Kimberly Killion - Paraiso Proibido (e-CHE 376)

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Paraíso Proibido Caribbean Scot

Kimberly Killion

Forçado a fugir da Escócia em sua juventude e a abrir mão de um futuro como chefe de seu clã, Reid MacGregor prospera no Caribe depois de encontrar ouro. Mas ele ainda tem dois outros tesouros a reivindicar: a biblioteca perdida de uma antiga sacerdotisa maia e a jovem que ele deixou para trás... Em seu esconderijo nas matas de Glenstrae, Mary-Robena Wallace vigia as fronteiras com os membros de seu clã, desesperada para salvá-los da crueldade do rei James. Renomada por sua habilidade como escavadora, ela concorda em unir forças ao homem que a abandonou e viajar com ele para o Caribe, em busca de ouro. Mas os frutos de um paraíso exótico e o beijo proibido de um traiçoeiro sedutor ameaçam desviá-la de seu objetivo... Digitalização e Revisão: Projeto Revisoras

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Paraíso Perdido

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Querida leitora, Você vai ler um romance fantástico, uma caça a um tesouro, repleta de perigos, surpresas e sensualidade, uma aventura inesquecível vivida por um homem e uma mulher que relutam em admitir a paixão e o desejo explosivo que sentem um pelo outro. Prepare-se para viver emoções alucinantes! Leonice Pomponio Editora

Copyright ©2011 by Kimberly Killion PUBLICADO SOB ACORDO COM KIMBERLY KILLION Todos os direitos reservados. Todos os personagens desta obra são fictícios. Qualquer semelhança com pessoas vivas ou mortas terá sido mera coincidência. TÍTULO ORIGINAL: CARIBBEAN SCOT EDITORA Leonice Pomponio ASSISTENTE EDITORIAL Patrícia Chaves EDIÇÃO/TEXTO Tradução: Márcia Maria Men CAPA E DIAGRAMAÇÃO Mônica Maldonado ISBN 978-85-13-01438-7

© 2011 Editora Nova Cultural Ltda. Rua Texas, 111 – sala 20ª – Jd. Rancho Alegre – Santana do Parnaíba São Paulo – SP — CEP 06515-200 www.romancesnovacultural.com.br

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Sobre a Autora Kimberly Killion gosta de ler desde menina. Ela leu, na íntegra, Édipo, A Ilíada e Odisseia, entre outras tragédias gregas. O hábito da leitura não só lhe rendeu a nota mais alta da classe, como desenvolveu nela o gosto pela História e pela Literatura. Kimberly se formou em Belas Artes e teve uma gratificante carreira de designer gráfica por mais de 15 anos. Ao longo desse tempo, ela começou a ler obras mais modernas, e dez anos atrás ela trocou o pincel pela caneta (ou computador). Depois de escrever e ilustrar um livro de histórias de fadas, ela começou a explorar o mundo do romance, e atualmente trabalha meio-período lecionando numa universidade. Kimberly é casada há quase vinte anos e tem dois filhos. Ela mora em Illinois, e é membro da Associação de Escritores de Romances da América, da Hearts Through History, da PASIC e da Novelist, Inc. Kimberly Killion foi elogiada pela revista Romantic Times como uma autora que escreve “romances cativantes, com um ritmo excelente e personagens inteligentes e humanos”. Entre os prêmios que ela conquistou com seus livros, publicados pela Kensington, estão o RITA, o Holt Medallion, o K.I.S.S. e muitos outros. Em 2010, o romance Caribbean Scot ganhou o 3º lugar na categoria Romance Histórico no concurso “Revele Sua Alma Feminina” e no concurso Merwa Synopsis, e 2º lugar na categoria de Livros Publicados, todos patrocinados pela Associação de Escritores de Romances da América. Você pode acompanhar Kimberly Killion no Facebook , no blog e no site http://www.kimberlykillion.com/.

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Prólogo

RAPTO Sudeste de Glenstrae, Escócia Verão de 1603 Com dezesseis anos, Reid MacGregor tinha apenas uma pessoa em seu pensamento, e ela estava á seus pés, preparando-o para um mergulho no lago Long. — Será que um pouco de ouro me compra um beijinho? — Reid disse, piscando para a mocinha que amarrava as tiras de couro em seu pescoço e ignorando os sons de engulhos que Eoin e Fergus faziam atrás dele. A tocha enchia a caverna com um brilho amarelado, mostrando o rubor que cobria a pele clara da moça. Ela apertou mais as tiras, um pouco além do que seria necessário. — É típico de um MacGregor fazer propostas que não tem como pagar. Mary-Robena Wallace sempre tivera a língua afiada, especialmente quando se tratava de Reid. Não era a resposta que ele queria, mas também não era um “não”. Ele sentiu o estômago se contrair de ansiedade e excitação. Reid nunca havia beijado uma garota, exceto sua Nanna, e não era bem aquele tipo de beijo que ele queria dar em Robbie. Não, ele desejava um beijo como aqueles que as mulheres do clã davam nos guerreiros que voltavam de uma batalha. O tipo de beijo que envolvia um pouquinho de língua... Reid se revirou no macacão de couro, engoliu em seco e deslizou um dedo enluvado entre os nós e seu pescoço, tentando ficar mais à vontade. No entanto, Robbie deu um, tapa na mão dele, afastou a trança ruiva para trás e pegou um balde de piche no chão da caverna. Espalhou a gosma preta ao redor dos pulsos e dos tornozelos de Reid, selando o macacão às botas de ferro para que a água não pudesse entrar. O odor pungente do alcatrão deixou as narinas dele ardendo quando chegou à vez de selar a região do pescoço. Robbie não tentou esconder o sorriso enquanto colava o cabelo dele ao pescoço. Reid teria de ficar de molho em gordura de carneiro por uma quinzena para remover aquele grude, mas valeria a pena se ele encontrasse algum sinal do tesouro que seu avô garantia estar nas profundezas do lago Long. Robbie desenhara uma rede de possíveis locais de acordo com as teorias do avô, e juntos eles haviam pesquisado mais de metade da área onde se acreditava que um tenente espanhol teria escondido um tesouro roubado da terra descoberta por Cristóvão Colombo. Nos últimos três meses, tinham encontrado pouca coisa: só uma bota e parte de uma armadura. O irmão de Robbie, Fergus, conferiu os pesos de ferro presos à base do barril de madeira em forma de sino, depois girou a manivela, descendo o barril na água até que 4

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sumisse de vista. — E por que você quer beijar minha irmã? Ela ainda nem tem peitos! Os olhos verdes de Robbie faiscaram, enquanto a moça jogava um punhado de piche em seu irmão. — Você tem de aprender a fechar a boca! Vovô vai lhe dar uma surra por dizer essas coisas. As pontas das orelhas de Robbie estavam rubras. Ela baixou os olhos para o espaço vago em seu corpete de lã e suspirou. Reid teve vontade de consolá-la, dizer-lhe que logo ela teria peitos, mas não era tolo a esse ponto. Fergus limpou o rosto redondo da gosma e continuou girando a manivela que baixava o barril até a água. — Só estou dizendo que o Gregarach pode escolher qualquer donzela deste lado do lago. Por que ele iria preferir logo você? Robbie olhava para o chão da caverna, sem dúvida magoada pelas palavras de Fergus, porém Reid enxergava algo que o irmão dela não via. Ela era esperta. Com treze anos, já sabia mais sobre o barril de mergulho do que os três rapazes juntos. E Reid, Eoin e Fergus eram três anos mais velhos que ela. Os quatro sempre haviam sido amigos, mas ultimamente, quando Reid pensava em Robbie, já não era mais apenas como a irmã de Fergus. Ele podia ver uma beldade a florescer, como uma crisálida antes da transformação. Por dentro, ele riu de sua comparação, imaginando-se meio tolo e não se importando que Fergus e Eoin pudessem pensar o mesmo. Eoin lançou uma pedrinha por cima da água. — Eu consigo imaginar pelo menos uma dúzia de coisas que quero comprar com o ouro do espanhol. A primeira vai ser uma pistola, para proteger o tesouro daqueles malditos Colquhouns. O primo de Reid pigarreou e cuspiu na água em que Reid estava prestes a entrar. — Será que dá para você cuspir seu pulmão na pedra, seu porco? De todos os hábitos que Eoin tinha, o modo como estava sempre cuspindo catarro era o que mais irritava Reid. Eoin respondeu repetindo o gesto, entretanto dessa vez lançando o resultado no balde de piche. Pelo menos o safado tinha uma boa pontaria. — Continue assim, e eu o arrasto para baixo comigo! Eoin se retraiu, ficando levemente esverdeado; não era muito amigo da água. Robbie se aproximou e amarrou uma corda ao redor da cintura de Reid, que sentiu as pernas amolecer. Ela exalava o mesmo cheiro do resto deles, ou seja, peixe e piche, mas quando ele sentiu sua respiração de perto, detectou um vago perfume dos mirtilos que ela havia comido no caminho para a caverna. Ele ergueu o queixo de Robbie com a ponta do dedo, baixando o olhar até os lábios em forma de coração. — O que me diz, Mary-Robena Wallace? Se eu subir com uma prova do ouro do 5

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espanhol, você me deixa provar sua doce boca? Ele tinha ouvido o pai dizer algo parecido para uma mulher em um bar decadente antes de sair para o mar. Mesmo assim, Reid se sentiu ridículo ao repetir a frase. O rosto de Robbie ficou escarlate. Ela abriu um sorriso imenso, exibindo dentes grandes demais para a sua boca. — Traga-me o outro, MacGregor, e eu lhe dou seu beijo. Reid sentiu um calor invadi-lo momentos antes de ela empurrá-lo na água gelada. O frio que atingiu seu rosto foi esquecido rapidamente quando o peso das botas de ferro esticou suas pernas. O resto do corpo foi junto, arrastando-o para o abismo negro. A escuridão não o incomodava tanto, mas ele nunca conseguia se acostumar à queda. Com os olhos fechados e as bochechas infladas, esperou que seus pés tocassem o fundo. Robbie tinha medido a distância e cortado a corda no tamanho certo. O fundo do lago iria chegar... Em algum momento. Algum tempo antes, quando Eoin quase se afogara, Reid tinha aprendido a não se apavorar, a despeito da pressão nos ouvidos, da constrição no peito, do coração batendo disparado... Seus pés alcançaram o lodo, e uma fileira de bolhas fez cócegas em seu rosto. Movendo os braços de lado a lado, ele procurou pelo barril. Robbie nunca errava nos cálculos. Em seis passos, encontrou o que buscava. Com os pulmões já queimando, ele nadou entre os pesos pendurados no fundo do barril e deslizou para o vão. Seus movimentos ecoaram dentro do objeto. Ele respirou fundo, mas não se demorou. Robbie havia explicado no verão anterior como a expiração de uma pessoa podia envenenar o ar rapidamente; por isso, Reid inspirou uma segunda vez e mergulhou de novo. Cercado por uma escuridão total, ele vasculhou o fundo do lago atrás de joias, quinquilharias, taças, cofres — qualquer evidência que pudesse satisfazer Robbie e garantir seu beijo. Seu ritmo cardíaco era estável, batendo em staccato em seus ouvidos. Afastou-se um pouco mais da segurança do barril, determinado a encontrar alguma prova para levar à superfície. Claro, qualquer coisa realmente de valor seria utilizada para comprar a volta deles às boas graças do rei. Já haviam se passado três meses desde que o rei James banira o clã de Reid. Ele voltava com frequência ao barril, furtando pequenos bocados de ar a cada visita. Talvez estivesse sendo egoísta, mas não se importava muito com o que o tio faria com o tesouro. Tudo em que conseguia pensar era no beijo. Reid esquadrinhou o fundo do lago, um pedaço de cada vez, até algo espetar seu polegar. Algo liso. Feito pelo homem. Talvez fosse o cabo de uma espada, ou alguma ferramenta. Ele inspecionou a área e sentiu as bordas quadradas de um cofre grande. Colocou os braços ao redor do objeto, mas a caixa-forte era imensa. O ouro do espanhol estava ali dentro, ele tinha certeza. 6

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Girando o corpo, Reid levantou o joelho até o peito e chutou a madeira podre com sua bota de ferro. A madeira cedeu. Em uma pressa louca, ele enfiou os dedos entre as lascas e sentiu algo circular. Uma moeda. Pelas pedras de Satã! O avô de Robbie não era louco, ele tinha razão! A excitação da descoberta deu novo, vigor a Reid. Ele quase podia ouvir o sangue correndo em suas veias. Infelizmente, também podia sentir seus pulmões se confrangendo. Precisava de ar, e logo! Reid fechou a mão sobre o que esperava ser ouro, depois empurrou a água para trás, voltando ao barril. Respirou fundo; três vezes, ganancioso com o ar restante. Parte dele já estava celebrando sua vitória. Os MacGregor não seriam mais forçados a adotar nomes falsos, e as patrulhas nas fronteiras poderiam parar. Seu pai poderia retomar sua posição de direito como chefe do Castelo Kilchurn, e Reid não teria de aguentar mais nenhum dia com Eoin se gabando de seu status com os guerreiros no campo de treinamento. Ser o filho do líder escolhido tinha deixado Eoin convencido demais. A mente de Reid voltou ao ponto em que tinha começado, a coisa com a qual vinha sonhando desde que Mary-Robena Wallace piscara suas pestanas ruivas para ele: aquele beijo. Com a mão livre, Reid localizou a corneta que Robbie tinha prendido à parte de cima do barril. Respirou fundo e tocou três vezes, ansioso para retornar à superfície. Será que ela o beijaria, ou ele teria de beijá-la? E como se começava um beijo? Será que ele devia pressionar os lábios nos dela? Ou devia sugar o lábio de cima, enquanto ela sugava o inferior dele? Ou seria ao contrário? E em que momento ele poderia começar a usar a língua? Reid se debatia com todas essas dúvidas enquanto se segurava na barra acima de sua cabeça e esperava. Nada aconteceu. — Levantem o barril! — gritou, e esvaziou os pulmões soprando a corneta outra vez. Mas ninguém girou a manivela. Ninguém deu um puxão na corda ao redor de sua cintura, como estava combinado. Nada aconteceu. Incapaz de evitar o pânico, Reid respirou pelo nariz de modo curto e rápido. De quanto tempo ainda dispunha, antes que o ar se tornasse venenoso? Ele soprou a corneta de novo e contou até sessenta. Nada. Reid colocou a moeda na boca, deslizou para fora do barril e estendeu a mão para a corda atada ao barril. Aos poucos, foi puxando a si mesmo na direção da superfície. As botas de ferro eram pesadas como pedras, e ainda que ele conseguisse tirá-las, a água entraria em seu macacão de couro, e Nanna o faria tomar aquele tônico horroroso para evitar que ele passasse alguma doença para seu meio-irmão e sua meio-irmã. Reid começou a sentir a cabeça leve e uma fraqueza no corpo, mas a raiva o manteve no 7

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curso. Ele ia colocar urtiga nas roupas deles e sapos na cama de Robbie. Não, aranhas! Robbie tinha pavor de aranhas. A luz ondulava, ainda a alguns metros de distância. Ele podia sentir seu peito rasgando, exigindo ar; mesmo assim, mordeu a moeda e continuou se içando em direção à superfície. Segundos depois, Reid saiu da água, ofegante em busca de ar, e quase engasgando com a moeda presa entre os dentes do fundo. Cuspiu o ouro na mão e investiu, ainda com o cabelo nos olhos: — Pelos céus! Eu vou jogar piche em vocês e cobri-los com penas, seus infelizes! Antes que ele pudesse ver qualquer coisa, duas mãos enormes seguraram seu macacão pelos ombros, arrancando-o da água. — É bom ver que você não perdeu o ânimo, filho. — Papai? Reid estava apenas levemente surpreso com a aparição do pai. Embora o clã julgasse Calum MacGregor um covarde por não combater os Colquhouns, Reid sempre soubera que o pai retornaria do mar para seu lugar de direito como líder do clã. Eoin ficaria furioso. — O senhor voltou para liderar o clã? — Reid indagou, esperançoso. — Eu voltei por você, e bem a tempo. O rapaz seguiu o olhar do pai, percebendo um homem caído contra a parede de pedra. Reid reconheceu o padrão de suas roupas como o tartã azul e verde dos Colquhouns. Aos pés dele estava Fergus, esparramado no chão da caverna com um rasgo que ia da garganta ao umbigo. Fergus! Seus dedos grossos apertavam o cabo de um porrete, e o tartã vermelho e verde que ele usava com tanto orgulho estava manchado de sangue. Seu rosto estava cinza, exceto pelo sangue que escorria da boca. Estava morto, sem dúvida alguma. A visão de Reid ficou borrada pelas lágrimas, e ele sentiu a bile subir à garganta. Por quê? Por que Fergus? Fechou os olhos com força, ajoelhou-se e vomitou no chão da caverna. Um grito agudo chegou aos seus ouvidos. Robbie. Com o coração disparado, Reid limpou a boca e olhou para a caverna à sua volta, mas estava vazia. — Onde estão os outros, Eoin e Robbie? — Eles fugiram. Venha, temos de nos apressar. Com a espada em uma das mãos e a outra ao redor do pulso de Reid, seu pai o arrastou para fora da caverna, para a luz do sol poente. Uma formosa égua negra encontrava-se na abertura, já selada e à espera. Outro grito soou pela colina. Os pés pesados de Reid congelaram no lugar em que estavam. 8

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— Robbie — murmurou, olhando para cima, onde a bruma se espalhava sobre as antigas pedras elevadas. O vento lentamente afastou a neblina, expondo dois guerreiros Colquhouns vestindo azul e verde. Um deles segurava uma tocha, enquanto o outro prendia Robbie ao chão, pisando nas costas dela. — Não! — gritou Reid, libertando-se do pai. Ele correu para o inimigo, forçando os músculos das pernas a erguer o peso das botas. O Colquhouns tirou uma haste de ferro da tocha; sua ponta reluzia como um minúsculo sol. — Deixem-na em paz! — Reid agarrava-se à base da colina, sem se importar que o vissem. O terror o dominava; ele tremia e chorava. Robbie o encarou, a boca escancarada. Mas seu grito, quando a haste tocou sua face, foi silencioso. — Não! — Reid rugiu, ao mesmo tempo em que o Colquhouns que pisava nas costas dela vinha em sua direção, já com a espada em riste. Reid iria matá-lo; não importava que o homem tivesse o dobro do seu tamanho. Ele iria arrancar a carne de seus ossos e queimar os restos. — Seu bastardo! Eu vou... O resto do xingamento foi arrancado de seus pulmões quando duas mãos o suspenderam do chão, colocando-o de barriga para baixo sobre o pescoço de um cavalo enorme. — Eu vou levá-lo para um lugar melhor, filho. Uma terra com menos ódio. — Mas e o clã? E Nanna? E Robbie...? — Não posso salvar aqueles que não querem ser salvos. — O senhor pode salvar Robbie! — Reid chutava e se debatia, tentando escapar, mas continuava preso nos braços do pai. — Não posso deixá-la para trás! Reid soluçou quando os gritos de Robbie diminuíram atrás deles, sufocados pelo som dos cascos dos cavalos de seus perseguidores.

Capítulo I

REUNIÃO Onze anos depois Início do Outono Robbie ofegou. Não porque o homem diabolicamente perfeito agachado sobre ela 9

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roubasse seu fôlego, mas porque seus pulmões estavam pegando fogo por causa do mergulho. Ela se segurou à borda das pedras com força, esfregando os olhos o suficiente para poder observá-lo. Cabelos pretos, cílios longos, sobrancelhas grossas... Uma das quais estava arqueada no momento... Um queixo voluntarioso e lábios sensuais demais para um homem. — Santo Loki! — Seu coração quase parou ao reconhecê-lo; aqueles olhos prateados eram inconfundíveis. A última pessoa que ela esperava encontrar aguardando-a após o mergulho era ele. — Reid MacGregor... Em carne e osso, bronzeado e lindo. Ela rezava por ele, quando não o estava amaldiçoando. Pensara, durante aquele tempo todo, que ele havia morrido. Era mais fácil aceitar isso do que o fato de que ele e seu pai haviam abandonado o clã. Onde quer que ele tivesse vivido, não tinha sido em um campo de batalha. Nenhuma cicatriz marcava seu rosto barbeado, e seu nariz era perfeitamente reto. Ela não conhecia nenhum homem cujo nariz não tivesse sido quebrado ao menos duas vezes. Começando pelo dedinho, ele girou uma moeda sobre os nós dos dedos, depois segurou o ouro entre o polegar e o indicador. — Vim receber meu beijo. Robbie o encarou, lembrando-se do acordo, mas não precisou de tempo para formular uma resposta. — Seu pomposo miserável, filho de um corvo! Eu prefiro beijar um javali do que alguém como você! Ela poderia continuar com as ofensas por um longo tempo ainda, mas Reid a arrancou da água para o piso da caverna com uma batida surda das botas de ferro. O homem podia ser forte como um touro, mas ela ficou contente ao notar que tinham quase a mesma altura. — Céus, Robbie, você é só pernas! — brincou Reid, os olhos reluzindo enquanto afastava o cabelo dos olhos dela. Seu ar de divertimento, porém, sumiu ao divisar a cicatriz, que a marcava como uma MacGregor. A mesma marca com que ela vivera desde o dia em que ele havia partido. Robbie cobriu a face e se afastou. Não escondia sua cicatriz havia anos, e maldito fosse ele por fazê-la cobrir a marca agora. — Saia. — Robbie, eu... Ela esperou, pensando que ele talvez fosse implorar pelo seu perdão, mas nenhuma palavra se seguiu. — Vá. Volte para o lugar de onde veio. Com dedos trêmulos, ela soltou as botas e enfiou os pés gelados no mesmo par de sapatos que usava desde os dezesseis anos. Recusava-se a pensar no que poderia ter sido, e puxou os laços cobertos de piche em seu pescoço. Despiu o macacão de couro, o que a deixou apenas com o vestido fino. Havia nele uma mancha de sangue, onde Robbie limpara um 10

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coelho uma quinzena atrás, e o piche se agarrava ao corpete, fazendo-a parecer uma mendiga imunda. Ela olhou para trás, reparando na elegância de Reid. Ele não usava o tartã. Em vez disso, trajava cores vivas: um casaco púrpuro sobre uma camisa branca cobria seus ombros largos, e a calça preta justa estava enfiada nas botas pretas, com uma dobra perfeita nos joelhos. Duas faixas vermelhas completavam o visual com mais cores, uma no joelho, outra na cintura. Para que aquilo servia, ela não fazia ideia, a não ser que fosse para esconder armas. Na verdade, ele parecia deslocado naquele lugar. Robbie jamais admitiria isso em voz alta, mas invejava sua óbvia boa sorte. Por que Reid voltaria àquela terra gélida, se encontrara prosperidade? Ela não precisou pensar muito para encontrar a resposta. Ele devia ter voltado para reclamar a posição de chefe do clã. — Eoin é o líder do clã, agora. Você não tem mais lugar aqui. Robbie vestiu seu manto, aninhando-se na lã e lutando contra o frio que ameaçava fazêla tremer. Os músculos de seu rosto doíam pelo esforço de evitar que os dentes batessem. Quando tentou passar por Reid, ele segurou-lhe o braço e a trouxe para perto de si. Ele estava quente. Tão quente... Olhos cor de prata, margeados de safira, sustentaram o olhar dela. — Eu não vim para liderar o clã. Voltei por você. Por mim? Maldito! Robbie recuou e deu-lhe um, tapa com força. Os segundos seguintes pareceram durar uma eternidade. A mão dela formigava, enquanto Reid girava a cabeça sobre os ombros, limpando uma gota de sangue do lábio. Ele não disse nada, mas baixou os olhos, e sua respiração se intensificava com o silêncio que se estendia. — Você não tem honra, e não me merece. Você é um covarde, igual a seu pai! — Meu pai não era covarde — ele defendeu, mas sem rispidez. Tremendo, Robbie desvencilhou-se de seu abraço. — Não? E que outro nome dar a um homem que foge da sua gente, sabendo que seu inimigo pretende tomar-lhe as terras? — Não é verdade. Meu pai não fugiu. Ele partiu em busca de um lugar melhor. Robbie o analisou da cabeça à ponta das botas lustrosas. — Bem, suspeito que ele o encontrou. — Encontrou, e quero levar você para lá, Robbie. Irritada pelas suposições de Reid, ela pegou a tocha e foi em direção à saída da caverna. Maldito, que fosse para o inferno! O sujeito tinha musgo no lugar do cérebro se achava mesmo que ela partiria com ele. Muitas pessoas dependiam dela. As mesmas pessoas que ele abandonara. Robbie esfregou a mão ainda ardida contra a saia e exigiu que suas pernas trêmulas a carregassem para longe de Reid MacGregor. Dando-lhe as costas, saiu da caverna para a escuridão da noite, mas um demônio de pele escura atravessou seu caminho. 11

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Robbie parou, a respiração formando um nó em sua garganta. Ela segurou a tocha à sua frente, mais como uma arma do que como fonte de luz. O homem que bloqueava seu caminho vestia um pesado casaco de pele e era diferente de todos que ela já tinha visto. Era calvo, exceto por uma faixa de cabelos no topo da cabeça. Seu couro cabeludo nu tinha símbolos negros desenhados, e o rosto era enfeitado com pedaços de marfim. Ou seriam ossos? O avô de Robbie lhe contara sobre os selvagens do Novo Mundo, mas o homem à sua frente não se parecia com a imagem formada com base nas histórias. Ele estendeu a mão para tocar-lhe os cabelos. Robbie recuou, o coração se acelerando, quase a ponto de explodir. — Mulher sak kan? — Os olhos negros do desconhecido passaram do rosto dela para algum ponto atrás de seu ombro. — Sim. — Reid se colocou atrás dela. — Esta é Mary-Robena Wallace. Robbie, este é Yaxkin. Ele é conhecido entre seu povo como Espírito Que Corre, mas eu o chamo de Jax. Espírito Que Corre? Que tipo de homem atende pelo nome de Espírito Que Corre? O tal homem, Espírito Que Corre... Yax... Jax inclinou a cabeça e a observou. Ele levantou a saia dela do chão e se curvou para examinar-lhe os pés, depois, sem nenhum aviso, apertou-lhe o seio. — Ei! — Robbie deu um pulo para trás, e estava prestes a enfiar a tocha no nariz dele quando Reid agarrou o pulso do selvagem. — Não. — Reid calmamente o afastou. — Não é assim com eles. Jax deu de ombros. — Mulher sak kan muito bek’ech. Robbie culpou a curiosidade por ter permanecido ali entre aqueles dois e voltou-se para Reid. — O que é uma mulher sak kan? — Sak kan quer dizer “serpente branca”. — Reid deu um meio-sorriso. — O povo mopán me chama de Serpente Branca. Jax apontou para Reid. — Serpente Branca. — E apontou para Robbie. — Mulher de Serpente Branca. — Não. — Robbie estendeu a mão e balançou a cabeça. — Eu não ser mulher de Serpente Branca — explicou, sentindo-se uma idiota por falar daquele jeito. O sorriso de Jax aprofundou as linhas ao redor de seus olhos. — Então eu chamo você de C’ak’is Ak’. O pagão a estava insultando. Ela soube pelo jeito como Reid riu. — Do que ele me chamou? — Língua de Fogo. Robbie rosnou por entre os dentes, depois saiu com raiva. — Odin que me ajude, se eu tivesse uma espada... — Acho que minha Robbie não gostou de seu novo nome. Reid caminhava ao lado de Jax, seguindo Robbie enquanto ela resmungava à distância, 12

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subindo o morro coberto de neblina. Mary-Robena Wallace já não era uma adolescente desajeitada: havia desabrochado em uma bela mulher. Reid remexeu o dobrão de ouro que encontrara tantos anos atrás e imaginou quanto teria de implorar para convencer Robbie e o avô dela a irem com ele. Só de imaginar aquelas longas pernas na areia branca da praia de Yucatán, algumas, partes de seu corpo despertavam... Partes que deveriam continuar adormecidas, dado o desprezo óbvio que ela lhe dedicava. Se conseguisse colocá-la em seu navio, Reid a levaria para bem longe daquele lugar gélido e desolado, para Rukux. Mostraria a ela uma nova terra. Um lugar quente, cheio de frutas exóticas e comida em abundância. Mas não se iludia; seria preciso muito mais que uma goiaba madura para convencê-la a embarcar no, Obsidiana. Ele teria de contar a ela sobre o ouro. — Língua de fogo é mirrada. — A declaração franca de Jax interrompeu os pensamentos de Reid. — Magra demais. Não se parece nada com Pomba Negra. A esposa de Jax era cheia de corpo, portanto Reid não tinha como discordar da comparação. Ele já encontrara esqueletos com mais carne que Robbie. Antes que ela se cobrisse com o manto, Reid havia notado como suas clavículas se destacavam. As maçãs do rosto também estavam saltadas em seu rosto magro. O avô dela deveria gastar menos tempo com seus experimentos e mais tempo cuidando da neta. Esse pensamento o fez hesitar. Logo que Jax e ele haviam chegado, foram ao Castelo Kilchurn, apenas para descobrir que o lugar tinha sido tomado por dezenas de Colquhouns. Com cautela, ambos pularam o muro que protegia a fortaleza e visitaram o pequeno chalé de Argyle Wallace, mas o lar da infância de Robbie também tinha novos ocupantes. E que outro nome dar a um homem que foge da sua gente, sabendo que seu inimigo pretende tomar-lhe as terras? As palavras de Robbie ecoaram em sua cabeça. Reid sabia que ela estava enganada. Seu pai havia tentado salvar a todos, mas eles o chamaram de louco e acusaram-no de covardia. Sobre certo ângulo, era verdade: ele havia sido louco em pensar que poderia salvar todo o clã. Argyle Wallace tinha sido um dos acusadores. Só agora ocorria a Reid que o avô de Robbie poderia estar morto. Ele já era frágil, onze anos atrás, sempre reclamando de dores nos ossos. A mãe de Robbie morrera quando ela ainda era um bebê, e o pai havia sido morto lutando contra os Colquhouns, não muito tempo depois. Ela não tinha mais ninguém. Se Argyle estivesse morto, há quanto tempo Robbie estaria por sua própria conta? E onde estava o resto do clã? Jax estremeceu, fazendo os ossos que decoravam sua orelha estalar ao lado de Reid. — Roubamos a mulher de Serpente Branca e voltamos para Yucatán. Aqui é frio demais. — Sim, a Escócia não é... — Nok ol. — Jax deteve Reid colocando a mão sobre seu peito. Reid estreitou os olhos, procurando o inimigo. Seus instintos imediatamente se aguçaram. O primeiro deles era proteger Robbie. Ele lutou contra a mão que o segurava, mas 13

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gelou ao ver a chama da tocha de Robbie subindo a colina e desaparecendo na névoa. A mesma névoa que o impedia de enxergar além de mais de três metros em qualquer direção. Reid aguçou os ouvidos e prestou atenção nos arredores. O som de cascos de cavalos se aproximou e os cercou. Reid ouviu o tilintar dos arreios, e o cheiro dos cavalos invadiu suas narinas. O resfolegar de um deles não escondeu o som de uma espada sendo desembainhada. Posicionando-se de costas para Jax, Reid empunhou sua espada e aguardou que os inimigos se revelassem. Nunca havia sido um guerreiro, porém poucos caçadores eram mais habilidosos que ele. Entretanto, a Escócia era bem diferente da selva com a qual ele se acostumara. Mesmo assim, estava disposto a se arriscar. A ponta de uma espada se materializou através da neblina antes que o homem que a empunhava ficasse visível também. Outros três cavaleiros se materializaram atrás de onde Reid e Jax se encontravam, todos vestindo tartã. — Larguem suas armas e digam seus nomes. — Duncan Montgomery — mentiu Reid, dando o nome de um dos tripulantes do, Obsidiana. Depois de ouvir alguns peregrinos conversando em Rosneath, onde o navio tinha ancorado, ele ficara sabendo que o édito contra o clã ainda era válido. Qualquer homem do clã MacGregor deveria renunciar a seu nome, sobre pena de morte. — Claro, Duncan Montgomery. — O bastardo ergueu o queixo de Reid com a ponta da espada. — Você não se parece com um Montgomery. — E este outro certamente não é escocês — acrescentou outro dos homens, ao mesmo tempo em que Jax desaparecia da retaguarda de Reid. Seu amigo mopán tinha bons motivos para portar o nome de Espírito Que Corre. Jax estaria segurando o coração de seu inimigo nas mãos antes que o outro sequer percebesse o que estava acontecendo. Nesse momento, um homem desapareceu de sua montaria com um grunhido. Em seguida, ouviu-se um grito quase infantil. — Parem! Parem! Robbie entrou no círculo formado pelos homens. A luz de sua tocha mostrou um rapaz deitado no chão, aterrorizado. Jax segurava o rapaz pelo pescoço com uma das mãos, enquanto a outra estava levantada com evidentes intenções homicidas. — É o demônio! — arfou o garoto, debatendo-se como um besouro que tivesse caído de costas. — Por favor... — Robbie voltou-se para Reid. — É Shane. — A voz dela estava trêmula, e a tocha destacava a sombra do medo em seus olhos. Shane ainda era um bebê quando Reid saíra daquelas terras. — Solte-o, Jax. Ele é meu meio-irmão. Sorrindo, Jax ajudou Shane a se levantar, abraçando-o com força em seguida. — O irmão de Serpente Branca é meu irmão, também. — Irmão? — O suposto líder inclinou a cabeça, examinando Reid com cuidado. — 14

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Quem diabo é você? — É Reid MacGregor — informou Robbie, os olhos verdes arregalados e fixos no homem que ainda ameaçava Reid com a espada. Suas sobrancelhas delicadas se franziram, e ela mordeu o lábio inferior. Quando Reid percebeu que ela estava preocupada com ele, sentiu seu corpo se aquecer. Seu sorriso não poderia ter vindo em pior hora. — Reid MacGregor. — O escocês embainhou a espada e cuspiu nas pontas das botas de Reid. — Faz muito tempo. A que devemos a honra de sua volta, primo? — Eoin? O primo de Reid já não era um adolescente magricela. De fato, agora o sujeito parecia um touro. Alguém imitou o canto de um pássaro à distância. Era um sinal, um que ele mesmo usara em sua juventude para chamar seus parentes antes de um ataque. Pelo jeito, os MacGregor ainda enfrentavam confusão nas fronteiras. Anos antes, eles lideravam ataques para repelir os inimigos do Castelo Kilchurn, mas Reid suspeitava que as razões atuais fossem bem diferentes. Muita coisa havia mudado. Mas uma coisa continuava igual: Eoin ainda ostentava o mesmo comportamento arrogante que possuía na juventude. O primo não parecia nem um pouco preocupado com o retorno de Reid. — Junte-se a nós. Vai ser como nos velhos tempos. — Eoin abriu um meio-sorriso e olhou para Jax. — Traga o seu amigo... Ele parece ter várias habilidades. Reid olhou para Robbie e desejou que ela simplesmente fosse embora com ele. Queria não ter de provar seu valor de acordo com as leis deles. — Eu não vim em busca de pilhagem. Eu vim por... Robbie o encarou e balançou a cabeça, séria. Era um alerta. Que ele preferiu descartar. — ...Robbie. Fez-se silêncio. Todos os cavaleiros olharam para Eoin. O homem tornou a cuspir por cima do ombro. — E o que faz você pensar que minha Robbie vai com você para algum lugar? Minha Robbie? Reid sentiu o coração afundar no peito. Na mesma hora, olhou para as mãos dela em busca de uma aliança, mas ela estava usando luvas. Ele pensara ter se preparado para todas as possibilidades, até mesmo a de ela estar morta. Tinha jurado não interferir caso a encontrasse, casada e com filhos. Se Robbie tivesse se entregado à Igreja, prometera não retirá-la do convento. Contudo, encontrar Robbie casada com seu primo era um cenário que não lhe ocorrera. Mas deveria. Ele precisava pensar. — Eu tenho ouro. Se a oferta tentou Eoin, ele disfarçou bem sua reação. Coçou a barba, pareceu meditar por instantes, depois puxou as rédeas da montaria. 15

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— Nós também temos. Só precisamos roubar o nosso. Ele se virou para Shane. — Empreste seu cavalo para seu irmão. — Sim, milorde. — Shane obedeceu de imediato e ficou aguardando suas ordens. — Reúna o clã na velha propriedade de Leckie e coloque o bezerro mais gordo para assar. Avise que o filho pródigo retornou, e que temos motivos para celebrar. — Eoin puxou Robbie para a garupa de seu cavalo. — Vamos cavalgar.

Capítulo II

PILHAGEM — Ele a tomou como esposa? — Reid indagou, exigindo resposta. Ainda era tão direto quanto fora na juventude. Eoin havia posicionado Reid na estrada ao norte do riacho e Jax em um galho alto de bétula sobre a passagem, mas assim que Eoin entrara no vale, Reid desertara de seu posto. Encontrava-se naquele momento pressionado contra as costas de Robbie, que se apoiava pesadamente contra um tronco e rezava em busca de forças. Ele abandonara o clã. Fazia anos que ela não pensava nele, mas agora que ele estava de volta, Robbie não podia evitar pensar em como as coisas poderiam ter sido. Teria ele lutado para salvar o Castelo Kilchurn da invasão Colquhouns? Teria ela se tornado sua esposa, em vez de se casar com Eoin? — É uma pergunta simples. — Reid chegou tão perto que ela podia sentir o calor de seu corpo através do manto. — Eoin tomou você como esposa ou não? Ela se concentrou na carruagem que se aproximava, querendo mentir para ele. — Ainda não. A respiração de Reid foi uma brisa quente ao lado de seu rosto. Por que ele achava que podia voltar e tomá-la com tanta facilidade? — Você não tem motivo para sentir alívio. — Eu temi ter chegado tarde demais. As pontas dos dedos de Reid tocaram as costas de Robbie de leve, fazendo o estômago dela se contrair com emoções conflitantes. Ela não queria que ele a tocasse, nem que respirasse sobre ela, ou evocasse lembranças indesejadas, memórias tolas de palavras poéticas e asas de borboletas. Era tudo bobagem; caprichos infantis de uma garota despreocupada, que quase levantava voo cada vez que Reid MacGregor a presenteava com uma mariposa e enchia sua cabeça com palavras doces sobre transformação e beleza. Robbie afundou as unhas no tronco; não trairia Eoin. — Você chegou tarde demais. 16

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— Os votos ainda não foram trocados. Você ainda não usa a aliança dele. A mão forte de Reid cobriu a dela, disparando o arrependimento em Robbie. Ela havia se deitado com Eoin. Gostava dele, e ele havia sido bom para ela. Os dois tinham planos de construir um lar em Rannoch, assim que a ordem de exílio fosse retirada. Pretendiam criar gado na fazenda fora de Glenstrae, e ele lhe prometera meia dúzia de filhos. Ela não arriscaria sua relação com Eoin simplesmente porque o maldito Reid MacGregor retornara dos mortos. Robbie tirou a mão de baixo da de Reid e girou o corpo, encarando-o. A perfeição dele á distraía; o homem era definitivamente lindo. O coração de Robbie deu um salto. Na verdade, era o coração da garota inocente que ela havia sido, ainda intocada pela realidade. Quando os olhares de ambos se encontraram e se prenderam, aquilo lhe pareceu ousado, corajoso... E errado. Robbie umedeceu os lábios secos e fechou as mãos em punho para esconder seu tremor. — Sou a esposa de Eoin em todos os sentidos da palavra, exceto pela lei, sob a qual não podemos nos casar a não ser que usemos nomes falsos. Ele prometeu fazer o anúncio do matrimônio assim que tivermos dinheiro suficiente para pedir ao rei a suspensão do exílio. — Você o ama? A pergunta a pegou desprevenida. Amor era um sentimento tolo. Uma palavra usada por poetas na corte, ou para convencer as pessoas de mente fraca a ir para a cama de alguém. Se Reid acreditava em algo tão bobo, ele era ainda pior que Robbie. — Sim — respondeu por fim, depois de longos segundos. Mas a hesitação acendeu uma chama de esperança nos olhos cinzentos de Reid. O escrutínio de aquele olhar era sufocante. Robbie respirou fundo, aspirando o cheiro salgado do mar. Mas sob esse cheiro, havia algo mais exótico no perfume de Reid... Algo estrangeiro, proibido. Prendendo o fôlego, ela deslizou para longe. — Eoin protege o clã. Ele é honrado, e me trata como uma, igual. Ele me mantém a salvo. — Ele a envolve em ataques. Usa você como um peão para pegar vítimas desprevenidas. — Reid indicou a carruagem que se aproximava. O vale não estava enevoado, e a lua brilhava sobre o cocheiro que conduzia quatro cavalos ao longo do caminho. — E se a carruagem estiver cheia de guardas? Você sabe por acaso se estão vendendo cartas de absolvição nas tavernas em Rosneath? Qualquer vagabundo pode comprar o direito de caçar um MacGregor. Acaso ele pensava que ela era alguma ignorante? Ela não se arriscaria daquele modo se não acreditasse em sua causa. — As coisas vão ser diferentes assim que o rei James... — O rei James já odiava os MacGregor quando se sentava no trono da Escócia. Agora que ele reina também sobre a Inglaterra, você acha mesmo que pode algum dia juntar ouro suficiente para recuperar o nome do clã? — Reid grunhiu e passou os dedos pelos cabelos escuros. — Mas que diabos, Robbie! Você está louca? Ele que se danasse! Os dedos dela estavam coçando para dar-lhe outro tabefe. 17

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— Todo homem tem seu preço. Até mesmo um rei. Ela se afastou de Reid, levantou a saia e correu pela floresta. Determinada a manter seu papel no ataque, saltou sobre o riacho e se deitou na estrada. O frio penetrou seus ossos enquanto se manteve ali, esperando a carruagem. Ele estava errado, e tinha traído o clã dela... E dele... Com sua covardia. O sujeito não tinha honra nem orgulho. Como o pai, só se preocupava consigo mesmo e com suas vontades. Ela não devia prestar atenção ao que ele dizia. O ranger das rodas e a batida dos cascos dos cavalos se aproximavam e foram parando devagar. Um cavalo relinchou. — O que foi? — perguntou uma voz de homem. Pelas pálpebras entreabertas, Robbie viu uma luz amarelada brilhar dentro da carruagem. O condutor se levantou, estudando-a. — Tem alguma coisa na estrada. O sujeito que se inclinava para fora da carruagem esticou o pescoço para ver melhor, voltando-se na direção da floresta para examiná-la. O pio de uma coruja soou na escuridão. Era o sinal combinado para o ataque. Seguiu-se um roçar de folhas, e Robbie segurou o punhal com força enquanto esperava que seus parentes emergissem da floresta para atacar. — É uma cilada! — gritou o homem, batendo na lateral da carruagem. — Siga em frente! Passe por cima! As rédeas estalaram contra o pescoço dos cavalos. Um dos animais recuou, para em seguida disparar à frente. Santo Loki! Robbie ajoelhou-se, mas antes que pudesse se levantar, algo veio por trás e a derrubou para a margem da estrada, caindo por cima dela. O ar foi expulso de seus pulmões. O vento da carruagem que passava levantou sua saia acima dos joelhos, e a roda beliscou a ponta de uma das botas. Por sorte, seus dedos estavam encolhidos. Um monte de músculos rolou de cima dela. — Você chama isso de a salvo? — Reid não esperou pela resposta dela, e correu atrás da carruagem enquanto Jax se lançou dos galhos, pousando sobre o teto do veículo em movimento. Tremendo pelo susto recente, Robbie se sentou e assistiu, de olhos arregalados, enquanto Jax arrancava o cocheiro de seu assento com toda a tranquilidade e o jogava ao chão. Assustados pelo ataque, sem dúvida, os cavalos relincharam em protesto. A carruagem parou de súbito no lugar em que os homens do clã haviam feito uma barreira, à entrada da ponte. Robbie correu na direção deles, e só então viu a cruz colocada na traseira da carruagem. Nos quatro cantos da cruz, reluziam lamparinas atrás como um halo. Aqueles eram homens de Deus. Embora perturbada pela descoberta, no fundo Robbie estava aliviada por não serem vingadores a fim de caçar os MacGregor. De cima de suas montarias, os MacGregor inspecionaram o veículo, as espadas 18

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cintilando sob o luar. Eoin desmontou e aproximou-se da carruagem; em seguida abriu a porta com uma força que espantou até Robbie. Do lado de dentro irromperam gritos, tanto femininos quanto masculinos. Sem nenhuma compaixão, Eoin colocou a mão para dentro, puxando um sujeito para fora pelas roupas e jogando-o no chão. Ele se levantou apressadamente, mas seus pés tropeçaram na barra da capa púrpura... Roupas de um bispo. Robbie sentiu receio no mesmo instante; pensou que veria uma profecia. Talvez um raio caísse sobre eles pela sua ousadia. Embora seu avô sentisse fascinação pelos deuses nórdicos, ele a criara no Cristianismo após a morte dos pais dela. Eles iam à missa toda manhã, até os Colquhouns queimarem a capela e matarem o padre MacCrouther. — Arrependam-se! Arrependam-se, pecadores! — berrou o bispo, momentos antes de Lyall, o parente favorito de Eoin, bater-lhe na têmpora com o cabo de seu punhal. O religioso caiu de costas, inconsciente. Robbie lutou contra o remorso. Homem do clero ou não, ele tinha dado ordem ao cocheiro de passar por cima dela. Seus atos não eram corretos, nem movidos pela compaixão. Enquanto Robbie se justificava, Eoin tirava da carruagem uma mulher vestida em sedas. Uma menina de cabelos loiros como os da mulher veio logo após, agarrando-se à mãe. — Liberem os cavalos da carruagem. Lyall, junte tudo o que tiver algum valor lá dentro. — Eoin deu as ordens, que foram seguidas sem hesitação. Depois ele circundou as duas mulheres chorosas. Não precisou dizer nada para instilar pavor em ambas. — Somos pessoas de Deus — a mais velha declarou, erguendo o queixo e exigindo respeito. — E que homem de Deus viaja escondido durante a noite, com uma mulher e uma criança? — indagou Eoin, em tom acusatório. — Não temos nada de valor. — As amplas saias das duas, entremeadas de fios de ouro e prata, contradiziam suas palavras. Apenas a pluma macia equilibrada em seu vasto chapéu valia o bastante para comprar vinte pães para o clã. Eoin olhou para ela de modo superior e arrancou um botão dourado de seu colarinho alto. — Tirem seus trajes e suas botas. As duas. Robbie balançou a cabeça e chegou a abrir a boca para se opor, mas na verdade, os dois trajes juntos podiam valer até quarenta ou cinquenta libras. Lyall saqueou o interior da carruagem enquanto os outros soltavam os cavalos. Sem mais protestos, a mulher e a garota se despiram até ficarem apenas em seus trajes de baixo, e assistiram a Eoin enfiar suas roupas e sapatos em um saco de lã. Os soluços da garota diminuíram, apenas para serem substituídos pelo som de seus dentes batendo. Quando Eoin se levantou e as encarou, insinuando que ainda não tinha acabado, Robbie reencontrou a voz. — Já basta. — Deixe-as manter sua dignidade. — Reid contornou a carruagem pela frente. A lamparina presa naquele canto derramou suas sombras sobre o belo rosto dele. Sua 19

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expressão era dura e cheia de desprezo. Eoin o observou com cuidado, mas em vez de reafirmar seu status como tinha o direito de fazer, arrancou uma cruz de ouro do pescoço do bispo e montou uma das éguas em pelo. — Fique para trás para acalmá-las se quiser, mas quando se cansar de bancar o mártir, confisque a outra égua — declarou, gesticulando para a montaria restante. Voltando sua atenção para Robbie, prosseguiu: — Monte Thor, e tente acompanhar o resto de nós. Estamos partindo. Eoin pressionou o ventre da égua com os calcanhares e partiu, sem esperar para ver se suas ordens seriam seguidas. Não era necessário. Os MacGregor o seguiram através do riacho como filhotes, e com sua partida, veio um silêncio tenso. Querendo distanciar-se do ataque, Robbie enfiou o pé no estribo e montou o enorme garanhão negro que Eoin havia roubado do lorde de Luss no outono anterior. Observou encantada Jax remover as peles que o cobriam, expondo o corpo musculoso. Imagens negras cobriam suas costas e a lateral de uma perna, e provavelmente declaravam seus feitos e sua posição dentro do clã. Mantendo sobre seu corpo apenas uma tanga de couro, ele ofereceu o pesado casaco de pele para a mulher e a criança. — Vá de retro, filho do demônio! — Ela deu-lhe um, tapa na mão, recusando a oferta de ajuda, e abraçou a filha com mais força. Jax deu as costas para ambas, abandonando o casaco aos pés delas. — Mulheres brancas não são muito espertas. Reid olhou para Robbie com expressão de desapontamento, o que fez com que ela desejasse correr até a igreja mais próxima para se confessar. — Isso não foi nem um pouco honrado. E afastou-se sem olhar para trás.

Capítulo III

CONSEQUÊNCIA Talvez ele tivesse chegado tarde demais. Com as mãos cruzadas às costas, Reid subiu a colina ao lado de Jax. O luar os guiava, mas era sua lembrança que os levava através das terras cobertas de neblina de Glenstrae, o lugar que pertencera ao antes poderoso clã MacGregor. Uma força de quase quatrocentos guerreiros protegia aquela terra. A sua terra. Houve um tempo em que o pai de Reid acreditara que os MacGregor sempre iriam colher os louros da vitória, mas algo tinha mudado. Algo fizera seu pai abrir mão de seu status e dar as costas ao clã. Talvez ele tivesse simplesmente se cansado de lutar; ele nunca 20

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dominara a arte da espada com perfeição. Se o pai tivesse feito escolhas diferentes, Reid poderia estar liderando o clã MacGregor no lugar de Eoin. Deus do céu! Ele não tinha voltado em busca de seu lugar perdido, nem para liderar o clã. Mas e se esse fosse o único jeito de provar seu valor para Robbie? Poderia ele conquistarlhe o respeito, além de sua afeição, se ajudasse a recuperar o nome dos MacGregor? Ou ela permaneceria leal a Eoin? Reid não estava disposto a aceitar que Robbie amasse o sujeito, ou que estivesse feliz com sua vida. Mas talvez ela estivesse contente com Eoin. Reid estava surpreso por ela ter perdoado o primo pelo que acontecera naquela noite na caverna. Ela mudara com os anos: já não olhava para Reid do mesmo jeito como costumava fazer na adolescência. O brilho havia sumido daqueles olhos cor de esmeralda, sem dúvida consumida pela derrota e pelo pessimismo. Robbie não era a mulher que ele criara em suas fantasias; não era instintiva ou suave. Não; a Robbie que encontrara era amarga, furiosa e obstinada. Talvez devesse simplesmente partir, como ela sugerira, e voltar para Rukux, para o Yucatán. Lá, ele era respeitado. O povo mopán não o via como covarde. Ele era um guerreiro estimado, um irmão, um filho. Eles eram sua família, e tinha sido assim por onze anos. Reid chegou ao local onde as antigas rochas ainda se erguiam, orgulhosas. O cheiro de fumaça era carregado pela neblina úmida ao redor deles, e o guiou em direção a uma fogueira no meio do pasto de Leckie. Restavam três lados do celeiro, mas eles estavam marcados pelo fogo, como tantos dos lares MacGregor pelos quais haviam passado. Oitenta, talvez cem homens, mulheres e crianças se movimentavam em volta do fogo. Reid calculou que três quartos do clã haviam sido dizimados. Teriam eles morrido lutando contra os Colquhouns? Ou tinham partido em busca de uma vida melhor, como seu pai? Estranhamente, eles pareciam joviais, sem dúvida contando lorotas sobre sua vitória, e Reid não tinha certeza se queria fazer parte daquela alegria. — Serpente Branca tomou decisões boas? Jax esfregou os braços arrepiados de frio e esperou pacientemente pela resposta de Reid. Durante horas, ele se mantivera em silêncio enquanto caminhavam apreciando a paisagem escocesa. O amigo sabia como a mente de Reid funcionava. Ele não era impulsivo, e não tomava decisões apressadas. — Vamos comer e beber. — Reid deu um, tapinha nas costas de Jax e sorriu. — Comer e beber? — As narinas de Jax se dilataram, enquanto ele apontava na direção de onde ambos tinham vindo. — Serpente Branca pensa demais. Roubamos Língua de Fogo e voltamos para Yucatán. Reid riu da persistência de Jax. — Talvez, mas não hoje à noite. Hoje, comemos e bebemos. Reid saltou uma cerca quebrada, mas assim que se aproximou da luz da fogueira, foi envolvido por um silêncio espesso como um cobertor. As mulheres o encaravam, as crianças encaravam Jax, e os homens estreitaram os olhos e procuraram suas armas. Aquecida pelo fogo, Robbie estava sentada sobre um tronco grosso 21

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ao lado de Eoin. Seus cabelos avermelhados reluziam, e sua pele clara estava rosada pelo calor. Ela era linda, sempre fora. Os olhos dela encontraram os de Reid, e depois de um longo e doloroso momento, ela o surpreendeu com um pequeno sorriso. O coração dele parou, depois voltou a bater acelerado. O mundo todo desapareceu, como se o sol e a lua girassem ao redor daquela mulher. Ele imaginou como seria voltar da caça e tê-la à sua espera. Em sua visão, ela estava de pé nas bordas da floresta com uma criança apoiada no quadril e outra crescendo em seu ventre. Centenas de borboletas decoravam a cena na cabeça dele: amarelas, azuis, laranjas... — Onde está meu cavalo? A pergunta de Eoin dissipou a fantasia de Reid. O primo engoliu, limpando a gordura da boca na manga já imunda. — Não era seu cavalo — Reid declarou, sucinto. — Eu o roubei e lhe dei ordens para voltar com ele. — Eoin sentou-se direito ao lado de Robbie, que estava torcendo uma mecha de cabelo ao redor dos dedos, como costumava fazer na adolescência. — Eu decidi que era melhor não deixar um homem de Deus perdido e sem meios de prosseguir viagem. — A decisão não cabia a você. Reid sabia que Eoin apreciava seu status, e teve de se lembrar de seus objetivos, nenhum dos quais incluía liderar o clã MacGregor. Eoin clareou a garganta e cuspiu no fogo. — Creio que você tenha custado muito dinheiro ao clã. O que me diz, Lyall? Acha que teríamos conseguido quinhentos xelins pela égua? — Ah, sim, milorde. Talvez até mais. Lyall se levantou e jogou outro tronco na fogueira. Faíscas subiram das chamas como estrelas alaranjadas. Reid respirou fundo. Não precisava que o forçassem a nada. Enfiou a mão dentro do casaco, pegou uma pequena bolsa de moedas e jogou-a entre as botas de Eoin. — Quarenta dobrões devem cobrir a perda de seus bens roubados. — E talvez comprar novas roupas para as mulheres, quis acrescentar ao ver doze garotas secando madeira com suas saias esgarçadas. Ele não reconhecia nenhuma delas. O que ele reconhecia era a marca em seus rostos. Rapidamente, Reid olhou para cada uma delas. Todas as mulheres ali tinham a mesma cicatriz de Robbie. A culpa o fez voltar-se para Eoin, que bufara à oferta de Reid, mas mesmo assim guardou a bolsa em seu tartã. O que o homem faria com as moedas estava fora do controle de Reid, portanto ele manteve a boca fechada. Estava mais interessado no modo como Robbie disfarçava um sorriso divertido. — Reid MacGregor! — gritou uma mulher com uma voz áspera o suficiente para lixar um muro. — Jesus misericordioso! 22

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Apenas quando a mulher, magra como um palito, correu em sua direção, Reid reconheceu sua Nanna. A cintura de sua saia suja impedia que seus seios chegassem ao umbigo, mas isso era de se esperar, já que ela havia amamentado metade do clã nas últimas três décadas. Muito depois de a mãe de Reid ter morrido pela peste, seu pai levara Nanna para a cama, engravidando-a duas vezes, embora ela já tivesse passado da idade. Quando ela ficou frente a frente com Reid, com seus olhos castanhos cheios de lágrimas, ele imaginou se ela se arrependia por não ter aceitado a oferta do pai para levá-la, junto com Shane e Kelsa, para Yucatán. — Você está bonita, Nanna. — Ele enxugou uma lágrima da face marcada, enquanto uma onda de remorso o engolfava. Era a mesma culpa devastadora que havia sentido ao rever Robbie pela primeira vez. — É bom tê-lo de volta, rapaz. — Nanna apertou a mão de Reid na sua e olhou por sobre o ombro dele. — Calum voltou com você? Reid balançou a cabeça, desejando poder poupá-la da informação que estava prestes a fornecer. — Meu pai morreu há três anos. Ela respirou fundo, trêmula, mas ergueu o queixo e se transformou rapidamente. — Shane! Bryson! — gritou. — Peguem comida para o nosso Reid e seu amigo. — Ela o guiou para um tronco e chamou Jax com um aceno, enquanto os rapazes cortavam carne de um bezerro que assava. — Venha. Sente-se. Coma. Nanna não mostrou nenhum preconceito em relação ao seu amigo, mas Reid não tinha ilusões de que o resto da família o trataria da mesma maneira. Argyle Wallace aproximou-se mancando, as mãos retorcidas agarradas a um cajado torto. O lado direito de seu rosto era liso e sem emoção, mas o esquerdo estava apertado em uma miríade de rugas. — Mary-Robena me disse que você ajudou milorde no ataque desta noite. — Ele soltou o corpo sobre o tronco ao lado de Reid com um grunhido. Como, em nome de Deus, aquelas pessoas tinham sobrevivido? Embora Reid estivesse feliz em encontrar o avô de Robbie vivo, o homem devia estar a um passo da morte. Não, ele se corrigiu; Argyle Wallace já tinha dado esse passo, só não havia reconhecido o fato. — O senhor ficaria impressionado com o amigo de Reid, vovô — falou Robbie, do outro lado da fogueira. — Jax saltou de cima das árvores e pousou como um gato em cima da carruagem em movimento. Argyle inclinou-se à frente e observou Jax, que mastigava um pedaço de carne. — Ele é um daqueles selvagens? Jax engoliu e apontou para si mesmo. — Jax não é selvagem. Selvagem é um homem louco, que saqueia e estupra. — Ele voltou os olhos negros para Eoin. — O homem branco é selvagem. Jax realmente precisava praticar a arte de fechar a boca. 23

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— Jesus Cristo! Você acha que eu escolhi viver assim? — O tom de voz de Eoin fez um bebê começar a chorar. Reid achou que uma das garotas fosse cuidar da criança. Em vez disso, Nanna dirigiuse para um embrulho pequeno de lã e o acalmou de volta ao sono. Robbie começou a se afastar de Eoin, mas ele colocou a mão em sua perna. — É meu trabalho alimentar o clã. Um trabalho que não me foi atribuído, mas forçado goela abaixo. O que você faria? Por favor, tenha a gentileza de dizer. Eu agradeceria se expressasse sua opinião. O olhar de Reid se fixou na mão de Eoin segurando o joelho de Robbie. O ciúme o deixou sem palavras, devorando suas entranhas e contraindo seus músculos. Ele sabia que o primo aguardava uma resposta. Podia sentir os olhos de Eoin sobre si, mas não conseguia tirar os olhos daquela intimidade tão simples. A mão de Eoin deslizou mais para baixo, encaixando-se na parte de dentro do joelho de Robbie, enquanto ele levantava o queixo e encarava Reid como o caçador encara a presa. O cretino o provocava de propósito. Reid trincou os dentes com força, suprimindo o desejo de saltar sobre a fogueira e lançar-se sobre Eoin. Ele não tinha direito àquela raiva. Robbie não era sua mulher. Ela entrelaçou os dedos nos de Eoin e colocou as mãos de ambos acima de seu joelho. — Se você fosse o Gregarach, o que faria? — Robbie não perguntou em tom defensivo; era como se estivesse realmente curiosa. Reid controlou a respiração e olhou para as pessoas à sua volta, que esperavam a resposta com todo o interesse. Ele não era inimigo do clã, nem era seu salvador; era algo no meio do caminho entre as duas coisas. Por enquanto, aceitava essa posição ambígua. Paciência era uma de suas maiores qualidades. Ele desamarrou a faixa vermelha de seu joelho, usando-a para enxugar o suor das sobrancelhas. — Talvez devesse cogitar unir-se a seus vizinhos. — Sua memória obviamente está falhando. Nossos vizinhos são os Colquhouns — respondeu Lyall, afagando a barba escura e alheia à tensão que emanava de Reid. Lyall havia sido o membro mais jovem do conselho quando seu pai era o líder. O sujeito se provara excepcional com números desde muito jovem, e provavelmente era o tesoureiro de Eoin agora. — É improvável que eles se aliassem a nós, já que matamos duzentos deles em Gle Fruin. Aquela tinha sido a primeira batalha de Reid, e algo de que ele jamais se esqueceria. — E os MacThomas? Lyall ajeitou-se ao lado de Eoin e bebeu de um copo de lata. — Os MacThomas já nos pagam para não roubarmos seu gado, mas não podemos dizer que sejam nossos aliados. E essa aliança também não nos beneficiaria, pois eles são muito poucos. Os Colquhouns são nossa maior preocupação. Eles não apenas controlam as fronteiras e moram na fortaleza MacGregor, como também possuem a permissão do rei. — Então é deles que precisamos. — Reid parou para aceitar um frasco de bebida de 24

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Argyle. — Acredito que os ataques nunca irão render o suficiente para encher os bolsos de um rei. Talvez vocês devessem buscar proteção do inimigo com o inimigo. As sobrancelhas hirsutas de Lyall se ergueram. — É duvidoso que dinheiro vá resolver as disputas entre nossos clãs. — Todo homem tem seu preço — Reid afirmou, repetindo a frase de Robbie, mas sem ousar olhar na direção dela. — Ofereça ao líder Colquhouns uma quantia por Rannoch ou por Auchingaich. Se ele aceitar, você já sabe que ele pode ser comprado, e vai ter terras para construir uma casa para o clã. Lyall voltou-se para Eoin. — Quanto você acha que o lorde de Luss vai pedir? — Cinco mil e quatrocentas libras por Rannoch — Eoin sugeriu, sem pensar muito. — E quatro mil e duzentas por Auchingaich. As palavras dele dispararam reações diversas no clã. Alguns sussurravam suas opiniões, enquanto outros riam e bufavam com desprezo. Soavam como pássaros, guinchando seus protestos. Ignorando o cinismo deles, Reid pegou a moeda dentro de seu casaco e girou-a sobre os nós dos dedos. Esse gesto sempre o acalmava. Aquilo o ajudava a pensar, mas não aliviava o pessimismo em seu íntimo. Eoin não tinha tirado aqueles números do nada. Ele já tinha negociado com o líder Colquhouns. Embora os MacGregor não pudessem obter tal soma, Reid podia. Ele tinha a chance de prover o clã, e talvez receber o perdão e o respeito de Robbie no processo. Eoin levantou a mão para acalmar seu povo. — Suas ideias são divertidas, primo, mas não temos essa quantia de dinheiro. — Eu tenho. — Reid girou a moeda uma última vez, depois a segurou na mão em punho. E olhou para Robbie. — Só vou precisar de uma pequena ajuda para obtê-lo. Ela mordeu o lábio inferior e baixou os olhos para esconder suas emoções. — Prossiga — Argyle incentivou. — A sudeste do Novo Mundo de Cristóvão Colombo, há uma terra chamada Yucatán, que ainda não foi colonizada pelos espanhóis. Os antigos maias governavam lá, mas a terra agora é habitada por várias tribos. Eles se parecem muito com os clãs escoceses em suas divisões, mas vivem por outros ideais, outras crenças. Dentro de suas florestas, existem grandes pirâmides de rocha. — Como as nossas rochas antigas? — perguntou Argyle. — Em vários sentidos, creio eu. — E o ouro que você procura está dentro dessas pirâmides, intocado e sem dono. — A conclusão zombeteira de Eoin era uma tentativa de desacreditar Reid, mas ele não se abalaria pelo ceticismo do primo. — As pirâmides já serviram de santuário para os mortos ou templos para os deuses e deusas maias. Algumas das tribos temem perturbar esses templos, pois não querem deixar os deuses zangados. Reid poderia tagarelar por horas sobre culturas antigas e os costumes do povo mopán, 25

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mas os MacGregor não se importavam com o povo de Jax, nem tinham qualquer interesse em saber sobre uma biblioteca perdida de uma sacerdotisa maia. Eles queriam ouro. Algo substancial com que pudessem barganhar. Ele não iria desperdiçar seu fôlego falando sobre os valores e ideais que Xitali talvez tivesse deixado para trás. — O tesouro que procuro não está nos templos. Está abaixo, em um rio subterrâneo. O fogo estalou. A intensidade da atenção do povo era uma recompensa por si só. Reid tinha certeza de que os olhos de Robbie não tinham como se arregalar mais. Ele poderia apostar dinheiro como ela estava quase salivando a oportunidade de procurar por um tesouro perdido. Ela ainda mergulhava, o que significava que ela ainda estava em busca do ouro do espanhol. — E você precisa do barril de mergulho para chegar a esse tesouro? — Robbie perguntou com uma voz suave que o surpreendeu. Se tudo o que ele quisesse fosse o barril, ele poderia ter construído um para si. — Preciso da sua experiência, e da de Argyle. Robbie engoliu em seco. Os murmúrios aumentaram. Eoin olhou para ela, a expressão fechada, analisando sua reação. Argyle pigarreou, e Reid se preparou para ouvir os protestos dele, mas o ancião apenas inquiriu: — Quanto tempo levaria essa expedição? — Três meses. — Reid achou que era um período razoável, já que dois desses meses seriam passados a bordo do, Obsidiana. — E eu parto amanhã. Eoin se levantou, encerrando a discussão. — Então será amanhã que terá minha resposta. — Ele ajudou Robbie a se levantar e levou-a na direção do celeiro queimado. O ciúme que consumira Reid antes não era nada perto do ódio que o devorava naquele momento. Robbie nunca tinha visto Eoin tão enfurecido. Ela teve de correr para manter-se ao lado dele, enquanto Eoin praticamente a arrastava. Assim que ele a soltou, seus dedos começaram a arder como se Robbie tivesse passado a mão numa moita de urtigas. Ele subiu a escada para o antigo sótão, e por um instante Robbie pensou em não acompanhá-lo. Não por temê-lo, mas pela discussão que sem dúvida iria perder. Ela queria saber mais sobre o tesouro de Reid. A ideia de caçar ouro a enchia de uma empolgação que Robbie não sentia desde a juventude. Não tinha nada a ver com Reid. Absolutamente nada. Eles precisariam pegar o barril, as botas e o macacão de couro. Aliás, o macacão seria necessário por lá, ou a água seria morna? Seria preciso um ou dois? Quantas pessoas iriam mergulhar? Robbie fechou os olhos e forçou o caos a sumir de sua cabeça. Precisava se concentrar no que era mais importante: convencer Eoin a engolir seu orgulho e aceitar a ajuda de Reid. O ouro ajudaria o clã. Nada mais importava. Ela respirou fundo para criar coragem e subiu. 26

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Eoin estava de pé em seu tartã vermelho e verde, a perna separada, os braços cruzados, e olhando para a noite enluarada através da janela quebrada. A luz prateada brilhava em seu rosto endurecido e contornava suas formas maciças. Ele era um homem grande, talvez até maior que Reid. Robbie o encarou, vendo um homem que sempre tinha sido responsável. Ele raramente ria, nunca rezava, mantinha-se com uma dignidade constante na posição de líder de um reino moribundo. Ela o respeitava como líder e sempre seria grata a Eoin por sua devoção ao clã e por proteger seus entes queridos. — Você não vai com ele. Eu não vou permitir. As palavras de Eoin não a chocaram. Puxando seu manto para junto de si, Robbie vagou pelo feno solto no chão e sentou-se à sombra de Eoin. — Não deveríamos ao menos considerar a oferta dele? — Não vou dar dinheiro ao meu inimigo. Meu pai foi executado em Edimburgo por causa daqueles bastardos. Os Colquhouns são o motivo pelo qual nós vivemos como cães famintos. Pense no que eles fizeram com Kelsa, as outras e você. Eles marcaram você, Robbie, e são responsáveis pela morte de centenas de MacGregor, inclusive seu pai. Você pode perdoar esses crimes? — Se isso nos desse um novo começo, sim. Eoin balançou a cabeça, incrédulo. — Eu deveria saber que você ficaria do lado dele. Isso não tinha nada a ver com Reid. Absolutamente nada. — Não estou do lado de ninguém. — Robbie se aproximou dele. — Estamos falando de um jeito de sustentar o clã. Temos a oportunidade de mudar nosso modo de vida, assim como a das pessoas leais a você. Eoin descruzou os braços, passou a mão por seus cabelos espetados e voltou-se para ela. O luar destacava suas feições, os lábios apertados, o maxilar tenso, os olhos escuros e raivosos. — O povo do clã MacGregor me ofereceu sua lealdade porque eu a mereci. Quando outros fugiram, eu fiquei. Eu deveria estar morando no Castelo Kilchurn e comandando os guerreiros de Glenstrae. Em vez disso, durmo no feno podre enquanto os Colquhouns descansam em minha cama e aquecem seus rostos em minha lareira. Um chefe de clã não deveria viver como eu. — Ele virou-se para a noite. — Eu deveria possuir cofres transbordando de prata e filhos no campo de treino, mas não. Deus não me abençoou com as riquezas que mereço. Talvez fosse o tom pretensioso com que ele fizera suas declarações, mas Robbie sentiu falta de se ver incluída nos planos majestosos de Eoin. Nenhuma vez ele mencionara Rannoch ou a vida que tinham combinado para quando o exílio fosse revogado. Eoin não queria comprar Rannoch ou Auchingaich, na verdade. Ele não queria ser o senhor de uma chácara. Queria ser o rei de seu castelo. Queria conseguir a fortaleza de volta, e ela duvidava que qualquer outra coisa o satisfizesse. 27

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— E eu seria sua dama no Castelo Kilchurn? Sou eu quem lhe daria seus filhos? Ou você se casaria de acordo com seu maldito status para fortalecer os laços do seu clã? — Jesus, Robbie! Como você pode falar uma asneira dessas? Eu amo você. Assim como amava a mulher do moleiro, e dúzias de donzelas de reputação duvidosa. Robbie sentiu vontade de rir das palavras dele. Desejou acusá-lo de infidelidade, mas não possuía provas, por isso não disse nada. Eoin esfregou os olhos cansados. — Você sabe a razão para não estarmos casados, e nós concordamos em não trazer uma criança ao mundo se fosse possível evitar. — Poderíamos ter trocado nossos votos há anos, e conforme o tempo passa, mais eu me afasto de meus anos férteis. — Ela tinha lhe dado sua lealdade além de sua afeição, e merecia uma família. — Já falamos sobre isso, Robbie. Você sabe por que não podemos ir até as Terras Altas morar com nossos parentes MacGregor. Eles discutiam com frequência por que deveriam continuar em Glenstrae. Eoin dava a ela muitas razões, algumas justas, outras nem tanto. Ele já havia dito que o avô dela não sobreviveria à viagem, assim como o velho, Angus e o bebê, Alana, que era frágil demais aos seis meses de vida. Robbie discordava, já que várias pessoas do clã haviam viajado para as Terras Altas em busca de um novo lar. Ela se continha, escolhendo suas batalhas com cuidado, mas nessa noite decidiu falar às claras o que acreditava ser o real motivo pelo qual ele não queria partir. — É porque lá você não seria Gregarach, nem teria o seu castelo. — Veja como fala! — Eoin trincou os dentes. Uma veia saltava em seu pescoço. — Eu nunca bati em você, Mary-Robena Wallace, mas nunca senti mais vontade de fazer isso do que agora! Robbie empinou o queixo, tentando-o. — Diga que eu estou errada. — Está me acusando de um egoísmo que eu não mereço. Quero ficar aqui por causa deles. — Ele estendeu um dedo na direção onde os MacGregor se juntavam ao redor do fogo. — Não parti porque achei que cabia a mim salvá-los. Era o trabalho do seu precioso Reid, mas ele partiu. Foi ele quem agiu com egoísmo. Foi ele quem traiu o clã. — E retornou com uma oferta de ajuda que você é orgulhoso demais para aceitar. — Robbie conteve-se para não gritar tão alto quanto ele. Precisava agir com cautela. Apenas com sua presença, Reid já ofendia o orgulho de Eoin. — Ele não é nenhum salvador — sibilou Eoin, abaixando-se. — Você acha que sou algum tolo? Ele não voltou para salvar o maldito clã. Ele voltou por você. O coração de Robbie estava disparado, quase a ensurdecendo com seu clamor. Ela agarrou-se às costuras de sua saia para evitar enfiar os dedos nos cabelos. — Ele precisa da minha ajuda com o barril de mergulho. E do vovô também. E... — Eu não sou cego. Vejo o jeito como ele olha para você. Ele era louco por você na adolescência, e ainda é louco por você agora. 28

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Talvez isso tivesse alguma coisa a ver com Reid, afinal. Ninguém, exceto Lyall, jamais demonstrara algum interesse em Robbie. O clã sabia que Eoin a reclamara para si e ninguém ousava desafiá-lo pela mão da moça. Ela nunca o vira com ciúmes, e ele não se dava bem com essa emoção. Na verdade, Robbie estava achando-o positivamente feio do modo como estava. — Você não confia em mim. — Eu não confio nele! — gritou Eoin, e deu-lhe as costas. Depois de longos momentos de um silêncio desconfortável, Eoin riu. Foi uma risada estranha, que fez com que Robbie questionasse a sanidade dele. — Faz um dia que o sujeito voltou, e já convenceu o clã a considerar uma aliança com nosso maior inimigo. Ele me faz brigar com você no lugar dele, e tudo por um tesouro que ainda nem possui. Nós pagamos aos Colquhouns por terras que já são nossas. Quanto tempo acha que levará até que nos matem? — Se não confia no lorde de Luss, então pegue o dinheiro e faça a petição para o rei James. Era o que Robbie sempre desejara. Terras não livrariam as mulheres MacGregor da prisão de suas cicatrizes. — E o que acontece depois que nossas terras forem devolvidas e a proscrição ao nosso nome for retirada? Como fica Reid? — Não sei. — Robbie não tinha pensado tão adiante. — Talvez ele volte para esse Yucatán de que tanto fala. Uma tristeza profunda a invadiu, um sentimento que ela havia enterrado dentro de si havia muito tempo. — Acho que não. — Eoin virou-se, e Robbie não gostou do som que ele soltou, quase um rosnado. — Ele vai esperar uma recompensa por seu ato de generosidade. — Você acha que ele vai querer a posição de líder? Assim que fez a pergunta, Robbie percebeu que ele já tinha cogitado o que aquilo lhe custaria. Eoin nunca abriria mão de sua posição. — Não, Robbie. Posso lhe assegurar, ele nunca vai exigir nada do clã MacGregor. Mas o que o impediria de exigir você? Robbie queria cuspir fogo nele por suas presunções. Eoin a insultava; Robbie lhe fora fiel por três malditos anos. Nunca o havia traído, nem dado motivos para desconfiar dela. Mesmo assim, ali estava ele, questionando sua lealdade. Reid podia ter voltado para tomá-la, mas ela tinha força de vontade suficiente para resistir ao charme dele. — Eu. Os ombros de Eoin se curvaram, e ele deixou escapar um suspiro que soou como uma admissão de derrota. Afastou o cabelo dos olhos dela e traçou sua sobrancelha com o dedo. — Você sempre fez o que quis. Eu tentei impedi-la de acompanhar os ataques, mas você insistiu em fazer sua parte. Tentei impedi-la de mergulhar depois do que aconteceu com Kelsa, mas você não me ouviu. Sempre agiu contra a minha vontade. E creio que vai fazer de novo. 29

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Eoin encaixou a mão na nuca de Robbie e a beijou. Seu toque era familiar, mas algo em seu beijo soou como uma despedida. Ela se afastou. — Vovô e eu vamos trazer o ouro, e vamos fazer a petição ao rei. Você vai ver, tudo vai dar certo. Ele passou por ela e começou a descer a escada. — Preciso pensar. O que significava, na verdade, “preciso beber”. O homem era afeito às tavernas. Era conhecido nelas como John Murray. Robbie ficava furiosa por ele escapulir do acampamento e gastar o escasso dinheiro do clã em tamanha frivolidade sem nenhuma consciência, mas o que mais a magoava era a decisão dele de passar a última noite que os dois teriam juntos se embebedando. Da janela, observou enquanto ele guiava Thor para a floresta até que a escuridão o escondeu de sua visão. Puxou seu manto mais para perto e pensou em voltar à fogueira. Estava cansada de ficar com frio, cansada de estar sozinha. Um demônio de olhos prateados passou pelos olhos de sua mente, e por um instante ela se permitiu imaginar como seria estar nos braços de Reid. Como seria seu toque, qual o gosto de seu beijo... Ah, isso tinha tudo a ver com Reid MacGregor. Robbie ficou girando uma mecha de cabelo no dedo, rezando para ter a força de que precisaria para resistir à tentação quando embarcasse no navio dele na manhã seguinte.

