De Repente, Você - Tamires Barcellos

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De repente, você

Copyright © 2016 Tamires Barcellos Capa: Dri Harada Revisão: Tamires Barcellos Diagramação Digital: Tamires Barcellos Esta é uma obra de ficção. Seu intuito é entreter as pessoas. Nomes, personagens, lugares e acontecimentos descritos são produtos da imaginação da autora. Qualquer semelhança com nomes, datas e acontecimentos reais é mera coincidência. Esta obra segue as regras da Nova Ortografia da Língua Portuguesa. Todos os direitos reservados. São proibidos o armazenamento e/ou a reprodução de qualquer parte dessa obra, através de quaisquer meios — tangível ou intangível — sem o consentimento escrito da autora. Criado no Brasil. A violação dos direitos autorais é crime estabelecido na lei n°. 9.610/98 e punido pelo artigo 184 do Código Penal.

Essa é uma história de amor que pode estar acontecendo agora mesmo, em algum lugar do mundo. Essa é uma história de amor que pode acontecer com você. Apaixone-se pela simplicidade e pelo o amor em sua forma mais contagiante. Beijos! Com amor, Tamires Barcellos.

Sinopse Helena Antunes acreditava apenas em uma coisa: ela necessitava de paz. Seu mundo havia virado de cabeça para baixo depois de um acontecimento terrível, que tirou seu chão e a desestruturou. Precisava se afastar de tudo e todos que a lembravam do que havia passado e que a sufocavam com uma preocupação que só a colocava ainda mais para baixo. Com isso mente, largou sua vida no Rio de Janeiro e se mudou para Santa Catarina, esperando que o Sul do país a isolasse e desse a ela a paz que tanto necessitava. Seu plano era se manter dentro da casinha que havia alugado, sem muito contato com o mundo exterior e as pessoas a sua volta. Mas, logo no primeiro dia, seus planos vão por água a baixo quando conhece, por acaso, com um homem de tirar o fôlego. Poderia ser apenas mais um encontro do acaso, daqueles em que você vê a pessoa apenas uma vez e depois, nunca mais. Poderia, mas não era. Porque o homem em questão, era seu vizinho. Um homem diferente de tudo o que ela já havia conhecido. Daniel Huberman era um homem de beleza magnífica, mas simples, educado, gentil, prestativo e com um humor infalível. Sem que ela perceba, uma amizade nasce entre eles e, conforme ela vai conhecendo ainda mais a faceta do homem que mora ao lado, ela também descobre uma coisa: Corria o sério risco de se apaixonar por ele.

Prólogo Helena Rio de Janeiro — Primeiro de outubro de 2016 Coloquei a última peça de roupa em minha mala e, com as mãos trêmulas, fechei rapidamente o zíper. Estar novamente naquele quarto, fazia meu estômago se revirar, meu coração acelerar e a minhas pernas ficarem bambas. Tirei a mala de cima da cama com rapidez e ouvi, novamente, a voz hesitante de minha irmã: — Irmã... Por favor, pense bem. Tem certeza que quer se distanciar de todos nós? — O problema não são vocês, Bel... O problema é este lugar. — Mas você pode ficar na minha casa. Na casa dos nossos pais. A mamãe, ela... — Eu sei que a mamãe me quer por perto, eu entendo que todos vocês me querem por perto, mas, eu preciso ir. Eu preciso desse tempo só para mim, longe dessa casa, dessa cidade... Longe das lembranças. Longe... de tudo. Isabel suspirou e, com passos vacilantes, se aproximou de mim. Esticou os braços, como se quisesse me abraçar e, para não a desapontar, fui em sua direção. A abracei, sentindo o cheiro da minha irmã, minha melhor amiga. — Muito obrigada — sussurrei em seu ouvido, sentindo-a me apertar um pouco mais forte. — Pelo que, Lena? Por ter sido tão cega durante todo esse tempo? Por só ter percebido tudo, quando já era quase tarde demais? Eu fui tão relapsa. Talvez, se eu tivesse prestado um pouco mais de atenção, nada disso teria acontecido e você não precisaria ir embora agora. Não estaria sofrendo tanto. — Não tinha como você perceber, nós sabemos disso — falei, me afastando um pouco. Toquei em seu rosto e limpei uma lágrima que havia escapado de seus olhos. — Você foi meu porto seguro durante todo esse tempo. Eu jamais poderei agradecer o suficiente por tudo o que você fez por mim. — Eu sou sua irmã. Eu te amo e é claro que eu ficaria ao seu lado. Eu sempre estarei ao seu lado. Ela sorriu um pouco e se afastou, passando os dedos sob os olhos para dispersar as lágrimas. — Você pode ao menos me dizer para onde vai? Não é para fora do Brasil, é?

— Não, não é para fora do Brasil. Vou para Santa Catarina. — Vai ficar em qual hotel? — Em nenhum. Eu aluguei uma casa. — Casa? — Sim. Entrei em contato com uma imobiliária da região. A casa é pequena e aconchegante, é tudo o que eu preciso. — Mas, se você alugou uma casa... Então, você não sabe quando vai voltar? — Fechei com a imobiliária um contrato de seis meses. Era o tempo mínimo para que eles me alugassem a casa. — Mas você vem passar o natal conosco, não é? A virada do ano? — perguntou, aflita. — Por favor, Lena, não diga que não. — Eu acho que venho. — Bom, achar já é um avanço. Assenti e, sem olhar ao redor, peguei em minha mala e falei: — Vamos? Eu preciso sair deste lugar. Ao lado da minha irmã, saímos daquele lugar que, no começo de tudo, era a parte que eu mais amava naquela casa. Em seguida, sai daquele lugar que, há quase três anos, eu chamei pela primeira vez de meu lar. Como eu estava enganada. Ali foi o começo do fim da minha vida.

Capítulo 1 - Helena Joinville — Santa Catarina — Como eu falei para a senhora pelo telefone, a casa passou por uma reforma há pouco mais de dois meses. A parte elétrica foi toda modificada, alguns canos e tubulações que estavam rachados e formando infiltrações, também foram trocados. E o mais importante, a casa está mobiliada, como a senhora tanto procurava e queria — disse Simone, representante da imobiliária. A casa era simples, mas muito bonita. Ficava em uma cidade com pouco mais de 11 mil habitantes, chamada Glória, há um pouco mais de dois quilômetros de Joinville. Ao contrário das casas no Rio de Janeiro, ali — pelo menos naquela rua que me parecia tão calma —, a maioria das casas tinham os muros baixos, com um pequeno portão de ferro na entrada. A fachada da minha casa era pintada de azul claro e logo me deu uma sensação que eu já não sentia há um bom tempo: aconchego. Simone abriu o pequeno portão para mim e esperou que eu passasse. O pequeno quintal da frente tinha a grama aparada e um canteiro com pequenas flores coloridas. Subimos os quatro degraus que nos levava a porta de madeira branca. Olhei ao redor, curiosa, enquanto Simone destrancava a porta. — Acho que já deu para perceber que a vizinhança é bem calma. — Sim, e isso é incrível. De onde eu venho, tudo é muito agitado. — Rio de Janeiro, não é? — eu assenti e ela continuou: — Nossa, eu fui lá uma vez, com o meu marido. É tão lindo! Me apaixonei por tudo, principalmente pelo Cristo Redentor. Que monumento! E a vista do Corcovado? É de tirar o fôlego! — É sim. O Rio é uma cidade maravilhosa, não nega o apelido — comentei, entrando na casa. A sala era linda. Toda pintada em um salmão bem fraquinho, com sofás em cor creme, uma estante e mesinha de centro de madeira. Simone me levou para uma pequena copa, onde tinha uma mesa de madeira com quatro lugares e, logo depois, passamos por um corredor que nos levou a uma cozinha comum, mas muito confortável, com espaço suficiente para uma pia grande, um fogão de quatro bocas, uma geladeira, armários e uma mesa de ferro com tampo de vidro e mais duas cadeiras. Na cozinha tinham duas portas, uma que dava a área de serviço e outra que levava para um quintal maior e bem cuidado. De volta a sala e ao corredor, paramos em frente ao banheiro, que, como ela havia comentado comigo por e-mail, também tinha passado por reformas e estava com pia, sanitário e chuveiro novos. Uma porta de blindex dava privacidade ao box.

O único quarto que tinha na casa, foi a parte que mais gostei. Era simples, pintado de rosa claro, com uma cama de casal, um armário fixo na parede, mesinhas de cabeceira e uma grande janela, que dava vista para o jardim florido da casa vizinha, mas que não tirava nem a minha privacidade, nem a privacidade de quem morava ao lado. — É perfeito! Estou encantada. — Fico muito feliz que tenha gostado — Simone disse, sorridente. — Espero que seja muito feliz aqui, senhora Helena e que fique por muito tempo. Aqui estão as suas chaves. Peguei o pequeno chaveiro que ela me oferecia, onde continha a chave da porta da frente, da porta da cozinha, da área de serviço e do portão no quintal. — Já disse para me chamar de Helena — falei e ela assentiu. — Espero que eu seja feliz aqui também, Simone. E que seja capaz de esquecer tudo o que deixei para trás. A acompanhei até o portão e assim que ela entrou no carro e partiu, eu fiquei mais um tempo no portão. Era fim de tarde, o sol estava se pondo e aproveitei aquele momento para olhar para o céu alaranjado e respirar fundo, torcendo para que aquela mudança também mudasse tudo dentro de mim. *** Terminei de arrumar parte das minhas roupas na gaveta do armário e olhei ao redor. Bem, ainda tinha uma mala e meia cheia de roupas e alguns sapatos, bem como minha mala de mão, que tinha alguns itens pessoais como maquiagens, escova e pasta de dentes e cremes para cabelo. Comecei a ponderar minhas opções. Eu poderia, 1: terminar de arrumar minhas coisas e só ir dormir de madrugada; 2: dar ouvidos ao meu estômago que começava a gritar de fome; 3: consultar o Google e procurar algum mercado para abastecer minha dispensa. As opções 2 e 3 venceram. Larguei tudo o que estava fazendo, calcei meus sapatos, peguei minha bolsa e meu celular. Consultei e Google e achei um mercado próximo, onde dava para ir a pé. Era perfeito. Eram pouco mais de oito da noite e alguns vizinhos estavam na rua, batendo papo. Alguns acenaram para mim e eu acenei de volta, em um gesto que prometia que eu iria me apresentar depois. Com a ajuda do Google Maps, comecei a caminhar pelas ruas, sentindo meu estômago roncar de uma forma que não era gentil, me lembrando, pela milésima vez, que eu só havia comido no avião. — Eu sei, companheiro, estamos há algumas horas sem comer. Eu já vou resolver isso. Ele roncou de volta, dramatizando. Bem, eu tinha mania de conversar com partes do meu corpo. Com as paredes. Com a televisão. Certo, eu tinha mania de falar sozinha, mas eram poucas vezes. Pelo menos, eu achava que sim,

pois quase nunca percebia que eu estava murmurando algo para ninguém em específico. Já estava próximo ao mercado, quando vi uma padaria aberta, bem na esquina da rua onde eu estava. Meu estômago falou, minha boca salivou e minhas pernas me levaram automaticamente a padaria tão bonita. Subi os degraus e percebi que, mesmo em um horário considerado tarde, a padaria estava com grande movimento. Logo entendi o porquê, quando vi uma parte ao lado do balcão, onde tinha algumas prateleiras, que transformavam a padaria em uma mercearia. Sem conseguir focar em mais nada, me encostei no balcão e esperei que a moça na minha frente terminasse de fazer o pedido a um senhor baixinho e de cabelos quase todo branco. Ele entregou a ela uma sacola com e ela se despediu com um sorriso, prometendo voltar no dia seguinte. Em seguida, ele se virou para mim e perguntou: — O que vai querer, menina bonita? Sorri ante ao elogio e apontei para o balcão: — Esse sanduíche de peito de peru deve estar uma delícia. — E está mesmo. Minha Manuela, cozinha como uma deusa da comida. Eu faço os pães e ela cuida de todo o resto — disse ele, pegando o sanduíche e colocando-o a minha frente. — Aliás, a menina é nova por aqui... — Sim, me chamo Helena Antunes, sou a nova moradora da rua Mendes. — Da casa 303? — Isso — respondi e dei uma mordida no sanduíche, que, sinceramente, estava maravilhoso. — Hm... Uma delícia! — Eu disse, minha Manuela é uma deusa — respondeu, colocando um copo com suco para mim. — Eu sou Josué Firmino, mas todos me chamam de seu Jô. — Seu Jô, o seu pão também é divino. O senhorzinho ficou com as bochechas coradas e abanou a mão, sorrindo. — Que nada, é tudo culpa da minha Manuela, tudo obra dela... Dei um sorriso e mordi mais uma vez, com fome, mas porque também estava delicioso. Seu Jô comentou algo sobre o suco ser de laranja, da fruta, porque ele não gostava de nada industrializado. Eu sorri novamente e, então, uma voz grave soou atrás de mim: — Seu Jô, acabei de entregar as compras na casa da senhora Rosa. Olhei para trás, mais por curiosidade do que por qualquer outra coisa e quase — por realmente muito pouco — me engasguei. A minha frente tinha um homem alto, com 1,95 no mínimo, forte. Vestia calça jeans, tênis e uma camisa branca de meia manga. Tinha o semblante sério, mas não duro; seu maxilar me parecia muito bem definido, coberto por uma barba por fazer em tom cobre, próximo aos loiros do seu

cabelo. E que cabelo. Caramba! Eu poderia ver uma mulher se matando para ter aquele cabelo comprido, loiro e bonito, que estava preso em um coque bagunçado em sua cabeça. Sem contar nos olhos azuis. Como dizia uma colega minha: ele era um pacote do pecado. — Daniel, venha cá — Seu Jô disse, chamando não só a atenção dele, mas a minha também. Disfarcei e comi mais um pedaço do meu sanduíche, enquanto ele se aproximava. Em duas passadas ele já estava em frente ao balcão, do meu lado. — Já conhece sua nova vizinha, a menina Helena Antunes? Nova vizinha. Helena Antunes. Ok... Eu. Nova vizinha dele. Jesus Cristo! Ele se virou para mim e me olhou. Certo, eu não estava no meu melhor dia. Quer dizer, eu tinha enfrentado um voo de algumas horas, não dormia bem há dias — ok, há meses —, meu cabelo, que era tão bonito todo encaracolado e cheio, que eu tanto me orgulhava, estava maltratado e enrolado em um coque — que, infelizmente, não era tão charmoso quanto o dele — e eu nem tinha passado um gloss antes de sair de casa. E o pacote do pecado estava me olhando. Perfeito. — Não — ele disse e então, estendeu a mão para mim. — Daniel Huberman. — O menino é chique, menina Helena, tem descendência alemã. Engolindo pedaço do sanduíche que havia parado no meio da minha boca, sorri um pouco e apertei a mão dele. A enorme mão dele, que quase engoliu a minha. — Helena Antunes, a nova vizinha. — Seja bem-vinda. Fico feliz que alguém tenha ocupado a casa 303. Já estava desocupada há um bom tempo. — Eu também estou muito feliz, porque a casa é linda e muito aconchegante. Certo. Chegamos naquela parte em que não tinha mais assunto. Por isso, voltei a comer o restinho do meu sanduíche, enquanto Daniel deu a volta e entrou no balcão. Entregou algo a seu Jô, acho que foi dinheiro e algo mais. Terminei de comer, bebi meu suco e, pedindo licença, perguntei: — Quanto devo, seu Jô? Seu Jô sorriu para mim e disse:

— Nada, menina Helena. Considere como um lanche de boas-vindas. — Como? Não, seu Jô, por favor... Faço questão de pagar... — E eu faço questão que aceite o meu presente. — Se eu fosse você — pacote do pecado, quer dizer, Daniel, falou: —, nem discutia. Esse aqui, quando coloca algo na cabeça, ninguém o faz mudar de ideia. Só dona Manuela, talvez. Sem ter mais o que dizer para argumentar, sorri e assenti: — Certo. Eu agradeço muito, seu Jô, é muita gentileza da sua parte — falei, me desencostando do balcão. — Da próxima vez que eu vier aqui, quero muito conhecer a dona Manuela. — Pode deixar, menina Helena. Eu vou falar de você para ela. — Foi um prazer conhecer ao senhor e a você também, Daniel. — Igualmente, Helena. Eu já estava virando as costas, quando seu Jô falou: — Espere, menina Helena. Daniel, você não está indo embora? Por que não faz companhia a menina Helena? Vocês são vizinhos, aproveitem e vão se conhecendo. — Ah, por favor, seu Jô, não precisa incomodar Daniel com isso. Eu preciso ir ao mercado antes... — Bom, acho que vai ter que me aguentar mais um pouco, Helena Antunes — Daniel disse, saindo de trás do balcão. — Por quê? — Porque eu também estou indo ao mercado — disse e sorriu de leve, virando-se para seu Jô. — Até amanhã, seu Jô. — Até amanhã, menino Daniel. Dê um beijo na pequena Gabi e na menina Letícia. Pequena Gabi e menina Letícia. Seriam filha e esposa? — Pode deixar, até amanhã. — Até mais, seu Jô. O senhor simpático acenou e Daniel e eu saímos ao mesmo tempo da mercearia. Eu estava indo para o mercado com o pacote do pecado ao meu lado.

Capítulo 2 - Helena

Eu não sabia o que falar. Nunca fui do tipo de pessoa que tem assunto para conversar com alguém desconhecido. Na maioria das vezes, a pessoa tinha que chegar perto de mim e puxar assunto. Minha timidez sempre me impedia de formular algum assunto interessante. Por isso, saia sempre algo do tipo: — Eu pensei que o tempo aqui fosse mais frio. É, pois é. Esse tipo de coisa havia acabado de sair da minha boca. Para minha sorte, ele sorriu para mim e disse: — Com esse chiado... Eu tenho certeza que você é do Rio de Janeiro — falou, olhando-me de lado. — Acertei? Inconscientemente, coloquei a mão na frente dos meus lábios. Chiado? — Eu não chio. — Chia sim. — Chio nada. — O seu “mais” sai assim: “maixxx”. — O quê? Nada a ver. No Rio, a gente fala normal... — Viu? Eu sabia que era do Rio! Atravessamos a rua e, assim que pisamos na calçada, olhei para cara dele. — Você deve estar acostumado com esse pessoal da televisão. Eles forçam muito mesmo, mas, eu? Nada a ver. Sou supernormal. — Mexxxxxmo? Abri a boca quando ele, novamente, me imitou a falar. Provocativo, o senhor pacote do pecado jogou a cabeça para trás e riu de mim. Riu de mim. Ótimo. Eu havia acabado de chegar ali e meu vizinho já estava rindo de mim. — Você está praticando bullying comigo, sabia? — Desculpa... — ele pediu, ainda sorrindo de lado. — Seu sotaque é bonitinho. — O seu também. Viu? Eu nem te zoei. Sou boazinha — falei, piscando para ele.

Certo, eu tinha acabado de piscar para o meu vizinho. E só o conhecia a pouco mais de dez minutos. Controle-se! — E por que quis sair da Cidade Maravilhosa, Helena? Mordi o lábio, indecisa sobre o que inventar. Não tinha pensando em nenhuma história para contar para as pessoas que conheceria naquela região. Para falar a verdade, eu ao menos queria conhecer pessoas, queria ficar quieta, aproveitar um pouco a solidão e me esquecer do passado. Mas, ao contrário dos meus pensamentos quando decidi me mudar, era inevitável não ter nenhum tipo de contato com o outro. E o seu Jô e o pacote do pecado, por exemplo, pareciam ser pessoas muito legais. Talvez, eu pudesse fazer novas amizades. Na verdade, novas amizades poderiam me ajudar a enterrar o que deixei para trás. Ou o que estava lutando arduamente para deixar para trás. — Desculpe, eu não quero me meter na sua vida... — Não, não precisa se desculpar — falei, vendo que eu havia ficado tempo demais sem falar. — Eu saí do Rio porque precisava de um tempo só para mim. Precisava conhecer um novo lugar, pessoas novas... Ás vezes, precisamos fazer isso, sabe? Mudar de verdade, deixar para trás o que nos prende. — Concordo — murmurou, enquanto parávamos em frente a uma fileira de carrinhos na calçada do mercado. — Ás vezes, tenho vontade de fazer isso. Mas não posso deixar para trás o que me prende. E nem quero, na verdade. Cada um pegou um carrinho e subimos juntos a rampa do mercado. Assim que entramos, Daniel me olhou e disse: — Quer ajuda com as compras? Eu posso te guiar, o mercado é grande, posso te dizer onde ficam as seções. — Eu adoraria — falei, olhando para ele. — Se não for te atrapalhar, é claro. — Não vai, fique tranquila. Assenti e sorri um pouco, andando ao lado dele. — Não vou fazer uma compra muito grande, só preciso de comida suficiente para passar essa primeira semana, enquanto organizo tudo. Depois de muita luta, consegui alugar uma casa que já vinha mobiliada, então, eu só preciso mesmo é organizar minhas coisas e, depois, eu volto aqui para fazer uma compra para o mês inteiro. — Eu também vou comprar poucas coisas. Nesse mercado, não sai em conta fazer uma compra do mês, aqui as coisas são mais caras. Quando quiser mesmo fazer a compra do mês, me avise, a gente pode marcar de ir juntos e vamos no mercado na cidade vizinha, onde as coisas são mais baratas. Seu Jô sempre me empresta a caminhonete dele, quando preciso fazer compras assim. Olhei para ele um pouco surpresa. Era, no mínimo, diferente, um homem saber a diferença de

preços de mercado. Não que eu fosse do tipo que tem pensamento machista, muito pelo contrário, mas nunca conheci um homem que se interessasse por esse tipo de coisa. Por sorte, ele estava concentrado pegando um quilo de arroz. O que me lembrou que eu estava ali para fazer compras também e não ficar admirando aquele homem tão alto. Percebi que, ao lado dele, eu era quase uma anã. Minha cabeça nem chegava na altura dos ombros dele. Meus 1,68m não eram nada perto de seus mais de 1,95m. — Perfeito. Vamos combinar de ir juntos. É até melhor, porque ainda não conheço nada por aqui... — Logo você se acostuma. O pessoal daqui é muito hospitaleiro, qualquer informação que você precisar, é só parar alguém e eles vão te explicar tudo. Se bobear, tem algumas senhorinhas que te acompanham até o lugar — ele comentou, rindo. Sorri também, colocando feijão e arroz em meu carrinho. — Isso é bom. Lá no Rio as pessoas também são educadas para dar informações, mas, geralmente, sempre estão com muita pressa. — Você morava em que lugar, especificamente? — Morava em Ipanema — respondi, me virando para ele. — Já foi ao Rio? — Uma vez, mas já tem alguns anos. Fui com meus amigos comemorar meus dezoito anos. Um deles tinha um tio solteiro, que morava em um apartamento em Botafogo. Foi uma viagem muito boa, eu adorei a cidade. — Conheceu todos os pontos turísticos? — A maioria. Faltou apenas o Alto da Boa Vista. — O Alto da Boa Vista é lindo. A vista é algo espetacular... — Sim, eu já vi por fotos. Quis muito conhecer, mas, demos prioridades a outros locais, como Cristo Redentor, Pão de Açúcar, as praias... — Entendo. São muitos lugares para visitar, fica difícil conhecer tudo em uma única viagem. Na próxima, você terá mais tempo para conhecer o que faltou. — Com essa crise, acho difícil eu conseguir voltar... Quem sabe daqui há uns dez anos? — ele perguntou, sorrindo de leve. — As coisas lá são muito caras. Eu fiquei bobo com o preço da cerveja naqueles quiosques na praia. Sem contar que, dessa vez, eu não teria hospedagem de graça. Ele riu e deu de ombros. Fomos para outra seção, onde começamos a pegar coisas como açúcar, sal e temperos. — Ah, mas isso é fácil. Agora você tem uma vizinha carioca, esqueceu? — perguntei e pisquei de novo. De novo. Meu Deus, o que ele deveria estar pensando de mim?

E o que eu estava pensando? Eu mal o conhecia! Desviei o olhar para a seção de temperos e ouvi sua risada atrás de mim: — Uma vizinha carioca que está morando em Santa Catarina. Será que você vai se acostumar? Você pensou que o clima aqui era mais frio, mas não se esqueça que estamos na primavera. No inverno, você vai congelar, tenho certeza. — Acho que preciso renovar o meu estoque de roupas de frio. Ele me olhou de forma esquisita e perguntou: — Vocês usam roupa de frio no Rio? — Claro! O inverno lá é coisa séria. — Séria, tipo, 20° graus? Ele riu e, só naquele momento, eu entendi que ele estava me zoando, de novo. — Aqui todos vocês são engraçadinhos dessa forma? — perguntei, prendendo o sorriso. — Não posso dizer por todos, mas eu tenho esse humor incrível — disse, suspirando. Sorri, vendo sua cara de convencido. — Só para você parar de ser convencido, saiba que, esse ano, tivemos um dia lá no Rio que chegou a 9° graus, ok? — Um inverno rigoroso — falou, rindo e eu revirei os olhos. — Bobo! Rimos juntos e percebi que eu já não me lembrava mais de quando fora a última vez que eu dei tanta risada, ou que me senti tão à vontade para conversar com alguém. Talvez porque Daniel não soubesse sobre o meu passado, tudo o que me aconteceu nos últimos meses e, com isso, não tivesse na nossa conversa, a nuvem negra e densa que cobria a todos ao meu redor. Com a minha família, era muito difícil manter um diálogo, sem que todos caíssem na melancolia e me olhassem com pena. Ou que, a cada cinco minutos, perguntassem se eu estava bem. Eu entendia que eles queriam se certificar de que eu estava presente, de que as cenas horripilantes não estavam me engolindo novamente, mas, estar aqui, agora, com Daniel ao meu lado, tendo uma conversa tão trivial e tranquila, provou-me que era realmente disso que eu precisava: me manter afastada de tudo o que me fizesse lembrar dos meses anteriores. Seguimos com nossas pequenas compras, em uma conversa tranquila. Conversávamos sobre tudo, desde os pontos turísticos de Joinville, até qual marca de macarrão era melhor. Quando percebi, já estávamos no caixa. Foi o único momento em que nos separamos, mas, ainda assim, ele ficou no caixa ao lado do meu e sempre dava um jeito de virar e puxar conversa. Quando saímos do mercado, ele fez questão de carregar quase metade das minhas compras, mesmo eu insistindo para que não. Percebi que era muito educado e cavalheiro e, como seu Jô, não

aceitava um “não” como resposta. Paramos em frente à minha casa e ele me devolveu as bolsas. Com um sorriso, agradeci: — Obrigada por ter me aturado e me ajudado no mercado, Daniel. E, claro, por ter me ajudado com as compras. — Até que te aturar não foi tão ruim assim — falou, sorrindo. — Mesmo com o seu chiado. — Eu não chio! — briguei, rindo no final. — Para agradecer, quero convida-lo para jantar aqui amanhã. Você, a pequena Gabriela e a menina Letícia. Não perguntei se eram mesmo sua filha e sua esposa, pois não quis ser indelicada. E em nossa conversa no mercado, o tema “família” não surgiu. Daniel balançou a cabeça e disse: — Não precisa se preocupar com isso... — Eu faço questão! Ás oito horas em ponto, aqui em casa — falei, entrando, sem dar tempo para recusas. Entretanto, antes de entrar em casa, virei para ele e o olhei uma última vez. Ele sorriu. — Estaremos aqui na hora marcada. Então, ele piscou e se virou, indo para casa ao lado. Ele piscou para mim. E eu esqueci completamente do que eu tinha que fazer a seguir.

Capítulo 3 – Helena A arma. Novamente, a arma estava em minha mão. O cano prateado estava coberto por sangue vermelho vivo, que sujava também as minhas mãos. Com pavor, soltei o objeto que saiu quicando pelo chão de madeira, que também estava sujo de sangue. Havia sangue por todo o lado, cobrindo o chão. E então, quando olhei para os meus pés, o sangue estava lá também. E nas minhas pernas, sujando meu vestido amarelo. Eu estava cheia de sangue. O sangue não me deixava respirar. Eu não conseguia mais enxergar. Senti o gosto metálico na minha garganta. Me debati e com um longo grito, senti a escuridão me tomar.

Ouvi o grito e demorei alguns segundos para entender que o barulho horripilante havia saído de mim. Tirando as cobertas das minhas pernas, olhei ao redor, procurando o sangue, sentindo meu corpo pegajoso e molhado. Vi pela luz do sol que entrava pela janela, que ali não era aquele lugar. Que aquele quarto era seguro, era limpo e tranquilo, não era aquele quarto que deixei para trás. — Foi apenas um sonho — murmurei, mas precisei falar mais alto, para me certificar. — Apenas um sonho, Helena. Cansada, passei as mãos pelo meu cabelo. O relógio na mesinha de cabeceira me indicou que eram oito da manhã, o que me fez lembrar que eu tinha dormido um pouco mais de três horas, pois passei quase a madrugada toda arrumando minhas coisas. Três e quarenta e sete minutos de sono, para ser mais exata. — Um novo recorde. Não conseguia dormir direito há meses. Uma hora e meia era o máximo que meu cérebro descansava, antes de repetir aquela cena na minha cabeça. Sabendo que não conseguiria mais dormir, caminhei para fora do quarto. Fui ao banheiro, comecei a escovar os dentes e, então, olhei-me pela primeira vez no espelho. Olhei-me de verdade e, aquele reflexo, não era eu. Bom, pelo menos não era a mulher que eu sempre conheci. Meu pai é branco, descendente de italianos, mas minha mãe é uma negra linda, com cabelos crespos que formavam lindos cachos. Eu nasci com a pele morena, meus cabelos eram um pouco mais lisos do que os da minha mãe, mas ainda eram crespos e encaracolados.

Sempre gostei muito de me cuidar. Apesar de odiar exercícios físicos com todo meu ser, eu gostava de dança e me esforçava a fazer aulas de jazz. Meus quadris sempre foram largos, minha barriga não era chapada, como aquelas modelos saradas, mas eu não me desesperava por aquilo, pois sempre gostei do meu corpo. Mas, o que me encarava agora, era o oposto da mulher que sempre fui. Meu cabelo parecia um ninho. Estava emaranhado no topo da minha cabeça, preso por um elástico. Meu rosto estava abatido, com olheiras escuras. Meus lábios estavam ressecados. Minha pele estava ressecada também, pois há muito tempo eu não fazia uma boa esfoliação. Até mesmo a minha depilação estava atrasada, pois, ultimamente, eu só andava de calça jeans e não tinha relações sexuais há meses. — Está na hora de mudar isso, não acha, Helena? — perguntei a mim mesma. Então, a imagem do meu vizinho veio clara na minha mente. E senti um arrepio de horror ao pensar que ele havia encarado essa imagem pavorosa. — Com certeza está na hora de mudar isso! Tomando coragem, voltei ao meu quarto. Abri a grande necéssaire e tirei de lá de dentro os grandes aliados de uma mulher: creme de hidratação para os cabelos, cremes para o rosto, creme para o corpo, sabonete esfoliante, gloss para hidratação labial e uma gilete nova. A sessão beleza começou com o principal: meu cabelo. Em seguida eu depilei toda a área que tinha pelos, hidratei o rosto, tomei um banho esfoliante e hidratei a pele. Com os cabelos úmidos, os penteei e terminei tudo logo depois das onze horas. Bom, eu poderia dizer que estava caminhando para voltar a ser eu. O reflexo no espelho me deixou bem mais orgulhosa de mim mesma. Já na sala, me sentei no sofá com um copo de iogurte natural e liguei a TV. O programa de culinária me lembrou do convite que fiz ao pacote do pecado e senti o meu corpo gelar. Ele iria jantar na minha casa. Ele, a esposa e a filha. Tinha me esquecido completamente! Apavorada, deixei o pote de iogurte pela metade e olhei para a parede, com um único pensamento: onde eu estava com a cabeça? Tudo bem, Daniel era um homem legal, simpático, educado, cavalheiro, alto, bonito... — Alto e bonito não tem que entrar na lista, Helena Antunes! — briguei comigo mesma, em voz alta. — Até porque, provavelmente, ele é casado! Voltando, ele tinha todos os adjetivos citados, mas eu mal o conhecia! Como poderia colocá-lo dentro da minha casa, em um jantar, como se fôssemos velhos amigos? Eu sabia o porquê. Havia tanto tempo que eu não me sentia tão bem e tão à vontade com uma pessoa, que eu não conversava tanto com alguém, que queria mais daquela sensação. Lembro-me perfeitamente do vazio que voltei a sentir, quando fechei a porta da minha casa, depois de ele ter piscado para mim.

Uma bela piscadela, diga-se de passagem. O que me fez lembrar, novamente, de que ele era casado. E eu não flertava com homens casados. — Você não tem saída — falei para mim mesma, voltando a olhar para a TV. — Agora vai ter que aposentar o macarrão instantâneo e cozinhar para o pacote do pecado e sua família — me levantei e suspirei. — Aliás, pare de chama-lo de pacote do pecado, Helena! Ele é casado! Em frente a dispensa, olhei para as coisas que eu havia comprado. Não tinha sido muito. Um quilo de arroz, outro de feijão, outro de macarrão... Temperos, sal, açúcar, ervas frescas, que coloquei na geladeira. Frango no congelador... Frango. Queijo mozzarella. Creme de leite. Iria fazer o fricassê que era receita da minha mãe. Só torcia para que eles não fossem vegetarianos! *** Terminei o jantar no final da tarde, um pouco depois das seis horas. Enquanto cozinhava, percebi que tinha pouquíssimos talheres, pouquíssimas panelas e apenas um prato. Novamente, quase me xinguei. Eu ao menos tinha pratos para servir os convidados. Com tudo pronto, tomei um banho rápido, saí de casa e encontrei um casal de vizinhos do outro lado da rua, o mesmo que havia acenado para mim, na noite anterior. Engolindo um pouco a timidez, me aproximei e a senhora de cabelos castanhos sorriu para mim. — Olá, querida! Você é a nova vizinha no 303, estamos muito felizes por ver que a casa foi ocupada e por uma moça tão bonita — disse, docemente, me puxando para um abraço. — Prazer, meu nome é Agnes. — É um prazer conhece-la, senhora Agnes. Eu sou Helena Antunes. — Que bom que veio falar conosco. Este é meu marido, Adalberto. — É um prazer, senhor. O homem de cabelo calvo sorriu para mim e disse: — O prazer é meu. Agnes estava quase batendo na sua porta, para te conhecer. Ela adora fazer amizade com a vizinhança. — Claro, querido, um vizinho sempre ajuda o outro, esqueceu? — falou. — Eu, por exemplo, sou apaixonada pelas meninas do Daniel. Ajudo sempre que posso. Meninas do Daniel. Isso me lembrou o que eu tinha ido fazer ali. — Você é a mulher mais incrível que eu conheço, meu amor.

Com carinho, senhor Adalberto abraçou a senhora Agnes e lhe deu um selinho. As bochechas da senhora ficaram vermelhas. — Querido, o que a Helena vai pensar de nós dois? — Não se preocupem. É lindo todo esse carinho — falei, vendo-a sorrir. — Senhora Agnes, eu queria saber se a senhora poderia me ajudar... Há alguma loja que venda talheres, pratos, esses utensílios? Pois estou com quase nada em casa... — Há sim, tem a loja da Elaine, mas já está fechada a esta hora. Ótimo. Era o meu dia de sorte, não é? Onde a família do Daniel iria comer? — E não há nenhuma outra loja? Eu vou receber convidados para jantar hoje e me esqueci completamente que não tinha pratos e talheres suficientes. Sabe como é, acabei de me mudar, estou com a cabeça atordoada de coisas para fazer... Ela sorriu e balançou a cabeça, tocando em minha mão. — Não se preocupe. De quantos pratos e talheres você precisa? — Como? — Só me fale de quantos você vai precisar e eu os pego lá dentro para você. Tenho jogos de pratos suficiente para um jantar com cinquenta pessoas. — Isso é verdade — senhor Adalberto falou, sorrindo. — Agnes não pode ver um jogo de jantar. — Ah... Não, por favor, eu não quero incomodar... — Eu faço questão, querida! Veja bem: você vai dar um jantar e não tem pratos e talheres suficientes; eu sou alguém que tem pratos e talheres sobrando. Posso te emprestar. Eu não sabia se ficava envergonhada ou agradecida. Decidi que ficar agradecida era o melhor que eu poderia fazer. — Eu agradeço muito. A senhora está salvando a minha vida! Ela sorriu e, quando percebi, já estava caminhando com ela para dentro da sua casa. — Não se preocupe com isso, como eu disse, os vizinhos existem para ajudar uns aos outros — falou, me olhando. — Aliás, são quantas pessoas para o seu jantar? — Seremos apenas eu e a família do Daniel — murmurei, sentindo-me envergonhada, de repente. Droga! Efeito pacote do pecado. Não! Efeito do Daniel. Casado. Daniel era casado! E isso diminuiu o fogo no meu rosto. — Ah, que maravilha! Por isso que Daniel passou aqui com a Letícia, para buscar a Gabi. Ela comentou que ia jantar fora, mas não me disse que era com você. Estava toda boba.

— Gabi? — Sim, a pequena Gabriela. Ela tem seis anos. Esperei que ela me desse mais alguma informação, mas logo entramos em sua casa. Sua sala era muito bonita, decorada com porta-retratos com muitas fotos, a maioria de pessoas mais jovens, que logo cheguei à conclusão, de que deveriam ser seus filhos. Perto da estante da sala, havia uma grande cristaleira de madeira. Senhora Agnes girou a chave que já estava na fechadura e abriu uma das portas. Vislumbrei um grande número de pratos que pareciam ser de porcelana. Ela tirou quatro pratos brancos, com flores rosas desenhadas no centro e arabescos dourados desenhados na borda, bem como uma caixa retangular de veludo azul escuro. Colocou tudo em cima de uma mesinha de madeira. — Bom, aqui estão os pratos, espero que goste — disse, sorrindo. Então, abriu a caixa retangular, onde pude ver uma grande variedade de talheres prateados com arabescos dourados. — E aqui estão os jogos de talheres. — Senhora Agnes... — Não, apenas Agnes, por favor. — Agnes, por favor... Não precisa ser algo tão caro, é um jantar simples... — Não se preocupe com isso, querida. Ela colocou os pratos em minhas mãos e fechou a caixa. Só naquele momento, vi que a mesma tinha uma alça, que a transformava em uma maleta. Ela me entregou também e sorriu. — Obrigada por estar fazendo esse jantar e por ter convidado do Daniel. Esse menino... Ele é como um filho para mim, você não imagina o quanto ele é importante — disse e vi seus olhos brilharem. Rindo, ela balançou a cabeça. — Olha eu, toda chorona... — Não se preocupe com isso, por favor... — falei, tocando em seu ombro. — Pude ver que ele é um homem muito bom. — Ah, querida, você nem pode imaginar. Fico muito feliz que vocês se tornaram amigos. — Eu também — falei e era verdade. Mesmo estando muito nervosa com aquele jantar, eu também estava feliz por aquela nova... Amizade. Daniel havia alegrado minha noite de ontem, mesmo depois de eu ter entrado em casa. Apesar do vazio ter voltado, ele tinha permanecido em minha mente e repassei a nossa conversa durante boa parte do tempo em que fiquei arrumando minhas coisas. Agnes e eu voltamos para o portão. O senhor Adalberto estava conversando com uma outra senhora, que logo conheci como dona Rosa. Me despedi de todos, agradeci mais uma vez a Agnes e voltei para casa. Arrumei a mesa da copa com os pratos e os talheres de Agnes. Se eu tivesse planejado tudo com mais calma, teria colhido algumas flores e feito um arranjo bonito. Já estava acostumada a organizar grandes jantares, o que me fez sentir um arrepio na espinha. Aquele era um jantar diferente, nada do que eu estava acostumada. Eu não tinha mais o

que temer. — Esqueça o passado — falei para mim mesma. Faltava um pouco para dar oito horas, então, fui para o quarto. Coloquei o vestido azul que havia separado, pois a noite estava quente. Tomei o cuidado de não escolher nada curto ou decotado demais, até porque, ele era casado e eu não queria ser oferecida. Talvez a esposa dele já estivesse pensando isso de mim. Que vizinha convidava o vizinho para jantar no mesmo dia em que o conheceu? Só eu mesmo, pelo visto. Apliquei rímel nos cílios, um batom rosado nos lábios e ajeitei o cabelo. Foi só o tempo de calçar minhas sandálias rasteirinhas e logo ouvi a campainha soar do lado de fora. Nervosa, sai do quarto e respirei fundo antes de abrir a porta da frente. Vi apenas Daniel e uma menina ao seu lado, que segurava as suas mãos, tendo um ursinho de pelúcia na outra. Franzi o cenho, mas sorri e desci as escadas. Quando abri o portão, o vi sorrir para mim. — Boa noite, vizinha carioca. — Boa noite, vizinho — falei, olhando ao redor. — Onde está sua esposa? Ele franziu o cenho. — Esposa? — Sim... A Letícia... Não é sua esposa? — Eu, esposa dele? Procurei a dona da voz e então, ela surgiu. Uma garota de aproximadamente 13 anos, saiu de trás do Daniel e parou ao seu lado. Usava um short jeans preto, rasgado, um moletom grande, de cor cinza. Os cabelos loiros estavam cortados de forma irregular e um fone estava em sua orelha esquerda. — Daniel, jura que você me trouxe para comer na casa de uma mulher que nem sabe quem eu sou? — perguntou, revirando os olhos. — Já posso ir embora, ou daqui a pouco ela vai perguntar se eu estou grávida de você? — Letícia, por favor, comporte-se! — Daniel disse, entredentes. — Desculpa, Helena, Letícia é uma garota complicada. Aliás, ela é minha irmã, assim como a Gabriela. — Oi, eu sou a Gabriela. Diferentemente de Letícia, Gabriela era uma menininha doce. Quando a fitei, estava sorrindo para mim, com a mão esticada para que eu apertasse. Sorri para ela também e me abaixei, para ficar da sua altura. — Oi, Gabriela, eu sou Helena — falei, apertando sua mão. — Quem é esse aí com você? Ela me olhou maravilhada, como se fosse uma grata surpresa eu ter notado seu ursinho. — Esse é o Ted. O Daniel disse que eu só poderia entrar com ele, se você deixasse... Ele pode jantar com a gente? O Ted não gosta de ficar sozinho, porque tem monstros debaixo da minha cama.

— Mas é claro que ele pode jantar conosco! O Ted gosta de chocolate? — Ele adora! — E você? Por que eu fiz um mousse de chocolate para a sobremesa, mas só vai comer a sobremesa, quem comer o jantar todinho. — Oba! Ela pulou, animada e eu ouvi a risada do Daniel acima de mim. — Ted, você e eu vamos comer tudinho, ok? — ela disse, olhando para ele. Depois, me fitou: — Ele disse que vamos comer tudo. — Ótimo! — falei, me levantando. — Oi, Letícia... Me desculpa ter te confundido, eu... — Olha, eu não quero suas desculpas. Eu nem queria comer com você, para começo de conversa. Com um suspiro irritado, Daniel se virou para Letícia e disse: — Já chega, Letícia! Acabou! Você tentou me irritar desde a hora em que eu pisei em casa, mas você não vai conseguir estragar o meu humor e esse jantar que a Helena preparou com tanto carinho. Vai para casa — disse e, então, tirou o celular da mão dela. — E sem celular! — O quê? Ah, qual é, Daniel... — “Qual é” é o seu comportamento. Eu não estou aguentando mais isso! Jesus Cristo. O que estava acontecendo ali? Vi que Letícia iria abrir a boca para fazer mais alguma malcriação, por isso, toquei no ombro de Daniel e intervi: — Daniel, desculpa, eu não quero passar por cima da sua autoridade, mas... Eu tenho certeza que a Letícia não quer ficar sozinha em casa, que está com fome e que não vai dispensar esse jantar, não é? — O quê? O que você sabe sobre... — Sem contar que, eu acho, que se ela estiver com você e com a irmã dela, estará em segurança e poderá ter o celular de volta — falei, voltando a olha-la. — Se se comportar, é claro. Daniel suspirou e vi Letícia revirar os olhos, antes de assentir, concordando comigo. Quase sorri e gritei “vitória”, mas ouvi uma vozinha atrás de mim: — Tia Helena, o Ted e eu estamos com fome. Uma risada escapou por minha garganta e Daniel sorriu, balançando a cabeça: — Eu juro que dou educação para essas duas... — Eu sei que sim — falei, me virando para Gabriela. — Então, vamos jantar? Gabriela gritou um “sim” e logo entramos em casa. Meu coração ainda batia forte pela surpresa.

Daniel não era casado, mas, em compensação, tinha uma criança e uma adolescente “bombarelógio” para cuidar. Quem poderia imaginar?

Capítulo 4 - Helena

Segurando a mão de Gabriela e olhando para Letícia de soslaio, vi Daniel entrar logo depois de mim. Com olhinhos curiosos, Gabriela olhou ao redor, enquanto Letícia ignorava a todos, mexendo em uma mecha do cabelo. — Sua casa é linda, Helena. Olhei para Daniel e sorri, passando o olhar ao redor. — Ainda não dei meu toque pessoal por aqui, mas eu também gostei dos móveis e da forma como decoraram. Quando eu começar a comprar coisas novas para enfeitar os cômodos, aí sim a casa vai ficar com a minha cara — falei. — Vocês esperam só um pouquinho? Vou colocar as travessas na mesa. — Espere, eu te ajudo — Daniel disse, virando-se para as meninas. — Vocês duas, comportemse. Eu iria negar, mas ele começou a caminhar em minha direção e eu perdi o “fio da meada”; qualquer pensamento saiu da minha mente. Pegar a travessa na cozinha. Agora! Com meu subconsciente gritando, comecei a andar em direção a cozinha, com Daniel ao meu lado. O fato de ele não ser casado, parecia ter o deixado ainda mais bonito aos meus olhos. Seu cabelo estava preso no famoso coque, estava usando uma calça jeans preta, tênis cinza e uma blusa de meia manga azul claro, que combinava perfeitamente com os seus olhos e realçava os músculos dos seus braços. Caramba, ele pegava pesado na academia e isso me fez lembrar que eu tinha uma gordurinha na barriga, que não saia por nada. Justamente porque eu odiava exercícios físicos. — Fazer o quê? Você já pode nomear essa gordura como “preguiça”. — O quê? Droga. Eu tinha mesmo falado em voz alta? — Hm... Nada! Quer dizer, eu quero te pedir desculpas por ter achado que sua irmã era sua esposa. — Eu jurava que tinha ouvido você falar “gordura” — comentou ele, rindo. — Deixa isso pra lá, foi uma gafe minha; eu deveria ter falado sobre minhas irmãs.

— Eu entendo você, o assunto não surgiu, por isso você não disse nada — falei, abrindo o forno e tirando de lá a travessa de comida. — Eu espero que vocês gostem de fricassê de frango. Não coloquei maionese, porque tem gente que não gosta, substituí por requeijão. — Deve estar uma delícia. Não precisa se preocupar, porque as meninas comem de tudo. Quer dizer, eu não sou um bom cozinheiro, então, geralmente a gente come mais macarrão com carne moída. Sério, eu deveria abrir um restaurante especializado em macarrão com carne moída. — É tão bom assim? — perguntei, passando a travessa com fricassê para ele. — Na verdade, é uma das poucas coisas que eu sei fazer direito, o resto... Bom, o frango assado saiu queimado na última vez que tentei fazer, o purê de batata ficou muito salgado, eu sempre coloco muita água no arroz e pouca no feijão... Não pude conter minha risada. Daniel me olhou com uma sobrancelha arqueada, ainda segurando a travessa de fricassê, enquanto eu pegava outra com arroz. — Não é certo ficar rindo da falta de habilidade dos outros, sabia? — Você riu do meu sotaque, ainda inventou que eu fico chiando. Eu tenho todo o direito de rir de você. — Você está praticando bullying comigo — disse ele, repetindo a minha frase de ontem. — Bullying trocado não dói. — É, acho que eu não tenho nada para argumentar contra isso. Sorrindo de lado, ele me acompanhou até a copa, onde ficava a mesa de jantar. Colocamos a travessa de arroz e a de fricassê em cima da mesa e ele foi chamar as meninas, enquanto eu fui pegar o suco de laranja na geladeira. Quando voltei, Gabriela estava empolgada no colo de Daniel, olhando para a mesa. — Olha que lindo os pratos! Olha, Dan. Dan. Que fofa! — São lindos sim, Gabi. A Helena tem bom gosto. — Eu agradeço, mas vou desapontar vocês. Os pratos não são meus, são da senhora Agnes. — Da Agnes? Não sabia que vocês já tinham se conhecido. — Nos conhecemos há pouco mais de uma hora. Depois de fazer o jantar, eu me lembrei que não tinha louça suficiente, então, saí para comprar. Como ela estava no portão com o esposo, eu me aproximei e me apresentei. Ela é um amor! Muito simpática. Me disse que a loja que vendia esses artigos estava fechada e me emprestou a louça dela e os talheres também. — Sim, ela é realmente um amor. Eu gosto muito dela, muito mesmo. — Ela me disse sobre você, disse que te considera como um filho, fez muitos elogios — falei, terminando de ajeitar os copos em cima da mesa. — Por favor, sentem-se. Nada de cerimônia, gente. Nos acomodamos na mesa redonda. Daniel colocou Gabriela ao seu lado direito e logo se

acomodou na cadeira ao meu lado. Ainda mal-humorada, Letícia se sentou ao meu lado. Comecei a servir o prato de Letícia, enquanto Daniel começou a servir o prato de Gabriela. Quando as duas já estavam servidas, começamos a colocar a comida no nosso prato. O silêncio foi rompido por Gabriela. — Essa comida tá muito gostosa! Dan, você tem que fazer isso pra gente comer. Olha, até o Ted está gostando. — Até o Ted por quê? Ele não gosta da minha comida? — Ele só gosta do macarrão com carne moída. — Já é a segunda vez que eu ouço falar bem desse macarrão com carne moída — comentei, sorrindo. — Ou seja, tudo está conspirando para que você jante lá em casa e experimente o melhor prato do chef Daniel Huberman. — Isso é um convite? — Com certeza — Daniel disse, sorrindo para mim. — Aliás, Gabriela tem razão, sua comida está maravilhosa. — Assim vocês me deixam sem graça — falei, virando-me para Letícia, que comia em silêncio. — E você, Letícia? Gostou? Ela deu de ombros e disse: — Já comi coisa melhor. Aliás, estou achando um saco essa história de você ir jantar lá em casa. Odeio receber visita, ainda de mais quando é alguém que eu nem conheço. — Letícia! Olhei para Daniel e balancei a cabeça de leve, indicando para ele relevar. A adolescência nem sempre é uma fase fácil, pelo contrário. E Letícia foi sorteada para ser a adolescente problemática e causadora de intriga. — Não se preocupe com isso, é por isso que vocês estão aqui hoje, para que possamos nos conhecer melhor. — Não tenho a mínima vontade de conhecer você. — Tia Helena, a Lelê é muito chata. Ela sempre faz a gente ficar triste — Gabriela disse, enquanto pegava o copo de suco. Era uma mocinha, comia praticamente sozinha, com Daniel ajudando aqui e ali. — Come a sua comida, pirralha. Seu bichinho feio deve estar com fome. Ah, esqueci! Ele não é de verdade, ou seja, ele não come, ele não fala e ele não escuta você. — Letícia, você está fazendo com que eu me arrependa de ter deixado você ficar aqui. — Eu estava quieta no meu canto, foi ela quem veio me perturbar! — disse ela, apontando para mim.

Daniel respirou fundo e passou as mãos pelos cabelos. Sua comida estava praticamente intocada e me arrependi de ter puxado assunto com Letícia. Pelo visto, ela era mais do que uma adolescente problemática — ela realmente gostava de provocar a todos, principalmente ao Daniel. Eu só não conseguia entender o porquê. — Olha, Letícia, me desculpa por... — O quê? Não, você não tem que pedir desculpas a ela, Helena. — Não, Daniel, tenho sim. Combinamos que ela iria jantar aqui e receber o celular de volta, se se comportasse. Ela estava quieta e eu mexi com ela. — Estar quieta não é se comportar — disse ele, olhando para ela. — E você sabe bem disso, Letícia. Letícia revirou os olhos e voltou a comer. Gabriela também estava comendo, agora bem mais retraída, depois do que a irmã disse. Olhei para Daniel mais uma vez, que tinha o olhar perdido e a mão estendida sobre a coxa. Compreendendo seus sentimentos, toquei na mão dele e disse: — Não fique assim, adolescentes são difíceis mesmo... — Letícia é impossível — ele murmurou de volta, olhando para mim. — Me desculpe, eu não queria que o jantar tivesse esse clima tão pesado. — Não se preocupe com isso, eu estou ótima — falei, tirando a mão de cima da ele e sorrindo de leve. — Aliás, senhor macarrão com carne moída, acho melhor comer, se não a sua comida vai esfriar. Ele sorriu de leve e voltou a colocar a comida no garfo, dizendo: — Eu sou muito mais do que um simples macarrão com carne moída. — Jura? Quais são as suas outras qualidades? — Eu sou um ótimo jardineiro. — E ele também sabe fazer rabo de cavalo no meu cabelo. Na minha escola, nenhum irmão sabe fazer rabo de cavalo nos cabelos das minhas amigas — Gabriela disse, animada novamente. — Eu posso ver que sim, até porque, ele faz um coque incrível — falei, vendo-o sorrir para mim, todo convencido. — Não precisa me encarar com esse olhar superior. — O que eu posso fazer? É um dom. Ri junto com Gabriela, ouvindo-o dizer: — Eu também sou ótimo em colocar as roupas na máquina de lavar. Sério, esse é um dom que poucos têm. Eu coloco a quantidade certa de sabão em pó, de amaciante, ligo a máquina e páh!, a roupa está completamente limpa e cheirosa. — Ele também sabe colocar quadros na parede. Ele colocou o quadro da Dora, A Aventureira, na parede do meu quarto! — Também sei esperar uma mulher fazer compras. Sou um mestre nisso, até porque, tenho duas

meninas em casa que não me deixam em paz com esse negócio de roupa, batom, sandálias... — E sabe tocar violão! E cantar também! Tia Helena, o Dan canta muito! Virei para ele, surpresa. Ele sorriu de lado e vi suas bochechas ficarem levemente coradas. — Então você é um cantor nas horas vagas? — Gabi está exagerando, eu não sou tudo isso. — É sim! — Sua pestinha — ele tocou o nariz dela e Gabriela sorriu, toda boba. — Eu arrisco um pouco no violão, não é nada demais. — Acho que eu tenho que anotar tudo. Você é bom em fazer macarrão com carne moída, colocar roupas para lavar, pregar quadros na parede, acompanhar meninas em compras e ainda sabe tocar violão e cantar. — E sou um ótimo jardineiro, não esquece. — E não esquece que ele sabe fazer rabo de cavalo também, tia. — Eu falei que ia ter que anotar, são muitas coisas. — Ele é igual aquele comercial do Bombril, tia. — Como assim? Gabi sorriu sacana e disse: — Mil e uma utilidades. E Daniel e eu não podemos conter o riso. De canto de olho, pude ver que Letícia estava lutando para não sorrir também, seus lábios se mexiam nos cantos, como se quisesse muito soltar uma gargalhada que ela prendia a todo custo. Quis muito pegar na mão dela e dizer que não era errado sorrir, pelo contrário. Estar aqui, agora, em um jantar com o meu vizinho bem-humorado e sua irmãzinha esperta, estava me mostrando que sorrir, na verdade, era o melhor remédio. Novamente, percebi que tinha muito, muito tempo que eu não sorria assim, que eu não me permitia. Então, queria muito que Letícia aproveitasse e sorrisse, achasse graça, interagisse. Mas tinha algo muito forte que a prendia em uma máscara de rebeldia. Sim, máscara. Porque aquele quase sorriso me mostrou que sua verdadeira personalidade, estava perdida no meio de toda aquela sua pose de adolescente inatingível. O jantar continuou naquele clima descontraído, com Gabriela conversando ativamente. Ela repetiu o prato, falou que estava delicioso e disse que eu tinha que levar o fricassê para o jantar que Daniel me convidou. Assim que todos terminaram, me levantei e disse: — Por que vocês não vão para a sala? Vou tirar a mesa e logo levo a sobremesa para gente comer.

— A sobremesa de chocolate? — Gabriela perguntou, animada. — Isso mesmo! — Será que ainda tem espaço nessa barriguinha para poder comer a sobremesa? — Daniel perguntou, e então, começou a fazer cócegas nela. Gabriela sorria e gritava, animada, se contorcendo entre os dedos de Daniel, que faziam cócegas em suas costelas. Ri para eles, ouvindo-a gritar: — Dan... Dan, por favor... Para, para, Dan! Por fim, ele parou e deu um beijo na testa dela, se levantando. — Vão vocês duas para a sala, que eu vou ajudar Helena com a louça. — Não, Daniel, por favor! Você é visita, nada disso... — Se reclamar, eu mando você para a sala também — disse, elevando uma sobrancelha. — Manda, até parece... — falei, rindo. As meninas saíram da mesa e foram para sala. Daniel e eu começamos a juntar os pratos e talheres, ouvindo Gabriela conversar com Ted. — Acho que depois das amiguinhas dela da escola e eu, o Ted é o melhor amigo dela. Ela conversa com ele o tempo todo. — Ela é incrível, muito esperta para a idade dela — falei, pegando os pratos, enquanto ele pegava as travessas. Quando chegamos na cozinha, comentei: — É uma pena que a Letícia seja tão fechada. Ela e Gabriela deveriam ser amigas, tenho certeza que a Gabi sente falta dela. Coloquei os pratos em cima da pia e abri a geladeira. Iria pegar as travessas para guardar, mas Daniel foi mais rápido e acomodou as duas dentro da geladeira. Quando terminou disse: — Sim. A Letícia é muito, muito complicada. Ela é desse jeito que você viu, vinte e quatro horas por dia. — Eu imagino que deve ser difícil, essa idade é terrível para alguns adolescentes — tomando coragem, perguntei algo que estava martelando na minha cabeça. — Não quero ser intrometida, Daniel, se não quiser responder eu vou compreender, mas... Por que você cuida delas sozinho? Onde estão os pais de vocês? Vi a expressão daquele homem tão alto e tão forte na minha frente, se transformar do bom humor para uma tristeza que tocou meu coração. Já estava prestes a falar para ele esquecer minha pergunta estúpida, mas ele começou a falar antes de mim: — A Letícia e a Gabi são minhas irmãs por parte de mãe. O meu pai morreu antes de eu nascer, sempre fomos minha mãe e eu, até ela conhecer o Alberto, meu padrasto e pai das garotas. Eu tinha 11 anos quando ele e minha mãe começaram a namorar. Quando fiz 12, Letícia nasceu, então, eles se casaram. Seis anos depois, nasceu a Gabriela... Ele suspirou e balançou a cabeça, como se estivesse afastando uma lembrança. — Enfim, logo depois do aniversário de dois anos da Gabi, minha mãe e Alberto resolveram

viajar em um final de semana. Eu tinha acabado de entrar para faculdade na época, mas eu pude ficar com as meninas naquele final de semana. Eles estavam indo para Blumenau, de carro, mas o tempo estava muito ruim... Aconteceu um acidente e... O Alberto morreu na hora, minha mãe morreu a caminho do hospital. — Meu Deus... — murmurei, aproximando-me dele. Sem pensar muito, fiquei na ponta dos pés e o abracei com força pelo pescoço. Um segundo depois, senti seus braços fortes me envolverem também. — Eu sinto tanto, Daniel... Jesus, eu nunca poderia imaginar... Ia me afastar dele, para poder olha-lo nos olhos, mas ele não deixou. Seus braços continuaram em minha cintura. Entendi que ele precisava força, de um abraço e o apertei novamente, sentindo sua dor. — Foi muito difícil, ainda é muito difícil, eu... Minha vida mudou completamente — ele disse em meu ouvido. — De estudante eu passei a ser um chefe de família. Não tínhamos dinheiro, tínhamos apenas a casa onde moramos agora, porque Alberto a comprou para morarmos e colocou no nome da minha mãe. Eu tinha 20 anos na época, estudava na Universidade do Estado de Santa Catarina, morava em Florianópolis junto com um amigo... Tive que sair da faculdade, arrumar um emprego, sustentar um bebê de dois anos e uma menina oito, dar suporte, amor, carinho, explicar que os pais delas nunca mais voltaria... Ás vezes eu me pergunto como eu consegui encarar tudo sem desmoronar. — Você foi muito forte, não... Você é muito, muito forte, Daniel — falei em seu ouvido, passando a mão nas suas costas. — Você é muito mais do que um irmão para as meninas, você é um pai. Você cuidou delas, educou, sustentou... Não é qualquer um que faz isso. — Não iria abandona-las, nunca! Minhas irmãs são as coisas mais importantes da minha vida, Helena. Eu enfrento o céu e o inferno para protege-las. Senti meu peito apertar, bem como minha garganta. Olhar para aquele homem e ver a sua beleza exterior era muito fácil. Ele era um belo presente aos olhos com toda àquela altura, aquela beleza, com seus olhos azuis, seus músculos, seu sorriso fácil e bonito Mas enxergar a sua força, o seu amor e a sua lealdade eram um presente. Eu me sentia lisonjeada por ter a oportunidade de estar conhecendo alguém como ele. Nunca poderia imaginar que aquele homenzarrão que zombava do meu sotaque, poderia ser alguém tão responsável, leal, amoroso e um verdadeiro pai. — Eu te admiro muito — murmurei. Ele se afastou um pouco, apenas o suficiente para poder me fitar. — Por quê? — Ainda pergunta? Você é o homem mais admirável que eu já conheci. Muito obrigada por me dar a chance de conhecer alguém como você. — Helena... Para com isso... — suas bochechas ficaram coradas novamente. — Falo muito sério, senhor macarrão com carne moída — falei, vendo-o rir. — Você é uma

pessoa incrível, Daniel. Tudo o que você fez por suas irmãs, tudo o que ainda faz... Sei que vai falar para mim que é a sua obrigação, mas você sabe que vai além disso. Você ama as duas de verdade, como mesmo disse, você se importa e isso faz de você uma pessoa muito diferente do que a gente vê hoje em dia. Obrigada por ser assim. — Você está me deixando envergonhado, para com isso. Sorrindo, nos afastamos, mas continuamos nos encarando. Sem poder me conter, falei: — Quando pisei nessa casa, ontem, eu só pensava em me esconder do mundo. Eu não queria contato com ninguém, queria ficar sozinha, mas, sabe de uma coisa? Encontrar você ontem, na mercearia do seu Jô, foi a melhor coisa que me aconteceu em meses. Nunca poderia imaginar que ficaria tão feliz por ter os meus planos frustrados. Ele riu de leve e elevou uma sobrancelha. — O que eu posso dizer? Normalmente, eu sou um ótimo presente para as garotas — disse, dando de ombros. — É um dom. — Você tem muitos dons... — falei, me virando para a pia. Sorrindo, virei apenas a cabeça para encara-lo. — Será que tem o dom para secar a louça também? Com um suspiro, ele se aproximou e disse: — Eu faço esse esforço por você, mas só porque o jantar estava muito bom. Rindo, comecei a lavar a louça. Quando entreguei o primeiro prato para ele secar, o ouvi dizer: — Conhecer você foi a melhor coisa que me aconteceu em anos, Helena — sem poder me conter, olhei para ele. Seus olhos estavam fixos em mim. — Permita que eu fique. — Que você fique? — Sim — disse, pegando o segundo prato, sem tirar os olhos dos meus. — Permita que eu fique ao seu lado e seja aquele com quem você poderá contar. Eu sei que aconteceu algo com você, mas quero ser aquele que vai te fazer sorrir e esquecer os problemas. Me deixe ser seu amigo. Com o coração pulando forte no peito, olhei para ele com uma emoção que quase não cabia dentro de mim. — Só se você me deixar ser sua amiga também. — Você já é, vizinha — disse e, então, piscou. E eu quase deixei o prato de porcelana da dona Agnes cair no chão, porque, aquela piscada... Caramba, aquela piscada sabia mexer em tudo dentro de mim.

