Comentario de Champlin Versiculo por versículo - AT V 3 - 2Rs a Jó

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0 ANTIGO TESTAMENTO INTERPRETADO

O ANTIGO TESTAMENTO INTERPRETADO VERSÍCULO POR VERSÍCULO por

Russell Norman Champlin, Ph. D.

Voiume 3

II REIS I CRÔNICAS II CRÔNICAS ESDRAS NEEMIAS ESTER JÓ

D ig it a liz a ç ã o :

P r e s b ít e r o E d iç ã o :

E s c r ib a D ig it a l 2a Edição - 2001 Direitos Reservados

I4AGNOS Editora Hagnos Rua Belarmino Cardoso de Andrade, 108 São Paulo - SP - CEP 04809-270 - Cidade Dutra

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câm ara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Champlin, Russell Norman, 1933O Antigo Testamento interpretado: versículo por ve rsículo: II Reis, I Crônicas, II Crônicas, Esdras, Neemias, Ester, Jó, volume 3 / por Russell Norman Champlin. — 2. ed. — São Paulo : Hagnos, 2001.

Bibliografia. 1. Bíblia. A.T. - Crítica e interpretação I. Título.

01-2009

CDD-221.6

índices para catálogo sistem ático: 1.

Antigo Testamento : Interpretação e crítica

221.6

ISBN 85-88234-17-3

Coordenação de produção Mauro WanderleyTerrengui Coordenadora editorial MarileneG.Terrengui Revisão Andrea Filatro Ângela Maria Stanchi Sinézio Editoração, fotolito, impressão e acabamento Associação Religiosa Imprensa da Fé

1a Edição: Abril 2000 - 5000 exemplares 1a Edição Editora Hagnos: Julho 2001 - 3000 exemplares

Publicado no Brasil com a devida autorização e com todos os direitos reservados pela:

EDITORA HAGNOS Rua Belarmino Cardoso de Andrade, 108 Cidade Dutra - São Paulo, SP CEP 04809-270

O Livro que Conta Histórias dos Reis de Israel e Judá

V Disse o Senhor: Também a Judá removerei de diante de mimf como removi a Israel, e rejeitarei esta cidade de Jerusalém... A

II Reis 23.27

II Reis 25 Capítulos 719 Versículos

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INTRODUÇÃO Esboço: I. II. III. IV. V. VI. VII. VIII. IX. X. XI.

Caracterização Geral Antigas Formas Desses Livros Autoria Fontes Data Proveniência Motivos e Propósito Cronologia Cânon Conteúdo e Mensagem Gráfico dos Reis

I. Caracterização Geral Os livros de I e II Reis, que formavam um único livro de acordo com o cânon hebreu, são livros históricos do Antigo Testamento, inclu­ ídos entre os profetas anteriores, ou seja, os livros de Josué até II Re:s, que se seguem ao Pentateuco. Esses livros narram a história de Israel desde a conquista da terra de Canaã (século XIII A.C.) até a queda de Jerusalém, em 586 A.C. A história sempre foi importante para os hebreus. Nesses livros há um autêntico material histórico, conforme admitem até mesmo os mais liberais eruditos. Os livros de I e II Reis fornecem-nos a história de Israel desde os últimos dias de Davi e da ascensão de Salomão (cerca de 970 A.C.) até o aprisionamento do rei Jeoaquim, em uma prisão na Babilônia, por Amel-Marduque, em cerca de 561 A.C. Muitos estudiosos crêem, que esses livros, confor­ me os temos atualmente, incorporam duas edições, a primeira das quais teria sido publicada em cerca de 600 A.C., escrita por um histori­ ador deuteronômico e a segunda, que conteria material suplementar, relativo principalmente à nação do norte, Israel, que teria sido produzi­ da cerca de cinqüenta anos mais tarde (ver sobre Data, abaixo). Esses livros mencionam várias fontes informativas, pelo que o autor sagrado, mesmo que tenha sido contemporâneo de alguns dos eventos históri­ cos, foi, essencialmente, um compilador. Ver abaixo, sobre as Fontes Informativas. Os historiadores respeitam esses livros canônicos como obras sérias, embora supondo alguns que ali há um certo colorido, com propósitos pessoais e teológicos. Por serem complementares do livro de Deuteronômio, eles expõem os grandes ideais da doutrina deuteronômica, como a centralização de toda a adoração sacrificial no templo de Jerusalém, ou como a doutrina da retribuição divina segundo os feitos humanos, bons ou maus. Esses livros recebem seu nome devido à palavra inicial, no texto hebraico, do livro de I Reis, wehammelek, isto é, «e o rei» bem como devido ao fato de que essa porção das Escrituras trata principalmente da descrição dos feitos e do caráter dos monarcas de Israel e de Judá. II. Antigas Formas Desses Livros Na Bíblia em hebraico, esses dois livros formavam um único volume, ou rolo. A divisão do livro em dois, ocorreu na Septuaginta, por razões práticas. O hebraico, que era escrito somente com as consoantes, ocupa muito menos espaço do que o grego, que tem vogais como letras separadas. Quando esse livro foi traduzido para o grego, pois, ocupava tanto espaço que não era prático deixá-lo sob a forma de um só rolo ou volume. Por isso, foi dividido em duas por­ ções. A divisão não apareceu na Bíblia hebraica senão quando Bomberg imprimiu a Bíblia hebraica, em Veneza, em 1516-1517. Essa divisão também apareceu na Vulgata Latina impressa. Na Vulgata Latina e na Septuaginta, os livros de I e II Samuel, I e II Reis são tratados como uma história contínua, pelo que ali temos os livros de I, II, III e IV Reis. Embora a divisão entre I e II Reis seja totalmente arbitrária, tem sido preservada nas versões das línguas vernáculas. Essa arbitrária divisão corta bem pelo meio a narrativa sobre o reina­ do de Acazias. O primeiro capítulo de II Reis termina a narrativa

sobre o seu governo. Ainda mais estranho é que a história do profeta Elias, e a unção de Eliseu, aparecem em I Reis; mas o final dramáti­ co do ministério de Elias aparece em II Reis. III. Autoria A tradição judaica piedosa, segundo é refletida no Talmude (Baba Bathra 14b) diz que Jeremias foi o autor desses livros. Essa idéia é defendida por alguns estudiosos com base no fato de que parte desse livro (II Reis 25:27-30; atribuída por alguns a um outro autor, que teria começado a escrever em II Reis 23:26) poderia ter sido escrita por Jeremias, para nada dizermos sobre a primeira porção, porquanto a tradição judaica afirma que Nabucodonosor levou esse profeta para a Babilônia, depois que aquele monarca conquistou o Egito, em 568 A.C. Na Babilônia, conforme prossegue a história, Jeremias morreu quando já tinha mais de noventa anos de idade. Segundo esse ponto de vista, a compilação em duas porções fica justificada (ver sobre Fontes, quar­ to ponto). E a avançada idade de Jeremias teria sido suficiente para satisfazer a cronologia envolvida. Naturalmente, precisamos depender da tradição, a fim de encontrar apoio para essa posição. E muitos duvidam da precisão desta tradição. Por esse motivo, outros eruditos opinam que tenha havido dois distintos autores-compiladores, defen­ sores das tradições teológicas do livro de Deuteronômio, pelo que foram chamados de autores deuteronômicos. A linguagem usada por Isaías, por Jeremias e pelo autor do livro de Deuteronômio assemelha-se à dos livros de Reis, por conterem um tipo comum de admoestação, de exortação, de reprimenda e de encorajamento, reiterando os mesmos grandes temas da centraliza­ ção da adoração, no templo de Jerusalém, e da doutrina da retribui­ ção divina, juntamente com uma rígida avaliação espiritual das per­ sonagens descritas nesses escritos. Os eventos ali registrados co­ brem um período de quatrocentos anos; mas sabemos, com base nas fontes informativas usadas, que tudo foi um trabalho de compila­ ção, em sua maior parte, e que o autor sagrado foi contemporâneo apenas de uma pequena parte dos eventos registrados. Mesmo que Jeremias não tenha sido o autor, é perfeitamente possível que, pelo menos, uma parte dos eventos tenha ocorrido durante a vida do autor sagrado. Provavelmente esse autor foi um profeta, o que se reflete no espírito profético com que esses livros foram escritos. Em cada geração do povo de Israel, parece que os profetas mostraram-se ativos, sempre intervindo na política da nação, e não apenas no culto religioso de Israel. Houve um número muito maior de profetas que escreveram narrativas, do que aqueles cujos livros foram incluídos no cânon hebreu. Ver os comentários sobre Fontes, quarto ponto. IV. Fontes Com base em informes nos próprios livros de Reis, sabemos que a porção maior de I Reis (pelo presumível primeiro autor-compilador) dependeu pesadamente de fontes informativas já existentes: 1. O livro da história de Salomão (I Reis 11:41). 2. O livro da história dos reis de Israel (I Reis 14:19). 3. O livro da história dos reis de Judá (I Reis 14:29). A primeira dessas obras era uma espécie de louvor a grandes homens, com o propósito de salientar a sabedoria, a magnificência e o resplendor do reinado de Salomão. Trata-se de algo similar às memóri­ as dos reis persas. Todos os detalhes foram arranjados de tal modo que fazem os adversários de Salomão parecerem uns anões, em con­ traste com ele. As outras duas fontes informativas são mais históricas do que biográficas e religiosas, provavelmente representando anais oficiais reais. Os hebreus sempre mostraram ser muito sensíveis para com a história, e esses anais foram cuidadosamente compilados. 4. Alguns eruditos propõem que os capítulos sexto a oitavo de I Reis constituam o reflexo de uma fonte informativa independente, provendo informações sobre a construção do templo de Jerusalém, sua forma de culto e sua dedicação, embora outros duvidem que isso corresponda à realidade dos fatos.

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5. Parece que o autor sagrado também tinha acesso a algum tipo de coleção de livros a respeito de Isalas, narrando sobretudo o tem­ po quando ele era amigo e conselheiro de certos reis (II Reis 18:13-20 e capitulo dezenove). 6. A história do reino sobrevivente de Judá, mediante a soltura, no exilio, do rei Jeoaquim (II Reis 18 — 25) que se alicerçaria sobre uma fonte ou fontes informativas distintas, embora não identificadas. Grande parle dessa fonte deve ter sido constituída por narrativas de testemunhas pessoais, compiladas pelo próprio autor sagrado ou por aqueles cujo material escrito foi aproveitado. Os Profetas e seus livros. As diversas fontes informativas por trás dos livros dos Reis dizem-nos aquilo que também nos é dito em outras fontes, ou seja, que houve uma grande atividade de crônica em Israel, com o envolvimento de vários profetas, de cujos escritos o Antigo Testamento é apenas uma representação parcial. Sabe-se da existência de vários livros de profetas como: a. Crônicas registradas por Samuel, o vidente (I Crô. 29:29). b. Crônicas de Gade, o vidente (I Crô. 29:29). c. Livro da história de Natã, o profeta (II Crô. 9:29). d. A profecia de Aias, o silonita (II Crô. 9:29). e. Livro da história de Ido, o vidente (II Crô. 12:15). f. Livro da história de Semaías, o profeta (II Crô. 12:15). g. História do profeta Ido (II Crô. 13:22). h. Os atos de Uzias, escritos pelo profeta Isaías (II Crô. 26:22). V. Data Como é óbvio, todo o material tomado por empréstimo foi escri­ to antes de ter sido usado na compilação que há nos livros dos Reis. Como uma unidade, a data não pode ser anterior a 562 A.C., quando, ao que sabemos, Jeoaquim foi liberado de sua prisão, na Babilônia (II Reis 25:27-30). Esse informe histórico fala sobre os favores que lhe foram prestados no fim de sua vida, pelo que o autor sagrado estava escrevendo alguns anos após a soltura de Jeoaquim. É possivel que a compilação final tenha ocorrido em cerca de 550 A.C. Entretanto, esse dado poae ter sido adicionado a uma composição escrita anterior. É possível que a porção maior desse livro tenha sido escrita durante o cativeiro babilónico, ou seja, entre 587 e 538 A.C. Alguns estudiosos, porém, acham que devemos pensar em uma data após a morte de Josias (609-600 A.C.), pois supõem que o autor sagrado tenha sido o primeiro a usar o material histórico derivado do recém-descoberto livro de Deuteronômio que, ao que se presume, apareceu em 621 A.C. A lei, sem-par, do santuário central, que figura no décimo segundo capítulo de Deuteronômio, supostamente, seria o princípio avalia­ dor dos reis, conforme é salientado nos livros dos Reis. Esses eruditos também afirmam que um segundo escritor deuteronomista acrescentou a narrativa sobre a liberação do rei Jeoaquim, que seria a seção de II Reis 25:27-30. Essas teorias, porém, não pas­ sam de especulações, não havendo maneira histórica, digna de confiança, que nos permita confirmá-las ou rejeitá-las. VI. Proveniência Já pudemos notar que os livros de Reis estão, intimamente rela­ cionados às atividades literárias dos profetas hebreus. Tendo sido esse o caso, é provável que esses livros tenham sido escritos em uma das cidades onde essa atividade aconteceu. Os centros proféti­ cos estavam localizados nas áreas fronteiriças, entre as nações de Israel, ao norte, e Judá, ao sul. Lugares como Betei, Gilgal e Mizpa eram centros de ensino, nos dias de Samuel (I Sam. 7:16). Essas cidades, além de Jericó, eram centros dessa natureza, nos dias de Elias e Eliseu. As duas capitais, Samaria (de Israel, ao norte) e Jerusalém (de Judá, ao sul) ficavam cerca de sessenta e cinco quilô­ metros uma da outra, e as cidades das fronteiras eram suficiente­ mente distantes para que um profeta pudesse expressar idéias, mas não tão distantes que não tivesse informações exatas sobre o que estava ocorrendo em ambas as capitais. Portanto, uma das cidades acima mencionadas pode ter sido o local da compilação de nossos

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livros de Reis. Entretanto, um lugar como cidade da Babilônia tam­ bém conta com pontos em seu favor, se os livros de Reis foram escritos durante o cativeiro babilónico. VII. Motivos e Propósito O autor da suposta primeira edição de livros dos Reis era aamirador do rei Josias, o modelo perfeito de rei aos moldes deuteronômicos. Ele também se entusiasmava diante da grandeza de Salomão, pelo que lançou mão da fonte que descrevia os resplendores do reinado salomônico. Porém, os livros de Reis não estão interessados em meros registros históricos. Há ali tentativas para avaliar a espiritualidade dos reis envolvi­ dos, e, nossa avaliação, projetar aos leitores o tipo de líderes espirituais que convém ao povo. A espiritualidade sofreu um retrocesso, diante da divisão em duas nações, Israel e Judá, A correta adoração era aquela que se efetuava no templo de Jerusalém. As divisões e hostilidades entre os homens servem como empecilhos aos propósitos divinos, felizmente transponíveis. Os homens têm de pagar um preço por causa disso, porquanto Deus é um rígido avaliador e juiz das ações humanas. O propósito do autor sagrado é claramente revelado em I Reis 2:3,4, nas instruções finais dadas por Davi a Salomão: «Guarda os preceitos do Senhor teu Deus, para andares nos seus caminhos, para guardares os seus estatutos, e os seus mandamentos, e o í seus juízos, e os seus testemunhos, como está escrito na lei de Moisés, para que prosperes em tudo quanto fizeres, e por onde quer que fores; para que o Senhor confirme a palavra que falou de mim...» Há um só Deus, como também um úriico santuário. Todos os homens são responsáveis, diante de Deus. A lei da colheita segundo a semeadura haverá de prevalecer. A vida dos homens prova esses fatos. Contudo, a misericórdia divina e o destino da alma têm prosse­ guimento. A narrativa da soltura de Jeoaquim não deve ser conside­ rada um mero apêndice. Antes, é uma nota de esperança. Deus, embora muito severo em seus juízos, nunca abanaonou o seu povo. Ele exilou o seu povo em razão de seus pecados; mas não deixou de restaurá-los. A linha davídica não fora finalmente rejeitada. A história da redenção tinha prosseguimento. VIII. Cronologia O leitor poderá consultar o artigo sobre a Cronologia do Antigo Testamento. Ali fica demonstrado que as cronologias antigas não tinham a finalidade de serem exatas, historicamente falando. Havia outras forças por trás delas. Em primeiro lugar, há simetria. Anos foram adicionados ou subtraídos, a fim de emprestar simetria às listas cronológicas. Em segundo lugar, interesses pessoais, crenças, etc. podem ter alterado as listas. Um indivíduo ímpio, assim sendo, era eliminado de uma lista por razão de sua iniqüidade. Em terceiro lugar, as cronologias, tal como as genealogias, eram apenas repre­ sentativas, e não absolutas. Especificamente, no que diz respeito aos livros de Reis, o período da monarquia dividida é apresentado junta­ mente com um cuidadoso sistema de referências cruzadas, entre os reis de Judá e de Israel. Apesar disso, evidentemente está em opera­ ção a atividade simetrista, porquanto a soma dos anos de governo dos reis de Israel, em um dado período, não corresponde à soma dos anos de governo dos reis de Judá, durante o mesmo período. O período desde a subida ao trono de Reoboão até a morte de Azarias aparece como noventa e cinco anos, mas o período correspondente em Israel, de Jeroboão até a morte de Jorão, aparece como noventa e oito anos. Além disso, o total de anos de governo desde Atalias até o sexto ano do reinado de Ezequias é de cento e sessenta e cinco anos; mas, o mesmo período em Israel, de Jeú até a queda de Samaria, aparece como cento e quarenta e três anos e sete meses. Parte dessa discrepância pode ser explicada pela contagem de parte de anos como se fossem anos inteiros. Também há o problema da co-regência, onde pai e filhos compartilhavam do trono por certo número de anos, embora esses anos fossem subseqüentemente alis­ tados em separado, nos cálculos cronológicos. Ver os casos de Davi e Salomão (I Reis 1:34,35) e de Azarias e Jotão (II Reis 15:5).

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A isso podemos acrescentar o problema do uso de dois tipos de calendário em Israel, o civil e o religioso que eram diferentes um do outro. Ver sobre o Calendário, onde damos um gráfico sobre o calendário judaico, ilustrando a questão. Várias obras descrevem em detalhes as razões possíveis dessas discrepâncias cronológicas, sendo fácil negli­ genciarmos a mais grave delas, a saber, que os antigos autores simples­ mente, não se preocupavam com cronologias exatas, conforme os mo­ dernos historiadores fazem, pelo que nenhum exame e manipulação podem explicar as coisas que aparecem nessas genealogias bíblicas. O artigo no Dicionário ilustra abundantemente essa declaração. Seja como for, as listas e as datas dos reis de Israel e de Judá, incluindo as comparações entre essas listas, aparecem no artigo sobre Cronologia, em seu quinto ponto, Períodos Bíblicos Específi­ cos. f. Da fundação do Templo de Salomão até a sua Destruição. IX. Cânon Provemos no Dicionário um artigo sobre o assunto, no caso do Antigo e do Novo Testamento, onde oferecemos detalhes. A questão é complexa, porquanto, em nosso cânon sagrado, há livros, de am­ bos os Testamentos, que por muito tempo não foram universalmente aceitos. Porém, no que tange aos livros de Reis, que, originalmente, eram apenas um rolo ou livro o cânon hebraico nunca os omitiu. De acordo com Josefo, o cânon dos judeus ficou completo por volta de 400 A.C., composto de vinte e dois livros, que correspondem exata­ mente aos trinta e nove livros do Antigo Testamento de edição pro­ testante, ainda que a ordem desses livros não seja a mesma na Bíblia hebraica e na Bíblia cristã. Para os hebreus, os livros de Reis faz parte dos escritos dos profetas. Nos arranjos posteriores, porém, os nossos livros de Reis aparecem entre os livros históricos. X. Conteúdo e Mensagem 1. Salomão, o Rei (I Reis 1:1 — 11:43) a. Subida ao trono (1:1-53) b. Recomendações de Davi (2:1-46) c. Casamento e sabedoria (3:1-28) d. Sua administração (4:1-34) e. Suas atividades como construtor (5:1 — 8:66) f. Sua prosperidade e esplendor (9:1 — 10:29) g. Sua apostasia (11.43) 2. Reinados comparativos de reis em Israel e em Judá (I Reis 1 2 :1 -1 1 Reis 17:41) a. Reoboão-Josafá (I Reis 1 2 — 22) b. Jeorão-Acaz (II Reis 8 — 16) c. Ezequias-Amom (II Reis 18-21) d. Josias-Zedequias (II Reis 22 — 25)

3. Reis de Judá, após a queda de Samaria, até a queda de Jerusalém (II Reis 18:1 — 25:26) Ezequias (18:1 — 20:21) a. b. Manassés (21:1-18) Amom (21:19-26) c. Josias (22:1 -2 3 :3 0 ) d. e. Jeoacaz (23:31-35) Joaquim (23:36 — 24:7) f. Jeoaquim (24:7-17 e 25:27-30) gZedequias (24:18 — 25:26) h.

Julgamentos de Valor e História. O autor sagrado não temia fazer julgamentos de valores. Mostrou-se sempre cônscio das operações de Deus entre os homens, bem como da responsabilidade dos homens dian­ te de Deus. Os principais aspectos de sua mensagem são bons para qualquer época. Há um só Deus. Deus é severo e inflexível em relação ao pecado. Para o autor sagrado, devemos ter uma visão teísta de Deus, um Deus que galardoa e castiga. Deus é imanente em sua criação. Ver no Dicionário os artigos Teísmo, em contraste com o Deísmo. O pecado é uma questão séria, que resulta em desastre para a alma, conforme a história dos livros de Reis o demonstra. A comunidade dos homens é considerada responsável, e não apenas o indivíduo. Há misericórdia divina e restauração, porquanto Deus está esperando para acolher àqueles que se voltam para ele de todo o coração, de toda a alma (I Reis 8:48). O cativeiro foi revertido por meio do retomo. As realizações religiosas dos reis parecem mais importantes para o autor sagrado, do que seus feitos políticos e militares. Dois desses reis, Onri e Jeroboão II, que obtiveram o maior sucesso econômico e político, merecem breves comentários apenas. Os historiadores se­ culares, porém, ter-se-iam demorado mais sobre esses dois. Mas o autor dos livros de Reis não se interessou muito por eles. A Acabe e seus filhos foram dedicadas várias páginas, não porque foram bons, como reis ou como homens, mas por causa de seus conflitos com Elias e Eliseu. E o autor sagrado anelava por contar essa história com pormenores. Reis como Josafá, Ezequias, e Josias recebem descrições entusiasmadas, porquanto lideraram movimentos de re­ forma religiosa. Teologicamente falando, esses livros complementam a narrativa da história de Israel, sob a orientação divina, conforme vemos nos livros de Êxodo, Josué, Juizes e I e II Samuel. O autor sagrado deve ter sido um profeta-historiador, e o resultado de seus esforços foi uma história de forte cunho religioso. XI. Gráficos dos Reis ver 16.9

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Ao Leitor

Na Introdução a l-ll Reis, forneço ao leitor informações sobre tópi­ cos como autoria, formas antigas do livro, fontes de informação, data, proveniência, motivos e propósitos, cronologia, cânon, conteúdo e um gráfico dos reis. O leitor sério familiarizar-se-á com esses assuntos antes de começar o estudo desses livros. Na Bíblia hebraica, I e II Reis formavam um único livro. Criei para eles uma introdução única, pois, de fato, formam uma unidade que não foi sabiamente dividida. A divisão dos livros de Reis começou na ver­ são da Septuaginta, e esse modo de manusear o material foi adotado pelas traduções modernas. Naquela versão, I e II Samuel são chama­ dos de I e II Reis, e I e II Reis são chamados de II e IV Reis. Titulo. Esses dois livros são chamados de Reis porque registram e interpretam os atos e os reinados de todos os reis de Israel (o reino do norte) e de Judá (o reino do sul), exceto o reinado de Saul. Os últimos dias de Davi estão registrados em I Reis, ao passo que a maior parte de sua história aparece em I e II Samuel. O título Reis apareceu pela primeira vez na tradução latina de Jerônimo, que surgiu na cena públi­ ca cerca de seis séculos após a Septuaginta ter sido publicada. Escopo. I e II Reis registram a história de Israel desde o come­ ço do movimento para levar Salomão ao trono, até o fim do reinado de Zedequias, o último dos reis de Judá. Foi em seu tempo que ocorreu o cativeiro babilónico (cerca de 597 A. C.). O cativeiro assírio, que levou cativos do reino do norte para um país estrangei­ ro, aconteceu em cerca de 722 A. C. Um remanescente voltou de Judá para começar tudo de novo, mas o cativeiro assírio pôs fim absoluto ao reino do norte, excetuando aqueles que porventura se tinham mudado para o reino do sul. Ver no Dicionário os verbetes

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chamados Cativeiros; Cativeiro Assirio; Cativeiro Babilónico; Israel, Reino de; Reino de Judá e Rei, Realeza, quanto a detalhes e gráficos sobre os reis.

Narrativas Paralelas. O autor sagrado dos dois livros de Reis apresentou relatos paralelos dos reis de Israel e de Judá, indo para Israel e depois para Judá, em uma ordem cronológica aproximada. Ele não apresentou primeiramente todos os reis de Israel, e então todos os reis de Judá. O autor sacro aplicou esse seu método com considerável habilidade. “II Reis continua a história dos reinos até os cativeiros. Inclui a translação de Elias e o ministério de Eliseu. Durante esse período, Amós e Oséias profetizaram em Israel; e Obadias, Joel, Isaías, Miquéias, Naum, Habacuque, Sofonias e Jeremias, em Judá... Os eventos registrados no livro (de acordo com Ussher) cobrem um período de cerca de trezentos e oito anos” (Scofield Reference Bible, na introdução ao livro). “A queda, tanto de Israel quanto de Judá, é interpretada em termos do julgamento do Senhor” ( Oxford Annotated Bible, introdução). Citações no Novo Testamento: Marcos. 16.9 (II Reis 2.11) Lucas'. 9.54 (II Reis 1.10) Apocalipse: 6.10 (II Reis 9.7); 9.21 (II Reis 9.22); 11.5 (ll Reis 1.10); 11.12 (II Reis 2.11); 19.2 (II Reis 9.7); 20.9 (II Reis M O )

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C a p ítu lo Um Acazlas de Israel (1.1-18) “Estes versículos registram o reaparecimento de Elias, a morte de Acazias e a subida de Jeorão ao trono de Israel" [Oxford Annotated Bible, vs. 1). II Reis 3.4-27 apresenta uma narrativa mais completa da tentativa malsucedida de Jeorão de reconquistar Moabe. Cf. I Reis 22.1-37. A chamada pedra Moabita nos dá o próprio relato do rei Mesa sobre a revolta. Moabe revoltou-se contra Israel (que mantinha um pais em vassalagem), nos dias de Onri, pai de Acabe.

Capítulos 1 a 17. “Esta seção de II Reis continua a história de Israel e Judá, iniciada no capítulo 12 de I Reis. Termina com o cativeiro assírio do reino do norte, Israel, em cerca de 722 A. C.” (Thomas L. Constable, in loc.). 1.1 Depois da morte de Acabe, revoltou-se Moabe. Moabe tinha sido um vassalo de Israel. Mas no tempo do rei moabita, Mesa, Moabe rebelou-se contra o reino do norte, depois da morte de Acabe. Portanto, foi a morte de Acabe que encorajou Moabe à rebeldia. Acabe foi um homem bom e forte, exceto em sua espiritualidade, pois era um idólatra corrupto. Militarmente, porém, ele sempre conseguiu vencer, mesmo contra adversários muito superiores. O trecho de I Reis 16.29-22.40 contanos a história desse rei de Israel. Não era sábio tentar nenhum movimento de libertação mais importante enquanto ele vivesse. Mas sua morte apresentou tempos melhores para a revolta. As tentativas de Moabe não obtiveram sucesso inicialmen­ te, mas afinal as coisas melhoraram para os moabitas. Esta passagem cf. I Reis 16.21-24. Davi é quem tinha reduzido pela primeira vez Moabe à vassalagem (ver II Samuel 8.2; 23.20). Ver o artigo detalhado existente no Dicionário intitulado Moabe.

1.2 E caiu Acazlas. A narrativa do breve dia e do governo desse rei de Israel teve início em I Reis 22.52-53.1 e II Reis, na Bíblia hebraica, formavam um único livro e, realmente, não havia nenhuma interrupção entre os dois livros. Portanto, aqui a história desse homem, que era filho de Acabe e Jezabel, continua. Ver sobre ele no Dicionário. “Acazias estava amaldiçoado por maus pais. Ele foi criado na casa da cruel­ dade e da irreligiosidade. Acabe e Jezabel eram seus pais! Como podia um filho de tal casal fazer outra coisa senão ter um mau fim? Acazias andou pelo caminho de seu pai, e pelas veredas de sua mãe (I Reis 22.53). Ruskin observou que a história de uma nação não se escreve por suas guerras, e, sim, por seus lares” (Raymond Calking, in loc.). Na verdade, lares onde dominam a ganância, a luxúria, o materialismo, as indulgências exageradas e a sensualidade são lugares apropriados para a criação de crianças perturbadas, pelo menos do ponto de vista espiritual. Apesar de não haver garantias — bons pais, às vezes, produzem filhos maus — um bom lar oferece a melhor esperança para que os filhos obtenham a virtude.

A Queda de Acazias. Os cenáculos (no hebraico, ‘aliyyah) normalmente eram uma câmara sobre o teto de uma casa, construída sobre um portão da cidade (II Samuel 18.33), no canto de um telhado de casa (Neemias 3.31). Usualmente dispu­ nham de uma escadaria para acesso. O cenáculo de Acazias era rodeado por alguma espécie de cerca. Ao que tudo indica, Acazias chegou perto demais; a cerca partiu-se e ele desabou. A queda não o matou instantaneamente, mas o feriu de tal modo que ele nunca mais se recuperou. Josefo (Antiq. IX. 2.1), entretanto, conjecturou que ele caiu quando começava a descer pela escadaria. Ou então havia uma grade protetora em uma larga janela aberta, que deixava entrar ar para ventilação. Acazias apoiou-se nessa grade, ela cedeu, e ele caiu. Buscando Ajuda Divina. A queda afetou muito a saúde de Acazias. Talvez tenha havido infecções e hemorragias internas. Assim sendo, ele buscou ajuda em altar ou santuário do deus pagão Baal-Zebube, uma das divindades do panteão de Ecrom. Esse culto não era para alguma obscura divindade local, conforme alguns têm pensado, mas antes, uma manifestação local do baalismo. (Ver sobre Baal, Baalismo, no Dicionário. E ver também o artigo geral chamado Idolatria.) No altar ou santuário (ou talvez até templo) haveria sacerdotes capazes de receber oráculos. Ver no Dicionário os artigos chamados Oráculos e Adivinhações. Baal significa “senhor”, e Baal-Zebube quer dizer “senhor das moscas”, com referência a seu alegado poder de livrar as pessoas das pragas de moscas. Entretanto, a maneira original de grafar a palavra era Baal-Zebul, que significa “senhor exaltado”. Entre seus muitos poderes estava, alegadamente, o seu poder de curar, sendo essa a razão pela qual ele foi consultado, em lugar de qualquer outro deus. Quanto a detalhes sobre essas questões, que não repito aqui, ver no Dicionário o artigo intitulado Baal (Baalismo).

Ecrom. Ver sobre esse nome no Dicionário. A maioria das cidades antigas era centro de culto idolátrico. 1.3 O anjo do Senhor. Ver no Dicionário o verbete chamado Anjos. Algumas vezes eles eram agentes de comunicação da vontade divina, dando mensagens especificas de orientação. Oh, Senhor, concede-nos tal graça! Cf. I Reis 19.5-9. Ver no Dicionário o artigo chamado Desenvolvimento Espiritual, Meios do. Nossa vida espiritual deve transcender os caminhos deste mundo. Nossa mente deve estar sintonizada com o Ser divino, o que não é fácil neste mundo caracterizado pela maldade, pelo materialismo, pelos cultos falsos e por uma psiquiatria pura­ mente secular. Também existem ciências pseudopsíquicas, que prometem mais do que dão. Elias, tesbita. Este homem estava de voita. Isso constituía más notícias para qualquer membro da família de Acabe. A queda completa e a destruição da dinastia de Acabe haviam sido profetizadas. Ver I Reis 21.21,22,29. Elias tinha sido o agente dessas profecias, e agora Acazias tinha a má sorte de entrar em contato direto com esse temido profeta de Yahweh. Ver no Dicionário o artigo chamado Elias. O anjo do Senhor falara a Elias, instruindo-o a interceptar os mensageiros de Acazias, que estavam a caminho para consultar Baal-Zebube (vs. 2). Uma dura mensagem de repreensão deveria ser dita. Havia o Deus verdadeiro em Israel para ser consultado, Yahweh-Elohim, o Deus Eterno e Todo-poderoso. Mas Acazias insistia em sua idolatria até em momentos de agonia e de morte provável. Ele seguia os maus caminhos exemplificados por seus pais, Acabe e Jezabel (ver I Reis 22.52).

Acazias, sem dúvida, sabia que Elias sempre trouxera uma mensagem triste para seu pai (ver I Reis 22.17,18). Ele queria ouvir falar em esperança, e não em desespero; e Elias não era um bom profeta para dar-lhe esse tipo de palavra. Deus de Israel, ”... todos os povos andam, cada um em nome do seu deus; mas, quanto a nós, andaremos no nome do Senhor nosso Deus para todo o sempre” (Miquéias 4.5). 1.4

O Oráculo Espontâneo. Acazias tinha mandado seus mensageiros obter uma mensagem de um oráculo pagão. Mas, antes que os mensageiros pudes­ sem chegar a Ecrom (vs. 3), um oráculo verdadeiro lhes foi dado, o que constituiu uma surpresa. Yahweh foi a fonte originária da amarga mensagem. Acazias estava então em seu leito de morte. Nenhuma recuperação era pos­ sível. Ver os vss. 16 e 17 quanto ao cum primento dessa mensagem aterrorizante. A Razão. Talvez Acazias sobrevivesse aos efeitos de sua queda, se tivesse se voltado para Yahweh e Seu profeta. Mas a decisão do monarca de buscar ajuda em seu culto idólatra anulou qualquer oportunidade de misericórdia da parle de Deus. □a cama, a que subiste, não descerás. As pessoas literalmente subiam e desciam da cama, porque no Oriente as camas eram geralmente elevadas e havia degraus ou escadas que davam acesso a elas (Adrichom. Theatrum Ter. Sacnt. foi. 6.1). Além disso, a cama de Acazias estava no cenáculo, e isso também pode explicar essa expressão sobre subir e descer.

Os m ensageiros voltaram para o rei. Enquanto Elias voltava para casa, os mensageiros interromperam sua jornada para Ecrom, e retornaram a Samaria. Eles já tinham recebido o seu oráculo. Por conseguinte, por que continuariam viagem? Quando um profeta verdadeiro nos fala, nós o sabe­ mos. Ademais, talvez tenham pensado que poderiam compartilhar a sorte triste de Acazias, se insistissem em consultar o oráculo que Elias havia con­ denado. Coisa alguma poderia tê-los convencido a prosseguir viagem para Ecrom. “ Embora Elias fosse desconhecido pessoalmente dos enviados, uma interposição tão ameaçadora certamente seria considerada uma advertência divi­ na, que não poderia ser ignorada” (Ellicott, in loc.).

1.6 Este versículo repete, pacientemente, todos os detalhes que já tínhamos visto nos versículos terceiro a quinto, uma longa explicação, dada ao rei, de por que os mensageiros tinham retornado tão rápida e inesperadamente. Os men-

II REIS ros tinham de obedecer ao mandato real; eles precisavam ir; mas uma força superior havia feito intervenção, através do profeta de Yahweh. Por conse­ guinte, eles tiveram de obedecer à ordem divina e voltar, esperando que Acazias não ordenasse a execução deles por terem falhado em cum prir a sua ordem. 1.7,8

Identificando o Profeta que Predissera a Condenação. Acazias precisava saber quem tivera a audácia de mandar de volta os mensageiros reais. E Acazias logo compreendeu, devido à descrição da figura do profeta, que se tratava do temido Elias. Ele era um homem “vestido de pêlos” , isto é, uma capa feita de couro de bodes, com os pêlos voltados para o lado de fora. A King James Version faz Elias ser “um homem peludo’ , presumivelmente dan­ do a entender seus próprios pêlos corporais; mas não é esse o sentido das palavras. Além disso, ele usava um “cinto de couro” . Pano tecido de pêlos era um tecido áspero, e era chamado “pano de saco” (ver a respeito no Dici­ onário). Tais vestes eram usadas em tempos de arrependimento e tristeza. Ver II Reis 6.30; Gênesis 37.34; II Samuel 3.31. Talvez o texto queira dizer que as roupas de Elias eram feitas de pêlos de cabra, e não de um couro de cabra com os pêlos voltados para o lado de fora. Seja como for, ficou óbvio para Acazias que ele estava tratando com Elias, o “ inimigo” de seu pai, que nunca lhe dissera uma palavra boa (ver I Reis 22.17,18). O pano de saco deste versículo cf. o caso de João Batista, em Mateus 3.4. João Batista tam­ bém usava roupas feitas de pêlos de camelos. Ver ainda Hebreus 11.37. 1.9 Um c a p itã o de c in q ü e n ta com seus c in q ü e n ta s o ld a d o s . Um pe­ queno destacam ento foi enviado pelo rei, sob as ordens de um capitão. A tarefa deles era alcançar Elias no caminho e pedir-lhe que fosse a Samaria visitar o rei. É de presumir-se que o pobre capitão tentasse fazer o profeta dar-lhe uma mensagem mais otim ista. O rei não estava preparado ainda para morrer. Ainda era um homem jovem. Era rei. Tinha muitas coisas pelas quais deveria viver, planos a cumprir, cidades a fortificar, guerras a comba­ ter. Logo o grupo de soldados encontrou Elias, em alguma colina não identificada. Eles chamaram Elias de “homem de Deus” , e pediram que vol­ tasse com eles, a fim de entregar pessoalmente a mensagem ao rei. O rei tinha baixado uma ordem. Eliaà teria de cumprir. Caso contrário, teriam de levá-lo ao rei á força. Mas a ameaça deles, apesar de velada, logo foi respondida com fogo descido do céu. É possível (embora não seja prová­ vel) que o verdadeiro intuito de Acazias fosse mandar executar o perturbador profeta Elias. Mais provavelmente, ele esperava conseguir uma cura espiritu­ al por meio dos poderes de Elias. Elias estava compreensivelmente tem ero­ so do rei (vs. 15). Mas o homem lá em Samaria, com seu corpo alquebrado e enfermo, não queria fazer mal ao profeta. Estava apenas procurando aju­ da.

1.10

O Fogo Divino e Destruidor. O homem de Deus demonstrou seus pode­ res e imediatamente fez descer fogo do céu sobre o grupo de cinqüenta sol­ dados, e destruiu todos. Essa foi a segunda vez que Elias tinha usado o fogo. A primeira vez ocorreu no monte Carmelo, quando ele contestara os sacer­ dotes de Baal (ver I Reis 18.38). Os c rítico s, naturalm ente, vêem embelezamentos diversos nessa descrição, adicionados por algum editor pos­ terior, ou o próprio autor original tivesse apelado para fantasias. Mas onde estiver o poder divino, coisas surpreendentes podem acontecer. “Esta seção tem afinidades maiores com as histórias sobre Eliseu (cf. II Reis 2.23-25) onde a moral de reverência pelo profeta é instilada da forma mais crua, às vezes, às expensas de idéias ordinárias de justiça e humanida­ de” (Norman H. Snaith, in ioc.). É significativo, seja como for, que Jesus te­ nha rejeitado tais julgam entos de incrédulos como indignos do ofício dos apóstolos (ver Lucas 9.54-56): “Vendo isto, os discípulos Tiago e João per­ guntaram: Senhor, queres que mandemos descer fogo do céu para os con­ sumir? Jesus, porém, voltando-se os repreendeu [e disse: Vós não sabeis de que espírito sois]. [Pois o Filho do homem não veio para destruir as almas dos homens, mas para salvá-las.] E seguiram para outra aldeia". O Novo Testamento, verdadeiramente, é diferente. Não somos informados sobre como a história da matança dos cinqüenta soldados chegou ao conhecimento do rei. Talvez tenha havido algum sobre­ vivente, ou a cena foi testemunhada por alguma outra pessoa. Explicação Natural. Um raio fortuito apenas caiu acidentalmente quando o profeta faiava com aqueles soldados! Mas dificilm ente é isso que o autor sagrado queria que entendêssemos de seu relato.

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Problemas Morais. Conforme ficou entendido anteriormente, alguns le­ vantam perguntas sobre a moralidade do que aconteceu. Contra essa opinião, alguns têm sugerido as seguintes razões: 1 .0 ímpio Acazias tinha de ser tratado severamente, pois ele havia continuado com os absurdos de seu pai, Acabe, e de sua mãe, Jezabel. 2. Aqueles ímpios soldados estavam planejando executar Elias. Assim, recebe­ ram o que mereciam. 3. Yahweh foi a verdadeira fonte do fogo, e não Elias, portanto a vontade de Deus se cumpriu. Isso, naturalmente, reflete o voluntarismo, o que expliquei na Enciclopédia de Bíblia, Teologia e Filosofia. A essência do voluntarismo é que “poder é direito”, independentemente do que pensemos sobre questões mo­ rais. Os críticos respondem que aquilo que os homens dizem que Deus faz, e aquilo que Ele realmente faz são duas coisas diferentes. 4. O fogo não foi enviado para agradar Elias e para satisfazer algum capricho dele. Foram chamas de julgamento divino. 5. Elias havia sido investido da autoridade divina e não hesitou em usá-la. O argumento fica com Deus. Os críticos, entretanto, dizem que o argumento está com o que os homens dizem a respeito de Deus. 6. Yahweh tinha de proteger o Seu profeta de homens ímpios e desarrazoados, e Deus escolheu aquele método para cuidar deles. 7. No tocante à história do Novo Testamento, em Lucas 9.54-56, podemos dizer que os dois casos (o de Elias e o de Jesus) foram diferentes. Era tarefa de Elias tentar acabar com a idolatria em Israel, mesmo com o emprego da violência entre os seus métodos. Jesus, por outra parte, era o Salvador dos homens. O julgamento de homens ímpios e desarrazoados seria deixado para uma ocasião posterior. Os críticos, entretanto, respon­ dem que explicar as coisas dessa maneira é perder de vista o intuito das palavras de Jesus. As palavras misericordiosas de Jesus visam a alertar­ nos para o fato de que o Novo Testamento, na realidade, trouxe um Novo Dia, uma mudança radical, misericórdia, amor e salvação. Jesus foi um tipo de profeta maior e diferente de Elias. Isso é exatamente o que espera­ ríamos ser demonstrado na revelação superior do Novo Testamento.

1.11,12 Estes dois versículos são repetições dos versículos nono e décimo, cujas notas expositivas também se aplicam aqui. Nesta segunda vez, os cinqüenta soldados enviados com seu capitão, a fim de tentar persuadir o homem de Deus a vir a Samaria para falar com o rei, também foram mortos com fogo descido do céu. Quanto aos problemas morais do acontecido, ver as notas expositivas sobre o versículo 10 deste capitulo. 1.13

Outro (o terceiro) grupo de cinqüenta soldados, com seu capitão, foi enviado com idêntico propósito dos dois primeiros grupos, conforme foi anotado nos versículos nono e décimo. Mas esse terceiro grupo fez um apaixonado apelo pela vida deles, humilhando-se perante o profeta, pedindo para não serem consumidos por aquele terrível fogo que descia do céu. Eles salientaram que a vida humana é preciosa, e solicitaram que a vida deles fosse considerada dessa maneira pelo homem de Deus. Essa consideração salvou o terceiro grupo de cinqüenta solda­ dos. Pôs-se de joelhos diante de Elias. De fato, algumas vezes é mais vantajo­ so para o indivíduo ser humilde, especialmente quando sua vida depende disso. Ver no Dicionário o verbete intitulado Humildade.

A verdadeira humildade — A mais nobre das virtudes, mãe delas todas. (Tennyson)

A humildade é o alicerce de todas as virtudes, e aquele que desce mais fundo provê para a maior segurança. (Philip J. Baíley) 1.14,15

Lembrando. Fogo descido do céu havia consumido os dois primeiros grupos de cinqüenta soldados, com seus capitães. Assim, o capitão do terceiro grupo pediu misericórdia, para que a vida dos homens fosse considerada preciosa aos olhos de Elias. O anjo do Senhor interveio, a fim de que não houvesse mais matanças. Elias tinha tido medo, conforme o versículo 15 nos diz; mas o anjo do Senhor havia retirado toda a ansiedade dele. Não era seu destino sofrer às mãos de Acazias. Além disso, o rei era apenas uma pessoa enferma e alquebrada. Sua

II REIS

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intenção não era fazer mal ao profeta. Ele não tinha ambições no momento, além de receber a cura divina. Quanto ao ministério dos anjos, na comunicação de mensagens divinas, ver as notas sobre o versículo 3 deste capítulo, onde o tema é desenvolvido. Essa foi a sexta vez que Elias recebeu ordens para ir a algum lugar, a fim de cumprir alguma missão especifica. Ver também I Reis 17.3,9; 18.1; 21.18; II Reis 1.3. Elias haveria de cumprir a sua missão. Ele nada tinha para temer; nem tinha coisa alguma para lamentar-se. Este episódio reveste-se de importantes lições morais que não podemos negligenciar. Elias era a encarnação da consciência moral que se levantava contra os males do seu tempo. Coisa alguma pode resis­ tir, finalmente, à verdade incorporada na vontade de Deus. 1.16 Assim diz o Senhor. A reprimenda do profeta. Uma vez na presença do rei, Elias imediatamente o repreendeu, por causa de sua idolatria, em face da qual ele desprezara Yahweh, o verdadeiro Deus. Este versículo repete o que já tínhamos visto nos versículos 3 e 4 deste capítulo, onde as notas expositivas também se aplicam aqui. Acazias tinha esperado alguma medida de misericórdia, mas era seu destino, que ele mesmo havia cultivado, não se recuperar da queda e de suas complicações. 1.17 Assim, pois, morreu. Algumas vezes, a morte é a única coisa que pode solucionar certos problemas. Acazias foi libertado de suas agonias, e foi a respon­ sabilidade do Logos cuidar da alma dele, e penso que Ele o fez, em algum lugar, em algum tempo. Ver no Dicionário o verbete chamado Mortos, Estado dos, onde esse problema é examinado. Há uma provisão salvatícia até para os “mortos ímpios" (ver I Pedro 4.6). Jorão, seu irmão. Note o leitor que o texto não traz o comum “seu filho”. De fato, Jorão, irmão de Acazias, subiu ao trono porque não havia outro herdeiro. A Septuaginta e a versão siríaca é que trazem as palavras “seu irmão”. Foi por pura coincidência que Jorão, irmão de trazem as, reinou paralelamente a Jeorão, filho de Josafá, rei de Judá. Foi assim que, durante algum tempo, o rei de Israel e o rei de Judá tiveram nomes muito parecidos. Ver II Reis 3.1 quanto ao fato de que Jorão de Israel era filho de Acabe, e não de Acazias e, portanto, irmão deste último.

Relatos Paralelos. Foi plano do autor sagrado apresentar narrativas paralelas dos reis de Israel e de Judá, conforme uma ordem cronológica aproximada. Quan­ to a esse método de apresentação, ver I Reis 16.29 e suas notas expositivas. Esse Jorão começou a reinar no segundo ano do governo de Jeorão, rei de Judá. Ver no Dicionário os artigos chamados Israel, Reino de; Reino de Judá e Rei, Realeza. Esses artigos alistam os reis de Israel e de Judá e também cont'êm gráficos para efeitos de comparação. O Jorão deste texto reinou por volta de 854 a 843 A. C., ou seja, por cerca de doze anos. Jorão era homem mau e corrupto. Muito espaço é devotado a contar a sua história, visto que envolveu o ministério de Eliseu, que é narrado longamente. Ver o artigo sobre esse rei no Dicionário, quanto a detalhes. O Jeorão de Judá, por sua vez, foi co-regente com seu pai, Josafá, por algum tempo, até que, finalmente, reinou sozinho em lugar dele. A Septuaginta (em alguns manuscritos) fala no décimo oitavo ano de Jeorão de Judá, em lugar do segundo ano. É possível, pois, que o texto hebraico, neste ponto, esteja corrompido, ou então que diferentes fontes informativas tenham sido segui­ das, dando margem a essa discrepância. Mas note o leitor que foi no décimo oitavo ano de Josafá (II Reis 3.1), que Jorão, de Israel, começou a reinar, e também no segundo ano do reinado de Jeorão. Josafá e Jeorão foram co-regentes por alguns anos. E isso pode explicar adequadamente a discrepância. Teríamos apenas de substituir Josafá em lugar de Jeorão, no presente texto, na Septuaginta, para conse­ guir a solução possível do problema cronológico. Mas não há nenhuma solução mais fácil para o problema, e nem ela é necessária. 1.18 Quanto aos demais atos de Acazias. Encontramos aqui a nota de fim de vida, de algum rei de Israel ou de Judá, que o autor sacro empregou constantemen­ te. Quanto a essa maneira de terminar os relatos da vida dos reis, ver as notas em I Reis 14.19. Não há nota de obituário desse rei, como “dormiu com seus pais”. Essa declaração é comentada em I Reis 1.21 e 16.28.

C a p ítu lo D o is Eliseu Sucede a Elias (2.1-18) O próprio grande profeta Elias, finalmente, precisou abandonar o palco das realizações. Por conseguinte, foi mister que um outro profeta verdadeiro tomasse o

seu lugar, demonstrando os mesmos poderes que seu mestre. Israel era uma nação plena de profetas e videntes, mas a maioria deles não se qualificava como homens de Deus. Yahweh, porém, não ficaria sem uma testemunha, embora pouco tivesse sido realizado para levar Israel a ser restaurado ao yahwismo. A usual síndrome do pecado-calamidade continuou, arrebatando mais e mais vítimas, que não consegui­ am desvencilhar-se da teia da depravação de Israel, nação do norte.

Elias Havia Terminado a Sua Missão. Eliseu insistiu em acompanhá-lo a Gilgal. Por nada menos de três vezes (em Gilgal, Betei e Jericó), Elias disse a Eliseu que ficasse para trás, mas de cada vez ele insistiu em acompanhar o homem mais velho. Elias agora estava prestes a ser arrebatado. Eliseu foi informado do que iria acontecer, e podemos estar seguros de que Eliseu queria estar no local, a fim de testificar esse evento estupendo. Eliseu, pois, apegou-se ao mestre, até que, de repente, de forma miraculosa, Elias foi removido deste mundo. Naquele momento, os poderes de Elias desceram sobre Eliseu, e até os profetas locais reconheceram que o homem mais novo era o legítimo sucessor de Elias. Literatura. Os críticos e os eruditos classificam este segundo capítulo do segundo livro de Reis como um dos mais nobres capítulos da Bíblia. Este capítulo (além de ser uma literatura superior, com uma história notadamente bem narrada) ensina elevadas lições espirituais. Tipologia. A translação de Elias é um tipo daquilo que se espera para toda a Igreja (ver I Tessalonicenses 4.13 ss.; I Coríntios 15.51 ss.). Ver na Enciclopédia de Bíblia, Teologia e Filosofia os artigos chamados Parousia e Segunda Vinda, ponto oitavo. Ver também o artigo sobre o profeta, Arrebatamento de Elias, ponto quinto. Quanto a um arrebatamento moderno documentado de forma convincente, ver (também na Enciclopédia), o artigo Arrebatamento de Analee Skarin, no artigo chamado Eliseu, em seu sexto parágrafo.

Elias partiu de Gilgal. Ver a respeito desse local, no Dicionário, em seu segundo ponto. Por um redemoinho. As experiências místicas são usualmente inefáveis. Portanto, termos literais e físicos são usados para falar sobre os eventos espiritu­ ais. Esses modos de expressão são, naturalmente, muito inexatos e com freqüên­ cia enganadores. Algo “como um redemoinho", haveria de arrebatar o profeta de súbito, mas estamos falando sobre um acontecimento espiritual desconhecido que é impossível de descrever com quaisquer termos precisos. É um erro reduzir tais eventos a meros acontecimentos físicos, conforme fazem alguns intérpretes literalistas da Bíblia. Há boas evidências em acreditarmos que Analee Skarin sofreu um moderno arrebatamento. Ver a introdução ao presente capítulo quanto a informações sobre onde se pode ler a história dela. Conheci um missionário evangélico que supunha que, se um homem pudesse atingir tamanho grau de espiritualidade, ele não morreria, mas seria (pessoalmente) arrebatado, escapan­ do assim à morte física. Essa é a doutrina que Analee Skarin ensinava. Talvez algo cofno isso exista realmente, e talvez não. Se tal possibilidade existe para alguns, então podemos afirmar, mediante a observação, que poucos, de fato, têm atingido esse tipo de espiritualidade. Eliseu acompanhou fielmente Elias naquele dia, que seria seu último dia na terra. Então o evento estupendo teve lugar. Para todo acontecimento há um tempo apropriado. O dia em que o ministério de Elias terminou foi o dia em que começou o ministério de Eliseu. Yahweh foi o planejador e a causa do evento. Portanto, nosso destino está em Suas mãos.

Redemoinho. A palavra hebraica aqui usada refere-se a um grande vendaval, com freqüência associado, nas Escrituras, à vinda de Deus e Seus atos especiais, como aqueles de ira e de manifestação de Sua presença. Somente no Salmo 107.25 essa palavra hebraica é usada para indicar uma tempestade ordinária. Cf. Isaías 29.6; 40.24; Ezequiel 13.11; Zacarias 9.14. A tradução que aparece na Vulgata Latina, turbo, deu origem à tradução “redemoinho” em traduções posteriores. Mas devemos entender algum grande e dominador vendaval divino, algo parecido com um vendaval, mas também divino. Ver no Dicionário o verbete intitulado Misticismo.

Fica-te aqui. O arrebatamento não ocorreria em Gilgal. Elias foi enviado a Betei. A Gilgal associada com Elias e Eliseu não era a mesma da Galiléia ou da fronteira de Judá. Ver no Dicionário sobre Gilgal, ponto b. O local é desconhecido, mas existem opiniões plausíveis. Talvez ficasse a seis quilômetros de Betei, con­ forme alguns supõem. Eliseu recebeu ordens de “ficar”, por parte de Elias, mas ele recusou-se a isso. A ordem era idéia de Elias, e não de Yahweh, de forma que Eliseu pôde ignorá-la com segurança. Eliseu sabia que o evento estupendo esta­ va prestes a acontecer, e ele não o perderia por coisa alguma deste mundo. Talvez a ordem de Elias tenha sido inspirada por sua incerteza se Eliseu deveria

II REIS testemunhar ou não o evento extraordinário. Eiiseu, por sua vez, não haveria de permitir que a incerteza de Elias o detivesse. Tão certo como vive o Senhor e vive a tua alma... Temos aqui um solene juramento alicerçado no Ser eterno de Yahweh, cujo nome significa “o Eterno”. A vida do profeta Elias também era preciosa e estava segura. Sobre esses fatores, Eliseu fez o juramento de que não deixaria o seu senhor por nenhuma razão. Cf. I Samuel 20.3 e II Reis 4.30. 2.3 Sabes que o Senhor hoje tomará o teu senhor... ? É significativo que as ‘ notícias se tivessem propagado”. Os profetas associados com Betei sabiam que Elias estava prestes a ser arrebatado. A história pode ter-se espalhado até eles, proveniente de outra fonte, ou talvez eles tivessem recebido a notícia diretamente em suas próprias profecias. Seja como for, eles sabiam. Eliseu assegurou aos discípulos dos profetas que ele já sabia o que aconte­ ceria. e ordenou-lhes que não falassem sobre a questão. Verdadeiramente, seria um acontecimento maravilhoso, mas também o separaria de seu senhor, o que seria motivo de intensa tristeza. O valor humano é renovado em outras esferas, pelo que jamais se perde. Mas a morte remove uma pessoa de nosso meio, portanto não mais podemos falar com ela. E nisso há tristeza. A translação de Elias não seria causada pela morte, mas quanto a esse aspecto agiria como se o fosse.

Devoção. Uma lição que esta história nos ensina é a devoção a outros. A verdadeira amizade é algo valioso e raro.

Um amigo durante uma vida inteira já é muito. Dois amigos já é demais. Três amigos é quase impossível. As amizades precisam contar com certo paralelismo de vida, comunidade de pensamentos e rivalidade de propósitos. (Henry Adams)

As amizades multiplicam as alegrias e dividem as tristezas.

1473

2.6 Fica-te aqui. As margens do rio Jordão. Pela terceira vez, Elias pediu que Eliseu deixasse de segui-lo. Em Gilgal, em Betei e agora em Jericó, Elias deu essa orderr para que Eliseu ficasse, mas sempre Eliseu se recusou a fazê-lo. Era .portante continuar Eliseu já possuía discernimento profético suficiente para saber que estava envolvido em um acontecimento verdadeiramente importante, e não queria perdê-lo. E assim continu­ aram a caminhada os dois profetas, e foram até as margens do rio Jordão. Pouco depois de atravessarem aquele rio, o grande evento ocorreria. Não somente Eliseu, mas também as várias escolas de profetas tinham consciência do que estava prestes a acontecer. Os grandes eventos projetam suas sombras adiante deles, e algumas pesso­ as têm a capacidade de 1er esses eventos através das sombras que eles lançam. 2.7 Foram cinqüenta homens dos discípulos dos profetas. Cinqüenta nomens dos discípulos dos profetas pararan a distância, antecipando o eue estaria prestes a acontecer e observando cuidadosamente, de modo a não perder ne­ nhum episódio. Entrementes, os dois profetas maiores puseram-se à beira do rio. Grande antecipação pairava no ar. Era conforme diz uma canção: “Em um dia claro, pode-se ver para sempre”.

2.8 Então Elias tomou o seu manto. Surgia aaora o pequeno problema de como atravessar o rio Jordão, porque o arrebatamento deveria ocorrer no lado oposto do rio. Elias, que sempre vivera no Espírito, de maneira espetacular, resolveu : pequenc problema pelo milagre de fazer parar o fluxo do rio. Ele bateu nas águas com seu manto, e as águas se separaram. E assim ambos os profetas foram capazes de atravessar o rio a pé enxuto. O manto peludo de Elias parecia dotado de poder. Eliseu em breve teria a posse daquele manto miraculoso (vs. 13), e dali por diante o poder de Elias haveria de repousar sobre ele em dupla porção (vs. 9). Eliseu, ao exper'mentar o manto, obteve o mesmo resultado (vs. 14). O poder de Yahweh estava naquele objete. O manto não tinha nenhum poder por si mesmo. Mas era um item poderoso que pertencia ao oficio profético, e o autor sagrado esperava que soubéssemos que esse objeto físico havia sido dotado de poder divino. Cf. o poder da vara de Moisés, ver Êxodo 14.16,21,22 e Josué 4.22 ss. 2.9

(Henry G. Bohn)

A única maneira para tennos um amigo é sendo um amigo. (Ralph Waldo Emerson)

Escolas dos Profetas. Ver sobre esse assunto no Dicionário. 2.4 Fica-te aqui. Outro adiamento no arrebatamento. Elias já estivera em Gilgal. Dali, fora enviado a Betei. Em seguida, Yahweh falou com ele e o enviou a Jericó. Novamente Elias ordenou que Eliseu ficasse em Betei. Mas Eliseu, uma vez mais, recusou-se a fazer isso, conforme anotei no segundo versículo deste capítulo. Portanto, lá se foram eles para Jericó. Esta ficava a pouco mais de seis quilôme­ tros de Betei, portanto a jornada não foi muito longa. Quanto ao juramento de Eliseu, sobre a vida de Yahweh e de Elias, ver o último parágrafo da exposição sobre o segundo versículo. Haveria um grande propósito para Eliseu estar ali. Ele sabia disso em seu coração, e não permitiria que as “ordens” de Elias perturbassem a sua mente. 2.5 Os discípulos dos profetas que estavam em Jericó. Em Jericó havia mais profetas, que também falaram com Eliseu sobre o vindouro arrebatamento de Elias. E lhe perguntaram se ele sabia disso. Eliseu replicou que sabia, e também ordenou que eles se calassem sobre o assunto. Este é virtualmente igual ao terceiro versículo, exceto pelo fato de que o local mudara de Betei para Jericó. Ver as notas ali, que também se aplicam aqui. “Embora Jericó tivesse sido reconstruída recentemente, a despeito da maldi­ ção lançada contra seu reconstrutor, contudo, era um lugar abençoado por uma escola de profetas” (John Gill, in kx., referindo-se à antiga maldição de Josué sobre o lugar, em Josué 6.26). Nos dias do rei Acabe, Hiel tentou reconstruir a cidade. Por causa disso, ele perdeu dois filhos, e isso foi interpretado como conseqüência da maldição de Josué. (Ver I Reis 16.34.) Ver no Dicionário o verbete chamado Escolas dos Profetas.

Pede-me o que queres que eu te faça. Eliseu tinha sido fiel seguidor, e agora era a sua estrela que se estava elevando. Elias logo seria soerguido para as alturas superiores. O homem mais novo t:nha ganho o direito de receber alguma grande bênção, e Elias havia dito que daria qualquer coisa que ele qui­ sesse. Em sua sabedoria, como Salomão, ele não pediria coisas mundanas. Queria aquele poder miraculoso. De fato, ele queria uma porção dupla do poder miraculoso de Elias. É um fato curioso que o número de milagres que Eliseu, finalmente, realizou foi mais ou menos o dobro daqueles realizados por Elias Ver o gráfico que acompanha o presente texto para ilustrar esse fato. Alguns estudiosos, não sendo capazes de acreditar que Eliseu faria tão fabulo­ so pedido, supõem que a dupla porção do Espírito teria sido daaa em comparação com a de outros profetas, e não em comparação com a de Elias. Mas o texto sagrado é contra essa suposição. Não seria difícil (vs. 10) que esse fosse o sentido do que está aqui entendido. Antes, Eliseu era um filho espiritual primogênito de seu pai espiritual (Elias), e sua herança não seria meramente o dobro aa dos profetas menores. Bem pelo contrário, de alguma maneira, ele ultrapassaria o homem de mais idade. Ver Deuteronômio 21.17, quanto à porção dupla dos filhos primogênitos. Pede-me o que queres. Pensava-se, entre os hebreus, que um pai moribun­ do teria poder e autoridade em suas palavras finais. Sua bênção era muito procu­ rada. Quaisquer profecias que ele pronunciasse em seu leito de morte eram seguríssimas. Ver Gênesis 27.4 e suas notas expositivas quanto a isso. Elias não estava morrendo, mas sendo retirado da cena terrestre, um tipo de equivalência. ‘ Eliseu queria bênçãos espirituais, e não materiais. Ele não estava pedindo para ser duplamente popular em relação a Elias... Ele estava pedindo para ser seu sucessor... para ter o privilégio de levar avante o ministério de Elias sob Deus” (Thomas L. Constable, in loc.).

Buscai, pois, em primeiro lugar, o seu reino e a sua justiça, e todas estas cousas vos serão acrescentadas. (Mateus 6.33).

2.10 Se me vires quando fo r tom ado de ti, assim se te fará. A condição. A fim de que a dupla porção do Espirite fosse concedida a Eliseu, ele teria de ser

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II REIS

testemunha ocular do arrebatamento de Elias. Ele teria de estar presente. Ver o poema ilustrativo nas notas sobre o vs. 14. Então ele receberia o manto miraculoso, e seu pedido lhe seria proporcionado... Cf. o fato de que, no Novo Testamento, os apóstolos de Jesus tinham de ser testemunhas oculares de Seus milagres e de Sua vida (Atos 1.21,22). Entrementes, Eliseu precisava “ter olhosr para ver o arrebatamento de Elias. Nem todos os homens, mesmo que estivessem presentes, teriam tal visão espiritual (ver II Reis 6.17). Seria uma experiência mística da mais elevada ordem, e não um acontecimento físico. Ver o último parágrafo das notas expositivas sobre o primeiro versículo deste capí­ tulo, e ver no Dicionário os verbetes denominados Misticismo e Visão (Visões). Cf. o arrebatamento da Igreja. Ver na Enciclopédia de Bíblia, Teologia e Filoso­ fia os artigos chamados Parousia e Segunda Vinda, em seu oitavo ponto. Ver também no Dicionário o verbete Arrebatamento de Elias, especialmente a sua quinta seção.

Coisas Difíceis. O recebimento da dupla porção do Espírito não estava sujei­ to ao poder e à autoridade de Elias conceder. Yahweh seria o agente ativo nessa concessão. Não obstante, o profeta de mais idade teria o poder de pedir tal coisa, a qual, sem dúvida, seria concedida a Eliseu. O milagre, portanto, não viria de Elias, ira s fluiria através dele. 2.11 Um carro de fogo, com cavalos de fogo. Alguma manifestação grandiosa, acompanhada por um carro e por cavalos de fogo, foi o aspecto visível do aconte­ cimento. Não devemos pensar em termos de um redemoinho literal, e nem em termos de cavalos e de um carro literal. O acontecimento manifestou-se em ter­ mos que podiam ser compreendidos. As verdadeiras experiências místicas, em sua essência, são inefáveis. Para que depois os homens sejam capazes de falar a respeito, deve haver, por assim dizer, alguns elementos físicos que possam ser descritos. A chave para a compreensão aqui é o fogo. Esse fogo, porém, não foi literal. Esse fogo era apenas a conflagração do céu manifestando-se sob formas que podiam ser comparadas a um carro de fogo e a cavalos de fogo. Quanto ao redemoinho, ver o parágrafo final das notas sobre o primeiro versículo deste capítulo. Os críticos consideram esse acontecimento uma lenda, o que também dizem sobre o arrebatamento antecipado da Igreja. Ver as notas expositivas sobre o versículo anterior, sob o subtítulo “a condição", onde encontramos algumas informações sobre o arrebatamento da Igreja. Não obstante, temos razões que nos levam a crer que tais arrebatamentos podem ocorrer. Há um paralelo moder­ no na experiência de Analee Skarin, poucos anos atrás, em Salt Lake City, estado de Utah, Estados Unidos da América, onde nasci e fui criado. Não conheci pesso­ almente a dama, mas conheci uma pessoa de confiança que atestou a realidade do acontecimento. Ver na Enciclopédia de Bíblia, Teologia e Filosofia o verbete denominado Arrebatamento de Analee Skarin. Se compreendermos essas ques­ tões de maneira crassa e física, então diríamos “isso é uma lenda”. Mas se as compreendermos em um sentido não-material, espiritual, então confessaremos que eventos assim estupendos podem ocorrer e realmente ocorrem. “As realidades espirituais não são discernidas pelo olho externo, mas são percebidas somente por aqueles que prestam atenção e se mostram sensíveis a elas. São luminosas imediatamente apenas para os sensíveis de coração, bem como dotados de intelecto arguto, e devotos de alma... Se não virmos essas realidades, não será porque não estão ali para serem vistas, mas, antes, porque não possuímos olhos capazes de vê-las. A dificuldade não estará com a coisa a ser percebida, mas com quem não a percebe” (Raymond Calking, in loc.). Supõe-se que Elias tenha sido transformado em um ser espiritual para estar apto para viver no mundo das luzes. Dificilmente podemos pensar que seu corpo físico poderia ter sido transportado para as dimensões celestiais.

Tipologia. Cf. o arrebatamento da Igreja. Ver na Enciclopédia de Bíblia, Teo­ logia e Filosofia os artigos chamados Parousia e Segunda Vinda (seção V). O presente texto cf. I Tessalonicenses 4.13 ss. e I Coríntios 15.51 ss. Comparar a experiência de Eliseu a certa ocasião posterior, historiada em II Reis 6.17.

2.12 Eliseu viu a grande manifestação e clamou a Elias, quando este desaparecia de vista: “Meu pai, meu pai, carros de Israel, e seus cavaleiros!”. Elias tinha-se ido para sempre. Eliseu, vencido pela emoção, rasgou suas vestes em dois pedaços. Foi uma reação inspirada por uma emoção avassaladora, e talvez marcada pela consternação, porque Elias se fora. É difícil acreditar, entretanto, que tenha havi­ do alguma lamentação, no sentido em que nos lamentamos pelos mortos. Eliseu dificilmente pode ter pensado na ocasião como se fora “uma morte”. Cf. a ascensão de Jesus, em Atos 1.9,10. O evento, foi, de fato, a ascensão de Elias. Quanto ao rasgar das roupas, como um ato de lamentação, ver Gênesis 37.29,34; 44.13; Josué 7.6; Ester 4.1; Jó 1.20 e 2.12. Eliseu havia sofrido uma grande perda, e talvez ele tivesse se lamentado diante desse fato, apesar de a experiência como um todo ter sido esmagadoramente positiva e inspiradora.

“Nenhum outro fim da vida terrena de Elias poderia ter sido mais apropriado... Porquanto Elias foi um redemoinho, e a sua vida foi uma encarnação do fogo... Essa foi a lição final ensinada pela vida daquele majestático profeta” (Raymond Calking, in loc.). 2.13 Então levantou o manto que Elias deixara cair. O manto ficou e agora estava à disposição de Eliseu. Naquele momento, Eliseu recebeu a dupla porção espiritual que Elias tinha possuído. Ver os versículos 9 e 10 deste capítulo. A fonte do poder era o Espírito de Deus, mas permeava aquele manto como se fora uma grande coisa viva. Equipado pelo poder divino, o profeta mais jovem retornou ao Jordão, e assim logo testaria sua autoridade como sucessor de Elias. O manto era o sinal de sua autoridade e ofício profético. 2.14 Onde está o Senhor, Deus de Elias? O primeiro teste. Este versículo, no texto massorético, repete a mensagem do versículo oitavo. Naquele versículo, fora Elias quem fizera as águas separar-se ao feri-las. Aqui, Eliseu, sucessor de Elias, demonstrou obter o mesmo sucesso, ao reatravessar o rio. Essa era a prova de seu poder e de sua autoridade como principal profeta de Israel, e tam­ bém prova de que o manto de Elias retivera seus poderes miraculosos.

Variante Textual. A Vulgata, Luciano e um dos manuscritos da Septuaginta (Poliglota 1513-1517) dão-nos a idéia de que a primeira tentativa de Eliseu fracassou, quando ele experimentou dividir as águas, e teve que bater na água uma segunda vez. Alguns críticos textuais supõem que assim dizia o texto original, e o texto padronizado hebraico, o texto massorético, o tenha suaviza­ do, tornando este versículo 14 igual ao versículo oitavo. Digo aqui “suavizou” porque seria uma declaração difícil de que o grande Eliseu, com dupla porção do Espírito que controlava Elias, tivesse de bater na água por duas vezes para obter o resultado desejado. Ver o texto massorético no Dicionário intitulado Massora (Massorah); Texto Massorético. Ver também o artigo Manuscritos do Antigo Testamento, seção VII. Não resta sobre a terra Nenhum homem vivo que conheceu (considerai isto!) Que viu com seus olhos ou tocou com suas mãos, Aquele que era desde o principio, a Palavra da Vida. Como será quando ninguém puder dizer: “Eu vil'' Yahweh-Elohim. Eliseu invocou o poder real que apenas fluía de manei­ ra humilde através do manto que fora de Elias. Ele invocou o Deus Eterno e Todo-poderoso, a fonte dos milagres. Ver no Dicionário o verbete intitulado Deus, Nomes Bíblicos de. Por assim dizer, Eliseu submeteu a teste o Deus de Israel. Agora que Elias se tinha ido embora, haveria poder que restasse para fazer outros milagres? As águas do Jordão dividiram-se. A resposta foi “sim” . 2.15 Vendo-o... O espfrito de Elias repousa sobre Eliseu. Honra a quem honra. Os membros da escola dos profetas viram tudo, incluindo o fato de que o espírito de Elias repousara sobre Eliseu. Isso significava que Eliseu era o legítimo suces­ sor de Elias e levaria avante a sua missão. Isso requeria o respeito da parte de todos. Foi por essa razão que os profetas menores vieram e se prostraram diante do agora poderoso Eliseu. Elias tinha sido o mestre de todos. Naquele momento, Eliseu tomara o lugar de Elias como cabeça da escola dos profetas. Ver no Dicionário o artigo intitulado Escolas dos Profetas. Eliseu trazia o manto de Elias, o símbolo de sua autoridade. Os discfpulos dos profetas. Ou seja, os cinqüenta profetas de Jericó (ver o sétimo versículo deste capítulo). Esses homens eram filhos espirituais de seus líderes, e que estavam sendo treinados para profetas. Eram profetas secundários, ensinados por seus pais espirituais. 2.16 Não os envieis. Dúvidas. Algo de grande “aparentemente” tinha acontecido. Mas aqueles que estavam ao longe não tinham certeza do que era. Eles exigiram provas de que aquilo que acontecera (a translação de Elias) realmente tinha ocorrido. Portanto, quiseram enviar cinqüenta homens fortes para fazer uma bus­ ca completa, certificando-se de que Elias não estaria oculto, nem havia realizado algum truque mágico para enganá-los. Elias já havia desaparecido misteriosa­ mente antes daquela ocasião (ver I Reis 18.9-16) e, talvez, mediante algum trans­ porte divino, tivesse sido simplesmente transferido para algum outro lugar, não muito distante.

II REIS 0 Espirito do Senhor. Esse era o agente de tais transportes. Ver no Dicio­

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2.19

nário o artigo chamado Espirito de Deus. Cf. I Reis 18.12. Eiiseu Proibiu os Profetas de Ir Atrás de Elias. Ele sabia que tal ato seria ridículo e apenas diminuiria a magnitude do que tinha acontecido. Não havia nenhum truque de magia envolvido, nem algum transporte divino; tinha acontecido algo muito maior. 2.17 Enviai. Finalmente, Eliseu precisou ceder às exigências deles, porque se mostra­ ram tão insistentes que ele se envergonhou por ter de dizer “Não! não!” por tantas vezes. Ele estava sendo um pai severo para com eles; mas tal como os pais severos podem ser mudados pelas lágrimas de seus filhos, assim também Eliseu cedeu diante do pedido de seus filhos. O resultado foi que eles procuraram por Elias, com diligência, por três dias, examinando cada esconderijo possível, cada colina conspícua, cada vale, cada bosque — por toda parte! Eles precisavam confirmar a verdade da questão. Não acharam Elias. De fato, Elias havia sido arrebatado. Todas as dúvidas foram assim removidas. Algumas vezes também precisamos investigar a fim de remover nossas dúvidas ou edificar-nos na fé. Eliseu não era tão destituído de coração a ponto de negar a seus discípulos a chance de buscar e saber. Erasmo de Roterdã certamente tinha razão quando insistia em que a lingua­ gem humana não pode aprisionar o infinito. Ele certamente tinha razão quando defendeu, com vigor, a liberdade da investigação. 2.18 Não vos disse que não fôsseis? Confirmação. Eliseu não precisava de confirmação. Ele estava presente quando Elias foi arrebatado. Ele era o homem que sabia. Mas seus filhos, os discípulos dos profetas, tiveram de confirmar isso por meio da investigação. Não há muitas pessoas semelhantes a Eliseu. A maioria de nós pode tirar proveito da investigação das coisas, para adicionar conhecimento à nossa fé, pelo método científico ou pela experiência e lições que ela nos ensina. A busca seria um empreendimento infrutífero para Eliseu, naquela ocasião. Mas para os seus filhos, isso produziu um fruto significativo. Fez deles crentes! Além disso, ainda recentemente, Eliseu havia submetido a teste os seus poderes, quando bateu nas águas do rio Jordão, para ver se elas se dividiriam (vs. 14).

Da covardia que teme novas verdades, Da preguiça que aceita meias verdades, Da arrogância que pensa saber toda a verdade, Ó Senhor! Livra-nos!

As águas são más. A maravilha da purificação das águas poluídas ocorreu em Jericó, onde Eliseu ficou por algum tempo, imediatamente após a translação de Elias (vs. 15). Tirando vantagem da presença do profeta Eliseu, as autoridades resolveram testar suas habilidades. De modo geral, a situação de Jericó era agradável, mas a água era de péssima qualidade. As águas más estavam cau­ sando mortes e abortos espontâneos (vs. 21). Talvez houvesse alguma poluição bacteriológica, ou algum agente envenenador. O autor sagrado não sabia qual era a causa de tal condição, de forma que também nem se aventurou a arriscar um palpite. Josefo diz-nos que tudo ali era infrutífero, as mulheres, os animais, as árvores (De Bello Jud. 1.4, cap. 8, sec. 3). Tudo quanto entrava em contato com aquelas águas sofria com a experiência. A fonte daquele lugar (identificada com a moderna ‘Ain es-Cultan) tinha e continua tendo a reputação de causar abortos, nos seres humanos e nos animais. Reuss (um autor citado por Ellicott, in loc.) falava sobre a “superstição" que dizia que diferentes águas têm diferentes poderes, pois algumas encorajariam a concepção, e outras provocariam abortos. Não há razão alguma para duvidarmos de que havia alguma verdade por trás dessa “superstição”.

2 .20,21 A Cura das Águas por Meio do Sal. Pôr sal na água era apenas “algo a ser feito”, como quando as pessoas tomam aspirinas, esperando que elas curem qualquer coisa. O ato foi apenas um gesto. Não tinha nenhum poder em si mes­ mo, a menos, naturalmente, que Yahweh tenha posto a lg u ra espécie ae virtude curadora no sal, para destruir as bactérias ou para anular algum elemento vene­ noso. Sabemos que o sal tem algum valor medicinal, mas isso não explica o que aconteceu. Ver o artigo geral chamado Sal, no Dicionário, quanto a seus usos e significados literais e metafóricos. Os crentes devem ser o “sal da terra" (ver Mateus 5.13), opondo-se às suas corrupções e contribuindo para as virtudes curadoras. Em um sentido metafórico, podemos imitar a rissã o profética de Eliseu mostrando-nos virtuosos e úteis entre homens ímpios e desarrazoados, a fim de modificarmos as condições morais e espirituais deles Um prato novo. Novo porquanto seria um instrumento especial de cura, e realizaria aquela tarefa necessária. Poderia já ter sido corrompido por algum uso anterior, comum ou poluidor. Cuanto ao sal como um agente purificador nos sacrifícios, ver Lev. 2.13. A fonte continuou pure e tornou-se um lembrete perpé­ tuo dos poderes de cura de Deus, bem como de Sua graça e amor. A morte, a infertilidade e os abortos das mulheres e dos animais cessaram. Houve assim evidência abundante de que Eliseu era um profeta verdadeiro do único Deus, Yahweh, e essa é a lição que nossas histórias maravilhosas, relata­ das na Bíblia, queriam ensinar. Ver a introdução ao versículo 19 deste capítulo.

(Arthur Ford)

2.22 Houve outro bom fruto que aquela investigação produziu: doravante, os pro­ fetas secundários mostrar-se-iam mais ansiosos por obedecer a Eliseu, sem colo­ car em dúvida a sua palavra. Portanto, foi um dia glorioso em Israel, aquele quando Elias foi transladado.

A Ti, Espírito Eterno, seja o louvor! O qual, desde os dias antigos, até os nossos, Através de almas de santos e profetas, ó Senhor, Tem enviado Tua Luz, Teu Amor, Tua Palavra.

Até ao dia de hoje. Até mesmo alguns milagres requerem mais de uma aplicação do poder divino. Também é verdade que as curas efetuadas por pode­ res psíquicos e espirituais não são necessariamente permanentes. Mas o manan­ cial de Jericó ficou permanentemente limpo. Yahweh foi quem fez a purificação. O povo sabia disso e continuaria sabendo. Eliseu era o profeta do Senhor, e o povo sabia disso e continuaria sabendo. O manancial, pois, tornou-se um memorial de espiritualidade positiva. Os Meninos Pequenos e as Ursas (2.23-25)

(Richard W. Gilder) Purificação do Manancial de Águas em Jericó (2.19-22) Na parte inicial deste segundo capítulo de II Reis, aprendemos que Eliseu se tornou o sucessor de Elias, tomou posse de seu manto e de seu poder, e agora tinha uma dupla porção de seu Espírito miraculoso (vss. 9 e 10). Ele se tornou o cabeça das escolas dos profetas, pelo menos daquelas que ainda adoravam a Yahweh. Havia então muitos profetas apóstatas em Israel. En­ quanto isso, Eliseu já havia submetido a teste os seus poderes de dividir as águas do rio Jordão (vs. 14), imitando o ato de seu mestre, Elias (vs. 8). E agora passamos para as histórias das maravilhas. É deveras curioso que Eliseu tenha realizado quase o dobro do número dos milagres efetuados por Elias, o que é ilustrado no gráfico que acompanha este texto (perto do nono versículo). Todas essas histórias de maravilhas servem para enfatizar o poder do ho­ mem de Deus, como Seu agente especial. O propósito dessas maravilhas era levar os homens a retornar a Yahweh, a fonte de todos os milagres, bem como o respeito a Seu profeta. Eliseu ainda estava em Jericó, e assim a qualidade inferior da água do lugar deu-lhe outra oportunidade para demonstrar a autoridade de Yahweh.

Temos aqui outra das histórias maravilhosas que cercaram Eliseu. Quanto às histórias maravilhosas, ver a introdução ao versículo 19 deste capítulo. O autor sacro nos fornece uma série de histórias de milagres para provar que Eliseu era um profeta do Deus verdadeiro, Yahweh. Esses elementos eram necessários ao apostatado povo de Israel. Estava em pauta a restauração de Israel. Essa restauração nunca aconte­ ceu, mas Eliseu trabalhou a questão com todo o seu coração. Alguns meninos pequenos mostraram-se rudes para com o profeta. Eliseu sentiu-se ofendido e amaldiçoou as crianças que, logo foram atacadas por ursas e mortas. Quarenta e duas crianças morreram! A história ilustra o respeito que um verdadeiro profeta de Yahweh exigia. Os críticos, porém, censuram a moralidade do episódio. Naturalmente, é completamente diferente das atitudes do gentil Jesus, que nos recomendou: “Abençoai aqueles que vos amaldiçoarem” (Mateus 5.44). Os comentadores recorrem aqui a toda espécie de contorções para tornar a história aceitável aos gostos cristãos. “Na verdade, porém, ela não resiste ao exame de nenhuma perspectiva moral” (Norman H. Snaith, in loc). Alguns dizem que não devemos pensar em crianças pequenas e, sim, em adolescentes; mas é difícil ver como isso faria diferença. Thomas L. Constable sugeriu que esses jovens eram profetas falsos, idólatras e, portanto, mereciam o que receberam; mas não há nenhum indício disso no texto sagrado. Outros comentadores trans­ formam-nos em filhos rebeldes, os quais, mediante a lei, mereciam morrer. E

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II REIS

assim a Eliseu coube a tarefa de eliminá-los, em lugar de seus pais, que deveriam tê-lo feito (ver Deuteronômio 21.18 ss.). Mas o texto sagrado também não indica nada semelhante. Alguns sugerem que o julgamento foi de Yahweh, e não de Eliseu, tornando assim a punição aceitável. Mas isso reflete apenas o voluntarismo (ver a respeito na Enciclopédia de Bíblia, Teologia e Filosofia). Ou seja, “poder é direito", independentemente da moralidade que há no caso. Alguns críticos consi­ deram a história um mito, uma história maravilhosa lendária, que era aceitável à moralidade da época, diferente da nossa. Outros comentadores dizem que o ataque das ursas foi uma coincidência, não devendo nós ser atribuído nem a Yahweh, nem a Seu profeta, Eliseu. 2.23 Quanto à essência e aos significados da história, ver a introdução, anterior­ mente. Uns rapazinhos. Diz a King James Version: “crianças pequenas”. Diz a fíevised Standard Versiorr. “meninos pequenos”. A palavra hebraica aplica-se a uma grande faixa etária. Mas notemos aqui a palavra “rapazinhos", um diminutivo, indicando que se tratava de jovens que ainda não haviam atingido toda a sua estatura. Sem dúvida, devemos pensar em jovens no começo da adolescência. Sobe, calvo; sobe, calvo! A mentalidade dos hebreus encontrava algo de patológico na calvície, pois eles não tinham nenhuma teoria genética a respeito. A calvície chegava a ser associada à lepra (Lev. 13.43). Seja como for, era uma marca de reprimenda (ver Isaias 3.17; 15.2). Julgamos que Eliseu era realmente calvo, de forma que os rapazinhos fizeram pouco dele e, de modo geral, não demonstraram respeito pelo grande homem. Eliseu estava “subindo" ao santuário no Carmelo, tendo partido de Jericó, pelo que foi usada pelos rapazinhos a pala­ vra “sobe". “Eles trataram o profeta de Deus com desprezo" (Thomas L. Constable,

in loc.). “Eliseu, embora jovem (ele viveu cinqüenta anos depois desse incidente; II Reis 13.14), pode ter ficado calvo prematuramente” (Ellicott, in loc.). 2.24 E os am aldiçoou. O profeta não demonstrou paciência. Ele não ‘ abençoou àqueles que o amaldiçoavam”. Ele não fez “o bem para aqueles que abusaram dele desprezivelmente” (ver Mateus 5.44). Ele, na verdade, pertencia a outra era, uma era da moralidade pré-cristã. Quanto aos elementos morais da histó­ ria, ver a introdução ao versículo 23. Os vagabundos mostraram-se irreverentes, insultuosos, malcriados, mesmo como jovens adolescentes. Eles chegaram as­ sim a um mau fim. A história ilustra o respeito que um verdadeiro profeta de Yahweh requeria, porquanto ele estava ali para cumprir a vontade do único verdadeiro Deus, Yahweh, Ursas. Alguns intérpretes imaginam que não houve nenhuma conexão de causa entre a “maldição” de Eliseu e as ursas, que massacraram os jovens. Mas, como é óbvio, o autor sacro queria que víssemos uma situação de causa e efeito em sua história. A natureza, pois, rebelou-se contra os rebeldes. Ver o uso de animais selvagens utilizados em julgamentos divinos, também ilustrado em I Reis 13.24. Feras eram comuns na Palestina, e havia muitas mortes de pessoas a cada ano. Ver Oséias 13.8; Provérbios 17.12; Amós 5.19 (e cf. II Reis 17.25). Quarenta e dois jovens foram atacados e mortos pelas ursas. Um urso é um animal tão poderoso que pode matar um homem com um simples golpe de sua pata, mas usualmente ele prefere ficar em seu estado pacifico. Algumas espécies são bastante pacíficas, a menos que sejam provocadas, mas outras, como o urso marrom, matam imediatamente, sem nenhum aviso prévio. Ver no Dicionário o verbete chamado Urso, quanto a notas expositivas completas so­ bre esse animal. 2.25 Dali foi ele para o monte Carmelo. Uma vez consumado o terrível inciden­ te, Eliseu continuou sua jornada para o monte Carmelo e para o santuário que havia ali. Ele estava ocupado em algum negócio espiritual. Havia ali uma escola de profetas e, visto que agora era o líder espiritual (o pai) dos profetas, mantinhase em contato com eles, oferecendo instruções sobre a sagrada profissão. Dali ele foi para Samaria, provavelmente em uma missão de denúncia contra o pecado e a idolatria. Portanto, Eliseu mantinha-se em circuitos em Israel, cumprindo a sua missão profética. Samaria ficava a cerca de cinqüenta e dois quilômetros de Carmelo. “Esses primeiros milagres, no ministério de Eliseu, identificavam-no como um porta-voz especial de Deus, dotado da autoridade e do poder de Elias, alguém digno do maior respeito. Ele era o representante do Deus vivo” (Thomas L. Constable, in loc).

C a p ítu lo Três Campanha Moabita de Jorão (3.1-27)

Tendo terminado, pelo momento, seu relato das histórias maravilhosas asso­ ciadas à vida de Eliseu, o autor sagrado nos leva de volta a questões de política e de guerra, que eram as principais atividades dos reis de Israel e de Judá. Seu assunto, agora, passa a ser Jorão (ver a respeito dele no Dicionário), rei de Israel. Judá tinha também um rei de nome extremamente parecido, Jeorão (ver I Reis 22.51). Mas Jorão era filho da temida Jezabel e de seu ímpio marido, Acabe. Ele era sucessor de seu irmão, Acazias, que tinha morrido ainda jovem, devido a um acidente, e não deixara filhos. Ver II Reis 1.2 ss. Jorão foi o nono rei de Israel e governou pelo espaço de doze anos (ver II Reis 1.18,3.1). Ele governou entre 853 e 842 A. C. Ver no Dicionário o artigo denominado Israel, Reino de, onde há uma lista dos reis de Israel, com breves descrições. Ver também ali o verbete chamado Rei, Realeza, onde há uma lista comparativa dos reis de Judá e de Israel, com os reis de países circunvizinhos, tudo ilustrado mediante um gráfico. Narrativas Paralelas. O autor sagrado não nos fornece primeiramente uma lista e uma descrição dos reis de Judá, e, depois, dos reis de Israel. Antes, ele pula para o norte e para o sul, apresentando os reis em uma ordem cronológica aproximada. Quanto a esse modo de apresentação, ver as notas em I Reis 16.29. Jeorão, rei de Judá, já nos foi apresentado (ver II Reis 1.17). Mas agora o Jorão de Israel ocupa a nossa atenção. Esse rei era um ímpio, embora não tenha atingido a degradação extrema de seu pai, Acabe.

Jorão, de Israel, começou a reinar no décimo oitavo ano do rei Josafá, rei de Judá. Quanto a narrativas paralelas dos reis de Judá e de Israel, ver acima e em I Reis 16.29. Jorão teve um reinado curto e relativamente mau, desperdiçando doze anos com seus pecados. Meu artigo sobre ele, no Dicionário, oferece deta­ lhes. Cf. II Reis 1.17 e a alegada discrepância dos números envolvidos. Aquele versículo fala em segundo ano, em lugar de décimo oitavo ano. Mas, mediante alguma manipulação, podemos fazer o décimo oitavo ano de Josafá equivaler ao segundo ano de Jorão. Não há solução certa quanto ao problema cronológico, e alguns estudiosos desesperam-se de encontrar essa solução. “Os informes deri­ vam-se de dois sistemas cronológicos irreconciliáveis" ( Oxford Reference Bible, sobre II Reis 3.1). Discrepâncias. Seja como for, essas discrepâncias só parecem problemáti­ cas para duas classes de pessoas: os céticos, que se deleitam em encontrar algum problema para debater; e os fundamentalistas extremados, que fazem qual­ quer esforço para tentar explicar os problemas, mesmo às expensas da honesti­ dade. Mas a fé religiosa e a espiritualidade não repousam essas questões. So­ mente uma mente infantil lhes dá grande importância. Cf. II Reis 8.16.

Fez o que era mau perante o Senhor. Jorão era impio e operou a iniqüida­ de, embora não tenha chegado ao padrão de impiedade estabelecido por seu pai, Acabe, e por sua mãe, Jezabel. Chegar àquele padrão só seria possível mediante alguma ajuda especial do diabo. Quanto ao lado positivo, esse rei derrubou a coluna de Baal, que Acabe mandara levantar. Ele não eliminou a idolatria em Israel, mas realmente a dimi­ nuiu. Ele aboliu parte do culto a Baal. Mas apesar de ter-se livrado da coluna particular mencionada neste versículo, de modo geral suportava a adoração a Baal (ver II Reis 10.18-28). E continuou as normas políticas de seu impio pai, Acabe (ver I Reis 12.26-33; 13.33). Talvez ele tenha iniciado uma reforma que não chegou, afinal, a coisa alguma. Seu único ato de reforma, porém, não teve nenhum efeito duradouro. Ele enfrentou oposição e logo abandonou essa questão de reformas. Continuou a adoração ao bezerro de Jeroboão (ver o terceiro versículo), pelo que tinha muitos pecados em sua consciência. Nem como sua mãe. ‘ Jezabel viveu por todo o reinado de Jorão (II Reis 9.30), o que talvez explique por que ele não erradicou a adoração a Baal (II Reis 10.19-28)’ (Ellicott, in loc.). Talvez Jorão tenha instituído algumas reformas para agradar a Josafá, a fim de que o rei de Judá o ajudasse em sua campanha militar contra os moabitas.

Aderiu aos erradicou (ver II ao bezerro que quanto aos atos

pecados de Jeroboão. Jorão diminuiu o baalismo, mas não o Reis 10.19-28), e também participou plenamente na adoração Jeroboão havia estabelecido em Betei. Ver I Reis 12.26 ss. e às normas políticas idólatras de Jeroboão. Ver no Dicionário

A DUPLA PORÇÃO Eliseu solicitou uma porção dupla do poder milagroso de Elias, cujo poder era obra do Espírito Santo. Ver II Reis 2.9-10. É curioso que Eliseu tenha efetuado numericamente quase, exatamente, o dobro de milagres de Elias. 1. Elias é alimentado por corvos (I Reis 17.2 ss.) 2. A comida da viúva multiplicada (I Reis 17.8 ss.) 3. Ressurreição do filho da viúva (I Reis 17.17 ss.) 4. O altar e o sacrifício de Elias consumidos por fogo (I Reis 18.25 ss.) 5. Acazias e seus 102 soldados consumidos por fogo celestial (II Reis 1.2 ss.) 6. O rio Jordão é separado (II Reis 2.7 ss.) 7. O arrebatamento de Elias (II Reis 2.11 ss.)

1. O rio Jordão é separado (II Reis 2.14 ss.) 2. As águas perto de Jerico são purificadas (II Reis 2.19 ss.) 3. O óleo da viúva multiplicado (II Reis 4.1 ss.) 4. O filho da sunamita levantado dos mortos (II Reis 4.31 ss.) 5. A sopa venenosa purificada (II Reis 4. 38 ss.) 6. A comida do profeta multiplicada (II Reis 4.42 ss.) 7. Naamã curado da lepra (II Reis 5.1 ss.) 8. Geazi punido com lepra (II Reis 5.20 ss.) 9. O machado flutua (II Reis 6.1 ss.) 10 A proteção de um exército celestial em Dotã (II Reis 6.17 ss.) 11. Soldados inimigos cegados (II Reis 6.18 ss.) 12. Póstumo: um homem ressuscitado quando to­ cou nos ossos de Eliseu (II Reis 13.20-21)

UM PEDIDO INCOMUM Elias disse a Eliseu: Pede-me o que queres que eu te faça, antes que seja tomado de ti. Disse Eliseu: Peço-te que me toque por herança porção dobrada do teu espírito. Tornou-lhe Elias: Dura cousa pediste. Todavia se me vires quando for tomado de ti, assim se te fará... O espirito de Elias repousa sobre Eliseu. II Reis 2.9,10,15

MILAGRES NA BÍBLIA A Bíblia contém milagres que são chamados divinos. Estão incluídos milagres efetuados por meio de agentes e não apenas aqueles feitos diretamente por Deus. Os dois tipos são milagres verdadeiros, embora um possa ser mais dramático. Na verdade fez Jesus diante dos discípulos muitos outros sinais que não estão escritos neste livro. Estes, porém, foram registrados para que creiais que Jesus é o Cristo, o Filho de Deus, e para que, crendo, tenhais vida em seu nome. João 20.30,31

1478

II REIS

o artigo Baal (Baalismo) quanto às muitas variedades de formas desse culto pagão. Guerra contra Moabe (3.4-27) Moabe se tinha rebelado contra a vassalagem a Israel (ver II Reis 2,1 e suas notas expositivas). Acazias deveria ter feito alguma coisa a respeito, mas seu acidente, no começo de seu reinado, impossibilitou-o. Foi então que seu irmão e sucessor, Jorão, assumiu a sua causa. Acabe, embora moralmente corrupto, foi um rei forte e capaz. Sua morte encorajou os moabitas a rebelar-se.

e esse país, sendo um virtual vassalo de Judá, não negaria auxílio. O ataque seria contra Moabe, da direção sul, onde os exércitos marchariam ao redor do mar Morto por sete dias, o que os levaria ao wadi el-Hesa, na fronteira sul de Moabe. Ver no Dicionário o artigo chamado Edom, quanto a detalhes. A fronteira norte era mais pesadamente defendida, e era a localização normal de ataque. Talvez a surpresa ajudasse na campanha. “Eles poderiam atravessar o rio Jordão e atacar a fronteira norte de Moabe; ou poderiam rodear o extremo sul do mar Morto e invadir Moabe pelo lado de Edom. A primeira dessas rotas era a mais curta para ambos os reis, mas era ali que estavam as mais fortes defesas de Moabe” (Ellícott, in loc.). 3.9

3.4 Mesa... era criador de gado. A economia de Moabe estava alicerçada, essencialmente, na criação de gado miúdo, utilizando-se de sua carne e de sua pele. Mesa, rei dos moabitas, estava muito envolvido nesse negócio. A cada ano, conforme nos diz o Targum, cem mil cordeiros e a lã de cem mil carneiros tinham de ser entregues a Israel; um pesado tributo, verdadeiramente. Israel ficava com os animais, sua carne e sua lã. A guerra, portanto, era inevitável. A famosa pedra Moabita nos conta a história dessa guerra sob o ângulo de Mesa. Ver no Dicioná­ rio o artigo chamado Pedra Moabita. Cordeiros. No hebraico, naqad, referindo-se a um tipo menor e inferior de carneiro. Essa espécie, entretanto, fornecia lã em abundância. Amós era criador desse tipo de carneiro (Amós 1.1). Na antiguidade, animais e produtos de animais representavam grande parte das fortunas e dos tesouros de indivíduos e de governos, portanto o “comércio” era intenso, e o “tributo” era pago com esses produtos. As versões caldaica e árabe também mencionam os bois como parte desse tributo, mas isso parece não estar baseado em fatos. 3.5 Tendo, porém, morrido Acabe. Acabe, o homem forte e ímpio, estava mor­ to. Isso encorajou os moabitas à revolta, conforme já dissemos. Acazias sofreu uma morte prematura (ver II Reis 1.2 ss.), e Jorão, da noite para o dia, foi elevado ao trono, presumivelmente despreparado para o cargo. Mesa, pois, tirou vanta­ gens das condições incertas e inseguras de Israel. 3.6 Fez revista de todo o Israel. Muito provavelmente, tratou-se de um recense­ amento militar. Jorão precisava saber de quanta força militar potencial dispunha. Ele estava sendo forçado a guerrear. Poderia ele abafar a revolta de Moabe? Ele deve ter decidido que não seria capaz de fazê-lo sozinho, pelo que imediatamente começou a formar alianças. Israel lançar-se-ia à guerra como aliada de Judá e de Edom, uma combinação improvável. 3.7 Mandou dizer a Josafá, rei de Judá. Devemos lembrar-nos de que Judá, na oportunidade, não era muito mais do que um reino vassalo do reino do norte, Israel. Acabe tinha pedido a ajuda de Josafá contra a Síria, e ele tivera de cooperar. Ver I Reis 22 ss. Foi nessa batalha que Acabe perdera a vida. Agora, seu filho Jorão voltou-se novamente para o seu “antigo aliado”, Josafá, que tinha conseguido sobreviver em sua guerra contra os sírios. E, uma vez mais, Josafá veio correndo, talvez porque tinha sido forçado a fazê-lo, e, talvez, porque quises­ se fazê-lo. Judá também teria de acalmar os moabitas, que poderiam lançar algum ataque contra o reino do sul.

Após sete dias de marcha. Os exércitos coligados tinham rodeado o extre­ mo sul do mar Morto, o que os levara à fronteira sul de Moabe. Talvez eles tivessem marchado através do vale estreito e rochoso de El-Ahsy (também cha­ mado de El-Qurahy), entre Moabe e Edom, onde geralmente havia água. Mas naquela ocasião não havia água nenhuma. Não havia água para o exército e para o gado que os seguiam. A coliga­ ção optou pela rota do deserto, conforme descrito na exposição sobre o versículo oitavo, e isso criou de imediato o problema da água para os homens e para os cavalos. O desespero estabeleceu-se e tristes profecias de que eles seriam entre­ gues às mãos de Moabe começaram a circular. 3.10 Então disse o rei de Israel. Jorão acusou as forças divinas pelo infortúnio e pelo desastre iminente. Supostamente, Yahweh teria chamado os três reis para entregá-los sem dó nas mãos dos moabitas, a fim de sofrerem desgraça e morte. Usualmente, os antigos culpavam as forças divinas ou pela vitória ou pela derrota. Estavam sempre envolvidos em guerras santas, matando e sendo mortos em nome de Deus ou de algum deus. Mais de um exército perdeu uma batalha e sua vida por falta de água. O julgamento divino era a causa de tais desgraças, na mente daqueles que as sofriam. 3.11 Perguntou, porém, Josafá. Uma opinião mais espiritual. Josafá era homem conhecido por possuir um pouco mais de espiritualidade. Pelo menos ele não era um apostatado, embora se envolvesse em coisas duvidosas, como as alianças profanas com nações idólatras e apóstatas. Por conseguinte, considerou a ajuda que um profe­ ta de Yahweh poderia oferecer. Foi por acaso que um oficial do exército de Jorão soube que Eliseu estava disponível para ser consultado. Eliseu fora servo de Elias, e era seu sucessor, e qualquer habitante de Israel era conhecedor desses fatos. Isso significa que Eliseu era um profeta poderoso, e sua palavra seria valiosa em qualquer momento crítico. A questão da água provavelmente significa que Eliseu, em seu estado humilde de servo, chegou a ajudar Elias a lavar as mãos, fazendo-lhe outros trabalhos manuais e tudo quanto o homem de mais idade lhe ordenasse. Mas agora o servo era senhor, um grande homem por seus próprios méritos. Ver I Reis 19.21 quanto ao serviço devotado que Eliseu havia prestado a Elias. 3.12 O rei de Israel, Josafá, e o rei de Edom desceram a ter com ele. Jorão nada tinha a perder se consultasse o profeta de Yahweh, portanto ele acompa­ nhou Josafá para ir ver Eliseu. O texto diz “desceram”, mas não explica para onde. Alguns supõem que o profeta havia acompanhado o exército, mas isso não é muito provável. O ponto, pois, permanece em dúvida. 3.13

Serei como tu és. Josafá respondeu que ele era um só com Jorão, que o seu povo também pertencia àquele homem; seus cavalos e carros de combate também eram uma propriedade em comum. Esta parte do versículo repete o que Josafá já havia dito a Acabe. Ver I Reis 22.4, cujas notas expositivas também se aplicam aqui. “Josafá viveu em paz com o rei de Israel” (I Reis 22.45). A cessação das hostilidades entre o norte e o sul (Israel e Judá) encora­ jaram a formação de alianças. Josafá ignorou a denúncia profética contra tais alianças (ver II Crônicas 19.2 e 20.37). Talvez Josafá quisesse vingar-se dos moabitas, por causa de suas incursões no território de Judá (capítulo 20 de II Crônicas). Ele ocupar-se-ia em um “ataque preventivo” . Edom, na ocasião, es­ tava sob a autoridade de Judá, e em breve juntar-se-ia à aliança (ver os vss. 9 ss.).

Que tenho eu contigo? Era evidente que Eliseu não estava disposto a cooperar. Essas palavras do profeta equivalem a “Por que eu deveria obedecer-te?”. O profeta de Yahweh dirigiu-se ao ímpio Jorão sugerindo que ele obtivesse um profeta dentre aqueles que serviam a Baal, o deus de Acabe e Jezabel, pais de Jorão. O contraargumento do rei foi que Yahweh é que havia convocado o exército para punir os moabitas, e não o deus de seus pais, de forma que era apropriado que Yahweh fosse consultado através de Seu profeta. O Targum adiciona a glosa de que Jorão, em humildade, confessou seus pecados e pediu misericórdia. Além disso, a nação do sul, Judá, também estava envolvida naquela aventura, e não meramente Israel, e, essenci­ almente, aquele país tinha permanecido fiel a Yahweh. Esse foi um argumento convin­ cente, que levou Eliseu a agir. Eliseu respeitaria os desejos de Josafá.

3.8

3.14

Pelo caminho do deserto de Edom. A rota a ser tomada pela coligação de Israel, Judá e Edom era pelo deserto de Edom. Ali a ajuda de Edom seria conseguida,

Tão certo como vive o Senhor dos Exércitos. Esse foi um juramento feito por Yahweh, Capitão dos Exércitos, general dos exércitos, o único e verdadeiro

II REIS Deus vivo, que ele não teria feito absolutamente nada por Jorão, mas serviria a Josafá na sua necessidade. Ver no Dicionário o artigo chamado Senhor dos Exércitos. “Josafá foi aceito por causa de sua fiel dependência a Yahweh (vs. 11)” (Ellicott, in ioc.). Yahweh, na qualidade de General dos Exércitos, saberia como ajudar na batalha. 3.15 Trazei-me um tangedor. O poder da música. Temos um pequeno mas lindo toque aqui. É fato bem conhecido que a música tem o poder de produzir estados alterados da consciência, e alguns místicos propositadamente empre­ gam a música com essa intenção. Nos estados alterados de consciência, a pessoa é sujeita a visões e a intuições do discernimento que não são comuns no estado normal da consciência. A informação acerca disso é que os místicos com freqüência mostram-se muito sensíveis à música, e que ela tem um estra­ nho poder soore eles. O ouvido humano normalmente pode ouvir somente um pequeno espectro dos sons, mas algumas pessoas, sob determinadas condi­ ções, podem podem captar coisas na música, muito mais do que outras, e o efeito dessa audição holistica pode ser devastador. Eu mesmo já tive certo número de sonhos espirituais nos quais ouvi uma música incrivelmente bela. De fato, esse tipo de música é um dos sinais que distinguem os sonhos ordinários dos sonhos espirituais. Ver no Dicionário o verbete chamado Sonhos. Caros leitores, considerem o poder da música, da boa música, da música espiritual e também da música diabólica. Hoje em dia vemos o temível espetáculo nas igrejas evangélicas quando uma música diabólica está sendo empregada para estabelecer os sentimentos do culto de adoração! As pessoas, como ovelhas ignorantes, seguem isso e permitem que os jovens envenenem o espírito da igreja. Por certo, isso faz parte da apostasia, sendo muito mais debilitador para a igreja do que certas doutrinas consideradas errôneas. Ver no Dicionário o artigo chamado Música, Instwmentos Musicais, onde desenvolvo o tema.

Costume. Podemos presumir, à base do presente versículo, que, como costu­ me, ou, pelo menos, com freqüência, Eliseu lançava mão da música para ajudá-lo em seu ofício profético. A música tem encantos que amansam o peito selvagem, Que amolecem as rochas ou que dobram o carvaiho torto. (William Congreve)

É com razão que alguns dizem que a música é a laia dos anjos. (Thomas Carlyle)

Um homem com um sonho, a seu bel-prazer, Poderá sair e conquistar uma coroa; E três, com uma nova canção, Podem derrubar toda uma nação.

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que Ele pode fazer. Além do milagre quanto à água, o sucesso na batalha seria conseguido. Naturalmente, o oráculo não falou sobre o desastre posterior, depois que o rei de Moabe houvesse sacrificado seu filho e herdeiro a fim de obter sua contra-vitória (vs. 27). A coligação dos três reinos seria forçada a retirar-se. Isso nos faz lembrar da história do oráculo de Delfos, que enganou Croeso, da Lídia, e Pirro, do Épiro, a terem uma falsa confiança que terminou em calamidade. Foi assim que Eliseu disse a verdade, mas não toda a verdade. Ele contou aos três reis a verdade que eles queriam ouvir, e deixou de lado a verdade que eles não gostariam de ouvir, um modo de proceder comum nos videntes e psíquicos. Ver no Dicionário o artigo chamado Milagres. 3.19 Ferireis todas as cidades fortificadas... Uma vitória abundante, acompa­ nhada pela política de terra arrasada, logo se seguiria. No entanto, finalmente, a coligação seria expulsa do país (vs. 27). Muitas cidades moabitas seriam captura­ das, destruídas e saqueadas; árvores seriam derrubadas; poços de água seriam danificados; terra de plantio seria inutilizada por depósitos de pedras que não permitiriam que ela fosse arada. A vida dos moabitas seria miserável, mas eles triunfariam no fim. Algumas vezes há pouca alegria no triunfo, quando este é precedido por grandes perdas. Sem dúvida, foi o caso de Moabe, naquela oportu­ nidade. Grande tem sido e continua sendo a desumanidade do homem contra o homem, esse animal predatório, sempre ansioso por prejudicar e matar. 3.20 Eis que vinham as águas pelo caminho de Edom. A água chegou na manhã seguinte, procedente de Edom. Alguns estudiosos dão aqui uma explicação natural, presumindo que pesadas chuvas em terras distantes tivessem feito os wadis encherse e produzir água, de modo que um grande suprimento de agua chegou à localidade do tríplice exército acampado. As covas que haviam sido cavadas ficaram cheias até den-amarem pelo wadi ou wadis da área. Se isso é verdade, então o "íilagre operado por Eliseu foi apenas uma sábia previsão de condições atmosféricas. Ele sabia o que estava chegando. Chuva, um presente de Deus, atingiria aquela região através de seus wadis. O fenômeno ocorreu, muito apropriadamente, durante o sacrifício matinal, quando a mente humana estava voltada para o Ser divino. “É evidente que Deus fez a água das chuvas em Edom derramar-se pelo vale e encher as covas” (Thomas L. Constable, in ioc). Outros intérpretes continuam a ver um suprimento miraculoso de água, sem nada relacionado à chuva. Seja como for, a provisão de água foi muito abundante, e salvou o dia para os exércitos coligados. Algo similar aconteceu no caso do imperador Marco Aurélio, o qual, quando estava prestes a atirar-se à batalha contra os germanos e os sarmatas, foi afligido ao máximo por motivo de sede. Seu exército seria uma presa fácil diante do inimigo. O imperador, sem nenhum pejo, caiu de joelhos e clamou aos deuses, pedindo água. De repente, uma poderosa tempestade atingiu a região, acompa­ nhada por uma espetacular cena de relâmpagos e trovões. A área inteira ficou inundada, e não muito depois, o inimigo foi posto em fuga (Eusébio, Hist. Ecci. 1.5, cap. 5; OrosiiHist. 1.7, cap. 15). Jugurta, general do exército romano, experi­ mentou um fenômeno parecido (Orosius, ib. 1.5, cap. 15, par. 77).

(Arthur William 0 ’Shaughnesse) 3.21

Tangedor, ou seja, um “harpista". Um homem habilidoso no uso de instru­ mentos de cordas. O Targum diz aqui “harpa”. Cf. I Samuel 10.5. Esse versículo mostra que os profetas usavam instrumentos musicais como auxílio em seu ofício. Minhas notas expositivas ali dão detalhes que não são reiterados aqui. O poder de Deus desceu sobre Eliseu quando ele se deixou embalar pelo encanto da música. O original hebraico diz aqui, literalmente, “mão”, pois esse é o instrumento de poder. O Targum e algumas versões dizem “Espirito” em lugar de “mão”. Seja como for, porém, o sentido é o mesmo. 3.16,17 Covas e covas. O profeta baixou a estranha ordem de que muitas covas fossem cavadas. Essas covas logo estariam cheias de água, mas não por causa de uma fonte visível, como a chuva. A água viria de alguma fonte invisível, e Yahweh seria a causa do estranho fenômeno. A água seria abundante, mais do que suficiente para os homens e os animais. Ela seria suprida de maneira miraculosa, de modo que a mente humana voltar-se-ia na direção de Yahweh. A chuva era considerada uma provisão divina, quanto mais, água abundante derivada de uma fonte invisível! Possivelmente havia ali um wadi, um leito seco de rio, que subitamente se encheria de água e encheria as covas que fossem cavadas. Ver o vs. 20 quanto ao fenômeno. 3.18 Isto é ainda pouco aos olhos do Senhor. O milagre da água não foi grande feito para Yahweh. De fato, foi algo leve e bastante trivial, em comparação com o

Ouvindo, pois, todos os moabitas. As noticias do ataque iminente das forças coligadas logo chegaram aos ouvidos do rei de Moabe, que assim fez uma apressada preparação para a batalha, equipando um grande exército para rece­ ber os invasores. Todos os que cingiam cinto. Ou seja, todos os homens de idade suficiente foram de súbito lançados à batalha. “Foi uma convocação em massa da popula­ ção masculina, tendo em vista a defesa do país” (Ellicott, in Ioc.). Os homens puseram seus cintos militares, que sustentavam as espadas. Os arqueiros prepa­ raram seus instrumentos de guerra; talvez uma força de carros de combate e uma cavalaria tenham sido preparados. 3.22,23 As águas vermelhas como sangue. Um truque pespegado pela retração da luz solar. Toda aquela água, que havia no acampamento dos três exércitos coliga­ dos, bem como ao redor, dava a impressão de ser vermelha. À distância, pois, parecia sangue. Mas tudo era uma impressão ótica da luz solar, que prejudicou os moabitas. Estes chegaram à apressada conclusão de que (por alguma razão desconhecida) os membros da coligação tinham tido um desacordo, e se tinham matado mutuamente, deixando sangue no solo, por toda parte. Isso significava que a ocasião era extremamente oportuna para o ataque e para o saque, e, naturalmente, para que se matassem quaisquer sobreviventes da matança autoinfligida. Havia também muito equipamento militar a ser tomado, e os moabitas

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II REIS

entrariam na posse de cavalos e de objetos pessoais de homens mortos, um gordo salário de um dia de trabalho. 3.24 Chegando eles ao arraial de Israel. Os iludidos moabitas deixaram assim sua posição inexpugnável nas montanhas e, despreparados, correram para o acam­ pamento dos israelitas. Para horror deles, descobriram que o suposto sangue não passava de água, e o suposto exército coligado, que estaria morto, estava bem vivo. O exército dos coligados levantou-se e saiu ao encontro do surpreendido exér­ cito moabita, matando muitos e pondo o resto em fuga. O infeliz exército moabita foi perseguido de perto até dentro do território de Moabe, com homens caindo mortos por ferimentos sofridos ao longo do caminho. Foi uma grande oportunida­ de de levar a batalha por todo o território moabita, e muitas cidades foram assim destruídas (ver o versículo seguinte). Os historiadores contam-nos um acontecimento semelhante, uma vitória de Guilherme da Normandia sobre Haroldo, o saxão, em 1066. Os invasores normandos fizeram os saxões pensar que os normandos estavam grandemente debilitados, e que tudo quanto os saxões precisavam fazer era administrar essa vantagem e perseguir o inimigo até o mar. Ao tentarem realizar o feito, de repen­ te encontraram um exército bem vivo, que efetuou grande matança entre os saxões. 3.25 Arrasaram as cidades. Deflagrando uma virtual guerra santa (ver as notas expositivas em Deuteronômio 7.1-5; 20.10-18), eles ofereceram tudo a Yahweh, que os tinha enviado para matar e destruir (vs. 18). Sua vitória inicial logo se pro­ pagou por todo o território de Moabe. As fontes de água foram tapadas; as árvores foram derrubadas; pedras foram espalhadas pelos campos, tornando impossível a aragem dos terrenos e a própria agricultura. E assim a profecia do versículo 19 teve cumprimento; lá encontramos a mesma informação que é dada aqui. Qulr-Haresete. Este nome significa cidade de cerâmica, embora alguns di­ gam cidade nova. Ver também Isaías 16.7; Jeremias 48.31,36, bem como sob Quir de Moabe, em Isaías 15.1. Essa era uma cidade muito fortificada, conhecida como Queraque, a cerca de oitenta quilômetros de Jerusalém. O lugar foi inteiramente destruído pela coligação de Israel, Judá e Edom, mas foi subseqüentemente reconstruído. Ver o artigo sobre esse lugar, no Dicionário, com o título Quir de

Moabe. As pedras da cidade foram deixadas intactas. Ou seja, a coligação não foi capaz de destruir suas fortificações, muralhas, torres etc., que eram feitas de pe­ dras. Ao que tudo indica, em outras cidades, até as “pedras” foram derrubadas. Os fundibuiários foram os principais combatentes que obtiveram a vitória na­ quele lugar. 3.26 Vendo o rei de Moabe. O rei Mesa, de Moabe, estava na sua cidade real de Quir-Haresete e, em um esforço desesperado, saiu e atacou os edomitas, que ele supunha serem o elo mais fraco na coligação. Ele esperava que, ao derrotar essa parte do exército atacante, faria a maré da batalha virar. Levou setecentos homens de suas tropas de elite, nessa tentativa, mas o esforço desesperado fracassou. As­ sim sendo, parecia que a batalha estava, realmente, perdida. “Os edomitas relembraram-se de que haviam sido brutalmente tratados pelos moabitas, ainda tão recentemente, o que os levou a lutar com maior desespero (ver II Crônicas 20.23)" (John GUI, in ioc.).

De alguma maneira, que o autor sagrado não deixou clara, esse cruento sacri­ fício foi eficaz, e alguma forma de ira sobrenatural caiu sobre Israel, libertando os moabitas do ataque. A ira (e a destruição que a acompanhou) foi tão grande que a coligação abandonou completamente a batalha e voltou para casa. Grande ira. O autor sacro não explicou o que ele quis dar a entender, razão pela qual aos intérpretes não resta alternativa senão fazerem suposições. As idéias principais são estas: 1. O supremo sacrifício feito por Mesa, ao oferecer seu próprio filho primogênito, despertou o exército moabita, como que possuído por uma força sobre-humana, derrotando assim a coligação e salvando o reino moabita. A ira, nesse caso, foi do exército moabita, mas inspirado por Camos. 2. Ou Yahweh, por alguma razão não-dedarada, fez voltar seu poder e ira contra Israel. Talvez Mesa tenha oferecido seu sacrifício a Yahweh, o qual, em Sua misericórdia, permitiu que esse rei e sua nação sobrevivessem ao ataque. Isso também teria sido feito para punir a “aliança profana” que Judá fizera com idólatras (os edomitas e os israelitas), que continuavam envolvidos na idolatria, com a adoração ao bezerro de ouro, em Betei, bem como com o baalismo. 3. Ou então forças malignas e sobre-humanas ficaram tão satisfeitas diante do sacrifício oferecido por Mesa que enviaram algum tipo de julgamento inexplicável contra Israel, alguma espécie de inexplicada maldição sobre-humana. Mas, sem dúvida, Mesa e seu povo atribuíram tudo a Camos. De fato, a pedra moabita conta-nos a história de como Moabe obteve a vitória através da ajuda divina, particularizando o deus Camos. Talvez o autor sagrado pensasse que, realmen­ te, isso poderia ocorrer, e, assim sendo, registrou o evento como alguma espé­ cie de triunfo infeliz dos poderes malignos superiores aos homens.

Henoteismo? Essa é a doutrina que diz que, apesar de haver “um Deus” a nosso favor, o qual é “mais poderoso do que outros deuses", existem outros deuses que têm seus poderes respectivos e suas áreas de autoridade. O henoteismo (ver a respeito no Dicionário) foi uma espécie de degrau na direção do monoteísmo (ver também no Dicionário). Não é impossível que o autor de I e II Reis assumisse uma posição henoteísta, e julgasse que algumas vezes uma deidade estrangeira pudesse intervir em favor de seu povo. “É certo que a crença na supremacia de Yahweh não impediu a antiga nação de Israel de admitir a existência verdadeira e a força de divindades estrangeiras (ver I Crônicas 16.25,26; 17.21; Números 21.29; Juizes 11.24)” (Ellicott, in Ioc.). O texto talvez nos ensine que Camos teve seu dia, inspirado pelo temível sacrifí­ cio do rei dos moabitas. Existem poderes espirituais aliados, contra os quais precisa­ mos lutar, e algumas vezes é melhor correr e esconder-se do que permanecer e lutar. Que Dizer sobre a Profecia de Eliseu? A coligação de forças foi à luta confian­ do nessa profecia. Ver o vs. 18. Apesar de uma notável vitória preliminar, Camos teria providenciado para que os moabitas fizessem virar a maré da batalha, ou, talvez, tenha feito intervenção direta na questão, enviando os três reis coligados derrotados de volta para casa. Muitas profecias são parciais, e, verdadeiramente, algumas fracassam (ver I Coríntíos 13.8). Estou supondo que as profecias de Eliseu, naquela ocasião, tenham fracassado. Ele falou o que pensava que ocorreria, mas ele e a coligação foram tomados de surpresa. Ou então poderíamos imaginar que Israel supostamente seria derrotado, e Eliseu encorajou-os a lutar e perder, como um juízo de Yahweh. Nesse caso, o profeta usou de ludibrio, algo aceitável pela moralidade da época, embora não por nós. Esse acontecimento é instrutivo quanto à própria natureza da profecia. Se o amor é seguro e nunca falha, as profecias chegam a falhar. Lamento, mas elas falham. Somente Deus é infalível, e outras infalibilidades tornam-se idolatrias. Muitas pessoas têm transformado em ídolo a tradição profética. Atualmente, as pessoas ficam desapontadas diante de coisas que não acontecem da maneira que elas pensavam que deveriam ocorrer.

3.27 Então tom ou a seu filh o prim ogê nito. Um ato de puro desespero. Tudo quanto o rei de Moabe tinha e amava, de súbito estava sendo ameaçado. Sem dúvida, ele perderia tudo. Seu exército estava sendo esmagado. Ele mesmo e toda a sua família seriam torturados e mortos. Assim sendo, nada tendo a perder, e talvez tendo algo a ganhar, Mesa realizou um sacrifício cruento. Ele tomou seu filho mais velho, que seria seu sucessor, e ofereceu-o, como um holocausto, sobre o muro da cidade, publicamente, para que todos vissem, e esperou que esse ato de desespero despertasse os deuses para ajudá-lo. Dessa maneira, ele realizou o seu sacrifício supremo. Deu tudo quanto tinha. Os comentaristas judaicos desta passagem lembram-se do sacrifício de Abraão, de Isaque, e inutilmente imaginam que o rei de Moabe imitou o ato de Abraão, na esperança de que tal dedicação ao ser divino fosse eficaz para salvar Moabe. Presumivelmente, a dedicação de Abraão fortaleceu Israel naquele dia, visto ser ele o pai da nação. Mas toda a cena foi uma mera fantasia. As muralhas da cidade cercada eram o muro. O deus a quem se ofereceu o sacrifício humano provavelmente foi Camos (ver II Reis 23.13, bem como o artigo sobre essa divindade, no Dicionário).

C a p ítu lo Q u a tro Várias Histórias sobre Eliseu (4.1-6.23) Temos agora três capítulos de histórias incomuns que ilustram o poder, a sabedoria e a autoridade de Eliseu, o profeta de Yahweh. São histórias que nos fornecem exemplos morais. Elas contêm muitas lições valiosas que nunca perde­ ram o seu valor. Essas crônicas fazem parte dos acontecimentos maravilhosos da vida de Eliseu. Ele precisava ser respeitado. Eliseu foi um profeta autêntico, em contraste com os profetas falsos e apóstatas de Israel, que serviam a Baal e a outras divindades ridículas. Yahweh era o Deus de Eliseu, e Ele é o único Deus vivo e verdadeiro. Israel deveria ter abandonado sua idolatria, por causa do exem­ plo piedoso deixado por Eliseu. Israel, pelo contrário, deixara-se envolver por meras vaidades. Eliseu, por sua vez, demonstrou uma vereda mais alta e mais nobre. Ele salientou aquela vereda onde ocorrem milagres genuínos, onde os homens entram em contato com o Ser divino. Ver no Dicionário o verbete chamado Milagres.

1481

II REIS Eliseu Aumenta o Azeite da Viúva (4.1-7)

Deus pode fazer-vos abundar em toda graça, a fim de que, tendo sempre, em tudo, ampla suficiência, superabundeis em toda boa obra.

4.1 Certa mulher. Essa mulher era a esposa de um dos discípulos dos profetas. Ela tinha acabado de perder seu marido. O homem tinha sido servo de Eliseu, ou seja, era alguém que estava debaixo de suas instruções, visto ser ele o cabeça das escolas dos profetas. Ver no Dicionário o verbete chamado Escolas dos Profetas. À pobre viúva sobraram dívidas assumidas por seu marido, e os abutres estavam à sua caça. O caso era tão sério que um credor tinha ameaçado vender os dois filhos da mulher à servidão, para que a dívida fosse saldada. Isso ele acabaria fazendo, sem dúvida. A viúva então apelou para Eliseu intervir no caso, de qualquer maneira que Yahweh o instruísse a agir. O Targum faz o profeta em questão (marido da viúva) ser Obadias, que havia ocultado os cem homens em cavernas, para que escapassem da ira de Jezabel. E Josefo (Antiq. 1.9, cap. 4, sec. 2) recebeu essa tradição como se fosse autêntica. Ver o capítulo 18 de I Reis quanto à história de Obadias. Tais embelezamentos, porém, dificilmente refletem a verdade. Seja como for, o profeta em questão era um homem digno, que tinha observado a lei de Yahweh e não estava envolvido na idolatria. Sendo um homem digno, sua viúva mereceu a ajuda de Eliseu, especial­ mente tendo em vista ser ele o pai das escolas proféticas. Ele tinha o dever de cuidar de seus filhos e filhas. Naturalmente, ministérios celibatários eram estranhos à mentalidade judaica, em contraste com certos segmentos da cristandade atual.

Servidão. Israel estava muito envolvido na instituição da escravidão. Muitos cativos de guerra eram transformados em escravos. Um israelita costumava ven­ der a si mesmo e aos seus familiares à servidão, para pagar dívidas. Ver Êxodo 21.7; Levítico 25.39; Neemias 5.5; Isaías 50.1; Jeremias 34.8-11.0 credor tinha o direito de fazer o que o presente versículo diz. Ele não estava fora da legislação mosaica. Ver no Dicionário o verbete denominado Escravo, Escravidão. Adam Clarke (in loc.) aproveita esta ocasião para salientar como as socieda­ des antigas abusavam de seus filhos. Dionísio de Halicarnasso (Lib. ii, partes 96 e 97) contou-nos como qualquer coisa podia ser feita com esses filhos. As crianças eram espancadas sem misericórdia, e até lançadas na prisão e sujeitadas a torturas pelas suas “infrações”. Eram empregadas como escravas no trabalho pesado, até por seus próprios familiares. Diocleciano e Maximiliano aprimoraram leis para proteger os devedores e seus filhos. Solon, o grego, eliminou certos costumes bárbaros no tocante aos filhos. 4.2

Coisas valiosas? Porventura a viúva não tinha nenhuma coisa valiosa que pudesse ser vendida para saldar sua dívida e assim evitar uma desgraça maior? O que ela tinha? Ela tinha o grande tesouro de uma única botija de azeite. Esse azeite serviria para cozinhar, ou era um frasco de azeite, que serviria para unção. Os judeus, tal como os gregos e os romanos, ungiam-se com óleos fragrantes depois de tomarem banho. Esse era um artigo de luxo, e a única coisa que a mulher tinha na casa. Ver no Dicionário o artigo intitulado Azeite (Óleos).

(II Coríntios 9.8) 4.6 Não há mais vasilha nenhuma. E o azeite parou. Um toque especial. Este versículo cria o toque especial da história. Enquanto houve vasilhas para serem enchidas, o azeite continuou fluindo da vasilha original. Mas uma vez que não houve mais vasos, o fluxo de azeite cessou. Os benefícios de Deus, por igual modo, continuam fluindo para aqueles que têm fé, e, por causa das boas obras deles, produzem um contínuo e grande suprimento. A fé de um homem determina a extensão de suas obras, governadas, naturalmente, pelos ditames de sua missão. Em outras palavras, quanto maior for a sua necessida­ de, se você está ocupado em uma boa causa, mais você obterá. Além de suas necessidades, há aquela abundância que cermite que você prospere em boas obras. Não se engane quanto a isso! O dinheiro é importante! Mas só é impor­ tante como um meio de aumentar nossas boas obras. Deus não nos dá dinheiro para trivialidades, deboche e tolices. E nem precisamos de luxos. Há uma verdade na declaração de I Timóteo 6 10: “O amor ao dinheiro é a raiz de todos os males”. Mas também há uma verdade naquela outra declaração, uma pequena modificação em relação a essa primeira: “A falta de dinheiro é raiz de todos os males". Isso será assim especialmente se a falta de dinheiro impedir as boas obras É melhor o crente ser próspero do que ser pobre, contanto que essa prosperidade seja uma força por trás de nobres realizações. Oh, Senhor! Concede-nos tal graça!

Tipologia. O azeite dessa história representa o Espirito e a graça que Ele supre através dos benefícios da missão de Cristo N'Ele ná um suprimento intinito de graça, bem como das riquezas do céu, por meio da salvação. 4.7

Comercialização. A situação da viúva e oe seus filhos foi completamente resolvida pela venda do azeite. Essa também é uma ótima lição moral. Embora haja um rico suprimento da parte de Deus, temos ae ser industriosos em nós mesmos. Nenhum problema teria sido resolvido se a viúva não saísse nem ven­ desse o azeite. Por conseguinte, precisamos comercializar nossos benefícios, isto é, pô-los a trabalhar. Em nossa sociedade, cada indivíduo precisa vender o seu produto, a sua habilidade. Todos os empregos são uma comercialização de habi­ lidades. A pobreza ocorre ao homem preguiçoso. A pobreza espiritual acompanha a vereda do indivíduo que pouco tenta fazer. Trabalhar é divertido, e a diversão está no trabalho. Não há verdadeira riqueza salvo no labor do homem.

Embora fosse um artigo tão humilde, a única posse de algum valor da mu­ lher, o azeite estava prestes a ser multiplicado, para salvar a situação.

(Percy B. Shelley)

4.3 Pede emprestadas vasilhas a todos os teus vizinhos. A mulher foi instru­ ída a juntar grande número de vasilhas de seus vizinhos. Algum tipo de milagre de multiplicação logo haveria de ocorrer, enchendo todas as vasilhas. De súbito, a mulher estava no negócio do azeite! A fé da mulher seria medida pelo número de vasilhas que ela juntasse. Naquele dia, a pobre viúva teve uma grande fé, na tentativa de salvar seus filhos da servidão.

Sou um verdadeiro trabalhador. Ganho aquilo que como; obtenho pessoalmente o que visto. A ninguém devo nenhum ódio; nem invejo a felicidade de ninguém. Aiegro-me diante do bem de todo indivíduo. (William Shakespeare)

4.4,5 Então entra, e fecha a porta sobre ti. Por trás de portas fechadas, a viúva e seus filhos foram testemunhas do grande milagre de multiplicação. As muitas vasilhas estavam espalhadas ao redor, prontas para serem enchidas. Os filhos trouxeram as vasilhas à sua mãe, uma a uma. Ela derramou o azeite precioso em uma oas vasilhas, e a vasilha original continuava cheia! Assim sendo, ela encheu outra, e a vasilha original continuava cheia! E assim ela prosseguiu, e em breve a casa estava repleta de vasilhas cheias de azeite, cada qual cheia até a beira. Isso pode ser comparado ao milagre de Jesus da multiplicação dos pães e dos peixes (Mateus 14.13-21). Elias realizou um milagre similar, envolvendo azei­ te; ver I Reis 17.11 ss.

Uma Lição Moral Vital. Há grande suprimento para toda necessidade, quando Deus intervém. Oh, Senhor, concede-nos tal graça! O poder divino satisfaz a necessidade humana.

“A história demonstra os cuidados de Deus por Seus fiéis, que viviam na apostatada Israel da época. As viúvas são sempre vulneráveis, e a viúva do profeta era ainda mais necessitada. No entanto, Deus cuidou miraculosamente daquela crente fiel e dependente" (Thomas L. Constable, in loc.). Outra História Maravilhosa: A Mulher de Suném (4.8-37)

O autor sagrado continua a contar suas histórias admiráveis, cada qual en­ volvendo um milagre especial. Cada uma dessas histórias ilustrou o poder e a autoridade de Eliseu como um profeta de Yahweh, o único Deus verdadeiro e vivo, em contraste com os falsos profetas de Baal e de outras culturas pagãs. Quanto a comentários gerais sobre a natureza e o propósito dessas histórias, ver a introdução ao primeiro versículo deste capítulo.

1482

II REIS

4.8 Suném. Ver as notas expositivas completas sobre esse lugar, no Dicio­ nário. Essa cidade ficava perto de Jezreel e pertencia à tribo de Issacar (Josué 19.18). Havia uma mulher rica ali, que chamou a atenção do profeta. Note-se o contraste. A primeira história foi sobre uma pobre viúva; esta histó­ ria é a de uma mulher de uma classe do extremo oposto. O poder de Eliseu operava em qualquer nível da scciedade, onde quer que seres humanos esti­ vessem enfrentando problemas, conforme acontece por toda parte. O profeta de Vahweh era movido pela compaixão e bania a miséria humana. Eliseu, porém, também padecia necessidades, e a mulher rica desta narrativa mos­ trou-se generosa para com e'e. Q uardo ele fazia seus circuitos por todo Israel, por várias vezes ela e seu marido tinham-no visto passando. Ela pen­ sou que seria bom providenciar um lugar para ele ficar, portanto preparou uma câmara conveniente para um profeta, que ele pudesse usar quando estivesse .ias vizinhanças. E ela também lhe provia refeições, quando ele estava ali. A mulher não sabia, mas estava semeando boa semente, e final­ mente colheria uma colheita de felicidade, quando o profeta usasse seus poderes miraculosos em favor dela. Ver no Dicionário o artigo chamado Lei

Moral da Colheita segundo a Semeadura. As tradições juaaicas identificam essa mulher rica com a irmã de Abisague (I Reis 1.3). Nesse caso, ela deveria ter mais de duzentos anos de idade, na ocasião! Isso mostra quão insensatas são muitas das identificações rabinicas.

O Pequeno Quarto do Profeta."... um cenáculo construído sobre o eirado, com acesso por meio de uma escada externa, pelo que a entrada ou saída era independente da própria casa" (Norman H. Snaith, in loc.). 4.9-10

Como boa dona de casa, a mulher não ousou tomar uma decisão unilateral. Eia consultou seu marido sobre a idéia de oferecer um dormitório de profeta para Eliseu, e valorizou a idéia ao descrever como o aposento seria mobiliado com os móveis apropriados. Santo homem de Deus. Um dos propósitos dessas narrativas maravilhosas era estabelecer o contraste entre um verdadeiro profeta de Yahweh e os profetas apóstatas de Baal, e assim assegurar aos leitores o fato de que Yahweh era o Deus do casal, o único verdadeiro Deus vivo. Ver as notas de introdução ao primeiro versículo deste capitulo. Um lugar “... onde ele pudesse estar livre dos ruídos da casa, sentindo-se livre para orar, ler, meditar e estudar, e não ser perturbado pelos servos da família, tendo de misturar-se com eles. Tudo isso ela planejou tendo em vista ncnrar Eliseu, visando à quietude e à paz dele” (John Gill, in loc.).

Paralelos Modernos. Algumas igrejas mais ricas têm preparado dormitórios de profetas para abrigar missionários e pastores visitantes, pelas próprias razões que John Gill deu na citação encontrada acima. Outras igrejas enviam esses visitantes a hotéis e provideciam para eles dependências particulares, em lugar de forçá-los a ficarem na casa de alguém, onde uma interminável conversação perturbaria a paz deles. 4.11,12 O autor sacro não se deu ao trabalho de dizer-nos que o marido da mulher consentiu com o plano de Deus, mas é óbvio que ele aprovou. Eliseu foi o primeiro a utilizar o dormitório de profeta, tão recentemente preparado. O profe­ ta, cansado de sua jornada, deitou-se para descansar. Ele estava acompanha­ do por um servo, Geazi, um aprendiz de profeta. Quando Eliseu estava relaxan­ do ali em “seu dormitório” , pensava sobre a bondade da mulher, e julgou que ela merecia alguma espécie de recompensa. Assim sendo, ordenou que seu servo falasse com a mulher, para ver se ela teria alguma necessidade especial. A mulher, como é claro, não estava querendo receber nenhuma recompensa, mas aqueles que agem bem, aqueles que mostram generosidade, receberão sua recompensa, quer a esperem, quer não. A medida de um homem é a sua generosidade, outro nome para a lei do amor. O amor é a própria prova da espiritualidade (ver I João 4.7). Ver na Enciclopédia de Bíblia, Teologia e Filoso­ fia o vercete intitulado Liberalidade, Generosidade. E ver no Dicionário da pre­ sente obra o artigo chamado Amor. 4.13,14 O profeta ordenou a seu servo que trouxesse a mulher. Foi o servo quem falou inicialmente com ela. Que necessidade especial ela poderia ter? O homem de Deus tinha poder de obter de Yahweh qualquer coisa de que ela estivesse precisando. Geazi agradeceu à mulher por tudo quanto ela fizera e falou em uma recompensa. Mas a mulher era rica e habitava “no meio" do seu povo. Em outras

palavras, ela não tinha necessidades especiais. Ela não estava no exílio. Sua vida era boa e confortável, ela gozava de boa saúde, e tinha muitas amigas. Ela era próspera e cheia de bens, e não necessitava de coisa alguma. Porém, ela não tinha filhos! Para uma mulher de Israel, isso era uma calamidade. Esse era o fato que arruinava a vida dela. O resto estava muito bem e em ordem. Para complicar a questão, seu marido era um homem velho e, segundo se pode presumir, tinha passado da idade de gerar filhos. Provavelmente também devemos entender que ela estivera estéril durante algum tempo. Em outras palavras, era um caso sem solução. Contudo, esse era o problema dela, o qual, em seu coração, ela continu­ ava desejando ver resolvido. A conversa entre o servo e a mulher aparentemente ocorreu fora da porta do dormitório do profeta, e longe o bastante para que Eliseu não compreendesse o que estava sendo dito. Por conseguinte, Geazi precisou relatar a Eliseu como tinha sido a conversa. Geazi fizera a mulher compreender que Eliseu tinha poder sobre o rei e o chefe do exército. Ele tinha recursos. Como é óbvio, ele tinha influência perto de Yahweh, e era isso que se fazia necessário para solucionar o problema da mulher. 4.15 A mulher foi chamada para ter uma conversa direta com Eliseu. O problema era difícil, para se dizer a verdade, do ponto de vista humano, mas o profeta vivia com um pé no outro mundo, e podia trazer para a vida dela a intervenção divina. Isso o habilitava como verdadeiro profeta do verdadeiro Deus, Yahweh, o único Deus vivo. Essas narrativas maravilhosas anelam por enfatizar essa autenticação, distinguindo o profeta de Yahweh dos profetas apóstatas de Baal. 4.16 Por este tempo daqui a um ano. Ou seja, por aquele mesmo tempo do ano, dentro de um ano, a mulher teria um filho ao qual estaria abraçada. Isso significa que ela ficaria grávida quase imediatamente. Mas podemos entender a frase “por este tempo" com o significado de período próprio de gestação. Dentro de um ano, a gestação já estaria completada. Não, meu senhor. Nenhum profeta, por maior que seja a sua reputação, é sempre exato em suas predições. Algumas de suas profecias falham. Ver o caso da derrota de Israel diante dos moabitas (II Reis 3.27), no seu último parágrafo. As profecias realmente falham (ver I Corintios 13.8). Por outro lado, um verdadei­ ro profeta inspirado mostra-se admiravelmente exato. A mulher ficou cheia de dúvidas, e não hesitou em expressá-las. Mas o milagre aconteceria, a despeito de suas dúvidas sobre a questão. Deus nem sempre se limita às operações da fé humana. O conhecimento prévio é uma propriedade natural da psique humana. Um homem pode prever o futuro. De fato, ele prevê continuamente o futuro, conforme os estudos o demonstram. Mas também existe um conhecimento prévio divino ou diabólico, no qual a capacidade natural do ser humano é ultrapassada. Ver na Enciclopédia de Bíblia, Teologia e Filosofia o artigo chamado Precognição. E no Dicionário ver os artigos denominados Profecia, Profetas e Dom de Profecia.