Capítulo IV

DECISÕES Reid esfregou os olhos ardidos. Talvez o fogo que ele encarara a noite toda estivesse danificado sua mente, mas o modo como Robbie estava em pé atrás do celeiro, olhando para a madeira, lembrava a deusa do fogo em cuja honra ele batizara seu navio. Os cabelos avermelhados estavam soltos, e as ondas suaves lhe chegavam à cintura, quase como uma fonte de luz ao amanhecer. Cada exalação de Robbie a envolvia como fitas translúcidas, deixando-a com um ar etéreo, onírico... Intocável. Uma borboleta alaranjada, temerosa de pousar, esvoaçava ao redor dela. Reid não sabia dizer se o inseto era real ou uma lembrança de seus sonhos. Mesmo assim, aquilo o fez sorrir. Reid não enxergava o que prendia a atenção de Robbie. Nenhum cervo olhava para ela; nenhum inimigo se escondia na floresta, pelo menos que ele percebesse. Tudo estava em silêncio, exceto pelos animais que se escondiam atrás das folhas de outono. Quando ela emergiu do celeiro e foi até o riacho para cuidar de sua higiene matinal, Reid tentou não correr atrás dela, mas queria conversar com Robbie a sós. Queria ouvir a 30

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decisão dos lábios dela, não de Eoin. Sua chegada foi anunciada pelo som de suas botas esmagando as folhas no chão, o que fez Robbie se apressar. As mãos dela voaram para o rosto, esfregando-o de leve, para depois se fecharem ao lado da saia. — Robbie. — Ele ajeitou-se ao lado dela, que lhe deu as costas, com a respiração trêmula. Quando Reid forçou Robbie a ficar de frente para ele, ela baixou a cabeça até seu queixo encostar no peito, evitando os olhos dele. Toda aquela timidez não era típica de Robbie. Ele levantou-lhe o rosto e viu a umidade que se prendia aos cílios, instantes antes de ela encará-lo com os olhos vermelhos e inchados. O peito de Reid se contraiu de dor. — Você está chorando... — Não estou. — Ela balançou a cabeça. — Está, sim. Seus olhos estão vermelhos. — Os seus também estão. — Mas eu estava encarando o fogo. — E eu, a lenha. Diabos! A mulher tinha um gênio do cão. Reid respirou fundo, sentindo um perfume doce e suave, como flores cobertas de orvalho. Como se ela o acalmasse apenas com seu cheiro, a tensão abandonou o corpo de Reid, e sem pausar para se questionar, ele afagou-lhe o rosto. Ela se afastou de súbito, como um cão que tivesse apanhado. — Eoin machucou seu olho? — Reid sentiu sua respiração se acelerar enquanto aguardava a resposta. Dê-me um motivo para matar aquele bastardo! Robbie balançou a cabeça, negando. — Eoin nunca me bateu. — Um homem não precisa bater em uma mulher para machucá-la. Aconteceu alguma coisa? Ela ficou de frente para a floresta. — Na manhã passada, eu acordei em um vale bem diferente. — Ela começou a enrolar uma mecha de cabelo nos dedos. — Era tão frio e desolado quanto este. Ajudei vovô a ficar de pé, porque seus joelhos já não funcionam direito, e fiz o mesmo com o velho, Angus. Cozinhei ovos que Shane e Bryson roubaram dos MacThomas, e esquentei leite para Alana. Depois, à tarde, fui até o riacho para ajudar Nanna e as mulheres a lavar as roupas. — Uma lágrima caiu de seu rosto para o peito. Ela não partiria com ele. Robbie não precisava dizer mais nada. — Por que está me contando tudo isso? Ela voltou-se para ele, os olhos verdes inundados de lágrimas. — Porque hoje, quando acordei, imaginei que talvez eu mereça mais que isso. Sim, ela merecia muito mais do que Deus havia lhe dado até aquele momento. Dessa vez, quando ele estendeu a mão para prender o cabelo de Robbie atrás da orelha, ela não o 31

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impediu. Ele segurou-a com delicadeza, acariciando sua orelha com o polegar. Seu olhar foi atraído para aqueles lábios hesitantes. Reid queria desesperadamente beijá-la, mas era cedo demais. — Venha comigo, Robbie. O Yucatán é diferente de tudo que você já viu. É quente e fértil o ano todo. Há muito que ser descoberto lá, e eu adoraria fazer isso com você a meu lado. — Reid estava pensando na biblioteca de Xitali, mas preferiu tentar Robbie com o tesouro naquele momento. Houve um ruído de folhas sendo pisadas, e um cavalo resfolegou. Como um gato assustado, Robbie saltou para longe dele e enrolou-se mais em seu manto. Reid virou-se, percebendo o motivo do susto de Robbie. Eoin estava emergindo da floresta sobre seu enorme garanhão, cujo pescoço reluzia de suor. Ele desmontou no meio dos dois, analisando Robbie da cabeça aos pés com os olhos semicerrados. — Estou interrompendo? Pelo cheiro, parecia que ele havia se banhado com uísque rançoso. Se Reid soubesse que era assim que o outro tinha passado a noite, em uma taverna, teria levado Robbie e o avô dela para longe durante a noite mesmo. — Estávamos conversando sobre a expedição. — Robbie endireitou as costas, erguendo um pouco mais o queixo. — Eu já ia sair para acordar meu avô e juntar as coisas necessárias. Ela vai! Reid quase dançou de júbilo, mas conteve sua empolgação e fez uma expressão séria. Não iria se gabar. Não se importava se Robbie estava indo apenas para provocar Eoin; o importante era que ela iria com ele. — Muito bem. — Eoin sorriu para ela, dando-lhe um; tapinha, carinhoso no traseiro. — Apresse-se, então. Nós ficaremos esperando. — Nós? — ela e Reid perguntaram ao mesmo tempo. Eoin arqueou uma sobrancelha com arrogância. — Vocês devem me achar muito idiota se pensam que confio que um dos dois voltaria com o ouro. Na verdade, acho que será melhor se deixarmos Argyle na Escócia. Um motivo a mais para você voltar. Aquela manhã quase derrotara Robbie. Cada músculo seu desejava derrubar Eoin de Thor e abandoná-lo em um beco qualquer, mas ela não ousava chamar ainda mais atenção para eles. Já havia lhe dado várias cotoveladas nas costelas, torcendo para que isso o despertasse e liberasse suas costas do peso morto. Mas Eoin, embriagado, continuava a ressonar no ouvido dela, resfolegando seu hálito recendendo a uísque na nuca de Robbie. Ela suspirou e puxou o capuz do manto para frente, tentando cobrir o rosto, enquanto guiava Thor atrás de Reid e Lyall através do porto lotado de Rosneath. Um garotinho passou por eles correndo, rolando um barril por uma calçada estreita. Outro veio em seguida, com vários metros de corda enrolada nos ombros. As gaivotas gritavam acima deles, mas Robbie manteve a cabeça baixa e os olhos à frente. A carroça levando o barril de mergulho chamou um pouco de atenção, e Jax também, mas ao menos o 32

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amigo de Reid sempre podia se esconder sob o capuz de sua capa. A maior parte dos curiosos, no entanto, estava interessada no corpo inerte às costas de Robbie. Não levaria muito tempo até que alguém visse a cicatriz no rosto dela e soubesse que eles eram MacGregor. Era por isso que Robbie não ia a locais públicos desde que tinha treze anos; para completar, Eoin não tinha nenhuma condição de defendê-la com sua espada. Robbie não sabia o que a enfurecia mais: o fato de que Eoin não confiava nela, ou o fato de que todos pareciam compartilhar o mesmo ceticismo. Até seu avô. O momento é este, Mary-Robena. Reid pode fazê-la feliz, dissera o avô antes de dar-lhe um abraço com as mãos retorcidas e beijar-lhe a fronte. Será que ninguém acreditava que ela pudesse resistir a Reid MacGregor? Ela não queria saber a resposta a isso. Na verdade, Robbie também não sabia se podia confiar em si mesma. Reid quase a beijara naquela manhã, e ela não podia dizer se o teria impedido... Ou não. Quando Reid olhava para ela, Robbie se sentia como aquela garotinha boba, esperando que ele voltasse do mergulho para exigir seu beijo. Incitou Thor para o ancoradouro de madeira, recusando-se a pensar na menina que tinha sido. Ela já não existia mais, muito menos seus sonhos tolos. Robbie jamais se casaria com um rei, nem moraria em um castelo. Nunca dormiria em uma cama cercada de sedas coloridas. E não podia se esquecer do sonho mais impossível de todos: nunca seria uma sereia, respirando embaixo d’água e buscando por tesouros enterrados. Por dentro, chegou a rir de leve. Essa última parte sempre havia sido o sonho de Fergus, na verdade, mas ele permitia que Robbie o compartilhasse. A garganta dela se contraiu ao lembrar-se de seu irmão. Fergus teria dado um braço para vir naquela expedição. Reid parou em frente a ela, tirando-a de suas meditações. Levantou-se sobre os estribos em sua calça preta e justa e, jogando uma perna por cima do garanhão, desmontou. O olhar de Robbie acompanhou o movimento, fixando-se no traseiro do cavaleiro... E era um belo traseiro, de fato, arredondado e fundindo-se perfeitamente às coxas grossas. Maldição! Ela fechou os olhos com força, depois abriu só um deles. E por que não deveria olhar? Eoin nunca ficaria sabendo. Quando ela finalmente decidiu voltar a espiar Reid, ele estava vindo em sua direção. Quase se podia dizer que ele desfilava, cheio de arrogância. Seu desleixo havia permitido que a camisa ficasse entreaberta, expondo o peito musculoso. As mangas estavam dobradas até os cotovelos, e marcas avermelhadas cobriam os antebraços. Não tão profundas a ponto de serem cicatrizes; eram meros arranhões, como se Reid tivesse passado o braço por um arbusto espinhoso. Suas botas polidas ressaltavam as pernas torneadas e batiam nas tábuas do píer como um sino de alarme. — Tem alguma coisa no seu olho? — ele indagou, olhando para ela. — Não. Ela abriu o olho que estava mantendo fechado, enquanto uma onda de calor avermelhava suas bochechas. Embaraço? Talvez. Ou seria culpa? De qualquer maneira, a atração que ela sentia por Reid teria de acabar antes que ela embarcasse no navio dele. Por sorte, ele desviou os olhos de Robbie para examinar Eoin. 33

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— Acha que podemos tirar você daí sem que ele perceba? Estaríamos em mar aberto antes que ele acordasse da bebedeira. Robbie forçou uma expressão desaprovadora, sabendo que o sorriso que estava tentando conter só iria encorajar Reid ainda mais. — Eoin dorme durante o dia porque os ataques acontecem à noite. Reid bufou diante da mentira descarada. — Ele dorme porque se afoga em bebida. — E você nunca se embebedou? — Ela não sabia por que estava defendendo Eoin; ele realmente não merecia. — Não sou santo, Robbie, mas posso lhe garantir que, se eu tivesse você em minha cama, não passaria as noites bebendo com vagabundos. Reid não esperou pela resposta de Robbie, o que foi bom, pois ela não tinha prestado atenção ao que viera depois de “em minha cama”. Por que o infeliz tinha de dizer essas coisas? E por que tinha de ser tão musculoso? Por que ela não conseguia se lembrar de todas as razões pelas quais odiava Reid MacGregor? Um grunhido interrompeu o interrogatório que se acumulava na cabeça de Robbie, e o peso de Eoin foi arrancado de suas costas. Quando ela se virou na sela, sua coluna estalou em três lugares diferentes. — Deus do céu! — Eoin assumiu uma posição de luta, sacou o punhal e seu corpo balançou. — Juro pela cruz que vou estripá-lo, homem! — Calma, primo. — Reid deu um, tapa, com força, nas costas de Eoin. — Poupe suas forças. Você vai precisar. Enquanto Eoin tentava voltar a si e entender onde estava, Reid aproximou-se de Robbie pela esquerda e estendeu-lhe a mão. — Venha, milady. Seu navio a aguarda. Ela não deveria achar graça no sofrimento de Eoin, menos ainda aceitar a oferta de Reid, mas fez as duas coisas. Enquanto pousava sua mão pequenina na dele, muito maior, e sentia aqueles dedos envolverem os seus, seus olhos marejaram no esforço para conter o riso. Controle-se, sua maluca! Ela desmontou e seguiu Reid na frente de Thor. Com um gesto amplo, ele indicou um navio de mastro único amarrado à doca. — Apresento-lhe o, Obsidiana. Embora a embarcação tivesse uma vela, um mastro e até um pequeno tombadilho descoberto, Robbie achou que “navio” era um pouco de exagero. Estava mais para um barco, na verdade. Foi difícil disfarçar o desapontamento. — É... É... Adorável. — Você está brincando. — Eoin riu, trocando um olhar zombeteiro com Lyall, que havia se juntado a eles na beira da doca. — Arrisco dizer que seu navio pode se curvar com o peso do barril de mergulho. — Isso é a balsa, seu tapado. — Reid ergueu o queixo de Robbie com a ponta do indicador, apontando para um navio muito maior ancorado no estuário de Clyde. — Aquele é 34

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o, Obsidiana. — Ahh... — foi tudo o que ela pôde dizer, pois lhe faltavam palavras. — É um galeão de três mastros, com mais de seiscentas toneladas. Está equipado com três canhões a estibordo e três a bombordo. Em seus remos, vai uma equipe de cinquenta homens. — Reid listava as qualidades do, Obsidiana com orgulho. — Ele foi batizado com o nome de uma deusa do fogo que aparece sob a forma de uma borboleta negra. Robbie podia sentir os olhos penetrantes de Reid sobre ela, mas antes que pudesse comentar, Eoin passou o braço por sua cintura e trouxe-a para junto de si, num lembrete muito claro de a quem ela pertencia. — Impressionante, primo. Mas estou curioso: o, Obsidiana é o mesmo navio em que você e tio Calum fugiram da Escócia? Os olhos de Robbie se arregalaram. Será que Eoin se sentia tão inferior que precisava humilhar Reid o tempo todo? No mínimo, poderia tentar ser amistoso. Sim, Reid abandonara o clã, e ela sempre o odiaria por isso, mas aquele não era o momento nem o lugar mais adequado para falar sobre isso. — Não. — Reid inclinou-se na direção de Eoin, o que deixou Robbie espremida entre os dois. — Eu adquiri o, Obsidiana pouco tempo depois que meu pai faleceu. — Você o adquiriu ou o roubou? — Chega! Robbie colocou uma mão no peito de cada um deles e empurrou. Um som de frustração subiu de sua garganta. Eles a tinham feito rosnar como um animal raivoso, quando eram os dois que estavam se comportando como bestas malditas! — Odin me ajude — grunhiu ela, desgostosa com ambos. Afastando-se dos dois, ela foi na direção de Lyall. Robbie respirou fundo, inclinou a cabeça de leve e sorriu. — Cuide para que Thor e os outros cavalos retornem em segurança. E se puder me fazer um favor, visite vovô e o velho Angus nas manhãs. Eles têm dificuldade para começar o dia. Lyall anuiu e aproximou-se para falar no ouvido de Robbie: — Se eles matarem um ao outro, minha oferta para levá-la às Terras Altas continua de pé — sussurrou, beijando o lado marcado de seu rosto. — Boa viagem, moça.

Capítulo V

PARTIDA Depois de lançar o barril de mergulho sobre a amurada do, Obsidiana, Reid cruzou o deque principal e instruiu o contramestre: — Prepare a tripulação, Henrik. — Sim, capitão. 35

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— Capitão, é? — Eoin apoiou-se à amurada e cuspiu na água. Depois coçou a barba de quatro, talvez cinco dias. — Espero que você não queira que eu o chame assim. — Eu não vou me referir a você como milorde, então eu acho que estamos quites. Se Reid estivesse segurando algo frágil, o objeto já estaria inutilizado. Normalmente ele não era violento, mas o dia o deixara no limite. Eoin não deveria estar ali. Reid pretendia fazer o cretino se arrepender de ter colocado os pés a bordo do seu navio. Depois ele olhou para Robbie e mudou de ideia. Por mais que quisesse socar o primo, não era assim que Reid ganharia o respeito dela. Eoin não mudara em nada; ainda era um imbecil arrogante. Ele podia ter o respeito do clã; podia até ser um líder razoável; mas no, Obsidiana, ele não era o chefe. Naquele navio, ele era só mais um, e isso era a pólvora que acenderia sua vaidade. — Tem algo em que possamos ajudar? — Robbie torcia o cabelo com uma das mãos e apertava a única trouxa que trouxera a bordo com a outra. Quando aqueles olhos verdes encontraram os seus, Reid sentiu a fúria se esvair. — O melhor seria apenas ficar fora do caminho. Robbie franziu as sobrancelhas, a expressão se fechando. Deus do céu! Ele a insultara. Ela queria tomar parte, do mesmo jeito que fazia nos ataques, mas que trabalho ele poderia lhe dar? Reid olhou para cima, para os marinheiros que cuidavam dos cordames, alguns deles nativos mopán, outros, homens sem pátria que Reid recolhera em diversos portos. Eles soltaram as velas, o que deixou um monte de cordas soltas no convés. — Pensando bem, talvez eu precise de ajuda, sim. Ela sorriu, e Eoin girou os olhos. — Prenda as cordas a bombordo. — À esquerda? — Isso. Reid a deixou amarrando e subiu o mastro central para ajudar com a vela principal. De tempos em tempos, olhava para Robbie, querendo saber se ela estava olhando; e estava. Se por nenhum outro motivo, apenas porque a partida era algo impressionante de se assistir. Um caos organizado. Reid saltou da lais de verga, pousando ao lado de seu primeiro oficial. — Bom trabalho, Jean-Pierre. — Salut, capitaine. — O homem torceu o bigode negro e olhou para Reid de cima de seu nariz pontudo. — Acredito que a fille bagunçando nossas cordas seja sua Robbie, correto? — Sim. Mas não diga nada, ela ainda não sabe que é minha. — Reid sorriu, dando tapinhas na costa do homem. — Levante a âncora antes que os escoceses descubram que eu trouxe um renegado francês para as águas deles. Reid se posicionou na proa e deu sinal para que o contramestre abrisse as velas enquanto Jean-Pierre ajudava cinco homens a girar o eixo do cordame. O tecido se esticou, seu movimento estalando como um tiro. As velas se encheram com um vento noroeste que empurrou o, Obsidiana. 36

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Robbie agarrou-se à amurada e assistiu ao espetáculo, boquiaberta. O vento soprava seu cabelo avermelhado em todas as direções, mas ela não se incomodou em tentar controlálo. Sim, ela estava impressionada, Reid tinha certeza. Eoin, por outro lado, havia perdido o espetáculo, pois estava vomitando as tripas por sobre a amurada. O enjoo ainda iria mantê-lo ocupado por algum tempo. Reid tentou não se empolgar, mas era quase impossível. Não era a primeira vez que Robbie via Eoin vomitar. O balanço estável do navio provavelmente foi mais do que suas entranhas encharcadas de uísque podiam aguentar. O sol mal havia se escondido no horizonte quando ela o deixou descansando em um catre no deque, perto da proa. Entretanto, Eoin com certeza iria acordar de novo, enjoado e precisando usar o banheiro. O que lembrou a Robbie que ela também tinha questões a atender nessa área. Ela pegou seus pertences e ergueu a saia. Robbie sentiu o vento frio contra si; um borrifo do mar molhou seu rosto enquanto ela seguia o brilhante corrimão que levava ao leme. — Bom trabalho, senhorita. — Um homem cumprimentou-a com um toque em seu chapéu tricorne, de onde escorriam cachos castanho-claros. Ela o reconheceu da partida, mas não sabia seu... — Meu nome é Henrik — ele completou o pensamento dela. — O meu é Robbie — ela respondeu, continuando em seu caminho. Depois percebeu como estava sendo rude por não parar. — Eu tenho algo a falar com o capitão, mas devo estar de volta em dez minutos, e então poderemos conversar. Reid esfregou as mãos uma na outra, terminou de mastigar e engoliu, mantendo ao mesmo tempo uma expressão fechada. — Alguma coisa errada? — Ele olhou por sobre o ombro dela, analisando o deque com um olhar nervoso. Robbie cruzou as pernas e buscou palavras para explicar seu problema sem ficar rubra de vergonha. — Não exatamente. — Mordendo o lábio, encarou as pontas das botas e rezou para que uma poça não se formasse aos seus pés. — Robbie? Ele levantou-lhe o queixo, e ela sentiu a pressão em suas entranhas se intensificarem. Os nós dos dedos que apertavam a trouxa ficaram brancos com a força que Robbie aplicava ali. — Pelo que percebi, os homens não têm problemas em se aliviar por sobre a amurada, mas temo não possuir esse talento. Ele riu e deu-lhe um peteleco no nariz. — Você me deixou preocupado! — Reid apontou atrás de si com o polegar. — Há um banheiro particular na minha cabine. Precisa de acompanhante? — Não! — ela praticamente gritou, sem tempo para gentilezas. Passou por ele correndo, subiu a escada em quatro passos e entrou a toda pela porta da cabine. Uma lamparina a óleo oferecia luz suficiente para uma espiada nos móveis: uma mesa, uma cama e uma divisória de tecido. Ela jogou sua trouxa sobre a cama e correu na 37

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direção da divisória, onde encontrou o abençoado banheiro. Assim que cuidou de suas necessidades, levou o pote através de uma portinha nos fundos, que conduzia a uma pequena sacada, de onde jogou o conteúdo por sobre a amurada. Reid já lhe dava atenção demais; não precisava que ele começasse a agir como sua criada de quarto também. Robbie encontrou uma bacia e se lavou, depois secou o rosto com uma toalha. A toalha dele. Um cheiro amadeirado e ao mesmo tempo doce encheu-lhe as narinas, fazendo sua pele se arrepiar. Ela esfregou os braços; estava com frio, disse a si mesma, recusando-se a crer que os arrepios tinham algo a ver com o cheiro de Reid. Robbie atravessou sobre um tapete de pele para pegar sua sacola, mas quando a tirou da cama, puxou junto um canto do sedoso lençol vermelho. Por cima do colchão, toda revirada, estava uma colcha combinando. O tecido era mais macio do que qualquer coisa em que ela já tivesse se deitado. Ousada, deslizou os dedos pela cama de Reid, e antes que pudesse se conter, imaginou um homem envolvido naqueles lençóis. Sua perna grossa estava descoberta, expondo o quadril e a curva da nádega. Um braço musculoso envolvia a cintura de Robbie, e então o homem se voltava para ela, encarando-a com seus olhos prateados. Castanhos. Eoin tinha olhos castanhos. Droga! Ela tirou a mão da seda como se o tecido estivesse em chamas e abanou o rosto quente. Não era adequado ter pensamentos tão luxuriosos sobre outro homem que não Eoin. Só porque o maldito Reid MacGregor tinha uma aparência maravilhosa, e cheirava deliciosamente, e sem dúvida devia ter um gosto delicioso... Argh! Chega, Mary-Robena Wallace! Basta! Contente com sua censura mental, Robbie foi em direção à porta outra vez. Mas então outra curiosidade prendeu seu olhar: no meio da mesa de Reid, estava um mapa seguro por pedras esculpidas. O formato da Terra era estranho para ela, e os números e linhas marcados sobre a terra e a água só podiam ser as coordenadas de Reid para a viagem deles. Ou talvez fosse algo mais? Ao lado do mapa, havia um diário recheado de margem a margem com as entradas de distâncias diárias. Ela folheou as páginas amareladas e encontrou uma parte cheia de símbolos iguais aos que tinha visto tatuados na pele de Jax. Uma empolgação totalmente diferente a percorreu, mas esse calafrio era seguro, pois não tinha nada a ver com o corpo de Reid MacGregor. Ela girou o botão ao lado da lamparina para aumentar a luz, depois se inclinou sobre a mesa, ansiosa para analisar o diário. Em segundos, estava perdida. No instante em que decidiu que os triângulos só podiam representar montanhas, um ronco interrompeu suas explorações. Ela precisava comer, mas seu estômago ainda não estava com câimbras, então ainda era possível esperar... O ronco virou um rosnado permanente atrás dela. Mas o que, em nome de Odin, era aquilo? O coração de Robbie disparou; ela teve medo de encarar a fonte do som, e medo de não olhar. Virou-se devagar. Encostada na mesa, ficou frente a frente com um gato do tamanho de 38

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uma cabra. O focinho dele era marrom e branco, com faixas pretas. Suas presas curvavam-se para além do lábio inferior. A criatura pulou na cama, encarou-a com imensos olhos dourados, depois abriu a boca cheia de dentes e chiou. Robbie agarrou-se à beirada da mesa e gritou. O felino saltou da cama e prendeu Robbie contra a mesa. As pesadas patas a seguravam pelos ombros, e seu focinho rosado estava sobre o rosto de Robbie. Robbie gritou mais duas vezes. Quando já achava que seu coração iria explodir no peito, a fera lambeu-lhe o rosto. O som de passos precedeu o da porta da cabine se abrindo. — Mas que diabos, garota... Achei que você estivesse sendo atacada! — Ela ouviu um suspiro de alívio. Mas o homem estava cego? — E eu estou! Tire essa fera de cima de mim! O felino deu-lhe mais uma lambida e pousou uma das patas enormes sobre seu pescoço. Em seguida, o ronronar do bichano vibrou contra seu peito, muito menos ameaçador agora que se combinava com a risada de Reid. — Oscar, venha! — Reid estalou a língua e se ajoelhou. — Ele estava curioso, só isso. Assim que o gato saiu de cima dela, Robbie se endireitou e recuou contra uma série de armários embutidos na antepara. — Curioso? Curioso para saber qual o meu gosto, antes de arrancar meu rosto com uma mordida? Ela levou as mãos ao peito, tentando acalmar as batidas do coração, enquanto assistia ao gato apoiar-se nos ombros de Reid e esfregar a testa no queixo dele. — Aposto que ela tem gosto doce. O que você me diz, Oscar? Ela tem gosto de mel, ou é amarga como vinho novo? Reid esfregou as orelhas do gato, mas teve o castigo pela sua provocação a Robbie quando a fera o derrubou no chão. A longa cauda do bicho chicoteava de um lado para o outro enquanto sua mandíbula magnífica se fechava no antebraço de Reid, mas não com tanta força a ponto de tirar sangue. Eles estavam brincando. Ela já tinha visto Reid sorrir, mas dessa vez era diferente. O sorriso que ele ostentava agora era tão largo que fizesse surgir covinhas. De fato, não era nada difícil ficar olhando para ele... Robbie ficou observando os dois brincar de luta até ter coragem de se afastar da parede. — O que é ele? — Um gato. Um gato bem grande, eu diria. — Reid gesticulou para ela se aproximar. — Venha, ele não vai machucá-la. Oscar envolveu o antebraço de Reid em suas patas enquanto ele lhe acariciava a barriga. Agora estava óbvio para Robbie onde ele tinha conseguido aqueles arranhões. Ela, pelo contrário, nunca tinha conhecido o amor de um bichinho de estimação. O clã comia qualquer coisa que não fosse humana. Na primavera anterior, Shane e Bryson tinham dado dois gatos vira-latas para as netas de Angus, mas Cait e Anice acabaram soltando-os; na mata, 39

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pois sabiam que se o avô os pegasse, eles virariam comida. A ligação entre Reid e seu gato a emocionou, pois apesar de estranha, era tranquila. Robbie ajoelhou-se e, com cuidado, afagou o pelo macio de Oscar. — Ele não se parece com nenhum gato que eu já tenha visto. — Ele não é exatamente um jaguar. Eu já ouvi gente chamando-o de jaguatirica, mas o chamo apenas de Oscar. A mãe dele foi morta durante uma caçada. Jax e eu encontramos dois filhotes. Um deles morreu, mas Oscar aprendeu a apreciar o leite de cabra, e vive comigo desde então. — Tenho certeza de que você foi uma ótima ama de leite — gracejou Robbie, quando Oscar se levantou e andou pela cabine até se aninhar no meio da cama, onde começou a se lamber. — Você arrumou a cama? — indagou Reid. — Estava bagunçada. — Robbie percebeu que talvez sua mania de ordem não fosse bem-vinda. — Isso porque eu pretendia voltar logo para lá. Ele precisava mesmo falar sobre a cama? A imagem que ela tinha formado em sua mente pouco antes voltou com força total, ao mesmo tempo em que Robbie se voltava para ele. Os olhos semicerrados de Reid sustentaram os dela, que não conseguiu desviar o olhar. De súbito, Robbie percebeu sua posição. A ausência de Oscar á deixara ajoelhada no chão entre as pernas de Reid, e uma força incontrolável parecia aproximá-los um do outro. A mesma força que estivera presente atrás do celeiro; uma força que ela admitia ser desejo. Um silêncio desconfortável desceu sobre eles. Foi então que Robbie sentiu voltar um traço de nervosismo do qual nunca tinha se livrado; um riso nervoso estava subindo por sua garganta, querendo sair. Robbie engoliu em seco, umedecendo os lábios, enquanto seu coração saltava no peito e ela enterrava as unhas nas palmas das mãos. O olhar de Reid desceu até seus lábios. Ele ia beijá-la. E ela não tinha forças para impedi-lo. — Está com fome? A pergunta intempestiva a arrancou do momento de transe, salvando-a de um erro condenável. — Sim. Ela levantou-se de um salto, olhando para fora, para a escuridão total. E se Eoin a tivesse visto? Se ela o traísse, também estaria traindo os MacGregor. Precisava se controlar e colocar todas as pessoas queridas para ela acima de seus desejos. Não queria pensar no que Eoin faria, ou pior, não faria. Querendo ou não, ela precisava de Eoin. Necessitava de sua proteção, não apenas para si, mas também para os membros mais fracos do clã. Seguindo Reid para o exterior da cabine, Robbie se concentrou em todas as razões pelas quais estava com Eoin. A maior das qualidades dele era sua lealdade para com o clã. Ele os amava, e amava ser seu líder. Ela não iria destruir tudo o que tinha com Eoin por uma luxúria adolescente. 40

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Está com fome? Reid balançou a cabeça. Ele podia tê-la beijado. Ela não o rejeitara, e ele havia perguntado se ela estava com fome! Que cretino... Ele estava perto o suficiente para contar as sardas naquele nariz arrebitado, e interrompera o momento. Em um esforço para justificar sua idiotice, Reid decidiu que havia sido melhor assim. A despeito do que seu corpo desejava, ele não queria beijos roubados, nem que Robbie se arrependesse. Quando eles se beijassem... E eles iriam se beijar, isso era certo... Ela não iria se arrepender. Reid a guiou, descendo as escadas, e foi na direção do brilho amarelado da luz na bitácula. — Tudo em ordem, capitaine? — Jean-Pierre estava no leme, segurando-o com uma das mãos. Reid contou os traços na tabuleta onde se contava a passagem do tempo. — Você tem mais meia hora antes da troca de turno. — Estou adiantado. — Jean-Pierre deu um amplo sorriso, desviou-se de Reid e fez uma reverência exagerada diante de Robbie. Depois lhe pegou a mão e deu-lhe um beijo sobre os nós dos dedos. — Sou Jean-Pierre. Sou o capitaine quando o capitaine não é o capitaine — explicou ainda por sobre a mão dela, tendo o descaramento de beijá-la outra vez em seguida. Robbie bateu suas longas pestanas para ele. — É um prazer conhecê-lo. Sou Mary-Robena Wallace, mas insisto que me chame de Robbie. — O prazer é meu, posso assegurá-la, ma chaton. “Minha gatinha” era o apelido favorito de Jean-Pierre para as mulheres, mas Robbie não era nenhuma gatinha meiga. Reid suspeitava que ela estivesse afiando as garras naquele mesmo momento. Uma risada nervosa escapou dos lábios dela, e Robbie tirou a mão das dele para enrolar uma mecha de cabelo nos dedos. Reid assistia à cena, boquiaberto. Jean-Pierre não era feio; nunca tivera problemas para encantar as moças nos portos em que paravam, mas a reação de Robbie o surpreendia. Talvez ela simplesmente não estivesse habituada à atenção. A última coisa que Reid precisava era de outro homem se desdobrando para agradar sua mulher. Ele pegou uma tigela de amendoins salgados em um baú de madeira e a colocou nas mãos de Robbie. — Amendoins? Robbie não perdeu tempo para colocar um bom punhado na boca, impedindo assim que o colóquio com Jean-Pierre se prolongasse. Garota esperta. — Como meu primeiro oficial generosamente me liberou de meus trabalhos mais cedo, talvez possamos conversar. Reid não esperou pela concordância dela. Com um empurrãozinho, encorajou-a a seguir em frente, escapando de Jean-Pierre. 41

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Robbie engoliu, olhando por cima do ombro. — Ele parece agradável, para um francês. — Ouso dizer que o rei Luiz discordaria. Parece-me que Jean-Pierre foi; julgado e condenado por vários atos de traição. Se um dia o pegarem, suspeito que... — Reid deslizou o dedo pelo pescoço. Robbie riu, o que era o objetivo dele. — Você se esforça em só contratar gente que não presta? Ela colocou outro amendoim entre os lábios cheios, e Reid jurou que não iria estragar aqueles momentos que tinham juntos com pensamentos luxuriosos. — Vou lhe contar um segredo, mas não espalhe. — Ele olhou ostensivamente para trás, aumentando o mistério. — Henrik é inglês. Robbie fingiu espanto. — Sem dúvida, um raio divino vai matar você! Reid riu e cruzou as mãos nas costas, acompanhando-a na direção da proa. Era isso o que ele queria: alguém com quem conversar, com quem dividir sua vida. E ele sempre sonhara que esse alguém seria Robbie. — É mesmo? Robbie olhou para ele, lambendo o sal das pontas dos dedos antes de voltar a colocar a mão na tigela. — Eles são leais a mim. Alguns estão comigo há anos. Talvez por não terem outro lugar para onde ir, como é o caso de Jean-Pierre e Henrik. O povo mopán me ajuda porque eu mereci o respeito deles. — Quase se poderia dizer que eles são seu clã. — Acho que sim. Reid queria afastar o cabelo do rosto dela e pegar sua mão, mas se controlou e simplesmente andou ao lado dela sob as velas infladas pelo vento. Apresentou-a a uma dúzia de homens e explicou o funcionamento do navio em termos náuticos, não para se gabar de sua experiência, mas porque ela não parava de fazer perguntas. A caminhada chegou ao fim na proa, onde partilharam um instante de silêncio enquanto o sol mergulhava em um horizonte rosa e laranja. Como se o desaparecimento do sol alterasse seu humor, Robbie voltou-se para ele, encarando-o com ousadia. — Por que você esperou tanto para voltar? Reid havia ser preparado para aquela pergunta. Desejou poder dizer a ela que estivera cativo, ou que algum ato divino o impedira de retornar, mas não seria verdade, e ele não queria mentir para Robbie. Iria contar-lhe a verdade e rezar para que ela conseguisse enxergar seus motivos para agir como agira, e então perdoá-lo. Ele respirou o ar salgado e pousou os braços sobre a amurada. — Quando meu pai voltou à Escócia, tentou convencer os mais velhos a mudar o clã de lugar, mas tio Alasdair se recusou a deixar o Castelo Kilchurn. — Seu pai sabia que os Colquhouns invadiriam a terra? — Talvez. Se ele sabia, nunca me contou. Quando meu pai me levou embora, o clã 42

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estava a salvo dentro dos muros do castelo. Ele implorou a Nanna para ir ao Yucatán com ele, mas ela se recusou. Ele tentou salvá-los, Robbie, mas eles não queriam ser salvos. — Reid fez uma pausa, tentando ler a reação dela, mas Robbie mantinha suas emoções resguardadas, por isso ele continuou: — Por onze anos, eu pertenci a outro clã. Aceitei os costumes do povo mopán, eu estudei seus símbolos, aprendi sua religião. A selva se tornou meu lar, e aquelas pessoas, a minha família. Há três anos, quando meu pai morreu, eu devolvi o navio dele à Coroa e comprei o, Obsidiana. Eu já tinha intenção de ir para a Escócia, mas tive de voltar para o Yucatán. — Por quê? Reid se concentrou nas ondas lá embaixo. — Eu tinha vinte e três anos e não possuía nada em meu nome. Nem casa, nem terras... — A voz dele foi sumindo, e ele aguardou uma reação de Robbie, que manteve o silêncio. — Com a ajuda dos mopán, eu construí Rukux. Não é um castelo de pedra, nem é protegido por centenas de homens; é apenas uma casa humilde comparada ao Castelo Kilchurn. Mas enquanto derrubava árvores na floresta, localizei um túmulo onde encontrei um tesouro digno de um rei. — E você pensou que eu o aceitaria de volta porque encontrou ouro e construiu uma casa? — O tom dela era afiado, cheio de desprezo. Reid havia lutado em solo escocês. Protegera o, Obsidiana de piratas em inúmeras ocasiões. Combatera a tribo Kekchí. Mas de tudo, o que mais lhe exigira coragem era encarar Robbie naquele momento. — Você mesma disse que merecia mais. Você teria vindo comigo se eu não tivesse dinheiro nem orgulho, não tivesse uma vida a lhe oferecer? A expressão no rosto dela ficou ainda mais fechada, e sua respiração se acelerou. — O que eu faria ou não faria não tem importância. Eu estou com Eoin agora, e jamais abandonaria o clã. — Como eu fiz? Robbie não precisou responder para deixar clara sua opinião sobre ele. Com o queixo empinado e as costas eretas, entregou-lhe a tigela vazia e falou, com toda a dignidade: — Meus agradecimentos pela comida. Tive um dia cansativo, e gostaria de ir dormir. — Você é bem-vinda à minha cama. Aquilo não tinha soado do jeito que ele pretendia. Uma pausa desconfortável pairou sobre eles. Os olhos dela se arregalaram e seus lábios se contraíram. — Estou inclinada a achar que isso é uma má ideia. Embora Reid pensasse ser uma ideia esplêndida, ela não estava com humor para gracejos. — Eu queria apenas lhe oferecer um lugar confortável para dormir. Sozinha. — Raras vezes eu dormi em uma cama. Vou ficar confortável no deque mesmo. Boa noite, capitão. Robbie virou-se um tanto rigidamente, a saia ampla abrindo-se com o movimento 43

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enquanto ela se afastava. Henrik, de cima do mastro principal, anunciou a troca de guarda. — Devemos fazer uma boa viagem, se Deus quiser. Com sua voz rouca de tenor, Henrik continuou, cantando o Salve Regina em latim. A oração cantada combinava com os pensamentos de Reid, triste e pesada. Ele passou os dedos pelo cabelo e foi para o deque inferior. Na popa do navio, acendeu uma lamparina e vasculhou as provisões: barris de peixes salgados, carne seca, queijo, garrafas de vinho, água e, graças aos céus, conhaque. Com uma garrafa contendo o suficiente para matar um cavalo e uma latinha contendo o doce tabaco dos mopán, Reid ajeitou-se sobre um barril de melaço para encharcar seu coração dolorido. O ruído familiar de alguém pigarreando foi à última gota, antes que Eoin falasse. — Robbie é a pessoa mais leal que eu conheço. Ela dedicou à vida toda a ajudar o clã. Vai ser preciso muito mais do que charme para vencê-la. — Seu tom de pele está melhor. — Reid não tinha energia suficiente para brigar com o primo. Em vez disso, acendeu o tabaco na lamparina e ofereceu a bebida para Eoin. — Conhaque? O sujeito arrancou a garrafa da mão de Reid como um viciado em láudano, depois se sentou sobre um barril à esquerda dele. Eoin ajeitou seu tartã e observou a fumaça com curiosidade. — O que é isso? — Os mopán chamam de sikar. Mas como os ingleses querem levar o crédito por tudo nesta vida, chamam de charuto. Eu chamo de fuga da realidade. — Reid decidiu que seria melhor se ele e Eoin chegassem a termos. Se um pouco de fumo e alguma bebida ajudassem a construir esse armistício, que assim fosse. Ele acendeu um segundo charuto para Eoin e entregou-o ao primo. — Trégua. — Por enquanto. — Eoin assistiu enquanto Reid tragava novamente, depois imitou o ato. Ele tossiu, mas uma vez só; tomou um longo gole de conhaque e voltou a tragar seu charuto até a ponta brilhar, alaranjada. — É bom, muito bom. — Sim. — Reid se apoiou contra a parede e cruzou os tornozelos em cima de outro barril. Fechou os olhos e tentou retirar de seu corpo toda a frustração acumulada. Vai ser preciso muito mais do que charme para vencê-la. As palavras de Eoin ecoavam na mente de Reid. Ele não queria vencê-la. Lealdade e orgulho eram qualidades que ele admirava em Robbie, mas ao mesmo tempo, temia que essas mesmas características nunca permitissem que ela o perdoasse. Ele tragou o charuto e rolou a fumaça acetinada no interior da boca antes de exalar. — Como você conseguiu, primo? — Consegui o quê? — Que Robbie o perdoasse pelo que aconteceu na caverna? — Reid achou que o outro fosse caçoar dele. Não estava preparado para a intensidade da reação de Eoin. Os cachos castanhos pendentes sobre a testa de Eoin não esconderam seus olhos se estreitando. 44

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— Você é quem deveria ter morrido naquela caverna, não Fergus. — Foi assim que você se justificou? Jogando a culpa em mim? — Os Colquhouns vieram atrás de você. — Não, — corrigiu Reid, resoluto. — Eles vieram atrás de nós, os filhos dos líderes MacGregor. — Não tenho culpa do engano deles. Surpreso, Reid endireitou-se e encarou Eoin. — Você é o único culpado! — E o que é que você sabe? Você não estava lá. — Eoin se virou, olhando para os cantos. Deus do céu! Reid compreendeu então, e foi como se um balde de água gelada caísse sobre sua cabeça. Claro, ele não havia estado na superfície naquele momento, mas sabia o que tinha acontecido. — Você nunca contou a ela, não é? Se Eoin tinha uma resposta, ele a afogou no conhaque. Em seguida apoiou os cotovelos nos joelhos, cuspiu entre as botas e olhou para Reid. — Você acha que pode manchar a opinião dela sobre mim com mentiras? — Não são mentiras. Meu pai estava lá, do lado de fora da caverna. — Seu pai está morto. É a sua palavra contra a minha. O bastardo estava louco. Reid balançou a cabeça, devagar. — Você não tem consciência? — Homens com consciência são líderes fracos. Se um rei dependesse de sua consciência, não venceria guerras. O que eu fiz protegeu a linhagem dos MacGregor. Fergus foi um acidente infeliz. Se você estivesse no meu lugar, teria feito o mesmo. — Nisso você está enganado, primo. — Reid se levantou, ansioso para se livrar da presença de Eoin. — Eu jamais teria dito que Fergus era o herdeiro dos MacGregor para salvar minha própria pele.

Capítulo VI

ARRANJOS — Bendita seja a luz do dia, e também a Santa Cruz, bendita a alma imortal, e o Senhor Jesus! Que Odin me ajude! Fique quieto, homem! Ela iria costurar os lábios do inglês um no outro. Seria realmente necessário anunciar que o sol havia se levantado? A pessoa não descobriria isso assim que abrisse os olhos? 45

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Robbie acordou de mau humor, com um gosto ruim na boca e um torcicolo medonho. Em compensação, por mais estranho que fosse, estava tão aquecida quanto um pão fresquinho recém-saído do forno, exceto por sua bochecha. Sua bochecha estava molhada. Robbie abriu um olho e descobriu Oscar assomando sobre ela. O gato bocejou, deslizou a língua gigantesca por cima do focinho e começou a se banhar. Algo que Robbie também desejava poder fazer logo, mas sabia que não havia nenhum riacho ao qual recorrer, nem um local discreto o bastante onde cuidar de sua higiene matinal. Para seu desgosto, Robbie percebeu que assim que se levantasse, precisaria desse tal local discreto. Contorcendo-se sob o peso de peles que não estavam lá quando se deitara para dormir, Robbie quis crer que Eoin a havia coberto durante a noite, mas sabia que ele nunca se preocupara muito com suas necessidades. Era mais provável que tivesse sido obra de Reid. Sua dedução só aumentou o mau humor em que se encontrava. Não queria que Reid se preocupasse com ela ou com seu conforto. Afastando as peles, ela se levantou, ajustou a saia e tentou aliviar a dor no pescoço. O catre em que Eoin tinha dormido boa parte do dia anterior estava vazio, como estivera quando ela fora se deitar. Sua exaustão, combinada a uma amarga indiferença, impediu-a de sair procurando por ele. O sujeito podia farejar bebida. Era bem coisa de Eoin fazer amizade com a tripulação só para tomar um pouco de álcool. Depois de dobrar cuidadosamente as peles, Robbie guardou-as em um baú e prendeu o cabelo em uma trança meio frouxa enquanto cruzava o deque frontal. Um grumete que conhecera no dia anterior passou por ela com uma vassoura e um balde. — Bom dia, Srta. Mary. Melhor ir até o terceiro deque para o desjejum, eles está servindo biscoitos e frutas. — Muito obrigada, Duncan. — Ela sorriu para o rapaz, mas a comida teria de esperar. Depois de subir a escada, bateu de leve na porta da cabine de Reid. Ela ainda não estava tão apertada que precisasse dançar para se conter... Ainda. Nenhuma resposta. Ela testou a maçaneta, mas estava trancada. Robbie bateu com um pouco mais de força, e a porta se escancarou. — Deus do céu! É melhor que o navio esteja afundando... Santo Loki! Os joelhos de Robbie ficaram moles, enquanto ela examinava o belo espécime à sua frente. — Robbie? Reid estava de pé sob o batente da porta segurando um lençol vermelho de seda sobre os quadris. Músculos marcavam seu abdome e seu peito; uma trilha delicada de pelos descia desde o umbigo até... Robbie engoliu em seco. — Você precisa de alguma coisa? Ela balançou a cabeça. Era como se sua pulsação tivesse abandonado o coração e partido para o sul. Cruzar as pernas com mais força era quase impossível, mas Robbie tentou. 46

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— Então por que está batendo na minha porta à uma hora dessas? Ela aquiesceu, resistindo ao impulso de estremecer. Claro que Reid dormia nu. E agora ela tinha essa imagem gravada a fogo em sua mente. Não teria como escapar dele. Nada restava à sua imaginação, exceto pela parte escondida atrás do lençol de seda. E justamente quando esse pensamento lhe ocorreu, o lençol começou a se levantar. Perfeito! Agora ele estava ficando excitado... — Robbie, eu sugiro, de todo o coração, que você pare de me olhar desse jeito. — Reid inclinou a cabeça, tirando-a do estupor em que se encontrava. Ela se endireitou, finalmente olhando para o rosto dele. A sombra da barba escurecialhe o queixo, e seus olhos inchados e vermelhos brilhavam com um traço de provocação. Entretanto, o que a fez passar de excitada a irritada foi o sorriso convencido. — Eu preciso usar seu banheiro — disparou, finalmente. Reid inclinou-se em uma reverência pretensiosa e a convidou a entrar. — Não se incomode com a cama, já que obviamente eu ainda a estou usando. Ela não lhe daria o gosto de uma réplica. Em vez disso, contornou a divisória e pegou o bacio vazio. Tinha de haver algum outro lugar naquele maldito navio em que ela pudesse ter o mínimo de privacidade. — Onde é que você vai com... — A voz de Reid foi desaparecendo atrás dela, enquanto Robbie descia a escada do deque do capitão. O deque estava zumbindo de atividade, o que a levou a descer mais um lance, para o deque do canhoneiro. Jax surgiu entre dois canhões. — Bom amanhã, C’ak’is Ak’. Ela não estava com humor para Jax. — Eu não sou Língua de Fogo. Meu nome é Robbie. Ele riu e resmungou algo que ela não entendeu. Se não estivesse tão apertada para usar o bacio, Robbie o teria jogado em Jax. Em vez disso, ela soltou uma lamparina da parede e desceu correndo mais dois lances de escadas antes de encontrar um passadiço estreito que, graças aos céus, estava vazio. Abriu a primeira porta à direita, levantou bem a lamparina e aspirou o cheiro de grãos. Sacos de aniagem forravam as paredes, e o piso estava coberto de algo amarelo. Teria de ser ali mesmo. Mas assim que ela parou, ouviu unhas clicando no piso. Seu coração disparou. E não se poderia dizer que ela tivesse o estômago fraco. O avô havia lhe ensinado a estripar peixes e esfolar coelhos. Robbie já tinha até mesmo matado uma ou duas cobras. Mas ratos? Malditos fossem! Decidindo-se a bater em retirada, ela desceu ainda mais para o interior, onde só havia o silêncio. Contudo, o cheiro que a recebeu na quilha do navio era infernal: doce, ácido, pútrido. Algo definitivamente havia morrido ali. — Santo Loki! Ela colocou o bacio sob o braço, tapando o nariz e a boca com a mão. Mesmo assim, o odor atroz parecia se colar às suas narinas como melado. Seus olhos se encheram de lágrimas, 47

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borrando sua visão, mas ela seguiu em frente, contornando a escada. E indo direto para uma imensa teia sedosa. Robbie saltou para trás, o pânico invadindo-lhe os músculos. Calafrios desciam por sua coluna, e os cabelos de sua nuca se arrepiaram. Ela ergueu a lamparina entre dois pilares e teve uma rápida visão de pelo menos três aranhas negras enormes agitando-se em volta de seu lar destruído. Gritando, Robbie subiu as escadas correndo na direção da cabine de Reid como se o exército inglês estivesse em seu encalço. À sua passagem, doze dos tripulantes no deque principal rapidamente formaram duas filas. Ela disparou entre eles, e se viu no mesmo lugar em que ela estivera apenas minutos antes. Robbie bateu na porta de Reid com um punho trêmulo, sem se importar que ele aparecesse nu em pelo. Provavelmente ela nem conseguiria ver nada, por causa dos pontos negros girando em seu campo de visão. Ela tinha horror a aranhas. Odiava-as mais do que os escoceses aos ingleses. Outro calafrio percorreu seu corpo, no mesmo instante que Reid abria a porta. — Que foi, agora? Ignorando a pergunta e a aparência de Reid, ela entregou-lhe a lamparina e saiu pela porta nos fundos da cabine que levava à pequena sacada. Assim que livrou as mãos do bacio, Robbie começou a esfregar o cabelo, os braços, as costas. Por que sentia como se houvesse algo rastejando ali? Nervosa, ela conferiu cada cantinho e cada curva antes de se permitir respirar fundo e cuidar de suas necessidades. Sentindo-se infantil por seu comportamento, Robbie demorou-se na amurada, observando as ondas formar linhas brancas quando arrebentavam. Lembrou-se do avô e de como ele a acalmara quando ela subira em um tronco carcomido recheado com dezenas de caranguejeiras. Ainda que vivesse cem anos, jamais se esqueceria daquele dia. Robbie sentiu a tristeza invadi-la. Só havia se passado um dia, e já sentia uma saudade imensa do avô. Queria que Eoin tivesse permitido que ele os acompanhasse naquela aventura, mas talvez fosse melhor assim. Ela não sabia que perigos os aguardavam, e o avô podia não ser forte o suficiente para lutar contra o vento e o frio. Se ela pudesse, ainda veria o avô feliz em Rannoch, ao lado do fogo para aliviar a dor em seus ossos, e talvez um pequeno laboratório de alquimia para ele misturar seus gases. Um dia, vovô. Um dia. Robbie voltou para dentro da cabine e devolveu o bacio ao seu lugar, atrás da divisória. Ao sair, encontrou Reid de calças, sem camisa, apoiado na beirada da mesa com os braços cruzados sobre o peito nu. Ele a encarava com um olhar duro. Que Odin me ajude, se esse sujeito começar a falar... — Já acabou? Robbie praticamente ouviu seus dentes rangendo. Como se ela ainda precisasse de censuras... — Nenhuma mulher deveria passar por essa humilhação, a despeito de seu status. 48

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— O status não tem nada a ver com o fato de você sair aos trancos e barrancos pelo navio carregando um bacio. Se você se sentiu humilhada, a culpa é só sua. — Eu exijo um lugar com privacidade. As sobrancelhas de Reid se ergueram. — Ah, perdoe-me por não ter feito nenhum arranjo antecipadamente nesse sentido. Não havia ocorrido a Robbie até então por que ele não havia preparado aposentos para ela. Não tinha nenhuma relação com bacios, ratos ou aranhas, e tudo a ver com Reid MacGregor e suas suposições. — Então é assim? Você acreditou mesmo que eu pularia para a sua cama com tanta rapidez? — Maldito fosse ele e sua arrogância! O corpo de Reid ficou tenso ao ouvir aquela explosão. — Você vai ter aposentos exclusivos até o meio-dia.

Capítulo VII

INTRIGA Era mais fácil domar as feras selvagens do Yucatán do que conquistar Robbie Wallace. Reid girou a moeda de ouro sobre os nós dos dedos sem parar, estudando as cartas náuticas em cima de sua escrivaninha. Ele imaginou se deveria convidar a mulher a entrar ou deixá-la vagando na frente de sua porta aberta. Muito provavelmente, ela havia divisado a cama desfeita de onde se encontrava e agora estava tendo comichões para arrumá-la. Robbie precisava de tarefas para ocupá-la antes que levasse a tripulação toda à loucura. Ventos estáveis haviam mantido as velas cheias por uma semana, empurrando-os para o Atlântico sem nenhum problema, mas os últimos dois dias tinham sido uma agonia para ela, agora que estavam em uma calmaria. As velas penduravam-se, frouxas como cortinas, e a tripulação estavam no deque tomando sol. Robbie, entretanto, era incapaz de ficar ociosa. Ela seguia Jax, esgotando-o com suas perguntas. — Como se diz “bom dia” na sua língua? — Ba’ax ka wa’alik. — E “adeus”? — Taak tu laki. — E “prazer em conhecê-lo”? — Hach ki’imak in wo’ol in kaholtikech. — Jax passava horas ensinando sua língua a ela, mas acabava se cansando e se escondia sob o deque, de modo que Robbie então saía em busca de Henrik e Jean-Pierre. Quando eles já não tinham nenhuma tarefa para ocupá-la, ela se agarrava a Duncan e o ajudava, e aos outros grumetes, com a tarefa de lixar as madeiras do navio para eliminar 49

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lascas. Velas antigas haviam sido remendadas, os deques esfregados, e os corrimãos pintados. Reid há surpreendera três dias antes no deque do canhoneiro com um trapo manchado nas mãos e o rosto todo sujo. — As bolas de canhão não precisam ser polidas para derrotar o inimigo — Reid assegurara a ela, que partira então para limpar os canhões. Apenas uma vez Robbie havia procurado Eoin, mas ele, bêbado e com o nariz vermelho, a dispensara com um gesto. O sujeito transformara o estoque em uma taverna e dormia o dia todo, onde quer que se encontrasse. Henrik, junto com uma meia dúzia dos oficiais, juntava-se a Eoin todas as noites para fumar charutos e beber, o que convinha a Reid, visto que Robbie evitava seu prometido quando ele estava embriagado. Reid calculou a distância entre os portos, resolvendo onde baixar âncora para repor o estoque de bebidas. Ele não tinha nenhuma intenção de permitir que o copo de Eoin ficasse vazio. Robbie deu uma tossidela em frente à porta, tirando-o de suas meditações. Agora que ela possuía seus aposentos no deque inferior, ele duvidava que a visita fosse por causa do banheiro. Ela estava entediada. Reid nunca havia sido de armar arapucas, mas aproveitaria a oportunidade para passar algum tempo com ela. Fechando a mão sobre a moeda de ouro, socou a mesa. — Deus do céu! — gritou, e esperou que ela caísse no blefe. Pelo canto do olho, viu Robbie passar pela porta, mas apenas parcialmente. Fingindo não notar sua presença, fez uma careta e deitou a cabeça sobre a escrivaninha. — Algo errado? — ela indagou, com uma preocupação sincera. Reid endireitou-se, fingindo espanto, enquanto disfarçava um sorriso. — Nada importante. Ela se aproximou mais, afastando-se da porta. — Eu não consigo decifrar esses mapas — desabafou ele por fim, o que a levou de volta à porta. Seus cabelos ruivos reluziam sob o sol, lembrando a deusa em cuja honra o navio tinha sido batizado. Reid queria conhecer a maciez de seus cachos e o fogo de seu beijo, mas podia esperar. Era um homem paciente. Robbie enrolou o cabelo nos dedos e inclinou o pescoço. — Eu costumava estudar os mapas que vovô adquiria em suas viagens a Edimburgo. Talvez possa ajudar... Ele controlou seu entusiasmo. — Duvido muito. O mapa para o qual eu preciso de ajuda é diferente de tudo o que você já viu. Reid não se espantou quando Robbie cruzou a cabine e abaixou-se ao lado da mesa, aceitando o desafio. 50

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Uma rápida olhada nas cartas espalhadas foi tudo o que ela precisou para questionar a sinceridade de Reid. — Você está brincando. — Ela arqueou as sobrancelhas e soltou o cacho de cabelo com que estivera brincando. — Era de se esperar que o capitão de tão belo navio soubesse a diferença entre uma carta náutica e um mapa, ou então estamos destinados a morrer no mar. Ah, a garota era esperta! Reid achou melhor desistir do fingimento. — Fui eu quem planejou essas cartas, e posso assegurá-la de que vamos alcançar Yucatán em menos de três semanas. — E o que, em nome de Odin, eu vou fazer por mais três semanas? — Ela suspirou tão profundamente que sua expiração levantou as folhas do diário de bordo. — Eu tenho uma tarefa para você. Reid tirou tudo de cima da escrivaninha, deixando ali apenas seu diário, depois estendeu um pedaço de lã por cima da superfície. O nervosismo fazia suas mãos tremer enquanto ele destrancava uma caixa-forte esculpida com hera e borboletas, de onde retirou um pacotinho embrulhado em tecido grosseiro. Era juvenil ficar tão ansioso, mas nada podia ser feito para evitar isso. Ele rezava para que a garota que conhecera em sua juventude ficasse tão empolgada quanto ele. — Você pode me ajudar com isso. Quando Reid afastou o tecido, os olhos de Robbie se arregalaram com a mesma expressão maravilhada que ele havia demonstrado quando encontrara a pedra. — Isso é um mapa para o ouro? Se as suspeitas de Reid estivessem corretas, Xitali havia deixado para trás muito mais do que ouro. Havia um tesouro de conhecimento esperando por ele em Yucatán, e Reid queria descobri-lo junto com Robbie. — Algo assim. Ela deslizou as pontas dos dedos sobre as figuras esculpidas na placa de pedra. — Esses símbolos são parecidos com aqueles marcados em Jax. — Robbie olhou para cima, os olhos verdes refletindo a inteligência que Reid tanto admirava nela. Ele assentiu. — Está escrito em uma linguagem de séculos atrás. Robbie baixou o olhar e seus ombros se curvaram. — Um estudioso levaria anos para decifrar isso. Temo não poder ajudá-lo. — Anos, não... Meses. Eu já tenho a tradução. — Ele abriu seu diário nas páginas que explicavam os símbolos e seus significados. — Está tudo aqui. Eu posso ensiná-la, do mesmo jeito que os anciões mopán me ensinaram. Robbie olhou para a porta e enrolou um cacho nos dedos, pensando. Não precisou dizer o que a preocupava; ela estava imaginando que Eoin não aprovaria. O sujeito não a merecia. Ele a tratava como uma camponesa, e bebia demais para alguém que precisava tanto de dinheiro. Ele era arrogante, convencido, e pior de tudo, tinha mentido para ela. Se Robbie soubesse a verdade sobre Fergus, não teria tanta pressa em defender Eoin. Reid acabaria lhe contando, mas antes teria de conquistar-lhe a confiança. 51

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Robbie voltou-se para a mesa e pousou as mãos ao lado da pedra. Sua vontade de aprender mais sobre o tesouro devia ter ganhado sobre sua preocupação com Eoin. — Onde começamos? — Nós contamos. — Reid sentiu o nervosismo espalhar-se pelo seu corpo enquanto puxava uma cadeira para ela e começava a lhe explicar o sistema numérico. — Um ponto equivale ao um, um traço equivale, ao cinco, e uma concha, como esta aqui, representa o zero. Conforme o dia avançava, Reid a instruía no sistema de calendário, assim como nos rituais sagrados executados por sacerdotes e sacerdotisas dos antigos maias. Robbie ouvia com atenção e questionava tudo. Eles conversavam como velhos amigos, indo de um tópico ao seguinte sem pausa. Quando Reid começou a explicar o alfabeto deles, que não era tanto um alfabeto quanto palavras desenhadas, como hieróglifos, Robbie se perdeu na complexidade do assunto. Ela estudava o diário dele, e ele a estudava. Ele memorizou o formato de seu nariz delicado e as sardas espalhadas em suas faces. Notou seus maneirismos, o modo como ela enrolava seus cachos nos dedos e esfregava a ponta sob o nariz. Quando ela começou a morder o cantinho dos lábios carnudos, Reid precisou de toda a sua força de vontade para não beijá-la. A cicatriz que marcava Robbie como uma MacGregor a impedia de levar uma vida livre na Escócia. Mas ela não estava presa ao clã MacGregor, nem a Eoin. Ela podia fazer suas próprias escolhas, e algum dia Reid esperava que ela o escolhesse. Ele queria lhe dizer quanto tempo fazia que pensava nela, nos dois juntos. Reid queria uma mulher para chamar de sua, uma esposa para dar-lhe filhos. E quando ele imaginava isso, era sempre Robbie quem lhe vinha à mente. O rei Jaguar havia lhe oferecido suas filhas em mais de uma ocasião. Elas eram mulheres lindas e exóticas, com pele cor de oliva e belíssimos cabelos negros, mas não possuíam o espírito de Robbie. As qualidades que o atraíam nela eram os mesmo atributos que os mantinham separados: orgulho, devoção e fidelidade. Era uma contradição. Se Reid fosse ter Robbie para si, ela teria de ir contra as qualidades que faziam dela a mulher com quem ele queria dividir sua vida. — Já passou das cinco, e as seis se aproximam — cantou Henrik, anunciando as cinco e meia. — Com a bênção de Deus, mais horas se passarão. Robbie escreveu algumas notas no diário dele, sem prestar atenção à chamada para a mudança da guarda. Estava completamente imersa em aplicar o que havia aprendido para decifrar os símbolos esculpidos na pedra. Ele deveria poupar-lhe o trabalho, na verdade, mas queria que ela descobrisse por si mesma. Levantando-se, Reid aumentou a chama do lampião para obter mais luz, já que a lua no céu era quase invisível. — Tenho de render Jean-Pierre no leme. Robbie gesticulou para que ele fosse em frente, e por motivos que nem ele entendeu, Reid se abaixou e beijou-lhe o rosto. Pareceu-lhe natural. Ele tinha pensado no gesto como uma cortesia, um gesto inocente de despedida. Nada mais. Mas o pulso dela se acelerando informou-lhe que não foi assim que ela o recebeu. 52

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As pontas dos dedos de Robbie tocaram a pele que ele beijara. Os nós dos dedos ficaram brancos com a força com que ela apertou a pena. Seu olhar continuou preso à mesa. — Perdoe-me. Reid saiu da cabine apressado, antes que ela tivesse a oportunidade de censurá-lo. Levemente chocada, Robbie viu Reid fugir da cabine. Deveria tê-lo repreendido pelo gesto, mas se fosse usar de honestidade, censura não estava entre as várias coisas que ela gostaria de fazer com Reid MacGregor. Ela queria puxá-lo de encontro a si e sentir o calor daquele corpo esmagando o seu. Queria saborear sua pele levemente salgada e explorar aquele perfume exótico que a seduzia para além da razão durante o dia todo. Mas resistiu à tentação de ceder a seus impulsos, sabendo que seria errado, que aquela tentação custaria não apenas a sua vida, mas a de muitas outras pessoas. Eoin puniria Robbie expulsando do clã qualquer um que fosse próximo a ela ou a Reid, não importando quanto ouro eles trouxessem de volta. Robbie enrolou os cabelos em um nó no topo da cabeça, prendendo-os no lugar com um bico de pena feito de osso que havia encontrado na gaveta da escrivaninha de Reid. Abanando a nuca, ela culpou a temperatura ascendente pela perspiração que escorria por suas costas. Infelizmente, aquela mentira não conseguia disfarçar a excitação que se acumulava em seu ventre. Ela daria qualquer coisa por um riacho para acabar com o calor de seu corpo e liberar sua mente dos pensamentos pecaminosos. Contudo, o, Obsidiana não tinha esse tipo de luxo, por isso ela abriu a portinhola para a sacada, esperando que o pôr do sol forçasse alguma brisa pela abertura. O que não ocorreu. Estava tudo imóvel como a morte. Nenhuma brisa deu o ar da graça; só o ar quente, pesado. Com um baque surdo, Oscar pulou para a sacada e fez o coração de Robbie saltar no peito. — Santo Loki, Oscar! Você quase me mata de susto... A resposta de Oscar foi lamber o antebraço dela, o que não ajudou a refrescar a situação. Ela podia ir até seus aposentos e se livrar das roupas pesadas, mas queria continuar decifrando a pedra. Com Reid ocupado no leme, ela poderia desfrutar da bacia atrás da divisória sem culpa. — Você fica de vigia para mim, está bem? Oscar bocejou, mostrando seus dentes ameaçadores, depois se sentou e começou a lamber as patas. — Bicho inútil. Robbie contornou a divisória, encontrou um pedaço de sabão entre as coisas de Reid e mergulhou um pedaço de pano na bacia. Enquanto lavava o rosto, o perfume ímpar de Reid estimulou seus sentidos e encheu sua cabeça com imagens indesejadas: dois corpos, molhados de suor, envolvidos em uma posição sensual que provavelmente seria impossível repetir na vida real. 53

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Robbie amaldiçoou sua imaginação traiçoeira e pressionou o pano frio contra a nuca, mas nem isso foi capaz de diminuir o incêndio que a consumia. Ela soltou os laços que prendiam seu corpete no lugar e tirou a peça de roupa. Não deveria ter fechado os olhos, porque quando fez isso, tudo o que pôde ver foi Reid ajudando em seu banho. A água fria escorria por suas costas e sobre seus seios, e então o sabão deslizou sobre seus mamilos sensibilizados... Mamilos que Reid provocava, em sua visão libertina. Foi então que ela sentiu uma carícia muito suave sobre os ombros. Robbie abriu os olhos e estremeceu. Respirou fundo, prendendo o fôlego. A barra de sabão voou de sua mão como se estivesse em fuga. Robbie se enfiou no corpete rapidamente, cruzando os braços sobre os seios. Ele estava atrás dela. Sua expiração resfriava a pele molhada de Robbie, fazendo-a arrepiar-se. Teria Reid entrado escondido de propósito? Ou será que ela estava tão distraída em seu mundo de sonhos que não ouvira sua aproximação? Robbie engoliu uma risada nervosa. Como tinha sido tola! Deveria gritar com ele, mandá-lo embora, mas mal conseguia respirar por causa daquela proximidade. O coração de Robbie batia como um tambor em seus ouvidos e ela; rezava para que os joelhos conseguissem sustentá-la. Uma pulsação estranha percorria-lhe os membros e concentrava-se na junção entre suas coxas. Reid não estava nem mesmo tocando seu corpo, e os seios de Robbie já estavam sensíveis, os mamilos rijos sob o tecido do corpete. Ela apertou os braços em torno do corpo, em parte para se esconder, em parte desesperada para aliviar um pouco a excitação. Reid engoliu em seco e aproximou os lábios do ouvido dela. — Eu esqueci meu... Esqueci alguma coisa, embora eu não consiga me lembrar do que era. — Já é tarde. Eu deveria ir. — Robbie lutou para colocar seu manto sobre os ombros antes de se virar para ele. — Eoin deve estar me procurando. Reid anuiu, mas não saiu do caminho. Em vez disso, levantou a mão, como se fosse afagar-lhe o rosto. A respiração de Robbie se acelerou, e ela mordeu o canto do lábio, esperando pelo toque... Que não veio. Reid fechou a mão com força, girou sobre os calcanhares e saiu da cabine com três passadas largas. Robbie respirou como se estivesse sem ar por vários segundos. Sentia-se como se tivesse acabado de escalar a montanha mais alta da Escócia. Sua garganta ardia e a pele formigava. Não sabia como, mas tinha de tirar aquele homem de seu pensamento. Sem demora, ela saiu e apressou-se para o deque inferior. Uma lanterna no estreito passadiço iluminava o caminho até seus aposentos, onde ela encontrou Eoin apoiado na porta, segurando uma garrafa de uísque. — Onde você esteve? — perguntou ele, num tom que era mais de curiosidade do que 54

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de acusação. A mente de Robbie disparou, movida pela culpa. Um fio de suor escorreu por sua têmpora. — Estava estudando o tablete de pedra que vai nos levar até o ouro. É fascinante, na verdade. Os símbolos nele representam palavras escritas em uma linguagem muito antiga. Você gostaria de vê-la? Pare! Robbie passou a mão pela testa, enxugando o suor. Ela não era assim: não tagarelava nem suava tanto. Eoin iria desconfiar, e com razão. — Não. Estou mais interessado em ver você. — Eoin piscou devagar e sorriu. Era a primeira vez que ela o via sorrir desde o embarque no, Obsidiana. Devolveu-lhe o sorriso mais como cortesia do que como aceitação. Eoin não era feio; tinha um queixo forte, quando não estava encoberto pela barba. Cachos escuros caíam-lhe sobre a testa, fazendo-a pensar em alguém com um pouco menos de responsabilidades. Algum tempo atrás, não muito, ela poderia ter pensado naquele olhar semicerrado como sedutor. Agora tinha consciência de que era apenas efeito da bebida. Robbie lembrou-se de que já se sentira tonta quando Eoin olhava para ela. Ele era o Gregarach, afinal. Era um privilégio ser chamada de esposa por ele. Então, por que se encolheu quando Eoin a puxou para mais perto? Ele baixou a cabeça e afagou a orelha de Robbie com a ponta do nariz. — Eu amo você. Robbie reprimiu um suspiro de contrariedade. Claro que ele a amava. Não havia nenhuma outra mulher a bordo que ele pudesse amar. Ele levantou-lhe a saia e deslizou a mão pela parte de trás da coxa de Robbie. Ela queria desejá-lo. Queria que ele a fizesse suspirar quando a tocasse. Mas não fazia. Eoin fedia a álcool e sujeira, e quando forçou a entrada de sua língua amarga na boca de Robbie, ela sentiu apenas nojo e empurrou-lhe o peito. — Você pretende me possuir aqui, em público, onde qualquer um pode passar e ver? — Jesus Cristo! Eu juro que aquele sujeito colocou você nesse quarto minúsculo só para eu não poder dormir com minha mulher. Era verdade; o quarto dela não era nada espaçoso. Robbie não podia nem mesmo se esticar no catre estreito, ou sua cabeça e seus pés encostariam nas paredes. Mas tinha quatro paredes e privacidade, o que era mais do que a maioria da tripulação conseguia, por isso não podia reclamar. — Eu tenho necessidades, Robbie. — Ele a pressionou contra seu corpo, apertando-lhe o traseiro por baixo da saia com a mão que não estava segurando sua preciosa bebida, e beijou-lhe o pescoço. Ela também tinha necessidades, mas Eoin raramente se preocupava com elas. Quando ela se preparava para empurrá-lo, sentiu o corpo dele, enrijecer. — Sinto o cheiro dele em você. — Eoin a fitou nos olhos, largando-a. — Você esteve 55

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com ele. — Não. Não do jeito que você está pensando. — Ela balançou a cabeça com tanta força que o cabelo se soltou. — Estivemos na escrivaninha dele, estudando a pedra, o dia todo. Reid saiu para cuidar de seus afazeres no navio, e eu me lavei com o sabão dele. Foi só isso. Eoin tomou um gole direto do gargalo. — Você acha que sou tão tolo assim? — Ele pigarreou e cuspiu no chão. — Você faria bem em se lembrar a quem pertence, e o que sua traição custaria. Dizendo isso, Eoin deu-lhe as costas e saiu, abaixando-se para se desviar de uma lamparina pendurada e deixando Robbie ouvindo o eco de suas ameaças. Robbie entrou em seu quarto escuro e pressionou a testa contra a porta. Sentia-se presa, confinada a uma prisão sem grades. A Escócia era seu lar, mas lá ela não era livre; nem ela, nem nenhuma das mulheres portadoras da marca dos MacGregor. Elas vagavam pelas montanhas, escondendo-se na névoa como se fossem ladras e mendigas. Uma lágrima deslizou por sua face. Seus desejos não eram tão sem cabimento. Ela só queria um lar, um lugar onde criar uma meia dúzia de filhos. Queria um lugar onde o avô pudesse viver o resto de seus dias em paz. E queria um homem que tivesse orgulho em chamá-la de esposa. Enterrando o rosto nas mãos e soluçando, Robbie teve de admitir para si mesma que não desejava mais que esse homem fosse Eoin.

