Enviando No meu céu - Paula L. Jackson & Tamires Barcellos

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No meu céu

1° Edição 2017

Paula L. Jackson & Tamires Barcelos

No meu céu

Copyright 2017 Paula L. Jackson & Tamires Barcellos Capa: Barbara Dameto Revisão: Paula L. Jackson Diagramação Digital: Paula L. Jackson

Essa é uma obra de ficção. Seu intuito é entreter as pessoas. Nomes, personagens, lugares e acontecimentos descritos são produtos da imaginação da autora. Qualquer semelhança com nomes, datas e acontecimentos reais é mera coincidência. Essa obra segue as regras da Nova Ortografia da língua Portuguesa. Todos os direitos reservados. São proibidos o armazenamento e/ ou a reprodução de qualquer parte dessa obra, através de quaisquer meios ​— tangível ou intangível — sem o consentimento escrito da autora e editora. Criado no Brasil. A violação dos direitos autorais é crime estabelecido na lei nº. 9.610/98 e punido pelo artigo 184 do Código Penal.

Um Alec

T

udo parecia igual hoje, como tem sido nos últimos dois anos. Não há nada pra fazer a não ser me manter sentado nessa maldita cadeira, esperando que o nada venha e tome conta de todos os meus dias. É absolutamente impressionante como nossa vida pode mudar em um átimo de segundo, e como nunca nos damos conta disso antes que a situação nos atinja. Em meio à mesmice que se tornara os meus dias, limitei—me a suspirar e observar para o céu extremamente escuro dessa noite de domingo. Sorri debochadamente. Sim, eu sou capaz de debochar de mim mesmo! Tenho me tornado cada vez mais ridículo com toda essa melancolia. Sentir pena de mim mesmo e raiva do mundo, esses se tornaram os pontos fortes da minha personalidade, agora medíocre. Se simplesmente aquele acidente não tivesse acontecido, ou eu tivesse morrido nele, a figura patética que agora vos fala não estaria aqui. — Alec? — Ouvi a voz doce de mamãe do outro lado da porta. Era a única voz que, por enquanto, não conseguia me irritar. No entanto, a figura da minha mãe não me deixava exatamente confortável. Doía-me vê-la se deteriorando nos últimos dois anos. Ela havia deixado o trabalho de lado, meu pai, e só vivia para saber se o aleijado aqui estava bem. — Pode entrar — murmurei sem olhar em direção à porta. Seu caminhar tranquilo logo alcançou minha cadeira. Não virei para olhá-la. Raramente conseguia realmente olhar nos olhos da minha mãe, não gostava da dor que sempre via expresso neles. — Filho, tudo bem? — inquiriu, apertando meu ombro e inclinou-se para beijar minha bochecha. — Sim — respondi monossilábico. Nada estava bem, nada estava mal. Por isso minha resposta não importava muito.

Ouvi um suspiro de exasperação vindo dela, que foi ignorado por mim. Não ia entrar em mais uma discussão sem nexo algum. — Seu pai e eu vamos até o restaurante da cidade, não quer vir conosco? — Soltei uma pequena risada irônica. A ironia não apenas pelo convite, mas também pela menção do meu querido pai. Se já não havia possibilidade de sair dessa casa, ela se tornava ainda mais impossível quando meu pai estava incluso no passeio. — Não, obrigado. — Fui breve novamente. Não me lembro da última vez que atravessei os portões dessa casa. Provavelmente quando ainda fazia fisioterapia, mas, após o acidente, nunca tentei ir a um restaurante ou coisa parecida. Provavelmente daria trabalho a quem estivesse comigo, receberia olhares de pena, e as mulheres que antes me lançavam olhares de desejo me veriam com compaixão. Já recebo carga suficiente de pena dentro da clausura do meu quarto. — Se importa se formos então? — perguntou, em meio a um suspiro. — Não quero deixálo sozinho, na verdade. — Vá se divertir mãe. — Manobrei a cadeira para encará-la, buscando passar firmeza sobre que dizia. — Ficarei bem. Afinal não posso fugir, posso? — disse, debochando novamente. Seu cenho franziu, a boca apertando-se em uma linha fina, as marcas de expressões — que se evidenciaram nesses últimos dois anos — ficando notórias. — Não gosto quando fala assim. — Repreendeu-me. – Nós iremos. Mas não volto tarde, e qualquer coisa pode nos ligar. A propósito, na segunda marquei entrevistas com algumas garotas, precisamos de uma cuidadora pra você. Não é bom que fique sozinho. Bufei, voltando a lhe dar as costas. Odiava ter que depender de alguém. — A que ponto cheguei?! — Me perguntei retoricamente, meneando a cabeça. — Sabe que não suporto nenhuma dessas garotas que contrata. Já não basta Simon? Ele vem aqui todas as manhãs e faz o que tem de fazer, pronto. Mamãe bateu o pé, se empertigando. Sempre discordávamos quanto a isso. Ela não conseguia entender que para mim já é difícil o suficiente tudo que aconteceu. Ainda ter que aguentar uma cuidadora para me monitorar o dia todo, é o fim. — Não basta, Alec. — Alterou a voz. — Simon não pode ficar o dia inteiro, e acredito que em breve terei de voltar para o trabalho... Claro, se você consentir e... — Vá viver sua vida, mãe. O aleijado aqui sou eu! — Interrompi-a, extremamente alterado. — Traga a maldita garota. Mas se aparecer aqui com mais um protótipo de fantasma, que ficam repetindo a mesma frase e me olhando como se eu tivesse alguma deformação, coloco ela pra correr na primeira semana. — Mamãe riu nervosamente. — Não seja radical, querido. — Ela se aproximou novamente, inclinando-se para me dar um beijo de despedida. — Por favor, prometa que vai ligar se qualquer mínima coisa der errado? — Eu vou — respondi, soltando um grunhido de insatisfação.

Heaven

U

ma bigorna, de no mínimo cem quilos, estava sobre minha cabeça, me impedindo de levantar com dignidade da cama. Por isso rolei no colchão até cair no chão e me arrastei até o banheiro. Ontem eu havia exagerado na bebida. Acabei rindo, segurada em minha cabeça. Não fazia a mínima ideia do que tinha feito ontem, nem de como consegui vir parar em casa. — Só para variar, Heaven! — Ri, segurando nas extremidades da pia para me erguer. Quando finalmente consegui encarar meu reflexo, quase caí para traz. Eu estava um caco! Havia rímel borrado embaixo dos meus olhos, os resquícios do batom vermelho, que fora tirado pelo gato do Dylan, manchavam minhas bochechas, e os meus cabelos pareciam um ninho de passarinho. Entrei no chuveiro, numa água fria pra cacete, e permaneci lá até parecer humana novamente. Arrastei-me de volta para o quarto, catando duas pílulas dentro do criado mudo e ingerindo-as. Meu celular tocou e corri para atendê-lo. — E aí, gata, dormiu bem? — Franzi o cenho tentando me lembrar dessa voz, já que o número não tinha identificação. — Dylan? — perguntei hesitante. — E quem mais seria? — retrucou, desconfiado. Bem, poderia ser o Marlon, Anthony, Gabriel, Saulo... A lista era vasta. — Algum problema? — Me joguei na cama, fechando os olhos ao sentir a maciez do travesseiro sob a minha cabeça dolorida. — Nenhum, só queria vê-la novamente — respondeu. — Haverá uma festa na casa de Molly hoje, quer ir? Afirmei com a cabeça antes mesmo de aceitar em palavras. Heaven não perdia uma boa festa. — Claro que vou. Pode me pegar ás 8:00h? — Estarei aí. — Soltou uma de suas risadinhas roucas, que sempre me faziam arrepiar. — Um beijo nessa boca gostosa. — Outro — respondi, finalizando a ligação. A noite prometia!

Desci as escadas até a cozinha. A ressaca estava me matando, mas precisava comer algo. Preparei um sanduíche e subi com o lanche. Conectei meu Iphone no suporte ao lado da minha cama, passando minha lista de reprodução até encontrar a música que queria: Livin’ On A Prayer – Bon Jovi – Ecoou pela quarto. Entre uma mordida e outra no sanduíche entoei a música, balançando a cabeça no ritmo dos acordes incríveis. — Ohh ohhh Livin’ on a prayer... — Gritei, cantando como se não houvesse amanhã. Mas, antes que pudesse continuar com minha performance, a música parou. Dei de cara com minha mãe parada no meio do quarto, com cara de poucos amigos. — E aí, mãe. Qual é a de embaçar a minha música? — perguntei, colocando o lanche de lado. — Você não toma jeito, não é Heaven? — Seu tom de voz era baixo e ameaçador. A pobre estava até ruborizada de raiva. Será que fiz escândalo ao chegar em casa ontem? — Qual é mãe, bronca há essa hora? — Revirei os olhos. — Olha aqui, já basta disso! — gritou. – Eu vi a hora que chegou ontem e o seu nível de embriaguez. Aonde quer chegar com isso garota? — Em lugar nenhum, oras — Dei de ombros. Saindo da cama para me sentar na poltrona. Odiava esses ataques da minha mãe. — Só quero curtir. Custava ela entender algo tão simples. Sou linda, jovem. Preciso sair, me divertir, conhecer gente. Não ficar enfurnada nessa merda de casa. — Pois a curtição acabou! — vociferou. — Seu pai e eu conversamos e chegamos a um consenso: não lhe daremos mais nenhuma mesada. Se quiser dinheiro agora para qualquer coisa que seja terá de trabalhar. Você tem oito períodos na faculdade de enfermagem, se quiser terminar pagaremos tudo, e depois pode ir trabalhar. Eu gargalhei. Não sei se é mais cômico ou assustador. Quando minha mãe não me acompanhou na risada, minha expressão mudou. Ela estava falando muito sério dessa vez. Já havia me ameaçado de cortar a mesada, mas nunca o fez. O que não parece que vai acontecer agora. — Deus me livre. Não volto pra lá nunca mais. — disse apressadamente. — Vocês não podem me deixar sem dinheiro nenhum. Isso não é justo! — Me alterei ainda mais, passando a caminhas de um lado a outro pelo quarto. — Justiça? É isso que quer Heaven? — Foi a vez de a minha mãe rir, parecendo incrédula diante de minhas palavras. — Quando você chega bêbada em casa pelo menos cinco dias na semana, não trabalha, não estuda, isso é injustiça. Seu pai e eu erramos em te mimar demais, mas acabou a boa vida. — Mas onde porra eu vou trabalhar? — retruquei aos gritos. — Pare de chamar palavrões garota. — Mamãe rugiu em resposta. — Arrumei uma entrevista de emprego pra você. Mary Bennet está procurando por uma cuidadora para seu filho paraplégico. Falei de você para ela, pontuei que tinha cursado enfermagem e que estava interessada no emprego.

— O que? — Me levantei em um sobressalto. — Eu não vou cuidar desse cara. — Vai sim. — Foi enfática. Ela se aproximou, olhando-me de olhos estreitos, o dedo em riste. — Você vai conseguir esse emprego, Heaven Luna Baker, ou esqueça que é minha filha... Porque não aguento mais suas encrencas — Seu tom dessa vez foi de tristeza, o que me doeu um pouco. Mas não o suficiente para me compadecer. Ela estava me obrigando a cuidar de um cara que eu não queria. — A reunião é amanhã, no início da manhã. Fiquei apenas fulminando-a com o olhar enquanto ela saia do quarto, batendo a porta. — Droga! — Gritei, jogado uma série de almofadas e bugigangas no chão. — Mil vezes droga! Eu teria de ir a essa entrevista e ficar com essa merda de emprego. Pelo menos até a raiva de meus pais passarem e eles me deixarem curtir a vida novamente. Como eu conseguiria aguentar essa tortura, não sei.

Dois Heaven

E

u odeio a minha vida. Odeio essa ideia de merda da minha mãe de me colocar para limpar a bunda desse cara. Odeio a droga de situação em que estou me metendo. Bufo, xingando o céu, a Terra, a existência humana, enquanto caminho rumo à casa dos Bennet. Meus pais deveriam perceber que eu simplesmente não nasci para trabalhar, estudar, ou fazer qualquer uma dessas merdas que todo mundo faz. Isso porque sou uma pessoa que analisa tudo que me rodeia, e em uma dessas análises acabei me dando conta da real ordem da vida, do

ciclo em que nós humanos nos metemos sempre: a gente nasce, atura pais chatos, somos obrigados a estudar, a tirar boas notas, a ser uma pessoa exemplar. Quando, finalmente, alcançamos a maioridade, temos que nos formar em alguma merda e trabalhar pelo resto das nossas vidas. Onde fica o momento para se divertir, para apreciar as coisas simples da nossa existência, ou mesmo o tempo para não fazer nada? Se ao menos tivesse tido a sorte de nascer rica, com toda a certeza do mundo, não teria que vir destrancar a minha matricula nessa faculdade, e ainda sair daqui com uma declaração ridícula me mostrando apta para cuidar do aleijado, digo, do paraplégico. Não estou preparada de forma alguma para esse trabalho. E, para completar todo o meu dia de merda, eu estava atrasada para a entrevista com a tal da Mary Bennet. — Porra, mil vezes porra! — Xinguei, entrando no meu carro e dando partida para sair da garagem da faculdade. Por sorte, o trânsito estava bom e eu consegui fazer a viagem em menos de meia hora. A casa dos Bennet era de tirar o fôlego. Ou melhor, nem ferrando que aquilo era uma casa, era uma mansão. Desde os portões de ferro forjado, pintados em um dourado envelhecido, que ostentavam em seu centro um brasão e as iniciais da família, até o jardim repleto de flores magníficas, com uma fonte que fazia pirotecnias com a água, era tudo muito intimidador. E eu ainda nem tinha entrado de verdade da casa. Levei um tempo observando a arquitetura da construção, algo no estilo vitoriano, acho. A pintura, de um tom branco alvíssimo, dava ainda mais imponência a casa, destacando-a em meio a todas aquelas flores. Assim que fui guiada para dentro, por uma empregada, ficou nítido o bom gosto, a classe e a riqueza da família Benett. Ri de mim mesma ao ver como destoava de tudo aquilo. Era óbvio que a tal Mary me colocaria para correr assim que me visse. Mais uma coisa me chamou atenção na casa, era tudo adaptado para o Axl, não, é Alex, Arlon... Porra, para o cadeirante, do qual eu não lembrava o nome. Havia rampas ao lado das escadas e as portas eram mais largas que o normal. Mas, mesmo assim, tudo era incrivelmente impecável. — A senhorita pode esperar aqui, a senhora Bennet virá recebê-la. — disse a mulher, me olhando de cima a baixo, antes de sair. Confesso que segurei uma resposta mal criada. Olhei para minhas roupas: um vestido preto destroyed, que ia até a metade da minha coxa, meias arrastão, botas e um pouquinho de maquiagem. O que? É proibido ter estilo agora? Claro que mamãe disse para me vestir bem para a entrevista, mas não sou obrigada a nada, não é mesmo? — Heaven Luna Baker, não é mesmo? — Uma voz educada soou às minhas costas. Virei-me, dando de cara com uma senhora muito bonita, os cabelos levemente grisalhos presos em um coque, um vestido bem cortado, verde esmeralda, os olhos, de um tom cor de mel

muito claro, estavam opacos e ligeiramente cansados. Mary caminhou até a mim, me analisando assim como sua empregada. Por um momento pensei que ela faria cara feia por causa de minha roupa, mas, para minha surpresa, ela sorriu e estendeu a mão. Aceitei seu cumprimento educadamente. — Isso mesmo, sou Heaven — respondi, com um aceno firme. — Muito prazer, Heaven. — A mulher sorriu simpaticamente. — Sou Mary Bennet, mas pode me chamar apenas de Mary. Por favor, sente-se, quero conversar um pouco com você. Ela apontou para a poltrona que estava atrás de mim. Obedeci seu comando delicado, sentando-me e aguardando a senhora fazer o mesmo. Ela era uma mulher fina, tinha que admitir, e seu jeito estava me deixando até um pouco sem graça. — Sua mãe me falou muito bem de você, Heaven. — Falou? Puxa, minha mãe era uma bela mentirosa. — Me contou sobre a sua faculdade de enfermagem e o quanto queria trabalhar nessa área. Disse-me que é cuidadosa e que seria perfeita para cuidar do meu filho. Ela disse tudo isso? Confesso que tive que reprimir uma gargalhada. Minha mãe era uma peça, e pelo jeito mentia muito bem. — Sim, eu realmente estou muito interessada no emprego. — Completei a mentira, me esforçando o máximo para não rir. Limpei a garganta e resolvi fingir que sou uma pessoa séria e sensata. — Minha faculdade não exige estágio ainda, mas já estou no oitavo período e quero colocar em prática tudo o que eu aprendi. Isso fará com que o meu currículo fique mais completo. Fala sério, a quem eu estava querendo enganar? Colocar em prática tudo o que aprendi? Melhorar meu currículo? Quando eu saísse daquela casa, eu ia liberar toda a risada que estava prendendo dentro de mim. — Perfeito. Meu filho, Alexander, sofreu um terrível acidente há dois anos e, desde então, está morando comigo. Já contratei várias enfermeiras, mas ele não se dá bem com nenhuma delas. É um pouco ranzinza, ignorante e às vezes mal humorado, mas acho que a convivência de vocês pode ir melhorando com o passar do tempo. Você é exatamente o tipo de pessoa que estava procurando, porque Alec odeia aquelas mulheres vestidas de branco, ele se sente preso a um hospital. Tenho certeza que você vai ser perfeita para cuidar do meu filho. Puta merda... Isso queria dizer que o emprego era meu? Pensei que ia ter um teste, do tipo ter que dar banho ou limpar a bunda do Axl... Digo, Alec. — Alec também tem outro enfermeiro particular. — Continuou seu discurso. — Simon vem aqui todas as manhãs, e é ele quem cuida da higiene pessoal de Alec, assim como de seus remédios e fisioterapia. Você ficará com ele na parte da tarde e irá embora quando eu chegar do trabalho. Tudo bem para você? Acho que esse horário dá pra conciliar o trabalho com a sua faculdade, não é mesmo? Sorri amarelo, fingindo amar o que acabara de me ser passado. Na verdade estava querendo correr dessa casa e nunca mais colocar os pés aqui. Segundo a elegante Mary Bennet, eu conseguiria conciliar tudo sim, mas e minhas festas, como isso fica?

Merda! Adeus vida social. — Claro, dá para conciliar — respondi, engolindo em seco. Raiva borbulhava dentro de mim. Não era certo o que meus pais estavam fazendo, me obrigando a voltar para uma faculdade da qual não queria participar, me obrigando a ficar em um emprego o qual não queria trabalhar. — Perfeito! — comentou animada. Seu sorriso se ampliando. — Você pode começar amanhã, certo? — Assenti como um robô. Ela levantou-se. — Acertamos todos os detalhes sobre seu salário, horários e afins. Simon estará te esperando para explicar tudo sobre os remédios, dieta e tudo para manter a saúde de Alec, e também como lidar com ele. — Dessa vez o sorriso dela foi de constrangimento Deve estar pensando, que assim como todas as outras enfermeiras, não irei durar nadinha aqui. Pobre mulher, mal sabe ela que, provavelmente, é o mimado do filho que não irá me aguentar por um dia. Se ele gosta de desafiar as desavisadas, comigo não será assim. Já que estou nessa merda, vou ficar o maior tempo possível, juntar grana o suficiente para me mandar da cidade e pronto. Então não haverá rabugento páreo para mim. — Tudo bem, amanhã após o almoço estarei aqui. — murmurei, me levantando. A senhora me impressionou ao se aproximar e não mais me cumprimentar com um aperto de mãos, e sim com um breve abraço, que acabei retribuindo no automático. Demonstração de carinho não era comigo. — Obrigada, querida. — Fiquei observando meio embasbacada seu sorriso sincero. — Sinto que sua relação com Alec será perfeita. Tossi, quase engasgando com a risada que acabei prendendo. Achei bem equivocada a colocação dela. Mas quem poderia tirar as esperanças dessa mãe. Minha relação com um cara arrogante, razinza e mimado no máximo será suportável. Não nasci para agradar ninguém. — Eu espero que sim. — Forcei mais um sorriso. Enquanto saía da casa imagens da minha vida perfeita ficando para trás povoaram minha mente. Adeus festas e bebedeira constante, adeus sexo louco a qualquer hora do dia, adeus descompromisso. Acabara de entrar novamente no ciclo de todo humano comum, estudar e trabalhar. Mas isso não duraria muito, eu não me permitiria. Mary me acompanhou até a porta, tagarelando algo sobre como seria bom para seu filho uma figura tão exótica por perto. Eu apenas assentia e tentava sorrir. Quando, finalmente, me livrei da companhia dela, já bem próximo ao portão, olhei mais uma vez para aquele jardim pensando que eu o veria durante todos os dias, a partir de agora. Parecia que estava matando a Heaven de sempre me permitindo enredar nessa coisa que meus pais inventaram.

Três Heaven

—P

ois é, Suzan, não vai ter como para a festa. — Comentei frustrada.

Frustração seria meu segundo nome a partir daquele dia, até minha rotina voltar a sua normalidade. Fazia algum tempo que eu havia chegado da casa dos Bennet e desde então estava jogada na cama, olhando para o teto do quarto, onde havia um pôster do Iron Maiden. Quase fiz uma oração para o Bruce Dickinson. Nada no universo me libertaria da minha nova tortura, por isso estava esperando que o dia seguinte chegasse e com ele o início do meu martírio. Suzan tagarelou por mais alguns breves minutos, quase me convencendo a mandar tudo para o inferno e ir para essa festa, mas consegui me politizar e prometer a ela que no final de semana encheríamos a cara. Não sei até quando iria me segurar. — O jantar está na mesa, filha — Mamãe gritou do outro lado da porta. Ela estava especialmente orgulhosa pela minha conquista. Despedi-me de Suzan, descendo para a cozinha sem muito ânimo. A pauta obviamente seria meu novo trabalho, e não estava nem um pouco afim de toda aquela merda. — Sua mãe acabou de me contar que conseguiu o emprego, Heaven. — Papai disse naquele tom orgulhoso. Revirei os olhos, engolindo a resposta mal criada com um gole do meu suco. — Fico muito feliz. — Não é grande coisa. — Dei de ombros. — E ainda bem que existe alguém feliz aqui. — Não seja assim, Heaven, Sabe que estamos fazendo isso para seu bem. Onde acha que acabaria se continuasse nessa vida de bebida e festas? — Com certeza não acabaria fazendo o que não quero — gritei, me levantando bruscamente. — Fiquem aí felizes por e ter arranjado um emprego medíocre. Isso tudo é ridículo. Subi as escadas correndo, me trancando em meu quarto em seguida.

Espreguicei-me preguiçosamente na cama, ligeiramente satisfeita pela noite bem dormida. Não me lembrava da última vez que tinha dormido tanto assim. Ao abrir meus olhos constatei que o sol já estava alto e, como se um botão de alarme tivesse soado dentro de mim, lembrei-me da ida ao trabalho.

Peguei meu celular na mesinha ao lado da cama, me atrapalhando com os botões antes de conseguir ver a hora. — Porra! — Xinguei, jogando o celular na cama. Fiz uma breve maratona até o banheiro, me despindo pelo caminho. Bati todos os recordes humanamente possíveis. Tomei banho, vesti-me, passei meu lápis preto e rímel, me penteei. Tudo isso em menos de 20 minutos. Catei as moedas que tinha na bolsa e chamei um táxi. Se fosse esperar um ônibus demoraria um ano para que eu chegasse até a casa de Mary, meu carro estava sem gasolina e meus pais não liberaram um tostão. Segundo eles, só sairia no carro agora quando recebesse meu primeiro salário. Quase tirei o taxista do carro e dirigi eu mesma até o bairro nobre onde os Bennet moravam. O homem era uma lesma no trânsito. A mesma empregada de ontem veio me recepcionar quando cheguei na maldita casa, esbaforida pela corrida até a porta. Só para constar, estava atrasada meia hora. Uma ótima forma de começar no emprego! Mary apareceu na sala sorridente. Não parecia chateada pelo meu atraso, menos mal. — Boa tarde, Heaven — saudou, me abraçando efusivamente. Senti-me desconfortável da mesma forma. — Vamos subir. — Guiou-me escada a cima. — Simon está de saída, mas antes ele irá lhe instruir sobre algumas coisas. — Assenti, seguindo-a. Não pude ficar imune à impecabilidade da casa. Por todos os lugares que passávamos era nítida a opulência. Isso é que é luxo! Se fosse filha da Mary não precisaria cuidar de ninguém para sobreviver. Entramos em uma das portas e, porra, o lugar parecia um hospital particular. Havia uma cama hospitalar de última geração, um galão de oxigênio, num armário branco havia um mundo de remédios, sondas e materiais estéreos para curativos, e ao lado dois tipos de cadeiras de rodas diferentes. Um homem alto, vestido em uma calça jeans e uma polo branca virou-se assim que entramos na sala. — Simon, essa é Heaven, a nova enfermeira do Alexander. — Mary me apresentou. O belo exemplar de homem me presenteou com um sorriso gentil, aproximando-se para me cumprimentar com um aperto de mão. O tal Simon era um gato! O estereótipo do homem que gosto. Alto, musculoso, a pele negra contrastava com perfeição os olhos verdes e o sorriso branquíssimo. O olhar de cobiça que me lançou foi retribuído prontamente. — Prazer, Heaven. — Apertei sua mão, sorrindo abertamente. Talvez trabalhar aqui nem fosse tão ruim assim. Já começamos de forma bem proveitosa. — O prazer é meu, Simon — retruquei com um tom bem sugestivo. — Vou deixá-los a sós para que ele te explique tudo. — Mary afagou minhas costas, voltando-se para o homem diante de nós. — Simon, querido, leve a Heaven até o quarto do Alec quando terminar aqui, pois estou indo para o trabalho, sim? — Claro, Mary, fique tranquila, antes de sair deixo a moça a par de tudo — Mary assentiu em meio a um sorriso.

— Boa sorte, e seja muito bem-vinda — balbuciei um obrigada, acenando antes de ela fechar a porta. Assim que Mary saiu Simon entrou em seu modo enfermeiro profissional. O que achei uma pena, estava afim de flertar com ele. Ignorando minhas jogadas de cabelo, ele passou a me dar as tais instruções. Prestei atenção naquela merda revirando os olhos sempre que ele não podia me ver. Um saco, assim como imaginei. — Como percebe não se tem muito a fazer. O Alec é bastante independente e enquanto não se acostumar com você não a chamará para nada. — Concluiu. — Só peço que tenha cuidado se ele apresentar algum sinal de infecção urinária, febre, tosse ou qualquer coisa que fuja da normalidade, acontece bastante. Por favor, procure ter paciência, ele é difícil de lidar — Sorri o mais amável possível. Se não estava o aguentando falar, imagina só como seria conviver com o tal Alex todos os dias? E, paciência, essa palavra definitivamente não estava em meu vocabulário! — Vamos até o quarto. — Ele fechou o armário dos remédios, me indicando a porta. — Irei deixá-la lá para conhecer o Alec, e sairei em seguida. Tenho outro cliente para atender. — Claro. — Assenti. Caminhamos em silêncio até o final do corredor. Simon parou em frente a uma porta extremamente larga e abriu-a, revelando um quarto provavelmente tão luxuoso quanto todo o resto da casa. Não pude ver muitos detalhes, já que o lugar estava quase na penumbra. Todas as janelas e cortinas estavam fechadas, impedindo que a luz do sol entrasse. — Alec! — Chamou em tom repreensível. — Já disse que não é bom permanecer nesse escuro. — Simon ascendeu à luz, me permitindo ver não somente os detalhes belíssimos do quarto, mas também um homem deitado na cama King-Size. Os detalhes do quarto ficaram em segundo plano quando fixei meus olhos na figura a minha frente. Eu esperava um homem horrível, provavelmente deformado por causa do acidente, mas o tal de Alec era tão bonito que mais parecia uma escultura. O rosto extremamente pálido, quase translúcido, dava destaque aos seus olhos de um azul límpido. Eram olhos tão lindos, que nem mesmo as olheiras sob eles conseguia diminuir a beleza. Tinha traços másculos no rosto anguloso, o queixo quadrado e as maçãs do rosto sobressalentes, o nariz fino e os lábios carnudos davam um toque de delicadeza perfeito ao rosto incrível. O cabelo grande e a barba de muitos dias não diminuíram sua beleza em nada. Era um homem que não passa despercebido nem mesmo aqui, em um leito. Ele me encarou de olhos estreitos, mantendo meu olhar fixo no seu. No primeiro instante notei que ele seria um desafio maior do que eu estava pensando. O cenho franzido e a expressão de desgosto deixava isso claro. — Essa é sua nova enfermeira, Heaven Luna. — Ele assentiu rigidamente. — Vou deixá-los porque tenho cliente para atender agora. Amanhã nos vemos Alec. — Simon me deu um aperto encorajador no ombro. — Não se preocupe, não vou fugir — comentou Alec, numa brincadeira amarga. Simon meneou a cabeça e saiu do quarto, acenando simpaticamente para mim. Quando a porta foi fechada, e restou no enorme espaço apenas Axl, quer dizer, Alec e eu, fiquei sem saber onde enfiava minha cabeça. Ele me ignorou ferrenhamente, como seu eu não

passasse de mais um item de decoração do seu quarto. Aproveitei para dar uma boa olhada no amplo espaço. Havia duas portas do lado esquerdo, que imaginei serem o closet e o banheiro. A cama enorme estava centralizada o quarto, ladeada por criados-mudos entalhados na mesma madeira que recobria os dosséis da cama. Havia uma mesa, também em madeira, no canto direito do quarto, onde estava um computador de última geração, canetas e porta-retratos. No espaço havia duas poltronas confortáveis, quase da mesma cor do papel de parece que mesclava cinza, branco e creme, e uma estante de livro. Acima da minha cabeça havia um suporte de TV gigantesco e caixas de som distribuídas estrategicamente pelo quarto. Havia uma porta larga de vidro, na sua frente uma rampa, que daria para o jardim da casa. Tudo impecável. — Deseja alguma coisa, senhor Bennet? — indaguei, procurando quebrar o silêncio. Passei uma vida olhando o quarto e o homem não falou nada. Será que perdeu a língua no acidente também? — Desejo que apague a luz e saia do quarto, agora — disse com firmeza, finalmente voltando a me olhar, mas não de uma forma amigável ou mesmo gentil. Sustentei seu olhar, e travei os dentes para não lhe dar uma resposta mal criada. Contrariando seu pedido, caminhei decididamente até a enorme porta de vidro, escancarando-a. — Mas o que significa isso? — Sua voz saiu surpresa e irritadiça. — O senhor precisa dos raios solares e principalmente da vitamina D que ele tão gentilmente nos distribui. — Meu tom de voz foi muito profissional. O que só pareceu irritá-lo ainda mais. — O senhor já almoçou? — Fitei-o da mesma forma nada amigável. Ele estava de cenho franzido, o olhar rude que me lançou só me fez empertigar ainda mais. — Não almocei e não quero comer porra nenhuma. Quer fazer o favor de sair do meu quarto? — Apontou a porta enfaticamente. — Ótimo. — Ignorei seu destempero. — Simon já me passou sua dieta. Vou buscar seu almoço. Algo mais em que eu possa ajudá-lo? — Você é surda ou o que garota? — Gritou, completamente alterado. O rosto pálido ganhando cor. — Saia do meu quarto. Você acaba de ser demitida — Seus movimentos descontrolados e a voz alterada só me davam certeza de que, se ele pudesse, teria se levantado e me colocado para fora aos chutes. Ótimo, porque também não gostei dele, e se pudesse chutaria seu traseiro arrogante. Mas infelizmente preciso desse emprego ridículo. — Fui contratada pela senhora Mary, então apenas ela pode me demitir. — Continuei sustentando seu olhar, falando o mais tranquilamente possível. Não deixaria que notasse que estava me irritando. — Vou buscar seu almoço, com licença. Girei em meus calcanhares e sai do quarto. Assim que fechei a porta me virei e mostrei meus dois dedos em direção do quarto. — Maldito aleijado. — Urrei, trincando os dentes. — Deveria colocar pimenta em sua comida. — Bati o pé, dei alguns chutes na parede para descarregar a raiva, e depois desci para buscar o almoço do insuportável.

Uma coisa era certeza aqui, esse homem iria me irritar muito, mas eu tinha uma artilharia bem pesada também. Em rebeldia eu dou aula, e vou ensinar a ele que encontrou alguém á sua altura

Quatro Alec

Q

uando minha mãe me disse que havia encontrado a enfermeira ideal, eu logo pensei que ela estava louca. Não existe uma enfermeira ideal. Não existe, no mundo, alguém que será ideal para cuidar de mim. Eu me recuso a ter uma pessoa ao meu lado durante vinte e quatro horas, me recuso a regredir na vida, ser tratado como um bebê, onde preciso de cuidados e monitoramentos pessoais constantes. Entretanto, quando a tal da Heaven Luna entrou no meu quarto, percebi que minha mãe, realmente, tinha enlouquecido de vez. Completamente. Irrevogavelmente. Eu sei que disse que não queria mulheres vestidas de branco zanzando pelo meu quarto, mas isso não queria dizer que eu queria uma coisa toda vestida de preto ao meu lado. Aquela menina nem deveria trazer boa sorte, de tão pesada que era sua presença. Tudo bem, devo admitir que me sinto morto por dentro, mas isso não quer dizer que quero que uma pessoa se vista como o meu estado de espírito. Sem contar que ela era, realmente, uma garota. Quantos anos deveria ter, dezessete? Dezoito no máximo! Aparência de louca, adolescente e, para completar o pacote de enfermeira ideal, ainda era abusada. Minha mãe tinha endoidecido. Ponto final. — Senhor Bennet, trouxe seu almoço — disse, entrando no quarto com uma bandeja. — Simon me avisou sobre sua dieta e me deu o cardápio de todos os dias da semana. Hoje sua comida é... — Salada verde com peixe grelhado. — Interrompia grosseiramente. — Garota, você não acha que eu já decorei tudo isso? São dois anos comendo praticamente a mesma coisa, no mesmo dia da semana. E pode ter certeza que dois anos é tempo suficiente para alguém como eu gravar qualquer merda — conclui, em um tom mais arrogante do que o normal. Se a petulante estava achando que iria facilitar minimamente para ela, estava enganada. Se não fiz isso para as pombas lerdas que passaram por aqui durante os dois anos, porque faria isso para esse corvo petulante.

Estava esperando que ela saísse chorando e pedisse demissão ainda hoje. Mas, ao contrário do que eu pensava, ela permaneceu em seu estado, me ignorando completamente. Colocou a badeja em cima da minha mesa de refeições, andou com ela até a minha cama e a acomodou na minha frente, travando as rodinhas para impedir que a mesa corresse para longe de mim. — O senhor quer que eu dê na sua boca ou pode comer sozinho? — perguntou, cruzando os braços ao olhar para mim. Raiva borbulhou em minhas entranhas, enquanto me sentava na cama. Não costumava ter muita dificuldade com isso, mas o processo hoje não foi fácil, estava com uma dor terrível no ombro. — Apenas a tetraplegia que me impede de movimentar meu corpo do pescoço para baixo, querida. O que eu tenho se chama paraplegia, que impede apenas os movimentos das minhas pernas. Correto? Ou tenho que explicar detalhadamente? Não teve essa matéria na faculdade? — Não poderia ter soado menos raivoso. Sem falar no olhar de desprezo que lhe lancei. Ela riu baixinho e revirou os olhos. Levou apenas um segundo para perceber que ela não estava rindo de mim e sim debochando de mim. Não sei qual dos dois era pior. — O senhor poderia poupar suas cordas vocais e apenas comer, sim? — Continuou, em seu tom de voz profissional. — Vai passar do seu horário de almoço, e, segundo Simon, você não pode tomar o remédio da tarde sem ter almoçado. Respirei fundo e engoli em seco, começando a comer. Primeiramente ela manteve aquele olho carregado de lápis e rímel em cima de mim. Logo depois, começou a andar pelo meu quarto e olhar para todos os objetos, prestando atenção em tudo ao seu redor. Ela não havia percebido que a queria longe daqui? Ainda mais enquanto comia! — Como foi o seu acidente? — indagou, olhando para as fotografias em cima da cômoda. Passou os dedos por um porta-retratos, demorando o olhar naquela foto em específico. Lembrava daquela foto com perfeição, ainda podia sentir o vento gelado atingindo minha pele como finas lâminas, a brancura da neve me cercando e fazendo tudo parecer tão calmo e fulgente, como se o mundo não tivesse ainda sua existência, tudo muito maculado. O abismo de neve e lagos congelado abaixo, e a sensação de adrenalina correndo por meu corpo, coisa que sempre acontecia antes de descer uma grande montanha no meu snow board. — Bom saber que uma enfermeira tão eficiente, não sabe o que aconteceu com o seu próprio paciente. — ironizei, revirando os olhos. Afetado pelo meu momento de nostalgia. — Não precisa ser grosso Bennet. Eu apenas fiz uma pergunta. — Resmungou, soltando um suspiro cansado. Olhei para ela, me sentindo subitamente culpado. Mas o que eu poderia fazer? Aquele era eu. Ou melhor, era o que eu tinha me tornado depois daquele acidente infeliz. No fundo, bem no fundo não gostava de maltratar nenhuma das garotas, mas era meu escudo, meu modo de me mostrar forte aos poucos que me rodeiam. — Um motorista bêbado entrou na via contrária e seu carro se chocou com o meu. Meu carro capotou, desceu um barranco e puft! — Soltei, impressionado comigo mesmo por ter falado com ela a respeito disso. Eu nunca falo sobre o acidente. — Fiquei paraplégico. Se você quiser que

eu seja mais claro, posso desenhar. Ela ficou em silêncio, ainda olhando para a foto. Não me perguntei o porquê de tudo aquilo, ou no que ela estava pensando, pois eu jamais saberia responder. A garota era estranha, abusada e ficava em silêncio sem um motivo coerente. Talvez Heaven estivesse com pena de mim. Se ela fosse por esse caminho nossa convivência seria insuportável, porque sentir pena de mim é algo que eu jamais tolerarei. — O gato comeu sua língua, querida? — Fui mordaz. Afastando a bandeja do meu alcance. Não queria mais aquela comida sem graça. — O que? — Ela se virou pra mim. — Não... Não. Quer dizer... Esse lance de misturar álcool com direção, realmente não dá certo. Era sobre isso que estava pensando. Arregalei os olhos, impressionado pelo pensamento coerente vindo dessa figura, aparentemente sem nexo algum. — Bem, não me importa o que você estava pensando. Já terminei. Você pode sair do meu quarto e não me importunar mais, certo? — Heaven afastou a bandeja, sem me lançar um olhar. — Se realmente quer esse emprego, uma das coisas que terá de aprender é que eu não gosto muito de companhias. Se eu precisar de você, chamo. Consegui pegá-la revirando os olhos e confesso que tive que impedir uma risada. Ela realmente agia como uma adolescente rebelde e prepotente. O que Heaven não sabia é que eu também sabia agir como um adolescente rebelde, ela precisava apenas me cutucar mais um pouco e conheceria o humor negro do verdadeiro Alec.

O dia correu normal depois da fatídica hora do almoço. Só vi a tal enfermeira na parte da tarde, quando veio me dar o remédio e, logo depois, ela sumiu novamente. Era melhor assim. Eu não tinha mais paciência para estar na presença de alguém que não fosse minha mãe ou Simon. E até mesmo com eles eu me irritava. Vê-los andando, se movimentando ao meu redor, me incomodava mais do que tudo. Eu sentia inveja, essa era a verdade. Porque eu sei que um dia eu tive aquilo e nunca dei importância. Nunca pensei que perder o movimento das pernas faria tanta falta na minha vida. Nós nunca nos damos conta do quão privilegiados somos, nem mesmo agradecemos por coisas simples serem possíveis na nossa vida. Na verdade nem nos damos conta dessas coisas. Quantas vezes você já agradeceu por conseguir andar, falar, enxergar ou mesmo respirar? Só nos damos conta da nossa fragilidade, ou da importância de uma dessas coisas, quando nos é tirado à chance de executá-las. — Alec? — Mamãe me chamou, entrando no quarto. — Posso falar com você querido? Assenti, observando-o caminhar cautelosamente em minha direção. Mamãe agora sempre parecia mais cautelosa comigo, como se tivesse medo de me machucar sempre. Ela se sentou ao meu lado na cama e segurou minha mão, sorrindo calidamente. — Conte para mim, como foi o dia ao lado da Heaven. Ela lhe tratou bem? — inquiriu me arrancando uma risadinha sardônica. — Mãe, se eu te perguntar uma coisa você jura que não vai ficar brava comigo?

— Claro que não ficarei brava com você, Alec. Pode perguntar filho — Sua mão pousou em minha cabeça, fazendo um carinho reconfortante. — Você enlouqueceu? — Ela cessou o carinho, me olhando repreensivamente. — Mãe, pelo amor de Deus, essa garota é maluca, completamente doida! Usa essas roupas estranhas, essas maquiagens loucas. Por acaso você comunicou que era pra ela vir trabalhar para um cadeirante e não para um cadáver? Parece que ela está de luto! Minha mãe me olhou com a boca ligeiramente aberta e, logo depois, riu. Sua expressão foi da irritabilidade para a de zombaria em um instante. Ela estava gargalhando, rindo de mim. — O quê, eu contei alguma piada? Não estou achando a graça senhora Mary! — Ora, Alec, por favor. — Ela conseguiu se controlar, mas ainda falava aos soluços. — Não entendo todo esse drama. Você não queria uma pessoa vestida de branco. Quando eu encontro uma que usa outro tipo de roupa você faz todo esse escândalo. Querido, não seja assim. Dê uma oportunidade para a garota. — Mas, mãe, ela é louca. A desaforada me respondeu! — Sobre o que aconteceu no almoço? Eu realmente não vi nada de errado ali — retrucou. — Como você sabe sobre isso? — Heaven me contou, querido. Disse-me que você foi rude, que não queria almoçar, mas que ela deu o seu almoço mesmo assim. E ainda relatou sua ameaça de demissão. Foi mais rápido que das outras vezes. — Seu ar de riso estava me irritando. — Eu ainda quero demiti-la — vociferei. — Não vou suportar a presença dessa menina insolente perto de mim! Por favor, arrume outra pessoa, eu não a quero aqui. Eu sou o cadeirante, não é mesmo? Então, eu tenho o direito de escolher quem eu quero para ficar ao meu lado. — Chantagem emocional costumava funcionar, em último caso. — Não mesmo Alec. Não vou demitir Heaven só porque você está de pirraça. Já perdi a conta de quantas meninas eu demiti por causa desse seu mesmo discurso. Heaven continuará no emprego, pois eu a achei muito eficiente. — Isso é um absurdo, eu não a quero aqui! — Gritei. — Alec, eu já disse, Heaven continuará sendo sua enfermeira. — Sentenciou, levantando-se, mas não sem antes me dar um beijo carinhoso na bochecha. — Você vai ver querido, será apenas uma questão de tempo até vocês se acostumarem um com o outro. Tenho certeza que vocês se darão muito bem. Estreitei os olhos, mirando sua silhueta se afastar. Estava completamente irritado e contrariado. Aquele corvo e eu jamais nos daríamos bem. Mamãe, que não costuma se enganar, dessa vez errou feio. Isso jamais vai acontecer.

Cinco Heaven

O

barulho ensurdecedor da guitarra, o cheiro de cigarro e álcool me fazia sentir em casa. Vamos lá, depois de uma semana aguentando o mau humor daquele homem, eu merecia me divertir. Hoje era domingo, dia que deveria receber oficialmente o nome de dia do sexo, bebida e diversão. Ingeri um generoso gole da minha vodca, analisando tudo ao meu redor. A boate estava lotada, havia muita gente na pista de dança, muitas pessoas no bar, e uma generosa quantidade de casais se pegando aqui e ali. Caminhei em direção à pista de dança, onde minha caça da noite aguardava. Se estivesse em outro momento não repetiria a dose com Dylan, já havíamos esgotado a cota de ficadas, mas estava meio sem paciência pra flertes, então ficaria por aqui. Assim que me aproximei, ele me agarrou por trás, colando seu corpo no meu, e embalandonos no ritmo frenético da música. Senti-lo xcitado estava me deixando molhada. Em certo momento ele me virou de frente para si, me erguendo o suficiente para colar a boca na minha, beijando-me intensamente, fazendo minha cabeça girar ainda mais. — Está gostosa com essa roupa. — Sussurrou em meu ouvido. Suas mãos grandes passaram por minha perna, parando em minha bunda, que ele apertou com força. Ri, mais que satisfeita por seu ataque descarado. — Você sempre está gostoso — Gritei em seu ouvido, esfregando meus quadris em sua pelve. Ele gemeu, me apertando ainda mais. — Vamos, ou subo sua saia e faço o que estou com vontade aqui mesmo — Assenti, gostando do seu olhar malicioso. A ideia não era de todo ruim, mas dada a minha abstinência de uma semana, precisava mesmo de um lugar reservado. Seguimos entre os corpos suados e alcoolizados, até finalmente sairmos do clube Underground onde estávamos. O vento frio da noite me atingiu, gelando momentaneamente meu corpo, que até então, estava superaquecido. — Mal posso esperar para ficar sozinho com você, delícia — Dylan voltou a atacar minha boca, encostando-me em uma parede em frente ao clube. Eu estava louca de tesão. Uma semana sem transar. Isso era meu recorde, desde que perdi minha virgindade, há uns bons anos atrás.

— Quero ele todinho dentro de mim. — Incitei, passando a mão na frente a sua calça, sentindo sua ereção. — Com certeza não se esqueceu do trato que dei a ele da última vez — Sussurrei em seu ouvido. Dylan gemeu. — Vamos logo — Ele me guiou até a sua moto, lá entregou-me o capacete e, quando eu estava prestes a colocá-lo, meu celular tocou. Franzi o cenho ao observar o número desconhecido na tela. Pretendia nem atender, mas poderia ser minha velha e se eu não atendesse ela daria um chilique quando chegasse em casa. — Sim? — Atendi com muita má vontade. Dylan estava montado na moto, aguardando que eu encerrasse a ligação. — Olá querida, aqui é Mary. Pode me ouvir um segundo? — Revirei os olhos, incrédula ao descobrir de quem se tratava. O que aquela mulher queria comigo em pleno domingo, aquela hora da noite? — Claro. — Tentei falar o mais tranquilamente possível, mas deve ter saído como se eu tivesse com cólicas. — Joe, meu marido, está na cidade vizinha e precisa urgentemente que eu vá até lá para resolvermos um problema na empresa. — Ela suspirou, parecendo exausta. — Bem, sei que é domingo, seu dia de folga, mas preciso que venha ficar com o Alec. O que?! — Gritei mentalmente — Nem fodendo que vou perder minha noite pra aguentar aquele estúpido. — Não posso Mary, infelizmente. Por que não chama Simon? — disse suavemente, mas minha vontade era de gritar e mandar todo mundo se foder. Não tenho obrigação alguma de cuidar daquele energúmeno em meu dia de folga. A escravidão já foi abolida há anos. — Já liguei para ele, mas está em um plantão. Não posso deixar Alec sozinho, nem posso deixar de ir ao encontro de Joe. — Sua evidente agonia estava me deixando irritada. — Me ajude Heaven, lhe pagarei um generoso bônus. Em outros tempos mandaria enfiar o bônus em um lugar nada agradável, mas precisava do emprego, da merda do dinheiro. E ela era uma mulher legal, tenho de admitir. Não poderia deixála na mão. Olhei para Dylan e ele estava me encarando com o cenho franzido. Com certeza já sacou que a noite havia acabado para nós. Pelo menos para mim. — Tudo bem. — Consenti, me sentindo estúpida assim que o fiz. — Chego aí em alguns minutos. — Obrigada — murmurou alegre. — Juro que não se arrependerá. — Desliguei o telefone antes de ouvir mais uma palavra. Estava a ponto de estourar. Entreguei o capacete a Dylan, com um grunhido de frustração. — O que aconteceu? — indagou irritado. — Minha patroa ligou. Tenho de ir até ela, porque o maldito cadeirante não pode cuidar de sua própria bunda e eu terei de vigiá-lo a noite inteira — expliquei, soltando cada palavra entredentes. Estava com um ódio mortal.

