― Foi uma luta justa, ele me desafiou diante de testemunhas. Não há motivo para julgamento. Vou ver o que sua mulher precisa, e as crianças, e dar-lhes dinheiro, embora não seja devido em tal caso. Wulfric levantou-se e levantou o queixo dela com sua mão esquerda como já havia feito uma vez e olhou-a nos olhos. ― Estou feliz. ― Por quê? ― Porque parece que você escolheu estar aqui. ― Eu lhe disse, fui muito tola para não fugir quando tive a chance. Por que eu deveria escolher ficar com um homem que me sequestrou, que me obriga a trabalhar para ele, que me faz… que me faz…? ― Para seu horror, sua voz balançou. A Escrava e o Rei Bárbaro – Louise Allen

― Júlia, faz a você o quê? ― Sua mão não estava mais em seu rosto, mas em volta dos ombros dela, puxando-a para ele. ― Que me faz costurar suas feridas repugnantes ― Ela retrucou, lutando contra o desejo de simplesmente se apoiar sobre ele e ser abraçada. Ele estava ferido, mas era ela que mal tinha a força para ficar de pé. ― Nunca mais quero ver o interior de ninguém enquanto viver. Eu podia ver o osso. Isso provocou um bufo de diversão. ― Teríamos dificuldade em ficar de pé sem ele. Sente-se, Julia, teve um choque. Descanse. ― Wulfric a pressionou para se sentar na cama que ela o estava incitando a sentar, e caminhou até a entrada. Por um instante, viu-o hesitar, a mão esquerda apoiada no poste, o primeiro sinal de fraqueza que percebeu dele, e então, ele endireitou os ombros e se foi. Um grito cumprimentou seu aparecimento, as vozes se levantaram, e então reduzidas, lentamente, quando quem falava o seguiu. Seguindo um homem que matou três homens na minha frente nos três dias em que o conheço. Julia olhou para as mãos, meio esperando ver sangue novamente. E eu fiquei com ele quando pude fugir. Sem uma decisão consciente, deitou-se sobre os cobertores. Mas dois desses homens eram assassinos e estupradores, e Rathar o atacou. O que mais ele deveria ter feito? Julia se encolheu, o tremor que a afligira antes, voltando. Ela puxou um dos cobertores sobre seus ombros e descobriu que estava inalando o cheiro que tinha vindo a associar, muito inconscientemente, com Wulfric. O aroma das bolas de sabão, couro, almíscar masculino. Estou na cama dele. Eu deveria me mover…em um minuto, quando me sentir melhor. Isso parece seguro…Em um minuto eu posso descer até o rio e escapar. Suas pálpebras caíram e se fecharam.

― Ela ainda está dormindo ― resmungou Berig, olhando para Julia, que estava encolhida debaixo dos cobertores na cama de Wulfric. ― Silêncio. Ela teve um choque ― murmurou Wulfric. Sua cabeça estava batendo, ele se sentia de cabeça leve de uma maneira que sabia, por experiência, que era devido à perda de sangue e só seria curada com descanso, e seu braço doía com uma implacável pulsação que tornava difícil concentrar-se.

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Durante as longas horas, ele se sentou com seus próprios seguidores, discutindo, planejando, explicando a decisão de Alaric, justificando o melhor que podia um plano com o qual, secretamente, discordara, profundamente, mas devia apoiar, por lealdade. Agora a lua estava alta e ele os havia enviado, ainda debatendo, para suas camas. Seria um dia longo, duro e desgastante amanhã. E aquela mulher estava em sua cama. Enfurecida, ela o chamara. O fraco falando com o doente, como uma vingança. Mas por que ela ficara? Não por falta de coragem para assumir um risco, e não, por falta de inteligência para ver as chances. Ele balançou a cabeça, o eco das palavras de Una na cabeça. Ele estava, quase, inconsciente, então talvez tivesse ouvido mal a resposta de Una à sua pergunta: Por que você não foi? Homem idiota, Una dissera como se houvesse alguma verdade certamente óbvia na frente dele. Uma coisa de mulher, obviamente, algo que um mero homem não poderia esperar entender. ― Vou acordá-la, mandá-la de volta para sua própria cama. ― Berig estendeu a mão. ― Ela está fria. ― Já lhe disse, está em choque. Quanta luta e derramamento de sangue você acha que uma donzela romana bem-educada vê de perto? ― E ele a forçou a coser aquela ferida. Por quê? Pareceu certo no momento. Agora, não estava claro sobre seus motivos e estava vagamente culpado. Ele estava testando sua coragem, testando por que ela ficara e não fugiu dele? Ou era simplesmente porque queria sentir suas mãos sobre ele novamente? ― Deixe-a ― disse abruptamente, puxando outro cobertor sobre o corpo esguio que parecia tão pequeno em sua cama. Smoke subiu e se estendeu ao lado dela, parecendo aprovar a cama maior que lhe dava mais espaço. ― Quer a minha cama? ― perguntou Berig. ― Posso dormir no chão. ― Você ronca, pirralho. ― Wulfric bateu ligeiramente em seu ombro. ― Preciso da largura da tenda entre nós, se vou dormir. Vou pegar a dela. Demorou um tempo para ficar confortável na cama menor. Era seu braço doendo que tornava isso tão difícil de resolver. Não tinha nada a ver com o suave cheiro feminino que exalava das cobertas para as narinas, nada a ver com o número lamentavelmente pequeno de objetos femininos que Una havia emprestado a Julia e que estavam na prateleira: um pente, um cinto, um frasco pequeno de algum óleo. A Escrava e o Rei Bárbaro – Louise Allen

Amanhã, no caminho para o sul, ele poderia levá-la para a cidade, deixá-la na Basílica. Havia sido declarado um lugar santo, ela estaria a salvo lá, até que conseguisse avisar sua família. E ele sabia, enquanto pensava, que não faria tal coisa. Ela era sua agora, e ela ficaria. Mas o que ela significava para ele, descobriu que não fazia ideia. Wulfric enrolou a mão esquerda em torno do cabo da espada e tentou relaxar. Sentia-se estranho, errado, perturbado. Mas, talvez, fosse exatamente esse humor estranho que o fizera praticar a luta com ambas as mãos, com frequência suficiente. Um ronco suave e borbulhante do outro lado da tenda o fez sorrir. Nada, ao que parece, perturbava o sono de Berig. O jovem se saíra bem naquele dia. Wulfric estivera ciente dele na beira de sua visão, circulando, observando suas costas, de pé para o homem de Rathar, que era mais velho, mais alto e mais experiente. Ele deixaria o jovem usar sua segunda espada agora, era hora de aprender a lidar com a lâmina mais pesada. O planejamento de exercícios de espada para Berig era reconfortante. A mão de Wulfric relaxou, e ele dormiu.

― Oh! ― A exclamação era suave, mas o acordou, a arma já na mão. Era Julia, com Smoke ao seu lado. Estava ruborizada, desgrenhada e, obviamente, apenas tirara a túnica, quando tropeçou na barraca até o seu espaço na cama. ― Desculpe, pensei que ainda estivesse fora. Wulfric colocou a espada ao lado da cama. ― Você está quente agora? Você estava com frio antes. Ela esfregou suas mãos para cima e para baixo dos braços. ― Estava, eu devia ter trazido um cobertor ― Seus olhos estavam pesados e obscurecidos de sono. Ele se moveu através da cama, revirando o cobertor. ― Aqui, entre. Julia fez o que ele disse, deslizando no lado esquerdo. Isso o pegou de surpresa, ele não esperava que ela obedecesse, então viu que ela estava quase dormindo, muito cansada para perceber o que estava acontecendo. Ele puxou a

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manta, enrolou seu braço bom em torno dela e ficou imóvel, enquanto ela se arrastou para uma posição confortável, dobrada contra ele. ― Julia… ― Mas ela já estava dormindo de novo, com a cabeça pesando em seu braço, as curvas de seu traseiro encostado em seu quadril. Wulfric respirou fundo, agradecido por ter deixado sua roupa interior de linho. Agira por impulso e a consequência era encontrar-se na cama, com uma tentação quase esmagadora. Por outro lado, tentar seduzir uma virgem romana bem-criada com um braço praticamente inútil, dificilmente poderia acabar em satisfação para qualquer um. Sorriu para si mesmo, decidiu ignorar o desconforto que sua proximidade estava causando, e fechou seus olhos contra a suave escuridão de seu cabelo. Pelo menos você admitiu, sua consciência murmurou. Você a quer.

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Capítulo Oito Julia começou a sair do sono profundo, para um quente e semi cochilo. Ela estava aconchegada, confortável, e havia um corpo firme e forte pressionado contra suas costas. O hálito quente fazia cócegas em sua têmpora, mexendo os cabelos. ― Smoke! Pare com isso ― resmungou ela. Algo úmido tocou sua orelha. ― Lobo mau! Quero dormir. A gargalhada gutural a fez acordar completamente, com um suspiro. Os lobos não riam. Lobos, ela percebeu tardiamente, não eram grandes o suficiente para se esticar ao longo de todo o comprimento do seu corpo, nem possuíam mãos para segurá-la, enquanto sua boca brincava sobre sua bochecha e pescoço. ― O que você está fazendo? ― Sua voz estava abafada por seu próprio cabelo. ― Tentando lhe beijar. ― A voz de Wulfric era rouca e divertida. ― Não… ― Aquilo foi dito com pouco entusiasmo. As sensações que o suave roçar de sua boca estava criando, estavam fazendo estragos em sua timidez e seu bom senso. Ela tentou novamente. ― Você não deveria. ― Não estou movendo meu braço ferido ― As palavras zumbiam, seus lábios haviam encontrado a pele macia atrás de sua orelha e estavam acariciando-a. Sua barba acrescentando uma camada extra de sensação ao toque habilidoso. Julia se contorceu e congelou quando percebeu quão duro se tornou, e como despertou, o corpo masculino onde ela estava aconchegada. ― Não se preocupe com seu braço! Não foi isso que eu quis dizer e você sabe ― Ela tentou repreender. Não parecia muito convincente. ― Você me prometeu que não iria… Aah! —A queda do cabelo dele roçando sua bochecha, parecia como se um milhão de penas estivessem roçando a pele, cada toque parecia encontrar um nervo. ― Prometi que não a violaria. Parece que estou lhe violentando? ― Seduzindo, então. ― Ele certamente estava fazendo. Por que a mordida dos dentes no lóbulo da orelha a fez sufocar um gemido? Ele tomou a carne, suavemente, em sua boca e ela ofegou quando ele lambeu. Relutantemente, ele soltou sua orelha. A Escrava e o Rei Bárbaro – Louise Allen

― Nunca disse nada sobre sedução. ― Sou virgem ― Protestou ela, tanto para se lembrar, quanto para envergonhá-lo. ― Eu não sou. ― A mão esquerda de Wulfric começou a acariciar seu peito, o calor de sua pele queimando através do tecido leve. Para sua mortificação, o mamilo endureceu instantaneamente sob sua palma. ― Posso ver ― disse ela, trêmula. ― Bom. ― Ela podia sentir o sorriso contra sua pele. Ele a girou dentro de seu braço, até que ela deitou de costas e ele pode se erguer no cotovelo esquerdo e olhar para ela. ― O que você espera que eu faça quando acordo encontrando uma mulher na minha cama? Minha mulher? ― Ele se curvou e começou a lamber calmamente, ao longo de sua clavícula exposta. ― Você sabe… bem. ― É a minha cama. ― Protestou ela levemente, lutando contra o instinto de estender a mão e puxar o peso de seu corpo sobre o dela. O cheiro dele, masculino, almiscarado, excitado, encheu suas narinas, subjugou seus sentidos. ― Eu estava aqui quando você entrou nela ― ele apontou. ― E primeiro você estava na minha. Para onde eu iria? ― Pare de… — a boca dele a silenciou, deslizando com uma sensualidade inebriante, de um lado para o outro, enquanto a língua se preocupava com a união de seus lábios. Ele queria que ela abrisse a boca, deixá-lo invadir como quando tiveram aquele encontro quente e furioso na banheira. Bem, ela não faria isso. Não dessa vez. Julia apertou os lábios e tentou ignorar a mensagem urgente de seu corpo, de que queria que ela se abrisse para ele, para que ele a tocasse por toda parte, que movesse seu peso sobre ela e a tomasse. Oh, mas era difícil resistir, tão difícil, quando ela queria ceder mais do que qualquer outra coisa. Qualquer coisa, exceto aquela minúscula chama de orgulho e resistência e o medo de que, se cedesse a ele uma vez, acabasse caindo como erva seca diante de um fogo. Julia estendeu a mão, entrelaçou os dedos na massa de cabelo que caía ao redor de seus rostos, e puxou. Ela queria acariciá-lo em vez disso, para senti-lo varrer o corpo nu dela, pondo suas mãos nela e arrastar os lábios de Wulfric contra seus seios, mas ela resistiu, até que ele liberou sua boca. Olhos verdes divertidos e sensuais olharam para os dela. Ela tentou projetar raiva e rejeição, mas sabia que tudo o que conseguia era uma espécie de anseio impotente. A Escrava e o Rei Bárbaro – Louise Allen

― Você quer que eu pare? ― Sim! ― Ele rolou de costas e Julia reprimiu um arrepio ante a súbita sensação de perda. ― Acima de qualquer outra coisa ― ela sibilou. ― Berig está dormindo bem do outro lado da tenda. ― Eu estava beijando você muito calmamente ― Wulfric apontou. ― Apenas beijando. ― Isso era tudo o que você faria? ― Ela perguntou, desconfiada. ― Claro. ― Wulfric sentou-se, dando a Julia uma vista magnífica de seu torso nu. Ela engoliu em seco. Tão perto, e sem que sua visão estivesse nublada pela raiva e medo como na banheira, ela podia ver a magnífica definição muscular, as marcas de feridas antigas, cicatrizes novas, contusões novas. Segurou suas mãos juntas para impedi-las de tocá-lo. Ele balançou as pernas para fora da cama e instintivamente levantou as mãos para cobrir seus olhos. Quando ela olhou para fora entre os dedos, cautelosamente, espalhados, viu que ele estava pelo menos, decentemente vestido da cintura para baixo e os deixou cair antes que ele visse sua reação. ― Por quê? Wulfric se inclinou para pegar a espada em sua mão direita e ela viu as gotas de suor aparecerem em sua testa, enquanto os músculos feridos se tencionavam. ― Por que você estava me beijando? E não faça isso! Você vai estourar os pontos, ou fazê-lo sangrar, ou algo assim. Ele deslocou a arma para a outra mão. ― Eu estava beijando você porque você é minha ― Ele disse com a arrogância que nunca deixava de lhe tirar o fôlego. ― E um dia você não vai querer que eu pare. Precisamos apenas encontrar esse dia. E está certo, é muito cedo para usar esse braço. ― Ele levantou a borda da cortina e olhou para ela enquanto ela sentava, ereta e rosada de desejo, raiva e vergonha. ― Hora de levantar, Julia Livia, temos um longo dia hoje.

Ela ainda estava em tumulto quando se juntou a Una, lá fora, para fazer o mingau que a outra mulher declarou que todos precisariam para lhes dar energia. ― Qual é o problema? O leite, por favor…sim, já chega.

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― Esse homem é o mais irritante, arrogante, déspota. ― Era mais fácil falar sobre Wulfric do que se perguntar se ela não era, em parte, culpada pelo que tinha acontecido. ― Seu braço dói? ― Una agitou o pote e acrescentou um punhado de bagas secas e nozes. Ao redor deles, o acampamento era como um formigueiro perturbado. As pessoas, muitas ainda esfregando o sono de seus olhos, estavam movendo carroções, desatando cordas da barraca, reunindo animais que protestavam. ― Sim, embora ele não diga isso. ― Julia pegou a corda da cabra e amarroua longe da comida. Ela tinha uma sensação de que a ordenha seria a próxima coisa na lista de Una quanto às habilidades úteis que ela deveria aprender. ― Ele está temperamental? ― Oh, não, não é isso… ― Julia percebeu aonde estava indo e fechou a boca com um estalo.

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― Oh, oh! ― Una sorriu. ― Então ele está querendo… qual é a palavra? — Seu breve gesto foi chocantemente explícito. ― Fazer amor? ― Murmurou Julia. ― Fazer sexo? Sim. ― Você não quer isso? Wulfric é um homem muito atraente. ― Acrescentou Una, com toda a imparcialidade de uma mulher bem-casada. ― Sim, eu sei e sim, ele é, e não, não vou ceder a ele ― disse Julia enfaticamente. ― Um outro homem a forçaria. ― Una agitou o mingau. ― Você é dele para fazer o que quiser. ― Se ele fosse esse tipo de homem, eu não iria querê-lo, então, tudo o que eu teria com que me preocupar, seria onde encontrar a faca para matá-lo. ― Julia bateu o balde de água no chão, na frente da cabra, fazendo-o espirrar e fazendo-a se afastar com um rolar selvagem de seus estranhos olhos amarelos. Una deu um suspiro risonho, então seu rosto ficou inexpressivo. Julia se virou para ver o que ela estava olhando e se encontrou quase, cara a cara, com uma mulher alta, de sua idade. As tranças douradas entrelaçadas com arcos dourados, jaziam sobre cada seio. Suas roupas eram bordadas com finos motivos e carregava pulseiras entrelaçadas nos braços. Ela olhou com desprezo para Julia, depois virou seus olhos azuis para Una. ― Una. ― Julia não conseguiu acompanhar o resto da troca de palavra, mas parecia ser uma indagação familiar sobre a saúde de Una, apresentada de uma maneira que não demonstrava real preocupação. Julia desamarrou a cabra e levou-a firmemente, e desnecessariamente, através do espaço entre as duas mulheres. A estranha retirou as saias com um olhar penetrante, e com uma outra pergunta. ― Esta é Julia, da casa de Wulfric ― respondeu Una em latim. ― Uma nova escrava? Ela é boa? ― A mulher mudou de língua com facilidade. ― Para cozinhar? ― Una apertou os lábios. ― Não. ― Havia tanto significado na expressão dela que Julia se sentiu ficar escarlate. ― Não foi por isso que Wulfric a pegou. A outra mulher varreu Julia com um olhar furioso e girou sobre seus calcanhares. A Escrava e o Rei Bárbaro – Louise Allen

― Una! Como você pode! Ela acha que eu sou dele… sua… ― Ela acha que você está, onde ela quer estar, na cama dele. Essa é Sunilda, filha de Hilderic. Seu pai quer Wulfric como um filho. Sunilda só quer Wulfric. ― Casar? Ele quer? Ela não parece muito agradável. ― Oh, sim, ele se casaria com ela. Ele já o teria feito, eu suspeito, se não tivesse tantas outras coisas com as quais pensar. Ela traria a fidelidade de muitos homens para seu lado e é forte, apta para ser a esposa de um líder. E não é desagradável aos olhos. ― Mas você não gosta dela? A maneira como Una quebrou um ovo foi resposta suficiente. ― Ela pensa que estou abaixo dela. Fala comigo só porque Berig serve Wulfric. ― Ela é minha inimiga agora que você disse essas coisas para ela. ― Julia, desnorteada, levou a cabra de volta e amarrou-a. ― E você é dela, isso é mais importante. Você está prevenida. Você a quer como senhora? ― Não! E eu também não a quero como esposa de Wulfric. Ele a ama? ― Ele mal a conhece. E é seu dever casar-se bem por seus parentes e aliados. O amor não é, oh! Eu não sei as palavras. O amor não é o mais importante. ― Porém, você está tentando me dizer que posso impedir o casamento, que eu deveria impedir? ― Às vezes é necessário um longo caminho a seguir. Nem tudo é o que parece neste momento. ― Una estava olhando para o pote de mingau como se fosse um oráculo lendo as entranhas, em um sacrifício pagão. Ela levantou a cabeça e ficou observando o olhar interrogativo de Julia. ― Você não vai embora agora. Você não vai fugir. ― Eu vou! ― A promessa foi lançada por Julia antes que ela tivesse o espírito de ficar quieta. ― Como você faria se fosse uma escrava de Roma? Você não tentaria escapar? ― Não tendo ouvido o que os romanos fazem aos fugitivos, não ― disse Una secamente. ― Você não gosta de ser de Wulfric, mas se fugir, ele não vai lhe machucar, só lhe trazer de volta. ― Ela pegou as tigelas e começou a encher com o

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mingau. ― Chame os homens, está pronto. Você viu um escravo sendo maltratado enquanto esteve entre nós? ― Não vi escravos ― Julia pegou as tigelas e começou a colocá-las lá fora. Berig já havia carregado seus cavaletes em uma carroça, então, eles estavam compartilhando a mesa de Una. ― Isso é porque você não pode ver a diferença somente olhando. Os escravos pertencem a famílias, fazem parte de famílias. Todo mundo tem deveres. Wulfric estava furioso com ela, porque ela não sabia o nome da pequena escrava, lembrou-se Julia. Parecera estranho naquela vez, agora ela começou a entender. Uma vez que você estivesse em uma casa bárbara, seja como for que chegou lá, todos possuíam uma responsabilidade para com você, assim como você possuía deveres para com eles. Sentia-se solitária o tempo todo quando vivia em sua casa. Aqui, ela nunca sentira aquela sensação de distância, o frio da casa de seus pais. Ela dissera a si mesma, que o casamento com Antonius Justus lhe daria um sentido de pertencimento, de ser valorizada por quem ela era, e não como uma peça de jogo de tabuleiro, onde a família e o status cívico tivesse decidido. Agora ela se perguntava. ― Onde estão eles? ― Una apertou as mãos nos quadris e olhou ao redor. ― Berig! Venha e coma! ― Ela cutucou Julia gentilmente. ― Sente-se, não espere os homens ou vai ficar frio. O que você está pensando? ― No homem com o qual eu deveria casar. ― Julia pegou uma colher de chifre e atacou o mingau, de repente, voraz. ― Ah! E como ele é? ― Ele é senador. Trinta anos de idade. Um homem próspero e influente com o imperador. ― Você não sente desejo por ele? ― Una! A mulher mais velha sorriu e acenou com a cabeça para onde Wulfric estava vindo em sua direção, Berig em seus calcanhares. ― Ele não é… ― Derrotada, ela acenou com as mãos para Wulfric em um de seus gestos gráficos. Evocava altura, poder e, embora Julia não tivesse ideia de como, transmitia sexualidade. ― Não. ― Concordou ela com pesar. ― Ele não é.

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― Do que vocês estão falando? ― Perguntou Wulfric, quando ambas começaram a rir. ― Gumans ― disse Una. Homens. Julia sabia aquela palavra, ela se deu em conta. Gradualmente as coisas estavam se assentando. ― E como nunca chegam na hora em que são procurados. ― Fez um gesto para as tigelas de mingau que estavam esfriando. ― Coma, é a última comida quente que você vai ter o dia todo. Eles comeram, e então embalaram tudo. Julia dobrou os têxteis em caixas, colocou os utensílios de cozinha e de comer juntos em caixas de verga, e arrastou tudo para frente da tenda para que Berig as transportasse. Parecia que Wulfric não estava brincando quando a provocara sobre vidros e caixas de prata do Reno. Quando a tenda se esvaziou e os dois carros de boi, do lado de fora, ficaram ainda mais carregados, os homens levaram as caixas com muito cuidado e carregaram-nas para o meio do carro da frente. ― Onde está todo o ouro? ― Julia perguntou, meio brincando enquanto fazia uma pausa para descansar, esfregando a parte traseira de seu antebraço, em seu rosto úmido. ― Onde eu possa encontrá-lo ― disse Wulfric, seus olhos se estreitando enquanto a olhava. Ele estava segurando um pacote de lanças com uma mão, o braço ferido enfiado no cinto como uma tipoia improvisada. ― Por quê? Você está pensando em fugir com um saco? Julia apertou os lábios e encolheu os ombros, visando a máxima insolência. Ela não tinha intenção de levar nada, mas planejava escorregar da parte de trás do carro, o mais próximo possível da cidade. Haveria muitos grupos de pessoas e animais. Seria fácil se perder na multidão, numa confusão de aromas que até mesmo Smoke, teria dificuldade em identificar. O lobo estava parado fora da tenda, sua cauda acenando, lentamente, para frente e para trás enquanto olhava os bois através dos olhos verdes. Julia nunca o vira tão quieto, como quando levantava um lábio para as cabras e galinhas que estavam em todo o acampamento – talvez, ele considerasse que os bois estavam fora da proibição de matar gado. ― Oh, lobo tolo. ― Seu senhor sorriu para ele. ― Eles são muito grandes, mesmo para você. ― Por um instante, Julia temeu que Wulfric quisesse protegê-la, mas o lobo saltou para o carro da frente e se deitou ao longo do assento da caixa larga que formava o poleiro para o condutor.

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Ah, então é onde está o ouro. Não que fosse qualquer preocupação para ela. Tudo o que precisava era se concentrar em ficar longe, enquanto ainda possuía alguma paz de espírito, mas estava começando a temer que a paz de espírito não era o que realmente desejava e que o que queria, era lançar o orgulho, o dever e todos os anos de sua educação aos ventos, para ficar com aquele homem. Wulfric estava encostado na carroça, rindo de algo que o marido de Una lhe dissera. A cabeça dele foi jogada para trás e ela podia ver os tendões de sua garganta, a dura musculatura de seu pescoço. Sua postura gritava poder, arrogância e confiança, mas seus olhos estavam cheios de humor e, enquanto observava, ele se inclinou rapidamente, para pegar uma criança que estava decidida a fugir de sua mãe. As crianças confiam nele, pensou, lembrando-se do pequeno menino que ele havia erguido em seu cavalo, naquele primeiro dia. Berig morreria por ele, centenas de homens o seguiriam até os confins da terra. Ela viu os reluzentes olhares de esguelha que praticamente todas as mulheres que passavam lhe davam e o amplo sorriso da jovem mãe que veio tomar o filho de seus braços. E todas as mulheres o querem. E ele me quer… como escrava para esquentar sua cama, e cozinhar sua comida e costurar suas roupas ou suas feridas. Ele me protegerá e me dará prazer ― e essa mulher se casará com ele. ― O que você está pensando, Julia? —Ele se virou do carro e olhou para ela, o riso ainda em seus olhos, e seu coração contraído. ― Eu estava pensando que é hora de ir ― disse ela com firmeza. ― Sim. ― Ele olhou para o céu. ― O sol está subindo. Mais uma hora e devemos partir.

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Capítulo Nove Os carros foram finalmente carregados, as tendas amarradas sobre eles para proteger o conteúdo, e os bois virados para o sul. Em volta dos meninos pequenos, estavam pastando cabras e ovelhas, os mais velhos, reuniam os cavalos sobressalentes enquanto guardas montados cavalgavam nas laterais. Em algum lugar à frente da coluna estava o rei, sua casa e a irmã cativa do imperador, Galla Placidia. O que ela estava pensando agora? Ela nem sequer possuía a distração de carregar carroções e perseguir cabras errantes. Julia estendeu a mão para subir na parte de trás do segundo carro de Wulfric, então ofegou, quando ele a pegou pela cintura e a conduziu para frente do primeiro. A mão dele na parte de baixo de suas costas se moveu, para dar-lhe um impulso firme debaixo de uma nádega enquanto ela subia para o assento alto da frente. ― Aqui, pegue as rédeas. ― Não posso dirigir ― Protestou ela, tentando ignorar a sensação de que os dedos dele haviam marcado sua impressão em sua nuca. ― Claro que você pode, não há nada que saber. Basta seguir o carro na frente. Berig está bem atrás de você, dirigindo o outro. E ele estava, é claro, logo atrás dela onde não podia deixar de notar se ela deixasse o carro. E, como condutora, sua ausência seria notada por todos ao seu redor. Wulfric colocou as rédeas em suas mãos. ― Aqui, você não precisa fazer nada a menos que eles comecem a virar para fora da estrada. ― Ela os arrebatou e arrastou o pesado couro entre seus dedos. ― Você… ― Julia mordeu o lábio para recuperar as palavras irritadas. Ele havia adivinhado qual seria seu plano e agira, sem alarde, para controlá-la. O que ela poderia dizer? Estava claro que Wulfric conseguia ler seus pensamentos com bastante facilidade. ― Conheça seu oponente, Julia Livia. Sempre vale a pena imaginar o que faria se você se encontrasse em seu lugar. ― Acrescentou ele, com o que parecia ser a presunção masculina típica.

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― Realmente? ― Ela retrucou. ― Sua imaginação corre para ser a escrava sexual de um sequestrador bárbaro, não é? ― Ela não queria deixá-lo, mas sabia que devia. O fato de ele frustrar todos os seus esforços para fazer o que, a longo prazo, seria melhor para os dois, deixou-a furiosa com ele. Ele realmente a queria por perto quando trouxesse para casa à imperiosa Sunilda? Ela esperava chocá-lo talvez, ou irritá-lo. O que não esperava era que ele começasse a rir. ― Escrava sexual? ― Ele sorriu para ela enquanto ela estava sentada o fulminando do assento alto. ― Você não pode nem imaginar as ideias que isso evoca. ― Oh! Seu imbecil! ― Julia estendeu a mão para o longo instigador de ferro, que era o equivalente de um chicote para os bois, mas Wulfric já havia saltado para a sela do cavalo cinzento e estava se afastando, rindo audivelmente. Ideias? O que diabos ele quereria dizer? O problema era que, quanto mais pensava nisso, mais excitante se tornava, mesmo com sua experiência muito limitada nos assuntos sensuais. Fantasias lúbricas de correntes leves e de um metal precioso, naturalmente, de roupas de seda reduzidas, de Wulfric estendido sobre um divã, observando-a sob as vendas, enquanto ela se preparava para esfregar óleo em seu corpo nu, faziam seu caminho através de sua imaginação. Ela estava vagamente consciente de que sua respiração estava ficando mais curta, muito consciente do peso de seus seios, de seus mamilos pesando fortemente contra a roupa de baixo de linho, do calor acumulado em sua… Houve uma reviravolta. Julia acordou de seu transe erótico com um sobressalto e agarrou as rédeas, enquanto os bois, não esperando por ela, começaram a caminhar atrás do carro da frente. Oh, meu Deus, Wulfric também está pensando em coisas assim? Provavelmente não, provavelmente nada tão ingênuo. Provavelmente ele está imaginando coisas tão chocantes que eu desmaiaria se ele me dissesse… talvez ele me mostrasse… Julia deu a si mesma um agudo e doloroso beliscão no pulso. Pare! Isso é errado, tão errado. Você não pertence a este lugar, você não deve querê-lo, e muito menos pensar assim sobre ele. Mas, agora, parecia que sua única esperança de fuga era a força de quatro mil enviados pelo Império Oriental e, se eles viessem, muitas dessas pessoas, pessoas de quem ela já estava começando a gostar e admirar, morreriam. Honorius lhes prometera terras, pensou, enquanto se moviam à velocidade de A Escrava e o Rei Bárbaro – Louise Allen

uma maré rastejante pela ampla planície gramínea. Ninguém negou isso de um lado e do outro. Por que então não lhes deu essas terras? Ela forçou o cérebro para lembrar as conversas que descartara como aborrecidas e irrelevantes, apenas algumas semanas antes. Seu pai e Antonius Justus pareciam sentir que quebrar essas promessas era justificável, porque não eram mais do interesse de Roma e tanto ela quanto sua mãe, haviam acenado, com a cabeça, para essa sábia e, terminantemente, sensata opinião masculina. Agora se enfurecia com indignação da perfídia de tal opinião. Um dos bois tropeçou, trazendo sua atenção de volta para o que deveria fazer. ― Oh! Levante-se, sua besta desajeitada. ― Ela repreendeu irritada, então se ouviu. Parecia que não fazia nada, além de perder a paciência nos últimos dias, com Wulfric, com o imperador, com os bois. Ou, será, simplesmente, que ela sentia tudo mais intensamente desde que havia visto o grande homem sair, de dentro da fumaça, à deriva para virar sua vida de cabeça para baixo? Ela sentia raiva, injustiça, medo, paixão e lealdades profundamente conflituosas, tudo com uma ferocidade que nunca experimentara antes. Quando chegar a casa, ela pensou, sentando-se mais ereta e tentando prestar atenção ao seu ambiente, quando eu chegar, para onde aquilo a levaria? Ela esticou-se, desesperada, e percebeu que, enquanto meditava, eles haviam perdido a vista da cidade, fora da vista das muralhas, e agora seguiam a Via Latina13 para sul. Estrada familiar sob as rodas da carroça, túmulos familiares 14 dispostos ao longo dela sob a sombra dos pinheiros, pontos familiares marcando a distância lentamente crescente entre ela, e tudo o que era familiar. A vaga certeza de que mais cedo ou mais tarde seria resgatada, desvaneceu e desapareceu. Julia olhou, sem ver, entre os chifres dos bois. Não podia mais se enganar: estava inteiramente à mercê de um homem que era tão estranho para ela, quanto às estrelas. E tudo o que ele queria era obediência, sexo e comida.

Escrava sexual! Wulfric continuava rindo para si mesmo, enquanto entrava e saía dos carroções, verificando quem estava onde, certificando-se de que todos 13 Via Latina era uma que saía do sudeste de Roma e percorria cerca de 200 quilômetros até Nápoles, no sul. 14 Em Roma as sepulturas encontravam-se ao longo das principais vias de acesso à cidade. A Escrava e o Rei Bárbaro – Louise Allen

possuíam animais saudáveis e depois, afastando-se para os lados. Problemas estavam chegando: eles estavam se movendo muito devagar para não serem apanhados, mais cedo ou mais tarde. Não pensava que chegassem logo, mas não poderiam deixar sua guarda cair. Isso era apenas um fato da vida, com o qual todos viviam havia anos. Passou uma hora verificando, forçando-se a concentrar-se em cada detalhe, enquanto a sua mente desejava vagar e brincar com as imagens espalhafatosas conjuradas pela explosão de Julia. Elas simplesmente não iam embora e o estavam distraindo, desconfortavelmente, embora de maneira agradável. Ele encontrou o caminho de volta para o carroção de Berig, engatou seu cavalo atrás e subiu para se sentar ao lado dele. ― Água? ― Está bem atrás de mim. Vou beber um pouco também. ― Eles se sentaram em silêncio amigo, entregando o cantil de um para o outro. Berig estivera observando a cena na passagem, com interesse e um estado de alerta que Wulfric sabia que estaria também compartilhando, ao mesmo tempo em que olhava para a cabeça e os ombros de Julia que eram tudo o que era visível sobre o conteúdo amontoado no carroção. Escrava sexual, de fato… ela era tão desejável, e tão inocentemente inconsciente de como era provocante. Julia parecia esperar o pior de seus motivos, o que era compreensível, considerando as circunstâncias em que ele a encontrara, e o fato de que a arrebatara. Mas ela também parecia ter percebido que ele não iria forçá-la. O que ela não percebeu foi que seu próprio corpo não treinado estava do lado dele. Suas reações a suas carícias falavam de uma natureza profundamente apaixonada que os padrões frios de um lar romano haviam reprimido. Ela, certamente, não parecia definhar por seu senador. Os lábios de Wulfric se curvaram, enquanto imaginava um tipo pomposo, de meia-idade e de toga. Ele iria se exercitar, religiosamente, no ginásio para manter seu corpo em bom estado para a inevitável estátua de mármore, é claro, mas esperaria que sua esposa fosse tão disciplinada quanto ele mesmo em vestimenta, comportamento e postura. O que ele faria com uma Julia, que lançou um furioso assalto sensual e atormentador em uma banheira, ou, que rangeu os dentes e costurou um ferimento difícil, apesar de seu estômago agitado, ou, que se sentou ao sol esfregando o estômago de um lobo enquanto penteava sua pele?

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― Wulfric? ― Cerig parecia ter falado por vários minutos. Wulfric se afastou de seu devaneio. ― Você disse que estávamos indo para o sul para chegar a África, onde? É uma longa jornada? ― Para uma cidade chamada Nápoles, quarenta e cinco léguas15, ou mais ou menos, onze ou doze dias, a não ser que nos detenham. —Os olhos de Berig se estreitaram e Wulfric viu que sabia o que significava: uma batalha. ― Aí vamos encontrar navios. ― Navios? Há um rio, então? ― Há um mar. Você não percebeu? A África é do outro lado da Mare Tyrrenhum16. Berig sacudiu a cabeça, os olhos arregalados. Ele nunca vira o mar, mal podia imaginar. Wulfric vira uma vez, mas nunca estivera nele, e não estava certo de que queria experimentar, agora. Ainda assim, se essa era a única maneira de chegar à terra cheia de trigo, então era isso que eles deviam fazer. ― Julia sabe? ― Espero que sim. ― Ela não parece muito preocupada. ― Berig soava ressentido de que uma mulher não tivesse medo dessa força misteriosa que o fazia tremer interiormente. ― Acredito que ela não espera estar conosco quando chegarmos lá ― disse Wulfric ironicamente, seus olhos se voltando para a cabeça escura na frente.

Levou doze dias para chegar a Cápua, ao norte de Nápoles, e no momento em que chegaram, Julia começava a sentir que não vivera outra vida, além daquela. Ao nascer do sol, carregando suas coisas da noite para os carroções, depois de um café da manhã simples, o progresso lento ao longo do vale do rio Trerus, uma refeição ao meio-dia, de pão e queijo, feita enquanto se moviam e, em seguida, o acampamento à noite. Fora curiosamente agradável. Ela havia desistido de todos os planos de fuga, enquanto se moviam, pois, seu lugar no carroção a encurralara em uma plena 15 Légua era a denominação de várias unidades de medidas de itinerários (de comprimentos longos) da Roma Antiga. 1 légua correspondia a 2,22 Km. 16 O mar Tirreno é a parte do mar Mediterrâneo que se estende ao longo da costa oeste italiana, entre a Itália, a Córsega, a Sardenha e a Sicília A Escrava e o Rei Bárbaro – Louise Allen

visão, como Wulfric pretendia. Em vez disso, a própria ausência de liberdade era relaxante. Não havia nada que pudesse fazer, para que ela pudesse observar o cenário que se desdobrava, passar minutos olhando uma águia ou olhar para o peixe pulando no rio. As pessoas começaram a se mover de carroção para carroção, sentando por um tempo para uma conversa. Una se juntou a ela, de vez em quando, trazendo amigas, tentando pacientemente ensinar-lhe algumas palavras e frases em gótico. Via Berig apenas no acampamento, Wulfric quase nunca, exceto como um guia sempre presente na massa de viajantes. Alto no cavalo cinzento, ele parecia incansável, andando nas fronteiras do grupo, perseguindo retardatários, conversando com os cavaleiros da escolta, desaparecendo de vez em quando, sobre as colinas limítrofes e voltando para reunir os homens ao seu redor. Ele estava usando ambas as mãos nas rédeas novamente, ela notou, desejando que ele deixasse a ferida se ligar novamente, precisava verificar se não havia infecção. À noite, ele se juntaria a eles, ajudaria Berig a puxar a tenda para fora do carroção, até os postes para fazer um abrigo, voltaria para a refeição da noite e depois sairia de novo. Julia supôs que ele dormia, mas ela não sabia onde ou quando, porque ele estava vestido e pronto quando ela estava ainda meio adormecida, aquecendo água no início da manhã. ― Depois de seis dias —questionou Berig. ― Por que Wulfric me ignora? Ele olhou para ela contra a luz do sol. ― Ele não ignora, está ocupado. Ora, há algo que você queira saber? ― Não, não exatamente. É só…― O quê? Eu esperava que ele estivesse tentando me seduzir, estivesse parando para longas e amigáveis conversas? Você é uma tola louca, Julia Livia. Berig deu de ombros, murmurando através de um bocado de carne seca. ― Não sei do que você está falando, então. ― Ele se mexeu, parecendo vagamente constrangido. ― Sabia que precisaremos ir de barcos, ao outro lado do mar? ― Sim, claro. Você não? ― Colocou a faca com que estava cortando o pão e o olhou com alguma diversão. Berig ficou consideravelmente menos enfatuado de repente.

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― Er, não. Você já esteve no mar? ― Ela assentiu. Viagens costeiras apenas para curtas distâncias, mas ela não admitiria isso. ― Como é? ― Enorme, tanta água quanto você pode ver para o horizonte e além. E ondas. Enormes. ― Ela mergulhou a mão no balde de água para demonstrar. ― O navio vai para cima e para baixo e de um lado a outro e você tem que aprender a se equilibrar. Berig estava ficando um pouco verde só de pensar nisso e ela parou de provocá-lo, consciente de que, apesar de toda a sua indiferença, também não estava ansiosa para estar fora da vista da terra. Mais uma razão para escapar antes de chegar a isso.

Cinco dias depois, estava pensando nessa troca de palavras quando os carroções principais começaram a subir. Ao redor, o povo estava controlando, os homens pulando, puxando armas de debaixo das cobertas e, continuavam subindo. ― O que aconteceu? ― Julia levantou-se e se virou, chamando Berig, que estava conduzindo sua equipe ao lado dela. ― Vamos tomar Cápua. Fique aqui. ― Ele colocou as rédeas em suas mãos. ― Você terá que acampar sozinha. E tire o kit médico. ― Eu… por quê? Quando voltará? Berig já estava pulando para cima de seu cavalo, o escudo de Wulfric na mão, uma longa faca pendurada no cinto. ― Quando a tomarmos, é claro. ― E então ele se foi deixando-a olhando para ele. Wulfric? Onde ele estava? Ele fora sem dizer adeus e poderia nunca voltar. Mas porque ele se incomodaria? Não sou nada importante para ele, eu sou apenas uma escrava com quem ele nem fala mais. Julia sentou-se com um solavanco. Pela primeira vez desde que ele a arrebatara, as lágrimas lhe encheram os olhos e deslizaram. Quando Una a encontrou ela estava agachada no assento, cabeça nas mãos, um amontoado de miséria úmida, dois lotes de rédeas emaranhados em torno de seus pés, e os bois de cabeça para baixo, cortando grama em meio ao caos organizado fazendo acampamento.

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― Julia! O que é? ― Una subiu, desajeitadamente, sentou-se ao lado dela e a abraçou. A afeição morna e materna piorava tudo. Julia soluçou mais forte. ― Ele voltará. Ele sempre volta. ― Una acariciou suas costas. ― Ele não disse adeus. ― Julia disse, esfregando a mão em seu rosto molhado, torpemente consciente de que estava fazendo de si mesma uma exibição. ― Dificilmente fala comigo há dias. ― Era embaraçoso que Una soubesse, sem dúvidas, porque ela estava chorando. ― Tsk. ― Una estalou em sua língua. ― Você tem que se acostumar com isso. Ele é um guerreiro, tem outras coisas para pensar no momento. Agora venha, salte e lave o rosto e vamos ajudar uma à outra.

Os homens voltaram ao cair da noite, no dia seguinte, pôneis capturados e carroções atrás deles. As mulheres caíram sobre seus homens para verificar se havia feridas e, em seguida, se havia a comida nos carros. Os guardas que haviam ficado para trás se juntaram, ruidosamente ao redor de seus camaradas, exigindo detalhes e recebendo sua parte da pilhagem. Mas não havia sinal de Wulfric ou Berig. A multidão era muito densa para passar, e suas palavras lamentavelmente em gótico, escaparam inteiramente no esforço de se fazer entender. Então, quando pensou que desmoronaria com a tensão e a incerteza, Wulfric saiu da multidão, conduzindo seu cavalo seguido por Berig. Nenhum deles parecia ter muitos arranhões, ambos estavam imundos de suor, poeira e fuligem e, para o olhar irado de Julia, ambos pareciam, indecentemente, satisfeitos consigo mesmos. ― Por fim! ― Ela disse no momento em que estavam ao alcance de seus ouvidos. ― Todo mundo voltou há uma hora e agora, vocês concedem em fazer uma aparição. Suponho que querem água quente e comida? Bem, não há nenhuma. Presumi que estivessem mortos e não precisassem disso. Ela atirou para o chão, o frango morto que estava meio depenado e mutilado em sua distração e fugiu para a parte de trás do carroção. Atrás dela ouviu a voz de Berig erguida em indignação. ― O que há com ela? Você pensaria que havíamos perdido e morrido!

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Wulfric respondeu: ― Há muito que você deve aprender sobre as mulheres, Berig, não menos importante, quanto mais preocupadas elas estão com você, mais alto elas gritam e mais duro elas batem, quando sabem que está seguro. Ele vinha em torno da parte de trás do carroção, agora, e não havia nada, a menos fugir pelo acampamento fazendo um espetáculo de si mesma, que ela pudesse fazer sobre isso. ― Você vai me bater? ― Ele perguntou. Julia manteve as costas e encolheu os ombros. ― Você não merece isso. Eu não estava preocupada, apenas irritada por não saber o que estava acontecendo. E… seu braço estúpido, provavelmente, não se curou e você não seria capaz de lutar corretamente e se mataria e então o que aconteceria comigo… mas colocando isso de lado, por que eu deveria estar chateada? Wulfric não respondeu, simplesmente colocou as mãos nos ombros dela, segurando os estreitos ossos com a dura estrutura de seus dedos, e virou-a contra seu peito. ― De qualquer maneira, eu não sei por que você teve que ir e atacar à cidade, não podíamos simplesmente dar a volta? ― Ele cheirava tão mal quanto parecia, provavelmente estava sujando sua túnica e seu rosto estava pressionado contra a decididamente desconfortável cota de malha. Ela envolveu os braços ao redor de seu torso tanto quanto conseguiu, agarrando-se fortemente. ― Nós precisávamos da comida e tínhamos de garantir que não houvesse guarnição ali que pudesse nos rodear e atacar por trás ― explicou ele pacientemente. ― Não havia ouro, suponho ― disse Julia, tentando manter sua raiva. Ela podia sentir a pele nua contra sua testa enquanto se aconchegava mais perto. O coração batendo descontroladamente. O seu coração, estava ficando louco com o que talvez fosse alívio e reação. ― Algum, minha romana reprovadora. Julia se afastou de seu peito, inclinando a cabeça para trás para olhar em seu rosto. Desse ângulo, seus cílios eram longos, encobrindo sua expressão, fazendo com que ele parecesse mais sério do que seu implícito tom brincalhão.