Capítulo VIII

BARGANHAS — X-i-t-a-l-i. Robbie soletrou, depois conferiu com suas anotações para ver se estava tudo certo. Ela tinha conseguido: depois de três dias se dedicando exclusivamente àquilo, por fim conseguira decifrar uma coluna dos símbolos. — Eu sei o nome dela — anunciou, levantando-se e empurrando a cadeira para trás. A descoberta a havia deixado trêmula. — Reid, eu já sei o nome dela. Quando Robbie se virou, encontrou um gigante adormecido, esparramado em cima da cama, de calça preta e camisa branca, com seu “gatinho” aconchegado à lateral do corpo. Ela poderia admirar a perfeição da dupla por horas, mas sua empolgação não podia ser contida. Robbie então se ajoelhou ao lado da cama e o chacoalhou. — Reid. A resposta dele foi um ronco baixo. Ela então segurou um braço musculoso e chacoalhou com mais força. — Reid! — gritou. 56

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Ele se sentou de um pulo, puxando uma pistola de baixo do travesseiro. Ondas negras de cabelo úmido de suor grudavam-se às suas têmporas, enquanto Reid olhava por toda a cabine, confuso. — O que foi, amor? — Em um gesto protetor, ele trançou os dedos pelo cabelo de Robbie, segurando-a junto a si. Amor? A maneira como ele a chamara assim havia soado tão natural, que era como se a chamasse assim havia anos. Provavelmente usava o mesmo apelido para todas as mulheres, de modo a convencê-las a ir para sua cama. Sentindo-se picada pelo ciúme, Robbie franziu a testa, mas logo afastou o pensamento e redirecionou suas energias para a razão que a fizera despertá-lo. — Eu sei o nome dela. — Está mais quente que o fogo do inferno aqui! Se Robbie estivesse de pé, teria sapateado de frustração. Em vez disso, rosnou. O sujeito realmente tinha dificuldade em se concentrar de vez em quando. Ele guardou a pistola de volta sob o travesseiro, levantou-se e tirou a camisa. Os músculos, reluzentes sob o suor, destacaram-se contra o sol do fim de tarde que entrava pela janela. Droga... Agora era ela quem estava com dificuldades para se concentrar... Mordendo o lábio, Robbie o espiava discretamente enquanto Reid enxugava o rosto. Ele tinha que ser tão perturbador? Ela ficou de pé, empurrou as mangas dobradas da camisa um pouco mais para cima e resmungou: — E você está achando que está quente? Imagine para mim, que estou usando lã! — Não estou vendo ninguém impedindo você de tirar sua roupa — disparou ele, enquanto ia até a bacia para se lavar. Dessa vez Robbie bateu o pé no chão, de raiva, enquanto buscava uma resposta à altura, mas não encontrou nenhuma. Por outro lado, ela tinha passado frio à vida toda, e o calor era uma mudança bem-vinda. A pedra, Robbie, ela relembrou. — Eu decifrei alguns dos símbolos na pedra. A tabuleta marcava o local de uma tumba, e pertencia a uma mulher chamada Xitali. Ela morreu em no ano de 857. Creio que era da realeza ou algo parecido, pois a pedra fala dela como uma “dama”. Foi casada, mas não deixou herdeiros. Reid colocou a cabeça para fora da divisória, com um sorriso tão enorme no rosto que a deixou emocionada. Ela havia impressionado Reid. Podia adivinhar isso pelo modo como os olhos claros brilhavam com reflexos de azul. — Você foi muito bem, Robbie! Reid pegou uma camisa limpa de um armário e a encontrou junto à escrivaninha. Ele cheirava bem... Muito bem. Robbie queria saber o nome daquele perfume delicioso. Era uma mistura adocicada de almíscar, sal, e masculinidade. Era maravilhoso. Ela engoliu em seco... Talvez estivesse há muito tempo sem comer. É, devia ser isso. — Argyle estaria orgulhoso de você. 57

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Robbie brincou com um cacho solto e tentou conter a emoção que a invadiu com a lembrança do avô. — Xitali foi uma sacerdotisa maia, e morreu em 957. Você contou errado. — Reid apontou para o agrupamento de linhas e pontos na tabuleta. Ela esqueceu no mesmo instante do perfume dele, a frustração fazendo seu rosto se contorcer em uma careta. Robbie soltou o cacho com o qual brincava e colocou a mão nos quadris. — Você sabia? Por que, em nome de Odin, me incomodar para decifrar uma informação que você já tinha? — Eu queria que você descobrisse sozinha. Diga-me, não achou o processo fascinante? Era impossível negar: Robbie estivera fascinada nos últimos dias. Cada símbolo revelava um pouco mais sobre a vida de Xitali, mas ainda havia muita coisa que Robbie não sabia. Para o diabo com decifrar o resto, ela faria com que ele lhe contasse tudo! — Conte-me o resto. Reid pegou um pergaminho da primeira gaveta. — Eu desenhei esse mapa da selva de Yucatán há cerca de um ano. — Ele o depositou ao lado da pedra. — A tumba de Xitali fica sob um antigo templo, entre estes dois poços. — Reid apontou para dois círculos, um maior que o outro. — Você já encontrou a tumba? — Onde você acha que eu consegui minha fortuna? — Ele piscou para Robbie. Sentindo-se levemente enganada, Robbie suspirou. — Se você já encontrou o ouro, então o que estamos procurando? — Mais. — Reid sorriu e encaixou uma mecha dos cabelos avermelhados atrás da orelha de Robbie. — Xitali era mais do que uma sacerdotisa maia. Ela era uma deusa. — Estamos procurando por ouro que pertencia a uma antiga deusa? — Ele realmente acreditava que ela fosse inocente a esse ponto? — Estamos procurando por algo mais do que ouro. Acredito que Xitali tenha deixado uma biblioteca. — Uma biblioteca? Você quer dizer, com livros de verdade? No primeiro século? — Os livros deles, chamados códices, eram feitos da fina casca interna da sumaúma. Era onde eles transcreviam suas crenças religiosas. Robbie inclinou a cabeça e dirigiu-lhe um olhar que só faltava chamá-lo de louco. — Primeiro: deuses e deusas não são humanos, portanto não podem ser enterrados. E segundo: uma biblioteca não é ouro, e não pode ser vendida para o lorde de Luss ou para o rei. — Não, mas o conhecimento pode ser um tesouro em si mesmo. — Reid indicou um agrupamento de figuras na parte mais baixa da tabuleta de pedra. — “Conhecimento é verdade, e verdade é poder.” Xitali viveu sob esse lema, e suspeito que tenha sido o que a matou da primeira vez. — Da primeira vez? Ele riu. 58

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— Xitali não nasceu deusa, mas ela era esperta, como você. Desconfio que o governante da cidade dela se sentiu ameaçado pela sua inteligência, motivo pelo qual a lançou no Poço do Sacrifício. — Reid apontou para o círculo maior no mapa. — Se ela morreu no poço, então por que foi enterrada na tumba? — Ah, mas ela não morreu no poço. As pessoas daquele tempo acreditaram que ela tinha morrido, só isso. — Você tem outra teoria? Reid anuiu, olhando para a tigela de madeira vazia sobre a mesa. — Eu acredito que ela nadou do Poço do Sacrifício até o reservatório de água através de um rio subterrâneo. — Ele indicou o outro poço no mapa. — Quando ela ressurgiu, dois meses após ter supostamente se, afogado, o povo acreditou que ela havia ressurgido do submundo e a nomeou como filha de Chalchiuhtlicue, a deusa da água corrente. — Parece uma das histórias de vovô sobre os deuses nórdicos. — E Robbie sempre acreditara nessas histórias. Reid foi até a mesa de cabeceira e pegou mais uma tigela, também vazia. — Mito ou verdade, a distância entre os dois poços tem mais de um quilômetro. — É muita coisa. Ela teria se afogado. Robbie observou Reid abrir um armário e destampar um pote de cerâmica. Fosse lá o que ele estivesse procurando, não estava ali. — Acho que ela passou dois meses em algum lugar no meio do caminho. Em uma caverna subterrânea, talvez. — Ele voltou para perto dela e sentou-se na beirada da mesa. — Ela teria se afogado, a menos que pudesse respirar embaixo d’água. Robbie estudou aquele sorriso maroto. — Duvido muito que tivessem jogado junto um barril de mergulho quando a sacrificaram. — Não foi nenhum barril de mergulho que manteve Xitali viva. Foi ar, ar puro. Se minhas suspeitas estiverem corretas, ela se planejou para o sacrifício. — Reid ajoelhou-se na frente da mesma caixa forte onde guardara a tabuleta de pedra e retirou de lá um pote de ouro em formato triangular, colocando-o na frente de Robbie. — Xitali estava segurando isso em sua tumba. O ouro deixou Robbie perplexa, mas foi o mistério que cercava seu conteúdo que deixou todos, os seus pelos arrepiados. Tremendo, ela levantou a tampa: o que havia ali eram cristais brancos como gelo, de diversos tamanhos. — Os símbolos gravados na tampa chamam os cristais de mus ik’ kuxtal, “o ar da vida”. Robbie colocou a mão no peito, em uma tentativa de acalmar sua pulsação errática. — É impressionante... — Toque-os. — Reid pegou um dos cristais e o colocou na palma da mão de Robbie. Era duro, mas não tanto quanto um diamante. E cheirava como o oceano, por isso ela testou seu sabor: salgadinho, picante, porém frio. O cristal era frio em sua língua. — Isso não é uma pedra preciosa. O que você acha que é? 59

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— Ar. — De um armário, Reid pegou uma esfera transparente com quatro pesos soldados na parte de baixo do globo. Dentro, havia um pavio encharcado em óleo. — A mulher de Jax fez isso para mim com vidro feito de areia. — Eu não sabia que Jax tinha uma esposa. — Tem, sim. Pomba Negra. Você vai ser apresentada a ela e às suas irmãs em breve. — Reid tirou a tampa de cortiça, transferindo então o fogo da lanterna para o pavio. — Preste atenção. Ele voltou a tampar o globo, o que extinguiu a chama. Robbie cruzou os braços, sem se impressionar. Ele deveria conhecê-la melhor que isso. Reid, Fergus e Robbie tinham brincado com alquimia no laboratório do avô dela quando eram jovens. — Você tem titica de galinha no lugar do cérebro? O fogo não pode existir sem ar. — Estou apenas demonstrando. Paciência, amor. A postura de Robbie relaxou um pouco, os braços se descruzaram. Por que será que ela sempre se derretia um pouco quando ele a chamava daquele jeito? — Olhe isso. Agora, sim, vou impressionar você. Ele colocou um dos cristaizinhos dentro do globo. De novo, ele acendeu o pavio e fechou a tampa. A chama permaneceu acesa e brilhando. — O que você me diz disso, Mary-Robena Wallace? — perguntou Reid, todo convencido. Robbie ficou transfixada, esperando que a chama se apagasse, mas isso não aconteceu. Ela estava boquiaberta, surpresa além do que pensava ser possível. — Reid, isso é uma descoberta fenomenal! — Foi Xitali quem fez a descoberta, não eu. Ela usou os cristais para respirar embaixo d’água, mas eu não consigo, de maneira nenhuma, descobrir como ela fez isso. Robbie afastou o olhar da chama, compreendendo aonde ele queria chegar. — É para isso que você precisa de mim? Reid abriu a boca, mas não falou nada. Por vários segundos desconfortáveis, ele apenas a encarou com aqueles olhos prateados. A atração entre ambos era impossível de ignorar. Ele a queria, e não estava tentando esconder esse fato. Reid levou a mão até o rosto dela e roçou os dedos, muito de leve, sobre a face marcada. Aquele simples toque a fez desejar o impossível. O desejo estava presente também no olhar dele, mas o comportamento de Reid mudou após um suspiro profundo. O sorriso que ele esboçou espremeu os olhos tristes até eles formarem meias-luas em seu rosto. — Você é esperta, Robbie. Quando alcançarmos o Yucatán, vamos mergulhar no Poço do Sacrifício e nadar até o reservatório. Eu preciso que você descubra como conseguiremos fazer isso sem nos afogarmos. — Você já fez algum teste? O que sabe sobre os cristais? — Muito pouco. — Ele deu-lhe as costas e foi na direção da porta. — Vou lhe contar o 60

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que já sei assim que pegar mais uns amendoins. Amendoins? Santo Loki! Robbie correu para fora, dobrando-se sobre o corrimão do deque. — Eu vou precisar de mais do que malditos amendoins! — A tripulação está às suas ordens, milady. Ele fez uma reverência e desapareceu pela escada. A mente de Robbie girava, enquanto ela listava uma série de suprimentos de que precisaria para começar os testes: um tubo de água, sal, corda... — Bonjour, ma chaton. — Jean-Pierre acenou do timão. Sem ter a menor noção do que o francês havia dito, Robbie deu-lhe um sorriso não de todo convincente. — Jean-Pierre, tem alguma ovelha entre o gado do navio? — Oui. Está com vontade de comer carne de carneiro esta noite? — Sim. Mas eu quero a bexiga dele. Crua — explicou Robbie rapidamente. Vendo Duncan e um rapaz mopán na amurada de estibordo, ela virou-se para ambos e prosseguiu: — Duncan, eu tenho uma tarefa para você e Cocijo. — É só dizer, Srta. Mary, e considere feita. — Ambos pareciam tão ansiosos para ajudála quanto ela estava para auxiliar Reid. — Vocês acham que conseguem pegar uns dois ratos para mim? Duncan discutiu com Cocijo na língua nativa deste. Os dois deram de ombros, e Duncan voltou-se para Robbie. — E a senhorita gostaria dos ratos mortos ou vivos? — Vivos. Reid cogitou se era a lua cheia que estava causando o mau humor coletivo da tripulação ou o fato de que as bebidas tinham acabado duas noites atrás. Não importava; o caso era que cada homem a bordo estava doido para baixar âncora, Eoin sendo o mais ansioso de todos. — Recolham as velas! — gritou Reid para os oficiais, indo na direção da proa, onde Eoin se agarrava à amurada de estibordo. O vento seco e morno cobriu o, Obsidiana enquanto eles deslizavam para a Enseada do Rum. Não era onde Reid pretendia aportar, mas ali poderia reabastecer com suprimentos suficientes para a semana que ainda levariam para alcançar Yucatán. Reid acendeu um charuto para o primo. A fumaça adocicada os cercou e pareceu disfarçar o fedor que emanava de Eoin. O rosnado permanente era devido, provavelmente, à sua dependência do álcool, mas Reid suspeitava que Eoin não estivesse nada feliz com a quantidade de tempo que Robbie estava passando na cabine, fazendo experiências com os cristais. Ela trabalhava dia e noite conduzindo testes que não tinham dado muito resultado até então, mas Reid continuava a encorajá-la e tinha confiança total de que ela descobriria algo. Eoin tragou o charuto, olhando para um fogo aceso à distância, nas docas da ilha. — É esta a terra pela qual você abandonou o clã? O sujeito queria caçar briga? Reid pegou a moeda de ouro em seu bolso e começou a 61

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girá-la no ritmo que o acalmava. Com Robbie em sua cabine, longe de onde pudesse ouvi-los, Reid estava mais do que pronto para jogar com o primo. Na verdade, ele tinha algumas palavras ensaiadas desde alguns dias atrás para a ocasião. — Nós ainda não chegamos a Yucatán, mas acredito que você vá desembarcar com os outros antes de retomarmos nossa viagem amanhã. Não tema, primo. Eu cuido de Robbie enquanto você sacia suas necessidades. Eoin cuspiu por cima da amurada, depois encarou Reid com os olhos apertados. — Você está insinuando que eu fui infiel a Robbie? — Não me importa quem você visitou no passado, mas, por favor, eu o incito de todo o coração a continuar igualmente depravado no futuro. — Reid provocou o homem de propósito. — Mas antes que você parta para suas festividades, temos uma questão a discutir. Eoin abriu os braços em um gesto largo, convidando Reid a prosseguir. — Quero a liderança de volta, e quero Robbie também. Estou disposto a abrir mão de uma quantia exorbitante de dinheiro por sua concessão. — Ele parou de girar a moeda sobre os dedos, fechando o punho para dar ênfase à proposta. — Jesus Cristo! — A risada de Eoin se transformou em um ataque de tosse, que era a reação esperada por Reid. Mas o cretino não estaria tão jovial no fim da conversa. — Ambos sabemos que eu posso reclamar o título de Gregarach do clã MacGregor. Meu pai era o irmão mais velho, e eu sou mais velho que você. — Por dois meses, primo. — Eoin recostou-se na amurada e tragou ô charuto até as cinzas se acenderem, alaranjadas. Então soprou uma nuvem de fumaça entre os dois. — Você vai ter muita dificuldade para conseguir aliados em um clã que abandonou tantos anos atrás. — Eles estão famintos. Você não lhes deu nenhum lugar para chamar de lar. Eu poderia comprar a lealdade deles com uma cama e um pouco de comida. Como resultado da boa situação de meu pai com a Coroa, eu tenho a liberdade de fazer uma petição ao rei James para revogar a proscrição em vigor contra o clã MacGregor, o que livraria você de negociar com o lorde de Luss. — E o que me impede de pegar o ouro e fazer o mesmo? — O rei James não vai negociar com um MacGregor, mas ele me conhece como filho de Peter Wallace. E quanto ao ouro... — A ideia de Eoin barganhando com o rei Jaguar eram divertidos. — Ele pertence ao Balam, o líder dos mopán. Há um motivo para o povo de ele ter conseguido sobreviver a um milênio de ocupação espanhola, e posso lhe assegurar que o rei Jaguar vai preferir usar seu crânio como taça do que dar a você seu ouro. Aquela imagem transformou a expressão arrogante de Eoin em uma careta, visível mesmo sob a densa barba escura. — E por que razão esse líder mopán vai dar a você esse ouro? — Eu vivi entre o povo dele por onze anos. Eu falo a língua deles e respeito sua religião. Cacei com eles e lutei junto com seus guerreiros para proteger suas terras e seu povo. Mereci o respeito deles do mesmo jeito que vou recuperar o respeito do clã MacGregor. A luz da lua lançava sombras estranhas sobre o rosto de Eoin. Seu maxilar se contraiu, e uma veia pulsou em sua têmpora. Reid estava com a faca e o queijo na mão, e estava 62

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preparado para usá-los conforme lhe conviesse. — Não vou fazer escambo pela liderança. — Mas vai fazê-lo por Robbie. — Ele voltou a brincar com a moeda para tentar o outro. O silêncio de Eoin foi ensurdecedor. Era exatamente como Reid havia previsto. O tolo se importava mais em proteger sua posição do que em manter Robbie, o que era o único motivo para Reid ter ameaçado tomar a liderança. — Posso permitir que você mantenha sua posição como Gregarach. Em troca, pelo ouro, eu fico com Robbie. — Tudo o que preciso fazer é contar a ela sobre sua oferta para comprá-la como uma prostituta comum para manchar sua imagem com ela. — E eu só preciso contar a ela sobre Fergus para manchar a sua imagem com ela — contrapôs Reid. Eoin se afastou da amurada e fechou a mão em punho. — Ela não passa de uma plebeia arruinada. Não vale tudo isso. Reid fingiu indiferença, mas por dentro estava tremendo de vontade de bater no idiota. Era errado ter vontade de esmurrar alguém de seu próprio sangue, mas o desprezo que corria pelo seu corpo já se aproximava do ódio. Ele sustentou o olhar de Eoin, aguardando o outro ceder. — Estamos combinados, primo? Os olhos escuros se estreitaram quase a ponto de fechar enquanto Eoin pensava em como responder. Ele tragou o charuto três vezes antes de finalmente anuir. — Estamos combinados. Mas saiba que tem algo que sempre será meu. Reid já tinha o que queria, e não se importava muito com posses. Eoin inclinou-se para perto do ouvido de Reid. — Não importa quanto ouro você possa oferecer, nunca vai ter o bastante para comprar a virgindade dela de volta. Reid cerrou o maxilar com força, tencionando os músculos, com vontade de partir Eoin no meio. A súbita aparição de Jean-Pierre salvou Eoin da surra que ele merecia receber. — As preparações estão prontas, capitaine. Posso dar as ordens? — Não. Já terminamos por aqui. Apronte os botes e certifique-se de levar meu primo. Ouso dizer que ele está precisando dos serviços de Giselle. — Reid afastou-se de supetão, gritando ordens. — Baixem a âncora! Em pouco tempo, a maioria da tripulação havia abandonado o Obsidiana para uma única noite de depravação e luxúria em terra. As ondas batiam contra o casco como uma canção de ninar, mas aquilo não estava funcionando para acalmar Reid. — Henrik. — Reid pegou o inglês com uma das pernas já sobre a amurada, pronto para descer pela escada de corda. — O senhor vai desembarcar, capitão? — Não, tenho outros assuntos para cuidar por aqui. Confio em você para adquirir provisões suficientes para chegarmos a Yucatán. E tenho outra tarefa para você: negocie com madame Francisca para comprar roupas adequadas para Robbie. Um vestido mais leve, 63

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roupas de baixo, talvez sapatos. O preço não importa. — A costureira de Giselle? — Madame Francisca já foi assistente da modista pessoal de Anne Juliana Gonzaga. Tenho certeza de que ela tem algo adequado a uma mulher virtuosa. — Sim, capitão. Reid voltou à sua cabine e parou na porta, a mão na maçaneta, tentando sufocar a ira que sentia. Ela não passa de uma plebeia arruinada. Eoin nunca mais teria a satisfação de degradar Robbie. Se o sujeito soltasse uma palavra atravessada que fosse, Reid iria esmagá-lo sob seus calcanhares. Reid virou a maçaneta, preparado para encarar a mulher que havia praticamente comprado pelo preço de um pequeno reino. Estava na hora de ele e Robbie pararem de lutar contra a atração que os unia. Quando a porta se abriu, Reid a encontrou dormindo sobre a mesa, de frente para uma ampulheta vazia. Era ele o culpado pela exaustão de Robbie. A mulher tinha tomado como sua missão pessoal criar ar respirável. Reid afastou a colcha da cama em que estivera dormindo até poucas horas antes e se aproximou da mesa. Depois de desamarrar a corda, ele tirou a bexiga do bacio, o dispositivo que Robbie construíra para seus experimentos. Dentro dela havia outro rato morto, do qual ele se livrou depressa. Ele não sabia se ela estava fazendo algum progresso, mas a população de ratos a bordo diminuíra consideravelmente. Reid deslizou um braço sob os joelhos de Robbie abraçou as costas dela, levantando-a da cadeira sem esforço. Para uma mulher alta, ela pesava pouco mais que uma criança. E agora que parava para pensar nisso, ela só comia quando ele colocava comida nas mãos dela, o que, era óbvio, não estava acontecendo com muita frequência. Com cuidado para não perturbar o sono dela, Reid a depositou sobre o colchão, tiroulhe as botas e as meias, depois a cobriu com uma coberta fina até o busto. Apoiado sobre um dos joelhos, ficou ali, olhando para ela, por um longo momento, observando sua respiração levantar e abaixar seu peito sob as dobras da lã. Era loucura, mas o que sentia por ela não diminuíra desde o dia em que deixara a Escócia. — Durma bem, amor — sussurrou Reid, tirando uma mecha de cabelo que havia se prendido nos cílios dela. Deu-lhe um beijo no rosto macio e morno e preocupou-se com a batalha que o aguardava: a luta para tomar posse do coração de Robbie. Ela entreabriu os olhos por um instante e voltou a fechá-los. Não disse nada, mas pousou a mão sobre o rosto dele e afagou-lhe os lábios com a ponta do polegar. Aquilo lhe fez cócegas, e Reid teria dito a ela como se sentia, não fosse a dor que vislumbrou nos olhos dela. Ele poderia ter tomado a tristeza por cansaço, mas nesse momento uma lágrima escorreu do olho de Robbie. Ele acariciou-lhe a testa, torturado pela angústia visível naqueles olhos verdes. — O que foi, amor? — Queria que você tivesse voltado antes. — A mão dela deslizou pelo rosto de Reid, e 64

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seus olhos se fecharam. Pela primeira vez desde a morte de seu pai, Reid sentiu uma dor tão profunda no peito que teve vontade de chorar.

Capítulo IX

SEDUÇÃO A seda morna de encontro às suas pernas era pecaminosa. Robbie se recusou a abrir os olhos, sabendo que assim que o fizesse o esplendor do sonho perfeito que a cercava se desvaneceria. Espreguiçando-se, ela mexeu os dedos dos pés descalços. Ah, sim, só podia ser um sonho! Ela sempre dormia de botas, de forma a poder se levantar e fugir se fosse preciso. Ou talvez ela tivesse morrido, sufocada como um rato em um de seus experimentos. O ar que ela respirava era morno, úmido, e algo leve repousava contra seu rosto. Robbie franziu a testa e saiu às cegas do meio dos lençóis vermelhos de seda. A luz do dia a cegou por um instante, mas o local onde estava era inconfundível. Santo Loki! Ela adormecera na cabine de Reid! Não, pior ainda... Dormira na cama de Reid! Robbie sentou-se de um salto. O cabelo grudava-se ao seu rosto do lado em que ela dormira apoiada. Parte de Robbie esperava encontrar Reid deitado junto a ela, nu, como ele se encontrava em seu sonho. Graças aos deuses, ele não estava lá. Quando ela se levantou e procurou suas botas pela cabine, um vestido amarelo simples, estendido sobre o pé da cama, chamou sua atenção. Salpicado com uma estampa minúscula de folhinhas verdes, o traje tinha mangas curtas com acabamento em um franzido branco. Ao lado do vestido havia uma camisola sem mangas, feita de linho branco com acabamento de renda. Um espartilho rígido cor de marfim completava o conjunto. Robbie olhou para baixo, avaliando seu peito quase liso. Com seus seios quase de adolescente, ela podia dispensar a peça, mas aquela era uma belíssima demonstração de talento. No chão encontrava-se um par de sapatilhas amarelas de seda enfeitadas com contas verdes. Por último, ela viu um bracelete dourado, no qual se viam esmeraldas e turquesas. Passaram-se alguns segundos antes que Robbie tivesse coragem de tocar em alguma dessas coisas. Para seu desapontamento, o bracelete era grande demais para seu pulso pequenino, mas em compensação o vestido parecia perfeito para ela. Segurando-o contra o corpo, ela olhou para a simplicidade e elegância da peça. Era linda, perfeita. Um nó se formou em sua garganta. Ela nunca tivera acesso a tantas coisas finas. 65

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— Bom dia, amor. — Uma voz macia e rouca à qual Robbie começava a se acostumar veio da porta. Com os braços cruzados, Reid se apoiava ao batente, com os pés cruzados. — A cor combina com você. O coração dela saltou no peito, e Robbie nem tentou disfarçar o sorriso que curvou seus lábios. — As fadas vieram durante a noite? — Não. Eu pedi que Henrik comprasse esses trajes de uma mulher que já foi assistente da modista da arquiduquesa da Áustria. O vestido é feito de algodão, muito mais adequado ao clima quente. Sentindo-se negligenciada, Robbie franziu a testa. — Nós ancoramos? — Sim, mas você dormiu o tempo todo. Estivemos navegando a uma velocidade de dez nós pelas últimas horas. — Reid devia ter notado o desapontamento dela, pois continuou a consolá-la. — Não se preocupe, a Enseada do Rum não é o lugar mais adequado para uma mulher. Ela resistiu à vontade de bater o pé no chão de frustração. — A modista era uma mulher! Você quer que eu acredite que ela era a única? — A única decente. Por que o safado continuava sorrindo estava além da compreensão de Robbie, a menos que essas mulheres de má reputação fossem as responsáveis por todo aquele bom humor. Talvez as prostitutas tivessem lhe aliviado a tensão. O ciúme a fez enterrar as unhas nas palmas das mãos. — Você desembarcou? Por que perguntava? Se ele quisesse desembarcar para se deitar com as moças, que fosse, pensou Robbie, contrafeita. — Não. Tudo que eu mais prezo está a bordo do, Obsidiana. — A expressão de Reid se suavizou, e reflexos azuis reluziram em seus olhos cinzentos. A bajulação dele não deveria ter acalmado o ciúme de Robbie, mas funcionou. Ela quebrou o contato entre os olhares e estudou o padrão da estampa do vestido. Com a conduta moral de Reid intacta, ela fez a pergunta que deveria ter sido a primeira. — Eoin desembarcou? — Ele foi o primeiro a entrar nos botes. — Claro. — A informação não a surpreendeu. — Tenho certeza de que ele estava ansioso para sentir terra firme sob os pés. Ele não gosta muito de água desde que quase se afogou. Você se lembra desse incidente. Reid assentiu e suspirou, dramático. — É difícil para uma mulher inteligente como você fingir toda essa ignorância? Maldito fosse! Ele não sabia nada sobre ela ou as dificuldades que suportava. Furiosa, Robbie jogou o vestido sobre a cama e saiu pisando duro em direção à porta, mas Duncan e Cocijo surgiram ali, cada um segurando dois baldes de água quente. — O capitão disse que a senhorita iria precisar de água para suas experiências. 66

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Duncan entrou na cabine e despejou o conteúdo dos baldes na tina de madeira que ela usava para testar suas teorias. Cocijo repetiu os gestos de Duncan com seus baldes, enchendo três quartos da tina. Robbie estreitou os olhos na direção de Reid. — Eu já tinha água. Ela sabia muito bem que a intenção dele era mimá-la com um banho, muito oportuno, aliás. Será que Reid acreditava que iria conquistá-la com roupas finas e água quente? Os lábios de Duncan se abriram em um sorriso cheio de dentes amarelados e tortos. — Bem, agora tem mais, e essa é quente! — Dificilmente vou precisar de água quente para meus experimentos. — Robbie cruzou os braços e bateu o pé, determinada a provar que não mudava de ideia com tanta facilidade. — Talvez você possa achar outra função para ela, então. Sem nem mesmo tentar fingir inocência, Reid gesticulou para um terceiro rapaz entrar na cabine. O grumete manteve os olhos baixos enquanto colocava uma toalha e artigos de toalete em cima da cama, depois saiu apressado. Robbie fungou. — Se você queria que eu tomasse banho, era só me avisar que eu estava fedendo. Duncan virou-se, querendo ouvir a resposta do capitão, mas Reid sabiamente se manteve calado. Duncan, entretanto, não fez o mesmo. — Não se ofenda, Srta. Mary, mas uma dama não deveria cheirar igual aos marujos. Robbie ofegou enquanto o sangue lhe subia ao rosto no mesmo instante. Suas mãos se fecharam, e o som que escapou de sua garganta era muito parecido com um rosnado. Os rapazes fugiram, mas Reid teve a ousadia de rir alto. — Vou deixá-la com seu trabalho. — Ele estendeu a mão para a maçaneta e começou a fechar a porta, parando no meio do caminho. — Sugiro que tranque a porta; pode ser que eu fique tentado a conferir como andam as coisas antes que você esteja pronta. — Reid deu uma piscadela e deixou-a sozinha. Assim que a porta se fechou, Robbie cheirou suas axilas. O cheiro não era medonho, mas não era algo que ela gostaria de sentir no vestido novo. Trancou a porta e ainda encaixou a cadeira sob a maçaneta. Sabia que provavelmente ele tinha uma chave. Contente com sua privacidade, Robbie tirou a roupa, pegou os itens de toalete e foi para junto da tina. O vapor flutuava da superfície como um lago em maio. Ela não conseguia se recordar da última vez que se banhara em algo que não fosse uma bacia ou um riacho. Nunca precisara de nada além disso. Quando entrou na tina e afundou na água deliciosa, Robbie concluiu que havia uma diferença enorme entre o que ela precisava e o que ela queria. Ela precisava de Eoin, mas queria Reid. Robbie recostou a cabeça contra a borda, mas no segundo em que seus olhos se fecharam, Reid surgiu em sua mente, lavando-lhe os seios, acariciando o interior de suas coxas. Seus olhos se abriram. Ele que se danasse! 67

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Robbie sentou-se e esfregou cada centímetro do corpo com fúria. Será que os homens achavam que eram os únicos que tinham necessidades? Uma mulher precisava de alívio tanto quanto um homem, mas se uma mulher fosse para a cama de outro para resolver suas necessidades, era rotulada de prostituta. Ah, mas se um homem saísse pulando de cama em cama com várias mulheres, seria considerado viril. Bem, Eoin devia ser muito viril. Robbie mergulhou o cabelo sujo sob a água, ensaboando cada cacho em seguida. Sua litania mental pareceu perder o ímpeto sob o delicioso perfume de prímulas. Pondo-se de pé, ela torceu o cabelo como se fosse uma corda, esforçando-se para não deixar pingar no chão, depois passou uma escova pelos nós até que o cabelo lhe caísse em ondas sobre as costas. Como o ar estava quente, ela secou os cabelos com uma toalha, sem pressa, e saiu para a sacada para pendurar a toalha sobre a amurada. Estar ali, nua, em um lugar aberto, era proibido e excitante, e como ela estava se sentindo vagamente rebelde, ficou ali mais algum tempo, fingindo dançar. Uma risada escapou de seus lábios. Ela devia estar enlouquecendo! Momentos depois, Robbie estava em pé sobre o tapete de pele, lutando com os laços do espartilho sobre a camisete sem mangas. A estrutura rígida espetava os ossos de seus quadris enquanto ela tentava girar a peça sobre o abdome. Ela se abaixou, balançou-se um pouco e ergueu os seios de forma a encaixá-los no local exato. Quando já estava a ponto de arrancar a malfadada peça, olhou para seu próprio corpo e mal o reconheceu: seios! Redondos, perfeitos, sedutores; ela tinha seios! A visão a deixou tonta. O espartilho esculpira seu corpo de tal maneira que criara uma fenda entre os seios. Claro, era uma ilusão. Apesar de estar ciente disso, Robbie passou longos momentos admirando-se de vários ângulos diferentes antes de colocar o vestido amarelo. O material realmente era muito mais fresco do que o de seu traje antigo, e quando foi ajeitar a roupa no corpo, ela percebeu que seus seios despontavam de um decote muito mais profundo do que qualquer outro que ela já tivesse usado. Uma batida suave soou na porta. — Robbie? Droga. Ela não estava pronta. Deveria mandá-lo embora... Mas queria que Reid a visse naquele vestido. Calçou as sapatilhas de seda, pegou o bracelete e correu para a porta. — Se você precisa de mais tempo, eu... Robbie afastou a cadeira que segurava a porta, destrancou-a e abriu-a completamente. — Terminei. Ofegando, ela se afastou, aguardando a aprovação dele. Robbie estaria mentindo se dissesse que não queria agradá-lo. O sorriso que estava no rosto de Reid evaporou quando o olhar dele desceu até os seios de Robbie... E permaneceu ali. Ela não podia culpá-lo: o espartilho a deixara com um busto espetacular. Robbie sabia que era maldade de sua parte, mas não pôde evitar: respirou fundo, o que os deixou ainda mais cheios. — O vestido ficou muito bem em você. — Ele espiou rapidamente o resto da roupa, e 68

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voltou a se concentrar nos seios. — Muito bem mesmo. As sensações invadiram o corpo de Robbie como uma tempestade. Os pelos de sua nuca se arrepiaram, e seus mamilos enrijeceram sob o material do espartilho. Se ela reagia ao olhar de Reid daquela maneira, mal podia imaginar o que ocorreria se ele há tocasse um dia. Provavelmente chegaria ao clímax em segundos. Esse pensamento acabou com o que restava de seu frágil controle. Robbie riu, mas recuperou a dignidade com rapidez. Abanou o rosto com a mão em um esforço para evitar outro riso nervoso, mas não funcionou. Seus olhos se encheram de lágrimas, e ela apertou a mão contra os novos e impetuosos seios. — Perdoe-me — conseguiu dizer. — É algo horrível que faço sempre que fico nervosa. — Eu como amendoins. — A estranha declaração a pegou desprevenida. — Desculpe-me? — Quando estou nervoso ou preocupado com alguma coisa, eu como amendoins. Reid concentrou-se em uma bandeja de madeira que Robbie mal notara que ele estava segurando. Sobre a bandeja, havia um pote de cerâmica com mel, fatias de pão amarelado e uma segunda tigela cheia com uma substância marrom parecida com lama. A mistura de aromas doces e salgados a deixou com água na boca. — Está tentando me seduzir com iguarias exóticas, capitão? Reid piscou, depois encheu a boca com uma porção de amendoins, esquivando-se de responder. Ah, que homem encantador... Até demais! Ele colocou a bandeja sobre a mesa e começou a espalhar amendoins sobre uma fatia de pão. Em seguida despejou fios de mel. Então Reid enrolou a fatia, mergulhou-a no xarope marrom e segurou-a sob o nariz de Robbie. O cheiro era igual ao que ela sempre sentira nele. O odor exótico que ela nunca conseguira identificar era o daquela iguaria doce, robusta e suculenta. — Experimente. — Reid umedeceu os lábios e esperou que ela obedecesse. Robbie poderia ter tirado a oferenda das mãos dele, mas não fez isso. Talvez por se sentir traída pelo óbvio descaso de Eoin, e talvez por simplesmente querer ver até onde Reid iria em sua sedução. Afinal, era disso que se tratava: as roupas, a joia, o banho, os alimentos. Era um jogo perigoso e, com toda a probabilidade, muito prazeroso também, embora nenhum deles fosse sair vencedor. Robbie abriu a boca e mordeu. Suas papilas explodiram com o sabor. — Ah, meu Deus! — Ela mastigou e gemeu. Aquilo era doce, salgado, pecaminoso. — É bom, sim. Ela anuiu, enquanto Reid mergulhava novamente a fatia no xarope. Dessa vez, Robbie segurou o pulso dele enquanto Reid a alimentava. Queria ser a sedutora naquele joguinho, mas o maravilhoso alimento estava se provando uma distração poderosa. Ele a serviu bocado após bocado, até terminar tudo o que havia trazido. — Eu nunca provei algo tão divino. O que é isso? 69

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— É chamado de chocolate — a bebida dos deuses. O povo mopán faz isso com a semente do cacau. — Eu digo que eles poderiam viver dessas sementes. — Eles já vivem. A semente de cacau é considerada dinheiro entre as tribos. Reid passou o dedo no cantinho dos lábios de Robbie e esperou que ela abrisse a boca. Ele era muito bom nesse jogo, mas ela podia ser ainda melhor. Seu pulso disparou quando ela segurou a mão de Reid e guiou o dedo para o interior de sua boca. Robbie o encarou com os olhos semicerrados enquanto deslizava os lábios sobre os dedos dele, sugando, insinuante. Os olhos dele foram se fechando, e um gemido baixo escapou de seus lábios. Ele flexionou os músculos da mão, tirando-a do contato com Robbie e passando os dedos pelos cabelos. E pegou mais um punhado de amendoins. Ah, ela sabia que o havia afetado, e isso fez com que se sentisse poderosa. Se tivesse coragem de investigar, tinha certeza de que o encontraria rijo sob a calça preta e justa que ele usava. Mas ele precisava partir antes que aquele jogo fugisse ao controle. — Muito obrigada pela comida, pelo vestido e pelos sapatos. Eu deveria... — Você não gostou da joia? — Reid parecia mais magoado que ofendido. Robbie olhou para a sua mão, que ainda segurava o bracelete. — É maravilhoso, mas é muito grande. Ele cai do meu pulso. — Ela o colocou no braço para demonstrar. — Não é para o seu pulso. — Reid pegou a joia das mãos dela. — É para o tornozelo. — Lugar estranho para se colocar uma joia... — Você vai perceber que o povo mopán se enfeita com joias em partes bem mais estranhas. — Reid se ajoelhou diante dela, o que a forçou a se apoiar na mesa. — Eu encontrei esse bracelete na tumba de Xitali, e quero que fique com ele. Robbie curvou os dedos nas bordas da escrivaninha quando a mão dele roçou em seu tornozelo. O calor que estava despertando aos poucos em seu ventre cresceu de repente, pulsando, descontrolado, no centro de sua feminilidade. As apostas no jogo dos dois estavam subindo. Robbie sentiu um rubor cobrir seus seios, seu pescoço e seu rosto. Seus músculos se contraíram enquanto o silêncio que os cercava se aprofundava. E então ela sentiu a mão de Reid deslizar para cima, para a parte de trás de sua perna, em uma carícia que lhe amoleceu os joelhos. Robbie praticamente zumbia de tanta energia acumulada. Com os olhos fechados, esperou que ele prosseguisse em seu caminho ascendente. Seu corpo reagia à expectativa, dilatando-se, umedecendo-se, aguardando o toque de Reid. Um toque que não veio... Reid afastou-se dela, e a dor de vê-lo se afastar foram quase pior do que a expectativa. — Acho que devo ir. — Ele se virou, indo rapidamente para a porta. Não!, Robbie queria gritar. Queria que ele ficasse e terminasse o jogo deles. Chegou a estender a mão para chamá-lo, mas Reid já havia fechado a porta.

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Capítulo X

TENTAÇÃO Por oito dias... Oito malditos dias... Reid desempenhou suas funções no navio com uma ereção permanente. As táticas de Robbie tinham sido a última gota. Sua paciência estava no fim. Na verdade, ele suspeitava de que toda aquela sedução fosse apenas um disfarce para a vingança. Robbie o usara para atingir Eoin por ter desembarcado, mas Reid a queria por mais do que uma noite. Queria Robbie para sempre, em sua cama, em sua vida, como sua esposa. Infelizmente, naquele momento não conseguia passar da fase “em sua cama”. Só de se lembrar daqueles lábios carnudos sugando seu dedo, Reid podia imaginá-la fazendo o mesmo com outras partes de seu corpo. E aquele espartilho! Estava feliz por ela ter gostado das roupas, mas tinha certeza de que ela ainda não havia tirado o espartilho. Talvez ela não conseguisse. Talvez precisasse de ajuda. Reid limpou o suor da testa, reajustando-se dentro das calças. Seu membro latejava cada vez que se recordava de Robbie e seus lábios... E suas longas pernas... E seus seios... E... Deus do céu, mas estava mais quente que o inferno! O sol atingindo-o em cheio não ajudava em nada, assim como não ajudava a ampulheta que parecia nunca esvaziar. Ele contava as marcas feitas na tabuleta como já havia feito dezenas de vezes, esperando pela queda do último grão de areia. Jean-Pierre estava quase vindo para assumir o timão em seu lugar. E então, fazer o quê? As provisões compradas na Enseada do Rum tinham acabado. Os amendoins também. Os charutos se findaram. E o conhaque. O que significava que Eoin estava insuportável. Se não tivessem sido lançados fora do curso por uma tempestade, já estariam em casa agora, e Reid não teria de olhar para a cara feia de Eoin a cada segundo do dia. O sujeito tinha emergido da quilha dois dias antes e estava assombrando o convés principal desde então. Seu primo era muito mais tolerável como bêbado invisível. Finalmente, Henrik subiu no mastro principal e anunciou a troca de turnos. Minutos depois, Jean-Pierre foi até o timão. — Salut, capitaine. — Jean-Pierre esfregou a barba em ponta e ofereceu um sorriso simpático a Reid. — Ouso dizer que seu primo está prestes a abrir um buraco no convés. Reid afastou as mãos do timão e afastou-se. — Eu daria cinco dobrões por um copo de bebida para tirar aquele traste do meu deque. — Aumente para sete, e eu mesmo o acompanho até a quilha. — Jean-Pierre abriu um lado de seu casaco e tirou um frasco prateado do bolso. — Mas eu quero o frasco de volta. — Você é um bom amigo, Jean-Pierre. — Reid bateu nas costas do francês, alegre. 71

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— Oui, lá isso eu sou, capitaine. Agora vá, se apresse! Acho que sua gatinha precisa de ajuda para matar ratos. Duncan e Cocijo não caçam há dias. Reid olhou para a porta aberta de sua cabine, onde Robbie trabalhava. — Ela está fazendo progressos. Mas faltava-lhe convicção. Na verdade, ele não sabia se Robbie estava mais perto de descobrir como criar ar respirável do que havia estado uma semana antes. Três dias antes, havia saído da cabine uma fumaça escura que instilara pânico em todos a bordo, inclusive em Reid. — Deveríamos estar felizes por ela não ter explodido o navio. — Reid se retirou em direção ao passadiço. — Até agora — comentou Jean-Pierre. Em seguida acenou para Eoin e instruiu Duncan para ocupar em seu lugar no timão. Parando na frente de um barril de água que haviam coletado durante a tempestade, Reid pegou um pedaço de sabão, tirou a camisa e lavou-se da cintura para cima. Prestando atenção à conversa de Jean-Pierre e Eoin, percebeu que o francês estava convencendo o outro, e depois ouviu a portinhola para a parte baixa do navio se abrir. Olhando para trás, viu que os dois tinham sumido. Ah, Deus existia! Reid subiu os degraus até o deque do capitão e pendurou sua camisa na amurada. Estaria seca em questão de minutos, mas ele estava próximo demais de Robbie e seus lábios, pernas e seios para esperar pela secagem completa. Respirou fundo, buscando forças, e passou pela entrada. Seus olhos se arregalaram. Que diabos ela estava fazendo? Vestida apenas com a camisete de baixo e o espartilho, Robbie estava abaixada sobre a borda da tina, com o rosto dentro d’água. Ela mudou de posição sobre os joelhos, remexendo o traseiro, o que fez o coração de Reid voltar a bater. Enfurecido por vê-la tentar aquele tipo de experiência sozinha, cruzou a cabine em dois passos e a arrancou da água. — Está tentando se matar, sua louca? Assustada, ela tirou do nariz uma máscara de couro conectada a um tubo, também de couro, que se ligava a um dos aparelhos inventados por ela, no chão. Afastou as mechas de cabelo do rosto e o encarou com inocência. — Estou testando. Os ratos sobreviveram a este experimento. — E por isso você vai testá-lo pessoalmente? Está maluca? Os vapores derreteram seu cérebro? Sem saber mais o que dizer, Reid tinha vontade de chacoalhar Robbie. E se ela tivesse se afogado? A ideia o fez estremecer. A reprimenda dele á magoou, e Robbie baixou a cabeça. Pegou a ampulheta ao lado da banheira e virou-a de um lado para o outro. — Há quanto tempo isto está vazio? — Deus do céu, mulher! Você acha que eu reparei na maldita ampulheta? — Magoada 72

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ou não, ele ainda não tinha acabado de reclamar. Ela o encarou com os olhos desfocados, a mente distante. — Funcionou... — Robbie se levantou e verificou a pulsação em seu pescoço. — Eu me sinto bem. Não desmaiei. Funcionou mesmo! — Você está me dizendo que ficou embaixo d’água por mais de meia hora? Robbie abriu um sorriso enorme. — Eu consegui. Eu criei ar! Finalmente o que ela estava dizendo penetrou na mente de Reid. Ele olhou para o aparelho, a água, a ampulheta, e para ela de novo. — Você conseguiu. Por Deus, conseguiu mesmo! — Estupefato com o sucesso dela, Reid segurou-a pela cabeça e a beijou. Não foi um beijo quente, apaixonado, mas no segundo em que ele se afastou, percebeu seu erro. Enquanto ainda lutava para encontrar palavras para se desculpar, Robbie enterrou os dedos nos cabelos de sua nuca e o puxou de volta. Beijou-o com sofreguidão, como se fizesse anos que estava sedenta por ele. Sua língua devassou o interior da boca de Reid, explorando, saboreando, possuindo. Os dentes de ambos se encontraram quando Robbie pousou a mão sobre o peito dele e o empurrou contra a parede. Reid ficou ali, estático como uma árvore: os olhos arregalados, os braços soltos ao lado do corpo, chocado pela intensidade dela. Sua falta de participação não passou despercebida. As unhas que se enfiavam em seu peito foram retiradas. Os seios dela subiam e desciam com a respiração entrecortada. Quando Robbie ergueu o olhar para o dele, a dor da rejeição que Reid encontrou ali partiu seu coração. — Eu estava enganada ao pensar que você me queria? Beije-a de volta, seu tolo! O homem que esperara tanto tempo por um beijo de Robbie despertou com força total. — Não. Por toda a minha vida eu quis você. — Foi à vez de Reid entrelaçar os dedos nos cabelos dela, inclinar-lhe a cabeça e mergulhar de volta em seu beijo, furiosamente. Era por esse beijo que ele havia aguardado e com o qual havia sonhado por onze anos. O beijo que preenchera o local em seu coração destinado a ela. Robbie era ao mesmo, tempo fogo e gelo, mel e sal, um afrodisíaco que ampliava os sentidos de Reid, enrijecia seus músculos e fazia seu sangue disparar pelas veias em via direta para seu membro. O homem que normalmente se guiava pelos seus padrões morais estava perdido em um desejo intenso. Reid envolveu a cintura fina de Robbie nas mãos e a pressionou contra a parede oposta, sem interromper o beijo. Quando ele colocou o joelho entre as coxas dela, Robbie ofegou, inclinando a cabeça para trás e batendo-a contra a parede com um estalo surdo. — Ah, amor... Você... Robbie tomou o lábio dele entre os seus, silenciando-o. As mãos dela estavam em toda parte, acariciando a pele nua de Reid, apertando os músculos de seus ombros, de seu peito, de suas nádegas. O toque dela o deixava emocionado, lhe dava poder. 73

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Prendendo os dedos sob o cós das calças de Reid, ela puxou a peça de roupa. — Não pare... Parar? Nem uma pistola apontando para sua cabeça poderia impedi-lo de tomá-la. Quando ela roçou o quadril contra a coxa de Reid, o gesto espicaçou o desejo de Reid para níveis alarmantes. Ele sentiu seu sexo saltar no tecido que o aprisionava, uma gota de umidade surgindo ali. Reid gemeu, e percebeu que não conseguiria ir até o final no estado em que se encontrava. Tinha esperado tempo demais, e não conseguiria se controlar do jeito que gostaria. — Se você me deixar agora, eu te mato — Robbie ameaçou, colocando a boca sobre um dos mamilos de Reid. Ela o mordeu, sugou e atiçou até quase o desespero. Reid percebeu que aquele era um lado de Robbie que ele não conhecia: selvagem, louco, e talvez mais do que ele tinha condições de lidar no momento. Se quisesse alguma chance de manter o controle sobre seu corpo, teria de controlar Robbie também. Pensando nisso, pegou os dois pulsos dela em uma de suas mãos e os segurou, empurrando-os para cima. Então pôde se fartar no pescoço de Robbie, seu colo, o topo dos seios que se derramavam para fora do espartilho. Um restinho de paciência o impediu de lutar contra a peça rígida, por isso Reid continuou deslizando a mão mais para baixo, até agarrá-la pelas nádegas e encaixá-la com mais firmeza sobre sua coxa. Ele sempre imaginara que a primeira vez entre os dois seria gentil, carinhosa, uma exploração lenta e delicada. Mas a mulher em seus braços era agressiva, e ele não iria recorrer a manobras tímidas numa hora dessas. Reid apoiou o pé na lateral da cama, forçando-a a acompanhar seu movimento, abrindo suas pernas ainda mais. O perfume da excitação que umedecia as roupas de baixo de Robbie flutuou até as narinas dele. Nem que aquilo o matasse, ele jurou a si mesmo, ela estaria saciada antes que eles acabassem! Reid deslizou a mão entre os dois corpos, levantou a barra da saia dela e deslizou o dedo pelos caracóis que escondiam a parte mais secreta e mais febril de Robbie. — Ah... — ambos gemeram em uníssono. Antes que Reid pudesse deslizar para dentro dela, Robbie tomou à dianteira, usando o que ele oferecia para tomar o seu prazer, os olhos fechando-se com força. Ela gemeu, o corpo estremecendo no louco enlace. Reid queria sentir o sabor de Robbie, levá-la ao ápice com sua língua, mas jurara, muito tempo atrás, reservar tal intimidade para sua noite de núpcias com ela. Em vez disso, acrescentou um segundo dedo e assistiu ao lindo rosto dela se iluminar de puro deleite. Uma gota de suor escorreu da têmpora de Robbie por seu pescoço até o lugar onde sua pulsação disparada estava visível. Reid continuou a acariciar sua maciez, entrando e saindo do abrigo de seu corpo, provocando-a a cada passagem, tocando a pérola escondida na pele aveludada. Ela estava mais do que pronta, assim como ele. — Eu quero você, Robbie — Reid sussurrou junto ao rosto dela, enquanto seu polegar 74

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continuava a torturá-la sem cessar. Ela gritou, as unhas se enterrando na mão dele. Seu corpo tremeu, os músculos dentro dela contraindo-se ao redor dos dedos de Reid com uma força espantosa. E antes que ele pudesse retirar a mão e penetrá-la do modo como planejava, sentiu a prova úmida do clímax de Robbie escorrer por seus dedos. Dizer que ele estava chocado não seria o bastante. Reid nunca levara uma mulher ao orgasmo tão rápido. — Santo Loki! — Os olhos dela se abriram de leve, nublados de desejo, e se arregalaram quando a cabine ecoou com aplausos. — Belo espetáculo, primo. — Eoin batia palmas de onde se encontrava, na porta. — Você não apenas a vestiu como uma prostituta... Agora, ela também está agindo como uma. A humilhação se transformou em choque, para em seguida virar medo. Mas Eoin não ficou na porta tempo suficiente para testemunhar as emoções de Robbie. — Meu Deus, o que foi que eu fiz? — Robbie se desvencilhou dos braços de Reid, cambaleou para o lugar onde seu vestido se encontrava, sobre a cadeira, e vestiu-o. Sua garganta ardia, as mãos estavam trêmulas, e sua feminilidade ainda pulsava. Tudo isso apenas a relembrava de sua infidelidade. As lágrimas queimaram seus olhos enquanto ela corria para a porta, mas os dedos de Reid se fecharam no braço dela, impedindo sua fuga. — Robbie, espere. — Não, me solte! — ela gritou, com pânico na voz. — Eu tenho de ir atrás dele, tenho de explicar. — Explicar o quê? Que você merece coisa melhor? Ela estava totalmente abalada. Sentia-se mal, desgostosa com sua falta de controle. — Não sou a única pessoa que vai sofrer as consequências de meus atos. Não sou como você. Não vou colocar minhas vontades à frente da sobrevivência daqueles que amo. Robbie se soltou e fugiu, para longe da cabine, de Reid e do cenário de sua traição. As lágrimas quase a cegaram enquanto corria pelo navio à procura de Eoin, até onde ele se encontrava na popa. As tábuas queimavam seus pés nus, e o calor secava sua garganta. A tripulação havia se juntado aos pares, mas o som de passos pesados atrás dela ocultou o que estavam murmurando. Um rápido olhar para trás á informou de que Reid vinha logo atrás. Maldito! Maldito, que fosse para o inferno! Ela parou e virou-se. — Por favor, deixe-me consertar esse erro. Jean-Pierre surgiu atrás de Reid, ofegante, a camisa amarelada encharcada de suor. — Perdoe-me, capitaine. Eu tentei ocupar o sujeito enquanto... Reid o interrompeu com um olhar ameaçador. — Você tentou ocupar o sujeito enquanto o quê, Jean-Pierre? Enquanto o seu capitão me seduzia? O francês manteve-se em silêncio. Os cordames e as vergas acima deles se encheram de oficiais como corvos em árvores. Robbie sentia que todos eles estavam sabendo. Era como se 75

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tudo fosse parte de uma conspiração para separá-la de Eoin. Ela estreitou os olhos para Reid. — Você planejou me seduzir? Você sabia que Eoin estava lá, olhando? A veia pulsando na testa de Reid fez o coração de Robbie saltar, mas Robbie deu um passo à frente e empurrou-lhe o peito nu com força. Ele não se abalou. Em vez disso, segurou-a pelos cabelos e abaixou-se, falando ao seu ouvido: — Quer saber se eu planejei que você me atacasse? Se eu planejei que você ameaçasse me matar se eu a deixasse? Não, não planejei. Reid a soltou e não fez nenhuma menção de segui-la no resto do caminho até a proa, onde Eoin se encontrava apoiado na amurada, encarando o oceano sombrio. Robbie tomou fôlego, secou as lágrimas do rosto, e aproximou-se do homem que lhe oferecera proteção por mais de uma década. — Eoin. Ele se voltou para ela, mas manteve o quadril apoiado contra a amurada em uma posição descontraída demais, considerando-se a situação. Seu rosto não mostrava nenhuma emoção, e seu comportamento parecia estranhamente indiferente. Agora que Robbie parava para pensar, imaginava por que ele não havia atacado Reid. Afinal, era ela quem estava espremida contra a parede. Eoin já havia surrado homens quase até a morte durante os ataques, mas nunca levantara a mão para defendê-la. Ela escondeu os punhos entre as dobras da saia e abriu a boca, mas não soube o que dizer. — Já está feito, Robbie. Não há nada que você possa dizer para remediar o que houve. — Ele levou um frasco até os lábios, tomando um longo gole. — Eu perdi o controle. Por favor, não seja precipitado. — Precipitado? Seus atos são imperdoáveis. Robbie seguiu a direção do olhar dele, em um ponto acima de seus ombros, apenas para descobrir Reid alguns metros atrás dela, com os braços cruzados. Talvez sua culpa a fizesse questionar cada olhar trocado, mas Robbie sentia como se já soubesse como aquela conversa iria acabar. Forçando-se a prestar atenção em Eoin, ela tentou por outro ângulo. — Você pode honestamente me dizer que nunca me traiu? Pode olhar nos meus olhos e dizer que sempre foi fiel a mim? O bastardo sorriu. Na verdade retorceu os lábios, mais como num rosnado. — Não estamos presos um ao outro pela lei, por Deus, ou mesmo pelo costume. Não estou fazendo nada de errado se quiser me deitar com uma mulher diferente a cada noite. Robbie esperava raiva, fúria, talvez mágoa ou desapontamento, mas nada na expressão de Eoin refletia a dor pela perda de alguém que ele jurava amar. — Você algum dia teve a intenção de legitimar nossa união e se assentar em Rannoch? — Rannoch sempre foi o seu sonho, não o meu. — Ele cuspiu por cima da amurada. — Nossa união não beneficiaria o clã. Nós dois sabemos que eu estava apenas ganhando tempo 76

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até conseguir um casamento melhor. Sempre planejei manter você como minha amante. Amante? Ganhando tempo? A visão de Robbie ficou borrada por pontículos pretos. Se o infeliz estava achando que todos os ovos tinham duas gemas, estava muito enganado! Ela tinha vontade de arrancar a língua de Eoin. Não... Melhor castrá-lo. Fora uma tola em se entregar a ele. Robbie procurou palavras para magoá-lo, algo que pudesse arrancar o sorriso daquela cara. — Você precisa de mim para conseguir o ouro. — Não, eu preciso de Reid para conseguir o ouro. Tudo o que preciso de você é que sirva ao meu primo como serviu a mim no passado para cumprir minha parte na barganha. — Que barganha? — Eu troquei você pelo ouro. Você deve ser a prostituta mais cara do continente. Espero que o tesouro entre suas pernas valha o preço que ele está disposto a pagar. O que Robbie acreditou ser seu coração martelando em seus ouvidos na verdade eram os passos furiosos de Reid. Ele passou por ela e lançou um soco na direção do rosto de Eoin, mas o outro estava preparado para o golpe e se desviou, abaixando-se, girando e fechando os braços ao redor das costelas de Reid para esmagá-las. — Não foi isso que negociamos, primo? — A pergunta sardônica de Eoin era cheia de arrogância. — Seu bastardo! — Reid rugiu, estendendo os braços para segurar Eoin pela nuca. Em seguida, puxou-o por cima de suas costas e lançou-o ao deque, aos pés de Robbie. Ela saltou para trás, sem saber a quem defender, e pensando que não queria defender nenhum dos dois. Sem parar, Reid se jogou em cima de Eoin e o esmurrou de todos os lados, deixando o primo temporariamente imobilizado. Mas Eoin já havia lutado o suficiente para saber como retaliar. Eles rolaram, giraram, mudaram de posição. Agora Eoin mantinha Reid preso ao chão, batendo no rosto dele, dilacerando-lhe a pele. Sangue e suor misturavam-se na frente da camisa de Eoin, e pareceram soltar uma fera que jazia presa dentro de Reid. Com as veias dos antebraços e do pescoço saltando, ele pulou até desalojar o primo e fazer Eoin cair para trás. — Será que eu devo interromper essa palhaçada? — Jean-Pierre indagou a Robbie, segurando-lhe o cotovelo com gentileza. — Não. Deixe os dois se matarem.

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Capítulo XI

SEGREDOS Onde diabo estaria Robbie? Reid disparou pelo passadiço, depois de procurá-la junto aos canhões pela segunda vez. Ela não estava lá, também não estava na cabine, nem em seus aposentos, nem no depósito. Ele vasculhara cada recôndito do, Obsidiana duas vezes, mas ela havia sumido. Dois dias era tempo mais do que suficiente para Robbie ter se acalmado, mas ela ainda estava furiosa. Na noite anterior, quando Reid tentara conversar com ela, ele quase podia jurar que, se ela tivesse aberto a boca para responder, voariam chamas dali. Ele esfregou a têmpora dolorida e fez uma careta com a pontada de dor que atingiu seu crânio. Seu olho tinha assumido vários tons de roxo ao longo dos últimos dois dias, mas ele não se arrependia de ter brigado com o primo. Sim, Eoin merecia uma surra, embora Reid não pudesse afirmar que havia vencido a disputa. A única coisa boa que resultara de tudo aquilo era que agora Robbie odiava Eoin tanto quanto odiava a ele próprio. Com as mãos nos quadris, ele parou no centro do navio, olhando para o tombadilho deserto. A âncora já havia sido baixada e a tripulação já partira para a praia, com exceção de Oscar e Henrik, que esperavam pacientemente ao lado de Reid. Já passava da hora de a teimosa aparecer. Reid encheu os pulmões e berrou: — Robbiiiiiiiiiiiie! Claro que não recebeu resposta, mas aquela era sua última opção. — Deus do céu — resmungou, limpando o suor com a manga da camisa. Talvez ela tivesse abandonado o navio. Era bem possível, combinava perfeitamente com ela fazer algo tão tolo. — Ah-ahn... Ah-ahn... — Henrik pigarreou com escândalo. Ele estava com uma expressão estranha, um sorriso meio torto, os olhos assustados, os lábios contraídos. E foi então que ele discretamente apontou para cima. — O que foi, rapaz? — Reid acompanhou o sentido para o qual o dedo de Henrik indicava, acima do mastro principal, onde uma escada de corda subia cento e cinquenta degraus na direção do sol escorchante. — Ela está no ninho do corvo? — Ele tornou a olhar para Henrik. — Você só pode estar brincando. — Ela subiu antes do amanhecer — o outro sussurrou. — E por que você não me contou? Henrik colocou a mão sobre os genitais e olhou para cima de novo. — Ela ameaçou cortar minhas... Bem... E depois comê-las no almoço. — E você levou a ameaça a sério? — Reid revirou os olhos e começou a subir. — Ela parecia faminta — Henrik se defendeu. — Seja cauteloso, capitão. Ela tem uma 78

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faca. Reid olhou para baixo, já do terceiro degrau. — Leve Oscar para o bote e espere por nós. Logo estaremos lá. — Sim, capitão. Deus o acompanhe. Reid subiu pelo mastro principal, pensando que talvez nem Ele pudesse domar aquela megera. Assim que alcançou o último degrau, Reid empurrou a fechadura na base do ninho do corvo, mas a portinhola não se moveu. Ele tentou de novo, conseguindo levantá-la um centímetro dessa vez, mas o peso acima da portinhola não lhe permitia entrar. — Mary-Robena Wallace, pare já com esse comportamento infantil e saia daí! Ela bateu o pé no chão, duas vezes. — Ah! — Reid trincou os dentes e fungou como um touro bravo. Aquela mulher ainda seria a sua morte. Ele prendeu-se a uma maçaneta na base do ninho do corvo e pendurou-se de lado, depois lançou as pernas por cima do pequeno círculo de madeira. Culpou o balanço do navio pela sensação em seu estômago, mas sabia que isso se devia muito mais à proximidade de Robbie do que à altura em que se encontravam. Encolhida em uma bola, ela abraçava os joelhos com braços já corados pelo sol, recusando-se a olhar para Reid. Ele se sentou ao lado dela, ocupando o espaço restante com sua forma maciça, e esperou longos minutos até que ela quebrasse o silêncio. — Eu odeio você. Ele já esperava por isso. — Eu sei. — O que você fez foi errado. — Eu sei. — Você é um mentiroso vil e asqueroso. — Eu sei. Ele não havia mentido, mas não iria argumentar agora. Era melhor aceitar a recriminação como viesse. O sol destacava trechos do cabelo avermelhado de Robbie, tornando-o mais claro, e quando ele lhe afastou um cacho do rosto, ela se afastou, rápida. — Você não é meu dono, e eu não quero que você me toque, nunca mais. Reid bufou. — Por quê? Você tem medo da paixão entre nós? Robbie levantou a cabeça, os olhos reluzindo de fúria. — Foi luxúria. — Foi mais do que isso, e você sabe muito bem. — Você acha que é o único homem que já me deu prazer? As relações dela com Eoin não eram algo que Reid quisesse discutir. Robbie desviou o olhar e apoiou o queixo entre os joelhos. — Eu já teria meia dúzia de filhos a esta altura, se tivesse me casado com Lyall — 79

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resmungou. — Lyall? — Já era ruim o bastante imaginá-la com Eoin, mas Lyall era dez, anos mais velho que Robbie. — Sim. Quando eu fiz dezoito anos, ele se ofereceu para me levar até o primo dele nas Terras Altas, mas eu me recusei a deixar os outros para trás. O clã. As coisas sempre voltavam ao clã. Ela seria uma líder muito melhor do que Eoin jamais conseguiria ser. — E agora você se arrepende do seu erro? — Não foi um erro. Os fracos morreriam sem os fortes para protegê-los. Os invernos são quase insuportáveis para vovô e o velho Angus, e agora temos Alana. — Robbie voltou-se para ele. — Você ao menos sabe quem é Alana? — Não. — Por que ele previa que havia uma censura a caminho? — Ela tem seis meses de idade, e é sua sobrinha. — Sobrinha? — Até onde sabia, Reid não tinha nenhum irmão além de Shane e Kelsa, e ambos eram jovens demais para ter filhos. Ele fez as contas rapidamente. — Shane tem só quinze anos, e Kelsa, treze... — Kelsa faria catorze neste verão, se não tivesse morrido. Reid mal se lembrava daquele pedacinho de gente. Ela tinha apenas dois anos quando o pai o levara embora. — Suspeito que a morte dela tenha sido difícil para Nanna. — Difícil? Kelsa era a única que tinha escapado de ser marcada pelos Colquhouns. Ela era a única com chances de conseguir se casar fora do clã. Nanna a enviou para Glenstrae para comprar peles, mas ela nunca chegou até o tanoeiro. O bastardo mais novo do lorde de Luss a violentou na floresta. — Robbie parou para limpar as lágrimas que se acumulavam em seus olhos. — Alana foi o resultado desse estupro. Reid sentiu-se nauseado. Um gosto amargo se acumulou em sua boca, e ele teve certeza de que iria vomitar. — Kelsa morreu dando à luz um bebê que foi, forçada a gerar. — Não. — O riso de Robbie refletia sua insanidade. — Nem o rei James, nem Deus, ninguém jamais facilitou as coisas para os MacGregor. Kelsa deu à luz, mas odiou o bebê desde o instante em que ele saiu de seu corpo. Ela se recusava a alimentar a criança, ou mesmo a segurá-la. Nanna tentou ajudá-la, mas não conseguiu. Depois de três meses, Kelsa embrulhou Alana em um xale e foi até a caverna, onde calçou as botas de ferro e pulou no lago. — Robbie fechou os olhos com força. — Sabendo como Kelsa se sentia sobre o bebê, eu a segui naquele dia e corri até a caverna, quando ouvi a água espirrar nas pedras. Consegui salvar Alana, mas não pude trazer Kelsa até a superfície. Reid pôde fazer pouco mais do que balançar a cabeça. Nada que dissesse traria Kelsa de volta. Seu coração estava com Nanna e o bebê, que nunca conheceria a mãe. Ele queria culpar alguém por não salvá-las, mas no fundo sabia que esse alguém era ele mesmo. Não deveria ter esperado tanto para voltar. Deveria ter estado lá para protegê-las. — Onde diabo estava Eoin? 80

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— Onde diabo estava você? — A contrapôs os olhos cheios de condenação. Foi nesse momento que Reid percebeu: ela jamais o perdoaria. Robbie o culpava por cada sofrimento que o clã havia passado nos últimos onze anos. — Quando você negociou com Eoin, deveria ter pensado com sua cabeça, e não com outra parte do seu corpo. Seu desejo em ter-me na sua cama vai acabar custando vidas. Ele não vai protegê-los. Ele vai deixá-los para trás quando mudarem de acampamento. Qualquer um que seja querido a você ou a mim não vai ter chance de sobreviver. E é por isso que eu tenho que acertar as coisas com Eoin. Reid grunhiu, as mãos se fechando em punhos. Ele se levantou e olhou para as praias de areia branca do lugar a que chamara de lar por mais de uma década. Os botes agora se espalhavam pela praia, onde o povo mopán começara a se reunir. Ele tinha imaginado esse momento, até preparara as palavras. Bem-vinda ao lar, amor. Mas Robbie jamais aceitaria aquele lugar como seu lar. Reid olhou para o moinho de vento que aparecia por cima das árvores. Passara anos construindo Rukux e preparando tudo para a chegada dela. Tudo inútil... A casa que ele construíra, o jardim, as borboletas... Uma emoção sombria e sufocante deixou seu coração pesado. Era um sentimento com o qual ele se deitava toda noite e acordava toda manhã. Um homem não deveria nunca se sentir tão sozinho. Robbie levantou-se de costas para a praia. — Depois que recuperarmos o ouro, eu vou voltar para a Escócia com Eoin. — Para passar a vida como amante dele? — Para proteger aqueles que amo. Era egoísta afastá-la deles, egoísta querê-la para si, mas que Deus o ajudasse, ele não queria abrir mão dela. — O sujeito tirou sua inocência sem nenhuma intenção de se casar com você. Ele é responsável pela morte do seu irmão, e mesmo assim você continua leal a ele. Robbie o encarou, absorvendo suas palavras. — O que você quer dizer? Eoin, responsável pela morte de Fergus? — Deus do céu! — Reid segurou a cabeça nas mãos, esfregando as têmporas. — Pense, Robbie. Lembre-se daquela noite na caverna. Da noite em que Fergus foi assassinado. Existe um motivo para Eoin ter escapado ileso. Memórias indesejadas preencheram a mente de Robbie. Três Colquhouns haviam entrado na caverna depois que Reid afundara sob a superfície do lago. — Eles vieram atrás de você e de Eoin. — Sim. Os Colquhouns prestaram pouca atenção a Robbie, ela se recordou, um tanto nebulosamente. — Eu corri para buscar ajuda. Mas um deles seguira Robbie e a alcançara na colina. Ele a forçara a ficar deitada, socando-a nas costas, mas ela resistira com todas as suas forças. Os olhos dela se espremeram, e lágrimas escorreram por seu rosto. Seu coração 81

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disparou do mesmo modo que naquela noite. — Ele me chutou nas costelas — murmurou, incerta de quais lembranças estava relatando em voz alta, e qual estava contendo dentro de si. A recordação a deixou tonta, nauseada. Robbie ainda podia ouvir o som de sua costela se partindo, podia sentir o calcanhar da bota pressionada às suas costas, mantendo-a presa no chão. A sequência dos eventos se misturava em sua mente. — Eles me marcaram com ferro quente. Ela esfregou a face molhada, querendo coçar a cicatriz como fizera tantas vezes no passado. — O que mais, Robbie? O que mais você viu? — incentivou Reid. Por que ele a estava forçando a se lembrar? Por que insistia em torturá-la? Ela balançou a cabeça, pressionando as pálpebras com os dedos, sem querer ver mais nada. — Você estava lá. Você assistiu enquanto eles me queimavam. Reid agarrou os ombros dela. — Eu tentei ajudá-la, amor. Por Deus, eu tentei, mas meu pai me colocou em seu cavalo e me levou para longe. Você pode continuar a me odiar, mas saiba que o homem para cuja cama você está planejando voltar entregou Fergus como o herdeiro MacGregor para se salvar da espada dos Colquhouns. — Não. — Era mais fácil negar a evidência do que aceitar, mas o coração de Robbie estava apertado com a dúvida. — Eoin vingou a morte de Fergus. Ele matou o Colquhouns que assassinou meu irmão. — É mentira. — Os dedos de Reid prendiam os braços dela com força, e ele a chacoalhou. — Não deixe sua lealdade a Eoin cegá-la para a verdade. Mas ela não entendia o que era a verdade, ou o quanto dela Reid podia conhecer. — Você não estava lá. Estava embaixo d’água. — Meu pai estava lá, e foi ele quem lutou com o Colquhouns enquanto Eoin fugia. Não! Robbie balançou a cabeça, o sofrimento de tantos anos sobrepujando-a. Suas pernas tremiam, querendo fugir, mas não havia para onde ir. Não tinha forças nem vontade para resistir a Reid quando ele a puxou para seus braços. Ela tremia enquanto soluçava contra o peito dele, revivendo a perda de seu irmão. Reid foi paciente. Deu a Robbie todo o tempo de que ela precisava, afagando-lhe as costas pelo que pareceu uma eternidade. — Além de você, Fergus era meu melhor amigo. Eu queria poder mudar o passado. Queria, com todas as minhas forças, poder ter protegido tanto a ele como você. — Por que não me contou isso? Reid afastou-se um pouco e secou o rosto de Robbie. — Você teria acreditado em mim? Não. Ela balançou a cabeça, sabendo que teria defendido Eoin do mesmo jeito como vinha fazendo havia anos. Mas já bastava. A dor dentro dela estava se transformando em raiva. Eoin não merecia sua lealdade, e não merecia liderar o clã. Sua mente se encheu de planos de vingança, modos de fazer Eoin, pagar pelo que fizera. 82

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Ela se abaixou para levantar a fechadura, mas Reid a segurou. — Aonde você vai? — Vou encontrar Eoin. Reid girou-a, ficando de frente para ela de novo. — Ele já desembarcou, assim como os outros. Robbie arregalou os olhos para o cenário à sua frente. — Nós chegamos? É aqui seu Yucatán? — Sim. Quando Robbie subiu na borda do ninho do corvo, Reid a segurou pelo pulso. — Ah, mulher! Você não tem juízo nenhum... Será que pode pensar por mais de dois segundos para tomar suas decisões? Existem peixes enormes nessas águas. Realmente imensos. E Henrik está esperando por nós no bote. Talvez a insanidade controlasse os atos de Robbie, mas ela estava desesperada para sair do, Obsidiana e ter um momento para si. Robbie olhou para baixo e acenou para Henrik, arrependendo-se das palavras ásperas que dissera ao pobre-coitado. — Por favor, transmita meu pedido de perdão a Henrik. Diga a ele que eu menti sobre a faca, e que nunca pretendi feri-lo, muito menos comer seus testículos. Eu vejo vocês na praia. E com isso, Robbie soltou a mão de Reid e pulou água azul-esverdeada.