— Que merda! — Ele deu de ombros. Não parecia satisfeito. — Então acho que vou voltar pra festa. — Assenti. Ele desceu da moto e me deu mais um beijo antes de entrar novamente no clube. Observei-o sumir boate a dentro, sentindo uma inveja descomunal dele. Queria eu poder aproveitar o resto do meu domingo. Inferno! Caminhei pisando duro até o ponto de táxi. Ainda tive de ouvir o taxista falar merda por todo o caminho. Sem falar na distância que percorri. Paguei o taxista tagarela e logo um dos seguranças abriu os portões da mansão Bennet. Mary me aguardava no jardim, parecendo aflita demais. Ela me olhou dos pés à cabeça, mas nada disse sobre minhas roupas. Me abraçou rapidamente, como costumava fazer, e desatou a falar: — Alec ainda não está dormindo. Deve verificar se ele precisa de algo e lhe dar o remédio para a insônia, caso ele não consiga dormir em duas horas. Obrigado por isso filha. — Ela segurou minha mão e apertou-a, sorrindo docemente. — Volto amanhã à noite. Cuide bem do meu filho. — Assenti. Observei-a entrar no carro e sair da propriedade. Olhei para cima, constatando que a janela do quarto do Bennet estava aberta e as luzes acesas. Em meio a um suspiro de tédio, entrei na casa e subi até o quarto. Bati na porta duas vezes até que uma voz, parecendo tão entediada quanto a minha, respondeu um entre. Empurrei a porta, absolutamente sem vitalidade para fazer qualquer movimento. A noite seria longa, cansativa e enfadonha. Juro que se esse homem me irritar hoje, sou capaz de jogá-lo escada a baixo. Meus olhos fixaram na figura deitada na cama. Parei alguns segundos antes de conseguir falar algo. Alec estava em meio a lençóis brancos, o que ajudou a destacar o azul dos seus olhos. Seus cabelos eram uma massa negra e espessa. Seu peito estava nu e, tenho que confessar, ver aquele homem normalmente tão inalcançável, daquela forma foi... Foi... Sexy. Balancei minha cabeça, limpando tais pensamentos. A falta de sexo estava começando a me enlouquecer. Não que fosse estranho eu achar Alec bonito ou charmoso, ele realmente é muito interessante. Mas ficar fixada nele de uma forma sexual é ridículo. Ele não faz meu estilo. É muito cheio de mimo para meu gosto. — Vim saber se deseja alguma coisa? — perguntei, limpando a voz. Finalmente ele parou de me ignorar, fechou o livro que lia e me encarou. Seus olhos se arregalaram assim que viu minha roupa, em evidente choque. Porém vi bem quando passeou os olhos por todo meu corpo, e dessa vez não parecia nem um pouco chocado. Na verdade diria que ficou bem interessado. Pressionei os lábios para não sorrir. — O que significa isso? — disse embasbacado, reassumindo seu posto de idiota. Olhei para ele de sobrancelhas erguidas, e depois olhei para minhas roupas. — Isso? — Perguntei, apontando para meu peito. — É uma mulher. Nunca lhe foi apresentado? — Sua feição de choque deu lugar para uma de raiva. — Sua moleca abusada. Quem te mandou vir aqui? — vociferou. — Já não basta ter de

lhe aguentar durante toda a semana, ainda tenho que te ver no domingo, e vestida assim feito uma p... — Ele parou abruptamente. Sei bem como acabava essa frase. Sua opinião sobre meu vestido curto, apertado e transparente, meus saltos altíssimos e minha maquiagem pesada, não me afetam em nada. Sou livre para usar o que quero, para fazer o que quero. Nada disso me diminui. Por isso ignorei o xingamento velado. — Pois saiba que só estou aqui porque sua mãe pediu que viesse. Não se sinta unicamente afetado, você acabou com meu domingo também, então você não é o único insatisfeito por aqui. — Soltei no mesmo tom de voz que me foi dirigido. — Volto em duas horas com seu remédio para dormir. — Girei em meus calcanhares e saí batendo a porta. Estúpido, era isso que ele era! Já que não tinha outro jeito, e minha noite definitivamente foi para o inferno, decidi ir para o quarto que fora separado para mim. O lugar era um luxo, o cômodo era maior que toda a minha casa. Tomei um bom banho, vesti um vestido solto que havia deixado ali durante a semana. Sentei-me no batente da janela para olhar o céu, quebrando o silêncio da noite ao ligar meu Iphone e colocar meu bom e velho rock pra tocar. Estava completamente perdida em pensamentos. Lembrando-me de quando eu era apenas uma garota ruivinha e cheia de sardas, que adorava acampar só para ficar deitada na grama, olhando as estrelas. Os mistérios que cercam esses pequenos pontos de luz são encantadores. Astros feitos para brilharem, iluminar o céu em noites escuras. Meu sonho quando criança sempre foi descobrir o quão longe elas estavam, porque brilhavam e o que fazia elas ficarem presas no céu. Sonhos de garota. Ri, achando graça de mim mesma. — Já se passaram às duas horas. — Me sobressaltei, quase caindo do outro lado da janela. — De... Desculpe, eu não vi a hora passar — murmurei. Desci do batente da janela e caminhei até ele. Alec estava vestido agora, uma manta quadriculada cobria suas pernas e usava também um cachecol de um azul profundo, que quase se equiparava a cor dos seus olhos. — Está precisando de alguma coisa? Quer fazer alguma necessidade fisiológica, é isso? — Ele me encarou seriamente. — Não preciso que me ajude nisso. Faço sozinho — disse, aparentemente bravo. Eu estava sempre pisando em ovos com esse homem. O que teve de errado em minha pergunta? — Pode me levar um chá e os remédios? Acho que não conseguirei dormir sem eles. — Claro — Me apressei em concordar. Ele virou sua cadeira de rodas e saiu do meu quarto. Pela primeira vez, depois de uma semana de convivência, pensei em como deveria ser difícil para ele estar naquela condição. Não que pensasse em limitação ou coisa do tipo, mas é uma mudança muito brusca em sua rotina. Enquanto esperava a água esquentar para fazer o chá, Lucy, uma das empregadas, entrou na cozinha.

— Ele ainda não dormiu Heaven? — indagou em meio a um bocejo. — Ainda não. Parece que tem de tomar remédios para tudo — Suspirei resignada. — Pobre homem. — Meneou negativamente a cabeça, enquanto se servia de um copo de água. — Era um rapaz tão ativo e agora está preso naquela cadeira de rodas para a vida toda. — Ele não tem chances nenhuma de andar? — indaguei, sedenta por mais detalhes. — Nenhuma. — Ela parou um segundo, bebendo sua água. — Já fizeram de tudo. Procuraram por vários especialistas, fisioterapeutas e todos deram o mesmo diagnóstico. Agora vou me deitar, querida. Boa sorte com a fera. Me senti horrível por xingá-lo tantas vezes. Certo, ele é um pé no saco, mas dá pra imaginar o porquê dele ser tão amargurado. Acho que esse cara precisa de alguém que lhe diga que ninguém se resume a pernas. Afinal ele não morreu. A chaleira apitou, indicando que a água já havia fervido. Preparei o chá e subi rumo ao quarto dele, parando no quarto que nomeei branco, para pegar seus remédios. Bati quatro vezes na porta e ele não me respondeu. Já devia ter me acostumado, ele quase nunca era educado o suficiente para me mandar entrar. Assim que abri a porta o vi em meio aos lençóis brancos, apenas com uma calça de pijama novamente. A luz da lua entrava pela janela e iluminava ainda mais sua pele. Ele parecia um anjo. Coloquei o chá na mesinha e fui até ele, para cobri-lo. Saí de lá alguns segundos depois, sentindo-me muito estranha, uma sensação que não consigo explicar.

Seis Heaven Uma semana depois

—V

ou resumir minha semana pra você — falei para Dylan ao telefone. — Acordei cedo, fui para a faculdade. Ao sair da faculdade fui direto para a casa do cadeirante, passei uma tarde de tédio cuidando dele, depois voltei para casa e fiz alguns trabalhos. Fim, essa é chatice da minha vida agora. — Porra, gata, que merda. — Ele me respondeu, com um certo tom de impaciência na voz. Ele estava agindo estranhamente nos últimos dias. Parecia farto das minhas desculpas para não sairmos. O fato é que sempre estou muito cansada para pensar em balada, bebida e sexo.

Realmente. Achei que jamais me veria falando algo assim, mas essa é minha atual realidade. — Eu não sei mais o que é vida, Dylan. Está difícil pra mim. Tente entender. — Imagino que esteja mesmo — murmurou com certo tédio. Prestei atenção por um segundo e ouvi um ruído do outro lado da linha, era a voz de uma mulher. — Heaven vou desligar agora, preciso ir... — Claro que precisa, com certeza tem uma piranha aí do seu lado, pronta para abrir as pernas! — Acusei, irritada. Ele bufou, soltando um ruído de desgosto. — Não tenho culpa se você se isolou do mundo e agora só fala, pensa e vive esse aleijado de merda. Não posso ficar esperando sua boa vontade, na verdade, meu pau não pode. — Sem esperar uma resposta, ele simplesmente desligou. Filho da puta, idiota de merda. Claro que só falava em Alec, ele resumia minha rotina ultimamente. Se aquele babaca do Dylan não podia pelo menos me ouvir falar, que fosse à merda. Inferno! Eu não aguentava mais aquilo. Não ligava se Dylan transava ou não com outras garotas, mas eu estava sentindo uma grande e terrível inveja dele. A vida dele continuava a mesma coisa, enquanto a minha estava um saco. Eu só queria me livrar de tudo aquilo e voltar logo ao normal. Ainda estava pensando nisso quando me levantei da lanchonete da faculdade e fui em direção ao meu carro, me preparando para encarar um longo e tedioso dia ao lado de Alec. Meus pais estavam tão orgulhosos que liberaram dinheiro para gasolina, e enfim pude voltar a usar meu carro. A viagem até a mansão dos Bennet foi rápida, e mais uma vez passei pelo jardim bem cuidado até chegar à casa principal. Sempre tomava um tempinho olhando toda aquela beleza. Dava-me forças para enfrentar o dia que se seguia. Deixei minha bolsa dentro do armário que Mary havia separado para mim, e fui direto para o quarto de Alec. Ele estava sentado próximo à janela, observando a paisagem. — Por que ao invés de olhar pela janela não vamos dar uma volta no jardim? — Me ouvi perguntar, de repente. Alec ainda não havia se dado conta da minha presença, absorto demais em seus pensamentos. Eu havia começado a compreendê-lo melhor, e desde então conseguimos pelo menos nos comunicar sem ansiar estrangular um ao outro. Ele me encarou de cenho franzido, parecia que estava vendo outra cabeça nascer ao lado da minha. Provavelmente assustou-se por minha cordialidade. — Você realmente não conhece a educação, não é? — Resmungou. — Acabou de chegar e nem para falar algo como "boa tarde, Alec, como você está?". Revirei os olhos, rindo de leve. Ele continuou sério, mas elevou uma sobrancelha, observando minha reação. Eu já tinha sacado esse jeito dele de ser ácido, tentando sempre afastar as pessoas, mas não ia mais cair nessa. — Ora, Alexander Bennet, você já deveria ter se acostumado com o meu jeito. E então, vamos ao jardim? Estou sugerindo uma trégua. Alec continuou a me analisar, até que apertou o botão em sua cadeira e começou a andar

em minha direção. Em silêncio, ele me olhou dos pés a cabeça, soltando uma risadinha sarcástica antes de rumar para a enorme passagem que o levaria até o jardim. Acompanhei-o, comemorando com uma dancinha. Eu iria dobrar aquele marrento ridículo. O sol estava fraco, pouco dando luminosidade ao jardim, mas nada disso foi capaz de diminuir a beleza daquele lugar. A grama saudável do jardim, as flores de diversos tipos, espalhadas por todos os lados... Aquele jardim era o ponto de vida daquela casa. O único, acredito. Porque Alec não se permitia viver e, como se houvesse uma conexão direta com tudo ao seu redor, ele apagava um pouco da vida da casa e de quem nela habitava A vida dele não se resumia as pernas. Alguém precisa enfiar isso nessa cabeça dura. — Por que você quase não sai de casa? — pergunto, me sentando no banco ao lado de onde ele parou. Flores amarelas e rosas eram nossas companhias. Alec me lançou um breve olhar, em seguida dedicou-se a fitar o horizonte. — Sair de casa com que intuito, se não vou poder fazer nada de útil, a não ser dá um monte de trabalho? — A resignação na voz era de cortar o coração. Acredito que estou começando a descobrir que tenho um exemplar desse órgão, porque nunca antes me senti tão emotiva, e com tanta frequência. — Seria altamente desnecessário. — É sério? Por que você pensa desse jeito? — Porque essa é a verdade, Heaven. — Meneou a cabeça, em total concordância com sua idiotice. — É a verdade para você — retruquei. — Para mim, você está com medo de encarar a vida de novo. Sei que o que aconteceu com você foi terrível, Alec, mas você continua vivo. Deveria aproveitar a vida da melhor maneira possível, viajar, conhecer novos lugares e foda-se se você é cadeirante. Há um jeito para tudo isso, eu sei que há. Ele virou a cabeça pra mim com um sorriso debochado no canto dos lábios. O brilho de raiva em seus olhos era bem intimidador. — Quantos livros de autoajuda minha mãe mandou você ler? Porque, para você falar tudo isso, com certeza deve ter devorado ao menos uns cinco. Empurrei sua cadeira de leve, com a nítida vontade de empurrá-lo. Homem mais teimoso que esse não há de haver. — Sua mãe não me mandou ler nada. Eu tenho capacidade para pensar sozinha e chegar a conclusões, querido. Você que parece ter parado no tempo. — Conclui. — Eu parei no dia em que soube que não poderia mais andar, Heaven. Você não está vivendo essa situação, não está presa em um cadeira de rodas, eu sim. — Você tem razão. Estou aqui de pé, tentando enfiar na cabeça dura de um homem, que seus valores e vida não estão presos em suas pernas — Ele apenas me encarou em silêncio. — Eu seria a cadeirante mais maluca da história. — Você pode até achar isso, mas só saberia de verdade se estivesse aqui. — Foi minha vez de observá-lo falar. Parecia em uma luta interna com seus sentimentos, como se precisasse extravasar, mas nunca houvesse feito. — Quando podia andar eu fazia várias coisas, praticava esportes, viajava e tudo mais. Quando você está acostumado a fazer algo no automático, como andar, respirar, ou até mesmo escovar os dentes, e perde isso você também perde toda a direção,

Heaven. Não sabe mais para onde ir, porque simplesmente perdeu uma coisa que julgava não fazer tanta importância. Calei-me. Ele tinha acabado com meus argumentos, por ora. Ouvir tudo aquilo me fez perceber que, realmente, eu não sabia muito sobre a vida, mas mesmo assim não mudei meu modo de pensar. Alec tinha que voltar à ativa. — Vamos parar de falar de mim agora, certo? — Sua expressão se suavizou. O que agradou bastante. — Já que estamos dando uma trégua, me fala mais sobre você — disse, me tirando dos meus pensamentos. — Sobre mim? — Arrulhei de olhos arregalados. Então ele sentia curiosidade sobre mim? — Sim — afirmou. — A única coisa que consegui concluir até agora, é que você é louca. Não parece, de forma alguma, uma enfermeira. E essa sua maquiagem tira todo o significado do seu nome. Ou melhor, não tira, mas acrescenta. — Como assim? — perguntei subitamente interessada no que ele estava dizendo. Quando esse ogro havia parado para reparar tanto em mim? Sempre achei que ele me via como apenas parte da mobília da casa. — Heaven, seu nome significa céu. — Assenti, acompanhando seu raciocínio. — Você está mais para um céu raivoso, ou uma tempestade. — Mas que horror! — Ri, batendo no seu ombro. — Só por que uso muito lápis preto? Isso é injustiça, Bennet! Ele riu. Pela primeira vez, em todo esse tempo que estou ali, o vi rir. E não era qualquer riso, ele soltou uma gargalhada alta, jogando a cabeça para trás. Era um som lindo, maravilhoso que eu adoraria escutar novamente. Senti meu peito inflar de orgulho por ter sido capaz de incitar alegria nesse homem sempre tão amargurado. — Sendo injustiça ou não, você ainda não me contou sobre a sua vida — disse sorrindo. — Certo. — Revirei os olhos. — Eu tenho vinte e um anos, moro com os meus pais. Nunca viajei para fora do país, mas tenho muita vontade de conhecer Ibiza. Falam que as praias e as baladas de lá são coisas de outro mundo. — Sorri. — Não. Eu realmente não combino com a profissão que escolhi há alguns anos. Não que não goste da faculdade, é absolutamente incrível, mas acabei por me desviar do caminho. No fundo sempre me interessei por esse mundo de agulhas e doenças, por isso que escolhi fazer essa faculdade. O que eu mais gosto de fazer é beber, dançar e transar. Não necessariamente nessa ordem — Ele riu novamente. — E, por fim, eu falo tudo o que eu penso, sou muito sincera, mas acho que isso você já percebeu. Ele demorou um instante em silêncio. Deixando-me apreensiva. Será que fiz mal em citar a bebedeira e sexo? — Então o mundo para você se resume em balada e sexo? — perguntou, me olhando com a sobrancelha arqueada. — Basicamente — respondi, dando de ombros. — Ou pelo menos era assim. Ando meio sem tempo. — Então se eu perguntar a você o nome dessa flor branca aqui na frente, o que ela significa você não saberia me responder, não é?

— Com toda a certeza, não. Não sou muito ligada nesses lances de natureza. Ele riu um pouquinho e aproximou sua cadeira perto da tal flor branca. Arrancou uma rapidamente e voltou para perto de mim, colocando a flor em minha mão. — Essa flor é chamada de peônia. — disse me fitando profundamente. Logo depois voltou a olhar para flor. — Ela é considerada como um símbolo nacional na China, por ser uma flor bonita para ornamentações. É uma flor medicinal, sua raiz e pétalas são utilizadas contra febre, dor e hemorragias. Uma de suas espécies é usada para tratamento de convulsões. Significa felicidade, casamento ideal e, acima de tudo, sinceridade. — Alec voltou a me olhar. — Acho que ela combina com você e com a profissão que escolheu. Eu voltei a olhar para flor em minhas mãos, pensando no que responder. Jamais saberia sobre aquilo, e ele me disse tudo com tamanha facilidade. Nem de longe parecia com o Alec fechado e mal humorado que eu conhecia. — Como sabe de tudo isso? — Eu sempre gostei da natureza e, por conta disso, estudei cada tipo de planta possível, quando morei na China — disse. — Foi uma experiência incrível. — Eu imagino que sim — Anuí sonhadora. Conhecer um país, uma cultura diferente deve ser extremamente enriquecedor. — Alexander? — Escutei uma voz grave atrás de mim e me virei rapidamente, sendo seguida por Alec. Um homem estava atrás de nós, vestindo um terno preto de corte fino. Era alto, rosto marcado levemente por marcas de expressão, principalmente ao redor dos olhos azuis, que muito lembravam os de Alec. Ele se aproximou olhando apenas para Alec, ignorando minha presença. — Quero conversa com você. — O homem se virou pra mim, olhando-me secamente. — Pode nos dar licença por alguns minutos, por favor? Olhei para Alec, perguntando com o olhar se ele realmente queria que eu saísse. Ele assentiu. — Claro... Com licença — murmurei, me levantando e saindo de jardim. Levando a flor comigo e admirando-a durante o trajeto de volta. Quando cheguei à cozinha, enchi um copo d'água e coloquei a flor dentro, achando-a linda, não só pela sua beleza visual, mas por seu significado também. Entretanto, manter a atenção nela foi difícil, quando vi pela janela da cozinha o homem gesticulando para Alec com certa agressividade. Aproximei-me e, por sorte, o jardim ficava próximo à cozinha. Na verdade o jardim rodeava a casa inteira. Tudo estava em silêncio e foi possível ouvir a conversa ao longe. — Você não atende os meus telefonemas, não quer saber de mais nada, Alec! Só porque você virou a porra de um cadeirante não quer dizer que tinha que largar os negócios da família. Você já está bom o suficiente para retomar o seu posto na empresa! — A voz do homem era austera, a posição ameaçadora. Eu concordava com ele, mas não achava aquela a melhor forma de conduzir a conversa. — Ora, Joe, eu não sou obrigado a voltar só porque você quer. Eu deixei bem claro que voltaria quando me sentisse bem para isso. — Alec retrucou irritado. — Coloquei Peter em meu

lugar e, pelo o que sei, ele está me assumindo perfeitamente! — Acontece que Peter não é meu herdeiro. Você é! — Gritou, dedo em riste. — Você tem que estar a par de tudo para quando eu quiser me aposentar, Alec. Ah, caramba. O tal cara era pai do Alec! Mas que porra era aquela? Como ele poderia falar com o filho daquela maneira? Será que não entendia tudo pelo o que Alec estava passando? — É sempre assim, Joe! Sempre foi assim! — Alec perdeu completamente a paciência, retrucando no mesmo tom que o pai. — Você só se importa para a porra da sua empresa. Foi assim a vida inteira com a minha mãe, sempre a enganando, sempre a deixando de lado por causa dessa merda. Mas não vai me manipular. Não preciso do seu dinheiro nem dessa empresa. Tenho meu próprio patrimônio. Me deserde e esqueça que existo — concluiu, virando a cadeira e saindo dali o mais rapidamente que seus braços permitiram. O homem permaneceu parado por um instante, em seguida saiu rumo ao estacionamento. Saí correndo da cozinha e atravessei o corredor a tempo de chegar à sala antes de Alec aparecer na porta. Ele entrou como um furacão, uma expressão furiosa tomava conta de todo o seu rosto bonito. — Alec, eu... — Me deixa em paz, porra! Deixem-me em paz ao menos uma vez na porra da minha vida! — Gritou, passando direto e entrando em seu quarto. Pude ver e ouvir a porta ser batida com força e a chave ser virada do trinco, trancando-o lá dentro. Pela sala, vi o carro do pai dele sair às pressas pelos portões de ferro. Esse velho é um idiota. Agora que Alec estava ficando bem, de bom humor, que ele e eu havíamos nos entendido um pouco mais, Joe veio e fodeu com tudo. Pensando apenas no seu ego, em seu dinheiro. Como um cara desses, que tinha o filho nessa situação, podia ser tão insensível? Só esperava que isso não afetasse tanto o Alec da maneira que eu estava imaginando que afetaria.

Sete Alec

J

á não bastava a minha vida ser uma droga, ainda tinha que aguentar Joe me enchendo

o saco. Eu gostaria que pelo menos uma vez na vida ele realmente se importasse comigo, olhasse pra mim e visse um filho e não o sucessor da sua empresa. Não estou nem aí para aquela empreiteira. Fiz dinheiro suficiente para me manter o resto da vida. Ele que procure outra mulher e

faça um novo herdeiro, afinal está tão acostumado a trair minha mãe que nem me chocaria mais se ele aparecesse com outra família. Ela sabia, tinha certeza disso, e muito pouco se importava com as escapadas dele. Segundo mamãe, o amava. Não entendo, por que nunca seria capaz de permanecer com alguém que me traísse, mesmo que a amasse loucamente. Acredito que minha relação com ela ainda tenha suas frestas justamente por esse casamento, que continuo sem entender a razão de perdurar. — Alec, abra a porta — Uma voz ofegante e irritada soou do outro lado da porta, pela décima vez. Essa garota chata já havia batido nessa maldita porta e se esgoelado por toda à tarde. Eu nem me dei o trabalho de manda-la embora. Não queria falar, não queria levantar daquela cama. Dane-se. Se quisesse passar o resto da tarde chamando, que o fizesse. — Arghhh. — Rugiu, e a porta balançou quando a louca a chutou. — Estou preocupada, você não me responde. Só diga que está bem, caso contrário, mandarei o jardineiro arrombar essa droga de porta. — Revirei os olhos e um pequeno sorriso se formou em meus lábios. Só Heaven pra me fazer sorrir hoje, e no meu atual estado de espírito. — Se ousar quebrar a maçaneta da minha porta, desconto o prejuízo do seu salário — disse. — Você está bem? — retrucou aflita. Podia imaginar sua figura atrás daquela porta. O lápis preto borrado, os olhos cor de mel coléricos, o cabelo ruivo amarrado de forma displicente, a roupa preta desengonçada por suas tentativas de arrombar minha porta. Essa garota é uma figura, tenho de admitir. E muito linda! — Meu subconsciente gritou, mas não permiti que pensamento se concluísse. — Saia daí e não volte a encher meu saco. — Gritei em resposta. — Não vou cortar os pulsos nem me jogar pela janela. Ouvi-a murmurar um grande babaca de merda, e sair dali pisando duro. Heaven não voltou mais ao meu quarto, mas minha mãe bateu na porta, algumas horas depois, e fez chantagem emocional até eu abri-la. Ela entrou no quarto parecendo um furacão. Enquanto eu voltava para a cama. — Odeio quando faz birra, Alec. Parece um garoto de dez anos — Ralhou, me ajudando a me posicionar. Tomou seu tempo me analisando, provavelmente procurando automutilações. — Um homem não pode mais ter paz? — Me cobri, voltando a pegar meu livro na mesinha de cabeceira. — Desde que não mate os outros de preocupação, pode! — Outra voz irritada ralhou comigo. Baixei o livro, vendo Heaven parada bem no meio do quarto. Sua expressão não era nada feliz. — O que está fazendo aqui até essa hora, Tempestade? — Provoquei, divertindo-me secretamente com o novo apelido. — Id... — Ela parou a frase no meio, ao se dar conta de que mamãe estava nos olhando. — Bem, Mary, agora que ele abriu a porta e vi que está vivo, estou indo nessa. Tenho prova

amanhã e ainda vou estudar. — e lançou um olhar acusatório. Me senti mal por ter feito ela ficar aqui até essa hora. Já eram quase oito horas da noite e sei que ela não mora assim tão perto. A garota deve mesmo ter ficado preocupada. — Heaven — Chamei. Ela me encarou com evidente raiva. — Desculpe por não ter aberto a porta... Só estava chateado. — Ela assentiu rigidamente. — Boa sorte na prova. — Obrigada. Boa noite Mary. — Saiu apressadamente, me lançando um olhar rápido antes de fechar a porta. Geniosa como é aposto que nem ligou para o meu pedido de desculpa. Talvez eu devesse fazer algo para me redimir com ela, afinal Heaven só estava preocupada e eu fui um idiota, admito. Ela não tinha nada a ver com minhas brigas com Joe. E até que tem se tornado uma companhia legal. — É impressão minha ou você gosta dela? — Mary perguntou, e ao encará-la peguei-a sorrindo matreiramente. — Nem venha. — Rebati bravo. — Só estou tentando ser cordial. — O cerne da questão é justamente esse. Você nunca tenta ser cordial com nenhuma enfermeira. — Seu olhar estreito me fez corar um pouco. Eu não gostava daquele corvo, ela só é menos ruim que as outras. — A senhora veio aqui só para me importunar, é isso. Já não basta Joe? — Tudo bem, querido, não está mais aqui quem falou. — Ergueu as mãos em forma de rendição. — Brigou novamente com seu pai? — Eu não quero falar dele, mãe — Ela assentiu, suspirando pesadamente. – Pode trazer meu jantar? Vou tomar banho agora. Sempre acabávamos brigando quando falávamos do meu pai. É um ponto onde nunca entrávamos em concordância, por isso é melhor não trazer o assunto à tona. — Quer ajuda? — Não. Tudo bem. — Eu já volto. — Ela saiu, mas não antes de vir até mim e me dar um demorado beijo. Para uma coisa esse maldito acidente serviu, desde que fiquei preso a essa cadeira de rodas, minha relação com mamãe melhorou muito. Sempre nos demos bem, mas hoje somos muito mais próximos e as demonstrações de afeto, antes quase extintas, agora são tão costumeiras que nem me impressionam mais. Depois de tomar banho, jantar e conversar um pouco com mamãe, acabei ligando a TV para ver qualquer bobagem, porém meus pensamentos não estava ali naquele quarto e sim numa geniosa garota que me fazia sorrir mais do que eu estava acostumado.

— Tudo pronto senhor Bennet. — Simon brincou. — Obrigado, Simon. — Me ajeitei na cama. — A que horas exatamente a Heaven chega? — Aquela gata que cuida de você? Deve estar prestes a chegar. — Respondeu, fechando sua maleta.

— Mais respeito com a Heaven, Simon. — Repreendi-o. — Até onde eu sei vocês não tem intimidade pra que fale assim dela. — Nossa. Não está mais aqui quem falou — Ergueu as mãos em rendição. — Simon. — Hesitei. — Pode pedir para o Oliver preparar meu carro? — O homem parou o que fazia e me olhou de sobrancelhas arqueadas. Expressão de surpresa era evidente. — O que deu em você que quer sair com o carro? Nunca o vi sair antes. Vai treinar mais um pouco? Isso era verdade. Eu ganhara um carro adaptado cinco meses depois do meu acidente, mas salvo nas aulas para aprender a dirigi-lo, eu nunca o usei. — Não, queria ir até o parque da cidade. — Comentei casualmente. — Faz muito tempo que não vou até lá. — Alec, deveria ter me dito antes e eu teria me programado. Agora tenho que visitar o senhor Carlos e... — Não quero que me acompanhe Simon. — Interrompi-o. — Chamarei a Heaven. Acho que ela não irá se opor. — Tem certeza? — Continuou desconfiado. — Talvez precise de alguém para te ajudar a sair do carro, e a Heaven pode não ter força para isso. Estranhei seus empecilhos. Não estava entendendo o fato do Simon insistir para que eu não saísse, se ele mesmo vivia me pedindo para fazê-lo. — Eu vou — Cortei-o. — Eu me viro muito bem sozinho. Você sabe disso. — Claro. — Ele colocou a bolsa sobre o ombro e me deu um tapinha nas costas. — Vou mandar que preparem o carro, e qualquer coisa me ligue e dou um jeito de ir até lá. — Certo — disse conclusivo. Antes de Simon sair, Heaven entrou no quarto, vestindo uma de suas saias pretas, camiseta vermelha, os cabelos ruivos presos em um coque e os olhos claros muito marcados por lápis preto. Ela era uma bagunça, e isso inevitavelmente me fazia rir. — Boa tarde Simon — Cumprimentou ao passar por ele. Analisei a interação breve, buscando algum tipo de intimidade. — Boa tarde Heaven. — Ele sorriu para ela, e quando ela não pôde ver, deu uma olhada para as suas pernas. Eu não gostei nem um pouco disso. Era simplesmente uma falta de respeito. Teria possibilidade deles terem alguma coisa? — Boa tarde Alec — disse séria. — Boa tarde Tempestade. — Ela me encarou de olhos estreitos, com raiva pelo apelido. — Só estava brincando. — Me defendi, erguendo as mãos. — Como foi a prova? — Sei lá, acho que fui bem. — Deu de ombros. — Pelo jeito seu humor melhorou. Nem me dei conta de que Simon havia ido embora. Sem se despedir, estranho. — Um pouco. Pode me ajudar? — Perguntei apontando para a cadeira. Ela trouxe aquela coisa para perto e eu me sentei. Heaven ajudou a acomodar minhas

pernas e cobriu-as com uma manta quentinha. Observei-a cuidar disso com satisfação. O que era bastante estranho, porque normalmente sempre me sinto desconfortável quando alguém me ajuda. — Que droga, nem para erguer minhas pernas eu sirvo mais. — Comentei amargamente. — Pois você deveria parar de reclamar da sua vida. Você é um homem saudável, inteligente, que tem tudo que o dinheiro pode pagar, uma mãe que te ama e... Um pai babaca... Bem, isso é o de menos. Se pesarmos na balança da vida você tem muito mais a agradecer do que reclamar. — Ela estava parada em minha frente, com os braços cruzados e o rosto ligeiramente vermelho. Eu sorri, porque até quando estava brava ela era engraçada. — Certo — Assenti, sorrindo. Ela espelhou meu sorriso. — Pode me levar agora. — Quer ir ao jardim? — Não, iremos até o parque da cidade — Não é um programa assim tão divertido, mas já é algo. — Dei de ombros. Ela soltou um gritinho, batendo palminhas histéricas. O que só me fez rir. — Isso é maravilhoso! — Sorriu empolgada. — Vamos logo. — Ela saiu empurrando minha cadeira apressadamente. Não foi tão ruim quanto eu pensava. Consegui entrar no carro sozinho e só precisei da ajuda de Heaven para guardar a cadeira. Fomos por todo o caminho conversando amenidades e vez ou outra eu parava para lhe explicar sobre alguma flor que via ou qualquer outra planta que achava interessante falar. Não sei se ela achava aquilo uma baboseira ou não, mas sempre prestava muita atenção no que eu dizia. Também não houve problema para descer do carro, e dessa vez aceitei a ajuda de Heaven de bom grado. Não era o ideal, eu ainda não gostava da ideia de precisar da ajuda de outra pessoa, mas tentara aceitar pelo menos naquele momento. — Não precisa. — Toquei sua mão, impedindo-a de cobrir minhas pernas. O sol estava bom e não fazia mais frio. Ela olhou para nossas mãos e tirou a sua do meu toque rapidamente. Foi um momento estranho. — Sabe se aqui é adaptado? — perguntou, olhando ao redor. — É sim. Não teria vindo se não fosse. — Ergui minha cabeça, apreciando o sol ameno tocando meu rosto. — Tente levar um aleijado para um lugar não adaptado. Você só passaria vergonha. — Alec! — Me repreendeu, chamando minha atenção para si. — Não fale assim. Já disse que é ridículo. — Tudo bem. — Suspirei. — Me desculpe. Ela voltou a guiar minha cadeira pela rampa adaptada. Aproveitei o momento para curtir a brisa quente, ouvir o canto dos pássaros e olhar a natureza que me cercava. — Adorei a ideia de sair de sua casa. Acho que precisa fazer isso mais vezes. Viver enfurnado naquele quarto deve ser uma merda. — Comentou. — Não me impressiona em nada que viva de mal humor. — Pare ali perto do banco. — Apontei. Ela guiou a cadeira até o lugar e depois de me

acomodar ao lado do banco, ela sentou-se. — Eu não gosto de dar trabalho Heaven. E sair de casa agora sempre dá trabalho. — Claro que não. — Discordou daquela forma bem enfática que era só dela. — Você é muito bom em se virar sozinho, mal precisou da minha ajuda. — Ela desviou o olhar, fitando a paisagem a nossa frente. — Eu ouvi sua conversa com seu pai.. — Mudou bruscamente de assunto. — Sinto muito, eu só queria ter certeza que estava bem e... — Não tem problema. Minha relação difícil com meu pai não é segredo para ninguém. — Ele é um babaca! — Grunhiu, me fazendo rir. — A quem acha que eu saí? — Foi a vez dela rir, acenando afirmativamente com a cabeça. — São formas diferentes de babaquices. Mas, posso ser sincera? — Fale. — Incitei. — Em uma coisa seu pai tem razão, você deveria voltar para os negócios da família. Mesmo que no início trabalhasse em casa. Não por ele, sabe? Mas para se ocupar de algo. Seria ótimo que não vivesse vegetando naquele quarto. Sei que no fundo gosta da empresa, e deve sentir falta de lá. — É, eu sinto. Mas não voltaria para Nova York, gosto da calmaria de Greenville. — Ajude no que puder, por enquanto. E quem sabe no futuro possa abrir uma filial aqui. — É, quem sabe. — Dei de ombros. — Pode me levar até o lago? — Claro. — Heaven levantou-se, voltando a guiar a cadeira. Ela parou próximo ao lago, me permitindo uma visão maravilhosa daquele lugar. Os raios de refletindo na água, era de uma beleza inspiradora. — Que tal se fizermos um acordo? — Voltou a falar, quebrando o silêncio. Olhei para o lado, encarando-a. Ela estava com uma cara de garota sapeca, que a deixava surpreendentemente adorável. — Não sei se confio em você. — Claro que confia — disse. — Vamos sair pelo menos uma ou duas vezes por mês. Uma vez você me leva para um lugar que você goste, e a próxima vez serei eu que te levarei para um lugar que eu goste. Que acha? — Não frequento raves, obrigado. — Brinquei. Ela me empurrou pelo ombro. — Não te levaria numa raive, mas sei um lugar do qual sinto muita falta e poderíamos nos esbaldar. — Ela sorria enquanto falava, e aquela expressão em seu rosto não era comum. Eu queria agradá-la de alguma maneira. Não sei exatamente o motivo. Talvez pelo sorriso que ela já conseguiu me arrancar em tão pouco tempo. Talvez pelo fato dela ter mudado um pouco minha rotina enfadonha. Queria fazer algo por ela. — Tem saudades das suas festas, não é? — Uh, pra caramba! — Foi veemente. — Então tudo bem, eu topo esse acordo, mas será um teste. Se qualquer coisa sair do controle, o trato estará desfeito. — Estendi minha mão e ela apertou-a, com um sorriso que mal cabia em seu rosto.

— Você vai se divertir como nunca, senhor Bennet — Assenti, com uma expressão de desconfiança que a fez gargalhar. — Agora vamos embora. Está me dando uma fome danada... — E também está quase na hora dos seus remédios. — Acrescentou, me fazendo revirar os olhos. — Se for um bom menino até te deixo fugir da dieta hoje... — Grande enfermeira você é, desvirtuando seu paciente. Seguimos de volta para o carro entre brincadeiras, provocações e risos. Já em casa, depois de ter almoçado e tomado os benditos remédios, pedi a ajuda de Heaven para me acomodar na cadeira de banho. Não porque eu realmente precisasse de sua ajuda, mas porque a ideia de suas mãos em mim não parecia tão desconfortável como as das outras pessoas.

Oito Heaven

T

udo bem, eu tinha que admitir, minha última semana ao lado de Alec foi boa. Na verdade foi bem legal, ótima, para concluir. Nunca imaginei que fosse possível, em uma única frase, Alec e legal. Mas estava enganada. E toda essa guinada estava acontecendo por uma simples coisa, Alec estava se permitindo. Ele estava, finalmente, acordando para a vida. Na última semana fomos duas vezes ao parque, e todos os dias íamos até os jardins. Aprendi um pouco mais sobre as flores e plantas, e confesso que estava gostando muito desse lance de natureza e tudo mais. Existia tanta planta medicinal, que eu ainda estava me perguntando por que eram necessários tantos fármacos. Com todas aquelas plantas, seria tão mais saudável para manutenção da vida utilizá-las. Lembro-me que quando disse isso, Alec gargalhou. E era um som tão bonito. Som de alegria, misturados ao brilho daqueles olhos azuis. Toda essa lembrança me bateu uma saudade repentina. Olhei no relógio observando que ainda eram quatro horas da tarde. Quatro horas da tarde de um sábado e eu não estava afim, pela primeira vez em muito, muito tempo, de sair para vagabundear com meus amigos. Amigos que, aliás, que nem sentiam a minha falta, ao menos me mandavam uma mensagem para saber como eu estava.

Esse e outros motivos como tédio, tédio, tédio e — tudo bem, admito — um sentimento estranho de saudade, me fizeram terminar logo meu trabalho da faculdade e me arrumar. Quando sai do meu quarto, minha mãe estava na sala com meu pai. Ela me olhou com reprovação. — Já vai pra farra não é, Heaven? — Ela suspirou, balançando negativamente a cabeça. — Não entendo como consegue viver desse jeito, sem um objetivo de vida, sem um pingo de vergonha na ca... Eu poderia ter explodido naquele instante. Não sei por que ela estava reclamando, se praticamente virei uma santa nesses últimos dias. Não havia motivo para discurso. Mas tampouco eu estava querendo brigar, então falei calmamente: — Relaxa mãe, deixa esse sermão pra depois — cortei-a, pegando as chaves do meu carro em cima da mesa, perto da porta. — Estou indo pra casa do Alec. Meu pai me olhou, surpreso. Minha mãe quase saltou do sofá para verificar minha temperatura. Nunca a vi de olhos tão arregalados antes. — Como? Mas você não trabalha apenas de segunda a sexta? — indagou com a voz esganiçada. Estava uma graça assim tão surpresa. — Sim, mas resolvi ir hoje. Talvez Mary precise sair e como estou livre... — Dei de ombros, colocando minha bolsa sobre o ombro. — Não tenho hora pra voltar.

Assim que adentrei a casa dos Bennet, pude escutar a voz de Mary vindo da cozinha. A porta do quarto de Alec estava fechada, e antes de ir até lá, parei no corredor para guardar minha bolsa no armário. O silêncio voltou a reinar sobre a casa e eu estava indo falar com Mary, quando escutei sua voz novamente. — Alexander? Hoje está com um mau humor terrível. Não consigo entender. Ele passa semana toda bem e quando chegar o final de semana fica ranzinza. Isso me dói, porque parece que minha presença não é o suficiente para alegrá-lo, e eu também não gosto de vê-lo assim, sabe? Parei perto da porta da cozinha e vi Mary ao telefone. Ela balançava a cabeça, escutando a outra pessoa falar. — Sim, sim. Essa enfermeira que está cuidando dele é realmente muito boa. Acredita que ela conseguiu tirar Alec de casa? Ele gosta dela, tenho certeza. Heaven não é como as outras. Por falar nisso, tenho que agradecê-la por estar alegrando tanto meu garoto. — Mary sorriu e eu espelhei seu gesto, me sentindo orgulhosa. Qual é, era pra ficar orgulhosa sim. Eu estava mudando a cabeça daquele ranzinza metido. — Tudo bem, amiga, também preciso desligar. Vou ver como Alec está. Muito obrigada por me escutar. Beijos. Ela desligou o telefone e eu bati na porta da cozinha, chamando sua atenção. Sua expressão tristonha se iluminou com um sorriso sincero. — Heaven! — Ela se levantou e veio até a mim, me dando um abraço. Retribui, mesmo me sentindo sem jeito. — Como você está querida? O que faz aqui? Olhei para os lados, um pouco envergonhada e sem argumentos. O que poderia dizer que fui fazer ali afinal?

— Resolvi passar o resto do dia com Alec. — disse a verdade. — Sei que não trabalho aos sábados, mas está um final de tarde tão lindo, pensei em dar um passeio com ele. — Que ótimo! — Comemorou com um efusivo saltinho. — Isso é realmente ótimo Heaven, porque Alec está muito pra baixo hoje. Acho que um passeio seria perfeito. — Ela sorriu e pegou em minha mão. — Obrigada por cuidar tão bem do meu filho, querida. Você alegra o dia dele. — Mãe, não fala mais nada. Você não tem noção de como essa garota é metida. — Ouvimos a voz dele atrás de nós. Assim que me virei, o vi parado perto da porta da cozinha. Um resquício de sorriso estava despontando em seus lábios, enquanto olhava pra mim de maneira divertida. — Não falei que você o alegra? Ele está até sorrindo. — Mary sussurrou no meu ouvido, pensando segredar a frase. Mas Alec ouviu, ficou evidente quando ele revirou os olhos e tentou prender o sorriso novamente. Mas dessa vez, foi em vão. — O que está fazendo aqui, Tempestade? — indagou causalmente. Seu cheiro amadeirado invadiu meus sentidos, chamando atenção para os cabelos molhadas, que ficavam ainda mais negros assim, e emolduravam com perfeição apele leitosa e os olhos azuis. Ele sempre me remetia a um anjo. Se eu tivesse um exemplar de anjo da guarda, queria que tivesse essa cara. — Não me chame assim ou eu vou embora agora mesmo! — resmunguei, sorrindo de leve. — Vim passar o dia com você. — Hm... Deixe-me adivinhar: seus amigos não vão fazer uma festa hoje, então você decidiu vir passar o dia com o aleijado. — Meneou a cabeça. Seu modo divertido havia ido embora momentaneamente. Ele é bipolar!— Fala sério Heaven, vá curtir o seu final de semana. Já não basta passar todos os dias ao meu lado. — Ele revirou os olhos, fechando a expressão. — Alec, não fale assim! — Mary o repreendeu. — Não liga Mary. Eu já me acostumei com esse resmungão chato, sei como lidar com ele. — Me aproximei da cadeira de rodas e olhei bem em seus olhos expressivos. — Para de reclamar. Eu estou aqui porque quero estar aqui. A essa altura do campeonato você já deveria saber que não faço nada que eu realmente não queira. — Então você realmente sentiu minha falta e veio correndo ficar ao meu lado? — murmurou, sorrindo de lado novamente. Eu estava adorando aquela expressão nova, que me desafiava. Ele ficava ainda mais lindo. — Depois sou eu que fico me gabando, não é? — Sorri, vendo-o espelhar meu gesto, em meio a um dar de ombros. — Vamos lá, tenho um lugar novo para te levar. Vamos cumprir a nossa parte do trato hoje mesmo.

Já estava quase anoitecendo quando parei em frente ao O'Bar. Um lugar muito divertido, com música ao vivo. O típico Pub americano. Ajudei Alec a descer do carro e ele olhou em volta, vendo o entra e sai do pessoal no barzinho. Não era um lugar luxuoso, como acredito que ele frequentava, mas era muito acolhedor.