Palavras Ousadas. Tão convencida estava a mulher de que não poderia ter filhos que ela acusou o profeta de estar mentindo somente para fazê-la sentir-se bem, ou pelo menos acusou-o de estar na linha fronteiriça entre a verdade e a fantasia. Ele poderia não estar a enganá-la propositadamente, mas segundo a esti­ mativa dela, ele estaria falando uma tolice, com base em uma ilusão (crença falsa). Algumas vezes, a fé consiste em crermos em algo que não corresponde aos fatos. 4.17 Concebeu a mulher, e deu à luz. A despeito das dúvidas dela, a despeito da impossibilidade do cumprimento da profecia, a mulher ficou realmente grávida, e teve seu filho dentro do tempo predito. É sempre uma maravilhosa experiência receber alguma graça que ultrapassa aquilo que merecemos, ou mesmo aquilo que pedimos.

Ora àquele que é poderoso para fazer infinitamente mais do que tudo quanto pedimos, ou pensamos, conforme o seu poder que opera em nós, a ele seja a glória na igreja e em Cristo Jesus, por todas as gerações, para todo o sempre. Amém. (Efésios 3.20,21) Oh, Senhor, concede-nos tal graça! Algumas vezes a fé jaz morta, mas isso não significa que o poder espiritual também morreu. Há sempre aquela grande Fonte de poder que age em nosso favor. “Quão frequentemente, sob a aparência externa de prosperidade e bemestar, jaz um desapontamento oculto! Detectar isso é satisfazer a alma faminta e é um dos melhores ministérios de qualquer homem de Deus" (Raymond Calking,

in loc.).

II REIS

Nascimentos Miraculosos. Por várias vezes as Escrituras ilustram o poder de Deus por meio de nascimentos miraculosos. Cf. os nascimentos de Isaque (Gênesis 18.12,13; 21.2); de Samuel (I Samuel 1.11 ss.) e de Jesus (Mateus 1.18 ss.). Cada um desses nascimentos miraculosos produziu um homem dotado de algu­ ma missão especial. Não foram casos de maravilhas caprichosas. Antes, foram nascimentos repletos de propósitos. Embora o autor de l-ll Reis nada diga a respeito (sendo até provável que ele não o soubesse), é provável que esse filho de uma promessa, do quarto capítulo de II Reis, se tenha tornado um instrumento especial de Yahweh, tendo cumprido uma missão distintiva.

1483

Não havia nenhum dia santo especial, nem festividade, nem sábado para ele estar presente e celebrar, nem ele estaria em algum santuário onde ela pudesse encontrá-lo com facilidade. O autor quis indicar que, se algum feriado religioso estivesse próximo, Eliseu estaria em Carmelo, cerca de quarenta quilômetros de Suném. Taivez ele estives­ se ali, seja como for. Ver o vs. 24. “Ela era uma mulher muito prudente. Ela não perturbaria os sentimentos de seu marido informando-o da morte do filho deles, enquanto não se tivesse valido do poder do profeta” (Adam Clarke, in loc.).

4.18

Não é lua nova nem sábado. Ver os artigos sobre ‘ lua nova’ e “sábado', no

Dicionário. Talvez até mesmo quando Israel estava na apostasia, certas pessoas A Seqüela. A história admirável do nascimento maravilhoso de um filho teve sua seqüela. Nenhuma vida deixa de atravessar dificuldades. Embora a criancinha tenha sido trazida a esta vida terrena pelo poder divino, ela não estava isenta das pragas comuns enfrentadas pelos homens. A criança adoeceu e morreu. Mas Eliseu estava ali para intervir, e assim temos uma excelente seqüência da história original, outra história maravilhosa que ilustra o fato de que Eliseu era um profeta verdadeiro de Deus, e que o seu Deus, Yahweh, era o único Deus vivo e verdadeiro. Quanto aos propósitos das histórias maravilhosas, ver as notas de introdução a II Reis 4.1. Há histórias de ressurreições miraculosas. Essa é a primeira história assim contada na Bíblia. Ocasionalmente, ouvimos falar de alguma instância moderna, e não há razão para duvidarmos da autenticidade de algumas histórias. Ver no Dicionário os verbetes intitulados Ressurreição e Ressurreição de Jesus. Ver também o artigo sobre Sathya Sai Baba, quanto a um moderno operador de maravilhas, que tem efetuado ressurrei­ ções, na Enciclopédia de Bíblia, Teologia e Filosofia. Ver também o artigo chamado Experiências Perto da Morte, que algumas vezes se revestem da natureza de ressur­ reições autênticas. Temos também grandes histórias de vida, e ocasionalmente a vida triunfa sobre a morte. Ver no Dicionário o artigo intitulado Milagres. Foi um Dia Comum. O pequeno menino circulou entre os segadores, nos campos plantados de seu pai. Ao que tudo indica, ele teve uma insolação fatal (vs. 19). Talvez a criança tivesse seis ou sete anos, idade suficiente para circular pelos campos, mas não para ser um dos segadores. 4.19,20 Ai! a minha cabeça! Uma insolação é igual a qualquer outro derrame, exceto pelo fato de que sua causa é o calor violento do sol, que faz estourar uma veia na cabeça, ou a leva a inchar de modo tão extraordinário que o cérebro é afetado. Naturalmente, insolações normais não causam dano permanente, mas o filho da mulher sofreu uma insolação tão severa que lhe foi fatal. Naquela hora crítica, somente Deus poderia curá-lo. O pobre menino gritava de dor: “Ai, a minha cabeça! Ai, a minha cabeça!”. E, ato contínuo, perdeu a consciência. Foi imediata­ mente levado à sua mãe. O menino não morreu em seguida. Ficou sentado nos joelhos de sua mãe até o meio-dia, e então morreu (vs. 20). Alguns estudiosos dizem que ele apenas teve um desmaio. Mas penso que ele realmente morreu. Todos quantos testificaram o evento, disseram: “Ele está morto!”. Mas a mãe do menino não perdeu a esperança. Ela se lembrou do poderoso profeta, Eliseu. Agora a fé dela estava fortalecida. Enquanto ela, antes, quase não cria que seu filho pudesse nascer, agora ela acreditava que ele seria devolvido dentre os mortos! Sua fé havia crescido. Entrementes, o poder de Yahweh continuava o mesmo. Deus dera a vida ao menino; e agora Deus poderia restaurar-lhe a vida. O poder de Yahweh continuava o mesmo, e até hoje não sofreu nenhuma modifi­ cação! Precisamos aprender a tirar proveito do poder divino. Sabemos quão gran­ de é esse poder. O homem natural tem conhecimento dessas coisas.

fiéis costumavam visitar os profetas de Yahweh em dias religiosos especiais. Cf. Amós 8.5. Ela disse: Não faz mal. A mulher não quis despertar a ansiedade de seu marido e assegurou-lhe que tudo estava bem e que ela não se demoraria. 4.24 Não te detenhas no caminhar. Ela foi tão ligeira quanto seu animal pudesse avançar, dando ordens ao seu servo para que não se “ squecesse de espicaçar o jumento, para que este continuasse ístugando o passo. Esse modus operandi continuou por todo o caminho até o monte Carmelo. Esse lugar, ccmo é evidente, tomara-se o quartel-general dos profetas autênticos de Yahweh, e a mulher sentia que havia uma bca chance de encontrar o profeta ali. Fora ali que Elias tinha obtido a sua grande vitória sobre os profetas de Baal (ver I Reis 18.20 ss.). Depois daquilo, qual profeta de Baal ousaria aproximar-se daquele lugai? Há outro sentido emprestado a ^ste versículo. Alouns imaginam que a mulher foi andando, visto que o jumento serviria para o retorno montado do profeta Eliseu. Mas isso não faz sentido. Se ela quisesse andar, poderia voltar caminhan­ do. Ademais, havia jumentos por toda Darte, de forma que todos podenam ter voltado montados para casa. Era costumeiro, entretanto, que um servo caminhas­ se ao lado do jumento que estivesse servindo de montaria para um senhor ou senhora. Se esse tivesse sido o caso, er:ão fo' preciso muito tempo Dara o grupo chegar ao Carmelo. 4.25,26 Foi ter com o homem de Deus. ao monte Carmelo. O autor sacro não nos diz quantos dias ou horas de agonia se passaram. Eliseu viu a mulher, ainda a distância, e sentiu imediatamente aue algo estava errado. Assim sendo, enviou seu profeta-servo aprendiz ao encontro da mulher, a fim de saber o que teria acontecido. E ao encontrar-se com ela, fez todas aquelas perguntas: Está tudo bem contigo? Com teu marido? Com teu filho? Ele não indagou sobre questões de dinheiro, porquanto, em momentos de crises de família, o que significa o dinheiro? Ele também não perguntou como estavam as plantações dela, pois, em tempos de crise de família, quem se importa em saber como vai o comércio? A mulher teve a coragem e a fé -ie responder: “Tudo está bem”, porque ela sabia que, de alguma maneira, assim o tomaria o poder de Deus. “Embora sofrendo a pior aflição de família que poderia ter sobrevindo a ela e a seu marido, contudo, acreditando que grande é a providência de Deus... ela disse: Está tudo bem comigo!” (Adam Clarke, in loc.). Ver no Dicionário o verbete chamado Providência de Deus.

Se em teu corpo solres dores, E não podes recuperar a saúde, E a tua alma afunda no desespero, Jesus conhece as dores que sofres. Ele pode salvar e pode curar. Leva tua carga ao Senhor, e deixa-a com Ele.

4.21,22

O Gesto de Esperança. Eliseu estava viajando e não se encontrava no quarto que a mulher lhe havia preparado. Não obstante, a mãe deitou o filho morto na cama do profeta, no seu dormitório sagrado. Então ela deu a ordem, através do marido, de preparar um jumento para ela montar a fim de ir atrás do profeta e trazê-lo de volta. Não fora Eliseu quem tivera predito, contra todas as possibilida­ des, que ela teria um filho? Fora Eliseu quem, por assim dizer, lhe dera a vida, e seria o profeta, conforme ela pensava, quem a restauraria. Aquele homem tinha poder sob Yahweh, e coisa alguma seria difícil demais para ele. Eliseu era instru­ mento de milagres, e era isso de que ela precisava tanto naquele momento. Algumas vezes, as circunstâncias da vida vão além de nós; elas saem do contro­ le. É aí que Deus precisa intervir, ou tudo estará perdido. É óbvio que a mulher não disse a seu marido que o filho deles tinha morrido. Ela tentaria remediar a situação e poupar a tristeza na casa. 4.23 Por que vais a ele hoje? A mulher nada disse a seu marido sobre a morte do menino, e assim ele indagou por que ela ansiava tanto por ver o homem santo.

(C. Albert Tindley) 4.27 Abraçou-lhe os pés. Chegando ao homem de Deus, a mulher prostrou-se e agarrou-se aos seus pés, num gesto de desespero. O servo, Geazi, porém, afastou-a, pensando que ela estava demonstrando uma estúpida ousadia pela manei­ ra como tratava o profeta de Deus. Mas Eliseu reconheceu que havia angústia no coração dela, e a angústia é que a havia inspirado naquele ato de desespero. Logo, o profeta ordenou que o servo a deixasse em paz. A tristeza dominava a mente dela, apesar de sua fisionomia de coragem e de esperanças. “... assumindo a postura de uma suplicante humilde que tinha urgência... derra­ mando diante dele um dilúvio de petições apaixonadas, pedindo socorro” (Ellicott, in loc). Cf. Mateus 28.9 e Lucas 7.38. "... plena de tribulação e angústia, ela não sabia o que fazer, nem sabia bem o que estava fazendo" (John Gill, in loc.).

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II REIS

4.23 A graça divina tinha provido a criança. A mãe tinha esperado pelo filho, mas não estava esperando um milagre pelo qual o menino lhe seria dado. Fora o profeta que fizera o poder de Yahweh fluir. Agora, porém, o filho da promessa estava morto. Somente o poder de Yahweh poderia trazê-lo de volta. Era isso que a mulher pedia: outra intervenção divina. Quanto mais anos vivermos, mais precisaremos das intervenções divinas para terminar nosso curso na vida! O autor não nos informa sobre todos os apelos feitos pela mulher; ele apre­ sentou somente a parte mais poderosa desses apelos. Teria sido melhor nunca ter tido um filho do que receber um, somente para vê-lo morrer ainda pequeno! Aquela era uma situação intolerável, que dificilmente se coadunava com a graça e a providência de Deus, e o profeta precisava remediar a situação, pois, do contrá­ rio, tudo não passaria de uma insensata zombaria. “Não zombes de mim com um filho... de quem serei privada pela morte, em sua meninice' (Adam Clarke, in loc.). 4.29 Toma o meu bordão contigo, e vai. Eliseu não iria pessoalmente até onde estava o menino. Ele pensou que seria suficiente enviar seu servo, que poria seu cajado (símbolo de sua autoridade) sobre a face da criança. De fato, provavel­ mente isso teria funcionado, mas a mulher não queria aceitar essa “ação indireta". Se encontrares alguém, não o saúdes. A ordem de silêncio é tomada pelos comentadores como um sinal de que Geazi não deveria perder tempo: o caso era urgente. O servo não deveria perder tempo em conversas banais no caminho. Mas também existem referências literárias que demonstram que os antigos acreditavam haver “poder no silêncio", poder esse que poderia ser dissi­ pado pelo ruído e pelas conversas insensatas. O servo de Eliseu deveria pre­ servar o poder fazendo silêncio por todo o caminho. Naturalmente, alguns anti­ gos faziam disso uma espécie de poder mágico. “Muitos exemplos dessa ne­ cessidade de silêncio são dados nos livros das religiões e dos costumes primiti­ vos. No Marrocos, baraka (o poder de abençoar) é efetuado pelo ato de falar, especialmente pelo falar em voz alta, mas há poder mágico no silêncid (Norman H. Snaith, in loc., o qual prossegue para dizer que esse conceito do poder do silêncio pode ser encontrado em tribos primitivas de nosso mundo atual, como os aborígines australianos). Apesar de ser verdade que os orientais perdiam e perdem muito tempo em saudações elaboradas (Keif), a outra idéia é, provavelmente, o princípio aqui enfocado.

Conheci uma mulher que continuou dando respiração artificial a uma criança que estava morrendo. Ela disse que sabia quando o espírito partira do corpo, mas continuava a dar-lhe aquele tratamento, para prolongar as esperanças da mãe pelo menos um pouco mais. Quando o profeta viu a situação, reconheceu o estado de morte em que o menino estava. Mas ele também sabia que a morte física pode ser revertida, quando o poder de Deus se faz presente. Esse conhecimento lançou Eliseu à ação. 4.33 Fechou a porta sobre eles ambos. Assim, Eliseu estava agora sozinho com o menino morto e com Yahweh. Foi um encontro pleno de esperança, porque o Ser divino estava presente. Eliseu fechou a porta para que pudesse falar com Yahweh e dizer-Lhe: “Vê este evidente desespero. Agora terás de ajudar-me". Conheço um pastor que caiu do teto de uma igreja, de cabeça para baixo. Suas últimas palavras foram uma oração: “Oh, Senhor, agora terás de ajudar-me”. Assim também Eliseu disse: “Oh, Senhor, agora precisas ajudar-me". Há sempre a ajuda divina, mas algumas vezes essa ajuda espera a alma do outro lado da porta que chamamos de morte. De outras vezes, o poder de Deus devolve a vida física. Há um desígnio divino em todas as coisas. Os homens espirituais sabem dessas coisas. Cf. certo milagre de ressurreição efetuado por Jesus, relatado em Mateus 9.23-26. Jesus retirou os barulhentos presentes antes de aplicar o Seu poder. 4.34 Subiu à cama, deitou-se sobre o menino, e... O profeta tinha um plano, e sabia que ele funcionaria. Cf. um ato similar de Elias, quando ele ressuscitou o filho da viúva (ver I Reis 17.17-24).

Transferência de calor, energia e vida. Estudos modernos sobre curas indi­ cam que há uma verdadeira transferência de energia do curador para a pessoa a ser curada, uma energia aparentemente parecida, em sua natureza, com a própria vida. Cf. Marcos 5.30. Quando Jesus curava, “virtude saía Dele”. Naturalmente, quando alguém morre, deve haver o envolvimento de outros fatores, se esse alguém tiver de ser devolvido à vida. Isso nos envolve em mistérios, mas há uma operação divina em tudo isso. “A vida do Espírito divino, que havia em Eliseu, foi miraculosamente transmitida mediante contato com o corpo sem vida (cf. Gênesis 2.7)” (Ellicott, in loc.). “Meios naturais estão em nosso poder. Aqueles meios que são sobrenaturais pertencem a Deus. Sempre devemos fazer o que nos compete, implorando a Deus que faça a sua parte” (Adam Clarke, in loc.).

4.30 4.35 Então ele se levantou, e a seguiu. A mãe do menino recusou-se a partir, se o profeta não fosse ver pessoalmente o filho dela. Ele pode ter acreditado na eficácia de um seu representante, mas ela não acreditava. Ela precisava do homem de poder no local da cena, para que seu filho fosse salvo. Ela jurou por Yahweh vivo, o único Deus vivo e verdadeiro, que só retornaria para casa se Eliseu fosse com ela, e cuidasse pessoalmente da difícil tarefa. Isso convenceu o homem de Deus. Ele abandonou tudo quanto tinha de fazer e concentrou seus esforços naquele milagre humanitário. O profeta foi com a mãe do menino, ”... influenciado pela importunação dela, e relembrando-se dos favores que já havia recebido da parte dela, e, mais especi­ almente, influenciado pelo Espírito de Deus" (John Gill, in loc.). 4.31 O menino não despertou. Testes primitivos sobre sinais de vitalidade foram aplicados, mas nenhuma vida foi detectada na criança. Cf. I Reis 18.29. Baal, por modo similar, não manifestara nenhum sinal de vida, a despeito do frenesi de­ monstrado pelos seus profetas. A ciência moderna nos tem brindado com melho­ res maneiras de constatar a morte física: ausência de batidas no coração; falta de circulação do sangue; falta de respiração; falta de contrações nos intestinos para a digestão, que são incessantes quando uma pessoa continua viva. Embora Geazi não fosse detentor da ciência moderna, não há razão para acreditarmos que o menino não estivesse morto. O menino seria devolvido à vida, dos mortos, e não de um mero estado de coma ou desmaio. 4.32 Eis que o menino estava morto sobre a cama. Eliseu entrou na casa e descobriu a situação exata que a mulher lhe havia informado. O menino estava morto, jazendo na cama do profeta, no cenáculo que ela havia construído para o homem de Deus, para ser sua “casa longe de casa. ”... o profeta viu que o corpo e o espirito da criança se tinham separado um do outro” (Adam Clarke, in loc.).

Então se levantou e andou no quarto uma vez de lá para cá. O tratamen­ to continuou. O menino não retornou imediatamente à vida física. Eliseu desceu pela escada que conduzia ao cenáculo, e andou pela casa, orando ansiosamente enquanto andava. Então voltou ao quarto de cima e repetiu seus exercícios de contato com o corpo do menino. A alma estava pairando e observando o ato, esperando pela ordem divina de retornar ao corpo. O Ser de Luz estava dando instruções à alma. A missão do menino ainda não havia terminado. Ele seria um vaso especial, ou não teria entrado em contato com o grande profeta. Ver na Enciclopédia de Bíblia, Teologia e Filosofia o verbete chamado Experiências Per­

to da Morte. Este esp irrou sete vezes, e abriu os olhos. “Sete” é o número místico, poderoso e divino. Ver no Dicionário o artigo intitulado Número (Numeral, Numerologia). A eficácia já era de se esperar, através dos sete espirros. Entretanto, essa referência a espirros não se acha na Septuaginta, sendo provável que tenha entrado no texto por ditografia. A Septuaginta diz que Eliseu repetiu o contato corporal por sete vezes, sendo esse, muito provavel­ mente, o texto original. Portanto, o texto original (sem dúvida) dizia que Elias repetiu o contato corporal por sete vezes e, então, que o menino, despertan­ do, espirrou. O texto massorético liga o sete com os espirros, desvinculandoo do contato corporal, por meio de uma ditografia. Ver no Dicionário os verbe­ tes denominados Massora (Massorah); Texto Massorético, e Manuscritos do Antigo Testamento, seção VII. Encontramos uma referência em Plínio (Hist. Nat. liv. xxviii. cap. 6) que diz que o espirro alivia problemas na cabeça, e é possível que os antigos tivessem tais crenças sobre esse ato, as quais podem ter influenciado o texto presente. Talvez o espirro fosse sinal da restauração da respiração. E abriu os olhos. Foi o grande momento. O menino abriu os olhos. A alma estava de volta ao corpo. A missão terrena do menino seria cumprida. A morte perdera a sua presa. Houve gritos de alegria.

II REIS 4.36,37

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entre os vegetais venenosos, embora fosse usada como remédio, em pequenas quantidades.

Chama a sunam ita. Eliseu, imediatamente, mandou seu servo chamar a mãe do menino. E ele disse: “Toma o teu filho! Toma-o em teus braços!”. Mas, antes de fazer isso, ela caiu prostrada aos pés do profeta para agrade­ cer-lhe pela ressurreição de seu filho, com frases felizes, excitadas e confu­ sas. Somente então ela tomou o filho em seus braços. A grande fé dela fora

recompensada. Importa-se Jesus quando meu coração está triste, Tão profundamente, para permitir a alegria e o cântico, Quando as cargas me pressionam e os cuidados me afligem? Ele se importa o suficiente para estar perto? Oh, sim, Ele se importa. Sei que Ele se importa. Seu coração é tocado pela minha tristeza. (Frank E. Graeff) “A mãe deixou o quarto cheia de alegria e gratidão pelo que Deus havia feito por ela” (Thomas L. Constable, in ioc). “Ela o tomou da cama vivo, seguro e são" (John Gill, in Ioc). Cf. um dos milagres efetuados por Jesus, em Lucas 7.15. Nesse caso, nosso Senhor também devolveu o menino, que tinha sido ressuscita­ do, à mãe dele.

Outra História Maravilhosa: Morte no Vaso (4.38-41) O autor nos brinda com três capítulos repletos de histórias maravilhosas, coisas miraculosas realizadas por Eliseu (II Reis 4.1-6.23). Eliseu tinha recebido uma porção dupla do Espírito (o Espírito de Deus) que Elias recebera. É significa­ tivo que mais ou menos o dobro de milagres é atribuído a Eliseu, em relação aos atribuídos a Elias. Demonstro isso em um gráfico apresentado próximo da exposi­ ção sobre II Reis 2.9. Ver a introdução ao presente capitulo quanto às histórias de maravilhas e os propósitos pelos quais o autor sacro nô-las apresenta. Ver no Dicionário o artigo chamado Milagres. 4.38 Voltou Eliseu para Gilgal. Eliseu, à semelhança de Elias, antes dele, estava sempre ocupado, fazendo circuitos por todo o Israel, realizando suas maravilhas, dando suas instruções, visitando as Escolas dos Profetas (sobre as quais ver o Dicionário). Certo número de lugares diferentes tinha o privilégio de ver as maravi­ lhas que ele realizava. Ele tinha uma reputação nacional e, pelo seu poder, é como se ele estivesse dizendo: “O que faço, faço-o pela graça de Yahweh. Ele é o único Deus vivo e verdadeiro. Abandonai a vossa idolatria e voltai aos antigos caminhos de Moisés e dos verdadeiros profetas”. Gilgal. Ver a respeito dessa localidade no Dicionário. Esse lugar seria agora o palco de um novo e maravilhoso acontecimento. Era um tempo de fome. Portanto, qualquer panela de alimentos era valiosa. Mas a panela de nossa história estava cheia de morte. Algo tinha apodrecido. Talvez houvesse bactérias perigosas e mortíferas na panela. Era letal. A escola dos profetas estava sentada, triste, em torno daquela terrível panela. Estavam com fome, mas ninguém queria morrer envenenado. Talvez o probiema fosse alguma erva venenosa que tinha sido misturada na sopa, por alguém com pouco conheci­ mento de botânica. Uma fome de sete anos havia sido predita (II Reis 8.1), sendo presumível que essa fome já tivesse começado. As questões agora haviam-se complicado por uma panela envenenada, o único alimento que os profetas tinham. 4.39 E achou uma trepadeira silvestre. Como era usual, membros escolhidos da comunidade tinham preparado uma sopa, cheia de verduras e, sem dúvida, fortalecida com pedaços de carne. As ervas usuais tinham sido colhidas, além de colocíntidas de uma parra brava. Talvez fossem ervas venenosas, colhidas por algum homem ignorante, que pensava que qualquer coisa era boa para ser consumida, contanto que crescesse da terra de Deus. Talvez a planta ofensora fosse a colocintida, que facilmente poderia ter sido confundida com uma cabaceira. Era uma fruta parecida com uma laranja. Tratavase de um poderoso catártico, que, em grandes quantidades, tomava-se bastante venenoso. “... a colocintida, cujas folhas são muito parecidas com as de uma vinha, de gosto extremamente amargo, um purgativo muito violento, que, se não fosse neutralizado, produziria ulcerações nos intestinos e provocaria a morte’ (John Gill, in Ioc.). A Vulgata Latina traduz a palavra hebraica por “colocintida”, a mesma palavra usada por John Gill e pela nossa versão portuguesa. Aparece

4.40 Morte na panela, ó homem de Deus. O gosto da sopa era terrível. Era amargo e enjoativo. Alguém deu esse grito de alerta. Todos pararam de comer, imediatamente. Eliseu estava presente, portanto lhe pediram para tornar a sopa saudável, a fim de poderem comê-la. Talvez se tivessem lembrado de como ele havia purificado a água ruim (ver II Reis 2.19 ss.). Se ele purificara a água, tornando-a potável, por que não poderia purificar o alimento? Os profetas estavam famintos. Eles precisavam de ajuda. Adam Clarke (in Ioc.) conta a divertida história de um bem conhecido pregador britânico que usava esse texto para fazer apelos em busca de fun­ dos para o clero. Não é muito provável que, na época (Inglaterra do século XVIII), aqueles “profetas" estivessem passando fome. Mas usualmente os pregadores são pobres e, sem dúvida, passam por necessidades que preci­ sam ser aliviadas. 4.41 Trazei farinha. Eliseu havia purificado a água, simplesmente adicionando sal. Aqui ele misturou à sopa uma farinha. Sua presença anulou os maus elemen­ tos que havia na sopa. A farinha não era miraculosa, pois o milagre foi feito pela fé de Eliseu! Somos chamados pelo autor sagrado a pensar no poder de Yahweh, que atendeu a Eliseu, como que a dizer: “Ele é um profeta veríaaeiro, e seu Deus é Yahweh, o único Deus vivo e verdadeiro”. Foi venoo o poder de Deus, atuante na vida de Eliseu, que muitos filhos de Israel abandonaram a idolatria. “A refeição foi apenas a base material da atividade espiritual que saía oe Eliseu, e que tornoi. comestível aquele alimento venenoso” (Keil, in Ioc.). Outra História Maravilhosa: A Multiplicação dos Vinte Pães v4.42-44) 4.42 Vinte pães de cevada. E/.seu multiplicou alimentos, tal e qual Jesus fez séculos mais tarde. Este texto cf. Mateus 14.17-21. Os críticos mostram-se muito ativos quanto a este relato, chamando a história onginal de mera lenda, para então dizer-nos que a história doa e/angelhos, que envolveu a pessoa de Jesus, foi apenas uma adaptação, fe;ta pelo autor sagrado, da história presente, então atribuída a Jesus. Mas existem histórias bem confirmadas, na tradição mística, que dizem que, algumas vezes, homens especialmente santos têm o poder de multiplicar alimentos. De fato, essa é uma das habilidades constantes de Sathya Sai Baba, o homem santo da índia, em nossos próprios dias. Ver sobre ele na Enciclopédia de Bíblia, Teologia e Filosofia. Portanto, a realidade sempre nos surpreende. Existem milagres genuínos; e existem genuínos operadores de mila­ gres, embora nesse ponto também haja muita fraude. Quanto à dupla porção do Espirito que Eliseu recebera, em relação à porção que fora conferida a Elias, ver II Reis 2.9 e o gráfico anexo que ilustra a questão. Quanto ao propósito Has histórias de maravilhas, ver a introdução a este quarto capítulo. E ver no Dicionário o artigo chamado Milagres. Baal-Sallsa. Ver no Dicionário o verbete sobre essa localidade. Era uma cidade que ficava próxima de Gilgal. A fome persistia, conforme fora predito (ver II Reis 8.1). É natural, pois, que certos milagres tivessem girado em torno do supri­ mento alimentar. E Eliseu via-se envolvido nesses prodígios, por ser ele o homem dotado do poder divino. Sem dúvida, um homem que ainda observava os requisitos da lei mosaica, trouxe um pouco de alimento, as primícias das quais ele trouxera ao profeta, segundo as exigências de Números 18.13 e Deuteronômio 18.4. Ver também Levitico 23.10. Quanto aos detalhes da lei e das práticas que c irc u la m essa doação, ver no Dicionário o verbete intitulado Primícias. Ele trouxe vinte bolos feitos de cevada, e algum grão fresco, de trigo ou de cevada err uma sacola. 4.43 Dá ao povo para que coma. O alimento seria suficiente para o profeta ter algumas refeições; mas em lugar de consumir pessoalmente o alimento, ele ordenou ao homem que o desse ao “povo”. O vs. 43 mostra que cem homens eram o “povo” referido por Eliseu, os quais, sem dúvida, eram seus colegas profetas, seus alunos, membros de alguma das escolas dos profetas. Eles eram as pessoas certas para receber a oferta das primícias. Cf. a ordem dada por Jesus, quando Ele realizou um milagre semelhante (ver Mateus 14.16). Yahweh dirigira Eliseu a fazer o que ele fez, e sua ordem teve de ser obedecida. Além disso, obedecer àquela ordem faria em breve o alimento m ultiplicar-se miraculosamente, dando várias refeições abundantes sara o grupo inteiro de cem profetas.

II REIS

1486 4.44

Comeram, e ainda sobrou. Esta narrativa deve ser confrontada à história similar sobre Jesus. “Notáveis paralelos a esse milagre podem ser encontrados no Novo Testamento (ver Mateus 14.13-21; 15.32-38)” (Oxford Annotated Bible, referindo-se ao vs. 44).

A Lição Moral. Esse milagre instrui todos quantos ouvirem o seu relato, que Deus pode multiplicar recursos limitados (cf. I Reis 17.7-16). As coisas que são dedicadas ao Senhor pedem alimentar uma grande multidão. Mas Baal, o deus da fertilidade, conhecido como o senhor da terra, não tinha esse poder. A lição é válida para qualquer época. Aquele que dá em bom espírito certamente recebera de volta, de forma multiplicada. Ver Lucas 6.38: “ Dai, e dar-se-vos-á; boa medida, recalcada, sacudida, transbordante, generosamen­ te vos dsrão: porque com a medida com que tiverdes medido vos medirão também”. Caros leitores, por muitas vezes tenho visto meu suprimento transbordante, porque dei. Oh, Senhor, continua dando-nos dessa graça! Mas tomemos nota; damos e nos é dado de volta para que possamos abundar em toda boa obra (ver II Coríntios 9.8). Deus não nos dá dinheiro a fim de engordarmos. Ele quer que trabalhemos ainda mais, porque o nosso suprimento foi multiplicado. Oh, Senhor! Corcede-ros tal graça! Ver na Enciclopédia de Bíblia, Teologia e Filosofia o artigo intitulado Liberalidade e Generosidade. Afinal, a medida de um homem é a sua generosidade, outro nome para a lei do amor. Ver I João 4.7. Ver no Dicionário o verbete denominado Amor. Digno é o trabalhador do seu salário. (Lucas I0.7)

C a p ítu lo C in co Os capítulos 4.1 - 6.23 nos oferecem uma série de histórias maravilhosas de milagres realizados por Eliseu. Ele tinha recebido uma dupla porção do Espirito de Elias (II Reis 2.9), e assim efetuou cerca do dobro dos milagres deste (ver II Reis 2.19 e suas notas de introdução). As histórias maravilhosas ilustram como Yahweh autenticou o Seu profeta Eliseu, fazendo dele um violento contraste com os falsos profetas de Baal, os quais não tinham ne­ nhum poder espiritual. Quanto a outras idéias, ver a introdução ao quarto capítulo deste livro.

Levítico. “A lepra era um imposto pesado contra o valor de Naamã” (Adam Clarke, in loc.). O milagre visava a corrigir onde o homem estava invalidado. Também é significativo que o general sírio tenha sido forçado a buscar ajuda precisamente onde ele não queria ir; entre os odiados israelitas. 5.2 E da terra de Israel levaram cativa uma menina. Ajuda necessária no lugar errado. Assim devem ter pensado os sírios. Uma pequena menina israelita tinha sido feita cativa em um dos assaltos feitos pelas tropas sírias. Era comum nas guerras antigas que, entre os derrotados, os poucos que sobrevivessem fossem reduzidos à posição de escravos. Também era comum que mulheres e crianças fossem levadas como escravas ou para haréns estrangeiros. Ver no Dicionário o verbete intitulado Escravo, Escravidão. Assim sendo, o general sírio tinha o opró­ brio de ser um leproso, ao mesmo tempo em que seu país era maculado por suas práticas imorais. “ Naamã era um homem de valor, mas era um leproso. Para quantos homens na história do mundo essas palavras são aplicáveis! Eles são pode­ rosos no intelecto, poderosos em sua capacidade, mas não são íntegros e sãos em sua alma. Portanto, aquelas grandes habilidades não redundavam em nenhum bem para o mundo ou para os próprios eventos" (Raymond Calking,

in loc.). A providência de Deus tinha posto a menina pequena na família de Naamã. Ali ela fora reduzida a ser escrava da esposa de Naamã. Ver no Dicionário o verbete chamado Providência de Deus. Cf. Joel 3.6 quanto ao tráfico fenício de escravos judeus. É triste pensarmos em como uma menina pequena, levada para um país estrangeiro, arrebatada de sua parentela e de seus amigos, foi escravizada, finalmente, na casa de um general pagão. Mas assim ditava a moralidade da época. Mulheres e crianças eram as vítimas inocentes. 5.3 Oxalá o meu senhor estivesse diante do profeta. A pequena menina israelita tinha consciência do poder e da reputação de Eliseu e sabia que ele poderia resolver o problema de enfermidade de Naamã. Ela falou à esposa do general sírio sobre a “salvação” dele. Em Samaria. (Ver a respeito desse lugar no Dicionário.) Essa cidade era a capital do reino do norte (Israel). O profeta, embora viajasse com freqüência, fazendo seus circuitos por toda a nação de Israel, por muitas vezes tinha contatos com a capital do país. Muita gente ali saberia como localizar o homem de Deus. “Foi então que o mistério da providência divina começou a operar" (Adam Clarke,

in loc.). Cura de Naamã (5.1-19) Eliseu possuía abundância do poder divino. Ele tinha ressuscitado mortos; tinha multiplicado alimentos; e agora ele curaria uma doença incurável, que algu­ mas traduções identificam com a lepra. A palavra hebraica correspondente, sara’at, entretanto. ,iclui sintomas de certo número de enfermidades. Entre essas, prova­ velmente havia alguns casos autênticos da doença de Hansen, mas a maioria dos sintomas dados no capítulo 13 de Levítico não descreve a lepra. Ofereço notas completas sobre essa questão na introdução ao capítulo treze de Levítico, onde tento identificar diversas doenças descritas, chamadas de “lepra” em outras tradu­ ções. Ver também no Dicionário o artigo chamado Enfermidades na Bíblia, em seu ponto vinte e sete. 5.1 Naamã. Ver o artigo detalhado sobre ele no Dicionário. Estamos tratando aqui com um estrangeiro, um sírio, o povo que muitas vezes tinha sido hostil a Israel. Não muito atrás, o autor sacro nos dera uma descrição detalhada sobre uma guerra entre Israel, Judá e a Síria (ver I Reis 22). Isso significa que o milagre a ser realizado aqui teve a distinção de ser em favor de um “inimigo” de Israel. Desse modo, o amor universal de Deus foi demonstrado. “Pois Deus amou o mundo de tal maneira...” (João 3.16). Uma coisa notável, aqui destacada, foi que as vitórias obtidas por aquele militar sírio e pagão foram atribuídas à ajuda de Yahweh. Talvez o autor sagrado tivesse em mente a vontade geral de Deus, que controla todas as coisas, e não que Naamã tivesse alguma lealdade especial a Yahweh, o qual, assim sendo, o ajudava. Porem leproso. Embora poderoso e bem-sucedido quanto a outros aspectos de sua vida, ele tinha um ponto fraco que o maculava; era afligido pela temida iepra. Naturalmente, o termo hebraico sara'at referia-se a certo número de enfer­ midades, embora também Incluísse alguns casos de lepra genuína. Quanto a isso, ver a introdução ao presente capítulo e a introdução ao capítulo 11 de

As circunstâncias assumem algumas vezes formas extraordinárias, a fim de que os eventos necessários possam ocorrer. Falamos em coincidências, mas isso é simplesmente a nossa ignorância sobre como as coisas operam neste mundo. Ver na Enciclopédia de Bíblia, Teologia e Filosofia o artigo cha­ mado Chance. 5.4 Foi Naamã e disse ao seu senhor. A esperança. A palavra dita pela menina israelita logo se espalhou. Deram ouvidos à menininha por estarem desespera­ dos. O grande general Naamã não haveria de envolver-se em alguma discussão teológica: se existem ou não as curas espirituais, se há fraude nessa questão e se ele seria o recebedor dos acontecimentos excepcionais que, ocasionalmente, ocorriam em Israel. Israel, embora por muitas vezes fraco militarmente, tinha a reputação de produzir homens de grande poder espiritual, e os sírios tinham plena consciência desse fato. Era exatamente esse tipo de fato que Naamã queria ouvir. Os leprosos geralmente caem no desespero e em profundas ansiedades, domina­ dos por essa terrível enfermidade. Ver na Enciclopédia de Bíblia, Teologia e Filosofia o artigo detalhado chamado Cura. “A pequena menina tinha-se comportado tão bem que foi dado o devido crédito às palavras dela, e uma embaixada do rei da Síria ao rei de Israel foi organizada a partir delas" (Adam Clarke, in loc.). 5.5 Enviarei uma carta ao rei de Israel. O portador da citada carta foi o próprio general Naamã. Ele buscava a ajuda do rei, sobretudo na localização de Eliseu. Naamã levou uma companhia de homens armados, como guarda-cos­ tas, e também uma grande soma em dinheiro e dez mudas de roupa, que serviriam de presente ao rei de Israel, a fim de encorajar a sua cooperação. Sem dúvida, parte desses materiais valiosos acabaria sendo presenteada a Eliseu, visto que era costumeiro presentear os profetas quando a ajuda deles era buscada.

II REIS

Naquele tempo ainda não tinha começado o uso de moedas, portanto a referência aqui ao dinheiro, sem dúvida, deve ser a metais preciosos divididos em pequenas porções. Naamã levou consigo dez talentos de prata e seis mil sicbs de ouro. Ver meu artigo sobre Pesos e Medidas no Dicionário. Ver as notas expositivas em Êxodo 30.13 e Levítico 27.25 sobre o siclo, cujo valor variava com o tempo. Ver também Dinheiro, II, no Dicionário. Uma de minhas fontes informativas calcula o valor total em oitenta mil dólares, embora não haja maneira de calcular o poder de compra desse dinheiro. Não obstante, 340 quilogramas de prata (os dez talentos) e 68 quilogramas de ouro (os seis mil siclos) representavam um grande valor, que somente um homem muito rico poderia ter oferecido. E também havia dez mudas de roupa de primeira qualidade, conforme podemos ter certeza. 5.6 Para que o cures da sua lepra. O propósito da carta. Naamã, o portador e sujeito da carta, era um general sírio, mas tinha uma necessidade especial. Ele era leproso e procurava a cura para a sua enfermidade. Não há nenhuma informa­ ção sobre os presentes que teriam sido dados, embora isso fosse costumeiro. Os chefes de estado naturalmente recebiam mercadorias valiosas da parte de supli­ cantes e visitantes. A abordagem foi direta e honesta, mas o rei de Israel julgarse-ia vítima de um truque. 5.7 Procura um pretexto para romper comigo. Incompreensão geral. Jorão, rei de Israel, ficou consternado diante da carta apresentada pelo general sírio. O rei de Israel compreendeu mal o teor da carta. O rei da Síria não esperava que Jorão fizesse o trabalho de Deus, de salvar e curar. Só queria que ele o enviasse a Eliseu, que tinha a autoridade de Yahweh e poderia realizar a obra de cura. Mas Jorão imaginou que fosse tudo um truque, a fim de que o rei da Síria tivesse um motivo para lançar um ataque contra Israel, que não “cooperara" quando fora solicitado, para beneficiar um grande general sírio. Por isso, o rei de Israel rasgou suas roupas para demonstrar sua indignação. Ver no Dicionário o artigo chamado Vestimentas, Rasgar das, quanto a esse costume, seus modos e significados. Cf. outros incidentes com o caso presente, em II Reis 2.12/6.30 e 11.14. Os dois países estavam em paz, mas Jorão achou que Ben-Hadade estava querendo reiniciar as hostilidades, tal como havia feito contra seu pai, Acabe (ver I Reis 20.1-3). O rei Jorão, acostumado a matanças, foi surpreendido por uma carta que propunha salvação e cura. “Jorão estava em posição difícil para renovar as hostilidades, após a severa derrota de seu pai (I Reis 22.30 ss.)” (Ellicott, in ioc.). 5.8 Ouvindo, porém, Eliseu. As noticias sobre o incidente logo chegaram aos ouvidos de Eliseu. Portanto, as circunstâncias estavam sendo arranjadas pela intervenção divina, em benefício de Naamã, um ato de graça e amor. Eliseu enviou então uma repreensão ao estúpido rei de Israel. Havia, realmente, poder para curar em Israel, e Jorão sabia disso, embora em sua consternação sobre a hipotética guerra se tivesse esquecido de onde estava esse poder. Ele não tinha poder diante de Yahweh, mas sabia onde encontrar alguém que o tivesse. A solução para o problema era óbvia, mas em sua perturbação, a mente de Jorão parecia não estar funcionando muito bem.

A Vantagem. A operação de um milagre daquela envergadura teria uma repercussão internacional positiva. Os homens maus da Síria compreenderiam que havia um Deus real e ativo em Israel, Yahweh, que era uma força para ser levada em conta. Talvez as notícias tivessem um valor evangelizador. O verdadei­ ro Deus seria buscado pelos pagãos. 5.9-10 E parou à porta da casa de Eliseu. O trecho de II Reis 6.13 parece indicar que Eliseu estava em Dotã (ver a respeito no Dicionário). Essa cidade ficava a apenas dezesseis quilômetros de Samaria, pelo que Naamã e seu séquito puderam chegar com facilidade até onde estava o profeta de Deus. Portanto, ali estava Naamã, e todos os seus homens de guerra, cavalos, poder e dinheiro, defronte da porta da casa do profeta. Mas Eliseu não deu a menor atenção a toda aquela pompa. Não ficou admira­ do, de modo nenhum, pelo “grande homem”. De fato, em lugar de ir pessoalmente até o general sírio, enviou um mensageiro com a seguinte mensagem: “Vai, lava-te sete vezes no Jordão, e a tua carne será restaurada, e ficarás limpo”. Por favor, que o leitor preste atenção à completa ausência de ostentação por parte de Eliseu. A maioria dos homens teria efetuado uma festa para recepcionar o general e seu séquito, fazendo a questão tomar-se uma ocasião importante. Eliseu, em contraste com isso, nem ao menos se interessou em ir ao encontro de Naamã. Contudo, não negou o milagre de que o pobre homem precisava tão desesperadamente.

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E ficarás limpo. Essas palavras foram usadas porque a lepra era considera­ da uma imundícia, que desqualificava a sua vítima para o contato social e para a adoração no lugar santo. Ver Levítico 13.3. Ver também, no Dicionário, o verbete chamado Limpo e Imundo. A sara 'at era um símbolo do pecado: nojenta, debilitante e incurável. Mas onde há a impossibilidade, é precisamente aí que o poder de Deus opera. 5.11 Naamã, porém, m uito se indignou. Ele tinha suas fantasias. O grande homem de Deus sairia ao encontro dele, inclinar-se-ia perante ele, como um grande homem diante de outro. Eles trocariam aquelas longas saudações e cumprimentos tipicamente orientais. Haveria grande expectação, enquanto Eliseu se preparasse para efetuar a cura. Todos em volta ficariam transidos de espanto, esperando o grande momento em que, de súbito, a lepra ir-se-ia embora. Todos soltariam grandes gritos de triunfo e alegria. Haveria festivida­ des e celebração. E para sempre, depois disso, todos falariam sobre o notá­ vel acontecimento que tivessem visto. Em lugar de tudo isso, sem embargo, o profeta simplesmente dissera para Naamã lavar-se no rio Jordão por sete vezes, e nem ao menos se importara em ir ao encontro dele, pessoalmente. Ademais, Naamã não acreditava no modus operandi do esperado milagre. Que bem lhe faria mergulhar por sete vezes no lamacento rio Jordão? A coisa toda era ridícula. Naamã perdeu a fé em Eliseu como um profeta. Certamente Eliseu não estava agindo de maneira dignificada, como deveria fazer um homem de Deus. M overia a mão sobre o lu g a r da lep-a. Naamã esperava que Eliseu realizasse algum rito dramático de imposição de mãos, e não apenas man­ dasse um breve recado. Naturalmente, a imposição de mãos, por longo tempo, fora uma maneira de curar e os estudos demonstram a sua eficácia. Alguma espécie de energia é transferida do curador para o candidato à cura. Ver no Dicionário o artigo chamado Mãos, Imposição de. Ver também na Enciclopédia de Bíblia, Teologia e Filosofia o verbete chamado Curas

pela Fé. O Nome de Yahweh. Sem importar o meio pe'o qual o milagre ocorresse, estava bem entendido, até pelo pagão Naamã, que Yanweh ser,a a fonte do poder, e que Eliseu seria apenas um instrumento da cura. O homem, só pelo fato de ser um homem, tem o poder de curar, e isso também vem de Deus. Além disso, há aquelas ocasiões em que é necessário "laior poder, e então a graça supre a intervenção divina. Existe a cura psíquica, natural, mas o poder divino às vezes também intervém. Bons medicamentos que curam, e que os cientistas têm descoberto através do intelecto, da intuição e de trabalho árduo, também são dons de Deus. 5.12 Abana e Farfar... melhores do que todas as águas de Israel? Os rios sírios, Abana e Farfar (ver a respeito deles no Dicionário), eram rios relativamente limpos, muito melhores do que o lamacento rio Jordão, de Israel. Então, se a cura pela água tivesse de ser ordenada, por que os rios da Síria não podiam ser utilizados? Parecia humilhante para Naamã sujeitar-se àquele miserável rio em Israel. Portanto, lá se foi Naamã queixando-se, desconhecendo quão grande ver­ dade curadora lhe tinha sido dita. Tomado de indignação, Naamã afastou-se da casa de Eliseu. O general sírio havia acabado de abandonar a esperança de cura. Sua mente estava enevoaaa por preconceitos e juízos precipitados. Ele estava crendo em coisas que não correspondiam à verdade. Estava iludido. Pensava que sabia muito. “Damasco continua sendo conhecida por suas águas saudáveis” (Elhcott, in Ioc.). Ambos os rios sírios eram correntes provenientes de montanhas, alimentadas pelas colinas eternas, mas o rio Jordão era um lamacento rio de vale. 5.13 Então se chegaram a ele os seus oficiais. Os servos de Naamã não lhe permitiram abandonar o projeto. A mente deles não estava ofuscada pela ira insensata e pelo orgulho nacionalista. Respeitosamente dirigiram-se a Naamã como seu “pai’ e tentaram acalmá-lo em sua ira. Naamã era homem de valor. Por muitas vezes ele havia arriscado a vida em batalhas. Tinha a reputação de realizar qualquer tarefa, por mais difícil que fosse. Ele não era homem de rejeitar coisas difíceis de ser realizadas. Em conseqüência, seus oficiais raciocinaram com ele à base de sua reputação e valor. Caso o profeta tivesse dito que ele poderia ser curado se realizasse algum ato difícil e perigoso, ele teria cumprido a tarefa sem fazer perguntas. No entanto, o profeta dera uma ordem humilde e de fácil obediência: “Vai e lava-te por sete vezes no Jordão”. Por que, pois, toda aquela indignação? O raciocínio

II REIS

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deles penetrou fundo na cabeça dura de Naamã. Sua ira se amainou. Ele concordou em tentar. Ele continuava tendo suas dúvidas, mas pelo menos faria o que lhe fora ordenado. Este versículo adiciona um pequeno e fino toque à narrativa. Os oficiais do exército sírio, querendo o melhor para o seu general, convenceram-no com palavras gentis. Ele deveria fazer o que estava certo tanto por si mesmo, como por causa deles, pois seus destinos estavam todos entrelaçados. “... sentindo-se bastante envergonhado, Naamã humilhou-se e obedeceu à palavra do Senhor” (Thomas L. Constable, in loc.). A decisão de Naamã foi outro detalhe do drama que tinha sido arranjado para operar a sua cura. Naamã pôs-se na correnteza divina dos acontecimentos.

Quando andamos com o Senhor, Na luz de Sua Palavra, Que glória Ele derrama em nosso caminho!

mudas de roupa que Naamã havia trazido como presente para o homem de Deus (ver o vs. 5). Yahweh era a recompensa de Eliseu, e ele nada mais buscava. Naamã, com toda a sinceridade, continuava instando com o profeta para que aceitasse os seus presentes. Afinal, era costume dos profetas e dignitários aceitar presentes dos visitantes (ver I Samuel 9.6-9), mas Eliseu não seguia aquele costume particular. “... digno é o trabalhador do seu salário” (I Coríntios 9.8-14). Não obstante, Eliseu não forçou a questão, tal como o apóstolo também não o fez. Presumivelmente eles ganhavam a vida à sua maneira, ou tinham alguma forma segura de rendimentos que escapa ao nosso conhecimento. Eliseu aceitou a hospitalidade da rica dama e seu suprimento de alimentos (capitulo 4), de forma que, sem dúvida, em cerlas ocasiões, o profeta vivia dessa maneira. É provável que a comunidade dos profetas plantasse seu próprio alimento e criasse seus próprios animais. Ver Êxodo 23.15 quanto ao principio do costume na sociedade dos hebreus. 5.17

(J. H. Sammis) 5.14 E mergulhou no Jordão sete vezes. Obedecendo à ordem divina, Naamã mergulhou no rio Jordão por sete vezes, o número divino, o número de poder. Ver sobre esse número no artigo do Dicionário, chamado Número (Numeral, Numeroicgia). Dramaticamente, Naamã mergulhou por uma, duas, três vezes, e nada aconteceu. Os circunstantes olharam tudo nervosamente. A fé de Naamã ficava um pouco abalada a cada mergulho que abortava em seus resultados. Na sexta vez, todos olhavam cheios de expectação. Nada acontecera. Então veio a sétima vez; ele mergulhou, e reapareceu — e eis que ele estava curado de sua ■epra! Houve grandes gritos e muito clamor, e aqueles sírios pagãos louvaram o nome de Yahweh. “Se a cada semana banhássemos a nossa alma em um sábado real e adorássemos no santuário, e se a cada dia mergulhássemos na Bíblia e conhecêssemos momentos verdadeiros de oração consagrada, então haveria um milagre, que seria operado em nosso lavor, tão verdadeiramente como foi no caso de Naamã” (Raymond Calking, in loc.). Mas o orgulho, o mundanismo e a fé débil nos impedirá de receber esse milagre, tal como recusar-se a mergulhar por sete vezes no rio Jordão teria deixado Naamã continuar com a sua lepra. Como a carne duma criança, e ficou limpo. A praga horrenda tinha ido embora; juventude e vigor apareceram em lugar da horrenda enfermidade. A pele era como a pele de um menino pequeno. “Quão poderoso é Deus! Quão grandes coisas Ele é capaz de fazer mediante os meios mais simples e mais fracos!" (Adam Clarke, in loc.). Curas de casos de lepra, nas páginas do Novo Testamento: ver Mateus 8.2,3; Marcos 1.40-42; Lucas 5.12,13; 17.12 ss. Cf. Mateus 11.5 e Lucas 7.22. "O fato de que nos dias de Eliseu um leproso arameu foi curado, ao passo que nenhum leproso israelita o foi (ver Lucas 4.27) aponta para a apostasia de Israel” (Thomas l . Constable, in loc.). 5.15 Voltou ao homem de Deus. O feliz retorno de Naamã. Em contraste com a história neotestamentária na qual apenas um leproso, entre dez, voltou para agra­ decer ao Senhor Jesus (ver Lucas 17.12 ss.), Naamã retomou à casa de Eliseu para agradecer ao profeta de Deus. Em consonância com a presente história, o leproso que retomou para agradecer a Deus era um samaritano, um “estrangeiro”. Dessa vez, Eliseu concedeu a Naamã uma audiência particular. Ele não enviou um mensageiro para falar com ele. Naamã louvou o Deus de Israel, algo que Eliseu tinha esperado que ele fizesse (ver o vs. 8). Naamã havia adotado um monoteísmo vital, e não apenas formal (ver a respeito no Dicionário). Ele agora não acreditava apenas em uma proposição teológica, mas dedicara a sua alma ao único Deus vivo e verdadeiro, Elohim. Ver no Dicionário o artigo intitulado Deus,

Nomes Bíblicos de. Naamã voltou a Eliseu com o coração cheio de gratidão e as mãos cheias de ncos presentes para serem dados ao profeta. Mas o melhor de tudo foi que ele retomou com um coração cheio de fé, a qual não existia na primeira vez. Agora Naamã era um homem novo que seguiria um destino mais alto na vida do que ele tivera antes. 5.16 Não o aceitarei. Eliseu estava interessado na mudança ocorrida em Naamã. E estava grato a Yahweh por ter dado aquela grande demonstração de poder. Mas não estava interessado nos trezentos e quarenta quilos de prata (os dez talentos), nem nos sessenta e oito quilos de ouro (os seis mil siclos), nem nas dez

Seja dado levar uma carga de terra de dois m ulos. Levando alguma terra de Israel. Para nós, o pedido de Naamã parece incomum: ele queria levar para a Síria, a quantidade de terra que seria normalmente transportada por dois mulos. Mas isso se refere a um estranho costume e crença dos antigos. Era a idéia de que cada terra tinha seu próprio deus, que só podia ser adorado ali. Deixar um território e viajar para outro era ficar sob a jurisdi­ ção de outro deus, o proprietário espiritual daquela terra. Em conseqüência, se Naamã quisesse adorar a Yahweh-Elohim na Síria, ele precisaria ter algu­ ma terra com ele, sobre a qual Yahweh exerceria jurisdição. O ato de Naamã dava testemunho de sua sinceridade. Obviamente, ele ainda não se havia livrado de antigas superstições. Por outro lado, todos nós temos algumas tolices em nosso credo e em nossos atos. Provavelmente, Naamã faria algu­ ma espécie de altar com a terra, e isso se tornaria o centro de seu culto privado. Cada vez que ele fosse adorar, orar ou sacrificar, haveria de lembrarse do grande acontecimento no rio Jordão, e seu coração se inundaria de alegria e louvor. Cf. Êxodo 20.24 e I Reis 18.38. 5.18 Nisto perdoe o Senhor a teu servo. Naamã teria de enfrentar uma certa dificuldade espiritual. Ele mesmo adoraria somente a Yahweh, mas como alto oficial do estado sírio, teria de fazer-se presente quando seu rei e a casa de Rimom oferecessem ritos e sacrifícios pagãos aos deuses adorados em sua terra. Sua vida e seus rendimentos dependeriam de tal cooperação, embora seu coração se revoltasse diante disso. E assim, Naamã pediu que Eliseu perdoasse a sua presença em um templo idólatra, quando o culto religioso oficial de seu país assim o exigisse. A divindade principal da Síria era Hadadefíimom, cujo nome é aqui abreviado simplesmente para Rimom. Ele era o deus da chuva e da agricultura e, naturalmente, um dos deuses do lugar, embora evidentemente fosse a divindade mais importante para muitos sírios. Ver no Dicionário o artigo chamado Rimom (ponto cinco), quanto a detalhes. Rimom era um ramo da adoração a Baal. Ver também o verbete chamado

Baal (Baalismo). Encurvar-se na casa de Rimom tornou-se uma expressão proverbial que fala de compromissos perigosos e desonestos com o mal. Alguns intérpretes põem os verbos deste versículo no passado, como se Naamã estivesse pedindo perdão por sua idolatria passada, e não pela participa­ ção antecipada no futuro. Mas quase certamente Naamã pediu perdão por atos futuros que ele não poderia evitar. Fisicamente ele estaria em templo pagão, mas em seu coração estaria longe dali. “No curso de seus deveres, ocasionalmente Naamã teria de prestar respeito ao deus de seu senhor, o rei da Síria” (Thomas L. Constable, in loc.). 5.19 Vai em paz. Eliseu compreendeu a dificuldade e situação impossível de Naamã e deu a sua bênção. Foi em reconhecimento disso que Eliseu se despediu dele com essas três palavras. A gentil compreensão de Eliseu sobre a questão, e sua bênção, permitiram que Naamã se fosse em paz.

Indulgências? Os versículos 18 e 19 deste capítulo foram envolvidos na controvérsia medieval sobre as indulgências (ver a respeito na Enciclopédia de Bíblia, Teologia e Filosofia). Podem pecados futuros ser perdoados ou negligenci­ ados, diante de alguma espécie de provisão eclesiástica? Mas o uso desses dois versículos na controvérsia é anacrônico, para dizer o mínimo, e, quanto à realida­ de, um absurdo óbvio. Certa distância. Um espaço não identificado, talvez um ou dois quilômetros. Quando Naamã ainda não ia longe, o moço ganancioso de Eliseu, Geazi, quis ir atrás do dinheiro que seu senhor havia recusado receber!

II REIS A Triste Seqüência da História (5.20-27) 5.20

Todos nós precisamos de dinheiro, e alguns seres humanos fazem coisas desonestas e Insensatas para obter dinheiro. Pensamos nas belas coisas que o dinheiro pode adquirir; na segurança que o dinheiro nos dá; na possibilidade de abandonar aquele emprego que odiamos, ao qual nos sentimos presos como se fôssemos escravos; em outras pessoas que poderíamos ajudar; na segurança que o dinheiro trará aos nossos filhos; nos fundos para instrução de nossos filhos; nos prazeres aceitáveis e proibidos; no prestígio e na posição social que o dinhei­ ro conquistará para nós. Todos nós precisamos de dinheiro, mas dificilmente de tanto quanto costumamos pensar. Seja como tor, Geazi, o fiel servo de Eliseu, sofreu uma tentação com dinhei­ ro a qual não conseguiu dominar. Seu senhor havia rejeitado aqueles 340 quilos de prata e aqueles 68 quilos de ouro, e as dez mudas de roupa, e isso fez o coração de Geazi doer. De fato, se ele tivesse aquela quantia, seria financeira­ mente independente, e poueria até deixar de servir o profeta. Rapidamente, Geazi traçou seu plano diabólico. Ele correria atrás de Naamã e diria que Eliseu tinha mudado de idéia sobre a recompensa. Ele poderia reco­ lher o dinheiro, conservá-lo para si mesmo e viver feliz até morrer. Já ouvimos falar nessas tentações às quais nenhum homem pode resistir, e Geazi experimen­ tou, naquele momento, exatamente esse tipo de tentação. Naqueles instantes de desvario, Geazi chegou a jurar por Yahweh, o único Deus vivo e verdadeiro. “Por Deus, não permitirei que todo esse dinheiro se perca!” Ele ficaria apenas com uma parte, e não pediria tudo, e uma parte apenas certamente não seria prejudicial a ninguém. Ele pediria apenas um talento e duas mudas de roupa (vs. 22). Mas Naamã o forçaria a tomar dois talentos (vs. 23) e duas mudas de roupa. O que ele aceitasse não o tornaria financeiramente inde­ pendente, nem lhe permitiria sair da companhia do profeta, mas pelo menos ele viveria com maior conforto. 5.21,22 Então foi Geazi em alcance de Naamã. Começando a efetuar seu plano, lá se foi Geazi, e não demorou a alcançar a comitiva de Naamã. Imediatamente expôs sua tola mentira (vs. 22). Naamã pensou que algo deveria estar errado, e ele tinha razão: o coração de Geazi estava sofrendo de ganância. O ganancioso servo de Eliseu contou a Naamã a mentira de que dois jovens, filhos dos profetas de Efraim, tinnam chegado. Eles é que estavam precisando do dinheiro e das mudas ae roupa. Portanto, foi como se o mentiroso tivesse dito; “Estou prestando um serviço humanitário, pedindo em favor de outros, e não em proveito próprio". Foi assim que Geazi poluiu a atmosfera de um grande milagre, debochando deles com mentiras e com ganância. Naamã, ainda no doce embalo do milagre recebi­ do, e não tendo razão alguma para esperar uma fraude do servo de confiança do grande profeta, concordou em dar-ihe algum dinheiro e as duas mudas de roupa, para os “dois jovens chegados de Efraim” . 5.23 Sê servido tom ar dois talentos. Geazi pediu somente um talento de prata, isto é, 34 quilos de prata, e duas mudas de roupa. Não pediu ouro. E Naamã, sendo homem generoso, deu-lhe dois talentos de prata, isto é, cerca de 68 quilos desse metal precioso. Apesar de não haver como calcular o valor em consonância com o moderno poder de compra, é provável que Geazi pudesse viver vários anos com aquele dinheiro, e talvez até mais, se o investisse cuidadosamente. Naamã providenciou duas sacolas para o transporte da prata, e até um homem forte teria dificuldade para transportar tanto peso. Mas Geazi tinha seu jumento de confiança, e isso resolveu o problema do transporte. Mesmo assim, Naamã ordenou que dois de seus homens ajudassem Geazi com o transporte dos valores. A única dificuldade seria esconder em algum lugar a sua fortuna, sem que Eliseu de nada suspeitasse. Um crime leva a outro; uma fraude leva a outra. O pecado sempre se acumula. 5.24 E os depositou na casa. Dois dos homens de Naamã acompanharam Geazi até perto de casa. Chegando a uma colina, os dois homens de Naamã foram despedidos, e o ganancioso Geazi ficou sozinho. Ele escondeu a prata em uma casa, talvez a sua própria, aonde retornaria mais tarde para guardar em lugar mais seguro a prata e as vestes, quando tivesse oportunidade. O “outeiro’ segreda-nos que a casa ficava perto de Samaria, que fora construída sobre uma colina. O plano havia funcionado bem. Geazi era agora um homem relativamente rico. Seus dias de pobreza tinham terminado. Sua vida havia, de súbito, tomado uma direção melhor. Em lugar de “outeiro”, a palavra hebraica ophei, é traduzida em várias ver­ sões por torre, seguindo as antigas versões: a caldaica, a Septuaginta, o siríaco e o árabe. Mas a fíevised Standard Version diz “outeiro”, no que é seguida pela

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nossa versão portuguesa. Essa palavra hebraica tem muitas apl,cações, sendo usada até para significar um “tumor” (ver I Samuel 5.6). Alguns vêem netse termo uma “fortificação", mas o mais provável é que esteja mesmo em pauta a “colina" de Samaria. 5.25 Entrou, e se pôs diante de seu senhor. Geazi vivia dentro das muralhas da cidade (ver II Reis 6.30 ss.). Eliseu sabia onde Geazi est;vera, em sua missão gananciosa e, quando o profeta lhe perguntou diretamente onde ele fora, Geazi mentiu de novo, dizendo: “Teu servo não foi a parte alguma”. O pecado sempre se “acumula”. O homem continuou mentindo porque “... a cobiça tinha cegado seus olhos e endurecido seu coração” (John Gill, in ioc.). 5.26 Não fui contigo em espírito... ? Essa é uma estranha maneira de falar sobre as viagens de clarividência, conforme os estudiosos do assunto chamam o fenômeno. “Eliseu apanhou o culpado 'com a mão na botija’, pela percepção extra-sensorial (em espírito). Essa característica destaca-se mais fortemente no capítulo seguinte” [Oxford Annotated Bible, em atinência a este versículo). Natu­ ralmente, alguns intérpretes pensam que o Espírito de Deus estava inspirando continuamente o profeta. O mais provável, porém, é que suas capacidades psíqui­ cas naturais fossem suficientes para explicar tais acontec,mentos. O Anjo dc Senhor não precisava sussurrar em seus ouvidos a cada acontecimento. Ele tinha capacidades psíquicas próprias, conforme sucede a todos os seres humanos, embora com muito maior poder que as pessoas comuns. Ocasionalmente, o Ser divino intervinha, e assim acontecia que, em um ser humano, cooperavam o humano e o divino, fazendo de E'tseu um honem realmente extraordinário. Ver na Enciclopédia de Bíblia, Teologia e Filosofia os artigos Percepção Extra-sensorial e Parapsicologia, este último mais detalhado que o primeiro.

Contrário ao Recebimento de Presentes. Este versículo quase certamente informa-nos que Eliseu não seguia o costume de receber presentes e n troca de seus serviços (ver I Samuel 9.6-9). Ao aue tudo indica, ele tambem ensinava a seus “filhos" (os profetas aprendizes) a não viver segundo o antigo costume. Ou, pelo menos, nas ocasiões de algum grande milagre, a atmosfera não deveria ser poluída pelo recebimento de dinheiro. Porém o mais provável e que a primeira possibilidade corresponda melhor ao significado deste versículo. Uma terceira interpretação é a que diz que, naquela ocasião particular, seria fora de ordem preocupar-se com dinheiro e com vantagens materiais, conforme opinou John Gill (in loc.) Dar oráculos simples tinha sido um serviço que podia ser recompensado por meio de alguma doação. Mas chegado o tempo de gran­ des prodígios, ninguém poderia falar em dinheiro. 5.27 Então saiu de diante dele leproso, branco como a neve. Em lugar de dinheiro, Geazi obteve a lepra! Quando a ganância se apoderou dele, apoderouse dele, igualmente, a lepra de Naamã. Outro milagre, dessa vez de natureza negativa, de súbito entrou em cena, alterando uma vez mais o curso da vida. Eliseu tinha o dobro da porção do Espirito que tivera Elias, e realizou cerca do dobro dos milagres operados por este último. Ver isso ilustrado em II Reis 2.9, e comentado com idéias adicionais na introdução a II Reis 2.19. Os milagres tanto curavam quanto julgavam, dependendo da ocasião e da necessidade. “Descobrimento e penalidade seguiam-se rapidamente um ao outro. Que tremendo capítulo é este! Fala tanto de redenção quanto ae retribuição. Um pa­ gão, mediante um ato de fé, foi curado de sua lepra. Mas um israelita, por meio de um ato desonroso, ficou leproso. Portanto, Geazi tomou seu Ijgar, nas Escrituras, juntamente com Acã, Judas Iscariotes e Ananias, que venderam sua alma em troca de ouro. E quantos sucessores eles têm tido em todos os séculos desde então!” (Raymond Calking, in loc.).

Conseqüências a Longo Prazo. O pecado de Geazi se multiplicara, e outro tanto sucedeu ao seu castigo, seguindo a linhagem de sua descendência. Presu­ mimos que seus descendentes se viram envolvidos em seus próprios pecados e mereceram a sua sorte. Quanto a morrer ou ser julgado por causa dos pecados de um ascendente, veras notas em Êxo. 20.5. Ver Números 14.18 e Deuteronômio 5.9 quanto a paralelos daquele versículo. Ver Ezequiel 18.20 quanto à responsa­ bilidade de cada indivíduo: os filhos não são julgados pelos pecados de seus oais. Ambos os conceitos podem ser encontrados nas páginas do Antigo Testamerto, e, à sua maneira, ambos dizem verdades. A teologia moderna, entretanto, parecese mais com Ezequiel 18.20, e assim também o amor e a misericórdia, as qualida­ des divinas supremas. Comentadores mais antigos (como Ellicott, in loc.) supunham que a lepra fosse uma enfermidade hereditária, e talvez esse tenha sido o pensamento do autor original de II Reis, mas em nossos dias sabemos que essa opinião não

II REIS

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corresponde à verdade dos fatos. Portanto, um julgamento continuo precisava ter algum outro modus operandi.

C a p ítu lo S e is O trecho de II Reis 4.1-6.23 contém uma série de histórias maravilhosas, relatos de prodígios miraculosos, da autoria de Eliseu, que recebeu dupla porção do Espirito de Elias (ver II Reis 2.9) e, por isso mesmo, realizou mais ou menos o dobro do numero de milagres de seu senhor (ver a introdução a II Reis 2.19). Essas histórias maravilhosas tinham por finalidade convencer os homens de que Eliseu era um verdadeiro prcfeta do único Deus vivo e verdadeiro, Yahweh, afas­ tando-os da idolatria que tinha vindo dominar Israel. O Machado que Flutuou (61-7) Temos aqui outro relato maravilhoso que cabe dentro do propósito dos rela­ tos anteriores. Foi um pequeno ato humanitário de Eliseu em favor de um de seus filhos (profetas aprendizes, que estudavam na sua escola de profetas; ver no Dicionário). A parte ae metal de um machado foi recuperada das águas, um objeto precioso para aquele aprendiz de profeta, mas essencialmente de pequeno inte­ resse para qualquer outra pessoa. Ver no Dicionário o artigo chamado Milagres.

6.1 Disseram os discípulos dos profetas a Eliseu. Estão aqui em foco os mem­ bros da escola dos profetas, aqueles que Eliseu estava treinando, os quais, algum dia, tornar-se-iam profetas plenos sob seus próprios direitos. Para eles, Eliseu era um pai, e eles se voltavam para ele, em cada pequena necessidade que tinham.

A Circunstância do Milagre. A guilda dos profetas não contava com acomoda­ ção suficiente para suas necessidades, de modo que se atiraram a um programa de construção. Para isso eles precisavam de instrumentos, incluindo o machado cuja cabeça de metal se perdeu nas águas. Talvez esteja em vista a escola em Jericó, e supomos que ela tivesse crescido além das acomodações de que dispu­ nha. E provável que a influência e os poderes de Eliseu tivessem causado um reavivamento no interesse do povo de Israel pelo yahwismo, e o número dos alunos inscritos tenha aumentado.

6.2 Construamos um lugar em que habitemos. Edificações seriam erguidas perto da margem do rio Jordão. Talvez a escola de profetas devesse mudar de local. Eles precisariam de certo número de edificações de madeira, ou, pelo menos, a madeira se faria necessária para construir as casas de pau-a-pique. Nos tempos antigos, as margens do Jordão eram recobertas de árvores, arbustos, no meio de muitos alagadiços, e serviam de hábitat para muitos animais selvagens. A degradação dos recursos, por parte dos humens, deixara o lugar essencialmente desolado. Jerico ficava somente a oito quilômetros do rio, portanto a madeira poderia ser trazida dali para fazer casas na cidade. Nesse caso, nenhuma mudança radical havia sido planejada. Somente uma expansão de suas antigas moradias seria efetuada. 6.3 Ele tornou: Eu Irei. Eliseu dera a permissão para o empreendimento das constru­ ções, e para a obtenção de madeira das margens do Jordão (ver o versiculo anterior). E então alguém pediu que o profeta os acompanhasse. Ele consentiu em fazê-lo. Isso levou Eliseu à cena dos trabalhos, quando a cabeça de metal do machado se perdeu nas águas do rio. As circunstâncias foram assim providencialmente arranjadas para que houvesse um milagre. Presumivelmente, o profeta supervisionaria o labor. Talvez Eliseu já soubesse o que iria acontecer, e como ele seria necessário, e essa pode ter sido a sua principal inspiração para acompanhar o grupo de aprendizes de profetas. 6.4 Cortaram madeira. O plano estava em andamento. Eles caminharam os 8 km. até as margens do rio Jordão e deram inicio a seu trabalho de corte de madeira. “Havia árvores ao longo das margens do Jordão, cuja madeira seria usada para construir suas casas, ou, pelo menos, para o trabalho do teto e para os pisos, supondo-se que as paredes seriam feitas de pedras" (John GUI, in loc.). 6.5 O machado caiu na água. Um dos homens usava esse instrumento com força, quando, de súbito, a parte de metal do machado escapuliu do cabo e caiu

no rio. Com grande consternação o homem contemplou a cabeça de metal do machado mergulhar nas águas. Ele ficou especialmente triste porque o machado tinha sido pedido por empréstimo. O profeta era pobre, como a maioria dos prega­ dores o é, e não tinha dinheiro para comprar outro machado. 6.6,7 Perguntou o homem de Deus. O aprendiz de profeta voltou-se imediata­ mente para Eliseu, pedindo-lhe ajuda. Tendo sabido onde, aproximadamente, caíra a cabeça de metal do instrumento, Eliseu cortou um pedaço de pau e lançou-o nas águas, no lugar exato. Por meio de algum poder miraculoso, isso fez a cabeça de metal do machado boiar, e ela se pôs a flutuar, perfeitamente visível. Assim, tornou-se fácil retirá-la da água, e a “pequena tragédia” terminou. Com grande alívio e alegria, o homem que tinha perdido o instrumento baixouse e o apanhou. As explicações dadas pelos homens incluem estas quatro possibilidades: 1. Tudo não passa de uma lenda, o que significa que não há necessidade alguma de explicação sobre como o prodígio ocorreu. 2. Foi apenas uma parábola, não devendo ser considerado um incidente sério, como se fosse um acontecimento literal. 3. Houve alguma força natural extraordinária em operação, que desafia a compreensão humana. 4. Ou, então, foi um verdadeiro milagre físico. O profeta fo capaz de reverter a lei da gravidade quanto àquele item, tornando-o leve o bas­ tante para flutuar à superfície da água. Atualmente, temos máquinas que podem reverter a lei da gravidade, e não seria coisa difícil demais para Deus operar tal fenômeno através de Seu profeta. Nos meus artigos chamados Milagres, existen­ tes no Dicionário, menciono outras informações para esses acontecimentos ines­ perados e incomuns.

Lições. Deus está interessado até nas coisas mais triviais de nossa vida; e é incrível, mas verdadeiro, que ocasionalmente, um milagre é efetuado para satisfazer-nos e suprir nossas necessidades, relativamente sem importância. Isso reflete o teísmo (ver a respeito no Dicionário). Há um poder pessoal e criativo, e esse poder não abandonou a Sua criação, conforme ensina o deísmo. Esse poder recompensa ou pune, fazendo intervenções na história humana, algumas vezes de maneiras aparentemente triviais. Jesus disse-nos que até os cabelos de nossa cabeça estão contados (ver Mateus 10.30), e Deus chega a observar, com inte­ resse, a queda dos pardais (ver Mateus 10.30). Portanto, não nos podemos admi­ rar de que houve um milagre para trazer de volta uma cabeça de machado, depois que esta caíra na água. “A moral da história é que Deus nos ajuda tanto em nossas pequenas perturbações pessoais como naquelas de escopo realmente grande. Seu cuidado providencial beneficia tanto o indivíduo quanto a raça humana" (Ellicott, in loc.). O Conhecimento Especial de Eliseu e a Guerra (6.8-23) Embora o relato que temos agora à frente seja sobre a guerra, ele constitui uma ocasião de dar-nos mais informações sobre o conhecimento especial de Eliseu. Esse incidente tem sido considerado, pelos observadores, um sinal de sua autoridade como um profeta do Senhor. Por conseguinte, temos aqui outra histó­ ria maravilhosa, a qual ilustra a autoridade de Eliseu como profeta, e que o seu Deus, Yahweh, é o único Deus verdadeiro e vivo. Quanto a esse tema, ver a introdução a este sexto capítulo.

Fontes de Conhecimento Especial. 1. Algumas vezes, o Anjo do Senhor sussurrava aos ouvidos de Eliseu. 2. Algumas vezes, Yahweh dava alguma mensagem direta a Seu profeta, através de um sonho, visão ou impulso intuiti­ vo. 3. Mas, de outras vezes, Eliseu exercia seus poderes psíquicos naturais (embora grandemente multiplicados). Ver minhas notas em II Reis 5.26. Não é necessário (nem correto) supormos que cada vez que Eliseu soubesse de algu­ ma coisa, sem a intervenção dos cinco sentidos físicos, houvesse algo de divino naquilo. Os estudos mostram precisamente o contrário. Todas as pessoas têm capacidades psíquicas naturais, e todas as pessoas (nos sonhos) tomam co­ nhecimento do futuro. É errado supormos que todas as capacidades psíquicas sejam divinas ou diabólicas. Algumas dessas capacidades são apenas naturais. Nosso espírito controla nosso corpo físico, e sem o poder psíquico nem ao menos poderíamos respirar. Nossa parte imaterial controla a parte material, portanto, quando um homem move seu dedo, ele o faz pelo exercício de um poder psíquico. A esse poder chamamos psicocinesia. Afirmar que há poderes psíquicos que podem ser e realmente são naturais não quer dizer aue eles também não possam ter origem divina ou diabólica. Ver meu artigo detalhado sobre a Parapsicologia, na Enciclopédia de Bíblia, Teologia e Filosofia, para que se acompanhe toda a argumentação a respeito. No caso de um homem extraordinário como foi Eliseu, não é necessário tentar dizer: dessa vez, o poder divino esteve em ação; pois, naquela ocasião, poderes humanos estiveram em ação. Mas podemos ter certeza de que ambas as possibilidades desempenharam o seu papel.

II REIS Seja como for, os poderes especiais de conhecimento de Eliseu ajudaram Israel em tempo de guerra, para saber, de antemão, quais seriam os estratage­ mas do adversário. Isso pareceu desconcertante para o rei da Síria, que não podia traçar seus planos sobre como derrotar o povo de Israel. Finalmente, ele fez uma tentativa de livrar-se do perturbador de seus planos, e isso é a essência da narrativa que temos à nossa frente.

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Alguns supõem que Naamã tenha sido o conselheiro que dava as notícias sobre Eliseu, mas isso não passa de conjectura. Além disso, Naamã teria o cuidado de não expor Eliseu a algum perigo, visto que ele o tinha curado da lepra e o fizera converter-se a Yahweh. Ver o capitulo quinto deste livro, quanto à história. 6.13

O rei da Síria fez guerra a Israel. Esses dois países com freqüência comba­ teram um ao outro. Houve períodos de uma frágil paz. Além disso, os sírios, embora não estivessem desfechando nenhuma guerra direta, ocasionalmente en­ viavam grupos de ataques de comandos, atrás de despojos. Na história diante de nossos olhos, o rei da Síria preparou emboscadas para pegar os israelitas de surpresa, e assim obter uma vantagem da qual ele pudesse aproveitar-se. Mas Eliseu sempre sabia onde os sírios estavam escondidos. Dar essa informação ao rei de Israel evitou, ao que tudo indica, certo número de tragédias para Israel, e manteve os sírios a distância. Os acampamentos dos sírios eram armadilhas de emboscadas, e não meramente lugares onde forças armadas estacionavam tem­ porariamente. O rei da Síria, neste caso, muito provavelmente era Ben-Hadade II. Ver o artigo chamado Síria, no Dicionário, quanto à história desse homem, no que diz respeito a Israel. Verificar o termo hebraico tahanothi, palavra essa que tem deixado perplexos os tradutores e os intérpretes. O Targum o traduz como “casa de meu acampa­ mento", o que não faz sentido. A versão siríaca diz “armar uma emboscada”. Essa palavra inclui a idéia de “ocultar”, e assim sugere uma emboscada. A palavra hebraica só figura aqui em todo o Antigo Testamento. 6.9 Guarda-te de passares por tal lugar. Uma advertência. A emboscada dos sírios foi cuidadosamente preparada. Os israelitas, que de nada suspeitavam, estavam a pique de sofrer pesadas perdas. O rei da Síria continuaria a praticar seus atos insidiosos. Israel seria debilitado. Os sírios levariam muitos despojos. Disso talvez resultasse uma invasão geral. Mas Eliseu interveio com seu conheci­ mento especial e impediu a emboscada referida neste versículo, e, como é evi­ dente, várias outras. Os sfrios estão descendo para ali. O Targum diz aqui ‘ estão escondidos”, ou seja, armando emboscadas. As versões siríaca e árabe dizem “estão escondi­ dos”. A Vulgata Latina diz aqui insidiis sunt.

6.10 E assim se salvou, não uma nem duas vezes. As tropas de Israel foram avisadas, deixando o rei da Síria consternado. Essa circunstância repetiu-se por várias vezes, e o rei da Síria ficava cada vez mais frustrado, supondo, finalmente, que um espião estivesse operando. Mas o espião eram os poderes psíquicos de Eliseu. “... escapou das armadilhas que o rei da Síria preparava para ele, não apenas por uma ou duas vezes, mas por muitas vezes” (John Gill, in loc.).

6.11 Não me fareis saber quem dos nossos é pelo rei de Israel? Isso seria uma explicação natural. O rei da Siria, como é natural, concluiu que um espião (um traidor entre os sirios) seria o responsável pelo que estava acontecendo. Esse homem deveria ser apanhado e executado, antes que mais missões abortivas pudessem ser planejadas. A versão da Septuaginta diz “Quem me está traindo ao rei de Israel?", que é a explicação correta do texto hebraico: “Quem de nós é pelo rei de Israel?”.

6.12 Ninguém, ó rei meu senhor. Um dos conselheiros do rei da Síria sabia a verdade. Não era que ele tivesse uma equipe de espiões que andasse investi­ gando. Antes, ele conhecia a reputação de Eliseu, e, como é natural, supôs ser ele o culpado do que estava acontecendo. Os poderes de Eliseu eram tão grandes que até aquilo que Ben-Hadade falava em seu dormitório era conheci­ do por elel

Nem no teu leito amaldiçoes o rei, nem tão pouco no mais interior do teu quarto, ao rico; porque as aves dos céus poderiam levar a tua voz, e o que tem asas daria notícia das tuas palavras. (Eclesiastes 10.20)

Ide, e vede onde ele está. O rei da Síria apelou para os seus espiões, para descobrir onde Eliseu estava. Obtendo essa informação, ele lançaria um ataque de surpresa contra o profeta, e o executaria. O espião sirio descobriu que Eliseu estava em Dotã, que ficava cerca de vinte quilômetros ao norte da cidade de Samaria. Sem dúvida, ali estava um dos quartéis-generais de Eliseu, e talvez até sua atual residência. Mas a verdade é que o profeta vivia em circuito, viajando por todo Israel, e não era fácil de ser encontrado. Ver no Dicionário o verbete chama­ do Dotã. Essa cidade pertencia a uma das tribos de Israel (a nação do norte), Manassés. Cf. Gênesis 37.17. 6.14 Chegaram de noite e cercaram a cidade. O rei da Síria criou um grande espetáculo a fim de capturar e executar um único homem, e cercou a cidade com seu pequeno exército, equipado com cavalos e carros de combate. As forças armadas foram calculadas para não permitir a fuga de Eliseu, e assim escapar à ira do rei sirio. Talvez os habitantes da cidade cferecessem resistência, e então haveria uma batalha desigual. De noite. Não seria dada nenhuma oportunidade de fuga ao profeta de Deus. A operação ocorreu de noite, dando aos sirios o eiemento surpresa. Mas seria impossível tomar Eliseu de surpresa, conforme já fora sobejamente demonstrado. Não obstante, a batalha seria resolvida por uma intervenção direta de forças angelicais, e não por conhecimento e preparação anteriores. 6.15 O moço do homem de Deus. Um dos servos de Eliseu, um ae seus filhos espirituais, um dos estudantes da esccia dos profetas, saiu cedo pela manhã, e, para sua consternação, viu o pequeno exército sirio escondido nas proximidades, pronto para atacar. Ele compreendeu imediatamente o intuito daquelas forças sírias. E, como era usual, apelou para Eliseu, para que resolvesse o problema. Os subprofetas eram como um bando de crianças pequenas, sempre correndo para seu pai, em qualquer tempo de crise. Esse servo não era Geazi, que navia perdido a sua posição por motivo de ganância, e tinha ficado leproso. Ver II Reis 5.27. Algum outro jovem tinha tomado seu lugar como atendente especial de Eliseu. Os servos de Eliseu tinham visto seus muitos milagres, e, de fato, outro milagre tornava-se agora necessário. Mas eles sempre recuavam, devido à incredulidaoe, tal como faríamos se estivésse­ mos presentes ali. É preciso um longo tempo para desenvolvermos uma fé cons­ tante. Novas crises têm o efeito de trazer de volta antigas dúvidas. “Uma mulher que estava, certa ocasião, oprimida por grande tribulação e ansiedade mental, jazia observando o firmamento. Quando observou qüe nuvem após nuvem passava, uma por uma, ela percebeu que cada uma era impulsiona­ da por uma mão invisível. Subitamente, compreendeu que sua vida estava sendo controlada e sustentada por aquele mesmo poder, e todo temor e mau pressenti­ mento a abandonaram” (Raymond Calking, in loc.). 6.16,17 Mais são os que estão conosco do que os que estão com eles. Eliseu referia-se a uma hoste angelical, vista pelo profeta, mas não pelo seu servo. Havia ali uma força contrária, invisivel, para defender a cidade e Eliseu, porquanto Yahweh sabia o que estava para acontecer, e já tomara as previdências apropria­ das. O que, à primeira vista, parecia um momento de terror, era, na realidade, um momento de vitória e poder. Ver no Dicionário o artigo chómaao Provídênaa de Deus. Ver também o verbete intitulado Teísmo. O Criador está sempre presente, para intervir, recompensar e punir. Deus é, ao mesmo tempo, transcendental e imanente. O anjo do Senhor acampa-se ao redor dos que o temem, e os livra. (Salmo 34.7) Ver os artigos detalhados no Dicionário, intitulados Anjo e Anjo da Guarda. Cheio de cavalos e carros de fogo. Poderes espirituais que se apresenta­ vam de modos costumeiros, como se fossem cavalos e carros de combate, sim-

II REIS

1492

bolizando o poder de agir e julgar. Ver no Dicionário o verbete chamado Antropomorfismo. Cf. II Reis 2.11, onde as notas expositivas apresentadas tam­ bém se aplicam aqui. Grandes eventos espirituais assumem a forma de coisas físicas que fazem parte da nossa experiência. Mas a realidade dessas coisas ultrapassa em muito a nossa experiência. A presença de Yahweh com freqüência se apresentava como se fosse fogo (ver Gênesis 15.17; Êxodo 3.2; 13.21; 19.16; Isaías 29.6; 30.30,33). Naquela ocasião, o véu que separa a vida de cima da vida cá de baixo foi temporariamente levantado, e grandes realidades espirituais foram vistas. “O Senhor havia cercado o exército dos arameus, e tudo estava sob o Seu controle” (Thomas L. Constable, in loc.). Cf. Números 22.31.

piadas e coisas engraçadas. “Esse ato, em oposição direta aos costumes da épo­ ca... isola-se como um pico montanhoso, muito acima do nível moral daqueles dias. Assim sendo, o preceito de Romanos 12.19-21 foi antecipado por vários séculos. O coração dos sírios foi suavizado por esse ato de generosidade. O mal, contudo, não é vencido somente por atos isolados de gentileza. Somente o calor contínuo do sol pode dissolver um iceberçf (Raymond Calking, iri loc.). Ver na Enciclopédia de Bíblia, Teologia e Filosofia o verbete chamado Liberalidade (Generosidade).

6.18

para matar, foram enviados de volta com ampla provisão, para que pudessem retomar à Síria levando abundância de bens. Eles voltaram e contaram a BenHadade II as coisas admiráveis que lhes tinham acontecido em Dotã e em Samaria. Tão impressionado ficou o monarca sírio com o que tinha acontecido, que parou de lançar ataques contra Israel e desistiu de qualquer plano de invasão que tivesse tido.

Fere, peço-te, esta gente de cegueira. A pedido do profeta, Yahweh feriu os soldados sírios de cegueira. Bem no meio de sua invasão, eles perderam seu caminho, e, assim sendo, seu poder de fazer o mal. Foi uma solução simples mas eficaz para um problema aparentemente insolúvel. Oh, Senhor! Concede-nos tal graça! Cf. Gênesis 19.11 quanto a uma cena similar.

6.23 E da parte da Síria não houve mais investidas na terra de Israel. Miseri­ córdia Adicionada à Misericórdia. Aqueles homens malignos, que tinham vindo

. . . a bondade de Deus é que te

conduz ao arrependimento?

6."9

(Romanos 2.4)

Não ê este o caminho, nem esta a cidade. Eliseu enganou os sírios. Embo­ ra cegcs cs sírios tentaram continuar com sua missão de destruição. Eliseu enganou-os para fazê-los segui-lo. Então levou-os a Samaria, e não a Dotã. Ali encontrariam uma força superior de israelitas, tal como em Dotã (presumivelmente) eles seriam a força superior. Os intérpretes tolamente lutam sobre o aspecto “moral” deste versículo. Como ooderia um profeta de Deus enganar outras pessoas propositadamente? Todavia, existem mentiras nâo-morais. Eliseu não fez mal algum ao enganar aqueles ho­ mens violentos. De fato, ele fez bem. Ele distorceu um grande mal e salvou muitas vidas.

Algumas vezes... Verdades brutais causam mais dano do que o fazem falsidades boazinhas. (Alexander Pope)

Pelo contrário, se o teu inimigo tiver fome, dá-lhe de comer; se tiver sede, dá-lhe de beber; porque fazendo isto, amontoarás brasas vivas sobre a sua cabeça. Não te deixes vencer do mal, mas vence o mal com o bem. (Romanos 12.20,21) Temos aqui uma daquelas raras ocasiões em que o bem venceu o mal, em que atos de gentileza venceram o desejo de destruição. A história de Israel usualmente envolvia matar ou ser morto. A paz veio através da gentileza, e não mediante um inimigo esmagado. Contudo, foi uma paz frágil, que logo seria que­ brada. Em breve a paz seria revertida. Ben-Hadade II enviou uma grande força armada contra Israel (ver os vss. 24 ss.).

6.20 Samaria Cercada; Houve Fome (6.24-33) Abre os olhos destes homens para que vejam. Tendo entrado em Samaria, tendo sido levados a uma armadilha, o profeta então pediu que Yahweh abrisse os olhos dos sírios. Para grande surpresa e consternação deles, estavam cerca­ dos por uma força superior, que os devorava com os olhos. O coração deles afundou no peito; estavam prestes a enfrentar a morte. O mal que eles tinham promovido lhes sobreviera. Ver no Dicionário o verbete intitulado Lei Moral da

Colheita segundo a Semeadura. Não vos enganeis: de Deus não se zomba; pois aquilo que o homem semear, isso também ceifará. (Gálatas 6.7)

6.21 Eliseu agora estava no controle da situação. O rei de Israel, que havia sido convocado para ver o espetáculo, naturalmente quis matar todos aqueles malig­ nos sírios, ali mesmo, mas não o quis fazer sem a ordem do profeta. E chamavam Eliseu de meu pai, movidos pelo profundo respeito àquele homem extraordinário, e perguntavam se o grupo de militares sírios deveria ou não ser despachado. Quanto ao título pai, cf. II Reis 2.12; 8.9; 13.14. Quanto a pedir a permissão do profeta, cf. II Reis 4.7.

6.22 Não os ferirás. Os prisioneiros de guerra não eram mortos sem misericórdia, usualmente falando. Isso só acontecia em certas ocasiões. Antes, eram reduzidos a escravos, obtendo-se assim um labor barato. Eliseu apontou para Jeorão, o rei, para que ele, tendo feito prisioneiros, não os matasse; nem ele, Eliseu, ordenaria que seus prisioneiros fossem mortos. Os prisioneiros, em vez de serem mortos receberiam uma morte em vida. Pelo menos daquela vez, nenhuma matança ocorreu. Naquela oportunidade, a misericórdia foi aplicada, obtendo o mesmo resultado que a execução teria conse­ guido. Em lugar de serem mortos, um grande banquete foi feito, e sírios e israelitas sentaram-se e comeram juntos, e tiveram grande ocasião de divertimento, contando

O ímpio Ben-Hadade II esqueceu como Eliseu havia derrotado seu pequeno exército, e logo invadiu Samaria com o intuito de conquistá-la inteiramente. O cerco perdurou por tanto tempo, que a fome ameaçou os israelitas. Isso estabele­ ceu o palco para aquele horrendo acontecimento: a fim de não morrer de fome, uma mulher comeu seu próprio filhinho! Novamente, foi mister que Eliseu invocas­ se Yahweh para que houvesse uma intervenção miraculosa que salvasse Israel (capítulo 7). Portanto, temos outra história maravilhosa, um feito miraculoso efetu­ ado por meio de Eliseu. Isso o autenticava como um profeta do único Deus, vivo e verdadeiro, Yahweh. Quanto a isso, ver a introdução a II Reis 4.1. Alguns esten­ dem as histórias maravilhosas somente até II Reis 6.23; mas o que aconteceu em seguida continuou sendo tão maravilhoso como até ali. A presença de Eliseu e os seus milagres não impediram Israel de cair na idolatria, como também não impediu aos sírios suas investidas e guerras. Agora veremos o espetáculo da Síria sendo usada como látego contra Israel, para punir aquele povo, por sua apostasia contínua. Israel nunca aprendia. 6.24 Depois disto. Isto é, após o acontecimento que acabara de ser descrito, a invasão de Dotã, a cegueira dos militares sírios, sua soltura pacífica, e a resolu­ ção do rei da Síria de parar suas investidas. Alguns supõem que Ben-Hadade II tivesse falecido, e que um novo rei ordenou o reinicio das hostilidades. Além disso, é possível que o rei de Israel, aqui, não fosse Jeorão, e, sim, Jeú, ou mesmo seu filho, Jeoacaz (que reinou entre 806 e 790 A. C.). Talvez o rei da Síria tenha sido o filho de Ben-Hadade II. Ver no Dicionário o verbete chamado Ben-

Hadade. Uma Grande Invasão. Ben-Hadade II aparentemente pretendia tomar a cida­ de de Samaria e, dali, dominar todo o Israel. 6.25 O cerco das tropas sírias continuou por muito tempo, e a fome ameaçava os samaritanos. Diante disso, os preços dos alimentos dispararam. As pessoas co­ meçaram a comer jumentos, um animal proibido como alimento, pela legislação

II REIS mosaica. E até essa carne de gosto ruim era vendida por preços fantásticos. Um pedaço da cabeça custava oitenta siclos (a Septuaginta diz cinqüenta). Ver sobre o sido nas notas em Êxodo 30.13 e Levitico 27.25. Ver também no Dicionário os artigos chamados Dinheiro, ponto II; e Pesos e Medidas, seção VII. IV.C. Não há como calcular o poder de compra que teria o siclo, mas uma de minhas fontes informativas sugere que a compra da cabeça de um jumento custava cerca de oitenta dólares! Nos escritos de Plutarco (Artaxerxes, XXIV), temos a referência a uma cabeça de jumento sendo vendida por quinze siclos, ainda um preço tremen­ damente alto por um pedaço de carne. Um pouco de esterco de pombas era vendido por cinco siclos. Isso, geral­ mente, era considerado alimento para animais. Portanto, o povo estava pagando altos preços para obter alimento que usualmente era servido aos animais. Na Inglaterra, em 1316, houve uma fome tão severa que as pessoas comeram seus próprios filhos, cães, ratos e até esterco de pombas. Esse esterco era comido (tal como se vê no presente texto) por causa das sementes que havia ali. Alguns ntérpre:es vêe"i aqui uma alusão a “vagens", mas outros vêem aqui uma referên­ cia, realmente, a “esterco de pombas". Ver no Dicionário o artigo chamado Pom­ bas, Esterco de, quanto aos detalhes. As pessoas realmente comiam tais coisas, como fazem os cães, que comem esterco de cavalos, para aproveitar pequenos pedaços de alimentos? Aquele artigo tenta dar uma resposta. Seja como for, a lição moral é clara: o pecado reduz o homem a condições de miséria extrema, condições que os homens mesmos têm cultivado.

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que o rei já estava em período de lamentação. A história da mulher, entretanto, lançou-o ao desespero. 6.31 Assim me faça Deus. O ímpio rei de Israel fez um atrevido juramento por

Eiohim. Ver no Dicionário o artigo denominado Deus, Nomes Bíblicos de. Em seu desvario, ele culpava Eliseu pela drástica situação em que se achava a nação de Israel. Ele jurou que decapitaria o profeta por ser ele um homem 'mau", doís supunha que predizer um evento é a mesma coisa que ser a causa do evento. A causa da aflição de Israel era a sua própria apostasia, e o agente ativo que trouxera aqueles temíveis acontecimentos à tona era o único Deus vivo e verda­ deiro, e não o Seu profeta, um mero instrumento da Sua vontade. Entretanto, a apostasia havia cegado a mente oc rei quanto à verdade da questão. Assim sendo, lá se foi o rei atrás do profeta, a fim de executá-lo, supondo, estupidamen­ te, que esse ato pora fim às tribulações de Israel. Ele ‘aria o profeta ficar tão morto quanto o fiiho cozido da mulher. Ou o rei atribuiu as calamidades ao profeta, ou lançou a culpa sobre ele por não remover aquelas calamidades auando tinha c pouer Je fazê-lo. Esse jura­ mento cf. um juramento similar feito contra Elias, por Acabe e sua norrenda esposa, Jezabel (ver I Reis 19.2). 6.32

6.26,27 Gritou-lhe uma mulher. O árbitro real. O rei de Israel foi chamado para ser árbitro de um caso horrendo que fora causado pela fome. Uma mulher queixavase de que fizera um acordo com outra mulher: elas ccneriam seus filhos. Em um dia, um dos filhos seria comido; no dia seguinte, seria comido o filho da outra mulher. Portanto, um dos filhos foi cozido e comido. Mas no dia seguinte a outra mulher, que tinha concordado em sacrificar também seu filho, mudara de idéia. Dai a controvérsia entre as duas. Aconteceu que o rei estava passando pelo alto ae um muro quando as duas discutiam, e ele foi chamado para íazer j stiça. 4 iuda da Parte de Yahweh. O rei sabia, ao ser chamado, que só havia um assunto pelo qual seria consultado: ajuda para que alguém comesse algo. Portan­ to, ele disse à mulher que em certos casos somente Yahwen poderia resolver a pendência entre elas. A fome, de fato, era um julgamento divino. Em ccnseq^ência, somente uma decisão divina poderia aliviar a situação. Não havia cereais armazenados; nem havia vinho guardado. As condições eram desesperadoras. O rei não era um homem miracuoso, capaz de produzir alimentos do nada, como Eliseu tinha feito (ver o capitulo quarto). Cf. Oseias 2.8,9 e 9.2. 6.28,29

Foi contada a história horrenda ao rei, conforme vimos nas notas sobre os vss. 26 e 27. A fome extrema produziu resultados inacreditáveis. Tudo foi lançado na conta de Yahweh (vs. 33), e o rei, assim senac. procurou matar o Seu profeta, Eliseu, o qual, presumivelmente, era um segundo culpado daquela sit-ação de desespero. Cf. as odiosas predições de Deuteronômio 28.56 ss., que incluem exatamente o que está sendo relatado no presente texto. Coisas similares aconte­ ceram quando Nabucodonosor cercou Jerusalém, pouco antes de Judá ser leva­ do para o cativeiro. Ver Ezequiel 5.10 quanto aos detalhes. Esse caso também foi consideraoo um juízo de Yahweh. Isso seria seguido pelo fato de que os habitan­ tes de Judá seriam espalhados ao “vento". Veja o leitor a que estado o pecado reduz um homem ou uma nação! Outro tanto ocorreu quando Tito cercou Jerusa­ lém, em 70 D. C., não muito antes do grande cativeiro e dispersão dos habitantes da Judéia, pelos romanos (ver Josefo, Guerras dos Judeus vi.3,4). 6.30 Rasgou as suas vestes. A consternação do rei. A mulher, em seu estupor, realmente apresentou o caso ao rei de Israel, como se alguma espécie de justiça pudesse ser feita. Que ela estivesse buscando tal ‘justiça’ (esperando ter o filho da outra mulher como uma refeição) mostra a que nível temível a vida havia sido reduzida pela fome. O rei, pois, rasgou as próprias vestes, um sinal de desgosto e consternação. Cf. II Reis 2.12; 5.7 e 11.14. O rei já estava vestindo pano de saco, sinal de lamentação e aflição (I Reis 21.27). Ver no Dicionário os artigos chamados Vestimentas, Rasgar das e Pano de Saco, quanto a detalhes sobre esses costu­ mes Portar.tc, o rei estava em grande aflição mental, tendo-se humilhado com o uso do pano de saco; não obstante, lançara a culpa em Yah.veh, pelas condições desesperadcras de Israel, e não largou a sua apostasia, que era a causa verda­ deira daquela tribulação. Provavelmente devemos compreender que o rei já estava usando o pano de saco per baixo de soas vestes. Uma vez rasgada a roupa externa, isso permitiu que as pessoas vissem as roupas de baixo, feitas de pano de saco. isso significa

Estava, porém, Eliseu sentado em sua casa. Essa casa, presumivelmente, ficava em Dotã (ver II Reis 6.13). Vários anciãos de Israel c estavam visitando. De súbito ele soube, mediante seu conhecimento especial (ver as notas em II Reis 6.6,7), que um mensageiro da parte do rei estava chegando a fim de decapitá-lo. Provavelmente o perverso homem vinha na companhia de um des­ tacamento do exército. Seja como for, Eliseu ordenou que a porta da casa fosse barrada, porquanto sabia que o rei viria não muito atrás, e que invadiria a su3 casa. Ele daria a ordem de execução, e um soldado decapitaria c profeta. Cf. II Reis 5.9 É provável que os anciãos estivessem na casa oara discutir com o profeta o que deveria ser feito para derrotar os sírios, que tinham causadc toda aqüela fome e aflição. O rei não daria ouvidos às soluções “de.es". Ele tinha uma solução radical de sua própria decisão: executar o profeta. Vedes como o filh o do homicida mandou iirar-m e a gabeçj? Na qualida­ de de assassino potencial (e provave!mente um homem que já teria matado alguém, em uma insensata violênciai o rei de Israel foi chamado de filho de homicida, ou seja, alguém cuja principal característica era matar outras pessoas. Talvez haja nessas palavras uma referência ao fato de que Acabe matou Nabote (ver I Reis 21.19). O atual rei de Israel era descendente de Acabe, e queria pôr em prática o seu violento caráter. Se Jeorão era o rei atual, então era o filho do assassino anterior, Acabe. Josefo pensa que os anciãos mencionados reste versículo seriam os apren­ dizes de profetas, mais idosos, e não oficiais de Israel, como aqueles de Samaria, a capital (ver Antiq. 1.fr, cap. 4, sec. 4). 6.33 Falava ele ainda com eies. Eliseu, mediante seu conhecimento especial (ver as notas em 6.32), tinha previsto a breve chegada do mensageiro do rei que pronunciaria a ordem oe prisão do profeta, e após quem, logo em seguida, chega­ ria o próprio rei, com os seus soldados. Evidentemente, ele foi ajmitido no interior da casa, pois lego fez sua pronunciação.

Desespero. Em lugar de anunciar a detenção de Eliseu, o homem simples­ mente referiu-se à situação de Israel como sem esperança. O culpado pelo cerco era Yahweh, e apelar ao homem não faria bem algum. Mas também não ter.a efeito algum a execução do profeta de Deus. O que lhes restava fazer era sim­ plesmente submeter-se aos sírios e permitir-lhes que fizessem o que melhor achassem, pois sõ sso acabaria com toda aquela miséna. Era melhor morrer do que continuar na situação em que estavam. “Aparentemente, Eliseu oissera a Jorão que Deus havia dito que ele não deveria render-se a Ben-Hadade, mas, antes, deveria esperar pelo livramento divino. Mas visto que nenhuma ajuda divi­ na estava à vista, Jorão resolvera tomar a q-estão em suas própnas mãos” (Thomas L. Constable, m loc.). Isso significava que ele deveria executar o profeta de Deus, esperando que com essa execução surgisse alguma diferença para melhor. Ou, então, ele simplesmente desistiria e permitina que os sírios fizessem o que bem entendessem. Alguns intérpretes pensam que o mensageiro foi o próprio rei de Israel (assim diz a tradução da Revised Standard Version). Ou então devemos en­ tender que o rei chegou imediatamente depois do mensageiro, e quem falou foi o rei, conforme temos a impressão, mediante a leitura de nossa versão portuguesa.

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II REIS

C a p ítu lo S e te Eliseu Não É Executado (7.1,2) Não há nenhuma ruptura entre os capítulos sexto e sétimo de II Reis. A história continua sem interrupção. Eliseu continuou com suas profecias otimistas, que o rei viera a rejeitar como palavras enganadoras (ver II Reis 6.33). Mas logo Eliseu seria vindicado, provando assim que era um verdadeiro profeta do único Deus vivo e verdadeiro, Vahweh.

Dicionário o artigo chamado Portão. A legislação mosaica requeria que eles fos­ sem isolados (ver Levítico 13.46). A palavra hebraica sara’at, traduzida pelas versões mais antigas como “lepra”, provavelmente incluía essa enfermidade, mas também incorporava outras enfermidades cutâneas, até mesmo míldios e fungos que nada têm a ver com a lepra (doença de Hansen). Quanto a descrições completas da sara’at e das enfermidades que podiam ser cobertas por esse termo, ver a introdução ao capítulo 13 de Levítico. A fantasia judaica põe o ex-servo de Eliseu, Geazi, e seus filhos, entre os leprosos que figuram nessa história ( Talmude Bab. Sotah, folha 47.1 e Sanh. foi. 107.2). Ver II Reis 5.20 ss quanto à história de Geazi, sobre como ele se tornou um leproso por causa de sua ganância.

7.4 Então disse Eliseu: Ouvi a palavra do Senhor. A chegada repentina do mensageiro do rei, logo seguida pela chegada do próprio rei, provocou uma nova profecia. O povo de Samaria seria aliviado de seu desespero. Seria uma estupi­ dez matar o profeta de Deus, e seria igualmente estúpido permitir que os sírios entrassem na cidade e realizassem seu ritual de matança e saque. Uma interven­ ção divina seria a solução apropriada para o problema. O cerco logo terminaria. Suprimentos alimentares em breve retornariam. E a vida continuaria. Amanhã, a estas horas mais ou menos. Os preços cairiam drasticamente. Isso aconteceria porque o cerco seria levantado. Ver as notas em II Reis 6.25 quanto aos preços horrivelmente altos a que tinham chegado os alimentos na cidade. Note-se, igualmente, como Israel estava comendo coisas impróprias e proibidas para consumo humano. Um alqueire. No hebraico, a palavra usada aqui é seah. Ver no Dicionáno o artigo denominado Pesos e Medidas, seção VII. O seah de trigo custaria um siclo, e dois seahs de cevada poderiam ser comprados pelo mesmo preço. Ver sobre o siclo em Êxodo 30.13 e Levítico 27.25, e também o artigo chamado Dinheiro, ponto II, no Dicionário. Apesar de não haver maneira de calcular o poder de compra moderno de um siclo, provavelmente valeria um dólar e meio. Esse preço não seria baixo, mas era muito melhor do que os preços que até ali prevaleciam. Pelo menos, o povo conseguiria comer. O trigo seria consumido pelo povo em geral, e a cevada, pelos mais pobres e pelos animais. Ver o versículo 16 deste capítulo quanto ao cumpri­ mento dessa profecia. Ver Juizes 7.13 quanto ao uso da cevada. À porta de Samaria. O comércio voltaria a funcionar no portão da cidade, o lugar favorito para vendas, compras e escambo. Isso significa que os sírios aban­ donariam o lugar e voltariam para casa.

Vamos, pois, agora, As vítimas da sara'at dependiam de sua própria agricul­ tura e da caridade alheia. Elas tinham de organizar-se em comunidades separa­ das e auto-sustentadas, mas as referências históricas e literárias mostram-nos que, com freqüência, viviam como esmoleres. É provável que os leprosos que figuram na presente história também vivessem como esmoleres. O povo de Samaria deixou de suprir-lhes alimentos, porquanto eles mesmos nada tinham para comer, em face do cerco dos sírios. Portanto, fora das muralhas da cidade, lá estavam eles, padecendo fome, tal como o resto dos cidadãos de Samaria e daquela região geral.

A Condição Era Desesperadora. Eles estavam famintos. Portanto resolveram entregar-se aos sírios, pois eram estes que tinham alimentos. A pior coisa que poderia acontecer seria os sírios matarem aqueles pobres esmoleres leprosos. Mas talvez lhes fosse dado algo para comer e assim salvar a vida deles. Em desespero, resolveram arriscar a própria sorte.

7.5 Levantaram-se ao anoitecer. Os leprosos dirigiram-se ao acampamento dos sírios, em seu ato de desespero. Mas, chegando ali, não encontraram um único homem. Marcharam atravessando o acampamento inteiro. Procuraram al­ guém por toda a parte. De fato, o acampamento estava totalmente deserto. A nossa versão portuguesa diz “ao anoitecer” . O versículo nono confirma que eles foram até o acampamento dos sírios durante a noite. Ao amanhecer o dia, entretanto, foram contar as boas-novas aos habitantes de Samaria. Por outra parte, é difícil ver por que os leprosos se internaram no acampamento dos sírios à noite. A palavra hebraica nehshaf pode indicar o começo ou o fim da noite, um tempo quando ainda há alguma luz do sol, ou no fim da madrugada, antes do sol aparecer no horizonte.

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7.6 Um dos principais auxiliares do rei, em quem o monarca se amparava (literal ou figuradamente), achou que a profecia era totalmente carente de realidade. Para que o trigo e a cevada fossem comprados por tais preços, “no dia seguinte", Deus teria de abrir janelas no céu e derramar o cereal do céu na terra. Para ele, nenhum modo humano de suprimento faria a coisa acontecer em tão breve tem­ po. Além disso, ele não acreditava em um suprimento divino. Ao homem que duvidara, o profeta retrucou que ele veria com seus próprios olhos o “milagre” acontecer, mas, por causa de seu ceticismo sarcástico, não lhe seria permitido tirar benefício pessoal da repentina onda de prosperidade. O versículo 17 deste capitulo mostra-nos que o homem sofreu de morte violenta, e assim a segunda profecia também teve cumprimento cabal.

Fizera ouvir no arraial dos sírios rufdo. A razão da partida dos sírios. Yahweh fizera soar o ruido como de um imenso exército, equipado com inúmeros cavalos e carros de combate. Os sírios chegaram imediatamente à conclusão de que o rei de Israel havia alugado um grande exército de mercenários para lutar contra eles. Seus inimigos perenes, os hititas e os egípcios, facilmente concorda­ riam em lutar em troca de dinheiro, de modo que esses povos deveriam estar envolvidos, raciocinaram os sírios. O modus operandi do ruído não foi explicado pelo autor sagrado. Alguns estudiosos supõem que uma hoste de anjos tenha sido responsável pelo ruido.

7.7 Fim do Cerco (7.3-20) A História dos Leprosos (7.3-10) A intervenção divina que Eliseu havia predito (li Reis 7.1,2) logo teve lugar. O autor sagrado contou-nos uma interessante história lateral que esteve relacionada à sua história principal, sobre o levantamento do cerco por parte dos sírios. Aqueles miseráveis leprosos tomaram-se mensageiros das boas-novas, embora tivesse levado algum tempo para o rei de Israel descobrir pessoalmente a verdade dos fatos. De fato, o cerco havia sido levantado, e a profecia de Eliseu, ainda que improvável, fora cumprida com precisão. Isso demonstrava, uma vez mais, que ele era um verdadeiro profeta do único Deus vivo e verdadeiro, Yahweh. Israel deveria tê-lo ouvido e abando­ nado sua idolatria e apostasia. Contudo, a despeito das histórias maravilhosas de milagres, Israel preferia persistir no mal. O cativeiro assírio não estava longe. Israel em breve deixaria de existir como uma nação. Ver sobre Cativeiro Assírio, no Dicionário.

7.3 Quatro homens leprosos. Os leprosos, muito provavelmente, estavam abri­ gados em cabanas que havia fora do portão da cidade de Samaria. Ver no

Pelo que se levantaram, e, fu g in d o ao anoitecer. A fuga dos sirios foi completa e precipitada. Os sirios, aterrorizados pelo ruído divinamente provo­ cado, partiram sem levar coisa alguma. Deixaram intacto o próprio acampa­ mento e até abandonaram os animais, seguindo a pé. Deixaram para trás todos os seus objetos valiosos e seus alimentos. Os saqueadores certamente tiveram um dia de abundância! “ Este versículo nos dá um vivido quadro de uma fuga apressada, na qual tudo foi esquecido, exceto a segurança pessoal” (Ellicott, in loc.).

7.8 Comendo e Enriquecendo. Os leprosos atravessaram todo o acampamento dos sirios, apossaram-se de toda espécie de alimento e bebida, e reuniram coisas valiosas como prata, ouro e vestes. Eles entravam e saiam do acampamento, recolhendo cada vez mais e escondendo tudo. Josefo diz-nos que eles fizeram quatro assaltos ao acampamento (ver Antiq. 1.9, cap. 4, sec. 4). Aqueles leprosos tinham acabado de tornar-se financeiramente independentes. Eles tinham um suprimento para a vida inteira de tudo quanto poderiam precisar. Oh, Senhor! Concede-nos tal graça!

II REIS Era uma prática oriental comum esconder artigos de valor no chão ou em lugares secretos nas casas. Isso lhes servia de bancos. Os antigos não dispu­ nham de cofres, como nós os possuímos modernamente. 7.9 Não fazemos bem: este dia é dia de boas novas. Um toque de consciên­ cia. Aqueles leprosos, antes pobres mas agora ricos, tiveram um estalo em sua consciência. Ali estavam eles, comendo, bebendo e alegrando-se, e enriquecen­ do, enquanto mulheres e crianças sofriam de inanição na cidade de Samaria. Eles não estavam “agindo corretamente". Além disso, se continuassem a agir como estavam fazendo, não compartilhando do que tinham achado, algum castigo po­ deria alcançá-los, por causa de seu egoísmo. Assim sendo, chegaram à conclu­ são de que era tanto no interesse próprio como no interesse da comunidade, que eles espalhassem as boas-novas. “Nessas verdades encontramos uma verdade profunda. Em nenhum departa­ mento da viaa pode alguém receber um grande presente e recusar-se a comparti­ lhar sem que pratique grande mal. Quando um homem tem grandes riquezas mas as guarda para si mesmo, sofre deterioração moral. Quando uma pessoa tem o beneficio de ter recebido uma boa educação, mas usa essa vantagem somente para fins pessoais e egoístas, em lugar de usá-la como um instrumento de serviço social, sua educação torna-se uma maldição para ele, em lugar de uma bênção" (Raymond Calking, in loc.). Precisamos publicaras nossas boas-novas. Já recebemos o dom inefável, as insondáveis riquezas de Cristo. Uma maldição aguarda aqueles que não compar­ tilham essas bênçãos (ver I Coríntios 9.16). “Em lugar de sofrer como criminosos, eles preferiram ser tratados como heróis. Assim sendo, decidiram retomar a Samaria e proclamar suas boas-novas" (Thomas L. Constable, in loc.). 7.10,11 Logo os leprosos estavam nos portões de Samaria, comunicando as boasnovas aos porteiros da cidade. Dali, o recado espalhou-se até a casa do rei. Aqueles homens tinham cumprido os ditames de sua consciência, e ninguém tiraria deles as riquezas que haviam adquirido de maneira tão surpreendente. Yahweh tinha feito intervenção em favor de Israel; os sírios haviam fugido por causa do ruído divino (ver o vs. 6 deste capítulo). Yahweh também havia intervin­ do em favor daqueles miseráveis leprosos: agora eram homens financeiramente independentes. Isso reflete a posição do teísmo (ver a respeito no Dicionário). O Criador não é uma força distante que criou, mas então abandonou o seu universo (conforme ensina o deísmo). Pelo contrário, Ele continua vivendo entre os ho­ mens; Ele recompensa e castiga; Ele intervém na história humana, coletiva e pessoal. Ele se preocupa até com os pardais que caem no chão (ver Mateus 10.29). Os leprosos contaram a história exatamente conforme tinham acontecido as coisas, sem nada adicionar e sem nada subtrair. Os sírios haviam realmente fugido; eles tinham, na realidade, deixado para trás seus animais, seus alimentos e seus objetos valiosos. O acampamento deles tinha sido reduzido a uma cidadefantasma. 7.12 Bem sabem eles que estamos esfaimados. Um alegado truque dos sírios. O rei de Israel não aceitou a palavra dos leprosos como se eles representassem a verdade inteira. Sim, os sírios haviam abandonado o seu acampamento. Não, eles não tinham voltado para a Síria, pensou o rei. Antes, estavam tramando um ardil. Os famintos israelitas sairiam correndo pelos portões da cidade para obter alimen­ to no acampamento dos sírios. E, então, de súbito, os inimigos se atirariam sobre o povo e matariam todos. Por conseguinte, o rei de Israel recomendou extrema cautela. Os sírios não tinham sido capazes de romper a resistência dos samaritanos (conforme estes poderiam pensar); e assim, um truque faria o que a fome não tinha conseguido fazer. 7.13,14 Tomaram, pois, dois carros com cavalos. Um Teste. Um dos oficiais do rei de Israel sugeriu que se fizesse uma espécie de teste, conforme o que os lepro­ sos tinham feito. Samaria enviaria uma companhia de pessoas que serviria de teste. Eles sairiam com duas carroças e cavalos, para ver se os sírios os atacari­ am. Além disso, observariam cuidadosamente todo o terreno em redor, para ver se o inimigo estaria escondido em algum lugar. Assim fazendo, eles poderiam ser mortos; mas, se permanecessem na cidade, morreriam de fome de qualquer maneira. Portanto, lançaram sua sorte ao destino. Foi um esforço de la z e r ou morrer” . O oficial sugeriu que cinco cavalos e seus cavaleiros se arriscassem. Em lugar disso, entretanto, saíram duas carroças puxadas por dois cavalos cada uma.

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O versículo 14 pode dar a entender que uma única carroça, com seus dois cavalos, e provavelmente uma equipe de dois homens, saiu da cidade. Mas o hebraico diz, literalmente, “duas carroças de cavalos", isto é, duas carroças com dois cavalos cada uma. Assim sendo, eles saíram, tendo pouco que perder e (talvez) muito que ganhar, a mesma situação que os leprosos haviam enfrentado. Situações desesperadoras exigem esforços desesperados. 7.15 O grupo de risco aproximou-se primeiramente do acampamento dos sírios, e depois foi até o Jordão, espiando o território. Isso significa que eles percorreram cerca de quarenta quilômetros no total. Não encontraram, contudo, um único sírio. O que eles encontraram foram evidências de uma retirada precipitada. De fato, a retirada havia sido caótica. Eles haviam deixado para trás uma trilha de vestes e equipamento. Ao que tudo indica, haviam atravessado o rio Jordão e desapareci­ do. “Em seu espanto e medo, eles lançaram fora as vestes e as armaduras de guerra que os tolhiam” (John Gill, in loc.). Josefo fala em armaduras como inclu­ sas entre os itens abandonados pelos sírios (ver Antiq. 1.9, cap. 4, sec. 4). Um bom relatório foi dado ao rei de Israel, e muitos dos habitantes de Samaria imediatamente mobilizaram-se para ir buscar tanto quanto pudessem; que servis­ sem primeiramente a si mesmos, e depois, vendessem o que pudessem a outros. 7.16

Comendo e saqueando. Os famintos israelitas imediatamente invadiram o rico acampamento sírio. Havia ali muitos alimentos e artigos valiosos que os leprosos não tinham conseguido tomar. Primeiramente, cada pessoa encheu o estômago com alimentos, e então encheu suas sacas com objetos de valor. Assim, de repente, houve abundância de alimentos, que logo eram comerciados. Os preços cobrados pelos artigos foram exatamente aqueles preditos pelo profeta (ver as notas expositivas em II Reis 7.1). Isso foi o cumprimento da “palavra de Yahweh", visto que o profeta tinha proferido a palavra do Senhor, e não a sua própria palavra. Aqueles que não tinham corrido para o ex-acampamento dos sírios, e que haviam preferido ficar em Samaria, logo estavam comprando alimen­ tos dos que tinham ido. Admiramo-nos por qual motivo, naquele dia, o alimento não poderia ter sido distribuído de graça; mas a verdade é que a generosidade do homem não é muito grande. O eu sempre se faz presente, querendo mais. Assim, vemos o espetáculo de “comerciantes” de estômago cheio a vender cereal sírio para seus vizinhos famintos! 7.17 O povo o atropelou na porta, e ele morreu. Cumprimento da terrível predi­ ção. O oficial do rei que havia duvidado da verdade da profecia de Eliseu, contra quem fora proferida uma maldição (vs. 2), ficou encarregado de cuidar do portão, para manter as coisas sob controle. Mas a multidão se precipitou loucamente, e o pisoteou até a morte, tal e qual o “homem de Deus” havia dito que aconteceria. O comércio pegou fogo naquele dia. O cereal sírio estava sendo vendido em grande quantidade. A multidão parecia enlouquecida, de tanto vender e comprar. O pobre oficial do rei perdeu a vida no meio daquela loucura. “Portanto, ele viu a abundân­ cia de alimentos, mas não participou dela, conforme Eliseu havia predito que aconteceria (vs. 2)" (John Gill, in loc.). Além da atividade de comprar e vender, o povo se precipitava pelo portão da cidade para ir visitar o ex-acampamento sírio, o que só aumentava a confusão. Era impossível manter a ordem. “Aquele homem havia ridicularizado a capacidade de Deus fazer aquilo que Ele disse que faria (ver o vs. 2). A sorte que Eliseu havia predito o alcançou” (Thomas L. Constable, in loc.). 7.18 Assim se cum priu o que falara o homem de Deus. Este versículo repete o que já fora dito nos versículos segundo e décimo sexto deste capítulo. Foi algo realmente notável, que mereceu ser reiterado. O “homem de Deus" havia dito que “amanhã” o cereal estaria sendo vendido pelos preços mencionados, e essa pre­ dição parecera claramente impossível, considerando os itens pouco apetecíveis (cabeças de jumentos e esterco de pombas, II Reis 6.25) que, no dia anterior, estavam sendo vendidos a preços astronômicos. Yahweh fizera o impossível. Foi um dos maiores milagres esse de livrar o povo dos inimigos de Israel, ao mesmo tempo que havia provisão alimentar abundante, tudo ao mesmo tempo. 7.19 Este versículo faz referência ao versículo segundo deste capítulo, o ridículo lançado pelo oficial do rei de Israel. Seria claramente impossível que o cereal fosse vendido por qualquer preço em Samaria, no dia seguinte, quanto menos ao preço que o profeta havia estipulado. Para que isso acontecesse, seria necessário

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que Yahweh abrisse as janelas do céu e vertesse o cereal sobre a terra, conforme fazia cair a chuva. O homem falou com sarcasmo sobre a profecia de Eliseu, e no dia seguinte pagou com a própria vida a sua insolência. O autor sagrado queria que entendêssemos que fora Yahweh quem fizera aquele milagre. Ele deu ao povo alimento mediante um método miraculoso. Quem fez aquilo não foi Baal, que era apenas um conceito imaginário, circundado por ídolos destituídos de vida. O milagre foi mais um chamado para Israel arrependerse e abandonar a idolatria. Mas foi outro convite inútil. Israel estava enterrado até o pescoço em sua degradação. 7.20

Este versículo tece considerações sobre os versículos segundo e décimo sétimo deste capítulo. O homem que havia ridicularizado a profecia de Yahweh e Seu profeta, por meio de quem, se dera a conhecer, sofreu exatamente aquilo que foi predito a respeito dele. Ele foi pisoteado até morrer, no portão da cidade, para onde o rei o enviara para ajudar a manter a ordem, Foi vítima de sua própria incredulidade, uma história muito antiga entre os homens.

C a p ítu lo O ito A Mulher de Suném e a Fome (8.1-6) “Eliseu sabia que estava chegando um período de sete anos de fome, de forma que disse à sua hospedeira em Suném — a bondosa mulher que lhe mandara construir um cenáculo no qual ele costumava alojar-se, e cujo filho ele restaurara à vida - que migrasse por algum tempo para o país dos filisteus. Isso ela fez. Terminados os sete anos, ela voltou e apelou ao rei para que sua casa e sua propriedade fossem devolvidas. Além disso, Geazi estava na corte, contando ao rei os feitos miraculosos de Eliseu, particularmente como ele ressuscitara o morto à vida. Assim, Geazi voltou-se e mostrou a mulher ao rei, o qual imediata­ mente enviou um oficial da corte, com ela, para garantir que a propriedade dela lhe fosse devolvida” (Norman H. Snaith, in loc.). O conhecimento especial de Eliseu é novamente enfatizado. Ver sobre isso em II Reis 6.6,7. Esse conhecimento superficial o destacava como um autêntico profeta de Yahweh, o único Deus vivo e verdadeiro. Em contraste com Deus, Baal era apenas um deus-lua. Portanto, de Israel esperava-se que abandonasse a sua idolatria e se voltasse para Yahweh. Eliseu, em sua vida e com seus milagres, continuava a comunicar essa mensagem. Mas Israel insistia em ignorá-la.

terras abandonadas fossem tomadas por outras pessoas. Talvez fossem vizinhos que se tinham apossado das terras, ou mesmo parentes que não tinham direito a elas. Pois aquelas terras pertenciam a seu marido, a ela e aos filhos do casal. É até mesmo possível que o próprio governo se tivesse apossado das terras. 8.4 Ora, o rei falava a Geazi. Muito provavelmente, a história aqui relatada ocorreu antes que o servo especial de Eliseu se tivesse tornado leproso (ver a história no capítulo 5, e ver sobre Geazi no Dicionário). Aquele homem, como um leproso, não poderia andar circulando livremente pela sociedade, e, muito menos ainda, ter acesso ao rei. O rei, pois, estava recebendo um relatório em primeira mão, da parte de uma testemunha ocular, de todas as maravilhas que Eliseu tinha feito, e foi exatamente naquele momento que uma das pessoas — a mulher sunamita — que tinha recebido um milagre especial do profeta apareceu para registrar sua queixa sobre suas terras furtadas. Naturalmente, isso não ocorreu por mera coincidência, mas foi um acontecimento arranjado providencialmente por Yahweh. Ver na Enciclopédia de Bíblia, Teologia e Filosofia o verbete chamado Chance. Esse incidente foi outorgado para benefício da mulher. Nada acontece por mero acaso. Quanto a uma lista (gráfico) dos milagres de Eliseu, ver a exposição sobre II Reis 2.9. Quanto ao fato de ele ter recebido dupla porção do Espírito de Elias, e realizado mais ou menos o dobro dos milagres efetuados por Elias, ver a introdu­ ção a II Reis 2.19. Julgamos que Jeorão tinha mais curiosidade em saber dos milagres de Eliseu do que em ser sério quanto a mudar de vida e abandonar a idolatria. Esses milagres apontavam para Yahweh, o único Deus vivo e verdadeiro. Mas o rei de Israel nunca abandonou sua adoração a Baal. Ele gostava de ouvir histórias, mas não estava interessado na sua própria transformação espiritual.

Contava ele ao rei. No momento exato em que Geazi contava ao rei de Israel acerca de como Eliseu ressuscitara o menino dentre os, a mãe do rapaz apareceu para registrar queixa sobre como sua propriedade fora furtada (por invasores), quando ela tinha ido à Filístia, por causa da fome. E este o seu filho. Agora um rapaz crescido e acompanhando a sua mãe, uma prova viva do poder do profeta de Deus e uma força convincente que foi capaz de fazer o rei cuidar para que as propriedades da mulher lhe fossem devolvidas por parte dos invasores.

8.1 Falou Eliseu àquela m ulher cujo filh o ele restaurara à vida. Quanto à

essência da história, ver a introdução ao presente capítulo. ‘ Este relato ilustra o maravilhoso cuidado de Deus por aqueles que N'ele confiam, mesmo em tempos de apostasia popular” (Thomas L. Constable, in loc.). Os atos de Eliseu foram benefícios. Ver no Dicionário o artigo chamado Lei Moral da Colheita segundo a Semeadura. (Quanto à fome, cf. II Reis 4.38; 6.25; 7.4.) A Palestina, aquela terra quente e poeirenta, era com freqüência sujeita à seca e à fome. Ver também o verbete chamado Fome. Essa condição foi um instrumento na mão divina para castigar um povo apostatado. Quão dependentes somos, até hoje, da chuva! Quão dependentes somos, até hoje, da água da vida! Ver no Dicionário o artigo denominado Água, quanto a sentidos literais e metafóricos.

8.2 Levantou-se a mulher. Outro juízo divino é ameaçado. A mulher fugiu, obe­ decendo à palavra do profeta. Os quatro juízos divinos: a espada; a fome; as feras; a pestilência. Esses eram, com freqüência, os “quatro maus juízos" de Yahweh. Ver Ezequiel 14.21.

Terra dos Filisteus. Ou seja, as terras das costas baixas do mar Mediterrâ­ neo, que não estavam sujeitas à seca, como o interior da Palestina. (Cf. Gênesis 12.10; 26.1.) Além disso, os filisteus contavam com um comércio marítimo, que aliviava qualquer problema drástico das condições atmosféricas. Ver Joel 3.4-6. Lembremo-nos de que Isaque havia migrado para a terra dos filisteus em tempo ae fome (ver Gênesis 26.1). Ao que tudo indica, era essa uma reação comum diante da seca e da fome resultante (ver Gênesis 12.10; 43.2; 46.6). 8.3 E saiu a clamar ao rei pela sua casa e pelas suas terras. Naturalmente, na ausência da mulher, sua casa e suas propriedades tinham sido invadidas. Os israelitas não eram destituídos de terras, porquanto cada família (mediante a legislação mosaica) tinha suas próprias terras e fazendas. Mas era natural que as

Interrogou o rei a mulher. O rei questionou a mulher sunamita, a qual não se furtou de contar coisa alguma ao monarca israelita, confirmando a história que Geazi tinha contado. E as duas histórias coincidiram. Isso o convenceu da justiça do caso, e, sem nenhuma hesitação ou demora, ele nomeou um oficial para que expulsasse os invasores das propriedades.

Uma Restauração Completa. Não bastava que a propriedade fosse devolvida aos seus legítimos proprietários. Tudo quanto fora produzido ali — os produtos agrícolas, quaisquer proveitos de qualquer espécie, derivados do uso das terras — teve de ser devolvido. Isso foi feito, e a propriedade, quando o autor sagrado registrou a história, continuava nas mãos da família da mulher. Quando erros são cometidos, não é suficiente arrepender-se. Restituição também precisa ser feita. Ver no Dicionário o artigo chamado Reparação (Restituição). A História de Eliseu e Hazael (8.7-15)

Ben-Hadade (ver a respeito dele no Dicionário) estava muito enfermo. Ele enviou Hazael, um oficial de confiança do reino sírio, para indagar de Eliseu sobre suas chances de recuperação da saúde, provavelmente também esperando algu­ ma espécie de cura divina, da mesma maneira que seu general, Naamã, havia sido curado de sua lepra, ou de alguma outra enfermidade designada pela palavra hebraica sara'at. Ver o quinto capítulo de II Reis. Elias predisse que daquela enfermidade Ben-Hadade se recuperaria, mas havia outro perigo oculto que tiraria a vida dele. Houve aquela cena dramática do profeta a chorar, quando (em seu transe), ao dar a profecia, ele viu toda a confusão e destruição que Hazael provocaria. Eliseu nada lhe disse na ocasião, mas o profeta viu que esse homem assassinaria o rei da Síria e subiria ao trono. Voltando ao rei, Hazael transmitiu o recado sobre a enfermidade, mas no dia seguinte assassinou o rei da Síria. Isso aconteceu em cumprimento da profecia de Elias (ver I Reis 19.15,16). Hazael estava então destinado a tornar-se um grande látego de Israel, matando muitos. Aqueles que ele não matasse seriam mortos pelo novo rei, Jeú. E assim a casa de Acabe, da qual Jeorão fazia parte, seria varrida da face da terra. Ver II Reis 9.4-10.

FILOSOFIA HEBRAICA DA HISTÓRIA 1. A história inicia-se com o ato divino da criação. 2. Ela continua através de atos, orientações, intervenções, imposições e permissões divinas, isto é, teística e teologicamente. 3. O livre-arbitrio humano é usado, não destruído, pelo desejo divino, mas como, isso nós não sabemos. 4. Deus prevê que o homem agirá livremente, portanto, ele faz exatamente isso. 5. Os hebreus eram fracos em causas secundárias, assim, atribuía tudo, o bem e o mal, à Causa Primeira e Primária, Deus. 6. A idéia dos hebreus sobre a história é que ela é um movimento linear, isto é, indo de um evento para outro, com um objetivo distante na direção do qual todas as coisas se movem. 7. A redenção e realização futuras ocorrerão no Messias

FILOSOFIA CRISTÃ DA HISTÓRIA 1. De maneira geral, a filosofia cristã emprestou o ponto de vista dos hebreus, mas adicionou a ele novas dimensões. 2. A história está dentro, é para servir e é para o Logos: Col. 1.15,16. 3. O poder criativo é identificado com o Logos e o Logos com o Filho: João 1.1,14. 4. A história se move na direção da Parousia de Cristo: Apo. cap. 19. 5. A salvação é a mais alta realização do processo histórico do homem: Luc. 19.10. 6. O amor é a única lei universal. Ele guia a história na direção da bondade e da realização: I Cor. cap. 13. O amor é o impulso vital e o instrumento de todo o progresso espiritual: I João 4.7 ss. 7. Compartilhar da natureza divina é o maior conceito teológico do homem e é o objetivo de todos os homens: II Ped. 1.4..

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Ben-Hadade foi morto em cerca de 841 A. C., portanto o cativeiro assino estava apenas a cento e dezenove anos no futuro (722 A. C.). Isso poria fim definitivo ao reino do norte (Israel). A idolatria e a apostasia seriam assim punidas. Hazael faria parte na imposição desse juízo divino. Ver no Dicionário o verbete intitulado Cativeiro Assírio. 8.7 Velo Eliseu a Damasco. Conforme as circunstâncias determinaram, Eliseu foi a Damasco (por razões desconhecidas), e isso facilitou a que Ben-Hadade consultasse o profeta a respeito de sua saúde. Como é óbvio, essa foi outra coincidência divinamente ordenada. Ver as notas expositivas sobre o versículo 4 do presente capitulo. Ben-Hadade naturalmente sabia da reputação do profeta, e especialmente como ele havia curado Naamã, um alto oficial do exército sírio, de sua lepra. Assim, pensou ele, lhe fora dada a grande oportunidade de consultar o renomado profeta, em sua própria cidade. Mas sua condenação estava próxima. Os intérpretes judeus embelezam a história dizendo que Eliseu foi a Damasco para levar Geazi, seu ex-moço desviado, ao arrependimento. Mas não há possibili­ dade de que Geazi, no tempo do acontecimento relatado nos versículos quarto a sexto, fosse um leproso. Em outras palavras, o trecho de II Reis 8.4-6 deve ter sido escrito antes do capítulo quinto. Mas a cronologia da história foi perturbada.

8.8 Toma presentes contigo. Quando eram visitados, os dignitários (incluindo os profetas notáveis) sempre recebiam alguma espécie de presente. Isso fazia parte dos costumes de cortesia, dos costumes sociais, e também operava como encorajamento para que o dignitário ou profeta cooperasse no tocante ao motivo da visita recebida. O trecho de II Reis 5.16 e 26 quase certamente ensina que Eliseu, contra o costume geral, não aceitava tais presentes. Talvez ele pensasse que o recebimento de presentes comprometeria seu oficio profético, encorajandoo a agradar aos homens, em lugar de Deus. Minhas notas sobre II Reis 5.16 dão detalhes que aumentam nossa compreensão sobre tais questões. Ver também I Samuel 9.7 e I Reis 14.3. Ver Êxodo 23.15 quanto ao principio desse costume na sociedade dos hebreus. Ninguém deveria comparecer diante de Deus sem a dádiva apropriada. Esse costume acabou sendo transferido para o homem de Deus, Seu representante. 8.9 Quarenta camelos carregados de tudo que era bom de Damasco. Em contraste com II Reis 5.17 e 26, dessa vez não somos informados de que Eliseu recusou os presentes. Eles eram ridiculamente abundantes. Foram necessários quarenta camelos para transportar todos os presentes, os quais, sem dúvida, incluíam prata, ouro, sedas, muitas roupas, caros perfumes importados, unguen­ tos, alimentos especiais. Eram todas elas coisas pelas quais uma escola de profetas ansiaria. Novamente, os intérpretes judeus embelezam o texto. Abarbanel sugeriu que os presentes eram todos alimentos, e não prata ou ouro, e esse tipo de presente Eliseu aceitou, porque seria bom para seus estudantes, nas escolas dos profetas. Ben-Hadade, em atitude de respeito, chamou Eliseu de seu pai. Cf. II Reis 5.13 e 6.21. Essa cortesia sem dúvida encorajaria o profeta a proferir uma boa palavra.

do o que iria acontecer. Ele “viu” com aperto no coração, Hazael tornar-se um grande matador. Primeiramente, tiraria a vida de Ben-Hadade; e mais tarde, inva­ dindo Israel, ele mataria muitos. Ele diminuiria em muito a casa de Acabe. Seria um matador de massas. A cena era tão terrível que o profeta começou a chorar, e chorou tão alto e por tanto tempo que Hazael ficou embaraçado, conforme diz a nossa versão portuguesa. A Vulgata Latina mostra-se aqui extremamente gráfica: “Sua fisionomia ficou fixa com um ar de horror indescritível”. Alguns estudiosos dizem que foi Hazael quem ficou embaraçado, ali de pé, vendo a dolorosa cena do grande homem de Deus a chorar como um bebê. Mas a maioria das traduções dá a impressão de que o choro e o embaraço foram ambos de Eliseu. Alguns outros eruditos, porém, dizem que Hazael ficou envergonhado diante de toda a maldade que o profeta estava revelando sobre ele. O longo olhar fixo de Eliseu fez o homem ímpio ter vergonha de si mesmo. O significado exato do trecho nos escapa, mas o seu sentido geral é perfeitamente claro.

8.12 Hazael queria saber por que tanto choro. Eliseu então lhe disse que estava vendo os grandes males que ele efetuaria, incluindo a matança dos filhos de Israel. Ele viu as horrendas guerras provocadas por Hazael; suas tremendas vitórias contra Israel; como ele destruiria fortalezas israelitas; como ele mataria jovens israelitas; como mataria crianças e violentaria e destruiria mulheres grávidas, dando a entender que as abriria ao meio para matar seus fetos. Cf. II Reis 15.16. Ver II Reis 10.32,33 e 13.3,4 quanto ao cumprimento dessas horrendas predições. Horrendas, sim; mas essas coisas eram atos comuns de homens violentos em tempos de guerra. Cf. Amós 1.3,4,13 e Oséias 10.14 e 13.16. 8.13 Pois que é teu servo, este cão, para fazer tão grandes cousas? Ou Hazael ficou chocado, ou fingiu ter ficado chocado diante do que o profeta dissera: “Seria ele um cão, uma besta, capaz de tais atrocidades?". Eliseu não respondeu direta­ mente à pergunta de Hazael, mas somente deixou entendido que, na qualidade de “rei da Síria”, ele realizaria esses atos sangrentos. Quando ele conseguisse o poder apropriado, ele o usaria para praticar tais males. Quando ele subisse ao trono da Síria, seria um homem de violência e destruição. A maioria dos monarcas tornam-se reis por terem sido grandes matadores ou guerreiros, e esse era o melhor tipo de rei que um povo poderia ter naqueles dias de violência. Tais reis ocasionalmente sai­ am-se bem no campo da economia, mas sua principal virtude era manter os inimi­ gos a distância, e somente as matanças eram suficientes para isso. Além disso, muitos deles precisavam provocar matanças e, quando as coisas ficavam quietas demais, eles invadiam países estrangeiros para brincarem com seus brinquedos violentos. ... Deixai-os brincar.