Capítulo XII

CHEGADA Era como uma imensa banheira... A água era morna, suave, e deixava a mente anestesiada. Robbie não queria pensar em Eoin, nem em Reid, nem no clã. Queria se estender nas recordações de seu irmão. Dentro de sua cabeça, Fergus sorria para ela, com seu rosto redondo. Não se preocupe, Robbie. Você vai ter peitinhos logo, logo. Robbie riu e chorou, lembrando-se de como o irmão pensava constantemente no tamanho dos seios das mulheres. A dor cortou seu coração, e suas lágrimas se misturaram com o oceano. Ela lambeu o sal de seus lábios e mergulhou sob a superfície, fingindo que Fergus estava á seu lado, competindo com ela para chegar antes à praia. Ela teria ganhado. Sempre fora mais rápida e mais esperta que ele, mas Fergus era mais generoso. Ele não iria querer que ela ficasse sofrendo por ele, ou que sacrificasse o clã para vingar sua morte. E então conhecerás a verdade, e a verdade te libertará. As palavras do padre MacCrouther surgiram em sua memória. As mesmas com as quais ele costumava encerrar seus sermões. Ela sempre acreditara que havia uma conspiração contra o clã MacGregor e que, uma vez revelada, todos eles estariam livres. Agora, entretanto, 83

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aquelas palavras tinham um significado completamente diferente, pois Robbie jamais se sentira tão livre na vida. Obrigada, Fergus. Ela subiu em busca de ar, mas imediatamente voltou a submergir, empurrando a água transparente para trás de si com movimentos longos e sinuosos. Depois de anos mergulhando, seus pulmões eram bem resistentes, o que lhe permitiu explorar os arredores quando entrou em águas mais rasas. O sal fazia seus olhos arder, mas ela não queria fechá-los. À luz do sol, era possível distinguir o lindo mundo da vida submarina: miríades de peixinhos fugiam dela em disparada, escondendo-se em luxuriosas plantas que cobriam formações rochosas de formatos estranhos. Outras espécies de plantas, com cores variando entre amarelo, azul e laranja, estendiam folhas longas e estreitas, balançando de um lado para o outro com a maré. Ah, Fergus teria adorado aquelas águas! O lago na Escócia sempre fora escuro e frio demais para apreciar, mas aquilo... Aquilo devia ser uma das obras favoritas do Criador. Outra vez, Robbie subiu para respirar e mergulhou fundo, testemunhando uma criatura deslizar graciosamente pelo fundo de areia branca, um peixe chato, com formato de diamante, asas e uma cauda longa e pontuda. De súbito, Reid surgiu no canto de sua visão. Ela deveria saber que ele a seguiria. Ele se preocupava demais com ela, protegendo-a como um fazendeiro fazia com seu gado. Se ela pudesse falar, diria a Reid que sua proteção era desnecessária e indesejada. Mas, observandoo, Robbie admitiu que aquela atenção, apesar de sufocante, era bem-vinda. Ele nadava como uma criatura marítima, com elegância e perfeição. As bolhas flutuavam pelos cabelos negros enquanto ele movia os pés em movimentos alternados lentamente, indo na direção do estranho peixe-diamante. Reid convidou Robbie a se aproximar, depois estendeu a mão e afagou a pele cinzenta da criatura enquanto ela se afastava. Robbie tomou a mão que ele lhe estendeu e se permitiu desfrutar da companhia sem culpa, subindo à superfície juntos. Ela podia se ver sendo amiga dele, mesmo que, lá no fundo, no lugar onde escondia seus sonhos, quisesse muito mais que isso. Reid sacudiu a cabeça, jogando água para todos os lados, depois abriu aquele sorriso que despertava nela a vontade de ser sua mulher. — A arraia tem uma cauda que é quase um estilete, e pode cortar nossa pele com facilidade. Você deve ser cautelosa quando... Argh! Robbie deitou-se de costas, deixando a água cobrir suas orelhas, apagando as palavras dele. Reid estava sempre lhe dando alguma lição sobre segurança. Por uma vez que fosse, ela queria ver-se livre de medo e de cautela. Será que ele não podia lhe dar nem um momento de paz? Ela boiou, lambendo o sal dos lábios. — Ouso dizer que uma pessoa pode se perder num lugar assim. Reid jogou água nela. — Você não estava me escutando! 84

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— Você estava falando como o velho, Angus. — Robbie jogou água de volta, mas Reid não estava para brincadeiras. — Venha, amor. Podemos brincar na água depois. Estão esperando por nós. Ela girou e olhou para a praia, vendo as pessoas que lotavam o lugar. Os homens usavam um pequeno pedaço de pano que mal cobria o essencial, mas Robbie tinha de admitir que o que a surpreendeu foi o traje das mulheres... Ou a ausência deles. Elas usavam saias curtas de algodão que iam do umbigo até o meio das coxas, e seus seios eram cobertos apenas por colares de contas... Ou seja, não estavam nem um pouco cobertos. Ah, sim, Fergus teria gostado muito daquele lugar... — As mulheres estão praticamente nuas! — O choque desaparece muito rápido. Olhe bastante agora, para que não se sintam mal quando chegarmos à praia. Prepare-se para a saudação deles. Vou fazer o possível para evitar que os homens não se empolguem demais. Não se empolguem demais? Robbie preocupou-se com a declaração de Reid, lembrando-se de seu primeiro encontro com Jax na caverna e do modo como ele lhe apalpara os seios. No instante em que os pés dela tocaram a areia, Reid segurou-lhe a mão sob a água. — Quando você conhecer o chefe, ele vai checar se você está saudável e... — Você quer dizer que ele vai me apalpar. Reid riu e apertou a mão dela. — Sim, é bem provável. Você pode chamá-lo de B’alam ou de rei Jaguar. Ele é muito respeitado pelo seu povo, e não deve ser insultado. O encontro iminente estava colocando Robbie já na defensiva. — E se ele me insultar? Reid deu-lhe um leve puxão na mão, dizendo-lhe para se comportar. — O ouro que pode libertar o clã MacGregor está nas terras dele. Seria sábio controlar seu temperamento. Quando saíram da água em uma confusão de espuma branca, Robbie vasculhou a extensão da praia e encontrou Eoin com Jax e Jean-Pierre no meio de um grupo de nativos, já dando risada e se divertindo. O ódio fez sua pele formigar, o sangue disparando em suas veias. Ela queria dizer a Eoin que sabia de tudo. Queria dizer que o odiava. Na verdade, o que ela desejava era machucá-lo fisicamente. Ela deu apenas um passo na direção de Eoin, e Reid já a puxou de volta. — Robbie, por favor... Você tem de deixar essa briga para outro momento. Agora, você provavelmente nem saberia o que dizer. — Ele soltou a mão dela e colocou-se em sua retaguarda, mantendo-a segura pelos ombros. — O povo mopán aguardou muito tempo para conhecê-la. Eu lhe imploro que dê a eles a sua atenção. Robbie poderia ter argumentado, mas um grupo de crianças correu em sua direção, enchendo a praia com suas diminutas pegadas. Eles eram lindos, com a pele morena, os cabelos pretos e os dentinhos brancos e perfeitos. Falavam rápido demais para que Robbie conseguisse entendê-los, mas seus sorrisos 85

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não precisavam de tradução. Os olhinhos escuros estavam arregalados de curiosidade, por isso ela se ajoelhou na areia e permitiu que a examinassem. Os pequenos tocaram suas roupas e seu cabelo. Nenhum deles deu atenção à cicatriz em seu rosto, mas os olhos de Robbie pareceram cativá-los. Uma garotinha com os cílios mais longos que Robbie já tinha visto chegou bem perto dela e apontou. — Seus olhos combinam com nossa selva. Eles são... Verdes. Muito bonitos. — Muito bem, Amendoim! — Reid postou-se ao lado de Robbie e pegou a criança quando ela saltou para seus braços. — Bem-vindo, ao lar, Serpente Branca. Sua falta foi sentida. — A garota, com não mais que oito anos, pousou as mãozinhas contra as faces de Reid e beijou-lhe o queixo. — Eu ainda sou seu homem branco favorito? — Reid esfregou o nariz contra o da menina e afagou seus longos cabelos pretos. Ela assentiu, veemente. — E eu, sou seu Amendoim preferido? — Sim. Assistir àquela reunião afetuosa aqueceu o coração de Robbie, mas havia ali também outra emoção. Ela queria uma família desde antes de ir para a cama de Eoin, mas ele tinha tomado todos os cuidados para não engravidá-la, pelo que agora ela estava grata. Reid se agachou e colocou a menina em frente à Robbie. — Amendoim, eu gostaria de apresentar minha... Amiga, Robbie. Esta é a filha de Jax, Pavão Amarelo. — Hach ki’imak in wo’ol in kaholtikech. — Robbie praticara a frase, mas pelo visto não era ainda a dicção correta, pois as crianças a encaravam com a testa franzida. Ela tentou novamente: — Muito prazer em conhecê-los. Reid ajudou Robbie a se levantar quando uma mulher com uma gravidez começando a se fazer notar aproximou-se deles e lançou os braços ao redor do pescoço de Reid. Robbie tentou não encará-la, mas era quase impossível. Desenhos delicados enfeitavamlhe os tornozelos, braços e pescoço. Suas feições eram exóticas: lábios grossos, pele marromclara e uma cabeleira luxuriante. Piercings dourados decoravam seu rosto, e correntes de turquesa e contas marrons pendiam de seu pescoço, sem esconder os seios generosos com grandes mamilos escuros. As pequenas rugas nas têmporas de Reid se aprofundaram quando ele abriu um sorriso orgulhoso ao afastar-se da mulher para apresentá-la. — Robbie, esta é a mulher de Jax, Mukuy Ik. Sentindo-se inadequada, Robbie cruzou os braços na frente do peito, mas rapidamente teve de desfazer sua posição para devolver o abraço carinhoso da mulher. — Ah, não! Pode me chamar de Pomba Negra. Eu sou mulher de Jax e mãe dos filhos dele. Robbie encarou-a, boquiaberta. Pomba Negra soava exatamente como o velho, Angus. — Você fala a minha língua muito bem! — Robbie ergueu uma sobrancelha para Reid, 86

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esperando uma explicação. — Quando eu cheguei, ensinei a Jax minha língua e ele me ensinou a dele. Pomba Negra estava apaixonada por Jax, e tentou se infiltrar nas nossas aulas. — Sim, mas o tonto nem prestou atenção em mim. — Pomba negra olhou para o lugar onde Jax estava na praia, junto a Eoin. Reid sorriu. — Como um presente, meu pai ensinou nossa língua às filhas do rei Jaguar, mas creio que seu sotaque tenha sido passado junto. Robbie se arrependeu no mesmo instante. Ela não tinha ideia de que a esposa de Jax era filha do rei Jaguar. Nem mesmo sabia se Jax gostava dela ou não. — Você deveria ter-me dito que Jax era parente do líder. Talvez eu o tivesse explorado menos a bordo do, Obsidiana. Pomba Negra pegou Pavão Amarelo pela mão e afastou as crianças de Robbie. — Não tema. Meu pai late muito, mas morde pouco. — Ela inclinou a cabeça para o homem que se aproximava, cujo traje não era menos intimidante que sua expressão ameaçadora. — Prepare-se, Robbie. Você está prestes a conhecer o rei Jaguar. — Reid afastou-se de leve. — Lembre-se do que eu lhe disse. Ele é respeitado pelo seu povo e não deve ser insultado. Robbie endireitou as costas, rígida. Seu coração acelerou, e seu sorriso enfraquecia a cada passo que o rei Jaguar dava em sua direção. Embora idoso, ele tinha o porte de um farol sobre as rochas. Robbie engoliu em seco e forçou-se a piscar, enquanto o rei Jaguar colocava-se diante dela. Embora ela quisesse poder negar, seus olhos não a enganavam: os cordões que contornavam os antebraços dele eram feitos, sem dúvida, de dentes humanos. Penas coloridas decoravam-lhe os ombros, e ossos esculpidos atravessavam suas narinas e orelhas. Marcas tribais em um tom um pouco mais escuro que sua pele cobria sua cabeça calva, a testa e as faces. Ele a observava com os olhos negros e raivosos. Talvez estivesse fazendo uma expressão severa de propósito para intimidá-la. Talvez quisesse lhe provocar medo. Sim, aquelas táticas estavam fazendo Robbie tremer, mas ela sustentou uma pose inabalável quando ele lhe segurou o queixo e forçou-a a abrir a boca. Moveu a cabeça dela de um lado para o outro, investigando-lhe os dentes, depois abriu os braços de Robbie e analisou-a da cabeça aos pés. Robbie compreendia a necessidade dele de manter seu povo livre de doenças, mas essa inspeção brutal estava começando a despertar o temperamento que Reid lhe alertara para controlar. Ele podia ser o rei, mas quando ele a forçou pelo pescoço a dar a volta e encaixou a mão em seu traseiro, ela quase perdeu a paciência. — Bix a k’àab’a’ — O rei Jaguar fez a pergunta para Jax, que havia acompanhado seu líder e agora estava atrás de Pomba Negra. Jax baixou a cabeça na direção de Robbie uma vez, como se oferecesse sua aprovação 87

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pelo autocontrole que ela demonstrara, e respondeu à pergunta do líder. — Eu dei à mulher de Serpente Branca o nome de Língua de Fogo. Robbie estreitou os olhos para Jax, mas conseguiu conter sua resposta. O rei Jaguar resmungou, depois girou Robbie de frente para si com força desnecessária. Encarou ostensivamente os seios dela, que o corpete empurrava para cima. Que Odin me ajude, se esse homem... A mão musculosa fechou-se ao redor do seio esquerdo e apertou. A garganta de Robbie estava sufocada de raiva, e antes que ela pudesse pensar, aquela raiva desceu pelo seu braço e tomou conta de sua mão. Ela fechou os dedos ao redor dos testículos do rei Jaguar sob a tanga e apertou de volta, fazendo os olhos dele se arregalar. Os nativos ofegaram. — Robbie! — Reid censurou a seu lado. Talvez seus atos fossem tolos, mas ela não iria permitir que alguém a apalpasse assim, fosse quem fosse. Para sua surpresa, ele soltou-lhe o seio e sorriu, revelando dentes amarelados e cobertos de pedras preciosas. — Ma’. B’alam chama você de Mão-Cheia de Semente. — O líder inclinou a cabeça para trás, rindo com gosto. Humilhada, Robbie retirou a mão e olhou para as hordas de nativos risonhos. Malditos fossem eles e sua zombaria! Quando ela abriu a boca para protestar contra seu novo nome, o rei Jaguar abriu os braços e exclamou: — Bem-vinda a Ballace! Ele pousou a mão sobre o ombro de Robbie e forçou-a a caminhar com ele, levando-a para sua selva. A pele dele era oleosa e talvez um pouco suada, mas ele cheirava a manteiga doce. Reid correu até o lado dela. — É isso o que você chama de controlar seu temperamento? — Você acha que eu preciso de alguma lição de moral agora? — Quando Reid ficou para trás, Robbie olhou por cima do ombro. — Ele chamou este lugar de Wallace? — B’alam está resolvido a batizar essa terra com o nome de meu pai. Os dois eram muito próximos. — Mas o nome de seu pai era Calum MacGregor. — Quando o rei James aprovou a proscrição contra o clã MacGregor, meu pai assumiu o nome de Peter Wallace, que foi o nome que ele usou quando chegou aqui. Como o povo mopán tem dificuldade para pronunciar o “W”, eu já ouvi este lugar ser chamado de tudo, desde Ballace até Billis. Robbie pisou na raiz de uma árvore gigantesca e considerou as palavras de Reid. — Peter Wallace era meu pai. — E o melhor amigo de meu pai. Robbie achou aquilo meigo. A guerra roubara-lhe o privilégio de conhecer seu pai; 88

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entretanto, ela sempre se orgulhara da dedicação dele ao clã MacGregor. Por dentro, estava sorrindo, pensando em como o avô ficaria contente ao descobrir que uma terra tão maravilhosa como aquela tinha o nome de Wallace, independentemente de como fosse pronunciado. Ela observou os arredores, torcendo para memorizar a flora e a fauna para poder descrever tudo acuradamente quando voltasse à Escócia. Vários pássaros grandes, de cores vibrantes e com bicos enormes, voaram por cima deles, sob a cobertura das copas das árvores. Animais de pelo escuro pulavam despreocupadamente entre as árvores mais altas que ela já vira. Espiando do topo delas, uma das criaturas jogou uma fruta meio comida na direção deles, depois abriu a boca e soltou um grito agudo. Ela pulou, e o rei Jaguar a segurou com mais força. — Não tenha medo. Os macacos gritadores não vão machucar Mão-Cheia de Semente. A careta de Robbie fez o líder soltá-la, liderando o grupo sozinho. A despeito de quão breve fosse sua estada ali, Robbie se recusava a ser chamada de Mão-Cheia de Semente. Ela encarou Reid, de cara feia. — Eu quero um novo nome. Ele deu um sorriso, encolhendo os ombros, e tomou-lhe a mão quando ela se desviou de um lagarto que passou correndo. — Considere-se com sorte por ter recebido dois nomes. Eu fui chamado de Homem Branco por mais de três anos. Você não pode exigir um nome novo. Tem de merecer um. Robbie fungou. — Como você mereceu o seu? Provavelmente Reid tinha matado uma cobra gigante. Ou talvez tivesse se arrastado pelo chão da floresta enquanto cercava um inimigo. Ela esperou pela história, mas Reid continuou silencioso e desenhando pequenos círculos na mão de Robbie. — Conte-me por que eles chamam você de Serpente Branca. A pele bronzeada de Reid ficou vermelha. Ele desviou o olhar do dela, encarando a floresta. Era outro segredo, então? — Talvez o rei Jaguar me conte como foi que você conseguiu seu nome. Quando ela deu um passo à frente, Reid a puxou de volta, grunhindo. — Você é insuportável. Eu conto em outra hora. — Não! Eu quero saber agora. Ele rosnou, trincando os dentes. Olhou para trás, verificando se não havia ninguém muito próximo a eles. — Quando Jax aceitou Pomba Negra como sua mulher, houve uma celebração na aldeia. Eu tomei um pouco mais de álcool do que pretendia, e acordei na manhã seguinte, nu, esparramado no chão, e cercado por meia dúzia de crianças muito atentas. — Reid empurrou a cabeça dela para baixo para evitar um galho. — Deu para adivinhar o sentido da coisa? — Não. — Robbie o observava, sabendo que ele a protegeria. — Prossiga. Ele ficou ainda mais vermelho. As orelhas estavam rubras quando passou os dedos pelo 89

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cabelo desarrumado. — O sol não me bronzeou por inteiro. Na verdade algumas; partes de mim são tão brancas como a lua. E naquela manhã, em especial, uma parte minha acordou antes das outras... Uma das crianças apontou para ela... Para ele... E gritou “Serpente branca!”. Robbie sentiu o riso borbulhar em sua garganta. Era uma sensação bem-vinda depois das emoções que já havia suportado até ali. Os chistes vinham à sua mente tão rápido que ela não conseguiu decidir o que dizer. Mordeu o lábio por dentro, mas a risada explodiu com uma intensidade que lhe trouxe lágrimas aos olhos. — Você recebeu seu nome por causa do seu membro? O rei Jaguar olhou para trás e gargalhou. Reid abraçou-a pela cintura e a puxou para mais perto. — Pode rir à vontade, mas pense... Eu poderia ter sido chamado de Toquinho Branco, mas Serpente Branca era mais adequada a alguém do meu... Tamanho. O riso de Robbie desapareceu, a alegria sendo substituída por uma curiosidade ousada. Ela tentou controlar a direção de seu olhar, mas o esforço se provou inútil. Seus olhos deslizaram pelo peito musculoso, descendo até a protuberância que se destacava na frente das calças dele. Robbie não percebeu que o rei Jaguar tinha parado à sua frente, por isso deu um encontrão nele, que resmungou algo incompreensível. — Chegamos — anunciou Reid, quando pararam em uma clareira na selva salpicada de cabanas com teto de junco. As moradias deles não eram muito diferentes das cabanas na Escócia, mas o modo como as mulheres mopán trabalhava com os seios desnudos era outra história. Mais uma vez, Robbie foi obrigada a controlar seu olhar. Não que se sentisse atraída por mulheres; era mais uma questão de comparação. Infelizmente, as únicas mulheres com seios equivalentes aos seus em tamanho eram adolescentes com não mais que dezesseis anos. Ela nunca iria tirar o corpete ali. Jamais. — É como uma casa de tolerância a céu aberto. O comentário indecente de Eoin não foi bem recebido, assim como sua presença ao lado dela. O pateta não fez questão nenhuma de disfarçar a direção de seu olhar quando quatro belas mulheres se colocaram ao lado do rei Jaguar, aos pares. Todas usavam tranças com penas amarelas, mas uma delas se destacava. As contas pendiam em camadas de seu pescoço, sem cobrir nem um pouco o busto. Ela era a sensualidade incorporada, com os mamilos realçando a beleza dos seios perfeitos e redondos. Como se não bastasse isso para chamar a atenção de um homem, ainda havia a cintura diminuta, decorada com um padrão de curvas negras e correntes douradas. Ela olhou para Reid sob os grossos cílios negros e abriu um sorriso carnudo. Robbie nunca se sentira mais invisível. — Minhas filhas: Corça Gentil, Dançarina do Riacho, Pássaro Canoro e Tigresa Selvagem. — O rei as nomeou da esquerda para a direita, terminando na beldade que encarava Reid. 90

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Pomba Negra juntou-se a Robbie e inclinou-se para falar ao seu ouvido: — Meu pai a chama de Tigresa Selvagem, mas o resto de nós a chama de De Quatro, já que é assim que a vagabunda passa a maior parte do tempo. — Venha. — Jax levou Eoin na direção de um grupo de homens que estavam entregando armas. Ele não se recusou, mas não tirou os olhos de Tigresa Selvagem e seus atributos naturais. Isso só ressaltou para Robbie o quanto ela havia sido ignorante. Não apenas havia sido fiel a um sem-vergonha, mas também havia dado sua lealdade a um assassino. Robbie não notou como estava apertando a mão de Reid até que o rei Jaguar a pegou pelo corpete e a trouxe em sua direção. — Fique — ele exigiu, depois se voltou para Reid. — Nós caçamos. Uma onda de pânico a invadiu. Robbie se acostumara com a presença constante dele durante a viagem. Era ridículo, mas ela não queria se separar dele. Virou-se para Reid, implorando-lhe com o olhar. — Eu quero ficar com você. Os ombros dele se curvaram. Sua testa se franziu, e ele esfregou o peito sobre o coração. — Você não sabe o desespero com que eu gostaria que isso fosse verdade.

Capítulo XIII

A CAÇADA Se Reid tivesse de passar mais um segundo que fosse na presença do primo, seria capaz de enfiar a lança nele em vez de na anta que estava chacoalhando os arbustos. Escondido na mata, Eoin limpou o suor do rosto em uma dobra de lã pendente de seu tartã. O sol tinha tostado sua pele até um vermelho intenso, mas o tolo não tinha juízo suficiente para vestir de volta a camisa a fim de se proteger de mais danos. Ele pagaria pela sua ignorância no dia seguinte, mas naquela noite Eoin colheria a recompensa da matança, se Reid conseguisse incentivá-lo a caçar. — Você faria bem em tentar impressionar B’alam — Reid sussurrou para Eoin. — Eu não ligo para o seu líder. — Mas liga para o ouro dele. Sugiro com veemência que você demonstre toda a sua habilidade como caçador. Os olhos de Eoin se estreitaram sobre o rei Jaguar, mas B’alam não lhe deu atenção. Em vez disso, inclinou a cabeça em direção a Jax, dando uma ordem silenciosa para retirar a fera de seu esconderijo. O pulso de Reid disparou, enquanto ele segurava sua lança com força, preparando-se para correr. Sentira falta da caçada, do arrepio da perseguição. Era uma pena que não 91

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pudesse ser ele a executar o animal dessa vez. — Tente acompanhar — ele desafiou o primo, tentando despertar-lhe a competitividade, instantes antes de Jax soltar um grito ensurdecedor. A anta disparou dos arbustos em uma corrida desenfreada. Reid tomou à dianteira, com Eoin logo atrás. Jax poderia tê-los ultrapassado com facilidade, mas a caçada era muito mais do que apenas uma busca por alimento. Era um dos modos de um homem provar seu valor. Com os pulmões queimando, o coração martelando com força no peito, Reid correu pela mata fechada até eles encurralarem o animal em uma clareira sombreada pela folhagem. Presa entre uma muralha de árvores, a anta grunhiu, fungou e bateu a pata no chão em protesto. Jax ergueu sua lança, mas Reid, balançando a cabeça, impediu-o de continuar. Ele queria que fosse Eoin a matar, e ele o fez com a habilidade típica de um escocês. A lança de Eoin sibilou no ar e mergulhou no pescoço do animal, marcando o fim da caçada. — Você foi muito bem. Quase sem sinal de cansaço, Jax bateu nas costas de Eoin, enquanto os demais caçadores entravam na clareira. O rei Jaguar parou na frente da anta para analisar a morte, depois se voltou para Eoin com um sorriso congratulatório. — Bela morte, homem branco. Ofegante, Reid dobrou-se sobre os joelhos e respirou fundo. Ele não podia dizer com certeza se Robbie tinha ou não acreditado em suas palavras. Ela estava aborrecida, e as lágrimas dela fizeram com que ele se arrependesse de ter contado a verdade sobre Fergus, mas o que mais o preocupava era se ela esconderia essa realidade junto a todas as outras transgressões de Eoin. Estava passando da hora de Robbie ver Eoin como ele era de verdade. — Psiu! Robbie parou, as mãos ainda na massa de tortilla. — Robbie — alguém murmurou, a voz vinda de trás dela. Ela olhou na direção de onde viera à voz, e viu Pomba Negra e três de suas irmãs aparecendo por trás da casa de Jax. Elas gesticularam para que Robbie se juntasse a elas. Pelo jeito como se escondiam, Robbie supôs que estivessem tramando alguma coisa, e ficou lisonjeada que a estivessem convidando para participar. E embora Reid a tivesse avisado para ter cautela, ele também havia dito para não insultar o povo mopán. Fazer amizade com as filhas do rei Jaguar só poderia ajudar sua causa. Sem mencionar que Robbie já tinha amassado quase cem tortillas redondas para a mulher de cabelos brancos, encolhida sobre os tijolos quentes a seu lado. Robbie não sabia o nome da mulher, mas tinha decidido que Cara Azeda combinava com ela. Era duvidoso que Cara Azeda ao menos notasse sua ausência, por isso Robbie se levantou, esfregou as mãos para livrá-las do milho esmagado e saiu apressada para os fundos da casa de Jax. Corça Gentil, Dançarina do Riacho e Pássaro Canoro acompanhavam Pomba Negra. Robbie deu graças em silêncio por Tigresa Selvagem não estar no grupo. 92

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— O que aconteceu? — Nós vamos nos preparar para a celebração. — Pomba Negra estendeu uma cesta cheia de produtos de toalete: sabões, cremes, óleos, pedra pomes, pedras pretas afiadas e três pincéis artísticos. — Venha. — Pássaro Canoro puxou o braço de Robbie, dando-lhe poucas opções a não ser segui-las, e as cinco partiram, em fila, pela selva. Não muito longe da vila, elas saíram em uma clareira, e a beleza da paisagem tirou o fôlego de Robbie. Uma cascata caía sobre a beira de um penhasco, formando uma piscina de água azul tão clara que era possível enxergar o fundo. Ervas verde e flores púrpuras do tamanho de sua mão floresciam em abundância por ali, enchendo o ar com seu perfume adocicado. Era lindo, um verdadeiro paraíso. O Jardim do Éden não poderia ser mais perfeito. O barulho de água a tirou do devaneio, quando Dançarina do Riacho mergulhou de uma pedra achatada para dentro da lagoa. Suas irmãs logo a seguiram, e dentro de segundos estavam todas brincando nuas na água. Incapaz de resistir, Robbie observava, atônita, Dançarina do Riacho, compreendendo como ela havia adquirido seu nome. Ela nadava com graça, deslizando sobre a superfície com braçadas uniformes e fluidas. Quando ela girou, ficando de costas, seus seios redondos flutuaram sobre a água e deixaram Robbie enrubescida. Ela desviou o olhar. — Você é tímida? — Pássaro Canoro fez a pergunta, o que era estranho, já que ela era a mais envergonhada das quatro irmãs. — De onde eu venho, as pessoas têm muita vergonha de sua nudez. Sem inibições, Pomba Negra saiu da lagoa. A água reluzente escorreu de seu abdome arredondado para suas partes mais secretas, e Robbie ficou chocada ao descobrir que ela não tinha nenhum pelo ali. — Bem, você não está na Escócia agora, está? — Ela riu e pegou sabões e cremes da cesta, voltando então para a água. Pensando no que Pomba Negra dissera, Robbie brincava com uma mecha de seus cabelos. Por que deveria estar embaraçada? Elas com certeza não estavam. Aquele era um povo livre de opressões sociais. Na verdade, ela invejava tal liberdade. Sem pensar mais, ela tirou o vestido por cima da cabeça, depois lutou com os laços do corpete, que ficavam nas costas. A batalha durou mais do que ela gostaria, mas de alguma forma ela conseguiu se livrar da peça de roupa. As outras conversavam em sua língua nativa e passavam cremes nos cabelos escuros, sem dar nenhuma atenção a Robbie, mas um breve momento de indecisão tirou-lhe a coragem de ficar completamente nua. Em vez disso, ela mergulhou usando a camisete sem mangas e ficou vários minutos sob a superfície antes de decidir juntar-se ao círculo das mulheres. Pássaro Canoro jogou para ela um pedaço de sabão. — Seja rápida. Temos muito trabalho ainda para nos prepararmos para a apresentação. Robbie não chamaria banho de trabalho; era mais como um luxo. Entretanto, quando as 93

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mulheres saíram da lagoa e pegaram as pedras afiadas na cesta, ela logo entendeu tudo. Elas passaram cremes na pele morena, depois depilaram as pernas, as axilas e a virilha com as pedras. Havia tanto a aprender com aquele povo... Mas quando Pomba Negra estendeu-lhe a pedra afiada, Robbie balançou a cabeça. — Eu não faço isso. Elas olharam para Robbie como se tivessem surgido chifres em sua testa. — Pois deveria. — Pomba Negra deu de ombros, devolvendo a pedra para a cesta. Talvez ela devesse mesmo... Robbie desistiu da ideia antes que ela a convencesse. Concentrou-se no banho, sabendo que se deixasse sua mente vagar, Reid acabaria surgindo em seus pensamentos. Contente com sua limpeza, subiu na pedra achatada e se deliciou com o calor do sol, enquanto as mulheres trançavam os cabelos umas das outras. Exausta, permitiu-se um momento de descanso. O perfume floral que a cercava era embriagador. Os olhos de Robbie se fecharam. Talvez fosse a serenidade do lugar que a acalmara, ou talvez fosse puro cansaço. Fosse lá qual fosse o motivo, o fato é que Reid entrou em sua mente, e ela não se sentiu culpada por permitir que isso acontecesse. Lembranças dos beijos apaixonados e carícias delicadas passaram por sua mente, mas ela nunca havia sido dada a preliminares, românticas. Sua fantasia avançou em velocidade acelerada até a parte em que Reid a levava ao clímax com a língua, e por causa do que ela havia acabado de aprender com as mulheres mopán, Robbie visualizou sua virilha tão nua quanto à delas. Robbie se remexeu, o vazio em seu ventre intensificando-se a cada vez que ela repassava a cena em sua mente. Ah, ela o desejava... Queria fazer com ele coisas que nunca fizera com Eoin. Na verdade, parte dela queria esfregar na cara de Eoin seu desejo por Reid. Seus pensamentos lhe soavam pecaminosos, mas apenas porque ela fora tolamente leal ao homem errado por tantos anos. Ela queria ferir Eoin. Queria fazê-lo pagar por tudo que lhe fizera com algo a que ele dava valor. Principalmente pelo que ele fizera a Fergus, mas também por ter mentido para ela e a vendido para Reid como se fosse um cavalo em sua “barganha”. Bem, talvez ela devesse conduzir sua própria barganha. Uma que vingasse a morte de Fergus e protegesse as pessoas a quem amava. Eoin não se importava com ninguém além de si mesmo, mas havia algo que ele valorizava mais do que qualquer quantidade de ouro: a liderança do clã. Robbie se estendeu nesse pensamento. Será que Reid abriria mão de sua vida ali para tomar a liderança de Eoin se ela lhe pedisse? Robbie não sabia quanto tempo ficara meditando, mas quando seus olhos se abriram, ela encontrou Pomba Negra e suas irmãs assomando sobre ela com os pincéis nas mãos. Elas já estavam vestidas em suas saias e usando seus colares, mas novos ornamentos enfeitavam seus corpos. 94

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Robbie se sentou, penteando o cabelo com os dedos, e estudou a arte que adornava a pele das mulheres. Marcas marrom-avermelhadas que lembravam finas luvas de renda cobriam as mãos delas. Espirais de minúsculas flores brancas e ervas pendiam de seus pés e tornozelos. Pássaro Canoro portava uma gargantilha pintada que ia até abaixo da linha dos seios, e o umbigo de Pomba Negra estava enfeitado com um sol intrincado. — Eu me sinto como um morcego entre as borboletas — Robbie gracejou, e sentiu-se ainda mais inferior quando elas assentiram, concordando. — Serpente Branca disse que você é parente da deusa guerreira do fogo — explicou Pomba Negra. — Itzpapalotl aparece na forma de uma borboleta com garras nos sonhos de alguns homens. Ela tem asas com espinhos de obsidiana nas bordas e... — Espinhos de obsidiana? — interrompeu Robbie. — Uma borboleta com garra, como um morcego? — Naquele momento, ela percebeu que Reid havia batizado seu navio em homenagem a ela, mas em vez de se sentir lisonjeada, sentiu-se horrorosa. Nenhuma mulher gostava de ser comparada a um morcego. — Eu não quero parecer um morcego para Serpente Branca. — Podemos deixá-la linda. — Pássaro Canoro abriu um sorriso inocente, mostrando um potinho dourado de tinta. Elas lhe ofereciam um presente, e a tentação de aceitar era grande demais para negar. Robbie nunca havia tratado sua pele com cremes e óleos. Raramente decorara seu cabelo com fitas, e nunca tivera recursos para se vestir de acordo com a moda. Pela primeira vez em sua vida, queria estar bonita. — Vocês acham que eu poderia seduzi-lo com pinturas de borboletas? A empolgação que tomou conta do rosto de Pomba Negra deixou Robbie um pouco nervosa. — Se você está pensando em sedução, devemos começar com a pedra.

Capítulo XIV

O VENCEDOR Bem, aquela era uma sensação totalmente nova. As pernas de Robbie pareciam geladas. Sua virilha recém-depilada formigava sob as roupas, enquanto ela seguia as outras mulheres através de uma floresta repleta de sons. O crepúsculo as guiou de volta para a vila, bem como o cheiro de carne assada, e a cada passo que ela dava, sua apreensão aumentava. As mulheres tinham passado horas pintando sua pele com desenhos intrincados que imitavam a estampa de seu vestido amarelo. O mais sensual era uma vinha que contornava seu pescoço e caía entre os seios. Pássaro Canoro tinha penteado o cabelo de Robbie em uma 95

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pilha de cachos e trancinhas que davam uma pista dos desenhos pintados em suas costas. Aquilo era para ser uma tentação, uma canção de sereia para atrair os olhos do homem desejado e provocá-lo com os mistérios do que jazia sob o vestido e o espartilho. Ela não sabia se possuía a paciência para seduzir Reid, mas estava empolgada com a ideia. Um tambor soou à frente delas e rapidamente acelerou para uma batida febril. — A celebração começou — Pomba Negra informou, olhando para trás. — Devemos nos apressar. Robbie segurou as laterais de sua saia, correndo atrás das mulheres até entrarem na vila e se apresentarem em fila única diante do rei Jaguar. Ele usava uma tiara decorada com penas coloridas, sentado sobre um trono coberto de metros de seda vermelha. Embora Robbie não conhecesse todos os costumes do povo mopán, estava habituada com as regras do respeito. Os tambores pararam, mas o coração de Robbie tomou o lugar deles em seus ouvidos. Ela resistiu ao impulso de se virar e procurar Reid, sabendo que primeiro deveria homenagear o chefe do clã. Ele olhou para suas filhas com indiferença, mas seus olhos negros se demoraram sobre Robbie por um longo instante antes de finalmente abaixar a cabeça, liberando-as para se juntarem às festividades. Os tambores voltaram a tocar, e Robbie soltou o fôlego que estivera prendendo. — Quando papai premiar o vitorioso da caçada, siga o exemplo de Pássaro Canoro durante o ritual. Pomba Negra apertou a mão de Robbie, apoiando-a, e seguiu Dançarina do Riacho e Corça Gentil contornando uma enorme fogueira cujas chamas pareciam lamber o céu estrelado. Robbie vasculhou a multidão. Cara Azeda olhou para ela com... Bem, com cara azeda. Duncan e Cocijo sorriram e acenaram. Jean-Pierre sorriu e deu uma piscadela. Então ela viu Eoin, e a expressão de desgosto curvando seus lábios era sem dúvida dirigida a ela. Um mês antes, Robbie teria ficado envergonhada pela óbvia repreensão de sua aparência, mas naquela noite sentia apenas uma satisfação imensa. Robbie desviou o olhar do dele e procurou por Reid, mas antes que pudesse localizá-lo no meio dos nativos que agora dançavam ao redor do fogo, Pássaro Canoro agarrou sua mão e a guiou na direção de um palco elevado à direita do trono do rei Jaguar. Tigresa Selvagem estava deitada de bruços em uma pilha de almofadas de seda vermelha, e não se moveu para dar lugar a elas até que o rei Jaguar deu-lhe uma ordem em seu idioma. Robbie não sabia o que havia feito para merecer tanto desprezo da mulher, mas não tinha nenhuma vontade de passar a noite na companhia dela. — Sentem-se — ordenou o rei Jaguar, e antes que ela pudesse fazer uma careta, Pássaro Canoro puxou-a sobre uma almofada. — Devemos nos sentar aqui — informou ela em voz baixa. — As filhas solteiras do rei Jaguar sentam-se à sua direita até que um homem se prove digno de nossa companhia. 96

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— Mas eu não sou filha dele — protestou Robbie. — Você é sua convidada de honra. — O olhar de Pássaro Canoro vagou pela multidão, e ela se sentou sobre os calcanhares, brincando com seus colares. — Eu estou bonita? Tigresa Selvagem revirou os olhos e bufou. Era fácil detestar aquela mulher. — Você está linda. Pássaro Canoro jogou os longos cabelos sobre o ombro, prendendo-os atrás das orelhas. Por que ela estava subitamente nervosa, Robbie não fazia ideia, até seguir o olhar da mulher. Reid adiantava-se na direção do rei Jaguar com Oscar e Henrik atrás dele, carregando uma bandeja de madeira cheia de dinheiro. Os dois homens, descalços, vestiam calças bege com colares turquesa sobre os peitos desnudos, e enquanto Reid era absolutamente lindo, o sorriso de Henrik compensava seu físico desprivilegiado. De fato, aquele sorriso não desapareceu em momento algum durante a conversa entre Reid e o rei Jaguar. — Ah ma’na’at k’ek’en — murmurou Tigresa Selvagem, em tom sardônico. Pássaro Canoro olhou feio para a irmã, mas sua resposta silenciosa acabou quando a filha mais nova do rei Jaguar voltou seu olhar acanhado para Reid e Henrik. Foi então que Robbie percebeu que o sorriso de Henrik não era para ela, e sim para Pássaro Canoro. A moça tímida baixou os cílios negros, espiando Henrik sob eles. — Você gosta de Henrik? — A pergunta de Robbie saiu com mais energia do que ela havia pretendido. Pássaro Canoro franziu a testa. — Ele não é bom? — Ele é inglês. — Inglês não é bom? Robbie a encarou, boquiaberta. Aquele povo não tinha a menor noção da guerra no continente. Não tinha nenhum preconceito contra os ingleses ou qualquer outro país. A despeito de quão estranho isso era, quem era ela para ficar entre duas pessoas que se gostavam? — Não, Henrik é bom. O rosto de Pássaro Canoro se iluminou por alguns segundos, antes de ela voltar a se remexer. Depois de ganhar o consentimento do rei Jaguar, Reid e Henrik se aproximaram. Tigresa Selvagem sentou-se ereta, o que empinou seus seios já volumosos, mas nem Reid nem Henrik lhe deram atenção. Oscar sentou-se sobre uma almofada redonda e começou a se banhar, enquanto Henrik iniciava uma conversa com Pássaro Canoro. Reid posicionou-se atrás de Robbie, de costas para Tigresa Selvagem, excluindo-a totalmente do círculo deles. Talvez fosse errado, mas Robbie se encheu de confiança. — Você fez amizades? — O olhar de Reid seguiu o desenho ao redor do pescoço dela, acompanhando-o até os seios, quase expostos pelo corpete. Um arrepio percorreu a coluna de Robbie. — Pomba Negra e as irmãs dela me levaram até a lagoa para me banhar e me preparar... A expressão de sofrimento de Reid a interrompeu, e ela tocou seu antebraço. Os 97

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músculos saltaram sob seus dedos. Uma sensação de realização a fez rir, ao perceber que a imagem dela nua na lagoa era a responsável pela reação dele. Uma, certa malícia a deixou mais ousada. Ela não tinha passado o dia se preparando mentalmente para uma sedução apenas para se sentar diante do homem e piscar-lhe com timidez. Robbie inclinou-se para perto dele, inalando seu odor limpo e exótico. — Você tem um cheiro gostoso. — Você também — ofegou Reid. — Acho que é o sabão que Pomba Negra levou para a lagoa — murmurou ela, no ouvido de Reid. Mas ainda não era o bastante, e ela prosseguiu: — Ou talvez você esteja sentindo o cheiro do creme que passei depois de ter usado a pedra. Reid respirou fundo. — Você usou a pedra? — A voz dele estava trêmula. — Sim. — Ela soprou no ouvido dele, e olhou na direção da aglomeração, onde Eoin se encontrava, de braços cruzados, encarando os dois. A posição dele apenas encorajou o comportamento de Robbie, que contornou a orelha de Reid com a ponta do nariz. — Você deveria ter me contado sobre os hábitos de banho das mulheres mopán em suas aulas. Tem alguma ideia de como é delicioso sentir sua pele completamente nua no seu... — Robbie! — Reid pegou uma tigela de amendoins da bandeja que Henrik tinha colocado ao lado dela e colocou-a nas mãos de Robbie. — Quer? — Ele jogou um punhado na boca, mastigando com voracidade. Robbie achou encantador aquele nervosismo. — Você tem chocolate também, por acaso? — Ela lambeu o lábio superior lentamente. Um músculo saltou no maxilar dele. — Não. Ah, ela iria se divertir no processo... Faria o homem concordar em liderar o clã antes que raiasse a aurora. Outra vez, olhou para Eoin. E você não vai ter nada. — Mas ele jurou — Pássaro Canoro choramingou ao lado deles. Henrik a calou, mas ela voltou um olhar duro para Reid. — Você disse que Henrik era o próximo. Você jurou! O rosto de Reid mostrou sua compreensão. — Perdoe-me, Pássaro Canoro. Faz alguns meses. Eu tinha me esquecido de meu juramento. — Vai haver outra caçada — Henrik assegurou, mas seu desapontamento era tão evidente quando o da moça. — Você é egoísta! — Ela lançou o insulto para Reid, depois apoiou o queixo nas mãos e ficou amuada. Antes que Robbie pudesse consolá-la ou perguntar o que havia acontecido, o rei Jaguar levantou-se de seu trono. Os tambores pararam, os nativos se calaram. Com os braços erguidos para o céu, o líder agradeceu aos deuses por suas bênçãos. 98

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Então ele observou seu povo. — Vitorioso da caçada, levante-se e adiante-se. Tigresa Selvagem ficou de pé, bem como Pássaro Canoro. Robbie as imitou, confiando nas instruções para seguir os atos de Pássaro Canoro até o final do ritual. Os olhos de Reid se arregalaram, encarando Robbie. — Sente-se — ele exigiu, os dentes cerrados, enquanto Eoin se colocava em frente ao líder. O rei Jaguar gesticulou na direção de suas filhas e de Robbie. — Escolha. — Escolher? — ecoou Robbie em tom de indagação, olhando para Pássaro Canoro em busca de uma explicação. — O vitorioso da caçada é recompensado com uma companhia para a noite. — Ela olhou para Reid, as sobrancelhas delicadas refletindo sua confusão. — O vitorioso é sempre Serpente Branca, mas ele prometeu que Henrik seria o próximo. Robbie engoliu em seco ao ver os lábios de Eoin se contorcer em um sorriso feio. — Estou curioso, primo. — Eoin cruzou os braços sobre o peito nu e virou-se para Reid. — Quando você me encorajou para impressionar o líder completando a matança, fazia parte do seu plano que Robbie estivesse disponível entre minhas escolhas? — Você pode recusar a oferta dele — Reid apressou-se a explicar. — E insultar o rei Jaguar? Acho que não. — Eoin aproximou-se, olhando Tigresa Selvagem descaradamente, depois se concentrou em Robbie. Deslizou o dedo pelo pescoço dela e sobre sua espádua. — O que me diz, Robbie? Faz muito tempo... Ela recuou daquele toque repulsivo, sentindo a náusea subir até a garganta. — Eu prefiro arrancar meus olhos com minhas próprias unhas do que servir de companhia ao homem responsável pela morte de meu irmão. Eoin fungou, os olhos se voltando rapidamente para Reid antes de retornar para Robbie. — Eu protegi o clã, como era meu dever. — Você protegeu a si mesmo, e eu o odeio. — Nós fizemos um trato. — Reid chegou mais perto, as narinas se alargando, a respiração acelerada. — É verdade, primo, fizemos — concordou Eoin. — E confio que você vá cumprir sua parte. — Ele pegou Tigresa Selvagem pela mão e a levou através da multidão. Robbie suspirou e os tambores reiniciaram. Quando Pássaro Canoro se afastou de Robbie para juntar-se à sua família, Reid tomou o lugar dela e abriu a boca, mas Robbie levantou a mão para impedi-lo. — Por que você deixou que Eoin matasse o animal, sabendo o que o rei Jaguar iria oferecer? Reid enfrentou o olhar dela com a mesma intensidade, mas conteve-se. — Responda-me, e não minta. — Ela cruzou os braços e bateu os pés, cansada de se sentir diminuída por causa daquela barganha entre eles. 99

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— Eu não esperava que você estivesse entre as opções. Você está determinada a se sacrificar para salvar o clã. Eu pensei que seria melhor para você se soubesse o que a espera na volta à Escócia. — Você acha que eu continuaria leal a ele depois do que ele fez a Fergus? — Eu não sabia se você tinha acreditado em mim. Estaria ela sendo tola em acreditar? — Você mentiu? — Não. — Então seus esforços para manchar o caráter de Eoin são desnecessários. Eu já sabia que ele era um sem-vergonha. Você não conseguiu nada com sua tramoia, exceto me diminuir em frente ao seu clã e quebrar uma promessa feita a Pássaro Canoro. — Perdão. — Ele olhava para os próprios pés. — Não era minha intenção. — Ele recuou humildemente até o rei Jaguar e fez uma reverência. — Muito agradecido por sua generosidade, B’alam. O rei Jaguar pousou a mão sobre a cabeça de Reid. — Durma bem, meu filho. Reid chamou Oscar para segui-lo, pegou um pernil descarnado da anta, e desapareceu no caminho escuro para a floresta. Robbie desejou que ele tivesse matado o animal e escolhido a ela para sua companhia durante a noite. Desejava que ele a considerasse inteligente o bastante para negociar com ela em vez de com Eoin, mas não era esse o caso. Tornou a se sentar sobre uma almofada e tentou pegar um cacho para ficar brincando, mas não havia nenhum solto. O rei Jaguar deixou seu trono, sentou-se ao lado de Robbie e empurrou a bandeja de comida à frente dela. — Coma. Ela lançou-lhe um olhar zangado, mas pegou um pedaço da fruta rosada em sua boca e mastigou. Por longos momentos ele não falou nada, mas Robbie sabia quais seriam suas palavras antes que ele as dissesse. — Serpente Branca precisa de uma mulher. Robbie riu, chocada com a franqueza dele. — O senhor parece ter; várias aqui. Talvez devesse dar uma a ele. — Serpente Branca recusou minhas filhas. Seria do gosto de B’alam se Mão-Cheia de Semente fosse mulher de Serpente Branca. Maldito, fosse aquele homem e seus nomes ridículos! — Meu... Nome... É... Robbie. E eu não pertenço a homem nenhum — ela revidou, por entre os dentes. A risada do rei Jaguar a fazia lembrar-se da do avô; um riso exuberante, com a boca escancarada. — O senhor se parece muito com Corvo Negro. Era difícil permanecer brava ante aquela risada. 100

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— Ela era uma de suas mulheres? — Ela foi minha única mulher. O que vocês chamariam de minha rainha. — Ele retirou seu cocar e se serviu de um pedaço suculento de carne. — Os Kekchí a levaram. Robbie inclinou a cabeça, curiosa. — E por que vocês não lutaram para trazê-la de volta? — Nós lutamos, mas os Kekchí eram em número muito maior que os mopán. Eles capturaram minha mulher e Pomba Negra para me esgotar. — Ele falava mais baixo agora, a expressão impenetrável caindo e as emoções aparecendo em seu rosto. — Serpente Branca salvou Pomba Negra, mas perdeu seu pai na batalha. E eu perdi Corvo Negro. O coração de Robbie amoleceu. O rei Jaguar tinha a mesma expressão de tristeza que o avô usara por anos depois que a febre levara sua avó. — Lamento muito por sua perda. Ele piscou lentamente, baixando a cabeça em agradecimento. — Os deuses nos dão poucos dias. Não os desperdice. Seu espírito vai ficar solitário para sempre na pós-vida, se sua única companhia for à amargura. Se o rei Jaguar não tivesse se levantado e saído, Robbie poderia ter dito que não precisava de companhia, mas seria mentira. Ela abraçou os joelhos e assistiu aos nativos entrando lentamente em suas cabanas, aos pares. Um anelo familiar à fez pensar em Rannoch. A raiva substituiu o desejo em um instante. Ela desperdiçara seus sonhos com Eoin e suas mentiras. Claro, também estava cansada de passar cada momento amarga e furiosa, cansada de esconder seu desejo por Reid atrás de uma moral que não lhe dera nada além de frustração. Por que devia ser sempre ela a sofrer? Por que devia ficar sozinha? Eoin com certeza não estava. Robbie se levantou e foi até a trilha, mas parou ao ouvir passos atrás de si. Jax estava ali, com uma tocha em uma das mãos e um facão na outra. Ele deu-lhe um sorrisinho. — Jax vai mostrar o caminho. Ele a guiou em silêncio de volta à praia, onde seguiram os passos de Reid e Oscar por um trecho da praia. O oceano murmurava à esquerda de Robbie, e as criaturas noturnas gritavam à sua direita. Ela parou por um instante, enganchando a mão no braço de Jax. — Jax vai proteger você — assegurou-o, depois voltou para a selva. Ele a levou através de uma folhagem densa, até que a luz dourada da tocha revelou uma estrutura de madeira vinte vezes maior do que as da vila. Talvez fosse um lugar de reuniões. Era estranho, na verdade. Sete construções redondas de alturas variadas formavam um círculo ao redor de um enorme moinho de vento que se erguia no centro. Velas de seda vermelha giravam sem parar, iluminadas por uma maré de luz vinda de baixo. — Esta é a sua igreja? Seu lugar de adoração? — A pergunta saiu sem fôlego, do mesmo jeito que Robbie se sentia ao olhar para aquela exuberância. Jax balançou a cabeça, parecendo perplexo com a pergunta. — Esta é Rukux... O lar de Serpente Branca. Ele construiu isso tudo para você. 101

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— Para mim? — Robbie quis confirmar, vários momentos depois, mas Jax já havia desaparecido de novo na floresta. Ansiosa para explorar, ela seguiu um caminho de pedra que atravessava um pequeno pomar. Grandes amontoados de orquídeas se acumulavam sob cada árvore, enchendo o ar com sua doçura encantadora. Ele construiu isto para mim. Robbie sorria por dentro e por fora, lisonjeada pela extrema beleza daquele paraíso. Entretanto, uma parte dela esmoreceu, imaginando se Reid abriria mão daquilo tudo para voltar com ela para a Escócia. Abriu caminho até a menor das sete torres. Nenhuma porta impediu sua entrada, e apenas uma tocha iluminava as paredes cheias de uma variedade de armas: lanças, facões, espadas curvas, adagas curtas e várias pistolas. A luz da tocha a guiou por uma segunda porta, que dava para um aposento redondo, muito maior que o primeiro. Uma lareira estava acesa ali, iluminando a área para sua inspeção. Um aparelho desconhecido para ela girava no teto alto. Palha feita de palmeiras trançadas girava, conectadas a um eixo que não parava o movimento nunca, renovando o ar no interior do local. No centro do aposento, havia duas poltronas enormes, uma púrpura, outra vermelha, ambas fofamente estofadas. Era como um salão nobre, construído apenas para dois. Reid estava na poltrona vermelha, de costas para ela, a mão apoiada nos braços. Uma delas segurava um palito de onde saía fumaça, na outra ele girava sem cessar sobre os nós dos dedos. Ele encarava a poltrona vazia à sua frente, e ergueu o palito até o rosto. Robbie sabia, com certeza absoluta, que a poltrona púrpura lhe pertencia. Ao lado de cada uma delas havia uma mesinha; a dela estava vazia, a dele, cheia de quitutes. Uma tigela de madeira fez os lábios dela se curvar; o homem era mesmo louco por amendoins. Ela achou que devia anunciar sua presença, mas não quis quebrar o silêncio ou acordar o pássaro multicolorido pousado sobre outra porta. Quando ela passou pela visão periférica de Reid, ele deu um pulo, espantado por vê-la ali. Os músculos de seu peito nu saltaram quando ele se virou, tentando olhar para trás. — Diga que você não veio sozinha. Robbie sorriu, sabendo que a brusquidão vinha da preocupação constante de Reid com seu bem-estar. — Jax me trouxe. — Gesticulando para a poltrona vazia, ela perguntou: — Posso? Reid assentiu, mas não acrescentou mais nada, o que era estranho, dado o hábito dele de sempre puxar conversa. Robbie encostou os joelhos aos dele no esforço de se ajeitar em seu assento, mas não se podia simplesmente se sentar em uma poltrona como aquela. Ela se curvou no espaço enorme, encolhendo as pernas junto ao peito. O assento era muito macio e cheirava a flores. Reid a encarou, permanecendo em silêncio e girando as moedas. Um mês antes, ela poderia se sentir intimidada pelo intenso olhar prateado, mas não naquela noite. Naquela noite, ela queria o olhar dele. Queria sentir a leve tontura que a acometia sempre que era alvo 102

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de toda a atenção de Reid. Ele levou o palito fumegante até os lábios e tragou até a ponta brilhar, alaranjada. Reid piscou, mas seu olhar nunca deixou o dela. Ele exalou a fumaça densa e umedeceu os lábios sensuais. Excitada pelos gestos dele, Robbie engoliu em seco, remexendo-se na poltrona. Seus mamilos enrijeceram, como que em antecipação. Robbie resistiu ao impulso de voar para cima de Reid e preparou-se mentalmente, abraçando os joelhos com mais força. Ela era um fracasso como sedutora. Não sabia se devia pedir a ele para liderar o clã antes ou depois... E, definitivamente, haveria um depois. A ideia a deixou borbulhando de excitação. Mas ela não tinha paciência para muitas, preliminares. Uma falha, sem dúvida inculcada nela, pelos atos sempre apressados com Eoin. A expressão fechada de Reid parecia relaxar a cada tragada que ele dava. — Posso experimentar? Ele obviamente se espantou com o pedido, mas passou o palito para ela, sem discutir. Depois de analisar o objeto, ela experimentou a ponta, úmida com a saliva dele. Era um sabor contraditório, ao mesmo tempo doce e amargo. Imitando os gestos dele, Robbie tragou, puxando o calor insuportável para o interior de sua boca. A fumaça pesada à fez tossir incontrolavelmente. — É uma diversão masculina. Reid adiantou-se e estendeu a mão, mas ela ô impediu, determinada a tentar de novo. Dessa vez, a fumaça rolou sob sua língua como um líquido. Era ousado, estimulante, e ao mesmo tempo calmante. Robbie soltou a fumaça e repetiu o processo, mais umas quatro vezes. A risada de Reid soou deslocada, em contraste com o riso nervoso dela. — Estou fazendo errado? Ele balançou a cabeça, o encantador sorriso meio de lado ainda ali. — Eu me sentei aqui várias noites imaginando você nessa poltrona. Eu a vi escovando seu cabelo, lendo, comendo uma fruta, mas nunca pensei em vê-la fumando um charuto. — Então eu o desapontei? — Ela fez um biquinho. — Não, — respondeu ele, o tom rouco, sedoso... Controlado. Ele se recostou e pousou a moeda sobre a mesinha. Conferiu a tigela vazia, franziu a testa e olhou para os abrigos antes de observá-la de soslaio. — Será que eu posso pegar meu charuto de volta? O controle ferrenho de Reid a irritou. Ela queria que ele perdesse o juízo como fizera no navio. Pensar nos dedos dele tocando-a, levando-a ao êxtase, fez com que seu ventre se contraísse. Seu sexo nu formigava, ansioso, uma sensação ao mesmo tempo quente e gelada que a fazia estremecer. Ele estendeu a mão, esperando, mas em vez de simplesmente entregar o charuto, ela saiu de sua poltrona e ficou em frente à Reid. — Podemos dividir. Robbie inclinou-se para frente, equilibrando-se com uma mão no ombro dele, e sentou103

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se sobre uma das coxas de Reid. Seus joelhos se afundaram na almofada da poltrona, e sua feminilidade faminta encaixou-se nos músculos rijos. Com insolência, ela esmagou o quadril contra ele, dizendo-lhe sem palavras que seu autocontrole era indesejado. Reid aspirou o ar com um som sibilante. Seus músculos se contraíram, os dedos agarrando os braços da poltrona, afundando ali. Ela não precisaria seduzi-lo. Podia dizer pela sua expressão de dor que ele a desejava, mas será que a queria o suficiente para desistir de sua vida no paraíso? Ela tragou o charuto, levando a fumaça para o interior de sua boca, depois abriu os lábios e delicadamente soprou a fumaça sedosa dentro da boca de Reid. Os lábios de ambos se roçaram. Robbie sustentou o olhar dele, esperando que ele a beijasse, o que não aconteceu. Aqueles olhos prateados se tornaram duros. Ele arrancou o charuto da mão dela e o apagou em uma bandeja de vidro sobre a mesinha. Seus dedos se engalfinharam nos cabelos presos de Robbie e a puxaram para trás. — Suas mudanças de humor são de enlouquecer. Ah, sim, ela concordou em silêncio. Quando estava com ele, suas emoções normalmente se digladiavam, mas não naquela noite. — Eu deixei meu mau humor na vila. Você faria bem em se aproveitar disso. Robbie girou o quadril sobre ele, consciente do que queria, do que ambos queriam. Ela estava em chamas, à temperatura aumentando perto de seu centro, fazendo-a perspirar entre os seios. Seus mamilos, intumescidos, forçavam contra o espartilho rígido. A sedução que fosse às favas, Robbie precisava dele e precisava agora. Ela se moveu contra a restrição que Reid impunha a seu cabelo, gostando da dor um pouco mais do que devia. A força com que ele a segurava diminuiu, dando a ela a liberdade de que precisava para beijar-lhe o pescoço. Enquanto se banqueteava na pele levemente salgada, os dedos dela passavam por aquele abdome esculpido, parando para notar que a pele sob o umbigo de Reid estava tão lisa quanto seu queixo barbeado. — Os homens mopán se depilam do mesmo jeito que as mulheres? Ele assentiu, sua respiração áspera. Robbie viu os músculos se contraindo quando começou a desatar os laços que prendiam a calça de Reid. Então, sem aviso, sem galanteios, ela deslizou a mão para dentro, acariciando a ereção de Reid, em toda a sua longa e rija extensão. Lembrando-se do que ele dissera sobre seu nome mopán, ela sentou-se um pouco mais para trás e fechou a mão ao redor dele, e as pontas de seus dedos não chegaram a se encontrar. Apressada, ansiosa para vê-lo sem as roupas, ela puxou a calça mais para baixo. — Santo Loki! As crianças não estavam exagerando mesmo! Argh! Ela tinha dito aquilo em voz alta? Reid gemeu e estremeceu, engolindo em seco. Robbie podia ver uma gota de suor escorrer do pescoço de Reid, rolando pelos vales e montanhas de seu peito, mas ele não respondeu ao seu elogio involuntário. Na verdade, ele já não falava nada fazia algum tempo. Talvez não conseguisse. — Reid — ela sussurrou, tentando chamar-lhe a atenção. Os olhos dele se abriram, escuros de desejo. Robbie abriu um sorriso atraente, com a 104

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intenção de acabar com a resistência dele de vez. — Você se depila como os homens mopán? — indagou, inocentemente, mas não lhe deu tempo para responder, mergulhando a mão na calça dele. Nenhum pelo atrapalhou sua passagem. Quando os dedos de Robbie alcançaram os testículos de Reid, descobriu-os tão liso e macio quanto todo o resto. Ela acariciou aquele local tão sensível, desfrutando a sensação do poder que exercia sobre ele. Ele gritou, um som rouco, áspero, dolorido. O pássaro, do qual ela se esquecera completamente, assustou-se e voou por uma janela aberta. — Robbie... Há muito tempo eu não me deito com uma mulher. A confissão dele agradou-a, embora causasse a Reid uma grande e visível agonia. Veias grossas saltavam em seu pescoço e seus braços, e ela tinha certeza de que ele iria rasgar a poltrona em que se encontravam. Ah, ele estava quase lá. Robbie aproximou-se da orelha dele, mordendo o lóbulo. Talvez, se sussurrasse o que queria dizer, as palavras não soassem tão audaciosas. — E mesmo assim, você não faz nada para aliviar sua dor... Robbie esfregou-se contra a coxa dele, acariciando-lhe o membro ao mesmo tempo. — Estou úmida... — Ela o acariciou de novo. — Estou consentindo... — Passou dois dedos sobre a ponta do sexo de Reid, espalhando a umidade presente ali por toda a pele macia. — E quero você bem fundo dentro de mim. — Deus do céu, mulher! Por que você veio aqui? — Reid segurou-lhe o pulso, apertando até que Robbie o soltasse. A pergunta a espantou. Ele não podia ser tão estúpido assim. Ela se levantou, tirou o vestido por cima da cabeça e o jogou no chão. Lutar contra o espartilho era uma batalha perdida, e ela tinha toda a intenção de esconder seus seios pequenos por quanto tempo conseguisse. Robbie subiu na poltrona com ele, colocando um joelho de cada lado de seus quadris. — Eu acho que é meio óbvio, não? — Segurando a barra da saia, ela deslizou seu sexo sobre o dele. Ah, que delícia... O encaixe era perfeito para provocar, sem chegar a satisfazer. Reid apertou-lhe as nádegas com força, impedindo seus movimentos. — Você acha que eu viajei até a Escócia porque queria que você atendesse às minhas necessidades? Eu quero fazer amor com você. Quero que todos os nossos beijos tenham um significado maior. Quero você para sempre, Robbie, não só para esta noite. Ela tentou absorver as palavras dele, mas a fome que a consumia exigia satisfação. Agarrando-se aos ombros de Reid, retorceu-se nos braços dele o suficiente para se erguer sobre a ereção dele e iniciar uma penetração. Seus músculos internos se contraíram, sôfregos, mas ele ainda não lhe dera o suficiente. — Eu quero que você seja minha mulher, minha esposa. — Ele a soltou apenas o bastante para ela começar a se mover, subindo e descendo, de novo, de novo... Ah, era 105

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perfeito, mas ele a impediu antes que Robbie tivesse metade dele dentro de si. — Eu quero derramar minha semente dentro de você; várias e várias vezes, até plantar uma criança em seu útero. Uma onda de raiva afogou a luxúria de Robbie. — Não vou negociar com a vida do meu filho que ainda nem nasceu. — Ela começou a se levantar, mas ele a segurou no lugar. — Mas está disposta a negociar. Você sabe o que eu quero. Diga-me o que você quer. — Eu quero que você lidere o clã. Reid a fitou boquiaberto, mas antes que pudesse falar qualquer coisa, um rosnado feroz soou à direita deles. Reid arregalou os olhos. — Não se mova. As mãos dele apertaram-na com força, marcando sua pele macia. O medo estampado no rosto dele á assustou, mas nem tanto quanto o rosnado ameaçador a poucos metros de distância. Pelo canto do olho, Robbie viu pelos dourados e rosetas pretas. — É só o Oscar — murmurou ela, sem convicção. Reid negou com a cabeça, quase sem se mover. — Solte-me. Ele acha que você está me machucando — Reid aconselhou, a voz baixa, mas Robbie podia senti-lo tremendo sob ela. Robbie soltou as unhas dos ombros dele, deixando para trás oito meias-luas que rapidamente se encheram de sangue. Ela tinha de olhar, tinha que saber o que estava ali. Virando a cabeça bem devagar, vislumbrou uma fera monstruosa, quatro vezes maior que Oscar. Era mais musculoso, mais feroz, e muito mais ameaçador. E ela olhou diretamente para Robbie, depois escancarou a bocarra e rugiu. Aterrorizada, Robbie tremia. — Outro de seus amigos? — indagou, esperançosa. — Ainda não. A fera avançou na direção deles, a cabeça abaixada, observando-os enquanto se aproximava; então colocou suas patas dianteiras no braço da poltrona e rosnou a centímetros do rosto de Robbie. Robbie recuou, e uma luz branca roubou sua visão por uma fração de segundo. Ela parou de respirar, sentindo o coração de Reid pulsar contra a palma de sua mão. Iria morrer com Reid ainda dentro dela. — Ela é minha. Reid estendeu a mão e afagou protetoramente o rosto de Robbie. Ele sussurrou na linguagem mopán, em uma voz feita para acalentar bebês de volta ao sono. O animal aproximou-se, seus longos bigodes se retorcendo. Sua cauda batia furiosamente de um lado para o outro. Então ele saiu da cadeira, como se tivesse resolvido que Robbie era digna, afinal, e partiu na direção da porta. Parou junto ao osso que Reid havia pegado na celebração, mas pareceu relutante em apenas pegar a oferenda e sair. O último olhar que ele dirigiu a Robbie por sobre o ombro foi sem dúvida um alerta, mas o bicho 106

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acabou pegando o osso entre as mandíbulas poderosas e partiu de volta para a selva. — Santo Loki! — exclamou Robbie, relaxando contra o peito de Reid, o que fez com que ele se afundasse ainda mais dentro dela. Robbie sentiu Reid se mover em seu interior, explodindo em seu ventre. Não! O pânico retornou de súbito. Ela sempre se afastava de Eoin antes do final, levando-o ao clímax com suas mãos. Não queria arriscar uma gravidez, mas agora era tarde demais.