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― Alguém se machucou? ― Ela mordeu o lábio. ― Diga-me sinceramente, e o seu braço. ― Perdemos cinco homens. Talvez vinte estejam feridos, não muito mal. E você pode inspecionar meu braço, se quiser. ― Quem cuidou dele? ― perguntou Julia, quando Wulfric recostou-se na carroça, empurrou a manga e começou a desamarrar o curativo. Não era o original, ficou feliz de ver isso, mas estava imundo e manchado. ― Berig. Não é muito agradável de olhar enquanto ele cuida. ― Ele começou a desenrolar o curativo. ― Não foi muito agradável quando você me fez costurar. Deixe-me. ― Ela teve que embeber o pano no final, horrorizada com a aparência da ferida. ― Onde estão os pontos? ― Correndo para encontrar trapos de linho, ela começou a limpálo. ― Eu os cortei uma vez que começou a sarar, caso contrário eles puxam. ― Ele colocou um dedo sob seu queixo e levantou seu rosto. ― Você está chorando? ― Não. Meus olhos estão molhando com a fumaça. Oh, sim, tudo bem, eu estou tentando não chorar, se você quer saber. Eu não gosto de pessoas que eu… ― Pessoas que você o quê, Julia? Oh, senhor! Eu o amo. Por que não percebi isso antes? ― Eu não gosto de pessoas que conheço sendo feridas. ― Ela sacudiu a cabeça e se curvou novamente sobre a ferida. ― Pronto, assim está melhor. Basta mantê-lo imóvel e eu vou pegar um pouco do unguento de Una. Julia se apressou, agradecida pela desculpa. Ela quase dissera a Wulfric que o amava, quase deixou escapar, antes mesmo que ela própria percebesse. Ele seria gentil com isso, é claro, ela o conhecia bem agora para saber disso. Mas não tinha a menor dúvida de que ele usaria o conhecimento, impiedosamente, para seduzi-la. Ele já a considerava como sua propriedade: e ela quase lhe havia entregue a fechadura e a chave da porta. E sua cabeça estava girando com o que havia descoberto sobre si mesma, o que isso significaria. Nada além de problemas, nada além de dor. Oh, mas eu o amo…

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Capítulo Dez Como Wulfric parecia ter se distanciado dela na viagem para o sul, agora Julia tentava manter distância dele. A violência de sua ansiedade quando soube que ele estava lutando a sacudira para reconhecer seus sentimentos, mas não tinha percebido que o amor seria assim, que a faria repreendê-lo como uma peixeira, por puro alívio de ele estar seguro, ou que poderia emaranhar sua língua e dirigir um carro de bois. E ela não fazia ideia de como esconder dele o que sentia. Una adivinhara, mas ela não provocava Julia quando os homens estavam suficientemente próximos para ouvir. Julia desejava poder confiar nela, mas, mal sabia o que temia ou o que poderia esperar, ou acreditar, no futuro. Ela estava mais preparada quando os homens saíram para tomar Nola 17, e eles foram embora por um curto período de tempo. Wulfric enviou Berig de volta, diretamente para o carroção para dizer-lhe que estavam seguros, embora ela disfarçasse seu alívio, dizendo apenas que estivera tão pensativa, porque ele queria que ela começasse a cozinhar a refeição da noite. Então outra cidade caíra, enchendo as despensas, e fazendo os eixos dos carroções de tesouro ranger. Satisfeito de ter coberto a retaguarda, Alaric o Rei lançou seus seguidores para Nápoles e sua grande baía. ― Há fumaça saindo daquela grande montanha. ― Observou Berig enquanto esperavam a discussão da tática do cerco. Ele estava mostrando muito pouco interesse no mar e Julia adivinhou que estava tentando não pensar sobre isso, ou em como seria estar em um dos navios que balançava em sua superfície como brinquedos. ― É chamado de vulcão. Suas raízes descem ao Hades e, às vezes, o Diabo envia fogo fundido e cobre a terra de cinzas. Pelo menos, é o que me disseram. ― Olhando em volta para as férteis encostas cobertas de videiras, azeitonas e campos pouco inclinados, era difícil de acreditar. ― Muitas vezes? ― Cerig parecia alarmado.

17 Seguindo de Nápoles em direção às montanhas chega-se a Nola, que na antiguidade teve grande destaque por ser uma das mais ricas e prestigiadas cidades da região.

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― Não durante trezentos anos ― disse Julia, tranquilizando-o. ― De qualquer maneira, não vamos ficar aqui muito tempo, vamos? Ele havia dito que não demoraria muito para que Alaric subjugasse Nápoles e forçasse a rendição dos navios que se aglomeravam na baía, o suficiente para enviar o seu grande exército de godos através do mar. Mas, a cidade estendia-se, obstinadamente, atrás de suas espessas muralhas. Fornecida pelo mar, não podia ser morta de fome e, duas semanas mais tarde, Julia descobriu que ainda estava olhando para a mesma grande e bela baía azul, da costa. Wulfric subiu de volta ao nível plano onde estava o acampamento. Atrás dele, os sitiantes estavam levantando o acampamento, seguindo a ordem de Alaric de abandonar a tentativa de tomar a cidade. Ele rolou os ombros, feliz com a chance de se mover novamente, depois de duas horas de Conselho tenso. O rei havia decidido pressionar o sul em direção a Rhegium 18. Seu cunhado Ataúlfo 19 o aconselhou a voltar atrás. Wulfric, que se opunha desde o início à marcha para o sul, fora despedaçado. Eles haviam ido longe demais, para além do ponto de retornar. Ir para o sul, em primeiro lugar, fora um erro, voltar seria marchar para a boca de um exército. Hoje ele jogara sua carga nos ombros do rei e, como resultado, não estava em um clima muito sanguinário. ― Nos arrumamos e partimos amanhã. ― Ele disse para Berig enquanto caminhava para o carroção e puxava um odre de vinho das costas. Era bom, bom demais para ser engolido como água, mas respondia a sua necessidade. ― Onde está Julia? ― Eu não sei. Não a vejo desde cedo. ― Berig espreitou enquanto pensava que ela pudesse estar escondida atrás de um carroção. Smoke estava à sombra, sua cauda mexendo a poeira em saudação. ― Talvez ela esteja com Una. Wulfric se abaixou ao lado do lobo e resistiu à tentação de arranhar sua ferida cicatrizante, que estava coçando como o diabo à medida que a nova pele crescia. Ele arranhou as orelhas de Smoke. ― Onde ela está? ― O lobo gemeu e ficou em pé quando Berig correu para trás.

18 Régio – cidade da Calábria no sul de Itália. 19 Ataúlfo foi rei visigodo entre 410 e 415. Membro da dinastia dos Baltos através do casamento de uma irmã sua de nome desconhecido com o rei visigodo Alarico I (r. 395–410), com a morte de seu cunhado em 410 foi nomeado rei. Sob seu reinado, os visigodos deram continuidade à sua migração, partindo da Itália à Gália, onde se instalaram permanentemente e criariam o embrião do posterior Reino Visigótico. A Escrava e o Rei Bárbaro – Louise Allen

― Una não a viu o dia todo. ― Ofegou ele. ― E eu não a vi desde que quebramos nosso jejum. ― E agora é meio da tarde ― Wulfric se levantou, o coração repentinamente errático. ― Tem algum cavalo faltando? ― Não houve nenhum grito, as linhas dos cavalos estão todas em silêncio. ― Então ela está a pé. ― Com talvez seis horas de avanço. Ela era leve em seus pés, endurecida por semanas na estrada, poderia ter coberto duas léguas até agora, ou ter ido para uma das inúmeras vilas e fazendas espalhadas pelas férteis encostas. Eu poderia deixá-la ir de volta ao seu próprio povo. Ele agarrou o lado do carroção e baixou a cabeça, enquanto lutava com o pensamento. Ou ela poderia estar ferida, um tornozelo torcido ou pior. Ou poderia ter caído nas mãos de algum homem – nem todos os romanos na área vão tratá-la como a filha de um senador, especialmente, vestida da cabeça aos pés como uma mulher bárbara. ― Smoke! Encontre Julia, vá procurar. ― O lobo baixou o nariz para o chão e começou a circular. ― Berig, fique quieto, deixe-o trabalhar. Quando ele pegar a trilha eu seguirei. Você embala. Se não voltarmos quando for hora de partir, pegue um dos outros garotos para dirigir o segundo carroção e siga com todos os outros, iremos encontrá-lo. ― Se você não a encontrar? ― O rosto de Berig traiu uma ansiedade que ele nunca se permitira mostrar sobre Julia antes. ― Ela é apenas uma garota, eu não acho que alguma vez tenha estado em campo sozinha. ― Vou encontrá-la. ― Wulfric assobiou e o grande cinza saiu da sombra de um pinheiro. Desatou o escudo do pomo e o entregou a Berig. ― Dê-me uma lança curta. Há javalis lá fora. Smoke parou, levantou a cabeça e então começou a subir a encosta. Wulfric montou e empurrou o cavalo atrás dele. ― Boa sorte! ― Berrou Berig, e ele levantou a mão da lança em sinal de reconhecimento, forçando sua mente a ficar calma enquanto seguia a sombra cinzenta no matagal. Julia precisava dele, quer ela percebesse isso ou não, e ele a encontraria. O lobo corria, constantemente, subindo o tempo todo, zigue zagueando pela encosta ao longo da linha de uma trilha de cabras. Não parecia dirigir-se para as habitações mais próximas, o que era sensato, mas, ele esperava que ela se dirigisse

A Escrava e o Rei Bárbaro – Louise Allen

para o sul até o ângulo da baía, onde as residências se aglomeravam densamente. Certamente ela não pretendia escalar a montanha? Ele ouvira as histórias sobre isso, visto a fumaça. Eles o chamavam a Boca do Inferno20. Agora, todos os demônios do inferno a poderiam ter arrastado para dentro dela. Se ela não tivesse sido estuprada por algum camponês que passasse, ou tivesse caído em um dos barrancos que cortavam a encosta, ou… Maldição, ele nunca ficara tão assustado, por ninguém ou por qualquer coisa. O que, por Hades, estava errado com ele, agora? Seus nervos pareciam ter saído de controle. Adiante, Smoke deu um latido afiado que era um sinal de saudação, sua cauda começou a balançar e saltou para frente em uma área larga, plana de grama curta que cortava o lado da montanha, como um terraço. Talvez fosse um velho abandonado, Wulfric pensou, esticando-se para ver o que havia excitado o lobo e mantendo o seu ambiente seguro, tudo ao mesmo tempo. E ali estava Julia, precavida, em uma rocha, balançando os pés e admirando a vista. Havia um chapéu de palha ridículo na cabeça, que ela devia ter arrancado de um espantalho quando passou por ele. Um pano amarrotado e um cantil davam mostra de uma refeição confortável ao meio-dia, e ela estava a salvo. Bem segura. ― Olá! ― Ela chamou, curvando-se para puxar as orelhas de Smoke enquanto o lobo bajulava em volta de seus pés. Wulfric jogou uma perna sobre o cavalo e deslizou para o chão, batendo a ponta da lança para baixo, na terra, ao fazer isso. Era uma libertação insuficiente para seus sentimentos. Atravessou a rocha, pegou Julia pelos braços e a fez levantar. ― O que diabos você acha que está fazendo? ― Ele descobriu que a estava sacudindo e parou. Ela estava com problemas para responder, com a cabeça sacudindo para frente e para trás. ― Vim dar um passeio e admirar a vista. Eu estava aborrecida sentada lá, ouvindo Berig resmungar e não tendo nada melhor para fazer do que consertar suas túnicas. ― Ela torceu em seu aperto. ― Deixe-me ir, seu imbecil, e pare de gritar comigo!

20 Trata-se de um vulcão, o Vesúvio, localizado no golfo de Nápoles, Itália, a cerca de nove quilômetros a oeste de Nápoles e a curta distância do litoral. É o único vulcão na Europa continental a ter entrado em erupção nos últimos cem anos, embora atualmente esteja adormecido.

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― Não estou gritando. Estou lhe fazendo uma pergunta razoável. ― Ele baixou a voz para um simples grunhido e deu-lhe outro safanão. ― Pensei que estivesse perdida, ou que tivesse caído numa ravina ou que algum camponês tivesse lhe estuprado ou… ― Ou que eu havia fugido? ― Sim, ou isso. ― Eles ficaram em silêncio, olhando um para o outro. ― Você está com raiva ― falou Julia, observando-o sob os cílios. ― Claro que estou com raiva. Eu estava preocupado com você. ― Pensei que só as mulheres ficassem zangadas quando estavam preocupadas. Pensei que os homens simplesmente tomavam uma ação bem planejada e decisiva e permaneciam frios sob controle. ― A atrevida estava zombando dele. ― Bem, dessa vez eu fiquei com raiva. ― E deixe que ela pense o que quiser, porque eu não tenho nem ideia do que isso significa. ― Você é muito impressionante quando está com raiva ― disse ela pensativa, batendo as pestanas em um efeito letal. Ela não tem a menor ideia do que está fazendo? Eu duvido. A ponta de sua língua saiu e apenas tocou o inchaço do lábio inferior enquanto ponderava. ― Certamente? ― Algo dentro dele estava levando a uma pressão perigosa. ― Mas, naturalmente, não tenho medo de você. ― Você não tem? Acho que isso pode ser um pouco irritante, Julia Livia. ― Por quê? ― Porque eu poderia fazer isso. ― Ele a puxou e levantou-a e em uma batida do coração, ela estava em seus braços, seus pés balançando, e o rosto no mesmo nível do dele. ― E então. ― Grunhiu ele, beijando-a. Se ela tivesse lutado, ele a teria deixado cair, a voz razoável no fundo de sua mente lhe disse isso, e ele esperava que ela acreditasse. Mas ela não lutou, nem chutou. Julia abriu a boca sob a dele, sabor de vinho, mel e doce feminilidade, e o beijou de volta, com uma paixão explosiva, que fez o sangue rugir em suas veias. Seu chapéu caiu. Ele queria passar as mãos nos cabelos, mas, segurando-a como estava, não podia fazer mais nada. Com um grunhido de frustração, ele a colocou em pé.

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― Ti… tire essa cota de malha primeiro ― balbuciou ela, soando tão sem fôlego e desorientada quanto ele, ao que parecia. Ele deveria estar no controle da situação. Quando chegasse a hora, ele tinha a intenção de seduzi-la lentamente, habilmente, até que ela implorasse por ele. E então, como ele planejara, a iniciaria no ato do amor. E agora o que estava acontecendo? Ele estava tão quente e desesperado, quanto os jovens mais inexperientes. Wulfric desabotoou o cinto da espada, jogando-o no chão, então se curvou e arrastou a túnica de malha e a camisa de linho sobre sua cabeça, deixando-as cair a seus pés. A brisa quente passou por sua pele úmida como uma carícia quando ele se endireitou e olhou para ela. ― Você ainda tem medo de mim? Porque se tem, diga. Agora. Julia estava olhando para ele, os olhos arregalados, o lábio apenas separado. Ele pensou que nunca viu algo mais adorável do que aquela garota esbelta, de joelhos no meio de ervas selvagens, o olhar fixo no rosto dele, ardendo de inocência, confiança e desejo. Por ele.

― Não, eu não estou com medo. ― Ela ouviu seus próprios lábios dizerem as palavras, e se maravilhou. Claro que ela estava com medo. Com medo do tamanho dele, com medo de não saber o que fazer, com medo de não conseguir agradá-lo, aterrorizada que pudesse deixar escapar que o amava. Wulfric permaneceu ali à luz do sol, flexionando seus ombros agora que o peso da malha desaparecera. Sua parte superior do corpo estava nua, exceto pelo curativo em seu antebraço e as faixas de ouro que prendiam pulsos e bíceps, e o pesado ouro em sua garganta. Dourado à luz, ele parecia uma estátua pagã, contra o verde dos pinheiros, cada músculo definido, o brilho do suor parecendo o brilho do escultor sobre o metal. ― Solte seu cabelo. Julia ergueu as mãos e começou a libertar as pesadas tranças, observando o modo como a brisa agitava seus longos cabelos nos ombros, o arranhar da barba, ainda era uma dor prazerosa nos lábios. Ela sacudiu o cabelo e esperou, com a respiração engasgando na garganta. ― Julia. ― Ele deu um longo passo e ficou na frente dela. O calor exalando de seu corpo como se fosse o sol. Passou os dedos pelos cabelos soltos, penteandoos, o peso dos cabelos finos se agarrando à aspereza de suas palmas. Ela estendeu a mão e acariciou as pontas onduladas dos cabelos dele, caindo sobre seus ombros. A Escrava e o Rei Bárbaro – Louise Allen

Deveria fazer com que ele parecesse menos masculino, mas de alguma forma o comprimento espesso do cabelo falava de virilidade e vida. Ela podia entender o poderoso simbolismo da realeza que carregava. Ele desatou o cinturão dela o deixou cair, e ela libertou os pés de suas sandálias, sentindo a grama lisa sob os pés, cada parte dela vibrante e viva enquanto enrolava os dedos do pé na grama, procurando a sensação. Wulfric seguiu o exemplo, deslizando suas botas, jogando-as para o lado. Smoke saltou para pegar uma, fazendo os dois rirem, e a apreensão a deixou como uma nuvem levantando. Wulfric chegou e ergueu o queixo dela, delicadamente, para que pudesse estudar seu rosto. Os claros olhos verdes, que tão frequentemente, pareciam frios ou como joias duras, estavam suaves e claros. ― Tem certeza? ― Perguntou ele calmamente. ― Tenho certeza ― ela assentiu. Com o polegar ele empurrou o canto de sua boca como fizera, uma vez antes, e desta vez ela deixou seus lábios se curvarem para cima. ― Quero beijar seu sorriso. ― Seus lábios, quando se encontraram com os dela, curvados em um eco e desta vez ela os abriu para ele, ofegando pelo calor de sua respiração em sua boca, fascinada pelo gosto dele. Sua barba picando e fazendo cócegas, mas o bigode era mais suave contra seus lábios, enviando um frisson de sensação, para adicionarem-se às camadas de toque, cheiro e sabor que a estavam atingindo. As mãos dele se curvaram em torno da cabeça dela, embalando-a, dobrandoa suavemente, enquanto explorava sua boca. Ela estava consciente do tamanho das mãos e dos dedos longos enquanto eles cobriam seu crânio, consciente de que ali havia um homem forte e habilidoso para se agarrar ao pescoço, como uma haste de milho e ainda assim, a tocava com uma gentileza, que roubava a respiração e afastava seu medo. Cautelosamente Julia deixou sua própria língua tocá-lo, lançando-a com um suspiro, pela primeira vez, então voltando para se juntar à dele. Ela não fazia ideia de que beijar poderia ser tão complexo, tão envolvente. Parecia um fim em si mesmo, uma fonte de prazer, de comunicação, quase de fala. Libertou as mãos de onde haviam sido esmagadas contra o peito de Wulfric e deixou-as perambulando por seus lados, correndo sobre o músculo duro, fascinada pela sensação da pele

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masculina, sob as palmas das mãos, apreciando a forma como seu corpo tencionava ao seu toque. Inocentemente ela esperava ser simplesmente uma receptora passiva de seu amor, e que ele encontraria o próprio prazer, enquanto ela, teria apenas que permitir. Mas seus instintos, agora que estava em seus braços, diziam algo completamente diferente. Eles estavam lhe dizendo para fazer amor com ele, para tomar seu próprio prazer, não apenas pelo que ele estava fazendo para ela, mas a partir de sua própria exploração do corpo dele. Ele era tão grande que alcançá-lo era inútil. Havia sido tentada, por dias, pelo vale profundo onde sua espinha se curvava, tão elegantemente, entre os músculos da parte traseira dele, mas aquilo teria que esperar até que se encontrassem deitados, pensou incrivelmente. O que podia conseguir agora era deixar as mãos deslizarem para baixo, até onde sua cintura se estreitava e a tentadora faixa de cabelo desaparecia, no cós de suas calças. A coordenação era difícil, enquanto Wulfric parecia empenhado em eliminar cada pensamento coerente de sua cabeça com seus beijos. Desajeitadamente, ela deslizou as mãos por baixo do cós de cada lado e usou as pontas dos dedos para acariciar os quadris estreitos onde podia alcançar. Foi o suficiente para fazê-lo levantar a cabeça em um suspiro de ar reprimido. ― Julia! ― Sim? Não deveria ter feito isso? ― Ah… ― Demorou um momento para se recompor. Julia se perguntou se estava fazendo algo muito errado, ou talvez, muito certo. ― Acho que estamos vestindo roupas demais ― Ele conseguiu dizer finalmente. ― Quatro, imagino ― disse ela com fervor, tentando seguir seus pensamentos. Ela não usava uma faixa de seio desde que começou a usar roupa bárbara, o que deixava a túnica, a sobre túnica, as calças dele e, possivelmente, roupa de baixo em linho. ― Eu não estava contando ― Wulfric pegou a túnica dela e a puxou por cima de sua cabeça. Havia uma tensão, uma urgência em sua voz que Julia não ouvira antes. Estou provocando esse efeito sobre ele! Aparentemente as mãos dela eram bastante capazes de continuar decididas, pois enquanto sua mente estava em uma espécie de desordem sensual, estavam trabalhando nos laços das calças de Wulfric, libertando-as, e com escandalosa A Escrava e o Rei Bárbaro – Louise Allen

ousadia, empurrando-as para baixo sobre seus quadris, a roupa de baixo com elas. Até que elas pegaram em alguma coisa. Wulfric a soltou rapidamente e desembaraçou o pano da surpreendente evidência de qual efeito, ela estava exercendo sobre ele. ― Oh! ― De olhos arregalados, Julia deu um passo para trás, olhando fixamente. ― Oh!… ― Não, isso não é fisicamente possível. ― Não se preocupe com isso. ― Wulfric puxou-a de volta contra ele, ainda exclamando fracamente. Certamente não… é fácil para ele falar! Os pensamentos em pânico foram afogados em um novo ataque de beijos, não tão gentis agora. Estes eram exigentes, vigorosos, reduzindo-a a uma necessidade trêmula, inclusive quando ela colocou os braços em volta do pescoço dele e puxou-lhe a cabeça para mais perto. A pressão quente e dura contra sua barriga lembrou-a do que acabara de ver, mas de alguma forma era menos assustador, mais excitante. Com um grunhido, Wulfric pegou o decote de sua túnica em ambas as mãos e rasgou-a sem levantar a boca da dela. Caiu de seus braços quando as mãos dele encontraram seus seios, trazendo ofegos de prazer, contra seus lábios, enquanto a acariciava uma e outra vez. Ela estava gemendo agora, contra sua boca, arqueando em seu corpo, desesperada por algum tipo de libertação da nova e terrível intensidade dos sentimentos que estavam possuindo seu corpo. Ela afastou a boca para implorar. ― Wulfric, por favor, por favor…eu me sinto… Ele a conduziu até o chão fazendo do próprio corpo uma almofada para ela, então rolou-a de costas sobre a grama quente. Suas mãos estavam por toda parte, acariciando, provocando, fazendo sua carne tremer em uma agonia de excitação. Ele se moveu, seu peso sobre ela, cutucando suas pernas com o joelho. Ele ergueu a boca e com a libertação daquele ataque sensual, seus medos recuaram. ― Você é tão… vai doer? ― Não ― disse ele firmemente, olhando em seus olhos. E uma de suas mãos deslizou entre as coxas dela, no emaranhado de cabelos do núcleo quente e Julia ofegou, a cabeça pendeu para trás e seus olhos fecharam. Os dedos moveram-se como se já conhecessem aquele corpo, provocando, acariciando, tocando a parte dela deixando-a ofegante e fazendo arquear o corpo de encontro ao dele. De alguma forma seus dedos pareciam suaves, então, e percebeu que estava molhada, quente, tremendo com necessidade desavergonhada por ele.

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Ela o sentiu mudar, então, sem aviso ele se aproximou dela, preenchendo-a, dirigindo-se para o centro dela, com um impulso que a encheu de exultação, então, um choque de dor fez seus olhos abrirem, largamente, chocada com a traição. ― Você prometeu! ― Eu não prometi, e eu menti, para que você não ficasse tensa. Foi melhor assim. ― Ele estava acariciando suavemente dentro e fora dela o ritmo alongado, mas, ainda assim, calmante. A dor não voltou, inclusive a dor residual, começou a desaparecer, quando os dedos de Wulfric acariciaram suas têmporas, roçando levemente onde o calor e a paixão prendiam os cabelos finos à pele. A sensação de estar completamente preenchida, completamente, possuída, era esmagadora, mas Julia percebeu que não estava mais apreensiva. Deixou-se mover de acordo com ritmo imposto por Wulfric e olhou fixamente para cima com os maravilhosos olhos arregalados, pensando na força rudimentar do maxilar dele apertado e dos músculos rígidos. Os olhos dele estavam fechados. De alguma forma, ela achava que isso seria uma coisa fácil e simples para um homem, mas ao que parecia era tão forte e intenso, quanto para ela. Enquanto ela pensava nisso, ele abriu os olhos e lhe sorriu, e seus dedos roçaram, novamente, contra o calor de seu corpo, apertando entre eles. A sensação espiralada, apertada, que vinha se acumulando dentro dela se intensificou, e ela ofegou, arquejando e alcançando o que ela não sabia, mas ele continuou empurrando fundo e devagar, fazendo o mundo dela girar, quebrar, desintegrarse, até não ter nada além de prazer e escuridão.

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Capítulo Onze Estava escuro e quente e ela estava esmagada por um peso que lhe prendia todo o corpo. Estranhamente, não havia nenhuma dor, foi somente quando seus sentidos começaram a retornar que algumas pontadas e dores estranhas e um brilho quente de prazer, acompanhou uma certeza de que seu corpo inteiro, experimentara alguma força além de seu entendimento. ― Julia? ― A voz de Wulfric ecoou muito perto de sua orelha. ― O que…o que aconteceu? O vulcão explodiu? ― Era muito difícil abrir os olhos. Ele soltou o riso e ela percebeu que o peso era o corpo dele, nu esticado sobre o dela. ― Acho que estou lisonjeado. Não, fizemos amor. ― Oh! Sim. ― Suas mãos estavam ao lado do corpo. Cautelosamente, ela levantou-as e descobriu que podia enrolá-las em volta dos ombros dele. Ele começou a acariciar, delicadamente, o ângulo do pescoço de Julia que deu um pequeno gemido e se aproximou ainda mais. ― Vamos fazer isso de novo? A boca dele deixou sua pele e seu peso mudou, pressionando deliciosamente em sua pélvis. ― Eu quero. ― Sim, isso está se tornando muito evidente! Mas… ― Mas eu não o agradei… ― Os olhos dela se abriram e viu, imediatamente, que estava errada. Wulfric parecia muito satisfeito. Em parte, consigo mesmo, estava certa de que havia mais do que um pequeno e complacente prazer masculino, em tê-la reduzido a esse estado, mas, principalmente, ela podia ver a ternura por ela em sua expressão. ― Aí, sim. Sim, muito. Mas Berig vai se preocupar com a gente. Nós pensamos havia se perdido. ― Seus quadris começaram a roçar suavemente contra os dela e ela sentiu seu corpo se arquear para encontrar o dele. Me perdido, não, mas sim, que eu tivesse escapado, Julia percebeu. Havia uma diferença, embora não estivesse certa do que isso significava.

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― Precisamos voltar imediatamente? ― Murmurou ela, correndo as mãos por suas laterais e depois segurando as nádegas dele, seus dedos escavando a curvatura com firmeza. ― Sim, nós devemos, e se você fizer isso…― Sua cabeça caiu para frente, uma mecha de cabelo dourado cortando seu rosto ― Será meia-noite antes que eu tenha vontade de parar de fazer amor com você. Julia levantou a cabeça e beijou-lhe a boca, pecaminosa e tentadoramente apenas acima dela e puxou os quadris dele, tão forte quanto ela conseguiu, contra os seus. Com um grunhido Wulfric aprofundou o beijo, seu joelho empurrando as pernas dela e separando-as. Era assustador fazê-lo perder o controle, mas o deleite feminino de ser capaz de fazê-lo, era muito mais forte. ― Oh, sim… Urgh! ― Uma língua quente e úmida passou por sua orelha e bochecha. E pela reação de Wulfric pela sua também. Ele rolou para fora dela e ficou agachado, então sentou e riu baixinho, quando viu o culpado. ― Smoke! Lobo mau! ― Ele estava ficando entediado. ― Julia gorjeou de tanto rir, sentando-se para puxar as orelhas de Smoke. ― Pobre coisa velha. ― E eu? ― Wulfric resmungou, sua expressão quando se virou para ela desmentindo seu tom. ― Não tão velho ― murmurou Julia provocante. ― A menos que, é claro, você tenha se alegrado com a interrupção? ― Você… ― Ele se inclinou para tocar no ombro dela, e então se balançou sobre os próprios calcanhares. ― Se eu tocar você agora outra vez estará escuro antes que voltemos. Julia o observou sob as pálpebras abaixadas, enquanto ele se levantava com a mesma delicadeza de quando lutava. O movimento de seus músculos a fascinava, enquanto ele caminhava pela pradaria, completamente e inconscientemente nu recuperando itens de roupa e encontrando a bota que Smoke roubara. Ele era lindo. Era um adjetivo ridículo para se aplicar a alguém tão esmagadoramente masculino, mas a combinação de altura e cor não poderiam ser descrita de outra maneira.

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Ela se sentou, curvando os braços ao redor dos joelhos, e olhou o fixa e abertamente, estudando seu rosto com um sorriso largo e tentando dar lugar, a uma expressão de calma. ― O que você está olhando? ― Wulfric exigiu, um pé em sua perna da calça, o outro apenas levantado. Mesmo nessa posição, difícil de manter, com dignidade, seu equilíbrio era perfeito. Você. Só você. ― Nada, absolutamente nada. ― Eu o amo tanto. Não posso deixá-lo ver o quão vulnerável ele me faz. E agora nada pode voltar a ser o mesmo. Ela estremeceu, os olhos arregalados, então deixou cair a cabeça em seus braços cruzados, de repente assustada com o que eles acabaram de fazer. ― Vista-se ― ele disse abruptamente, voltando-se para assobiar ao cavalo. Julia sentiu um nó frio no estômago. Havia ultrapassado a barreira de alguma forma? Ela era tão ignorante no que diz respeito aos homens, ao ato de amar, ao que esperar de suas consequências, em como se comportar. Com uma mansidão, inusitada, vestiu as roupas, amarrou o cinto e esperou. Por Hades, ela já está se arrependendo, toda sua luz se esvaiu. Ela estava olhando para mim com tanta alegria, e então, ela estremeceu e não conseguiu mais olhar em meus olhos. Eu não sei o que dizer a ela agora. Aqueles grandes olhos castanhos… Wulfric estudou o rosto inexpressivo de Julia, seus cílios abatidos, enquanto ele voltava para ela. Eu fui desajeitado, a machuquei, ela é tão pequena. Mesmo enquanto pensava nisso, sua virilha se apertou com a lembrança de quão apertada ela estivera, como seu corpo foi cedendo ao dele, acariciando-o dentro de si. Queria tornar tão fácil quanto pudesse, e eu julguei mal. Dei-lhe algum prazer, mas…Ela colocou um rosto corajoso, me provocou… Quero mais. Eu quero sua confiança, eu quero…o quê? No fundo ela deve me odiar por levá-la embora, por levá-la agora. ― Aqui, pegue minha mão, coloque seu pé no meu. ― Ele se inclinou para baixo, agarrou o pulso dela e puxou-a facilmente, girando-a para que ela acabasse sentada de lado atrás dele. Depois de um momento de hesitação, os braços finos rodearam sua cintura e seu corpo ficou pressionado contra suas costas. Sobre o que falar? Como falar com ela? Todos os seus encontros sexuais antes haviam sido simples, amigáveis. Ele se divertia, tomava e dava prazer, depois ficava lá, conversando ociosamente, bebendo talvez. Quando estava A Escrava e o Rei Bárbaro – Louise Allen

descansado se separava tão casualmente quanto havia ficado junto. Ele sabia que aprendera a ser hábil ao fazer amor. Ele gostava de dar prazer, gozava da suavidade e força interior das mulheres, de seu humor, de suas gargalhadas, mas aquela, ele não conseguia entender. ― Não demorará muito para descer ― Wulfric se virou para trás sobre seu ombro. Ela provavelmente tivera mais do que suficiente dele e queria encontrar Una para alguma companhia feminina e confiança. Ele sentou-se mais ereto, de modo que apenas os braços apertados, tocassem seu corpo. Estava se sentindo culpado, um estado completamente desconhecido. Podia lembrar-se de quando perdeu a virgindade, uma experiência desajeitada, desordenada, maravilhosa. Não seria o mesmo para uma mulher, embora soubesse que lhe dera algum prazer, que ela se apegara a ele, e o beijou de volta com fervor. No momento, ela parecera gostar, enquanto estava em seus braços, queria mais, e agora, depois, parecia arrependida. Era como se tivesse escolhido um lírio e suas folhas e pétalas macias estivessem murchando, machucadas, em suas mãos grandes. Eles cavalgaram em silêncio até que emergiram no local do acampamento. ― Vamos para o sul amanhã ― disse ele secamente. ― Para Rhegium. Com alguma sorte Berig terá embalado tudo o que você não precisa esta noite. Ele esperava perguntas, mas não teve nenhuma. ― Aqui, deixe-me… ― Mas enquanto ele controlava as rédeas e se torcia para ajudá-la a descer, Julia deslizou do grande cavalo e ficou sobre a terra pisada, como se não soubesse aonde ir. Ela não sabe mais aonde pertence, pensou com uma dor no coração. ― Julia. ― Sim? ― Ela olhou para cima, os grandes olhos castanhos semicerrados e cautelosos. ― Por que você deixou? Houve um longo silêncio. Ela não fingiu não entendê-lo. Então disse a única coisa que menos esperava, sua voz fria. ― Porque eu sou sua. ― Julia girou os calcanhares e caminhou, firmemente, para o carroção.

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Berig estava sentado de costas contra uma roda esfregando óleo na parte de trás da madeira do escudo de Wulfric. Ele olhou ao som de Julia se aproximando e seu rosto se abriu em um sorriso. ― Ei! Pensei que havíamos perdido você. Onde foi? ― Apenas em uma caminhada até a montanha. A vista da baía é linda lá de cima, e há uma brisa. ― Ela manteve sua voz clara e alegre. ― O que temos para o jantar? ― Peixe. Eu limpei e espetei e Una trouxe alguma verdura e pão. Ela está preocupada com você. ― Ele inclinou a cabeça sobre o escudo novamente e acrescentou: ― Ela disse para ir vê-la quando voltar. Vou cozinhar o peixe, se quiser. ― Obrigado, Berig. ― Julia ficou surpresa, e deve ter mostrado em sua voz. O jovem se contorceu desconfortavelmente e murmurou algo.― O quê? ― Julia se ajoelhou ao lado dele. ― Eu só disse que estava preocupado com você. Eu sei que por vezes não fui muito amigável. Desculpe. ― Ele torceu os ombros desajeitadamente. ― Você é boa para ele. ― Para quem? Para Wulfric? ― Ela podia sentir o rubor tingindo em suas bochechas. ― Como? ― Não sei. ― Berig parecia estar sem sua inconstância emocional. ― Você simplesmente é. Julia não sabia o que dizer. Seus sentimentos tumultuados tentando entender o que Berig queria dizer sobre Wulfric ou porque ele aparentemente agora estava pronto para gostar dela. ― Obrigada ― ela conseguiu dizer finalmente. ― Não o culpo por desconfiar de mim no começo. Não gostei muito de estar aqui com vocês dois. ― Você gosta agora? ― Eu… eu realmente não sei. ― Fazia dias que não pensava em fugir, mas não era resignação apática, nem medo, o que a mantinha ali. Era, ela percebeu, um sentimento de pertencimento. Isso, e o fato de que, contra todo o senso e prudência estava apaixonada por Wulfric. ― Vou ver Una.

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A necessidade de companhia feminina urgia. E essa era outra mudança. Antes Julia sempre mantinha seus pensamentos para si. Se tivesse perdido a virgindade em Roma, não teria sonhado em confiar em uma amiga, muito menos em sua mãe. Agora ela só queria o bom senso de Una. ― Ele a encontrou! ― Una estava brincando com a filha mais nova, mas afugentou a garotinha para brincar com seu irmão, quando viu o rosto de Julia. ― Criança, você está bem? ― Sim. Sim, estou perfeitamente bem. ― Sentou-se no banquinho que Uma empurrou para ela e olhou para suas mãos entrelaçadas. ― Eu acho. ― Ele fez amor com você? ― A outra mulher aproximou um banquinho e colocou o braço em volta dos ombros de Julia. ― Uhum. ― Quer me perguntar alguma coisa? Julia sacudiu a cabeça. ― Eu…foi…eu gostei. ― Bem, ótimo! Espero que sim, com um homem assim! ― Una riu e abraçou-a. ― E melhora depois da primeira vez, prometo. ― Julia lançou um olhar de lado e viu um piscar de ansiedade atravessar o rosto de Una. ― Quando ele…― Ela bateu as mãos em sua habitual irritação por não saber o latim. ― Quando ele terminou, ele terminou dentro de você ou fora de você? ― Una! ― Julia sentiu o rosto avermelhado. ― O que isso importa? ― É importante se não quiser um bebê. ― Oh. ― Ingenuamente não havia pensado nisso, mesmo com a constante lembrança da figura de Una. ― Dentro. ― Ah. ― Una respirou fundo. ― Bem, não se preocupe. E se houver um, Wulfric cuidará de vocês dois. ― Sim ― disse Julia, sem rodeios. ― Tenho certeza de que sim. ― Ela não conseguira pensar sobre o que o futuro reservava para Wulfric e para ela, além do dia seguinte. Um bebê era impossível de imaginar. ― Você o ama, não é? Julia estava tão preocupada que respondeu sem pensar.

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― Sim. Oh, sim, muito. Una… você não vai dizer nada? Por favor, não. ― Ela pegou as mãos da outra mulher, implorando. ― Não, eu não vou. Mas ele, certamente, vai saber. Não entendo por que ele ainda não adivinhou. Eu pude ver isso quando ele estava ferido, mesmo que você não pudesse! ― Eu sou sua escrava ― disse Julia sem rodeios. ― Ele é dono de mim, faz o que quiser comigo. Agora ele é gentil comigo e parece gostar de mim. Parece que gostou de ter relações sexuais comigo. Logo ele precisará fazer um bom casamento, provavelmente com Sunilda. Eu não quero ser a escrava que ele… ― Ela se esforçou para encontrar uma palavra que pudesse ser repetida. ― A menina escrava que ele usa quando quiser variar de sua esposa. Não quero criar filhos que não tenham pai e uma escrava por mãe. ― Ele não precisa se casar com uma visigoda ― disse Una lentamente. ― O quê? ― Julia olhou para ela. ― Casar comigo? É isso que você está dizendo? Você sabe que não é o que ele precisa. Berig diz que Wulfric é digno de ser rei, que quando Alaric morrer, ele será um dos concorrentes para sucedê-lo. Para isso ele precisa da esposa certa que lhe trará alianças, não é? Quantas lanças eu levaria para o seu lado? ― Dizem que o cunhado de Alaric, Athaulf, se casará com Galla Placidia. Sua própria esposa há muito morreu. ― Ela é irmã do imperador. Há uma ligeira diferença ― Apontou Julia secamente. ― Isso reforçaria a posição de Athaulf, não é? ― Sim. Com aqueles que pensam, como Alaric, que devemos ser algum tipo de novos romanos. ― O que Wulfric pensa? ― Pergunte a ele. Você pode não ser casada com ele, Julia, mas é sua mulher agora. Fale com ele. Julia acenou com a cabeça e se levantou, pressionando o ombro de Una para impedir que ela se levantasse também. Una pegou seu pulso. ― Quando chegam suas regras? ― Daqui a um ou dois dias. ― Se não começarem, venha falar comigo e falaremos com Wulfric algo mais do que de política. A Escrava e o Rei Bárbaro – Louise Allen

Suas regras vieram e Wulfric não fez nenhum movimento para tocar sua mão. Julia se perguntou se Una teria dito algo a ele, e então se convenceu, quando ele ou Berig passaram a carregar água, levantar as panelas e arrastar lenha. Ela passou o dia envergonhada, então decidiu que os benefícios superavam o desconforto e deixou-os fazer todo o trabalho manual. E as cólicas que sofrera antes, haviam desaparecido, ela percebeu com prazer. Se era simplesmente por que estava mais saudável do que jamais estivera ou se era um resultado bem-vindo da perda da virgindade, ela não fazia ideia, mas se sentia bem. Se ela não estivesse em tal estado acerca de Wulfric também estaria, incondicionalmente, mais feliz. No final da semana eles estavam se aproximando de Rhegium. A viagem havia ficado mais lenta quanto mais iam para o sul. Estava mais quente apesar do fato de se encontrarem em outubro, a estrada era pior, a paisagem crua e difícil. Havia irritação na maneira como os homens sondavam o horizonte. Constantemente, o número de cavaleiros patrulhando as colinas, a forma como as mulheres mantinham as crianças mais perto. Julia percebeu que Wulfric permanecia tão distante, quanto poderia ser um homem que comia e dormia todas as noites ao lado do mesmo carroção. Era simplesmente a mesma tensão que dominava todos eles, a sensação de que quanto mais perto chegassem à ponta da Itália, com as costas voltadas para o mar, mais vulneráveis seriam todos eles? Ou Una teria lhe dito que ela estava apaixonada por ele, e ele a estava evitando por causa disso? Ou temia que ela esperasse que fizesse amor com ela novamente e ele não queria? Fale com ele, Una havia dito. Bem, ela o faria se pudesse, pois sua cabeça estava cheia de perguntas, mas, nenhuma chance de perguntar. Mas teve tempo de conversar com Sunilda, enxergou-a, observando-os através dos olhos semicerrados pelo brilho do sol e escondida, enquanto eles se encontravam à sombra de um bosque de oliveiras que cercava a entrada de um poço. Os meninos estavam buscando água para colocar nas longas covas para o gado e a pausa duraria mais de uma hora. Sunilda se aproximara, com os quadris balançando de forma predatória, o que fez Julia gemer de antipatia. A Escrava e o Rei Bárbaro – Louise Allen

Instantaneamente, ela pegou seu jarro de água e voltou para o carroção, deixandoos sozinhos. Eles faziam um belo par, ela pensou miseravelmente. Ambos eram altos, de cabelos dourados, obviamente com entendimentos e origens compartilhadas. Sunilda estava flertando, Julia decidiu, observando o modo como ela olhava, atentamente, para os olhos de Wulfric enquanto ele falava, a maneira como os lábios vermelhos se separavam em pequenas exclamações sobre o que ele dizia. A mulher alta levantou elegantemente uma mão para tocar seu cabelo longo, permitindo que a manga de sua túnica caísse para trás desnudando seu braço, e pulseiras de ouro finas caíram, tilintando como sinos. Wulfric parecia atento, observando-a. Ele sorriu e ela imediatamente riu, um tilintar de diversão amuado que arranhou os nervos de Julia. Sunilda virou-se para ir embora, então olhou para trás por cima do ombro, abrindo seus longos cílios em um olhar recatado que assentou, estranhamente, com sua autoconfiança, quase física. ― Faz você querer vomitar, não é? ― Observou Berig. ― Sim ― Concordou Julia com fervor, depois se controlou. ― O que você quer dizer, Berig? ― Você sabe. Ela está em cima dele, espera casar com ele. Vai ser um espinho no pé quando ela o fizer ― Ele adicionou sombriamente. ― Gata mandona. Julia soltou uma risada. Ela realmente não deveria encorajá-lo a ser rude com a filha de um poderoso aliado de seu senhor. Com a previsibilidade masculina, Wulfric observava, com interesse, a visão que recuava balançando os quadris. ― Ela é muito atraente ― disse ela, tentando ser justa. ― Huh! Ele está enfeitiçado apenas por seus sei… um, quero dizer… ― Berig parou, corando. ― Bem, são uns seios muito bonitos ― disse Julia, com a face séria, reduzindo a risada para um riso adolescente. O gracejo bobo levantou seus espíritos, fazendo-a se sentir tão jovem e descuidada quanto o garoto. Então, ela olhou para Wulfric e sentiu seu estômago se contrair com desejo. Ela e Berig poderiam zombar de Sunilda, mas a mulher loira era aquela que ganharia e tornaria a vida de ambos miseráveis.