— Esse é o lugar que você falou que não frequentava há muito tempo? — perguntou assim que comecei a empurrar a cadeira rumo ao bar. Havia estacionado um pouco longe, para lhe dar mais privacidade ao descer do veículo. Sei que ele não gosta de receber olhares enquanto faz suas tentativas de sair e voltar para a cadeira. — Sim. Esse foi um dos primeiros lugares que frequentei na minha adolescência. Foi quando comecei a sair mais a noite com os meus amigos. Hoje em dia estamos tão acostumados com baladas e raves que nos esquecemos de vir aqui. É um lugar divertido, você vai gostar. — Vou? Não sei se posso confiar em você. — Brincou. Dei uma tapa de leve no seu braço, acompanhando seu riso desprendido. A brincadeira veio em boa hora, pois conseguiu desviar a tensão dele, até estarmos dentro do bar. O O'Bar era um lugar mais requintado, se comparado aos que costumo frequentar hoje em dia. Tinha espaço separado para fumantes e lugar especial para cadeirantes, que ficava próximo ao pequeno palco e pista de dança. Uma garçonete nos levou até uma dessas mesas e Alec se acomodou sozinho. Fazendo meu peito inflar de orgulho por vê-lo tão independente. — A especialidade da casa é um drink de frutas com vodca ou champanhe. Os dois são uma delícia, Alec, você precisa provar. — disse. Ele estava olhando ao redor, concentrado em tudo. Parecia que havia saído de uma clausura de anos. Ele assentiu, sem me olhar. Não queria seus olhos em mim. Queria que ele visse o mundo que ainda o cerca, as possibilidades que fazem sim parte do seu cotidiano, queria que ele visse sua capacidade novamente. Um homem se prostrou no pequeno palco, falando alguma baboseira antes de começar a cantar. Pedi a garçonete para trazer quatro drinks, dois com champanhe e dois com vodca. Minutos depois, estávamos bebendo e conversando animadamente. Completamente ambientados e curtindo a noite. O álcool começava a fazer efeito em Alec, pois ele ria atoa. E, sendo sincera, eu também estava ficando um pouco alta. O que me fez maneirar na bebida, estava dirigindo — E, sim, estava sendo responsável pela primeira vez na vida — Aquela noite era de Alec. Ele tinha que se divertir. — Ah não! Eu adoro essa música! — falei já me levantado. — Vem dançar comigo! — O que? Dançar? Está louca Heaven? — Ele olhou pra mim, um pouco espantado, um pouco desesperado. — Ah, qual é. Eu sento no seu colo e você balança a cadeira. Vamos logo! — Não esperei sua resposta, fui para trás dele e empurrei a cadeira até a pista de dança, que estava quase vazia. Pude o ouvir resmungar alguma coisa, mas assim que chegamos à pista ele sorriu de leve pra mim, claramente encarando a situação de forma divertida. Sendo um cavalheiro, estendeu a mão para mim e assim que a peguei, ele me puxou de leve, me fazendo sentar em seu colo. Rimos juntos e ele começou a andar com a cadeira no ritmo da música, enquanto nossos olhos não se desgrudavam. Observei cada detalhe do seu rosto bonito pela primeira vez, assim tão de perto. Seu

sorriso era lindo e seus brilhavam com uma felicidade que nunca vi igual. Contornei seu rosto com a ponta dos dedos e seu sorriso se ampliou junto ao meu. Quando senti sua mão em minha cintura já não ouvia nada ao nosso redor, nem saberia dizer se ele estava ou não balançando a cadeira. Estávamos em uma bolha de harmonia e cumplicidade, uma coisa nova que eu nunca tinha partilhado com alguém. — Que bonitinho... — Uma voz sardônica de sobressaiu. — Não sabia que estava fazendo caridade ao ponto de se relacionar com o aleijado, Heaven. A voz de Dylan me despertou, arrancando-me de forma brutal do clima que havia se instalado entre Alec e eu. Olhamos para ele ao mesmo tempo. Vi que estava com um copo na mão e uma loira falsa estava ao seu lado. Ela ria da gente. Senti Alec ficar tenso, principalmente depois de ouvir a risada estrondosa de Dylan. O idiota iria assustar Alec. — Fala sério, Heaven — Continuou gargalhando. — Até ontem você não suportava esse cara e agora está quase dando pra ele na frente de todo mundo? Quanta hipocrisia! — Cala a sua boca, Dylan. — disse entredentes, me levantando do colo de Alec. — Não fale mais nada. Você está bêbado. — Não, querida, eu não estou bêbado. Acabei de chegar e tive que me deparar com essa cena comovente. Está dando pra ele por pena também, Heaven? — Dylan... — Ameacei voar em seu pescoço, mas fui impedida ao ser segurada firmemente pelo pulso. Algumas pessoas começaram a perceber a confusão e se aglomeraram ao nosso redor. — Heaven, vamos embora. – Alec murmurou em um tom duro. — Não vamos, não! — Retruquei, voltando minha atenção e raiva para Dylan. — Dylan, eu já mandei calar a boca! Você não tem que se meter na minha vida, muito menos na vida de Alec! — Heaven, eu já disse que quero ir embora. — O tom de voz dele era de angústia, pude perceber, mas já estava envolta demais na ira. Ignorei Alec e Dylan riu de novo, tomando mais um gole de sua bebida. Naquela hora, todos do bar nos, o que contribuiu para a raiva aumentar. Dylan era, realmente, um filho da puta. — Tudo bem, eu paro de falar... Mas eu tenho certeza Heaven que esse aleijadinho não vai te dar metade do prazer que eu te dou. O cara não consegue nem andar mais, como vai meter forte do jeito que você gosta? — Seu tom de voz era repulsiva. Sem falar na expressão de superioridade. — Sua caridade está chegando a limites alarmantes. Deus já deve ter guardado seu lugar no céu. — Seu escroto! Eu vou acabar com você, Dylan! — murmurei, partindo pra cima dele. Eu iria meter a porrada naquele desgraçado, mas senti dois braços me segurando. Um garçom me impediu, tentando me acalmar ao dizer que meu acompanhante havia saído sozinho. Lancei um último olhar para Dylan, e passei pelas pessoas como um furacão, dando tempo apenas de pegar minha bolsa e soltar alguns dólares em cima da mesa. Quando cheguei do lado de fora do O'Bar, encontrei Alec próximo ao carro. — Alec, eu... — Tentei me justificar.

— Não fala nada. Eu não quero ouvir a sua voz — disse, sem olhar pra mim. — Apenas me leva embora daqui. — Você não pode levar em consideração as coisas que ele falou... — Heaven, eu mandei calar a boca! — gritou, irritado. Quando me olhou, pude ver a raiva e a mágoa em seus olhos. — Me leva pra casa ou juro por Deus que dou sinal para o primeiro táxi que passar por aqui. Sem mais opções, e com o meu coração doendo, ajudei-o a subir no carro e tomei o lugar do motorista, começando a dirigir até sua casa. Aquela noite tinha tudo para ser perfeita, mas o escroto do Dylan estragou tudo. Pela primeira vez eu me senti realmente envergonhada e triste. Só esperava que Alec me desculpasse por todas aquelas coisas horríveis que Dylan havia falado, e que não voltássemos à estaca zero.

Nove Alec

E

nquanto Heaven dirigia a caminho da minha casa, a cena que acabara de se passar no bar, se repetia continuamente em minha cabeça. E cada vez que as palavras daquele homem ecoavam em minha mente, uma raiva absurda crescia dentro de mim. O pior de tudo nessa história toda é que cheguei à conclusão de que ele tinha razão. Heaven deveria estar querendo se redimir dos seus pecados, fazer uma caridade, então achou em mim a pessoa perfeita para sentir pena. E, bem, eu era digno dessa pena... Um ser tão deplorável que nem sequer pude dar um murro na cara daquele idiota por estar destratando a Heaven publicamente. Eu só queria apagar essa noite da minha cabeça. As conversas, os sorrisos, Heaven em meu colo. Foi tudo por pena. E eu não iria perdoá-la por isso. Como foi capaz de me ludibriar, me fazer pensar que poderia estar se apai.. Era até ridículo concluir o pensamento. Estava tão absorto em meus pensamentos que só me dei conta de que havíamos chegado quando Heaven abriu a porta do carro. — Venha, vou ajudá-lo a descer — Ela segurou meu braço, mas afastei suas mãos de mim imediatamente. — Saia de perto de mim — disse, sem encará-la. Puxei a cadeira para mais perto e consegui descer sozinho. O tempo inteiro senti o olhar agoniado de Heaven sobre mim. Sem dizer uma palavra nem lhe dedicar um olhar, manobrei a cadeira e saí de perto dela, guiando-me rumo a casa. Ouvi seus passos me seguindo. — Alec. — Ouvi sua voz aflita. Não parei. — Alec, por favor, me escute. — Pediu. Dessa vez parei e virei à cadeira em sua direção. — Escutar o que, hum? — Trinquei a mandíbula. Estava com ódio dela, de mim, de toda essa situação de merda. — Eu não preciso que me diga nada Heaven. Acha que me sinto como nesse momento? Depois de ter ouvido que uma mulher quer dar pra mim por pena, porque sou um pobre aleijado que ninguém mais vai olhar. Depois de ter visto aquele homem te destratar e não poder fazer nada pra te defender e me defender. Sinto-me um nada. — Conclui, cansado daquela discussão que não mudaria nada. — Você sabe que não é assim... — Ela torceu as mãos nervosamente, buscando argumentos que desviassem a realidade.

— Me poupe. — Desdenhei, voltando a guiar a cadeira. Ouvi os passos apresados de Heaven me seguindo novamente. — Nossa noite estava perfeita, e deveria ter acabado muito bem. — Continuou, aflita. — Não planejei que fosse assim. — Mas é assim que acontece. — Gritei, parando antes de chegar a meu quarto, e virei para olhá-la. — Sua vida nunca é perfeita quando se está com um cara como eu. Sempre haverá um imprevisto, alguém para cochichar, alguém para rir da garota que está com o aleijado por pena. — Sorri amargamente. — Você não merece isso Heaven, e eu não quero mais me sentir humilhado. Dê meia volta, entre naquele carro e volte para a festa, para seus amigos, sua bebida e para os seus ficantes... Ou seja lá como você os chama. Afinal, o seu amigo Dylan vai meter forte, como você gosta. — Entrei no quarto, bati a porta e tranquei-a. Queria quebrar meu quarto inteiro, chorar, gritar, mas eu já havia passado dessa fase. Então nada disso iria acontecer. Já havia sentido tantas dores e de formas tão diferentes que me sentia anestesiado diante de sentimentos fortes, resignado daquela situação toda. E, apesar da raiva que sinto agora, não consigo reagir e pôr para fora meus sentimentos. O que me restou fazer foi me arrastar para a minha cama e dormir... Dormir para esquecer a maldita noite que tive.

Acordei na manhã seguinte com Simon batendo em minha porta, para cumprir todos os procedimentos que se repetiam diariamente. — Está tão calado, Alec. — Comentou, enquanto analisava minhas costas, em busca de possíveis escaras na pele. Ficar em mesma posição por muito tempo tinha lá suas consequências. — Não me lembro de ser uma pessoa falante — Rebati, arrumando a gola da minha camisa assim que ele terminou seu procedimento analítico. — Já vi que seu humor está pior do que o normal. Algum problema? — Além desse problema? — Apontei para a cadeira. Ele negou com a cabeça, rindo. Era bom que minha amargura divertisse alguém. — No fundo essa cadeira é uma solução, meu amigo. — Me deu três tapinhas no ombro. — A sentença absoluta da minha vida de merda. — Já disse que odeio quando fala assim filho. — Mamãe entrou no quarto, com aquele costumeiro sorriso tranquilizador, porém os olhos sempre opacos. — Bom dia Simon. — Bom dia, Mary! — Cumprimentou contente. — Já acabei por hoje, mas estou livre até à tarde, que tal uma partida de pôquer? — Me convidou, tentando, provavelmente, melhorar meu humor. — Não estou afim, Simon. Só quero que me deixem sozinho. — Simon assentiu. — Então estou indo — Deu de ombros, colocando sua bolsa sobre o ombro. — Até amanhã. — Até. — Ele saiu fechando a porta, mas mamãe permaneceu onde estava, me encarando de braços cruzados. — Outra vez esse mal humor? Será que vou ter de aumentar o salário da Heaven para

que ela venha todos os dias? — Brincou, esperando um sorriso que não veio. A menção do nome da Heaven trouxe de volta as lembranças e a amargura. — Não a quero mais aqui nos sábados ou domingos. Se ela vir, mande—a embora. — Foi tudo que disse, antes de me esticar para pegar meu livro e abri-lo — Mas o que aconteceu? — indagou surpresa, aproximando-se da cama. —Ontem parecia tão feliz quando saíram. — Aconteceu o que sempre acontece. — Dei de ombros, tentando dispensá-la. — Eu acabei com a noite dela. — O que você fez? — Esqueça mãe. Só me deixa sozinho e faça o que lhe pedi, por favor. — Meu tom enfático e o olhar de impaciência devem tê-la impressionado, pois mamãe se afastou. — Mas, Alec... — Por favor — Cotei-a. Ela assentiu, sem querer prolongar a discussão. Por ora, eu sabia. — Seu pai estará em casa hoje, jantará conosco e... — Finja que eu nem estou aqui. E não insista. Não sairei do quarto. — Irritada por mais uma recusa de socializar em família, ela fechou a cara, mas nada disse, apenas saiu do quarto pisando duro. Certamente ficou magoada por eu não quere me juntar à família. Para que? Iria acabar discutindo com Joe. O que só pioraria a tensão que paira nessa casa. O resto do domingo se arrastou. Assim como meu estado de espírito, que parecia um fantasma arrastando corrente. Chegava até a fazer eco no quarto silencioso. A TV, o livro, nada mais estava conseguindo distrair meus pensamentos. Os únicos movimentos que fiz durante todo o dia foram os de ir ao banheiro e de ir até a porta para trancá-la, depois que serviram meu almoço. Ouvi as vozes de Joe e mamãe no corredor, mas ele não fez menção nenhuma de ir até o meu quarto. Assisti bobagens, briguei com a empregada por ela querer entrar para me servir o jantar, e encarei meu celular uma centena de vezes, louco para ligar para Heaven. Sentia raiva e vergonha por tudo que aconteceu ontem, mas ficar aqui preso nesse quarto, sem ouvir sua voz... E saber que ela provavelmente está brava comigo, é sufocante. Parei de brigar comigo mesmo e peguei o celular. Sim, estava irritado com ela, mas minha raiva era voltada principalmente para mim. Não fui justo em expulsá-la daquela forma, depois de muito pensar, tomei ciência disso. O celular chamou algumas vezes antes dela atender. — Quem é? — Gritou para se fazer audível, pois uma música alta tocava. Na mesma hora senti a raiva voltar a correr em minhas veias. Que idiota que eu sou. Eu aqui achando que ela poderia estar magoada, e a garota estava na balada. Muito provável que nem estivesse se lembrando de mim. Desliguei o telefone e joguei-o de volta na mesinha, mergulhando novamente em minha escuridão.

Heaven — Quem era? — Joymi, uma colega da faculdade, perguntou. — Não sei. — Dei de ombros, guardando o celular na bolsa novamente. — Espera só um minuto que vou quebrar esse maldito som na cabeça do Charles e já volto. Estava na casa de Joymi, terminando um trabalho da faculdade e, há exatos dois minutos, seu irmão chegou em casa e decidiu ligar o som no volume máximo. Era estranho eu estar me ocupando de um trabalho da faculdade em pleno domingo à noite, eu sei, mas precisava sair de casa e ocupar minha mente com algo. E sair pra beber não me pareceu tão bom assim. Então liguei para Joymi e agora aqui estou. “Quem será que me ligou?” — Indaguei-me. O barulho da música parou e Joymi entrou no quarto, esbaforida, como se tivesse entrado em luta corporal com o irmão. Isso me arrancou risadas. — Desculpe, o Charles é sem noção. — Sem problema. — Sorri, voltando minha atenção para os livros. Passamos boa parte da noite com a cara enfiada nos livros, e quando voltei para casa, já quase as 22:00h, encarei meu celular mais uma vez e pensei em ligar para ele. Passar o dia sem ouvir sua voz, sem escutar aquela risada... Foi muito difícil, mas respeitei seu momento de raiva, e até entendi. Dormi com o celular ao meu lado na cama, o aplicativo “agenda” aberto e uma tira roxa marcando a opção “Casa Bennet” sobre ele. Não nos falamos naquele dia.

A faculdade no dia seguinte foi um martírio. As horas pareciam se arrastar e minha vontade foi de sair no meio da aula e ir para o trabalho, mas não o fiz. A noite de sábado não saia da minha cabeça, parte alguma dela. Ainda não conseguia definir o que exatamente havia sentido quando estava no colo de Alec dançando com ele, mas havia algo estranho acontecendo comigo. Não consegui esquecer seus olhos azuis me fitando, seu sorriso, o jeito doce e forte que segurou minha cintura. Se não fosse o Dylan, aquele filho da puta, idiota, nossa noite não teria acabado daquela forma. E, bem, eu não sei de que forma acabaria. Bem, sim, um lado meu estava magoado pelas palavras duras que Alec me disse, mas eu poderia entendê-lo. Só queria que ele me desculpasse e esquecesse aquele desastre. Somos bons demais juntos para nos afetarmos com aquilo. — Heaven, vai ficar aí? — Joymi me cutucou, rindo. — Estava viajando, hein? — Sorri amarelo, assentindo. — Estava distraída — Apanhei meus cadernos rapidamente, jogando-os dentro da bolsa. — Vamos, estou com presa. Quase corri até o estacionamento do campus. Entrei no carro e dei partida, louca para chegar à casa do Alec o mais rápido possível.

Dez Heaven

N

ão encontrei Mary na sala, onde normalmente ela espera que eu chegue para me dar às coordenadas. Dessa vez era Simon que me esperava. Estava bonito enfiado em toda aquela roupa branca. — Boa tarde, Heaven. — Sorriu, olhando-me de cima a baixo. Parecia muito mais interessado em mim do que normalmente ficava. Sério?! Hoje eu não estava afim de joguinhos. E minha paciência para flertes está bem precária. — Boa tarde Simon! — respondi sem delongas. — A Mary não está? — Ela precisou sair cedo, então pediu que eu aguardasse por você, para alertá-la de que Alec não está com o melhor dos humores, e que Joe está em casa. — Assenti, louca para acabar com essa conversa e ir até Alec. Estava pouco me lixando para o humor dele. E menos ainda para seu pai babaca. — Algum medicamento ou cuidado especial para hoje? — Não, apenas o de sempre. — Então, se me der licença. — Antes que eu pudesse passar, Simon segurou meu braço, fazendo-me parar abruptamente. Seus olhos me analisaram por um instante, antes de ele falar algo. Estava surpresa por sua investida. E, confesso, atraída por sua pegada. — Aceitaria jantar comigo no próximo final de semana? — Olhei do seu rosto para a mão que segurava meu braço, sentindo-me subitamente interessada na proposta. Simon é um homem muito bonito, que estava nitidamente dando em cima de mim. Sem falar que faz uns bons dias que eu não transo com ninguém. Bem, também há o fato de que estou com pressa para ver Alec e esse cara está me atrasando no momento, por isso aceito apressadamente. — Claro, combinamos qualquer dia desses. — Puxei meu braço do seu aperto. — Até amanhã. — Me antecipei em caminhar para o corredor. Antes de ir até Alec entrei na sala branca apenas para jogar minha bolsa lá de qualquer jeito, finalmente me encaminhando para o quarto dele. Porém me detive, antes de girar a maçaneta da porta.

Havia alguém com ele. E os ânimos dentro do cômodo não parecia nada tranquilo. — Estou cansado desse seu comportamento infantil, Alexander. — Ouvi alguém gritar do outro lado da porta. E reconheci aquela voz como sendo a de Joe. — Sinceramente não estou com paciência para entrar no mesmo assunto com você. — Alec respondeu, com a voz não tão firme como de costume. — Ótimo, fugindo do assunto mais uma vez. Essa é a única coisa que você sabe fazer. Você encarnou tanto esse papel de coitado que tudo que gera nas pessoas ao seu redor é mesmo pena — vociferou. — Mas no fundo não passa de um imprestável, que aceitou muito bem sua inutilidade. A essa altura eu já estava com tanta raiva que tremia. Sem poder mais aguentar aquele homem sem coração falando aquelas coisas, entrei no quarto. Ambos cessaram a conversa, me encarando de olhos arregalados. Eu havia acabado de entrar na jaula de dois leões, mas um deles sairia daqui rapidinho. — O que faz aqui, Heaven? — Alec foi o primeiro a se pronunciar. Ele parecia muito pior do que normalmente estava. Ainda mais pálido, com olheiras e com a expressão tão cansada que tive vontade de colocá-lo na cama no mesmo instante. — Saia, garota. — Joe ordenou. — Quem deve sair do quarto é você — respondo atrevidamente, erguendo o queixo em desafio. — Está deixando o Alec nervoso e isso não é bom pra ele. O homem ergueu as sobrancelhas e bufou com escárnio. Olhou-me de cima a baixo como se eu não passasse de uma coisa imprestável. — Quem pensa que é pra mandar que eu me retire, empregadinha insolente? — Ele caminhou alguns passos em minha direção, mas não recuei. — Joe! — Alec interveio, em um tom ameaçador. — Sou quem está cuidando da saúde do seu filho, então tenho total autoridade para impedi-lo de perturbar meu paciente. — Não desviei meu olhar do rosto severo de Joe. Ele não me metia medo algum. — Não em minha casa. Ninguém me impede de nada aqui — concluiu. — Minha casa. — Alec gritou. — Nunca se esqueça. — Você está despedida. Suma da minha frente agora. — Abri um sorriso debochado, e mesmo que minhas pernas tremessem, não demonstrei. Dei meia volta e rumei para a porta. Sairia daqui com dignidade. Com a mente tranquila. Eu tinha que vir aqui e defender Alec desse torturados de psicológicos. — Fique onde está Heaven. — Alec falou em um tom firme, autoritário, como nunca o ouvira falar desde que estou aqui. — Você que vai sair da minha casa agora. — Virei-me a tempo de vê-lo sentado na cama e apontando o dedo ameaçadoramente para o pai. Com certeza eu estava tendo um vislumbre do Alec forte e decidido que ele fora algum dia. Aquele que comandava empresas com mãos de ferro, que enfrentava medos e se aventurava sem pensar no amanhã. Eu amaria ter conhecido esse homem, mas... Amo o Alec que conheci. Esse idiota que me tira do sério, que me conta os segredos das flores. — Olha aqui seu mole...

— Chega — gritou, fazendo-me sobressaltar. Joe também se surpreendeu pelo posicionamento do filho. — Se quer vir até aqui visitar a mamãe, ótimo, mas da próxima vez que entrar em meu quarto para me importunar e me colocar para baixo, juro por Deus que mando os seguranças te tirarem daqui e jamais entrará em minha casa. E a propósito, me disse em outra discussão que eu era tão inútil que nunca te dei nem um neto. — Ele riu sarcasticamente. — Por que você, que vive comendo todas as secretárias, não engravida uma delas e me deixa em paz? — Alec estava ofegante após o discurso. Os dois estavam se encarando como dois touros bravos. Tive medo de o Joe partir para cima do filho. Ah, mas se ele fizesse isso ia levar umas tapas. — Esqueça que é meu filho. — Decretou, passando por mim feito um furacão. — Ótimo — respondeu Alec. Em seguida a porta atrás de mim bateu fortemente, e Alec enfim voltou para sua posição, deitado. — Sinto muito por ter entrado assim. — Comecei hesitante. — A palhaçada já acabou, pode sair agora — disse sem me lançar um olhar. — Eu quero falar com você... Agora que estamos de cabeça fria. — Não quero falar com você, Heaven. Se retire! — Ele esticou-se para pegar o livro na mesinha de cabeceira, e eu pude ver suas costas largas nuas. Isso me afetou mais do que deveria, mais do que eu gostaria. Alec fingiu que eu nem estava ali, abriu seu livro e pôs-se a ler tranquilamente. Urgh, que homem impossível! Tomei algumas respirações profundas para me acalmar e tentei iniciar uma conversa. — Tomou sol ontem ou hoje? Estou achando sua pele muito pálida. — Ele levantou o olhar e respondeu um simples: — Não. Calma Heaven, respire. Tomei uma lufada de ar e continuei: — Está com fome, ou deseja fazer alguns exercícios com as pernas? — Não — disse monossilábico. Não, Heaven, você não vai apertar o pescoço desse idiota. Entoei mentalmente uma canção de rock, para me acalmar. — Não vamos resolver o assunto? Vai ficar me tratando assim, feito um menino birrento? — Não há nada para se resolver. E não estou fazendo birra, apenas quero ler e você está me importunando. Já pedi educadamente para se retirar. — Ótimo. — Bati o pé, irritada. — Ficarei aqui até que mude de ideia então. — Dei de ombros, caminhei até uma poltrona, onde me sentei cruzando os braços, e ali fiquei. Não sei ao certo quanto tempo passou, mas foi bastante, por que o sol lá fora estava começando a perder força, meu estômago estava roncando, minhas costas doendo e já havia passado a hora de um dos remédios de Alec. Ele continuou me ignorando ferrenhamente, lendo seu livro tranquilamente. — Você não vai mesmo desistir, não é? — indagou com um misto de cansaço e irritação. Ele fechou o livro com força e eu sorri.

— Não sem antes esclarecermos as coisas — declarei decidida. — Certo. — Assentiu. — Deixarei que fale o que quer e depois me dê o prazer da sua ausência, combinado? — Aquiesci, revirando os olhos. — Desembuche. Me enchi de coragem, demorando um instante para organizar minhas ideias, antes de saber o que eu diria para convencer esse cabeça dura. — Eu queria te pedir desculpas por aquele lance no bar. — Suspirei. — Quando te levei pra lá, queria que se divertisse, que tivesse uma noite como qualquer cara da sua idade. Que bebesse, dançasse, e acordasse com uma ressaca desgraçada. Eu planejei tudo, sabe? Liguei para o bar me certificando que lá teria um lugar adaptado, perguntei sobre mesas, rampas e até a lotação do espaço, mas nunca me ocorreu que aquele idiota pudesse estar no O’Bar. “E, droga, eu quero matá-lo e depois me matar por algum dia ter saído com um cara tão sem noção. Eu sei que deve ter sido uma merda pra você. Ouvir aquelas coisas foi difícil até pra mim. Mas sabe qual é a diferença entre mim e você? — Perguntei, mas não esperei resposta. — É que você absorve e acredita nas palavras que dizem contra você, já eu só consigo ter pena de quem te deprecia. Eles não sabem o cara legal que você é. Dylan não estava certo em nada. Mas nem se eu tivesse gritado toda a noite com ele, aquele idiota entenderia. — Me levantei da poltrona, pronta para sair. — Saiba que sinto muito por aquilo. E se quiser me demitir vou entender. — Ele não abriu a boca nem mudou a expressão durante a minha falácia. Estava prestes a sair quando ouvi sua voz.” — Heaven. — Voltei a encará-lo, e vi em seus olhos a mesma profundidade que encontrei nele enquanto dançávamos. — Eu também sinto muito por tê-la culpado. E não vou deixá-la ir a lugar nenhum Tempestade. — Sorrimos igualmente felizes. — Peça para prepararem um lanche e suba para comer comigo, sim? — Claro — disse numa voz sussurrada, que não costumava usar nunca. A sensação que tive ao sair do quarto foi a de que estava flutuando, como se ficar sem falar com ele tivesse pesando sobre mim. E posso garantir que nunca senti algo parecido antes. Alec estava me mostrando muitas coisas novas, sentimentos, principalmente.

Sentei-me na poltrona com meu sanduíche e um copo de vitamina, enquanto Alec e eu observávamos atentos o filme que passava na TV. — Veja bem a cara, a barba e o cabelo desse homem, é claro que a mulher tem de ter medo dele. — Alec implicou, rindo. — Você não está muito melhor que ele. — Foi minha vez de provocar. — Veja a diferença, — Apanhei um porta-retratos com uma foto mais antiga dele, onde seus cabelos estavam curtos e o rosto sem nenhum resquício de barba. — você também parece um selvagem se comparar com essa foto. — Você acabou de me chamar de selvagem? — Estreitou os olhos, incrédulo com minha ousadia. — Sim, eu fiz. — Desdenhei. Coloquei o prato na mesinha mais próxima e me levantei empolgada. — Tive uma ideia. — Você nunca tem boas ideias, garota. — Meneou a cabeça em negativa.

— Mas essa é! — Corri para o banheiro e vasculhei nas gavetas até achar o que queria, então comecei a dispor tudo na bancada da pia. Tesoura, pente, creme de barbear, navalha. — O que está fazendo, Tempestade? — Ouvi-o gritar. — Mexa-se, venha até aqui. Peguei uma toalha limpa, um aparador, que enchi de água. Até que ouvi o barulho da cadeira de rodas. — Está pretendendo me decapitar? — Brincou. Virei em sua direção, o sorriso de empolgação não cabia em mim. — A palavra certa é transformar. Vou cortar seus cabelos e tirar essa barba do seu rosto. — O que? — Perguntou de olhos arregalados. — Claro que não. Não confio em você, uma navalha e uma tesoura juntas. — Deixe de bobagens, sempre fui eu quem cuidou dos cabelos e da barba de papai. Ele tem uma espécie de trauma de cabeleireiro — Alec riu, ainda desconfiado. Não esperei que tomasse iniciativa. Acomodei sua cadeira, travando as rodas. Soltei seus cabelos, desembaraçando-os, molhei-os um pouco e enfim comecei a cortar. Alec não disse uma única palavra enquanto eu trabalhava em seus cabelos. Dei uma boa olhada no seu rosto depois que acabei e fiquei muito satisfeita com o resultado. Sem todo aquele cabelo, sua beleza só se acentuava. — Acabei aqui — disse entusiasmada. Ele suspirou alto, parecendo voltar de outra dimensão. — Vou poder ver? — Ainda não. — Me apressei em continuar meu trabalho. Passeei meus dedos por seu pescoço, livrando-o dos fios que grudaram ali, e uma faísca de desejo se ascendeu em mim. Senti uma vontade súbita de me inclinar e beijar aquele pescoço, inspirar o aroma dali. Balancei a cabeça para espantar esses pensamentos absurdos. Passei para a sua frente, inclinando-me para espalhar o creme de barbear em seu rosto. Alec fechou os olhos e suspirou mais uma vez quando meus dedos tocaram a sua pele. Foi preciso muita concentração para que eu ignorasse seus lábios carnudos tão perto, e me concentrasse em não tremer as mãos ao retirar sua barba. Quando acabei, limpei seu rosto, tirando os resquícios do creme e... — Nossa! Você está lindo! – Sussurrei incapaz de me conter. De repente o banheiro pareceu pequeno demais, quente demais e meus pensamentos estavam me traindo. Alec abriu seus expressivos olhos azuis e eu me perdi neles, e tudo ao redor sumiu, inclusive e, sobretudo, a minha sanidade. Sem que eu pudesse me conter, segurei ambos os lados do seu rosto e ele agarrou minha cintura com firmeza. Nossos rostos se aproximaram, nossas respirações se descompassaram e quando dei por mim meus lábios estavam nos dele. De início apenas um leve roçar, que foi o suficiente para despertar coisas incríveis em mim. Quando a ponta de sua língua umedeceu meus lábios abri-os de bom grado, experimentando a maciez dela, a firmeza de seus lábios. Não sei por quanto tempo nos beijamos assim suave e lento, como se precisássemos degustar a boca um do

outro. Mas quem afinal saberia precisar tempo quando havia um homem incrível lhe beijando incrivelmente? Alec puxou-me para baixo, deixando claro que queria me sentar em seu colo. Mas antes que eu pudesse fazer isso, a porta do seu quarto foi aberta e Mary entrou chamando-o. — Alexander? — Levantei tão depressa que bati a testa na sua. — Auuu! — Ele gemeu, segurando a cabeça. Eu ainda estava entorpecida demais para sentir qualquer coisa que fosse. Arrisco a dizer que se um caminhão passasse por cima de mim agora eu não sentiria. Estava em estado de choque. De olhos arregalados e sentindo minhas bochechas pegarem fogo. Eu estava corando? Nunca, em toda a minha vida, mesmo depois de ter visto uma orgia, eu corei. Um simples beijo não poderia ter feito tanto. — De... Desculpe. — Apresei-me em sair do banheiro, e encontrei Mary parada no meio do quarto. — Ainda aqui querida? — Já estava de saída. Até amanhã, Mary. — Saí apressadamente, mas não antes de topar meu dedo mindinho do pé em um móvel. — Porra! — Xinguei, mas não parei a caminhada. — Tudo bem filha? — Ouvi Mary perguntar um tanto quanto divertida. — Si... Sim. — Gaguejei uma resposta. Corri para o quarto branco, onde peguei minha bolsa e sai correndo para o carro. Só me senti aliviada quando o veículo cruzou o portão da mansão Bennet. Não sei ao certo do que eu estava fugindo, nem se eu poderia mais fugir. Talvez eu já tivesse enredada demais para sair disso. E no fundo eu gosto do que anda acontecendo. — Muito. — Divaguei em meio a um sorriso, enquanto minhas mãos passeiam por meus lábios.

Onze

Alec

M

erda!

Mil vezes merda! O que foi aquilo? A Heaven deve estar me odiando agora! Tudo bem, não fui eu que tomei a inciativa do beijo, mas... Foi um beijo. Meu Deus... Não sei se era porque estava há muito, muito tempo sem beijar alguém, ou se era o fato de estar começando a gostar dela, que tornou o beijo tão bom. Perfeito, na verdade. Claro, há também o fato de Heaven ser linda, gostosa e, pode ter certeza, se eu não estivesse nessa maldita cadeira de rodas, ela seria o tipo de garota que eu iria atrás, nem que fosse para uma transa de uma noite só. Mas o problema é todo esse. A maldita cadeira de rodas! Com certeza Heaven está arrependida nesse momento. Deve estar se perguntando por que fez aquilo, porque se deixou levar e me beijou. Ou simplesmente sentiu pena. E eu não poderia julgá-la. Simplesmente não poderia. — Nossa... A Heaven saiu daqui tão esquisita, não é Alec? Alec? — Senti a mão da minha mãe em meu ombro, me dispersando dos meus pensamentos. Quando a encarei, ela sorriu e virou minha cadeira para o espelho. — Meu Deus, filho... — Sua mão voou para a sua boca, que estava aberta. — Você está lindo! Não estava nada mal. Admirei meu reflexo, meus cabelos estavam bem mais curtos, em um corte que mesclava o clássico e o despojado. E a falta da barba me deixou mais jovem. Parecia que eu tinha rejuvenescido alguns anos. Tinha de admitir, Heaven era boa naquilo. Heaven. A simples menção do nome dela me fazia lembrar o beijo, e a ereção que se formou por baixo da minha calça no momento em que os lábios dela tocaram os meus. Maldição, eu parecia um virgem descontrolado. Foco, Alec, foco! — Foi a Heaven quem fez isso? — Minha mãe perguntou, me olhando maravilhada. — Sim. — Sorri amplamente. — Aquela doida cismou de cortar meu cabelo e fazer minha barba. Até que não ficou tão ruim. Os olhos brilhantes da minha mãe estavam me deixando envergonhado. Parecia que estava me vendo pela primeira vez. — Você está incrível! — disse sorrindo. — Eu adoro o brilho nos olhos que essa menina traz a você meu bem. — Sua mão passeou por meu rosto em uma caricia maternal. — É inacreditável o quanto você muda com o simples fato de ela estar no mesmo ambiente que você. — Mãe arqueou uma sobrancelha, me olhando de forma marota. — Ela te faz tão bem. Eu adoraria tê-la como minha nora. — Mãe! Por favor! — Repreendia, bufando. Sabia que aquele sorrisinho e aquele olhar não significavam boa coisa. Minha mãe só

poderia estar de brincadeira comigo. — O que foi? Eu sei que você gosta dela, e ela também gosta muito de você. — Concluiu, me seguindo pelo quarto. — Mãe, olha pra mim. Olha pra minha situação — falei, apontando para a cadeira. — Heaven nunca vai deixar a vida dela de lado, pra ficar ao lado de um cadeirante. Não pense bobagens. — Meneei a cabeça em negativa. — Ela é jovem, tem a vida toda pela frente... Isso não vai acontecer. É isso, Alec, não vai acontecer. Era melhor me conformar de uma vez por todas, do que ficar alimentando uma esperança inútil. — Eu acho melhor você não falar bobagens como essa. — Seu tom soou impaciente. — Alec, você é lindo meu filho. É um homem incrível. Também o médico disse que a paraplegia não afeta em nada o seu... Desempenho sexual — Anuiu marota. — Eu ainda quero netos, garoto. Eu não podia acreditar no que tinha ouvido. Minha mãe falando sobre meu desempenho sexual. Cristo, onde esse mundo vai parar? — Mãe, pelo amor de Deus, não se empolga. — Coloquei a mão sobre o rosto, constrangido pelo rumo da conversa. — Isso não é assunto para ser tratado entre mãe e filho, por favor! — Ora, por causa de que? — Desdenhou. — Não seja machista, querido. — Ela sorriu e beijou minha testa. — Vou lá embaixo desligar as luzes da cozinha. Quer que eu te traga algo para beber? — Não precisa. Quero que vá descansar. Isso tudo que a senhora acabou de falar deve ser sono — murmurei, rindo no final. — Não é sono. Eu só disse a verdade. — Caminhou até a porta do banheiro e parou para me olhar uma última vez. — Pensa com carinho no que te disse. Te amo meu bem.

Acordei mais cedo do que costumeiramente o fazia, sentindo uma ansiedade estranha. Eram cinco e meia da manhã e ainda estava escuro do lado de fora, mas não consegui pegar no sono novamente. A lembrança do beijo de Heaven não saia da minha cabeça. Eu ainda podia sentir o gosto dela em minha boca, o cheiro dela aguçando meu olfato, e se me esforçasse só um pouco poderia sentir sua língua acariciando a minha, ou minhas mãos querendo puxá-la para o meu colo. Perguntava-me se caso minha mãe não entrasse justamente naquele momento o que poderia ter acontecido. Será que Heaven se sentaria no meu colo e deixaria o beijo se tornar mais exigente? Será que se assustaria com minha ereção encostada nela? Eu, com toda a certeza, adoraria senti-la em cima de mim. Merda, só de pensar nisso me sentia excitado de novo. Eu tinha que me controlar. Heaven havia saído correndo do quarto assim que minha mãe chegou, talvez voltasse pedindo demissão e querendo me processar por assédio sexual. Ok estava exagerando. Sabia que ela não faria isso, mas eu também não poderia esperar que chegasse hoje me beijando e acariciando. Como havia falado com minha mãe na noite

anterior, isso não iria acontecer. Não poderia obrigar Heaven a se envolver comigo. Com toda a certeza ela só me beijou porque foi algo do momento e não porque realmente me desejava. Quem iria desejar um cadeirante? Muitas pessoas — e até eu, confesso — pensam que, só porque uma pessoa não pode mexer as pernas, não pode transar também. Eu pensava que era incapaz de me excitar novamente. Entretanto, o beijo de Heaven mudou tudo e reascendeu em mim a velha chama do desejo. Algo que havia se perdido desde o acidente. Sim, eu ouvi dos especialistas que a vertebra afetada não afetaria completamente minhas ereções. Mesmo que elas acontecessem em menores vezes. Mas realmente nunca mais me senti louco de desejo por ninguém, por isso a crença de que eles estavam enganados. Até ontem. Agora, eu estava sustentando uma ereção e vendo o dia raiar, tentando desviar meu pensamento dela de todas as maneiras possíveis. A manhã se arrastou. Ás sete em ponto Simon bateu na porta do quarto e fez tudo o que era necessário. Depois de toda a inspeção feita ele tomou até café da manhã comigo, aproveitando o meu bom humor. Minha mãe saiu para o trabalho e quando Simon foi embora, ás dez e meia, eu contei os minutos que chegasse ás doze horas. Pareceu uma eternidade, até que escutei duas batidas na porta do meu quarto. — Pode entrar — falei, estranhando a sutileza. Por um momento pensei que não era Heaven, até porque, ela nunca bate na porta. Mas para o meu espanto era ela. Usava um vestido cinza e sapatilhas pretas, seu cabelo estava preso em um rabo de cavalo e ela corou quando me olhou. Ela corou! Quem era aquela mulher e o que ela havia feito com a minha enfermeira doidinha? — Tempestade? — murmurei, franzindo o cenho. Heaven entortou os dedos e mordeu o lábio, visivelmente nervosa. Aquilo já estava me deixando aflito. E quando pensei em perguntar alguma coisa, ela praticamente correu até a mim e encostou os lábios nos meus. Sentir seus lábios sobre os meus novamente fez o desejo explodir pelo meu corpo. O beijo começou delicado, mas isso durou até o momento em que sua língua acariciou a minha. Depois disso, tudo se tornou intenso. Minha língua explorava cada canto da sua boca, enquanto minhas mãos a puxaram para cima de mim. Heaven, ao contrário do que eu tanto pensei durante todas aquelas horas, não hesitou nem um pouco e se sentou em minha cintura, fazendo seu vestido subir até o alto de suas coxas. Suas unhas passarem de leve pela minha nuca e desci minhas mãos por sua coxa, acariciando sua pele macia. Seu cheiro já havia intoxicado todo o quarto, mas logo depois eu senti cheiro de outra coisa, algo que não sentia há muito tempo...Excitação. Eu poderia sentir claramente, mesclado ao cheiro natural dela, o cheiro de sua excitação, e comprovei isso quando ela se mexeu sobre o meu colo, esfregando-se em minha ereção, fazendo um arrepio passar pelo meu corpo. Seu gemido baixinho inundou o quarto e eu mordi seu lábio inferior, abrindo os olhos para observá-la. Tive medo de abrir os olhos e descobrir ser um sonho.

— Alec... — murmurou ofegante. Vi uma dúvida surgir nos seus olhos, e encostei minha testa na dela. Acariciei suas coxas mais uma vez, lutando para não subir até o meio de suas pernas. Ela gemeu novamente, e passou as unhas pelo meu ombro. — Eu estou apaixonada por você. — Ela sussurrou. Eu quase não pude ouvir. Quer dizer... Ela realmente havia dito o que eu acho que acabei de escutar? Minha mente não conseguia assimilar aquilo. — Como? — perguntei, voltando a olhar pra ela. Seu rosto corou e ela sorriu de lado. Parecia decidida em sua frase, mas constrangida por sua forma direta de falar. Temerosa até por estar se desnudando, provavelmente. — Eu disse que estou apaixonada por você — concluiu. Nossos olhares estavam conectados profundamente. As respirações ainda descompassadas pelo beijo frenético. Meu coração batia de uma forma tão errática que nem conseguia discernir se estava rápido ou parando pelo choque. Cristo! Acho que eu poderia explodir de felicidade naquele exato momento. — Heaven... — murmurei, sem saber exatamente o que dizer. — Não precisa falar nada... — disse, passando a ponta dos dedos pelo meu rosto. — Eu sei que foi tudo muito rápido, e você deve estar achando que sou louca... — Riu nervosamente. — Eu sou meio doida mesmo. Entendo se você não sentir o mesmo por mim e mesmo se quiser me demitir. Eu só precisava dizer. — Ei, garota! — Chamei sua atenção, fazendo-a se calar. Sorri de leve e coloquei minhas duas mãos no rosto dela puxando-o para perto do meu. — Eu também estou apaixonado por você Tempestade. Ela suspirou, parecendo soltar todo ar que havia preso nos pulmões. A expressão de incredulidade que tomou suas feições bonitas foi engraçada. — Está? — indagou em completo choque. — Estou. — Afirmei, passando os lábios sobre os seus. — Estou irrevogavelmente apaixonado por você Tempestade. Senti seu sorriso entre meus lábios antes de beijá-la de novo, intensamente. E sobre aquela história de eu e ela nunca ficarmos juntos? Esqueça. Tudo o que eu mais queria e desejava, a partir de agora, era ficar com aquela rebelde. Ela era minha. Minha Tempestade. Todo o colorir do meu céu escuro.

Doze Heaven

E

le estava apaixonado por mim!