Capítulo 5 - Daniel Terminei de vestir a camisola em Gabriela, ouvindo-a falar do quanto tinha gostado de jantar na casa de Helena. “A tia Helena é muuuuuuito legal”. “Eu gostei muito do frango com requeijão da tia Helena”. “Eu gostei do chocolate dela também”. “A gente vai vê-la de novo, né, Dan?”. “Porque ela é taaaaão legal!”. Fiz uma trança rápida em seus cabelos e a coloquei deitada na cama, com Ted ao seu lado. Seus olhos verdes, como os da minha mãe, bateram em mim: — Eu quero ver a tia Helena amanhã. — Quer? — Aham, eu gostei muito dela. — Dela ou da comida dela? Ela riu baixinho com a mãozinha na frente da boca. — Das duas coisas. Ela cozinha melhor do que você, Dan. O que eu poderia dizer? Aquilo era uma verdade incontestável. — Tem como vocês falarem mais baixo, porque eu quero dormir? — murmurou Letícia, com o corpo virado para a parede. Gabriela fez uma careta e revirou os olhos, o que me fez rir. Apesar de Letícia me estressar muitas vezes, Gabi sempre conseguia me acalmar com seu temperamento doce. — Conta uma história para mim dormir, Dan? — pediu ela, já bocejando. Assenti e peguei um livro de histórias que ficava sempre ao lado da cama dela. Sua preferida era da Branca de Neve. Comecei com o famoso “era uma vez” e antes mesmo de chegar na parte em que Branca de Neve encontra a casa dos anões, Gabriela já estava dormindo, agarrada fortemente a Ted. Terminei de cobri-la com o edredom e dei um beijo em sua testa, antes de me virar para a cama do outro lado do quarto. Letícia dormia como sempre, virada para parede, com o edredom enrolado até o queixo e o fone de ouvido tocando alguma música esquisita. Como sempre, tirei o fone de seu ouvido, acariciei seu cabelo e dei um beijo em sua testa. Apesar de tudo, de toda a rebeldia, de todo o estresse e malcriação, eu a amava. A amava com todo o meu coração e tudo o que eu fazia, todos os pensamentos, qualquer ato que passava em

minha mente, era tomado em base do bem dela e de Gabriela. Sempre foi assim e sempre seria assim. — Eu amo você, Lelê — murmurei em seu ouvido, antes de me afastar totalmente. Parei no batente da porta do quarto, olhando ao redor. Teve uma época da minha vida que Letícia e eu dividimos aquele quarto, já que a casa tinha apenas dois quartos. O berço de Gabi ficava no quarto da minha mãe e de Alberto. Agora, o quarto que antes era pintado de branco, tinha um tom rosa nas paredes. De um lado, havia quadros de personagens infantis como Dora, A Aventureira, Branca de Neve e Peppa Pig. Do outro lado, havia um post grande na parede, todo preto, com caveiras prateadas. Isso porque Letícia, há alguns meses, decidiu que amava rock e que amava aquela decoração macabra. Gabriela chorou na época, era realmente estranho ter que ficar em um quarto com fotos de caveiras te encarando, mas o que eu realmente poderia fazer? Arrancar tudo e proibir Letícia de gostar daquele tipo de coisa? Isso só iria piorar o nosso relacionamento já tão conturbado. Com o passar do tempo, Gabriela foi se acostumando e hoje, já não liga mais para a foto de caveira. Já eu, me agarrava apenas a uma coisa: um dia, isso iria passar. Um dia, Letícia voltaria a ser a menina doce que eu sempre conheci. Aquela fase passaria e tudo ficaria bem. Era nisso que eu me agarrava. Olhando para elas uma última vez, apaguei a luz e fechei a porta do quarto atrás de mim. Deixando apenas a luz do corredor acesa, tomei um banho rápido, vesti um short para dormir e me deitei na cama, no meu quarto. A luz da lua e das lâmpadas da rua invadiam a janela, mas aquilo não me incomodou. Em minha mente, apenas uma pessoa tomava meus pensamentos: Helena. Sorri quando seu rosto tomou conta de tudo o que eu via, mesmo fitando apenas o teto branco acima de mim. Quando a vi ontem, na mercearia do seu Jô, a primeira coisa que percebi era que ela era muito bonita. Não, muito bonita é muito pouco para descrevê-la. Linda é o ideal. Sua pele morena me lembrava a chocolate, seu corpo era esguio, tipicamente brasileiro. Tinha os quadris largos, pernas torneadas e, me deixando ir além, ela tinha uma bunda maravilhosa. Mas ia além disso. Além da beleza do seu corpo, tinha o seu sorriso. E seus olhos castanhos que me demonstraram, enquanto estávamos juntos fazendo compras, que ela estava feliz por estar ao meu lado, batendo um papo trivial. Para falar a verdade, ela me pegou totalmente de surpresa. Não me lembro qual foi a última vez que conheci uma mulher e tive realmente vontade conversar com ela, conhece-la melhor, deixala entrar na minha vida. Bom, não me lembro porque isso nunca aconteceu. Não desde a morte da minha mãe e do meu padrasto.

Minha vida virou de cabeça para baixo com o falecimento de ambos. Quando consegui endireitar tudo, eu tinha apenas um foco: minhas irmãs. Eu precisava trabalhar para sustenta-las, precisava arrumar uma responsabilidade que ainda não tinha e educa-las da melhor forma possível. Precisava ser o suporte delas. Eu vivia em função delas. Não me lembro mais qual foi a última vez que sai em um final de semana para me divertir com meus amigos, para beber, agir como um homem de vinte e quatro anos. Me sentia vinte anos mais velho do que a minha idade, pois virei um homem de família. Além disso, eu não poderia desperdiçar dinheiro com besteira. Gabi e Letícia estudavam em uma escola particular, em horário integral. Por ambas estudarem na mesma escola, a diretora me dera um desconto na mensalidade e isso me ajudava muito. Como não pagava aluguel, meu salário era dividido em pagar a escola delas e pagar as contas de casa, incluindo alimentação. Não sobrava muito no final do mês. Mesmo assim, o trocado que sobrava eu colocava na poupança, pois era com esse dinheiro que eu conseguia presenteá-las em aniversários, dia das crianças e natal. Ou comprar roupas para algum evento em especial. Com a morte da minha mãe e do meu padrasto, perdi completamente o meu chão. Mas Deus foi bom comigo e colocou na minha vida pessoas como Agnes, seu Jô e sua esposa Manuela. Eles foram como anjos, literalmente. Seu Jô logo me ofereceu o emprego na mercearia, que agarrei com unhas e dentes. Sempre foi muito bom comigo e me pagava mais do que um salário mínimo. No começo, quis recusar, mas ele se negou a pagar menos e eu sabia o porquê. Ele queria me ajudar. Naquele momento, eu entendi que o orgulho não valia de nada. Quis negar não só por educação, mas também por orgulho, mas, como eu poderia dizer não? O orgulho não iria encher a barriga das minhas irmãs, muito menos dar a elas bons estudos e uma casa com eletricidade e água potável. Aceitei e, a cada ano, ele dava um jeito de aumentar um pouco o meu salário. Nunca mais recusei porque, a cada ano, as contas aumentavam também. Agnes sempre me ajudou e continua me ajudando. No começo, ela sempre aparecia com comida, um abraço, um sorriso. Cuidou da Gabi para mim até ela ter idade suficiente para ir para escola e ainda cuida dela, quando preciso ficar até mais tarde na mercearia do seu Jô. Ela era mais do que uma vizinha. Era como uma mãe, eu sabia que sempre poderia contar com ela. A maioria dos meus amigos haviam se formado na faculdade e se mudado. Alguns ainda moravam por aqui, mas via-os raramente, o que me fez pensar novamente em Helena. Era a primeira pessoa que entrava na minha vida, desde o falecimento da minha mãe e do meu padrasto. Mesmo conhecendo-a tão pouco, pude perceber o quanto ela é honesta e bondosa. Tratou bem as minhas irmãs, mesmo Letícia sendo tão rebelde como é. Fez Gabriela sorrir até a hora de ir para cama. Me deu um abraço quando mais precisei.

Esse pensamento me fez lembrar de que eu não havia agradecido por seu abraço. Como fui indelicado. Pegando meu celular em cima da mesa de cabeceira, comecei a escrever uma mensagem no WhatsApp, parabenizando a mim mesmo por ter pedido o número do celular dela: “Esqueci de agradecê-la, vizinha” Pensei que ela não iria responder, até porque, já estava tarde. Mas, como se já estivesse com o celular na mão esperando por mim, logo apareceu que ela estava digitando. Sua mensagem chegou alguns segundos depois: “Pelo o quê, vizinho?” “Pelo abraço que me deu na sua cozinha. Foi muito importante para mim” “Eu que agradeço por ter me deixado abraça-lo. Foi muito importante para mim também” “O que está fazendo acordada tão tarde?” “Estou rolando na cama, com insônia, rsrs. E você?” “Estou pensando que a janela do meu quarto tem vista para a janela do seu quarto” “Jura? Não acredito! Aparece na janela, estou te esperando” Sorrindo, me levantei da cama e afastei as cortinas. Quando abri a janela, ela já estava lá, esperando por mim. Vestia um baby-doll que parecia ser de seda, na cor rosa claro. Combinou perfeitamente com o tom de pele linda. Seus cabelos ainda estavam soltos e eu senti meus dedos formigarem para acaricia-los. Eram lindos, cheios, encaracolados. Queria muito toca-los, enquanto a beijava... Daniel, pelo amor de Deus, ela é sua amiga! Apenas sua amiga! — E eu achando que conseguia ver apenas o seu jardim! Não tinha reparado nessa janela — disse ela, rindo. A distância entre as nossas casas era mínima e, com o muro baixo, dava para conversar perfeitamente. — Porque não tinha nada atraente para você reparar nela.

Cruzando os braços, ela me olhou com uma sobrancelha arqueada: — E agora tem? — Algumas garotas diriam que sim — falei, piscando para ela. Ela mordeu o lábio antes de rir e balançar a cabeça. — Quantas delas já se jogou aos seus pés, falando que você é lindo? Porque, para ser tão convencido, tem que ter tido uma fileira delas. — Para falar a verdade, o espelho sempre me diz: “cara, você é gostoso pra caramba, até eu te pegava”. Ele fala isso com frequência, desde a minha adolescência. — É um dom, então? — Com certeza. — Eu acho que você deveria dar aulas de como colocar em alta a sua autoestima — disse ela, rindo. Então, vi seus olhos passearem pelo meu peitoral. Impedi minha mente de fazer qualquer comentário maldoso porque ela era minha amiga, mas, porra! Ela era linda demais e eu estava lutando para não deixar meus olhos desviarem do seu rosto, para o decote da sua blusa de seda. — Você malha quantas horas por dia? — perguntou ela, me tirando dos meus pensamentos. — Eu acordo seis horas da manhã, puxo alguns pesos aqui no quintal mesmo, por quarenta minutos. Depois acordo as meninas para tomar banho e café da manhã. A van da escola vem pega-las as sete e vinte. Eu aproveito a deixa para andar de bicicleta até as oito horas e depois, vou para a mercearia do seu Jô. — Nossa, então você malha em casa? — Sim. — Caramba... Com todos esses músculos, eu podia jurar que você passava horas na academia. — Não tenho tempo e nem grana pra isso, por isso, dei o meu jeito — falei, dando de ombros. — E você? Também malhava lá no Rio? — Eu? Deus me livre! — disse ela, rindo. — Odeio malhar, juro, eu realmente odeio! — Por quê? Exercício físico é a melhor coisa do mundo. Ocupa a mente, dá resistência, é bom para a saúde... — Você e minha irmã falam iguaizinhos! Ela também é louca por exercícios físicos. — E por que você, não é? — A minha preguiça sempre vence. Eu comecei academia três vezes, sempre ia uma semana só, depois nunca mais voltava. Aí, chegou uma hora que eu simplesmente desisti — disse ela, dando de ombros. — Então, me inscrevi em uma aula de jazz contemporâneo. Nossa, eu adorava. A preguiça queria vencer, mas na maioria das vezes, quem ganhava era eu. — Isso quer dizer que você ia duas semanas para a dança e depois parava de ir? —

perguntei, rindo. — Não, seu bobo. Isso quer dizer que eu frequentei as aulas por um mês inteiro. Depois fiquei uma semana sem ir, mas voltei... Aí eu ficava desse jeito. As vezes a preguiça vencia, as vezes eu vencia... Era uma luta árdua. — Então, quero fazer um desafio à sua preguiça — falei, cruzando os braços. Ela me encarou com o cenho franzido. — Que desafio? — A partir de amanhã, você e eu vamos andar de bicicleta todos os dias, das sete e meia as oito da manhã. — O quê? Nem pensar, nem bicicleta eu tenho... — Eu tenho uma sobrando aqui em casa, está ótima, é perfeita para você. — Mas é muito cedo. Olha, eu fiz essa viagem com o intuito de descansar... — Mas você pode voltar a dormir quando chegar em casa — falei, me apoiando na base da janela. — Vamos lá, vizinha... Vai deixar a preguiça vencer você de novo? Ela ficou alguns segundos em silêncio, realmente pensando se deixaria a preguiça vencer ou não. Pude ver que a briga era séria, mas, soltando um suspiro, ela disse: — Está bem. Mas, saiba, terão dias que eu simplesmente vou gritar com você e falar que não vou. Vou bater com a porta na sua cara... Eu sempre fazia coisas assim com a minha irmã, quando ela queria me arrastar para a academia. — Vizinha, você está vendo isso aqui? — apontei para os músculos do meu braço. — Sou forte o suficiente para te arrastar da cama e te colocar na bicicleta. E se você fizer pirraça, faço você pedalar de pijama e tudo. Ela me olhou com a boca um pouco aberta, como se estivesse imaginando tudo o que falei. E, pela minha expressão, ela sabia que eu estava falando a verdade. Eu realmente a arrastaria e a faria pedalar de pijama. Bom... Com uma blusa minha por cima, porque não queria que os marmanjos ficassem olhando para o seu decote. — Agora, vou deixar você descansar. Durma bem, Helena, porque temos que pedalar bastante amanhã — falei, colocando as mãos na janela. — Eu estava brincando... — disse ela, enquanto eu começava a fechar as janelas de vidro. — Eu não vou, era brincadeira... Daniel... — Até amanhã, vizinha carioca. Sem dar chances para que ela respondesse, pisquei para ela e fechei a janela. Assim que me acomodei na cama, senti meu celular vibrar em cima do colchão, avisando que tinha uma nova mensagem.

“Eu odeio, odeio, odeio pessoas fitness! Boa noite, vizinho abusado” Fui dormir com um sorriso no rosto, ansioso para que o dia clareasse rapidamente.

Capítulo 6 - Helena

Definitivamente, aquela calça legging me deixava com a bunda enorme! Como pude comprar uma coisa daquelas? Parecia que ela era dois números menores do que eu vestia. Estava decidida a tira-la, quando ouvi o barulho da campainha. Mal-humorada, gritei um “já estou indo” e ajeitei a regata branca. Sinceramente? Eu odiava até mesmo a roupa de academia! Saí do quarto e abri a porta. Vi Daniel parado em frente ao portão de ferro, segurando duas bicicletas, uma preta e outra rosa com branco. Ele deu um sorriso enorme quando eu abri o portão. Seu sorriso aumentou ainda mais ao ver minha cara que, com certeza, estava com uma expressão nada amigável. — Bom dia, vizinha. — Olha só, o dia já começou errado, porque essa calça me deixou com uma bunda gigante, ou seja, é impraticável eu andar de bicicleta hoje. Boas pedaladas, vizinho — falei, começando a fechar o portão. Ainda sorrindo, Daniel forçou o portão e, claro, eu perdi a batalha porque ele era bem maior do que eu. Depois que ele entrou, fechou o portão atrás de si e, sem falar uma palavra, pegou minha mão. Só percebi o que ele queria fazer, quando me fez dar um giro de 360° graus. — Bom, a única coisa que eu vejo de errado, é essa sua cara de quem chupou limão. A calça está ótima em você, para de inventar desculpas. — Você realmente me fez girar para olhar a minha bunda? — perguntei, entre incrédula e risonha. — Sim e cheguei à conclusão de que sua bunda e você estão aptas para andar de bicicleta — disse, voltando a abrir o portão. — Vamos? Ou vou ter que cumprir a promessa de te carregar? Sem ter para onde correr, assenti e disse que iria apenas pegar minha carteira e meu celular. Com tudo em mãos, tranquei a porta e depois o portão. Só naquele momento, olhei de verdade para Daniel e ele estava lindo. Sério, o cara era lindo até usando shorts e blusa regata. O que era um absurdo, visto que eu ficava horrorosa usando roupa de academia. Daniel me deu a bicicleta rosa e montou na bicicleta preta. Soltando um suspiro resignado, coloquei minha carteira dentro da cestinha e subi na bicicleta. — Pronta, vizinha? — Sim, senhor Mestre Supremo das Bundas Femininas em Calças Leggings.

— Não das “bundas”, apenas da sua bunda. Piscando para mim, ele começou a pedalar, sem me esperar. Se eu tivesse pedalando, com certeza teria caído de bun... De cara no chão. Chega de bunda por hoje. Comecei a pedalar e logo o alcancei. A rua onde morávamos não era muito longa, por isso, Daniel logo virou à direita. As ruas residências estavam vazias àquela hora da manhã, mas isso não tirava a beleza das construções tão bonitinhas e do sol que batia em meu rosto. Havia tanto tempo que eu não andava de bicicleta, que, por um momento, achei que iria cair, mas a pedalada estava devagar e isso era agradável. Quando aceitei, pensei que apostaríamos corrida, mas o ritmo estava ótimo, o que fez o meu humor melhorar um pouco. — Preparada, Helena? — Preparada? Para o quê... — de repente, ele começou a pedalar rápido demais, disparando na minha frente. — Daniel! Daniel, espera! Sim, eu gritei no meio da rua, provavelmente, acordando a todos os moradores. E sim, eu quase morri pedalando rapidamente, para alcançar aquele homem loiro de quase dois metros. Quando emparelhei minha bicicleta ao lado da dele, ele acelerou mais, virando à esquerda. Virei também, sentindo os músculos das minhas coxas queimarem, meu abdômen contrair com a força. Minha panturrilha? Ela havia parado de funcionar no meio do caminho. Minha respiração? Era uma luta para encontrar. Sem contar o meu coração, que parecia que iria saltar da caixa torácica. Emparelhei ao lado dele novamente. O filho da mãe nem dirigia um olhar para mim. Eu já não aguentava mais, parecia que eu estava pedalando para chegar ao topo de uma montanha e não ao final de uma rua plana, que nem quebra-molas tinha direito. — Daniel... Por favor... — tentei falar, mas nem para isso eu tinha fôlego. — Vamos... Já chega, vamos parar... Então, ele começou a desacelerar. Sem perceber, segui seu ritmo e logo eu estava devagar também, mas completamente descoordenada. Minha perna pedalava sem eu sentir, meu músculo da coxa estava tão rígido, que chegava a estar dormente. Quando minhas pernas começaram a tremer, apertei e freio e desci cambaleando. Só tive tempo de descer o descanso da bicicleta, antes de andar tropegamente até a calçada. Caí sentada no meio fio, o suor escorria em bicas pelas minhas costas, meu rosto. Até meus braços tremiam, mas as minhas pernas... Era algo de outro mundo. — Lena, você está bem? Senti a mão enorme de Daniel colocar meu cabelo preso em um rabo de cavalo para o lado e acariciar minha nuca. Uma garrafa de água apareceu na minha frente. A tomei de sua outra mão e bebi quase tudo em um único gole, enquanto ele continuava a massagear minha nuca, trazendo um alento instantâneo ao meu corpo.

— Você queria me matar... Eu tenho certeza! — falei, voltando a recuperar meu fôlego. — Eu quero salvar sua vida, vizinha — disse e pude sentir seu sorriso em sua voz, mesmo sem vê-lo. Me virei e o encarei. Seu rosto estava próximo ao meu e seus olhos estavam mais azuis naquele início de manhã ensolarada. — Salvar minha vida? — Claro. Você vai ver que, daqui a alguns dias, você vai ter disposição para acordar às seis da manhã e malhar comigo. — Duvido! Mas duvido mesmo! — falei, serrando os olhos. — E se você imitar meu sotaque, eu juro te dou um soco. — Hm... Você é violenta quando está de mau-humor — disse ele, rindo e me fazendo rir junto. — Sabe por que fiz esse ritmo com você? — Além de ter o intuito de me matar? — E ficar sem comer as comidas que você faz? Não mesmo! Jamais mataria você. — Interesseiro! — Prioridades, esse é o nome correto — falou, ainda massageando minha nuca. — Fiz esse ritmo para, além de você perceber o quanto está sedentária, também começar a se acostumar. Vamos fazer assim: começaremos em um ritmo devagar, depois vamos acelerar ao máximo, depois voltamos ao devagar e então, aceleramos até chegar em casa, tudo bem? Assim, você vai ganhar resistência. Não tem problema se quiser parar no meio do caminho, pelo contrário, assim, damos uma pausa, bebemos água e continuamos. Ok? Fiquei em silêncio, ponderando se aceitava ou se dava um tapa na cara dele. Mas, como aquele rosto era bonito demais para apanhar — e como eu gostava muito dele —, suspirei e assenti. — Tudo bem. — Perfeito! — disse ele e se levantou, estendendo a mão para mim. — Vamos continuar? Dei minha mão para ele e revirei os olhos. — Por que você gosta de me fazer sofrer? — Para de ser dramática. — Não, sério, eu quero mudar de vizinho... — E perder a minha companhia tão agradável? Você não vai fazer isso — falou, montando na bicicleta. — Seria um balsamo me livrar me livrar de alguém tão manipulador e convencido — falei, montando na bicicleta e tirando o descanso. — Sério, eu pensei que esse seria um passeio legal. — Se você parar de reclamar, eu te pago um café na mercearia do seu Jô. — Com aquele sanduíche de peito de peru? — perguntei, subitamente animada.

Ele riu e assentiu: — Sim, com aquele sanduíche de peito de peru. Sem esperar por ele, comecei a pedalar. Ouvi sua gargalhada atrás de mim e lutei para não perder o equilíbrio porque, sério, que som gutural e maravilhoso. Dava vontade de rir também e foi isso que fiz quando ele emparelhou a bicicleta ao lado da minha. Pedalamos juntos. Primeiro devagar e depois, rápido. Meus músculos voltaram a queimar, mas mantive o ritmo e a concentração, me sentindo mais disposta do que na primeira vez. Bom, eu poderia me acostumar com aquilo. Eu acho. Quando paramos em frente às nossas casas, Daniel me deu uma garrafa com água. Enquanto ele guardava as bicicletas, eu fiquei na calçada, esperando e sentindo minhas pernas tremerem pelo esforço. Assim que ele voltou, dei a garrafa para e ele e vi ele esvaziar tudo em um único gole. Confesso que fiquei com o olhar perdido em seu pomo de adão, que subia e descia enquanto ele engolia. — Vamos? Assenti, meio que incapaz de falar com aquela visão ainda em minha mente. Caminhamos lado a lado e, de repente, ele começou a me contar um pouco sobre a vizinhança, sobre como a dona Agnes era boa para ele e cuidava de Gabi quando ele tinha que ficar até mais tarde no seu Jô. — Se quiser, eu posso ficar com ela para você — falei, vendo a mercearia do seu Jô entrar em meu campo de visão. — Com ela e com a Letícia também, assim, a dona Agnes não fica tão sobrecarregada. — Jura? — ele perguntou, parecendo incrédulo. — Mesmo com a Letícia sendo do jeito que é? — A Letícia é uma garota incrível, eu tenho certeza. Talvez ela precise apenas uma companhia feminina do lado dela. — Pode ser... Sabe, eu sou péssimo com essas coisas de meninas. Quer dizer, como vou falar sobre menstruação e essas coisas? Sei tudo na teoria, mas, na prática, é totalmente diferente. Nem sei qual é o lado certo de se usar um absorvente. Ri dele e vi suas bochechas ficarem coradas, enquanto ele dava de ombros. Era incrível ver um homem daquele tamanho, corar daquela forma. — Absorvente não tem lado, exceto o absorvente noturno. — Noturno? — Sim, para mulheres que tem o fluxo de sangue maior. O absorvente noturno é bem maior do que o comum e dá mais segurança a mulher que tem um fluxo intenso, porque, assim, não vaza a noite. — Ah... — ele murmurou e, pela sua expressão, parecia que estava tentando imaginar toda a informação. — Então, seria ótimo se você conversasse essas coisas com ela. Ela ainda não ficou

mocinha, mas já tem treze anos, então... Pode acontecer a qualquer momento. — Deixa comigo, vizinho — falei, piscando para ele. Seu sorriso foi tão grande que, por um momento, me perguntei se era ele que estava iluminando tudo e não o sol. — Obrigado por se importar com elas. — Não precisa agradecer. É impossível não se encantar por elas... E por você também. Essa última parte não era para ter saído. Agora era eu que estava com as bochechas coradas. Por sorte, essa frase saiu da minha boca no momento em que pisamos na mercearia. Se Daniel iria falar alguma coisa, não pôde, pois logo ouvimos a voz do seu Jô: — Ah, mais que beleza! Manuela, venha ver! A menina Helena e o menino Daniel estão aqui! Uma senhora robusta e de cabelos brancos saiu por uma porta que estava escrito “acesso permitido apenas para funcionários”. Vestia um vestido florido e um avental rosa. Seu sorriso era enorme e deixava suas rugas ao redor dos olhos um pouco mais pronunciadas. — Mas como é linda! — ela disse, se aproximando de mim. De repente, seus braços estavam ao redor dos meus ombros. — Querida, você é tão bonita quanto Jô e Daniel descreveram! Seja bemvinda a nossa cidade. Quando ela se afastou, eu já estava com um sorriso no rosto também. Sua simpatia irradiava por todos os cantos. — Obrigada, senhora... — Não, nada de senhora, apenas Manuela. — Obrigada, Manuela. É um prazer conhece-la, seu Jô falou muito bem de você. — Ah, Jô é um bobo apaixonado, ele vive falando bem de mim... — O posso fazer? Eu te amo, minha regina — disse ele, chamando-a de rainha em italiano. — Eu te amo, amore mio — ela respondeu, sorridente. — Daniel, fico feliz que vocês tenham se tornado amigos, assim, Helena não fica sozinha na cidade. — Pode deixar, Manuela, eu estou cuidando muito bem dela — disse ele, passando o braço musculoso pelos meus ombros. Seu cheiro forte e almiscarado invadiu minhas narinas e percebi que eu me acomodava perfeitamente em seus braços. Minhas bochechas coraram quando o olhar de Manuela passou de mim para ele e vice-versa. — Veja, amore mio, como são lindos! — ela disse, animada. — Venham, venham tomar café! — Ele está me devendo um sanduíche de peito de peru — falei, apontando para Daniel ao meu lado. — Aliás, que sanduíche maravilhoso, Manuela. — Ah, eu fico muito feliz que você tenha gostado! Vou fazer um agora mesmo para você. — E eu vou fazer o café.

Manuela voltou para a cozinha e seu Jô foi para trás do balcão, mexer na grande máquina de café expresso. O braço de Daniel continuou sobre os meus ombros e, tomando coragem, passei meu braço por sua cintura. Era com o encaixe perfeito e senti meu coração bater forte no peito. Caminhamos juntos até uma mesa perto de uma grande janela e só nos separamos para nos sentar. Ele ficou de frente para mim e me fitou com um sorriso no rosto. — O que foi? — perguntei, sorrindo também. — Posso falar algo? — Já passamos dessa fase de perguntar se pode ou não falar alguma coisa, né? — perguntei, sorrindo. Ele assentiu e então, disse: — É que eu não falei isso, mas você também é encantadora, Helena. A mulher mais encantadora que eu já conheci Ele esticou o braço musculoso. Pensei que tomaria minha mão na sua, mas apenas tocou os dedos nos meus de modo tão gentil, que um suspiro baixo escapou dos meus lábios. — Obrigado por ser assim — agradeceu, da mesma forma que eu o havia agradecido em minha cozinha, na noite anterior. Meu coração voltou a bater como um tambor dentro do peito e meu sorriso ficou tão grande, que pensei que minha face se partiria ao meio. — Você sabe como elogiar uma mulher, vizinho... — comentei baixinho, sentindo minhas bochechas ficarem quentes. — Uma mulher não... Você. Suspirei de novo em meio ao meu sorriso e o seu Jô se aproximou, trazendo duas xícaras de café e dos pratos com sanduíches de peito de peru. Daniel não tirou os dedos dos meus e eu também não fiz nenhum movimento para me afastar. Comemos e bebemos com apenas uma mão, os olhos conectados. Caramba. Era oficial: eu corria um sério risco de me apaixonar por aquele homem.

Capítulo 7 - Helena

No momento em que eu pisei em casa, ouvi o toque do meu celular. O nome “mãe” brilhava na tela e isso com fez que o “efeito Daniel” se dissipasse um pouco. Porque, sim, eu estava sorrindo feito boba desde o momento em que me despedi dele em frente ao meu portãozinho de ferro. E, sim, eu ainda conseguia sentir o toque dos dedos dele nos meus. E isso era uma loucura. Jogando-me no sofá, olhei novamente para o celular e atendi, esperando o drama da minha mãe: — Até que enfim eu consegui falar com você! Esqueceu que tem mãe, filha? — Claro que não, mãe... — Mas parece! Poxa, Lena, eu estou preocupada com você, filha — disse ela, seu tom de voz murchando. — Depois de tudo o que aconteceu... Não queria que você se afastasse de todos nós. — Mas eu precisava, mãe. E ainda preciso. Não quero ficar perto do que aconteceu. — Mas aqui em casa, seria a mesma coisa de estar aí em Santa Catarina. Você estaria longe o suficiente. — Não estaria. Sem contar que, aqui, ninguém sabe o que houve. Ninguém vai me olhar com pena ou com julgamentos. — Sua família não te olha com pena, Helena, nós apenas nos preocupamos e isso é normal. Você não pode impedir a nossa preocupação. — Mas posso ficar longe. Você não imagina o quanto estou bem aqui. — Bem? Mas você só está aí há três dias. — Eu sei e já me sinto melhor do que todos esses meses ocupando o meu antigo quarto na sua casa, mãe. Eu... Eu conheci algumas pessoas, sabe? Todos aqui são muito receptivos e calorosos. Fiz novas amizades e isso está me ajudando muito. — É difícil para mim, saber que minha filha foi buscar alento nos braços de outras pessoas. — Não vim buscar alento, mãe, pelo contrário, eu vim porque queria me afastar, ficar sozinha de tudo... Mas o destino não tinha reservado isso para mim e colocou uma pessoa no meu caminho, que está me fazendo muito bem. Ela ficou alguns segundos em silêncio. Pensei que tinha desligado, mas, por fim, disse: — Bom, então, agradeça a sua amiga por mim. Diga a ela que sou eternamente grata por todo o bem que está te fazendo. No final, é isso que importa, filha. Você ficar bem.

— Amiga? Não, mãe... É amigo. — Amigo? — ela perguntou em uma voz estridente. — Amigo... Homem? — Sim. — Mas... Você disse que não queria conhecer ninguém, principalmente homens. O que mudou? — Ele é diferente, mãe. É diferente de tudo o que eu já conheci. É engraçado, educado, gentil... Cuida das duas irmãs, acredita? A mãe dele morreu e ele ficou responsável por elas, uma adolescente e uma menina de seis anos — falei, empolgando-me. — Ele é muito diferente do... — Não, nem fale no nome desse infeliz! — mamãe disse, irritada. Ouvi sua respiração do outro lado linha e então, ela disse: — Ele é tão legal assim? — É até mais — murmurei, sorrindo um pouco. — E está me obrigando a fazer algo que você e minha irmã irão aprovar. — O quê? — Está me fazendo praticar exercício físico. Bem, apenas andar de bicicleta, mas já é um começo, não? — Jura? Filha, ouvindo você falar tudo isso... Parece você está aí há um mês e não apenas há três dias — comentou ela e pude sentir o sorriso em sua voz. — Posso sentir que você está realmente melhor, mesmo pelo telefone. Aquela tristeza e desanimo desapareceram. — Sim, eu estou bem e pretendo continuar assim. Não vou deixar que tudo aquilo me abale novamente, mãe. Eu preciso seguir com a minha vida, porque, ao chegar aqui eu entendi que eu estou viva. Não vou deixar que ele acabe comigo outra vez. — Você não sabe o quanto eu fico feliz em ouvir isso, querida. Saber que você está melhor, que tem alguém te ajudando... Por favor, agradeça a seu amigo por mim. — Pode deixar, mãe. Como estão todos por aí? Continuamos a conversar por mais alguns minutos. Mamãe me atualizou que todos estavam bem, mas com muitas saudades, o que eu também sentia. Entretanto, maior do que minha saudade, era a minha força para continuar vivendo. Para continuar progredindo. Pois foi isso que fiz quando coloquei meus pés nessa cidade: eu progredi. E queria que continuasse assim. *** O dia foi atribulado. Devolvi todas as louças que dona Agnes tão gentilmente havia me emprestado, batemos um papo gostoso, onde ela perguntou como havia sido o jantar. Não tive como mentir — e por que iria? —, falei que tinha sido maravilhoso. Que tinha sido incrível conhece-lo ainda mais e conhecer suas irmãs também.

Isso fez com que o assunto começasse a girar em torno da adolescente bomba-relógio: Letícia. Dona Agnes comentava que o temperamento dela era muito difícil, que, por vezes, Daniel não sabia o que fazer a respeito. Mas que nunca havia encostado um dedo nela ou em Gabriela. Saber disso me fez adora-lo ainda mais. Em certo momento, ela disse algo que ficou martelando em minha mente: — De certo modo, não podemos julgar a Lelê. Ela perdeu a mãe muito cedo, mas, ao mesmo tempo, era grande o suficiente para entender que nunca mais veria a mãe ou o pai. Para uma menina que era tão agarrada a ambos, deve ser mesmo muito difícil encarar o resto da vida. Agora, na adolescência, isso é ainda pior, pois ela tem apenas o Daniel, que, apesar de ser um irmão muito carinhoso e presente, não é nem de longe a figura feminina que ela precisa. Eu tento muito me aproximar dela, ajuda-la, mas ela é tão arisca quanto um gato selvagem, simplesmente não deixa que eu me aproxime. É tudo muito difícil. Ela tinha razão. E a forma como falou, me fez voltar a conversa que tive com Daniel naquela manhã, quando ele falou sobre a irmã, sobre o fato de que ela poderia ficar mocinha em breve e não tinha ninguém para explicar sobre esse — e muitos outros — assunto. Foi com isso em mente que segui com o meu dia. Percorri a cidade comprando coisas que precisava para a minha casa, como louças, talheres, algumas panelas, objetos de decoração que combinavam comigo. Com isso, aprendi a me locomover ainda mais, sempre consultando o Google e pedindo informações às pessoas na rua. Já estava quase anoitecendo quando voltei para casa. Arrumei tudo nos armários, coloquei os objetos de decoração nos móveis da sala e tomei um banho que relaxou todo o meu corpo. Pretendia me jogar no sofá e ficar assim até o dia seguinte, mas, assim que sai do banheiro, ouvi meu celular tocando em cima da mesinha de centro da sala. Um sorriso muito idiota se abriu em meu rosto quando vi o nome na tela brilhante: — Olá, vizinha — a voz de Daniel me fez sorrir ainda mais. — Olá, vizinho — respondi, me sentando no sofá, porque, de repente, senti minhas pernas ficarem um pouco bambas. — Aconteceu alguma coisa? — Não... Quer dizer, na verdade, sim. — O que houve? Foi alguma coisa com as meninas? — Não, está tudo bem com elas. Quando senti meu coração se acalmar no peito, foi que percebi o quanto elas estavam se tornando importantes, assim como o grandalhão que era irmão delas. Ainda me perguntava como era possível alguém se tornar tão importante em tão pouco tempo. — Eu liguei porque preciso de um enorme favor seu... Se não for te incomodar, claro. — Pode contar comigo, estou totalmente livre. Do que precisa? — Seu Jô precisa que eu vá na cidade vizinha pegar algumas mercadorias que ele encomendou.

Normalmente as empresas que trazem a carga, mas o caminhão deles quebrou e como não são uma fornecedora muito grande, vou ter que ir lá buscar com a caminhonete. Queria saber se tem como você ficar com as meninas até eu voltar. — Claro que sim. Elas já saíram da escola? — Devem estar chegando, a van da escola sempre as deixam em casa por volta de seis e meia... Eu estou entrando na caminhonete agora, vou passar aí e deixar as chaves da minha casa com você — falou e pude ouvir uma porta de carro se fechando. — Vou deixar para te agradecer pessoalmente. Beijos, vizinha. O telefone ficou mudo em meu ouvido e senti meu coração bater um pouco mais acelerado em meu peito. Me agradecer pessoalmente... Teria essa frase um duplo sentido? Ou eu estava imaginando coisas? Claro que você está imaginando coisas!, meu subconsciente gritou. Sim, eu estava imaginando coisas, claro. O barulho de batidas na minha porta me fez dar um pulo do sofá. — Lena? Desculpa ser intrometido, mas abri o portãozinho e decidi bater direto na sua porta — a voz risonha de Daniel soou do outro lado da madeira. Me levantando, esperei minhas pernas ficarem estáveis para me encaminhar para porta. Entretanto, algumas gotas d’água correndo pelas minhas costas me fez para no meio do caminho. Sem entender, olhei para mim mesma e, apenas naquele momento, eu entendi o porquê. Eu estava só de toalha, com o corpo ainda molhado. E prestes a abrir a porta para o meu vizinho. Seria bem cômico, se eu não estivesse com a mente ligada apenas nele e esquecida totalmente de mim. Destranquei a porta e, sem dar tempo para nada, me virei e sai andando para o quarto, enquanto gritava: — Então se intrometa mais um pouco e entre, porque estou no quarto trocando de roupa. Porque estou só de toalha e iria abrir a porta assim para você, quis completar. Ouvi a porta sendo aberta e depois, sendo fechada. Terminei de me secar em tempo recorde, pegando um lingerie aleatória, um short jeans e uma regata branca. Soltei os cabelos que, por sorte, eu não havia molhado. Passei um pouco de creme hidratante nas pernas e, dessa vez, eu me lembrei do brilho labial. Sai do quarto e não estava nem ofegando. Ponto para mim. — Estou pronta! Desculpa, eu tinha acabado de sair do banho... — Não tem problema — ele disse e se aproximou, balançando um molho de chaves que estava preso em um chaveiro em formato de violão. — Aqui estão as chaves. Gabriela pintou cada uma

com um esmalte diferente, para não trocarmos... A verde é do portão, a amarela é da porta, a rosa é da porta da cozinha, que dá para o quintal e a azul é chave de um quartinho que tem no quintal. — Certo, a Gabi é mais inteligente do que eu. Eu ainda me enrolo com esse lance de chaves. — Se você falar isso para ela, com certeza ela vai querer pintar as suas. — Não vou me esquecer disso, talvez ela consiga me ajudar — falei, sorrindo. Peguei as chaves que ele me estendia e, quando fui afastar minha mão, ele não deixou, prendendo-a entre as suas. A forma como eram grandes e cobriam a minha foi realmente reconfortante. — Obrigada, Lena... Aliás, eu te dei um apelido e nem perguntei se posso usá-lo. — Claro que pode. Minha mãe e minha irmã também me chamam assim. — Hm... Então é um apelido só para os íntimos? Estou me sentindo lisonjeado. — Mas você já se tornou bem íntimo. Virou até o meu personal trainer. Sua risada fez os pelos da minha pele se eriçarem — e não foi de uma forma ruim, não mesmo. — Bem, isso me dá o aval de pegar mais pesado com você, aluna. — Não mesmo, professor, vamos com calma, com muita calma. — Pode deixar, eu vou pegar leve com você — ele piscou e eu quase perdi a linha de raciocínio. — Agora, falando sério... Obrigado por ficar com as meninas, fico te devendo es... — Nem termine esta frase, você não me deve nada, para com isso! — Te retribuo com o meu macarrão com carne moída, então. — Tudo bem, isso eu não vou poder recusar. Ele sorriu e então, começou a se inclinar para baixo, em direção ao meu rosto. Senti meu coração golpear tão forte no peito que, por um momento, achei que ele iria sair da caixa torácica. Tudo isso porque eu já conseguia sentir os lábios de Daniel sobre os meus. E, Deus que me perdoe, mas eu queria isso. Eu queria com todas as minhas forças, o que era uma loucura! Ele era apenas meu amigo e, apesar de ter dito mais cedo que estava encantado por mim, isso não queria dizer nada. Havia muitas formas de encantamento e, de certo, ele não estava encantado da maneira que meu coração enlouquecido queria acreditar. Por isso, quando ele depositou um beijo demorado em minha bochecha e depois se afastou, eu consegui sorrir, sem demonstrar qualquer tipo de desapontamento. Ponto para mim de novo. Ou não, porque a forma como fiquei deslumbrada não merecia nenhum tipo de vitória. — As meninas já devem estar a caminho... Você quer esperar lá em casa? Meninas a caminho... Casa dele... Esperar...

— Sim... Claro — respondi, com o cérebro ainda desligado. No automático, me lembrei de calçar os chinelos, pegar o celular, as chaves de casa e trancar a porta. Quando respirei o ar da noite, consegui me estabilizar um pouco. Sim, esperar pelas meninas na casa dele. Pelas meninas! Saímos juntos e tranquei o portão de ferro. Quando me virei, Daniel me abraçou rapidamente e depois se afastou, sorrindo de lado. — Prometo que vou fazer de tudo para não demorar muito. — Não se preocupe com isso, sério. Vai tranquilo. — Obrigado, vizinha. Ele piscou de novo, antes de se virar e entrar na caminhonete. Com um último aceno, ouvi o barulho do motor e logo ele deu partida, se distanciando. Em seguida, antes mesmo de eu poder dar um suspiro e voltar ao normal, uma van de escola virou na nossa rua. Alguns segundos depois, parou em frente a calçada onde eu estava. Uma mulher vestida em calça jeans e uma blusa de uniforme, desceu da van e ajudou Gabriela a descer, seguida por Letícia. Assim que me viu, Gabi sorriu e correu em minha direção. Me abraçou forte pela cintura e eu retribui, tocando em seus cabelos claros. — Tia Helena, estava com saudades! — Eu também estava, querida... — A senhora é Helena Antunes? — a moça de jeans perguntou, um pouco mal-humorada. — Sim, sou eu. — Ótimo. É porque o senhor Daniel me ligou, avisando que a senhora estaria esperando pelas meninas... — Esperando por nós? Por quê? — Letícia perguntou, cruzando os braços. — Porque o irmão de vocês teve um imprevisto no trabalho e me pediu para que eu ficasse com vocês até ele voltar. — Jura? Que legal! — Gabi vibrou, segurando o Ted. — Vamos passar mais tempo juntas! Vai ser muito legal! — Vai sim, com certeza... Era só o que me faltava... Entre a alegria de Gabi e as reclamações de Letícia, a moça de jeans se despediu e a van partiu. Abri o portão da frente e, logo depois, abri a porta. Gabriela entrou saltitante, Letícia entrou mal-humorada e eu entrei capitando o cheiro de casa limpa no ar. A visão que tive comprovou a fragrância. A casa estava mesmo limpa e era muito aconchegante. A sala era maior que a minha e tinha dois sofás marrons, uma mesinha de centro de vidro, uma estante pequena, mas com uma grande TV.

Gabi fez as honras da casa e me puxou pela minha mão. Entramos em um corredor que tinha três portas. A primeira era do quarto delas. A decoração realmente combinava com as duas. O lado com o quadro de Dora, A Aventureira me mostrou que aquela parte era de Gabi. O outro lado com a figura de uma caveira deixou claro para mim que aquela parte pertencia a Letícia. Havia um guarda-roupa, uma cômoda com produtos de cabelo e uma estante com uma TV. E na janela, a cortina era branca. Eu pude até imaginar a briga entre Letícia e Gabriela, uma querendo que a cortina fosse preta com estampa de caveira, outra querendo que a cortina fosse rosa com estampa de ursos e Daniel acabando com a confusão, instalando a cortina branca como algodão. Um sorriso nasceu em meu rosto com essa visão. Era algo que parecia ser tão típico deles. Segurando minha mão, Gabi me levou a outra porta, mostrando-me o banheiro, em seguida, o quarto de Daniel, que era simples, mas muito aconchegante também. Uma cama de casal, um guarda-roupa marrom, mesinhas de cabeceira, uma estante com TV. Tudo muito organizado, sem nem um par de sapato espalhado. Saímos do corredor e seguimos para a cozinha grande o suficiente para ser dividida em dois ambientes e foi isso que Daniel fez, colocando uma mesa com quatro cadeiras em um canto e, no outro canto, ficava os eletrodomésticos. Me levando até a porta da cozinha, Gabi a abriu e me mostrou o quintal, que também era grande. Fixada ao chão, havia uma barra, onde eu podia ver Daniel se exercitando. Ali também tinha um canteiro de flores e eu mal pude me segurar para ir ver de perto. Como se soubesse que era isso que eu queria, Gabi me levou até lá e disse: — Foi o Dan e plantou tudo isso. Eu ajudei, sabia? Eu coloquei as sementes e reguei todos os dias. — Que coisa linda... — murmurei, tanto para a atitude dela e dele, quanto para as flores. De perto, eu pude reconhece-las. Eram gérberas. Lindas, coloridas e abertas por conta da primavera. Toquei de leve nas pétalas tão delicadas e me afastei, sorrindo para Gabi. — Um trabalho lindo, Gabi. — Sim, eu adorei ajudar o Dan! Todo dia a gente rega as plantas antes de eu ir para o colégio. Ela continuou a contar sobre como as flores começaram a crescer, enquanto entrávamos de novo na casa. Letícia apareceu de repente, entrando na cozinha e abrindo a porta da geladeira. Tirou uma garrafa de água e encheu um copo, enquanto olhava para mim. — Já que está aqui, por que não cozinha pra gente? Daniel ia fazer aquele macarrão com carne moída, mas ele vai chegar atrasado e eu estou com fome. Certo, ela poderia ter pedido com mais educação. Seu tom de voz hostil e sarcástico demonstrava que eu não era bem-vinda, mas, já que estava ali, poderia ser útil em alguma coisa. Se ela queria me ofender, não conseguiu. Abri o meu melhor sorriso, observando seu semblante irônico se dissolver.

— Ótimo! Você me deu uma ótima ideia, vamos ver o que temos aqui... Abri a geladeira e vi que não tinha nenhuma panela ali, o que mostrava que, realmente, não havia jantar algum guardado para mais tarde. Entretanto, vi batatas na parte onde ficavam os legumes. As peguei. Em seguida, abri o congelador e verifiquei minhas opções. Tinha frango, mas, como havíamos comido no dia anterior, a ideia não me tocou. Do outro lado, vi algo que me chamou atenção. Era carne e, na etiqueta, estava escrito “bife”. O menu brilhou em minha mente. — Arroz, feijão, bife e batata frita... O que acham? — Bife com casquinha? — Não é casquinha que se fala, Gabriela, é à milanesa — Letícia a corrigiu, revirando os olhos. — Sim, bife com casquinha, porque com casquinha é muito mais legal — falei, vendo Gabi sorrir e Letícia revirar os olhos novamente. — Vocês querem me ajudar? — Eu quero, eu quero! Olhei para Letícia e ela me olhou de volta, com aquela expressão de hostilidade. — Olha a minha cara de quem vai perder o meu precioso tempo dividindo panelas com você... — disse ela, colocando o copo vazio em cima da pia. — A propósito, para de fingir que está aqui porque gosta da gente. É óbvio que você está louca pelo meu irmão. Está escrito na sua testa. Sem me dar chance de resposta, ela se virou e saiu da cozinha. Eu fiquei de boca aberta, pronta para me defender, mas, de repente, me vi sem fala. Estava tão na cara assim? — Tia Lena, não liga pra Lelê, ela gosta de magoar as pessoas — a voz de Gabi me chamou atenção. Principalmente porque ela se referia a irmã daquela forma pela segunda vez. — Vamos começar? Eu quero muito comer batatinha frita e bife com casquinha! Olhar para ela e para a sua felicidade, me fez sorrir. Poderia até ser verdade que estava escrito na minha testa que eu estava a fim de Daniel, mas, a outra parte era totalmente mentira. Eu realmente gostava delas, mesmo Letícia sendo tão cabeça dura. — Sim, vamos começar.

Capítulo 8 - Daniel Terminei de colocar a última caixa dentro do depósito de seu Jô. Mesmo estando em forma, o trabalho era duro para uma única pessoa. Peguei a garrafa d’água que estava ao meu alcance e terminei tudo em um gole, sentindo o suor descer por minhas costas. — Menino Daniel, obrigado — me virei ao ouvir a voz do seu Jô atrás de mim. — Você não sabe o quanto me ajudou indo pegar essas mercadorias hoje. Nosso estoque de farinha já estava no fim. — Não precisa agradecer, seu Jô, você sabe que não é nenhum incomodo ajudar... — Mas eu vou colocar uma bonificação no seu salário este mês, porque ir buscar mercadorias não faz parte da sua função. — Seu Jô, deixa disso, já disse que não precisa se incomodar. — Eu faço questão — disse ele e, por saber que não adiantaria discutir, me calei. — Agora vá para casa descansar e cuidar das meninas. Já abusei muito de você hoje. Com um sorriso, ajudei o seu Jô a fechar a dispensa e me despedi. Ele era tão bom para mim que seria uma grande injustiça dizer não a qualquer um dos favores que ele me pedia. O salário que me pagava era bom o suficiente para pagar todas as minhas despesas, ele sempre me dava folga quando acontecia alguma emergência e se preocupava com minhas irmãs como se fosse um avô. Que tipo de pessoa eu seria se dissesse não a ele? A caminhada até minha casa foi feita rapidamente. Já passava um pouco das oito da noite, a rua estava tranquila. Cumprimentei os vizinhos, acenei para outros e logo estava abrindo o portão de ferro da minha casa. O cheiro de comida caseira invadiu minhas narinas assim que abri a porta da sala. Letícia estava sentada no sofá, com uma carranca que já se tornara sua faceta natural. Estava com um fone no ouvido direito e digitava rapidamente no celular. Ao menos se deu o trabalho de olhar para mim quando disse: — Sua vizinha está fazendo o jantar para tentar te conquistar pelo estômago. Ignorando o comentário maldoso, me aproximei dela e dei um beijo em sua testa, mesmo sabendo que só receberia um silêncio em troca. — Boa noite para você também, pestinha. Ela revirou os olhos e eu segui para o meu quarto. Peguei uma muda de roupa limpa e fui para o banheiro, pois seria inadmissível da minha parte aparecer na cozinha todo suado e cheirando a depósito.

Tomei um banho rápido, ansioso, sem conseguir tirar o sorrisinho idiota que apareceu em meu rosto quando senti o cheiro da comida. Para falar a verdade, esse sorrisinho aparecia em todas as vezes que eu pensava em Helena. Era automático, como se, com o seu nome, esse sorriso viesse de brinde e fosse obrigatório o seu uso. Apesar de ter me despedido dela há pouco mais de duas horas, parecia que eu não a via há anos, o que era totalmente ridículo. Para começo de conversa, ela era minha nova vizinha e minha amiga. Havia a conhecido há menos de uma semana. Tudo bem, que para se sentir atraído por alguém, você não precisa de muito tempo. Até mesmo um cego se sentiria atraído por Helena, com aquele corpo lindo, aquelas pernas e bunda que me deixavam tentado a ficar de joelho para beija-las e aquela pele cor de chocolate. Os cabelos encaracolados, a boca cheia, o sorriso lindo... Ótimo. Pensar no corpo dela foi tudo o que precisei para ter o começo de uma ereção, que fiz questão de ignorar, porque seria muita falta de decoro me masturbar com ela na minha cozinha, cozinhando para minhas irmãs e eu. — Precisamos ter um pouco de respeito aqui, cara — falei para o meu pênis, que tinha a cabeça quase toda virada para mim. Voltando ao foco, era difícil não se sentir atraído por ela. Mas, com Helena, o respeito se fazia muito necessário. Ela não era como as mulheres que eu pegava na minha época de faculdade, ou que eu pegava ainda hoje, quando a necessidade falava muito, muito alto. Não era do tipo que se transa uma vez só e depois vira as costas, porque não tem interesse em repetir. Ela era mais do que isso. E eu não poderia deixar o meu corpo falar mais alto do que o bom senso — o que quase aconteceu hoje quando fui agradece-la. Por pouco, por muito pouco, eu não a beijei na boca. No último segundo, desviei para sua bochecha e até mesmo ali foi difícil de me manter no controle, demorei tempo demais em um beijo que deveria ser rápido e simples — sua pele era macia demais para que eu pudesse me desgrudar tão rápido. Por isso, eu não poderia me deslumbrar com comentários como o de Letícia. Não poderia me deixar levar, achando que Helena queria me conquistar, porque, Deus sabia, seria muito fácil acreditar que ela estava tão afim de mim, quanto eu dela. Desliguei o chuveiro e me sequei, logo vestindo a bermuda e a regata que eu havia pegado em meu guarda-roupa. Mantive meu cabelo preso no coque e sai, indo direto para a cozinha. O cheiro estava ainda mais incrível de perto. A cena que se estendia ali me fez parar. Gabriela estava na mesa, colocando sal em uma travessa com batata frita. Ela falava alguma coisa sobre a batata estar muito boa, enquanto Helena fritava um bife e mexia em uma panela que parecia ser de feijão. As duas conversavam animadamente, com o celular de Helena tocando uma música no fundo. Britney Spears cantava uma música animada, fazendo Helena balançar os quadris e Gabriela

também, mesmo colocando sal nas batatas. — Eu gosto muito dessa música, tia Lena! — Gabriela falou, animada. — Então eu vou colocar de novo quando acabar, tá bom? — Helena perguntou e se virou para olhar para ela, com um sorriso no rosto. Foi nessa hora que ela me viu. Seu sorriso se tornou ainda maior e eu não fiz nada para conter o meu, pelo contrário, eu estava realmente feliz com tudo aquilo que estava vendo. A forma como ela estava cuidando das minhas irmãs, cozinhando para elas, conversando com Gabriela era tudo o que eu precisava para fechar o meu dia com chave de outro. E para que eu me encantasse ainda mais por ela. — Dan! — a voz animada de Gabi fez com que Helena voltasse a prestar atenção nas panelas. Os bracinhos da minha irmã rodearam minhas pernas e eu me abaixei para pega-la em meu colo. — Olha, a tia Lena está fazendo bife com casquinha e batatinha frita para o jantar! — E ela me ajudou em tudo, não foi, Gabi? — Sim! Eu ajudei a colocar a casquinha no bife, coloquei sal nas panelas e nas batatinhas. — Hm... E será que ficou bom? — Ficou sim, a tia Lena e eu cozinhamos muito bem! — Tenho certeza que está uma delícia — falei, beijando sua bochecha. — Agora, por que você não vai tomar um banho para poder jantar? Eu termino de ajudar a Helena. Animada, ela desceu rápido do meu colo e foi direto para o banheiro. Helena tirou o último bife da frigideira e apagou o fogo, virando-se para mim. — Olha, eu sei que a comida não é muito fitness, senhor, mas a Gabi e eu fizemos uma salada também, ok? Está na geladeira. — Você é incrível — pensei em voz alta, enquanto a fitava. Helena me olhou surpresa e um sorriso tímido surgiu em seus lábios. — O quê? — Você é incrível — repeti, me aproximando. — Juro, eu acho que ganhei na loteria quando você se mudou para casa ao lado. — Deixa de besteira, seu bobo — ela disse, colocando o pano de prato em cima da pia. — Aí o bife está salgado ou sem tempero e você vai retirar tudo o que disse. — Já provei do seu tempero ontem e sei que é muito bom, vizinha. Pisquei para ela e tive vontade fazer mais do que isso. Tive vontade de ir até ela, pega-la em meus braços e beija-la até provar o quanto eu estava feliz e realmente agradecido... — A comida já está pronta? Estou morrendo de fome! A voz de Letícia me fez caminhar de volta para a Terra em menos de um segundo. — Me ajude a colocar a mesa — falei e quando vi que iria protestar, continuei: — E sem

reclamar. Marchando, ela me ajudou a colocar os descansos de prato na mesa, enquanto Helena levava a louça — mesmo eu tendo brigado com ela para deixar tudo aquilo de lado. Com tudo sobre a mesa, fui para o quarto ajudar Gabi a terminar de se vestir. Ela estava animada, falando pelos cotovelos e cantarolando a música da Britney Spears, o que me fez sorrir. Gabriela sempre foi a fonte de sorrisos desta casa — pelo menos para mim, já que Letícia quase nunca sorria — mas, com a presença de Helena, ela estava radiante. Votamos para cozinha e encontramos Helena servindo o prato de todos. O de Letícia e de Gabriela já estavam completos e ela estava começando a servir o meu. — Nada disto, agora você senta e eu vou te servir. Ela ia discutir, mas peguei o prato de sua mão, deixando-a sem escolhas. Deixei meu prato de lado e a servi primeiro, colocando tudo o que estava à disposição: arroz, feijão, o bife, batatas e a salada de alface, pepino, tomate e palmito. As meninas já estavam comendo e Gabi soltava gemidos de prazer, falando o quanto a comida estava boa. Terminei de me servir e me sentei ao lado de Helena. Ela tinha me esperado e começou a comer junto comigo. Foi impossível conter o gemido que quis sair da minha boca. Tinha muito, muito tempo que eu não comia uma comida tão simples quanto aquela e tão saborosa. — Ok, eu acho que vou te contratar como cozinheira oficial daqui de casa — comentei, cortando um pedaço do meu bife. — Está muito, muito bom! — Contratar para quê, se ela está cozinhando de graça? Pode paga-la com beijos, tenho certeza que ela vai adorar — Letícia comentou, maldosa. Cristo. O jantar mal havia começado e ela já tinha feito a questão de estragar o clima leve que se instalara ali. — Se vai me contratar, tem de contratar a Gabi também, porque, sem ela, a comida não estaria tão gostosa assim — Helena comentou, deixando de lado o comentário de Letícia. — Então você vai cozinhar aqui todos os dias? — Gabriela perguntou, animada. — Isso quer dizer que você não aguenta mais a minha comida, Gabi? — Dan... Eu gosto da sua comida, mas a tia Lena cozinha melhor — ela disse, inocente, dando de ombros. — Mas o seu macarrão com carne moída sempre vai ser o melhor do mundo! Minha risada se misturou a risada de Helena e percebi o quão agradável era aquele som. O jantar correu maravilhosamente bem depois disso. Uma conversa simples e animada predominou a mesa e Letícia não fez mais comentários maldosos, acho que por ter sido ignorada quando tentou deixar Helena sem graça e não conseguiu. Depois do jantar, mandei as duas irem escovar os dentes e enfrentei uma luta para fazer com que Helena desistisse de lavar a louça, o que não aconteceu. Ela tomou a minha frente e lavou toda a louça, enquanto eu sequei e guardei tudo. — Ei, a Gabi me mostrou o quintal de vocês... Que canteiro lindo de rosas! Eu fiquei

apaixonada. — Jura que gostou? — perguntei, guardando o último prato. — Sério que está perguntando isso? Eu amei, adorei as gérberas, cada uma mais linda que a outra. — Eu falei que eu era um bom jardineiro — falei, vendo-a sorrir do meu jeito convencido. — Vamos lá fora, quero te mostrar algo. Abri a porta da cozinha que dava acesso ao quintal e ela me acompanhou. Caminhamos juntos até o canteiro onde estavam as flores. As gérberas estavam mesmo lindas, coloridas e abertas recebendo o ar fresco da primavera. — Quando pensei em fazer esse canteiro de flores, levei as meninas junto comigo a uma floricultura para comprarmos as sementes. Gabi tinha quatro anos na época e Letícia tinha onze, a fase rebelde não tinha chegado para ela... — murmurei, me sentindo um tanto nostálgico. — Gabi escolheu as rosas amarelas, Letícia escolheu as rosas vermelhas, que eram as preferidas da minha mãe e eu escolhi as gérberas. No mesmo dia arrumei o canteiro e nós plantamos as sementes. Hoje em dia a Letícia já não liga mais para as plantas, mas Gabi adora, as regas todos os dias antes de ir para a escola. — Ela disse para mim que você e ela regam todos os dias de manhã — ela disse ao meu lado. De repente, senti sua mão quente tocar no meu ombro e ficar ali, me passando conforto. — Letícia vai voltar a se importar com as plantas e vai voltar a demonstrar o amor dela por vocês. Você vai ver. — Você não imagina o quanto eu espero por isso — respondi, tocando em sua mão, tirando-a do meu ombro e entrelaçando-a a minha. Ficamos um momento em silêncio, o ar fresco da noite nos rodeando, trazendo o cheiro das rosas. Mesmo assim, a única coisa que eu realmente sentia era Helena ao meu lado, sua mão macia na minha, o calor do seu corpo tão próximo ao meu. — Minha mãe me telefonou hoje — ela disse, de repente e senti sua mão apertar um pouco mais a minha. Não falei nada e ela também ficou em silêncio por mais alguns segundos. Não passou despercebido por mim o fato de eu ter contado tudo sobre a minha vida e ela não ter partilhado nada sobre a sua, mas eu jamais iria julgá-la ou ficar pressionando para que falasse. Confiança era algo que tinha de ser conquistado e não cobrado. E eu esperava que ela começasse a confiar em mim, nem que fosse aos pouquinhos. — Eu disse a ela que você me obrigou a fazer exercício físico... — ela sorriu um pouco me olhou. — Ela mandou te agradecer por isso. Sorri de leve e balancei a cabeça, imaginando a conversa: — Diga a ela que eu estou apenas preocupado com sua saúde. — Ela ficou contente por isso, porque me tirou do sedentarismo em que eu estava enfiada — novamente ela fez uma pausa. Sua mão junto a minha ainda apertava com um pouco de força. —

Ela também mandou te agradecer por você ter feito amizade comigo. Por estar me alegrando tanto. Ela sentiu meu sorriso pelo telefone, enquanto eu falava sobre você. — Não precisa me agradecer, nunca, não por isso. De repente, sua mão na minha já não estava me satisfazendo tanto. Por isso, passei meu braço pelo seu ombro e a puxei para mim. Quando sua cabeça se acomodou em meu peito e seus braços contornaram minha cintura... Tudo pareceu entrar nos eixos. Era apenas certo. Certo demais que ela estivesse ali. — É preciso sim — ela murmurou. — Não pensei que fosse me sentir tão bem e feliz aqui, não em tão pouco tempo... O que eu deixei para trás, quer dizer, o que eu estou lutando para deixar para trás, é algo que me consumia dia e noite, me impedia de seguir em frente, me impedia de viver. Mas, aqui, depois que eu conheci você e as meninas... Parece que vocês me tiraram do buraco onde eu estava. A aflição em sua voz era tão grande, que me senti compelido a invadir o seu passado e dar um soco em quem quer que tivesse a magoado daquela forma. Mas, como não podia fazer isso, apenas acariciei suas costas, ouvindo seu desabafo. — Me desculpe se estou sendo muito confusa ou se não estou contando muitos detalhes, é que... Eu apenas não consigo dizer em voz alta ainda, eu... — Não se preocupe com isso, está bem? Você não precisa me contar nada, eu posso sentir o quanto isso te machuca e a única que eu quero é te ver sorrindo — falei, levantando seu queixo para mim com a ponta dos dedos. — Seu sorriso é lindo, sabia? E é ele que eu quero ver iluminando o seu rosto, não essa tristeza. Ela assentiu e um sorriso tímido se abriu em seu rosto. — Você disse que eu sou incrível, mas é justamente o contrário... Você é incrível, Daniel. Sorri de leve também, passando a ponta dos dedos pelo seu rosto, seus cabelos, descendo novamente para a bochecha. — Somos incríveis um para o outro... Por isso os nossos destinos se cruzaram. Não importa o que houve antes na sua vida ou na minha vida... Você chegou e alegrou não só a mim, mas as minhas irmãs também e eu cheguei e vou te ajudar no que for preciso para que você seja muito, muito feliz. Vi seus olhos se encherem de lágrimas e não fiz nada para impedir que elas descessem por suas bochechas, molhando meu polegar pousando em sua pele. Ela também não as impediu. — E isso é uma promessa. Eu vou te fazer sorrir todos os dias, sempre. — E eu farei o mesmo por você — disse ela, sorrindo em meio as lágrimas. Sua cabeça voltou a repousar em meu peito e eu voltei a acariciar suas costas, sentindo o calor da sua pele através da regata fina. Não sei por quanto tempo ficamos abraçados. Poderia ter sido por horas, dias ou anos, mas, para mim, pareceu ter sido por alguns segundos. Segundos que eu não quis contar, segundos em que eu apenas aproveitei para tê-la mais perto e segura-la em meus braços.