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― Vou dar uma volta ― disse a Berig. ― Vou pegar Smoke, então não se preocupe. O lobo grande trotou a seu lado enquanto seguia uma velha trilha ao longo da margem do rio. Depois de uma caminhada de dez minutos ela se inclinou para atravessar o rio, por uma antiga ponte arqueada, quase sem largura suficiente para uma mula carregada. Julia caminhou até lá em cima e se inclinou sobre o parapeito, olhando para a água cristalina abaixo dela. Era da cor dos olhos de Wulfric, ali mesmo na beira da sombra, ela pensou. Um peixe pairava sobre os seixos, a erva daninha ondulava na corrente e um pouco mais abaixo, uma garça subiu em um flash branco, circulou e aterrissou, em um ramo sobre a água. Paz. A cabeça de Smoke virou-se, o longo focinho foi para baixo, então ele deu um latido de boas-vindas e sua cauda começou a abanar. Wulfric. Julia começou a se endireitar enquanto ele subia as lajes ásperas ao seu lado. ― Eu disse a Berig para onde estava indo ― Começou ela, defensivamente. ― Eu sei. Eu queria um pouco de paz, também. ― Ele veio para ficar atrás dela. Julia baixou os antebraços para o parapeito. ― Há peixes, mas parecem pequenos demais para comer. Wulfric aproximou-se, a bainha de sua túnica roçando contra ela, então ele se inclinou, suas mãos apoiadas em ambos os lados dos cotovelos, seu corpo preso entre o dele e a pedra da ponte. ― Mostre-me. ― Lá, veja na sombra. ― Ela engoliu em seco, perguntando-se por que ele não estava ao seu lado. ― Eu vejo. ― Ele inclinou a cabeça e ela sentiu seu cabelo balançar para baixo e roçar ao longo da pele sensível de seu pescoço e ombro na borda de sua túnica. Suas mãos se moveram para apertar seus quadris e ele a puxou de volta contra ele em um movimento suave. Julia ofegou. Ele estava obviamente excitado. Ela se contorceu. Ele rosnou. Ela ficou parada. Ele começou a morder, suavemente, a coluna de seu pescoço enquanto uma mão a libertou. Então sua túnica estava sendo puxada para cima e ela sentiu o atrito das calças dele, contra as costas de suas coxas, suas nádegas, e então a carne quente pressionando contra ela. ― Wulfric! ― Ela tentou se virar, mas ele a segurou, inclinando-a para frente, segurando-a ainda. ― Sunilda… ― Sunilda não está aqui. A Escrava e o Rei Bárbaro – Louise Allen

O que isso significava? Que se ela estivesse, ele estaria acariciando o corpo dela? Sua mão deslizou, intimamente, entre eles, depois entre suas coxas. Julia apertou seus músculos, mas o joelho dele afastou as pernas. Seus dedos deslizaram no núcleo dela com precisão mortal. ― Você está molhada para mim. Diga-me para parar e eu o faço. ― Sim! Não… ― Mas como? Ele se apoiou sobre ela e deslizou em seu calor com um suspiro de prazer que forçou um eco de seus próprios lábios. Presa, penetrada, cheia de prazer chocado, Julia olhou para baixo, impotente, para a água e viu seu próprio reflexo, Wulfric atrás dela. Era chocantemente excitante. Ele começou a acariciar lentamente, seus dedos perversos, maliciosos provocando e a atormentando e ela gemeu vergonhosamente, arqueando contra ele. ― Venha para mim, Julia. ― Sua respiração estava rouca em seus ouvidos, a tensão em espiral estava se acumulando mais rápido, com mais intensidade do que antes. Quase soluçando, ela se rendeu inteiramente às exigências de seus corpos e sentiu o mundo estilhaçar quando ele se liberou dentro dela e convulsionou contra suas costas com um grito gutural. Abaixo dela, a água parecia girar em um redemoinho, sugando seus reflexos para baixo, para as profundezas.

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Capítulo Doze Parecia que Wulfric devia tê-la levantado e carregado, pois Julia somente recuperou os sentidos, sentada em seu colo. Ele estava recostado contra o tronco de um velho castanheiro. Ela esfregou a cabeça descaradamente contra seu ombro, deleitando-se no cheiro dele, o almíscar de seu amor, o aroma das ervas esmagadas onde seus calcanhares haviam amassado-as. ― O que é essa tolice sobre Sunilda? Julia nunca sentira qualquer ligação de sensibilidade com sua mãe, mas nesse momento ela se viu revirando os olhos, exatamente como Vibia Octavia fazia, quando confrontada com uma das afirmações mais obtusamente masculinas de seu marido. O humor se quebrou. Ela afastou-se e sentou-se de frente para ele na relva de ovelha. ― Absurdo? Você flerta com ela e então faz amor comigo e se pergunta por que eu o questiono? ― Eu não estava flertando. ― Wulfric estreitou seus olhos e olhou para ela. ― Estávamos apenas falando. Julia bufou de maneira pouco elegante. ― Ela caminha, balançando os quadris, fazendo beicinho com os lábios, dando tapinhas nos cabelos e olhando para você como se fosse a coisa mais maravilhosa da Criação, e você estava com a língua pendurada para fora. ― Minha língua não estava saindo ― Retorquiu com dignidade, arruinando o efeito cantarolando: ― Você está com ciúmes! Wulfric obviamente considerou isso lisonjeiro. Apesar dos tremores de desejo que ainda brincavam com seu corpo, Julia olhou para ele. Oh! Mas é bonito, seu coração traiçoeiro suspirou. Como um gato de caça grande, magro, elegante enrolado lá na sombra, esperando para entrar em ação letal. ― Não tenho o direito de ficar com ciúmes, sou apenas uma escrava ― declarou ela. ― Mas tenho o direito de me ressentir quando você flerta com uma

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mulher debaixo do meu nariz e depois passeia atrás de mim para pegar o que quer, porque não pode tê-lo, decentemente, com ela. Até dizer aquilo não havia percebido que era o que estava pensando. Agora, seu estômago estava apertado com desgosto. Quem ele estivera vendo em sua mente, enquanto se enfiava nela? Sua cabeça escura ou a loira de Sunilda? Wulfric se moveu tão rápido que não teve tempo de recuar ou de ter medo. Um momento ele estava deitado no tronco da árvore, no outro momento, estava de joelhos diante dela, suas mãos apertando seus ombros. ― Você não é e você nunca foi apenas uma escrava ― ele disse sem rodeios, a própria falta de emoção em sua voz empostando peso às palavras. ― E eu nunca a usaria assim, para acabar com a minha luxúria por outra mulher. Isso nos humilharia. ― Uma barra de cor irritada apareceu em suas maçãs do rosto enquanto ela concordava com suas palavras. ― Você realmente acredita que eu a trataria assim? ― Como vou saber? ― Julia perguntou, olhando para os olhos verdes quentes, incapaz de ler seu humor. ― Eu nunca estive com outro homem, nunca fui uma escrava antes. Como devo saber o que acreditar, o que esperar de você, Wulfric? ― Você não me conhece? ― Seu olhar interrogativo estava tão intrigado quanto o dela, quando ele se endireitou, para sentar em seus calcanhares, as mãos ainda segurando seus ombros. ― Você me vê todos os dias. Você não me conhece? Eu o vejo todos os dias. Eu o vejo liderando, lutando, rindo. Eu o vejo agitando a água e afiando sua espada. Vejo ensinando Berig e vigiando Una quando seu homem não está lá. Eu o vejo brincando com crianças pequenas e disciplinando guerreiros indisciplinados. E o que eu vejo é o que ele é: um homem corajoso, honrado, incansável carregando o fardo de seu próprio destino e de seus parentes. Seu rosto público também é seu rosto privado. Julia percebeu que vários minutos haviam passado enquanto eles estavam sentados ali, congelados como estátuas. ― Você não é romano ― disse ela lentamente, depois balançou a cabeça para silenciá-lo quando ele abriu a boca para concordar com o óbvio. ― Você entende como se espera que os homens romanos se comportem? ― Como qualquer homem de honra. ― Espera-se que eles mostrem um rosto público, um rosto de responsabilidade cívica e virtude. Então, o que quer que sejam na privacidade de A Escrava e o Rei Bárbaro – Louise Allen

seus próprios lares, uma vez que estão no estádio público da rua, ou no fórum ou, na basílica, são diferentes. Esse rosto é importante para cumprir seu dever cívico, e esse dever é para com Roma. Ela estava atirando aquilo para fora como ela via. Nunca foi algo que fosse falado, embora, sem dúvida, os pais o soletrassem para seus filhos. Era simplesmente como as coisas eram. ― Não importa o que um homem faz atrás de suas portas fechadas. - Ele pode bater em sua esposa, fornicar com suas escravas, criar esquemas elaborados para se enriquecer a custa de seus vizinhos, contanto que seu rosto público seja correto. - E é o mesmo com o Império. O rosto público é o que importa o que acontece nos bastidores… ― Ela encolheu os ombros. ― Os fins justificam os meios, suponho. Mas para você e para o seu povo, não creio que haja separação, você é o mesmo em seu próprio lar e no Conselho do rei, fazendo amor ou fazendo a guerra. ― Julia ergueu as mãos e pegou as dele, puxando-as para poder aninhá-las em seu colo. ― Estou apenas percebendo isso. Me perdoe. As mãos grandes estavam ainda dentro de seu aperto. ― Não, me perdoe. Acho que devemos começar de novo. Eu pensei que seu povo era traiçoeiro, mas eles estão agindo dentro de seu conceito de honra. Você me viu com dois rostos, capaz de tomar e usar você por um capricho? ― Para uma romana criticar outra pessoa por tomar e manter escravos seria, de fato, uma hipocrisia. Eu pensei que você tomou o que queria, quando queria, porque é forte o suficiente para fazê-lo, para satisfazer seus desejos. E eu esperava que você não me tratasse melhor, e talvez, não pior do que o seu cavalo, porque eu não espero que meu valor monetário seja tanto. Embora… ― Ela arriscou um pequeno sorriso ― … seja um cavalo muito feio. ― Muito ― ele concordou, um sorriso puxando o canto de sua boca. ― Agora, eu não sei o que sou para você. Você deve casar e fazê-lo, por conveniência. Sunilda é uma escolha óbvia, Una explicou-me. Mas você deve me perdoar, se eu não a quiser por senhora. ― E é por isso que você se opõe a que me case com ela? Por que ela se tornaria sua senhora? ― Eu aprendi a apreciar a maneira como vivemos agora ― disse Julia lentamente. ― Sou uma escrava e ainda assim, isso parece liberdade. Gosto das pessoas na minha vida agora, sinto-me bem e saudável, estou envolvida em algo importante. Mas isso não é para sempre. Mais cedo ou mais tarde seu povo vai se A Escrava e o Rei Bárbaro – Louise Allen

instalar em uma nova terra e construir moradias e começar a explorar e, em seguida, o que vou ser? Eu lhe direi: estarei ao alcance de Sunilda, não melhor do que aquela pobre criança que foi morta quando você me salvou. Deve me desculpar se essa perspectiva me enche de medo. ― Isso nunca acontecerá. ― Por quê? Porque você nunca vai se casar? Penso que não. Porque você vai me deixar ir? ― A sacudida da cabeça dourada foi instantânea. ― Não, você não vai liberar o que capturou, vai? O olhar de Wulfric estava abaixado, aparentemente estudando suas mãos fortes e cheia de cicatrizes capturadas na frágil jaula dos dedos dela. ― O mundo está mudando. Eu não sei o que o futuro reserva, o que devo fazer para o melhor. Tudo o que sei agora é que meu rei leva a mim e a todos os meus parentes, para o sul, para África. Ele quer nos fazer novos romanos, romanos com honra visigoda. Eu também quero isso, quero para os meus filhos as coisas boas deste Império e coisas boas para sua herança. Eu não sei se esta é a melhor maneira de conseguir isso. Eu digo a você, e somente a você, que discuti contra esta rota. Eu queria que nos dirigíssemos para o norte e para o oeste, para a Gália, para terras com rios largos e bons pastos, onde há quatro estações em um ano e o sol não retira a pele das costas de um homem. Fui derrotado, e por isso vou obedecer ao meu rei. As grandes mãos se retorceram nas dela, os longos dedos deslizaram entre os seus e Julia se viu olhando para baixo, não para uma captura, mas para uma junção. ― Quando chegarmos onde estamos indo, então eu farei o que tiver que fazer, o que quer que seja. Até lá, não me casarei, você tem meu juramento sobre isso. ― Seus olhos voaram para cima para encontrar os dele. Wulfric estava sorrindo. ― Confie em mim. ― Confio em você. ― Julia hesitou, depois sussurrou: ― E se houver uma criança? ― Una já me esfolou por meu descuido, e eu tento dar atenção a ela ― Olhou para a ponte com uma careta. ― Estou sendo cuidadoso, mas se houver, nunca tenha medo de que não a reconheça. Wulfric se levantou, suas mãos ainda apertadas, puxando-a com ele. ― Nunca tema… ― O som de um chifre, uma nota longa e alongada, ecoou em volta do vale. ― Estamos nos movendo. Venha.

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Venha. Me siga. Não, ande comigo. Wulfric segurou a mão dela e eles foram juntos para a trilha e para a frente do som de centenas de pessoas e animais começando a se mover. Quanto tempo duraria essa proximidade? Quanto tempo duraria? Julia apertou seu braço quando alcançaram a última curva na trilha e, em seguida, se libertou, correndo na frente para ajudar Berig, e Smoke em seus calcanhares.

Chegaram finalmente a Rhegium, sem luta ao longo do caminho, e sem resistência quando entraram na cidade portuária através de seus portões abertos. Ou a noticia não havia chegado ao vasto exército que a defendia ou mais provavelmente, como Wulfric observou, a população local havia decidido que uma rendição fácil era melhor do que sofrer o destino de Nola e Capua. Parecia estranho que Julia estivesse novamente dentro das muralhas de uma cidade, e mais ainda, uma romana. Devia está se sentido em casa, passando por blocos de casas que pareciam familiares, templos convertidos em igrejas, com fachadas que faziam eco a todas as outras fachadas de templo no Império. Havia pequenos mercados nos cantos das ruas, as barracas vazias, enquanto seus donos arrebatavam suas mercadorias e fugiam para se esconder antes que a torrente de godos os alcançasse. Havia fontes públicas, inscrições e estátuas, mas ela se viu olhando com os olhos arregalados para eles, assim como Una estava fazendo. Eles se movimentaram pela cidade como um maremoto, varrendo os habitantes ao passarem. Depois, atravessaram os portões para o porto rumo ao mar, e olharam para o estreito que os separava da ilha da Sicília. A perspectiva da viagem por mar, era real agora, para todos, e havia lamentos de horror, bem como um balbuciar animado, soando acima do bramido dos bois perturbados pela brisa salgada do mar. Berig veio tecendo através da massa de carroções e rebanhos de gado. ― Vamos virar para o sul ― gritou para cada condutor. ― Para fora da cidade, para baixo e para a planície além. Há água, pasto, espaço para acampar. ― Onde está Wulfric? ― Julia se inclinou e pegou-lhe o braço quando Berig passava ao lado de seu carroção. ― Com o rei. ― A expressão excitada de Berig se transformou em preocupação. ― Alaric não está bem, dizem que tem dores no peito.

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― Pobre homem ― disse ela, cutucando os bois com a vara, para fazê-los girar na direção indicada por Berig. ― Isso nos atrasará, se ele não estiver bem? ― Ela mal sabia o que queria, ou o que era melhor para todos eles. Ir ou não ir? Mas não podiam ficar aqui, presos na ponta da Itália até que as tropas do Império os alcançassem. E ela queria Wulfric, aqui, agora. Quanto tempo ele seria seu, ela não sabia, mas cada segundo era precioso, e os segundos estavam se esgotando, como por um relógio de areia em sua mente. ― Não sei. ― Berig circulou seu cavalo, esticando-se para ver quem ainda não havia recebido a mensagem. ― Ele estará conosco esta noite. ― Ele não estava se referindo ao rei.

Wulfric entrou no acampamento tarde, muito tempo depois da maioria das pessoas ter se recolhido em suas tendas ou sob o abrigo de seus carroções. Os guardas patrulhavam o perímetro, almas solitárias sentadas junto a seus fogos moribundos. Berig estava roncando, ele podia ouvir o som familiar flutuando no ar quente e quieto, mesmo antes de ver o carroção. A cauda de Smoke começando a ondular. Berig havia lhe dito onde estavam acampados, o lobo o guiara para casa. Casa. Ele nunca tinha percebido isso antes - Isso era o que este carroção e sua tenda eram. Ele havia desistido de ligar qualquer lugar a casa há anos, agarrandose à visão de uma vila em algum lugar na Gália, pátios sombreados, campos exuberantes, uma visão que as ordens de Alaric para ir para o sul haviam fragmentado. Tornara-se um sonho, impossível e, no entanto, agora uma garota esbelta de olhos castanhos e a coragem de um guerreiro havia lhe dado uma casa onde quer que ela estivesse. Cheiros saborosos assaltavam suas narinas quando deslizou para baixo da parte traseira de seu cavalo, e ficou em pé, sua testa descansando contra a sela por um longo momento, muito cansado para desamarrar o animal. Cristo, mas estava cansado. Parecia que estava viajando por toda a sua vida, e na direção errada. Cinza virou a cabeça e o golpeou com impaciência. Wulfric ergueu os ombros e endireitou-se quando uma sombra fina, deslizou sob seu braço e tomou as rédeas. ― Vá e sente-se perto do fogo. Há comida na panela e água morna junto à fogueira. ― Ela o empurrou, um gatinho empurrando um mastim, ele pensou com A Escrava e o Rei Bárbaro – Louise Allen

um esgotamento de humor. ― Mova-se, homem, como posso tirar a sela com você apoiado nela assim? ― Sim, domina 21 ― murmurou ele, endireitando-se e caminhando em direção ao brilho do fogo. Ele se sentou quando chegou lá, não em um banquinho, mas de pernas cruzadas no chão, suas costas contra uma roda. Havia água, uma toalha pendurada em um banquinho onde ele poderia alcançar. Havia o pote de ensopado, o prato de pão, tigelas preparadas. Ele lavou as mãos, espirrou água no rosto e se secou, então, ficou sentado com os olhos fechados cansado demais para comer. Em algum lugar do outro lado da carroça, podia ouvir Julia falando com o cavalo. Era óbvio que não estava cooperando, pensou ele, ouvindo sua repreensão. Eventualmente ouviu os passos claros soube exatamente quando ela chegou, pela maneira que ela se virou e caminhou na ponta dos pés. ― Estou acordado ― disse, com os olhos ainda fechados. ― Coma alguma coisa, então ― Ordenou ela, com o mesmo tom que usara para o cavalo. Houve o raspado de uma concha na panela grande, o respingo de vinho em um copo. Então ― Como você me chamou agora? ― Domina. Você é a dama da casa, não é? Ela deu um bufo divertido. ― Claro, olhe para mim, senhora de dois carroções de boi, duas tendas improvisadas e uma panela. Wulfric estendeu a mão, adivinhando seu paradeiro pelo som, e agarrou seu pulso. ― Senhora de mim. ― Ele puxou. ― Venha e sente-se. ― Eu vou quando você abrir os olhos e comer. Você precisa de sua força. ― Ele fez como lhe foi dito, sorrindo, sonolento, para seu rosto vivo, animado pela preocupação e iluminado pela luz do fogo.

21 Senhora em latim

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― Muito bem ― Ele pegou a colher. ― Agora sente. Uma vez que ele estava obediente, Julia se aconchegou ao lado dele e começou a mordiscar um pedaço de crosta. ― Berig diz que Alaric está doente. ― Sim. A tensão cardíaca, penso eu, piorou com a febre. ― E você está cansado porque tem que ajudá-lo e apoiá-lo? ― Todos nós fazemos isso, os do Conselho. ― Ele apanhou o guisado e descobriu que estava com fome, afinal de contas. ― Isso é bom. ― É claro ― Escondeu o sorriso. Julia estava se orgulhando de sua culinária, mas negava-o, com veemência, se fosse desafiada, dizendo que se não cozinhasse, então teria que confiar em Berig e isso era muito sombrio para considerar. ― Nem todos vocês sofrem o mesmo esforço ― Insistiu ela. ― Há aqueles que têm mais seguidores, você tem mais influência, mais a fazer. Você e Athaulf. ― E Willa. ― O cavaleiro escuro. O homem alto e taciturno que parecia compartilhar as preocupações de Wulfric com seu curso atual e que dava mais indício de pensar mais do que falava. Houve momentos em que ele estava tão cansado quanto agora, quando Wulfric considerou seriamente a possibilidade de formar um entendimento com Willa e não arriscar a esperar. Athaulf não possuía o carisma de seu cunhado, e talvez nem sua sabedoria, porém, ele parecia ser o próximo rei. A lealdade a Alaric impediu Wulfric de considerar mais a sério desafiar Athaulf, mas depois dele… Acordou antes que a taça pudesse escapar de seus dedos. Ela terminou a comida, bebeu o vinho e contemplou ele se levantar e tentar caminhar para o outro lado do carroção onde ele e Berig dormiam sob uma lona esticada na grande tenda. ― Wulfric, há uma cama bem atrás de você. ― Julia o cutucou. ― Sua. ― Eles haviam construído uma estreita, com mais privacidade do que a deles. ― Oh, vá em frente, pelo amor de Deus. Já é como se estivéssemos juntos na mesma cama. Mas não muito frequentemente, percebeu Wulfric. Só uma vez, na verdade. Desde a ponte, encontraram lugares no campo para fazer amor, afastando-se como jovens amantes para se amar, e voltar silenciosamente, para não acordar Berig.

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Não que Berig tivesse com dúvidas sobre o que estava acontecendo - Seu sorriso atrevido era evidência disso. Ainda assim, o desejo de preservar Julia, e um instinto inato de privacidade o tornavam discreto. Mas agora Berig estava roncando, profundamente no tipo de sono adolescente que precisaria um ataque Huno para despertá-lo. E Wulfric não faria nada, além de dormir. A cama de Julia cheirava a ela: doce, picante, feminina. Wulfric tirou suas roupas e se deitou, sem se preocupar com um cobertor na quente noite, respirou profundamente, e percebeu que não conseguia dormir. Algo, algo acima de todas as responsabilidades com que ele precisa lidar, mantinha-o acordado. ― O que é isso? O que está errado? ― Julia sussurrou, deslizando na tenda. ― Eu te deixei acordado, desperto? ― Não. E há nada de errado ― mentiu. Era ela, é claro. A senhora de sua casa. Só que, uma vez que desembarcassem na África, uma vez que começassem a estabelecer-se e a estabelecer casas reais, o que seria dela? Ele precisava se casar, criar filhos, para tomar seu lugar em sua nova sociedade. Uma amante romana não poderia ter lugar nisso. Ela já estava desconfiada de Sunilda, a candidata óbvia para uma esposa, não podia imaginar que elas coexistissem pacificamente por um momento. ― Então, o que você está pensando? ― Ela se enroscou contra seu flanco nu, sua própria pele nua macia contra o seu lado. Sunilda. Não era a coisa mais diplomática para responder, porém honesta. Devo deixar Julia aqui quando navegarmos. Deixá-la com o magistrado mais alto e navegar para fora, para fora de sua vida. Ele deixou sua mão cair pelo seu ombro, sobre o inchaço do lado de seu seio até a doce curva, mergulhando da sua cintura ao quadril. Não deixaria nada com ela, além de uma lembrança, fora cuidadoso desde a ponte, para se retirar e não correr o risco de deixá-la grávida. Sua cabeça caiu de volta no travesseiro. Parecia que finalmente tomara uma decisão, ele tinha certeza de que era o certo, e sentiu como se alguém estivesse torcendo uma faca quente em suas entranhas. ― Pensando no que levar na viagem ― disse ele casualmente, enquanto mantinha a cabeça inclinada interrogativamente. Ele podia sentir seus olhos cândidos nele. ― Você pensa demais ― ela repreendeu, descendo até seus pés. ― Você precisa relaxar.

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A queda súbita do cabelo dela em sua barriga quando ela se ajoelhou ao lado dele era relaxante. O calor úmido de sua boca ao tomá-lo entre os lábios, o fez se erguer sobre os cotovelos. ― Julia! ― Ela nunca fizera tal coisa, antes, ele sequer pensara em lhe pedir, e aqui estava ela quando ele estava completamente exausto ou talvez não. Seu corpo estava respondendo com entusiasmo. Julia o libertou e ergueu a cabeça. ― Deite-se, deixe-me fazer amor com você. ― Mas você… ― É o que eu quero, deixe-me ser egoísta. ― Mas Berig está do outro lado do carroção. ― Então fique quieto ― disse ela com uma risada provocante e se curvou para traçar o comprimento endurecido dele com a língua. Com um gemido de rendição Wulfric caiu para trás, suas mãos apertadas na cama, enquanto Julia o explorava com as mãos, lábios, dentes e língua em um abandono desenfreado. Travou uma batalha de vontade, para ficar em silêncio sob sua investida. Quando ele a alcançou, ela afastou as mãos e voltou a torturá-lo com uma habilidade que parecia crescer com cada gemido sufocado e dolorido tremor de seu corpo. E então, quando ele não conseguiu mais ficar parado e seu corpo começou a entrar em êxtase, ela o tomou com força na mão, deslizou pelo comprimento de seu corpo e o beijou na boca, engolindo seu grito. Quando finalmente acalmou, ela envolveu seus braços em torno dele e o segurou firme e a última coisa que sentiu quando entrou no sono foi o toque de seus lábios em sua têmpora.

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Capítulo Treze Julia acordou e deitou-se, com os olhos fechados, sabendo que estava com um sorriso perverso nos lábios. Ela queria fazer amor com Wulfric como fizera na noite passada, há dias, desde que ela lembrou o grafito erótico do ato, que havia visto rabiscado na parede. Na época, parecera ser desagradável e improvável. Agora, ao aprender a explorar cada centímetro de um magnífico corpo masculino, estava excitando-se deliciosamente. Mas ela adivinhou que não a deixaria tocá-lo assim, então a oportunidade surgiu com ele cansado e com sua guarda baixa, fora irresistível. Ainda sorridente, ela rolou e abriu os olhos. Wulfric tinha ido embora. Julia suspirou. Ele tornaria difícil sobre isso, ela sabia. Ele ficaria fora o dia todo, e então, quando ele voltasse, ela receberia uma palestra sobre se comportar de maneira decente. Ele era muito protetor, o que normalmente a fazia sentir-se extremamente feminina, mas, ao iniciá-la mais profundamente nas artes do amor, queria ser mais aventureira. Chegou Smoke e a cutucou com o nariz molhado, resmungando no grunhido baixo, o que significava que queria que ela se levantasse e achasse algo para comer. ― Vá e cace, seu lobo preguiçoso ― Ela repreendeu, empurrando-o de um lado para que ela pudesse se levantar. Ele passou por trás dela enquanto ela se afastava da tenda. Berig também havia ido embora. Os homens deixaram a devastação que eles pareciam achar necessárias, como consequência de quebrar o seu jejum, mas depois de concluir a arrumação parecia haver pouca coisa a fazer. Julia se dirigiu para ver se Una queria alguma ajuda. Ela encontrou sua amiga esfregando seu estômago úmido e fazendo uma careta de desconforto. ― Qual é o problema? ― Julia sentiu ansiedade. Ela nunca estivera com mulheres grávidas, e muito menos com o parto, e sentia pânico de se encontrar sozinha com Una quando chegasse alguma crise. Sabia que precisaria de água e encontrar muitas toalhas, esse era o limite de seu conhecimento. ― É o bebê? ― Ele está bem. ― Una estava convencida de que era um menino, com o argumento de que a barriga apontava para frente. Isso parecia tão lógico para Julia, como qualquer outra coisa sobre o processo, então ela aceitou. ― Sou eu. Minha A Escrava e o Rei Bárbaro – Louise Allen

pele está tão seca que coça, estou quente e suada e a lavagem em um balde não ajuda, e eu sou muito desajeitada para entrar na grande banheira de Wulfric, mesmo que consigamos descarregá-la. ― O que você precisa é de um banho romano adequado ― disse Julia. ― Eu também. Sinto falta, de um, mais do que qualquer coisa. Um momento de relaxamento no calor, um mergulho agradável, passar um óleo, poder nos raspar por toda parte com um estrígil22. ― Isso parece maravilhoso. ― Una arranhou o braço distraidamente. ― Que pena não termos um. ― Sim ― Julia concordou, então ― Mas nós temos! Rhegium certamente terá banhos públicos, provavelmente mais do que um. ― Mas não podemos… ― Por que não? Não houve luta, as pessoas estão indo e entrando na cidade. As pessoas locais não estão emocionadas por nos ter aqui, mas não são hostis. ― Nos ter? ― Una levantou uma sobrancelha. ― Você se tornou um de nós agora, Julia? Julia se viu sorrindo para trás, de repente com certeza. ― Sim, eu sou. Mas, se isso vai fazer você se sentir melhor, eu colocarei minha túnica, e pentearei meu cabelo no estilo romano, e isso facilitará as coisas. Diga que você virá, agora que eu pensei nisso, não posso suportar, e Wulfric não vai querer que eu vá sozinha. Una mordeu o lábio na dúvida e depois sorriu. ― Vamos, então. Rigunth cuidará das crianças.

Sentindo-se mais do que um pouco estranha em sua túnica colorida, com o peso de seus cabelos trançados e amarrados em sua cabeça, Julia comprou dois frascos de óleo e dois estrígis, em uma barraca fora dos banhos. Os habitantes começaram, cautelosamente, a retornar quando perceberam que a vasta faixa de invasores não saquearia e que, em vez disso, estava preparada

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O estrígil era um pequeno instrumento, usado na Roma e Grécia Antigas, feito de metal recurvado, usado para raspar a sujeira e suor do corpo, principalmente nas costas. Segundo o costume da época, aplicavam-se óleos perfumados na pele, que em seguida eram raspados, retirando assim também as impurezas e sujidades. A Escrava e o Rei Bárbaro – Louise Allen

para pagar por suprimentos. Foi uma boa política, ela percebeu. Se Alaric quisesse cooperar na montagem de uma frota, então ele precisava que as pessoas locais pelo menos as tolerassem. ― Nós receberemos toalhas lá dentro ― Ela explicou, liderando o caminho pelo pórtico da entrada. ― Espero que eles tenham uma suíte de banho feminina, ou que tenhamos chegado no momento certo. Algumas pessoas não se importam com os banhos mistos, mas eu, certamente sim. Eles estavam com sorte. Os banhos eram grandes o suficiente com duas alas e Julia, rapidamente, contornou a parte onde um grupo de homens em túnicas curtas estavam jogando uma bola pesada de um para o outro, e levou Una para os banhos das mulheres. ― Este é o apoditério, onde nos trocamos. Veja, você coloca suas coisas aqui. ― Una se despiu, com nervosismo, colocou a toalha ao redor de seu corpo pesado da melhor maneira que conseguiu. Julia pegou suas roupas e as dobrou em um nicho ao lado das dela, indicou ao atendente que as vigiasse e levou sua companheira de olhos arregalados, até as banheiras. ― Aqui estamos, agora sente, relaxe e se aqueça um pouco. Depois, esfregamos o óleo sobre nós mesmas. Havia várias outras mulheres que já estavam lá. Eles não tomaram conhecimento das amigas, continuando a troca de fofocas, e Una começou a relaxar. Quando Julia começou a fazer uma massagem nas costas dela, ela ronronou com força. ― Oh! Isso é bom. Deixe-me fazer em você.

Quando saíram duas horas depois, brilhando e com a pele tão macia, quanto uma imersão prolongada no melhor óleo poderia fazer, Julia sentia-se relaxada demais para passar através da grande sala e evitar homens em exercício. Mas duas figuras masculinas que caminhavam e viravam a esquina da colunata, vieram diretamente em seu caminho, derrubando-a, a cabeça no chão. Então ela percebeu, que um dos homens na frente dela tinha as pernas nuas debaixo de uma túnica romana, a visão do outro era muito familiar. Calças cor de aveia foram enfiadas em botas até os tornozelos. Os olhos de Julia subiram pela bainha de uma túnica, adornada com rica trança vermelha que ela havia costurado, apenas alguns dias antes. Com os cabelos molhados em seus

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ombros e um raspador em sua mão, Wulfric olhou para ela com tanta surpresa, quanto ela mostrava ao vê-lo. ― Julia! ― Ah! ― disse o romano jovialmente —que coincidência, esta será a la… ― Estas são duas das senhoras do nosso acampamento, sim ― Wulfric interveio sem problemas. Não suavemente o suficiente para encobrir o uso do singular pelo companheiro. Quem era esse homem com quem Wulfric estava falando sobre ela. Julia sentiu o sangue escorrendo de seu rosto. Por quê? Qual possível razão poderia ter Wulfric para dizer a um cidadão respeitável que ele possuía uma mulher romana capturada em sua casa? ― Bom dia ― disse ela de forma assertiva, abandonando anos de treinamento em modesto bom comportamento. ― Eu sou Julia Livia. A quem tenho a honra de falar, senhor? ― Eu… er… eu sou Decius Marcus Cilo, Lady. ― Posso ver que você é um importante cidadão de Rhegium ― Ela persistiu com uma brutalidade chocante. ― Você é o governador, senhor? ― Oh, não, minha querida ― Lisonjeado e surpreendido por esse ataque frontal de uma jovem, aparentemente, bem-educada, Decius Marcus sorriu indulgentemente. ― Eu sou o magistrado principal. ― Por Deus. ― Julia bateu longos cílios marrons. Seu estômago estava em náuseas, com uma terrível sensação de traição, mesmo quando ela lutou por equilíbrio. Estava bem claro para ela: Wulfric a deixaria para trás. Enquanto ela e Una estavam relaxando nos banhos das mulheres, Wulfric estava ao lado do homem, arranjando, calmamente para dispor de uma serviçal. De alguma forma, ela continuou falando. ― Que aterrorizante. Espero que nenhum de nós tenha feito algo de errado. ― De modo nenhum. Acabamos de concordar com o modo como um, um… problema pode ser devidamente resolvido. ― Estou certa de que você conseguiu admiravelmente. ― Julia sorriu para ele docemente. O gosto da traição de Wulfric era nítido na língua, como o metal, quando ela, inadvertidamente, entendeu. Ela se forçou a olhar para ele. Seu rosto estava impassível, mas ela podia ver seus que seus ombros estavam apoiados e a mão que estava descansando com aparente casualidade na fivela do seu cinto, estava apertada. Suas pálpebras estavam meio abaixadas sobre os olhos verdes claros, protegendo todas as emoções. Talvez ele não sentisse nada, além do alívio A Escrava e o Rei Bárbaro – Louise Allen

porque ele havia encontrado uma solução para o constrangimento que ela parecia representar. Meu amor. O homem que eu pensei que cuidava de mim. O homem que está arrumando a minha disposição, de maneira clara e conveniente. Eles vão me enviar de volta a Roma, de volta a uma casa estéril e fria, onde estarei desgraçada, até que meu pai possa me casar com um idiota complacente e bem-educado. E Wulfric poderá se casar com Sunilda. As lágrimas estavam pressionando na parte de trás dos olhos. Com toda a força e coragem que aprendeu nessas últimas semanas, Julia sorriu para o magistrado. ― Adeus senhor. Não acredito que nos encontremos novamente. ― Lá. Seus olhos cintilaram, e ele parecia desconfortável, traindo a verdade do que ele e Wulfric estavam planejando. ― Venha, Una, voltemos ao acampamento. Devemos estar preparadas para receber os homens em nossa casa. Una prendeu a língua até que estivessem fora do alcance do ouvido. ― Sobre o que foi tudo isso? ― Ela exigiu no momento em que viraram a esquina. ― Eu conheço você agora, e você pode ter soado muito educada, mas posso dizer que você está furiosa. ― Aquele bastardo acredita que pode me deixar com o magistrado, ― Julia soltou, todo o seu controle tão árduo, desaparecendo no momento em que ela estava fora da visão de Wulfric. ― Eu o odeio. ― O efeito foi prejudicado por um soluço, que não conseguiu suprimir. ― Quando você navegar, eu estarei aqui, uma mulher desonrada para ser mandada para casa com o pai, e aprender a lidar com isso. E Wulfric vai se casar com aquela guerreira loira. ― Ela passou a parte de trás da mão nos olhos. ― Eu me recuso a chorar por ele. Ele possui duas caras e é traiçoeiro. ― Oh! Minha querida. ― Una puxou-a para o abrigo de uma fonte sombreada. ― Você tem certeza? ― Sim ― disse Julia. ― O que você vai fazer? ― Una colocou o braço em torno dos ombros dela, enquanto Julia secou seus olhos com a bainha de sua sobre túnica. ― Se você for com ele para a África e ele se casar com Sunilda, o que seria de você? ― Eu poderia me casar com Berig ― Julia disse com voz sombria, então riu abruptamente do rosto de Una. ― Estou brincando. ― Ela brincou com o final do cinto, enquanto pensava. ― Não sei o que vou fazer. Suponho que sempre pensei A Escrava e o Rei Bárbaro – Louise Allen

que algum milagre aconteceria e Sunilda desapareceria. ― Julia endireitou os ombros. ― Isso é tolice, haveria outras Sunildas. ― Você poderia rezar ― disse Una, seriamente. ― Amanhã é domingo. Podemos ir à igreja. ― Rezar para quê? Que Wulfric decida que eu sou mais importante para ele do que a sua ambição de liderar, talvez, mais importante do que a chance de se tornar rei? Ele me disse que não faria nada sobre o casamento enquanto estivéssemos na Itália, é tudo o que posso esperar. Eu fui uma tola em esperar qualquer coisa, mas, pelo menos, eu acreditava que ele discutisse as coisas comigo. ― O que você dirá a ele? ― Eu não faço ideia. ― Julia olhou fixamente para a cabeça de leão esculpida, da qual a água estava brotando. ― Eu não tenho ideia de nada. Elas voltaram para frente do mar. ― Tantos navios. ― Una apertou seus olhos com a mão e olhou ao redor. O amplo porto estava cheio de navios. —Alaric colocou o ouro, assim que descemos pela costa. Muitos já se reuniram, certamente há quase o suficiente aqui, agora. ― Sim. ― Julia começou a contar, depois desistiu. ― Alguns dias para provisionar, e então você vai desaparecer. Você ficará feliz? ― De deixar você, não. De ir para a África? Eu não sei. Sichar não fala sobre isso, ele é muito leal, mas acho que é apenas a liderança de Wulfric que o convence, e não tenho certeza de que, no coração dele, Wulfric realmente acredite. ― Então, por que eles fazem isso? ― perguntou Julia, de repente furiosa com todo homem de cabeça de osso no mundo. ― Porque eles deram seu juramento e sua fidelidade até a morte. Wulfric discutirá com Alaric até que uma decisão seja alcançada, depois disso, ele atravessará o fogo por ele, estando certo ou errado.

De volta ao acampamento Julia convenceu Una a deixá-la e voltar para seus filhos. Então, ela deixou seu temperamento no local da sua barraca, limpando e varrendo, sacudindo roupas e cortando vegetais em um turbilhão de atividades. Mas não conseguiu impedir que os pensamentos circulassem, descontroladamente em sua cabeça, em uma esteira constante de perguntas inúteis e sem resposta. Quando os homens finalmente chegaram a casa, ela estava esperando. A Escrava e o Rei Bárbaro – Louise Allen

― Berig, vá e veja sua irmã, eu quero falar com Wulfric. ― O jovem piscou por causa do tom, da falta total de saudação, mas virou a cabeça do cavalo e partiu sem dizer uma palavra. No rápido olhar que ele lançou Wulfric não estava perdido em Julia. Berig sabia que ela fizera algo errado. ― Você não dá ordem a meus homens, nenhum deles, nunca ― Wulfric disse, balançando para baixo de seu cavalo. Ele obviamente acreditava que o ataque era a melhor forma de defesa. ― Eu dou ordem a quem eu quiser ― ela retrucou. ― Você perdeu meu respeito e com isso, qualquer obediência que eu possa mostrar a você. ― Não vou discutir isso ― Deixando-a olhando para ele, ele conduziu o grande cinza para as linhas do cavalo. Julia esperou enquanto ele levou um tempo para voltar. ― Discutir o quê? ― Seja o que for que a tenha colocado neste humor. ― Ele caminhou até o balde de água e começou a se lavar. ― Eu não esquentei água, afinal, nós dois tomamos banho hoje, não é? Wulfric tocou seu rosto rapidamente. Sua barba precisa ser cortada, pensou Julia. Está se tornando difícil ler sua expressão. ― Não discuto meus negócios com você. ― Eu não estou interessado em seu negócio, é quando você discute o que é meu… Volte aqui! Como você ousa me virar as costas quando falo com você! Ele girou no calcanhar, a violência do movimento o aproximou da frente dela. Julia fez o máximo para não recuar. ― Eu faço o que quiser na minha própria casa. ― E nenhum escravo se atreve a responder, sem dúvida. ― Você não é uma escrava, você sabe disso. Você não é, desde a primeira noite, quando você chorou nos meus braços…? ― O quê? ― Você chorou enquanto dormia, fui até você. Você acha que eu trato todos os escravos desse jeito? ― Eu pensei que era um sonho. ― Ela sacudiu a cabeça, forçando sua mente a se lembrar, tão gentilmente. ― Você me salvou de estupro e provavelmente pior, A Escrava e o Rei Bárbaro – Louise Allen

mas você me levou pela força. Minha, você disse. Você me tirou de tudo o que eu conhecia, da minha casa, e agora você planeja me arrancar tudo novamente, desta vez para me derrubar. Você não pode sequer, discutir isso comigo? Wulfric olhou para ela, os raios do por do sol colorindo seu rosto de modo que ele parecia um ídolo pagão dourado. Toda emoção estava contida. Ele estava mostrando o rosto, aquele que ele mostrava a um oponente, sem um lampejo de fraqueza para que ela pudesse ler. ― Eu faço o que é melhor para as pessoas sob meus cuidados. ― E isso é melhor? Tentei tanto ser o que você queria. Aprendi a cozinhar, a limpar, a costurar. Eu lhe atendi quando você foi ferido, fiz o meu melhor, com o seu idioma. Uma sobrancelha levantou-se ligeiramente. ― Ik mag qithan managa waurda no razdai Gutiskai ― disse ela. ― Conheço muitas palavras, e faço o meu melhor para pronunciá-las, para formar frases. Eu estou tentando. Você pegou minha virgindade e não pense que eu não me culpo tanto quanto você por isso. Eu queria você, tola que eu sou. Agora me tornei inconveniente, então você me empurra para um homem que me desprezará, porque ele sabe muito bem o que eu tenho sido para você. ― Ele dificilmente pode começar a adivinhar ― Wulfric disse suavemente, com os olhos no rosto dela. ― Oh, sim, ele pode! Você me manda de volta para ser a filha desonrada, de uma casa respeitável, e todo o calor que eu já conheci, todas as pessoas que eu amo, ficarão perdidas para mim. ― Os olhos dela estavam cheios de lágrimas, mas ela lutou contra. Quando seu rosto mudou, ficou borrado, mesmo assim ela percebeu a maneira como as sobrancelhas dele se juntaram, a respiração entrecortada. ― Ama? ― Una é a melhor amiga que eu já tive. Eu a amo como uma irmã, eu amo suas crianças, eu quero segurar seu bebê novo em meus braços. Berig é o irmão mais novo que eu nunca tive. E você me enviaria para longe deles. Mas por que você não deveria? Olhe para essa demonstração de emoção indecente! Eu não dou nada que você não consiga em outro lugar. Outra escrava doméstica será bastante fácil de encontrar e há putas o suficiente, tenho certeza, para aquecer sua cama até você se casar com Sunilda. Sem dúvida, ela é muito prudente para antecipar a cerimônia. A Escrava e o Rei Bárbaro – Louise Allen

― Não se compare com uma prostituta! ― Ele estava bravo agora, a máscara havia escorregado. Ele a levou pelos braços e a sacudiu. Julia olhou para a boca apaixonada e sensual, agora mostrando em uma linha dura. ― Nenhum dinheiro foi trocado de mãos, com certeza. E eu estava muito disposta a aprender. O homem está tão ansioso para agradar meu pai, que se casará com um sujo somente para desfrutar dos benefícios do seu feito. Wulfric rosnou, puxando-a para ele. ― Você vai me bater, então? ― Ela zombou, muito brava para ter medo. ― Nunca. ― Então ele abaixou a cabeça e beijou-a com toda a violência bloqueada em seu corpo grande e duro. Sua língua invadiu-lhe a boca, enchendo-a, puxando o calor com um ritmo grosseiro que falava do que ele queria fazer com ela, do que ele estava segurando, de cada vestígio de auto restrição que ele havia deixado. Julia lutou, esticou enredou os punhos em seus cabelos e puxou, sua força, insignificante, quase nada, quando ela sentiu que ele tencionava os músculos do pescoço e resistiu a ela. Então ele a deixou ir tão repentinamente, quanto a puxou, e ela cambaleou de volta. ― Você planejou me enganar. ― Ela ofegou, arrastando a parte de trás de sua mão pela boca inchada. ― Quando você me contaria? Ou você simplesmente me entregaria amarrada como uma escrava, deixada à porta do magistrado? ― Eu teria contado no dia em que fossemos navegar ― ele admitiu finalmente. ― Eu não queria lhe incomodar. ― Me incomodar? ― Ela sabia que sua voz aumentara violentamente. Ela lutou por controle. ― Você queria evitar esse confronto, queria me enganar pelo maior tempo possível. Você não tem honra. Nenhuma. ― O que você disse? ― Wulfric ficou branco sob o bronzeado dourado. O sol já estava baixo agora, o último toque vermelho do pôr do sol transformando-o em uma criatura, não de ouro, mas de chama, algo aterrorizante, vinda dos confins do inferno. Sua mão estava no punho de sua longa faca. Este era o rosto que seus inimigos viam antes de morrer. O rosto de um bárbaro com uma raiva mortal.