Que os canhões ladrem e os aviões de bombardeio Falem suas blasfêmias prodigiosas. ... Nunca choreis. Deixai-os brincar. A antiga violência não é tão antiga assim, A ponto de não ser capaz de gerar novos valores. (Robinson Jeffers)

8.10 8.14 A enfermidade não seria fatal. Mas Ben-Hadade morreria em breve, de qual­ quer maneira. Algum perigo inesperado estava para dar o bote, ou seja, o próprio Hazael, que já trazia o assassínio em seu coração. Eliseu sentiu ser impróprio revelar a verdade inteira ao rei. De fato, ele nem ao menos avisou para que BenHadade fosse cuidadoso. Também não lhe disse no que consistia o perigo desco­ nhecido. Nesse caso, podemos compreender o porquê. Era parte da sorte ou destino de Ben-Hadade morrer em breve e cumprir, pelo menos em parle, a profecia de condenação que Elias havia proferido (ver I Reis 19.15,16). Hazael, com toda a sua maldade e violência, seria o instrumento divino que diminuiria drasticamente a casa de Acabe, e o novo rei de Israel, Jeú, completaria a tarefa. Portanto, não fazia parte do destino de Ben-Hadade continuar governando a Síria. Hazael tinha de entrar no palco e realizar o seu ato. Cf. II Reis 3.18 ss. Eliseu tinha transmitido uma profecia que era verdadeira somente em parte, e, no fim, bastante distante da realidade dos fatos. Portanto, as profecias podem falhar, tal e qual diz o Novo Testamento (ver I Coríntios 13.8). Mas, no caso presente, Eliseu simplesmente deixou de mencionar parte da verdade, por bons motivos.

8.11 E tanto lhe fitou os olhos que este ficou embaraçado. Eliseu estava contemplando, em visões, os quadros que o Espírito Santo lhe mostrava, indican­

Disse-me que certamente sararás. Hazael deixou Eliseu e foi para o rei, o qual estava ansioso para saber o que o profeta havia dito. Mas Hazael lhe disse somente a parte sobre como a enfermidade não seria fatal. Ele se calou sobre os detalhes de como o próprio Hazael em breve seria rei da Síria, através de um ato de violência. Portanto, o rei sentiu-se bem, mas somente por um dia. No dia seguinte, seria assassinado. 8.15 E o estendeu sobre o rosto do rei até que morreu. A farsa. Hazael tirou a respiração do impotente rei (o homem estava muito enfermo), e assim fez parecer que o pobre homem tinha morrido de morte natural. O violento Hazael foi o sucessor natural no trono da Síria. Ele tornou-se conhecido como homem de ferro, um pode­ roso guerreiro-matador. Era, pois, o homem certo para o trabalho de rei. Elias havia profetizado a grande transformação e o soerguimento do terrível matador (ver I Reis 19.15,16), e Eliseu tinha confirmado a profecia, acrescentando detalhes (vs. 13). Foi assim que o palco foi armado para a obliteração da casa de Acabe e para Israel ser novamente punido por ainda outro homem selvagem. Ver no Dicionário o artigo chamado Lei da Colheita segundo a Semeadura. Ver também a introdução a esta seção, no versiculo sétimo, quanto aos detalhes.

I! REIS A ascensão de Hazael ao poder na Síria e algumas de suas batalhas estão registradas no Obelisco Negro de Salmaneser II (cerca de 860-825 A. C.). Essa pedra acha-se agora no Museu Britânico. Parece que Elias havia ungido Hazael como rei, pelo que ele contava com a autoridade divina por trás de sua missão de destruição (ver I Reis 19.15). Talvez a entrevista de Eliseu com aquele homem tenha sido encarada como sua unção como rei. Hazael não pertencia a alguma linhagem real, mas era um poderoso general do exército. Salmaneser III chamou-o de “o filho de ninguém' (Registros Antigos da Assíria e da Babilônia, 1:246). Mas isso não o impediu de realizar com esperteza sua missão de matança. Ele reinou como rei de Arã por volta de 841-801 A. C., um longo tempo, verdadeiramente. Ele expandiu seus territórios sobre os de Jeorão, Jeú e Jeoacaz, de Israel, e sobre os reinos de Acazias, Atalia e Joás, de Judá. Ver no Dicionário o artigo chamado Síria. Ver também o verbete Rei, Realeza, onde apresento um gráfi­ co com a lista dos reis de Israel e de Judá, em comparação com os reinos de reis de potências estrangeiras. O Reinado de Jeorão (8.16-24)

Relatos Paralelos. O autor dos livros de I e II Reis não alistou primeiramente os reis de Israel, dando descrições sobre eles, para então alistar os reis de Judá, juntando detalhes. Antes, apresentou relatos paralelos, saltando de um reino para o outro, em uma ordem cronológica aproximada. Quanto a esse modus operandi de apresentação, ver I Reis 16.29. “Jeorão tornou-se rei de Judá ante a morte de seu pai, Josafá. Uma menção especial é feita à sua esposa, Atalia, filha de Acabe, por causa de cerlo ato posterior dela, que se apossou do trono de Judá. Foi durante esse reinado que Edom e Libna se revoltaram contra o domínio de Judá” (Norman H. Snaith, in loc.). Cronologia e Comentários. Jeorão foi co-regente com seu pai, Josafá. Essa coregência começou em cerca de 853 A. C., quando Josafá saiu em batalha, em parceria com Acabe, em Ramote-Gileade (853 A. C.), conforme se lê no capítulo 22 de I Reis, contra a Síria. É provável que Josafá tivesse pensado que, enquanto ele estivesse desfechando suas guerras, poderia ter uma pessoa de confiança no trono, em casa. O décimo oitavo ano do reinado único de Josafá, em Judá, cerca de 852 A. C. (quando o filho de Acabe, Jorão, começou seu governo em Israel, II Reis 3.1), foi o segundo ano da co-regência de Jeorão com Josafá (II Reis 1.17). O quinto ano de Jorão, em Israel, foi o ano em que Jeorão começou a reinar sozinho em Judá (848 A. C.). O reinado de Jeorão perdurou treze anos. Isso incluiu sua co-regência. Seu governo sozinho estendeu-se por oito anos (848-841 A. C.). 8.16 Quanto a cálculos cronológicos e à prática do autor de apresentar o material em relatos paralelos, ver a introdução à seção, anteriormente. Algumas traduções dizem “sendo ainda Josafá rei de Judá”, antes de “Jeorão, filho de Josafá”. Mas isso foi uma repetição descuidada feita por algum escriba. A Septuaginta e a versão siriaca omitem essas palavras, e parecem estar corretas, em contradição com o texto hebraico padronizado, o texto massorético. Ver no Dicionário o verbete chamado Massora (Massorah); Texto Massorético. Ver tam­ bém na Enciclopédia de Bíblia, Teologia e Filosofia o verbete intitulado Manuscri­ tos Antigos do Antigo Testamento. Poder-se-ia argumentar que a infeliz repetição foi obra do autor original, e que o texto massorético a preservou. Nesse caso, as versões Septuaginta e siriaca simplificaram o texto original. 8.17 E reinou oito anos em Jerusalém . Foram somente oito anos de reinado de Jeorão, como rei único. Mas reinou um total de treze anos se contarmos os anos de co-reinado com seu pai. Ver a introdução à seção quanto a detalhes sobre essa questão. Seu reinado único foi de cerca de 848 a 841 A. C. Tinha trinta e dois anos de idade quando começou a reinar, portanto viveu somente até os quarenta anos de idade. Ver sobre Jeorão no Dicionário, e também no artigo chamado Judá, Reino de, quanto a detalhes sobre a sua vida. Ele foi filho de um pai piedoso, mas de uma mãe ímpia, e preferiu seguir o exemplo deixado por sua mãe. Foi ao extremo de matar seus próprios irmãos (ver II Crônicas 21.4). 8.18 A filha deste [Acabe] era sua mulher. Jeorão cometeu o erro fatal de casarse com a filha de Acabe e Jezabel, Atalia. Ela era uma mulher determinada e cheia de recursos, tal e qual sua mãe tiria, Jezabel. Ver o vs. 26. Jeorão seguiu a linhagem dos reis maus, os de Israel e os de Judá, promovendo a idolatria, a adoração a Baal e a adoração ao bezerro de Betei. Ele implantou lugares altos

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para propósitos idolátricos e compeliu seus súditos a submeter-se ao ridículo e à adoração de deuses pagãos estrangeiros. Ver II Crônicas 21.1. “O autor de II Reis mencionou apenas dois dos acontecimentos infelizes do reinado de Jeorão. Um de seus atos, que não é mencionado aqui, foi o assassinato de seis oe seus irmãos, todos filhos-de Josafá (ver II Crônicas 21.2-4). Esse expurgo parece ter sido executado por inspiração de Atalia, visto que nenhum outro rei judeu praticou tal coisa. Atalia, por outra parte, cometeu tais atrocidades quando ela governava (ver II Reis 11.1)" (Thomas L. Constable, in loc.). ”... através desse casamento, Josafá e Acabe continuaram confederados, e a amizade entre eles permaneceu, mesmo após a morte de Acabe" (Adam Clarke,

in loc.). 8.19 O Senhor não quis destruir Judá por amor de Davi. A nação do riorte, Israel, logo iria para o cativeiro assírio (ver a esse respeito no Dicionário). Isso assinalou o fim absoluto do reino do norte. Em contraste, Judá, punido pelo cativeiro babilónico (ver a respeito no Dicionário) sobreviveria, visto que um rema­ nescente retornaria. No juízo de Yahweh, pois, foi feita uma diferença entre a nação do norte, Israel, e a nação do sul, Judá. E isso por causa de Davi, que foi o primeiro rei da linhagem de Judá, visto ter sido o segundo rei do império unificado. Seus descendentes terminaram governando o reino do sul, Judá. Quanto às pro­ messas e profecias concernentes ao tratamento favorável que Deus daria a Judá, por amor de Davi, ver I Reis 11.36 ss. Ver o versículo 36 dessa passagem, que menciona Davi como uma luz. Dou detalhes sobre a metáfora na exposição sobre esse versículo. Ver também I Reis 15.4 e II Samuel 7.12-16 (a promessa original a Davi). Naturalmente, a continuação do trono de Davi dependeria, finalmente, do Messias, o Filho maior de Davi. Davi, a luz, sempre teria luzes que o seguiriam, como reis em Judá. Dessa maneira, Davi (e sua causa) sempre teria uma luz brilhando em Jerusalém.

A Luz. Os significados simbólicos da “luz" são múltiplos: Jerusalém, a doura­ da; Davi; a casa de Davi; Judá, a tribo de Davi; e, profeticamente, o Messias.

8.20 Nos dias de Jeorão se revoltaram os edomltas. Jeorão Pecou e Viu a Tristeza. Ver no Dicionário o verbete intitulado Lei Moral da Colheita segundo a Semeadura. Edom se revoltou com sucesso, e o rei de Judá perdeu todo o dinheiro anual e os bens que vinham de Edom. Sua economia foi debilitada e ele mesmo foi humilhado. Essa informação fazia parte das declarações fornecidas pelo livro das Crônicas de Judá, vs. 23 (onde é comentada). Houve um esforço para subjugar Edom novamente, por outros reis de Judá, mas todos os esforços nesse sentido terminaram em desastre. Edom caíra sob o domínio de Judá quan­ do Josafá derrotou uma coligação de reinos que incluía Edom. Ver II Crônicas 20.1-29. Subseqüentemente, Edom ajudou a Israel e a Judá em sua campanha contra o rei Mesa, de Moabe (ver I Reis 22.47). Mas Jeorão perdeu seu poder sobre o território de Edom, e a sua glória foi assim diminuída. Durante cento e cinqüenta anos, Edom tinha pago tributo a Judá, desde os tempos de Davi. Mas conseguiu, finalmente, libertar-se da servidão a Judá e estabeleceu o seu próprio rei. Ver no Dicionário o artigo chamado Edom, Idumeus, quanto aos detalhes. Josefo diz-nos que, nessa revolta, eles mataram o rei vassalo que Judá tinha deixado sobre eles, e que Josafá tinha nomeado (ver I Reis 12.48).

8.21 Jeorão passou a Zair. Ver no Dicionário sobre Zair. É provável que esse nome seja outro designativo para Seir. Esse era o nome da principal cidade do país, e ela figura no Dicionário em verbete que tem esse nome. Alguns intérpre­ tes, contudo, não identificam os dois nomes, e meu artigo sobre Zair esclarece o que é dito sobre esse alegado lugar. Jeorão conseguiu ferir os edomitas, e poderíamos supor que ele tenha con­ quistado o triunfo sobre eles. O vs. 22 mostra-nos que a revolta prosseguiu, e é presumível que esse lugar tenha retido seu próprio rei, revelando que as tentati­ vas de Jeorão de submeter novamente Edom ao pagamento de tributo não obtive­ ram sucesso. As pessoas que “fugiram”, conforme lemos neste versículo, sem dúvida foram os israelitas. Eles voltaram para casa, derrotados e desapontados. Assim sendo, a derrota dos edomitas, muito provavelmente, só foi um esforço bem-sucedido no tocante a cortar-lhes o cerco, para assim poderem os israelitas voltar para casa. Isto é, os sobreviventes voltaram para casa, pelo que não houve uma matança total do exército dos israelitas. Jeorão já estava começando a colher o que havia semeado.

8.22 A revolta dos edomitas foi bem-sucedida. Quando o autor sacro escreveu esta crônica sobre a história, Edom já tinha seu próprio rei. A situação não fora

150C

II REIS

revertiaa. E à humilhação dos israelitas de terem sido derrotados, foi adicionada mais uma. Libna, uma cidade do sudoeste de Judá, revoltou-se, de forma que houve uma pequena guerra civil que embaraçou Jeorão. Libna era uma cidade dos levitas, sendo possível que os levitas dali é que tivessem promovido a rebe­ lião contra a idolatria de Israel. Ver Josué 10.29 e 21.13, bem como, no Dicioná­ rio, o artigo chamado Libna. Mas de Ezequias em diante, Libna passou novamen­ te a pertencer a Judá. Ver II Reis 19.8; 23.31 e 24.18. 8.23 Quanto aos demais atos de Jeorão. Temos aqui uma típica declaração final sobre um rei de Israel ou de Judá, que o autor sagrado empregou constante­ mente. Ele mencionou aqui uma das principais fontes informativas para a história que ele registrou: o livro das Crónicas dos Reis de Israel e Judá. Dei completas informações sobre esse livro nas notas expositivas sobre I Reis 14.19, onde também cito outros livros perdidos, mencionados na Bíblia, livros esses que não ating:ram, finalmente, posição canônica. O capítulo 21 de II Crônicas fornece mais detalhes sobre Jeorão que não foram oferecidos em II Reis, mas aquele material não está sendo referido pela nota do presente versículo. Jeorão recebeu mais advertências sobre sua idolatria e os terríveis resultados, mas estava surdo para os apeies o vinos. Jeorão sofreu uma morte miserável decorrente de uma doença ■munoa (ver II Crônicas 21.15). Israel também sofreu severamente, junto com seu infeliz rei. Israel, na verdade, nunca aprendeu a lição que Deus lhe queria ensinar. Em breve, o cativeiro assírio encerraria de forma permanente a história daquela nação. Ver no Dicionário o artigo intitulado Cativeiro Assírio. 8.24 Descansou Jeorão com seus pais. Este versículo contém a nota obituária comum que o autor sagrado costumava dar aos reis de Israel e Judá. Quanto a notas a respeito, ver I Reis 16.2. Ver também idéias adicionais nos comentários sobre I Reis 1.21. Acazias, seu filho. Ver sobre ele no Dicionário. Israel teve um rei com o mesmo nome, e os dois reis não devem ser confundidos um com o outro. Ambos governaram somente por um ano, mas seus reinados não coincidiram quanto ao tempo. Acazias, de Judá, reinou durante o último ano de Jeorão, rei de Israel, em 841 A. C.

yahwismo, promovendo o baalismo e a adoração ao bezerro de Betei. Além disso, eles tinham os chamados lugares altos (ver a respeito no Dicionário), para adicionar variedade a seus cultos pagãos. Esse rei foi influenciado por sua mãe maligna (ver II Crônicas 22.3), que era filha de Acabe, e cuja possível mãe era Jezabel. A Força do Exemplo. Há muitos fatores que participam na formação de um homem, no seu caráter e na sua personalidade. A genética certamente é um desses fatores. Cerca de mil e oitocentas características são determinadas pelos genes, e estudos modernos mostram que até as atitudes morais e espiri­ tuais fazem parte desse quadro. Provavelmente, o próprio código genético é influenciado pelo que as gerações fazem. Além disso, há o meio ambiente, incluindo a influência dos pais. Portanto, o dever dos pais não consiste mera­ mente em treinar seus filhos, mas também em dar-lhes bom exemplo. Um pai deve três coisas a seus filhos: exemplo, exemplo, exemplo. Ver o detalhado artigo na Enciclopédia de Bíblia, Teologia e Filosofia intitulado Exemplo. A educação é um aspecto vital. Mas essa educação tem de ser mais do que intelectual. Ela precisa ser também moral e espiritual. Não basta uma pessoa ser esperta, bem educada e rica. Temos de ser ricos para com Deus e para com as realidades espirituais. “Sempre haverá uma fagulha de luz que espera somente pelo hálito bem dirigido de Deus para transformar-se na chama da vida” (Raymond Calking, in loc.). Ver no Dicionário o verbete intitulado Desenvolvimento Espiritual, Meios do. 8.28 Foi com Jorão, filho de Acabe. Josafá havia estabelecido aliança com Acabe, e essa aliança prosseguiu para além da morte deles. Vemos agora Israel e Judá juntando forças para tentar deter Hazael, o homem selvagem da Síria, que havia assassinado Ben-Hadade II (ver II Reis 8.15). A batalha ocorreria em RamoteGileade (ver no Dicionário). O ímpio Acabe tinha tentado recuperar, mas sem sucesso, o lugar que agora pertencia aos sírios, conforme ficou registrado em I Reis 22.6 ss. Josafá participou dessa tentativa abortada. Aquele acontecimento tinha ocorrido doze anos antes, e Israel e Judá não se tinham esquecido de sua derrota, que agora queriam ver revertida. Ramote-Gileade ficava cerca de sessen­ ta e quatro quilômetros a nordeste da cidade de Samaria. Jorão, rei de Israel, fora ferido na batalha e tivera de abandonar o campo de batalha. 8.29

O Reinado de Acazias, Rei de Judá (8.25-29) 8.25,26 Ver os comentários no fim das notas sobre o versículo 24. Esse homem reinou só durante um ano (841 A. C.). Ele começou a reinar durante o último ano do governo de Jeorão (seu décimo segundo ano no poder).

Então voltou o rei Jorão para Jezreel. Ferido, Jorão não tinha condições de continuar lutando. Foi levado então para Jezreel, na esperança de recuperarse de seus ferimentos. Neste versículo, a cidade de Ramote-Gileade é chamada por seu nome alternativo, Ramá. O rei permaneceu ali até que Jeú foi à cidade e o matou, pondo fim à história da casa de Acabe. Mas logo esse assassinato redu­ ziu-se em sua importância, devido às matanças de Jeú. Ver II Reis 9.18 ss., quanto à história. Cf. II Crônicas 22.7. Jorão encontrou seu triste destino em Jezreel. A profecia foi ao seu encalço. A casa de Acabe precisava ser destruída. O que Hazael não destruiu, Jeú o fez. Ver I Reis 19.17. Jorão esperou sua triste sorte em Jezreel, mas Acazias fugira para Megido (ver II Reis 9.27).

Relatos Paralelos. Note o leitor como o autor sagrado relaciona continuamen­ te os reinaaos dos reis de Judá com os reinados dos reis de Israel. Ele não nos contou primeiramente a história dos reis de Israel, para depois contar a história dos reis de Judá. Antes, ele saltava de um reino para outro, contando a história dos reis de Israel e de Judá segundo um plano cronológico aproximado. Quanto a essa prática dos relatos paralelos, ver as notas expositivas sobre I Reis 16.29. Acazias, de Judá, tinha apenas vinte e dois anos de idade quando começou a reinar. A mãe dele era a temida Atalia, filha da horrenda esposa do ímpio Acabe, rei de Israel, Jezabel, mulher mais terrível ainda que sua filha. Ela era neta de Onri, mas é chamada aqui de “filha", pois com freqüência se chamava uma A Revolução de Jeú (9.1 - 10.28) neta ou neto de filha ou filho de alguém. Esse homem foi morto em uma batalha contra Jeú, que ficou com o trono de Israel. Ver II Reis 9.27 quanto ao relato de Jeú É Ungido Rei (9.1-13) sua morte. II Crônicas 22.2, em nossa versão portuguesa, é trecho que diz que o rei A Unção (II Reis 9.1-13). Elias havia predito que Eliseu ungiria tanto Hazael Acazias começou a reinar quando estava com vinte e dois anos de idade. Mas a (da Síria) quanto Jeú (de Israel), como reis, e que isso administraria o golpe Versão Autorizada, em inglês, do ano de 1611, a Bíblia mais usada pelos povos mortal contra a casa de Acabe. Ver I Reis 19.15-17. Foi preciso um longo tempo de língua inglesa até hoje, diz “quarenta e dois anos* Em II Crônicas 22.2 discuto (mais de vinte anos), mas essas profecias tiveram cumprimento cabal. o problema.

C a p ítu lo N o ve

8.27 Ele andou no cam inho da casa de Acabe. A continuação no estilo ímpío de vida de Acabe assinalou a carreira de Acazias. Ele descendia de uma linha­ gem maligna, e não tinha nem o poder nem o interesse para resistir à sua má herança, genética e social. O autor fez questão de dizer-nos que ele era genro de Acabe, como a querer dizer: “Como poderia ele ter sido um bom rei, com um sogro como esse?”. Josafá e Acabe fizeram uma aliança de amizade, selando-a com um casamento das duas famílias; e foi assim que Acazias se deixou apa­ nhar na armadilha ímpia e insolúvel da perversidade. Naturalmente, o autor sacro referia-se à idolatria e às suas conseqüências. Israel chegou a rejeitar o

Embora os moinhos de Deus moam lentamente, Moem extremamente fino. Embora com paciência Ele espere, Com exatidão Ele mói a todos. (Henry Wadsworth Longfellow) Eliseu enviou um servo (provavelmente um profeta em período de treinamen­ to) para fazer a unção real. Jeú estava no campo, em Ramote-Gileade, lutando contra os sírios. Jeú foi ungido secretamente, a portas fechadas. Ele já tinha seus seguidores leais, os quais prontamente o homenagearam como rei, e armaram

II REIS para ele um trono provisório. Foi assim que a revolução de Jeú avançava. Essa revolução poria fim à casa de Acabe, dando a Israel um novo começo. Entretanto, as coisas entrariam em desastre novamente, e os assírios estavam esperando fora do palco, prontos para realizar seu ato de cativeiro. Esse evento agora estava próximo, somente a uns cem anos para ocorrer. Ver no Dicionário o veibete chamado Cativeiro Assírio. Isso poria fim ao reino do norte, Israel. Desse cativeiro, não voltaria nenhum remanescente. Daí a famosa frase: “as tribos perdidas de Israel”. Ver o massacre da casa de Acabe, em II Reis 10.1-14. Incrivelmente, porém, Jeú não abandonou a adoração ao bezerro de ouro de Betei, pelo que suas reformas foram apenas parciais, enquanto o julgamento do cativeiro assírio chegava cada vez mais perto. Ver II Reis 10.29 ss. De fato, finalmente Jeú tomou-se um governante quase tão ruim quanto tinha sido Jorão. E a vida continuou como era usual em Israel. 9.1

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para localizar Jeú e ungi-lo como rei. Ele saiu em missão perigosa. Se a razão de sua presença em Jezreel se tornasse conhecida, certamente ele seria executado por Jorão. Ele era instrumento (um entre vários outros) para cumprir as profecias de Elias acerca da casa de Acabe (ver I Reis 19.15-17). Ele tinha uma segunda missão, embora importante. Todos os crentes estão envolvidos em missões, se têm alguma espécie de espiritualidade. O jovem profeta, pois, foi um heroi, segun­ do seus próprios direitos. Talvez ele estivesse com receio, mas foi de qualquer modo, e cumpriu a palavra de seu senhor. “Precisamos de mais homens nas fileiras com o espírito desse jovem que arriscou a própria vida na realização de sua missão... Para cada pecador tão ousado quanto Satanás, deveria haver um santo tão audaz como o Filho de Deus” (Raymond Calking, in loc.). Quanto a essa missão, o jovem era melhor do que Eliseu. O idoso profeta certamente seria reconhecido, e isso poria em perigo a missão inteira. Cada indivíduo tem uma missão melhor a cumprir, que outros não podem fazer. Cada homem se torna distintivo se estiver disposto a servir à causa espiritual.

Então o profeta Eliseu chamou um dos discípulos dos profetas. Um dos

filhos espirituais de Eliseu, um profeta em período de treinamento, de uma das escolas dos profetas (ver no Dicionário), foi nomeado para ungir Jeú, o que

9.5

cumpriria a profecia de Elias (ver I Reis 19.15-17). Ver a introdução a este capítu­ lo quanto a detalhes e porquês do presente capítulo, e os eventos nele descritos. Jeú deveria ser ungido secretamente, tal como Samuel fez no caso tanto de Saul como de Davi (ver I Samuel 10.1; 16.13). Hazael já era rei da Síria, depois de ter assassinado Ben-Hadade II. Agora Jeú mataria Jorão, rei de Israel, e tomaria o seu lugar. Os dois seriam instrumentos que poriam fim à casa de Acabe. A dinastia de Jeú deveria durar por mais de cem anos, mas durante quarenta des­ ses anos, Israel estaria em batalha constante com Damasco da Síria. A glória de Israel já se tinha ido embora. “Foi somente quando Damasco foi destruída, pelo usurpador assírio Adade-Nirasi III (805 A. C.) que Israel, sob o rei Jeoás, foi capaz de recuperar o que tinha perdido. Houve ocasião em que Israel ficou reduzido a cinqüenta cavaleiros, dez carros de combate e dez mil infantes (II Reis 13.7). Judá tornou-se um reino vassalo da Síria (II Reis 12.18), e Hazael chegou a capturar Gate, na terra dos filisteus (II Reis 12.17)” (Norman H. Snaith, in loc.).

Entrando ele, eis que os capitães... estavam assentados. Mas Jeú era o capitão, isto é, o principal general, o chefe do exército. O subprofeta aproximouse dele pessoalmente, anunciando que tinha uma mensagem urgente a comuni­ car-lhe. O autor deixa os detalhes sobre como o subprofeta encontrou o general do exército. Mas somos ao menos informados de que ele o encontrou acompa­ nhado por seus oficiais, o que significa que, provavelmente, ele estava em seu quartel-general.

Ramote-Gileade. Jeú estava fora, lutando por Israel contra a Síria. A unção dele deveria ocorrer ali. Ver no Dicionário o artigo chamado Azeite. Jeú era o principal general do exército de Israel (II Reis 9.5), bem como o sucessor lógico de Jorão. Além disso, contava com o apoio do exército de Israel, pelo que era candidato único. Cinge os teus lombos. Ou seja, prepara-te para entrar em ação; cumpre com presteza o teu dever. Deixa de lado qualquer outro negócio, até que esse esteja feito. 9.2 Vê onde está Jeú. Ver no Dicionário o artigo detalhado sobre esse homem. Ele era o homem do destino para aquela hora. Ele fracassaria bastante e não tiraria Israel de sua idolatria. Suas reformas seriam parciais. Ele falharia especial­ mente de uma perspectiva espiritual. Mas faria bem pelo menos uma coisa: des­ truiria a casa de Acabe, assassinando Jorão e matando os sacerdotes de Baal (ver II Reis 10.1-14). Filho de Ninsl. Isso é dito aqui, no versículo 20 em I Reis 19.16. Ninsi era seu avô; mas era prática comum chamar um neto de filho. Cf. II Reis 8.26. Nas inscrições assírias ele é chamado de “filho de Onri”, que foi o fundador da dinastia anterior, que se desenvolveu em Acabe e sua família. O descobrimento do nome de Jeú, na superinscrição de um baixo-relevo do Obelisco Negro, de Salmaneser III (859-824 A. C.), foi uma das primeiras realizações na leitura da escrita cuneiforme dos assírios. Edward Hínks, em 1841, foi finalmente bem-sucedido na leitura desse material. É ali registrado como Jeú pagou tributo ao rei assírio, em 841 A. C. Essa, pois, tornou-se uma das datas fixas da cronologia dos hebreus. Nada sabemos sobre a origem de Jeú. Provavelmente, não se revestia de muita signifi­ cação saber sobre isso, pelo que nada ficou registrado sobre essa particularidade. 9.3 Toma o vaso de azeite. Um frasco de azeite de oliveira, abençoado por Eliseu, tornando-o sagrado, foi levado pelo discípulo do profeta para a unção ritual. Ver no Dicionário o verbete chamado Unção quanto a detalhes sobre esse rito. Os azeites de unção usualmente eram tirados do tabernáculo (templo) e administrados pelo sumo sacerdote. Mas Israel havia caído na apostasia e não tinha acesso a Jerusalém. Portanto, para a unção, o azeite do profeta foi reconhe­ cido como instrumento apropriado.

9.6 Então se levantou Jeú e entrou na casa. A unção precisava ser secreta, ou o profeta e Jeú poderiam ser executados. Assim, entraram na “casa”, provavel­ mente indicando a residência particular do general, que lhe tcra dada para usá-la. O conselho de guerra estava sentado no átrio da casa, pelo que o profeta e Jeú simplesmente entraram na casa dele, ou talvez, no edifício que servia de quartelgeneral das operações de guerra.

Unção. Ver a respeito no Dicionário. A unção era praticada no que aiz respei­ to a coisas, reis, sacerdotes, profetas, hóspedes e estranhos; por razões estéti­ cas; e por causa dos mortos. A unção de um rei deveria ser feita pelo sumo sacerdote, mas visto que o reino do norte e o reino do sul se haviam separado, e visto que o norte não tinha acesso a Jerusalém e seu templo, um profeta teve de fazer o trabalho. A unção foi efetuada aqui no nome de Eliseu, a mais poderosa figura religiosa da nação na época, e não há razão alguma para duvidarmos da autoridade dele. Yahweh-Elohim era o poder por trás daquele ato, ou seja, o Deus eterno e todo-poderoso, que estava cuidando dos interesses do reino do norte, Israel. O propósito foi estabelecer um poder que pusesse fim à casa de Acabe e desse início a uma nova dinastia que perdurasse por mais cem anos, até o cativeiro assírio, que poria fim definitivo à nação do norte, Israel. Essa unção, portanto, assinalou o começo do último ciclo da nação do norte, Israel. A apostasia e a idolatria continuariam, efetuando a morte de uma nação inteira. 9.7 Ferirás a casa de Acabe. Vingança e Devastação. Jeú era o instrumento divino para produzir o propósito de Yahweh de pôr fim, definitivamente à casa inteira de Acabe e seu culto a Baal, com o aniquilamento de todo o sacerdócio daquela religião pagã, juntamente com os membros da casa de Acabe. Elias havia predito que isso aconteceria. Os dois instrumentos especiais de DeuS nessa tarefa foram Hazael, o rei da Síria, e Jeú, que agora usurparia o trono de Israel. Ver I Reis 19.15-17 quanto à profecia de Elias. Acabe e Jezatel tinham derrama­ do o sangue dos profetas de Yahweh (ver I Reis 18.4,13), e isso tinha de ser vingado. Ver no Dicionário o verbete chamado Lei Moral aa Colheita segundo a Semeadura. Ver também I Reis 21.21-29.

Toda a casa de Acabe perecerá. O aniquilamento da casa de Acabe seria total, ou seja, cada membro masculino seria morto, a fim de que não houvesse herdeiro da linhagem de Acabe ao trono. Aqui, novamente, encontramos a metá­ fora crua do autor sagrado para os homens, “aquele que mija contra uma parede”, o que algumas traduções (incluindo a versão portuguesa) evitam, embaraçadas. Anotei sobre essa declaração em I Reis 14.10.

9.4 Foi, pois, o moço. Foi assim que, em obediência à ordem de Eliseu, o jovem (profeta em período de treinamento, o filho espiritual de Eliseu) foi pelo caminho,

Quer escravo quer livre, em Israel. Os escravos, e os que não fossem escravos, seriam igualmente objetos da ira de Jeú, tendo eles alguma função na casa de Acabe.

1502

II REIS

9.ã Farei à casa de Acabe como à casa de Jeroboão. A casa de Acabe não foi a única, na história de Israel, que terminou obliterada. Era costume dos novos reis do Oriente aniquilarem os membros da dinastia anterior para evitar qualquer com­ petição ao trono. As dinastias de Jeroboão e de Baasa tinham sofrido total erradicação. Ver I Reis 15.25,28,29; 16.3,4. Isso fora anunciado contra a casa de Acabe (I Reis 21.22), e chegara o tempo do cumprimento da ameaça. 9.10 O Fim Trágico e Kjereçido de Jezabel. Ela seria o objeto especial dos juízos de Yahweh. Afinal, era a influência má que houvera por trás de Acabe, não que aquele homem ímpio p ecisasse de grande ajuda. Jezabel fora a figura que, com tanto zelo, havia promovido o culto a Baal e tinha destruído os profetas de Yahweh (ver I Reis 18.4,13). Ver a ameaça constante em I Reis 21.23. Ver II Reis 9.33-37 quanto ao cumprimento dessa profecia. Ela fora pisoteada pelos cavalos; cães lhe comeram o corpo, e somente seu crânio e as palmas das mãos escaparam ao terror. Presumivelmente, essas porções foram sepultadas. Portanto, ninguém po­ deria levá-la para um sepulcro e dizer: “Jezabel foi sepultada aqui". "... comida por cães... e não sepultada, ambos os fatos pareciam uma ignomí­ nia para os semitas” (Thomas L. Constable, in loc.). O jc/em profeta, segundo Eliseu lhe havia mandado, cumprida a sua missão, fugiu antes que pudesse ser preso e executado. 9.11,12 Vai tudo bem? Por que veio a ti este louco? Os oficiais do exército esta­ vam ansiosos por ouvir o que o aprendiz de profeta havia comunicado a Jeú. Ele tentou desviar a mente deles da questão (que era um grande segredo), ao dizerlhes que eles já sabiam que tipo de conversa tola os profetas estão acostumados a proferir. Eles não haviam, naquela mesma hora, chamado o homem de “louco"? Po's bem, deveriam continuar a pensar nele como um louco, e esquecer a ques­ tão toda. Mas os homens de Jeú sabiam que o general estava mentindo, e que alguma temível profecia lhe havia sido comunicada, prevendo desastre para eles e para Israel. Era bem conhecido que Eliseu estava acostumado a lançar profeci­ as de condenação (que sempre tinham cumprimento). Portanto, os oficiais que auxiliavam Jeú continuavam insistindo. Eles tinham de saber a verdade. Então, Jeú simplesmente lhes declarou a verdade. Ele fora ungido para ser rei de Israel. Os profetas, em seu comportamento de êxtase, descontrolados, dançando ao redor como um bando de loucos, eram tidos por muitos apenas como loucos. Na verdade, porém, muitas de suas profecias se cumpriam. Por conseguinte, os oficiais de Jeú não hesitaram em aceitar o que fora dito pelo profeta, o que, sem dúvida, se cumpriria dentro de pouco tempo. 9.13 Sobre os degraus. A palavra hebraica aqui traduzida por “degrau” é de significado incerto. A Revised Standard Version diz “à vista”. A Septuaginta fala em “assento”, ou seja, a escada foi transformada em um assento, em um trono. O Targum diz “degraus” de uma escada. A Vulgata diz “plataforma elevada”. A versão árabe diz “degraus da subida". Jeú é rei. Quão grande foi a alegria que os homens de Jeú sentiram, ao ouvirem que ele seria o próximo rei de Israel. Eles tinham sido seus mais fiéis cooperadores. Ademais, estavam cansados das loucuras da casa de Acabe e queriam um novo começo. Seria o homem deles que promoveria esse novo come­ ço, e eles seriam homens-chave na nova dinastia. Portanto, cada um deles tomou suas vestes e as pôs aos pés do novo rei. Ele foi erguido ao alto da escada, um trono improvisado. Então tocaram as trombetas e anunciaram que Jeú era o novo rei! Eles tinham chamado o aprendiz de profeta de “louco”, mas aceitaram, sem hesitação, a realidade do que ele havia dito, e lançaram-se a uma grande celebra­ ção. “... fizeram soar a fanfarra da coroação e bradaram o grito costumeiro: Jeú é rei!” (Norman H. Snaith, in loc.). O que eles fizeram era o rito costumeiro de anúncio de um novo rei. Cf. II Samuel 15.10; I Reis 1.34,39 e Mateus 21.7-9. O Assassinato de Dois Reis (9.14-29) 9.14,15

Consoiração era a palavra do momento. A profecia precisava ter cumpri­ mento, mas foi deixado nas mãos de Jeú traçar os detalhes. Como um selva­ gem matador militar, acostumado às matanças e à violência, sua mente natu­ ralmente voltou-se para a violência como um meio de levar aquela profecia a bom termo. O autor explica-nos então as circunstâncias que puseram Jorão em Jezreel. Ele havia sofrido ferimentos graves na batalha contra Hazael, em Ramote-Gileade. Estava recuperando-se em Jezreel, e seria ali que Jeú o

encontraria e o mataria, sem nada sentir na consciência. Jeú deu ordens para garantir que Ramote fosse cercada e fechada. Ninguém seria capaz de esca­ par da cidade, para dizer a Jorão o que estava sucedendo. Devemos supor que Jeú já havia ganho a lealdade de boa parte do exército. Sua tarefa seria fácil. Ele tinha de evitar somente a resistência dos poucos que permaneces­ sem leais à dinastia de Acabe. Era de se esperar que Jeú chegaria em Jezreel antes que se espalhasse a noticia de que ele fora ungido rei. Todo aquele ruído, feito pelos oficiais do exército, tinha alertado boa parte do exército de que alguma grande mudança estava prestes a ser efetuada. Jorão seria apa­ nhado despreparado. Ninguém estaria ao seu lado para protegê-lo de ser morto. Ver II Reis 8.29 quanto à presença de Jorão em Jezreel para recupe­ rar-se de seus ferimentos. 9.16 Então Jeú subiu a um carro, e foi-se a Jezreel. Jorão ainda estava recupe­ rando-se dos ferimentos recebidos, deitado em seu leito. Conforme as coisas sucederam, Acazias, o rei de Judá, também estava em Jezreel, visitando Jorão. Os dois se tinham tornado bons amigos. Cf. II Reis 8.29. Essa visita foi infeliz, pois significou que Acazias foi apanhado na teia da matança, e pouco depois do assassinato de Jorão, seria morto também (versículo 27 deste capitulo). A viagem seria de cerca de sessenta e cinco quilômetros, pelo que dois dias estariam envolvidos. Jeú levou consigo seus soldados de maior confiança, as suas tropas de elite. Reuniu forças suficientes para enfrentar a resistência, se porventura encontrasse alguma. Mas ele não deveria preocupar-se. Seria fácil matar naquele dia. 9.17 Ora, o atalaia estava na torre de Jezreel. O vigia percebeu que Jeú se aproximava, sabendo que era ele, pela maneira furiosa como dirigia seu carro de combate, algo característico de um jovem desabrido. Ver o versículo 20 quanto aos hábitos de conduzir meio enlouquecidos. Jorão despachou um cavaleiro ao encontro de Jeú, para saber em que consistia sua visita. Vinha ele em uma missão de paz? Teria ele alguma boa notícia da frente de batalha? Não havia razão alguma para suspeitar de uma traição, pelo que o rei foi apanhado fora de guarda. 9.18 Passa para detrás de mim. O mensageiro logo chegou onde estava Jeú, e pediu-lhe informações. Qual era a missão de Jeú? Havia paz ou alguma dificulda­ de? A resposta de Jeú tem sido variegadamente interpretada. Alguns pensam que ela tenha sido sarcástica: “Oh, mensageiro, que tens que ver com a paz?" Tu, como um dos que apóiam a casa de Acabe, nada deverias ter senão tribulações”. Ou então: “Não te preocupes com a situação. Tudo está sob controle”. Ou a resposta de Jeú pode ter deixado trair sua impaciência: “Que te importa se está havendo paz ou guerra? Junta-te à minha companhia e vem na retaguarda". Foi assim que o mensageiro não retornou para trazer nenhuma mensagem a Jorão. O atalaia notou que o mensageiro não retornava. 9.19 Então enviou Jorão outro cavaleiro. Visto que o primeiro cavaleiro não retornava, Jorão despachou um segundo, que fez a mesma pergunta e obteve exatamente a mesma resposta. Foi-lhe ordenado juntar-se ao grupo que acompa­ nhava Jeú e vir na retaguarda. 9.20 Também este chegou a eles, porém não volta. O atalaia observou que o segundo mensageiro também não voltava, e agora o grupo chegara perto o sufici­ ente para ele ver que o carro principal estava sendo dirigido furiosamente, como somente um louco o dirigiria. Jeú tinha a reputação de guiar assim, pelo que todos souberam que ele era o homem líder do grupo. Quando eu era jovem, ainda sob treinamento teológico, alguns de meus colegas tinham seus próprios veículos, e, como jovens que eram, alguns eram motoristas precipitados. Eles descobriram um texto de prova em apoio à imprudência deles, no presente versículo. Afinal, se Jeú podia dirigir como um idiota, por que eles não poderiam fazê-lo? O autor sacro aproveita o ensejo para observar, meio desajeitadamente, que Ninsi era o pai de Jeú, mas, naturalmente, era o avô dele. Essa era a maneira costumeira de identificar um homem. Ver sobre isso no versículo 14 deste capitu­ lo. Fosse como fosse, Jeú estava sempre com pressa, como fazem os motociclis­ tas hoje em dia; ainda mais que aquele era um dia de pressa especial. Ele tinha um assassinato a cometer, o qual faria dele o rei de Israel. “Jeú era um general ousado, corajoso, expediente e precipitado. Em suas várias operações militares, ele havia firmado o seu caráter; e agora isso se torna­ ra quase proverbial” (Adam Clarke, in loc.).

II REIS 9.21 Disse Jorão: Aparelha o carro. Pensando que algum negócio urgente esta­ va para ser tratado, Jorão, na companhia de Acazias, saiu pessoalmente ao encontro de Jeú, visto que os dois mensageiros não tinham retornado. Eles talvez tenham suspeitado de traição, mas sentiram que algo de muito importante Jeú lhes estava trazendo. Eles tinham razão, mas não sabiam que Jeú estava para selar o destino deles, naquele mesmo dia, por seus atos de violência. ‘Jorão preparou-se para sair ao encontro de Jeú e obter as noticias pessoal­ mente, tão rapidamente quanto possível. Ele não suspeitava de rebelião, mas se preocupava tanto com o andamento da guerra que fez assim, a despeito de seus ferimentos. Acazias, seu hóspede, juntou-se a ele em seu próprio carro de comba­ te. Eles se encontraram com Jeú no local que havia pertencido a Nabote (ver o capitulo 21 de I Reis)” (Thomas L. Constable, in loc.). Aquele era um lugar apro­ priado para eles se verem frente a frente com a ira de Yahweh. Ver I Reis 21.16 ss., quanto à traição contra Nabote, que agora tinha de ser vingada. A casa de Acabe não podia continuar sem o devido castigo, em face de suas atrocidades. O versículo 22 daquele capítulo fala do aniquilamento final da casa de Acabe, uma profecia de Elias.

1503

segundo a Semeadura. As profecias de Elias estavam tendo cumprimento preci­ so. Fizera parte dessa profecia que Acabe não receberia grande parte da destrui­ ção prometida por Elias, visto que se arrependera. Mas parte aa ira divina se derramaria sobre a sua casa, depois da morte dele. Ver I Reis 21.29. Isso tudo começou no rio Jordão. Jeú e Bidcar tinham ouvido a profecia contra Acabe, quando estavam vindo atrás do rei, e Elias disse ao rei o oráculo divino. Jeú, pois, estava consciente do cumpri­ mento da profecia naquele momento, e lembrou Bidcar das circunstâncias. Josefo interpretou a situação como aqueles que tinham viajado na canvagem de Acabe, sentados atrás deles, enquanto Elias ia sentado na frente, junto com o ímpio rei Acabe. 9.26

Essência da profecia de Elias, dada por Yahweh. O olho de Yahweh, que a tudo vê, tinha contemplado o assassinato de Nabote e o furto de seu campo há relativamente pouco tempo. Ele também viu a matança dos filhos de Nabote, um pouco de informação dada somente aqui. A vingança contra esses atos ocorreria no mesmo terreno onde o crime de Acabe e Jezabel tinha acontecido. Lembran­ do-se desses detalhes, Jeú ordenou que o corpo de Jorão fosse deixado no mesmo terreno, e assim adicionou precisão à profecia.

9.22

Embora a causa do Mal prospere, Contudo, só a Verdade é forte.

Há paz, Jeú? Jorão esperava ouvir boas-novas da frente de batalha. Ele esperava ouvir sobre o sucesso na guerra. A pergunta de Jorão equivaleu a: “Está tudo bem?”. Mas como poderia estar tudo bem, com a apostasia da nação de Israel, em combinação com os crimes da casa de Acabe, e com aquela horrenda Jezabel ainda em atividade? Só haveria paz quando todas essas aberrações estivessem resolvidas. As prostituições de tua mãe, Jezabel... ? Sem dúvida, havia grandes peca­ dos morais em Israel; mas a referência de Jeú foi à corrupção espiritual e à idolatria, que são consideradas prostituição ou adultério nas Escrituras. Ver o artigo chamado Prostituta, Prostituição, no Dicionário, que ilustra esse fato. Ver também o verbete intitulado Adultério. As prostituições eram de Jezabel por ser ela o poder principal por trás da apostasia e da idolatria em Israel, a homicida dos profetas de Yahweh (ver I Reis 18.4). O Novo Testamento tira proveito do tema de Jezabel, a grande prostituta, corruptora das boas maneiras e pervertedora da fé religiosa. Ver na Enciclopédia de Bíblia, Teologia e Filosofia o verbete denominado Jezabel (no Novo Testamen­

A verdade para sempre no esquife, O erro para sempre no trono.

Mas Deus está de pé nas sombras, Vigiando aqueles que Lhe pertencem. (James Russell Lowell) “A dinastia de Jeú foi a última do reino do norte, Israel. Sob seus sucessores, Samaria caiu em ruínas. A carreira de Jeú revela-o como um tirano sedento de sangue, homem sem consciência e sem dó... mas homens ímpios realizam tare­ fas necessárias para a concretização final da justiça" (Raymond Calking, in loc.).

to).

9.27

As suas muitas feitiçarias? Ver no Dicionário o verbete chamado Feitiço, Feiticeiro. Isso fazia parte do adultério espiritual. Cf. Isaías 47.9,12; Miquéias 5.12.

Há traição, Acazias. De súbito, Jorão compreendeu a traição de Jeú. Ele estava ali com o propósito especifico de matar o rei de Israel. Portanto, Jorão não mais fez perguntas, antes pôs-se em fuga imediatamente. Ao partir, Jorão gritou para Acazias que havia traição, e este também encetou a fuga. A traição de Jezabel estava prestes a ser vingada com uma flecha traiçoeira. Jeú, o principal general do exército de Israel, era um homem habilitado na guerra, que já havia matado muitos, com a espada, com a lança ou com arco e flecha. Por conseguinte, foi fácil para Jeú ferir mortalmente Jorão, quando ele já fugia. Sua flecha foi veloz e direta ao alvo. Perfurou as costas de Jorão, entre os braços, e saiu pela frente do tórax, atravessando-lhe o coração. O rei de Israel teve morte instantânea e afundou em seu carro de combate. A destruição da casa de Acabe tinha começado e iria alcançar espetacular sucesso. Nenhum herdeiro do sexo masculino seria poupado para continuar a dinastia (ver II Reis 9.8).

E fugiu para Megido, onde morreu. Entrementes, Acazias, enquanto fugia, observou a morte violenta de Jorão, e assim aumentou a velocidade do veículo, na esperança de escapar da ira de Jeú. Ele fugiu por Bete-Hagã, um nome próprio que significa “a casa do jardim”. É evidente que se trata da mesma EnGanim (lonte dos jardins”), referida em Josué 19.21. Ver sobre En-Ganim no Dicionário. Ficava cerca de onze quilômetros ao sul de Jezreel, localizada no sopé da serra do Carmelo. Jeú e seus homens foram atrás do aterrorizado rei de Judá, até chegarem à distância de um tiro de flecha. Conseguiram alcançar o infeliz rei justamente na entrada do passo de Dotã. Foi ali que Jeú, com uma pontaria infalível e com uma flecha sem misericórdia, feriu o rei Acazias. Mas este não morreu imediatamente. O veículo do rei virou-se para noroeste e fugiu pela estrada que passava próximo ao flanco norte do monte Carmelo. Ele conseguiu chegar a Megido, cerca de dezenove quilômetros de distância dali. Mas a história estava terminada para Acazias. Seu ferimento foi fatal, e ele morreu em Megido. O cadáver de Acazias foi levado a Jerusalém. Por conseguinte, Acazias foi sepultado ali. Mas a passagem de II Crônicas 22.9 diz que Acazias foi até Samaria, ainda vivo, e que Jeú o executou ali. Não há como conciliar essas narrativas contraditórias, embora tenha havido bastante esforço dos comentaristas nesse sentido. Alguns dizem que ele foi ferido em Megido, mas conseguiu embora gravemente ferido, atingir Samaria, onde, finalmente, morreu. Nosso versículo diznos especificamente que ele morreu em Megido; e II Crônicas 22.9 diz que ele foi morto em Samaria. Somente os fundamentalistas, que querem ter harmonia a qualquer preço, até à custa da honestidade, e também os céticos, que buscam qualquer pequena contradição para tentarem neutralizar a fé, encontram algum problema com tais contradições. A fé religiosa, porém, não depende de detalhes como estes, que só desapontam depois dos resultados da investigação.

9.25

9.28

Disse a Bidcar... lança-o no campo da herdade de Nabote. O cadáver de Jorão foi lançado no campo que fora de Nabote, por ordem de Jeú e pela agência de Bidcar (ver no Dicionário a seu respeito). Foi apropriado apropriado que o mesmo campo que tinha sido furtado de Nabote por Acabe (ver I Reis 21.16 ss.), e onde aquele homem mau tivera seu sangue derramado, fosse também o lugar onde o corpo de Jorão foi lançado. Temos nisso instâncias significativas das operações da justiça. Ver no Dicionário o artigo chamado Lei Moral da Colheita

E o enterraram na sua sepultura junto a seus pais. O cadáver de Acazias foi levado por seus auxiliares a Jerusalém, desde Megido, uma viagem de mais de sessenta e cinco quilômetros. Foi assim que Acazias foi sepultado no sepulcro de seus pais, na cidade de Davi (Jerusalém), com as honrarias e a devida pompa. Agora ele estava em ‘ seu próprio sepulcro”, preparado por ele quando ainda vivia. Ver no Dicionário o artigo chamado Alma, e ver na Enciclopédia de Bíblia, Teolo­ gia e Filosofia o artigo chamado Imortalidade. Ver a nota comum de obituário

Fez parte do judaísmo posterior, que foi transportado para o cristianismo, que a idolatria e a feitiçaria operavam através do poder dos demônios. Ver I Corintios 10.20 e esse versículo explicado no Novo Testamento Interpretado. Ver as proibi­ ções da lei mosaica contra a feitiçaria, em Êxodo 22.18; Deuteronômio 18.10,11 e Naum 3.4. Muitos tabletes assírios contêm fórmulas mágicas, encantamentos e exorcismos. Babilônia era a pátria de tais atividades. Setenta tabletes (contendo muito desse material), dos tempos do rei Sargina, rei de Agadê (Acade), foram encontrados. 9.23,24

1504

II REIS

acerca dos reis, empregada pelo autor, em I Reis 1.21 e 16.2. Jeú, como é óbvio, permitiu que seu sepultamento tivesse lugar. Acazias, apesar de todas as suas falhas, era, afinal, neto de Josafá, um adorador sincero de Yahweh (ver II Crôni­ cas 22.9), e tinha de receber as honras apropriadas a um ex-rei de Judá. 9.29 No ano undécim o de Jorão... com eçara Acazias a reinar. C autor sacro relembra-nos aqui de quando Acazias começara a reinar, mas a nota contradiz o trecho de II Reis 8.25, embora apenas por um ano. A versão de Luciano, porém, diz “undécimo” ano em ambos os lugares — o que também se vê em nossa versão portuguesa — embora Luciano diga isso no final do décimo capítulo. Alguns suspeitam, portanto, que a ordem das passagens tenha sido alterada, talvez até no próprio texto massorético, e que o trecho de II Reis 9.30-10.36 tenha sido uma inserção na história original, por algum editor subsequente. Ver no Dicionário o verbete intitulado Massora (Massorah); Texto Massorético. Considerado o texto hebraico padrão, este é o texto comumente conhecido por nós hoje em dia. Algumas vezes, ele concorda com as versões, especialmente com a Septuaginta, contra o texto hebraico padronizado. Ver no Dicionário o artigo chamado Manuscritos do Antigo Tes­ tamento, em sua seção VII. Esse artigo contém informações sobre teorias textuais em relação ao Antigo Testamento. O ano em que Acazias tornou-se rei foi 841 A. C. Fim Horrendo da Horrenda Jezabel (9.30-37)

A profecia de Elias estava tendo cumprimento, e o destino estendeu as garras para alcançar aquela ímpia e desavergonhada mulher, Jezabel. Ela foi a causa principal (mas dificilmente a única) da idolatria, da apostasia e dos crimes da nação de Israel. De fato, era uma grande criminosa. Ela havia matado os profetas de Yahweh (ver I Reis 18.4), e a ira de Yahweh se pronunciara contra ela (I Reis 21.23). Hazael, rei da Síria, e Jeú, rei de Israel, foram os mensageiros da condenação, divinamente nomeados. Ver I Reis 19.17. Jorão, filho de Jezabel, fora morto sem misericórdia por Jeú, que já se tinha apossado do trono de Israel, através de uma revolta do exército. Agora chegara a vez dessa desavergonhada mulher. Entrementes, Jezabel mostrou-se arrogante até o fim. Ela sabia que sua morte era certa, e preparou-se para ela, toda enfeitada e “bela”, pintada e bem vestida, esperando que Jeú viesse a ser seu executor. Ela apareceu na sua janela e saudou Jeú com zombarias. Jeú, em nada abatido pelos absurdos da mulher, ordenou que ela fosse atirada janela abaixo. A queda foi fatal, e os cavalos a pisaram, como medida de garantia da morte. Então vieram os cães e comeram seu corpo todo, excetuando seu crânio, seus pés e as palmas de suas mãos. Se os cães comeram todos os seus ossos, eram ferozes devoradores, de fato! Seja como for, consumado o ato, Jeú de súbito lembrou-se de que a perversa mulher era filha de um rei, e assim ordenou seu sepultamento decente. Mas os que foram encarregados da tarefa só puderam encontrar aquelas três partes de seu corpo, para serem sepultadas. Podemos supor, embora o autor sagrado nada nos diga a respeito, que aquelas porções miseráveis do corpo da perversa rainha foram decentemente sepultadas. Novamente, temos um notável exemplo não somente do cumprimento de uma profecia, mas também das operações da justiça divina. Ver no Dicionário o verbete intitulado Lei Moral da Colheita segundo a Semeadu-

9.30

É difícil explicar a vaidade das mulheres! Jezabel, ao ouvir sobre a traição de Jeú, e de como seu filho tinha sido morto por Jeú, e de como Israel estava em revolta total contra a casa de Acabe, ainda se preocupou em pintar o rosto, arrumar os cabelos e enfeitar-se. Afinal, seria o assassinato dela, não é mesmo? Ela precisava ter boa aparência, naquele momento. Verdadeiramente, é difícil explicar a vaidade das mulheres. Por outra parte, eu conheci pessoalmente um suicida, um homem, que deu um tiro na própria cabeça. Mas antes de fazer isso, calçou seus chinelos novos e um robe. As pessoas fazem coisas engraçadas quando estão sob pressão mental. Jezabel, pois, não fugiu à regra. Talvez ansias­ se em terminar com aquela história. Talvez, em seu coração, ela se alegrasse por ver o fim de tantos males, de tanta iniqüidade, de tantos crimes. Então se pintou em volta dos olhos. O hebraico original diz, literalmente, “pôs seus olhos em antimônio". Ela escureceu suas pálpebras, acima e abaixo, com antimônio (uma pintura especialmente preparada). Até hoje é costume, no Oriente, as mulheres se pintarem assim. Esse ato faz os olhos parecer maiores e mais brilhantes do que realmente são. A dama queria morrer em todo o esplendor de sua beleza. Lemos que Leônidas e seus espartanos, nas termópilas, pentea­ ram os cabelos antes da batalha, para o caso de que, se morressem, parecessem apresentáveis. Talvez seja por essa razão que algumas pessoas, antes de dormi­

rem, passem tanto tempo se embelezando. Por pessoas, naturalmente, quero dizer mulheres. Elas vão deitar-se parecendo tão bem que, se morrerem durante a noite, aqueles que encontrarem seus corpos ficarão impressionados com sua beleza. É difícil compreender a vaidade das mulheres! Portanto, ali estava Jezabel, tão bela, olhando para a rua pela janela, espe­ rando por seu executor, e tão destemida quanto ele. Chegara a hora dela, mas o que ela se importava com isso? Não havia medo na dama. Em Roma, tanto os homens quanto as mulheres pintavam os olhos (Plínio, Hist. Nat., livro xi. cap. 37). Juvenal ridicularizou o estúpido costume (ver Sat. ii. vs. 93). As mulheres persas pintavam o espaço entre as sobrancelhas, assim juntando uma à outra; mas as mulheres modernas arrancam os pêlos da regiãç para garantir que as duas sobrancelhas fiquem bem separadas uma da outra. É difícil explicar a vaidade das mulheres. 9.31 Ao entrar Jeú pelo portão do palácio. Assim que Jeú apareceu em cena, Jezabel zombou dele com palavras apimentadas. Ela o lembrou do caso de Zinri. Ele se havia rebelado contra seu senhor, o rei Elá (I Reis 16.9), e o matou, mas somente sete dias mais tarde o próprio Zinri foi morto. E a morte dele foi provocada pela influência de Onri, fundador da dinastia de Acabe (ver I Reis 16.18,19). Foi assim que Onri se tornou rei, e a horrenda dinastia de Acabe teve início. Jezabel como que disse: “Tu, Jeú, me matarás, mas tu mesmo terminarás mal, tal como aconteceu a Zinri. Tua vez logo chegará". E, naturalmente, ela tinha toda a razão. Jeú reinou por vinte e sete anos, morreu de morte natural, mas de uma morte tão fatal quanto violenta. Ver II Reis 10.35. Sua dinastia perdurou apenas por quatro gerações. 9.32,33 Quem é comigo? Quem? Jeú apelou para alguém, “lá em cima”, perto da janela onde estava Jezabel, que estivesse ao lado dela, para jogar a iníqua mulher dali abaixo, para pôr fim à diatribe dela. Dois ou três eunucos responde­ ram aos gritos dele, e lá se foi Jezabel, janela abaixo. Seu corpo bateu no solo com uma terrível pancada, e os cavalos dos soldados pisotearam-na. Mas isso foi apenas um excesso. Ela já estava morta devido à queda. O sangue dela espirrou sobre a parede, e seu corpo tornou-se uma massa horrenda. A ímpia Jezabel tinha encontrado seu destino merecido. Os eunucos que serviam Jezabel, reali­ zando todos os desejos dela, de súbito fizeram a vontade do executor dela. Sem dúvida ela lhes tinha sido uma senhora cruel, mas não usara nem a metade da crueldade que Jeú lhes aplicaria se não tivessem obedecido. “Ela já estava quase espatifada devido à queda, e o brutal Jeú pisou seu corpo aleijado e o transfor­ mou em pedaços, pelas patas de seu cavalo!” (Adam Clarke, in loc.). Para Israel, foi apenas outro dia, como era usual. 9.34 Entrando ele e havendo comido e bebido. Jeú comeu e bebeu, algo que as pessoas geralmente fazem quando são aliviadas da tensão nervosa. Aquela horrenda mulher, Jezabel, que levara Israel ao pecado, estava morta. O mesmo havia acontecido a seu filho, Jorão. E logo outros, que apoiavam a dinastia de Acabe, incluindo os sacerdotes de Baal, encontrariam sorte similar. Por enquanto, porém, Jeú descansava. Mas quando comia lembrou-se de que Jezabel, aquela mulher ímpia, era filha de um rei. Portanto, ordenou que lhe fosse dado um sepultamento decente. Ver I Reis 16.31. “Jezabel era certamente uma mulher de alta linhagem: ela era filha do rei de Tiro; tinha sido esposa de Acabe, rei de Israel; era mãe de Jeorão, rei de Israel; era sogra de Jorão, rei de Judá; e era avó de Acazias, rei de Judá” (Adam Clarke, in loc.). Portanto, a despeito da maldição que lhe tinha sido imposta (ver I Reis 21.23), Jeú decidiu conferir-lhe um sepultamento decente, embora não honroso. 9.35 Não acharam dela senão a caveira, os pés e as palmas das mãos. Não restara muito para ser sepultado. Jezabel havia sofrido uma queda que lhe despe­ daçara os ossos; ato contínuo fora pisoteada pelos cavalos; e então vieram cães que lhe devoraram o corpo quase inteiro. Portanto, tudo quanto restou foram a caveira, seus pés e as palmas de suas mãos. Presumivelmente, esses pedaços de seu corpo foram sepultados, cumprindo a ordem de Jeú (vs. 34). No Oriente, os cães corriam em matilhas, e se pareciam mais com lobos do que com os cães que conhecemos hoje em dia. Foi uma matilha daquelas feras terríveis que en­ controu o cadáver de Jezabel. Ver no Dicionário o verbete denominado Cachorro. 9.36 No campo de Jezreel os cães comerão a carne de Jezabel. Jeú tinha conhecimento das profecias de condenação que Elias fizera acerca de Jezabel.

II REIS Portanto, ao ouvir o que tinha acontecido, ele reconheceu imediatamente que aquelas profecias tinham tido um cumprimento preciso. Ver I Reis 21.23 quanto a essa profecia. “Ironicamente, aquela que fizera Nabote e seus filhos morrer desme­ recidamente agora morria de uma morte ignominiosa — e merecida — no mesmo terreno que fora a vinha de Nabote. Ali era o lugar onde Bidcar lançara o cadáver do filho dela, Jorão (II Reis 9.25,26)’ (Thomas L. Constable, in loc.). 9.37 O cadáver de Jezabel será com o esterco. As palavras deste versículo não estão registradas em lugar algum como parte da profecia original (maldição) de Elias contra Jezabel. Mas o autor sagrado queria que soubéssemos que essas palavras faziam parte da profecia total. Embora não houvesse nenhuma carcaça restante, depois que os cães acabaram com tudo, ela serviria apenas como ester­ co, isto é, simplesmente lançada ao solo e deixada ali para apodrecer, como o esterco é lançado em nenhum lugar, para nada servindo. O ato de lançar a carcaça fora significava que não haveria sepultamento, algo que constituía grande opróbrio para os hebreus. Por não ser sepultada (conforme Elias havia predito), Jezabel foi submetida à desgraça final, por causa de seus muitos e graves peca­ dos. Aquela perversa mulher não teria nenhum monumento fúnebre onde as gerações posteriores pudessem vir e dizer: “Os ossos de Jezabel estão sob a superfície do chão, exatamente neste lugar”. E ninguém construiu um memorial em honra dela. Seria melhor esquecer que ela ao menos existira. A alma já é outra questão, e está nas mãos de Deus.

C a p ítu lo D ez je ú , Rei de Israel (10.1-36) Massacre da Casa de Acabe (10.1-14)

Aquele homem selvagem, Jeú, estava cumprindo direito o seu papel. Ele estava fazendo tudo corretamente, tendo executado ambos os reis, Jorão, rei de Israel, e Acazias, rei de Judá (capítulo nono de II Reis). E então sua melhor realização, até aquele momento, fora a execução de Jezabel, que foi submetida à desgraça de ser comida pelos cães e deixada sem um sepultamento honroso (ver II Reis 9.30 ss.). Mas ainda restavam ser executados os apoiadores da dinastia de Acabe, especialmente os filhos de Jorão e os sacerdotes de Baal, que haviam corrompido a terra com sua apostasia. Agora, pois, Jeú voltou sua atenção para a próxima tarefa. Era comum que novos reis destruíssem a família e os apoiadores do antigo rei, para que não houvesse competição nem reversão da maré do poder. “Jeú, pois, seguiu o costu­ me da época, destruindo cada membro do sexo masculino da linha real que ele havia suplantado. Isso visava a parcialmente garantir a sucessão para sua própria família, e parcialmente impedir uma inimizade de sangue, assegurando que não haveria vingança pelo rei assassinado. Acabe tinha setenta filhos que viviam em Samaria, pelo que Jeú enviou uma mensagem a seus guardiães, desafiando-os a escolher seu homem como rei e lutar por ele. Eles responderam que não poderi­ am oferecer resistência a um homem que era tão poderoso e havia executado dois reis, e que se submetiam a Jeú, pedindo-lhe instruções. E ele lhes ordenou que executassem aqueles que exerciam autoridade sobre eles, e trouxessem suas cabeças a Jezreel" (Norman H. Snaith, in loc.). Houve outras execuções, e assim Jeú estava estabelecendo seu governo mediante a violência e o derrama­ mento de sangue, algo comum em Israel e outras nações do Oriente. Ficamos boquiabertos diante de toda essa violência e diante da maneira brutal e sem coração com que essa violência era efetuada. Tudo isso mostra-nos o baixo nível a que o país inteiro tinha afundado, onde a vida humana não tinha o menor valor. Portanto, vamos seguindo de violência para violência, de assassina­ to para assassinato, ao avançarmos na história dos reis de Israel e de Judá. Era como se eles tivessem declarado guerra contra a própria vida humana. 10.1 Achando-se em Samaria setenta filhos de Acabe. Promoção da traição. Bus­ cando uma maneira fácil de livrar-se da dinastia de Acabe, especificamente os setenta filhos de Acabe, Jeú comissionou seus guardiães para efetuar a matança a fim de que ele não tivesse de chegar a Samaria para fazer a execução pessoalmente. Mas, para garantir o sucesso da empreitada, ele escreveu cartas não somente para os guardiães das crianças, mas também para os governantes (políticos e militares), bem como para os anciões da cidade. A vontade de Jeú seria feita no tocante aos setenta filhos de Acabe, ou todos eles — governantes, anciãos e guardiães — seriam executados; e eles sabiam disso. Eles não tinham escolha. E mataram os filhos de Acabe. Foi preciso uma segunda carta para convencê-los, mas finalmente fizeram conforme lhes fora exigido (vs. 70). A primeira carta continha uma ameaça velada.

1505

Em Samaria. O texto massorético diz aqui, “em Jezreel”. Se isso está corre­ to, então devemos supor que aqueles governantes haviam fugido para Samaria quando Jeú, aquele homem selvagem, tinha invadido o lugar (capitulo 9). Portan­ to, quando escreveu cartas, ele as endereçou àqueles homens, juntamente com os governantes, anciãos e guardiães de Samaria. Mas a versão de Luciano e a Vulgata substituem Jezreel por “cidade” (dando a entender Samaria). Mui prova­ velmente, isso não corresponde ao original, mas historicamente está correto. É provável que o autor original, ou um antigo escriba, por um erro de pena, tenha escrito Jezreel no texto, o que, realmente, não faz sentido. O texto massorético é o texto hebraico padronizado conhecido hoje em dia. Ver no Dicionário o artigo chamado Massora (Massorah): Texto Massorético. Ver também o artigo Manuscri­ tos do Antigo Testamento, em sua seção VII. Filhos. Isto é, herdeiros masculinos, herdeiros potenciais do trono, tanto crianças pequenas quanto talvez adolescentes. Ainda viviam sob tutores e guardiães. Temos de supor que filhos mais velhos também foram mortos, e talvez o autor suponha que saibamos disso, a despeito do fato de que todos os filhos não continuavam sujeitos a seus guardiães. 10.2,3 Logo, em chegando a vós outros esta carta. Jeú escreveu com extrema ironia. Em sua primeira carta, ele sugeriu que aqueles governantes, anciãos e guardiães escolheriam um dos filhos de Acabe, fariam dele o rei, e se prepara­ riam para combater por ele! “Se fizerdes assim”, deixou ele entendido, “logo estarei aí e matarei todos vós”. Eles tinham cidades tonificadas e carros de combate, talvez um considerável equipamento oe guerra. Eles poderiam ter seguido a sugestão irônica de Jeú. Mas em seu intimo sabiam que a dinastia de Acabe havia chegado ao fim de seus dias. Jeú era a onda do presente e do futuro. Talvez Jeú tivesse sugerido uma batalha que servisse de teste. Não seria necessário que dois grandes exércitos se entrechocassem. Eles poderiam es­ colher tropas de elite, e ele enviaria tropas de elite contra eles. Algumas vezes, as questões eram resolvidas dessa maneira (ver I Samuel 17.8,9; II Samuel 2.9). 10.4 Porém, eles temeram muitíssim o. Dois reis (Jorão, de Israel, e Acazias, de Judá; ver o nono capítulo) não tinham podido resistir a Jeú. Era definitivamente seu dia. Sua estrela estava subindo no firmamento. O sol tinha-se posto sobre a dinastia de Acabe. Se os maiores (os reis) tinham caído defronte dele, como poderiam os menores derrotá-lo? Um rei era com freqüência considerado uma pessoa sagrada, ou, pelo menos, uma pessoa diretamente controlada por algum poder divino. Supostamente, um rei possuiria algum poder sobre-humano, e recur­ sos para além de suas próprias forças. Se um homem fora capaz de matar dois reis, como poderiam pessoas ordinárias ter a esperança de lutar com sucesso contra ele? 10.5 O responsável pelo palácio e o responsável pela cidade, os anciãos e os tutores. O homem que tomava o lugar de Jorão, quando esse rei estava ausente, chamou os governantes, os anciãos e os guardiães para se consultarem juntos. Talvez devamos pensar aqui em duas personagens: uma que estava en­ carregada do palácio, e outra que estava encarregada da cidade. Seja como for, tratou-se de uma conferência de alto nível. Não foi preciso muito tempo para chegarem a uma decisão: eles fariam qualquer coisa, até sacrificariam a família real inteira, o que, conforme eles entenderam muito bem, fazia parte das exigênci­ as de Jeú. E eles deixaram claro, em cartas enviadas de volta a Jeú, aue estavam do “lado dele”. Preferiram movimentar-se juntamente com a maré, em lugar de oferecer-lhe resistência. “Eles não estabeleceram condições e tomaram o com­ promisso de executar os terríveis assassinatos, que esse homem execrado (Jeú) lhes ordenou em seguida” (Adam Clarke, in loc.). Em outras palavras, Samaria rendeu-se incondicionalmente a Jeú, a fim de salvar vidas. Se não tivesse agido assim, provavelmente Jeú teria arrasado a cidade inteira.

10.6 Então lhes escreveu outra carta. Essa segunda carta fazia exigências es­ pecíficas, especialmente para que fossem mortos os setenta filhos de Acabe. Os guardiães, governantes e anciãos, como é natural, tinham antecipado essa possi­ bilidade, porquanto era costume que um novo rei aniquilasse a antiga família real, conforme comentei na introdução ao presente capítulo. Por conseguinte, essa exigência não lhes foi imposta como uma surpresa. Jeú exigia um ato extrema­ mente cruel. Ele queria que as cabeças dos setenta filhos ae Acabe fossem

1506

II REIS

trazidas a ele, de Samaria a Jezreel. Dessa maneira, saberia que suas ordens tinham sido obedecidas. Ficamos boquiabertos diante de cenas assim, mas essas eram coisas usuais em Israel, no tempo dos reis. Naqueles dias de poligamia, era comum que os homens tivessem muitos filhos. Homens poderosos tinham mais filhos do que outros, porquanto podiam dar-se ao luxo de ter mais esposas que o normal. Naturalmente, nenhum rei se equiparou a Salomão, aquele perito em mulheres e filhos; mas outros reis de Israel e de Judá fizeram contribuições significativas: Roboão, filho de Salomão, teve trinta e oito filhos; Abdom teve quarenta; Tola teve trinta; Gideão teve setenta e um; e Acabe, setenta. 10.7

Acazias, de Judá (capítulo 9); ele havia ordenado a morte de Jezabel (II Reis 9.30 ss.); e ordenara a decapitação dos setenta filhos de Acabe, removendo qualquer possibilidade de algum herdeiro ao trono daquela dinastia (II Reis 10.7). Agora ele terminaria a tarefa. Suas matanças foram extensivas: todos os membros restantes da casa de Acabe foram eliminados, presumivelmente incluindo todos os mem­ bros do sexo masculino, primos, os parentes mais distantes, que não tinham chance de tornar-se herdeiros do trono; ele também executou todos os oficiais militares de Acabe; todos os governantes e anciãos que lhe tinham dado apoio; todos os sacerdotes que o serviam em Samaria; e é provável que tenha matado os guardiães que haviam matado os setenta filhos de Acabe (versículo sétimo). Ele não lhes deu nenhum crédito por terem obedecido às suas ordens. Não restou nenhum vingador do sangue. Ver no Dicionário o verbete chamado Vingador do

Sangue. Puseram as suas cabeças nuns cestos. Os Caçadores de Cabeças. Em obedi­ ência imediata a carta, os próprios guardiães (ou soldados nomeados para a tarefa) saíram à caç£ de cabeças. Conseguiram tirar a vida de todos os setenta filhos de Acabe e puseram as cabeças deles em cestos. Ato contínuo, levaram-nas de Samaria a Jezreel, uma distância de trinta e dois quilômetros. Isso pôs fim, efetivamente, à dinastia de Acabe. Não restou nenhum membro do sexo masculino. Havia cabeças de infantes, de crianças, de adolescentes e de homens jovens. Tinham caído no erro de nascer como filhos de Acabe. Ontem tinham sido os membros orgulhosos da mais poderosa família de Israel. Hoje, estavam todos mortos.

10.8 Veio um mensageiro e lhe disse. Um mensageiro trouxe a notícia de que as cabeças tinham chegado a Jezreel, e assim o novo rei foi notificado. Ele ordenou que as cabeças fossem postas em dois montões, no portão de Jezreel. Alguém teria de contá-las. Jeú certificar-se-ia de que obtivera o que havia pedido. Jeú foi e teve uma boa noite de sono. Seu plano de aniquilamento estava operando às mil maravi­ lhas. Ele voltaria a ocupar-se daquela tarefa no dia seguinte. Aquelas cabeças seriam um triste lembrete, a todos quantos ouvissem falar do acontecido, de que Jeú não era homem para ser levado superficialmente. Ele mataria, pois até gostava de matar, em qualquer oportunidade que tivesse. Ninguém seria capaz de fazê-lo parar, e somente os insensatos o tentariam. O portão era o lugar de negócios públicos, e, com freqüência, onde funcionava o tribunal de justiça. Todos em Jezreel seriam testemunhas do feito sangrento, e temeriam. Quanto ao uso do portão, ver I Reis 22.10 e II Reis 7.3. Ver no Dicionário o artigo chamado Portão.

“Em seu zelo, Jeú exagerou e matou muitas pessoas inocentes que poderiam tê-lo ajudado a ser um rei mais eficiente do que se mostrou capaz" (Thomas L. Constable, in loc.). Os sacerdotes de Baal, em Samaria e em outros lugares de Israel, logo teriam a mesma sorte que as demais vítimas da matança. A ira de Jeú conti­ nuaria a fazer vítimas. Mas depois de tudo isso, Jeú terminaria sendo quase tão ruim quanto Acabe tinha sido. Tiranos que substituem tiranos raramente são melhores do que eles. Ditadores que tomam o lugar de ditadores rara­ mente são melhores do que eles. Presidentes eleitos que substituem presi­ dentes eleitos raramente são melhores que eles. O jogo político inteiro é um leito de corrupções. 10.12,13 Foi a Samaria. O poderoso matador, Jeú, partiu então para Samaria. Ele tinha uma matança muito maior a efetuar, e a faria na capital do país. Devemos entender que o versículo 11, pois, não incluiu a família inteira de Acabe, porque, em Samaria, a capital do país, havia outros membros dessa família. Em breve estariam mortos. Ao longo do caminho, aconteceu que Jeú se encontrou com parentes de Acazias, rei de Judá. Eles estavam indo a Samaria visitar outros membros da família real, tanto de Judá quanto de Israel, e, especialmente, a rainha-mãe, Jezabel, embora nada soubessem a respeito. Devemos lembrar-nos de que as duas famílias reais (a de Judá e a de Israel) se tinham unido por casamentos, desde os dias de Josafá, pelo que estar relacionado com uma des­ sas famílias era estar relacionado com a outra. Ver o gráfico que acompanha o presente texto.

10.9 10.14 Vós estais sem culpa. O propósito da fala de Jeú, no dia seguinte, em parte foi para aliviar os temores em Jezreel. O povo daquele lugar era inocente de qualquer ato errado. Jeú disse: “Fui eu quem matou o meu senhor, o rei Jorão. Assumo a piera responsabilidade. Vocês nada têm a ver com isso”. Em seguida, ele quis saber sobre aquelas setenta cabeças. Quem tinha matado os filhos de Acabe? Eles tinham sido mortos por sua ordem, e os habitantes de Jezreel tam­ bém nada tinham a ver com isso. Mas a lição objetiva era perfeitamente clara: aqueles que se opusessem a ele seriam abatidos. Os homens só teriam paz em Israel enquanto obedecessem ao novo tirano. A dinastia de Jeú duraria por quatro gerações; e então o Cativeiro Assírio (ver a esse respeito no Dicionário) poria fim à terrível confusão. Entrementes, Jeú estava agindo por ordem divina. Elias havia dito que ele seria o instrumento da matança, e que o objeto específico de sua ira seria a casa de Acabe (ver I Reis 19.17). Jeú relembrou o povo de Jezreel desse feto (ver o vs. 10). Aqueles dois montes de cabeças, pois, não deveriam perturbar os habitantes de Jezreel. As duas horrendas pilhas de cabeças decepadas não deveriam ser interpreta­ das como se eles tivessem qualquer culpa, ou que sofreriam algum dano. Yahweh tinha ordenado a matança; Elias a tinha previsto, e Jeú foi apenas o instrumento. Outros não tinham culpa na questão, se é que alguém deveria ser o culpado.

10.10 Da palavra do Senhor... nada cairá em terra. Jeú jamais se esqueceu de que ele era o instrumento das temíveis profecias de Yahweh, dadas por intermé­ dio de Elias. Cf. II Reis 9.36,37. Jeú, sem dúvida, tinha ouvido em primeira mão algumas dessas profecias, enquanto servia a Jorão. Por conseguinte, aliviou os temores do povo de Jezreel, que poderia pensar que seria acusado de alguma coisa, dizendo-lhes que a autoridade por trás da matança era o próprio Yahweh. O que acontecera era inevitável, o cumprimento de profecias, o desdobramento da vontade divina. A casa de Acabe deveria ter um fim violento (ver I Reis 19.17 e 21.21,29).

Bete-Equede. Ver no Dicionário o artigo sobre esse lugar. O nome, no hebraico, significa “casa de tosquia”. Era um lugar de tosquia de carneiros bem conhecido; ali provavelmente havia uma pequena comunidade que se ocupava desse negócio. Tem sido identificado com a moderna Beit Kad, cerca de vinte e seis quilômetros a nordeste de Samaria. E a nenhum deles deixou de resto. Essas palavras referem-se a quarenta e dois parentes de Acazias, rei de Judá. Esses foram os homens mortos por Jeú. Ele estava determinado a eliminar a família da temível Jezabel. A casa de Acabe misturara-se por casamento com a casa de Josafá, e Acazias estava envolvido nessa confusão. Jeú, pois, ansiava limpar toda aquela imundícia. Portanto, aque­ les infelizes viajantes foram vítimas dessa matança. Na verdade, eles deveriam ter permanecido em casa, e deixar Jezabel cuidar de sua própria vida. Quarenta e dois homens foram mortos. Quando terminaria a matança? Em II Crônicas 22.8, esses homens são chamados “príncipes de Judá”. “Isso posto, foi-nos apresentado um quadro negro sobre o estado da religião naqueles dias antigos. Contudo, apenas um pouco de conhecimento da história é necessário para mostrar-nos que, até mesmo na era chamada cristã, crueldades abomináveis têm sido perpetuadas em nome da religião e com a sanção da Igreja. A consciência religiosa só muito lentamente se tem desvencilhado da horrenda aliança com a crueldade. Continuamos testificando, em tempos de guerra, o res­ surgimento de uma inacreditável depravação e de uma desumanidade de sangue frio. Não obstante, a consciência religiosa de nossa época condena essas atitu­ des, repele-as e se volta contra elas, resolvida a mudar o quadro. Portanto, podemos acompanhar um lento mas seguro progresso, sob Deus, na evolução da moral e da religião” (Raymond Calking, in loc.). Note-se o curioso paralelo dos números, comparando-se o trecho de II Reis 2.24 com o presente versículo. Jonadabe, Filho de Recabe, um Aliado (10.15-17)

10.11

10.15

Até que nem um sequer lhe deixou ficar de resto. Um aniquilamento absoluto. Jeú já havia matado pessoalmente os dois reis, Jorão, de Israel, e

Jeú se encontrou com quarenta e dois inimigos potenciais e os matou. Então aconteceu-lhe encontrar um aliado, e ele o convidou para ajudá-lo em

II REIS sua missão de morte e destruição. Esse aliado era Jonadabe, filho de Recabe, o qual recebeu um artigo no Dicionário. Ver o segundo da lista. Coisa alguma se sabe sobre ele, exceto o que se pode deduzir de sua ascendência e do incidente aqui registrado. Presumimos que ele era contrário à casa de Acabe e a favor de uma reforma total e do retomo ao yahwismo. Josefo (ver Antiq. IX.6.6) faz de Jonadabe e Jeú amigos de longo tempo; e, se isso exprime a verdade, então o rei já sabia que tinha em seu amigo um aliado em tempos de dificuldades. Os recabitas eram descendentes dos queneus (ver I Crônicas 2.55) e permaneceram firmes em suas tradições e costumes típicos de povos do deserto. Eram nômades no começo e permaneceram nômades. Eram adoradores de Yahweh e austeros em seus hábitos, abstendo-se de vinho e de prazeres supérfluos. Ver Jeremias 35.6,7. Ver no Dicionário o artigo chamado Recabe, Recabitas, quanto a detalhes.

A Aliança. Jonadabe tornou-se um aliado imediato, passando a ajudar Jeú a limpar a confusão em Samaria. Jonadabe tomou o carro de Jeú e estava ansioso por chegar o mais prontamente possível em Samaria. Quando Jeú ajudava seu aliado a entrar no carro, eles se deram as mãos, e isso selou a aliança entre os dois. Cf. Isaías 42.6. 10.16 E verás o meu zelo para com o Senhor. Yahweh tinha ordenado a matança da casa de Acabe; Elias a tinha profetizado; Jeú era o instrumento dessa matança, e assim ele estava cheio do zelo da matança, atribuído a Yahweh. Jonadabe seria o aliado de Jeú e demonstraria o seu zelo pelo

yahwismo. ...o levou. A versão portuguesa segue as versões siríaca e Septuaginta, dando o sujeito no singular. Mas o hebraico original tem o plural “eles o levaram”. Se o plural está correto, então os oficiais militares de Jeú podem ter sido aqueles que ajudaram Jonadabe a entrar na carruagem de Jeú. Alguns estudiosos têm conjecturado que Jonadabe tinha sido um velho xeque, não muito hábil na batalha, porém um bom aliado por causa de seu apoio moral. Mas isso é muita conjectura para se basear em um sujeito no plural. Ver no Dicionário o verbete chamado Manuscritos do Antigo Testamento, em sua seção VII. 10.17 Feriu todos os que ali ficaram de Acabe. A matança em Samaria. Jeú já havia matado todos os membros do sexo masculino da casa de Acabe, que estavam em Jezreel, residência de verão de Acabe. A temível Jezabel estivera entre as vítimas, como também parentes de Acabe, até mesmo distantes, seus oficiais militares, anciãos e sacerdotes (ver o vs. 11). A matança foi então transferida para Samaria, onde os mesmos atos de violência foram efetuados. Isso significa que a casa de Acabe foi aniquilada. Devemos lembrar-nos, uma vez mais, de que Jeú estava agindo em consonância com a vontade de Yahweh, conforme fora profetizado por Elias. Ver I Reis 19.17 e 21.21,29. Jeú tinha consciência de que estava cumprindo profecias (ver II Reis 9.36,37 e 10.10), e isso, sem dúvida, aumentava ainda mais o seu zelo fanático. Ver meus comentários sobre toda a questão, nas notas expositivas do vs. 14, a respeito de como a consciência cristã trabalha com tais questões. Massacre dos Adoradores de Baal (10.18-28) 10.18

A Trilha de Sangue. A partir do nono capítulo, temos seguido uma horren­ da trilha de sangue. Ali vimos Jeú matar os dois reis, Jorão, rei de Israel (filho de Acabe e Jezabel), e Acazias, rei de Judá. Em seguida, a matança atingiu Jezreel, onde a horrível Jezabel foi uma das vítimas. Mas a matança foi muito extensiva, conforme vemos no versículo 11 deste capítulo. Os setenta filhos de Acabe foram mortos em Samaria, por ordem de Jeú, enquanto ele ainda estava em Jezreel (ver II Reis 10.2 ss.). Então Jeú e seus soldados avança­ ram sobre Samaria e repetiram suas execuções assassinas, obliterando com­ pletamente a casa de Acabe (ver II Reis 10.17). Agora a matança destruiria os sacerdotes de Baal, tanto em Samaria como em todo o território de Israel, que é o assunto dos vss. 18-28 deste capítulo. A apostasia de Israel tornara­ se, realmente, generalizada. Havia a adoração ao bezerro, em Betei (o qual, incrivelmente, Jeú não destruiu). Mas o baalismo era a principal manifestação da idolatria. Ver no Dicionário o artigo chamado Baal (Baalismo), quanto a detalhes.

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do culto. Jeú, alegadamente, faria avançar a causa do baalismo, e todos os seus fiéis seguidores quiseram ver o que ele faria. Jeú faria um grande holocausto, mas o truque é que seria de vítimas humanas, dos adoradores de Baal. Seria esse um sacrifício apropriado. A esperteza de Jeú deu certo. O lugar apontado para o sacrifício estava apinhado de gente, os apoiadores de Baal, tal como as formigas infestam um formigueiro. 10.19

Todos os membros sérios do culto a Baal estariam presentes. Somente os desinteressados e os desviados far-se-iam ausentes naquele dia. Afinal, fora o próprio rei Jeú, o campeão do baalismo, que fizera tal proclamação, requerendo a presença de todos os adoradores de Baal. Assim sendo, eles vieram em massa. Samaria ficou sobrecarregada de peregrinos de perto e de longe, de fato, de toda a nação de Israel. Camelos, cavalos, mulas, jumentos e carruagens estavam estacionados por toda parte. Os negociantes armaram suas mesas para tentar ganhar dinheiro com o ajuntamento das pessoas. Para garantir total representa­ ção do baalismo, Jeú ameaçara executar qualquer seguidor de Baal que perma­ necesse em casa. É óbvio que as verdadeiras lealdades religiosas de Jeú ainda eram desconhecidas por esse tempo. Se elas fossem conhecidas, o golpe de astúcia teria falhado. 10.20 Consagrai uma assembléia solene a Baal. Foi um dia de feriado nacional que exigiu a freqüência dos seguidores de Baal em Samaria. O feriado foi fortale­ cido por um decreto real; o decreto apoiou-se em uma ameaça de execução para os que não se fizessem presentes à reunião. Haveria uma gigantesca festividade de sacrifícios oferecidos a Baal (vs. 19). O hebraico diz, literalmente, para “sacrifí­ cio”, “matança para sacrifício”, e isso pode ter sido uma pequena demonstração de humor negro da parte de Jeú. Seu sacrifício seria a matança dos adoradores de Baal. Além disso, a assembléia solene, no original hebraico, literalmente é “festividade de encerramento”, o que pode ter sido outro toque de humor negro. (Cf. Deuteronômio 16.8 e Levítico 23.36.) Jeú haveria de “fechar” o baalismo em Israel, com sua matança de sacrifício. 10.21 Enviou mensageiros por todo o Israel. A nação inteira recebeu o decreto de Jeú. Todo Israel foi convocado. Nenhum indivíduo mostrou-se tão corajoso que desobedecesse às ordens do rei. Estavam todos presentes, todo adorador de Baal, e, especialmente, a casta sacerdotal, que se tinha espalhado como um câncer por todo o território de Israel. Esse câncer estava prestes a ser extraído com violência. O templo principal de Baal, em Samaria, estava repleto de gente. Muitos foram deixados do lado de fora, e ocuparam áreas circundantes. Jeú já os havia cercado com homens violentos, que ansiavam por iniciar a matança; mas os adoradores de Baal de nada suspeitaram. Acabe havia erigido aquele magnificente templo em honra a Baal, em Samaria (ver I Reis 16.32). Sua utilidade, porém, estava no fim.

10.22 Tira as vestimentas para todos os adoradores de Baal. Vestimentas es­ peciais eram usadas no culto a Baal, guardadas em um depósito do templo de Baal. Os líderes do culto eram pomposos e cheios de ostentação. Quanto mais chegado à ostentação era um homem, mais era considerado espiritual. Vestes especiais sempre fizeram parte dos cultos religiosos, e isso continua a ter seu lugar em algumas denominações. Existe aquele truque psicológico que diz que os poderes divinos não podem ser abordados com sucesso por uma pessoa em vestimentas comuns, ou, pelo menos, que esses poderes dão mais atenção aos que se vestem “apropriadamente”. Os sumos sacerdotes e os sacerdotes de Israel tinham todos as suas vestes especiais, que tinham de usar quando oficia­ vam. Ver no Dicionário o verbete chamado Sacerdotes, Vestimentas dos. Em inglês temos a expressão Sunday best, isto é, as melhores vestes reservadas para uso na igreja, aos domingos. Mas hoje em dia as pessoas mostram-se negligentes, e até desrespeitosas, na maneira como se vestem para ir à igreja. Infelizmente, muitas mulheres freqüentam a igreja evangélica com calças compri­ das! Isso faz parte da desintegração geral da Igreja hodierna. Existem, pois, esses dois extremos: os pomposos, cheios de ostentação, e os desrespeitosos.

A Figura Simbólica. Com o intuito de aproximar-nos de Deus, precisamos do vestuário próprio da alma: a sinceridade, a fidelidade, a retidão, a preparação apropriada, a humildade e a sinceridade. 10.23

Jeú Promoveu uma Grande Farsa. Ele fingiu ser um devoto fanático de Baal, e reuniu todos os seguidores para uma festa de adoração. Declarou-se um devoto de Baal maior do que Acabe tinha sido, e com isso ele iludiu todos os seguidores

Examinai. Uma medida de garantia. Uma grande matança estava prestes a ocorrer, pelo que Jeú quis estar certo de que somente adoradores de Baal esta-

1508

II REIS

vam presentes. Ele não queria que um único verdadeiro devoto de Yahweh so­ fresse a terrível agonia que em breve haveria de abater-se sobre aquela grande assembléia. O baalismo era uma fraternidade, e todos se conheciam uns aos outros. Receberam ordens, pois, de olhar em derredor e identificar qualquer adorador de Yahweh que pudesse estar entre eles. Jonadabe também estava presente, como observador. Ele veria o zelo de matador de Jeú (ver o vs. 16). Uma busca foi feita, e não se descobriu nenhum único devoto de Yahweh na assembléia. Tudo estava pronto para o sacrifício e o subseqüente aniquilamento dos servos de Baal. 10.24 E, entrando eles a oferecerem sacrifícios e holocaustos. O artificio conti­ nuou. Os sacrifícios apropriados foram feitos, e ninguém suspeitou do que Jeú estava para fazer. Todos foram apanhados na teia de seu ludíbrio, e em breve receberiam a ferroada fatal. O momento do golpe mortífero aproximava-se.

Uma Vida Por Outra Vida. Jeú escolheu oitenta homens poderosos e violen­ tos para montar guarda do lado de fora do templo de Baal. Ao dar ele a ordem, eles deveriam avançar, entrar no templo e matar todos. Se um de seus homens permitisse a fuga de algum dos adoradores de Baal, seria executado. Aqueles homens assassinos sem dúvida garantiriam que nenhum homem da companhia deles fosse executado naquele dia. Eles tremiam de excitação conforme se apro­ ximava a hora da glória deles. 10.25 Entrai, ferl-os, que nenhum escape. Quando os sacrifícios estavam prestes a terminar, Jeú deu a ordem terrível. Os oitenta homens entraram no templo e começaram a matar. Eles não ouviram nenhum grito pedindo misericórdia. Antes, mostraram-se incansáveis e eficazes. Penetraram no mais interior da casa de Baal. Os executores entraram na parte mais interior do santuário do templo de Baal, o lugar mais sagrado do culto, e a matança continuou. Essa palavra, em algumas versões, tem sido traduzida como “cidade”, dando a entender que a matança se espalhou pelas regiões da cidade de Samaria. Mas agora se sabe que “santuário” ou “mais interior da casa de Baal” é uma tradução apropriada da palavra hebraica em questão, ‘ir. Cognata é a palavra acádica erim, que significa alicerce. E também existe a palavra ur, “cidade”. No presente versículo, essa palavra indica uma espécie de santo dos santos do templo pagão.

que não ficava muito atrás daquele modelo de maldade, Acabe. Ele também não destruiu a adoração ao bezerro, em Betei. As profecias de Elias, por igual modo, foram cumpridas da maneira mais literal possível (I Reis 19.17; 21.21,29). Ver II Reis 10.29 ss., quanto aos fracassos de Jeú. Afinal, Jeú abandonou a vereda do yahwismo. E especializou-se nos pecados de Jeroboão (versículo 31). Sumário do Reinado de Jeú: Seus Fracassos (10.29-31) Jeú cumpriu as profecias, ao eliminar totalmente a casa de Acabe e ao obliterar o baalismo em Israel (capítulos 9 e 10). Em seu coração, todavia, ele era quase tão ruim quanto Acabe. Tiranos que substituem tiranos raramente são melhores que eles. Jeú também aniquilou o baalismo e matou todos os sacerdotes daquele culto. Por sua ganância, porém, continuou nos pecados de Jeroboão. É difícil entendermos a “piedade seletiva” de Jeú, que não era uma piedade real, que pudesse ter caracterizado a sua pessoa. A dinastia de Jeú teve permissão de continuar por quatro gerações. Então o cativeiro assírio (ver a respeito no Dicionário) pôs fim a toda aquela confusão. E Israel, o reino do norte, deixou de existir. 10.29 Os pecados de Jeroboão. Ver sobre ele no Dicionário. A fim de impedir que indivíduos do reino do norte fossem ao reino do sul, para adorarem, no templo de Jerusalém (depois que ocorreu o cisma entre o norte e o sul), Jeroboão estabeleceu um culto rival em Betei, que se centralizou em torno dos bezerros de ouro. Isso foi uma repetição do pecado do deserto, quando Arão (na ausência de Moisés) cometeu o mesmo erro tolo. Ver I Reis 12.28 ss. e 15.26,30,34, quanto a essas atividades nefandas de Jeroboão. É prová­ vel que Jeú tenha mantido o culto de Betei e de Dã com o mesmo propósito com que Jeroboão o havia instituído: impedir que o povo do norte (Israel) precisasse ir ao sul (Judá), que se tornara uma nação separada e, com fre­ qüência, hostil. Lembremo-nos, igualmente, de que Jeú havia acabado de matar o rei de Judá, Acazias (capítulo 9), e isso deve ter acendido de novo as hostilidades entre as duas nações. Portanto, de maneira bastante distinta da fé religiosa, era uma boa política manter os sistemas de adoração separados, com o centro do norte distante de Jerusalém. Ver o capítulo 32 do livro de Êxodo a respeito do ato de idolatria e estupidez de Arão. 10.30

10.26

Teus filh o s até a quarta geração se assentarão no trono de Israel. A Recompensa de Jeú. Jeú havia agido bem quanto a certas coisas. Ele tinha

E tiraram as colunas. Essa palavra no plural faz parte do texto massorético. Ver no Dicionário o artigo chamado Massora (Massorah); Texto Massorético. Mas quase certamente (em concordância com as evidências históricas) deveríamos entender aqui a forma singular. Possivelmente está em vista a pedra sagrada, o altar do santo dos santos do templo pagão. Mas alguns se referem ao poste sagrado, com inscrições apropriadas ao baalismo. Esse poderia ser o significado, posto que a palavra hebraica não indica claramente um objeto de madeira. A Septuaginta tem a forma singular. A versão siríaca diz “estátua". A coluna sagrada era um objeto comum nas antigas formas de adoração, e com freqüência fazia parte do equipamento dos templos. O fato de que essa coluna pôde ser queimada faz-nos deduzir que ela era feita de madeira.

cumprido as profecias de destruição contra a casa de Acabe e tinha eliminado o baalismo em Israel (capítulos 9 e 10). Por causa desses atos bons, foi-lhe concedido reinar em paz relativa, morrer de morte natural, e à sua dinastia foi permitido chegar à quarta geração. Mas então veio o cativeiro assírio, que obliterou a nação do norte, Israel. Ver os seguintes artigos no Dicionário que ilustram esses fatos: Rei, Realeza, que dá um gráfico dos reis de Israel e de Judá e compara seus tempos com os das nações circundantes; Israel, Reino de, que dá uma lista de todos os reis do norte e breves descrições de seus reinados. Ver também Israel, História de. A dinastia de Jeú perdurou por cerca de cem anos. Os reis que se seguiram, na linhagem de Jeú, foram Joacaz, Joás, Jeroboão II e Zacarias. O último dessa lista reinou por apenas seis me­ ses. A bênção teria sido maior se Jeú tivesse feito tudo quanto deveria ter feito; obediência parcial, recompensa parcial.

10.27 Também quebraram a própria coluna de Baal. Alguns eruditos pensam que a deste versículo, bem como a coluna do versículo anterior, eram uma única coisa. Mas é mais provável que o versículo 26 tenha em vista uma coluna de madeira, ao passo que o vs. 27 se refere a outra coluna (provavelmente feita de pedra), que honrava especialmente Baal. Talvez essa segunda coluna fosse uma imagem de Baal, ou então uma pedra em forma de cone, dedicada ao culto a Baal. Alguns intérpretes pensam que esse segundo objeto era um altar. Seja como for, foi demolido juntamente com o templo inteiro. Em outras palavras, os objetos sagrados do templo foram destruídos, e o edifício também. Ato contínuo, a área (ou a parte do templo que ainda restava de pé) foi transformada em uma latrina, e continuava a ser usada com esse propósito quando o autor sagrado compilou o livro de II Reis. Essa foi a contaminação final e a desgraça daquele lugar orgulhoso que fora antes o centro da adoração a Baal. Fica entendido que parte do templo ainda estava de pé, um pedaço da parte externa, uma parte das paredes, e isso foi reduzido a uma latrina, para ser usada pelo público em geral. 10.28

Jeú terminara seu dever de maneira magnificente. O baalismo recebeu um golpe mortal em Israel. Infelizmente, porém, Jeú tornou-se um homem maldoso,

10.31 Jeú não teve o cuidado de andar de todo o seu coração na lei do Senhor. Jeú não era um homem espiritual. Antes, foi um poderoso guerreiromatador, que fez algumas coisas certas e respeitou a tradição profética. De fato, ele foi apanhado na correnteza dessa tradição e foi usado por ela. Mas não tinha piedade pessoal e particular. Ele não se preocupava em seguir os ritos, as ceri­ mônias e os conceitos da legislação mosaica. Manteve a idolatria por motivo de um expediente político. Foi o cabeça da quinta e última dinastia de Israel. Ele tornou-se para nós um exemplo daquilo que um homem usualmente é — a mistu­ ra do bem com o mal. Andar. Ver essa palavra no Dicionário, quanto à metáfora do ato de andar para indicar a maneira de viver. Parte de seu coração estava com o yahwismo, mas parte estava com o paganismo, na forma de idolatria. Ele era um homem dividido; obedeceu em parte e foi recompensado em parte. A lei de Moisés não se adaptava às suas disposições ou às suas normas como rei. Contrastem-se suas atitudes e atos ao ideal da espiritualidade, conforme esse ideal é visto na fé dos hebreus: Deuteronómio 6.4-9. Longa vida e prosperidade foram prometidas aos seguidores sérios do yahwismo (Deuteronómio 6.2,3).

II REIS Amarás, pois, o Senhor teu Deus de todo o teu coração, de toda a tua alma, e de toda a tua força. Estas palavras que hoje te ordeno, estarão no teu coração; tu as inculcarás a teus filhos, e delas falarás assentado em tua casa, e andando pelo caminho, e ao deitar-te e ao levantar-te.

qual ele governou foi cerca de 841-814 A. C. Ele governou por mais anos do que qualquer dos outros reis de Israel, desde que o norte se separou do sul. Talvez isso tenha sido sua recompensa por ter feito bem o seu trabalho, quanto a algumas questões, embora tenha fracassado quanto a outras (ver II Reis 10.30,31).

C a p ítu lo O n ze

(Deuteronômio 6.5-7) Perdas de Israel para a Síria (10.32-33)

Entrementes, a questão da matança prosseguiu. A Síria nunca desistiu. Israel nunca desistiu. Então os assírios afundaram ambos os barcos. O antigo inimigo, Hazael, estava agora de volta à trilha da guerra, tal como Elias dissera que ele faria (ver I Reis 19.17), e conforme Eliseu confirmara que ele faria (ver II Reis 8.12 ss.). Ele tinha guerreado contra Jorão (capítulo 9) e enfraquecido continuamente Israel. Quando Jeú tornou-se rei, ele continuou com seus ataques. 10.32 Começou o Senhor a dim inuir os termos de Israel. Hazael promoveu uma destruição generalizada contra Israel, fazendo investidas na fronteira, e, depois, penetrando pelo interior. Foi assim que, ao que tudo indica, Israel perdeu boa parte de seu território para aquele tirano. “A fraqueza da Assíria, em cerca de 840 A. C., deixou Hazael livre para aproveitar ao máximo as suas oportunidades para oeste. Ele tomou de Israel o território inteiro da Jordânia (Transjordânia), e esse território foi retido pela Síria até o surgimento de Adade-Nirari III, que conquistou Damasco em 805 A. C.” (Norman H. Snaith, in loc.). 10.33 As perdas territoriais de Israel são enumeradas neste versículo. Todo o terri­ tório a leste do Jordão, chamado Transjordânia (ver a respeito no Dicionáno), foi perdido para a Síria, dirigida por Hazael. Era nesse território que as tribos de Gade e Rúben tinham suas terras, e, naturalmente, havia também a meia-tribo de Manassés. O autor dá-nos algumas notas geográficas para ilustrar o que ele indicava: a ocupação da terra que se estendia desde o rio Aroer (também chama­ do Arnom). Esse rio assinalava o limite sul de Gileade, que se estendia para o norte até o monte Hermom e incluía Basã. As conquistas de Hazael eram caracte­ rizadas por grande barbaridade, tal como Eliseu predisse (ver II Reis 8.12 ss.). “Antes dos ataques de Hazael, a Assíria, sob Salmaneser III, tinha forçado Jeú a encurvar-se diante dele e a pagar tributo. Um baixo-relevo, do chamado Obelisco Negro, de Salmaneser, mostra Jeú fazendo isso. Essa é a única repre­ sentação de um rei de Israel que já foi descoberta” (Thomas L. Constable, in loc.}. 10.34 O autor sacro nos dá agora uma de suas usuais conclusões ou sumários. Cumpre-nos saber como as coisas, finalmente, terminaram para Jeú, bem como acerca da obra que o autor usou como base para essas informações. A conclusão inclui a usual nota de obituário. Ora, os demais atos de Jeú. O autor sagrado não tentou dizer-nos tudo quanto Jeú fez. Portanto, lembrou-nos de que qualquer pessoa interessada pode­ ria recorrer a um de seus livros de consulta, e aprender mais. Esse livro de consulta chamava-se Livro das Crônicas dos Reis de Israel e de Judá. Quanto a maiores informações sobre esse livro, além de outros livros referidos na Bíblia que se perderam, ver I Reis 14.19. Naquele ponto adiciono outras referências que aumentam a informação. 10.35 Descansou Jeú com seus pais. Temos aqui a nota usual de obituário do autor sagrado. Quanto a notas a respeito, ver I Reis 16.5,6. O trecho de I Reis 1.21 também tem algumas notas expositivas quanto a isso. Jeú foi sepultado em Samaria com a devida pompa e cerimonial. Samaria era a capital do reino do norte. Onri e Acabe também foram sepultados ali (ver I Reis 16.28; 22.37). Jeoacaz, filho de Jeú, reinou em lugar dele. Ver sobre ele no Dicionário. Estava destinado a reinar por dezessete anos (ver II Reis 13.1). Seu reinado é descrito em II Reis 13.1-9. 10.36 Os dias em que Jeú reinou em Israel. O reinado de Jeú perdurou por vinte e oito anos, e foi-lhe permitido ter uma morte natural. O tempo durante o

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Da Revolta de Jeú à Queda do Reino do Norte (11.1 - 17.41) Revolução e Contra-revolução em Judá (11.1-21) A ímpia Atalia, mãe do assassinado Acazias (quase tão horrenda quanto Jezabel, que provavelmente era a mãe dela), e filha de Acabe, tomou o poder em Judá e o manteve por seis anos. Suas maldades ganharam para ela uma morte violenta. Em consonância com um antigo costume oriental, a fim de consolidar o seu poder, ela matou quase toda a família real. Ela não permitia nenhuma competição. Joás, entretanto, escapou, salvo por uma tia. Mas Judá tinha de agüentar aquela maldosa rainha, até que o propósito divino a cortasse fora. Ela mostrou ser forte apoiadora e promotora do baalismo em Judá, o qual chegou ao fim graças a Joás, quando ele assumiu o poder em Judá. Quanto à história de Atalia, ver o sumário no artigo sobre ela, no Dicionário. 11.1 Vendo Atalia. Infelizmente, outra rainha perversa! Atalia certamente era filha de Acabe e, provavelmente, de Jezabel. Ela tinha a herança pervertida e o exem­ plo certo para realizar uma missão de vergonha e destruição. E atirou-se à sua missão com zelo, primeiramente consolidando seu próprio poder, assassinando a família real inteira, excetuando Joás, que escapou graças à misericórdia de uma tia. Atalia era mãe de Acazias, a quem Jeú tinha matado (capítulo 9). A confusão provocada pela morte dele permitiu a Atalia apossar-se do trono. Ela era uma mulher abominável, quase tanto quanto Jezabel. Ver a introdução ao presente capítulo e o artigo sobre ela, no Dicionário. “A rainha-mãe conseguiu manter os caminhos da casa de Acabe, por outros seis anos, no reino de Judá; mas ela perdeu uma pessoa no massacre da linha­ gem geral de Acazias, e esse pequeno menino provou ser o instrumento da queda final dela” (Norman H. Snaith, in loc.).

Narrativas Paralelas. O autor dos livros dos Reis seguiu o plano de apresen­ tar relatos paralelos dos reis de Israel e de Judá. Ele não preparou primeiramente uma lista de todos os reis de Israel e descreveu-os, para então descrever todos os reis de Judá. Antes, ele saltava de um reino para outro, entre esses dois reinos, o do norte, Israel, e o do sul, Judá, fornecendo relatos paralelos quase cronológicos. Quanto a essa prática, ver I Reis 16.29. “Quão terrível é essa concupiscência por reinar! Isso destrói todas as caridades da vida, transformando pais, mães, irmãos e filhos nos mais ferozes selvagens! Nadar para o governo soberano, Através de mares de sangue. Leitor, cuidado com as revoluções. Tem havido algumas revoluções úteis, mas, de modo geral, são as piores maldições de Deus” (Adam Clarke, in loc.).

Costume. Naturalmente, era um costume no Oriente que algum novo rei ou rainha consolidasse o seu poder aniquilando a família real anterior. Isso, evidente­ mente, não tornava tais atos menos hediondos. 11.2 Mas Jeoseba, filha do rei Jorão. A Missão de Salvação. Ver sobre Jeoseba no Dicionário. Jeoseba, de acordo com a vontade de Yahweh, con­ seguiu salvar um herdeiro masculino do trono, a saber, Joás, que era filho do assassinado Acazias. Jeoseba era filha do rei Jorão, a quem Jeú também havia matado (capítulo 9), pelo que ela era tia do menino Joás. A misericordi­ osa tia escondeu tanto o menino quanto sua ama, e proporcionou-lhes um abrigo em lugar seguro. “Atalia era uma verdadeira filha de Jezabel. Ela cuidou para que todos os irmãos de seu marido fossem assassinados, para que a autoridade dele pas­ sasse sem nenhum desafio (ver II Crônicas 21.4). Em seguida, ela adicionou homicídio a homicídio. A adoração a Baal logo se tornou a religião nacional. O sumo sacerdote Joiada foi degredado; todas as crueldades, imoralidades e

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II REIS

falta de religiosidade da casa de Acabe foram postas em execução no reino do sul, que então caiu no pior nível de toda a sua história” (Raymond Calking,

in loc.).

3. Os três contingentes armados teriam uma vantagem estratégica sobre as tropas leais à rainha-mãe. Essa vantagem deveria ser suficientemente forte, para que nenhuma resistência pudesse haver.

11.3

11.7

Jeoseba o teve escondido na casa do Senhor seis anos. Ficamos sabendo aqui que o menino Joás e sua ama ficaram escondidos em algum lugar do templo, sem dúvida com a cooperação do sumo sacerdote. O marido da tia de Joás era o sumo sacerdote Joiada (ver II Crônicas 22.11), pelo que os dois tiveram sua conspiração privada contra a ímpia Atalia. Conforme os versículos que se seguem mostrarão, Joás finalmente subiria ao trono de Judá. Joás tinha apenas um ano quando foi ocultado, e tornar-se-ia rei aos sete anos de idade (versículo 21). Josefo (Antiq. IX.7.1) diz-nos que Joás foi ocultado em um pequeno armazém do templo, onde eram guardados col­ chões. Depois disso, foi transferido para um lugar seguro no templo. Talvez Josefo quisesse dizer que esse armazém estava no templo, e que se tornou um dormitório improvisado para Joás e sua ama. Seu dormitório, entretanto, pode ter sido uma das câmaras para os sacerdotes, não no templo propria­ mente dito, mas anexo a ele. As dependências privadas dos sacerdotes não podiam ser violadas por visi­ tas profanas, nem mesmo pela rainha, pelo que Joás esteve seguro ali durante todos aqueles anos.

Os dois grupos que saem no sábado. Além dos cuidados tomados, confor­ me foi descrito nos comentários sobre os versículos anteriores, o assassinato deveria ocorrer no fim do sábado, o que ninguém esperaria. As tropas leais a Atalia seriam apanhadas fora de vigilância. Os “dois grupos” aqui mencionados referem-se aos cários (os mercenários estrangeiros, a guarda de elite) e aos soldados estacionados no portão por trás da guarda. Ver o vs. 19 quanto ao portão da guarda. “As tropas, ao receberem dispensa, no sábado, não deviam ser postas em três companhias, em três pontos diferentes, como aqueles que entrari­ am nos seus postos, por ocasião da mudança da guarda. Antes, deveriam formar dois grupos: um para guardar o templo, e outro para guardar o portão” (Ellicott, in loc.). “A manobra inteira foi feita de tal modo que ninguém faria idéia de qualquer acontecimento especial, até estar tudo realizado” (Norman H. Snaith, in loc.). Os intérpretes, contudo, discordam largamente sobre exatamente qual teria sido a estratégia usada. Sem importar qual tenha sido, porém, funcionou a contento.

A Derrubada de Atalia (11.4-21) Essa maligna mulher não teve permissão de continuar por muitos anos, conforme sucedera no caso de Jezabel. Desde o dia em que Atalia se revol­ tou, Joiada e sua esposa, Jeoseba, além da casta sacerdotal e outros oficiais, estiveram planejando a queda dela. Uma vez que o plano estava bem formu­ lado, a derrubada deu-se de maneira relativamente fácil. A história que se segue se divide em duas partes. Primeiramente, somos informados sobre o plano cuidadosamente preparado. O sumo sacerdote, sua esposa e a guarda real foram as principais figuras nessa conspiração. Então, na segunda parte da história, somos informados sobre como o plano foi executado, e como Atalia foi morta (vss. 13 ss.). 11.4 No sétimo ano mandou Joiada chamar os capitães. Seis anos se haviam passado. A criança, Joás, tinha sido mantida em segurança. Os conspiradores vinham esperando a oportunidade certa para se livrarem de Atalia. No sétimo ano depois que o menino-rei tinha sido ocultado (portanto, quando ele estava com sete anos de idade, vs. 21), os conspiradores puseram em ação o mecanismo mediante o qual o desígnio deles se cumpriria. Estavam envolvidos nessa conspi­ ração contra Atalia os centuriões dos cários. Estes eram mercenários estrangei­ ros, que formavam a guarda pessoal do rei (ver II Samuel 20.23, onde lemos que eles eram pertencentes aos queretitas, isto é, cretenses). No trecho paralelo de II Crônicas 23.1-21, eles não são mencionados, e os levitas tomam o lugar deles. Provavelmente essa foi uma mudança propositada no relato, por algum autor que pensou ser impróprio que estrangeiros se misturassem dessa maneira com a realeza de Judá. Seja como for, a guarda pessoal de elite teve o concurso de outros oficiais de elite do exército, e esses se tornaram os instrumentos de ataque contra Atalia. Foi assim que os legalistas” puseram seu plano em ação. E foi-lhes mostrado o jovem Joás, para que soubessem que havia um “rei" em favor de quem deveriam lutar. 11.5,6 Uma terça parte de vós. As forças conspiradas foram divididas em três grupos. Um terço dessas forças se pôs de guarda no palácio do rei. Outra terça parte ficou no portão Sur; e outra terça parte, ainda, se pôs no portão por trás dos guardas. O palácio, onde vivia a horrenda rainha Atalia, estaria sob vigilância constante e, finalmente, sob ataque. Atalia ficaria sem nenhuma proteção ou apoio militar. O ataque deveria ocorrer na troca da guarda, quan­ do haveria alguma confusão e lassidão. Somente aqui aprendemos que a mudança da guarda fazia parte dos costumes militares de Israel. Não é fácil seguir o plano exato do ataque, e os intérpretes nos dão diferentes descri­ ções.

Problemas Envolvidos: 1. Atalia teria tropas que lhe eram fiéis. Um choque de forças armadas preci­ sava ser evitado. Portanto, a execução dela deveria ocorrer por ocasião da troca da guarda, quando, temporariamente, ninguém estaria esperando por um ataque. 2. A área do templo deveria ser guardada, a fim de que ninguém pudesse atacar o jovem Joás.

11.8 Rodeareis o rei. Quando o ataque fosse desfechado, poderia irromper a violência entre as tropas fiéis ao sumo sacerdote e as tropas fiéis a Atalia. Embo­ ra Joás tivesse sido cuidadosamente ocultado durante aqueles últimos sete anos, alguém poderia descobrir que um “rei-menino” potencial estava escondido no templo. E um ataque poderia ser desfechado contra ele. Portanto, cuidados espe­ ciais foram tomados para garantir-lhe a segurança. Teria sido ridículo eliminar Atalia, e perder Joás nesse processo. Portanto, qualquer pessoa que se aproxi­ masse da área do templo deveria ser automaticamente abatida. Qualquer que pretenda penetrar nas fileiras. Essas palavras demonstram que haveria duas linhas ou fileiras de homens armados. Se alguém atravessasse uma das fileiras, ainda teria de atravessar a segunda. O rei sairia do templo e caminharia entre as duas fileiras de tropas, a fim de ser apresentado ao povo. Sua autoridade seria assim confirmada, e ele seria aclamado rei. Então seria ungido e coroado (ver o versículo 12). 11.9 Segundo tudo quanto lhes ordenara o sacerdote Joiada. O plano foi cuidadosamente seguido. A mudança de guarda, no fim do sábado (18 horas), foi a oportunidade para realizar o propósito. Joiada, o sumo sacerdote, estava coor­ denando os movimentos. Ele foi o principal conspirador e planejador. 11.10 As lanças e os escudos que haviam sido do rei Davi. O equipamento. As armas a serem utilizadas eram as lanças de Davi que estavam guardadas no templo. A maioria daquelas armas tinha sido tomada de inimigos derrotados, durante as campanhas militares de Davi. Os sacerdotes usualmente andavam desarmados e eram pacíficos, mas havia armas no templo, para o caso de serem necessárias em alguma ocasião especial. Tal ocasião agora tinha chegado. Ver II Crônicas 23.9. Os levitas foram armados. Alguns estudiosos supõem que a pas­ sagem paralela implique que os levitas é que deviam batalhar, e não os mercená­ rios estrangeiros. Ver as notas sobre o versículo quarto deste capítulo, quanto a esse problema. Essa passagem paralela não faz menção aos mercenários, as tropas estrangeiras de elite que formavam a guarda pessoal do rei. Josefo mencionou todo tipo de armas militares, e não meramente lanças, como pertencentes às armas armazenadas no templo (Antiq. IX. cap. 7, s. 8), e é provável que ele tivesse razão.

11.11 Os da guarda se puseram. Os três postos foram ocupados de acordo com o plano (vss. 5 e 6), e a ordem de ataque foi ansiosamente esperada. O rei tinha sua proteção especial, conforme fora previsto no versículo oitavo. O hebraico diz aqui “para rodear” o rei, o que foi dito como antecipação. Quando ele saísse do templo, então as duas fileiras estariam ao redor dele, a fim de protegê-lo e apresentá-lo ao povo (vs. 12). Então ele seria coroado e ungido publicamente.

11.12 Coroa. Ver sobre essa palavra no Dicionário. Esse era o grande sinal da autoridade real.

II REIS 0 livro do testemunho. Não se sabe exatamente o que esse livro significa­ va. Pela omissão de uma única letra na palavra hebraica correspondente, obte­ mos a palavra braceletes (ver II Samuel 1.10), que eram indicadores reais. Mas John Gill refere-se ao testemunho da lei de Moisés, e supõe que o rei tenha sido nomeado com a leitura de certas porções da lei, que falavam dos deveres de um rei em Israel. Alguns estudiosos supõem que o livro da lei fosse suspenso sobre a cabeça durante a cerimônia, e que esse era o testemunho de Yahweh que confir­ mava a autoridade do rei. Kimchi, entretanto, faz o testemunho significar um robe real. E o ungiram. Ver o artigo no Dicionário chamado Unção, quanto a detalhes. Bateram as palmas e gritaram: Viva o rei! Quando o rei foi trazido para fora do templo, foi saudado ruidosamente. Ele era um filho de rei, era o legítimo herdeiro do trono, e poucas pessoas sabiam de sua existência. Foi coroado ali, perante o povo, e ungido. O povo, cansado das violências de Atalia, de suas destruições e de sua idolatria, feliz e rapidamente acolheu o novo rei, Ele já contava com o apoio popular. Houve grande ruído com os gritos de alegria e o tradicional grito de “Viva o rei!”. O júbilo assinalou a ocasião. Foi como se alguém tivesse voltado dos mortos.

1511

11.17 Joiada fez aliança entre o Senhor e o rei e o povo. Uma Nova Aliança. Durante seu reinado de terror, Atalia havia destruído, em sua maior parte, o yahwismo em Judá. Uma nova aliança, segundo as linhas requeridas pela lei de Moisés, precisou ser firmada. Uma nova dedicação a Yahweh foi prometida por todo o povo de Judá. O povo do Senhor teve que voltar a ser o povo do Senhor. Tinha de haver uma nova dedicação da nação toda a Yahweh. Ver Deuteronômio 4.20 e 27.9,10.0 rei também esteve envolvido nessa nova aliança. Ele precisava liderar o povo da maneira certa. Ele tinha de comprometer-se com isso, dando um bom exemplo e promovendo a autoridade apropriada. Ele conduziria o povo de acordo com a lei de Moisés, e o povo obedeceria segundo as condições dessa lei (ver II Samuel 5.3). Cf. II Crônicas 23.16. Joiada seria o rei ativo, o vice-rei, até que Joás atingisse uma idade na qual fosse capaz de assumir o controle. Esse homem daria o exemplo e as instruções certas para um reinado bem-sucedido. Por ser o povo de Deus, os judaítas aban­ donariam a idolatria e livrariam o país da degradação que tinha sido promovida por Atalia, filha de Acabe e Jezabel, uma promotora do baalismo. Ver Êxodo 19.5,6. 11.18

Bateram as palmas. Este é o primeiro lugar onde palmas são batidas, como expressão de alegria. A maioria dos povos usa esse gesto para expressar deleite, contentamento, aprovação e alegria. 11.13,14 Ouvindo Atalia o clamor. Ouvindo todo aquele ruído e regozijo, Atalia saiu do palácio para ver o que estava acontecendo. Para sua imensa surpresa e consternação, encontrou uma cerimônia de coroação tendo lugar. Ela estava sen­ do substituída por Joás, o único herdeiro do sexo masculino que havia sido salvo do massacre ordenado por ela, cerca de seis anos antes (vs. 1). A estrela dela havia caído do céu de repente; e a estrela de Joás estava subindo no firmamento, Uma nova era estava sendo inaugurada. O passado estava morto. O povo já tinha tido o suficiente de rainhas loucas, como Jezabel e Atalia. O rei estava junto à coluna. Provavelmente, isso se refere a uma coluna no portão oriental do átrio interno do templo, o lugar onde o rei normalmente ficava de pé, por ocasião da adoração e quando ele se dirigia ao povo na área do templo (ver II Crônicas 23.13). Sem dúvida, uma plataforma elevada era usualmente providenci­ ada para tais ocasiões, a fim de que a figura do rei ficasse acima do povo comum. Ver II Reis 23.3; II Crônicas 6.13. Portanto, foi ali que o menino-rei se pôs de pé, no lugar apropriado para um rei. Atalia, assim sendo, viu o novo rei no seu devido lugar e sendo aclamado pelo povo. Ela rasgou as próprias vestes e gritou: “Traição! Traição!". Mas seus gritos foram tardios e ineficazes. Seu dia certamente havia terminado. No entanto, ela esperava excitar com seus gritos um contra-ataque, e desmanchar o que estava acontecendo. Mas as coisas já tinham saído do controle dela. Ver no Dicionário o artigo chamado Vestimentas, Rasgar das. 11.15,16 Não a matem na casa do Senhor. Não era apropriado executar alguém nos terrenos do templo. Isso teria sido um terrível ato de contaminação. Por conse­ guinte, Atalia precisou ser removida dali. Ela foi executada na “casa do rei" (ver II Crônicas 23.15), no lugar onde os cavalos entravam no recinto do palácio, e não no Portão do Cavalo, da própria cidade. Assim, a infeliz dama passou entre as fileiras dos soldados, sendo levada para o local de sua execução, gritando e chutando, mas tudo em vão, pois o dia dela definitivamente tinha terminado. £ bom morrer antes que a pessoa tenha leito

qualquer coisa que mereça a morte. (Ananandrides, século IV A. C). A Atalia não foi dado esse luxo. “Assim terminou a vida de uma das mulheres mais ímpias referidas nas Escrituras, uma verdadeira filha de Jezabel” (Thomas L. Constable, in loc.). Ela foi-se deste mundo. Sua alma foi deixada aos cuidados do Ser divino, o qual, em Seu amor e misericórdia, sabe o que fazer com vidas destruídas e desperdiçadas.

Morte, não sejas orgulhosa, Embora alguns te tenham chamado Poderosa e temível, pois não és isso: Pois aqueles a quem pensas ter derrubado Não morrem, pobre M orte.. (John Donne)

O povo da terra entrou na casa de Baal, e a derribaram . Baal foi fragorosamente derrotado. As reformas em Judá começaram imediatamente. O que havia acontecido em Israel, pelo poder e autoridade de Jeú (ver II Reis 10.18 ss.) tinha de ocorrer em Judá, igualmente. O povo, encabeçado pelo exército, lançou-se em ataque contra todos os santuários e todo o equipamento de Baal. O templo principal, que a ímpia e horrenda Atalia havia estabelecido em Jerusalém, foi demolido. Os sacerdotes de Baal foram executados, incluindo o seu sumo sacerdote, Matã. Foi morto diante do altar no qual servia, uma circunstância apropriada. Ver no Dicionário o artigo intitulado Matã. Provavelmente esse homem tinha acompanhado a rainha ímpia a Jerusalém. Ele era um especialista no baalismo, e ela precisava de sua ajuda para promover um culto eficaz em Judá. Mas o seu dia terminou de repente. O trecho de II Crônicas 24.7 informa-nos sobre como Atalia havia tratado a Casa de Yahweh, em contraste com seu trata­ mento do templo de Baal, pelo que houve uma operação da justiça. O santo equipamento de Yahweh havia sido entregue ao templo de Baal. A vingança teria de sobrevir em algum tempo. Ver no Dicionário o verbete denominado Lei Moral

da Colheita segundo a Semeadura. O nome completo do sumo sacerdote de Baal muito provavelmente era MatãBaal, que significa “dom de Baal". Esse nome tem sido encontrado em inscrições fenícias. Esse nome cf. o hebraico Matania (“dom de Yah”), que foi o nome do último rei de Judá, posteriormente trocado para Zedequias (II Reis 24.17). Matã, pois, tomouse o mártir de uma causa ruim, um fenômeno bastante comum na história. O sacerdote pôs guardas na casa do Senhor. Isso a protegeria de qual­ quer contra-ataque, ou de qualquer outro tipo de dano. É provável que essa posição se tivesse tornado parle permanente do sistema do templo. Alguns estu­ diosos têm tomado essa nota em um senso mais amplo: a ordem foi restaurada no templo. Os sacerdotes retornaram às suas devidas funções. As destruições provocadas por Atalia foram revertidas. 11.19 Pelo caminho da porta dos da guarda. Ou seja, a entrada principal do palácio. A multidão passou pelo templo, e marchou até a residência dos reis, e o novo monarca de Judá se estabeleceu em seu lugar, em um ambiente real. E Joás sentou-se no trono dos reis. Em meio à pompa e à cerimônia, a guarda de elite, os cários (ver o versículo quarto deste capitulo), conduziu o novo rei ao palácio real. A antiga e desgraçada residente do palácio, Atalia, havia sido removida. Grande multidão de pessoas comuns acompanhou o cortejo até o palácio real. Joás, o rei-menino, foi posto no trono em seu palácio. “A cerimônia terminou com a solene entronização do rei, no palácio de seus pais" (Ellicott, in loc.).

11.20 E a cidade fico u tranqüila, depois que mataram A talia. Depois da remoção da abominável Atalia, a paz voltou a reinar em Judá. Houve paz civil, religiosa e no coração do povo. Eles tinham sido libertados do câncer do baalismo e de seus promotores. A terra de Judá voltou a ser a terra de Yahweh. Ver no Dicionário o verbete intitulado Paz, Foi assim que a terra toda regozijou-se na saúde restaurada de Judá. E embora houvesse elemen­ tos contrários, que aprovavam Atalia, seus assassínios e sua idolatria, esses permaneceram quietos. A maré mostrara estar contra eles, e eles não tenta­ ram nenhuma contra-revolução.

II REIS

1512

Não somos informados sobre o que aconteceu ao cadáver de Atalia. Josefo

(Antiq. 1.9, cap. 7, sec. 3) parece ter indicado que o cadáver foi lançado no ribeiro do Cedrom, isto é, não recebeu nenhum sepultamento decente.

11.21 Era Joás da idade de sete anos. Somos informados aqui que Joás tinha somente sete anos de idade quando começou a reinar. O trecho de II Reis 12.1 diz-nos que ele haveria de reinar por quarenta anos. Somos induzidos a supor que Joiada, o sumo sacerdote, continuou seu trabalho de vice-rei até que Joás chegou a uma idade certa para assumir os seus deveres reais. Ele tinha apenas um ano de idade quando a abominável Atalia matou a família real (ver o primeiro versículo do presente capitulo). As edições hebraicas dos livros dos Reis vincu­ lam este versículo a II Reis 12.1, tornando-o o começo de um novo parágrafo.

C a p ítu lo D o ze Joás, Rei de Judá (12.1-21) Sumário do Seu Reinado (12.1-3) Apesar de ter-se mostrado fiel a Yahweh em um sentido geral, Joás permitiu que os lugares altos permanecessem, e assim enfraqueceu uma realização forte em tudo mais. Ver no Dicionário o verbete intitulado Lugares Altos. Os reis de Judá acharam quase impossível acabar com os santuários locais, localizados nas colinas. O povo muito se apegava a eles. É verdade que alguns desses lugares altos honravam Yahweh, mas eles debilitavam a centralização da adoração no templo de Jerusalém. E sempre demonstravam a tendência de ser usados para efeito de práticas idólatras. Além de suas relações com o templo e com o culto de Yahweh, não somos muito informados sobre o que fez Joás. Talvez ele não tenha feito muita coisa. Finalmente, chegou a um fim violento através de uma conspira­ ção de seus oficiais. Quanto a um sumário de sua vida, ver o Dicionário, no artigo chamado Joás, primeiro ponto. Um ponto baixo de sua vida foi quando perdeu os tesouros do templo para o antigo inimigo de Israel, Hazael (ver II Reis 12.18), a fim de comprar a liberdade contra os assédios daquele homem aos territórios de Judá. “O começo do reinado de Joás marcou o início de cem anos de governo consecutivo por quatro reis que podem ser julgados como bons reis. Nenhum dos quatro (Joás, Amazias, Azarias, ou Uzias, e Jotão) foi tão bom para Judá quanto foram Josafá, Ezequias ou Josias, mas juntos eles promoveram o período contí­ nuo mais longo de liderança aprovada por Deus, na história de Judá" (Thomas L. Constable, in ioc.). Jeú tinha agido bem em livrar Israel do baalismo, embora tenha fracassado por permitir, e talvez até promover, a adoração ao bezerro, em Dã e Betei. Mas, visto que havia agido corretamente, foi recompensado por uma dinastia bastante longa, por quatro gerações (ver II Reis 10.30). Portanto, esses reis, tanto os de Israel quanto os de Judá, que agiram bem, receberam suas recompensas.

12.1

Uma Diferença de Tradução. A King James Version e a nossa versão portugue­ sa subentendem que Joás agiu corretamente somente enquanto Joiada esteve em cena, influenciando-o. Isso significa que, depois da morte de Joiada, Joás desinte­ grou-se. Mas a Revised Standard Version insiste em que Joás agiu direito todos os seus dias, porquanto o sumo sacerdote Joiada o teria instruído bem, não nos dando a idéia de nenhuma desintegração religiosa em seu período posterior de vida. John Gill, comentando sobre o texto da King James Version, disse: “... após a morte de Joiada, ele foi seduzido pelos príncipes de Judá e caiu na idolatria, viveu escanda­ losamente e morreu na ignominia. Ver II Crônicas 24.2,17,25”. A Septuaginta e a Vulgata Latina traduziram o trecho dando a mesma idéia que nos dão a King James Version e a versão portuguesa, e isso está mais de acordo com os fatos da história, embora não seja a melhor tradução do texto hebraico do presente versículo. 12.3 Os altos não se tiraram. Ver sobre os Lugares Altos no Dicionário. Esses lugares altos, em muitos casos, tomaram-se lugares notórios de idolatria, embora não o fossem necessariamente. Yahweh era, com freqüência, adorado ali, mas a tendência deles sempre se inclinava para a idolatria. Ademais, eles enfraqueciam a adoração centralizada no templo de Jerusalém, tendendo para o cisma. Não sabe­ mos dizer quanto yahwismo era promovido nos lugares altos quando Joás começou a reinar. Nem somos informados a que ponto a idolatria os influenciava. Eis a razão pela qual o autor sagrado menciona aqui os lugares altos como prejudiciais ao reinado de Joás. Esse rei teve suas reformas significativas, mas também teve seus fracassos. Seja como for, o começo de seu reinado assinalou o inicio de cerca de cem anos de “tempos melhores" e de “reis melhores”. Ver a introdução a este capitulo, no seu último parágrafo, quanto a comentários sobre esse fato. E queimava incenso nos altos. Os eruditos em hebraico informam que deveríamos traduzir melhor este trecho hebraico como “sacrificava”. Somente em tempos posteriores, a palavra hebraica veio a incluir a idéia de queimar incenso. Leia-se, pois: “... continuavam os abates de animais e os sacrifícios”. A primeira expressão refere-se aos animais abatidos para as refeições sagradas; e a segun­ da alude aos animais que eram oferecidos e queimados inteiros sobre o altar, os holocaustos (ver a respeito no Dicionário). Devemos lembrar que havia muitos santuários antigos, lugares favoritos de adoração, antes que o culto viesse a ser centralizado no templo de Jerusalém. Mas o povo continuou aderindo aos antigos lugares de adoração. O povo gostava muito desses santuários. Os santuários locais facilitavam a fé religiosa. Era difícil aparecer no templo, quando o impulso espiritual movia o coração. Reparos no Templo (12.4-16) Uma das boas obras de Joás, muito antes de sua desintegração religiosa, consistiu em reparar o templo, que havia sido conspurcado por Atalia. Ela havia roubado seus tesouros, e até transferira seus vasos sagrados para o templo de Baal. Ver II Reis 11.18. Joás tentou restaurar a ordem e a sanidade ao culto religioso em Jerusalém, e reparou o templo. Para esses reparos, Joás precisou de dinheiro, e o quarto versículo deste capitulo informa-nos sobre como ele obteve esse dinheiro. Ele também procurou animar o povo a trabalhar e conseguiu a cooperação popular. Portanto, gradualmente, o rei foi capaz de reverter o mal que Atalia havia feito (ver II Crônicas 24.7).

No ano sétimo de Jeú. O autor sagrado prossegue em sua prática de oferecer-nos relatos paralelos. Ele não nos deu primeiro uma lista e descrição dos reis de Israel, para então fazer a mesma coisa em relação aos reis de Judá. Antes, ele pulou do norte (Israel) para o sul (Judá), fornecendo relatos paralelos sobre os dois reinos, em ordem cronológica aproximada. Portanto, encontramos aqui a nota de que Joás começou a reinar quando Jeú já estava em seu sétimo ano como rei de Israel. Quanto à pratica dos relatos paralelos, ver as notas sobre I Reis 16.29. Acazias era o pai de Joás (ver II Reis 11.2). Acazias havia sido morto por Jeú (ver II Reis 9.27). O nome de sua mãe era Zibia (ver sobre ela no Dicio­ nário). Ele era o único herdeiro do sexo masculino ao trono de Judá que a terrível Atalia não conseguiu matar; e fora escondido na área do templo por Joiada, o sumo sacerdote, e finalmente foi conduzido ao trono de Judá (deta­ lhes no capítulo 11). As genealogias eram quase sempre usadas para identificar pessoas, sendo de suprema importância para a mentalidade dos hebreus. Houve poucas exce­ ções a essa regra. Elias e Jó, por exemplo, não tinham genealogias registradas.

Todo dinheiro das cousas santas. A necessidade etema de dinheiro. O rei planejou usar o dinheiro que era trazido ao templo e ao sacerdócio pelo povo, nas ofertas regulares do recenseamento (ver Êxodo 30.11-16). Além disso, Joás usou as taxas de votos (capítulo 27 de Levltico e capítulo 30 de Números); também utilizou ofertas voluntárias, que sem dúvida flutuavam muito, conforme os tempos e o poder econômico do povo. Mas o plano teve sucesso apenas parcial, porque aproveitar esse dinheiro para reparar o templo deixou a casta sacerdotal com fundos insuficientes para sua simples automanutenção. Cf. o paralelo em II Crônicas 24.6. “A reabilitação do templo, em cujos recintos Joás tinha passado os anos de sua infância, foi o primeiro interesse do novo rei. Sentimentos pessoais em rela­ ção ao templo devem ter cingido seus motivos religiosos. Consideremos quão importante é inculcar no coração das crianças sentimentos de afeto pela Igreja. Nenhuma influência moral na vida dos jovens é mais bela do que os sentimentos que eles com freqüência possuem pela igreja em que passaram sua infância” (Raymond Calking, in Ioc.).

12.2

12.5

Fez Joás o que era reto. Em outras palavras, ele seguia os mandamentos da legislação mosaica; promoveu o yahwismo; diminuiu a idolatria; e rejeitou o baalismo, a praga que Atalia trouxe de Israel para Judá, tendo sido ela filha de Acabe e Jezabel.

Recebam-no os sacerdotes. O Poder Humano. Além de dinheiro, operários eram necessários. Os levitas foram encorajados a convidar seus amigos e conhe­ cidos para ajudarem. Muitos eram bons construtores, e sua ajuda seria valiosa na casa do Senhor. Cf. o trecho paralelo de II Crônicas 24.5. Os atos descritos no

12.4

A GENEALOGIA RELACIONADA A RAINHA ATALIA, FILHA DE ACABE

JUDA

ISRAEL

Davi

I I I

Salomão Reobão Abias

I Asa

I

Onri

Jeosafá

Jesebel

I Acabe

seis irmaos Jeorão

Jeoiada I

Jeoseba I

/ Acazias

Atalia

Acazias

ATALIA

Jorão

diversos irmãos

Joás Zacarias

Amazias

Atalia era filha do horrendo Acabe, e não do rei Acazias de Judá que Jeú matou (II Reis 9.27-29; II Crô. 22.9) Ela era filha da bárbara Jezebel. Quem poderia esperar qualquer coisa boa de Atalia considerando-se os pais que tinha? Para ganhar o trono, ela seguia os maus exemplos dos pais, aplicando atos violentos. Atalia até ordenou a matança dos próprios netos para consolidar o seu poder.

1514

II REIS

presente versículo também se referem ao recolhimento do dinheiro das cidades levíticas, onde cada homem se aproximava de seus amigos e conhecidos para dar-lhes trabalho.

12.6

dos, não tinha mais permissão de manusear o dinheiro para os reparos do templo. Outros tomaram seu lugar, para efeito de maior eficácia. Uma mudança de obrei­ ros algumas vezes pode revitalizar um projeto. Os novos manuseadores do di­ nheiro pagavam salários e dirigiam o trabalho. A nova equipe mostrava-se mais eficaz do que a antiga.