O único pensamento que se ascendia como um letreiro de neon em minha mente, era que eu estava me apaixonando por aquela mulher. E eu me sentia muito bem com isso.

Capítulo 9 - Helena Uma semana depois Depois do jantar na casa de Daniel, minha vida ganhou um novo ritmo. Todas as manhãs andávamos juntos de bicicleta, depois íamos para a mercearia do seu Jô e tomávamos o café da manhã, sempre ouvindo as histórias engraçadas de seu Jô e de sua esposa, Manuela. Ainda assim, eu conseguia sentir que aqueles momentos eram só nossos. Seu Jô sempre arrumava um jeitinho de nos deixar a sós, e no meio do café, entre uma conversa e um sorriso, os dedos de Daniel sempre encontravam um caminho e se entrelaçavam aos meus. E eu sempre sentia o meu coração se acelerar quando me dava conta de que sua mão estava na minha, seu polegar estava acariciando minha pele e seus olhos azuis estavam sorridentes em cima de mim. Depois do café, ele me acompanhava até em casa. A despedida era sempre ruim. Por diversas vezes me vi o acompanhando até o quintal de sua casa, onde ele guardava as bicicletas, sempre conversando e ele sempre me fazendo rir. Depois, inevitavelmente, eu me despedia. Ele dava um beijo em meu rosto e eu ficava na ponta dos pés para plantar um beijo em sua bochecha. Ele me acompanhava até a porta da minha casa e esperava que eu a fechasse para ir embora. Não era fácil vê-lo partir. Minha real vontade era de puxa-lo pelas mãos e plantar um beijo nele. Um beijo de verdade. Dizer que ele estava me consumindo, que não saia da minha mente e que fazia morada cada vez mais em meu coração. Mas como poderia dizer isso? Ele me chamaria de louca, óbvio. Até eu me rotulava assim. Uma louca. Para alguém que tinha a convicção de que nunca mais conseguiria gostar de alguém ou estar em um relacionamento, eu estava sendo bem contraditória. Mas com Daniel... Eu me sentia... Diferente. Ele entrou de repente na minha vida. E, também, de repente, ele permaneceu na minha vida. Aquele encontro casual na mercearia do seu Jô, no dia em que cheguei nesta cidade, mudou todos os meus planos, mudou tudo o que eu queria. De uma estadia solitária, eu acabei desejando ter a companhia dele. E das irmãs dele. Mesmo Letícia sendo tão difícil, era muito fácil se encantar por ela e pela forma como ela queria demonstrar ter um caráter precocemente formado. Era fácil se encantar por Gabriela e seu jeito meigo. Era ainda mais fácil se encantar por Daniel. E eu me encantei.

Totalmente deslumbrada e encantada era como eu me encontrava. E eu não queria sair desse torpor. Não queria encarar a vida novamente, não tinha a mínima vontade de revisitar pensamentos e sentimentos que me assolavam antes de conhecê-lo. Eu queria continuar sendo a Helena que eu era quando estava com ele. A Helena de sorriso fácil, espontânea, despreocupada... A Helena feliz. Porque era isso que Daniel fazia. Ele me fazia feliz, como havia prometido que faria. — Ei... Onde você está? — a voz dele me chamou quando paramos em frente à nossa calçada. Era sábado de manhã e eu havia mesmo me perdido em pensamentos no final da nossa corrida de bicicleta. Estávamos em um ritmo mais lento, em um silêncio gostoso... E sempre que eu estava em silêncio, era nele que eu pensava. — Estou bem aqui — falei, descendo da bicicleta. — Não, você estava bem longe... Aconteceu alguma coisa? — Sim, aconteceu. — O quê? — Percebi que essa é a primeira vez que me sinto feliz de verdade. Ele ficou me encarando por um tempo, seu cenho se franzindo lentamente. — E você é o grande culpado disso — conclui, vendo a surpresa em seus olhos. Fiquei esperando por sua resposta. Ele ainda estava em silêncio, olhos um pouco arregalados pela surpresa. Daniel ficou calado por tanto tempo que, por um momento, achei que eu havia falado alguma coisa muito errada. Ou que tinha o ofendido de alguma forma. Será que eu havia falado de uma forma que deixou tão claro o quanto eu estava gostando dele? Será que eu havia me insinuado demais? Será que... — Venha comigo — disse ele, de repente, abrindo o portão de ferro. Seguimos pelo corredor do lado de fora da casa, que tinha um outro portão que nos levava para o quintal na parte de trás. Ele ainda estava silencioso quando entramos, quando fechou o portão atrás de nós e quando colocamos a bicicleta no lugar. Em seguida, ele seguiu em direção ao quartinho onde guardava as ferramentas de jardinagem e alguns pesos que usava para se exercitar. Voltou com uma grande tesoura e seguiu em direção ao canteiro de flores. O meu nervosismo era tanto que, do nada, comecei a falar: — Daniel, eu... Caramba, eu sou bem idiota mesmo, me desculpa se eu o ofendi de alguma forma ou se chateei você, não foi a minha intenção, eu só... Parei de falar quando senti o toque de seus dedos sobre os meus lábios. Estava tão agitada que mal tinha percebido o que ele havia feito. Daniel havia cortado três lindas gérberas do canteiro. As flores estavam abertas, prontas para serem colhidas ou apenas admiradas em toda a sua beleza. As pétalas rosas pareciam sorrir para o sol da manhã. — Sabe o que elas significam? — ele me perguntou em um tom baixo. Apesar de falar sobre as flores, seu olhar estava sobre o meu.

Incapaz de falar, balancei a cabeça e esperei que ele concluísse: — Tem vários significados... Pode ser usada para presentear alguém que teve sucesso em algo. Representa sensualidade, mas também pureza e nobreza. Representa também a simplicidade, amor e alegria. Ele fez uma pausa e usou esse momento para tocar em meu rosto com a mão livre. Sua palma estava quente e, apesar de ter alguns calos pequenos por se exercitar e trabalhar duro no seu Jô, era extremamente gentil. — Essa flor representa você — ele disse baixinho, como se fosse apenas para eu ouvir e mais ninguém. — Você, em toda a sua simplicidade, me trouxe alegria. Com sua nobreza, cuida das minhas irmãs com toda a pureza e amor. Em seu sorriso, carrega uma sensualidade que vai muito além de sexo ou qualquer outra coisa... Sua sensualidade vem de dentro. Na forma como você se entrega, cuida, respeita e dá uma chance a um vizinho cheio de problemas, com duas crianças para criar. — Daniel... — seu nome saiu da minha boca em um suspiro que foi difícil até mesmo para que eu entendesse. — Eu também nunca fui tão feliz como estou sendo agora, Helena. E você é a grande culpada disso. Nenhum pensamento cruzou a minha mente no segundo em que fiquei na ponta dos pés e colei os meus lábios aos dele. Não tive tempo para reavaliar o que eu estava fazendo, o que era certo ou errado, se era cedo demais para aquilo... Não quando seus braços rodearam a minha cintura e minhas mãos seguraram o seu rosto com perfeição, a barba por fazer roçando em minhas palmas, seu cheiro me embriagando. No começo, fora apenas os seus lábios sedosos sobre os meus, seu aperto como ferro em minha cintura, meu corpo colado ao dele. Em seguida, eu entreabri os lábios. Ele também. E sua língua tão macia como veludo tocou a minha, seu gosto tomando conta de toda a minha papila gustativa. Os movimentos foram tímidos no começo. Parecia que nós dois tínhamos perdido a experiência em beijar — ou talvez queríamos apenas nos conhecer bem devagar. Mas, logo depois, foi como se já tivéssemos feito aquilo milhares de vezes. E ainda assim, era algo novo. Sua língua explorou cada canto da minha boca, sua barba roçando em meu rosto, um gemido de contentamento escapando da minha garganta. Minhas costas se encontraram com uma parede, seu corpo ficou ainda mais colado ao meu, minhas mãos exploraram seu pescoço. E seus lábios ainda estavam colados aos meus. Minha língua ainda explorava a sua boca. E não tinha a mínima intenção de sair dali. Eu não queria estar em outro lugar, eu não poderia estar em outro lugar. Tão certo como o Sol que nascia todas as manhãs sem exceção, eu tinha certeza que ali, nos braços dele, era o meu lugar. E não me importava se eu o conhecia há menos de um mês, se os outros poderiam pensar que aquilo era uma tremenda loucura...

Ninguém sabia o que era viver preso à um passado que machucava e feria como ferro em brasa na pele — mas eu sabia. Ninguém sabia como era viver para duas pessoas que dependiam total e unicamente de você. Uma vida privada de ter atenção e amor para dar atenção e amor, sendo tão jovem, tendo todo um caminho pela frente — mas Daniel sabia. Naquele momento, com seus lábios nos meus, entendi porque era tão certo estar ali. Porque eu precisava dele e ele precisava de mim. E, juntos, éramos apenas um. — Cristo... Eu queria tanto fazer isso... — ele murmurou em meu ouvido, sua boca se arrastando por meu pescoço. — Queria tanto, tanto... — Eu também... — respondi, pressionando meu corpo ainda mais no dele. — Você não imagina o quanto. Senti seus beijos em meu pescoço, sua mão pressionando minha cintura e tive que apertar minhas coxas uma na outra, sentindo a excitação ficar ainda mais latente. Com ele também foi assim, pois senti sua ereção em minha barriga e a forma como se afastou um pouco, temendo me assustar ou me deixar desconfortável. Quando sua boca deixou meu pescoço e seu nariz tocou o meu, eu abri os olhos. Percebi que estávamos embaixo da marquise onde ficavam as bicicletas, do outro lado do quintal. Se me perguntassem como fomos parar ali, eu jamais saberia responder. — Agora que provei o sabor dos seus lábios... Não sei se serei capaz de parar. — Não pare. — Tem certeza? — ele perguntou, seus dedos percorrendo todo o meu rosto. — Não quero que tome nenhuma decisão só por causa do momento... Ou que se arrependa depois. — Essa não é uma decisão tomada de forma precipitada... Eu gosto de você, vizinho. Gosto de verdade. Na verdade, você está completamente apaixonada por ele, meu subconsciente esfregou na minha cara, mas não expressei aquilo em voz alta. Talvez, ainda fosse cedo para falar de paixão — e eu não queria que ele saísse correndo, fugisse ou algo do tipo, por causa dos meus sentimentos sem controle. — Eu também gosto de você, vizinha — ele disse, sorrindo. — Gosto de verdade. E seus lábios estavam sobre os meus. De novo. *** Foi difícil me despedir dele, minutos mais tarde. Saí de sua casa com a sensação de sua boca ainda na minha, de seus braços em minha cintura, suas mãos em meu rosto e seu cheiro invadindo minhas narinas. Seu gosto ainda estava fixo em mim e eu simplesmente não queria me ver livre daquilo. Era como a perfeição na Terra.

Coloquei as gérberas com cuidado no vaso de vidro que havia comprado ainda naquela semana. As flores lindas de pétalas rosa estavam enfeitando minha sala, próximo à janela, deixando minha casa tão alegre quanto eu estava. Tomei banho praticamente saltitando. Estava tão feliz e tão leve, que parecia que meus pés não estavam tocando no chão e sim flutuando, me levando de um lugar a outro. O sorriso bobo me acompanhou nas simples tarefas de pentear os cabelos, me vestir e comer alguma coisa. Enquanto lavava a louça que havia sujado, eu me dei conta de que nunca havia me sentido daquela forma. Em vinte e três anos de vida, era a primeira vez que me sentia assim. Como se o beijo de Daniel, de repente, tivesse quebrado os inúmeros cadeados que me mantinham presa em uma vida que não era minha. Como se tivesse me dado asas para voar pela primeira vez. E eu estava amando. Terminei de guardar as louças, peguei as chaves e meu celular e sai de casa. Meu coração bateu forte quando abri o portão de ferro da casa ao lado e entrei, subindo os degraus até a porta de madeira. Em nosso jantar em sua casa, na semana passada, eu havia me oferecido para ficar com as meninas sempre que necessário. Em dias de semana, como as meninas ficavam fora até o horário de Daniel chegar, não era preciso que alguém ficasse com elas, mas no sábado, sim. Dona Agnes ajudava Daniel, olhando as meninas, mas ela já era uma senhora e nós dois concordamos que não era mais necessário incomoda-la, sendo que eu estava na casa ao lado, com o tempo totalmente livre. Então, nos sábados, eu passava o dia com as duas. Bem... Com Gabriela, já que Letícia sempre ficava trancada no quarto, ou saia do cômodo em que eu estivesse. Eu estaria mentindo se dissesse que aquilo não me fazia mal. Eu tentava me aproximar, mas Letícia sempre vinha com respostas malcriadas, deixando claro que minha presença era totalmente dispensável. Deixando claro que ela não gostava nem um pouco de mim, verdade seja dita. Mas eu havia prometido a mim mesma que aquilo não iria me derrubar. Que eu iria passar por todo aquele muro que ela havia criado em torno de si mesma. Eu estava mais do que disposta a entender a Letícia, a cuidar dela e ser sua amiga. Dei duas batidas na porta e logo ouvi passos corridos que, com certeza, eram de Gabriela. Quando a porta se abriu, ela e Ted agarraram a minha cintura. — Tia Lena, estava com saudades! Ela havia me visto no dia anterior, mas sempre repetia a mesma frase quando me encontrava. — Eu também estava com muitas saudades de você, pequena. — Nós vamos assistir ao filme da Barbie de novo? Comendo pipoca?

— Você quer? — Sim! — Então, é claro que vamos assistir ao filme da Barbie e comer pipoca! Seu sorriso se expandiu ainda mais no rosto, seus olhinhos brilhando. Segurando minha mão, ela me puxou para dentro da casa e eu senti o ar sair rapidamente dos meus pulmões quando Daniel saiu do corredor onde ficavam os quartos, já pronto para ir trabalhar. Ele também parou no meio do caminho, como se tivesse sentido o mesmo impacto ao me ver. — Dan, a tia Lena e eu vamos assistir ao filme da Barbie! Eu quero ver o de Natal! — Isso é muito bom, Gabi... — ele disse, sem deixar de me olhar. De repente, como se tivesse tido um estalo, ele se virou para a irmãzinha e disse: — Gabi, por que você não colocar a sua caneca lá na cozinha? A tia Lena e eu vamos conversar rapidinho ali no quarto, tá bom? — Tá bom! Vi de relance quando ela pegou a caneca em cima da mesinha de centro e foi para a cozinha. Nesse momento, Daniel pegou minha mão e praticamente corremos para o seu quarto. Ele fechou a porta silenciosamente atrás de nós e, com uma rapidez impressionante, me pressionou contra a parede e beijou a minha boca. Foi como alcançar o céu. Dessa vez, seu gosto natural estava misturado a menta da pasta de dente. Delicioso. Minhas mãos correram para o seu pescoço e as suas apertaram minha cintura, subiram pelas costas, apalpando e me colando ao seu corpo tão forte e tão alto. Ele soltou meu lábio inferior lentamente, com uma mordida sexy que me deixou com as pernas bambas. — Você não havia dito que iríamos conversar? — perguntei com um sorriso besta, sentindo seus lábios em meu pescoço. — Mas estamos conversando... Minha língua está conversando com a sua — ele sussurrou e mordeu de leve a pele do meu pescoço, me fazendo gemer baixinho. — Minha boca está conversando com a sua pele... Minhas mãos estão conversando com a sua... Ops, com a sua bunda. E então, ele apalpou minhas nádegas, me deixando dividida entre uma risada e um gemido. Ambos saíram misturados do fundo da minha garganta. — Também quero conversar com você... — murmurei, descendo minhas mãos por suas costas. Quando cheguei ao final de sua camisa, a levantei apenas o suficiente para que minhas mãos adentrassem e tocassem sua pele, que estava quente. Seus músculos eram firmes sob as minhas palmas. Uma espécie de rugido escapou dele quando levei minha mão para frente e toquei seus músculos da barriga. Por sorte, ele voltou a colar a boca na minha, senão, a próxima a gemer seria eu. Seu beijo e seu toque continuaram me inflamando, me deixando louca de desejo. Todavia, com um suspiro de resignação, Daniel se afastou um pouco e colou a testa na minha. Nossa respiração

estava ofegante, seu cheiro já estava grudado em cada parte de mim. — Não quero sair daqui... — ele lamentou, tocando em meu cabelo. — Eu também não quero que você saia — respondi, tocando em seu rosto, sua barba. — Mas eu acho que o seu Jô deve estar se perguntando onde você está. E as meninas estão acordadas também... — Provavelmente, ele está... Sou um funcionário dedicado, nunca cheguei atrasado, sabia? Você está me levando para o mau caminho... — Eu? — perguntei, segurando o riso. — Foi você que me trouxe aqui para “conversarmos”. — E você está me obrigando a permanecer aqui. — Estou, é? Toquei a ponta da minha língua em seu lábio e senti seu corpo se retesar contra o meu, sua ereção pressionando minha barriga. Saber que eu causava aquele tipo de efeito nele fez o meu corpo estremecer de desejo. — Você está me deixando louco, sabia? — Estou, é? Desci minhas mãos até o seu traseiro, onde apertei e o encostei ainda mais em mim, sua ereção roçando com mais força em minha barriga. — Helena... — meu nome saiu como uma espécie de rugido dos seus lábios. Sorrindo, tirei minhas mãos de onde estava e me encostei mais na parede, afastando um pouco meu rosto do dele. Ainda assim, ele permaneceu colado em mim. — Tudo bem, prometo não mais atrasar o senhor. — Agora está me dispensando? — Só porque eu gosto muito do seu Jô. Senão, eu continuaria com o meu corpo colado ao seu. Ele sorriu e me beijou mais uma vez, longa e profundamente. Por fim, se afastou e disse: — Certo, eu preciso me acalmar um pouco... Sorri em concordância, vendo seu estado de excitação. Novamente, senti meu corpo estremecer. — Vou ficar na sala com a Gabi. Me aproximei e fiquei na ponta dos pés, plantando mais um beijo nele. Em seguida, sai do seu quarto e encontrei Gabi na sala, vendo algum desenho na TV. Me sentei ao lado dela e logo ela se aninhou a mim, com Ted em seu braço. Ao perguntar por Letícia, soube que ela ainda estava dormindo, o que era compreensível, já que eram um pouco mais de oito da manhã. Alguns minutos mais tarde, Daniel saiu do quarto. Senti o mesmo baque ao vê-lo novamente. Ele se aproximou e deu um beijo na testa da Gabi, dizendo em seguida: — Pequena, respeite a tia Lena, certo? — Dan, eu sou uma mocinha, esqueceu? Eu já sei me comportar.

Foi impossível não sorrir com sua resposta. — Eu sei que é, mas não custa nada lembrar, não é mesmo? — perguntou ele, tocando em seu nariz, fazendo-a sorrir. — Vai sentir saudades enquanto eu estiver fora? — Eu sempre sinto saudades. Não demora, tá bom? Saindo dos meus braços, ela se jogou em cima de Daniel, que a recebeu com todo o carinho. Ver aquele homem tão grande e forte, acolher uma menininha com tanta ternura, me fazia derreter. Em seguida, Gabi voltou a se sentar comigo. Daniel se levantou do chão e plantou um beijo demorado no canto da minha boca, aproveitando que Gabi havia voltado a assistir o desenho. — Já estou com saudades de você também — ele sussurrou em meu ouvido. — E eu de você — respondi, vendo seu sorriso. Se afastando, Daniel pegou o celular em cima da mesinha e disse: — Até mais tarde, meninas. Gabi e eu murmuramos um “tchau” e logo Daniel já tinha saído, fechando a porta atrás de si. Gabi e eu continuamos a ver o desenho que passava na TV, até que ela se virou para mim e disse: — Tia, você e o Dan bem poderiam namorar, né? Aí, eu teria tipo um pai e uma mãe, que nem as minhas amiguinhas da escola. Gabriela falou aquilo de uma forma tão inocente, tão pura que, por um momento, senti minha garganta se enrolar em um nó. O fato de ela querer que namorássemos, causou muito pouco impacto perto do fato de ela querer que fôssemos seus pais. Apesar de Letícia ser quem demonstrava os problemas de não ter um pai e uma mãe por perto, ficou bem claro para mim que Gabi se sentia da mesma forma, mesmo sendo diferente por ser uma criança. E ver que ela me queria como uma mãe... Em tão pouco tempo... Cristo, fez o meu coração quase parar no peito. Seus olhos verdes ainda estavam sobre os meus, esperando uma resposta. — Gabi, mesmo não sendo sua mãe, eu quero que saiba que eu já amo muito você. Namorar com Daniel ou não, jamais vai diminuir isso, viu? Ela assentiu e voltou a se enroscar em mim. — Eu também já amo você, tia Lena. E, novamente, meu coração quase parou de bater. Sim, eu já amava aquela menininha. Com todo o meu coração.

Capítulo 10 - Helena

O único horário que Letícia ficou no mesmo cômodo que eu, foi no almoço. Enquanto eu servia o prato de Gabi e a mesma falava animada sobre a festa da Mariana, uma coleguinha de sua escola, Letícia nos ignorou e ficou mexendo no celular. Só o deixou de lado quando coloquei o prato de comida na sua frente. Me sentei a mesa e Gabi voltou a falar, entre uma garfada e outra: — Aí, o Dan disse que eu posso colocar o meu vestido rosa para ir à festa! — E quando é a festa? — Hoje à noite, a Mariana disse que era para todo mundo chegar lá ás oito horas. Vai ser muito legal! — Pois é... Você pode ir à todas as festas das suas colegas, já eu... Sou obrigada a ficar dentro de casa, olhando para as paredes! — reclamou Letícia, sem tirar os olhos do prato de comida. — Você tem uma festa para ir hoje também? — perguntei, como quem não quer nada. Fiquei surpresa quando ela me respondeu: — Bom, me convidaram para uma festa, mas, se eu vou? Não, Daniel não deixa! — Por quê? — Porque o Dan disse que ela não se comporta, tia Lena. Eu só vou às festas porque eu me comporto. — Ela fez a pergunta para mim, pirralha, não para você! — Calma, Letícia, não precisa responder assim a sua irmã — pedi, vendo-a revirar os olhos. — Daniel não está errado em não permitir que você vá, Letícia. — Ah, jura? Como eu poderia esperar uma resposta diferente da mulher que só falta lamber o chão que ele pisa? Calma, Helena.... Vamos contar: um, dois, três. Paciência! — Você não tem o melhor comportamento do mundo... Já pensou em agir um pouquinho diferente? Tenho certeza que Daniel vai permitir muitas coisas e não só que você vá a uma festa. — E você já pensou em parar de meter na nossa vida? Você é só uma vizinha deslumbrada pelo meu irmão! Não tem nada a ver com a gente! — É mesmo? — Claro! — Tudo bem, então eu vou descartar a ideia que eu tive de ligar para o Daniel e pedir para que ele deixe você ir à festa.

— O quê? — ela perguntou, assustada. — Por que você faria isso? — Porque eu acho que, apesar do seu comportamento não ser um dos melhores, vai fazer bem para você sair um pouco de casa. — Não adianta. Daniel jamais deixaria, ele me odeia. — Claro que não. Daniel ama você. — Me ama? Ele não me suporta! — falou ela, empurrando o prato. — Quer saber? Chega dessa conversa, perdi a fome. Ela empurrou a cadeira com raiva, fazendo um barulho estrondoso na cozinha e saiu marchando em direção ao corredor que levava aos quartos. O próximo barulho que Gabi e eu ouvimos foi o da porta sendo batida com força. — A Lelê é tão boba! Só ela mesmo para achar que o Dan não gosta dela — Gabi disse, revirando os olhos. — Sua irmã sempre foi assim, Gabi? — Não... Quando eu era menor, ela gostava da gente. Ela me fazia carinho e também era boa com o Dan... Mas depois, ela começou a ficar estranha, não brincava mais comigo, começou a falar mal com o Dan — entendi o “falar mal” como responder ao Daniel. — Aí ela ficou assim. Eu gosto mais da Lelê antiga. — Eu imagino que sim, pequena. Voltamos a comer e quando terminamos, lavei a louça e coloquei o prato praticamente intocável da Letícia no micro-ondas. Quando Gabi foi pra sala assistir desenho, eu fui para o quintal e parei em frente ao canteiro de flores. Parecia que o beijo que Daniel e eu tínhamos dado ali já fazia dias e não algumas horas. Toquei nas pétalas e, por fim, disquei o número do Daniel. Ele atendeu no segundo toque: — Vizinha, tudo bem? — Tudo ótimo. Estou atrapalhando? — Você nunca atrapalha — pude sentir seu sorriso em sua voz. — O que houve? — Nada demais... A Gabi estava comentando que ela vai à festa de uma amiguinha hoje. — Sim, caramba, eu tinha até esquecido. — Pois é. E a Letícia comentou que também foi convidada para uma festa, mas que não vai poder ir. — Tenho certeza que ela fez queixa de mim e disse que sou o pior irmão do mundo... — murmurou ele, parecendo um pouco cansado. — Eu não a deixei ir. O modo como ela vem se comportando, como vem tratando a mim e a Gabi... Até da escola eu já recebi queixas. Não posso deixa-la se divertir enquanto estiver se comportando assim. — Eu entendo seu ponto de vista e respeito, mas... O que você acha que deixa-la ir, com a condição de que se comporte melhor? Tudo é uma via de mão dupla, sabe? Talvez, se você deixar

ela sair um pouco de casa, ela possa melhorar. — O que ela fez para você partir em defesa dela? — Nada, seu bobo — falei, sorrindo um pouco. — E não a estou defendendo, até porque, o modo como ela se comporta não tem defesa, mas eu acho que proibir tudo também não vai contribuir para que ela melhore, entende? Ele ficou alguns segundos em silêncio, provavelmente pensando em minha resposta. Por fim, disse: — Sim, acho que você tem razão... Então, sugere que eu a deixe ir? — Sim, mas com a condição de que ela melhore o comportamento. — Certo... Ela está aí perto? — Está no quarto, quer falar com ela? — Sim, quero. Com um sorriso que mal cabia no meu rosto, corri para dentro de casa e fui em direção ao quarto das meninas. Bati na porta e, sem esperar um convite para entrar, a abri. Letícia estava sentada na cama, mexendo no celular. — Daniel quer falar com você — falei, passando o celular para ela. Com aquela expressão de “não aguento mais viver nesse mundo de idiotas”, ela pegou o telefone. Pedi licença e a deixei sozinha para falar com o irmão. Animada, fui para a cozinha e liguei o micro-ondas, esperançosa de que, depois da ligação, ela voltasse a sentir fome e terminasse de almoçar. Quando o aparelho apitou, peguei a comida e, com um copo de suco nas mãos, voltei para o quarto. Encontrei Leticia olhando para o telefone como se, de repente, ele tivesse criado uma cabeça. — Ei, que tal você terminar seu almoço? — Você falou com ele, não falou? — Eu? Com quem? — perguntei, fazendo-me de desentendida, enquanto me sentava ao seu lado na cama. — Para com isso, sei que falou com Daniel... — Sim, eu falei. O que vocês conversaram? — Ele me deixou ir à festa... Com a condição de que eu melhore meu comportamento. — E o que você achou dessa proposta? — Acho que posso lidar com isso — disse ela, dando de ombros. — Sei que não sou a garota mais fácil do mundo... — Realmente, não é. Ela me olhou séria e eu me arrependi da resposta. Parabéns, Helena, tudo o que você precisa é que a garota te odeie apenas mais um pouquinho!

— Mas eu aceitei e, bem, vou à festa! — ela disse, por fim, dando um sorrisinho. — Ótimo! Já sabe o que vai vestir? — Ah, eu não ligo muito pra isso... — Como não? Vamos, você tem que se arrumar e ir muito bonita! Quem sabe não arruma um namoradinho por lá? — Não, Deus me livre! Não quero namorar, nunca! — Você fala isso agora, porque não gosta de ninguém... Quando se apaixonar, vai mudar de opinião rapidinho. Vi que ela quis sorrir — ou acho que vi —, mas apenas deu de ombros. — Bom, agora que sabe que vai à festa, que tal terminar de almoçar? Não quero que você desmaie ao chegar lá. Ela aceitou o prato de comida e eu coloquei o copo com o suco em cima da mesinha de cabeceira. Fiquei mais um tempo sentada ao lado dela, esperando... Não sei, um obrigado, talvez? Mas, como não recebi nada, peguei meu celular e me levantei. Já estava quase saindo do quarto quando ela disse: — Ei, Helena... Foi legal você ter falado com o Daniel. Valeu. Valeu! Valeu era o mesmo que um “obrigado” na língua dos jovens, não? Com um sorriso gigante, me virei para ela e disse: — Não precisa agradecer, só quero ver vocês felizes. — Para conquistar o meu irmão... Certo, estava muito bom para ser verdade. — Não, porque eu gosto muito de vocês e é muito ruim ver triste quem a gente gosta. Sem dar chances de resposta, sai do quarto e fui em direção a cozinha. Precisava preparar a pipoca para a sessão Barbie com a Gabi! *** Um pouco depois das seis, coloquei Gabi no banho. Assim que ela saiu, Letícia entrou, bem mais animada do que o costume. No quarto das duas, ajudei Gabi a colocar o vestido rosa que era realmente muito bonito. Penteei e fiz uma trança em seu cabelo, colocando um enfeite com uma rosinha delicada no final. Ela ficou indecisa entre os brincos e eu a ajudei, colocando um de ouro muito bonitinho, em formato de coração. Em seguida, ela surgiu com um batom rosa e me pediu para ajudá-la a passar. No final, ela calçou a sandálias e seguiu para a sala com o presente da menina em mãos, animada. Enquanto isso, fiquei observando Letícia, que estava parada em frente ao guarda-roupa.

Quando ela surgiu com uma calça jeans preta e uma blusa cinza com uma foto de caveira, eu quase tive uma síncope. — Deixa eu te ajudar a escolher a roupa — sugeri, parando ao seu lado. — Eu já escolhi minha roupa... — Olha que lindo esse vestido! — falei, puxando um vestido amarelo de dentro do guardaroupa dela. — Vai ficar maravilhoso com aquela sandália — apontei para a sandália dourada de saltinho que estava no canto. — Você não ouviu? Eu já escolhi a minha roupa e ela está aqui! — disse ela, apontando para as peças em cima da cama. — Ah... Mas, poxa vida, esse vestido é lindo... — E não tem nada a ver comigo. Quase falei que aquele estilo gótico também não tinha nada a ver com ela, que ela estava querendo se esconder por trás dele, mas me calei antes mesmo da minha voz vir à tona. — Então, que tal vermos uma outra blusa? Você tem tantas blusas bonitas aqui... — Eu gosto dessa minha blusa e vou com ela. — Mas eu acho essa aqui mais bonita — falei, tirando uma azul escuro do armário. — Ela combina com você. Ela olhou para a blusa azul e depois para a cinza em cima da cama. Estava quase morrendo de ansiedade quando, do nada, ela pegou a blusa azul da minha mão. — Tá, eu vou com ela. Agora, posso ficar sozinha para trocar de roupa? — Claro. Qualquer coisa, é só me chamar. Saí do quarto e fechei a porta atrás de mim. Ponderei a ideia de ir para a sala e me sentar ao lado de Gabi, mas eu sabia que não conseguiria ficar longe. Eu queria saber como Letícia iria ficar, queria ajudá-la a se arrumar e ficar bonita. Esperei mais alguns minutos, depois bati na porta e abri lentamente. — Posso entrar? — Por quê? Mesmo a resposta não sendo um “sim”, eu entrei e fechei a porta atrás de mim. Letícia estava sentada, amarrando o cadarço o seu All Star preto. — Eu só queria saber se você não precisa de ajuda... — Não preciso, já estou pronta — disse ela, se levantando. Certo. Seu cabelo estava molhado e ela mal o havia penteado. A blusa azul escuro combinou com a calça preta, mas seu All Star a deixou com cara de estudante e não de quem iria para uma festa de quinze anos. Isso mesmo. Uma menina de sua escola a havia chamado para sua festa de quinze anos, que

seria em um salão bonito no centro da cidade. — Posso, então, ajeitar o seu cabelo? Eu poderia fazer uma trança, igual à que eu fiz no cabelo da Gabi. — Não, eu estou muito bem assim. — Não disse que não está... — falei, me aproximando. — Mas você pode ficar ainda mais bonita. Ela ficou em silêncio novamente. Passou a mão pelo cabelo que precisava urgentemente de um corte e depois me olhou. — Tá, você pode fazer a tal trança, mas só porque você falou com meu irmão. Eu quase pulei de alegria. Entretanto, apenas assenti e corri no banheiro para pegar o secador de cabelo. Quando voltei, a sentei na cadeira que ficava em frente a penteadeira do quarto, liguei o secado e comecei a secar suas mechas loiras e tamanhos desiguais. Quando estava praticamente seco, parei e penteei. Em seguida, comecei a fazer uma trança embutida. Apesar de seu cabelo estar com uma mecha maior que a outra, consegui fazer a trança até o final. Seu cabelo ficou próximo a cintura, seu rosto ficou livre dos fios que sempre o escondia, mostrando o quanto ela era bonita, deixando seus olhos azuis mais vívidos. — O que achou? Ela ficou se olhando no espelho por algum tempo. Em seguida, deu de ombros e disse: — É, ficou legal. Mas eu sabia que ela tinha gostado. Letícia podia fingir o quanto quisesse, mas, mal sabia ela, que eu já estava virando uma expert em ler suas feições. — Que tal passar um pouco de batom agora? — Ah, não... Olha só, eu deixei você fazer meu cabelo, mas isso não quer dizer que você vai brincar de Barbie comigo. Você tem a minha irmã para fazer essas palhaçadas. Ok, a gente nem sempre pode ganhar tudo, não é mesmo? — Tudo bem, mas você está linda, sabia? — falei, sorrindo feito boba. Em seguida, pude ouvir a porta da sala sendo aberta e a vozinha de Gabi gritando um “Dan” com toda a felicidade. — Seu irmão chegou, vamos lá pra sala? — Vai na frente, só vou terminar de pegar minhas coisas. Assenti e sai do quarto. Encontrei Daniel na sala, rodopiando a Gabi para ver seu vestido. — Você está muito bonita! Não sei se vou deixar você ir à essa festa... Vai ter muito menininho querendo namorar você. — Dan, eu não vou namorar agora, só quando eu estiver maior. Eu não gosto desse lance de beijar na boca, é nojento. — Que você continue pensando assim por muito, muito tempo... — Daniel disse, levantando o olhar e percebendo minha presença na sala. — A tia Lena ajudou a te arrumar?

— Sim! Ela que fez essa trança em mim e passou o batom, por isso que eu estou muito bonita. — Você já é bonita sem tudo isso, Gabi — falei, me aproximando. — Mas agora eu estou ainda mais bonita, tia Lena — disse ela, com propriedade. — Dan, eu só vou pegar a minha bolsa e a gente já pode ir. Dito isso, ela saiu em disparada para o corredor. Daniel sorriu e balançou a cabeça, aproximando-se de mim. — Essa menina me deixa louco com tanta energia. — Ela é maravilhosa, só mostra pra gente o quanto é bom ser criança. — Hm... Eu já acho que é bom ser adulto — disse ele, tocando em meu rosto. — Adultos podem se beijar assim... Seus lábios tocaram os meus sem pressa, em um beijo calmo, mas saudoso. Não chegou a ser realmente um beijo, apenas um roçar, mas que demonstrava uma intimidade que eu nunca havia tido. Quando ouvimos a porta do quarto, nos afastamos um pouco e logo Gabi e Letícia entraram na sala. Letícia estava séria. Na verdade, eu diria que ela estava tímida, talvez porque agora, com o cabelo preso e o rosto livre, ela se sentisse mais exposta. Quando a olhei com mais atenção, porém, eu vi algo diferente. Seus lábios. Seus lábios estavam mais rosados. Ela havia passado o batom! Eu quase pulei, literalmente! Estava tão feliz, que tive vontade de abraça-la, mas apenas sorri disfarçadamente, sem querer que ela notasse que eu havia percebido que ela havia passado o batom. Entretanto, Daniel não teve o mesmo pensamento que o meu ao dizer: — Letícia, você passou batom? Cara... Foi como ligar um liquidificador na tomada, sem se dar conta que o botão estava acionado. Letícia deu um pulo e colocou os dedos na frente dos lábios, tampando-os. — Não, claro que não. — Passou, sim. — Eu não... — Claro que ela não passou, Daniel... É apenas o calor. — Passou sim, tia Lena... Passou aquele batom rosa. — Caramba, eu disse que não passei, que saco! — seu rosto ficou vermelho e, em seguida, ela entrou no corredor, dizendo: — Esqueci o meu celular, já volto! Que droga... Daniel se virou para mim com o cenho franzido: — Eu disse algo demais? Ela não tinha mesmo passado o batom? — Sim, mas... É complicado, sabe? Eu sugeri que ela passasse o batom e ela disse que não iria passar. Mas parece que a vontade surgiu e ela se permitiu dar esse passo. Você ter notado e falado isso, deve tê-la deixado nervosa e retraída... Letícia não está muito acostumada a se

arrumar assim, a ser vista e notada... Tem que ter um pouco de paciência com ela. — Droga! — ele suspirou, passando a mão pelo rosto. — Estraguei tudo, não foi? — Quando ela voltar, é só dizer que ela está bonita... Esse elogio sempre melhora tudo. Letícia voltou segundos depois, sem o batom nos lábios, e com o celular no mesmo lugar onde estava antes de ela ir para o quarto: no bolso. — Vamos logo? Não quero chegar atrasada. — Sim, vamos — Daniel disse, dando a mão para Gabi. — Aliás, você está muito bonita, Lelê. Ela arregalou os olhos, surpresa. Todavia, logo disfarçou e deu de ombros, seguindo em frente. Sorri para Daniel e ele sorriu de volta para mim, em agradecimento. Saímos da casa deles e eu tranquei tudo, dando a chave para Daniel. Seu Jô havia emprestado a caminhonete para ele naquela noite, por isso, logo as meninas estavam se ajeitando no banco e colocando o cinto. — Obrigado por ter ficado com elas e por tê-las ajudado a se arrumar... Você não imagina o quanto sou enrolado com isso. Não é fácil arrumar duas meninas. — Eu sei que não é e você sabe que não precisa agradecer. Eu adoro ficar com elas e poder ajudar. — Você não existe, vizinha — murmurou ele, piscando para mim. — Quero te fazer um convite. — Convite? — Sim... Tem um barzinho no centro da cidade, com música ao vivo... Que tal irmos lá, daqui a pouco? De lá, a gente pode ir buscar as meninas nas festas — ele deu mais um passo, seu corpo quase colado ao meu. — Não aceito um não como resposta. — Hm... Acho que aceito o seu convite, vizinho. Ele sorriu para mim e se afastou um pouco. — Então, arrume-se. Vou voltar, tomar um banho e vou bater na sua porta para irmos. — Estarei ansiosa te esperando. — Você não imagina o quanto eu estou ansioso para voltar e passar esse tempo com você. Me soprando um beijo, ele virou e entrou na caminhonete. Gabi acenou um tchau para mim e Daniel buzinou uma única vez, antes de dar partida e seguir em frente. Quando seu carro sumiu das minhas vistas, eu senti um frio na barriga. Eu tinha um encontro oficial com o meu vizinho.

Capítulo 11 - Daniel

Abri o portão de ferro da casa ao lado e me senti nervoso ao caminhar, subir os poucos degraus e bater na porta de madeira pintada de branco. Aquele era o meu primeiro encontro desde... Caramba, desde muito tempo. Apesar de já estar íntimo de Helena, sair para um encontro era algo que tornava tudo mais... Oficial. E eu me sentia muito bem com aquilo. Dar um “nome” ao nosso relacionamento, parecia o ideal para mim. Ouvi os seus passos e, em seguida, a chave virando na fechadura. Quando ela abriu a porta, eu tive que me segurar para ser um cavalheiro e não me atirar em cima dela para beija-la. Puta merda... Ela estava tão linda! Usava um vestido leve em um tom de rosa... Salmão? Não sei, as mulheres diriam que sim. O tecido abraçava suas curvas — maldito sortudo! —, e parava no meio das coxas. Suas pernas estavam mais longas por conta da sandália de salto. A maquiagem era muito pouca, mas fixei minha atenção nos lábios carnudos pintados de um tom rosa queimado. — Meu Deus... Você fica tão lindo de cabelo solto! — disse ela, chamando minha atenção. Percebi que ela estava como eu: parada, observando a forma como eu estava vestido. De repente, ela se aproximou e pegou uma mecha do meu cabelo nas mãos. Tão perto, seu cheiro ficou ainda mais marcante, mexendo comigo, fazendo-me sentir coisas que não eram apropriadas, caso eu quisesse mesmo leva-la para sair. Ou se eu quisesse respeitar o tempo dela, até que ela falasse “sim, eu quero transar com você, Daniel”. Deus sabia o quanto eu queria ouvir isso. Mas sabia também que seria tudo no tempo dela, quando ela quisesse. Se transaríamos hoje, amanhã ou daqui a um ano? Estava bom para mim, contanto que eu pudesse ao menos ficar perto dela e sentir os seus lábios nos meus. — Eu estou encantada... — ela murmurou. — Juro, eu... Caramba, você já é bonito com aquele seu coque charmoso, mas de cabelo solto? Poxa vida... — Vou passar a usá-lo solto de vez em quando... Se isso vai arrancar tantos elogios e sorrisos seu, eu ando com ele solto todos os dias. — Todos os dias não, porque vai ter muita mulher usando a desculpa de perguntar qual é o creme que você usa, para se aproximar de você... — Está com ciúmes? Ela arregalou os olhos e soltou meu cabelo como se tivesse tomado um choque. Eu já tinha percebido isso nela. Helena falava coisas sem pensar as vezes e sempre falava sozinha. Ás vezes, enquanto andamos de bicicleta, eu a pego murmurando alguma coisa — reclamando do exercício,

na maioria das vezes. É divertido. — Eu? Com ciúmes? Não, claro que não... Claro que não... Sei! — Quer dizer... Você está beijando a minha boca, não é mesmo? Não precisa beijar a boca de outras... Aquele lance de exclusividade, sabe? É, só exclusividade. — Bom... — murmurei, aproximando-me até colar suas costas na parede e deixar o meu corpo colado ao seu. — Eu sinto ciúmes de você. — Sente? — Sim — falei, tirando seu cabelo do ombro, deixando um acesso livre ao seu pescoço. Depositei um beijo ali, sentindo sua pulsação sob a pele. — Não vai ser fácil ver um bando de marmanjo olhando para você hoje à noite. — Mas eu estou com você... Eles seriam loucos de olhar para uma mulher que está acompanhada por um homem de dois metros de altura, que parece o Thor. Me afastei um pouco, sentindo suas mãos em meus ombros. Um sorriso descrente brincando em meus lábios. — Thor? — Sim. Alto, forte, cabelos loiros... Parece um deus nórdico. — Você sabe como amaciar o ego de um homem, sabia? — falei, rindo. — Não de qualquer homem. Só o seu. Ainda estava rindo como um idiota, quando a vi trancar a porta e a senti tomar a minha mão para irmos. Estávamos descendo a escada, quando eu disse: — Pode deixar que eu vou protege-la com o meu martelo. — E é grande esse martelo? — perguntou ela, me olhando de lado enquanto trancava o portão. Eu abri a boca para responder, mas nada saiu quando notei o que o tom de sua voz queria sugerir. Quando ela piscou para mim, eu juro que senti o meu pênis querendo entrar na festa. Sorri de lado e abri a porta do passageiro para ela. Depois que ela entrou, se acomodou e colocou o cinto de segurança, me aproximei e só parei quando meus lábios estavam colados aos dela: — Você não imagina o quão grande ele é. Com um beijo rápido que a deixou sem fôlego, me afastei e tomei o meu lugar no banco do motorista. Comecei a dirigir e logo estávamos conversando sobre outras coisas, mas aquele clima sensual ainda estava no ar, fazendo com que um sorrisinho bobo nascesse no canto dos lábios dela enquanto eu falava, ou que o mesmo acontecesse comigo, enquanto ela me dizia alguma coisa. Estacionei o carro uma rua antes do barzinho, que provavelmente estava lotado, já que as vagas para estacionar eram praticamente nulas. Segurando a mão macia e pequena de Helena, começamos a andar em direção ao barzinho, a

música ficando mais alta conforme nos aproximávamos. Pedi uma mesa para dois assim que chegamos e só tivemos que esperar por cinco minutos ou um pouco mais, até que a atendente nos levasse a uma mesa um pouco mais reservada, mas que nos permitia ver o cantor no palco. Nos sentamos lado a lado e pedimos um chope para mim, um drinque para Helena, uma porção aipim, carne seca e frango à passarinho. As bebidas chegaram primeiro e eu propus um brinde: — A nós dois. Helena sorriu e encostou a taça no meu copo: — A nós dois, vizinho. Tomamos um gole e, em seguida, a puxei para mim e a beijei. O sabor adocicado da bebida misturado ao seu sabor natural me deixou doido. Eu estava ficando viciado nela, no seu cheio, no seu gosto, na forma como minhas mãos se moldavam perfeitamente na sua cintura e na textura da sua pele na ponta dos meus dedos. Mordi seu lábio inferior, ouvindo seu gemido baixinho, antes de me afastar um pouco. O sorriso nos lábios dela era o reflexo do meu próprio sorriso, eu tinha certeza. — Estou muito feliz por estar aqui com você, sabia? — ela perguntou ainda próximo a mim. — Não mais feliz do que eu estou por estar com você — respondi, unindo minha mão a sua. — Acho que não tenho um encontro desde antes da morte da minha mãe, acredita? — Caramba... Bom, eu também não tenho um encontro desde muito, muito tempo... Uns quatro anos, talvez? Acho que sim. — Então, eu fico feliz em ser o seu primeiro encontro depois de tanto tempo. — Eu também fico feliz em ser o seu primeiro encontro — disse ela, sorrindo antes de tomar mais um gole da sua bebida. — Me fale mais sobre você... O que você cursava mesmo, na faculdade? — Eu fiz um curso técnico em Administração, junto com o Ensino Médio e me apaixonei pela área. Por isso, eu decidi me aprofundar mais no tema e acabei cursando Administração na faculdade também. — Que interessante. Minha irmã é formada em Administração, sabia? — Sério? — Sim. Acho que nunca contei isso para você, mas nós duas somos sócias. Temos uma loja de roupas em Ipanema. Ela cuida da parte burocrática, contas, esse tipo de coisa. Eu cuidava da loja em si, entrava em contato com os melhores fornecedores, administrava as duas meninas que trabalham na loja, cuidava dos clientes, enfim... — E por que você deixou tudo isso para trás? — perguntei. Percebi que era um assunto que a deixava desconfortável, quando ela se retesou um pouco na cadeira, ficando tensa. — Lena, se quiser, não precisa responder, eu não... — Não, tudo bem — disse ela, apertando minha mão. — Eu precisava de férias, sabe? Precisava me afastar tudo... Temos essa loja há pouco mais de quatro anos e, desde então, eu nunca dei uma pausa, nunca descansei.... Por isso, resolvi sair de cena por um tempo e minha mãe

está tomando conta do meu lugar, até eu voltar. Até eu voltar. Era a primeira vez que eu me dava conta de que Helena estava por aqui a passeio e não para ficar de verdade. O aperto no meu coração me alertou, deixando muito claro para mim o quanto ela já era importante, o quanto eu realmente gostava dela. E tudo isso em tão pouco tempo. — O que foi? — perguntou ela, acariciando minha mão. — Nada. Só estou pensando que... Deve ser muito bom ser dona do próprio negócio... — Sim, com certeza. Dá muito trabalho, a sua responsabilidade é mil vezes maior, mas, realmente, é bem melhor. Você tem esse sonho de abrir algo só seu? — Sabe, eu nunca pensei em abrir algo para mim, mas eu sempre tive o sonho de crescer na profissão, alcançar cargos importantes. — Você ainda pode realizar esse sonho, sabe disso, não é? — Acho que não posso mais. Minha prioridade são as meninas, não sobra nem tempo e nem dinheiro para mim. — Mas as meninas vão crescer e eu estarei aqui para ajudar vocês. Você não pode desistir da sua vida. — Sim, as meninas vão crescer e os gastos irão aumentar e não diminuir — falei, dando um gole no meu chope. — Minhas responsabilidades se inverteram, Lena. Eu não sou mais a prioridade. Na verdade, hoje, nesta noite, é a primeira vez que eu tirei um tempo para curtir, sabe? Desde a morte da minha mãe e do meu padrasto... Nunca mais tive um momento como esse. — E você nunca pensou em procurar outro tipo de emprego? Na sua área, talvez? Sei que tem muita gratidão pelo seu Jô, mas, um emprego na sua área e você tendo um curso técnico no currículo, pode ser que ganhe um salário maior. — Sim, já pensei e já pesquisei sobre isso... Mas eu nunca vou encontrar um emprego que seja tão perto da minha casa, como é a mercearia do seu Jô e que me dê as mesmas regalias que o seu Jô me dá... Sem contar que ele não me paga um salário ruim, pelo contrário. Consigo pagar todas as minhas contas e ainda sobra um pouco no fim do mês — conclui, puxando-a um pouco mais para mim. — Por que estamos falando sobre trabalho em um momento que deveríamos estar nos divertindo? — Porque somos dois bobos — disse ela, sorrindo ao encostar os lábios nos meus. Só nos afastamos quando a garçonete chegou com os nossos pedidos. Um pouco constrangida, ela colocou tudo sobre a mesa, arrumou os pratos e talheres e perguntou se precisávamos de mais alguma coisa. Como eu estava dirigindo, pedi apenas mais um drinque para Helena e continuei devagar no meu chope. Começamos a comer e voltamos a conversar sobre trivialidades, desde a voz do cantor, a vizinhança, a diferença do clima aqui em Santa Catarina e no Rio, até que paramos em minhas irmãs. Ela estava comentando algo sobre a Gabi, até que me ocorreu perguntar:

— Quando você me ligou para falar sobre a Letícia... Foi porque ela pediu para que você falasse comigo? — Não, pelo contrário... Ela não queria que eu falasse com você. Ela apenas comentou que não podia ir à festa e Gabi disse que era porque ela não se comportava... Aí eu pensei em ligar para você e conversar. — Eu segui seu conselho. Falei para ela que só a deixaria ir se ela prometesse que começaria a se comportar melhor. — E o que ela disse? — Disse que iria melhorar, que não iria mais me responder... Eu só espero que ela realmente cumpra com o prometido. É muito difícil lidar com ela, você não imagina. — Eu sei que é, mas, se ponha um pouco no lugar dela... Quando ela perdeu os pais, ela já entendia o que a morte significava, era mais velha que a Gabi. E entrar na adolescência sem a presença da mãe, é muito difícil... Você é um ótimo irmão, cuida dela, educa, dá amor e carinho, mas é homem. Não entende de tudo e o universo feminino é complicado até mesmo para gente. — Eu não entendo de quase nada, para falar a verdade — confessei, sorrindo de leve. — Sei que ela está na adolescência, que os hormônios estão à flor da pele, que muita coisa está mudando, que ela não tem a nossa mãe por perto... Mas, ainda assim, eu tenho que trata-la na rédea curta. Se eu der um pouco mais liberdade, ela vai querer mandar em mim. — Sim, você tem razão. Não pode mesmo passar a mão na cabeça, tem que brigar quando ela errar, mas é preciso ter um pouco mais de paciência também. — Você é ótima nisso, ela até deixou que você penteasse o cabelo dela. Eu tive esse privilégio até ela completar dez anos. Desde então, ela mal me deixa tocar nela. Ela sorriu e disse: — Eu sou mulher, falei com jeitinho... E ela acabou deixando. — Isso é um grande avanço — falei, tocando em seu rosto. — Obrigado por isso. — Pelo o quê? — Por cuidar dela, por ter toda essa paciência... Letícia não é fácil, eu sei que ela não te trata bem, que ela faz birra e ainda assim, você luta para conquista-la. Isso é admirável. — Eu gosto muito dela, assim como eu gosto da Gabi. Mesmo ela sendo tão difícil, sei que aquilo é só uma armadura, uma forma de não demonstrar o quanto ela sente falta de uma mãe, de um carinho... Estou disposta a derrubar essa armadura dela e ser sua amiga. — Eu ainda acho que ter você como vizinha é o mesmo que ganhar na loteria... Tenho que agradecer a Deus por isso. — Para de ser bobo — ela murmurou, envergonhada. — É verdade. Você é amorosa, gosta das minhas irmãs, cuida delas, é linda, inteligente, bemhumorada e ainda tem o fator principal. — E qual é o fator principal? — É louca por mim — falei, piscando para ela.

Ela me olhou de lado, um sorriso querendo nascer na ponta dos seus lábios. — Sou louca por você? — Sim, você é. — Não me lembro de ter falado isso... Na verdade, me lembro de você falando algo sobre eu te deixar louco. — E é verdade. — O quê? — Você realmente me deixa louco. Ela abriu a boca para responder, mas a fechou em seguida, como se não tivesse uma resposta plausível. Não liguei, porque o sorriso que ela me deu a seguir, foi melhor do que qualquer resposta que ela poderia ter me dado. A puxei para um beijo e ouvi os acordes animados invadir meus ouvidos. Rapidamente reconheci a letra. Me afastando um pouco, me levantei e estendi minha mão para ela: — Dança comigo, vizinha? — Com certeza, vizinho. Sorrindo, ela pegou minha mão. A levei para a pequena pista de dança próximo ao palco, onde alguns casais estavam dançando. Helena colocou a mão esquerda em meu ombro, o salto a deixando mais alta, fazendo sua cabeça bater em meu queixo. A puxei pela cintura até seu corpo ficar colado ao meu. Quando ela levantou o rosto, pude ver o seu sorriso, seus olhos brilhando. Começamos a dançar e eu me inclinei, até minha boca estar em sua orelha, cantando a música baixinha em seu ouvido: Quis evitar teus olhos Mas não pude reagir Fico à vontade então Acho que é bobagem A mania de fingir Negando a intenção Quando um certo alguém Cruzou o teu caminho E te mudou a direção Chego a ficar sem jeito Mas não deixo de seguir

A tua aparição Quando um certo alguém Desperta o sentimento É melhor não resistir E se entregar Quando voltei a fita-la, Helena estava com um sorriso enorme para mim. Sua mão saiu do meu ombro e foi para o meu pescoço, puxando meu rosto para perto do seu. Seus lábios estavam quase colados aos meus, quando ela continuou a música: Me dê a mão Vem ser a minha estrela Complicação Tão fácil de entender Vamos dançar, Luzir a madrugada Inspiração Pra tudo que eu viver Quando um certo alguém Cruzou o teu caminho É melhor não resistir E se entregar Então, seus lábios estavam colados aos meus. Percebi que aquela música de Lulu Santos era, praticamente, a nossa história. Um cruzou o caminho do outro, de repente. Não resistimos e, agora, estamos nos entregando. E era isso que eu realmente queria fazer. Eu queria me entregar total e completamente a ela.