Capítulo XV

RUKUX — Perdoe-me! Ah, Deus, perdoe-me... — Reid abraçou o corpo frágil de Robbie, implorando perdão por ter convidado um predador mortal para a casa deles. — Eu tenho tentado domá-lo, mas ele nunca tinha passado da porta. E se você estivesse sozinha? Kantico teria matado você! Ele estremeceu, apertando-há um pouco mais. — Reid. — Eu vou colocar armadilhas. — Ele ainda estava abalado, o susto recente demais. — Vou colocar redes. Faço qualquer coisa para manter você a salvo. — Reid! — gritou Robbie, empurrando o peito dele. — Eu vou matá-lo, se preciso for. — Ele segurou o rosto de Robbie nas mãos, forçandoa a se concentrar nele. — Kantico é só um dos vários animais letais que vivem em Yucatán. Agora você sabe por que deve ser cautelosa. Você não pode entrar na selva à noite. Eu não vou permitir. — Ei, poupe seu fôlego! Robbie soltou-se do abraço, e o movimento súbito fez com que o membro de Reid se desprendesse dela. Robbie correu na direção da porta, a reação contrária à que ele esperava. Arrumando sua calça de volta no lugar, Reid foi atrás dela até o depósito de armas, onde a segurou pela cintura. — Eu amarro você antes de permitir que saia agora! — Maldito! — Ela o atingiu no peito com os punhos; furiosa. — Maldito seja, vá para o inferno! Você é tão egoísta... — Robbie! — Reid segurou-lhe o pulso quando ela tentou socá-lo outra vez. Os olhos dela estavam tão instáveis quanto sua respiração. — Eu não me importo com o bicho. Você fica aí pregando cautela, e ainda assim derrama sua semente dentro de mim. Eu disse que não iria negociar com uma gravidez. Eu disse! 107

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— Deus do céu! A mulher estava louca. Kantico podia estar arrastando seu cadáver desmembrado para a selva naquele momento, e a teimosa ainda estava conversando sobre barganhas. Era sempre o clã, tudo era sobre o clã. Furioso, Reid a agarrou pela frente do espartilho, arrastou-a de volta para a sala de estar e a empurrou para a poltrona púrpura. — Sente-se e fique quieta! Agora você vai me ouvir. Não vai tentar me seduzir ou negociar com meus sentimentos por você. Robbie não se moveu nem disse nada. Cruzou os braços, o que levou os seios a se empinarem ainda mais, e obedeceu. Sua inesperada submissão fez a mente de Reid girar. Ele encarou os olhos verdes furiosos à sua frente e buscou um meio de explicar sua raiva. Apenas três palavras lhe vinham à mente, repetindo-se sem parar. As únicas que ele queria dizer, mas não podia. Eu te amo. Saindo da poltrona, ele amaldiçoou aquela obsessão. Precisava pensar, precisava de tempo para analisar o que ela lhe pedira antes que Kantico os interrompesse. Andou pela sala ampla, esfregando os olhos e combatendo suas emoções. Claro que ele iria ajudar o clã. Reid faria tudo em seu poder para revogar a proscrição, mas liderar o clã significava deixar Yucatán e todas as pessoas que havia se tornado sua família. Maldita! Ele odiava o modo como Robbie sempre o fazia se sentir egoísta. Odiava sentir uma lealdade maior ao povo mopán do que ao clã. — Estou esperando — exigiu ela, interrompendo seus pensamentos e a andança. — E vai continuar esperando, mulher teimosa, impaciente! — Reid recolheu o vestido do chão e o jogou no colo dela. — Coloque isso de volta. Seus seios me distraem. Derrotado, Reid puxava os cabelos, resmungando. Robbie roubava seu autocontrole e o deixava incapaz de pensar racionalmente. — Nada saiu do jeito como eu planejava — ele confessou. — Imaginei sua chegada aqui totalmente diferente. Eu queria trazê-la até aqui, observando a expressão do seu rosto enquanto passássemos pelas flores que plantei para você. Queria que nossa primeira vez fosse gentil e apaixonada, não uma transgressão apressada, baseada em barganhas. Queria fazer amor com você no quarto que construí para nós. — Os ombros dele se curvaram um pouco mais. — Eu nem beijei você. Reid se sentia como se tivesse apanhado até cair, e então o tivessem chutado mais um pouco. — Reid — murmurou ela, a voz suave, cheia de compreensão. Ele não conseguia olhar para Robbie. Era muito difícil. Em vez disso, olhou para o fogo e prosseguiu, de modo tolo: — Eu não me lembro do dia do seu aniversário nem do nome de sua mãe. Não sei qual a sua comida favorita, nem sua cor predileta. Reid fechou os olhos com força, pensando que estava soando como o garoto 108

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miseravelmente apaixonado por Robbie tantos anos atrás. — Reid... Ela estava atrás dele, os dedos frios tocando-lhe as costas, o que apenas aumentou a dor em seu peito. Robbie ficou em frente a ele e encontrou seu olhar. Os olhos verdes haviam se suavizado, as sobrancelhas delicadas já não expressavam amargura. — Perdoe-me pela minha impaciência. Talvez possamos começar de novo. — Ela afagou o cabelo de Reid. — Eu nasci no nono dia do mês de agosto, e o nome de minha mãe era Mary, o mesmo que o meu. Eu gosto de todas as cores, mas gosto cada vez mais de vermelho. E antes de você voltar, qualquer comida que eu tivesse era a minha favorita. Agora, eu prefiro chocolate. Robbie encaixou a mão no queixo dele, acariciando-lhe o rosto com o polegar. — Temos muito a conversar, mas antes eu gostaria de ver o resto de Rukux. Ainda restam cinco torres; eu tenho certeza de que ficarei impressionada no final. Faça de conta que eu acabei de chegar. Finja que eu sou a mulher que você esperava que eu fosse. Reid beijou a palma da mão de Robbie, mais uma vez desconcertado pela mudança de humor. — Embora me desafie o tempo todo, você é muito mais do que eu sonhava. O elogio de Reid fez os olhos de Robbie se encher de lágrimas, que ela escondeu. Talvez fosse melhor tirar vantagem da submissão dela. — Venha, eu tenho tanta coisa para lhe mostrar... — Segurando a mão dela, Reid a levou através do depósito de armas para o jardim. — Um momento. — Ela o puxou. — Se houver outros de seus “bichinhos de estimação” por aí, eu gostaria de me preparar para as apresentações. Reid riu. — Temos peixes no lago dos fundos, e você já viu Khan, o tucano. — Ele olhou para cima, para as paredes da torre central cobertas de trepadeiras. — Myah deve aparecer em breve. — Quem... Ou melhor, o que é Myah? — Ela é um macaco-aranha com um talento para andar por aí despercebida. Se ela a assustar, não seja muito dura com ela. Myah é um pouco sensível. — Espero que ela seja mais macaco que aranha. Reid fingiu um olhar horrorizado. — Não existem aranhas no Yucatán! Robbie revirou os olhos, sorrindo e sem acreditar nem por um instante na mentira. Mas logo sua expressão mudou de novo. Reid seguiu seu olhar perplexo até a lareira montada no topo da torre mais alta. — Tem outras pessoas ali? Servos? Criadas? — Não. — Então quem acabou de acender aquele fogo? Reid apontou para uma chama amarela saltitando sobre os ramos. O animal segurando 109

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a vela era quase invisível contra o céu estrelado. — Aquela é Myah. É o trabalho de ela acender o jardim à noite. — Você tem uma macaca que anda por aí acendendo tochas? Só pode estar brincando! — Myah é bem paga. Ouso dizer que ela gosta de amendoins mais do que eu. Reid passou o braço de Robbie pelo seu e a acompanhou na direção da despensa, ansioso para mostrar como a roda d’água levava água fresca até as cozinhas e banheiros. — Por que você anda junto com tantos animais? — A dieta deles mantém o lugar livre de insetos, cobras e pequenos vermes. E eles também quebram um pouco o silêncio. — Ele não iria manchar a conversa com detalhes de sua solidão. — É por isso que não existem portas. Oscar quase me deixou louco querendo entrar, depois querendo sair, então eu as removi. — Dá uma sensação de liberdade. — Robbie suspirou. — Sim. Reid passou os dedos sobre os dela, apreciando a companhia, e explicou como o moinho de vento era conectado a uma série de eixos que giravam os ventiladores nos tetos de cada cômodo. Ele falou sobre o número de urucuzeiros que havia derrubado para construir Rukux e como as mulheres tinham passado várias noites de verão tingindo seda para decorar o interior. — É dessa árvore que se produz a tinta? É por isso que tudo é vermelho? — quis saber ela. — Tudo, exceto seu quarto. — Ele beijou-lhe a mão e a posicionou em frente à outra passagem. — Eu queria que o seu fosse especial. Reid prendeu o fôlego enquanto Robbie ia até o meio do cômodo que ele decorara em tons de rosa e girava sobre o tapete de pele, olhando em volta. Ela não reparou na poltrona rosa com um banquinho para os pés na mesma cor, nem nos dois armários cheios de enfeites e vestidos leves. Nem mesmo o berço que ele construíra para o primogênito deles prendera sua atenção. Ela olhava para cima, e um pouco depois, as mãos de Robbie cobriram sua boca. Embora fosse normalmente controlada, ela soluçava de tanta emoção. Os esforços de Reid não haviam sido em vão. Aquela expressão maravilhada era sua recompensa. — Impressionei você? A anuência de Robbie foi lenta, mas seus olhos verdes reluziam com lágrimas de encantamento. Reid sentiu seu corpo se aquecer por dentro, o coração se apertando, desejando. Ele a queria mais do que qualquer outra coisa, mas percebeu que, egoísta, havia sempre pensado nela ali, em Rukux. — É perfeito, magnífico — sussurrou Robbie, enxugando as lágrimas que escorriam pelo seu rosto. Era impossível não se emocionar com aquela demonstração de carinho. Estrelas vivas brilhavam através de um domo circular no teto, como o reflexo na superfície de um lago. Um largo peitoril contornava a circunferência do aposento, e dele 110

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transbordavam juncos verdes e delicados. Era como um jardim de cabeça para baixo, iluminado por uma dúzia de lampiões espalhados a espaços regulares nas paredes sob o peitoril. Mas o que a deixou realmente sem palavras foram às borboletas. Centenas delas se juntavam entre as plantas. A maioria era cor de laranja, mas havia também azuis, amarelas e turquesa. — Elas passam o inverno aqui, e são atraídas pelas chamas. — A voz aveludada de Reid a trouxe de volta para a realidade. — Por quê? — Robbie suspirou, maravilhada. Ninguém nunca lhe dera tamanho presente. — Quando o clima fica frio nas outras partes do mundo, elas se juntam... Robbie balançou a cabeça, silenciando-o. Não queria outra de suas aulas. — Por que você as atrai para cá? Para este quarto? Reid foi até ela, tomou sua mão e acariciou-a entre as suas. — Você não se lembra das borboletas que eu lhe dei quando você era uma menina? — Eram mariposas. E eu nunca soube por que você me presenteava com elas. Ele a encarou por um longo momento antes de levar a mão dela aos lábios e beijar-lhe o pulso. — Quando você era um bebê e eu tinha seis, talvez sete anos, meu pai me levou até o chalé em Glenstrae onde você vivia antes de se mudar para a fortaleza. Era verão e Fergus queria caçar sapos, mas eu queria ficar olhando sua mãe ninar você sob a sombra de um salgueiro. Toda vez que ela tentava soltar você, você acordava e chorava. — Vovô sempre diz que eu já nasci geniosa. A concordância de Reid veio rápido demais para o gosto dela. — Prossiga. — Ela estava gostando tanto da história quanto do modo como ele continuava afagando seu pulso com o polegar. — Sua mãe me perguntou se eu podia segurar você para que ela pudesse cuidar de suas tarefas. Você era tão pequena, delicada e preciosa... Seus lábios eram de um rosa avermelhado e tinham formato de coração, do mesmo jeito que são agora. Reid roçou-lhe o rosto com os dedos, fazendo a garganta de Robbie se contrair. — E seus cílios brilhavam como ouro à luz do sol, mas foi à borboleta que pousou na sua bochecha que fez com que eu guardasse tudo isso na memória por tantos anos. Ela ficou ali por vários segundos, batendo as asas devagar e beijando o seu rosto. — Reid deu uma risadinha. — Eu me lembro que tive ciúme da criaturinha. Ele prendeu um cacho solto atrás da orelha de Robbie, mas seu sorriso desapareceu e ele baixou os olhos. — Meses depois que meu pai me levou para longe de você, eu comecei a ter um sonho recorrente. Eu era aquela borboleta alaranjada, mas só tinha uma asa. Eu ficava girando em círculos no chão, indefeso. Não podia voar, e no instante em que parava de girar, eu acordava apavorado. Ela provavelmente deveria ter se mostrado compassiva, mas a imagem de Reid 111

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MacGregor aterrorizado por um sonho que envolvia uma borboleta lhe pareceu engraçada. — Coitadinho — falou, tentando provocá-lo, e caindo na risada. A pele de Reid corou violentamente. — Os antigos maias acreditavam que as borboletas eram os espíritos de guerreiros mortos descendo até nós disfarçados — disse ele, defendendo sua masculinidade com uma lição. — Borboletas simbolizam fertilidade, renascimento e felicidade. — Mil perdões. — Ela tentou acalmá-lo, achando sua sensibilidade encantadora, mas não teve como conter seu sorriso. As rugas entre as sobrancelhas dele se aprofundaram. — Se você prefere zombar de mim, então não vou terminar de contar. Ela mordeu o canto do lábio e conseguiu recompor uma expressão séria. — Continue. Ele suspirou, esperou um pouco e enfim prosseguiu. — Depois que meu pai morreu, o sonho voltou. Jax insistiu que eu fosse visitar o xamã, uma espécie de sacerdote, que interpretou o sonho para mim. O povo mopán acredita que existem dois mundos: o mundo dos sonhos e o mundo desperto. Um ser não pode estar completo até que seus dois mundos estejam satisfeitos. O xamã disse que minha alma estava perdida e que, para que meus dois mundos pudessem existir em harmonia, eu precisava encontrar a outra asa da minha borboleta. Minha gêmea, como ele chamou. — Sua gêmea? — Robbie repetiu, incrédula, esperando que ele fosse chegar ao centro de sua explicação logo. — Dizem que as asas das borboletas são gêmeas, uma idêntica à outra. A borboleta não pode funcionar direito sem as duas, mas há uma terceira parte que deve existir para mantê-la viva: o centro da borboleta, seu coração. Essa parte é conhecida como Rukux. O xamã explicou que, no meu sonho, eu era a metade da borboleta que representava meu mundo desperto, e a parte que faltava, minha gêmea, minha outra metade, era a dos meus sonhos. Ele levantou o queixo de Robbie com a ponta de seu indicador. — Robbie, você é a metade da borboleta que completa meu mundo dos sonhos. Ela ficou olhando para Reid quando ele terminou. Suas palavras eram poéticas e incrivelmente românticas, mas impossíveis, inacreditáveis. Ela já não tinha mais o impulso de rir. Na verdade, o que tinha ouvido a assustara. — Nós não somos gêmeos, coisa nenhuma. Você é um sonhador que pensa demais, e eu sou uma realista. Você é paciente a ponto de irritar. Eu ajo sem pensar. Você é moreno, eu sou loira. Você é amável e sensível, eu sou fria e amarga. Enquanto destacava todas as qualidades que os colocavam em extremos opostos, Robbie se sentia distanciando-se cada vez mais de Reid. Vivia cada dia com um objetivo simples: sobreviver. — Nossas diferenças podem ser algo positivo. Sem você, o Rukux não tem razão para bater. — Ele tinha a mão no próprio peito ao dizer isso. O que ele afirmava era loucura. Reid colocava excessiva fé na menina que havia deixado para trás. Aquela menina de treze anos já não existia mais, e a mulher em que se 112

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transformara nunca poderia corresponder à expectativa dele. — Você é um tolo em acreditar que eu sou sua outra metade só porque uma borboleta pousou em meu rosto quando eu era um bebê. As palavras dela pareceram roubar a alma do corpo de Reid. Ele ficou boquiaberto, os braços pendendo ao lado do corpo. — Foi apenas um sonho. — Um sonho no qual você baseou toda a sua vida. Um sonho que teve tanto impacto sobre você que o fez voltar à Escócia por mim. Você batizou seu navio em homenagem a mim — acrescentou Robbie, olhando para cima, para a divina criação sobre sua cabeça. — Você construiu esse lugar porque acredita que eu vou ser capaz de completar você. E se eu não for sua outra metade? Reid ergueu o rosto ao ouvir aquilo. — E se você for, mas estiver com medo de aceitar? Robbie desviou o olhar, incapaz de suportar o peso do escrutínio daqueles olhos prateados. Contudo, Reid girou-a, forçando Robbie a encará-lo. Seus dedos afundavam-se nos ombros dela. — Ao contrário de você, eu sou sincero com o que sonho. — Eu tenho sonhos — ela disparou, insultada. — Quero libertar o clã da perseguição. Quero que vovô acorde sem dores. Quero que a bebê Alana e todas as mulheres do clã MacGregor tenham uma chance de serem felizes. — Esses são objetivos, e eles estão obscurecendo os seus próprios sonhos. — Isso é bobagem. — Ela tentou se afastar, desconfortável com o assunto, mas Reid a manteve presa no lugar. — É? Você não tem nenhum sonho de infância? Ou o clã também roubou isso de você? Robbie apertou os lábios, levantando o queixo. Ela tinha sonhos, sim, nenhum dos quais Reid MacGregor seria capaz de um dia realizar. — Eu queria me casar com um rei e morar em um castelo — confessou. — Queria dormir em uma cama coberta de sedas coloridas. — Ela o espetou no peito com o indicador. — Você não é nenhum rei. — E tornou a cutucá-lo. — E isto não é um castelo. O sorriso arrogante de Reid disparou a fúria de Robbie. Por que ela ainda seguia com a conversa dele? — Eu poderia ser o seu rei, e Rukux, o seu castelo. — Soltando-a, ele indicou a única porta pela qual ela ainda não tinha passado. — Quanto à cama coberta de seda, talvez você devesse fazer uma visita ao nosso quarto. Robbie só se dirigiu ao aposento porque queria encerrar o assunto. Ela esperava prodigalidade, e não se decepcionou. As paredes estavam recobertas de seda, que se derramava, formando um banco acolchoado que contornava metade do cômodo. O exótico perfume invadindo suas narinas lhe dizia que havia flores ali, mas Robbie não procurou por elas, pois estava com os olhos presos à única peça de mobiliário no quarto: a cama. Aquela não era uma cama comum. Era redonda, coberta em várias camadas de seda vermelha e repleta de almofadas vermelhas e douradas. Uma obra-prima de ouro entalhado pendia do 113

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teto, formando uma abóbada sobre a cama. Dentro dela, um candelabro com velas tremeluzentes revestia o quarto com uma luz dourada. A pele de Robbie se cobriu de arrepios, e ela disse a si mesma que eles eram causados pelo ventilador girando acima deles, mas sabia que isso era uma mentira. Eu poderia ser seu rei, e Rukux, o seu castelo. Ela abraçou o próprio corpo, com medo da tentação. Reid estava lhe oferecendo o Jardim do Éden, e Robbie não sabia se tinha a força de vontade para resistir à maçã. O hálito quente de Reid aqueceu-lhe o pescoço antes que pudesse ouvir suas palavras. — Desta vez, eu pretendo beijar você.

Capítulo XVI

RENDIÇÃO Ele era o demônio encarnado, a serpente convidando Robbie para a árvore da vida. Ela deveria fugir, aos gritos. Robbie se sentia vulnerável, presa e aterrorizada pelo beijo que Reid deu em sua nuca. Embora o desejo fosse fisicamente avassalador, aquilo já não era apenas um ato para aplacar sua luxúria. Reid queria mais do que seu corpo; ele a queria por inteiro, completamente. E uma voz dentro dela a alertou para prosseguir com cautela. Robbie conhecia aquela voz: era a mesma que a havia despido de sua confiança. A mesma voz que a ridicularizara por ser incapaz de manter o interesse de Eoin agora lhe dizia que ela não era a pessoa que Reid criara em suas fantasias. Não era ela a dona da paixão dele. Mas quando Reid a tocou com as pontas dos dedos e beijou delicadamente seu rosto, Robbie deixou de se importar com o que aquela voz irritante tivesse a dizer. Seus olhos se fecharam, e ela mordeu os lábios por dentro para tentar acalmar sua respiração. Seu peito se arrepiou, e um calafrio desceu por suas costas. — Você é um enigma, Mary-Robena Wallace. — Reid encostou os lábios na pele logo abaixo da orelha de Robbie, fazendo seu coração acelerar. — Quer saber por quê? Não. Ela chegou a abrir a boca, mas nenhuma palavra saiu. Ela não queria ouvir as teorias dele, nem receber uma aula, nem conversar à toa. Queria que ele calasse a boca e a beijasse. — Há uma hora, você estava me cavalgando como um animal no cio. — Mais uma vez, ele beijou-lhe a nuca. — E agora está tremendo como uma virgem na noite de núpcias. — Ambos sabemos que eu não sou nenhuma virgem — ela disparou, tentando se virar, mas Reid a manteve no lugar em que estava ao envolver sua garganta com uma das mãos. — Talvez não seja no corpo, mas e na alma? — Os dedos dele escorregaram pelos ombros de Robbie até os botões na parte de trás do vestido, soltando o primeiro botão. 114

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Ela riu. — Você acha que eu estou interessada em ouvir mais daquela conversa sobre borboletas e guerreiros reencarnados? — E no que é que você está interessada? Ela estava interessada em ter aquele homem dentro de si, de forma rápida e brutal. Mas os atos dele indicavam que Reid não tinha nenhuma intenção de avançar com rapidez. A pele de Robbie formigava sob os lábios dele, os seios cada vez mais sensíveis. Na verdade, ela discernia cada pedaço de seu corpo, por dentro e por fora, enviar uma onda de sensações para seu ventre. As atenções de Reid eram embriagadoras, fazendo Robbie se sentir como se derretesse. Seus dedos se fecharam em punhos, com vontade de auxiliar Reid na tarefa de desabotoar. — Você não precisa fazer isso. Eu posso simplesmente puxar o vestido por cima da minha cabeça. — Mas então você perderia o prazer da antecipação. Robbie quase engasgou com aquela resposta. Prazer era o que ela queria; o que a assustava era a ligação emocional que ele buscava. Ele queria sua alma. Ah, sim, o sujeito era um demônio. Quando os botões se acabaram, ele empurrou o tecido sobre os quadris dela, formando um montinho aos seus pés. Só então ele finalmente se pôs frente a frente com Robbie, e a expressão no rosto de Reid tirou o fôlego dela, tamanha a beleza do que viu naqueles olhos prateados. Robbie pressionou as mãos contra o peito esculpido de Reid, desejando sentir o calor da pele dele de encontro à sua. — Quando eu era um garoto, sonhava em beijar você. — Ele encaixou a nuca de Robbie na palma de sua mão e baixou o rosto até o dela. Seus olhos permaneceram abertos enquanto ele sugava-lhe o lábio inferior, mordendo de leve. — Eu não sabia como beijar uma garota, mas queria aprender com você e seus lábios macios. — Dizendo isso, ele deslizou a língua sobre o lábio superior de Robbie. Ela fechou os olhos, abrindo os lábios para Reid em um convite. — Fique de olhos abertos quando me beijar. Quando ela obedeceu, ele finalmente a beijou. A língua quente de Reid penetrou a boca de Robbie como seda líquida. E Reid estava muito distante do rapaz que não sabia como beijar: misturando intensidade e suavidade, ele arrastou Robbie para um mundo de delícias excruciantes onde corpo dela vibrava de desejo. Ela podia escutar seu coração batendo disparado em seus ouvidos e sentir um eco da pulsação entre suas coxas. Era enlouquecedor, mas o que a deixou de pernas bambas foi o fato de o olhar dos dois permanecer colado esse tempo todo, em uma conexão que atingia diretamente seu coração, ameaçando consumi-la. Incapaz de suportar aquilo, ela fechou os olhos, trançou os dedos entre o cabelo dele e puxou-o de encontro a si. Quando ele cedeu ao avanço, ela tentou abrir-lhe a calça. — Não. — Reid pegou-a pelos pulsos, pousando-os novamente sobre seu peito. — Eu esperei muito tempo por isso, e você vai se controlar. Ela fez biquinho, amuada. 115

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— Mas eu não sou tão paciente quanto você. — Então temo que as próximas horas sejam um tanto torturantes para você. Horas? Ela tinha sorte se Eoin durasse minutos antes de se virar para dormir. Ah, de jeito nenhum conseguiria esperar por horas! Seu corpo já estava tenso como um arco de caça recém-encordoado. O perfume exótico de Reid e seu sabor quente e delicioso faziam a pele dela se contrair, sensibilizada. Os mamilos de Robbie estavam tão rijos que era quase doloroso, e seu ventre, agora despido dos caracóis que o protegiam, estava ainda mais alerta para a umidade que Reid fazia correr ali como ninguém mais. Perdida naquela euforia, Robbie não soube por quanto tempo ficou ali, beijando e sendo beijada. Também não percebeu que ele já desfizera todos os laços de seu espartilho, notando apenas quando a peça se afastou de seu corpo. Ela ficou tensa na mesma hora, saindo do abraço dele e fechando os braços sobre a camisa para tentar esconder os seios pequenos. Agora, um calor diferente fazia seu rosto arder. A apreensão e a vergonha a deixavam quase trêmula. Era ridículo, mas seus olhos se encheram de lágrimas e Robbie baixou a cabeça, querendo esconder seu embaraço. Ela não queria que Reid a visse. Ele havia sonhado tudo a respeito dela, e o que estava embaixo do corpete com certeza o deixaria desapontado. — O que foi, amor? O que foi que eu fiz? — A voz rouca estava cheia de preocupação. — Eu não quero isso. — Isso é mentira. — Ele ergueu-lhe o queixo com a ponta do dedo e a gentileza em seus olhos fez com que as lágrimas dela escorressem. — Eu quero vestir o espartilho de novo. Uma ruga franziu as sobrancelhas de Reid. — Por quê? Robbie apanhou a peça rígida do chão e balançou a cabeça, sem saber como se explicar. — Por favor — implorou, segurando o espartilho contra seu corpo. — Eu sou muito mais bonita com ele. A ruga desapareceu, substituída por uma expressão de puro espanto. — Não há nada a em você que eu não ache fantástico. Ele percorreu os ombros de Robbie em toda sua extensão, duas vezes, antes de finalmente baixar as finas alças da camisete, afastando-a. Em seguida, inclinando-se para frente, beijou a pele que estava descobrindo, convencendo Robbie a soltar o espartilho que ainda estava em suas mãos. Talvez fosse melhor que ele descobrisse de uma vez que ela não era a deusa que ele imaginava. — Você vai se desapontar. — Nunca. Reid baixou os braços de Robbie, afastando a última peça de roupa em seu torso a cair até a cintura, e ficou parado, olhando para os seios dela. Umedecendo os lábios, ele ficou em silêncio, o que apenas aumentou a humilhação de Robbie. 116

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Talvez ela pudesse brincar com seus dotes nada generosos. — Fergus sempre me provocava, dizendo que eu iria ganhar peitinhos. Acho que estou esperando até hoje. A resposta de Reid à piadinha foi um suspiro profundo, quase um rosnado. Ele tocou muito de leve o mamilo com a palma da mão. — Eles são perfeitos. — Reid encaixou o seio direito em sua mão, afagando a ponta entre o indicador e o polegar. Robbie podia ouvir a respiração dele se acelerando. — Como pêssegos maduros com pequenas cerejas em cima. A comparação fez Robbie rir, mas quando ele se abaixou para provar das frutas que acabara de descrever, ela quase parou de respirar. Reid sugou-lhe o mamilo para o calor de sua boca e o devorou gentilmente. Sempre com uma delicadeza incomparável, sua língua ia e vinha, contornando a aréola, brincando com a pontinha, até que Robbie estivesse em chamas. Foi nesse ponto em que ele a mordeu. Ela ofegou, buscando o ar que lhe fugia. Aquela mordidinha a excitara de uma forma inaudita. Queria que ele fizesse aquilo de novo. Segurando-o pelos cabelos, Robbie mudou a posição da cabeça de Reid. — Agora o outro — exigiu. E foi prontamente obedecida. Enquanto Reid se deliciava no corpo dela como se estivesse faminto, Robbie notou que estava à beira de um orgasmo. Eoin nunca havia dado nenhuma atenção aos seios dela, e foi só naquele momento que ela percebeu o quanto tinha perdido. Reid acabou de despir a camisa dela puxando-a pelos quadris, e segurou Robbie pela cintura quando suas pernas não conseguiram sustentá-la de pé. Com um dos braços musculosos a envolver-lhe a cintura e o outro a segurando sob o traseiro, ele a carregou até o meio da cama. Em nenhum momento ele separou seus lábios dos seios dela enquanto se ajeitava entre os lençóis cheirando a flores. A seda diminuía o calor nas costas de Robbie, mas não podia evitar a perspiração que já rolava de seu pescoço. Montado sobre as coxas de Robbie, Reid segurou os braços dela junto à cama e passou longos e agonizantes momentos provando-lhe a pele. Ele era apaixonado, carinhoso e a fez sentir-se desejada pela primeira vez. Um mestre no autocontrole, seu ritmo acompanhava o do ventilador no teto, até que algo se passou dentro dele e pareceu mudar tudo. Ele seguroua mais apertado, e seus beijos passaram de gentis a urgentes, exigentes. — Seu gosto me deixa louco... Robbie se mexeu sob ele, arqueando as costas, elevando os seios na direção daquela boca magnífica. A dor que se encontrava em seu ventre havia se espalhado para o corpo todo, e tudo parecia se intumescer: sua garganta, seus seios, seu sexo. — E como é o meu gosto? — Ela se arrependeu de ter perguntado assim que as palavras saíram de sua boca. — Melhor que a mais doce fruta de Yucatán — respondeu Reid, beijando cada uma de suas costelas enquanto falava. — O povo mopán fermenta uma bebida feita com a casca da árvore sagrada balché. — A língua de Reid contornou o umbigo de Robbie antes de mergulhar ali, fazendo a barriga dela se contrair, depois lhe mordeu os ossos salientes dos 117

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quadris. — O balché é viciante. — Ele beijou a borboleta que Pássaro Canoro havia desenhado pouco acima do sexo de Robbie. — Mas eu nunca ansiei pelo sabor do balché como anseio pelo seu... Reid passou a ponta do nariz, vária e várias vezes sobre as delicadas pétalas da feminilidade de Robbie, sua pele nua e surpreendentemente mais sensível. Ela podia sentir o clímax se aproximando no modo como seu corpo parecia se contrair e expandir ao mesmo tempo, em busca de algo que estava quase ao seu alcance. Era como se o círculo luminoso das velas girasse ao seu redor. Robbie queria separar suas coxas e convidá-lo a beber de seu mel, mas o peso do corpo de Reid prendia suas pernas e impedia seus esforços. Reid inalou a essência de Robbie. A ponta de seus dedos afundou-se na carne macia dos quadris generosos dela, mas ele não chegou a passar a língua no lugar em que ela desejava com desespero. Em vez disso, ele levantou-se da cama de um salto. — Deus do céu, eu não consigo me controlar com você! — Ele passou os dedos pelos cabelos, agoniado. — Eu não quero você controlado. — Ela estendeu a mão, agarrando-o pela cintura da calça, e o puxou de volta para a cama, com uma força espantosa. Reid arregalou os olhos. Ela não deu atenção à reação dele; montou sobre a cintura de Reid e segurou-lhe os pulsos na cama. — Se você queria uma virgenzinha tímida e dócil, pegou a mulher errada. — Robbie inclinou-se para beijá-lo, esfregando a parte de seu corpo que a estava enlouquecendo na ereção de Reid. Mas não se demorou nos lábios dele; dali, ela passou para o peito dele, lambendo a pele levemente salgada, saboreando sua masculinidade, mordendo sua pele. — Você é a única mulher que eu sempre quis — ele declarou em uma voz profunda e rouca, a respiração áspera. — E eu estou bem aqui... Então venha. — Robbie tentou de novo abrir a calça dele, mas antes que ela conseguisse, Reid inverteu as posições de ambos, ficou por cima dela e ele prendeu os dois pulsos dela em uma de suas mãos, acima da cabeça dela. — Você é devassa. — Ele beliscou-lhe o mamilo. Robbie se encolheu, e não foi de dor. — Eu estou sofrendo aqui, e não aguento mais esse tormento! — Frustrada, ela se remexeu, tentando se soltar da mão que a prendia como uma algema. Para sua surpresa, Reid saiu da cama e despiu a calça. — Eu mimo você com beijos gentis, e você chama meu jeito de fazer amor de tortura. O suspiro de alívio de Robbie ficou preso em sua garganta quando Reid se virou para ela, encarando-a com olhos escuros. Ele não lhe deu tempo para entender seu humor; em vez disso, puxou-a pelos tornozelos até a beira da cama. — Você me acusa de querer uma virgem tímida e dócil na minha cama, mas posso assegurar-lhe que a mulher dos meus sonhos de maneira nenhuma pode ser considerada dócil ou tímida. — Ele colocou uma almofada redonda sob o traseiro dela, erguendo o ventre de Robbie e trazendo-o em sua direção. — Contudo, ela tem muito mais resistência do que 118

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você. Olhando para baixo, para além de onde terminava seu corpo reluzindo de suor, Robbie pôde divisar o lugar onde começava o dele, seu membro rijo e orgulhoso postado à porta da feminilidade dela. Vendo aquilo, ela pouco se importou com o fato de que ele havia acabado de insultá-la. Seu método de persuasão estava prestes a funcionar, e ela iria finalmente receber o que tanto desejava. Mesmo assim, uma parte de Robbie ficou curiosa com a mulher da qual ele falava. — E o que você faz a essa mulher dos seus sonhos? Ele abriu um sorriso que era puro pecado e passou a língua sobre a parte mais secreta de Robbie. — Temo que ela seja impaciente demais para descobrir. — Ele abriu as coxas trêmulas de Robbie e deslizou seu sexo sobre o dela. Robbie ergueu os quadris em uma oferenda, mas Reid pousou a mão sobre a barriga dela, mantendo-a no lugar com quatro dedos, enquanto a acariciava com o polegar. Ela sentiu a cabeça ir até as nuvens, sua pulsação ribombando em seus ouvidos. Robbie agarrava-se aos lençóis enquanto aquela carícia trazia o êxtase cada vez mais para perto. E não resistiu: fechou os olhos. Reid parou. Maldito! — Não se esconda de mim. Abra os olhos. Eu quero que você saiba com quem está falando. Ela abriu os olhos pesados, desconfiada. — Eu não quero conversar. Ele voltou ao que estava fazendo, no mesmo lugar que a levaria ao êxtase. — São só umas poucas palavras. Faça um esforço. — Lentamente, Reid começou a penetrá-la... Mas só um pedacinho. Ela queria mais. Precisava de mais, mas ele não cedeu. — Jure que vai ser minha mulher. Robbie anuiu com um gesto de cabeça, o coração disparando. — Diga as palavras. — Eu juro ser sua mulher — ela concordou. — Jure que vai ser fiel a mim, e que vai me chamar de marido. — Sim, sim! — gritou ela, enlouquecida. Reid saiu do corpo dela, beliscando-a em seu ponto mais delicado. — Diga! — exigiu, inabalável. — Eu juro ser fiel e chamá-lo de marido. — Para sempre. — Reid acariciou-a com delicadeza onde havia beliscado. — Para sempre — repetiu Robbie em um sussurro, prendendo-se a ele de uma forma que nunca fizera com Eoin. — Você tem algo a acrescentar? — Não. Não! 119

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Em um movimento fluido, Reid penetrou-a completamente, fazendo-a gritar. Ele gemeu, recuou quase até sair... E então impôs o ritmo que queria à sua invasão. A cada passagem, Reid parecia ir ainda mais fundo dentro de Robbie, que reagia prendendo-o cada vez com mais força em seu corpo. Os músculos de seu ventre tentavam mantê-lo junto a si, e a fricção gerada por eles fazia as chamas dentro de Robbie queimarem cada vez mais altas... Até que ela sentiu uma onde de êxtase a invadir, sufocando o calor que tomava conta dela. Perfeito. Ele tinha sido perfeito, maravilhoso. — Obrigada — murmurou Robbie, rindo da tolice do que tinha acabado de dizer, enquanto seu corpo, saciado, relaxava. — O prazer foi meu. — Não, foi todo meu. — Ela riu outra vez, esperando que ele buscasse o clímax, mas para sua surpresa ele manteve um ritmo estável. Longos minutos se passaram assim, quando Reid segurou o corpo cansado de Robbie contra o peito. — Segure-se em mim, amor. Ela passou os braços pelo pescoço úmido dele e cruzou os tornozelos em suas costas. A força de Reid era chocante, bem como sua energia. Segurando-a pelos quadris, ele a beijou, um beijo duro e exigente, enquanto esmagava o quadril dela junto ao seu. Investida depois de investida, ele prosseguiu naquela conquista por um tempo que Robbie não poderia determinar, tão concentrada estava no que estava sendo feito ao seu corpo. Para seu espanto, outro clímax a atingiu, seguido por uma série de espasmos. Ela gemeu e deixou as sensações permearem seu ser. Orgasmos múltiplos com certeza era uma novidade para ela. Robbie nunca poderia ter imaginado tanta paixão, tanto prazer. Mas gostou daquilo... Gostou bastante. — Você é magnífica — ele disse em seu ouvido, acrescentando: — ...minha esposa. Robbie abriu os olhos e o encontrou sorrindo para ela. E de repente, ele a abraçou com força esmagadora, os braços trêmulos, e forçando o ventre dela a recebê-lo por completo, derramou sua semente dentro dela. Ela ainda não tinha, até aquele momento percebido o que seus desejos autoindulgentes haviam lhe custado. Robbie tinha se comprometido com ele. Agora, era sua esposa. Ele tinha poder sobre ela. E o que era pior: ela não conseguira a promessa dele de liderar o clã.

Capítulo XVII

INDULGÊNCIA 120

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Robbie sentiu os olhos de Reid sobre ela antes de acordar propriamente. Ele não a tocara, mas ela podia sentir que ele estivera assim, olhando para ela, já por algum tempo. Ela ficou parada, fingindo de propósito estar dormindo, enquanto tentava se controlar. Sua mente se encheu de cenas do amor que havia feito com Reid, mas ela forçou as imagens para fora de modo a poder abordar o assunto do clã MacGregor. Liderar o clã era o direito dele por nascimento. Era a coisa honrada a se fazer. Ela pediria que ele protegesse as pessoas queridas a ela, fazendo-o ver como isso era o correto. Era simples assim. Ela inalou e lentamente abriu os olhos, mas Reid não estava ali. Do outro lado da enorme cama, estava uma macaquinha preta, encarando Robbie com os olhos enormes e arredondados. Robbie rapidamente olhou para o resto do quarto, cheio da luz de um novo dia, mas o local estava vazio. Ela se sentou e puxou uma almofada para seu colo, escondendo sua nudez da inspeção inocente do animal. — Bom dia. Você deve ser Myah. Claro, a macaca não respondeu. Em vez disso, pegou metade de uma fruta rosa e verde e, atravessando a distância, levou-a até os lábios de Robbie. Myah esperou que Robbie terminasse de comer para depois, satisfeita por ter cumprido sua tarefa, saltar da cama e subir pelas cortinas de seda até desaparecer pela janela aberta. — Obrigada — disse Robbie, inutilmente, e levantou-se da cama. Uma sombra de dor se estendeu pelo seu cerne. Ela cobriu seu ventre com a mão, surpresa com a sensação entre suas pernas. Parecia até que ela era virgem! Talvez seja a virgindade da minha alma... Ela riu da ideia, arrumando a cama e afofando a multidão de almofadas. Quando Robbie entrou no quarto das borboletas... O seu quarto... Estava preparada para sua magnificência. As borboletas faziam do teto uma obra-prima em movimento, enquanto Oscar banhava-se em cima de um banco cor de rosa no meio do aposento. — Você é obcecado com banhos, Oscar. Acho que poderia ensinar uma coisinha ou outra para Shane e Bryson... — Uma saudade de casa ameaçou dominá-la. A fera parou apenas para olhar para Robbie, piscar lentamente e voltar ao que fazia, lambendo as enormes patas e esfregando o focinho. — Eu gosto de você, Oscar — decidiu-se Robbie, indo para junto do berço vazio. Seu coração ficou pesado e melancólico. Pousando a mão sobre o ventre, imaginou como seria carregar o filho de Reid, mas o bebê que Robbie via no berço era Alana: um bebê lindo de olhos azuis, que não tinha a menor chance de sobreviver sem alguém que lutasse por ela. Mais determinada do que nunca a conseguir a promessa de Reid para liderar o clã, Robbie foi até um dos armários em busca de roupas. Abrindo-os deu com várias fileiras de gavetas, e dentro delas, joias e mais joias, incrustadas com diamantes, rubis, pérolas... Parecia que todas as pedras preciosas estavam presentes ali de uma forma ou de outra. Robbie estimou o valor do que estava à sua frente baseada em quanta comida aquilo poderia comprar para o clã. Foi quando viu um pendente de borboleta: quatro esmeraldas eram as 121

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asas, e um diamante rosa representava o corpo, o coração da borboleta. — Rukux — sussurrou, as emoções colocando seu coração em frenesi. Sem você, o Rukux não tem motivo para bater. O homem dizia as coisas mais tolas e românticas. Ela passou a corrente dourada por sobre a cabeça e pousou a borboleta entre seus seios. Talvez pudesse ficar com essa... A última gaveta tinha o triplo da profundidade das outras, e continha as coisas mais estranhas: penas coloridas de diversos tamanhos, lenços de seda vermelha, um fio de contas com formato de azeitona. Ela empurrou os objetos de um lado para o outro e encontrou um pesado bracelete de ouro, pequeno demais até para o seu pulso. No centro, havia uma borboleta com as antenas se sobressaindo. Embora intrigada com aquilo, ela devolveu-a para a gaveta, olhando para outra esquisitice. Era o mais bizarro que tinha visto até então, e ficava numa caixa de veludo com folhas de videira em alto relevo. Robbie apanhou a caixa, espantada com o peso, e a analisou. Era negra, com uma textura diferente, macia e suave. Inspecionando-a mais de perto, percebeu que aquilo era um tipo de bainha que se fechava sobre duas pequenas bolas douradas. — Vejo que andou explorando a casa. — A chegada de Reid a assustou, mas nem tanto quanto os dedos dele se curvando em sua cintura. Ela estremeceu de conteve a mão que passeava por seu corpo ainda no umbigo. — O que é isso? — Bugigangas. Brinquedos. Mas não são para você. Reid afastou o cabelo dela, beijando o ponto atrás da orelha de Robbie onde sua pulsação era visível. A mão que ela havia pego na descida sobre seu abdome mudou de rota e subiu, afagando seu seio ainda hipersensível pelo excesso de atenção recebida na noite anterior. Ele estava de novo mostrando-se cheio de desejo. — Eles estão no meu quarto. Se não são para mim, então para quem podem ser? Ele beijou-a atrás do ombro. — São para outra mulher. Num instante, ela estava furiosa. — Que outra mulher? — O ciúme e a insegurança fizeram os músculos dela ficarem tensos. Ela apertou o objeto em sua mão, sentindo as bolinhas deslizarem. — Eu sou sua esposa. Você jurou ser fiel a mim. — Na verdade, você jurou ser fiel a mim. Eu não fiz jura nenhuma — contrapôs Reid, rindo. O petulante teve a ousadia de rir! — Que Odin me ajude... Robbie procurou por uma arma na gaveta e decidiu que o bastão em sua mão serviria bem como uma. Girando, acertou-o na lateral da cabeça. — Ai, mulher! Ficou louca? Ele segurou o pulso dela com uma das mãos, enquanto a outra ia até a garganta para mantê-la à distância. — Eu não vou ficar casada com um sem-vergonha. — Se ele pensava que poderia pular 122

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de cama em cama como Eoin fizera, estava muito enganado. — Eu quero ouvir as palavras. — Que palavras? — Quero seu juramento de fidelidade. — Eu juro ser fiel — obedeceu ele, de pronto. — Segure seu temperamento, amor. Eu só estava brincando com você. — Reid tentou beijá-la, mas ela recuou. — Brincando? — Ela tremia. — Eu não achei graça nenhuma nas suas palavras. Diga o que está pensando de verdade, ou não diga nada. A tentativa de Reid em ser divertido não acalmara as dúvidas que persistiam na mente de Robbie. — Perdoe-me. — Ele acariciou-lhe o pescoço. — Eu esperava encontrá-la em um humor melhor. Só quis provocá-la um pouco. Ele nunca a provocara antes, e ela não gostou daquilo. Encarando-o, ela tentou se decidir se continuava ou não naquele assunto. — Então, a que outra mulher você se referia? — A mulher das minhas fantasias, ora. Essa outra mulher está dentro de você, Robbie. Eu só queria dizer que neste momento você é impaciente demais para tais brinquedos — respondeu Reid, sem parar de afagá-la, indo agora do ombro até o cotovelo de Robbie. — Ah... — Agora ela não apenas se sentiu levemente burra, como ainda se questionou se chegara a agradá-lo ou não. Talvez fosse uma má amante. Talvez fosse por isso que Eoin havia desejado outras camas. Ela suspirou. — Minha impaciência é um defeito que pretendo superar. Reid ofereceu-lhe um sorriso devastador e puxou-a para perto dele. — Eu vou ajudá-la nessa tarefa, e quando alcançarmos nosso objetivo, nós podemos brincar com essas coisinhas como prêmio. Que tal? — Ele beijou-lhe a testa com carinho. Ela olhou de novo para a gaveta e maldisse a própria curiosidade. Ela sabia que deveria deixar o assunto morrer, mas não conseguia. — Brincar com eles, como assim? Ele deu-lhe uma olhada de lado, parecendo cogitar se deveria lhe ensinar a respeito. Depois pegou uma pluma amarela e roçou com ela a frente do torso de Robbie. Instantaneamente, os mamilos dela reagiram ao toque, contraindo-se, mas ela não se escondeu dele. Era estranho, mas ela se sentia confortável ali, nua na frente dele. — Eles servem para... Estimular. — Reid abriu um sorriso e levantou uma sobrancelha. — Ou para dar prazer. Uma indulgência. — Eles são para jogos amorosos? — Não era de espantar que ela não soubesse nada a respeito de tais brinquedos. — Sim. — Reid continuou com a pena, movendo-a sobre a garganta de Robbie, depois seus lábios, o que fez com que ela se arrepiasse toda. A pluma ela compreendia. Até mesmo os lenços vermelhos conjuravam imagens interessantes na cabeça de Robbie. — Mas o que é isso? — indagou, segurando o objeto fálico que estava ali junto. Ele olhou para ela em silêncio, piscando. 123

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— Reid? — ela incentivou, piscando de volta, zombando dele. — Isso é um olisbos. — Ele enfatizou o segundo “o” da palavra, como se apenas isso já explicasse o sentido. Ela franziu a testa e continuou esperando por uma explicação, agora se sentindo ainda mais ignorante. — Talvez você tenha ouvido falar disso como um diletto. — Um diletto? — Godemiches. Um cinturão vermelho. Um falso membro. Um cons... — Argh! Fique quieto, já entendi! — Um falso membro era autoexplicativo. Ela estudou o objeto em suas mãos e fez uma cara feia para Reid. — Você entende bastante do assunto. O tolo mostrou todos os dentes. — Eu leio bastante. O fungar de descrédito dela veio automaticamente. Estreitou os olhos, debatendo se queria ou não conhecer todos os detalhes da vida pregressa dele. — E também passei um tempo na França e em Londres. Á negócios — completou-o. — Negócio é? — Eu não sou nenhum santo, Robbie, mas pretendo ser um marido fiel. Você pode acreditar nisso. Era fácil dizer a alguém para acreditar; difícil era fazer por merecer essa confiança. — Se você pretende ser fiel e não se desviar para outras camas, por que eu precisaria de um falso membro? A pele bronzeada de Reid se ruborizou. Era difícil continuar zangada com um sujeito que ruborizava. — Guarde isso. — Ele tentou pegar o objeto da mão dela, mas Robbie colocou a mão para trás. — Diga-me, e eu não falo mais nada sobre o assunto. Juro. — Você é impossível. — Ele cerrou os dentes, abraçando-a com força e inclinando-se para falar junto ao ouvido de Robbie, como se suas palavras fossem ousadas demais para serem ditas em voz alta. — Diferente do homem — começou Reid, deslizando a mão até a base da coluna de Robbie —, a mulher é bastante sensível à estimulação em mais de um orifício. Robbie arregalou os olhos. Ela o empurrou para longe, colocando o objeto de volta na caixa de veludo, e fechou a gaveta com força. — Se você tentar enfiar alguma coisa, falsa ou não, no meu traseiro, eu corto fora seus testículos! Ele gargalhou e a levantou do chão eu um abraço. — Como você pode ameaçar mutilar seu marido? — Reid a carregou através do banheiro por uma porta nos fundos. — Ponha-me no chão! Eu estou nua! — Ela chutava e lutava inutilmente. — Eu gosto bastante de você do jeito que está. — Maldito seja, Reid MacGregor! Isso não é nada engraçado! — Cega pelo sol forte, ela 124

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tentou fazer uma sombra sobre os olhos com as mãos e descobriu que estava em uma paisagem de arbustos com folhas enormes e flores de um vermelho intenso. Segundos depois, Robbie era lançada em uma piscina de água morna. Ela aterrissou em seu traseiro sobre o fundo arenoso com um grunhido. A água rasa era cristalina, e se havia algum peixe por ali, sua entrada os assustara. Ela emergiu da água, que lhe chegava até a cintura, e teve que dar um giro completo para encontrar Reid. — Você acha que eu merecia isso? — Sim, eu acho. — Ele tirou a calça. — Você estava cuspindo fogo, achei que precisava ser apagada. — Reid entrou na água com confiança, desfilando não apenas seu físico impecável como uma ereção impressionante. — Pensei que uma mulher que tivesse sido devorada de modo tão eloquente em sua noite de núpcias acordaria com um humor bem melhor. A boca de Reid reclamou o seio hipersensível de Robbie antes que ela pudesse entender o que ele havia dito. Ela se encolheu, agarrando o cabelo dele para puxá-lo para longe de si, mas a tentativa foi prejudicada ainda mais quando ele deslizou um dedo para dentro do corpo dela. — Ai! — Robbie ficou tensa e fechou os olhos com força. Sentia-se dolorida por dentro e por fora, e não estava preparada para o ataque dele. Reid se afastou com rapidez, uma expressão preocupada em seu rosto. — Você está dolorida? — Sim. — Ela baixou os olhos. — Acho que o seu nome é bem merecido. Vai levar algum tempo para eu me ajustar. Robbie esperava que ele fosse se gabar de seu tamanho. Talvez até se comparar a Eoin. Em vez disso, ele simplesmente afagou-lhe o quadril sob a água e deu-lhe um beijo no ombro. — Perdão. Eu devia ter sido mais gentil. Ela segurou-o pelo rosto enquanto sentia seu coração se confranger. — Nenhum homem é mais gentil que você, Reid MacGregor. E nenhum é mais carinhoso. — Ele escondia sua sensibilidade sob aqueles músculos e sua inteligência, mas ela podia ver o homem sob a superfície. E ele era lindo. — Não vá sair por aí contando os meus segredos. Eu tenho uma reputação a zelar. — Ele beijou o interior do pulso de Robbie depois a guiou na direção da margem de pedras. — Venha, temos que nos preparar para nossa expedição. O globo de vidro e uma ampulheta encontravam-se sobre uma pedra achatada, bem como toalhas e vários artigos que ela usara em seus experimentos no, Obsidiana. — Vamos fazer experiências? — Sim. Eu preciso saber quanto tempo cada um de nós pode ficar sob a água antes de mergulharmos no Poço do Sacrifício. Ela assentiu, reenergizada pela tarefa à frente. — Eu fiquei sob a água mais de meia hora. Acha que vamos precisar de mais tempo do que isso? — Robbie secou as mãos e começou a trabalhar, preparando os cristais. 125

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— Se não houver nenhum bolsão de ar entre o Poço do Sacrifício e o reservatório de água, então é bem provável. Vou levar um grupo de homens pela selva ao amanhecer para fazer os preparativos para o mergulho. — Quanto tempo isso vai levar? — Seis, talvez sete dias. — Sete dias? — ela choramingou. Robbie não queria ficar longe dele nem um dia, quanto mais por uma semana! — A correnteza do rio subterrâneo vai estar diferente por causa das chuvas. Vou levar o barril de mergulho para o poço maior, onde Xitali foi sacrificada. Assim que eu localizar a entrada para o rio, pretendo soltar um tronco com pesos entre os poços para medir o tempo e a distância. Assim que meus cálculos estiverem completos e meus preparativos prontos, estarei de volta. Ele já tinha pensado em tudo, não é? — Eu vou com você. — Não vai, não. Não é necessário nem seguro. Jax e a família dele estão, vindo ficar com você em Rukux. Eu a proíbo de entrar na selva até que se dê um jeito em Kantico. Dar um jeito em Kantico? Ele havia decidido matar o jaguar? Robbie ficou perturbada com essa ideia. Reid não teria batizado o animal se não se sentisse apegado a ele de alguma forma. — Kantico não me machucou. — Ela é uma caçadora. Seus instintos protetores em relação a mim são letais. Ela poderia ter matado você. — Oscar também — ela apontou, frustrada pela inflexibilidade dele. — Eu não quero que você a mate. — Minha decisão já foi tomada. Você é importante demais para mim. — Ele desviou o olhar do dela. — Jax, Falcão da Lua e Arqueiro Caçador já estão construindo as armadilhas. Elas vão protegê-la enquanto eu estiver fora. — Eu tenho permissão para decidir alguma coisa? Ou devo ficar no meu quarto brincando de me vestir como uma princesa descerebrada? Eu tenho uma mente. E quando me autorizo a utilizá-la, eu posso ser bem inteligente. Se você acha que por ser meu marido... Ele a beijou com os olhos abertos. Ela se afastou de Reid. — ...dá-lhe o privilégio de agir como um tirano sobre mim, então você está... Reid segurou a cabeça dela entre suas mãos e beijou-a em cheio, silenciando-a, cobrindo boca de Robbie com a dele e distraindo-a com sua língua, até que as palavras tivessem desaparecido da mente dela. Robbie segurou os pulsos dele, mas rapidamente sucumbiu à perfeição dos lábios de Reid. Seu beijo era gentil, mas exigente. Carinhoso, mas cheio de poder. Os dedos de seus pés se curvaram na areia, e seja lá o que for que estivessem discutindo perdeu a importância. Ele demorou-se ainda alguns minutos nos lábios dela antes de se afastar. Robbie abriu os olhos pesados de desejo e encontrou aquele olhar prateado a 126

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milímetros do seu rosto. — Por que você fez isso? — Eu estava testando uma teoria. — Ele beijou o cantinho dos lábios dela. — Queria ver se meu beijo poderia controlar seu pavio curto. — Reid mordiscou-lhe o lábio superior. — Embora minhas descobertas tenham sido inconclusivas e requeiram mais pesquisas, ouso dizer que estou no caminho certo. — Ele sugou-lhe o lábio inferior, sorrindo antes de acrescentar: — Agora, posso prosseguir? Robbie assentiu, olhando para Reid com os lábios entreabertos e sem nenhuma lembrança do que é que estavam discutindo. — Tenho algumas tarefas para você enquanto eu estiver ausente. Pássaro Canoro se ofereceu para costurar um macacão de couro do meu tamanho. Eu preciso que você a ensine como fazer isso. Você também precisa construir outro aparelho para respirar sob a água para mim e descobrir um jeito de prender os globos aos nossos corpos. Pomba Negra irá ajudá-la nisso. Há um fogão e ferramentas na oficina de alquimia. — Ele indicou para trás de onde estava, para um agrupamento de edifícios. — Mas eu quero que você esteja de volta em Rukux antes que o sol se ponha. Robbie se ergueu nas pontas dos pés para poder ver melhor a estrutura. — Você tem uma oficina de alquimia? Reid abriu um sorriso triste. — Seu avô sempre gostou de misturar gases. Eu esperava dar a Argyle um lugar para passar seus dias fazendo algo que ele ama. Os olhos dela se encheram de lágrimas. Ainda que Reid lhe desse, mil joias, nenhuma se comparava a este presente. Ela o chamara de egoísta em mais de uma ocasião. Não podia estar mais enganada. Ele se virou e apontou. — A construção menor é uma casa, que é anexa à oficina. O maior é um celeiro cheio de madeira que eu pretendia levar a Londres na primavera, assim que ela estivesse seca. Mas vou confiar essa missão a Jean-Pierre, ele tem o dom de negociar. — O que é que você está dizendo? — Ela não se permitia ter esperanças até ouvi-lo dizer as palavras em voz alta. Ele afastou o cabelo dela do caminho e ficou contornando sua orelha com o polegar. — Minhas obrigações se alteraram como resultado de meus recentes votos. Sou um homem casado agora, e se a sorte permanecer ao meu lado, logo serei o pai do próximo Gregarach. — Você vai liderar o clã? — indagou Robbie, enquanto seu coração cantava de alívio. — Não foi isso que você me pediu? Ela anuiu furiosamente, engolindo seco. Sua mente tinha disparado, e imagens de seu povo vieram-lhe à memória: o avô e o velho, Angus, Nanna e Shane, cada menina com a marca dos MacGregor e a bebê Alana. Nenhum deles ficaria para trás. Os olhos de Robbie pousaram sobre uma gigantesca flor de um tom vermelho profundo, que a lembrou de onde se encontrava. Ele havia decidido abandonar o Jardim do 127

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Éden e Robbie rezou para ser digna daquele sacrifício. — E Rukux? — Eu não me importo com o lugar onde durma à noite, desde que seja ao seu lado. — Ele beijou a veia azulada no pulso de Robbie. — Rukux será um belo lar para Jax e sua família. — Liderar o clã é a coisa mais honrada a se fazer — ela soltou, sentindo a necessidade de convencê-lo de que tomara a decisão correta. — Eu vou salvar o clã MacGregor por várias razões. Honra e dever é duas delas, mas minha decisão, em sua maior parte, é egoísta. Um homem não pode se considerar um homem de verdade sem o respeito de sua mulher. Ela o abraçou. Tudo em seu ser dançava, celebrando aquela vitória, mas a celebração se acabou quando ela se recordou de Eoin. — Eoin vai lutar contra você. Não há nada que ele ame mais do que seu status. — Sim, é verdade. E é por isso que você vai ficar longe dele. Se Eoin olhar para você, dê-lhe as costas. Se ele falar com você, não responda. Por enquanto, vou levá-lo comigo para a selva.

Capítulo XVIII

ARREPENDIMENTO Reid deveria deixar o cretino morrer. — Eu disse para você andar atrás de mim — ele alertou o primo pela centésima vez, enquanto olhava para os cipós em busca de algo com que puxar Eoin para fora da areia movediça. — Tirem-me daqui! — Eoin gritou para a meia dúzia de homens mopán que o cercavam. Ele girava e se mexia freneticamente acima da cintura, já que essa era a única parte de seu corpo não submersa na terra. Depois de secar a chuva que lhe caíra nos olhos, Reid puxou um cipó mais grosso até que ele se soltasse e caísse junto aos braços de Eoin. — Pare de se mexer e segure-se aqui. Pelo menos dessa vez Eoin obedeceu suas instruções e lentamente conseguiu se arrastar até o chão firme. Ficando de pé, ele chutou a sujeira de suas botas e espanou seu tartã como se a lama ainda agarrada ali pudesse ser uma ameaça. — Você hesitou. Por um momento, pensou em me deixar afundar. Reid rolou os olhos, retomando o pesado fardo que carregava já há dois dias na chuva, e fez um gesto para Kante para outra vez se colocarem a caminho. Mas antes que o guerreiro gigantesco pudesse voltar a golpear a mata com seu facão, Eoin já retornara às suas 128

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reclamações. — Admita — Eoin gritou, atrás de Reid. — Se eu nunca retornasse à Escócia, você teria não só Robbie, mas também a liderança do clã. Irritado além dos seus limites, Reid girou até ficar de frente para ele, os punhos fechados. — Eu já tenho Robbie. — Ele se aproximou do primo. — E se eu o quisesse morto, teria deixado à cobra em que você pisou ontem à noite mordê-lo. E, pelo visto, você precisa ser relembrado do incidente dessa manhã: se eu não o impedisse de limpar o traseiro com a planta ten ts’ak, você estaria sufocando com a própria língua ao anoitecer. E agora... — Reid ficou tão junto do primo que podia ver as veias vermelhas em seus olhos — ...Eu acabo de salvá-lo da areia movediça. A menos que você queira me oferecer sua gratidão, sugiro com veemência que fique quieto. Do contrário, talvez eu não me sinta tão generoso caso você tenha que enfrentar a morte de novo. — Vou levar sua sugestão em consideração. — Eoin tirou um cacho de cabelos molhados dos olhos, abrindo um sorriso nada grato. — Mas posso lhe dar meus agradecimentos por uma coisa, primo. Reid exalou e aguardou, desconfiado. — A selvagem a quem chamam de Tigresa Selvagem foi um presente inesperado. Aquela mulher certamente sabe como usar a língua que Deus lhe deu. Mas é claro que provavelmente você já sabe disso. — Eoin piscou para os homens mopán atrás dele como se fossem velhos amigos. — Foi uma mudança bem-vinda me deitar com uma mulher que sabe ficar quieta. O comentário de Eoin era risível. Sem dúvida a ideia era insultar Robbie e diminuir Tigresa Selvagem ao mesmo tempo, mas suas palavras apenas abriram caminho para Reid ensinar-lhe um pouco de humildade. — Que estranho... — Reid fingiu confusão. — Talvez minha memória esteja falha, mas quando estive com Tigresa Selvagem, uma ou duas vezes, lembro-me que ela gritava loucamente. Para terminar o golpe, ele virou-se para seus companheiros mopán. — O que vocês me dizem, irmãos? Tigresa Selvagem ficou em silêncio com vocês? Os mopán balançaram a cabeça em uma negativa unânime. Reid chegou a ouvir Eoin cerrando os dentes. Suas narinas se inflaram, mas ele não deu nenhuma resposta. Os dois lados da consciência de Reid lutavam: aquele a favor da moral lhe dizia para defender Tigresa Selvagem, enquanto o outro, o diabinho em seu ombro que estava se divertindo imensamente com a discussão, encorajava Reid a humilhar Eoin só mais um pouquinho. O diabinho venceu. — Permita-me lhe ensinar uma coisinha, primo. Uma mulher silenciosa na cama não é tanto um sinal de submissão; provavelmente, mais de insatisfação. Ou, talvez — concluiu ele, dando um, tapinha nas costas de Eoin — a rapidez de seu desempenho a tenha deixado tão 129

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chocada que ela não soube o que dizer. — Ou talvez fosse o tamanho do meu membro — redarguiu Eoin, sua ousadia retornando. Depois de ter-se deitado com Robbie, Reid sabia que isso era uma mentira. O diabinho implorou para que Reid abrisse as calças e provasse que Eoin estava blefando, mas ele conseguiu se conter. A despeito de sua licenciosidade, Tigresa Selvagem era filha do rei Jaguar e merecia respeito. A mulher só se comportava daquele jeito porque achava que seus talentos um dia lhe garantiriam um marido. — Talvez você esteja certo, primo — cedeu Reid, e outra vez deu ordem para Kante continuar abrindo uma trilha na floresta densa com seu facão. Os seis homens mopán que estavam na retaguarda da excursão levaram até os ombros o suporte de bambu que sustentava o barril de mergulho e os seguiram. Os passos de seus irmãos mopán ecoavam os de Reid através da floresta. Uma chuva morna e constante mantinha sua calça e a camisa coladas ao corpo, mas aquilo não tinha nem metade da capacidade de irritá-lo que o primo possuía. O sujeito reclamava do tempo, da política, da guerra, de religião. E quando nenhum desses tópicos funcionou para enfurecer Reid, ele começou a falar do clã. Robbie vale a pena tudo isso, Reid disse a si mesmo, e conjurou uma imagem de sua bela esposa: os intensos olhos verdes, o cabelo loiro-avermelhado, a pele aveludada. Pensar nela o acalmava. E por estranho que fosse, a primeira lembrança que lhe veio à mente foi à cena de Robbie segurando os testículos do rei Jaguar. Reid conteve uma risada. Aquela mulher era ousada, desafiadora, selvagem e leal até não mais poder. Ela daria sua vida para salvar o clã, e Reid esperava que um dia ela o amasse tanto quanto à sua família. Ele a amava, mas lá no fundo sabia que ela ainda não correspondia ao seu afeto. Isso levaria algum tempo. Felizmente, ele tinha muita paciência. A chuva diminuiu com o passar das horas, mas foi substituída por um sol escaldante que pareceu ficar cada vez mais insuportável conforme o dia avançava. E ele não se lembrava dos insetos terem incomodado tanto da última vez que fizera aquele caminho. Nem de se sentir tão exausto, drenado de energia física. Reid suspeitava que os elementos não tinham nada a ver com o turbilhão que o agitava. Era Eoin e seu constante fluxo de asneiras, seu mau cheiro, e acima de tudo, sua tagarelice incessante. — Suspeito que você vá querer voltar para a Escócia para buscar Argyle, não é? — A questão não era movida apenas por curiosidade. Era uma isca. — Em algum momento, sim, voltarei — respondeu ele, sem disposição para expor o fato de que iria reclamar a liderança do clã. — Talvez eu lhe dê um batalhão para comandar na futura batalha. — Que batalha? — Reid perguntou, indo mais devagar para poder olhar para trás. Eoin adiantou-se. — Contra os Colquhouns. Ou você acha que o lorde de Luss vai simplesmente entregar 130

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o castelo, só porque o rei suspendeu a proscrição contra nosso nome? O sujeito não tinha noção nenhuma. — O clã não possui a força necessária para conquistar a fortaleza. — Ah, mas aí é que você se engana, primo. — Um sorriso convencido distorceu-lhe a boca. — Posso lhe assegurar que os MacGregor de Glenstrae irão reclamar o pouso do clã. Antes de sairmos da Escócia, eu ordenei a Lyall que enviasse notícias de nossa rebelião para as Terras Altas. E coloquei uma oferta de cem libras a qualquer MacGregor que quisesse voltar e combater os bastardos que nos exilaram. Suspeito que um exército entre quatrocentos e quinhentos homens estará aguardando minhas ordens para atacar. Encarando Eoin, descrente, Reid tropeçou em um cipó. — Você vai arriscar a vida deles ao lançar um ataque prematuro. Onde, em nome de Deus, você planeja esconder quinhentos homens? — No desfiladeiro Finglas — devolveu Eoin, confiante. — Os MacThomas sem dúvida estão soltando seu gado enquanto conversamos. O choque de Reid quase o deixou sem fala. Ele calculou a enorme soma que Eoin prometera a seu exército como pagamento. — Cinquenta mil libras seriam mais bem aplicadas para o clã se você comprasse Rannoch ou Auchingaich. — Este era o plano de Reid. — Eu quero o Castelo Kilchurn. Use o que for preciso para negociar com o rei James a revogação de nossa proscrição, mas guarde o suficiente para pagar aqueles que já foram leais ao seu pai, antes que ele os abandonasse. Nós vamos à guerra. — Deus do céu, homem! Quantos terão de morrer para colocar você de volta em seu trono? — Quantos forem necessários. — Eoin voltou para sua posição no meio do grupo e ficou quieto pela primeira vez naquele dia. Reid olhava para frente, de olhos arregalados, e logo foi hipnotizado pelo movimento do facão de Kante, mas seus pensamentos giravam a uma velocidade alarmante. Fergus tinha sido apenas o primeiro a ser sacrificado por Eoin em sua busca pelo poder. O número de pessoas que Reid pretendia salvar acabava de ser multiplicado por cinco. Uma onda de tontura atrapalhou seu equilíbrio. Ele limpou o suor de sua testa e se preocupou com o novo desenrolar dos fatos. Reid talvez pudesse convencer uma centena de familiares a segui-lo como líder. Poderia construir lares para eles e mantê-los a salvo através de um relacionamento político com o lorde de Luss. Mas os homens que aguardavam no desfiladeiro Finglas haviam sido abandonados pelo seu pai. Eles jamais seguiriam Reid em uma batalha. A menos que não tivessem mais ninguém para seguir. Reid matutou sobre aquilo até finalmente chegarem ao Poço do Sacrifício. Enquanto Kante e os outros limpavam o perímetro, Reid olhou pela borda do poço. À distância até a água parecia algo entre cem e cento e cinquenta metros. Uma pedra se soltou da parede de pedra do poço e desapareceu antes que o som de seu mergulho fosse ouvido. 131

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— Santo Cristo! — Desequilibrado, Eoin caiu para trás. Talvez na próxima ocasião em que Eoin se encontrasse em perigo, Reid não corresse para salvá-lo. Preparando-se para a expedição, Robbie pegou algumas tiras de carne seca da lareira e ficou escutando Pomba Negra discutir com Pavão Amarelo. Não era preciso entender a língua das duas para saber que Pomba Negra estava vencendo a discussão. As carinhas esperançosas das outras crianças espiando pela porta aberta foram desanimando ao longo da conversa. A líder escolhida por elas estava fracassando em sua missão. Robbie inclinou a cabeça e flagrou Pavão Amarelo apontando para ela. Seu coração afundou: a última coisa que queria era ser o motivo da briga entre elas. Pomba Negra fechou a cara para a filha e apontou para o jardim. — Vão! Ajudem suas tias a colher frutas para amanhã. Todos vocês! — gritou ela, em um tom de “e chega de conversa”. — Logo Serpente Branca vai estar em casa. Derrotada, Pavão Amarelo saiu arrastando os pés. As outras crianças mopán a seguiram, os ombros caídos, indo para o jardim. Pomba Negra suspirou e envolveu várias tiras de carne seca em uma ampla folha verde. — Perdoe, por favor. Quanto mais velhas ficam, mais ficam abusadas. — Mas é claro. — Robbie não apenas perdoou, como entendeu perfeitamente. As netas do velho, Angus eram incansáveis, desde o nascer até o por do sol. — Mas por que a volta de Serpente Branca vai acabar com o tédio delas? — Ele ensinava novas brincadeiras às crianças todo sábado antes de viajar para sua Escócia. Temo que as tenha mimado. Essa explicação fez Robbie sorrir. Reid gostava de dividir seu conhecimento. Imaginá-lo brincando com as crianças a fez desejar o bebê que não estava carregando ainda. Ele ficaria desapontado por ela ter tido seu fluxo normalmente, mas no ponto de vista de Robbie era melhor assim: que isso acontecesse apenas quando eles estivessem morando na Escócia. Algum dia ela teria sua família. Algum dia. Por enquanto, ela podia ensinar uma brincadeira às crianças mopán. — Eu posso mostrar a elas uma brincadeira que meu avô me ensinou. O sorriso que Pomba Negra abriu foi imenso. — Ah, elas iriam adorar! — Que tipo de brincadeiras Serpente Branca ensinou a elas? — Damas, pega-pedras, amarelinha, buraco... — Buraco? Mas isso não é um jogo com apostas? — Sim, as crianças apostam sementes de cacau. — Ela bateu o indicador nos lábios, pensando. — Agora que me recordo, foi Henrik quem ensinou a elas buraco enquanto Serpente Branca estava viajando a negócios. — Pomba Negra encheu outra folha com tiras de carne. — Ele lhe contou sobre suas aventuras? Robbie apenas anuiu e ouviu Pomba Negra discursar sobre o valor dos urucuzeiros. A cada vez que ela falava no futuro, Robbie sentia como se estivesse traindo uma amiga. E se 132

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fosse falar a verdade, era o que estava fazendo. — Você vai acompanhar Serpente Branca na primavera, quando ele for negociar a madeira? Uma onda de náusea revolveu as entranhas de Robbie. Ela podia responder a pergunta de Pomba Negra com um simples não. Não seria uma mentira, apenas uma omissão. A verdade era que Reid não iria negociar a madeira na primavera, nem iria ensinar mais nenhuma brincadeira para as crianças mopán. — Venha caminhar comigo. — Robbie enganchou o braço no de Pomba Negra e a levou para o jardim. — Depois da expedição, Serpente Branca e eu vamos voltar para a Escócia para ajudar meu povo. Pomba Negra assentiu, distraída; ela já esperava por aquilo. — Nós não vamos voltar — acrescentou Robbie, sem esperar pela dor que acompanhou suas palavras. Era como se houvesse uma adaga em seu coração. Pomba Negra inclinou a cabeça, erguendo as sobrancelhas. — Nunca mais? Robbie balançou a cabeça, confusa pelas emoções que se acumulavam, trancando sua garganta. Por que isso era tão difícil? Ela mal conhecia essa gente! — Você não gosta daqui? — Pomba Negra abriu os braços, indicando Rukux por completo. O cesto de Corça Gentil transbordava de frutas e as crianças agora estavam brincando de perseguir Tigresa Selvagem ao redor do moinho de vento. — Eu gosto, gosto muito. — Sua declaração foi coberta de culpa. Rukux era tudo o que ela sempre sonhara por tanto tempo, mas estava no país errado, com o povo errado. — Por favor, tente entender. Na Escócia há pessoas que eu amo e que não dispõem de tais confortos. Elas não têm casa e precisam de um líder como Serpente Branca para salvá-las. Eu sofro por ter de afastá-lo de vocês, mas temo que não tenha escolha. Pomba Negra encarou o jardim por longos momentos. — Serpente Branca tem sido parte de nossa família por metade da minha vida. Meu pai ficará muito triste, assim como meu marido. — O lábio inferior dela tremeu, os olhos cheios de lágrimas. — Mas ninguém vai sentir mais saudades dele do que minha filha. Aquela afirmação disparou as lágrimas de Robbie também, fazendo-as escorrer por seu rosto. Ela secou seus olhos quando Pavão Amarelo aproximou-se delas cheia de juventude e inocência. — É melhor se Jax e eu contarmos a ela. — Pomba Negra deu as costas para a filha que chegava. — Talvez você possa ensinar a elas uma de suas brincadeiras enquanto minhas irmãs e eu preparamos a refeição da noite. — Claro. — Robbie já tinha conseguido se conter quando Pavão Amarelo se juntou a ela. Colando um sorriso no rosto, ela se agachou na frente da criança. — Você já brincou de ciranda? — O que aconteceu com Loki depois que ele matou Balder? — Pavão Amarelo perguntou a Robbie, os olhos castanhos intrigados. As duas estavam aconchegadas em uma das poltronas junto à lareira, e Pavão Amarelo era a última criança ainda acordada depois da 133

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história. — Eles o amarraram e colocaram uma cobra em cima da cabeça dele, para que o veneno dela pingasse sobre ele — prosseguiu Robbie, afagando a pele macia da menina. — E foi assim que ele morreu? — Não. — Robbie tocou-lhe a ponta do nariz com o indicador. — Isso é uma história para outra noite. Pomba Negra surgiu ao lado delas, a mão estendida, olhando para a filha. A indiferença dela não era inesperada, mas isso não a tornava mais fácil de aceitar. — Venha, Pavão Amarelo. Já passou da sua hora de dormir. — Você conta boas histórias. — Pavão Amarelo abraçou o pescoço de Robbie com seus bracinhos e beijou-lhe o rosto. — Estou feliz que Serpente Branca tomou você como mulher dele. E com essas palavras de despedida, Robbie ficou sozinha na poltrona enorme sem nada além de seus pensamentos e o aroma de manteiga de cacau, o cheiro do povo mopán. O cheiro de Reid. Ele fazia parte das vidas dessas pessoas. O modo como eles viviam não diferia muito daquele em que o clã vivia anos atrás. A refeição da noite, as brincadeiras, as histórias... Tudo a lembrava dos tempos mais felizes que passara no Castelo Kilchurn, quando Calum MacGregor era o lorde. Myah colocou uma tigela de amendoins na mesa ao lado da poltrona oposta à de Robbie. A macaca se arrastou para o cantinho da poltrona e a rodeou várias vezes até finalmente sentar-se ali. O bichinho fez um som muito parecido com um choramingo e olhou para Robbie com olhos imensos. — Eu também sinto falta dele. Robbie pousou a cabeça nos braços da poltrona. Nunca havia se sentido tão triste, tão sozinha, e a ideia de ir se deitar na cama vazia a deixava fria por dentro e por fora. Seu coração ficou mais lento no peito, como se a ausência de Reid fizesse sua força vital se esvair. Sem você, o Rukux não tem razão para bater. Ela não queria ficar longe de Reid, e ao mesmo tempo não sabia se iria suportar vê-lo deixar tudo e todos que ele amava. Uma lágrima escorreu pelo seu rosto, enquanto assistia os pavios queimando nos candelabros. Suas pálpebras se fecharam. Uma campainha soou na passagem de entrada — a armadilha que Jax e Falcão da Lua haviam montado dois dias antes. Os olhos de Robbie tornaram a se abrir. Myah guinchou e desapareceu no teto, enquanto Kantico passava pelo batente da porta. Santo Loki! Ela arregalou os olhos, o medo fazendo sua garganta se contrair, estrangulando seu grito. As orelhas da fera estavam voltadas para trás, os bigodes se mexendo. — Jax! — berrou Robbie, encolhendo-se sobre a poltrona e encarando os olhos amarelos do jaguar. A lança de Jax atingiu a garganta do animal ao mesmo tempo em que Robbie divisou um filhote manchado se balançando precariamente nas patas imensas de Kantico. 134

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Um rugido horrendo ecoou. — Não! — Robbie se lançou da poltrona, caindo de joelhos ao lado da enorme fera. Sem pensar, arrancou a lança do pescoço de Kantico. O jaguar gritou e desabou no chão. O sangue escorreu sobre a pelagem fulva e encheu os dedos trêmulos de Robbie quando ela pressionou a ferida aberta. — Não! — gritou, de novo. O caos atrás de Robbie surgiu na forma de ofegos e gritos. Robbie voltou-se para trás, encontrando homens, mulheres e crianças reunidos ao longo da parede oposta a ela. — Ajudem-na! — pediu, soluçando, mas nada podia ser feito. Ela viu a vida sumindo do olhar dourado de Kantico, e o movimento das costelas do animal subitamente cessou. O jaguar tinha trazido seu filhote para Rukux. Ela não ia machucar ninguém. Robbie estava congelada no lugar, cheia de emoções. Sentia-se responsável pela morte daquela linda criatura. Olhando para suas mãos cobertas de sangue, sua mente ficou enevoada por um instante, até que o choque de todo o ocorrido gelasse suas entranhas. Ela tremia com uma intensidade que chacoalhava seus ossos. Estava com frio, muito frio. — Isso é culpa minha — sussurrou, vendo o filhote se aconchegar contra a barriga de Kantico. — A culpada sou eu. Kantico era a primeira de várias coisas que ela tomaria de Reid. E perda após perda, ele iria acabar se arrependendo de tomá-la como esposa.