Os sacerdotes ainda não tinham reparado os estragos da casa. O Traba­ lho de Reparação Foi Sendo Adiado. Isso aconteceu porque a coleta de fundos

12.12

era insuficiente. Não era fácil construir e sustentar a casta sacerdotal, ao mesmo tempo. O povo não contribuía como deveria; os levitas não coletavam dinheiro como deveriam fazê-lo. Entrementes, segundo bem podemos acreditar, cada ho­ mem cuidava de sua própria vida, vivendo em alto estilo. Mesmo no vigésimo terceiro ano do reinado de Joás, o trabalho de reparos do templo ainda não tinha sido feito, portanto foi como um daqueles programas eternos edificação de igreja, que nunca terminam. Não somos informados em que ano o rei decretou a constru­ ção, pelo que é impossível dizer quantos anos se passaram, mas o fato é que a tarefa ficou incompleta. Mas no texto sagrado subentende-se que um tempo muito longo se passou, para vergonha de todos os envolvidos na questão.

Aos pedreiros e aos cabouqueiros. Carpinteiros (vs. 11), pedreiros e cabouqueiros estavam entre os operários especializados empregados na tarefa dos reparos do templo. Então outros tiveram de ser contratados para adquirir material de construção e verificar que esse material fosse entregue nos recintos do templo. Portanto, cada homem envolvido tinha uma tarefa específica a cumprir, e o trabalho fluía eficaz e rapidamente. Madeiras e pedras formavam o material principal de construção, e grande parte dele tinha de ser trazida de lugares distan­ tes. Muitas despesas e labor foram gastos no projeto. Definitivamente era um esforço de equipe. Presumivelmente, a madeira vinha do Líbano, e talvez as pedras viessem de pedreiras das colinas da Judéia.

12.7

12.13

Por que não reparais os estragos da casa? Uma Reprimenda. O rei cha­ mou Joiada e os sacerdotes para prestarem conta. Eles não tinham feito o que se esperava que fizessem. O dinheiro coletado tinha sido dividido entre os “salários” dos sacerdotes e os fundos para os reparos. Esse plano não estava funcionando, pelo que um novo plano precisava ser formulado e posto a funcionar. O rei tomou o controle do dinheiro das mãos do sumo sacerdote e de seus subordinados. Todo dinheiro que entrasse, daquele ponto em diante, seria posto em uma caixa especial, no pórtico do templo, e assim não passaria pelas mãos dos sacerdotes, que se apossavam da maior parte. E Joás nomeou um homem (não o sumo sacerdote) para tomar conta desse novo negócio.

Do dinheiro que se trazia à casa do Senhor, não se faziam... ‘ Aparente­ mente, os vasos de ouro e de prata do templo haviam desaparecido. É provável

12.8 “Os sacerdotes concordaram em separar o projeto de edificação dos cultos regulares do templo, e deixar outros homens ser responsáveis pelo projeto de edificação" (Thomas L. Constable, in loc.). “Parece que o povo tinha trazido di­ nheiro em abundância, e o piedoso Joiada estava chefiando os sacerdotes, como encarregado do projeto; no entanto, coisa alguma tinha sido feita! Joiada era um homem bom, mas parece não ter tido muito espírito e zelo ativo. Simples piedade, sem zelo e atividade, é de pequeno uso quando uma reforma em matéria religiosa e de piedade se torna necessária. Filipe Melanchthon era ortodoxo e piedoso, e um homem erudito, mas não era especialmente ativo. Em muitas coisas, Martinho Lutero era muito inferior, mas em zelo e atividade era um fogo flamejante e consumidor, e por ele, debaixo de Deus, a poderosa Reforma... foi efetuada... Lutero trabalhava, e Deus trabalhava por ele e para ele" (Adam Clarke, in loc.). Naturalmente, os eruditos, segundo a energia mental de suas obras literárias, acreditam que Martinho Lutero deveria ter um quociente de inteligência de, no mínimo, 130! Portanto, vamos pôr a questão da seguinte maneira: ele era um trabalhador muito inteligente. 12.9,10 O sacerdote Joiada tomou uma caixa. Era a Caixa do Tesouro. Foi preparada uma caixa especial. Uma fenda foi feita em sua tampa, para receber as ofertas. Foi posta em um lugar conspícuo, e o povo era encorajado a depositar suas ofertas para o projeto de edificação naquela caixa. Além disso, um escriba que o rei nomeou abria a caixa periodicamente, e coletava o dinheiro ali depositado, o qual era então ensacado. O dinheiro era depois dado àqueles que tinham autoridade para a edificação. Sem dúvida, por trás dos biombos, os levitas continuavam responsáveis por encorajar o povo a fazer doações, e ao trabalho foi dada grande publicidade e promoção. Sem isso, provavelmente a caixa teria permanecido vazia. A caixa do tesouro foi posta ao lado do altar, e os sacerdotes a guardavam, tendo certeza de que ladrões não atacari­ am o “tesouro”. O Codex Alexandrinus (LXXA) traduz a palavra hebraica em questão por “colunas”, dando a entender, sem dúvida, as colunas perto do pórtico, mas o resto das versões permanece usando a palavra “altar”. Mais tarde, a caixa do tesouro foi posta fora do portão, para conveniência do povo que viesse ao templo com o propósito de contribuir (ver II Crônicas 24.8). E o trecho de II Crônicas 24.9 mostra-nos que o rei expediu decretos, pedindo contribuições para a obra da construção. Ele não deixou as coisas ao sabor do acaso. Os projetos deixados ao sabor do acaso inevitavelmente fracassam. Alguém precisa dinamizar a questão. Cf. a narrativa mais detalhada sobre essa questão inteira, no capítulo vinte e quatro de II Crônicas.

12.11 O dinheiro, depois de pesado, davam nas mãos dos que dirigiam a obra. A casta sacerdotal, enquanto provavelmente ainda ajudava a levantar fun­

que Atalia os tivesse levado para o templo de Baal, em Jerusalém (ver II Crônicas 24.7). Não havia muito dinheiro para substituir esses vasos, pelo menos na oca­ sião. II Crônicas 24.14 mostra-nos que esses vasos foram, afinal, substituídos; e podemos supor que isso fale de um tempo posterior, quando mais dinheiro estava entrando e menos dinheiro estava sendo gasto em salários e material de constru­ ção. Estão en vista os vasos para diferentes serviços e decorações: aqueles para recolher o sangue dos sacrifícios; vasos para incenso; vasos para as libações de vinho; instrumentos para preparar os pavios das lâmpadas; bacias para água; e as trombetas. Ver Êxodo 25.29 para os vasos em questão. O capítulo inteiro trata do equipamento do tabernáculo original. 12.14 Porque o davam aos que dirigiam a obra. Os salários e o material de constnjção consumiam o dinheiro, razão pela qual, no princípio dos reparos, nada era deixado para substituir vasos de ouro e de prata do templo. Mas, conforme as ofertas aumenta­ vam e os custos com salários e com material de construção diminuíam, aqueles vasos de materiais nobres foram, finalmente, sendo substituídos (ver II Crônicas 24.14). 12.15 Não pediam contas aos homens em cujas mãos entregavam aquele dinheiro. Confiando em Homens Honestos. Nenhuma prestação de contas do dinheiro era requerida da parte daqueles que o gastavam na compra de mate­ rial de construção, no transporte, no pagamento de salários etc. Simplesmen­ te eram homens de confiança, que gastavam o dinheiro com honestidade. Presumimos que essa norma de honra funcionava. “ Eles (os escribas especi­ almente nomeados, e o sumo sacerdote, vs. 10) cuidavam para que eles (os supervisores da obra) fossem homens honestos e retos, e tinham uma tão elevada opinião sobre eles que nunca examinavam suas contas, ou chama­ vam-nos para apresentar suas contas" (John Gill, in loc.). “Não ficaram nunca desapontados. Aqueles homens agiam fielmente” (Adam Clarke, in loc.). Por­ tanto, esse foi um dos poucos projetos de construção, em toda a história, no qual não houve suspeitas, nem esperteza, nem uso desonesto do dinheiro Os encarregados do projeto não tinham contas secretas nos bancos da Suíça. E nem pagavam salários a seus parentes, que nunca apareciam no trabalho. Aqueles encarregados estavam “acima de qualquer suspeita" (Ellicott, in loc.). Ver II Reis 22.7 quanto a uma repetição dessas mesmas declarações, no tocante a outro empreendimento. 12.16 Mas o dinheiro de oferta pela culpa... era para os sacerdotes. O dinheiro pertencente aos sacerdotes (das fontes mencionadas neste versículo) não era enca­ minhado ao trabalho de reparos do templo. Esse dinheiro era enviado diretamente aos sacerdotes, para seu sustento. As pessoas que moravam distante enviavam dinheiro, em lugar de gado. Esse dinheiro era para fazer expiação pelos erros que as pessoas tivessem cometido. Ver II Crônicas 24.4-14 quanto à passagem paralela e cf. Levítico 5.15-18; 6.26-29 e Números 5.8. Portanto, as duas espécies de ofertas eram guardadas separadamente, para o projeto de construção e para os “salários" dos sacerdotes, conforme fora contratado (vss. 7 e 8). A caixa posta no templo não recebia esse dinheiro; a casta sacerdotal é que o recebia. Dessa forma, a justiça era feita. As despesas com o projeto de construção do templo não eram pagas com o dinheiro tradicionalmente designado para sustento da casta sacerdotal.

II REIS Série de Reversões Sofridas por Joás (12.17,18) A Lei Moral da Colheita segundo a Semeadura (.ver no Dicionário) esteve em operação na vida de Joás. Ele havia se desintegrado moralmente na última meta­ de de sua vida, ao cair em uma idolatria crassa. Além disso, assassinou o filho do sumo sacerdote Joiada (ver II Crônicas 24.22). Coisa alguma que o rei Joás fizesse prosperava, e ele terminaria a sua vida assassinado (vs. 21). Foi outra triste história de oportunidade perdida. 12.17 Então subiu Hazael. Elias tinha predito que Hazael, rei da Síria, causa­ ria toda espécie de confusão em Israel; e aqui nós o vemos atacando, igual­ mente, o reino do sul. Ver I Reis 19.17. Eliseu havia confirmado as profecias de Elias e as tinha expandido. Foi assim que Hazael se tornou um látego nas mãos de Yahweh para punir alguns por sua iniqüidade, especialmente aquela expressa através da idolatria. Hazael, o matador selvagem, aparentemente tinha varrido o país inteiro, indo para o sul até o território dos filisteus. Ele tomou de Joás todos os tesouros que vinham sendo acumulados desde os dias de Asa, que havia sofrido problemas similares com Baasa, rei de Israel, cerca de cem anos atrás (ver I Reis 15.18). Joás estava em feroz declínio que atraía desgraça após desgraça. Era aquela destrutiva síndrome do pecadojulgamento, que tão bem explica a história dos reinos do norte e do sul, Israel e Judá, respectivamente. O que tinha sido semeado voltava sob a forma de colheitas amargas.

Não w s enganeis: de Deus não se zomba, pois aquilo que o homem semear, isso também ceifará. (Gálatas 6.7) Gate. Tradicionalmente, essa era uma das cidades fortificadas dos filisteus. Ver no Dicionário o artigo chamado Gate. Hazael era um guerreiro-assassino selvagem, que gostava de guerrear contra qualquer um, em qualquer lugar. Tal­ vez o texto deixe entendido que Judá exercia poder sobre Gate (ver II Crônicas 11.8), e que uma campanha contra Gate era, preliminarmente, uma campanha contra Judá. Ou talvez Judá (e talvez Israel) tivesse feito uma ligação com aquela fortaleza, e talvez com outras fortalezas dos filisteus, isto é, Gaza, Asdode, Ascalom e Ecrom. Hazael. Quanto a detalhes completos sobre esse homem, ver o artigo deta­ lhado, no Dicionário.

1515

Antigo Testamento, que se perdeu. Ver as notas completas a respeito em I Reis 14.19. O trecho paralelo, II Crônicas 24, adiciona detalhes da vida de Joás que não foram usados, ou que não estavam disponíveis para o autor dos livros de Reis. Ver a introdução à presente seção (anteriormente) quanto a alguns detalhes que se aplicam a este ponto da narrativa.

12.20 Levantaram-se os seus servos. Os próprios oficiais de Joás, provavelmente figuras militares, rebelaram-se e assassinaram Joás. Isso foi feito, pelo menos em parte, por ter ele assassinado Zacarias, filho do sumo sacerdote Joiada (ver II Crônicas 24.22), mas sem dúvida houve outras razões, de ordem pessoal. O velho rei se imiscuiu nos planos e nas ambições políticas, como é usual aos homens. Milo... Sila. Ver sobre Siia, no Dicionário. II Crônicas 24.25 diz que os sírios o tinham ferido com seriedade. Evidentemente, com o intuito de recuperar-se, ele desceu a Bete Milo, uma cidade na estrada para Sila. Atualmente desconhecemse as localizações dessas cidades, embora haja algumas suposições. Ver II Samuel 5.9 e I Reis 9.15 quanto a Milo, onde algumas informações são dadas sobre esse lugar. Ver também Juizes 9.6. 12.21 Jozacar... Jozabade. Este versículo dá os nomes dos assassinos de Joás. Meus artigos no Dicionário mostram o que se sabe sobre eles. As mães desses homens, de acordo com II Crônicas 24.26, foram, respectivamente, uma amonita e uma moabita.

A Nota de Obituário. Ver sobre esta nota em I Reis 1.21 e 16.5,6. O autor termina suas histórias sempre da mesma maneira. Joás foi sepultado em Jerusa­ lém, mas não nos túmulos reais (ver II Crônicas 24.25). Ele não foi tão respeitado quanto o foram alguns de seus antepassados, pois, afinal, tinha assassinado o filho de um sumo sacerdote. “Assim sendo, da mesma maneira que a retidão exalta uma nação, o pecado lança a desgraça e a confusão sobre um povo. O pecado destrói tanto o bom conselho quanto a força, e os ímpios fogem sem que ninguém os persiga” (Adam Clarke, in loc.). Amazias. O filho de Joás foi seu sucessor no trono de Judá. O trecho de II Reis 14.1 ss. fornece-nos a descrição da vida e do reinado desse homem. Primei­ ramente, o autor sagrado nos falará sobre dois reis de Israel, segundo seu modo de expor relatos paralelos (em ordem cronológica aproximada) dos reis de Israel e de Judá. Ver I Reis 16.12 quanto a esse modo de apresentação.

12.18 Porém Joás, rei de Judá. Hazael haveria de levar todos os tesouros do templo, fosse como fosse, pelo que Joás não perdeu coisa alguma por ter cedido sem oferecer batalha. De fato, ele salvou milhares de vidas. Joás preci­ sou comprar Hazael. Cf. II Crônicas 24.23. Os tesouros do palácio também fizeram parte dos negócios contratados com Hazael. “Esse resgate fez Hazael retirar-se com suas tropas. O incidente inteiro ilustra a fraqueza de Judá na época, resultante da apostasia de Joás" (Thomas L. Constable, in loc.). Gran­ des riquezas se tinham acumulado durante o reinado de vários reis, conforme a lista aqui dada o demonstra. Joás, pois, precisou sacrificar tudo. Pouco tempo mais tarde, o rei foi morto por seus próprios oficiais, e a história de desintegra­ ção, declínio e futilidade chegou ao fim. O Assassinato de Joás (12.19-21) O homem que havia começado bem desintegrou-se moralmente, caiu nas antigas veredas da idolatria, provocou seus inimigos e terminou sendo assassina­ do. Mas, antes de oferecer sua nota usual de obituário, o autor sagrado interrom­ peu sua narrativa para informar-nos sobre como o rei encontrou a morte. O trecho de II Crônicas 24.25,26 nos dá maiores detalhes, dizendo-nos que isso ocorreu (em parte) por causa da morte por apedrejamento de Zacarias, filho de Joiada, o sumo sacerdote, que foi morto no terreno do próprio templo. Esse homem foi morto por ter-se oposto à idolatria de Joás e seus caminhos pagãos. Era coisa séria assassinar o filho de um sumo sacerdote, e a ira de Yahweh se vingou do ato. Felizmente, o próprio sumo sacerdote já havia morrido, pelo que foi poupado de ver o estúpido assassinato e a tragédia pessoal. 12.19 Quanto aos demais atos de Joás. Essa nota de sumário era a forma co­ mum pela qual o autor sagrado encerrava suas histórias dos reis de Israel e de Judá. O Livro das Crônicas dos Reis de Israel e de Judá foi um de seus livros informativos. Era uma obra não-canônica, um daqueles muitos livros, ligados ao

C a p ítu lo T reze Jeoacaz, Rei de Israel (13.1-9) O autor sagrado tinha acabado de contar sobre o reinado de Joás, um dos reis de Judá. Agora ele volta a sua atenção para dois reis de Israel. Seu modo de apresentação era o de narrativas paralelas. Ele não apresentou primeiramente os reis de Israel e depois os reis de Judá, para descrevê-los. Pelo contrário, saltou para cá e para lá, acompanhando os reis em ordem aproximadamente cronológi­ ca. Quanto a esse modus operandi de apresentação, ver as notas expositivas sobre I Reis 16.2. “A história desse reinado transpira uma melancolia sem alívio. Durante a sua totalidade, Israel esteve sob o domínio da Síria, tendo sido reduzido a uma completa impotência" (Norman H. Snaith, in loc.). Isso posto, as profecias de Elias estavam tendo cumprimento. Hazael, o chicote vindo do norte, o sírio terrível, estava casti­ gando Israel, na qualidade de um agente da ira de Yahweh. Ver I Reis 19.17. 13.1 No ano vinte e três de Joás, Relatos Paralelos. O autor sacro informa-nos sobre como Jeoacaz, filho de Jeú, começou a reinar em Israel, no vigésimo terceiro ano de Joás (Jonas), de Judá. Ver sobre o modo do autor apresentar os relatos paralelos sobre os reis de Israel e de Judá, na introdução ao presente capitulo, e em I Reis 16.29. Agora ele narrava sobre dois reis de Israel, antes de saltar para Judá, para contar a história de Amazias (capítulo 14). Ver também os artigos chamados Rei, Realeza: Israel, Reino de e Judá, Reino de, no Dicionário, quanto a listas, gráficos e descrições dos reis de Israel e de Judá. “Jeoacaz começou a reinar no início do vigésimo terceiro ano do reinado de Jeoás, e reinou por dezessete anos, catorze sozinho e três anos com seu filho, Jeoás. O décimo quarto ano tinha apenas começado" (Adam Clarke, in loc.). Cf. II

II REIS

1516

Então, na sua angústia, clamaram ao Senhor, e ele os livrou das suas tribulações. Fez cessar a tormenta, e as ondas se acalmaram. Então se alegraram com a bonança; e assim os levou ao desejado porto.

Reis 12.1 e a nota cronológica ali existente. Joás subiu ao trono no sétimo ano do reinado de Jeú, e Jeú reinou por vinte e oito anos (ver II Reis 10.36). Joás começou a reinar em cerca de 835 A. C. 13.2

Esse rei não foi capaz de eximir-se da destrutiva síndrome do pecado-julgamento que tinha sido a praga de seus antecessores. Ele caiu facilmente na idola­ tria que Jeroboão havia estabelecido, a adoração ao bezerro em Dã e Betei. Ao assim fazer, ele levou a nação inteira ao pecado, pois foi por causa disso que Israel se tornou uma nação idólatra, tendo permanecido assim até o fim. O fim foi o cativeiro assírio (ver a esse respeito no Dicionário), quando o reino do norte (Israel) deixou de existir. Ver I Reis 12.26 ss., quanto ao tipo especial de idolatria de Jeroboão, que continuou a ser uma maldição para a nação de Israel, até o cativeiro assírio. Cf. II Reis 3.3 e 10.29 quanto às repetições dessa observação: Jeroboão pecou; ele fez Israel cair no pecado; vários reis posteriores de Israel seguiram o seu mau exemplo. Ver o sexto versículo do presente capítulo. Ver na Enciclopédia de Bíblia, Teologia e Filosofia o verbete intitulado Exemplo, quanto a um comentário detalhado sobre esse tema. Sede meus imitadores, como também eu sou de Cristo. (I Coríntios 11.1)

Os homens lêem o evangelho de Cristo, E o admiram, Com seu amor tão infalível e autêntico; Mas o que dizem e o que pensam eles, Do ‘evangelho’ segundo nós? (Anônimo)

(Salmo 107.28-30) “Temos aqui o caso de um homem injusto, em desesperadora necessidade, que ele atraíra contra si mesmo. Ele se havia esquecido de Deus, e abandonado e traído a Ele. Mas agora, já no fim de suas forças, ele se voltou para Deus, Esse é o unico tipo de religião que muita gente conhece. Assim, enquanto tudo vai bem, eles conseguem passar sem nenhuma religião. Mas se a calamidade os derruba, então se voltam para Deus e para a oração” (Raymond Calking, in loc.). 13.5 O Senhor deu um salvador a Israel. Este versículo é bastante vago, pois não explica como Israel foi capaz de livrar-se da opressão dos sírios. Alguns eruditos pensam que o libertador havia sido o rei Adade-Nirari III, da Assíria (811-783 A. C.), que começou suas campanhas contra a Síria e forçou aquele povo a voltar-se para a guerra das bandas do norte, deixando assim Israel em paz. Sabemos que esse rei assírio lutou contra muitos países, como Tiro, Sidom, Média, Edom e Egito. A estrela da Assíria estava-se elevando no firmamento. Israel, afinal, seria uma vítima da Assíria, mas naquela ocasião as “outras guerras” deram a Israel algum alívio. Ver no Dicionário o artigo chamado Assíria. Ojtra conjectura é que Hazael morreu, e assim a Síria descansou da guerra por algum tempo. Ou o libertador pode ter sido Jeoás, filho de Jeoacaz, que teve melhor sucesso contra o inimigo do norte. Ver o versículo 25 quanto a essa informação. Ainda outros eruditos dizem que foi Jeroboão II, neto de Jeoacaz, que “salvou" Israel (ver II Reis 14.27). Seja como for, as coisas melho­ raram para Israel durante algum tempo, em parte como resposta às orações de Jeoacaz. Mas por essa altura dos acontecimentos, Israel já estava perto do seu fim. Coisa alguma poderia fazer parar a Assíria.

13.3 13.6 Pelo que se acendeu contra Israel a ira do Senhor. A ira de Yahweh se acendeu e queimou profundamente Israel, por causa de toda a iniqüidade, idola­ tria e insensatez daquela nação. Ver no Dicionário o verbete intitulado Ira de Deus. As expressões deste versículo, naturalmente, são de natureza antropomórfica e antropopatética. Ver no Dicionário os verbetes chamados Antropomorfismo e Antropopatismo. Os homens atribuem a Deus suas próprias qualidades e emo­ ções e assim dão descrições de Deus que são dúbias e inexatas. Contudo, somos apanhados no dilema humano, e é impossível escapar dessa atividade. Essa é a maneira positiva de descrever Deus. A forma negativa consiste em alguém dizer: “Deus não é aquilo que somos”. Ele é “outro"; Ele é “misterioso"; Ele é imponderável. Ver no Dicionário os artigos denominados Mysterium Fascinosum, Mysterium Tremendum, Deus e Atributos de Deus. Hazael, da Síria, foi o instrumento da ira divina contra Israel, tal como Elias havia predito que ele seria (ver I Reis 19.17), e conforme Eliseu confirmou, adicio­ nando maiores detalhes (ver o capítulo oitavo de II Reis). Pouco antes disso, aquele rei guerreiro-matador tinha dominado Gate, uma fortaleza dos filisteus, e tinha forçado Joás a entregar os tesouros do templo e do palácio real (ver II Reis 12.17,18). Joás precisou resgatar Jerusalém das mãos de Hazael, ou a cidade teria sido aniquilada. Ver o artigo sobre Hazael, no Dicionário, quanto a um sumá­ rio sobre a sanguinolenta carreira de Hazael. Este versículo fala de um ataque contínuo, matanças e ameaças. BenHadade I, e depois Hazael foram os instrumentos do castigo, usados pelas mãos de Deus. Então Ben-Hadade III subiu ao trono da Síria e aumentou mais ainda as desgraças do povo de Israel. Ver no Dicionário o verbete chamado Ben-Hadade. Todos esses três tiranos são discutidos nesse artigo. Foi assim que Israel colheu o que havia semeado.

Semeai um ato, e colhereis um hábito. Semeai um hábito, e colhereis um caráter. Semeai um caráter, e colhereis um destino. Semeai um destino, e colhereis... Deus. (Prof. Huston Smith) 13.4 Jeoacaz fez súplicas diante do Senhor. Em seu desespero, Jeoacaz voltou-se para Yahweh. Ofereceu os devidos sacrifícios; seguiu os rituais apropriados, prescritos segundo a lei de Moisés; e temporariamente restaurou o yahwismo em Israel, mas sem dúvida deixando muito da antiga idolatria intocada. Em seguida, Jeoacaz fez as súplicas próprias, sinceras, em voz alta e longamente. Em Sua misericórdia, Yahweh ouviu a voz dele, e deu-lhe alívio contra os assédios do exército assírio.

Contudo não se apartaram dos pecados da casa de Jeroboão. O favor de Yahweh não exerceu nenhum efeito sobre o comportamento de Israel. Na realidade, Israel nunca aprendeu suas lições. Seguiu a síndrome da destruição do pecado-julgamento até o fim. Breves períodos de melhoria logo eram cortados pelo antigo paganismo que exercia estranho fascínio sobre Israel. Não haveria nenhuma redenção. Israel continuava retornando à idolatria e às atitudes de Jeroboão. Fazia muito tempo que Jerusalém havia sido abandonada como o centro do culto religioso da raça dos hebreus. A adoração ao bezerro, em Dã e Betei, mantinha os israelitas em casa, cativos à idolatria. Além disso, os lugares altos (ver a respeito no Dicionário) prevaleciam. Este sexto versículo repete o segundo versículo deste capítulo, em cujo ponto dou referências ao tipo de idola­ tria criado por Jeroboão, e seu pecado, o que levou Israel a continuar pecando, seguindo o péssimo exemplo de seu primeiro monarca. E também o poste-ídolo permaneceu em Samarla. Esse é o texto em algu­ mas versões, em lugar de bosques ou lugares altos. Quanto a Aserá (Aserins) ver as notas expositivas em I Reis 14.15. Em vista, como é evidente, está o ídolo sob a forma de um poste, um símbolo da deusa Aserá, consorte de Baal. Esse tipo de idolatria permaneceu conspícuo em Samaria. Uma variedade de idéias se prende a essas palavras, que tento esclarecer em minhas notas, na referência mencionada. 13.7 E foi o caso que não se deixaram a Jeoacaz do exército senão...

O

Aniquilamento do Poder Militar de Israel. Este versículo nos dá conta da quase total eliminação do poder militar de Israel. Isso nos surpreende. O rei da Síria tinha transformado em pó o poder militar de Israel. Este versículo sétimo continua a triste nota do terceiro versículo. Israel sempre dependera de sua infantaria; mas Salomão multiplicou carros de combate e cavalos, pelo que o exército de Israel se sofisticara. Mas a Siria fora tão bem-sucedida na guerra contra Israel que havia reduzido suas forças armadas à mera força de infantaria, uma força pequena e débil. Dessa maneira ficara preparado o caminho para o cativeiro assírio, que poria fim, para sempre, ao reino do norte, Israel. Os reis de nome Ben-Hadade (I, II e III) e Hazael tinham sido os instrumentos que Deus usara nessa destruição, para castigar a nação de Israel por causa de sua apostasia. A fraqueza de Israel era quase equivalente a um desarmamento. 13.8 Ora, os demais atos de Jeoacaz. O autor sagrado oferece aqui sua costu­ meira nota de obituário. Cf. II Reis 12.19; e ver as notas expositivas em I Reis

II REIS 1.21 e 16.5,6. Ver sobre o Livro das Crônicas dos Reis de Israel e de Judá em I Reis 14.19. 13.9 Descansou com seus pais. Quanto a esse eufemismo, que nas versões inglesas aparece como “dormiu com seus pais”, ver as notas em I Reis 1.21. A Jeoacaz foi dado um sepultamento decente e honroso em Samaria, capital do reino do norte, Israel. Ver no Dicionário o artigo intitulado Sepultamento, Costu­ mes de. Onri e seus descendentes, reis de Israel, foram sepultados em Samaria, que se tomou a capital do norte, depois que o reino do norte se separou de Judá, 0 reino do sul. No reino do sul, Jerusalém continuou sendo a capital. Jeoás, filho de Jeoacaz, subiu ao trono de Israel. Sua história é narrada em II Reis 13.10-25. Joás (Jeoás), Rei de Israel (13.10-25) O autor sagrado apresentou narrativas paralelas das histórias dos reis de Israel e de Judá. Ele não alistou todos os reis de Israel para descrevê-los, para então seguir o mesmo procedimento com os reis de Judá. Antes, pulou para cá e para lá, do norte para o sul, seguindo uma ordem cronológica aproximada. Quanto a essa maneira de apresentar a história, ver as notas expositivas em I Reis 16.29. O autor sagrado não retoma aos reis do sul senão já em II Reis 14.1, onde dá início à história de Amazias, de Judá. No presente versículo, o começo do reinado de Jeoás é relacionado, cronologicamente, ao reinado de Joás, de Judá. A narrativa sobre Jeoás começa com a introdução regular do autor e termina com a costumeira nota de obituário. Eliseu volta a participar da narrativa, a come­ çar pelo versículo 14. Ele deu mais profecias de condenação contra Israel, des­ crevendo como a Síria continuaria a obter vitórias sobre Israel, onde as coisas iriam de mal a pior. Por enquanto, entretanto, Jeoás conseguiria fazer a maré voltar-se contra os sírios, obtendo três vitórias sobre eles (ver os vss. 22-25). Isso só ocorreu depois que o terrível Hazael morreu. Nesta seção também temos a história incomum do último milagre de Eliseu, que teve lugar após a morte dele! (Ver o trecho de II Reis 13.20,21.) Quando certo homem morto tocou nos ossos de Eliseu, ressuscitou dos mortos.

1517

batalha contra os sírios (vss. 22-25). Ver os detalhes no capítulo 15 de II Crônicas nas suas guerras contra Amazias, rei de Judá. Ver II Reis 14.15,16, onde são repetidas as palavras finais e o obituário. As repetições sugerem um trabalho de edição e um arranjo um tanto desajeitado de materiais, quando o autor sagrado lutava para reunir suas fontes informativas em uma boa ordem. Talvez essa ordem fosse devida ao trabalho de algum editor posterior. 13.13 Descansou Jeoás com seus pais. A costumeira nota de obituário é encon­ trada em I Reis 1.21 e 16.2. E é repetida em II Reis 14.16. Juntamente com todos os reis do reino do norte, de Onri em diante, Jeoás foi sepultado em Samaria, capital do reino do norte. Ver os meus comentários no versículo nono deste capítulo, quanto a detalhes. Jeroboão II, seu filho, tornou-se o novo rei, conforme também ficamos sabendo em II Reis 14,16. Seu reinado foi brevemente descrito em II Reis 14.23-29. Kimchi e outros intérpretes hebreus dizem-nos que Jeroboão II reinou como co-regente, com seu pai, por um ano, antes de tornar-se o único rei. Ver Seder Olam Rabba, cap. 19. Alguns intérpretes modernos, contudo, calcu­ lam que essa co-regência tenha perdurado por onze anos, e não por apenas um ano. Morte e Sepultamento de Eliseu (13.14-19) Esse profeta de Yahweh morreu no tempo de Jeoás. Portanto, a história de Eliseu termina aqui; e, além disso, obtemos mais alguns detalhes sobre o governo desse monarca de Israel. Eliseu, que havia recebido uma dupla porção do Espírito de Elias, e que realizou mais ou menos o dobro do número de milagres dele (ver II Reis 2.9 e o gráfico que há nas proximidades), não poderia perdurar para sempre, mas tinha seu dia divinamente determinado para morrer. Sua missão foi realizada de maneira esplêndida, e dela ele não tinha razão alguma para lamen­ tar-se. “Encontramos aqui a cena do leito de morte de Eliseu, e do rei de Israel, que veio visitá-lo. O profeta, moribundo, tentou deixar um legado de vitórias para Israel, mas isso foi frustrado em parte pela ação tímida do rei” (Norman H. Snaith,

in loc.). 13.14

13.10 No ano trinta e sete de Joás, rei de Judá. A nota, em II Reis 14.1, dá uma cronologia contraditória. Norman H. Snaith (in loc.) diz que o número deveria ser trinta e nove. Por outra parte, se Joás governou em parceria com seu pai por um par de anos, e então tornou-se o único rei, a diferença de dois anos estaria explicada. Ver os comentários sobre o primeiro versículo do presente capítulo. “Quando Jeoacaz (uma variante do nome hebraico Joás) tomou as rédeas do poder em Israel, um rei de nome Joás governava em Judá... Jeoacaz começou a governar em Israel em 798 A. C., e serviu por um total de dezesseis anos, até 782 A. C. Entretanto, após cinco anos (em 793 A. C.), Jeroboão II, filho de Jeoacaz, começou a reinar como seu co-regente. O rei continuou as normas religiosas de seus antecessores e fez o que era mau aos olhos do Senhor” (Thomas L. Constable,

in loc.). “Visto que seu pai começou a reinar no vigésimo terceiro ano de Joás, e reinou por dezessete anos (ver o vs. 1), esse rei deve ter começado a reinar no ano trinta e nove ou quarenta de Joás. Para reconciliar as notas, podemos supor que dois dos anos de seu reinado... foram passados como co-regente com seu pai... “ (John Gill, in loc).

A enfermidade terminal de Eliseu mostrou que ele era um homem mortal, como qualquer outro. Ele tinha atingido o ciclo final de sua vida, aquele tempo lamentável quando um homem fica tão doente que não pode mais sobreviver, a despeito de medicamentos e de orações. Seu tempo de partir deste mundo havia chegado. Jeoás, rei de Israel, ao ouvir que o velho profeta estava prestes a fazer a transição para a outra vida, foi visitá-lo, movido pelo respeito. Ele tinha sido uma pessoa extraordinária, merecedora da atenção de todos, bem como das suas congratulações, porquanto ele fez o que precisava fazer, e tudo sem o menor reparo. É curioso que Jeoás tenha repetido aqui as mesmas palavras que o próprio Eliseu havia falado, ao testificar a translação de Elias, através da carruagem de fogo. Ver II Reis 2.12 quanto a notas expositivas completas. Podemos compreender que a própria morte falou figuradamente, mediante referências ao Senhor e às suas carruagens de fogo, que vêm receber a alma. Talvez, naquele momento, Jeoás houvesse tido alguma espécie de visão ou alguma outra experiência mística que tenha provocado suas excla­ mações. Outros explicam que Eliseu tinha feito aquela exclamação por oca­ sião da partida de Elias, e Jeoás simplesmente a repetiu, sabendo que o idoso profeta estava preparado para a partida dele.

13.11 Fez o que era mau perante o Senhor. Os reis de Israel, mesmo quando livres do baalismo, mediante a matança dos sacerdotes desse culto por Jeú, não abandonaram a adoração ao bezerro, em Dã e Betei, que Jeroboão havia estabe­ lecido para manter em casa o povo do reino do norte, Israel. De outra sorte, eles estariam indo a Jerusalém, para adorarem no templo, e isso teria enfraquecido o norte, que se tinha separado de Judá, o reino do sul. Ver as notas sobre os vss. 2 e 6, onde a mesma explicação é dada no tocante aos atos dos outros reis. Ver I Reis 12.26 ss., quanto ao tipo especial da apostasia e da idolatria de Jeroboão. Ver também I Reis 15.3-5,26; 16.2 e II Reis 14.24. 13.12 Quanto aos demais atos de Jeoás. Ao que parece, não havia muita coisa a contar sobre Jeoás, pelo que o autor sagrado imediatamente acrescenta suas observações finais, incluindo a nota padrão de obituário. Quanto a essa nota, ver 1 Reis 1.21 e 16.5,6. Ver também o oitavo versículo do presente capítulo. Alguns detalhes sobre ele seguem-se no presente capítulo, visto que ele esteve envolvido com Eliseu, sua enfermidade e morte, e teve algum sucesso na

Foi uma Cena de Lágrimas. Embora o rei não tivesse abandonado a sua 'dolatria, ele havia incorporado Yahweh em seu sistema eclético, pelo que Jeoás não foi uma perda total. 13,15,16 Então lhe disse Eliseu. O Ritual Profético. Embora estivesse morrendo, o idoso profeta ainda podia perceber o futuro. Israel teria algum alívio dos assédios dos sírios, e Jeoás seria o instrumento que conseguiria isso. Foi-lhe, pois, ordena­ do ferir o chão com flechas da vitória. As flechas do livramento de Israel foram atiradas. O rei precisou prover o material: o arco e as flechas (vs. 15). Mas ele precisava da ajuda do profeta, que pôs suas mãos a fim de cooperar e ajudar as mãos do rei (vs. 16). O ritual era simbólico. O rei teve de prover a força; mas ele também contava com a bênção divina, através do profeta, o qual tinha poder com Yahweh, que controla todas as coisas, “O arco armado e a flecha atirada na direção do oriente estão em acordo com aquelas idéias de simbolismo eficaz, comuns às narrativas populares. Esse inci­ dente particular foi similar ao ato de Josué estender sua lança na direção da cidade de A. (ver Josué 8.18). O arco entesado foi considerado a movimentação

II REIS

1518

real das carruagens do Senhor em sua tarefa de livrar Israel do domínio da Síria” (Norman H. Snaith, in loc.). Eliseu estava enfermo, mas não tão enfermo que seu poder não pudesse realizar mais um feito em favor de Israel. A vida de Eliseu tinha vindicado suas palavras, e mais um ato de poder miraculoso seria adicionado ao grande acúmulo de milagres que já havia. Tomando o arco em suas mãos, o rei, simbolicamente, tornou-se o instrumento de Yahweh para a vitória antecipada. O que ele fez assumiu um caráter profético por estar sendo dirigido pelo idoso profeta Eliseu.

Eliseu foi um homem que recebeu dupla porção do Espírito de Elias, e realizou o dobro dos milagres dele. Ver sobre li Reis 2.9 e o gráfico por perto daquelas notas, como ilustração. O idoso profeta Eliseu tinha terminado seu curso, e seguiu pelo caminho de toda a carne, mas seus ossos ainda tinham o poder de operar milagres. Uma ressurreição foi efetuada mediante o mero toque desses ossos.

13.17

13.20

Abre a janela para o oriente. Era a janela que dava para a parte oriental da casa, o lugar onde o sol nasce no firmamento, onde o poder de Deus se manifesta pela manhã. O sol estava prestes a levantar-se para o bem de Israel, embora escon­ dendo-se por trás do horizonte estivesse o cativeiro assírio (ver no Dicionário), que viria do norte. Provavelmente Eliseu gostaria de ter parado aquele poder por algum tiro simbólico de uma flecha, mas essa tarefa estava além de seu poder, e fora da vontade de Yahweh. Passar-se-aim ainda setenta anos antes que aquele evento tivesse lugar, pelo que, nesse ínterim, Israel poderia ter algum descanso de seus inimigos. Damasco, capital da Síria, ficava na direção nordeste, pelo que atirar flechas na direção leste não correspondia exatamente àquela direção. Mas o que importa­ va era o leste, e o simbolismo envolvido nisso. Naturalmente, Israel precisava de vitória no oriente, isto é, na Transjordânia, que a Síria já havia conquistado. Ver II Reis 10.33, para a conquista síria daquela região. Sem dúvida, essa era uma das razões pelas quais as flechas foram atiradas na direção do oriente. O atirar das flechas era uma declaração de guerra.

Morreu Eliseu, e o sepultaram. O fim de Eliseu foi narrado de maneira bem simples. O idoso profeta, de carreira tão ilustre, morreu e recebeu um sepultamento honroso. Sem dúvida, algum elogio apropriado foi proferido, mas o autor sacro não se deu ao trabalho de contar essa parte. Também é indubitável que tenha havido grande lamentação por toda a terra de Israel. Um grande homem havia tombado em Israel. Mas o autor sagrado não se importou em contar sobre isso. Ele deixa-nos apenas o conhecimento de que tudo estava bem com Eliseu; tudo estava bem com a sua alma.

Último e Póstumo Milagre de Eliseu (13.20,21)

Quando a paz, como um raio, acompanha o meu caminho, Quando rolam as tristezas, como ondas do mar, Sem importar qual a minha sorte, tens-me ensinado a dizer: Está tudo bem; está tudo bem com a minha alma. (H. G. Spafford)

Em Afeque. Ver a respeito desse lugar no Dicionário. O aniquilamento das forças sírias enviadas para a batalha foi prometido, mas não do exército sírio inteiro, que nunca sofreu tal aniquilamento. Israel teria um alívio temporário, e não uma vitória total. Somente os assírios abateriam, realmente, os sírios. Afeque ficava na Transjordânia. Cf. I Reis 20.30.

As tradições judaicas dizem-nos que Eliseu foi sepultado no monte Carmelo, no sepulcro de Elias, e que ele morreu no décimo ano do reinado de Jeoás. Sua carreira como profeta, ao que parece, estendeu-se por sessenta anos! Não se sabe qual a sua idade quando morreu, mas ele deve ter chegado muito acima dos oitenta anos.

13.18 Toma as flechas. Outra Parte do Ritual Simbólico. Alem de atirar as flechas, ao rei Jeoás foi ordenado ferir a terra com flechas. Supomos que elas tenham sido atiradas contra o solo, a fim de nele penetrarem, e ficarem ali fincadas, na direção vertical. Assim como as flechas se enterrariam no solo, os corpos dos soldados sírios seriam transpassados, e haveria uma tremenda matança. Cada flecha as­ sim atirada simbolizaria uma vitória. O tímido rei Jeoás, não compreendendo o sentido da cerimônia do atirar das flechas, atirou somente três flechas, garantindo assim somente três vitórias. Atira contra a terra. O rei saiu para fora da casa de Eliseu para realizar o ritual das flechas. Mas alguns pensam que ele atirou as flechas contra o chão de barro batido da casa de Eliseu. 13.19

As Molestações dos Moabitas. “À entrada do ano”, isto é, por ocasião da primavera, hordas de moabitas armados costumavam invadir Israel. Esses assé­ dios não eram feitos com grandes exércitos. Antes, eram feitos por bandos arma­ dos. Alguns estudiosos dizem que devemos pensar aqui no outono, o tempo da colheita, e não na primavera, porque era então que os moabitas teriam aproveita­ do o máximo com seus ataques, levando os frutos da terra. Eles tiravam vanta­ gens das condições debilitadas de Israel, e sempre ansiavam por tirar vingança, porque o país deles fora devastado por Israel (ver II Reis 3.26). Cf. II Reis 5.2 quanto aos bandos de saqueadores. A história do ataque dos moabitas nos foi narrada porque aqueles homens ímpios interromperam o sepultamento de um homem, subseqüente ao sepultamento de Eliseu (algum tempo depois, onde o elemento não foi definido pelo autor sagrado). A história desse sepultamento nos é dada no versículo seguinte, o vs. 21, que assim registra o milagre da ressurreição de um homem morto, o derradei­ ro milagre de Eliseu, realizado postumamente.

Então o homem de Deus se indignou muito contra ele. Embora doente da doença que o matou, o idoso profeta ainda teve energia suficiente para ficar muito

13.21

indignado contra o rei Jeoás, por ter o monarca ferido o chão com apenas três flechas. Jeoás, pois, havia limitado o triunfo de Israel por sua visão fraca. Naturalmente, ele ignorava como o ritual deveria funcionar, mas a ignorância usualmente está por trás de uma visão limitada. Nossa primeira incumbência é saber, e a segunda é agir. Ver no Dicionário o artigo intitulado Desenvolvimento Espiritual, Meios do. As duas grandes colunas da espiritualidade são o conhecimento e o amor. Os intérpretes têm visto a realização fraca do rei Jeoás como resultante de um caráter vacilante. Todos nós, seres humanos, estamos sujeitos a esse mesmo tipo de fraqueza. Em toda vida há um cumprimento parcial “daquilo que poderia ter sido”. Há em nós a mistura da fraqueza e da fortaleza, do que é vital e do que é trivial.

O homem morto estava sendo sepultado perto do sepulcro de Eliseu. O costu­ me oriental era usualmente escavar um buraco em uma colina, no chão de terra ou em uma rocha, e assim fazer uma espécie de perfuração onde o corpo pudesse ser sepultado. O lugar era então coberto com uma pedra. Não se usava nenhum esquife de defunto, mas o corpo era envolto em mortalhas. Ver no Dicionário o verbete chamado Sepultamento, Costumes de. Naturalmente, havia sepulcros em lugares mais planos, e presumivelmente o povo sepultava seus mortos no chão de terra ou em rochas. No tempo dos gregos e dos romanos, o costume era sepultar simples­ mente no chão de terra ou em lugares rochosos, e os judeus geralmente seguiam esse costume, embora túmulos abertos nas rochas continuassem muito comuns. Em sua pressa por escaparem aos assaltantes moabitas, os homens larga­ ram o cadáver do homem morto no túmulo de Eliseu. Eles cuidariam melhor do sepultamento mais tarde. Quando o cadáver tocou nos ossos do grande profeta, foi reanimado! “A idéia de que os ossos dos mortos retêm, pelo menos durante algum tempo, o poder sobrenatural que o morto tivera em vida, era comum entre os povos primitivos. Essas crenças sobrevivem na veneração que é dada aos ossos dos santos, que são guardados por algumas organizações religiosas como santas relíquias? (Norman H. Snaith, in loc.). Quanto a uma completa discussão sobre os milagres, procurar no Dicionário o artigo que tem esse título. Talvez o milagre do texto tenha servido de garantia para Jeoás de que ele teria sucesso nas batalhas contra os sírios, conforme Eliseu prometera quando ainda estava vivo.

De todas as palavras tristes, Da língua ou da pena, /4s mais tristes de todas são estas: Poderia ter sido. (John Greenleaf Whittier) Em tudo isso, somente o poder de Deus pode cumprir em nós o que Deus tenciona para nós.

A sorte se lança no regaço, mas do Senhor procede toda decisão. (Provérbios 16.33)

Metáfora. Homens mortos (pelo pecado) são ressuscitados quando entram em contato com os livros, com os ensinos e com a reputação de homens espiritu­

II REIS ais que, embora já tenham morrido, vivem contudo através das contribuições que fizeram. Mas o Cristo ressurreto é aquele que realmente faz reviver os homens espiritualmente mortos. Ver no Dicionário os verbetes intitulados Ressurreição e

Ressurreição de Jesus Cristo, A Maré Vira Temporariamente (13.22-25) De acordo com as profecias de Eliseu, Jeoás obteria algumas vitórias contra os sírios. Ver II Reis 13.14-19. Mas Israel marcharia na direção do cativeiro assírio (ver a respeito no Dicionário), agora cada vez mais próximo. 13.22 Hazael, rei da Síria. O grande chicote, Hazael, continuou a assediar a Israel com incrível zelo e persistência. Elias havia predito que ele faria exatamente isso (ver I Reis 19.17), e esse assédio foi confirmado com maiores detalhes por Eliseu (ver o capítulo oitavo de II Reis). Hazael era o instrumento divino que castigaria a apostatada nação de Israel, mas o reino do norte estava fora de alcance. A narrativa agora retorna ao versículo terceiro. 13.23 Por amor da aliança com Abraão, Isaque e Jacó. O Pacto Abraâmico (ver as notas expositivas completas a respeito em Gênesis 15.18) foi a principal razão por trás do fato de o reino do norte ter tido algum alivio em face dos assédios da Síria. Ali havia misericórdia e vida, até mesmo para a apostatada nação de Israel. Os filhos de Israel eram descendentes de Abraão, e a miseri­ córdia divina os favorecia. Por outro lado, Deus pode levantar filhos de Abraão das rochas (ver Mateus 3.9), pelo que aquela síndrome do pecado-julgamentodestruição foi apenas temporariamente interrompida pelas três vitórias de Jeoás sobre os estrangeiros sirios. Mas a misericórdia divina só entraria em operação quando morresse o poderoso guerreiro-matador, Hazael. Nenhum louco equiva­ lente a ele assumiria o trono da Síria, e isso daria a Israel uma vantagem (ver os vss. 23 e 24). 13.24 Morreu Hazael, rei da Síria. Isso aconteceu em 801 A. C. Ao que tudo indica, ele morreu de morte natural. A morte dele diminuiu o ímpeto da máquina de matar síria por tempo razoável para dar a Jeoás suas três vitórias e à nação de Israel algum alívio. Esse alívio, infelizmente, não deveria perdurar por longo tempo. BenHadade III tomou-se rei da Síria. Ver no Dicionário o artigo chamado Ben-Hadade, quanto aos três homens que tiveram esse nome e que foram reis da Síria. Hazael era um usurpador e não pertencia à família real da Síria, mas o título real, “BenHadade”, foi retido para designar seu filho. Seu reinado sincronizou-se com o reina­ do de Samas-Rimom, da Assíria, que não fez nenhuma expedição armada contra o Ocidente (825-812 A. C.). Esse homem não foi mencionado nas inscrições assírias, pelo menos até onde a arqueologia nos mostre. 13.25 Joás... retomou as cidades das mãos de Ben-Hadade. Sucessos. Jeoás foi capaz de retomar várias cidades que Jeoacaz perdeu para os sírios. Ver II Reis 10.33. As perdas tinham sido sofridas na Transjordânia, pelo que Israel recuperou a porção oriental de seu reino. Afeque ver o versículo 17 deste capítulo sem dúvida foi uma das cidades a ser recuperada. As profecias finais de Eliseu foram assim cum­ pridas (ver II Reis 13.14-19). Mas a antiga síndrome do pecado-julgamento-destmição voltaria para julgar a apostatada nação de Israel.

C a p ítu lo C a to rze Amazias, Rei de Judá (14.1-22) Empregando seu método de apresentação de relatos paralelos, o autor sa­ grado agora retorna a Judá, depois de ter passado tempo considerável falando sobre os reis de Israel (capítulo 13 de II Reis). O autor sagrado não relatou primeiramente suas histórias sobre os reis de Israel, para depois contar histórias sobre os reis de Judá. Pelo contrário, ele pulava para cá e para lá, do norte para o sul, seguindo uma ordem cronológica aproximada. Ver sobre esse modo de apre­ sentação em I Reis 16.29.

Amazias, Rei de Judá. Como a maioria dos reis de Judá e de Israel, ele foi em parte obediente e em parte omisso. Mostrou-se leal para com Yahweh. mas não removeu os santuários locais que faziam competição com o templo de Jeru­

1519

salém. Esses santuários locais (nos lugares altos, vs. 4) sempre tiveram uma tendência à idolatria, e algumas vezes foram completamente apostatados. Usual­ mente, em Judá, eles promoviam uma fé eclética, incorporando Yahweh no siste­ ma de várias divindades. O povo comum amava esses santuários locais, e era quase impossível removê-los sem provocar uma guerra civil. Para um rei, Amazias revelou-se por demais misericordioso, por demais tole­ rante, poupando filhos de assassinos. Essa era uma norma espiritual e tinha o apoio da legislação mosaica (vs. 6), mas politicamente foi um desastre, deixando elementos perturbadores no reino, para causarem dificuldades mais adiante. Ele mesmo terminou sendo assassinado (vs. 19), e sua leniência pode ter tido algo a ver com isso. O resto da história de Acazias se parece muito com a história de outros reis: várias campanhas militares, matando e sendo morto. Ele venceu os edomitas, mas perdeu para o rei de Israel, Jeoás, que se tornou seu inimigo. 14.1,2 No segundo ano de Jeoás... com eçou a reinar Amazias. Quanto ao problema de cronologia que envolve o primeiro desses dois versículos, ver as notas expositivas em II Reis 13.10. O autor continuava sua norma de apre­ sentar narrativas paralelas, comparando os reis de Israel com os de Judá, e saltando para cá e para lá, entre os dois reinos, acompanhando uma ordem cronológica aproximada. Ver as notas sobre esse método de apresentação em I Reis 16.29. Amazias governou por vinte e nove anos. Tinha cerca de vinte e cinco anos quando começou a reinar (796-767 A. C.). Grande parte desse tempo ele foi co-regente com seu filho, Azarias, que governou de 790 a 767 A. C. As co-regências sempre perturbaram as informações dadas sob forma cronológi­ ca, o que deixa tão perplexos os cronologistas. Portanto, a informação dada aqui parece entrar em contradição com II Reis 14.2. Alguns intérpretes, po­ rém, supõem um autêntico erro na cronologia, que a mera questão das coregências não pode explicar: “O problema da sincronização dos reis dos dois reinos é extremamente difícil, visto que há uma discrepância de pelo menos vinte anos (e talvez até de vinte e três anos) entre o número total dos anos dos reis de Judá e o número total dos anos dos reis de Israel, durante o periodo que vai da subida ao trono de Jeú (841 A. C.) até a queda de Samaria (721 A. C.), onde o total de anos de Judá representa o resultado maior. Além disso, a questão é complicada pelos relatos assírios, que fazem os anos do reino de Judá vinte e cinco anos mais longos que em outros documentos" (Norman H. Snaith, in loc.). Vários métodos têm sido experimentados para remover a discrepância, e o método favorito é aquele que envolve as coregências. Talvez esse seja um modo correto de reconciliar os dados, mas talvez não. Os céticos gostam de encontrar problemas como esses para lan­ çar o texto sagrado na dúvida. Os ultraconservadores, por sua vez, buscam harmonia a qualquer preço, mesmo à custa da verdade. Tais questões não têm grande importância para a fé religiosa, e é assim que as deveríamos ver. Não devemos esperar perfeição em nenhum livro que as mãos humanas te­ nham produzido ou tocado, e nem essas pequenas imperfeições detratam a mensagem espiritual. Quanto a informações completas sobre Amazias, ver o artigo com esse nome no Dicionário. 14.3 Fez ele o que era reto perante o Senhor, ainda que não com o seu pai Davi. Obediência Parcial; Sucesso Parcial. Amazias foi tão bom quanto seu pai, Joás, mas em relação a Davi ficou muito a dever-lhe. Pois Davi, embora tendo cometido crimes e falhas terríveis em seu registro, não tolerou nenhum tipo de idolatria. Sua lealdade para com Yahweh era feroz. Essa lealdade não foi nunca igualada pelos reis posteriores de Judá. A adoração, no templo de Jerusalém, mantinha um yahwismo puro, em concordância com os ditames da legislação mosaica, mas havia aqueles santuários locais que continuaram a corromper Judá (vs. 4). Ver I Reis 15.3 quanto a uma declaração similar sobre Davi, onde são oferecidas notas expositivas mais completas. Cf. II Crônicas 25.2. Joás, pai de Amazias, no começo agiu corretamente; mais tarde, porém, desintegrou-se perigosamente. Ele foi um contra-exemplo que Amazias se­ guiu pelo menos em parte, negligenciando o exemplo superior deixado por Davi. 14.4 Tão-somente os altos não se tiraram. Quanto aos lugares altos, ver o Dicionário', estes permaneceram populares diante do povo comum, incorporando sua fé eclética, com Yahweh e outras divindades, de modo que a centralização da fé no templo de Jerusalém foi debilitada. Este versiculo é uma duplicação virtual de II Reis 12.3, que fala sobre Joás. As práticas de transigência continuavam operando nos dias de Amazias.

1520

II REIS

14.5,6

Vingança. Uma vez consolidada sua autoridade sobre o reino, Amazias fez justiça, tirando a vida dos assassinos de seu pai. Ver il Reis 12.20. Porém, em obediência à lei de Moisés (ver Deuteronômio 24.16), ele não matou os filhos dos ímpios assassinos. Isso o deixou potencialmente aberto para a retaliação dessas pessoas, mediante a lei do vingador do sangue (ver a respeito no Dicionário). Ao assim fazer, ele estava seguindo as leis mais nobres da legislação mosaica, e não os costumes do tempo, que exigiam total aniquilamento das famílias daqueles assassinos. Cf. as histórias de Acã (Josué 7.24-26) e de Nabote (II Reis 9.26), quando famílias inteiras foram mortas por causa dos pecados do pai dessas famílias. É perfeitamente possível que o próprio assassinato de Amazias, anos mais tarde, tenha sido possível devido à sua leniência (ver o vs. 19). Esse versículo deve ser contrastado com Êxodo 20.5, onde é dito que a iniqüidade dos pais seria cobrada sobre seus filhos. Ver Ezequiel 18.20, que concorda em_ espírito com Deuteronômio 24.16, e não com as idéias mais antigas do livro de Êxodo. Desenvolvimento. Conforme o tempo vai passando, nossas idéias espirituais e morais e nossos ideais vão-se aprimorando, e, assim sendo, nossos conceitos do próprio Deus. A revelação e o crescimento espiritual são assinalados por avanços, alguns dos quais ocorrem gradualmente, e outros que ocorrem de súbi­ to. De fato, a verdade é uma aventura, e não uma realização a ser efetuada de uma vez por todas. 14.7 Ele feriu dez mil edomitas no Vale do Sal. Em Guerra Novamente. Os reis de Israel e de Judá, como também todos os reis de outras nações, não tinham descanso. O coração deles não se sentia feliz se eles não tivessem alguma guerra em mente. Matar ou ser morto era uma atividade que não cessava. Assim sendo, Amazias combateu contra Edom e venceu, mas depois ele perderia na guerra contra o rei de Israel. O rei de Judá ficou inchado de orgulho devido à sua vitória contra os edomitas. Foi essa arrogância que o fez voltar-se contra Israel, e não alguma necessidade verdadeira ou alguma causa digna.

por essa estupidez. Outra causa da guerra foi a recusa de Amazias de levar tropas de Israel para ajudá-lo contra Edom. Em retaliação, Israel havia atacado algumas cidades de Judá e tinha matado muita gente (ver II Crônicas 25.13). Isso estabeleceu o palco para a vingança.

Causas da Guerra. 1. luta por motivo de diversão; 2. arrogância; 3. vassalagem; 4. punição divina por causa de atos de idolatria; 5. vingança. “Quero ver teu rosto”, disse o arrogante Amazias a Jeoás, através de seus mensageiros. Em outras palavras: “Vamos guerrear um contra o outro". Ver as causas possiveis dessa guerra, discutidas nas notas acima. O rei de Judá foi enco­ rajado por suas vitórias contra os edomitas, e ele pensava que deveria aproveitar a sorte para livrar Judá da vassalagem a Israel. Dessa maneira, acertaria as contas entre as duas nações. O rei de Israel também estava ansioso para lutar por motivo de vingança. Judá não tinha permitido que os da nação do norte saíssem contra os edomitas para obterem os usuais despojos de guerra (ver II Crônicas 25.13). Israel, ainda recentemente, tinha sofrido perdas para os sírios, e presumivelmente estava debilitado e podia ser mais facilmente derrotado. Judá estava pronto a fazer-lhe uma pequena surpresa. Josefo (Antiq. IX.9, par. 2) fala de cartas que foram trocadas entre os dois reis, preparando o caminho para a guerra. 14.9

A Parábola Zombeteira. O rei Jeoás, de Israel, zombou de Amazias com uma parábola, e Amazias deveria ter dado ouvidos a ela. Jeoás comparou Amazias a um cardo que enviou recado a um poderoso cedro do Líbano (o rei Jeoás), pedindo-lhe a filha em casamento. Mas as feras do Líbano estavam passando e pisaram o humilde cardo. Com isso, o rei de Israel previu uma grande derrota para Judá, o qual tinha sido tão arrogante como um cardo por tentar misturar-se por casamento com os esplêndidos cedros do Líbano. Os pequenos cardos que tives­ sem a empáfia de se fazerem iguais aos cedros só podiam mesmo sofrer vergo­ nha e destruição no fim. As leras" representavam a força militar de Israel que, embora debilitada pela Síria, ainda assim tinha força suficiente para derrotar a humilde nação de Judá 14.10

Tomou Sela. Ver notas expositivas completas sobre essa cidade, no Dicio­ nário. O Vale do Sal geralmente tem sido considerado uma planície alagadiça ao sul do mar Vermelho. Sela (nome esse que significa “penhasco") é usualmente identificada com a cidade de Petra (ver a respeito no Dicionário). Cf. Juizes 1.36 e Isaías 16.1.0 trecho paralelo de II Crônicas 25.11,12 não faz nenhuma referência à cidade. Esse trecho fornece maiores detalhes da batalha de Amazias contra Edom. A queda de Sela foi seguida por grande massacre de cativos. Insensata­ mente, porém, Amazias levou os deuses de Edom para a terra de Judá, e esses ídolos tornaram-se uma armadilha para ele.

Gloria-te disso e fica em casa. Edom havia sido derrotado por Amazias e suas forças, e isso era suficiente para ele ficar contente. O rei de Judá deveria “ficar em casa", feliz com o que tinha conseguido, e esquecer seu desejo gananci­ oso por mais. Mas a arrogância não deixaria Amazias em paz.

A soberba precede a ruína, e a altivez do espírito, a queda. (Provérbios 16.18)

Jocteel. Amazias rebatizou a cidade de Sela, chamando-a por esse novo nome. Essa palavra significa “obediência a Deus”. Talvez Amazias tenha pensado que Yahweh o havia inspirado a combater os edomitas, e recompensara a sua obediência com a vitória.

Orgulho, Inveja, Avareza — essas são as fagulhas Que incendeiam o coração dos homens. (Dante, Inferno)

Os Edomitas. “Edom era um inimigo invencível (ver também II Crônicas 25.11,12). Outros adversários foram vencidos, mas Edom nunca. De Gênesis (25.30) até Malaquias (1.1-5) há um registro continuo de hostilidades quase ininterruptas entre Israel e Edom. Não obstante, eles eram irmãos (de Jacó e Esaú)" (Raymond Calking, in loc.). Ver no Dicionário o artigo chamado Edom, Idumeus. Seja como for, em uma única batalha as forças de Judá conseguiram matar dez mil soldados edomitas. 14.8 Então Amazias enviou mensageiros a Jeoás. Encorajado por seu sucesso contra Edom, e não tendo outra coisa para fazer, Amazias convidou Jeoás a entrar em luta armada. Ele disse literalmente: “Vem, vamos olhar um ao outro no rosto”, uma curiosa maneira de convidar outro rei a um conflito armado. Quão tolo era o homem e quão barata ele considerava a vida humana! Tal guerra nada mais é do que assassínio em massa. Ver na Enciclopédia de Bíblia, Teologia e Filoso­ fia o artigo chamado Guerra Justa, Critérios de uma.

Alguma Justificação. Devemos lembrar que Judá fora submetido a pagar tributos a Israel desde os dias de Acabe, e que, em certas ocasiões eles foram reduzidos a uma quase vassalagem. Talvez Amazias tenha pensado em desfa­ zer-se dessas algemas. Nesse caso, pois, ele tinha algum motivo para querer guerrear contra Jeoás, não se tratando de mera diversão. Conforme alguém dis­ se: “Só luto pelo que é direito e pela diversão”. Seja como for, Amazias, intoxicado por sua vitória recente contra Edom, estava disposto a atirar-se à guerra nova­ mente. Ademais, Amazias tinha trazido ídolos de Edom a Judá, e chegara até a adorar esses ídolos. Ver II Crônicas 25.14,20. Yanweh usaria Israel para puni-lo

A guerra é filha do orgulho; e o orgulho é Filho das riquezas. (Jonathan Swift) Ver no Dicionário o verbete chamado Orgulho. “O orgulho estava no fundo da mensagem enviada ao rei de Israel, e isso acontece antes de uma queda” (John Gill, m loc.). 14.11 Mas Amazias não quis atendê-lo. A batalha era inevitável, pois Amazias era destituído de bom senso. Portanto, o rei de Israel preparou-se rapidamente, e a batalha ocorreu em Bete-Semes (ver a respeito no Dicionário). Esse lugar pertencia a Judá, pelo que a batalha se deu no território de Judá. Talvez as forças de Israel estivessem dirigindo-se a Jerusalém, mas encontraram resis­ tência a cerca de vinte e quatro quilômetros para sudoeste. Embora enfraquecidas pela longa jornada (cerca de oitenta quilómetros de Samaria), as tropas de Israel ainda assim mostraram-se fortes o suficiente para derrotarem as tropas de Judá. 14.12 Judá foi derrotado... e fugiu cada um para sua casa. O resultado da batalha foi uma rápida derrota para Judá, cujos detalhes o autor não se importou em relatar. O exército de Amazias foi facilmente desmantelado; e os soldados

II REIS

1521

judaítas, aterrorizados, fugiram para suas tendas, isto é, os poucos que sobrevive­ ram. Cf. II Reis 8.21. No original hebraico temos a palavra “tenda” que aqui é traduzida por “casa". Essa palavra hebraica é uma expressão que vinha das experiências no deserto, quando Israel vivia nômade, em estruturas temporárias. Agora eles tinham casas feitas de pedras ou de tijolos, mas a antiga palavra “tenda” significava mesmo “casa”, o que explica a nossa versão portuguesa. Josefo diz-nos que súbito temor e consternação se apossaram do exército de Judá, antes mesmo da chegada das tropas de Israel, o que significa que foram derrotados desde o começo. Ver Antiq. 1.9. cap. 9, sec. 3.

Seguindo seu modo de apresentação de narrativas paralelas (ver as no­ tas expositivas em I Reis 16.29), o autor sacro salta agora de volta a Judá e ao seu rei, Amazias, depois de ter-nos relatado a morte de Jeoás, rei de Israel. Amazias havia sido libertado pelo rei de Israel (embora não sejamos especifi­ camente informados quanto a isso) e continuou em Judá, humilde e comportado. Mas em breve seria assassinado por seus próprios oficiais. Viveu ainda quinze anos após a morte de seu adversário, o rei de Israel, Jeoás.

14.13

14.17

Joás, rei de Israel, prendeu Amazias, rei de Judá, filho de Jeoás, filho de Acazias. Quanto ao nome “Joás”, no começo deste versículo, devemos entender “Jeoás”. É evidente que temos aqui um erro de algum revisor moderno.

Amazias, filh o de Joás, rei de Judá. Talvez tenha servido de consolo a Amazias viver quinze anos depois da morte de seu adversário, Jeoás, rei de Israel, Jeoás havia humilhado miseravelmente Amazias, e tinha saqueado Jerusalém. Mas o propósito do autor sagrado, ao fornecer-nos essa nota, foi simplesmente manter-nos informados sobre como se comparavam os reina­ dos dos reis do norte com os reinados dos reis do sul. Lembremos que o autor sacro apresentou seus relatos paralelos em uma ordem cronológica aproximada. A nota usual de obituário (anotada em I Reis 1.21) foi modificada, no caso de Amazias, a fim de dar-nos uma narrativa sobre o seu assassinato. Amazias reinou como contemporâneo de Jeoás por catorze anos, e viveu mais quinze anos, após a morte daquele, perfazendo um total de vinte e nove anos de reinado, conforme foi dito no segundo versículo. Ao que parece, Jeoás morreu pouco depois de sua vitória sobre Amazias.

O Ataque a Jerusalém. O rei Amazias tinha ido pessoalmente testemunhar a “sua vitória” sobre as tropas de Israel. Mas, ao contrário, ele sofreu uma miserável derrota e foi feito prisioneiro. Enraivecidas, as tropas de Israel foram a Jerusalém para lançar a confusão ali. Em primeiro lugar derrubaram grande parte das mura­ lhas, cerca de duzentos metros, o que lhes deu fácil acesso à cidade. As tropas dali ofereceram pouca ou nenhuma resistência, pelo que as tropas da nação do norte, Israel, tiveram plena liberdade de matar e saquear sem misericórdia, embo­ ra Judá fosse composta de “irmãos”. Desde a Porta de Efraim até a Porta da Esquina. Ou seja, a parte norte da cidade, visto que essa era a parte da cidade que dava frente para o território de Efraim. A porta de Efraim adquirira seu nome devido a essa circunstância. A porta da Esquina, até onde foi a demolição das muralhas, juntava as muralhas norte e oriental. Naquele ponto havia o portão de Naftali. Foi assim que o rei de Israel deu evidências abundantes de seu poder, deixando sem defesa a cidade mais fortificada de Judá, ou seja, sua própria capital.

Morte de Amazias, Rei de Judá (14.17-22)

14.18 Ora, os mais dos atos de Amazias... no livro da história dos reis de Judá? Temos aqui a menção costumeira às obras informativas sobre as histórias dos reis. Comentei essa informação (dada no caso de quase todos os reis) em I Reis 14.19.

14.14 14.19 E voltou para Samaria. Isso depois do saque e de muitas mortes. As tropas de Israel entraram triunfalmente em Jerusalém, através da imensa brecha feita nas muralhas (ver o versículo anterior), e assim houve a fúria de matar e de saquear. Todos os tesouros do templo foram tomados; e também foram feitos reféns. Podemos imaginar que os cativos eram os principais oficiais militares e civis de Judá. Isso deixou Judá, essencialmente, sem liderança. O rei já tinha sido feito prisioneiro (vs. 13). Judá ficou assim reduzido a total impotência. Talvez alguns membros da família real também estivessem entre os cativos. O leitor deve reconhecer, nesse ato insensato de Amazias, um quadro em miniatura do que acontece no mundo moderno, onde as nações se dão licença à guerra e ao ódio, ao passo que a mera existência depende da compreensão e da cooperação mútua. Ao que tudo indica, uma vez reduzido a quase nada, Amazias foi libertado para reinar em seu reino grandemente reduzido. O rei de Israel resolveu não lhe tirar a vida; mas deíxou-o humilhado. E Amazias nunca mais seria uma ameaça para ninguém. Talvez Jeoás tenha ficado com alguns dos reféns, para garantir o bom comportamento de Amazias. É possível também que, quando Amazias foi aprisionado, seu filho, Azarias, se tenha feito rei em Jerusalém, e ele pode ter continuado a agir como co-regente, quando seu pai foi solto. O tempo era cerca de 790 A. C. Ver o versículo 21 deste capítulo. Morte de Jeoás, Rei de Israel (14.15,16) “Essa é a nota formal e deuteronômica da morte do rei de Israel. Está fora de lugar aqui. Ver a exegese de II Reis 13.10-13" (Norman H. Snaíth, in loc.). Ver a exposição sobre II Reis 13.12 quanto ao arranjo esquisito do material, que quebra o fluxo cronológico. Note-se também que Jeoacaz e Joás são formas variantes do hebraico, para designar a mesma pessoa. As versões portuguesas nos dão também Jeoás, como outra forma possível do nome Joás. 14.15,16 Estes versículos são uma duplicação virtual do trecho de II Reis 13.12,13, onde anotei as informações dadas. O autor sacro lançou mão de várias fontes informativas. Essas várias fontes, ao que parece, tinham sumários parecidos so­ bre o reinado e a morte de Jeoás, e o autor-compilador não foi cuidadoso em eliminar a repetição quando juntou as fontes informativas para formar uma narrati­ va contínua. Quanto a uma narrativa mais longa sobre a guerra entre Jeoás e Amazias, ver o trecho paralelo, o capítulo 25 de II Crônicas.

Conspiraram contra ele em Jerusalém. A Conspiração. O rei Amazias não fizera um trabalho muito bom, se julgarmos através do que fazia os reis serem grandes. O que os tornava grandes era o heroísmo militar: vencer guerras e tomar despojos. Além disso, o autor sagrado estava sempre interessado na condição espiritual dos reis de Israel e de Judá. Amazias também não se destacou nesse campo. A princípio, permaneceu ao lado do yahwismo e da legislação mosaica, mas não eliminou os santuários locais (ver II Reis 14.3,4). Mas depois ele se desintegrou religiosamente. Ganhou batalhas contra Edom, mas então, estupida­ mente, trouxe os ídolos edomitas para sua capital, e fez deles objetos de adora­ ção (ver II Crônicas 25.14,20). Assim sendo, quanto a todos os pontos importan­ tes, ele não foi um grande rei. Foi natural, pois, que tivesse terminado sua carreira assassinado. O “eles” subentendido no verbo “conspiraram”, que há no texto sagrado, indica que seus principais auxiliares, incluindo subordinados militares e civis de maior confiança, foram os conspiradores. Provavelmente os “reféns” (ver o vs. 14 deste capítulo) tomados pelo rei Jeoás, de Israel, incluíssem filhos de nobres, os quais teriam uma razão especial para odiarem o rei Amazias, pois sua guerra estúpida contra Israel tinha prejudicado o país inteiro e, especificamente, suas famílias. Fugiu para Laquis. É possível que o rei de Judá estivesse fugindo na dire­ ção do Egito. Ele tinha ouvido falar sobre a conspiração e estava fugindo para escapar com vida. Mas seus inimigos o alcançaram em Laquis, cerca de quarenta e oito quilômetros a sudoeste de Jerusalém. Ali, não longe de casa, ele foi morto. O autor sacro poupa-nos dos detalhes, sem nos dizer “como” isso sucedeu. Josefo diz-nos “de maneira particular” , isto é, não publicamente, mas em algum ambiente fechado, provavelmente com um punhal ou com uma espada [Antiq. 1.9, cap. 9, sec. 3). Foi assim que se somou outro assassinato à lista interminável na história dos reis de Israel e Judá. 14.20 Trouxeram-no sobre cavalos. O cadáver do rei Amazias foi trazido de voUa a Jerusalém, sobre cavalos; mas seu espírito subiu para Deus, que o dera (ver Eclesiastes 12.7). Na verdade, o rei Amazias continuou a sua vida, enquan­ to seu corpo apodrecia no túmulo. A Amazias foram conferidas as honras devi­ das a um rei de Judá, sepultado nos túmulos dos reis, juntamente “com seus pais”. Na cidade de Davi. Neste caso, em Jerusalém. Davi foi o primeiro governante de Israel naquele lugar; ele foi sepultado ali, e depois foram sepultados os demais

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reis de Judá, que viveram após ele. Ver no Dicionário o verbete intitulado Sepulta-

mento, Costumes de. A morte tem mil portas que deixam a vida sair; Acharei uma delas. (Philip Massinger) 14.21 Uzias. O novo rei foi Uzias (ver a respeito no Dicionário), que começou a reinar com somente dezesseis anos de idade. Ver no Dicionário os artigos chamados Rei, Realeza e Reino de Judá, quanto a detalhes sobre os reis, seus tempos de reinado e sumários de seus labores, guerras e estado espiritual de cada um deles. O relato paralelo (II Crônicas 26.1), na maioria das versões, é o trecho que contém a forma “Uzias”, enquanto aparece neste presente versículo seu outro nome, Azarias. Essa variante deriva-se da omissão de uma única letra (consoante) e de diferentes sinais vocálicos no hebraico. A língua hebraica, em sua forma escrita, não continha as vogais. Ver os artigos no Dicionário intitulados Hebraico e Manuscritos do Antigo Testamento. Ver também II Reis 15.1 quanto ao problema cronológico que envolve o nome ae Azarias ou Uzias. Ele começou a reinar em cerca de 767 A. C., isto é, quando começou a reinar sozinho. Talvez parte de seu tempo como rei ele tenha passado em co-regência com seu pai, desde que seu pai fora feito prisioneiro pelo rei de Israel, por algum tempo (não especificado). Na ausência de seu pai, o jovem rei já estava governando. 14.22 Ele edificou Elate. O autor sagrado estava com pressa de contar como Uzias edificou Elate, portanto relatou primeiro esse feito. È só começou sua narrativa sobre Uzias em II Reis 15.1 ss., pelo que, por assim dizer, pôs uma importante informação na frente de seu relato. Primeiramente ele narra as questões sobre Jeroboão II, de Israel, para depois retomar a Uzias. Mas a estranha posição deste versículo, no entanto, pode dever-se a um manuseio desajeitado dos materiais informativos. Ver no Dicionário o artigo intitulado Elate. Modernamente, essa cidade chama-se Ácaba, localizada no fundo do braço nordeste do mar Vermelho. Uzias capturou a cidade, edificou-a e fortificou-a, transformando-a em um porto para o comércio marítimo com o Oriente, o que, naturalmente, incluiu Ofir e toda a região em derredor. O porto pertencia a Edom (ver Deuteronômio 2.8; I Reis 9.26). Davi, provavelmente, conquistou a cidade no ponto culminante de seu reinado, e Judá anexou-a a seu território nos dias de Davi e Salomão. Ver II Samuel 8.14; I Reis 9.26 e II Crônicas 8.17. Quanto a maiores detalhes a respeito, ver aquele artigo. Foi assim que Uzias renovou, até certo ponto, o comércio marítimo que fora tão impor­ tante e lucrativo nos dias de Salomão. Israel era um povo que vivia à beira-mar, mas não era um povo voltado para o mar. Apenas ocasionalmente o povo de Israel desenvolveu o comércio marítimo, e sempre com a ajuda de estrangeiros. Israel não tinha a ciência necessária para atirar-se a essa aventura sozinho. Jeroboão II, Rei de Israel (14.23-29) Em consonância com sua norma de apresentar relatos paralelos, o autor sagrado agora nos leva de volta a Israel. Ele não apresentou primeiramente a lista dos reis de Israel, com a descrição dos seus governos, para depois dar a lista dos reis de Judá, com a descrição dos seus governos. Pelo contrário, saltava para cá e para lá, entre Israel e Judá, apresentando os relatos em uma ordem cronológica aproximada. Sobre essa prática, ver as notas expositivas sobre I Reis 16.29. Em II Reis 15.1 ss., o autor sacro retorna a Judá e ao rei Uzias. Jeroboão II foi um dos mais bem-sucedidos reis de Israel, se usarmos o critério do sucesso militar e da extensão de territórios. Espiritualmente falan­ do, porém, ele foi apenas outro desastre na história de Israel. Ele tirou vanta­ gem da fraqueza da Síria-Damasco, depois de Adade-Nirari III, da Assíria, têla subjugado, em 805 A. C. Ele estendeu seu território até o extremo norte, chegando à tradicional fronteira nortista, ou sejar, a entrada de Hamate, o limite norte do reino de Salomão (I Reis 8.65). O mar de Arabá é o mar Morto, sendo Arabá a depressão que se estende do vale do Jordão ao mar Morto. Outra parte dessa mesma depressão aparece na África Oriental, no lago Tanganica e no vale da Fissura. Quanto a informações completas, ver o artigo sobre Jeroboão II, no Dicionário. Ver o Pacto Abraâmico, em Gênesis 15.18 que inclui informações sobre as fronteiras ideais de Israel, conforme lhe foram prometidas. O ideal até hoje não se concretizou, mas Salomão e Jeroboão II andaram perto desse alvo. 14.23 No décimo quinto ano de Amazias... começou a reinar em Samaria Jeroboão. Relatos Paralelos. O autor sagrado, como lhe era usual, comparou o

começo do reinado do rei Jeroboão II com a cronologia do reino de Judá, contemcorâneo dele. Quanto a esse modo de apresentação ver as notas em I Reis 16.29. Jeroboão II começou a reinar no décimo quinto ano do reinado de Amazias, rei de Judá. Ele nos falará sobre o reinado desse homem em II Reis 15.1 ss. Jeroboão II tinha servido como co-regente com seu pai, Jeoás, de 793 a 782 A. C. O décimo quinto ano de Amazias marcou o primeiro ano do reinado exclusivo de Jeroboão II, em cerca de 782 A. C. Jeroboão II reinou por longo tempo, nada menos de quarenta e um anos (793-753 A. C.), que foi mais tempo do que o reinado de qualquer outro rei de Israel. Trinta anos após o fim do reinado de seu filho, Zacarias (que estava no trono fazia apenas seis meses), o reino do norte (Israel) deixou de existir como nação, por meio do cativeiro assírio (ver a esse respeito no Dicionário). Portanto, Jeroboão II nos levou quase ao fim do reino de Israel. Jeroboão II reteve Samaria como a sua capital, a qual fora a capital de Israel desde os tempos de Onn. 14.24 Fez o que era mau perante o Senhor. Espiritualmente falando, Jeroboão II foi apenas mais um desastre na história de Israel. Ele tolerou e participou das formas usuais (e variegadas) de idolatria que fizeram a nação de Israel apostatar. Seguiu o mau exemplo de Jeroboão I, que se tornou o padrão para avaliar a natureza dos reis de Israel. Esse homem tanto pecou como levou Israel a pecar, obrigando a nação a seguir o seu mau exemplo, e promoveu os santuários idóla­ tras que ele estabelecera em Betei e em Dã. Quanto a notas desse informe sobre Jeroboão I, ver I Reis 15.26 e 16.2. Ver I Reis 12.28 ss., quanto à instituição da idolatria em Israel, por parte de Jeroboão. 14.25 Já dei as informações essenciais sobre as declarações deste versículo na introdução ao versículo 23 (começo da presente seção), portanto não as repito aqui. Meu artigo sobre Jeroboão II adiciona detalhes de seu poder, que restaurou as fronteiras tradicionais do norte de Israel, quase até o rio Eufrates, o que somente Salomão tinha conseguido, antes dos dias de Jeroboão II. De Hamate até ao mar da planície. Ver sobre esses locais no Dicionário. Jonas, filho de Amitai, o profeta. É provável que esse seja o Jonas do livro de seu nome, embora não se possa provar essa contenção. Nada se sabe acerca dele. O que se supõe está contido no artigo sobre ele, no Dicionário. Gate-Hefer (ver no Dicionário) era uma cidade do território de Zebulom (ver Josué 19.13). É uma curiosidade histórica que Jonas tenha vindo da Galiléia, o que os escribas e fariseus no tempo de Jesus disseram que não poderia acontecer (ver João 7.52). Gate-Hefer ficava a poucos quilômetros ao norte de Nazaré. O livro de Jonas é o João 3.16 do Antigo Testamento, e essa é outra ligação entre Jonas e Jesus, o Cristo. Mais do que qualquer outro livro do Antigo Testamento, o livro de Jonas ilustra o amor universal de Deus por todos os povos, e que se estende até a vida animal (Jonas 4.11)1 Jonas predisse as vitórias e a expansão de Israel, o que serviu de encorajamento a todos. 14.26 Viu o Senhor que a aflição de Israel era mui amarga. A misericórdia de Yahweh estava ativa em favor de Israel, dando ao povo de Deus um alivio dos assédios contínuos dos seus adversários, especialmente da Síria, ao norte. A misericórdia de Yahweh combinou o poder de Adade-Nirari III, da Assíria, e de Jeroboão II, para dar a Israel vitórias e um território maior, que removeu as ameaças estrangeiras, por algum tempo, para mais longe. Mas o cativeiro assírio estava realmente próximo e poria fim ao reino do norte (722 A. C.). Israel estava solitário e impotente (cf. Deuteronômio 32.36) até que Yahweh interveio em seu favor. Algum alivio havia sido conseguido por meio de Jeoacaz (ver II Reis 13.22­ 25), mas esse alívio aumentaria muito nos dias de Jeroboão II. Jonas foi usado para encorajar Israel, dando profecias sobre vitórias militares, expansão e paz. “Deus enviou Jonas para encorajar os israelitas e assegurar-lhes dias melhores. Ele foi o primeiro dos profetas, depois de Samuel, cujos escritos foram preserva­ dos" (Adam Clarke, in loc.). 14.27 Ainda não falara o Senhor em apagar o nome de Israel de debaixo do céu. Israel, tremendamente reduzido e sob assaltos constantes, estava ameaça­ do de extinção. Isso logo viria, através do cativeiro assírio; mas antes disso, por algum tempo, haveria vitória e alívio. Depois disso, o profeta Oséias (1.4,9) decla­ rou a obliteração da nação de Israel, mas nenhum profeta tinha feito tal declara­ ção até a escrita do presente versículo. Essa horrível predição cumpriu-se no tempo de Oséias, rei de Israel (capítulo 17 de II Reis). Jeroboão II foi um instru-

II REIS mento para adiar, por algum tempo, a terrível e inevitável sorte da apostatada nação de Israel. Apagar o nome. A figura simbólica, aqui usada pelo autor sagrado, é a de apagar o nome de um cidadão de uma cidade, do livro de cidadãos daquela localidade. Esse ato significava: “Tal pessoa não mais existe”. Ver Números 5.23 quanto a esse simbolismo. Ver Apocalipse 13.8 quanto ao emprego espiritual dessa metáfora. Deus tem seu livro da vida. Os nomes dos retos não são apaga­ dos desse livro, pelo que obtêm a salvação. 14.28 Quanto aos demais atos de Jeroboão. Como lhe era usual, o autor sagra­ do usa sua nota de obituário padrão. Ele nos fala aqui sobre a fonte informativa (a principal) que ele usara em suas narrativas, as Crônicas dos Reis de Israel e Judá. Ver I Reis 14.19 quanto a notas sobre essa observação. Ele menciona a mais significativa realização de Jeroboão II, ou seja, o fato de que ele estendeu os territórios de Israel até sua fronteira norte tradicional, o que significa que ele obteve vitória na guerra e deu descanso a Israel (vs. 27). No versículo 25 já tínhamos recebido essa informação, a qual é comentada ali. Pertencentes a Judá. Aqueles territórios do extremo norte de Israel nunca tinham pertencido a Judá, exceto no sentido de que, no reino unido, Israel e Judá chegaram a possuí-los, no tempo de Salomão. As palavras “pertencentes a Judá” constituem provavelmente um deslize da pena do autor original ou de algum escriba subseqüente. A versão siríaca omite aqui as palavras “a Judá", e algumas traduções modernas seguem isso como uma concordância com a verdade, mes­ mo que não concorde com o texto hebraico. Algumas vezes, as versões são mais corretas do que o texto massorético. Ver no Dicionário o artigo chamado Massora (Massorah); Texto Massorético, bem como o verbete Manuscritos do Antigo Tes­ tamento. Mas alguns intérpretes conjecturam que, em algum período da história, Judá tinha controlado aqueles territórios do extremo norte, embora não haja ne­ nhum registro disso, nem na Bíblia nem na história profana, ^alvez Judá repre­ sentasse todo o Reino Unido, sendo essa a mais poderosa das tribos de Israel no tempo de Salomão. Mas dizer isso é apenas outra conjectura. 14.29 Descansou Jeroboão com seus pais. Essa nota de obituário é a forma comum pela qual o autor sagrado terminava suas narrativas acerca de um rei qualquer. Ver sobre essa fórmula em I Reis 1.21 e 16.5,6. Quanto à morte retratada como um “dormir (ou descansar) com os pais", ver I Reis 1.21. Foi assim que Jeroboão II, após seu longo reinado de quarenta e um anos, final­ mente morreu; e Zacarias, seu filho, tomou o lugar dele no trono de Israel. Seremos informados sobre o reinado de Zacarias em II Reis 15.8-12; mas primeiramente o autor sagrado queria falar sobre o reinado de Azarias, rei de Judá (ver II Reis 15.1-7). Zacarias foi o rei da quarta geração depois de Jeú, pelo que essa dinastia continuou exatamente pelo período que havia sido predito sobre ela. Ver II Reis 10.30. Mas com Zacarias essa dinastia terminaria, e então seria quase o tempo de terminar o reino do norte, Israel, que continuou apenas mais trinta anos depois de Zacarias.

C a p ítu lo Q u in ze Azarias, Rei de Judá (15.1-7) O autor sagrado havia apresentado Zacarias (rei de Israel), filho de Jeroboão II, que foi o quarto e último rei da dinastia de Jeú. Ver II Reis 14.29. Mas antes de falar sobre Zacarias, ele salta novamente para o reino de Judá e fala sobre Azarias. Isso estava em consonância com seu modo de apresentação das narrati­ vas paralelas. Ele não alistou primeiramente todos os reis de Israel, para então descrevê-los, e depois todos os reis de Judá, para em seguida descrevê-los. Antes, saltou para Israel e para Judá, dando-nos histórias postas em ordem mais ou menos cronológica. Quanto a esse modo de apresentar o material, ver I Reis 16.29.

Espiritualmente falando, Azarias foi um rei relativamente bom, tendo preser­ vado o yahwismo em Jerusalém e o culto no templo, em harmonia com a legisla­ ção mosaica; mas, seguindo de perto quase todos os reis de Judá, ele não removeu os santuários locais dos lugares altos (versículo quarto). Por causa desse pecado, Yahweh o afligiu com lepra, ou com alguma outra enfermidade cutânea genericamente chamada, em hebraico, de sara’at. Não havia muita coisa para um historiador bíblico dizer sobre esse rei, e o autor não inventou coisa alguma, de modo que o relato de sua vida e governo é breve.

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15.1 No ano vinte e sete de Jeroboão... começou a reinar Azarias. Em conso­ nância com o método de apresentação de relatos paralelos (ver a introdução, acima), o autor sacro informa-nos que Azarias começou a reinar no vigésimo sétimo ano do governo de Jeroboão II, rei de Israel. Cf. II Reis 14.2,17,23. Certos eruditos pensam que algum erro na cronologia torna-se evidente, e que os vinte e sete anos deveriam transformar-se em quinze. Tais erros, se é que eles são mesmo erros, usualmente são explicados supondo-se que as co-regências te­ nham lançado os números de governo dos reis de Israel e de Judá na confusão, pois podia-se dizer que certo homem começou seu governo em determinado ano (quando então ele era apenas um co-regente) e em um ano diferente (quando começou a governar sozinho). Essa é a maneira como a discrepância tem sido explicada neste caso. “O vigésimo sétimo ano da co-regência de Jeroboão II com Joacaz foi 767 A. C. Naquele ano, Azarias começou a governar Judá como governante único. Ele tinha servido previamente como rei, no lugar de seu pai, quando este estava aprisionado em Israel, como seu co-regente, depois que Amazias retomou a Judá. Azarias tinha dezesseis anos de idade quando iniciou sua co-regência (em 790 A. C.), e reinou por um total de cinquenta e dois anos (793-739 A. C.), em Jerusalém" (Thomas L. Constable, in loc.). Esse foi o maior reinado que um rei teve em Israel ou Judá.

Uzias. Esse era o nome alternativo de Azarias. Ver os versículos 13, 30,32 e 34; II Crônicas 26; Isaías 1.1; Amós 1.1 e Zacarias 14.5. Quanto a como surgiu essa forma variante do nome, ver as notas expositivas em II Reis 14.21. Azarias ou Uzias é mencionado em duas inscrições fragmentárias de TiglatePileser II (745-727 A. C.). As notícias dessas inscrições, naturalmente, falam sobre guerras efetuadas com resultados favoráveis da Assíria contra a Síria, e mencionam o rei de Judá em conexão com essa guerra. 15.2

O Reino Mais Longo de Todos. De acordo com o livro de II Crônicas, Azarias teve um reinado longo e bem-sucedido. Além disso, ele alcançou notável recorde: reinou por mais tempo do que todos os demais reis de Israel e de Judá: cinqüenta e dois anos! Ver o paralelo em II Crônicas 26, quanto a alguns detalhes que não são dados nos livros dos Reis. Ver o artigo sobre ele no Dicionário, quanto aos detalhes, e ver também Reino de Judá, IV.10. 15.3,4

Estes dois versículos são virtualmente iguais a II Reis 14.3,4, exceto pelo fato de que aqueles versículos se aplicam a Amazias (o pai de Azarias), ao passo que estes se aplicam ao próprio Azarias. A exposição no capítulo 14 serve para ilustrar a presente passagem. Ali, devemos notar, Davi aparece como o rei ideal, cujo exemplo Amazias não seguiu de modo completo. Amazias, por sua vez, seguiu o exemplo deixado por seu pai, o que nos leva a compreender que ele também fracassou em seguir o ideal davídico. O interesse do autor sacro, em ambos os casos, é o lado espiritual dos reinados dos dois homens, e não quão bem eles fizeram guerra, ou, de alguma outra maneira, beneficiaram Judá. Outras considerações eram apenas secundárias diante do interesse espiritual, e a avalia­ ção espiritual quase sempre aparece em primeiro lugar. Quanto a suas realizações no campo de batalha, ver o paralelo em II Crôni­ cas 26.5-22. Essa passagem também fala em atividades de edificações e, final­ mente, de sua arrogância e queda. Somente no tempo de Ezequias os lugares altos foram demolidos. 15.5 E este ficou leproso até ao dia da sua morte. No hebraico a palavra

sara'at é usada para designai várias enfermidades da pele, incluindo a lepra genuína, mas, quando esse termo é usado, nunca podemos ter certeza se a verdadeira lepra está em vista. Quanto a notas completas sobre esse vocábulo hebraico e suas implicações, ver a introdução ao capítulo 13 de Levítico. O trecho paralelo de II Crônicas 26.16-21 diz-nos por que o rei Azarias ou Uzias contraiu essa enfermidade, sem importar qual ela tenha sido. Ele entrou no templo e queimou incenso, algo que a legislação mosaica proibia. Somente os sacerdotes devidamente autorizados podiam fazer isso. Quando foi assim ataca­ do pela presunção e pela arrogância, o rei, de súbito, foi ferido por alguma praga, mediante o poder de Yahweh. A palavra hebraica sara’at era um termo vago e algumas vezes enganador, tal como a ciência médica dos hebreus era vaga e enganadora. O que não foi vago foi o fato de que alguma espécie de praga afligiu o rei Uzias, por causa de sua insolência. Ver o trecho paralelo quanto a detalhes e referências que se relacionam ao caso e à sara 'at. Ver Êxodo 30.7,8 quanto às restrições da lei mosaica concernentes ao emprego do incenso. Cf. Números 16.35. Quanto a outros castigos divinos através da sara'at, ver os casos de Miriã (Números 12.10) e Geazi (II Reis 5.27).

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Habitava numa casa separada. Os leprosos comuns (ou vítimas da sara’af) eram separados da congregação de Israel (Números 12.14,15). pois eram consi­ derados física e espiritualmente imundos (ver Levítico 13.12,17). Ver também Levltico 13.45,46 quanto à lei acerca da separação. O rei, contudo, foi isentado do tratamento comum e do isolamento em que viviam os leprosos, e foi-lhe permitido viver em sua própria casa, embora separadamente. Ele por certo não circulava na sociedade em geral, mas podemos estar certos de que vivia uma vida plena, livre de preocupações, exceto, naturalmente, que sua praga o deixava vexado diaria­ mente. Há uma tradição judaica que coloca sua casa separada entre os sepulcros (Talmude Hieros. apud Jarchium, ao comentar sobre o presente texto). Mas isso não passa de tolice. A Bíblia também não nos informa onde se localizava essa casa. É possível que ficasse fora dos portões da cidade. Nesse caso, o rei tinha sua própria “casa campesina” particular, onde se mantinha em exílio. Ele viveu ali até morrer, conforme o presente versículo deixa claro. O filho do rei, Jotão, tomou seu lugar. Talvez Azarias tenha vivido mais treze anos, sendo também provável que ele exercesse alguma influência sobre as questões do reino, apesar de seu triste estado de leproso.

Josefo (Antiq. 1.9, cap. 11, sec. 1). Muito provavelmente havia um movimento popular contra o rei, e esse homem satisfez o populacho ao assassinar o rei. Foi assim que a dinastia de Jeú (que durou quatro gerações) terminou pela violência contra seu quarto descendente em linha direta. Essa dinastia recebeu permissão de ir tão longe porque Jeú havia libertado Israel do baaiismo, mas foi cortada na quarta geração porque permitiu que continuassem outras formas de idolatria, incluindo aquela variedade especial instituída por Jeroboão, primeiro rei de Israel. Ver II Reis 10.30. Feriu-o diante do povo. O assassinato, ao que tudo indica, ocorreu durante alguma assembléia pública, e as indicações são de que isso agradou ao povo, que estava muito descontente com Zacarias como rei. No ano de 747 A. C., dois reis de Israel foram assassinados e quatro reis sentaram-se no trono. Foi um período de anarquia. Após a morte de Jeroboão II, o reino de Israel perdurou ainda por menos de trinta anos, talvez vinte e três anos. Seis reis foram entronizados e cinco deles foram assassinados. Somente Pecaías teve alguma paz, e, no entanto, com mais dois anos, ele também acabou sendo assassinado. A cesta de frutos inteira (uma metáfora utilizada por Amós) entrou em decomposição. Ver Amós 8.2.

15.6,7 15.11 Estes dois versículos nos fornecem a nota de obituário usual, que o autor sempre empregou para encerrar suas histórias sobre os reis de Israel e de Judá. Cf. II Reis 14.15,16; veras notas expositivas em I Reis 1.21 e 16.5,6. Ver I Reis 14.19 quanto à fonte informativa da composição do autor sacro, o Livro das Crônicas dos Reis de Israel e Judá. Quanto ao eufemismo para a morte, “dormiu (descansou) com seus pais”, ver as notas em I Reis 1.21. “Esse obituário costumeiro quanto ao rei de Judá não dá nenhuma indicação da nova prosperidade que o período de Amazias-Azarias desfrutou. Ver II Crôni­ cas 26.1-15. O ano da morte do rei foi o ano da chamada de Isaías para ser um profeta do Senhor (Isaías 6.1-6)” (Norman H. Snaith, in loc.). O capítulo 26 de II Crônicas menciona realizações essencialmente deixa­ das de fora em II Reis. Uzias estendeu seus territórios para o sul, até Ela te (ver II Reis 14.22); ele fez os amonitas pagar tributo (II Crônicas 26.8); ele derrotou os filisteus (II Crônicas 26.6,7); ele fortificou Jerusalém e Judá (II Crônicas 26.9,10,15); ele reorganizou o exército de Judá (II Crônicas 26.11­ 14); mas o orgulho e a arrogância lhe provocaram uma queda relativa (II Crônicas 26.16-21). Zacarias, Rei de Israel (15.8-12) O autor sagrado, seguindo seu modo de apresentação de relatos paralelos, faz nossa atenção voltar-se de novo para Israel, tendo apenas terminado a descri­ ção de um rei de Judá. Quanto a esse método de relatos paralelos, mediante o qual o autor sagrado produzia suas narrativas, ver I Reis 16.29. Os versículos 8­ 12 deste capítulo sumariam de modo breve o curto reinado (seis meses) de Zacarias. Praticamente coisa alguma é dita, mesmo porque nada havia por contar. Mas somos informados de que, durante esse breve espaço de tempo, ele conse­ guiu continuar as corrupções da idolatria de seus pais, deixando assim uma marca escura no registro de sua vida. 15.8 No ano trinta e oito de Azarias... reinou Zacarias, filho de Jeroboão, em Israel. Zacarias reinou apenas por ridículos seis meses, em contraste com os fantásticos cinqüenta e dois anos do governo de Azarias. A capital de Zacarias, como de todos os reis do norte, desde que o reino do norte, Israel, se separou do sul, Judá, era Samaria. Esse rei sucedeu Jeroboão II (seu pai), em 753 A, C. Ele teve tempo de praticar o mal, mas não de praticar o bem. 15.9 Fez o que era mau perante o Senhor. Nada houve de importância, nos campos político, militar ou econômico, para ser relatado. Espiritualmente, porém, Zacarias caiu na mesma armadilha em que haviam caído seus antecessores. Ele promoveu aquela mesma variedade de idolatria em que a nação de Israel estava atolada até o pescoço. Ele promoveu o mesmo tipo de idolatria que Jeroboão, primeiro rei de Israel, havia instituído, a adoração ao bezerro, em Dã e Betei, cujo intuito era impedir que seu povo fosse a Jerusalém para adorar. Isso, presumivelmente, consolidaria a separação entre a nação do norte, Israel, e a nação do sul, Judá, que Jeroboão ansiava por preservar. Jeroboão, primeiro rei de Israel, pois, pecou e fez Israel pecar. Ver I Reis 12.28 ss.; 15.26; 16.2; II Reis 14.24. 15.10 Salum, filho de Jabes. Quanto ao que se sabe sobre ele, ver o Dicionário. Sem dúvida, foi um alto oficial, militar ou civil, um “amigo” do rei, conforme disse

Quanto aos demais atos de Zacarias. Este versículo, que faz parte da nota costumeira de obituário, diz-nos que os atos de Zacarias foram registrados em uma das obras informativas usadas pelo autor sagrado, o Livro das Crônicas dos Reis de Israel e Judá. Ver as notas em I Reis 14.19. Essa declaração é feita acerca de quase todos os reis de Israel e de Judá, conforme as notas informativas ali o demonstram. O autor sacro, no caso de Zacarias, deixou de lado a outra parte do obituário, que diz que os reis “descansaram com seus pais”. Quanto a isso, ver I Reis 1.21. Quanto a notas sobre a nota comum de obituário, ver I Reis 16.5,6. 15.12

Cumprimento de uma Profecia. A dinastia de Jeú teria cinco representantes no trono, ele e quatro de seus descendentes. Duraria todo esse tempo porque Jeú livrara Israel do baaiismo. Mas terminaria na quarta geração dele, porque a obedi­ ência de Jeú havia sido apenas parcial. Ele permitiu a continuação de outras formas de idolatria, sobretudo a variedade de Jeroboão, ou seja, a adoração ao bezerro, posto em Dã e Betei (I Reis 12.28-30). Quanto à profecia concernente à dinastia de Jeú, ver II Reis 10.30. Ver no Dicionário os artigos denominados Rei, Realeza e Israel, Reino de, quanto a uma lista de reis de Israel e breves descri­ ções sobre seus governos. Os reis dessa dinastia foram: Jeú, Jeoacaz, Joás, Jeroboão II e Zacarias. Salum, Rei de Israel (15.13-15) O assassino do rei Zacarias (vs. 10) tornou-se o novo rei. Foi assim que terminou a linhagem real de Jeú. O assassino também seria assassinado (ver o vs. 14 deste capítulo). Outros homicídios se seguiram, e o país mergulhou no caos e na anarquia. Salum foi rei apenas durante um mês! O governo dele foi o segundo mais curto da história de Israel. Zinri foi rei apenas por sete dias (I Reis 16.15-20). 15.13 Salum... começou a reinar no ano trinta e nove de Uzias. Seguindo seu costume de apresentar relatos paralelos, o autor sagrado descreveu cronologica­ mente o rei Salum e o rei de Judá, Uzias ou Azarias. Quanto a essa maneira de apresentação, ver as notas expositivas sobre I Reis 16.29. Salum, pois, começou a reinar no trigésimo nono ano do governo de Uzias. Foi-lhe dado governar apenas um mês, pelo que o autor sacro nem foi capaz de dizer-nos se ele continuou a idolatria de Israel e fez o mal perante o Senhor, pois Salum não teve tempo de praticar o bem ou o mal, embora seu reinado tenha começado através do mal imenso do assassinato. Esse homem foi um usurpador, e não teria dinas­ tia. Seu filho não o sucedeu no trono. 15.14 Menaém... veio a Samaria, feriu ali Salum. O assassino foi morto pelo general militar (conforme disse Josefo, Antiq. 1.9, cap. 11, sec. 1) de nome Menaém (ver a respeito dele no Dicionário) Isso posto, Menaém tornou-se o próximo rei de Israel. Parece que o homem estava assediando a cidade de Tirza. O texto não nos diz que ele nascera ali, e permanece duvidoso o motivo por que o lugar é mencionado. Seja como for, ouvindo que Zacarias fora assassinado, Menaém apressou-se a ir de Tirza a Samaria e, sem demo­ rar e sem consultar ninguém, simplesmente matou o assassino. Salum era um

II REIS usurpador que precisava ser executado. Tirza ficava apenas a dezenove qui­ lômetros da capital do país, Samaria. E isso significa que o ato de Menaém foi realizado em bem reduzido tempo.

1525

artigo Pesos e Medidas, ponto VII, especialmente IV.A, que fala sobre o “talento”, Não há como calcular isso no poder de compra das moedas modernas, e dizer dois milhões de dólares, conforme faz uma de minhas fontes informativas, não é dizer muito de significativo. O peso envolvia trinta e sete toneladas de prata.

15.15 15.20 Quanto aos demais atos de Salum. Um pouco mais de informações sobre Salum estava à disposição do leitor, se ele tivesse qualquer desejo de investigar a respeito, no Livro das Crônicas dos Reis de Israel e de Judá, uma das fontes informativas de que o autor sagrado lançou mão ao escrever seus relatos acerca dos reis de Israel e de Judá. Esse livro não era um dos livros canônicos, embora tenha fornecido muitos subsídios para alguns dos livros canônicos. Ver a respeito em I Reis 14.19. Os detalhes sobre a conspiração de Salum estavam contidos naquele livro, que o autor dos livros de Reis não se interessou em passar adiante para o leitor. Menaém, Rei de Israel (15.16-22) A Bíblia nos informa muito pouco sobre esse homem. Josefo adiantou que ele foi um general militar. Talvez Zacarias o tenha enviado a Tirza, a fim de abafar ali uma rebelião popular, que não queria ter Zacarias como rei. Na ausência dele, o rei foi morto, pelo que ele se apressou a voltar a Samaria, e prontamente tirou a vida do assassino (vs. 14). Quanto ao que se sabe e que se tem conjecturado sobre esse rei de Israel, ver o artigo detalhado sobre ele, no Dicionário. Contudo, Menaém continuou na apostasia de Israel, e o cativeiro assírio agora estava a não mais de vinte anos à frente. Isso poria fim, definitivamente, à nação de Israel e à sua apostasia. 15.16 Menaém feriu Tifsa. Imediatamente Menaém arquitetou mais mortes, espe­ cialmente porque seu governo sofria oposição ali. Assim sendo, ele varreu Tifsa e Tirza, e suas região ao redor. Ele fez uma guerra cruel e sem quartel, chegando a rasgar pelo ventre as mulheres grávidas daquelas região, o que constituía um ato dos mais cruéis das guerras antigas. Isso é mencionado em II Reis 8.12; Oséias 13.16 e Amós 1.13. Esses atos de insensata brutalidade tinham por propósito intimidar as pessoas, levando-as a se submeterem ao governo do ditador.

De todos os poderosos e ricos. Para pagar esse dinheiro, conforme TiglatePileser exigiu, o rei de Israel teve de taxar seus mais ricos cidadãos, tirando de cada um cerca de trinta e cinco dólares (conforme declara uma de minhas fontes informativas), ou seja, cinquenta siclos de prata. Ver sobre o siclo no artigo cha­ mado Dinheiro, segundo ponto, no Dicionário, e também sobre Pesos e Medidas, seção VII, especialmente IV.c. Tendo recebido seu suborno, pelo menos por algum tempo a maré assíria foi contida. Tiglate-Pileser retornou à Assíria. No entanto, o exército assírio voltaria para dar fim a Israel (o reino do norte). Mais tarde, em cerca de 597 A. C., a Babilônia levaria Judá ao cativeiro. Mas desse cativeiro voltaria um remanescen­ te, dando a Judá um novo começo, que passou a chamar-se Israel. Ver os artigos do Dicionário chamados Cativeiro Babilónico e Cativeiro (Cativeiros). 15.21-22 Descansou Menaém com seus pais. Agora o autor sagrado nos dá a costu­ meira notícia de obituário, usada para encerrar as histórias de quase todos os reis de Israel e de Judá. Quanto a notas expositivas completas a esse respeito, ver I Reis 1.21 e 16.5,6. Ver o eufemismo sobre a morle “dormiu (descansou) com os pais", em I Reis 1.21. Quanto a notas sobre a obra informativa usada pelo autor sagrado, Livro das Crônicas dos Reis de Israel e de Judá, ver I Reis 14.19. Esse livro é mencionado nas notas dos obituários de quase todos os reis. Pecaías, seu filho, reinou em seu lugar. Visto que essa dinastia só consis­ tiu em dois reis, Menaém e Pecaías, ela foi bem curta. A história de Pecaías é contada nos versículos de 23 a 26 deste capítulo. O reino que fora usurpado mediante um assassinato permaneceu na família pouco tempo a mais do que no caso de Salum. Pecaías também terminou seus dias assassinado. A anarquia era o verdadeiro governante de Israel durante aqueles tempos atribulados. Pecaías, Rei de Israel (15.23-26)

15.17

Relatos Paralelos. O autor sacro vincula o governo de Menaém ao governo de Azarias, de Judá, ao afirmar que ele começou a governar no décimo terceiro ano do governo de Azarias. Quanto a esse modo de apresentação, ver as notas em I Reis 16.29. Esse método é empregado em praticamente todas as narrativas sobre os reis de Israel e de Judá. Menaém governou durante dez anos (752-742 A. C.), e se tornou o cabeça de uma dinastia muito curta, que teve apenas um sucessor no trono, seu filho Pecaías.

Esse homem só conseguiu governar por dois anos em Samaria, capital do reino do norte (742-740 A. C.), pois no fim desse tempo foi assassinado. Isso pôs fim à dinastia de Menaém. O caos passou a governar. A anarquia era a ordem do dia. Esse homem não teve tempo para fazer nenhum bem, mas conseguiu levar avante a apostasia de Israel, especialmente imitando Jeroboão, o primeiro dos reis de Israel, o qual levou a nação a pecar, adorando seu bezerro, colocado em Dã e Betei. 15.23

15.18 Menaém, juntamente com a maioria dos sucessores de Jeroboão, primeiro rei de Israel, continuou com a apostasia iniciada por aquele homem. Este versículo é virtualmente igual ao versículo nono deste capítulo. Ver as notas expositivas ali. O mau exemplo de Jeroboão, primeiro rei de Israel, foi consistentemente seguido por seus sucessores, e assim a apostasia, em Israel, tornou-se permanente. A força do exemplo, quer o bom, quer o mau, é uma coisa poderosa. Ver o artigo detalhado na Enciclopédia de Bíblia, Teologia e Filosolia chamado Exemplo. Ver Mateus 23.15 quanto ao mal em se fazer outras pessoas pecar.

Começou a reinar Pecaías. Ver sobre ele no Dicionário, quanto ao que se sabe e que se tem conjecturado acerca dele. O autor sagrado apresentou narrati­ vas paralelas sobre os reis de Israel e de Judá. Ele não fez primeiramente uma lista dos reis de Israel e os descreveu, e depois seguiu o mesmo procedimento no caso de Judá. Antes, saltou para cá e para lá, entre os dois reinos, seguindo uma ordem cronológica aproximada. Quanto a esse modo de apresentação ver I Reis 16.29. Portanto, seguindo esse modus operandi, o autor sacro diz-nos que Pecaías começou a reinar no décimo quinto ano do reinado de Azarias, rei de Judá. Ele reteve Samaria como sua capital, a qual Onri construíra para ser a capital do seu reino do norte, Israel.

15.19 15.24 Então veio Pul, rei da Assíria, contra a terra. A Assíria torna-se o látego de Deus contra Israel. Foi o começo do fim. A Assíria doravante começaria a prestar atenção em Israel, e a fazer seus avanços iniciais. Isso terminaria no cativeiro assírio (ver a respeito no Dicionário). Israel estava prestes a desaparecer como nação. Os eruditos têm identificado esse homem como Tiglate-Pileser. Há um artigo detalhado sobre ele no Dicionário. Ele reinou por dezoito anos na Assíria, entre 745 e 727 A. C. Neste versículo, pois, temos a primeira menção, nos livros dos reis, sobre os monarcas do império assírio, que poriam fim ao reino do norte, Israel. Pul foi um dos mais fortes e bem-sucedidos governantes da Assíria. A invasão preliminar de Israel ocorreu nessa época (cerca de 743 A. C.) embora o cativeiro tenha ocorrido em cerca de 722 A. C. Tiglate-Pileser obteve muitas vitórias em muitos lugares, e não dou aqui essa informação, visto que ela está contida no Dicionário. A fim de manter o lobo distante da porta de entrada, Menaém foi forçado a pagar uma enorme soma de dinheiro, mil talentos de prata. Ver no Dicionário o

Fez o que era mau perante o Senhor. Encontramos aqui a declaração padronizada que diz como os reis de Israel continuaram o tipo de idolatria que Jeroboão, primeiro dos reis de Israel, havia instituído em sua nação do norte, a adoração ao bezerro, em Dã e Betei. Ver as notas expositivas sobre isso em I Reis 15.26 e 16.2. Ver I Reis 12.28 e ss., quanto à história sobre como Jeroboão introduzira essa corrupção em Israel. Ele estabelecera seu culto religioso alterna­ tivo para impedir que os cidadãos do reino do norte fossem para o sul, para irem às assembléias anuais, no templo de Jerusalém. Tais peregrinações, segundo Jeroboão, enfraqueceriam a sua autoridade e talvez anulassem o cisma entre o norte e o sul, que se tinham tornado duas nações distintas. Jeroboão, pois, estava interessado em conservar o norte como uma nação separada. Além disso, tinha ganância pelo poder, e não queria sacrificar a sua posição de rei. Ademais, havia idolatria em seu coração, pois, do contrário, ele teria encontrado alguma outra maneira de preservar a independência política da nação do norte, Israel. Ver no Dicionário o artigo intitulado Idolatria.

1526

II REIS

15.25 Peca... conspirou contra ele. Conspirando para o Assassinato. Um dos generais de Pecaias planejou matá-lo, somente após dois anos de governo em Israel. O nome desse general era Peca, e ele estava destinado a tornar-se um dos reis de Israel (versículos 27-31). Ele tinha seus auxiliares, cinqüenta homens de Gileade, na Transjordânia, os quais mataram tanto o rei quanto dois de seus príncipes, Argobe e Arié. Esses homens abomináveis apanharam o rei em seu palácio e o assassinaram, aparentemente sem nenhuma oposição. Provavelmen­ te o exército de Israel mostrou-se favorável aos conspiradores, e nada fez para deter ou punir Peca por sua conspiração. Alguns intérpretes tomam os nomes Argobe e Arié como se fossem locais, e não nomes de pessoas. Nesse caso, esses nomes entram aqui por equívoco, e não têm sentido. Outros pensam que Argobe e Arié eram companheiros de Peca e participantes do assassinato, e não dois auxiliares de Pecaias, mortos junta­ mente com ele. Nesse caso, eles foram assassinos, e não assassinados. 15.26 Quanto aos demais atos de Pecaias. Temos aqui parte da nota costumeira de obituário que o autor sagrado empregou para terminar suas narrativas sobre os reis de Israel e de Judá. Veras notas em I Reis 1.21 e 16.5,6.0 autor não repete aqui a outra parte do obituário, aquela que fala em “descansar com seus pais”, um eufemismo para indicar a ocorrência da morte. Quanto a isso ver I Reis 1.21. Minhas notas sobre I Reis 14.19 falam sobre o Livro das Crônicas dos Reis de Israel e de Judá, uma das fontes informativas empregadas pelo autor sacro. Esse foi um livro não-canônico, cujo con­ teúdo foi incorporado aos livros canônicos do Antigo Testamento. Cf. II Reis 15.15, onde a segunda porção do obituário também é deixada de fora. Peca, Rei de Israel (15.27-31)

Peca, assassino do rei Pecaias, tornou-se rei de Israel, Aqueles foram dias de caos e anarquia. Mas Peca também foi assassinado, por sua vez (vs. 30), pelo que continuou a operar a Lei Moral da Colheita segundo a Semeadura (ver a respeito no Dicionário). Antes de perder a vida, Peca governou durante vinte anos (740-732 A. C.). A declaração de que ele governou por vinte anos é explicada pelo fato de que ele “começou a governar em Gileade, ao mesmo tempo que Menaém começou a reinar em Samaria (752 A. C.). Seu governo sobrepôs-se aos governos de Menaém e de Pecaias (752-740 A. C.)” (Thomas L. Constable, in ioc.). Esta é a forma que certos intérpretes têm usado para tentar explicar a dificuldade cronológica do presente versículo. “Este parágrafo (vss. 27-31) contém a nota editorial usual, juntamente com um extrato retirado dos anais reais, falando sobre o grande desastre que foi o governo de Peca, mediante o qual grande parte do reino se perdeu, e muitos israelitas foram levados para o cativeiro pela potência assíria” (Norman H. Snaith, in Ioc.). O cativeiro assírio (ver a respeito no Dicionário) foi um processo comple­ xo, e não um único evento, isolado. Começou em 733 A. C. Samaria foi subjugada e as pessoas foram levadas dali para o cativeiro (722 A. C.), mas durante muitos anos depois grupos menores do norte continuaram a ser levados para o cativeiro, talvez até o ano de 668 A. C. 15.27 Começou a reinar Peca, filho de Remalias. Narrativas Paralelas. Quanto a notas sobre o modo de apresentação do autor sagrado, ver o vs. 23 do presente capítulo. Ver também I Reis 16.29. Relacionando Peca, rei de Israel, ao reino de Judá, o autor informa-nos que o rei de Israel começou seu governo no ano qüinquagésimo do reinado de Azarias ou Uzias, rei de Judá. Uzias governou por um total de cinqüenta e dois anos, o recorde em número de anos de governo de qualquer rei de Judá (ver I Reis 15.2). Peca reteve Samaria como sua capital, cidade essa cuja construção foi iniciada pelo rei Onri. Quanto ao problema cronológico dos vinte anos de governo de Peca, ver o pnmeíro parágrafo da introdução acima.

face da terra. O cativeiro assírio ocorreria em etapas. Foi um processo complexo, e não um acontecimento em uma unica fase. Ver o artigo no Dicionário quanto a detalhes. Ver a introdução à presente seção, antes dos comentários sobre o versículo 27.

Embora a causa do Mal prospere, Contudo, somente a Verdade é forte. (James Russell Lowell) A apostasia de Israel estava fadada a trazer o desastre. Perdurou por tanto tempo e foi tão virulenta que só podia produzir resultados desastrosos, de acordo com a lei da colheita segundo a semeadura. A história da nação do norte, Israel, foi, em sua maior parte, um crônica em que matar e ser morto era a ação mais constante. Tão abominável violação da lei mosaica só poderia produzir os resulta­ dos mais drásticos. O fim da nação do norte, Israel, foi o resultado. Tiglate-Pileser. Ver o artigo detalhado sobre ele, no Dicionário e cf. o vs. 19 deste capítulo. Esse homem havia recebido larga soma em dinheiro como subor­ no, para manter-se afastado de Israel, mas o suborno que lhe foi pago não significou muito, pois ele voltou para conseguir mais despojos, para matar e para receber “recompensa”. Ver o artigo geral no Dicionário chamado Assíria. O ataque de Tiglate-Pileser contra Israel seguiu-se à sua invasão siro-efraimita. Primeiramente ele tomou conta da Síria, o tradicional inimigo do norte de Israel. Agora Israel tinha um inimigo pior vindo do norte, a Assíria.

Lugares Atacados e Subjugados. Ver sobre cada um dos lugares referidos neste versículo no Dicionário. A campanha da Assíria começou no norte, varreu a Síria, entrou no território de Israel pelo norte e espalhou-se para ambos os lados do rio Jordão. Gileade, na Transjordânia (parte leste do país) estava envolvida, mas também o estava Naftali, no lado ocidental da nação de Israel. Foi assim que a primeira deportação (que assinalou o começo do cativeiro assírio) ocorreu em cerca de 733 A. C. Uma segunda deportação deveria ocorrer em cerca de 733 A. C., e envolveria Samaria e as regiões ao redor dessa cidade, a capital de Israel. Peca formou aliança com Rezim, de Damasco, a fim de combater juntos contra o inimigo comum, as tropas assírias. Peca teve de pagar tributo, tal como tinha acontecido a Menaém. Peca e Rezim (“os dois tocos de tições fumegantes”; ver Isaías 7.4) tentaram envolver Acaz, rei de Judá, na sua aliança (ver o versículo 38 deste capítulo); mas ele nada quis ter com ela. Pelo contrário, apelou para que a Assíria viesse socorrê-lo. Tiglate-Pileser atacou Israel, em parte por causa do apelo de Acaz. O primeiro ataque reduziu Israel a uma área de cerca de quarenta e oito quilômetros por sessenta e quatro quilômetros. No ano seguinte, Peca foi assassinado por Oséias. Tiglate-Pileser disse que ele tinha executado Peca e posto Oséias no trono de Israel, sendo possível que isso foi o que, realmente, aconteceu. Ver o vs. 30. Seja como for, esse homem, Oséias começou seu reinado em Israel com uma atitude favorável à Assíria, mas isso não fez diferença alguma, afinal. Quanto ao governo de Oséias, ver II Reis 17.1-6. Ele teve de pagar tributos à Assíria (ver II Reis 17.3). 15.30 Oséias... conspirou contra Peca. Ver sobre Oséias no Dicionário. Esse homem tornou-se o próximo assassino de um rei. Sua vítima foi o terrível Peca, que tinha antes assassinado Pecaias, rei de Judá. Portanto, o caos e a anarquia tornaram-se os verdadeiros governantes de Israel. A Assíria, final­ mente, pôs fim à confusão inteira. Esse homem, Oséias, provavelmente um general militar, conspirou contra Peca e tomou uma atitude favorável à Assíria, talvez na esperança de que isso livrasse Israel do aniquilamento total. Mas quando se tornou rei, teve de pagar tributo à Assíria (ver II Reis 17.3). Os registros assírios dizem-nos que Tiglate-Pileser executou Peca e pôs Oséias no trono de Israel; isso pode estar correto historicamente. Ou então o próprio Oséias assassinou Peca, com o encorajamento do rei assírio. Seja como for, Peca estava realmente morto.

15.28 Fez o que era mau perante o Senhor. Temos aqui a declaração padroniza­ da com que o autor sagrado fala sobre como os reis de Israel continuaram com o tipo de idolatria que fora instituído por Jeroboão, na nação do norte, Israel. Ver o versículo 24 do presente capítulo, I Reis 15.26 e 16,2 quanto a maiores detalhes. Ver I Reis 12.28 ss., quanto à história da instituição da adoração ao bezerro, em Dã e Betei, que deu início a esse tipo especial de idolatria. Ver no Dicionário o artigo chamado idolatria.

No vigésimo ano de Jotão, filho de Uzias. Lembremo-nos de que Uzias também era chamado Azarias. Cf. II Crônicas 26.1 e II Reis 14.21. Acerca da notícia cronológica desse versículo, Ellicott (in Ioc.) afirmou: “Esta é uma afirma­ ção duvidosa, que não concorda com o versículo 33, segundo o qual Jotão reinou apenas dezesseis anos”. Os intérpretes agonizam (desnecessariamente) com essa discrepância, a qual nada tem a ver com a espiritualidade. “Há muitas dificuldades com a cronologia deste versículo” (Adam Clarke, in Ioc.). Tentativas de reconcilia­ ção e cálculos têm produzido resultados incertos.

15.29

15.31

E levou os seus habitantes para a Assíria. O Terrível Caráter Final do Cativeiro Assírio. Em breve Israel, o reino do norte, haveria de desaparecer da

Quanto aos demais atos de Peca. Uma vez mais, o autor nos dá uma nota de obituário padronizada, que ele empregava para encerrar suas histórias sobre

CATIVEIROS DE ISRAEL

1. Cativeiro Egípcio: Gên. cap. 47 — Êxodo. Iniciou-se em cerca de 1876 A.C. e durou 430 anos. 2. Cativeiro Assírio: 722 A.C., ad infinitum. As dez tribos do norte de Israel foram deporta­ das e nunca mais retornaram. 3. Cativeiro Babilónico: 586 A.C. - 516 A.C. (setenta anos). As duas tribos do sul foram deportadas. Um remanescente retornou. 4. Cativeiro Romano: 132 até 1948 D.C., quando o estado moderno de Israel foi formado.

CATIVEIROS MORAIS E ESPIRITUAIS

1. Transformar prisioneiros de guerra em escravos: Deu. 28.27-48. 2. O cativeiro evangélico ocorre quando o poderoso amor de Cristo assume o controle sobre uma pessoa: II Cor. 10.5. 3. O cativeiro do pecado ocorre quando aiguém é oprimido e escravizado pelo poder do mal: Rom. 7.23; I Sam. 30.3; II Tim. 2.26. 4. O cativeiro moral, cujo conceito contrário é a vitória sobre pecados e vícios: Gál. 3.19-21. 5. O cativeiro do mal que Jesus levou cativo: Efé. 4.8. 6. O cativeiro pode ser imposto como retribuição ao mal: Apo. 13.10. 7. Os males morais levam-nos ao cativeiro da lei do pecado: Rom. 7.23.

1528

II REIS

os reis de Israel e de Judá. Mas aqui ele deixa de lado a segunda parte do obituário, o eufemismo para indicar a morte, “descansou (dormiu) com seus pais”. Ver o versículo 26 do presente capitulo, quanto a um versículo quase idêntico, onde as notas apropriadas foram fornecidas.

deus põem esse portão no lado oriental {Talmude Bab. Sotah, foi. 71; Maimônides, Ceie, Ham. cap. 7, sec. 6).

Jotão, Rei de Israel (15.32-38)

Quanto aos demais atos de Jotão. A nota usual de obituário foi apresenta­ da no caso de Jotão. Este versículo é virtualmente igual ao de II Reis 15.6. As notas dadas ali também se aplicam aqui. O trecho de II Reis 14.18 contém uma declaração similar, mas deixa de fora a segunda parte que fala sobre “descansar com seus pais” (um eufemismo para a “morte”).

Jotão era filho de Uzias, também chamado Azarias. Cf. II Crônicas 26.1 e II Reis 14.21, e minhas notas expositivas nesses trechos bíblicos. Depois de ter descrito os governos de vários reis de Israel, a maioria dos quais obteve o trono matando o rei anterior, o autor sagrado agora volta sua atenção para um dos reis de Judá.

Relatos Paralelos. O autor não alistou primeiramente todos os reis de Israel, para em seguida descrevê-los, e depois fazer a mesma coisa com os reis de Judá. Pelo contrário, ele saltou para cá e para lá, entre o norte e o sul, dando relatos cronológicos aproximados. Quanto a esse método de apresentação, ver I Reis 16.29. Dificuldades Cronológicas. “A declaração de que Jotão governou por dezesseis anos (ver o versículo 33) não concorda com a declaração do versículo 30, que diz que Oséias assassinou Peca no vigésimo ano do governo de Jotão. Além disso, se Oséias se tornou rei durante o tempo de Jotão, então ele não pode ter-se tornado rei de Judá, no décimo segundo ano do governo de Acaz (ver II Reis 17.1). A reconstrução dos dados históricos sugeridos no versículo 27 concorda com um reinado de dezesseis anos de Jotão, mas a asserção do versículo 37 não pode estar correta, visto que Peca dificilmente pode ter-se tornado rei antes do sexto ano do governo de Acaz. A história dos últimos anos do reino de Israel ficou tão contusa que o compilador, cem anos mais tarde, foi incapaz de garantir qual­ quer espécie de consistência" (Norman H. Smaith, in loc.). Alguns intérpretes recorrem à teoria das co-regências para explicar a diferen­ ça em números, mas não temos nenhum indício, no próprio texto, de tais coregências, e nem há certeza alguma, empregando-se essa explicação ad hoc, pois ela, na realidade, nada explica. Por outro lado, problemas como esses, mesmo que envolvam discrepâncias genuínas, nada têm a ver com a fé religiosa. Essas questões só atraem a atenção dos harmonistas que precisam obter harmo­ nia a qualquer preço, até à custa da honestidade, ou a atenção dos céticos, que se alegram em encontrar problemas para tentar derrubar a fé de outras pessoas. 15.32,33

Informações Básicas sobre Jotão. Jotão tinha vinte e cinco anos de idade quando começou a reinar; e governou por dezesseis anos em Jerusalém, capital do reino do sul; o nome de sua mãe era Jerusa, filha de Zadoque. Ver os nomes próprios no Dicionário, quanto a detalhes, incluindo o artigo intitulado Jotão. Relatos Paralelos. O autor sagrado, como é usual, relaciona o reino de Judá ao outro reino, Israel. Jotão começou a reinar no segundo ano de Peca, rei de Israel. Quanto ao método de apresentação do material do autor sagrado, ver a introdução à presente seção, bem como I Reis 16.29. Quanto a dificuldades cronológicas acerca das notas sobre Jotão, ver a introdução anterior a esta seção. Talvez Zadoque seja aqui o sumo sacerdote, conforme dizem alguns eruditos. Por outro lado, “Zadoque” era um nome bastante comum. Não seria nada incomum que um rei se casasse com a filha da mais elevada figura eclesiástica do reino. 15.34,35 Fez o que era reto perante o Senhor. O autor nos dá aqui uma avaliação espiritual comum para os reis de Judá. Geralmente falando, eles agiam bem, pois continuavam as instituições mosaicas que operavam através do culto do templo, em Jerusalém; mas agiram mal por não eliminarem os lugares altos (ver a respei­ to no Dicionário), ou seja, os santuários locais tão populares aos olhos do povo comum, e que, na verdade, já existiam antes da centralização da adoração em Jerusalém. II Reis 15.3,4 são virtualmente iguais aos dois versículos presentes, e minha exposição ali se aplica também aqui. Aqueles versículos, por sua vez, são virtualmente iguais a II Reis 14.3,4, onde são dadas notas expositivas adicionais. Os santuários locais algumas vezes promoviam uma idolatria franca; de outras vezes, o yahwismo aparecia de mistura com a adoração a outras divindades. A tendência desses santuários foi sempre debilitar a fé centralizada do templo, onde o yahwismo puro era a essência do culto dos hebreus. Edificou a porta de cima da casa do Senhor. Quanto ao lado positivo de suas atividades espirituais, Jotão edificou o portão de cima da área do templo; provavelmente devamos entender o portão de Benjamim, mencionado por Jeremias 20.2. Essa construção visava a promover o yahwismo, melhorando as instalações daquele lugar de oração. Outras atividades de construção realizadas por esse rei são mencionadas no trecho paralelo de II Crônicas 27.3-5. Os historiadores ju­

15.36

15.37 Começou o Senhor a enviar contra Judá a Rezim, rei da Síria, e a Peca. Rezim, rei da Síria, e Peca, rei de Israel, uniram-se contra a Assíria, seu inimigo comum. Ver as notas sobre o versículo 29. Eles tentaram forçar Jotão a fazer parte da aliança. Mas Jotão, com sabedoria, evitou totalmente qualquer envolvimento nessa aliança. Coisa alguma poderia fazer parar o adversário do norte, e qualquer um que o tentasse seria aniquilado por isso. Talvez esse aspec­ to da história tenha ocorrido quando Jotão e Acaz eram co-regentes, isto é, cerca de 735-732 A. C. Ver a exposição sobre II Reis 16.1. A implicação do versículo 37 é que Yahweh estava testando Jotão para ver se ele cederia, tolamente, diante das pressões impostas. Não lhe competia aliar-se a essa aliança profana. Judá, na realidade, tornou-se um aliado relutante da Assíria, na tentativa de salvar-se da obliteração. Este versículo também implica que os assédios de Rezkim e de Peca eram castigos contra Judá. Esse reino também vivia em tempos perturbados por causa de uma obediência parcial. Esses assédios incluíram campanhas militares contra Judá, conforme se vê em II Reis 16.5. Judá, entretanto, mostrou-se forte o bastante para resistir e repelir os atacantes, Ver no Dicionário o artigo chamado

Rezim. 15.38 Descansou Jotão com seus pais. Temos aqui a segunda metade da nota comum de obituário, com a qual o autor sacro encerrava suas histórias sobre os reis de Israel e Judá. Ver o versículo 36 quanto à primeira parte desse obituário. Usualmente, as duas afirmações aparecem juntas, como se vê em II Reis 15.6,7, cujas notas expositivas se aplicam também aqui. Ver I Reis 1.21 quanto ao eufemismo para “morte", isto é, “descansar (dormir) com seus pais". Na cidade de Davi, seu pai. Essa cidade é Jerusalém, que Davi fez sua capital, tendo conquistado essa cidade dos jebuseus. Jotão foi sepultado ali, o que era costume no tocante aos reis de Judá. E Acaz, seu filho, tornou-se o novo rei de Judá. Ver a história de Acaz em II Reis 16.1-4.

C a p ítu lo D e z e s s e is Acaz, Rei de Judá (16.1-4) Esse homem, em contraste com outros reis de Judá (que praticavam em parte o certo, em parte o errado), foi um rei que seguiu o estilo dos reis de Israel — fez somente o mal. Ele não seguiu a liderança dada pelo rei ideal, Davi. Ele era corrupto interna e externamente, por inclinação natural e pela força do mau exem­ plo. Inclinou-se diante da forma mais brutal de paganismo: os sacrifícios de infan­ tes a alguma divindade pagã. Além disso, reteve certa variedade de práticas idólatras. Ver sobre ele no artigo existente no Dicionário. 16.1,2 No ano dezessete de Peca... começou a reinar Acaz. O autor sagrado introduz esse rei da mesma maneira que fizera com os demais reis, empregando sua nota estereotipada de subida ao trono. Essa nota foi sempre uma compara­ ção com o rei corrente de Israel, para fornecer uma idéia cronológica aproximada. Acaz começou a governar no ano dezessete de Peca, rei de Israel. Ele tinha vinte anos de idade quando começou a reinar, e governou por dezesseis anos, conser­ vando Jerusalém como sua capital. Parece que Jotão e Acaz foram co-regentes. O ano dezessete do governo de Peca foi 735 A. C. Entretanto, somente em 732 A. C. Acaz começou a governar sozinho, e seu governo pessoal durou dezesseis anos, e não vinte. Jotão morreu em 732 A. C. A co-regência perdurou de 744 a 735 A. C. Pelo menos essa é a reconstituição feita por alguns eruditos, que tentaram harmonizar várias notas históricas, onde a co-regência sempre foi usada como instrumento favorito nesses cálculos. Ver a introdução a II Reis 15.31 quan­ to às dificuldades cronológicas.

II REIS Narrativas Paralelas. Quanto ao modo de apresentação do autor sagrado, onde ele saltou para cá e para lá entre Israel e Judá, em uma ordem cronológica aproximada, ver as notas em I Reis 16.29. Para aliviar as dificuldades cronológi­ cas, as versões siríaca e da Septuaginta, em II Crônicas 28.1, fazem a subida de Acaz ao trono ocorrer no ano vinte e cinco de sua vida, e não no ano vinte, conforme diz o texto massorético. Ver no Dicionário o verbete intitulado Massora (Massorah); Texto Massorético. Algumas vezes, as versões se mostram corretas em relação ao texto massorético (o texto massorético padronizado, a Bíblia hebraica), conforme os Manuscritos do Mar Morto o têm demonstrado. Ver no Dicionário o artigo chamado Mar Morto, Manuscritos (Rolos) do. Quanto a infor­ mações gerais sobre os manuscritos do Antigo Testamento e a crítica textual, ver Manuscritos do Antigo Testamento no Dicionário. Quanto a Davi como o rei ideal, cujo exemplo foi raramente seguido por reis subseqüentes de Israel e de Judá, ver I Reis 15.3. Quanto à metáfora do “andar", ver no Dicionário sobre esse termo. 16.3 Andou no cam inho dos reis de Israel, Em lugar de seguir o exemplo relativamente bom de seus antecessores, os reis de Judá (que agiam em parte bem, e em parte mal), esse rei seguiu o exemplo degenerado dos reis de Israel, que foram quase sempre maus. Mais do que isso, Acaz apelou para a idolatria antiga, e realizou o crime máximo: fez um filho seu passar pelo fogo, para honrar e aplacar uma divindade pagã. Esse homem abominável transformou seu filho em holocausto. O sacrifício do filho primogênito era uma estupidez da idolatria antiga, que tivera lugar em muitas nações, e não ape­ nas em Israel. Ver Levítico 18.21 e 20.2,4 quanto à proibição de Moisés contra essa brutalidade da idolatria. Ver II Reis 17.31 e Ezequiel 16.21 quanto a outras referências sobre costumes e sobre os vários deuses que eram honrados e supostamente aplacados por esses sacrifícios do próprio filho. Ver no Dicionário o artigo chamado Moleque, Moioque, que contém detalhes so­ bre essa prática. Mas também temos a história de Abraão, que iria oferecer seu filho, Isaque, como holocausto (ver Gênesis 22.3-14). Sem dúvida, esse foi um antigo reflexo da horrenda prática, a qual não foi consumada, entretan­ to. O relato tornou-se uma história exemplar: Nunca ofereças tal sacrifício, do mesmo modo que nosso Pai, Abraão, foi ordenado por Yahwen a não consu­ mar tal oferenda. Ver Êxodo 13.15 e as notas expositivas a respeito. Todos os lilhos primogênitos eram metaforicamente sacrificados a Yahweh, em uma dedicação absoluta, mas eram remidos de qualquer sacrifício literal. O sacrifí­ cio de um animal tomava o lugar do sacrifício humano, embora esse abominá­ vel costume tenha continuado a existir, e embora tenha sido ocasionalmente praticado em Israel e em Judá. Ver I Reis 16.34; II Reis 16.3; Ezequiel 20.26 e Miquéias 6.7. O autor sagrado relembra-nos de que essas práticas horrorosas pertenciam àquelas nações que Yahweh expulsara da Terra Prometida; e assim advertiu a qualquer um que quisesse ocupar-se de tais práticas. A ira de Yahweh por certo feriria tal pessoa, em concordância com a Lei Mora! da Colheita segundo a Seme­ adura (ver a respeito no Dicionário). 16.4 Queimou incenso nos altos. Entre os pecados menores de Acaz estava o seu encorajamento à prática pessoal da idolatria nos lugares altos (ver a esse respeito no Dicionário). Quanto a essa questão, ver o versículo 35 do capítulo 15. Talvez o uso de Acaz dos lugares altos fosse uma prática sincretista, isto é, ele retinha o yahwismo, misturado com a idolatria pagã. Considerando-se, porém, o sacrifício de seu próprio filho (ver o terceiro versículo), provavelmente é mais seguro supormos que esse rei de Judá tenha abandonado completamente a anti­ ga fé religiosa de Judá. Notemos que este versículo fala de sua idolatria em termos amplos. Ele ficou de tal modo envolvido que toda árvore verde era sufici­ ente para ele se servir dela como lugar de sacrifício. Cf. as declarações seme­ lhantes em I Reis 14.23 (envolvimento de Roboão), e que tamDém envolveram as tribos do norte, Israel, de modo geral (ver I Reis 17.10). Cf. a informação dada no trecho paralelo, isto é, II Crônicas 28.2-5. Naturalmente, o autor sagrado exagerou um pouco. Judá Atacado pela Síria e por Israel (16.5-9)

1529

antes frente à Síria e a Israel do que contra a Assíria, cuja estrela estava ascen­ dente, o que continuaria ainda por bastante tempo. Damasco, capital da Síria, foi capturada e seus habitantes foram exilados. Seu rei tinha sido executado, e outro tanto aconteceu em Israel. Ver detalhes sobre essa guerra no capítulo sétimo de Isaías e no capítulo 26 de li Crônica. Tiglate-Pileser fez a Síria e Israel parar seus ataques contra Jerusalém, e salvou Acaz, que se tornou um vassalo virtual da Assíria. O cativeiro de Judá dar-se-ia através dos babilônios, os sucessores dos assírios no drama internacional. Isso só aconteceria, entretanto, mais de cem anos depois, ou seja, em cerca de 597 A. C. Ver sobre o Cativeiro Babilónico, no

Dicionário. 16.5 Cercaram Acaz, porém não puderam prevalecer contra ele. A aliança da Síria com Israel era assustadora, mas não era nem metade tão assustadora quanto a Assíria. Portanto, Acaz resistiu a esses dois países próximos e não estabeleceu aliança com eles, mas voltou-se para a Assíria, em busca de ajuda. Uma grande soma de dinheiro encorajaria facilmente Tiglate-Pileser a agir em favor de Judá (vss. 8 e 9). Ademais, o tributo pago à Assíria tornar-se-ia uma realidade anual para Judá. Foi assim que Acaz “comprou” a Assíria. Mas a Babilônia não se deixaria “comprar* por Judá, cerca de cem anos mais tarde. Ver a introdu­ ção à presente seção, acima, quanto a detalhes. Isaías mandou uma mensagem de consolação a Acaz. Rezim e Peca eram tão bons como se estivessem mortos. 16.6 Naquele tempo Rezim... restituiu Elate à Sfria. O rei da Síria não obteve sucesso com Jerusalém, mas foi capaz de dominar Bate, que o rei Uzias havia tomado dos edomitas e tinha estabelecido como um porto para promover o comércio internacional (ver II Reis 14.22). Essa foi uma das principais realizações de Uzias (Azarias), mas agora os judaítas perdiam outra vez Elate. Provavelmente seja mais correto dizer que a Síria não “liberou” Elate para dá-la de volta aos edomitas. Antes, a Síria assumiu os negócios naquele lugar, para tirar proveito da situação, algo de que os sírios muito estavam precisando, conforme crescia o cerco da Assíria.