Alec estava apaixonado por mim. Certo, eu não sabia muito o que fazer para o meu coração parar de bater tão rápido dentro do peito, ou para fazer com que minha calcinha parasse de ficar molhada. Um mistura de sentimentos me tomava de uma forma inexplicável. Não me perguntam de onde tirei coragem para dizer a ele sobre essa paixão recémdescoberta, nem eu mesmo sei. É que o sentimento gritava tanto dentro de mim, que fui quase que obrigada a verbalizá-lo. E quando nossos lábios se tocaram... Eu fui a mais alta nuvem, embebida em um nível de excitação indescritível. O que não o distanciava de mim, Alec estava tão excitado quanto eu, podia sentir pela urgência do seu beijo, do seu toque e, principalmente, pela sua ereção que pressionava minha intimidade com força. Uma coisa era certa: ou parávamos agora, ou eu não conseguiria me conter mais. Mas, pelo visto, parar não era uma opção. Senti as mãos dele em minhas coxas e o beijei com mais força, gemendo baixinho em seus lábios, e esfregando-me em sua ereção. Alec apertou minha pele, subindo meu vestido minimamente, fazendo uma dorzinha incomoda se instalar em meu clitóris, que gritava pelo mínimo toque dele. Meus seios pesaram e meus mamilos quase furavam o tecido do meu vestido, me levando a crer que eu nunca, em toda a minha existência, havia ficado excitada tão rápido. Tomando a iniciativa, afastei minha boca da dele e o olhei. Alec me observou profundamente, e pude ver seus lábios inchados por conta do nosso beijo. Sorri de lado, e ele passou a língua pelos lábios, começando a respirar de boca aberta quando percebeu o que eu iria fazer. Levei as mãos até minhas costas e desci o zíper do vestido lentamente. Quando cheguei ao final do fecho, deixei as alças da peça caírem pelos meus braços e senti o pano se amontoar em minha cintura. Estava nua da cintura para cima e ouvi um grunhido rouco escapar pela garganta de Alec, enquanto ele me observava de cima a baixo. Peguei sua mão e beijei todos os seus dedos, sentindo sua outra mão apertar minha coxa com força. Alec estava hesitando, mas tudo o que eu queria naquele momento era que ele deixasse

a apreensão de lado e embarcasse naquela aventura comigo. — Me toque Alec — murmurei, chupando a ponta do seu dedo médio. Pude notar sua ereção pulsar abaixo de mim. — Eu sou toda sua. Quero sentir suas mãos em mim, em todos os lugares. Soltei sua mão e apreciei sua carícia em meu pescoço, descendo até o colo lentamente. Ele estava hipnotizado por cada ínfimo movimento, assim como eu, que não conseguia desviar os olhos de tamanha perfeição. — Você tem certeza, Heaven? — indagou. — Quando eu começar... Acho que não serei capaz de parar — disse em um tom rouco e excitante, que nunca ouvi antes escapando por seus lábios. — Nunca tive tanta certeza em toda a minha vida — afirmei. Foi meu veredito final. A próxima coisa que escapou pela minha boca, foi um gemido alto, que soltei no momento em que senti as mãos de Alec em meus seios. Ele acariciou lentamente, rodeando meu mamilo com seus dedos e, logo depois, colocou-o na boca e chupou com força, me fazendo resfolegar. Sem conseguir me conter, tirei a camiseta que ele estava usando com um movimento preciso e rápido. No momento em que ele se concentrou em meus seios de novo, eu acariciei seu membro por cima da calça, ouvindo seu gemido ecoar meu pelo quarto. Com pressa, abri o botão e zíper da sua calça, e enfiei minha mão em sua boxer, puxando seu membro para meu acesso. Ele saltou em riste, e eu mordi meu lábio quando o vi. Era o pênis mais lindo que eu já havia visto. Minha boca encheu d'água diante da visão, louca para prová-lo. — Você é enorme. — Pensei em voz alta. Alec parou o que estava fazendo e me olhou, com o cenho franzido. — O que disse? Olhei pra ele, me sentindo tímida. Merda, o que estava acontecendo comigo? Eu nunca fui assim, pelo contrário, sempre tive a boca suja e nunca me envergonhava com nada. Mas mesmo assim, a maldita frase não queria sair. — Nada. Eu não disse nada. Ele sorriu de leve e passou a ponta dos dedos pelo meu rosto. Seu olhar que destilava desejo, atrelado ao sorriso lateralizado, estava me deixando louca. — Não fica assim. Você pode falar o que quiser, ouviu bem? Nunca pensei que você fosse tímida na hora do sexo. — Ele zombou, arrematando com um sorriso mais amplo. — Eu não sou tímida, ok? — falei contrariada, vendo-o rir ainda mais. Diante da sua diversão com minha recém-descoberta timidez, acrescentei: — Eu disse que você é enorme, incrivelmente grande. E a verdade é que eu estou louca pra chupar você e para senti-lo dentro de mim. — Segurei seu membro, iniciando uma masturbação lenta. — Tenho certeza que você vai me alargar todinha, Alec. Quando meus olhos desviaram do seu pênis e se fixaram em seu rosto novamente, notei que dessa vez ele estava tímido. Não pude perder a oportunidade de zombar dele também. — Nunca pensei que você fosse tímido na hora do sexo, Alexander. — falei, sorrindo

desafiadoramente. Ele balançou a cabeça e sorriu, puxando meu vestido para cima e colocando minha calcinha de lado, tudo feito em movimentos ágeis e habilidosos. Ele sabia bem o que fazer com as mãos. Um arrepio tomou meu corpo quando seu dedo médio passeou desde meu clitóris até minha entrada. — Molhadinha Tempestade... — ele sorriu de lado e me penetrou um dedo, me fazendo gemer e joga a cabeça para trás. — Hm... Apertadinha desse jeito, com certeza eu vou te alargar toda. Joguei a cabeça para trás. Extremamente envolvida por suas palavras e olhar. Era muito mais intenso que tudo que já provei na vida. Alec começou a mover seu dedo em mim, e voltou a chupar meus seios, me deixando sem capacidade de raciocinar. Eu nunca havia imaginado como ele poderia ser na hora do sexo, mas ouvi-lo falar todas aquelas coisas estava me deixando surpresa e cada vez mais excitada. Movi-me sobre seu dedo, empunhando seu membro com mais velocidade. Gememos juntos, e eu já estava começando a sentir o orgasmo operando maravilhas em meu corpo, fazendo os pelos da minha nuca se arrepiar, e meu clitóris pulsar. — Eu preciso de você, Alec. — sussurrei, puxando seu cabelo pela nuca para fazê-lo olhar pra mim. Beijei sua boca com força. Seu dedo ganhou ritmo dentro de mim, o suficiente para me deixar a beira do precipício de sensações, mas ele parou antes que eu pudesse chegar ao clímax. Quando nos afastamos Alec me encarou com a expressão mais sexy que já presenciei em um homem. Lentamente levou o dedo, que antes estava dentro de mim, à boca, chupando-o, exibindo intenso prazer ao fazê-lo. — Você é deliciosa, — murmurou — é linda, e quero que seja toda minha. — Eu já sou toda sua, Alec — respondi, me erguendo o suficiente para posicioná-lo na minha entrada. — Sou completamente sua. Ele gemeu baixinho e me puxou pela nuca, invadindo minha boca com sua língua. Retribui o beijo, gemendo em seus lábios quando comecei a me sentar em sua ereção. Seu membro começou a abrir espaço, me invadindo conforme eu me abaixava. A sensação de prazer foi tão grande, que a dor que senti por ter algo tão grande como ele dentro de mim, logo foi esquecida. Alec também gemeu alto, principalmente quando o apertei em meu interior, baixando-me até tê-lo totalmente dentro de mim. Meu baixo ventre tremeu em puro deleite. Fitei Alec, começando a me mover sobre seu colo. Sua mão estava em minha cintura e, com sua ajuda, acelerei os movimentos, fazendo com que o prazer nos atingisse na mesma proporção. Ele era incrível. Seu membro conseguia atingir cada ponto certo dentro de mim, alguns que nunca haviam sido explorados antes. O prazer era tão grande, que eu tinha certeza de que não suportaria muito. — Tempestade... — Ele gemeu, olhando nos meus olhos. — Linda, você é maravilhosa, porra... — Jogou a cabeça pra trás no momento em que rebolei sobre seu colo, fazendo seu membro dar círculos perfeitos dentro de mim. Com um gemido atravessando nossos lábios ele

começou a me impulsionar para cima e para baixo. — Isso, gostosa... O obedeci, subindo e descendo sobre seu colo, sentindo seu membro ir até o fundo e voltar. Ele começou a tocar um nervo específico, que fazia o prazer se intensificar rápido e forte dentro de mim. Quando senti seu polegar sobre meu clitóris, soube naquele exato momento que eu iria desabar. Iria gozar e seria intenso. — Alec, eu estou quase lá... — Gemi em seus lábios, aprisionando-o dentro de mim em pulsantes apertos. — Eu sei. Goza comigo, Heaven. — Ele rugiu, me beijando. Não foi preciso pedir muito, apenas mais uma carícia em meu clitóris me fez explodir em mil pedaços. Um orgasmo intenso tomou conta de mim e de Alec, nos fazendo gemer em alto e bom som. Aquilo nunca havia acontecido comigo, e quando eu achava que o tremor já havia acabado Alec acariciou meu clitóris mais uma vez me fazendo ofegar e gozar de novo, enquanto ele ainda liberava seu prazer dentro de mim. Quando finalmente nos acalmamos, senti uma espécie de paz me tomar, somado a um sentimento ainda irreconhecível. Deitei minha cabeça em seu peito e o abracei, apreciando o peso dos seus braços ao redor do meu corpo. — Obrigado. — O ouvi dizer baixinho. Levantei-me e olhei pra ele. Sua expressão de felicidade refletia a minha, eu tinha certeza. — Pelo o que exatamente? — perguntei. — Por tudo isso. Por gostar mim, por cuidar de mim, por ter feito amor comigo — Ele sorriu, concluindo: — E, principalmente, por fazer com que eu me sinta vivo de novo Heaven. Senti meu coração falhar uma batida. Aquele homem, que no começo me irritava tanto, agora era o centro do meu mundo. — Eu que tenho que agradecer por ter me dado a oportunidade de conhecer e de ficar com alguém tão maravilhoso como você. — Sorri, beijando seus lábios de leve. — Meu paciente teimoso. Ele riu, voltando retribuindo meu beijo. — Minha Tempestade — murmurou com os lábios colados nos meus.

Treze Alec

H

eaven se aninhou em meu peito e conversamos amenidades por breves minutos, até notar que ela dormia serenamente em meus braços. Acomodei-a no travesseiro ao meu lado e fiquei observando-a enquanto dormia. Seus cílios longos descansando sobre as maçãs do seu rosto, seus lábios rosados entreabertos, seus cabelos vermelhos espalhados pela cama... Ela era linda, e se tivesse algum mísero talento para pintar, ela com certeza seria minha musa. Enquanto me perdia nos traços perfeitos do seu rosto e corpo, me pus a pensar em como a nossa vida pode dar um giro de 360° graus do dia para a noite. Há poucos meses atrás eu era só um aleijado sem nenhuma perspectiva de felicidade. Hoje estou com uma mulher linda deitada em minha cama. Pela qual estou completamente apaixonado. Mesmo sabendo que vou sofrer o diabo com o gênio dessa garota, e ainda achando que não sou bom o suficiente para ela, eu quero viver isso. Depois daquele maldito acidente essa é a primeira vez que realmente desejo viver algo de verdade. Até ontem meu céu era escuro, e hoje há nele pelo menos uma tempestade. Minha tempestade. Tentando fazer o mínimo de movimento possível me sentei na cama e puxei a cadeira para perto. Precisava tomar um banho e ir em busca dos meus remédios. Não queria acordar Heaven, e sei que preciso me entupir com aqueles comprimidos. Ao sair do banheiro vi as gotas de chuva batendo contra a janela do quarto. Estava mesmo caindo uma tempestade lá fora. Heaven se mexeu na cama, feito uma gatinha preguiçosa. Foi impossível não sorrir ao vê-la se esticando daquela forma. Mas o sorriso logo deu lugar ao desejo, quando o lençol que cobria seu corpo nu desceu o suficiente para me dar um vislumbre das suas curvas e dos seus seios. Ela coçou os olhos e finalmente abri-os, assim que me viu, um sorriso também estampou seu rosto. — Ei, dorminhoca. — Aproximei a cadeira da cama. — Dormi tanto assim? — Sentou-se, segurando o lençol em frente ao corpo. — Por mim ficaria vendo você dormir por dias seguidos. — Ela engatinhou na cama, deixando o lençol para trás e me permitindo a visão maravilhosa do seu corpo nu. Heaven trouxe

a cadeira para mais perto, e beijou-me profundamente. — Até tinha me esquecido de que estou apaixonada por um quase poeta. — Ri contra seus lábios. — Quase poeta? — Indaguei de cenho franzido; — É — afirmou. — Você tem esse negócio de filosofar com as coisas, é culto e gosta de ler. Eu particularmente te acho um quase poeta. — Neguei com a cabeça. Segurando firme em sua cintura, a trouxe para margem da cama, Heaven abriu as pernas e eu acomodei-me entre elas, o máximo que a cadeira permitiu. — Está caindo um temporal lá fora, então acho que você está presa comigo pelo resto do dia e a noite — sussurrei entre beijos e mordidas em seu pescoço. — Isso é que eu chamo de proposta tentadora — retrucou, infiltrando as mãos em meus cabelos. — Não é uma proposta. — As pontas dos meus dedos fizeram um caminho delicado até seu seio. Ela arfou. — É uma ordem, do seu patrão. Senti sua pele se arrepiar diante de minhas palavras, e seus mamilos ficaram duros, implorando para que eu os tocasse com mais vigor. — Se por um acaso eu não acatar essa ordem, perco meu emprego? — Sua voz estava trêmula e vacilava a cada respiração forte. — Acho que será impossível, porque você já roubou a coisa mais preciosa do seu patrão, e ainda assim não foi demitida. — Ahh, é? — Ela afastou-se para me encarar — E o que eu roubei? — O coração. E quase todo o bom senso também. — Ela sorriu e eu espelhei seu gesto. Segundos depois, nossas bocas estavam grudadas em um beijo intenso. Minhas mãos fecharam-se em torno dos seus seios, apertando-os com firmeza. Heaven jogou a cabeça para trás, murmurando coisas incompreensíveis. Desci meus lábios sobre seus seios, provando-os com ansiedade e um desejo voraz. Meus dedos desceram por sua barriga e pararam entre as suas pernas abertas. — Tão molhada, Heaven — sibilei entredentes. Com um clique travei as rodas da cadeira, e surpreendi Heaven puxando-a bruscamente pelos quadris até ter suas pernas abertas quase na altura do meu rosto. — Alec... — chamou, parecendo ligeiramente assustada com meu rompante, mas muito satisfeita. — Quero que goze meu amor. Quero sentir seu gosto em meus lábios. Inclinei-me para acabar com a pequena distância que ainda me afastava de sua feminilidade molhada, e finalmente meus lábios fecharam-se em torno dela. Quando minha língua lambeu seu clitóris Heaven gritou meu nome, impulsionando os quadris de encontro a minha boca. Enquanto chupava e lambia nos lugares certos, as mãos dela agarraram com força os lençóis. Heaven se contorceu e sua intimidade pulsou contra meus lábios. Eu continuei provando-a até os espasmos de seu orgasmo diminuírem e seus quadris desabarem de novo na cama.

Poucos segundos depois Heaven estava sentada em meu colo, não me perguntem como ela conseguiu a proeza de me montar ainda na cadeira de rodas, mas ela o fez. Ela sorriu, limpando os cantos da minha boca. — Que boquinha talentosa senhor Bennet. — Sorri, capturando seu dedo com meus dentes e mordiscando-o. — Ainda há mais disso para você guardado. — Ela gemeu, moendo seus quadris na minha ereção. Foi minha vez de gemer. — Vou querer tomar tudo de você... Tudo — Seus lábios voltaram para os meus com uma intensidade selvagem. As mãos pequenas e ágeis dela fizeram um ótimo trabalho em livrar meu membro do aperto da calça. Ela ergueu-se, posicionando-o em sua entrada, em seguida descendo sobre ele numa lentidão que me fez perder os sentidos. Meus dedos enterraram-se em sua cintura e joguei minha cabeça para trás, enquanto ela subia e descia em meu membro, apertando-me em cada estocada. — Mas rápido querida. — Pedi sôfrego. Ela escorregou os dedos em meus cabelos e ergueu minha cabeça, fazendo-me olhá-la. A velocidade dos seus quadris aumentou para um sobe e desce contínuo e rápido. Podia sentir meus músculos se tencionando, mais uma e eu gozaria. — Goze comigo, Alec. — Implorou em uma fio de voz. Bastou sua voz rouca sussurrada em meu ouvido e eu estava gozando, enquanto uma Heaven trêmula e suada murmurava meu nome de olhos fechados. Totalmente entregue ao seu orgasmo. Encostamos nossas testas suadas e sorrimos. — Você é incrível — murmurei. — Você que é. — Ela beijou-me suavemente. — Acho que não quero sair daqui nunca mais. Assim que acabou de falar um barulho fez sua barriga estremecer, me arrancando uma gargalhada. — Acho que precisará sair em breve. Pelo jeito acabei com a energia de alguém. — Seu convencido — Levantou-se, catando as roupas do chão. — Humm... Heaven? — Ela virou-se para mim. — Odeio ter que lembrá-la disso, mas acho que se esqueceu dos meus remédios da tarde. — Seus olhos se arregalaram e ela vestiu sua roupa em tempo recorde. — Está vendo só o que faz Alexander. A culpa é sua! — Apontou o dedo em minha direção, irritada. Assim que enfiou a blusa pela cabeça ela saiu porta a fora feito um furacão. Me deixou ali rindo feito um idiota, e a cada milésimo de segundo mais apaixonado por ela.

— Não acha melhor contarmos de uma vez à minha mãe? — Encarei Heaven, que estava sentada ao meu lado na cama, roubando o brócolis do meu prato. Se já a achava estranha antes, depois que descobri que ela amava brócolis tive certeza de

que ela não era muito humana. — Não sei Alec — falou de boca cheia, me fazendo rir. — Como vai ser depois disso? Parecia nervosa com a simples menção de contar para minha mãe o que estava acontecendo entre nós. — Da mesma forma. — Dei de ombros. — Você sabe que não — disse séria. — E que categoria irei me encaixar depois de contarmos sobre nosso relacionamento. Enfermeira, namorada? —Fez uma careta de indecisão. — Pare de pensar tantas bobagens Heaven. — Afastei o carrinho de comida e puxei-a para meu colo. — Você vai ser minha enfermeira, namorada, amiga, companheira... Meu tudo, satisfeita? — Ela sorriu e seus olhos cobriram-se de uma fina camada de lágrimas.

Passamos a semana fazendo deste quarto nosso pequeno paraíso. Heaven vinha no horário de sempre, almoçava comigo, fazia alguns exercícios com minhas pernas – É, ela me convenceu a voltar com essa bobagem – Depois dividíamos nosso tempo entre fazer amor, passear pelo jardim, ou simplesmente assistirmos abraçados. Durante toda a semana Heaven insistiu para mantermos a porta fechada, assim não correríamos o risco de mamãe nos pegar. Ela não queria contar agora, e manter segredo não era algo que me agradava. — Eu amo você, sabia? — Antes que eu pudesse dizer qualquer coisa ou demostrar qualquer reação ela beijou-me. Batidas na porta interrompeu-nos. Heaven largou-me e desceu do meu colo, ajeitando-se. Foi até a porta e destrancou-a, colocando no rosto uma expressão que contribuía muito pouco para camuflar o que estávamos fazendo. Quando mamãe entrou no quarto, com um sorriso maroto nos lábios, Heaven corou feito um tomate. — Se me derem licença. — Ela arrastou o carrinho para fora do quarto, quase enfiando a cabeça dentro da jarra de suco. — Heaven está esquisita, não acha? — Mamãe perguntou, ainda sorrindo daquele jeito matreiro. — Não comece com especulações mãe. — Cortei-a. — O que faz em casa a essa hora? — Seu rosto transformou-se em uma carranca e sua expressão tornou-se dura. — Uma pessoa foi visitá-lo na empresa hoje. Eu disse que não tinha mais voltado ao trabalho depois do acidente, e ela insistiu para vir vê-lo aqui. — E quem é? — perguntei de cenho franzido. — Sentiu saudades de mim, querido? — Mamãe fechou os olhos parecendo a ponto de explodir, e saiu da frente, deixando-me frente a frente com a mulher. Ela ainda parecia linda como da última vez que a vi. Seus cabelos dourados estavam mais curtos, mas essa era a única diferença. Seu corpo magro e esbelto, suas pernas longas, a pele levemente bronzeada e os olhos azuis... Exatamente igual. E duvidava muito que Sarah tivesse mudado sequer um resquício de sua personalidade.

Quatorze Heaven

E

ra meio estranho encarar Mary e pensar que ela não era mais apenas a minha patroa e sim minha sogra. Eu nunca tive uma sogra, nunca fiz questão de namorar, como manda o figurino, e nem de me prender a homem algum e agora... Bem, agora eu estava namorando o meu paciente. E era extremamente difícil chegar até minha patroa e falar: "estou namorando seu filho, sogrinha". Ela poderia achar que eu estava me aproveitando de Alec ou da situação dele. E por mais que ela demonstre gostar de mim, tenho medo de que, por pensar que tenho más intenções, me afaste de Alec, ou até mesmo que me demita. Eu gosto muito do meu emprego e, principalmente, gosto muito do meu paciente. Não poderia me dar ao luxo de correr o risco de ficar longe dele, não depois de tudo o que aconteceu entre a gente. — Mantenha a calma, Heaven, nada de ruim vai acontecer — murmurei para mim mesma, olhando as horas. Hora dos remédios de Alec, constatei, agradecendo por ter um motivo para me trancar com ele no quarto por mais alguns minutos. Peguei todos os medicamentos e os coloquei em uma bandeja, junto com sua água. Sabia

que Mary ainda estava no quarto com ele e me obriguei a não ficar vermelha igual a um tomate na frente dela. Coisa que estava acontecendo com frequência ultimamente. Porém, ao chegar próximo à porta do quarto dele, que estava entreaberta, não foi só a voz de Alec e de Mary que ouvi. Havia uma terceira voz. Uma terceira voz feminina. Instintivamente me senti alerta pela presença de outra mulher naquele espaço tão intimo. Até onde eu sei Alec não tem amigas que façam visitas em seu quarto. — Sentiu saudades de mim, querido? — Ouvi a tal mulher perguntar. Sua voz chata entrou em meus ouvidos, causando um choque irritante nos meus tímpanos. — Pois eu senti muito a sua falta Alexander. Você não faz ideia... — Sentiu? — indagou sardônico. — Engraçado, Sarah, não foi isso que pareceu quando você me largou depois do acidente. — Foi a resposta de Alec, em um tom amargurado. Certo, eu sei que é errado ouvir atrás da porta, mas eu não podia evitar. Mesmo se quisesse sair, meus pés se fincaram no chão, decididos a ficar ali até alguém dar um sinal de sair do quarto. — Alec, por favor... Você tem que entender que tudo aquilo também foi muito difícil pra mim. Eu... Nunca passei por uma situação como aquela antes, e vê-lo daquele jeito... Desse jeito, tão debilitado... Eu não aguentei. — A mulher disse em uma voz desesperada. De repente tudo fez sentido pra mim. Depois que a ouvi gaguejar todas aquelas coisas... Era óbvio, estava tão claro feito água. Ela era a ex. E, provavelmente, fugiu sem olhar pra trás quando Alec sofreu o acidente. Senti a raiva me dominar, pensando como alguém poderia ser tão insensível ao ponto de deixar para trás um homem tão maravilhoso quanto Alec. Ou qualquer um que fosse. Era meio que desumano. — Eu também nunca passei por uma situação como essa Sarah, mas mesmo assim soube que teria que aprender a lidar com isso. E as pessoas que me amam, ou seja, apenas a minha mãe — Ouvi a risada sem humor dele. —, aprendeu junto comigo a lidar com tudo isso. — Eu sei que errei ao fugir, querido. Nada que eu diga vai justificar a falta que fiz com você... — Falta? Falta, Sarah? Pelo amor de Deus! — Alec gritou exasperado. — Eu te considerava tudo na minha vida, o centro do meu universo, a mulher da minha vida! De todas as pessoas que viviam ao meu lado, você foi a única que eu pensei que jamais me deixaria! Mas, como sempre, eu estava enganado. Você me largou, junto com todas as pessoas que eu achava que eram meus amigos de verdade. Então, não venha dizer que me magoar daquela forma foi uma simples falta. Senti o ar deixar totalmente os meus pulmões. As palavras de Alec se repetiam na minha mente, principalmente a parte em que ele dizia todas aquelas coisas... "Eu te considerava como tudo na minha vida, o centro do meu universo, a mulher da minha vida..." Mulher da vida dele... Nunca pensei que aquilo pudesse machucar. Nunca pensei que palavras pudessem machucar, na verdade. Senti meus olhos se encherem de lágrimas, enquanto eu chegava à

conclusão de que, com toda a certeza, ele ainda sentia alguma coisa por aquela mulher. — Alec... Por favor, me perdoa. Me perdoa! — Implorou, me deixado nauseada. — Eu estava assustada, confusa, mas eu te amo! Eu sempre te amei. Sempre. E estou aqui agora, porque te quero de volta, porque preciso de você. Cheguei à conclusão de que nada no mundo tem força o suficiente de fazer com que eu pare de te amar... — Então você achou que o acidente era algo que pudesse fazer com que você parasse de amar, Sarah? — Ele interrompeu-a, em um tom magoado. — Cada vez que você abre a boca só piora ainda mais a sua situação. Por favor, vá embora. Sua vinda até aqui foi inútil, jamais voltaria para você. Não sabia se eu me sentia aliviada, ou se me sentia amedrontada. A figura dessa mulher era sim uma ameaça rondando nosso relacionamento tão breve. — Você não pode falar isso Alec. Tenho certeza que o que sentia por mim ainda está no seu coração. Sei que está magoado comigo, mas isso vai passar. Apenas me deixe voltar a ser tudo o que eu era antes. — Eu já disse não. E nunca, jamais, mudarei a minha resposta, Sarah — gritou. — Por favor, mamãe, leve-a embora daqui. Não apareça mais. Você não é bem-vinda. — Já conseguiu o que queria Sarah. Agora vamos embora. — Ouvi a voz dura de Mary. Um tom que nunca a ouvi usar antes. — Eu não vou desistir de você Alec. Não vou! Eu sou a única mulher que o ama de verdade, a única que te quer de verdade, para sempre, ouviu bem? Eu não vou desistir meu amor, não vou! Pude ouvir os saltos dela batendo com força no chão e me afastei correndo da porta. Quando a mulher abriu a porta em um estrondo e olhou para os lados, foi como se eu tivesse acabado de entrar no corredor. Ela me olhou de cima a baixo e eu fiz o mesmo, porém, discretamente. A tal Sarah era linda. Bem diferente de mim, ela tinha a pele bronzeada pelo sol, os cabelos loiros e curtos eram bem cuidados. Era alta e tinha um corpo de modelo. E seus olhos azuis, agora repletos de lágrimas, que eu podia jurar, eram falsas, me analisavam com curiosidade. — É muito feio ouvir a conversa dos outros atrás da porta coisinha — disse para mim com um olhar de evidente desprezo. — Mas eu não estava... — Não precisa mentir. — Cortou-me. — Eu observei seu vulto atrás da porta o tempo todo. — Ela me olhou de cima a baixo mais uma vez e fez um som de nojo com a boca. — Como Mary é louca de confiar a saúde do meu homem nas mãos de uma louca com cara de drogada como você? Não acredito nisso. — Meneou negativamente a cabeça. — Eu preciso mesmo voltar logo para essa casa e tomar conta de toda essa situação. Senti uma pressão em meus ouvidos, e tive certeza que era por causa do meu sangue, que começou a correr rápido pelas veias. — Quem você pensa que é pra falar assim de mim? Está louca? — perguntei, aumentando meu tom de voz. — Nunca mais abra essa sua boca suja pra me insultar desse jeito, ouviu? A porta foi aberta rapidamente ao meu lado, e logo Alec e Mary saíram por ela. Ele parou a cadeira ao meu lado, e olhou para a cobra loira com desdém.

— Eu falei para ir embora Sarah. Se eu tiver que me repetir, vou chamar os seguranças — disse raivoso. Pude vê-lo segurando os braços da cadeira com força, fazendo os nós de seus dedos ficarem brancos. Ele estava se contendo, mas não sei se era por raiva dela ou se era por causa dos sentimentos que ainda sentia. Naquela instante qualquer coisa poderia ser possível. — Está certo, Alec. — Ela disse se virando para Mary. — Comece a escolher melhor os funcionários que coloca dentro dessa casa Mary. Essa... Coisinha drogada não deveria nem chegar de perto de Alec. Antes que eu pudesse abrir a boca para falar mais alguma coisa, ela saiu andando apressadamente, seus saltos fazendo um barulho irritante no chão de linóleo. Eu queria arrancar o cabelo dela com as minhas mãos. — Heaven... — Alec chamou, mas antes que ele pudesse falar mais alguma coisa, eu coloquei a bandeja apressadamente nas mãos de Mary. — Me desculpa, eu... Preciso sair para respirar — falei, saindo do corredor rapidamente. Pude ouvir Alec e Mary me chamando, mas não consegui recuar os meus passos apressados até o quarto branco. Peguei apenas as chaves do meu carro e meu celular, e sai correndo até a garagem. Quando deixei a casa dos Bennet, soltei um grito alto, sentindo as lágrimas de raiva e dor escaparem por meus olhos. Já me chamaram de muita coisa na minha vida, por conta do que eu fazia e, do meu jeito de me vestir, pelas minhas maquiagens pesadas ou mesmo pela língua afiada. Agora... Coisinha drogada era inédito para mim. Se o apelido terrível tivesse saído de outra boca, ou mesmo em outro momento, não teria me afetado de tal maneira. E o pior de tudo é que eu sentia que aquela mulher era uma ameaça, e talvez ela pudesse colocar Alec contra mim. Sarah era muito mais bonita que eu, elegante, altiva, e com certeza tinha dinheiro. Eles combinavam perfeitamente, enquanto nós erámos o oposto um do outro. E Alec a amava... Ou ainda ama. Eu seria colocada para escanteio muito fácil, sairia com um coração partido e isso nunca me aconteceu. Pela primeira vez na vida, tive medo dos meus sentimentos. E, principalmente, tive medo de perder alguém importante. Medo de perder Alec.

Quinze Alec

V

er aquela mulher outra vez em minha frente me trouxe lembranças amargas. Lembranças do homem que fui e do que havia me tornado depois do acidente. Sarah surtia esse efeito em mim, o de me inferiorizar. E devo dizer que é o único efeito que ainda tem sobre mim. Só eu sei o quanto sofri ao ver a mulher que amava me virar às costas e sumir no mundo. Sarah e eu éramos tão felizes juntos, eu a amava, queria me casar com ela, construir minha família, mas tudo se esvaiu depois daquele acidente. Ela foi me visitar no hospital assim que acordei e foi a responsável por a facada final em meu coração, quando disse que não poderia mais ficar comigo, que não aguentaria me ver preso a uma cadeira de rodas, debilitado. Eu não a contestei, deixei-a ir, mas doeu profundamente vê-la me virando as costas. E agora, dois anos depois, ela volta dizendo me amar e querendo transformar o que ela fez em uma falta. Eu a queria bem longe de mim. E foi isso que deixei bem claro pra ela. O que não esperava é que Heaven fosse vê-la e ouvir tudo, e agora ela tinha saído pela porta feito um furacão, sem deixar que eu explicasse nada. — Mãe, faça alguma coisa. — Pedi aflito. — Corra atrás dela! — Mamãe assentiu e seguiu pelo corredor, tentando alcançar Heaven. Eu movi a cadeira o mais rápido que pude, amaldiçoando o mundo por eu não ser capaz de correr atrás da mulher que amo. Assim que cheguei ao jardim, vi seu carro saindo da garagem em alta velocidade. — Heaven — gritei, mas ela não desacelerou. — Porra! — Xinguei, esmurrando a cadeira. Mamãe aproximou-se, parecendo tão preocupada quanto eu, diante do rompante de Heaven. O que aquela maluca estava imaginando afinal? Que eu voltaria para Sarah?

— Ela vai voltar Alec — murmurou conciliadora. A mão pusando sobre meu ombro. — Ela tem que voltar — retruquei encarando-a. — Ela deve ter ouvido tudo e entendeu errado. Estávamos tão bem, mãe... — Baixei minha cabeça, pressionando os olhos. Eu precisava que ela voltasse. — Dê algumas horas para ela, querido. Amanhã Heaven estará aqui no horário de sempre. — Suspirei pesadamente e assenti. Não me restava muito a fazer, afinal. — Vou ligar para Heaven — Dei a volta na cadeira e rumei para meu quarto, peguei o celular e liguei pra ela. Depois de chamar inúmeras vezes caiu na caixa postal. Em um acesso de raiva joguei um abajur no chão. — Droga de vida... Malditas pernas. — Esmurrei minhas coxas inertes, na esperança de que por algum milagre eu fosse sentir os golpes. Deus não pode ser tão injusto comigo. Eu não posso perder a mulher que eu amo. Essa mulher que acabei de encontrar. Já se foram minhas pernas, mas sem meu coração não posso seguir em frente, e Heaven é um pedaço dele. As horas que seguiram foram angustiantes. Eu liguei para Heaven durante toda a noite, mas ela não me atendeu. Passei toda a noite em claro e quando Simon chegou pela manhã, ainda estava sentado na cadeira, olhando pela janela. — Alec? — Simon me encarou um tanto alarmado. — Você passou a noite inteira nessa cadeira? Que loucura foi essa, você sabe que pode se encher de escaras por isso. — Ralhou, a preocupação explicita em sua expressão. — Tanto faz Simon. — Desdenhei. — Vamos logo com isso. — Passei por ele, indo direto para o quarto branco, como chamava Heaven. Heaven. Onde está minha Tempestade agora? A manhã passou em um borrão, e quando o relógio marcou doze horas, meu coração falhou algumas batidas. Raramente Heaven se atrasava. Já era para ela estar aqui há uma hora. — Eu vou atrás dela — disse ao passar pela minha mãe na sala. Ele largou a planilha no sofá e se ergueu, me seguindo. — Alec, não! — repreendeu. – Não é uma boa ideia que vá sozinho a um lugar tão longe. Ligarei para Heaven. — Eu vou. Me deixe em paz — disse ríspido, lançando um olhar de advertência em sua direção. Não queria ninguém me seguindo. Seus passos atrás de mim cessaram. Meu carro já me esperava na saída da casa. O encarei como se fosse uma espaçonave. Claro que sabia dirigi-lo, mas nunca saí sozinho. Era hora de enfrentar meus medos ridículos, e aceitar que minhas pernas não estavam me restringindo às paredes daquela casa, minha mente em quem estava fazendo isso. — Tem certeza que vai sozinho senhor Bennet? — O motorista insistiu. Tenho certeza que a mando de minha mãe. — Tenho certeza. — Afirmei. — Me ajude a subir e coloque a cadeira no banco do carona, por favor. — O homem assentiu e obedeceu meus comandos. Programei o GPS para que ele me levasse até o endereço que tinha de Heaven, e dirigi o

mais depressa que consegui. Para piorar a situação, caia uma chuva torrencial que dificultava tudo. Meu celular não parava de vibrar no bolso, e tenho certeza que minha mãe estava louca aquela altura. Parei o carro em frente à casa verde de alpendre. A construção era pequena e simples, mas muito bonita. Buzinei diversas vezes, mas ninguém saiu para olhar. Todas as janelas estavam fechadas, mas havia certo barulho vindo de dentro da casa. Olhei de um lado a outro, mas não havia ninguém na rua. Pudera, em meio àquela chuva ninguém sairia. Não tinha outro jeito, eu precisava sair sozinho. — Eu consigo — sussurrei para ninguém em especial, buscando reafirmar meu potencial. Soltei-me do cinto de segurança e com algum esforço consegui pegar a cadeira, abrir a porta do carona e colocá-la do lado de fora. Agora só precisava me mover até o outro banco, conseguiria montar a cadeira e ir até a porta da casa. Arrastei-me até o banco, sentando-me na beirada dele, manuseei a cadeira até ela estar aberta em minha frente. O mais rápido que pude me transferi para ela e fechei a porta do carro. Quando finalmente consegui concluir tudo, estava ofegante e me sentindo ridículo por ser tão fraco. O trabalho em si nem era tão árduo, mas o fato de nunca ter me permitido fazê-lo antes, tornava tudo bem pesado. Atravessei a rua e, só nesse pequeno percurso, fiquei encharcado. Eu tinha mais um obstáculo pela frente, um maldito meio-fio... Eu não iria conseguir passar sozinho. Deus, um meio-fio era um obstáculo pra mim agora. Teria rido da atual situação se não estivesse bem estressado. — Heaven! — gritei a plenos pulmões. Não obtive nenhuma resposta. — Heaven! – gritei, e novamente ninguém respondeu. A chuva estava barulhenta e Heaven não me ouviria. Impulsionei a cadeira para trás para tentar passar do meio-fio, mas na primeira tentativa quase cai. — Eu não vou desistir — disse entre dentes. Tentei três vezes até finalmente conseguir subir aquele maldito lugar. Empurrei a cadeira até a porta da frente da casa de Heaven e bati. A essa altura meus braços presavam toneladas e estava morrendo de frio. — Meu Deus! — A mulher que abriu a porta murmurou, tampando a boca. É, eu deveria mesmo ser digno de pena há essa altura, mas estava determinado demais a falar com Heaven para que a compaixão da mulher me atingisse. — Eu preciso falar com a Heaven — murmurei o mais dignamente que consegui. — A Heaven endoidou de vez. — A mulher balbuciou. — O senhor, quem é? — Ela me encarou de cima a baixo, com o cenho franzido. Sua expressão me lembrou a de Heaven, e pelo pouco que falei com a mulher sabia que aquela era a mãe da Tempestade. Já sei de onde ela herdara aquele temperamento. E também aqueles olhos expressivos. — Sou o patrão dela, Alexander Bennet, prazer. — Estendi para ela minha mão trêmula. — Jesus! Entre senhor Bennet — Ela apertou minha mão apressadamente e abriu totalmente

a porta para que eu passasse. Agradeci mentalmente, pois estava morrendo de frio ali fora. — Desculpe meu jeito, é que não sabia e... Deus, o senhor veio sozinho? — Sim. — Pressionei os lábios para que não tremessem. — A Heaven está? Estava quase em desespero para vê-la. — Está no quarto. Desde ontem quase não sai de lá, nem para a faculdade foi hoje. O senhor deve ter vindo aqui por que ela não foi trabalhar hoje, não é? — Tagarelou em um fôlego só. — Por favor, não a demita. A Heaven tem se comportado tanto depois desse emprego e... — Não vou demiti-la. — Cortei-a. Eu teria rido se não tivesse tão tenso. — A senhora pode chamá-la? — Claro... É claro. — Assentiu efusivamente se encaminhando até perto de uma escada e gritou: — Heaven venha até aqui agora! Ouvi alguns resmungos e passos apressados. Era ela, e só de pensar em vê-la novamente já me enchia de algo bom. Heaven parou no último degrau da escada e me encarou como se eu fosse um fantasma. Parecia meio pálida e tinha olheiras sob os olhos. Nada que conseguisse aplacar sua beleza, e a quentura que aquecia meu coração ao colocar meus olhos nela. — Alec, o que faz aqui? — perguntou com uma expressão de choque. — Você não foi trabalhar e eu... Fiquei com medo que não fosse mais. — Aproximei a cadeira de onde ela estava e segurei sua cintura, olhando-a nos olhos. — Você precisa me ouvir, por favor... — Ela acariciou meus cabelos, sua expressão de choque dando lugar a uma de encantamento. — Você está molhado. — Constatou. — Com quem veio? — Sozinho. — Não acredito! Você está maluco? — Ralhou. — Tem que se aquecer, Alec. — Ela se afastou, gritando por um Antônio. Um homem alto, de pele bronzeada e cabelo grisalho apareceu na sala, parecendo alarmado pelos berros da filha. — Pai, pode levar o Alec e colocá-lo na minha cama? — disse, antes mesmo de se explicar a situação ao pai. — Onde está a mamãe? — Lúcia está na cozinha. — O homem me encarou de cenho franzido, provavelmente curioso. — Quem é o rapaz? — É meu patrão, pai. — respondeu em meio a um revirar de olhos. — Prazer, Alexander Bennet. — Cumprimentei-o. Estendi a mão pra ele, o homem retribuiu com um sorriso simpático. Foi constrangedor ter o meu futuro sogro me carregando, mas estava tão exausto que nem reclamei. E também feliz por ter conseguido chegar até aqui. — Se precisar é só chamar senhor Bennet. — murmurou assim que me colocou confortavelmente na cama. — Me chame de Alec, por favor. — Sorri. – E obrigado. — Ele assentiu firmemente, saindo do quarto em seguida.

Heaven entrou no quarto no exato momento em que seu pai saia, ela fechou a porta com o pé e apoiou uma bacia enorme no chão. — Não tenho como te dar banho aqui, mas precisa se livrar dessas roupas molhadas. Então trouxe água quente, deve ajudar também. — Assenti. Ela tirou meus sapatos, minha calça, e eu ajudei-a a tirar minha camisa. — Se não estivesse com tanto frio e cansado eu me excitaria com certeza. —Brinquei, sendo presenteado com um sorriso. Heaven mergulhou um pano na água e espalhou pelo meu peito, estava morno e a sensação boa me fez gemer. — Gostei do seu quarto. — Comentei olhando ao redor. O quarto era basicamente branco e preto, com algumas colagens de caveiras nas paredes e dois murais enormes de fotos. As fotografias exibiam Heaven se divertindo em vários lugares e com várias pessoas. Aquelas fotos me doeram um pouco, eu me sentia roubando aquela vida dela. E se continuasse comigo seria sempre assim. Porém eu a amo demais para deixá-la livre. E sou capaz de assumir meu egoísmo. Espirrei uma dúzia de vezes enquanto ela continuava passando o pano quente em meu corpo gelado. O frio estava se dissipando. — Precisa descansar. — Ela puxou os lençóis da cama e cobriu-me. — Vou fazer uma canja para você, e ligar para sua mãe. — Assenti. Heaven levantou-se da cama, mas antes de se afastar eu a segurei. — Vamos conversar quando eu estiver conseguindo manter meus olhos abertos, mas quero que saiba, e nunca se esqueça de que eu amo você. Sarah ou qualquer outra mulher não me interessam. É você e somente você que eu amo. — Ela sorriu e se aproximou novamente, me dando um beijo nos lábios. — Eu também te amo. Agora durma um pouco. — Deixei o cansaço me vencer e fechei os olhos, derivando no sonho. Um sorriso bobo estampou-se em meu rosto. Todas as dores que estava sentindo agora valeram a pena, por que sei que Heaven voltaria pra mim.

Dezesseis Heaven

—A

té agora eu não entendi o que seu patrão veio fazer aqui. — Minha mãe continuou seu discurso desconfiado. — Heaven, pelo amor de Deus, o homem veio embaixo dessa chuva apenas para saber por que você faltou hoje ou você está escondendo algo de mim, como sempre? Coloquei a bacia com água morna em cima da pia, tentando pensar em uma desculpa para justificar a vinda de Alec na minha casa. Eu não poderia simplesmente jogar em cima da minha mãe a bomba de que estava namorando meu chefe. Ela já não me achava uma garota com muito juízo. Com certeza iria deturpar o que dissesse e pensar que tinha um caso com ele. — Mary teve que sair e... Bem, Alec não quis ficar sozinho e veio pra cá — murmurei, ainda de costas para ela, torcendo para que acreditasse. Mas acho que nada estava ao meu favor naquele momento. Nunca fui uma boa mentirosa, e quando o assunto era Alec, a coisa só piorava. Praticamente deixava escrito na testa nosso relacionamento. — Heaven olha pra mim — disse séria. Virei-me e a encarei. Ela estava de braços

cruzados e me analisava. — Acha mesmo que vou acreditar que Mary saiu e deixou o filho sozinho? Eu a conheço muito bem para saber que ela jamais faria isso. Me conte a verdade Heaven, pelo menos uma vez na vida. Senti minha garganta se fechar e meus olhos se encherem d'água. Minha mãe mudou sua postura automaticamente, olhando-me com preocupação. — Ah, mãe... — murmurei, sentindo minha voz sumir e grossas lágrimas começarem a molhar todo o meu rosto. Minha mãe correu até a mim e me abraçou. Havia muito, muito tempo que não sentia os braços protetores de minha mãe em minha volta, e não sei se foi pela emoção do momento, por tudo o que havia acontecido no dia anterior, ou seu abraço reconfortante, que fizeram com que a represa existente em mim se abrisse de uma única vez. — Heaven, minha filha... Por Deus, o que está acontecendo? — Ela sussurrou no meu ouvido, passando a mão pelas minhas costas. — Eu o amo, mamãe... O amo muito, e não sei como agir — falei entre soluços, sentindo meu corpo balançar pelo choro compulsivo. Ela pegou meu rosto em suas mãos, limpando minhas lágrimas que insistiam em cair. Sua expressão estava confusa. — Você o que? Ama a quem, Heaven? — Alec! — respondi. — E ontem a ex-noiva dele voltou e... Ele me disse que não a ama mais, mas eu sinto que ele ainda sente algo por ela. E eu sou toda doida, toda estranha e ela é linda, alta, loira e chique. — Fui interrompida brevemente por soluços. Continuei: — E, se eles se amam, eu não posso ficar entre os dois. É tudo tão difícil mãe. Eu não deveria ter me apaixonado, simplesmente não deveria. Pude ver sua boca se abrir lentamente, enquanto permanecia incapaz de falar. Eu tinha certeza que tinha feito à coisa mais errada do mundo, que foi me abrir com ela. Agora ela iria me julgar me chamar de maluca e tudo mais, como sempre fazia. Era sempre assim, eu nunca acertava nada, mesmo querendo tanto. — Querida... Eu não sei o que dizer — murmurou incrédula. Não conseguia decifrar seu olhar. — Cristo, Heaven, você realmente está apaixonada. — Constatou por fim. — Estou. E não precisa me julgar, me chamar de louca ou falar que estou errada. Eu não preciso disso agora, mãe. — O que? Heaven, eu jamais faria isso. Fitei-a, subitamente espantada. Agora quem estava confusa no meio de tudo aquilo era eu. — E vai fazer o que, então? — Irei te apoiar querida, porque sei que está me falando a verdade. Nunca fiquei tão contente Heaven. Alexander é um homem maravilhoso, e eu só venho percebido mudanças maravilhosas em sua atitude e rotina desde que começou a trabalhar pra ele. — Ela sorriu, voltando a limpar minhas lágrimas. — Querida, se ele diz que não ama essa mulher, dê um voto de confiança ao homem. Funguei, assentindo.

— A senhora acha que eu devo... Levar tudo isso adiante? — Sim, eu acho. — Afirmou com um meneio. — Querida, ele não viria até aqui, debaixo dessa chuva, nas condições em que ele se encontra se não sentisse algo verdadeiro por você. Acredite em mim, isso é atitude de um homem apaixonado. E ele é muito educado e bonito para se jogar fora, apenas porque uma ex louca voltou a atormentá-lo. — Me cutucou o ombro, fazendome rir. — Mostre a essa mulher que você é a pessoa perfeita para estar ao lado dele. Que realmente o ama. Tenho certeza que ela irá embora no mesmo instante. Você só tem que ser forte e lutar pelo o que quer. Uau... Certo, por essa eu não esperava. Minha mãe realmente sabia como me surpreender. — Eu farei isso — falei, limpando minhas lágrimas. — Muito obrigada, mãe. — Ah, querida, eu sempre estarei aqui por você. — Seu sorriso se ampliou, e novamente seus braços me rodearam. — Pensei que não estaria viva para vê-la se apaixonar de verdade, por um homem que realmente a mereça. — Mãe, por favor... — reclamei, rindo. Que conversa mais estranha. Talvez a mais longa que já tive com minha mãe desde que era uma criança e a respeitava fielmente. — O que foi? Eu estou apenas feliz. — Deus de ombros — Agora pare de chorar, porque isso não combina com você, e vai lá pra cima cuidar do seu amor. Seu pai e eu iremos à casa dos seus tios para jantar, e talvez fiquemos por lá. — Sorriu encantada. — Aproveite para cuidar dele e colocar o papo em dia. Olhei para ela, procurando qualquer duplo sentido no que vi, mas nada encontrei. Talvez minha mãe não acreditasse que Alec e eu já havíamos passado da fase de "mão na mão" e "beijos inocentes". Apenas assenti e passei por ela, ouvindo-a suspirar. Quando cheguei ao meu quarto, Alec ainda ressonava tranquilo, e soube que ele só iria acordar daqui a algumas horas. Por isso, resolvi tomar um banho quente para me livrar toda a tensão. Ainda podia ouvi-lo falando que amava apenas a mim. Só Deus sabia o quanto queria acreditar naquilo. Depois do banho, vesti um vestido leve, penteei meus cabelos e fiquei olhando para meu inseparável lápis de olhos, que estava em cima da pia junto com minhas outras maquiagens. "Como Mary é louca de confiar a saúde do meu homem nas mãos de uma louca com cara de drogada que nem você?" Cara de drogada... Nunca pensei que alguém falando mal sobre minhas maquiagens ia plantar em mim uma vontade gigantesca de jogar todas elas em um lixo e nunca mais me reaproximar. Sempre que me olhava no espelho sem meus olhos estarem pintados de preto quase não me reconhecia. Eram tantos anos usando sempre a mesma coisa, que era como se já fizessem parte de mim. Mas agora, vendo minha pele limpa, eu estava começando a enxergar o que aquela mulher queria dizer. Realmente, com meu visual de adolescente rebelde tardio, eu não aparentava ser uma enfermeira séria. Nem uma mulher que pudesse estar ao lado de um homem como Alexander.