Capítulo 12 - Helena Eu ainda estava me sentindo em um universo paralelo quando fomos buscar Letícia e Gabi. Respondi com um sorriso ao entusiasmo da pequena, que falava sobre como a festa tinha sido legal, que tinha pula-pula, que ela havia comido cachorro-quente, salgadinhos e doces. Letícia estava calada como sempre, o que, internamente, eu agradeci. Não seria capaz de responder as duas. Não com a mente ainda naquele barzinho, com os braços de Daniel em minha cintura, sua voz sussurrando em meu ouvindo, seu sabor em minha boca, seu cheiro tomando conta de mim. Isso, somando-se ao fato de eu estar um pouco tonta pelos drinques, me deixava um tanto incapaz de dar a devida atenção que elas mereciam. Em algum momento, Daniel parou em frente as nossas casas. Saí do carro e ajudei as meninas a descerem. Letícia tomou as chaves e abriu o portão, em seguida a porta de madeira, sumindo de nossas vistas. Em seguida, Gabi me deu um beijo de boa noite e também entrou. Sobrou apenas eu, Daniel e meu sorriso idiota de mulher apaixonada. — Gostou da nossa noite? — ele perguntou, abraçando-me pela cintura. — O que você acha? — A julgar pelo seu sorriso, eu acho que você gostou. — Está errado. — Estou? — Sim, porque eu não gostei, simplesmente... Eu adorei. Amei. Quero repetir muitas e muitas vezes. — Iremos repetir em breve — falou, tocando o nariz no meu. — Sabe, já tem alguns dias que a Gabi está me pedindo para montar a piscina. Como está fazendo muito calor, acho que vou montar agora noite e deixar enchendo... Quer tomar um banho de piscina com a gente? Amanhã o almoço será a minha especialidade: macarrão com carne moída. — Hm... Então eu estou sendo convidada para um banho de piscina e ainda terei o privilégio de experimentar o seu macarrão com carne moída? — Sim. Veja bem, é uma oportunidade única. Vai perder? — Claro que não! — falei, rindo. — Já vou separar o meu biquíni agora mesmo. — Faça isso, mas... Só depois que me der um beijo de boa noite. — Só um beijo? — Talvez dois... Ou três... Dez... Cem... Com um sorriso, aproximei meu rosto do dele e colei nossos lábios. O beijo foi calmo, suave, minhas mãos em suas costas, seus braços em minha cintura, sua língua na minha, um gemido

escapando... Já era tão natural entre nós, como se tivéssemos feito isso a vida toda. Daniel só me deixou ir depois de espalhar beijos em minha bochecha, que desceram pelo meu pescoço e seguiram a linha até a orelha, me deixando arrepiada. Murmurou um “boa noite” e um “sonhe comigo”, em uma voz tão excitante, que tive que morder os lábios para não gemer no meio da rua. Quando entrei em casa, ascendi as luzes e me joguei na cama, ainda com a sensação de seus lábios nos meus. A melhor sensação do universo. *** Pude sentir o cheiro do macarrão assim que fechei o portão de ferro atrás de mim. Os gritos animados de Gabi fora a próxima coisa que chegou aos meus ouvidos, antes de eu bater na porta de madeira. Ouvi passos e, então, a figura de Letícia apareceu na porta. Ela apenas abriu e saiu andando. Voltou a se sentar no sofá e enfiou a cara no celular. — Bom dia! Cadê o seu biquíni? — Está no armário. — E o que ele está fazendo no armário? Está um dia lindo, seu irmão montou a piscina... Você deveria estar lá fora, aproveitando. — Não estou afim — disse ela, mal-humorada. Estranhei. Bom, depois de muito tempo presa em casa, ela finalmente tinha ido à uma festa na noite anterior. Era para ela estar radiante agora, animada, comentando sobre tudo... Ok, pelo menos feliz, não é mesmo? Inconformada, me sentei ao seu lado. — Aconteceu alguma coisa ontem, na festa? — Não. — Tem certeza? Você está tão... — Normal? Porque este é o meu normal. Se está incomodada, você pode atravessar a casa e ir para o quintal, porque é lá que ficam as pessoas felizes e de bem com a vida. — No momento, eu quero apenas ficar aqui e tentar entender o que houve. Você foi à festa ontem... Era para estar feliz, não é? — Por quê? Só por que eu fui a uma festa? Pelo amor de Deus — reclamou ela, revirando os olhos. — Sim, era para estar feliz. Poxa, você finalmente conseguiu que o Daniel te deixasse ir...

— Eu não consegui nada. Pelo o que eu me lembre, você se intrometeu na minha vida e ligou para ele. — Eu quis te ajudar. — E eu não pedi a sua ajuda. Que saco! Não vê que eu não gosto de você? — Pois eu acho que você gosta de mim sim! E só finge que não, pra demonstrar que é durona. — Pense o que você quiser, só me deixe em paz. Ela voltou a fitar o celular, ignorando-me completamente. Bom, essa era a minha deixa para sair dali e deixa-la sozinha com todo o seu mau-humor e seu mau comportamento. Entretanto, antes de ir, eu disse: — Sei que aconteceu alguma coisa nessa festa. Você não precisa me contar o que foi, Letícia, mas lembre-se do que prometeu ao Daniel. Ele te deixou ir, porque confiou em você. Você já não é mais uma criança, então, modere as suas palavras. Sem esperar por sua resposta — e sabendo que eu não teria uma —, me levantei e segui para a cozinha. Daniel estava colocando o macarrão em uma travessa de vidro. O molho da carne moída borbulhava na panela, o cheiro tomando conta do ambiente. — Que cheiro maravilhoso, vizinho! Ele se virou para mim e sorriu. Estendeu a mão e eu a peguei, sendo puxada para os seus braços. — Chegou bem na hora, a comida já está pronta. — Eu trouxe sorvete — tentei mostrar o pote de sorvete dentro da sacola que eu carregava, mas ele não me soltou. — Não precisava se dar ao trabalho, você sabe. — E você sabe que não foi trabalho algum — murmurei, sentindo seus lábios em minha bochecha. — Estou doida para provar seu macarrão com carne moída. — E eu estou doido para beijar você. — As meninas podem ver... — Eu sei... Aliás, eu acho que não precisamos esconder delas, não é mesmo? Somos adultos e as meninas te adoram. — Bem, a Gabi eu sei que me adora, mas a Letícia... — Ela gosta de você, só não quer admitir. Ufa! Que bom que ele pensava como eu. — Então, o que você está esperando para me dar um beijo? — Só estava esperando a sua permissão, vizinha. Com um sorriso, ele me beijou, fazendo meu coração saltar no peito. Uma madrugada longe dele, e eu já estava louca de saudades, querendo sentir seu cheiro, sentir seu corpo no meu, seus beijos.

Era uma loucura e eu estava adorando me sentir assim. Nos afastamos e eu coloquei o sorvete no freezer. Em seguida, o ajudei a colocar a mesa e logo chamamos as meninas para almoçar. Gabi parou na porta da cozinha e eu a sequei, colocando seu roupão e a levando para a mesa, sentando-a ao lado de uma Letícia calada, como sempre. Servimos as meninas e nos servimos em seguida. Quando provei o tal macarrão maravilhoso e a carne moída divina, eu gemi de contentamento, vendo o sorriso bobo estampar a cara do Daniel. — Eu não disse que era bom, tia? — Sim, é muito bom. — O melhor do mundo, pode falar — Daniel falou, convencido. — Ok, é o melhor do mundo. A Gabi tinha razão em te chamar de rei do macarrão com carne moída. — Então, aproveitem, minhas súditas, pois não é qualquer dia que temos uma iguaria como essa para degustar — disse ele com ar superior, fazendo Gabi dar risada. — Você se acha muito, sério — Letícia comentou, com um sorrisinho no canto dos lábios. Daniel sorriu e vi uma pontada de surpresa em sua expressão. — Fazer o quê? Eu posso — brincou ele, levantando o copo com suco para dar um gole, como se fosse uma taça com champanhe francês. O almoço correu tranquilo. Depois daquele comentário, Letícia não disse mais nada e eu não soube classificar isso como algo bom ou ruim. Por um lado, foi bom ela não ter soltado um de seus comentários sarcásticos, mas, por outro, ela esteve calada e com uma expressão estranha, como se estivesse triste, o que não era o normal dela. Depois da refeição, servi o sorvete para as meninas, que foram comer na sala. Daniel e eu limpamos a cozinha, guardamos todas as coisas. Em seguida, ele me puxou para o quintal. A piscina era redonda e grande, estava cheia até a borda e tomava conta de boa parte do espaço. O sol batia em uma parte dela, deixando boa parte com sombra, o que era bom paras meninas. — Vamos dar um mergulho, vizinha? Não é nenhuma piscina olímpica, mas dá para se divertir. Eu ia responder, mas, sem aviso algum, Daniel tirou a camiseta. Em seguida, tirou o short, ficando apenas com uma sunga de praia preta. E, como sem não bastasse, soltou os cabelos. Cada movimento eu registrei em câmera lenta. Cada pedaço de pele aparecendo. Minha nossa, ele era tão... Lindo! Suas pernas eram grossas, malhadas e altas, com músculos definidos, pelos claros cobrindo a pele. A barriga era trincada, a pele dourada, sem pelos, o peito largo, o tronco alto, sendo totalmente proporcional aos seus braços fortes e definidos. Tive que me segurar para não babar — literalmente — e ser tachada como ridícula. Discretamente, limpei a garganta e levei as mãos a barra da minha camiseta. A tirei, no fundo, querendo que ele ficasse tão impressionado comigo, como eu fiquei com ele — o que era uma loucura, já que ele tinha o corpo de um herói da Marvel e eu tinha o corpo de quem não fazia

dieta e não praticava academia. Em seguida, tirei meu short jeans. Meu biquíni era normal, se acomodava bem ao meu corpo. Minha mãe dizia que a cor verde água realçava o tom moreno chocolate da minha pele. Ainda assim, como a boa mulher que eu sou, me senti um pouco insegura. Veja bem, quando digo que não tenho o corpo de uma modelo, é verdade. Sou alta sim, tenho curvas, tenho os seios, as coxas e a bunda em um tamanho proporcional, mas eu tenho aquela famosa barriguinha, sabe? Nada demais, tem dia que eu a amo, tem dias que a odeio... E tem dias, como esse, que eu queria que ela sumisse e me deixasse com a barriga da Beyoncé. O que não iria acontecer, óbvio. — É impressão minha... — Daniel falou, aproximando-se, chamando minha atenção. — Ou você está tentando se esconder de mim? — O quê? Eu? Claro que... — ah, droga, eu estava apenas com o short jeans na mão, tampando minha barriga. Sorrindo de leve, joguei o short no chão, como se ele não fosse nada. — Claro que não. — Acho bom, porque eu não quero que nada atrapalhe a minha vista — falou, tomando a minha mão. Como no dia da nossa primeira corrida de bicicleta, Daniel me fez dar um giro de 360° graus e, ao invés de me sentir como uma peça de carne que estava sendo avaliada em um açougue, eu me senti... Admirada. Sim, porque quando voltei a fita-lo, seu olhar, sua expressão, demonstravam que ele não estava me avaliando e sim me vendo. Me observando e admirando, assim como fiz com ele. — Você é a mulher mais linda que eu já vi em toda a minha vida — eu iria debater, mas ele colocou dois dedos na frente dos meus lábios. — E não falo isso para que você se sinta melhor, confortável, nada do tipo. Falo porque é o que eu acho, falo porque é a verdade. Você é linda. Você é uma mulher real, não é como essas mulheres montadas que a indústria quer nos fazer engolir. Você é perfeita e foi feita para ser admirada por alguém que te dê valor. — E esse “alguém” é você — conclui, sorrindo. — Sim. Como naquela música do Roberto Carlos: “esse cara sou eu” — cantarolou, me fazendo rir. — Vamos para a piscina? Ou está com medo da água? — Eu? Com medo de água? Duvido! — Bom... Muito bom saber disso. De repente, meus pés já não tocavam mais o chão. Eu só entendi o que realmente tinha acontecido quando meu corpo entrou em contato com água, seu braço em minha cintura me puxando para baixo, me fazendo afundar junto com ele. Quando emergimos, sua risada explodiu em meu ouvido, seu rosto estava escondido em pescoço, nossos cabelos espalhados pelos meus ombros e pelo meu rosto. Eu ao menos consegui brigar com ele, começando a rir também, principalmente quando ele me puxou, fazendo com que eu me sentasse em seu colo.

— Você é louco, a gente podia morrer afogado! — Acha mesmo que eu iria deixar você se afogar, vizinha? — perguntou, tirando o cabelo do meu rosto. — Jamais. A não ser, claro, se a minha intenção fosse te fazer uma respiração boca a boca. Aí assim, é um caso a se pensar... — Saliente! — falei, espirrando água nele. Por um momento, ele me olhou com uma expressão de surpresa. Em seguida, me lançou um olhar de desafio. — Você tacou água em mim? — Hm... Tudo indica que sim, senhor. Então, um jato d’água espirrou bem no meu rosto, pegando-me totalmente desprevenida. — Você não fez isso! — Tudo indica que sim, senhorita. Depois disso, entramos em uma guerra infantil de um espirrar água no outro. Em seguida, Gabi entrou correndo na piscina, se juntando à festa, espirrando água na gente, gritando que iria vencer. Foi, de longe, o domingo mais divertido de toda a minha vida. Nem em minhas lembranças mais antigas eu conseguia achar uma cena mais divertida que essa, algo tão normal e simples, mas que eu nunca tive. Ficamos na piscina até o sol pôr. Em algum momento da tarde, Letícia se aproximou, foi ao quintal, olhou para gente pude ver aquela vontade em seus olhos de entrar e se divertir também, mas, como se lutasse consigo mesma, ela deu as costas e voltou a entrar. Pensei em ir atrás dela, mas Daniel achou melhor deixa-la um pouco sozinha. E, sim, talvez fosse mesmo melhor. Minha companhia — ou a de qualquer um — poderia deixa-la ainda mais nervosa ou para baixo. Depois de um lanche, Gabi tomou banho e caiu no sono assim que se deitou na cama. Daniel quis que eu ficasse mais um pouco, mas eu também estava cansada e logo me despedi, alertando-o para ficar de olho em Letícia e, quem sabe, conversar um pouco com ela. Ele me levou até me casa e depois de longos beijos e muitos abraços, partiu, deixando-me sozinha, com a lembrança daquele dia tão divertido.

Capítulo 13 - Helena A semana passou tranquilamente e percebi que estar na presença de Daniel e suas irmãs, virara parte da minha rotina. Depois que elas voltavam da escola, decidíamos onde seria o jantar. Na maioria das vezes, era na casa de Daniel, já que Gabi sempre me arrastava para lá quando chegava da escola, para me mostrar os desenhos que havia feito na aula, as palavras novas que havia aprendido a ler e a escrever. Depois disso, Daniel a colocava no banho e, juntos, eu e ele fazíamos a comida. Era divertido ensina-lo, mas era difícil fazê-lo entender que não precisava colocar um quilo de sal no feijão. Ele aprendeu mais rápido a dosar a água do arroz e a temperar outros tipos de alimento. Foi em um desses jantar que Daniel comunicou as meninas que estávamos juntos. Entrelaçou a mão na minha e em seguida, virou-se para mim, dizendo: — Estamos juntos, mas eu ainda não fiz o pedido oficial... — O que é o pedido oficial? — Gabi perguntou, mal se contendo na cadeira. — Quer namorar comigo, vizinha? Mesmo que meu cérebro já soubesse qual era o “pedido oficial”, meu coração não se importou nem um pouco e bateu como um louco no peito. Sorrindo de orelha a orelha, eu não pude dizer nada que fosse contrário a um enorme e gigantesco “sim”. Gabi começou a bater palmas e gritar: “tá namorando, tá namorando!”. Daniel me puxou para um beijo e eu senti que algo começava a florescer ainda mais dentro de mim. Letícia continuou calada e não falou nada, o que era o normal dela. Eu não poderia esperar que ela saísse pulando e soltando fogos de artifícios, assim como Gabi estava fazendo, mas não desanimei. Agora, namorando com Daniel, eu me sentia não só mais próxima dele, como das meninas também. E me sentia até um pouco mais à vontade. Isso só alimentou o meu desejo de abaixar as defesas de Letícia e me tornar amiga dela. Depois do comunicado às meninas, eu me senti livre. Óbvio que eu estava muito feliz antes, beijando Daniel as escondidas, até porque, estar com ele — estar com alguém, na verdade — era algo que eu não almejava. Mas, agora, que tínhamos a liberdade de estarmos juntos onde quer que fosse, eu me sentia livre. Como nunca me senti em toda a minha vida. Daniel era mais do que meu namorado, era meu amigo também. Porque antes da paixão, nutrimos uma amizade e um companheirismo que eu sabia que poucos casais conseguiam ter. Ele sabia que poderia contar comigo sempre que precisasse e eu sabia que poderia contar com ele também. Estar com ele, depois de tudo o que me aconteceu, me fazia acreditar que existia a justiça

divina. Que Deus estava mesmo olhando por mim e preparando algo que me trouxesse a verdadeira felicidade. O barulho do temporal batendo na janela da sala, me tirou do meu devaneio e me fez lembrar o que eu tinha ido fazer em casa. Tinha passado o dia todo com as meninas e, como a chuva já estava prevista, Daniel havia trazido pizzas congeladas da mercearia do seu Jô, para lancharmos a noite. Dei uma escapada em casa para tomar banho e acabei sentada no sofá, pensando sobre a vida. — Porque eu sou louca, claro — murmurei em voz alta, como sempre. Separei uma roupa e fui direto para o banho. Estava cantando uma música do Alexandre Pires em alto e bom som, quando a luz piscou pela primeira vez. O golpe de terror em meu coração foi instantâneo. A escuridão e eu não éramos boas amigas — não, bem longe disso. Enxaguei o cabelo e o corpo em um tempo recorde, sentindo meu coração golpear forte em meu peito, uma onda de pânico invadindo meu corpo. Quando fechei o registro do chuveiro, a luz piscou novamente, o silêncio, agora, tornando-se insuportável. “Você sabe que eu sou capaz de fazer isso, querida”. A voz... A voz dele, invadiu meus sentidos. — Não se deixe levar, não se deixe levar... — murmurei, secando-me rapidamente. “Você não é digna de tudo o que eu dou para você...” — Pare com isso! Pare! Misturado ao meu grito, um barulho enorme de trovão me fez dar um pulo, enquanto a luz se apagava. A escuridão tomou conta de tudo, de tudo... “Você me ama, eu sei que sim...” A voz dele soava com mais força, mais alto. Minhas mãos tremiam enquanto eu largava a toalha no chão e tateava a roupa que eu havia deixado em cima do balcão. Lutei com as lágrimas que começaram a surgir e vesti a calcinha, em seguida o vestido, a escuridão me deixando cada vez mais desorientada, apavorada. “Venha para mim, eu sei que é isso que você quer...” Eu já estava vestida, pronta para sair, mas a sua voz me impedia. Senti o medo me paralisar, como garras se rastejando por minhas pernas, enlaçando minha cintura, apertando o meu coração, sufocando-me e deixando-me congelada no que eu supus ser a porta do banheiro. “Venha para mim...” A cena ficou tão clara em minha mente. Ele. A arma. O cheiro do sangue. Em seguida, a escuridão. “Você sabe que pertence a mim...” — Helena!

“Venha para mim, querida...” — Helena, onde você está? Abra a porta, vamos para a minha casa. “Querida...” — Helena! A voz de Daniel se misturava com a voz dele. Mas eu não queria! Eu não queria que ele sujasse a Daniel também. — Helena, me responde, estou ficando preocupado! Está chovendo muito, abra a porta! Abra a porta para o Daniel! Vá!, a minha mente ordenava e eu segui em frente em um passo cauteloso, tateando as paredes para me orientar, em seguida os móveis, temendo, de repente, encostar nele, mesmo sabendo que isso seria impossível. Não sei como consegui girar a chave e abrir a porta. Uma luz branca cegou-me de repente e eu fechei os olhos, apavorada, andando para trás. — Lena, pensei que você tinha desmaiado aí dentro... — ouvi passos, mas continuei com os olhos fechados, parada entre o sofá e a mesa de centro. — Helena... Você está chorando? Os soluços. Os soluços apavorados que invadiram os meus ouvidos estavam saindo de mim... Ao perceber isso, meu corpo desabou para frente e logo senti os braços fortes e protetores de Daniel em volta de mim. Suas mãos ampararam minhas costas, meu corpo tão trêmulo que só alguém tão forte quanto ele, poderia me segurar sem que derrubasse a nós dois. Ainda assim, o senti se sentar no sofá e me levar junto, fazendo-me sentar em seu colo. Minhas lágrimas molhavam sua camisa, meu cabelo ainda pingava pelo banho ressente, mas ele pareceu não ligar ou ao menos sentir. Seu coração batia tão forte quanto o meu. Não sei por quanto tempo ficamos assim, juntos, ele me amparando e acariciando. Tentei procurar a voz dele em minha mente, os momentos de terror, o cheiro de sangue, mas nada encontrei e isso fez com que o meu choro compulsivo fosse diminuindo, conforme as carícias ritmadas de Daniel começavam a me acalmar. Quando o que restou foram soluços contidos e poucas lágrimas, senti os dedos de Daniel em meu rosto: — Quer falar sobre isso? — Eu tenho pavor do escuro... — murmurei, escondendo meu rosto em seu pescoço. — Mas não foi só por isso que você ficou nesse estado. — Não foi, mas... Se eu contar... Você nunca mais vai querer ficar perto de mim. — Isso é bobagem. Nada fará com que eu me afaste de você, Helena — ele disse, puxando meu rosto para si. A lanterna que estava ao seu lado me permitiu enxergar o seu rosto. — Eu estou completamente apaixonado por você. Mesmo se eu quisesse, jamais conseguiria ficar longe de você. — Eu também estou completamente apaixonada por você. Carinhoso, ele tocou seu nariz o no meu e me acariciou. Seu corpo tão forte e quente me fez sentir totalmente segura, sem o pavor paralisante de outrora.

— Confie em mim. Você sabe que pode me contar qualquer coisa. Eu só quero ajudar você. — As meninas! Elas estão sozinhas, é melhor deixarmos esse assunto para depois... — Elas estão bem — ele me interrompeu. — A porta está trancada, cada uma tem duas lanternas nas mãos. Elas podem esperar mais alguns minutos. Seu olhar continuou sobre o meu, o que fez com que eu voltasse a esconder meu rosto em seu pescoço. Eu realmente sentia medo. Daniel foi a primeira pessoa que fez com que eu me sentisse bem, com que eu me sentisse livre e aprendesse a conviver comigo mesma. Eu estava completamente apaixonada por ele, e se ele me deixasse... Você não pode pensar desse jeito. A culpa não foi sua. A voz da minha terapeuta surgiu em minha mente. Todas as vezes que eu me colocava para baixo, ela repetia que a culpa não tinha sido minha. E, não sei se posso seguir a linha da famosa frase que diz “que algo repetido muitas vezes, torna-se verdade”, ou se eu acredito porque realmente é verdade. A culpa me acompanhava diariamente. Mas ela não me impediria de seguir com o primeiro relacionamento bom e saudável que eu estava tendo — eu seria forte e não iria permitir. — Eu vou te contar, mas a história é grande... — falei, voltando a fita-lo. — Acho melhor voltarmos para a sua casa, eu fico preocupada com as meninas estando lá, sozinhas. Eu juro que conto assim que elas dormirem. — Tudo bem — falou, tocando em meu rosto. — Mas saiba que nada do que você me disser, vai mudar o que sinto por você. Entende isso? — Sim. — Jura que entende? O seu passado é importante, mas ele não vai afetar o nosso futuro, Lena. — Você é maravilhoso por pensar assim. — Eu sou apenas um homem apaixonado, que sabe que a sua mulher teve um passado e respeita isso. E que, acima de tudo, respeita você. Ele sorriu de leve e me deu um beijo lento, terminando de me acalmar. Quando se afastou, nos ergueu do sofá e me colocou no chão. A chuva torrencial ainda caía e nos mostrava que passaríamos a noite imersos na escuridão, o que me angustiava um pouco. Mas a presença de Daniel ao meu lado era a única coisa que me garantia que eu iria ficar segura. Embaixo do enorme guarda-chuva dele, seguimos correndo para sua casa. Ele destrancou a porta e encontramos as meninas sentadas no sofá. — Tia Lena, guardamos pizza para você e para o Dan! — Obrigada, pequena. — Por sorte, eu já tinha terminado de assar as pizzas, quando a luz acabou — Daniel disse, puxando-me para o sofá junto com ele. — Come um pouco. Ele me deu um pedaço de pizza e me serviu um pouco de guaraná. Dei uma mordida, mesmo sem sentir vontade — o que havia acontecido antes e a conversa teríamos em breve, havia tirado

totalmente a minha fome. Comemos em silêncio, com algumas velas acesas pela casa, junto com as lanternas. Até mesmo Gabi ficou quieta depois de pedir para se sentar em meu colo. Fiquei acariciando seus cabelos, enquanto Daniel acariciava os meus. Algum tempo depois, a senti ressonar tranquila com a cabeça apoiada em meu peito. Quando olhamos para o outro sofá, Letícia também já dormia, encolhida e virada para o encosto do sofá. — Vamos coloca-las na cama — Daniel disse, já se levantando para pegar Letícia no colo. Eu segui logo atrás dele, carregando Gabi. Enquanto ele deitou a Letícia na cama, eu acomodei Gabriela, colocando o Ted embaixo do braço dela e a cobrindo com o edredom. Antes de sairmos, Daniel deixou uma lanterna acesa para que não ficasse muito escuro. Em silêncio, levamos a louça suja para a pia. Já estava me preparando para começar a lavar, quando ele me abraçou pela cintura, beijando meu rosto. — Deixe isso aí e vamos nos deitar um pouco. Você precisa descansar. Eu nem pensei em discutir. Me deitar com ele e sentir seu abraço era tudo o que eu queria e precisava. Fomos em direção ao quarto. Daniel tirou a camisa e deixou uma lanterna acesa sobre a mesinha de cabeceira. Logo nos acomodamos na cama, minha cabeça deitada sobre o seu peitoral nu e largo, seus braços entorno de mim. Ficamos em um silêncio confortável, até que ele disse: — Você não precisa me contar, se não quiser. Sei que isso machuca você. — Eu quero contar — falei, tocando em sua pele quentinha. — Quero que você saiba tudo sobre mim. — Olha, isso vai fazer com que eu me apaixone ainda mais, vizinha — ele brincou, me fazendo sorrir e amenizando o clima tenso. — Isso é muito bom, vizinho. Em seguida, voltamos a ficar em silêncio. Sabia que ele estava esperando por mim, então, engoli o medo e comecei a falar: — Meu pai e minha mãe sempre criaram a mim e a minha irmã de forma rígida. Meu pai era sócio de uma empresa de peças automotivas junto com o melhor amigo dele, seu Roberto. Ele sempre tratou a mim, a minha irmã e a minha mãe, da mesma forma como cuidava das finanças: rígido, com um punho firme muito controlador. Minha mãe sempre acatou tudo o que meu pai ordenava e, bem, eu, como filha caçula, também sempre acatei, mas minha irmã, não. Ela tinha um sonho de crescer na vida, estudar, morar fora... E seguiu em frente, mesmo meu pai falando, desde a nossa infância que se uma de nós saísse de casa antes de se casar, era para ela esquecer que era filha dele. Daniel continuou calado, sua carícia em minhas costas me dando forças para continuar. — O sonho do meu pai era que Bel, minha irmã, se casasse com Maurício, o filho mais velho do sócio dele, mas minha irmã... Bem, minha irmã é lésbica e, na época, havia se assumido apenas

para mim. Ela ainda era uma adolescente quando me contou que estava namorando com uma menina na escola, mas nosso pai jamais poderia sonhar com isso. Foi só quando ele disse que ela teria que se casar com Maurício, que ela se assumiu perante ele e minha mãe, pegou suas coisas e saiu de casa. Meu pai ficou furioso. Eu nunca o vi tão furioso em toda a sua vida e em meio a essa crise nervosa, ele passou mal. Foi uma correria, corremos com ele para o hospital... Ele teve o princípio de infarto e foi diagnosticado com coração grande. “Lembro que meu pai nunca teve medo de morrer, ele vivia a vida sem se preocupar com essas coisas, mas ele ficou apavorado ao saber que coração grande não tinha cura. E, com esse medo de morrer e não ver uma de suas filhas casadas, que ele implorou para mim que eu me casasse com Maurício. Na época, eu tinha apenas dezoito anos, estava muito assustada, com medo de perder meu pai, preocupada com minha irmã, que tinha sumido, preocupada com minha mãe, que estava desolada e aceitei. Eu não pensei muito, apenas disse sim, porque, na minha cabeça, isso faria com que meu pai ficasse tranquilo e melhorasse. “Depois da nossa conversa, ele ficou internado mais alguns dias e foi liberado, precisava ficar de repouso, mas, mesmo assim, mandou minha mãe chamar o seu Roberto e a sua família. No jantar, ele comunicou a todos que eu e Maurício estávamos noivos. Eu fiquei assustada; mal conhecia o Maurício, não éramos amigos ou algo do tipo, sabe? Só nos víamos em eventos, jantares... Mas, para a minha surpresa, Maurício veio sorridente até mim e já tinha até mesmo comprado o anel. Mais tarde, eu soube por minha mãe, que meu pai havia comunicado a ele quando ainda estava no hospital. “Foi tudo muito surreal, sabe? Toda a minha vida foi surreal. Desde a família antiquada e autoritária, até o casamento chique, mas arranjado e sem amor. Maurício e eu nos casamos meses depois. Ele demonstrava por mim um amor que eu sabia que não sentia e eu não entendia o porquê de fingir. E não era apenas para os outros que ele fingia, mas para mim também, até mesmo quando estávamos a sós, como se fôssemos o casal perfeito...” — Talvez ele fosse apaixonado por você. — Ele não era. Eu não conseguia enxergar um pingo de amor ou paixão em seus olhos, pelo contrário... Ele era inteligente. Tudo o que ele fazia era premeditado. Só que, além de não me amar e fingir que me amava, me exibindo como um troféu para seus amigos, ele começou a ficar muito possessivo. Principalmente depois do falecimento do meu pai, que ocorreu meses depois do nosso casamento. “Era doentio. Sempre que saíamos, ele cismava que tinha alguém me olhando ou que eu estava dando mole para algum homem. Um pouco antes do papai falecer, minha irmã voltou a entrar em contato comigo. Ela havia se mudado para São Paulo e terminou a faculdade lá, disse que estava voltando para o Rio. Quando ela realmente voltou e deu a ideia de montarmos a loja, Maurício quase enlouqueceu. Disse que não admitia que sua esposa trabalhasse, que eu fui criada para ser mãe e sua mulher e não para ficar enfurnada em um trabalho que, nas palavras dele, não me serviria para nada. “Mas eu fui firme e abri a loja com minha irmã. E foi a minha salvação. Era a minha válvula de escape da vida louca que era aquele casamento sem sentido. No começo, eu pensei que poderia me apaixonar por Maurício. Antes de conhece-lo melhor, eu tinha o sonho de que iríamos nos amar

e formar uma família, mas nunca foi assim. Nós começamos errado e... Terminamos errado”. — Como terminou? Conte para ele. Conte tudo, meu subconsciente me encorajava e eu segui em frente, mesmo sentindo meu coração galopar no peito. — Há pouco mais de um ano, Maurício e seu pai resolveram fazer uma grande festa para comemorar os trinta nos da empresa. A festa foi até mesmo em homenagem ao meu pai, também. No dia da festa, Maurício estava agitado, nervoso. Já chegou na comemoração tomando copos e mais copos de uísque. Eu sabia exatamente o que iria acontecer, por isso, fiquei quieta no meu canto e só permaneci na festa porque era em homenagem ao meu pai e minha mãe estava ali comigo, eu tinha que dar apoio a ela, já que Bel se recusou a ir. “Em minha mente, eu já estava planejando pedir o divórcio. Nosso casamento já tinha se estendido demais, eu já tinha sido permissiva demais. Eu estava decidida a pedir o divórcio ainda naquela semana depois da festa, mas não pude. Naquela noite, Maurício deu um show. Ele cismou que eu estava dando assunto para o garçom, sendo que eu estava apenas fazendo um pedido em especial para minha mãe. Maurício não estava totalmente embriagado, mas partiu pra cima do garçom como um louco, só não espancou o rapaz porque alguns convidados o conteve. Logo depois disso, eu o arrastei para fora da festa e o motorista nos levou para casa. “No carro, ele ficou me chamando de vadia, falou que eu tinha sim dado mole para o garçom, que a culpa era minha por ele ter explodido, que ele tinha passado vergonha na festa por minha causa. Eu ignorei. Deixei que ele gritasse o quanto quisesse, simplesmente porque estava cansada e não adiantaria bater boca com ele. Quando chegamos em casa, eu fui em direção ao quarto e estava trancando a porta, quando ele a abriu com força, me derrubando no chão. “Então, ele partiu para cima de mim”. — Como assim, partiu para cima de você? — Daniel perguntou e senti seu corpo se retesar sobre a cama. — Veio para cima de mim com chutes, socos e tapas. Eu tentei me defender, gritei por ajuda, mas a casa era grande e os funcionários estavam de folga, tinha apenas alguns seguranças de plantão do lado de fora. Ele me bateu tanto que, por um momento, eu acho que perdi os sentidos... Eu não me lembro muito bem... Mas, quando acordei, ele estava com a arma na mão, apontada para mim. “Eu fiquei apavorada. Ele sorria de um jeito tão... Eu não sei explicar, era um jeito frio, maquiavélico. E ficava falando: ‘você sabe que eu sou capaz de fazer isso, querida... Sabe que sou capaz de atirar... Eu sei que você me ama, mas você é uma vadia estupida... Acho que você vai morrer hoje...’”. — Filho da puta! — Daniel praguejou, puxando-me mais para o corpo dele. — Eu fiquei sem ação, eu não conseguia me mexer, eu tinha tanto medo... E... Havia sangue pelo meu corpo, escorrendo do meu supercílio, atrapalhando um pouco minha visão. Tudo doía, mas, quando ele se moveu e encostou o cano da arma no meu peito, eu chutei entre suas pernas. A arma caiu no meu colo e ele caiu para trás, arrancando o abajur da tomada e deixando o quarto na escuridão.

“Eu o ouvi gemer de dor, mas me afastei e apontei a arma para onde ele tinha caído... Eu não queria... Eu não sabia... Eu só queria assusta-lo e mantê-lo longe, mas eu apertei o gatilho... Eu não sabia que a arma estava engatilhada, mas eu apertei e... Eu atirei nele...” — Calma, se acalme, meu amor... — Daniel murmurou, segurando meu corpo trêmulo contra o dele. — Eu não sabia... E eu... Eu... Eu o matei. Eu matei o meu marido... Mas eu não quis! Eu juro que eu não quis, eu não sabia... — Eu sei disso, meu amor, eu sei. A culpa não foi sua, você quis apenas se defender! Por favor, fica calma... Olhe para mim. Ele puxou meu rosto em sua direção e eu só me dei conta de que estava revivendo toda aquela cena em minha mente, quando seu rosto entrou em meu campo de visão e me fez voltar a realidade. Rapidamente, seu rosto ficou embaçado por conta das lágrimas que começavam a molhar o meu rosto. — Eu estou aqui com você, tudo bem? Você não está lá com ele, está tudo bem, sou eu, meu amor... Apenas eu. — Eu sei... Obrigada por estar aqui, comigo. — Sempre estarei com você. Não foi sua culpa, Lena... Nunca pense que foi sua culpa. Eu assenti e deixei meu rosto colado ao seu, sua respiração era a minha a respiração, meu suspiro era o seu suspiro. De repente, senti sua mão pelo meu rosto e ele começou a cantar baixinho: Olha, menina Mostra o teu pensamento Dentro dessa cabeça, eu sei Que tem um universo Sinta, menina Tudo o que eu ofereço Uma canção bonita E o meu amor sincero Não prometo e nem peço nada a mais Eu quero ter você comigo Seu sorriso, nosso amor e nossa paz Serei seu melhor amigo

Ele sorriu de leve e eu também, sentindo o peso do mundo, o peso da culpa, da dor, do medo, sendo deixado para trás, sendo levado pela chuva torrencial que ainda caía lá fora. Venha, menina Vamos viver um sonho Eu quero o seu sorriso Brilhando o tempo todo Você é linda Como uma flor do campo Minha menina Eu te amo — Essa música é linda, mas na sua voz... Você sabe como fazer tudo se tornar bonito, não é? — Não sou eu. Nós dois tornamos tudo bonito, Lena. A música só traduz tudo que eu sinto. Eu quero o seu sorriso, nosso amor e nossa paz. Eu disse para você que nada iria mudar entre a gente. Depois de saber tudo isso, eu acho que, na verdade, só fortaleceu o elo que nos une. Nós dois temos um passado triste. Agora, cabe a nós dois lutar por um futuro maravilhoso. Juntos. — Juntos — murmurei, sorrindo. — Eu quero ter você comigo — falei, colando ainda mais os nossos corpos. — Quero ter você comigo de todas as maneiras. — Eu também — ele murmurou, tocando em meu cabelo. — Então, faça amor comigo, meu menino — murmurei, pegando um trecho da música. Seus olhos se arregalaram um pouco e eu senti o seu corpo ficar tenso, mas de uma maneira boa. Olhando em meus olhos, ele perguntou: — Tem certeza? — Nunca estive tão certa sobre algo em toda a minha vida. Para provar que eu estava falando a verdade, lancei meu corpo sobre o seu e o beijei. E comprovei que sim, eu nunca tive tanto certeza de algo em toda a minha vida.

Capítulo 14 - Helena Eu só tive o privilégio de ficar por cima por apenas alguns segundos. Logo Daniel se virou e inverteu nossa posição, seu corpo em cima mim, colado ao meu, com ele tomando o cuidado de não colocar todo o seu peso. Sua língua passeava por minha boca e suas mãos desciam pelas laterais do meu corpo, apertando, conhecendo, fazendo com que o desejo se ascendesse dentro de mim. Naquele momento, com o seu corpo sobre o meu, sua boca na minha e a promessa de uma noite intensa de paixão, eu não tive qualquer receio ou dúvida, medo ou pensamentos que me fizessem desistir. Eu queria pertencer a Daniel de corpo e alma. Pois o meu coração... Ele já tinha. Passei a mão por suas costas e ele mordeu meu lábio inferior, fazendo com que um gemido baixinho saísse da minha garganta. Com a chuva forte, eu sabia que as meninas não seriam capazes de nos escutar, mas, ainda assim, todo cuidado era pouco. Senti sua língua percorrendo a linha do meu maxilar até o meu pescoço, onde ele mordiscou e sugou a pele. Parecia que havia ligado meu corpo na tomada, uma descarga elétrica passou por meus nervos, me fazendo ondular na cama e minha calcinha umedecer. — Você não tem noção do quão louco você me deixa... — ele sussurrou em meu ouvido, sua voz rouca e em um tom que eu nunca havia escutado. — Do quão excitado eu fico ao vê-la andando por aí, do quão apaixonado eu sou por você, pelo seu sorriso, pelos seus beijos... — Daniel... Ele mordiscou minha orelha e senti seus dedos se enroscando meu vestido, puxando-o para cima lentamente. — Fiquei louco vendo você naquele biquíni... Sabe o que eu queria fazer com você, amor? — O quê? — Queria beijar cada parte do seu corpo... Queria desnuda-la e sentir sua pele na minha, sua respiração e seus gemidos misturados aos meus. Queria sentir seu gosto, seu cheiro. — Você pode fazer isso agora — falei, tocando em sua mão, ajudando-o a subir meu vestido. — Me deixe nua para você. Faça de mim o que quiser. Eu sou sua, Daniel. Um gemido rouco saiu de sua garganta quando ele ergueu o tronco e se ajoelhou entre as minhas pernas. Devagar, ele voltou a levantar meu vestido, a luz da lanterna trazendo um pouco de luminosidade para cima de nós dois. Ele observava cada pedaço de pele que ficava exposta, seu dente cravado no lábio inferior, seu peitoral subindo e descendo, sua ereção marcando o tecido do short. Passou o vestido pelo quadril, minha barriga e eu me levantei e ergui os braços, para que o vestido saísse completamente. Em seguida, ele jogou a peça no chão. Sem tirar os olhos dos seus, voltei a me deitar. Não usava sutiã, por isso, meus mamilos ficaram ainda mais arrepiados em

contato com o ar, meu corpo totalmente exposto, coberto apenas pela calcinha de renda preta. Apenas o seu olhar seria o bastante para me deixar excitada, pois ele olhava diretamente para os meus olhos. Instantes depois, seu olhar vagou pelo meu corpo. Como o quarto estava parcialmente iluminado, não vi em qual parte do meu corpo o seu olhar estava, mas pude deduzir. Primeiro, pelo meu pescoço... Descendo pelo meu colo, meus seios, minha barriga, chegando na calcinha de renda... Como se eu estivesse adivinhando, ele tocou exatamente onde eu estava imaginando. Senti seu dedo indicador desenhar a borda da calcinha, indo de um lado a outro, sem avançar, apenas me deixando mais e mais excitada com a expectativa. Em seguida, dois dedos engancharam em cada lado da peça de renda e, com cuidado, ele começou a puxa-la para baixo. Só parou quando a peça chegou ao chão, junto com o meu vestido e eu estivesse completamente nua para ele. — Linda — ele sussurrou, seus dedos desenhando um círculo em torno do meu umbigo. — Completamente linda. Bom, eu estaria mentindo se dissesse que aquilo não era algo bom de se ouvir. Pelo contrário — era tão bom, que fez a minha excitação aumentar, minha vagina latejar de desejo. Sem pensar muito, abri um pouco as pernas e disse: — Eu quero você. Pude ver o seu sorriso em meio a penumbra e então, senti sua aproximação. Novamente, seu corpo estava cobrindo o meu, sua ereção estava bem cravada no meio das pernas. — Quer? — Sim. — Como você me quer? — Quero você, completamente. Quero sua língua, seus dedos, quero isso — falei, movendo-me embaixo dele, minha vagina roçando em seu pau. — Eu também quero você — disse, tocando os lábios em meu queixo. — Mas quero bem devagar... Eu vou degustar você, Helena. Eu quero sentir o gosto de cada centímetro da sua pele, quero sentir o seu cheiro, o sabor da sua boceta e depois... Depois eu vou entrar em você e vamos fazer amor até você me implorar por um descanso. Ele não me deu um tempo para resposta. Logo sua boca estava descendo e explorando meu pescoço, sua língua correndo pela minha pele, seus lábios sugando lenta e suavemente, fazendo com que faíscas consumissem cada poro do meu corpo. Corri minhas mãos por suas costas, seu cabelo, soltando as mechas daquele coque que o deixava tão terrivelmente sexy. Ele gemeu quando eu arrastei minhas unhas pelo seu coro cabeludo, seus quadris metendo uma vez em minha vagina, sua ereção roçando em minha parte mais sensível, tendo apenas o short como barreira. Seus lábios desceram pelo meu colo e logo senti um beijo cálido em meu mamilo; primeiro o esquerdo, depois o direito, onde ele parou e respirou fundo, como se aspirasse o cheiro da minha

pele. Em seguida, senti sua língua rodeando meu seio, brincando com minha pele, até seus lábios se fecharem sobre o mamilo teso, começando a suga-lo rapidamente. Meus olhos se reviraram nas órbitas quando uma pulsação atingiu diretamente em meu clitóris. Meus quadris rolaram, senti minhas unhas rasparem em suas costas. Seus dedos começaram a acariciar meu seio esquerdo, o polegar girando sobre o mamilo, enquanto seus dentes, lábios e línguas trabalhavam no seio direito, deixando o mamilo duro e teso, enlouquecendo-me. Com uma mordiscada final, ele se afastou. O mamilo duro, molhado e quente, em contato com o ar frio, fez um novo choque passar pelo meu corpo. Gemi seu nome e recebi como resposta uma carícia de sua língua entre os meus seios, arrastando-se até lamber o outro bico e colocá-lo na boca. Sem conseguir ficar parada em meio a toda aquela excitação, levei minha mão direita entre nossos corpos. Ele se afastou um pouco, permitindo o meu acesso e eu fui em direção ao seu short, desfazendo o laço do cordão que o mantinha em sua cintura e enfiando minha mão dentro do pano. Ele não usava cueca, sendo assim, minha mão se encontrou diretamente com sua ereção. Seu pau era grosso e quando movi minha mão para cima e para baixo, constatei que era grande, totalmente proporcional ao seu corpo. Ao passar o polegar por cima da cabeça larga, espalhei o líquido que saia dali, ouvindo seu gemido rouco, seus dentes mordiscando meu mamilo com mais força. Comecei a masturba-lo, mas o pano estava me atrapalhando, por isso, empurrei-o para baixo e Daniel terminou o trabalho tirando o short aos chutes, sem tirar a boca de mim. Quando retornei com os movimentos, sua mão apertou meu quadril, descendo e indo para trás, até chegar a minha bunda, onde ele apertou com força, fazendo até mesmo com que sua sucção em meu seio ficasse mais feroz, mais febril. O que me deixou totalmente louca, querendo mais. Gemi ao sentir o mamilo livre entrando em contato com o ar gelado. Seus olhos encontraram os meus e ele passou a língua pelos lábios, enquanto minha mão trabalhava em sua ereção, empurrando para cima e para baixo, a carne quente e pulsante em minha mão, me deixando cada vez mais excitada. Pensei que ele falaria alguma coisa, mas, depois de morder o lábio e soltar um gemido rouco, Daniel voltou a abaixar a cabeça, passando os lábios pelo meu corpo. Desceu lentamente por meu abdômen, sua língua trabalhando em minha pele, seus lábios sugando a pele a da minha barriga. Ele desceu mais, fazendo com que eu perdesse o contato com sua ereção, mas logo encontrei uma outra ocupação para minhas mãos, arranhando a pele dos seus ombros, passando as unhas pelo seu couro cabeludo. Sua língua rodeou lentamente o meu umbigo, senti seus dentes mordiscarem ao redor da pele sensível, enviando fagulhas pelo meu corpo, até que, de repente, ele desceu completamente e parou em frente à minha vagina, abrindo mais as minhas pernas, deixando-me totalmente exposta para ele. Pensei que passaria a língua ou os lábios, como vinha fazendo desde então, mas logo senti seu polegar passando pelos meus grandes lábios, desenhando minha vagina, subindo por um lado,

passando pelo monte de vênus e descendo pelo outro lado, lentamente, o que fez com que minhas paredes vaginais se apertassem, antevendo o que iria acontecer. Eu nunca tinha ficado excitada daquela forma. Sexo para mim, era apenas penetração e orgasmo para o meu marido. Se eu quisesse gozar, tinha que me virar sozinha. Mas, aqui, com Daniel, eu sabia que não seria assim. Desde o nosso primeiro beijo, que acendeu todo o meu corpo, eu sabia que com ele seria diferente. Quando seu dedo indicador deslizou da minha entrada até o meu clitóris e acariciou ali, devagar, eu quase enlouqueci, meus quadris moveram-se por vontade própria. — Estou louco para sentir seu sabor — ele murmurou, beijando o interior da minha coxa. — Você está tão molhadinha... Estou louco para estar dentro de você, sentir você ao redor do meu pau. — Eu também... — gemi, tocando em seu rosto. — Por favor, acabe com essa tortura, eu quero tanto você... — O que você quer primeiro, amor? — Você por inteiro. — Mas eu disse que eu iria devagar... — disse ele, rodeando agora a minha entrada, deixando-me louca. — Eu quero os seus lábios... E os seus dedos... — minha voz saiu entrecortada, demonstrando que, se ele continuasse daquela forma, logo, logo eu perderia a simples capacidade de formar um pensamento coerente. Daniel não me respondeu mais; simplesmente continuou com a tortura, o dedo médio brincando em minha entrada, em seguida, subindo e indo em direção ao meu clitóris. Eu apertava suas costas, girava meus quadris em busca de mais fricção, louca por mais, até que sua língua pincelou o meu clitóris lentamente. Eu explodi em um orgasmo no mesmo instante. Acho que gritei, ou talvez apenas suspirei, mas tive certeza de que vi pontos brilhantes por trás das minhas pálpebras, enquanto minha vagina latejava e Daniel continuava a passar a língua em meu clitóris supersensível, fazendo meu corpo revirar na cama. Quando seus lábios se fecharam sobre o meu clitóris, sugando-o, eu percebi que, apesar do orgasmo, eu ainda estava superexcitada. Me vi segurando nos seus cabelos, movimentando meus quadris com a ajuda de suas mãos em minha bunda, esfregando-me nele. Quando um dedo me penetrou, voltei a enxergar os mesmos pontos brilhantes, entrando em mais uma onda de orgasmo, que me deixou cair na cama como uma pluma, meu corpo leve, minha mente aérea, minha vagina se contraindo em espasmos, enquanto seu dedo entrava e saia devagar, sua língua lambia minha vagina. Então, seu dedo saiu de dentro de mim e senti seus beijos subindo pelo meu monte de vênus, meu ventre, abdômen... Dois beijos cálidos em cada mamilo e sua boca pousou sobre a minha, sua língua carregando meu sabor, seu corpo sobre o meu, sua ereção dura como pedra em minha vagina, tão perto que me senti latejar novamente.

Só percebi que ele havia aberto a gaveta na mesinha de cabeceira ao lado da cama quando seu corpo se afastou do meu e o vi vestindo a camisinha. Naquele momento, pude vislumbrar totalmente o seu corpo nu, os pelos aparados na pélvis, o membro grande e grosso sendo coberto pela pele fina da camisinha. Tomando seu lugar, terminei de desenrolar o preservativo e vi um sorriso safado estampando os seus lábios. Quando já estava devidamente coberto, voltei a me deitar o puxei junto comigo pelos ombros, seu corpo se acomodando no meio, como uma peça perfeita de quebra-cabeça. — Essa é a noite mais importante da minha vida — murmurei, tocando em seu rosto. — Nunca senti por ninguém, o que eu sinto por você. Não estou entregando apenas o meu corpo, estou entregando a minha alma também, o meu coração. — É a noite mais importante da minha vida, também — disse ele, seus dedos tocando em meus cabelos. — O que sinto por você, vai além de tudo o que já senti por qualquer outra pessoa. Depois dessa noite, vizinha, eu não vou permitir que você vá embora, ouviu? Você vai ficar comigo, para sempre. Sua expressão séria me mostrou que não estava brincando, ele realmente não queria que eu fosse embora e eu entendi o porquê. Me mudei para Santa Catarina com o intuito de dar um tempo da minha vida... Só que, ao chegar aqui, foi onde eu realmente aprendi a viver. Onde eu me conheci. Onde tive a liberdade de ser uma Helena que nem eu mesma sabia que existia. E parte disso — tudo, talvez — eu devia a Daniel. Ele me ajudou, mesmo sem saber, a me conhecer de verdade. E, sinceramente, eu não queria ir embora. E não iria. — Eu vou ficar com você, Daniel. Vou ficar para sempre com você — falei, puxando seu rosto para mais perto do meu. — Não vou embora, nunca. Seu corpo pareceu relaxar em cima do meu, um sorriso bobo se abriu em seu rosto, me convidando a sorrir juntamente com ele. Devagar, ele levou a mão entre os nossos corpos e ajeitou o membro. A cabeça larga me penetrou lentamente, abrindo espaço. Ele era muito maior do que meu falecido marido, mas a delicadeza com a qual me penetrou, não trouxe dor, apenas prazer. Seus lábios tocaram os meus quando a penetração ficou mais profunda, seu pau todo dentro de mim, ocupando todos os espaços. Lentamente, ele começou a se movimentar para frente e para trás, saindo e entrando, tocando em lugares que eu nunca havia sentindo, me dando um prazer desconhecido e muito, muito bom. Tocando em seu corpo, comecei a me movimentar junto com ele, meu corpo encontrando a inclinação perfeita para acompanhar seus movimentos, que começavam a ficar mais rápidos, mais intensos. O seu gemido invadiu minha boca quando sua mão agarrou minha cintura e ele mudou o ângulo da penetração, indo mais fundo, mais rápido. O barulho do seu quadril batendo no meu se misturava aos nossos gemidos e ao barulho da chuva que batia na janela. Minha vagina se apertava em torno dele, o desejo golpeando meu corpo, enviando um raio de prazer em cada poro. Cada lugar que ele tocava, fazia com que eu me contorcesse em uma agonia deliciosa, que antecedia um orgasmo espetacular.

De repente, Daniel saiu de dentro de mim sem aviso prévio. Me deu um longo beijo na boca e saiu de cima de mim, deitando-se ao meu lado, fazendo-me virar de costas para ele. Estávamos de conchinha e, entendendo o que ele queria, levantei minha perna e logo senti seu pau de novo na minha entrada. Dessa vez ele entrou rapidamente, em um único golpe, arrancando o meu ar. A penetração era deliciosa, rápida, me enlouquecendo. Quando seu dedo começou a tocar meu clitóris, eu pensei que iria explodir. — Você é maravilhosa... — ele gemeu em meu ouvido, sua língua percorrendo a minha pele. — O encaixe perfeito... Porra! Tão linda, tão apertadinha em volta do meu pau, Lena... — Você que é incrível — consegui dizer em uma voz tão rouca, que quase não reconheci. Levei minhas mãos para trás e apertei seu traseiro, tentando empurra-lo para ainda mais dentro de mim. — Daniel... Deus, eu vou gozar... Sabendo do que eu precisava, ele aumentou ainda mais as investidas, seu dedo trabalhando com ainda mais afinco em meu clitóris. Uma onda de prazer me percorreu, subindo pele meu clitóris, envolvendo minhas paredes vaginas, me fazendo enfiar a cabeça no travesseiro para poder gritar alto e em bom som. Senti meu corpo estremecer com o orgasmo me açoitando, enquanto Daniel metia sem parar, seu pau indo até o fundo e voltando em golpes rápidos, que quase me fez perder os sentidos. — Helena... Sua voz foi um rugido feroz em meu ouvido, enquanto ele me virava de bruços e subia em cima de mim, por trás. Sem parar de me penetrar, Daniel ajeitou meus quadris e continuou a meter rapidamente, levando-me a um outro orgasmo que fez com que eu arranhasse e puxasse os lençóis da cama. O barulho de seus quadris batendo em minha bunda era forte, trazia um choque ao meu corpo que aumentou ainda mais o meu prazer. Quando ele enfiou os dedos em meu cabelo e puxou levemente os fios, fazendo minha cabeça se inclinar, eu pensei que iria enlouquecer. — Eu vou viver dentro de você — ele sussurrou em meu ouvido. — Não vou te deixar em paz agora, meu amor... — Não deixe... Eu quero ser sua a toda hora... Todos os momentos. — Você será, vizinha linda... — sua voz saiu rouca e senti sua penetração ficar ainda mais rápida. — Ah, porra... Eu vou gozar, Lena... Querendo enlouquece-lo, comecei a rebolar como dava com o seu corpo em cima do meu. Sua respiração ficou ainda mais curta, seus movimentos ficaram mais rápidos e senti seu corpo se contrair, meu nome escapar por sua garganta enquanto ele gozava. Não parou de meter por um segundo, enfiando até o fundo, até seu corpo começar a relaxar. Ainda assim, quando voltou a se deitar e me levou junto, ele continuou dentro de mim, seu pau bem enterrado e ainda duro, pulsando levemente em meio as minhas paredes vaginais supersensíveis. — Você está bem? Eu fui muito bruto?

Me virei um pouco para ele, apenas o suficiente para ver o seu rosto. Seu semblante relaxado de prazer era interrompido apenas pelas sobrancelhas franzidas de preocupação. — O meu sorriso não responde o quão bem, feliz e realizada eu estou? — perguntei, com um sorriso que ia de orelha a orelha. Ele sorriu e relaxou, inclinando-se para me beijar. — Sim, esse sorriso do tamanho de um out-door responde perfeitamente — murmurou ele, acariciando minha barriga, subindo para os meus seios. — Eu quero mais. — Mais? — Sim. Eu disse que só iria parar quando você me implorasse — ao arquear uma sobrancelha, perguntou: — Já quer implorar? — Só se for para você continuar. — Porra... Você sabe como manter um homem feliz. — Não qualquer homem, só você, vizinho. — Sim, tenho que concordar... — ele saiu de dentro de mim e me ajeitou na cama, deitando-se sobre o meu corpo. — Apenas eu e mais ninguém. Seu primeiro beijou trouxe de volta a minha excitação. Em algum momento da madrugada ele me penetrou novamente, a chuva cessou, amanheceu e eu dormi feliz e satisfeita em seus braços, sentindo os resquícios de uma maravilhosa noite de amor.

Capítulo 15 - Helena

Acordar com beijos e abraços não era algo com o qual eu estivesse acostumada. Ainda assim, quando senti os lábios de Daniel sobre a minha pele naquele início de manhã cinzenta, eu tirei alguns segundos antes de abrir os olhos para agradecer a Deus por ter me dado a oportunidade de, finalmente, estar nos braços de um homem por quem eu estava apaixonada e que estivesse apaixonado por mim também. Eu tinha plena consciência de que nem todos tinham esse privilégio — realmente, a maioria não tinha — e prometi a Deus que iria lutar para que este relacionamento progredisse. Não iria desperdiçar a chance de viver uma grande história de amor ao lado de um grande homem. — Bom dia, vizinha — ele sussurrou em meu ouvido, seu corpo nu colado em minhas costas. Eu podia sentir o início de uma ereção promissora encostada em minha bunda. — Você não acha que está muito cedo para estar acordado, vizinho? — Cedo? Já passou das oito da manhã. — De um domingo chuvoso. Isso é muito cedo para mim. — Não seja preguiçosa. Se você quer aproveitar um pouco mais do meu corpo, vai ter que despertar. Logo as meninas acordarão... — disse ele, passando o nariz pelo meu ombro, sua mão subindo pela minha barriga. — Eu acho que é você que quer se aproveitar do meu corpo — falei, empinando minha bunda na sua ereção já dura como pedra. — Eu nunca disse o contrário, vizinha... Sem poder conter mais a minha própria excitação, me deitei de costas na cama e inclinei minha cabeça até que meus lábios estivessem pressionados aos seus. Daniel me beijou lentamente, um braço o apoiando de lado na cama, e outro livre para que eu trabalhasse com a mão pelo meu corpo. Seus dedos desceram pelo meu rosto, passaram por meu pescoço e desceram para os meus seios. Trabalharam com afinco até me deixar ofegante e com os mamilos tesos de excitação, meu corpo se remexendo na cama, as cobertas já afastadas e quase jogadas ao chão. Sem pressa, ele deixou meus seios e seus dedos ficaram desenhando um caminho de ida e volta pela minha barriga, sempre chegando ao monte de vênus e subindo até o meio dos seios... Subindo e descendo... Indo e voltando... Deixando meu corpo arrepiado, minha vagina palpitando em antecipação. Excitada, tomei sua mão na minha e a levei para o meio das minhas pernas. Seus dedos tocaram de leve o meu clitóris e uma onda de tesão deixou o meu corpo alerta, necessitado. — Aqui, eu quero os seus dedos aqui — pedi com os seus lábios ainda entre os meus.

— Quer? — Sim... Por favor. Ele voltou a me beijar com mais força dessa vez, ao mesmo tempo em que seu polegar começou a acariciar meu clitóris e dois de seus dedos penetraram minha entrada. Louca de prazer, comecei a mexer meus quadris, levando minha mão ao seu pau que estava pressionado em meus quadris. Com um gemido, seus dedos foram mais fundo dentro de mim, começando a sair e entrar em um ritmo nem muito lento, mas também não rápido demais, me deixando suspensa e louca de desejo, o orgasmo perto e longe ao mesmo tempo. Meu clitóris pulsou levemente e minhas paredes vaginais se apertaram em torno do seu dedo. Em um impulso, me joguei em cima dele e seu corpo caiu sobre a cama. Vi seu olhar surpreso para mim, seu braço agora entre os nossos corpos, sua boca vermelha de tanto me beijar. Excitada, me inclinei para a mesinha de cabeceira e abri a gaveta. Tateando, encontrei um preservativo e dei um último beijo em seus lábios, antes de me sentar um pouco abaixo dos seus quadris e tocar em seu pau ereto que chegava ao seu umbigo. — Você tomou conta da situação ontem... — falei, fechando minha mão sobre a ereção grossa. — Agora eu vou tomar conta de você. Com um sorriso malicioso, Daniel colocou os braços atrás da cabeça e me olhou com aquelas órbitas azuis brilhando de desejo. — Sou todo seu, amor... Faça de mim o que quiser — disse em um tom rouco, repetindo o que eu havia falado na noite anterior. Deixei a camisinha ao seu lado na cama e me inclinei sobre o seu corpo. Por ser bem mais alto do que eu, para chegar ao seu rosto, tive que subir e parar em cima da sua ereção — o que foi uma ótima jogada, pois comecei a roçar minha boceta molhada em seu membro, meu clitóris em contato com aquela carne quente. Tive que usar todo o meu autocontrole para não jogar tudo para o alto e penetrar seu pau em minha vagina. Passei a língua de leve pelos seus lábios, sentindo maciez, a textura. Ele gemeu baixinho e tirou os braços de trás da cabeça, levando a mão o meu corpo, meus ombros, minhas costas até a cintura, deixando-me arrepiada. Segui por seu queixo, roçando meus lábios na sua barba por fazer, descendo por seu pescoço onde lambi e senti seu gosto, seu cheiro, suguei sua pele, mordisquei, sentindo seu corpo se remexer embaixo de mim, seu quadril insinuando a penetração, roçando ainda mais seu pau em meu clitóris. Desci ainda mais e cheguei em seu peitoral largo. Espalhei beijos e mordidas por ali, vendo sua pele dourada ficar vermelha onde eu atacava. Sua respiração ficou mais ofegante e um gemido de prazer escapou dos seus lábios quando eu lambi seu mamilo e mordisquei. Seu quadril deu um impulso tão alto que, se suas mãos não estivessem em minha cintura, me segurando, eu teria sido jogada para frente, com certeza. O modo como ele ficava excitado com o meu toque, com o que eu fazia, despertou em mim um instinto diferente. Me senti mais... Mulher. Me senti orgulhosa de mim mesma, excitada, louca para deixa-lo ainda mais insano para mim.