Outra Interpretação Deste Versículo. A Revlsed Standard Version diz aqui “rei de Edom”, em lugar de “rei da Síria”. No hebraico, as palavras que significam Síria e Edom, bem como os sírios e os edomitas, são bastante similares, sendo possível que a Revi'sed Standard Version esteja correta em sua substituição. A nota marginal, no texto massorético, na Septuaginta e na Vulgata, diz “edomitas”. Se isso está correto, então este é um daqueles lugares onde uma emenda conjecturada é preferível ao texto massorético. Historicamente, não temos nenhu­ ma conquista de Elate pelos sírios, nem há confirmação de que os sírios se tenham ocupado do comércio em Elate. Também seria altamente questionável que a Síria se envolvesse em um empreendimento tão ao sul, quando seu grande inimigo do norte — a Assíria — estava batendo às portas. Quanto a informações sobre os manuscritos do Antigo Testamento e quanto aos princípios da crítica textual, ver Manuscritos do Antigo Testamento, no Dicionário. Os Manuscritos do Mar Morto têm demonstrado que algumas emendas conjecturadas do texto massorético representam os textos originais, que em algum tempo posterior sofre­ ram modificação. Ver no Dicionário o artigo chamado Mar Morto, Manuscritos (Rolos) do, como também Massora (Massorah); Texto Massorético. 16.7 Acaz enviou mensageiros a Tiglate-Pileser. Esse é o mesmo “Pui” de II Reis 15.19; ver as notas expositivas, bem como o artigo sobre ele, no Dicionário. Acaz, precisando de ajuda que o livrasse do aperto em que tinha sido metido por Rezim, da Síria, e por Peca, de Israel, solicitou a ajuda do rei da Assíria. Essa ajuda seria eficaz, mas dessa forma Judá vendeu-se à Assíria, devendo pagar-lhe tributo por longo tempo. Acaz humilhou-se diante do monarca do norte, chaman­ do-se a si mesmo de seu filho e servo, o que o reduziu à posição de vassalagem, e implorou-lhe ajuda. Tigiate-Pileser faria qualquer coisa por dinheiro, e assim ele concordou. Entrementes. Yahweh havia prometido a Acaz livramento dos “dois tocos de tições fumegantes” (Isaías 7.4-16), e alguns intérpretes, antigos e moder­ nos, supõem que essa ajuda poderia ter sido dada, sem necessidade de Judá apelar para a Assíria, economicamente falando.

Aqueles eram tempos de anarquia e de rápida desintegração. O cativeiro assírio (ver a respeito no Dicionário) já havia começado. Ver sobre II Reis 15.29.

16.8

Israel fizera uma aliança militar com seu inimigo tradicional, a Síria, tentando barrar os movimentos de seu inimigo comum do norte, a Assíria. Esses dois reinos tentaram forçar Judá a aliar-se a eles. Quando suas solicitações não foram honradas, eles atacaram Judá como vingança. Talvez eles esperassem que um ataque convenceria Acaz a reunir-se à aliança contra a Assíria. Em lugar de deixar-se convencer por esse ataque, Acaz apelou para a ajuda da Assíria, não porque o quisesse fazê-lo, mas porque a questão era a sobrevivência. Judá faria

Tomou Acaz a prata e o ouro. O preço. O templo de Jerusalém foi outra vez roubado de seus tesouros. Mas não estamos informados de quanto foi dado ao rei da Assíria, embora devesse ter sido uma importância considerável, levando-o a esquecer-se de suas “ambições sulistas". Joás havia feito algo similar, segundo lemos em II Reis 14.14. Esse rei de Israel tirou o dinheiro do templo de Jerusalém, mediante conquista militar. Uzias, subseqüentemente, restaurou os tesouros do templo, só para vê-los ser entregues à Assíria.

1530

II REIS

16.9

Tiglate-Pileser mostrou ser uma ajuda cooperadora e altamente eficaz. Sua estrela estava subindo no firmamento. Tinha um exército invencível. Foi a epoca aa Assíria no palco da história da humanidade. O exército assírio levou a guerra até Damasco, capital da Síria. Ele esmagou a cidade, deixando-a irreconhecível; e levou muita gente cativa para Quir (ver a respeito no Dicio­ nário). Não sabemos dizer, r.oje em dia, onde ficava Quir, mas Amós 9.7 informa-nos que era o lar original dos sírios de Damasco. Em outras palavras, era o lugar de cnde os sírios tinham vindo. Eles voltaram a seu antigo lar de origem. Pertencia ao império assírio e ficava em algum ponto entre os mares Negro e Cáspio. Alguns dizem que é a moderna Geórgia da Comunidade dos Estados Independentes (ex-União Soviética). Seja como for, fazia parte das normas políticas dos assírios relocar povos conquistados em novas terras, e isso controlava e eliminava eficazmente um povo, furtando-lhes a sua identi­ dade. As inschfões assírias dão-nos conta de que foram necessários dois anos para a Assíria capturar Damasco, o que significa que a resistência foi grande, mas, finalmente, inútil. Os anos desse ataque contra a Síria foram 733-732 A. C. O Final da Guerra. O arrogante Rezim foi executado, e assim pagou o preço por haver assediado Judá, e, provavelmente, por muitos outros pecados cometidos. Ver Amós 1.5. Amós tinha previsto o desastre para os sírios e para Rezim. Visita de Acaz a Damasco; Sua Apostasia (16.10-20) Os motivos que teria tido Acaz para visitar Damasco, depois que essa cidade foi arruinada pelo exército assírio, não são claros. Provavelmente, uma das razões foi a sua arrogância: ele queria ver o fim de seus adversários e encher-se de orgulho. Mas ele também queria pagar sua dívida de gratidão a seu salvador, Tiglate-Pileser, que o havia agradado, destruindo seus inimigos. Naturalmente, Acaz havia pago para isso (vs. 8). Seja como for, a viagem teve resultados desastrosos. Um altar pagão, naquele lugar, chamou a atenção de Acaz, e ele quis ter uma duplicata do altar para o templo de Jerusalém. Uma cópia desse altar pagão acabou substituindo o altar sacrifical do Lugar Santo, e, podemos presumir, o sacerdócio levitico inteiro escorregou para a apostasia. A questão do altar pode ter sido uma das maneiras pelas quais Acaz disse ‘ obri­ gado’' ao seu salvador: ele chegou a reconhecer as divindades pagãs. É possí­ vel, conforme alguns estudiosos têm conjecturado, que aquele altar tivesse tido origem assíria, e tivesse sido dedicado aos deuses da Assíria. Os ‘ deuses" da Assíria, deve ter pensado Acaz, deram-lhe a vitória sobre os sírios. Entrementes. Yahweh foi esquecido. 16.10 Então o rei Acaz foi... a encontrar-se com Tiglate-Pileser. O rei assírio estava finalizando os detalhes de sua exportação dos habitantes de Damasco para Quir. Acaz quis ver com seus próprios olhos a derrota absoluta e a humilha­ ção de seus adversários sírios. Ademais, ele havia pago para eles serem derrota­ dos e tinha o direito de ver quão bem o trabalho de Tiglate-Pileser havia sido feito. Ele diria um ‘ muito obrigo’ ao rei assírio, e veria, com satisfação, a destruição que tinha sido causada. O poder da Síria havia chegado ao fim. Talvez isso tenha tomado dois anos, desde que ele “comprara” o rei assírio com dinheiro. Ver a introdução à presente seção quanto a detalhes. Estando em Damasco, Acaz viu um enfeitado altar pagão que lhe chamou a atenção. Pode ter sido de origem assíria, usado para honrar suas divinda­ des. Seja como fcr, podemos ter certeza de que era um altar típico do paga­ nismo. Para Acaz. esse altar era superior ao altar dos sacrifícios do templo de Jerusalém, quanto às qualidades estéticas. Portanto, ele resolveu copiá-lo. A duplicata estava destinada a tomar o lugar do altar principal do templo de Jerusalém. Não somos informados f specificamente sobre quais oferendas às divindades pagãs seriam oferecidas sobre o novo aliar no templo de Jerusalém (provavel­ mente de modo paralelo às oferendas oferecidas a Yahweh), mas sem dúvida é isso que devemos entender dessa crônica. Ver I! Crônicas 28.21-25 quanto à confirmação do que aqui dissemos. Urias, provavelmente o sumo sacerdote dos judaítas, recebeu ordens para fazer uma duplicata daquele altar visto em Damasco. Ver sobre Urias, no Dicioná­ rio, em seu terceiro ponto. Podemos supor que o sumo sacerdote do culto a Yahweh foi forçado a fazer o que fez, pois, de outro modo, ele e todo o seu sacerdócio estariam bem avançados na vereda da idolatria e do paganismo, para te ' cooperado assim com a novidade.

obras igualmente características de um rei dado a idéias sem valor e a supersti­ ções, que imaginava que a introdução de algumas novidades pagãs emprestaria brilho ao seu reino’ (Ellicott, in loc.). O trecho paralelo de II Crônicas 28.21-25 surpreende-nos com a extensão da idolatria de Acaz. Tendo sido salvo pelos assírios pagãos, ele se desmanchou em pedaços, espiritualmente falando. E voltou-se para as divindades que, supostamente, tinham dado poder ao rei de Assíria. 16.11 Urias, o sacerdote, edificou um altar. É patente que ele cooperou de todo o coração com a crescente idolatria que invadia Judá. Ele e seu sacerdócio já haviam caído na decadência. O homem estava com pressa. Antes que o rei de Judá pudesse voltar para casa, Urias já tinha arrumado o novo altar, cópia do de Damasco. Foi uma “agradável surpresa” para o rei Acaz, uma obra de devoção que o sumo sacerdote Urias tinha reparado para agradá-lo. E Acaz, por sua vez, estava tão ansioso por ver e experimentar o novo altar, que assim que chegou sacrificou sobre ele. E, antes de voltar a Jerusalém, enviou a planta e os planos da construção. E Urias o duplicou rapidamente, a fim de mostrar ao rei quão obediente era, e quão ansioso estava para agradá-lo. Assim sendo, uma estupi­ dez foi adicionada a outra. 16.12

Surpresa! O rei Acaz veio em sua carruagem de Damasco a Jerusalém, aproximou-se da área do templo, e ali viu o “seu altar". Quão satisfeito ele ficou! E imediatamente ofereceu oferendas sobre o novo altar, como já dissemos. Podemos estar certos de que essas oferendas incluíram oferendas aos deuses pagãos da Assíria, que, alegadamente, eram poderes por trás do poder militar da Assíria. Acaz, pois, queria uma parte daquele poder. Portanto, embora talvez não tivesse abando­ nado de vez o yahwismo, caiu num ecletismo idólatra que obliterou qualquer adora­ ção verdadeira. Em outras palavras, ele caiu na apostasia (ver a respeito na Enciclo­ pédia de Bíblia, Teologia e Filosofia). O trecho de II Crônicas 28.21-25 demonstra que uma extensa idolatria foi instituída em Judá por parte de Acaz. Este, portanto, exerceu funções sacerdotais. Originalmente, parece que os reis podiam fazer isso. A legislação mosaica limitou essa atividade à casta sacerdotal, mas não podemos estar seguros se tais leis chegaram a ser plenamente implementadas. Fosse como fosse, Acaz não hesitou em ser “sacerdote por um dia’ . 16.13 Queimou o seu holocausto... Foram oferecidas todas as espécies de oferendas: holocaustos, ofertas de cereais e libações, todas as quais tinham sido ordenadas pela legislação mosaica. Ver as seguintes oferendas: holocaustos (Levitico 1.3-17; 6.9-13); ofertas de manjares (Levitico 5.1-13; 6.1-7; 7.1-7); ofer­ tas pacíficas (Levitico 3.1-17; 7.11-21); ofertas de libação (Levitico 9.9; 17.11). Ver o artigo geral no Dicionário, intitulado Sacrifícios e Ofertas. É provável que Acaz tenha empregado o modus operandi da legislação mosaica, mas várias divindades pagãs acabaram sendo honradas pela loucura dele.

Ação de Graças. Provavelmente a principal motivação de todas essas oferendas foi oferecer ação de graças, a Yahweh e a outras divindades, pelo livramento de Judá de Israel e da Síria (II Reis 16.5). Visto que a Assíria foi c agente do livramento, pareceu a acaz que seria justo que suas divindades tam­ bém recebessem ação de graças, por meio das oferendas. 16.14 Porém o altar de bronze, que estava perante o Senhor, tirou ele de diante da casa. Quanto a esse altar de bronze”, ver Êxodo 27.1. Esse altar foi removido de seu devido lugar e transferido para o norte do novo altar, que assumiu a posição daquele. À luz das versões siríacas, dos Targuns e da Septuaginta, parece que o antigo altar de bronze continuou a ser usado. Se isso é verdade, então Acaz efetuou um sistema verdadeiramente eclético, isto é, do yahwismo com muitas formas de idolatria, e ambos os altares foram postos a funcionar, de acordo com o novo sistema criado por Acaz. Quanto à planta baixa do tabernáculo, que foi duplicada no templo de Jerusalém, ver a ilustração existente na introdução ao trecho de Êxodo 26.1. ‘ Os altares antigos deveriam ser deixados em seus lugares. Esses altares nem deveriam ser alterados nem modernizados, para conformar-se a idéias neopagãs. Não há substituições para a fé arraigada em Deus, que a Bíblia e a Igreja nos apresentam. Vamos deixar de lado os altares assírios, e cuidemos para que a religião renasça no coração das pessoas” (Raymond Calking, in loc.). 16.15

Outras Evidências de Apostasia em Judá. “O relógio de sol de Acaz (ver II Reis 2 0 . 11) bem como a ereção sobre o telhado do templo, de altares aparente­ mente designados para a adoração às hostes celestiais (ver II Reis 23.12), foram

Queima no grande altar. Isto é, no novo altar de Damasco, impressionante e de aspecto bem estético, que havia substituído o antigo altar de bronze. Esse

II REIS novo altar pagão tornou-se o centro de atrações e o lugar do culto sacrifical. Os sacrifícios matinais e vespertinos eram feitos ali, bem como todos os demais sacrifícios. O autor dá-se ao trabalho de alistar novamente os vários tipos de oferendas e sacrifícios, que eu já comentei na exposição sobre o versículo 13 deste capítulo. O culto sacrifical inteiro foi transferido para o novo altar. O sumo sacerdote Urias obedeceu a todas as ordens do rei, pelo que temos aqui um notável exemplo histórico de como a Igreja oDedeceu ao Estado, para seu próprio prejuízo. É de presumir-se que, através de tais atos e mudanças, Judá estaria livre de invasões estrangeiras. Mas os babilônios, que substituiriam os assírios, como a grande potência mundial da época, logo poriam fim a tudo isso. Ver no Dicionário o verbete intitulado Cativeiro Babilónico.

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da Assíria. E isso se tornou parte do tributo pago anualmente (ver II Reis 17.4) por Judá à Assíria. Existem Ainda Outras Idéias. Uma delas é que a passagem recoberta foi removida por Acaz para desencorajar o povo de vir ao templo cultuar religiosa­ mente. Mas Tiglate-Pileser estava interessado no dinheiro, e não na maneira de Judá cultuar Yahweh. Ou então a remoção da passagem que ligava o palácio real com o templo visava a facilitar as coisas quando o rei da Assíria viesse visitar Jerusalém. Dessa maneira, ele não seria atraído a passar por ali e entrar no templo, encontrando os seus tesouros (ou móveis). Diante de tais coisas, ele as cobiçaria e as levaria para si mesmo. Essa idéia, porém, não faz sentido. 16.19,20

O altar de bronze. Ou seja, o altar antigo, menor e mais humilde. Esse altar ficou no terreno do templo, mas humilhado quanto às suas funções. Esse altar passou a ser usado somente para buscar a vontade de Yahweh, que também foi deslocado essencialmente pelas divindades pagãs. O sumo sacerdote consultaria Yahweh no altar antigo e humilde, quando Acaz julgasse ser necessário. O orácu­ lo era tradicionalmente consultado no templo, mediante o uso do Urim e do Tumim, e não diante do altar dos holocaustos. Mas Acaz também instituiu um novo modus operandi. O sumo sacerdote realizaria seu ritual para buscar uma mensagem da parte de Yahweh sobre o altar antigo, sem dúvida acompanhado pelos sacrifícios apropriados para agradar o Deus de Israel. Portanto, desenvolveu-se um ecletismo doentio. Ver Êxodo 29.38-42 e Números 28.3-8 quanto aos sacrifícios matinais e vespertinos. 16.16-18

Mudanças de Conseqüências a Longo Prazo. Em primeiro lugar, note-se que Urias, o sumo sacerdote, seguiu obedientemente os desejos do rei Acaz, aparen­ temente sem fazer nenhum protesto. Acaz já havia substituído o antigo altar de sacrifícios, feito de bronze, pelo novo altar, fantasiado, mais estético e maior (vss. 11-15). Agora ele efetuaria mais mudanças ainda no aparato do culto religioso, no templo e nas áreas circunvizinhas. As mudanças foram inspiradas principalmente pelo fato de que não somente o tesouro do templo, mas também alguns de seus móveis valiosos tinham sido desmantelados e enviados para a Assíria, como parte do tributo. Cf. os vss. 8 e 18. O que estava sendo feito era “para" o monarca assírio, e não por motivo de ostentação nem para agradar o rei Acaz, que havia paganizado o culto religioso de Judá, mas por causa do valor monetário dos objetos. Em outras palavras, Tiglate-Pileser estava interessado no dinheiro, e não no culto religioso de Judá. “Acaz furtou o templo, por causa do rei da Assíria. Ele precisou desmantelar os móveis do templo, a fim de pagar seu tributo ao rei assírio. Os comentadores antigos supunham que ele tinha ocultado esses tesouros a fim de que seu suserano assírio não os exigisse. Mas agora todos concordam que eles enviaram outros tesouros de Acaz para a Assíria” (Norman H. Snaith, in toe). Podemos supor que os móveis preciosos do templo de Jerusalém tenham sido substituídos por materiais inferiores, conforme Acaz os pôde conseguir. O mar. O primeiro item do templo a sofrer abuso (após o altar de bronze) foi o maciço mar de fundição (ver I Reis 7.27-40). Sua gigantesca base de bronze foi removida, e o lavatório foi posto sobre uma fundação de pedras. Os bois de bronze, que faziam parte dessa base de bronze e embelezavam a estrutura, ícram finalmente levados pelos babilônios (ver Jeremias 52.20). “No templo havia dez lavatórios para os sacerdotes se lavarem, o que apare­ ce aqui, onde o singular representa o plural; e esses lavatórios tinham bases de ironze sobre as quais eram colocados. Em derredor dessas bases havia ccrdaduras ornadas, pintando várias criaturas, como leões, bois e querubins. Essas bordaduras, Acaz arrancou” (John Gill, in loc.). O versículo 17 fala tanto do ,Tiar de fundição como dos lavatórios móveis, menores. Ver o artigo no Dicionário chamado Mar de Fundição, que inclui descrições dos lavatórios menores, no seu quarto ponto. Alguns intérpretes supõem que Acaz tenha feito o que fez para desfigurar o templo. Mas o propósito disso foi pagar tributo a Tiglate-Pileser, da Assíria. A coisa inteira ilustra até que ponto humilhante Acaz e Judá tinham sido reduzidos, oor buscar a ajuda da Assíria. O passadiço coberto. A compreensão deste versículo torna-se difícil porque o objeto em vista é referido por uma palavra hebraica cujo significado é desconhecido hoje em dia. Existem muitas conjecturas a respeito. Ao que parece, algo relacionado a uma cobertura está em pauta. Norman H. Snaith {in loc.) conjecturou que o termo hebraico em questão significa “a cobertura do assento” . Isso, pois, seria uma alusão a um assento com cobertura. Outra idéia é uma espécie de cobertura erigida no átrio para fazer sombra para o rei e seu séquito quando estivessem de visita ao templo. Ellicott conjecturou sobre um “corredor coberto” . Seja como for, sem importar o que fosse esse objeto, deveria ter algum valor monetário, pois foi removido e enviado ao rei

Quanto aos demais atos de Acaz. Encontramos aqui a usual nota de obitu­ ário que o autor sagrado usou para encerrar todas as suas narrativas sobre os reis de Israel e de Judá. Estes versículos são virtualmente idênticos àqueles, em outros lugares, que dão notas de obituário. Ver I Reis 1.21 e 16.5,6 quanto a notas expositivas completas sobre os elementos dessas notas. Não é especifica­ mente dito que Acaz foi sepultado nos sepulcros reais, mas é provavelmente isso que devemos entender aqui. Não é provável que ele tenha recebido um sepultamento inferior, com menos honrarias do que os reis que viveram antes dele. Ver o capítulo 28 de II Crônicas quanto a detalhes sobre Acaz e que II Reis não apre­ senta. Ezequias, seu filho, reinou em seu lugar. É incrível que o ímpio Acaz tenha tido um filho nobre, de fato, um dos melhores reis de JudS. Mas, antes de contar a sua história, o autor sagrado faz nossa atenção voltar-se para Israel, dizendo-nos como esse rei chegou a um fim absoluto. Ver II Reis 18.1-20.21 quanto ao reinado de Ezequias.

C a p ítu lo D e z e s s e te Oséias, Rei de Israel (17.1-6)

Chegou o Fim Inevitável. O reino do norte, Israel, estava prestes a ser obliterado. A sorte não podia mais esperar pelo devido desfecho. Oséias foi o último rei de Israel. Dessa vez, não apenas um rei, mas um reino inteiro morreria. A antiga síndrome do pecado-julgamento-destruição poria fim àquela confusão toda. A Lei Moral da Colheita segundo a Semeadura assinalaria o lim da nação de Israel. Ver sobre esse assunto no Dicionário. A nação do norte, Israel, tinha caído em uma irreversível apostasia. A história dessa nação de Israel tinha degenerado em matar, ser morto e idolatrar. A paciência divina se tinha esgotado. “Oséias foi o último rei do reino do norte. Ele precisou submeter-se ao rei da Assíria; mais tarde, porém, ele se rebelou, atiçado pelas promessas do Egito. Então, o rei da Assíria aprisionou Oséias, cercou a cidade de Samaria, e, quando a cidade caiu, após um cerco de três anos, ele deportou uma larga porção da população” (Norman H. Snaith, in loc.). Mas essa não foi a primeira deportação. Ver II Reis 15.29. O cativeiro assírio (ver a respeito no Dicionário) não foi um acontecimento em uma única fase. Foi um processo que se prolongou por várias décadas, tendo havido três deportações principa/s. Mas no fim o cativeiro assírio mostrou-se absolutamente eficaz: Israel, o reino do norte, foi varrido da face da terra. 17.1

Relatos Paralelos. De acordo com esse método de narrativa dos aconteci­ mentos, quando um novo rei subia ao trono, era sempre comparado cronologica­ mente ao rei do “outro” reino, Judá ou Israel. O autor sagrado não apresentou primeiro todos os reis de Israel e pôs-se a descrevê-los, para, em seguida, fazer a mesma coisa no tocante a Judá. Antes, ele apresentou relatos paralelos, saltando de um reino para o outro, de Israel para Judá, em uma ordem cronológica aproxi­ mada. Quanto a esse modo de apresentação, ver as notas expositivas sobre I Reis 16.29. Oséias começou a reinar no décimo segundo ano do governo de Acaz, rei de Judá, Alguns eruditos salientam que o oitavo ano do governo de Acaz seria um cálculo mais correto; mas outros dizem-nos que houve uma co-regência envolvida que explica a diferença de quatro anos. “O reinado de Acaz, que começou em 744 A. C., incluiu nove anos como vice-regente (744-735 A. C.), quatro anos como coregente com seu pai, Jotão (735-732 A. C.) e dezesseis anos como rei absoluto (732-715 A. C.). Cf. II Reis 16.1,2. Oséias começou seu reinado de nove anos no vigésimo ano do governo de Jotão (II Reis 15.30), que foi o ano de 732 A. C. Os vinte anos do reinado de Jotão (750-732 A. C.) incluíram seu reinado de dezesseis anos (750-732 A. C.) e quatro anos como co-regente (735-732 A. C.). O reinado de Jotão, de 750 a 732 A. C., parece ter perdurado por dezoito ou dezenove anos,

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II REIS

mas foram considerados vinte anos porque ele reinou dezoito anos inteiros e mais parte de dois outros anos” (Thomas L. Constable, in loc.). Ver sobre Israel, Reino de, no Dicionário.

efeitos desejad.os. É possível que Salmaneser tenha continuado por dois anos, e que Sargão tenha terminado a tarefa, em mais um ano. Nas inscrições assírias, Sargão afirma ter cumprido a tarefa em apenas um ano. Salmaneser era irmão de Sargão II.

17.2 17.6 Fez o que era mau perante o Senhor. Mas o autor sagrado não diz que ele compartilhou da forma específica que Jeroboão havia iniciado a adoração ao bezerro, em Dã e Betei. Essa adoração alternativa, em santuários locais, foi estabelecida para impedir as pessoas de ir ao reino do sul, Jerusalém, para participarem do culto no templo. A medida tencionava consolidar a divisão entre o norte e o sul. Jeroboão não queria que descontentes em seu reino falassem a outros sobre as maravilhas do templo no reino do sul, Judá. As tradições rabínicas dizem-nos que Oséias permitiu peregrinações ao templo de Jerusalém. Além disso, temos a informação de que a primeira deportação pusera fim aos santuári­ os de Dã e Betei (ver SederOlam Rabba., cap. 22). Ver II Reis 15.29. Quanto aos pecados de Jeroboão, e o fato de que ele levou Israel a pecar, ver as notas expositivas em I Reis 12.28 ss., 15.26 e 16.2, quanto à história original. 17.3 Contra ele subiu Salmaneser, rei da Assíria. Ver o artigo detalhado sobre esse homem, no Dicionário. A única outra referência bíblica a esse rei assírio fica em II Reis 18.9. Foi rei da Assíria entre 726 e 722 A. C. Conforme o meu artigo demonstra, vários reis foram chamados por esse nome. O rei aqui em pauta é discutido no quarto ponto daquele artigo. Seu pai chamava-se Adade-Nirari III. Ele recebeu tributo de Israel e provocou perturbações locais, mas foi Sargão quem efetuou o cerco de Samaria. Por esse tempo, Salmaneser já havia morrido. Ao que parece, Salmaneser encabeçou duas invasões a Israel (em 727 e 724 A. C.), mas não levou suas campanhas militares ao extremo de obter a vitória total e a deportação dos habitantes de Samaria. Ver o artigo geral, no Dicionário, denomi­ nado Assíria. Oséias, sabedor de que compartilharia da temível sorte da Síria (ver II Reis 16.9), decidiu poupar Samaria, e simplesmente pagou tributo. A primeira deporta­ ção de Israel já havia ocorrido (ver II Reis 15.29). A estrela da Assíria estava subindo no firmamento; e a de Israel estava descendo. O fim estava próximo para o reino do norte, Israel, mas Oséias adiou isso por mais algum tempo, comprando o rei assírio com dinheiro e com o pagamento de tributo. Acaz havia feito a mesma coisa (ver II Reis 16.7 ss.), mas finalmente o tributo não seria mais suficiente para os gananciosos assírios. O tributo era uma taxa anual, e não apenas uma contribuição feita de uma vez só (vs. 4). 17.4

Uma Conspiração é Descoberta. O tributo era muito pesado. A enfraquecida nação de Israel estava sendo esmagada. Oséias procurou ajuda no Egito e, no ano em que fez isso, não pagou seu tributo à Assíria. Sô, rei do Egito. Esse nome suscita dificuldades, porquanto é difícil colocálo dentro da dinastia dele, e com os nomes de homens que governaram o Egito como reis. Alguns estudiosos têm tentado identificar Sô com dois reis da vigésima quinta dinastia (etíope), ou seja, Shabaka ou Shabataka. Sargão mencionou certo Sibu, um general egípcio que ele derrotou em Rafia (na estrada para o Egito, a vinte e sete quilômetros de Gaza). O ano foi 720 A. C. Ele também mencionou Pim (Faraó), rei do Egito. Mediante uma manipulação de vogais (e não de conso­ antes), o nome Sewe poderia ser lido como Sô, e essa palavra, por sua vez, poderia ser um simples equivalente a Shabi, que significa "príncipe” ou “governante”. Nesse caso, nenhum nome próprio está em vista, e a identificação permanece assim na dúvida. Alguns eruditos escolhem Osorcom IV (que governou por volta de 727-716 A. C.) como a pessoa em vista. Winckler diz que não está em pauta o Egito (Miçrayim), e sim o reino árabe de Muçri. Tendo descoberto a conspiração, e não tendo recebido seu tributo anual, Salmaneser marchou contra Samaria; ele capturou Oséias e lançou-o em uma prisão. Mas antes de a conquista ter terminado, ele mesmo morreu, e a Sargão foi conferido o dever de acabar com Samaria e deportar seus habitantes para solo assírio. Cf. Jeremias 32.2,3; 33.1 e 36.5.

No ano nono de Oséias. Após três anos de lutas terríveis, a cidade de Samaria, finalmente, cedeu ao poder superior dos assírios. Isso ocorreu no nono ano do governo de Oséias. Sargão deportou a população de Samaria para uma área da Mesopotãmia e para a Média (724 A. C.). Os dois lugares específicos para onde os israelitas foram levados foram Haia, junto a Habor, o rio Gozã, e também as cidades dos medos. Ver os nomes apropriados comentados no Dicio­ nário. Haia era um distrito ou cidade, e não existem evidências arqueológicas sobre esse distrito ou cidade que nos dê informações mais precisas. Gozã era uma cidade, e temos boas informações sobre ela, conforme meu artigo o demons­ tra. Um inimigo fora obliterado mediante deportação. Os novos lugares de habita­ ção eram controlados; houve casamentos mistos; e assim, finalmente, a identida­ de dos israelitas se perdeu. No caso de Judá, um remanescente dos cativos que tinham sido levados para a Babilônia voltou à Terra Prometida para reiniciar Israel, pelo que todos os descendentes modernos dos antigos hebreus derivamse da tribo de Judá. Tem havido várias identidades das dez tribos, propostas por aqueles que pensam que houve quem sobrevivesse ao cativeiro e tivesse migra­ do para outros lugares; mas todas essas coisas são fantasias sem nenhuma evidência histórica. Nas cidades dos medos. Isto é, em vários lugares a nordeste de Nínive. Os israelitas foram assim eficazmente dispersos. A Septuaginta diz aqui “nos montes dos medos” . Ver no Dicionário o artigo chamado Média (Medos). Os territórios associados com esses povos estavam sob o controle assírio, quan­ do o autor sagrado escreveu os livros dos Reis, e eles faziam parte do impé­ rio assírio. “Assim terminou o reino de Israel, que perdurara por duzentos e cinqüenta e quatro anos, desde a morte de Salomão e o cisma provocado por Jeroboão I, até que Samaria foi tomada pelo exército assírio, no nono ano do governo de Oséias” (Adam Clarke, in loc.). A Moral da História e a Queda de Israel (17.7-23) Houve duas forças econômicas em operação; e houve razões militares para a queda da nação de Israel. O autor sacro tinha consciência dos outros “fatores”, mas estava convicto de que, se Israel tivesse permanecido fiel a Yahweh, a providência divina teria cuidado dos outros problemas. Ver no Dicionário os verbe­ tes intitulados Providência de Deus e Lei Moral da Colheita segundo a Semeadu­ ra. A seção à nossa frente é uma longa explicação quanto a por que a grande calamidade teve lugar. Infelizmente, morreu Israel, e não meramente um rei de Israel! Foi aquela antiga síndrome do pecado-julgamento-destruição que, final­ mente, destruiu o reino todo de Israel. Israel se havia desintegrado muito nos últimos anos, caindo na anarquia e no caos, quando a maioria dos seus últimos reis morreu assassinado, e quando os assassinos foram, por sua vez, também assassinados. “A destruição do reino de Israel deveu-se a seu desvio geral, à sua negligên­ cia em não obedecer aos mandamentos de Deus, mas, acima de tudo, por ter-se desligado da lealdade ao trono de Davi, e por ter adorado o bezerro de ouro em um templo diferente daquele de Jerusalém” (Norman H. Snaith, in loc.). “ Depois de pouco mais de dois séculos, o reino do norte, Israel, deixou de existir como nação (931-722 A. C.). Sete de seus vinte reis foram assassi­ nados. Todos eles foram julgados maus, por parte de Deus” (Thomas L. Constable, in loc.). 17.7

17.5

Tal sucedeu porque os filhos de Israel pecaram. O reino do norte, Israel, finalmente, deixou de existir, por causa de pecado agravado, mormente o pecado de idolatria (ver a esse respeito no Dicionário), uma afronta contra a fé de Israel e a quebra do segundo e do terceiro mandamento (ver Êxodo 20.2,3). Ver sobre Dez Mandamentos, no Dicionário. A versão de Luciano menciona, especificamen­ te, a ira de Yahweh como a causa do fim da nação do norte, Israel.

Porque o rei da A ssíria. Agora o novo rei assírio era Sargão II (ver a respeito dele no Dicionário). Salmaneser gostaria de ter vivido o bastante para ver Israel no cativeiro, mas não lhe foi conferido esse luxo psicológico. Seu sucessor, Sargão, após um cerco de três anos, veria o fim da tarefa. É uma coisa terrível alguém ser cortado pela morte, antes de um projeto pesso­ al estar terminado. Oh, Senhor! Livra-nos de tal coisa! Alguns eruditos, po­ rém, fazem este quinto versículo referir-se a Salmaneser, enquanto o versículo sexto referir-se-ia a Sargão II. O cerco durou três anos para produzir os

Que os fizera subir da terra do Egito. O começo da nação de Israel — para que esse povo se tornasse independente e tivesse seu próprio território e sua liberdade religiosa — teve lugar quando Deus livrou Israel da servidão ao Egito. Esse acontecimento sempre foi considerado crítico e uma razão de grati­ dão por parte dos israelitas. Essa gratidão deveria ter levado à aderência fiel ao yahwismo. Ver como Israel foi tirado do Egito, pelo poder de Yahweh, em Deuteronômio 4.20. Essa expressão ocorre por mais de vinte vezes só no livro de Deuteronômio.

II REIS E temeram outros deuses. Quase imediatamente depois de ter sido livrado do Egito, Israel caíra na idolatria, enquanto ainda vagueava pelo deserto, e esse mau precedente nunca mais deixou Israel em paz. A corrupção continuou. Ver no Dicionário os artigos chamados Deuses Falsos e Idolatria. Esses artigos ilustram a tremenda variedade de cultos falsos em que Israel caiu. “Quão irônico foi que o último rei de Israel tenha procurado a ajuda do Egito (vs. 4), quando setecentos e vinte e quatro anos antes (1446 A. C.), Israel final­ mente escapara do Egito” (Thomas L. Constable, in ioc). 17.8 Andaram nos estatutos das nações que o Senhor lançara fora. Quando Israel entrou na posse da terra de Canaã, encontrou ali grande variedade de deuses, deusas e cultos religiosos. O povo hebreu foi inicialmente influenciado por tudo isso, e logo começou a praticar uma franca idolatria, incorporando deuses estrangeiros em um sistema de adoração sincretista que incluía Yahweh como um Deus. O hebraico da última parte deste versículo não faz sentido e tem sido manuseado variegadamente pelos tradutores. A fíevised Standard Version demonstra muita liberdade com o texto aqui. Alguma comjpção antiga entrou nesse texto. Israel havia recebido amplo aviso contra a idolatria pagã (ver Levítico 18.3), mas não deu muita atenção às advertências. Os reis de Israel introduziram estranhos costumes de adoração, como foi o caso de Jeroboão I, que instituiu a adoração do bezerro de ouro, em Dã e Betei, mas reteve uma forma de yahwismo também. Talvez a última parte do versículo (que é obscura no hebraico) pretenda salientar essa insensatez dos reis de Israel. A Revised Standard Version diz: “...costumes que os reis de Israel haviam introduzido”. Nossa versão portuguesa tem palavras similares às da Revised Standard Version. O autor sagrado, pois, condenou tanto a idolatria franca quanto a fé sincretista. 17.9 Fizeram contra o Senhor seu Deus o que não era reto. Algumas versões dizem aqui que os filhos de Israel fizeram “secretamente" contra o Senhor o que não era reto. Com isso o autor sagrado descreve as formas secretas de idolatria que eram disfarçadas como se fossem realizadas com um espírito reto, e talvez, até, em nome de Yahweh, ou, pelo menos, parcialmente em seu favor. Aqui o autor sagrado nos apresenta as falsidades do culto dos hebreus, quando eles estavam ainda em sua terra. Eles estabeleceram santuários locais, os quais geralmente ocupavam os chama­ dos lugares altos (ver a respeito no Dicionário). Isso posto, Israel contava com uma idolatria disfarçada, que pretendia honrar suas antigas tradições religiosas, mas que eram apenas uma mistura inaceitável de yahwismo com paganismo. Essa questão dos santuários locais (como aqueles de Betei e Dã, onde Jeroboão instituiu sua forma especial de idolatria) feria a unificação da adoração de Israel em Jerusalém, onde o templo tinha por propósito ser o centro de todo o culto. Santuários locais, naturalmente, existiam antes mesmo do templo de Jerusalém. Eles nunca cessaram de exercer forte atração sobre o povo comum. E aqueles que já existiam eram corruptos, e, além desses, inúmeros outros foram levantados, especialmente nos lugares altos. Desde as atalaias dos vigias até a cidade fortificada. O autor sagrado nos está dizendo que centros idólatras foram estabelecidos em todos os lugares, desde os lugares remotos, onde existiam somente pastores e torres de atalaias, até as cidades fortificadas, onde habitavam largos segmentos da população. Ver II Crônicas 26.10 quanto às torres solitárias, habitadas por poucos pastores ou atalaias. 17.10 Em todos os altos outeiros, e debaixo de todas as árvores frondosas. Qualquer elevação e qualquer árvore frondosa fornecia lugar para uma grande quantidade de altares. Naturalmente, o autor sacro está exagerando, mas ele estava correto ao salientar os cultos dispersos que incluíam, naturalmente, a adoração a muitos deuses pagãos. Cf. a idéia do carvalho sagrado. Parece que as árvores tinham algum valor místico para os antigos, e até hoje olhamos para as árvores com certa admiração.

Poemas são feitos por pessoas como eu, Mas somente Deus pode fazer uma árvore. (Joyce Kilmer) Ver no Dicionário os artigos denominados Carvalhos do Manre (em Gênesis 13.18) e Carvalho dos Adivinhadores. Postes-ídolos. A referência aqui é aos postes sagrados, que representavam a deusa pagã Aserá, que existia virtualmente em todos os lugares onde houvesse seres humanos (ver I Reis 18.4). Ver no Dicionário o artigo chamado Aserá. E ver em I Reis 14.15 os artigos Aserins e Aserah. Além disso, havia aquelas pedras sagradas, algumas das quais serviam de altares, enquanto outras não. Algumas dessas pedras eram esculpidas e postas de pé. Ver II Reis 18.4.

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17.11 Como as nações, que o Senhor expulsara de diante deles. Uma vez na posse da Terra Prometida, Israel imitou as nações ao redor, estabelecendo santu­ ários nos lugares altos (ver a esse respeito no Dicionário). Ali eles sacrificavam, queimando incenso. Esses lugares foram centros da mais crassa forma de idola­ tria, destruindo o ideal da adoração centralizada em Jerusalém, onde Yahweh era a única deidade honrada. Os reis de Israel, mesmo quando promoviam o yahwismo, ainda permitiam a continuação dos lugares altos. Ver I Reis 11.7; II Reis 23.15. Ver o trecho de Deuteronômio 12.2-7,13,14 quanto a um ataque contra os lugares altos, e quanto à ordem de adorar no lugar que seria nomeado, ou seja, o templo de Jerusalém. Em todos os escritos pré-exílicos, a palavra “incenso" seria mais bem traduzida por “sacrifício”, visto que no hebraico a palavra somente mais tarde adquiriu aquele outro sentido. Cometeram ações perversas. A idolatria sempre está cercada de pontos absurdos e de imoralidades. “Não meramente os ritos idólatras, mas também as nojentas imoralidades que constituíam uma parte reconhecida da adoração à natureza, na terra de Canaã” (Ellicott, in Ioc.). As sete nações pagãs (ver Exodo 33.2; Deuteronômio 7.1) foram expulsas da Terra Prometida exatamente por cau­ sa dessas práticas idólatras e imorais, e, por ocasião do cativeiro assírio, a mes­ ma coisa aconteceu a Israel. 17.12 Não fareis estas cousas. Os mandamentos divinos contra a idolatria eram claros, a começar pelos próprios Dez Mandamentos (capítulo 20 de Êxodo). Por­ tanto, a prática da idolatria constituía uma escolha rebelde da parte de Israel, e não algum desvio acidental para o mal, por causa de circunstâncias constrange­ doras. Yahweh tinha enviado profetas e videntes com mensagens e instruções especiais. O templo de Jerusalém fora construído para prover um ambiente sau­ dável para a expressão religiosa. Israel não era um povo que ignorasse essas coisas. Cf. I Reis 15.19 e Deuteronômio 19.16; ver a passagem de Deuteronômio 12.2-7,13,14. Ver no Dicionário o artigo geral chamado Idolatria, quanto a amplas ilustrações sobre o tema geral da diatribe da presente seção, versículos 7-23. 17.13 O Senhor advertiu Israel. Profetas e videntes tinham sido enviados; livros religiosos foram escritos; a lei mosaica estava presente como uma diretriz. Os pais tinham obedecido e disso tinham dado exemplo. Havia uma longa tradição espiritual que promovia o yahwismo. A legislação mosaica era a essência do tipo de espiritualidade que deveria ser cultivado em Israel. Mas, em lugar de ceder diante de todas essas pressões, o povo de Israel preferiu copiar os povos pagãos! Os Dez Mandamentos (ver a respeito no Dicionário) eram a essência da lei. Ver Deuteronômio 6.1-9 quanto à declaração clássica acerca da lei como guia, e como esse ideal deveria ser posto em prática. Ver no Dicionário os verbetes chamados Andar e Amor; este último é que forma o grande poder motivador da obediência. 17.14 Antes se tornaram obstinados, de dura cerviz. A lei mosaica não servia de ameaça, mas tornou-se tal, devido à rebeldia do povo israelita. O povo endure­ ceu a cerviz, isto é, agiu como um bando de touros rebeldes que não quer submeter-se aojugo. Quanto a essa metáfora, ver o artigo chamado Dura Cerviz, alicerçado em Êxodo 32.9. Ver também Deuteronômio 10.16; Jeremias 17.23; II Crônicas 36.13. Quanto a essa mesma metáfora, nas páginas do Novo Testamen­ to, ver as notas expositivas sobre Atos 7.51. 17.15 Rejeitaram os estatutos e a aliança que fizera com seus pais. Além da lei mosaica (com seus mandamentos, estatutos e preceitos, ver Deuteronômio 6.1), houve vários pactos estabelecidos entre Yahweh e Israel, a começar pelo pacto abraâmico (ver as notas expositivas a respeito em Gênesis 15.18). Ver no Dicio­ nário o artigo geral denominado Pactos. O pacto mosaico recebe notas detalha­ das na introdução a Êxodo 19.1; o pacto palestínico, na introdução ao capítulo 29 de Deuteronômio; e o pacto davídico, na introdução a II Samuel 7.4. Como também as suas advertências. Escritas nos livros sagrados, proferi­ das pelos profetas, dentro do coração, externamente na natureza: o pecado termi­ naria em calamidade, de acordo com a síndrome do pecado-julgamento-calamidade. Ver no Dicionário o artigo Lei Moral da Colheita segundo a Semeadura. E se tornaram vãos. Os ídolos nada eram, pelo que os idólatras tornam-se vãos, não recebem nenhuma ajuda, pois os ídolos não ouvem as orações de seus

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adoradores nem fazem coisa alguma em favor dos homens. Israel, pois, tornou-se como seus ídolos: sem valor. Ver o comentário neotestamentário sobre essa questão em Romanos 1.21-28. Ver Deuteronômio 6.13,14 quanto a mandamentos específicos para que os filhos de Israel evitassem esse tipo de coisa. Cf. Êxodo 20.2,3. 17.16,17 Desprezaram todos os mandamentos do Senhor. O desvio dos israelitas para longe da lei era equivalente a entregar-se à idolatria, que é aqui descrita de acordo com algumas de suas manifestações principais: 1. Bezerros fundidos. Arão caiu nessa estúpida armadilha (ver Êxodo 32); reis de Israel imitaram os atos atrozes dos pagãos (sobretudo Jeroboão I, que estabe­ leceu a adoração ao bezerro de ouro em Dã e Betei; ver I Reis 12.28,29). Cf. Deuteronômio 4.15-18. Reis subseqüentes de Israel preservaram essa adora­ ção idiota, que fora estabelecida para dar ao povo de Israel um culto religioso alternativo, para que os peregrinos não tivessem de subir a Jerusalém para adorarem no seu templo. Isso foi feito para impedir que os israelitas saíssem de sua terra em direção a Judá, depois da divisão entre o norte (Israel) e o sul (Judá). Por conseguinte, esse ato teve motivações tanto religiosas quanto políticas. 2. Postes-idoios, com a conseqüente adoração dos deuses. Ver o artigo chama­ do Aserá, em I Reis 14.15, e ver também sobre Aserins, nessa mesma exposi­ ção. Cf. II Reis 13.6. Aserá era apenas outro nome para Astarote (Astarte) — ver a respeito no Dicionário. Essa atividade idólatra fazia parte do baalismo. Ver no Dicionário sobre Baai (Baalismo). Astarote ou Astarte era a deusamãe, a consorte de Baal. 3. Adoração astrai mesopotâmica. Esse culto também foi adotado por Israel. Ao que parece, fazia parte de um culto antigo, embora não encontremos na Bíblia nenhuma noticia a respeito. Alguns estudiosos pensam que essa forma parti­ cular de idolatria só foi introduzida em Israel no tempo de Manassés (ver II Reis 21.3). Mas ver Amós 5.26. Sakkut, o deus assírio Ninurta, estava associ­ ado à adoração de Saturno (Kewan). Ver também II Reis 21.3 e 23.4,5. 4. Baai. Ver o artigo chamado Baal (Baalismo) quanto a completas descrições. A adoração a Baal era bastante complexa, e ele era, acima de tudo, o deus da fertilidade masculina do Oriente Próximo. Astarte, por sua vez, era a deusa da fertilidade feminina. Ela era a deusa-mãe, consorte de Baai. 5. Sacrifícios humanos no fogo. Ver no Dicionário o artigo chamado Moleque, Moloque, e também II Reis 16.3 e Deuteronômio 18.10, onde ofereço informa­ ções adicionais. 6. Adivinhações e encantamentos. Ofereci artigos sobre ambos os assuntos, no Dicionário. Israel tinha tais modos de culto religioso como parte do yahwismo, e essas formas eram consideradas santificadas e úteis. Mas quando imitaram os abusos, os excessos e os absurdos dos povos pagãos, então caíram em todas as formas de desvios e pecados. Cf. Deuteronômio 18.10 e Números 23.23. Supunha-se que espíritos malignos e demoníacos estavam envolvidos nessas atividades, pelo que elas teriam forças especial­ mente pervertedoras. 7. Abandono. De todas as maneiras acima declaradas, Israel “vendeu-se”, ou seja, cedeu a um total abandono ao mal. Ver o caso de Acabe, em I Reis 21.20,25.0 ato de “vender'1é uma metáfora que indica total entrega e dedica­ ção, a cessão da posse do eu, para que alguém se torne escravo dos poderes do mal. As pessoas podem vender sua alma ao diabo. A idolatria é considera­ da uma escravidão (ver I Reis 23.23).

Homens sábios, embora todas as leis fossem abolidas, Levariam a mesma vida de sempre. (Aristófanes) Os filhos de Israel, a quem faltava a espiritualidade interior, desprezaram as boas leis e se entregaram às mais desgraçadas abominações.

Pensamos que nossos pais foram uns tolos, e que nós somos tão sábios. Mas nossos filhos mais sábios, sem dúvida nos considerarão tolos. (Adaptado de Alexander Pope)

tados à nossa experiência humana, descrevemos Deus em termos dos atributos e das emoções humanas. Sem dúvida, essa maneira de descrever Deus é extremamente deficiente, mas nosso dilema humano força-nos a fazer assim.

Semeando e Colhendo. Concluindo sua diatribe contra os pecados de Israel, o autor sagrado diz-nos que, daquilo, poderia resultar calamidade. Israel havia perdurado como nação separada de Judá por quase dois séculos e meio, mas a sua existência como nação não poderia prosseguir com toda aquela triste confu­ são de idolatria e apostasia. A conclusão, pois, contém uma espécie de renova­ ção da diatribe (vss. 21 e 22), onde alguns pontos específicos são colocados no texto pelo autor sagrado. E então a diatribe toda termina com uma menção ao cativeiro assírio, o fim de Israel (a nação do norte) como nação. 17.18 Pelo que o Senhor m uito se indignou contra Israel. Este versículo é essencialmente igual ao versículo 23, já mencionando o cativeiro e lembrandonos de que Judá (o reino do sul) sobrevivera à ira da Assíria. Mas Judá esteve sob tributo à Assíria. Ver II Reis 17.4. A Judá, porém, só restavam mais cento e trinta anos de liberdade, antes de seu próprio cativeiro pela Babilônia. Dali retornaria um remanescente, que iniciaria todas as coisas novamente, para fundar uma nação com basicamente apenas uma tribo, Judá. Ver no Dicionário os artigos chamados Cativeiro Assírio; Cativeiro Babilónico e Cativeiro. A nação do sul incorporava as duas tribos de Judá e Benjamim; mas Benjamim fora essencialmente absorvida por Judá, formando apenas uma tribo. 17.19

Se a diatribe acima fora lançada essencialmente contra o reino do norte (Israel), visto que dera uma declaração detalhada de por que essa nação foi levada para o cativeiro pelos assírios, o autor sagrado não resistiu em dizer que Judá também não se comportara muito bem. Visto que seguira sua própria corrupção interior, e visto que imitaria o mau exemplo da nação do norte, Judá também havia caído em muitas desgraças. Seu tempo de cativeiro — pela Babilônia — já estava lançando suas sombras à frente. Judá, portanto, também não seria isentada da lei da colheita segundo a semeadura. Ver o artigo informativo chama­ do Exemplo, na Enciclopédia de Bíblia, Teologia e Filosofia. Por conseguinte, Israel seguiu o exemplo ridículo deixado por povos pagãos, e Judá seguiu o exemplo ridículo deixado por povos pagãos e por Israel. Acaz foi um dos principais ofensores na imitação do mau exemplo da nação do norte (ver II Reis 16.3). Mas a verdade é que a nação de Judá inteira foi-se desviando para o mal, o bastante para merecer o próprio cativeiro. Ver Jeremias 3.7-10, que é uma declaração direta, paralela ao texto presente, uma queixa sobre como de tudo quanto acontecera com a nação de Israel, Judá seguiu uma idêntica vereda de desvio e apostasia. 17.20 Pelo que o Senhor rejeitou toda descendência de Israel. Talvez o versículo 19 (que fala em Judá) tenha sido uma nota editorial, para dizer-nos o que anteci­ par, uma vez que a nação do norte, Israel, deixara de existir. Agora, o autor sagrado leva-nos de volta a Israel. O resultado da síndrome do pecado-julgamento-calamidade foi que Yahweh rejeitara Israel, entregando essa nação à morte, por parte do exército assírio. Foi assim que não apenas um rei, conforme temos visto até este ponto, mas uma nação inteira morreu. Dramaticamente, o autor sagrado escreve a nota de obituário de Israel. Toda a descendência. Alguns intérpretes pensam que essas palavras significam que devemos incorporar Judá na declaração. Nesse caso, os versículos 18 a 20 são gerais, incluindo ambos os reinos. Portanto, esses três versículos, 18-20, podem ter sido uma adição editorial à diatribe original, especificamente com o propósito de falar com todos os descendentes de Abraão que tinham formado os dois reinos, os quais caíram em desgraça final. A doença fatal de Israel conseguiu infeccionar Judá, e tanto Israel quanto Judá acabaram no esquecimento. Somente uma ressurreição de Judá (pois um remanescente de Judá voltou da Babilônia) deu ao povo de Israel uma nova vida. As antigas promessas feitas a Abraão tinham de ser cumpridas. O pacto abraâmico (ver Gênesis 15.18) precisou ser honrado por Yahweh. Se estes versículos se referem tanto a Israel quanto a Judá, então, como é óbvio, foram escritos após o cativeiro babilónico (597 A. C.). Ou podem ter sido incorporados em escritos anteriores, após esse evento. Ver na introdução à uni­ dade, I e II Reis, sob Data, seção V.

Conclusão da Diatribe; Resultados da Apostasia de Israel (17.18-23) 17.21 A ira de Yahweh voltou-se assim contra o povo de Israel, ao passo que antes eles eram Seus filhos, que ele tirara da terra do Egito (ver Deuteronômio 4.20). Ver no Dicionário o artigo chamado Ira de Deus. Essa expressão reflete, ao mesmo tempo, o antropomorfismo e o antropopatismo. Ver sobre ambos os termos no Dicionário. Limi­

Pois quando ele rasgou Israel da casa de Davi. As dez tribos de Israel, que eram espiritualmente inferiores a Judá, foram rasgadas da casa de Davi e transformadas em uma nação separada, por decreto de Yahweh. Yahweh foi o

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verdadeiro poder por trás desse acontecimento, embora ele tenha acontecido como um castigo, o qual não estava em acordo com as intenções originais do pacto abraâmico.

A Origem dos Samaritanos (17.24-41)

“O Pecado do Cisma. A moral de tudo isso é a questão do sermão fúnebre que foi pregado pelo historiador, nos versículos 7-23. O mesmo sermão pode ser pregado hoje em dia como um comentário sobre as catástrofes que têm dominado o nosso mundo moderno. Há um item, nesse arranjo que envolveu a nação de Israel, que merece nossa menção especial. Em adição às suas outras violações da Palavra e da vontade de Deus, Israel foi culpado do pecado do cisma, Por­ quanto Jeroboão rasgou Israel da casa de Davi” (Raymond Calking, in loc.).

Importação. A nação de Israel foi deportada, e muitos povos não-hebreus foram importados. Dessa maneira, a população que veio ocupar o antigo território de Israel não era mais uma população hebréia. Os povos trazidos para ali perten­ ciam a vários ramos étnicos, e, naturalmente, trouxeram todas as suas idolatrias, culturas, contraculturas, políticas, modos de viver etc.

Casa de Davi. Isso aponta para Israel (norte e sul), sob Davi. Davi tomou Jerusa­ lém dos jebuseus e fez dessa cidade a capital de seu reino. Em seguida, ele uniu todas as doze tribos sob uma única liderança, com a capital recém-adquirida servindo de centro de toda a religião e política. O filho de Davi, Salomão, continuou com o império unido, ampliou suas fronteiras e suas riquezas, e até mesmo teve uma aventu­ ra marítima, com a ajuda dos navegadores fenícios. Em seguida, subiu ao trono o filho de Salomão, Roboão, homem dotado de pouca sabedoria e de visão míope. Suas más normas de taxação levaram Jeroboão I a revoltar-se, juntamente com seus con­ selheiros, dividindo assim o reino em dois, o norte (Israel) e o sul (Judá). Jeroboão e seus conselheiros estavam protegendo a parte norte do império unido, ao qual perten­ ciam, mas a reação deles foi exagerada. E os dois reinos nunca mais se uniram. 17.22 Andaram os filh o s de Israel em todos os pecados que Jeroboão tinha com etido. Jeroboão I, o líder da rebelião que separou o norte (Israel) do sul (Judá), fez de Israel e Judá nações separadas. Foi ele quem instituiu a adora­ ção ao bezerro de ouro em Dã e Betei. Seu propósito principal nisso não foi, realmente, religioso. Foi político. Ele temia que os israelitas, obedecendo à antiga legislação mosaica que obrigava todos os homens a fazer três viagens anuais a Jerusalém e ao templo, para observar feriados religiosos especiais, fossem atraídos para o sul. Devemos lembrar que o impulso religioso foi sempre o maior poder motivador do povo hebreu. Foi por isso que Jeroboão I ofereceulhes um sistema de adoração alternativo, para conservá-los no norte. Dessa maneira, ele esperava consolidar a divisão em duas nações e preservar seu governo e poder. Isso porque ele era homem ganancioso. Além disso, podemos ter certeza de que ele era idólatra em seu coração. Por conseguinte, parte de seus motivos eram religiosos. Jeroboão, isso posto, pecou e levou Israel a pecar. Em outras palavras, a nação inteira de Israel andou no caminho da idolatria que fora estabelecida por Jeroboão. A história original é relatada em I Reis 12.28 ss. Cf. II Reis 17.16. Israel seguiu com persistência nessa forma de idolatria (além de outras formas), até o próprio cativeiro assírio. Nenhuma advertência da parte dos profetas, no sentido de que uma terrível punição acabaria sobrevindo da parte de Yahweh, foi suficien­ te para fazer parar a maré da corrupção. 17.23 Até que o Senhor afastou Israel da sua presença. Em outras palavras, ele enviou o exército assírio em várias etapas (740-668 A. C.), para tirar-lhes a vida e para dispersá-los. Aqueles que não morreram foram deportados para terras que estavam mais diretamente sob o controle dos assírios. Quanto a detalhes, ver no Dicionário o artigo chamado Cativeiro Assírio. E assim o povo de Israel não estava mais “na presença” (sob o favor) de Yahweh. Eles se tinham tomado não-filhos. No caso deles, o pacto abraâmico (ver as notas a respeito em Gênesis 15.18) tinha sido anulado.

Advertências Proféticas. Os profetas envolvidos nessas advertências foram Elias, Eliseu, Oséias, Amós, Miquéias e outros profetas menores. Mas nenhuma advertência divina surtiu efeito positivo. O coração do povo de Israel era rebelde e fatalmente perverso. Coisa alguma poderia influenciá-lo. Seu fim terrível era inevitável. O trecho de II Reis 17.7-23 alista os muitos pecados deles, suas depravações e perversões. As mais horrendas crueldades (como os sacrifícios humanos) e as piores perversões (como todas as imoralidades envolvidas na adoração a Baal) foram incluídas. Ver Escrituras específicas de advertências em Oséias 1.6 e 9.16; Amós 3.11,12 e Isaías 28.1-4. Até ao dia de hoje. Essas palavras demonstram que a coletânea de I e II Reis foi escrita após o cativeiro babilónico; e os versículos 19 e 20 mostram que pelo menos parte do livro foi escrito após o cativeiro babilónico (que levou a nação do sul, Judá, em 597 A. C.). Ver sobre essa questão o artigo chamado Data, seção V da introdução a esses livros. A terra não perdeu sua população inteira, conforme sabemos com base em II Crônicas 30.1 e 34.9. Os poucos que permaneceram, porém, misturaram-se por casamento com outros povos. E assim, seja como for, a identidade das dez tribos foi inteiramente obliterada da face da terra.

17.24

Nomes Próprios. Todos os nomes próprios que figuram neste versículo rece­ bem artigos separados no Dicionário, os quais os leitores devem examinar para obter maiores detalhes. Babilônia. Ou seja, o território principal da Assíria, que mais tarde foi tomado pelos babilônios. Quanto a diferenças territoriais, ver os artigos mencionados. Cuta, A referência é a uma cidade a nordeste da Babilônia. Tell Ibrahim agora assinala o local antigo, a cerca de vinte e quatro quilômetros da Babilônia. Era a cidade principal daquela região. Ava. Talvez essa cidade deva ser identificada com a cidade que, passando pelo hebraico, é chamada de Iva, em II Reis 18.34 e 19.13. Se isso está correto, então devemos entender que algumas das pessoas de Israel, que foram deportadas, termi­ naram na Síria, que a Assíria tinha conquistado, estendendo seus territórios. Hamate. Essa era uma cidade de Arã (Síria), às margens do rio Orontes. Sefarvaim. Possivelmente, também era uma cidade que antes fizera parte da Síria, que tem sido identificada com a Shabarain, que Salmeneser IV capturou. Mas a referência pode ser a Sipar do deus-sol Samas, ou a Sipar da deusa Aninitum, uma cidade dupla, situada junto ao rio Eufrates, ao norte da cidade da Babilônia. O povo de Israel foi assim espalhado por uma área muitc extensa, não havendo para ele oportunidade de reagrupar-se, reorganizar-se e rebelar-se.

Um Remanescente de Israelitas foi deixado no território que antes pertencera a Israel. Eles misturaram-se por casamento com os pagãos; e essa mistura deu origem aos samaritanos. Ver II Crônicas 30.1 e 34.9 quanto ao fato da existência desse remanescente. Ver sobre Samaritanos, no Dicbnário, quanto a maiores detalhes. Entrementes, Samaria, a antiga capital do reino do norte, tornou-se sede de uma província assíria, e as muitas cidades do ex-reino do norte também foram ocupadas. Um império inteiro foi assim incorporado em território inimigo, sem que houvesse remédio. A nação do norte, Israel, simplesmente morrera. 17.25 Então mandou o Senhor para o meio deles leões. Quando os recémchegados alcançaram o território da antiga nação de Israel, encontraram o lugar infestado de leões. A Yahweh foi dado o crédito por ter enviado os leões, os quais mataram e devoraram muitos. Os recém-chegados não somente tinham tomado o território dos hebreus, mas trouxeram todas as suas depravações com eles. O trecho de Isaías 35.9, entretanto, menciona a ausência de leões e de outras feras como um sinal da atividade da boa vontade dos poderes divinos. “Leões e ursos por causa da falta de religião na terra! Por quantas vezes essa situação se tem repetido na vida de indivíduos e da sociedade: a vida é atacada por todas as espécies de forças estranhas que a ameaçam rasgar em pedaços” (Raymond Calking, in loc.). Ver no Dicionário os artigos chamados Leão e Urso. 17.26 Não sabem a maneira de servir o Deus da terra. Explicação sobre a praga dos leões. As palavras “pelo que se disse ao rei da Assíria" apontam para os conselheiros e líderes do monarca assírio, aqueles que eram responsáveis pelos povos importados. Eles enviaram cartas ao rei, mediante mensageiros, para leva­ rem a seguinte mensagem: “A gente que enviaste para habitar esta terra não conhece Elohim, o Deus dos hebreus, e Ele os está castigando com essa praga dos leões”. Os povos antigos acreditavam que deuses exerciam autoridade sobre territórios específicos, e que a invasão desses territórios, por parte de um povo incrédulo, despertava a ira desses deuses locais. Cf. II Reis 5.17 quanto à mesma crença exemplificada no texto bíblico. Também se acreditava que as aventuras militares em terras estrangeiras podiam ser impedidas pelos deuses locais, que poderiam defender sua terra (e seus adoradores) por meio de pragas, súbitos ataques de pavor, terremotos ou outros desastres “naturais”. O trecho de I Reis 20.13 ss. ilustra essa crença. O rei da Síria teria sido derrotado nas colinas, porque, alegadamente, os deuses de Israel eram deuses das colinas e tinham força especial naqueles lugares.

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17.27,28 Levai para lá um dos sacerdotes que de lá trouxestes. 0 remédio. Acei­ tando o argumento da incompatibilidade dos recém-chegados para com o Deus de Israel, o rei da Assiria ordenou que algum sacerdote dos israelitas fosse enviado para instruir os invasores sobre como deveriam agradar a Yahweh. Pre­ sumia-se que Deus faria os leões agastar-se. Tudo não passava da mais crassa estupidez. A própria nação de Israel se tinha voltado para a idolatria (incorporando em seu sistema toda espécie de deuses “estrangeiros”), razão pela qual fora sujeitada ao cativeiro. Não era provável que uma conversa pia sobre Yahweh ajudasse na situação dos ataques dos leões. Mas foi assim que o antigo santuário de Betei recebeu um yahwismo renovado, em contraste com a adoração ao be­ zerro que Jeroboão I tinha estabelecido ali. Ver o versículo 28. Presumivelmente, o sacerdote levita que foi levado de volta a Betei esteve envolvido com a adora­ ção ao bezerro de ouro. Mas agora ele promovia o yahwismo, embora a coisa inteira tivesse sido pequena demais, tarde demais, por demais superficial, por demais hipócrita e por demais supersticiosa. 17.29 Cada nação fez ainda os seus próprios deuses nas cidades que habita­ va. A idolatria generalizada continuou, a despeito dos débeis esforços contrários em Betei, e a despeito da continuação da praga dos leões. Os santuários e templos do norte (Israel) foram tomados e os antigos deuses foram substituídos pelos deuses dos recém-chegados, ou foram aceitos, e a esses foram acrescen­ tadas outras divindades. Assim sendo, a idolatria cresceu espetacularmente na­ quela terra que tinha antes pertencido aos filhos de Abraão e que Yahweh lhes dera como possessão. Nos santuários dos altos. Temos aqui outra alusão aos “lugares altos” (ver a respeito no Dicionário), os santuários locais. Os pagãos aproveitaram esse grande número de santuários que os israelitas tinham deixado, e adicionaram ali sua própria idolatria pagã, ou substituíram por suas próprias formas, de acordo com a vontade deles. Que os samaritanos tinham feito. Temos aqui o primeiro uso bíblico do termo “samaritanos”, vocábulo esse que veio a indicar um povo misto, o qual, em tempos posteriores, aderiu à sua própria forma de yahwismo, com sua própria versão do Velho Testamento, o Pentateuco. Por meio desse texto, aprendemos que os samaritanos eram, virtualmente, pagãos puros. O elemento israelita entre eles deve ter sido extremamente pequeno, embora não fosse inexistente (ver II Crônicas 30.1 e 34.9). A última dessas duas citações diz respeito especificamente a um remanescente de Israel, ao passo que a primeira delas mostra que algum yahwismo sobreviveu no antigo território de Israel. Quanto a detalhes sobre a natureza e a história dos samaritanos, ver o artigo sobre eles no Dicionário. De acordo com as fontes informativas judaicas, os samaritanos seriam des­ cendentes de colonos que os assírios implantaram no reino do norte, que se amalgamaram com os israelitas que os assírios haviam deixado na terra. Porém, se houve miscigenação, então os filhos tornaram-se israelitas puros, pois a teolo­ gia samaritana não demonstra sinal de influência pagã. Ver detalhes no artigo que tenta explicar essas questões.

4. Nibaz (dos aveus). Não possuímos nenhuma informação sobre essardivindade pagã, embora existam algumas poucas conjecturas. As tradições judaicas dizem que esse deus era adorado sob a forma da cabeça de um cão, mas essa referência é duvidosa. Ver o artigo sobre ele, no Dicionário, quanto a maiores detalhes. 5. Tartaque (também dos aveus). Não temos informações certas sobre essa divindade pagã, embora as tradições judaicas nos digam que esse deus era adorado sob a forma de um asno. Quanto a maiores detalhes, ver o artigo no

Dicionário. 6. Adrameieque (dos sefarvitas). Um deus que requeria sacrifícios humanos no fogo, entre outras formas de adoração estranhas e corrompidas. Provavel­ mente deveríamos ler aqui Adade-meleque, onde Meleque significa “rei”, no idioma assírio. Adade, por sua vez, era uma antiga divindade da Babilônia, um deus das tempestades e da chuva, chamado de “príncipe dos céus e da terra". Seu nome aparece nos textos de Ras Shamra. Seu culto tinha muitas mani­ festações locais diferentes. Ver o artigo sobre ele, no Dicionário. 1. Anameleque (também dos sefarvitas). É provável que devêssemos ler aqui Anu-meleque, para concordar com o que sabemos sobre a antiga idolatria da área da Assíria-Babilônia. Anu era o grande deus-firmamento dos babilônios. Ele é mencionado nas inscrições de Hamurabi. Os deuses da natureza eram: Anu (do firmamento); Enlil (da terra); Ea (das águas) e Nergal (do submundo). Por conseguinte, a idolatria assegurou que tudo fosse corrompido pela falsa adoração. Ver no Dicionário o artigo chamado Deuses Falsos, bem como o deus falso mencionado aqui sob o sétimo ponto. Ver também o artigo chama­ do Idolatria. 17.32 Assim temiam o Senhor. Ecletismo. Dentro de sua horrenda mistura de “um deus para tudo e para todos”, eles adicionaram o yahwismo-, e, sem dúvida, em muitos santuários da antiga nação de Israel homens ainda tentavam seguir a legislação mosaica, ou isolada, ou misturada com formas do paganismo. A nação do norte, Israel, depois que se separou de Judá, sempre fora assim, mas agora novas formas de idolatria vieram com os recém-chegados, para “enriquecer" o culto religioso. A religião samaritana, em suas formas posteriores, requeria que os sacerdotes fossem descendentes de Arão, mas no estágio mencionado no pre­ sente versículo, coisa alguma parecida com isso estava sendo observada. “Somente uma religião híbrida existia na terra... Não somente o sangue deles se havia corrompido mediante casamentos mistos com aquela gente pagã, mas a religião deles também foi infectada pelo paganismo” (Raymond Calking, in loc.). “Esse sincretismo havia sido proibido pelo Senhor (ver Èxodo 20.3)" (Thomas L. Constable, in loc.). Dentre os do povo constituíram sacerdotes dos lugares altos. Ou seja, a regra que dizia que um sacerdote só podia ser aproveitado dentre os descenden­ tes de Abraão não estava sendo praticada, nem poderia tê-lo sido, pois não havia sido deixada na terra nenhuma casta sacerdotal. Eles precisavam fazer sacerdo­ tes vindos de qualquer classe, de qualquer povo. Eles agiram como tinha agido Jeroboão I, concernente à ordenação de sacerdotes. Ver I Reis 12.31. Ver Èxodo 6.18,20; 28.1 quanto às restrições bíblicas referentes aos sacerdotes levíticos. 17.33

17.30-31

Cada grupo de imigrantes assirios estabeleceu seus próprios ídolos pagãos; e o autor sagrado nos fornece aqui alguma delineação sobre a questão. Ver todos os nomes próprios comentados em artigos separados no Dicionário, quanto a detalhes. 1. Sucote-Benote (os da Babilônia). Esse nome próprio nunca foi explicado de modo satisfatório. O artigo que me serviu de fonte informativa diz o que pode ser dito. Esperaríamos nomes típicos da Babilônia, como Marduque-Zarbanít ou Marduque-Zapanitum. Pelo contrário, temos aqui uma combinação com benote (filhas de). Alguns eruditos pensam que o texto massorético tenha corrompido o nome original, que seria típico da Babilônia. Seja como for, parece termos aqui em vista Sakkut (o planeta Saturno), com sua conseqüen­ te adoração às estrelas. Meu artigo também dá outras idéias. Ver sobre o texto massorético no artigo denominado Massora (Massorah); Texto Massorético, no Dicionário. 2. Nergal (de Cuta). Essa era a principal divindade adorada naquela cidade. Tratava-se de uma divindade do submundo, mas era também parte da adora­ ção astral da Mesopotâmia, identificada com o planeta Marte. Havia um dia especialmente devotado a ele, a cada mês, o dia vinte e oito. Quanto a detalhes, ver o artigo. Muitas cidades da antiguidade tinham suas formas especiais dessa idolatria. 3. Asima (de Hamate). Os papiros de Elefantina tem o nome composto ‘s-mbethel, ao que tudo indica uma referência à esposa secundária de Nahu. Quanto a detalhes, ver o artigo. As evidências demonstram que havia certa variedade de tipos dessa idolatria, dependendo do colorido local.

Temiam o Senhor e ao mesmo tem po serviam aos seus próprios deu­ ses. Um autêntico ecletismo. Embora “temessem o Senhor” (ou seja, praticassem o yahwismo de acordo com os ditames da lei mosaica), eles também participavam nas idolatrias das sete nações (ver Êxodo 33.2; Deuteronômio 7.1) que os filhos de Israel tinham expulsado da Terra Prometida. Essa mistura os condenava, porque quebrava o segundo e o terceiro dos Dez Mandamentos (ver a respeito no Dicionário), o que foi letal para a religião. Segundo o costume das nações dentre as quais tinham sido transporta­ dos. Em sua história posterior, eles também adotaram a idolatria da Síria e da Assina, a Síria sendo um inimigo constante e implacável, e a Assíria como o povo que os levara ao cativeiro. Esse fato nos impressiona como um absurdo. Ver o capítulo 16 de II Reis, que mostra como Acaz imitou a idolatria assíria, e até teve um altar idólatra especial estabelecido no terreno do templo de Jerusalém, que substi­ tuiu o altar de bronze dedicado a Yahweh. Contudo, com certos propósitos, o antigo altar continuou sendo usado. O versículo 33 recapitula os versículos 28 a 32. 17.34 Até ao dia de hoje fazem segundo os antigos costumes. Ver Deuteronômio 6.1-9 quanto à declaração clássica daquilo que se esperava de Israel, em seu culto e serviço espiritual. O Pentateuco fornece as leis e os exemplos. O que se esperava deles era muito claro. A casta sacerdotal e os profetas certificavam-se de que todo o povo de Israel fosse instruído nos caminhos de Yahweh.

II REIS A primeira metade do presente versículo não é muito clara, mas parece estar dizendo que Israel, mesmo no cativeiro, continuou com sua destrutiva idolatria. Mesmo quando misturavam o yahwismo com sua salada idólatra horrenda, não O adoravam de todo coração, mas apenas hipocritamente. Yahweh, para eles, era apenas outro deus, entre muitos deuses, que merecia (na estimativa deles) algu­ ma atenção. O que os versículos 34 a 40 querem dizer é que o povo do norte “nunca observou a vontade do Senhor, nem antes da queda do reino do norte, nem depois" (Norman H. Snaith, in loc.). Que o Senhor prescreveu aos filhos de Jacó. Israel tinha uma longa e honrosa tradição, que estava envolvida naquilo que constituía a marca distintiva deles, a legislação mosaica. Era isso que os distinguia de outros povos (ver Deuteronõmio 4.1 ss., quanto ao caráter distintivo de Israel entre as nações da terra). Ver sobre o pacto abraâmico (Gênesis 15.18) que colocou Israel como cabeça das nações. A despeito desses fatos, entretanto, Israel, a nação do norte, preferia o paganismo.

E assim todo o Israel será salvo, como está escrito: Virá de Sião o Libertador, ele apartará de Jacó as impiedades.

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relacionado à lei, em suas obrigações e provisões. Ver Êxodo 6.6; 20.4,5; Deuteronõmio 4.23,34; 5.6,12,32; 6.12 e 7.11,25. A despeito do caráter distintivo e dos privilégios e da história miraculosa passada de Israel, essa nação jogou tudo fora e escolheu o paganismo comum, imitando as nações que a circundavam. Isso feriu o próprio âmago dos Dez Mandamentos (ver a respeito no Dicionário) e foi letal para Israel. 17.38 Da aliança que fiz convosco não vos esquecereis. Mas o povo que tinha firmado um pacto com Deus quebrou e esqueceu esse pacto. O pacto mosaico é o principal pacto aqui em vista, embora do pacto abraâmico dependessem todos os outros pactos. Ver as notas expositivas sobre o versículo 35. Os pactos forma­ vam uma unidade, de modo que quebrar um deles era o mesmo que quebrar todos eles, pelo menos até determinado ponto. O autor sagrado destaca aqui o absurdo do que aconteceu. Aquele povo privilegiado e distinto, esse foi o povo que caiu no nada do paganismo. A ordem para os filhos de Israel não temerem “outros deuses" figura por três vezes nesta passagem (ver os vss. 35, 37 e 38). Esse era o ponto mais profundo do pacto entre Yahweh e Israel, o âmago dos Dez Mandamentos. 17.39

(Romanos 11.26)

Minha convicção pessoal é que este versículo ensina uma salvação univer­ sal, e não meramente quanto aos últimos dias. O poder, a graça e a misericórdia de Deus penetram até o hades para salvar Israel. Ver na Enciclopédia de Bíblia, Teologia e Filosofia o artigo chamado Descida de Cristo ao Hades. Caros leitores, os pactos não podem ser quebrados, a despeito das vicissitudes da vida física, e de seus intermináveis fracassos.

Mas ao Senhor vosso Deus temereis. O temor a Yahweh fazia do povo de Israel um povo distinto. Temer outros deuses (ou seja, rejeitar a idolatria e seus abusos) seria o lado negativo do culto; o lado positivo seria o temor a Yahweh, ou seja, a obediência às Suas leis, a prática diária de Seu culto, conforme era requerido pela legislação mosaica.

O temor ao Senhor é o princípio do saber.

17.35

(Provérbios 1.7)

Ora, o Senhor tinha feito aliança com eles. Os Pactos. Ver no Dicionário o verbete intitulado Pactos, e, quanto a maiores detalhes, ver sobre o Pacto Abraâmico (Gênesis 15.18); sobre o Pacto Mosaico (introdução ao capítulo 19 do Êxodo); sobre o Pacto Palestínico (introdução ao capítulo 29 de Deuteronõmio); e sobre o Pacto Davídico (II Samuel 7.4). O pacto e a legislação mosaica requeriam obediência à lei. Essa era a condição da bênção. A principal provisão era a condenação da idolatria. Os Dez Mandamentos formavam a essência desse Pac­ to e o restante era formado por comentários. Minha convicção é que as provisões do Pacto Abraâmico terminarão por conceder a vitória a Israel, no fim, mas essa vitória exigirá uma operação do poder de Deus pertencente ao “outro mundo". Ver o último parágrafo dos comentários sobre o versículo anterior. “É um consolo relembrarmo-nos de que essa condenação contra Israel não é a palavra final que a Bíblia tem a dizer sobre as doze tribos, essa família de Deus cuja história começa no livro de Gênesis... ver Apocalipse 7.1-8... Antes do fim da Bíblia, encontramo-los todos reunidos, ‘quando a lista for chamada lá em cima'. Quão indizivelmente comovente será essa chamada de cada nome em separado: Judá, Rúben, Gade, Aser, e todos os demais, todos presentes e devidamente contados. Teste e tribulação, pecado e retribuição, divisão e cisma — tudo passa­ do, e a família de Deus reunida, juntos para sempre no lar de Deus” (Raymond Calking, in loc.).

Pois o amor de Deus é mais amplo Que a medida da mente do homem; E o coração do Deus eterno É maravilhosamente bondoso.

Ver o artigo geral sobre Temor, no Dicionário. O ponto 1.1 fala especificamen­ te sobre o Temor o Deus. E o terceiro ponto discute sobre o temor a Deus como uma virtude. A seção III refere-se a como esse temor traz a salvação; e a seção IV dá exemplos bíblicos de heróis da fé que puseram em prática o temor a Yahweh. 17.40 Porém eles não deram ouvidos a isso. Uma crassa estupidez. Altos privilé­ gios, oportunidades sem limites, instruções completas, ameaças letais, juízos pre­ liminares — nada foi o bastante para salvar Israel de escorregar para a total apostasia. Isso deixou Yahweh sem escolha: o cativeiro assírio tinha de aconte­ cer. Eles mesmos permaneceram em sua conduta anterior, ou seja, na idolatria; e adquiriram novas formas de idolatria, imitando o próprio povo que acabou por levá-los para o cativeiro, E, até mesmo no cativeiro, eles continuaram com sua crassa estupidez. Talvez o “seu antigo costume", frase que aparece neste versículo, seja o que aconteceu antes do cativeiro, a história toda da apostasia de Israel. Nem mesmo depois de terem sofrido seu terrível julgamento, eles não aprende­ ram a lição. Mesmo no cativeiro, eles continuaram a praticar aquelas coisas que tinham sido a causa da miséria deles. Os hábitos errados que um homem forma finalmente furtam-lhe o livre-arbítrio. Esse homem torna-se escravo de sua própria corrupção. E ele torna-se incapaz de mudar. Foi isso que aconteceu com Israel.

Semeai um ato, e colhereis um hábito. Semeai um hábito, e colhereis um caráter. Semeai um caráter, e colhereis um destino. Semeai um destino, e colhereis... Deus.

(Frederick W. Faber) 17.36 Ao Senhor, que vos fez subir da terra do Egito. Uma ilustração favorita do poder e da misericórdia divina, que operou em favor de Israel, é aquela dada aqui: Yahweh tirou aquele povo do Egito; deu a esse povo a liberdade da servidão, uma nova vida em uma nova terra. Ver a expressão anotada em Deuteronõmio 4.20. Essa expressão ocorre por mais de vinte vezes no livro de Deuteronõmio. Ver o versículo sétimo deste capítulo 17, que contém a mesma declaração. O corolário necessário para sido tirado do Egito era a dedicação a Yahweh, o Libertador, e à Sua Lei, dada por intermédio de Moisés. 17.37 Tereis cuidado de os observar todos os dias. Este versículo é similar a Deuteronõmio 6.1-9, a declaração clássica das obrigações dos homens diante da lei de Deus. Nessa lei, Israel era distinto. Esse caráter distintivo sempre esteve

(Prof. Huston Smith) 17.41 Assim estas nações temiam o Senhor e serviam as suas próprias imagens de escultura. Um ecletismo letal. Cf. o versículo 33. Um yahwismo fraudulento continuou a ser praticado. Fraudulento por estar misturado com toda a variedade de idolatria. A salada era nojenta. A apostasia passava de geração em geração, como o modus operandi fixo na vida do povo de Israel. Eles continuavam a agir dessa maneira, mesmo no cativeiro, conforme o demons­ tram as palavras deste versículo, “até ao dia de hoje". O autor sagrado, ao escrever depois do cativeiro assírio, observou como o povo de Israel se condu­ zia no cativeiro. Ele foi informado de que coisa alguma tinha mudado. Os israelitas continuavam agindo como pagãos, estando cativos entre os pagãos. A doença era incurável. Essa doença causara a morte da nação de Israel, sua obliteração da face da terra.

II REIS

1538

"... eles continuaram essa adoração mista e híbrida pelo espaço de trezentos anos, até os tempos de Alexandre, o Grande, de quem, Sambalate, governador da Síria, recebeu permissão para edificar um templo no monte Gerizim, para seu genro, Manassés. Ele se tornou sacerdote do culto, e os samaritanos foram con­ vencidos a abandonar sua idolatria e a adorar o único e verdadeiro Deus de Israel. Isso eles fizeram, apesar de fazê-lo na ignorância e não sem superstições, até os tempos de Cristo (João 4.22)” (John Gill, in loc.).

C a p ítu lo D ezo ito O Reino Sobrevivente de Judá (18.1 -25.30) O Período Assírio (18.1-21.26) Ezequias, Rei de Judá (18.1-20.21)

Israel, a nação do norte, tinha deixado de existir. O cativeiro assírio (ver a respeito no Dicionário), um processo que durou várias etapas, encarregou-se de pôr fim à nação de Israel. Essas etapas começaram em 740 A. C. e terminaram em cerca de 668 A. C. Mas o reino do sul, Judá, conseguiu sobreviver cerca de cem anos mais, antes que o cativeiro babilónico o tivesse levado embora de seu território. Ver sobre esse assunto no Dicionário. Do cativeiro babilónico voltou um remanescente, e as coisas começaram de novo, embora baseadas sobre uma única tribo, Judá. Ezequias, embora filho do ímpio Acaz, foi um dos melhores reis de Judá, um hábil administrador e reformador. Ver o artigo detalhado sobre ele, no Dicionário. “Ele procurou abolir todas as imagens e objetos de idolatria, e também os santuá­ rios locais. Uniu-se em uma revolta geral no oeste contra a Assiria, e assim perdeu tudo, exceto Jerusalém. Mas foi salvo miraculosa e inesperadamente. Foi encorajado e apoiado pelo profeta Isaías (por meio de quem Deus anunciou um prolongamento de vida). No entanto, o rei Ezequias desagradou o profeta quando recebeu favoravelmente uma embaixada enviada pela Babilônia, da parte do tição de logo, Merodaque-Baladã" (Norman H. Snaith, in loc.). “O escritor de I e II Reis devotou mais espaço e elogiou mais Ezequias quanto às suas realizações do que qualquer outro rei, exceto Salomão” (Thomas L. Constable, in loc.).

do os lugares altos, no entanto mais tarde desintegrou-se perigosamente. Isso significa que somente Ezequias, além de Davi, em toda a história de Judá, pode ser elogiado, sem nenhuma desqualificação, no tocante ao culto religioso. 18.4 Removeu os altos. Destmição e Refomna Religiosa. Nenhum ídolo escapou à ira destruidora de Ezequias. Os lugares altos (ver a respeito no Dicionário) foram destniidos e queimados, e os ídolos foram destruídos. Além disso, havia um ídolo especial, a serpente de metal, que Moisés havia feito, por ordem do Senhor, para cura do povo (ver Números 21.5-9), e que foi quebrado e anulado. O povo vinha usando aquele objeto em sua idolatria, chegando a queimar incenso defronte dele. Neustã. Ver no Dicionário sobre essa palavra. Esse vocábulo, no hebraico, é parecido (quanto ao som) com as palavras hebraicas que significam “bronze" e “imundo". O rei estava ansioso por remover todos os vestígios da idolatria, e qualquer coisa que pudesse provocar práticas idólatras, pelo que despedaçou a serpente de metal. As tradições judaicas dizem que Ezequias despedaçou a serpente de metal, moeu-a até virar pó e então espalhou as partículas ao vento (Talmude Bab. Avodah, Zarah, foi 44.1). 18.5 Confiou no Senhor Deus de Israel. “A irreligiosidade é a causa final da decadência e do desastre nacionais. Ezequias compreendeu isso e instituiu uma reforma religiosa nacional’ (Raymond Calking, in loc.). “A mais elevada qualidade de Ezequias foi que ele confiou no Senhor. Quan­ to a esse aspecto, ele foi o maior de todos os reis do reino sul. Diferente de alguns outros reis, ele não se desviou mais tarde na vida, mas guardou o pacto mosaico fielmente, até o fim. Em resultado, o Senhor estava com ele e o aben­ çoou em tudo quanto ele pôs as mãos’ (Thomas L. Constable, in loc.). Ele foi o melhor de todos os reis de Judá: “Ben Gersom e Abarbanel pensam que Davi e Salomão estão fora dessa lista. Davi pecou no caso de Urias, e Salomão caiu na idolatria, crimes esses dos quais Ezequiel não foi culpado’ (John Gill, in loc.). Cf. o elogio a Josias (II Reis 23.25), que diz mais ou menos a mesma coisa. Não é mister encontrar algum meio esperto de pôr um desses dois reis acima do outro, nem é preciso reconciliar a declaração sobre qual dos reis foi o maior. Foram ambos grandes luzes, e isso é o quanto devemos saber.

18.1,2 18.6 No terceiro ano de Oséias... começou a reinar Ezequias. Relatos Paralelos. O autor sacro não apresentou primeiramente todos os reis de Israel, contando suas histórias, para então apresentar os reis de Judá, fazendo a mesma coisa. Antes, ele saltava para cá e para lá, entre os dois reinos, dando relatórios paralelos e aproxi­ madamente cronológicos. Quanto a esse modo de apresentação, ver I Reis 16.29. Seguindo essa prática, o autor sagrado informa-nos que Ezequias começou a go­ vernar no terceiro ano de Oséias, rei de Israel. Dificuldades cronológicas são explicadas por alguns estudiosos como perturbações numéricas causadas pelas coregências. Por isso, os eruditos supõem que Ezequias tenha reinado com seu pai, Acaz, pelo espaço de catorze anos (729-715 A. C.). O terceiro ano de Oséias, é de presumir-se, assinala o ano em que Ezequias começou a reinar em parceria com seu pai. Ele reinou sozinho por dezoito anos (715-697 A. C.). Em seguida, reinou como co-regente com seu filho, o extremamente ímpio Manassés, por onze anos. Juntando-se todos esses anos (co-regência, sozinho, co-regência), chegamos aos vinte e nove anos do segundo versículo. Portanto, ele reinou no período de 715 a 686 A. C. Sua capital foi Jerusalém, o lugar que seu agora distante ancestral, Davi, havia conquistado das mãos dos jebuseus. Quanto a detalhes sobre a sua família, sua mãe e seu avô (Abi e Zacarias), ver os artigos sobre eles no Dicionário. E ver também no Dicionário os artigos intitulados Reino de Judá e Rei, Realeza. 18.3 Fez ele o que era reto perante o Senhor. Ezequias, contrastando com todos os demais reis de Judá, conseguiu com sucesso imitar o exemplo do rei ideal, Davi. Ver sobre esse rei ideal em I Reis 15.3. Embora Davi fosse culpado de alguns crimes horrendos, mostrou-se imaculado quanto ao seu culto religioso. Ele nunca permitiu nenhuma forma de idolatria durante seu reinado, mas apegouse a um yahwismo puro. Ele seguiu a legislação mosaica sem transigência. Mas Salomão, seu filho, apesar de toda a sua sabedoria, caiu na idolatria, e nenhum rei de Judá, depois dele, exceto Ezequias, dela ficou livre. Os santuários locais nos lugares altos sempre tinham conseguido permanecer; mas Ezequias foi capaz de livrar Judá até desses lugares idólatras (vs. 4). Andar “corretamente como Davi” é algo dito nas Escrituras acerca de somen­ te quatro reis de Judá: Asa (I Reis 15.11); Josafá (II Crônicas 17.3); Josias (II Reis 22.2) e Ezequias (II Reis 18.3). Josafá, à semelhança de Ezequias, tinha removi­

E guardou os mandamentos que o Senhor ordenara a Moisés. A legisla­ ção mosaica foi sempre o padrão da avaliação espiritual, no Antigo Testamento. Ver Deuteronômio 6.1-9. Isso significava santidade pessoal na guarda dos Dez Mandamentos (ver a respeito no Dicionário), mas também apontava para a fideli­ dade pública e particular aos ritos e ao sistema sacrifical da lei mosaica. Tudo quanto fora escrito era para ser observado. O Targum sobre este versículo enfatiza “o temor ao Senhor” , por onde come­ ça a sabedoria (ver Provérbios 1.7). Ezequias, pois, “se apegou” ao Senhor e “guardou" os mandamentos da lei mosaica. Ele tinha sentimentos piedosos e boas resoluções, mas também teve a força de vontade necessária para realizar essas coisas. Não basta sentir. Deve haver obras e realizações. Deve haver uma fé tanto subjetiva quanto objetiva: deve haver a fé e suas obras (ver Tiago 2.18 ss.). 18.7,8 Para onde quer que saía lograva bom êxito. Ezequias Prosperou. Oh, Senhor, concede-nos tal graça! Ele semeava o bem e colhia o bem. Ele abençoa­ va e era abençoado. Ver no Dicionário sobre a Lei Moral da Colheita segundo a Semeadura. Todos os empreendimentos do rei eram favorecidos pela bênção divina, conferindo-lhe plena realização. Parte de sua prosperidade era o sucesso contra seus adversários militares. Ele foi capaz de desafiar o rei da Assíria, recusando-se a pagar tributo, que fora imposto sobre Judá por longo tempo (ver II Reis 17.4). Tudo isso, entretanto, foi apenas temporário, pois Judá sofreu novas pressões da parte da Assíria, e, finalmente, foi levado ao cativeiro pela Babilônia. Os babilônios foram os sucessores dos assírios no palco das questões internacio­ nais. “Essa rebelião de Ezequias contra a Assíria fez parte da revolta geral na qual Merodaque-Baladã, da Babilônia, se envolveu, juntamente com todos os reis sírios e palestinos, exceto Padi, rei de Ecrom. É provável que Merodaque-Baladã tenha sido o principal instigador da revolta. Os súditos de Padi revoltaram-se contra ele, querendo livrar-se da Assíria, como os demais países, e Ezequias manteve Padi na prisão. Foi durante esse período, no começo da revolta, que Ezequias se lançou em uma expedição contra os filisteus, varrendo tudo à sua frente, até as

II REIS muralhas de Gaza. Dessa maneira, ele sujeitou aqueles poucos príncipes filisteus como Padi, de Ecrom, que tinha resistido contra a revolta geral. Assim sendo, as vitórias registradas (vs. 8)... pertencem ao período imediatamente antes de 701 A. C., o ano no qual o rei da Assíria esmagou a revolta. Naquele ano, Senaqueribe alocou certos territórios de Judá aos filisteus que lhe tinham sido fiéis durante os quatro anos perturbados anteriores" (Norman H. Snaith, in loc.). Gaza. Ver a respeito dessa localidade no Dicionário. Ali ficava o ponto mais ao sul dos territórios filisteus.

Uma Vitória Completa. O triunfo de Ezequias contra os filisteus estendeu-se aos postos avançados onde torres de vigia tinham sido construídas, e daí até as cidades fortificadas, ou seja, desde as áreas essencialmente desabitadas até as mais densamente habitadas. “O território inteiro dos filisteus foi devastado pelas forças judaítas” (Ellicott, in loc.). A Queda de Samaria; Fim do Reino do Norte (18.9-12) A presente seção cf. II Reis 17.23,24. O cativeiro assírio (ver a respeito no Dicionário) não foi um acontecimento realizado em uma única etapa. Foi, antes, uma série de cativeiros e deportações que, finalmente, varreu o reino do norte inteiro. Naturalmente, uma pequena parcela da população foi deixada na terra; mas povos de outros lugares foram importados para ali (ver II Reis 17.24), e a identidade do povo de Israel acabou perdendo-se por motivo de casamentos mistos. Na verdade, no fim nada foi deixado do antigo povo de Israel, embora o samarítanismo, um sistema religioso eclético, tenha preservado alguma forma do yahwismo na terra, o que sobreviveu até os tempos de Jesus. As notas sobre II Reis 17.24-41 nos dão as origens dos samaritanos. O cativeiro assírio teve início em cerca de 740 A. C. e ampliou-se até 668 A. C., com várias exportações e importações de povos. A Assíria fez um trabalho completo de eliminação da própria identidade de Israel, o reino do norte. O versículo 12 deste capítulo vê uma razão espiritual para a queda da nação do norte: apostasia do yahwismo por meio da idolatria, o que violava o pacto mosaico. O desastre começou na alma dos homens e terminou na destruição da vida nacional. 18.9 No quarto ano do rei Ezequias. O autor, pois, continuava com suas

narrativas paralelas sobre os reis de Israel e de Judá. Ele não nos contou primeiramente sobre os reis de Israel, relatando suas crônicas, para então voltar-se para os reis de Judá e fazer a mesma coisa. Antes, ele saltava para cá e para lá entre os dois reis, seguindo uma ordem cronológica aproximada. Ver sobre esse método de apresentação nas notas em I Reis 16.29. Há alguma dificuldade com a cronologia apresentada, o que tem levado alguns intérpretes a incluir emendas no texto, fazendo-o dizer “no segundo ano do rei Ezequias” e no “nono ano do rei Oséias” . Além disso, o versículo 10 deveria dizer, é de presumir-se, no “décimo segundo ano de Oséias” e no “quinto ano de Ezequias". Mas, manipulando alegadas co-regências, alguns estudiosos encontram uma explicação: “O quarto ano do rei Ezequias, a começar com sua vice-regência, foi o ano de 725 A. C. No fim dos três anos (722 A. C.), Salmaneser V capturou a capital de Israel” (Thomas L. Constable, in loc.). Na exposição sobre II Reis 18.1,2 dou um relato completo sobre a cronologia envolvida. Naquele quarto ano, a revolta contra a Assíria foi abafada (ver II Reis 18.7,8 quanto às descrições atinentes). Judá perdeu parte de seus territórios e foi posto de novo sob tributo à Assíria. Mas aquela potência maior, Babilônia, estava espe­ rando fora do palco da história. A Babilônia em breve derrotaria a Assíria, e levaria Judá para o cativeiro. Quanto ao tributo renovado à Assíria, ver o versículo 14 deste capítulo.

1539

Cronologia. Quanto a comentários sobre as notas cronológicas que figuram nos versículos 9 e 10, e sobre as dificuldades que as cercam, ver meus comentá­ rios no versículo anterior, com um relato mais completo em II Reis 18.1,2. 18.11 O rei da Assíria transportou Israel para a Assíria. Este versículo é paralelo ao de II Reis 17.6, e é ali que apresento os comentários. O reino do norte, Israel, sendo o mais forte dos dois, foi completamente derrotado, rebaixado, aniquilado e deportado. E o reino do sul, Judá, sendo o mais fraco, foi submetido a tributo, mas não foi destruído. Isso se deveu à espiritualidade superior do reino do sul. Ver o quinto versículo. 18.12 Porquanto não obedeceram à voz do Senhor seu Deus. Razão Espiritual da Queda do Reino do Norte, Israel. Israel estivera há muito tempo na apostasia, no meio de sua elaborada idolatria. A paciência divina, finalmente, esgotou-se, e, juntamente com ela, a identidade do reino do norte. A desobediência à legislação mosaica também significou o anulamento do pacto mosaico (anotado na introdu­ ção ao capítulo 19 de Êxodo). Esse anulamento significou o anulamento da nação do norte. Não havia mais razão para ela continuar existindo. Israel tinha-se torna­ do apenas outra nação pagã entre nações pagãs. Havia perdido seu caráter distintivo, o qual lhe fora dado pela lei mosaica (ver Deuteronômio 4.4-8). Cf. a longa diatribe que ilustra a violação, por parte de Israel, das leis e tradições ensinadas nas Escrituras (ver II Reis 17.7-23). Conquistas Militares de Senaqueribe (18.13 -1 9.37 )

O trecho de Isaías 36.1-39.8 reproduz essencialmente a presente seção. A maioria dos eruditos acredita que o autor de I e II Reis produziu esta seção, por redação sua, e mais tarde toda a produção escrita (com omissões e inserções ocasionais) foi reproduzida no livro de Isaías. O interesse do autor de Isaías, ao tomar por empréstimo o material, foi preencher detalhes concernentes à vida e às obras do profeta, que, ao que tudo indica, ele não possuía da parte de outras fontes informativas. As Três Seções do Material. 1. II Reis 18.13-16: a derrota de Judá e o tributo renovado pago à Assíria; 2. II Reis 18.17-19.8: a história do livramento de Ezequias. 3. II Reis 19.9-35: o livramento de Jerusalém. Os versículos 36 e 37 provêem uma conclusão apropriada. Sargão II, antecessor de Senaqueribe, expandiu o território da Assíria. Essa história é contada com detalhes no artigo sobre ele, no Dicionário. Senaqueribe foi um governante assírio menos hábil do que seu pai. Esteve envolvido na tarefa de enfrentar a Babilônia, que estava em ascendência, tentando preservar as vitórias de seu pai. A fim de manter Judá sob controle, sanguinárias campanhas foram lançadas. Uma grande soma em dinheiro e valores conservou o lobo do lado de fora da porta, mas resgates não satisfaziam Senaqueribe. Yahweh, porém, garantiu que ao homem mau se fizesse uma resistência eficaz (ver II Reis 19.35-36). Mas tudo isso foi apenas preliminar ao inevitável: o cativeiro babilónico (ver a respeito no Dicionário). Quanto a detalhes sobre a história, ver no Dicionário o artigo chamado Senaqueribe. 18.13

Salmaneser. Ver o artigo detalhado sobre os vários reis da Assíria que tiveram esse mesmo nome. Ver as notas expositivas adicionais no relato paralelo sobre II Reis 17.3,5,24 ss.

No ano décimo quarto do rei Ezequias subiu Senaqueribe. Isso, novamente, cria problemas cronológicos. Ver as minhas notas em II Reis 18.1,2 quanto a detalhes da cronologia envolvida e ver o vs. 9 quanto a comentários adicionais. Seja como for, o ano foi o de 701 A. C., presumivelmente no décimo quarto ano do governo único de Ezequiel, que começou em 715 A. C. O ano décimo quarto de Ezequiel foi, provavel­ mente, o ano de sua enfermidade quase fatal (ver II Reis 20.1-19). A captura de várias cidades de Judá foi o primeiro resultado da invasão, e a captura de Jerusalém foi o próximo resultado. Um pesado suborno salvaria tem­ porariamente a capital de Judá (vss. 14-16). Comparar o presente versículo com II Crônicas 32.1.

18.10

18.14

Ao cabo de três anos. Salmaneser gostaria de ter vivido tempo suficiente para ver Israel em completo cativeiro, mas isso não lhe foi proporcionado. Ele morreu antes que o cerco de Samaria tivesse rendido resultados. Foi Sargão quem, após três anos de ataques, finalmente sujeitou a cidade de Samaria ao seu poder, quando seus habitantes (aqueles que sobreviveram à matança) foram deportados. O assédio inteiro pode ter levado quatro anos: um sob Salmaneser e três sob Sargão. Ou então o tempo todo do assédio levou três anos: um sob Salmaneser e dois sob Sargão. Seja como for, o trabalho de dominação da cidade de Samaria foi completo e devastador.

Ezequias deu a Senaqueribe um cheque em branco. Ele poderia escrever ali a quantia que quisesse. O rei de Judá reconheceu que o rei da Assíria tomaria tudo se capturasse Jerusalém, pelo que qualquer quantia menor do que essa seria uma vantagem para Judá, por mais miserável que a vantagem pu­ desse ser. Um mensageiro foi de Jerusalém a Laquis (ver no Dicionário), uma distância de apenas cinqüenta e seis quilômetros para sudoeste. Portanto, o homem amea­ çador tinha chegado bem perto da capital, e coisa alguma poderia fazê-lo parar exceto o dinheiro, e mesmo assim apenas por algum tempo.

1540

II REiS

Trezentos talentos de prata e trinta talentos de ouro. Essa foi a quantia que Senaqueribe escreveu no cheque. Quanto aos valores envolvidos, ver o artigo sobre Pesos e Medidas, no Dicionário. Não há como relacionar a quantia envolvida com o poder de compra das moedas modernas. Uma de minhas fontes informativas supõe que a quantia equivalia a US$2,500,000, combinando os pe­ sos em prata e em ouro. Naquele tempo ainda não havia moedas, e os valores eram calculados por peso. Os pesos envolvidos foram onze toneladas de prata e uma tonelada de ouro. O templo, a casa de Yahweh, proveu a fonte principal desse pagamento (ver os vss. 15 e 16). 18.15 Deu-lhe Ezequias toda a prata que se achou na casa do Senhor.

Esvaziando o Templo de Jerusalém. Em Judá, o templo servia como o mais rico depósito de riquezas e, em várias ocasiões, foi esvaziado para manter os lobos distantes da poria. Cf. II Reis 12.18 e 16.8. Os móveis do templo, ricos em ouro e prata, também foram desmantelados e transformados em dinheiro para suborno; e isso aconteceu por mais de uma vez (vs. 16). Mas a despeito de todos os esforços e sacrifícios, a Assíria não se deixou aplacar, e exigiu a rendição incondicional de Jerusalém (vss. 17 e ss.). A resistência era impos­ sível, não fosse por algum milagre especial de Yahweh. Nessa oportunidade, houve esse milagre, mas não mais tarde, quando o poder opositor era a Babilônia. 18.16 Foi quando Ezequias arrancou das portas do templo. As portas e as ombreiras das portas do templo tinham sido recobertas de ouro, de acordo com o texto presente, por Ezequias. Mas os intérpretes pensam que isso representa um erro primitivo, ou um deslize da pena do autor-compilador original, ou de algum escriba antigo. Esse trabalho pode ter sido feito pelo rico Salomão, ou por Azarias. O ouro que Salomão havia usado para embelezar o templo provavelmente já havia sido usado, fazia muito tempo, como dinheiro para subornos. Seja como for, havia no templo grandes riquezas que entravam e saíam, conforme as vicissitu­ des de Judá com os adversários estrangeiros que levavam a nação de Judá da riqueza à pobreza. As colunas também foram tiradas de seus lugares. Em vista estão as colunas do templo (conforme diz o Targum), ou seja, a verga e os lados das portas do templo.

sobre esses oficiais e as funções que desempenhavam. Esses três altos oficiais assírios foram enviados para negociar a “paz”, mas o que sem dúvida estava sendo ameaçado era a rendição incondicional, com a subseqüente deportação da população de Jerusalém. Um grande exército assírio acompanhou os oficiais em uma demonstração de força. “Eles foram com um grande exército para intimidar Ezequias, a fim de que ele se rendesse sem oferecer resistência" (Thomas L. Constable, In loc.). Na extremidade do aqueduto do açude superior. Cf. Isaías 7.3. Foi na­ quele local que o profeta Isaías tinha advertido Acaz a respeito da insensatez de buscar ajuda da parte da Assíria. O local não foi identificado de forma absoluta, mas provavelmente era um cano que trazia água do poço da Virgem, a moderna 'Ain Sitti Maryam, até o poço de Siloé, no interior da cidade. “O suprimento de água sempre foi um problema na defesa das cidades, e o poço da Virgem era o único suprimento de água alcançável pela cidade. Ezequias, pois, havia construído um canal subterrâneo a fim de tornar mais seguro o suprimento de água (ver II Reis 20.20)” (Norman H. Snaith, in loc.). Açude superior. Esse açude é chamado de Giom, em I Reis 1.33. Ver o artigo no Dicionário chamado Giom (Fonte). Junto ao caminho do campo do lavandeiro. Um campo onde as pessoas lavavam suas roupas, que ficava á distância de um grito a partir das muralhas de Jerusalém (vs. 26), um local sempre cheio de gente. Ali seria fácil estabelecer contato com o rei. 18.18 Tendo eles chamado o rei. Pedindo uma audiência com o rei de Judá, aos gritos, os enviados receberam seu representante, Eliaquim. Ver sobre esse nome próprio no Dicionário, sob o primeiro ponto. Ele era filho de Hilquias, mordomo de sua casa ou guarda do palácio, durante o tempo do rei Ezequias. Foi o escolhido para tentar negociar com os assirios. Dois outros oficiais judeus o acompanha­ ram, a saber; Sebna, o escrivão, e Joá, o cronista. Quanto ao pouco que se sabe acerca deles, ver os artigos com os nomes deles existentes no Dicionário. Portan­ to, três oficiais foram ao encontro de três oficiais. Esses formavam a “comissão de paz”. Ver a passagem similar de I Reis 4.1-4 no tocante aos oficiais do rei. Ver no Dicionário os seguintes artigos: Mordomo; Escriba e Cronista, quanto a informa­ ções sobre esses ofícios.

História do Livramento de Ezequiel (18.17 - 19 8)

18.19

Com grandes sacrifícios para os tesouros do templo, Ezequias havia pago um suborno ao rei da Assíria, para que ele poupasse Jerusalém. Senaqueribe já havia tomado conta de várias cidades da Judéia (ver II Reis 18.13). Ezequias pagou o dinheiro e sentiu a desgraça. Ele se humilhou ao máximo, mas o apetite voraz da Assíria não se satisfez. Uma rendição incondicional foi exigida, e a deportação dos habitantes de Jerusalém certamente se seguiria, confor­ me tinha acontecido ao reino do norte, Israel (ver II Reis 18.9-12). Ezequias tinha-se rebelado contra a Assíria e parado de pagar-lhe tributo (ver II Reis 18.7). Agora os assírios queriam vingar-se, e não apenas extrair dinheiro de Judá. Os assírios enviaram três representantes, mensageiros do rei, para mostrar a Ezequias a futilidade de toda resistência. E nada lhe prometeram como cooperação. Os mensageiros mostraram a Ezequias que seus aliados eram fracos e indignos de confiança (vs. 21), e que nem mesmo confiar em Yahweh teria o mínimo efeito de aliviar-lhes o aperto (vs. 22). E, além disso, os assírios afirmavam que Yahweh é quem os tinha enviado para destruir Judá (vs. 25)1 Os oficiais judeus pediram que os enviados do rei da Assíria falassem em aramaico, e não em hebraico, para que o povo presente não compreendesse o que estava sendo negociado. Os oficiais dos judeus com­ preendiam o aramaico, mas não o povo comum. O aramaico era a linguagem da diplomacia da Ásia ocidental, e também era muito usado nos círculos comerciais. Essa petição ofendeu os enviados. Um deles, portanto, falou em voz alta, gritando em hebraico, usando linguagem abusiva e com vulgarida­ des, e anunciou tudo quanto estava prestes a acontecer ao povo comum. Ezequias sentiu-se devastado diante da questão e vestiu-se de cilício, e man­ dou buscar Isaías, esperando alguma boa paiavra da parte do profeta. Foi o que Ezequias obteve, e as coisas voltaram ao normal por algum tempo. Mas a estrela dos babilônios estava subindo no firmamento, e agora um cativeiro do povo de Judá já rondava por perto.

Que confiança é essa em que te estribas? Uma Falsa Confiança da Parte de Ezequias? Por que Ezequias continuava sua resistência ao sumo rei, o rei da

18.17 Tartã... Rabe-Saris... e Rabsaqué, Estes poderiam ser os nomes pessoais dos três enviados pele rei da Assíria, mas o mais provável é que alguns eruditos estejam com a razão ao declarar esses nomes como titulos de oficiais. Provi artigos sobre todos esses três nomes no Dicionário, explicando o que se sabe

Assíria? Essa foi a pergunta que o porta-voz Rabsaqué levantou. Poderia a vã confiança de Ezequias produzir algum bem se o rei da Assiria fizesse seu exército de cães selvagens voltar-se contra eles? Naquele momento, eles precisavam de mais do que meras palavras e uma aparência esperta em suas fisionomias. Os versículos seguintes enumeram as coisas em que Ezequias poderia con­ fiar, e de onde ele poderia derivar sua confiança. Era uma lista lamentável, de acordo com o julgamento dos assirios. A maior delas assim alistadas, como é óbvio, era Yahweh, o Deus deles. Mas os assirios afirmavam que, na realidade, Yahweh os tinha enviado para guerrearem contra Judá! (vs. 25). 18.20 Teu conselho e poder. Recursos adequados de dentro de Judá, e ajuda externa, homens poderosos para dar conselho e traçar planos de batalha que pudessem derrotar os assirios. A tradução deste versiculo é bastante diferente nas versões. A Revised Standard Version diz aqui: “Pensas que meras palavras são conselho e poder para a guerra?”. O enviado assirio pensava que Judá tinha bem pouco, para mostrar confiança, excetuando palavras corajosas. Mas palavras corajosas dificilmente seriam suficientes na guerra. Talvez devamos vincular as palavras dos versículos 20 e 21, compreendendo conselho como sendo os egípci­ os como aliados. 18.21 Confias no Egito, esse bordão de cana esmagada... O Egito foi descrito pelo porta-voz assírio como um “pato manco” conforme diz a linguagem popular moderna, uma “cana esmagada” que, se fosse usada como apoio de alguém, se envergaria e deixaria sem apoio a quem nela se apoiasse. Ou então, lhe atraves­ saria a mão, ferindo-o, em lugar de dar-lhe sustentação. Assim era o Egito para todos os seus aliados, o enviado afirmou. “A disposição de depender das promessas do Egito foi o erro fatal dos esta­ distas de Judá, geração após geração. Os Faraós e os seus sucessores do período helénico, os Ptolomeus, estavam sempre prontos para despertar pertur­

II REIS bações na Palestina, para os assírios, babilônios, persas e líderes gregos, quem quer que porventura estivesse no poder; mas raramente cumpriam suas promes­ sas. E de cada vez em que isso acontecia, Judá sofria. No caso referido no presente versículo, há evidências de que o Faraó realmente enviou um exército, mas ele foi derrotado pelos assírios em Eltequé. Foi essa derrota, envolvendo o fim das esperanças de ajuda, que forçou Ezequias a render-se aos assírios (vs. 14)" (Norman H. Snaith, in loc.). Este versículo cf. Isaías 42.3. Quanto às expectações de Judá, acerca do Egito como um aliado, ver Isaías 20.1-5; 21.1-4 e 30.1-8. Tais expectações foram denunciadas por Yahweh como contrárias à Sua vontade, e contrárias à confiança Nele. O poder da Assíria já havia partido a carta (o Egito), mas Ezequias continua­ va esperando alguma ajuda daquela direção. 18.22 Mas se me dizeis: Confiamos no Senhor nosso Deus... Se não o Egito, então Yahweh logo sairia em socorro de Judá, poderia supor Ezequias. Mas o porta-voz assírio, não compreendendo o que estivera em jogo na destruição dos lugares altos, supunha que Ezequias tinha destruído os santuários de Yahweh, pelo que dificilmente poderia esperar alguma ajuda da parte d'Ele. Os altares de Israel tinham sido destruídos, e somente o templo de Jerusalém restara, o que, segundo o oficial assírio (condicionado pelos muitos altares da idolatria), seria uma afronta a Yahweh. Quanto à destruição dos lugares altos por parte de Ezequias, ver II Reis 18.4. É possível que o oficial assírio estivesse repetindo coisas que tinha ouvido da parte de alguns judeus. Muitos deles devem ter-se ressentido do fato de que Ezequias tentara centralizar a adoração em Jerusalém, pensando que ele abusara ao fazer isso. 18.23,24 Ora, pois, empenha-te com meu senhor, rei da Assíria. O enviado assírio zombou das forças armadas de Judá. Eles não tinham um número significativo de cavalos e carros de combate, e mesmo que o Egito lhes desse dois mil cavalos, Judá não teria cavaleiros treinados para montá-los. E, mesmo que os tivesse, o grupo todo não poderia enfrentar um único dos capitães da Assíria (ver o vs. 24). No entanto, apesar de tão óbvia fraqueza, Ezequias continuava a depender do Egito como seu socorro, esperando que os egípcios suprissem os cavalos, os carros de combate e a cavalaria treinada para enfrentar o inimigo do norte. Judá estava dependendo de “teias de aranha", conforme se diz em uma expressão idiomática popular.

Ai dos que descem ao Egito em busca de socorro, e se estribam em cavalos; que confiam em carros, porque são muitos, e em cavaleiros, porque são muito fortes, mas não atentam para o Santo de Israel, nem buscam o Senhor.

1541

em seu favor. E foi assim que Ciro ficou convencido de que os deuses babilônios estavam prestes a entregar a ele a cidade da Babilônia. E ele obteve o que desejava. “O povo de Judá tinha visto Israel cair diante da Assíria. O plano de Deus não seria igual no caso de Judá?" (Thomas L. Constable, in loc.). 18.26 Então disseram Eliaquim... e Joá a Rabsaqué. Eliaquim foi um dos três representantes judeus nas “conversações sobre a paz” (ver o vs. 18). Ele temia que a diatribe de Rabsaqué, proferida em alta voz, fosse ouvida e compreendida pelos cidadãos de Judá que estavam no alto das muralhas de Jerusalém, e que essas palavras metessem medo no coração dos judeus. Ao que parece, Rabsaqué estava falando em hebraico, e assim, o que ele dizia podia ser compreendido pelos habitantes de Jerusalém. Eliaquim, pois, solicitou que Rabsaqué falasse em aramaico, porque assim ele não seria entendido pelo povo comum, embora a elite de Judá pudesse entendê-lo. Por meio deste versículo aprendemos que embora o hebraico e o aramaico fossem linguagens irmãs (semíticas), elas não eram tão próximas uma da outra como o português é próximo do espanhol, pois, se o fossem, então ainda que o enviado assírio falasse em aramaico, seria entendido por todos os judeus presentes. O aramaico era a língua usada pela Ásia ociden­ tal, para propósitos diplomáticos e comerciais, mas não foi uma verdadeira língua franca, conforme aconteceu com o grego, alguns séculos mais tarde. É um fato histórico curioso que Judá, no cativeiro babilónico, tivesse adotado o aramaico, que então substituiu o hebraico, falado em Israel. Quando voltou o remanescente judeu, a língua por eles falada era o aramaico, embora alguns continuassem a falar o hebraico. Isso, naturalmente, foi um processo. Não aconte­ ceu tudo de uma vez só. Eis porque, no tempo de Jesus, o aramaico, e não o hebraico, era a língua falada pelo povo hebreu. Alguns hebreus, contudo, ainda conheciam e usavam o hebraico. Como exemplo, o hebraico era usado na escrita de cartas, conforme o demonstram os Manuscritos do Mar Morlo. Houve algum material escrito em hebraico entre aquelas descobertas, como por exemplo, car­ tas contemporâneas. Naturalmente, o hebraico continuou sendo a língua ensinada nas sinagogas, pelo menos quanto à liturgia empregada. Ver o artigo no Dicionário chamado Aramaico, quanto a uma revisão dos fatos. Parle do Antigo Testamento foi escrita em aramaico, a saber: Daniel 2.4­ 7.28; Esdras 4.8-6.18; 7.12-26 e Jeremias 10.11 (uma glosa?). Após o exílio, os judeus usavam a escrita aramaica para escrever o hebraico. Finalmente, o aramaico suplantou o hebraico, e tornaram-se necessárias traduções do Antigo Testamento do hebraico para o aramaico. Os Targuns, os comentários judaicos como a Mishnah, a Midrash e o Talmude foram escritos em aramaico. Quanto a detalhes sobre essas e outras coisas de interesse, ver esse artigo. Foi nos fins do século V A. C. que o aramaico chegou a ser a língua comumente falada na Palestina, embora não com exclusividade. 18.27,28 Então Rabsaqué se pôs em pé, e clamou em alta voz em judaico. O

turbulento Rabsaqué, querendo desmoralizar os habitantes de Jerusalém, falou (Isaías 31.1)

Por conseguinte, ao menos em um ponto, o profeta Isaías concordou com a avaliação do enviado da Assíria. 18.25 O Senhor mesmo me disse: Sobe contra a terra, e destrói-a. O represen­ tante da Assíria, tornando-se eloqüente em sua diatribe, de súbito afirmou que Yahweh, na realidade, é quem havia enviado a Assíria contra Judá. Se realmente fosse assim, então, como é óbvio, seria inútil o rei de Judá esperar ajuda da parte do Senhor. Alegadamente, Yahweh teria abandonado Judá e se tornado um alia­ do invisível da Assíria. Isso significaria, como é óbvio, que Judá estava condena­ da a uma sorte amarga, e seria melhor aceitar quaisquer condições que os assírios oferecessem. Os eruditos na história dizem-nos que Ciro afirmou algo semelhan­ te, ao atacar a Babilônia. É possível que o enviado assirio pensasse que, visto que era a Assíria quem se estava erguendo poderosamente, todas as forças invisíveis (os deuses) que havia por trás das nações estivessem favorecendo aquele país. Nesse caso, é comum (e sempre o foi) que os homens pensem que os poderes divinos os estejam favorecendo, quando obtêm poder e dinheiro, dando a Deus crédito por todas as espécies de coisas duvidosas. Alguns intérpretes supõem que Senaqueribe tenha consultado alguns sacer­ dotes israelitas cativos, e que eles lhe tivessem dado a profecia de que Yahweh ajudaria nos esforços dele contra Judá. Ou então, as ameaças dos profetas de Judá, contra seu próprio povo judeu, tivessem chegado aos ouvidos do rei assírio. O caso de Ciro, mencionado adma, é curioso. Lemos que ele oferecia sacrifícios diários a Merodaque, o principal deus da Babilônia, antes de haver cercado aquele lugar. E também sacrificava a Bei e a Nebo, para que intercedessem junto a Merodaque,

com voz ainda mais alta, gritando para o povo judeu nas muralhas, ameaçando-os com o poder dos assírios, mediante ofensas, obscenidades e de modo beligeran­ te. Sem dúvida, ele conseguiu o que queria. O povo de Jerusalém tremeu ao ouvir as palavras dele. O povo comum é que iria sofrer, e o enviado assírio fê-los saber disso, em termos nada incertos. Dessa maneira, ele esperava pressionar Ezequiel a aceitar a rendição incondicional. O cerco assírio seria tão radical que faria homens, e até os soldados (aqueles que ficassem de guarda nas muralhas), comer seu próprio excremento e beber sua própria urina. Jerusalém seria reduzi­ da às circunstâncias mais desesperadoras. E, no fim, Judá perderia tudo, fosse como fosse. Portanto, a sabedoria ditava uma rendição imediata por parte dos judeus. O enviado assírio, pois, levou o caso diretamente aos soldados nos pos­ tos de vigia e ao povo comum, que ouvia sua ultrajante arenga. 18.29 Não vos engane Ezequias. Conforme disse Rabsaqué, a lealdade do povo judeu ao seu rei se tornara um absurdo. Um novo dia tinha raiado, um novo rei precisava ser honrado. O rei dotado de poder era aquele que deveria ser temido, e esse rei por certo não era Ezequias. Em Judá não havia poder capaz de salválo. Seria melhor deixar o país inteiro à mercê dos assírios, do que resistir e ter de enfrentar a ira deles. A situação era desesperadora. Haveria pouco a ganhar, fosse qual fosse a reação dos judeus. 18.30 O Senhor certamente nos livrará. Ezequias falava sobre o livramento divi­ no. Yahweh se levantaria e livraria os judeus. Para Rabsaqué, entretanto, toda conversa nesse sentido era destituída de bom senso. Nenhum poder tinha salva­ do Israel, que já estava descansando em uma terra estrangeira, e nem haveria

1542

II REIS

poder algum, humano ou divino, que salvasse Judá. Além disso, Yahweh, segundo o enviado assírio alegava, já tinha dado à Assíria, ordens para destruir Judá (vs. 25).

estados tinham caído diante da Assíria; todas elas tinham sido destruídas; os habitan­ tes de todas elas tinham sido deportados. Jerusalém (e Judá) não seriam exceção.

18.31,32

18.36

Fazei as pazes comigo. n loc.) argumentou que cada passo foi ordenado pela providência divina, incluindo a demora na revelação da nacionalidade de Ester e a relação entre Mordecai e eia. Cada coisa tinha de acontecer na ordem própria e no tempo próprio. O Conluio de Assassinato (2.21-23)

Amou. Não estamos aqui tratando do amor romântico, como se o rei estives­ se apaixonado por todas aquelas jovens mulheres. A palavra aponta para a con­ sumação dos “casamentos’ . Quando ele consumava seus casamentos, ‘ amava’ as mulheres, conforme se diz no idioma popular moderno. “As outras competidoras tinham apartamentos que lhes pertenciam no harém real” (Jamieson, in loc.). 2.18 Então o rei deu um grande banquete. Uma grande lesta foi feita em honra a Ester para celebrar o fim do tremendo processo que a guindara a tão elevada posição. A ocasião foi tão feliz que o rei chegou a conceder remissão de taxas nas províncias. Pelo momento, Assuero estava em uma fase de expansão e tomou-se menos ganancioso. Em seguida, ele distribuiu presentes, como se fosse Natal, e isso com ‘ liberalidade real”, ou seja, pesadamente. Na verdade, ele agiu como um homem apaixonado, e talvez estivesse mesmo, pelo menos durante algum tempo. Não muito depois, já negligenciava Ester, como sempre fazia com suas concubinas (ver Est. 4.11). Assim ocorre com a maioria dos homens, confor­ me a vida diária ilustra. Schopenhauer observou que “o amor é uma insanidade curável pelo casamento". Alfvio. Esta palavra tem sido variegadamente interpretada: remissão das taxas (Revised Standard Version); feriado, um dia sem trabalho (a versão siríaca, a Vulgata Latina, a American Translation à margem da Revised Standard Version); soltura de prisioneiros (I Macabeus 10.33; Mat. 27.15); liberação do serviço militar

2.21 Dois safados estavam infelizes com o rei, que tinha cometido algum erro contra eles. Tratava-se de dois eunucos, dois servos ou oficiais do rei. Os nomes deles eram Bigtã e Teres. Nada sabemos sobre eles exceto o que fica implícito no texto presente. O autor não se incomoda em dizer por que eles estavam tão irados contra Xerxes a ponto de querer matá-lo. Talvez o autor sagrado não soubesse o porquê. Os dois homens eram “guardas da porta”, ou seja, membros da guarda pessoal do rei que guardavam seus apartamentos particulares (Ver Heródoto, História 111.77.118.) Por conseguinte, tinham fácil acesso ao rei, qi>e era um homem praticamente morto, não fora a intervenção de Mordecai. Gorionides (Hist. Heb. 1.2, cap. 1, parte 72) diz que aqueles homens abomináveis cortariam a cabeça de Assuero, enquanto ele estivesse dormindo. Presumivelmente, a cabe­ ça seria carregada para a Grécia e apresentada como troféu. Os dois homens ímpios obteriam algum dinheiro por esse serviço, mas Gorionides estava apenas inventando a história. É estranho notar que Xerxes, finalmente, foi assassinado por Artabanus, o capitão da guarda, e teve a ajuda de um certo Mitridates, eunuco das câmaras interiores.

2.22 Veio isso ao conhecimento de Mordecai. Mordecai tornou-se um salvador quando ouviu os dois homens sussurrando o plano assassino. E logo Mordecai

1834

ESTER

pôs em funcionamento a maquinaria que fez naufragar o plano. Mordecai passou as tristes noticias a Ester, e Ester contou-as ao rei, identificando Mordecai como o informante. Nada foi dito, entretanto, sobre o fato de eles serem primos e judeus. Essa informação podia esperar e não tinha ligação alguma com o caso. Ver Est. 8.1 quanto ao desvendamento desse segredo. Os escritores judeus embelezam este versículo, dizendo que os dois patifes falavam a língua tarsiana que Mordecai, com toda a sua erudição, compreendia, pelo que descobriu o que os dois estavam planejando (conforme o Talmude Bab. Meglllah. foi. 13.2). Mas Josefo diz que o próprio Mordecai tinha um informante, de nome Bamabazus, que era servo de um dos dois patifes. Ver Ant. 1.11, cap. 6, sec. 4. Seja como for, não somos informa­ dos sobre como Mordecai descobriu o plano assassino, mas devemos compreen­ der que a providência divina estava naquilo tudo.

Hamã, um pequeno Hitler, havia armado seu assento acima do assento de outros príncipes do império persa, e, quando Mordecai não lhe prestava honrarias, seu objetivo tomou-se o extermínio dos judeus, até onde ele pudesse efetuar isso. “Hamã é a nossa terminologia para um anti-semita. Ele foi promovido pelo rei da Pérsia à posição de grão-vizir (ver Est. 3.1) e ficou profundamente ofendido pela recusa de Mordecai em prestar-lhe honrarias (ver Est. 3.2). Isso talvez sim­ bolizasse a inimizada existente entre os israelitas e os amalequitas, mas Hamã, por extensão, tomou-se o odiador dos judeus, uma figura universal" (Arthur C. Lichtenberger, in Ioc.). Contra esse tipo de interpretação, temos o fato de que os arqueólogos desco­ briram uma inscrição que indica ter havido uma província, no império persa, chamada Agague. Talvez Hamã fosse apenas um homem natural de Agague, e não descendente de um semita ocidental que viveu 600 anos antes.

2.23 3.2 Investigou-se o caso, e era fato. O resultado natural foi a execução por enforcamento, um método favorito de execução entre os persas. O rei orde­ nou que se fizesse uma inquisição sobre a questãc, para certificar-se de que Mordecai estava correto. E o rei ficou satisfeito com o que descobriu, em confirmação à mensagem transmitida por Ester. O autor sacro identifica um livro no quai se registravam os feitos heróicos, como o Livro das Crônicas, que já havia sido mencionado em Esd. 6.1,2. O livro em questão não era uma das muitas fontes informativas que supriam dados para os livros bíblico, mas as crônicas reais da Pérsia. Ver também Esd. 4.15. Heródoto ( História VIII.90) diz que Xerxes ordenou a seus escribas registrar em um diário os nomes dos capitães que realizassem feitos dignos de modo que eles fossem devidamen­ te recompensados. A ajuda de Mordecai sem dúvida ficou registrada. E o próprio rei lembraria o caso, outro elemento da providência divina que gover­ nava toda a questão. Ver I Reis 14.19 quanto aos livros perdidos que serviram de fontes informati­ vas dos livros bíblicos canônicos. Ver também II Crô. 9.29; 12.15; 20.34; 26.22; 35.25 e Nee. 12.23. Ambos foram pendurados numa forca. Alguns intérpretes pensam que temos aqui alguma forma de crucificação, que também era uma punição para crimes hediondos. Ver Heródoto ( História 111.120,125,159). “O corpo morto de Leônidas foi crucificado por ordem de Xerxes, depois que os gregos resistiram desesperadamente nas Termópilas" (Ellicott, in ioc.). A punição de Hamã foi, quase certamente, a empaiação (ver Est. 7.10), e muitos eruditos pensam que temos aqui a mesma forma de execução. Encontramos uma referência histórica a essa forma de execução, em Esd. 6.11. As traduções e versões portuguesas falam em enforcamento ou crucificação, mas certamente está em vista a empaiação.

C a p ítu lo T rês Hamã Conspira para A niquilar os Judeus (3.1-15) Reinicia-se a Antiga Inimizade de Sangue (3.1 - 9.19) 3.1 Depois destas coisas o rei Assuero engrandeceu a Hamã. Que coisas? A informação de que Mordecai tinha salvado a vida de Xerxes, descobrindo o plano de assassinato contra o rei (ver Est. 2.21-23), o que elevou Mordecai aos olhos do rei. Nenhuma recompensa fora dada a Mordecai na época, mas isso foi retificado pelo rei. Assuero ficou surpreso diante da negligência (ver Est. 6.1-3). “Hamã foi guindado à posição de grão-vizir, a quem oficiais inferiores tinham de prestar obediência, uma honra que Mordecai, como benjamita, se negava a reconhecer" {Oxford Annotated Bibie, in Ioc.). O rei havia baixado ordem para que seus altos oficiais recebessem o respeito de outros oficiais, pelo que deixar de reconhecer a posição exaltada de Hamã era o mesmo que opor-se ao rei(vs. 2). Ver a introdução ao presente capitulo quanto à alegada renovaçãoda inimi­ zade de sangue entre a tribo de Benjamim e os amalequitas. Hamã, filho de Hamedata, agagita. Josefo (Antiq. XI.6.5), o Talmude e muitos intérpretes antigos e modernos pensam que esse titulo significa que Hamã era descendente do rei dos amalequitas, da época de Saul. Ele é o único homem com esse nome mencionado no Antigo Testamento (ver I Sam. 15.8). Mordecai, como Saul, pertencia à tribo de Benjamim, pelo que temos aqui uma antiga inimi­ zade renovada. Matanças ferozes assinalaram a luta na antiguidade (ver Êxo. 17.14,16) e uma guerra etema foi declarada contra aquela gente. O oráculo de Balaão, em Núm. 24.7 (cerca de 1000 A. C.), predisse que Israel se levantaria ‘ mais alto do que Agague”. Amaleque é enfaticamente amaldiçoado em I Sam. 15.33. Talvez o livro esteja dizendo indiretamente que a antiga maldição continua­ va em operação e derrubaria o arrogante Hamã. Seja como for, o homem foi declarado inimigo dos judeus (vs. 10).

Todos os servos do rei. Todas as luzes inferiores ansiavam por obedecer às ordens do rei, inclinando-se diante de Hamã para “lamber suas botas”, confor­ me diz uma expressão moderna. Embora não estivesse envolvido um ato de adoração (conforme foi requerido de Daniel e seus companheiros; ver Dan. 3.8­ 15), era definitivamente um processo humilhante para quem não se inclinasse a prestar tal obediência. O Targum diz que Hemã havia levantado uma estátua para si mesmo e requeria adoração, mas isso certamente labora em erro. Mordecai não estava evidenciando idolatria por sua recusa de submeter-se; simplesmente não queria humilhar-se. O vs. 4 deste capitulo dá-nos a razão disso: Mordecai era um judeu. E por que isso deveria fazer alguma diferença? Prostrar-se diante de um superior era ato comum e universal no antigo Oriente (ver I Sam. 24.8; II Sam. 14.4; I Reis 1.16). Os judeus prestavam honra a outros, e nem por isso eram culpados de idolatria. Portanto, o que estaria acontecendo? Os intérpretes apelam de novo para a inimizade entre os benjamitas e os amalequitas: “Nenhum benjamita que se prezasse se inclinaria diante de um antigo inimigo dos judeus’ (Bernhard W. Anderson, in kx.). Talvez sim, talvez não. Permanece indistinto por que Mordecai se mostrava tão resoluto em sua desobediência para atender aos desejos do rei. Ver Heródoto (História III.86; VII.134,136; VIII.118), quanto aos gestos de prestação de honra segundo os costumes orientais. 3.3,4 Então os servos do rei. Os outros servos quiseram saber “por que” Mordecai era uma persona non grata tão pronunciada. Por que ele se recusava a obedecer tão decididamente às ordens do rei, deixando de cumprir o que todos no Oriente faziam no tocante ao respeito pago aos governantes e, de fato, o que as mulheres sempre faziam perante os homens? E Mordecai, que até aquela época tinha evitado cuidadosamente confessar que era judeu, revelou esse fato como a “ra­ zão” para não submeter-se. Mas ele só fez isso depois de ter sido pressionado “dia após dia”. Definitivamente, foi um erro ter revelado sua identidade racial, porque isso tomou os judeus, em geral, o alvo da ira de Hamã. Por outra parte, essa revelação era necessária para que Yahweh pudesse demonstrar Sua grande graça e poder, livrando Seu povo de tão poderosas forças inimigas. O vs. 4 deste capitulo parece subentender que a obediência continha um verniz de idolatria, mas parece que essa inferência (que Mordecai se mostrara ansioso por dar) foi apenas um pretexto para ocultar alguma outra razão, sem importar qual tenha sido. Ver no vs. 2 uma tentativa de encontrar respostas para esse quebra-cabeça. ‘ Provavelmente, a recusa persistente, dia após dia, de prestar honras, se derivas­ se mais do orgulho pessoal do que de escrúpulos religiosos” (John A. Martin, in Ioc.). Os reis persas requeriam honras pessoais como se fossem seres divinos (Heródoto, Polymnia, cap. 136), mas não há evidência histórica de que essa atitude tenha sido transferida para oficiais menores. Alguns intérpretes sugerem que Hamã tinha uma origem social inferior, e Mordecai sentia-se acima de tal lixo. Por essa razão (o orgulho), não obedecia à ordem real. Mas essa é apenas outra conjectura. A referência dada anteriormente, da parte de Heródoto, mostra que os gregos não se inclinavam diante dos chefes persas simplesmente porque isso lhes parecia humilhante. Talvez Mordecai com­ partilhasse dessa atitude. 3.5,6 Vendo, pois, Hamã, que Mordecai. Hamã, em extraordinária e insana ira contra Mordecai e sua insubordinação, não pensou que seria suficiente atacá-lo, humilhá-lo e expulsá-lo do serviço real, ou mesmo executá-lo. Ele planejou envol­ ver toda a comunidade judaica e cometer genocídio! Sua vingança foi adiada, não para que ele esperasse um sóbrio segundo pensamento e acomodasse a sua ira. mas a fim de que tivesse tempo de destruir a comunidade inteira, e não somente um indivíduo. Anti-semitismo é um termo moderno. Apareceu pela primeira vez (ao que parece) na Alemanha, por volta de 1875, e foi usado em um panfleto escrito pelo fundador de uma liga anti-semita, Wilhelm Marr. Mas foi somente no século

ESTER XX que o poder demoníaco do anti-semitismo foi completamente entendido e usado com lógica completa como instrumento político. Contudo, as persegui­ ções contra os judeus antedatam o cristianismo... Alguns eruditos acreditam que o livro de Éster é uma descrição oculta de movimentos antijudaicos no período de Antíoco Epifânio... Seja como for, Hamã não pertence a nenhuma era ou nação. Ele pode ser um homem sem poder, que distribui histórias e espalha rumores acerca dos judeus. Pode ser também qualquer homem que cultiva um ódio requeimante contra os judeus. Pode ser alguém que ocupa uma posição que saiba quão grande arma é o anti-semitismo, e usa isso com provei­ to próprio. Mas quem quer que ele seja, sua sorte será a mesma que a de Hamã" (Arthur C. Lichtenberger, in loc.). Destruir todos os judeus... em todo o reino de Assuero. O plano de Hamã foi diabólico, universal, não limitado à capital do império. Ele estava dispos­ to a fazer uma “caça completa" no império persa inteiro, pois era um pequeno Hitler. Tendo apresentado essa ameaça, o autor sacro estava agora preparado para mostrar como a providência de Deus (ver a respeito no Dicionário) salvou os judeus por intermédio dos instrumentos humanos Mordecai e Ester. 3.7 No primeiro mês, que é o mês de nisã, no ano duodécimo do rei Assuero. Em sua superstição, Hamã voltou-se à adivinhação a fim de determinar que dia seria mais favorável para começar seu ataque contra os judeus, levando a ques­ tão diante do rei. A religião babilónica afirmava que os deuses se reúnem no começo do Ano Novo (nisã, março-abril), a fim de determinar a sorte dos homens. Portanto, qualquer oráculo obtido naquele mês seria propício e considerado dota­ do de poder diante dos deuses, que ainda estavam no estágio do planejamento. O pur, ou “sorte”, era um meio comum de adivinhação. As sortes provinham respos­ tas tipo “sim” ou “não” e, mediante um processo de eliminação, um homem pode­ ria obter sua resposta, que presumivelmente viria dos deuses. Pur é uma palavra não-hebraica que corresponde à palavra hebraica que significa sorte. A forma verbal significa “lançar” . Esta passagem antecipa a conclusão do livro, que des­ creve a instituição da festa do Purim (isto é, sortes), que se tomaram uma festa de feriado judaica, para celebrar a providência de Deus ao preservar Israel. Ver Est. 9.20-10.3. O modus operandi no uso do pur não fica claro no texto. Poderia significar que o mecanismo era usado todos os dias de todos os anos, dentro da lista dos doze meses. Mas, nesse caso, continuaria verdadeiro que se pensava ser mais eficaz no primeiro dia do primeiro mês do ano, quando os deuses se reuniam para decidir a sorte dos homens. Ou então o lançamento das sortes meramente ave­ riguava os doze meses e cada dia do ano, para ver qual dia e qual mês seria mais propício para ao genocídio. O Grande Dia da Matança. Haveria uma grande e cuidadosa preparação, pois então, em um único dia, com um só golpe, os judeus seriam mortos, homens, mulheres e crianças. A sorte determinou o dia propício como o décimo terceiro do décimo segundo mês, a dar. O texto massorético, no vs. 7, não contém essa notícia, que é suprida pela Septuaginta, mas cf. os w . 13,8.13 e 9.1, que dizem a mesma coisa. O texto massorético é o texto hebraico padronizado. Ver no Dicio­ nário o artigo chamado Massora (Massorah); Texto Massorético, quanto a deta­ lhes. No ano duodécimo do rei Assuero. Essa dificuldade ocorreu quatro anos depois de Ester ter assumido a posição de concubina predileta. Cf. Est. 2.16 (ou seja, cerca de 474 A. C.). 3.8 Então disse Hamã ao rei Assuero. O “povo” referido era “diferente", segun­ do disse Hamã, e tão diferente que não obedecia às leis baixadas pelo rei. Eram insubordinados e potencialmente rebeldes, e poderiam causar muita tribulação se não fossem exterminados. A Pérsia tinha destruído tantos povos para obter poder, e o que seria mais um povo? Ainda recentemente, sem nenhuma razão, Xerxes I havia invadido a Grécia, por mero orgulho, enviando contra os gregos mais de um milhão de soldados, por pura diversão. Portanto, Xerxes estaria aberto ao genocidio, o abc da conquista mundial. E a última coisa que Xerxes desejava era uma rebelião que estourasse “dentro” de seu império, o que anularia seus ganhos ou enfraqueceria o seu poder. Hamã, entretanto, não mencionou seu “problema pessoal” com Mordecai, o que poderia debilitar o seu caso, transformando-o em uma questão de vingança pessoal. Ver os vss. 2-3. Mordecai, na opinião de Hamã, tomara-se símbolo da rebelião geral judaica, o que, naturalmente, não correspondia à verdade. Hamã, tal como todos os po líticos m entirosos, apresentou distorcidamente a verdade da questão, fazendo de um caso pessoal a revolta universal de um povo!