A Escrava e o Rei Bárbaro – Louise Allen

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Capítulo Quatorze Olharam um para o outro, as palavras penduradas no ar entre eles. Elas não podiam ser ditas. Elas não podiam ser ignoradas. Sem honra. Se algum homem tivesse dito isso a ele, ele estaria morto agora. Mas esta era uma mulher, a mulher que tinha enterrado sob sua pele, em seu coração, contra toda razão, contra todo o sentido. Ele a machucou, ele podia ver, tanto quanto acabava de machucá-lo. E, pelo que via naqueles olhos castanhos e largos, ela estava amargamente lamentando o que havia dito, enquanto ele, pelo menos, pensava que o que ele estava fazendo era o certo. Era como cavar uma ferida supurada, com uma afiada faca vermelha, mas era o certo. Algo a ser feito e a ser suportado. ― Você quis dizer isso? ― Ele percebeu que ele havia falado em sua própria língua e disse novamente em latim. ― Não. Não, não quis dizer isso. Desculpe-me. ― Julia fechou os olhos por um momento. Ele sabia exatamente como a pele macia se sentia embaixo dos lábios, contra a varredura da língua. Ele se forçou a ficar quieto e a escutar. ― Você me machucou além da conta, além da minha capacidade de conter minha língua. Eu confiei em você e você não conseguiu viver com isso, mas é minha culpa, pois não tínhamos acordo. Eu acredito que você atuou como você acredita ser melhor. Você deve me perdoar se eu odeio você por isso. ― Wulfric estremeceu por dentro enquanto sacudia a cabeça, frustrado, procurando as palavras para expressar como se sentia. ― Você é um homem honrado, eu reconheço isso e esperava nunca estar em poder de outro. Ela virou-se e caminhou em direção a seu abrigo. ― Julia… ― Wulfric deu um longo passo, depois parou, quando ela levantou a mão. ― Seu jantar está no pote. Se você me tocar agora, eu juro que vou pegar essa faca e ferirei… um de nós. ― Ela levantou a aba da barraca e desapareceu lá dentro. Um longo e dolorido suspiro cortou suas costelas. Wulfric deu as boasvindas à dor. Era física, ele poderia lidar com isso. Não como a dor em seu coração, em sua mente, ele estava com muito medo de sua alma. A Escrava e o Rei Bárbaro – Louise Allen

Ele ficou parado, olhando para a bola vermelha do fogo, ciente de que o que estava desfocando sua visão não era o calor, mas as lágrimas não derramadas. Quando ele havia chorado pela última vez? Na noite em que ele deixou sua família e se foi para se juntar à casa de Alaric, quando tinha dez anos de idade, magro como um trilho, com as mãos e os pés que ele ainda precisava crescer, tão aterrorizado quanto um cachorro lançado aos lobos. Ele soluçou, o rosto enterrado em seus cobertores com medo de que alguém ouvisse, e na manhã seguinte, Alaric, o rei, por tudo que era maravilhoso, parou e olhou para ele e esticou a mão no seu ombro. “Meu mais pequeno guerreiro”ele havia dito, e Wulfric nunca mais chorara. Olhando para trás, especialmente desde a sua experiência com Berig, ele adivinhou que o rei o havia ouvido durante a noite. Mas Julia fora mais forte do que ele, ela não deu chance aos seus medos, até o sono tê-la dominado. Suas palavras lhe cortaram os nervos como facas brancas. Ele a machucou além da conta, ela disse, mas mesmo carregando isso, doendo como uma ferida, ela teve a graça de retirar sua acusação sobre sua honra. Ele esperava que as mulheres de seu próprio povo tivessem honra para compreendê-lo. Ele não esperava isso de uma mulher romana. ― Meu Senhor? ― Era Berig, pairando ansiosamente apenas à beira do brilho refletido pelo fogo. Escureceu enquanto ele estivera parado. ― Venha, coma, se não queimou. Julia… foi para a cama. O jovem não se aproximou. ― Una me disse o que você fez. ― E você acha que estou errado? ― Era injusto, mas ele precisava bater em alguém. ― Não, meu senhor. Se você decidiu, então deve estar certo ― disse Berig, lealmente, mas a miséria estava em seus olhos. ― Ora. Você pode me dizer o que você pensa. Não vou ficar com raiva. ― Eu… eu gosto de Julia. Não quero que você a mande embora. ― Ela o ama como um irmão mais novo. Ela disse isso. ― Wulfric pegou uma tigela e começou a encher com a carne da panela. ― Venha aqui, coma. ― Ela disse? ― O rosto do jovem se iluminou. ― Ela é muito corajosa, não é?

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― Muito. ― Wulfric percebeu que havia reduzido o pão às migalhas em suas mãos. ― Ela vai precisar ser, para voltar para o próprio povo. ― Você vai mandá-la de volta, então? ― Mesmo com a testa enrugada com ansiedade, Berig foi capaz de colocar a comida na boca. Wulfric se perguntou se ele sentiria vontade de comer de novo. ― Eles não serão indecentes com ela, porque ela tem sido sua amante? Perdendo a discrição. A dor o fez falar com dureza. ― Sim, eles vão. Qual você acha que ela preferirá? Isso ou ver Sunilda ser minha senhora? Os olhos de Berig caíram para sua tigela e ele não falou até que ele comesse um pouco. ― Não é fácil, mesmo sabendo o que é honroso fazer, não é? Eu pensei que seria fácil quando eu me tornasse homem, que eu saberia. Mas não é assim. Estamos longe da boca dos bebês. ― Então, aprenda com isso ― disse Wulfric. ― Navegamos em seis dias.

Wulfric acordou na noite, pensando que alguém estava se movendo na tenda, então ouviu o som de choro e sabia que Julia estava chorando, em seu sono, novamente. Julia não cedeu conscientemente, não, enquanto sabia que ele estava perto. Wulfric deitou-se, olhando para a escuridão, lutando contra o desejo de se levantar e tomá-la nos braços. Ele cedeu, rolando, silenciosamente, da cama para não acordar Berig e se aproximou do lado de Julia. Ele ergueu a aba e, com o leve ruído, viu a palidez oval de um rosto inclinado para ele. Era Berig, debruçado ao lado dela, a mão dela, na dele. Ela parara de chorar e estava deitada, pacificamente. ― Vá embora. ― O jovem sibilou, seu rosto contorcido de lágrimas. Wulfric sabia que preferiria ter morrido do que ter visto aquilo. Ele assentiu abruptamente e deixou cair a aba da tenda. Berig estava crescendo. Seu coração se contraiu. Ciúmes? De um jovem? Ele se levantou de pé e caminhou para as linhas do cavalo. Ele caminharia pelo perímetro, pois não haveria sono nesta noite.

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Julia acordou e encontrou Berig dormindo na entrada de sua barraca e Smoke com a cabeça em pé. ― Berig? ― Ele se arrastou, virou os olhos e ficou desconfortável. ― O que diabos vocês estão fazendo na minha tenda? Ele desviou o olhar. ― Nós estávamos fazendo companhia. Você estava… chateada durante a noite. ― Oh! Obrigada ― disse ela suavemente, estendendo a mão para tocar seu ombro. ― Isso foi muito galante de sua parte. Onde está Wulfric? ― Ora, ela dissera seu nome, não era tão difícil quanto temia. ― Foi para Rhegium. Pelo menos, é o que ele disse que faria na noite passada. Estamos ajudando com as provisões dos navios. ― Então você deve se apressar, quebrar seu jejum e ir e se juntar a ele. ― Ele assentiu e levantou a aba da tenda. ― Ele ficará bravo com você por ter ficado comigo? ― Não sei. ― Berig franziu a testa. ― Não me importo. ― Ele está fazendo o que acredita ser o certo ― disse Julia. Ela não queria ver Berig se desiludir com seu senhor. Essa seria uma vingança desprezível. ― Ele a fez chorar. ― No meu sono? É por isso que você veio? ― Ele assentiu com a cabeça e desapareceu, com Smoke o seguindo. Julia se lavou, se vestiu e deu comida a ambos, depois sentou-se em um banquinho ao sol, com as mãos cruzadas em torno de seus joelhos e tentou pensar no que fazer. Retornar seria entrar num mundo de desaprovação e desgraça. Seu pai ainda iria querer que ela se casasse com Antonius Justus, mas duvidava que ele a aceitasse agora. Uma jovem viúva era uma coisa, uma mulher que havia perdido sua virgindade para um visigodo era, sem dúvida, outra bem diferente. E se ele a aceitasse haveria o pensamento diário não declarado, de que ela estava casada abaixo de sofrimento, e se algo desse errado, ele certamente, lançaria a história em seu rosto. Ou ela poderia tentar viver aqui, em Rhegium. Mas isso seria difícil, visto que o magistrado principal sabia quem ela era. Ele teria muito a ganhar, ao permitir que um poderoso senador conhecesse o paradeiro de sua filha desaparecida. A Escrava e o Rei Bárbaro – Louise Allen

E o que ela poderia fazer? Ela não tinha habilidades artesanais, nem dinheiro para começar um negócio. Ela olhou o carroção e o assento da caixa do condutor. Se ela estivesse correta, ali estava parte de uma fortuna em ouro. Ouro roubado de Roma, certamente ela teria tanto direito quanto Wulfric? Mas ele argumentaria que estavam coletando as promessas insatisfeitas do imperador. E, como realmente era, ao levá-lo, ela se sentiria como se estivesse roubando. Ou, levando-o em recompensa pela perda de sua liberdade e virgindade. O que também era um pensamento desconfortável. ― Você está pronta? ― Era Una, ao lado de seu marido Sichar e das crianças, de rosto rosado por uma boa esfregada, agrupados em volta. ― Nós vamos para a igreja, você esqueceu? ― Sim ― Julia admitiu, levantando-se. ― Eu esqueci. ― Ela estava bem vestida, decidiu, juntando-se aos outros. Little Ulf, filho do meio de Una, pegou na mão dela e lhe sorriu. Faltava um dente na frente e ele possuía sardas, cabelos castanhos e dourados que ficavam emaranhados, apesar dos melhores esforços de sua mãe com pente e água, e os olhos azuis de seu pai. Como seria o filho de Wulfric? Ela se perguntou, sentindo a faca torcer em seu peito enquanto pensava. Como seria o nosso filho? Ela poderia seduzir Wulfric antes de deixá-la, fazê-lo tão bem que ele perdesse o controle e não fosse mais cuidadoso? Uma vez seria suficiente? E que tipo de vida um bastardo meio godo, teria em Roma, em uma casa respeitável? Talvez, se caísse em desgraça, em uma bem ruim, seus pais lhe dessem dinheiro e a deixariam desaparecer, em Ravenna ou Nápoles e ela poderia criar uma pequena empresa. ― Você teve a chance de falar com Wulfric ontem à noite sobre aquele assunto? ― Una perguntou, sua voz era leve e casual para que Sichar e as crianças não prestassem atenção. ― Berig pensou que você poderia ter falado. ― Sim. Falei com ele. ― Fez um esforço para combinar seu tom. ― Ele está determinado por essa solução. Não acho que mudará de ideia. ― Mudar a mente de Wulfric? ― Ela ouviu, Sichar, um homem de poucas palavras, bufando. ― Ele pensa longe e duro. Então, quando ele decide, é isso. Cabeça-dura. ― Mais parece um cabeça de porco. ― Murmurou Julia. Perguntou-se se havia um momento em que uma mulher estava mais fértil. Alguém suspeitaria se A Escrava e o Rei Bárbaro – Louise Allen

ela perguntasse? E seria justo tentar trazer uma criança para o mundo sem pai? Não, ela decidiu, se pudesse arranjar, então não haveria suspeita nem estigma. E se ela não pudesse? A fantasia de um filho alto e de olhos verdes, ajudando-a em uma choupana florescente, onde suas habilidades culinárias, recentemente adquiridas, atrairiam multidões de clientes, desapareceram para serem substituídas pela lembrança do rosto de seu pai quando ele estava furioso, e ela estremeceu. Era um sonho impossível e egoísta. ― Aqui estamos. ― Una parou em frente à entrada do que, obviamente, era uma nova igreja, não um templo convertido. A frente era rica de pedra sabão, a porta encravada, recebia um fluxo ordenado de cidadãos bem vestidos, a fumaça de incenso e velas flutuava para perfumar o ar. ― St. Agnes. Eles entraram, as mulheres puxando xales sobre seus cabelos, as crianças silenciadas pelo alto telhado arqueado e pela multidão. Sichar encontrou um lugar em um banco de pedra correndo ao longo da borda da parede, Una e o resto deles estava em volta dela. Julia não esperava conseguir se concentrar, mas para sua surpresa a atmosfera, os ritmos do serviço, os cheiros e os feixes de luz que se inclinavam pelas janelas altas, acalmaram-na. Depois de um tempo, ela começou a olhar discretamente, mantendo seu olhar protegido atrás dos cílios baixos. A visão de famílias romanas respeitáveis parecia tão estranha quanto os primeiros vislumbres que teve dos Godos em seu acampamento. Ela suspirou, então um flash de ouro chamou sua atenção. Wulfric estava de joelhos, o braço direito apoiado na coxa, a cabeça dourada inclinada em contemplação e oração. A luz de cima o pegou, as fibras de pó girando nos raios do sol. As braçadeiras em seus poderosos bíceps brilhavam assim como os acessórios metálicos de seu cinturão. Seu cabelo escorria por suas costas, como um ser vivo. Ela não conseguia tirar os olhos dele. Ele estava absolutamente imóvel, ajoelhando na pedra dura, na humilde pose de devoção. No entanto, apesar das mãos apertadas, do pescoço vulnerável, dos olhos fechados, ela conseguia ver suas pestanas em sua bochecha, não era um sacerdote. Ninguém, mesmo vendo ele agora, poderia confundi-lo com qualquer coisa, exceto com um homem forte, um guerreiro. E ainda assim, ele fora gentil com ela, sempre. Julia sentiu o amor sendo construído em seu coração, até que ela pensou que explodiria, que ela gritaria, que

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ela correria para ele. Mas ela ficou imóvel com seus lábios fechados e os olhos fixos nele. Ela viu as pernas de Wulfric se levantarem, e depois a cabeça dele. A mão direita relaxada se fechou e sua cabeça começou a se virar para onde ela estava parada, com a respiração presa. Ele sentiu seu olhar, sentiu seu amor, ela sabia disso. E em seguida em uma onda de ricas saias azuis, uma figura se moveu para o lado, bloqueando momentaneamente a visão de Julia, e uma figura alta parou elegante, as mãos cruzadas, os olhos baixos, com um véu branco e puro que se parecia como uma asa de cisne, em seu cabelo dourado. Sunilda. Wulfric estava de pé. Julia podia vê-lo abaixar a cabeça e falar suavemente à outra mulher, cujas bochechas coloriam. Ela sentiu dor em suas mãos e olhou para baixo, abrindo-as. Quatro marcas brancas marcaram cada palma. Com um murmúrio de desculpas para Una, Julia abriu caminho de volta, pela congregação e para fora da igreja. Este não era o lugar para se dedicar a pensamentos ciumentos, ou deixar de sentir a paz do culto por aversão. Eles pareciam magníficos juntos. Apropriados. Significativos. E ela precisava aceitar. Berig estava deitado na sombra, segurando os cavalos. ― Por que você não está na igreja? ― Ela o repreendeu suavemente, sentando-se ao lado dele na parede baixa. ― Por que você não está? Sunilda, suponho. ― Ele fez uma careta, obviamente não esperava uma resposta, então olhou para o céu limpo. ― Haverá uma tempestade. ― Certamente não. Não há nenhuma nuvem. ― Ela abriu e apertou os olhos. ― E está quente. ― Mais quente do que ontem ― concordou Berig. ― Você não consegue sentir? O formigamento sob a pele? A pressão sobre os seus cabelos? Tempestade que vem. ― Eu pensei que era apenas a forma como eu estava me sentindo. Mas você está certo, é opressiva. ― E olhe para Smoke. ― O lobo estava desconfortável no calor, andava para lá e para cá, seus oblíquos olhos verdes se estreitavam, sua cauda baixa. ― É melhor eu voltar e começar a cavar canais de drenagem ao redor dos carroções. Nós estamos em uma boa posição, subindo a encosta, mas não em A Escrava e o Rei Bárbaro – Louise Allen

terreno íngreme. Nós não ficaremos inundados, mas se houver um aguaceiro, poderíamos ter uma folha de água varrendo para baixo, através das tendas se eu não fizer um canal. ― Você faz isso com muita frequência? ― Julia piscou para sua enérgica eficiência. ― Agora não, estamos na Itália. Mas de onde viemos, chove muito. ― Ele sorriu e subiu em seu cavalo, jogando as rédeas do cinza para Julia. ― Diga para Wulfric o que estou fazendo. Eu não preciso de ajuda. Ele galopou para fora, deixando Julia sentada contra a parede, olhando para o cavalo cinza, feio, com alguma preocupação. O que ela deveria fazer agora? Sentar-se aqui como uma jovem estável em plena vista dos transeuntes e da congregação até que Wulfric saísse da igreja? Ela poderia apenas atar o animal à árvore mais próxima. Ninguém viria, provavelmente roubá-lo com Smoke em guarda, mas Wulfric poderia ficar zangado com Berig por deixá-lo. Ela ainda estava naquela posição, quando os adoradores começaram a sair. Julia pulou, alisou sua roupa o melhor que conseguiu e tentou se esconder atrás do cavalo. ― Meu Deus, será que seu garoto começou a usar saias? ― Sunilda, é claro. Como Wulfric, ela parecia falar latim, alternadamente, com gótico, especialmente em público. ― Não. ― O som da voz de Wulfric, Julia passou por baixo do pescoço do cinza, sem vontade de ser descoberta se escondendo. ― Julia! Onde está Berig? ― Ele voltou ao acampamento. Ele acha que vai cair uma tempestade e queria cavar canais de drenagem. ― Ela empurrou as rédeas em suas mãos. ― Tenha um bom dia, Sunilda. Os grandes olhos azuis atiraram puro veneno para ela, mas a outra mulher sorriu docemente. ― Como nos romances, Wulfric, uma escrava para cuidar do seu cavalo. ― Ela não retornou à saudação de Julia. Julia corou, mordendo o lábio para pegar de volta a réplica. Ela era uma escrava, mesmo que Wulfric não a tratasse como tal. ― Julia não é uma escrava ― Wulfric disse, sem rodeios, fazendo ambas as mulheres saltarem. ― Sério? Então o que exatamente é ela? A Escrava e o Rei Bárbaro – Louise Allen

Por Hades, ele andou para a direita como um felino, Julia pensou com um lampejo de humor sombrio. O que ele vai dizer? Que eu sou sua amante? Ela chamou a atenção de Wulfric e viu um olhar irônico responder neles. Ele se voltou por causa do vínculo de entendimento entre eles, e de repente ela poderia ter rido alto. ― Julia Livia é uma convidada ― Ele respondeu calmamente. A mandíbula de Sunilda caiu. ― Uma hóspede que vem e vai quando ela quiser, e é gentil o suficiente para cuidar de Berig e de mim, no presente. ― De fato? Você tem muitos convidados romanos, não é? ― Não. ― Wulfric manteve sua calma. Isso pareceu irritar Sunilda quase mais do que qualquer outra coisa. ― Julia está fazendo maravilhas com o vocabulário latim de Berig. Com um bufo indignado Sunilda girou nos calcanhares e saiu, o véu imaculado batendo atrás dela. ― Você a perturbou ― Julia observou. ― Ela tem um temperamento louco. Valorizamos as mulheres de espírito. ― Wulfric ainda estava franzindo a testa após a mulher ter ido. ― Ela tem seu próprio machado de batalha? ― Eu não sei responder a isso. ― Ele se virou e olhou para Julia sério. ― Você está bem? ― Não, se você quer a verdade honesta. Mas eu vou viver. Nada que eu possa dizer vai mudar sua mente, não é? ― Não há nenhuma boa resposta para essa bagunça ― disse ele lentamente, seus olhos deslizando sobre ela com um olhar que era uma carícia de arrependimento. ― Eu acredito que eu tenha decidido sobre o menos ruim. ― Talvez você tenha. ― Julia sentiu um pequeno arrepio. ― Berig está certo sobre a tempestade? Wulfric se virou e olhou para o sul. ― Sim. Está certo. Ao longe, em uma mancha distante no horizonte, uma linha escura fina marcava a divisão entre o mar e o céu, quando por dias não havia nada para mostrar, onde um azul corria para o outro, como as cores de um pintor ao ar livre,

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em seu pote de água. ― É por isso que está tão quente, a tempestade está vindo da África. ― Volte para o acampamento, prepare a refeição noturna, então coloque tudo o que pode ser danificado pela água em baús. Puxe as tendas para baixo. Berig moverá o material pesado e vai colocá-lo sob os carroções, para que tenhamos espaço interno, então vamos esticar a lona por cima e amarrá-la embaixo. ― Será que vai ser ruim? ― Pois parecia um monte de trabalho, apenas por uma tempestade. ― Eu não sei, eu nunca fui tão ao sul, mas eu irei até o porto e ordenarei que parem com o carregamento e se concentrem em fazer tudo com segurança. Julia ― Ele parou, franzindo o cenho para ela. ― Eu sinto muito sobre Sunilda. Não havia nenhuma resposta graciosa para aquilo, então simplesmente, disse o que pensava. ― Eu também.

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Capítulo Quinze Palavras propagadas sobre a escuridão no horizonte aumentavam mais e mais obviamente. Homens voltaram do porto, e o campo começou a se assemelhar a um formigueiro perturbado, os carroções foram transformados em abrigos e as cargas volumosas e menos vulneráveis foram lançadas para fora, no chão. Famílias que acampavam perto da parte inferior da ligeira inclinação, estavam se movendo em direção ao topo, já houvera três colisões e uma carroça capotou, apesar da forma ordenada com que todos estavam trabalhando. Berig, que havia terminado de cavar seus canais para a água escoar se inclinou sobre seu joelho, e puxou o fôlego, enquanto Julia parou de embalar as roupas e tecidos no peito, foi e sentou-se na extremidade do carroção. ― Eles estão profundos e largos o suficiente? ― Ela perguntou. ― Wulfric parecia preocupado. ― Wulfric nunca está preocupado. Isso é o que você pensa! ― Pensativo, então. ― E com mais do que a tempestade. Ela devia aceitar sua decisão e se esforçar mais para fingir que estava tudo bem; ele possuía coisas mais importantes para pensar que no coração dela partido. Não que ele percebesse que estava quebrado, graças a Deus. ― Eu poderia ir cavar novamente. Torná-los mais largos e profundos. Há uma grande quantidade de água nessas nuvens. ― Ele franziu a testa para a tempestade que se aproximava. Eles podiam ver as massas de nuvens agora, tão pequenas como uma paisagem pintada em uma parede da vila, em forte contraste de preto, com o azul imperturbável acima e abaixo deles. ― Ajude-me a colocar o material realmente pesado para fora, primeiro ― Julia sugeriu. ― Então eu posso classificar fora do carroção, enquanto você cava um pouco mais. ― Ela levantou-se, medindo o espaço e olhando para o que precisavam colocar em movimento. ― Nós podemos fazer um espaço maior em um canto e todos ficaremos nele, então, podemos usar toda a lona em um só lugar. Eles trabalharam um pouco mais, em seguida, sentaram-se ligeiramente ofegantes, loucos para beber.

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― O ar ainda está completamente pesado ― disse Berig inquieto, sugando uma bolha da mão suja e apertando-a em volta de um recipiente de chifre. ― E os pássaros pararam de cantar. ― Não podemos culpá-los ― disse ele com um sorriso torto. ― Eu não me sinto com muita vontade de cantar também. Gostaria que pudéssemos voar para mais longe. ― Onde está Wulfric? ― Julia perguntou em voz alta. Ela estava tentando não pensar sobre ele, mas as palavras escaparam. ― Com Alaric, espero, e a frota. Eu vou cuidar de você. ― Berig encolheu os ombros. ― Sim, claro, eu sei que você vai. Nós ficaremos bem. ― Ela sorriu para ele, tranquilizando a si mesma, tanto quanto a ele.

Mesmo assim, três horas depois, ela viu Berig soltar um grande suspiro de alívio, quando Wulfric voltou galopando para o acampamento. Ele pulou a vala aprofundada feita por Berig e freou. ― Bom trabalho. Onde estão a criação e as tropas de cavalo? ― Lá em cima. ― Berig apontou. ― Há uma depressão no lado mais distante do cume, Sichar foi organizar. Eu peguei meu cavalo e os bois. ― Ele pegou as rédeas de Wulfric que foram atiradas para ele e saltou para a cela, no momento em que Wulfric deslizou para baixo. ― Hora de comer, eu acho. ― Wulfric concordou olhando em direção ao mar. Julia estivera concentrando-se na cozinha e não havia olhado por algum tempo. Agora, ela engasgou com a visão da massa fervilhante de nuvem negra, com cintilantes relâmpagos ao longo de sua base. ― Sim, isso seria sensato, tenho certeza de que vai chover muito forte em breve ― disse ela, tentando combinar seu tom de fato consumado. Ele estava de pé sobre o banco do condutor do carroção, espreitando o acampamento. ― Está todo mundo pronto? ― Eu não acho que qualquer um tenha valas tão profundas como as que Berig escavou, mas é tarde demais para fazer algo sobre isso agora. Basta ser grato que não temos galinhas para compartilhar o espaço com a gente.

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― Você acha que vai ser muito ruim para elas estarem lá fora? ― Julia ficou assustada. ― Eu pensei que as pessoas colocariam as galinhas e as cabras debaixo dos carroções. ― Enquanto ela falava, o ar ainda se movia, arrastando os dedos quentes em seu rosto. Uma lona bateu, então rasgando com força súbita, fazendoa saltar. Redemoinhos de poeira começaram a subir a partir da terra seca e a fumaça raspou, profundamente, em sua garganta. ― Eu acho que vai ser difícil, sim. Aí vem Berig, vamos começar. Eu quero tudo embalado, afastado e em segurança.

Wulfric chutou o último dos blocos debaixo das rodas do carroção da frente, então, verificou os cabos sobre a lona que cobria a parte traseira. Por que ele estava se sentindo tão desconfortável com esta tempestade não fazia ideia, mas ele nunca vira uma vinda sobre o mar antes, e a massa negra fervendo, com suas lanças de fogo, lançadas contra as ondas, enviou um arrepio primitivo por sua espinha. Quase podia imaginar os deuses pagãos de seus antepassados montando nela, em grandes garanhões pretos, buscando vingança sobre os seus descendentes civilizados, que haviam abandonado as velhas maneiras de seguir uma nova fé. Com um último olhar varrendo ao redor do acampamento escurecido, ele deslizou sob a lona e começou a laçar a abertura fechada por dentro. O espaço não era grande suficiente, para um grande homem, um jovem em crescimento, uma jovem esbelta e um lobo. Eles certamente estariam desconfortáveis durante o tempo que a tempestade durasse. ― Smoke está tentando sentar no meu colo ― Julia reclamou na escuridão. ― Ele quer se esconder e está acostumado a dormir em sua cama, ― disse Wulfric, agarrando o lobo pela nuca e transportando-o para o final do espaço. ― Fique lá ou vá para fora. ― Smoke resmungou e se deitou. ― Agora, ele está empurrando o nariz molhado no meu tornozelo, ― Julia reclamou, meio rindo. Wulfric sentiu em torno da meia-luz. Julia havia espalhado uma camada de cobertores no chão do carroção e enrolou mais nos lados e na cabeceira do espaço. ― Nós vamos ficar melhor, deitados ― Ele decidiu. ― Se tocarmos a lona enquanto ela está encharcada, vamos criar um vazamento. —Julia fica no meio, entre nós. Por alguma razão a imagem de carroções escorregando em uma torrente de lama, inclinando-se para o lado deles, esmagando seus ossos delgados, não o A Escrava e o Rei Bárbaro – Louise Allen

deixava, apesar do declive suave onde estavam. O temor supersticioso que o invadira, enquanto observava as nuvens, estava se concentrando em Julia e na ameaça para ela. A consciência culpada, não restava dúvidas, e que a reflexão prolongada na igreja naquela manhã, não fizera nada, para acalmar. Ele viu a inclinação questionadora de sua cabeça, mas ela fez o que lhe foi dito, contorcendo-se para baixo. Berig virou de lado, apoiado no cotovelo, e olhou para ela. ― É como os sofás de jantar, romanos? Como conseguem comer deitados? ― Perfeitamente fácil, embora você não consiga comer rápido. ― Julia começou a conversar com Berig, contando-lhe sobre os jantares na casa de seus pais, fazendo-o rir com as receitas exóticas. Wulfric sorriu, aliviando as costas e na lateral do carroção. Enquanto ela estava brincando com Berig sobre línguas, cotovias no mel, e arbustos em vasos, nenhum deles ouviria o vento ressoando e os resmungos constantes de trovão. A primeira explosão atingiu o carroção, sólida, como um golpe de um punho de ferro. A luz desapareceu como se uma lâmpada fosse apagada e a chuva se fixasse sobre eles. Ele sentiu, mais do que ouviu, o suspiro de Julia enquanto ela recuou instintivamente, o movimento de achatamento do corpo dela de encontro ao seu. Wulfric estirou um braço e a puxou para si descobrindo fazê-lo, que seu braço envolvia também um Berig trêmulo. ― Está tudo bem, soa pior do que realmente é, as batidas da chuva na lona ― disse ele, tentando mostrar a questão de fato. Berig, irradiando constrangimento, desembaraçou-se e se virou, deixando espaço de uma mão entre suas costas e as de Julia. Wulfric, sem inibições pelo contato próximo, com a suavidade frágil pressionada contra ele, pressionou o rosto contra o calor de seu cabelo e fechou os olhos. Ficar olhando descontroladamente para a escuridão não ajudaria. A violência da tempestade parecia aumentar como a velocidade de cavalos de corrida. Ele mal podia acreditar que o sólido chão do carroção em suas quatro rodas poderia aguentar, pois parecia tremer sob o ataque feroz do vento. O trovão ressoava no ar. Wulfric puxou Julia para mais perto e a apoiara contra seu peito, apertando-lhe a bochecha contra seu corpo, colocou a mão livre, sobre sua orelha exposta. Ela aconchegou-se mais perto, confiante, apesar da

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enorme fenda, que se abrira entre eles. Ele teve que lutar para não beijar-lhe a testa, que era tudo o que ele poderia alcançar com os lábios. Um clarão iluminou o abrigo de lona, como se fosse o meio-dia, e logo desapareceu seguido por uma enorme fenda quando o raio atingiu bem perto. Berig rolou e jogou um braço sobre Julia, como se o seu corpo magro pudesse protegê-la contra o fogo do céu, e os três se agarraram, em um emaranhado de corpos, enquanto vinha um relâmpago e outro e mais outro. Era como se estivesse sob ataque de um exército de gigantes atirando lanças, e através dele, a chuva e o vento não diminuíram. Ele podia ouvir, lá de fora, estrondos, o pranto fino de um bebê, o grito de uma mulher, em um dos breves intervalos entre trovões e relâmpagos, mas não havia nada que pudesse fazer por eles, nada que ele pudesse fazer, além de tentar manter estes dois seguros, enquanto o mundo enlouquecia ao redor deles. Lentamente, o trovão começou a se afastar. As explosões de raios, ainda vinham, com frequência assustadora, iluminavam seu abrigo menos vividamente, mas a chuva não cessou e nem o vento, o ar ficou mais frio, como se todo o calor do sol tivesse sido arrancado pela tempestade. Wulfric arrastou cobertores sobre eles quando Julia começou a tremer. Cada polegada do corpo dela estava fortemente pressionada contra o dele, mas ele não sentiu nenhuma agitação de desejo, apenas um intenso amparo possessivo. Minha. Ela estava indo, rasgaria seu coração deixá-la para trás. Por um tempo, quando ela adivinhara o que ele estava planejando, ele havia pensado que sua angústia era por que ela o estava deixando. Perderei as pessoas que eu amo, ela havia lhe dito, e seu coração ficara mexido. Mas ela não perdeu tempo em deixar bem claro que aquilo significava Una, sua família e Berig, e não ele. Amor, a palavra que nunca fora proferida entre eles. Wulfric estava na escuridão de olhos abertos, olhando sem enxergar o teto de lona que ficava a uma mão acima de seu rosto. Ele amava seus parentes, sua tribo, seu rei, sua família, seu Deus. Mas uma mulher? Em sua posição, um homem se casava, com prudência e, se ele tivesse a sorte, se veria amarrado a uma mulher por quem ele poderia sentir um carinho crescente. O que ele estava sentindo por Julia, não era um carinho morno. Certamente não era prudente. Eu a amo? Eu estou apaixonado por ela? Ele pressionou a bochecha contra a coroa da cabeça dela, consciente de que ela adormecera, apesar da tempestade lá fora. Além dela, a respiração lenta de Berig dava mostras que ele também conseguira dormir.

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Pensar nos danos que causaria a Julia, o medo lhe dominou de uma forma que ele nunca antes sentira, mas havia aprendido a ignorar o medo e o perigo. Saber o quanto ele havia lhe ferido martirizava sua consciência, mas ele era um homem que sabia muito bem que não fazer a coisa certa, por causa de uma consideração pessoal estava errado. Ele era um líder, líderes faziam escolhas difíceis. Mas nada disso ajudava. Isso deve ser amor. ― Eu a amo ― ele murmurou contra seu cabelo. Deus. Era enfraquecedor esse sentimento, sentir por uma mulher que não devia amar, uma mulher que ele devia mandar embora, para o próprio bem dela, assim como o seu. Mas como é que se para de amar? Como se consegue dar seu sentimento para outra mulher, sabendo que seu coração já pertence a outra? Era apenas uma questão de dias. Ele só tinha que permanecer forte, seguir em frente com determinação, deixá-la segura com o magistrado. Em um mês, ela estaria de volta no seio de sua família, e mesmo que ali tenha provado ser um refúgio frio, aquele era o melhor lugar para ela. Eu não posso deixá-la advinhar como me sinto. Suas pálpebras estavam ficando pesadas. Wulfric desistiu de pensar e simplesmente deixou a sua mente vagar, quando o sono o puxou para baixo.

Julia acordou triste, abafada e em completo silêncio. Berig estava inevitavelmente, roncando, a respiração profunda de Wulfric agitava o cabelo dela sobre a orelha, o braço relaxado ficou pesado em sua caixa torácica. Do lado de fora, ela podia discernir um murmúrio de vozes, mas o vento e a chuva haviam cessado. Ela se mexeu e o homem que a segurava instantaneamente acordou. ― Parou. Berig! ― O qu…? ― Cerig sentou-se sobressaltado, batendo a cabeça contra a lona esticada. ― Ouch! ― Um gotejamento começou. ― Ugh! ― Ele rolou para o lado e tentou soltar as amarras do cabo até que ele pudesse enfiar a cabeça para fora. ― Meu Deus… ― Não blasfeme ― Wulfric disse, automaticamente rolando sobre os cotovelos, com um esforço para chegar às amarrações. Ele se lançou para fora pela fresta e Julia viu seus pés desaparecem, assim como Smoke saiu pela mesma fresta logo depois dele.

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― Não se preocupem comigo ― Julia resmungou ao encontrar-se sozinha. ― Eu posso me arrumar. ― Ela se contorceu para fora, desorientada. O acampamento passara de uma cidade móvel ordenada, ao caos lamacento. O chão estava coberto de detritos encharcados, as pessoas estavam em torno de seus carroções tentando recuperar baús e barris que haviam sido espalhados e quebrados; outros, tentavam andar e acabavam escorregando e deslizando pelo terreno lamacento ou tropeçando nas valas de drenagem cavadas as pressas. Preso na vala cheia até a metade, na parte de trás de seus carroções, tinha um galinheiro, suas habitantes estavam moles, encharcadas e mortas. Uma ovelha suja estava de cabeça baixa, exausta, dificilmente capaz de balir. Berig pulou e a pegou e Julia atirou-lhe um pedaço de cobertor para secá-la. O chão fumegava como as encostas de um vulcão quando o sol da manhã o atingia. Wulfric estava parado no alto da bagagem empilhada em seu segundo carroção, chamando as pessoas que acenavam de volta ao vê-lo. ― Não é tão ruim quanto parece ― disse ele. ― Eu não consigo ver nada derrubado ou destruído. As pessoas estavam bem preparadas. ― Então ele se virou, estreitando os olhos vasculhando o campo em toda sua extensão, até ficar de frente para o mar e Julia viu-o parar. ― O que é isso? ― A frota. ― Ele estava olhando para o outro lado da baía como se fosse incapaz de acreditar no que estava vendo. Ela subiu e ficou ao lado dele e lançou um olhar para as ondas cinzentas, espumando como cavalos brancos e um mar bravio desprovido de qualquer navio que fosse. A frota se fora. ― Não há nada ― disse ela, o choque deixando-a estúpida. ― Onde eles foram? ― Para o inferno ― Wulfric disse categoricamente. Julia sentou-se com um baque, na madeira encharcada do banco do condutor. ― Aqueles pobres homens. Tantos, eu não consigo acreditar. Talvez alguns se salvaram. Alguns devem ter sido capazes de nadar, não é? ― Naquilo? ― Wulfric pulou. ― Mas você está certa, alguns podem ter sobrevivido. Devo ir e ajudar na busca por eles. ― Eu irei também. Eles são romanos, pescadores locais, comerciantes. Meu povo. ― Ela viu a boca dele afinar, então ele deu de ombros. A Escrava e o Rei Bárbaro – Louise Allen

― Se é o que deseja. Não vai ser agradável. Nós vamos encontrar mais cadáveres do que sobreviventes, eu acho. ― A quem importa que seja agradável? ― Julia respondeu com raiva. ― Todos eles são – eram – pessoas comuns, tentando ganhar a vida. Eles viram uma oportunidade de ganhar dinheiro honesto, alugando seus barcos e agora, eles perderam tudo, até mesmo suas vidas. ― Eu estou apenas tentando protegê-la. Proteger você. ― Eu não sou uma criança. Eu não sou nem mesmo, uma virgem romana respeitável mais, eu sou? ― Por que ela queria bater nele, ela não sabia, e não após a sua resolução de aceitar com calma o que ele havia decidido. Em seguida, ela vislumbrou o que isso significava para os clãs visigodos que estavam reunidos em todos aqueles acres lamacentos. ― O que você vai fazer? Nem um navio está à esquerda. Como você pode deixar estas costas agora? Wulfric virou-se para olhar para ela, a brisa empurrando seu cabelo para trás do rosto, e cada linha marcada foi exposta para ela. Ela podia ver a escultura dos ossos subjacentes, a tensão dos músculos e tendões. Ele estava cansado, muito cansado com esta jornada sem fim, essa busca por uma pátria e agora justamente quando estava ao seu alcance, o destino e a força da natureza haviam arrebatado e afastado. ― Nós não podemos. Estamos presos aqui.

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Capítulo Dezesseis A busca pelos sobreviventes e pelos navios reparáveis tornou-se, inevitavelmente um exercício de recolher um lamentável e pequeno número de corpos no meio de um mar de destroços. Wulfric deixou finalmente a sala do Conselho depois de uma tarde de análise prática, a tempestade implacável não havia deixado nenhum deles com quaisquer ilusões. Eles poderiam ficar aqui, presos no dedo do pé da Itália até que o exército romano os encontrasse, ou eles poderiam voltar atrás, refazer seus passos até a longa estrada norte e conhecer o seu destino, em algum lugar onde eles pudessem, pelo menos, escolher o seu chão. ― Nós não chegaremos tão longe quanto Roma ― disse Alaric. Ele estava sentado no trono esculpido, que viajava com ele por todos os lugares – e que fora trazido por seu bisavô das florestas para o norte e para o leste – os dedos retorcidos de seu rei, acariciando as cabeças desgastadas de animais que saiam das extremidades dos braços. ― Ele está morrendo. ― As palavras sussurradas em seu ouvido fizeram Wulfric olhar de soslaio e deparar com o olhar firme de Willa. ― Veja como os lábios dele estão azuis e como seus olhos estão vermelhos. Seu coração está falhando e uma febre se abateu sobre ele. Ele espera morrer em batalha, mas eu duvido que vá ter essa graça. ― Devemos tentar. ― Ambos os homens olharam para quem falou. Athaulf, cunhado do rei, de pé, com um dos pés sobre o estrado, a cabeça empurrada para frente tentando reforçar seu argumento. ― Partamos agora, rápido e os pegaremos de surpresa, antes que a notícia do que estamos fazendo lhes chegue. Nós não faremos paradas em Roma, nem Ravenna, nem no exército do Império do Oriente, porém iremos para Gália. ― Como? Sobre os Alpes como o Hannibal? ― O rei estava tendo problemas para manter o nível de sua voz. ― Não, meu senhor, pela costa. ― Wulfric deu um passo à frente e encontrou Willa ainda ao seu lado. ― Sim ― disse o outro homem. ― Difícil, porém mais seguro. As passagens altas serão fechadas no momento em que chegarmos a elas.

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― Vocês três estão unidos para me contradizer? —Alaric se recostou na cadeira, estudando-os. Ele sabe que está morrendo. Ele está se divertindo especulando sobre quem o sucederá, Wulfric percebeu quando os olhos azuis desbotados descansaram em seu rosto por um momento. ― Não, senhor ― disse ele com firmeza. ― Estamos de acordo sobre como poderemos levar nosso povo para uma terra boa, como o senhor deseja. ― Hah! E quem vai levar? ― O senhor. ― Você é diplomata, Wulfric, filho de Atanagildo, filho de Thorismund. Eu lhe ensinei bem. Mas será tão diplomático, quando eu me for e vocês três afiarem suas espadas e olharem uns aos outros através dos incêndios? ― Quando você se for, senhor, vamos lamentar e então as pessoas vão decidir. ― Foi Willa aliviando a pressão sob Wulfric. ― Mas isso é uma questão para mais tarde, no futuro. Agora, temos de agir. Alaric se virou para Athaulf, acenando-lhe, e seu parente ajoelhou-se ao lado do trono, a cabeça inclinada para ouvir as palavras do rei. ― A coroa vai para ele, se não tomarmos cuidado ― Willa murmurou. ― Alaric o nomeará. Além disso, ele tem Galla Placidia na palma da mão. Enquanto ele segurá-la, mesmo aquele imperador desonroso, não vai atacar duro. ― Você se oporia a Athaulf? ― Você não? ― A boca de Willa se curvou em um sorriso sem humor. ― E então, será você e eu. Uma pena. Eu gosto de você, nós pensamos da mesma forma. Eu não gostaria de matá-lo. ― Você está convidado a experimentar, meu amigo. ― Wulfric manteve seu olhar sobre os dois homens sobre o estrado. ― Mas eu ficaria triste por não ter você ao meu lado, nós trabalhamos bem juntos. E ainda podemos optar por apoiar Athaulf. ― Você não tem nenhuma ambição? ― Não para uma matança que deixaria nosso povo vulnerável aos romanos, não. Mas se você escolher me atacar, eu vou me defender, não resta nenhuma dúvida. ― E se eu for para o trono?

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― Eu vou deixar você saber a minha decisão, se e quando isso acontecer — Wulfric rebateu ―, mas se eu decidir não apoiá-lo, eu vou dar-lhe a justa advertência, você chegaria àquela cadeira através de mim. Willa respondeu com uma inclinação de cabeça e não disse mais nada. Wulfric respeitava o homem, respeitava a sua ambição, embora não gostasse de sua maneira de falar de tais coisas, tão abertamente. Não haveria nenhuma vergonha em seguir tal rei, a decisão era: se iria aceitá-lo, ou se oporia a ele, em seu próprio nome, ou no nome de Athaulf.

― Por que um homem quer ser rei? ― Ele perguntou para Berig, caprichosamente, enquanto cavalgavam de volta ao acampamento. ― Por quê? Pela honra, glória e fama, é claro. Para trazer notoriedade nos nomes de seus antepassados e evidência sobre os seus descendentes. Para levar o nosso povo, que é uma grande coisa. ― O jovem franziu a testa e olhou para ele. ― Isso é uma brincadeira? ― Não. ― Wulfric sacudiu a cabeça. ― Não, eu só queria recordar. ― O que ele deveria fazer? Quais eram as vozes em seu coração e o que estavam falando de dever, ou ambição ou hábito? Ele enterrou os calcanhares no lado do cinza e incitou-o em um galope. ― Quando partimos? ― Cerig perguntou sem fôlego quando afastou o próprio cavalo para o lado. ― Você foi ouvir atrás das portas, rapaz? ― Não. Qualquer tolo pode ver que nós não podemos ficar aqui. ― Iremos amanhã, o mais rápido e direto que pudermos, até a costa oeste. ― Rumo a Roma? ― Sim, em direção a Roma. ― E então, o quê? ― Eu não sei. ― Tudo depende de quem será o rei.

― Eu não sei.

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Julia olhou para Wulfric. Atrás dela Berig estava arrumando o carroção, xingando baixinho ao escorregar no chão lamacento. Todo o acampamento ficara em tumulto, quando as pessoas encontraram suas posses estragadas e alagadas. ― Você não sabe? Mas vamos voltar a Roma. Você tem certeza pelo menos, por quê? ― Nós vamos em direção a ela. Nós não podemos alcançá-la ― disse ele relutantemente. ― Pelo menos, não sem uma batalha. ― Bem, então é melhor que me leve com você. Quem mais está indo para costurar seus cortes de espada? ― Sua pele se arrepiou com um medo que ela não deixaria transparecer no rosto. Ela vira todos os homens praticando a espada, poderia ver por si mesma, a coragem e habilidade deles. Ela vira Wulfric lutar com um homem, mostrando essas habilidades e muito mais. Mas este seria o exército romano que ele enfrentaria, o maior exército que o mundo já conheceu. ― Vou ficar com o meu plano e deixá-la com a família do magistrado. Você estará mais segura lá. ― Enquanto conversavam, Wulfric foi sistematicamente, puxando armas para fora dos envoltórios oleados onde tinham sido armazenadas, verificando-as, testando as bordas com o polegar, em seguida, reorganizando-as onde ele as teria facilmente à mão. ― Eu não… ― Você vai fazer o que for dito. ― Ele bateu uma espada na bainha e virouse para ela, com uma raiva implacável. ― Você vai fazer o que eu digo, mesmo que isso signifique que eu tenha que amarrá-la como um assado de porco e entregar-lhe a porta do magistrado. Você não vai discutir comigo, você não vai tentar me seduzir para longe de fazer o que é certo e se você se atrever a chorar pelo me… ― Eu não vou! ― Seu lábio inferior está tremendo. ― Wulfric voltou-se para as armas. Julia olhou para o poder de seus braços nus, para a cicatriz crua do corte de espada que ela havia costurado. Ela lembrou desses braços segurando-a com ternura, daquelas grandes mãos calejadas, que agora estavam esfregando uma lâmina de faca sobre uma pedra de amolar, e a maneira, perversamente erótica que trouxeram prazer a cada fenda de seu corpo, da sensação de seus lábios, agora definida em linha reta e implacável, como eles passavam sobre sua pele. Da delicadeza naqueles olhos verdes ferozes, quando ele fez amor com ela.