Pela primeira vez eu sai daquele banheiro com a cara lavada. Talvez fosse realmente melhor começar a andar com menos maquiagem. É, era assim que eu iria ser a partir de agora. Não que fosse me transformar em outra Heaven. Minha personalidade e crenças seriam imutáveis, mas passei a enxergar que estava na hora de mudar algumas coisas. Enquanto Alec dormia, comecei a catar algumas das minhas roupas que estavam espalhadas pelo meu quarto. Comecei a cantarolar "Love of my life" do Queens, enquanto arrumava um pouco a bagunça do meu quarto. Estava tão entretida que, quando ouvi a voz de Alec, reprimi um grito de susto: — Eu gosto muito dessa música. — Ele disse. Virei-me a tempo de vê-lo sentando. Um sorriso bonito estampava seu rosto. — Na sua voz ficou ainda mais linda. Sorri de leve, deixando todas as minhas roupas em cima da poltrona. Aproximei-me dele, sentando-me na cama. — Não precisa mentir, eu sei que canto muito mal. — Não mesmo — argumentou. — Você canta muito bem. Adoraria que cantasse pra mim enquanto toco piano... — ele disse, esticando a mão para tocar a minha. — Você toca piano? Ele assentiu, olhando fixamente para o meu rosto. — Quem é você, e o que fez com a minha Tempestade? — perguntou, mudando totalmente de assunto. Franzi o cenho, sem entender sua pergunta. — Como assim? — A garota que eu conheci não vive sem maquiagem. O que você fez com ela? — Brincou, em um tom divertido. Apenas dei de ombros, pensando que dar uma desculpa era melhor que falar que eu estava de cara limpa por conta da crítica que sua ex havia me feito. — Eu estou em casa, não vi necessidade de passar nada depois do banho. — falei simplesmente. — Por que? Eu fico muito feia sem maquiagem? Ele negou, balançando a cabeça. — Não mesmo, você fica linda de qualquer forma. Eu só não quero que mude, porque eu me apaixonei por você daquela forma toda doida e maquiada de preto... E eu amo vê-la daquele jeito, mas se você está confortável assim... Por mim, tudo bem. Para mim nada muda. Amo sua essência. — Suspirei, encantada por suas palavras. — Então você não acha que eu fico parecendo uma drogada com toda aquela maquiagem? — me ouvi perguntar, me arrependendo logo depois. O sorriso de Alec se desfez automaticamente, fazendo com que eu me arrependesse ainda mais. Merda de boca grande! — Heaven! Não acredito que parou de usar suas maquiagens por causa do que Sarah falou. Pelo amor de Deus, amor, não leve em conta o que aquela louca diz. — Ele me puxou para perto de si, fazendo-me sentar no seu colo, de frente pra ele. — Eu te amo. Amo mais do que tudo no mundo, e jamais acharia que sua maquiagem a deixa com cara de drogada. Isso é ideia de

Sarah, ela é louca e queria te colocar para baixo. Eu não quero que você deixe de ser quem é por causa do que ela disse. Me escutou? — perguntou, passando a mão lentamente pelo meu rosto. — Escutei — murmurei, olhando para qualquer lugar que não fosse ele. — Ei, olha pra mim! — Alec puxou meu rosto fazendo com que meus olhos caíssem sobre os seus. — Eu estou falando sério, Heaven. Se amanhã você aparecer na minha casa sem maquiagem, eu... — Você...? — O instiguei, querendo saber onde ele iria chegar. — Eu vou fazer greve de sexo! — disse sério. Senti minha boca se abrir, em choque. Ele não parecia nem mesmo divertido ao dizer aquela atrocidade. — Não brinca! — É isso mesmo que escutou. Nada de usufruir do meu corpo sexy, se chegar à minha casa sem maquiagem. — Pude vê-lo reprimir um sorriso. — Hm... Seu corpo sexy, não é? — murmurei, movimentando-me sobre ele. Comecei a sentir sua ereção se formar, enquanto suas mãos apertavam meus quadris com mais força. — O seu é bem mais sexy do que o meu — respondeu em um tom rouco, aproximando-se para beijar meu pescoço. — Nossos corpos sexys juntos ficam ainda melhores — falei, esfregando-me mais rápido em sua ereção. — Pode deixar, pois irei chegar totalmente maquiada na sua casa, com batom vermelho e tudo. E vou seduzi-lo até tê-lo dentro de mim. — Isso baby, é isso que quero... — Gemeu, freando meus movimentos e voltando a me olhar. — Agora eu acho melhor pararmos, porque estamos na casa dos seus pais e não seria legal se eles nos pegassem nessa situação. Ainda mais porque você é muito escandalosa, logo saberiam o que estamos fazendo aqui dentro. — Eu sou escandalosa? — perguntei chocada, vendo-o assentir com um enorme sorriso no rosto. — Ok, senhor Bennet! Mas saiba que meus pais não estão em casa, e passarão a noite fora. — É sério? — Sim. Mas como sou muito escandalosa é melhor não fazermos nada, porque os vizinhos podem escutar e... — Fodam-se os vizinhos! — ele disse, acabando com a nossa conversa com um beijo intenso.

Dezessete Alec

E

ssa mulher me deixa louco, como nenhuma outra conseguira, nunca. Uma insinuação, um simples movimento e já estava louco para tê-la em cima de mim. Agarrei os cabelos ruivos e longos de Heaven, fazendo seu corpo aproximar-se ainda mais do meu. Nosso beijo se intensificou. — Você não imagina como me deixa louco — sussurrei em seu ouvido, mordiscando sua orelha e a pele sensível do seu pescoço. Heaven rebolou com mais afinco, esfregando sua intimidade quente e molhada em meu colo. — Ontem... Pesquisei umas coisas e... — disse em meio a ofegos. Ela afastou-se minimamente e pude contemplar seu rosto de traços perfeitos, iluminado por um sorriso malicioso. — Vou fazê-lo gritar hoje Alexander Bennet. — Finalizou, mordiscando os lábios carnudos. — Oh, isso é uma ameaça? — inquiri divertido. — É uma promessa! — sentenciou. Meu sexo se retorceu diante de suas palavras. Voltei a puxá-la para junto de mim apertando-a sobre minha ereção. Meus dedos passearam por suas coxas, subindo até sua cintura e levando com eles o tecido fino da sua camiseta, tirei-a de seu corpo, e perdi-me por segundos analisando a pele pálida e macia do seu tronco, os seios pequenos e empinados, pintados por algumas poucas sardas que os deixavam ainda mais sexy. Apertei sua cintura, arrastando meus dedos com força pela pele, deixando-a marcada de vermelho. Minhas mãos se encheram com seus seios, e os pressionei com força, observando com deleite a boca de Heaven se abrir para deixar escapar um gemido alto. Inclinei-me, resvalando a língua em um dos mamilos rosa-pálido, suguei-o com força e, em resposta, Heaven se agarrou aos meus cabelos. — Comporte-se querido, porque fui eu que guardei algo de especial para você hoje. — Ela me encarava de sobrancelhas arqueadas. Desejo e malicia estampavam seu olhar. — Sou todo seu — Ergui meus braços em completa submissão. Ela riu. — É assim que eu gosto — declarou. Sem delongas Heaven livrou-se da minha camisa e

sua boca voltou à minha. Seu beijo foi intenso, cru e altamente sexual, mas durou menos do que desejei, pois sua boca migrou para meu pescoço, onde ela roçou os lábios molhados, mordiscou a pele sem pressão nenhuma para logo depois morder forte, e sugar o lugar que agora formigava. O prazer que aquela carícia me trouxe foi diferente de tudo que já senti. Heaven continuou com as carícias, descendo-as pelo meu peito, onde ela parou em um dos meus mamilos e os sugou com força. Meu tronco ergue-se e um gemido gutural escapou de minha garganta. Ela repetiu o ato no outro mamilo, me fazendo gemer mais uma vez. — Heaven... O que? — Tentei perguntar, mas as palavras pararam em algum lugar da garganta assim que vi o que ela pretendia. Sua língua se arrastou pela minha barriga, fazendo toda minha pele se arrepiar. Heaven arrastou minha calça e cueca para baixo, deixando meu membro ereto livre do aperto das roupas. — Parece tão apetitoso que tenho vontade de chupá-lo por toda a noite — Sei tom de voz, seu olhar em minha direção... Essa mulher é uma deusa. Ela umedeceu os lábios e sorriu lascivamente. Apertei meus olhos e joguei minha cabeça para trás. A névoa de desejo não durou tempo suficiente, pois a realidade bateu em minha cara me fazendo acordar. — Eu não vou sentir — disse de cenho franzido. — Você sabe que não, Heaven. Ela não se abalou com meu repentino desanimo. Levantou-se e livrou-se do short, balançando os quadris enquanto descia o tecido pernas abaixo. Ela me beijou rapidamente, sussurrando em meu ouvido em seguida. — Mas você verá. — Mordiscou minha bochecha, ajoelhando-se em minhas pernas log em seguida. — Assista a meu show garotão — Seu tom de menina, descontraído e sapeca me arrancou um riso. Heaven se colocou entre minhas pernas e inclinou-se até ficar com a boca a centímetros de distância do meu membro. Ela pegou-o, começando a me masturbar com precisão. Eu não podia sentir o que ela estava fazendo, mas vê-la tão entretida com meu pêmis estava fazendo minha imaginação fervilhar, e aquilo estava me deixando louco. “Para um cadeirante a imaginação é um dos pontos mais importantes para que se chegue ao prazer.” — Sempre achei essa frase, que ouvi em um grupo de ajuda o qual frequentei apenas por dois meses, – Por que fui obrigado – uma babaquice. Um homem não precisa de imaginação para gozar, as mulheres precisam. Essa era mais uma descoberta que teria de aceitar e derrubar de vez o muro do machismo. Quem disse aquela frase estava coberto de razão. Heaven expôs a glande alterada do meu pênis e sugou-a, fazendo o barulho de sucção ecoar pelo quarto. — Isso — gritei, agarrando seus cabelos. Ela espalhou o líquido que molhava meu pênis pelos lábios, saboreando-o enquanto encarava-me profundamente. — Você é tão gostoso — Sussurrou, e segundos após voltou a me devorar com fome. Sua cabeça balançava para cima e para baixo, levando-me até o fundo de sua garganta. Seus cabelos espalharam-se ao seu redor formando uma cortina vermelha.

Para cima e para baixo... Para cima e para baixo. Prendi seus cabelos em minhas mãos incitando-a a ir cada vez mais rápido e com mais profundidade. Meus olhos estavam fixos em cada movimento dela e, todas as vezes que ela me olhava, sentia o prazer dentro de mim se avolumar. — Heaven — Gemi, fechando os olhos e jogando a cabeça para trás. Mais um pouco e eu teria gozado, mas para minha frustração Heaven parou o que fazia. Abri meus olhos e a vi me fitando, enquanto lambia os lábios. Ela estava derrubando meus muros, as coisas que me impus a pensar após o acidente. Minha lesão medular era, entre as vertebras T12 e L1, portanto não afetava com tanta complexidade meu desempenho sexual, apesar de ser tudo diferente agora, claro. Mas nunca quis acreditar nos pareceres médicos. Nenhuma mulher me despertava e consequentemente não me faziam ter ereção, mas Heaven... Ela resgatou tudo em mim. — Você é incrível — disse ofegante. — Você é gostoso — retrucou risonha, limpando os cantos da boca. Ela se ergueu, montando-me novamente. Esfregou sua intimidade encharcada em meu sexo molhado, e gemeu com a fricção. — Estou louco para comê-la — sussurrei, segurando seu queixo. — Me enterrar nessa boceta e... — Sim. — Gemeu, rebolando avidamente. — Seu pau é tão grande, e me preenche completamente. — Ohh, estamos falando sujo aqui? — Ela assentiu, mordendo o lábio. — Sente nele então. Ela ergueu os quadris enquanto eu posicionava-me em sua entrada. Obedecendo satisfeita minha ordem. — Tão apertada e molhada. — Grunhi, agarrando sua bunda e ajudando-a a subir e descer por todo o meu comprimento. Ela inclinou-se para trás, apoiando as mãos nas minhas coxas e aumentou o ritmo dos movimentos, dando-me assim uma visão privilegiada do meu membro entrando e saindo da sua boceta. Dos seus seios mexendo a cada movimento seu. Segurei firme em sua cintura, fincando meus dedos ali, enquanto eu e ela gemíamos e gritávamos como dois selvagens. — Alec! — gritou, seu corpo estremecendo sobre o meu. Puxei de encontro ao meu corpo e enquanto tomava sua boca em mais um beijo, levei minha mão até o meio de suas pernas pressionando seu clitóris sensível com rapidez. Heaven cravou as unhas na minha nuca e seus quadris remexeram-se em incontroláveis espasmos, enquanto ela gozava e me levava junto ao ápice. Devoramos a boca um do outro, engolindo cada grito e gemido. — Nossa... Isso foi... — Ela disse ofegante, ainda braçada a mim. — Perfeito. — Completei. Sorri, retirando do seu rosto os fios de cabelo que grudaram ali. — Acho que precisamos de um banho — Sorriu, mordendo dessa vez o meu lábio inferior. — Vou colocar uma cadeira da varanda no banheiro. Pode ir até o banheiro sem minha ajuda? —

Assenti. Em outro momento teria me incomodado pela sugestão dela. Não gostava de dar trabalho, por isso sempre tentei ao máximo me virar sozinho. Mas agora a preocupação dela me parecia tão genuína, que ao invés de me irritar me deixava feliz. Ela levantou, e antes que se afastasse dei um beijo em seu traseiro. — Ei! — Repreendeu-me. — Comporte-se seu assanhado. — Ri, observando com satisfação ela vestir minha camisa, a calcinha, e descer para pegar a cadeira.

— Já chega, acho que está limpinho. — Heaven desligou o chuveiro e me ajudou a voltar para a cadeira de rodas. — Vou deixá-lo sozinho para que se enxugue e se vista. Se precisar é só gritar. — Assenti e ela saiu. Momentos depois, estávamos deitados na cama, ela descansava a cabeça em meu peito enquanto eu acariciava seus cabelos. — Eu tenho medo — confessou em voz baixa, como se não quisesse que eu realmente ouvisse o que ela disse. — Medo de que? — Que você fique com ela. — Suspirou alto. — Ela é linda, alta, loira, elegante, combina muito mais com você do que eu. É uma mulher perfeita para ficar do seu lado, já eu... Não precisou nem que Heave citasse nomes para que eu entendesse de quem ela falava. Por algum motivo ilógico Heaven estava sentindo-se insegura por conta de Sarah. O que não procedia de forma alguma. — Você é linda, — Interrompi-a. — é companheira, a mulher que eu amo e quero ao meu lado pra sempre. Bem, se for isso que você também queira. — Heaven apoiou o queixo em meu peito para me olhar. — Eu amo tanto você — murmurou. — Não sei se saberia viver sem o que conseguimos construir. Seria como matar a Heaven que aprendi a ser. – Sorri. Meu coração enchendo-se de felicidade e amor. — Você não vai viver sem mim, prometo. — Beijei seus cabelos, concluindo: — Amo você Tempestade.

— Você só pode ter enlouquecido Alexander. — Mamãe bradou, mais alto do que estava acostumado ouvi-la falar. — Tem noção do que poderia ter acontecido? — Mas não aconteceu — retruquei, já de saco cheio dessa história. Desde que cheguei em casa, há quase duas horas, mamãe e Simon discursaram sobre o que poderia ter acontecido comigo ontem. — A Heaven também foi irresponsável, deveria tê-lo trazido de volta imediatamente. — Não meta a Heaven nisso — disse bravo. — Saiam os dois. Vocês estão me causando dor de cabeça.

— Tem certeza que não precisa de mais nada? — Mamãe perguntou novamente. — Pode ir para seu trabalho mãe. — Ela assentiu e se aproximou para me dar um beijo. Mas ainda parecia preocupada, me lançando olhares desconfiados. — Amo você — sussurrou. — Também te amo. — Também está na minha hora Alec. — Simon se pronunciou. Assenti. — Se cuida, cara. — Cumprimentei-o com um aperto de mão, e ambos saíram do quarto. Não sei se foram os remédios ou toda a chuva e atividades do dia anterior, mas simplesmente apaguei, sentindo-me cansado demais. Quando voltei a abrir os olhos o sol já estava alto. Olhei no relógio, que já marcava quase uma da tarde. Estranho, Heaven já deveria estar aqui. Com um comando do controle trouxe a cadeira para mais perto da cama e sentei-me nela, pronto para sair pela casa para encontrar Heaven. Parei em frente à porta do quarto branco assim que ouvi a voz de Heaven. Estava prestes a entrar, mas escutei uma frase que me fez parar. — Até gostaria de ir Carl, mas não posso... Tenho que ficar com o Alec... Não. Não seria uma boa ideia levá-lo, sei que nesse bar nem tem adaptação... Vai ser legal, tenho certeza... Tudo bem, fica para a próxima. Ela estava perdendo mais uma oportunidade de sair, se divertir, de ser a Heaven de sempre, e por minha causa. Pelo jeito seria sempre assim.

Dezoito Heaven

D

esliguei o telefone e voltei a guardá-lo dentro da minha bolsa, sorrindo de leve. Se algum dia alguém me dissesse que eu iria dispensar uma festa por qualquer motivo que fosse, eu chamaria essa pessoa de louca. Há dois meses eu tinha certeza que isso nunca iria acontecer. Hoje eu simplesmente não me importo mais. Alec é, com toda a certeza do mundo, muito mais importante de que qualquer festa. E ficar ao lado dele me agrada muito mais do que uma noite agitada e regada a bebidas com aquelas pessoas que eu chamava de amigos. Suspirei, me sentindo leve. Era isso, ficar com Alec me fazia tão bem que se Mary me pedisse para morar naquela casa eu aceitaria na mesma hora. Ri dos meus pensamentos. Como sempre, eu estava indo longe demais com meus sonhos. Sai do quarto branco e fui em direção à cozinha pegar os remédios de Alec. Felizmente eu não atrasava mais os horários. Acho que estava entrando na linha. Quer dizer, ele estava me colocando na linha. Depositei tudo na bandeja e fui em direção ao seu quarto. Alec estava perto da porta da sacada, olhando para a bela paisagem que era o jardim da sua casa. Ele parecia estar longe, e eu sorri de leve, observando-o. Ele era lindo, sem sombra de dúvidas. — Ei garotão, trouxe seus remédios — falei, deixando a bandeja em cima da mesa que ficava perto da sacada. Ele continuou a olhar para fora com a expressão séria. — Alec, está sentindo alguma coisa? — Eu não quero tomar remédio algum — disse num tom de voz glacial, ainda olhando para fora. Revirei os olhos. Fazia muito tempo que não o via com birra, mas pelo jeito aquele não era um bom dia. — Acho que já está tarde para você ter esses ataques adolescentescos, não? É claro que você vai tomar seus remédios, para de ser bobo. — Ri, pegando um comprimido e o copo d'água. — Acho que você não saiu da adolescência aqui. Uma mulher de vinte anos que continua querendo participar dessas raves malucas. Você, Heaven, não tem nenhuma perspectiva de vida. Sabe o que vejo para o seu futuro? — indagou retoricamente. — Uma mulher imatura, que sempre viverá nessa cidade. Não irá abranger seus conhecimentos. É isso que você será. Então querida, não sou eu que tenho alma de adolescente aqui.

Virei pra ele, chocada, e sem saber o que dizer. Ele me olhava sem emoção e nem de longe me lembrava do Alec que eu havia deixado quando lutei para sair do quarto, porque ele não me deixava sair da cama depois de termos feito amor. — Alec, o que foi que eu perdi? Aconteceu alguma coisa durante os vinte minutos que eu te deixei sozinho? Porque eu não me lembro de ter feito alguma coisa para que você tivesse motivos de me atacar dessa forma. — Você não fez, mas está louca para fazer. E quer saber Heaven, eu não ligo! Eu não quero que nada te impeça de viver essa vida medíocre e sem graça que você leva. Senti o ar escapar dos meus pulmões, como se suas palavras tivessem me socado. E foi bem pior do que levar uma tapa. — Alec, para com isso! — Alterei meu tom de voz, cansada de ficar no escuro. Levar patadas sem ter motivos não era muito a minha praia. — Me diga de uma vez por todas o que aconteceu para você ficar assim! Que bicho te mordeu? — Eu ouvi a sua conversa no telefone Heaven! — ele gritou me olhando de um jeito feroz. — "Gostaria de ir à festa Carl, mas não posso, tenho que ficar com Alec". Alec, sempre Alec, o idiota infeliz que fez o favor de ficar paraplégico e acabar com a porra da sua vida. — Ironizou, visivelmente irado. — Quer saber Heaven? Eu não quero que você fique aqui por pena, ou que eu e minha maldita condição te impeçamos de viver. Se isso que você leva é uma vida decente. Eu estava boquiaberta, totalmente sem palavras. Percebendo isso, ele continuou: — E sabe de uma coisa? Talvez Sarah tenha mesmo razão. Essa sua maquiagem horrível te deixa mesmo com cara de drogada e o pior, te deixa com cara de piranha. Sabia disso, Heaven? — Sua expressão estava absolutamente alterada, o tom de voz cortante e amargurado. — Mas eu esqueci, é exatamente isso que você é: uma piranha. — gritou, me fazendo fechar os olhos. — Porque, pelo o que eu me lembre, antes de ficar comigo, o paraplégico digno de pena, você transava com vários, um a cada noite, ou talvez mais de um ou uma, não é mesmo? “Acho que eu deveria ter tomado mais cuidado com você, talvez eu deva ter pego uma doença sexualmente transmissível e nem ao menos sei. — Ele riu sardônico, fazendo minhas entranhas se retorcerem. — Então o paraplégico fodido estará ainda mais enterrado na merda, com alguma doença que pode acabar o matando. Seria o final perfeito.” Dei dois passos pra trás, sentindo meu mundo parar de girar. Acho que eu nem ao menos respirava, enquanto meu coração batia forte e descompassado, espalhando uma dor quase física por todo o meu corpo. — Alec... — murmurei, sentindo minha garganta seca e as lágrimas tomarem conta dos meus olhos. — O que é isso? O que eu te fiz para merecer isso? Ele entortou a cabeça, olhando-me de lado. Pude ver um sorriso tentando nascer no canto dos seus lábios, deixando claro que ele estava se divertindo muito com o meu sofrimento. — Você apareceu na minha vida. Mas eu estou a expulsando dela agora mesmo. Vá para sua festinha Heaven, com seus amiguinhos. Volte a ser a garota louca, que ama bebidas e adora um sexo depravado com um cara diferente a cada festa que vai. Eu não preciso de você aqui, não preciso da sua pena, não preciso de nada que venha de você. Um soluço rompeu minha garganta e lágrimas grossas molharam todo o meu rosto.

— Vá embora Heaven! Suma daqui! — ele gritou, apontando para porta do seu quarto. Não pensei duas vezes. Acuada e temerosa, sai correndo pela casa, passando rapidamente no quarto branco e pegando minha bolsa. Meus soluços era a única coisa que eu conseguia ouvir, enquanto tentava caminhar e abrir minha bolsa ao mesmo tempo, para pegar a chave do carro. — Heaven? Querida, o que aconteceu? O que foram aqueles gritos de Alec? Heaven? Heaven! Passei direto por Mary e seus clamores, saindo daquela casa com o máximo de rapidez que minhas pernas permitiam. Quando cheguei ao meu carro lutei para abrir a porta com as mãos trêmulas, e quando finalmente consegui, me sentei ao volante e arranquei na maior velocidade que podia. Quando finalmente consegui sair daquela casa, senti meu peito terminar de desmoronar. As palavras de Alec se repetiam em minha mente. Eu conseguia ouvi-lo com nitidez, e ver seu olhar raivoso e sem sentimentos sobre mim. Eu o amava tanto, tanto! Não conseguia entender o que foi tudo aquilo. Não conseguia acreditar que ele pôde me chamar de tantas coisas. Como foi capaz de me acusar daquela forma tão baixa? Minha visibilidade estava turva, resultado da chuva que ainda assolava a nossa cidade. E minha visão embaçada pelas lágrimas copiosas. Minha mente estava conturbada, mas mesmo assim eu pude ver o clarão chegando cada vez mais perto. Um impacto. Senti todo o meu corpo explodir em arranhões, ouvi o barulho dos pneus cantando no asfalto molhado. Um choque assolou minha cabeça, fazendo um estalo ocupar cada canto do meu cérebro, junto com a dor. E por fim, veio à escuridão.

Dezenove Heaven

A

bri meus olhos, ajustando-os com dificuldade a claridade. Minha cabeça doía, e ao levar minha mão até o ponto da dor notei que sangrava em grande quantidade. — Moça, você está bem? — Um homem indagou, aproximando-se do carro. Não consegui distinguir exatamente se o conhecia. Olhei ao redor e observei meia dúzia de pessoas se aproximando. Ainda não entendia muito bem o que havia acontecido, provavelmente estava confusa por conta da pancada. — Já chamamos uma ambulância. — O homem voltou a falar — Consegue sair do carro, ou prefere ficar sentada? — Eu... Eu consigo — murmurei. Com os dedos trêmulos, abri a porta do carro e saí, sentindo-me tonta. Minhas têmporas pulsaram e imagens do que acontecera há alguns minutos vieram à minha mente. O rosto duro e inexpressivo de Alec, sua voz e postura fria e suas palavras. “...— É exatamente isso que você é: uma piranha! Porque, pelo o que eu me lembre, antes de ficar comigo, o paraplégico digno de pena, você transava com vários, um a cada noite, ou talvez mais de um ou uma, não é mesmo... ...— Vá embora, Heaven! Suma daqui!” Eu não acredito que Alec me disse todas essas coisas, que fez isso depois de tudo que vivemos, de todo amor e companheirismo que compartilhamos. Sirenes soando tiraram-me do torpor. Assim que a ambulância parou, dois paramédicos desceram e prestaram os primeiros socorros. Assisti eles fazerem tudo completamente inerte, minha cabeça atordoada não conseguia parar de reproduzir as palavras de Alec. Até a dor fora eclipsada pelo impacto dos pensamentos que se reproduziam torturantemente. Por que tinha que ser assim? Por que tudo na minha vida acaba na merda? — Senhora... Senhora? — Um dos socorristas me sacudiu levemente, me trazendo de volta a Terra. — Estamos levando-a para um hospital. Precisa de exames, a pancada na sua cabeça foi forte. A senhora gostaria que ligássemos para alguém? — Não! — Exclamei apressada. Em meio ao estupor ainda lembrei-me de pedir para que trancassem meu carro.

Passei as últimas duas horas no hospital, onde fiz alguns exames e levei dois pontos na cabeça, sem falar que me entupiram de remédios para dor e me prescreveram mais alguns. Assim que deixe o hospital, depois de ter pensado e me martirizado por todo aquele tempo, uma raiva absurda apoderou-se de mim. Amassei a folha que o médico havia me entregue e arremessei na lata de lixo. Procurei na minha bolsa o meu celular e algum dinheiro. Caminhei determinada, até um bar que avistei mais a frente. Lá provavelmente eu conseguiria um cigarro. — Me vê um maço de cigarros — Pedi, entregando o dinheiro e saindo dali. Enquanto ascendia meu cigarro e tirava longas tragadas, disquei para o seguro, dizendolhes onde o carro havia ficado. Em seguida meus dedos correram pela tela do celular procurando o número de alguém que pudesse me tirar daquela merda de foça que eu estava. Se aquele aleijado idiota estava pensado que ia ficar chorando pelos cantos, ele estava muito enganado. A piranha, drogada e sem conteúdo aqui, a partir de hoje, faria de conta que ele nem sequer existiu e voltaria a ser a mesma de sempre. Eu fui ser boazinha, a garota compreensiva e apaixonada, e olha aí no que deu. Me ferrei. Agora foda-se! — Ei, Dário... Vamos nos encontrar no bar de sempre? Daqui à uma hora? Certo, chame a galera de sempre. — Desliguei o telefone. Joguei o cigarro que acabara no chão e ascendi outro, me encaminhando para o ponto de ônibus mais próximo. Era hora de a antiga Heaven dar as caras.

— Heaven, querida. — Mamãe bateu na porta suavemente. — Entra! — disse, sem desviar os olhos do meu reflexo. Eu parecia à mesma de sempre agora, mas não me sentia bem como antes. Acabei de passar o batom vermelho e joguei-o dentro da minha bolsa, colocando-a sobre o ombro, pronta para sair. Mamãe estava sorrindo suavemente ao entrar no quarto, mas assim que notou minhas roupas e minha maquiagem, seu sorriso se desfez. — Aonde vai Heaven? — perguntou de cenho franzido. — No bar de sempre — expliquei. Passei por ela, indo até a mesinha pegar o cigarro e também jogá-lo na bolsa. — Voltou a usar isso, Heaven? — É, voltei! — Bufei irritada. — Dá pra parar de encher meu saco e dizer logo o que veio fazer aqui? — Eu deveria te dar umas boas tapas pela sua falta de respeito, sua moleca insolente. — Pode bater mamãe — disse sardônica, o tom de voz jocoso. — Não vai doer tanto quanto o que tive de escutar hoje. — O que aconteceu? Por que a Mary ligou para cá completamente agoniada? — Ela se aproximou e afastou meu cabelo da testa, soltou um pequeno silvo de susto assim que viu o estrago

ali. — O que foi isso Heaven? — Eu bati o carro, mas não foi nada. Fui ao hospital e está tudo bem. — Ansiosa para encerrar as perguntas, afastei-me de suas mãos. — E se Mary ligar novamente diga a ela que morri. — Você foi ao hospital e nem me ligou? — falou decepcionada. — Não havia necessidade — Desdenhei. — Preciso ir ou me atrasei. — Você brigou com o Alec, foi isso? Filha... Vocês se amam e... — Nada! — gritei interrompendo-a. — Ele me expulsou da sua casa, da sua vida. Agora chega de pagar de boazinha. — Anuí. — Eu quero que aquele maldito morra. — Bradei, saindo do quarto, ainda ouvindo os apelos de mamãe para que eu ficasse. Dário já me esperava em frente de casa e, assim que entrei em seu carro, suas mãos, sempre bobas, apertaram minha coxa, enquanto ele se aproximava para beijar meus lábios. — Vamos logo Dário. — Desviei, virando o rosto para que ele beijasse minha bochecha. Não queria ter feito aquilo exatamente. Se estava mesmo querendo voltar a ser a de sempre deveria ter gostado do seu toque ousado, do seu beijo. Mas algo me fazia sentir como se estivesse agindo errado. — Você está muito gata — disse-me. Sorri, um sorriso que não alcançou meus olhos. Antes que pudéssemos continuar a conversa desconfortável, ele deu partida no carro, rumando para a boate. Falamos muito pouco no curto caminho até a House. A boate estava lotada, e a combinação das luzes, da fumaça e da música já me inebriara por um momento. — O que vai querer tomar? — Dário gritou para se fazer audível. — A coisa mais forte que tiver nesse bar — falei. Dário assentiu, sorrindo. — Vou buscar pra você. A galera está naquela mesa ali. — Ele apontou para o canto esquerdo do lugar, e sumiu rumo bar. Me encaminhei para onde meus amigos estavam. — Quem é viva sempre aparece. — Sheila veio me cumprimentar com um abraço, seguida por Lindy, Moly, Sebastian e por último o idiota do Dylan. — O aleijado não deu conta do recado Heaven? — Soltou venenoso. Ele sorriu, levando a garrafa de cerveja à boca. — Eu avisei. — Vá se foder Dylan — retruquei, ouvindo risinhos ao meu redor. Dário se aproximou com minha bebida, me impedindo de responder as perguntas que surgiram aqui e ali. — Vamos dançar gostosa? — Convidou. Aceitei com um aceno de cabeça. — Vamos para pista. — Dário disse aos demais antes de sairmos. Eu bebi, bebi muito. Foi uma bebida atrás da outra, enquanto Dário se esfregava em mim ao ritmo pulsante da música. Podia sentir sua ereção roçando em minha bunda, mas ao invés de sentir tesão pelo moreno musculoso, de olhos verdes e boca carnuda, eu me senti certo asco. Eu sabia o porquê do sentimento, mas não queria admitir.

— Acho que está na hora de irmos — sussurrou Dário. Sua voz exalando sexo. — Adorei o seu joguinho de gato e rato, mas cansei da brincadeira gata, estou louco pra afundar meu pau nessa boceta molhada. O linguajar de Dário me deu ainda mais repulsa, e isso me irritou. Eu não era assim, eu gostava de sexo sujo, pelo menos antes de... Eu precisava beber mais, o álcool que ingeri não foi suficiente para anuviar minha mente de pensamentos idiotas. — Traga mais uma bebida e iremos embora — disse meio grogue. Ele assentiu e se afastou para buscar a bebida, enquanto eu fui buscar minha bolsa e me despedir rapidamente dos que ainda estavam na mesa. Dário não esperou muito para colocar em prática seu plano sexual. Assim que parou o carro em frente à minha casa, partiu para cima de mim, literalmente. Suas mãos foram para minha intimidade e sua boca voou para meu pescoço, já que não o deixei beijar minha boca. — É melhor parar Dário — anunciei incomodada. Afastei-o com um empurrão. — Qual o problema Heaven? — Me olhou, visivelmente irritado. — Não dá. — sussurrei chorosa. Peguei minha bolsa e abri a porta do carro. — Me perdoa, mas não dá. — Lágrimas encheram meus olhos, enquanto eu saí correndo para dentro de casa. A realidade de que eu nunca mais seria aquela Heaven inconsequente e sem sentimentos me bateu, e eu senti muita raiva. Bati a porta do quarto e me joguei na cama, chorando até pegar no sono.

O barulho insistente do meu celular tocando me despertou. Com dificuldade levantei-me e o peguei na bolsa. Minha cabeça estava me matando. Assim que vi o número da casa de Alec piscando no visor, ignorei a chamada e fui para o banheiro. Precisava de um banho para me livrar de todo aquele álcool, e não queria saber de nada relacionado aquele homem. Ao sair do banho, meia hora depois, encontrei mamãe andando de um lado para o outro em meu quarto. Ela estava pálida e parecia extremamente preocupada. — O que foi dessa vez? — murmurei, revirando os olhos. — Heaven, o Alec foi internado às presas. O estado dele é grave. – Sua voz falhou na última palavra. A escova que estava segurando foi ao chão, e um aperto em meu peito me fez ofegar. Foi como arrancar o chão abaixo dos meus pés abruptamente. Não. O Alec não!

Vinte Heaven

N

unca experimentei sensação tão estranha, nem tão indescritível. É uma sensação que mescla a incapacidade e a aflição. — Como é? — perguntei, olhando para minha mãe. Ela me devolveu um olhar aflito, e mordeu os lábios, nervosa. — É isso que ouviu Heaven. A Mary me ligou, disse que Alec passou mal e está internado, o estado dele é muito grave e... Não ouvi o resto. Recuperada da paralisia inicial que a notícia me incumbiu, apenas sai correndo. Peguei a chave do carro de papai, descendo as escadas apressadamente. Ainda ouvi os apelos de mamãe para que não corresse muito na estrada, mas não dei ouvidos. Eu sabia o hospital de convênio da família, li em um dos relatórios feitos por Simon, e foi para lá que dirigi, como uma louca. Não me pergunte como cheguei ao hospital sem bater o carro novamente, porque eu jamais saberia dizer. Minha preocupação com Alec tinha dominado toda a minha mente, me fazendo sair de casa do jeito que eu estava, descabelada, sem maquiagem, usando apenas um short jeans e uma camiseta branca.

A mulher da recepção me olhou de cima a baixo, antes de ligar para o andar onde Alec se encontrava e finalmente perguntar a Mary se eu poderia subir. Depois de ter a passagem liberada e, esperar por incontáveis minutos pelo crachá de visitante, fui para o elevador, batendo o pé impacientemente até o décimo segundo andar. Nunca fui de orar, nunca, nem quando era criança, mas naquela situação eu só poderia me apegar Àquele que todos diziam que nos ajudava. Clamei a Deus com todas as minhas forças, quase a beira das lágrimas, para que ele salvasse Alec do que quer que fosse. Nada de ruim poderia acontecer com ele. Alec não poderia piorar, não quando estava tão bem. Segundo Mary, como nunca esteve. Assim que as portas do elevador se abriram, saí em disparada para a sala onde Mary aguardava por informações. Não me dei ao trabalho de bater na porta, meu desespero me impedia de qualquer formalidade. Assim que entrei, avistei apenas Mary, que chorava em silêncio, sentada no sofá. — Como é que ele está? — Consegui sussurrar, mesmo com o enorme entalo que fechava minha garganta. Ela olhou para cima, o rosto banhado em prantos, e eu soube que a situação não era fácil. — A culpa é toda sua. Vadia drogada dos infernos! — Outra voz se sobrepôs, impedindo que Mary me respondendo. Vi apenas um vulto loiro vir em minha direção e logo em seguida, senti um tapa ardido em meu rosto. Quando me virei, chocada com a recepção, assisti Sarah sendo contida por Simon, e Mary olhando para a cena, aturdida. — Como você tem a cara de pau de vir até aqui depois de ter abandonado Alec ontem? Como? — gritou, chamando atenção de algumas pessoas. — Ainda vem com essa pose de santinha sofredora, quando na verdade, se ele está internado agora, a culpa é toda sua! Minha vontade é de acabar com você, sua drogadinha inconsequente. — Continuou seu show, agitando-se nos braços de Simon. Engoli em seco, sentindo meu coração bater forte no peito. Não sabia dizer se a culpa era minha ou não, mas naquele momento eu não estava disposta a pensar e sim aceitar. Talvez a culpa fosse mesmo minha, porque a culpa de tudo o que acontece ao meu redor é sempre da minha inconsequência. — Eu sei — murmurei resignada. — Talvez a culpa seja minha mesmo... — Talvez não. A culpa é sua! — Sarah me interrompeu, gritando a plenos pulmões. — Calada Sarah. — Simon disse com brutalidade. — Não. A culpa não é da Heaven, Sarah. — Mary interveio pela primeira vez. A voz esganiçada pelo choro. — Eu pude escutar parte da discussão que ela teve com Alec ontem. Ele a mandou embora sem mais nem menos. Ela não poderia prever que logo depois ele cairia em febre, com uma pneumonia grave — explicou, voltando seu olhar para mim. — Pneumonia? — murmurei sem saber o que mais dizer. — Mas ele estava bem ontem à tarde, não tinha febre alguma. Como é possível? — O sistema imunológico do Alec é muito fraco por conta de sua condição, Heaven, isso faz com que ele fique ainda mais exposto a bactérias, que, se não forem combatidas rapidamente,

podem se tornar uma doença grave. — Simon disse, soltando Sarah aos poucos. — Tudo indica que Alec tenha ficado exposto a esses vírus quando foi na sua casa, debaixo de toda aquela chuva. A doença deve ter se aflorado ontem junto com a instabilidade emocional que ele sentiu. — Ou seja, a culpa é toda sua! — Sarah voltou a se pronunciar. — A culpa é minha! — admiti, sentindo-me completamente assolada por tantas emoções. Se eu não tivesse tomado à atitude infantil de ter fugido de sua casa no dia que Sarah apareceu, e de não ter ido trabalhar no dia seguinte, Alec não teria motivos de sair embaixo daquela chuva por minha causa, e não estaria doente agora. Por que eu tinha que ser tão inconsequente? Por que não pensei nele e em sua saúde acima de mim ou dos meus sentimentos tolos? Quantas coisas a mais tinham que acontecer na vida dele para que eu percebesse que eu só trazia problemas? — O que você ainda está fazendo aqui? Vai embora garota! — disse com raiva incutida na voz. — Volte pra sua festinha. Porque era isso que ela estava fazendo ontem, sabia Mary? Ela estava enchendo a cara em um bar, se esfregando em um monte de cara, enquanto Alec estava definhando no quarto dele. — Como você sabe disso Sarah? — Mary perguntou, desconfiada das informações. Infelizmente Sarah estava sendo muito verdadeira no que disse. — Eu estava no mesmo bar com umas amigas, e a vi lá. — Mas foi ele quem me expulsou! — me defendi pela primeira vez. — Como eu ia saber que Alec estava doente, quando ele mesmo havia me mandando embora? — Se ele te mandou embora foi por bons motivos, tenho certeza. — ela caminhou até a mim, olhando-me de cima a baixo. — O Alec não te quer aqui garota. Ele deve ter percebido que você não presta, por isso te expulsou da vida dele como a cachorra que você é. Em qualquer outro momento teria avançado nela e lhe dado umas boas bofetadas. Não que não estivesse com vontade de fazer isso nesse momento, mas me sentia esgotada demais para gastar o mínimo de energia com Sarah. — Pode até ser, mas eu não saio daqui enquanto ele não estiver bem. — falei, demonstrando uma firmeza que estava longe de sentir. A verdade é que tudo o que ela havia acabado de me dizer era a mais pura verdade. Alec percebeu que eu não servia para estar ao seu lado, por isso disse tudo aquilo, para realmente me colocar para fora de sua vida. Sentei-me afastada deles, mesmo com Mary me dando apoio com o olhar. Infelizmente, ela jamais poderia saber as coisas que Alec havia dito pra mim, não iria falar para ninguém, nunca. Ele não poderia ser julgado em uma hora como aquela, ele merecia apenas todo o apoio possível. Não sei quantas horas se passaram exatamente. Eu não sentia fome, nem sede, nem vontade de me levantar. Como não levei meu celular, Mary veio em um momento me dizer que minha mãe havia ligado, e que ela havia tranquilizado mamãe. De hora em hora o médico ia à sala de visitas falar que Alec estava respondendo bem ao tratamento, e que logo deixaria a UTI onde estava instalado e iria para um quarto. Só então poderia receber visitas. Saber que ele estava reagindo aos medicamentos era como um bálsamo para meu coração

aflito. Segundo Simon, se tudo corresse assim, logo ele estaria acordado e sem precisar dos aparelhos para ajudar na respiração. Sarah continuava ali rondando, e Simon ia e vinha durante seu plantão, para nos manter informadas. Tudo o que eu mais queria era vê-lo. Talvez ele não fosse gostar da minha presença, — O que era muito provável — e nem sorrir para mim, mas olhar para Alec e saber que ele estava bem, antes de realmente partir da sua vida, já seria o suficiente pra mim. — Sabe querida... Durante o caminho até o hospital, Alec estava delirando por causa da febre alta. — Mary disse, sentando-se ao meu lado e segurando minha mão. Ela parecia muito mais calma agora. — E ele só chamava por uma pessoa: você. Ele gritava seu nome e se debatia com os olhos fechados, como se tivesse te perdendo. — Os olhos dela encheram-se d'água, assim como os meus. — Mary... — Eu não sei o que aconteceu entre vocês ontem Heaven, — Me interrompeu. — mas eu só peço uma coisa a você, não desista do meu filho. Ele é cabeça dura, muitas vezes age sem pensar, fala coisas que não deveria e que nem sente de verdade, mas ele te ama muito, muito. Eu nunca o vi com os olhos brilhando ao olhar pra Sarah — disse. — Nunca o vi tão feliz apenas por estar na presença de alguém, e isso foi durante toda a sua vida e não só depois do acidente. Você é o céu azul no tempo de inverno que é a vida do meu filho. — Ele diria mais que eu sou a tempestade. — sorri em meio às lágrimas. — Uma tempestade do bem. A tempestade mais bonita que eu já vi. — Ela sorriu também e passou a mão pelos meus cabelos, levemente. — Eu acredito em Deus, Heaven e acredito em milagres também. Deus não te colocou na vida do meu filho em vão. Vocês se completam de uma forma tão bonita que dá gosto de ver. O sorriso de Alec é tão lindo quando ele te vê que meu coração se enche de alegria. Sinto que ele enfim encontrou a mulher certa. — Talvez eu não seja essa mulher Mary... — É sim, sabe por quê? — Eu a encarei, negando com a cabeça. — Porque coração de mãe nunca se engana. Ofeguei, sem saber o que dizer diante de tanta sinceridade. Ela apenas sorriu pra mim e apertou minha mão, no mesmo momento em que o médico abriu a porta da sala de visitas. — Alexander já está no quarto, e está acordado. Essa é a hora perfeita pra visitá-lo. — Vá. — Mary disse, me surpreendendo. — O que? Não Mary, por favor, você é a mãe dele e... — Vá Heaven. — Insistiu. — Eu tenho certeza que você é a primeira pessoa que ele quer ver. Eu não tinha tanta certeza disso, mas me levantei e caminhei hesitante ao lado do médico, perguntando-me sobre o que eu poderia esperar dessa visita.

Vinte e um Alec

Q

uando Heaven me olhou daquele jeito, enquanto eu discursava absurdos para ela, senti como se estivessem com meu coração nas mãos, apertando-o e me causando uma dor inexplicável. Minha intenção naquele instante era de machucá-la, fazê-la me odiar ao ponto de nunca mais olhar para minha cara. Porque eu amava aquela mulher, e queria para ela o melhor... E o melhor, com certeza, não sou eu. Mas, assim que ela saiu correndo, me deixando para trás, percebi a idiotice que eu tinha feito. Eu estava com raiva por atrapalhar a vida dela, mas não sabia que doeria tanto vê-la ir embora. Arrependi-me assim que vi, pela janela do quarto, seu carro sair em toda velocidade. O que eu faria se ela não voltasse? Eu destruí metade da mobília do meu quarto, tudo que consegui alcançar foi ao chão... Depois eu chorei, me martirizei... Ou seja, agi como um moleque mimado que diz o que lhe vem na mente e depois não sabe consertar o estrago. Mamãe entrou no meu quarto uma hora depois, e eu expulsei-a de lá, trancando a porta para que ninguém mais entrasse. Eu queria viver a miséria que eu mesmo procurei. As horas seguintes passaram-se em um borrão. Lembro-me de ter dormido em dado momento, de ter sentido muita dor, depois um calor escaldante e mais nada. Até que acordei aqui, deitado na cama desse hospital, interligado a uma porção de aparelhos que fazem um barulho horrível e me irritam. Uma silhueta feminina, vestida em um jaleco branco, estava a alguns metros de distância de mim, preparando algum medicamento. Sorri, em meio à ansiedade de revê-la e pedir perdão por tudo que disse. — Heaven? — sussurrei com dificuldade. Minha voz estava rouca, e minha garganta seca e dolorida. A enfermeira se virou e meu sorriso morreu, não era ela. — Que bom que acordou senhor Bennet. Está com sede? — Assenti.

Ela me ajudou a tomar um copo d’água e alguns remédios, em seguida aferiu meus sinais vitais e se afastou com um sorriso nos lábios. — Quem está aí fora Louise? — Agora, um pouco menos confuso, lembrei-me do nome da enfermeira que quase sempre me atendia quando estava ali. — Sua mãe e duas moças estão aqui desde que foi internado. Seu pai acabou de chegar. — Franzi o cenho. Meu pai? Duas moças? O doutor Emerson entrou no quarto, sorridente, e segurando uma prancheta. — Fico feliz que tenha respondido tão depressa aos tratamentos Alexander — ecoa, em sua voz alegre. Apenas assenti. — Sua mãe acabou de saber que acordou, ela está vindo. — Ele aproximou-se, encaixou a prancheta em um compartimento na cama e voltou a me encarar, continuando seu monólogo: — O que deu em você para sair no meio da chuva, rapaz? — Franzi o cenho, me perguntando como ele sabia disso. —– Sua mãe me contou — explicou, respondendo minha pergunta silenciosa. — O que deu em mim foi amor, Emerson — retruquei irritado. Ele soltou uma risadinha, meneando a cabeça. — A loira que lhe espera aí é mesmo uma mulher linda. Loira? Estava prestes a perguntar de quem ele estava falando quando a porta abriu-se minimamente e vi, com uma satisfação indescritível, Heaven entrar timidamente no quarto. Nunca a vi agindo com um mínimo de timidez, mas confesso que foi adorável vê-la assim matreira. Falar que ela estava linda, mesmo parecendo cansada, seria repetição da minha parte. — Heaven — Chamei seu nome, contente por poder fazê-lo com ela na minha frente. Minha vontade era de correr até ela e abraçá-la. No entanto, sabia que as coisas não funcionariam assim. — Vamos Louise. — Emerson se pronunciou, saindo do quarto rapidamente, acompanhado pela enfermeira. Heaven se aproximou da cama, puxou uma cadeira e sentou-se ao meu lado. Ela estava desgrenhada, com os olhos inchados e com olheiras, mas não fui capaz de achála menos do que linda, reitero. — Como... — Ela pigarreou para clarear a voz. — Como se sente? — Bem — respondo, em meio a um dar de ombros. Um silêncio incômodo se instalou por alguns segundos. Queria quebrar aquele gelo que nos rodeava, então estiquei minha mão para segurar a dela. Heaven e eu suspiramos com o contato, nossos olhares se conectaram, mas antes que nosso toque se aprofundasse ela puxou a mão do meu aperto. — Fiquei muito preocupada quando me disseram que estava na UTI — Ela levantou-se e caminhou até a janela, onde permaneceu, fitando o horizonte. Claramente buscando uma distância segura de mim. — Quando saí você estava bem... E... Se eu soubesse permaneceria lá. Desculpeme por isso.