Capítulo XIX

CULPA Robbie nadou por entre as crianças que brincavam na lagoa e colocou os cotovelos na pedra achatada em que se encontrava Tigresa Selvagem, olhando carinhosamente para o filhote de jaguar que dormia no colo dela. — E como vai nossa pequena Pepem? — Ela está bonita. — Tigresa Selvagem pousou a bolsa de leite ao seu lado e esfregou a barriga redonda do filhote. — E gorda. — Ela abriu um sorriso quando o bichinho bocejou. — E preguiçosa. Uma risada profunda e sedosa escapou de seus lábios, mas Robbie já não olhava para ela com inveja. Na verdade, a ferinha havia lhe mostrado um lado de Tigresa Selvagem que era carinhoso, bom e gentil. Quando Jax insistiu que Pepem fosse levada de volta à floresta para se virar sozinha, 135

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Tigresa Selvagem defendera a decisão de Robbie de cuidar do filho de Kantico. Elas passaram noites sem dormir, ensinando ao filhote faminto como mamar da bolsa de leite, e durante aquelas horas Robbie conseguira vencer o muro que a nativa havia erguido entre elas. Atrás dele, existia uma mulher vulnerável que buscava amor, felicidade e companhia. Uma mulher não tão diferente de Robbie. Alguém jogou água sobre a cabeça de Robbie, fazendo Pepem disparar vários espirros. Tigresa Selvagem sibilou para as crianças algumas palavras na língua mopán enquanto limpava as gotas que se acumulavam nos bigodes de Pepem, mas antes que ela pudesse fazêla voltar a dormir, Myah pulou de um galho, causando outro estardalhaço. A macaca guinchava e se balançava de um lado para o outro como uma criança empolgada. Pomba Negra entrou no jardim, ansiosa, segurando os lados da barriga. — Eles voltaram! Robbie seguiu as crianças para fora da água com uma urgência que roubou o ritmo de seu coração. Ela havia se acostumado com os hábitos de ausência de vestuário dos mopán, e nem parou para pensar que sua camisa estava colada ao corpo como uma segunda pele. Seguindo Pomba Negra, ela acompanhou o olhar da mulher até o bando de homens que estava passando pelas construções mais distantes, em formação. Reid liderava a turma com os passos largos. No instante em que seus olhos encontraram os dela, ele cerrou os dentes com força. A expressão intensa em seu rosto era chocante, se não um pouco assustadora. O ar ficou preso na garganta de Robbie, e sua pele se arrepiou. — Serpente Branca está um pouco... Diferente. Não está? A risada de Pomba Negra pareceu deslocada. — Você está encrencada, moça. — Encrencada? — indagou Robbie, sem tirar os olhos de seu marido. Algo estava errado, definitivamente. — Eu já vi essa expressão em Jax. — Que expressão? — Dentro dela, Robbie sentiu um princípio de pânico. — É a cara do homem que ficou muito tempo longe, e está prestes a fazer sexo selvagem com sua mulher. Sexo selvagem? Robbie voltou-se para Pomba Negra, mas seu olhar incrédulo continuava preso a Reid. Ele sempre demonstrara um autocontrole perfeito. Ele não era do tipo que... Reid arrancou sua camisa e jogou-a no chão. Os olhos de Robbie se arregalaram e ela engoliu em seco. — É melhor você começar a correr. Robbie acolheu a sugestão de Pomba Negra e disparou pelas torres de Rukux com uma velocidade que teria impressionado até Jax. Ela correu através do salão, do depósito de armas e para o jardim perfumado onde as pás do moinho lançavam sombras móveis sobre um mar luxurioso de folhas verdes. Ela parou para respirar e tentar se conter. Tolice! Isso era uma loucura! Reid era o homem mais controlado que ela já conhecera. 136

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Ele não fazia nada sem pensar. Talvez algo tivesse acontecido entre Reid e Eoin. Talvez eles também tivessem descoberto algo inesperado. Ela olhou para trás e viu o corpo maciço de Reid emergindo da passagem aberta. Suas botas já haviam desaparecido, bem como suas meias. Ele desatou a calça. — Santo Loki — murmurou ela, sentindo um calor dentro de si. Robbie correu para a selva, entre os cipós e a densa folhagem. Um bando de pássaros coloridos levantou voo através das copas. Os guinchos dos macacos acompanhavam o progresso dela, intensificando a perseguição. Ele a seguia, os passos atrás de Robbie se acelerando até que Reid estivesse correndo atrás dela. Ela contornou uma árvore monstruosa e ficou de costas contra a solidez do tronco, os pés descalços posicionados entre suas raízes imensas. A antecipação fazia com que os dedos de seus pés se dobrassem e as unhas das mãos se enterrassem na casca. Robbie esperou, sem fôlego, o peito ardendo, delirante com a ideia de que alguém a desejasse com tanta loucura. Umedecendo os lábios, surpresa com a força de seu próprio desejo. Reid passou por ela depois parou, procurando, mas a respiração ofegante de Robbie a entregou. Ele voltou à cabeça para o som antes de acompanhar a direção com o corpo, e quando ela viu a fome naqueles olhos escuros, a selvageria visível ali à fez sentir-se como um cordeiro na cova dos leões. O coração de Robbie parou por um segundo... E Reid a alcançou. Ele envolveu o pescoço dela com a mão, passando o polegar sobre a base do rosto. Seus músculos se moveram, tensos, o maxilar cerrado. Ele não disse nada, e nem precisava. A expressão de loucura em seus olhos dizia tudo o que era necessário. — Bem vindo... Reid esmagou a boca de Robbie com a sua, interrompendo as boas vindas. Seus dedos se entrelaçaram com os cabelos úmidos dela, mantendo-a imóvel enquanto ele aprofundava o beijo. Os dentes de ambos rasparam um no outro, as línguas se misturando. O beijo foi duro e exigente, mas breve. — Tire sua camisa — ordenou ele, com a voz instável. — Você teve uma semana para preparar o que diria na volta para casa. Não tem nada mais poético a declarar para sua esposa? — provocou ela, mordendo o ombro e, em seguida, o peito de Reid. Ele tinha um sabor delicioso, e ela queria provar cada milímetro dele. — Deus do céu, mulher! Eu não estou para brincadeiras! — Onde foi parar o meu gigante gentil? — Os dedos dela flutuaram sobre o mamilo intumescido de Reid, sobre seu abdome macio, e pararam perto do umbigo dele. — Onde está o homem que fala coisas românticas sobre borboletas e sonhos? — Eoin o sufocou até a morte na selva. Reid libertou sua ereção e fechou a própria mão sobre ela enquanto se inclinava para os seios de Robbie. Sua boca quente cobriu o mamilo dela através do fino tecido da camisa, disparando ondas de êxtase por todo o corpo de Robbie. Ela soltou um gemido. Arqueando as costas, Robbie prendeu o lábio entre os dentes 137

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quando sentiu suas espáduas pressionando contra o tronco áspero. Quando Reid a mordeu, o ventre dela se umedeceu em resposta, pulsando ansioso. Ela ô afastou, desesperada para se livrar do tecido que separava a boca de Reid de seu seio. Reid ficou de pé, encarando-a com olhos quase negros de desejo. — Eu te amo. Robbie tentou processar aquelas palavras no meio segundo que ele levou para levantar a perna dela apoiando-a na dobra de seu cotovelo. Aquilo não era amor, era sexo. Por que os homens confundiam as duas coisas? Por que essas três palavras pareciam rolar das línguas deles com tanta facilidade, quando queriam se deitar com alguém? E por que... Ele deslizou o membro pelas delicadas dobras de Robbie e então arremeteu. Um gemido rouco de prazer masculino vibrou em sua garganta, e seus dedos se afundaram na carne de Robbie. — Ah, Deus... Você é maravilhosa... Os quadris dele se moveram, penetrando-a mais um pouco. Ele estava selvagem: era a espécie dominante, forçando a submissão de Robbie ao seu poder superior. O corpo dela se expandiu para acomodar tudo o que tinha a lhe dar, enquanto Reid recuava apenas para mergulhar ainda mais fundo. Sobre as cabeças dos dois, os macacos gritavam, aprovando a cópula primitiva. Entrando e saindo, sem parada, sem descanso... O corpo de Robbie respondeu à fricção, e seu clímax estava chegando, prometendo um voo sem igual, mas seu coração estava chorando. Ela se sentia traída pelas palavras de Reid. Olhou para o rosto dele ao senti-lo próximo do auge e lembrou-se do único outro homem que dissera amá-la. O sangue de Reid disparava pelo seu corpo como lava, levando o calor que vinha da junção com Robbie para todos os lados e aproximando o momento de sua erupção. Tudo a respeito dela o enfeitiçava: o cheiro floral de seus cabelos, a maciez aveludada de sua pele, o jeito como ela gemia cada vez que ele tocava o ponto que lhe dava mais prazer no fundo de seu corpo. Era como se ele estivesse enlouquecido, mas não podia fazer nada para controlar suas ações. A semana que passara longe de Robbie só havia agravado sua obsessão por ela. Ela tinha pensado nela noite e dia, havia buscado alívio com suas próprias mãos e a lembrança dela, na esperança de que quando se encontrassem, pudesse satisfazê-la. Mas ele iria falhar miseravelmente. Ele sentiu o clímax se aproximar, os músculos de suas pernas e seus braços queimando. Um grunhido ficou preso em sua garganta quando um jorro de calor se espalhou pelo seu ventre. — Diabos! — Reid saiu do corpo dela, frustrado, ficando de joelhos em frente à Robbie. Segurando sua ereção, ele deixou os jatos atingirem a casca da árvore, entre os tornozelos dela. Mortificado por sua performance, Reid abaixou a cabeça, esperando que pontos negros em sua visão desaparecessem. — Bem, isso me soou familiar — ela disparou, com um sarcasmo que o fez se sentir 138

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ainda mais enojado pelo seu comportamento bárbaro. Reid levantou o rosto e fitou Robbie nos olhos... Aqueles olhos esmeralda que com frequência o encaravam implorando para fazer suas vontades. Os mesmos que agora o observavam, desapontados. — Ouso dizer que você tem passado muito tempo na companhia de Eoin. Ele a abraçou pelos quadris, pousando a cabeça sobre a barriga de Robbie. — Perdão. Eu não sou assim. Ela afagou-lhe o cabelo, surpreendendo-o com sua gentileza. — O que aconteceu com o homem determinado a plantar uma criança em meu ventre? Eoin tinha conseguido entrar na cabeça de Reid. Seu primo havia falado sem parar de seus planos para invadir o castelo Kilchurn. O maldito fazia a guerra parecer algo glorioso. Ele dissera que um MacGregor que morresse de velhice seria apenas um covarde, jogando com a culpa de Reid. Maldição, aquilo fizera sentido durante os discursos do idiota. Tentando retomar ao menos a aparência de dignidade, Reid ajeitou-se na calça e beijou a barriga de Robbie antes de ficar de pé. — Por mais que eu deseje vê-la com meu bebê em sua barriga, não vou engravidá-la se corro o risco de morrer salvando o clã. Os olhos dela se arregalaram, e Robbie pousou a mão no peito dele. — Não diga essas coisas. Você... Você... Não pode falar isso para mim, brincando ou não. — Não estou brincando. Eoin avisou as Terras Altas de uma rebelião antes de sairmos da Escócia. Ele está decidido a partir para a guerra. Ela o afastou, mas imediatamente o trouxe de volta para seus braços, agora trêmulos. — Nós não vamos para a guerra. Você não vai morrer! Embora ela não tivesse correspondido à sua declaração de amor mais cedo, aquela reação destemperada deu a Reid a esperança de que talvez houvesse algum sentimento de afeição entra a amargura presente no peito de Robbie. — Cuidado, amor, ou eu posso pensar que você até que gosta de mim. — Ele piscou, sentindo-se levemente arrogante. Ela deu-lhe um, tapa na cabeça. — Você tem titica no lugar do cérebro? Estamos juntos há menos de uma semana. Acha que estou ansiosa para me tornar viúva? — A expressão no rosto dela era inédita para Reid: ela parecia prestes a cair no choro. — Nós não vamos para a guerra. — Calma, amor... — murmurou ele, beijando os nós dos dedos dela. — O que Eoin fez não é totalmente burro. — Embora Reid não gostasse da ideia de uma rebelião, Eoin havia sido sábio ao pedir ajuda, caso as coisas não seguissem como o planejado. Reid segurou a mão de Robbie e explicou as intenções de Eoin enquanto a guiava pela selva até a praia. Ela ficou olhando para uma ilha sobre a vasta imensidão azul, contemplando tudo o que ele lhe contara. — Deixe Eoin juntar esses homens que ele chamou. — Ela enrolava um cacho avermelhado ao redor do dedo. — Enquanto ele está brincando de lorde, nós vamos nos 139

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encontrar com o lorde de Luss em uma taverna, em Rosneath. Um lugar nada ameaçador. — Robbie andou pela espuma branca do mar, fazendo suas próprias alterações aos planos de Eoin. — Vamos embebedar o sujeito e conversar sobre política. Todo escocês de verdade odeia os malditos ingleses. Vocês vão ter isso em comum. Deste ponto, passamos para o assunto de aliar os clãs como um meio de defesa. É o que os homens fazem quando negociam, não é? — Ela voltou-se para Reid, os olhos perdidos em pensamentos. Reid assentiu, pensando que tinha sorte em poder contar com ela como conselheira. — Deixe que o lorde de Luss saiba que você é contra a guerra de Eoin, e que só deseja a paz para os MacGregor. Nada mais. — Se eu informá-lo sobre as intenções de Eoin, então os Colquhouns estarão preparados quando ele atacar. Ela girou, os olhos esmeralda penetrantes e inabaláveis. — Não haverá ataque nenhum, já que nós não vamos para a guerra. Reid simplesmente concordou. Argumentar naquele instante era inútil, e falar de guerra apenas á deixava chateada. — Posso lhe assegurar que o lorde de Luss já está sabendo da rebelião. É por isso que é tão importante que você consiga colocar o homem a nosso favor. Pague-lhe algumas bebidas e cuide para que uma prostituta ou duas caiam no colo dele. Quando ele estiver bastante alegre, ofereça-lhe dinheiro por Rannoch. — Rannoch não é grande o suficiente para acomodar um clã de quase seiscentas pessoas. E temo que um homem do status dele vai pedir mais do que ouro e mulheres para abrir mão do Castelo Kilchurn. — Você tem alguma sugestão? Claro que ele tinha. Reid tivera muito tempo para pensar em estratégias diferentes, mas ele duvidava que Robbie fosse apreciar alguma delas. — Talvez um casamento possa unir os clãs. Robbie deu-lhe um olhar de soslaio. — Um casamento? O lorde de Luss tem apenas filhos. E filhos bastardos, aliás. — As netas do velho, Angus são minhas primas por casamento — sugeriu-o. — Não. Elas são apenas crianças, nenhuma tem mais de dez invernos. — Robbie balançou a cabeça com ódio, as mãos se fechando em punhos. — Aqueles bastardos marcaram Cait e Anice. Eu não vou permitir que você force nenhuma delas a uma vida de estupro matrimonial só porque mais ninguém vai querê-las. O olhar de Reid pousou sobre a cicatriz no rosto de Robbie. — Você também pensa assim sobre si mesma? Entregou-se a Eoin porque achava que mais ninguém iria querer você? Ela não se acovardou. Na verdade, a pergunta dele a fez erguer ainda mais o queixo orgulhoso. — Eoin me escolheu. Mulheres na minha posição têm muito poucas opções. E uma mulher com a marca dos MacGregor não tem escolha, a não ser se casar dentro do clã. Ele não conseguiu se forçar a fazer as perguntas que o atormentavam. Robbie estava 140

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com ele agora porque sentia que não tinha escolha? E pior: ela sentia que aquele episódio que acabara de ocorrer era nada mais do que um estupro conjugal? Revoltado por esses pensamentos, Reid pegou um punhado de conchas e jogou cada uma com entusiasmo cruel na água. — Você não vai usar nenhuma de minhas parentas em sua negociação, nem vai sacrificar vidas pelo Castelo Kilchurn. — Quem deve liderar o clã, eu ou você? — ele disparou, frustrado. No instante em que as palavras saíram de sua boca, ele quis engoli-las de volta. Jamais poderia liderar o clã sem ela. Os ombros dela caíram de leve, os punhos se abrindo. — Como sua esposa, pensei que lideraríamos juntos. Reid tentou prender um cacho atrás da orelha de Robbie, mas ela se encolheu como se esperasse um, tapa. Em vez disso, ele colocou as mãos ao redor dos ombros dela. — Ainda temos duas tarefas a cumprir antes do encontro com o lorde de Luss. — Infelizmente, descobrir a biblioteca de Xitali já não parecia mais fazer parte dos objetivos. Aquele sonho morrera na selva, com a guerra de Eoin. Reid escondeu seu desapontamento com um sorriso falso. — Devemos obter o ouro e adquirir a revogação do édito com o rei James. Robbie assentiu, suspirando. — Seja paciente, amor. — Ele segurou o queixo dela, grato por ela permitir-lhe o contato. — Tudo vai se ajeitar um dia. Ela deu uma risada desanimada. — Eu venho perseguindo esse “um dia” a minha vida toda. Temo que nunca o apanharei. Ele beijou a pele sob o lóbulo da orelha de Robbie. — É a perseguição que torna a recompensa tão desejável. Os dedos de Robbie esvoaçaram sobre o peito de Reid e, no instante em que ele iria roubar um beijo daqueles doces lábios, eles ouviram um guincho. — Serpente Branca! — Pavão Amarelo vinha, disparada na direção dele, meio correndo, meio pulando as ondas da praia. Um pequeno animal vinha atrás dela, sem tentar acompanhá-la. — Ela gosta muito de você. — Robbie desvencilhou-se de Reid. — Eu sei. Vai ser difícil deixá-la para trás. — Sim, seria difícil deixar todos eles. Eles eram sua família, seus irmãos e irmãs, sobrinhos e sobrinhas. B’alam tinha sido como um pai para ele, mas eles conseguiriam se virar sem Reid. Ele já não pertencia a este lugar. Ao menos, era o que continuava dizendo a si mesmo. Ele colou um sorriso no rosto, pegou Pavão Amarelo pela cintura e levantou-a nos braços. Os olhos dela o aqueceram no mesmo instante. — Como está meu amendoim favorito? — Ele segurou a cabeça dela, virando-a para cá e para lá, estudando-a com cuidado exagerado. — Eu acho que seu cérebro está maior! Ela gargalhou e beijou o rosto dele. 141

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— Eu aprendi sobre Loki e Balder e Odin e... — Os deuses nórdicos? — Ele ergueu as sobrancelhas. — Sim. — Ela o segurou pelos lados do rosto e esfregou o nariz no dele. — Meu cérebro logo vai estar maior do que o seu! Reid riu. Deus, ele adorava essa menina! Tanto potencial! — Borboleta da Água contou sobre Pepem? — ela indagou. — Quem é Borboleta da Água? E quem é Pepem? — Borboleta da Água é sua mulher, seu bobo! — A menina rolou os olhos e escorregou dos braços dele. Reid voltou-se para Robbie. — B’alam deu-lhe outro nome enquanto eu estava longe? Ela olhou para o oceano, seus dedos começaram a brincar com os cabelos. — De certo modo... Eu decidi que era inapropriado as crianças me chamarem de MãoCheia de Sementes, então lhes disse que B’alam gostaria que elas me chamassem de Borboleta da Água. — Robbie! — ele disse, em tom de censura, mas rindo por dentro. — Você não deve se dar um nome. Você tem que... — Argh! Eu sei, eu sei, eu tenho que merecê-lo. Mas acho que Borboleta da Água combina comigo, não é? Reid respirou fundo e concordou. De que importava? Eles tinham cada vez menos tempo aqui. — Combina bem com você. O filhote lambendo-lhe o tornozelo chamou sua atenção para baixo. Reid se agachou ao lado de Pavão Amarelo e esfregou as orelhas da ferinha. — Esta é Pepem — informou-lhe a menina. — Ela é o filhote do jaguar. — Jax conseguiu prender Kantico? — Reid olhou para Robbie, e viu a tristeza nos olhos dela. Ela balançou a cabeça. — Meu pai teve que matar a mãe de Pepem. Ele disse que ela tinha muita selvageria nela para ser domada. Reid fechou os olhos e conteve a tristeza que tentava submergi-lo. Era melhor assim. Kantico era uma ameaça para a família de Jax. Ele teria se preocupado para o resto da vida com Pavão Amarelo e o bebê a que Pomba Negra daria a luz na primavera. Rukux estava mais protegido sem Kantico. O filhote lambeu a palma de sua mão com a língua áspera. — E então, você está cuidando direito da Pepem? Pavão Amarelo deu de ombros. — Tigresa Selvagem é muito apegada a ela, mas ela precisa de alguém para cuidar. Mamãe tem papai, e Corça Gentil e Dançarina do Riacho têm Arqueiro Caçador e Falcão da Lua. Aquilo lembrou Reid de uma tarefa que ele precisava completar antes de deixar o Yucatán. 142

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— Venha, temos um banquete para preparar. Pavão Amarelo endireitou-se de um salto. — Um banquete de casamento? — Sim. — Mal ele havia pronunciado a palavra, e a menina já sumira. Sem dúvida, tinha corrido para Rukux para espalhar a notícia. Ele estendeu a mão para Robbie e notou a excitação no rosto dela. Seus olhos brilhavam como esmeraldas polidas. — Nós vamos celebrar nossos votos? Por que ele sentia que estava sempre a desapontá-la? — Eu fiz uma promessa a Pássaro Canoro, e pretendo cumpri-la antes de partirmos para a Escócia. — Mas é claro. — Ela baixou a cabeça, as mãos cruzadas à sua frente. No mínimo, ela deveria estar usando o anel dele. — Se você está querendo um casamento, eu prometo procurar um padre... — Não. Não é necessário. — Quando ela passou por Reid, ele pôde sentir o gelo da amargura dela em seu coração. Os tambores silenciaram e os nativos ficaram em silêncio quando o rei Jaguar se levantou de seu trono. — Que o vitorioso da caçada se levante e dê um passo adiante. Robbie não ficou nem um pouco surpresa ao ver Henrik emergir da horda de pessoas aglomeradas ao redor da fogueira no jardim de Rukux. — Eu sou o vitorioso — Henrik gritou, aproximando-se do palco apressadamente. O sorriso cheio de joias do rei Jaguar revelou sua aprovação quando ele abriu os braços, indicando Tigresa Selvagem e Pássaro Canoro, toda enfeitada. — Escolha. Robbie inclinou-se para perto de Reid. — Quem será que ele vai escolher? — a indagou, irônica, em um sussurro. Ele a silenciou, dando-lhe um, tapa no bumbum sem desviar os olhos de Henrik. Reid controlava a caçada. Ele era o casamenteiro. E sabia que Henrik escolheria Pássaro Canoro, assim como todos os outros sabiam disso. Mas o sorriso aberto em seu rosto barbeado era um sinal de quanto orgulho ele tinha de suas responsabilidades. Aquela expressão adicionou mais uma camada de culpa à consciência de Robbie. Henrik fez uma reverência em frente ao rei Jaguar, depois quase tropeçou-nos próprios pés na pressa de chegar até Pássaro Canoro. Depois de murmurar no ouvido dela, ele esperou pela resposta da moça, que veio em um gesto de cabeça. Ele conseguiu colocar uma pequena aliança no dedo dela, enquanto a multidão gritava e se separava em duas, abrindo caminho para o casal passar. — Eles vão ser felizes. — O olhar de Reid seguiu os dois através do mar de nativos, sem diminuir seu sorriso. — Você é a pessoa menos egoísta que eu já conheci, Reid MacGregor. — Robbie se aproximou e beijou o pescoço dele da maneira que ele sempre fazia com ela. Sentiu seu rosto 143

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se aquecer, e rezou para que ele não visse a tristeza em seu coração, mas ele notou. Ele levantou o queixo dela, estreitando os olhos, prestando atenção. Felizmente, os tambores voltaram a soar e Pavão Amarelo salvou Robbie de uma conversa que ela ainda não estava pronta para ter, puxando Reid para um círculo de dança. A alegria prosseguiu por horas, comidas e bebidas, riso e dança. Reid interagia com sua família com a vitalidade de um homem embriagado com vida. Robbie estava sentada sobre uma almofada enorme ao lado do trono, agora vazio, do rei Jaguar. Tigresa Selvagem e Eoin tinham escapulido horas antes, o que estava bem para ela, já que seus pensamentos estavam ocupados com Reid e as palavras que ela temia não ser forte o bastante para dizer. Ao vê-lo se aproximar, Robbie reajustou suas saias e afastou o cabelo do rosto, mas a filha mais velha de Corça Gentil e Arqueiro Caçador parou Reid alguns metros antes do palco. Reid esperou a garota falar, mas ela manteve-se em silêncio. — Você precisa de alguma coisa, Nikkay? Ela assentiu, os olhos escuros passando sobre um grupo de garotas e voltando para ele. — Quando Tigresa Selvagem não controlar mais o palco, e B’alam procurar a segunda fila para premiar o vitorioso da caçada, eu estarei pronta. Reid olhou para ela com uma sobrancelha arqueada. — Vai demorar um pouco. Você nem ganhou um nome, ainda é uma criança. Nikkay fez cara feia para ele, colocando as mãos sobre os quadris levemente curvados. — Quando chegar a minha vez eu; quero Guardadora de Sorrisos. — Com os olhos, ela indicou um adolescente que se divertia fazendo vários outros rir. — Você pode reservar ele para mim, ma’? — Seja paciente, mocinha. — Reid afagou a longa cabeleira negra e beijou-lhe a testa. — Vou fazer o que puder. Robbie sabia por que a resposta dele havia sido vaga. Ele não estaria aqui para garantir que Guardadora de Sorrisos surgisse como vitorioso da caçada, nem para ensinar brincadeiras às crianças. Sua intenção de deixar Rukux e sua família mopán para trás seria uma decisão da qual, com o tempo, Reid terminaria se arrependendo. — Ouso dizer que você não está se divertindo. — Ele se deitou na frente dela, pousando a cabeça no colo de Robbie. — Talvez precise de mais chocolate. Ela inalou o perfume exótico dele e afagou-lhe o cabelo escuro. — Se eu comer mais chocolate, meus olhos vão ficar castanhos — respondeu, observando toda a beleza do rosto de Reid. O fogo se refletia em suas íris pálidas enquanto Reid olhava para o céu. — Deus, este lugar é lindo. As estrelas brilham como diamantes, e o odor perfumado da selva nunca estão muito distantes do nosso nariz. Mas sabe do que eu vou sentir mais saudade? Robbie balançou a cabeça, sufocando as emoções que ameaçavam sufocá-la. — Deles. Os mopán são um povo amoroso e pacífico que dá seu amor sem esperar nada 144

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em troca. Ela acompanhou os lábios dele com a ponta do dedo, inclinando-se sobre Reid quando sentiu os braços dele envolverem suas costas e puxarem-na para frente. No momento em que os lábios de ambos se encontraram, todo o remorso que Robbie tentava conter veio-lhe à mente. Seus olhos se fecharam com força e lágrimas vazaram pelos cantos. O soluço que ela tentava sufocar escapou de seus lábios. — O que foi, amor? — Ele segurou a nuca de Robbie, olhando-a nos olhos. A preocupação visível no rosto dele tornou as palavras dela ainda mais difíceis de dizer. — Eu não posso pedir para você partir. Não posso tirar você dessas pessoas. — Tarde demais. Você já pediu. Temo que a culpa que carreguei por mais de uma década agora repouse sobre os seus ombros.

Capítulo XX

DESCOBERTA O barril de mergulho parecera muito maior na juventude dele, e Reid tinha certeza de que o lago Long nunca fora tão escuro. Suspenso a dez metros debaixo da água no fundo do Poço do Sacrifício, Reid se segurava com firmeza às barras sobre sua cabeça com uma das mãos, enquanto a outra segurava Robbie pela cintura. — Sua máscara está segura? A mão de Robbie deslizou entre os corpos de ambos para checar a máscara de couro que Reid havia selado ao redor do nariz dela. — Sim. — A resposta anasalada dela ecoou no barril, e então seus dedos frios conferiram as bordas da máscara dele também. — As duas estão seladas. — A água é mais fria do que eu tinha imaginado. — Mas nem de longe é tão fria quanto o lago na Escócia — ela asseverou, confiante. — E por sorte, nós dois estamos usando roupas de couro. Ele odiava a sensação irritante de que algo não estava indo de acordo com os planos. E se Jax e Kante não os puxassem para fora a tempo? Ou se os puxassem rápido demais e acabassem soltando as cordas? E se o globo de vidro dela atingisse alguma rocha e se partisse? E se... — Cheque, as cordas outra vez. Robbie suspirou. — As cordas estavam perfeitamente presas antes que Jax nos abaixasse para o poço. Tenho certeza de que ainda estamos seguros. Reid notou a impaciência dela, mas de jeito nenhum entraria na correnteza do rio que 145

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estava puxando seus pés descalços de modo mal planejado. — Pelos meus cálculos, devemos alcançar o reservatório de água em... — Menos de trinta minutos — Robbie terminou por ele. — Você já me disse isso. Três vezes. Ele estava descontrolado, e sabia disso. Ela também sabia, mas nada parecia incomodála. — Você não está com medo? — Ele estava. — Estou, mas também estou empolgada. — Ela ajustou as tiras que prendiam o globo de vidro envolto em couro ao seu corpo. — Está na hora, Reid. Lembre-se de expirar pela boca. A cada segundo que os cristais se dissipavam dentro do globo, a reserva de ar de ambos diminuía. Ar que talvez eles fossem precisar no fim. Mas ele não conseguia se forçar a soprar a trompa. Reid tocou os lábios dela atrás do tubo conectado à fonte de ar. — Eu deveria ter beijado você. — Você pode me beijar quando alcançarmos o reservatório de água. Mas e se eles não chegassem até o reservatório? Será que Robbie saberia como ele se sentia a respeito dela? — Se algo der errado, e eu não conseguir sobreviver e você sim, eu quero que você saiba que eu amo você, Robbie. Ela bufou. — Minha roupa está selada ao meu corpo, Reid. Este não é o melhor momento para isso. Talvez depois do mergulho eu deixe que você me persiga pela mata de novo. Vamos. Ela pegou a trompa acima da cabeça dele antes que Reid pudesse decifrar a confusão que abalava seu cérebro e soprou duas vezes. Aquele era o sinal para que Kante e Jax começassem a puxá-los para o outro lado. — Não se esqueça de contar. — Ela se desvencilhou dele e desapareceu sob a água. A corda ao redor da cintura dele o apertou. Reid tomou fôlego pela última vez no barril e a seguiu para a fria correnteza. Um... Dois... “Desnorteado” não começava nem a descrever o estado de Reid. Quatro... Cinco... Ele inspirava pelo nariz e expirava pela boca. Sete... Oito... Ele dizia que a amava, e sua resposta era “Minha roupa está selada ao meu corpo”? Dez... Onze... Inspira... Expira... Deus do céu! O que diabos havia de errado com ela? Ele queria que Robbie soubesse como ele gostava dela, caso algo acontecesse e ele morresse, e ela o acusara de semvergonhice. Será que ela julgava que ele a estava cortejando porque queria sexo? Tinha sido isso o que Eoin fizera? Inspira, expira. Inspira, expira. A pulsação dele se acelerou. 146

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Droga! Engolfado na escuridão molhada, ele tentou se acalmar e se recompor. Reid estendeu os braços à frente e se concentrou em regular sua respiração, ou estaria se arriscando a acabar com sua reserva de ar antes de chegar ao objetivo. Inspira, expira. A corda o puxou para frente, guiando-o pela passagem. De tempos em tempos, a corda que o prendia a Robbie puxava para um lado ou para o outro. Saber que ela estava a salvo ao seu lado deixava toda a tarefa muito mais suportável. Como já havia perdido mesmo a conta, ele olhava para a passagem em busca de qualquer sinal de luz ou de mudança na correnteza, algo que pudesse indicar onde Xitali havia passado o período entre os poços. O tempo passava arrastado na escuridão, e a mente de Reid vagava de um assunto para o outro. Não importava em que ele tentasse se concentrar, seus pensamentos sempre voltavam para Robbie. Ele não era nenhum lascivo. Não havia nenhum homem mais capaz de resistir aos prazeres da carne do que ele. Naquele momento, Reid resolveu provar a Robbie que era capaz de um autocontrole supremo, mas iria além: queria que ela visse que ele era digno de seu amor. Robbie rompeu a superfície no reservatório de água alguns segundos antes de Reid. Jax e Kante, junto com cerca de uma dúzia de homens mopán, gritaram lá em cima, comemorando o sucesso do mergulho. Eles conseguiram! Sobreviveram, e eles fizeram muito mais. Empolgada a ponto de tagarelar, Robbie respirou pela boca e virou-se para Reid. — Você sentiu a mudança na água? Estava em trezentos e setenta. — Não. Eu perdi a conta — admitiu-o, distante como sempre, mas nada podia diminuir a excitação de Robbie. — Nós temos que ir de novo. Dessa vez, sem as cordas. — Ela nadou até a escada presa à borda do poço, mas ele a segurou antes que pudesse subir. — Acalme-se, Robbie. Acalmar? Ele tinha perdido o juízo? A descoberta estava quase ao alcance deles, e ele queria que ela se acalmasse? — Logo vai escurecer — ele explicou em um tom impaciente. — É sempre escuro entre os poços. Que diferença faz? Ele colocou o dedo no ouvido e chacoalhou a cabeça. — Amanhã logo cedo nós voltamos. Há muito a ser preparado antes de uma segunda descida. Robbie subiu a escada de corda resmungando. — Por que é sempre você quem decide tudo? — Porque eu ajo sem pressa. Jax ajudou-a na borda do poço com um sorriso. Ele envolveu a cabeça dela com os dedos longos e foi apertando Robbie dos ombros até os pulsos, como se estivesse se assegurando de que ela realmente estava bem. — Jax estava com medo por você. 147

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Os outros concordaram em voz baixa, gesticulando para o céu para agradecer aos deuses por proteger o irmão deles. Reid saiu do poço e foi para uma rocha negra e achatada, tirando a máscara de seu nariz. Suas feições estavam calmas e imperturbáveis, o que deixou Robbie mais frustrada do que uma panela de sopa vazia. — Precisamos medir a distância da corda e marcar isso, para que Jax e Kante saibam onde parar amanhã. Não vamos descer sem as cordas. — Ele lançou-lhe um olhar que a avisava a não argumentar, e começou a dar diversas ordens, do mesmo jeito que fizera a bordo do, Obsidiana. Em nome de Odin, qual era o problema com ele? Onde estava o homem que falava de Xitali com tanto entusiasmo que quase deixava Robbie com ciúme? Onde estava o sujeito que ficara louco quando ela descobrira o segredo dos cristais? Algo havia acontecido a ele entre os poços. Algo que roubara a paixão dele. — Robbie, prepare os globos de ar e as lamparinas, depois comece a limpar o piche da sua pele. A última ordem ela tinha certeza que fora dita unicamente com o objetivo de mantê-la ocupada, mas ela conteve a língua e pôs-se a trabalhar como todo mundo. Quando as tarefas estavam concluídas, a lua flutuava sobre eles como uma enorme esfera de luz branca. O orvalho brilhava na folhagem e os sons da mata eram amplificados em uma cacofonia calmante. Afastada dos outros, Robbie repousava sobre uma esteira de bambu fora de sua tenda, esperando que Reid fosse se juntar a ela como fizera na noite anterior. Com alguma sorte, seu mau humor já teria ficado para trás. E se ela não estivesse com sorte, logo ô livraria de seja lá o que estivesse preocupando Reid. Lembranças dos dois juntos fizeram sua pele se acender. Ela nunca havia sentido aquele fogo por nenhum homem; não como sentia por Reid. Seu corpo se arrepiava com as memórias. Talvez fosse o modo como ele perdia o controle quando estava com ela. Ele se esforçava para ser gentil, e quando seu desejo por ela recusava-se a ser contido, Robbie tinha uma sensação de poder por controlar a fera que habitava dentro dele. — Por que você não está dormindo na tenda? Despertando de suas fantasias em um susto, Robbie olhou para seus joelhos desnudos no momento em que Reid batia em sua própria nuca. — Porque ainda não estou dormindo. — Ela lançou-lhe um olhar que imaginou ser sedutor e fez biquinho, tentando provocá-lo, mas Reid pelo jeito havia sido picado por algum inseto azedo. — Os insetos vão ter tirado a carne dos seus ossos quando amanhecer. — Ele se sentou na beira da esteira e tirou as botas. — Que cheiro é esse? Robbie sentou-se e vasculhou sua sacola até encontrar o pote com o bálsamo. — É um linimento que Tigresa Selvagem fez para mim, para impedir que os bichos me piquem. Eu achei que era um cheiro bom. Ele tirou a camisa. 148

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— Passe um pouco em mim. Ajoelhando-se atrás dele, ela esfregou uma quantidade generosa do linimento nos ombros e pescoço de Reid, passando em seguida a trabalhar para relaxar os músculos tensos, como fizera tantas vezes para o avô. Reid gemeu e ficou imóvel. — Isso é bom... Ela sorriu e esfregou em círculos para cima e para baixo na coluna dele, massageando os músculos maiores entre as espáduas de Reid até que ele estivesse solto e relaxado. Sentindo-se amorosa, ela inclinou-se para frente de modo a roçar seus mamilos eretos nas costas dele. Os músculos que ela havia acabado de trabalhar tornaram a se tencionar sob as pontas de seus dedos. Ele endireitou as costas, olhando estritamente para frente. O sorriso de Robbie voltou, agora com um toque de malícia, desfrutando do poder que tinha sobre ele. Ela depositou beijos leves por toda a extensão daquelas costas, mordiscando, enquanto seus dedos davam a volta pelas costelas de Reid, passavam sobre o abdome dele e alcançavam os laços que prendiam sua calça. Ele segurou a mão dela. — Duvido muito que eu vá precisar do linimento por aqui. Maldito! Ele estava maluco, agindo de modo totalmente estranho. Ela não sabia o que havia acontecido com o homem com um apetite descomunal por ela, mas pretendia encontrálo. Ficou de pé em um salto e passou por ele apressada. — Para onde está indo? — ele indagou, segurando-a pelo pulso. — De volta ao poço, procurar meu marido. — Ela o encarou, sendo dramática de propósito. O peito dele se moveu em uma risada silenciosa quando a puxou para seu colo e afastou o cabelo de seus olhos. Tirando vantagem do bom humor dele, Robbie cruzou as longas pernas ao redor da cintura de Reid, prendendo os tornozelos na base de sua coluna. — Você parece diferente. O que aconteceu? — Eu estou cansado, só isso. Era mentira, e ela sabia. Ele vinha se comportando como um garanhão cercado por uma dúzia de éguas no cio desde que haviam se casado, e nada havia mudado. Ela podia sentir como o órgão viril dele se enrijecia a cada segundo. Robbie tocou-lhe os ombros e rebolou devagar sobre o corpo dele. — Está cansado demais para cuidar das necessidades da sua esposa? Ele se inclinou à frente, beijando a pele sob a orelha de Robbie. — Minha esposa tem necessidades, é? — Você sabe que eu tenho. Enquanto os lábios dele criavam uma trilha de fogo sobre o pescoço de Robbie, nada podia se comparar ao inferno que queimava suas entranhas. O suor se acumulava ao redor do pescoço dela, que se segurou nos ombros de Reid e esfregou seu sexo sobre a rigidez do dele. 149

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Ela podia sentir sua feminilidade pulsando, pronta para explodir. Robbie agarrou-se ao cabelo dele, guiando sua boca até a dela, mas a ferocidade que procurava não estava ali. Seus lábios estavam frouxos, a língua mal correspondia a ela. Robbie se afastou, parando de mover os quadris. — Você perdeu seu desejo por mim? A pergunta pareceu reacender um pouco do fogo dele. — Não. — Ele a retirou de seu colo e a encarou por longos momentos antes de finalmente perguntar: — Onde é que você mais precisa de mim, esposa? Sem a menor hesitação, ela ergueu a barra de sua camisa até a cintura. — Aqui. — A palavra não era mais que um suspiro. A respiração dele se aprofundou enquanto ele acariciava a parte da frente das pernas dela, os polegares provocando o interior de suas coxas, convencendo-a a separá-las um pouco mais. Ele abaixou-se e beijou diretamente a feminilidade nua de Robbie. — Aqui? O contato dos lábios dele com seu local mais secreto fez o sangue de Robbie ferver. — Sim, aí... — Aquele era o lugar. Ela puxou a roupa por cima da cabeça e a jogou no chão, esperando Reid despir a calça. Mas ele não se mexeu. Em vez disso, ergueu o pé dela, apoiando-o em seu ombro, e beijou a parte de dentro de seu joelho. E então descobriu outro ponto fraco nela: a parte de dentro das coxas. Ele lambeu, beijou, desenhou na pele dela com a ponta de sua língua. Reid chegava perto do lugar em que ela precisava do toque dele, mas apenas para tornar a se afastar. — Tem algum outro lugar em você que dói por mim? Aquelas palavras a provocavam, torturavam. O cheiro de sua própria excitação disparava os sentidos de Robbie. Ah, como ela queria a boca de Reid em seu corpo! Podia contar nos dedos de uma mão apenas a quantidade de vezes em que Eoin lhe dera prazer com sua língua, mas isso tinha sido há tanto tempo... Ela trançou os dedos nos cabelos de Reid. — Por favor — implorou. — Beije-me ali... Quando ele usou a língua para separar as pétalas do sexo dela, Robbie quase deu um pulo, trêmula. O beijo dele foi gentil a princípio, lento e deliberado, deslizando a ponta da língua ao longo de sua pele mais sensível, para cima e para baixo. Assistir à boca dele em ação só aumentava a excitação de Robbie. Ela sentia seu ventre queimar, formigando. Ela gemeu e apertou os seios, tentando aliviar o desejo que contraía seus mamilos. Seu corpo teve um espasmo, e Reid respondeu se concentrando ainda mais. Usando as pontas dos dedos para abrir o acesso e ampliar a área de sua exploração, ele começou a penetrá-la com a língua, alternando entre investidas longas e lentas e outras mais rápidas e rasas. Era enlouquecedor, divino, delicioso... E ela queria agradecer a Reid, queria lhe dizer que o que ele estava fazendo era maravilhoso, mas quando sua boca se abria, os únicos sons que Robbie conseguia emitir eram suspiros e gritos de prazer. Eoin nunca havia se dado ao trabalho de cuidar dela de modo tão completo. Ele já teria 150

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buscado o seu orgasmo muito tempo antes. Ela esperava que Reid fizesse o mesmo, que a deitasse no chão e se enterrasse entre suas pernas, mas ele não o fez. Em vez disso, colocou um dedo dentro dela, depois dois, e encontrou um ritmo que se contrapunha ao dos quadris dela. Quando os dedos dele á penetraram até o fim, todos os pensamentos de Robbie se dissolveram em uma névoa brilhante e seus olhos rolaram atrás das pálpebras fechadas. Ela puxou os cabelos dele com força, com desespero, tentando afastá-lo e ao mesmo tempo segurá-lo junto a seu corpo. Nesse instante ele encontrou o tesouro secreto de Robbie, escondido onde todas as suas sensações se concentravam, no alto de seu sexo. Reid passou a língua com gentileza, depois com força, de um lado para o outro. — Isso! — ela gritou. — O corpo todo de Robbie estava tenso, os pés se contraindo nos ombros ele. Cada molécula de seu ser esperava por aquele clímax. — Agora, amor... — As palavras dele vibraram contra a pele de Robbie antes que ele começasse a sugá-la. O corpo dela estremeceu quando o clímax chegou em uma onda gigantesca, varrendo tudo à sua frente. Reid a manteve de pé quando a perna dela amoleceu sob seu corpo e continuou a sugar o mel que vinha de Robbie. Uma segunda explosão seguiu a primeira e roubou o que havia lhe restado de suas forças. Ele a segurou quando ela derreteu em seus braços e carregou-a para dentro da tenda. Saciada, exausta, Robbie ficou ali deitada de bruços tentando se recuperar, enquanto Reid fazia cócegas em sua pele. As carícias dele seguiam a coluna dela, sobre suas nádegas, e para baixo, até as coxas, para em seguida voltar e refazer o mesmo caminho. O gigante gentil havia voltado, mas alguma parte de Robbie ainda lhe dizia que não estava tudo bem. Algo ainda a incomodava. — Você também... Chegou lá? Ele inclinou-se e beijou-lhe a curva do ombro. — Eu ardo com um desejo muito maior do que você pode imaginar. — Reid beijou-lhe a base da coluna e se ajeitou atrás dela. Enquanto ela tentava decifrar as palavras dele, Reid envolveu-a em seus braços maciços e a puxou contra seu peito. O joelho dele buscou passagem entre as coxas de Robbie, separando-as, ao mesmo tempo em que sua mão escorregava pela barriga dela até encontrarlhe o sexo. A outra mão pousou sobre o seio dela e ali permaneceu. — Durma bem, amor. Durma bem? Em nome de Odin, qual era o problema dele? Seu membro estava rijo como uma rocha atrás de Robbie. Por que ele não aliviava suas necessidades? Eles eram marido e mulher, ele tinha direito! Por que não agia sobre eles? Enquanto as questões se acumulavam na mente dela, a respiração de Reid ficou estável, virando um ronco suave em questão de minutos. Trezentos e sessenta e oito, trezentos e sessenta e nove, trezentos e setenta. Reid parou 151

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de contar em sua mente no mesmo instante em que a corda puxando ele e Robbie pela passagem do rio afrouxou. Pelo menos hoje ele tinha conseguido manter a contagem. Na verdade, ele estava em total controle de si mesmo. Quando acordara com a mesma ereção com que tinha adormecido, Reid se sentira poderoso por controlar seus impulsos. Robbie, por outro lado, acordara de mau humor. Ele sabia que seu comportamento a incomodava, mas estava determinado a se abster de seus direitos conjugais até que ela percebesse que significava muito mais para ele do que apenas um corpo onde despejar sua semente. Reid inspirou no tubo conectado à sua fonte de ar e girou na água escura até enxergar o globo de fogo na mão de Robbie. O fraco brilho amarelado iluminava uma cara feia evidente mesmo sob a máscara. Mas ela não lhe daria problemas; não ali, não naquele momento. Ele nadou até ficar à frente dela, esperando que ela soltasse o globo conforme o combinado. Ela não soltou. — Largue o globo — ele exigiu, mas suas palavras abafadas flutuaram para longe, carregadas por centenas de bolhas. A teimosa balançou a cabeça, baixando as sobrancelhas. Ela se virou e nadou na direção oeste, perpendicular à corda principal. Aquilo não fazia parte do planejado. Ele disse a si mesmo que não precisava se preocupar. Ambos ainda estavam conectados à linha principal por mais de cinco metros de corda. Reid inspirou pelo nariz, soltou pela boca e seguiu a maluca. Que escolha ele tinha? A mulher tinha suas próprias ideias, e para ser honesto, nadava melhor que ele. A temperatura da água ficou frígida, como se ele tivesse nadado até o meio de uma fonte subterrânea, e foi então que ele sentiu a mudança na correnteza do rio. O entusiasmo acelerou o coração de Reid. Os cálculos de Robbie tinham sido certeiros. Ela era brilhante! Ele realmente precisava depositar mais confiança nela. Robbie parou e virou-se para ele. Um sorriso convencido foi à última coisa refletida pelo globo de fogo antes que ela o soltasse na água. O globo quicou e caiu de lado, onde o rio se desviava do leito principal, parando de repente a poucos metros de distância. Embora pequena, a chama lançava sua luz amarelada em um espaço circular, cercado por paredes de rochas lisas. Sem hesitar, Robbie nadou até o globo e ela esticou os dois braços para tocar os lados da passagem estreita. Ela olhou para cima, procurando, analisando, e então seus olhos voltaram a se conectar com os dele. Reid entrou em pânico. Aquele olhar lhe dizia que ela estava prestes a fazer algo muito tolo. Robbie desatou a corda que a ligava à linha principal, agarrou o globo de fogo e disparou para cima. Deus do céu! A mulher não parava para pensar um minuto antes de se decidir a fazer alguma coisa. Ele queria estrangular aquele pescoçinho. Em vez disso, desamarrou a corda de sua cintura e bateu os pés, seguindo-a através da passagem estreita. Apenas alguns segundos haviam se passado quando ele ouviu o som de alguém rompendo a superfície da água acima 152

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de sua cabeça. Reid nadou mais um pouco e saiu logo atrás dela. Ele respirou o ar bolorento pela boca e tinha toda a intenção de censurar Robbie, mas a cena à sua frente esvaziou sua raiva. Era como ficar sob o céu estrelado à meia-noite. O globo de fogo refletia o teto de uma caverna imensa. A caverna de Xitali. — Minha nossa! Estupefato pela descoberta, o corpo todo de Reid tremia de empolgação. De alguma forma ele conseguiu rastejar para fora da água atrás de Robbie, que agora tirava apressadamente a mochila das costas dele. Ela desatou as tiras alcatroadas, soltando-as, e tirou um pedaço de tecido que eles haviam mergulhado em sebo antes de deixarem Rukux. Ela tirou a tampa do globo de fogo e acendeu a pequena tocha. A caverna se encheu de luz, revelando um tesouro maior do que o de qualquer rei. Era um tesouro dos deuses. — Santo Loki! A voz de Robbie era quase um suspiro, seus olhos fixos em uma abundância de riquezas acumuladas em pilhas pelo chão da caverna: estátuas de deuses, cálices e vasos de todos os formatos e tamanhos. E tudo feito de ouro e jade. — De onde você acha que veio tudo isso? — Xitali deve ter coletado tudo no Poço do Sacrifício. Quando os antigos reis maias não sacrificavam virgens, jogavam ouro no poço como uma oferenda aos deuses. A voz de Reid era monocórdia, como se o ouro não o encantasse mais. Ele estava estupefato, olhando para o tesouro que tinha procurado desde que encontrara a rocha com as inscrições na floresta. Estava tonto, e por um momento achou que fosse de fato desmaiar. Incapaz de respirar, ele queria tirar a máscara de seu rosto, mas não era tão descuidado. — O que é isto? — Robbie ficou ao lado dele, erguendo a tocha bem alta para iluminar a maior de todas as descobertas. — A biblioteca de Xitali — murmurou Reid, olhando, boquiaberto, os desenhos que cobriam as paredes. As pinturas descreviam teorias avançadas em irrigação, alquimia e astrologia. Entretanto, o desenho mais grandioso de todos eles dominava a parede central. Era um mapa celestial representando o antigo universo maia. — Esta é a Árvore Sagrada da Vida, conhecida como Yaxché — explicou ele. — Os galhos da árvore se conectam com os Reinos Espirituais, os planetas. — Ele fez um gesto amplo indicando o topo da árvore, onde os galhos suportavam os oito planetas do sistema solar. — A base da árvore é o plano da Terra, e as raízes estão fincadas até o Xibalbá, onde residem as nove deidades sombrias. — O inferno? — Sim. — Ele já havia visto desenhos semelhantes àquele, mas nenhum tão detalhado. — Este é Marte. — Reid apontou para o quarto planeta contando da esquerda. Dentro do planeta havia o desenho de um homem e uma mulher de pé em frente à sua própria árvore. Uma serpente se enroscava no tronco. — São Adão e Eva — murmurou, maravilhado. 153

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— Xitali acreditava que o Jardim do Éden estivesse em Marte? Conhecimento é verdade, e verdade é poder. Reid lembrou-se das palavras na pedra de Xitali e tomou a tocha das mãos de Robbie. Aproximou-se para estudar o tronco da Árvore Sagrada da Vida. — Talvez Xitali tenha morrido e encontrado o Ser Supremo do Outro Mundo. — Reid riu, não porque estivesse achando graça daquilo, mas porque a ideia o aterrorizava por sua vastidão. — Não é de se espantar que o rei á tenha sacrificado. — Esses desenhos podem ajudar a ciência a avançar. Estudiosos pagariam uma fortuna para analisá-los. Ele desgrudou os olhos das pinturas à sua frente e encarou aqueles olhos verdes, cheios de curiosidade e espanto. Em seu coração, a ansiedade começava a se formar. As palavras dela o colocaram na defensiva. Os efeitos dessa descoberta podiam ameaçar a vida do rei Jaguar e de seu povo. Jax, Pomba Negra e Pavão Amarelo foram os primeiros que lhe vieram à mente. Ele não podia arriscar a vida deles por causa de uma mulher que desenhara algumas cenas nas paredes de uma caverna. Robbie cobriu sua boca atrás do tubo. A expressão aparvalhada no rosto dela fez Reid desejar nunca tê-la trazido até ali. Ele a segurou pelo cotovelo e a levou de volta para a água. — Quando voltarmos à superfície, você não vai contar a ninguém sobre isso. Ninguém — repetiu ele, e gesticulou mostrando as pilhas de ouro, que já não continham o mesmo fascínio do instante em que ambos haviam chegado ali. — Nós viemos atrás do ouro. Só isso. Vamos precisar preparar redes e mais corda para poder arrastar... — Você perdeu o juízo? — Robbie arrancou o braço das mãos dele, encarando-o. — Reid, nós temos... — Não! — Reid segurou-a pelos ombros com firmeza, forçando-a a se concentrar no que ele estava dizendo. — Os espanhóis espalharam o caos pelo Novo Mundo por uma centena de anos, matando tribos e queimando seus livros. Robbie franziu a testa, balançou a cabeça e estava abrindo a boca para debater a questão. — Ouça, Robbie. — Ele não permitiu que ela falasse. — Eu não vou trazer essa destruição sobre o povo mopán. Eles são minha família. Toda expressão fugiu do rosto dela, que relaxou o corpo sob as mãos de Reid e baixou os olhos. — Pensei que eu fosse sua família agora. Ele suspirou, sabendo que nada do que dissesse alteraria o que já havia proferido. — Robbie... Ela ergueu a mão para impedi-lo de continuar. — Eles são tão importantes para você quanto o clã MacGregor é para mim. Não vou dizer nada. — Os olhos dela não se descolaram do chão. — Devemos ir antes que nosso ar acabe. Ainda temos que nadar até o reservatório. Ela foi até a água e desapareceu sob a superfície. 154

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Reid respirou fundo e esfregou os olhos, frustrado pela incapacidade de Robbie em aceitar o lugar que ocupava no coração dele. O que ele precisava fazer para convencê-la de que a amava? Ele se preparou para segui-la, mas não sem dar uma última olhada para a caverna de Xitali. Ele esperara muito tempo para fazer esta descoberta, e a sacerdotisa maia não o decepcionara. Infelizmente, o trabalho que ela deixara para trás continuaria encoberto para sempre.

Capítulo XXI

SACRIFÍCIO Robbie deveria estar feliz. A expedição fora um sucesso. Em pouco mais de uma semana, Reid e ela tinham conseguido tirar todo o ouro da caverna de Xitali, exceto por uma estátua de ouro e jade que Reid insistira em deixar para trás como um tributo à sacerdotisa maia e seus esforços. Mais de uma dúzia de guerreiros mopán haviam sido; chamados para transportar a fortuna de volta ao laboratório em Rukux, onde Pomba Negra e suas irmãs passaram três dias derretendo a maioria do ouro em pequenos lingotes. O tesouro que libertaria o clã MacGregor agora estava estocado e protegido na quilha do, Obsidiana, ancorado a curta distância das praias brancas do paraíso de Reid. As provisões para a viagem de volta também já estavam em ordem. Gado, sacos de milho e barris de bebida forravam as câmaras de estocagem do navio, e uma tripulação de quase cinquenta homens aguardavam a ordem de partida do capitão. Eles iriam para casa, para a Escócia. Em menos de um mês, Robbie estaria com seu clã novamente. Ela sentia saudade deles: Nanna e a bebê Alana, o velho Angus e suas netas, mas de quem ela mais sentia falta era de seu avô. Logo, deveria estar ansiosa para subir no bote e remar até o, Obsidiana. Mas não estava. Na verdade, Robbie se sentia horrível. Uma chuva suave cobria seu rosto de umidade, escondendo suas lágrimas, mas nada podia disfarçar a tristeza que ardia em seu coração ao assistir Reid se despedindo de seus amigos e sua família. Ele abraçou Corça Gentil e Dançarina do Riacho, depois Pássaro Canoro e Henrik, e a culpa que consumia Robbie era insuportável. O rei Jaguar abraçou Reid com força. — Que Xau o proteja em sua jornada. — Eu nunca vou poder retribuir toda sua generosidade. O rei Jaguar se afastou de Reid. — Seja feliz, meu filho. Isto não é o fim. Nós nos encontraremos novamente no Outro 155

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Mundo. Reid assentiu, depois se abaixou sobre um joelho na frente de Pomba Negra. Ele pousou as mãos abertas sobre a barriga inchada dela. — Você vai tomar conta desse garoto, não é? — Garoto? Argh! Com certeza vai ser outra menina. — Pomba Negra enxugava inutilmente as lágrimas que não pararam de cair de seus olhos durante a manhã toda. Ela fez Reid ficar de pé e beijou o rosto dele. — E você vai fazer Jean-Pierre me devolver meu Jax com segurança e antes da primavera, não é? Reid olhou para Jax, apoiado casualmente contra sua lança, esperando a partida. — Você deveria ficar. Jax inclinou a cabeça, estreitando os olhos. — Serpente Branca e Jax viajam; juntos. Reid sentiu um nó em sua garganta e tornou a olhar para a barriga de Pomba Negra. — Seu lugar é aqui. Eu não quero que você perca o nascimento de seu segundo filho por minha causa. Jax encarou Reid, e a tristeza nos olhos dele partiu o coração de Robbie. Ela cobriu a boca para silenciar o soluço que ameaçava escapar dali. Estava odiando o momento das despedidas. — Jax vai. — Ele caminhou até Pomba Negra e deu-lhe adeus. — Eu vou estar de volta a tempo. É uma promessa. — Ele segurou a barriga dela enquanto dava-lhe um beijo profundo, depois foi para a água segurar a popa do bote. Reid respirou fundo, passou os dedos pelo cabelo úmido, e viu a maioria do povo mopán ir para dentro da mata. Olhou para a praia toda, procurando alguém. — Pavão Amarelo ainda está; brava comigo? — indagou a Pomba Negra, em um tom sombrio. — Ela vai se arrepender de não ter se despedido de você. Algum dia Pavão Amarelo vai entender por que você se foi. — Pomba Negra tentou consolá-lo, e seu olhar encontrou o de Robbie por um segundo antes de ela se virar para partir. Reid ainda continuou ali alguns instantes, olhando para a paisagem antes de finalmente se virar. — Suba no bote, Robbie. — Embora ele continuasse com os olhos baixos, Reid não perdeu o controle de suas emoções enquanto a ajudava a subir. Eles haviam trocado poucas palavras depois da descoberta da caverna de Xitali. Reid tinha estado distante, sua mente sempre em outro lugar. Ele não fizera amor com ela desde aquele primeiro mergulho, mais de uma semana atrás. Robbie dizia a si mesma que tanto trabalho roubava toda a energia dele, mas sabia que era uma mentira. A cada dia que se passava, mais ele se arrependia da barganha que fizera com Eoin. Ela não valia a pena. Sentada no banco, ela baixou os olhos, incapaz de olhar para ele. — Você não precisa partir. — Aquilo era uma tentativa vazia da parte dela em se libertar da culpa que a devorava. 156

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— Por favor, Robbie, agora não. Isso já é bastante difícil. Reid se abaixou para soltar o bote da areia da praia, mas antes que conseguisse, ouviu um grito infantil vindo de trás de onde estavam. — Serpente Branca! Serpente Branca! — Pavão Amarelo saiu de entre as árvores e correu para a praia. Reid virou-se para trás e rapidamente tornou a encalhar o barco na areia. Ele se voltou bem a tempo de segurar a menina que se lançara em seus braços. Ela o abraçava apertado. — Desculpe ter chamado você de sapo fedido! Eu retiro o que disse. — Ela soluçava abertamente. — Eu retiro o que disse. Você sempre vai ser meu homem branco favorito. — E você sempre será meu amendoim favorito. — Reid enterrou o rosto na curva do pescoço de Pavão Amarelo por longos minutos antes de ajoelhar na areia e colocá-la de pé. Ele secou as lágrimas nos olhos da menina com os polegares e afagou-lhe os longos cabelos negros. — Vou sentir saudades de você. Os olhos dela encontraram Robbie; suas sobrancelhas baixaram e o lábio tremeu. Robbie quase desejou que a menina a xingasse. Era inconfundível quem ela culpava por tudo isso. Reid segurou o rosto de Pavão Amarelo entre suas mãos, fazendo-a concentrar sua atenção nele. — Você vai se comportar para sua mamãe, e vai tomar conta de Pepem e de Myah, e Oscar e Khan. — E você vai cuidar de papai. — Indo na direção de Jax, ela envolveu a cintura dele em seus bracinhos e se despediu do pai na língua nativa de ambos. — Vá, Pavão Amarelo. Eu estarei de volta antes que o chikoo fique marrom no sapotizeiro. — Jax beijou o topo da cabeça da filha e subiu no bote. Ela assentiu, enxugando lágrimas dos olhos, e colocou um pedaço de cabelo preto trançado na mão de Reid. — Não me esqueça. Reid olhou para o presente, acariciando a trança com o polegar antes de fechar a mão e abraçá-la mais uma vez. — Eu nunca vou me esquecer de você, amendoim. Robbie levou a mão ao pescoço, sobrepujada pelas emoções. Ele sempre guardaria mágoa dela por forçá-lo a deixar sua família. Enquanto respirasse, ela iria se lembrar desse dia como o dia em que afastou um grande homem de seu povo. Reid rolou a fumaça sobre a língua antes de soltá-la em fitas prateadas na proa do, Obsidiana. Olhando para a noite escura como breu, a única coisa que ele queria era deixar aquele dia para trás. Sim, Jean-Pierre o substituíra no timão há cerca de uma hora, e tudo estava quieto no deque. Entretanto, ele ainda não estava pronto para encarar Robbie em sua cabine. Parte dele queria o consolo que ela podia lhe oferecer, mas o sofrimento de Reid ainda era muito recente, e ele temia o que poderia dizer se ela fizesse as perguntas erradas. Talvez ele fosse um covarde, mas queria simplesmente se afundar em sua dor. Sozinho. 157

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Tragando o charuto até a ponta se acender, laranjada, Reid brincou com a trança que Pavão Amarelo havia lhe dado até ouvir o roçar de tecidos atrás de si. — Você pretende me evitar a viagem toda? Reid fechou os olhos e suspirou. Por que ela tinha que soar tão amarga? — Não estou evitando você, Robbie. Foi um dia cansativo. Volte para a cabine, eu vou para lá em breve. Mas ele não ouviu os passos dela se afastando. Não devia ficar surpreso por ela o desafiar. Pelo canto dos olhos, viu mechas dos cabelos avermelhados voando para todo lado na brisa morna. Ela se colocou ao lado dele, que virou o rosto. — Você me odeia por afastá-lo deles? Chocado pela pergunta, Reid olhou para ela. O brilho dos olhos esmeralda tinha se apagado, e embora seus cílios estivessem úmidos de lágrimas, ela não estava se escondendo atrás delas. Robbie aguardava a resposta dele, mordendo o lábio. Parte dele queria que ela sofresse a mesma culpa com a qual ele vivera desde que a deixara na colina, mas a parte de Reid que a amava acima de tudo não suportava vê-la sofrendo. Ele jogou o resto de seu charuto por cima da amurada e estendeu a mão para Robbie. — Eu nunca poderia odiar você. Ela correu para os braços dele com um abandono inesperado para ele. Logo Robbie o abraçava com força, e ele devolvia o abraço com a mesma intensidade. Perdido naquele toque reconfortante, ele afagou o cabelo de Robbie e beijou-lhe a testa. — Mas vai levar algum tempo para que eu os esqueça, Robbie. A cabeça dela se ergueu de súbito, os olhos estreitados. — Não diga isso. Eu não quero que você os esqueça, nunca. Eles são sua família. Você prometeu a Pavão Amarelo que nunca se esqueceria dela e eu quero que você cumpra essa promessa. Um sorriso triste ergueu os cantos dos lábios dele enquanto olhava para a trança ao redor de sua mão. Os olhos escuros e reluzentes de Pavão Amarelo vieram à sua mente, e ele se lembrou da primeira vez que vira a menina. — Eu estava lá quando ela nasceu. — A memória não era tão antiga que ele tivesse esquecido seu medo. — Foi na noite em que Falcão da Lua reclamou Dançarina do Riacho como sua mulher. Meu pai e B’alam começaram a discutir qual bebida era mais forte, se o uísque escocês ou o balché dos mopán. A tribo inteira ficou embriagada: homens, mulheres, até algumas das crianças maiores. — Todos, menos você? — Ah, eu também bebi bastante. — Reid riu e apoiou-se na amurada, mantendo Robbie junto a si. — Mas eu não estava tão mal quanto Jax. O sujeito saiu tropeçando para urinar, e eu o encontrei deitado de cara em um arbusto de urtiga. — Reid fez uma pausa, recordando como os olhos de Jax tinham inchado até quase se fechar, depois coçou o queixo e continuou. — Eu consegui arrastar o infeliz até o chalé dele e encontrei Pomba Negra ali, já no começo 158

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das dores do parto. — Ela ficou brava? — Furiosa. Eu não lembro quanto tempo levei até fazê-la parar de chutar Jax. Robbie escondeu o sorriso com a mão e brincou com as rendas da camisa dele, esperando pelo resto da história. — Eu vasculhei a vila toda em busca de alguém que pudesse ajudá-la, mas não encontrei ninguém. Quando eu voltei. Pomba Negra estava ajoelhada sobre uma esteira de bambu, gritando como se seus ossos estivessem se partindo. — O brilho amarelado do lampião ficou borrado enquanto Reid se perdia na lembrança. — Ela lutou por três longas horas e xingava Jax cada vez que tomava fôlego até que as dores ficaram insuportáveis. Aí ela me implorou para cortar a barriga dela e tirar o bebê de lá. Robbie ofegou e apertou a mão dele. — Eu a censurei por sua covardia. Disse que ela era a menos corajosa de todas as irmãs. — Palavras um tanto ásperas. — Sim, mas não tanto quanto as que ela usou para me responder. Ela me condenou ao Mundo Inferior, e em seguida cuspiu em mim; momentos depois, ela expulsou o bebê de seu útero. — Reid sorriu, lembrando do instante em que pegou Pavão Amarelo. — Ela respirou pela primeira vez na palma da minha mão. Eu fui o primeiro a segurá-la, antes mesmo de Pomba Negra. — E Jax? — Dormiu durante a cena toda. — A risada que aqueceu Reid foi bem-vinda. — Jax se humilhou por semanas depois disso, tentando receber o perdão de Pomba Negra. — Por isso você queria que ele ficasse. Para estar lá para seu segundo filho. — Sim. — Reid afagou a mão de Robbie. — E eu vou me certificar que ele esteja de volta antes que esse dia chegue. Nenhum homem deveria perder o nascimento de um filho. Há uma conexão que se forma naquele momento. — Uma conexão que ninguém pode tirar de você — Robbie disse, sem pensar, abrindo um sorriso que derreteu o coração de Reid. — Eu ajudei Nanna no parto de Alana. Houve um momento de silêncio e reflexão, e ele ansiou pelo dia em que eles tivessem sua própria família. Lembrou-se do dia em que embalara uma criança pequenina e delicada sob um salgueiro em Glenstrae e imaginou se seus filhos seriam selvagens e livres como Robbie ou cautelosas e reservadas como ele. Puxando o rosto dela contra o seu, Reid beijou-lhe os olhos. — Você vai ser uma excelente mãe. Duvido que vá deixar seus filhos caírem do telhado do estábulo. — Cair? — Ela ergueu as sobrancelhas. — Eu não caí. Você e Fergus me jogaram de lá! — Você aterrissou em uma pilha de feno. Foi um experimento inocente. Todos os gatos caem de pé; se não me engano, foi Fergus quem teve a ideia de verificar se você faria o mesmo — disse ele, rindo e sentando-se no deque. Ela bufou frente à mentira deslavada. — Vovô quebrou três varas “bronzeando” o traseiro de Fergus. — Ela juntou-se a ele, 159

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sentando-se e abraçando os joelhos. — Fergus jantou de pé por uma semana. — Eu também. — Reid descansou a cabeça contra a amurada, recordando da surra que o pai dele havia lhe dado. Eles ficaram assim por horas, dividindo lembranças boas e más. Reid contou a ela sobre tudo o que ele e Jax haviam aprontado, e para cada história que ele contava, Robbie tinha uma do mesmo tipo. Ele falou das batalhas que lutara contra a tribo Kekchí e ela reviveu os duros eventos do dia em que os Colquhouns invadiram o castelo Kilchurn. — Se Lyall não tivesse avisado a mim e ao vovô do ataque, nunca teríamos conseguido fugir pulando a muralha... Reid não tinha percebido a relevância do papel que Lyall exercera na vida de Robbie, mas enquanto conversavam sobre os ataques e o caos que os MacGregor semeavam entre os MacThomas, ele ficou cada vez mais ciente da reverência no tom com que ela falava do senescal de Eoin. — Para cada cem cabeças de gado que roubávamos dos MacThomas, Lyall escondia uma na floresta. — E Eoin permitiu isso? Agora totalmente apoiada no corpo dele, Robbie brincou com um fio solto do cobertor que Duncan trouxera mais cedo naquela noite. — Não. Lyall fez isso por conta própria, sem Eoin saber. Quando os ataques começaram a dar lucro, Lyall me dava uma parcela dos espólios para esconder. — Se você continuar falando assim de Lyall, eu vou acabar com ciúme — brincou Reid, mas com um fundo de verdade: ele também queria ter a admiração que ela prestava a Lyall. Ela olhou para ele, e a luz do dia amanhecendo deixou visível para ele a ira nos olhos esmeralda. — Você não vai negar a Lyall seu lugar no clã só porque houve um tempo em que ele gostou de mim. Ele é dez vezes mais líder do que aquele bêbado ocupando espaço no seu depósito um dia fingiu ser. Lyall será um bom senescal para você, pois é leal. — Não foi leal a Eoin, pelo visto. — Ele é leal a mim e ao clã. Cansado demais para debater o assunto com ela, Reid assentiu, mas ela ainda não tinha terminado sua defesa do caráter do sujeito. — Lyall e eu sabemos quanto dinheiro Eoin desperdiçou nas tavernas. O pouco que conseguimos esconder foi o que proveu para as necessidades dos indefesos no clã. — Então acho que devo minha gratidão a Lyall. — Aquilo parece aliviar Robbie, que relaxou o rosto e o corpo, tornando a se ajeitar ao lado de Reid. — Pensando agora, o dinheiro que guardamos ao longo dos anos pouco importa agora. São trocados, comparando ao que está guardado aqui no navio. — Onde você escondeu? — perguntou ele, mais por curiosidade que qualquer outra coisa. — No lago. — A expressão convencida dela dizia o quanto tinha orgulho de sua engenhosidade. — Mesmo que Eoin descobrisse que estava ali, nunca iria atrás do dinheiro. 160

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Ele tem pavor de água. Garota esperta. Reid devolveu-lhe o sorriso. — Então você estava escondendo dinheiro no dia em que eu voltei? — Sim. Aquela conversa levou Reid a pensar na caverna. Em sua mente, viu a garota encantadora que barganhou um beijou com um rapaz enrubescido. — O que aconteceu com o ouro do espanhol? — Nunca houve ouro nenhum. Vovô disse que jogou algumas bugigangas no lago para nos manter ocupados enquanto ele fazia suas experiências. — Seu avô mentiu. O ouro está lá. Eu o encontrei na tarde em que meu pai me levou embora. Robbie endireitou as costas, os olhos arregalados com a surpresa. — Você está brincando. Reid balançou a cabeça. Ele quase podia ver a cabeça matutando sobre a ideia. — Você acha que devíamos procurar esse tesouro antes de visitar o rei? — Se o que temos aqui no, Obsidiana não for suficiente para o rei James, outro cofre dificilmente vai fazer diferença. Os dedos dele pousaram sobre o bolso onde guardava a aliança que Pomba Negra fizera para ele antes que deixassem Yucatán. Na época, Reid pensara que derreter o dobrão encontrado tantos anos atrás simbolizaria o amor que sempre sentira por Robbie, mas ele temia que, para Robbie, não seria significaria nada mais do que as joias que dera a ela em Rukux. As mesmas joias que estavam agora em um cofre ao lado dos lingotes de ouro, na quilha. Ela pretendia usar todas elas para salvar o clã MacGregor. Reid enlaçou os dedos nos dela, decidindo esperar até que ela confessasse seu amor por ele para dar-lhe a aliança, mas parte dele imaginava se esse dia ainda chegaria. Acima deles, no mastro principal, Duncan cumpriu suas novas funções e anunciou a alvorada. Por um momento, Reid sentiu falta de Henrik, mas era um egoísmo de sua parte. O inglês estava, sem dúvida, desfrutando os esplendores de seu leito de recém-casado. Na verdade, Reid deveria estar fazendo o mesmo. Sua missão de se abster de seus direitos matrimoniais ficava mais difícil a cada dia. Naquele instante, seu maior desejo era levar Robbie de volta à cabine e sentir o corpo dela contra o seu. Por uma quinzena, tinha usado a desculpa de seus trabalhos para se esconder dela, mas Robbie iria se entediar em breve e controlar seu desejo por ela seria quase impossível. Ele colocou Robbie de pé. — Tenho de substituir Jean-Pierre no timão. Ela escondeu um bocejo com a mão. — Mas você não dormiu. — Não, eu fiz algo muito mais importante. — Ele beijou a mão de Robbie. — Eu criei uma lembrança.