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― Por favor. ― Ela colocou uma mão em seu braço, sentiu os músculos se contraírem involuntariamente sob a palma da mão, mas sua mão com a faca não vacilou. Ela deixou a ponta dos dedos ir para cima e começou a brincar com o trabalho de ouro em relevo na borda da pulseira larga que apertava seu bíceps. ― Não. De repente ela se abaixou, no espaço entre o lado do carroção e os braços dele. ― Por favor? Devo implorar que não me deixe aqui? Você não me quer mais? Com um grunhido ele bateu a faca na madeira atrás dela, soltou à pedra de amolar e agarrou-a em seus braços. ― Sim, eu quero, e o que Hades isso tem a ver com alguma coisa? ― Sua boca esmagou a dela e mergulhou a língua em sua boca com uma força raivosa que a fez balançar. Em seguida, ela prendeu as mãos em seu cabelo e agarrou-se nele, combinando com sua intensidade, recusando-se a deixá-lo só, com a selvageria de sua paixão. Seu corpo ardia de desejo por ele, doía, ansiando contra sua boca, sem se importar que estavessem a céu aberto, no meio do campo, rodeado de pessoas. Wulfric a soltou e ela ficou ali, ofegante, quando ele olhou para ela, os olhos verdes em chamas. ― É por isso que eu não vou levá-la comigo. Isso é paixão além do juízo, e você obscurece minha mente e meu julgamento. Quando não estou tocando em você sei o que é certo fazer em relação a você e eu estou condenado a fazê-lo. ― Ele puxou a faca da madeira, tão facilmente, como se estivesse na areia e não presa, dez centímetros de profundidade no carvalho. ― Deve ir. Eu tenho muito a pensar para ficar me preocupando com mulheres. Excitada, furiosa e humilhada, Julia correu em volta da parte de trás da carroça e esbarrou em Berig, que estava com o rosto vermelho e, obviamente, desejando que ele pudesse afundar na lama e se esconder. ― Homens! ― ela sussurrou para ele. ― Eu não fiz nada ― protestou ele quando ela caminhou ao seu lado ―, Julia. De todas as coisas idiotas para fazer! Ela criticou a si mesma. Você sabe que ele te deseja, você não tem que provar isso, você apenas entregou-lhe o motivo perfeito para deixá-la para trás. Se você fosse calma e discreta, ele poderia ter ido bem longe da cidade, antes de lembrar que você existe. A Escrava e o Rei Bárbaro – Louise Allen

― Julia? ― Era Una, distraída, tentando manter dois meninos pequenos fora do pior da lama, enquanto ajudava Sichar a arrumar seu carroção. ― Honestamente, olhar para estes dois! Você poderia remexer naquele baú e encontrar mais algumas calças para eles? Eu tenho lama em minhas mãos, eles estão cobertos de… Contente com a distração, Julia fez o que lhe foi pedido, ajudando Una colocar os dois filhos em roupas limpas e empoleirá-los no carroção. ― Oh! Olhe, essas são de Berig. ― Una apontou para um par de calças e uma túnica na parte inferior do tórax. ― Eu os havia esquecido. Você poderia levá-las a ele? O plano formou-se em sua cabeça, nos segundos que levou para levar as roupas para fora e dobrá-las, cuidadosamente. ― Sim, claro. Una, Wulfric está inflexível e eu tenho que ir amanhã para a casa do magistrado. ― Ah, não! ― Sua amiga correu e colocou os braços ao redor dela, sem se importar com a grande poça que ela espirrou. ― Mas nós estamos indo para o norte, em direção a Roma. Por que ele mesmo não pode levá-la de volta? Julia baixou a voz, um olho nos meninos. ― Ele diz que não é seguro. Una, não posso agradecer o suficiente por tudo que você fez por mim. Você foi como uma irmã, não posso falar sobre isso, eu fico muito emocionada. ― Sua voz se quebrou, mesmo porque ela pensou que a presente despedida era falsa. Ela pensara que sabia o que queria dizer para sua amiga, mas, agora, tudo era demais. E se ela nunca mais a visse? ― Eu a amo. Adeus. ― Ela colocou as roupas de Berig perto de seu peito e correu.

Na manhã seguinte Wulfric pedira emprestado o filho mais velho de Una, Gunthar, para conduzir o carroção que havia sido responsabilidade de Julia. Ela ficou ao lado, inútil, em suas roupas romanas manchadas, reunindo coragem para enganá-lo. ― Você pode se sentar ao lado de Berig, pois vamos desviar até a cidade para levá-la à casa do magistrado. ― Wulfric estava olhando para ela como um falcão, como se esperasse que ela fosse dar seus saltos e correr, e aí, então. ― Muito bem ― Julia disse com firmeza. ― Posso ter o meu dinheiro agora, por favor? A Escrava e o Rei Bárbaro – Louise Allen

― Dinheiro? ― Ele olhou para ela. ― É costume na minha sociedade, ao libertar um escravo, se dá uma bolsa de dinheiro, para que eles possam começar a sua nova vida. Preciso comprar uma escrava para mim, e roupas decentes. Ou você me quer voltando para a casa de meu pai, como se eu tivesse sido arrastada pelo caminho por um bárbaro durante todas estas semanas? Como a minha vida será a partir de agora, pode depender de como eu me apresento diante de minha família. Ele assentiu. ― Isso é verdade e justo. Eu devia ter pensado nisso. Mais do que um escravo, eu acho. Espere. ― Ele subiu no carroção e tirou uma chave do cinto. Julia respirou fundo, procurando o parecia ir até os dedos dos pés e descobriu que Berig estava olhando para ela com a cabeça inclinada e um brilho nos olhos. ― O quê? ― Ela murmurou. Ele encolheu os ombros. ― Boa sorte. Ele sabe que eu vou fazer algo e ele não vai dizer… Julia manteve sua expressão sob controle quando Wulfric saltou para baixo e entregou-lhe uma bolsa de couro. O peso lhe disse que era tanto quanto ela esperava e muito mais. ― Obrigada ― disse ela com toda a dignidade de uma jovem matrona romana, e amarrou o saco em sua cintura sob seu manto. ― Venha. ― Wulfric colocou uma mão sob seu cotovelo e puxou-a para a parte traseira do carroção, para um pouco de privacidade. ― Você não é mais minha. Acho que eu lamento isso. ― Eu também. Eu te disse. ― Uma pequena centelha de esperança começou a se agitar. Ele diria que a amava? ― Você pode lamentar por encontrar liberdade nessa vida. Você pode lamentar a nossa vida amorosa. Você pode lamentar pelas pessoas que você ama. Mas eu acho que você não vai lamentar por ser minha posse. Ela olhou para ele, para os olhos verdes implacáveis, o forte rosto que mostrava um homem pronto para lutar contra todos os seus próprios desejos, a fim de fazer o que era certo. Ela olhou para o rosto do homem que ela amava e que, ao que parecia não estava pronto para ouvir o que ela sentia. Ela não podia fazê-lo ouvir.

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― Não ― ela concordou. ― Eu certamente não sentirei falta de ser sua escrava. Você vai me dar um beijo de despedida? Duvido que possa fazê-lo na porta de Décio Marcus. Wulfric a tomou em seus braços e roçou os lábios nos dela, então ele se endireitou e colocou-a longe dele. ― Adeus, miens liufs. ― Meu o quê? Ela não sabia a palavra, e ele não traduziu. Ele a levou para o lado de Berig antes de caminhar e montar no seu cavalo, ela quase perguntou ao jovem. Então, ela percebeu que ele concluiria que era algo que Wulfric acabara de dizer para ela, então ela guardou em sua memória, juntamente com o toque dos lábios, tão fugaz, mas tão forte.

Era como caminhar para um campo de batalha, na certeza de que morreria. Uma coisa terrível, mas um ato honrado e a escolha certa. Ao comparar a honra de um homem na batalha, com seus sentimentos por uma mulher, apenas mostrou o quão longe ele tinha caído no amor por esta romana de olhos castanhos, Wulfric ponderou que ele desviou-se da estrada norte, e levou seus dois carroções para baixo, para Rhegium em uma última parada. Ele tomara decisões difíceis antes, mas o conhecimento de que elas eram as escolhas certas tornaram as dificuldades, ou os argumentos fáceis de suportar. Agora esta escolha estava torcendo uma faca em suas entranhas e enchendo sua mente com a incerteza. Ela queria ficar, e ela estava errada. Uma mulher não entendia estas questões de honra e dever, não como um guerreiro visigodo fazia. Ele simplesmente, precisava fazer a coisa certa para ambos, e suportar a dor, porque ele a amava. ― Chegamos. ― A voz de Bering, puxou-o para fora de seus pensamentos. A preocupação com suas emoções estava lhe enfraquecendo; eles poderiam ter sido emboscados, atacados por assaltantes, enquanto ele estava sonhando com um par de olhos castanhos, um par de lábios macios, incitando-o a paixão. ― Bom. ― Wulfric desmontou e bateu à porta. A velocidade com que ela foi aberta mostrou que eles estavam sendo, ansiosamente, esperados ou que Décio Marcus e sua esposa estavam desesperados para mandar os bárbaros embaraçosos embora, antes que os vizinhos notassem, ele pensou sombriamente. O magistrado fizera para Julia, a honra de vir a própria porta para recebê-la, sua esposa ao seu lado. Wulfric trocou saudações, tentando não pairar sobre a esposa, que o encarou com horror, com os olhos arregalados. Berig estava fora do

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carroção, trazendo para baixo o saco escasso de Julia, com seus pertences enquanto ela estava sentada lá, recatadamente, na caixa, à espera de ser assistida. Ela estava representando o ato de virgem romana tímida, muito bem, ele pensou ironicamente, recordando a menina que se levantou de joelhos na lama, ajudando a limpar o campo, após a tempestade ou sua determinação sombria quando ela havia costurado seu braço. Em seguida, ele a olhou nos olhos e viu a raiva que, quase, mas não completamente, escondia seu medo e sua angústia, e todo o bom humor o abandonou. Era isso, estes eram seus últimos segundos com ela. Num impulso, ele desatou a faixa larga de ouro e granada que apertava seu pulso direito e empurrou-o sobre a sua mão. Era tão grande que deslizou por seu braço, até o cotovelo. ― Oh! Não, eu não posso, é muito precioso ― ela protestou, tentando colocá-lo de volta para baixo, novamente. ― Eu gostaria que você o tivesse. ― De repente, era desesperadamente importante que ela tivesse algo concreto, de seu. ― Foi de meu avô, e era antigo antes que ele tivesse. Tem os velhos deuses representados nele. Ele me disse que era uma proteção contra danos. Mantenha-o com você. ― Mas você pegou de seu braço que segura a espada. ― Ela alcançou a mão dele, olhando para a marca branca onde ele cobrira a pele. ― Então é supersticiosa? ― Ele repreendeu-a suavemente para esconder o quão tocado ele estava com seu aviso. ― Confio na técnica, não em talismãs. Atrás dele, ele tomou consciencia de que seus novos anfitriões tornavam-se inquietos, e a levantou ainda protestando. Ela estava tão leve em seus braços nos segundos em que ele a segurou, mas ele se sentiu de alguma forma instável quando a soltou. ― Julia Livia Rufa, você se encontrou com o chefe magistrado, Décius Marcus ― disse ele, formalmente e, obviamente assustando a mulher, que parecia esperar que ele falasse em grunhidos. ― Minha querida, bem-vinda a nossa casa. ― O homem estava lidando com isso, com alguma desenvoltura mesmo que sua esposa não estivesse. ― Esta é minha esposa, a Senhora Lucia Cornelia Macula. Julia produziu um sorriso composto.

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― Obrigada, senhor. Senhora, estou muito grata por sua hospitalidade. ― Ela parou de falar quando um corpo peludo pressionou entre eles. ― Smoke, não, você não pode entrar. ― Um lobo! Você tem um lobo domesticado? ― Lucia Cornelia deslizou nervosamente para trás de seu marido. ― Você não consegue domar um lobo, Lucia Cornelia ― Julia disse calmamente, com os olhos presos nos de Wulfric. ― Também não se pode entender um. Eles estão com você em seus próprios termos, sempre. ― Ela não estava falando sobre o animal, seus olhos lhe disseram. ― E este não é meu, ele é de Wulfric. ― Ela se abaixou e puxou as orelhas de Smoke, em seguida, abraçou-o, recebendo uma lambida molhada em todo o ouvido para amenizar seu problema. ― Bom garoto, agora volte para Berig. ― Ela produziu outro suspiro em sua anfitriã, abraçando o rapaz, em seguida, subiu os degraus e parou, olho no olho com Wulfric. O desejo de alcançá-la e arrastá-la de volta, era quase uma força física; ele sentiu as unhas se cravarem em suas palmas. ― Adeus, Wulfric, filho de Atanagildo, filho de Thorismund, ― disse ela. Ela já não tropeçou ao dizer dos longos nomes. Eles soaram gentis de sua boca. E então ela se virou e desapareceu.

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Capítulo Dezessete Julia ficou parada na parte de trás da porta pesada enquanto o porteiro deixava cair a barra através dela, e esperou a deferência de seu senhor e senhora, para aceitá-la, completamente. Ela fechou uma mão ao redor do bracelete de ouro, sentindo que realmente era um talismã. ― Bem, você teve uma aventura, não é, minha querida? ― Foi Lucia Cornelia, quem falou, tentando parecer sorridente e alegre, como se grandes bárbaros, deixassem meninas romanas sequestradas, de boa educação, em sua porta regularmente. ― Na verdade, sim ― Julia concordou educadamente, seguindo a anfitriã através do peristilo. ― Eu espero que você goste de usar a casa de banho e se trocar antes da refeição do meio-dia. Empresto-lhe uma escrava e separei algumas das minhas roupas para você, até que possamos ir às compras. ― Ela parecia amigável e mais confiante quanto mais se afastava da porta da frente. ― Obrigada, Lucia Cornelia, você é muito gentil. Eu espero que eu possa levar a escrava comigo pela cidade, eu não gostaria de incomodá-la para vir comigo. ― Vamos ver. Não seria bom para você se aventurar sem um séquito. Agora, aqui estamos nós, este é o seu quarto, e esta é a menina que vai cuidar de você. Vamos vê-la mais tarde na sala de jantar. Ela sorriu graciosamente e saiu deixando Julia confrontando uma menina magra, de cerca de quinze anos, com uma massa de cabelo castanho avermelhado, amarrados para trás severamente, uma pitada de sardas no nariz e olhos castanhos cautelosos. Ela parecia dolorosamente familiar, então Julia percebeu porquê. A menina era uma visigodo. ― Hwa aithei izos? ― Ela perguntou. De repente era muito importante saber o nome dela, sua memória inundada pelo rosto de Wulfric, quando ela não confessou saber o nome da menina escrava morta quando ele a resgatara. O olhar cauteloso foi substituído por uma chama de entusiasmo e, em vez do nome solicitado, veio uma torrente rápida em gótico, que deixou Julia ofegante. ― Eu não falo muito ― ela explicou. ― Me diga seu nome. A Escrava e o Rei Bárbaro – Louise Allen

― Ingunde, Lady. Eu sou sua escrava. ― Como você chegou aqui? ― Julia perguntou para que a simples declaração da menina lhe desse uma ideia. ― Não estou certa. Fui atingida na cabeça quando soldados romanos vieram ao nosso acampamento, se passaram três anos desde então. Eu acordei e estava no mercado de escravos. Minha senhora, aqui me comprou quando ela estava em Roma. ― Ela encolheu os ombros. ― Devo ficar aqui. ― Por que você não fugiu quando os visigodos vieram e acamparam fora da cidade? ― Julia olhou ao redor do quarto luxuoso e à pilha de roupas. ― É melhor você me ajudar no banho, enquanto falamos, ou eu vou ofender Lucia Cornelia por estar atrasada. A menina assentiu e pegou toalhas, garrafa de óleo e o estrígil. ― A senhora me trancou ― disse ela, com a aceitação simples. ― Assim que ouvimos que eles estavam vindo. ― Sabe de um homem chamado Wulfric? ― Julia perguntou quando Ingunde liderou o caminho ao longo do corredor. ― Sim, mas todo mundo sabe, ele é um grande guerreiro como Willa e Athaulf e Alaric o rei. ― Você tem parentes? ― O salão de banho era apenas uma pequena suíte, que tornava óbvio, por que o dono da casa preferia sair para os arredores masculinos, dos banhos públicos. ― Não. Eu nunca o vi, só ouvi muito dele. ― Julia percebeu que Ingunde, como todos, sem dúvida, na casa não fazia ideia do porque esta mulher solitária havia chegado para ficar. ― Deixe-me dizer-lhe por que estou aqui ― Ela começou quando desatou seu cinto e começou a se despir.

Demorou até que elas estivessem de volta em seu quarto e Julia estava tentando colocar uma das túnicas de Lucia Cornelia, para chegar ao fim da história. ― E eu quero voltar, você entende. Eu estava muito mais feliz com os godos, do que eu estava em casa. ― Ela empurrou a pulseira com firmeza até seu braço, parecia que ela retinha o calor do corpo de Wulfric. ― Eu também ― Ingunde concordou com tristeza. ― Mas como, Lady? A Escrava e o Rei Bárbaro – Louise Allen

― Eu tenho um plano. Sabe alguma coisa sobre cavalos? ― Sim. Eu monto muito bem, porque eu sempre fugia de minha mãe e ia cavalgar com meus irmãos. Estava em apuros o tempo todo, mas eu não me importo. ― Então, se você tivesse o dinheiro, você poderia comprar um bom cavalo? Um forte o suficiente para nos levar tão longe. ― Oh! Sim, senhora! ― Os olhos castanhos estavam dançando agora. ― Quando? ― Depois que eu fizer uma outra compra ― Julia disse pensativa. ― Agora, por onde devo ir ao triclínio23? Ela encontrou Lucia Cornelia que já estava lá, mas o magistrado estava ausente, recebeu uma chamada de urgência, sua esposa orgulhosa anunciou, do conselho da cidade. ― E você achou o seu quarto confortável? ― Sim, obrigada, é um alívio depois de semanas em uma tenda ― Julia disse, aceitando um prato de peixe em conserva para fazer a sua escolha. Na verdade, ela já estava se sentindo, desconfortavelmente, claustrofóbica, mas o instinto lhe disse que quanto mais repulsa ela mostrasse por seu recente cativeiro, seria melhor. ― E a escrava que me ofereceu é uma boa menina. ― Mesmo? ― Lucia Cornelia pareceu surpresa. ― Confesso que sempre achei que fosse lenta e sem graça, e lamento que eu tenha que dá-la a você, mas eu realmente, não tenho outra pessoa apropriada. Enviei minha melhor menina à minha filha, durante seu confinamento. ― Não, realmente, ela me convém perfeitamente. Eu prefiro uma escrava que não tagarele e ela se mantém discreta. Na verdade, se não fosse um grande inconveniente para você, gostaria de saber se eu poderia comprá-la? Vou precisar de uma escrava na minha viagem para casa, e estou certa de que minha mãe seria muito mais feliz se eu comprasse uma de uma família respeitável onde eu conheça a história. ― Minha querida, você pode pedir que eu a cedo enquanto você quiser! ― Não, eu preferiria comprá-la. Estou determinada a não abusar de sua hospitalidade. ― Julia manteve o sorriso cativante, fixo nos lábios e cerrou os dentes. ― Eu tenho fundos suficientes. 23 Uma sala de jantar com três ou mais leitos inclinados. Da Roma antiga. A Escrava e o Rei Bárbaro – Louise Allen

― Como assim? ― Lucia Cornelia largou a taça e olhou para Julia. ― Ora, eu insisti que o Godo me desse ouro quando eu parti. Eu disse a ele que eu teria despesas com a minha viagem de volta, e que era o mínimo que ele poderia fazer depois que eu havia cozinhado para ele e para aquele jovem e lavado as suas roupas. ― E ele deu a você? ― Mas sim. Eu fui categórica, naturalmente alguém tem que ser, você não acha, com povos não-romanos? Eles respondem bem a um pulso firme. ― O pensamento da resposta de Wulfric à pulso firme, era tão divertido, que ela teve que morder o interior de sua bochecha para não rir. ― E… ― Lucia Cornelia olhou em volta, estava obviamente satisfeita que ninguém, de alguma importância estivesse ao alcance da voz delas, ela poderia contar cinco escravos, como inexistentes, e sussurrou: ― Ele não tomou liberdades, além de tratá-la como um burro de carga da casa? ― Céus, não! ― Julia não teve problemas de fazer um olhar chocado, com essa linha de questionamento. Como ela iria responder sem soar tão evasiva quanto pervertida? Então ela teve uma inspiração. ― Havia o er… jovem, você entende? ― Não! Que chocante. ― Lucia Cornelia parecia intensamente excitada por esta revelação. Julia só esperava que nem Berig, nem Wulfric tivessem qualquer noção de seu estratagema. Ela notou que seus dedos estavam acariciando os animais em relevo, entrelaçados sobre a pulseira que era seu conforto. Ela fez o seu melhor olhar envergonhado e para seu alívio a anfitriã mudou de assunto recomendando um prato de ovos. Mas não havia dúvida de que, tranquilizada pela ilusão da virtude intacta de Julia, ela estava se sentindo muito melhor sobre sua hóspede, não convidada. ― Então, eu poderia comprar a menina? ― Julia insistiu. ― Claro. Você pode tê-la pelo que eu paguei. ― Lucia Cornelia nomeou um preço, bem dentro dos recursos de Julia, e mudou de assunto, para fofocar sobre o último bebê de sua filha, e o alívio que sentira quando a multidão invasora deixou a cidade, e os inconvenientes causados pela tempestade. ― Com quase nenhum barco, o comércio está prejudicado e estamos recebendo poucos peixes nos mercados ― Ela lamentou. ― E uma terrível perda de vidas. ― Julia se sentiu bastante chocada por ter que tocar nesse ponto, ainda mais, quando ela percebeu que a esposa do A Escrava e o Rei Bárbaro – Louise Allen

magistrado era, provavelmente tão protegida da realidade diária da vida das pessoas comuns, como ela havia sido pouco tempo antes. ― Bem, sim, isso também, é claro. ― Sua anfitriã bocejou ligeiramente. ― Agora, você gostaria de descansar, ou podemos sair e comprar alguns tecidos para os seus vestidos? ― Não há nenhuma necessidade de você se incomodar, eu vou levar a menina ― disse Julia, sorrindo. ― Eu gostaria de ser capaz de fazer algumas compras, e eu não gostaria de incomodá-la em um dia tão quente. ― Bem, se você tem certeza, querida. Diga ao porteiro para lhe dar um dos escravos do sexo masculino para carregar as coisas. ― Muito obrigada. ― Julia manteve o sorriso cativante, fixo em seu rosto, enquanto ela escorregou do sofá e fazia seu caminho para fora. ― Existe algo que eu possa fazer por você? Lucia Cornelia acenou com a mão lânguida recusando e Julia foi saltitante pelo corredor até seu quarto onde Ingunde estava, pacientemente, à espera. ― Ingunde, eu a comprei de Lucia Cornelia. ― Você comprou? ― Os olhos castanhos da menina brilharam. ― Então eu não vou ser uma fugitiva se eu for com você? ― Não. Mas você deve escolher. Você não precisa vir junto, Ingunde, porque eu estou lhe dando a sua liberdade. Aqui… ― Julia abriu a bolsa de moedas e removeu dois soldos de ouro. ― Se você quiser seu próprio caminho, isso vai ajudar. ― Eu não posso ir com você? ― Consternada, a garota ignorou o dinheiro. ― Se quiser, venha comigo e eu vou levá-la de volta, para o seu povo. Mas você tem a escolha. ― Eu irei com você, Lady. Agora vamos aos cavalos? E então podemos ir? ― Não imediatamente ― Julia disse pensativa. ― Não vai nos custar muito tempo alcançá-los, pois eles só podem viajar à velocidade dos carros de boi, e eu não quero estar tão perto que ele possa me enviar de volta. ― Senhora, eu ficaria muito assustada se fosse eu que estivesse desobedecendo Wulfric —Ingunde disse solenemente. ― Me chame de Julia, quando não pudermos ser ouvidas. Ele vai ficar com raiva, você está certa. ― Julia tentou dizer a si mesma, que ela não tinha medo A Escrava e o Rei Bárbaro – Louise Allen

afinal o que Wulfric poderia fazer com ela? Mas quanto mais pensava, mais enjoada se sentia. Ele não bateria nela, ela não acreditava nem por um minuto, mas ela não desejava ver o que acontecia quando ele perdia a paciência. ― Eu tenho apenas que gerir da melhor forma possível. ― Ela concluiu. ― Wulfric tem muitas outras coisas para se preocupar, além de mim. ― Agora, vamos sair e comprar um cavalo.

No final, sob o olhar afiado de Ingunde e seus comentários devastadores sobre a falta de atributos nos animais que elas olhavam, junto com a atitude aristocrática de Julia em relação à negociação, efetivamente intimidou o revendedor, elas compraram dois cavalos com os arreios colocados. O comerciante concordou em mantê-los até o dia seguinte e as mulheres jovens saíram para completar suas compras. Comprar os cavalos deixou a bolsa um pouco vazia, especialmente depois de terem comprado roupas de homem para Ingunde, um par de facas para os cintos, frascos de água e cobertores para atuar como colchonetes. Mas havia o suficiente para pagar o preço por Ingunde e comprar comida para os dois dias que Julia achava que levariam para alcançar os visigodos em sua marcha lenta para o norte.

Elas saíram na manhã seguinte, após a primeira refeição. Julia deixou uma tabuinha de cera, com uma nota de desculpas em seu quarto. Ela não disse para onde estava indo, ou como, no caso do magistrado se sentir impelido a enviar alguém atrás dela. O que eles pensariam, ela não podia nem imaginar e lamentava pela preocupação que ela certamente iria lhes causar, mas o que mais ela poderia fazer, ela pensou, exceto escrever para eles a partir da próxima cidade e colocar suas mentes em repouso? Na casa de banhos pública, trocaram seus trajes pelos masculinos e saíram correndo, antes que alguém as visse. O cabelo delas era um problema. Julia amarrara o seu com um tampão feito de malha que não a favoreceu, e Ingunde entrançou os dela e deixou cair a trança nas costas de sua jaqueta, fora de vista. Elas não convenceriam ninguém que lhes desse uma segunda olhada, mas Julia não tinha intenção de se aproximar de qualquer um que pudesse ser uma ameaça. Ingunde foi buscar os cavalos, em seguida, deu uma perna a Julia, na privacidade de um beco. Depois que ela deslizou para o outro lado, duas vezes, enfim conseguiu pegar o jeito de equilibrar-se, mas era óbvio, que qualquer pensamento de fazer outra coisa senão andar, levaria ao desastre imediato. A Escrava e o Rei Bárbaro – Louise Allen

― Você vai pegar o jeito em breve ― Ingunde prometeu-lhe, abrindo o caminho através de uma rede de ruas voltadas para o portão norte. Elas montaram encobertas por uma série de carroções de mercadorias recebidas, e logo estavam na Via Popilia, em direção ao norte, no rastro das rodas do exército visigodo.

No final do dia, quando Julia deslizou do seu cavalo, gemendo de dor nas costas, ela jurou que nunca seria capaz de endireitar suas pernas novamente, nunca seria capaz de voltar a andar de cavalo novamente, e provavelmente nunca mais seria capaz de andar novamente. Ingunde, que havia rapidamente perdido o temor por sua companheira, e com ele, sua reserva, apenas riu e levou os cavalos para beber no riacho que encontraram. Julia mancando saiu para encontrar lenha, e elas fizeram um acampamento simples, bem longe da vista da estrada. Ao longo da refeição de pão, queijo e carnes frias, regada com água, Julia contou para Ingunde, mais sobre sua aventura, cuidadosamente, mantendo os principais eventos e evitando falar sobre Wulfric, sempre que possível. ― Então ―Ingunde observava como Julia estendeu seu cobertor, ainda resmungando sobre suas pernas rígidas ― você está apaixonada por ele. ― Hwas? Hwa? —Julia sentou-se em estado de choque. Elas haviam conversado enfastiadamente em latim, por algum motivo, a declaração de Ingunde a empurrara, diretamente para o gótico. ― O que você quer dizer? Quem? ― Ela poderia pensar mais claramente em latim, e parecia que era o que precisava. ― Wulfric. ― Ingunde sentou-se e fechou os braços ao redor de seus joelhos dobrados, descansando o queixo pontiagudo no topo. ― Está tudo bem, eu nunca diria. Eu nunca faria nada para machucá-la, você me salvou ― acrescentou ferozmente. ― Eu… sim, eu sou. ― E você leva seu filho? ― Não! ― Oh! Eu me perguntava se era por isso que você queria muito estar com ele novamente.

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― Eu só quero estar com ele ― Julia disse categoricamente. ― Ele não me ama, e em qualquer caso, ele tem que fazer um casamento político, se ele quiser ser rei. Ou, até mesmo, para continuar a liderar os aliados que ele tem agora, suponho. ― Mas Alaric é o rei. ― Ele não está bem. Eles estão começando a medir uns aos outros, os homens fortes, os únicos com poder, você pode sentir quando eles falam. ― Ela não havia percebido estando tão perto, mas agora, ela reconhecia a mesma manobra política que funcionava sob as cortesias da vida cotidiana, que ela notara quando seu pai entretinha homens que queria influenciar ou dobrar à sua vontade. Ao retornar, ela estava andando no meio desta luta silenciosa por poder, e se Wulfric estava indo para vencer, ela devia reconhecer o exato momento em que ela devia dar um passo atrás, abrir mão e renunciar a ele. E então o que aconteceria com ela?

Wulfric retornou da tenda de Alaric, esfregando a mão por sua barba e tentando não irradiar ansiedade. O rei estava muito doente e muito exausto, mais até do que quando o coração que tornou seus lábios azuis. Esta vez era uma febre, uma febre que o deixava suando e tremendo em sua cama, incapaz de suportar e nenhum dos remédios de seus médicos estavam tendo o menor efeito sobre ele. Ele colocou as mão ao lado do corpo e deu uma volta para falar, tranquilizar, os grupos ansiosos por onde ele passava. Eles tentaram manter a condição do rei em segredo, mas sua própria ausência levantou suspeitas, e a visão de seu Conselho desaparecendo em sua tenda durante horas, em um momento e reaparecendo preocupados, não estava ajudando muito. Eles pararam sua viagem para o norte há cinquenta léguas de Rhegium, nos arredores da cidade de Consentia, e sem dúvida, estavam causando considerável ansiedade no povo da cidade por sua falta de ação. ― A febre provavelmente foi pega por Agues, em um daqueles pântanos, quando estávamos perto de Roma ― repetiu ele, talvez pela sexta vez. ― O rei está fraco, como seria de se esperar, mas sua mente está alerta. ― Isso era verdade, por alguns minutos, de qualquer maneira. Graças a Deus que ele deixara Julia para trás, em Rhegium. Sua mão esquerda enroscou-se no protetor de couro em seu pulso direito, esfregou-o, distraidamente, como ele costumava fazer com o bracelete de ouro. Ela estaria A Escrava e o Rei Bárbaro – Louise Allen

usando agora? Ela ainda estava zangada com ele, ou alguns dias de familiar luxo romano fizeram-na perceber que ele tinha razão ao deixá-la? Quanto tempo tinha passado? Seis dias, ele percebeu. A dor de perdê-la não diminuíra: ele descobriu que estava acordando, duro de desejo, suado pelos sonhos onde ela dançava fora de seu alcance. Mas não era simplesmente luxúria, ele sabia. Ele sentia falta dela, por si mesma, por sua coragem e temperamento e algo que ele não possuía nenhuma palavra para explicar, mas que o fazia sentir-se completo quando estava com ela. Wulfric viu Hilderico se aproximando e se afastou. Ele reconheceu que não estava apenas deixando de seguir com as negociações sobre seu casamento com Sunilda, ele estava evitando-a positivamente, e que estava sendo imprudente, pois a batalha pela herança podia está muito próxima, e ele precisaria de cada aliado que conseguisse, para qualquer decisão que viesse tomar. Ele contornou a roda e se aproximou de sua própria tenda na parte de trás. Eles haviam acampado adequadamente, em reconhecimento tácito de que eles poderiam permanecer lá mais tempo do que qualquer um queria admitir. Berig estava sentado em frente da aba aberta, preparando Smoke, cuja língua estava pendurada em uma amostra absurda de prazer. ― É o meu pente de novo? ― Wulfric perguntou, resignado. ― Um deles. ― disse Berig considerando-o sob as sobrancelhas abaixadas. Ele ainda estava chateado por causa de Julia, sabia que ele não devia estar de mau humor e que devia obedecer seu senhor, e não deveria trabalhar quieto lá fora, quando precisava voltar a conversar com o homem que ele ainda estava com raiva. ― Julia usava para prepará-lo, ele gosta. Ao som do nome dela o lobo choramingou. Wulfric fez uma careta de simpatia e se inclinou para puxar suas orelhas. ― Olha, eu também sinto falta dela, mas era a coisa certa a fazer. ― É o que pensa. ― Berig ficou de pé e se espreguiçou. ― Ei, olhe, cavalos estranhos. Wulfric se virou para olhar aonde o jovem estava apontando. Se Berig, que parecia conhecer todos os cavalos no campo, dizia que estes eram estranhos, então ele, provavelmente, estava correto. Mas como passaram pelos guardas de perímetro? Dois animais, nenhum deles grande, e montado por dois ligeiros cavaleiros, não mais do que dois jovens. Ele protegeu os olhos contra o sol, assim que o cavaleiro sobre o cavalo virou para falar com o companheiro. A Escrava e o Rei Bárbaro – Louise Allen

Não! Não pode ser, eu estou tendo mais saudades dela, tanto que eu estou imaginando. Em seguida, o cavaleiro tirou o chapéu e uma massa de cabelo castanho brilhante, caiu livre. ― Julia– ― O quê? ― Cerig subiu no carroção. ― É sim! Julia! Julia! ― Ele estava pulando para cima e para baixo, agitando os braços, e Smoke disparou em um salto para os cavaleiros, fazendo ambos os cavalos saltarem para trás, pois não estavam acostumados com um lobo de perto. O outro cavaleiro se agarrou ao pescoço da montaria como uma serpente, mas Julia simplesmente escorregou, e caiu com um baque audível no chão. Wulfric descobriu que estava correndo com o coração na boca. Ela estava bem sentada e sem fôlego na terra dura, com as mãos para trás sustentando-a, suas longas pernas vestidas com escandalosas roupas de homem, esparramadas na frente dela. Wulfric olhou Julia dos pés a cabeça, e começou a sacudi-la pelos ombros. ― Sua idiota! Sua louca desobediente! Voluntariosa e imoral! Você merece que eu bata em você, você merece que eu a tranque em uma gaiola, você merece que eu lhe mande embora. ― Os olhos dela se arregalaram, em choque, e ele se sentiu como um animal, o que simplesmente aprofundou sua raiva. Como ela pôde fazer isso com ele? ― Na verdade, eu vou fazer isso, eu vou pegar uma escolta e levar você de volta para Rhegium.

Capítulo Dezoito Julia caiu vertiginosamente em seus braços. Suas pernas doíam, sua parte inferior doía pelo contato com o chão duro, e sua cabeça estava girando por causa do tremendo safanão que Wulfric acabara de lhe dar. Então ele a soltou, ainda olhando para ela. A Escrava e o Rei Bárbaro – Louise Allen

― Eu sinto muito ― Ela começou a dizer, e não foi adiante. ― Desculpas? Eu vou fazer você penar tão forte que você estará me implorando para mandá-la de volta, ainda mais cedo ― Ele ameaçou severamente, segurando-a pelo ombro e retornando pelo caminho por onde viera. Ela encontrou Berig e Ingunde olhando para eles, com expressões idênticas, de horrorizada fascinação em seus rostos. ― Quem é aquela? ― Wulfric exigiu. ― Ingunde. Ela é uma escrava liberta da casa do magistrado. Ela é uma visigodo. ― Eu posso ver. Uma pena que ela não possua juízo suficiente para não acompanhá-la neste plano tolo. ― Ela queria voltar para o seu povo ― Julia conseguiu contar enquanto era arrastada sem cerimônia, quando estava junto de suas tendas. ― Isso é natural, pelo menos. Por que você não faz o mesmo, não consigo entender. ― Claro que você consegue. ― Julia conseguiu se virar em seus calcanhares. Com pouco espaço corporal para alcançá-la, Wulfric foi forçado a parar. ― Se eu voltar para Roma quero que seja em meus próprios termos. ― Você vai fazer o que eu digo. Quanto tempo você levou para chegar aqui? ― Quatro dias. Eu cairia do cavalo se viéssemos mais rápido ― ela admitiu de mau humor. Era um ponto sensível, tanto para a sua dignidade quanto para sua anatomia. ― Quatro dias? A céu aberto, sem guarda-costas? Você percebe o perigo em que você esteve? ― Tivemos o cuidado. ― Ingunde falou pela primeira vez. ― E nós estamos armadas. ― Armadas? Com esse palito? ― Ele gesticulou com raiva para a faca em seu cinto. ― Você, pelo menos, deveria ter tido mais juízo. ― Não fale com minha amiga desse jeito ― Julia explodiu. ― Você precisa estar aqui brigando conosco? Metade do acampamento está olhando. ― Era um exagero, mas eles certamente atraíram a atenção. ― Não ― ele disse lentamente, com o rosto sombrio. ― Não, eu não preciso ficar aqui, podemos ter essa discussão em outro lugar. ― Antes que ela pudesse A Escrava e o Rei Bárbaro – Louise Allen

resistir, ele a levantou e marchou de volta, jogou seu corpo de barriga para baixo sobre a sela de seu cavalo e montou atrás dela, incitando o animal exausto para longe do acampamento até a floresta, que revestia as encostas do vale. Era uma posição indigna, desconfortável e terrivelmente embaraçosa. Quando ele finalmente a deixou deslizar para baixo, ela estava com o rosto vermelho e as pernas não conseguiam segurá-la. Pela segunda vez naquele dia, Julia sentou-se com um solavanco doloroso. Wulfric desceu do cavalo e ficou de pé sobre ela, mãos nos quadris. Ele estava usando uma pulseira de couro em seu pulso direito, ela percebeu todos os detalhes de sua aparência, parecendo nitidamente claros. ― O que eu vou fazer com você? ― Ele perguntou. ― Você disse que iria me mandar de volta. Eu vou fugir, novamente, se você fizer isso, eu juro. ― Eu suponho que você vá. ― Ele fechou os olhos por um momento e ela viu, olhando com uma pontada de remorso, que ele estava cansado, uma vez que ele baixou a guarda. ― Alaric está morrendo. ― Ah! Não! Pobre homem. Quanto tempo mais? ― Eu não faço ideia. Julia, você não poderia ter voltado em um momento pior. Há o perigo do exército romano, há o perigo dentro do campo, e eu não tenho tempo para cuidar de você. ― Não preciso que você cuide de mim. ― Ela fez uma careta ao ver sua expressão, quando ele caiu sobre a grama ao lado dela. Toda a raiva parecia ter sido drenada para fora dele, o que a fez se sentir ainda pior. Ele estava cansado, sobrecarregado de responsabilidades e ela veio acrescentar-lhe mais alguns. Agora era a hora, se alguma vez houve uma, para ser forte, para ser honrada e fazer a coisa certa. Por que nunca o caminho foi fácil? Perguntou-se amargamente. ― Eu sei que sou uma preocupação para você, o momento não poderia ser mais errado, mas você não precisa se preocupar comigo. Ingunde vai procurar sua família. Ela está resignada porque seus pais morreram quando ela foi capturada, mas é certo que ela ainda deve ter algum parente vivo. Vamos ficar com eles. ― Não ― Wulfric disse categoricamente. ― Você fica comigo. Eu te trouxe. Aconteça o que acontecer, você é minha responsabilidade, até você voltar para a casa de seu pai. ― Isto não vai ser muito popular com sua nova esposa ― Julia afirmou, tentando ignorar a dor que o pensamento que lhe causou. ― E eu não vou ficar A Escrava e o Rei Bárbaro – Louise Allen

com você, uma vez que ela estiver em cena, acredite. Se eu não sou sua escrava, então o que sou eu? Ela vai querer saber, e eu não posso culpá-la. ― Eu não comecei as negociações para um casamento. ― Wulfric estava sentado, joelhos dobrados e as mãos unidas em torno deles, olhando para a clareira inclinada em direção ao rio e ao campo abaixo deles. ― Bem, é melhor você começar ― Julia disse sarcasticamente, fazendo-o olhar para ela, uma surpresa em seu rosto. ― Se o rei está morrendo, então você precisa ter todos os seus aliados alinhados com você. Você tem adversários em Willa e Athaulf. ― Imagino que o mais forte seja Athaulf. Alaric vai chamá-lo, ele é parente. ― Ele é o rei que vocês precisam? ― Não tenho certeza. Ele seria um rei no antigo molde, mas às vezes eu sinto que precisamos de algo diferente. Uma nova maneira de olhar o mundo. ― Seu rosto estava quieto e sério. Havia mais por trás de suas palavras, do que somente a incerteza. ― Até mesmo pensar em ir contra a vontade de Alaric faz você se sentir desconfortável, não é? ― Ela falou. ― Faz você se sentir desleal. Ele deve significar muito para você. ― Ele assentiu. ― Mas o seu povo, talvez, precise de alguém que pense como você? Alguém que quer encontrar uma maneira de mesclar nossos dois mundos, transformando em algo novo e forte? ― Como eu ou como Willa. ― Oh! ― Julia virou-se para encará-lo, exasperada. ― Você é tão justo, tão equilibrado, tão razoável! Você não tem nenhuma ambição pessoal em ser rei? Você sabe o que fazer com o poder, você pode controlá-lo, você pode liderar. Aceite - seja o rei que seu povo precisa em um novo mundo. ― Ela estava segurando as mãos dele e tentando demonstrar um pouco de sua urgência e crença nele. ― Você quer que eu mate para chegar ao trono? ― perguntou ele, seus olhos de repente sombrios. ― Eu acho que Willa o faria. Se a vontade do povo for esmagadoramente para Athaulf e Willa tentar derrubá-lo, eu lhe disse que terá que passar por mim. ― Se isso acontecer e Athaulf não puder detê-lo, então ele não está apto para ser rei ― Julia disse enfaticamente. ― Pegue a coroa para você mesmo, ou deixe-a. Arriscar sua vida por um rei envelhecido por quem você tem lealdade é uma coisa,

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fazê-lo por um candidato que não pode se defender, mesmo no seu auge, é loucura. ― Esse é o seu conselho, minha conselheira romana? ― Ele estava sorrindo para ela, agora, a diversão levantando as linhas de tensão em torno de seus olhos. ― Sim, é ― disse Julia. ― Negocie uma esposa - é melhor que seja Sunilda, suponho, ou você vai alienar Hilderico agora. Reclame o trono - e parar de ser tão honesto sobre a competição! ― Você é uma influenciadora de reis, seu senador romano terá que tomar cuidado quando chegar em casa ou ele vai tornar-se imperador ― Wulfric brincou. Ele não parecia sofrer a menor pontada ao pensar nela como a mulher de outro homem. ― Antonius Justus não está em perigo de eu interferir em sua vida. Ele não vai me querer agora, estou certa, e eu não o quero. ― Não? ― Não. Ele beija como um peixe molhado. Wulfric se afogou, com a risada, fechou as mãos sobre a dela e puxou-a para ele. ― E como eu beijo? ― Como o pecado ― Julia disse melancolicamente. ― Com uma combinação de pecado e o sabor do céu, e não devemos, nunca mais. ― Nunca? ― Ele estava muito perto, muito másculo, muito, muito tentador. Ela podia sentir a força do carisma que ele estava tentando tão dificilmente negar. Ele iria, ela sabia em seu coração, tornar-se um grande rei se conseguisse superar seus escrúpulos e acreditar que alcançar a coroa não era arrogância e ambição pessoal, mas, sim, seu destino. ― Mais uma vez. ― Julia disse, com um suspiro, sabendo que deveria ser mais forte. ― Só uma vez. ― Ela fechou os olhos quando Wulfric a tomou em seus braços, os manteve fechados quando seus lábios se abriram sob os deles e ela o provou pela última vez, sentindo o toque sensual de sua boca na dela, a contenção com que ele a segurou, suas mãos fortes ainda em seu corpo. Ela sabia que ele estava excitado, que ele a queria. Podia sentir na tensão dos músculos longos que a puxavam para ele, e a batida dura do coração dele contra seu peito, mas ele honrou o que havia dito e quando ele levantou a boca da dela, ele a colocou de volta, longe dele, os olhos esfumaçados de paixão. A Escrava e o Rei Bárbaro – Louise Allen

Ela nunca sentiria nada assim de novo, enquanto ela vivesse nunca haveria outro homem como este. Por um momento Julia deixou-se imaginar como seria ser amada por ele, ser sua esposa, e depois fechou o sonho na distância, e sentiu seu coração quebrar quando a chave girou na fechadura. Por um minuto ou dois, ela se perguntou se algum deles falaria novamente, ou se virariam pedra, lá na sombra, olhando um para o outro. Em cem anos, pastores contariam a história dos amantes petrificados por um feitiço… ― Então, minha conselheira, onde você vai montar a sua barraca? Você não viver comigo. Não vou permitir que você fique do outro lado do campo com uma família que não conheço. ― A voz de Wulfric estava rouca, com uma emoção além do simples desejo. Julia o observou por baixo dos cílios, mas ela não conseguia ler seu rosto. ― Perto de Una, então. Você vai encontrar uma tenda para mim? ― Vai ser caro manter você ― Ele observou. ― Eu suponho que você vai querer panelas, pratos e copos. ― Tudo ― Julia concordou, grata pelo afastamento da tensão, da sensualidade e da realidade da perda. ― Eu poderia cuidar de você, porém, até chegarmos a Roma. Isso seria uma economia. ― Seria. ― Wulfric se jogou para trás como se sentar-se de repente, precisasse de muito esforço. Julia se permitiu relaxar, apoiando seus cotovelos, ao alcance de um braço dele. O ar estava quente, os pássaros haviam parado de cantar com o calor e os aromas de grama pisoteada e ervas esmagada, subiu de onde estavam. ― Como é que ― ele observou ―, você é tão prática ao me dá um bom conselho, e faz uma coisa tão tola, a ponto de fugir de Rhegium com apenas algumas bugigangas e uma menina ao seu lado? ― Eu me sentia sufocada. Parecia estar em uma caixa trancada após apenas uma hora naquela casa. ― Ela lutou com sua consciência e acrescentou: ― Mas eu havia planejado fugir, antes de chegamos lá. Eu tive a ideia quando Una me deu as roupas de Berig para entregar a ele. ― Wulfric virou a cabeça e olhou-a com curiosidade. ― Sim, eu sei que foi imprudente. Antes de você me trazer eu teria murchado, com horror, ao mero pensamento de agir, independentemente, fazendo algo tão ousado. Agora, eu não consigo suportar ser condicionada. ― Percebi. Mas quatro dias na estrada! O que te possuiu? ― Eu não fazia ideia de que eu seria um cavaleiro tão ruim e que seria necessário tanto tempo ― Julia confessou. ― Eu pensei que seria fácil e pelo A Escrava e o Rei Bárbaro – Louise Allen

menos, montaria bem. Ingunde tentou me ensinar, quando ela não conseguiu dobrou-se de rir com o espetáculo que eu estava fazendo de mim mesma. Wulfric sentou-se de novo, a sua energia aparentemente restaurada. ― Eu poderia lhe ensinar. Julia olhou para cima e encontrou seus olhos. ― Melhor não, você não acha? E de qualquer maneira, estou certa que estas calças são consideradas bastante indecentes. ― Como você diz. ― Ele deu de ombros, em seguida, com uma centelha maliciosa, sorriu para ela. ― minhas calças estão começando a ficar apertadas, no entanto. Você tem pernas muito lindas. ― Você já as viu sem calças ― Ela ressaltou divertida apesar tudo parece que tinha despertado a libido masculina. ― Isso é diferente. Há algo sobre esconder que é mais emocionante. ― Ele endireitou o seu longo corpo e ficou de pé, estendendo a mão para puxá-la para cima. ― Venha, vou levá-la para vestir-se, respeitavelmente, e em seguida, podemos encontrar a família de sua companheira. Mas quando eles voltaram para os carroções Berig e Ingunde haviam ido embora, deixando apenas Smoke de guarda. Wulfric deu de ombros e foi em busca de Una, que veio seguida por Sichar transportando um pacote de lona, e jogou-se nos braços de Julia. ― Estou tão feliz por ter você de volta! Mas que loucura – o que são essas calças! Que impróprio! ― Mas a reprimenda foi estragada por seu sorriso largo e as lágrimas em seus olhos. ― Aqui está uma tenda para você, Berig pode erguê-la. E há um grande saco para fazer um colchão. Você pode emprestar tudo o mais que precisar para Wulfric? E sobre as roupas? Ela tagarelou, pensando em voz alta, ocasionalmente interrompendo para um abraço, fazendo Julia sentir-se como um de seus filhos pequenos, retornando de uma brincadeira. Ela ainda estava falando, e Wulfric e Sichar haviam desistido de esperar por Berig e foram armar a tenda, até que ele reapareceu com Ingunde ao seu lado. ― O que é isso? ― Julia viu o rosto de Ingunde pálido e com os olhos arregalados, como ela era quando a conhecera. ― Teve uma má notícia?