— Não! — Apressei-me em dizer. — Eu mandei você ir embora... Você não tem culpa de nada Heaven. — Tenho. — afirmou. — Antes de qualquer coisa eu sou sua enfermeira, meu dever é cuidar do seu bem estar. A Mary não tocou no assunto, mas esteja tranquilo para me demitir se esse for seu desejo. Fechei os olhos e suspirei pesadamente, eu merecia aquela indiferença. Apesar de desejar qualquer coisa dela, gritos, raiva, menos indiferença. Eu a aceitaria com dignidade, e me fortaleceria com ela para buscar uma forma de consertar o que fiz no calor da raiva. — Eu não quero te demitir — Concluí, chamando-a em seguida: — Tempestade? — Ela voltou a olhar para mim. — Eu sei que devo tê-la ferido muito com tudo que disse, mas queria que me entendesse e me perdoasse por tudo que falei. — Está perdoado Alec. Seu tom de voz frio me arrepiou de um jeito ruim. Não estava nada satisfeito com sua apatia. Preferia a explosão coerente dela. — Você não está sendo sincera. — Estou. Juro que estou. — Seus olhos encheram-se de lágrimas, mas ela não as derramou. — Talvez você tenha razão, talvez a sua ex noiva também tenha... — Não. Eu não tenho razão em nada que disse. — Me exasperei, me empertigando na cama. — Nada daquilo que falei teve sinceridade. Não sabe como me senti quando vi você indo embora. — Não pior do que eu, lhe garanto. Uma brisa suave entrou pela janela, fazendo seus cabelos esvoaçarem e só então notei um curativo em sua testa. — O que aconteceu no seu rosto? — perguntei angustiado. Os olhos fixos no curativo. — Eu bati o carro, mas estou bem. — retrucou tranquilamente. — A culpa foi minha, certo? — Conclui. Me sentia mil vezes pior agora. Ela saiu transtornada daquela casa, e com certeza não soube lidar com a força das minhas palavras. — Não foi nada grave. — Minimizou a situação com um tom de desdém. — Heaven, por favor, não haja assim com tanta indiferença. Grite comigo, bata em mim se for preciso, mas tenha uma reação. Seja a Tempestade de sempre, eu não estou te reconhecendo. — Talvez a Heaven de sempre esteja magoada demais para reagir. — Ela sorriu tristemente. Nos olhamos intensamente pelo que me pareceu horas, e não consegui ver nada mais que não fosse dor e mágoa nos olhos castanhos de Heaven. Ela estava destruída, e eu me sentia quebrar por dentro. Duas batidas na porta nos tiraram do nosso torpor. — Entre — balbuciei, irritado pela interrupção. A primeira a irromper a sala foi mamãe, seguida por Sarah, papai e o médico. Me senti tonto diante de tantas pessoas, quando na verdade queria ficar sozinho com Heaven até

convencê-la a me perdoar. — Vocês só tem mais dez minutos, depois o Alexander precisará descansar. — O médico anunciou. Minha vontade foi de mandar todos saírem imediatamente, e me deixarem continuar a conversa com Heaven. Principalmente meu pai e Sarah. Não sei o que faziam ali. — Já estava saindo. — Heaven se abraçou em um gesto de proteção, e saiu sem erguer a cabeça. — Heaven. — Chamei, antes que ela saísse porta a fora. Ela parou e me olhou. — Estarei aqui fora. — Foi tudo o que ela disse antes de deixar o quarto.

Como dissera, não sei o que meu pai e Sarah foram buscar lá, por que nem um dos dois estava com sinceras preocupações comigo. Meu pai me perguntou se estava bem para logo em seguida perguntar quando eu estaria bem para trabalhar novamente. E tenho certeza absoluta que só se dignou a vir até aqui, porque nas últimas duas semanas, depois de muito incentivo de Heaven, eu voltei a trabalhar na empresa, mesmo que ainda no escritório de casa e pelo notebook. Depois disso ele saiu, dizendo que tinha uma reunião. Sarah não fez outra coisa que não fosse falar mal da Heaven. O que só me irritou e me fez expulsá-la de lá cinco minutos depois que ela havia entrado. — Mas Alec, não vê que eu tenho razão? Aquela garota é inconsequente. Estava em um bar ontem, bebendo e se esfregando em um cara qualquer, enquanto você ardia em febre em casa. — Tentou argumentar. — Você não sabe de nada Sarah, saia, por favor — disse o mais educadamente possível. Apontei-lhe a porta efusivamente. Ela empertigou-se, extremamente irritada por seu jogo de palavras não estar funcionando comigo. — Você vai ver que eu tenho razão. Vou te provar que aquela garota não vale nada, que é uma piranha. — Saia! — gritei, perdendo todo resquício de paciência. Ela sobressaltou-se, saindo do quarto entre resmungos. — Essa mulher é insuportável. — Mamãe grunhiu. — E o pior é que agora não desgruda. — Ela sentou-se na cadeira onde antes Heaven estava. — Como ela soube da minha vinda para o hospital? — indaguei. — E eu que vou saber? — Deu de ombros. — Assim que cheguei aqui ela apareceu fazendo as cenas dela. — Mãe, a Heaven está estranha... Não é normal que esteja tão sem reação. — Não sei o que disse a ela Alec, mas a Heaven está ferida de morte. A pobre se culpa por tudo que aconteceu com você, e parece que absorveu cada palavra dita por você e por Sarah. — Mamãe segurou minha mão, fitando-me. — Ela te ama e você a ela. Tem que fazê-la entender isso, mas sem cometer nenhuma loucura. Seja só você mesmo, o homem maravilhoso que

sempre foi, sem nenhuma amargura, e você a terá de volta. — Eu vou reconquistá-la. — Decretei assertivo.

Vinte e dois Alec Uma semana depois

A

última semana foi estressante. Fiquei internado por quatro dias naquele maldito hospital, impossibilitado de falar direito com Heaven, de ao menos vê-la ou tocá-la. Sim, eu sei que fui eu quem procurei por isso quando disse todas aquelas coisas pra ela, mas que atire a primeira pedra a pessoa que nunca errou em um momento de desespero, de confusão de ideias. Jamais reproduzi coisas das quais realmente acredito, tudo que falei, volto a enfatizar, foi para feri-la e nada mais.

Naquele momento eu deixei toda a frustração, que lutei tanto para combater. Deixei-me levar pela amargura e todos aqueles pensamentos idiotas me deixaram com raiva. E, juro por Deus, quando estou com raiva não sou a mesma pessoa. Lembro-me de quando era adolescente, que a cada semana eu me envolvia em uma briga por não conseguir controlar minhas emoções. E hoje, apesar de estar com trinta anos na cara, estar sentado nessa cadeira que me impossibilita de viver como eu sempre vivi, me faz ter esses sentimentos de novo. Eu fico frustrado e raivoso por me sentir incapaz, mas isso tudo mudou tanto desde que Heaven apareceu. Ela me mostrou que eu posso ter uma vida mesmo que não consiga mais andar. Ainda assim, me sentir com vida faz com que meu maldito subconsciente me apedreje por estar tirando a vida dela. Por isso eu disse todas aquelas coisa e acabei a magoando sobremaneira. — Mãe, a Heaven já ligou? — perguntei, pela enésima vez. Estava nervoso e incapaz de ficar parado no mesmo lugar — o que era irônico, já que nem andar eu conseguia. — Heaven nunca se atrasou. Nunca! Quer dizer, não desde que começamos a namorar. E ela garantiu a minha mãe que viria hoje e continuaria a ser minha enfermeira. Segundo ela, precisava do dinheiro e da disciplina do trabalho, para continuar na linha. — Ainda não Alec. Ela ainda deve estar na faculdade querido, não se preocupe. — Minha mãe sorriu pra mim, voltando a mexer no vaso de flores na sala. — Ela virá querido, apenas confie. Continuei a observar minha mãe, que agora adicionava um pouco mais de água do vaso da planta. De repente, eu tive uma ideia. Algo que eu tinha certeza que deixaria Heaven encantada. — Alec? Aonde você vai? — indagou de cenho franzido. Algo na minha expressão ansiosa deve ter me delatado. — Só vou até o jardim. Não se preocupe. — Avisei, saindo da sala tão rápido quanto aquela cadeira poderia se mover. O dia estava nublado, mas o frio havia ido embora totalmente. Ao longe, as lindas flores alegravam a casa com suas colorações diferentes. Aproximei-me de um canteiro e gritei por Johnson, que veio correndo em minha direção. — Sim Sr. Bennet? — perguntou, com sua enorme tesoura de jardineiro nas mãos. — Por favor, Johnson, você poderia colher algumas flores para mim? — Ele assentiu. Em menos de dez minutos eu já estava voltando para casa. Minha mãe abriu um enorme sorriso quando viu todas aquelas flores em meu colo, mas sabiamente não disse nada, observandome rumar até o meu quarto. Coloquei todas as flores em cima da mesa próxima a janela, e peguei um bloco de folhas, começando a escrever. Não sei quanto tempo se passou em meio a minha tarefa, mas quando terminei estava devidamente cansado e feliz. Chamei minha mãe e pedi a ela um rolo de fitilho e uma cesta. Sabia que ela tinha, pois adorava enfeitar seus vasos de plantas com eles. Logo ela voltou com um rolo de fitilho rosa em mãos e uma cesta pequena, e eu finalizei minha arte, sentindo-me mais do que confiante ao olhar minha obra. Só esperava que Heaven ficasse assim também.

— Ficou lindo, filho. — Mamãe disse, espiando pela porta do meu quarto. — Heaven chegou. Ela pode vir para cá, ou você precisa de mais algum tempo? Olhei para as flores devidamente arrumadas na cesta, voltando a me sentir nervoso. Controle-se Alexander, e pare de agir como um maldito adolescente! — Pode manda-la para cá, mãe. — Ela sorriu daquele jeito matreiro, e deixou meu quarto. Os minutos se arrastaram, até que ouvi duas batidas na porta. Murmurei um entre ansioso, e logo Heaven entrou em meu campo de visão. Ela estava linda, vestia uma calça jeans justa e uma blusa cinza. Seus cabelos estavam presos em um rabo de cavalo desajeitado e seu rosto estava livre de qualquer maquiagem. O que fez com que meu peito se apertasse ao lembrar tudo o que eu havia dito para ela na última vez em que esteve no meu quarto. — Me desculpe pelo atraso Alec. Eu estava no laboratório da faculdade. — disse, segurando sua bolsa com força. Odiava aquela anormalidade entre nós. Aquela frieza e distanciamento, que eu parecia incapaz de quebrar. — Aprendeu algo novo? — perguntei nervosamente, querendo apenas ter algo para conversar antes de começar a implorar pelo seu perdão. — Não. Eu estava fazendo um exame de sangue... — ela disse, abrindo a bolsa. Ah, meu Deus, será que ela estava doente? — Eu queria que você visse o resultado. Senti meu coração acelerar. Será que ela estava mesmo doente? Mas se estivesse doente, por que queria que eu visse o resultado? Deus, será que ela estava grávida? Grávida?! Bem... Poderia ser possível. Era completamente possível, ainda que mais difícil do que seria normalmente. Lembro-me das palavras dos médicos quando me avaliavam. Como a lesão é parcial e não seccional e estava localizada em uma zona não tão critica alguns dos meus comandos não foram completamente afetados, como a ejaculação, portanto eu ainda posso ter filhos. Um filho... Não sei se estou preparado para isso, mas seria um bebê meu e de Heaven... Cristo, essa ansiedade está me matando. Heaven me olhou e me estendeu um envelope branco. Eu o peguei rapidamente, nervoso, vendo seu nome completo na frente dele. — Um... Exame? — Sim. Abra. — disse em um tom ríspido e firme. Olhei pra ela, procurando alguma pista em seu rosto e não encontrei nada. Curioso, abri o envelope e olhei rapidamente seu conteúdo, procurando por alguma resposta. — É um exame de Doenças Sexualmente Transmissíveis, Alec. Nele você pode ver que deu negativo para todas as possíveis DST’s que possam existir. Mas, se você não confiar no resultado desse exame, eu posso ir a qualquer outro laboratório que você indicar — explicou. Sua voz perdendo a força a cada palavra proferida. Abri minha boca duas vezes, sem saber o que dizer. Na verdade, eu não sabia nem o que pensar diante daquilo. Ela tinha mesmo se sujeitado aquilo por causa do que eu falei? Senti meu coração pulsar forte no meu peito, ameaçando se despedaçar em dor a qualquer momento.

— Eu nunca transei sem camisinha, Alec. E todos os sexos orais que já fiz até hoje, foram com protegidos também. Eu não sou burra, sei exatamente que o tipo de vida que eu levava era muito arriscado, por isso sempre me cuidei. E sobre as orgias... Eu nunca participei ativamente de uma, eu apenas ficava lá e olhava. — Ela deu de ombros, parecendo cansada e triste. — Você foi o único cara com quem eu transei sem proteção. Mas como eu disse antes, eu posso repetir o exame e... — Não! — Me ouvi gritar. — O quê? O que foi? — indagou confusa. — Pelo amor de Deus, Heaven, não! Eu não preciso disso! — falei, rasgando aquele maldito exame com raiva. — Eu confio em você, confio cegamente em você! Eu sei que você não tem doença nenhuma, estou completamente ciente disso. — Mas... Você disse naquele dia que... — Eu disse para te afastar. — murmurei. — Disse para te prevenir, porque eu estou tirando a sua vida, dizimando-a por completo fazendo você ficar comigo! — Abri meu coração, vendo-a resfolegar na minha frente. — Eu precisava falar alguma coisa, qualquer coisa, para que você fosse embora e voltasse a viver sua vida como uma pessoa normal. Ela me olhou, completamente sem palavras. Suspirei e me aproximei dela, pegando suas mãos. Meu sorriso se ampliou quando ela não repeliu meu toque. — Eu te amo Heaven. Eu te amo mais do que tudo no mundo, e estava disposto a sofrer o inferno que fosse, apenas para te ver feliz novamente, para te ver vivendo como você sempre viveu, sendo uma mulher livre, que se divertia, mesmo que de maneira errada, com seus amigos. Eu não queria ser aquele que traria limitações na sua vida, mas, agora... Eu simplesmente não posso ficar longe de você. Ela continuou a me observar, seus olhos se enchendo de lágrimas rapidamente. Afastei-me e fui até a mesa, ciente de que ela estava me observando. Quando peguei a cesta de flores, ouvi seu suspiro misturado a um soluço. — Eu quero que você pegue essa cesta, — falei, indo até ela e dando a cesta em suas mãos. — vá até algum lugar reservado aqui na casa, e leia cada cartão que está amarrado aos caules das flores. Por favor, faça isso e depois... Se você não tiver desistido de mim, volte aqui. Eu sei que não será fácil perdoar tudo o que eu disse pra você, mas eu estou disposto a lutar, pelo resto da minha vida se for preciso, pelo seu perdão. Essa cesta é apenas o começo. Ela fungou, mordendo o lábio. Sorri de leve, reconhecendo sua mania de sempre querer se forte, mesmo estando tão frágil. — Me permita lutar por você Heaven. Ela assentiu e respirou fundo, saindo do meu quarto e fechando a porta atrás de si. Apenas seu cheiro ficou ali e eu respirei fundo, orando para que Deus a fizesse ficar. — Eu te amo muito minha Tempestade.

Vinte e três Heaven

M

inhas mãos estavam trêmulas e úmidas, segurando o mais firmemente possível à cesta carregada de flores. Observei a diversidade de rosas e como o Alec teve cuidado ao grudar um pedaço de papel em cada uma delas, e envolvê-las com uma fita. No primeiro dia que cheguei aqui, jamais o imaginaria fazendo algo como isso, mas hoje consigo ver os pontos de sensibilidade que ele deixou submergir pela amargura. Antes de seguir para o jardim, passei na cozinha e pedi para dona Lucy levar os remédios, que eu já havia separado, e o almoço, até o quarto dele. Sentei-me no banco que ficava no centro do jardim, ao meu redor flores de todos os tipos cresciam, me transmitindo aquela paz, que essa casa tinha o poder de implantar em mim. Gostava das lembranças que esse lugar me trazia. Relembrava-me das conversas que Alec e eu compartilhamos aqui nesse jardim, dos sorrisos cúmplices, das pequenas brigas e birras... De como o sol tocava sua pele clara e deixava-o tão lindo, absurdamente hipnotizante, que apenas olhá-lo, apenas isso, parecia o paraíso pra mim. Acho que estou convivendo demais com o ele e acabei absorvendo sua aura quase poética. Sorri, meneando a cabeça. Apoiei a cesta em meu colo e suspirei audivelmente antes de puxar de lá a primeira flor. Levei-a até o nariz e inspirei seu cheiro, em seguida puxei o papel que estava preso em seu caule e desdobrei-o, começando a ler: “Ciclame vermelho – DESCULPA – Acho que esse é o melhor jeito de começar, não é?! Te pedindo desculpa por ter sido um completo idiota. Se ainda não me perdoou – O que acho bem provável – Quem sabe não consigo isso até a última flor! Te amo!” Sabia que ele investiria pesado para tentar meu perdão, mas não imaginava que o espertinho fosse tão fundo na sua tentativa. Estava encantada na primeira mensagem. Absolutamente boba e fácil. Soltei um pouco de ar dos pulmões, passeando os dedos por sua caligrafia rabiscada. Peguei a flor seguinte, me pondo a ler: “Prímula – APOIO – Vamos fazer uma rápida retrospectiva de nossa história, não tão

longa, mas muito intensa. Afinal tudo começou com seu apoio... Nunca vou esquecer suas frases, a força que me passa diariamente – ‘Você não se resume a suas pernas’ – é o que você sempre me diz. Disse e repetiu tantas vezes que acabei acreditando. Eu posso não me resumir em pernas, mas me resumo em um coração, e eu entreguei-o a você. Por favor, não me devolva, continue cuidando dele. Te amo!” Meus olhos encheram-se de lágrimas, mas não as derramei. Tudo que ele dissera até então era lindo, mas não mudava muitas coisas. Afinal, apesar de todo apoio e a cumplicidade que compartilhamos, ele continuou não levando meu amor a sério. Impedindo-me de continuar nessa linha de pensamentos, que só me faria remoer mágoas, peguei a próxima flor, destacando o papel do seu caule. “Gerânio – ULTRAPASSAR DIFICULDADES – Ah, nós ultrapassamos algumas, não foi?! Acho que você bem mais que eu – Até por que eu preciso ser forte para mudar muita coisa e enfrentar meus medos – Mas para isso preciso de você ao meu lado. Preciso do seu sorriso todas as tardes, preciso das suas mãos carinhosas me ajudando nos exercícios... E mesmo que não queira fazer nada nem mesmo me olhar, preciso ao menos da sua presença. Ela se tornou vital para mim. Te amo!” — Esse filho da mãe é bom demais com as palavras. — Ri, passando para a próxima flor e bilhete. “Rosa laranja – ENCANTO – Então você me encantou. Me fez sorrir novamente. Ao contrário do que sempre digo, você não foi uma tempestade em minha vida – Bem, só as vezes – Você foi um arco-íris, um conjunto de estrelas, uma lua, um sol... Você preencheu meu céu escuro, você me encantou de tal forma que apenas vê-la respirar tranquilamente enquanto dorme me faz sorrir feito bobo. Te amo!” Dessa vez fui incapaz de ignorar a emoção que se contorcia dentro de mim. Lágrimas desceram por meu rosto, enquanto eu tentava lutar com os soluços que ameaçaram irromper por minha garganta. Ainda faltavam alguns bilhetes, por isso eu precisava parar de agir feito uma frágil garotinha e me fortalecer novamente. Enxuguei meu rosto, xingando-me por ter me tornado uma boba apaixonada. Completamente influenciável por palavras bonitas, escritas por aquele homem maravilhosamente perfeito. — Foco, Heaven — Murmurei entredentes, desdobrando o próximo bilhete. “Rosa cor de rosa claro – ADMIRAÇÃO – E depois de tudo que já disse seria um louco se não te admirasse. Aprendi a admirar tudo, TUDO, em você. Sua maquiagem pesada e cheia de estilo, suas roupas pretas, completamente destoantes de sua profissão, seu jeito turrão e briguento, sua forma desprendida de ver a vida, seu sarcasmo e ironias bem colocados. sua força... Ei, eu sei que agora está me chamando mentalmente de puxa saco, mas tudo que eu disse é verdade, é o que trago em meu coração. Te amo!” Eu ri novamente, gargalhei, porque ele adivinhara exatamente o que eu estava pensando. Esse idiota me conhecia mesmo! Peguei a orquídea entre as mãos, aquela era a única flor dali que conheci logo de cara, admirando-a por um segundo antes de repetir o ritual anterior de desdobrar o papel e começar a

lê-lo. “Orquídea – PERFEIÇÃO – Não, você não é perfeita, muito pelo contrário. Sei que pintei muitas qualidades suas ao longo das cartas anteriores, e disse amá-la e admirá-la por todas elas, mas você também é cheia de defeitos. – Não vou citá-los porque você tem consciência de cada um deles – Gosto que tenha defeitos, porque assim estamos tecnicamente empatados. Eu também sou um idiota em cinquenta por cento das ocasiões. E essa soma de seus defeitos e os meus só pode se igualar em uma coisa, perfeição. Somos dois imperfeitos, perfeitamente feitos um para o outo. Te amo!” Alec e sua mania de ser um quase poeta... — Sorri novamente, incapaz de me conter. Também reconheci a flor seguinte, mas não sabia seu significado. “Rosa vermelha – DESEJO – Eu poderia ressaltar aqui os desejos que nutro para o nosso futuro, mas já fui piegas o suficiente por hoje – Não. Desconsidere isso, talvez eu ainda vá ser piegas na flor seguinte – Prefiro falar aqui do desejo que sinto por você, o carnal sabe? Te desejei desde o primeiro momento. Ainda me impressiono com a forma que quis te despir daquela roupa preta no primeiro segundo que pus meus olhos em você. Porra, Heaven! Só de lembrar tenho vontade de te comer agora mesmo. Eu pensei ter perdido esse “lado” despois daquele acidente, e você reavivou mais isso em minha vida. PS: Jamais a cena de você chupando meu pau, seus cabelos ruivos formando uma cortina ao redor do seu rosto, sairá da minha cabeça. Meu pau não vai subir para nenhuma outra mulher depois daquilo, acredite! Te amo!” Uma porra, Alexander Bennet! — Grunhi. — Sem essa que seu pau não sobe pra mais ninguém. — Revirei os olhos. Ainda me lembrava do que ele disse sobre a ex “a mulher da minha vida”... Será que para a Sarah não subiria? Espantando o ciúme súbito, tosco e descabido, voltei-me para a cesta. “Petúnia – RESSENTIMENTO – Tinha que vir a parte ruim, não é? Eu sei, eu sinto o estrago que cada palavra que eu te disse fez. Elas doeram em mim também Tempestade. Deus, foi tudo da boca pra fora, meu amor. Nada do que você fez no passado me interessa, não a amaria se não fosse exatamente como é. Eu fiquei transtornado, Heaven, e peço que entenda por um segundo meu lado. Depois desse acidente tudo que tenho me tornado é um peso a ser carregado, eu não queria que fosse assim com você. Você é jovem, linda, tem uma carreira pela frente, tem amigos, festa... Uma vida pra viver. Somos mesmo intensos nessa idade, e precisamos viver essa intensidade. Mas naquele dia me perguntei como você viveria isso tendo um fardo do meu tamanho para carregar? Então cheguei à conclusão que tinha que te deixar ir... Mas eu não sou nobre o suficiente. Gostaria de seguir a cartilha que muitos escritores e poetas pintam, ondem dizem que o amor é liberdade, quem ama deixa voar. Eu não consegui Heaven, talvez eu seja egoísta, mas não quero e não posso deixá-la ir. Eu a quero comigo. Por isso tenho uma proposta a lhe fazer: Vamos esquecer os ressentimentos e vivermos felizes para sempre? Te amo!” — Odeio contos de fadas, senhor Bennet — comentei para mim mesma, rindo, chorando... Com um sentimento de amor tão crescente que achei que fosse explodir. “Tulipa amarela – RECONCILIAÇÃO – Depois de todo esse discurso, esse é o fim que espero. Tomara que tenha êxito e que você entre em meu quarto em alguns instantes, sorrindo, me dê umas tapas, depois me beije e enfim nos reconciliaremos. Te amo!” Ponderei por alguns segundos, tentando calcular a porcentagem de não perdoá-lo.

Esquece, eu era péssima com cálculos! Segurei a última flor entre as mãos e sorri antecipadamente. “Tulipa vermelha – DECLARAÇÃO DE AMOR – Pensei nesse último papel em escrever um milhão de vezes eu te amo. Desisti da ideia ao chegar à conclusão de que você sabe o quanto eu te amo, porque você sente o mesmo por mim. Eu vejo em seus olhos, eu sinto nos seus toques, eu provo nos seus beijos, eu vivo nosso amor diariamente e sei que ele é forte e superará esse obstáculo. Eu confio no nosso amor... E não sorria assim ou eu posso me apaixonar ainda mais — Olhei freneticamente ao redor, tentando entender como ele sabia que eu estava sorrindo naquele momento. Sem encontrar respostas, confusa, voltei os olhos para o papel — Eu sabia que você iria sorrir assim no final de tudo. Sabia inclusive que você escolheria esse banco para se sentar, por isso estou te olhando desde o primeiro momento, da varando do meu quarto — Olhei para minha direita e o vi me encarando, um sorriso amplo no rosto, assim como no meu. Ele moveu a boca, sem emitir som algum e eu li em seus lábios “Leia o resto do bilhete”. Tive pena de tirar os olhos do seu rosto bonito, mas o fiz. No papel um conjunto simples de palavras estava escrito em negrito e em letras garrafais. EU TE AMO!” Tirei a cesta do colo e corri até ele, parecendo uma desvairada. Ajoelhei-me em sua frente e seus braços me envolveram em um abraço apertado. Inspirei seu cheiro, me deleitando com o aroma de sua pele. Sentia tanta falta disso. Afastei-me minimamente, segurei seu rosto entre as mãos e beijei-o. Alec infiltrou os dedos em meus cabelos, forte, firme e carinhoso, uma combinação só dele. Nos beijamos até nos faltar fôlego. — Isso quer dizer que me perdoou? — sussurrou, roçando seus lábios nos meus. Ele ainda parecia com medo que eu fugisse. — Isso quer dizer que eu te amo, seu idiota. — Lhe dei uma tapa no braço, fazendo-o rir. — Nunca mais me afaste de você. — Voltamos a nos beijar com intensidade.

Vinte e quatro Alec

H

á apenas alguns minutos eu estava a ponto de ter uma síncope de tanto nervosismo. Agora, eu estou com Heaven sentada no meu colo, beijando-a até o ar começar a nos fazer falta. Ainda com ela sentada sobre mim, andei com a cadeira até o meu quarto e só parei quando vi que poderia amá-la sem que ninguém nos espiasse. Ela estava toda entregue, seus lábios macios após o choro, seu cheiro delicioso ainda mais forte em minhas narinas, me deixando louco como um viciado. E eu sabia que eu realmente era um viciado, e ela, a minha droga. Precisava de várias doses diárias para ficar satisfeito. Na verdade, eu nunca estaria satisfeito, sempre iria querer mais e mais de Heaven, minha linda Tempestade. Apertei sua cintura, esfregando sua intimidade sobre meu membro já ereto, e Heaven gemeu em meus lábios, levando as mãos a minha calça, desabotoando-a. Nossa fome era louca, uma saudade que não dava para atrasar um instante, mesmo as preliminares parecia muito tempo. Eu queria apenas estar dentro dela, e vê-la cavalgando em cima de mim como uma perfeita amazonas. Levantei seu vestido e coloquei a calcinha de lado, tocando seu sexo todo molhado para mim. Era incrível como ela se excitava com tamanha facilidade, como se entregava toda dengosa, quente e gostosa. Isso me enlouquecia sobremaneira. Sem pensar duas vezes, coloquei dois dedos dentro dela, enquanto Heaven começava a tocar meu pau, me masturbando perfeitamente. — Oh, Alec... Eu preciso de você, por favor... — Ronronou, atacando meu pescoço com beijos e mordidas. — Então vem cá, Tempestade, senta no meu pau e faz amor comigo. — Ordenei, sentindo seu chupão em meu pescoço. Sem dizer uma palavra, Heaven segurou meu pau na base e eu tirei meus dedos de dentro dela, vendo-a acomodar a glande na sua entrada quente e apertadinha. Desceu lentamente, nos torturando em um prazer gostoso e úmido, me deixando louco por estar dentro dela novamente, amando-a e fazendo-a minha, como tinha de ser. Começou a se movimentar para cima e para baixo, gemendo e revirando os olhos, parecendo em êxtase com prazer que eu proporcionava a ela. Eu também me sentia assim. Como se fosse o antigo Alec, forte, dono da situação. O prazer que nos unia. Tal qual o amor, era inexplicável, tomava conta de mim. Algo muito além do que

apenas prazer carnal, era como se eu estivesse em casa, quando estava dentro dela. Ajudei-a a se movimentar mais rápido, levando meu dedo ao seu clitóris durinho de tesão, gemendo junto com ela em um prazer que me deixava louco. Logo ela começou a me apertar e lamuriar, gemer meu nome repetidas vezes, e eu a segui, sentindo meu pau pulsar dentro dela, um prazer sem precedentes tomando conta de cada nervo do meu corpo. — Alec, Alec... Eu vou gozar... — Ela avisou, se movendo mais rápido. Toquei seu clitóris com mais força e rapidez, vendo-a se desmanchar pra mim em um gozo forte, me fazendo a acompanhar naquela loucura. Gozei como nunca dentro dela, marcando-a como minha. Marcando-me dela. Quando nosso corpo se acalmou, a puxei para mim e beijei sua boca, acariciando sua língua com a minha. — Eu te amo, Tempestade. — Eu te amo, Alexander.

A semana correu tranquilamente. Heaven e eu estávamos melhores do que nunca e, por insistência dela, retomei meu trabalho no escritório de casa. Nunca pensei que seria bom voltar a fazer algo pela empresa, mas estar no comando novamente, ainda que não fosse do mesmo jeito que era antes, me fazia sentir útil. Como sempre, Heaven realmente sabia o que era melhor pra mim. Terminei de analisar um contrato e o deixei em cima da mesa, sentindo meu estômago reclamar de fome. Sabia que Heaven deveria estar na cozinha e sai do escritório. Além da fome, estava com saudades dela e louco para arrancar um beijo da minha namorada. Minha. Ainda no corredor, eu consegui escutar Heaven conversando com alguém. Uma voz masculina que logo reconheci: Simon. Olhei no relógio e vi que já passava das quatro da tarde, estranhei o fato, Simon já tinha vindo até minha casa hoje de manhã. Ele sempre ia embora ao meio-dia e só voltava em caso de emergência. Curioso, parei um pouco antes da porta da cozinha e ouvi a conversa: — Ah, Heaven, por favor... É só um drink hoje mais tarde, qual o problema? — Parecia insistir no convite. — Me desculpa Simon, mas eu não posso ir. — Heaven respondeu firme. — Por quê? Até onde eu seu você não namora ninguém. Senti meu sangue ferver. Qual era a de Simon? Ele sabia muito bem que Heaven e eu estávamos juntos. Certo, não tínhamos falado isso explicitamente, mas estava na cara, até um cego conseguiria ver que estávamos namorando! Ele não seria tão estúpido ao ponto de não desconfiar de nada. — Você não sabe nada da minha vida para deduzir alguma coisa! — Ela respondeu, irritada. — Irritada desse jeito só me deixa mais encantado, Heaven... É só uma bebida e eu prometo nunca mais te importunar, se você achar que minha companhia é tão chata. — Eu já disse que não! — Falou dois tons mais altos.

— E eu não aceito um não como resposta, Heaven! — Insistiu novamente. Cansado daquilo, invadi a cozinha. Heaven tentava fazer um sanduíche, enquanto o filho da puta do Simon estava estático ao lado dela, quase colado em seu pescoço. Fiz barulho suficiente para que eles se dessem conta de que eu estava ali, e Simon deu um pulo para o lado, de susto. Heaven olhou pra mim de olhos arregalados. — Oi, Alec — murmurou — O que faz aqui há essa hora Simon? — perguntei indo direto ao ponto. Ele coçou a cabeça, sem graça, procurando uma desculpa. Ponderou por um instante antes de responder: — Eu esqueci um casaco aqui e vim buscar. — Mentiu. — E de quebra, tentou levar minha namorada junto com você? — Voltei a perguntar, me aproximando. — Vou deixar algo bem claro, Simon. Heaven é minha. Se você não sabia, fique sabendo agora. Caso não pare com essa porra de ficar dando em cima dela, eu irei esquecer que foi um empregado fiel e exemplar, irei esquecer a nossa quase amizade, e te coloco na rua sem pensar duas vezes, fui claro? Ele ficou pálido, totalmente assustado e sem graça. Olhou para Heaven, que olhava para mim com um meio sorriso no rosto, como se estivesse adorando o meu ataque de ciúmes. — Eu... Certo, Alec, tudo bem. Eu sinto muito, eu, só... Eu estou indo. — falou, saindo quase correndo da cozinha. Quando me virei para Heaven, ela sorria abertamente. Bufei, irritado com aquela cena. — O que foi? — indaguei, tentando parece bravo, mas falhando miseravelmente. — Você me enche de tesão quando está com ciúmes — disse num tom de provocação adorável. — Ah, é? — Minha sobrancelha se ergueu. — Sim. — Assentiu, caminhando em minha direção com um rebolar, que rapidamente capturou meu olhar. — Então, o que acha de alimentar o seu namorado? Assim, quem sabe, ele não faz o favor de te comer e acabar com esse tesão. Ela riu e colocou um prato com sanduíche em cima da mesa a minha frente. — Então come logo, porque eu tenho pressa de ser comida, senhor Bennet. Um sorriso enorme se abriu em meu rosto, enquanto eu mordia um pedaço do sanduíche e olhava pra ela, me perguntando se tudo aquilo era mesmo realidade ou apenas um sonho. Nunca na minha vida eu estive tão completo.

Vinte e cinco Heaven

—N

os vemos na próxima semana, pessoal — A professora dispensou-nos com um

aceno jovial. Guardei os livros na mochila e me levantei depressa, louca para correr para a casa de Alec, mais precisamente para seus braços acolhedores. Agora, dois meses depois de toda aquela confusão, e com a paz devidamente instaurada entre nós, eu me sinto vivenciando um sonho bom. Não havia brigas, ex noiva, meu passado, nada, absolutamente nada que nos fez sair da bolha de amor em que nos metemos nos dias que se passaram. Alec é tudo que nunca nem cheguei a sonhar para mim. É gentil, romântico, quente, e tem uma chatice que é só dele. O que só o deixa ainda mais gostoso. — Heaven! — Alguém gritou, fazendo-me cessar meus passos apressados. Lively correu em minha direção balançando seus cabelos muito loiros, e com seu sorriso exageradamente simpático. Ela nunca havia me feito nada de ruim nesses anos de faculdade, mas eu simplesmente não conseguia gostar da forma como ela me olhava. — Algum problema? — perguntei de cenho franzido. — Não! — Ela riu um pouco, acenando um gesto de desdém. — Desculpe interromper sua caminhada apressada, só quis dar uma palavrinha com você por que a vi comentando com Joyce que pretende fazer seu Trabalho de Conclusão de Curso em uma área muito específica, enfermagem de reabilitação, não é? — Assenti. — É a área que também pretendo me especializar — Comentou animada. Sorri amarelo. Foi mais um mostrar de dentes que um sorriso propriamente dito. Definitivamente essa garota não me desce. — Que maravilha Lívia, — digo exageradamente alegre. — podemos falar sobre o assunto em outro momento? — Ela assentiu. — Nem percebi que estava apressada. O namorado está esperando? — É mais ou menos isso. Estou indo nessa — Dei as costas para me afastar, mas ela me segurou no lugar. — Tenho um convite para te fazer. — Saltitou em minha frente, me fazendo resistir em revirar os olhos. — Vou fazer uma festinha em minha casa nesse sábado, já chamei a Joyce e agora estou te convidando. Faz tempo que não a vejo sair com ninguém daqui.

— Ando muito ocupada, — Puxei o braço do seu aperto, com cara de poucos amigos. — mas vou pensar com carinho. Obrigada pelo convite — Dei novamente as costas e saí apressada. Assim que joguei a bolsa no banco de trás do carro e liguei o veículo, me pus a pensar na abordagem de Lívia, fora no mínimo muito estranha, mas não ia me preocupar com isso agora. Precisava contar as novidades para o Alec.

Passei pela sala tão rápido que nem ao menos notei Mary sentada em sua habitual poltrona. — Heaven, filha — Parei abruptamente ao escutar sua voz. Xingando internamente todas as interrupções que me fizeram hoje. — Desculpe Mary, nem a vi — Ela colocou a xícara na mesinha e se levantou para me envolver em um daqueles abraços fraternais, que eram sua especialidade. Eles não me deixavam mais desconfortável, mas sim me fazem sentir em casa. — Eu percebi querida — Sorriu. — Posso saber o porquê de tanta presa para ver o Alexander? — Minhas bochechas esquentaram diante da sua indagação e do seu olhar de desconfiança. Não, nós ainda não havíamos comentado nada sobre nosso romance com ninguém, apesar de ter certeza absoluta de que Mary sabia, só era discreta demais para perguntar diretamente. — Eu... Eu — Pigarreei para clarear a voz. — Só estou ansiosa para lhe contar que decidi em que vou me especializar em uma área específica que pode ajuda-lo muito. — Mesmo? E em que é? — Farei Enfermagem de Reabilitação. E mais a frente quero cursar Fisioterapia também. — Sorri empolgada. Falar do assunto me deixava em êxtase. — Andei lendo alguns artigos, vi algumas técnicas, e bem... Eu sei que vou poder ajudar muito o Alec se me aprofundar no assunto. Observei, um pouco assustada, os olhos de Mary se encherem de lágrimas, enquanto o maior sorriso que já a vi dar, estampou seu rosto. — Muito obrigada por tudo Heaven — Ela voltou a me abraçar, fungando discretamente. — Mas pelo o que exatamente? — indaguei confusa. Ela afastou-se e me fitou com o olhar transbordando de agradecimento. — Por fazer o Alec tão feliz — replicou. — Tê-la colocado nessa casa foi a melhor coisa que já fiz nessa vida — concluiu com uma expressão de contentamento. Senti-me muito orgulhosa de mim mesma, das minhas atitudes. Foi minha vez de ficar emocionada. — Eu amo o Alec — confessei finalmente. — Eu sempre soube. — revela, com uma batidinha em meu ombro. — Nota-se apenas em olhá-los juntos. Sinto ter que atrapalhar um pouco sua euforia, mas o Alec está trancado no escritório desde cedo, disse estar numa vídeo conferência. O chamei para almoçar meia dúzia de vezes, mas só abriu a porta para tomar os remédios, e dizer que almoçaria quando acabasse. — Ele está empolgado com o trabalho — declarei feliz. — Então vou subir para preparar

o quarto, pois assim que ele sair e almoçar, nós iremos fazer os exercícios em suas pernas — Ela assentiu sorrindo. — Diga a ele que estou lá em cima. — Claro.

Alec não foi para o quarto durante boa parte da tarde, pediu que levassem o almoço em seu escritório. Estava louca de saudades e ansiedade, mas não fui até lá por que sei que atrapalharia. Aproveitei para organizar algumas coisas em seu quarto, para me ocupar de algo. Já que a cama já estava pronta para nossa sessão de exercícios. Me aliar a professores, fisioterapeutas e médicos, foi a melhor escolha que fiz na minha vida. Hoje tínhamos um plano de exercícios inovador e muito promissor. Esperava algum dia ver Alec ao menos de pé novamente. Abri seu closet e fui direto para umas caixas bagunçadas, que estavam jogadas de qualquer jeito. Certo, essa não é minha função aqui, mas gosto de fuçar nas coisas de Alec. Sempre que não tenho nada pra fazer entro aqui e dobro suas roupas, arrumo seus paletós e sapatos. Juntei alguns papéis e abri a caixa para jogar tudo dentro. Pretendia fechá-la e colocá-la junto às demais, mas uma foto me fez parar. Peguei o papel entre os dedos e fitei o sorriso de Alec naquela foto. Ele olhava tão intensamente para Sarah, seus olhos transmitindo tanta felicidade, que meu coração se apertou. Talvez eu nunca conseguisse fazê-lo feliz daquela forma. Claro que ele havia melhorado muito desde que eu cheguei aqui, mas nunca o vira genuinamente feliz. Parecia que faltava alguma coisa na sua vida. Algo que resgatasse essa paz em seu olhar, e me doía não saber o que faltava. De não poder preencher esse vazio como, obviamente, ela fazia. — Heaven! — Ouvi sua voz e o barulho da cadeira se aproximando. Joguei tudo na caixa, fechei-a e a coloquei em seu lugar. Fingindo não estar afetada pelo que acabei de ver, coloquei um sorri no rosto e me ergui. — Já estou indo — murmurei, voltando para o quarto. Ele aproximou-se, parando a cadeira a centímetros dos meus pés, rodeou seus braços em minha cintura e recostou a cabeça em meu ventre. Meus dedos rumaram para seus fios macios, infiltrando-se em seus cabelos. Senti tanta saudade desse contato, e em tão pouco tempo de separação, que temia pensar em como me sentiria se algum dia nos separássemos definitivamente. — Desculpe por tê-la abandonado durante toda à tarde. — Ele ergueu o rosto e me encarou sorrindo. — Algum problema? Mamãe disse que estava com pressa em me ver. — Não, nenhum problema. — Sorri, inclinando-me para beijá-lo. — Estava ansiosa para te contar que finalmente decidi em que vou me especializar. — Mesmo? — indagou genuinamente curioso. — Farei especialização fisioterapêutica. Na verdade Enfermagem de reabilitação. — O sorriso em seu rosto não foi tão efusivo quanto pensei que seria. — Heaven, se está fazendo isso por mim... — disse, após uma pausa que transformou o clima positivo do quarto.

Foi minha vez mudar a expressão e afastá-lo. Acabo de contar que estou ansiosa e feliz em poder ajudá-lo, e essa é a reação que recebo em troca. Nada do que fazia para ele parecia com boa intensão? — Nem termine Alec — bradei extremamente irritada. — É impressionante como sempre acabamos discutindo pelo mesmo motivo bobo. Você se acha o centro do mundo, não é? — Eu... Não, amor — Moderou seu tom de voz, se aproximando novamente, mas o impedi de me tocar. — Apenas me expressei mal. Sei que não tinha interesse em fazer pós-graduação, por isso disse isso. Desculpe. — Eu não queria, mas acabei me apaixonando pela área. Entrei de cabeça nesse mundo... — Minha voz soou trêmula, e irritei-me por parecer tão boba. Ele pegou minha mão e me puxou para seu colo. — Desculpe! — Pediu novamente. — Não fique chateada comigo Tempestade. — Seus lábios roçaram os meus, enquanto suas mãos massageavam minhas coxas. — Você está tão gostosa com essa roupa... Hum... Me deu vontade de... — Nada. — Parei-o, me levantando do seu colo. Ele me olhou de olhos arregalados, e eu só pude rir. — Você não vai me seduzir, seu trapaceiro, temos exercícios para fazer agora mesmo. — Ele revirou os olhos e afastou-se contrariado. — Quero recompensa depois — pronunciou, passando da cadeira para a cama. — Com o maior prazer, senhor Bennet — retruquei provocativa. Ajudei-o a deitar mais confortavelmente e a se livrar das roupas, deixando-o apenas de cueca. Detive-me alguns segundos admirando seu corpo e as maravilhas que eu sempre fazia quando estava montada naqueles quadris estreitos, arranhando aquele peito largo e beijando aquela boca carnuda. — Continue me olhando assim e não vai haver exercícios nenhum. — Aneaçou, grunhindo. Ri, desviando o olhar. Nos entretemos em uma conversa sobre um exercício novo, enquanto eu movimentava suas pernas de diversas formas e ângulos diferentes. Estava quase acabando a sessão quando ele mudou de assunto. — Tenho uma notícia chata para dar. — Fitei-o, esperando que continuasse. — Terei de ir à sede da empresa em Nova York. Precisarão de mim lá, e dessa vez não tem como ser por videoconferência — Ele aguardou minha reação. Apenas assenti, ainda relutante. Na verdade não gostava da ideia dele longe, gostava menos ainda que viajasse sozinho. No entanto eu mesma estimulei sua independência, soaria ridículo se pedisse para levar alguém para auxiliá-lo. — E quando irá? — Vou amanhã e volto na segunda. — Sua expressão se alterou, evidenciando meu exagero no exercício. Estava nervosa com a notícia, e com medo de parecer intrusiva. — Eu poderia ir com você... — Sugeri, ainda que soubesse que não deveria tê-lo feito. — Não Heaven. — Negou placidamente. — Sei que está em semana de provas na faculdade, e entenda que preciso fazer isso sozinho. Quero me sentir capaz de fazer o que

sempre fiz. Mas não se preocupe, vou em um jatinho particular, mandei que uma das secretárias me conseguisse uma vaga em um hotel adaptado, e o carro que me disponibilizaram lá é bem parecido com o meu... Não terei problemas. — Você vai se virar muito bem, eu sei — Encorajei-o, mascarando meu temor. Meu telefone tocou estridentemente e alcancei-o na mesinha, atendendo-o e colocando-o no alto-falante imediatamente, para que assim eu pudesse continuar os exercícios. — Heaven, a Lívia comentou sobre a festa do final de semana? — Era Joyce. — Nós vamos, não é? — Falou depressa, emendando uma pergunta na outra. — Não sei Joyce — respondi. — Acho que prefiro ficar em casa. — Ahh, Heaven, vamos lá garota! Faz séculos que te chamo para uma esticadinha depois da faculdade e você sempre diz que não pode. O que custa me acompanhar. — Você irá, aceite. — Alec sussurrou. — Não estou afim — retruquei, desafiada pelo seu tom de voz autoritário. — Vá, me sentirei melhor sabendo que não está em casa se preocupando comigo. — Suspirei cansada daquele dilema. Caso não fosse ele provavelmente iria distorcer tudo. Então preferi evitar um confronto. — Está bem Joyce, nós iremos. Te ligo depois para acertarmos. — Ahhh, você é a melhor — gritou afetada, me fazendo revirar os olhos. — Me ligue mais tarde. Beijos. — Beijos — Desliguei o aparelho. — Vai ser bom que vá. — Alec voltou a se pronunciar. — Só vou porque estão me pressionando, mas assim que deixar Joyce acompanhada, eu saio de fininho. — Alec riu, puxando-me abruptamente pelo braço e me fazendo cair em seu peito. — Alec! — repreendi-o. — Chega de exercícios, eu quero o que me prometeu. — Sem mais, ele puxou-me pela nuca e tomou meus lábios em um beijo intenso.

— Não sei se isso é uma boa ideia, Sarah. — O homem disse nervosamente. Bebeu um gole de sua cerveja e voltou a encarar a loira à sua frente. — Tenho chamado Heaven para sairmos, mas ela me dispensa de forma nada educada. Depois que o Alec me deu uma dura ela mal olha na minha cara, e tenho que agradecer por ele não ter me despedido. — Você é apaixonado por ela, certo? — A mulher incitou. Seus olhos azuis brilhavam com um sentimento nada agradável. — Eu sou! — Simon respondeu soando hesitante. — Mas não sei se vale a pena tudo por essa paixão. Não acho que você tenha razão quando diz que o Alec não ama a Heaven... Não é o que parece. — Não seja tolo Simon. O Alexander só está fissurado naquela drogada por que ela faz o pau morto dele subir. — Simon fez uma careta diante das palavras de Sarah. O tom duro e determinado dava uma rudeza excessiva a sua expressão. — Mas a mulher que ele ama e sempre

amou sou eu. — Ela inclinou-se sobre a mesa e segurou as mãos dele, pondo no rosto a máscara de mulher amável e cheia de saudades. — Me ajude a fazê-lo realmente feliz novamente. Você sabe que apenas eu consigo. E de quebra você ainda leva a drogada para você. — Simon encarou-a por alguns instantes, antes de finalmente assentir. Sarah sorriu satisfeita. — Mas como conseguiremos separá-los se eles nem ao menos se desgrudam? — Mas vão se desgrudar esse final de semana. O Alec irá para Nova York para uma reunião. Como soube disso antecipadamente, dei um jeito de uma das colegas de faculdade da Heaven convencê-la de ir até uma festinha... — Duvido que ela vá querer ir. A Heaven não sai daquela casa. — Estou confiante que ela irá... E, se ela for Simon... —– Sarah sorriu de forma maquiavélica. — Nós vamos dar algo a Heaven que trará a drogada de sempre à tona. Então alguém filmará as cenas de alegria e euforia dela, mesmo estando longe do noivo, e o convencerá que ela não é feliz ao lado dele. É claro que você estará nessa festa com a Heaven e eu estarei muito bem disfarçada, filmando tudo, para logo depois mostrar ao meu amado. Será o golpe final para o relacionamento frágil deles. — Simon assentiu nada satisfeito consigo mesmo por estar entrando naquela situação. Mas confiante que seria o melhor para Alec, ele e Heaven.