Repeti o mesmo gesto no outro mamilo e desci por sua barriga firme, sua pele quente resvalando pelos meus lábios e pelas minhas palmas. Quando cheguei ao umbigo, seu pau ereto e brilhoso por conta da excitação que minha vagina fabricava, me saudou. Senti minha boca se encher d’água, a vontade de prova-lo, de tê-lo em minha boca, chegando a um nível onde eu tinha apenas que seguir os meus instintos. Sem toca-lo com as mãos, corria a língua pela sua ereção quente, sentindo meu gosto ali. Quando cheguei na ponta do seu pau, fechei minha boca em torno da cabeça larga e vermelha, que brilhava com o líquido incolor. Daniel soltou um gemido alto e se inclinou para frente, sua mão enorme tocando em minha cabeça, seus dedos enroscando em meus cabelos. Ele era grande e muito grosso, seu gosto era incrível. Segurei a base pela mão e comecei a chupar o tanto que eu conseguia, inclinando minha cabeça em um ângulo onde seu pau poderia ir mais fundo, chegando perto da minha garganta. — Isso, Lena... Assim... — ele me incentivava, uma mão segurando meus cabelos em um rabo de cavalo, a outra passeando pelo meu corpo, segurando um mamilo entre o dedo médio e o indicador, me deixando ainda mais excitada. Seu pau pulsava em minha boca, suas bolas estavam quentes em minha mão. Seus quadris começaram a impulsionar, penetrando minha boca, mais líquidos saindo pela cabeça larga e atingindo minhas papilas gustativas. O suguei com mais força e precisão. Eu queria que ele se perdesse em mim, queria deixa-lo enlouquecido. E vi que consegui quando ele me puxou de uma só vez para cima do seu corpo com um braço enroscado em minha cintura e o outro livre, a mão tateando pela cama até achar o preservativo. Ao encontra-lo, ele se deitou e me manteve cativa sentada em seu quadril com uma mão em minha cintura. Abriu o preservativo com o dente e o entregou a mim dizendo: — Preciso estar dentro de você, agora! Entendendo o recado, vesti o seu pau duro como pedra e o tomei em minha mão. Com sua ajuda, o posicionei em minha entrada e quando a cabeça larga me penetrou, nós dois gememos de prazer. Me sentei lentamente, sentindo minhas paredes vaginais se abrirem para acomoda-lo, ao mesmo tempo que meu clitóris pulsava, louco para receber o prazer iminente. Comecei a rebolar sobre a sua ereção, esfregando meu clitóris inchado em sua pélvis, os pelos curtos dali provocando uma fricção deliciosa. Daniel olhava para mim com o lábio inferior sendo cravado pelos seus dentes, suas mãos pressionavam minha cintura com um aperto de ferro, até que rebolar não fora o bastante e eu comecei a subir e descer, seu pau indo até o fundo e voltando. Ajudando-me, Daniel começou a sincronizar o quadril com o meu, encontrando-me nos movimentos. — Isso, amor, cavalga bem gostoso para mim — ele gemeu, olhando diretamente para o ponto onde os nossos sexos se encontravam. — Porra, eu amo a sua bocetinha em torno do meu pau. Sua voz rouca me enlouquecia tanto quanto o seu pau dentro de mim. O prazer era tanto que já começava a anuviar meu cérebro, me impedindo de formar qualquer pensamento coerente. Parecia que ele tinha se desconectado com o resto do corpo e se concentrava apenas em minha

vagina, que pulsava e fazia meu corpo se contorcer de tesão. Soube que estava prestes a gozar quando meu clitóris começou a pulsar sem controle e uma onda de prazer fez com que um arrepio passasse pela minha espinha. Apoiando-me no peitoral largo de Daniel, inclinei meu corpo e comecei a subir e descer rapidamente. Gemidos escapavam da minha boca, grunhidos escapavam da garganta dele, até que eu senti o mundo ao meu redor explodir em pedaços com violência. O orgasmo me deixou cega por alguns instantes. Meu corpo ficou tenso, a vagina latejava, meu clitóris parecia ter vida própria. Senti o corpo de Daniel ficar tenso sob o meu, seu pau indo tão fundo que meu corpo foi impulsionado para frente. Cai deitada sobre o seu peito, Daniel arqueou as pernas e mudou o ângulo para me penetrar, mantendo meu quadril elevado e pegando impulso com os pés plantados na cama. Outra onda de prazer me dominou e senti o outro orgasmo me arrastar, enquanto Daniel gemia meu nome e começava a gozar, sua voz rouca, seu corpo tenso, sua pele quente, seu pau pulsando dentro de mim. Meu corpo estava supersensível quando Daniel terminou de se movimentar, suas mãos pararam de apertar minha cintura e quando seus dedos tocaram em minhas costas, eu estremeci. Resquícios do orgasmo ainda faziam minha vagina pulsar e senti que com ele acontecia o mesmo, seu pau estava pulsando levemente dentro de mim. Quando me senti um pouco mais hábil, levantei um pouco minha cabeça e olhei para ele. Daniel estava com um semblante relaxado e feliz e um sorriso bobo nos lábios. Inclinando-me um pouco sobre o seu corpo, toquei meus lábios nos dele e murmurei: — Bom dia, vizinho. Ele riu e enroscou o corpo no meu, girando-nos até parar em cima de mim. Me beijou até que eu perdesse o fôlego, até que eu não soubesse mais qual era a sua boca e qual era a minha. Definitivamente, não tinha forma melhor de se acordar. — Quero acordar sempre desse jeito. Não aceito que seja de outra forma — ele murmurou entre os meus lábios. Tive que me afastar um pouco para sorrir. Percebi que, ultimamente, eu só tinha motivos para sorrir. E Daniel sempre estava no meio desses motivos. — Eu sei que sou irresistível e que sou o melhor café da manhã do mundo. Fazer o quê? Ele me olhou com um sorriso divertido, os olhos brilhando. — Eu acho que você está muito convencida. — É a convivência com você. Você acaba influenciando as pessoas, não sabia disso? — Eu sei que sim. O que posso fazer, se até o meu jeito é capaz de encantar alguém? Você não seria imune a isso, vizinha. — Está vendo? Não há um ser no mundo que seja mais convencido que você. — Eu tenho uma mulher linda deitada embaixo de mim, totalmente nua, com uma expressão

satisfeita depois de termos feito amor... Como posso não me sentir convencido? É impossível. Ainda bem que ele me beijou logo em seguida, porque eu não tinha palavras a altura para responder aquilo. Normalmente, eu sempre tinha respostas na ponta da língua, mas com Daniel, isso se perdia. Principalmente quando ele falava coisas daquele tipo. Me fazia sentir tão bem, pois nunca, em toda a minha vida, eu tive alguém que realmente olhasse para mim e me enxergasse. Sempre enxergavam a filha educada, a esposa perfeita, a mulher que pouco falava... Mas nunca enxergaram a verdadeira Helena. Nem eu me enxergava de verdade. Mas com ele... Com ele via tudo. Com Daniel, eu era capaz de enxergar a mim mesma e ao mundo. — Vamos tomar um banho juntos? As meninas só vão acordar mais tarde, temos tempo. Assenti e ele saiu de cima de mim, ajudando-me a levantar da cama. Corremos para o banheiro do outro lado do corredor e trancamos a porta, rindo como dois adolescentes que estavam fazendo algo proibido. Enquanto ele se livrava da camisinha, eu escovei meus dentes com uma escova nova que havia achado dentro da gaveta próxima a pia. Logo ele se juntou a mim. Alguns minutos depois, fomos para o box e a água quente saudou meu corpo, fazendo-me perceber que havia algumas partes doloridas... Bem, eu não iria reclamar, jamais. A dorzinha nos músculos só me lembrava de como a noite havia sido especial. Daniel me abraçou debaixo do jato do chuveiro e beijou meus lábios devagar, uma carícia que tocou profundamente dentro de mim. Nossa conversa na noite passada poderia ter sido o nosso fim. Ele poderia não ter entendido, poderia me culpar, assim como minha mente sempre fazia... Mas ele não o fez. Ele me abraçou e disse que a culpa não tinha sido minha. Me deu carinho. Fez amor comigo e estava aqui, agora, me abraçando e cuidando de mim. — Obrigada — murmurei quando seus lábios desceram pela minha bochecha. — Por quê? — Por não ter me mandado embora quando contei tudo, ontem à noite. Minhas palavras fizeram com que ele se afastasse um pouco. Sem dizer nada, Daniel nos virou, agora o jato d’água batendo apenas em suas costas, deixando nossos rostos livres. — Jamais te mandaria embora. A culpa não foi sua, Helena. Você se defendeu. — Minha mente nem sempre acredita nisso... É um pouco difícil enxergar por esse ângulo, mesmo eu tendo a convicção de que foi sem querer. Que eu não tinha o real intuito de... Apertar o gatilho. — Sua mente precisa acreditar. Você não pode conviver com uma culpa que não é sua — disse ele, tocando em meu rosto. — Sinceramente? Eu agradeço a Deus por ter sido você a apertar o gatilho e não ele. Se fosse o contrário, aquele sádico estaria vivo e você não estaria aqui, agora. Eu jamais teria conhecido a felicidade que é estar com você. Helena, você não imagina o bem que faz a mim e a minhas irmãs. Não imagina o quanto é importante para nós. Meus olhos se encheram de lágrimas, um nó começou a se formar em minha garganta. A emoção que tomou conta do meu peito era um sentimento totalmente novo. Um sentimento enorme de, finalmente, ser amada e amar de volta. De ser importante, de fato, para alguém. De ter um

sentido na vida, justamente quando pensei que nunca mais conseguiria me encontrar. — E você não imagina o quanto vocês me fazem feliz. O mundo poderia girar cem vezes e ainda assim, eu nunca iria imaginar que vir para cá, me faria encontrar a verdadeira felicidade. O verdadeiro sentido da minha vida. — Foi a melhor decisão que você já tomou. Quando te vi na mercearia do seu Jô, a quase um mês atrás, não imaginei o quanto se tornaria importante. Não imaginei que seriamos amigos ou que eu iria me apaixonar por você. E agora, estou aqui, me sentindo um cara totalmente diferente, porque você está em minha vida. — E eu não vou sair da sua vida, vizinho. — E quem disse que eu a deixaria sair? Vou te prender ao meu lado, para sempre. — Vou cobrar essa promessa... — murmurei, ficando na ponta dos pés para beija-lo. Tomamos banho em meio a uma troca intensa de carícias, beijos e abraços. Adorei tocar em seu corpo, senti a textura da sua pele, de seus músculos, de seu cabelo... Adorei sentir suas mãos em mim, em uma carícia que era mais do que algo sexual. Daniel me tocava como se eu fosse uma obra prima. Sempre estava com os lábios em alguma parte da minha pele, seus dedos em algum lugar do meu corpo. Quase chorei quando tivemos que sair do chuveiro e voltar a vida real. Nos secamos e nos vestimos. Enquanto eu penteava os cabelos, ele saiu para comprar pão para o café da manhã. Quando terminei, dei uma olhada nas meninas, que ainda dormiam pacificamente e segui para a cozinha, para preparar a mesa do café. Ali eu me dei conta de como minha vida já estava misturada a de Daniel, mesmo antes de nos beijarmos pela primeira vez. Eu já sabia de cor onde ficavam as coisas na casa dele, já me sentia livre para explorar, cozinhar, arrumar, para tomar conta das meninas. Era como se fôssemos uma família de verdade. Pela primeira vez na minha vida, eu me senti parte algo e não apenas mais alguém a mesa, como era na casa dos meus pais ou como era na minha antiga casa, com meu falecido marido. Na casa de Daniel, eu podia tomar a iniciativa, como agora, fazendo uma jarra de suco e sentindo o cheiro do café quente. A Helena de outrora, não. Ela apenas se sentava a mesa, trocava algumas palavras polidas, comia. Em seguida, saia para a loja, onde, apesar de ser feliz e se sentir em casa, também não a deixava totalmente confortável. — Mais um ponto para a Helena de verdade — murmurei para mim mesma, sorrindo. Daniel chegou alguns minutos depois. Peguei o pacote de pães de sua mão e o beijei, em seguida, ele saiu para acordar as meninas para tomar café. Terminei de arrumar a mesa, ouvi alguns passos em direção ao banheiro. Em seguida, Gabi e Letícia apareceram, ainda de pijama, mais já de rosto lavado e dentes escovados. — Bom dia — falei, beijando a testa de Gabi e passando a mão rapidamente nos cabelos de Letícia.

— Bom dia — as duas respondera em uníssono, com voz de sono. Nos sentamos e logo estávamos tomando café, com uma Gabi já desperta e falando pelos cotovelos, um Daniel sorridente, uma Letícia sempre calada e eu. Uma Helena de verdade.

Capítulo 16 - Helena Os dias passaram de forma tranquila. Daniel e eu continuamos com a rotina de sempre: pedalando pelas manhãs, tomando café juntos, nos despedindo com beijos e abraços. Eu continuei tomando conta das meninas, esperando-as chegar da escola, quando ele tinha que ficar até mais tarde na casa do seu Jô. A única alteração era que, após a nossa primeira noite juntos, ele quase não me deixava dormir em casa. Quer dizer... Ele pedia para que eu ficasse e eu, sem a mínima vontade de ir embora, ou de me afastar, acabava cedendo e ficando. O que resultou em noites maravilhosas nos braços do homem por quem eu era completamente apaixonada. Daniel era o homem e o amante perfeito. Carinhoso, gentil, amoroso... E na cama, ele poderia ter duas versões. Em algumas noites, era devagar, romântico, me enlouquecia com uma tortura dolorosamente lenta. Em outras, era mais... Selvagem. Me colocava em posições enlouquecedoras, me pegava de uma forma mais bruta, me deixa completamente louca. E eu? Caramba, eu adorava! Impossível ficar imune ao prazer que Daniel me dava. Na cama e fora dela. O toque do meu celular me tirou da tarefa de cortar legumes. O nome da minha irmã brilhava na tela e eu sorri ao atender, já esperando pelo escândalo que ela normalmente fazia. — Bel! — Nossa, até que enfim consegui falar com você. Esqueceu que tem uma irmã aqui no Rio de Janeiro? — Jamais. Eu ia te ligar essa semana... — Isso foi o que você disse na semana passada por mensagem. Mensagem! Eu nem consigo distinguir mais o som da sua voz. — Pare de ser dramática. — Isso só prova que você não sente a mínima falta de mim. — Claro que eu sinto a sua falta, sua boba. Você sabe que eu te amo, Bel — falei, rindo. — Como estão as coisas por aí? Mamãe está bem? E minha cunhada favorita? — Cunhada favorita, só porque você tem a mim como irmã, sua falsa — ela riu e eu senti meu coração bater mais forte. Sim, eu realmente estava sentindo muito a sua falta. — Mamãe está bem, com saudades, mas bem. Nina também está bem e disse que sente a sua falta, ou seja, todos estamos morrendo de saudades! E você, como está? — Estou bem e também sentindo muito a falta de vocês.

— Isso quer dizer que você vem para cá no mês que vem, não é? O natal está chegando e você disse que iria passar conosco! — Eu... Eu ainda não sei, Bel. — Como não sabe? Lena, eu sei que você queria ficar longe, que queria esquecer de tudo, mas... — Eu estou namorando. O silêncio do outro lado da linha foi um tanto constrangedor. Olhei para as batatas em cima da mesa do jantar de Daniel, consegui ouvir Gabi cantando a música de algum desenho na sala, acho que poderia até mesmo ouvir o barulho do celular de Letícia, que estava no quarto. — Fale alguma coisa — pedi. — Hum... A mamãe, ela tinha dito que você estava amiga de alguém... — Sim, eu disse isso para ela, em uma de nossas conversas. — Mas, namorando? Caramba, quer dizer... Isso é bom, não é? Me conte... Como ele é? — Antes de eu falar qualquer detalhe, quero que saiba que entendo a sua hesitação. Eu disse que queria vim para cá para ficar sozinha e, de repente, em menos de dois meses morando aqui, eu já estou namorando alguém... Depois de tudo o que passei, entendo você ficar com um pé atrás. — Lena, sinceramente? Estou mais surpresa, do que qualquer outra coisa. Óbvio que me preocupo muito com você, que depois do seu casamento com aquele filho da puta, eu fico mesmo receosa de você se envolver com alguém parecido com ele, mas... Na verdade, estou realmente surpresa. Não esperava que você fosse se abrir para alguém, em tão pouco tempo. — Nem eu — confessei, sorrindo de leve. — Mas o Daniel, ele é... Ele é incrível. — Incrível, é? — pude ouvir sua risada baixinha. — Falando com essa voz de bobona apaixonada, eu vou achar que isso é apenas um puxa-saquismo. — Não é, de verdade. Ele é realmente incrível. Antes de ser meu namorado, ele virou meu amigo. Foi uma grata surpresa conhece-lo, tê-lo como meu vizinho... Na verdade, tê-lo como meu vizinho só apressou as coisas. — Eu imagino. Me conte mais. — Ele é lindo. Sério, realmente lindo. Forte, alto... Quando digo alto, é alto mesmo. Ele tem quase dois metros de altura. — O quê? Você precisa de uma escada para beija-lo? — Quase isso — ri junto com ela, querendo que o telefone a transportasse para a cozinha, para estarmos juntas de verdade. — Ele é loiro de olhos azuis e tem o sorriso mais lindo que eu já vi na vida. — Ah, meu Deus, realmente, você está de quatro pelo cara! Qual o nome dele? — Daniel. Ele mora com as duas irmãs, a Gabi de 6 anos e a Letícia, de 13. Eu sou louca pelas duas. Sinto um carinho enorme por elas. — Jura? Logo você, que sempre amou crianças? Nem estou surpresa por você gostar delas.

Rimos juntas e logo voltei a contar sobre o meu relacionamento, ouvindo suas piadas bemhumoradas e migramos o assunto para nossa mãe, seu relacionamento com Nina e a nossa loja. No final, ela intimou: — Então, saiba de uma coisa, Lena: se você não vier passar o natal conosco, nós iremos passar o natal com você. Pode indo para sua casa, se é que você ainda tem uma, porque, pelo o que me contou, está quase morando com o gigante de olhos azuis, e prepare uma ceia para gente. Não esqueça que eu amo peru, certo? É o único peru que eu gosto, aliás, então, não me desaponte. — Sim, pode deixar. Acho melhor arrumar as malas. Será bom vocês virem, conhecerão Daniel e as meninas. Tenho certeza que irão gostar dele. — Quero tirar a prova e ver se ele é tudo isso mesmo, ou se é apenas o seu coração apaixonado que está fazendo você exagerar nos elogios. — Boba! Amo você, Bel. — Também te amo, Lena. Estou muito feliz por você, sua voz está tão animada... Mesmo se o gigante não for tudo isso, vou agradecê-lo só por estar te fazendo feliz. — Sim, ele me faz muito feliz. — Está nítido no tom da sua voz. Preciso ir, irmã. Beijos! — Beijos! Desligamos e eu não consegui tirar o sorriso do meu rosto. Bel era a mulher mais louca que eu já conheci na vida, mas a mais carinhosa e protetora também. De verdade, minha melhor e mais fiel amiga. — Quem era no celular? — a voz de Letícia me tirou do meu devaneio. Ela entrou na cozinha e abriu a geladeira, começando a colocar água no copo. — Minha irmã — falei, voltando a cortar os legumes. — Tudo indica que ela virá passar o natal aqui, conosco. — Conosco? — Sim. Estou morrendo de saudades dela. — E você costuma mentir sempre para ela? Ergui meu olhar e encontrei os seus. Duas órbitas azuis que me encaravam com uma certa raiva. — Como? — Costuma mentir com frequência? — Não estou entendendo... De onde tirou que eu menti? — Bom, se falar para sua irmã que você é louca por mim e que tem um carinho enorme, não for mentir... Eu não sei o que é. Ela colocou o copo vazio em cima da pia e ia sair da cozinha, sem ao menos me dar chance de defesa. Apesar de estar um pouco chocada, me levantei e consegui alcança-la, me colocando entre ela e a entrada da cozinha. — Eu não menti. Eu realmente tenho muito carinho por você, Letícia. Por que não teria?

— Porque é impossível gostar de alguém que nem é gentil com você! Fala sério, acha mesmo que eu acredito nesse papinho de que gosta de mim? — perguntou, cruzando os braços. — Você não precisa mais fazer essa cena toda, Helena. Já conseguiu o que queria, porque continua a mentir? — Como assim, já consegui o que queria? — Sim, você queria o Daniel e já conseguiu. Namora com ele, transa com ele, então, por que se esforça tanto em continuar puxando o meu saco e o saco da minha irmã? Não precisa mais disso! — Letícia, como pode pensar isso de mim? — Pensar o quê? Que você é uma falsa, manipuladora, que está aqui apenas para curtir um pouco com o meu irmão e que depois vai virar as costas para todos nós? Eu conheço mulher do seu tipo, sei que só está aqui, agora, fazendo jantarzinho e olhando minha irmã e eu, porque quer continuar curtindo com o meu irmão, que, sim, é bonito e um completo idiota por não perceber que tipo de mulher você é. — E que tipo de mulher eu sou? — Do tipo que não vale nada! Que não presta! O choque me atingiu em cheio quando seus gritos cessaram e restou apenas o silêncio. Eu sabia que Letícia era uma adolescente difícil, que não seria fácil conquista-la, mas pensei que eu já estava no final da estrada para ter uma relação amigável com ela. Nunca passou pela minha cabeça, que ela poderia pensar tudo aquilo de mim. — Eu nunca pensei que era isso que você achava de mim — murmurei, vendo-a descruzar os braços. — Nunca pensei que achava que eu era uma mulher tão baixa e suja. — Agora que você sabe, você já pode ir embora — falou ela em um tom baixo, sem a raiva de antes. — Mas é você que não gosta de mim. Seu irmão e sua irmã gostam, então, eu não vou embora. — Mesmo depois de tudo o que eu falei? — ela arregalou um pouco os olhos, surpresa. — Sim, mesmo depois de tudo o que você falou. Saí do caminho dela, voltando para a mesa para cortar os legumes. A mágoa machucava o meu peito e logo senti as lágrimas inundarem os meus olhos. Desde que conheci a Letícia, eu tentei ser amiga dela, tentei fazer com que o relacionamento dela com Daniel melhorasse, intercedi por ela, entendi suas ações. Bem, ao menos tentei, pois interpretei errado todas elas. Ela não era rebelde comigo. Ela não gostava de mim. Pensava mal de mim, mesmo eu não tendo feito algo para merecer isso. — Helena... Está chorando? Ela ainda estava na cozinha e eu quase me perguntei se deveria me sentir lisonjeada por ela não ter saído e batido a porta do quarto, mas me segurei e apenas disse: — Não. — Está sim.

— Letícia, eu preciso terminar o jantar, não posso ficar discutindo agora. Me levantei e coloquei os legumes na água fervendo. Aproveitei e fiquei de costas para ela, mexendo no frango em cima da pia, preparando-o para colocar no forno. Logo ouvi seus passos saindo da cozinha e ouvi a porta do seu quarto se fechar. Não foi um estrondo, apenas um clique, o que me levou a crer que ela não tinha batido. Mas, também, por que bateria? Agora ela já tinha falado tudo o que estava entalado. A raiva já tinha ido embora. Depois da nossa quase conversa, me senti aérea, muito magoada. Estava terminando o jantar quando Daniel chegou. O beijei e abracei, conversamos um pouco, mas assim que ele saiu da cozinha, eu já tinha me esquecido sobre o que havíamos conversado. Ajudei Gabi a colocar o pijama depois do banho, arrumei a mesa e Daniel entrou sorridente na cozinha, segurando Gabi no colo. Letícia estava logo atrás dele, mas não fixei meu olhar no dela ou sorri, como sempre fazia quando nos juntávamos para as refeições. Eu sorria porque, normalmente, ela sempre ficava quieta e distante e eu queria que ela se sentisse bem ali, mesmo tão calada. Mas, dessa vez, a mágoa me impediu de sorrir. Nos sentamos e depois de servir Gabi, comecei a me servir. Gabi falava como sempre e Daniel respondia, mas não me sentia bem para participar da conversa. Apenas revirei a comida no prato, a voz de Letícia ainda se repetindo em minha cabeça como um disco arranhado. — Helena? Helena? Ei... Estamos falando com você — Daniel disse, tocando em minha mão. — Aconteceu alguma coisa? Você está estranha desde a hora em que eu cheguei. — Não foi nada — falei, forçando um sorriso. — Apenas estou um pouco cansada e com dor de cabeça. — Será que está ficando gripada? Eu fico assim quando estou ficando gripada. O Dan sempre me dá um xarope e eu melhoro rapidinho, né, Dan? Dá o xarope pra tia Lena também. — Tem certeza que é só isso? — ele perguntou para mim, em um tom mais baixo. — Sim, eu tenho... — Ela está mentindo — Letícia disse, o que me fez erguer o olhar para ela. — Mentindo? — Sim. — Não estou. — Está sim — falou de novo, com convicção, o que me levou a crer que ela ia continuar a discussão de mais cedo, só que agora, na mesa de jantar, com Daniel do meu lado. — Está assim porque... Porque eu falei algumas coisas que a magoaram. — O que você disse? — Daniel perguntou, erguendo-se da cadeira. — Não foi nada, Daniel... — me ergui também, tocando em seu peito. — Não foi nada. — Não, você não vai tomar partido dela, Helena! — disse ele, voltando a olhar para Letícia. — O que você disse, Letícia? Deve ter sido algo bem grave para ter magoado Helena dessa forma.

— Daniel, deixa isso para lá, por favor... — Eu falei que ela era uma mentirosa, que fingia gostar da Gabi e de mim, só para ficar com você. — O quê? De onde tirou isso, garota? Pelo amor de Deus, você está maluca? Só pode estar! — E eu disse também que ela não prestava, que não valia nada — sua voz sumiu no final e seus olhos cheios de lágrimas desviaram-se dos meus. Eu vi o arrependimento ali e não entendi. Não conseguia compreender o que era aquilo. Aquele arrependimento e mágoa não combinavam com a raiva que vi quando me proferiu aquelas mesmas palavras, mais cedo. Daniel ficou em silêncio e quando olhei para ele, percebi que estava quase do mesmo estado em que eu ficara mais cedo: em choque. Era realmente muito difícil acreditar que todas aquelas coisas haviam saído da boca de Letícia, mesmo ela sendo uma menina tão fechada e rebelde. — Eu não acredito — ele murmurou, se afastando um pouco. — Não, quer dizer... Eu não posso acreditar nisso! — Daniel, fica calmo... — Calmo? Calmo? Como você quer que eu fique calmo quando a minha irmã tem a coragem de falar coisas tão horríveis para a mulher que eu amo? Como? — ele gritava, seu rosto estava vermelho. — Eu sei, mas, por favor... — Você deve ter algum problema muito sério, Letícia, muito sério! — ele gritou para ela e a vi se encolher. Gabi também estava encolhida na cadeira. — Porque só alguém com sérios problemas acharia isso de uma mulher tão maravilhosa quanto Helena! Uma mulher que gosta da gente, que cuida de você e da Gabi com todo o carinho, quando não tem a menor obrigação de fazer isso. Faz porque gosta de vocês! Entendeu isso? Ela gosta de vocês! — ele bateu na mesa, nervoso. Gabi começou a chorar e eu a peguei no colo, passando a mão em suas costas. Ela se agarrou em meu pescoço, escondendo o rosto ali. — Daniel, por favor... — eu tentei argumentar, mas ele bateu na mesa novamente, olhando para Letícia. — Nunca mais repita isso, entendeu? Nunca mais! Eu juro que estou perdendo a cabeça com você, eu não sei mais o que fazer... — Por que não me abandona também? — Letícia gritou de volta, saindo da cadeia. Seu rosto estava lavado por lágrimas. — Por que não me abandona, como a mamãe e a o papai fizeram? Você ao menos gosta de mim! Nunca gostou de mim! — De onde tirou isso? Nossos pais não abandonaram você, eles morreram, Letícia! Morreram! — Sim, eles morreram e me deixaram aqui! Eles me deixaram! Eu não quero ser deixada de novo, eu não quero ser abandonada de novo! Por isso eu não quero amar ninguém, nem você, nem a Gabriela e nem a Helena, porque vai chegar uma hora e vocês também vão me abandonar e eu não quero sofrer mais! Eu não aguento sofrer mais!

Letícia soluçava quando virou as costas e saiu da cozinha. A próxima coisa que ouvi, foi a porta do quarto sendo batida com força. Gabi ainda chorava, mas acariciei suas cotas, entendendo tudo. Agora tudo parecia tão claro... Era por isso que Letícia era daquele jeito. O medo de ser deixada de lado, de ser abandonada a aterrorizava. Daniel me olhou com a boca aberta, como se estivesse sem reação e sem palavras. Eu conseguia entende-lo, contudo, agora, não era ele quem precisava de atenção. Com isso em mente, dei um beijo em Gabi e a passei para os seus braços. — Eu vou lá falar com ela — murmurei, antes de sair da cozinha. Caminhei pelo corredor, deixando para trás toda a mágoa que eu estava sentindo. Entrei no quarto sem bater na porta e vi Letícia encolhida na cama, chorando e soluçando, agarrada a si mesma. Me aproximei e me deitei atrás dela. Passei a mão em seus cabelos e a deixei chorar por um longo tempo, sentindo a sua dor em cada suspiro, cada soluço, cada lágrima que molhava o travesseiro. Era tudo muito mais complexo do que eu imaginava. Letícia não era apenas a adolescente bomba-relógio, muito menos a adolescente que pensava mal de mim. Ela era uma menina solitária, que sofria muito com a morte dos pais, que tinha medo de amar e ser abandonada. Medo, puro e simples medo. E o medo sabia muito bem como transformar as pessoas. Como afastar as pessoas. Como deixa-las desencorajadas e se sentirem fracas, inferiores. — Por que você está aqui? — ela perguntou entre um soluço e outro. — Porque eu nunca vou abandonar você — murmurei em seu ouvido, ainda acariciando seus cabelos. — Não importa o que sua mente diga, Letícia... Eu nunca vou embora. Nem Daniel irá, muito menos a Gabi. — Vão sim. — Não vamos. Nós amamos você, querida. O que aconteceu com seus pais, foi uma fatalidade. Quando coisas assim acontecem, sabe o que temos que fazer? — O quê? — Nos apegar ainda mais a quem ficou. Amar ainda mais e nos permitir ser amado de volta. Porque o nosso tempo é muito curtinho para ficarmos com medo, para nos esconder, para perdemos segundos preciosos, afastando quem mais amamos. Ela voltou a chorar baixinho e eu me calei. De repente, ela se virou e passou o braço pela minha cintura, me abraçando com força, escondendo o rosto no meu peito. A abracei de volta, sentindo seu corpo se sacodir. — Me desculpa, Lena, por favor... Eu nunca... Nunca pensei aquilo sobre você... — ela soluçava, confidenciando com a voz entrecortada. — Não precisa pedir desculpas, querida... — Eu só queria que você fosse embora... Porque não queria mais sofrer, mas... Eu gosto de

você, eu gosto muito de você e eu fui tão ruim... — Shiu... — Quando vi você chorando... Meu coração doeu — ela chorou mais e eu também deixei algumas lágrimas escaparem. — Eu não queria que você tivesse chorado, eu sinto muito... — Está tudo bem agora, não pense mais nisso, tudo bem? Eu amo você e ao contrário do que você pensa, seu irmão também te ama muito. Só que você o afastou e isso o deixou um pouco perdido, ele não sabe como se aproximar de você, entende? Ela assentiu e eu voltei a falar: — Agora, vamos trabalhar juntas para que esse medo que vive dentro de você, desapareça. Você foi muito corajosa hoje, falando o que sente. Logo, logo você vai ver que esse medo vai sumir. — Eu quero que ele suma. — E vai, você vai ver — murmurei, dando um beijo em sua testa. Continuamos abraçadas, até que senti sua respiração se normalizar e ficar regular, anunciando que ela tinha pegado no sono. Estava me afastando devagar, quando a porta abriu e Daniel entrou carregando uma Gabi adormecida. Enquanto ele a acomodava na cama, eu me levantei e cobri a Letícia, passando o dedo por seu rosto. Daniel se juntou a mim, mas se sentou na cama e afastou o cabelo dela. Deu um beijo demorado em seu rosto, encostou a testa na dela e eu fiquei em silêncio, sabendo que ele deveria estar conversando com ela em silêncio, na sua mente. Logo deu um outro beijo nela e se levantou. Saímos juntos do quarto. Em seguida, ele me abraçou com força, me arrastou para o quarto e quando nos deitamos na cama, foi a sua vez de desabar. Daniel chorou em meu ombro, como se não houvesse amanhã.

Capítulo 17 - Daniel Eu não saberia dizer por quanto tempo eu usei o ombro de Helena como um bote salva-vidas. Poderia ter sido por apenas alguns minutos, horas ou anos... Não saberia dizer. Desde a morte da minha mãe e de meu padrasto, eu me obriguei a ser forte. Sim, eu chorei. A dor da perda foi quase insuportável — e ainda é, de vez em quando —, teve momentos que eu só queria me agachar em um canto e gritar até que toda a dor tivesse saído de mim. Mas nunca me permiti desabar. Nunca. Toda a responsabilidade e o amadurecimento que adquiri minutos depois da morte dos dois, não deixou que restasse tempo de desabar. Não deixou que sobrasse ao menos algum segundo para que eu pudesse não ser forte. Não tive tempo para pensar em mim ou nos meus sentimentos, porque, de uma hora para outra, eu era o único porto seguro de duas crianças. Eu era um homem desempregado. Inexperiente. Que estava começando a caminhar com as próprias pernas. Mas também era o único que poderia prover comida, educação, amor e suporte para minhas irmãs. E nunca, em um só segundo da minha vida, senti raiva ou arrependimento de viver unicamente para elas. De irmão, eu passei a ser pai. Eu tive que ser aquele que passava ensinamentos, conselhos e amor. Eu achei que estava caminhando para ter bons resultados, apesar da forma como Letícia agia. Na minha cabeça, isso era comum. Alguns adolescentes realmente são mais difíceis que outros. Mas nunca pensei que eu pudesse ter falhado tão miseravelmente. Que todo o amor que eu tinha em meu coração, não fosse capaz de alcançar a minha irmã. Eu sabia que eu não era o suficiente e nunca seria. Eu jamais iria substituir minha mãe ou o meu padrasto na vida das duas, mas pensei que eu ao menos chegasse perto deles. Mas não. Eu havia falhado. Havia errado, mesmo lutando tanto para acertar. — Vai ficar tudo bem... — Helena murmurou em meu ouvido pela primeira vez, desde que nos deitamos. — Não vai. Eu nunca poderia imaginar que Letícia sentisse tudo aquilo. Nunca, Helena. — Eu sei, eu também estou muito surpresa. — A culpa é minha. A culpa é toda minha... Como não pude perceber? — Não fale isso, nunca. A culpa não foi sua, Daniel. Você sempre fez o melhor que pôde para Letícia e Gabi. Eu vejo a sua relação com elas, eu vejo o amor nos seus olhos... — Mas não foi o suficiente — interrompi, sentando-me na cama. Helena se sentou ao meu lado e segurou minhas mãos. — Não foi o suficiente e quando Gabi crescer, não vai ter sido suficiente para ela também. — O seu amor é tão grande, como pode pensar que não foi ou o que não é o suficiente?

— Eu amo as duas com todo o meu coração. Mas nunca chegarei perto do que elas realmente precisam. — Você é muito mais do que elas precisam. Nunca pense que não é o suficiente, por que isso não é verdade. Tudo o que você fez por elas vai muito além de uma obrigação, Daniel. Você fez por amor e eu nunca vi algo tão bonito quanto isso. Nunca. Você é o porto seguro dessas meninas e sempre será. A Letícia está passando por um momento difícil, ela ainda está vivendo o luto, mesmo depois de tanto tempo, mas agora que nos contou a verdade, cabe a nós ajuda-la. Ela ama você ao ponto de sentir medo de simplesmente te perder, entende isso? — Ela acha que eu não a amo. Como pode pensar isso? — Ela acha isso porque vocês estão afastados. Você não tem com ela o mesmo relacionamento que tem com a Gabi e isso é compreensível, porque ela o afastou ao ponto de você não saber como se aproximar. Assenti, sabendo que ela tinha razão nesse ponto. — Sim, é verdade – murmurei, limpando algumas lágrimas bobas que voltaram a molhar minha bochecha. — Ainda assim, eu tenho muito medo. Hoje eu vi que Letícia não é uma adolescente rebelde, como essas que vemos por aí. O que está acontecendo com ela é muito sério. Fiz uma pausa, sentindo meu peito se apertar com um pensamento que permeou minha mente. Me virei para Helena e apertei sua mão na minha, olhando em seus olhos. — Você acha que... Acha que ela pode fazer alguma besteira? Como... Não sei, tentar se matar ou algo do tipo? — minha voz sumiu no final, um nó intenso se formando em minha garganta. — Não, eu creio que não. Hoje ela deu um passo muito importante, ela contou a nós o que realmente se passa dentro dela. — Mas foi praticamente sob pressão. Se aquela discussão não tivesse existido, ela não teria falado. — Ela deu um grande passo quando tomou a iniciativa de contar o que falou para mim. Foi ela quem te contou tudo, não eu. Ela se arrependeu muito quando viu que tinha me magoado de verdade. E acho que assumir esse erro, fez com que tivesse coragem de finalmente falar o que sentia. Meus olhos novamente se encheram de lágrimas e me xinguei internamente, perguntando-me se aquele ataque de choro um dia iria parar. Contudo, em voz alta, falei que o realmente me afligia: — Estou muito arrependido por ter gritado daquela forma. Eu perdi a cabeça, a assustei e assustei Gabi também. Nunca agi daquela maneira, principalmente perto delas, mas o sangue me subiu à cabeça quando ela me contou tudo... Realmente acreditei que ela pensava aquilo de você. — Eu também, mas estou muito feliz em saber que foi apenas uma forma que ela encontrou para me afastar. Eu conversei com ela no quarto e ela me pediu perdão, disse que nunca pensou dessa forma de mim. Eu tenho muita esperança de que, agora, ela vai caminhar e encontrará um jeito de se livrar de todo esse sentimento ruim, de todo o medo. E estaremos ao lado dela, para ajudá-la no que for preciso. Olhei aquela mulher na minha frente, que segurava minha mão e sorria para mim com

esperança. Que estava com a camisa ensopada pelas minhas lágrimas. Aquela mulher que me acolheu e acolheu minhas irmãs com o todo o carinho. Uma mulher forte, que havia passado por tanta coisa ruim e perguntei a Deus, em meu íntimo, se eu realmente era merecedor de tê-la. Parecia tão certo tê-la ali, ouvindo-a falar de nós como se fôssemos uma família. E eu que achei que havia perdido a minha família naquele acidente... Ela que teve um marido ruim e foi obrigada a mata-lo por conta das circunstâncias, impedida de formar a própria família. E agora estávamos aqui, como uma família. E, por Deus, eu apenas poderia implorar para que nada destruísse aquele elo tão forte que havíamos construído. Porque depois de tanto sofrimento, de uma vida tão dura que gostava de brincar com o coração das pessoas, nós merecíamos aquilo. Merecíamos a felicidade e o amor. — Eu amo você — falei, levando minhas duas mãos ao seu rosto. — Eu amo tanto você, Helena. Amo pela mulher que você é, amo por tudo de bom que trouxe a minha vida desde que a vi pela primeira vez, amo pela forma como cuida das minhas irmãs, pela forma como se importa conosco... Eu amo você. Você foi o melhor presente que Deus poderia ter reservado para mim. E eu O agradecerei por isso pelo resto da minha vida. Suas lágrimas molharam meus dedos antes de ela puxar a mão direita e beijar a palma cuidadosamente. Seu sorriso iluminou tudo dentro de mim e ao meu redor. — Eu também amo você. Eu pensei que Deus houvesse se esquecido de mim, mas eu não poderia estar mais enganada. Minha mãe costuma dizer que nada é por acaso e realmente, não é. Quando decidi me mudar do Rio, Santa Catarina foi o primeiro lugar que veio à minha mente. Eu não entendi o porquê, eu só sabia que eu tinha que vim para cá. Quando percebi que estava gostando de você, eu pensei, primeiramente, que eu tinha tido sorte... Mas sorte é muito pouco para tudo isso que está acontecendo conosco. Isso é Deus. Ele não se esqueceu de mim, como pensei. Ele apenas planejou a melhor história de todas para mim. E eu também serei eternamente grata por isso. — Ele planejou a melhor história de todas para nós dois — conclui, voltando a me deitar e colocando-a ao meu lado. — Obrigado por tudo que faz por mim e pelas minhas irmãs. — Obrigada por dar sentido a minha vida. — Eu amo muito você. — Eu amo muito você. Nos beijamos lentamente, sua língua passeou pela minha de forma suave e calma. Em seguida, a abracei apertado. Era a primeira noite que dormíamos juntos, sem fazer amor, mas eu sabia que amor era muito mais do que sexo. Naquele momento, compartilhávamos uma intimidade que ia muito além de corpos nus. Era uma intimidade de alma e coração. Novamente, elevei meus pensamentos a Deus. E agradeci por ter colocado Helena em minha vida.

HELENA

A luz que vinha da janela e a falta de calor me fez despertar. Pisquei, incomodada com a claridade e me virei na cama, em busca do corpo de Daniel para me aconchegar. Depois da conversa de ontem, tudo o que eu mais queria era sentir o seu calor, a textura e o cheiro da sua pele. Mas ele não estava na cama. Constatei antes mesmo de olhar para o seu lugar. O relógio do criado-mudo indicava que eram um pouco mais de cinco da manhã e isso me fez despertar de vez e me levantar. Por que Daniel havia acordado tão cedo em um domingo? Calcei meus chinelos e sai do quarto. A porta do banheiro estava aberta, indicando que ele não estava ali. Uma espiada dentro dos quartos das meninas e logo vi que ele não se encontrava ali também. Não precisei procurar em qualquer outro cômodo da casa. Sabia exatamente onde ele estava. Não foi uma surpresa chegar na cozinha e ver que a porta que levava para o quintal, estava aberta. Parei em frente a uma pilastra no quintal e fiquei observando Daniel se exercitar. Estava de costas para mim, subindo na barra para exercitar os braços e as costas. A pele estava suada e o músculo ficava tenso a cada movimento de força. Seus cabelos estavam soltos, passando dos ombros. Sabia o porquê de ele estar se exercitando tão cedo. Demorou muito para pegar no sono e quando o fez, seu corpo demonstrou o quanto estava inquieto, como se sua mente se negasse a descansar. Em algum momento da madrugada, o sono me venceu, mas, pelo visto, o sono não foi tão amigável com ele. Ele ficou por alguns minutos na barra e quando seus braços já não conseguiam mais sustentar o seu peso a cada subida e descida, ele pulou no chão. Respirou fundo, um pouco ofegante e então, se virou para mim. Seus olhos se arregalaram de surpresa ao me ver. — Ei... Estava aí há muito tempo? — Não muito — respondi, vendo-o caminhar na minha direção. Quando parou na minha frente, toque em seu rosto suado. Seus olhos se fecharam e ele se inclinou para o meu carinho. — Por que não me acordou? — Jamais te incomodaria. — Sabe que não me incomoda. — Você já lidou comigo a noite inteira, praticamente... E você fica linda dormindo, seria um pecado te acordar. — Não adiantou de nada, porque eu percebi que meu corpo é dependente do seu. Senti sua falta na cama e acordei. Ele sorriu um pouco, mas logo ficou sério, seu corpo ficou tenso. Eu conseguia entende-lo. Imaginava o que deveria estar passando por sua mente e seu coração e me sentia muito impotente

em não poder ajudar. Quando suas mãos acariciaram minha cintura, uma ideia percorreu minha mente. Eu poderia não ter o poder de entrar em sua mente e tirar de lá qualquer pensamento que estivesse o incomodando, mas poderia fazer seu corpo relaxar. Provar que eu estava ali, com ele. — Quero que faça amor comigo — murmurei, chamando sua atenção. — Não quero que desconte a sua tristeza e frustação na malhação ou em qualquer outro lugar. Eu estou aqui, sou sua mulher e quero ajudar você em tudo o que precisar. — Lena, não vou usar você para descontar qualquer sentimento ruim. — Não estaria me usando e não estaria descontando. Estaria compartilhando. Somos um casal, lembra, vizinho? — perguntei, sorrindo de leve para ele. — Quero que faça amor comigo. Não me importo se você for devagar, bruto, se me pegar com força ou se me tratar como se eu fosse quebrar... Quero apenas que compartilhe comigo tudo o que estiver dentro de você. Seu corpo se encostou ao meu e pude sentir o início da sua ereção pressionando minha barriga. Suas mãos apertaram minha cintura e ele encostou a testa na minha, seu hálito quente em meu rosto. — Tem certeza? — Toda a certeza do mundo. — Não serei muito gentil... — ele me apertou mais, seu corpo agora completamente colado ao meu. — Estou nervoso, agitado, chateado... Um monte de merda. — Compartilhe comigo. Não precisei falar duas vezes. Suas mãos me impulsionaram para cima e assim que minhas pernas engancharam em sua cintura, ele começou a se mover. Achei que iríamos para o quarto, mas, para minha surpresa, ele me levou para o quartinho onde guardava as ferramentas de jardinagem e os pesos de musculação. Entrou e bateu a porta com o pé. O próximo barulho que ouvi foi das coisas que estavam em cima da mesa de madeira, caindo ao chão. O quartinho era iluminado apenas por um basculante que ficava no alto, quase próximo ao teto. Daniel me colocou sentada na mesa e sua boca se chocou com a minha com força. Seu beijo foi feroz, rápido, delicioso e me tirou totalmente o fôlego. Suas mãos subiram por minha cintura, levantando o tecido fino da camisola e ele se afastou apenas para que tirasse a peça de mim. Assim que a jogou para longe, sua boca voltou a procurar a minha, sua língua quente e certeira acariciando-me. Com pressa, passei a mão por seu peitoral, sua barriga trincada e enfiei os polegares no cós da sua calça de moletom. A puxei para baixo, deixando-o nu. Seu pau grande e totalmente ereto me saudou e quando o toquei, Daniel gemeu em alto e bom som, tirando a boca da minha. Seu rosto se afundo em meu pescoço e quando mordeu a pele, senti um choque ir direto em meu clitóris. Minha calcinha já estava molhada e eu estava tão excitada que, com um único toque, talvez eu fosse capaz de gozar. Senti sua língua e seus dentes meu pescoço, descendo pela omoplata e seus dedos seguraram

meu cabelo com força, mas sem machucar, fazendo com que meu corpo se inclinasse para trás, para que ele tivesse acesso ao meu colo e meus seios. Quando seus lábios se fecharam sobre o mamilo teso, senti o mundo oscilar ao meu redor. Ele não foi gentil e eu não me importei, na verdade, eu estava adorando. Seus dentes rasparam na ponta do mamilo, para morder logo depois, enviando um prazer desconhecido pelo meu corpo. Sugou ao redor da mama, a pele ficando levemente vermelha e com uma lambida final, foi em direção ao outro seio. Mesmo sabendo o que esperar, um gemido alto escapou da minha garganta quando ele mordeu de leve, minha vagina pulsava com força, meu corpo estremecia. Quando desceu pela minha barriga, pude sentir meus seios inchados e muito sensíveis. Não tive tempo de me assimilar direito o que ele estava fazendo, quando senti meu corpo ser empurrado em cima da mesa. Me deitei e ouvi o barulho de um tecido rasgando. Quando um pano pousou ao lado do meu rosto, eu entendi que tinha sido minha calcinha. Isso me deixou ainda mais excitada e perdi a linha de raciocínio quando sua boca sugou meus grandes lábios com pouca delicadeza. Convulsionei em cima da mesa, meu clitóris pulsou com força. Em seguida, Daniel sugou o outro lábio da mesma forma, deixando-me louca. Perdi a batalha quando sua língua se afundou na minha entrada e começou a simular movimentos de penetração. Entrando e saindo... Dentro e fora e meu corpo estremeceu, minhas paredes vaginais se apertavam, eu estava louca para gozar. — Daniel... — gritei seu nome e agradeci por estarmos dentro do quartinho e não em seu quarto. Ele me respondeu com um gemido e quando sua língua golpeou meu clitóris, senti as paredes ruírem, pontos negros golpeou atrás das minhas pálpebras, enquanto eu explodia em um orgasmo intenso, que fazia minha vagina pulsar descontroladamente. Daniel manteve a língua dura sobre o feixe de nervos e então, lambeu toda a minha vagina, recolhendo meu líquido espesso. Eu estava ofegante, sensível e quase pedi uma pausa, mas suas mãos ágeis e fortes me tiraram da mesa de repente. Só entendi o que tinha acontecido, quando já estava deitada de barriga sobre a mesa, meus pés apoiados no chão, abertos, me deixando exposta e empinada para ele. A cabeça larga do seu pênis acariciou minha entrada e seus dedos seguraram meus cabelos, suspendendo minha cabeça para cima. — Eu amo você — ele falou em meu ouvido com aquela voz rouca que me enlouquecia. — Amo demais. Amo essa boceta... Vou te comer bem gostoso, Lena... — Sim, faça isso — pedi, encostando-me mais dele. — Vem, entre em mim. Não precisei pedir uma segunda vez. Seu membro entrou com força, de uma só vez, esticandome ao limite. Era grande demais, mas, por sorte, eu estava excitada e lubrificada o suficiente. Entendi que Daniel realmente precisava daquilo, porque, antes mesmo de eu pegar uma respiração, ele saiu e voltou a meter com força. Normalmente, ele entrava devagar, esperava eu me ajustar, mas não naquele momento. Naquele momento ele precisava que aquilo fosse forte,

rápido e eu estava mais do que disposta a ser tudo o que ele precisava. Um gemido escapou dos meus lábios quando ele alcançou aquele ponto que mais me dava prazer. Seu membro entrava e saia com rapidez, sua pélvis golpeava minhas nádegas com força, o quartinho estava permeado pelos barulhos dos nossos gemidos, da sua pele chocando com a minha, o cheiro de sexo tomava conta do lugar. Minhas paredes vaginais apertaram seu pau com força e um gemido alto rasgou de seu peito. Senti ele mudando o ângulo da penetração, indo mais fundo, mais rápido. Meu orgasmo estava se construindo e eu finquei minhas unhas na sua bunda, querendo que ele metesse com mais força. — Não para, não para... — Nunca — ele gemeu em meu ouvido. — Quero você até que não tenha mais forças para ficar de pé, querida... Quero viver dentro dessa bocetinha apertada... — Eu também... — eu respondia, sem nem saber se as palavras estavam saindo de forma coerente. Daniel segurou minha cintura e me empinou ainda mais para cima. Seu pênis acertou em cheio um ponto que me fez revirar os olhos e aperta-lo. Meteu mais algumas vezes e então, o mundo se transformou em pontos brilhantes quando gozei com força, seu nome escapando alto dos meus lábios. Daniel continuou a meter, sem parar por um segundo. Meu corpo ficou meio mole, e então, o senti sair de dentro de mim rapidamente. Suas mãos foram para minha cintura e em viraram de frente para ele. Me senti como uma boneca de pano e, sinceramente, eu estava adorando aquela sensação. — Eu quero mais — ele gemeu, seus dentes começaram a roçar em meu queixo. — Eu sei, você nem gozou — gemi, tocando em seu membro molhado e muito duro. — Quero chupar você. — Não — ele gemeu, levando os lábios aos meus. — Quero comer você, vou gozar dentro de você. Aquilo me excitou ao ponto de sentir minhas paredes vaginais se apertarem novamente. Sua boca terminou de se chocar com a minha e Daniel me beijou com força, começando a me fazer andar pelo quartinho junto com ele. Senti uma parede atrás de mim, Daniel levantou minha perna esquerda e então, seu pau entrou em mim de novo, com força. Gemi e ele desceu os lábios pela linha da minha mandíbula, até chegar ao meu pescoço onde sugou a pele com força. Me senti fraca, a excitação me deixava louca e eu não conseguia sustentar meu corpo, mesmo me apoiando aos ombros dele. Daniel resolveu isso em segundos, pegando-me no colo, minhas pernas em volta da sua cintura. Seu pau voltou a me invadir. A penetração não era tão profunda, mas era deliciosa e Daniel continuava com aquele ritmo forte, bruto, quase punitivo, me deixando louca. O prazer já me golpeava novamente e a pressão em meu ventre. O orgasmo me pegou com força. Daniel gemeu alto em meu ouvido, suas mãos apertaram minhas nádegas com força, seu corpo ficou tenso e senti seu gozo me invadir, enquanto a

penetração continuava de forma rápida, prolongando meu orgasmo, me deixando sem fôlego e sem força. Daniel parou dentro de mim, sua respiração estava rápida, seu corpo ainda tenso. Tirou a cabeça do meu pescoço e me olhou com os olhos um pouco arregalados, uma mão saindo da minha nádega para alcançar meu rosto. — Droga, te machuquei? Fui muito bruto? — Não — sussurrei, sorrindo de leve. — Eu estou ótima e você? Está melhor? Seu corpo relaxou visivelmente e um sorriso apareceu nos seus lábios. — Sim, estou bem. Estou muito bem. Você sabe como cuidar de mim, Lena. — Assim como você sabe como cuidar de mim — respondi, tocando seu rosto. Devagar, ele andou comigo em seu colo e me colocou sentada em cima da mesa novamente. Não tinha saído de mim e então, começou a se mover, agora lentamente. — Agora eu quero devagar — ele murmurou entre os meus lábios. — Bem devagar... Eu amo você. Obrigado por tudo. — Eu amo você, para sempre.

Capítulo 18 - Helena Daniel acariciava gentilmente as minhas costas, enquanto a água quente do chuveiro caia em cima de nós. Seu carinho depois do sexo era algo que havia me deixado muito mal-acostumada e eu sorria como uma boba com minha cabeça encostada em seu peitoral firme, sentindo cheiro único da sua pele. — Lena? — Sim? Ele levantou meu rosto devagar, tirando nosso corpo do fluxo da água. Seus dedos seguiram a linha do meu maxilar, descendo devagar pelo meu pescoço. — Não quero te desesperar, creio que não notou, mas... Nós não usamos camisinha. Me afastei um pouco, a realidade me atingindo como um balde de água fria. Meu Deus, onde estávamos com a cabeça? Senti meu coração golpear forte no peito, minha mente ficando em branco de repente. — Fique calma, por favor. Eu não tenho doença alguma, juro. Antes de você, eu havia feito sexo a muitos meses atrás e sempre fiz exames para saber se tinha alguma DST. Estou limpo. — Eu... Eu confio em você. Eu também não tenho nenhuma doença, depois que o meu marido morreu, eu também fiz exames e todos deram negativos. Não é isso que me preocupa... — murmurei, voltando a encara-lo. — Eu não tomo anticoncepcional. — Eu já imaginava — ele falou, colocando meu cabelo para trás da orelha. — Se você quiser, eu posso comprar uma pílula do dia seguinte. — Eu não posso tomar, meu corpo rejeita e eu passo muito mal. Mas, pelas minhas contas, eu acho que não estou no meu período fértil. Nunca fui ligada a isso, mas a minha menstruação já passou. Ele me encarou com firmeza e então, tocou os lábios nos meus em uma carícia. — Ainda assim, se você ficar grávida, quero que saiba que eu serei o homem mais feliz do mundo — sussurrou entre os meus lábios, suas mãos descendo pelas minhas costas até uma delas se espalmar em meu ventre. — Eu também ficaria muito feliz em ter um filho seu, mesmo estando tão cedo para isso — falei, tocando em seus cabelos molhados. — Eu amo você, vizinho. — Eu amo você, vizinha. Nos beijamos por um longo momento, mas antes que o fogo tomasse conta de nós dois, nos afastamos e começamos a tomar banho, sempre trocando carícias. Saber que ele ficaria feliz com uma gravidez me deixou um pouco mais tranquila. Mesmo sabendo que era cedo demais para isso, que ainda tínhamos um longo caminho para percorrer, eu sentia em meu coração que Daniel era o meu futuro. Nossa ligação não era temporária, muito pelo

contrário. Um completava a vida do outro e, pelo menos para mim, seria quase impossível seguir em frente sem ele ao meu lado. Decidi deixar a suspeita da gravidez de lado. Eu tinha quase certeza de que não estava ovulando, mas, se estivesse e se por um acaso eu engravidasse, receberia essa notícia com todo o amor do mundo. Terminamos o banho, nos trocamos e como ainda estava muito cedo, nos deitamos no sofá. Colocamos em algum canal aleatório e ficamos agarradinhos, aproveitando o ar fresco da manhã que entrava pela janela aberta. Um bom tempo se passou, quando a voz de Daniel soou em meu ouvido: — Estou preocupado com a forma como Letícia vai reagir hoje, ao acordar. — Do que você tem medo? — Não sei... De que ela me ignore por ter gritado com ela, por nunca ter entendido o motivo de ela ser do jeito que é. Que ela fique magoada comigo. — Bom, vocês dois precisam conversar. Só assim, irão resolver tudo isso. Ela pode estar magoada, mas você também está. Por isso, precisam se encarar novamente como irmãos. Não com você sendo o irmão mais velho e responsável por ela, nem ela sendo a irmã mais nova e rebelde, e sim como dois irmãos. Ela te ama muito, Daniel e você sempre será o porto seguro dela. Vocês dois só precisam deixar a mágoa de lado e seguir em frente. Ele me encarou um pouco, seus dedos percorrendo levemente o meu braço. — Não sei o que seria de todos nós, se você não estivesse aqui. Desde quando chegou, minha vida só mudou para melhor. — Eu posso dizer o mesmo. Desde quando eu cheguei e conheci vocês, minha vida só mudou para melhor. Nos beijamos e quando nos afastamos, encarei o relógio preso na parede. Já passavam das nove da manhã e em breve as meninas acordariam. Uma ideia passou pela minha mente e eu sorri ao encarar Daniel. — O que foi? — Tive uma ideia — falei, me sentando. — O dia está lindo lá fora. Poderíamos aproveitar isso e tomar o café da manhã no quintal, o que acha? Vamos arrumar uma mesa bem bonita... Isso vai animar as meninas e melhorar um pouco o clima. Ele se sentou e sorriu para mim. — Perfeito. Eu vou sair para comprar pão e queijo, você pode ir arrumando a mesa? — Sim, senhor! Nos levantamos e depois de um beijo, ele se foi. Já na cozinha, peguei tudo o que precisávamos e coloquei em cima da mesa de madeira que ficava no quintal. Comecei a arrumar, colocando a caixa de leite, o pote com o achocolatado em pó, biscoitos, torrada, manteiga e requeijão. Ainda sobrava espaço, então, fui na cozinha, peguei uma jarra vazia e coloquei no centro da mesa. Com a tesoura própria para jardinagem, cortei algumas flores no caule. As gérberas estavam

lindas coloridas e ficou uma graça na jarra, enfeitando a mesa. Estava rindo para minha criação, quando senti os braços fortes de Daniel me agarrarem pela cintura. Apesar do pequeno susto, comecei a rir, sentindo seu rosto em meu pescoço. — Mais um pouco e você me matava do coração! — Só vou te matar se for de amor e carinho. Ou beijos. Ou sexo. Fora isso, não tenho outras armas e nem quero tê-las. — Hum... Você sabe como conquistar uma mulher, sabia? — Vizinha, a única mulher que eu queria conquistar, eu já conquistei e sou o homem mais feliz do mundo por tê-la em meus braços. — E eu sou a mulher mais feliz do mundo por ter você! Sorrimos e enquanto ele foi colocar o pão e o queijo na mesa, eu fui no quarto chamar as meninas. As duas estavam em um sono gostoso e me deu pena ao ter que acordá-las. Comecei por Letícia. Toquei em seus cabelos e a chamei, em seguida, fui para a cama de Gabi. As suas se sentaram um pouco zonzas, esfregando os olhos. — Vamos levantar e escovar os dentes, pois vamos tomar um café da manhã diferente hoje. — O que é um café da manhã diferente, tia Lena? — Gabi perguntou, bocejando. — Não vou contar, é surpresa. As duas seguiram para o banheiro e enquanto uma escovava os dentes e lavava o rosto, a outra fazia xixi. Quando terminaram, seguimos para o quintal. Gabi sorriu ao ver a mesa arrumada no quintal, mas seguiu ao meu lado, cautelosa, segurando minhas mãos. Quando se sentou, Daniel se inclinou para beija-la no rosto. — Bom dia, pequena. — Bom dia... Dan, hoje você não vai gritar com a Lelê de novo, não é? Daniel me olhou um pouco inseguro, mas, por fim, respondeu: — Não, claro que não. O que fiz ontem foi muito feio e não vai se repetir, tudo bem? Ela assentiu e deu um gole no achocolatado que coloquei na frente dela. Dando a volta na mesa, Daniel deu um beijo na testa de Letícia e se agachou para falar com ela. Como ela estava sentada ao meu lado, pude ouvir o que ele disse: — Vamos conversar mais tarde, mas quero começar o nosso dia pedindo perdão a você. Não só por ter gritado ontem e perdido a cabeça, mas por ter sido tão cego durante todos esses anos. Eu te amo muito, Lelê, muito e quero que fiquemos bem. — Eu também te amo muito e peço perdão, Dan — ela disse baixinho, com as mãos se retorcendo sobre o colo. — Eu sinto muito por tudo o que fiz e tudo o que falei. — É passado — ele disse, se levantando. Deus mais um beijo dela e disse antes de se afastar: — Tome seu café e não se preocupe com mais nada. Daniel voltou a se sentar e começamos a comer em um clima bem mais leve do que no jantar na noite passada. Gabi, agora mais calma com a promessa de Daniel, começou a falar, o que animou

a mesa e nos arrancou risadas. Até mesmo Letícia sorriu e eu fiquei feliz ao ver que ela estava se permitindo. Muitas e muitas vezes eu a peguei com vontade sorrir, mas ela sempre se reprimia. Sempre lutava para manter a pose de antissocial e rebelde, mas, agora, ela estava um pouco mais livre. Comedida, mas mesmo assim, estava sorrindo e isso era um grande avanço. Depois do café, tiramos a mesa e fui lavar a louça. Daniel pediu a ajuda de Gabi e Letícia para regar as plantas e fiquei feliz por ver que Letícia aceitou participar. Geralmente, ela negava e ia para sala ficar no celular, com uma cara emburrada. Pela janela da cozinha, os observei molhando a planta e logo ouvi um grito animado de Gabi. Em seguida, mas um grito, esse de Letícia. Quando percebi o que estava acontecendo, ambas estavam molhadas, fugindo do jato d’água da mangueira que estava na mão de Daniel. Os três estavam rindo e se divertindo. Começaram a correr pelo quintal, Gabi e Letícia na frente, fugindo de Daniel. Ainda assim, o jato d’água pegava as duas, o que as fazia gritar. De repente, Letícia se separou e foi para trás de Daniel. Com um puxão inesperado, roubou a mangueira da mão dele e foi a vez dele de ficar todo ensopado. Foi impossível não sorrir com aquela cena que, apesar de ser tão divertida e de ser comum para a maioria dos irmãos, era muito improvável de acontecer ali, naquela casa, com aqueles três. Saí da cozinha e me encostei na pilastra, observando-os. Senti meu coração se encher de amor e alegria. Daniel, Gabi e Letícia, que já haviam perdido tanto na vida, tão cedo, precisavam daquilo. Precisavam daquela união, daquela risada que só uma brincadeira inocente conseguia trazer. Era como um refresco depois de um dia de trabalho árduo ou, como ali, naquela cena: um jato d’água em um dia quente de primavera. Trazia alegria e conforto. União e amor. Sentimentos bons que deveríamos ter sempre perto de nós, dentro da gente. Um jato d’água em minha barriga me tirou dos meus pensamentos. Letícia estava com a mangueira apontada para mim e sorria alegremente, suas bochechas coradas, em uma felicidade que nunca vi nela. — Você estava seca demais — a ouvi dizer, rindo para mim. Gabi riu junto com Daniel e eu balancei a cabeça, antes de começar a correr na direção deles. Mas água me molhou, até que eu estava dentro daquela festa particular de alegria, me perguntando como pude viver tanto tempo sem conhecer aquelas três pessoas que, agora, eram o centro do meu mundo.