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― Eles se foram, todos ― Berig explicou, de pé protetor perto da menina. ― As pessoas se lembram da família, mas ninguém os viu desde o ataque, quando Ingunde foi levada. ― Então você fica com a gente ― Una disse com firmeza. ― Há espaço na tenda de Julia. Sou Una, este é o meu marido Sichar. Berig você obviamente já conhece. ― Ela lançou um olhar perspicaz para os jovens. ― E este é Wulfric. ― Eu sei. ― Ingunde lhe lançou um olhar sombrio. ― Eu espero que você pare de gritar com minha amiga Julia. Ela não merece. Surpreso com o ataque, Wulfric respondeu sério, embora Julia conseguisse ver os sinais indicadores dele tentando suprimir o riso. ― Eu terminei de gritar, sim. Mas quanto mais cedo vocês duas entrarem em roupas decentes, melhor. Bem-vinda à minha família. ― Eu…isso quer dizer? ― O rosto de Ingunde perdeu seu olhar belicoso. ― Eu realmente não esperava encontrar alguém próximo a mim, mas eu não sabia qual seria a sensação de não ter família. Una fungou ruidosamente. ― Deus lhe abençoe, filha, você vem comigo. E você. ― Ela fez uma careta para as pernas de Julia. ― Quanto mais cedo ambas estiverem fora dessas roupas, melhor.

Wulfric jogou o martelo para Berig, que o capturou. ― Pode acabar com essas estacas? ― O jovem olhou para a ferramenta, em seguida, para a tenda. ― A tenda de Julia. Qual o problema com você? Você está olhando o quê, imbecil. ― Ela não é linda? ― Cerig parecia ter sido atingido na cabeça por mais de uma marreta. ― Quem? Julia? ― Ingunde. ― Berig suspirou. ― Aquele cabelo, aqueles olhos… ― Oh, pelo amor de Deus, rapaz, isso não é hora para se apaixonar. ― E eu não tenho tempo para enfrentar você balindo como uma ovelha doente de amor.

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Um de nós nesse estado é mais do que suficiente, pelo menos, eu tenho a experiência para esconder. ― Verdade? ― Cerig perguntou, seu olhar de repente focado e significativo. Inferno, não tão experiente quanto eu pensei, depois de tudo. ― Ela teve um choque ― disse ele suavemente. ― E ela é jovem. Vá devagar com ela. Berig parecia chocado com o próprio pensamento, então corou. Wulfric, sentindo-se responsável, balançou a cabeça, e acrescentou algumas palavras, bem escolhidas, sobre o assunto de virgens inocentes e jovens de sangue quente e, depois, foi verificar a condição do rei. Sua tenda, anteriormente tranquila estava se tornando um foco de emoção e paixão reprimida. Uma hora na companhia de homens adultos era o que ele precisava. Enquanto caminhava em direção ao aglomerado de tendas dispostas, em torno do grande pavilhão de Alaric, algo no movimento da multidão aglomerada no espaço aberto, o parou, a mão em movimento, instintivamente, para o cabo da espada. Os guardas não estavam voltados para fora como deveriam estar, mas para dentro, lanças inclinadas em todos os ângulos. Os homens à espera de notícias haviam virado um só, e estavam olhando para a porta do pavilhão como se congelados. Em seguida, houve um gemido fino, o som do bater do barro no chão e um homem apareceu, abaixando-se sob as cortinas. O médico de Alaric. Wulfric começou a correr. Chegou ao guarda mais próximo, puxando seu braço para abrir caminho. ― Droga! Dê espaço, qual é o problema com você? Tropeçando, o homem fez o que lhe foi dito, com o rosto branco sob seu elmo. Confrontados com a raiva de Wulfric, voltou sua atenção fundamentada sob a sua lança. ― Sa thidans diwith, ― ele gaguejou. ― Sa thiudans daw sauk jah. ― O rei morreu ― Wulfric repetiu, inexpressivamente, mesmo enquanto sua mente lutava com o que deveria acontecer a partir de agora. Por que ele estava tão chocado? Eles esperavam isso há dias. Ele levantou a voz e os outros guardas se viraram. ― Então, mostrem respeito, façam o seu dever e não fiquem em torno

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como um monte de mulheres fofoqueiras, na beira de um poço. Fiquem como guerreiros com o corpo de seu rei! Eles saltaram para obedecer, seus rostos chocados sob seus elmos, e Wulfric empurrou e entrou no pavilhão. Lá dentro havia uma espécie de caos abafado. Uma mulher estava chorando em um canto, outros se reuniram em volta dela. O médico estava diante do grupo reunido em volta dele, ouvindo sobre como ele havia feito tudo o que podia, e ao lado da cama havia uma fileira de homens altos, ombro a ombro, cabeça inclinada. Mesmo na parte de trás Wulfric poderia reconhecer Willa, Athaulf, Hilderico, e mais uma meia dúzia do Conselho interno. Ele foi se colocar ao lado de Willa, na parte de baixo no comprimento da cama, e finalmente viu o rosto do homem pelo qual fora leal por quase vinte anos. Com os olhos azuis desbotados fechados, as mãos trêmulas calmamente apertadas em torno do cabo da espada, ele não demonstrava sua idade, era como se ele estivesse dormindo e em breve daria um passo para fora da tenda, revigorado, após um sono curto. O padre estava terminando o seu serviço com os óleos e velas na cabeceira da cama e mudou de lado, a cabeça curvada em oração, para abrir caminho para os guerreiros. ― Ele morreu ― Hilderico observou, sua voz neutra no espaço silencioso ―, antes que nomeasse quem ele desejava para seu sucessor. A cabeça de Athaulf se virou, como se empurrado por uma corda e o olhar que ele enviou ao homem mais velho, era hostil. ― Sabemos que ele me favoreceu, devo ser confirmado. Ao lado dele Wulfric sentiu Willa ajeitando seus ombros. O grupo inteiro estava preparado, pronto para uma explosão de violência, seja falada ou real. ― Não ― Wulfric disse claramente no silêncio cheio. ― Não, não é assim que isso será feito. Os rostos barbudos, marcados por cicatrizes, experientes e duros, viraram-se para ele, e a lâmina de Athaulf cantou quando ele tirou-a da bainha.

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Capítulo Dezenove A longa lâmina formou uma cruz sobre o corpo do rei morto, inabalável, e em seguida Wulfric sacou a sua própria e elevou-a para a saudação. ― Como você pode ver, Athaulf, traçamos nossas espadas para honrar Alaric nosso rei, por uma última vez. Ao seu lado, Willa se postou, seguido por todos os outros em sua volta e apenas Athaulf foi deixado, sua espada ainda no ângulo de ataque, enquanto seus companheiros, solenemente levantaram as suas. O rosto vermelho de raiva, ele elevou sua própria lâmina para cima, segundos atrás dos outros, então, como Wulfric embainhou a espada, ele seguiu o exemplo. Wulfric deixou escapar o fôlego, em um longo suspiro, inaudível. ― Mestre ― Willa murmurou ―, o que você sugere que façamos a seguir?— Acrescentou, mais alto. Ele não tinha uma ideia clara, tudo que ele queria era parar um confronto sobre o leito de morte. ― Devemos nos retirar para a tenda do Conselho, enquanto as mulheres e o padre preparam o corpo ― disse ele ― E vamos decidir o que deve ser feito em seguida. Ficaram instintivamente em um círculo de igualdade diante da grande cadeira, vazia. Em sua primeira reação agressiva de frustração, Athaulf não fez nenhum movimento para subir os degraus. ― Você tem o dom, Wulfric, filho de Atanagildo, filho de Thorismund, ― Hilderico disse com ênfase pesada na genealogia. Ele se vê como um influenciador de reis, Wulfric pensou, com os olhos pensativos sobre o homem mais velho. Ele vê sua filha como minha rainha e ele mesmo tendo poder ao meu lado. ― É impróprio falar da sucessão com Alaric insepulto ― disse ele seguido de um murmúrio de concordância. ― Vamos realizar os ritos funerários, com a devida honra e respeito e, em seguida, e só então, estaremos sem o nosso rei. Os primeiros golpes de tristeza serão aceitos e vamos debater com calma e sabedoria para com ele. A Escrava e o Rei Bárbaro – Louise Allen

― Onde vamos enterrá-lo? ― Disse Euric, sempre impassível e prático. ― Aqui. ― Athaulf definiu. ― Há terra plana para levantar um monte. É justo deixá-lo para descansar, onde morreu. ― Sob as paredes de uma cidade romana? Eles profanariam o túmulo e saqueariam seu tesouro, no momento que nossa retaguarda se afastasse do vale ― disse Willa. ― O que você sugere, então? — Athaulf zombou. ― Cremação? Embalsamamos e levamos o corpo conosco? ― Qualquer um seria impróprio ― disse Wulfric. ― Precisamos de um local apropriado onde seus ossos não sejam perturbados. Mas admito livremente, eu não sei onde. Devemos ir e dar a notícia ao nosso povo e pensar sobre isso. Eu voto para que voltemos ao pôr do sol e então poderemos discutir ainda mais. Levou um longo tempo para fazer o seu caminho de volta, passando a notícia, parando para confortar o luto, ou para aplacar os inquiridores ansiosos com promessas de mais informações em breve. ― Eles se sentem inseguros ― disse Una, limpando as lágrimas do rosto. Ela despejou vinho para todos eles, quando eles se sentaram em um grupo moderado ao redor do fogo que parecia dar conforto, apesar do calor do dia. Wulfric estava consciente de pequenos grupos reunindo-se, observando-o, mas não se intrometiam. Ele sempre fora tratado com o respeito de um líder; agora, ele sentiu uma nova distância a ser definida em torno dele: havia algo diferente na forma como as pessoas estavam de pé, esperando, pacientemente, por sua atenção. Ele se levantou e andou. ― Voltem para os seus próprios fogos, meus amigos, e lamentem, não há nada a ser dito, ainda. ― Eles assentiram e se foram obedientes, mas com persistentes olhares para trás. ― O que há para ser feito sobre o enterro? ― Sichar perguntou, passando o frasco de vinho para Berig. ― Precisamos encontrar um lugar onde não seja perturbado no minuto em que nos formos. ― Wulfric passou a mão por seu cabelo enquanto quebrava a cabeça. As extremidades estavam quase em linha reta, ele observou, com parte de sua mente; ele ficara muito preocupado com Julia para se lembrar de trançá-lo. ― Em algum lugar, nós podemos enterrar Alaric com respeito e com bens como a forma antiga, mas em algum lugar secreto.

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Houve um pensativo, mas improdutivo, silêncio. Então Julia limpou a garganta. Ele havia tentado, muito dificilmente não olhar para ela e alcançou algum sucesso. Mas ele estava tão consciente de sua presença como se ela o tivesse tocado, e a dor de renunciar a ela, ainda era sentida como fresca e crua, como quando ele a havia deixado no limiar do magistrado. Ele colocou uma expressão neutra no rosto e se virou para ela. ― Você tem uma sugestão, Julia Livia? ― Ele pediu formalmente. ― Por favor, faça. Suas sobrancelhas subiram um pouco por causa de seu tom, e pelo uso de ambos os nomes, mas ela disse: ― Eu notei, quando estávamos seguindo seus rastros, Ingunde e eu, a largura da faixa de campo que foi pisado, e o quanto macio o chão era. Você poderia esconder qualquer coisa sob ele. ― Ela encolheu os ombros, descontente com o seu pensamento. ― Mas isso não é uma ideia sensata, e não seria respeitoso enterrá-lo sob uma estrada. ― Não. ― Wulfric percebeu que ele estava franzindo a testa para ela e sorriu. Ele adorava a maneira como sua mente trabalhava, a forma como ela observava as coisas, a pequena ruga entre as sobrancelhas quando ela estava intrigada com alguma coisa. ― Mas é uma observação útil. No fundo de sua mente uma ideia estava sendo montada, tendo uma vaga forma, tateando, mas ele não conseguia mantê-la. Ele tomou um longo gole de vinho e ficou de pé. ― Eu estou indo caminhar e pensar. ― Berig ficou de pé. De repente, ele não conseguia suportar ter ninguém perto dele, o peso de suas perguntas, esperanças e preocupações, parecia esmagadoras. ― Sozinho. Eu estarei de volta para o Conselho ao pôr do sol.

Todos se sentaram como Wulfric ordenara e Julia percebeu que sem que qualquer palavra fosse dita, eles ficaram quando ele pediu. Ela estremeceu. A suposição de que ele seria rei, estava crescendo, e ela não conseguia ver nada, além de problemas à frente. Ela não possuía nenhum sentimento particular por Athaulf, mas ela achava que ele poderia ser cruel se ele visse um verdadeiro rival. Willa era impressionante e, simplesmente perigoso, tanto como um rival aos olhos das

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pessoas, quanto um oponente em um nível pessoal. Ele era do mesmo calibre que Wulfric mas, ela adivinhou, que uma ambição estava começando a corroe-lo. ― Vá atrás dele ― Ela disse para Berig de repente. ― E leve sua arma. ― Ele disse que queria ficar sozinho ― O rapaz protestou inquieto, mas seus olhos ainda estavam em Wulfric. ― Então, não deixe que ele o veja ― disse Julia, dando-lhe um empurrão. ― Nós não queremos quaisquer acidentes, não é? Ele lançou um olhar assustado, depois assentiu com a súbita compreensão e correu, esquivando-se atrás dos carroções, capazes de mantê-lo fora de vista, enquanto a altura de Wulfric tornava fácil segui-lo. Smoke gemeu e deitou-se aos pés de Julia. Com uma carranca Sichar se levantou e saiu para pegar uma pedra de amolar, então ficou de pé encostado em seu carroção, quando ele afiou sua faca, observando a direção que os outros dois haviam seguido. ― Você acha que ele realmente está em perigo? ― Ingunde perguntou. ― Só se ele não notar o outro homem primeiro ― Julia disse ironicamente. ― Eu não sei, eu tenho um mau pressentimento sobre isso. Sinto alguém, ou algo, nos observando. Eu me senti desconfortável desde que chegamos aqui. ― É apenas o humor do acampamento. As pessoas estavam preocupadas com Alaric, ansiosas sobre para onde estamos indo. ― Mas, contudo, enquanto falava Una estava mudando seu banquinho, olhando ansiosamente para seus filhos. ― Você quer que Wulfric seja rei? ― Ingunde persistiu. Julia olhou para o fogo, observando as chamas consumirem uma lenha como uma língua com fome. ― Eu quero tudo o que for melhor para ele, mas não estou certo que ele saiba, ainda, o que é. ― A madeira carbonizada entrou em colapso com um banho de faíscas. ― Eu sou uma romana, não é o meu lugar dizer o que penso sobre o reino dos visigodos. ― Vá em frente, nos diga: ― Una pediu. ― Eu gostaria de saber como isto parece para você.

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― Muito bem. ― Julia arrastou seus olhos na volta, a partir do vale afluente onde Wulfric havia desaparecido. ― Eu acho que Athaulf representa as velhas formas, e talvez, as confortáveis formas familiares. Mas que ele tenha mais sucesso do que Alaric para assegurar que o imperador lhe garanta uma terra, duvido muito. Honório vê tudo, como ainda é, muito diferente, muito estranho. Você ainda vai parecer uma ameaça, mesmo que lhe entregue tudo o que ele queira. ― Wulfric ou Willa seriam menos confortáveis para vocês, eles tornariam os godos, mais como romanos, onde se estabelecerem eles fariam os romanos mais como godos. Eu acho que eles seriam fortes nas suas relações com Honório, mas eles os tranquilizariam, também. ― Wulfric ou Willa? ― Una perguntou. ― Você não tem opinião a respeito de quem é o melhor homem? ― Você sabe que eu sei. Mas Wulfric respeita Willa, ele seria uma boa segunda escolha. ― E você deixaria Wulfric? ― Eu já deixei Wulfric ― Julia disse acidamente. ― Aconteça o que acontecer, vou deixá-lo quando chegar a Roma. ― Ele sabe? ― O rosto compassivo de Una a fez querer chorar. Julia mordeu o lábio inferior até que o aguilhão da dor a recompôs. ― Ele sabe. É, afinal, o que ele quer. ― É o que ele acha que é certo ― Ingunde disse de repente. ― Isso não significa que seja o que ele quer. Não havia resposta para isso, não uma que não expusesse cada ferida lacerada no seu coração. Sentaram-se, quase em silêncio, ocasionalmente jogando lenha na fogueira, prestando atenção para verem Wulfric e Berig retornar. Quieto, Sichar terminou de afiar a faca e se afastou resmungando sobre a verificar as linhas de cavalos. Julia quase podia ouvir o farfalhar dos grãos através de um relógio de areia, e ainda não haviam retornado. Por fim, a medida que as sombras aumentavam e quando ela estava a ponto de sugerir a Una que pedisse a Sichar para ir olhar, Wulfric apareceu caminhando pelo acampamento e Berig com o rosto vermelho em seus calcanhares. Eles chegaram à fogueira, obviamente, vindo em uma linha contínua.

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― Quando eu quiser uma babá vou pedir uma ― disse Wulfric para Berig, com o rosto sombrio. ― Eu deixei você aqui, pensando que ajudaria Sichar a proteger as mulheres. ― Havia alguém na clandestinidade, vendo você ― Berig protestou desafiadoramente. ― E ele desapareceu como a neblina quando você surgiu, desapareceu na vegetação rasteira. Eu pensei que tinha lhe ensinado a perseguir. Qualquer luta seria no próximo vale, e também, qualquer espionagem. ― Acho que alguém está nos observando também ― Julia interveio. ― Eu sei que tem. Você acha que eu não havia notado? ― Wulfric levantou uma sobrancelha arrogante. ― É provavelmente apenas alguém da guarnição da cidade, se preocupando com o que vamos fazer a seguir. ― Homem ou alguém com uma faca afiada ― Una murmurou. ― Por Hades, mulher! Se alguém quiser me desafiar, eles vão fazer isso em meu rosto. Todos eles são homens de honra aqui, ou você duvida de seu próprio povo? ― Nós não duvidamos de Willa ― Julia colocou, tentando desviar a ira sobre seu amigo. ― Mas você duvida de alguém que não vou citar? Você pode muito bem, estar certa de que ele é um adversário. Mas um assassino em segredo? E em qualquer caso, me dê algum crédito, por ser capaz de cuidar de mim mesmo. Por que você acha que eu estou suando em uma cota de malha, em um dia como este? ― Porque ela faz você parecer ainda mais impressionante? ― Ingunde perguntou docemente. Ela havia deslizado ao redor do fogo para ficar perto de Berig. Julia poupara um lampejo de admiração, pela forma como foram cuidadosamente advertidos, ela estava lhe pedindo apoio, sem fazer que parecesse que ele precisava. Julia prendeu a respiração, esperando a explosão, em seguida, Wulfric sorriu para a menina e a tensão foi drenada. ― Você tem a mesma língua de víbora que Julia, jovem Ingunde. Formei um ninho de cobras na minha casa? ― Elas são parte da minha casa agora ― Una interrompeu. ― E você não deveria estar no Conselho?

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Wulfric olhou para o céu. ― Sim, eu deveria. Berig vai ficar aqui. Ele se afastou, deixando quatro deles em vários estados de desespero e ansiedade. ― Havia realmente alguém lá, o seguindo? ― Julia exigiu. ― Observando-o, certamente ― Berig disse, remexendo desconfortavelmente sobre o fogo. ― Se ele seguiu Wulfric, ou se Wulfric notou alguma coisa, eu não sei. Quem quer que fosse, era muito bom. E eu não sou tão ruim quanto ele disse. ― Acrescentou ressentido. ― Se eu não tivesse praticamente pisado em uma perdiz, nenhum deles saberia que eu estava lá. ― Você viu o observador? ― Não. E pode ter sido mais de um homem. Eu acho que Wulfric pode estar certo, eu acho que eles podem ser romanos. Eu não sei por que, é apenas um sentimento interno. Ele olhou inquieto para os lados do vale observando-os e Julia estendeu a mão e acariciou a cabeça de Smoke confortando-o. Alguém estava lá fora, e eles não queriam dizer.

― Bem? ― Hilderico exigiu que os membros do Conselho voltassem para a tenda. ― Alguém já pensou em uma solução? Ele parecia ter-se nomeado para liderar o Conselho e Wulfric sentiu com o mesmo acordo tácito entre os outros, que este era um movimento sábio. Melhor que alguém fora da disputa pelo trono assumisse o comando no momento. ― Athaulf? Euric? Willa? —Um após os outros sacudiram a cabeça. ― Wulfric? Tem uma ideia? ― Sim. ― Cabeças viraram. ― O rio. ― O Rio? Como isso pode resolver o que precisamos? Você quer enviar o corpo de Alaric em uma balsa? ― Athaulf zombou. ― Eu quero cavar a sepultura no leito do rio. Apesar da temporada, o Basentus mantém um bom fluxo. Mesmo se ele baixar depois, a passagem da água ao longo do leito do rio, apagará todos os vestígios de que alguém mexeu.

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― E você pretende separar as águas como Moisés, não é? Você já delira, não apenas grandeza, mas de influência divina, Wulfric? Wulfric mantinha a reação de seu temperamento. Athaulf era muito previsível. ― Eu estive olhando para o rio. Ele mudou seu curso ao longo dos anos como os rios fazem, e deixou um antigo canal assoreado. Se represarmos o Basentus, a jusante da foz do canal antigo, as águas vão fluir para ele novamente, e podemos cavar no leito do rio. Houve um silêncio. Ele antecipou perguntas. Zombarias de Athaulf eram de se esperar, mas ele não esperava o silêncio. Talvez ele estivesse enganado por acreditar que sua influência ainda era forte no Conselho, agora que o rei estava morto. ― Inspirado! ― Willa quebrou o silêncio. ― Isso é positivamente inspirado. ― Ele colocou a mão no ombro de Wulfric e murmurou ― Eu realmente vou ter que seguir você, não vou? ― Como um falcão ― Wulfric murmurou de volta com um sorriso que mostrou os dentes. Ou foi Willa já prevendo? Ele realmente não conseguia não gostar do homem, por mais que tentasse. Nem podia acreditar, em seu coração, que ele se rebaixaria ao assassinato. Os outros invadiram em um murmúrio de acordo e perguntas. Hilderico bateu na mesa. ― Está combinado? Então vamos ao plano.

Já era tarde quando eles se separaram para trabalhar, através de seus grupos de parentesco, dizendo aos homens, chefes de cada família o que se pretendia, enviando os guardas para tomarem o terreno elevado em todo o vale, para que não houvesse espiões observando o lugar de descanso final do rei, selecionando os condenados que criariam a barragem e cavariam a sepultura, e decidindo quais tesouros iriam com Alaric à sua sepultura. Quando Wulfric retornou à sua própria fogueira, grato agora pelo calor das chamas ele descobriu toda a sua família, sentada em volta dela, esperando, pacientemente. Una cochilava suavemente contra o ombro de Sichar, a mão dele acariciando protetora sobre o monte de sua barriga. Berig e Ingunde estavam com suas cabeças juntas, sussurrando. Julia estava penteando Smoke.

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Quando o lobo olhou para cima e deu seu afiado uivo de saudação, Wulfric percebeu o que ele estava pensando sobre aquelas pessoas. Somente um deles estava estreitamente relacionado com ele, mas agora ele pensava neles como família. Ele só havia começado a pensar assim, quando Julia entrou em sua vida. Tentou imaginar-se sentado ao lado de uma fogueira no acampamento, com Sunilda e sentir este calor no interior, esta calma, este…ele lutou para encontrar a palavra – pertencimento. Ele falhou. A vida com Sunilda não seria pacífica, qualquer outra coisa, poderia ser. Ele se abaixou, para sentar-se no chão ao lado de Julia e tomou o pente de osso de sua mão sem falar. Smoke grunhiu, com prazer, quando ele começou a penteá-lo mais forte do que Julia nunca faria. Sichar olhou, assentiu com a cabeça, e voltou para segurar Una. Ele era, exceto na batalha, um homem calmo e seria respeitoso para esperar até que Wulfric lhe dissesse o que estava acontecendo. Berig, absorto em seu primeiro caso de amor, não percebeu ou mal notou seu retorno. Mas Julia estava tão perto que podia senti-la tremendo de impaciência para saber o que estava acontecendo, ela simplesmente colocou a mão em seu ombro e esperou. Wulfric lutou contra seus instintos, enquanto arrastava o pente através do pelo áspero, em seguida, virou-se para ela e deixou a cabeça pender para o lado, até que sua bochecha descansasse contra as costas da mão dela. Sentiu ela enrijecer, em seguida, torceu a mão até que a bochecha dele descansasse na palma da mão e com a outra, começou a acariciar o cabelo dele, ao mesmo tempo em que os golpes do pente, atravessavam o pelo de Smoke. Tudo que ele queria era se sentar assim, por um tempo em que ele rememorasse os acontecimentos do dia, ordenar o que ele devia fazer no dia seguinte. Então, ele queria sua comida, um copo de cerveja, talvez uma lavagem na água morna da panela que estava nas cinzas. E então, ele levantaria Julia nos braços e a levaria para a sua tenda e… Seus lábios estavam quentes em sua orelha e seu corpo flexível pressionado bem perto. Wulfric ouviu o rosnado profundo em sua própria garganta e sentiu a maneira como seu corpo se endureceu ao toque dela. ― Acorde ― Julia sussurrou. E ele voltou a si, para encontrá-la sorrindo, seus lábios tão perto que ele não precisava se mexer para tocá-los. Por um longo momento, os lábios dela o tocaram, o gosto doce dela como tentação eterna, em

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seguida, ela se endireitou, as faces coradas, e ele percebeu que ela estava tão cansada quanto ele e tão desprevenida. ― Tem alguma comida? ― Ele perguntou, acordando Una que sentou-se com um suspiro. Berig e Ingunde que conseguiram rastejar para as sombras retornaram para fora, de novo, tentando não olhar fixamente e Sichar sentou tentando não parecer um homem que acabara de acordar. ― Sim, sim, há um guisado, muito bom ― Julia disse apressadamente. Ela estava sem jeito e perturbada e isto lhe deu um brilho quente de satisfação, antes que o juízo o trouxesse de volta à realidade. Ela não era sua, ela nunca poderia ser sua e quanto mais cedo ele admitisse seria melhor para ambos. Ela serviu a comida, partiu o pão, serviu a cerveja e comeram, onde eles estavam sentados. Wulfric mudou de posição com indiferença para que ele pudesse vê-la enquanto ela se movia com graça ao redor do fogo que morria. Havia a sensação de estarem à beira de uma grande mudança, que esta noite seria o fim de alguma coisa, e eles nunca se sentariam em torno da fogueira, assim de novo, casual, sonolentamente à vontade. ― Bem ― Berig disse finalmente, previsível para aquele cuja paciência e curiosidade possuíam coleira curta ―, o que está acontecendo? ― Nós enterraremos o rei no leito do rio Basentus ― disse ele, observando para ver como eles aceitavam. ― Foi à ideia de Julia sobre a passagem da grande multidão obliterando os sinais na terra que me fez pensar sobre isso. ― Ele inclinou-se ligeiramente para ela, fazendo-a corar. ― Começamos a trabalhar amanhã. ― Houve um silêncio reverente. ― Nunca um rei foi enterrado de tal maneira ― disse ele calmamente. ― Nunca o seu lugar de descanso vai ser tão secreto.

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Capítulo Vinte Julia estava atordoada com a velocidade com que o plano de enterro foi realizado. Ela percebeu que não devia ser o calor dos dias de outono tão longe ao sul, mas sim, o risco de ataque a qualquer momento, que apressou o essencial. Nem ela deveria se surpreender com a organização: um cordão jogado em torno da área da escavação, os guardas fornecidos com comida e água pelas crianças mais velhas que atuavam como corredores, ao subir e descer as encostas do vale. Os homens fortes, acostumados a liderança e à improvisação e um povo muito acostumado a trabalhar juntos, foram elementos que produziram uma atmosfera muito diferente de como ela imaginava que a resposta militar romana seria. Ela trabalhou ao lado de Una preparando a comida para os guardas no momento e para a festa mais tarde, e observou Wulfric. Ele passou por ela, muitas vezes, não a cavalo como ela imaginou que ele iria, mas a pé. Dessa forma, ele poderia falar mais facilmente com as pessoas, tanto para organizar, quanto para tranquilizar. Ele parecia incansável, ela pensou quando ela e Una pararam na sombra para descansar, enxugando suas testas, depois de uma hora passada em frente à fogueira e as panelas. Com a cabeça descoberta, o cabelo dourado à luz do sol, ele se destacava mesmo nos grupos de grandes homens a sua volta. Julia viu quando ele fez uma pausa e parou um argumento, assim que os contendores puxaram suas facas. Wulfric não parecia fazer muito, ele simplesmente interpôs seus ombros largos no espaço estreito entre os dois homens e disse algo em voz baixa. ― Autoridade nata― Una observou seguindo a direção do olhar de Julia enquanto ele se afastava caminhando para o próximo problema. ― Mais do que isso, ele tem carisma. Eu entendo o que Berig quer dizer quando diz Wulfric é digno de rei. A princípio pensei que significava que ele possuia a linhagem com direito a ser considerado rei, mas é mais do que isso, não é? ― Oh! Sim, oh! ― Una interrompeu-se quando um dos homens, com a faca próxima da bainha empunhou-a novamente, e tentou dar uma estocada em seu adversário.

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Wulfric girou sua mão já alcançando o braço do homem com a faca, aparentemente, agindo somente com o som para guiá-lo. Ele forçou o pulso até que a lâmina afiada caiu no chão, em seguida, seguiu o movimento com um golpe direto na a mandíbula. O homem caiu como desmaiado. Wulfric falou algumas palavras curtas para os espectadores e se afastou. ― Ufa! ― Julia afundou novamente em seu banquinho. ― Carisma e um punho direito incrível. ― Este era o homem que fizera amor com ela, ela meditou. Às vezes ele tão gentil, outras dominante, urgente, mas ela nunca perdera o senso que eram parceiros em algumas jornadas eróticas de descoberta. Houve um ruído distante, e um desvio de poeira, como uma fumaça do lado do vale, entre as árvores. ― Eles devem estar bloqueando o rio. Vamos olhar? ― Temos permissão? ― Julia se levantou e escovou para baixo suas saias amarrotadas. ― Pensei que para ninguém era permitido. ― Podemos ir e olhar para o rio, e ver se eles tiveram sucesso em desviar o fluxo. ― Una foi para o caminho por onde o rio fazia uma curva. Na costa, guardas estavam de pé, as mãos sobre as suas lanças, olhos atentos. ― Sim, olha, eles devem estar trabalhando. ― Ela apontou e Julia viu os redemoinhos de água barrenta e o afrouxamento definitivo do fluxo. ― Acho que ele vai parar e em seguida começar de novo quando o antigo canal estiver cheio ― disse Julia, fascinada, como o rio gradualmente declinava a um gotejamento. Uma multidão se reuniu em torno delas, observando e esperando. Meninos pequenos foram ousadamente, até o leito lamacento para recolher os peixes que estavam se debatendo, até que finalmente, em uma onda de lama e folhagem morta, o rio voltou à vida, passando por eles. ― Veja. ― Una apontou e viu Wulfric, a cavalo agora, montando fora do vale e parando para falar com os guardas no monte. Outro homem freou ao lado dele, então virou-se e desapareceu em direção do local da barragem. ― Willa. Muito amigável, pelo que parece ― Una disse quando elas se viraram e voltaram para suas panelas. ― Wulfric gosta dele ― Julia falou, perguntando se ela poderia ordenhar as cabras, uma de suas tarefas favoritas, pelo menos, até depois do almoço. ― Seria mais fácil para todos se ele, pelo menos se sentisse mais confortável com a realeza.

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― Eu não sei qual é o problema com ele. ― Una colocou as mãos na pequena parte de suas costas e fez uma careta. ― Este bebê tem seis pés e todos eles estão chutando. Você vai tirar o leite dessas cabras? ― Sim, tudo bem. ― Julia pegou um balde e um banquinho e cautelosamente se aproximou da cabra mais velha. A antipatia de uma pela outra era mútua, e ela observava com cautela, seus dentes amarelados. ― A questão é, penso eu, que enquanto Athaulf e Willa querem ser rei, porque é o eles querem para si mesmos, Wulfric só o considera, porque acha que é seu dever. ― Hmm. Ele não pensava assim antes de você chegar. ― Una não disse aquilo, desagradavelmente, mas Julia mexeu-se em seu banquinho, sua consciência a alfinetando. ― Ele pode não ter pensado seriamente na coroa, mas ele certamente é ambicioso o suficiente para querer levar o maior número de lanças que ele possa conseguir em uma aliança com nossos parentes. ― Bem, quanto mais cedo o funeral for realizado, e eles sejam forçados a tomar uma decisão, melhor ― disse Julia, batendo na cabra e mexendo firmemente na parte traseira. ― E quanto mais cedo nós chegarmos a Roma. Então eu sairei e ele poderá se casar com Sunilda. ― Estou certa de que Sunilda concordaria com você ― Una disse ironicamente. Os guardas permaneceram em seus postos durante toda a noite e os homens não voltaram para os carroções. Havia atividade no local do enterro, as chamas das tochas pareciam estranhas quando elas piscavam entre as árvores, nos lados do vale arborizado, e não havia muito movimento no acampamento do rei. Berig apareceu, descarregou um carroção, pegou os bois e os levou. ― Para os bens de sepultamento ― explicou ele, olhando. ― Precisamos de quatro deles, todos em bom estado, o suficiente para sacudir ao longo do leito do rio. As mulheres da casa de Alaric deveriam colocar ele para fora, vestido com suas melhores roupas, Una explicou, quando os três faziam a sua refeição da noite. ― Poderemos assistir ao enterro? ― Julia perguntou. ― Eu não sei o costume. As mulheres são permitidas? ― Normalmente, sim. Mas desta vez, não. Será apenas o Conselho, os sacerdotes e os homens que irão preencher a sepultura e desbloquear a represa.

A Escrava e o Rei Bárbaro – Louise Allen

― Como eles podem ser confiáveis para manter o segredo? ― Julia perguntou em voz alta. ― Eles são todos condenados. São criminosos. Este é o seu único ato de graça antes de morrer, eles não vão deixar o vale vivo. ― Oh! ― Julia tentou imaginar a cena. O leito do rio áspero com suas piscinas e filetes de água que refletiam a luz das tochas. Os guardas de rosto sério, os homens exaustos que veriam o alvorecer pela última vez. Era como algum sacrifício desde os dias dos deuses antigos, o sangue dos homens que se misturariam sobre o túmulo do rei enquanto o sol nascia.

Wulfric e Berig voltaram antes da primeira luz e elas acordaram. ― Será de madrugada ― disse Wulfric, tirando as roupas sujas, molhado com a sua habitual falta de jeito. Una e Ingunde modestamente saíram e Berig arrastou a água, mas Julia não fez nenhuma pretensão de desviar o olhar. Ela conhecia seu corpo tão bem agora pelo toque, pelo cheiro, pela visão. Seus músculos mudaram à luz do fogo, sua pele brilhando como a seda, cicatrizes antigas aqui e ali. Ela queria ir e se colocar atrás dele e passar as mãos pelas costas, seus polegares mergulharem no vale de sua espinha, sentindo o mergulho tenso de sua cintura, a torção flexível de seus quadris, quando ele se virasse para levá-la em seus braços. E então, ela seria capaz de acariciá-lo por baixo e através dos fios de cabelo, para onde se estreitavam escurecidos, no emaranhado intrigante de cachos que protegiam seu sexo e… ― Julia, você sabe onde estão minhas túnicas de linho fino? ― Ele estava parado, de calças graças a Deus, esperando ela sair de seu transe. Julia lutou por alguma compostura. Ele devia saber que ela estava olhando para ele. Ele adivinharia no que ela estava pensando? A luz do fogo refletida em seus olhos fez seu olhar parecer tão quente quanto o toque que ela estava esperando. ― No baú aqui atrás. ― Ela se apressou a abri-lo, grata pela desculpa procurando pelo toque, na fraca luz do amanhecer. Quando ela voltou, oferecendo-lhe três opções de escolha, ele abriu uma pequena arca e colocou para fora, peças de joalheria, muito mais finas do que qualquer que ela o vira exibir antes. ― Berig! ― Ele entregou os braceletes e um cinto com uma fivela pesada, em seguida, tirou um alfinete de capa e passou para Ingunde, que engasgou e correu A Escrava e o Rei Bárbaro – Louise Allen

os dedos sobre ele, segurando-o contra a luz para admirar o fio de ouro retorcido. Trabalhado. ― Una pode ter pegado você emprestado, mas minha casa estará devidamente vestida para a ocasião. ― Apesar de seu tom sério, Julia viu o prazer da menina por causa do canto elevado da boca. ― Eu quero todos eles de volta no baú, até o final do dia ― ele advertiu aos jovens, provocando acenos sérios. Ele colocou de lado mais correntes, um alfinete de manto circular e uma magnífica fivela, na forma de uma serpente enrolada, então se virou para Julia. ― O que você vai usar? ― O vestido vermelho escuro de Una e um longo lenço dourado e vermelho sobre a minha cabeça. ― Aqui, então. ― Havia outra pulseira para combinar com a que ele lhe dera em Rhegium, um colar de correntes de ouro trançado e um pesado broche com tachas de cor granada. ― Eu não espero isso de volta ― ele acrescentou calmamente. ― Eu não posso! ― Por que não? Por que você quer me negar o prazer de lhe dar algo que aumenta a sua beleza? ― Porque… ― Ela tropeçou com as palavras, em seguida, passou a dizer-lhe claramente. ― Porque eles devem ser de Sunilda. ― Granada não serviria para ela, ela ficaria melhor com pedras azuis ou verdes, eu acho. ― Ele deve ter visto pela expressão dela que esta era uma resposta menos do que discreta. ― Se eu negociar para me casar com Sunilda, em seguida, será acordado o preço da noiva, e as joias que vou lhe dar serão selecionadas na hora. Não antes. Wulfric se virou e começou a apertar os braceletes nos pulsos. ― Deixe-me ajudá-lo. ― Julia fechou a mão direita em um, cercando-o com as duas mãos. ― Estou feliz que você tenha um talismã adequado no seu braço da espada novamente. ― Os sacerdotes a repreenderão por superstição ― observou ele, sorrindo para ela, quando ela estendeu a mão para o pulso esquerdo e pressionou o fecho trancando-o também. Ele colocou mais fivelas sobre o cinto da espada e escamas brilhantes de serpente, abaixo de seus quadris. Julia entregou-lhe a capa e, quando ele balançou-

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a sobre seus ombros, ela estendeu a mão para apertar o alfinete, sobre seu peito esquerdo. ― Outro talismã ― ela murmurou, pressionando a palma da mão sobre ele por um momento para sentir a batida de seu coração debaixo dele. ― Eu gostaria de não sentir que você precisa deles. ― Os observadores devem ter ido. ― Wulfric jogou um lado de sua capa para trás, para liberar sua espada. ― Só por causa da observação dos guardas. Eles ainda estão lá, eu posso senti-los. ― Então, eu também posso. ― Wulfric ergueu o queixo dela na mão. ― Não fique vagando além das fronteiras. Amanhã enviaremos homens para fazer uma varredura e chamar a atenção, e alguns olheiros a pé. Espero que não notem, e depois vamos ver o que podemos encontrar. Julia virou a cabeça para beijar os dedos longos e calejados. ― Vá com segurança, Wulfric, filho de Atanagildo, filho de Thorismund. Vejo você na festa. Então ele e Berig foram embora, delineados contra o céu, que estava apenas começando a virar leitoso, pois se levantaram com o primeiro toque de alvorada.