Vinte e seis Heaven

U

ma dor infernal tomava conta da minha cabeça e a ideia de abrir os olhos não me pareceu nada atrativa. Mas, mesmo assim, lutei para enxergar onde eu estava. Desorientada, lutei para discernir com clareza ao redor, percebendo que estava deitada no chão. Vários copos de bebidas ao meu redor. Sentei-me abruptamente, sentindo meu corpo protestar, e vi algumas pessoas deitadas ao meu redor também, pessoas desconhecidas. Assustada, tentei me lembrar de onde eu estava, e que porra de lugar era aquele. As lembranças vieram como flashes na minha mente doída. "— Promete que vai me ligar assim que chegar a Nova York? Por favor, Alec, não me deixe sem notícias! — Pedi a Alec, na sala privada do aeroporto. Ele sorriu para mim e me beijou, passando a mão com carinho em meus cabelos. — Eu prometo. Não precisa ficar enlouquecida. Sabia que eu sou um homem crescido? Sei me cuidar. — Ele murmurou, divertido. Suspirei, sorrindo para ele, e convencendo-me de que ele ficaria bem. Não queria parecer uma boba que o achava incapaz. Só era difícil para mim deixa-lo longe dos meus olhos. — Eu sei que você é um homem crescido... Até porque, só um homem crescido me comeria de um jeito tão gostoso quanto você fez essa manhã — sussurrei em seu ouvido. Um sorriso safado se abriu em seu rosto. Sua mão apertou discretamente minha cintura, descendo para a bunda. Me afastei, rindo. — Ainda bem que você sabe. Só eu te como tão gostoso, Tempestade — disse, com a voz rouca. Eu ia falar mais uma besteira deliciosa quando a comissária do jatinho particular da empresa bateu à porta e disse que Alec já poderia ir para o avião. Olhei-a de cima a baixo: morena, bonita e sorria toda charmosa para ele. Quando ela saiu, Alec rompeu em uma gargalhada alta. — O que foi? — perguntei, irritada. — Para de rir! — Você está com ciúmes, Heaven? Grunhi, revirando os olhos. Nunca senti ciúmes em minha vida, e aquele sentimento novo me deixou louca. — Estou! Aquela mulher estava quase te comendo com os olhos, Alec — falei, cruzando os braços. — Só de pensar que você ficará horas preso em um avião com ela do seu lado, tenho vontade de arrancar aqueles cabelos pretos da cabeça dela. — Tempestade, para com isso. — murmura apaziguador. — Você está vendo coisas demais, olha só pra mim, — Aponta para si mesmo. — ela não daria mole para um cadeirante. Tem mais o que fazer. — finalizou, revirando os olhos. — Você não se enxerga mesmo, não é? Você é lindo, Alec. Lindo, cheiroso, gostoso e tem um pinto enorme no meio das pernas — digo provocativa, lhe arrancando um riso. — Qualquer mulher em sã consciência iria desejar você. Ele me olhou e sorriu de lado, me puxando para seu colo. Sentei-me, emburrada, ainda de braços cruzados e um bico enorme no rosto. — Olhe para mim, baby. — Pede, segurando delicadamente meu rosto e virando em sua

direção. — Você sabe como colocar um homem para cima, sabia? Literalmente. — ele murmurou, e eu senti sua ereção em minha bunda. Segurei um sorriso, tentando parecer séria, mas falhando miseravelmente. — Depois do que você falou, fiquei louco pra te comer novamente — sussurrou, mordendo meu pescoço de leve. — Alexander, se comporte! — repreendi-o. — Daqui a pouco aquela vaca entra aqui e... Vai nos pegar assim... — murmurei, tentando raciocinar, mas ficando difícil com ele apalpando meu seio por cima de vestido. — Vai ser rapidinho. — Me ludibria, passando a língua por meu pescoço. —Prometo te fazer gozar bem gostoso — completa, me fazendo levantar e me sentar novamente, dessa vez de frente para ele. Rapidamente abriu a calça e seu pau saltou para fora, todo duro pra mim. Fique ainda mais molhada. — Vem, Tempestade, senta aqui. Sem consegui me conter, coloquei minha calcinha para o lado e me sentei em cima dele, seu membro entrando em mim todo grosso e quente. Alec colocou a mão em minha cintura e começou a me impulsionar para cima e para baixo, rapidamente. Beijando minha boca para conter nossos gemidos. Já sentia o orgasmo tomar conta do meu corpo, como se soubesse que tinha que ser a rapidinha mais veloz da Terra. Alec gemeu e levou o polegar ao meu clitóris, tocando-o com precisão e me fazendo tremer sobre o seu colo. — Goza comigo, Tempestade — rugiu baixinho em meus lábios, e eu me entreguei, gozando pra ele e sentindo-o explodir dentro de mim, apertando minha cintura com força. — Eu te amo, Tempestade, amo muito! — Também te amo muito, seu louco. — Sorri, abraçando-o e beijando-o mais. Ouvimos duas batidas na porta e fiquei rígida sobre seu colo. Tentei escapar, mas ele me prendeu segurando minha cintura, meu vestido tampando nossos sexos encaixados. Senti o perfume doce demais, da vadia, invadir o ambiente e virei meu rosto para ela, observando com prazer ela passar do moreno ao branco em segundos. — É... Hm... Senhor Bennet, precisamos decolar. — Ela disse, tão sem graça que eu quase senti pena. — Já estou quase pronto, me dê mais cinco minutos, preciso terminar de me despedir da minha namorada. — Alec disse tranquilamente, segurando minha cintura possessivamente. — Certo, com licença — falou e saiu. Sem consegui me conter, desatei a rir. Ele me acompanhou em meio àquela loucura que só acontecia com a gente. Depois de nos ajeitarmos, o levei até a pista e o vi entrar no avião, e só sai de lá quando ele tinha sumido no céu." Sorri com a lembrança, mas o que veio a seguir gelou minhas veias. "A festa estava bombando. A música alta, que sempre me animou, me deixando cada vez mais para baixo. Sentia uma saudade desesperadora de Alec, tinha falado com ele pelo telefone e por mensagens, mas não era o suficiente. Eu precisava vê-lo, tocá-lo, sentir seu cheiro e seu calor perto de mim. Ainda não entendi porque tinha aceitado ir aquela festa, estava sentada em um canto, sem vontade de conversar, muito menos de dançar. Cansada, resolvi que estava na hora de ir embora para

casa. Talvez eu ligasse pra Alec e conversasse com ele até a hora de dormir, e essa ideia me fez sorrir. Falar com ele ao telefone me parecia muito mais atrativo do que estar sentada em uma festa chata. Peguei minha bolsa e me levantei, dando de cara com Simon. Ele segurava dois copos de bebida e sorriu assim que me viu, parecendo sem graça. — Oi, Heaven. Desculpe incomodar, mas eu te vi sozinha e... Bem, pensei em vir aqui falar com você. Trouxe uma bebida — falou, apontando para o copo em sua mão. — Oi, Simon. Me desculpe, mas eu já estou de saída... — Ah, não. Por favor, não vai fazer essa desfeita comigo, não é? — perguntou solicito demais. — Olha, Simon, eu acho que Alec deixou bem claro que não quer que você se aproxime de mim. E eu também deixei bem claro que não quero nada com você! Quando vai entender? — perguntei, cansada e raivosa. Só queria ir embora. Ele parou de sorrir e uma expressão triste tomou conta do seu rosto, me fazendo sentir pena. Talvez eu tivesse exagerado, irritada por estar na festa, e acabei descontando tudo nele. — Por favor, Heaven, não pense isso. Eu só me aproximei como amigo. Na verdade, eu nem sei o que estou fazendo nessa festa. Alguns amigos me chamaram, mas estou me sentindo tão deslocado, então te vi aqui sozinha e pensei que poderíamos conversar um pouco e tomar uma bebida. Não vim com má intenção. Me senti culpada, realmente mal por tê-lo tratado daquele jeito. Sempre nos demos muito bem, ele sempre me tratou bem desde quando comecei a trabalhar para Alec. Só tinha me afastado dele quando começou a confundir as coisas, mas ele tinha parado e me respeitado. Simon era um homem bom, cuidava muito bem de Alec e ele realmente confiava em Simon. Decidi que uma bebida não me mataria, e aceitei, me sentando, passando a beber e conversar com ele sobre alguns novos exercícios que começaria a fazer com Alec." Até aí, eu lembro-me perfeitamente de tudo. Depois, eram apenas flashes. Eu rindo demais, dançando agarrada com várias pessoas. Mais bebidas e mais loucuras. Uma roda de homens ao meu redor enquanto eu rebolava... Meu corpo suado e... Só. Mas nada vinha á minha mente. Olhei ao redor a procura de Simon, mas ele não estava ali. Ignorei minha dor de cabeça e me levantei, sentindo-me tonta e enjoada. Uma ressaca filha da puta me obrigando a ficar deitada e vomitar, enquanto eu queria apenas ir embora. Passei por cima de algumas pessoas que estava dormindo, e saí daquela casa, o sol cegando meus olhos quando alcancei a saída. Comecei a andar sem rumo, sem saber para onde ir. Tentando entender o que havia acontecido. Sempre me lembro de tudo, e sei perfeitamente que eu jamais me permitiria ficar bêbada, já que eu nem queria ficar naquela festa maldita. Só tinha uma explicação: Simon havia colocado alguma coisa na minha bebida. Mas será que ele era capaz? Por que ele faria uma coisa daquelas? Cansada de pensar, peguei um táxi e fui pra casa. Meu relógio de pulso marcavam sete da manhã, e assim que pisei em casa, escutei apenas o silêncio. Menos mal. Fui direto para o banheiro, meu estômago embrulhado demais, uma dor de cabeça que

parecia não ter fim nunca. Coloquei tudo que não ingeri para fora do meu estômago, tomei um banho e caí na cama, sem pensar em mais nada, decidindo que iria esclarecer tudo com Simon no dia seguinte, na casa de Alec.

Já era quase duas da tarde quando consegui sair da faculdade. Um trabalho em sala tomou conta demais do meu tempo e sai correndo para o carro, a fim de chegar logo na casa de Alec e matar toda aquela saudade. A mansão dos Bennet estava calma e silenciosa como sempre. Deixei minhas coisas no quarto branco e fui em direção ao quarto de Alec, ouvindo uma música eletrônica sair de lá. Estranhei. Ele não curtia muito aquele tipo de música. Para falar a verdade, nunca o vi ouvindo uma música como aquela. Sem bater, entrei em seu quarto, mas paralisei assim que vi Sarah do lado dele. Simon estava do outro lado e Mary estava ali também. Todos olhavam para a grande televisão de Alec, e eu também desviei o olhar naquela direção, desejando nunca tê-lo feito. O choque tomou conta do meu corpo quando eu vi o que estava acontecendo. Era eu ali, dançando loucamente. Tinha homens ao meu redor e ao meu lado, esfregando-se em mim. Um copo de bebida em minha mão. Minha blusa estava levantada, deixando minha barriga à mostra, meu corpo suado. Era a imagem da Heaven antes do Alec. Mas aquela era a Heaven na noite de sábado, quando eu tinha ido àquela maldita festa. — Eu estava na festa. — A voz de Simon soou meio vacilante. — Quando eu vi o que Heaven estava fazendo, a primeira coisa que pensei foi em filmar e te amostrar, pois sabia que não acreditaria apenas na minha palavra. Isso foi só metade do que ela fez. Eu filmei só um pouco... Você não merecia ver toda aquela baixaria. — Meu Deus... — Mary murmurou decepcionada, colocando a mão sobre o peito. — Alec... Eu nem sei o que dizer. — Sarah disse tentando se mostrar chocada. — Eu sempre soube que ela era uma louca, mas pensei que a garota tinha mudado estando ao seu lado. Alec continuou em silêncio, assim como eu. Não sabia o que fazer ou como reagir. Uma dor sem tamanho tomando conta de mim. Senti meus olhos se encherem de lágrimas, um sentimento de desespero se apossando do meu corpo. — Alec... — murmurei, sem saber o que dizer. Ele se virou para mim. Seus olhos estavam opacos e sem vida, mas brilharam ao me ver. Não foi um brilho apaixonado, como sempre acontecia quando me fitava, foi um brilho feroz, raivoso, cheio de mágoa. Senti meu coração se quebrar e lágrimas escaparam dos meus olhos. A certeza chegando a meu coração, antes mesmo de que meu cérebro concluísse o que aquilo significava. Estava tudo acabado, e Alec jamais iria me perdoar.

Vinte e sete Heaven

H

ouve alguns segundos de total e completo silêncio. Senti os olhares de todos sobre mim, mas só consegui me concentrar nos olhos de Alec. A gravação, que ainda passava na TV, teve fim, acabando com o barulho de música e gritos vindos do aparelho. — Eu... Eu posso explicar. — Quebrei o silêncio, desconhecendo meu tom de voz desesperado. — Vai ser mesmo uma coisa interessante de se ouvir. — Sarah murmurou, sorrindo debochadamente. Ignorei-a. Aquela fora a pior coisa para se dizer, eu sei, mas não estava raciocinando direito. Ademais Alec iria ver a verdade nos meus olhos, nas minhas palavras. Ele sabe o quanto mudei, então possivelmente acreditaria em minha explicação. — Foi tudo uma armação, Alec — expliquei desesperada. — O Simon... Esse canalha... — Fitei o homem, cheia de ódio. — Ele me ofereceu uma bebida e... E depois disso não me lembro de mais de nada. Tinha alguma droga naquele copo, ou eu não teria agido assim. — Ahh meu Deus, drogadinha. — Interveio a voz de gralha de Sarah. — você quer dar uma de puritana agora? Minha vontade era de estapeá-la, mas tinha eu centrar minha preocupação na figura monótona de Alec, que me fitava sem reação alguma. — Cala a boca sua vagabunda — Apontei o dedo em riste no rosto da mulher. — Não duvido nada que você esteja junto com esse desgraçado nessa palhaçada — acusei. Ela riu, jogando a cabeça para trás de uma forma afetada. — Mania de perseguição, querida? — debochou. — Ninguém tem culpa se você não conseguiu segurar esse personagem que faz para o Alec por muito tempo. — A única que faz personagem aqui é você e esse traíra do seu lado — Apontei para

Simon. Ele permanecia sério, versando o olhar entre Alec e eu. — Olha, Heaven, eu não tenho absolutamente nada a ver com sua atitude naquela festa. — Se defendeu. — Só gravei, porque sabia que se dissesse ao Alec, ele não acreditaria. Precisava alertar meu amigo para que ele enxergasse a mulher que está ao seu lado. Uma raiva descomunal se apossou de mim, diante da cara deslavada daquele filho da puta. Sem conseguir me conter, parti pra cima dele, estapeando-o onde meus punhos fechados conseguiam alcançar. Meu rosto estava molhado de lágrimas e pequenos grunhidos de ira saiam de minha boca. Eu queria matá-lo com minhas próprias mãos! Ele e aquela lombriga loira. Porque tinha certeza, o plano não saíra da cabeça atrofiada de Simon. — Pare com isso, Heaven. — Mary interveio me afastando de Simon. Me afastei, com medo de machucá-la em meio ao meu acesso de ira. — Provavelmente ainda está sobre efeito das drogas. — Sarah comentou derramando sarcasmo na voz. Me livrei dos braços de Mary e parti para cima de Sarah, estapeei sua cara duas vezes, o que a fez cair no chão. Pretendia deixar o rosto dela roxo, mas um grito fez todos nós pararmos a confusão que se desenrolara. — Já chega! — Alec gritou em um tom de voz que nunca ouvira ele falar antes. Todos o encaram. Sua expressão estava inexpressiva, o que só me assustou ainda mais. Em meio a minha raiva, esqueci-me de centrar minha explicação na única pessoa que realmente importava ali, Alec. E não duvido que até mesmo essa jogada para me desestabilizar tenha partido do plano doentio de Simon e Sarah. — Saiam todos daqui — disse rudemente, apontando para a porta. — Não, Alec, eu preciso conversar com você. Preciso que me escute e acredite em mim. — Implorei, me aproximando. — Acreditar em que Heaven? — Seus olhos voltaram para os meus. Duas adagas afiadas. Ele ergueu a sobrancelha ganhando certo ar sarcástico. Conhecia aquela expressão. Ele estava indo da raiva ao veneno, pronto para me atacar de uma forma dolorosa e me afastar da sua vida. — Você não pode ter levado a sério esse vídeo. — Ri, em meio às lágrimas. — É tão escroto, que não pode ser capaz de acreditar nisso. — Ele não é cego. — Sarah intrometeu-se novamente. Parece que ter as bochechas vermelhas e inchadas foi pouco para ela. — Calada, Sarah! — Alec gritou em sua direção, parando-a imediatamente. — Não é uma questão de acreditar ou não, eu vi Heaven. Sua sentença me tirou o ar por breves instantes. Foi como ser atingida em cheio no estômago. Ele ao menos considerou a possibilidade daquilo ser induzido. — Estou tão decepcionada... — Mary murmurou, assinando de vez minha sentença de

culpa. O que estava acontecendo? Senti como se naquele momento meu coração tivesse sido arrancado do meu peito e estivesse sendo esmagado por todos ali, pisoteado sem dó. Como pude ir de uma mulher tão esperta para uma idiota, ingênua, que é enganada assim tão facilmente? — Eu juro que não... Que não... — Que não é você? Que não queria ter bebido e se drogado? Que não queria ter deixado àqueles homens se esfregarem em você? — gritou a última frase, saindo de seu estado de inércia. — Que não sentiu saudades de tudo que sempre foi e só quis reviver por uma noite? — Alec meneou a cabeça, me desprezando com o olhar. — Bastava ter me falado Heaven... E eu teria saído da sua vida. Não precisava ter esperado que eu viajasse para me fazer de otário. — Eu não te fiz de otário. Você é assim por natureza! — retruquei, perdendo o fio de paciência que me restava. Estava cansada dessa desconfiança, desses olhares, de ninguém levar fé em mim ou nas minhas atitudes. Porra, eu mudei. Mas parece que todo mundo só estava esperando exatamente isso, uma recaída, que nem foi proposital, para apontarem o dedo e esfregarem na minha cara minha personalidade. — Se você prefere mesmo acreditar neles e não em mim, tudo bem. — Funguei, passando o dorso da mão pelo rosto molhado. — A opção é sua, Alec. Já deixei que me ferisse uma vez, mas perdoei-o por amor. Não vai haver segunda chance agora. — Eu não quero mais chance alguma — sentenciou. — Sempre soube que estávamos fadados a terminar assim, nos machucando. Você não é mulher para mim e eu não sou homem pra você. Talvez se não tivesse nessa cadeira e pudesse lhe acom... — Porra nenhuma — gritei, interrompendo-o. — Seu pai tem razão quando diz que você gosta de se fazer de coitado, de se esconder por trás dessa cadeira, de se vitimar e colocar a culpa de tudo nas suas malditas pernas que não funcionam. Vire homem, porra, aja como um. Os olhos dele encheram-se de lágrimas, mas sua expressão endureceu. Sabia que tinha o ferido além da conta, mas ele também tinha me ferido. E já que disseram tanto que a Heaven antiga não tinha morrido, darei a eles uma amostra grátis dela. — E a Sarah tem razão quando diz que nunca mudará o que é por dentro — disse naquele tom gélido, que sempre me arrepiava. Minha boca formou se abriu em choque, diante da sua frase cruel, e escaparam mais lágrimas dos meus olhos. Aquela foi a apunhalada final. — É, talvez seja verdade. Você tem direito de pensar o que quiser. — Enxuguei novamente meu rosto, dando de ombros. — Se concorda tanto com a Sarah, fique com ela. Provavelmente essa aí, que te abandonou por medo de trocar frauda de inválido, é a mulher certa pra você. E com seu amigão, Simon, que não passa de um filho da puta que quer me comer a todo custo. — Respirei fundo para conseguir continuar a falar, voltando-me na direção de Mary. — É uma pena que não acredite em mim, Mary, achei que você tivesse me visto, realmente me visto, desde a

primeira vez que entrei aqui, mas também me enganei. — Ela me encarou com pesar. Parecia indecisa. — Acho que já chega de teatro. Não convence mais. — Sarah disse. Virei-me para olhá-la, e foi impossível segurar minha risada de escárnio. — Tenho pena de uma mulher assim como você, que precisa armar um circo para conseguir um homem. — Praticamente cuspo as palavras. — Uma mulher que é tão covarde que abandona quem diz amar. Você não ama ninguém, e espero que esse aí — Apontei para Alec com um meneio de cabeça. — Descubra do que estou falando. Ele está expulsando alguém que o ama de verdade e vai amargar isso... Estava exausta de toda aquela cena, por isso dei as costas e saí dali o mais depressa que pude. Não lancei um olhar para ninguém mais. Peguei minha bolsa no quarto branco e quase corri para fora da casa. Podia ouvir gritos de Alec e coisas quebrando, mas eu não ia me importar... Não me importaria com mais nada. Antes que eu pudesse entrar no carro, um par de mãos me segurou firme. Quase não acreditei ao ver Simon me agarrando. — Tire as mãos de mim. Tenho nojo de você — gritei, desvencilhando-me do seu aperto. Abri a porta do carro, mas ele me parou mais uma vez. — Heaven, eu fiz isso por amor. Sou louco por você e não acho que é mulher para Alec... — Você não acha nada aqui. Você não ama ninguém. — Continuei a gritar. — Quem ama de verdade quer ver a outra pessoa bem, independentemente se a felicidade da pessoa amada está com ela ou com outro. Você não pode pensar se sou ou não mulher para o Alec, eu o amo e eu sou dona da minha vida. Pensei que fosse um cara legal, Simon, talvez até seja, mas foi infectado por aquela mulher. Você é só mais um que irá arcar com as consequências do que fez, por que nunca mais dormirá tranquilamente sabendo que fará duas pessoas sofrerem, sabendo que seu amigo estará metido com uma cobra como a Sarah, sabendo que vou odiá-lo a cada segundo por ter me tirado a coisa mais importante da minha vida, o Alec. — Puxei meu braço do seu aperto novamente, entrei no carro e saí dali sem olhar para trás.

Estacionei o carro em frente à minha casa de qualquer jeito, e entrei feito um furacão em casa. — Heav... — Mamãe parou meu nome pela metade quando viu meu estado. Eu simplesmente desmoronei no sofá, sentindo o mundo ao meu redor girar. Pensei que fosse morrer tamanha era a sensação de sufocamento e dor. — Meu Deus, o que aconteceu? — Ela largou o pano de prato e correu para meu lado, me puxando para um abraço. — Ele me deixou mãe. E agora é pra valer. — Joguei-me em seu colo, como uma menina indefesa. Como acho que nunca fui. — Mas por que brigaram? Contei a ela sobre a festa, sobre a filmagem e as palavras dele. Quando acabei meu

relato, aos soluços, me arrependi. Mamãe estava em silêncio e encarei aquilo como algo ruim. Ela provavelmente também não acreditaria em mim. — Você não acredita, não é? — indaguei temerosa. Não iria aguentar mais uma retaliação. Suas mãos voltaram a alisar meus cabelos placidamente — Sabe, Heaven, se fosse há alguns meses atrás eu realmente não acreditaria no que me disse. Mas hoje as eu sei, eu sinto como você mudou, e que jamais faria algo tão tosco, correndo o risco de perder um homem que ama tanto. — Levantei-me, encarando-a. — Sério? — murmurei embasbacada. Ela assentiu. — Eu sei reconhecer quando é amor de verdade. — Sorriu afetuosamente. Enxugando meu rosto com seus dedos macios. — Quando tinha sua idade olhava para seu pai da mesma forma, tinha o mesmo fogo, a mesma empolgação todas as vezes que sabia que o veria. Abandonei tudo por ele, mudei muito de mim simplesmente para me adequar... E eu faria tudo de novo, por que é amor, e a gente não se arrepende de nada que fazemos quando se envolve esse sentimento. Ainda mais depois que descobri que estava grávida de você. Talvez eu nunca tenha expressado da forma certa, ou tenhamos nos distanciado demais, mas quero que saiba que amo você e confio nesse amor e nessa mudança. Você é meu orgulho! — Obrigada, mãe. — Consegui disser em meio às lágrimas. Me joguei novamente em seus braços, sentindo-me acolhida e amada. — Também te amo muito. — Ele vai voltar atrás, vai enxergar a verdade em breve. — Mas talvez seja tarde demais.

Naquela tarde Simon e Sarah sentaram-se em um café, não muito longe da mansão dos Bennet. Ela estava radiante pelo sucesso do plano. Simon não parecia tão empolgado. — Não acho que fizemos bem — disse ele, bebendo em longos goles sua água. — Não fale besteira, Simon. Foi tudo perfeito. O Alexander agora é meu, e a drogada é sua. — A custo de que? Alec e Heaven pareciam destruídos. — Isso é fogo de palha. Eu estarei pronta para consolar o Alec, e ele vai voltar para mim e esquecer a drogada em dois tempos. Eu sempre fui a mulher da vida dele. — Se sempre foi assim. Se ele a amava e você o amava, por que o deixou então? — Por que eu nunca quis cuidar de um aleijado. Imagina só, eu, uma mulher jovem, rica e linda, presa a um homem inválido. Enfiado em uma depressão. — Ela desdenhou, bebendo tranquilamente um gole de seu café. — Então você nunca o amou. — Eu gostava dele, sim... Ainda gosto. Alec me mimava de todas as formas. Nos dávamos bem na cama e fora dela. Ele era rico, bonito, ativo... Tudo que queria. Era perfeito para casar comigo. — Ainda não entendo. Se pensava assim mesmo, poderia ter se casado com ele. Teria levado sua vida normalmente, duvido que o Alec fosse te impedir de alguma coisa. — É, eu sei, fui uma idiota. Mas era jovem demais. Tinha dinheiro demais, só queria curtir, por

isso não pensei direito. — Tinha dinheiro? — Pois é. — Ela suspirou. — Agora estou falida. Acabei torrando muita grana em viagens e roupas... Estou quase no vermelho, e não posso virar pobre, imagine só. — Então por isso voltou, depois desse tempo todo? Você quer o dinheiro do Alec? — Pois é. Ele foi a opção que me restou. — Deu de ombros. — E para ter o dinheiro dele, prefere vê-lo do jeito que está? — Simon, não seja sentimental. O Alec está inválido, se não fosse a grana que tem, acabaria morrendo em cima daquela cama sem que nenhuma mulher olhasse para ele. Ele tem que se sentir agradecido. — Você é sem escrúpulos. Meu Deus! — Sou prática. Não sou um monstro, não pretendo tornar a vida do Alec um inferno. Vou pagar para que cuidem muito bem dele, e vez ou outra faço a caridade de transar com ele, pronto. Todos seremos felizes. — Simon se levantou abruptamente. — Tenho vergonha de ter compactuado com alguém como você. — Não se faça de bom moço, Simon. — Ela riu. — E nem pense em dar uma de arrependido e contar algo ao Alec. Porque vai acabar sem emprego e sem a drogada. — Tenho nojo de mulheres como você, Sarah. Simon saiu rua a fora, irritado consigo mesmo. Se perguntando como teve a capacidade de se aliar a uma mulher podre como Sarah, e de machucar seu amigo e Heaven.

Heaven Três semanas depois Observei o professor falar algo sobre tendões e falanges em frente ao quadro, mas nada entrava na minha cabeça. Aliás, isso vinha ocorrendo frequentemente nas últimas três semanas. Três semanas em meio a um martírio e solidão sem fim, três semanas de choro, três semanas sem Alec. E, por mais que eu estivesse longe dele, era como se o meu mundo ainda girasse em torno do seu. Na verdade, ele estava impregnado em mim todas as partes, na minha pele, na minha mente e meu coração. Mas, ainda assim, eu me fazia de forte. Me impedia de chorar a todo momento, me obrigava a caminhar em uma nova rotina, que se estendia a faculdade e minha casa. Ou por vezes eu ficava até mais tarde na faculdade, assistindo a algumas aulas práticas, me aperfeiçoando, engajada em um projeto de pesquisa que desenvolvi com um grupo de alunos, fisioterapeutas e uma médica ortopedista e traumatologista. Estava ficando cada vez mais apaixonada por aquela área. E assim eu ia sobrevivendo, tão dependente de Alec que às vezes eu me pegava indo a casa dele, ficando apenas do lado de fora, vendo os grandes portões de ferro, que agora estavam fechados pra mim. Os dias continuavam seguindo, e era como se eu não tivesse saindo do lugar.

— Ei, Heaven, estou falando com você. — Jenny me chamou, tocando em meu ombro. — Você vai ficar pra aula prática de hoje? — Vou sim — falei, vendo que a aula tinha acabado e os alunos começavam a guardar seus materiais. — Vai começar agora, não é? — Sim. Vou te esperar lá fora — falou, saindo com Chris ao seu lado. Terminei de guardar minhas coisas e me levantei, apenas para me sentar de novo. Uma tontura fortíssima me fez perder as forças e enxergar tudo escuro. Fechei os olhos com força e voltei a abri-los, enxergando tudo embaçado, me sentindo fraca e enjoada de repente. — Heaven, você está se sentindo bem? — Meu professor me perguntou, tocando em meu ombro. — Não, eu... Estou muito tonta — respondi, forçando a me levantar com sua ajuda. — E estou enjoada. — Vamos ao posto médico da faculdade, vou pedir para eles checarem a sua pressão. Quase recusei, mas percebi que eu não poderia ficar adiando aquilo. Já era a terceira vez que me sentia daquele jeito só naquela semana, e não precisei de muito para perceber que havia algo de errado comigo. O professor me acompanhou até o posto e me deixou no consultório, antes de sair. A enfermeira chegou e aferiu minha pressão, mas o médico sugeriu um exame de sangue. Não entendi muito bem, mas só de pensar que eu poderia ter uma doença grave, senti um arrepio tomar conta do meu corpo. Deixei que fizessem o exame e, enquanto furavam meu braço, voltei a pensar em Alec e no que ele poderia estar fazendo naquele momento.

Alec A vida era realmente uma bosta! Não bastava estar preso á essa maldita cadeira de roda, ainda tinha que estar com um coração arrebentado, totalmente fodido por causa da Heaven. Era difícil, mas a cada segundo aquelas imagens se repetiam na minha mente, ela bêbada, se esfregando e dançando em todos aqueles homens, no meio da gandaia, como se fosse uma vag... Mas era aquilo que ela era, não é? Uma qualquer. Sempre foi. Eu que fui idiota o suficiente de cair no seu papinho de que tinha mudado, de que me amava... Tinha certeza que o que ela queria era apenas o meu dinheiro. Enganar o aleijadinho para casar com ele e herdar a herança quando ele finalmente morresse. Perceber que essa era a verdade me deixava ainda pior. Nunca na minha vida eu desejei tanto a minha morte como naquele momento. Porque, se eu morresse, pelo menos não teria mais aquela dor massacrando meu peito. — Alexander? Não me virei. Conhecia muito bem a voz de Sarah e me recusei a sair de perto da janela para olhá-la. Queria que todos fossem para o inferno, que me respeitasse e me deixasse sozinho,

mas não, todos eles vinham ver se o aleijadinho estava bem, se precisava de alguma coisa. — Ei, estou falando com você. — Ela tocou em meu ombro e parou na minha frente, me observando. — Está tudo bem? — Tudo ótimo — murmurei, sem desviar meu olhar do céu cinzento, prestes a cair uma tempestade. Tempestade. Apenas aquele nome me lembrava dela e foi isso que me fez sair dali, me recusando a ficar olhando para aquele céu escurecido. — Espera Alec, por favor, não fica assim. — Não fica assim como? Eu estou chorando? Estou me martirizando? Claro que não! Então, não precisa dessa maldita preocupação! — disse com rudeza. — É, você não está chorando, não está se martirizando, mas está se acabando ficando trancado nesse quarto nesse quarto, pensando naquela puta drogada! Você tem que reagir, Alec! Com certeza ela voltou para a vida vadia, que fingiu que tinha largado, com drogas, bebidas e sexo, e você está aqui se fechando para o mundo. — E você quer que eu faça o que, Sarah? Ela é jovem, bonita, tem a vida toda pela frente, pode fazer o que quiser! Eu sou a porra de um cadeirante, que estou preso a essa merda de vida pelo resto dos meus dias! — Sabe o que você pode fazer? Olhar ao redor! — falou, sentando-se na cama, perto de mim. — Eu estou aqui para você, para te ajudar, Alec. Eu me arrependi tanto de ter te deixado quando você mais precisou... Por favor, nos dê uma chance. Eu vou te ajudar a dar a volta por cima, meu amor. Eu te amo tanto. Olhei pra ela, tentando sentir o amor que eu julgava sentir por ela há tempos atrás, mas nada veio. Não podia negar que ela estava sendo uma ótima amiga, sempre estava ali ao meu lado, mesmo com minhas patadas e minha arrogância, mas o amor que sentia por ela, esse não existia. Meu coração era todo daquela maldita Tempestade, e não tinha mais volta. — Eu sinto muito, Sarah, mas eu não vou ficar com você — falei firme. — Você está sendo uma amiga maravilhosa, mas eu não posso ficar com você ainda amando a Heaven. — Mas eu vou te ajudar, Alec! Em pouco tempo você terá se esquecido dela e... — Não tem como esquecer ela. Heaven está cravada no meu coração, tatuada na minha pele. Eu vou amá-la para sempre, mesmo com tudo o que ela me fez. Você tem que seguir a sua vida, conhecer um cara legal, que vai te amar de verdade, porque comigo... Você não terá isso, Sarah. Ela me olhou sentida e eu me senti mal por estar fazendo aquilo com ela. Mas sabia que não tinha jeito, a melhor maneira de resolver aquela situação era sendo sincero com Sarah e comigo mesmo. — Eu não vou desistir de você, Alec. Saiba disso — falou, sorrindo de leve para mim, antes de sair do meu quarto e me deixar sozinho. A chuva caiu com força do lado de fora e eu observei, percebendo que, quando Heaven entrou na minha vida, não foi pra causar um simples chuvisco e sim para se cravar na minha vida, como uma tempestade perpétua.

Vinte e oito Heaven

—N

ão. Isso, definitivamente, não pode ser — balbuciei incrédula.

Minhas mãos tremiam e suavam, e meus olhos não conseguiam focar no emaranhado de letras que estavam digitadas naquela folha a minha frente. — É a mais pura verdade senhorita Luna, não há erros em um exame como esse — retrucou simpaticamente, voltando a empurrar a folha em minha direção. Peguei-a e guardei-a na bolsa, com medo de reler aquele gritante “POSITIVO”. — Vou lhe prescrever algumas vitaminas e alguns exames complementares. Coisas simples. — Continuou sua consulta tranquilamente. Ele escreveu em seu receituário e me entregou mais uma folha, que empurrei na minha bolsa sem olhar. — Recomendo que procure uma especialista e inicie o pré-natal, já que se encontra no segundo mês de gravidez. — Apenas assenti, incapaz de proferir uma palavra. Levantei-me da cadeira, saí da sala e caminhei rumo ao estacionamento. Fiz tudo no automático. Na realidade não estava me dando conta de nada a minha frente. Minha mente parece ter sido completamente limpa, e a única coisa que restara dentro dela fora as últimas palavras do médico: “Deu positivo senhorita Luna, você está grávida”. Eu não posso estar grávida! Ainda mais agora que Alec e eu nos separamos definitivamente. Segurei firmemente o volante do carro e soltei o ar que prendia em meus pulmões. Procurei dentro da bolsa o exame e o reli novamente. — Meu Deus, eu estou muito ferrada! — Minha voz estava abafada e chorosa. Como eu contaria isso a minha mãe e meu pai? Como contaria ao Alec? Como lidaria com

isso quando estou prestes a me formar? De repente me senti exausta de toda essa pressão. Queria simplesmente mandar tudo à merda e cair no mundo, esquecer-me dessa sucessão de coisas que vem acontecendo e me afundando cada vez mais na porra desse poço sem fundo. Eu precisava tomar uma decisão, contar logo de uma vez para alguém, por que não aguentaria carregar essa notícia sozinha por um dia sequer. E já que é pra contar, que seja ao mais interessado, o pai. Apesar de nossa separação e divergências, um filho é um filho... Bem, e até eu que estou super assustada, e nem curto muito crianças, sei que essa é uma notícia maravilhosa. Porra, será um pedacinho meu e de Alec crescendo dentro da minha barriga. Isso não pode ser classificado em menos que maravilhoso. Engolindo o medo e o receio, e com esperança renovada, liguei o carro e rumei para a casa de Alec. No fundo uma onda de esperança me atingia. Quem sabe com essa notícia ele acredite em tudo que disse e... Possamos nos acertar.

Alec O dia estava à mesma porcaria de sempre. A mesma rotina entediante de todos os outros dias. Simon havia acabado de sair daqui, prometendo que voltaria à tarde. Nossa relação não continuava como antes, mas não quis demiti-lo. Só de pensar em sequer contratar outra pessoa, e ter de me adaptar a ela, me dava nos nervos. Foi por isso que proibi minha mãe de sair à procura de uma nova enfermeira. Então Mary acabou desistindo do trabalho novamente. Ela insiste em não me deixar sozinho, ainda mais agora que mal levanto dessa cama. Para fazer um pouco diferente dos últimos dias, decidi levantar e ir até o jardim antes do almoço. Quem sabe respirar um pouco de ar puro me ajudava a não me sentir um merda. — Que surpresa maravilhosa vê-lo aqui, meu amor. — Senti as mãos dela cingirem meu pescoço, e ela depositou um beijo carinhoso nos meus cabelos. — Precisava de um pouco de ar puro, mãe — respondi no tom monocórdio que usara nos últimos dias. Ela parou em minha frente, com um sorriso doce nos lábios e os olhos brilhando. Fazia tempo que não a via assim. — Que brilho é esse em seus olhos senhora Mary? — Não sei. Hoje acordei esperançosa, como se algo fosse mudar. — Ela deu de ombros de uma forma engraçada. O que me fez rir. — Viu, você está até rindo. — Senhora Bennet. — Ouvimos a voz de Sidney, nosso porteiro. — Posso falar com a senhora? — Mamãe assentiu, caminhando até ele. Eles cochicharam por alguns segundos, então Sidney rumou para a porta e mamãe caminhou até mim, seu rosto não exibia mais aquele brilho de felicidade de alguns segundos atrás. — Alec, a Heaven está vindo. — Meus olhos se arregalaram e a simples menção do seu

nome fez meu coração acelerar. — Mas... o... o que ela — gaguejei, incapaz de formular uma frase coerente. Então eu a vi, e tudo ao meu redor desapareceu. Heaven parecia tão abatida quanto eu, mas sua beleza não diminuiu em nada. Sua pele ainda parecia tão branca e macia quanto me lembrava, seus cabelos ruivos estavam soltos, ligeiramente bagunçados, e não havia nem um pingo de maquiagem em seu rosto delicado. Ela era a Heaven de sempre, a tempestade que devastou minha vida, em todos os sentidos. — Eu preciso falar com você — disse séria e firme, parando a poucos centímetros de mim. Não teve um olhar cálido, um cumprimento educado, nada. Havia um abismo entre nós. Não esperava vê-la nunca mais, e com certeza não estava preparado para ficar cara a cara com ela. Sabia da teimosia de Heaven, por isso achei que ela nunca iria me procurar. Mas não sei se essa seria uma boa hora para falarmos sobre qualquer coisa que fosse. Aquelas cenas que vi ainda estavam vividas em minha mente e a amargura da decepção ainda estava fluido em minhas entranhas. Em questão de segundos o encantamento por revê-la se dissipou, dando lugar a raiva e rancor que vinha me acompanhando como uma nuvem negra sobre minha cabeça. — Não temos o que falar — retruquei tão decidido quanto ela. Sentindo raiva simplesmente por olhá-la. Ela não tinha que estar ali. Se entrou na merda da minha vida para terminar de foder com tudo, ela não tinha direito de voltar e espezinhar mais um pouco em mim. — Alec, vá com calma. — Minha mãe interveio, apertando levemente meu ombro. Só então notei que ela ainda continuava ali. — Por favor, deixe-nos sozinhos, mãe — pedi. Ela hesitou, olhando de mim para Heaven, mas assentiu e se retirou. — Se veio aqui implorar e dizer que foi armação, pode dar meia volta — soltei secamente. — Implorar? — Ela meneou a cabeça, rindo em um tom debochado. — Achei que tivesse me conhecido nos meses que passamos juntos. — Mas definitivamente não conheci — repliquei feroz. — Nem eu conheci você. — Sua voz falhou, mas ela pigarreou para clareá-la. — Não vim discutir com você nem tocar naquele assunto. Sobre aquilo não há o que falar, você decidiu em quem acreditar. O assunto que me trouxe aqui é mais sério. — Ela me apontou um envelope branco. Franzi o cenho sem entender o que significava aquilo. — O que significa isso? — Abra e leia. — Foi tudo que disse. Muito a contragosto abri o envelope e tirei de lá um exame médico. Alarmes soaram em mim nesse instante, e antes mesmo de ler o papel, já sabia do que se tratava. Entretanto, li e reli tudo, desacreditando a cada vez mais na cara de pau dessa mulher. Heaven provavelmente se incomodou com meu silêncio, que deve ter durado uns bons cinco minutos, e se pronunciou:

— Então, não vai dizer nada? Elevei os olhos e encarei-a. O sorriso esperançoso em seu rosto só me deu ainda mais certeza do seu mau-caratismo. Seus olhos estavam brilhando, provavelmente visualizando a vida de luxo e regalias que ela teria dali pra frente. — Pensa mesmo que eu sou tão idiota a esse ponto? — soltei mordaz. Encarei-a fixamente, ira brilhando em meus olhos. Seu sorriso morreu. — Não... Não estou entendendo. — Ela vacilou pela primeira vez. — Pois eu estou entendendo muito bem. — Sorri debochadamente, em meio a um menear de cabeça. — Veja que cômodo para você, Heaven. Ficar grávida de mim logo agora que acabamos tudo. É seu futuro garantido, não é? — Você só pode estar de brincadeira comigo – Seus olhos encheram-se de lágrimas, que logo se derramaram por seu rosto. Mas eu não ia cair em seu teatro, não mais. Chega de bancar i otário nessa história. — Você é que deve estar me achando com cara de palhaço — gritei, fora de mim. — Como aparece aqui, depois de tudo que vi naquele vídeo, me dizendo que está grávida... A porra de um aleijado que mal tem chances de fazer um filho, quando você deve ter trepado com meia dúzia de homens naquela festa. Sua expressão se transformou em dor, e ela se curvou colocando a mão sobre a barriga. — Não adianta fazer teatro para mim, Heaven. — Continuei meu ataque: — Você não me engana mais. A Sarah sempre teve razão em tudo que disse sobre você. Não passa de uma golpista que está fazendo de tudo para se infiltrar nessa casa e usufruir da minha fortuna. Porque, afinal, isso é tudo que eu tenho para oferecer. — Eu tenho pena de você. — Foi a vez de ela gritar, em meio as lágrimas. — Não sai dessa cadeira, não melhora minimamente, não vive. Tudo porque não quer, porque não passa de um covarde, ridículo, que se penaliza... Vai viver o resto da vida assim amargurado. Eu era a única pessoa que realmente queria te livrar desse mundo obscuro em que se meteu, mas foda-se, quero mais é que se ferre agora. Volte com aquela loira ridícula e deixe-a sugar o resto de vida que ainda resta em você. — Engoli em seco, me proibindo de parecer abalado com suas palavras. Sabia que, se nos encontrássemos, acabaríamos nos ferindo, e da pior maneira possível. Erámos dois predadores, nenhum de nós levava desaforo, e nunca éramos feridos sem ferir de volta também. — Eu tenho pena dessa criança... — disse cheio de veneno. — Mas não se preocupe, se for mesmo meu filho, o que só saberei depois de um DNA, eu vou tomá-la para mim. Heaven partiu para cima de mim, tomou o envelope das minhas mãos e empurrou-me tão forte que a cadeira colidiu com o tronco da árvore. — Esqueça que eu estive aqui... Esqueça que eu sequer cogitei a possibilidade de você ser o pai dessa criança. Eu tenho vergonha de ter me deitado com um homem tão cruel e frio quanto você. E não se preocupe com DNA e nem nada dessa merda, você nunca mais irá me ver, muito menos o meu filho. Ajeitei-me na cadeira da melhor forma que pude, sentindo minhas costas doerem. Mas isso

definitivamente não era o que mais me doía naquele momento. Observei-a caminhar depressa pelo jardim, até ela sumir em seu carro e sair cantando pneu. Até então não tinha percebido que estava chorando... Estava vendo-a partir de uma vez por todas da minha vida. E nem sei se era mesmo isso que eu queria. — Alec, você se machucou? — Simon apareceu, parecendo assustado e preocupado. Dei um sorriso triste, com os olhos ainda fixos na saída da casa, por onde ela havia passado há momentos atrás. — Eu me machuquei de uma forma irreparável — comentei alheio a tudo. — Já chega dessa farsa. — Ouvi seu suspiro exasperado e encarei-o, sem ter certeza se tinha ouvido direito. — Do que está falando, Simon? — perguntei de cenho franzido. — Eu não aguento mais guardar isso comigo. Você precisa saber da verdade Alec.

Vinte e nove Alec

—Q

ue verdade? — perguntei confuso. Absolutamente alheio a razão da sua frase.

Soltando um grande suspiro, Simon se sentou no banco a minha frente, olhou para a grama por um instante inquietante, mas quando se voltou pra mim seu olhar pesaroso me fez tremer de leve na cadeira, milhares de ideias passando pela minha mente. — O que está acontecendo, Simon? — exigi. — Eu tenho até vergonha de falar — murmurou, soltando uma risada de incredulidade. — Vergonha de falar o que? Solta logo tudo, não estou aguentando esse suspense! — Eu vou falar — afirmou, me encarando seriamente. — Tenho certeza que é do seu conhecimento o interesse que senti por Heaven. — Como poderia me esquecer? — elucidei, rindo sem humor, lembrando-me de sua investida em Heaven na cozinha da minha casa.