1835

Existe espalhado, disperso entre os povos... um povo. Os movimentos de retorno encabeçados por Zorobabel, Esdras e Neemias levaram de volta a Jerusalém apenas cerca de 50.000 pessoas, que se tomaram o Novo Israel. Mas a vasta maioria dos judeus continuava espalhada por todo o império persa. Não seria fácil matar tanta gente dispersa, mas Hamã faria um esforço heróico nesse sentido.

Se bem parecer ao rei. O Generoso Hamã. Ele estava tão interessado no “bem público” (vs. 8) que pagaria as despesas envolvidas na campanha de matança, a saber, 10.000 talentos de prata! Isso correspondia a dois terços das rendas anuais do império persa, uma quantia simplesmente impossível de con­ seguir. Mas talvez não fosse impossível que o louco Hamã tenha oferecido essa quantia. Quanto ao peso, essa prata toda pesaria cerca de 340 toneladas e, segundo uma de minhas fontes informativas, valeria 18 milhões de dólares, embora seja impossível transformar pesos antigos em valores monetários mo­ dernos. Contudo, é evidente que a oferta de Hamã era pretensiosa e absurda. Naturalmente, ele recuperaria seu dinheiro mediante o saque de propriedades e artigos valiosos dos judeus mortos e, portanto, em última análise, nada tinha a perder. A Pérsia, segundo entendemos, possuía suas moedas de prata, pelo que Hamã estava falando a linguagem do rei Assuero. Ver no vs. 11 se Xerxes aceitou ou não a oferta (ou se aceitaria o dinheiro). Quanto a idéias adicionais, ver o vs. 11. O oferecimento de Hamã, para facilitar as coisas com o seu próprio dinheiro, equivalia a um suborno. Quanto ao fato de que o dinheiro oferecido por Hamã equivalia a dois terços das rendas anuais do império persa, ver Heródoto ( História, III.95). 3.10 Então o rei tirou o seu anel da mão, deu-o a Hamã. ‘ A doação do anel de selar (cf. Gên. 41.42), nos tempos modernos, seria o mesmo que dar permissão de afixar a assinatura do rei a documentos oficiais. Assim ser.do, ao 'inimigo dos judeus’ foi conferido poder ilimitado e, conforme os eventos posteriores demons­ traram, o rei permaneceu ignorante sobre aquele ‘certo povo' (vs. 8) que foi condenado à morte por seu decreto” (Bernhard W. Arderson, in loc.). Adversário dos judeus. Assim é chamado Hamã por cinco vezes no livro de Ester (3.10; 7.6; 8.1; 9.10,24). O anel de selar, dado i Hamã pelo rei, seria usado para impressionar a assinatura real sobre argila, e operaria como a assinatura do rei, expres­ sando toda a sua autoridade (ver Est. 3.12; 8.2,98; Gên. 41.42; Dan. 6.17 e Ageu 2.23). 3.11 Essa prata seja tua. Este versículo, ao que parece, diz que o rei “rejeitou” o dinheiro, mas isso pode ter sido apenas uma evasão polida, tipicamente oriental, de que um homem diz “não”, mas, na realidade, quer dizer “sim”. O rei disse “guarda o teu dinheiro", embora soubesse que Hamã estava preso, pela honra, a pagar o que dissera que pagaria. Talvez o negócio fosse que Hamã pagaria o dinheiro do saque das propriedades e valores dos judeus, pelo que o pagamento certamente viria, porém mais tarde. Esse arranjo parece ter parecido agradável a todos os envolvidos. Além disso, havia a questão do sen/iço público. Se o que Hamã dissera fosse a verdade, então ele faria bem em tomar a iniciativa de exterminar um poder que era hostil ao rei. Nesse caso, Hamã merecia ficar com o seu dinheiro. Em outras palavras, o rei teria dado esse dinheiro a Hamã, como parte do pagamento que ele merecia por sua previsão e notável serviço prestado ao Estado. “O rei alegrava-se em lançar os cuidados do governo nas mãos de seus ministros e mostrava-se por demais indolente para formar uma opinião pessoal, contentando-se em acreditar que os judeus eram um povo inútil e desleal” (Ellicott,

in loc.). Custaria muito dinheiro obter a ajuda de tanta gente disposta a executar (matar) a comunidade dos judeus. Mas Hamã alegrava-se por pagar a empreitada com o próprio dinheiro, tão ansioso estava de que a tarefa fosse cumprida. A Proclamação é Enviada (3.12-15) 3.12 Chamaram, pois, os secretários do rei. Hamã Tinha Pressa. Ele não per­ mitiu que se passassem muitos dias antes que tivesse preparado aquilo que estava escudado em um decreto do rei. Foram instruídos todos os subchefes (governadores e outros oficiais do império persa) para planejar o grande programa de matança. O decreto foi traduzido para várias línguas, de modo que ninguém pudesse ler erroneamente a declaração, cujo original, provavelmente, estava em aramaico, a língua franca da época.

1836

ESTER

No dia treze do prim eiro mês. Talvez as providências tenham começado no dia do Ano Novo, o primeiro dia do mês de nisã. Portanto, dentro de duas sema­ nas, Hamã realizara a primeira parte de seu plano. Ele contava com a autoridade real Dor trás de suas providências, e o restante seria apenas um grande jogo de manipulação. Aparentemente o pur (sorte; ver o vs. 7) dera a Hamã dois trezes: o primeiro no mês de nisã como o dia em que o plano deveria começar, e o segundo no dia treze de adar (o décimo segundo mês; vs. 13) como o dia real da matança. 3.13 Enviaram-se as cartas. O famoso sistema postal persa (o primeiro do mun­ do) rapidamente levou a mensagem a todos os rincões do império persa. Todos os oficiais, granaes e pequenos, receberam a ordem de exterminar os judeus. Por intermédio dos correios. Literalmente, correios é “corredores’ . Talvez alguns superatletas fossem empregados a entregar as cartas de um lugar a outro, mas a maior parte do trabalho era feito por meio de cavaleiros montados em cavaios, conforme seu deu com o famoso Pony Express, o primeiro sistema postal dos Estados Unidos da América. Nesse país, a chegada das estradas de ferro puseram os cavalos fora do trabalho. O primeiro sistema postal persa foi introduzido por Ciro. Ver Heródoto, História V.14; VIII.98; Xenofonte, Cyropaedia Vlll.6.17.18. O sistema postal da Pérsia, embora humilde, em comparação aos padrões modernos de comunicação em massa, foi um grande avanço nos tempos antigos, primeiramente como idéia, e depois como execução.

O gênio é um por cento inspiração, e noventa e nove por cento transpiração. (Thomas E. Edison)

vinha de Susã, capital do império. Não havia dúvidas quanto à sua autenticida­ de. O rei e o abominável Hamã sentaram-se para comer, beber e celebrar. Mas os habitantes da capital, Susã, estavam perplexos. Nero tocava seu violino, indiferente, enquanto Roma era incendiada (ou pelo menos é isso o que diz a lenda a respeito). Por semelhante modo, o rei da Pérsia e o horrendo Hamã mostravam-se indiferentes diante do desastre que se abateria sobre um povo inteiro. Mas o povo persa não compartilhava dessa indiferença para com a sorte de seus vizinhos e amigos, que porventura eram judeus. Eles não tinham teste­ munhado nenhum sinal de rebeldia da parte dos judeus. A população em geral, embora predominantemente gentílica, refletia os sentimentos de temor, ultraje e consternação dos judeus. Cf. Est. 8.15. ‘ Medida mais contrária às boas normas da política, mais desgraça e cruel nunca fora tomada por nenhum governo. Seria de supor-se que o rei que tinha baixado o decreto fosse um idiota, e seus conselheiros, que o haviam instado à medida, fossem loucos varridos. Mas um governo déspota será sempre capaz de extravagância e crueldade" (Adam Clarke, in loc., que escreveu antes de Hitler).

C a p ítu lo Q u a tro Corajosa Intervenção de Ester (4.1 - 7.10)

Mordecai Contra-ataca. A providência de Deus (ver a respeito no Dicionário) não haveria de abandonar os judeus somente porque o réprobo Hamã estava cozinhando seus planos diabólicos, para os quais ele contava com a autoridade do rei (ver o capítulo 3). Vahweh não permitiria que o plano de Hamã desse certo e, com essa finalidade, tinha seus instrumentos, Mordecai e Ester, ambos conhe­ cidos pessoais do rei e em posição de autoridade (que a providência de Deus já havia garantido).

O gênio gera grandes obras. Somente o labor as termina. (Joseph Joubert) Os persas foram os inventores de um ideal e da idéia que resultou em significativa inovação.

A Crueldade do Decreto Real. Nenhum judeu, de parte alguma do império, seria poupado. Todos os homens, mulheres e crianças deveria ser mortos violen­ tamente. Isso deveria ocorrer em um dia específico: o dia treze do décimo segun­ do mês, pois assim tinha sido determinado pelo pur (sorte). Ver as notas sobre o versículo anterior. Além de matar, os executores receberam ordem de tomar despojos, confiscar propriedades e objetos valiosos, pois esses seriam o salário dos executores. Que os executores ficariam ricos por matar aos judeus, tomou-se o grande incentivo para a natanca. Talvez Hamã pagasse seus 10.000 talentos ao rei, como parte desses despojos (ver o vs. 11). < Após o vs. 13, a Septuaginta adiciona um pseudodecreto, uma cópia imagi­ nária do decreto de Artaxerxes. Dois Trezes. No primeiro seria publicado o cruel decreto (vs. 12). O segundo era a data do proposto extermínio dos judeus (vs. 13). Portanto, aí temos, desde os tempos antigos, o treze como um número significativo da sorte boa ou má. Sexta-feira treze surgiu bem mais tarde. Aqueles que supostamente sabem des­ sas coisas dizem-nos que o dia treze não é, de fato, um número de falta de sorte, a despeito de sua má reputação. Para Hamã, contudo, tomou-se definitivamente um dia de falta de sorte, no final das contas. 3.14 Tais cartas encerravam o traslado do decreto. Este versículo repete, sem novas idéias, o que já havia sido dito no vs. 13. Os judeus não poderiam escapar, embora continuassem esperando o melhor. Entrementes, a providência de Deus estaria trabalhando em favor dos judeus, mediante os instrumentos Mordecai e Ester, e essa é a mensagem principal do livro de Ester.

Natureza Secular do Livro de Ester. O autor sagrado nunca mencionou o nome de Deus, nem apelou para a oração e exercícios religiosos. No judaísmo posterior, tomou-se prática jamais usar os nomes divinos. Talvez o autor tenha presumido que o secularismo era, na realidade, uma superpiedade velada. Ele temia até mesmo mencionar as coisas sagradas, por temor de contaminá-las. Temia tornar-se culpado de ostentação com coisas sagradas. Essa é uma lição que muitos evangélicos precisam aprender. Mordecai recusara prostrar-se diante de Hamã e agora estava pagando o preço por sua arrogância. De outro lado, essa mesma arrogância foi inspirada por Yahweh para fazer os judeus entrar em dificuldades, a fim de que o Seu poder, ao livrá-los das tribulações, se tornasse evidente a todos. S ja intervenção seria comemorada para sempre no livro de Ester, como uma lição para todos nós. Essa é uma manifestação do teísmo (ver a respeito no Dicionário), em contraste com o deísmo (ver também no Dicionário). O Criador não abandonou Sua criação; Ele é, igualmente, o Juiz; Ele recompensa os bons e pune os maus, e intervém nos negócios humanos. 4.1 Quando soube Mordecai. Mordecai Foi Devidamente Humilhado. Sua ar­ rogância desapareceu, pois ele estava passando pelo teste mais severo de sua vida. Ele aplicou todos os sinais orientais da lamentação, rasgando as roupas, vestindo-se de cilício e lançando cinzas sobre a cabeça. Naquela desprezível condição, ele tentou obter acesso ao rei (vs. 2), o qual não lhe foi permitido, pois, naquelas condições, nenhuma pessoa obteria permissão para ver o rei. E Mordecai se foi, lamentando e chorando, por causa do decreto que exigia a execução em massa do seu povo. Ele subiu e desceu pelas ruas e praças públicas de Susã, o tempo todo lamentando e chorando. Na verdade, parecia que Mordecai tinha perdido o bom uso da mente, e assim tinha acontecido, ao menos temporariamente. Quanto a esses sinais de lamentação e consternação, ver sobre Vestimentas, Rasgar das, no Dicionário. Quanto ao cilício, às cinzas e o choro, ver Gên. 37.34; Jer. 49.3; Dan. 9.3; Joel 1.13; Jon. 23.6 e Jó 2.8. 4.2

O traslado. Uma cópia do decreto real foi posta nas mãos de todos os oficiais, grandes e pequenos, de todos os lugares do império persa. Ninguém teria desculpa para desobedecer ao decreto. Todos seriam os matadores ou os morios. O rei não permitia atos de insubordinação. 3.15 Os correios, pois, im pelidos pela ordem do rei. Os transportadores das cartas partiram com pressa. A autoridade do rei estava por trás de toda a questão. A pseudo-rebelião dos judeus tinha de ser cortada pela raiz. O decreto

E chegou até à porta do rei. Mordecai tentou obter acesso ao rei, mas isso lhe foi recusado. Quem gostaria de receber um homem em frangalhos como aquele, no palácio? Naquelas condições ninguém conseguiria passar pelos guar­ das do palácio. Lamentando-se, ele estava em estado de imundícia cerimonial. Ver no Dicionário o verbete intitulado Limpo e Imundo. Isso não significava coisa alguma para os persas, mas toda aquela sujeira e confusão tinha um significado. Além disso, o palácio real era um lugar de alegria. Ninguém que estivesse lamen­ tando teria entrada ali. “... coisa alguma triste ou de mau agouro poderia ferir os olhos do monarca” (Ellicott, in loc.).

0 Correio, Smith’s Bible Dictionary.

Enviaram-se as cartas, por intermédio dos correios, a todas as províncias do rei, para que se destruíssem, matassem e aniquilassem de vez a todos os judeus... Ester 3.13

Na Pérsia, criou-se um sistema de correios montados, que levavam os decretos reais até as mais longínquas regiões do império. As cartas na antiguidade remota eram escritas em tabletes de argila, fragmentos de barro ou em pergaminho, preparado com peles de animais.

1838

ESTER

4.3 Em todas as províncias aonde chegava a palavra do rei. A consternação e o susto de Mordecai foram compartilhados por todos os judeus que residiam no império persa. Em breve, todo o homem, mulher e criança sabia o terror que a comunidade dos exilados judeus estava enfrentando. Por isso eles exibiam os rnesmos sinais de lamentação que Mordecai exibia (vs. 1), ao que adicionaram o jejum. O Talmude afirma que ninguém deveria fazer um espetáculo público de seu choro ou aflição, para não afligir a outras pessoas com seus sofrimentos. Mas a comunidade judaica dos dias de Ester não prestou atenção a essas regras, se é que, na época, elas já existissem. As orações estavam subindo a Yahweh, e, por trás das cenas, o Senhor começava a reverter o processo. Eventualmente, Hamã é quem teria razão de lamentar-se. ‘ Quão espantoso! Em toda aquela aflição, não há um único indício de oração dirigida a Deus!" (Adam Clarke, in loc., ao salientar uma das razões pelas quais o livro de Ester não foi admitido no cânon do Antigo Testamento por longo tempo). Nem ao menos o nome “Deus’ se acha no livro inteiro. Mas a providência de Deus o permeia, a despeito de suas insuficiências verbais. Mas talvez a relutância do autor em usar o nome divino ou a referir-se a exercícios santos fosse uma demonstração de superpiedade, e não de secularismo. No judaísmo posterior, tornou-se prática corrente jamais proferir os nomes divi­ nos. É fáríi ui ria nessoa fazer espetáculo com as coisas santas, um pecado especial dus evangélicos. Algumas vezes, a ostentação substitui a verdadeira espiritualidade. 4.4 Então vieram as servas de Ester. É óbvio, mediante este versículo, que alguns sabiam que havia certo relacionamento entre Ester e Mordecai, sendo provável que os auxiliares dela estivessem informados do caso, embora a popula­ ção geral não estivesse. Os servos de Ester informaram-lhe a respeito da condi­ ção triste, suja e decrépita de Mordecai. Ester fez o que pôde, enviando uma muda limpa de roupas, para que ele se visse livre daqueles horríveis trajes de pano de saco. Mas ele queria continuar a lamentar e recusou a gentileza. Os sentimentos judaicos (de uma data posterior) teriam condenado Mordecai por seu ato de lamentação em público (conforme diz o Talmude), mas não sabemos dizer se essas regras posteriores tinham algum poder no judaísmo mais antigo. Ver as notas expositivas sobre o versículo anterior. Se Mordecai se arrumasse, poderia aparecer no palácio real e explicar direta­ mente a Ester o que estava acontecendo, mas nem isso interessava a ele naque­ le momento.

Então Ester chamou a Hatá, um dos eunucos do rei. Ester tinha um eunuco guardião especial a quem o rei nomeara para atender às suas ordens. O nome dele era Hatá, e ele Ester pediu ajuda. A tarefa dele era servir de intermedi­ ário. Ele teria de perguntar a Mordecai o que estava acontecendo. O Targum, neste versículo, faz tolamente o homem ser Daniel. A comunicação entre as mulheres que pertenciam aos haréns de homens importantes e poderosos não era nada fácil. Mulheres importantes (nem todas as mulheres de um harém) tinham atendentes pessoais que também guardavam e observavam sua boa con­ duta. Em alguns casos, eles também atuavam como companheiros. Provavelmen­ te Ester, cortada das linhas normais de comunicação, ainda não tinha descoberto o terrível decreto real contra os judeus. 4.6,7 Saiu, pois, Hatá à praça da cidade. Cumprindo os desejos de sua senhora, Hatá foi direto a Mordecai para perguntar o “porquê” daquelas atitudes. Mordecai não ocultou nenhuma das informações necessárias. Foi descrita a traição de Hamã; a essência do decreto baixado pelo rei foi repetida; e Mordecai não esque­ ceu de referir-se à quantia que Hamã prometera pagar do próprio bolso. Este versículo não subentende que o rei tinha rejeitado o oferecimento de dinheiro, feito por Hamã (e talvez ele não tenha rejeitado mesmo; ver Est. 3.11). Pense só no número de assassinos que teriam de ser contratados. Talvez até um destaca­ mento do exército precisasse estar envolvido. Nesse caso, Hamã daria uma polpuda soma em dinheiro por sua cooperação. Ver em Est. 3.9 o dinheiro que aquele réprobo teria de gastar para que a tarefa se cumprisse. 4.8 Também lhe deu o traslado do decreto escrito. Ester, a Salvadora. Che­ gamos agora ao ponto principal da tentativa de salvação, talvez algo que Mordecai só chegou a pensar naquele momento. Ele deu uma cópia do decreto destrutivo do rei a Hatá, o qual, por sua vez, deveria entregá-la a Ester. Conforme Mordecai esperava, isso a inspiraria a seguir sua sugestão para intervir diretamente diante

do rei e tentar reverter todo o louco plano de Hamã. Embora não sejamos informa­ dos quanto a isso, devemos entender que Ester ganhara sua posição no império persa precisamente com o propósito de estar ali, no momento certo em que seu povo precisaria dela. Essa era a essência da providência de Deus quanto àquele episódio. Deus contava com uma mulher colocada em elevada posição, um instru­ mento Seu para o bem dos judeus, e Ele também contava com um homem que não estava tão altamente colocado, mas ajudaria no Seu plano. Todos quantos cumprem missões são colocados onde estão por meio da providência divina, e todos quantos os ajudam são colocados na companhia deles também por um ato da providência divina. Ester, naturalmente, ao risco da própria vida, aceitaria a idéia de Mordecai não com relutância, mas de boa vontade, mesmo porque não havia caminho fácil para solucionar o problema. Ela tinha de seguir o curso difícil, porquanto não havia outro. Coragem era a palavra do dia.

Com freqüência, a prova da coragem não é morrer, mas viver. (Vitorio Alfieri)

É melhor morrer sobre os pés do que viver ajoelhado. (La Pasionaria) A Septuaginta e a Vulgata fazem Mordecai instruir Ester a orar a Yahweh, antes de aproximar-se do rei; mas o texto hebraico do livro mostra-se extremamente silencioso sobre tal coisa. Não obstante, podemos ver a providência e o propósito de Deus brilhando em toda a história. A oração muda as coisas, e podemos imaginar que toda forma de oração subia ao céu por todos os tipos de pessoas. É um mistério por que o livro de Ester não menciona a oração. A natureza secular do livro de Ester impediu-o de ser aceito no cânon do Antigo Testamento por longo tempo. Entretan­ to, esse presumido secularismo pode ser evidência da superpiedade do autor sacro. No judaísmo posterior, tomou-se prática nem ao menos proferir os nomes divinos. O autor sagrado pode não ter mencionado coisas e nomes santos para evitar a osten­ tação. Caros leitores, penso que muitos evangélicos substituem a verdadeira espiritualidade pela ostentação. Talvez uma das lições do livro de Ester seja evitar o trivial ao abordar questões santas. 4.9,10 Tonou, pois Hatá. O Serviço de Intermediação Tem Continuidade. Hatá trouxe um relatório completo a Ester, a qual pôs-se a agir a contento. A mensa­ gem dela, de volta a Mordecai, foi a dificuldade envolvida em ao menos ver o rei, e o perigo de ser considerada intrusa. Compreendemos quão estritamente as concubinas eram vigiadas e mantidas incomunicáveis. As concubinas do rei eram prisioneiras virtuais e tinham de usar meios estranhos para falar com os de fora ou receber qualquer palavra da parte deles. 4.11 Todos os servos do rei e o povo das províncias do rei sabem. Este versículo é verdadeiramente revelador: 1. Nenhuma pessoa podia ir diretamente ao palácio para ver o rei. Quem quer se falasse com o rei, teria de seguir o procedimento dos subordinados reais para ganhar acesso ao monarca. 2. Um intruso, que não obedecesse à lei que governava esse acesso, poderia ser executado no ato. 3. Tanto Heródoto quanto Xenofonte dizem-nos que o acesso estava potencial­ mente disponível, a qualquer pessoa, mas ela tinha de seguir os procedimen­ tos corretos. Tentativas de assassinato deveriam ser evitadas, e essa era uma dos motivos dos métodos de segurança. Portanto, a trivialidade era estritamente proibida. 4. Além disso, havia o ritual do cetro de ouro. A pessoa que fosse admitida à presença do rei (e devidamente acompanhada, naturalmente) recebia esse cetro como sinal de aceitação. Cf. Est. 5.2. 5. O mais surpreendente (será mesmo?) é que Ester tinha sido negligenciada pelo rei por um mês inteiro e nem ao mesmos o tinha avistado. Isso, como é claro, descreve a posição de uma concubina (mesmo que fosse a favorita), e não a posição da rainha-mãe, que Heródoto diz ser Amestris (Heródoto, História 3.84). A história mostra-nos que algumas concubinas eram usadas pelo rei, e nunca mais eram chamadas. Além disso, visto que a concubina era “do rei”, não podia casar-se com outro homem e era cuidadosamente vigiada para que não houvesse infrações. Ademais, o harém do rei vivia em rotação, sempre despedindo concubinas mais idosas e aceitando novas para consumar novos “casamentos”. Ver a introdução ao segundo capítulo, além das notas sobre os vss. 8 e 19 quanto a detalhes. É ridículo modernizar e cristianizar esse texto. Hamã não tinha “quebrado o casamento" por sua má influência sobre o rei. É absurdo dizer que o “rei e a

1839

ESTER rainha" tinham perdido as linhas de comunicação e não estavam psicologicamen­ te próximos. É uma estupidez falar sobre romance, amor e laços familiares. O fato da questão é que Ester, a concubina favorita, tinha perdido o domínio psicológico sobre o rei. Ele possuía muitas outras mulheres e homem muito ocupado para preocupar-se com uma mulher específica qualquer. Ester havia perdido favor diante do rei taciturno, pelo que teve de seguir os procedimentos regulares para ao menos ser admitida à sua presença. Se ela simplesmente se apresentasse como intrusa na presença real, poderia ser executada como aconteceria a qual­ quer um. 4.12,13 Fizeram saber a Mordecai. Hatá comunicou a desalentadora mensagem de Ester a Mordecai, a qual dizia: “Esqueça. É impossível para mim ao menos ver o rei, e tentar fazê-lo poderia custar-me a vida. Pense em algum outro plano”. Mordecai {vs. 13) não ficou impressionando com a resposta “negativa” de Ester. Ela poderia escapar à execução como uma intrusa, naquela ocasião, mas, se o decreto se cumprisse, em alguma outra ocasião (a saber, no décimo segundo mês; Est. 3.13), ela, juntamente com todos os judeus, seria morta. Por conseguinte, era uma situação de lazer ou morrer”. Ester preocupava-se com questões como segurança pessoal e esta­ va disposta, na ocasião, a deixar que todos os outros judeus mon-essem, caso ela pudesse escapar; mas Mordecai mostrou que não havia segurança para nenhum judeu, indusive Ester. Ir ao encontro do rei poderia significar a morte dela. Mas manter-se quieta significava morte certa. O argumento de Mordecai era irretorquível.

va jejum e oração para que Yahweh interviesse; mas o relutante autor sacro não falou em nenhum nome divino, nem mesmo mencionou a oração. Mas sabemos do que ele estava falando, mesmo sem nenhuma palavra a respeito. Ver no Dicionário os verbetes intitulados Oração e Jejum. Ester rogava por uma interven­ ção divina em seu caso, provida pelos esforços dos judeus que encontrariam favor diante de Yahweh, mas o autor sagrado não permitiu que ela usasse o nome divino. Talvez ele fosse tão piedoso que pensasse ser um sacrilégio até menos usar os nomes divinos, ou referir-se a coisas sagradas como a oração. Foi uma prática posterior do judaísmo nem ao menos mencionar o nome divino, pelo que “de algum outro lugar” (vs. 14) poderia ser uma evasão piedosa para ele não proferir o nome divino. O jejum (e, presumivelmente, a oração) também poderia ser uma referência ao poder divino e a como o homem é capaz de valer-se desse poder. Portanto, o que é chamado de secular, pelos intérpretes, poderia ser a demonstração de elevada piedade.

Uma vez, a cada indivíduo e nação, chega o momento de decidir. (James Russell Lowell) Há uma maré nos negócios dos homens

Que, tomados no dilúvio, Leva à fortuna. Omitida, toda a viagem da vida Está envolva em coisas rasas e em misérias.

4.14 (Shakespeare) Porque, se de todo te calares agora. Livramento para os Judeus de Algum Outro Lugar. A té de Mordecai, de que Israel seria livrado por algum outro modus operandi, se Ester falhasse no teste, provavelmente se baseava no seu conheci­ mento da relação de pacto com Yahweh. O pacto abraâmico (anotado em Gên. 15.18) requeria a sobrevivência da raça por causa de Yahweh, por Seu plano. Mas o autor secular não se importa em falar sobre tais coisas e, admiravelmente, não menciona nenhum nome divino como a fonte de livramento potencial. Vaga­ mente, ele falou sobre como ‘ se levantará para os judeus socorro e livramento”. Por outra parte, Ester tinha chegado ao reino “por causa de um tempo como este”. Ora, essa é uma ótima peça de teísmo (ver no Dicionário). A elevação de Ester no reino não se devia ao seu rosto bonito ou às suas maneiras gentias, nem a todo aquele óleo que o eunuco havia espalhado sobre o corpo dela, para fazê-lo brilhar (ver Est. 2.12). Por qual razão Mordecai continuava falando na providência divina, mas sem dizê-lo por meio de palavra, continua sendo um mistério. E ele nem mesmo mencionou a oração como meio para convencer Yahweh a fazer algo sobre a miserável situação. A natureza secular do livro impediu que os rabinos o aceitas­ sem no cânon das Escrituras do Antigo Testamento por longo tempo. Mas visto ser esse o único livro do Antigo Testamento que estava completamente dedicado ao tema da providência de Deus, sua posição no cânon do Antigo Testamento foi eventualmente garantido. Ver o artigo sobre esse tema no Dicionário.

4.17 Então se foi Mordecai. Tendo recebido a mensagem sobre a resolução de Ester e seu pedido pela ajuda da comunidade judaica quanto a exercícios espiritu­ ais (para influenciar Yahweh a intervir), Mordecaitoi direto aos judeus transmitir o pedido de ajuda da parte de Yahweh.

Perigo, o estímulo das grandes mentes. (George Chapman)

É melhor enfrentar um perigo uma vez do que viver sob medo constante. (Provérbio anônimo)

Dentre os espinhos do perigo, Arrancamos esta flor — segurança. (Shakespeare)

Nem mesmo sentado diante de sua lareira, em casa, um homem pode escapar de sua condenação determinada.

C a p ítu lo C in c o

(Ésquilo)

Aquilo que Deus escrever na sua testa, isso você certamente fará. (O Alcorão)

A sorte lidera os bem dispostos e arrasta consigo aqueles que resistem. (Sêneca) O livro de Ester tem sido apodado de demasiado secular por vários eruditos, mas talvez tenhamos aqui uma superpiedade por parte do autor sagrado. No judaísmo posterior, os piedosos evitavam pronunciar o nome divino. É fácil substi­ tuir a verdadeira espiritualidade peia ostentação. O autor do livro de Ester, por conseguinte, pode ter-nos dado uma lição vital: Não fique andando ao redor exibindo sua fé religiosa, por seu falar piedoso constante! 4.15,16 Então disse Ester. A argumentação de Mordecai tinha sido irretorquível. Portanto, Ester cedeu e enviou uma mensagem (sem dúvida novamente através de Hatá) para dizer-lhe que era para la z e r ou morrer" que ela iria falar com o rei. Entretanto, ela rogou que Mordecai pedisse aos judeus que jejuassem por três dias e três noites para ajudá-la a realizar o propósito. Naturalmente, isso significa­

Este capítulo continua a seção geral, iniciada em Est. 4.1, a corajosa inter­ venção de Ester (4.1-7.10). O Conluio Descoberto por Ester (5.1 - 7.10) A Entrevista de Ester com o Rei (5.1-8) O capítulo 4 nos preparou para a entrevista entre Ester e o rei, salientando quão difícil era falar com o ele, e como os intrusos (que não seguissem o procedimento apropriado) podiam ser executados. Também vimos que, por um mês inteiro, Ester nem ao menos vira o rei (ver as notas sobre Est. 4.11 quanto a implicações), e, assim sendo, teria de apelar para os meios legais de acesso ao monarca. Ester, entretanto, tomaria um atalho, conforme dizemos em uma expressão popular, tentando atrair a atenção do rei mediante seus encantos, e assim ultrapassar a burocracia.

A Tarefa Era Urgente. O decreto do rei, manipulado por Hamã (capitulo 3), tinha ordenado a execução de toda a comunidade judaica no décimo terceiro dia do décimo segundo mês. Ver sobre isso em Est. 3.13. Mordecai conseguiu a ajuda de Ester para tentar impedir o desastre (ver Est. 4.13 ss.). Ambos confiavam em uma intervenção divina para que cuidasse da questão. A comunidade judaica inteira jejuava (e, sem dúvida, orava) para ajudar Ester a obter a reversão da situação (ver Est. 4.16). Enquanto o autor continua deixando de mencionar o nome de Yahweh (ou qual­ quer dos outros nomes divinos) bem como coisas santas como a oração, sua mensa­ gem é: ‘A providência de Deus pode tomar conta de qualquer situação”. Talvez o que

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ESTER

pareça secularismo seja, na verdade, superpiedade da parte do autor sacro. Ele não saía ao redor dizendo: “Deus isto”, “Deus aquilo”, “o Senhor me disse” etc. Os evangé­ licos tên o mau hábito de ocupar-se demasiadamente em “conversas sobre Deus". Mas Mordecai não fazia de sua fé religiosa uma ostentação, um substituto para a verdadeira espiritualidade. O judaísmo posterior produziu a prática de nem ao menos mencionar o nome divino, e talvez o autor do livro de Ester tenha generalizado essa regra a fim de incluir a menção a qualquer coisa santa. Talvez o autor tenha exagera­ do, mas a moderna ostentação religiosa é um exagero pior ainda. Os capítulos 5-7 assinalam o clímax do livro. Aqui, as mesas foram viradas e o mal foi vencido por Deus. O povo de Deus foi preservado através de um improvável jogo de circunstâncias... Sua soberania estava funcionando, realizan­ do os Seus propósitos” (John A. Martin, in loc.). 5.1 Ao terceiro dia Ester se aprontou, isto é, depois que Mordecai convenceu Ester a tentar intervir em favor dos judeus, por meio de uma entrevista pessoal com o rei (o fim do capítulo 4). Ester estava em uma situação critica. Ela tentou ultrapassar a burocracia para ter uma entrevista com o rei (ver Est. 4.1), exibindo os seus encantos em um lugar onde o rei poderia ocasionalmente passar para vê­ la. O texto hebraico deixa de mencionar qualquer exibição de emoções da parte de Ester; mas a Septuaginta embeleza o texto neste ponto, descrevendo vividamente seus sentimentos e temores, e também oferecendo uma descrição de sua magnífica aparência. Ela estava ali, definitivamente, “para ser vista". No pátio interior da casa do rei. Trata-se da câmara com múltiplas colunas, sem dúvida semelhante à que os arqueólogos descobriram na outra capital da Pérsia, Persépoiis. Devemos entender que o rei precisava vê-la ali, porquanto isso era algo necessário para que a entrevista ocorresse. A providência divina cuidaria de cada detalhe. Portanto, ali estava ela, toda enfeitada em suas vestes reais, uma bela visão, e o rei a veria e seria conquistado, uma vez mais, por seus encantos. Mulheres que influenciam homens com sua beleza são algo tão antigo quanto o mundo, e esse artifício parece funcionar sempre.

A beleza é um dom de Deus. (Aristóteles) Helena, segundo nos contou Homero em uma de suas histórias, enviou mil navios somente com o seu rosto. Naturalmente, isso foi um recorde, mas Ester era um poder feminino que precisava ser levado em conta. 5.2 Quando o rei viu a rainha Ester parada no pátio. Realmente, o rei passou e lá estava ela, uma das vencedoras distintivas de um de seus concursos de beleza (ver Est. 2.17,19). O rei ficou encantado. É verdade que ele era o rei, mas também era um homem, afinal. Ela estonteava qualquer um, e o rei foi mental­ mente enviado à lona. O rei convidou-a para entrar em sua câmara secreta, estendendo a ela o cetro de ouro (ver Est. 4.11), e esse gesto foi como se ele tivesse dito: “Você foi aceita. Você tem algum um problema no qual eu possa ajudá-la?”. “No baixo-relevo de Persépoiis, copiado por Sir Robert Ker Porter, vemos o rei Dario entronizado no meio de sua corte e andando ao redor em trajes reais. Em ambos os casos, ele está carregando na mão direita uma vara fina ou cetro, mais ou menos do comprimento de sua própria altura. A vara é ornamenta­ da com uma pequena bola na extremidade superior" (Jamieson, in loc.). Ester “tocou a ponta do cetro", como se dissesse: ‘ Agradeço por ter-me recebido". A Septuaginta diz que o rei deixou o cetro repousar sobre o pescoço de Ester, quando ela se prostrou diante dele. Talvez isso seja um toque histórico genuíno. 5.3 Então lhe disse o rei. O rei Assuero ficou tão encantado pelos encantos de Ester que exagerou e ofereceu-lhe qualquer coisa que ela quisesse: “Até metade do rei se te dará”. Naturalmente, somente Yahweh poderia ter conferido tanta graça a Ester, e os rabinos dão a Ele o crédito por isso. Quanto à questão de dar até metade do trono em troca de alguma coisa trivial, cf. Est. 5.6; 7.2 e Mar. 6.23. Naturalmente, era costume dos reis da Pérsia dar às esposas certas cidades, tornando-as mulheres extremamente ricas. Ora, Xerxes era imperador sobre cer­ ca de 127 províncias, pelo que dizer que daria a metade a uma mulher seria apenas uma figura de linguagem, equivalente a “Você pode ter quase qualquer coisa que quiser!” ou então “Farei quase qualquer coisa que você quiser” . A declaração era uma “hipérbole costumeira" [Oxford Annotated Bible, comentando sobre o vs. 3). Quanto a referências históricas ao cetro de ouro, ver Xenofonte, Cyrop. livro VIII. par. 139.

Um objeto de beleza é uma alegria perene; sua força de atração aumenta. Nunca se transformará em nada. (John Keats) 5.4 Respondeu Ester. O Banquete Decisivo. Ester requereu que o réprobo Hamã fosse convidado a um banquete, juntamente com o rei e seus dignitários (e Mordecai, naturalmente, também estaria presente). Ela estava planejando um terrível armadilha para executar Hamã, que o autor do livro vai revelando aos poucos. Ele nos mantém em suspense por longo tempo, antes de dizer como funcionaria a idéia de Ester. Os rabinos se sentiram perturbados acerca de como Ester adiava tirar vantagem da atitude favorável do rei. Estaria ela jogando com a vida dos judeus? Mas qualquer bom relato tem seu período de demora, em situa­ ções perigosas, por motivo de suspense; e o que poderia ser mais verdadeiro à experiência humana do que isso? Grandes milagres são com freqüência adiados ao ponto de nossa exasperação, mas, de repente, está ali a solução! 5.5 Fazei apressar a Hamã, para que atendamos ao que Ester deseja. O convite da “rainha" levou Hamã a supor que lhe estava sendo dada honra especial e adicional (vs. 9 e 13). Mas ver Mordecai no portão (o qual não prestou atenção a ele, permanecendo sentado quando Hamã passava; vs. 9) azedou toda a honra­ ria que ele estava recebendo e ainda receberia, conforme pensava. Ele tinha de livrar-se daquela praga chamada Mordecai, pois somente então poderia realmente apreciar a sua boa sorte. O vinho fluiria, e todos se sentiriam felizes. No meio da felicidade do rei, Ester apresentaria o ousado plano contra Hamã. 5.6 Disse o rei a Ester, no banquete do vinho. No meio da ingestão de vinho, o rei estava cheio de curiosidade sobre a petição especial que Ester faria, pelo que indagou claramente sobre isso. Poderia ser até “metade do reino”, a hipérbole que do vs. 3, onde comento a questão. O banquete começara no relato do vs. 5. E este versículo dá continuidade à narração, e também haveria o amanhã (vs. 8). Talvez o programa todo tivesse sido marcado para sete dias, conforme se deu com uma festa anterior, oferecida pelo rei (ver Est. 1.10). Talvez a festa tivesse começado com a ingestão de ótimos alimentos, mas, quando o rei aproximou-se de Ester, fazendo sua indagação, o banquete já se transformara em uma compe­ tição de ingestão de bebidas alcoólicas. “Os persas, em seus banquetes, atendi­ am a duas fases: a primeira consistia em carnes e outros alimentos finos, quando tomavam água. E a segunda consistia na ingestão do vinho. Aelinus (Var Hist. 1.2 cap. 1) disse que, depois de empanturrados de bons alimentos, eles começa­ vam a beber” (John Gill, in loc.). 5.7,8 Então respondeu Ester. O vs. 7 introduz, desajeitadamente, a petição que se seguiria, mas a petição não foi feita, afinal. E o vs. 8 diz como Ester adiou tudo para o dia seguinte. Mas então o autor sagrado continuou protelando a revelação do pedido de Ester, a qual só acontece no capítulo 7, pois o material do capitulo 6 age como um parêntese, onde eie fornece detalhes informacionais. O autor sacro conti­ nuava aumentando o suspense, sustentando-o com boas histórias que abordam situações de perigo. Gradualmente Ester foi ganhando a boa vontade do rei ao mesmo tempo que obtinha confiança quanto a seu plano ousado. “O autor apresen­ tou a história dessa maneira, para dar tempo para o importante evento que só será mencionado no capitulo seguinte” (Adam Clarke, in loc.). Talvez Ester tivesse se­ gundos pensamentos, mais sóbrios, e quase abandonara a sua idéia. Ou talvez sua intuição feminina lhe tenha dito que o momento certo ainda não havia chegado. Nas festas de vinho, apenas alguns poucos convidados bebiam vinho na presença do rei. Entre eles estavam Hamã e Ester. Mas ninguém bebia os mes­ mos vinhos finos que eram ingeridos pelo rei. Seja como for, os vinhos servidos eram de excelente qualidade, pois todos os participantes formavam um grupo seleto. “O monarca reclinava-se sobre um divã de pés dourados e degustava o rico vinho de Helbom. A rainha, quando presente, sentava-se em uma cadeira ao lado, enquanto os convivas bebiam de um vinho inferior, sentados ao redor, no assoalho” (Athenaeus, Deipno, iv, par. 145). A passagem de Est. 7.8, entretanto, mostra que Ester se mantinha recostada em um divã. Parece que o único homem especialmente convidado a beber vinho com o rei e a rainha era Hamã, o que o enchia de orgulho, na expectação de grandes honras futuras. 5.9 Então saiu Hamã naquele dia alegre e de bom ânimo. Hamã, cheio de alegria e orgulho, pensava estar prestes a receber alguma honraria adicional da

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ESTER parte do rei, pois ele (ao que tudo indica) fora o único convidado a beber vinho com o rei e a rainha. Mas sua alegria foi abafada e sua Ira levou-o a requeimar de indignação quando ele viu, sentado na porta do rei Mordecai, que nem ao menos se levantou quando Hamã passava e menos ainda se prostrou diante dele, confor­ me exigiam os costumes orientais. O contraste entre o soerguimento e a queda de Hamã seria grande, outra característica de uma boa história. Em sua ira, Hamã continuou traçando planos de matança em massa dos judeus. Ele poria fim a toda aquela insolência. Cf. Est. 3.2, onde somos informados que Mordecai recusou prostrar-se diante de Hamã. Nesse caso ele não deu a menor atenção a Hamã, ficando de pé, a despeito de um machado estar pendurado sobre a sua cabeça. De fato, Mordecai mostrou-se extremamente rude e, naturalmente, um homem como Hamã merecia ser tratado com rudeza, e até pior. Mordecai, ao ouvir que Ester levava adiante seu plano, tirou os sinais de lamentação, como o cilício (ver Est. 4.2), pois, de outra sorte, não poderia estar à porta do rei. Hamã reuniu a família e os amigos a fim de desabafar, pois Mordecai conti­ nuava arruinando a sua diversão, conforme vemos nos versículos seguintes.

na ilharga? Ele tinha de livrar-se daquele incômodo antes que pudesse desfrutar a vida como deveria um homem de sua estatura. Mordecai era um judeu desprezí­ vel, inspirador de ódio e destruição. Hamã, pois, admitiu que todo o seu dinheiro e fama não podiam satisfazê-lo, enquanto vivesse o abominável Mordecai. A abomi­ nação teria de ser removida, para que desse vida à merecida alegria de Hamã.

5.10

Então lhe disse Zeres, sua mulher. Zeres e Sua Grande Idéia. Mordecai teria de ser abatido, e antes do décimo terceiro dia do décimo segundo mês (ver Est. 3.13), quando toda a comunidade judaica estava marcada para morrer. Por­ tanto, a horrível Zeres sugeriu a idéia de preparar uma forca para a execução imediata de Mordecai. Quem pode agüentar um espinho que vive espetando o tempo todo? Em vez do dia treze do décimo segundo mês do ano, Mordecai seria executado amanhã mesmo. O rei não negaria a Hamã o cumprimento de seu desejo, pois, afinal, considere-se quão grande homem era Hamã, que chegava a ser o convidado de honra da própria rainha Ester. Naturalmente, conforme qual­ quer aluno de Escola Dominical sabe, o próprio Hamã (ver Est. 8.10) seria enfor­ cado na forca que ele se apressara a preparar para Mordecai, uma ilustração da Lei Moral da Colheita Segundo a Semeadura (ver a respeito no Dicionário).

Hamã, porém, se conteve, e foi para casa. Passando perto de Mordecai, que exibia sua usual insubordinação, Hamã nada disse, embora as chamas lhe queimassem o cérebro. Ele foi diretamente para casa, à sua boa esposa, Zeres, que o havia suportado em tudo. E Hamã também chamou seus amigos chegados. Com eles, poderia de desabafar e esfriar a alma conturbada pela ira. Ademais, talvez alguém tivesse alguma sugestão sobre como Hamã poderia tratar a ques­ tão, antes do décimo terceiro dia do décimo segundo mês do ano, quando Mordecai e todos os outros judeus seriam executados. Ver no Dicionário sobre Zeres. O nome dela significa “ouro". O Targum afirma que ela era filha de Tatnai, governa­ dor deste lado do rio Eufrates, ou seja, uma parte do império persa que jazia daquém do rio Eufrates. Cf. Esd. 5.3.

O orgulho sempre tomará infeliz aquele que o professa. (Adam Clarke)

Somente Deus pode satisfazer os anseios da alma. Até os anjos, que vivem na glória, não continuaram felizes quando se rebelaram. Adão, embora estivesse no paraíso, tornou-se miserável quando caiu do Princípio Espiritual. Acabe, embo­ ra fosse rei de Israel e possuidor de extensivo poder e riquezas, jazia chorando em seu leito, porque não podia ficar com a vinha de Nabote (ver I Reis 21). 5.14

Não vos enganeis: de Deus não se zomba; pois aquilo que o homem semear, isso também ceifará.

5.11 Contou-lhes Hamã a glória das suas riquezas. Os vss. 11-12 deste capítulo descrevem o esplendor adquirido por Hamã. Ele tinha uma família numerosa, muito dinheiro e honrarias, o que para os persas (bem como para os judeus) servia de sinal de aprovação e bênção divina. Esses fatos são apresentados pelo autor sagra­ do a fim de, mais adiante, poder contrastar isso com sua terrível queda.

A soberba precede a ruína, e a altivez do espirito, a queda. (Provérbios 16.18) Os ouvintes de Hamã já conheciam suas realizações. Mas ele, cheio de si, repetiu-as todas novamente, conforme deve ter feito por muitas vezes, mostrando tudo quanto fora capaz de fazer, bem como todas as honras especiais que o rei havia cumulado sobre ele. De fato, não era ele o primeiro-ministro do império inteiro? Além disso, não nos esqueçamos daqueles seus excelentes dez filhos, dota­ dos de extraordinária inteligência e que seguiam de perto os passos do pai ilustre. O Targum exagera grandemente ao dizer-nos que o homem tinha 208 filhos, e talvez os tivesse, mas Zeres era mãe de somente 10 deles. Era costume entre os persas que os filhos de pessoas proeminentes recebessem pensões anuais da parte do império. Ver Heródoto ( Clio, 1.1.c. 136). 5.12 Disse mais Hamã. A Fanfarronice Prossegue. Além de todas essas outras honras, a rainha, ao decidir oferecer um grande banquete, convidou apenas uma pessoa para sentar-se com o rei e a rainha na festa do vinho, e essa pessoa era a número um, a saber, o próprio Hamã. Naturalmente, isso só podia significar que, durante o banquete, ele receberia alguma honraria nova, pois, afinal, era o convi­ dado de honra. Ademais, não fora um mensageiro que fizera o convite a Hamã, como era a maneira usual de agir. Antes, a rainha pessoalmente transmitira o convite honroso.

Orgulho, Inveja, Avareza, Essas são as fagulhas Que fazem o coração Dos homens pegar fogo.

(Gálatas 6.7)

Semeai um hábito, e colhereis um caráter. Semeai um caráter, e colhereis um destino. Semeai um destino, e colhereis... Deus. (Professor Huston Smith) Faça-se uma forca de cinqüenta côvados de altura. Isto é, cerca de vinte e cinco metros de altura, mais ou menos as mesmas dimensões de um edifício de seis andares. A altura extravagante tem levado alguns críticos a falar da natureza fictícia do relato e, de fato, do livro inteiro, que eles consideram uma novela religiosa, e não história autêntica. Por outro lado, os persas costumavam fazer tudo em dimensões extraordinárias, pelo que forca gigantesca estaria em conso­ nância com essa mentalidade. A grande altura da forca chamaria a atenção de todos quantos a vissem, e todos diriam: “Que grande pecador foi o homem aqui executado!". O Poste de Empalação. Alguns eruditos pensam que o mecanismo construído por ordens de Hamã seria um gigantesco poste de empalação, e não uma forca. O corpo de Mordecai seria traspassado por aquele imenso poste. Ver Esd. 6.11 quanto à execução por empalação. Outros pensam que está em pauta alguma forma de crucificação. O homem seria cravado no poste. Seja como for, na maio­ ria das traduções, a “forca” é, realmente, a palavra que significa “madeira1, c que nos dá licença para interpretá-la historicamente. Em outras palavras, como cs persas executavam as pessoas? A empalação era uma maneira comum. “Deus estava soberanamente operando por trás até de um ato tão odioso como levantar uma forca. Cf. Atos .23 e 4.27,28" (John A. Martin, in loc.).

C a p ítu lo S e is Este capítulo dá continuação ao tema da corajosa intervenção de Ester, a seção que começa em Est. 4.1 e se estende até Est. 7.10. Mas agora temos outra subdivisão da história, outro golpe da intervenção divina.

(Dante, Inferno) 5.13 Porém, tudo isto não me satisfaz. Mas de que adiantava tudo aquilo (vss. 11 e 12) sobre o que Hamã se jactara, enquanto aquele espinho, Mordecai, o feria

Um Serviço Finalmente Recompensado (6.1-5) A passagem de Est. 2.19-23 registra uma tentativa de assassinato do rei, que foi abortada por Mordecai, o qual ouvira a questão da parte dos rebelados e informa­ ra Ester, a qual, por sua vez, informara o rei. Serviços notáveis eram recompensa­ dos pessoalmente pelo rei. Porém, por alguma razão não divulgada, o serviço de

1842

ESTER

Mordecai fora esquecido e ficara sem recompensa. Aconteceu, pois, que, no tempo oportuno, na noite anterior à execução tencionada por Mordecai, o rei teve uma má noite e não pôde dormir. Portanto, ordenou que um servo lesse para ele os anais do rei. Por acidente (conforme os homens dizem), exatamente a porção dos registros que foi lida mencionava o feito heróico de Mordecai. O rei Assuero quis saber ‘ qual recompensa" o homem obtivera por isso, tendo recebido como resposta dura e crua “nenhuma”. O rei ficou surpreendido e consternado, e imediatamente pôs em movi­ mento providências para que Mordecai fosse recompensado. Isso lhe daria grande prestigio que faria parte de seu livramento naquela hora critica. O autor não mencionou jamais Deus ou qualquer coisa sagrada. Mas deve­ mos compreender que a providência de Deus sempre esteve em operação. Ver o Dicionário sobre esse tema. Os eruditos queixam-se da natureza secular do livro de Ester. Mas, no judaísmc posterior, tornou-se costume nem ao menos mencio­ nar os nomes divinos, por motivo de extrema reverência. Talvez o autor de Ester tivesse levado esse costume mais longe ainda, de modo que nem falou sobre exercícios santos, como a oração. Portanto, aquilo que se tem suposto secular talvez seja verdadeira superpiedade. O autor sagrado mostrava-se contrário à ostentação, a qual pode facilmente substituir a verdadeira espiritualidade. Meus amigos, pensem no que acontece em algumas reuniões evangélicas, onde vemos a ostentação em operação, calculada para impressionar outras pessoas com uma grande espiritualidade. Talvez “eliminar a ostentação" seja uma lição inesperada do livro de Ester. Um número demasiado de pessoas religiosas vive sempre envolvido com o “falar sobre Deus".

6.1 Naquela noite o rei não pôde dormir. As noites ruins dos reis são piores que as noites ruins dos homens ordinários. Os sonhos ruins dos reis são piores que os sonhos ruins de homens ordinários. A insônia dos reis é pior que a insônia dos homens ordinários. Portanto, aí você tem a questão: até a insônia pode ser parte da providência divina! Foi assim que Assuero, no meio de sua insônia real (enviada por Yahweh, segundo dizem os rabinos), decidiu ouvir a leitura dos anais reais. Ver Est. 2.23 sobre esses registros e comentários. “A falta de sono dos reis, é, naturalmente, um tema favorito da literatura (cf. Dan. 6.18; I Esd. 3.3; Shakespeare, Rei Henrique IV, parte 2, ato III, cena 1). As versões (Septuaginta, Latim Antigo e Luciano), além dos Targuns, adicionam que foi Deus quem tirou o sono do rei" (Bernhard W. Anderson, in loc.). Os críticos vêem demais providência divina aqui e lançam dúvidas sobre a autenticidade histórica do livro de Ester. Por outra parte, há aquelas grandes coincidências significativas que nos deixam boquiabertos. O homem espiritual sabe sobre essas coisas. Ver na Enciclopédia de Bíblia, Teologia e Filosofia o verbete intitulado Coincidências Significativas. “Circunstâncias quase incríveis apontam para a mão orientadora de Deus guiando o curso dos eventos. Toda a história da nação judaica foi alterada porque um rei pagão, a centenas de quilômetros de distância do centro das atividades divinas em Jerusalém, não conseguia dormir" (John A. Martin, in loc.). 6.2,3 Achou-se escrito que Mordecai. Quanto à história sumariada nestes dois versículos, ver Est. 2.21-23. Heródoto (História VIII) relata como eram os feitos heróicos eram registrados, e como os heróis eram recompensados, pelo que essa história tem um toque autêntico. O feito heróico de Mordecai ocorrera cinco anos antes, conforme pode ser deduzido mediante uma comparação entre Est. 2.16 e 3.7. É provável que algum erro burocrático tenha impedido que Mordecai recebes­ se a devida recompensa. Mas até isso fora controlado pelo destino, visto que uma recompensa quando a vida de Mordecai estava sendo ameaçada era mais eficaz ao propósito de Deus relativamente aos judeus. Circunstâncias incomuns são, geralmente, o modus operandiáa providência divina. Oh, Senhor, concede-nos tal graça! Mordecai, o benfeitor real, seria agora recompensado por parte do rei. Seu nome estava na lista dos heróis do reino, e em breve os registros assinalariam como ele fora recompensado. Havia o envolvimento de uma questão quase legal, porque, quando o rei dizia algo, na Pérsia estava dito. Josefo [Antiq. VI. cap. vi. sec. 10) fala sobre vigias estacionados, por toda a noite, em tumos, para guardar a câmara de dormir do rei. Qualquer ruído os lançaria em estado de alerta. O rei poderia chamá-los e requer qualquer coisa que quisesse. Portanto, essa circunstância ajudou na realização da história diante de nós. Os registros estavam ali:

Para não esquecermos. Para não esquecermos. (Rudyard Kipling) Por sete vezes no livro de Neemias, há menção à memória divina, a quai sempre se tornava ativa mediante orações, embora essas nunca sejam citadas. Ver Nee. 6.5,19; 6.14 (duas vezes); 13.14,22,29,31.

Lembra-te de mim, Deus meu, para o meu bem.

(Neemias 13.31) 6.4 Perguntou o rei: Quem está no pátio? Este versículo apresenta um exce­ lente toque de ironia! O rei estava providenciando imediatamente para que Mordecai fosse recompensado, a fim de que a injustiça fosse retificada. Portanto, ele tinha de chamar alguém que arranjasse as coisas para a recompensa. E quem estaria nas vizinhanças da câmara onde o rei dormia, quando ele chamou alguém para ajudá-lo? Hamã, o terrível, pessoalmente. Portanto, Hamã foi chamado para pôr em prática a recompensa do sortudo Mordecai! Era a providência divina operando de novo. Portanto o livro de Ester foi o único livro da Bíblia a ser escrito como uma espécie de monólogo sobre o tema, tal como o livro de Jó é uma espécie de monólogo sobre o Problema do Mal (ver no Dicionário), o único livro dessa nature­ za em toda a Bíblia. Naturalmente, em um sentido real, a Bíblia como um todo é um livro sobre a providência divina. Hamã não sabia disso, mas seu extremo desejo era a autodestruição. Ansiosa­ mente, ele chegou à corte com o intuito de solicitar ao rei a empalação de Mordecai naquele mesmo dia. Primeiramente, porém, ele seria o instrumento mediante o qual Mordecai seria recompensado e honrado. Segundo: ele seria empalado no próprio instrumento que havia preparado para Mordecai. Tudo quanto visava o mal foi transformado em bem, um consolo para os judeus perseguidos, a qualquer tempo que lessem o livro de Ester. Deus se importa! Portanto, regozijem-se os judeus! Os olhos dEle estão fixo nos pardais, e eu sei que Ele cuida de mim.

Que comunhão, que alegria divina! Deitado nos braços eternos. Que bem-aventurança, que alegria divina, Deitado nos braços eternos. (E. A. Hoffman) Cedo pela manhã, Hamã apresentou-se no palácio real para cumprir seus desígnios ousados. Mas naquele dia havia surpresas reservadas para ele e para todos. Ele já havia preparado o terrível poste de empalação que acabaria servindo para terminar sua própria vida! 6.5,6 Os servos do rei lhe disseram. O Instmmento Ignorante e Inconsciente. Deus faz com que até os ímpios O louvem. Hamã estava ansioso por cumprir as ordens do rei, porquanto pensava que a ordem era em sua própria honra. Nunca, nem em seus pesadelos mais terríveis, Hamã pensaria em ter de servir e honrar o desprezado Mordecai. O rei de nada suspeitava a respeito dos desígnios de Hamã, e este último ignorava os desígnios do rei. Mas a providência divina tinha tudo sob controle. Deus está em Seu trono e tudo corre bem no mundo. De quem se agradaria o rei mais do que a mim para honrá-lo? “O egoísta Hamã estava fora de si com alegria e entusiasmo. Ele pensou que o rei estaria falando sobre e/e" (John A. Martin, in loc.). O autor sagrado falou o que achava que Hamã estava pensando. Não é necessário dizer, juntamente com Aben Ezra, que ele possuía o espirito da profe­ cia, pelo que sabia, por meio do Espírito de Deus, o que Hamã estava pensando. ‘ O nome de Mordecai não é mencionado porque fazia parte do esquema literário do autor que o vilão cheio de si pronunciasse julgamento contra si mes­ mo, com a própria boca" (Bernhard W. Anderson, in loc.). “É um excelente toque da arte literária aquele mediante o qual o próprio Hamã foi posto a decidir que honrarias deveriam ser pagas ao homem que ele decidira enforcar" (L. B. Paton,

in loc.). 6.7,8 E respondeu ao rei. O homem a quem o rei queria honrar seria honrado pelo rei. Por um momento de glória, ele vestiria os próprios trajes reais, prova­ velmente seu distintivo robe púrpura, sinal de sua realeza (conforme diz o Targum sobre este versículo. Lemos que Ciro apareceu em público com um traje metade púrpura, metade branco, e ninguém teve permissão de usar traje semelhante. Era feito com fios entremeados de ouro (Xenofonte, Cyropaedia, 8. cap. 23). Lemos que um certo Trebazus, amigo íntimo de Artaxerxes, requereu que lhe fosse dado um antigo traje do rei, que lhe parecia ser um grande prêmio. A petição foi concedida, mas sob a condição que ele não usasse o traje em público. Seu troféu era olhar e admirar o traje, mas ele não podia vesti-lo. Em seu orgulho, porém, o homem esqueceu a condição e apareceu vestido com o traje. Os oficiais do rei ameaçaram-no de severa punição, mas o rei, em sua misericórdia, disse a mentira real que ele mesmo ordenara ao homem que

1843

ESTER vestisse o traje, pois ele seria o bobo da corte naquele dia. Ver Heródoto(C//o. 1.1. cap. 192). O cavalo. O rei, naturalmente, tinha um bocado de cavalos especiais, tal como algumas pessoas ricas têm hoje em dia uns tantos automóveis. Hamã julgou apropriado que o homem especialmente honrado tivesse permissão de montar em um cavalo real e também que se exibisse em trajes finos de púrpura, montado no excelente animal. Heródoto fala sobre cavalos reais espedais (Clio. 1.1. cap. 192). E, naturalmente, ninguém podia montar um cavalo depois que o monarca o tivesse montado, porque o animal se enchera da virtude real. A coroa real. O homem que fosse honrado seria ‘ rei por um dia', e assim poderia usar uma das coroas reais. Mas Aben Ezra, o Targum, a versão siríaca e a Bíblia hebraica põem a coroa na cabeça do cavalo. Os intérpretes se admiram com isso. Contudo, os arqueólogos descobriram que havia uma crista real em um cavalo, pelo que “coroas de cavalos' deixaram de ser um mistério. No entanto, neste versículo, a coroa poderia ser para o homem. Seja como for, uma grande honra estaria envolvida. 6.9 Vistam delas aquele a quem o rei deseja honrar. O homem que seria honrado receberia todo esse material de ostentação, da parte de algum alto oficial

o cavalo real, com as vestes púrpuras, enquanto Hamã, humildemente, puxava o cavalo, a pé. Mordecai sem dúvida não esperava tão súbita reversão dos eventos, mas a história mostra que os persas sstavam sujeitos a essas re .'ersões súbitas de atitudes e, algumas vezes, tomavem dedsões precipitadas, oaseadas nas paixões. Eles não estavam acostumados y esperar por segundos pensamentos, mais sóbrios, conforme os gregos, segundo sabemos, recomendavam.

6.12 Depois disto Mordecai voltou para a porta do rei. A parada terminou, e Mordecai retomou a seu posto, na porta do rei; mas Hamã, como um cão ferido, correu para casa a fim de lamber seus ferimentos. Ele se lamentava cobrindo a cabeça, um sinal comum de tristeza, como se ‘ o céu tivesse caído sobre a sua cabeça”, pois, na realidade, era isso o que tinha acontecido. O homem dirigiu-se diretamente à esposa, conforme fizera antes (ver Est. 5.10 ss.) Até os homens maus amam a alguém. E sempre haverá alguém que ame a homens maus. Em desespero ele cobriu a cabeça (ver II Sam. 15.30; Jer. 14.3,4). O texto hebraico usualmente não desenvolve o lado emocional dos relatos, o que a Septuaginta faz. Mas encontramos nesse ‘ encobrir da cabeça” sinal de profunda 'risteza. Entrementes, Mordecai retomava a seu posto usual. Somente mais tarde ele foi elevado a uma posição ainda mais alta, conforme se desenrolou o drama (Es!. 8.1). Hamã sofrera uma queda irreversível (vs. 13), o primeiro passo que o levou à execução fatal.

do rei, especialmente nomeado. Então o homem a ser honrado faria uma parada pelas ruas da cidade e mostrar-se-ia o mais possível, perante o maior número possível de pessoas. A cena como que estaria dizendo a todos: “Vede que grande homem é este, a quem o rei tem honrado de maneira tão real!’ . Um arauto seguiria à frente do cavalo e do homem e faria anúncios periódicos ao povo, em voz alta, descrevendo o maior dos homens do momento.

Livros antigos fazem-nos lembrar Daquele que esteve em grande prestígio. Mas agora, caído de sua elevada posição, Está na miséria e chegou a um fim miserável. (Geoffrey Chaucer)

Todos os deleites são vãos. 6.13 (Shakespeare)

Nenhum grande homem vive na vaidade. Um homem que se exibe relatará um equivoco que tenha cometido... antes do que não receba pemiissão de falar sobre a sua própria querida pessoa. (Joseph Addison) Este versículo deve ser comparado a Gên. 41.43.

6.10 Apressa-te, toma as vestes e o cavalo. Hamã havia provido o rei com a idéia de grandeza e agora teria de tornar real c que imaginara no caso do abominável Mordecai, seu odiado inimigo, uma súbita mudança na sorte, para dizermos o míni­ mo. O versículo supõe que o rei estava totalmente inconsdente do que Hamã planejava. Ele não sabia que o povo adversário odiado por seu primeiro-ministro era o povo judeu. Os críticos acham isso incrível e outra indicação para duvidarem da historicidade do livro de Ester. Por outra parte, o rei Assuero estivera pessoalmente envolvido em tanto genocídio, e desde sua juventude acompanhara outros chama­ dos grandes homens ocupados em genocídio, que é perfeitamente possível que ele estivesse curioso sobre a identidade das ‘ próximas vítimas*. O judeu Mordecai. Por cinco vezes, no livro de Ester, Mordecai foi assim chamado: aqui e em Est. 8.7; 9.29,31 e 10.3. Uma reversão modificadora da sorte humana! Como pôde Hamã suportar aquilo? O Targum exagera, fazendo Hamã implorar que o rei o matasse, em vez de ter de sujeitar-se a tal desgraça. “Quão extraordinária foi a conduta da provi­ dência divina em todo esse negócio!” (Adam Clarke, in loc.). O Targum embeleza o versículo, dando ao cavalo real que Mordecai montaria um nome, a saber, Shiphregaz. Sabemos pela história que homens comuns e homens importantes deram nomes a cavalos. Alexandre chamou um de seus cavalos favoritos de Bucéfato. Dario chamou seu principal cavalo de Histapis. ‘ Nunca a condenação foi mais justa e a retribuição foi mais meredda do que a execução daquele gigantesco criminoso” (Jamieson, in loc.). Conduzindo-nos a esse fim, temos as descrições sobre a providência de Deus, que tomou conta de cada detalhe.

6.11 Hamã tom ou as vestes e o cavalo. O próprio Hamã foi nomeado pelo rei para ser o arauto que conduziria o cavalo e Mordecai através das ruas, outra estonteante humilhação. Portanto ali estava o odiado Mordecai, que não se pros­ trava diante de Hamã (com o que começou o drama), montando orgulhosamente

Contou Hamã a Zeres, sua mulher. Foi terrível contar o ocorrido; a humilha­ ção era demasiada para suportar. Então certos homens sábios, que supostamen­ te tinham poderes de adivinhação, como os astrólogos, os médiuns etc., viram claramente que o curso de Hamã, doravante, só tenderia a piorar. Ele encontraria um inimigo a quem não poderia derrotar. Ele encontrara um judeu invencível, diante do qual cairia, provavelmente uma referência velada à sua morte iminente. Alguns intérpretes supõem que a condenação predestinada de Hamã foi outro desdobramento da maldição contra os amalequitas, antigos inimigos da tribo de Benjamim. Ver a introdução ao capítulo 3 deste livro. ‘ Os escritores judaicos deleitam-se em colocar nos lábios dos pagãos tais confissões sobre o triunfo inevitável do povo escolhido (ver Judite 5.20,21; III Macabeus 3.8-10; 5.31)* (Bemhard W. Anderson, in loc.). Note o leitor o amargor da informação. A própria esposa de Hamã, Zeres, que antes o tinha encorajado (ver Est. 5.14), agora concordava com os sábios: Hamã estava acabado. 6.14 Falavam estes ainda com ele. Este versículo provavelmente fala mais sofire a

continuação do banquete do que sobre um segundo banquete. Enquanto Hamã ouvia as palavras condenatórias dos sábios, agentes do rei chegaram para levá-lo ao banquete no qual sua condenação agonizante teria cumprimento. ‘Agora, com o mundo ruindo ao redor de sua cabeça, Hamã foi levado rapidamente ao banquete de Ester, que antes ele desejara tão ardentemente, mas agora tanto temia “ (John A. Martin, in loc). “Ele só poderia ter pouco apetite para apreciar o que ele sabia estar prepara­ do para ele, no palácio de Ester” (Adam Clarke, in loc).

Ê a sorte que lança os dados, E quando ela os lança, Transforma reis em aldeões, E aldeões em reis. (John Dryden)

Aquilo que Deus escrever em tua testa, Ê a isso que certamente chegarás. (O Alcorão)

C a p ítu lo S e te Esta seção geral, inidada em Est. 4.1, que fala da corajosa intervenção de Ester, continua e estende-se através do capítulo 7. A história do terrível fim de Hamã

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ESTER

faz parte de como Yahweh garantia a segurança de Seu povo. O homem mau tinha de ser derrubado. Seus atos nefandos tinham de receber justo castigo. Portanto, temos a trabalhar mão com mão, a Providência de Deus e a Lei Moral da Colheita Segundo a Semeadura (ambos recebe” artigos distintos no Dicionário). A Terrível Sorte de Hamã (7.1-10) O capitulo anterior contou-nos como Hamã começou a precipitar-se de cabe­ ça, como foi humilhado e como os sábios que ele reuniu para aconselhá-lo sobre a sua condição disseram que o ‘jogo havia terminado para ele”. Ele jamais seria capaz de derrotar o judeu Mordecai; e, além disso, as coisas ficariam cada vez piores (ver Esi. 6.13). Eles previram a morte de Hamã, sem dúvida, mas não a descreveram por misericórdia. Enquanto esses sábios conversavam com Hamã, enviados do rei vieram buscá-io para continuar o banquete do rei, o que natural­ mente lhe seria fatal (ver Esi 6.14). 7.1 Veio, pois, o rei com Hamã. O único convidado especial era o abominável Hamã. Após toda a g.utonaria do banquete, houve ingestão de vinho. Então um grnpo seleto de pessoas, c rei e a rainha, além de alguns poucos convidados, reuniram-se para tomar vinho. Isso era considerado uma grande honra, mas as coisas tinham azedado e Hamã sabia, em seu coração, que era um homem morto. Ver as netas em Est. 5.8,9 quanto a detalhes sobre o modus operandi das festas persas. Se o banquete que ora começamos a considerar foi o segundo banquete de Ester, então houve cinco banquetes mencionados até este ponto do livro de Ester: dois do rei (Est. 1.3,5); um de Vasti (Est. 1.9) e dois de Ester (Est. 5.4,8). Mas estou imaginando que o que temos aqui é a continuação do único banquete de Ester, que naturalmente perdurou por vários dias. Seja como for, os persas eram conhecidos por seus banquetes fabulosos, frívolos e degradados. Eles foram os inventores campeões dos banquetes.

Eu te digo, menino, Detesto a grandiosidade De uma festa persa. (Horácio) 7.2

estava em perigo, juntamente com a vida de todo o seu povo. Somente o rei poderia salvá-los. Nesse ponto, tomou-se claro para o rei que Ester era judia. Ver Est. 2.10,20. Um dos incríveis detalhes sobre a história do livro de Ester, e que fazem os críticos duvidar da sua historicidade, é o fato de que o rei não sabia quem era o povo rebelde que ameaçava seu império (de acordo com a avaliação de seu primeiro-ministro, Hamã). O rei permitiria o genocídio contra um povo cuja identi­ dade era desconhecida por ele? Ver o desenvolvimento que dou a esse tema em Est. 6.10. Parece que o rei se envolvera em tanto genocídio que nem ao menos teve a curiosidade de saber quem seriam as próximas vítimas. 7.4 Porque fom os vendidos. Ao que tudo indica, essas palavras se referem à oferta de Hamã de dar ao rei 10.000 talentos de prata para pagar as despesas da execução da comunidade judaica. Ver a exposição em Est. 3.9-11 e 4.7. A facili­ dade da questão (que não permitia ao rei que a aventura lhe custasse coisa alguma) agiu sobre o monarca como um suborno, como a venda dos judeus à morte. Se a venda tivesse sido ‘ à escravidão”, a coisa já teria sido bastante séria, mas não teria provocado a heróica intervenção de Ester no caso. Porque o inimigo não merece que eu moleste o rei. O trecho hebraico por trás dessa “tradução" é obscuro, pelo que as traduções e interpretações dessas palavras são apenas conjecturas. A Revised Standard Version tem a seguinte idéia: se a comunidade judaica ao menos tivesse sido vendida à escravidão, o rei teria perdido seus serviços, ou seja, teria sofrido considerável perda. Tal perda seria maior que a perda que os judeus sofreriam por tomar-se escravos. Se isso tivesse acontecido, Ester nada teria dito. Mas, quando estava em jogo a morte de uma comunidade inteira, ela precisou fazer o que estava ao seu alcance para intervir. Outra idéia é que Hamã poderia ter vendido os judeus à escravidão para enriquecer o tesouro real. Se esse fosse o caso, Ester teria ficado calada. Ou então, matando o povo, o rei perderia os serviços por eles prestados. Em outras palavras, eles valiam para o rei vivos, e não mortos. A idéia de nossa versão portuguesa é que Hamã era tão desprezível que não valia a pena lutar para que o decreto real não se cumprisse. Porém, é inútil multiplicar interpretações quando realmente não sabemos o que o original hebraico está tentando dizer. 7.5

Qual é a tua petição, rainha Ester? O Pedido Relutante. Desde Est. 5.7, o autor sagrado nos enrolou com o pedido de Ester, aumentando o drama e o suspense. Agora, finalmente, Ester se adianta para dizer qual era o seu pedido. De acordo com as hipérboles orientais, ela poderia ter qualquer coisa, até metade do reino (Est. 5.3,6; 7.2). Cf. esta história com o relato bastante semelhante (com o mesmo final mor­ tal) em que João Batista perdeu a cabeça (Mat. 14.6 ss.). O banquete continuava e a ingestão de vinho ia adiantada. O rei e quase todos os outros estavam meio embriagados. Portanto, ele estava em boas condi­ ções para ouvir e sem dúvida atender o pedido terrível. Mas Ester atacou no momento certo, e esse foi o motivo pelo qual continuava adiando a questão. Havia uma ocasião própria para apresentar o pedido, como acontece com todas as coisas:

Tudo tem c seu tempo determinado, e há tempo para todo propósito debaixo do céu: Há tempo de nascer, e tempo de morrer; templo de plantar, e tempo de arrancar o que se plantou. (Eclesiastes 3.1,2)

Então respondeu a rainha Ester, e disse. O Argumento Preliminar de Es­ ter. A fim de garantir que seu terrível pedido seria concedido, Ester introduziu-o com uma argumentação intrincada. O pedido baseava-se em uma urgente neces­ sidade, e não em alguma veneta feminina. Ester referiu-se ao favor que havia obtido diante do rei, não somente aparecendo para atrair a atenção dele, com vistas a dar início ao banquete (ver Est. 5.1 ss.), mas também através de todo o seu relacionamento com o rei. Ela tinha cumprido zelosamente seus deveres e privilégios como concubina preferida. Quanto a informações sobre a questão, ver a introdução ao capítulo 2 e também Est. 4.1. Portanto, se a conduta dela havia merecido favor real (e, como é óbvio, assim tinha acontecido), então o que ela estava pedindo era a vida, tanto para si mesma como para o seu povo, pois todos cs judeus estavam sob a pena de morte que Hamã fora capaz de incluir em um decreto real (capítulo 3). A sorte de Ester dependia da sorte de todo o seu povo, um conceito constante que encontramos na mente judaica. Ester abriu o coração diante dc rei. Ela não estava apenas representando um belo ato teatral. Sua vida

Quem é esse...? Quem era aquele homem abominável?, perguntou o rei. Ele não reconheceu o caso de Hamã e seus 10.000 talentos de prata, nem o pedido de executar uma comunidade inteira. Sua mente lenta não vinculou os dois casos, e é possível mesmo que ele tenha esquecido o incidente que envolvera Hamã. Quando presidia os Estados Unidos e Nixon era o vice-presidente, Dwight David Eisenhower certa feita observou aos repórteres em uma conferência concedida à imprensa: “Dêem-me uma semana e eu vos direi o que Nixon está fazendo!”. Isso nos revela o quão pouco fazem os vice-presidentes e o quão pouco os presidentes se incomo­ dam com isso, contanto que os primeiros não se envolvam em escândalos. Talvez Assuero fosse assim. Quem se incomodaria com o que as atitudes do vice, contanto que as coisas estivessem correndo bem? Alguns estudiosos desculpam a lentidão mental do rei salientando que o homem estava um pouco embriagado. O rei estava ingenuamente inconsciente do plano que se desenvolvera em sua própria corte, e ao qual ele tinha dado impulso por suas próprias ações. O olhar de terror de Hamã (quando ele ouviu as terríveis palavras da rainha) já contaram ao rei a história inteira. O adversário, inimigo dos judeus e do r e i, era aquele ‘ ímpio Hamã, sentado ali", disse Ester, apontando o dedo para o traidor. Hamã caiu em terror. Estava trêmulo e apavorado. Aquilo que ele mais temia subitamente lhe sobreveio.

O adversário e inim igo é este mau Hamã. O drama, tal como todas as boas histórias de suspense, finalmente desferiu o golpe que enviou o oponente à lona. Agora Hamã estava derrotado. Tudo havia terminado. O homem abominável foi desmascarado e demonstrou quem realmente era, perante o mais poderoso homem da terra então, que tinha nas mãos a vida dele, e em breve a esmagaria. O rei da Pérsia era um matador fazia muito tempo e tinha aniquilado a muitos por menores razões. Alem disso, era chegado o dia de Ester. O sol de Hamã se punha. O homem vil deixaria de ser vil.

O rei... se levantou do banquete. O rei abandonou a cena do banquete e saiu para o jardim do palácio. Provavelmente ele ia chamar guardas para aprisio­ nar a Hamã. A justiça era rápida naqueles dias. Hamã não sobreviveria àquela

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ESTER noite. Talvez o rei tivesse saído envergonhado do lugar. Ele, o rei dos reis, havia sido enganado pelo primeiro-ministro. Que vergonha! O rei estava furioso e saíra por alguns momentos, para esfriar a cabeça e controlar sua ira. Porventura o rei teria alguma razão para tentar controlar sua ira, conforme os homens ordinários fazem? Sem importar a razão exata que levou o rei a sair do salão do banquete, o ato deixou Ester e Hamã sozinhos. O homem avantajou-se da situação e tentou usar isso como oportunidade de salvar a sua vida. Ele sabia |u e o rei haveria de executá-lo, e somente Ester poderia intervir em favor dele. Faria ela tal coisa? Ela era uma mulher. Teria um coração terno em favor de um condenado?

Não poderia haver lei mais justa, Do que se os artífices da morte Perecessem por suas próprias invenções. (Adam Clarke, citando um poeta cujo nome não foi dado)

Perito inventou um modo de execução em que a vítima era queimada no interior oco de um boi de bronze. Ele mesmo, eventualmente, morreu dessa maneira. “Nunca a condenação foi mais justa e a retribuição mais mereciaa do que a execução daquele gigantesco criminoso” (Jamieson, in loc.).

7.8 Hamã tinha caído sobre o divã em que se achava Ester. Hamã caiu prostrado no divã e segurava os pés de Ester, uma forma comum de súplica. Foi naquele momento crítico que o rei voltou ao salão do banquete e se deparou com a cena. Ele interpretou o que viu como uma tentativa de ataque sexual e, irado, gritou: “Será que esse homem vil tentará violentar a rainha aqui mesmo no meu palácio e adicionará isso a seus outros crimes?”. Enquanto o rei gritava, chega­ ram alguns atendentes e cobriram a face do homem que estava prestes a ser executado. Uma espécie de saco foi posta sobre o rosto da vítima. Nos Estados Unidos, vítimas de execução por enforcamento (e também de outras formas de execução) são tratadas da mesma maneira. Talvez seja mais fácil os executores não verem o terror que se apossou do condenado. Não temos evidência de que essa era uma prática observada pelos persas, a menos que o presente versículo seja considerado uma evidência. A Septuaginta diz que “seu rosto ficou verme­ lho", isto é, coberto de terror e vergonha. Talvez seja isso que devemos entender com essas palavras, a despeito da ausência de referências quanto à prática de cobrir os rostos dos que estavam prestes a serem executados. Há referências históricas aos gregos e romanos também empregarem a más­ cara da morte, cobrindo a cabeça quando haveria algum caso de punição capital (Lívio, História 1. par. 15). E embora isso não seja mencionado nos registros históricos antigos, é provável que os persas fizessem a mesma coisa. Aben Ezra mencionou um suposto costume no qual os persas cobriam a face daqueles com quem o rei estava desagradado, mas isso também não conta com apoio antigo. O divã. Não era do tipo de leito em que as pessoas costumam dormir à noite. Está em vista o tipo de divã em que os orientais descansavam e se deitavam para comer. Servia ao propósito de mesa de comer.

Enforcai-o nela. A forca, ou poste de empalação ou de crucificação já estava visível, pois Hamã a tinha preparado. Harbona, um dos eunucos do rei, salientou a existência desse mecanismo de execução, e assim ‘ por que não usá-lo para Hamã?”. Ali estava a forca, da altura de um edifício de seis andares, com cerca de vinte e cinco metros de altura. Hamã quis executar Mordecai de maneira espeta­ cular, mas a sua própria execução é que seria espetacular. Ver a exposição em Est. 5.14 quanto aos detalhes sobre a execução em vista, a qual, considerandose todos os fatores envolvidos, parece ter sido a empalação. A Septuaginta, contudo, fala em crucificação. O rei foi rápido em sua decisão: “Enforcai-o nela”, disse o rei. O período de vida de Hamã definitivamente tinha terminado. “A observação do eunuco foi cuidadosamente calculada para sugerir ao im­ pressionável rei um método mediante o qual a punição do vilão seria efetuada com apropriada justiça poéticá1(Bernhard W. Anderson, in loc.). “A palavra do rei era suficiente, sendo ele um homem soberano e tirânico” (John Gill, in loc.). 7.10 Enforcaram, pois, a Hamã. O Feito Terrível se Cumpriu. O homem foi lançado de cima para baixo, e o poste perfurou o meio de seu corpo ou entrou em suas pemas e penetrou seu corpo, saindo no pescoço! Assim era (e é) a desumanidade dos homens com os homens. Usando uma expressão idiomática diferente, ‘ o homem cavou seu próprio sepulcro”, sendo executado exatamente da mesma maneira que tinha preparado para um seu semelhante (cf. Pro. 26.27). Por conseguinte, da forma mais chocante possível, operou a Lei Moral da Colheita Segundo a Semeadura, e a providência de Deus continuou operando. Ver sobre ambos os temas no Dicionário. Os judeus ainda tinham de enfrentar o cruel decreto real, embora Deus também tivesse uma maneira de contornar isso, conforme o livro de Ester em breve mostrará. A ira do rei, depois desse terrível espetáculo de violência, ficou satisfeita, e ele se sentiu em paz novamente.

A ira começa pela insensatez, E termina com o arrependimento. (Henry George Bohn)

A vingança, embora doce no começo, Logo ricocheteia e cai sobre si mesma. (John Milton)

C a p ítu lo O ito Os Judeus se Vingam (8.1 - 9.19) O Avanço de Mordecai (8.1,2) O temido Hamã estava morto, mas a história de terror não havia terminado. Ester e Mordecai haveriam de obter significativos despojos sob a forma de poder. Mordecai foi promovido, e aos judeus foi dada a autoridade para levantar-se, matar todos os seus inimigos (vss. 7-14) e saquear suas propriedades. E foi isso o que eles fizeram: mataram a muitos homens, mulheres e crianças! Foi uma ocasião de grande alegria para os judeus, pois os matadores foram mortos e os judeus obtiverem grandes riquezas e poder.

8.1 Naquele mesmo dia deu o rei. Hamã foi considerado criminoso, e assim o Estado, exercendo seu poder, confiscou as propriedades dele. Como é óbvio, posteriormente, sua esposa e seus filhos também foram mortos (ver Est. 9.14). As vastas propriedades de Hamã ficaram com Ester, a nova, orgulhosa e agora fabulosamente rica mulher. De acordo com o Targum, ela ficou com todo o pesso­ al de Hamã, seus escravos e servos, e também seus suboficiais. Quanto a Mordecai, primeiramente ele narrou ao rei exatamente que relação de parentesco mantinha com Ester, para que não mais houvesse confusão sobre a questão. Ver Est. 2.7 quanto ao assunto. Sem dúvida, o rei agradou-se ao ouvir todas essas coisas, que foram um fator na elevação de Mordecai. A natureza disso é descrita no vs. 2 deste capítulo.

8.2 Tirou o rei o seu anel... e o deu a Mordecai. Mordecai tornou-se alguém dentro daquele gmpo seleto, que podia ir ver o rei a qualquer tempo, sem esperar por permissão, a saber, entre os “que se avistavam pessoalmente com o rei” (ver Est. 1.14). De fato, o presente versículo parece ensinar que Mordecai se tornou o primeiro-ministro, ocupando o lugar de Hamã. Ele recebeu o anel de selar do rei, que era usado para deixar sua marca sobre a argila e assim apor a assinatura do rei sobre qualquer decreto ou questão. Era o poder de decretar em nome do rei, e logicamente por sua direção. Ver as notas em Est. 3.10, quanto ao anel de selar. Em seguida, Mordecai tornou-se fabulosamente rico, bem como administra­ dor de intermináveis propriedades, incluindo a casa de Hamã, aa qual ele era agora o supervisor. “Delegando a ele a administração dessa valiosa proprieda­ de (Cf. Est. 3.9 e 5.11), Ester dotou a seu pai de criação e primo o prestígio que cabia a um grão-vizir. Aqui Mordecai é descrito como quem possuía tudo quanto antes pertencia ao ‘inimigo dos judeus1: suas riquezas, seu título e sua autorida­ de. De fato, todas as mesas foram emborcadas!” (Bernhard W. Anderson, in

loc.). A Petição de Ester (8.3-8) 8.3,4 Falou mais Ester perante o rei. Outra Petição. Até aí, tudo bem; mas ainda restava o decreto da destruição dos judeus marcada para o décimo terceiro dia do décimo segundo mês daquele mesmo ano. Portanto, Ester, embora agora uma grande e poderosa mulher em seus próprios direitos, prostrou-se diante do rei, com muito choro e lamentações, derramando uma torrente de lágrimas. O rei olhou para aquela triste cena: Ester jazendo no chão, chorando e lamentando-se.

1846

ESTER

Portanto, o que poderia ele fazer? Ele estendeu o cetro de ouro em sua direção, dando a entender que sua presença ali era aceita, e que ele estava pronto para ouvir outro pedido dela. Cf. isso com Est. 5.2, onde anoto sobre a questão. Ver também Est. 4.11, quanto a outros detalhes sobre o cetro e as condições para quem queria entrevistar-se com o rei.

As Lágrimas de uma Mulher. Quase qualquer homem sabe o que significa enfrentar as lágrimas de uma mulher. É mais fácil, a cada dia, enfrentar a ira do que as lágrimas de uma mulher. De fato, depois das lágrimas de um bebé, as lágrimas de uma mulher são a arma mais forte que há no arsenal humano.

Se bem parecer ao rei. A Reversão. “O pedido de Ester foi simples. Ela queria que fosse baixado um segundo decreto que anulasse o primeiro. Nova­ mente, ela queria ser conhecida como judia. Ela falou em meu povo e em minha família (Cf. Est. 7.3)" (John A. Martin, in loo.). Ver o primeiro decreto do rei em Est. 3.12-15. Ester acumulou frases de apelo para obter a reversão do problema criado pelo primeiro decreto, e deixou a questão toda nas mãos benevolentes do rei, confiando na graça dele, reconhecendo sua autoridade e solicitando seu favor. É evidente que Ester era boa no uso das palavras, e não meramente com suas lágrimas. Ela pensava bem; falava bem; e estava conseguindo convencer o ho­ mem mais poderoso da terra naquela geração, para finalmente obter o que queria. Estou conjecturando que Assuero nunca encontrou uma mulher como Ester! Ela chamou o primeiro decreto de “concebido por Hamã”, aliviando assim o rei de qualquer participação no triste negócio. Sua maneira de falar indicava ter ela alta inteligência, grande tato, sabedoria e habilidade. Ester sempre conseguia o que queria. Os argumentos dela eram irretorquíveis.

8.6 Pois como poderei ver o mal que sobrevirá ao meu povo? Novamente temos a forte identidade de uma judia individual com a comunidade judaica, um constante em toda a literatura hebraico-judaica. Ester seria como nada sem o seu povo, a despeito de toda a riqueza e o poder recém-adquiridos por ela. Portanto, o apelo não era somente por ela, mas por todos os exilados do povo judeu que estavam espalhados por todo o império persa. Cf. Est. 7.3.

Então disse o rei Assuero. Hamã, o terrível, havia sido eliminado, e suas propriedades eram foram a Ester, para serem administradas por Mordecai (Est. 7.10; 8.1,2). Tendo feito isso, Assuero não negaria nada que beneficiasse os judeus. Assim sendo, o rei baixaria um novo decreto para reverter o primeiro (vss. 8-14). Embora Mordecai não seja mencionado como estando presente quando Ester fez o novo apelo, este versículo informa que ele observara a cena inteira. As versões da Septuaginta, do latim antigo e do siriaco omitem a parte que coube a Mordecai, mas os plurais, no vs. 8, subentendem sua presença.

8.8 Escrevei, pois, aos judeus, como bem vos parecer. Tal como no caso do primeiro decreto (ver Est. 3.12 ss.), o novo decreto visava, especificamente, os judeus. O primeiro decreto decretava o total aniquilamento dos judeus; e o segun­ do visava o bem-estar deles. Ambos tinham o selo do rei, sua autoridade, a autenticação de seu anel (ver Est. 8.2). O escrito foi feito em nome do rei e com autorização dele. Foi também selado o decreto com o anel real, que atuava como assinatura. Ademais, ninguém poderia reverter o que o rei havia determinado, porque ele era soberano. O rei ouvia e, algumas vezes, seguia um conselho, mas as decisões eram dele. O primeiro decreto não fora anulado, porque, em sentido estrito, nenhum decreto real podia sê-lo. Podia ser tomado obsoleto por um novo decreto, equiva­ lente à anulação, mas não a anulação estrita. Ver Est. 1.19 quanto à natureza inalterável das leis e dos decretos persas. Entretanto, não há evidência extrabíblica da natureza irretratável das leis e decretas persas. Cf. Dan. 6.8,12,15. Os críticos supõem que essa natureza supostamente inalterável seja uma invenção bíblica, e não algo pertencente à história. Mas alguns eruditos pensam que argumentos baseados no silêncio usualmente são maus argumentos. Quanto ao uso do anel de selar, Cf. Est. 3.10,12 e 8.2. 8.9 Então foram chamados sem detença os secretários do rei. Elaborada P'eparaçã(. As descrições excedem as do primeiro decreto. Não é omitido ne­ nhum detalhe cronológico ou circunstância que circundava a questão. O decreto foi baiAado em sivã, o terceiro mês (nosso junho-julho), no ano de 474 A. C., ou seja, pouco mais de dois meses após o primeiro decreto (ver Est. 3.12). A data

marcada para a execução de toda a comunidade judaica era o décimo segundo mês, no dia treze, ou seja, restavam ainda nove meses antes que chegasse o dia da matança. Hamã havia escolhido suas datas para a publicação do decreto e a execução dos judeus por meio de sortes (ver Est. 3.7,13 e 9.1). Ver os comentári­ os em Est. 3.13 quanto aos dois trezes envolvidos na questão. O vs. 12 deste capítulo mostra-nos que o segundo treze (do décimo segundo mês) estava reser­ vado como dia da condenação dos inimigos dos judeus, outra demonstração da justiça poética. Mordecai agora substituía Hamã como quem despachava os decretos re­ ais. Portanto, ele baixou ordens, em nome do rei, não somente a todos os judeus, mas também a todos os governadores e subgovernadores do reino, o qual se estendia da India à Etiópia. O império persa contava com 127 provínci­ as, e cada uma delas recebeu o decreto em seu próprio idioma, para que não houvesse mal-entendidos da mensagem. Heródoto ( História III.89) mencionou somente vinte satrapias, pelo que devemos supor que essas satrapias estavam divididas em subterritórios, para que o número de 127 províncias pudesse ser atingido. Cf. Est. 1.1, que também dá o número de 127 províncias e onde ofereço comentários adicionais. Est. 3.12 também tem notas sobre a variedade de línguas em que o decreto foi traduzido. O aramaico era a língua franca e oficial da correspondência internacional, mas muita gente, em situações locais, não conhecia essa língua. Sátrapas... governadores... príncipes. Temos aqui as várias classes e filei­ ras dos oficiais persas, dos mais poderosos aos subchefes, que obteriam uma cópia do decreto e seriam responsáveis, em sua área de poder, tanto pela publi­ cação quanto pelo cumprimento do decreto. No caso do primeiro decreto, temos as mesmas designações para os oficiais persas (Est. 3.12).

8.10 Escreveu-se em nome do rei Assuero. Mordecai redigiu o decreto em nome do rei; Mordecai selou o decreto com o anel real; Mordecai enviou o decreto por meio dos correios. Era o homem do momento. “Dessa vez os correios (ver Est. 3.13,15) saíram com uma pressa desusada porque foram fornecidos com cavalos superiores do estábulo real” (Bernhard W. Anderson, in loc.). Ver as notas em Est. 3.13 quanto ao primeiro sistema postal verdadeiramente universal e popular dessa natureza na história das nações. Fo­ ram os persas que conceberam a idéia e o ideal, e o puseram em prática. O gênio gera grandes obras. Mas só o trabalho as termina. (Joseph Joubert) Foi assim que uma cavalgada dos melhores animais do rei, cavalos reais, mulas e camelos, passaram a ser empregados. Mas alguns tradutores supõem que os vários “animais” sejam apenas descrições de cavalos. Assim é que, em nossa versão portuguesa, não são referidas nem mulas nem camelos, mas so­ mente ginetes criados na coudelaria do rei. A Revised Standard Version também só fala em cavalos. O original hebraico está em alguma dúvida. “... o verdadeiro conhecimento desses animais reveste-se de pouca importância” (Adam Clarke, in loc., comentando sobre a dificuldade de compreender as palavras hebraicas deste versículo). A mensagem, porém, é perfeitamente clara. A fim de que o novo decreto chegasse ao seu destino o mais rápido possível, o rei empregou os melhores animais e entregadores do correio.

8.11 Nelas o rei concedia aos judeus. Vingança e Autodefesa. Em meio a tanto genocídio, por que nos surpreender de ver os judeus fazendo aos outros o mesmo que havia sido planejado contra eles? Alguns eruditos, tentando reduzir o impacto negativo deste versículo, salientou que os judeus agiram em autodefesa. Isso soa bem, mas, quando vemos que as crianças também seriam objetos da ira hebréia, compreendemos que a brutalidade, e não somente a autodefesa, inspiraria mais desumanidade do homem contra o homem. Erramos, porém, ao cristianizar essas coisas. Os povos antigos agiam como se fossem um bando de selvagens, e não podemos falar de modo muito diferente dos povos modernos, os quais matam mais e melhor, por terem armas melhores e mais letais. Note-se o terrível acúmulo de palavras que indicam matança: “destruir, matar e aniquilar” . Uma matança em massa foi autorizada pelo decreto, e muitas mulheres e crianças seriam incluídas nos atos de ira insensata. Naturalmente, foi fantástico que o rei da Pérsia desse a um grupo de minoria o direito de tal violência sem freios. Por causa disso, os críticos duvidam da historicidade do decreto, pelo menos nos termos descritos. “Era costume ordinário destruir a toda a família de alguém condenado por um grande crime. Sem importar se isso era certo ou errado, assim ditava o costume do povo e contava com a sanção da lei" (Adam Clarke, in loc.). Quantas leis in/usfas têm provocado confusão e continuam a prejudicar inocentes!

ESTER

1847

8.12

des. Naturalmente, o autor sacro via em tudo isso a operação da providência divina, que é o tema principal deste livro. Ver no Dicionário o verbete chamado

Num mesmo dia, em todas as províncias. Em um único dia estava deter­ minada toda aquela matança, o que também sucedia no primeiro decreto e, de fato, o mesmo dia foi escolhido para os judeus matarem, ao invés de serem mortos. Cf. Est. 3.13, cujos comentários falam sobre os dois trezes do capítulo 3. Portanto, tudo era uma justiça poética, mas os excessos não me permitem dizer coisa alguma sobre o que o texto diz. Algumas de minhas fontes informativas conseguem falar bonito sobre a miserável questão, mas não vou citá-las. Natural­ mente, haveria muito saque (vs. 11), de modo que os judeus seriam recompensa­ dos pela matança, enriquecendo-se diante da miséria alheia. Caros leitores, Je­ sus não teria enviado, despachado ou recomendado tal decreto, a despeito do que aconteceu, e penso que coisa alguma é mais evidente do que isso. O nono capitulo do livro de Ester registra a fantástica e agonizante matança que os judeus efetuaram, e fico de cabeça pendida de vergonha quando leio esse texto. Mas a vergonha de um homem é a glória de outro. Após o vs. 12, a Septuaginta embeleza o texto, incluindo 24 versículos que alegadamente representam o decreto completo de Assuero, o qual é chamado de Artaxerxes em algumas versões, embora nossa versão portuguesa também diga aqui Assuero.

Providência de Deus.

8.13 A carta. Recebemos essa informação no vs. 9. Havia muitas cópias do decreto, em várias línguas. O sistema postal persa espalharia a mensagem a todo rincão do império. Todo homem conheceria o assunto do decreto. Foi uma publi­ cação universal do diário oficial do império.

Vingança. A mais nobre vingança consiste em perdoar. (Provérbio do século XVI)

A ação rara É agir virtuosamente, E não com vingança. (Shakespeare)

Felicidade. Algumas versões dizem aqui “luz", um símbolo de bem-estar. Cf. Jó 22.28; 30.26; Sal. 97.11. Naturalmente, essa expressão é idiomática e metafó­ rica. Estamos acostumados com a expressão que fala na ‘ luz que ilumina o caminho’ , e ter “luz” significa isso.

Em esperança que lança um raio brilhante, Pelo caminho cada vez mais largo do futuro; Em paz que somente Tu podes dar, Oh, Mestre, Contigo deixa-me viver. (Washington Gladden) 8.17 Também em toda província, e em toda cidade. Houve grandes celebra­ ções em cada província, cidade e aldeia onde os judeus exilados estavam espa­ lhados. Eles organizaram festas e tiveram um dia de regozijo. Os pagãos, saben­ do que aqueles judeus tinham nas mãos o poder de matar, de súbito tornaram-se religiosos e converteram-se à fé judaica. Naturalmente, isso significa que eles tiveram de ser circuncidados. Depois que passasse a tempestade (a matança do dia treze do décimo segundo mês), eles poderiam voltar a ser pagãos. Mas por enquanto era popular e seguro alguém tornar-se judeu! A fé judaica transformouse em uma religião popular e democrática. Pessoas ignorantes correram a tornarse judeus, para salvar a própria vida. Terminada a matança, a alegria aumentou, e os judeus enviaram presentes uns aos outros, como se fosse Natal (ver Est. 9.22). ‘ Desde a execução de Hamã, tornou-se perigoso aos homens não trazer a marca da circuncisão!” (Bernhard W. Anderson, in loc.). Mas a questão inteira foi inspirada por temor, e não por piedade genuína. Até hoje, ministros entusiasma­ dos mas mal informados tentam assustar as pessoas para entrar no céu falando das chamas eternas do inferno! “Eles formavam uma classe de convertidos que provavelmente não traria muita honra à verdadeira religião” (Adam Clarke, in loc.).

8.14 Os correios, montados em ginetes. O decreto real requeria urgência. Por­ tanto, partiram os espertos correios, montados nos melhores cavalos do estábulo do rei. Cf. o vs. 10. Aquilo que fora antecipado teve cumprimento. O próprio rei ordenou que os correios se apressassem. O decreto foi expedido em Susã (uma das capitais persas), mas logo estava espalhado por todo o império. Houve pres­ sa, embora ainda restassem quase nove meses até a data da execução (vs. 12). Talvez Assuero temesse que alguns entusiasmados selvagens matassem os ju­ deus com base na força do primeiro decreto. Esses precisavam saber que ocorre­ ra uma mudança na mente do rei. 8.15 Então Mordecai saiu da presença do rei com veste real. Mordecai, vestido em sua imitação das vestes reais, saiu para ajudar a despachar o mais rapida­ mente possível o decreto real. “Essa é uma descrição da ovação que saudou o novo grão-vizir, quando ele saiu do palácio, pomposamente vestido nas cores reais. Em contraste com a perplexidade da reação popular diante do primeiro ato de Hamã, quando ele estava no ofício (ver Est. 3.15), a natureza de estadista de Mordecai, evidenciada no decreto pró-judaico — foi saudada entusiasticamente. Aqui o autor projeta seus próprios sentimentos na cidade de população predomi­ nantemente gentílica” (Bernhard W. Anderson, in loc.). Quanto às cores reais, Cf. Est. 1.6. A túnica do rei era de cor púrpura com faixas brancas, e tinha fios de ouro entremeados no tecido. Mordecai usava uma grande coroa de ouro, mas diferente da coroa do rei, que ninguém, exceto o rei, podia usar. A Septuaginta diz que a coroa de Mordecai era de linho Uno, provavelmente uma tentati­ va pessoal para distinguir a coroa de Mordecai da coroa de ouro usada pelo rei. O toque da coroa de ouro de Mordecai, contudo, talvez seja historicamente correto. 8.16 Para os judeu houve felicidade, alegria, regozijo e honra. Foi um ótimo dia para os judeus. As notícias sobre a reversão espalharam-se como fogo selva­ gem. Homens contendiam pelas cópias do decreto. Todo judeu queria ler as boas-novas para certificar-se de que aquilo era verdade. Note-se que aos humil­ des judeus eram agora conferidas “honrarias". Os gentios comuns temeram. O poder de matar tinha sido posto nas mãos dos judeus, os quais realmente matari­ am seus inimigos. Em toda parte, os judeus celebravam com grandes festivida­

C a p ítu lo N o v e O Grande Dia da Vingança (9.1-10) O dia da condenação chegou, cerca de nove meses após o segundo decreto de Assuero ter sido expedido (ver Est. 8.9). Muitos pagãos se tinham convertido duvidosamente à fé judaica para evitarem ser mortos no décimo terceiro dia do décimo segundo mês de 473 A. C., a data marcada para a execução em massa e para o saque (ver Est. 8.17). O segundo decreto havia anulado o primeiro, publi­ cado por influência de Hamã, que assinalara aquele mesmo dia para a matança em massa e para o saque da comunidade judaica (ver Est. 3.13). Portanto, estava em operação a providência de Deus (ver a respeito no Dicionário), sendo esse c tema central do livro de Ester. Sabemos que Hamã era um anti-semita da pior espécie e devemos imaginar que apoiadores compartilhavam sua filosofia. Mas o capítulo 9 do livro de Ester mostra que o anti-semitismo estava espalhado por todo o império persa (vss. 1,2,5,16; Cf. Est. 8.11-13). Por conseguinte, haveria muita gente para os judeus matarem naquele dia de condenação. Nenhuma menção aberta fora feita aos judeus, quando Hamã falara sobre aquela classe de cidadãos excêntricos, deso­ bedientes e indesejáveis (ver Efet. 3.8). Os judeus tinham um odiador aos judeus, mas agora aprendemos que havia muitos deles. A execução de Hamã, um peque­ no Hitler (ver Est. 7.10), não fora suficiente para solucionar o problerr.a. O antisemitismo havia envenenado todo o império, tal como nos tempos da Segunda Guerra Mundial envenenou a Alemanha. O vs. 2 talvez indique que alguns tentariam cumprir o primeiro decreto, ma­ tando a muitos judeus. Porém, conforme as coisas acabaram acontecendo, os judeus ocuparam-se de suas matanças essencialmente sem oposição alguma. Era melhor enfrentá-los do que enfrentar o rei, que navia mudado ae idéia e expedira o segundo decreto. Dessa maneira, um homem seria morto à espada, em vez de ser empalado (ver Est. 7.10). 9.1 No dia treze do duodécimo mês. Esse foi um dia (sexta-feira?) muito infeliz para os inimigos dos judeus. Foi péssimo para aquela gente, mas um dia bom para os judeus (ver o vs. 22). Ver a introdução ao capítulo quanto a detalhes que se aplicam ao vs. 1.

ESTER

1848

Erramos, mostrando-nos tão majestáticos, Oferecendo esse espetáculo de violência.

Uma das chaves da história é que as “coisas podem virar ao contrário'. O que os inimigos queriam fazer contra os judeus foi feito contra eles mesmos. A alegria que deveria vir a seus inimigos foi dada aos judeus. Deus jam ais é m enci­ onado no livro, mas Sua providência está em vista.

A Natureza Secular do Livro de Ester. O autor sagrado não menciona o nome de Deus ou algum a instituição santa e religiosa, nem mesmo a oração. O livro de Ester tem sido acusado de secularismo, e foi necessário m uito tempo para obter posição canônica. Mas isso pode dever-se a superpiedade, e não o secularismo. No judaísm o posterior, o uso dos nom es divinos era evitado por motivo de respei­ to, e talvez o autor sacro nem ao m enos tenha mencionado coisas santas pelo mesmo motivo. Esta é uma im portante lição do livro: há muita “conversa sobre Deus”, mas bem pouca espiritualidade. Há por dem ais ostentação, que é uma form a de autoglorificação, e não a glorificação de Deus. Os judeus chegaram a governar àqueles que os odiavam. Este capítulo m os­ tra que o anti-sem itism o estava disperso por todo o im pério persa. Mas a provi­ dência de Deus (ver no Dicionário) venceu todos os obstáculos. Ninguém é tão pequeno que Deus não possa elevá-lo. Ninguém é tão grande que Deus não possa derrubá-lo. (Adam Clarke, in loc.)

Porque os judeus nas suas cidades. Podem os ter certeza de que algum plano cuidadosam ente elaborado capacitou os judeus a m atar sistem aticam ente todos os anti-semitas. Talvez se possa pensar que houve algum a oposição aos judeus. Talvez alguns fanáticos tentassem obedecer às ordens do primeiro decre­ to (capítulo 3). Mas, se esse foi o caso, qualquer ataque contra os judeus foi evitado. Parece que os judeus m ataram livrem ente, facilm ente, por todo o im pério persa. A Vulgata transm ite a idéia de que os inimigos dos judeus ficaram paralisa­ dos de medo, de form a que, ao chegar a data fatal, não ofereceram resistência. Mas, embora não tenham resistido, foram m ortos sem misericórdia. Portanto, se houve algum poder opositor por parte dos agressores originais, esse poder foi absolutam ente anulado. O vs. 16 deste capítulo revela-nos que os judeus m ata­ ram 75.000 pessoas nas províncias.

T o d o s os príncipes das províncias, e os sátrapas, e os g o ve rn a d o re s e os oficiais do rei. Os judeus que m ataram seus inimigos gozavam do apoio dos vários escalões de poder da Pérsia. Os governantes sabiam quem odiava aos judeus, quem eram os fanáticos, e os identificaram , selando a terrível condena­ ção. Por que eles fizeram isso? Por motivo de entusiasm o pelos judeus? Não. Fizeram porque temiam a Mordecai que, de súbito, se tornara o governador nú­ mero um do império, depois do im perador, que tinha poder absoluto e virtual. Esses governantes contavam com tropas ao seu com ando, e iam de porta em porta, expulsando todos os odiadores dos judeus de seus lares e m atando-os nas ruas, tal como fez Hitler fez quando estava no poder e voltou sua ira contra um povo inteiro. Naturalmente, tudo isso era visto pelos judeus piedosos com o inter­ venção divina em favor deles. 9.4 Porque Mordecai era grande na casa do rei. A estrela de Mordecai se erguia sobre o horizonte, e ninguém podia fazer-lhe oposição. O rei investira vastos poderes sobre Mordecai, e ele anelava por usar esse poder. Em primeiro lugar, Mordecai usou sua nova força em ira contra os inimigos dos judeus, os quais rilhavam os dentes diante dele. Eles choravam e fugiam, mas de nada adiantava. Mordecai os apanhava e os entregava à carnificina. Uma de minhas fontes inform ativas tem aqui a ridícula frase: “M ordecai tinha boa reputação” . Quem poderia incomodar-se com o que as pessoas pensavam sobre ele? Ele se transform ara em uma m áquina de matar.

(Shakespeare)

Na cid adela de Susã os ju d e u s m ataram . Som ente em Susã, a capital, 500 pessoas foram mortas. O versículo poderia ser interpretado como “som ente no palácio real’ , mas na verdade, fala na cidade inteira. A Revised Standard Version diz capital, em vez de palácio, conform e lem os em algum as traduções. Provavel­ mente, a m aioria daqueles 500 era de cortesãos do próprio Hamã, seu pessoal na capital, seus apoiadores mais fanáticos. 9.7-9

Matança dos Dez Filhos de Hamã. Além da m atança das quinhentas pessoas m encionadas no vs. 6, os dez filhos de Hamã foram mortos, e o autor sacro registra os nomes deles todos, a fim de que possam os perceber quão grande triunfo ocorreu. Coisa algum a se sabe sobre essas pessoas, exceto seus nomes, e o pouco que pode ser dito sobre eles está registrado em artigos com seus nomes, no Dicionário. Podemos supor que eles foram empalados, tal com o suce­ dera ao pai (ver Est. 7.10). Quanto ao modo de execução, sugerimos o enforca­ mento, a crucificação e a empalação, e a última dessas três execuções é a mais confirmada historicamente. Cf. Est. 2.23. Enquanto outras pessoas, 500 delas só na capital, morreram facilmente, com golpes de lanças e espadas, ou com o golpe esm agador dos cacetes, os dez filhos de Hamã receberam tratam ento especial. Foram mortos por meios norm ais (provavelm ente à espada), mas em seguida seus corpos foram empalados, talvez no m esm o poste de empalação que matara o pai deles (ver Est. 9.13). O Targum diz-nos que H am ã tinha m ais de 200 filhos e, considerando que todos os poderosos da época tinham am plos haréns, isso provavelm ente está certo. Julgam os, por conseguinte, que os dez filhos seletos deste versículo eram todos filhos de sua esposa Zeres (ver Est. 5.10,14). Fora ela quem enco­ rajara os preparativos para a m orte de M ordecai por em palação (conform e inform a o capítulo 5), e assim tem os aqui outra pequena dem onstração de justiça poética. Os nomes dados podem ser traçados até antigas raizes persas, exceto Adalia. Nas cópias da Bíblia hebraica, os nomes são listados verticalm ente, um por linha, ocupando assim dez linhas, por motivo de ênfase e triunfo sobre aquelas feras, como qualquer um da família de Hamã deveria ser considerado. 9.10

P orém , no d e sp o jo não to ca ra m . Os judeus não estavam atrás de dinheiro. Eles não saquearam as casas e propriedades daqueles a quem m ataram, nem m esm o dos dez filhos de Hamã, embora pudessem tê-lo feito (ver Est. 8.11). “Os judeus, respeitadores com o eram, não se deixaram m otivar por considerações mercenárias” (Bernhard W. Anderson, in loc.). Contudo, considerando toda aquela matança sem razão, esse fator não me consola muito. 9.11,12

No m esm o dia fo i c o m u n ic a d o ao rei. Um auxiliar levou ao conhecimento do rei o número total dos que foram mortos. É vidente que ele requereu esse ato, com o propósito de apresentar os “resultados" a Ester, cujo favor procurava e cujos desejos queria satisfazer. Devidam ente, ele entregou o relatório a Ester e perguntou-lhe se haveria alguma outra petição. O rei queria chegar ao fim daquele negócio terrível, m as sabia que só poderia term inar quando Ester dissesse: “Bas­ ta!". Para Ester, entretanto, o bastante ainda não tinha chegado. O vs. 13 informa o que mais ela queria. O Targum diz-nos aqui que 70 dos filhos de Hamã (por meio de outras mulheres) tinham conseguido fugir, e por isso teriam de ser caçados. É de presu­ m ir que Zeres havia fugido com eles. Ester precisava de tempo para caçá-los, bem com o a outros apoiadores da causa de Hamã.

9.5 9.13 Feriram, pois, os judeus a todos os seus inimigos. Matança e destruição

eram as palavras do dia. O Targum diz-nos que os judeus usaram espadas, lanças e cacetes, bem com o quaisquer outras arm as pudessem ter em mãos. Até mesmo instrumentos agrícolas foram usados para matar. De fato, a colheita foram as cabeças dos que odiavam os judeus! Os hom ens encobriam os olhos para não ver os golpes que term inavam com eles. M ulheres lam entavam-se e choravam; mães e filhos eram mortos juntos e afundavam no sangue. Os judeus estavam fazendo aos outros o que outros desejaram fazer com eles, mas mulheres e crianças? Algumas de m inhas fontes inform ativas gemem diante das descrições, ao passo que outras dão vivas exultantes!

Então d is se Ester, Ester precisava de mais tempo para caçar os que tinham fugido (talvez incluindo os 70 filhos de Hamã e sua esposa, Zeres, que haviam escapado ao primeiro assalto (ver sobre os vss. 11,12). Alguns odiadores dos judeus, parte da multidão que tinha apoiado Hamã, tinham escapado e estavam escondidos. Portanto, Ester precisava de um dia extra para pôr fim ao jogo da m atança. Esse pedido, o rei concedeu prontamente. Mas a dama tinha ainda outra petição: ela queria que o corpo morto dos filhos de Hamã fosse empalado e exibido, para que todos vissem: “ Isto é o que acontece aos que se opõem aos judeus!”. Essa petição também foi concedida pelo rei.

ESTER Portanto, a vingança de Ester foi impulsionada “pelo céu e pelo inferno” (conforme disse Shakespeare em outra situação). Porventura isso pôs fim à inimizade de sangue entre a tribo de Benjamim e os amalequitas? Ver a introdução ao capitulo 3 deste livro quanto a essa possibi­ lidade. Talvez o autor sagrado tenha em mente I Sam. 15. A casa de Agague foi obliterada nesse ponto (ver I Sam. 31.10)? Isso pode ter inspirado a lúria do ataque, mas talvez Hamã fosse simplesmente um persa de um lugar chamado Agague, conforme uma descoberta arqueológica poderia subentender, o que tam­ bém menciono nas notas sobre a introdução ao capítulo 3 deste livro. Talvez a real motivação da matança ilimitada tenha sido a prevenção. Ester queria pôr fim à ameaça, para seus dias e para as gerações seguintes.

Somos para os deuses como as moscas são para meninos. Eles nos matam por esporte. (Shakespeare)

Aqueles a quem os homens temem, eles odeiam, E a quem temem, eles os querem mortos. (Quintus Ennius) 9.14 Então disse o rei que assim se fizesse. Tudo quanto Ester queria, ela obte­ ve. Até os corpos mortos dos dez filhos de Hamã foram empalados e expostos para que todos vissem. Que cena horrenda a dama preparou! Assim os judeus tiveram um feriado de matança. Os atos de Ester foram um “aviso visual para outras pesso­ as não cometerem os mesmos crimes daqueles que foram punidos” (John A. Martin,

in loc.).

1849

Conforme é dito nos vss. 10 e 15, os judeus não enriqueceram à custa do saque, embora fosse direito deles saquear (ver Est. 8.11). Isso porque seus motivos eram “puros”. Um sábio comentário é o do bispo Wordsworth, in loc., que escreveu: “A história mostra quão temerária é a vida humana, e especialmente a vida dos persas, que prevaleceram os soberanos das mais célebres nações do mundo oriental. Ficam demonstradas as ruinosas conseqüências que resultariam à civili­ zação humana se Xerxes tivesse sido vitorioso contra os gregos, em Salamis. Se a Grécia não tivesse triunfado em sua luta contra a Ásia, teriam dominado, no Ocidente, a rudeza original e a poligamia oriental, e grandes dificuldades obstruiri­ am o progresso da civilização e do cristianismo. O livro de Ester revela-nos que foi a mão de Deus que fez Xerxes estacar nos estreitos de Salamis”. 9.17,18 Sucedeu isto no dia treze do mês de adar. A matança nas províncias durou um dia, em contraste com as duas matanças ocorridas na capital (vs. 13). Por essa razão, os judeus, em Susã, celebravam o décimo quinto dia do décimo segundo mês como o dia da vitória, ao passo que, nas províncias, o dia catorze era o dia da celebração. Essa informação explica como chegaram a existir dois diferentes dias de Purim. Esses dias tomaram-se uma festa e um feriado. O jejum e a lamentação eram reservados para outros dias. Contrastar Est. 4.3. Ver os vss. 20-32 quanto à instituição formal dos dois dias de Purim. Quanto a detalhes sobre Purim, ver no Dicionário. Dois dias continuaram a ser observados na história posterior, mas o primeiro permaneceu como o principal dia de Purim. Atualmente, a festa ainda ocupa dois dias, e diferentes atos de comemoração e adoração são distribuídos entre os dois, conforme explica o artigo. O décimo quinto dia era o dia de celebração dos judeus da capital. 9.19

“Não devemos julgar Ester pelos padrões cristãos” (Ellicott, in loc., que assim nos consolou em meio a todo aquele sangue e entranhas expostas). Há agora um caminho superior que Cristo nos trouxe. Não precisamos sancionar tudo quanto lemos no Antigo Testamento.

Os homens odeiam com maior constância do que amam. (Samuel Johnson)

Se o amor é perfeito, expele o temor. Portanto o ódio, se for perfeito, expelirá o temor. (Tennyson) 9.15 Reuniram-se os judeus que se achavam em Susâ. A colheita de matanças do segundo dia produziu 300 homens adicionais, levando o grande total a 500+10+300=810. Presumimos que a matança adicional vitimou Zeres, bem como bom número de outros filhos de Hamã, cuja mãe não era essa esposa principal. Entrementes, grandes matanças estavam sendo efetuadas por todo o império persa, em todas as províncias. O Targum inclui entre essas mortes adicionais a família de Amaleque, mas não sabemos se isso é historicamente exato. No entanto, os judeus não estavam interessados em saques, conforme somos informados no vs. 10, onde comento o assunto. ‘ Assim Susã foi expurgada de todos os inimigos dos judeus” (Adam Clarke, in loc.). 9.16

A Matança nas Províncias Remotas. Por todo o império persa, 75.000 pesso­ as foram mortas (vs. 16), número dado por Josefo, pela Vulgata Latina, pelo siríaco e pelo Targum. Mas a Septuaginta fornece um número conservador e misericordioso de 15.000. O número maior certamente é o correto e justifica o relatório posterior de I Macabeus 11.47, que diz que os judeus “fizeram o que lhes agradou mais”, e o que mais os agradou foi matar o maior número possível de inimigos. Mas nesse caso (de uma ocasião posterior), somos informados que eles mataram nada menos de 100.000 pessoas! Quem se lembraria do rosto de Helena Se lhe faltasse o terrível halo de lanças? Nunca chores. Deixa-os brincar. A antiga violência não é antiga demais A ponto de não poder gerar novos valores. (Robinson Jeffers)

Também os judeus das vilas que habitavam nas aldeias abertas. Este versículo repete o que fora declarado no vs. 17. Nas províncias, o déci­ mo quarto dia tornou-se o dia da celebração. O autor sacro explicou por que os judeus das províncias celebravam a festa de Purim no décimo quarto dia, em contraste com a data observada em Susã ( Susã Purim, conforme a festa é conhecida no calendário judaico atual). Visto que as cidades destituídas de muralhas (aldeias) são especificamente mencionadas acerca do feriado longe da capital, alguns supõem que as cidades maiores, dotadas de muralhas, guardariam a data do Susã Purim. A Septuaginta expande o versículo a fim de incluir as cidades muradas na mesma data que a capital. Porém o mais provável é que devemos compreender com cidades “lá fora”, quer muradas quer não, é que a celebração da festa era provincial. Conforme o tempo passava, este versículo dava base bíblica para a elaborada discussão talmúdica da matéria. A conclusão foi que as cidades muradas tinham de observar o Susã Purim. Instituição da Festa de Purim (9.20-32) Quanto a detalhes e a um sumário dessa questão, ver sobre Purim no Dicio­ nário. Temos aqui o fundamento bíblico para a festa que não fazia parte, como é natural, da legislação mosaica, sendo uma espécie de festa de “última hora”. Ver no Dicionário o artigo geral intitulado Festas (Festividades) Judaicas, terceira seção, ‘ Festividades Após o Exílio Babilónico”. Purim (sortes) está ligado à pala­ vra hebraica puro, “cesta", uma referência à cesta onde as sortes eram postas. Ver Est. 3.7 ss. quanto ao uso das sortes para determinar qual seria o melhor dia para a matança dos judeus. Com base nessa circunstância (adicionando-se o fato de que a data determinada, o décimo terceiro dia do décimo segundo mês, tor­ nou-se a data em que os inimigos dos judeus foram destruídos), a festa veio a ser chamada Purim (sortes). Ver a própria explicação do autor sagrado em Est. 9.24. Os versículos desta seção mostram-nos que Mordecai oficializou os dias que seriam observados como a festa do Purim, e o judaísmo tem seguido essa orien­ tação desde então. Ambos os dias da celebração espontânea, tanto nas provínci­ as (o décimo quarto dia) quanto na capital (Susã Purim) foram legalizados, pelo que a festa dividiu-se em dois dias. Foi assim que nasceu uma nova tradição. 9.20 Mordecai escreveu estas cousas e enviou cartas. A carta de Mordecai criou a festa de Purim. “... ela não fora estabelecida pela lei mosaica, mas ordenada por Mordecai (vss. 20-28) e Ester (vss. 29-32). A festa de dois dias sen/ia para relembrar a bondade de Deus, que operava através de certo número de circunstâncias para proteger o Seu povo da extinção. Mordecai redigiu uma proclamação cujo propósito era celebrar o evento anualmente, com um banquete e regozijo (cf. 8.17), dar alimentos aos necessitados e compartilhar com os pobres” (John A. Martin, in loc.). Celebrava-se a providência de Deus (ver a respeito no Dicionário). O nome de Deus nem ao menos foi mencionado em conexão com a proclamação da festa.

1850

ESTER

Supomos que isso evidencie uma superpiedade por parte do autor sagrado, o qual, em consonância com o judaísmo posterior, não proferia os nomes divinos. O livro e suas festas têm sido acusados de secularismo, mas, se considerarmos a questão dessa questão por esse prisma, essa acusação perde poder.

rio para o caso de termos esquecido o que estava por trás da nova festa instituída pela carta de Mordecai. O vocábulo hebraico por trás da tradução assolar (literal­ mente, esmagai) é uma palavra de som semelhante ao do nome de Hamã (a saber, hummamj e, provavelmente, é um jogo de palavras propositado.

A Palavra Escrita. A formalização da festa veio através da carta de Mordecai, o que deu autenticidade à festa, embora não fizesse parte da Torá.

9.25

9.21 Ordenando-lhes que comemorassem o dia catorze do mês de adar. Tanto o dia catorze (o das províncias) como o dia quinze (o de Susã) foram aprovados e autenticados pela carta de Mordecai. Mas por que a diferença de datas ocorreu, ver as notas expositivas sobre o vs. 13. Ester pedira um dia extra para terminar apropriadamente a matança, e isso ocorreu na capital. Portanto, somente apenas dois dias de matanças os judeus da capital descansaram. Assim, eles comemoravam a vitória no décimo quinto dia. Mas nas províncias houve somente um dia de matanças, pelo que ali se comemorava a vitória no décimo quarto dia. Cf. os vss. 17 e 18, que nos dão essa informação. A festa tornou-se uma instituição oficial do judaísmo e era celebrada anual­ mente. Quanto aos problemas históricos relacionados à questão, ver as explica­ ções no artigo sobre Purim, no Dicionário. 9.22 Como os dias em que os judeus tiveram sossego dos seus Inimigos

Elementos Originais. Com a passagem dos séculos, a festa adquiriu natureza mais complexa, incluindo a leitura de todo o livro de Ester. Este versículo nos dá os elementos originais da festa. 1. A festa era um feriado, um sábado, um dia de descanso (vs. 18), devotado a celebrações alegres. Nada havia de lamentações naquele dia. Era um tempo para cantar, comer, beber e oançar 2. Era um dia de comemoração. Os inimigos dos judeus tinham siac destruídos pelo poder de Deus, por meio de Sua providência constante. Os homens, pois, eram convocados a relembrar esses fatos. 3. O povo trocava presentes de acepipes, alimentos especiais e doces, e, presumivelmente, outros tipos ae presentes também. As regras judaicas pos­ teriores requeriam que um homem enviasse pelo menos dois presentes a um amigo. Muitos presentes podiam ser enviados, mas homens presenteavam a homens, e mulheres a mulheres (Labush e Schulcan, em Talmude Bab. Migillah cap. 694, sec. 4). 4. Alimentos, bebidas e presentes fluíam como se fossem o rio Amazonas. Mordecai não queria que fossem deixados de fora das festividades os po­ bres, os quais não tinham dinheiro para celebrar e por certo não podiam enviar presentes a outras pessoas. Portanto, ordenou-se que fossem dados presentes aos pobres. As regras posteriores permitiam presentes em dinhei­ ro, mas, se fosse doado dinheiro, este tinha de ser gasto na compra de alimentos e bebidas, para fazer parte das celebrações. O dinheiro não podia ser usado com outros propósitos. É por isso que lemos sobre ‘ os dinheiros do Purim’ (Lebush e Schulchan, Talmude Bab. Megillah, sec. 2.3).

Tendo Ester Ido perante o rei. O autor sacro fornece outro versículo de sumário, agora acerca da heróica intervenção de Ester, para impedir os maus desígnios de Hamã. A intervenção original está registrada no capitulo 5 do livro, e a questão de ela impalar o corpo dos filhos de Hamã aparece em Est. 9.13. Dessa maneira, Ester foi capaz de tratar Hamã tal como ele teria tratado a Mordecai, porquanto o poste de impalar foi preparado por aquele homem ímpio para execu­ tar a Mordecai (ver Est. 5.14). 9.26 Por Isso àqueles dias chamam purim, do nome Pur. Os vss. 24 e 25 fazem uma breve recapitulação do atrevido plano formado contra os judeus, e como ele foi revertido, a fim de podermos compreender como a festa de Purim veio a existir. O vs. 26 age como outra recapitulação, agora sobre o que acabara de acontecer, ou seja, a carta pela qual Mordecai instituíra a festa (ver Est. 9.20-23). Este versículo fornece a primeira referência expfidta à nova festa, mas já pudemos compreender a essência da questão. Ver no vs. 22 os elementos originais da festa, e ver no Dicionário o artigo chamado Purim, para detalhes, incluindo os desenvolvimentos (e problemas) históri­ cos da festa. A leitura do livro de Ester, nessa ocasião, pode ser remetida a II Macabeus 15.36 e a Josefo (Anbq. Xl.6.13); Mishna, Rosh ha-Shanah, 3.7. Àqueles dias. Quais dias? Os dois dias da festa do purim. A razão pela qual essa festa é celebrada em dois dias é dada nos vss. 17-19. 9.27 Determinaram os judeus. Este versículo é ainda outra recapitulação, desta vez referindo-se ao vs. 23. A carta de Mordecai foi eficaz. Os judeus cumpriram as ordens recebidas, e assim têm feito através dos séculos. A festa foi e continua sendo celebrada anualmente. Sobre todos os que se chegassem a eles. Isto é, os prosélitos (cf. 8.17). Tudo fora feito sem caducar (comparar a linguagem de Est. 1.18). Não houve nenhuma negligência, alteração ou revogação. Diz uma Midrash: ‘ Mesmo que todas as festividades viessem a ser anuladas, o Purim jamais será anulado”. O autor sagrado trabalha sobre a questão porque o Purim não fazia parte da Torah, e houve alguma oposição a ele, como inovação (ver o vs. 23). Lebush e Schulchan, Talmude Bab. Megillah, cap. 687, sec. 2, mostraram-se enfáticos sobre o fato de todo o povo judeu, incluindo homens, mulheres, crianças e prosélitos, ser obrigado a ouvir a leitura do livro ou lê-lo pessoalmente. Foi assim que a festa de Purim se tomou uma ocasião nacional de grande importân­ cia, uma obrigação para todos. 9.28

9.23 Assim os judeus aceitaram como costume. Os judeus obedeceram à carta sobre a festa de Purim enviada por Mordecai, e assim a festa começou a ser anualmente observada. Era uma festa de dois dias e incorporava os elementos alistados e discutidos nas anotações sobre o versículo anterior. ‘ Mordecai escre­ veu para eles que se comprometessem a si mesmos e a seus sucessores, e a toacs os seus prosélitos, a celebrar a festa anual, através de todas as suas gerações’ (Adam Clarke, in loc.). Os judeus temiam inovações que talvez fossem tidas como contradições com Moisés. Mas a autoridade de Mordecai era suficiente para fazer o Purim entrar no calendário judaico das festas nacionais. O Talmude Hieros Megillah, foi. 70.4, menciona os anciãos e rabinos importantes que se opuseram à celebração da festa, como também alguns profetas que temiam que fosse uma inovação que pudesse debilitar os mandamentos de Moisés. Mas a comunidade judaica em geral sempre celebrou com entusiasmo essa festa. 9.24 Porque Hamã, filh o de Hamedata, o agaglta. Este versículo nos faz lem­ brar Est. 3.1 (os antepassados de Hamã) e Est. 3.5,6 (o seu desejo de matar toda a comunidade judaica). Foi assim que ele se tomou o ‘ inimigo dos judeus’ . Ele «avia lançado purim (sortes) para determinar o dia mais propício à grande matan­ ça oos judeus (ver Est. 3.7). A essência do decreto que ele fizera Assuero procla­ mar era o aniquilamento absoluto dos judeus, ‘ para os assolar e destruir*, que é paralelo de Est. 3.13. Por conseguinte, o autor fornece uma breve nota de sumá­

E que estes dias seriam lembrados. O autor sagrado (ou editor posterior) continuava a trabalhar na questão, salientando a obrigação da festa para todas as gerações. Ela tinha de ser observada em todos os lugares, por todos os judeus, onde quer que se encontrassem, e em todas as famílias. O purim é um importante memorial que comemora a providência de Deus em favor dos judeus. Todos os judeus piedosos foram convocados a relembrar aquele exemplo histórico da provi­ dência divina e a concluir que Deus está em Seu trono e tudo está bem no mundo, para os judeus, em qualquer ponto da história. A piedade pessoal seria assim inspirada em todas as gerações. Temos uma declaração radical no sentido de que, naquele dia, seria melhor omitir a leitura regular e a observância de coisas da lei do que omitir a festa do Purim (Lebush e Schulchan, Talmude Bab. Megillah, cap. 687, sec. 2)). A palavra Megillah é uma referência ao livro de Ester. Observâncias posteriores da festa assumiram alguns elementos pitorescos, conforme Jamieson, in kx., ilustrou: “Em ambos os dias da festa, judeus moder­ nos lêem inteiramente a Megillah (o livro de Ester), em suas sinagogas. A cópia lida não deve ser impressa, mas escrita a mão sobre velum, na forma de um rolo. Os nomes dos dez filhos de Hamã são escritos ali de uma maneira peculiar, espalhados como se fossem outros tantos corpos em uma tábua posta na vertical, com cruzes que se projetam formando ângulos retos. O leitor deve pronunciar todos esses nomes em um único hálito, unindo-os para formar um só nome. Sempre que o nome de Hamã for pronunciado, os judeus fazem um barulho terrível na sinagoga. Alguns judeus batem com os pés no chão. Os meninos têm malhos com os quais batem nas coisas e fazem ruídos’ . Em tempos posteriores, após a invenção da pólvora, os judeus passaram a explodir bombas sob as

ESTER cadeiras, aumentando assim o barulho e a confusão em geral. É tempo de eles dizerem: “Vede o que Deus fez em favor de nossos antepassados, e compreendei que Ele também está conosco”. A Autoridade de Ester quanto à Festa de Purim (9.29-32) 9.29 Não é claro se Ester enviou ou não uma carta extra, ou se o nome e as palavras dela faziam parte da segunda comunicação de Mordecai. Seja como for, ela acrescentou sua autoridade e autenticou a festa, adicionando algo a sua nature­ za obrigatória. Ela escreveu “com toda a autoridade", pois como “rainha” contava com o apoio e a autoridade do rei, que também encorajou a celebração. No vs. 29, Ester e Mordecai aparecem como co-autores, mas no vs. 30 o verbo é do gênero masculino, singular. Obtemos assim a idéia de uma carta conjunta, na qual tanto Mordecai quando Ester escreveram o que queriam dizer. Ou então Ester enviou uma carta separada, em seu próprio nome. As cartas adicionais reforçaram a carta original, talvez porque alguma negligência tinha entrado na questão da observância anual. Seja como for, a carta em duas ou três edições p& ece ter adicionado autori­ dade para garantir a observância da festa de Purim. A observância da festa precisa­ va dessa sanção leal, visto que não fazia parte dos eventos ordenados pela Torah. Portanto, temos: a carta original de Mordecai; outra carta escrita por ele (tendo como co-autora Ester), a qual foi enviada para reforçar o documento origi­ nal. Ou então Mordecai enviou uma segunda carta, e Ester adicionou sua própria autoridade, enviando ainda uma terceira carta, da qual ela foi a autora. O hebraico dos vss. 29 ss. é um tanto desajeitado, deixando-nos em dúvida quanto à nature­ za exata da comunicação. Segunda vez. Estas palavras são deixadas de fora pela Septuaginta, pelo latim antigo e pelo siríaco, podendo ter sido uma glosa de um editor posterior. Nesse caso, os detalhes específicos da comunicação ficam em ainda maior dúvi­ da. Seja como for, o que parece evidente é que a série de cartas confirmava e autenticava a natureza obrigatória da festa do Purim. 9.30 Expediram cartas a todos os judeus. A distribuição das cartas foi garantida pelo sistema postal persa, o primeiro sistema postal universal na história da hu­ manidade. Ver sobre isso nas notas expositivas de Est. 3.13 e 8.10. O fato de ter sido utilizado o sistema postal do império persa mostra que Assuero entrou pes­ soalmente na questão. Essa carta recebeu a mesma distribuição que o decre­ to do rei, a saber, foi espalhada por todas as 127 províncias do império persa. Cf. Est. 1.1 e 8.9, onde há notas expositivas sobre a questão. O fato de que os judeus foram capazes de usar o sistema postal imperial mostra o prestígio que eles haviam obtido. Isso também fez parte da providência de Deus, um dos temas principais do livro de Ester. Com palavras amigáveis e sinceras. A festa de Purim promoveu a paz de Deus e Sua verdade entre o povo judeu, e isso pode ser a referência dessas palavras. Mas talvez tenham sido enviadas palavras adicionais, juntamente com as cartas, que transmitiam a idéia de paz e verdade ao povo judeu. O autor sagrado, uma vez mais, evitou cuidadosamente mencionar os nomes divinos, os quais, no judaísmo posterior, não eram proferidos. Isso foi sinal de superpiedade, e não de secularismo. O autor sacro não “usou sua fé religiosa na manga da camisa”, confor­ me diz certa expressão idiomática moderna. Em outras palavras, o autor sacro evitava a ostentação e a vulgarização da fé, desviando-se de falar demais em Deus. Meus amigos, como os evangélicos modernos vulgarizam a fé, com tanto “o Senhor me disse”, “o Senhor me levou a fazer isto ou aquilo" etc. Além disso, há aqueles cultos religiosos barulhentos, que chamam mais a atenção para os crentes que se põem a gritar do que para Deus. Pessoalmente, tento evitar o uso demasiado dos nomes divinos, substituindo-os por autoridades, o que se parece com o costume dos hebreus que temiam dizer Yahweh, preferindo o nome divino Adonai. 9.31 Para confirmar estes dias de purim nos seus tempos determinados. As cartas tinham por intuito confirmar a observação dos dois dias de purim, conferin­ do-lhes maior autoridade. Deveriam ser observados sempre nas datas corretas (dias catorze e quinze do décimo segundo mês), todos os anos. A autoridade tanto de Mordecai quanto de Ester apoiava a questão, e isso foi suficiente para adicionar uma ordem ao que Moisés tinha ordenado, embora, como é óbvio, a festa fosse uma inovação. A festa de Purim, pois, foi assim adicionada às festividades, cele­ brações, feriados, dias de lamentação etc. que caracterizavam o judaísmo. Tinhase tornado uma instituição e uma tradição nacional, e assim, de fato, continua até os nossos dias. Apesar de não haver aqui nenhuma menção da ratificação do sacerdócio, dos levitas etc., podemos estar certos de que tudo isso está em conso­ nância com a instituição, conforme comento no vs. 23 deste capítulo.

1851

9.32 E o mandado de Ester estabeleceu. Provavelmente este versículo significa que uma cópia das cartas concernentes ao purim, ou uma cópia da carta original de Mordecai, foi posta nos arquivos oficiais dos persas, visto que aborda ativida­ des de súditos que viviam espalhados pelo império. Cf. Est. 2.23; 6.1 e 10.2, onde ofereço notas expositivas adequadas. Ver também Esd. 6.1.2.

C a p ítu lo D ez Mordecai em Posição de Autoridade (10.1-3)

Descrição da Grandeza de Mordecai. Este pequeno capítulo é uma espécie de epílogo que relata quão grande era Mordecai, o primeiro-ministro de Assuero ou Xerxes I. Mordecai não foi como um cometa que relampejou no firmamento, teve um breve período de duração e terminou. Ele continuou a ser a mão direita do rei e mostrou-se um ministro fiel e capaz. Em algumas antigas cópias (gregas) do livro de Ester, após Est. 10.3, foi acrescentada parte da obra apócrifa, Adições ao Livro de Ester, que descrevi com o título de Ester, Adições ao Livro de, na Enciclopédia de Bíblia, Teologia e Filosofia. Esse documento consiste em 107 versículos, os quais, nas antigas Bíblias gregas, foram adicionados em vários lugares, na Septuaginta. Há um total de seis adições. Cada adição foi acrescentada em um lugar diferente no livro grego de Ester, em vez de serem agrupadas e formarem uma unidade. 10.1 Depois disto o rei Assuero impôs trib uto sobre a terra. Assuero natural­ mente tinha grande poder, e o seu império precisava de um hábil administrador. O homem certo para o trabalho era Mordecai. Ele foi promovido à posição de primei­ ro-ministro e muitos detalhes do governo lhe foram delegados. Mordecai foi um grande patriota judeu, mas também foi capaz de ministrar habilidosamente uma potência estrangeira. Ele foi um homem grande o bastante para preencher ambas as posições e funções. Mordecai conseguiu aumentar os já vastos recursos econômicos de Assuero. Maior número de impostos se baixou sobre as 127 províncias. Não obstante, não há uma única menção à piedade pessoal de Mordecai; cumpre-nos compreender, entretanto, que somente um judeu piedoso poderia ter sido elevado a tal poder, porque Deus, afinal de contas, é o Poder que há por trás de todos os poderes terrenos. O autor sagrado não ficou falando “muito” sobre Deus. Nem ao menos mencionou algum dos três nomes divinos em hebraico, em todo o livro. No judaís­ mo posterior, o uso dos nomes divinos era evitado por motivo de extrema pieda­ de, e não por secularismo.

As Guerras Contra a Grécia? Alguns estudiosos supõem que impostos foram levantados para pagar a guerra de Assuero contra os gregos (a qual terminou em desastre para os persas e é descrita com detalhes por Heródoto). Mas o autor do livro de Ester não menciona esse acontecimento. Na verdade, ele não cita ne­ nhum evento capaz de sacudir o império persa. Apenas fala sobre como a provi­ dência de Deus operou em favor dos judeus.