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Capítulo XXII

CONFRONTO DE VONTADES Maldito fosse Reid e seu autocontrole! Aquilo já estava virando um abuso! Já fazia uma hora que Duncan anunciara o amanhecer. O sol da manhã enchia a cabine de luz, mas Reid, que dormia à vontade, nu e roncando, não se moveu. Robbie sabia que ele estava cansado. Ele fazia questão de demonstrar como estava exausto todas as noites, por quase uma semana, ao se retirar do timão. Mas sempre tinha energia para conversar, geralmente sobre coisas bobas. Ela descobrira que ele podia enrolar a língua e ela, não. Mas Robbie podia tocar a ponta do nariz com a dela, e ele não conseguia. Ele já comera cérebro de macaco cru em um desafio logo que chegara ao Yucatán, e ela confessou já ter comido um verme. Algumas noites eles conversavam na sacada, outras, na escrivaninha. Discutiram o pouco de que lembravam sobre as teorias de Xitali para irrigação e alquimia, mas as informações que ela colocara nas paredes levariam meses para serem analisadas, quanto mais testadas de modo adequado. A maioria das conversas ocorria na cama, de madrugada. Ela suspeitava que Reid sentia falta de sua família mopán, e ficava feliz em lhe dar o tempo de que ele precisava para lamentar a perda daqueles que deixara para trás. Inclusive a época fora perfeita para isso, já que ela tivera seu fluxo mensal, mas agora ele havia acabado e Robbie estava ficando frustrada. Depois de se banhar na bacia e usar a pedra que Pomba Negra insistira que Robbie levasse consigo, ela untou a pele com creme perfumado e ficou de pé ao lado da cama. Reid continuou roncando, alheio à presença dela. Na maioria dos dias, quando ela despertava, Reid ou já estava vestido, ou já estava no timão. Entretanto, naquela manhã, Robbie fizera outros planos para ele. Se Reid perdera seu desejo por ela, Robbie estava determinada a ajudá-lo a reencontrá-lo. Hoje. Agora mesmo! Mas como? Ela suspirou, cruzou os braços e se lembrou do punhado de vezes que tinham sido íntimos. Talvez ela devesse se vestir para a ocasião. Reid pareceu gostar de despi-la na noite em que haviam se casado. Ela colocou uma camisola sem mangas por baixo, depois prendeu o espartilho, ajeitando-se nos suportes rígidos de modo a destacar seus seios por cima do decote. Em seguida foi à vez das meias de seda com laços vermelhos que ela prendeu nas coxas. Os trajes eram simplesmente para criar efeito. Se ela fosse obedecer seus instintos, estaria em cima de Reid do jeito que ele se encontrava. Só de pensar nisso, sentiu uma pulsação entre as pernas, mas a sensação empalideceu frente à dor surda em seu coração. Ela queria ser a amante dele; mas mais do que isso, queria ser sua gêmea. Queria ser a metade da borboleta que realizaria os sonhos dele. 162

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A mulher dos meus sonhos não é de maneira alguma tímida ou dócil. Contudo, ela possui muito mais resistência que você. As palavras que ele dissera em Rukux vieram-lhe à memória e a puseram de volta ao trabalho. Determinada a provar-se uma amante paciente, ela prendeu os cabelos atrás das orelhas e foi até o armário. Dois dias antes, Robbie encontrara ali os brinquedos amorosos escondidos em uma bolsa de couro, atrás de um pote de amendoins. Ele os trouxera, portanto, devia planejar utilizá-los algum dia. Ela não podia pensar em um dia melhor que hoje para começar. Insegura quanto a qual deles escolher, Robbie pegou uma pluma, um lenço vermelho e o bracelete dourado. Curiosa, deslizou o dedo pela borboleta que enfeitava o objeto, especulando para que serviriam aquelas antenas. Queria ser alguém mais experiente, mas resolveu confiar em Reid para ser seu guia. Outra olhada dentro da bolsa fez suas bochechas corarem. A caixa de veludo com folhas de parreira gravadas chamou sua atenção. Uma mulher é particularmente sensível à estimulação em mais de um orifício. As imagens que se formaram em sua mente fizeram seu bumbum se contrair involuntariamente. Incerta, ela respirou fundo. Manter o interesse dele era fundamental. — Maldição — sussurrou, e acabou pegando o falso membro. Agora até as pontas das orelhas de Robbie estavam enrubescidas. Ela não sabia se de vergonha ou excitação, mas três semanas era tempo demais para uma mulher ficar sem seu marido. Manter a mente aberta para novas experiências era essencial, mesmo que essas experiências envolvessem o seu traseiro. Robbie colocou os brinquedos sob a almofada do seu lado da cama, no caso de não ter a coragem de utilizá-los, e ergueu os lençóis. A luz suave da manhã cobriu o corpo desnudo de Reid. Ele estava deitado de barriga para baixo, suas belas nádegas expostas como um banquete para os olhos de Robbie. Um sorriso malicioso surgiu no rosto dela. Talvez devesse usar o falso membro nele. Uma risada quase escapou de sua boca, arruinando seus planos, mas ela conseguiu se conter e subiu no corpo de Reid. A pluma tremia na mão dela quando Robbie montou as coxas dele, acompanhando com o brinquedo as linhas fortes de suas costas. Seu nervosismo a irritou, mas ela se recusou a dar a Reid motivos para que ele se desviasse de sua cama conjugal. Respirando fundo para tomar coragem, ela levou a ponta da pluma até o começo das nádegas dele. — Está acordado, meu marido? Mas que diabos! Reid acordou totalmente ereto. O leve toque em seu traseiro contraiu cada músculo em seu corpo. Ele afastou os últimos traços de sono de sua mente e se remexeu, tentando escapar do peso sobre si. Um peso que ele logo percebeu ser sua luxuriosa esposa. A feiticeira agora estava depositando uma fila de beijos quentes descendo sobre sua 163

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coluna. — Já passou da hora de estar de pé. De pé? Ah, mas ele já estava de pé. Seu membro parecia uma rocha sob seu corpo. Respirando fundo, ele sentiu um odor mais doce do que as frutas maduras do Yucatán. — O que você está querendo, esposa? A pausa de Robbie indicou a Reid que sua pergunta não fora bem-vinda. Esse dia chegaria, inevitavelmente. De fato, ele estava surpreso por tê-la mantido à distância por tanto tempo. Ele tentou engolir, mas sua boca estava seca. — Eu pedi a Jean-Pierre que ficasse no timão por mais algumas horas. — Ela moveu os quadris, provocante. — Pensei que poderíamos... Brincar. Reid não teria forças para recusar. Ele quase quis falhar em sua estúpida missão, mas um rápido passeio sobre os lençóis não lhe daria o que ele mais desejava. — Se você sair de cima de mim eu; vou pegar as cartas e podemos brincar. Robbie suspirou. — Já joguei partidas de buraco suficientes para uma vida inteira. — O toque da pluma sumiu, sendo substituído pela tentação dos dedos delgados de Robbie. — Sabe; eu tinha outra coisa em mente... Robbie escorregou pelas coxas dele, mordiscando-lhe o traseiro. Reid sentiu sua ereção crescer mais um centímetro. De um pulo, Reid reverteu sua posição sob ela, agarrando-se cuidadosamente ao lençol na tentativa de esconder sua excitação. O sol iluminava o cabelo dela, e uma espiada nos trajes de Robbie bastou para fazê-lo desejar fechar os olhos: os seios empinados, a pele macia e acetinada, as meias cor de creme. A fera dentro de Reid soltou-se de sua jaula, a mesma que a atacara na selva. Os olhares de ambos se encontraram; o de Robbie denotava confusão. — Não consigo entender por que você está se escondendo de mim. — Ela se moveu na direção dele sobre seus joelhos e suas mãos, como um jaguar à espreita da presa. Com o coração disparado, ele umedeceu os lábios e recuou. — Não estou me escondendo. — Não? — Ela ergueu uma sobrancelha, inclinando a cabeça. Robbie puxou o lençol que o cobria, mas ele resistiu, segurando-o no lugar. Os olhos dela reluziram com raiva e ela puxou com mais força, expondo o membro rijo de Reid. — Argh, mulher! — Quando ele pegou a almofada dela para cobrir sua nudez, seus olhos quase saíram das órbitas. Os brinquedos que ele escondera a bordo estavam ali, sobre a seda vermelha. De imediato as têmporas de Reid começaram a suar, enquanto ele observava Robbie brincar com o aro. — Eu estava pensando que talvez você pudesse me educar na arte dos jogos amorosos. — Ela mordeu o lábio carnudo. Reid a encarava, os olhos cada vez mais arregalados. Seu corpo inteiro implorava para que ele cedesse ao pedido dela e a apresentasse a um mundo cheio de delícias sensuais. Ele podia aprender os segredos do corpo dela, descobrindo todos os lugares que a faziam 164

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suspirar e gemer. A tentação o deixou arrepiado. — Eu serei paciente — insistiu ela, girando o anel nos dedos. Mas que diabos! Não era isso o que Reid queria. — Nós ainda não estamos prontos para este nível de intimidade. Ele saltou da cama e correu para trás da divisória. Tremendo, encheu as mãos de água fria e jogou-a no rosto, mas nada aliviava o fogo que o queimava por dentro. — Peço licença para discordar. — A barra da camisola de Robbie encostou nas canelas de Reid. — São exatamente essas intimidades que vão impedir que você procure outra cama. Procurar outra cama? Ele se virou para assegurar que não era esse o caso, mas ela agiu antes que ele pudesse dizer algo. Robbie o segurou pelos quadris; em seguida, abaixou-se e tomou o membro dele em sua boca. — Ah, Deus! Ele estendeu a mão para a barra acima de sua cabeça em busca de equilíbrio. Sua cabeça pendeu para trás, os olhos rolando, fechados. Nenhum homem seria forte o suficiente para resistir a tanto prazer. Tire-a daí! Ele trançou os dedos nos cabelos de Robbie, pretendendo puxá-la para longe. Em vez disso, acabou arremetendo em sua boca. A sensação da língua dela girando sobre sua pele era quase insuportável, mas nada era tão sedutor quanto o modo com ela olhava para ele sob os cílios longos. Paralisado por aqueles olhos verdes, Reid não conseguia fazer nada além de assistir enquanto ela deslizava para cima e para baixo, por toda a extensão de seu membro. Os joelhos dele amoleceram, e a barra estalou com o peso de Reid. Quando ela roçou os dentes na parte de baixo do sexo de Reid, ele perdeu toda sua capacidade de raciocinar. Um rosnado de frustração e luxúria vibrou na garganta dele. O som apenas encorajou Robbie, fazendo com que ela acelerasse seu vai e vem. Reid sentiu o fogo que o consumia virar um incêndio, e percebeu que estava prestes há perder o pouco controle que lhe restava. — Não! — Ele separou seu corpo da boca de Robbie, colocando-a de pé pelos cabelos. — Não é isso o que eu quero. Os olhos dela estavam espremidos, mas tornaram a se abrir quando ele soltou seu cabelo. Ela enxugou os lábios e olhou para ele como se Reid tivesse acabado de anunciar sua intenção de se juntar a um monastério. — Isso é o que todo homem quer. O ar queimava a garganta de Reid. As palavras ditas por ela com tanta confiança o fizeram estreitar os olhos e uma veia saltou em sua têmpora. — Nem todos os homens desejam a mesma coisa. Você baseia suas teorias nas experiências que teve com apenas um homem. Um egoísta que usou palavras de amor para 165

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convencê-la a ir para a cama com ele. Robbie franziu a testa, a sua confusão enfureceu Reid ainda mais. Ele passou por ela e pegou sua calça nas costas de uma cadeira. — Eu juro, Eoin estragou você. — É por isso que você não quer me tocar? Porque estou arruinada? — Eu não estou falando da sua virgindade. — Ele vestiu a calça e amarrou os laços sobre sua ereção, enquanto buscava palavras que pudessem explicar a complexidade de suas emoções. — Eoin arruinou seu espírito. Ele roubou sua confiança. — Reid calçou as botas. — E eu temo que nunca vou conseguir recuperá-la nesse abismo escuro que você chama de coração. Sem dúvida ferida pelo que ele dissera, Robbie olhava para ele, os braços pendendo, soltos. Sua boca se abriu e voltou a se fechar, depois se abriu de novo, e mesmo assim ela não falou nada sobre amor, não fez nenhuma confissão. — Deus do céu, mulher! Você não tem nenhum carinho por mim? — Claro que tenho. Você é meu marido. Reid parou na frente dela e pousou as mãos sobre seus ombros, querendo chacoalhá-la para que as palavras saíssem de seus lábios. — Você se sente diferente quando fica perto de mim? — Ele pressionou a mão contra o peito dela. — Dói quando estamos separados? Você morreria por mim? Ela pousou a mão sobre a dele, mas sua expressão era vazia. — Eu não sei o que dizer. Diga que me ama! Ele quis exigir, mas começava a crer que Robbie tinha dado todo seu amor ao clã. Derrotado, ele suspirou, baixou os olhos e caminhou até a porta. — Tenho que substituir Jean-Pierre no timão. Ele abriu a porta e deu de cara com Duncan, a mão erguida para bater. Cocijo estava ao lado do grumete, lembrando Reid de sua amizade com Jax. — Devolva. — Cocijo deu um empurrãozinho no rapaz como incentivo. Duncan cutucou o amigo nas costelas, depois ergueu o rosto para Reid. — Capitão, eu posso lhe dar uma palavrinha? — Fale. — Reid ficou na porta com os braços cruzados, bloqueando a vista da cabine. O marujo enfiou a mão em sua túnica suja e tirou um lingote de ouro. — Foi uma tentação à qual eu não resisti, mas pus a mão na consciência e quis devolver. Reid tinha pouca paciência com ladrões. — Eu cuidei de você desde que seu pai morreu combatendo bandoleiros. Por que você roubaria de mim? — Eu não roubei! — Os olhos de Duncan se arregalaram, negando. — Aquele bêbado no depósito deu isso para mim quando eu o flagrei... — O garoto não terminou sua declaração. Ficou simplesmente olhando para as tábuas do deque. Não era nenhuma surpresa que Eoin resolvesse por a mão no ouro. O motivo pelo qual ele o utilizara para barganhar com Duncan é que era a questão. 166

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— Quando você o flagrou fazendo o quê? — Ele está com Tigresa Selvagem, capitão. E eu acho que ele a está machucando. Robbie ofegou atrás dele. — Eu vou matar o desgraçado. Reid passou por Duncan e Cocijo, desceu pelo passadiço, indo até o deque inferior. Ele iria desmembrar o bastardo se ele tivesse machucado Tigresa Selvagem. Reid pegou um lampião da parede e foi em passos largos pelos corredores estreitos na direção do depósito. Uma veia em sua têmpora pulsava no mesmo ritmo de seus passos furiosos. Quando ele chutou a porta, encontrou o depósito vazio. Dando a volta, ele marchou na direção do pequeno aposento que havia pertencido a Robbie na primeira viagem. Reid os ouviu antes de chegar à porta. Gemidos, grunhidos, suspiros, nenhum deles parecendo ser de dor. Eoin não estava machucando a filha do rei Jaguar, ele estava se deitando com ela. Isso deu ainda mais raiva em Reid. Ele não bateu na porta, apenas a escancarou. Tigresa Selvagem estava cavalgando o primo de Reid sobre um colchãozinho. Sem dar atenção à interrupção, Eoin grunhiu e continuou a arremeter na filha do rei Jaguar, mas Tigresa Selvagem voltou à cabeça para a porta, viu Reid e arregalou os olhos negros. Reid tinha certeza que a veia de sua têmpora iria explodir. Primeiro, ele mataria Eoin, em seguida mataria Tigresa Selvagem. — O que diabos vocês estavam pensando? — gritou para ambos. — Não têm nenhum respeito por B’alam? Você achou que seu povo não vai dar pela sua falta? — Ma’! — Tigresa Selvagem disparou mais algumas palavras em sua língua nativa, defendendo seus atos. — Sua tola, ignorante, maluca! Ah ma’na’at — acrescentou ele, caso ela ainda tivesse alguma dúvida sobre o que ele estava dizendo, ainda que a princesa falasse; inglês tão bem quanto às irmãs. Eoin passou um braço pela cintura de Tigresa Selvagem e olhou para Reid com os olhos semicerrados. — Será que dá para conversarmos depois, primo? Eu estou quase lá. A fúria deixou Reid quase cego, e ele deu apenas um passo para dentro do quarto. — Você, primo, vai manter seu membro dentro das calças e fora da filha do rei Jaguar. — Reid encheu a mão com um punhado do cabelo de Tigresa Selvagem e a arrancou de Eoin. — E você vai voltar para B’alam. — Aiiii! — gritou ela, segurando o pulso de Reid, que a ignorou e arrastou na direção da escada, forçando-a a correr para acompanhar seus passos largos. Quando ela tropeçou, ele a ergueu sem nenhuma compaixão. A princesa não fez nenhum esforço para cobrir sua nudez, mas seu corpo já não tinha nenhum encanto para ele. Na verdade, ela era como uma irmã para Reid. Os olhares curiosos da tripulação eram de se esperar, mas não foi à falta de roupas de 167

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Tigresa Selvagem que causou os murmúrios deles. O que lhes despertou o interesse foi o modo como ele quase arrancou o braço dela do lugar ao levá-la até sua cabine. Reid a jogou para dentro e fechou a porta com o pé. — Encontre algo para ela vestir — ele ordenou a uma Robbie boquiaberta. Ela obedeceu no mesmo instante, pegando roupas no armário. Robbie aproximou-se de Tigresa Selvagem, que estava com uma cara muito brava, e puxou o vestido por cima da cabeça dela. A mulher parecia completamente deslocada, e a maneira como ela ajeitou o vestido em seu corpo mostrava que era assim mesmo que se sentia. — O que é que você estava pensando? — indagou Robbie em voz baixa, enquanto colocava um manto xadrez sobre a camisa dela. — Eoin me tomou como mulher dele. Nós somos, como vocês dizem... Marido e esposa. Ma’? Reid bufou, chamando a atenção de Robbie. Ambos sabiam que Eoin tinha enchido Tigresa Selvagem de mentiras para que ele pudesse aliviar seus desejos. Reid enxugou o suor de sua testa e andou de um lado para o outro na cabine diminuta, o que já era uma frustração por si só. Ele só podia dar dois passos antes de ter de voltar. — Quando Jean-Pierre voltar ao Yucatán, você vai com ele. Até lá, você vai ficar na cabine com Robbie. — Ma’. Eu vou ficar com Eoin. Ele me ama. Robbie balançou a cabeça e segurou o braço de Tigresa Selvagem em um gesto de consolação. — Homens usam essas palavras para se deitar com as mulheres. — Nem todos os homens, Robbie. Tem alguns que realmente sentem isso.

Capítulo XXIII

TOLOS Nem todos os homens, Robbie. Tem alguns que realmente sentem isso. Aquelas palavras assombravam Robbie desde que Reid as pronunciara mais de uma quinzena antes. A tinta havia secado na ponta da pena que ela segurava, mas Robbie não estava concentrada no estudo das teorias de Xitali nem em Tigresa Selvagem, que continuava a falar, deitada na cama, onde estivera por boa parte do dia. Robbie enrolava um cacho no dedo, tentando entender como a mente de Reid funcionava. Você se sente diferente quando está perto de mim? Dói quando estamos separados? 168

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Robbie colocou a mão sobre o coração sob o manto que aquecia seus ombros. O jeito como ela fora forçada a viver havia lhe roubado a capacidade de sentir, mas ela conhecia o que era ansiar por algo. Robbie ansiara por comida, calor, uma família, mas nunca esses anseios foram tão fortes quanto o que ela sentia agora. Na verdade, o aperto dentro de seu peito estava pior a cada dia. Era como uma doença que a corroia por dentro. — Robbie — chamou Tigresa Selvagem, impaciente e suspirando. — Você estava falando do frio? — adivinhou Robbie, já que esse era o assunto de que a outra mais reclamava. — Eu pego outro cobertor para você. — Ma’. — A outra rolou para ficar deitada de barriga para baixo e apoiou o queixo nas mãos fechadas. — Eu quero saber por que você e Serpente Branca brigaram. — Nós não brigamos — defendeu-se Robbie, imaginando por que Tigresa Selvagem faria tal acusação. — Ele não vem para sua cama. — Isso porque você está nela. — Não por escolha minha. — Tigresa Selvagem se levantou e pegou um pedaço de queijo de uma bandeja que Duncan entregara na cabine horas antes. — Você deveria perdoar Serpente Branca. — Perdoá-lo pelo quê? — Por ter deixado você. Encolhendo-se por dentro, Robbie se arrependeu de ter contado a Tigresa Selvagem sobre o passado dela e de Reid. Mas as duas estavam praticamente presas à cabine juntas. Apesar de tudo, ela não conhecia a história inteira. Sim, Reid a deixara. Seu pai o havia levado embora, mas parte dela ainda se apegava à sensação de ter sido abandonada. Tigresa Selvagem engoliu e brincou com os laços de sua camisa. — Há muita amargura dentro de você. — E você está na posição de me ensinar alguma coisa sobre amargura. — Em um esforço para evitar a discussão, Robbie saiu da escrivaninha e esticou os lençóis. — Eu não sou amarga. — A princesa deu as costas para Robbie e ficou olhando para o céu através da janela. — Eu tenho ciúme — acrescentou, em voz baixa. — De quem? — De minhas irmãs. — Ela virou-se para Robbie, sem fitá-la nos olhos. — E de você. — Eu? Está louca? O que é que eu e as suas irmãs temos que você não tem? Tigresa Selvagem jogou o cabelo por cima do ombro e acompanhou as bordas da escotilha com a ponta do dedo. — Minhas irmãs se casaram com homens que as idolatram. Elas encontraram o amor. Robbie fungou de novo — a mulher era inocente demais. — E você acha que encontrou isso com Eoin? — Ele gosta de mim. — Ele gosta de se deitar com você. Tigresa Selvagem encarou Robbie com uma carranca e talvez tivesse respondido se o, Obsidiana não tivesse dado um tranco. Ambas se seguraram na escrivaninha em busca de 169

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equilíbrio. O eixo da corda no deque clicou ao mesmo tempo em que soaram passos se aproximando pelo passadiço instante antes que Reid entrasse na cabine. — Boa noite, senhoras. — Ele lhes deu pouca atenção ao passar por elas, deixando atrás de si o cheiro de banho recém tomado. Sua pele bronzeada estava úmida e suas calças justas estavam enfiadas em botas pretas bem polidas. A análise que Robbie efetuou da aparência dele á levou até o rosto barbeado e o cabelo... — Você cortou seu cabelo — reparou-a. As ondas, agora curtas, curvavam-se sobre a nuca de Reid. — Eu ainda deixei longo o bastante para você se segurar nele. — Ele piscou para ela e vasculhou os armários em busca de uma camisa branca e limpa. Tigresa Selvagem riu, mas Robbie não viu graça. — Por que tudo isso? — Estou desembarcando. — Desembarcando? — Robbie colocou a cabeça para fora da cabine. Um porto lotado de navios de tamanhos e formatos variados, entre os quais se podiam ver muitos homens em botes. Homens que, sem dúvida, estavam indo saciar sua luxúria. — Onde estamos? — Inglaterra. — Um anel azulado contornava as íris de Reid, combinando com o casaco índigo que cobria os ombros largos. Botões dourados enfeitavam seus punhos e um florete pendia de seu quadril. Ele espanou uma sujeirinha do ombro e estendeu os braços, pedindo a aprovação das mulheres. — Como estou? — Você está bonito. Muito bonito — elogiou Tigresa Selvagem em um suspiro, e passou a língua sobre os lábios como se tivesse acabado de lamber um membro coberto de chocolate. Sobre o cadáver dela que Reid desembarcaria sozinho vestido como o conquistador que sem dúvida ele tinha sido. As prostitutas fariam filas para atendê-lo. — Eu vou com você. — Não vai, não. — Ele a segurou pelo braço, mantendo-a ao seu lado. — Eu só vou desembarcar para descobrir junto ao povaréu onde se encontra nosso rei. — Nenhum homem vestido assim pretende se juntar a outros homens, a menos que seja para obter prazer com eles. — Você não confia em mim. Robbie rosnou, os dentes cerrados. — Você está com ciúmes! Admita. — Você é meu marido. É claro que estou com ciúmes! O olhar paquerador de Reid se acendeu com uma centelha enquanto ele a segurava pelo traseiro com uma das mãos, puxando-a contra si. Ele enterrou os dedos no cabelo de Robbie, inclinou-a para trás e deu-lhe um beijo profundo. Sua língua quente invadiu, provocou, saboreou. Reid não a beijava com tanta paixão desde que haviam saído de Yucatán. No momento em que ela o abraçou pelo pescoço, ele se afastou, dando uma última mordidinha no lábio de Robbie. — Não se preocupe, amor. Eu volto logo. E não arrume encrencas para Jean-Pierre. Ele 170

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já tem problemas suficientes mantendo Eoin ocupado. Ele a deixou com as pernas trêmulas e pegou uma pistola e uma bolsa de moedas na gaveta da escrivaninha. — Tem algo mais a me dizer, minha esposa? Quanto mais se estendia o silêncio, mais os ombros dele descaíam. Seu sorriso aberto diminuiu e se encheu de tristeza. — Muito bem, então. — E, suspirando, saiu. Robbie ficou um longo tempo olhando para a porta fechada e esfregando os braços arrepiados. A partida de Reid a deixou com um frio que chegava até os ossos. — Você é uma tola. — Tigresa Selvagem cuspiu o insulto de onde estava, na escotilha. — Serpente Branca desistiu de tudo por você, e você nega a ele o que ele mais deseja. — E diga-me, o que é que Serpente Branca mais deseja? — O seu amor. Sentado atrás de uma mesa em um canto escuro, Reid tomou uma caneca de cerveja inglesa e limpou a boca com as costas da mão. Estudou os bêbados através da névoa que enchia a taverna, mas dificilmente poderia reclamar da fumaça, já que havia sido ele quem cedera um charuto a cada um dos presentes. Era fácil fazer amizade com os ingleses, especialmente os plebeus que não podiam bancar misturar-se com a aristocracia. Tudo o que se precisava era dinheiro, e isso Reid tinha. Desde que ele continuasse pagando, os tolos continuariam bebendo, e quanto mais eles bebessem, mais rápido as línguas deles se soltariam. — Ei, Wallace. — Dudley, um dos novos amigos de Reid, despencou no banco ao lado dele. — Se você quer saber onde está o rei — disse ele, apontando para a entrada com sua caneca de estanho —, então George Villiers é o sujeito com quem você precisa falar. Um homem deslizava para o bar com graça feminina, envergando um casaco justo dourado combinado a um colarinho alto de rendas. Suas calças eram largas e terminavam nos joelhos, de onde partiam meias, listradas de marfim e púrpura, que por sua vez se enfiavam em sapatos de salto presos com largas fitas. Reid havia pensado que sua roupa acompanhava a moda, com base em suas viagens de negócios anteriores, mas o tal Villiers era quase uma mulher em sua exuberância. Suas únicas qualidades masculinas eram a barba em ponta e o vasto bigode. — Um janota, hein? — Reid olhou para seu companheiro de copo, alerta. — Poucos são mais chiques que nosso Georgie. É como a rainha James gosta de seus cavalheiros. — Dudley tragou o charuto e coçou a barriga. — Georgie passou de acompanhante a mestre da Casa e disso, a cavaleiro da Liga, tudo isso em apenas uma estação. Sem dúvida que o chamaremos de visconde até o final da primavera. Reid não se importava com as preferências sexuais do rei e queria apenas um jeito de obter uma audiência com Sua Majestade o quanto antes. Se Villiers fosse o caminho, sem problemas. — Só não entendo por que um homem com títulos tão impressionantes frequentaria um lugar tão simplório quanto este. 171

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— Georgie gosta de brincar com plebeus. Aqui, os segredos dele estão a salvo. — Dudley aproximou-se um pouco mais e falou meio de lado: — Lisonjeie o sujeito, e terá uma audiência com o rei antes que o galo cante. Um arrepio correu o corpo de Reid à menção de lisonjas e galos cantando na mesma frase. Ele preferiria falar de política e mentir sobre mulheres com quem se deitara. — Ouso dizer que não sou do tipo dele. Dudley ergueu sua caneca em um brinde a Reid e piscou. — Você é exatamente o tipo de Georgie. O mocinho tem uma queda pelos brutos. O atendente serviu uma caneca de cerveja a Villiers e o direcionou para Reid. — Cuide-se, Wallace — alertou Dudley, retirando-se tão rapidamente quanto era possível para alguém com aquela barriga. — Ouvi dizer que você busca uma audiência com meu rei. — Villiers tirou o casaco que estava pendurado em dobras artisticamente calculadas em seu ombro e o entregou para seu servo. Depois que Villiers se sentou, ele dispensou o homem com um gesto. — Ele também é meu rei. — Reid pegou um charuto no bolso e o ofereceu ao cavalheiro, esperando que o tabaco dos mopán pudesse abafar um pouco o perfume floral que o acompanhava. — Ou eu devo estar me deitando com Sua Majestade para poder chamálo de meu rei? Villiers aceitou o charuto, rindo docemente, e ergueu sua caneca e as sobrancelhas delicadas. — Sua Majestade gosta daqueles com uma natureza mais delicada. Reid abriu a tampa da lamparina e ofereceu o fogo para Villiers. Depois de aceso, Reid se arrependeu de ter-lhe dado um charuto, pois o outro fez questão de passar a ponta entre os lábios. Repetidas vezes. Para dentro, para fora, para dentro... Reid fez um esforço para não demonstrar sua reação àquilo. Villiers aproximou-se ainda mais e Reid de repente se sentiu preso em uma armadilha. — Eu, entretanto, sempre apoiei o ditado de “quanto maior, melhor”. — Com isso, ele curvou os dedos longos ao redor da coxa de Reid e apertou. Deus do céu! Os olhos de Reid se arregalaram, e ele rapidamente removeu a mão que o apalpava. — Eu sou um homem casado. — Assim como eu. — Villiers não parecia nem um pouco incomodado com a recusa. Na verdade, ele até riu. — E qual é mesmo o seu nome? — Wallace. Peter Wallace. — Escocês, hum? — Villiers explorou o corpo de Reid com os olhos. — E um belo escocês, por sinal. Muito bem, se vamos ser amigos, eu insisto que me chame de Georgie. Reid faria quase qualquer coisa por Robbie, mas virar “amigo” de Georgie Villiers estava além de sua capacidade. — Agora, o que o traz à Inglaterra, Peter Wallace? Grato por estarem de volta ao assunto, Reid enfiou a mão dentro do casaco e sacou o único lingote de ouro que trouxera a terra firme, colocando-o sobre a mesa, em frente à 172

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Villiers. O janota cruzou as pernas juntinhas e deu uma olhada de lado para Reid. — Eu deveria estar impressionado? Qualquer ladrão pode derreter o resultado de um mês de trabalho. Reid não sabia se podia confiar no sujeito, mas apreciava a possibilidade de ganhar uma audiência com o rei ainda naquela noite. Assim que a proscrição contra o clã MacGregor fosse revogada, ele teria não apenas a confiança de Robbie, mas a de seu clã também. — Eu tenho em minha posse outros cem desses. O comportamento indiferente do cavalheiro desapareceu. Villiers encarou Reid, cogitando, depois tornou a olhar para o ouro. — Eu quero ver o resto. Reid suspeitou que ele pediria isso. Guardou o lingote novamente em seu casaco e se levantou do banco. O servo ajudou Villiers a se levantar e recolocou o casaco em seu ombro. Com o servo atrás de si, Villiers seguiu Reid até a saída. — Damas, primeiro. — Reid riu, incapaz de se conter, mantendo a porta aberta. Villiers agradeceu o gesto com um sorriso e liderou-os para fora da taverna, rumo a uma calçada coberta de tábuas. O ar frio da noite tinha gosto de neve, e a lua, apesar de encoberta pelas nuvens, oferecia luz suficiente para a caminhada sobre o píer. Villiers dava pulinhos para acompanhar os passos de Reid. — Você vai comprar uma propriedade? — Não. — Então está em busca de uma posição na corte. — Não. — Reid manteve suas intenções em segredo, sabendo que Villiers não ligava para a liberdade dos MacGregor. A única coisa de que ele precisava do sujeito era sua posição com o rei. Sua posição com o rei, pensou Reid, dessa vez rindo silenciosamente do trocadilho. Villiers achegou-se a Reid, passando o braço pelo dele. — Se você se mostrar digno de confiança, eu o levarei ao quarto de James ainda esta noite. Reid tropeçou em um pedaço de corda, mas conseguiu se equilibrar antes de dar com a cara no chão. Ele nunca tinha pensado ser possível, mas sentia como se seu sexo quisesse se encolher para dentro do corpo, no desespero de fugir do outro homem. Quando chegaram ao fim do píer, Reid soltou o nó que segurava o bote no qual chegara à praia. — Onde está o resto do ouro? — indagou Villiers. — No meu navio. — Reid endireitou-se e apontou para um vasto espaço de escuridão, mas o, Obsidiana não estava na direção que seu dedo indicava. Seu braço descaiu. — Meu... Navio... Reid estreitou os olhos, vasculhando o horizonte em busca do, Obsidiana. Seu coração disparou no peito, enquanto todo o seu ser desabava. — Maldição! Onde diabo está o meu navio? 173

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Capítulo XXIV

TRAIÇÃO — Bom dia, senhoras. A luz do sol cegou Robbie no instante em que ela abriu os olhos. Segundos depois, um peso enorme pousou sobre a cama. — Mas o quê, em nome de Odin... — Ela voltou-se, encontrando Eoin envolto em seu tartã imundo entre ela e Tigresa Selvagem. — Saia já da minha cama! — Eu ouso dizer que é você quem está na minha cama. — Eoin abraçou Tigresa Selvagem, que estava bem feliz em ter seu amante faminto de volta em seus braços. — Sua cama? — Robbie lutou contra a sonolência restante em sua mente, pulou da cama e pegou seu manto de lã das costas da cadeira para cobrir sua nudez. — Bem, na verdade, é a cama do capitão, mas eu vou prometer a ele outro lingote de ouro para poder utilizá-la pelo resto de nossa viagem. — Eoin puxou Tigresa Selvagem para cima de seu corpo e esparramou os dedos sobre as coxas da moça, sob a saia. O sujeito estava maluco, só podia ser. Tinha que estar. — Reid vai matar você — alertou Robbie, ansiosa por ver isso acontecer, e estendeu a mão para abrir a porta da cabine. Com uma leve torção, a porta se escancarou. Flocos duros de neve cobriram o rosto dela, tirando-lhe o fôlego. — Suspeito que ele tentaria, se não estivesse em terra firme. Ela mal escutou a resposta de Eoin sobre o uivo do vento que enchia as velas. Nada além de quilômetros de água cercava o, Obsidiana. Robbie sentiu os olhos se arregalarem de pavor e virou-se devagar para Eoin. — Você o abandonou? As mãos dele pararam sobre o traseiro de Tigresa Selvagem, e ele encarou Robbie com inocência fingida. — Meu primo não tinha mais nenhuma utilidade para mim, já que os termos de nossa barganha foram cumpridos: você em troca do ouro. E eu decidi que meu ouro vai-me ser mais útil na Escócia. — Aquele ouro é a única salvação do clã MacGregor — sibilou Robbie. — Nós vamos voltar para a Inglaterra. — Ela calçou as botas, tentando calcular quantas horas separavam-na de Reid. Eles tinham que voltar para buscá-lo. Ela fechou a porta ao sair e segurou-se firme no corrimão escorregadio de gelo, enquanto descia pelo passadiço. O vento picava sua pele exposta, mas a fúria que a consumia manteve seus pés caminhando na direção do timão. O deque estava quase vazio, o que não era nenhuma surpresa. A tripulação devia ter se refugiado do tempo frio no interior do navio. 174

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— Jean-Pierre, você tem que dar a volta no, Obsidiana. — Ela se aconchegou mais nas roupas de lã. — Reid não está a bordo. — Perdão, ma chaton, mas não posso lhe obedecer. Ao ouvir aquilo, Robbie teve que encarar uma realidade muito mais dura do que imaginava. Jean-Pierre traíra Reid. — Como pode fazer isso com ele? — Ela balançava a cabeça, incrédula. — Reid é seu amigo. Sua traição vai deixá-lo desconsolado. — A oferta de Eoin era grande demais para dispensar. Aquilo não podia estar acontecendo. — Reid lhe deu o navio dele. Ele o salvou do seu rei e ainda lhe ofereceu um meio de vida. — Não vou precisar vender madeira com tanto ouro em minhas mãos. — O francês olhou para trás, assentiu uma vez e dois membros da tripulação seguraram Robbie pelos braços. Ela lutou contra o aperto e buscou palavras que pudessem convencer Jean-Pierre que ele cometia um grave erro. — Eoin não vai manter sua palavra. Ele nunca vai lhe dar o ouro. — Coloquem-na junto com os outros. — Jean-Pierre jogou uma chave para um dos captores de Robbie, depois tornou a puxar seu cachecol de lã sobre o rosto. — Não! — Ela gritou e protestou enquanto eles a arrastaram pelo deque principal, mas não era páreo para a força de ambos. Um deles á segurou; o segundo abriu a tranca de uma grade de ferro no deque. Robbie tentou fincar pé nas tábuas para evitar ser jogada ali, mas eles a levantaram. Um joelho masculino atingiu a barriga de Robbie. Um ombro bateu em seu queixo. Ela fez uma careta de dor, mas se endireitou e encarou os olhos escuros de uma dúzia de homens mopán: Jax, Falcão da Lua e todos aqueles que ajudaram Reid e ela a transportarem o ouro de Xitali de volta a Rukux. Havia restos de neve agarrados aos rostos deles, e os homens haviam sido despidos até ficarem apenas com suas tangas. A pele morena estava arrepiada e ganhando rapidamente um tom cinza. Ver tantos corpos fortes e sadios reduzidos à tamanha fragilidade trazia lágrimas aos olhos de Robbie, mas o soluço que ela estava à beira de soltar ficou preso em sua garganta quando seu olhar pousou em Kante. Apoiado contra a parede, o poderoso guerreiro sangrava de um corte no pescoço. O sangue escorria pelo seu peito musculoso, caindo na única pele que havia ali para servir como cobertor. Santo Loki! Ela se ajoelhou e arrancou uma tira de sua saia. — O que eles fizeram com você? Kante não era de falar muito. Na verdade, eles nunca haviam conversado. Isso não a impediu de cuidar do ferimento dele, amarrando com rapidez o tecido ao redor do pescoço dele e afastando os flocos de neve de sua testa. — O bêbado quis nos dar ouro — explicou Cocijo, batendo os dentes de frio. — Nós nos 175

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recusamos. A tripulação partiu para cima de nós com armas. Kante tentou lutar com ele... — a voz do menino se partiu. — Quando a manhã chegar, tudo ficará bem — mentiu Robbie, enrolando Cocijo junto a ela em seu manto de lã. — Onde está Duncan? Cocijo olhou através da grade que os prendia, os olhos marejados de lágrimas. Robbie balançou a cabeça e esfregou os braços de Cocijo para ajudar a aquecê-lo. A família mopán de Reid havia sido a única a permanecer leal a ele, e provavelmente pagariam por isso com suas vidas. Ela olhou para cima, para a neve que caía através da grade. A dor que pesava em seu coração era quase insuportável: desapontamento, remorso, preocupação. Seu rosto ardia com as emoções que ela tentava, em vão, conter. Uma lágrima quente escorreu por seu rosto. — Nós vamos morrer. — Cocijo abraçou Robbie pela cintura e sucumbiu ao próprio desespero. — Não, Cocijo. Não vamos morrer, não. — Robbie inspirou um ar tão frio que ardeu em sua garganta. — Serpente Branca vai nos salvar. Ele precisa nos salvar. Parente ou não, Reid iria matar Eoin. De pé na proa do vaso de guerra de Sua Majestade, Reid contemplava como faria isso. Ele podia colocar uma bola de ferro na barriga do primo. Podia simplesmente abrir a garganta de Eoin com uma adaga, ou talvez dá-lo de comida para os peixes. Ah, mas nada era melhor do que imaginar a cena de suas mãos em volta da garganta do desgraçado, espremendo até a vida abandonar aquele corpo. Os dedos de Reid se afundaram na amurada, ansiando por realizar aquele sonho. Seus pensamentos assassinos eram a única coisa a mantê-lo são. A chuva misturada com neve o havia hipnotizado por horas enquanto as dúvidas assaltavam sua mente. Robbie estaria segura? Aquecida? Protegida? Jean-Pierre cuidaria dela, assim como Jax. Ele repetia isso para si mesmo, mas não podia escapar das visões que se desenrolavam em sua mente. Eoin surrando Robbie... Estuprando-a... Matando-a. Reid enfiou os dedos nos cabelos. — Maldito seja, Eoin MacGregor. Maldito seja, nos quintos dos infernos! — resmungou os dentes cerrados. Aquela antiga sensação de desamparo ressurgiu. Ele fora incapaz de salvá-la dos Colquhouns todos aqueles anos atrás, do mesmo jeito que estava incapaz agora. — Dudley tem biscoitos e sopa no deque inferior. Melhor encher sua barriga. O coronel Whitley inclinou-se sobre a amurada e olhou para o horizonte que escurecia. Reid só conseguiu obter duas informações sobre o caráter do coronel com base na aparência deste: ele era grisalho pela idade, não por preocupações, já que sua pele era livre de rugas. E a cicatriz que lhe cruzava o queixo dizia a Reid que o homem não tinha medo de lutar. Mas seria ele confiável? Sim, o coronel praticamente roubara o navio de guerra de Sua 176

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Majestade para ganhos pessoais, mas havia poucas opções para Reid na noite passada, quando retornara à taverna. Dudley levara Reid a bordo do Destemido, onde Reid rapidamente tinha negociado sua passagem por ouro. Reid suspeitava que deveria estar grato. Atravessar a Inglaterra no lombo de um cavalo seria sua última opção. — Meus agradecimentos. Vou procurar Dudley quando não puder mais ver o horizonte. — A saúde é sua. — O coronel Whitley deu de ombros, depois se endireitou. — Marquei nossa velocidade, e pelos meus cálculos, vamos alcançar a Ilha de Man ao amanhecer. Se o seu navio não aparecer no horizonte com o sol, então eu não terei escolha além de devolver o Destemido à Coroa. Sua Majestade me mata se descobrir que levei seu navio para o norte. — Creio que o rei James vai perdoá-lo quando eu colocar o ouro aos pés dele. Um sorriso lento ergueu os lábios rachados de Whitley. — Todo o ouro, menos por três lingotes, certo? — Alcance o, Obsidiana e terá seus três lingotes, conforme o combinado — relembrou Reid. — Quantos lingotes você disse que há no navio? Desgraçado ganancioso. Reid olhou para o homem, alerta. — Eu não disse. — E poderia dizer agora? Reid sorriu. Ele não podia culpar o coronel por tentar; mesmo assim, não forneceu a informação. — Vinte? Cinquenta lingotes? — tentou adivinhar o coronel Whitley. — Talvez você esteja escondendo mais que ouro. — Quando Reid permaneceu em silêncio, o coronel insistiu. — Você estaria por acaso ajudando e escondendo um refugiado? — Não. — É meu trabalho proteger o Destemido. Se eu for forçado a retaliar contra um ataque, devo saber se existe algum nobre a bordo antes de mandar seu navio pelos ares. Talvez um príncipe? Um duque? O sujeito não desistiria do interrogatório. Reid controlou suas emoções e encarou o coronel. — Minha mulher está a bordo daquele navio. — Ah... Você poderia ter mencionado isso antes. Não é de se espantar que não se encantou com nosso Georgie. O alívio fez Reid suspirar. Talvez o coronel fosse um pouco romântico. Ele pareceu mesmo mais tranquilo. As ondas que se quebravam contra o casco preencheram os longos minutos de silêncio entre os dois. — Ho! — gritou o contramestre, do ninho do corvo. Reid tornou a olhar para o horizonte e teve que estreitar os olhos. Um ponto amarelo piscou no lugar em que o mar negro se encontrava com o céu cinza-chumbo: a lâmpada da 177

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bitácula. Era o, Obsidiana, Reid tinha certeza. Podia sentir em suas entranhas. Ele estava à milhas de distância, mas estava ali, à vista. — Por Deus! — O coronel Whitley bateu nas costas de Reid. — Vamos alcançá-lo, Wallace. Vai levar alguns dias, mas vamos alcançar seu navio e seu ouro. E minha mulher, acrescentou Reid mentalmente, sem desviar os olhos daquela luzinha de esperança. Os olhos de Robbie estavam abertos, mas ela estava cercada pela escuridão. A noite caíra sobre eles como um manto de maus presságios. A neve tinha parado algumas horas antes, pelo que ela era grata, mas o frio havia se agarrado aos ossos de todos com seus tentáculos gelados. Cada extensão do corpo dela estava congelada: seus dedos das mãos, dos pés, seu nariz. Robbie torcia para que os dentes de Cocijo tivessem parado de bater porque sua lã estivesse mantendo-o aquecido, mas parte dela temia que os elementos fossem levar a vida do garoto antes do nascer do sol. Jax e Falcão da Lua haviam se colocado ao lado dela, mas os corpos de ambos estavam lentamente se esfriando, como o de Robbie. Estava frio demais para se mover, frio demais para dormir, e a preocupação com o bem-estar de Reid só piorava a situação dela. O hálito morno de Jax soprou sobre o rosto de Robbie antes que ela ouvisse suas palavras. — Serpente Branca diz que o frio na Escócia pode gelar o sangue de um homem enquanto ele dorme. — É verdade — confirmou Robbie, achando melhor não contar que eles ainda não haviam alcançado a Escócia. Falcão da Lua respondeu algo, primeiro na linguagem deles, depois repetindo para Robbie. — Serpente Branca tem cérebro de macaco para deixar o Yucatán. Robbie abriu a boca para defender a decisão de Reid, mas Jax foi mais rápido. — Serpente Branca deixou o Yucatán pela borboleta dele. A culpa que veio com a declaração de Jax roeu Robbie por dentro, mas o desprezo de Falcão da Lua não deu há ela tempo para remoer essa sensação. Os dois guerreiros discutiram em sua língua nativa, o tom lembrando Robbie de seu avô e o velho, Angus. — Sua família deveria vir morar com os mopán. — A oferta de Falcão da Lua era tão generosa quanto risível. O clã a acusaria de loucura, do mesmo modo que fizera com Calum MacGregor onze anos antes. — Talvez você possa ficar na Escócia e morar com os MacGregor. — Ma’! É frio demais! — responderam ambos em uníssono. Robbie visualizou a beleza que era a Escócia. — Não é sempre tão frio. Nós temos todas as estações do ano. A primavera deixa tudo verde, e flores do campo se abrem nas colinas por todos os meses do verão. 178

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— Nossa mata é verde todo dia, e as flores estão sempre desabrochando no Yucatán. — A Escócia tem rios e lagos e... — Nós temos a praia. — O tom esnobe de Jax incentivou-a a prosseguir, mas no que ajudavam aquelas comparações? — Meu povo nasceu em solo escocês, como seus ancestrais antes deles. Meus parentes lutaram e morreram para plantarem suas sementes em um campo só deles. Acha que eu posso pedir a eles para abandonarem sua terra natal por uma à qual não tem nenhum direito? Eles achariam que eu fiquei louca. — Eles achariam que Itzamná os levara até o paraíso — redarguiu Jax, fazendo seus companheiros rirem na escuridão. — E as minhas parentas? — Cait e Anice foram às primeiras que vieram à mente de Robbie, mas ela também pensou nas mulheres mais velhas, algumas já distantes da idade fértil. — Elas vão precisar de maridos. — Nós temos homens. Homens fortes — opinou outro nativo, juntando-se à conversa. — Os mopán são bons caçadores. Embora as mulheres fossem a definição da beleza, Robbie não achava os homens mopán nem um pouco atraentes. Mas como explicar isso sem ofendê-los? — Acho que minhas parentas são um tanto... Exigentes. Elas podem não achar seus caçadores... Ahn... Atraentes. — Nós não somos bonitos? — questionou Jax, incrédulo. — Claro que são! — Robbie apressou-se a consertar, pegando um cacho de cabelo para retorcer entre os dedos. — Mas vocês são casados. — Eu não sou casado. — Eram as primeiras palavras que ela ouvia da boca de Kante. Como, em nome de Odin, ela poderia responder àquilo? Frustrada, ela pigarreou. Estavam todos presos na barriga de um navio, talvez fossem morrer, e eles queriam encontrar esposas entre as mulheres do clã. Embora o assunto a deixasse feliz, Robbie não podia dar atenção a tal loucura. Talvez Reid fosse um bom casamenteiro, mas ela não tinha esse talento. Acabou se decidindo por um ângulo diferente. — Quantos mopán vivem em Yucatán? Todos eles se juntaram, lançando os nomes dos anciãos, de seus filhos e filhas, e de suas esposas. — Três vezes vinte. — Sessenta. Vocês têm sessenta membros no seu clã. — Sessenta — concordou Jax. — Tínhamos mais, antes de lutarmos com os kekchí. — O meu tem quase cem. Cinco vezes vinte — esclareceu Robbie, caso eles não tivessem entendido ainda que o clã MacGregor tinha quase o dobro do tamanho da tribo. — E não são apenas mulheres. Também há homens, que vão precisar de esposas, e crianças e idosos. Estão dispostos a dividir suas mulheres, sua terra e sua comida? Acham que o rei Jaguar vai dar as boas-vindas a tanta gente? A resposta que obteve foi o silêncio. Ela suspirou, arrependida da aspereza em sua voz. 179

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Eles haviam sido leais a Reid, e ela lhes devia gratidão, não grosseria. — Serpente Branca ficaria muito, agradecido pela oferta de vocês, assim como eu estou. — Serpente Branca é nosso irmão. Vai ser difícil retornar ao Yucatán sem ele. — As palavras de Jax doeram como um, tapa na cara. Se eles conseguissem escapar daquela prisão, como conseguiriam chegar até sua casa? Jean-Pierre já não era confiável o bastante para leválos. Robbie encostou a cabeça na madeira. Jax abraçou-a pelos ombros e apertou. — Não tema. Os deuses nos salvarão. A exaustão a impediu de prosseguir discutindo. Robbie queria chorar; em vez disso, aceitou o abraço de Jax e descansou contra o peito dele. O cheiro de manteiga de cacau lhe trouxe boas lembranças. O sol do Yucatán aquecia-lhe a pele e a saliva se acumulou em sua boca quando ela pensou na doçura da goiaba. Ela já não sonhava com Rannoch. Em vez disso, via a si mesma em Rukux, nadando na lagoa com Reid. Em sua cabeça, assistia enquanto ele brincava com Oscar, Myah e as crianças mopán. Mas então havia outras entre elas: Shane e Bryson brincavam com Cocijo, e Cait e Anice riam com Nikkay e Pepem. Segundos se tornaram minutos, e antes que ela pudesse se conter, estava casando sua família com os nativos mopán. O primeiro casal que lhe veio à mente foi Nanna e o rei Jaguar. O riso de Robbie se transformou em lágrimas de desamparo, que a levaram a um sono inquieto que não durou mais que algumas horas antes que uma voz a trouxesse de volta à realidade. — Srta. Mary. Os olhos de Robbie de reajustaram à luz amarela sobre ela. — A senhorita está bem? — A pequena chama da lamparina iluminou o rosto do grumete. — Duncan? — Robbie se endireitou de um pulo e estendeu a mão para a grade de ferro, para segurar a mão quente do rapaz. — Cocijo está machucado? Robbie olhou para o garoto encolhido sob a lã. Os olhos dele se abriram e ele sorriu. — Estou bem, meu amigo. Robbie suspirou e ofereceu uma prece ao criador antes de se concentrar outra vez em Duncan. — Você tem de nos ajudar. Depois de uma olhadinha para trás, Duncan passou uma bolsa de vinho pela grade. Em seguida vieram três cobertores, uma pele e uma bolsa cheia de roupas. — O capitão Jean-Pierre tem a chave. — Onde está ele? — Ela estava preocupada com a segurança de Duncan, mas continuava a puxar os itens que ele trouxera e entregá-los a Jax para serem distribuídos. — Ele está com o bêbado nos aposentos do capitão. — E quem no timão? — Eu. — Havia certo orgulho na voz do garoto. Ele tornou a olhar sobre o ombro. — O 180

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que a senhorita quer que eu faça? — Kante está ferido. Preciso de uma agulha e uísque. — Estarei de volta em dez minutos. — Duncan pegou a lamparina. — Espere, o que está acontecendo? — Vai dar tudo certo, Srta. Mary. Nada tema. Eu pendurei uma lanterna perto da bússola para ajudar o capitão a nos encontrar. — Que capitão? — Meu capitão. Há um navio nos seguindo. Ele está vindo, Srta. Mary. Reid! O coração dela quase parou. — Duncan, você tem que desacelerar o navio. Faça o que quiser, mas não deixe o, Obsidiana ancorar na Escócia.

Capítulo XXV

ESCOLHAS Quatro dias. Reid passara quatro malditos dias a bordo do Destemido olhando para a traseira do, Obsidiana enquanto o perseguia pelas águas da costa da Escócia. O navio de guerra de Sua Majestade navegava como se estivesse arrastando a âncora, mas passou pelos portos de Rosneath e, aproximando-se do lago Gare, ele viu seu navio emergir de uma grossa cobertura de neblina. Enquanto o Destemido flutuava lentamente ao lado do, Obsidiana já; ancorado a sensação de peso que oprimia o peito de Reid se intensificou. O cenário horrendo que vira repetidas vezes em sua mente não o preparara para aquilo. A luz da bitácula lançava um brilho amarelado no, Obsidiana. Uma fina camada de neve cobria os corrimãos. As velas estavam recolhidas, mas o que realmente tirou o fôlego de Reid foi o cemitério em que tinha se transformado o deque principal, coalhado de corpos. — Deus do céu — murmurou ele, certo de que morreria sufocado em sua própria ansiedade. A equipe do coronel Whitley jogou quatro ganchos de ferro sobre a amurada do, Obsidiana, depois puxou as cordas até que os dois navios estivessem alinhados, proa com proa, popa com popa. O contramestre lançou uma tábua sobre os parapeitos e Reid foi o primeiro a atravessar, a espada em riste. Ele girou lentamente no deque principal, tentando compreender o que seus olhos não queriam enxergar. Ao menos duas dúzias dos membros de sua tripulação jaziam em poças de sangue. Nas mãos, ainda tinham os punhos de suas armas. Reid lutou contra a histeria enquanto buscava na carnificina por uma cabeleira loiro-avermelhada. — Robbie! — Ele correu até sua cabine, escancarando a porta. A cama estava manchada 181

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de vermelho-escuro, uma mancha que se arrastava em uma linha pelo chão e desaparecia do outro lado da cama. — Ah, Jesus! Não, não! Reid cerrou os dentes e atravessou a cabine, encontrando Jean-Pierre deitado, a garganta aberta de uma orelha à outra. Reid ajoelhou-se ao lado do homem que chamara de amigo por mais de cinco anos e fechou-lhe as pálpebras sobre os olhos sem vida. Quantos precisarão morrer para colocá-lo de volta em seu trono? Quantos forem necessários. Reid lembrou-se de Fergus. O remorso queimou em seus olhos e apertou seu coração. Eoin já havia lhe tomado tanto, e Reid sabia que o desgraçado não iria parar até que estivesse sentado no trono do castelo Kilchurn. Ele levaria seu exército para uma guerra que só prometia mais matança. E para quê? Mesmo que ele se sagrasse vencedor, quanto tempo levaria até que os Colquhouns preparassem um contra-ataque? Com os MacGregor ainda proscritos, o clã nunca poderia ser realmente livre. — Reid. Ele se endireitou de súbito e saiu pela porta aberta ao ouvir a voz dela. Seu pulso disparou, ensurdecendo-o. Havia dedos segurando a grade instalada no deque principal. Ela está viva. Está viva! As palavras ecoavam na cabeça dele durante o tempo que Reid levou para pegar um machado em sua cabine e cruzar o espaço até o deque. O temor dele ainda superava seu alívio, e tremores percorriam seu corpo. Essas emoções apenas ficaram mais fortes quando ele olhou através da grade que os mantinham presos. Ela abraçava Cocijo com força junto a si, enquanto os irmãos mopán a cercavam em um círculo de proteção. Seja lá o que havia acontecido a bordo do, Obsidiana, Reid sabia que eles haviam-na protegido o quanto podiam. Não havia palavras para expressar sua gratidão. — Liberte-nos. — O hálito de Jax saiu em uma nuvem junto com a ordem impaciente. Reid ergueu o machado e em um golpe certeiro arrebentou a corrente em duas partes. Ele se ajoelhou e puxou Robbie, que estava fria e pálida, da prisão. Sob seus olhos esmeralda, bolsas escuras haviam se formado. Ela estava à beira das lágrimas, mas ainda assim passou as mãos trêmulas sobre o corpo dele em busca de ferimentos. — Você está bem? Não foi ferido? Ele a encarou, quase incapaz de respirar. — Não. Robbie o abraçou pela cintura e soluçou contra seu peito, demonstrando uma fraqueza que ele jamais havia visto. — Tudo vai dar certo agora. — A voz dele tremeu, e por um breve momento, Reid regozijou em saber da preocupação dela com seu bem-estar. Ele fechou os olhos, contendo as próprias lágrimas, e beijou a testa dela. — Você está ferida, amor? Ela secou as lágrimas e balançou a cabeça. — Eu não, mas Kante está. Os mopán ajudaram um ao outro a subir para o deque. Kante foi o último a sair do 182

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buraco, com uma dúzia ou mais de pontos fechando um ferimento em sua garganta. — Não tema, Serpente Branca. Ainda tenho muitos anos de vida. — O guerreiro gigantesco bateu nas costas de Reid e abriu um sorriso um tanto deslocado, considerando-se que eles ainda estavam com problemas. Reid olhou para a prisão vazia. — Onde está Tigresa Selvagem? — A tola sem dúvida deve ter seguido Eoin para terra firme. Ela botou na cabeça que ele vai ser fiel a... — Os olhos de Robbie deixaram os dele e se arregalaram. — Santo Loki! — Robbie entrelaçou os dedos gelados aos de Reid, olhando para os cadáveres que enchiam o deque. — Eoin jogou os marujos uns contra os outros, prometendo um lingote para cada dois homens. E eles pagaram caro por sua cobiça. Ele não queria acreditar que seus homens o tivessem traído, mas o ouro talvez tivesse sido tentação demais para eles. — Falando em ouro... — O coronel Whitley deu um sorrisinho para Reid, mas a cobiça que o animava sumiu de seu rosto quando Robbie olhou para ele. O coronel encarou a cicatriz que cobria o rosto dela. Robbie rapidamente se virou, puxando o cabelo sobre o rosto para se esconder. Nem uma vez ela precisara fazer isso em Yucatán. A marca não significava nada por lá, mas aqui, ela a destacava como membro do mais subversivo clã em toda a Escócia: o mesmo que o dele. — Céus! — O sujeito inclinou a cabeça para observar Robbie com mais atenção. — Diga-me que eu não fiz esse caminho todo até a Escócia por uma maldita MacGregor! Reid colocou-se na frente de Robbie. — Eu vim por ela. Você veio pelo ouro. A tripulação do coronel Whitley agora cobria o deque do, Obsidiana, as pistolas apontadas, as espadas desembainhadas. Eles superavam o número dos mopán por trinta, talvez quarenta homens. Um ataque seria suicídio. Os olhos de Whitley se estreitaram sobre Reid. — Quem é você? — Eu tenho muitos nomes. — Eu gostaria de conhecer todos eles. — Eu sou Serpente Branca, irmão do povo mopán. — Reid fez uma pausa longa o bastante para seus irmãos declararem o mesmo em sua língua nativa. — Como meu pai, assumi o nome Peter Wallace porque o édito de Sua Majestade contra o clã MacGregor nos forçou a isso. — Qual é o seu verdadeiro nome, homem? — O coronel sacou sua pistola, agitado. Whitley o tinha pelos cabelos, e Reid não era tolo o bastante para lhe dar outro nome falso. E estava cansado de fingir. Ele era o filho de um líder que protegera seu povo com todas as forças. Contudo, esse mesmo povo não tinha conseguido enxergar o sentido de sua ambição. Calum MacGregor não era um covarde. Ele tinha sido um homem honrado, e Reid o teria deixado orgulhoso se o rei James não houvesse roubado seu direito a liderar o clã. 183

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— Meu nome é Reid MacGregor. Sou o filho de Calum MacGregor. — Ele abraçou forte Robbie, ergueu o queixo e proclamou: — Sou o Gregarach, o chefe de direito do clã MacGregor de Glenstrae, e retornei à Escócia para livrar meu povo da perseguição. Robbie apertou o braço dele. Era um pequeno gesto, mas que o fortaleceu mesmo assim. A aprovação dela aqueceu o coração de Reid. — Eu deveria levá-lo de volta para a Inglaterra, para que Sua Majestade pudesse executá-lo publicamente. — E ao fazer isso, nunca vai ver um só lingote de ouro. O coronel ergueu o braço e apontou a pistola para a cabeça de Reid. — Presumo que o ouro já não esteja a bordo. Você vai desembarcar e consegui-lo de volta. Todo ele. Eu tomarei conta de seu navio e de sua mulher até que você volte. — Não. — Reid lutou para controlar a fúria que tencionava seus músculos enquanto os dedos de Robbie se enterravam na cintura dele. — Ela não significa nada para você. — Verdade. Mas para você, ela significa tudo. — Um simples aceno de cabeça de Whitley pôs seus homens em ação, mirando suas armas nos homens mopán. — Concorde com meus termos, ou darei a ordem para matar esses selvagens um por um. Reid avançou, preparado para atacar, mas Robbie parou à sua frente. — Faça como ele diz. Por favor. — Ela olhou para trás. A ira fazia o corpo de Reid tremer. Robbie pressionou a mão na nuca dele e puxou-o para junto de si. — Junte o clã, milorde. Encontro com você em terra firme. — Ela beijou a pele sob a orelha de Reid, onde o pulsar de sua veia era visível, e se afastou. O que ela queria dizer com “encontro você em terra firme”? Ele abriu a boca para discutir o assunto, mas ela o silenciou com um olhar que pedia sua confiança. Maldita fosse ela e sua bravura constante! Ele estava desesperado, mas ela era invencível. Whitley apontou com a pistola para um bote. — Posso lhe assegurar, sua mulher será tratada com a mesma dignidade que a Rainha Anne. Reid envolveu a cintura de Robbie com um braço e apontou um dedo para Whitley. — Se você erguer a voz para ela, eu vou caçá-lo e matá-lo. Era de se duvidar que o coronel Whitley fosse amarrar sua rainha ao parapeito de um navio em um clima frio ô bastante para mumificar os dois cadáveres caídos juntos aos pés de Robbie. Entretanto, ela estava grata à Mãe Natureza, pois a chuva e a neve tinham feito o coronel e seus homens descer para a barriga do vaso de guerra de Sua Majestade. Todos, exceto meia dúzia de marujos encolhidos junto a um barril aceso no deque principal do Destemido, os mesmo marujos que agora negligenciavam a ordem do coronel de guardar Robbie e os homens mopán. Ela segurou seu manto junto à boca para impedir que o vento gelado cortasse a pele de seu rosto e olhou para o fiel grumete que a espiava. Com um gesto da mão de Robbie, Duncan deslizou pela neve, aproximando-se das saias dela e da proteção oferecida pela lã. 184

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— O que quer que eu faça, Srta. Mary? Assim que ele cortou as cordas que prendiam seus pulsos, o sangue voltou a circular em suas mãos e fez arder às pontas dos dedos. — Solte os outros e me encontre no deque inferior. A situação deles não lhe permitia o luxo de perder o controle. Ela segurou o morto à sua esquerda pelos ombros e lutou com seu corpo rígido até que ele se inclinou o bastante para ficar no lugar dela, contra o parapeito. Ela não se lembrava o nome dele, mas o reconheceu como um dos oficiais de Reid. Enquanto enrolava seu manto sobre a cabeça dele, imaginou em que ponto de sua vida tinha ficado tão insensível que a visão de um homem morto não a fazia mais tremer. Que Deus tenha piedade de sua alma. Robbie fechou as pálpebras dele. Nenhuma lágrima lhe subiu aos olhos, e ela culpou Eoin por deixá-la tão apática. Ele lhe roubara sua paixão, sua confiança e sua habilidade de sentir, mas Reid havia reacendido aquele fogo. Ele lhe ensinara que ela era uma mulher digna de esperanças e sonhos. Ela era uma mulher digna de amor. — Srta. Mary — sussurrou Duncan, chamando-a. Agora, uma dúzia de cadáveres ocupava os lugares dos guerreiros mopán junto ao parapeito do, Obsidiana. Robbie afastou da cabeça quaisquer pensamentos que pudessem atrapalhar a tarefa à sua frente e arrastou-se pela sujeira até chegar ao deque inferior. Guiados pela lanterna de Duncan, eles se movimentaram com rapidez por dentro do, Obsidiana até as galeras, onde se secaram junto ao fogo de cozinhar. Vários minutos se passaram e Robbie sentiu o olhar de todos sobre ela. Foi quando percebeu que eles aguardavam suas ordens. — E agora? — Sempre impaciente, Jax pegou uma das duas bolsas de vinho que havia por ali e um pedaço de carne-seca que Duncan havia colocado junto ao fogo. Por um momento, Robbie ficou paralisada pelo pânico, mas ela havia passado a madrugada pensando em diversas soluções. A madrugada logo os encontraria e afastaria a neblina que os auxiliava a se esconderem de seus captores. Eles poderiam remar para terra firme facilmente em um dos botes, mas Robbie não tinha nenhuma intenção de deixar o, Obsidiana para trás. Olhou para Jax. — Será que você e Falcão da Lua podem dar conta dos seis guardas? Ela mal tinha acabado de perguntar, e Duncan e Cocijo já tinham despejado uma pilha de armas em uma mesinha de madeira atrás deles. Jax pegou uma adaga curva e sorriu. Robbie não apreciava a ideia de mais derramamento de sangue, mas se apenas um dos homens de Whitley tivesse a chance de pedir ajuda, o plano dela fracassaria. — Kante, você acha que consegue levantar a âncora, sozinho? O guerreiro assentiu. — Vocês três — disse ela, apontando. — Abram nossas velas, depois desçam ao deque 185

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para manejar os remos. Cocijo, eu quero que você suba até o navio deles e corte as cordas de suas velas, depois volte para o ninho do corvo do, Obsidiana. Duncan precisará dos seus olhos. — E eu, Srta. Mary? — Duncan aguardava suas ordens com ansiedade. — O que devo fazer? — Você vai cuidar do timão. — Ela afagou o rosto do garoto. — Volte até a foz, onde o mar se abre formando um “Y”. Pegue o braço da direita. Há uma entrada para uma caverna no final do lago Long. É impossível enxergar a água, mas acredite em mim, ela está lá. Jax a girou e colocou uma faca em sua mão. — Fique a salvo. — Ele beijou-lhe a testa. — Serpente Branca ficaria, zangado se não conseguíssemos proteger a borboleta dele. Eles se dispersaram e Robbie apertou o cabo da adaga. — Algum dia está chegando, meu amor — murmurou ela, deixando que a imagem de Reid a enchesse de coragem inabalável.