— Naquele dia você conversou comigo, Alec. Me pediu para ficar longe dela e eu disse que ficaria, mas não cumpri minha promessa. Senti meu coração oscilar, imagens dele e de Heaven em uma cama preenchendo minha mente rapidamente. Será que naquela noite ele transou com ela? — O que quer dizer com isso? Transou com ela? — perguntei irado, sem conseguir conter minha raiva. Vi o momento em que ele travou o maxilar e me olhou de cima a baixo, antes de fixar em meus olhos novamente. — Como pode ter tão pouca fé nela? — Balançou a cabeça, me olhando incrédulo. — Jura que pensa isso da Heaven? — Por que não pensaria? — retruco. — Heaven não vale nada, e já tive muitas provas disso. — Provas erradas, totalmente forjadas, seu imbecil! — gritou, apertando a madeira do banco, como se tentasse se controlar. — Está ficando louco, Simon? Abaixa esse tom de voz, porra! — gritei de volta, tão exaltado quanto ele. — Não, Alec, eu não vou baixar meu tom de voz! — rugiu. — Porra, aquela garota não fez nada. Nada, ouviu bem? Aquele vídeo que você viu foi uma armação da Sarah! Na hora eu estava tão louco por Heaven, tão louco para beijá-la e ficar com ela, que não pensei direito. Na verdade, eu pensei que conseguiria sim ficar com ela, mas vendo todo esse sofrimento eu cheguei à conclusão de que essa garota ama você! Minha mente se calou para qualquer tipo de pensamento, apenas repetindo as falas gritadas por Simon. Senti meu coração parar de bater, para logo depois voltar a bombear com força, como se quisesse sair do meu peito. — O que você disse? — perguntei, querendo ouvir de novo, confirmar que não estava delirando. — O que você ouviu Alec. — ele repetiu mais calmo. — Sarah soube daquela festa que você insistiu para Heaven ir e me chamou pra fazer parte daquele plano louco. Eu participei, achando que poderia ficar com Heaven, mas quando cheguei na festa ela estava quase indo embora, por isso, tive que acelerar as coisas e coloquei êxtase na bebida dela, para que ela ficasse louca, dançasse daquela forma, como viu no vídeo. E o intuito era te fazer acreditar que ela estava daquele jeito porque queria, e que tinha transado com a festa toda. E você caiu na história. O resto... Bem, você já sabe o resto. Fiquei calado, sem conseguir acreditar naquilo, em tudo o que ele havia falado. Um plano! Um maldito plano para me separar de Heaven, para me fazer acreditar que ela era uma vadia, quando na verdade ela era inocente, como sempre gritou para mim. Senti meu coração ser dividido ao meio, uma dor dilacerante tomando conta de mim, enquanto a realidade me golpeava em cheio, como um soco no estômago. Heaven sempre me falou a verdade. E eu não acreditei. Muito pelo contrário, eu a xinguei, humilhei, a expulsei da minha casa como uma cadela sem alma, quando na verdade ela me amava de todo o coração. Eu a coloquei para fora da minha vida com meu filho na barriga. Meu filho!

— Meu Deus... — murmurei. Uma sensação de impotência e desespero me tomando. — Eu preciso ir até ela, preciso... — divaguei, colocando minha cadeira em movimento rapidamente, gritando por Sidney. — Alec! Alec, por favor, espera... — Simon interveio. — Não vem atrás de mim, Simon! — gritei, sem olhar para trás. — Aliás, pegue as suas coisas e caia fora da minha casa, seu maldito filho da puta! Não escutei mais a sua voz. Continuei a gritar por Sidney, que veio correndo em minha direção. Pedi para que arrumasse meu carro porque precisava sair com urgência. Percebi sua relutância, mas por fim, me obedeceu e logo meu carro estava pronto e eu dentro dele, colocando-o em movimento. O olhar dilacerado de Heaven preenchendo minha mente, fazendo minha garganta se apertar. Minha garota, minha Tempestade era inocente e eu era um cego idiota, que precisou ouvir a confissão de Simon para acreditar nela. Demorou um pouco, mas logo eu estacionava em frente à sua casa. Com um pouco de dificuldade, consegui abrir a cadeira do lado de fora e me sentei nela, fechando a porta do meu carro e indo até a porta de madeira branca, apertando a campainha. Ouvi passos de dentro da casa, e meu peito tremeu em uma antecipação que se dissipou um pouco quando vi que a pessoa que abria a porta era a mãe de Heaven. Ela me olhou de cima a baixo e franziu o cenho, sem entender nada. — Senhor Bennet? O que faz aqui? — Olá, Senhora Baker, eu preciso muito falar com Heaven. Ela está? Ela me olhou incerta e suspirou, chegando para o lado para me dar passagem. Quase sorri de alívio, mas a dor era maior e eu apenas entrei, sem falar nada, olhando ao redor com a esperança de ver Heaven por ali. — Eu acabei de falar com ela pelo celular, e ela disse que está chegando. — Marigold me olhou com seriedade. — Eu nem deveria te deixar entrar, Alexander. O que você fez com a minha filha foi muito grave — disse em tom acusatório. — Você acreditou em meia dúzia de mentiras e a escorraçou da sua vida. No entanto, eu acho que vocês precisam se acertar de uma vez por todas. Seja para ficar juntos ou não. — Eu sei o quanto errei. Agora eu sei, senhora Baker. E vim aqui pedir perdão. Só saio da sua casa quando estiver bem com a Heaven. — Então eu acho que você vai precisar de sorte. — ela falou, se calando assim que ouviu o barulho da maçaneta. — Ela chegou. Vou deixá-los a sós. Sem mais palavras Marigold saiu da sala, e logo o lugar foi ocupado pelo cheiro de Heaven. A vi de relance entrando, a mesma roupa que estava vestindo quando foi na minha casa, mas quando se virou e me viu, senti meu mundo oscilar. Sua expressão estava sofrida, seus olhos inchados e a ponta do nariz vermelho, esse conjunto me emudeceu, me deixando cheio de uma culpa que nunca pensei que sentiria. Pela primeira vez na vida eu quis me torturar por ter magoado alguém. — O que está fazendo aqui? — perguntou. Ainda parada na entrada da sala. — Vim conversar com você — murmurei, sem nem saber por onde começar.

Ela revirou os olhos e soltou um suspiro como se estivesse muito cansada, e eu soube que deveria realmente estar. Ninguém conseguia sofrer tanto daquela maneira sem se cansar um dia. E eu me martirizei de novo, me achando mais do que idiota. — Olha, Alec, se for sobre aquele lance de DNA, por favor, esqueça. Eu já disse que... — Eu vim pedir perdão — interrompi-a bruscamente. Ela parou e me olhou, espantada. Não conseguia ler a expressão, ou o que escondia por trás do seu olhar de espanto. — O quê? — balbuciou. — Simon me contou tudo, Heaven — falei, empurrando minha cadeira ficar de frente para ela. Precisava olhar em seus olhos, senti-la perto de mim. — Eu sinto muito, por tudo. Por ter sido tão idiota e ter caído feito um bobo naquele plano dos dois, por ter sido tão escroto com você, tão ridículo! Por não ter acreditado no que você me dizia, no que seus olhos imploravam... Eu fiquei cego, totalmente louco com aquele vídeo e... — E preferiu acreditar que eu era a vadia da história. Até porque, é bem mais fácil, não é, Alec? — murmurou com escárnio. — Eu sempre fui porra louca, sempre fiz o que me desse na telha, e por causa disso foi mais fácil crer que eu errei do que acreditar que eu mudei por você. — Ela soltou um risinho sem humor, quase em um esgar de dor. — Mas sabe que eu não me surpreendo? De verdade, eu não me surpreendo. Vindo de você, hoje, nada mais me surpreende. — Eu sei que eu fui um imbecil, Heaven. Sei disso! Sei que tudo o que falei foi pesado demais, foi... — Não! Pesado demais foi quando você falou todas aquelas coisas para me manter longe, por achar que estava atrasando a minha vida. Isso que você fez agora, me chamando de puta, de vadia, de usar o filho que estou esperando pra arrancar dinheiro de você, foi a pior coisa que você poderia ter feito. Não tem perdão para isso, Alec, não tem! — Ela gritou, lágrimas grossas molhando seu rosto. — Eu nunca imaginei que você seria capaz disso. Esse filho que eu estou carregando é praticamente um milagre, porque tanto eu quanto você sabemos que é muito difícil um lesionado conseguir ter filhos! E mesmo assim você me acusou de tudo aquilo. Expulsou a nós dois da sua vida! — Não, Heaven, eu não expulsei, eu... — Tentei me explicar, mas fui impedido. — Expulsou sim! — Acusou, apontando o dedo pra mim. — Mas, quer saber, foi melhor assim. Toda a esperança que eu tinha de voltarmos, morreu na hora em que você me chamou de interesseira, na hora em que você disse que tinha pena do meu filho por ter uma mãe como eu. Ali eu soube, realmente, quem é o Alexander de verdade. E ele me dá nojo. Engoli em seco, suas palavras me quebrando ainda mais. Eu sabia que merecia ouvir tudo aquilo, sabia até mesmo que ela estava sendo gentil por ao menos me manter ali na sua frente. — Eu falei aquilo da boca pra fora, Heaven — murmurei, querendo abraçá-la, mas sendo inútil até pra isso. — Eu estava nervoso, com raiva, falei sem pensar... — Não, você falou apenas o que pensava e eu ouvi muito bem. — Sua voz falou, mas ela permaneceu de cabeça erguida. — Exatamente por isso que eu digo que você não precisa se dar ao trabalho de tentar se explicar ou pedir perdão, Alec, porque será inútil. E também porque eu e meu filho vamos ficar bem longe do seu caminho.

— O que? Não, Heaven, por favor, me deixa... — Eu fiz uma prova semana passada na faculdade e passei para filial de Nova York — interrompeu-me. — Tenho algumas economias e vou dividir o apartamento com uma amiga minha, e a faculdade vai me liberar quando o bebê nascer. — Eu... Eu não vou deixar, é meu filho também, Heaven! — falei, sentindo o desespero me golpear ao ouvir aquilo. — Ele deixou de ser seu filho quando você nos expulsou da sua casa. — replicou, me olhando de cima a baixo. — Com licença. — Heaven! Heaven! — gritei, mas ela passou por mim e subiu as escadas correndo. Senti minhas esperanças se esvaírem pelos meus dedos, mas não consegui mais gritar e nem fazer nada. Apenas engoli em seco, sabendo que eu não pararia de lutar e a impediria de ir embora, custe o que custar.

Trinta Heaven

E

u me joguei sobre a cama e me permiti chorar.

Parece que isso é tudo que consigo fazer nos últimos dias... Chorar, me explicar, chorar mais um pouco... Estou cansada desse ciclo ridículo em que me meti. Já passou da hora de erguer minha cabeça e seguir em frente. Até porque eu não estou mais sozinha nesse mundo, esse pirralhinho que espero me trará muita felicidade, disso eu não tenho dúvidas. Acabei minha faculdade, consegui minha tão sonhada vaga de pós-graduação, e estou decidida a ir embora logo depois da formatura, que acontecerá em um mês. — Heaven? — Mamãe me olhou pela fresta da porta, com uma expressão de preocupação. — Posso entrar? — Claro — murmurei me sentando. Enxuguei as lágrimas e coloquei um sorriso no rosto. Não queria preocupar ainda mais minha mãe. Ela sentou ao meu lado, me encarou por alguns segundos, em silêncio. — Eu ouvi tudo o que disse ao senhor Bennet. Você está grávida, querida? — Mãe, não foi planejado, e... Sei que não era hora para isso, mas eu... Estou feliz. — Ela sorriu e afagou minha bochecha, aquela típica carícia que ela me fazia quando eu ainda era uma garotinha e tinha pesadelos que me deixavam assustada. — Sabe, apesar de não atinar muito bem do juízo, acho que você será uma excelente mãe. E eu, claro, uma avó incrível. — disse orgulhosa, me enchendo desse sentimento também. Seu sorriso acalentador me fez desmoronar novamente. Me joguei em seu braços, tentando retirar dali as forças que eu não tenho mais. — Vai dar tudo certo minha menina. Você vai ver só. Não precisa ficar assim. Olhe, — Ela ergueu meu rosto, segurando-o entre as mãos. — conversaremos com seu pai amanhã, contaremos tudo a ele. E se você está realmente decidida a ir embora, recomeçar sua vida em Nova York, iremos com você. — Arregalei meus olhos, surpresa por sua fala. — Mas, mãe... — Shhh... — Ela interrompeu-me. — Acha mesmo que deixaremos nossa única filha ir embora daqui grávida e sozinha? Nunca. Não há nada que nos prenda aqui, Heaven... Iremos com você se for preciso. — Assenti em meio a um sorriso de agradecimento. — Você é simplesmente perfeita. — Abracei-a apertado, sentindo-me acolhida e amada, após tantos dias de lágrimas. — Não sei como pude passar tantos anos da minha vida distante de você mãe. — Ela retribuiu meu abraço, acariciando minhas costas. — Quanto ao Alec... — Não! Eu não quero falar dele — pedi. — Não consigo nem mesmo ouvir a pronuncia do seu nome. Ele me magoou demais. Expulsou meu filho e a mim de sua vida... Eu não vou perdoá-lo, mãe. Ela sorriu de lado, como quem pensa absolutamente o contrário, mas nada disse.

Algumas semanas depois Durante todos os dias desse mês eu tive notícias de Alec. Primeiro, ele passou a aparecer aqui em casa todos os dias, por uma semana inteira. Eu não quis falar com ele em nenhuma das ocasiões, até que em um domingo à noite eu o deixei plantado até tarde da noite, mamãe teve pena e veio implorar para que eu falasse com ele. — Por favor, Heaven, me dê mais uma chance... Eu te imploro. — O rosto dele carregava uma expressão abatida, de quem não comia e não dormia bem há dias. — Alec, — Suspirei audivelmente. — vá para casa, se alimente, durma e me esqueça. Quero que entenda de uma vez por todas que não há mais volta para nós. Você que escolheu assim. — Não! — gritou. — Eu estava errado, Tempestade... Sou um idiota, maldito cego que não enxergou a mulher que você é, mas não vou perdê-la. — Ele aproximou-se, ficando à centímetros de distância. — Eu a amo, e já amo essa criança. Dê uma chance para recomeçarmos. — Alec segurou meu braço com força, mas soltei-me, empurrando-o. Sua cadeira deslizou até bater em um móvel, o que fez um barulho tremendo e acabou chamando a atenção do meu pai. — Mas o que está acontecendo aqui, Heaven? — intercedeu impaciente. Alec e eu o encaramos com hesitação. — Já passou da hora de sair senhor Bennet. — Alec assentiu. Me lançando um último olhar triste antes de sair. Na segunda semana ele optou por flores, cartas, ligações e todos os tipos de declarações amorosas possíveis. Eu estava enjoada, desmaiando pelos cantos e absurdamente mal-humorada nesses dias. Por isso ignorei suas ligações, joguei fora suas cartas e flores, e segui procurando um apartamento para mim e meus pais em Nova York. Na terceira semana ele mudou de tática, apareceu na porta da minha faculdade, sentado em sua cadeira de rodas, vestido em jeans e uma camisa polo, e no rosto sério um óculos que não me deixava ver seus olhos. Meu coração falhou algumas batidas. Ele estava tão lindo que chamava a atenção das garotas que saiam. E não era pelo fato dele estar em uma cadeira. Engoli o ciúmes, a bile e o amor que queria subir pela minha garganta — E acreditem, não é fácil engolir um amor goela abaixo. — E me aproximei. Parei em sua frente, com as mãos na cintura e cara de poucos amigos. Me doía tratá-lo mal, mas ele tinha que entender que eu não estava brincando. Que nada que ele fizesse me faria mudar de ideia. — Boa tarde, Heaven. — Saldou em um tom de voz brando. Ele tirou os óculos e me presenteou com um dos seus olhares expressivos. Não parecia mais tão abatido, mas ainda podia ver a opacidade da tristeza em seus olhos azuis. — O que faz aqui Alec? — Cruzei os braços em frente ao peito e bati o pé insistentemente. Não estava impaciente, apenas tinha medo de ficar por muito tempo em sua presença e ceder.

— Não vim encher seu saco com meus pedidos insistentes de desculpas. Hoje só vim agradecê-la por algo. — Encarei-o de cenho franzido. — Lembra-se da seção de movimentos fisioterapêuticos que você criou e estudou, visando exatamente o problema da minha coluna? — Assenti. — Veja isso Heaven. Ele segurou uma de suas pernas e colocou-a no chão, fora do pé de apoio da cadeira. Olhei do seu rosto para seu pé um par de vezes. Ele estava sorrindo tanto que fui incapaz de não sorrir também. — Você é meu anjo. Obrigado por isso. — Ele olhou para baixo, para seu pé, e eu fiz o mesmo. Observando perplexa, ele movimentar a perna, e depois de um grunhido de esforço conseguiu colocá-la sobre o pedestal de apoio. — Meu Deus! — gritei eufórica. Enlacei seu pescoço, o abraçando tão forte que pensei ter ouvido seus ossos se quebrando. — Isso é maravilhoso Alec. Você é tão incrível. — Continuei comemorando abraçada a ele. Seu cheiro, seu calor, sua mão afagando minhas costas... Tudo isso parecia tão certo que por um momento me esqueci de tudo que fizemos e falamos um para o outro. Meu coração batia em um ritmo tão descompassado que achei que ele fosse saltar do meu peito... Mas foi só por um momento, logo me toquei que estava agarrada a ele. E por mais que me doesse sair daquele abraço, eu o fiz. — Não imagina o quanto mamãe está feliz — falou animado. Ele me encarou sorrindo, segurando minha mão com firmeza. — Ela queria ir até sua casa para te agradecer pessoalmente, mas não deixei que ela estragasse minha surpresa. — Assenti, sentindo meu rosto corar. — Estou muito feliz por você, sério. — Sorri hesitante. — Mas se já obteve tanto avanço, isso quer dizer que está fazendo os exercícios todos os dias? — Sim, contratei dois fisioterapeutas, um traumo-ortopedista, com quem me consulto semanalmente, e uma enfermeira. A equipe é maravilhosa, e todos estão impressionados com os exercícios que você e seu grupo de estudo criaram para me ajudar. Ele contratou uma enfermeira? Parece que ele está mesmo fazendo o que insisti que fizesse durante esses dias... Seguir em frente. Já até arrumou uma enfermeira para me substituir. — Quero muito que continue assim. Você ainda pode melhorar muito, basta querer. — Agora eu sei — retrucou assertivo. — O especialista me disse que não posso obter a cura em cem por cento, mas que tenho chances muito boas de sair dessa cadeira, de andar com a ajuda de um andador e talvez até muletas. Sua felicidade era tão genuína que senti vontade de me jogar em seus braços novamente, mas não o fiz. Observei-o em silêncio por alguns segundos, vendo em minha frente um homem muito deferente da figura amargurada e que odiava sua condição, com a qual me deparei quando cheguei a sua casa há alguns meses atrás. — Fico feliz em saber que saí da sua vida deixando alguma coisa boa com você, a vontade de viver. — Ele assentiu solenemente. — Devo tudo disso a você, Heaven, e a sua insistente frase “Você não se resume a pernas”.

— Rimos saudosos. — Você não foi apenas minha tempestade, você foi o sol dos meus dias, as estrelas da minha noite, e o arco-íris que tingiu meu céu cinzento. No meu céu você é o complemento de tudo que foi me tirado. E é por isso que vou amá-la para sempre, mesmo que nunca volte pra mim. Meus olhos encheram-se de lágrimas e fui incapaz de segurá-las. Ele estava definitivamente desistindo de mim. E apesar das suas palavras lindas terem se infiltrado em meu coração e milagrosamente dissiparam a dor e amargura que eu estava cultivando, eu me sentia em pedaços por saber que ele estava desistindo. — Trouxe isso para ele. — Alec apontou timidamente para minha barriga. Ele me entregou um pacote, que eu peguei hesitantemente. — Abra! — Instruiu. Olhei-o nos olhos e só então vi que ele também chorava. De dentro da sacola eu retirei um pequeno quadro pintado à mão. Via-se ali um vasto jardim, havia uma boneca magricela e de cabelos vermelhos, um bonequinho tão magricelo quanto a boneca, sentado em uma cadeira de rodas e no meio uma garotinha de cabelos longos e negros. Mais lágrimas desceram por meu rosto, mas dessa vez não de tristeza. — É tão lindo. — Meus olhos vagaram do quadro para Alec uma dúzia de vezes. Ele também estava sorrindo em meio às lágrimas. Era o mais próximos que nos permitimos chegar desde o que acontecera, e era a primeira vez que ele mencionava o filho com tanto amor de devoção. — Essa é a nossa família, a que você me ajudou a construir — disse orgulhoso. Neguei com a cabeça. Não erámos uma família. Tudo estava acabado entre nós. — Bem, devo ir. Tenho hora marcada com o especialista hoje. — Ele capturou minha mão e beijou-a, soltando-me em seguida. Apenas assenti. Não ouve nenhum pedido de desculpas dessa vez. Ele não me pediu pra voltarmos nem para que lhe desse mais uma chance. — Vai sozinho? — indaguei preocupada. — Sim, eu vou. — Assentiu com firmeza. — Trouxe meu carro. Posso ligar para você quando quiser? Prometo que não é para lhe importunar, é só para ter notícias. — Cla... Claro — respondi de súbito. — Até logo, Tempestade. — Até, Alec. Observei-o seguir até o carro, onde entrou sem muito esforço, e logo saiu dirigindo, sem olhar para trás. Isso foi mesmo nossa despedida?

Trinta e um Heaven Um mês depois

O

lhei-me no espelho, nua, observando a mudança maravilhosa que estava acontecendo no meu corpo. Confesso que, antigamente, abominava a gestação. O corpo da mulher ficava estranho e, se você não fosse uma atriz de Hollywood com dinheiro suficiente para se encher de plástica depois da gravidez, ficava toda flácida e gorda. Mas agora não. Agora eu estava me amando! Meus seios estavam maiores, pesados, meus quadris estavam mais acentuados, minha bunda mais empinada e minha barriga havia criado uma leve curva, que só dava para perceber caso alguém passasse a mão ou se eu usasse alguma blusa justa. Eu estava linda! E sorri feliz, acariciando minha barriguinha de três meses e meio, louca para sentir meu bebê mexer. Ainda sorrindo como uma idiota sai do banheiro e fui para o meu quarto me arrumar. Coloquei um vestido florido — quem diria Heaven Luna Baker usando algo florido? Sim, as coisas mudam — e penteei os cabelos, fazendo uma maquiagem leve. Ao me olhar novamente no espelho, percebi o quanto eu estava mudada. E eu sabia que o maior culpado disso tudo era Alexander. Pensar nele me entristeceu. A última vez que o tinha visto foi há um mês, quando apareceu na porta da minha faculdade. Havia dito que iria me ligar para me dar notícias, mas não o fez, o que me levou a crer que ele tinha definitivamente me deixado de lado. Mas não era isso que eu queria? Que ele desistisse de mim? Então, por que diabos eu não conseguia ficar com o coração em paz e fazer o mesmo que ele seguindo em frente? No fundo, eu ainda era mesma Heaven; louca, sentimental e que não sabia o que realmente queria. — Heaven, está pronta? — Minha mãe perguntou, entrando no meu quarto. Um sorriso enorme se abriu em seu rosto assim que me viu. — Ah, meu Deus, você está tão linda! Esse vestido te deixou com uma barriguinha maravilhosa! Sorri para ela também, vendo que minha barriga havia ficado mesmo mais acentuada

naquele vestido florido de verão. Ela se aproximou e colocou uma mão em minha barriga e a outra em meu rosto, seus olhos se enchendo de lágrimas. — Eu estou tão orgulhosa de você, filha. Sua adolescência foi tão rebelde, seu começo na vida adulta também, mas nunca perdi as esperanças desse dia chegar. Você, linda, se formando na faculdade, fazendo o que realmente gosta. — Eu peço desculpas mamãe. Sei que não fui a melhor filha do mundo, nem a mais fácil e sinto muito por isso. — Não precisa se desculpar. Você é a melhor filha que uma mãe poderia ter. E eu te amo muito. — Eu também te amo muito, mãe — murmurei, abraçando-a. Meus olhos se enchendo d’água. — Droga, eu estou tão emotiva por causa da gravidez! — reclamei, me afastando e secando minhas lágrimas com a ponta dos dedos. — Você vai ver que isso vai piorar com o tempo. Rimos juntas. Ela me ajudou com os sapatos, e logo descemos para encontrar papai.

Olhei para o céu azul, sem nuvens, vendo vários chapéus de formaturas voando e depois descendo. Foi impossível não sorrir quando consegui agarrar um deles, sem nem saber se era o meu, o canudo com meu diploma em outra mão. Escutei uma salva de palmas e a gritaria dos formandos, sabendo que sim, eu havia conseguido, havia me formado! Abracei alguns alunos, e sai do palco, tirando a roupa pesada de formatura de cima de mim, um tanto suada naquele dia quente. Minha mãe e meu pai vieram me abraçar e quase chorei quando os ouvi dizer, pela milésima vez, que estavam orgulhosos de mim. — Antes de terminarmos, gostaria que todos tomassem o seu lugar. — O diretor Clinton falou no palco, olhando-nos atentamente. Todos sentaram, e eu fui para o meu lugar na fileira da frente, sentando ao lado de alguns colegas de classe. — Hoje é um dia feliz, onde podemos expressar todo o orgulho que sentimos de nossos alunos. Mas tem uma aluna em especial que precisa ser citada aqui no palco — elucidou orgulhoso. — Quando soube de sua história, tive a certeza que não poderia deixá-la sair dessa formatura sem dar os devidos créditos a ela. Olhei em volta, procurando a tal aluna foda, mas não vi nada de mais. Na verdade, todas as alunas estavam procurando-a, assim como eu. — Mas não sou eu que vou falar sobre ela. Há uma pessoa aqui que a conhece melhor do que ninguém, e saberá como conduzir todo esse agradecimento. Por favor, recebam com alegria o senhor Alexander Bennet. Virei o meu pescoço tão rápido para o palco que um estalido preencheu meu ouvido, junto com a salva de palmas. O palco ficou vazio e depois de alguns minutos, eu o vi. O meu coração quase parou. Alec entrou andando lentamente, apoiado em um andador, até o centro do palco. Parou em frente ao microfone e olhou para todo mundo, pousando os olhos em mim. — Boa tarde a todos. — Ele começou placidamente, e eu quase chorei quando ouvi sua voz de novo. Porra de hormônios! — Como o diretor Clinton gentilmente adiantou, tem uma mulher

aqui que é muito especial. — Seu sorriso se acentuou. — Essa mulher entrou na minha vida de repente, colocando tudo de cabeça para baixo, mexendo em meu mundo tão desfocado e vazio. Ela preencheu cada recanto, alterou cada mínimo detalhe, desde o meu coração gelado até a minha condição física. Antes dela, nada fazia muito sentido. Eu não via porque lutar para mudar a minha vida, para sair do poço sem fundo em que eu mesmo havia me enfiado. Ela não só me transformou em um homem melhor, como me mostrou que eu não me resumo “apenas nas minhas pernas”. Ri, a visão ficando embaçada pela torrente de lágrimas. Ao meu redor havia um burburinho e suspiros de emoção. “Essa mulher incrível pesquisou sobre minha doença, enfiou a cara nos livros, conversou com especialistas e montou uma série de exercícios que, hoje, me permite andar com a ajuda desse andador. Quando soube que ia ficar paraplégico, vários médicos haviam deixado claro que eu jamais voltaria a andar, e eu acreditei. Mas então, ela apareceu na minha vida e foi até mesmo contra uma sentença médica medicina e operou um verdadeiro milagre, em que um dos melhores fisioterapeutas dessa cidade demorou em acreditar”. “Eu devo tudo isso a ela e seus companheiros de pesquisa. Homens e mulheres incríveis, que lutaram ao lado dela. Devo cada passo que estou dando, cada movimento que minha perna faz hoje, cada mínima sensibilidade que sinto. Devo a ela cada batida do meu coração, porque hoje ele só vive por causa dela, por causa do amor que sinto. Ela é a mulher da minha vida, está carregando um filho meu, contra as possibilidades, e, ainda assim, eu fui idiota o suficiente para perdê-la. Mas estou aqui para reconquistá-la a todo custo”. Ele parou por um instante. Minhas lágrimas desciam como quedas de cachoeira, molhando meu rosto e pingando em meu vestido. Meu coração batia tão forte que pensei que ele pularia do peito. E ali eu soube, o perdoei. Perdoei cada palavra que ele havia me dito, cada olhar frio que havia dirigido a mim, cada rachadura que provocou em meu coração. Eu o amava tanto, mas do que tudo, e seria uma verdadeira burrice se não o perdoasse. Eu não poderia enterrar esse amor embaixo de toda a amargura. Pensei em me levantar, mas minhas pernas não obedeceram e, nervosa, o vi abrir a boca novamente. — Tempestade, minha Tempestade. Eu me arrependo a cada segundo de toda a merda que falei para você, me arrependo por cada lágrima que você derramou por mim. O modo como você cuidou de mim, como pesquisou todos aqueles exercícios, só me prova que você será a melhor mãe do mundo e a esposa mais perfeita que um homem pode ter. Idiota fui eu por um dia ter falado, mesmo da boca pra fora, que você não seria. O modo como me tocava, como me beijava, só me prova que eu sou o único homem para você e, novamente, eu fui idiota por pensar que eu não era. “Eu te amo, Heaven Luna Baker. Te amo com todo o meu coração, com toda a minha alma, e estou muito, muito orgulhoso de você. Por favor, minha Tempestade, volta pra mim. Me permita amar você e nosso filho a cada segundo, cuidar de vocês como nunca foram cuidados, por favor”. Não consegui me impedir. Apenas me levantei e sai correndo, indo para a lateral do palco e subindo as escadas para ir até ele. Quando cheguei perto, parei e me joguei em seus braços, tomando cuidado com seu corpo.

— Ah, meu amor... Meu amor... — Ele murmurou e o senti soluçar, chorando junto comigo. Ouvi palmas de novo, alguém gritando, mas tudo ficou muito, muito distante. Havia apenas eu, Alec e nosso filho, envoltos em uma bolha de emoção que apenas nós três sentíamos. — Eu te perdoo Alec. Eu te amo tanto! — Ofeguei, sentindo-o pegar meu rosto com uma das mãos. — Eu te amo muito mais, Tempestade. Muito mais. Sorri pra ele em meios às lágrimas e me aproximei, beijando-o com força, finalmente me sentindo completa em seus braços.

Trinta e dois Heaven

Q

uando voltei do torpor que me encontrava, pude me dar conta de que ainda estávamos no palco, nos beijando, com algumas dezenas de pessoas nos observando. Nunca fiz a linha tímida, mas senti meu rosto corar. Enterrei meu rosto no pescoço de Alec, sentindo seu cheiro tão família, e do qual eu sentia tanta falta. — Vamos sair daqui? — sussurrou em meu ouvido. Eu elevei meu rosto, encarando-o. Ambos estávamos com sorrisos abertos nos lábios e os olhos vermelhos. — Vamos — disse firme. — Me ajude aqui. — Ele estendeu sua mão para mim e eu segurei-a, sentindo-me completa e em paz novamente. Como se por todos esses dias de distância eu tivesse ficado enclausurada em um lugar escuro e sem vida, e agora estava de volta a luz. Senhor Clinton passou por nós, nos cumprimentando com um aceno de cabeça e um sorriso. Logo tomou seu lugar no palco, dissipando a atenção de todos, que estava dirigida a Alec e eu. Sua cadeira de rodas estava encostada em um canto abaixo do palco. Alec sentou-se nela assim que nos aproximamos. — Não consigo ficar muito tempo de pé ainda — explicou-se. — Você é um guerreiro. — Parei em frente a sua cadeira, inclinando-me para beijar seus lábios. — Nós temos muito orgulho de você. — Nós! — Ele repetiu com um sorriso triste. — Eu fui tão idiota... Nunca irei me perdoar pelo que disse a você com relação a esse bebê...

— Shhh. — Calei-o com mais um beijo. — Vamos esquecer o passado e seguir em frente. — Ele assentiu, repousando hesitantemente a mão em minha barriga. — Ela cresceu. — Constatou emocionado. E não pude conter minha emoção. — Essa garotinha é o nosso milagre. — Garotinha? — Será uma menininha, eu aposto... Tão linda e rebelde quanto à mãe. — Nada disso — retruquei, meneando a cabeça. — Será um garotinho, tão lindo e turrão quanto o pai. — Rimos de nossas especulações como dois bobos. — Vamos fugir daqui? — indagou, mordendo o lábio inferior. Sem que eu esperasse, ele me puxou para seu colo, fazendo-me sentar. — Estou morrendo de saudade de você, do seu corpo. — Ele salpicou um beijo em meu pescoço, que me fez arrepiar. — Só se for agora, garotão. — Me mexi em seu colo e ele soltou um breve gemido. — Na sua ou na minha? — A mais próxima daqui — disse entre risos.

A casa estava vazia, na completa penumbra. Claro, meus pais haviam ficado lá na festa. E sabia que minha mãe daria um jeitinho de chegar bem tarde. Acendi as luzes e virei-me para olhar Alec. — Quero que conheça um lugar especial. — Sorri empolgada. — Faz tempo que não vou até lá, mas a vista é muito bonita. — Me prostrei atrás de sua cadeira e guiei-o até os fundos da casa. No lado esquerdo da casa havia um alpendre, coberto de telha velha e com as madeiras que o sustentavam bem gastas. Eu amava aquele lugar. Sempre fora meu refúgio quando estava de mal com alguma coisa. Era pequeno, e uma parede da casa impedia que a vizinhança visse o que se passava ali. No chão estava um tapete felpudo, duas almofadas grandes e, no cantinho, uma rede. Não cabia mais nada ali, e aquilo era o suficiente para uma adolescente emburrada. Mas não era a simplicidade do lugar que tirava seu encanto. Daquele lugarzinho tinha-se uma visão privilegiada do céu. Sem telhados para atrapalhar, sem fiações, tudo que se via dali era um pedaço do céu limpo e espetacularmente bonito. — Nem me lembrava do quão bonito era isso tudo — Suspirei, olhando o céu a minha frente. As nuvens brancas começavam a se esvair, entrevendo o sol alaranjado de um começo de fim de tarde. — Não consigo imaginar algo mais bonito que você — replicou. Virei-me, lhe lançando um sorriso. — Seu galanteador barato. — Brinquei. Ele riu, dando de ombros. Virei-me para contemplar o céu mais uma vez. — Tempestade? — sussurrou. Assim que voltei a fitá-lo, vi que Alec havia saído da cadeira e estava sentado no tapete, as costas apoiadas nas grandes almofadas. — Venha aqui, amor. Antes de atender seu pedido, levei minhas mãos até a barra do vestido e deslizei-o pelo

meu corpo, ficando apenas de lingerie. Alec arfou, passeando o olhar por todo meu corpo. — Estava um pouco quente. — Brinquei, enquanto sentava-me em seu colo. — Você está ainda mais linda. — Sua mão deslizou por minha bochecha e eu fechei os olhos, deliciada com a sensação do seu toque. Seus dedos infiltraram-se em meus cabelos, e um instante depois sua boca estava sobre a minha, intensa, exigente, faminta, e com um toque de carinho que sempre vinha acompanhado da sua intensidade. Suas mãos passearam ávidas por todo meu corpo, apertando, sentindo, puxando-me para cada vez mais perto, enquanto sua boca me devorava. Ele desfez o fecho do meu sutiã e passou-o por meus braços, jogando-o em um lugar qualquer. Seus lábios então migraram para meu pescoço, onde ele provou sem presa a pele, mordiscando-a, lambendo-a, me deixando louca. Quando sua boca alcançou meus seios, pendi minha cabeça para trás e rebolei contra seu colo, sentia meu sexo pulsar forte... Eu não aguentaria por muito tempo, precisava tê-lo dentro de mim, precisava provar para mim mesma que aquele não era mais um sonho. Desfiz os botões de sua camisa rapidamente, arrancando impacientemente um ou outro durante o percurso. Joguei sua camisa longe, e foi minha vez de me deleitar em sua pele macia e quente. Beijei-o e mordisquei-o em todos os lugares que minha boca alcançava, sussurrando obscenidades em seu ouvido e rebolando em seu colo, com cada vez mais ênfase. Estávamos suados, ofegantes, e já podia sentir o membro dele duro, roçando meu clitóris inchado. — Não aguento mais Alec. — Implorei sôfrega, agarrando-me em seus cabelos, enquanto o observava se perder em meus seios. Sugando-os e mordiscando-os como se fossem frutas maduram. Ele sorriu sacana, enfiando uma mão dentro da minha calcinha e me tocando. Seus dedos trabalharam em meu clitóris sensível incansavelmente, enquanto sua boca mordiscava meus mamilos intumescidos. Podia sentir o prazer se avolumando em meu baixo ventre. — Alec! — gritei, segurando o pulso da sua mão, que continuava a pressionar meu clitóris. Pendi a cabeça para trás e apertei os olhos, enquanto espasmos tomavam conta do meu corpo. Enterrei a cabeça na curva do seu pescoço, para me recuperar da onda de prazer, e permanecemos assim por poucos segundos, em completo silêncio. — Levante-se Tempestade — pediu. Obedeci-o prontamente. Apesar de ainda sentir minhas pernas bambas. Alec desceu a calcinha por minhas pernas e logo também estava livre de sua calça e boxer. A visão do seu pau duro e completamente alterado me deu água na boca. Ele me pegou olhando descaradamente. — Sei o que está pensando, safada. — Ele me puxou para baixo, e voltei a me sentar em seu colo, em meio a risos. — Não hoje. Preciso muito me enterrar em você. — Então faça, oras. Ele tomou meus lábios, enquanto posicionava-se, e enterrou-se em mim em uma única estocada. Urramos de prazer.

Eu segurei seus ombros e apoiei minhas pernas começando a descer e subir sobre ele, primeiro em uma cavalgada lenta e prazerosa. Podia sentir cada centímetro do seu pau se afundando em mim, me alargando, atingindo todos os nervos certos para me deixar louca. Não aguentamos por muito tempo naquele ritmo. Alec espalmou as mãos em minhas nádegas e passou a ditar o ritmo, que agora era rápido e ainda mais profundo. — Alec... Oh Deus. — Lamuriei, pendendo minha cabeça para trás. Seus lábios atacaram meu pescoço, sua mão migrou para o meio de minhas pernas, onde ele pressionou meu clitóris, e fui incapaz de segurar mais uma onda de prazer que me devastava. Rebolei, sentindo seus dedos afundarem na carne de minha bunda, enquanto um gemido gutural escapar de sua boca e ele derramava-se dentro de mim. Passamos alguns instantes assim, abraçados, ofegantes, em estado de plenitude. Alec enfim se moveu e me ajeitou em seu colo, apoiei minha cabeça em seu ombro, fitando seu perfil, e ele espalmou a mão em minha barriga. — Heaven, você ainda me ama? — Quebrou o silêncio. — Que pergunta Alec! É claro que sim! — disse com firmeza. Ele me fitou e sorriu amplamente. — Então se case comigo. Seja minha para o resto de nossas vidas, me deixe te provar todos os dias o quanto a amo, me deixe te reconquistar todas as noites, me deixe envelhecer ao seu lado... Me faça o homem mais feliz desse mundo? — É claro que caso, meu amor... É claro que sim. — Segurei seu rosto entre as mãos e beijei-o mais uma vez. — Eu te amo tanto. — Eu te amo mais que tudo nesse mundo. A noite já pintara o céu de azul escuro e as estrelas já brilhavam, dando a noite o encantamento que só elas davam. — Alec, uma estrela cadente, faça um pedido! — Exigi, lhe apontando o céu. Ele fechou os olhos por um segundo e eu também, quando abri novamente ele estava me olhando. — Meu pedido já se realizou. Essa estrela é mesmo eficiente. — Brincou, me arrancando um riso.

Epílogo Alec 5 anos depois É interessante, complexo e altamente misterioso como sua vida pode mudar do dia para a noite. Minha vida mudou completamente há muitos anos atrás, quando sofri o acidente que me deixou impossibilitado de andar. Desde então pensei que minha vida tivesse acabado, que passaria o resto dos meus dias prostrado nesse quarto, reclamando por não ter morrido logo de uma vez, e sendo covarde o suficiente de não acabar com o martírio que era minha vida. Nunca fui muito religioso, nem levei a sério a frase clichê de que “Deus escreve certo por linhas tortas”, até conhecer Heaven. E todos os dias meu cérebro refaz milhares de perguntas, as quais eu tenho respostas concretas e absolutas. Se eu não tivesse sofrido aquele acidente? Claro, não conheceria Heaven. Provavelmente estaria casado com Sarah. Sim, eu teria todas as funções que o acidente tirou de mim, mas eu seria feliz? Olhando agora para minha mulher e meu filho, que corriam entre risos, a alguns metros de distância, eu respondo com toda a convicção do mundo, eu não seria feliz. E mais uma vez dei razão a Heaven e a todas as vezes que ela me disse que eu não me resumia a pernas. Nunca pensei que aquela garota maluca iria me ensinar tanto, nem que seríamos tão felizes juntos. Tudo em minha vida hoje parece se encaixar com perfeição. Abri uma filial da empresa na cidade ao lado, onde vou trabalhar três vezes por semana. Tenho avançado cada vez mais nos tratamento, e hoje consigo passar um tempo bem maior me locomovendo com o andador, recuperei muitos reflexos e até minha potência sexual foi melhorada — Não que precisasse, mas quando a coisa envolve sexo, nunca é demais — Também pudera, eu tenho em casa uma mulher lindíssima, gostosa, sexy pra cacete, e ainda por cima é uma especialista espetacular em sua área de atuação profissional. Pois é, Heaven se formou há quase um ano atrás em outra faculdade, dessa vez Fisioterapia, seu Trabalho de Conclusão de Curso foi publicado pela maior revista de ciência dos EUA. A linha de exercícios que ela criou para ser aplicada em mim, e que teve resultados inesperados, foi patenteada com meu nome, e hoje é aplicado por diversos profissionais da área.

Ela é professora de duas faculdades das redondezas e trabalha no hospital da cidade. Preciso dizer que morro de orgulho? Eu, além de continuar cuidando da empresa, que vai muito bem, diga-se de passagem, babo por meu filho e por minha mulher em meu tempo livre. Um som de risada infantil ecoou pelo jardim e fui incapaz de não sorrir também. Olhei na direção dos meus dois maiores amores novamente, dessa vez focando no rosto e sorriso da mulher da minha vida, e foi impossível não me lembrar do dia do nosso casamento, há quatro anos. “Heaven caminhou até mim com seu vestido branco soltinho, que evidenciava sua barriga redondinha. Ela não engordou muito na gravidez, mas foi o suficiente para deixá-la ainda mais linda. Seu sorriso enquanto caminhava até mim jamais se apagará da minha memória. E o meu não era nada diferente. Naquele dia em especial eu gostaria muito de ter passado toda a cerimônia de pé, com o auxílio do andador, mas não foi possível, pois estava com uma dor lombar terrível. Mas sinceramente nem me importei com isso. Quando nos olhamos e exaltamos em voz alta o nosso “sim”, tudo ao meu redor sumiu. Restando apenas no mundo Heaven, eu e nosso filhinho, que estava crescendo forte e saudável em sua barriga, como prova da força do nosso amor.” — Sabe que nunca me canso de ver esse sorriso de felicidade em seu rosto. — Uma mão pequena e delicada repousou em meu ombro. Ao olhar para cima dei de cara com minha mãe sorrindo abertamente. Gostava do sorriso que sempre via em seu rosto agora. Ela não se cabia de felicidade desde meu casamento, principalmente por meu pai ter ido à cerimônia, e nesse mesmo dia tivemos uma conversa definitiva. Eu não diria que ficamos melhores amigos, mas as brigas cessaram desde então, e ele é um avô muito coruja hoje em dia. Como disse antes, tudo em minha vida entrara nos trilhos nesses últimos anos. Não tive nem o desprazer de cruzar com Sarah ou Simon outra vez. — Tem como não ser feliz? — indaguei abobalhado. Ela seguiu meu olhar, que estava fixo mais à frente. — É impressionante como esse garotinho é a sua cara, Noah não poderia ser mais idêntico a você que isso. Parece que viajei no tempo e estou te vendo com quatro aninhos correndo por esse jardim. Mãe sempre exagera, é verdade, mas dessa vez Kathe está coberta de razão. Todos ficam impressionados com a semelhança. Heaven capturou Noah e o aprisionou em um abraço, correndo com ele até onde mamãe e eu estávamos. — Amor, esse moleque me deu uma canseira. — Ela inclinou-se para me beijar rapidamente e sentou-se na grama ao meu lado, completamente ofegante. — Como está indo a plantação de orquídeas, Kathe? — Minhas flores estão tão bonitas quanto você, querida. — Heaven corou, baixando a cabeça. Gostava dos seus rompantes raros de timidez. Ela ficava adorável.

— Papai, a mamãe é muito fraca, nem conseguiu me vencer na corrida. — Noah se pronunciou, falando com uma altivez impressionante para um garotinho de quatro anos. — Ah é, moleque? Venha aqui. — Ele correu, pulando para se sentar em meu colo. Dei-lhe um beijo na sua bochecha gordinha e baguncei seus cabelos. — Não conta pra ela, mas também acho isso. — Alec! — Heaven repreendeu-me, dando-me um leve empurrão. — Não atice seu filho. — Ei, meu amorzinho, vamos até a cozinha comer bolo de chocolate com a vovó? — Mamãe interveio. Noah pulou do meu colo um segundo depois. — Vamos logo vó. Vencer a mamãe me deixou com fome. — Ele segurou a mão de minha mãe e saiu praticamente a arrastando, deixando Heaven e eu para trás, aos risos. — Esse garoto está cada vez mais esperto. — Assenti, concordando com minha linda esposa. — Venha aqui. — Bati com as duas mãos em meu colo e Heaven prontamente me obedeceu, se aconchegando ali. Tirei alguns fios de cabelo que grudavam em seu rosto, colocando-os atrás da orelha, e a olhei por alguns instantes, antes de beijá-la intensamente. — Lembre-se que estamos no jardim — repreendeu entre risadas, quando minha mão alisou com mais ênfase sua coxa. — Você sabe que a amo perdidamente, não é? — Ela sorriu, entrelaçando nossas mãos. — Sei, por que te amo na mesma proporção. E não sei qual tipo de magia que usou para me laçar senhor Bennet. Só sei que ela tem um efeito irredutível, e só consigo te amar mais e mais todos os dias. — Estava prestando atenção em algo esses dias. Faz tempo que não te chamo de Tempestade, não é? — Ela assentiu, franzindo o cenho. — Eu sinto saudades do apelido. — Não sei se dar para te chamar só assim, por que eu descobri que você foi, é, e será em minha vida muito mais que apenas uma tempestade, talvez um furacão. — Ganhei uma risada como resposta. — Você é meu sol, minha lua, minhas estrelas, você é meu céu inteiro, e tudo que o compõe. Meu dia, minha noite... Eu não consigo imaginar o que fiz de tão bom para ter você em minha vida. — Um amplo sorriso se abriu em seus lábios, enquanto seus olhos enchiam-se de lágrimas. — E você é minha vida — disse simplesmente. Nos beijamos mais uma vez. É, a vida é mesmo engraçada e surpreendente. Quem diria no começo dessa história que eu acabaria casado com Heaven, pai de um molequinho lindo... E simplesmente o homem mais feliz desse mundo. Que soe clichê, mas é a mais pura verdade. Eu descobri que não precisava das minhas pernas para ser feliz. E foi a pessoa mais improvável do mundo que me mostrou isso, que me tirou da escuridão e operou em mim uma mudança completa. Pois é, às vezes só precisamos dar uma chance para a felicidade, e ela vem e toma conta da gente sem deixar espaço para mais nada.

Fim.
Enviando No meu céu - Paula L. Jackson & Tamires Barcellos

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