DANIEL Depois da festa da água no quintal, resolvemos quebrar todas as regras e pedimos pizza para

o almoço. Ri ao ver Gabi puxar a pizza e um longo fio de queijo derretido escapar da sua boca, enquanto Letícia não sabia se comia primeiro a de mozzarella ou a portuguesa. Ajudei a Gabi a comer o queijo e Helena ajudou Letícia a escolher o sabor da pizza. Olhar para as três me fazia sentir completo. Durante muitos anos fomos apenas as meninas e eu e eu não achava que algo faltava, mas Helena chegou para me mostrar que sim, faltava uma grande peça naquele quebra-cabeça que era a minha vida. Pode parecer um pensamento de homem apaixonado, mas, na verdade, Helena vai muito além do amor que sinto por ela. Ela também é o amor das minhas irmãs. O porto seguro de Gabi e a peça principal para a libertação de Letícia. Sua chegada agregou muito amor e felicidade em nossa vida. Depois da pizza, lavei a louça, guardei tudo o que usamos e, ao chegar na sala, encontrei Gabi e Helena cochilando no sofá. Letícia estava entretida vendo um filme na TV, mas encontrei ali o momento ideal para conversamos. — Ei, que tal darmos uma volta de bicicleta? — perguntei, sentando-me do lado dela. — De bicicleta? Acho que nem sei mais como se anda disso — ela respondeu, um pouco sem graça. — Claro que sabe, nunca ouviu falar que nunca esquecemos como se anda de bicicleta? — levantei e estendi a mão para ela. — Vamos, não aceito um “não” como resposta. Ela sorriu um pouco e me deu a mão. Deixei um recado escrito em cima da mesinha de centro, para o caso de Helena acordar e não nos encontrar. Em seguida, saímos e eu peguei as duas bicicletas no quintal. Letícia subiu na bicicleta rosa, um pouco insegura, mas logo encontrou a confiança e começamos a andar em um ritmo leve. O céu estava limpo e o sol brilhava, mas não era um calor insuportável. Cumprimentamos alguns vizinhos e logo seguimos o nosso caminho, passeando pelas ruas calmas e tranquilas. Quando avistei a pracinha, avisei que pararíamos ali. Descemos e fomos com as bicicletas até uma área mais afastadas das crianças que brincavam e nos sentamos embaixo de uma árvore grande. O vento corria levemente, trazendo um ar refrescante debaixo da sombra da árvore. Passei uma garrafa d’água para Letícia e bebi um gole da minha própria garrafa. Ficamos um momento em silêncio porque eu apenas não sabia o que dizer ou como começar aquela conversa. Tinha muita coisa para falar, mas, ao mesmo tempo, as palavras se recusavam a formar uma frase coerente. — Eu sinto muito. Ouvir a voz de Letícia foi uma surpresa. A olhei de repente, vendo seus grandes olhos azuis em cima de mim. — Sinto muito por tudo o que fiz, Dan. Sei que fui uma pessoa insuportável... Que ainda sou, na verdade, mas eu sempre tive tanto medo — murmurou, sem desviar os olhos de mim, mesmo quando ele se encheram de lágrimas. — Sempre tive tanto medo de perder você também e de sofrer mais. De perder a Gabi... E agora, com a Helena sempre do nosso lado... Eu comecei a

gostar dela também e eu não queria gostar, pois tinha medo de ela ir embora também, assim como o papai e a mamãe. — Lelê... — murmurei, tocando em seus cabelos. — Eu nunca vou embora. Nem a Gabi e nem a Helena. O que aconteceu com nossa mãe e com o seu pai, foi algo muito ruim, uma fatalidade, algo que eles não puderam evitar. Eu entendo o seu medo, mas você poderia ter se aberto comigo. Eu iria te entender. — Eu pensei... Pensei que você não gostava mais de mim, por conta de tudo o que fiz, de tudo o que eu falava... Pensei que não me amasse mais. — Nunca! Eu nunca pararia de amar você — falei, secando suas lágrimas. — Você é minha irmã, é uma das pessoas mais importantes da minha vida. Como conseguiria deixar de ama-la? — Eu não era a garota mais legal do mundo... — Não, não era, mas ainda assim, é a minha irmã. E eu te amo como se fosse muito mais do que minha irmã. Eu amo você e a Gabi como se fossem minhas filhas. Eu daria o mundo, se fosse possível, só para ver vocês sorrirem. Você não imagina o quanto foi difícil ver você se tornar uma menina tão fechada e tão sozinha. Eu me sentia de mãos atadas por simplesmente não conseguir chegar em você, não conseguir te fazer sorrir ou te fazer feliz. — Eu sinto muito por isso. Eu me sinto tão ingrata, sempre me senti, mas não conseguia mudar o meu jeito — falou, fungando. — Você deixou sua vida de lado para cuidar de Gabi e de mim e mesmo sabendo disso, eu me tornei uma pessoa horrível... Mas eu vou mudar, eu vou deixar esse medo de lado e vou ser uma pessoa melhor, Dan. Você vai sentir muito orgulho de mim. Nunca mais vou magoar você ou a Gabi, ou a Helena. Eu prometo. — Eu já sinto muito, muito orgulho de você — falei, puxando-a para o meu colo para abraçala. — Sempre senti orgulho de você e sempre sentirei. Eu te amo muito, Lelê. — Eu também te amo muito, Dan. Obrigada por tudo o que fez pela gente — disse ela, apertando-me em um abraço. — Eu prometo que vou deixar de sentir medo. — Eu estarei aqui para te ajudar. Eu, a Gabi e a Helena, nós sempre estaremos ao seu lado, nunca a deixaremos sozinha, entendeu? Nunca. — Agora eu acredito nisso. Muito obrigada por ter deixado a Helena entrar nas nossas vidas... Ela é muito especial para mim. Olhei para ela, escondendo a minha surpresa. Ouvir aquelas palavras, vinda de Letícia, foi algo que nunca imaginei que pudesse acontecer. Ainda assim, deixei que a surpresa fosse camuflada por um sorriso de felicidade. — Ela é muito especial para todos nós e ama você. — Eu também a amo e estou muito feliz por ela ser a sua namorada. Ela gosta muito de você e você merece ser feliz. Mesmo que, no começo, eu tenha ficado com um pouco de ciúmes. — Ficou com ciúmes, é? — Só um pouquinho — ela riu e sua risada foi como música para os meus ouvidos. — Eu sei o quanto sou importante e disputado...

— Ah, não, não comece a se achar, você fica insuportável fazendo isso. — O posso fazer se esse é o meu charme natural? Ela riu ainda mais e eu a acompanhei. Ficamos mais um tempo ali, brincando e conversando e eu percebi que aquele era mais um sonho que eu havia acabado de realizar. Sim, eu sonhava com o dia em que me sentaria com Letícia e conversaria com ela, a faria rir e riria junto com ela. Com o momento em que iríamos nos aproximar de verdade, que eu me sentiria a vontade ao lado dela e onde ela se sentiria a vontade ao meu lado. E aquele momento estava, finalmente, acontecendo. Senti meu coração bater forte no peito e sorri de felicidade. Agora, com toda a certeza do mundo, eu era um homem feliz e completo.

Capítulo 19 - Helena O clima mudou completamente na casa do Daniel. Ainda naquele domingo, quando ele e Letícia voltaram para casa, pude perceber a nítida diferença entre eles. Estavam mais entrosados, sorriam um para o outro e pude ver nos olhos de Daniel o quão feliz ele estava. Letícia também estava toda boba, sorrindo quase sempre, mais falante e participativa nas conversas. Gabi estava contente e sorridente. Letícia estava a tratando melhor, se esforçando para que fossem amigas. Durante a semana, vi isso acontecendo várias vezes, nas pequenas coisas, como na vez em que Letícia se juntou a Gabi para ver um de seus inúmeros DVDs da Barbie ou quando Gabi pediu para que ela lhe explicasse algo na lição de casa e Letícia a ajudou prontamente, sem ao menos reclamar ou revirar os olhos. Era um grande avanço. Lógico que ela ainda não se soltava completamente, não falava muito, mas sorria muito mais e estava bem mais calma. O sábado estava lindo e ensolarado e como ambas tinham uma festa parar ir mais tarde, resolvemos fazer o dia das meninas. Quando tive a ideia, fiquei com receio de Letícia recusar, mas ela aceitou e Gabi e eu pulamos de alegria por ter o dia inteiro para passearmos no shopping. Saímos de casa um pouco antes do almoço. Passamos na mercearia do seu Jô para nos despedirmos de Daniel e seu Jô quase o intimou a nos levar no shopping em sua caminhonete, então acabamos indo de carona. Daniel nos deixou na entrada do shopping, me fazendo prometer que ligaria se acontecesse qualquer coisa ou se quiséssemos ir embora, pois ele iria nos buscar. Depois de muitos beijos e despedidas, fomos direto almoçar e eu não pude recusar o pedido de duas meninas com os olhos brilhando, sendo assim, lá fomos nós para a fila do Mc Donald’s. Letícia e eu devoramos um Big Mac com batata grande e Gabi comeu seu McLanche Feliz, brincando com a linda bonequinha das Meninas SuperPoderosas. Do almoço, passamos algumas horas no salão. Consegui convencer Letícia a dar um corte em seu cabelo de tamanho desigual — que descobri que ela tinha cortado em um acesso de raiva, meses atrás — e o corte ficou lindo, deixando seu cabelo no meio das costas. A hidratação deixou a cor mais viva e ela sorriu para mim com os olhos brilhando, feliz com a imagem que via no espelho. Fizemos as unhas também e quando saímos, Letícia se virou para mim, um pouco encabulada: — Helena, eu gostaria de pedir uma coisa. — O quê? — Você pode me ajudar a escolher um vestido para festa de hoje à noite? — perguntou, com as bochechas vermelhas. — Eu não que ir de calça jeans e eu não gosto do vestido que tenho lá em casa, me deixa com cara de criança. Eu não pude conter o meu sorriso bobo diante de seu pedido. Era incrível como Letícia estava mudando e evoluindo, aos poucos, mais estava. Me abstive de fazer a dancinha da vitória, mas

falei, toda entusiasmada: — Claro que sim, por que estamos aqui paradas mesmo? Ela sorriu para mim e fomos andar a procura de seu vestido. Paramos em uma loja bonita e entramos. Gabi e eu escolhemos alguns vestidos e demos para ela experimentar. O primeiro, um amarelo com a saia rodada, não ficou muito legal. O segundo, azul, a deixou com cara de criança; o verde, a deixou adulta demais. O vermelho era muito comprido e vi em seu rosto que ela já estava quase desistindo, quando dei a ela o último vestido. Quando ela saiu do provador, Gabi começou a bater palmas. O vestido rosa era lindo e combinou perfeitamente com o seu tom de pele. Ia até um pouco acima dos joelhos, a saia era soltinha e a parte do busto tinha algumas pedras que pareciam pérolas. A deixou linda e eu quase chorei de emoção, ao vê-la sorrir para sua imagem no espelho. — Gostou? — perguntei, aproximando-me dela. — Sim, eu gostei muito e você? — Eu amei, você está linda! Vai arrasar com o coração dos garotos — brinquei e ela se virou para mim. — Você acha? — Claro que sim! Você tem alguma dúvida? — Não sei... Espero que algum deles olhe para mim. Normalmente, eu sou invisível. — Isso é porque eles são cegos, porque você é linda demais! Hoje, todos eles vão te notar, tenho certeza e você vai brilhar mais que a debutante! Ela riu, balançando a cabeça. — Você é muito boba, Lena. — Ela está certa, você está muito bonita, Lelê. Vai arrumar um namorado! — Gabi disse, rindo. A vendedora da loja concordou conosco — e dessa vez eu acreditei que ela estava sendo sincera, porque Letícia estava realmente muito bonita. Letícia disse que pagaria pelo vestido com sua mesada, mas não deixei e dei a ela de presente. Sendo assim, corremos para uma loja infantil e escolhemos um vestido para Gabi também. Ela escolheu um lilás, com flores violetas na faixa do vestido. — Daniel vai ter trabalho com vocês duas estando tão bonitas para ir à festa! — comentei, dando risada junto com elas. Compramos um sorvete e liguei para Daniel vir nos buscar. Ainda tínhamos algumas horas pela frente, o suficiente para que elas se arrumassem e ficassem lindas. Quando ele chegou, ficou todo o bobo ao ver o corte de cabelo de Letícia e de Gabi. Pude ver em seus olhos que ficou emocionado e entendi o porquê. Nem sempre ele podia se dar ao luxo de bancar coisas assim a elas e já tinha bastante tempo desde que elas tiveram um corte de cabelo. Quando elas entraram no carro, ele me puxou pela cintura e me abraçou com força. — Obrigado — disse simplesmente, antes de encostar os lábios nos meus e me beijar.

Chegamos em casa vinte minutos depois e Daniel voltou ao trabalho, prometendo estar em casa as sete e meia em ponto para leva-las a festa. Gabi foi direto para o banheiro e tomou banho — tendo o cuidado de molhar o cabelo e movendo as mãos delicadamente com medo de borrar o esmalte que já estava seco. Assim que ela saiu, fui com ela para o quarto para ajuda-la a se arrumar, enquanto Letícia foi tomar banho. Estava colocando o vestido em Gabi, quando um grito estridente assustou a nós duas: — Meu Deus! Socorro! Gabi e eu corremos em disparada para o banheiro e eu escancarei a porta. Encontramos Letícia parada dentro do box, com o chuveiro ligado e a mão suja de sangue. — O que houve? Você se cortou? O que aconteceu? — Eu estou sangrando — ela disse para mim com os olhos arregalados e a voz trêmula. — Sim, mas aonde? Você se cortou em algum lugar? — Estou sangrando pela vagina! — gritou, esticando a mão para que eu pudesse ver o sangue. Eu olhei para ela meio aturdida e levou um segundo e meio para que eu pudesse entender o que realmente estava acontecendo. Antes que eu pudesse conter, um sorriso imenso se abriu em meus lábios. — Ah, Letícia! Querida, você ficou mocinha — falei, entrando no box para abraça-la, sem ligar se o chuveiro estava aberto ou não. — Eu não quero. Não quero isso para mim, por que isso aconteceu? Justo hoje? — perguntou, sem retribuir meu abraço. — Não tem hora e nem lugar para acontecer, mas hoje se tornou um dia ainda mais especial. Essa é uma mudança muito bonita na vida de uma mulher — falei, olhando para ela. — Sei que no começo é bem estranho e meio assustador, mas essa é a prova de que você está crescendo, está deixando de ser criança e se tornando adolescente. — Mas eu não quero! Queria continuar sem sangrar! Eu sei que dói, as mulheres têm cólicas e eu não quero isso. E ainda tem a TPM! — Nem todas as mulheres têm cólica e TPM. Eu não tenho. — Você só está falando isso para não me assustar. — Claro que não. Nós nos conhecemos há um pouco mais de dois meses, você me viu reclamando de cólica em algum desses dias? Ou ficando louca por causa da TPM? — Não — ela comentou, me olhando com a expressão triste. — Mas, mesmo assim... Não tinha que ter acontecido hoje, não hoje! — Por causa da festa? — É porque o menino que ela gosta vai nessa festa, tia Lena — Gabi comentou. — Cala a boca, pirralha, não é nada disso! — Letícia gritou, ficando vermelha. — Fique calma.

— Lelê, você prometeu que agora que está boazinha, não iria mais me chamar de pirralha! — Gabi brigou, cruzando os braços. Letícia soltou um suspiro alto e fechou olhos. — Me desculpe. É que eu estou nervosa, eu não quero ficar menstruada, não quero! — Mas é algo que você não pode controlar, querida. É o seu corpo, ele está mudando e você está crescendo — expliquei, passando a mão pelo rosto dela. — E isso não vai te impedir de ir à festa e se divertir, é só você lembrar de trocar o absorvente depois de algumas horas. — Eu não quero ir à festa. Não vou sair assim! — Mas, Letícia... — Não adianta, eu não vou mais! Estou com vergonha, não quero sair sangrando — disse, voltando a se molhar. — Vou ficar em casa. — Se a Lelê vai ficar em casa, então eu também vou ficar — Gabi disse, parando na porta do box e olhando para a irmã. — Não vou te deixar sozinha, tá, Lelê? — Gabi, você não precisa ficar aqui comigo — ela disse, sorrindo um pouco para a irmã. — Eu vou ficar sim. — Tem certeza que vocês não querem ir? — perguntei. — Sim — as duas responderam em uníssono. Certo, as vezes ficava muito nítido porque eram irmãs. — Tudo bem, então, podemos fazer a noite das meninas, o que acham? Pipoca, brigadeiro e filme da Barbie? — perguntei, sorrindo. — Isso! Isso, eu quero! — Gabi pulou, rindo. Letícia sorriu de leve também e assentiu. — Tá bom, pode ser. — Então, eu vou lá em casa pegar um pacote de absorvente para você, está bem? Tenho um fechado. — Está bem, mas, Helena? — Sim? — Você pode contar ao Daniel para mim? Eu tenho muita vergonha de falar. — Claro que sim, querida, não se preocupe — falei, saindo da porta do box. — Termine seu banho, eu já volto. Estávamos saindo do banheiro, quando Gabi falou: — Eu quero sangrar pela vagina também, porque aí, sempre comeremos pipoca, brigadeiro e veremos filmes da Barbie! Eu pude ouvir a risada de Letícia e ri também. Mas, de repente, Gabi se virou para mim e disse: — Tia Lena, o que é uma vagina? E por que ela sangra? Ah, Deus...

Lá vamos nós explicar algo difícil para uma criança de seis anos.

Capítulo 20 - Helena

— Eu ainda não entendi muito bem o porquê de as meninas terem desistido de ir para a festa — Daniel falou, fechando a porta do quarto delas. — O que você não me contou? Fomos direto para o seu quarto e nos deitamos na cama. Daniel estava sem camisa e logo me acomodei ao seu peito. — Sim, tem algo que não lhe contei — falei, acariciando sua pele clara. — As meninas desistiram de ir para festa, porque... Bem, a Letícia ficou mocinha. Daniel deu um pulo na cama, sentando-se e me obrigando a sentar também. Cheguei a ficar zonza, mas acabei sorrindo ao ver sua expressão assustada. — Como? — Você entendeu. — Quando isso aconteceu? Foi no shopping? Elas pareciam muito animadas quando fui buscar vocês. — A menstruação dela desceu na hora em que estava tomando banho. Ela ficou muito nervosa e envergonhada, por isso, não quis ir para a festa. — Poxa, ela deveria ter me contado assim que eu cheguei. — Como eu disse, ela estava muito envergonhada e pediu para que eu te contasse depois — falei, pegando em sua mão. — É normal, muitas meninas ficam mesmo envergonhada de contar algo assim para um homem. — Não queria que ela se sentisse desconfortável em conversar comigo — murmurou, suspirando. — Mas eu entendo o lado dela. Eu nem saberia como levar um assunto como este. — Ela não está desconfortável, apenas envergonhada, o que é normal. — Por isso que vocês me obrigaram a ver uma série de filmes da Barbie quando eu cheguei? — Foi uma noite de meninas — falei, rindo da careta dele. — Para, você gostou da Barbie e o Castelo de Diamante e ainda catou várias colheradas do nosso brigadeiro. — Eu gostaria mais se o castelo fosse de verdade e se fosse meu — disse, voltando a se deitar e me levando com ele. — Com essa minha beleza alemã, eu daria um ótimo lorde, príncipe ou rei... Não acha? — Acho que você é muito convencido, isso sim. — Imagina: “Senhoras e senhores, recebam a Vossa Majestade, o rei Daniel Huberman”. As súditas cairiam aos meus pés. — E saíram correndo quando a sua rainha aparecesse, pois sou melhor do que todas elas juntas!

Ele se virou para mim com um sorriso largo e cheirou meu pescoço. — Sim, você é. Seus lábios subiram sorrateiramente pelo meu pescoço, desenharam a linha do meu maxilar até a bochecha e soltei um suspiro ao sentir uma onda de excitação tomar conta do meu corpo. Queria me entregar a ele, matar a saudade, mas um assunto ainda precisava ser discutido. Suas mãos apertaram minha cintura e me obriguei a afasta-lo um pouco e manter um pouco mais da minha sanidade mental, antes de perder aquela luta para ele. — Eu estava conversando com a irmã no telefone, um dia desses — falei, sentindo sua ereção pressionar minha cintura. — Seu tarado, preste atenção em mim. — Estou prestando — disse, pressionando novamente sua ereção. — Estou prestando muita atenção em você. Você que está me ignorando... — Só mais alguns minutos e logo estarei lhe dando a devida atenção — falei, rindo. — Escute, por favor. Ela me pediu para passar o natal com ela e minha mãe. Dessa vez ele parou de me pressionar e olhou para mim, sua expressão divertida dando lugar a um rosto sério. — E você vai? — Eu tive uma ideia melhor, mas quero saber a sua opinião. — Fale. — Eu contei para minha irmã e para minha mãe, que eu conheci um cara incrível e que eu estou completamente apaixonada por ele... — Como esse cara é sortudo! — Ah sim, ele é — concordei, fazendo-o rir. — E elas estão muito curiosas para conhecer o homem que arrebatou o meu coração. — Eu também estaria curiosa, se fosse elas. — Então, eu pensei que elas poderiam vir aqui passar o natal conosco. Seria uma ótima oportunidade de vocês se conhecerem e eu ainda mataria a saudade que estou sentindo das duas. O que você acha? — Eu acho uma ótima ideia. Seria incrível conhecer sua mãe e sua irmã, você sempre fala muito bem delas e confesso que estou curioso para conhecer a sua irmã, em especial. Ela parece ser divertida. — Ah sim, ela é! Nem vou te falar o apelido que ela arranjou para você. — Para mim? — Sim. — E qual é? — Não vou falar. — Me conta, tenho que estar preparado e pensar em um a altura.

— Não, se eu contar, ela vai me matar. Mas, juro, combina muito com você — falei, colando meu corpo dele. — Realmente, combina bastante com você. — É algo sobre eu ser lindo e irresistível? Se for, realmente combina comigo. — Alguém já te disse que você é muito convencido? — Não, porque eu sou a modéstia em pessoa... Ele me calou antes mesmo de eu conseguir rir ou debater. Logo o seu corpo estava cobrindo o meu e a única coisa que saia dos meus lábios, eram gemidos.

DUAS SEMANAS DEPOIS O Aeroporto de Joinville estava bem movimentado, pois era antevéspera de natal. Vi algumas pessoas se abraçando e olhei para o relógio mais uma vez, ansiosa. O voo da minha mãe e da minha irmã estava atrasado em meia hora e eu estava contando os minutos para que ele chegasse logo. Queria muito abraça-las e matar a saudade, poder novamente sentir o cheiro das duas, conversar olhando em seus olhos. Só quem está distante da família sabe o quanto o peito aperta e o quanto a saudade, por vezes, parece insuportável. Olhei mais uma vez para o portão de desembarque e vi na tela a minha frente, que o avião que vinha do Rio havia acabado de aterrissar na pista. Pareceu que havia se passado horas, até que as vi. Minha mãe, linda como sempre, com minha irmã e minha cunhada. Foi minha irmã quem me viu primeiro, acenando loucamente para elas. Abriu um sorriso imenso e correu em minha direção, quase me derrubando quando, finalmente, me abraçou. — Meu Deus, Lena, quanta saudade eu estava sentindo de você! — ela murmurou em meu ouvido com a voz embragada. — Eu também estava louca de saudades. Nem acredito que estão aqui! Ela me apertou mais um pouco, até que ouvimos a voz de minha mãe: — Será que eu posso abraça-la também? Bel se afastou com os olhos cheios de lágrimas e senti meu peito se apertar em alegria por estar vendo-a novamente. Em seguida, foi a vez de minha mãe me abraçar com força e permiti que algumas lágrimas escapassem dos meus olhos. Havia algo especial em abraçar nossa mãe. Era como estar em casa, não importa quantas vezes no dia ela nos abraçasse. E agora, eu estava em casa. Minha mãe, mesmo sendo tão subserviente ao meu pai, sempre foi o meu porto seguro. E nossa relação ficou ainda mais estreita depois de tudo o que aconteceu. Foi ela que me amparou quando mais ninguém estava lá. Apesar de Bel ter me ajudado muito, minha mãe foi minha âncora, meu tudo.

— Querida, eu estava morrendo de saudades de você — disse ela, chorando. Nos afastamos um pouco, apenas para que ela pegasse meu rosto em suas mãos e olhasse para mim. — Você está bem? Está feliz? — Como nunca estive em toda a minha vida. — Você não imagina o quanto fico feliz em ouvir isso — murmurou, sorrindo apesar das lágrimas. — Estou muito curiosa para conhecer o seu namorado. — Ah, eu também! Mal posso esperar para conhecer o gigante de olhos azuis. — Vamos, ele está nos esperando em casa com as meninas. Abracei minha cunhada e saímos do aeroporto, felizes e quase uma agarrada às outras. Tomamos um táxi e fomos tagarelando pelo caminho. Minha mãe ficou encantada com as flores pelos caminhos, com o sol se pondo. Logo chegamos e as levei direto para minha casa, onde Daniel estava nos aguardando com Gabi e Letícia. — Elas chegaram, elas chegaram! — Gabi exclamou, se levantando do sofá assim que eu abri a porta da sala. Correu até nós e parou na nossa frente, com um sorriso enorme. — Oi, eu sou a Gabriela, irmã do Daniel, que é o namorado da tia Lena! — Gabi, calma — Daniel falou, sorrindo ao se aproximar dela. — Me desculpem, ela estava ansiosa para a chegada de vocês. A propósito, eu sou o Daniel — disse, estendendo a mão. — E eu sou a Letícia, a irmã do meio — Letícia disse, parando ao lado de Daniel. Eu esperei que alguma das três falasse algo, mas ao olhar para as duas, vi que estavam praticamente de boca aberta ao encararem Daniel. Eu quase ri, mas me segurei ao me lembrar que essa foi a mesma reação que tive ao vê-lo pela primeira vez. — Vocês podem falar alguma coisa — falei, arqueando uma sobrancelha. — Caramba... — Bel murmurou, ainda olhando para ele. — Quando você disse que ele era lindo... Quer dizer, forte... Hum... Alto, você não estava brincando. Bem, daquela vez, eu não pude segurar minha gargalhada. Bel, que não gostava de homens estava embasbacada! Realmente, parecia chocada. — De verdade... Não sei o que dizer — Nina disse, também boquiaberta. — Mamãe, fale alguma coisa. Minha mãe desviou o olhar dele e me olhou um pouco incrédula, mas manteve um pouco mais de compostura e sorriu, apertando, finalmente, a mão que Daniel já havia estendido há horas. — Olá, Daniel, eu sou a Maria Cecília, mãe da Helena. Minha filha fala muito bem você. — Ela também me fala muito bem da senhora. É um prazer conhece-la. — Por favor, sem o senhora, me chame apenas de Cecília, como todos fazem. — Eu sou a Bel, a sua nova cunhada favorita — disse Bel, apertando a mão dele. — Vai ser uma disputa de ego, vocês dois. — Não entendo porque ela fala isso, eu sou uma pessoa tão humilde — Daniel disse, sorrindo.

— Não é não, Dan. Você se acha muito — Gabi disse, olhando para ele. — Viu? Crianças não mentem. — Gabi, era para você ficar do meu lado. Eu tenho que impressionar a família da minha namorada. — Cara, com essa altura, você impressiona qualquer pessoa — Bel disse, rindo. — Viu, Lena? Eu não exagerei ao chama-lo de gigante de olhos azuis. — Ah, então é esse o apelido? — Ela enche o saco falando: “a Lena disse que o gigante quer nos conhecer”, “porque o gigante dos olhos azuis”, só sabe te chamar assim. Aliás, eu sou a Nina, esposa da Bel — disse Nina, ficando um pouco apreensiva ao falar perto das meninas. — Ah, meu Deus, elas sabem? — Sim, sabem, nós conversamos com elas — falei, tranquilizando-a. — Sabe, eu entendo porque a Bel não parava de falar de mim... Eu geralmente sempre fico marcado na mente de alguém, mesmo por telefone — Daniel disse, dando de ombros. A sala explodiu em uma risada e logo começamos a conversar, enquanto carregávamos as malas para o meu quarto. Pareciam que iriam passar meses na minha casa e não apenas um final de semana. Em seguida, nos reunimos na sala e pedimos pizza — para a alegria de Gabi, que começou a rodar e pular na sala, fazendo-nos rir. Ao olhar para aquele local, tendo minha mãe, minha irmã e minha cunhada conversando alegremente com Daniel, eu percebi que eu não poderia estar em outro lugar. Inconscientemente, sempre sonhei com aquilo: sentar com todos os que eu amava e conversar alegremente, sem reservas. Nunca pude, porque na casa dos meus pais, todos eram polidos e educados de mais. Na casa do meu marido, nós dois não conversávamos, quanto mais nos reunir para uma conversa casual com outras pessoas. Mas, agora, eu estava colocando em prática o que tanto desejei. Tinha um homem que eu amava e me amava de volta; tinha duas meninas lindas que amava como se fossem minhas filhas; tinha mãe, minha irmã e minha cunhada ali, tão pertinho. Estávamos todos reunidos. E tive ciência de que aquele seria o natal mais feliz de toda a minha vida.

Capítulo 21 - Helena O dia seguinte foi corrido, mas muito divertido. Decidimos fazer a ceia de natal na casa do Daniel, pelo fato de lá ser maior e ter um quintal mais aconchegante. Foi ótimo ver a minha mãe “colocar a mão na massa” e participar ativamente da preparação das comidas. Em nossa casa, papai nunca permitiu que minha mãe fosse na cozinha pegar uma água e ela, sempre subserviente, acatava todas as suas ordens. Então, vê-la chorar ao picar cebola era realmente algo que ficaria para sempre na minha memória. Com todas as comidas prontas e o chester no forno, partimos para o quintal e começamos a decorar a mesa com flores e imagens de Papai Noel. Daniel chegou um pouco depois das seis, com todas as bebidas e dois sacos de gelo. Com o barril cheio, as bebidas gelando e a mesa arrumada para a ceia, nos dividimos para tomar banho. Minha mãe, irmã e cunhada foram se arrumar na minha casa e eu fiquei na de Daniel, para ajudar as meninas a se arrumar. Com as duas prontas, corri para minha casa e tomei um longo banho, realmente feliz para cear naquela noite. Coloquei o vestido rosado que havia separado mais cedo, soltei os cabelos e me maquiei. Ao olhar meu reflexo no espelho, me senti verdadeiramente bonita e essa beleza ia muito além de algo físico. Ela vinha de dentro. Eu estava tão feliz, tão animada e me sentia bela, bonita de verdade. Saímos juntas e fomos para a casa de Daniel e encontramos os três já no quintal. Daniel havia colocado uma música e pulava, ansiosa para que desse meia-noite e o Papai Noel colocasse seu presente sob a árvore de Natal, que estava montada na sala. — Você está linda — Daniel disse em meu ouvido, quando me abraçou. — Você também está lindo. E estava mesmo. Estava com o cabelo solto, meio despenteado, daquele jeito que ele sabia que mexia comigo. Vestia uma calça jeans escura e uma blusa branca, que ficava bem justa em seu peitoral e braços fortes. Quase derreti quando me beijou. Sua língua tocou a minha com calma, mas mesmo assim, me encheu de desejo. Nos afastamos um pouco ofegantes e seu sorriso de lado me deixou com as pernas um pouco bambas. — Estou muito feliz, sabia? — Estou vendo pelo seu sorriso — disse ele, rindo. — Eu também estou muito feliz. Esse é o primeiro natal que passamos aqui, desde a morte da nossa mãe. Meu sorriso morreu um pouco e eu olhei em seus olhos, chocada com a revelação. — Jura?

— Sim. Normalmente, sempre passamos o natal na casa da Agnes ou do seu Jô. Nunca sentimos vontade de fazer uma ceia só para nós três, mas, com você aqui, isso mudou. Ter a sua família aqui, então... Não posso colocar em palavras o quão feliz eu estou. — Amor... — o abracei com força e senti seus braços fortes em volta da minha cintura. — Estou emocionada. — Eu também. — Meus natais nunca foram felizes e nem animados... Mas, esse aqui, está sendo o mais feliz da minha vida — me afastei um pouco e coloquei seu rosto em minhas mãos, para olha-lo nos olhos. — É o nosso recomeço, como uma família. — Sim, é o nosso recomeço. A partir de hoje, todos os nossos natais serão felizes. Eu prometo. — Eu também prometo. Ele sorriu e encostou a testa na minha. — Eu amo você. — Eu também amo você. De mãos dadas, nos sentamos onde estavam Letícia, minha mãe, minha irmã e cunhada e logo começamos a conversar. Daniel só mostrou às três o quão divertido ele poderia ser. Ali não tinha espaço para histórias tristes ou assuntos desagradáveis, todos nós estávamos em um clima de fraternidade e amizade e eu estava amando cada segundo daquilo. Agradecia a Deus, interiormente, pela minha família ter se dado tão bem com Daniel. Também, como poderia ser diferente? Ele era um cara incrível, brincalhão e era tão claro quanto água o quão amoroso e franco ele era. Um verdadeiro gentleman, como minha mãe o nomeou quando ele foi embora com as meninas, na noite passada. — Dan! Faltam cinco minutos para dar meia-noite! Vamos, está na hora de contarmos “5, 4, 3, 2, 1”! — Gabi disse, parando ao nosso lado. — Gabi, nós só começamos a contar quando faltam cinco segundos e não cinco minutos. — Mas não é a mesma coisa? Eu quero logo o meu presente do Papai Noel! Enquanto Daniel explicava para Gabi a diferença entre segundos e minutos, me sentei rapidinho ao lado da minha irmã. Ela sorriu para mim e deu mais um gole no vinho em sua taça. — Pensou no que eu te falei? — perguntei, ansiosa. — Hum... Sim, pensei! — ela sorriu, sabendo que eu odiava ficar curiosa. — Bel, fale logo! Juro que vou bater em você! — Até parece, você não consegue bater nem em uma mosca, maninha. — Bel, fale logo para ela, tadinha da Lena — Nina intercedeu por mim e Bel riu e revirou os olhos. — Está bem, está bem... — ela me olhou novamente e, de repente, deixou a taça em cima da

mesa e segurou minhas duas mãos. — Claro que eu digo sim. Óbvio. Como eu poderia dar outra resposta? Irmã, tudo o que eu quero é a sua felicidade, só isso. E eu posso ver o quanto você está feliz aqui, o quanto aquele gigante te fazer sorrir. Não poderia dizer não, mesmo se eu quisesse. — Ah, Bel! — sem me conter, a abracei com força, sentindo seus braços em volta de mim. — Você não imagina o quanto estou feliz. Muito obrigada! — E você não imagina o quanto estou feliz por vê-la feliz, Lena — disse, se afastando um pouco e passando os dedos embaixo dos olhos. — Droga, eu odeio chorar. — Para, você se finge de durona, mas é uma manteiga derretida — falei, também secando minhas lagrimas. — A irmã sentimental é você, não tenho pretenção alguma de roubar seu posto. — Gente, gente, agora está faltando cinco segundos! Vamos contar! Vamos! Com a voz animada e ansiosa de Gabi, nos levantamos e começamos a contagem regressiva. Eu guardaria para sempre na minha memória o sorriso de todo mundo, o brilho nos olhos e as nossas vozes contando em uníssono. Quando chegamos ao “1”, minha mãe foi a primeira me abraçar. — Meu amor, um feliz natal. Que Deus continue lhe abençoando e lhe dando toda a alegria do mundo. Você merece cada sorriso, cada suspiro e cada alegria que a vida está lhe proporcionando. Eu amo muito você, muito. — Mamãe, eu também te amo. Muito obrigada por tudo, por ter sido o meu suporte quando eu mais precisei, por me ajudar a levantar e por estar aqui hoje, comigo. Um feliz natal. Depois de um abraço apertado, ela me deu um beijo no rosto e se distanciou. Em seguida, veio minha irmã, que já estava chorando antes mesmo de me abraçar — isso porque ela era muito durona. Me abraçou com força. Em seguida, veio minha cunhada, que também era muito importante para mim. Quando ela se distanciou, senti dois braços mais finos ao redor da minha cintura, por trás. Me virei e encontrei Letícia. Ela me abraçou com força e eu deixei algumas lágrimas molharem a minha bochecha. — Lena, obrigada por estar aqui e por fazer o nosso natal tão feliz — ela murmurou e percebi que também estava emocionada, chorando baixinho. — Eu amo você e te quero para sempre nas nossas vidas. — Eu que agradeço a vocês, por permitirem a minha entrada nessa família tão linda. Meu natal também está sendo feliz, mais feliz de todos. Eu amo você e nunca, nunca vou embora. Vocês irão se enjoar de mim. — Duvido — ela sorriu para mim e eu sequei suas lágrimas com o polegar. — Feliz Natal, Lena. — Feliz natal, meu anjo. — Eu também quero abraçar a tia Lena! — Gabi disse, atrás de Letícia. Letícia riu e se afastou um pouco, permitindo que Gabi me abraçasse. A peguei no colo e rodopiei, ouvindo sua risada alegre.

— Feliz natal, tia Lena! Eu te amo! — Feliz natal, minha pequena. Eu também te amo muito, muito! Ela ainda estava rindo quando a coloquei no chão. Abraçou Letícia, dizendo que estava tonta e as duas se afastaram, com ela levando Lelê para ver se o Papai Noel havia deixando o presente sob árvore de natal. Eu ainda estava sorrindo feito boba, quando, novamente, senti braços ao redor da minha cintura. Mas dessa vez, eram braços fortes, braços que eu já conhecia muito bem. Me virei e encontrei Daniel sorridente, com uma sobrancelha arqueada. — Finalmente consegui abraçá-la... — murmurou, beijando meu pescoço e subindo lentamente até a minha orelha. Um arrepio de desejo marcou o meu corpo. — Você é a mulher da minha vida. Eu só tenho a agradecer por você estar aqui, agora, nos meus braços. Eu espero que um dia, eu te faça tão feliz quanto você me faz. — Você já faz. Não imagina o quão feliz você me faz. — E quero fazer ainda mais, para sempre — disse, voltando a me olhar. — Feliz natal, meu amor. Que todos os nossos natais seja assim, felizes, juntos, imersos em amor, paz e alegria. Eu te amo com todo o meu coração e toda a minha alma. — Feliz natal e esse é apenas o primeiro. Um dia, estaremos velhinhos, vendo os nossos netos brincando e vamos nos lembrar desse dia. E você vai ver os quão felizes nós fomos e continuaremos a ser. Eu te amo com tudo de mim. O beijo que ele me deu me deixou sem fôlego e com as pernas bambas. As vozes ao nosso redor se transformaram em um eco distante, o cheiro da comida foi substituído pelo cheiro dele e o meu coração transbordou de amor. Nos afastamos quando o grito de felicidade da Gabi chegou até nós dois. Ela veio correndo com uma caixa da boneca Barbie e Daniel sorriu para mim, emocionado ao ver a alegria dela. — Olha que lindo que o Papai Noel me deu! Eu sabia que tinha sido uma boa menina e ele deu o que eu pedi na minha cartinha! Minha boneca da Barbie! Estou tão feliz! Vou brincar com ela para sempre. Em meio à sua alegria e espontaneidade, começamos a distribuir os presentes. Deixei Daniel propositalmente por último e percebi que ele estava fazendo o mesmo comigo, ao dar os presentes da minha mãe, irmã e cunhada. No final, restou apenas nós dois. Ele sorriu e se aproximou de mim, com uma caixa retangular coberta por um tecido de veludo azul escuro. — Um presente especial, para uma das mulheres mais especiais da minha vida — disse, dando para mim. — Espero que goste. Eu já estava sorrindo antes mesmo de pegar a caixa de suas mãos, mas, quando a abri, quase perdi o fôlego. Era um colar lindo, de ouro, com um pingente da flor gérbera cravejada de pequenas pedrinhas cor de rosa. Ela brilhava em meio à luz e era a coisa mais linda e delicada que eu já havia visto na vida.

— Meu Deus... — murmurei, sem saber ao certo o que dizer. — Isso é um “gostei”? — Daniel perguntou, sorrindo. — Amor... É a coisa mais linda que eu já vi em toda a minha vida! É tão... Delicado, tão... — É você. Essa flor é você é isso nunca vai mudar — ele disse, aproximando-se mais de mim. — Posso colocar em você? Eu apenas assenti e segurei o meu cabelo para que ele pudesse colocar o colar em meu pescoço. Meus olhos estavam cheios de lágrimas, enquanto eu me lembrava daquela manhã tão especial, onde ele me disse o significado dessa flor e aconteceu o nosso primeiro beijo. Desde então, nosso amor se tornou a principal peça da minha felicidade. — Ficou lindo em você — disse ele, voltando a ficar na minha frente. — Eu estar com uma cara de boba, mas é exatamente como eu estou. Estou boba com esse presente tão lindo — falei, ficando na ponta dos pés para abraça-lo. — Eu sou louca por você! Obrigada. — Não precisa agradecer... E eu também sou louco por você. Antes que ele pudesse me beijar, eu sorri para ele me afastei. Peguei atrás de mim o grande embrulho e estendi para ele, dizendo: — Espero que você goste do meu presente também. Ele tomou o embrulho da minha mão e começou a tirar o papel de presente. Suas feições foram mudando, até que o violão fosse revelado. Era lindo, de madeira clara, praticamente igual ao que ele tinha no quarto, mas que já estava bem velhinho e antigo. — Meu Deus, Lena... — Isso é um “gostei”? — repeti a pergunta, sorrindo para ele. — Está brincando? Eu amei! Nossa... — Ah, não! Com esse brinquedinho novo, você vai ter que tocar para gente! — Bel disse. — Eu concordo — Nina disse. — Eu também, Gabi estava me contando que você toca e canta muito bem — minha mãe disse, sorrindo para ele. Seu sorriso para mim foi gigantesco e, em apenas alguns segundos, ele já tinha arrumado uma cadeira e se sentado. Dedilhou o violão e ajustou a afinação. Quando considerou que estava tudo perfeito, olhou diretamente para mim e disse: — Vou cantar essa música para você, Lena, que é o grande amor da minha vida. Eu descobri que você é Posso estar equivocado Mas não vou ficar calado Me desculpe fale alguma coisa se estiver errado

Sua luz é capaz de acender um país Seu sorriso transmite o que não é normal Uma pele Um corpo Um cheiro... Um olhar fatal No jardim a beleza da mais fina flor Inocência acima do bem e do mal Você é a mulher que encheu o meu peito de amor Quem é você? Você é o grande amor da minha vida Não me canso de dizer Todo mundo vai saber Que você é o grande amor da minha vida Meu coração quase socava o peito e senti minha garganta se fechar em um nó de emoção. Daniel olhava diretamente para mim enquanto cantava a música e, novamente, o mundo ao nosso redor deixou de existir. Quando ele terminou, se levantou e quase corri para os braços dele. Mas, lentamente, a cada passo, ele começou a recitar a poesia do final da música: “A paixão explode quando eu te vejo Nosso sobrenome sempre foi desejo Intimidade que eu nunca tive Uma liberdade de um voo livre O mais perfeito encontro do horizonte com o mar Eu acredito que pra sempre...” Comigo em seus braços, com seu rosto colado ao meu, ele sussurrou: — Eu sempre vou te amar.

Capítulo 22 - Helena — Faz amor comigo? — pedi assim que entramos no quarto. Daniel não fez questão de responder em voz alta. Com as duas mãos em minha bunda, me impulsionou até ter minhas pernas em volta da sua cintura e sua boca colada a minha. Encostou meu corpo na parede e um gemido longo escapou de meus lábios quando aprofundou o beijo, sentindo seu gosto, seu cheiro, levantando o meu vestido até ter minha pele em contato com suas mãos. Seu corpo estava quase fundido ao meu, seu pau semiereto sob a calça, tocando diretamente em meu clitóris, fazendo-me enlouquecer. Queria fazer amo com ele desde o momento em que o vi, no começo da noite. Suas provocações, beijos e toques me deixaram ainda mais estimulada, mas depois da música que cantou para mim, eu fiquei enlouquecida. Completamente dividida entre a emoção e o desejo que duelavam dentro de mim. A emoção eu senti a todo momento; agora, era hora de saciar meu desejo. Corri meus dedos pelo seu couro cabeludo, e desci até tocar em suas costas ainda cobertas pela camisa. A puxei para cima e ele me ajudou a tira-la, desconectando a boca da minha por alguns segundos e voltando logo em seguida, apertando minha bunda com força e roçando o pau em mim. Toquei em sua pele quente, os músculos definidos de suas costas e gemi contra a sua boca, sentindo meu clitóris pulsar de desejo. Meus mamilos estavam pesados, minha calcinha estava completamente molhada e minha língua roçava dele com cada vez mais força. Daniel me segurou e me levou até a cama. Me jogou em cima do colchão com pouca delicadeza e chutou os sapatos para fora dos pés, sem tirar os olhos de mim. Também tirei minhas sandálias e assim que abri minhas pernas, ele se deitou sobre o meu corpo, levantando o vestido até a minha barriga, roçando o pau totalmente duro conta meu clitóris necessitado. Seu nome saiu como um suspiro dos meus lábios, meu corpo estava teso, necessitado para gozar. Em poucos segundos meu vestido já estava no chão. Meu sutiã e minha calcinha foram pelo mesmo caminho, assim como a calça e a cueca dele. Pensei que iria me penetrar, seu olhar intenso passou por todo o meu corpo, concentrou-se em minha boceta molhada, mas, ao invés disso, ele se ajoelhou aos pés da cama e me puxou pela bunda, até que minha vagina parasse em frente à sua boca. Quando sua língua acariciou o meu clitóris, meus olhos se reviraram até que eu enxergasse apenas o desejo na minha frente. Meu corpo estremeceu e Daniel esqueceu deixou de lado a delicadeza, abriu a boca sobre a minha boceta e chupou meu clitóris com força. Virei minha cabeça para o colchão na mesma hora em que um grito saiu da minha boca. Tentei mexer meus quadris, mas ele me segurava no lugar e seus lábios sugavam meu feixe de nervos

com força e precisão, deixando-me louca, com as paredes vaginais pulsando, completamente arrebatada e suspenda entre um prazer quase doloroso e o desespero para gozar. Quando deixou meu clitóris, desceu com a língua firme até a minha entrada e começou a penetra-la ali, entrando e saindo, acariciando o suficiente para fazer meu corpo estremecer sobre o colchão. — Daniel, por favor... Por favor... — pedi, sem saber pelo quê, revirando os olhos de prazer. Afundei as unhas na cama quando ele voltou a dar atenção ao meu clitóris, dessa vez dando lambidas rápidas e certeiras, sem parar, subindo e descendo. Foi o meu fim. Minhas paredes vaginais se apertaram, meu clitóris pulsou e uma sensação de prazer tomou conta de todo o meu corpo quando gozei. Fiquei com a boca colada ao colchão até parar de gemer, até minha vagina parar de pulsar pelo prazer enorme, até meu orgasmo acabar. Daniel subiu com beijos pela minha barriga e estremeci quando colocou um mamilo na boca e o sugou. Quando abri os olhos, encontrei-o olhando diretamente para mim, com o bico duro entre os lábios. Quando lambeu e em seguida o soprou, senti meu clitóris pulsar, voltando a se excitar. Foi para o outro mamilo e repetiu o gesto, um gemido rouco escapando de sua garganta, enquanto sugava devagar, lambia e depois soprava, deixando os dois mamilos duros e pontudos. Seus olhos ainda estavam nos meus quando a cabeça larga de seu pênis esticou minha entrada. Me penetrou devagar, tocando em cada nervo sensível pelo gozo recente, deslizando pelas paredes vaginais molhadas de desejo. Mexi meu quadril para encontra-lo mais rápido e ele mordeu o lábio inferior. Apoiou uma mão no colchão, acima da minha cabeça e a outra passou pelos nossos corpos, até seu dedo médio tocar o meu clitóris. Acariciou-o devagar, em uma tortura lenta, que combinava perfeitamente com a penetração. — Você quer me enlouquecer... — murmurei, mexendo os quadris para alcança-lo e roçar ainda mais meu clitóris em seu dedo. — Eu quero sentir você, bem devagar... — disse, encostando os lábios nos meus. — Sinta o quão bom nós somos assim, amor... Meu pau dentro de você, sua boceta apertadinha se abrindo para me receber... Você é deliciosa. Suas palavras me deixaram ainda mais excitada e ele aumentou um pouco a velocidade das investidas. — Adoro quando você me aperta, adoro o quão molhada você fica para mim, Lena... Gemi, sem conseguir articular as palavras. Meu corpo era só sensações, meu cérebro estava completamente conectado com que acontecia lá embaixo, com o prazer e o pulsar do meu clitóris, os nervos sensíveis da vagina. — Quer mais? Mais rápido? — Sim, mais rápido... Ao invés de fazer o que pedi, ele simplesmente saiu de dentro de mim. Abri os olhos em choque, rapidamente voltando a pensar, mas antes que eu pudesse falar algo, ele me segurou pela cintura

e me virou. Me deitou de barriga para a cama e levantou meus quadris, até que eu ficasse sobre os meus joelhos, com a bunda empinada para ele. Era impressionante como ele conseguia me mover como se eu fosse uma marionete. E eu simplesmente adorava aquilo. Sem mais, ele me penetrou com força dessa vez, começando a entrar e sair, sem parar. Enterrei meu rosto na cama e gemi em algo e bom som, sentindo as estocadas até o fundo, tocando todos os meus nervos, deixando-me ensandecida. Ele mudou o ângulo e seu pau tocou um ponto em específico, que me deixou alucinada. Arranhei o colchão e senti seu corpo se curvar sobre o meu, seus dentes rasparam em minhas costas e seus lábios se fecharam em minha nuca, sugando a pele, fazendo um arrepio de prazer passar por todo o meu corpo. Não consegui me segurar e quando seu dedo médio voltou a mexer em meu clitóris, o mundo desabou a minha volta e eu gozei com força, chamando o seu nome, arranhando a colcha da cama, sentindo seu pau entrar e sair ao ponto de prolongar meu orgasmo. Daniel também gemeu em meu ouvido, meu nome saiu em um tom rouco dos seus lábios e seu corpo ficou tenso quando gozou bem no fundo, dentro de mim, sem parar de me penetrar. Sua respiração em meu ouvido me fez relaxar e fechei os olhos, sentindo o meu corpo languido e saciado. Beijos se espalharam em minha nuca, minhas costas, até que ele saiu devagar de dentro de mim. Seus braços me levantaram da cama, o suficiente para que ele tirasse a colcha e logo voltamos a nos deitar, da forma correta dessa vez, com a cabeça no travesseiro. Colei meu corpo ao dele e ele me beijou com carinho, seus dedos desenhando a linha do meu maxilar, seu gosto e seu cheiro me envolvendo. Quando nos afastamos, o sorriso bobo não queria sair dos meus lábios. — Feliz? — Muito e você? — Imensamente feliz — respondeu, passando o braço pela minha cintura. — Nunca pensei que um dia me sentiria assim. — Nem eu. Quero me sentir assim para sempre... Ele sorriu e nos beijamos novamente, até que eu me afastei, ansiosa para, finalmente, contar a ideia que havia tido. — Conversei com a mãe e a minha irmã ontem, antes de dormirmos... E disse a elas que aqui é o meu lugar — falei, vendo que ficou mais interessado no assunto. — Que eu não vou voltar para o Rio. Só para visita-las, talvez, mas que vou morar aqui, definitivamente. — Jura? — perguntou, animado. — E o que elas disseram? — Me apoiaram. Elas realmente amaram você e amaram as meninas, viram o quanto eu estou feliz e o quanto você me faz bem. Ele sorriu e seu corpo cobriu o meu. Sua barba roçou em meu pescoço e eu sorri, sentindo

cócegas. — Hum... Esse é o um motivo para comemorarmos, não acha? — perguntou, mordendo o lóbulo da minha orelha. Senti seu pau semiereto pressionar minha barriga e uma onda de desejo tomou conta do meu corpo. Queria realmente abrir minhas pernas e recebe-lo novamente, mas me segurei e o afastei só para ver o seu rosto. Com seus olhos dentro dos meus, continuei a falar: — Mas isso não é tudo. — Não? O que tem mais? — Bem, já que vou morar aqui, não posso ficar de pernas para o ar para sempre... Por isso, conversei com a minha irmã e, bem... Vou abrir uma filial da nossa loja aqui. Quero andar pelo centro de Joinville e olhar as lojas que tem para alugar, quero planejar tudo... Estou realmente ansiosa para começar a trabalhar. Ele sorriu para mim, animado. — Isso é bom! Isso é muito bom, Lena. Tenho certeza que vai te fazer muito bem voltar a trabalhar com o que gosta, com a sua loja. Estou muito feliz por você. — Sim, mas, para que isso aconteça, eu preciso de alguém para me ajudar. Ele franziu o cenho. — Bom, sempre tem alguém em busca de um emprego, ainda mais nessa crise em que estamos vivendo. — Sim, mas eu preciso de alguém específico, sabe? Um homem alto, loiro, de olhos azuis, que está em cima de mim agora e que tem experiência com administração — falei, tocando em seu rosto. — Quer ser o meu sócio nessa loja? Daniel ficou um tempo em silêncio, seus olhos dentro dos meus, como se estivesse em choque. Em seguida, se ajoelhou no meio das pernas e me puxou delicadamente pelas mãos, até que eu estivesse sentada na frente dele. — Está... Está falando sério? — Acha que eu brincaria com um convite como esse? — perguntei, sorrindo. — Claro que estou falando sério. Eu quero muito que trabalhemos juntos, que lutemos por algo que é nosso. Quero você ao meu lado em todos os momentos, em todos os aspectos da minha vida. Ele ainda parecia chocado, mas depois de alguns segundos, sorriu abertamente para mim. Suas mãos seguraram o meu rosto e uma gargalhada de felicidade escapou por sua garganta. — Meu Deus, Lena, eu nem sei o que dizer... — Diga “sim”! — Você tem noção do que está me pedindo? Tem noção do quanto isso é importante para mim? Sempre sonhei em trabalhar na minha área, em colocar em prática o que aprendi no curso técnico e no que aprendi no início da faculdade... Meu Deus, Lena... — Eu sei quanto isso é importante para você e sei que você é um homem incrível, o que me leva a crer, que será um profissional excepcional. Eu quero muito, muito que você esteja comigo nessa

loja, que trabalhemos juntos. Por favor, diga sim. Ele me olhou nos olhos e me beijou na boca, seu corpo caindo sobre o meu até me deitar novamente na cama e se deitar por cima de mim. — É claro que eu digo sim! — falou entre os meus lábios, rindo. — Com certeza, eu digo sim uma, duas, três vezes... Quantas vezes mais quer que eu repita? — Quero que repita baixinho no meu ouvido, quando estiver dentro de mim. Seu sorriso ficou mais sensual e senti a cabeça larga do seu pênis acariciar toda a minha vagina, até me penetrar. Quando chegou ao fundo, ele parou e sussurrou em meu ouvido: — Sim, meu amor... Sim, mil vezes sim. Um gemido escapou dos meus lábios e me entreguei completamente ao homem da minha vida.

Os dias passaram rapidamente. Minha mãe, irmã e cunhada foram embora no começo da semana, com lágrimas e promessas de mais visitas e logo era réveillon. Passamos a virada da noite na casa do seu Jô, em uma ceia linda com ele, dona Manuela e alguns vizinhos. Como não tinham filhos, sempre faziam uma festa e convidavam as pessoas mais próximas — o que era quase toda a vizinhança e clientes que frequentavam a mercearia. Daniel tinha conversado com seu Jô e contou o nosso plano de abrir uma loja ali. No começo, ele ficou preocupado, pois achou que seu Jô poderia ficar chateado por ele estar saindo da mercearia, depois de anos trabalhando lá. Mas, ao contrário do que achou, seu Jô ficou feliz e até mesmo emocionado por saber que ele iria trilhar o caminho que sempre sonhou. Seu Jô era mesmo um homem maravilhoso. Um senhor íntegro, simpático, que amava Daniel como se fosse um filho. Daniel continuaria trabalhando na mercearia até a loja ser aberta e seu Jô contratar uma nova pessoa. Já estávamos pesquisando lojas para alugar e logo no começo da semana, iríamos visitar algumas. Tudo estava caminhando tão bem, como deveria ser e eu torcia para que o novo ano que estava vindo, fosse tão feliz quanto o final deste. — Faltam cinco segundos, gente! Cinco segundos! — Gabi gritou, fazendo todos sorrirem. Dessa vez realmente faltavam cinco segundos e logo começamos a contagem regressiva. “Cinco... Quatro... Três... Dois... Um!”. Alguém estourou um champanhe, os fogos começaram a brilhar no céu, mas tudo o que eu senti foram os braços de Daniel ao redor de mim e sua boca na minha. Depois de um longo beijo, ele sussurrou em meu ouvido: — Feliz ano novo, meu amor. Será um ano de muitas vitórias e benções nas nossas vidas. Eu amo você.

— Sim, será! Feliz ano novo. Eu te amo com todo o meu coração. Realmente amava e amaria para sempre.