As mulheres ladeavam as margens do rio e esperavam com as cabeças cobertas e abaixadas. Bem mais no alto, perto da curva que escondia o local do enterro, os homens estavam em fileiras silenciosas. Eles haviam chorado homens e mulheres, quando o carroção passou rangendo, com Alaric deitado sobre uma plataforma elevada, envolto em ricos tecidos, roxo e escarlate, o elmo na cabeça, com a espada em suas mãos. Os carroções de tesouro seguiram com seu tributo de glória para ir com ele para a escuridão. Era pagã, mas os sacerdotes seguiram de perto, um em cada lado, e orações foram ditas, sem sentido, pois eles estavam vendo algo do passado, o último dos reis a sair das florestas do leste. Quando o cortejo havia passado e estava fora de vista, muitas das mulheres começaram a cantar, muito suavemente. Julia não conseguia distinguir as palavras, mas a onda do som parecia carregar sua dor e torná-la tangível. Ela descobriu que havia lágrimas em seus olhos enquanto ela estava lá. A Escrava e o Rei Bárbaro – Louise Allen

Quanto tempo se passou antes de ouvirem os chifres estridentes, o som ecoando de lado a lado do vale, como se convocassem um grande exército para a batalha, ela não fazia ideia, mas o sol estava subindo agora, manchando a cena com a luz. O choro se tornou mais alto, abafando o canto suave, e houve um grito, primeiro um, depois uma dúzia de corpos foi rodando para baixo até o rio. Os condenados que haviam cavado a sepultura foram executados, seu sangue havia sido derramado sobre local de descanso do rei morto. Seus antepassados teriam aprovado o sacrifício, Julia pensou friamente, desviando os olhos do último dos corpos. E a represa temporária deve ter sido destruída, pois a água correu primeiro barrenta, então, clara novamente. ― Está feito ― Una disse calmamente. Ao seu lado Ingunde limpou a trilha de lágrimas de seu rosto. Ela nunca mais seria a mesma, novamente. Ninguém parecia querer se mover. ― Olhe ― Una murmurou ―, a família do rei. ― Havia uma mulher alta, não muito jovem, com o rosto sombrio de dor. Em torno dela, suas damas de companhia e, um pouco de lado, também cercada por servos, alguém que Julia reconhecia. Em vestuário romano formal com a cabeça coberta, uma mulher esbelta, cujo cabelo castanho escuro fluía abaixo da borda de sua cobertura para a cabeça. ― Galla Placidia. Ela parece muito calma. ― Ela acha que vai se casar com o próximo rei ― Ingunde observara. ― Você acha que isso é um jogo de amor, entre ela e Athaulf? ― Eu não sei ― Julia disse secamente. ― Saberemos se acontecer. Ingunde corou, e parecia a ponto de pedir desculpas por sua falta de tato, quando as mulheres que estavam esperando, finalmente começaram a se afastar da beira da água. Julia, Una e Ingunde recuaram um pouco, para permitir que um grupo passasse. ― Você! O que você está fazendo aqui, romana? É um sacrilégio. ― Sunilda, magnífica em azul escuro, os olhos piscando, com os braços carregados de braceletes pesados, as confrontou. ― Eu estou aqui por reverência à memória de seu rei ― Julia disse com toda a calma que conseguiu. Ela não se importava com o que Sunilda pensava dela, mas ela não queria que nenhum dos espectadores acreditasse que ela estava aqui, A Escrava e o Rei Bárbaro – Louise Allen

com qualquer espírito que não fosse o maior respeito. ― Galla Placidia também está aqui. Eu quero dizer que não há nenhum desrespeito, mais do que ela o faz. Em Roma é normal que os visitantes assistam a funerais de Estado. ― Príncipes, embaixadores, pessoas de status e valor, estou certa, ― Sunilda zombou. ― Não escravas e nem prostitutas. Julia engasgou. Cabeças estavam se virando. Ingunde avançou e Una colocou a mão em seu braço para puxá-la de volta. ― Eu não sou uma, nem outra, Sunilda. E é você que está mostrando desrespeito ao falar assim, apenas momentos depois do funeral. Você não gosta de mim, eu posso entender isso, mas este não é o momento, nem o lugar para discutir o assunto. ― Julia sabia que suas bochechas estavam queimando sob o escrutínio de tantos observadores. Um murmúrio de vozes se elevara em torno delas e ela percebeu que elas eram o centro de um círculo agora. Ela lutou pela dignidade e controle. Foi difícil em face da personalidade poderosa e raivosa da mulher alta. ― Este é exatamente o momento, sem nenhum dos homens aqui para ser seduzido por sua feitiçaria, sua puta. ― Pare de usar essas palavras. Eu não sou tal coisa. ― Você nega que se deita com Wulfric? ― Sunilda cuspiu, o véu chicoteou para trás na brisa. ― Você poderia jurar sobre as relíquias por isso, não é, escrava romana? ― Não, eu não nego isso. ― Ela iria longe para escapar de uma resposta, mas Julia sabia que não podia colocar-se na posição de ter que jurar em falso, ou para ser forçada a admitir. ― Mas, ser a amante de um homem não faz de uma mulher uma prostituta. Eu fiquei com Wulfric por prazer, não por ser paga. Houve um suspiro por sua franca admissão, mas ela não sentiu nenhuma crítica. Muitas das mulheres que circundavam pareceram aprovar sua declaração. ― Mesmo? ― Sunilda demorou, inclinando-se e olhando firme para o broche em seu peito e para o ouro em seu pescoço. ― Você comprou estes, comprou, você está mentindo? Ou você os roubou? O rosto zombeteiro parecia nadar na frente de seus olhos. Julia ignorou o suspiro de indignação de Ingunde. ― Wulfric os deu para mim como um presente, para que eu possa usá-los hoje e estar, adequadamente, vestida para a ocasião.

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― Mentirosa! Você os roubou. Eles são meus, porque eu serei a esposa dele. ― Sunilda falou, com confiança absoluta. Com o canto do olho, Julia conseguia ver algumas cabeças que começam a acenar. Sim, isso é o que elas acreditam que vai acontecer. E, claro, elas estão certas. ― Quando Wulfric negociar com o seu pai, por sua mão, então, sem dúvida, essas coisas serão acordadas. Mas, ele ainda não fez tal coisa, fez? E até que ele o faça, então ele pode fazer o que ele desejar com seus bens. Sunilda estava muito perto agora. Julia podia ver a forma em que sua ira havia aumentado, porque os olhos azuis, agora, pareciam quase pretos. Ela era uma mulher alta, ombros amplos, forte, como a maioria de sua raça e Julia lutou contra o instinto de dar um passo para atrás. Em vez disso, ela levantou seu queixo e devolveu o olhar de fúria, com uma de calma superioridade. Era a melhor expressão de sua mãe para lidar com outras mulheres, tentando subir acima de seu próprio lugar na sociedade e sempre as fez estremecer. Agora, ela permitiu a boca se curvar, muito ligeiramente, em um sorriso condescendente, e esperou a réplica de Sunilda. ― Você é uma putinha! ― Como Julia esperava, seria mais dos mesmos insultos. Cedo ou tarde, a loira se cansaria deles e iria embora. ― Mas deve ser preocupante saber que Wulfric está demorando tanto sobre isso ― Acrescentou ela, com uma simpatia provocante. Então, ela viu o enrijecer da boca da outra mulher, a maneira como suas mãos se flexionaram em garras, e percebeu, tarde demais, que este não era um mundo onde o jogo seria ganho com uma facada verbal. No mundo de Sunilda, lutar por aquilo que você queria, significava exatamente isso. Ela ouviu o grito de aviso de Una quando Sunilda avançou, então ela se viu cambaleando para trás, a cabeça girando com a violência do golpe em sua bochecha. Julia cambaleou, recuperou o equilíbrio e viu o salto de sua rival direto para ela, a pequena faca de comer tirada de seu cinto e brilhando na mão dela.

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Capítulo Vinte e Um ― Pelo amor de Deus, abaixe isso! ― Julia recuou, as mãos erguidas, com as palmas para fora. Sunilda mostrou os dentes e continuou chegando. ― Alguém vai sair machucado. ― Essa é a minha intenção, prostituta romana. ― Julia se esquivava em volta, procurando escapar. Ela não estava com a menor vontade de ficar firme, não contra uma Goda enfurecida, uma cabeça mais alta que ela, empunhando uma faca. Mas as mulheres haviam formado um círculo em torno delas, afastando-se certamente, mas apenas para deixá-las no meio. Foi tal como quando Wulfric lutara com Rathar: um duelo pessoal estava ocorrendo e foi aceito. Ambas, Ingunde e Una ficaram pálidas, mas também não interferiram. A luta de Wulfric terminara em uma morte, será que era o que eles esperavam agora? Sua mão foi até a cintura, mas, vestiu-se com elegância emprestada por Una, nesta manhã, e não pensara em amarrar sua própria faca de comer em sua cintura. E, mesmo que tivesse, ela poderia tê-la usado? Poderia ela realmente esfaquear outra mulher, mesmo em autodefesa? Sunilda estava circulando, provocando-a com pequenos movimentos da lâmina. Julia rápida, rodava com cautela. ― O que você quer? ― Ela perguntou, odiando o modo como sua voz falhou. ― Eu quero minhas joias, vagabunda. E mostrar que você não está apta, nem mesmo para ser a prostituta de um guerreiro visigodo, de um rei. Oh! Graças a Deus, ela só quer me humilhar, não me matar, Julia pensou, com uma tentativa frenética de conseguir algum tipo de humor estabilizador. ― Então, coloque a faca para baixo ― ela desafiou, conseguindo manter a voz firme desta vez. ― Ou você precisa dela para combater uma mulher desarmada, que tem metade do seu peso? ― Foi um insulto aleatório, e um exagero, mas a magreza que foi premiada entre as mulheres de sua própria classe social, poderia incitar a mulher mais alta em uma ação imprudente. Ela conseguiu melhor do que ela esperava. Sunilda atirou a faca para longe, fazendo com que o círculo de observadores gritasse e fastasse para trás, quando a faca pousou entre elas, em seguida, ela se lançou sobre Julia com um grunhido de fúria. A Escrava e o Rei Bárbaro – Louise Allen

Elas caíram em um emaranhado de membros e linho fino. Julia caiu, foi duramente jogada no chão com o ombro rolou para longe, sentindo o véu ser arrancado dos pinos quando ele enganchou sob seus corpos. As mãos de Sunilda foram agarrando o pesado broche no ombro dela. Julia ficou mole, fingindo estar atordoada, deixando-a rasgá-lo livremente, então, mordeu a mão da outra mulher com uma crueldade que ela não fazia nem ideia de que possuía. Com um grito Sunilda deixou-a ir, Julia arrebatou-o e jogou-o, desajeitadamente, através de seu corpo caído em direção a Ingunde. Ela só teve tempo de ver a menina pegá-lo antes dos dedos de Sunilda se fecharem nas correntes de ouro do pescoço. Desta vez, ela não cometeu o erro de tentar afrouxá-los, ou arrastá-los pelo pescoço de sua oponente: Sunilda apertou as correntes em seus punhos e torceu-as. Julia forçou o queixo para baixo, instintivamente para proteger sua garganta, e lutou, desesperadamente, para desalojar a outra mulher. Ela estendeu a mão e agarrou-lhe os pulsos, mas Sunilda estava usando fechos de pulso de ouro forjado, cravejado de turquesas, e as unhas de Julia quebraram e se rasgaram contra eles. Elas rolaram, arranhando-se e chutando. Julia, arrastando desesperadamente ar em seus pulmões, estava quase chocada com o quanto tudo estava doendo. Quando assistia lutas, ela sempre imaginou de alguma forma que a chama da batalha embotava todas as sensações até que a luta acabasse. De que outra forma Wulfric lutou com o braço da espada cortado até o osso? Com enorme coragem e resistência, ela fez um esforço determinante, para dobrar um dos dedos de sua adversária para trás, para quebrar seu aperto asfixiante no colar. Sunilda retirou a mão, acertou Julia com um tapa pungente no lado da cabeça e renovou sua força. A luta estava se tornando frenética, caótica, suja, não uma batalha de movimentos treinados e habilidade, mas de ódio simples, dor, medo e desespero. Alavancando, e tentando jogá-la longe… Julia enterrou os dedos na terra, escavando uma posição onde ela poderia forçar seu corpo cansado para cima, mas o peso da outra mulher era demais para ela. Sentia uma das correntes do colar se romper, depois outra; a terra seca se desintegrou em seus punhos e, com um grito de fúria e determinação, ela atirou os dois punhados de pó e grama no rosto de Sunilda. A mulher visigoda gritou e arranhou seus próprios olhos. Julia desenrolouse, violentamente, e empurrou o outro corpo longe. Ela sentiu uma forte dor no ombro, mas ignorou. Ela rolou, ficou de pé e arrastou o colar quebrado sobre sua cabeça. ― Aqui. ― Ingunde estava ao seu lado, pegando-o. Julia tirou os A Escrava e o Rei Bárbaro – Louise Allen

braceletes do braço e os empilhou nas suas mãos também. ― Eu não posso acreditar que isso está acontecendo ― ela ofegava, sua voz, trancada em sua garganta. Ela nunca teria bastante ar em seus pulmões, nunca mais. ― Por que ninguém está interrompendo? ― Mas isso é uma questão de honra. ― Ingunde parecia chocada por ela ter perguntado. ― Depois, se tivéssemos parado, você ficaria muito irritada e envergonhada, acredite em mim. ― Estou muito zangada agora ― Julia disse, severamente, jogando de lado os restos de sua capa e arrancando fora seu cinto, para que ela pudesse retirar o que restou do vestido lindo de Una. Debaixo usava sua própria roupa simples. Quando o peso do pano se foi, o sangue correu por suas veias, ela de repente, estava de volta no quintal de banhos das mulheres, exercitando-se com as amigas, suas pernas fortes e livres. Ela podia se mover, usar a vantagem de seu tamanho e leveza. Sunilda, com o rosto manchado de sujeira e suor, os olhos vermelhos pelo pó, se virou para ela, como uma fúria vingativa. Julia correu direto para ela, abaixouse sob os braços abertos e bateu nela, com as duas mãos espalmadas sobre o peito. A outra mulher cambaleou, abalada pelo ataque direto, e Julia enganchou um tornozelo em volta da perna dela, empurrou e ela caiu, Julia em cima dela, ajoelhando-se em seus braços. ― Pare com isso! Você está me ouvindo! Apenas pare! As joias se foram e eu irei logo e você poderá tê-lo ― ela gritou para o rosto furioso debaixo dela. ― Pare com isso ― ela repetiu, silenciosamente, quando ela sentiu Sunilda ficar mole. ― Simplesmente pare. ― Você não o quer? ― A mulher estava incrédula. ― Mais do que a minha vida ― Julia disse suavemente. ― Mais do que minha honra. Mas não mais do que a dele. Julia se perguntou vagamente se ela desmaiaria, sobre onde ela estava encontrando forças, para escalar o corpo preso debaixo dela, sobre como era possível que todo o seu corpo, estivesse sofrendo tanto quanto estava. Com um suspiro, ela conseguiu tombar de lado e entrar em colapso de costas, na grama arrastada. Ela ficou lá e outra mão deslizou na dela, apertando-a. ― Eu acredito em você ― Sunilda sussurrou. Julia virou a cabeça com um esforço que fez sua dor ir para trás, e descobriu que estava olhando nos olhos injetados de sangue vermelho de sua oponente. ― Foi uma boa luta. A Escrava e o Rei Bárbaro – Louise Allen

― Se você gosta desse tipo de coisa ― Julia admitiu, lutando contra um desejo insano de rir. Ele provavelmente sairia com histeria e completaria a sua humilhação. Ela era uma senhora patrícia romana, mas ela se inclinara em uma luta de gatas, no pó de um acampamento bárbaro e agora ela estava deitada em sua terra, trocando conversa com uma mulher que havia tentado matá-la a faca alguns momentos antes. Havia barulho atrás delas, vozes; mas ela ignorou, seus olhos se presos nos de Sunilda. As vozes extinguiram-se em silêncio. Então, alguém estava ajoelhado ao seu lado, puxando-a para uma posição sentada. Cansada, ela olhou para cima para ver quem era. Wulfric. Claro, que seria. Este era um dia muito importante para ele, um dia de luto, um dia de destino. Olhe para ele, disse a si mesma, cansada, olhe como ele é bonito, como é poderoso, como está maravilhosamente, vestido. Um rei em formação. E ele precisa vir e resgatar sua ex-escrava, sua examante, o seu, longe de um ex-problema, na frente de centenas de testemunhas cuja opinião vai significar tudo para ele. Ela virou a cabeça para não ver o desgosto que ela sabia que encontraria em seu rosto. Amava-o tanto que ela não adicionaria à sua vergonha para ele, traindose, agora, na frente de todos. Ela viu que Hilderico estava ajudando sua filha a se sentar, sua elegância em farrapos sobre ela. E viu que ele estava sorrindo. Sorrido? ― Uma trégua duramente conquistada, eu vejo ― Ele comentou. ― Eu gostaria que pudéssemos ter visto a luta que levou a isso ― disse Wulfric, sua voz profunda, com um traço de diversão enterrado nela. ― Você…você o quê? ― Julia se virou para ele, fazendo o mundo girar com o movimento rápido. ― Você não se importa que isso tenha acontecido, e justamente, agora, em todo este tumulto? ― Estou lisonjeado ― ele admitiu. Ela estava perto o suficiente para ver a forma como sua boca se curvava, as manchas verdes mais escuras em sua íris, que sempre pareciam mais pronunciadas quando ele estava animado ou excitado. ― E eu estou impressionado. ― Tão perto, que ela podia ver cada fio de cabelo de sua barba, cada cílio de sua pestana, cada… ― Não desmaie. — Sua respiração era quente em seu ouvido. ― Você precisa ir embora agora. ― Eu não posso. ― Presumivelmente, duas das partes de seu corpo que doíam tanto, eram as pernas, mas ela não sabia, com certeza, qual delas. ― Sim, você pode. ― Ele estava levantando-a de pé, equilibrando-a com um braço em volta da cintura. ― Você é a mulher de Wulfric, e você não vai desmaiar na frente de todos. A Escrava e o Rei Bárbaro – Louise Allen

― Não, eu não sou sua mulher. Acabamos de resolver isso ― disse ela. Mas ela se forçou a ficar de pé e empurrou a mão dele. Fazer isso doeu tanto quanto os golpes de Sunilda. Alguém viera com um manto para Sunilda, que estava saindo no braço de seu pai, um grupo de amigos em torno dela, conversando e rindo. Julia colocou um pé na frente do outro e de alguma forma o fez para onde Ingunde estava empurrando para frente, com um manto. ― Isso foi maravilhoso ― ela proclamou, com um largo sorriso para Wulfric. ― Ela salvou todas as suas joias, você viu? ― Minhas joias ― disse Julia entre os dentes cerrados. ― Ela pode ter as suas, pouco me importa. E pare de sorrir. ― Ela se virou para Wulfric, reforçando a sua própria determinação com raiva fingida. ― Você não tem nenhum motivo para se sentir lisonjeado. Quando uma grande mulher me insultar, me atacar e tentar me roubar, eu vou lutar. ― Ela mancou para a parte de trás de uma carroça. ― Agora, por favor, você vai colocar todos estes músculos impressionantes para algum uso prático, e me levar?

Wulfric pegou-a em seus braços, seu coração contraiu, com a leveza dela. Ela era tão pequena em comparação com as pernas compridas de Sunilda, a magnificência de ossos grandes. ― Eu não estou sorrindo ― disse ele, sabendo perfeitamente bem que estava. Ele ainda a queria. Julia tivera bom senso suficiente, para evitar Sunilda, ou para evitar a sua ira se fosse, simplesmente, um choque de personalidades. Mas elas estavam lutando por ele, e pelas joias que ele lhe dera. Seus embustes não iriam enganá-lo. Ela pensou que ele entendeu bem o suficiente, para saber que ela não usaria a violência para defendê-las, simplesmente, porque ela cobiçava a riqueza. Lutara para defendê-las, porque elas eram o seu presente. Mas, agora, ela estava ferida e ela não estava acostumada a isso. Sunilda crescera na feminilidade confusa da vida no campo, chegara em uma sociedade que espera que suas mulheres lutem contra o inimigo para defender seus lares e filhos, e uns aos outros, se necessário, para resolver insultos. ― Você deveria ter me avisado ― ela resmungou, a cabeça em seu ombro. ― Eu teria levado a faca se eu soubesse que eu me encontraria nesse tipo de situação. ― Faca? Ela a ameaçou com uma faca? ― O brilho quente dentro virou gelo.

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― Mmm. ― O cabelo castanho emaranhado balançava quando ela balançou a cabeça. ― Depois de socar meus ouvidos e antes de tentar me estrangular com o colar. ― Você está ferida? ― Ele exigiu, tentando manter o pânico longe de sua voz. Não havia nenhum sinal de sangue nela, somente uma pequena ferida, não necessariamente profunda, ao mesmo tempo. ― Não. Apenas espancada. Eu a fiz jogá-la fora. Estamos quase lá? ― Sim, quase lá. Como você a fez jogá-la fora? ― Eu a envergonhei por atacar alguém desarmada. Além disso, queria a satisfação de obter suas mãos em mim. Eu a irritei muito. ― Minha querida inteligente. ― Ele a colocou no chão na frente de sua tenda, tentando colocar seu rosto em alguma aparência de neutralidade. Ele queria cantar, porque ela havia lutado por aquilo que ele lhe dera, ele queria beijála, de puro alívio que ela estava viva e porque ele estava tão orgulhoso dela, ele queria sofrer, porque ela estava sofrendo e ele queria tomar sua dor para seu próprio corpo. ― Agora me mostre onde você está ferida. ― Não. ― Ela ficou, subitamente, tímida. ― Ingunde vai cuidar de mim. ― Miens liufs… ― Não, não me chame assim. ― Querida, ela descobriu o que significava. Ela tentou afastá-lo. Smoke apareceu em passos silenciosos e empurrou o nariz em sua mão, resmungando, ansiosamente. Gentileza não os levaria a lugar nenhum. Ela estava se fazendo de tímida e ele de calmo. ― Entre nessa tenda, agora ― ele ordenou. ― Tire tudo e deite-se. ― Julia deu um suspiro, surpresa com seu tom, mas fez o que lhe foi dito. ― E deixe a aba da tenda aberta, eu preciso da luz ― acrescentou. ― Smoke, guarde-a.

― Qual é o seu problema? ― Ele exigiu alguns minutos depois quando ele se abaixou para entrar na tenda, uma bacia de água quente em suas mãos, bandagens de linho debaixo de um braço. Ela estava enrolada na cabeceira da cama, nua como ele havia ordenado, mas em um nó apertado, de constrangimento. ― Deixeme ver. Julia, pelo amor de Deus, eu vi você nua, com bastante frequência. ― Isso foi diferente. Nós éramos amantes. Agora…agora, eu não sei. A Escrava e o Rei Bárbaro – Louise Allen

Agora você sente que eu ainda quero fazer amor com você, esticar-me ao longo desse corpo esbelto, marcado com hematomas púrpura, e acariciá-lo até que você não consiga pensar em nada, somente no prazer da minha vida amorosa. Você sente que eu a amo, Julia Livia? Você sente que cada respiração torna mais difícil e mais difícil de encarar o fato de que estou perdendo você? Ela não o amava, isso era óbvio, ele pensou quando pegou um pé, ignorando seus gritos de protesto, e começou a lavá-lo, verificando se havia cortes ou arranhões, enquanto fazia isso. Ele sempre soube disso, mas alguma loucura manteve o lampejo de esperança viva, manteve-o procurando em vão, por alguma pista. A intensidade de uma luta como essa era suficiente para derrubar todas as inibições, toda a pretensão para fora de si. Se quando ele tivesse levantado ela em seus braços e ela o amasse, ela teria se virado para ele, ela não teria sido capaz de esconder como se sentia. Sua lealdade, sua amizade, eram dele. Ela lutaria por seus interesses, lutara por aquilo que ele lhe dera, preocupar-se quando ele estava doente, se ela pensasse que ele estava em perigo. Mas ela faria o mesmo por qualquer um dos seus novos amigos, ele disse a si mesmo. Ele não era nada de especial, exceto que ele havia tomado sua virgindade, e ele supôs que sempre afetaria a maneira como ela pensava sobre ele. Wulfric forçou sua mente em como fazer seu caminho sobre a pele nua de Julia, a limpeza dos pequenos cortes, suavizados com um dos unguentos de Una, onde a pele estava machucada. Ele havia feito isso vezes suficientes em Berig quando ele voltava golpeado, depois de uma disputa com um rapaz maior, ou lançando-se com seus amigos em mais uma aventura perigosa. Tudo o que precisava fazer era substituir, mentalmente, esta carne macia, arredondada pelos membros esqueléticos e joelhos cheios de crostas do jovem. Ele falhou completamente. E, aparentemente, óbvio. Os dedos dela roçaram a testa dele, enquanto ele estava concluindo uma atadura em torno de suas costelas sob a curva doce de seu seio. ― Você está suando, ― disse ela. ― Eu não gosto de pensar que eu estou lhe machucando. ― Obrigou-se a continuar. ― Então eu tenho a minha vingança por você me fazer costurar seu braço. Como você acha que eu me senti? ― Seus dedos deslizaram para a queda de seu cabelo e pentearam através dele. Wulfric se obrigou a não fechar os olhos.

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― Eu sou um homem. Eu deveria ser capaz de suportar a dor. ― Seus dedos estavam brincando agora, empurrando o cabelo para trás, experimentando colocálos atrás da orelha. Estou mesmo louco, deveria ser capaz de suportar a tortura, ele pensou sombriamente, amarrando o fim do curativo. Nem o inimigo mais engenhoso poderia ser tão inventivo nesse campo como Julia. ― E as mulheres não são? O que dizer sobre o parto? E, em qualquer caso, você aprovou nossa luta, então você está sendo inconsistente por se preocupar comigo agora. ― Não use sua lógica comigo, mulher ― ele rosnou. ― Deixe-me ver sua garganta. ― Ele estava lutando para não pegá-la em seus braços, mas sua réplica o ajudou. Esta foi dura o suficiente, sem expor a sua compaixão por uma declaração gaguejada de seus sentimentos. O que ela queria que ele mostrasse para ela, ao que parecia, era a sua força e sua ambição, e que era o que ele queria, também. Claro que era.

Julia deixou Wulfric massagear seu corpo dolorido e tentou esconder sua reação ao toque de suas mãos. Ele era gentil, mas firme, e ele foi tão discreto, como se ele estivesse atendendo cortes e contusões de Berig. Mais do que isso, ele provavelmente teria instruído o rapaz sobre como ele poderia ter evitado vários golpes. Ela ainda estava abalada com a reação dele ao fato de que ela saíra lutando. O que Antonius Justus teria feito se ele tivesse testemunhado tal cena? Ela estremeceu ao imaginar. Mas no fundo, lutando contra a educação, que lhe dizia que uma mulher aristocrática deve evitar esse tipo de comportamento, foi com um início de orgulho que ela se levantou para Sunilda que ela havia lutado. A admiração nos olhos de Wulfric havia sido perigosamente emocionante. Por alguns momentos inebriantes ela se imaginou ao seu lado, uma rainha, apta para um guerreiro bárbaro. Em seguida, o juízo caiu, varrendo o sonho para a distância. Se nada mais, chocada, a briga provou quão necessário era para ela, sair. Naquele momento de exaustão, em uma profunda ligação com Sunilda, ela havia se traído falando como se sentia sobre Wulfric. Era difícil de acreditar que a outra mulher diria o mesmo para ela, em sua audição, seria um risco grande demais para a sua própria posição, mas mesmo assim, muitas pessoas sabiam que ela o amava. Esse sentimento não seria devolvido, ela pensou, tristemente, enquanto as grandes mãos dele verificavam cuidadosamente seu pescoço, percorrendo cada A Escrava e o Rei Bárbaro – Louise Allen

vértebra com os olhos em seu rosto, observando qualquer estremecimento de dor. Ela manteve sua expressão tranquila; a dor estava em sua mente, não em seu corpo. Ele estava sendo protetor, como fora quase desde o início. Mas, ele era assim, com todos que ele considerava como sendo sua responsabilidade. Ele havia sido seu primeiro amante, e ela suspeitava que isto não pesaria para ele, mas ele não fazia ideia do que significaria para ela. Mas quando tudo voltou ao princípio, ela era apenas uma mulher estrangeira que ele havia arrancado de seu mundo, por um capricho, e ele era um homem com um destino. ― Durma agora ― Ele disse por fim, atirando as cobertas sobre ela e ajeitando-a como se ela estivesse doente. ― Vou pedir para Una para lhe trazer um de seus remédios. ― Mas e a festa! ― O que aconteceria naquela noite? Seria o início do processo pelo qual o rei seria escolhido? O que aconteceria enquanto ela não estava lá para ver? Julia endireitou-se nos cotovelos e foi firmemente pressionada para baixo, novamente. ― Descanse, minha ansiosa conselheira romana. ― Wulfric sorriu para ela. ― Nada vai acontecer além do consumo de muita comida e cerveja, a cantoria de algumas canções, a realização de discursos, o derramamento de lágrimas e a criação de muitas ressacas. Descanse.

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Capítulo Vinte e Dois Julia acordou de um sono profundo para encontrar-se endurecida, dolorida e uma das pessoas mais normais da cabeça, no acampamento. Onde quer que olhasse quando ela mancou em seu caminho na direção da latrina, via olhos avermelhados, rostos pálidos e pessoas tristes, esfregando suas têmporas, pois faziam uma careta para as poções com ervas. Una, mexendo um mingau que ninguém parecia querer, não se importou, porque eles pareciam estar sofrendo de nada menos do que uma noite muito festiva. ― Olá meu amor. ― Ela sorriu em boas-vindas. ― Como você está se sentindo? Dolorida? ― Muito. ― Ela olhou para as marcas em seus pulsos e se perguntou se Sunilda acordou esta manhã sabendo que seu casamento com Wulfric foi resolvido. ― Onde está todo mundo? ― Julia perguntou, abaixando-se cautelosamente sobre um tamborete e aceitando um copo de cerveja. ― Ingunde não dormiu na cama a noite passada, a menos que ela tenha arrumado muito ligeiro esta manhã. ― Ingunde está de mau humor lá em baixo à beira da água, se esforçando para parecer distante e desinteressada. Berig está de mau humor nas linhas de cavalos, fingindo ajudar Sichar, e também tentando olhar distante e desinteressado. Ambos ficaram acordados a noite toda, tornando-se completamente miseráveis. ― Una vertia um pouco de mel no pote e agitava. ― Você quer um pouco? ― Por favor. ― Julia colocou as mãos em volta da tigela quente e tocou na superfície. ― Será que eles brigaram? ― Tanto quanto eu pude perceber ― Una disse cansada ― ambos haviam bebido muito. Ela tentou seduzi-lo, ele a repeliu, ela o chamou de pedante, ele a chamou de devassa, ela lhe deu um tapa no rosto, ele saiu correndo. Honestamente, é suficientemente ruim ter filhos pequenos para cuidar, sem aqueles dois. ― Como você sabe de tudo isso, ou eles estavam gritando um com o outro? E você tem certeza que Ingunde fez o primeiro movimento, afinal, ele é o homem!

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― Ambos vieram separadamente e me contaram suas versões e caiam fora quando eu não era simpática o suficiente. E, quanto a quem começou, meninas são sempre mais avançadas do que os rapazes, pela minha experiência. ― Una serviuse um mingau e foi se sentar. ― Ingunde sabe o que quer, e isso é Berig. Ele é estúpido e tem medo da maneira como ele está se sentindo, seria o meu palpite, ele quer fazer sexo com ela, mas, ele quer protegê-la. Ele a quer em um pedestal como uma deusa virgem, mas também quer impressioná-la com sua experiência amorosa. E ela será a sua primeira, então, ele tem pavor de fazer feio, e em cima de tudo isso, Wulfric deu-lhe uma palestra sobre respeitar a pureza feminina. ― Wulfric fez isto? ― Bastante. ― Una sorriu. ― Os homens são infinitamente fascinantes, não são? ― Onde está Wulfric? Aconteceu alguma coisa na festa? ― Nada mais do que você esperaria. Um monte de discursos, brindes intermináveis. Não houve incidentes, graças a Deus― acrescentou piedosamente. ― Hilderico tentou ficar sozinho com Wulfric, presumivelmente para começar a negociar sobre Sunilda, mas ele conseguiu evitá-lo. ― Por quê? ― Julia descobriu que de repente estava surpreendentemente feliz, e com uma fome enorme, e mergulhou na panela para uma segunda dose. ― Porque ele teve juízo para não entrar em discussões com aquela velha raposa quando ele precisou beber tanto quanto ele bebeu na noite passada. ― Una franziu a testa para seu mingau. ― Eu nunca o vi beber muito antes. Quase imprudente. ― Mas não tão imprudente para se comprometer com Sunilda. ― Não. Estranho isso. Ambos estavam ainda a comer mingau e franzindo a testa em pensamento, quando Wulfric entrou. ― Você parece horrível ― Julia disse encorajadoramente. Embora ela quisesse esconder seus sentimentos por trás de uma fachada de provocação, ele parecia menos do que o seu habitual jeito saudável, ela percebeu. Seu rosto estava cinza sob o bronzeado dourado, seus olhos ligeiramente vermelhos e havia sombras sob eles. ― Tem um pouco de mingau ― Acrescentou amavelmente, desejando poder embalar a cabeça em seu peito e acalmá-lo afastando sua dor de cabeça com os dedos frios.

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― Obrigado. Você, eu suponho, está bastante melhor. ― Ele não esperou por uma resposta, mas levou a comida e se encostou no carroção, comendo com ar determinado, de um homem que toma um remédio desagradável. ― Onde está Berig? ― Nas linhas dos cavalos, meditando sobre sua ressaca, a bochecha dolorida e em sua palestra sobre a pureza do sexo feminino ― disse Una. ― O quê? ― Wulfric parecia assustado. ― Não havia necessidade de deixar o pobre jovem mais preocupado com as meninas do que ele já é. ― Ela repreendeu. ― Vá falar com ele, ele precisa de alguns conselhos masculinos e eu não espero que ele vá confiar em Sichar. Com um juramento abafado Wulfric empurrou-se na posição vertical, largou a tigela e voltou a subir a colina. Ele voltou depois de dois passos. ― Partiremos amanhã. Dois dias de viagem ao norte e acamparemos em lugar nessa descida. É um bom local, e é fácil de defender. Vamos ficar lá até que a decisão seja tomada. Julia assistiu as suas costas enquanto ele se afastava. ― Acho que não há necessidade de perguntar o que é que vai ser decidido. ― O reinado. O destino de um homem e de um povo. ― Sim ― Una concordou. Ela deu uma pequena sacudida. ― Agora, você quer um pouco de hamamélis para as contusões?

Houve uma nova tensão no acampamento. Julia sentiu, como o aviso de uma tempestade se aproximando, formigamento sob a pele e deixando-a nervosa e consciente. Os observadores estavam de volta, ela estava certa disso, embora os homens de varredura e os batedores não conseguissem encontrá-los. ― Isso não significa que não há ninguém ― Ela ouvira Wulfric alertar quando ele enviou os homens, na madrugada, para patrulhar o perímetro. ― Isso significa que não os encontramos ainda. Eles são bons. Não era apenas a presença dos observadores invisíveis, ou os remanescentes efeitos físicos e emocionais do funeral e da festa. Havia o conhecimento entre todos no acampamento, que uma decisão estava prestes a ser feita e que mudaria suas vidas para sempre, para melhor ou para o pior.

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― Nós nos movemos como se esperássemos uma batalha ― Wulfric disse secamente, à medida que começou a carregar os carroções. ― Em grupos, com os restos da casa real e Galla Placidia, no centro. ― Nós ― ele varreu uma mão em torno do encontro do seu grupo de parentes que o rodeava ―, vamos cuidar da retaguarda. Todos os homens montados. Todo mundo armado, as crianças nos carroções. Una estava arrumando as crianças menores na parte traseira de seu carroção, fazendo um esforço para juntá-las. Ulf, o filho do meio, estava fora de si de alegria ao ser permitido sentar-se ao lado de Gunthar, seu irmão, e para ajudar a unidade. Nenhum deles parecia notar que sua mãe havia colocado casualmente um feixe de lanças de caça ao javali, de seu pai, ao alcance do braço, na parte de trás. Ingunde levou a carroça que Berig normalmente dirigia, fazendo questão de não olhar em sua direção, enquanto verificava o jugo e os arreios de bois. Ele pendurou a segunda espada de Wulfric em seu cinto, no lugar de sua própria faca longa, e um escudo amarrado às costas. Não é mais um jovem, sim um homem, Julia pensou quando ela o observou, seu coração dolorido por ele: tão jovem, tão orgulhoso de montar lá fora, com uma espada ao seu lado, e tão dolorosamente consciente de Ingunde ignorando-o. Ela atravessou, e subiu ao lado da menina. ― Pare com isso. Fale com Berig. Vá até ele, toque-o, não deixe algo para dizer, que você possa se arrepender mais tarde. Ingunde virou a cabeça. ― Ele não me quer, ele acha que eu sou uma devassa, que tudo que eu quero é… isso. Sexo. Eu não vou me humilhar rastejando para ele. Ele pode sair e pegar uma prostituta e ser um monge após isso, não me importa. ― Eu não estou sugerindo que você rasteje ― Julia disse acidamente. ― Basta ser educada. ― Não até que ele peça desculpas a mim. ― Oh! Pelo amor de Deus! Será que não lhe ocorreu que ele não é muito experiente neste assunto? ― Ingunde virou seu ombro. ― Fique em sua própria miséria, então. ― Julia saltou e caminhou de volta para seu próprio carroção, passando por Berig levando seu cavalo para longe quando ela fez isso. ― Você parece tão bem. ― Ela sorriu para ele, em seguida, passou a mão sobre sua nova e brilhante cota de malha. ― Posso lhe dar um conselho? Você não tem muita experiência com mulheres ainda. Basta lembrar que elas podem ter A Escrava e o Rei Bárbaro – Louise Allen

tanto medo de você, como você tem delas. E às vezes, quando você está com medo, é fácil cometer erros, ser desajeitada. Ela foi embora antes que ele pudesse responder, mas quando ela olhou para trás, ele estava olhando para a cabeça desviada de Ingunde, com um leve sorriso, nos lábios. ― O que você está fazendo? ― Wulfric freou ao lado dela, seu rosto escondido sob o ferro dourado de seu elmo, o nariz em peça reta sombreando seus olhos, que ele parecia colocar sobre ela, por trás das grades. ― Ajudando cabeças ocas ou, pelo menos, tentando. ― Hã. ― Ele lançou um olhar para Berig e recuou para trás. ― Certifique-se de se manter hoje. ― Ele entregou a ela um aguilhão cheio de ferros. ― Mantenha-o a mão, em todos os momentos. Há uma passagem através das colinas, que pode haver problemas. ― Sim, eu vou manter. ― Ele virou a cabeça do cinza. Fale com ele, toque-o, não deixe algo por dizer que você pode se arrepender mais tarde. Suas próprias palavras nadaram em sua mente, queimando na sua língua. ― Wulfric ― Sim? ― Ele balançou o animal em torno de suas coxas, suas brilhantes correias ao sol, seus cabelos voando com o movimento brusco, e as palavras secaram em seus lábios. ― Seja cuidadoso. ― Eu te amo. Eu o amo, meu magnífico Godo.

Atravessaram o longo dia, dia quente, os batedores sempre em movimento em seus lados, galopando para trás e para baixo em todo o comprimento da coluna. Gradualmente nas pistas fechadas, os bois começaram a trabalhar contra o jugo quando o caminho acentuou. ― Isso deve ser a passagem aí na frente ― Julia falou para um dos filhos de Una e para Ingunde. ― Veja como é estreita. Não devemos abrandar. Os bois mugiram e balançaram a cabeça quando ela os incitou, mas eles estavam bem descansados, e mantiveram a velocidade. ― A cabeça da coluna deve atravessar agora ― disse ela, puxando para cima, ao lado Ingunde, e protegendo os olhos para olhar em frente. ― É mais um

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desfiladeiro do que uma passagem. Parece que houve uma queda de rochas, por isso tudo está indo tão devagar. Agora estamos parando. Berig andava de volta para elas. ― Rochas e solo continuam rolando. Houve uma grande queda após o último grupo de carroções. Vamos limpá-la, deve acelerar as coisas no final. Fechem-se. Havia talvez trinta carroções à esquerda, vinte ou mais, em suas costas. Na frente, homens desmontaram, puxando ferramentas da traseira dos carroções e caminhando no desfiladeiro. Julia podia ver Wulfric enquanto cavalgava para frente e para trás, observando a cena, pedindo pressa. Um grito, quando ele veio, ecoou no vale estreito de modo que ela não poderia dizer em primeiro lugar de onde ele estava vindo. Em seguida, os homens na boca do desfiladeiro dispersaram, ela viu o cavalo cinza de Wulfric, enquanto ele lutava para trazer sua cabeça para baixo, e outro cavaleiro surgiu no meio. ― Uma armadilha, cem homens armados ou mais no desfiladeiro. ― Era Willa, estimulando seu cavalo, violentamente atrás dele, e quando surgiu no meio dos homens, disse: ― derrubaram as pistas de cada lado, o brilho da armadura, o vermelho do elmo de cristas, as ordens em latim e as rajadas de toques de trombeta são inconfundíveis. São tropas romanas e a retaguarda visigoda estava presa em sua armadilha. ― Comigo! ― Wulfric gritou e homens correram ou galopavam ao seu lado, para formar uma linha de proteção para os carroções, quando a infantaria romana caiu em um impasse, após recuperarem sua ordem e começou a avançar. ― Atrás de nós! ― Ingunde gritou e Julia se levantou e se virou. A cavalaria estava vindo para fora das árvores. ― Formar uma linha, proteger as costas dos homens. ― Julia puxou as rédeas, gritando com os bois até que se viraram, apresentando o lado do carroção para os cavaleiros que se aproximam. As mulheres e os meninos seguiram o exemplo. ― Coloquem as crianças embaixo! ― Isso foi Una, e ela foi para baixo, apesar de estar grávida, levantando as crianças, empurrando-os sob o carroção. Ao longo de toda a linha as outras mulheres estavam fazendo o mesmo, então, em vez de se juntar a elas, levantou as longas lanças de javali e voltou-se para enfrentar a cavalaria com um muro eriçado de ferro. Isso daria os cavaleiros uma pausa, se tivessem algum juízo, Julia pensou severamente; as mulheres estavam protegendo A Escrava e o Rei Bárbaro – Louise Allen

seus filhos e seria tão perigoso, como gatas encurraladas, com seus gatinhos se os soldados se aproximassem. Julia se levantou e começou a procurar em volta para encontrar as lanças que Wulfric havia colocado no carroção ao lado de seu escudo de reposição. O pensamento de que ela ameaçaria suas próprias tropas cruzou sua mente, apenas para ser dispensado. Foi um ataque não provocado. Sua mão estava se fechando em torno do eixo de uma lança quando viu Wulfric. Ele estava de volta, atrás, com Willa, alguns deles, usando suas espadas para conter uma parte da infantaria. Berig estava ao lado dele, o jovem ofuscado pelos guerreiros de ombros largos, elevando-se sobre ele. Os três se mexeram e se voltaram como um só, no que devia ser uma tática longamente praticada, apresentando uma frente, mudando constantemente os atacantes. Todos eles pareciam estar ilesos, mas a linha Goda estava sob forte pressão, em menor número, e com a cavalaria às suas costas, contida na beira, apenas pela linha de carroções e pela determinação das mulheres. Julia olhou para trás a linha feminina estava segurando, cerca de trinta homens da cavalaria que iam tecendo de frente para trás, aparentemente dispostos a se engajar e avaliar se tentavam entrar pelos lados. Ela pegou três lanças, como muitos ela conseguia segurar com uma mão, e começou a subir de volta. ― Wulfric! ― Era a voz de Berig. Julia se virou e viu Wulfric de joelhos, colocando o escudo de cima para baixo, por causa de um tremendo golpe de espada. Enquanto ela observava, congelada, com medo, ele recuperou seus pés e em vez de usar sua espada, atirou metade da blindagem em seu atacante. Ele acertou em cheio o legionário no peito, derrubando-o. Em seu pequeno grupo agora só Willa e Berig tinham escudos. Julia levantou um em seus pés. Usou toda sua força para controlá-lo, mas ela arrastou-o para o lado do carroção e saltou para baixo, tropeçando nos homens que lutavam, esquivando-se das batalhas individuais ao seu redor. Um Godo cambaleou para trás, uma lança em seu peito, e caiu a seus pés, na frente dela. Ela desviou do corpo caído e olhou para um caminho até Wulfric após a parede de combatentes que lutavam. Em seguida, uma brecha se abriu quando Willa se esquivou para o lado e Wulfric virou com ele, sua espada balançando-se, para dirigir de volta, e o soldado se lançando para Berig. ― Wulfric! ― Ela armou sua voz alta, acima da gritaria e do choque de espadas, e ele a ouviu. A Escrava e o Rei Bárbaro – Louise Allen

― Volte! ― Aqui, pegue! ― Ela empurrou o escudo como se estivesse rolando uma roda e funcionou, leve e rápido, através da abertura, direto para sua mão. Ele pegou-o, deslizou o braço através das tiras e levantou-o, levando sua espada para cima, em uma saudação passageira a ela, quando ele voltou para a luta. Diga-lhe agora, você poderá nunca ter outra chance! ― Eu o amo, ― ela gritou, e viu seu rosto, enquanto sua voz se perdia. Será que ele ouviu? Os lábios dele se moveram, quando uma explosão do trompete romano soou ao redor do campo. O que ele disse? Seus lábios se moviam, tentando recriar a visão que ela teve dele. Eu a amo? Ou, volte? O trovão dos cascos a fez girar rapidamente. A cavalaria havia passado a linha feminina, e estavam atacando entre os godos e a frente dos carroções. Julia correu para trás, em direção ao carroção, deslocando uma das lanças para a mão direita enquanto corria. Ela nunca tentara lançar um dardo no pátio de exercícios, agora, sua mão já estava tremendo com o esforço de segurar a arma de caça pesada, enquanto tentava encontrar um alvo naquele caos. Os cavalos se separaram e havia um centurião, magnífico em seu uniforme e armadura, ameaçava, e não os homens de combate, mas, sim, as mulheres. ] ― Não essa! ― Ele gritou, apontando diretamente para ela. Dois cavaleiros ao lado dele, foram em direção a ela. Ela começou a correr, deixou cair uma das lanças, correndo, frenética para recuperar os carroções antes dos cascos a alcançarem. A um passo das rodas, uma mão se prendeu em seu braço e ela foi arrastada, chutando e gritando, em direção a sela do soldado que a segurava. Ela balançou seus pés perto, perigosamente, dos cascos cavalgando e tentou balançar para ele, com sua lança. Com a facilidade do desprezo ele bateu em sua mão, quando um corpo peludo e escuro lançou-se para cima. O cavalo bufou e recuou e o lobo caiu para trás, em seguida, se agachou para saltar novamente. Com um grunhido de esforço do cavaleiro, ele balançou sua espada com toda a força, e esfaqueou para baixo quando Smoke começou a subir. Julia fez a única coisa que podia, rolando seu corpo, ela bloqueou o curso. Por um momento em que sentiu parar o coração, pensou que o soldado não poderia puxar o golpe a tempo, então a lâmina assobiou por ela e com o impulso de seu próprio movimento atirou-o através do arco de sela, o cabo batendo no peito dela.