10.2 Quanto aos mais atos do seu poder e do seu valor. Assuero foi um homem grande, poderoso e rico, conforme nos diz o autor sagrado. Entre seus atos (que foram de interesse especial para o autor sacro), esteve a elevação de Mordecai à posição de primeiro-ministro. Isso estabeleceu o palco de real interes­ se do autor sagrado, a preservação dos judeus em um período especialmente difícil na história do povo judeu. De fato, o período histórico de Mordecai-Ester foi jrn instrumento da salvação nacional, conforme o livro nos diz. A orientação de Deus estava por trás da elevação de Mordecai, no império persa, por parte de Assuero. O autor sagrado como que disse-nos: “Se você está curioso em saber mais sobre Assuero, então leia os arquivos oficiais do império, o ‘livro da história dos reis da Média e da Pérsia'”. Quanto a isso, ver a exposição sobre Est. 2.23; 6.1; 9.32; 10.2 e cf. Esd. 6.1,2. 10.3 Pois o judeu Mordecai fo i o segundo depois do rei Assuero. Mordecai foi um grande patriota judeu e, como tal, um homem piedoso (embora o autor deixe isso de fora, omitindo qualquer referência específica a essa questão). Ele também foi a mão direita de Assuero, seu primeiro-ministro. Obteve a aceitação dos grandes do império persa e era popular com as massas. Sempre buscou o bem-estar de seu povo, bem como da população persa em geral. E, acima de tudo, falava de paz ao remanescente perseguido dos judeus, trazendo-lhes a luz de um novo dia.

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ESTER

0 livro de Ester deixa de lado qualquer informação sobre eventos subse­ qüentes, a morte e o sepultamento de Mordecai e Ester. Cippi Hebraici (Moreh Nevochim, par. 3, cap. 22) diz-nos que Mordecai foi sepultado na cidade de Susã e que todos os judeus se reuniram para prestar-lhe altas honrarias. Ademais, nos dias da festa de Purim, eles visitavam sua sepultura, entoavam cânticos, tocavam instrumentos musicais, regozijavam-se no milagre operado através dele em favor do povo judeu e, de modo geral, louvavam o seu nome. A sepultura de Ester alegadamente estava localizada a cerca de 800 metros de Tzephat. O povo judeu também se reunia ali nos dias de Purim para louvar o nome dela, comer e beber, regozijar-se e, de modo geral, celebrar as realizações dela. Mas Benjamim de Tudela ( Talmude Bab. Bava Bathra, foi. 14.2) diz que ambos foram sepultados perto de uma sinagoga em um lugar chamado Hamdã. Usualmente, adições des­ sa categoria são lendárias. Seja como for, não temos meios para julgar a historicidade dessas tradições. Neste ponto, a Septuaginta tem onze versículos adicionais, parte das Adi­ ções ao Livro de Ester. Ver a introdução a este capítulo quanto aos detalhes. /Is Três Grandes Lições do Livro de Ester. Em minha opinião, entre as muitas lições do livro de Ester que poderiam ser salientadas, enfatizo três: 1. A providência de Deus que está sempre ativa entre os homens. Esse é o tema dominante. Quanto a esse assunto, ver no Dicionário o verbete chama­ do Teísmo.

2.

3.

Deus tem instmmentos especiais para missões especiais. Todos nós, em certo sentido, seguimos no trem de Mordecai e Ester, dotados de nossas tarefas, privilégios e oportunidades especiais. Devemos seguir o exemplo deixado pelo autor, que não se mostrou exibido acerca de sua fé religiosa. Ele conseguiu escrever uma espécie de monólogo sobre a providencia de Deus, sem mencionar nenhum dos três nomes divinos uma única vezl Ele fez isso por motivo de extrema piedade, e não em razão de seu secularismo. O judaísmo posterior evitava pronunciar os nomes divi­ nos, crendo serem estes por demais sagrados para serem proferidos. Con­ traste-se essa prática ao oposto extremo que se vê hoje em dia. Um número exagerado de pessoas vive com o nome de Deus entre os lábios, e pessoas dadas à ostentação, em nome do louvor a Deus ou por quererem meter Deus em cada pequeno detalhe de sua vida, apenas chamam a atenção alheia para si mesmas, e não para Deus.

Sucesso. ‘ Obteve sucesso quem viveu bem, quem riu com freqüência e quem amou muito; quem obteve o respeito de homens inteligentes e o amor das criancinhas; quem preencheu o seu lugar e realizou a sua tarefa; a quem nunca faltou apreciação pelas belezas terrenas nem deixou de expressá-las; quem buscou o melhor que há nos outros; quem deu o melhor que possuía; cuja vida foi uma inspiração e cuja memória é uma bênção" (Robert Louis Stevenson).

Jó 42 1.070

Capítulos Versículos



INTRODUÇÃO

Esboço: ’ Caracterização Geral II. O Homem Jó; Problema de Historicidade III. Proveniência IV. Data, Autoria e Integridade do Livro V. O Problema do Mal VI. Esboço do Conteúdo VII. Bibliografia I. Caracterização Geral Este livro reflete episódios da época patriarcal, quando a lei mosaica ainda não havia sido promulgada. Os intérpretes antigos e alguns modernos continuam favorecendo a data mais antiga do livro. Ver sobre Data, na quarta seçãc deste artigo. Todavia, quase todos os intérpretes modernos, embora acreditem que houve, realmente, um homem de nome Jó, que é a figura central do livro desse nome, e que ele deve ter vivido na época dos patriarcas hebreus, acreditam que a narrativa primeiramente circulou sob a forma de tradições orais, até que foi reduzida à forma escrita, aí pelo século V ou IV A.C. Quanto a especulações sobre a historicidade de Jó, ver o artigo sobre Jó. 2. Jó do Livro de Jó. Uma das razões para a defesa de uma data posterior do livro é que ele pertence à chamada literatura de sabedoria, dentro aa tradição judaica, literatura essa pertencente a um período posterior. Além disso, talvez reflita uma grande crise de fé criada na mente nacional judaica pelos cativeiros assírio e babilónico. Nesse caso, o livro não seria mera peça pessoal, refletin­ do os conflitos de um indivíduo isolado acerca do problema do mal, e, sim, um tioo de busca dos judeus por uma resposta acerca das aflições que Israel sofreu como nação. A antiga doutrina judaica, tão forte no Antigo Testamento, acerca da regularidade e previsibilidade aa retribuição divina, foi perturbada pelos imensos sofrimentos da nação às mãos de povos pagãos que, sem dúvida, eram mais cor­ ruptos do que os judeus. O décimo nono capítulo de Jó mostra-nos que o homem que é sábio conserva a sua crença na retidão e na vindicação dada por Deus aos retos. A esperança da vindicação após a morte íuma resposta comum para o problema do mal) acha-se em Jó 19:25-27. Os consoladores de Jó, que eram apenas atormentadores, não podiam perceber outra coisa além de uma retribuição divina regular, precisa e previsível. Para eles, Jó estava sofrendo porque merecia tal coisa, o que, segundo pensavam, fatalmente mostraria ser a verda­ de, apesar da capa de justiça com que Jó se vestia. Alguns eruditos pensam haver problemas com o arranjo do mate­ rial, supondo que algum editor, ou editores, de uma época posterior, tivessem feito adições que só teriam servido para lançar o livro na confusão. O capítulo vinte e um, diferentemente dos capítulos primei­ ro a décimo nono, retrata um Jó cético, que condenou a si mesmo e, então, foi levado à sabedoria divina no capítulo vinte e oito. Após uma espécie de discurso de despedida, que contém um juramento de liberação (caps. 30 e 31), que seria, basicamente, um paralelo aos discursos dos capítulos terceiro a décimo nono, quanto à atitude, aparece uma reprovação desnecessária por parte de certo Eliú (caps. 32—37). Então o próprio Deus força Jó a retratar-se (caps. 38 e 39). Isso posto, parece haver consideráveis mudanças de atitude entre os capítulos terceiro a décimo nono, por um lado, e as porções subse­ qüentes do livro. E alguns estudiosos supõem que isso reflita adições feitas posteriormente. Todavia, isso poderia ser reflexo apenas de um confuso arranjo e tratamento, por parte do próprio autor sagrado que, ao abordar uma questão espinhosa, não se mostrou muito me­ tódico quanto, talvez, gostaríamos que ele tivesse sido. As presumí­ veis adições seriam os capítulos 28, 32-37 e 38 e 39. Alguns estudiosos também supõem que o prólogo (Jó 1 e 2) e o epílogo (Jó 42:7-17) tenham sido adições feitas ao corpo original do

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livro. Outros eruditos têm criticado a filosofia que transparece na obra, supondo que as tragédias gregas sejam superiores, pois, nes­ sas tragédias, quando um homem sofre, nunca mais se recuDera. E dizem que isso é mais realista diante da vida. No entanto, Jó recuperou-se e prosperou mais do que antes. Todavia, a vida tam­ bém nos mostra casos de recuperação diante do sofrimento, mesmo nesta vida, não havendo nisso nada que possa ser considerado con­ trário à realidade. Mediante essa recuperação de Jó, o autor sagraao estava dizendo que a providência divina é capaz de nos surpreender. Em primeiro lugar, devido a razões desconhecidas, o homem sofre; e a única razão para isso é a inescrutável vontade de Deus. Em segun­ do lugar, para consternação daqueles que acreditavam que Jó era um homem iníquo, subitamente ele voltou a prosperar materialmente. E isso prova que a resposta simplista para o problema do sofrimento, de que este resulta de erros cometidos, nem sempre explica o que está acontecendo entre os homens. Por outro lado isso também prova que não podemos afirmar que Deus nunca abençoa os peca­ dores. Assim, os eruditos que não apreciam a bela e surpreendente recuperação de Jó—como se isso sempre fosse contrário à experiên­ cia humana, o que já vimos que não é assim—apeqam-se à idéia de que o epílogo do livro foi uma adição posterior, com o intuito de vindicar, artificialmente, a causa de Jó, de tal modo que “tudo está bem com aquilo que termina bem”, o que, conforme sabemos, não corresponde à mensagem que o autor sagraoo aueria transmitir. Outro Propósito. O livro de Jó provê uma resposta ou várias respostas para o problema do mal, sobre o que tratamos especifica­ mente na quinta seção. Não há que duvidar que esse é o principal problema a ser ventilado no livro. Porém, em adição a isso, também é seguro que o autor sagrado estava sondando as profundezas aa fé de um ser humano, mesmo diante do sofrimento moral e físico. To­ davia isso constitui apenas uma das respostas possíveis para o pro­ blema do sofrimento. Um indivíduo pode lançar-se nos braços da graça, do amor e do poder de Deus, sofrendo no escuro, escudado exclusivamente em sua fé. De alguma maneira, em algum lugar, Deus está no seu trono, e tudo corre bem no mundo, a despeito de teimosas evidências humanas em contrário. Qualidade Estética. Alfred, Lord Tennyson, que foi um poeta de grande envergadura, considerava o livro de Jó como “o maior poema dos tempos antigos e modernos”. “Esteticamente falando, Jó é a produção literária suprema dc gênio dos heDreus”. (E) Admiráveis Qualidades Intrínsecas. É de estranhar que um livro que nada exiba de caracteristicamente israelita, onde a lei mosaica nunca é promovida, tenha encontrado lugar seguro no cânon hebraico óa Bíblia. Essa posição do livro de Jó nunca foi seriamente desafia­ da. Pcdemos apenas supor que a sua qualidade estética seja tão grande que ninguém jamais ousou desafiar seu direito ao rol aos livros divinamente inspirados. Outrossim, o livro reflete uma experiên­ cia humana crítica, sendo uma busca por respostas para certas du­ ras experiências humanas, pelas quais todos os povos se interes­ sam. II. O Homem Jó; Problema de Historicidade Sob o título Jó, segundo ponto, (ver a respeito no Dicionário) falamos sobre a origem e o significado do nome Jó- além de apre­ sentarmos uma discussão sobre o problema da historicidade do livro. Esse artigo também procura fazer uma descrição abreviada da ca­ racterização do homem Jó, no livro que traz o seu nome iil. Proveniência Se o livro de Jó não é uma obra histórica e, sim, uma novela filosófico-religiosa, uma parte da literatura de sabedoria judaica, en­ tão não importa muito a investigação acerca de onde o livro foi escri­ to. Mas, se trata de uma obra histórica, então temos o informe, em Jó 1:3, de que o relato ocorreu no “Oriente”, com “o maior de todos os do Oriente”. Mesmo nesse caso, porém, o autor sagrado, outro que não o próprio Jó, poderia ter escrito acerca de Jó, um homem do

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Oriente, sem que ele, o autor, residisse ali. Apesar de não podermos determinar onde o livro foi escrito, pode ser que o forte caráter aramaico do livro indique que foi produzido em um centro aramaico de erudição. Se o livro realmente deriva-se da época dos patriarcas (ver sobre Data, seção IV), então esse lugar poderia ter sido em algum ponto perto de Araam Naharaim (a Araam dos Dois Rios), ao norte da Mesopotâmia. Nos fins do segundo milênio A.C., tribos araméias deslocaram-se para o sul e se estabeleceram nas frontei­ ras entre a Babilônia e a Palestina, continuando a controlar a rota de caravanas que atravessava a área de Cabur. E foi então que Alepo e Damasco tornaram-se centros dos arameus. O trecho de Jó 1:17 poderia indicar um tempo quando os caldeus ainda estavam vivendo como seminômades, isto é, antes de 1000 A.C. Mas, se o livro de Jó pertence a uma data comparativamente posterior, então todas as especulações dessa natureza têm pouco ou nenhum valor, no que diz respeito à proveniência desse livro. “Parece que Jó foi uma personagem histórica que passou por ex­ periências incomuns. Ele, talvez, fosse um xeque que vivia próximo ao deserto da Arábia, em uma época similar à dos patriarcas hebreus. O autor do livro usou de licença poética, e assim transformou a narrativa sobre os sofrimentos de Jó em um memorável drama”. (AM) Jó é apresentado como homem que vivia na terra de Uz (Jó 1:1), que alguns estudiosos supõem que ficasse situada em algum ponto entre Damasco da Síria, ao norte, e Edom, ao sul, ou seja, nas estepes a leste da Siria-Palestina. Porém, mesmo que essa informação seja correta, isso não significa que o autor do livro residia ali. A conclusão é que não dispomos de informação certa quanto a esse particular. IV. Data, Autoria e Integridade do Livro 1. Data. O livro é encaixado, bem claramente, dentro do período dos patriarcas hebreus. Não há nenhuma menção à lei mosaica, como também coisa alguma distintamente judaica no livro. Alguns eruditos supõem que houvesse uma tradição oral, que preservava a narrativa, fora de Israel, antes de ter sido posta em forma escrita, por algum israelita desconhecido. A isso podem ter sido feitas adições, da parte de um editor ou editores posteriores, como um prólogo, alguns dos capítulos finais e o epílogo. Se Jó foi uma personagem histórica, então poderíamos datá-lo dentro dos limites amplos entre 2000 e 1000 A.C. Várias descrições, como a longa vida de Jó, o fato de que suas riquezas eram aquilatadas sob a forma de gado, e que o relato parece refletir uma vida nômade (própria das tribos dos sabeus e dos caldeus), ajustam-se ao segundo milênio A.C., melhor que qualquer outra época posterior. Isso faz de Jó um homem que viveu há muito tempo no passado, talvez até algum tempo antes de Abraão. Por outro lado, visto que o livro faz parte da literatura de sabedoria dos judeus, muitos têm pensado que sua compilação pertence a um tempo muito posterior a isso. As opiniões a respeito divergem muito umas das outras, indo desde o segundo milênio até o século IV A.C. Encontraram-se fragmentos do livro de Jó entre os manuscritos do mar Morto, o que elimina a data ultraposterior de 200 A.C., como alguns eruditos têm arriscado. Todavia, esse livro poderia refletir especulações filosóficas, sobre o problema do mal, especificamente o porquê dos sofrimentos de certos homens bons, o que já pertence ao período pós-exílico dos judeus. Os judeus estavam então medi­ tando sobre como grandes tragédias podem sobrevir aos homens, conforme os próprios judeus tinham sofrido às mãos dos assirios e dos babilônios. Idéias comuns sobre como operam a divina providên­ cia e a retribuição, estavam sendo testadas pelos acontecimentos históricos, e o livro de Jó pode ter sido uma tentativa para provar respostas para esse problema. 2. Autoria. Em vista do ambiente patriarcal que transparece no livro, a tradição judaica piedosa tem pensado que Moisés foi o autor do livro de Jó (Baba Bathra 14v ss), embora isso, segundo outros, esteja fora da realidade. O próprio livro não nos fornece nenhuma indicação de que Jó tenha escrito qualquer porção da obra. Isso posto, temos um autor desconhecido que viveu em um período des­



conhecido. “A menção aos bandos de caldeus (Jó 1:17), e o uso da arcaica palavra qesitah (42:11, em nossa versão portuguesa, “dinhei­ ro”) apontam, meramente, para a antiguidade da história, e não para a sua presente forma escrita. Os eruditos modernos têm variado na data do livro, desde os dias de Salomão até cerca de 250 A.C., embora as datas mais populares variem entre 600 e 400 A.C., apesar do que há uma tendência crescente em favor de datas posteriores. Os argumentos com base no assunto, na linguagem e na teologia, provavelmente, favorecem uma data até posterior à de Salomão; mas, visto que o livro é sui generis dentro da literatura dos hebreus, e que a linguagem empregada é tão distintiva (alguns eruditos chegam a pensar que se trata de uma tradução de um original aramaico, enquanto que outros consideram que seu autor teria vivido fora da Palestina), qualquer dogmatismo deriva-se de fatores subjetivos e preconcebidos”. (ND) 3. Integridade. Na primeira seção, Caracterização Geral, de­ mos as razões pelas quais alguns eruditos duvidam que o livro inteiro tenha sido escrito por um único autor. As porções atribuídas a algum outro autor-editor são o prólogo (caps. 1 e 2), a descrição sobre o hipopótamo (40:10—41:25), os discursos de Eiiú (32:1—37:24), o capítulo vigésimo primeiro, e o epílogo (42:7-17). Alguns estudiosos dizem que os capítulos 28, 32-37 e 38-39 também são adições. Porém, até onde podemos ver as coisas, as razões contra e a favor da autoria original dessas seções são puramente subjetivas, e nada de positivo pode ser provado. É verdade que uma grandeza essenci­ al de expressão poética percorre a obra inteira; mas, tanto podem ter havido dois ou três poetas envolvidos, como também somente um. Além disso, qualquer autor pode inserir material tomado por emprés­ timo; e, nesses pontos, certa incongruidade ou diferença de estilo pode ser observada, interrompendo a suavidade do fluxo da apresen­ tação, sem que isso indique a contribuição feita por algum outro autor. Segundo esses críticos, os discursos de Eliú são rejeitados como originais (Jó 32:1—37:34), porque ele não é mencionado no epílogo, onde os amigos de Jó foram repreendidos. Porém, se o epílogo foi acrescentado por algum autor posterior, por que ele omitiu esse nome? Deveríamos supor que os discursos de Eliú tivessem sido incluídos no livro após a adição do epílogo? Novamente, entramos em um raciocínio meramente subjetivo, não havendo como fazer nenhuma afirmação absoluta acerca do problema assim levantado. E nem isso é necessário para a crença na divina inspiração do livro. Todos os livros da Bíblia contêm seus elementos humanos, e nenhum deles foi escrito em um vácuo, para então ser hermeticamente fechado. Os eruditos que fazem a fé depender dessas coisas enfatizam aquilo que se reveste de pouca ou nenhuma importância, exceto que essas coisas, mui naturalmente, desempenham um papel legítimo na análi­ se e na avaliação literárias. V. O Problema do Mal Oferecemos ao leitor um detalhado artigo sobre o Problema do Mal (ver a respeito no Dicionário). O livro de Jó é o único livro da Bíblia que aborda especificamente esse problema, ao mesmo tempo que é um dos mais extensos escritos que têm sido preservados desde tempos antigos. Alguns estudiosos negam que o tema princi­ pal do livro seja esse problema, preferindo sugerir que o livro real­ mente perscruta as profundezas da fé que um homem é capaz de ter, diante de inexplicáveis sofrimentos. Porém, isso, por si mesmo, faz parte do problema do mal. No que consiste o problema do mal? Esse é o problema que consiste em explicar como é que pode haver tanta maldade no mundo. Existe o mal natural: os acidentes, as inundações, os terremotos, os incêndios, as enfermidades e, acima de tudo, a morte, a qual parece ser o ponto culminante dos males naturais. Existem males que não se derivam diretamente da vontade e dos atos maus dos homens. Essas são coisas naturais que afligem todas as pessoas. Esses são “atos de Deus”, conforme alguns di­ zem. Existe também o mal moral, males que se derivam diretamente



da vontade e dos atos pervertidos e maldosos dos homens, como as guerras, as matanças, a desumanidade do homem contra o homem. Essa questão toda envolve Deus: Se existe um Deus todo-sábio (que conhece até o futuro), todo-poderoso e todo-amoroso, então por que há tanta maldade e sofrimento neste mundo? Não podemos lançar a culpa de tudo sobre a perversidade humana. Jó ficou muito doente, e sua carne, por assim dizer, desprendeu-se de seus ossos. Isso foi uma enfermidade, parte dos males naturais. Por que Deus permite o sofri­ mento? Por que o homem bom sofre? Por que os homens maus não são julgados? Por que razão os ímpios prosperam? Qual é o resultado final do sofrimento? Haverá algum dia sem sofrimentos? Estas são perguntas que os homens costumam fazer, perplexos. Apesar de não haver respostas absolutas e perfeitas, nosso artigo sobre o problema do mal procura dar aos leitores as respostas que existem. Mas, todas essas respostas funcionam melhor quando são outras pessoas que sofrem. Quando temos de enfrentar alguma grande tragédia, então as respostas que existem não nos parecem muito boas. Razões do Sofrimento, Segundo o Livro de Jó: Seja como for, o livro de Jó procura nos fornecer algumas res­ postas para o problema do mal. Abaixo, oferecemos um sumário: 1. Os discursos dos amigos molestos de Jó fornecem a resposta-padrão, que está sendo posta em dúvida, por este livro: Deus castiga os impios com o sofrimento. Segundo os amigos de Jó, a retribuição divina é a grande resposta. Mas, apesar de haver nisso alguma razão, Jó nos é apresentado como um homem inocente das acusações de que o acusavam, pelo que os seus sofrimentos não podiam ser atribuídos àquelas acusações. Mesmo quando ele se confessou pecador, e declarou que se arrependia, isso não foi feito a fim de explicar por que ele estava sofrendo, mas serviu apenas para mostrar que todos os homens, diante de Deus, devem assumir uma posição de humildade, como pecadores que são. Ver Jó 42:6. 2. Os discursos de Eliú salientaram o princípio de que o sofrimen­ to é uma disciplina para os justos, o que corresponde a um princípio verdadeiro, embora, por certo, não seja a resposta no caso especifi­ co de Jó. Ver Jó 33:16-18; 27:30; 36:10-12. 3. Jó 19:25,26. Os remidos participam de uma gloriosa vida póstúmulo, pelo que todos os sofrimentos terrenos e temporários são ali obliterados. Essa é uma boa resposta-padrão, sem dúvida, mas não é ainda o principal argumento do livro. Seja como for, essa resposta tenta pôr na correta perspectiva o problema do sofrimento humano. Nós, como seres mortais, exageramos a importância das coisas tem­ porais e transitórias desta vida. Pode haver desígnio ou não nessas coisas; mas elas duram por algum tempo, e logo se acabam. 4. Há profundezas da fé que os justos podem obter, e que lhes conferem coragem para enfrentar seus sofrimentos, sem duvidarem da providência e dos desígnios de Deus. Apesar disso também não são uma resposta definitiva para o problema, é uma espécie de solução para aqueles que estão sofrendo no presente. Um homem, mediante a sua fé, impõe-se à sua situação adversa, obtendo nisso razão para prosseguir, significado, desígnio e esperança. 5. O texto sagrado declara que Deus atua em todo o universo, trazendo chuvas à terra onde nenhum homem existe (Jó 38:26), que Deus está cônscio do mal e dos sofrimentos (personificados nos mons­ tros, hipopótamo e crocodilo, Jó 40:15—41:34). É óbvio que Deus cuida dos homens e observa os seus sofrimentos. Apesar de, talvez, não sabermos qual a razão de nossos sofrimentos, pelo menos tomamos consciência da bondade e da providência permanentes de Deus, o qual permite todas essas coisas, e assim podemos descansar no Senhor. 6. A Presença de Deus. Essa é a resposta final e mais excelente do livro de Jó. Poderíamos dizer: “Estive com o Senhor, e sei que não pode sobrevir ao homem, finalmente, um dano permanente". Essa é a resposta mística, a resposta que envolve a presença majestática e consoladora de Deus. Na presença de Deus, talvez os nossos argumentos intelectuais não melhorem; mas a nossa fé em sua providência torna-se invencível. Os místicos que têm experimen­

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tado a presença divina têm chegado ao extremo de negar a existên­ cia do mal, exceto como um fator que envolve a ausência do bem, ou seja, aquilo que contrasta com o bem positivo. Todos os atos de Deus estão encobertos dos olhares humanos, embora vejamos mui­ tas luzes. Há cores brilhantes e escuras, formando um grande dese­ nho, como em um tapete. As cores escuras fazem destacar a beleza das cores brilhantes; e, juntas, essas cores, brilhantes e escuras, produzem uma beleza singular. Alguns místicos afirmam que o mal e o sofrimento perfazem as cores escuras daquele simbólico tapete, e que, finalmente, tudo é bom, tudo é necessário; tudo faz parte da beleza de todas as coisas. Na presença de Deus, pois, sentinos isso, embora, talvez, nos faltem argumentos intelectuais para afirmar tal coisa de modo inteligente. Na presença de Deus, pois, encontra­ mos sua vontade inexcrutável, e nos inclinamos, reverentes, sabendo que até o mal redundará em bem para nós, embora não saibamos dizer de que maneira. Quando a alma comunga com Deus, ela sabe que Deus está em seu trono, e que tudo está bem no mundo. Talvez não disponhamos de respostas intelectuais, mas podemos experi­ mentar a presença d'aquele que nos dá as respostas, e é em mo­ mentos como estes que sabemos que o Consumado Artista nunca cai em erros e equívocos. O criador de todas as coisas indagou de Jó: “Acaso, anularás tu, de fato, o meu juízo? Ou me condenarás, para te justificares?" (Jó 40:8). Jó não ficou satisfeito com as respos­ tas que lhe foram dadas e, sim, com a comunhão imediata com o Ser divino. Foi isso que levou Jó, à semelhança dos grandes profetas, a dizer: “Eu te conhecia só de ouvir, mas agora os meus olhos te vêem” (Jó 42:5). E todas as soluções possíveis para o mal que há neste mundo são encontradas em face dessa visão beatífica. 7. O prólogo tem por finalidade dar-nos a resposta (ou, pelo me­ nos, uma resposta), desde o começo. Satanás, percebendo a prosperi­ dade de Jó, e como Deus elogiou seu fiel servo, pôs então em dúvida a lisura de Jó, propondo submeter a teste a autenticidade de sua bonda­ de. Jó seria bom por ser verdadeiramente justo, ou seria bom somente porque Deus o havia abençoado? Em outras palavras, a sua bondade era autêntica justiça de alma, ou seria uma bondade egoísta, alicerçada sobre a prosperidade material? Seguiu-se o terrível teste de Jó. Se levarmos em conta isso, de forma literal, e não como um esquema literário para introduzir a narrativa, então temos aí um mui perturbador ensino de que os justos podem sofrer meramente porque os poderes malignos querem submetê-los a teste; e, mais perturbador ainda é o pensamento de que Deus coopera para que os justos sejam submeti­ dos a essas provas! Portanto, é melhor compreendermos esse prólogo (provavelmente escrito por um autor diferente daquele que compôs o grande poema) como um artifício literário, e não como algo cuja inten­ ção era mostrar que as Escrituras ensinam que os poderes malignos podem fazer uma espécie de barganha com Deus, com o resultado de que os justos acabam sofrendo injustamente. VI. Esboço do Conteúdo 1. Prólogo. O teste é proposto e aceito (caps. 1 e 2). 2. Primeira Série de Discursos. O discurso de Jó e de seus três amigos molestos (caps. 3—14). a. Jó seria culpado, pelo que estava sendo punido. Essa é a razão do sofrimento humano. b. Jó nega tal acusação. 3. Segunda Série de Discursos. Os três amigos molestos de Jó discursam e recebem sua resposta (caps. 15—21). 4. Quarta Série de Discursos. Elifaz e Bildade apresentam novos argumentos e Jó lhes dá resposta (caps. 22—33). 5. Discursos de Eliú (caps. 32—37) a. O propósito da aflição (caps. 32—33) b. Vindicação da pessoa de Deus (cap. 34) c. As vantagens da piedade (cap. 35) d. Deus é grande, e Jó é ignorante (caps. 36 e 37) e. Eliú faz a valiosa observação de que o sofrimento pode servir-nos de disciplina.

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6. Os Discursos de Deus (caps. 38—42:6) Na Presença de Deus, a solução deve ser sentida, mesmo quan­ do não intelectualizada. a. Deus é todo-poderoso e majestático! Jó percebe sua pe­ quenez e sente a vaidade de suas palavras (38:1—40:5). b. O poder de Deus contrasta com a fraqueza humana. Jó se arrepende e demonstra a humildade que cabe bem ao homem. A presença de Deus experimentada garante a solução final para o problema do mal (40:6—42:6). 7. Epílogo. Os molestos consoladores de Jó são repreendidos. Deus reverte a fortuna de Jó, e a paz e a abundância material substi­ tuem a enfermidade e a carência (42.7-17). VII.Bibliografia. AM B DH G IIB ND NTI PAT PF PF (1841).

Ao Leitor O leitor sério, ao examinar o livro de Jó, preparará o caminho para seu estudo lendo a introdução ao livro. Esta introdução aborda os seguintes assuntos: caracterização geral; o homem, Jó; o proble­ ma da historicidade; proveniência; data, autor e integridade do livro; o problema do mal; esboço do conteúdo.

Um Livro Distinto. Jó é o único livro da Bíblia que aborda o problema do mal. Consiste virtualmente em um monólogo e em um manual sobre o assunto que é um dos mais difíceis problemas tanto para a teologia como para a filosofia. O problema do mal pergunta: "Por que os homens sofrem, e por que sofrem como sofrem?”. Os homens sofrem através do mal moral, isto é, da desumanida­ de do homem contra o homem. Os homens sofrem através do mal natural, isto é, dos abusos da natureza, enfermidades, incêndios, inundações, terremotos, desastres naturais e, o campeão de todos os males — a morte. O livro de Jó apresenta um caso notável de “sofrimento desmere­ cido”, cujas razões não podemos discernir. É fácil explicar o sofri­ mento (pelos menos, é mais fácil), quando aplicamos a lei do carma, a lei da causa e do efeito: os homens sofrem porque merecem sofrer, por causa de seus pecados, erros, lapsos e omissões. Essas causas podem ser encontradas na vida presente, em aigum estado preexistente (conforme acredita a Igreja Cristã Oriental) e em vidas terrenas anteriores, se pensarmos que a reencarnação é uma doutri­ na válida. Seja como for, podemos discernir causas: algum erro co­ metido leva os homens a sofrer com o mal. Embora essa idéia, sem dúvida, esteja por trás de muitos casos de sofrimento, há outras considerações e mistérios envolvidos, que nenhuma explicação pode resolver. Na introdução, quinta seção, comento sobre os tipos de respostas que o livro de Jó fornece. Então, no Dicionário, no artigo chamado Problema do Mal, penetro mais profundamente no assunto, Obtemos assim algumas respostas, mas, quando o mal nos atinge, as respostas não são tão adequadas como quando atinge outra pes­ soa. O Livro de Jó é uma ótima peça poética e tem muitas caracterís­ ticas e qualidades que ultrapassam a simples consideração do pro­ blema do mal, o que tento sublinhar na introdução. /4s Profundezas da Fé. Não podemos dizer que o livro de Jó resolve os problemas do mal. Ele apenas tenta fornecer algumas respostas. Sonda as profundezas da fé e acha ali alguma consola­ ção, a despeito do sofrimento. Jó encontrou, na presença de Deus, a resposta para o problema do mal, mas exatamente como, não sabe­ mos dizê-lo. Portanto, restam mistérios, mas a investigação compen­ sa e nos dá segurança, mesmo sem o conhecimento completo.

Mensagem Principal do Livro. Embora o livro, de fato, proponha uma teodicéia (a defesa da bondade de Deus diante do sofrimento



humano), apresenta primariamente o problema da existência ou não da fé e da espiritualidade desinteressada. Porventura um homem tem fé por razões egoístas? Porventura ele obtém em sua fé ganho, material e espiritual, que o beneficie? Haverá ele de servir a Deus, adorará ele a Deus, se as coisas saírem erradas e se suas orações não forem respondidas? O autor sagrado traz o problema do mal ao quadro, para testar a teoria da fé e da adoração desinteressada. Quais são os motivos que levam um homem a viver piedosamente? Os homens são sempre egoístas? Porventura um homem adora Deus somente por Ele ser Deus, sem considerar alguma vantagem pessoal através de sua fé? “Haverá na terra um homem fiel a Deus, pelo fato de ele ser de Deus?” (Bemhard W. Anderson, comentando Jó 1.9). Esse intérprete prossegue a fim de dizer: “A questão do livro de Jó não é a teodicéia, mas a adoração verdadeira". “A sugestão sutil de Satanás, de que a adoração é algo basica­ mente egoísta, fere no âmago do homem sua relação com Deus. O livro de Jó faz mais do que levantar a questão do sofrimento dos justos. Através das palavras de Satanás, o livro também trata dos motivos para a vida piedosa. Porventura alguém servirá o Senhor se não obtiver algum lucro pessoal com isso? A adoração é uma moeda que compra uma recompensa celestial? É a piedade parte de um contrato mediante o qual um homem obtém lucro e afasta a tribula­ ção?” (Roy B. Zuck, comentando Jó 1.9).

Ateísmo. A principal razão (embora certamente não a única) pela qual os homens são ou se tornam ateus consiste no problema do sofrimento. Eles calculam que um Deus como o alegado, que permite a existência do sofrimento observável no mundo todos os dias, na realidade não deve existir. Sua suposta “bondade suprema” entra em conflito com o que acontece às pessoas. O Deus de Satanás. (Ver as notas adicionais em Jó 1.11, além das sugestões que se seguem.) Caros leitores, tomarei uma posição sobre as questões que estamos tratando e que não encontrei em minhas fontes informati­ vas. Em primeiro lugar, sugiro que o tipo de Deus inventado pela fala de Satanás, que demanda adoração sem importar como Ele age, é o Deus voluntarista do judaísmo primitivo. O voluntarismo (ver a respei­ to no Dicionário) supõe que a vontade de Deus seja dominante, em detrimento de qualquer consideração da bondade (conforme a com­ preendemos) ou mesmo das regras morais (conforme as entende­ mos). Contra esse tipo de Deus, observo que, de acordo com as Escrituras, Deus estabeleceu as regras e é a Origem de toda a moralidade que tem sido imposta aos homens. Se o homem abando­ nar o amor e voltar-se para o Destruidor, então Ele não será mais o Deus das Escrituras, ou, pelo menos, o Deus do Novo Testamento. O Testemunho de Jesus. Jesus falou em Deus como um Pai. Disse Ele: “Qual dentre vós é o homem que, se seu filho lhe pedir pão, lhe dará uma pedra? Ou se lhe pedir peixe, lhe dará uma serpente?” (Mat. 7.9,10). O Deus que dá uma pedra a um filho seu que pede pão, ou que sempre dá uma serpente quando o filho lhe pede um peixe, não é o Deus retratado no Novo Testamento. Se um homem orar e suas orações nunca forem respondidas, se a sua vida estiver plena de miséria, enfermidade, acidentes e morte de entes queridos, e se dissermos que “Deus está fazendo isso”, então penso que temos de abandonar aquele conceito de Deus (o Deus do voluntarismo). Também não devemos estar interessados na adora­ ção ao tipo de Deus que Satanás inventou. Um filho tem o direito de pedir favores a seu pai. A lei do Amor exige misericordiosa e abun­ dante reação. Portanto, não existe algo como fé desinteressada, vis­ to que nosso relacionamento com Deus é entre filho e Pai. Natural­ mente, existem pessoas espiritualmente egoístas, e nisso há abuso. “Na linguagem poética do livro (de Jó), Deus está em operação no universo, a ponto de fazer 'chover sobre a terra, onde não há ninguém' (Jó 38.26); e Ele estava consciente do mal (personificado



pelos monstros como o hipopótamo e os animais orgulhosos) (Jó 40.15-41.34). Ao mesmo tempo, Deus cuidava de Jó com tanto em­ penho que se revelou pessoalmente a ele, e com ele compartilhou a visão de suas responsabilidades cósmicas. Um Deus que confessa sua preocupação com o homem é um Deus que está profundamente envolvido no destino humano. Deus não é uma força passiva. Na presença da santidade e do amor criativo, o homem virtuoso desiste de seu orgulho na adoração. À sua maneira pessoal, o poeta trans­ mitiu um ponto de vista do pecado que transcende a moralidade, e a consciência do pecado só é possível dentro do contexto da fé” ( Oxford Annotated Bible, introdução).

Teísmo. A citação anterior expressa com eloqüência a natureza do teísmo (ver a respeito no Dicionário). Assim é que Deus criou, mas também se faz presente para intervir nos negócios dos homens: ele recompensa, pune e guia. Os homens são moralmente responsá­ veis diante de Deus. Que o leitor contraste o teísmo com o deísmo (ver também no Dicionário). Os Livros Poéticos. O livro de Jó dá início à seção dos livros poéticos: Jó, Sal., Pro., Eclesiástico, Cantares de Salomão e Lamentações. Em sua forma poética, esses livros investigam a condi­

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ção humana e relacionam os homens com Deus de maneiras múlti­ plas. “São livros de experiências humanas do povo de Deus, sob as várias circunstâncias da vida terrena. Essas experiências, à parte das meras circunstâncias externas, são operadas neles pelo Espírito... Os livros poéticos são épicos, líricos e dramáticos, e suprem exemplos de expressão literária que não há igual na literatura não-inspirada” (Scofíeld Reference Bible, introdução).

Principais Problemas do Livro; Dificuldades Teológicas. Ver a exposição sobre esses temas em Jó 1.1, onde apresento uma decla­ ração detalhada. Capítulos e Versículos. O livro de Jó conta com 42 capítulos e 1.070 versículos. Em Jó 40.20, chegamos ao versículo 13.888 do Antigo Testamento, o equivale 60% dos versículos totais dessa cole­ tânea, que contêm 23.148 versículos. Pessimismo. Em sua luta com o sofrimento, Jó caiu no pessimis­ mo, desenvolvendo a idéia de que a própria existência é um mal (pelo menos até onde ele estava pessoalmente envolvido). Ver Jó 3.3 ss. Ver na Enciclopédia de Bíblia, Teologia e Filosofia o verbete chamado Pessimismo.



EXPOSIÇÃO

C a p ítu lo Um Prólogo. 0 Teste é Proposto e Aceito (1.1 - 2.13) Apresentação do Herói do Livro, Jó (1.1-5)

Alguns estudiosos supõem que o prólogo (Jó, capítulos 1 e 2) e o epílogo (42.7­ 17) tenham sido adições feitas ao corpo original do livro. O prólogo é criticado sob bases teológicas: Será que Deus joga com Satanás, às expensas de seu povo, que assim se toma peão em um sinistro jogo divino? É perfeitamente possível que o leitor hebreu, não-iluminado pela teologia superior do Novo Testamento, realmente acreditasse nisso. Devemos lembrar que a teologia dos hebreus era fraca quanto a causas secundárias, tendendo a atribuir tudo, de bom ou de mal, tão-somente a Deus. Assim sendo, se Satanás tivesse uma idéia má e quisesse jogar um jogo sinistro qualquer, então, em certo sentido, isso poderia ser atribuído ao próprio Deus. Mas a presença desse tipo de teologia não significa que o autor originai não tivesse encabeçado seu livro com um prólogo que contivesse tal coisa. Por outra parte, talvez tudo seja apenas um artificio literário para introduzir o livro, que não deva ser tomado a sério como uma declaração teológica. O epílogo também é criticado, porque as “coisas acabaram todas muito bem”, em contradição com a experiência humana. As tragédias gregas punem seus heróis com uma perda; com outra perda; e, finalmente, com o esmagamento. E alguns pensam que isso caracteriza melhor o que realmente acontece na vida. Portanto, de acordo com alguns estudiosos, as tragédias gregas são uma literatura superior ao livro de Jó, porquanto refletiriam melhor o que acontece na experiência humana. Por outra parte, algumas coisas sucedem, coisas que nos surpreendem, e então fica­ mos cheios de alegria e senso de triunfo. A experiência humana também s apresen­ ta ocasionalmente casos espetaculares de recuperação, após a derrota e a tragédia, quando então, com freqüência, algum milagre está em operação. Ora, isso também faz parte da experiência humana. Ver no Dicionário o artigo chamado Milagre. O prólogo (capítulos 1 e 2) foi escrito em prosa, e o restante do livro tem forma poética. “O propósito do prólogo é apresentar o herói e os demais protago­ nistas do poema. Foi composto em estilo viçoso e sereno, conforme a maneira das narrativas patriarcais, e move-se rapidamente sem transições psicológicas. Trata-se de um drama em dois atos paralelos, precedido por um prelúdio e segui­ do por um poslúdio. O próprio drama oferece uma introdução às discussões poéticas" (Samuel Terrien, introdução ao prólogo do livro de Jó). O prólogo inclui um comentário sobre o caráter espiritual de Jó, anotações sobre sua família, possessões materiais e as atividades de Satanás contra ele. A introdução desenvolve-se rapidamente, e chegamos às confrontações com os “consoladores”, quando então mergulhamos em muitos argumentos complicados e contra-argumentos. O País de Jó; Nome e Caráter (1.1)

1.1 Havia um homem na terra de Uz, cujo nome era Jó. Quanto a um sumário sobre Jó, ver o Didonário, segundo ponto. O primeiro ponto do artigo discute o próprio nome, que parece significar “retomo” ou “odiado”. O nome em hebraico é 'iyyobh, que parece estar relacionado a ‘ayabh, “ser hostil” ou “tratar como um inimigo”. Mas, no tocante ao Jó do livro à nossa frente, o autor sagrado pode estar tentando transmitir a idéia de “um objeto de inimizade e perseguição”, e isso está em consonância com o livro como uma espécie de monólogo sobre o problema do mal: “Por que os homens sofrem e por que sofrem como sofrem?”. Ver as notas anteriores sob o título Um Livro Distinto; ver no Didonário o artigo intitulado Problema do Mal; e ver a introdução ao livro presente, quinta seção. Jó era objeto de uma hostilidade cósmica. Ele foi subme­ tido a teste, do qual seus muitos sofrimentos fizeram parte. Alguns relacionam o nome a um termo árabe cognato, chegando assim à idéia de “voltar”, isto é, “arrepender-se” e voltar à restauração. No Alcorão (38.16,44), temos o epíteto 'awwabh, “arrependido”, nome atribuído tanto a Davi quanto a Jó. Terra de Uz. Ver sobre Uz no Didonário, quanto a explicações completas. Presumivelmente, estamos tratando com um território nas fronteiras da Iduméia (Edom) com a Arábia. Nesse caso, talvez o livro esteja apresentando Jó como um xeque árabe. Ou, então, se insistirmos em fazer dele um hebreu (o que não faz o livro de Jó), devemos supor que ele vivia no deserto da Arábia. As alusões bíblicas não transmitem a idéia de que se tratava de um lugar a sudeste da Palestina (ver Jer. 25.19 ss.; Lam. 4.21). Cf. Jó 2.11, onde temos os nomes de localizações onde viviam alguns dos amigos de Jó.

Caráter Moral e Espiritual de Jó. Quatro descrições sobre os aspectos do caráter de Jó nos são dadas: 1. Ele era um homem íntegro. Em outras palavras, ele não tinha inadequações espirituais dominantes. Jó era inculpável, isto é, era moralmente são. Cf. Gên. 6.9, onde o mesmo é dito sobre Noé, e Gên. 17.1, sobre Abraão.

1863 2. Jó era homem reto. Em outras palavras, ele não se desviava dos padrões de Deus. Cf. o vs. 8 com Jó 2.3. Ele tinha um espírito reto e regras de retidão no coração, as quais observava em sua vida. 3. Ele temia a Deus, a base de toda a piedade e espiritualidade. Ele tinha grande reverência por Deus e pelas coisas espirituais e, realmente, temia quebrar as regras morais e espirituais. Ele sabia que Deus é vingador do mal e queria evitar isso mediante uma atitude certa. Ver no Dicionário o detalhado artigo chamado Temor, sobretudo o primeiro ponto, onde dou explicações completas com muitas referências bíblicas. 4. Jó se desviava do mal, aplicando todo o seu conhecimento e não pecando por mera curiosidade, por motivo de vantagem pessoal, ou por qualquer outra razão. Note-se que essa avaliação da espiritualidade de Jó foi repetida por Deus diante de Satanás (ver Jó 1.8; 2.3). O autor diz que Jó era um homem inocente que estava prestes a sofrer. Seu sofrimento não foi provocado por nenhum carma negativo. O Palco é Armado. Esse tipo de homem (e não um pecador notório) estava prestes a sofrer coisas horríveis. Jó, pois, tomou-se o mais conhecido exemplo bíblico de sofrimento desmerecido. O autor sacro, portanto, aproximou-se do proble­ ma do mal de um ponto de vista vantajoso. Ele não nos permitiria resolver o proble­ ma do sofrimento humano mediante um apelo para a questão de causa (pecado) e efeito (julgamento). O problema do sofrimento humano é mais profundo.

O Problema da Historicidade. O livro de Jó é posto dentro de uma situação anterior à lei mosaica. A lei de Moisés não é mencionada. E, além disso, se Jó fosse um xeque árabe, não estaria envolvido na lei mosaica, afinal de contas. Alguns eruditos, a maioria deles liberais, embora alguns conservadores, não aceitam um Jó histórico. Eles supõem que o livro seia uma novela poético-religiosa, sobrecarregada de raciocínios filosóficos, e não o registro histórico de um homem pobre que sofreu todos os tipos de males, embora nada merecesse. Um apelo é a falta de genealogia no caso de Jó. Mas Eiias, o profeta, também não tem registro genealógico no Antigo Testamento. Outrossim, se Jó tivesse sido um xeque árabe (e não um hebreu), não haveria muito sentido em registrar sua genealogia. Na segunda seção da Introdução, entro no problema da historicidade do livro. O Palco Histórico. O livro é posto em uma situação anterior à lei de Moisés. A lei mosaica nem é mencionada. E, além disso, se Jó fosse um xeque árabe, não se envolveria na lei mosaica, seja como for. O livro é posto dentro do período dos patriarcas, anterior à lei. Isso não significa, entretanto, que tenha sido realmente escrito naquela época, tornando-se assim um dos mais antigos livros da Bíblia. Um autor mais recente, no entanto, pode ter propositadamente posto o livro dentro de uma situação anterior à lei, a fim de não permitir que “a observância da lei” fosse suposta como a razão pela qual os homens sofrem. Ver a seção IV da Introdução, chamada Data, Autoria e Integridade do Livro. Se a legislação mosaica estivesse misturada à questão, obteríamos a resposta padrão dos hebreus ao problema do mal: “Você quebrou a lei (ainda que inconscientemente) e agora está sofrendo por causa disso”. Mas, embora esse seja um elemento para o problema do mal, a questão é mais profunda; e o autor sagrado anelava por aprofundar-se no tema.

A Busca pela Fé. A esperança de entender por que os homens sofrem não é conduzida no livro como uma inquirição filosófica. A mente dos hebreus não se voltava para as questões filosóficas. Era sempre impulsionada por tendências religi­ osas. A investigação gira em tomo da fé (sem levantar questões) em relação ao problema do sofrimento. Essa é, porém, uma das abordagens na investigação do problema do mal, e a fé está incontestavelmente envolvida na questão. O significado da fé e o porquê dos sofrimentos estão intimamente relacionados. Perguntar: “Qual é o sentido da fé?” já envolve o sofrimento dos homens e o problema do mal. Naturalmente, se alguém insiste em que o significado da fé é o tema verdadeiro do livro e que o porquê do sofrimento é uma parte disso, então quem poderia objetar? A Família de Jó; Riquezas e Fama (1.2-3)

1.2 Nasceram-lhe sete filhos e três filhas. Aquele homem inculpável e temente a Deus, que observava todas as leis da moralidade e da espiritualidade, também era um homem muito rico, próspero, conhecido e feliz. Nada lhe faltava. Portanto, esse é o homem que seria reduzido a nada. Vejamos, pois, como ele reagirá diante dessa nova situação. Não podemos acusá-lo de ter caído em pecados graves. Por que, pois, ele sofreu? Obteremos várias respostas parciais (ver a quinta seção da Introdução), mas não haverá resposta absoluta, exceto “na pre­ sença de Deus é que todas as coisas são resolvidas”. Isso, entretanto, nos deixa no mistério do Ser divino. A fé precisa descansar o caso nesse ponto. Jó tinha uma família feliz, uma boa esposa, sete filhos e três filhas. Eles formavam uma unidade familiar feliz, livre de preocupações, seja no campo econômico, seja no campo da saúde, seja em qualquer outro campo da vida diária. “Herança do Senhor são os filhos; o fruto do ventre, seu galardão” (Sal. 127.3)” (Samuel Terrien, in toe). Para a mente dos hebreus, Jó tinha todas as indicações da aprovação divina.

1864 Terminada sua provação, exatamente o mesmo número de filhos e filhas lhe (oi restaurado (ver Jó 42.13).

Possuía sete mil ovelhas... este homem era o maior de todos os do Oriente. Jó era um homem muito rico, com um total de 11.500 animais domestica­ dos, divididos naqueles tipos de animais que os homens ricos precisam: animais de trabalho, animais que serviam como alimentação, e animais de transporte. Tal riqueza capacitava-o a ter uma casa muito grande, vastas propriedades e abun­ dância de escravos, que mantinham todas as suas posses em boa ordem. Isso, de acordo com uma avaliação popular, era evidência da aprovação e da ajuda divina. Jó era “o maior de todos os do Oriente", expressão vaga que é inútil investigar. Ele era o maior homem de sua área e desfrutava de poder político e favor entre seus vizinhos. A área na qual ele vivia era o deserto da Arábia, conforme o vs. 1. “Ele era o chefe dessa área, mas não sabemos o quanto essa área se estendia. Os árabes ainda chamam o Haurã, ou seja, o distrito a leste de Jerusalém, de 'terra de Jó" (Ellicott, in loc.). A área onde Jó vivia ficava no “deserto” (Jó 1.19). Era um lugar fértil, falando em termos agrícolas, e próprio para a criação de gado (ver Jó 1.3,14 e 42.12), provavel­ mente fora da própria Palestina. “O povo do Oriente era identificado com os habitantes de Quedar, no norte da Arábia (Jer. 49.28). Jó era também incomumente sábio. Os homens do Oriente eram notórios por sua grande sabedoria, que eles expressavam artisticamente em provérbios, cânticos e histórias... Jó era altamente respeitável (ver Jó 29.7-li); sábio conselheiro (29.21 -24); empregador honesto (31.13-15,38,39); hospi­ taleiro e generoso (31.16-21,32); e fazendeiro próspero (31.38-40)” (Roy B. Zuck, in loc.). No entanto, esse homem foi ferido pela tragédia, por razões desconhecidas.

1.4 Seus filhos iam às casas uns dos outros. Jó era homem ativo, que se movimentava e ia a muitos lugares, realizava muitas coisas e era bem-sucedido em tudo quanto fazia. Seus filhos eram honrados pelos vizinhos, sendo convida­ dos para muitas festas, e as filhas (bonitas, sem dúvida) eram favorecidas, sendo convidadas para os lares de criadores de gado e fazendeiros prósperos, cujos filhos queriam tê-las como esposas. Essa “situação familiar" ajudava Jó a prospe­ rar cada vez mais. O texto, contudo, não dá a entender “prazeres descuidados", que poderiam fazer parte da queda de Jó, conforme uma de minhas fontes preten­ de. Peio contrário, Jó tinha uma boa família que era querida pelos seus vizinhos. Nenhum de seus filhos dava trabalho e todos seguiam o seu bom exemplo. Naturalmente, quando a tribulação chegou, sua família foi avassalada, mas isso foi resultado do sofrimento de Jó, não a causa. A pergunta que o autor sagrado apresenta é: “Por que os inocentes sofrem?”. Ele não falará sobre carma. O autor sagrado enfatiza “o amor e a harmonia dos membros da família de Jó, em contraste com a mina que logo interrompeu tão bela cena de felicidade... A narrativa dá a entender que a série de festas eram os aniversários de cada filho ou filha” (Jamielson, in loc.). É possível que tais celebrações fossem confinadas a tempos específicos, provavelmente a festas de sete dias, nas quais mais de uma pessoa era honrada. “Os filhos desse príncipe edomita eram, ao que tudo indica, solteiros, e, no entanto, cada um deles mantinha sua casa de uma maneira real (cf. II Sam. 13.7; 14.28 ss.). Tão incomum era a harmonia fraterna, que regularmente eles se reuni­ am para ter banquetes em família, para os quais convidavam seus irmãos, costu­ me excepcional no antigo Oriente" (Samuel Terrien, in loc.).

1.5 Chamava Jó a seus filhos e os santificava. Jó era homem piedoso, e assim fazia com que aquelas muitas festas se tomassem ocasiões de observância religio­ sa com o apropriado cerimonial de purificações e sacrifícios. Jó queria ter certeza de que, se algum de seus filhos tivesse pecado, esse pecado seria expiado, e nenhum empecilho viria de alguma inadequação espiritual. Ele se preocupava com que nenhum de seus filhos viesse a amaldiçoar secretamente a Deus. Ele considerava cuidadosamente o bem-estar espiritual de sua família. O autor sagrado nos diz que Jó era próspero e piedoso, e que a tragédia atingiria um homem inocente; de nós espera-se que perguntemos: “Por quê?". Jó era um homem muito rico, porquanto era rico tanto espiritual quanto materialmente. A prosperidade sempre arrasta sua própria ameaça. Os ricos acabam por voltar-se à idolatria de muitas espédes, literais e espirituais. Mas não era esse o caso de Jó. Ele provou que é melhor um crente ser rico do que pobre, e que o homem espiritual não tem dificuldade para manusear dinheiro, que, afinal, pode ser uma fonte de sen/iço espiritual.

Os Sacerdotes da Família. Sabemos que originalmente o pai era o sacerdote da família. Mais tarde, entre o povo hebreu, surgiu o clã sacerdotal, os levitas, o que transformou a tribo deles em uma casta religiosa. Portanto, muitos dos deve­ res que cabiam antes aos sacerdotes foram formalizados em adoração pública. Mas a história de Jó é posta dentro do período patriarcal, quando o chefe de uma

JÓ família era também o sacerdote da família. Sem dúvida, é isso o que está por trás da cena referida neste versículo, onde Jó oferece pessoalmente os devidos sacri­ fícios. Presumimos que o autor sacro esteja atribuindo à sociedade árabe o tipo de condições que existiam na sociedade hebréia. Os árabes, afinal, eram filhos de Abraão e tinham as mesmas tradições essenciais dos hebreus. E blasfemado contra Deus em seu coração. Cf. Jó 2.6,9. Satanás supunha que os homens dotados de riquezas, até mesmo o piedoso Jó, privados de seus bens materiais e de seus familiares, transformar-se-iam em amaldiçoadores de Deus. O Drama no Céu: Deus e Satanás Disputam sobre Jó (1.6-12) Yahweh Recomenda Jó; Primeiro Ato do Drama (1.6-8) Jó era elogiado pelos homens, e também foi elogiado por Deus. O Adversário (Satanás), em suas andanças pela terra, tinha observado Jó, aquele grande ho­ mem, mas não demonstrou respeito por ele e duvidou da autenticidade de sua espiritualidade, questionando a avaliação feita por Deus. Os vss. 9-12 seguem-se a essa parte constemadora do livro. Deus barganhava com Satanás para prejuízo de Seu povo. Ver a introdução àquela seção, no vs. 9, onde abordo o problema.

1.6 Num dia em que os filhos de Deus vieram apresentar-se perante o Senhor. Os filhos de Deus eram seres divinos ou subdivinos que compartilhavam da natureza da deidade. Cf. Jó 2.1; 38.7; Gên. 6.2; Sal. 29.1; 82.1,6; 89.6; Dan. 3.25. Esses filhos apresentavam-se periodicamente diante do Pai para prestar contas (cf. I Reis 22.19; Zac. 6.5). O autor sacro descreve a cena de uma corte real do Oriente: o rei em seu trono, e seus filhos (os quais, naturalmente, se ocupavam em muitas atividades, privadas e públicas) entrevistados pelo pai para certificar-se de que tudo corria bem. Provavelmente, está em vista aqui alguma visão primitiva dos abhis. Lembremos que eles eram chamados elohim (deuses). Alguns estudiosos insistem em que temos aqui uma espécie de politeísmo, no qual haveria Deus e deuses. Outros estudiosos insistem em que Deus é Pai por criação, e nenhuma comunidade dotada de natureza divina é assumida. Seja como for, na redenção, os homens aparecem como partícipes da natureza divina (ver II Ped. 1.4). Ver esse versículo no Novo Testamento Interpretado. Ver tam­ bém, na Enciclopédia de Bíblia, Teologia e Filosofia o verbete intitulado Transfor­ mação segundo a Imagem de Cristo, quanto a detalhes completos sobre o assun­ to. A redenção eleva os homens acima da posição dos anjos e confere-lhes participação genuína na natureza divina, embora em escala finita. Contudo, a participação do indivíduo remido na divindade aumenta cada vez mais. Visto que há uma infinitude com a qual seremos cheios, também deve haver infinito enchi­ mento. O homem remido se aproxima mais e mais da infinitude. A glorificação é, pois, um processo etemo, e o homem avança de um estágio de glória para outro nesse processo (ver II Cor. 3.18). Essa é a obra eterna do Espírito. Veio também Satanás entre eles. Alguns intérpretes tentam distinguir Sata­ nás do restante dos filhos de Deus, como se deles não fizesse parte, mas de alguma maneira estivesse associado ao grupo. Essa é, contudo, uma interpreta­ ção artificial e forçada, baseada no dogma. Seja como for, não encontramos aqui um Satanás vil e rebelde, que era o quadro projetado sobre ele no judaísmo posterior, adotado pelo cristianismo. Esse filho de Deus já aparece como uma espécie de adversário, conforme o sentido da palavra Satanás. Mas ainda não era um ser maligno. Em outras palavras, temos aqui, no livro de Jó, um estágio de desenvolvimento da doutrina de um diabo pessoal, o príncipe do mal e cabeça do exército de seres espirituais malignos. Ver no Dicionário o verbete denominado Satanás. O significativo é que as “tribulações de Jó” foram idéia de Satanás. Ele queria pôr fim ao fingimento piedoso, removendo as supostas causas da piedade, ou seja, a prosperidade física e material. Satanás. “Este nome aparece nas páginas do Antigo Testamento como o de uma pessoa específica, aqui e em Zac. 3.12, e, talvez, em I Crô. 21.1 e Sal. 109.6. Cf. Núm. 22.22,32. Somente aqui e no livro de Zacarias temos o artigo definido, o adversário” (Ellicott, in loc.).

1.7 Então perguntou o Senhor a Satanás. Satanás compareceu diante de Yahweh para fazer seu relatório de atividades, pois, como é óbvio, ele tinha essa responsabilidade diante de Deus, o Rei da corte, chamado aqui de Yahweh, o Etemo. Ver no Dicionário o verbete intitulado Deus, Nomes Bíblicos de. Satanás, entretanto, não tinha muita coisa inspiradora para dizer sobre suas atividades. Ele apenas vagueara pela terra, uma espécie de vagabundo espiritual, observando o que faziam os homens, talvez interferindo aqui e ali, para o bem e para o mal, mas não se envolvendo muito em coisa alguma. Note a diferença de apresenta­ ção, quando isso é comparado com o Novo Testamento:



Sede sóbrios e vigi/antes. 0 diabo, vosso adversário, anda em derredor, como leão que ruge, procurando alguém para devorar. (I Pedro 5.8) As duas descrições sobre Satanás são definitivamente diferentes, mas a primeira menciona um poder que ele pode usar para o mal, quando isso lhe é permitido (ver o vs. 12).

1.8 Perguntou ainda o Senhor a Satanás. Em suas vagueações, Satanás, obser­ vando tanta loucura humana, e rindo-se “do que sáo esses loucos mortais" (confor­ me diziam os gregos), deve ter visto pelo menos uma grande exceção ao caos geral: Jó, homem piedoso e bom. Neste ponto, Yahweh chama Jó afetuosamente de “meu servo". O elogio espiritual de Jó é repetido no vs. 1, onde o leitor também poderá ver os detalhes. Uma de minhas fontes informativas erra muito o alvo ao projetar no texto o Satanás do judaísmo posterior e do cristianismo, regozijando-se sobre o fato de que, se Satanás dominava a terra com o mal, havia um homem, Jó, a quem ele não conseguia dominar. O livro de Jó, entretanto, não transmite tal idéia. Satanás ainda não era “o deus deste século’ (II Cor. 4.4; Efé. 2.2). E nem o mundo inteiro estava debaixo de “seu controle”, para o mal (ver I João 5.19). Ele era apenas uma espécie de vagabundo cínico. Jó, o santo eminente, irritou o Satanás que figura no livro de Jó, porquanto ele julgava que Jó tinha uma piedade falsa e pretensiosa, a qual cairia por terra diante da mais leve provocação. Satanás estava ansioso para provar que a sua avaliação do caráter de Jó é que estava certa, não a de Yahweh. O Satanás de uma época posterior, dotado de poderoso intelecto, saberia que a piedade de Jó era genuína, e tentaria fazer essa condição chegar ao fim, mediante a mudança perversa de uma boa condição em outra má.

Egoísmo. Ver sobre este termo na Enciclopédia de Bíblia, Teologia e Filoso­ fia. Certos filósofos éticos supõem que um homem aja somente no seu auto­ interesse, embora possa disfarçar-se de nobre. Satanás chamou Jó e, sem dúvi­ da, todos os alegados homens espirituais de egoístas, pessoas envolvidas na “espiritualidade” somente por auto-interesse. As Dúvidas e os Planos de Satanás: Interferência Cósmica na Vida de Jó (1.9-12) Deparamos aqui com alguns problemas teológicos: porventura Deus barga­ nha com Satanás e testa Seu povo com provas severas, apenas para provar um ponto a um adversário cínico? Nesse caso, então já temos nossa explicação sobre o problema do mal, pelo menos no que dizia respeito a Jó e, por analogia, a muitos outros casos. A resposta é a seguinte: “O problema do mal, e por que os homens sofrem como sofrem, pelo menos em alguns casos, deriva das barganhas de Deus com Satanás, o qual quer submeter os crentes a teste, para mostrar que eles são hipócritas”. Na quinta seção da Introdução ao livro, não alisto isso como uma das razões dos sofrimentos humanos, porquanto não o considero possível. De fato, essa é uma teologia má, não me importo quem a promova. Portanto, o que podemos dizer sobre esta seção? 1. Primeiramente, de acordo com a mente dos hebreus, que era sempre religio­ sa e nada filosófica, a principal coisa em vista é a “adoração desinteressada”, e não, estritamente falando, o problema do mal. A piedade de Jó baseava-se em motivos egoístas? O autor estava falando sobre a possibilidade de uma devoção genuína e autêntica, não como aspecto principal (juntamente com Habacuque e o salmista): “Por que os ímpios prosperam e por que os justos sofrem?". O autor do livro de Jó usa o problema do mal como um modo de investigar a sua consideração primária: Haverá alguém que adore a Deus por causa de Deus, e não para atender a seus próprios propósitos egoístas? Não obstante, o livro também serve de pesquisa autêntica, para entendermos por que os homens sofrem, e por que sofrem como sofrem. Ver a quinta seção da Introdução, bem como, no Dicionário, o verbete intitulado Problema do Mal. 2. Quais eram as intenções do autor sacro (adoração genuína ou investigação sobre o problema do mal), quer dizer, sobre esse “acordo” de Deus com Satanás, que terminou por atingir a Jó de forma tão selvagem? Verdadeira­ mente, isso reflete uma teologia distorcida. Mas alguns intérpretes não concor­ dam com esta minha avaliação. 3. Alguns estudiosos ultraconservadores dizem simplesmente: “Coisas assim podem acontecer. Deus dá a Satanás poder tal, que ele pode usá-lo para prejuízo de Seu próprio povo”. Entristeço-me por dizer ao leitor que esse é um crasso voluntarismo (ver a respeito na Enciclopédia de Bíblia, Teologia e Filosofia). O voluntarismo é a doutrina que diz: “Aquilo que Deus faz é certo e aquilo que Ele quer é correto, a despeito de nossos padrões morais, que podem ser aplicados ao caso”. Mas temos de fazer uma distinção sobre aquilo que os ‘ homens dizem que Deus é, e aquilo que Ele realmente é e faz”. O homem recebeu seus padrões morais da parte de Deus, o Doador, e Deus

1865 não está prestes a quebrar Suas próprias regras, especialmente se isso visa prejudicar Seu próprio povo. Penso que é ridículo dizermos que um homem inocente sofre (como foi o caso de Jó), por causa de alguma barganha cósmica entre Deus e Satanás. Como poderia Deus rebaixar-se a tanto? É a teologia humana que se rebaixa a essa posição, não o Deus Todo-poderoso. Temos aqui uma teologia primitiva, não iluminada pelas que se seguiram. Os homens têm alcançado melhor compre­ ensão sobre a natureza, os atributos e as obras de Deus, e continuarão a mover-se cada vez mais para um entendimento melhor. A posição dos ultraconservadores tinha o mau hábito de deixar-nos com dogmas primitivos, que atualmente já melhoraram devido a maiores luzes. Quem disse que o Antigo Testamento foi iluminado pela mesma luz que temos no Novo Testamento? Por certo, a passagem dos séculos trouxe muitas doutrinas me­ lhores, que não se adaptam bem a algumas doutrinas mais antigas. 4. Alguns eruditos dizem que a única coisa que temos no livro de Jó é uma boa história, usada como artifício literário para introduzir o drama que se segue, e que não devemos excitar-nos acerca da teologia que o livro contém. Não somos responsáveis por esse tipo de teologia, nem o autor original estava interessado em fazer declarações teológicas com sua história. Essa idéia, embora aberta a questionamentos, é melhor que a de número 3, pelo menos. 5. Sumário. A terceira interpretação é definitivamente forçada e deve ser rejeita­ da. A quarta interpretação resolve o problema teológico, mas, provavelmente, não é o que o autor sagrado tencionava. Quanto às doutrinas, especialmente as mais importantes, como a que transparece neste texto, que envolve uma com­ preensão da natureza divina, não devemos empregar textos do Antigo Testa­ mento, especialmente trechos controvertidos. A teologia, tal como qualquer outro campo do conhecimento e da investigação, progride. E tem avançado para além da compreensão que o autor sacro detinha a respeito do texto diante de nós. Embora a questão essencial de Jó seja a verdadeira fé a qualquer custo, bem como a adoração que isso envolve, temos uma teodicéia que faz parte da questão da fé, bem como uma sondagem dentro do enigma do sofrimento. Finalmente, os inocentes podem sofrer e realmente sofrem. Nem todas as coisas ruins que acontecem podem ser atribuídas à Lei Moral da Colheita segun­ do a Semeadura (ver a respeito no Dicionário). Os inocentes podem sofrer, e realmente sofrem, mas não pela razão sugerida na seção que se segue. Talvez, para certas pessoas, o sofrimento seja uma disciplina e uma escola, um plano intrincado para a melhoria através da adversidade. Mas isso não nos dá todas as respostas. Na presença de Deus, encontramos nossas respostas, mas no mo­ mento, elas estão veladas por um enigma, o enigma dos mistérios que circundam o Ser divino. É nesse ponto que precisamos de fé autêntica, a base da adoração autêntica. Deus é o Mysterium Fascinosum e também o Mysterium Tremendum (ver sobre ambos no Dicionário).

É um quebra-cabeça envolto em um mistério, dentro de um enigma. (Sir Winston Churchill)

Deus se move de maneira misteriosa, Para realizar Suas maravilhas. Ele implanta seus passos no mar, E cavalga sobre a tempestade. (William Cowper)

1.9-10 Então respondeu Satanás ao Senhor. O Adversário (Satanás), que se deleita em dificultar a vida dos homens, embora deva prestar contas a Yahweh, na verdade tinha observado o esplêndido Jó, mas não se impressionara. Por que Jó não seria piedoso? Ele tinha tudo e não era perturbado. A bênção de Deus o cercava por todos os lados. Sua família era protegida. Ele tinha poder e fama. Tudo quanto fazia, prosperava. Suas terras sempre produziam boas colheitas. Seu comércio sempre obtinha bons lucros. Qual homem vivo não louvaria a Deus se gozasse dessas condições? Dai emerge a principal pergunta do livro. Haverá algo como a espiritualidade desinteressada? Não será a espiritualidade do homem apenas outra forma de egoísmo, um agente mediante o qual ele obtém vantagens? “Satanás manifestou a pior forma de ceticismo e demonstrou incredulidade pela bondade humana’ (Ellicott, in ioc.). Ele levantou a questão da motivação à espiritualidade de Jó. Satanás não negou que, aparentemente, Jó era um modelo de piedade. Mas acreditava que nele nada restaria de piedoso, caso todas as bênçãos divinas lhe fossem removidas. “É um sinal dos filhos de Satanás zombar e não dar crédito a nenhum homem por sua piedade desinteressada. O egoísmo, dizem eles, está no fundo da religião do melhor homem” (Fausset, in Ioc.).



1866 Os Principais Problemas do Livro; Dificuldades Teológicas (1.11)

1.11 Estende, porém, a tua mão... e verás. Considere o leitor estes cinco pontos: 1. As barganhas cósmicas que envolvem Deus e Satanás, que azedam a vida humana e trazem desastres, compõem uma idéia do livro que já comentei e rejeitei na introdução à seção de Jó 1.9-12. 2. Haverá algo como adoração desinteressada? Ver os comentários após este versículo. 3. Ver o Deus da voluntariedade. Ver os comentários que se seguem. 4. Por que os inocentes sotrem e o problema das causas secundárias. Ver os comentários que se seguem. 5. O problema do mal. Considere agora o leitor estes outros cinco pontos que são a resposta para as cinco perguntas anteriores: 1. Barganha cósmica. Ver os cinco argumentos e raciocínios na introdução a Jó 1.9-12. As almas estão seguras nos braços de Jesus. Os seres humanos não são os perdedores de jogo cósmico entre Deus e Satanás.

Docemente minha alma descansará. (Fanny J. Crosby) 2. Adoração desinteressada? Se um golpe divino derrubasse Jó, ele terminaria amaldiçoando a Deus, o Poder divino, conforme Satanás insistia. Em outras palavras, a espiritualidade humana seria sempre interesseira. A mensagem principal do livro vem assim à tona: A adoração humana a Deus e a fé humana serão basicamente egoístas? Algum homem terá fé, servirá e adorará a um Deus que nunca responde às orações e permite desastre após desastre para arruinar a sua vida? A piedade humana será apenas um meio para obter riquezas materiais e evitar a dor? Haverá algum homem que continue tendo fé, se nunca obtiver nenhum beneficio pessoal dessa fé? Será sua fé verdadeira, se apenas quer obter lucros espirituais e felicidade para si mesmo, se não estiver realmente interessado no próprio Deus? 3. O Deus da voluntariedade. Caros leitores, tomarei posição sobre essas ques­ tões anteriores que não encontrei em minhas fontes informativas. Primeira­ mente, sugiro que o tipo de Deus que Satanás inventa (evidentemente com a aprovação do autor do livro), que requer adoração sem importar como Ele aja, é o Deus da voluntariedade do judaísmo primitivo. Ver no Dicionário o verbete intitulado Voiuntarismo. Trasimaco, no diálogo platônico desse nome, perguntou: Algo é direito porque Deus assim o quer, ou Deus quer alguma coisa por ser direita? Se for direito somente porque Deus o quer, e se isso está errado de acordo com a moralidade humana, então estaremos falando sobre o voiuntarismo, ou seja, o domínio da vontade, a despeito da evidente imoralidade daquilo que é desejado. Mas se Deus deseja algo por ser isso intrinsecamente bom (moralmente correto), então teremos escapado ao voiuntarismo. Estamos supondo que existam valores morais fixos e verdadeiros, e que a moralidade divina é a fonte e a inspiração da moralidade humana. Estamos pressupondo que a moralidade divina não esteja baseada na vontade caprichosa, mas seja um valor fixo. O voiuntarismo é a noção teológico-filosófica que diz que a vontade domina no universo e, usualmente, essa é a vontade irracional, até onde o homem pode determinar as coisas. A vontade de Deus, ao que se presume, domina a ponto de que a Sua razão e bondade obscurecem, se é que não são totalmente elimina­ das. Deus faz o que melhor Lhe parece, sem ter de agradar o homem. Sua vontade domina, para detrimento de Sua bondade (conforme entendemos o ter­ mo) e a despeito da moralidade (conforme a compreendemos). Contra tais no­ ções, observo que esse tipo de Deus é uma invenção humana. O próprio Deus deixou o exemplo de toda a bondade humana. O próprio Deus estabeleceu as regras da moralidade. Será que a Fonte da bondade e da moralidade, mediante algum capricho cósmico, desconsideraria Suas próprias regras? O ámago dos atributos de Deus é o amor, conforme as religiões e as filosofias não cansam de afirmar. Porventura o grande Deus do amor abandonou Sua própria natureza e tomou-se um Destruidor? Nesse caso, Ele nãc é mais o Deus das Escrituras iluminadas, especialmente, do Novo Testamento. Quero lembrar o leitor de que o calvinismo radical é voluntarista, de maneira que deve ser rejeitado.

O Testemunho de Jesus. Jesus referiu-se a Deus como Pai. Ele disse: “Qual dentre vós é o homem que, se seu filho lhe pedir pão, lhe dará uma pedra? Ou se lhe pedir peixe, lhe dará uma serpente?” (Mat. 7.9-10). O Deus que desse uma pedra quando o filho lhe pedisse pão, ou uma serpente quando lhe pedisse um peixe, seria um Deus da voluntariedade, que agiria de modo caprichoso. Esse não é o Deus teísta do Novo Testamento. Ver no Dicionário o artigo chamado Teísmo. Se um homem orar e suas orações nunca forem respondidas, se sua vida for cheia de miséria, enfermidades, acidentes e morte de entes queridos, e se disser­ mos: “Deus está fazendo tudo isso!', então penso que esse conceito de Deus (o

da voluntariedade) deve ser abandonado. Nem deveríamos estar interessados em adorar esse tipo de Deus. Se falarmos contra esse tipo de Deus, não estaremos blasfemando, mas rejeitando um conceito de Deus que o homem inventou. Um filho tem o direito de pedir favores a seu pai e esperar um tratamento justo, racional e benévolo. A lei do amor requer reações favoráveis misericordiosas e até abundantes. De outro modo, a oração não teria sentido, porquanto o homem que pedisse um peixe ao Pai celeste, obteria uma serpente. Não há coisa como uma adoração desinteressada, ou uma fé desinteressada, visto que nosso relacio­ namento com Deus é entre filho e Pai. Naturalmente, há pessoas “espirituais” motivadas pelo egoísmo, que fazem de sua alegada espiritualidade um meio de lucro pessoal. Mas, quando se chega a esse ponto, já estamos falando sobre abuso. Devemos evitar os dois extremos: o Deus voluntarista e o abuso. 4.

Por que os inocentes sofrem, e o problema das causas secundárias. Infeliz­ mente, a lei do carma (da semeadura e da colheita) não explica tudo. Mesmo que fizéssemos a reencamação entrar na questão, isso não solucionaria o problema do sofrimento, porquanto é evidente que os inocentes sofrem. Po­ demos supor, com segurança, que a maior parle dos sofrimentos seja autoproduzida, sem importar se a causa se encontre nesta vida, em vidas anteriores (se é que a reencamação exprime uma verdade) ou em alguma existência espiritual da alma, antes da vida física (conforme pensa a Igreja Oriental Ortodoxa). Ver no Dicionário o verbete intitulado Lei Moral da Colhei­ ta segundo a Semeadura. O livro de Jó, corretamente (segundo acredito), propõe o problema: Por que os inocentes sofrem? Portanto, não soluciona o problema do sofrimento. Considere o leitor estes versículos: ... embora me incitasses contra ele para o consumir sem causa. (Jó 2.3) ... multiplica as minhas chagas sem causa. (Jó 9.17)

Note o leitor que aquilo que é atribuído à obra de Satanás em Jó 2.3, é atribuído a Deus em Jó 9.17. Sim, a teologia dos hebreus era fraca quanto a causas secundárias.

Causas Secundárias. A teologia dos hebreus tendia por pensar em termos de uma Única Causa operando em todas as coisas. Essa atitude, como é óbvio, faz de Deus a causa do mal e não meramente do bem. O calvinismo radical é afligido com a mesma deficiência. Eis a razão por que promove, impudentemente, sua doutrina de reprovação ativa. O Deus deles também é voluntarista: Sua vontade faz obscure­ cer o exercício de Seu amor. De fato, o calvinismo radical contradiz abertamente João 3.16, ao afirmar que Deus não ama o mundo inteiro, mas somente o mundo dos eleitos. Tal teologia (a primitiva fé dos hebreus e o moderno calvinismo radical) é unipolar, aderindo a um lado das grandes questões e ignorando o outro, ou seja, o outro pólo. E não é responsabilidade nossa sempre tentar reconciliar pólos opostos. Nada é tão óbvio neste nosso mundo como o fato de que existem genuínas e poderosas causas secundárias, que nada têm que ver com Deus e Sua bondade. Essas causas secundárias provocam males que contradizem o amor de Deus. Pessoas inocentes realmente sofrem e precisamos examinar as razões dis­ so. Não podemos erguer os braços e dizer: “Foi Deus quem fez isso!”, ou então: “Foi Satanás quem fez isso!’ . Precisamos buscar razões benevolentes por trás do sofrimento dos inocentes. Costumamos dizer: “Deus assim o quis!’ , mas isso não é suficiente. Deveríamos dizer: “Deus assim o quis (ou o permitiu) por razões válidas e benevolentes'. Se abandonarmos o amor de Deus em qualquer situa­ ção, então não haverá mais razão para continuarmos a viver. Temos de enfrentar o enigma do sofrimento dos inocentes. O caos entra na questão; mas, de alguma maneira, até o caos se relaciona à fonte da bênção, visando o bem. Continuamos a pensar no problema do mal, buscando iluminação e sabedoria. Continuamos sondando, cientes de que o amor escreverá o capítulo final da história humana. O amor, e não uma vontade arbitrária, está no controle de todas as coisas. 5. O problema do mal. Já pudemos determinar que o problema do mal não é o tema principal do livro de Jó. O tema principal é adoração e té desinteressa­ da. Mas o problema do sofrimento humano está tão intrinsecamente envolvi­ do nessa questão, que se tomou um dos tópicos principais do livro. Ver a quinta seção da Introdução ao livro. O livro de Jó não soluciona esse proble­ ma, um dos mais difíceis tanto para a teologia como para a filosofia, mas oferece uma discussão e uma busca frutífera. É responsabilidade do homem espiritual ser fiel a Deus mesmo quando estiver sob um sofrimento aparente­ mente insensato. Temos de continuar perscrutando. Há luz em algum ponto. A lei do amor está brilhando ali, em algum lugar. Em algum romper do dia dourado, Jesus voltará! Em algum romper do dia dourado, todas as batalhas ganhas! Ele bradará a vitória, irromperá a melancolia,

JÓ Em algum romper do dia dourado: para mim, ■para você. (C. A. Blackmore)

1.12 Somente contra ele não estendas a tua mão. A barganha cósmica reduziu o bom homem, Jó, a quase nada. Quanto ao problema teológico envolvido nessa questão, ver a introdução a Jó 1.9-12. Os estudiosos ultraconservadores compre­ endem o texto literalmente: pode Satanás barganhar com Deus e causar dano aos justos? Os críticos pensam nisso como uma idéia absurda, atribuindo-a à primitiva teologia judaica, agora ultrapassada. Alguns deles objetam em transformar a ques­ tão num problema teológico, supondo que o ‘ ambiente celestial" e a ‘ barganha cósmica" sejam apenas artifícios literários, e não proposições teológicas. Seja como for, seria bastante ridículo transformar tão controvertidos textos do Antigo Testamento em base de qualquer doutrina cristã importante. Quanto ao sofrimento dos inocentes, ver os parágrafos finais das notas na intro­ dução a Jó 1.9-12 e, no vs. 11, o quarto ponto. Quanto aos principais problemas do livro de Jó e suas dificuldades teológicas, ver os cinco pontos discutidos no vs. 11. Dizer alguém que Deus não prejudicou Jó, mas permitiu que Satanás o fizesse, não exime o texto de sua dificuldade. Eu jamais permitiria que um assas­ sino mutilasse meu filho. Se ele o fizesse, estando em meu poder impedir o crime, então eu seria culpado do crime como cúmplice. Além disso, o texto não é alivia­ do de sua dificuldade se destacarmos que Satanás estava limitado em sua má ação: ele não podia matar Jó. Cf. II Cor. 12.7,9, onde vemos Paulo sendo assedi­ ado por Satanás (por permissão de Deus), para que se mantivesse humilde. Ver também I Tes. 2.18, quanto às limitações impostas ao principio do mal no mundo. Sabemos que o mundo inteiro está no colo do Maligno, que opera suas maldades e colhe seus frutos através de toda a espécie de matança e destruição. Mas supor que Deus desfere essa força para atacar Seus filhos é uma teologia perturbadora, independentemente de quem a defendeu ou defende ainda. O Targum, em comentário sobre o presente versículo, mostra Satanás a agir pela “autoridade” de Deus, e o mal como se fosse originado na “presença do Senhor". Caros leitores, não compro essa teologia, e por “comprar" uso a expressão inglesa que significa aceitar. Que os estudiosos ultraconservadores a comprem. Samuel Terrien observa aqui que o autor sagrado não tinha “consciência dos problemas teológicos levantados por tal desenvolvimento e que qualquer comentário relativo à aveldade divina está fora de lugar”. Mas a razão pela qual o autor sacro não tinha consciência de problemas teológicos é que ele defendia uma teologia primitiva incompatível com as idéias mais avançadas de Deus no Novo Testamento. Além disso, na verdade, não há no caso nenhuma crueldade divina. Esse fator, na realidade, é apenas um elemento infeliz da história, conforme o autor sacro a apresentou, não refletindo como as coisas realmente são. Se a cena da corte celestial e a barganha cósmica são meros artifícios literários, então não haverá nenhum problema. A Primeira Visitação do Mal (1.13-22) 1.13 Sucedeu um dia, em que seus filhos e suas filhas comiam. Este primeiro ataque de Satanás, para prejudicar a Jó, limitou-se às suas riquezas e à sua família. Incorporou quatro desastres distintos. A segunda visitação (capitulo 2) traria enfer­ midade contra o corpo de Jó. Ver em Jó 1.16 os quatro ataques dolorosos. Conside­ rados em seu conjunto, esses ataques ilustram tanto o mal natural quanto o mal moral (abusos da natureza e abusos da parte de homens ímpios e desarrazoados). O Primeiro Ataque Desastroso. Satanás estava com pressa, querendo golpear Jó onde ele seria mais gravemente ferido: destruiria seus bens e seus familiares! Algum tipo de festa especial seria a cena do primeiro ataque satânico, de modo que a alegria seria transformada em súbita angústia. O autor quer falar da angústia, quando um homem é derrubado no chão por acontecimentos esmagadores. Esse homem haveria de levantar-se e louvar a Deus? Manteria ele sua adoração de maneira desinteressa­ da? Ou esse homem diria: “Se Deus é assim, então doravante sou um ateu?”. A maioria dos ateus o é por causa do problema do mal: Por que os homens sofrem e por que sofrem como sofrem? Onde estão a bondade, o poder e a proteção de Deus? Como poderemos reconciliar a bondade de Deus com o sofrimento que vemos no mundo? Por que os inocentes sofrem?Ver a quinta seção da Introdução ao livro de Jó. A seção dos vss. 13-19 apresenta quatro desastres que reduziram Jó a virtualmente nada. Nesses ataques, Satanás não tocou no corpo de Jó. Até ai a saúde de Jó não fora assediada. No capitulo 2, entretanto, o corpo de Jó é atingido, o que alguns supõem ser o teste mais severo que ele teve de enfrentar. “Satanás começou seus assaltos contra Jó, quando seus dez filhos se ban­ queteavam na casa do irmão mais velho (vss. 13 e 16; cf. o vs. 4). Os assaltos foram alternativamente causados por forças humanas e naturais: o ataque dos sabeus (vs. 15); o fogo de Deus (vs. 16); o ataque desfechado pelos caldeus (vs. 17); e grande ventania que soprou da banda do deserto (vs. 19). Deus permitiu a

1867 Satanás desfechar ambos os tipos de causas, para conseguir o seu propósito dentro de um cronograma rápido e preciso. Jó, quando se encolhia sob o choque das notícias de uma perda, era estonteado por outro choque” (Roy B. Zuck, in loc.). Notemos dois tipos específicos de mal: os desastres naturais, que constituem o “mal natural"; e desastres que vêm da vontade pervertida do homem, isto é, o “mal moral”. Jó sofreu ambos os tipos. Apesar de assim esmagado, ainda reteve sua fé e adoração, mostrando que elas eram desinteressadas e não baseadas em vantagens pessoais. Esse é o principal tema do livro. Podem essa fé e essa adoração desinteressadas existir diante de uma grande adversidade? O tema principal, naturalmente, incluía outro: o problema do mal. Satanás estava ansioso por fazer Jó sofrer. Sabemos que existem grandes forças malignas no mundo, e devemos diariamente pedir a proteção de Deus contra elas. Por outra parte, só existe um Poder no universo, o de Deus, embora chamemos de poderes a outras energias. Repousamos sobre o poder de Deus, que opera através do Senhor Jesus Cristo.

Sei que a mão de Deus é Minha própria promessa. Sei que o Espírito de Deus É meu irmão. A quilha do universo é o amor. (Walt Whitman) O Primeiro Teste: Mal Moral (1.14-15)

Jó era um homem rico que não tinha com o que se preocupar no mundo. O ataque de Satanás foi desfechado primeiramente contra as suas riquezas. É agonizante ser rico e de súbito tomar-se pobre, o que tem sido a experiência de tanta gente durante as grandes guerras. Conheço pessoalmente, na cidade de Guaratinguetá, no estado de São Paulo, um homem que foi um rico fazendeiro na Europa, mas perdeu tudo. Ele terminou no Brasil, vendendo roupas masculinas! Mas ele continua a relembrar os “bons dias de antigamente”. O problema do mal não é algo que incomoda a mente. É antes algo contra o qual a alma tem de lutar. Na luta, estaremos tratando com a tessitura da vida e não com a lógica. Uma grande pergunta é: “Por que o mal é permitido no mundo de Deus?". Mais impor­ tante ainda: “Como podemos vencer o mal e triunfar?”. Jó chegou a ver Deus, finalmente (ver Jó 19.27) e, na presença de Deus, encontrou a solução de como vencer o mal (mas não escapar dele). Na novela de Thornton Wilder, The Bridge of San Luis Rey, temos a cena em que a ponte, de súbito, ruiu, lançando à morte uma dúzia de pessoas, no abismo lá embaixo. Um jovem padre, perturbado por esse “ato de Deus”, resolveu pesquisar o problema. Estudou a vida de todas as doze vitimas e fez a admirável descoberta de que todas tinham vivido de tal modo que se prepararam para aquele modo preciso e aquele tempo de morte. Mas o jovem padre, tão ansioso por sondar os mistérios de Deus, foi prontamente queimado na fogueira, como um herege que tinha avançado demais em sua tentativa de justificar os caminhos de Deus peran­ te os homens. Caros leitores, a novela expõe uma boa história e, talvez, até verdadeira, em algum sentido. Mas o problema do mal tem, como uma de suas marcas distintas, o elemento do mistério. Não cede diante de nossas pesquisas e de nossa lógica. Deus oculta-se (ver Isa. 45.15). 1.14-15 Deram sobre eles os sabeus. Ver no Dicionário o verbete Sabeus (Povos), quanto a completas informações. Os sabeus eram árabes de um ou mais distritos. Uma história anterior relata como eles mataram mil bois e 500 jumentos, e tam­ bém os seus guardadores (ver Gên. 10.7 e 25.3). Portanto, nos dias de Jó, tudo consistia em negócios, como era usual. O primeiro ataque removeu parte das riquezas de Jó, assim como alguns trabalhadores. Portanto, temos aí saque e assassinato, crimes horrendos que perturbaram a mente e a alma de Jó. “Foi em um domingo, 7 de dezembro de 1941, que as bombas caíram sobre Pearl Harbor. Você ora e uma criança morre! Você participa da Ceia do Senhor e, ao voltar para casa, recebe um telegrama do Ministério da Guerra, informando-o da morte de uma pessoa querida! Que espécie de mundo é este? ... Você pode ser purificado de todos os seus pecados e, no entanto, perde a fortuna e a saúde. Mas, apesar de todas as suas perdas, você não perderá o favor divino, e não perderá, em nenhum grau, o melhor que Ele tem reservado para você" (Paul Scherer, in loc.). O irmão Scherer, assim sendo, fala-nos sobre a fé, mas algumas vezes a fé míope não corresponde. Contudo, a verdade permanece. Como? Um homem inocente estava sofrendo. Por quê? Continuamos a sondar atrás de respostas, mas existem muitos mistérios. Note o leitor que o primeiro teste resultou da vontade perversa do homem. O problema do mal, pois, deriva de vontades pervertidas, ao que chamamos de “mal moral”. Mas também deriva de desastres naturais, e a isso chamamos de “mal natural”.

1868 Segundo Teste: Desastre Natural, Mal Natural (1.16) 1.16 Jó seria atingido de todas as direções e maneiras. Homens perversos movi­ mentar-se-iam contra ele (vss. 14-15), praticando o mal moral. Em seguida, a natureza mover-se-ia contra ele, tornando-o vítima do mal natural. Essas são as duas classificações principais do problema do mal. Note-se como esses quatro testes ocorreram:

JÓ os testes intensificaram os sofrimentos. Grande vendaval (talvez um vento sobre­ natural) fez a casa onde estava a maior parte da família de Jó (em meio a uma grande festa; cf. o vs. 13), desabar. Somente uma pessoa não-identificada (prova­ velmente um servo, não um filho) escapou e correu para contar a Jó o que havia acontecido.

Algo na ordem da criação saíra errado. Os pássaros piam contra nós. O sol nos requeima. A natureza nos dermba por terra. O temor deixa a mente desnorteada. Sim, algo na ordem da criação saiu errado. Quem se responsabiliza por todas essas crises, por toda essa transição, por toda essa dor?

Males Morais e Naturais Alternados'. 1. 2. 3. 4.

Vss. 14-15: mal moral (sofrimentos provocados pela desumanidade do ho­ mem contra o homem). Vs. 16: mal natural (sofrimentos provocados pela natureza). Vs. 17: mal moral (sofrimentos provocados pelo homem). Vss. 18-19: mal natural (sofrimentos provocados pela natureza).

Fogo do Céu. Quanto a outra referência a fogo do céu, ver Lev. 10.2 e Núm. 11.1. E, naturalmente, temos as chamas que destruíram Sodoma e Gomorra (Gên. 20.23-29). O texto presente não tenta definir no que consistia esse fogo. Só entendemos que foi algo totalmente devastador. As conjecturas incluem raios incomuns, erupção vulcânica ou um fogo sobrenatural que permanece indefinido. Talvez alguma grande conflagração tenha sido iniciada por um relâmpago, e o incêndio, varrendo os campos, destruiu os animais domésticos e aqueles que cuidavam deles. Quanto ao poder destruidor do relâmpago, cf. Êxo. 9.23; Núm. 16.35; I Reis 18.38; II Reis 1.10,12,14. “O príncipe dos ares recebeu permissão para exercer controle sobre esses agentes destruidores” (Fausset, in loc.). Supõe-se que 7.000 ovelhas tenham sido mortas. Ver o vs. 3.

(Russell Champlin) O vento soprou no deserto, aparentemente atacando com a força de um tomado. O vento demoliu tudo em seu caminho, incluindo a casa na qual os filhos de Jó se divertiam, e se encaminhou diretamente para o alvo. O tornado foi satanicamente orientado. Esse foi o segredo de sua precisão. Ver as notas expositivas nos vss. 11-12, quanto a uma discussão completa sobre os problemas teológicos que essa circunstância cria. Ali estava Jó, reduzido a nada. Porventura ele agora amaldiçoaria a Deus, conforme Satanás disse que faria (vs. 11)? Continuaria Jó a adorar a Deus, quando as “razões” para isso fossem removidas? Continuaria a adorar a Deus, embora ele, um homem inocente (ver Jó 2.3), tivesse sido ferido? Aceitaria sua fé o fato de que terríveis sofrimentos podem sobrevir a um homem piedoso? Seria sua adoração desinteressada, ou ele adoraria a Deus somente quando obtivesse algum beneficio pessoal dessa atitude e desses atos? Ver as observações introdutórias, imediatamente antes da exposição em Jó 1.1, especialmente aque­ las sob o título Mensagem Principal do Livro.

Terceiro Teste: Mal Moral (1.17) O Triunfo de Jó (1.20-22) De forma alternada (ver sobre o vs. 16), temos agora outro teste provocado pela vontade perversa do homem, um ato de desumanidade do homem contra o homem, depois de um ato de Deus sobre a natureza. 1.17 Os caldeus. Ver no Dicionário o detalhado artigo intitulado Caldéia. Ho­ mens ímpios, que se originaram naquela região do mundo, saíram ao redor saqueando e matando, produzindo muitas vítimas inocentes. Eles arrebatavam animais domesticados, a principal fonte de riquezas da época. Naquele assalto em particular, eles tiveram grande sucesso, tomando 3.000 camelos (ver o vs. 3). Adicionando a perda de 3.000 camelos às 7.000 ovelhas destruídas, temos as riquezas essenciais de Jó obliteradas. Os camelos eram os animais de transporte da época, os cavalos do deserto, por assim dizer. Ver no Dicionário o verbete chamado Camelo. “Os caldeus eram habitantes ferozes e saqueadores da Mesopotâmia. É possível que eles tivessem vindo da direção norte, em contraste com os sabeus (vs. 15), que vieram do sul. Ao que parece, esses assaltos, por parte dos dois grupos, foram ataques de surpresa’ (Roy B. Zuck, in loc.). Os caldeus, ou chasdim, eram descendentes de Naor, irmão de Abraão (Gên. 22.20,22), os quais se esta­ beleceram na parte leste do país. Xenofonte ( Cyropaedia, 1.3.11) observou que os caldeus eram muito cruéis. Sabe-se que esse povo se misturou a árabes vagabundos e, como eles, viviam do saque e do assassinato. O texto ilustra a circunstância triste e bem conhecida de que as perturbações raramente vêm uma só de cada vez. As tribulações assediam os homens com golpes, raramente com um único golpe. Quarto Teste: Mal Natural (1.18-19) No vs. 16, salientei como o mal natural e o mal moral se alternavam, toman­ do miserável a vida de Jó. Portanto, temos dois testes da parte do mal natural (segundo e quarto) e dois testes da parte do mal moral (primeiro e terceiro). O problema do mal (ver a respeito no Dicionário) manifesta-se mediante essas duas maneiras principais. Os quatro testes destruíram quase tudo quanto Jó possuía, exceto alguns membros de sua família e ele mesmo. Ele continuava com boa saúde física, mas sua mente fora lançada na angústia. 1.18-19 Falava este ainda quando... Ver como esta expressão introduz os testes dois, três e quatro. O autor sacro diz que Jó agora estava reduzido a quase nada, muito rapidamente. Em outras palavras, Jó foi devastado quase da “noite para o dia”, conforme diz uma expressão idiomática moderna.

Destnjição da Familia de Jó. Uma coisa foi perder as riquezas e os servos. Algo muito diferente foi perder membros da própria família. Conforme avançaram,

Na primeira lufada de desastres, Jó provou que a adoração de um homem a Deus pode ser desinteressada. Um homem pode adorar a Deus simplesmente porque isso é correto, não porque alguma vantagem pessoal se deriva da espiritualidade. Outrossim, um homem inocente pode reter sua fé mesmo que sofra de forma aparentemente injusta e por razões desconhecidas, se houver alguma razão. Um homem ainda pode adorar e servir a Deus quando sofre “sem uma causa’ (ver Jó 2.3). Ver Jó 1.11, quanto às dificuldades teológicas apresentadas pelo livro: o Deus voluntarista; o sofrimento dos inocentes; o poder que Satanás tem de ferir homens espirituais porque Deus lhe permite fazer isso; e o problema do mal em geral. A teologia dos hebreus era fraca quanto a causas secundárias, o que os levava a atribuir ao Poder Supremo a causa de tudo, de bom e de mal. Ver outras notas expositivas sobre essa deficiência teológica, no vs. 11.

1.20 Então Jó se levantou... e adorou. Jó demonstrou os sinais orientais co­ muns de consternação e tristeza. Ver Jó 2.12 e Gên. 37.29,34; 44.13; Juí. 11.35, quanto ao ato de rasgar as vestes, e o artigo do Dicionário chamado Vestimentas, Rasgar das. Quanto ao ato de rapar a cabeça como sinal de consternação, ver Isa. 15.2; Jer. 48.37; Eze. 7.18. Coisa alguma é dita em relação a lançar cinzas sobre a cabeça, outro sinal de consternação. Ver II Sam. 13.19; Est. 4.1. Em Jó 2.8, vemos Jó sentado sobre cinzas ou sobre lixo. Mas ali lixo de cinzas é o que mais provavelmente está em vista. Ver a exposição naquele ponto. Ele não se cortou nem se mutilou, conforme os pagãos costumavam fazer. A lei mosaica e os costumes hebreus não permitiam a mutilação. Ver no Dicionário o detalhado artigo intitulado Lamentação, sobretudo a ter­ ceira seção, que descreve os atos ou costumes associados à questão. O fato de Jó ter caído no chão foi uma conduta de desespero, mas ele transfor­ mou isso em um ato de adoração. Jó adorou a Deus no pó, algo que Satanás dissera que ele não faria nem poderia fazer. Cf. a conduta de Davi (II Sam. 12.20) e Ezequias (II Reis 19.1). “Momentos de intensa tristeza ou provação, ou momentos de grande alegria, forçam-nos à presença imediata de Deus” (Ellicott, in loc). 1.21 E disse: Nu saf do ventre de minha mãe. Desnudado de suas riquezas e de sua família, Jó estava nu diante de Deus, tal como esteve nu ao nascer. O Senhor (Yahweh) é o Doador e o Tirador, e Jó não disputou os direitos Dele. Satanás pensava que Jó só se interessava por seus próprios direitos pessoais. Satanás estava tratando com um homem melhor do que supusera. Jó nasceu destituído, havia florescido e, então, retomara à destituição. Jó estava resignado diante desse retomo e atribuiu tudo ao poder divino. Ele não pensou que o caos estivesse envolvido, nem a chance. Cf. Gên. 3.19; Sal. 139.13,15; Eclesiástico 40.1, quanto a declarações similares à do presente versículo. Yahweh é o propri­ etário geral de tudo, e Seu nome deve ser sempre bendito, em qualquer vicissitu-

JÓ de (ver I Sam. 3.18; Eclesiastes 5.15). Essa bênção, posta nos lábios de um árabe, toma alguns intérpretes de surpresa, porquanto eles supunham que Elohim, e não Yahweh, fosse o nome divino original do versículo. Contudo, não há apoio textual para isso. Foi um autor hebreu quem escreveu este versículo. Ademais, os árabes, como filhos de Abraão que eram, poderiam ter usado os mesmos nomes divinos. É curioso notar que até hoje, no noroeste da Arábia, sobreviventes falam palavras similares às do texto presente. Eles entoam uma fórmula litúrgica: “Seu Senhor o deu, seu Senhor o tirou” ( The Book of the Ways of God, Emil G. Graeling). “Reconhecendo os direitos soberanos de Deus... , Jó louvou ao Senhor. É verdadeiramente notável como Jó seguiu a adversidade com a adoração, o ai com a adoração. Diferente de tantas pessoas, ele não cedeu à amargura. Recusou-se a culpar a Deus por qualquer erro (cf. Jó 2.10)” (Roy B. Zuck, in loc.).

Aflições vindas da Mão Soberana São bênçãos disfarçadas. (Adam Clarke) John Gill (in loc.) salientou, com toda a razão, que toda essa consternação diz respeito a coisas materiais e físicas. A alma de Jó não fora desnudada. Sua alma nada perdera. Esse é um fator, no problema do mal, que devemos sempre observar.

1.22 Em tudo Isto Jó não pecou. Se Jó se tivesse rebelado contra a causa de suas calamidades, teria pecado. Portanto, o ateísmo, que resulta da contempla­ ção de todo o mal que aflige este mundo, é uma reação pecaminosa. Ver no Dicionário o verbete intitulado Deus, Conceitos de, e, especialmente, o artigo intitulado Ateísmo. Apresento um artigo detalhado sobre o Ateísmo, na Enciclopé­

dia de Bíblia, Teologia e Filosofia. “O primeiro ato do drama aproxima-se do término (vs. 22), com uma indica­ ção da recusa de Jó de 'atribuir a Deus qualquer insensatez'. A palavra hebraica tiphlah (falta de gosto) aplica-se a caprichos morais e a mau comportamento. Jó não acusou a deidade de capricho imoral e desgoverno” (Samuel Terrien, in loc.). Isso implica uma ou duas coisas: O Deus voluntarista de Jó (ver o vs. 11) estava simplesmente acima da crítica de Jó. Ou, então, Jó acreditava em razões genuí­ nas para o sofrimento humano, mesmo no caso dos sofrimentos de um homem espiritual inocente, embora tais razões estejam, com freqüência, ocultas para nós.

Uma Ilustração Dramática. O dr. John Brown registra um incidente que ilustra bem o texto à nossa frente. Havia um clamor de dor. O pai da família proferiu esse clamor em desespero. Os filhos vieram correndo para ver o que acontecia. Ali, de pé diante deles, estava o pai deles. Seu rosto estava branco e contorcido de tristeza. Naquele momento, ele controlou sua agonia com um ato da vontade. Disse aos filhos: “Vamos agradecer ao Senhor” . Ele se voltou para um sofá, e ali, por perto, jazia a esposa dele, a mãe deles, morta. Caros leitores, esse incidente faz parte das memórias de um homem que, em meio à tragédia, não se esqueceu de dar graçasl Quem se responsabiliza por todas essas crises, por todas essas transições, por toda essa dor?

C a p ítu lo D o is Os testes que provaram Jó continuam induzindo a busca de uma resposta à pergunta: “Haverá algo como uma adoração desinteressada? Porventura um ho­ mem adorará e servirá a Deus embora não obtenha nenhuma vantagem pessoal disso, mas somente sofrimento e dor?". Drama no Céu: Deus e Satanás Disputam o Caso de Jó; O Segundo Ato do Drama (2.1-10) Jó passou pelos primeiros quatro testes, que o deixaram nu (Jó 1.1-19). Ali, prostrado no chão, afundado em sua tristeza, ele continuava adorando a Deus. Estava provado que Satanás se equivocara, pelo menos até aquele ponto. O drama comprovara o fato de que existe adoração desinteressada (o tema principal do livro). Um homem inocente, embora severamente afligido, e sem causa alguma (ver Jó 2.3), ainda assim pode adorar a Deus, embora não haja vantagem aparen­ te para ele em tal atitude. Os sofrimentos não transformam necessariamente homens espirituais em ateus, embora homens profanos corram para o ateísmo na primeira provação. Quanto aos problemas teológicos levantados pela narrativa, tais como o conceito de um Deus voluntarista; o sofrimento dos inocentes; o poder de Satanás para prejudicar homens espirituais; por que Deus lhe dá permissão para fazer isso e o

1869 problema do mal em geral, ver as notas expositivas em Jó 1.11, cuja substância não repito aqui. Ver também, no Dicionário, o detalhado artigo chamado Problema do Mal. O tema principal do livro é a adoração desinteressada. Porventura um homem adora e serve a Deus somente por causa das vantagens que sua espiritualidade lhe proporciona, ou pode existir verdadeira adoração sem a busca de vantagens pessoais? Trabalhando juntamente com isso (e fazendo parte ne­ cessária desse tema), temos de considerar o problema do mal, o porquê dos sofrimentos. Ver a Introdução ao livro, quinta seção, quanto aos tipos de respos­ tas que o livro de Jó fornece. Pode a adoração desinteressada ser mantida em meio ao sofrimento? O segundo diálogo de Deus com Satanás reproduz, palavra por palavra, o primeiro diálogo encontrado em Jó 1.6-8, exceto por uma progressão na narrativa. No primeiro diálogo, Deus só chamou Satanás para contemplar o esplêndido caso de Jó, o homem perfeito. Agora ele aponta para o que restou daquele tipo de homem, a despeito dos quatro testes severos que Satanás (com a permissão de Deus) contra ele lançara (ver Jó 1.13-19). Satanás supunha que a lógica de Deus contivesse uma falha: não fora tocado o corpo de Jó, a possessão mais entesourada da qual ele continuava a cuidar e a nutrir, como uma mãe faz com seu filho infante. Portanto, embora Jó tivesse sido testado, não fora provado de tal maneira que se transformasse em um blasfemo. Qualquer crente pode passar por certos testes; ninguém pode passar por todos os testes possíveis, conforme Satanás pensava. O Príncipe do Mal continuou a duvidar dos motivos de Jó para adorar a Deus. Continuou seguro de que esses motivos eram vis e egoístas, porque todos os homens são essencialmente egoístas. O que os homens realmente adoram é o seu próprio “eu". Ver na Enciclopédia de Bíblia, Teologia e Filosofia o detalhado artigo chamado Egoísmo.

2.1 Num dia, em que os filhos de Deus vieram apresentar-se perante o Senhor. Este versículo é diretamente paralelo a Jó 1.6, cujas notas expositivas também se aplicam aqui. O presente versículo adiciona, uma vez mais, evidênci­ as que demonstram ter havido outra ocasião na qual os “filhos de Deus” se apresentaram diante de Elohim, para dar conta de suas atividades. Quando ho­ mens bons, que se professam religiosos, se reúnem em pleno acordo para adorar o Senhor, o Targum diz que eles são companheiros dos anjos. E os anjos são chamados filhos de Deus, em um sentido especial, por serem seres divinos. O Targum diz que essa segunda reunião dos filhos de Deus com o Pai celeste ocorreu ‘ um ano mais tarde”, mas isso é uma fantasia desnecessária. Adam Clarke, in loc., diz que tal reunião, que incluiu Satanás, foi apenas metafórica, e não real. Mas isso labora contra o judaísmo da época representado pelo livro de Jó. A malignidade de Satanás de um judaísmo posterior, como é óbvio, não permitira um convite para ele entrar na corte celeste e falar com o Rei Supremo.

Então o Senhor disse a Satanás. Este versículo é paralelo a Jó 1.17, cujas notas expositivas também se aplicam aqui. Satanás continuava suas perambulações pela terra, presumivelmente realizando algum tipo de serviço, como filho de Deus em missões delegadas. Satanás teria de prestar contas a Yahweh, nome divino que aparece em ambos os versículos. Tendo feito tudo quanto podia para destruir Jó, Satanás tinha agora um ‘ relatório especial” a oferecer. Porventura Jó blasfemou contra Deus, quando suas riquezas e sua família foram violentamente removidas? Nãol Não obstante, Satanás “sabia” que Jó blasfemaria se seu corpo fosse atacado, o que seria uma provação mais severa que a anterior. Satanás lançou-se à aventura de provar que Jó não passava de um hipócrita egoísta, cuja espiritualidade termina­ ria uma vez que não mais servisse para beneficiar seu próprio “eu”.

Observaste o meu servo Jó? Este versículo é essencialmente idêntico a Jó 1.8, exceto pelo fato de que agora temos uma progressão. Jó passara nos primei­ ros quatro testes que tinham aniquilado suas riquezas e sua família. Mas Satanás queria outra chance para destruí-lo. Incrivelmente, de acordo com nossa teologia mais iluminada, Deus daria a Satanás essa oportunidade, só para provar um argumento. Mas tudo isso não passa de artifício literário. Ver Jó 1.11, quanto aos problemas teológicos do livro. Para o consumir. Literalmente, no hebraico, “devorar". A despeito da severi­ dade de sua provação, Jó se manteve firme em sua integridade pessoal. Sem causa. Esta parte do versículo é importante para a compreensão do livro. Diz-nos que os inocentes sofrem testes severos, sem nenhuma razão. O cama (ver na Enciclopédia de Bíblia, Teologia e Filosofia) não explica todas as coisas terríveis (e as boas também) que acontecem às pessoas. Há outras forças em operação. Portanto, temos uma pergunta angustiante: “Por que os inocentes sofrem?”. Isso faz parte do problema do mal (ver a respeito no Dicionário).

1870



Talvez os intérpretes estejam corretos quando vêem Deus repreender indire­ tamente a Satanás, pelo mal que ele praticou. Contudo, recordemos que a teolo­ gia dos hebreus era fraca quanto a causas secundárias e, assim, aquilo que Satanás fez, os hebreus entendiam como se tivesse sido feito por Deus, a primei­ ra e única causa real das coisas.

uma realização definitiva. Estamos crescendo espiritualmente e sendo continua­ mente iluminados, e esse será sempre o nosso caso. Somente Deus está isento desse avanço na verdade, pois apenas Ele é infinito. Mas, em Suas obras, o próprio Deus está sempre avançando. Estagnação é uma palavra estranha à verdadeira teologia.

A Aprovação de Deus. Yahweh-Elohim aprovou o homem Jó, que agora jazia na miséria, caído no pó, mas que continuava adorando a Deus (ver Jó 1.20). Ele aprovava o homem que não proferira blasfêmia contra a causa de seu sofrimento, a saber, o nome de Deus, que fora quem lhe dera tudo (ver Jó 1.21). Satanás foi forçado a dar um “bom relatório" sobre o homem, mas continuava insistindo em que o próprio homem na realidade não era bom. Agora, bastaria um pouco mais de tempo e alguns testes mais severos, para que ficasse provado o caso contra Jó.

A Restrição. Qualquer tipo de sofrimento poderia ser administrado por Satanás, menos matar Jó. Deus tinha planos para o “sobrevivente” do teste, no que consiste pelo menos parte do livro. Primeiramente, porém, era neces­ sário ficar provado que existe adoração desinteressada e que um homem espiritual não é apenas um egoísta. A espiritualidade envolve mais do que isso. Note-se como até o apóstolo Paulo reteve alguns elementos da teologia que é expressa no texto presente:

2.4 Pele por pele. A alusão é a animais que foram mortos, e cujas peles foram utilizadas para o fabrico de vestes, tendas, odres etc. O ensino aqui é o seguinte: “Nada existe, neste grande mundo, que um homem valorize tanto quanto o seu corpo”. A pele de um animal morto tinha valor comercial. “Pele por pele provavelmente é um provérbio usado por algum negociante” (Oxford Annotated Bible, comentando este versículo). A ênfase recai sobre o vator de um couro de animal. A pele de um animal vale dinheiro. Portanto, o corpo de um homem é a coisa mais valiosa que ele possui, e tocar no corpo é a essência de tudo quanto o homem valoriza. Jó resistira à perda de suas riquezas e à perda de sua família, mas tocar em seu corpo com sofrimento poria fim à sua fé, conforme calculava Satanás. “Um homem sacrificará tudo quanto tem neste mundo para salvar a sua vida” (Adam Clarke, in loc.). É por isso que, ocasionalmente, vemos o espetáculo de um homem rico gastando todas as suas riquezas, a fim de tentar curar um corpo doente. “Satanás zombou amargamente do egoísmo do homem e disse: ‘Jó está disposto a separar-se de sua propriedade e de seus filhos, porquanto essas coisas são externas, são bens permutáveis'. Mas ele dará qualquer coisa, até sua própria fé religiosa, a fim de salvar sua vida’ (Fausset, in loc.). Ver na Enciclopé­ dia de Bíblia, Teologia e Filosofia o verbete chamado Egoísmo. Todos os atos de uma pessoa, bons e maus, são auto-orientados, isto é, feitos por interesse pró­ prio, ainda que, em alguns casos, essa atitude possa ser perfeitamente disfarçada. 2.5 Estende, porém, a tua mão. Se Deus permitisse que Satanás prejudicasse o corpo de Jó, em breve ficaria evidente que a alegada espiritualidade do homem era apenas um meio de auto-serviço. Então ele abandonana sua adoração e serviço a Deus, como coisas inúteis, e revelaria todo o seu egoísmo. De fato, conforme pensava Satanás, Jó cairia em desgraça extrema e pronunciaria blasfê­ mias abertas, amaldiçoando Deus, a fonte de suas misérias. Ver Jó 1.11, onde temos declaração similar cujas notas também se aplicam aqui. Satanás continua­ va insistindo em que não existe adoração desinteressada. O livro de Jó examina essa tese como tema principal e envolve o problema do sofrimento humano na questão, como um corolário necessário.

E para que não me ensoberbecesse com a grandeza das revelações, foi-me posto um espinho na came, mensageiro de Satanás, para me esbofetear, a fim de que não me exalte. (II Coríntios 12.7) Caros leitores, neste versículo do Novo Testamento continuamos diante da antiga e deficiente teologia dos hebreus: a falta de apreciação por causas secundárias. Assim é que Satanás saiu pelos arredores, fazendo o serviço de Deus e afligindo o apóstolo Paulo. A teologia do tempo de Paulo explicava essencialmente os males físicos como o trabalho de poderes demoníacos, e muitas pessoas carismáticas de nossos dias afirmam o mesmo. Conheço pessoalmente um caso em que uma hemorragia cerebral que deixara uma senhora, membro de uma igreja, essencialmente paralisada, foi manuseada como uma possessão demoníacal As pessoas que tentaram ajudar aquela senhora fizeram um exorcismo nela, na tentativa de restaurar suas pernas paralisadas. Segunda Visitação do Mal. O Corpo de Jó é A fligido (2.7-10) A primeira visita do mal ocorreu em quatro acontecimentos distintos ou de- . sastres. Ver Jó 1.16. As riquezas e a família de Jó foram atacadas. Cada um desses quatro desastres foi uma expressão do problema do mal (ver a respeito no Dicionário e na quinta seção da Introdução ao livro de Jó). Dois desses ataques foram manifestações do mal moral, ou seja, a desumanidade do homem contra o homem; e dois foram expressões do mal natural, os abusos da natureza (aconte­ cimentos naturais). Esses dois aspectos constituem a essência de como o mal e a tragédia ferem os homens. A aflição do corpo de Jó foi uma manifestação do mal natural. Este mun­ do hostil traz dilúvios, incêndios, terremotos e enfermidades. Mas o rei das aflições naturais é a morte. Devemos salientar aqui o óbvio: nenhuma das provações pelas quais Jó passou atingiu ou prejudicou sua alma. Essa é uma importante consideração na tentativa de explicar os porquês do sofrimento humano.

Ilustração Baseada em um Cântico Popular. Na década de 1960, saiu uma canção que ilustra bem a isenção da alma humana dos ataques do mal, se essa alma é a de um homem espiritual.

2.6 Mas poupa-lhe a vida. A Permissão Divina é Dada. Novamente, devemos lembrar a fraqueza da teologia dos hebreus, que não levava em consideração causas secundárias, pois fazia de Deus a única causa. Portanto, quando Deus dava permissão para que Satanás fizesse algo contra Jó, era o mesmo que causar o sofrimento de Jó. “Para provar a falácia dos argumentos de Satanás, Yahweh dispôs-se a submeter Seu herói à tortura' (Samuel Terrien, in loc.). Essa não é uma teologia aceitável para nós, mas o era para os antigos hebreus. Várias de minhas fontes informativas repudiam essa barganha cósmica, mediante a qual um homem reto sofria sem causa (ver Jó 2.3). Adam Clarke chama a questão inteira de metáfora, não aceitando nenhuma barganha cósmica real. Outros eruditos dizem que estamos tratando com artifícios literários, e não com acontecimentos metafísicos. É melhor afirmar que estamos lidando com uma teologia obsoleta, no tocante a alguns pontos do livro. Por que pensaríamos ser estranho nossa teologia ultrapassar a antiga teologia dos hebreus, e ter ela deficiências? Se a teologia dos hebreus não fosse deficiente, não haveria necessidade do Novo Testamento. Quanto a uma discussão detalhada dos pro­ blemas teológicos do livro de Jó, ver as notas expositivas em Jó 1.11, cuja substância não reitero aqui. Também é bom lembrar que nossa atual teologia tem deficiências e, conforme avançar a verdade, novas idéias substituirão as antigas, como sempre ocorreu na busca pela verdade. Jesus disse que o Espírito guiaria Seus discípulos à verdade que Ele mesmo não tinha apresentado (João 16.13). Isso sempre será a verdade, visto que a verdade é uma inquirição eterna, e não

Miguel remou o bote para o outro lado, Aleluia! Miguel remou o bote para o outro lado, Aleluia! O rio Jordão é profundo e largo, Aleluia! Esfria o corpo, mas não a alma, Aleluia! Pessimismo. Os extremos sofrimentos físicos de Jó fizeram-no cair na arma­ dilha do pessimismo. A definição primária do pessimismo é a de que a própria existência é um mal. O capítulo 3 deste livro, a lamentação de Jó, exprime esse ponto do princípio ao fim. Ver na Enciclopédia de Bíblia, Teologia e Filosofia o artigo chamado Pessimismo. Ver Jó 3.6. 2.7 E feriu a Jó de tum ores malignos. Satanás afligiu Jó com “tumores malig­ nos’ , ou úlceras. Não há como determinar a natureza exata dessa enfermidade, nem isso é importante para a compreensão do texto. Até as humildes pústulas (King James Version) são uma questão séria. Resultam de uma infecção cutânea avançada, que penetra nas camadas mais profundas da pele e, então, chega a um músculo. São causadas por bactérias, como o estreptococo ou o estafilococo, e devem ser tratadas por meio de antibióticos.

A Enfermidade. Não estamos abordando um caso de lepra. O hebraico origi­ nal diz aqui shehin ra, que subentende uma inflamação. Não há inflamação mais

JÓ estranha do que uma pústula, e ter pústulas do alto da cabeça à planta dos pés seria algo que uma pessoa não poderia suportar. Samuel Terrien, in loc., investi­ gou as palavras hebraicas shehin ra no Antigo Testamento, tendo descoberto que elas são usadas para falar de certa variedade de enfermidades, de modo que tais palavras, por si mesmas, não nos ajudam grande coisa. Talvez a condição fosse a desordem cutânea denominada pemphigus loliaceus, que aparece de súbito e alcança quase imediatamente um estágio agudo. Por outra parte, toda essa con­ versa sobre qual seria a doença envolvida nos afasta da mensagem central do texto: Jó tomou-se, de fato, um homem miserável. Algumas vezes a provação consiste em viver, e não em morrer e, algumas vezes, morrer é algo excelente. Roy. B. Zuck (in loc.) escolheu penphigus loliaceus como o candidato mais provável. Essa enfermidade deixa os cabelos eriçados, ao ouvirmos a descrição da afecção: inflamação, úlceras, coceira, degeneração das características faciais, perda de apetite, depressão, horrendas pústulas que atraem vermes, dificuldade de respirar, mau hálito, dor contínua, rápida perda de peso, pele escurecida, febre e descamação da pele! É possível que Satanás, conhecendo tudo sobre essa enfermidade, a tivesse escolhido para Jó.

2.8 Tomou um caco para com ele raspar-se. Em sua agonia, Jó retirou-se para um monte de lixo, para ali morrer. A tradução “sentado em cinza’ reflete o termo hebraico mazbala, ou seja, um montão de lixo de cinzas. Até hoje, segundo dizem os viajantes, do lado de fora das aldeias árabes, pode-se observar monturos, mon­ tes de lixo, carcaças apodrecendo, crianças brincando em meio a pilhas de lixo, esmoleres sem moradia e idiotas da vila perambulando ao redor, e cães selvagens brigando por pedacinhos de alimentos que encontram naquela confusão horrenda. Jó, o respeitado príncipe árabe, abandonou sua casa e foi para lugar tão miserável, a fim de esperar pela morte. Ele estava rasgado por dentro, pela dor e pela angústia mental. Não havia medicamentos, e suas orações desesperadas eram inúteis.

1871 tenha parecido ser. Mas provavelmente Agostinho estava mais próximo da verda­ de quando comparou a mulher de Jó a Eva, a tentadora original que produziu a morte, ao chamá-la de “ajudante de Satanás".

Ao toque gentil de uma mulher pura e virtuosa, O que, neste mundo, cnjel e indiferente, Se pode comparar? (Russell Champlin)

2.10 Mas ele lhe respondeu: Falas como qualquer doida. “Jó não caiu na tentação. Ele reconheceu em sua proposta aparentemente razoável o sinal da insensatez. A fé oferecia a ele uma razão mais elevada do que o raciocínio humano’ (Samuel Terrien, in loc.). Ele a chamou de “doida” e companheira dos “insensatos" (no hebraico, nehaloth, a palavra de Sal. 14.1). É o insensato que diz em seu coração: Não há Deus. Embora a mulher não tenha negado a existência de Deus, estava dando a entender isso no caso de Jó: seria melhor nada ter que ver com o “Deus dele". Deus é quem estava afligindo Jó. Talvez essa mesma força destrutiva pudesse ser mais provocada ainda, ao ser amaldiçoada, e talvez matasse Jó, em vez de meramente deixá-lo miserável. Assim provocado, Deus faria um favor a Jó se o matasse. Mas isso concorda com o raciocínio dos insensatos. Jó, por sua vez, continuava olhando para Deus, para que Ele fizesse justiça. Ele já havia recebido muita bondade da mão divina. Então recebera o mal. De alguma maneira, Jó não sabia como nem por quê.

O ano está na primavera, O dia ainda está de manhã; A manhã está às sete horas; As faldas das colinas estão peroladas com o orvalho; O caracol está no espinho; Deus está no Seu céu, Tudo vai bem com o mundo.

Raspar-se. Por que Jó tinha de raspar seus ferimentos não é revelado, mas é provável que ele usasse aquele caco para coçar suas pústulas. Talvez ele também estivesse removendo o pus que corria de suas pústulas. Suas feridas eram por demais nojentas para serem tocadas. Houvera tempo em que o aristocrata Jó se sentara entre os sábios nos conse­ lhos da cidade, mas agora o vemos sentado a raspar-se em suas pústulas putrefatas.

Em vão aos deuses (se há algum) oramos Vitimas infelizes pagando por deboches praticados. Homens continuam a adorar suas divindades sonolentas Mas a morte zomba da devoção deles e Faz parar seu hálito que ora. Até em santuários santificados a sorte intmsa chega, E tira os devotos de seus túmulos.

(Robert Browning) Não pecou Jó com os seus lábios. Jó não ousou blasfemar e podemos assumir com segurança que, por igual modo, não havia maus pensamentos em seu coração. A versão caldaica adiciona a este versículo as palavras: “Mas em seu coração ele pensou palavras”, o que é um comentário infeliz e incorreto. Vários intérpretes judeus seguem tolamente a versão caldaica. O pecado e a insensatez são aliados nas Escrituras (ver I Sam. 25.25; II Sam. 13.13; Sal. 14.1). Mas Jó não se tornou culpado em nenhum dos dois sentidos. Apresentam-se os “ Consoladores” de Jó (2.11-13)

(■Adaptação de Ovídio) A Esposa de Jó o “ Consola” (2.9-10) 2.9 A escandalosa esposa de Jó conseguiu, de alguma maneira, escapar aos golpes que acabaram com sua família (Jó 1.15 ss.). Ela havia sido como uma rainha na cidade, gastando o dinheiro de Jó com alegria feroz. Agora o dinheiro dele se acabara; os filhos dele morreram; e tudo quanto restava a Jó era seu monte de lixo e suas pústulas. A mulher de Jó era exatamente como Satanás esperava que fosse. Se ela tivesse alguma espiritualidade, certamente era uma espiritualidade egoísta. Ela não tinha nada de adoração desinteressada. Ver Jó ainda firme em sua “integri­ dade’’ era o máximo de insensatez, na opinião dela. Ela disse a Jó que fizesse o que Satanás dissera que ele faria - “amaldiçoar a Deus” (Jó 1.11; 2.5) - e, depois disso, morrer e obter o fim do triste drama. Ela não se preocupava se Jó seria ou não um pecador que estivesse pagando pelos seus erros. Ela simplesmente queria que ele e seu Deus saíssem do caminho. Ela queria que a farsa da fé religiosa terminasse, pois não agüentava ver tão Inúteis” sofrimentos. John Gill (in loc.) repreendeu os intérpretes judeus que “fingem saber tudo’ e tolamente chamaram a esposa de Jó de Diná, a filha de Jacó. Portanto, os inimigos de um homem podem ser aqueles de sua própria casa (Miq. 7.6 e Mat. 10.36). A oposição à espiritualidade toma-se uma prova especial­ mente amarga quando vem de um familiar próximo. Samuel Terrien (in loc.) interpreta que a esposa de Jó só estava tentando vêlo morto e livre de sofrimentos, supondo que uma maldição tivesse o poder de eliminar os sofrimentos dele. Em outras palavras, ela era uma antiga advogada da eutanásia. Ver na Enciclopédia de Bíblia, Teologia e Filosofia o verbete chamado Eutanásia. Ela raciocinava que, se Jó amaldiçoasse a Deus, uma retaliação divina mataria o homem, pondo fim a seus sofrimentos. O irmão Terrien chegou a supor que o ato da mulher de Jó tenha sido inspirado pelo amor, por mais ignorante que

Nos capítulos 3-14 do livro de Jó, temos a primeira série de diálogos entre Jó e seus “amigos". Mas, antes que o autor chegue aos diálogos, ele apresenta aqueles que trocarão idéias com Jó em raciocínios teológico-filosóficos. Naturalmente, a noticia da triste sorte de Jó se espalhou por toda a parte e, entre aqueles que ouviram falar dela, estavam seus três amigos especiais, que tinham desfrutado de tempos favoráveis com ele e vivido com ele nos “anos bons”. Provavelmente eram homens bons, mas tolos, que pensavam ter a respos­ ta para todas as coisas, até para o problema do mal. Eles anelavam por comuni­ car a Jó, o pobre homem, a sabedoria deles. Eram indivíduos dogmáticos e cheios de credos fixos, homens que podiam voltar-se para qualquer passagem nos livros sagrados e oferecer sabedoria instantânea para qualquer ocasião. Ti­ nham respostas simplistas para problemas difíceis e nunca haviam imaginado que poderiam existir enigmas sobre os quais eles não possuíam nenhum conhecimen­ to. Prepararam suas ministrações pastorais para aquele pobre homem, Jó, uma ovelha que se tinha desviado. Eles compreendiam sua tarefa com fórmulas adredemente preparadas e certas premissas que, conforme pensavam, poderiam lançar luz sobre qualquer situação. Eles falaram principalmente sobre a lei do carma - cada indivíduo recebe aquilo que semeia - e jamais pensaram que o inocente pudesse sofrer.

2.11 Ouvindo, pois, três amigos de Jó. Os três amigos de Jó vieram da parte noroeste da Arábia. O prestigioso xeque, Jó, estava em dificuldades. E eles pen­ saram que poderiam ajudá-lo. Deixaram momentaneamente suas atividades e tentaram endireitar o caso de Jó, porque, como era óbvio, ele estava sendo punido por causa de um ou mais pecados secretos. As intenções deles eram boas, mas não eram tão sábios quanto pensavam ser. Seus credos, cuidadosa­ mente preparados, tinham grandes hiatos. Suas filosofias não se aproximavam muito da explicação sobre tudo o que acontece neste mundo.



1872 Elifaz o temanita. Quanto a notas expositivas completas sobre esta pessoa, ver o artigo no Dicionário, cuja informação não repito aqui. Ele residia em Temã, Edom (Gên. 36.11; Jer. 49.7; Oba. 9; Eze. 25.13; Amós 1.12), que antigas fontes informar ter sido um lugar famoso por seus sábios.

Cf. a conduta de Davi em II Sam. 12.16. Ver também Gên. 1.10; I Sam. 31.13 e Eze. 3.15. O autor nos transmitia um sofrimento intenso, para o qual razões urgentes tinham de ser buscadas. Essa busca e a discussão poética a respeito, na discussão do livro (ver Jó 3.1-31.40), oferecem um de nossos mais eloqüentes poemas antigos.

Bildade o suita. Quanto a informações detalhadas sobre este homem, ver o artigo no Dicionário. Pertencia à tribo dos suah, sendo assim um suita. Provavel­ mente isso significa que ele estava associado aos nômades arameus, os quais migraram para a parte sudeste da Palestina (ver Gên. 25.2,6). Seu nome parece ser derivado da frase aramaica que significa “amado do Senhor” .

C a p ítu lo Três A Discussão Poética (3.1 - 31.40)

Zofar o naamatita. Má um artigo detalhado sobre ele, no Dicionário, e, como nos casos dos outros dois amigos de Jó, citados aqui, os artigos fornecem o âmago dos seus argumentos, e não meramente o pouco que se sabe sobre cada um desses homens. Não há certeza quanto ao significado do nome desse ho­ mem, embora pareça estar associado à idéia de um “pássaro que gorjeia" ou “prego afiado”. Ele vivia em Na’amah, que talvez fosse a mesma que Djebel-elNa'anmah, na parte noroeste da Arábia. Assim, Jó foi privilegiado em ser visitado pelos homens mais sábios da área e, conforme eles pensavam, certamente trariam alguma solução para o problema dele. Mas em breve tornou-se claro que:

Havia mais coisas no céu e na terra Do que era sonhado em suas filosofias. (Shakespeare) Ver Jó 1.1, quanto ao local onde Jó residia, próximo das regiões de seus três amigos.

2.12 Levantando eles de longe os olhos e não o reconhecendo... Tão mutila­ do, emaciado e deformado estava Jó, que seus amigos nem puderam reconhecêlo. Satanás tinha cumprido muito bem a sua tarefa. A primeira reação deles não foi atacar Jó e dizer-lhe quão grande pecador ele era (o que terminaram fazendo) mas, sim, caíram em profunda lamentação, por causa dos sofrimentos do amigo. Eles levantaram a voz em altas lamentações e, então, realizaram aqueles atos orientais comuns de consternação, o que Jó também tinha feito. Cf. Jó 1.20, onde dou notas expositivas sobre a questão. Ver também II Sam. 12.16 e Lam. 2.10. Ver no Dicionário o artigo detalhado sobre o tema da Lamentação, especialmente a terceira seção, onde discuto os costumes específicos ou atos relacionados à questão. Assim, ali estavam eles, Jó e seus três amigos, sentados naquela mazbaia, aquele montão de lixo de cinzas (ver Jó 2.8). Jó estava preparado para morrer. Mas seus amigos queriam experimentar suas filosofias sobre ele, antes que a morte o vencesse. Ali estavam eles, formando uma visão dolorosa e ridícula, bastante burlesca, se Jó não estivesse sofrendo tanto. Imagine-se aqueles sábios xeques árabes sentados juntos sobre o montão de lixo, em vez de nos portões da aldeia, onde poderiam exibir suas riquezas e sabedoria!

Primeira Série de Discursos (3.1 - 14.22) Os costumes e a cortesia exigiam que o homem afligido tivesse permissão de falar primeiro, portanto este capitulo do livro, em sua inteireza, contém a lamentação de Jó. Depois dessas lamentações, seguem-se os ataques de seus amigos, os quais afirmaram principalmente que Jó era um pecador secreto e estava sendo punido com justiça. Em outras palavras, ele estava engajado em um caso radical da Lei Moral da Colheita segundo a Semeadura (ver a respeito no Dicionário). Temos aqui a mais óbvia razão para o sofrimento humano, embora, de maneira alguma, a única. De fato, o livro de Jó ensina que os inocentes sofrem. Ver Jó 2.3. As aflições de Jó não tinham causa alguma. Quanto aos problemas teológicos do livro, que são a barganha cósmica em detrimento dos justos; se existe ou não uma adoração desinteressada; o Deus voluntarista do judaísmo; por que os ino­ centes sofrem; e o problema geral do mal, ver os comentários em Jó 1.11. Ver a quinta seção da Introdução ao livro de Jó e, no Dicionário, o artigo chamado

Problema do Mal. O tema principal do livro de Jó é a adoração desinteressada. Porventura um homem haverá de adorar a Deus quando disso não tirar benefício algum? Em outras palavras, seria verdadeira a doutrina do Egoísmo (ver a Enciclopédia de Bíblia, Teologia e Filosofia)? Um homem age de maneira desinteressada em favor do próximo, ou ele sempre espera alguma vantagem pessoal? Será a espiritualidade de um homem (sua fé e sua adoração) apenas uma maneira de servir a si mesmo? A piedade humana é apenas um meio de obter vantagens pessoais e uma maneira de afastar o perigo? Estaria um homem realmente interessado em Deus, por Sua causa somente? Satanás supunha que, se a vida de Jó se tornas­ se miserável, ele amaldiçoaria a Deus (Jó 1.11 e 2.5). Portanto, Jó foi afligido sem que houvesse causa para isso, somente para ver se ele reteria a sua integridade. Quando suas riquezas e sua família lhe foram arrebatadas, ele passou no teste (capitulo 1). Em seguida, seu corpo foi profundamente afligido, mas ele também passou nesse teste (capítulo 2). O sofrimento humano entra no livro como um meio de testar a espiritualidade do indivíduo, e o livro de Jó torna-se, assim, o único que trata demoradamente do porquê do sofrimento humano e do problema do mal. O sofrimento humano ocorre através do mal moral (a desumanidade do homem com o homem) e também através do mal natural (o abuso da natureza, como enfermidades, incêndios, inundações, terremotos e a morte). Jó sofreu am­ plamente tanto os abusos da vontade humana pervertida como os abusos da natureza. No entanto, ele reteve a sua integridade espiritual. A Lamentação de Jó (3.1-26)

2.13 A Maldição (3.1.10) Sentaram-se com ele na terra, sete dias e sete noites. Sere Dias de Silêncio! É difícil para nós imaginar costumes como esses. Por sete dias e sete noites, os quatro homens ficaram sentados sobre seus montículos de cinzas, desfigurados com cinzas e sujeira, as vestes rasgadas, sujas e miseráveis. O silêncio se devia à consternação e ao respeito. Que se pode dizer quando um amigo está em tão miserável estado? A tristeza de Jó era profunda, e eles não queriam agravá-la ainda mais, através de conversa tola. Finalmente, os três ami­ gos de Jó cederam diante dessa tentação, mas durante sete dias não disseram uma só palavra. Jó foi o primeiro a falar, e seu tristonho monólogo está registrado no capítulo 3. Encorajados por sua fala, os três amigos correram em socorro dele, com seus argumentos inadequados. O suicídio era uma medida conhecida entre os antigos semitas, mas sua incidência em nada se assemelhava ao que se vê na maioria das nações moder­ nas. Portanto, a autodestruição estava fora de cogitação. Jó por certo enfrentava a possibilidade da morte, mas não a apressaria, uma sábia decisão. Ver na Enciclopédia de Bíblia, Teologia e Filosofia o verbete intitulado Suicídio. Esta questão está coalhada por toda a espécie de dificuldades, com as quais se deba­ tem nossos teólogos e filósofos. “Sentar-se no silêncio com Jó durante uma semana talvez tenha sido a ma­ neira de seus amigos lamentarem sua condição moribunda, ou talvez um ato de simpatia e consolo, ou, ainda, uma reação de horror. Sem importar qual tenha sido a razão, de acordo com os costumes da época, os três amigos de Jó tinham de dar ao sofredor a primeira chance de expressar-se" (Roy B. Zuck, in loc.).

Por causa de seus supremos sofrimentos, Jó caiu no abismo de uma quase total desesperança. Ele proferiu uma maldição, mas não contra Deus, conforme Satanás disse que ele faria (ver Jó 1.11 e 2.5). Ele desejou jamais ter nascido (vss. 2-10 deste capitulo) ou, então, que tivesse morrido por ocasião de seu nascimento (vss. 11-19). Visto que essas bênçãos não lhe tinham sido conferidas, ele desejava morrer em breve (vss. 20-26). Mas ele falou com sua voz miserável sem chegar a ponto nenhum. Ele ignorou tanto Deus como o ser humano, ao proferir o seu “ai”. Em consonância com o costume e a prática dos semitas, Jó não pensou em suicidar-se, embora o suicídio não fosse desconhecido entre eles.

Pessimismo. Em sua luta contra o sofrimento, Jó caiu no pessimismo, a idéia de que a própria existência é um mal (pelo menos até onde ele estava pessoal­ mente envolvido). Ver na Enciclopédia de Bíblia, Teologia e Filosofia o artigo denominado Pessimismo. Ver as notas adicionais em Jó 3.6. 3.1 Amaldiçoou o seu dia natalício. Jó amaldiçoou o seu ‘ dia natalício”. Sentimonos muito tristes quanto aos infantes que morrem e diante de pais que perdem suas crianças; mas Jó viu que, em seu caso, essa condição teria sido uma grande bênção. Quanto ao problema vexatório da morte dos infantes e as questões teológicas levantadas por esse acontecimento, ver no Dicionário o detalhado arti­ go chamado Infantes, Morte e Salvação dos. O dia e a noite, de acordo com as

J

V PESSIMISMO

Passou Jó a falar, e amaldiçoou o seu dia natalício. Disse Jó: Pereça o dia em que nasci e a noite que disse: Foi concebido um homem! Converta-se aquele dia em trevas; e Deus, lá de cima, não tenha cuidado dele, nem resplandeça sobre ele a luz. Jó 3.1-4

O SOFRIMENTO NÃO POUPA NINGUÉM A Vida Feliz aquele que em modesta lida, Isento da ambição e da miséria No regaço do amor e da virtude A vida passa. Mais feliz ainda Se, das turbas ruidosas afastado, À sombra do carvalho, entre os que adora, Sente a existência deslizar tranqüila, Como as águas serenas do ribeiro; Mas, que digo! Nem esse, infindos males, Comuns a todos, seu viver não poupam. Soares de Passos

1874 crenças antigas (ver Sal. 19.3), eram dotados de uma espécie de existência autônoma. Se ao menos o dia do nascimento de Jó, ou a noite em que ele fora concebido, nunca tivessem ocorrido, então Jó teria escapado ao caos da exis­ tência e aos resultados temíveis de uma vida inútil. O livro não expõe a possibi­ lidade de uma alma preexistente ter nascido em um corpo diferente. O discurso de Jó só indica que, sem aquele nascimento, que acabou produzindo tanto sofrimento, ele nunca teria existido e, portanto, não estaria sofrendo. Isso, caros leitores, é uma teologia miope, até onde me diz respeito. Nesse ponto, estou com a Igreja Ortodoxa Oriental, apegado à idéia da preexistência da alma. Ver na Enciclopédia de Bíblia, Teologia e Filosofia o artigo geral sobre Alma. Não acredito que se possa anular uma alma meramente porque duas pessoas, um homem e uma mulher, não se uniram sexualmente para produzir um bebê. Por certo, a história da alma é separada e distinta da história do corpo que, final­ mente, ela venha a possuir. Caros leitores, é uma frivolidade pensar que uma alma eterna depende da procriação física para poder existir. Mas é isso o que uma grande parte da Igreja Cristã acredita atualmente. A Igreja Ortodoxa Orien­ tal acredita na preexistência e independência entre a alma e o corpo (eles têm histórias separadas), sem reencarnação, embora algumas pessoas na Igreja Ortodoxa Oriental misturem a reencarnação nesta questão. Quanto a um artigo detalhado sobre o assunto, ver na Enciclopédia de Bíblia, Teologia e Filosofia o verbete chamado Reencarnação. Como é óbvio, Jó desejava a não-existência, e não uma nova chance de uma vida nova, sem complicações, por meio da reencarnação. Jó amaldiçoou o seu nascimento, a sua vida, e não Deus, conforme Satanás afirmou que ele o faria (ver Jó 1.11 e 2.5). 3.2-3 Pereça o dia em que nasci. Jó ampliou a maldição, dando detalhes e conferindo volume à sua queixa e às suas lamentações. As notas que ofereço no vs. 1 deste capitulo também se aplicam aqui. O dia e a noite personificados, por assim dizer, são entidades com uma espécie de existência autônoma. O dia e a noite, pois, tinham trazido a Jó sua miséria, e ele desejou que, de alguma manei­ ra, eles fossem obliterados em sua existência, para que ele próprio pudesse descansar no nada.