Capítulo 23 - Daniel DIAS DEPOIS Me despedi da dona Rosa e voltei para a caminhonete, finalizando as entregas da parte da tarde. Dirigi observando as lojas fechadas, vendo os melhores pontos, onde era mais ou menos movimentado. Estava completamente animado e feliz! Estar montando uma loja com Helena, vendo cada detalhe, pesquisando, montando gráficos, perspectivas, fazia com que meu sangue voltasse a correr nas veias. Me senti como o Daniel de antigamente, excitado com o futuro profissional, visando, finalmente, fazer algo que eu realmente amava. E, melhor ainda, com a mulher que eu amava. Estacionei em frente a mercearia do seu Jô e franzi o cenho ao ver a viatura da polícia ali. Assim que entrei, dois policiais estavam na frente do balcão e seu Jô falava nervosamente: — Eu não tive tempo de fazer nada, eu estava lá atrás, com minha esposa... Dio mio, isso nunca aconteceu antes. — Seu Jô... O que houve? — Menino Daniel, nós fomos roubados! — Como? — Um homem encapuzado aproveitou que a loja estava vazia e roubou o caixa — o policial disse, olhando-me. — E você, quem é? — Sou Daniel Huberman, trabalho para o seu Jô — falei, dando a volta no balcão. Seu Jô estava pálido. — Acalme-se, seu Jô. Eles fizeram algo contra o senhor ou contra a dona Manuela? — Não. Eu estava na cozinha com ela e quando voltei, o caixa estava aberto e vazio... Por sorte, eu sempre deixo as notas de valores mais altos lá dentro. — Que bom que não aconteceu nada mais grave. — Sim — o outro policial concordou. — Seu Jô, o senhor precisa ir até a delegacia amanhã, prestar depoimento. Já temos a gravação da fita de segurança. Garanto que iremos encontrar esse assaltante. Depois de mais algumas palavras, os policiais saíram. Seu Jô se sentou no banquinho que ficava atrás do balcão e passou a mão pela testa pálida e suada. — Seu Jô, o senhor está muito abalado. Por que não vai descansar? Eu tomo conta de tudo. — Eu prefiro fechar a loja, menino Daniel, só por hoje. Não tenho condições de deixar aberto, é muito perigoso. Isso nunca aconteceu antes! Nossa cidade sempre foi tão calma... Não tenho

inimigos, gosto de todos. Por que iriam fazer uma maldade dessas comigo? Ele estava desolado e com toda a razão. Apertei seu ombro, consolando-o. — Há pessoas ruins em todos os lugares, seu Jô, infelizmente. Como esse bandido conseguiu abrir o caixa? O senhor esqueceu de trancar? — Eu acho que sim... — ele disse, seus ombros caídos de desanimo. — Pela filmagem, eu tive certeza que deixei aberto. Foi um descuido meu... — Mas a culpa não é do senhor. Quem fez isso, provavelmente, já vinha observando a mercearia... Mas isso não vai se repetir, seu Jô. — Eu espero que não — disse ele, levantando-se. — Obrigado, menino Daniel. Você é um homem de ouro. Vá para casa e descanse, eu vou fechar a mercearia... Amanhã, você pode chegar um pouco mais cedo? Manuela e eu temos que prestar depoimento... — Claro, não se preocupe. Descanse, tudo bem? Não fique com isso na cabeça, o que realmente importa, é que o senhor e a dona Manuela estão bem. — Sim, isso é verdade. Apesar de demonstrar calma, eu também estava nervoso. Um roubo na mercearia do seu Jô, que era amigo de todos na cidade, era algo quase inimaginável. Mesmo sabendo que o mundo estava bem deturpado, que o perigo sempre estava próximo, nunca imaginamos que algo como isso pode acontecer tão próximo da gente. Ou com a gente. Ajudei a fechar a mercearia e acompanhei seu Jô até em casa. Dona Manuela, que pensei que estaria mais agitada e nervosa, estava um pouco mais calma que o marido e tinha feito chá para os dois. Me despedi pedindo, mais uma vez, para que mantivessem a calma e garantindo que estaria bem cedo na mercearia no dia seguinte. Enquanto caminhava para casa, minha cabeça ainda tentava processar tudo o que tinha acontecido. Superando o nervosismo, a raiva me pegou em cheio. Para roubar a mercearia do seu Jô era preciso ter mais do que falta de caráter. Precisava ser covarde. Quantas e quantas vezes eu já presenciei o seu Jô ajudando a moradores, a pessoas desconhecidas... Seja oferecendo um lanche, mandando alimento não perecível para algum vizinho que estivesse passando necessidade ou oferecendo um emprego, como fez comigo, por exemplo. Quem faria uma maldade dessas com um senhor tão bom? Só alguém tão covarde que escondeu o rosto, esperou que a loja ficasse vazia e atacou. Graças a Deus, não tinha atentado contra a vida de seu Jô ou de dona Manuela. Minha vontade era de trucidar o desgraçado. HELENA — Tia Lena, a Letícia vai demorar muito? Quero comer o sorvete logo! A voz de Gabi me saudou quando cheguei na sala. — Ela já deve estar chegando, querida... — falei, me juntando a ela no sofá.

Ela deu play no filme da Barbie e os Quebra Nozes e voltamos a assistir, agora com um balde de pipoca ao nosso lado. Rimos de uma cena e então, a porta da sala se abriu. Esperávamos por Letícia, mas foi Daniel quem entrou com o semblante sério. Me levantei e fui até ele, abraçando-o pelo pescoço e dando um beijo em seus lábios. — Chegou cedo! — Dan, que bom que chegou! Vem ver o filme da Barbie com a gente! — Gabi disse, sorridente. Ele sorriu de leve para ela e olhou ao redor com o semblante franzido. — Onde está Letícia? — Ela foi ao mercado comprar sorvete de chocolate! — Gabi respondeu, animada. — Quero muito comer sorvete de chocolate! — Sozinha? — perguntou, afastando-me. — Você deixou a Letícia sair sozinha? — Ela só foi até o mercado... Ele não esperou que eu terminasse de falar. Simplesmente me tirou de seus braços e me deu as costas, voltando para o quintal. Confusa, pedi para que Gabriela continuasse a ver o filme e fui atrás dele, encontrando-o perto do portão de ferro. — Daniel, espere... O que houve? — O que houve? Como você me pergunta o que houve? Como teve a coragem de deixar a minha irmã sair sozinha? Senti meu coração falhar uma batida quando seu dedo apontou para o meu rosto. Ele gritava e suas feições estavam contorcidas por raiva. — Eu... Eu não... — Eu espero, do fundo do meu coração, que não tenha acontecido nada com a minha irmã. Juro por Deus, Helena, eu espero, senão... Ele não terminou e eu me perguntei o que diabos estava acontecendo ali. Nunca tinha o visto tão transtornado daquela forma. — Daniel, por favor... Não vai acontecer nada, pare com isso. Letícia foi apenas no mercado, que, se você não se lembra, fica na rua detrás da nossa casa — falei, tentando apaziguar a situação. — Minha irmã só tem treze anos! Ela é uma criança, você não imagina o quanto o mundo está perigoso! — Sua irmã já tem treze anos. Ela pode ir sozinha em um lugar perto... Ela não foi para o outro lado da cidade... — falei, rindo um pouco, mas sem humor algum. — Você acha que é quem para se meter na nossa vida? Onde minha irmã pode ou não pode ir? Olhei para ele em choque. Depois de todo aquele tempo de relacionamento e companheirismo, não esperava que ele jogasse coisas assim na minha cara. Senti mágoa, mas, acima de tudo, senti raiva. Ele claramente já tinha chegado estressado em casa, mas não tinha motivos para descontar

tudo em mim por um motivo tão bobo. — Eu estava tomando conta dela. Achei que eu tinha o poder para decidir algo! — falei, minha voz saindo mais alto por conta da raiva, minhas mãos na cintura. — Não, você não tem! — Daniel, por favor. Eu não sou nenhuma irresponsável. A Letícia já melhorou tanto, ela precisa ter um pouco de independência, precisa se sentir um pouco autossuficiente. — Ah, sim, falou a mulher super-responsável que matou o próprio marido! Suas palavras me atingiram com tanta força, que senti o ar escapar dos meus pulmões. Foi como tomar um soco na boca do estômago. Dei dois passos para trás, chocada, aturdida. Aquele homem na minha frente não era o mesmo homem com quem eu compartilhava uma vida. Não poderia ser. O Daniel que eu amava jamais usaria aquela história para me magoar daquela forma, nunca, nem pelo pior motivo do mundo, muito menos por algo tão bobo. Eu cheguei a piscar algumas vezes, obrigando-me a enxergar o monstro que havia falado aquilo, mas só enxerguei ele. O homem que eu amava, que sempre me protegeu, que repetia mil e uma vezes que a culpa não tinha sido minha. Mas que agora esfregava na minha cara o que realmente achava. Eu estava tão feliz por ter permitido Letícia ir sozinha ao mercado, por ter dado a ela uma responsabilidade maior do que manter o seu quarto limpo e ela também se mostrou tão feliz... Ela estava crescendo, se tornando uma moça, precisava ter um pouco mais de liberdade e responsabilidade. Nunca passou pela minha cabeça que esse seria o motivo para que eu descobrisse, de repente, o que Daniel verdadeiramente achava de mim. Abracei a mim mesma, sentindo-me tão suja e tão pequena. Tão inferior e incapaz. A culpa tomando conta do meu coração e da minha mente. De repente, não era apenas a culpa por ter apertado o gatilho da arma que matou meu marido. Era também a culpa por ter me metido em uma família que não era minha. Por ter permitido que Letícia tivesse saído e que algo realmente sério poderia ter acontecido com ela. Talvez eu realmente não fosse tão responsável quanto eu pensava. — Ela vai ficar bem — eu murmurei, talvez mais para mim mesma do que para ele. — Ela está bem, ela já deve até estar voltando. Não vai acontecer nada. — Eu espero — ele disse em um tom baixo, mas eu não olhei para ele. Eu não conseguia mais encara-lo. Olhei para a nossa calçada, apenas esperando. Letícia apareceria. Ela já estava chegando, eu tinha certeza e viria para casa sem um arranhão. Ela voltaria. Já deveria estar a caminho... Quando a vi chegando perto do portão, senti meu corpo quase desabar. Foi como se um peso enorme tivesse saído das minhas costas. Ela estava bem. Ela sorriu para mim e eu quis tanto retribuir, eu quis tanto fazer alguma coisa, correr para abraça-la, tocar em sua pele, checa-la, mas não pude. Eu não conseguia sair do lugar.

Vi de relance quando Daniel a abraçou com força. E eu fiquei feliz por ele. Pelo alívio que ele demonstrava estar sentindo e a culpa me engolfou com mais força. Onde eu estava com a cabeça? No que eu estava pensando quando a deixei ir? Letícia e Gabriela eram a vida de Daniel. Se algo acontecesse com qualquer uma delas... Ele nunca iria me perdoar. Eu nunca iria me perdoar. Eles falaram alguma coisa, mas não consegui compreender. Eu ainda abraçava a minha mesma e me sentia tão confusa. Eu já havia me sentido daquela forma antes; presa em minha própria mente, consumida por pensamentos e pela dor que me deixava tão diminuta. Quis correr dali. Quis me esconder. Quis, ao mesmo tempo, pedir perdão a Daniel e abraçar Letícia com força, mas não consegui. Eu não conseguia sair da porra do lugar! — Helena? O toque de Letícia em meu braço quase me tirou do torpor. Eu pulei para trás, assustada e consegui focar meus olhos nela. — Você está bem? Está pálida. — Eu estou bem, você está bem? — acho que as palavras saíram rápidas demais, mas Letícia assentiu. — Sim, estou bem. Por que você e o Dan estão me perguntando isso? — Eu fico feliz que esteja bem, por favor, me perdoe, eu não quis que ela se machucasse, Daniel, eu nunca faria nada para magoar qualquer um de vocês, eu sinto muito, mas estou muito feliz que esteja bem, eu... — eu não sabia o que estava falando, meus olhos marejaram ao ponto de eu ao menos conseguir distinguir o que estava na minha frente. — Eu tenho que ir, eu... Eu passei por eles e andei. Eu sabia que tinha que dar dez passos para sair dali e mais dez para alcançar o portão da minha casa. Alguém me chamou, mas eu abri o portão. Em oito passos, estaria na porta de madeira branca. Minhas mãos tremiam quando tentei colocar a chave na fechadura. Eu consegui na segunda tentativa. Virei, abri a porta, tranquei atrás de mim. Meu coração batia como um louco em meu peito, minhas mãos suavam e eu tremia fortemente. Tentei me mover, mas minhas pernas falharam e eu caí no chão. Meus pés e as pontas dos dedos formigavam. Me arrastei para o tapete, consegui me deitar e abracei a mim mesma, enrolando-me e balançando-me. Você está em pânico, lute para escapar. Você está em pânico, lute para escapar, você está em pânico, lute para escapar... A voz da minha mãe e da minha irmça brigavam em minha mente. Pânico. Escapar. Eu tinha que escapar, eu não queria ficar daquela forma de novo, não queria. Lute! Escape! Lute! Não se deixe levar. Eu ia conseguir. Não se deixe levar. Não se deixe levar.

Não Se Deixe Levar.

Capítulo 24 - Daniel — Daniel, o que aconteceu com ela? — Letícia perguntou, mas eu só conseguia olhar para a porta de madeira da casa ao lado. — Daniel, pelo amor de Deus, o que houve? Ela me puxou pelo braço e eu olhei para ela, ainda muito chocado, muito assustado. Helena parecia estar transtornada. Cheia de dor. E eu sabia o porquê. — O que você fez? — ela perguntou, olhando para mim. — Algo horrível — murmurei, desviando o olhar. — Horrível, muito, muito ruim, — O quê? — ela perguntou baixinho, como se estivesse chocada demais para acreditar. — Deixa, eu não quero saber. Você tem que ir lá. Eu olhei novamente para a porta branca, sentindo-me um pouco desorientado, sem saber o que realmente fazer. — Você me ouviu? Você precisa ir até lá! Agora! Letícia me puxou até o portão e eu me deixei levar. Quando alcancei a calçada, ela fechou o portão de ferro e se virou para mim: — Vá até lá, converse com ela e peça perdão. Eu não quero perder a Helena, então, por favor, conserte a burrada que você fez! Perder a Helena. Essa frase foi como um efeito de choque. Me despertou de vez e me colocou em ação. Perdê-la não estava em questão, por isso, corri para casa ao lado. Abri o portão de ferro e o deixei se fechar atrás de mim, subi os degraus e tentei abrir a porta. Estava trancada. Usei a chave extra que sempre estava comigo e consegui destrancar a porta. A cena que encontrei ao entrar naquela casa nunca sairia da minha mente. Helena estava deitada no chão, em posição fetal. Seus braços apertavam com força as pernas dobradas na frente do peito e da barriga. Ela se balançava, sua carne tremia e suava, seus olhos estavam arregalados e vidrados. O desespero tomou conta de mim, juntamente com uma dor que era difícil de descrever. Corri para ela e tirei a mesa de centro do meio do caminho. Me ajoelhei a sua frente e toquei em seu rosto, mas seus olhos não se focavam em mim. — Helena! — chamei e ela continuou se balançando. — Helena, por favor, meu amor, fale comigo! — Não se deixe levar, não se deixe levar, não se deixe levar... — ela murmurava em pânico. — Olhe para mim, por favor... — pedi, sentindo minha garganta se fechar em um nó. — Por favor... Saquei o telefone do meu bolso e liguei rapidamente para a emergência. Deixei no modo alto-

falante ao meu lado e voltei a toca-la, a mexer em seu rosto e tentar fazer com que seus olhos focassem em mim. — Aqui é da emergência, com quem eu falo? — Daniel! Por favor, minha namorada está em choque! — Por favor, senhor Daniel, descreva como está a paciente. — Seu corpo está em posição fetal, está tremendo e suando muito. — Olhos fixos em algum lugar? — Sim. — E sua respiração? — Muito rápida. — Língua enrolada? — Não, ela está sussurrando algo... Por favor, me ajude! — Senhor, por favor, preciso que me escute. Ela está em pânico. Por favor, a tire da posição fetal com cuidado, pois preciso que o peito dela não fique pressionado, para que a possa voltar a respirar normalmente. Obedeci. Pensei que seria difícil tira-la da posição em que estava, mas, apesar eu estar trêmulo e nervoso, o corpo de Helena seguiu o meu comando. Tirei os seus braços ao redor de suas pernas e a coloquei deitada de costas, com as pernas abaixadas e braços nas laterais do corpo. — Pronto. — Certo, agora, entre no campo de visão dela e fale para ela começar a respirar fundo, lentamente. Quase colei meu rosto junto com o de Helena e pude sentir seus olhos se focarem lentamente nos meus. Toquei em seu peito e comecei a pedir. — Por favor, querida, respire devagar, lentamente... Por favor, por favor... — Senhor, por favor, tente passar o máximo possível de calma para a paciente. Fechei meus olhos, respirei fundo e os abri novamente. Dessa vez, pausei minha mão no rosto dela e acariciei de leve. — Respire fundo, querida, devagar... Por um momento, pensei que ela não me ouviria. Ela continuava a tremer, suar e murmurar. Já estava quase ficando desesperado de novo, quando ela parou de falar e seguiu o que eu falava. Sua respiração, lentamente, começou a ficar regular. Seu peito enchia e esvaziava e eu senti minhas pernas ficarem moles de alívio. Graças a Deus eu estava ajoelhado, pois poderia facilmente cair em cima dela. — Ela está obedecendo, está respirando regularmente. — Certo, senhor. Por favor, me dê o seu endereço e em alguns minutos, uma equipe estará aí para avalia-la. Fique calmo, pois o ataque de pânico diminui com a respiração e ela não entrará

em colapso novamente. Passei o endereço para ela e logo desliguei o telefone. Quando voltei a fitar Helena, ela tinha os olhos cheios de lágrimas cravados em mim. — Eu sinto muito... — ela sussurrou, ao mesmo tempo em que suas lágrimas começaram a molhar seu rosto. Deus, eu não poderia acreditar que era ela quem estava me pedindo desculpas. Era inconcebível. Não quando eu era o verdadeiro culpado por tudo aquilo. — Nunca peça desculpas, nunca — pedi, inclinando-me para beijar sua testa suada. — Nunca. Eu me sentia um covarde. O pior de todos os homens. O que falei para ela, a forma como a tratei era imperdoável. Como eu tive a coragem de usar algo tão doloroso para afeta-la daquela forma? E tudo por quê? Por causa do meu desespero desmedido? Não era motivo, muito menos desculpa. A beijei novamente e ouvi o barulho da ambulância. Ia me levantar, mas ela me segurou pela camisa, impedindo-me. Tive muito medo de que voltasse a entrar em pânico e não a deixaria sozinha de forma alguma. Alguns minutos depois, a equipe de hospital entrou na casa dela. Os enfermeiros pediram para que eu me afastasse um pouco e o fiz, mas minha mão estava sempre na dela. Checaram sua pressão, batimento cardíaco e reflexo. A garganta. Fizeram algumas perguntas e ela respondeu a todas, bem mais calma agora. Disse que os pés e as mãos não formigavam mais e o médico disse que o tremor leve nos músculos era só um resquício que logo iria embora. Graças a Deus, não foi preciso leva-la para o hospital. Ela estava bem e fora de perigo. A coloquei no quarto, deitada na cama e acompanhei o médico até a porta. Ele aconselhou que ela visitasse um psicólogo, apenas para conversar. Eu sabia o que ele queria dizer, mas aquele não era o momento para esse tipo de assunto. Jamais a perturbaria com isso, não agora. Eles se foram e alguns vizinhos se aproximaram da casa, bem como Letícia com Gabi ao seu lado. Vi que as duas estavam assustadas, mas garanti que Helena estava bem, que havia sido apenas a pressão que tinha abaixado. Os vizinhos se dispersaram e eu pedi para Letícia ficasse com Gabi em casa. Quando voltei para o quarto, Helena estava deitada olhando a janela que estava aberta. O dia estava terminando lá fora. Me deitei com cuidado ao seu lado, para não a assustar e seus olhos voltaram a me fitar. Este era um daqueles momentos em que temos muito para falar, mas o cérebro fica em branco. Eu nem sabia por onde deveria começar a me desculpar — se é que tinha perdão para o que falei e para o que a fiz passar. — Estou com muita vergonha — foi ela quem falou primeiro, baixinho. — Não queria que tivesse presenciado aquilo.

O que falou, o tom da sua voz e as suas lágrimas, terminaram de quebrar meu coração. Cristo, aquela era a mulher que tinha me visto desabar. Que tinha me amparado, cuidado de mim, que deixou que minhas lágrimas molhassem todo o seu peito quando mais precisei. Aquela mulher era o porto seguro das minhas irmãs. Era como a mãe que nunca tiveram e que nunca iriam ter. Era a mulher da minha vida. E ainda assim eu fiz algo tão covarde e tão sujo. Eu fui tão baixo, tão inescrupuloso. Ela sempre foi tão boa para mim e eu fui um babaca estupido para ela. Eu nunca, nunca me perdoaria pelo dia de hoje. Nunca. — Eu comecei a ter essas crises depois da morte... Depois que eu matei meu marido. Sua pausa para consertar a frase não passou despercebida por mim e foi como um golpe no meu coração. — A minha terapeuta dizia que era por causa do trauma. Eu tinha muito medo dos pesadelos, eles me visitavam toda a noite e tinha muito medo da escuridão. E, durante o dia, quando eu ficava sozinha, eu repetia toda a cena na minha mente — ela ainda falava e chorava baixinho. — Eu matei o meu marido há quase dois anos, mas só consegui recuperar um pouco do que eu era, dois meses antes de vir para cá. Foi quando me senti bem para deixar os remédios que controlavam a ansiedade. Eu não tinha um ataque como esse há quase seis meses e estou com muita vergonha por ter me permitido sofrer um de novo, na sua frente. Eu sinto muito. — Não se desculpe e muito menos sinta vergonha, por favor — pedi, olhando em seus olhos. — A culpa foi minha. Foi toda minha. — Não, não foi... A culpa foi minha, eu fui muito fraca, eu... — Não — interrompi, colocando dois dedos na frente dos seus lábios. — A culpa foi minha. Eu nunca, nunca deveria ter usado a morte do seu marido contra você. Nunca deveria ter falado daquela maneira, Lena... Eu nunca vou me perdoar por isso. — Você só disse a verdade. — Não! O que eu disse foi absurdo. — Você disse o que você acha e eu não o culpo por isso. — Eu não acho aquilo, por Deus, claro que não! Eu falei aquilo na hora da raiva, com a cabeça quente, para te magoar... Não é uma desculpa e nem um motivo, mas foi por isso que falei aquilo daquela forma. Você não é irresponsável e não o matou porque quis e sim para se defender! Ela fechou os olhos e deixou mais lágrimas molharem o seu rosto. Me segurei para não seca-las, não queria toca-la e insulta-la com meu toque. — Não posso acreditar que depois de tudo o que você passou, de toda a sua luta para se recuperar, eu tenha sido o motivo do seu sofrimento. Depois de tudo o que você fez por mim e por minhas irmãs... Depois de todo amor que deu para mim e para elas... O que fiz não tem perdão, Lena e sou eu quem sente muito. Eu sinto tanto... As lágrimas e nó na minha garganta me impediram de continuar a falar. Eu queria ser forte para pedir perdão, para explicar tudo o que eu sentia, mas não consegui. O choro acabou com

minhas forças. Eu chorava ao ponto de escapar alguns soluços, de sentir o ar faltar. E então, para mostrar o quão idiota eu fui por fazer aquilo com uma mulher tão incrível, Helena me abraçou. Ela me amparou novamente, me segurou e eu, ao invés de me afastar e chorar sozinho, sofrer sozinho, apenas a puxei para mim. Senti que ela também chorava, porque seu corpo estremecia colado ao meu. Eu não a merecia. Não merecia alguém tão bom, com um coração tão grande... Talvez eu merecesse até hoje de manhã, mas depois de tudo o que falei... Depois de tudo o que ela passou... Como poderia merecê-la? Como? — Eu peço perdão... — murmurei em algum momento, abraçando-a. — Mesmo sabendo que não há perdão, eu peço. Eu te amo tanto, Lena, tanto... Dói saber o quanto a machuquei. O quanto a feri. — Sim, me machucou, mas eu errei. Eu deixei Letícia sair, eu não deveria ter feito isso, algo grave poderia mesmo ter acontecido com ela... — Não, você estava certa. Letícia já tem 13 anos, ela precisa mesmo começar a ir sozinha em alguns lugares que sejam próximos — falei, voltando a fita-la. — Eu que estava louco, nervoso... Roubaram a mercearia do seu Jô hoje à tarde, enquanto eu estava fazendo uma entrega. Por isso eu cheguei mais cedo, porque o seu Jô resolveu fechar a mercearia depois do que houve. Ela me olhou mais séria, preocupada. — Aconteceu algo com o seu Jô ou a dona Manuela? — Não. Graças a Deus o assalto ocorreu quando o seu Jô foi na cozinha. Ele deixou a caixa registradora aberta e o ladrão entrou, encapuzado e pegou todo o dinheiro que tinha lá. Por sorte, as notas maiores ficam do lado de dentro e ali fica apenas alguns trocados. — Graças a Deus. Eu imagino o seu desespero, Daniel. — Sim, fiquei muito preocupado. Algo assim nunca aconteceu por aqui. Então, quando cheguei e soube que Letícia estava na rua, sozinha... Eu fiquei cego de preocupação e descontei toda a raiva que estava sentindo do filho da puta do bandido, em cima de você — falei, tomando coragem e tocando em seu rosto. — Não é uma desculpa e não estou me defendendo, porque sei que não há motivo algum que defenda o que fiz, mas só quero que saiba o porquê de eu estar tão nervoso. — Eu entendo e acho que no seu lugar, ficaria da mesma forma. Agora faz sentindo a sua raiva e preocupação. Ainda assim, eu sinto muito por ter permitido que ela saísse, sinto muito mesmo. — Não sinta. Você tem liberdade total para permitir o que quiser. O que eu disse mais cedo não tem que ser levado em consideração, eu estava cego de raiva e preocupação, não estava sendo racional. Você é como uma mãe para as meninas e mesmo... Mesmo que a nossa relação acabe, depois do que fiz, você continuará sendo muito importante para elas. Colocar em voz alta que a nossa relação poderia ter um ponto final, me esmagou. Uma tristeza tão grande me engolfou, que me senti nocauteado, sem perspectiva de nada. — Você quer terminar? — ela perguntou, me olhando.

— Não, nunca. Mas, depois do que eu fiz, eu tenho certeza de que você... — Sua certeza está errada — disse ela, surpreendendo-me. — O que você falou me magoou muito, eu jamais poderia mentir sobre isso, mas eu entendo os seus motivos, entendo que estava cego e de cabeça quente. Além do mais, você me salvou hoje. Você tomou conta de mim em um momento em que eu ao menos conseguia raciocinar. Eu te amo, Daniel, você me faz tão feliz. Eu não quero terminar com você. Essa mágoa vai passar e o nosso amor vai superar tudo isso. Eu olhei para ela, boquiaberto, sem saber ao certo que dizer. Helena segurou minha mão e a pressionou sobre seu coração. — O amor que há aqui, é bem maior do que qualquer mágoa. Você me faz uma pessoa completa, você é tudo o que eu preciso na minha vida, é o homem que eu amo. Além de me amar, me deu duas meninas lindas que são como filhas para mim. Como eu poderia jogar tudo isso para o alto, por conta de palavras ditas em uma hora ruim? Como eu poderia deixar o homem que deu sentido a minha vida? — Meu Deus, Helena... Você tem certeza? — Do meu amor por você? Sim, eu tenho. Você não tem certeza do seu amor por mim? — Cristo, claro que eu tenho! Eu te amo tanto, tanto... A possibilidade de viver sem você me deixou sem chão, você não imagina tudo o que estava passando dentro de mim... — falei, encostando minha testa na dela. — Eu prometo a você, pela vida das minhas irmãs, que eu nunca mais farei algo tão estupido. Eu nunca mais a magoarei dessa forma, nunca te colocarei em risco em novamente. Me afastei um pouco para olhar em seus olhos e suspirei ao ver todo o amor ali dentro. — Eu nunca me perdoarei pelo o que fiz a você, nunca — murmurei. — Mas vou lutar com todas as minhas forças para que a mágoa deixe o seu coração e só o amor e a felicidade habitem aí dentro. — Eu quero que você se perdoe, porque eu perdoo você. — Não posso. — Sim, você pode. O nosso amor tem que ser maior do que a nossa mágoa, não maior do que a minha mágoa, apenas. Como você será feliz, se conviver com a culpa? — perguntou, tocando em meus cabelos. — Por muito tempo, eu convivi com a culpa e foi você que me ensinou a deixa-la de lado, mesmo sem saber. Porque, a cada sorriso que eu dava ao seu lado, eu entendia que, se a culpa fosse minha, Deus não permitiria que eu fosse tão feliz. E Deus quer que sejamos felizes, Daniel. Não deixe a culpa consumir você, por favor. Eu sei o quanto isso é ruim. Seu corpo se colou mais ao meu e eu a abracei, sentindo seu cheiro, deixando suas palavras penetrarem o meu coração. — Vamos lutar juntos, todos os dias. Você é meu suporte e eu sou o seu. Somos apenas um e a culpa não tem espaço entre nós dois. Apenas os sentimentos bons podem habitar aqui, porque eles nos unem. Os sentimentos ruins, nos separam. — Será que eu realmente sou merecedor de ter você em minha vida? — E será que eu sou merecedora de ter você em minha vida? — ela rebateu minha pergunta,

me fazendo sorrir. — Deus não erra. Ele sabe que somos como peça de um quebra-cabeça: uma precisa do outro, para que nossa vida seja completa. Eu não tive como responder. Talvez ela estivesse certa e eu batalharia com tudo de mim, para ser realmente merecedor de tê-la ao meu lado. — Eu te amo muito, muito, Helena. — Também te amo muito, Daniel. Um amor para toda a vida — ela disse, acariciando meu rosto. — Vamos lutar, tudo bem? Vamos lutar todos os dias. — Sim, vamos lutar. Nosso amor é sim, um amor para toda a vida.

Capítulo 25 - Helena Daniel continuou deitado ao meu lado pelo o que pareceram horas. A única parte do nosso corpo que se tocava, eram as mãos e eu me sentia reconfortada com a sua palma grande e quente por cima da minha. Ainda assim, eu estava frágil e precisava ficar um pouco sozinha. Tanta coisa havia acontecido em tão pouco tempo. Me sentia arrasada, fraca e as emoções estavam me atropelando. Voltando a olhar nos olhos de Daniel, tirei minha mão debaixo da dele falei: — Acho melhor você ir para casa. As meninas estão sozinhas até agora. Ele me olhou como se estivesse derrotado e não soubesse exatamente o que fazer e eu o entendia. Apesar de tê-lo perdoado, ainda havia um pouco de mágoa em meu peito e eu também estava um pouco perdida. — Venha comigo. Você pode dormir na minha cama, eu juro que durmo no chão ou na sala... Não quero te deixar sozinha. — Eu vou ficar bem, prometo — falei, sendo sincera. — Eu só quero ficar um pouco sozinha e pensar em tudo o que aconteceu. — Tudo bem. Mas, por favor, se você sentir qualquer coisa, me ligue, certo? Ou grite, corra até a minha casa... Por favor, não deixe de me chamar. — Eu prometo. Ele continuou a me olhar e por um momento, achei que não iria sair. Contudo, logo se levantou. Ele caminhou lentamente até a porta, mas antes de sair, se virou e disse: — Está doendo em meu coração deixa-la aqui, nesse estado, sabendo que a culpa foi toda minha. Só queria tirar essa dor do seu coração. Eu seria capaz de qualquer coisa. Meu coração doeu um pouquinho mais por conta do seu arrependimento e da dor em seus olhos. — Vai ficar tudo bem. Vamos lutar todos os dias, lembra? Ele assentiu e se aproximou novamente. Me deu um longo beijo na testa e voltou a se afastar. Dessa vez, apenas me deu um olhar baixo e saiu do quarto, deixando-me sozinha. Fitei o teto e senti as lágrimas começarem a descer pela lateral do meu rosto. Estava magoada, mas acima de tudo, assustada. Ter uma crise de pânico, depois de tanto tempo, me deixou totalmente desestabilizada. Nem tudo era culpa de Daniel e eu sabia. A culpa, na verdade, era minha. Pois, mesmo sabendo que fui inocente, que me defendi, sempre carregaria em meu peito a culpa de ter matado Maurício. Achei que não conseguiria dormir, mas o sono me levou calmamente e tive uma noite sem sonhos. Só percebi que havia dormido quando acordei no dia seguinte, com os raios do sol batendo no meu rosto. Mudei de posição na cama e um enjoo forte me fez levantar e correr para o banheiro.

Vomitei o que ainda restava em meu estômago, pois já estava há tantas horas sem comer, que percebi que não havia muita coisa para pôr para fora. Me levantei do chão e me obriguei a tomar um banho antes mesmo de me olhar no espelho — eu não precisava olhar o meu reflexo para saber que eu estava destruída. Tomei um banho rápido e percebi que eu estava melhor do que ontem. Boa parte do medo tinha ido embora e o que restara era um pouco da dor e da mágoa. Saí do chuveiro, me sequei e coloquei uma roupa limpa. Apesar do estômago embrulhado, me obriguei a tomar um copo de leite olhei para minha casa, praticamente abandonada desde que eu vivia mais na casa de Daniel, do que aqui. Por isso, coloquei uma música para tocar resolvi dar uma faxina me distrair. Passei boa parte da manhã arrastando móveis, varrendo e passando pano no chão. O corpo estava ocupado e a mente a estava concentrada, então, restou apenas o meu coração ficar quieto, até o som de batidas na porta ecoar pela casa. Eu sabia quem era antes mesmo de caminhar até a porta. Meu coração bateu forte e fiquei nervosa, sem saber o que fazer. Ainda assim, fui até a porta e a abri, encontrando Daniel parado, com as duas mãos no bolso, parecendo tão perdido quanto eu. — Oi. — Oi — respondi, sem conseguir desviar meus olhos dos dele. Ele não parecia tão melhor do que eu, apesar de ser tão lindo. Ficamos alguns segundos em silêncio, até que ele limpou a garganta e disse: — Eu vim te chamar para almoçar conosco. Fiz macarrão com carne moída e Gabi me pediu para fritar algumas batatas, não combina com o almoço, mas não consegui dizer não a ela... — ele estava divagando e por fim, parou, olhando-me. — Eu... Eu não posso. Estou no meio de uma faxina, está tudo de pernas para o ar. Vou fazer uma coisa rápida para comer depois. Ele pareceu engolir em seco e percebi como ficou tenso, suas mãos afundaram ainda mais no bolso. — Lena... Eu sei que está tudo confuso entre nós, mas, por favor, não se afaste das meninas. Elas amam você, estão preocupadas porque você passou mal ontem... Sei que não tenho direito algum de pedir isso, mas, por favor, não desista delas. — Não vou me afastar delas, eu prometo. É só que... Eu preciso ficar um pouco sozinha hoje e a faxina está me ajudando a pensar. Amanhã eu ficarei com elas, como fico todos os dias, mas preciso desse tempo hoje. — Tudo bem — ele murmurou, tirando as mãos dos bolsos. — Eu posso... Eu posso apenas abraçar você? Por favor? Ah, Deus. Meu coração bateu forte no peito e me vi balançando a cabeça em consentimento antes mesmo de pensar em negar. Ele deu dois passos em minha direção, abriu os braços e fui eu quem me joguei no meio deles, encostando a cabeça em seu peito. Seus braços me rodearam e, caramba,

pareceu tão certo estar ali. Apenas pareceu certo demais estar ali. Mesmo com a mágoa, mesmo com tudo o que aconteceu, estar entre os braços de Daniel era como estar em casa. Minha mente pedia para que eu me afastasse e pensasse com clareza sobre os meus sentimentos, mas meu coração apenas pedia para que eu permanecesse ali e esquecesse de tudo, como se dissesse para que eu aproveitasse, pois poderia perder aquele aconchego se continuasse a remoer a mágoa e a dor. Esse sentimento fez um calafrio horripilante passar pelo meu corpo. Daniel sentiu e me abraçou com mais força. — Eu amo você, Lena. Amo com todo o meu coração. — Eu também amo você, Dan. Amo muito. Continuamos ali por alguns minutos, até que ele se afastou. Passou o polegar pela minha bochecha e disse: — Eu vou trazer um prato de comida para você, tudo bem? Não precisa se preocupar em fazer nada. — Não precisa se incomodar... — Não é incomodo algum. — Tudo bem. Ele me acariciou por mais algum tempo, em seguida, se afastou totalmente. Com um último olhar, virou-se e desceu os degraus da minha casa. Passou pelo portãozinho e foi como se tivesse saindo da minha vida. Novamente, um calafrio ruim passou pelo meu corpo, mas me obriguei a parar de sentir aquilo e entrei em casa. Eu tinha uma faxina para terminar.

O dia seguinte foi como um replay da manhã passada. Acordei enjoada e totalmente indisposta. Ainda assim, me obriguei a deixar todo o sentimento ruim de lado e recomeçar. Depois de um banho e um copo de leite — percebi que era a única coisa que parava no meu estômago de manhã —, tranquei a casa e fui para a casa de Daniel. Usei a chave extra que sempre tinha comigo e entrei. Era um pouco mais de nove da manhã e ele já tinha ido trabalhar, as meninas ainda estavam dormindo, por isso, me sentei na sala e fiquei assistindo televisão. Letícia foi a primeira a acordar. Nem mesmo me deu bom dia, simplesmente correu e me abraçou com força. Eu retribuí e quase derreti, sentindo um nó em minha garganta. Não dissemos nada uma a outra, mas palavras não eram necessárias; aquele abraço apertado já dizia muita coisa por nós duas. Gabi acordou logo em seguida e veio correndo me abraçar também, mas, ao contrário de Letícia, começou a falar pelos cotovelos, perguntando se eu estava bem, porque eu tinha passado mal e o que havia acontecido.

Depois de ter respondido todas as perguntas, fomos juntas preparar o café da manhã e percebi que o dia passaria rápido na companhia delas.

DANIEL Já estava quase anoitecendo e mesmo depois de ter feito muitas entregas, de ter trabalhado bastante e tentado arejar a cabeça, a culpa e a dor continuavam no mesmo lugar. Era difícil me desprender de tudo o que havia acontecido e era ainda mais difícil tentar achar uma solução. Deus sabia o quanto eu queria me redimir. O quanto eu queria tirar aquela dor de dentro de Helena, mas parecia impossível. Tudo o que eu havia falado, tudo o que havia acontecido depois, parecia que tinha levantado um muro entre nós. Uma barreira invisível nos separava, quando a única coisa que eu queria era tê-la novamente em meus braços. Seu Jô estava conversando com uma cliente e eu aproveitei para ir ao banheiro. Estava fechando a porta atrás de mim, quando um barulho alto chamou minha atenção. Correndo, voltei para a frente da mercearia e vi um homem encapuzado com uma faca na mão, apontando-a para o seu Jô. — Passa tudo, velho! Passa tudo, agora! A cliente e seu Jô tremiam da cabeça aos pés. Me obriguei a ser frio, olhei ao redor e que em frente a mercearia, tinha uma cara de capacete em cima de uma moto, que estava ligada. Ele não parecia estar armado, por isso, corri para o assaltante com a faca na mão e o peguei por trás. Eu era maior e mais forte que ele, por isso, prendi sua mão na minha e dei um chute em suas costas. Ele perdeu o ar e soltou a faca, que caiu tilintando no chão. — Ligue para a polícia! O barulho da moto me chamou a atenção e vi que o piloto tinha a acabado de fugir. O assaltante nas minhas mãos tentou reagir e me dar um soco com a mão livre, mas dei um outro chute, agora em suas pernas. Ele desequilibrou e caiu de barriga no chão. Me joguei em cima dele o contive e percebi a cliente no celular. Quando olhei para o seu Jô, tomei um susto. Ele estava com as duas mãos pressionando o peito, muito pálido e com expressão de dor. Dona Manuela estava o segurando e parecia falar com a ambulância pelo telefone, mas, ainda assim, eu estava muito preocupado. Seu Jô era um senhor de idade, não podia passar por uma emoção tão forte assim e já tinha sido assaltado há dois dias. Com raiva, me abaixei e falei rente a orelha do filho da puta: — Se acontecer qualquer coisa com o seu Jô, eu vou atrás de você e dessa vez eu não serei tão bonzinho, seu desgraçado! A sirene da polícia soou ao longe e eu relaxei um pouco mais. Logo a viatura parou em frente a mercearia e um policial tomou o meu lugar, algemando o assaltante. Quando retirou o capuz, vi que ele era jovem, na faixa dos vinte anos.

A ambulância chegou logo depois e seu Jô estava ainda mais pálido que antes. Preocupado, corri até ele e o amparei, vendo dona Manuela desesperada. — Fique calmo, seu Jô! A ambulância e a polícia já chegaram, vai ficar tudo bem. Ele assentiu com dificuldade e eu me afastei para a equipe médica poder trabalhar nele e o remover para a ambulância. O delegado se aproximou de mim e eu sabia que era para recolher o depoimento, contudo, pedi alguns segundos e saquei meu celular. Dois toques depois, Helena atendeu: — Oi, Dan. — Lena, escute. Assaltaram a mercearia do seu Jô e dessa vez foi um pouco mais grave. O filho da puta veio com uma faca. — Oh meu Deus! Você está bem? Te machucaram? Como está o seu Jô? — Ninguém se machucou, eu consegui conter o assaltante e o desarmei, mas o seu Jô passou mal e saiu daqui na ambulância. Dona Manuela foi com ele, por isso, ficarei por aqui para ajeitar tudo e falar com a polícia. Vou demorar para chegar em casa. — Não se preocupe, demore o tempo que precisar! Por favor, mantenha-me informada e tome cuidado, meu amor, por favor. Ouvi-la me chamar de meu amor foi como um balsamo. De repente, toda a situação não estava mais tão difícil de suportar. — Vou tomar cuidado, vai ficar tudo bem — dei uma pausa e ela me esperou do outro lado da linha. — Eu amo você, Lena. — Eu amo você, Dan.

Capítulo 26 - Helena Observei Gabi e Letícia comerem a pipoca caramelada como se fosse a comida mais deliciosa do mundo. Quis sorrir e brincar com elas, mas o cheiro estava fazendo meu estômago se revirar. Eu sabia que iria vomitar de novo, por isso, corri para o banheiro. Meu almoço foi embora no momento em que me ajoelhei em frente ao sanitário. Vomitei até não ter mais nada no estômago e quando terminei, me senti tonta e cansada. Já estava há dois dias assim e, além de acordar enjoada pela manhã, qualquer cheiro doce me dava náuseas. Levantei e escovei os dentes. Ao me olhar no espelho, percebi que estava com a expressão cansada e tive certeza de que ficaria gripada em breve. Podia até sentir o começo de uma dor de cabeça... O grito assustado de Gabi me fez dar um pulo. Com o coração acelerado, abri a porta do banheiro e corri para sala, encontrando-a no colo de Letícia. Um homem vestido de jeans e casaco de couro estava de costas para mim e de frente para elas. Apontava uma arma para as duas. — Onde está a Helena? Aquela voz... Aquela voz baixa e sarcástica me fez ficar com as pernas bambas. — Vou perguntar só mais uma vez, certo? Onde diabos está a Helena? — Atrás... de vo... Você — Letícia gaguejou baixinho. Acho que o olhar dela estava sobre mim, mas eu não consegui desviar o olhar dele. Tudo pareceu ficar em câmera lenta quando ele começou a se virar, seu corpo se movimentando, seus pés dando alguns passos, até que seu rosto entrou em meu campo de visão. Acho que o grito algo que ecoou pelas paredes da casa veio de mim. Senti minhas pernas fraquejarem e meus joelhos bateram com força no chão. Meu coração batia tão rápido e tão forte, que, por um momento, pensei que iria sair pela boca. Não era possível! Simplesmente não era possível. Não podia ser... — Olá, querida. O sorriso estampado em seu rosto monstruoso me provou que sim, era real. — Estava com saudades de mim? Ele se aproximou e parou na minha frente, seu cheiro doce e insuportável me fez ofegar. — Querida, não tenha medo. Você pode me falar a verdade, eu sei que estava com saudades. Quando as pontas dos seus dedos tocaram o meu rosto, eu me arrastei para trás e olhei ao redor. Tudo estava intacto na sala, os móveis estavam no lugar, a porta estava fechada e a Barbie cantava algo na TV. Gabi chorava baixinho no colo de Letícia, que me olhava com os olhos arregalados e cheios de lágrimas. Olhei novamente para o homem na minha frente e percebi que eu não poderia ter medo. Eu

não estava sozinha e precisava proteger Gabriela e Letícia. Daria minha vida pelas duas e não permitiria que nada acontecesse com elas. Ainda com as pernas bambas, me levantei. Minhas mãos tremiam e suavam, mas não permiti que isso me afetasse. — Gosto quando você dá uma de corajosa. Isso me excita. — Como você fez isso? — “Isso” pode significar muitas coisas, querida. — Como sobreviveu? Como conseguiu se esconder e... E forjar a própria morte? Maurício sorriu para mim e se aproximou novamente. Não recuei e seu corpo quase se encostou ao meu. — Você deveria saber que eu consigo tudo o que eu quero, querida. — O tiro foi no coração... — Isso foi o que eu mandei o médico dizer, mas, na verdade, o tiro foi um pouco acima do coração — disse, levando o cano da arma ao seu peito. — Bem aqui. Segui o movimento da arma e o cano parou em um local do lado esquerdo, acima do coração. Gabi chorou mais alto e percebi que ela estava olhando a cena. Imaginei o quão assustada ela estava e olhei novamente para Maurício, que estava olhando para ela como se estivesse com nojo. — Por favor, deixe as duas irem para o quarto. Por favor, essa conversa é apenas entre você e eu. — Não! — Maurício... Ele caminhou até Gabriela e senti meu coração falhar uma batida quando apontou a arma para ela. — Ouça, eu não gosto de garotinhas barulhentas e esse já é o segundo grito que você dá. O próximo, eu vou cravar uma bala na sua garganta! — Não! — gritei, entrando na frente das duas e empurrando-o para longe. — Não toque nelas ou eu juro que dessa vez eu vou realmente te matar. E eu não vou errar a mira! Maurício me olhou com uma sobrancelha arqueada e sorriu de lado. Ouvi Gabi soluçar e Letícia murmurou algo para ela em tom de choro. Pela primeira vez na minha vida, eu senti realmente a necessidade de mata-lo. E dessa vez eu não iria me arrepender quando ele parasse de respirar. — Que cena meiga, estou comovido — falou, rindo. — Não sabia que você já amava as pirralhas. — Claro que não sabia. Você não sabe nada sobre amor. — E o que é o amor? É namorar um cara que joga na sua cara que você matou o seu próprio marido? Nossa, realmente, o amor é muito lindo.

Olhei para ele sem conseguir esconder a minha surpresa. — Como sabe disso? — Eu sei de tudo, querida. Ou achou mesmo que eu iria apenas morrer e te deixar em paz? Ele sorriu novamente e levantou a arma na altura dos olhos. Seu dedo começou a acariciar o cano e eu coloquei meu corpo na frente dos das meninas, voltando a protege-las. A bala teria que passar por mim se ele atirasse. — Acha que eu entrei aqui e tive apenas sorte de não encontrar o babaca que anda te comendo? Acha mesmo que foi só uma coincidência? A ligação de Daniel me contando sobre o novo assalto à mercearia do seu Jô, voltou a minha mente. De repente, tudo fez sentido. Exatamente tudo. — Foi você! Meu Deus... Foi você que assaltou a mercearia do seu Jô! Como pôde fazer isso? Seu doente! O seu Jô passou mal, teve de ir para o hospital! — Eu assaltei? — perguntou, voltando a olhar para mim. — Não, eu não assaltei. Quem assaltou foi um bandidinho, eu apenas contratei o serviço. — A culpa é sua! — gritei, apontando para ele. — Por quê? Por que está fazendo isso? Por que está infernizando minha vida novamente? Seu sorriso morreu e ele se aproximou de mim, devagar. Quando estava a centímetros de encostar o corpo no meu, levantou a mão com a arma e o cano gelado acariciou minha bochecha lentamente. Ofeguei, mas fiquei quieta, com medo de que ele atirasse em mim ou nas meninas. — Porque eu amo você, Lena... Eu te amo, sempre amei e sempre vou amar. Somos casados! Temos que ficar juntos para sempre, lembra? Na saúde e na doença... Na riqueza e na pobreza... Nem a morte conseguiu nos separar, porque fui mais forte e sobrevivi. Agora eu preciso ter você volta e tudo voltará ao normal. Seremos felizes de novo. — Nunca fomos felizes. — Não minta! Sempre fomos felizes e você sempre me amou também, querida. — Eu nunca amei você! A expressão em seu rosto passou de melancólica para furiosa e eu me arrependi de ter gritado a verdade em seu rosto. Maurício desceu a arma, o cano se arrastou pela minha bochecha, lateral do pescoço e parou em meu peito, em cima do coração. Com raiva, ele empurrou o cano da arma com força, enfiando na minha pele. — Amou sim! Você sempre me amou e sempre vai amar! — gritou, sua saliva molhando o meu rosto. — Eu vou matar essas duas pirralhas, vou matar aquele filho da puta que acha que é algo seu e nós vamos embora juntos! Vamos para Dubai, vamos morar lá e seremos felizes, ok? Eu já arranjei tudo! Tenho todos os documentos falsos, já comprei uma casa em Dubai e tem um jatinho particular nos esperando no aeroporto. Seremos felizes, Lena, seremos muito felizes e viveremos juntos para sempre. — Isso nunca vai acontecer! Ouvi o grito de Gabi quando Maurício agarrou o meu cabelo com força e me jogou no chão. A

próxima coisa que senti foi um tapa ardido no lado direito do rosto e um chute em minha costela que me deixou sem ar. Tentei me mover, mas apenas consegui me arrastar pelo chão. Meus olhos se encheram de lágrimas pela dor excruciante, que me impedia de respirar normalmente, mas logo pisquei e espantei as lágrimas para longe. — Tia Lena! Tia Lena! — Gabriela gritava, em tom de desespero. Quando consegui focar meu olhar, senti o mundo ruir ao meu redor. Maurício arrastava Gabriela no chão pelos cabelos e mantinha a arma apontada para Letícia, que estava de joelhos no chão, próximo ao sofá. Gabriela se debatia, chorava e chutava o ar, seu rosto vermelho pela dor e pelo desespero. Senti minha garganta se fechar em um nó e senti o gosto metálico de sangue em minha boca. Engoli em seco e espantei o choro, tentando pensar rápido e livra-las daquela situação. — Solte-a! Maurício, por favor! — gritei, sentindo minhas costelas protestarem em uma dor aguda. — Eu faço o que você quiser, mas, por favor, não faça nada com elas! São duas crianças inocentes, não têm nada a ver conosco. — Claro que têm! Você estava me trocando por elas e pelo irmão delas! Essas duas vadiazinhas não vão mais atrapalhar a nossa vida e nem o nosso amor. Ele continuou a arrastar Gabriela pelos cabelos, seguindo pelo corredor que levava a cozinha. Me levantei com dificuldade e ele mudou de mira, apontando a arma para mim. — Fique aqui, não me faça atirar em você, eu odiaria fazer isso! Já tive que machuca-la, não quero atirar em você, isso só atrasaria os meus planos! — gritou, apontando a arma com a mão firme. — Eu vou ser bonzinho e vou matar a pirralha mais nova no quintal e a mais velha aqui. Uma não vai ver a morte da outra, porque ouvi dizer que isso atrapalha as almas a descansar. — Você não vai matar a minha irmã! — Letícia gritou, avançando. O barulho do tiro me deixou surda e em choque por um segundo. Procurei por sangue e machucados e levei alguns segundos longos e angustiantes para entender que ele havia acertado um vaso ao lado de Letícia. Mais alguns centímetros para a esquerda e ele a teria acertado. — Meu Deus — murmurei, trêmula. Letícia estava em choque ao meu lado e eu abracei com força, tocando em seu corpo, mesmo sabendo que não tinha sido atingida. — Pare com isso! — pedi, ainda a toca-la, mas voltando a olhar para ele. — Por favor, Maurício, pare com isso. Eu vou com você para qualquer lugar, eu juro que vou, mas não faça nada com elas, eu imploro. Elas são a minha vida, se você as matar, eu juro que vou morrer também. Ele me olhou sem a ferocidade de antes e soltou o cabelo da Gabi. Ela se levantou correndo e veio com as pernas trêmulas até mim. A peguei no colo e a amparei com um braço, agarrando Letícia com o outro. Minha costela protestava com o peso, mas a sustentei, assim como sustentei o olhar de Maurício em cima de mim. — Jura que vai embora comigo? — Sim, eu juro.

— Não... — Gabi chorou, apertando meu pescoço. — Não, tia Lena, por favor... — Você não pode ir — Letícia pediu, agarrando minha cintura. Seu rostinho banhado por lágrimas. — Não pode deixar a gente, ele vai machucar você... — Eu vou. Prometo que não vai acontecer nada, eu juro — falei. — Eu amo muito vocês, muito. — Chega! — Maurício gritou e nós três nos assustamos, voltando a olha-lo. — Coloque as duas no quarto. Nós vamos sair pela porta da frente, como dois amigos. Tem um carro preto estacionado do outro lado da rua. Nós dois vamos entrar no banco de trás e tem um camarada meu ao volante. Ele vai nos levar ao aeroporto. — Tia Lena... — Eu juro que se eu ouvir mais um chiado de uma das duas, eu vou encher a boca de vocês de bala! — ele gritou, apontando a arma. — Eu vou coloca-las no quarto — falei, andando com as duas. Corremos para o quarto e coloquei as duas sentadas na cama de Daniel. Me ajoelhei na frente delas e daquela vez, me permiti chorar. As lágrimas desceram como correntezas dos meus olhos. Segurei as mãos das duas e as beijei, sentindo o temor de ambas dentro de mim. — Me perdoe — pedi, voltando a olha-las. — Me perdoe por vocês terem que passar por isso, eu nunca imaginei que isso poderia acontecer. — Lena, você não pode ir — Letícia pediu, chorando. — Por favor, não faça isso! — Vai ficar tudo bem — falei. — Eu amo vocês. — A gente te ama muito, tia Lena — Gabi disse, soluçando. — Não vai... Por favor. Dei um beijo na testa das duas e as abracei bem forte. Me levantei e corri para sair do quarto, sabendo que se olhasse para elas, iria desistir e cometeria uma loucura ainda maior, podendo colocar a vida delas em risco. Saí do quarto e fechei a porta atrás de mim. Minhas pernas estavam trêmulas e respirar havia se tornado uma tarefa quase impossível com a dor aguda em minhas costelas. Ainda assim, me obriguei a seguir em frente. Encontrei Maurício falando ao telefone e consegui entender que falava com alguém para deixar o jatinho na pista de decolagem, pois estávamos chegando. Ele se despediu e desligou o celular. Me olhou com um sorriso enorme e colocou a arma no cós da calça. — Que bom que já está aqui! Vamos. Segurando meu cotovelo, ele me guiou pela sala. Olhei ao redor, já sentindo saudades de todos os momentos que passei ali, de cada sorriso, cada toque, cada beijo, cada segundo que fora tão especial. Meu coração ficou apertado ao pensar em Daniel e em nossos últimos momentos. Momentos que eu negligenciei, por causa de uma mágoa tola. Poderíamos ter aproveitado cada segundo, ficado ainda mais unidos. Ah, se eu soubesse que eram os nossos últimos momentos juntos... Eu teria feito tão diferente! Já estávamos chegando na porta da sala, quando ouvimos o barulho de chaves na porta. Meu

coração bateu fortemente no peito e Maurício voltou a sacar a arma, dando alguns passos para trás. Eu sabia que era Daniel antes mesmo de ele entrar em meu campo de visão. Ainda assim, o medo por ele estar ali e por sua vida estar em risco, quase me paralisou. Maurício havia sido compreensível demais sobre as meninas, mas não seria com Daniel. Eu sentia na minha alma. Daniel parou no momento em que abriu a porta. Seus olhos caíram primeiro em mim, depois em Maurício e se arregalaram quando viu a arma. Vi que ele engoliu em seco e levantou as mãos devagar, sem tirar os olhos do cano negro. — Que inteligente o seu amante, querida — Maurício disse e vi de relance o seu sorriso. — Gosto assim, de homem medroso, que fica assustadinho quando vê uma arma. Vai ser bom sair daqui e deixar um banho de sangue, quem sabe as duas putinhas no quarto não possam limpar com a língua? — Quem é você? — Daniel perguntou, afastando-se da porta devagar, mas sem deixar de olha-lo. — O que quer conosco? Solte a Helena. — Soltar a minha Helena? Hum... Eu acho que não — disse, puxando-me com mais força para o seu lado. — Eu planejei tudo bem direitinho para solta-la só porque você está mandando. — Por favor, vamos apenas sair daqui — pedi, minha voz saindo com falhas. — Não faça nada com ele. — Quem é você? A voz de Daniel soou mais alta e senti Maurício ficar tenso ao meu lado, com mais raiva. — Eu sou o esposo dela e estou aqui para buscar o que é meu. Daniel franziu o cenho e olhou para mim, como se buscasse resposta. Me obriguei a não deixar a emoção me tomar, a não deixar o medo me levar e consegui falar em voz alta: — Ele mentiu esse tempo todo... — falei, sentindo minhas pernas fraquejarem um pouco. — Não estava morto. Dizer aquilo em voz alta fez tudo ainda mais real. O choque de ver Maurício na minha frente, bom o suficiente para atentar contra a vida das pessoas que eu mais amava no mundo, superava o choque de que eu tinha sofrido e me culpado por quase dois anos, por algo que nunca havia acontecido. Naquele momento, eu preferia conviver com a culpa de tê-lo matado, do que conviver com esse medo terrível. Do que ver aquela arma sendo apontada para o homem da minha vida. Queria voltar no tempo e ter atirado bem em seu coração, ter destroçado aquela parte do seu corpo que o mantinha vivo. — Nós estamos indo embora, as meninas estão no quarto e estão bem — falei, voltando a olhar para Maurício. — Você não disse que o jatinho já está preparado? Precisamos ir. Eu só queria tirá-lo dali. Precisava fazer com que ele fosse embora e não me importaria de ir junto, contanto que Daniel, Gabi e Letícia ficassem bem e vivos. — Mas a coisa mudou de figura. Antes o seu amante não estava aqui, mas agora...