Capítulo XXVI

ACEITAÇÃO Deus do céu! Ele não deveria tê-la deixado para trás. Robbie sem dúvida planejava algo tolo, que provavelmente faria com que ela e os mopán fossem mortos. Ela nunca pensava em todas as possibilidades. Reid agarrou-se à raiva que o aquecia; era muito mais reconfortante do que se desesperar pensando no bem-estar deles. Seu peito e as pernas ardiam pelas horas que passara correndo, mas ele continuava a seguir os rastros de pelo menos nove pares de pés através da paisagem coberta de neve de Glenstrae. A velha propriedade de Leckie ficava logo após a colina seguinte, o que explicava as marcas de cascos que cruzavam o caminho gelado aos pés de Reid. Um grito feminino soou pelo ar frígido do monte, fazendo o coração de Reid disparar. Robbie! Ele subiu correndo. Sob a luz cinzenta da aurora, reconheceu seis dos MacGregor que tinham acompanhado Eoin no ataque. Eles provocavam Tigresa Selvagem, jogando-a de um lado para outro em um círculo. Mechas negras se prenderam ao redor de seu rosto e pescoço quando ela caiu de joelhos na frente de um homem que estava abrindo as próprias calças. Reid desembainhou a espada em seu quadril e começou a descer a colina ao mesmo tempo em que o soar de cascos estrondou pela terra. Lyall vinha do norte pelo pasto levando dois membros do clã a cavalo, e todos portavam armas. — Deixem-na em paz! — exigiu Lyall, apontando a espada para o homem semidespido. 186

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O desgraçado guardou o sexo nas calças e recuou, sem brigar. O comportamento daqueles homens enojou Reid, e por um momento ele considerou deixar que todos enfrentassem seu destino na guerra de Eoin. Eles não mereciam a compaixão de Robbie, menos ainda a liderança de Reid. — Tigresa Selvagem. — Ele estendeu a mão. O rosto dela se ergueu de súbito. Os olhos negros se encheram de lágrimas enquanto a princesa corria pela neve, tropeçando no solo desconhecido. Com os braços estendidos, ela se jogou, nos de Reid. — Eu quero voltar. Leve-me de volta, por favor! Protegendo-a com seu corpo, Reid encarou os homens de Eoin, carrancudo. — Que tipo de homens vocês se tornaram? — O Gregarach a entregou para nós — choramingou um deles. — Eoin me chamou de prostituta selvagem. — Tigresa Selvagem se agarrava ao casaco de Reid, soluçando contra seu peito. Reid sentiu seu sangue ferver. Parte dele queria censurar Tigresa Selvagem por sua falta de percepção, mas aquele não era o melhor momento para isso. — Esta mulher não é selvagem, nem prostituta. Ela é a filha de um rei que castraria vocês com os dentes pela maneira como á trataram. Os homens protegeram a área ameaçada com as mãos e recuaram. — Desmontem — ordenou Lyall aos dois MacGregor que o acompanhavam, e ele fez o mesmo. — Voltem ao desfiladeiro Finglas. Todos vocês. Seu lorde os espera. — Seus olhos escuros se estreitaram sobre os quatro brutamontes. — Mas nós não temos cavalos! — reclamou o mesmo homem, de novo em um tom choroso que deu nos nervos de Reid. — Então vá andando — disparou Lyall. — Isso lhe dará tempo de encontrar sua moral. Tigresa Selvagem se acalmou levemente após a partida dele, mas o clima severo da Escócia fez seu corpo tremer. Ou talvez fosse a proximidade de Lyall. O tamanho e a carranca do sujeito eram de assustar qualquer um. Lyall tirou a pele que o aquecia e a estendeu. Ele fez uma reverência e a observou com cuidado. — Eles machucaram você, moça? Ela balançou a cabeça, mas seu aperto na cintura de Reid ficou mais forte. Reid a acalmou com palavras suaves na língua dos mopán, afagando seus cabelos negros. — Não tema. Lyall é muito parecido comigo. Quando Reid afastou-há um pouco para envolvê-la na pele, ela espiou o homem que já havia sido o leal senescal de seu pai. — Ele é bom? — Costumava ser. Lyall se endireitou, afastando o olhar do de Tigresa Selvagem, e coçou a barba escura. — Milorde disse que você e Robbie não haviam regressado. 187

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— Acho que, obviamente, meu primo mentiu. — Então, onde está Robbie. — Está sendo mantida cativa em um navio de guerra na Foz, junto com uma dúzia de meus parentes nativos — declarou Reid com calma, embora suas entranhas continuassem em nós. — Você a deixou lá! — O coronel de Sua Majestade não me deixou opção. — Reid não precisava da acusação no tom de Lyall. O que necessitava era de ajuda. — Eoin e pelo menos oito membros de minha tripulação carregaram cem lingotes de ouro para terra firme. Eu preciso recuperá-los para salvar Robbie. — Seus homens estão mortos — anunciou Lyall. — Deus do céu... — Reid expirou, odiando a si mesmo. Os vários fracassos dos últimos dias começavam a enfraquecê-lo. — Não é culpa sua — consolou-o Tigresa Selvagem. — Eoin os envenenou com suas promessas, como fez comigo. — Monte e conte-me exatamente o que diabo aconteceu. — Lyall encaixou a ponta da bota no estribo e lançou a perna por cima de seu garanhão, enquanto Reid ajeitava uma inquieta Tigresa Selvagem sobre uma égua castanha. — Eu a guiarei — assegurou-lhe, sabendo que a mulher nunca havia visto um cavalo, quanto mais montado um. Ele subiu no terceiro e seguiram Lyall para a floresta atrás do pasto. Chegaram à boca da caverna antes que Reid terminasse de explicar os eventos da viagem. — Você tomou Robbie como esposa, então? — indagou Lyall para Reid, olhando para Tigresa Selvagem. Reid assentiu e segurou a lã que cobria a aliança dentro de seu bolso. O serviço não havia sido tão simples assim. Ele proclamara palavras que fizeram dela sua esposa e a reclamara como sua mulher, mas... Ainda não possuía o coração de Robbie. — Eu a amo. — Sempre amou. — Lyall abriu um sorriso triste por trás da barba espessa. Entretanto, assim como Robbie, ele nunca se prolongava em sentimentos. Lyall desmontou e tirou Tigresa Selvagem da sela antes que os pés de Reid tocassem o chão. — Milorde planeja invadir a fortaleza esta noite. Ele prometeu a cada homem armado, por sua aliança, dinheiro e um lugar no clã. Agora que temos o édito do rei James, podemos... — A proscrição não foi revogada. Eoin roubou meu navio e o ouro antes que eu pudesse obter uma audiência com o rei. — Mas milorde disse que... — Cada palavra que Eoin profere é uma mentira. Lyall congelou, os braços pendendo soltos. — Então não estamos livres? — Não. — Maldito seja seu sangue! Aquele desgraçado mentiroso vai matar a todos nós pelo 188

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castelo Kilchurn — sibilou Lyall, as mãos fechando-se em punhos. — Essa guerra é inútil. Mesmo que vençamos a batalha contra os Colquhouns, ainda seremos caçados como cães. Tigresa Selvagem se escondeu atrás de Reid, mas a fúria de Lyall era justamente o que Reid precisava. Com ele ao seu lado, eles tinham uma chance de vitória. — Eu preciso do ouro para salvar Robbie, e suspeito que os homens reunidos no desfiladeiro Finglas retornariam às Terras Altas se descobrissem que não haverá recompensa por sua servidão. — E o que faremos? — Vamos oferecer ao coronel Whitley dez lingotes pela soltura de Robbie, dos meus irmãos mopán e do meu navio. Usaremos o resto para negociar com o lorde de Luss por Rannoch ou Auchingaich. Lyall os guiou para a caverna rindo. — E os bastardos nos matarão enquanto dormimos, como seria o direito deles, de acordo com o maldito rei. Reid respirou fundo, sentindo o cheiro de fumaça. — Então levaremos o clã para o Norte, para as Terras Altas, e começaremos de novo. — Estamos em janeiro. Os fracos jamais sobreviverão. — Sobreviverão, se os levarmos de navio. Lyall matutou sobre aquela opção enquanto acendia uma tocha. A luz amarelada banhou o interior da caverna e encheu a mente de Reid com lembranças antigas. Traga-me o ouro, MacGregor, e eu lhe dou seu beijo. Uma garota de olhos verdes barganhava com ele em sua cabeça, mas a cena rapidamente foi substituída pela imagem de Fergus esparramado no chão da caverna, cheio de sangue. Uma fúria antiga circulou pelas veias de Reid: Eoin precisava pagar por todas as suas mentiras. — Milorde nunca concordará com esse plano. As palavras de Lyall tiraram Reid de seus devaneios sobre vingança, mas foram aquelas memórias que lhe disseram quem era ele de verdade. — Eoin já não é mais seu lorde. Estou reclamando a liderança do clã MacGregor, como é meu direito de nascença. O sorriso de Lyall surgiu no mesmo instante. — Eu apoiei seu pai, e ficaria honrado se me escolhesse para agir como seu senescal. Reid se alegrou com a lealdade de Lyall por alguns segundos antes de dar a ele sua primeira ordem. — Como meu conselheiro financeiro de confiança, peço-lhe que me responda a uma pergunta muito simples. — Reid ergueu o queixo, exigindo respeito. — Onde está o ouro? Lyall girou e apontou para três cordas que desapareciam dentro do lago. — Está todo aqui, exceto pelo lingote que Eoin levou consigo para o desfiladeiro. Reid sentiu o alívio invadir seu corpo e exalou um longo suspiro. — Meus agradecimentos a você. — Ele se ajoelhou, ansioso para resgatar aquilo que 189

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colocaria Robbie de volta em seus braços. Um espirro de água ecoou na caverna, imobilizando Reid. Lyall desembainhou a espada enquanto a proa de um bote atravessou a área mais escura da caverna. — Reid! — Robbie se agarrava aos lados do pequeno bote, enquanto Jax remava na direção da terra firme. — Deus do céu! O sorriso de Robbie o deixou de pernas bambas, mas mesmo assim Reid conseguiu estabilizar o bote e ajudá-la a descer dali. — Mas que diabos... Ela abraçou-o pelo pescoço e o silenciou com um beijo, um tão caloroso quanto Reid jamais havia provado. Seu rosto ardia de emoção, o peito em chamas. O coração de Robbie batia junto ao dele, em sincronia, rápido como as asas de uma borboleta. Ela se afastou, ainda com um sorriso orgulhoso. — Você achou que eu ia ficar esperando para ser salva? — Como você... — Nós tomamos o, Obsidiana, depois remamos até o lago Long. Com alguma sorte, o coronel vai pensar que fomos em outra direção ou fugimos para o mar. — Você é impossível! Reid puxou-a de volta para um beijo. Dessa vez, foi ele quem dominou a carícia. A força de Robbie o preenchia com o que ele precisava para realizar a tarefa à frente. — Bem vinda de volta, garota. — As palavras de Lyall separaram os lábios dos dois, terminando a feliz reunião. — É bom ter a terra firme aos meus pés, mesmo que esteja coberta de neve. Robbie ainda estava insegura, mas Reid não lhe negaria os mimos de suas boas-vindas. Um empurrãozinho foi tudo de que ela precisou para abraçar Lyall. — É bom vê-lo bem, meu amigo. — Sua falta foi sentida. Robbie voltou a ficar ao lado de Reid e tomou a mão dele. — Como está vovô? E Nanna, e Alana, e... — Aqueles que não podem lutar estão em Brack Roody, preparando armas para a batalha — Lyall a interrompeu antes que pudesse perguntar por cada indivíduo do clã. — Nós não vamos para a guerra — declarou ela, estreitando os olhos para Reid como se fosse ele que tivesse chamado um exército das Terras Altas. Robbie segurou as saias aos punhados e saiu correndo da caverna. — Você deveria ir com ela — sugeriu Lyall. — Vou manter Eoin ocupado no desfiladeiro por tanto tempo quanto puder, enquanto você leva o clã para seu navio em segurança. — Diga aos MacGregor de Glenstrae que eles têm uma escolha: eles podem seguir Eoin ou podem me seguir. — E nós? — indagou Tigresa Selvagem ao lado de Jax. 190

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Com Jean-Pierre e a maioria da tripulação morta, Reid não tinha escolha além de levar pessoalmente seus parentes mopán de volta ao Yucatán. Com o vento favorável, era possível que Jax estivesse em casa antes da primavera. — Eu vou levá-los de volta a salvo. Dou-lhes minha palavra como seu irmão. Mas antes, ele tinha de proteger o clã nas Terras Altas. A parte de trás das coxas de Robbie ardia enquanto ela subia correndo a colina em neve que chegava aos seus tornozelos. A neblina gelada trazia o cheiro de fumaça e arranhava-lhe a garganta com cada inspiração. A exaustão emocional a enfraquecia, mas não iria sucumbir a fricotes antes que seus entes queridos estivessem a salvo de Eoin e daquela guerra sem sentido. Ela forçou passagem pela colina até um vale branco contornado por uma floresta de árvores nuas. A água lutava para fluir através de um riacho quase congelado. A paisagem era gelada, desolada e morta. Por que alguém daria a vida para possuir um pedaço de terra infrutífera? Agora ela compreendia os dilemas que Calum MacGregor devia ter passado. Ele conhecera a beleza de uma terra muito mais fértil que Glenstrae, e o MacGregor o chamaram de covarde quando ele tentara levá-los para lá. Um cavalo relinchou atrás dela, tirando-a de suas meditações. — Sua raiva não vai ajudar o clã. Você deve preparar o que dirá a eles. — Reid não olhou para ela nem discutiu o assunto, apenas soltou as rédeas de outro cavalo e esporeou sua montaria à frente. O comportamento distante dele a fez se encolher. Ela queria arrastá-lo de cima de seu cavalo e arrancar aquele autocontrole de seu peito. — Você faz alguma coisa por impulso? Qualquer coisa? — Parece que toda decisão que tomei ultimamente foi impulsiva e baseada em emoções. — O tom neutro refletia sua óbvia reprovação. Ela montou a égua e esporeou os flancos do animal para alcançá-lo. — Então você se arrepende de suas decisões? — Essa conversa para ela era tanto sobre o relacionamento de ambos quanto sobre o clã. — Eu não posso determinar ainda se me arrependo ou não, pois ainda estou esperando para obter as recompensas por minhas decisões. — O olhar dele continuava fixo no terreno à frente. Frustrada, ela levou o cavalo até ficar em frente ao dele. — Eu não me arrependo de nada. — Ela finalmente conseguira a atenção dele. — Nem me arrependerei no futuro. — Então você tomou alguma decisão sozinha? Ela passara quatro dias a bordo do Destemido, ponderando suas opções e imaginando seus resultados. Pela primeira vez, sabia o que queria. — Eu vou liderar o clã para longe daqui. — É exatamente a mesma coisa que Lyall e eu decidimos. Agora pare de lutar contra mim. Eu não sou seu inimigo. — Ele chicoteou a montaria de leve e trotou para cruzar o vale. 191

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— Ouça-me e prepare suas palavras. O clã acredita que a proscrição foi revogada e vai ser preciso mais do que uma ordem para fazê-los embarcar no, Obsidiana. Embora aliviada, Robbie sabia que a empreitada não seria fácil. Se o clã enxergasse Reid do mesmo jeito que ela, eles não hesitariam em segui-lo até o fim do mundo. Eles cavalgaram por uma passagem escarpada até Brack Roody, onde o ar rareava e a fumaça se misturava à névoa para criar uma muralha. Cinco cabanas de arrendatários construídas lado a lado serviam de pano de fundo para toda a atividade que tomava conta dos quintais. Robbie pensara que ficaria mais do que feliz em se reunir com sua gente, mas o que via agora a deixava doente. Cait e Anice amarravam feixes de flechas com barbante e os empilhavam em um trenó preso a um boi velho. Ao lado de uma fogueira, Shane e meia dúzia de garotos arrancavam a casca de galhos de árvores, enquanto outros seis usavam as cascas para formar bolas. Brody pintava as bolas com piche, para que pegassem fogo com facilidade assim que fossem colocadas na catapulta. Centenas de cargas já negras enchiam um segundo trenó. Encolhida sobre outra fogueira, Nanna mexia o piche fervendo em um caldeirão de cobre. Robbie presumia que o pacotinho preso por uma corda às costas dela fosse a bebê Alana. Atrás de um grupo de mulheres que construíam escadas com galhos de árvores e cordas, ela viu o avô e o velho, Angus sentados sobre um tronco, afiando pontas de flechas. Ela queria gritar com eles, mandá-los parar, mas antes que pudesse encontrar suas palavras, Reid estava ao seu lado, ajudando-a a desmontar. — Controle suas emoções. — Ele secou as lágrimas que ela nem sabia estar derramando do rosto de Robbie. — Eles creem que apenas uma batalha os separa da liberdade. É você quem deve provar que Eoin é um mentiroso. — E como é que eu vou convencê-los de que o homem a quem têm sido leais há mais de uma década pisaria sobre eles para atravessar o portão do maldito castelo? Reid encaixou o rosto dela em suas mãos e afagou-lhe o rosto com o polegar. Seu toque despertou uma fome que exigia satisfação dentro de Robbie. — Busque as palavras em seu coração, Robbie. Eles vão reconhecer o seu amor, e no final, você será a salvação deles. A fé de Reid deu esperança a Robbie. Ela secou o rosto na barra do manto, engoliu o nó na garganta e começou a atravessar a neblina. — Moisés misericordioso! — murmurou Nanna, parando de mexer na panela. A presença de Robbie causou uma comoção no quintal. Mas ninguém gritou o nome dela ou correu até abraçá-la. Era como se ela estivesse voltando dos mortos. — Mary-Robena? — crocitou o avô, usando seu cajado torto para se colocar de pé. O corpo dela tremia ao correr os últimos metros que a separavam do homem que a criara e lhe ensinara tudo o que sabia. Ela abraçou seu corpo frágil e pensou que todo o peso que ela havia ganhado, ele havia perdido. O tartã esfarrapado cheirava a fumaça acre com um traço de peixe. Era atroz e, ao mesmo tempo, reconfortante. — Senti saudades suas, vovô. 192

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— Sua menina tola! Por que você voltou? — ele a censurou, mesmo enquanto a abraçava e beijava-lhe o topo da cabeça. — Nós voltamos para salvar o clã — respondeu Reid, atrás deles. Lágrimas grossas escorreram dos olhos fundos do velho enquanto ele recuava e apontava seu cajado para Reid. — Você deveria tê-la mantido longe. — A moça é um pouco obstinada no que se refere ao clã. — Reid piscou para ela, mas sua atenção rapidamente se concentrou no grupo que se juntava ao redor deles. — Você vai nos salvar? — Cait olhou para ele através de uma cortina de cachos loiros, e a esperança que reluzia naqueles olhos azuis pálidos quase fizeram o coração de Robbie parar. — Vou tentar. — Vovô, não crie problemas quando eu pedir que confie em mim. — Robbie se colocou ao lado de Reid, demonstrando ao clã quem ela apoiava. — Seu lorde mentiu para vocês. Para todos vocês. O édito do rei James contra o nome MacGregor continua de pé. Sussurros de negação irromperam, mas ela seguiu firme. — A guerra para a qual estão se preparando não tem nenhuma chance. A arrogância do seu lorde está levando nossos homens à batalha, mas posso lhes assegurar, não haverá vitória. Shane adiantou-se, parando na frente de Nanna. — Temos um exército reunido no desfiladeiro Finglas. — Um exército que se dispersará e retornará para as Terras Altas assim que Lyall os informar que a proscrição continua valendo — declarou Reid, causando revolta entre aqueles que compreendiam o preço desses atos para Lyall. O avô praguejou a meia-voz e se apoiou pesadamente no cajado. — Lyall será banido do clã e da proteção de nosso lorde. — Assim como eu. — A proteção de Eoin já não aprisionava Robbie. Ela entrelaçou os dedos nos de Reid, tomando forças dele. — Eu renuncio a Eoin MacGregor como meu lorde e juro lealdade a meu marido e líder por direito dos MacGregor de Glenstrae. — Ela olhou para o belo rosto do homem em quem confiava com sua vida e todo seu coração. Nos olhos prateados dele, lágrimas brilharam, mas ele as afastou e se dirigiu ao clã. — Eu vou proteger todos vocês: os jovens e os velhos, os fracos e imperfeitos. Deem-me sua lealdade e sua confiança, e vou liderá-los até um lugar que não conheça guerra. — E o que será de nossos homens? — perguntou uma mulher um pouco mais distante. — Os MacGregor de Glenstrae receberam a opção de seguir a mim ou permanecer leal ao meu primo e à sua causa. É minha esperança que eles seguirão Lyall para meu navio, que nos espera no lago Long. A essa declaração, seguiu-se o silêncio. Robbie compreendia o temor deles, mas só precisava de uma pessoa para começar a reação em cadeia. — Você está conosco? — Ela dirigiu a questão ao avô, mas foi Nanna quem falou primeiro. 193

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— Eu estou com vocês. Não vou cometer o mesmo erro duas vezes nessa vida. — Nós estamos com vocês. — Cait e Anice olharam para o velho, Angus. — Nós estamos com eles, certo, vovô? Robbie quase teve um colapso enquanto esperava pela resposta do ancião. — Para onde iremos? — perguntou o velho, carrancudo. — Para as Terras Altas, começar de novo — respondeu Reid. — Então, sim. Nós estamos com vocês — concordou ele, sem parar para pensar, e então a reação começou... — Para as Terras Altas! — alguém gritou. — Para as Terras Altas — repetiu o clã em conjunto. Depois disso, Reid começou a dividir as tarefas entre eles. — Eu quero que as moças esvaziem os trenós e forrem-nos com peles. Ajudem os mais velhos a subirem neles e então encham cada cantinho com as crianças mais novas. Shane, há algum outro cavalo? — Temos mais quatro éguas presas à catapulta lá nos fundos. — Robbie, ajude as mulheres a juntarem suas coisas, se tiverem algo. E sorria. Você tem tudo o que queria. — Reid pressionou os lábios contra a testa dela, depois saiu, contornando as cabanas com o passo leve. Mas Robbie não dividia aquele bom humor. Ela olhava para o chão em um silêncio aturdido enquanto todos se agitavam ao seu redor. Ela não queria ir para as Terras Altas.

Capítulo XXVII

RETRIBUIÇÃO A única coisa que impediu Robbie de dizer ao clã que ela queria levá-los até o Yucatán foi à disposição deles para embarcar no, Obsidiana. Jax, Falcão da Lua e Kante os aguardaram na caverna com três botes. Em menos de uma hora, conseguiram levar cinquenta e sete deles para o navio. Apenas algumas mulheres ficaram hesitantes em deixar seus maridos, mas foram em frente quando Lyall regressou à caverna com todos os MacGregor de Glenstrae, exceto seis homens. Os mesmos que tinham sido leais a Eoin desde o dia em que ele assumira a liderança. Os mesmos que o acompanhavam nos ataques. E sem dúvida foram eles que levaram Eoin até a caverna. Eles desmontaram do lado de fora e o som dos passos deles se aproximando quase matou Robbie do coração. — Apresse-se e apronte o navio — Reid ordenou a Falcão da Lua e empurrou os últimos integrantes do clã para longe da borda de rochas. 194

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— Santo Cristo! — Eoin entrou na caverna fazendo escarcéu. Ali, desembainhou a espada e estreitou os olhos sobre Lyall. — O que significa isso? Ela nunca havia visto Eoin tão furioso, os lábios apertados, as narinas infladas, os músculos contraídos. A luz das tochas jogava sombras sobre seu rosto, escurecendo a área de seus olhos. — Eu juro sobre a cruz, vou estripar você, primo! — Uma veia grossa sobressaiu no antebraço de Eoin quando ele ameaçou Reid com a ponta de sua espada. — Você não pode simplesmente tomar meu clã. — Coloque Robbie no barco — Reid ordenou a Lyall com toda a calma, desembainhando sua espada. — Eles não querem mais; alimentar sua sede de sangue. Lyall empurrou Robbie para dentro do último bote com Jax e subiu logo atrás dela. Ela protestou, lutando para sair dali, mas Lyall a segurava pela cintura com os dois braços e a manteve imóvel. — Nós tínhamos um acordo. — Eoin tentou forçar Reid a se mover em círculo, mas o outro sabia que estava sendo manobrado para perto dos comparsas do primo e não se moveu com ele. — Você quebrou nosso pacto quando roubou meu navio. — Reid bateu a lâmina contra a de Eoin e o forçou a recuar dois passos. Seus comparsas também recuaram. O bote balançou quando Robbie lutou com a força de Lyall a segurá-la. — Suba no bote, por favor — ela implorou a Reid, aterrorizada que os sonhos despertados por ele pudessem se perder na ponta da espada de Eoin. — Ele não vale a pena. O olhar de Eoin congelou Robbie até a alma. — Você já tem sua rameira. Cadê meu ouro? Em vez de se dirigir devagar para o bote, Reid avançou sobre Eoin com um rugido. As espadas de ambos se encontraram, duas, três vezes, ecoando nas paredes da caverna. A esgrima de Reid era perfeita, mas a fúria de Eoin o tornava um oponente letal. Robbie, de tão ansiosa e preocupada com o que se desenrolava à sua frente, quase não conseguia divisar a luta por causa das lágrimas que turvavam sua visão. Quando Eoin levantou a espada sobre a cabeça e executou um arco para baixo, Robbie soltou um grito. Reid bloqueou o golpe. Seguiu-se uma contenda de forças: lâmina pressionava lâmina, os olhares presos um ao outro, disputando quem tinha mais desejo de vencer. Então Reid estendeu a mão entre o aço e fechou os dedos sobre o pescoço de Eoin. Ele apertou, o braço tremendo com o esforço. O som sufocado que escapou da garganta de Eoin fez Robbie perder o fôlego, agarrada ao parapeito do bote. Reid empurrou Eoin com força o bastante para lançar o desgraçado aos pés de seus cupinchas. Ele respirava em largas golfadas de ar, recarregando os pulmões com o ar que Reid lhe tomara. — Você quer o ouro? — Reid agarrou o punho de sua espada e ergueu a arma acima de sua cabeça. — Então vai ter que mergulhar para buscá-lo. — Com isso, desceu o fio da espada 195

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sobre as três cordas penduradas na borda do lago, cortando-as em apenas um movimento. — Não! Não, seu tolo! — Eoin se arrastou até a borda sobre as mãos e os joelhos, enchendo as mãos com as cordas arrebentadas. Reid saltou para o bote, afastando-o da margem. — Reme, Jax. Reme! — Seu idiota! — Em um desatino, Eoin apanhou sua espada e a jogou na direção deles, mas a arma afundou na água do lago, junto com seu precioso ouro. — Eu vou encontrar vocês. Todos vocês. Vou caçá-los nas Terras Altas e fazê-los pagar por sua traição! — Eu deveria tê-lo matado. — Reid tirou Robbie dos braços de Lyall e a esmagou contra seu peito. Ela devolveu o abraço com fervor, mas seus olhos continuaram presos a Eoin. Robbie memorizou a expressão de completa derrota que distorcia o rosto dele, com uma sensação de desagravo a deixou com a espinha ereta. — O destino que você deu a ele é pior que a morte. Ele não tem nada. Sem a liderança do clã em que se esconder. Sem um clã para alimentar sua arrogância. E o medo que ele tem da água o impedirá de adquirir o ouro para custear sua guerra. É toda a vingança que eu precisava por tudo que ele tomou de mim. Lyall se sentou em um dos bancos e coçou sua barba. — Eoin MacGregor é muita coisa, mas ignorante ele não é. É verdade que ele não vai mergulhar, mas Reid é inteligente ô bastante para pescar aquelas redes vazias do fundo do lago. — Vazias? — Robbie olhou para Reid, esperando uma explicação. — Jax, Falcão da Lua e os outros transportaram o ouro de volta para o, Obsidiana enquanto nós tirávamos o clã de Brack Roody. Dentro de Robbie, misturavam-se a malícia e o júbilo. — Nós estamos com o ouro. — Ela praticamente gargalhou as palavras. — Nós estamos com o ouro — papagueou Reid, mas com um tom sombrio que esmagou a alegria dela. — E quando Eoin descobrir que as redes estão vazias, suspeito que ele vai cumprir sua promessa de caçar todos nós pelas Terras Altas. Um dedo espetou a nuca de Robbie, repetidas vezes. Ela acordou com um susto, levantando-se da escrivaninha. No mesmo instante suas costas doeram, e a luz da manhã penetrou em pálpebras que se recusavam a abrir. — Nós já chegamos? — Cait estava de pé ao lado da escrivaninha, segurando um arminho branco que Robbie não sabia como a menina contrabandeara para o navio. O rabo do bicho se enrolou no antebraço magro de Cait e ele lambeu os dedos dela. — Bola de Neve está com fome. Anice se sentou na cama de Reid, abraçou suas pernas e apoiou o queixo sobre os joelhos. — Vai haver comida no lugar para onde estamos indo? — Mas é claro, meu anjo. O coração de Robbie se confrangeu. Ela sabia o que era acordar faminta, mas tinha 196

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aprendido cedo que não importava o quanto alguém implorasse: se não havia comida, não havia e pronto. Ela massageou o pescoço dolorido e passou com cuidado entre as quatro mulheres dormindo sobre peles no chão. Robbie se ajoelhou ao lado da cama e colocou um cacho loiro atrás da orelha da menina, descobrindo a bochecha marcada. — Você está com fome? Anice assentiu e as outras cinco garotinhas com quem ela dividia a cama a imitaram. — Eu daria meu dedinho por um chikoo. — Tigresa Selvagem estava sentada de pernas cruzadas no chão, no mesmo lugar em que passara a noite com Alana no colo para que Nanna pudesse dormir no sofá. — O que é chikoo? — Cait se ajeitou na frente de Tigresa Selvagem, imitando sua posição. Anice saiu da cama, já de botas, e se sentou ao lado da irmã. As outras garotas logo se juntaram a elas. Tigresa Selvagem sorriu para sua pequena audiência. — Chikoo é uma frutinha marrom que cresce no umbuzeiro. — Ela fechou os olhos. — Ele é suculento e doce, e é aquecido pelo sol. Cait lambeu os lábios rachados. — Eu gostaria de experimentar um chikoo. — Eu também — murmurou a tia de Lyall. — Então vocês deviam vir para Mopán. Eu vou encher uma cesta para cada uma de vocês. Nós temos frutas do conde, goiaba e... — Tigresa Selvagem manteve sua audiência encantada com as descrições de Yucatán e todas as suas frutas maravilhosas. Ninguém notou as lágrimas escorrendo pelo rosto de Robbie, nem prestou atenção à sua saída apressada da cabine. A exaustão devia ter roubado seu juízo. Ela esfregou o rosto e engoliu o soluço que ameaçava sufocá-la. Depois de puxar o manto mais para junto do corpo, ela agarrou o corrimão gelado do deque do capitão e vasculhou a terra que se abria de ambos os lados do navio. A vela sobre sua cabeça estava inchada de vento, empurrando-os para a saída, o mar que se abria em frente a eles: ao norte estava as Terras Altas, ao sul, o Yucatán. Eu poderia ser seu rei, e Rukux, seu castelo. Era egoísta da parte dela querer ir para o sul? Estaria cedendo a ideais românticos e tolices ao desejar passar o resto de seus dias no Yucatán, amando Reid? — Mary-Robena — gritou seu avô do timão, tirando-a de seus pensamentos. Ela voltou a si, levantou as saias e desceu o passadiço. Enrolados em peles, Jax, Falcão da Lua e Lyall estavam em frente ao avô de Robbie e Duncan, todos os cinco com um sorrisinho que pingava malícia. — Bom dia, Srta. Mary. — O sorrisinho de Duncan abriu-se ainda mais. — Bom dia, Duncan — devolveu-a com simpatia, mas observando a estranha reunião. Foi quando ela reconheceu o frasco prateado do avô na mão de Jax, momentos antes de ele ser transferido para Lyall. Bem, isso explicava a expressão meio vaga deles. Ela estreitou os olhos para o avô com censura. — Não acha que é um pouco cedo para álcool? 197

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— Argh! Fique quieta, garota! — O sorriso do avô formou linhas de rugas em suas bochechas barbadas. — Os homens bebem uísque quando estão deliberando. — E os que vocês estão deliberando, se podem fazer o obséquio de me contar? — E por que ela se sentia como uma galinha no meio das raposas? — Mas é claro que podemos. — O avô apontou um dedo torto na direção da saída que se aproximava com rapidez. — Para que lado você iria, Robbie? — indagou Lyall com olhos pesados, levando o frasco até a boca. — Não tem importância para que lado eu iria. — Uma olhada rápida para o deque não divisou a presença de Reid. — Seu lorde e capitão definiu nosso curso para as Terras Altas. Vou seguir sua decisão, pois jurei honrá-lo e respeitá-lo como meu senhor e marido. Jax vaiou, assim como Falcão da Lua, e vovô bateu seu cajado nas tábuas do piso. Até Duncan dirigiu-lhe um olhar incrédulo. — E o que será desses homens? — Lyall indicou os guerreiros mopán enrolados em peles ao longo do parapeito. — Eles precisam voltar para seus lares e suas famílias. Nós estamos em dívida com eles pela ajuda que nos prestaram. O rosto de Jax assumiu uma expressão dramática. — Jax prometeu para Pomba Negra. A mulher vai cortar minha cabeça se eu perder o nascimento. Robbie arregalou os olhos. Eles não podiam estar cogitando tomar essa decisão sem Reid! — Acha que devemos ir para o sul, senhorita Mary? — perguntou Duncan a queimaroupa do centro do círculo formado por eles, a mão mantendo firme a cana do leme. Robbie sentiu o coração disparar. O que, em nome de Odin, eles estavam pensando? — Vocês estão todos bêbados. — Ela tomou o frasco da mão de Lyall e o tampou. — Vocês acusaram Calum MacGregor de loucura por querer levá-los ao Yucatán há alguns anos. O que mudou agora? — Na época, estávamos protegidos pela fortaleza — apontou o avô de Robbie. — Nossas opções mudaram. — Maldição! Vocês não podem tomar tais decisões sem seu lorde. — Ela vasculhava o deque, frenética, tentando encontrar seu marido. — Onde ele está? — Suspeito que esteja dormindo — respondeu o ancião. — O rapaz ficou acordado por metade da noite, remando. — Então o acordem! — Srta. Mary? — Duncan a pressionou por uma decisão. Os penhascos haviam sido ultrapassados. A terra se acabara, e o momento da escolha era iminente. — Norte ou sul? Sul! Ela queria gritar, mas conseguiu se impedir de tomar uma decisão apressada. — Recolha as velas. Eu não... — Nok ol! Cocijo berrou do ninho do corvo e apontou para norte. Todas as cabeças se voltaram para o parapeito de estibordo. De trás do penhasco, o Destemido ficou visível. As portinholas no casco se abriram, e as bocas de uma dúzia de canhões surgiram ali. 198

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— Santo Loki — sussurrou Robbie, enquanto algo passava sibilando por estibordo. Uma explosão abalou o, Obsidiana. — Vá para o sul, Duncan! Sul! — ordenou Robbie, agarrando-se em um barril de areia para se firmar contra a segunda explosão. — Mas que diabos? — Reid sentou-se de um pulo e segurou a borda do banco de madeira que vibrava sob ele. O som do disparo de canhão o fez correr até o deque principal. O navio estava envolto em caos: Jax berrava ordens para os irmãos mopán que enxameavam o cordame enquanto Robbie retirava às pressas as mulheres e crianças da cabine do capitão. Com os braços cheios de crianças, os homens MacGregor levavam o clã para a popa do navio. Um segundo foi todo o tempo de que Reid dispôs para se preocupar com o bem-estar deles antes que outra explosão desequilibrasse o, Obsidiana. Ele se inclinou para bombordo e viu o Destemido. Secando os respingos do mar de seus olhos, ele girou nos calcanhares e pegou o braço de Cocijo para impedir sua fuga. — Pegue três lingotes de ouro e uma bolsa. Rápido! O rapaz desceu para a barriga do navio sem questionar. Os berros de um bebê feriram os ouvidos de Reid enquanto ele virava um barril de água. — O Destemido veio do nada. — Robbie caiu de joelhos ao lado dele e o ajudou a segurar o barril enquanto seu conteúdo vazava. — Tem alguém ferido? — Ele pegou uma faca em sua bota para cortar um pedaço de corda que pendia da lais de verga. — Não. — Parecendo à beira das lágrimas, ela virou a cabeça, tentando enxergar o ajuntamento na proa. — Mas eles estão apavorados. — Eu vou protegê-los, amor — ele asseverou, enquanto Cocijo voltava com o ouro. — Fogo! — A ordem do coronel Whitley disparou mais explosões. — Deus do céu! — Reid se jogou por cima de Robbie e puxou Cocijo para junto deles. Um jato gelado alcançou a popa do navio. O garoto praguejou baixinho, mas rapidamente voltou ao trabalho. Eles amarraram a bolsa de lingotes ao barril e jogaram-no sobre a amurada. Reid subiu uma dúzia de degraus de corda no mastro principal e assistiu os homens do coronel tirarem o barril com a bolsa da água pela lateral do casco. Ele rezou para que o sujeito se satisfizesse com seu pagamento e desse, meia-volta. Os segundos se transformaram em minutos, e a ansiedade foi abandonando seus músculos quando não soaram mais disparos. Embora eles tivessem começado a se afastar do Destemido, o vaso de guerra continuava a navegar atrás deles. Só então Reid reparou na terra a bombordo do, Obsidiana. Eles estavam indo para o sul. Mas por que, diabos, eles estavam indo para o sul? Ele pulou para o deque quando o clã se juntou em um círculo ao redor dele. — Quem deu a ordem para alterar nosso curso? 199

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Ninguém respondeu, mas todos olharam para Robbie. Ele não queria acreditar que ela o havia desafiado. Entretanto, seria coerente com a natureza dela fazer isso. — Duncan, quem deu a ordem para ir para o sul? — Reid questionou o grumete, mas seus olhos não deixaram sua esposa, que agora recuava até o parapeito de bombordo. — A Srta. Mary deu a ordem, capitão — resmungou Duncan. A longa corda da paciência de Reid tinha se esgarçado. Um de seus olhos se contraía, enquanto o outro estava fixo nela. Robbie balançou a cabeça com veemência e apontou para Lyall e Argyle. — Foi uma decisão deles. Lyall fungou. — Foi Jax quem sugeriu. Jax negou a acusação em sua língua nativa e passou a culpa para Falcão da Lua, que rapidamente a devolveu para Robbie. — Deus do céu! O que foi que você fez, mulher? — Reid a agarrou pelo pulso e a arrastou atrás de si pelo deque. — Quantas vezes vou ter que dizer para não tomar decisões apressadas? — Eu disse a eles para acordar você, mas... — Mas nada! Segure sua língua. — Ele poderia jurar que havia deslocado o braço dela do lugar levando-a pelo passadiço. Assim que entraram na cabine, ele a soltou e bateu a porta. Ele precisava de tempo para pensar e dispersar sua raiva. Ele precisava de amendoim. Precisava caminhar. Sem dúvida, Robbie pretendia voltar à Inglaterra para tentar se encontrar com o rei James. A ideia fazia uma veia pulsar na têmpora de Reid. Ele grunhiu, frustrado. — Reid, controle sua raiva. — Você é completamente louca. — Ele deslizou os dedos pelos cabelos. — Chegou a pensar nas consequências dos seus atos? Se nós regressarmos à Inglaterra, você estará entregando os MacGregor diretamente nas mãos do rei para execução. Ele sentiu a mão dela deslizar pelas suas costas com gentileza antes de Robbie falar. — Eu não quero ir para a Inglaterra, nem para as Terras Altas. Reid olhou para trás. — As ameaças de Eoin não me assustam. Não sou nenhum covarde. — Reid... — Ela ficou na frente dele, afagando seu rosto com a barba começando a surgir. As lágrimas se acumulavam em seus olhos, e ela respirou fundo. — Eu amo você, e eu... — Não! — Ele fechou a cara para Robbie, segurando o pulso dela. — Como ousa? Como ousa?! Você sabe há quanto tempo esperei por essas palavras. Não use meu sentimento por você para ganhar minha aprovação. Ela franziu a testa, arrancando as mãos das dele. Robbie então o empurrou com uma força que o surpreendeu. — Eu não sou Eoin. Se, estou dizendo que amo você, é porque estou falando a verdade. 200

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Reid expirou pelos dentes cerrados. Endireitando os ombros, ele entrelaçou os dedos nos cabelos de Robbie, forçando-a a encará-lo. — Você está sempre barganhando, Robbie. Sempre. Trocou um beijo por ouro quando era apenas uma menina. Entregou-se a mim em troca da minha jura de liderar o clã. E agora está na minha frente usando palavras de amor para obter seu próximo objetivo. O que você quer agora, Robbie? Ela apertou os olhos, as lágrimas transbordando sobre suas faces. Por mais que se sentisse traído pelas palavras dela, Reid não podia suportar a dor de Robbie. Ele soltou o cabelo dela e esperou pela resposta. — O que sinto dentro de mim fala mais alto que qualquer palavra. — Robbie segurouse nos braços dele e se aproximou. — Eu anseio por uma vida com você. Quando sonho, meus sonhos são de nós dois, na água. Quando acordo, penso em um homem gentil que doma feras selvagens e ensina brincadeiras para crianças que não são dele. Penso no homem que é um casamenteiro e um irmão protetor de sua gente. Ele a encarava, chocado pelo que estava ouvindo. O ceticismo que protegia seu coração se derretia a cada segundo. Robbie se juntou a ele, pressionando seus lábios macios no pulso atrás da orelha de Reid. — Eu quero ser sua borboleta e chamá-lo de marido para sempre. Reid sentiu seu coração inchar, o rosto arder e as emoções assaltarem cada nervo de seu corpo. Ele queria correr até o deque do capitão e dizer ao mundo que sua mulher o amava. Em vez disso, pôs a mão trêmula dentro de seu casaco e tirou a aliança de ouro guardada em seu bolso. — E eu quero chamá-la de minha esposa para sempre. — Ele colocou o anel no dedo de Robbie e beijou-lhe a palma da mão. — Eu te amo desde que você era uma menina. E te amo agora. E amanhã pretendo me apaixonar por você novamente. Reid segurou o rosto dela entre as mãos e tomou-lhe os lábios com uma ferocidade comparável à do furacão de felicidade que girava dentro dele. Aquele era o beijo pelo qual ele esperara a vida inteira, e jamais havia imaginado quão doce seria. — Eu sou o vitorioso de hoje! — gritou, levantando Robbie do chão. Ela gritou e o abraçou, enquanto Reid a fazia girar. O som alegre da risada de Robbie completava o triunfo de Reid, fazendo-o sentir como um rei que tivesse conquistado um país todo. — Como devemos celebrar? Ela salpicou o rosto dele de beijos. — Acho que uma reunião íntima seria o bastante. Trajes são opcionais. Reid apertou as nádegas dela e teve certeza de que todo o sangue de seu corpo se concentrou em um ponto específico. Seus músculos se contraíram, prendendo-o no lugar. A sedutora sorriu contra o pescoço dele e mordeu o lóbulo de sua orelha. — Talvez vá demorar até podermos ter a cabina toda para nós dois outra vez... 201

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Sem pensar, ele a jogou para cima da cama e rapidamente tirou as botas. — Então acho que devíamos fazer amor duas vezes. — Acho que é um bom plano... Robbie tirou o manto e a camisa de uma vez só, depois se ajoelhou na frente de Reid, ainda com as botas, e lutou para soltar os laços da calça dele. Sua pressa disparou uma reação de urgência em Reid, um desejo ampliado pela declaração de amor ouvida. Assolado por uma necessidade crua de estar com sua mulher, ele a empurrou de volta para a cama, arrancou as calças e deitou-se sobre ela. Robbie riu, agarrando punhados do cabelo de Reid quando ele se inclinou sobre seu seio, mordiscando o mamilo. Ele pretendia cobri-la de prazer da cabeça aos pés, mas sua lasciva esposa lutou com ele para ficar por cima. E ganhou. Cachos vermelhos dourados se derramaram sobre o peito dele, fazendo-lhe cócegas, aumentando as sensações que vibravam no corpo de Reid. Robbie segurou os pulsos dele junto ao colchão e o encarou com olhos brilhantes. — Você me faz feliz. Embora as palavras dela deixassem a desejar na eloquência, elas o encheram de tamanho orgulho que Reid abriu um sorriso imenso. — Eu poderia fazê-la ainda mais feliz, se tivesse tempo para ser seduzida. Ela mordeu o lábio, ergueu-se e afundou os quadris sobre a ereção dele. Seus olhos se fecharam e a cabeça pendeu para trás. Os dois gemeram em uníssono. — Você pode me seduzir quando chegarmos em casa. Robbie inclinou-se para frente, cobriu a boca dele com a sua e arremeteu com força e rapidez. Reid perdeu o controle que tinha da situação. Segurou-se à cintura dela com as mãos, em busca de uma âncora, mas ela soltou seu peso totalmente... E a posição em que se encontrava garantiu que Reid a tocasse com uma profundidade chocante. Robbie gritou. Seu corpo se contraiu ao redor do membro de Reid, estremecendo ao alcançar o clímax com uma rapidez inesperada. Foi só depois que o primeiro ataque sobre seu corpo diminuiu de intensidade para um estável vai e vem que Reid conseguiu juntar alguma coerência. — Que casa? — Rukux — disse ela, continuando a se mover sobre ele, mais devagar agora. — Mal posso esperar para ver a cara do vovô quando ele vir o laboratório que você construiu para ele. Quando a mente de Reid tentou se concentrar para compreender o que estava ouvindo, seu sexo lhe disse para ficar quieto e buscar seu prazer. — Mas o que... Robbie torceu os mamilos dele com força. Reid viu estrelas e sentiu seu corpo todo queimar. O som de pele contra pele ecoava em seus ouvidos e quase roubava sua capacidade 202

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de pensar. Desesperado para controlar o ato de amor entre eles, Reid agarrou os quadris de Robbie e girou. Eles rolaram para fora da cama e caíram sobre uma pele. A risada rouca de Robbie passou para um gemido sob o corpo dele, quando Reid continuou a se mover com força, rápido, cada vez mais fundo. Ela envolveu a cintura dele com suas pernas e puxou-lhe os cabelos. — Ah, Reid, Reid... Reid! Ele explodiu dentro dela ao mesmo tempo em que ela chegava ao ápice pela segunda vez. Tudo ficou branco. Depois veias negras tomaram forma atrás dos olhos dele, formando uma borboleta. Era onírico, surreal. O coração de Robbie batia contra o dele em sincronia, como se fossem um só. — Rukux — murmurou ele, e deixou-se levar para longe. Reid não poderia dizer quanto tempo ficara ali, hipnotizado pelo ritmo perfeito, mas quando conseguiu sair do mundo dos sonhos, acordou com Robbie em cima dele de novo. Ele se sentou, apoiando as costas contra a cama. Ela ô seguiu, relaxada e saciada, mas incapaz de se separar do corpo de Reid, e mantendo-o dentro de si. Ele afastou o cabelo do rosto de Robbie e a encontrou sorrindo. — Robbie, diga-me novamente: por que estamos indo para o sul? — Estamos voltando para o Yucatán. Para devolver Tigresa Selvagem e seus irmãos mopán para as casas deles. Eu não agi por impulso; ponderei todas as opções. — E chegou a essa decisão sozinha? — Não. Na verdade, foram Jax e Falcão da Lua que plantaram essa ideia na minha cabeça quando estávamos presos no Destemido. Depois eu os encontrei deliberando sobre o assunto com vovô e Lyall esta manhã, antes do ataque. — E eles estavam de acordo? Ela anuiu, os olhos empolgados como os de uma criança. — Assim que os MacGregor virem às maravilhas do Yucatán, nunca mais vai querer partir. Eles são trabalhadores. Podem construir casas com a madeira que você secou no celeiro. Podemos viver como um só clã, juntos. Era isso o que seu pai queria. Pelo jeito, ela realmente havia pensado bem em tudo. — Você devia ter discutido isso comigo. — Reid afagou-lhe a curva da cintura. — Estou fazendo isso agora. — Robbie beijou os lábios dele uma, duas vezes. — Eu quero ir para casa, para Rukux. — Ela esfregou os seios sobre o peito dele. — Não é isso que você quer também? — Você sabe que é. — Ele tentou pensar nas consequências, mas ela tornou a roubar-lhe o raciocínio quando girou os quadris. Ele ficou totalmente ereto dentro dela. — Então não há mais anda a dizer sobre o assunto. — Robbie recuou de leve e investiu. Deus do céu! Ela ainda iria matá-lo... Ah, mas ele morreria um homem muito feliz. — Agora, diga algo romântico e eu prometo ir mais devagar dessa vez. — Com os olhos 203

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fechados, ela movia o corpo sobre o dele, deslizando o sexo quente sobre o membro sensibilizado de Reid. — Você é impossível. — Ele deu um, tapa no traseiro dela que soou alto na cabine, mas que serviu apenas para encorajá-la. Ele se entregou às mercês de sua esposa, mas não conseguiu evitar totalmente suas preocupações. E se o rei Jaguar recusasse abrigo a eles?

Capítulo XXVIII

UM DIA Tremendo de ansiedade, Robbie ficou em frente de Reid e de todo o clã MacGregor sob o sol escorchante de Yucatán e olhou para o povo mopán se reunindo na praia. A onda que espumou sobre seus pés descalços resfriou a areia quente, mas não aliviou os nervos agitados de Robbie. — Não fique, muito esperançosa, amor. — Reid ajeitou a faixa da camisa sem manga dela de volta sobre seu ombro e beijou-lhe a testa. — Estamos pedindo muito do rei Jaguar. Reid a alertara várias vezes que as coisas poderiam não ir de acordo com os planos deles. Ambos haviam discutido suas alternativas com os MacGregor. Eles tinham o ouro, e poderiam construir uma vida para o clã no Novo Mundo de Cristóvão Colombo, mas era aqui que ela queria passar seus dias, pois era aqui que morava o coração de Reid. Os botes que levaram os MacGregor para a praia batiam uns nos outros, mas o barulho não cobria os gritos excitados que ganhavam força na selva. Dançarina do Riacho saiu primeira da folhagem densa, seguida por Pomba Negra e Pavão Amarelo, que soltava gritinhos. Depois que Falcão da Lua e Jax se reuniu com suas amadas, Reid colocou-se ao lado de Robbie para esperar as boas vindas, mas Jax segurou Pavão Amarelo quando ela tentou correr para eles. O coração de Robbie se confrangeu. Cada preocupação que lhe passara pela cabeça durante a viagem retornou. E se os mopán não os aceitassem? E se o rei Jaguar os mandasse embora? Ela não suportaria ver Reid deixar sua família uma segunda vez, e não possuía força o bastante para carregar o peso que caía sobre os ombros dele agora. Ela engoliu em seco e apertou a mão dele. — Vá até eles. Eles são o seu povo. — Você e os MacGregor também são, e eu nunca vou abandonar você ou eles de novo. Robbie podia ter caído no choro naquele instante, mas uma comoção chamou sua atenção para os mopán. Uma fila de guerreiros carregando lanças separou os nativos em dois grupos. Robbie enxergou o cocar colorido do rei Jaguar antes que ele entrasse no corredor. Só a carranca de B’alam já seria o bastante para colocar o homem mais corajoso se escondendo 204

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nas saias de sua mãe. Os sussurros aumentaram atrás de Robbie, que ficou tonta. — Fiquem quietos e preparem-se! — A ordem do vovô interrompeu todos os comentários de imediato. Reid pousou a mão sobre as costas dela. — Acha que eles vão se lembrar de tudo que ensinamos? Ela olhou para trás e viu os MacGregor se enfileirarem para as apresentações. — Sim — foi tudo o que pôde responder, porém por dentro estava rezando para que seus parentes demonstrassem a B’alam o respeito que ele merecia. Ela endireitou os ombros enquanto o rei Jaguar passava por seu povo, contudo Tigresa Selvagem parou na frente de seu pai e interrompeu a aproximação dele. Ela fez uma reverência; primeiro depois se lançou em uma torrente de palavras na língua dos dois. — Tigresa Selvagem está contando a ele tudo o que aconteceu — traduziu Reid, mas Robbie adivinhou que a conversa ia um pouco além disso quando Tigresa Selvagem se virou e apontou para Lyall, que estava de pé do lado direito do vovô. — O sujeito está apaixonado por ela, sabe? — sussurrou Reid na orelha de Robbie. Robbie sorriu. De fato, Lyall havia se desdobrado para agradar a filha do rei Jaguar durante a viagem toda. — Lyall será um bom marido para ela, se tiver a chance de provar seu valor. B’alam silenciou Tigresa Selvagem com um grunhido e atravessou a areia branca que separava os dois clãs. Os macacos gritadores encheram o silêncio com seus guinchos agudos, fazendo Robbie se, retorcer com uma ansiedade que se multiplicou quando o rei Jaguar parou à sua frente, em vez de em frente à Reid. — Você voltou. — B’alam inclinou a cabeça para observar os MacGregor enfileirados atrás dela. — E trouxe sua família. Robbie engoliu o coração que ameaçava fugir pela sua garganta e se inclinou reverentemente para o homem que podia esmagar seus sonhos com umas poucas palavras. — Eu falo em nome do seu filho branco quando imploro que considere unir nossas famílias como um só clã sob o seu reino. O rei Jaguar fez Robbie se levantar quando pegou sua mão e olhou sua aliança de casamento. — Você aceitou Serpente Branca como seu único esposo? — Aceitei. Ele é o meu gêmeo. O rei Jaguar pressionou o lado de sua mão contra o peito de Robbie. — O Rukux bate forte dentro de você. Uma lágrima escorreu pelo rosto dela. — Mas o coração de Serpente Branca pertence a este lugar, com você e o seu povo. O rei Jaguar segurou a mão de Reid entre os dois. — Você e sua mulher sempre terão um lugar aqui, meu filho. Reid abaixou a cabeça em agradecimento. 205

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— E o resto de meu povo? B’alam respirou fundo e olhou por cima da cabeça de Robbie. — Quantos são? — Oitenta e sete — respondeu Reid. — Estão todos livres de doença? Reid estendeu a mão para os MacGregor, convidando o rei Jaguar a inspecioná-los, depois segurou Robbie pelo pulso com firmeza quando ela começou a segui-lo. — Paciência, amor. — Cocijo, traga a cesta — berrou o rei Jaguar, quando os MacGregor ofereceram seus parcos presentes. O rapaz mopán recebeu pedras pintadas, fitas entrelaçadas, colares feitos de ossos de peixes e armas variadas. Em sua caminhada de volta, B’alam checou as bocas de todos e a pele em busca de sinais de varíola, com mais atenção para os indivíduos mais jovens e mais velhos. Quando terminou com Shane e Brody, seguiu para o velho, Angus, depois esperou que as garotas se escondendo atrás do tartã do ancião saíssem de seu esconderijo. O que elas não fizeram. — Venham — exigiu o rei, apontando para a areia em frente ao velho, Angus. Anice obedeceu de imediato, abrindo sua boca conforme Robbie a instruíra a fazer. Pacificado, B’alam levantou o queixo de Anice e esperou que Cait fizesse o mesmo, porém a menina continuava agarrada ao velho, Angus. — Que coisa! Ele está assustando as crianças! — Ele está tomando uma decisão muito importante. — Reid segurou-a pelos ombros. Longos segundos se passaram até Cait finalmente sair de seu esconderijo e oferecer ao rei o arminho de que cuidara o caminho todo desde a Escócia. Ele aceitou o presente dela e observou o rabo peludo do animal. — Ela é um bichinho de estimação, não uma comida — explicou Cait, secando os olhos úmidos. — Pavão Amarelo! — gritou ele, fazendo Cait tornar a se esconder. — Ele precisa ser tão agressivo? — Frustrada, Robbie enrolava um cacho com tanta força no dedo que a ponta dele ficou azul. Reid esfregou a nuca de Robbie, acalmando-a. — Considere que tivemos sorte por B’alam não ter arrancado o rabo do bicho e jogado na cesta. Robbie se encolheu, grata por ver Pavão Amarelo salvar Bola de Neve de semelhante destino. Aconchegando o arminho contra seu peito, a filha de Jax rapidamente voltou para sua família, mas piscou para Reid no caminho. — Está quase acabando — assegurou Reid, quando B’alam estava se aproximando do começo da fila de novo. Ele parou em frente à Nanna e tomou a bebê Alana dos braços dela. — Ma’! — guinchou Tigresa Selvagem e protestou contra o comportamento do pai com fervor. — Aka’na! — Ele a silenciou e grunhiu para o bebê. A criança riu, inocente, forçando o rei Jaguar a soltar o sorriso que ele parecia 206

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desesperado para esconder. Ele a entregou para a tia de Lyall e concentrou toda sua atenção em Nanna. — Venha. Vestida em nada além de sua camisa manchada, Nanna se adiantou, abriu sua boca e esticou as mãos. B’alam foi um pouco mais agressivo em seu exame com ela. Ele conferiu os dentes, o cabelo, os ossos dela. Depois o rei Jaguar andou em um círculo ao redor dela, prestando mais atenção em Nanna do que em qualquer um dos outros. A atitude de Nanna era muito estranha também, na opinião de Robbie. A mulher sorria e empinava o peito, aguardando a inspeção dele com um pouco mais de entusiasmo do que o esperado. O rei Jaguar segurou um dos seios dela. — Você é a ama de leite? O sorriso de Nanna aumentou. — Eu era. Robbie sentiu o lábio de Reid contra a curva de sua orelha. — Esse casal eu não previ. — Eu, sim. — Ela riu em silêncio, esperando o rei Jaguar completar sua inspeção com menos incidentes. Mais uma vez, ele parou em frente à Reid. — Seus homens são bons caçadores? — Só há um jeito de descobrir. — Reid olhou para Lyall, e Robbie soube naquele instante quem seria o vitorioso se o rei Jaguar anunciasse uma caçada. Os próximos minutos se arrastaram enquanto B’alam meditava em silêncio. Robbie estava com a respiração acelerada, e cerrou os dentes, tentando se manter quieta. E quando estava prestes a se lançar aos pés dele, o rei Jaguar se virou para os MacGregor e respirou fundo. B’alam ergueu as mãos bem altas e gritou: — Bem vindos a Belize! As preocupações abandonaram o peito de Robbie enquanto ouvia as comemorações vindas dos dois lados da praia. Os macacos imitavam o som alegre, ampliando a excitação do momento. As mulheres mopán correram a se misturar com os MacGregor e uma cacofonia de conversas se seguiu. Pomba Negra cuidou das apresentações com rapidez, antes que o rei Jaguar os levasse de volta para a mata. As bochechas de Robbie estavam doloridas de tanto sorrir, sua visão borrada pelas lágrimas de alegria. — Está feliz? — Reid indagou, levando-a pela folhagem densa. — Muito, demais! — Ela afastou uma folha enorme, com os olhos fixos no homem que era o centro de seus sonhos. Ele era mesmo o rei de Robbie, e este era o paraíso deles. Ela tropeçou em um cipó. — Argh, mulher! — Reid a apanhou antes que caísse e a ergueu em seus braços. — Será que pode olhar para onde está indo? — Acho melhor você me carregar. — Ela o abraçou com os braços e as pernas, fazendo 207

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caretas para as crianças atrás deles. Elas riram, mas dispararam a correr quando o vovô as atacou de mentirinha. Robbie brincou com a orelha, assistindo o avô arrancar um cipó com seu cajado. — O Yucatán combina com o vovô. — O clima mais quente é mais leve para seus ossos. Na multidão de pensamentos que giravam na mente de Robbie, surgiu uma ideia, que ela se apressou a dividir com Reid. — Eu quero levá-lo para a caverna de Xitali. Um riso rouco reverberou pelo peito de Reid. — E vai querer fazer isso hoje? Ela sorriu, sabendo que aquele dia marcava o início do resto da vida dos dois. Era um dia do qual ela se recordaria para sempre, e sempre guardaria junto ao coração. Robbie roçou os lábios na orelha de Reid. — Você sabe que dia é hoje? — É algum dia — ele murmurou no pescoço dela, ecoando seus pensamentos. — Sim. E eu nunca teria conseguido alcançá-lo sem você.

NOTA DA AUTORA

O Homem que Uniu uma Nação Em 14 de maio de 1603, Peter Wallace deixou a Inglaterra com seis navios e as bênçãos do rei James. Wallace, um bucaneiro escocês que havia servido como primeiro-tenente de sir Walter Raleigh, levou consigo homens de todas as regiões do Reino Unido. Ele estabeleceu um assentamento nas margens do rio Belize e manteve o cargo de governante da ilha caribenha de Tortuga. Depois de ser afastado pelos espanhóis, o capitão Wallace se assentou na região hoje conhecida como a cidade de Belize, em Haulover Creek. Este lugar era um esconderijo para aqueles chamados de baymen, corsários escoceses e ingleses. Peter Wallace, cujo nome também era escrito Willis em alguns documentos, foi de onde se acredita que o nome Belize tenha se originado. Dos Anais da Jamaica, 1827: “Willis, o notório bucaneiro, foi o primeiro inglês a se assentar nas margens do rio ao qual deu seu nome. Os espanhóis o chamavam de Walis, e a influência corruptora do tempo suavizou este nome para Belize.” A bandeira de Belize representa a união de seu povo, e é o único país do mundo a representar pessoas em sua bandeira. À esquerda do brasão de armas está um homem de pele 208

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clara segurando um machado, e à direita, um de pele escura, segurando um remo. Acima do brasão está uma árvore de mogno que representa o comércio que se transformou na espinha dorsal da colônia, e abaixo, o lema de Belize, escrito em latim: Sub Umbra Floreo — “Sob a sombra, eu floresço”.

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PAIXÃO SOMBRIA Sara Reinke

Selo: Bianca

Augustus Noble é um homem que convive com muitos segredos. Sua vida inteira foi construída com meias-verdades, traições e mentiras. Medidas desesperadas para manter a mulher que ele ama, Eleanor Trevilian, em seu poder. Patriarca de seu clã, Augustus lutou durante séculos para criar um império de riqueza e prestígio para sua amada. Agora, porém, tudo o que ele lutou está em perigo, e Augustus não pode deixar que um inimigo de longa data descubra uma verdade que poderá pôr os membros de seu clã em risco... Por direito de primogenitura, Eleanor Trevilian já teria garantida uma vida longa, além de seu casamento com o líder do clã lhe proporcionar também riqueza, luxo e conforto. Contudo, uma doença que secretamente devasta os membros de seu clã há gerações agora a aflige também. Seu prognóstico é sinistro, sua vida pode perder todo o sentido... Ao longo de quase duzentos anos, Eleanor amou Augustus Noble, uma paixão que desafiava até as mais sagradas leis da Confraria dos Brethren. Por esse amor, ele a forçou a partir... Para protegê-la, ele partiu seu coração. Agora, Eleanor precisa regressar à fazenda no Kentucky que um dia foi seu lar, e ao núcleo da família, para salvar não só os seus entes queridos, como também Augustus. Porque, se ela não fizer isso, se por alguma eventualidade ela falhar, tudo o que ela e Augustus conheceram será destruído, inclusive o amor que compartilham...

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A HISTÓRIA DE JANE Joan Wolf

Selo: Julia Lady Jane Fitzmaurice tinha tudo o que a sociedade aprovava e valorizava: uma beleza impecável, uma criação perfeita e uma respeitável fortuna. Mas sua personalidade forte e firmeza de opinião, por outro lado, provocavam críticas e comentários. Onde já se vira uma dama bem-nascida passar mais tempo em cima da sela de um cavalo do que em sua saleta, bordando? Como podia ela preferir a companhia de David Chance, o charmoso treinador de cavalos, à de Julian Wrexham, o nobre mais atraente da Inglaterra? Lady Jane já deixava a sociedade em polvorosa, mas um escândalo inédito estava prestes a explodir, no momento em que ela transgrediria todas as convenções e se prepararia para dar um passo perigoso, que poderia arruinar seu bom nome e deixar seu coração partido para sempre...

ARDIL DE UM CORAÇÃO Patricia Rice

Selo: Clássicos Históricos Dois enigmas deixavam Arianne Richards perplexa. Por que ô atraente e rico lorde Galen Locke; estava tão interessado no misterioso retrato que ela havia encontrado? E por que esse cavalheiro nobre, lindo e irresistível demonstrava tanto interesse por ela quando estava comprometido com sua prima, a carismática e cativante lady Melanie? Uma das perguntas atiçava a mente de Arianne... A outra inquietava seu coração... E ambas ofereceriam respostas tão surpreendentes quanto os fantasmas do passado e os segredos do amor...

O FEITIÇO DE BELTANE Patricia Rice

Selo: Bianca

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Inglaterra, 1750 Ninian Malcolm Siddons vive sozinha numa cabana desde que perdeu a avó. Considerada como bruxa pela maioria dos moradores do vilarejo, Ninian não pode contar com ninguém, e tem de se conformar em ficar apenas observando, enquanto as moças e rapazes de sua idade saem e se divertem na noite de Beltane. Não que ela não seja uma jovem encantadora e atraente... Muitos rapazes adorariam namorá-la, não fosse o receio de serem vistos em companhia de uma bruxa... Drogo Ives é um dos poucos que não resistem aos encantos de Ninian. Aproximados por um feitiço, nenhum dos dois consegue se afastar do outro. Entretanto, não é somente lenda, superstição e perigo que Drogo e Ninian terão de enfrentar... Eles terão de superar também a dificuldade de Drogo de confiar em alguém, e a maldição da família Malcolm. E à medida que o perigo se acerca cada vez mais, Drogo e Ninian precisam decidir se são capazes de confiar um no outro o suficiente para sobreviver ao caos e serem felizes juntos...

O CONDE CIGANO Mary Jo Putney

Selo: Best Seller

Ele era conhecido por “Conde Demônio”, e diziam que era capaz de tudo. Filho de um embusteiro e de uma cigana, Nicholas Davies transformou-se em um notório libertino, até que uma traição devastadora ô deixou sozinho e amargurado em meio à paisagem rural do País de Gales. Só mesmo o desespero levaria uma tímida e reservada professora a pedir ao Conde Demônio que a ajudasse a salvar seu vilarejo... Sem disposição para se envolver nos problemas alheios, Nicholas pediu um preço alto por sua ajuda: somente se Clara concordasse em viver com ele durante três meses, deixando que todos pensassem o pior dela, ele interviria na questão que tanto a afligia. Furiosa, porém sem escolha, Clara aceitou o desafio ultrajante, e os dois foram arrastados para um mundo inebriante de perigo e desejo. Como aliados, Clara e Nicholas lutavam para salvar a comunidade dela... Como adversários, exploravam um terreno perigoso de poder e sensualidade... E como amantes, entregaram-se a uma paixão que ameaçava abalar os alicerces de suas vidas...

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DESTINO INSÓLITO Kathryn Kramer

Selo: Clássicos Históricos Especial

Escócia, 1565 Casada contra a sua vontade com um brutamonte das Terras Altas, a linda e graciosa Kylynn Gowrie sentiu-se reviver quando conheceu o atraente Roarke MadKinnon... Roarke irrompeu de repente na corte da rainha Mary da Escócia, para reivindicar suas terras, mas seus modos gentis e sua ternura conquistaram o coração de Kylynn, que ansiava por entregar-se àquela paixão proibida... Quando, porém, a rainha da Inglaterra tramou um ardil para a rainha da Escócia, a quem Kylynn venerava, o destino fez de Roarke seu inimigo. Seria o amor deles forte o suficiente para sobrepujar as agruras e as traições de uma guerra implacável?...

A FARSA DA CONDESSA Joan Wolf Selo: Clássicos Históricos

Inglaterra, Século XIX Amiga leitora, Quero deixar bem claro que não foi minha á ideia de criar uma armadilha para o melhor partido da Inglaterra, o conde de Greystone, se casar comigo. Meu tio, lorde Charlwood, é que estava por trás dessa pequena tramoia. Se meu pai não tivesse sido morto e me deixado aos cuidados de Charlwood, nada disso teria acontecido... De repente, eu era lady Greystone, uma condessa e uma senhora casada. Aprender a ser condessa não foi tão difícil. Aprender a ser casada teria sido bem mais fácil se eu não corresse o risco de me apaixonar perdidamente pela única pessoa que estava além do meu alcance... Meu marido! Bem, se eu não podia conquistar o amor de Adrian, pelo menos eu estava determinada a me vingar, pelo meu pai. Eu jurei desmascarar o assassino dele, e não me importava de correr perigo para alcançar meu objetivo. Portanto, se você, caríssima leitora, está curiosa para saber como eu me saí dessa, leia esta história... Com todo o meu carinho, Kate, Condessa de Greystone 212
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