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Ela engasgou, abaixou a cabeça e enterrou os dentes no joelho nu na frente dela. O homem amaldiçoou e bateu em seu ouvido. Ela tentou rolar livre, e quando o fez, viu Wulfric. Ele a vira. Quando ela virou, frenético para mantê-la à vista, ele rompeu o homem que ele estava lutando, jogou seu escudo e começou a correr em direção a ela. ― Julia ― Ele atravessou o campo de batalha como um herói, a partir das páginas dos mitos, pensou vagamente, arrastando, desesperadamente, o ar em seus pulmões doloridos, sem muito fôlego, para fazer mais do que se pendurar sobre a sela. Ombros largos, um gigante em uma corrida reluzente, seu cabelo fluindo atrás dele, enquanto ele corria os dentes arreganhados num esgar de fúria primitiva, ele abriu caminho até ela, como um homem possuído, espada em uma mão, uma faca longa na outra, e os homens caíram diante dele. ― Tenha cuidado! ― Ela viu o dardo, ele não. O grito dela chegou até ele, antes da arma que recebeu no ombro esquerdo. Ela o viu cambalear e cair e, em seguida, o cavaleiro batera em seu cavalo e foi estimulando-o para fora do campo, longe da luta. Seu cotovelo bateu na têmpora de Julia, enquanto arrastava as rédeas, e ela viu estrelas, ouviu um som rugindo e tudo ficou escuro.

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Capítulo Vinte e Três ― Que esta não seja Galla Placidia, considerando o estado em que ela se encontra, é algo que devemos ser gratos. Duvido que Honório fique grato a nós, por devolver sua irmã coberta de hematomas e tendo sido machucada pelo cotovelo de algum cavaleiro idiota. ― Ou arrastada ― A voz patrícia ecoou em seus ouvidos, não fazendo nenhum sentido. Usada em diferentes sotaques, em uma mistura de línguas, Julia lutou para se concentrar. Onde estou? As palavras não deixariam sua boca. Talvez abrir os olhos ajudasse. Ela o fez, e se encontrou piscando, na luz suave de um quarto fresco. ― Deve ser a outra, senhor. Definitivamente mais jovem, corresponde à descrição que nos foi dada. ― Aquele homem havia falado em tom autoritário. Julia lutou contra a náusea que subia em sua garganta e se obrigou a pensar. Militares. Respeitoso, mas não subserviente. Um oficial sênior, conversando com um alto magistrado ou um governador local, talvez? Ela tentou se lembrar de onde estava e porquê e, de repente, relembrou depressa. ― Não! ― Ela lutou, conseguindo chegar a uma posição sentada, diante da sala que começou a se mover, e ela teve que fechar os olhos e ficar quieta. ― Não. ― Wulfric, correndo para ela. Sua imagem era tudo que ela conseguia ver, desacelerou, como se o tempo tivesse esticado, com o olhar fixo nela, mesmo quando sua espada derrotava os soldados, os braços músculos salientes com o esforço, lançando longe todos os obstáculos, o voo silencioso da lança e como ele caiu. Uma coisa tão pequena para matar um homem tão grande. ― Oh! Deus! ― Foi uma oração para a qual ela esperava nenhuma mensagem de esperança. O que ela conseguiu foi a presença, quando ela abriu os olhos, de novo, de um homem de meia-idade, os cabelos severamente cortados, sua expressão austera, em desacordo com uma túnica de seda, ricamente bordada. ― Você é Julia Livia Rufa, filha de Julius Livius Rufus e noiva prometida de Antonius Justus Celsus? ― Ele demandou. ― Sim. ― A admissão veio antes que ela pudesse negar. ― Onde estou? O que aconteceu com os godos? Devo voltar! ― Ela se esforçou para colocar os pés no chão e encontrou-se respeitosamente, mas com muita firmeza, empurrada por A Escrava e o Rei Bárbaro – Louise Allen

duas mulheres que apareceram por trás do sofá onde estava deitada. ― Me deixem ir! ― Você teve uma experiência muito assustadora, Julia Livia ― disse o homem. ― Sua mente está confusa, que é apenas natural. O imperador enviou Caio Otávio aqui, para localizar e resgatar sua amada irmã, e ele foi bom o suficiente para estender a missão e encontrar você, sendo a filha de um senador tão proeminente. ― Eu não preciso de resgate ― falou Julia. ― Eu estava no meu caminho de volta para Roma. Mas não importa como, o que aconteceu com os godos que foram atacados? Onde eles estão? ― Onde nós os deixamos. ― O soldado se mudou para sua linha de visão. Muito alto, não consigo me lembrar como dizer, porque eu me sinto tão tonta… Oh! Sim, minha cabeça… ― Eles estão todos mortos? ― Wulfric, Una, Berig, Ingunde… Não! ― Alguns homens. Uma vez que eu a tive, e estabeleceu-se que havíamos perdido a irmã do imperador, nós recuamos. ― Ele franziu a testa para ela. ― Eu não tenho nenhuma intenção de arriscar minhas tropas, com uma ralé, desnecessariamente. ― Eles não são uma ralé. ― Ela afundou de volta contra os travesseiros. Nem todos estão mortos, então. Apenas alguns…apenas Wulfric. Oh! Meu amor. ― Devo voltar para eles. ― Pobre criança, ela está bastante desequilibrada pela experiência. ― Era uma das mulheres. ― Eu sou Titia Gracia, esposa de Gnaeus Armínio Albus, governador da região. ― O homem alto inclinou a cabeça. ― Eu vou cuidar de você até que você seja capaz de viajar para casa. Querida, o que você deve ter sofrido. ― Ela começou a acariciar a mão de Julia, uma distração irritante, de seus pensamentos circulares. Julia puxou sua mão livre. ― Você não entende. Devo voltar! ― Mas por que? ― O patrício olhou fixamente para baixo, seu longo nariz, boas maneiras, e obviamente, em guerra, com a pura irritação de ter que lidar com uma mulher maltratada, não cooperativa que não mostrou a menor gratidão por seu resgate. ― Você disse que estava voltando para Roma. O que mudou? ― Seu ataque não previsto a meus amigos ― Julia estalou. A Escrava e o Rei Bárbaro – Louise Allen

― Minha querida Julia Livia. ― Ele sorriu para ela friamente. ― É um fato bem conhecido que os cativos, se eles são forçados a viver por qualquer período de tempo com seus captores, vão se tornar irracionais e se associam a eles. Eu posso ver que no seu caso esta pretensão de pertencimento, teria tornado as coisas mais fáceis, dando-lhe mais liberdade, mas você pode lançar a afetação de lado agora. Você está segura e na civilização mais uma vez. ― Civilização? ― Ela olhou para ele, o tom de forma abrangente paternalista, quase lhe levando o fôlego. ― Tenho vivido com pessoas civilizadas nestes últimos meses, senhor, e posso dizer-lhe, há mais de um tipo de civilização no mundo. Os belos artesanatos, as habilidades que os produziram mantidas vivas, apesar dos perigos e dificuldades de uma vida nômade. O entrelaçamento sofisticado da família e da aliança, a realeza e lealdade, as crianças rindo e as mulheres dignas, tendo uma palavra a dizer, lutando ao lado de seus homens. É ou não a civilização? Julia olhou em volta para o interior friamente perfeito, os escravos silenciosos em posição de sentido, nas laterais da sala, as sedas ricas que adornavam seus anfitriões. Ela sabia que não ele não acreditaria nela, por nenhum momento, se ela lhes dissesse que aqueles guerreiros de cabelos compridos, preservando seu modo de vida, mesmo que eles tivessem que carregar carros de bois e arrastar-se através de um continente, lutando por cada polegada do caminho, despertavam mais respeito nela, do que qualquer um dos dois homens civilizados de pé diante dela. ― Por favor, deixe-me ir ― disse ela calmamente. ― Não quero estar aqui. Todas as quatro faces refletiam choque. ― Querida filha, você deve fazer o que manda o seu pai ― Titia Gracia disse suavemente. ― Ela está confusa com o golpe na cabeça ― ela explicou aos homens. ― Deixem-na com a gente, vamos cuidar dela. Você vai ver, ela amanhã estará mais racional. ― Muito bem, Domina. ― Era o oficial de cavalaria. ― Mas uma pergunta vital antes de eu sair. Julia Livia, onde está Galla Placidia? Nossos batedores não conseguiram encontrá-la, nos dias que temos observado. Julia olhou para ele. O que dizer? Será que a irmã daria boas-vindas ao resgate do imperador, ou era como parecia, e todo mundo dizia amar Athaulf e estava disposta a se casar com ele? E mesmo se fosse, estes homens tentariam arrancá-la de volta e mais mortes se seguiriam.

A Escrava e o Rei Bárbaro – Louise Allen

Haveria mais ou menos derramamento de sangue se ela lhes disse para onde Galla Placidia foi? Sua cabeça girava com o esforço para decidir. No final, ela fez a única coisa que conseguiu pensar e caiu de volta no sofá, com um pequeno gemido. ― Ela desmaiou ― disse Titia Gracia. ― Devo insistir que você não a questione até amanhã, Caio Otávio. Vamos deixá-la dormir. Estou certa de que ela estará em um estado mais calmo e racional quando ela acordar. Julia ouviu a porta se fechar atrás deles e continuou fingindo inconsciência, até ter certeza de que não haviam deixado um escravo no quarto com ela. Então ela virou o rosto nas almofadas de seda e chorou. O resto do dia passou como um borrão. Eles voltaram para vê-la no final da tarde, pressionando comida que ela não conseguia comer, a acompanharam com firmeza, mas gentilmente para o balneário, falando suavemente com ela, mas tudo o que podia fazer, era caminhar com eles, exteriormente complacente, exceto que ela não forçaria comida entre os lábios, e interiormente, estava focada em apenas uma coisa. Eu tenho que encontrar forças para esperar, eu tenho que encontrar a astúcia para escapar. Wulfric pode não estar morto, ele pode simplesmente está ferido e se fosse esse o caso, poderia ter salvado sua vida, deixando de lutar. Eles podem todos estar vivo, todos os seus amigos e Galla Placidia continuava sem saber, que seu irmão enviara um grupo de resgate para ela. Se lhe dissessem, e ela quisesse fugir, então tudo o que precisava fazer era chegar ao perímetro do acampamento e os batedores escondidos iriam arrancá-la para a segurança sem que ninguém se machucasse. Se ela não quisesse, se ela quisesse ficar com seu amante, então pelo menos, ela seria avisada de que as tropas foram enviadas para buscá-la. Mas se seus avisos poderiam ajudar a outra mulher, Julia sabia que não podia viver com esta incerteza. Ela precisava saber quem vivera e quem morrera. Ela precisava saber que palavras estavam na boca de Wulfric quando ele enfrentara através do caos, no campo de batalha, mesmo que ela, em seguida, precisasse se virar e se afastar dele. Deve ser fácil, ela disse a si mesma. Ela não era a mulher indecisa, tola, que ela tinha sido quando ele a tomara. Ela sentia uma força, uma crueldade em si mesma, que seus anfitriões involuntários não esperariam. Ela simplesmente precisava fingir ser grata por estar sob sua custódia, fingir desamparo até que ela pudesse escapar e roubar um cavalo… sua conspiração gaguejou nesse ponto. Se A Escrava e o Rei Bárbaro – Louise Allen

roubasse, ela poderia ficar com ele? Provavelmente, seria melhor ir a pé, e menos visível. Pelo menos, eles haviam deixado suas roupas velhas quando eles a vestiram com as túnicas de seda. Assim, Julia se permitiu se recuperar de sua fraqueza, ainda parecendo estar confusa, grata, obediente e docemente angustiada. Titia Gracia a agradava e fazia muito por ela, tentou-a com as melhores iguarias na mesa de jantar e desejou-lhe uma boa noite, com um sorriso e a promessa de discutir planos para ela voltar para Roma pela manhã. Como Julia descobriu quando tentou abrir a porta, à meia-noite, ela, também bloqueara sua convidada e deixou um escravo do lado de fora do quarto. Um grande macho, pelo som de sua voz rouca, quando ele perguntou se a senhora queria algo, em resposta ao porque dela está sacudindo a trava. Julia murmurou cada má palavra que ela aprendera dos lábios descuidados de Berig, e arrastou um banquinho para o alto da janela. Ela comprovou ter barras do lado de fora. Ela caiu para trás no chaise, toda a energia e otimismo que ela guardara para escapar, esvaiu-se. Agora, tudo o que ela podia fazer era esperar, rezar e procurar como um falcão, por qualquer oportunidade durante a viagem de volta a Roma. E, se preocupar.

― Minha filha querida! ― A mãe dela a abraçou, com um bater de véus, lágrimas bonitas e sorrisos. ― Você está salva! ― Ela sorriu graciosamente para o optio24 e para os dois soldados que haviam sido enviados para escoltar Julia e duas escravas domésticas. ― Muito obrigada. ― Domina. ― O optio demandou outra saudação educada e entregou um pergaminho. ― Com os cumprimentos de Gnaeus Armínio Albus. ― Claro. Agora, você deve ir e tomar um refresco, enquanto nós preparamos uma carta de agradecimento para você levar de volta. ― Vibia Octavia tremulou uma mão para o marido. ― Você poderia ver isso, querido? Sozinha, com sua mãe e seu acompanhamento habitual de escravos inexpressivos, Julia ficou em silêncio não esperando as efusões maternas difíceis de suportar, uma vez que estavam sem testemunhas. 24 Optio era no exército romano, o sub-oficial que servia de tenente ao centurião, eleito por seus companheiros.

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― Olhe para você, Julia! Você parece uma coisa: o seu cabelo selvagem, suas unhas e aquelas roupas! ― Eu fui arrastada para fora de um campo de batalha por um soldado da cavalaria ― Julia disse suavemente. ― Acabei de ter uma viagem de quatro dias, sem minhas próprias roupas. ― Era inútil sentir tanto sofrimento com estas boasvindas, ou desperdiçar sua energia em ficar com raiva. ― E o que você estava fazendo lá? ― Vibia Octavia exigiu com petulância. ― Fui capturada pelos bárbaros, durante o saque da cidade ― Julia disse pacientemente, sentando-se sem ser convidada. Seu estoque de dever filial estava muito baixo. ― Como eu suponho que você saiba. ― Marcus Atilius nos disse que a viu no Fórum. Como você pode ter sido tão descuidada? ― Vibia Octavia lançou em uma vibração decorativa e rebuscada. ― Eu estava desesperada. ― Se a senhora tivesse me enviado com uma escolta de escravos, eu teria estado muito mais segura e aquela pobre garota que a senhora enviou comigo ainda estaria viva ― Julia respondeu. ― Eles assassinaram-na! Que coisa chocante. ― Sua mãe parecia verdadeiramente chocada, Julia estava contente de ver aquilo, mas em seguida, teve que morder de volta sua raiva quando ela acrescentou: ― E ela foi tão cara. A melhor bordadeira que tivemos. E esses bárbaros, e pensar que as pessoas vieram dizer que eles não foram tão ruins quanto poderiam ter sido. Isto só veio para mostrar. ― Ela foi assassinada pelos cidadãos respeitáveis que estavam tentando me estuprar, quando o Godo me resgatou, mãe ― Julia interrompeu. ― Estupro. ― Os olhos de Vibia Octavia estavam arregalados. ― Meu Deus! Arruinada… ― Eu disse: tentando. ― Não, que horrível, ou você não se feriu?, mas arruinada. Por que ela disse exatamente isto? ― Então, você ainda é virgem? Julia sabia que ela deveria estar preparada para essa pergunta. Agora, ela não sabia se mentia ou, se falava a verdade. Ou, foi seu rosto ou a sua hesitação, que lhe concedeu a resposta.

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― Aqueles monstros bárbaros! ― Vibia Octavia se enfureceu, saltando de pé e começando a andar. ― E eu suponho que você está prestes a me dizer que está grávida? Como podemos explicar algum bastardo loiro, de olhos azuis? ― Olhos verdes ― disse Julia entre os lábios rígidos. ― Mas você não precisa se preocupar, ele era um monstro bárbaro muito cuidadoso, você não está prestes a se tornar uma avó. ― Criança insolente! ― O tapa de sua mãe lançou Julia de volta em seu sofá. Ela estava no meio, aos seus pés, e Julia não sabia ao certo se ela fugiria da sala, ou gritaria novamente, quando seu pai entrou. ― Algum Godo deitou com ela ― Vibia Octavia lamentou. ― A única bênção é que ela diz que não está grávida. ― Ele não é… ― Oh, meu Deus, o que foi que ela quase disse. Julia piscou para conter as lágrimas e se obrigou a ir em frente. ― Ele não é um Godo. Seu nome é Wulfric. Ele é tão bem-nascido, que ele pode muito bem ser o próximo rei. ― Não muito bem-nascido o suficiente, ao que parece ― disse o pai. ― Acabei de ouvir, o novo rei é o cunhado de Alaric, Athaulf. E ele se casou com Galla Placidia. Julia mal ouviu a mãe exclamando, com horror, o destino terrível da irmã favorita do imperador. Suas pernas cederam e ela sentou-se com um baque. Nem Willa, nem Wulfric, mas Athaulf, que estivera com certeza à frente da emboscada. Se Willa tivesse sido coroado, então ela poderia esperar que Wulfric ainda estivesse vivo, mas Willa estivera ao lado dele, na luta. Agora, ela não possuía nenhuma maneira de saber se simplesmente, ambos perderam o concurso para a realeza, ou perderam suas vidas. ― E o que sua mãe diz é correto? ― Julius Livius se plantou na frente dela. ― Você não está com uma criança? ― Eu não estou. ― Então, nem tudo está perdido. Antonius Justus ainda está disposto a casar com você, eu acredito. Talvez eu tenha que aumentar o seu dote, dadas às circunstâncias, mas ainda vai valer a pena, para evitar o escândalo. Eu posso muito bem fazer isso agora. ― Então os godos não pilharam toda a sua riqueza, Pai? ― Não. Por causa dos cofres seguros do meu banqueiro e a habilidade de sua mãe em esconder a prata doméstica, não perdemos nada. A Escrava e o Rei Bárbaro – Louise Allen

― E por que Antonius Justus ainda deseja se casar comigo? Você não acha que eu posso esconder a minha virgindade perdida dele, não é? ― Julia se levantou e começou a andar com raiva. ― Veja bem, ele deve ser um amante inepto, talvez ele não vá notar, apesar de tudo. ― Oh! Que grosseria! Como você pode comparar Antonius Justus com aquele seu selvagem? Além disso, não me diga que ele já tomou liberdades com você ― sua mãe questionou. ― Ele beija como um peixe molhado. Não tenho nenhum desejo de experimentar qualquer outro contato com ele. ― Você vai se casar com ele, minha menina, e fazer o melhor possível para lembrar que você foi criada em uma família patrícia, respeitável. Ele precisa de meu apoio no Senado, e eu preciso do apoio dele para novos empreendimentos comerciais com o Império do Oriente. Eu não tenho nenhuma intenção de que o bom relacionamento seja perturbado por causa de seus devaneios. Você vai ficar confinada ao seu quarto, até que as ordens de sua mãe possam, pelo menos, fazer você olhar como uma senhora novamente. Em seguida, você receberá Antonius Justus e se comportará com modéstia, e aceitará sua oferta. E será grata. ― Ou o quê? ― Julia exigiu. ― Ou nada. ― O rosto de seu pai estava branco de raiva. ― Você concorda, você se comporta ou você fica em seu quarto, até que você o faça. ― Eu nunca vou concordar ― ela retrucou apaixonadamente. ― Então, eu sugiro que você se resigne a ter uma grande quantidade de tempo para se lembrar do seu amante. Ficaram olhando um para o outro, por um longo momento, então Julius balançou a cabeça, exasperado. ― Confundiu tudo, Julia, você estava disposta, o suficiente para se casar com ele, antes. Você acha que eu gostaria de ser duro? Ficamos mortos de preocupação até sabermos que estava a salvo. ― Você teve uma boa maneira de mostrar isso na minha volta ― disse ela amargamente. ― E eu aceitei Antonius porque eu não o conhecia melhor. Eu amei um guerreiro, um líder e você espera que eu me entregue para um pedante político? ― Força bruta e músculos? É isso o que é? ― Sua mãe exigiu, encontrando sua voz novamente. ― Não mostre a ela qualquer fraqueza, Julius. Ela não é A Escrava e o Rei Bárbaro – Louise Allen

melhor do que aquelas prostitutas que cobiçam os gladiadores. Negue se você puder. ― Negar que Wulfric é magnífico? Negar que ele é construído como um deus? Negar seus músculos, sua pele dourada, seus olhos verdes e sua força na batalha? Negar que ele me desperta apenas ao falar? Não vou fazer nenhuma dessas coisas. ― Oh! ― Vibia Octavia apertou as mãos sobre os ouvidos. ― Menina má! Vá para seu quarto de uma vez e não saia até que seu pai diga que você pode. Os escravos foram avisados de que você não pode colocar o pé sobre o limiar, então, não adianta tentar convencer qualquer um deles para deixá-la sair. Agora vá! ― Com prazer. ― Julia varreu as saias em torno de si com o máximo de dignidade que conseguiu reunir. ― E se você enviar Antonius Justus para mim vou catalogar cada atributo físico do meu amante para ele, com comparações detalhadas para seus próprios dotes! ― Ela fechou a porta ouvido o grito de raiva, da mãe.

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Capítulo Vinte e Quatro Três semanas confinada a um conjunto de três quartos e um pequeno pátio, com o destaque de um dia de visita escoltada para o balneário, deu a Julia longas horas para pensar, não só nos atributos físicos de Wulfric, mas no mais querido e mais precioso – sua mente, suas palavras e seu caráter. Ela não podia acreditar que ele estivesse morto, mas tudo o que possuía para embasar essa esperança, era acreditar nela. Nenhuma notícia foi transmitida a ela, embora ela tenha se agarrado ao conforto de que seus pais não hesitariam em dizer-lhe se a notícia de sua morte fosse recebida. Dentro dela, havia uma dor constante, causada pela preocupação, pela solidão e pelo amor. O desafio não a levou para nenhum lugar. Julia sentou-se no banco de pedra em seu pequeno jardim, dobrou os joelhos, colocou os braços ao redor deles e meditou. Estava frio lá fora agora, mas ela deixou o céu aberto sobre a cabeça e desafiadoramente, se envolveu em sua capa. Ela não tinha dúvidas de que ela ficaria naquele quarto, até que ela concordasse em se casar com Antonius, ou que ela desaparecesse. Sabiamente, seu pai havia lhe informado que tinha dito ao seu prometido que ela estava profundamente perturbada e angustiada por seu aprisionamento, que seu rosto havia sido cortado e machucado e ela não conseguiria lidar com um encontro, até que seu olhar e espírito, fossem restaurados. Julius estava apostando em sua rendição. Julia foi lentamente, começando a perceber que sua única esperança de escapar seria aceitar aparecer. A família estava em um tumulto, preparando-se para um banquete, seus pais estavam comemorando o aniversário de sua mãe. Ela podia ouvir a agitação, de onde estava sentada. ― Minia. ― A serva que sua mãe havia enviado para servi-la e ela estava convencida, para espioná-la, ergueu os olhos da costura. ― Sim, senhora? ― Quem é convidado para o banquete hoje à noite? ― Ora, todos, muita gente. ― Incluindo Antonius Justus? —Ela conseguiu um suspiro suave, arrependida. ― Eu esperava que ele viesse me visitar… A Escrava e o Rei Bárbaro – Louise Allen

― Você quer vê-lo, senhora? ― A escrava colocar para baixo a costura. ― Oh! Eu não sei. ― Julia suspirou novamente e esfregou as costas da mão pelos olhos. ― Eu tenho sido tão… talvez meus pais… Oh! Eu não sei, me sinto tão miserável vivendo assim. ― Eu vou te trazer uma bebida, senhora, ela vai ajudar a resolver o seu espírito. ― Minia saiu correndo, embora Julia não arriscasse um sorriso triunfante. Pelo que conhecia, havia buracos para espionagem nas paredes do pátio.

Suas suspeitas sobre Minia foram confirmadas, quando a mãe dela apareceu, meia hora mais tarde. ― Como vai você, Julia? ― Ela perguntou, mais agradável do que ela estivera por muitos dias. ― Bem o suficiente. Mãe, Antonius Justus vem para sua festa hoje à noite? ― Sim, ele vem. Por que você pergunta? Julia deu de ombros. ― Eu… Eu pensei que ele viria me ver antes. ― Seu pai não quer, até que ele se senta confiante de seu comportamento, humilde e complacente ― Vibia Octavia disse, severamente. ― Você está me dizendo que está disposta a recebê-lo com um espírito apropriado? ― Sim… Mãe, estou de volta vivendo em uma casa romana adequada, de novo… Eu percebo que as coisas são muito diferentes do acampamento godo. Eu posso entender claramente o que é importante. ― Entendo. ― Vibia Octavia franziu a testa. ― E se Antonius vier até você, você vai dizer tudo o que é adequado? ― Oh! Sim, mãe ― Julia disse fervorosamente. ― Mas… ele vai ser duro o suficiente nessa discussão e muito mais com testemunhas. Posso falar com ele sozinha? ― Não vejo porque não. ― Vibia Octavia parecia pensativa. ― Eu acho que é melhor fixarmos seu afeto, com bastante firmeza, agora. Eu não vejo nenhuma razão pela qual ele não possa visitar seu quarto, após a refeição, enquanto os outros convidados estiverem assistindo os artistas, ele não deve ficar por um longo tempo. Só o tempo suficiente para comprometer-se plenamente. ― Ela enviou para sua filha um olhar muito direto. ― Você entende o que estou dizendo? A Escrava e o Rei Bárbaro – Louise Allen

― Sim, mãe. ― Julia baixou os olhos para as mãos unidas humildemente e fez seu melhor para olhar satisfeita e grata. Não poderia ser melhor. Só mesmo sua mãe esperaria que ela fizesse amor com Antonius Justus, com meia dúzia de escravos no atendimento, e a casa em tal agitação, que ninguém notaria uma figura encapuzada, escapar para fora com os artistas. Como supor que ela seria capaz de imobilizar um senador substancialmente forte. Julia começou a montar possíveis armas em sua mente. As pequenas ânforas de água atrás da porta de seu quarto pareciam ser a melhor aposta para algo que ela pudesse levantar e que seria forte o suficiente para derrubar um homem. ― Obrigada, mãe ― ela disse seriamente. ― Obrigada por me dar outra chance.

Banhada, perfumada, maquiada e vestidas de âmbar e dourado em fina seda, Julia caminhou no quarto dela. Ela queria estar malvestida, porque queria agredir Antonius que estava desavisado ou para uma fuga, disfarçada como um acrobata ou músico, mas ela sentiu que fazer, pelo menos, uma pretensa sedução era a melhor maneira de acalmar seu pretendente e deixá-lo complacente. O nível de ruído partindo da parte principal da casa era considerável agora. Os convidados estavam chegando, sendo recebidos, conversando e bebendo antes de serem levados para o banquete. Julia tentou relaxar e planejar a melhor maneira de abater Antonius. Até o momento, ela julgava que o prato final fora servido e ela já havia reorganizado sua sala, três vezes. Agora, o sofá estava no meio da sala, cercada por lâmpadas cintilantes. Os olhos de qualquer um ao entrar, seriam atraídos para ela, ao mesmo tempo em que ficariam deslumbrados com a luz que viria do pátio mal iluminado. Ela ergueu as ânforas e ajeitou-as bem atrás da porta por uma última vez. Perfeito. Ela fez uma última oração para si mesma, para Wulfric - e com um remorso antecipado- para o infeliz Antonius e ficou esperando. Não demorou muito tempo. Ela ouviu o trinco mexer no portão para o pátio, o clique ao se abrir e então, o rangido fraco quando o portão se abriu e fechou. Passos cautelosos, mas obviamente, do sexo masculino, no pavimento. Ela empurrou a porta entreaberta para que a luz se derramasse sobre o projeto de pavões e folhas de videira, e chamou baixinho: ― Estou aqui.

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De pé, no estreito espaço entre a porta e a parede olhando através da abertura, no final da dobradiça, ela conseguia ver uma figura, uma grande sombra do sexo masculino, de um homem com uma túnica, através do pátio. Ouviu o farfalhar das pesadas sedas quando ele colocou a mão na porta, depois ele estava dentro. Julia vislumbrou um par de sandálias, a bainha de uma túnica verde, ricamente bordada, então ela virou a ânfora e saiu do esconderijo, bem atrás dele, quando ele entrou. O vaso bloqueando a visão da cabeça dele, mas ela julgou o golpe pelos ombros, e jogou para cima, então, seus braços, começaram a protestar. Ele é muito grande… O homem se virou pegou o vaso de barro com ambas as mãos, tirou-o de seu alcance, e jogou fora quebrando-se no chão. A porta bateu e se fechou, as lâmpadas pouco iluminando metade apagaram-se e Julia encontrou-se presa em um aperto implacável. ― Oh! Minha menina romana feroz ― disse uma voz que ela temia nunca mais ouvir novamente e ela foi esmagada em um abraço tão apertado que ela pensou que suas costelas fossem rachar. ― Wulfric? Eu pensei… ― O restante de suas palavras se perderam quando ele tomou sua boca. Ele não foi gentil. Foi um beijo de posse, de semanas de medo e perda, de desesperado, reivindicando. A língua dele varreu sua boca, testando, provando, e ela respondeu com o impulso da sua própria. Era ele. O seu gosto, seu cheiro, a sensação de sua pele sob suas mãos, a batida do coração contra seu peito. Ele estava aqui, era um milagre. Então, passada a primeira intensidade, caiu em si, os braços relaxaram e suas mãos deslizaram até suas omoplatas para segurá-la mais suavemente, e seus lábios se moviam sobre os dela em uma pergunta tentadora, em silêncio, ela percebeu que algo estava diferente. A boca que estava adorando a dela não era cercada pela suavidade de um bigode, o roçar da barba recém-cortada não raspava sua bochecha quando ele virou a cabeça. Julia estendeu a mão, apertando as mãos de cada lado do rosto. Ele estava bem barbeado. A sombra vislumbrada no pátio por causa luz derramada de sua porta… Ele não era Antonius. Por quê? Gelo penetrou em seu coração, ela ergueu as mãos à cabeça e encontrou o rosto implacável e másculo de um patrício romano, sentiu os tendões de sua nuca, a volta de sua orelha. Seus dedos se fecharam e um cabelo curto deslizou em sua mão. A Escrava e o Rei Bárbaro – Louise Allen

― Não! ― Ela disse contra a sua boca, mas ele a ouviu e ergueu os lábios dos dela. Então, ele soltou as mãos e deu um passo para trás, olhando para ela. O homem na frente teria parecido perfeito, na sala de banquetes do outro lado da parede. Não parecia um italiano, ou um Ibérico, obviamente, mas, talvez, um visitante britânico rico. Louro, ombros largos, impecavelmente bonito, em suas sedas ricas, o brilho de bom gosto em ouro, no seu pescoço. Ele parecia quase como um homem que ela conhecia: os olhos verdes olhando para ela, de forma constante, os longos cílios, o nariz imperioso que uma vez havia sido quebrado, a sensual boca expressiva. Mas este homem possuía um queixo forte, maçãs do rosto largas, uma testa larga, que ela nunca vira antes, só sentira sob seus dedos acariciando-os, ou vislumbrada como o vento balançava sua juba. Seu cabelo sagrado. O cabelo de um rei. ― O que é que você fez? ― Ela sussurrou. As palavras dele voltaram para ela, parecia anos antes. ― Você disse que nenhum homem cujo cabelo é cortado pode governar. Sua única função, agora, pode ser como um pária ou um padre. ― Eu não tenho nenhuma intenção de me tornar um padre. ― Seus olhos nela estavam vigilantes, medindo. Ele estava esperando que ela o rejeitasse, como presumivelmente, seu povo fizera? ― Seu cabelo ― disse ela, impotente. ― Quem cortou? ― Ele havia sido derrotado, se tivesse chegado a uma luta, e Athaulf fizera uma vingança terrível sobre seu rival? ― Eu fiz. Ou acho que Berig fez. ― O quê? Você fez isso por sua livre vontade? ― Ele não devia pensar que ela estava o rejeitando, como os outros devem ter rejeitado. Ela puxou as mãos para si. ― Por quê? Sua boca se torceu divertida. ― Você pode me imaginar passeando em Roma, ainda menos nesta casa, parecendo um visigodo? ― Você fez isso apenas para me encontrar? Oh! Não, Wulfric, eu nunca pedi, você sabe que eu nunca teria pedido. ― As lágrimas escorrendo por seu rosto. Ele ergueu sua face, com os olhos ainda presos nos dela, e segurou suas bochechas molhadas.

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― Eu sei. ― Seus polegares limparam suavemente sob seus olhos, secando as lágrimas. ― Eu tive que tomar uma decisão, não só sobre você, mas sobre o que eu queria e sobre o que eu deveria fazer. Venha, venha e sente-se e eu vou explicar. Ainda tremendo em reação, ela o deixou levá-la até o sofá e sentou-se ao lado dele. ― Nós reagrupamos após a emboscada. Todos os seus amigos estão seguros. Então veio Willa. Fomos para o lugar que foi escolhido para a decisão e houve um longo debate. Eu escutei Willa e ouvi meus próprios pensamentos, minhas próprias ambições para o nosso povo, ecoando de volta para mim, de seus lábios. Não há nada que eu possa fazer como o rei que ele não possa. ― Você é você ― ela protestou lealmente. ― Você é o melhor homem. ― Ele é mais cruel, mais ambicioso. Eu lancei o meu voto e minha família por ele, mas não foi o suficiente. As pessoas estavam com medo, eles ficaram incomodadas pela perda de Alaric e a emboscada foi a gota d’água. Eles queriam a continuidade e acho que eles viram no casamento de Athaulf e Galla Placidia, a esperança de que Honório vai lidar de forma justa. Afinal ele é o rei agora ― Eu sei, eu pensei que isso significava que você e Willa deviam estar mortos. ― Julia enrolou seus braços ao redor de seus ombros e enterrou o rosto no ângulo de seu pescoço, tão estranho sem a queda do cabelo para se misturar com os dela. ― Oh! Querida. ― Sua mão grande apertou contra ela. ― Eu estava livre para vir para você. Eu discuti com meus parentes, meus conselheiros mais próximos, e eu disse a eles o que eu planejava fazer, tanto para encontrá-la, quanto depois, mais tarde. Julia, eu quero ir para o norte, para Gália, não esperar por Honório e Athaulf falarem sem parar, durante anos. Eu quero comprar a terra, e não esperar por ele para me ser dada. Eu quero resolver, aprender a viver com os meus vizinhos romanos. Eu disse à minha família, e disse que se isso não fosse o que eles queriam, então eu os liberava de sua fidelidade. Athaulf ou Willa iriam recebê-los. A maioria disse que iria comigo. ― Seus lábios se torceram irônicos. Julia encontrou-se fascinado por eles sem barba. Ela aprendera a lê-los, apesar de sua barba, agora ela podia ver na limpeza, o quanto esculpido eles eram, como eram expressivos. ― Então eu disse a eles o que eu precisava fazer para vir para você e disselhes que eles precisavam escolher outro líder, pois eu já não seria elegível. ― O que eles disseram?

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― Que eles me seguiriam de qualquer maneira. Eles admitiram que um rei deve manter seu cabelo, mas, ao que parece, neste novo mundo, um líder não precisará dele. ― Acho que ― Julia disse gentilmente, lendo nos olhos dele quando se moveram que ele ainda possuía essa lealdade ― eu acho que depende muito do líder. Ela viu o movimento convulsivo de seu pomo de Adão, quando ele engoliu e sua voz quando ele falou foi gentilmente provocante. ― Você se importa? ― Com a barba, não ― ela decidiu, encontrando quase impossível de parar de correr os dedos para baixo nos planos de suas bochechas, ao longo de sua mandíbula. ― Eu gostaria de ver o seu rosto. Mas o cabelo, sim, eu sinto falta disso. ― Mulher típica ― Ele fingiu resmungar, puxando-a para o seu colo. ― Você me deixa a tarefa de fazer a barba e meu cabelo. ― Sua cabeça girou bruscamente. ― Há alguém na porta. ― Oh! O senhor! Antonius Justus. Ele está vindo para me seduzir. ― O quê? ― Como Wulfric conseguiu um trovão em um sussurro que ela não fazia ideia. Sufocando uma risada histérica, Julia observou-o deslizar atrás da porta e fez um gesto para ela chamar. ― Antonius? Estou aqui. ― Julia, minha querida. ― O senador passou pela porta, sorrindo amplamente. Meu pai o encheu de bebida, Julia adivinhou, estendendo as mãos como se estivesse dando boas-vindas. ― Antonius. —Seu rosto era uma imagem de incredulidade, quando sentiu o toque em seu ombro. Ele se virou e encontrou o punho direito de Wulfric, que o levantou longe do chão, para pousar, com um estrondo, nos pés de Julia. ― Ele vai ficar bem ― disse Wulfric em resposta à sua exclamação de alarme. ― O que quer dizer com seduzi-la? ― Ele começou a arrastar o homem inconsciente pela porta. ― Existe outro quarto que possa trancar? ― Sim, aquele lá. Ele estava vindo me propor, e meus pais pensaram que, como eu não sou virgem, que seria melhor se ele, er, se comprometesse. ― Ele terá tempo suficiente para isso. ― Wulfric pegou um pano de linho da cesta de remendos de Minia, rasgou-o em tiras e começou a amarrar Antonius pelas mãos e pés. ― Sim, isso vai mantê-lo quieto. ― Ele acrescentou uma A Escrava e o Rei Bárbaro – Louise Allen

mordaça, fechou a porta, colocou a tranca através da trava e a levou de volta para seu quarto. ― No começo eu não fui muito cooperativa ― Julia confessou. ― Quando meu pai me disse que eu precisava recebê-lo, eu disse que listaria os atributos do meu amante bárbaro e compararia com os de Antonius para irritá-lo. Wulfric sufocou uma risada. ― Com minha alma, eu a amo, minha pequena romana. ― Você ama? ― Ele nunca disse isso antes; as dúvidas a sacudiram, novamente, então ela viu seus olhos. ― Eu a amo, mais do que a minha vida. Você duvida disso? ― É fácil ser insegura, quando você está apaixonada e não consegue enfrentar o pensamento de que pode estar errada ― ela murmurou. ― Eu li seus lábios, corretamente, logo depois que você me enviou o meu escudo? ― Suas mãos haviam deslizado para baixo, para cobrir seu traseiro, puxando-a contra ele, a evidência de sua excitação muito clara. ― Sim. Eu o amo. Oh! Eu o amo. Oh! E aquele dardo! Ele entrou pela direita da sua cabeça quando eu o vi, e o percebi em seu cabelo! Eu pensei que você estivesse morto. ― Ela uniu as mãos atrás do pescoço dele e olhou para o rosto dele, procurando. ― Ele pegou nas ligações de meu pescoço. Ele penetrou um pouco, fez uma confusão com o pescoço, mas está quase curada. Estou em condições, razoavelmente boas, para ser um noivo. ― É uma proposta? ― Sim, é meu amor. Pelo menos, até que você possa me convencer de que suas intenções esta noite não eram de seduzir um senador. ― Não. Eu queria bater na cabeça dele, com as ânforas, escapar, disfarçada como um dos artistas, transformar-me com algumas roupas simples que eu encontrei no quarto do servo, e caminhar, até encontrar todos vocês. ― Não roubaria um cavalo? ― Não. ― Ela lançou um olhar provocante, por debaixo de suas pestanas. ― E como você planeja fazer para nos tirar daqui?

A Escrava e o Rei Bárbaro – Louise Allen

― Berig veio espionar ao redor. Levou algum tempo para encontrar onde você vivia. Ele veio entregar seus vegetais por alguns dias, à espera de notícias de alguma função que eu pudesse me infiltrar. Pensei que poderíamos, simplesmente, sair juntos, desde que você tenha um véu modesto para colocar. Caso contrário, terá que passar por cima do muro. ― Não nesta túnica. ― Ela deixou as mãos deslizarem para baixo de suas costelas, apreciando a sensação da seda grossa sobre seus músculos. ― Julia. ― Sua voz estava rouca. Ela deixou as mãos vaguear entre eles, então parou. ― Pare com isso! Quando será o melhor momento para sairmos? Ela escutou. ― Outra meia hora, eu acho. Os primeiros convidados estarão indo embora, e há menos risco de que meus pais saiam do salão nessa fase. ― Excelente. ― Ele começou a desabotoar seu cinto. ― Muito tempo. ― Para quê? ― Sua voz saiu como um suspiro. Foi tudo muito simples como a sobre túnica, e então a túnica foram tiradas, por cima da cabeça. Ele tirou a túnica linda como se fosse um trapo, arrancando fora suas sandálias, impaciente. ― Aqui. ― Houve um rosnado quando ele varreu de cima abaixo o sofá, seu peso vindo sobre ela, para cobri-la e possuí-la, enquanto tomava sua boca. Julia arqueou debaixo dele, embalando-o entre as coxas, inclinando sua pélvis para incitá-lo, descaradamente. Ele subiu nela e ela sentiu seu corpo aceitá-lo, como uma bainha foi feita para a espada. ― Minha ― disse ele ferozmente. ― Meu amor, sempre. ― Meu ― ela repetiu, puxando sua cabeça para baixo, novamente para que ela pudesse beijá-lo, mordiscando ao longo da borda dos lábios, provocando a pele sensível com a língua. Mas ele estava impaciente para ela, movendo-se com dificuldade, quando a cabeça começou a se debater sobre o travesseiro e todas as suas palavras se tornaram um gemido de desejo. Ela havia esperado muito tempo por ele, o choque de sua presença era muito intenso para ela para suportar seu próprio corpo. Seu grito quando ele a levou longe a beira do êxtase, foi engolido por seu beijo, então, ele jogou a cabeça para trás e seu grito de triunfo encheu a sala, ecoando em seus ouvidos, quando ele caiu em seu abraço. ― Eu o amo ― ela murmurou, saboreando a sensação de seu corpo, ainda dentro dela. A Escrava e o Rei Bárbaro – Louise Allen

― Eu a amo ― ele respondeu, aninhando seu pescoço. ― A felicidade de ser capaz de dizer isso! Ela sorriu, virando a cabeça para lhe dar melhor acesso. ― Não, não ― ela murmurou ao sentiu os músculos da coxa tensos quando ele começou a se levantar para longe dela. ― Nós devemos ir. Mais cedo ou mais tarde seus pais vão concluir que o senador foi pego, por mais que seus encantos. ― Eu quero ficar assim para sempre ― ela murmurou, suspirando quando ele escorregou de seu corpo e se levantou, nu, glorioso e dourado à luz do lampião. ― Venha. ― Wulfric estendeu a mão e puxou-a pelos pés para ficar ao lado dele. ― Eu amo o jeito que sua pele fica ao lado da minha. ― Ela aconchegou-se e ele riu. ― Não! Temos de parar antes de acordar e descobrir que os galos estão cantando. Vista-se, Julia. Hora de deixar a casa de seu pai. Ela pegou uma túnica diferente, ela não havia usado desde que ela voltara, e colocou-a, modestamente, sobre sua cabeça, firmando-a em seu rosto, como qualquer matrona bem-educada, a ponto de emergir para uma rua pública. Quando ela se virou para seu espelho, Wulfric foi fixar suas sandálias. ― Então, Domina, vamos? Foi tão fácil escapar por entre os hóspedes um pouco bêbados. Os escravos iam correndo para frente e para trás, atendendo as cadeiras, encontrando as capas das senhoras. Wulfric passeou pelo meio de tudo isso, Julia ao seu lado, e eles foram para a rua, em instantes. ― Virando a esquina. Não se apresse. Havia um carroção, sua carga causando um abaulamento no toldo, duas figuras aparentemente dormindo no caixa do condutor. Ao som de suas sandálias um olhou para eles. ― São eles. Julia! ― Houve uma coisa áspera e um nariz frio e molhado pressionado em sua mão. ― Silêncio, Berig, Smoke. ― Ingunde, seu rosto apenas uma sombra com dentes brilhando, na escuridão da rua apagada. ― Estou tão feliz que você está segura! A Escrava e o Rei Bárbaro – Louise Allen

Elas se abraçaram, subindo para o carroção, juntas. Julia sentiu seus corpos quentes, a ferocidade de seus abraços, a pressão de seus lábios, desajeitados na escuridão, e soube que ela estava em casa. ― Vamos ― disse Wulfric. ― Vamos chegar ao portão de madrugada e depois vamos encontrar os outros. Una e Sichar vão viajar com a gente, o restante em pequenos grupos, de não mais de cinco carroções. Nós passaremos discretamente, sem ameaça se nos misturarmos. ― Ele se inclinou para incitar os bois e Julia lançou um último olhar para sua antiga casa. ― Eu não vou cortar o meu cabelo ― disse Berig, obviamente perseguindo um velho argumento quando Ingunde começou a provocá-lo suavemente. Julia virou-se no assento apertado e passou o braço pelo de Wulfric. ― Eu te amo ― ela sussurrou ferozmente. ― E agora, eu estou em casa. ― Assim como eu, você sabe, eu pensei que nunca teria uma, até que encontramos um lugar para nos instalar. Eu não sabia que tudo o que eu precisava era de estar onde meu amor está. Tão simples, tão difícil de encontrar. Você é a minha casa, Julia, meu amor. Ela se apertou contra o seu lado, colocando a outra mão sobre a superfície plana de seu estômago, em um farfalhar suave de seda. De alguma forma, ela sabia que esta noite eles haviam criado o futuro, a criança que ela desejava tanto. Ela não iria dizer para Wulfric ainda. Ela sabia que ele acreditaria nela, por mais improvável que parecesse que ela pudesse dizer, já que somente ele saberia, também. Wulfric virou a cabeça e ela pode sentir seu sorriso, na escuridão. Ele tomou as rédeas em uma das mãos e colocou a outra sem medir, sobre a dela. Ela havia esquecido sua incrível audição. ― Eu te amo tanto ― ele sussurrou enquanto o carroção entrava, lentamente, pela noite, para fora de Roma e para um novo mundo.

A Escrava e o Rei Bárbaro – Louise Allen
Louise Allen - A Escrava e o Rei Bárbaro

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