Ele me soltou e começou a caminhar pela sala, a arma em punho. Tirou Daniel da mira, olhou ao redor e vi de relance Daniel se aproximar de mim. Ele se colocou na minha frente e meu coração quase saiu pela boca quando Maurício parou subitamente e voltou a apontar a arma para Daniel. — O que está fazendo perto dela? Eu achei que tinha ficado bem claro que o homem dela chegou! Saia de perto dela! — Só se você atirar em mim! — Não! Daniel, pare com isso! — falei, saindo de trás dele. — Não faça isso, por favor! — Ele não vai encostar em você e muito menos te levar a lugar algum! Vá para o quarto e fique com as meninas. — Não! Ele vai matar você! Toquei no rosto de Daniel e vi a decisão em seus olhos, mas eu também estava decidida. Eu iria com Maurício para qualquer lugar, eu não me importava se ele iria me matar quando saíssemos, só me importava com a vida de Daniel e das meninas. Eu fui arrancada da frente de Daniel pelos cabelos. Maurício me puxou com força e me impediu de cair no chão. Meu couro cabeludo parecia que seria arrancado do lugar e senti o cano frio da arma em minha cabeça. — Você está maluca? Está maluca, porra? Como ousa tocar nele na minha frente? Tenha um pouco de respeito, sua vagabunda! A dor estava quase me enlouquecendo e ouvi a voz de Daniel gritar algo que não consegui compreender. Tudo pareceu acontecer rápido demais, ou devagar, quando meu corpo foi arremessado ao chão. Senti o golpe e uma pontada forte no meu baixo ventre me fez perder o ar e estremecer. Pontos negros cobriram os meus olhos e eu me encolhi no chão. Parecia que uma mão estava arrancando o meu útero e que outra esmagava minhas costelas já machucadas. Lágrimas quentes cobriram meu rosto e pude ouvir o barulho de um soco, mais gritos e então, uma sirene alta. Quase sorri de alegria quando soube que era a polícia, mas a dor estava insuportável. Ainda assim, me apoiei no chão com a outra mão e tentei me levantar. Forcei meus olhos a focarem em algo e vi que Daniel lutava pelo controle da arma. Os cantos da boca de Maurício estavam cobertos de sangue e ele grunhia algo, lutando contra a força de Daniel. Sem conseguir me levantar, me arrastei pelo chão, sentindo uma nova fisgada em meu ventre. A dor era tão forte, tão forte... Mas eu lutei e ouvi as sirenes ficarem mais altas. Ainda estava me arrastando, quando vi a arma cair no chão, a pouco menos de um metro de mim. Daniel me olhou e vi em seus olhos o que estava me mandando fazer. Assenti uma vez e vi que ele continuou a lutar com Maurício, agora para contê-lo, enquanto eu voltava a me arrastar, dessa vez para tomar posse da arma maldita. Me arrastei, ignorando a dor latejante nas costelas e a fisgada forte no útero. Estava perto de pegar a arma, faltava apenas um pouco e lutei para me esticar e pega-la. A dor no meu útero ficou tão forte que me deixou cega por alguns segundos. Senti meu corpo tombar completamente para frente, me impedindo de fazer qualquer coisa que não fosse gritar por

ajudar e me curvar. Alguém tinha que fazer aquela dor parar... Por Deus, eu tinha que pegar a arma, eu tinha que salvar Daniel e as meninas, eu tinha que... — Helena! — a voz de Daniel chegou baixa ao meu ouvido. — Por favor, meu amor, o que está acontecendo? Fale comigo! — Dor... Muita dor, por favor... Faz parar, por favor... Senti meu corpo ser erguido do chão e soube que tinha sido por Daniel quando encostei minha cabeça em seu peito. A fisgada diminuiu e eu lutei para abrir os olhos e entender o que estava acontecendo. Tive vontade de voltar apenas alguns segundos no tempo, para não ser capaz de ver a cena na minha frente. Maurício tinha a arma apontada para nós dois. Sua mão estava trêmula, seu olho direito estava inchado, seu nariz estava aparentemente quebrado e ainda tinha o sangue nos cantos de sua boca. Ele usou a mão livre para apoiar a mão que estava com arma e eu quase senti o meu mundo desmoronar quando seu dedo tocou o gatilho. — Não faça isso! A polícia está aí fora, você ouviu o que o policial disse — Daniel murmurou, apertando-me em seus braços. — Helena está passando mal. Se realmente gosta dela como diz, considere isto e abaixe a porra dessa arma! — Ela escolheu você! Essa vadia! Ele quase me matou e agora está escolhendo você! Tudo o que fiz foi em vão! Tudo o que planejei, o dinheiro que gastei, a casa que comprei em Dubai... Para quê? Para ela escolher você! Um filho da puta pobre, maldito, um entregadorzinho de uma mercearia de quinta! Sua voz estava alta e trêmula, assim como suas mãos. Quis fechar os olhos, mas tive muito medo de que ele atirasse se eu fizesse qualquer movimento. — Você não foi criada para se envolver com esse tipo de gente, Helena! Você é rica! Seu pai te criou para casar com um homem com as mesmas posses que a dele e eu sou esse homem! Você tentou me derrubar e não conseguiu e ninguém vai conseguir! Se você não vai comigo, você vai morrer com ele! — Não atire... Por favor — implorei, sentindo-me tonta com a dor que estava voltando. — Por favor, Maurício... — Eu não atirei nas duas putinhas porque você disse que iria comigo! E agora você está aonde? No colo desse merda! Você é uma puta barata, Helena! Uma vadia! Mesmo tonta, pude ouvir passos e notei que a porta da sala ainda estava aberta. A polícia estava lá fora e um policial parou entre a porta com a arma apontada para Maurício. — Deixe a arma no chão — o policial pediu, calmo. — Deixe você a arma no chão ou eu juro que atiro! — Maurício gritou, as mãos agitadas segurando a arma. Daniel me apertou com mais força em seu colo e eu gemi. Parecia que a dor havia se alastrado

por todo o meu corpo. — Tudo bem — ouvi o policial dizer e vi quando levantou as duas mãos. — Vou me abaixar e você vai se abaixar comigo, ok? Nós dois vamos colocar nossas armas no chão, assim, ninguém sairá ferido. — Só se você me prometer que eu não serei preso. — Não será. Você ouviu alguém falando em prisão aqui? — o policial perguntou, olhando diretamente para ele. — Vamos lá, eu vou começar a contar e nós vamos nos abaixar. No três, as armas estarão no chão. Um — ele começou a contar devagar e a se abaixar. Vi que Maurício também estava fazendo o mesmo. — Dois... Senti meu coração bater mais forte, dessa vez ficando aliviado. Maurício se abaixou um pouco mais e a voz do policial soou novamente: — Três! Então, tudo aconteceu rápido demais. Maurício se levantou rapidamente, apontou a arma para mim e apertou o gatilho. Eu quase senti o tiro perfurar minha cabeça, mas Daniel virou o corpo de repente e me encurralou na parede atrás da gente. Seu gemido soou alto em meu ouvido e outro tiro foi disparado. Houve correria, uma gritaria e então, o corpo de Daniel começou a ceder. Ele se abaixou lentamente e me colocou sentada no chão, ajoelhando-se na minha frente, a cabeça apoiada em meu pescoço. — Daniel! O chamei, puxando sua cabeça para mim. Seu corpo estava quase todo em cima do meu, o peso era quase insuportável. Quando olhei para o seu rosto, ele estava pálido e com os olhos quase se fechando. — Daniel! Meu amor, por favor... Por favor, fale comigo! Com uma mão em seu rosto, comecei a tocar o seu corpo. Eu não conseguia entender o que estava acontecendo ao redor, a dor estava ficando forte, mas lutei para entender o que estava acontecendo com ele. Toquei em seu peitoral, sua barriga e não encontrei nada. Subi para seus braços e quando toquei em seu ombro esquerdo, senti algo quente em contato com os meus dedos. Doeu dentro de mim quando vi o sangue. Gritei, pedi por ajuda e o corpo de Daniel tombou com força em cima de mim. Senti sua respiração lenta em meu pescoço, mas o desespero foi tão grande que, em minha cabeça, ele poderia estar morto. Ou poderia estar prestes a morrer. — Ele levou um tiro! Daniel levou um tiro! Por favor, ajude-o! — gritei, abraçando-o, ignorando toda a minha dor e direcionando toda a minha força para pedir por socorro. — Por favor, chamem uma ambulância. Toquei em Daniel e senti meu corpo ficar mole, a tontura prometendo me cegar e me fazer desmaiar, mas segurei firme e abracei seu corpo grande como eu pude. Ele havia salvado a minha vida. Virou o corpo no momento em que Maurício atirou e levou o tiro por mim. Como se fosse possível, eu o amei ainda mais. Senti um toque no meu ombro e olhei assustada, apenas para encontra o rosto amigável de

dona Agnes. — Fique tranquila, a equipe médica já está aqui e vão pegar Daniel agora, tudo bem? — Tu... Tudo bem... — gaguejei, nervosa. Por cima do ombro de Daniel, vi a equipe médica e uma maca. Um enfermeiro tocou nele e o abracei com força. Minha mente sabia que eu tinha que deixa-lo ir, mas meu corpo se recusava a deixa-lo. — Querida, pode solta-lo, vai ficar tudo bem. Aquele homem não fará nada contra vocês, eu prometo. Usando toda a minha força de vontade, tirei meus braços ao redor de Daniel e rapidamente a equipe médica o tiro de cima de mim. Consegui respirar com mais facilidade, apenas para voltar a sentir a dor que me assolava. Dona Agnes tocou em meu rosto e eu levei as duas mãos ao meu ventre, vendo Daniel ser colocado na maca. — O que você está sentindo? — Muita dor... — Aonde? — Aqui — falei, tocando em meu ventre. — Nas minhas costelas... As meninas, elas estão no quarto, eu preciso ir... Tentei me levantar, mas não sei se foi a tontura, a dor ou a dona Agnes que me manteve no lugar. — Fique calma. Meu marido levou as meninas, elas estão na minha casa. Agora, por favor, uma outra equipe médica vai leva-la e eu vou com você, tudo bem? Apenas assenti e logo senti braços ao redor de mim, erguendo-me. Deitaram-me em uma cama dura e eu lutei bravamente para ficar consciente, mas a dor era forte e estava me cegando. Senti meu corpo ficar mole. A escuridão, pela primeira vez na minha vida, ficou tentadora demais e eu não pude me impedir de ir de encontro a ela.

Capítulo 27 - Helena

Minha cabeça estava pesada e um gosto estranho tomava toda a minha boca. Tentei abrir meus olhos, mas a luz branca quase me cegou e os fechei novamente, sentindo-me tonta. Respirei fundo e voltei a abri-lo, devagar desta vez e pisquei para me adaptar a claridade. Estava em um quarto diferente, sóbrio. Olhei ao redor e meu coração deu um pulo no peito quando percebi que estava em um hospital. Havia uma agulha enfiada em meu braço e meu corpo estava pesado sobre a cama. As lembranças começaram a surgir na minha mente como uma correnteza sem controle. Imagines de Maurício com uma arma na mão, arrastando Gabi pelos cabelos, batendo em mim e brigando com Daniel, fizeram com que eu me debatesse na cama. Mas o que realmente me fez querer levantar foi a lembrança do sangue de Daniel em minhas mãos. Do tiro que ele levou no meu lugar. — Acalme-se, querida, por favor! As mãos de alguém empurraram levemente o meu peito e o rosto de dona Agnes entrou em meu campo de visão. Eu estava ofegante, mas, ainda assim, a pergunta escapou dos meus lábios. — Daniel... Como está o Daniel? — Ele está bem, querida! Passou por cirurgia e está na UTI, ficará lá apenas nas primeiras 24 horas, mas está bem. O tiro não acertou nenhuma veia vital. Fica tranquila — ela sorriu para mim e eu senti o mundo desabar, trazendo-me um alívio que se transformou em lágrimas. Comecei a chorar baixinho e logo dona Agnes me amparou. Eu tive tanto medo. Deus sabe como eu tive medo de perde-lo, de perder as meninas... Daniel levou um tiro para me salvar e só de pensar que ele poderia não ter sobrevivido... Como eu iria aguentar? Como as meninas aguentariam? Seria impossível. — Obrigada, meu Deus... Muito obrigada por salva-lo — pedi entre um soluço e outro. — Deus não deixaria que nada acontecesse a vocês, minha querida — dona Agnes murmurou em meu ouvido, mexendo em meus cabelos. — Ele salvou Daniel, você, as meninas e o bebê. Está tudo bem agora. — Sim — respondi, abraçando-a de volta. — Ele nos salvou. A mim, a Daniel, as meninas e o bebê... E o bebê. — Que bebê? — perguntei, afastando-me, conseguindo pensar com clareza mais uma vez. Dona Agnes se sentou em uma poltrona que estava ao lado da cama e tocou em minhas mãos. — Você não sabe?

— Do quê? — Que está grávida? Tudo pareceu fazer sentido de repente. Os enjoos matinais, a vontade de chorar, os seios um pouco doloridos... E, fazendo as contas rapidamente, ficou muito claro que a minha menstruação estava atrasada. Como não me dei conta disso antes? Estava acontecendo tanta coisa na minha vida, tudo ao mesmo tempo e eu simplesmente não me atentei aos detalhes. Mas, agora... Por Deus, eu estava grávida! E poderia ter perdido o meu filho antes mesmo de saber da sua existência. Emocionada, levei as mãos trêmulas ao meu ventre e então, eu sorri. Pela primeira vez desde a confusão com Daniel, eu sorri de verdade e de felicidade! Eu estava grávida! Grávida de Daniel! — Ah, querida... Só percebi que estava chorando novamente quando dona Agnes secou minhas lagrimas com a ponta dos dedos. — Estou tão feliz! Tão feliz! — Eu imagino, meu bem. Eu também estou muito feliz por você e pelo Daniel. Ele vai ficar exultante. Principalmente agora, depois de tudo o que aconteceu. Vocês precisavam de uma notícia tão boa quanto essa. Assenti, concordando plenamente. Depois de tudo o que houve, realmente precisávamos daquela notícia. Pensar no que aconteceu me fez lembrar de Maurício e tive um calafrio ruim. — O que houve com Maurício? — Ele morreu ao ser baleado pelo policial — ela disse, ficando mais seria. — Tem certeza? — Sim. Ele levou um tiro na cabeça. O policial mirou no ombro, mas ele tentou se esquivar e o tiro o atingiu na lateral da cabeça. Ele morreu na hora. A culpa e o remorso que antes eu sentia pela morte de Maurício, não vieram me visitar. Dessa vez eu realmente desejei que ele estivesse morto. Que Deus me perdoasse, mas ele colocou a vida de todos que eu amava em risco. Colocou a minha vida e a vida do meu filho em risco. E se continuasse vivo, nada o impediria de voltar a nos atacar. — Foi melhor assim — falei, soltando um suspiro. — Eu também acho. Os comparsas dele também foram presos. Agora vocês terão paz. Eu soube que ele era seu marido e que forjou a própria morte. Era um homem doente. — Sim, ele era. Dona Agnes apertou minha mão mais uma vez e logo ouvimos duas batidas na porta. Uma mulher alta, de cabelos ruivos na altura dos ombros e usando um jaleco branco entrou no quarto, acompanhada por uma morena vestida de enfermeira.

— Helena, vim assim que recebi o chamado. Eu sou a doutora Lúcia, obstetra do hospital e essa é a Carmem, sua enfermeira. Como está se sentindo? — Estou bem — falei, observando a enfermeira sorridente colocar meu braço livre do soro em um aparelho de pressão. — Estou apenas com as costelas doloridas, mas nada insuportável como antes. — Isso é ótimo. Você teve uma luxação na costela, mas não chegou a quebrar. — E o meu bebê? Está realmente bem? — Ele é um guerreiro como você. Quando você chegou, estava tendo um princípio de aborto, mas conseguimos controlar com o medicamento. Gostaria de fazer um novo ultrassom. Você já iniciou o pré-natal? — Não, na verdade, eu descobri agora que estou grávida. Minha amiga me contou – falei, sorrindo para dona Agnes. — Ora, isso é bom! Uma gravidez é sempre uma boa notícia. Bom, na maioria das vezes, sempre é — ela disse, sorrindo. Sorri e assenti. Eu estava feliz, mas estaria ainda mais quando pudesse ver Daniel. Minha pressão estava normal e depois de mais algumas perguntas, a médica fez o ultrassom. Ouvir o coração rápido do meu bebê me fez chorar novamente. Ainda era um pouco difícil de acreditar que eu estava gerando uma nova vida. Um pedaço meu e de Daniel, para amarmos e cuidarmos para sempre. Soube que já estava de tarde quando chegou o almoço. Dona Agnes e eu comemos juntas e ela me contou que as meninas estavam bem, abaladas e preocupadas, mas bem e isso aliviou um pouco mais o meu coração. Dona Agnes ficou comigo durante todo o tempo e no começo da noite, minha mãe e minha irmã chegaram de surpresa. Minha mãe me abraçou apertado e eu a abracei de volta, me sentindo como uma criança novamente. Foi inevitável não chorar em seus braços, pois, por um momento no meio daquela noite horrível, eu realmente cheguei a pensar que nunca mais a veria. — Filha, viemos assim que soubemos. Meu Deus, eu nem sei o que dizer... — murmurou, tocando em meu rosto. — Minha irmã, como você está? Eu ainda não consigo acreditar no que aquele crápula fez! Como ele pôde? Tê-las ali fez com que tudo fosse mais fácil de suportar. Conversamos muito e elas me disseram que os pais de Maurício estavam na cidade para reconhecer o corpo. Que a mãe dele entrou em estado de choque ao saber que ele esteve vivo durante todo esse tempo e que agora tinha morrido de verdade. Apesar de Maurício ser louco, nunca tive nada contra os seus pais e me coloquei no lugar de sua mãe. O choque de perder um filho deveria ser muito grande, mas perdê-lo duas vezes? Eu não conseguia imaginar o que ela estava sentindo.

Novamente, pensei no bebê que tinha um coração forte e pulsante em meu ventre. E percebi que, se eu o tivesse perdido, também perderia um grande pedaço de mim mesma, mesmo ainda sem conhecê-lo ou até mesmo sem ter conhecimento de sua existência antes. A notícia da minha gravidez foi como um bálsamo para toda a loucura que havia acontecido. Minha mãe ficou feliz e se emocionou, bem como Isabel, que só tinha pose de durona. No final da visita, minha mãe ficou comigo e Isabel foi para a minha casa, junto com a dona Agnes. A agradeci muito por ter ficado comigo naquele momento e ela prometeu que cuidaria das meninas. Fui dormir com o coração acelerado e a mão no ventre, ansiosa para poder ver Daniel no dia seguinte. Logo estaria no quarto e sem o efeito dos sedativos e eu teria alta e poderia ficar com ele, mas sem exagerar, pois precisava repousar. O sono me pegou antes mesmo de eu conseguir pensar sobre mais alguma coisa. *** Me olhei no espelho do banheiro do quarto do hospital e sorri para mim mesma. Estava de alta e prestes a ver Daniel, que acordaria em breve. Coloquei a roupa limpa que Bel havia trazido para mim e passei a mão pela minha barriga ainda lisa. — Vamos ver o papai — murmurei, sorrindo como uma boba. Saí do banheiro e a doutora Lúcia me deu o cartão do seu consultório. Havia gostado dela e pretendia fazer com ela o meu pré-natal. Já devidamente de alta, fui informada sobre o número do quarto de Daniel e fui para lá. Minha mãe e irmã ficaram na sala de espera e a presença delas, mesmo ali, um pouco longe, continuou a me dar forças. O quarto em que ele estava era parecido com o meu. Andei devagar até ele e me sentei na poltrona ao lado da sua cama. Seu braço esquerdo estava todo enfaixado e o anti-braço estava apoiado na barriga. Toquei em sua mão direita e beijei os dedos de leve, feliz e emocionada demais para conter as lágrimas. — Eu te amo tanto... — murmurei, ainda com os lábios em seus dedos. — Te amo com todo o meu coração e com toda a minha alma. Continuei ali, ao seu lado, ora acariciando seus dedos, ora acariciando seu rosto e seu cabelo. Não saberia dizer quanto tempo se passou, mas logo ele deu os primeiros sinais de que estava acordando. Seus olhos se abriram e fecharam rapidamente, provavelmente recebendo o mesmo golpe de luz que eu recebi ao abrir os meus. Em seguida, ele voltou a abri-los, ajustando-os a claridade. Naquela hora não pude me conter mais e me levantei, mesmo sabendo que eu deveria ficar no máximo sentada. Daniel olhou ao redor e quando seus olhos encontraram os meus, um filme se passou na minha

cabeça. Me lembrei da primeira vez em que o vi, na mercearia do seu Jô e o quão impressionada eu fiquei com a sua beleza. Mal sabia eu que ele era ainda mais bonito por dentro; muito menos que ele era o grande amor da minha vida. Que um dia seria o pai do meu filho. Que daria a sua vida pela minha. — Helena! — ele murmurou e sua voz saiu rouca. Eu sabia que ele queria falar, que, provavelmente, sua mente já havia repetido as cenas daquela noite, mas coloquei dois dedos sobre os seus lábios e o silenciei. Seus olhos estavam expressivos e gritavam para mim todas as suas perguntas. Eu só pude responder a coisa mais óbvia e importante: — Está tudo bem — falei, vendo seu peito subir e descer, agora sem a respiração agitada de antes. — Você passou por uma cirurgia e retiraram a bala. Só vai precisar de algumas sessões de fisioterapia e logo estará tão bom quanto antes — falei, repetindo as palavras do médico. Tirei meus dedos dos seus lábios e voltei a apertar sua mão. Ele apertou a minha e voltou a falar: — Como você está? E as meninas? Prenderam aquele filho da puta? — Eu estou bem e as meninas também, elas estão na casa da Agnes. Maurício está morto. De verdade, dessa vez. — Ah... Graças a Deus — ele murmurou em alívio, assim como eu havia feito. Quando seus olhos voltaram a encontrar os meus, eu não pude conter minhas lagrimas. Devagar, me inclinei um pouco na cama e encoste minha cabeça em seu peito, sentindo seu cheiro e a textura sedosa da pele. — Você levou o tiro por mim — falei entre lágrimas, ouvindo de leve as batidas do seu coração. — Você me salvou... Ah, meu amor, eu achei que iria perder você. Quando você caiu em cima de mim, eu... Eu tive tanto medo! Tive tanto medo de que você tivesse morrido. — Lena, meu amor... Está tudo bem. — Eu sei que agora está tudo bem, mas poderia não estar. Nunca vou me perdoar pelo tiro que você levou. Pelo trauma que as meninas passaram... Eu deveria tê-lo matado de verdade naquela noite. — Lena, por favor, olhe para mim. Me afastei um pouco e olhei Daniel, que tinha o semblante calmo e complacente. — Segure minha mão. Segurei suas mãos, pois ele não podia mover o braço por causa da agulha. Ele apertou de leve os meus dedos e disse, sem tirar os olhos dos meus: — Estou muito feliz que você não tenha o matado naquela noite. — O quê? Como pode dizer isso? Se eu tivesse... — Fico muito feliz, porque assim, você não terá que viver com a culpa. Você não o matou, Lena

e toda a culpa e a dor que você sentia, pode ir embora. Lembra quando conversamos sobre Deus? E sobre Ele não fazer nada em vão? Então, é isso. Maurício sobreviveu e reapareceu para tirar a culpa e o peso do seu coração. Você não merecia viver com uma culpa que nunca foi sua e nunca será, meu amor. Suas palavras foram direto ao meu coração e, como se fosse mágica, a culpa e a dor já não estavam mais lá. Tudo fazia tanto sentido. Novamente, fechei meus olhos e agradeci a Deus. Agradeço por tudo e por todas as maravilhas que havia reservado para a minha vida. Por toda a sua bondade e o seu infinito amor. — Você tem razão — falei, voltando a abrir os olhos. — Você está coberto de razão. — Eu sei. Ter razão faz parte do meu charme irresistível. Ele piscou para mim e eu não pude evitar a risada e o pensamento que escapou em voz alta: — Espero que o nosso filho não seja tão convencido quanto o pai. — O quê? Percebi que havia falado demais, mas só consegui sorrir de alegria. Como ainda estava de pé, cheguei mais perto da cama e movi a mão de Daniel com delicadeza até meu ventre ainda plano. — Eu estou grávida. — Grá... — sua voz embargou e ele limpou a garganta, visivelmente emocionado. — Grávida? — Sim. Nosso filho é um guerreiro, assim como nós dois e nossas meninas... — falei, sentindo minha garganta se fechar em um nó. — Daqui a pouco mais de sete meses ele ou ela, estará em nossos braços. As lágrimas de Daniel desceram sem controle e às minhas também. Coloquei todo aquele choro em cima dos hormônios de grávida e ofeguei quando Daniel acariciou minha barriga com o polegar. — Nosso bebê. — Sim, só nosso. — Deus, Lena... Eu amo tanto você! Amo tanto vocês! — Nós também amamos muito você, Dan. Muito, com todo o nosso coração. Me inclinei um pouco sobre a cama e meus lábios roçaram nos dele. Nos beijamos com calma e seu gosto era tão bom, tão perfeito... Meu coração iria explodir de tanto amor. — Nosso amor é para sempre — ele murmurou entre os meus lábios. — Nosso amor é para sempre.

Capítulo 28 - Helena

Daniel teve alta dois dias depois. Apesar de sua casa já ter sido liberada pela perícia, as meninas estavam traumatizadas demais e se recusaram a entrar. Por isso, ficamos na minha casa. Foi impossível conter as lágrimas — ou talvez eu estivesse me tornando realmente uma exímia chorona — quando Gabi e Letícia viram Daniel, assim que chegamos em casa. Elas correram e o abraçaram com força, tomando cuidado com o braço que estava na tipoia. Choraram e vi Daniel murmurar baixinho o quanto amava as duas e que nada iria separa-los. Em seguida, as duas correram para mim e abraça-las aquietou meu coração. Estava com tanto medo que o trauma tivesse sido forte demais para elas. Obviamente, não seria uma cena fácil de se esquecer, mas elas eram tão fortes quanto Daniel e logo começaram a sorrir quando deram comida a ele na boca ou o ajudaram a se sentar. Se tornaram ótimas enfermeiras. Ainda no dia de sua alta, recebemos a visita do delegado. Prestamos depoimentos, apenas para fechar o inquérito e ele nos informou que os comparsas de Maurício haviam aberto o jogo. Maurício já estava na cidade há pouco mais de um mês, mas antes tinha ficado escondido em uma casa em Angra dos Reis. Um dos comparsas era seu amigo de longa data e informou que Maurício aproveitou do tiro que eu havia lhe dado, para forjar a própria morte e usufruir de todo o dinheiro que havia superfaturado da empresa do meu pai. O dinheiro estava aplicado em contas em Dubai, no nome de um laranja e ele havia mesmo comprado uma casa no país, para que morássemos lá. Além de louco, era um bandido. Fora realmente ele que havia armado os dois assaltos na mercearia do seu Jô. O primeiro para testar a segurança do local e o segundo para realmente assustar o seu Jô e fazer com que Daniel o acompanhasse até o hospital, deixando assim o caminho livre para que ele me abordasse em casa, com as meninas. Mas, graças a Deus, tudo havia acabado bem e até mesmo o seu Jô já estava em casa, com a saúde perfeita e em segurança. Minha mãe e minha irmã foram embora ainda naquele dia e de noite, depois de arrumar a cama das meninas no chão do meu quarto, Daniel e eu nos deitamos lado a lado, na cama. Ele levou a mão direita a minha barriga e sorriu de leve para mim. — Está com dor? — Não, o analgésico já fez efeito — ele respondeu, arrastando o polegar pelo meu ventre. — Como você está? — Agora, bem melhor. Eu fiquei com muito medo das meninas ficarem traumatizadas demais.

Mas vê-las sorrindo me deixou muito mais tranquila. — Eu também fiquei com medo. Sabe, eu entendo o porquê de elas não quererem mais entrar na nossa casa e acho que eu também não quero mais. Fomos felizes ali, mas já passamos por muito sofrimentos entre aquelas paredes. — E o que pensa em fazer? — Depois da morte da minha mãe, a casa passou para o meu nome. Então, eu penso em vendela. O que acha? — Eu acho que você tem que fazer o que o seu coração estiver pedindo. Se sente vontade de vende-la, pense bem sobre o assunto e se chegar à conclusão de que é realmente isso que você quer, então, faça. Ele assentiu e pareceu refletir um pouco. — Nossa loja abrirá em breve e sei que nossas finanças irão se apertar um pouco, pois estamos investindo, mas... Eu acho que com o dinheiro da venda da casa, eu posso comprar uma outra casa. No final da nossa rua tem uma casa muro branco alto, já viu? — Sim, já havia reparado enquanto andávamos de bicicleta... O que tem ela? — O dono é o seu Jô e tem alguns meses que ele resolveu colocar à venda, mas nunca fecha com um comprador. Ele é um homem de bom coração, mas disse que preferia vender a casa para alguém que ele conhecesse, que fosse da confiança dele. O que você acha que darmos uma olhada na casa? Se você gostar, eu posso conversar com o seu Jô. É uma casa grande, de quatro quartos, altos e baixos, tem um jardim bonito e até uma piscina. Eu posso dar o dinheiro da venda da minha casa como entrada e vejo com ele uma forma de pagar o resto por mês... O que acha? — O que eu acho? Ele assentiu e eu senti meu coração quase inflar de alegria. Daniel queria comprar uma casa para morarmos juntos. Queria realmente um futuro comigo e eu não pude impedir o sorriso bobo que nasceu em meus lábios. — Eu acho que é uma ideia incrível. Podemos ver a casa agora? Ele riu e a mão que estava em minha barriga, voou para o meu rosto. Fechei os olhos quando senti seu polegar acariciar minha bochecha. — Você é a mulher da minha vida, Helena. No momento em que coloquei meus olhos em você, eu senti que você seria especial. De alguma forma, você tocou em meu coração naquele momento e a cada palavra que trocamos desde então, essa sensação só cresceu dentro de mim. Mas quando nos beijamos pela primeira vez... Eu soube, com toda a certeza, que seríamos para sempre. Que eu nunca iria permitir que você fosse embora e eu realmente não vou. Ele me olhou por alguns segundos e vi todo o amor do mundo naqueles olhos azuis que eu tanto amava. De repente, ele se ergueu na cama com um pouco de dificuldade e eu me sentei também, sem entender aonde ele iria ou o que iria fazer. Virou-se e começou a mexer na gaveta que ficava na mesinha de cabeceira ao lado da cama. Quando se virou para mim, ele tinha uma caixinha de veludo vermelha no meio da sua mão grande. Meu coração começo a acelerar antes mesmo de ele falar algo.

— Sei que não é nem um pouco romântico, mas eu vi esse anel antes de ontem, em uma joalheria, enquanto estava fazendo uma entrega para o seu Jô. Eu só pude pensar em você na hora e o comprei, mesmo sem saber se um dia você iria voltar para mim — falou, sua voz ficando rouca de emoção no final. — Mas você voltou para mim. E eu prometo, pela vida do nosso bebê que está em seu ventre, que eu nunca mais farei qualquer coisa para magoa-la. Eu prometo que vou te amar para sempre, com todo o meu coração. Eu vou cuidar de você, serei não só o seu homem, mas serei sempre o seu amigo, seu companheiro e o melhor amante que você já conheceu. Ele sorriu e eu sorri também, sentindo meus olhos se encherem de lágrimas. — E eu quero deixar isso claro para todos. Perante a lei do homem e a lei de Deus. Quero ser o seu esposo e quero te fazer a mulher mais feliz do mundo. Mas, para isso, eu preciso do seu sim. Ele colocou a caixinha entre nós, em cima da cama e abriu a tampa. O anel era lindo. Delicado, aro de ouro e uma linda pedra rosa brilhava para mim. — Você se aceita se casar comigo? Voltei a olhar para ele e vi que estava exatamente como eu: olhos cheios de lágrimas e um grande sorriso no rosto. E eu tinha quase certeza de que os nossos corações batiam em sincronia. Deus, eu nunca pensei que seria capaz de amar tanto alguém. E nunca pensei que seria capaz ser amada de volta, com tanta intensidade, com tanta sinceridade. — Como eu poderia dizer algo diferente para o grande amor da minha vida? — murmurei, tocando em seu rosto. — Sim. Sim, é claro que sim! Meu Deus, é óbvio que eu aceito me casar com você! Ele passou o braço direito pela minha cintura e eu comecei a rir, enquanto algumas lágrimas desciam livremente pela minha bochecha. Olhei para os pés da cama e vi que as meninas já estavam dormindo e me controlei. Quando voltei a olha-lo, seus olhos azuis estavam dentro dos meus. — Você nunca conseguirá imagina o quanto eu te amo. É algo maior do que eu. — Eu consigo imaginar sim, porque eu te amo da mesma forma. É maior do que eu, é maior do que nós dois. O melhor presente que Deus separou para nós dois. — O segundo melhor presente. O primeiro está dentro de você e eu mal vejo a hora de pegalo em meus braços. Eu assenti e o abracei delicadamente, tomando cuidado com o sua operação e seu braço apoiado na tipoia. — Prometo te fazer o homem mais feliz do mundo. — Eu já sou o homem mais feliz do mundo apenas por ter você na minha vida. — Olha... Assim eu vou me apaixonar! — brinquei, sorrindo e ele sorriu também. — Fazer você se apaixonar por mim será o meu objetivo de vida, futura senhora Huberman. Futura senhora Huberman. Eu nunca pensei que um sobrenome poderia fazer meu coração disparar, mais disparou. Ainda sorrindo, colei meus lábios nos dele e o beijei.

E senti o maior amor do mundo. *** As semanas passaram em um piscar de olhos e logo Daniel estava livre da tipoia e a operação estava finalmente cicatrizada. As sessões de fisioterapia começaram e seu tempo ficou dividido entre fazer fisioterapia pela manhã e trabalhar para a abertura da loja. Que, aliás, estava ficando linda. Ficava bem no centro de Joinville, em uma rua movimentada, que tinha muito comércio e grande fluxo de pessoas. Foi revigorante pensar em cada detalhe, entrar em contato com fornecedores, entrevistar algumas vendedoras e até mesmo correr com toda a documentação. Era muito trabalho, mas eu sabia que valeria a pena. Já estava valendo, na verdade. Todas as vezes em que eu via os olhos de Daniel brilharem, olhando ao redor, vendo nosso projeto saindo do papel e ganhando vida, eu sentia dentro de mim que todo o nossos esforço e dedicação valeria a pena. Era um grande motivo de orgulho. Como havia planejado na noite em que me pediu em casamento, Daniel conversou com as meninas e ambos decidiram colocar a casa para vender. Gabi, como ainda era pequena, apenas disse que não queria morar mais lá e Letícia, que já era maior e entendia muito bem o que havia acontecido, decidiu que era realmente melhor se desfazer da casa. Como Daniel mesmo disse, se desfazer da casa não significava que estavam se desfazendo das lembranças boas, muito menos que estavam se desfazendo de seus pais. Era apenas deixar de lado as coisas ruins, fechar um ciclo e iniciar outro bem melhor e mais feliz. A conversa que tivemos com o seu Jô, sobre a compra de sua casa não poderia ter sido melhor. Ele ficou tão feliz que eu quase me emocionei. Abraçou a mim e a Daniel e disse que sua casa não poderia estar em boas mãos. Como o meu contrato com a imobiliária iria até fevereiro, decidimos ficar na minha casa e esperar que a casa de Daniel fosse vendida, para que ele desse a entrada na casa do seu Jô. Eu me ofereci para ajudar a pagar, mas Daniel não deixou e disse que aquela conquista seria dele, para todos nós e eu entendi seu ponto de vista. Agora, finalmente, sua vida estava melhorando e ele queria poder conquistar suas coisas com o suor do seu rosto. Em breve a loja daria lucro e logo, logo ele conseguiria quitar o valor integral da casa. No final de janeiro, sua casa foi oficialmente vendida para um casal recém-casado. Como era uma casa grande, bem conservada e em uma boa localização, o valor fora bom o suficiente para que desse a entrada na casa do seu Jô e parcelasse o restante por mês. Nossa mudança para casa nova — e enorme — acontecera no mesmo tempo em que a loja foi inaugurada. Minha mãe, minha irmã e minha cunhada vieram nos prestigiar e ajudar nessa nova fase e eu não poderia estar mais feliz. A casa era linda! Sala e cozinha espaçosos, uma garagem grande na frente e um quintal

enorme na parte de trás. Ali, o espaço era dividido em três partes: ao lado direito tinha um grande jardim, que Daniel já começara a cuidar e plantar suas rosas e plantas, ao lado esquerdo tinha uma piscina grande, que deixou as meninas encantadas e entre os dois lugares, havia um espaço enorme, com grama. Observando o local, passei a mão em minha barriga que já começava a despontar e sorri. Eu já podia imaginar aquela área verde cheia de criança correndo de um lado para o outro, rindo e se jogando na piscina. — Está feliz? Daniel me abraçou por trás e suas mãos se fecharam sobre as minhas. Eram tão grandes que quase cobriram todo o meu ventre arredondado. — O que você acha? — A julgar pelo seu sorriso, acho que você está sim, muito feliz. — Impossível não ficar feliz com tanta coisa boa acontecendo na nossa vida. Vamos ter um bebê, temos a nossa própria casa, abrimos a nossa loja, vamos nos casar... — Já percebeu? Tudo é nosso. Isso me leva a crer que seria realmente impossível ser feliz sem você — ele murmurou em meu ouvido e eu me virei para encara-lo. — Sim, seria impossível ser feliz sem você — repeti, ficando na ponta dos pés para abraça-lo. — Você faz a mulher mais feliz do mundo. — Você me faz o homem mais feliz do mundo. Ele me beijou e o sabor da sua boca estava tão incrível como sempre. Seus braços rodearam a minha cintura e senti o desejo atravessar o meu corpo como em uma onda, espalhando-se por cada poro, cada centímetro... Respingos de água gelada nos separou levemente e ao olharmos para o lado, encontramos uma Gabriela molhada da cabeça aos pés, rindo para nós dois. — Eu e a Lelê nos jogamos na piscina! A água está muito boa, vem tomar banho com a gente! — Eu já estou aproveitando! — gritou Bel, tacando-se na piscina de roupa e tudo. Nina foi logo atrás dela e até minha mãe largou o que estava fazendo e se juntou a elas, entrando na piscina pela escadinha. Gabi gritou e voltou correndo para piscina. Pude ouvir a risada de Daniel: — Nós não podemos perder essa diversão, não é? Ainda mais hoje, que é domingo e temos o nosso dia livre... Ele me pegou colo e eu nada pude dizer. Comecei a rir e, por um momento, pensei que ele iria pular com tudo na piscina, mas, sensato e cuidadoso como era, se agachou na borda e entrou levemente comigo, segurando-me o tempo todo, mesmo depois de já estarmos ensopados. Tive vontade de beija-lo, mas uma guerra de água começou e eu comecei a rir, entrando na brincadeira, sentindo-me, realmente, a mulher mais feliz do mundo.

Capítulo 29 - Helena

— Está ansiosa? — Bel perguntou ao meu lado, tocando em minha mão. — Um pouco... Certo, estou muito ansiosa! — ri de nervoso, correndo a mão pela minha barriga. — Posso ao menos me olhar no espelho? Bel riu e Nina se aproximou, virando o espelho para mim. — Ah, querida, você está tão linda! — minha mãe chorou ao meu lado e não tive palavras para responder. Sim, ela tinha razão. Eu estava tão... Linda. O vestido de noiva que eu usava era simples, mas lindo. Duas alças finas desciam pelos ombros se ligavam ao busto delicado, coberto por algumas pedras sem brilho. O pano leve e delicado descia pelo meu corpo, moldando minhas curvas e minha barriga arredondada de seis meses. A maquiagem era leve, os olhos estavam marcados por um delineado rente aos cílios e o batom rosado combinava perfeitamente com a gérbera de pétalas rosas que estava presa ao meu cabelo solto e cacheado. Eu também usava o cordão e o anel que Daniel havia me dado. Meus olhos se encheram de lágrimas, mas me obriguei a reprimi-las. Eu estava tão feliz e tão bonita! Torcia de fundo do meu coração para que Daniel achasse a mesma coisa. — Ele vai gostar, não é? Eu gostei tanto... — murmurei, encontrando o olhar das três pelo espelho. — Claro que sim, filha! — Lena, Daniel gosta de você até com uma melancia na cabeça. É óbvio que ele vai adorar! — Bel disse, risonha. — Não fica nervosa, Bel. Daniel se apaixonará ainda mais por você. Duas batidas soaram na porta e minha mão perguntou em voz alta quem era, antes de abrir. — Sou eu, Agnes. Dona Agnes entrou e estava linda em seu vestido azul de madrinha. Ela sorriu e pareceu encantada ao me ver. — Querida, você está linda! Acho que é a noiva mais bonita que já vi! — disse e apertou os olhos com a ponta dos dedos, emocionada. — Já vou chorar de novo, meu Deus! — Eu também estou assim, chorando toda hora — minha mãe respondeu e eu sorri ao ver como haviam se tornado amigas. — Essas crianças se casam e é a gente que sofre com a emoção... — disse ela, sorrindo. — Olha, vim saber se já está pronta. Daniel já está no altar e estou achando que vai ser ele que vai parir o filho de vocês, de tanto que está nervoso! Não para de andar de um lado para o outro.

— Homens, tão sentimentais! — Bel riu, revirando os olhos. — Olha quem fala, parece uma manteiga derretida... — Nina, para com isso, você sabe que eu quase não choro! Deixei as duas discutindo e ri para dona Agnes, que não parava de me olhar com aquele sorriso bobo. — Já estou pronta. Onde está Gabi? — Está lá embaixo com o seu Jô. Está linda e não para de rodopiar com o vestido de daminha. Descemos juntas, com Bel ainda reclamando, falando que não chorava e com Nina rindo dela. Minha mãe me ajudou com o vestido e logo chegamos no andar de baixo. Gabi correu e me abraçou. Ela estava linda com o vestido de dama branquinho, mas com uma faixa rosa da cor da festa. — Tia Lena, você está tão linda! — disse, afastando-se. Deu uma girada rápida e me olhou. — Eu também estou muito bonita, não é? — Você está linda, meu amor. A daminha mais linda do mundo! Ela sorriu, toda boba e seu Jô se aproximou de mim. Ele estava muito bonito em seu terno negro e tinha os olhos cheios de lágrimas. — Menina Helena... Como está linda! O menino Daniel vai ficar encantado! — Eu espero, seu Jô. — E você ainda tem dúvidas? Aquele menino ama você — disse, pegando em minha mão. — Você não imagina o quanto estou feliz com o seu convite. Acompanha-la até o altar e entrega-la ao menino Daniel será um sonho. Amo vocês dois como se fossem meus filhos. — Não poderia ser outra pessoa, seu Jô. O senhor já fez tanto por Daniel, já fez tanto por todos nós. E foi na sua mercearia que a nossa história começou, lembra? O senhor só nos dá sorte. — Espero que seja assim para sempre! — ele sorriu e secou algumas lágrimas. — Vamos? O menino Daniel está nervoso no altar. Assenti e dona Agnes, minha mãe, irmã e cunhada me deram um último abraço antes de saírem e irem se posicionar no altar. Resolvemos nos casar no jardim da nossa casa. Convidamos apenas quem realmente era importante e eu senti meu coração se acelerar ao ver o jardim todo decorado. Estava tão lindo e delicado. Arranjos de gérbera rosa enfeitavam a mesa com o bolo e a mesa dos convidados. Havia muita luz, pétalas espalhadas em lugares estratégicos e havia até mesmo algumas flores flutuando na piscina. O céu estava todo tingindo de púrpura, azul claro e branco. Já estava anoitecendo e o ambiente não poderia ficar mais perfeito. Mas ficou. Ficou assim que coloquei os olhos no homem na minha vida. Daniel estava vestido em um terno cinza chumbo, os cabelos que eu tanto amava estavam soltos e uma gérbera delicada descansava em seu bolso. Eu havia prometido a mim mesma que não iria chorar, mas não consegui conter as lágrimas de emoção que molharam minha bochecha.

Tentei olhar para Letícia, dona Agnes e seu esposo, minha mãe, irmã e cunhada e dona Manuela, que havia entrado com Daniel, mas não consegui desviar os olhos dele. E ele parecia também hipnotizado por mim. Quis correr até os seus braços, mas apenas sorri e seu Jô apertou de leve minha mão. Quando Gabi terminou de jogar as pétalas no chão e Daniel se abaixou para beija-la, eu consegui fitar o resto dos convidados e me senti feliz. Emocionada. Pronta para ser definitivamente dele. — A menina está entregue, menino Daniel — Seu Jô murmurou, emocionado. — Sejam muito, muito felizes, meus meninos. Eu amo muito vocês. — Seu Jô, amamos muito o senhor também — Daniel disse, abraçando-o. — Nunca serei capaz de agradecer por tudo o que fez por mim e pela minha família. — Não agradeça, menino Daniel, pois foi de coração — disse, afastando-se. — Aproveitem, esse é o dia de vocês. Seu Jô beijou a minha testa e se afastou, tomando seu lugar ao lado de dona Manuela. Senti meu mundo estremecer quando voltei a fitar Daniel e me senti hipnotizada por aquelas órbitas azuis, que pareciam sempre enxergar toda a minha alma e o meu coração. Ele tomou a minha mão e beijou levemente. — Você é a mulher mais linda que eu já vi em toda a minha vida. Sorri para ele e nos posicionamos em frente ao pastor da igreja local. O homem mais velho sorriu para nós dois e começou a cerimônia. — Queridos, aqui estamos para celebrar a união de Daniel e Helena... O pastor começou o discurso, mas eu só conseguia ter olhos para Daniel e ele para mim. Seu sorriso era tão grande e eu sabia que era um verdadeiro reflexo do meu. Ali, diante do altar, me casando com ele, eu percebi que o amor que sentíamos era tão diferente, tão profundo, tão nosso. E tive a certeza de que seríamos felizes para sempre. Na hora dos votos, Gabi entrou com a as alianças e sorriu toda boba para nós dois. Daniel pegou a aliança e beijou minha mão esquerda, antes de começar a deslizar o aro de ouro devagar no dedo anelar. — Helena, eu te recebo como minha esposa e prometo ama-la e honra-la pelo resto dos meus dias. Acima de todas e quaisquer coisas, meu amor irá prevalecer. Você é a mulher da minha vida. É a que tocou o meu coração, entrou na minha alma e mudou toda a minha história. Nos meus dias mais tristes, você me consolou; nos mais alegres, foi o motivo do meu sorriso. Esta noite está me dando o presente mais lindo, que é o privilégio de ser o homem com quem vai compartilhar a sua vida. Quero ser sempre o seu porto seguro, aquele que não só vai te fazer sorrir, como o que também vai te amparar, secar suas lágrimas e ama-la até o fim dos nossos dias. Te amo com todo o meu coração e toda a minha alma. Ele deslizou o anel até o final e deu um beijo em meu dedo, em cima do aro. Naquele momento eu já estava com o rosto banhado em lágrimas, muito feliz e emocionada. Quando chegou a minha vez, me obriguei a encontrar minha voz, enquanto deslizava o anel em seu dedo. — Daniel, eu te recebo como o meu esposo e prometo ama-lo e honra-lo pelo resto dos meus

dias. Você é o grande amor da minha vida e eu não poderia estar mais feliz por amar um homem tão bom, íntegro, honesto e amoroso como você. Nem nos meus melhores sonhos eu imaginei que um dia me casaria com um homem tão apaixonante e agradeço a Deus todos os dias pelo lindo presente que me reservou. Quero que encontre em mim o suporte para toda a sua vida, pois prometo que estarei contigo a cada passo. Te ajudarei e serei aquela com quem você sempre poderá contar. Prometo te fazer feliz a cada segundo dos meus dias e te amar com toda a minha alma. Você é o meu grande e precioso amor. E sempre será. Deslizei o anelo pelo seu dedo e Daniel sorriu abertamente para mim, sem se importar em secar as lágrimas de emoção que molhavam sua bochecha. — Com o poder concedido a mim e com a benção de Deus, eu vos declaro marido e mulher. Você pode beijar a noiva. Daniel se aproximou de mim e tocou em minha cintura. Com a mão livre, usou os dedos e tocou delicadamente em minha bochecha, antes de se inclinar e tocar os lábios nos meus. Nosso beijo foi calmo, leve, mas tão cheio de amor e carinho que eu me senti nas nuvens. Completa e arrebatadoramente apaixonada pelo meu marido. — Eu te amo, esposa — ele murmurou entre os meus lábios. — Eu te amo, esposo. Apenas quando nos afastamos, que eu consegui ouvir as palmas. Todos sorriam para nós e dando uma espiada no altar, vi que todos choravam, inclusive a manteiga derretida da Bel, que estava quase soluçando. Saímos do altar em meio a uma chuva de pétalas de rosas, muito carinho e muito amor. Falamos com os convidados, recebemos abraços, felicitações e todos desejaram que tivéssemos uma vida boa e feliz. E eu sabia, tinha certeza, que teríamos. Depois de falar com todos, conseguimos nos sentar e Daniel logo apareceu com duas taças nas mãos, ambas com suco. Deu uma para mim e sorriu, encostando a taça na minha. — Beba tudo, meu amor. Nosso filho não pode passar necessidades e a doutora Lúcia disse que você tem que beber muito líquido. — Sim, senhor — ri, tomando um gole do suco. — Você é o noivo mais bonito do mundo, sabia? Ele elevou uma sobrancelha e colocou a taça vazia na mesa. Curvando-se um pouco, tocou em minha barriga com as duas mãos e sorriu de lado. — É, muitas já me falaram isso... — Muitas? Muitas quem? — Algumas mulheres... — Que mulheres? — Você sabe, eu sou um homem disputado e tudo mais — disse, piscando para mim. — Quem falou? — perguntei, olhando-o de soslaio. Ele riu e balançou a cabeça.

— Sua mãe, dona Agnes, minhas irmãs, dona Manuela... E você, a mais importante de todas. Sorri e ele se curvou para me beijar. Sua língua estava enroscada a minha, quando sentimos um movimento languido em meu ventre. — Hum... Alguém quer atenção aqui — ele murmurou entre meus lábios. — Ele deve estar com saudades do papai. Daniel se abaixou e beijou minha barriga, começando a falar com nosso filho. Fazia dois meses que havíamos descoberto que era menino, mas ainda não tínhamos um nome definido. Eu quase derretia quando Daniel se curvava para conversar com nosso filho e adorava quando ele respondia com chutes e alguns movimentos mais calmos. Ele sempre ficava agitado ao ouvir a voz do pai. — Dan, Lena! — a voz de Letícia ao microfone nos chamou a atenção. — Chegou a hora da dança dos noivos! Caminhamos para o meio da pista de dança, que ficava próximo a piscina e começamos a dançar uma música leve e romântica. Não prestei atenção na letra, porque, naquele momento, nada mais importava, apenas o homem que me segurava com delicadeza em seus braços e me olhava com amor. Rodopiei e quando voltei para os seus braços, Daniel se inclinou e sussurrou no meu ouvido: — Sabe o que eu mais quero agora? — O quê? — Fugir com você para o nosso quarto e fazer amor até o amanhecer. Uma onda de desejo invadiu o meu corpo e eu apertei o seu ombro, ficando excitada. — Eu também quero. — Será que podemos fugir rapidinho? — Quem sabe quando a pista de dança ficar cheia? Ele se sorriu para mim e me rodopiou mais uma vez. Dançamos juntos, coladinho um ao outro e assim que a música romântica acabou, uma música animada começou a tocar. Como se soubessem que era isso que queríamos, a pista de dança ficou cheia e animada. Foi naquele momento que Daniel me deu um sorriso sorrateiro e me puxou pela mão. Saímos de fininho e entramos na sala que estava vazia. Já estava indo em direção a escada, quando ele parou e me pegou no colo, arrancando uma risada de mim pelo susto. Rindo, ele subiu as escadas com pressa e atravessou o corredor. Abri a porta do nosso quarto e ele a fechou com um chute, já beijando a minha boca, dessa vez com força e paixão. Com cuidado, me colocou deitada na cama e seu corpo se inclinou sobre o meu. Não consegui deixa-lo ir muito longe, por isso, assim que ele levantou meu vestido, eu abri minhas pernas para que ele se acomodasse no meio das minhas coxas. Seus beijos desceram pela linha do meu maxilar, meu pescoço e quando as alças finas do vestido caíram para o lado, expondo os meus seios, seus lábios se fecharam sobre um mamilo. Um gemido entrecortado escapou da minha garganta. O mamilo estava duro e supersensível.

Cada golpe da sua língua era como um choque em meu clitóris e meu corpo estremeceu de desejo. — Eu preciso de você, por favor... — Eu também preciso de você... Ele foi para o outro seio e ouvi quando o zíper da sua calça foi aberto. Quando seu pau ereto tocou na junção das minhas coxas e a cabeça se arrastou em meu clitóris por cima da calcinha, senti um arrepio forte. Estava excitada demais, necessitada. Sem tirar o mamilo da boca, Daniel arrastou minha calcinha para o lado e seu polegar acariciou o clitóris devagar. Gemi alto e segurei seus cabelos próximo a nuca, mexendo meu quadril como podia. Devagar, senti a cabeça larga do seu pênis brincar com a minha entrada e começar a estica-la, entrando lentamente, torturando-me. — Daniel! Seu nome saiu como uma súplica dos meus lábios e ele gemeu, indo até o fundo e voltando. Começou a me penetrar assim, devagar, deixando-me louca de desejo, até que os movimentos mudaram e começaram a ficar mais rápido. Deixando o mamilo duro e sensível, Daniel me beijou e seu polegar ficou sincronizado com o movimento de seu pênis dentro de mim. O agarrei e senti meu corpo estremecer, o orgasmo se construindo com força. Ele pareceu sentir, pois aumentou os movimentos, gemeu meu nome entre os nossos lábios. Meus olhos se reviraram, meu clitóris pulsou e gozei com força, chamando seu nome, vendo pontos brilhantes atrás das minhas pálpebras. Daniel meteu mais rápido, gritou e sugou meu pescoço quando começou a gozar, levando-me a outro orgasmo forte, que me deixou languida e perdida de prazer. Minhas paredes vaginais pulsavam ao redor dele, conforme os movimentos foram diminuindo, até que restou apenas a nossa respiração desigual e as batidas rápidas do coração. Senti Daniel se erguer um pouco e olhei dentro dos seus olhos. Emoção forte bateu dentro de mim ao ver aquele homem lindo, de cabelo desgrenhado e lábios vermelhos levemente inchados pelos meus beijos. Meu marido. Meu grande e verdadeiro amor. — Eu amo você — sussurrei, incapaz de conter tamanha emoção. — Eu amo você.

EPÍLOGO — CINCO ANOS DEPOIS DANIEL

— Pai, olha só! A tia Gabi está tentando me pegar, só que eu sou muito mais rápido e muito mais forte que ela! Eu corro muito! Pedro, meu molequinho de quatro anos, começou a correr e Gabriela riu, indo atrás dele. Sorri ao vê-los brincando e correndo no meio do quintal, ouvindo a gargalhada alta e alegre de Pedro. Observei meu filho e percebi que o tempo estava passando rápido demais. Meu menininho de cachos caramelo já era tão esperto, tão autossuficiente. Comia praticamente sozinho, já estava aprendendo a tomar banho sem ser supervisionado e já sabia escrever seu nome. Adorava correr, brincar e jogar futebol e eu me sentia um bobo com cada um de seus avanços. Gabi estava com onze anos e já não era mais a menininha que eu carregava no colo para cima e para baixo. Continuava risonha, mas já estava tão madura, tão avançada, tão... Adolescente. Letícia, então... Já estava com dezoito anos, prestes a entrar para a faculdade. Estava namorado e me deixava cheio de ciúmes, apesar de Bruno, seu namorado, ser um garoto legal e responsável. Ainda olhando para meu filho, virei a carne na churrasqueira e comecei a cortar a que já estava pronta, obrigando-me a ficar calmo, apesar de estar tão ansioso. Quando terminei, ergui novamente o olhar e então, eu a vi. A mulher da minha vida. A real razão de toda a minha felicidade, dos sorrisos que eu dava a cada dia. Nosso casamento era tão feliz e tão especial. Tão normal como qualquer casamento, brigávamos, discordávamos de alguma coisa, mas, ao contrário de outros, talvez, nunca dormíamos brigados. E a hora de fazer as pazes era sempre as melhores. Pedro correu para os braços de Helena e um filme passou pela minha cabeça. Me lembrei daquele dia, há quase seis anos, em que a vi pela primeira vez, na mercearia do seu Jô. Ela era a coisa mais linda do mundo com aquela pele de chocolate, o cabelo em um coque desgrenhando, comendo um sanduíche como se fosse a melhor iguaria do mundo. Eu sabia que ela era especial, mas nunca imaginei que ela me faria tão feliz e tão completo. Que seria uma parte essencial da minha vida, da vida das minhas irmãs. Que me daria o melhor presente do mundo, nosso filho. Mas Deus, sabiamente, já tinha escrito a nossa história. Aquele encontro não ocorreu por acaso e eu acreditava fielmente nisso. E o amor que se instalou em nossos corações de forma tão simples, mas tão forte, seria o elo que nos uniria para sempre. Colocando Pedro no chão, que logo voltou a correr e brincar, Helena se aproximou de mim. Mal

pude conter o sorriso e me aproximei dela, beijando-a na boca. — E então? — perguntei, sentindo meu coração bater forte. — Fale logo, você está me matando de curiosidade e isso não se faz! Ela deu aquele sorriso sacana e amostrou o teste de gravidez para mim. Não quis olhar as listras que estavam ali, apenas continuei a olhar nos olhos dela, ansioso. — Estou grávida. Não consegui conter a emoção e acho que sorri e chorei ao mesmo tempo. A beijei com força e então, me ajoelhei na sua frente, levantando sua blusa e tocando em seu ventre liso, que abrigava mais um filho. Mais um ser que era a prova viva do nosso amor. — O papai já ama você — murmurei, beijando sua barriga. Helena sorriu e acariciou meus cabelos. — Eu amo muito vocês, muito. — Também amamos você. Sorridente, me levantei e a puxei pela mão. Pedro estava na piscina com Gabi e Letícia estava sentada debaixo da sombra com Bruno. Chamei a todos com um assovio e abaixei o som. — Pessoal, preciso contar algo para vocês. — O que é, pai? — A mamãe está grávida — falei, tocando novamente na barriga de Helena. — Você terá um irmãozinho ou uma irmãzinha, querido. E vocês — apontei para Letícia e Gabi. — Serão tias de novo! — Ah, que maravilha! — Letícia vibrou, sorrindo. — Que legal, mais um sobrinho! — Gabi disse, saindo da piscina. — Droga, acho que vou chorar... — Chorar por que, tia Gabi? Minha mãe vai me dar um irmão e ele vai jogar bola comigo, é pra gente ficar feliz! — Pedro disse, correndo em nossa direção. — Eu posso escolher o nome, mamãe? Quando vai nascer? Ele já me conhece? — Você pode nos ajudar a escolher o nome, tá bom? — Helena disse, abaixando-se para ficar na altura dele. — E se você falar com ele aqui na minha barriga, ele vai te conhecer. Ou ela. Pode ser uma menina, sabia? — Se for uma menina, eu vou tomar conta dela e ela e nunca vai namorar, que nem a tia Gabi. Eu tomo conta da tia Gabi e ela não namora. O papai me deu essa missão. — O seu papai é muito sem graça — Gabi disse, rindo. — Se for uma menina, você também vai tomar conta dela. Essa missão será sua também. — Então, eu quero que seja uma menina e um menino. Aí, meu irmão joga bola comigo e eu tomo conta da minha irmã. Tá bom, mamãe e papai? Pode ser os dois? — Filho, dois dá muito trabalho. — Mas seria ótimo se fossem dois — falei, ajudando-a a se levantar. — Eu iria adorar. — Ah, com certeza, eu sei que você iria amar.

Ela riu e eu a beijei com força, feliz, emocionado... Sentindo todos os tipos de sentimentos bons. Logo arrumamos a mesa e o almoço estava servido. Comemos em meio a muita risada, principalmente quando Helena se encheu de churrasco — que aliás, foi ela quem insistiu para que eu fizesse, era um desejo de grávida — e depois correu para o banheiro, pois enjoou. Ah, as fases do enjoo... Ia começar tudo de novo e eu estava amando essa sensação. Logo ela voltou e nos reunimos na beirada da piscina. As crianças — eu nunca me acostumaria a chamá-los de outro modo — entraram na piscina e eu peguei meu violão, começando a dedilhar. Helena sorria e balançava os pés na água e eu decidi cantar para ela uma música que traduzia toda a nossa história. Todo o nosso amor, que era para sempre. — Eu vou fazer cantar uma canção para minha esposa, por favor, silêncio — pedi, chamando a atenção de todos. — Papai, você sempre canta uma canção para a mamãe — Pedro riu, mas nadou até a borda e parou para escutar. Helena se virou para mim, já sorrindo e com os olhos cheios de lágrimas. — Eu nem cantei e você já está chorando — ri, dedilhando o violão. — Uma mulher grávida e apaixonada sempre se emociona. Com os olhos no seu e o coração cheio de amor, comecei a cantar: A primeira vez que vi o teu olhar O meu coração logo se apaixonou Eu nem encontrei, palavras pra dizer Nem me apresentei direito a você Chega a dar vontade de chorar Eu te convidando a ver o sol nascer Tudo em você me faz acreditar Que você nasceu pra mim e eu pra você Abro o coração Canto essa canção E ainda é muito pouco Pra expressar o que eu sinto Você me transformou, completamente Tudo é tão recente, tudo é tão inocente

O teu amor me faz acreditar que existe um querer Acima das nuvens que me uniu a você, que me uniu a você Nada neste mundo vai poder te separar de mim E a gente vai se amar, eternamente, eternamente. AGRADECIMENTOS Há tanto a agradecer... Primeiramente a Deus! Ele me presenteou com essa linda história em um momento em que eu estava duvidando da minha capacidade e do meu dom. E me provou que não há o que duvidar, porque quando fazemos algo por amor só pode dar certo! Deus, obrigada por tudo de bom que sempre fez por mim. Tudo é pelo Senhor e para o Senhor. Luana, essa história é sua e você sabe. Helena tem tanto, mais tanto de você, que ela é mais sua do que de qualquer outra pessoa. Muito obrigada por tudo, minha amiga! Sem você, Danlena não seria o que é hoje e essa história não teria tanta profundidade e tanto amor. Muito obrigada pelo apoio de sempre, pelo suporte, por ser aquela que me levanta em cada momento em que eu estou para baixo, por sempre estar aqui para me defender e apoiar. O seu Daniel vai chegar, fique tranquila e confie! Esse amor um dia será seu. Lorrane, amiga, você sempre foi aquela que disse: “um dia os seus livros serão os mais vendidos do Brasil e do mundo”. E meu livro já foi o mais vendido do Brasil! Você é muito mais do que uma amiga, é uma irmã que Deus me deu e eu te amo tanto, tanto! Muito obrigada por tudo, por me apoiar, por todo o carinho, por todo o amor e por toda a sua amizade. O seu Daniel já chegou! Sonso (apelido carinhoso) te faz feliz e eu espero que seja assim pelo resto da sua vida, por que você merece. Mãe, você é tão maravilhosa! Muito obrigada por tudo. Acima de qualquer pessoa, você é sempre a que mais me apoia, que está ao meu lado para o que der e vier e como sempre fala, baba muito por mim, hahaha. Eu te amo, mãe! Minha família! Eu amo vocês com todo o meu coração e toda a minha alma. Vocês são tudo para mim. E um agradecimento muito especial a você, que embarcou nesse romance comigo, que se abriu e deixou a mensagem de Daniel e de Helena entrar em seu coração. Essa história não é verídica, mas é real. E pode acontecer com você. Um amor simples, que veio de mansinho e conquistou esses personagens, que se conheceram “por acaso”. Você também terá o seu Daniel. E se você já o tem, eu desejo todo o amor do mundo para vocês. Um beijo muito grande para todos vocês! Com carinho, Tamires Barcellos.
De Repente, Você - Tamires Barcellos

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