Uma Curiosidade. Notemos que Jó não olhou estrada abaixo para a imorali­ dade. No período patriarcal, pode ter havido essa idéia, entre os hebreus, mas não há nenhuma expressão dessa noção no Pentateuco. A idéia só entrou no pensamento dos hebreus nos Salmos e Profetas, sem grande esclarecimento. No período intermediário entre o Antigo e o Novo Testamento foi mais desenvolvida, e ainda mais no Novo Testamento. É verdade que em Jó 19.26 essa esperança é levantada, possivelmente mediada através da ressurreição, e não através de uma alma imortal que sobrevive à morte biológica do corpo. Alguns vêem a reencamação nessa referência, mas isso é discutível. Seja como for, é notável que a lamentação de Jó, que vemos aqui e nos capítulos seguintes, não tente aliviar o problema do sofrimento humano com uma visão da existência futura, além do sepulcro, onde o sofrimento pudesse ser anulado. Isso, entretanto, está em har­ monia com a teologia geral do período patriarcal. Os livros escritos por Moisés não prometem uma vida de bem-estar para além da morte biológica nem amea­ çam os ímpios com a punição em uma futura vida, não-física. Ver no Dicionário o verbete chamado Alma, e ver na Enciclopédia de Bíblia, Teologia e Filosofia o artigo chamado Imortalidade.

A Noite Personificada Fala. Ela anunciou o conceito de um filho que teria sido a alegria de sua mãe. Mas o futuro era tão negro e miserável, que nenhum regozijo foi encorajado. John GUI curiosamente comenta aqui que nem mesmo as próprias mulheres sabem em que noite exata elas conceberam e, certamente, os homens não o sabem. Mas a Noite sabia. A noite em que Jó foi concebido foi uma noite miserável, que ele desejava fosse anulada. Alguns estudiosos interpretam a Noite como personificação de Satanás e colocam nela o pecado original, mas isso é apenas fantasia. Ver, contudo, Jó 14.4. Elaborações do Conceito. Os vss. 4-5 elaboram sobre o dia do nascimento de Jó; os vss. 6-7 falam sobre a noite em que ele foi concebido; e o vs. 10 anela pela anulação do nascimento dele. 3.4 Converta-se aquele dia em trevas. Jó volta a lamentar o seu nascimento. O dia é luz, e luz é esperança. Mas o primeiro dia de Jó foi de trevas miseráveis e repleto de presságios ruins. Deus não levou em conta o dia do nascimento de Jó. A luz não incidiu sobre aquele dia. Antes, foi um dia melancólico, de negligência e tristeza, por causa do tipo de vida que finalmente haveria para Jó. Premonições de desespero anulavam qualquer alegria que pudesse estar envolvida no nasci­ mento de um filho. Deus se tornara um estranho para aquele pequeno, que fora esquecido pelo Ser divino e pelos seres humanos.

JÓ Deus... não tenha cuidado dele. ‘ Literalmente, requerer, perguntara respei­ to e, assim, manifestar cuidado a respeito" (Ellicott, in loc.). Empregando o linguajar popular, podemos dizer que o versículo significa: “Deus não poderia importar-se menos". No ato de criação, Deus disse: “Haja luz', e houve luz. Mas o dia de Jó não teve luz nem esperança. Seu nascimento foi uma espécie de anticriação. A providência do sorriso de Deus não abençoara aquele dia. ... Cópula, nascimento, morte

Esses são os fatos... (Thomas Stearns Eliot) Esses são os fatos brutais de uma vida sem Deus e sem esperança. As palavras de Eliot indicam que não há significado nenhum nesta vida. Jó caiu nessa armadilha, no meio de sua miséria. Para ele não havia fatos remidores. 3.5 Reclamem-no as trevas e a sombra da morte. O dia precário de Jó deveria ser engolido por trevas melancólicas, varrido por nuvens escuras e aterrorizado pela negridão. Supostamente, o dia é iluminado, mas o de Jó era escuro. “A palavra aqui usada para enegrecimento é a única ocorrência do vocábulo em todo o Antigo Testamento. Está em vista a negridão que acompanha um eclipse, um tornado ou uma pesada tempestade" (Roy B. Zuck, in loc.). O dia do nascimento de Jó foi um dia de pesada tempestade. A luz não pôde atravessar as espessas trevas. O nascimento de Jó, por assim dizer, foi um equivoco, uma piada cósmica. Ele foi vitima de uma mentira cósmica. Entrou na vida já trazendo aquela incurável que causaria sua morte e, assim, teve uma peregrinação triste e sem sentido para lugar nenhum. O dia do nascimento de Jó foi aterrorizado pelas trevas pretematurais, por aquele blecaute inoportuno e inesperado. Sua vida fora obscurecida desde o começo. 3.6



Aquela noite! dela se apoderem densas trevas. A miséria de Jó era tão profunda que ele desejava que as negras trevas anulassem tudo, toda a vida e toda a existência. Essa anulação tinha de começar pela noite em que ele fora concebido. Ele anelava, de alguma maneira, voltar àquele ponto do tempo. Se, de algum modo, a noite de sua concepção pudesse ser obliterada, então a fonte de sua tristeza seria engolida pelo nada, que era a grande esperança de Jó, inútil naturalmente, mas uma ânsia retrospectiva. Ele não queria que a noite de sua concepção fosse um tempo marcado no calendário. Ele não queria que aquela noite tivesse ocorrido em um dia especifico do ano. Se aquele dia se transformasse em nada, então ele seria reduzido a nada, e esse era o seu desejo mais intenso.

Pessimismo. A definição básica do pessimismo é que a própria existência é um mal. Assim sendo, o pior pecado do homem seria o fato de ele ter nascido. Schopenhauer, o mais eloqüente advogado do pessimismo como um sistema filosó­ fico, acreditava que a melhor coisa que poderia acontecer seria Deus fazer com que todas as coisas cessassem de existir. Então haveria a paz do nada. A insana vontade de viver está na base de toda a miséria humana. A vida é nossa inimiga; a morte é nossa amiga, se ela pudesse indicar total obliteração. Infelizmente, Schopenhauer acreditava na reencarnação, mecanismo insano mediante o qual se dá continuidade à vida. Jó caiu num pessimismo do tipo do de Schopenhauer. Ver na Enciclopédia de Bíblia, Teologia e Filosofia o verbete chamado Pessimismo. Entristeço-me por ter de dizer aos caros leitores que a Igreja Ocidental tem uma teologia de extremo pessimismo acerca do destino humano (excetuando alguns poucos salvos). De fato, esse pessimismo ultrapassa qualquer coisa que o livro de Jó contém. Não obstante, Deus surpreenderá os pessimistas provendo coisas mara­ vilhosas por meio da missão de Cristo, que finalmente beneficiará todos os homens. Ver no Dicionário o artigo Mistério da Vontade de Deus.

Seja estéril aquela noite. Ainda personificando a Noite, Jó esperava que, de alguma maneira, a noite de sua concepção ficasse estéril (literalmente, no hebraico, ficasse “pedregosa’ ). A concepção de um filho costuma levar a um nascimento jubiloso. Jó preferiria a esterilidade, para que não houvesse um dia que seria de profunda tristeza, em vez de alegria. “Jó imprecou males sobre o dia em que ele nasceu, e agora (vs. 7) sobre a noite em que ele fora concebido" (John Gill, in loc.). Ele queria que a noite em que fora concebido se tomasse tão estéril como a pederneira. Cf. Isa. 49.21. “Os orientais, emocionais como são, gritavam quando um menino nascia. Mas Jó disse: ‘dela sejam banidos os sons de júbilo', ou seja, naquela noite na qual uma concepção prometeu que nasceria um filho". Viver é sofrer, e há grande futilidade em toda a vida. A bondade é quando não há fagulha de vida para começar uma existência humana. O pessimismo era a teologia de Jó, no momento.



1875

3.8

A Inquirição (3.11-19)

E sabem excitar o m onstro marinho. Obras de poderes malignos, como aqueles possuídos por encantadores e sábios, ou forças cósmicas desconhecidas poderiam despertar o monstro dorminhoco, fazendo-o impor o caos. Em seu de­ sespero, Jó desejava que qualquer espécie de poder destruidor obliterasse a ele e à sua memória, aliviando assim o seu sofrimento. Em outras palavras, ele queria estar morto, por quaisquer meios existentes. Jó desejava que o dia de sua con­ cepção pudesse ter sido obliterado, salvando-o do infortúnio de ter nascido e vivido neste mundo caótico. Ver na Enciclopédia de Bíblia, Teologia e Filosofia o verbete denominado Caos.

3.11

O m onstro marinho. Alguns intérpretes ocupam-se aqui em uma exegese inútil, tentando identificar esse monstro marinho cohn algum animal terrestre, como o crocodilo, ou com algum animal marinho, como a baleia ou a serpente do mar. Antes, Jó entrou no terreno da mitologia do Oriente Próximo e falou sobre o monstro marinho com sete cabeças, que teria o poder de engolir o sol ou a lua, mediante algum eclipse. Mais extensamente ainda, o monstro teria o poder de engolir a própria criação com seus poderes sobrenaturais. Ver no Dicionário o verbete chamado Leviatã, onde forneço detalhes sobre o assunto, os quais não reitero aqui. “Leviatã é um monstro marinho que, de acordo com a antiga mitologia dos semitas, pertencia ao mundo do caos, que o Criador, Deus, precisou subjugar, a fim de estabelecer uma terra habitável. Em Isa. 27.1, leviatã, o monstro marinho, é inimigo de Deus, enquanto em Sal. 104.26 ele se torna mero joguete nas mãos de Yahweh. Jó 41.1 ss. e Sal. 74.14 usam o termo para transmitir a idéia de senti­ mento de um temor elementar, produzido pelo crocodilo. Tal como no caso de tannin (Jó 7.12; em nossa versão portuguesa, 'monstro marinho' também) e rahab (Jó 9.13; em nossa versão portuguesa, 'auxiliadores do Egito’, e 26.12 falta em nossa versão portuguesa), leviatã tornou-se personificação do antagonismo cós­ mico a Deus. Despertar esse poder era levar o mundo de volta ao caos primevo. O sofredor preferiria que a própria terra chegasse ao fim, antes que ele tivesse sido concebido” (Samuel Terrien, in loc.). 3.9 Escureçam-se as estrelas... dessa noite. Jó desejava que as trevas obliterassem o dia de sua concepção e o dia de seu nascimento, conforme de­ monstram os versículos anteriores. Naquela noite escura, ele não queria que estrela alguma desse o mínimo de iluminação, nem que os primeiros alvores da madrugada viessem a iluminar o ambiente. As estrelas da manhã são os planetas Vênus e Mercúrio, luzes que podem ser vistas facilmente de madrugada, por causa de seu brilho (cf. Jó 38.7). Vênus é a terceira luminária do firmamento, vindo depois do sol e da lua. Jó queria também que Vênus deixasse de despedir seus raios e, assim, anunciasse o dia de seu sofrimento. O hebraico original é bastante poético no tocante à madrugada: “as pálpebras da manhã”, comparando os raios da manhã à abertura das pálpebras de uma pessoa que vai despertando. Jó não queria abrir os olhos para o sol, nem queria que astro algum do céu os abrisse. Antes, desejava que as trevas aniquilassem tudo. Os poetas árabes chamam o sol de “olho do dia”. Jó queria que todos os olhos permanecessem fechados, a fim de que ele pudesse mergulhar no nada de suas trevas. 3.10 Pois não fechou as portas do ventre de minha mãe. As trevas cósmicas infelizmente não tinham sido capazes de impedir que a mãe de Jó o concebesse, nem de impedir seu nascimento por meio de algum aborto misericordioso. Portan­ to, a tristeza tomou-se a palavra do dia. Usualmente vemos a vida como um bem e a morte como um mal a ser evitado, mas os sofrimentos de Jó tinham revertido esse ponto de vista. Ele tinha caído no pessimismo, supondo que a própria exis­ tência fosse um mal. Ver as notas expositivas em Jó 3.6. Foi realmente um infortúnio que as portas do ventre de sua mãe não se tivessem fechado na terrível noite de sua concepção. Se isso tivesse acontecido, Jó não teria vindo à existên­ cia. Caros leitores, em Jó 3.1, tento mostrar que é má teologia supor que a existência da alma humana depende da procriação física. A alma tem de ser mais do que isso. Contudo, do princípio ao fim, Jó não apelou para um pós-vida, no qual a alma seria libertada dos males e sofrimentos da vida física. Como consola­ ção, ele se voltou para o nada, não para a vida depois do sepulcro. Schopenhauer, o mais eloqüente advogado do pessimismo, fez a mesma coisa. Ele se voltou para o nada, como se isso fosse a própria salvação, e esperava que, algum dia, Deus preferisse anular toda a espécie de vida. Disso viria a paz. Finalmente, em Jó 19.26, a esperança de uma vida futura brilhou na consciência de Jó.

A vida breve é nossa porção aqui. Breve tristeza, cuidados de pouca duração. (John Mason Neale)

Por que não morri eu na madre? Tendo havido a concepção, Jó deveria nascer. Diante do fato terrível, ele desejou ter nascido morto. Nesse caso, poderia ter “expirado” antes que o sofrimento começasse. A morte hipnotizara Jó. Ele começou a olhar para a morte com mórbida alegria. Ele se juntou à companhia daqueles filósofos pessimistas do Egito e da Babilônia, que viam a morte como um estado de tranqüilidade, sono e nada (vs. 13). O pensamento dos hebreus, em contraste, encarava a morte como um mal a ser evitado. Um severo sofrimento tirara de Jó a idéia, conforme se diz em uma expressão idiomática moderna. Por que não expirei ao sair dela? Note que a versão portuguesa concorda aqui com a Revised Standard Version e não faz o versículo dar a entender uma alma imaterial e imortal que deixa o corpo por ocasião da morte biológica. Nascer vivo e sair em segurança do ventre materno, para a vida, era visto como um ato especial da providência divina (Sal. 22.9). Jó desejou que aquela pequena de­ monstração da providência divina não tivesse operado em favor dele. Ver no Dicionário o artigo chamado Providência. Ver na Enciclopédia de Bíblia, Teologia e Filosofia o verbete intitulado Infantes, Morte e Salvação dos. 3.12 Por que houve regaço que me acolhesse? Uma vez nascido, o bebê, de acordo com os costumes orientais, era primeiramente posto nos joelhos da mãe, de maneira que um pouco de descanso era desfrutado. Então o bebê era levado aos seios matemos. Havia também o costume patriarcal de colocar o bebê recémnascido nos joelhos de um antepassado paterno, simbolizando que a criança pertencia à sua descendência e estava abençoado com a companhia de seu antepassado e de seus contemporâneos (ver Gên. 50.23). Talvez seja isso o que esteja em vista no presente versículo. Jó desejava não ter descansado nos joe­ lhos de sua mãe nem ter sido recebido em sua família por meio da bênção patriarcal. Preferia ter sido um natimorto, ou ter morrido antes de ser colocado sobre os joelhos de alguém. Entrementes, desejava nunca ter tomado leite de sua mãe, pois assim poderia ter morrido de fome, uma grande vantagem que não lhe teria permitido chegar àqueles dias de sofrimento. Em seu desespero, ele chegou a ver a vida como indigna de ser vivida. Jó foi tratado com grande cuidado, mas preferia ter caído morto no chão. Ver também Gên. 30.3 e Isa. 66.12. Jarchi informa-nos que uma parteira, tendo completado o parto, tomava temporariamente a criança em seu regaço, dando-lhe descanso e consolo. Ela lavava o corpinho do recém-nascido com água e sal e o enrolava nos paninhos apropriados. Os gregos e romanos também tinham um costume semelhante ao da bênção paterna dos hebreus. O pai recebia a criança e, pondo-a sobre os joelhos, tomava assim conhecido que aquele bebê era “seu filho”, agora recebido em sua família. A deusa Levana é retratada como se estivesse ordenando o gesto de amor e preo­ cupação (Kipping, Antiq. fíoman. 1.1. cap. I, sec. 10). 3.13 Porque já agora repousaria tranqüilo. Morrer por ocasião do nascimento teria sido muito melhor do que uma vida na morte. Permanente sono e paz teriam resultado da morte do infante Jó, muito melhor do que a morte viva do Jó adulto. Como é claro, Jó não antecipava a continuação da vida através de uma alma imortal. Tal crença só surgiu na fé hebraica no tempo dos Salmos e Profetas e, mesmo assim, ainda não claramente definida. Delineamentos de doutrinas como o céu e a terra teriam de esperar pelos livros apócrifos e pseudepígrafos e, finalmente, pelo Novo Testamento. A teologia, como qualquer outro campo do conhecimento, cresce e se desenvolve. De muitas maneiras, a teologia dos hebreus era deficiente. Se assim não fosse, não haveria necessidade das revelações do Novo Testamento. . Nas Escrituras, a morte, tal como em certa expressão idiomática moderna, é chamada de sono (ver Sal. 13.3). Isso não subentende, nos primeiros livros da Bíblia, que somente o corpo dorme, e a alma vai para Deus, conforme dizem alguns intérpretes cristãos ao comentar sobre o presente versículo. Antes, em consonância com a teologia deficiente da época, Jó via a morte como sono etemo (não-existência) do ser que antes existira. 3.14-15 Com os reis e conselheiros da terra. Seria melhor para Jó ter entrado no esquecimento (não-existência), porquanto, afinal, os grandes homens do passa­ do, como os reis, os poderosos, os aristocratas, os ricos, os famosos, tinham-no precedido para o doce nada. Tais homens tinham construído um nome para si mesmos, edificado cidades, feito grandes exércitos colocar-se em marcha, obtido vitórias, impressionado seus contemporâneos. Eles tinham recolhido grandes quan­ tidades de ouro e prata (vs. 15) e tinham sido admirados pelas massas populares.

A S L A M E N T A Ç Õ E S D E JÓ Discursos Envolvidos

Falado para Si Mesmo

Falado contra Deus

Falado contra Inimigos

Soiiloquo introdutório (cap. 3) 0 Primeiro Discurso de Jó (caps. 6-7) 0 Segundo Discurso de Jo (caps. 9-10) 0 Terceiro Discurso de Jó (caps. 12-14) 0 Qi i | to Discurso de Jó (caps. 16-17) 0 Quinto Discurso de Jó (cap. 19) 0 Sexto Discurso de jó (cap. 21) 0 Sétimo Discurso de Jó (caps. 23-24) 0 Oitavo Discurso de JÓ (caps 26-31)

3.11-19, 24-26

3.20-23

3.3-10

6.1-12; 7.1-10

7.12-21

6.13-20

9.25-31

9:17-21; 10.8-17

14.1-6,7-15

13.3, 14-16, 23-27

17.4-10

16.9-14 19,7-12

19.13-19 cap. 21

23.3-12 29.2-6, 12-20: 30.16-19,24-31

30.20-23

30.1-15

Definições:

O que é lamentável é algum fato que provoca tristeza, miséria, lágrimas, remorso, aflição ou descontentamento. Um acontecimento adverso, perverso ou desprezível traz lamentação. A lamentação é uma expressão informal (particular) ou formal (falada ou escrita) que expressa dor e tristeza. Alguns poemas e canções são lamentações formais. Existe na Bíblia o livro chamado Lamentações, que chora a queda de Jerusalém e seu cativeiro na Babilônia, isto é, a morte de uma nação. Quando Jó estava sob a mão pesada de Deus, ele tinha muitas razões para lamentar. Quanto mais pesada ficou a mão divina, mais amargas ficaram as lamentações do pobre homem. Ele foi abandonado por Deus e pelos homens.

RAZÕES PARA LAMENTAÇÃO 1.

Tristeza pelos mortos. Abraão lamentou por Sara (Gên. 23.2); Jacó por José (Gên. 27.34,35); os egípcios por Jacó (Gên. 50.3,10); Maria e Marta por Lázaro (João 11.31).

2.

Em face das calamidades. Estão inclusas as calamidades já sofridas ou apenas antecipadas. Ver Jó 1.21, 22; Êxo. 33.4; Jon. 3.5; Jer. 14.2; Nee. 1.4; Est. 4.3.

3.

Por causa do arrependimento pelo pecado. Ver Jon. 3.5, Jer. 14.2; Nee. 1.4; Est. 4.3.

4.

Lamentações cultuais. Os profetas de Baal, no monte Carmelo, lamentavam-se e laceravam-se na tentativa de agradar ao seu deus e provocar intervenção em favor deles (I Reis 18.28). O culto de Israel, em determinadas ocasiões, também estava associado à lamentação (Jer. 41.5). Ezequiel deixou regis­ trado um caso de lamentação cúltica pagã (Eze. 8.14); e o mesmo fez Isaías (Isa. 45.4), ainda que nesse último caso os israelitas estivessem envolvidos em ritos pagãos.

ALGUNS MODOS E COSTUMES DE LAMENTAÇÃO 1.

Choro e clam or em voz alta. Esses atos são mencionados em conexão com a lamentação em Gên. 50.10; II Sam. 13.36; Sal. 6.6; 42.3. Os orientais, de modo geral, eram bastante vocíferos em suas lamentações.

2.

Lágrimas. Uma emoção forte, positiva ou negativa, provoca lágrimas.

3.

Desfiguramentos. Havia demonstrações externas nas lamentações. Uma pessoa assentava-se sobre cinzas e salpicava cinzas sobre o rosto (II Sam. 13.19; 15.32). A barba era raspada, os cabelos eram aparados, ou eram arrancados tufos de cabelos (Lev. 10.6; II Sam. 19.24; Eze. 26.16). Alguns povos pagãos laceravam o corpo, uma prática proibida pela lei mosaica (Lev. 19.28).

4.

Roupas rasgadas. Ver Gên. 37.29,34; II Crô. 34.27; Mat. 26.65.

5.

Roupas de pano de saco. Ver Gên. 36.34; II Sam. 14.2; Sal. 38.6.

6.

Cabeça coberta. Ver Lev. 13.45; II Sam. 15.30; Jer. 14.4.

7.

Remoção das roupas; nudez, falta de higiene corporal. Ver Êxo. 33.4; Deu. 21.12,13; Eze. 26.16; Dan. 10.3; Mat. 6.16,17.

8.

Lamentações profissionais. Ver Jer. 9.17; II Crô. 35.25; Mat. 9.23. Ver o artigo Sepultamento, Costumes de, no Dicionário.



1878

A morte devora tanto os cordeiros como as ovelhas. A morte é a grande niveladora.

Contudo, foram reduzidos ao nada, e era isso o que agora Jó anelava ansiosa­ mente. Era como se ele estivesse dizendo: “Eu teria boa companhia em meu esquecimento interminável". Esta, naturalmente, é uma declaração que não faz sentido, mas, pelo menos por enquanto, era o que atraíra a mente enferma de Jó.

A última cena... Que põe fim à última e estranha história, Em uma segunda infância, e então o esquecimento.

(Provérbio de século XVII) 0 Clamor (3.20-26) 3.20

Houve um costume mediante o qual os infantes abortados eram sepultados em poços ou cavernas, mas é provável que a maioria deles tenha recebido sepultamentos normais. Cf. Eclesiastes 6.3-5, que emite sentimentos similares aos de Jó.

Por que se concede vida ao miserável...? Seria um desserviço a Deus dar vida a um corpo que, ao chegar ao estágio adulto, experimentasse miséria e dor? Qual o propósito servido pelo sofrimento humano? Jó lutou com o problema do mal (ver a respeito na Enciclopédia de Bíblia, Teologia e Filosofia). Ver Jó 1.1, quanto à exposição dos principais problemas do livro de Jó. Por que os inocentes sofrem? Compreendemos a lei do carma, isto é, a lei moral da colheita segundo a semeadura (ver a respeito no Dicionário). Mas tal lei não resolve o porquê do sofrimento. Algumas vezes os homens sofrem sem causa (aparente). Jó 2.3 diz que Jó “sofreu sem causa”, ou seja, “sem razão alguma”. Pode o caos atacar a um homem justo’, enquanto Deus se põe de lado e não presta atenção a coisa alguma? Jó debateu-se com os mistérios da providência divina. Sua mente estava perplexa diante de enigmas. Por muitas vezes, em seu solilóquio (capítulo 3), Jó perguntou “Por quê?'. Ver os vs. 11,12,16,23 e cf. Jó 7.20 e 13.24. Para Jó, era incongruente que a vida tivesse sido usada somente para fo­ mentar o sofrimento. Portanto, ele perguntava “por quê?'. Jó estava laborando definitivamente sob a ilusão de que a vida humana é algo que acontece uma única vez, e a morte extingue essa vida, que antes um homem tivera. Se ele pudesse ver uma vida de sofrimentos como somente um capitulo na história contínua da alma, então poderia ter posto essa vida sob melhor perspectiva. A Igreja Ortodoxa Oriental acredita na preexistência e na pósexistência da alma, e crê que a associação com o corpo seja uma vicissitude da alma. A Igreja Ocidental, por sua vez, acredita na sobrevivência da alma após a morte biológica. As religiões orientais acreditam na imortalidade e na reencarnação. Todas essas respostas são melhores do que a teologia deficiente de Jó. A visão patriarcal de Jó sobre o homem não era capaz de tratar com o problema do sofrimento. A visão patriarcal fornecia ao homem apenas uma única existência física. A teologia posterior dos hebreus remediou isso até certo ponto. Nosso conhecimento sobre a alma continua a crescer. Sabemos mais agora sobre a natureza espiritual do homem do que sabíamos no começo do período neotestamentário. A teologia é uma ciência em contínuo crescimento e, conforme ela cresce, o quadro se torna mais otimista, e não pessimista.

Morte, Bendito Nada para Todos (3.17-19)

3.21

3.17-19

Que esperam a morte, e ela não vem. Os homens sofrem muito tempo esperando a morte, mas ela se mostra relutante e mantém-se afastada. Os ho­ mens felizes temem a morte, e ela, de súbito, derruba-os por terra, quando ainda eles queriam viver muitos anos mais. Alguns homens, no sofrimento, escavam pela morte, como um homem escava em busca de um tesouro, ou seja, eles desejam a morte ardentemente. Para o homem que sofre, a morte, e não a vida, é o tesouro que deve ser buscado. Jó continuava a laborar a ilusão de que a vida humana é uma única coisa, e a morte extingue essa única e curta vida, conforme anoto no último parágrafo sobre o vs. 2 0 .0 pobre homem escava freneticamente a fim de desenterrar um tesouro que ele supunha estar enterrado. O homem miserável, que sofre, anela pela morte de alguma maneira. Alguns homens “esca­ vam" cometendo suicídio, mas essa não era uma opção permissível. Sobre esse assunto, ver as notas em Jó 2.13, bem como o artigo chamado Suicídio, na

(Adaptado de Shakespeare) 3.16 Ou, como aborto oculto, eu não existiria. Bendito Aborto. Certos infantes nunca vêem a luz do nascimento. O útero os expulsa, mortos. Essa era outra condição que teria aliviado Jó dos sofrimentos que ele experimentou como adulto. O infante (um feto já bem desenvolvido) nasceu morto, arrancado abrupta­ mente da árvore da vida. O corpinho minúsculo foi sepultado. Os pais sacudiram a cabeça e perguntaram: “Por quê?'. Seja como for, a criança nada sofreu. Haveria uma alma já em companhia do corpo que se foi para algum mundo espiritual? Alguns teólogos respondem com um “sim” e outros com um “não”. Alguns eruditos dizem-nos que a alma não chega a combinar-se com corpo que ela sabe não ser viável, isto é, que não viverá. Nesse caso, o corpo infante, abortado, nunca foi habitado por uma alma. Jó, entretanto, não aceitava esse tipo de teologia. De fato, ele estava interessado unicamente na doce morte que punha fim a todas as coisas, incluindo os sofrimentos. Que dizer sobre a morte dos infantes e a questão da salvação? Ver no Dicionário o artigo intitulado Infantes, Morte e Salvação dos, que apresenta as várias teologias que acompanham o fenômeno.

Minha vida terminou tão cedo Que não sei Por que começou. (epitáfio achado no túmulo de um infante, no oeste dos Estados Unidos)

Os vss. 17-19 falam da igualdade de todos no esquecimento. A morte traz o nada total, e esse nada é igual para todos quantos viveram, sem importar se foram fortes ou fracos, ricos ou pobres, reis ou aldeões, criminosos ou justos, opressores ou oprimidos, grandes ou pequenos, escravos ou mestres. Todos os mortos tornam-se uma massa inexistente, um doce nada. Esses obtiveram a paz final. Não há como Jó pudesse ter contemplado qualquer tipo de vida de uma alma imaterial, combinada com algum julgamento pelo mal e alguma bênção para os justos. Ele não estava dizendo: “A morte torna iguais todas as almas que habitam em um mesmo lugar” . Ele estava dizendo: “A morte produz a não-existência para todos, e isso é bom”. Compare o leitor os sentimentos expressos por Horácio ( Odar. lib. 1. Od. iv. vs. 13).

A morte é o estado Onde compartilham de uma honra igual, Aqueles que foram sepultados ou não; Onde Agamenom não sabe mais Que ele desprezou íris; Onde o belo Aquiles e Tersites jazem Igualmente nus, pobres e secos. Os gregos pensavam que era uma calamidade para o corpo morto permane­ cer insepulto, porquanto isso (alegadamente) impedia a viagem da alma para o mundo dos espíritos. Mas Horácio não viu vantagem em ser sepultado ou ficar insepulto. Outrossim, a sua honra era, de fato, uma desonra. Seu mundo dos espíritos era um lugar lúgubre. A sorte bate à porta de todo homem, de maneira imparcial. Bate à porta do palácio e à entrada da cabana do campo. A sorte de Jó, pois, não tomou nenhu­ ma alma para alguma outra existência, mas apenas deixou corpos, sepultos e insepultos. Que diferença fazia se aqueles corpos haviam sido antes grandes homens ou homens comuns? Que diferença fazia que alguns tivessem construído pirâmides, e outros cabanas sem janelas?

Enciclopédia de Bíblia, Teologia e Filosofia. Alguns homens miseráveis, sofredores, escavam em busca de tesouros, mas para consternação deles nada encontram. Alguns homens buscam desesperada­ mente a morte como fim para o sofrimento, mas ela se recusa a bater em sua porta. Isso também causa consternação. ”... eles anelam mais por serem separa­ dos da vida do que aqueles que amam o ouro e escavam pedindo a morte" (Adam Clarke, in loc.). Talvez a metáfora usada por Jó seja a da “mineração". Os homens esca­ vam pelo minério do ouro, que está profundamente enterrado no solo, formando veios. Mas ficam desapontados quando tudo quanto conseguem desenterrar é sujeira. Jó, pois, tinha de contentar-se com a sujeira de uma vida contínua e miserável. 3.22 Que se regozijariam por um túm ulo. Alguns homens alegram-se muito quando encontram o tesouro da morte, porque assim são definitivamente liberta­ dos dos sofrimentos e da calamidade. Minha mãe sofreu quatro anos e meio com o câncer e, em muitas ocasiões, anelava pela morte. Ela me perguntou um dia: “Quanto tempo é preciso para morrer?". E a consternação se estampou em sua face. Houve ocasiões em que ela temeu a morte, mas quando a morte finalmente



1879

chegou, ela lhe deu boas-vindas e, caros leitores, assim também fizemos todos nós. Existem vidas que afundam tão profundamente na dor, que não acham que vale a pena continuar vivendo. Então nos voltamos para a imortalidade da alma e achamos conforto nesse pensamento. Jó, por outra parte, voltava-se para o es­ quecimento total como resposta. Satanás tomara as riquezas e a família de Jó, e então afligira seu corpo de maneira insuportável. Também parece ter obtido acesso à sua mente. Jó não era mais capaz de pensar retamente e, de fato, sua teologia deficiente não o ajudou nessa questão. Josefo (Antiq. 1.13. cap. 8, sec. 4) diz-nos que Hircano, ao abrir o túmulo de Davi, encontrou três mil talentos, e grande foi o seu regozijo! Portanto, aquele que encontra a morte, quando precisa dela para que cessem as suas dores, é um homem feliz.

eles tinham sido mortos por criminosos e por calamidades naturais Jó era um homem inteligente que tinha gozado de boa saúde, mas agora seu corpo fora atacado por uma enfermidade nojenta.

3.23

3.26

Por que se concede luz ao homem...? Luz, neste versículo, significa vida através do nascimento. Ser trazido à iuz é ser trazido à vida física. Confiamos em que Deus nos cerque, isto é, ponha uma barreira de proteção ao nosso derredor, mantendo fora o mal e os sofrimentos. No caso de Jó, pelo contrário, ele foi cercado por sofrimentos, cortado de toda a ajuda externa e mantido prisioneiro em sua casa de dores. Jó estava perplexo diante da ação reversa de Deus. Quando deveria ter sido protegido, foi perseguido por males de toda a espécie. A muralha que Deus construíra, a fim de manter a miséria de fora, mostrou ser o portão pelo qual a dor entrou. Neste versículo, Jó, pela primeira vez, atribuiu suas calamida­ des diretamente a Deus. A teologia dos hebreus era fraca quanto a causas secun­ dárias para quem Deus fora feito Única Causa e, portanto, até a origem do mal. Mas a vontade de Deus era considerada suprema, e ninguém podia falar contra isso. Esse é o tipo de teologia que encontramos em Rom. 9, o que significa que essa forma de teologia sobreviveu no tempo do Novo Testamento. Uma teologia mais iluminada, tanto dentro quanto fora do Novo Testamento, reconhece o livrearbítrio humano como a existência de causas secundárias que explicam o mal. A teologia hebraica primitiva criou um Deus voluntarista, cuja vontade é suprema e age contra a moralidade, conforme os homens a entendem. Ver Jó 1.11, quanto aos vários problemas do livro criados pelas diversas formas de teologia primitiva. Ver Jó 1.10, quanto ao uso que Satanás fez da palavra “sebe' (cerca) para indicar os cuidados protetores de Deus. Algo na ordem da criação havia saído errado. As aves entoavam um cântico contrário. O sol estava muito quente. A natureza pisava sobre Jó. Temores deixavam sua mente perplexa. Quem se responsabilizaria por todas essas crises, por toda essa dor?

Não tenho descanso. Já lemos que não há paz para os ímpios. Mas Jó era um homem inocente que sofrera sem causa (Jó 2.3).

3.24 Porque em vez do meu pão me vêm gemidos. A Impaciência de Jó. Temos ouvido falar da famosa “paciência de Jó". Mas nós o vemos aqui impacien­ te e até rebelde contra a sua sorte. A miséria se tomara seu alimento e sua bebida. Seus gemidos, tão constantes, eram como água sendo derramada. “Não mais podemos falar em paciência. Não se manifestara, por enquanto, um desafio aberto, mas uma rebeldia subentendida. É esse o homem que encostou sua testa no pó, submisso diante de Deus, e disse: O Senhor o deu e o Senhor o tomou. Bendito seja o nome do Senhor? Não é o mesmo homem. É Jó, o Titã, que logo começará, em sua loucura, a entrar em choque com o Todo-poderoso" (Paul Scherer, in ioc.).

Uma Alusão. As pústulas de Jó tinham tomado conta de tal modo do seu corpo, que se tomara difícil para ele comer. Além disso, na condição em que se achava, quem teria desejo de comer? Portanto, os gemidos e suspiros de dor de Jó tornaram-se o seu alimento. Eram tão abundantes que pareciam as corrente­ zas impetuosas de um grande rio, ou a maré que bate na praia, quando começa a subir. Talvez haja uma alusão a muito choro. As lágrimas lhe escorriam pela face, como um rio. ‘ Não havia senão suspiros e soluços' (John Gill, in Ioc).

Todas as coisas humanas estão sujeitas à decadência, E quando a Sorte ordena, até monarcas devem obedecer. (John Dryden)

Quando perdemos tudo, incluindo a esperança, A vida toma-se uma desgraça, e a morte, um dever. (Voltaire)

Mas os perversos são como o mar agitado, que não se pode aquietar, cujas águas lançam de si lama e lodo. Para os perversos, diz o meu Deus, não há paz. (Isaías 57.20,21). Mas Jó era um homem inocente para quem não havia paz. Compreendemos a Lei Moral da Colheita segundo a Semeadura (ver a respeito no Dicionário), mediante a qual os ímpios recebem o que merecem. Portanto, temos de admitir que é difícil compreender por que os inocentes sofrem sem nenhuma razão moral ou espiritual. Isso se assemelha ao caos.

Minha alma, por que estás desconsolada dentro em mim, Assediada, perseguida pelo dilúvio e pelo estrondo do mundo? A esperança está perdida hoje ou menos do que nos anos passados, Rebaixada e apequenada por essas lágrimas não-derramadas? Ou a esperança é uma altura sublime e dominante, Ascendendo até mundos brilhantes além? Senhor, é isso o que tenho ouvido. Mas a fé jaz morta com olhos bem fechados. Uma grande verdade, dizem, aquela esperança lâ adiante. A fé cega a nada responde, E, no entanto, nem por isso deixa de ser a verdade. (Russell Champlin) “O solilóquio (capítulo 3) está no começo das disputas faladas. Trata-se de um poema de magnitude raramente igualada, pois seu estilo não envelheceu e seus temas reverberam na mente de todo o homem que tem sido esmagado... É uma maldição, uma inquirição e um grito. Corresponde ao que sabemos sobre a própria vida" (Samuel Terrien, in Ioc.). Esse poema, como é natural, desnuda as deficiências humanas do pensa­ mento e da compreensão. Não contempla nenhuma esperança para além do sepulcro; atribui a Deus o mal, sendo fraco quanto a causas secundárias. Deus estava em Seu céu, mas as coisas definitivamente não estavam certas neste mundo. O capitulo 3 de Jó é uma expressão eloqüente de pessimismo (ver a respeito na Enciclopédia de Biblia, Teologia e Filosofia).

C a p ítu lo Q u a tro

3.25 Primeiro Ciclo da Discussão (4.1 - 14.22) A quilo que temo me sobrevêm . Este é um dos versículos mais conheci­ dos do livro de Jó. Os temores de Jó tinham chegado a uma drástica condição de realidade. O terror caíra sobre ele. Ele não poderia ter temido coisa pior. Suas calamidades eram supremas. Franklin D. Roosevelt, que foi presidente dos Estados Unidos da América, consolou os cidadãos americanos durante a Segunda Guerra Mundial, com sua famosa declaração: "A única coisa que de­ vemos temer é o próprio temor” . Mas isso não aconteceu no caso de Jó. Rebecca West disse: “O temor, como a dor, parece e soa pior do que nos faz sentir” , mas não foi esse, igualmente, o caso de Jó. Foi assim que Jó anelava morrer, nunca ter sido concebido, nunca ter nascido. Sua dor era maior do que ele podia suportar. Jó tinha sido um homem rico, mas agora fora reduzido a nada pelos ladrões e pelos desastres naturais. Jó tinha uma bela e próspera família, mas quase todos

Primeiro Discurso de Elifaz (4.1 - 5.27) O trecho de Jó 4.1-11 fala sobre o dogma da justiça. Nenhum homem poderia sofrer como Jó estava sofrendo, a menos que fosse culpado de alguma transgres­ são, aberta ou secreta. Elifaz pregou a Lei Moral da Colheita segundo a Semea­ dura (ver a respeito no Dicionário), ou a lei do carma. Isso, como é claro, é uma das respostas para o problema do mal (ver a Introdução ao livro de Jó, seção quinta, e o artigo do Dicionário assim chamado). Os ímpios recebem aquilo que semeiam. Mas o livro de Jó é mais profundo e pergunta: “Por que os inocentes sofrem?’ . Jó sofreu sem causa (ver Jó 2.3) ou, pelo menos, não merecia seus sofrimentos por haver pecado ou por ser injusto. Podemos supor que houvesse alguma razão divina, mas certamente não a barganha cósmica com Satanás, que

1880 o autor usa como um artiflcio literário para introduzir o livro. Os justos não sofrem por causa de alguma barganha de Deus com Satanás. Ver Jó 1.11, quanto aos vários problemas teológicos do livro, informação que não repito aqui.

JÓ 9.

10.

Sinceridade dos “Consoladores’ de Jó. O livro de Jó insiste nesse ponto. As idéias dos três amigos de Jó eram parciais e, algumas vezes, completamente erradas, mas eles mesmos eram sinceros. Eles vieram de longe para falar com o amigo (ver Jó 2.11). A preocupação deles por Jó era genuína, mas sua teologia inadequada não solucionou o problema do mal nem, especificamente, por que Jó, um homem inocente, sofria. O silêncio inicial deles devia-se ao respeito que sentiam por Jó e ao espanto diante das calamidades que viam (Jó 2.13). A amizade é um dos principais temas da literatura de sabedoria oriental e hebréia, e não há razão alguma em supormos que os amigos de Jó se mostrassem hostis para com ele. Bons amigos reprovam quando isso se faz necessário. Algumas vezes esses amigos estão com a razão e, outras, estão enganados e também não têm todas as respostas, mais do que nós. Elifaz falou primeiro, o que provavelmente indica que era o mais idoso dos três amigos e também o mais respeitado por sua sabedoria. Como indivíduo dogmático que era, pensou saber todas as respostas e acreditou que o alegado enigma dos sofrimentos de Jó poderia ser facilmente explicado pelo seu discurso. Ele era um indivíduo dogmático que havia tido impressionante experiência espiâual envolvendo o aparecimento de um espírito (vss. 13 ss.). Essa experiência, ao que se presume, dera a ele autoridade para falar, pois, afinal, Jó não tinha passado por tão gloriosa prova; portanto, Jó era um homem abaixo de Elifaz quanto à realização espiritual, e dotado de sabedoria inferior. Erroneamente, Elifaz pensava que seu dogma era autenticado pela sua experiência. Mas aprendemos, mediante a observação, que pessoas de todas as espécies de denominações e religiões passam por impressio­ nantes experiências espirituais, sem que isso possa ser tomado como poder autenticador para suas crenças. Não obstante, tais experiências não devem ser desprezadas. Pode haver algum significado nelas, como também nenhum significa­ do. Precisamos testar cada caso individualmente e nada aceitar somente porque as pessoas dizem isto ou aquilo, ou porque têm vivido experiências espirituais. “Elifaz era um indivíduo religioso cujo dogmatismo repousava sobre uma experiência notável e misteriosa (vss. 12-16). Porventura um espírito passara alguma vez diante da face de Jó? Os pêlos de sua carne já se tinham eriçado alguma vez? Pois então que Jó se mantivesse manso, enquanto alguém tão superior quanto Elifaz declarasse a causa dos infortúnios dele. Elifaz disse muitas coisas verdadeiras (como seus dois amigos também disseram) e por várias vezes chegou a mostrar-se eloqüente; mas permaneceu duro e cruel, um homem dogmático que precisava ser ouvido por causa de uma notável experiência" (Scofetí Relerence Bible, in loc.). A observação do dr. Scofield, naturalmente, não fez justiça a Elifaz. Mais do que um sujeito dogmático, Elifaz era um sábio oriental, um ancião respeitado por todos. Mas sua teologia era deficiente. Ele pensava saber mais do que realmente sabia, o que corresponde à condição da maioria dentre nós (se não de todos nós).

11. 12.

13.

Jó chegou a atribuir seus sofrimentos diretamente a Deus, a Única Causa, em concordância com a fraqueza da teologia dos hebreus, que não levava em consideração as causas secundárias. Ver Jó 6.4; 9.17; 13.27; 16.12 e 19.11. Por que Deus se mantinha a afligi-lo permanecia um enigma. Jó perguntou a Deus o porquê desse sofrimento (Jó 7.20; 13.24). Ver também a razão do solilóquio de abertura (Jó 3.11,12,16,20,23). Jó pensava que, se pudesse arrastar Deus a um tribunal, poderia demonstrar que Deus estava sendo injusto com ele (Jó 13.3; 16.21; 19.23; 23.4 e 31.35). A despeito de suas queixas, Jó permanecia firme em sua adoração, provan­ do assim que existe adoração desinteressada. Nem tudo quanto o homem faz se alicerça no egoísmo. Esse é o principal tema e consideração do livro de Jó. Permanecem enigmas sobre as razões do sofrimento humano. O problema do mal não é resolvido, mas algumas sugestões úteis são feitas, as quais suma­ rio e discuto na quinta seção da Introdução ao livro de Jó. O problema do mal é a segunda mais importante consideração do livro, um assunto intimamente entretecido com o primeiro.

Primeiro Discurso de Elifaz (4.1 -5 .2 7 )

Então respondeu Elifaz. Ver anteriormente notas expositivas que nos infor­ mam sobre esse homem. Ver no Dicionário o verbete sobre ele, onde dou deta­ lhes e um sumário que não repito aqui. Ele era um homem que viera de longe, provavelmente um xeque árabe, tal como Jó também o era. Sábio, era um homem respeitado por suas contribuições à teologia e à filosofia. Era um indivíduo dogmático que tinha significativa experiência espiritual (vss. 12 ss.) o que, segun­ do ele pensava, lhe dava autoridade especial. Muito provavelmente, Elifaz era o mais idoso e distinto dos três amigos de Jó, e por isso lhe foi dada a primeira chance de falar. O artigo sobre ele sumaria suas três falas. Sua irritação com o “pecador Jó’ foi-se acentuando quando Jó continuou insistindo em sua inocência. Ele terminou acusando Jó de todas as variedades de vícios e pecados vis. Sua teologianão abria espaço para a tese de que um homem inocente pode sofrer, e suas sondagens no problema do mal só o levavam à consideraçãosobre aLei Moral da Colheita segundo a Semeadura (ver a respeito no Dicionário). Em outras palavras, Elifaz era um homem sábio, mas advogava uma teologia deficiente, como sempre acontece com os indivíduos dogmáticos. Ademais, tal como todos os dogmáticos, ele se tomou amargo contra o seu oponente, Jó. Era praticante feito do ódio teológico.

Odium Teologicum Ó Deus... que carne e sangue fossem tão baratos! Que os homens viessem a odiar e matar, Que os homens viessem a silvar e decepar a outros Com língua de vileza, ... por causa de... “Teologia’.

Circunstâncias dos Discursos: 1. 2.

3.

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8.

Uma semana inteira de silêndo foi interrompida pela lamentação de Jó (capítulo 3). Então os três amigos de Jó, Elifaz, Bildade e Zofar (Jó 2.11) sentiram-se compelidos pelo pessimismo de Jó (seu desejo de morrer) a falar e explicar o porquê dos sofrimentos de Jó. Cada um deles falou por sua vez e recebeu uma resposta da parle de Jó. Esse ciclo repetiu-se três vezes, com exceção do terceiro amigo, que não falou pela terceira vez. Os críticos permaneceram adamantinos em sua posição teológica, que dizia que os indivíduos justos estão isentos desses sofrimentos e, antes, são re­ compensados. Em contraste, são os pecadores, abertos e secretos, que recebem p tratamento que Jó recebeu (por exemplo, ver Jó 4.7,8). Os sofrimentos de Jó se originavam de seu pecado, e ele precisava arrepen­ der-se para pôr fim ao castigo divino. Isso contradizia Jó 1.1,8 e 2.3, a saber, que Jó estava sofrendo “sem causa”. O problema era mais profundo do que os críticos de Jó supunham. É possível que os inocentes sofram. Conforme as falas prosseguem, os “amigos” de Jó foram-se tomando mais amargos e venenosos e continuavam a insistir sobre a necessidade do arre­ pendimento (ver Jó 5.8; 8.6 e 11.14). Muitos detalhes foram adicionados à teoria teológica que fornecia ilustrações quanto à tese: precisamos apelar para o Deus indignado (Jó 5.8); precisamos ser puros e retos, para evitar tais calamidades (Jó 8.6); o pecado deve ser descontinuado (Jó 11.14); os ímpios estão sempre em perigo (Jó 15); os pecadores caem numa armadilha (Jó 18); os pecadores não vivem por muito tempo e perdem suas riquezas (Jó 20); alguns pecados específicos, dos quais Jó era aparentemente culpado, foram nomeados (Jó 22.5-9); Bildade galhofou de Jó chamando-o de verme (Jó 25.5,6). O tempo todo, Jó manteve a sua inocência, o que significava que as falas de seus três amigos, que por muitas vezes eram discursos eloqüentes, não haviam desvendado a verdadeira causa de seus sofrimentos. Ver Jó 6.10; 9.21; 16.7 e 27.6.

(Russell Champlin) 4.2 Se intentar alguém falar-te, enfadar-te-ás? Era impossível não falar, mas Elifaz polidamente pediu permissão de Jó para expressar-se. Elifaz já tinha as respostas (segundo ele pensava) e em breve iluminaria o pobre Jó, seu inferior. É sempre assim que os indivíduos dogmáticos pensam e agem. “Elifaz falou com tato e cautela. Ele não tencionava deliberadamente iniciar uma discussão acadêmica. Sabia que até uma reprimenda sem consi­ deração só serviria para aumentar os sofrimentos do pecador. Ele suspeitava que deveria permanecer em silêncio, mas não podia mais resistir à tentação de falar. Ele poderia repreender os erros do homem ferido” (Samuel Terrien,

in loc.). “Nada havia de errado em sua intenção. Elifaz, Bildade e Zofar tinham em mente a tentativa de fazer o sofredor abandonar seus pensamentos mórbidos sobre si mesmo, a fim de pensar em Deus. Mas apesar disso, os amigos de Jó estavam equivocados" (Paul Scherer, in loc.). Esses mesmos intérpretes tam­ bém depreciam os discursos, sermões e doutrinas “quase religiosos, quase psiquiátricos’ de nossos tempos modernos, que tentam solucionar todos os problemas difíceis da mente e do corpo com uma psicologia popular, misturada à teologia popular. Que bem faria falar a Jó acerca de “relaxar", “livrar-se de seu complexo de inferioridade’ , fazer afirmações vazias e diárias como “Estou me­ lhorando de todas as maneiras e todos os dias” e “ter imagens apropriadas sobre pai e mãe'? “Visto que você proferiu palavras injuriosas para o seu Criador, quem pode resistir e ficar sem falar? É nosso dever levantar-nos em favor de Deus e corrigilo’ (Adam Clarke, in loc.).



Eis que tens ensinado a muitos. O próprio Jó, como sábio de boa reputa­ ção, já tinha instruído outras pessoas. Ele tinha praticado o bem e fortalecido os fracos. Visto que fora instrutor de outras pessoas e lhes fizera o bem, assim também era apropriado que ele, ao precisar de instrução, suportasse tudo com paciência, evitando qualquer atitude amargurada. Mãos fracas. A mão é o instrumento da ação. Quando a mão está fraca, o homem está debilitado em sua inteireza. As mãos representam o homem inteiro. Cf. Isa. 35.3; II Sam. 4.1. Quanto a uma referência similar no Novo Testamento, ver Heb. 12.12.

As tuas palavras têm sustentado aos que tropeçavam . Os que “trope­ çavam” (moral e espiritualmente) eram ajudados pelos conselhos de Jó e, sem dúvida, por suas boas obras e atos de caridade abertos. Jó havia fortale­ cido as mãos dos fracos e também seus joelhos vacilantes. Heb. 12.12 inclui tanto as mãos (vs. 3) quanto os joelhos (vs. 4) e pode ser uma citação indireta da presente passagem. Ou, então, podemos estar tratando com uma expressão hebraica comum que aparece aqui e ali, na literatura dos hebreus. O Targum diz que o ato de “tropeçar” é tropeçar no “pecado”, e é assim que os seres humanos caem na calamidade. Mas muito provavelmente a referên­ cia é geral. Isso quer dizer que, quando Jó encontrava pessoas que estives­ sem padecendo de qualquer tipo de necessidade, ele as ajudava com suas palavras e ações. Joelhos vacilantes. Um homem dotado de joelhos fracos ou enfermiços é fisicamente fraco, a despeito de qualquer outra força que possa ter. Assim sendo, moral e espiritualmente, há pessoas de joelhos débeis que não podem resistir a nenhum tipo de tentação e provação. Além disso, há pessoas desafortunadas e afligidas que também são vacilantes de joelhos, embora não estejam enfrentando nenhum problema especial de pecado. “Os desanimados precisam ser encoraja­ dos’ (Adam Clarke, in loc.). 4.5 Mas agora, em chegando a tua vez, tu te enfadas. Jó se tornara o homem com mãos fracas e joelhos vacilantes. O conselheiro agora precisava receber conselhos. O ajudador agora precisava de ajuda. Mas afortunadamente para Jó ele tinha três ajudadores que estavam presentes para corrigi-lo. Os três homens não tinham nenhuma dúvida de que o problema de Jó era um problema com o pecado. E o arrependimento remediaria qualquer situação. ...te enfadas. Jó foi vencido por seus problemas, a ponto de perturbar-se debaixo deles. A calamidade havia avassalado o pecador. Ele tinha perdido o contato com Deus. Tudo quanto ele temia o havia alcançado (ver Jó 3.25). Jó tinha afundado sob o tremendo peso que o esmagava. ...te perturbas. Tão perturbado estava Jó, que preferia a morte à vida: ele preferia nunca ter sido concebido; ou então, uma vez concebido, ter sido aborta­ do; e agora, tendo chegado à maturidade, queria morrer (capítulo 3). Jó se tornara um consumado pessimista. A definição primária de pessimismo é que a própria existência é um mal. Quanto a isso, ver a Enciclopédia de Bíblia, Teologia e

Filosofa. Jó era como um peixe fora d’água; e não tinha forças para nadar; e o céu estava irado contra ele, atingindo-o com seus raios. 4.6 Não é o teu tem or de Deus aq u ilo em que confias...? O temor de Deus é o princípio do saber (Pro. 1.7). Há no Dicionário um detalhado artigo intitulado Temor. A primeira seção, chamada Temores Benéficos, é um comentário sobre a natureza e os benefícios do temor a Deus no coração humano. Jó, de conformidade com Elifaz, tinha perdido suas amarras, escorregado para fora do temor e respeito apropriados a Deus. Havia perdido a comunhão com o Senhor. Existia pecado na vida dele que corroía tudo. Cf. Jó 15.4 e 22.4 (temor sem um objeto refere-se à f é e à piedade). Jó teria permitido que sua integridade se debilitasse. Sua fé já não era tão forte como antes. Corrupções interiores tinham enfraquecido o sábio homem. Agora ele precisava de espe­ rança. Mas olhem para ele: desesperançado e querendo morrer. Isso só po­ deria significar que ele tinha perdido sua integridade. Sua fé já não era tão genuína como antes. Elifaz, pois, estava chamando Jó de volta de seu estado de degradação, para que ele recuperasse a integridade. Jó tinha bom “regis­ tro em seu passado” . Elifaz, pois, chamou-o de volta aos tempos de bom atleta espiritual, cheio de força e poder. O pecado tinha-o tirado da pista de

1881 corrida. Nenhum homem inocente tinha jamais perecido. Jó tinha perdido a inocência e estava perecendo. O amigo de Jó, Elifaz, relembrou-o dos benefí­ cios passados de sua espiritualidade e exortou-o a retornar ao antigo estado. Arrependimento era a palavra do dia. No entanto, Jó era homem inocente, algo que a mente de Elifaz não podia compreender. Isso estava “além de sua teologia”. Elifaz Investiga as Razões do Sofrimento. A Triste Colheita de Tribulação de Jó (4.7-11) Algumas vezes a origem das aflições é um enigma, mas Elifaz não incluía enigmas em sua teologia. Ele pensava poder resolver qualquer problema, voltan­ do-se para algum capítulo e versículo, o que, aliás, é uma prática moderna extre­ mamente difundida entre os evangélicos! Elifaz apelou para a experiência de Jó: “Já pereceu algum homem inocente? És tu o único caso para o qual alguém poderia apontar?”.

Lembra-te: acaso já pereceu algum inocente? A teologia de Elifaz não podia ir além do que era óbvio, a doutrina tradicional de um indivíduo material que sofre as retribuições deste mundo por causa de pecados cometidos. Ele não apelou para uma retribuição de pós-túmulo como meio de equilibrar as contas. Não falou sobre uma alma imortal e imaterial, nem sobre as doutrinas do céu e da terra. Sua teologia estava rigidamente dentro dos limites dos conceitos patriarcais. A alma imortal só entrou na teologia dos hebreus nos Salmos e nos Profetas, e mesmo assim sem a elaboração de recompensas ou punições na existência pós-túmulo. Elifaz não podia imaginar um único exemplo de sofrimento “sem causa” (Jó 2.3). Para ele, os inocentes não sofreriam. O problema do mal era explica­ do por ele com a simples lei do carma, a Lei Moral da Colheita segundo a Semeadura (ver a respeito no Dicionário). Sua teologia era, na realidade, uma humanoiogia, visto que não tinha mistérios. Seu sistema não tinha defeitos, pensava ele, mas, para conseguir tal sistema, ele tinha de simplificar, aquilo que é o vício das teologias sistemáticas. Para conseguir armar uma teologia sistemática, sem nenhuma exceção evidente e nenhum problema difícil, é preciso engajar-se numa quádrupla atividade: simplificar, omitir, adicionar e distorcer as Escrituras. Além disso, é preciso supor que as Escrituras Sagra­ das são um compêndio absoluto de idéias teológicas, algo que elas não rei­ vindicam para si mesmas. “Até a prosperidade, para nada dizermos sobre a adversidade, é uma puni­ ção para os ímpios (ver Pro. 1.32). Para os justos, entretanto, os castigos traba­ lham para o bem deles (ver Sal. 119.67; Isa. 71.75)” (Fausset, in loc.). Pereceu. É anacronismo fazer disso a punição pelo pecado, em alguma existência do pós-túmulo. E a punição “neste mundo”, que terminasse na morte, era o que Elifaz tinha em mente. Elifaz, como é óbvio, tinha visto outros casos de “sofrimento inocente”, mas sempre fizera desses casos possibilidades de pecados secretos sendo punidos.

Segundo eu tenho visto. É perfeitamente possível que Paulo tenha citado este versículo (de forma livre) quando nos deu a lei da colheita segundo a semeadura, em Gál. 6.7,8. Quanto a uma completa explicação, ver sobre esses versículos no Novo Testamento Interpretado. Ver na seção quinta da Introdução ao livro presente como a lei do carma compõe parte do problema do mal, sendo uma explicação que faz parte do quadro. Ver no Dicionário o detalhado artigo chamado Lei Moral da Colheita segundo a Semeadura. Dentro da teologia e da filosofia, essa lei é aplicada de maneira bastante ampla. A Igreja Cristã Ociden­ tal confina sua operação a uma única vida terrena e, depois, a algum lugar de punição. Mas a Igreja Ortodoxa Oriental faz da preexistência da alma parte da questão. Pecados e fracassos de outras existências também devem ser segui­ dos com a retribuição apropriada; as boas obras devem também receber a devida retribuição, e o bem que tiver sido feito deve ter sua recompensa. As religiões orientais fazem a lei da colheita segundo a semeadura (o carma) aplicar-se a uma série de vidas, mediante muitas reencarnações. Isso significa que agora você pode estar pagando por algum mal cometido na idade Média. Coligir benefícios é o lado positivo da lei, e isso também se aplica a uma longa fileira de vidas. Elaborei um artigo detalhado, com os prós e os contras que estão atrelados a essa doutrina, na Enciclopédia de Bíblia, Teologia e Filosofia. Ver sobre Reencamação. Pode-se perceber, por meio dessas explicações, que a lei da colheita segundo a semeadura desfruta de larga aplicação no pensa­ mento humano. Elifaz tinha uma versão dessa aplicação: o homem é punido neste mundo físico devido ao mal que ele pratica. Sua mente não ia além disso. Ele era cego o bastante para supor que, tendo dito isso, houvesse explicado o problema do sofrimento humano, mas isso é apenas um começo, quando estamos tratando com o problema do mal.



1882 Começos. Caros leitores, entristeço-me por ter de dizer a vocês que toda teologia e filosofia é apenas um começo, quando estamos investigando os enig­ mas da existência humana, nesta vida e na outra. As teologias sistemáticas, com seus dogmas sábios-estúpidos, enganam as pessoas para que pensem que aqui­ lo que pode ser dito já o foi. Mas essa é uma abordagem simplista e infantil da teologia. Sempre necessitaremos, desesperadamente, de liberdade para investi­ gar, um elemento fundamental para buscar e obter a verdade. Elifaz, pensando que já havia descoberto toda a verdade, não tinha paciência com a investigação. 4.9 Com o hálito de Deus perecem. O hálito de Deus, operando como se fosse uma grande fornalha, consome o pecador. Em sua ira, Deus (metaforicamente) respira fogo e fumaça, através de Sua boca e de Seu nariz, e nenhum homem ímpio escapa. ‘ A morte prematura é o resultado da ira de Deus, uma idéia expres­ sa quase com as mesmas palavras em Sal. 90.7" (Samuel Terrien, in loc.). A alusão não é ao vento oriental ressecante que de tal maneira aterrorizava os fazendeiros, destruindo suas plantações, mas, sim, a algum monstro horrendo que podia espalhar e realmente espalhava a devastação entre os homens. Ver sobre Ira de Deus, no Dicionário, quanto a completas explicações. O fogo era sempre um símbolo do julgamento, e esse conceito avançou até o Primeiro Livro de Enoque; o Rio de Fogo tomou-se um meio para punir os pecadores após a vida física. Então se transformou no Lago de Fogo, no livro de Provérbios (19.20; 20.10,14,15; 21.8). As chamas do inferno foram acesas pela primeira vez no livro de Enoque, e o Novo Testamento incorporou esse modo de falar acerca da retribuição. A mente simplista e naturalista fez disso um fogo literal e, assim, nasceu uma doutrina horrenda. Só podemos entender a questão, falando em sentido metafórico. Ver na Enciclopédia de Biblia, Teologia e Filosofia o verbete intitulado Lago de Fogo. Caros leitores, lançar uma alma etema, imortal e imaterial em chamas literais teria tanto efeito como jogar uma pedra contra o sol. Dizer, conforme um homem me foi dito um dia, “Deus pode fazer a alma sentir o fogo”, é tão ridículo e infantil que não merece um instante de nossa atenção. Seja como for, Elifaz não estava falando sobre algum julgamento no pós-túmulo, com o seu fogo. Estava falando metaforicamente sobre a ira de Deus contra o pecador literal, neste mundo material. O homem era tão simples em seus pensamentos que supôs que as chamas nunca tocassem um homem inocente. Pelo contrário, pes­ soas inocentes hoje em dia é que estão no fogo.

dentes perfuradores do leão jovem e faminto, que não somente rasgam a carne, mas até quebram os ossos. Mas o leão velho, em seu estado degenerado, perece por falta de alimento e, algumas vezes, o leãozinho perece por falta da caça bem-sucedida de seus pais. Elifaz descreveu calamidades associadas aos leões. Os leões tanto podiam vitimar como ser vítimas, e o pecador se asseme­ lha a isso. Fazer, porém, de Jó um leão, de sua esposa uma leoa, e de seus filhos os leõezinhos é um refinamento exagerado do texto, que não se ajusta ao sentido. O leão é o rei dos animais e, embora possa prosperar em suas caça­ das, até ele mesmo pode chegar a um fim desastroso. Os ímpios também podem ser fortes como o leão e prosperar, mas os dias maus chegam quando o próprio leão, velho e fraco, toma-se uma vitima. Por igual modo, muitos poderes opositores ferozes atacam o pecador, tal como o leão ataca sua presa. Elifaz estava a dizer-nos que o pecador é tomado de surpresa por forças destruidoras, tal como um leão ataca subitamente uma vitima impotente e incapaz de defen­ der-se. O Mistério do Sofrimento (4.12-21) Uma Visão Noturna Reveladora (4.12-16) Temos a seguir uma descrição do terror noturno, uma experiência mística que iluminou um homem sábio e deu-lhe uma origem sobre-humana de certo conhecimento. Existem experiências místicas verdadeiras e falsas. Ver no Dicio­ nário o verbete chamado Misticismo, quanto a detalhes. Uma visão pode ser somente um sonho ou uma alucinação, quando se está acordado, ou pode ser um vislumbre de outro mundo, um mundo superior. Não há como saber da verdadeira natureza da experiência de Elifaz, mas ele tinha certeza de que a mão divina havia tocado nele. Qualquer que tenha sido a natureza daquela experiência, con­ tudo, nem por isso ela resolveu o problema do mal (conforme Elifaz alegava), e nem mesmo alterou a teologia dogmática deficiente do homem que passara pela experiência. Ademais, as experiências místicas permeiam todas as religiões e jamais poderão ser usadas como provas do valor da verdade de sistemas de crenças. Um homem jamais pode dizer: “Minha doutrina é correta, porque eu tive tal e tal experiência mística”. Necessitamos desesperadamente do toque místico em nossa vida espiritual, pois esse é um dos meios que nos ajudam no desenvolvimento espiritual. Ver na Enciclopédia de Bíblia, Teologia e Filosofia o verbete intitulado Desenvolvimento

Espiritual, Meios do. “Perecem. Vss. 7,11,20. Os retos (comparar com Jó 1.1,8; 2.3) não são destmidos. Mas os que aram o mal e semeiam a tribulação também a colhem (cf. Pro. 22.8; Osé. 8.7; 10.13), e assim os ímpios perecem sob a ira de Deus. Tal teoria, entretanto, simplesmente não se ajusta a iodos os fatos. Por muitas vezes, os inocentes sofrem (ver Luc. 13.4,5; João 9.1-3; I Ped. 2.19,20) e é freqüente os ímpios não enfrentarem problemas. O ponto de vista de Elifaz, de uma doutrina estanque de retribuição, não condiz com a realidade’ (Roy B. Zuck, in loc.).

O campo da iniqüidade produz o frvto da morte. (Ésquilo) Mas O bom tempo de Deus Nem sempre cai em um Sábado, Quando o mundo espera receber salários.

Caros leitores, há certa loucura entre várias denominações modernas para restaurarem o misticismo cristão, como as línguas, as profecias etc. Sugiro que esses foram começos, e não finalidades, e que a vereda mística atual não tem de seguir e, de fato, talvez seja melhor não acompanhar a do primeiro século. Seja como for, nossa experiência espiritual deve incluir o contato com a presença de Deus, que nos fortalece, nos transforma e nos faz crescer espiritualmente. Entretanto, todas as experiências são apenas tram­ polins que nos levam a algo superior, e não finalidades em si mesmas. Ver na Enciclopédia de Bíblia, Teologia e Filosofia o verbete chamado Movimento Carismático, quanto às minhas opiniões sobre esse assunto e quanto às opi­ niões de meu tradutor, que tem visto esse território em primeira mão. Ver o vs. 15, quanto às várias explicações sobre a natureza de uma visão, suas causas e origens. 4.12

(Robert Browning) 4.10-11 Cessa o bramido do leão. Uma Curiosidade Lingüística. Ao empregar a “metáfora do leão’ a estes versículos, o poeta utilizou cinco palavras diferentes para o animal. Estamos informados que a língua irmã, o árabe, tem 400 palavras para o temível leão! De acordo com o número de sinônimos que nossos idiomas têm inventado para qualquer objeto, conceito ou acontecimento, obtemos uma idéia da importância destacada a essas coisas. Era temível ser apanhado por um leão. Devemos lembrar que a antiga Palestina estava infestada de feras que vagueavam pelos campos e pelas montanhas. Ser morto por uma fera era um perigo diário que as tribos nômades tinham de enfrentar por todo aquele território. Ver Lev. 26.22, quanto à ameaça de julgamento divino por meio das feras. Na língua inglesa muito mais palavras exprimem a transmissão e a recepção de dor do que palavras empregadas com referência ao prazer. As palavras que expri­ mem “possessão’ (em um dicionário realmente completo) enchem uma página inteira. Palavras para desaprovação (e variantes) são mais ou menos o dobro do que aquelas que indicam “aprovação’ . Assim também, o temível leão era variegadamente referido. A natureza certamente não é benigna para com o pecador. Portanto, temos o leão que ruge, a voz terrível do leão que persegue e apanha sua presa; os

Uma palavra se me disse em segredo. Elifaz foi sábio o bastante para reconhecer a pequenez de sua revelação. Um poder qualquer aproximou-se dele. Foi-lhe trazida uma mensagem, a qual ele assimilou um pouco. Elifaz foi suficien­ temente sábio para evitar a jactância tola daqueles que recebem alguma experi­ ência e se exaltam acima das outras pessoas, supondo que suas teologias te­ nham chegado à plena maturidade por causa de tal experiência mística. Note-se que Elifaz superestimou o pouco que havia recebido, porquanto pensava que essa experiência lhe tinha dado a única razão para o sofrimento humano, quando há multas razões que o justificam. Ademais, nada foi aprendido quanto a por que os inocentes sofrem, conforme ocorria o caso de Jó. Em outras palavras, a augusta experiência de Elifaz era bastante interessante, mas não tinha nenhuma aplicação ao caso miserável de Jó.

Autoridade. Elifaz usou sua experiência mística para emprestar autoridade ao seu dogma, um erro comum, conforme saliento na introdução à seção de Jó 4.12­ 21. As experiências místicas são tão generalizadas que, se emprestassem autori­ dade aos credos, todos os credos deveriam ser corretos! Ver a exposição no vs. 15, quanto a várias explicações sobre a natureza, as causas e as origens da visão de Elifaz, bem como sobre a natureza do espírito que apareceu a ele. Caros leitores, a experiência parece ensinar-me que o Poder de Deus se move em muitos lugares, de muitas maneiras, e todas as denominações são apenas seitas. Há certa universalidade de manifestações que não depende de

JÓ credos, aos quais tanto temos enfatizado para prejuízo de nossa compreensão espiritual. Todas as denominações se assemelham a casas com portas e janelas. Algumas portas estão abertas ao conhecimento; outras estão fechadas. A diferen­ ça entre as denominações reside, essencialmente, em quais portas e janelas elas abrem e quais fecham. Apesar de poderem ser canais de informação, também são depositários estagnados de material antigo, que seria melhor limparmos e descartarmos. Ver a Introdução ao capítulo 4 de Jó, quanto a informações gerais sobre a natureza dos discursos do livro de Jó. 4.13 Entre pensamentos de visões noturnas. Benditas Sejam Aquelas Visões Noturnas! O dia e suas atividades terminam. Um homem vai descansar. Esse ho­ mem é um ser espiritual. Ele conhece as realidades espirituais. Não é um iniciante na fé. Sabe que o sono pode funcionar como uma porta que abre a casa do tesouro das revelações de Deus. Sabe que pode obter um vislumbre do outro mundo, através de sonhos e visões que descerram as revelações de Deus; sonhos e visões que o iluminam, e ele gosta de ser iluminado. A agitação e a bulha da vida passam em poucas horas. Seus olhos físicos estão fechados, mas seus olhos espirituais estão alertas. E, algumas vezes, o Espírito se aproxima e toca naquele pobre mortal enquanto ele dorme. O homem espiritual sabe dessas coisas. A visão veio e “Elifaz apelou para uma fonte de autoridade sobrenatural, quase profética. Ele não falava em nome de alguma tradição, conforme a maioria dos sábios está acostumada a fazer” (Oxford Annotated Bible, comentando o vs. 13). ‘ O livro de Gênesis exibe a mesma idéia de revelação através de visões noturnas. Ver Gên. 15.1; 20.3; 30.11; 41.1; 46.2. Mais adiante, no Antigo Testa­ mento, isso só se torna comum de novo no livro de Daniel... O sono profundo deste texto nos faz lembrar Gên. 2.21 e 15.12” (Ellicott, in loc.).

Deus é o sono do trabalhador. (Eclesiastes 5.12)

Nas águas mais profundas há a melhor pesca. (Provérbio do século XVII) 4.14 Sobrevieram-me o espanto e o trem or. O temor é fenômeno comum nas experiências místicas, porque um homem espiritual subitamente enfrenta um mundo enigmático, bem como novas experiências para as quais ele não tem categorias cerebrais. Tememos o que é estranho, desconhecido e imprevisível. Quando a Presença se faz sentir, é por si mesma temível. A seção IX do artigo sobre Misticismo (ver a Enciclopédia de Bíblia, Teologia e Filosofia) apresenta as Categorias Místicas, isto é, as coisas que comumente acompanham essas experiências.

Percebi-me Ao ser levantado acima do meu próprio poder, E com nova visão me reacendi, Tal que luz nenhuma é tão pura Que meus olhos contra ela foram fortificados. (Dante, Paraíso, xxx.38-60) O espanto se apoderou daquele que tivera a visão. Seus ossos chacoalharam dentro dele. Sua carne estremeceu em todo o corpo. Os cabelos de sua cabeça se eriçaram de horror. A aparição da Presença Divina foi súbita e inesperada. Tremendo, ele se levantou da “fragilidade e fraqueza da natureza humana, devido à consciência da culpa e do senso da terrível majestade de Deus, e a uma desassossegada apreensão de quais poderiam ser as conseqüências daquilo” (John Gill, in loc.). 4.15 Então um espírito passou por diante de mim. Nem Elifaz nem o autor sagrado do livro elaboraram sobre essas palavras simples, de maneira que obte­ mos uma discussão sem nenhum resultado preciso: 1. Alguns insistem em que a palavra “vento”, uma tradução possível do termo hebraico mah, é o que devemos entender aqui em lugar de “espírito”. Uma lufada de “ar" pode estar em foco, conforme temos em Jó 41.16; Êxo. 10.13; Eclesiastes 1.6 e 3.19. Note o leitor que o espírito de Samuel foi chamado de elohim, um deus (I Sam. 28.13). Nesse caso, algum vento espantoso passou por diante de Elifaz, eriçando os cabelos de sua cabeça e de sua face.

‘ 883 2.

Alguns estudiosos supõem que esse espírito fosse o espírito de um humano desencarnado, ao qual foi dada uma espécie de missão. Coisas dessa natu­ reza acontecem. Algumas vezes os espíritos aparecem por dispensação de Deus, ou meramente por serem espiritos errantes que ainda não encontra­ ram lugar no mundo intermedjário, pois as barreiras finais ainda não foram estabelecidas. Mas essa teologia não fazia parte do período patriarcal e representa um anacronismo na explicação do texto presente. 3. Outros pensam que o espírito era um demônio, pelo que a visão teria sido diabólica, mas isso é contra qualquer indicação do texto. 4. Talvez fosse um espírito angelical, o que já fazia parte da teologia do período patriarcal. 5. Alguns críticos supõem que todas essas coisas tenham sido manifestações patológicas de uma mente humana perturbada, nada tendo que ver com o sobrenatural, embora sejam assim comumente interpretadas. 6. Ou tudo foi apenas alucinação de um sonho acordado, um fenômeno que, às vezes, acontece e é tido como sobrenatural. Estudos recentes mos­ tram que algumas pessoas podem produzir alucinações à sua vontade, e outras pessoas têm sonhos que tomam como algo mais do que isso. Sabemos que as alucinações fazem parte de uma percepção do bom senso e todas as pessoas têm alucinações todos os dias, em algum grau. Essas coisas pertencem aos segredos da psique humana, ainda pouco compreendidos pela nossa ciência. Até mesmo uma alucinação e certos sonhos, em que a pessoa esteja acordada ou dormindo, podem ter algum sentido espiritual. Mas as experiências místicas por certo são mais do que os truques da psique humana. Algumas manifestações psíquicas são naturais, inteiramente dependentes da psique e dela originárias. Mas al­ gumas experiências místicas conseguem tocar em outros mundos e exis­ tências. 7. Outros estudiosos ainda pensam que o espírito que apareceu a Elifaz seria o Espírito de Deus, mas nosso texto não chega a essa altura toda. O autor sacro estava pensando em alguma forma medianeira do poder divino, e não no próprio poder divino. Elifaz não era um repetidor. Ele afirmava ter tido somente uma experiência significativa. Estou conjecturando que a possibilidade de número 4 seja a explica­ ção mais provável, mas não podemos ter certeza. Por que Elifaz não disse sim­ plesmente: “O anjo do Senhor me apareceu?”. Estou imaginando que ele não era capaz de definir sua própria experiência com precisão, a ponto de não poder explicá-la. Mas, embora o homem só contasse com aquela única experiência, ele punha sua autoridade sobre ela, pensando dar foros de verdade ao seu dogma. Caros leitores, isso não passa de ilusão. 4.16 Parou ele, mas não lhe discerni a aparência. O espírito era indistinto, sem forma estabelecida, uma das características das manifestações dos espíri­ tos. Os espíritos parecem ter o poder de aparecer em grande variedade de formas ou, simplesmente, como uma energia indistinta no ar. Alguma forma havia, contudo. O silêncio reinava e, subitamente, uma voz se fez ouvir. A voz entregou a mensagem que a visão teve o intuito de trazer-lhe. Cf. o silêncio e a voz de que se lê em I Reis 19.12. Alguns estudiosos sugerem que o autor do livro de Jó, embora colocando seu livro dentro do período patriarcal, o tenha escrito após a composição de I Reis, estando familiarizado com a história de teofania de Elias no monte Horebe. Os vss. 17 ss. dão a mensagem que o espírito comunicou. O espírito apareceu, esvoaçou ao redor, parou, manifestou certa energia de forma indistinta e então faiou. Não estando acostumado com tais coisas, Elifaz ficou ali, olhando e tremendo, tremendo e olhando, os pêlos arrepiados e a boca aberta. A Mensagem do Espírito (4.17-21) Examinando as palavras do texto sagrado, derivamos algum entendimento como este: 1. O que quer que aconteça aos homens, podemos ter certeza de que eles o merecem (a lei do carma, ou da colheita segundo a semeadura). Ver no Dicionário sobre Lei Moral da Colheita segundo a Semeadura. 2. Os homens precisam de uma visão exaltada de Deus, na qual eles são humilhados e deixar de falar tolices, como serem eles inocentes. Os inocen­ tes não sofrem nem podem sofrer. 3. As pretensões de santidade são meras afrontas a Deus, o único Ser real­ mente santo. Quando falamos sobre pureza, estamos limitados a falar so­ bre Deus. 4. Até os anjos “santos”, imortais, são acusados de insensatez pelo augusto Deus. Portanto, que pode fazer o homem para escapar ao escrutínio divino? 5. O estado do homem mortal, em contraste com os seres imortais (os anjos), é lamentável, atacado pela decadência, e ele termina por ser reduzido ao pó. O homem orgulhoso perece, ninguém o vê nem se importa. Tais homens são humildes pecadores que merecem ser julgados.



1884 6.

Não há sabedoria no homem, e ele morre como um animal, sem deixar vestígio. Ele merece o que obtém, e a arrogância apenas tenta ocultar os pecados secretos.

Os montes gemeram nas dores do parto; Grandes expectativas encheram a terra. E eis! um ratinho nasceu. (Faedro, Fábulas, IV.22.1) 7.

A mensagem de Elifaz foi essencialmente a de Rom. 3.23: “Pois todos peca­ ram e carecem da glória de Deus". Ele pensava que, na realidade, a punição de Jó decorria do fato de ser ele tão grande pecador. Jó admitiu ser um pecador, mas negava que seus atuais sofrimentos tivessem alguma coisa que ver com essa condição. Sua dor era grande demais para ser explicada.

4.17 Seria porventura o mortal justo diante de Deus? Jó não seria um homem

justo, conforme pretendia ser. O padrão da justiça é Deus, e Jó, em sua arrogân­ cia, estava fazendo-se mais justo do que o próprio Deus, pretendendo saber mais do que Deus. Deus sabia, porém, que Jó era injusto e, assim, o estava castigan­ do. Mas Jó acreditava que era justo. Na realidade, nenhum homem é puro diante de Deus. Isso é um truísmo. Jó não reivindicaria sua pureza em comparação com Deus ou “diante de Deus”. Mas negava que seu enorme sofrimento derivasse de sua impureza natural como peca­ dor. A teologia de Elifaz tinha negligenciado outros fatores em operação. De fato, um homem inocente sofria grande aflição por razões ainda não determinadas. O mortal... o homem. O hebraico diz aqui literalmente “fraco” e “forte”, res­ pectivamente, e os intérpretes têm feito o melhor que podem para interpretar esses termos. Foi assim que “fraco” tomou-se mortal, e “forte”, homem. Seja como for, o frágil homem é sempre um pecador e merece a punição que obtém. E até o suposto homem forte (que poderia ser concebido como se não tivesse defeitos debilitadores) na realidade é impuro diante da presença de Deus. Tal homem também é moral e espiritualmente fraco.

mesmo constrói. Assim é salientada sua pobreza de espírito. Ele é uma criatura dotada de pouco intelecto e de visão deficiente, e a cabana de barro exibe sua pobreza de espírito. O humilde homem vem do barro e ao barro retorna. Até os insetos são capazes de destruir a substância do homem e esmagar-lhe a vida. Mas alguns estudiosos acham que devemos entender aqui que “o homem é esmagado como a traça’ . O homem é como um inseto que é pisado pela sorte e reduzido a um mingau. Cujo fundamento está no pó. Temos aqui uma referência à humilde origem do homem, porquanto ele é feito do pó da terra. Ver Gên. 2.7; 3.17; Eclesiastes 12.7. Alguns estudiosos vêem nisso um sentido moral: o homem está na lama moral e espiritual, visto que veio, literalmente, do pó da terra. Embora o autor, sem dúvida alguma, acreditasse nisso, é duvidoso que esse seja o sentido da passagem. “O homem é tão frágil que até uma traça pode destruí-lo’ (Ellicott, in loc). Isso implica seu estado humilde e pecaminoso, e como ele, cheio de iniqüidade, merece o duro tratamento que recebe da mão divina. O menor acidente pode matar um homem. Além disso, o homem é tão fraco moralmente como é fraco fisicamente. Assim, eram ridículos os protestos de Jó de que ela era inocente, bem como era intolerável sua arrogância. “Jó deveria adotar uma atitude de humildade, em vez de rebelar-se contra a vontade divina’ ( Oxford Annotated Bibie, comentando sobre o vs. 18). 4.20 Nascem de manhã, e à tarde são destruídos. Continuam as Descrições sobre a Fragilidade Humana. Um homem levanta-se pela manhã, sentindo-se muito bem e em ótimas condições de saúde. Mas à tarde pode estar morto. Um animal selvagem o ataca; ou ele sofre algum tolo acidente. Até uma simples enfermidade pode matar um homem em um único dia. O pobre sujeito, que pensa ser algo grande, morre tão rápida e ridiculamente; e quando morre, outros ho­ mens nem notam a sua morte, nem sentem falta dele. Um homem é apenas

Um tolo de cabeça oca A caminho de sua morte poeirenta. (Russell Champlin)

4.18 Eis que Deus não confia nos seus servos. Os ‘ servos’ e os ‘ anjos’ , que figuram neste versículo, são uma e a mesma entidade. Os anjos de Deus O servem, uma idéia tradicional tanto no judaísmo quanto no cristianismo. E também servem aos que hão de herdar a salvação, conforme vemos em Heb, 1.14: ‘ Não

Sabemos bem, com base na experiência, que os homens se iludem e correm para a ruína, quando imaginam que permanecerão para sempre sobre a terra. (João Calvino)

são todos eles espíritos ministradores, enviados para serviço a favor dos que hão de herdar a salvação?’. Sem dúvida alguma, os filhos de Deus referidos no prólogo, que tiveram de

Ninguém, entre os mortais, dá atenção à sua própria morte iminente, nem dá muita atenção à morte de outrem.

prestar relatórios ao Pai celeste acerca de suas atividades (Jó 1.6 e 2.1), devem ser compreendidos como os anjos. Nada é dito quanto à natureza de suas ativida­ des, mas compreendemos que missões contínuas lhes são determinadas. Eles são delegados e embaixadores do Rei, considerados responsáveis diante Dele. Como servos do Rei Supremo, eles precisam ser seres elevados, poderosos e muito inteligentes, mas até tais seres são acusados de insensatez e, de acordo com a compreensão divina, merecem repreensão ocasional por seus atos tolos. Ver no Dicionário o verbete intitulado Anjo. “O poeta, neste versículo, não tencionava lançar os anjos no descrédito. Ele meramente desejava exaltar a perfeição de Deus. Assim, ao aparecer no horizon­ te o sol brilha mais que o brilho dos planetas e das constelações" (Samuel Terrien,

in loc.). Se Deus acusa os anjos divinos de insensatez, quanto mais encontrará Ele falta no homem que é frágil e mortal? O homem é um modelo de defeitos e pecados. Diariamente, o homem aparece como um insensato. Sua justiça é ape­ nas um fingimento, e sua conversa piedosa não passa de arrogância. Deus nem ao menos pode confiar em Seus santos anjos, quanto mais no homem desviado, o pecador mortal. Cf. Jó 15.14-16 e 25.4,5, onde sentimentos similares são ex­ pressos e idéias são adicionadas. Alguns intérpretes, contudo, fazem o vs. 18 referir-se aos anjos caídos, mas isso é contra o intuito do autor sacro. Até os elevados, santos, poderosos e inteligentes anjos, que estão a serviço do Rei, são cheios de defeitos e insensa­ tez, quanto mais o homem! Comparar ou contrastar os anjos caídos ao homem dificilmente serviria aos propósitos do autor sagrado. Os anjos não merecem confiança, no sentido mais pleno; e menos confiança ainda merecem os homens. 4.19 Quanto mais àqueles que habitam em casas de barro. A Fragilidade Humana é Descrita. Enquanto os anjos habitam na glória e Deus habita em Seu trono augusto, o humilde homem reside em ridículas casas de barro, que ele

(Ewald)

Pois todos os nossos dias se passam na tua ira; acabam-se os nossos anos como um breve pensamento. (Salmo 90.9)

Perece o justo, e não há quem se impressione com isso. (Isaías 57.1) Perecem para sempre. Alguns intérpretes, erroneamente, fazem a alma entrar no quadro. Mas o poeta estava falando sobre o homem mortal, sua morte e a breve duração da vida humana, não sobre o perecimento da alma em algum lugar imaterial. Essa doutrina, na qual a alma é condenada em algum lugar imaterial, não fazia parte da teologia patriarcal e, de fato, nem é delineada no Antigo Testa­ mento. Só entrou na teologia dos hebreus nos livros pseudepígrafos, escritos durante o período intertestamentário, isto é, nos 400 anos de silêncio divino, e muito mais ainda se desenvolveu no Novo Testamento. Ver no Dicionário o verbe­ te chamado Julgamentos dos Homens Perdidos. 4.21 Se se lhes corta o fio da vida. As cordas da tenda são os meios pelos quais a tenda é mantida em posição, para que permaneça funcional. Se essas cordas forem cortadas do chão, onde são seguradas por estacas, a tenda ruirá. Um homem também é assim. Sua vida é mantida por coisas deveras frágeis. Seu corpo é um estudo virtual em precariedade. As veias de seu cérebro, tão impor­ tantes, são extremamente finas e fracas. Se uma delas se romper, ele estará morto. Ou um coágulo de sangue entope uma dessas veias, e tal homem ficará paralisado pelo resto de sua vida. Seu coração é uma bomba delicada que des­

JÓ cansa entre cada batida, mas não são necessários muitos anos para que o cora­ ção fique inteiramente exausto. Além disso, há aquelas horrendas enfermidades e acidentes que dão a um homem uma morte instantânea ou, pelo menos, apres­ sam o processo. O homem era um tolo e morreu como um tolo. Ele nunca atingiu a sabedoria, que era um dos principais propósitos da vida. Vivia para o “eu” e para as coisas materiais. Ele esqueceu Deus, e Deus, finalmente, o esqueceu. “As pessoas perecem, morrendo sem chamar a atenção de outras e sem sabedoria. Morrer sem haver encontrado a sabedoria era o desastre final nos países do Oriente Próximo e Médio. Essas palavras, proferidas por um antagonis­ ta que se fez amigável, não são sutis. A casa de Jó não estava segura. Ele era como material de construção espalhado e esmagado no chão como traça. Sua vida estava estragada e sem firmeza, como uma tenda que cai quando suas cordas são afrouxadas (cf. Jó 5.24; 8.22; 15.34). De acordo com Elifaz, Jó defi­ nitivamente não era um homem sábio... Pois era óbvio que Jó estava sofrendo por ser um pecador” (Roy B. Zuck, in loc.). As coisas eram conforme diziam os gregos:

1885 intermediário para ti. Assim sendo, vai diretamente a Deus, confessa teus peca­ dos e arrepende-te. Então terás alívio do teu sofrimento.

Desenvolvimentos Teológicos. “A idéia de anjos intercessores bem pode cons­ tituir o primeiro sinal de uma tendência dos pensamentos que levarão à visão do Mediador (Jó 9.33), da Testemunha celestial (Jó 16.19) e, finalmente, do Redentor (Jó 19.25)” (Samuel Terrien). Foi assim que os discursos levaram à antecipação de uma figura messiânica, que os cristãos aplicam a Jesus Cristo. Este versículo provavelmente subentende que, ainda que a mediação angelical estivesse disponível e passível de uso, um pecador notório como Jó não seria beneficiado por seu concurso. Não estão em vista os santos (humanos) que já se foram deste mundo, embora alguns intérpretes católicos romanos tenham usado Jó 5.1 como apoio às orações feitas aos santos mortos.

Porque a ira do louco o destrói. Aqui Jó é chamado (indiretamente) de

louco. A ira de Deus mata loucos como Jó. Ele só podia esperar que seu sofri­ mento prosseguisse à conclusão lógica da morte. O zelo ou inveja também é um

Quão tolos são esses mortais! A maioria nunca tem o direito ao seu lado. Os tolos formam uma terrível e avassaladora maioria, Por todo o vasto mundo. (Henry Ibsen) Se se lhes corta. O trecho hebraico envolvido pode ter o significado de cortas a corda da tenda, mas também pode apontar para a preeminência ou para a excelência. Nesse caso, o poeta quer dar a entender que a e x c e lê n c ia humana de nada vale. Tal excelência perece juntamente com o homem. “Exce­ lência, beleza pessoal, força física, eloqüência poderosa e várias vantagens mentais. Todas essas coisas passam... Não mais são vistas ou ouvidas entre os homens. A memória delas D erece com a memória daqueles que morrem" (Adam Clarke, in loc.). Quanto a um sumário dos elementos da mensagem do espírito que assustara a Elifaz, ver a exposição na introdução ao vs. 17.

C a p ítu lo C in c o Continua o Discurso de Elifaz. Ver a introdução à seção, que também serve para iniciar os discursos dos três amigos de Jó, no começo do capitulo 4. O Fruto da Obstinação (5.1-7) Jó, ao insistir sobre a sua inocência, não provou ser puro, mas, na opinião de Elifaz, apenas adicionou ao seu já considerável estoque de pecados a obstinação, parente da rebeldia. Portanto, mais ainda se tomou objeto do desprazer divino, fazendo com que seus sofrimentos aumentassem, se isso fosse possível. Elifaz havia observado a dureza de Jó, que recusava render-se à razão e arrepender-se. Um homem piedoso teria reconhecido suas falhas e, há muito, terse-ia inclinado, submisso, diante de Deus (Jó 4.2-6). Sob a superfície de uma alegada integridade, ali jazia a iniqüidade (Jó 4.7-11). Os próprios santos anjos são censurados pelo olho penetrante de Deus, quanto mais os homens humildes, mortais e miseráveis (Jó 4.12-21). Jó, incapaz de impulsionar-se a interceder diante de Deus, só podia usar mediadores (Jó 5.1-5), e isso seria melhor do que sua atitude obstinada, até este ponto da história. Ver na Enciclopédia de Bíblia, Teologia e Filosofia o artigo chamado Mediação (Mediador). Entretanto, Elifaz não tinha fé em tal ministério e já havia lançado dúvida sobre quão apropriada era a mediação angelical (ver Jó 4.18). Jó não tiraria proveito se seres ‘ insensatos’’ intercedessem por ele. Elifaz pensava que Jó poderia ter-se inclinado diante de tais seres e, assim, destacou a questão no vs. 1 deste capitulo. 5.1 Chama agoral Haverá alguém que te atenda? Jó pode ter deixado de orar a Deus e expressar seu arrependimento, porquanto tolamente tentou conseguir ajuda da mediação angelical, o que teria sido um ato tolo, porquanto Deus acusa­ va até aqueles seres augustos com ‘‘imperfeições’’ (Jó 4.18). O discurso do primeiro amigo de Jó tornou-se irônico: “Qual dos santos anjos dar-te-ia atenção, e qual deles seria eficaz perante o elevado Deus e far-te-ia qualquer bem?”. Os “santos”, sem dúvida, são os mesmos anjos de Jó 4.18. Cf. Jó 15.15; Zac. 14.5 e Dan. 8.13. Avança e chama. Vê se existe algum ser além de Deus que seja capaz de ajudar-te. Seja como for, para qual dos elevados anjos te voltarias? E, mesmo que te voltasses para tal ser, poderia ele fazer-te algum bem? O caso é claro. Não há

agente matador. Aqui temos o Deus zeloso que defende Sua honra contra peca­ dores blasfemos. Jó se estabelecera como seu próprio deus e, assim sendo, era culpado da mais vil idolatria. Quanto ao Deus ciumento, ver a exposição em Deu. 4.24; 5.9; 6.15 e 32.26,21. Alguns intérpretes aplicam esse ciúme, ou zelo, ao próprio Jó. Ele era um homem zeloso de suas próprias boas obras, realizações e qualidades espirituais. Isso o teria cegado para a verdade da questão. Jó era um homem “... quente, apaixonado, irado contra Deus, invejoso diante da prosperida­ de alheia, insensato... tudo o que serviria para sua própria ruína” (John GUI, in loc.). Portanto, independentemente de ser inveja divina ou humana, essa atitude contribuiria para pôr fim à vida de Jó. A inveja humana é a podridão dos ossos (Pro. 14.30). Ver no Dicionário o detalhado artigo chamado Inveja.

Bem vl eu o louco lançar raizes. Os ímpios prosperam, por algum tempo. Elifaz observara como os tolos prosperam e lançam raízes no solo, como se fossem viver para sempre. Contudo, ele também perceber como a calamidade, súbita e inesperada, os arrebata da face da terra. Ele vira Jó seguindo a mesma vereda destruidora, e, por isso, o estava avisando. A calamidade do louco é então transferida para seus filhos, conforme passa a afirmar o vs. 4. Cf. este versículo com Jer. 12.2 e Sal. 27.35,36. Vimos e comentamos tais sentimentos em Jó 4.9,19. Ver Jer. 17.8 e Sal. 37.35,36. Elifaz julgou que, no caso de Jó, haveria alguma podridão secreta. Ele era a vítima culpada de uma sábia ira de Deus. O Juiz justo estava ocupado em atos retributivos. Elifaz contava com uma única resposta que ele pensava aplicar-se universalmente a todos os casos de sofri­ mento. Sua teologia era deficiente. No sofrimento humano, há mais fatos em operação do que a Lei Moral da Colheita segundo a Semeadura (ver a respeito no

Dicionário). 5.4 Seus filhos estão longe do socorro. Os loucos ferem seus próprios filhos, porque sua calamidade, como é natural, também os esmaga. Eles participam do julgamento que sobrevêm a seus pais e, sendo pecadores em si mesmos, adicio­ nam combustível à fogueira. O Antigo Testamento encerra tanto a idéia de que os filhos dos ímpios sofrem, por causa dos pecados dos pais, como também a idéia de que os filhos podem sofrer somente por seus próprios pecados. Quanto a sofrer ou morrer pelos pecados dos pais, ver Êxo. 20.5 e Núm. 14.18. Natural­ mente, devemos lembrar que, de acordo com a primitiva teologia dos hebreus, não estamos tratando, nestes versículos, com a alma imaterial, mas tão-somente com as calamidades terrenas que, com freqüência, resultam na morte biológica. Por certo, neste versículo do livro de Jó, não estamos falando de um julgamento de além-túmulo, em alguma dimensão espiritual, seja de forma positiva, seja de forma negativa. As doutrinas do céu e do inferno só foram enfocadas nos livros pseudepígrafos e apócrifos, quando a teologia dos hebreus avançou. Além disso, no Novo Testamento, tais idéias foram ainda mais elaboradas. ‘ Não importa o quanto o insensato pareça prosperar pelo momento, pois a maldição é rápida e lhe sobrevêm de súbito, e todos os outros homens observam o que acontece. Sua casa é destruída, seus filhos são oprimidos, seus campos são tomados e confiscados, suas cercas são derrubadas, e suas riquezas tornamse meras iscas para os cobiçosos” (Paul Scherer, in loc.). Às portas. A teologia judaica posterior fez com que versículos tais como Êxo. 20.5; Núm. 14.18; Eze. .18.20 e o presente versículo fossem aplicados ao julgamento espiritual, depois da morte biológica. E, naturalmente, os teólogos cristãos deram prosseguimento a essa atividade. Tal interpretação, entretanto, é anacrônica. O Targum diz aqui: “... são esmagados nas portas do inferno, no dia



1886 do grande julgamento", um exemplo daquilo de que estou falando. As portas da fazenda ou da cidade de alguém tomam-se a “porta do inferno". A porta era um lugar de ações judiciais (ver Jó 22.10; Sal. 127.5; Pro. 22.22; Gèn. 23.10 e Deu. 21.19). Os filhos dos loucos seriam perseguidos pela lei e pelos atos judiciais. Sofreriam a destruição formal e legal, bem como a perda pessoal da parte de certo número de calamidades.

Os jovens pensam que os idosos são tolos. Os idosos sabem que os jovens são tolos. (George Champman)

Cada homem é o arquiteto de sua própria fortuna.

5.5

(Appius Claudius)

A sua messe o faminto a devora. Os bens materiais de um homem ímpio são cobiçados pelos observadores invejosos, que espreitam as calamidades que o atin­ gem. Esses observadores arrebatam suas terras; pilham sua colheita; e até obtém algo de vantajoso de seus “espinhos’’, isto é, de fontes inesperadas de riquezas. O hebraico original, neste ponto, é obscuro, o que leva os intérpretes a conjecturar o que está em pauta. Alguns estudiosos vêem aqui uma “cerca de espinhos", que foi plantada pelo insensato para proteger suas uvas e suas plantações. Os opressores não têm a menor dificuldade em passar por tais barreiras. O Targum e a Vulgata armam homens (exércitos pequenos, particulares, ou grupos de saques) que ata­ cam as plantações de um homem pobre. Os bandidos do deserto reduzem a nada o insensato e tomam-se, assim, agentes de Deus, que efetua um justo julgamento. É provável que Elifaz tivesse aludido à perda das riquezas de Jó, quando os saoeus tomaram seu gado e mataram seus servos (Jó 1.15). Ele pensava que um homem inocente não poderia sofrer essas desgraças, e que os sabeus foram instrumentos divinos das aflições de Jó. 5.6 Porque a aflição não vem do pó. As Aflições Nunca Acontecem de Maneira Simplista. Elas não se originam do solo, como se fossem planta daninha gerada de alguma semente carregada pelo vento para aquele trecho da terra. Existem causas para tristeza e dor, e Elifaz encontra essas causas no homem. É assim que os ímpios são punidos com justiça, por serem fontes originárias do mal. E que não se culpe a sorte! Nem se culpe o mero acaso! dizem os críticos. “Os homens mesmos são a causa, e, se você está sofrendo, então você é o culpado!" Naturalmente, males como os dilúvios, os terremotos, os desastres, os acidentes, as enfermidades e a morte natural, por assim dizer, parecem originar-se do solo, porquanto, em muitos casos, não podemos atribuir-lhes causas morais. É provável que Elifaz tomasse um terremoto, por exemplo, resultado da iniqüidade moral dos homens. O problema do mal consiste nessás duas categorias latas, os males morais (coisas que derivam da desumanidade do homem contra o homem) e os males naturais (abusos e desastres da natureza independentes da vontade humana). Ver a quinta seção da Introdução ao livro de Jó, e no Dicionário o artigo intitulado Problema do Mâ. É do solo que vem o sustento do homem, por meio da agricultura. Do solo vem também a água necessária. O solo é a origem dos metais que os homens usam para fabricar instrumentos. Ele abençoa, e não amaldiçoa. O homem é a fonte das maldições. "Não é de meras causas naturais que nos chegam as aflições e tribulações. A justiça de Deus é que as inflige contra o homem ofensor” (Adam Clarke, in k x ). O presente versículo foi impresso como título de um jomal parisiense no dia em que Hitler invadiu a cidade de Paris, durante a Segunda Guerra Mundial. O que aconteceu naquele dia não foi resultado de causas naturais nem veio da sorte: veio de Hitler, um dos grandes monstros humanos da história.

Mas o homem nasce para o enfado. Este breve versículo é um dos mais conhecidos do livro de Jó. Expressa a desgraça humana com suas múltiplas tribulações, reveses e desastres. As calamidades são tantas, que parecem fagu­ lhas subindo de uma fogueira crepitante. O homem, pois, nasce para tais calami­ dades. Elas fazem parte da condição humana, da qual todos os seres humanos participam. Essas inúmeras aflições, Elifaz atribuía ao próprio homem.

Os maus hábitos, cultivados cuidadosamente através dos anos, são como tropas inimigas acampadas entre um povo conquistado. Não apreciamos a pre­ sença deles, mas somos impotentes para nos livrarmos. Falamos bravamente em caçá-los. Em segredo, esforçamo-nos contra eles, mas no fim obedecemos a eles sem oferecer resistência.

Interpretações Deste Versículo. Embora tão simples, este versículo tem sido submetido a grande variedade de interpretações: 1. Faiscas. Um fazendeiro queima um campo para abrir espaço para o plantio. Ele acende um grande fogo. A madeira está úmida, de maneira que o calor a faz expandir-se. Ao expandir-se, a umidade explode, levantando grande quanti­ dade de fagulhas. É conforme alguém já disse: “As fagulhas não parecem voar em outra direção, senão para cima, e isso mostra quão inevitável é a tribulação. A tribulação é incansável. Está sempre presente, tal como as fagulhas sempre sobem do fogo". 2. Em algumas versões antigas, lemos sobre abutres ou águias, em vez de “fagulhas", como possíveis traduções do termo hebraico. Essas aves de rapi­ na, tal como as fagulhas, podem ser vistas a subir bem alto, lembrando ao homem sua existência precária. A palavra aqui traduzida por “faíscas" é, literalmente, “filhos de reseff e alguns estudiosos fazem essa expressão referir-se às aves de rapina. 3. Ou os filhos de resep podem ser uma alusão ao deus ugarítico do relâmpago, da pestilência e das chamas. Nesse caso, poeticamente, o autor sagrado refere-se às dificuldades que viriam sobre o homem através dos atos do hostil deus das calamidades. E, naturalmente, para compreendermos que ele merece o que obtém. ‘ As tribulações originam-se do pecado comum do homem, por meio da lei das conseqüências naturais, tal como as fagulhas naturalmente esvoaçam no ar, vindas do fogo lá embaixo” (Fausset, in loc.). Na loja do diabo todas as coisas se vendem, Cada grama de escória custa um quilo de ouro; Por uma capa e sinetes pagamos com a vida, Adquirimos bolhas com a tarefa inteira da vida. (James Russell Lowell) O Dever do Homem na Terra (5.8-27) O Apelo de Elifaz (5.8-17)

Quanto a mim eu buscaria a Deus. Remédio oferecido: buscar a Deus com sinceridade e reverter o curso do desastre por meio do arrependimento. Era isso o que Elifaz se propunha a fazer, mas Jó continuava a insistir sobre a sua inocência.

Sofreste açoites e vergões Tratamento de opróbrio e de dor Para que curasses a minha praga, E minha paz obtenha para sempre.

A fonte de todas as guerras, a origem de todos os males, jaz em nós mesmos. (Pierre Lecomte Du Nouy) O homem chega neste mundo como um ser corrupto, ansioso por azedar e complicar o que poderia ser uma boa vida. Sendo pecador, o homem peca e continua pecando. E então começa a colher os resultados de sua insensata se­ meadura, mas continua a semear. Ele deixa claro que arruina a sua própria vida. É um autêntico caso de suicídio.

O destino não é uma questão de chance. É uma questão de escolha. (William Jennings Bryan)

(Hino germânico) O sofrimento pode produzir a redenção quando gera o arrependimento apro­ priado, como os sofrimentos de Cristo, combinados com o arrependimento huma­ no. “Se eu fosse você", disse Elifaz a Jó. “Está entre as ironias da vida que homens como Elifaz são os primeiros a apresentar-se como médicos da alma dos aflitos... Eles têm carroças cheias de conselhos a dar aos aflitos, os quais, dessa maneira, tornam-se seus monturos... Os conselhos são oferecidos sobre a suposição de que um homem, somente por ser desafortunado, deva estar em um plano moral e intelectual inferior ao de seu próspero conselheiro... Como tais homens se avantajam de sua posição!" (James Mckechnis, em seu livro,

Job, Moral Hero). Cf. Isa. 8.19; 9.13; Amós 5.8; I Crô. 22.19, que também exortam ao homem que busque a Deus para remediar os seus problemas.



1887

5.9

5.12-13

Ele faz cousas grandes e inescrutáveis. Elifaz continuava seu apelo para Jó agir, buscando Deus da ma maneira certa e abandonando as tolas pretensões de inocência. ‘ Deus é poderoso para ajudá-lo; considere ao me­ nos o que Ele tem leito.” Ele tinha feito um sem-número de coisas maravilho­ sas. “Seu caso não é difícil demais para Ele. É desesperador, mas não impos­ sível. Que seu próprio desespero dirija a sua mente para o Deus que opera maravilhas”.

Ele frustra as maquinações dos astutos. As surpresas e reversões de Deus também se aplicam aos astutos, que imaginam coisas más e as põem em prática quando obtêm uma chance. Os planos dos indivíduos astuciosos são anulados, e seus atos são revertidos. Sem dúvida, Elifaz estava incluindo Jó entre esses ho­ mens astuciosos, hipócritas, pretensiosos e arrogantes. Tais homens só podem chegar a um mau fim, e Jó, de tão doente, não estava muito distante da calamidade última, a morte. A sabedoria de um indivíduo pode ter um mau uso. De fato, alguns sábios tomam-se astuciosos, e foi isso o que Elifaz supôs que tivesse acontecido no caso de Jó. O sábio regozija-se naquilo que sua sabedoria pode realizar visando o bem. Mas o astucioso fica desapontado em seus desígnios. Os astutos são como os construtores de Babel. A tone que estavam construindo, pensavam eles, logo lhes abriria a habitação divina. Mas foi então que houve uma reversão divina. A terra foi abandonada. O trabalho de construção cessou, e os operários foram espalhados.

O magnânimo Desespero somente Poderia ter-me mostrado algo tão divino. Onde a débil Esperança jamais alçaria vôo, Mas somente agitaria suas asas diáfanas. (Andrew Marvell) “Os vss. 9-11 formam uma doxologia que justifica a idéia de um apelo à deidade, descrevendo Seu poder e Sua justiça. O vs. 9 é quase idêntico a Jó 9.10 e pode ser uma interpolação colocada neste local” (Samuel Terrien, in loc.). Cf. os vss. 9-16 com Luc. 1.46-55. “Nenhuma obra, por mais complicada que seja, é profunda demais para Ele traçar o Seu plano. Nenhuma obra, por mais estupenda que seja, é gran­ de demais para Ele executar o Seu poder. Aquele que é reto está sempre seguro ao entregar Sua causa a Deus e Nele confiar” (Adam Clarke, in loc.). O Deus que tem feito maravilhas na natureza, que realiza feitos grandes, e até insondáveis e nunca imaginados, certamente pode resolver os pequenos problemas do homem. Inescrutáveis. as coisas da natureza, muitas das quais são um quebracabeça até para os maiores filósofos, os quais são incapazes, a despeito de toda a sua sagacidade, de descobrir suas causas e razões” (John GUI, in loc.). O Deus que planejou e executou a criação da própria natureza tem os recursos para resolver os problemas de Suas criaturas. Ver no Dicionário o artigo chamado

Providência de Deus. 5.10 Faz chover sobre a terra. Algumas das obras de Deus são inescnjtáveis, mas outras são facilmente perceptíveis, como a chuva que é concedida providencialmente e os suprimentos de água nos rios e nos lagos. Tais coisas são neces­ sárias para a sobrevivência humana. Podemos ver essas obras divinas todos os dias, com nossos próprios olhos e, embora tão visíveis e óbvias, ainda assim são obras grandíssimas de provisão, da parte do Pai celeste, o qual controla todas as coisas. Tal Deus certamente pode solucionar os problemas de um pobre homem, contanto que este O busque em arrependimento. ‘ Elifaz aconselhou Jó a apelar para Deus, porque Deus é majestático, pode­ roso (vs. 9) e benévolo, enviando chuvas para as plantações (vs. 10). Outrossim, Deus encoraja e socorre aos abatidos e entristecidos (vs. 11). Ele também frustra os espertos (vss. 12-14) e livra o necessitado e o pobre (vss. 15-16)’ (Roy B. Zuck, in loc.). Pela providência divina, a chuva cai sobre toda a terra. A chuva não respeita um país ou um agricultor. É universal e ilustra a universalidade da providência divina. Portanto, Jó era candidato a receber as bênçãos e a intervenção divina. Cf. a declaração de Jesus, em Mat. 5.45: “para que vos tomeis filhos do vosso Pai celeste, porque ele faz nascer o seu sol sobre maus e bons e vir chuvas sobre justos e injustos”. 5.11 Para pôr os abatidos num lugar alto. São exatamente os humildes que precisam ser elevados, e os que choram que precisam ser consolados. Por con­ seguinte, Deus cuida de casos difíceis e até desesperadores. Jó não estava fora do alcance da mão divina, a menos que continuasse em sua atitude de rebeldia, recusando-se a confessar sua culpa. O homem humilde toma-se grande quando a providência de Deus exerce controle sobre ele. Aquele que chora é exaltado e cheio de alegria, porque o poder de Deus é suficiente para essa operação. Estamos tratando com um Deus que trabalha e faz grandes reversões e surpresas. Quão agradável é sermos objetos de uma surpresa divina! Surpresa! Oh, Senhor, con­ cede-nos tal graça. "... a exaltação do homem deve vir da parle de Deus, não de seus próprios esforços pessoais. Cf. Sal. 75.4-10 e a oração de Ana, em I Sam. 2.6-8. Ver também Sal. 113.7” (Ellicott, in loc.). Os atos providenciais de Deus são distribuídos por um Poder imparcial. Elohim é o Pai de todas as humildes criaturas da terra. Ele eleva os humildes e rebaixa os orgulhosos (Luc. 1.53). Jó, por conseguinte, teria de abandonar sua arrogân­ cia, se quisesse ganhar alguma coisa da mão divina.

A força e o erro atrapalham o homem que faz uso deles. E, em sua maior parte, essas coisas ricocheteiam na cabeça do planejador. (Lucrécio, lib. v., vs. 1151) A stutos. No hebraico temos a palavra arum, a mesma usada para descrever a serpente em Gên. 3.1. Ele apanha os sábios na sua própria astúcia. Esta é uma das duas por­ ções do livro de Jó citadas no Novo Testamento. A outra passagem é Jó 41.11 (ver Rom. 11.35). A sabedoria deste mundo é loucura para Deus. Homens astutos causam a própria destruição, mediante sua sabedoria mal aplicada, que se trans­ forma em astúcia. A providência de Deus arranja de tal modo os eventos que os planejadores astutos são prejudicados. Ilustrando o presente texto, Paul Scherer (in loc.) conta sobre homens ricos e poderosos, na cidade de Chicago, nos Esta­ dos Unidos, que controlavam mais riquezas do que o governo federal americano obtinha com a cobrança de impostos! No entanto, veja o leitor o que aconteceu. Sete daqueles homens poderosos morreram na pobreza. Outros foram, finalmen­ te, aprisionados, e alguns deles cometeram suicídio. E foi assim que certos ho­ mens astutos foram destruídos por sua própria astúcia. Os egípcios, que perseguiram Israel, a fim de destruí-lo, foram, eles mesmos, destruídos. Para Israel, entretanto, as águas do mar se abriram. Mas para os egípcios, as águas se fecharam. José foi vendido para o Egito, mas tornou-se o primeiro-ministro do faraó. Seus irmãos, que receberam o dinheiro de sua venda, terminaram famintos. Hamã foi enforcado (ou empalado) no próprio instrumento que tinha preparado para eliminar Mordecai (ver Est. 5.14; 7.10). 5.14 Eies de dia encontram as trevas. Os ímpios encontram as trevas em pleno meio-dia. O tempo da luz, para os justos, é mais do que noite para o pecador. A iluminação é sinal de espiritualidade. Os ímpios se distinguem por suas trevas e ignorância. Jó agia como um homem iluminado e sábio, mas, para Elifaz, Jó estaria habitando na noite da ignorância e da rebeldia. O ímpio Tateia ao Meio-dia. Cf. Isa. 59.10; Deu. 28.29. “Em vivida metáfora, Elifaz estabelece a sorte daqueles que 'conspiram contra o Senhor1(Sal. 2.1-5). A cegueira deles é uma espécie de cegueira judicial que feriu ‘aos que estavam fora' (Gên. 19.11) da casa de Ló, em Sodoma. Essa cegueira também feriu o coração do faraó (Êxo. 8.15,19; 9.12). Atingiu a patrulha do rei da Síria, diante das palavras do profeta Ejiseu (II Reis 6.18). E cegou os políticos e 'sábios' dos dias de Isaías (Isa. 31.2). É dessa maneira que a luz de Deus se transmuta em trevas. Leia de novo a terrível acusação de Paulo contra o mundo dos gentios, em Rom. 1.18-32' (Paul Scherer, in loc.). “Este versículo possivelmente é uma alusão à praga das trevas que atingiu o Egito, trevas tão espessas que podam ser sentidas (Exo. 10.21)” (Ellicott, in loc.). Ver João 9.39, quanto a uma dara referenda à cegueira judicial, isto é, a cegueira espiritu­ al que resulta do julgamento de Deus contra os pecadores. Ver também Atos 17.27.

Escura como o mundo do homem... Cegos como os mil novecentos e quarenta pregos Na cruz. (Edith Sitwell) 5.15-16 Salva o necessitado da mão do poderoso. A Revised Standard Version diz aqui órfão. O pobre órfão é salvo da boca dos ímpios, porquanto tem a salvação do Senhor. Ele é salvo da mão gananciosa e violenta que se estende para fazer-

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lhe mal, pcauanto ele tem a salvação do Senhor. Entrementes, os “sábios’ , que, na realidade, são hipócritas, perecem através de vários instrumentos de punição de Yahweh. A palavra “boca”, usada no vs. 15, significa as calúnias e as ameaças dos ímpios que CDrimem a seus semelhantes. A espada pode ser a justiça vinga­ dora das autoridades civis, mas nisso a justiça é pervertida. Os inocentes sofrem e são executados pelos indivíduos ímpios e desarrazoados. O autor falava de grandes injustiças sociais, não apenas de injustiças pessoais. Cf. Sal. 57.4 e 59.7, quanto às metáforas da boca e aa espada.

“Como um cirurgião explorador, Deus faz um ferimento ainda maior, mediante sondagens, abrindo mais ainda a ferida, para que a matéria estranha saia e se possa aplicar o medicamento” (John Gill, in loc.). A teologia dos hebreus, durante muitos séculos, desprezou a cura dos médi­ cos e referiu-se a Yahweh como o único curador legítimo. No campo físico, isso era um exagero, embora no campo espiritual seja uma verdade óbvia.

5.17

De seis angústias te livrará, e na sétima... Total livramento da tribulação é o significado das sete provas que podem ser anuladas pelo poder divino. Quando falamos sobre Deus, estamos falando de um poder ilimitado que oferece livramen­ to de uma ou de todas as formas de aflição.

Bem-aventurado é o homem. Deus corrige todos os homens, porque todos são culpados diante Dele. O autor sacro toma a posição de Rom. 3.23: “Pois todos pecaram e carecerr da glória de Deus". Jó, sem dúvida, concordaria com esse parecer. Ele não se considerava livre de pecado. Tão-somente negava que seu imenso so'nmento resultava de sua própria iniqüidade. Seu registro era bom. Ele não merecia os sofrimentos que estava experimentando. De fato, ele sofria sem causa aparente (Jó 2.3), tal e qual Yahweh tinha declarado. Elifaz, entretan­ to, não era capaz de entender o princípio pelo qual os inocentes podem sofrer. Ele oferecia felicidade (bem-estar geral) ao indivíduo arrependido e esperava que Jó fosse esse homem. Ele não oferecia esperança e não tinha explicações para os ■nocentes que sofrem. Para a correção feliz aplicada por Yahweh ou Elohim (o nome divino usado no presente texto), cf. Sal. 94.12 e Heb. 12.5-13, breve homilia sobre o assunto. Ver também Tia. 1.12. Afinal, os filhos são corrigidos para seu próprio bem. O sofrimento pode agir como disciplina, outra resposta para o problema do mal. Até um homem inocente pode sofrer, se isso for uma medida de disciplina espiritual. Naturalmente, Elifaz não estava advogando somente disciplina. Ele defendia a idéia de q je a correção do pecador pode servir também de disciplina, e não de mera retribuição. Naturalmente, isso aoriga alguma verdade, mas mesmo assim não explica o caso de Jó. Ele não estava senao aisciplinado. Ver Prooiema do Mal, a quinta seção da Introdução ao livro, e c verbete com esse título no Dicioná­

rio. A disciplina não deve ser desprezada ie m rejeitada, e não devemos ressen­ tir-nos de sua aplicação. Esta porção do presente versículo é diretamente paralela a Pro. 3.11. O homem não deve agir como uma criança rebelde; também não deve ser infantil quando o Pai celeste lhe envia alguma provação, a fim de disciplinálo. Ele deve aprender suas lições com alegria e confiança. Se o sofredor rejeitar seu teste de retribuição e disciplina, acabará perecendo (ver Jó 4.7-11). Ver no Dicionário o artigo chamado Disciplina, quanto a explicações detalhadas. Bem-aventurado. Este vocábulo deriva-se de uma palavra hebraica que significa “estender-se', “atingir um alvo distante", “andar energicamente na direção de algo”. Em seu andar, um homem é impelido em seu caminho e, ao atingir a razão para o curso de sua vida, ele se mostra eufórico. Ver no Dicionário o verbete chamado Andar. Todo-poderoso. O Deus Todo-poderoso sabe o que está fazendo. Sua retri­ buição e sua disciplina são justas e bem-intencionadas. Ele usa Seu poder para aprimorar Seus filhos, não para prejudicá-los. Ver no Dicionário o verbete chama­ do Todo-poderoso.

5.19

Se teu corpo sofre dor e tua saúde não podes recuperar,

E tua alma quase se afunda no desespero. Jesus sabe a dor que sentes, Ele pode salvar-te e curar-te Leva tua carga ao Senhor, e deixa-a com Ele. (C. Albert Tindley) Sete. Número da perfeição e de um estado completo. Assim sendo, toda a espécie de provação pode afligir-nos, mas o poder divino é suficiente para suprir todos os tipos de cura e reverter qualquer sofrimento. Alguns intérpretes pensam que Jó sofreu sete tipos específicos de provação, ou então que Elifaz tinha em vista sete tipos particulares de aflição, mas essas interpretações são fantasiosas. Devemos entender metaforicamente o número sete. Ver no Dicionário o verbete chamado Número (Numeral, Numerologia), quanto aos significados dos números e a importância que a Bíblia empresta a eles. “Deus salva igualmente de muitos, tanto quantc de poucos" (Adam Clarke, in loc.). O Senhor nos livra de todas as tribulações (ver Sal. 34.6,15,17,19). Ver também Pro. 6.16; 30.15,18,21, quanto a expressões similares que envolvem números. O mal te não tocará. Esta é uma grande promessa, similar a Sal. 91.10,11, que diz:

Nenhum mal te sucederá, praga nenhuma chegará à tua tenda. Porque aos seus anjos dará ordens a teu respeito, para que te guardem em todos os teus caminhos. 5.20 Na fome te livrará da morte... na guerra. Estes são dois grandes males sociais e universais que matam as massas populares a fome e a guerra. A despeito de todo o nosso progresso e tecnologia, o mundo moderno está repleto destes males. Mas aquilo que mata as massas populares não tocaria em Jó, se ele se separasse do mundo pecaminoso através do verdadeiro arrependimento.

Caiam m il ao teu lado, e dez mil, à tua direita; mas tu não serás atingido.

Promessas aos Arrependidos (5.18-27) Elifaz fez a Jó uma oferta atrativa. Se ele se arrependesse de seus pecados, encontraria um Deus benévolo, que reverteria todos os seus sofrimentos e toda a sua perda. Tcdas as espécies ce coisas boas foram prometidas: curas das feridas (vs. 18); escaüe do mal presente e do futuro (vss. 19-22); prosperidade (vs. 23 e 24); posteridade (vs. 25); vida longa (vs. 26); bem geral (vs. 27). A oferta foi bela e, ao que se pode presumir, Elifaz foi o porta-voz de Elohim. O que ele disse era atrativo, mas não se adaptava ao caso de Jó. 5.18 Porque ele faz a ferida e ele mesmo a ata. Jó estava todo ferido, física e mentalmente. Deus, conforme Elifaz reafirmava, infligira-lhe aqueles ferimentos, e assim poderia curá-los e tornar Jó novamente são. A Jó cabia remover a causa, isto é, o pecado, oculto ou conhecido. Os críticos de Jó enfatizaram o dever do homem para com Deus. Um homem nada representa e está sob a ira de Deus, a menos que satisfaça às condições da autêntica santidade. Elifaz insistiu sobre sua tese: a lei da colheita segundo a semeadura. Sua mente não podia sair dos estreitos limites desse raciocínio. Ele havia simplificado o problema do mal, possi­ bilitando, assim, apenas duas respostas: retribuição contra o pecado, e disciplina. Mas tendo ele falado sobre essas coisas, ainda havia enigmas no problema do sofrimento humano. Os sofrimentos de Jó continuavam enigmáticos. Cf. este versículo com Deu. 32.39; Osé. 6.1 e I Sam. 2.6, que emitem senti­ mentos similares.

(Salmo 91.7)

Elifaz prometeu a Jó aquilo que ele não podia garantir. Que é mais claro do que os piedosos perecerem, juntamente com os pecadores, nos desastres natu­ rais? Um ônibus cheio de evangélicos sofre um desastre na estrada, e muitos crentes são mortos. O avião que transportava o Coro do Tabernáculo Mórmon (muitos anos atrás) caiu e matou a muitos deles. Um pastor e a sua filha missionária foram, tola e ridiculamente, sepultados, no automóvel deles, por uma avalancha de neve que, de súbito, os apanhou no caminho. E considere isto o leitor! Eles estavam a caminho da igreja, para que ela pudesse fazer seu apelo missionário. No entanto, naquele carro miserável, foram ambos esmagados. Caros leitores, a lista é interminável. Então indagamos: “Por que os homens sofrem, e por que sofrem como sofrem?'. E também perguntamos: “Por que os inocentes sofrem?". A retribuição e a disciplina, brinquedos de Elifaz, não eram adequados no caso de Jó. 5.21 Do açoite da Ifngua estarás abrigado. Elifaz retornou agora à língua caluniadora, condenatória e injuriosa dos ímpios que oprimem a outros. Ver o vs. 15. Os ímpios falam de maneira ameaçadora e então cumprem suas ameaças contra outras pessoas. Algumas vezes eles operam mesmo através dos sistemas judiciários. Algumas vezes têm seus executores particulares e sempre oprimem economicamente. O mundo está cheio de ameaças contra os pobres e fracos. Elifaz chegou a pensar tolamente que um homem pobre e arrependido seria

JÓ protegido. Mas a simples observação mostra-nos que as coisas não operam des­ se modo neste mundo ímpio. Talvez nenhum mal seja mais temido do que o açoite da língua. Falar mal, detratar, caluniar, tagarelar, espalhar boatos, sussurrar e escandalizar são alguns dos termos que usamos quando queremos expressar a influência maléfica de um caluniador. Isso incendeia um mundo de fogo, que deriva do inferno... Ver Sal. 31.20; 52.2-4; Pro. 12.18; 14.3 e Tia. 3.5-8” (Adam Clarke, in loc.). Ver no Dicioná­ rio o verbete intitulado Linguagem, Uso Apropriado da. Alguns pensam que o caluniador, neste caso, era o próprio Satanás, o ser que estava por trás das tribulações de Jó, conforme vemos no prólogo do livro. Mas essa referência especifica não parece estar em mente. O Targum refere-se à língua má de Balaão, para ilustrar o texto. 5.22 Da assolação e da fome te rirás... das feras da terra. Três outros tipos de perigo são anulados por Deus no caso do homem justo: forças destruidoras em geral; a fome, em particular, e as feras. Os poderes assoladores têm paralelos nos versículos anteriores. O vs. 22 menciona as ameaças oestruidoras em geral. O vs. 20 já havia citado a fome; Jó 4.10 já havia falado na ameaça dos animais ferozes. Assim sendo, este versículo simplesmente repete elementos que já havi­ am aparecido e tinham sido comentados. Este versículo adiciona o riso feliz do justo. Longe de ficar com medo, ele é capaz de minimizar os perigos, porquanto está seguro na mão divina, e uma cerca divina fora posta em torno dele. Ele tem o anjo de Deus em seu portão, em suas ■portas, nas janelas de sua casa (Sal. 91.11,12). Ser assim protegido traz alegria que substitui o temor. Jó estava vivendo em temor. Elifaz ofereceu-lhe alegria, como substituto pelo temor, caso ele se arrependesse. O Targum espiritualiza estes versículos e faz dos animais ferozes inimigos, como certas pessoas, mencionando Ogue como exemplo. Mas o trecho, sem dúvida, fala literalmente de animais ferozes. A Palestina antiga estava infestada de animais de várias espécies, matadores de homens, pelos quais as tribos nô­ mades eram severamente vazadas. 5.23 Porque até com pedras do campo. Paz com a natureza, tanto a animada quanto a inanimada, foi prometida ao homem bom que anda corretamente com Deus. O autor sagrado menciona as pedras para falar de qualquer ameaça natural, como os terremotos, as inundações e coisas semelhantes. Conforme Elifaz pensava, a natureza não atacaria jamais um homem inocente. Natural­ mente, sabemos que isso não é verdade. Durante a Segunda Guerra Mundial, foi pregado um sermão que prometia aos justos que nenhuma bomba explodiria perto de suas residências; mas tal prédica não foi realista. Paulo expressou melhor ainda essa questão ao lembrar-nos dos gemidos e das dores de parto que devemos experimentar no corpo, enquanto esperamos pela redenção da alma (ver Rom. 8.19,22,23). Alguns intérpretes hebreus pensavam que as pe­ dras referiam-se a tábuas de pedra levantadas nos campos, as quais conteriam pactos inscritos sobre elas. Nesse caso, nenhum pacto feito com o Ser divino seria quebrado. Os pactos não seriam ameaçadores para o homem bom. Mas isso parece muito fantasioso. Antes, o homem bom, por assim dizer, tem um pacto com a própria natureza, que mantém afastados os temíveis desastres naturais. Outras interpretações são dadas às pedras: o homem bom não teria um campo cheio de pedras onde fosse difícil plantar. Além disso, seus inimigos, que habitavam em fortalezas de pedra e esconderijos, em cavernas e buracos nas colinas, não atacariam o homem bom. Mas pedras literais, como as que existem na natureza, parecem ser o que o autor sagrado entendia no texto E então, pela terceira vez, o escritor fala da batalha contra as feras do campo. Ver Jó 4.10; 5.22,23. Ver Lev. 26.22, quanto à ameaça constante dos animais ferozes, bem como as notas expositivas em Jó 4.10, para maiores deta­ lhes. Cf. este versículo com Osé. 2.18; “Naquele dia, farei a favor dela aliança com as bestas-feras do campo, e com as aves do céu, e com os répteis da terra; e tirarei desta o arco, e a espada, e a guerra e farei o meu povo repousar em segurança”. 5.24 Saberás que a paz é a tua tenda. O justo teria um lar seguro onde habitar. “Nenhum mal te sucederá, praga nenhuma chegará à tua tenda" (Sal. 91.10). Então, ele não sofrerá nenhum dano às suas riquezas, ou seja, a seus animais domesticados e às suas plantações. Quando ele sair para inspecionar e contar seu gado, não encontrará animais perdidos, injuriados ou doentes. Antes, reterá suas riquezas, e isso por causa da bênção de Deus. O Targum faz da casa do homem justo um lugar para a instrução quanto à lei, um santuário particular. Se um homem fizer de seu lar um lugar assim, poderá

1889 esperar proteção divina especial. Adam Clarke mencionou a questão de vizinhos hostis como uma fonte de tribulação que interrompe a paz doméstica. A paz em um lar deve incluir bons vizinhos. Então, nenhum inimigo viria para saquear lares e aldeias. O saque inclui assassinatos, ataques sexuais e seqüestras, coisas que destroem uma família. Assaltantes, andarilhos e assassinos serão mantidos longe da habitação do justo. Isso constituía uma ameaça constante às aldeias e aos acampamentos no deserto da Palestina. 5.25 Saberás também que se multiplicará a tua descendência. Sempre foi muito importante para a mente semita que um homem gozasse de grande prospe­ ridade. Isso fazia parte do pacto abraâmico. Ver sobre Gên. 15.18, quanto a um sumário das promessas feitas a Abraão, e ver especificamente Gên. 15.5. Jó, ainda recentemente, tinha perdido os seus servos e seus familiares, através dos atos violentos de saqueadores e por meio de desastres naturais. Ver Jó 1.13,18. Portanto, deve ter sido especialmente amargo para Jó ouvir falar em uma grande posteridade. O que fica implícito, naturalmente, é que Jó, o pecador, era aquele que tinha perdido a sua família. Jó, o homem bom, inocente quanto a pecados secretos, não teria sofrido tão horrendas perdas. Como a erva da terra. Coisa alguma prospera e se espalha tanto como a erva daninha dos campos, que simboliza a fertilidade e o poder de sobrevivência. O pobre Jó foi informado de que, se ele não tivesse sido um pecador, até aquele dia sua família seria como um campo coberto de erva fértil.

Das cidades floresçam os habitantes como a erva da terra. (Salmo 72.16) A família do homem seria tão numerosa quanto “os espirais deervaque ninguém pode enumerar, tal como não pode enumerar as estrelas do céu ou a areia das praias do mar, mediante cuja figura de linguagem grande posteridade é, algumas vezes, expressa” (John Gill, in loc.). Quanto a essas figuras de lingua­ gem, ver sobre estrelas (Gên. 22.17 e Êxo. 32.13) e sobre areia (Gêr.. 22.17 e I Reis 4.20). A relva é uma figura de linguagem que fala da fragilidade do homem, bem como da facilidade e prontidão com que o homem perece. Ver Sal. 90.5,6; 102.4; 103.15; Isa. 40.6.8. 5.26 Em robusta velhice entrarás para a sepultura. Uma longa vida é desejá­ vel, quando usada d= modo útil, especialmente na promoção da espiritualidade. É melhor, contudo, viver bem do que viver longos anos, mas é melhor ainda viver bem e por muitos anos. Vida longa para os justos era uma suposição semítica e uma promessa padrão. Quanto a uma vida longa como algo desejável, ver as notas sobre Gên. 5.21. Quanto a uma longa vida em resultado da observância da lei, ver Deu. 5.15; 22.6,7 e 25.15. Cf. o uso que Paulo fez dessa figura de linguagem em Efé. 6.2,3. O primeiro mandamento dado, ao qual vinculamos uma promessa e, nesse caso, vida longa, era a questão de honrar pai e mãe. Certa­ mente é desejável ter uma vida longa, realizar algo de valor e estar pronto para morrer, e morrer com o conhecimento de que se agiu bem, tendo tido tempo para cumprir a própria missão. Oh, Senhor, concede-nos tal graça! Você não morrerá antes do tempo. Você partirá desta vida como um convida­ do que comeu bem e está satisfeito. Você partirá feliz com o que tiver aprendido e feliz porque desfrutou de uma vida plena e útil. Você morrerá como aquele grão de cereal que teve a oportunidade de passar pelo curso completo do ano, a primavera, o verão, o outono e o inverno. E, tendo então caído por terra, sua história não terminará. Você levantar-se-á do pó para a vida eterna (ver I Cor. 15.42-44). “O sepulcro não é o fim melancólico da vida, mas, antes, é a passagem para uma vida superior, para a qual o indivíduo já está maduro. “Já agora a coroa da justiça me está guardada, a qual o Senhor, reto juiz, me dará naquele dia; e não somente a mim, mas também a todos quantos amam a sua vinda' (II Tim. 4.8)” (Ellicotl, in loc., que cristianizou o texto). Elifaz não esperava por uma vida alémtúmulo, algo que não havia entrado ainda na teologia patriarcal. “Ir para o sepulcro em pleno vigor, como molhos de grão de cereal, retrata lindamente uma vida vivida plenamente e pronta para terminar. Cf. Jó 42.17” (Roy B. Zuck, in loc.). Morrer ainda no vigor da vida é um privilégio dado a bem poucos. Elifaz pensava que o homem bom poderia esperar esse tipo de morte. 5.27 Ouve-o, e medita nisso para teu bem. Elifaz tinha confiança em sua autori­ dade, a qual ele adquirira mediante uma experiência mística incomum (ver Jó 4.13 ss.). Ele acreditava que sua experiência garantia a veracidade de seu credo, um



1890 erro comum entre os indivíduos dogmáticos. Seja como for, ele terminou seu discurso assegurando a Jó que havia autoridade por trás de suas palavras e que Jó faria bem em assimilar e seguir o que ele lhe dissera. Essa também é uma atitude comum dos indivíduos dogmáticos que vivem inchados em seus credos, achando que, presumivelmente, solucionam todos os problemas no céu e na terra. Se Jó soubesse o que era melhor para ele, tomaria a sério a palavra de Elifaz e agiria de conformidade com o que ouvira da parte dele. Caso contrário, teria de adquirir sabedoria pelo caminho difícil. Soltando esse raio final, o crítico terminou o seu discurso. Esse imperativo final tinha por finalidade deixar o sofredor com um agudo senso de inferioridade. Isso justificava, naquele que falava, a convicção quanto ao caráter rebelde de Jó. Então, de acordo com os críticos de Jó, ele de fato respon­ deu (capítulos 6 e 7) como se fosse um rebelado contra Deus, desconsiderando todas aquelas “sábias’’ palavras como não aplicáveis ao seu caso. No tocante ao problema do mal (por que os homens sofrem e por que sofrem como sofrem), o discurso poético e, algumas vezes, eloqüente de Elifaz, ofereceu somente duas respostas comuns: retribuição (colheita do que o indivíduo tiver semeado) e disciplina. Esses fatores são importantes quanto ao porquê do sofri­ mento humano, mas outros fatores permanecem como enigmas, apesar de toda a nossa argumentação. Elifaz, pois, cometeu o erro comum dos indivíduos dogmáticos. Ele pensou ter todas as respostas embutidas em seu credo limitado. Elifaz era um homem simples. Ele tinha duas respostas fáceis para uma pergunta muito difícil. Mas devemos lembrar que a simplicidade não é, necessari­ amente, sinônimo da verdade. As verdades de Deus transcendem a nossa com­ preensão; são profundas e elevadas demais para nós. Temos algumas respostas limitadas a respeito de determinadas coisas. Além disso, a verdade é uma aventu­ ra que prossegue sem parar. Não é uma realização definitiva.

estava sendo disciplinado (ele precisava sofrer para melhorar a sua espiritualidade), simplesmente não se ajustavam à imensidão de sua tristeza. Essa tristeza fez a balança descer até o fundo. Uma pesagem divina, e não uma pesagem humana, poderia determinar quais eram as verdadeiras razões de seu sofrimento. Elifaz tinha apresentado falsos argumentos; eloqüentes, sim, mas nem por isso, verda­ deiros.

Lembretes. Quanto a uma maior compreensão do livro de Jó, tome nota dos quatro pontos a seguir: 1. O tema principal do livro é a adoração desinteressada. Haverá um homem capaz de continuar a adorar a Deus e dar atenção a coisas espirituais, se ficar demonstrado que não está obtendo nenhuma vantagem egoísta para fazê-lo? Porventura um homem promove a espiritualidade como meio de ganhar alguma vantagem para si mesmo? Ver “Ao Leitor” , sob o título “A Principal Mensagem do Livro’ , nos comentários de Introdução, imediatamen­ te antes da exposição a Jó 1.1. Ver também, na Enciclopédia de Bíblia, Teologia e Filosofia, o artigo chamado Egoísmo. 2. Jó, em seus sofrimentos, tomou-se um pessimista. Ver na Enciclopédia de Bíblia, Teologia e Filosofia o verbete chamado Pessimismo. 3. O problema do mal é aquele que ocupa a maior parte do espaço do livro. Está intimamente relacionado ao primeiro tema da adoração desinteressada. Por conseguinte, o livro de Jó apresenta uma teodicéia. Quanto às respostas dadas, ver a introdução ao livro, seção V, e, no Dicionário, o verbete chama­ do Problema do Mal. 4. O livro de Jó está fundamentado sobre uma primitiva teologia dos hebreus, que causa problemas para a mente moderna cristã. Ver Jó 1.11, quanto a um sumário para esses problemas. 6.3

C a p ítu lo S e is Continuamos com a primeira série de discursos, a fala dos três amigos de Jó e a resposta de Jó, que ocupam os capítulos 3-14 do livro. Na introdução ao capítulo 4, ofereço um sumário no tocante à série de discursos, o que não repito aqui. Ver especialmente Circunstâncias dos Discursos. Cada um dos críticos de Jó falou e recebeu uma resposta da parte dele. Esse ciclo ocorreu por três vezes, exceto pelo fato de que o terceiro amigo de Jó não apresentou um terceiro discur­ so. O capítulo 6 nos dá a primeira resposta de Jó ao primeiro discurso, de Elifaz. Ele não ficou convencido com os argumentos e a eloqüência de Elifaz. Seu caso, Jó acreditava, ficara sem resposta, diante da insistência de seu crítico de que a retribuição e a disciplina seriam suficientes para explicar por que os homens sofrem, e por que sofrem como sofrem. Ver sobre Problema do Mal, na V seção da Introdução ao livro, e ver o mesmo título no Dicionário.

Esta na verdade pesaria mais que a areia dos mares. A areia dos mares não apenas é infinitamente abundante, mas também se molha quando banhada pela maré. Por conseguinte, falar em seu peso é metáfora vívida. A esse peso, Jó comparou seu próprio sofrimento, por causa da pesada carga de tristeza. Jó admite que proferira palavras precipitadas (Revised Standard Version), quando se deixou afundar em seu pessimismo, no capítulo 3. A palavra hebraica traduzida por ’ precipitada’ pode significar “selvagem”. Talvez as reprimendas severas de seus amigos tenham levado Jó a falar de maneira um tanto descontrolada. Ver Pro. 27.3, quanto a outra referência ao peso da areia. Ali, a ira do homem insen­ sato aparece como mais pesada ainda do que a areia ou a pedra. John Gill cristianizou o texto, referindo-se ao peso da glória que é dado ao crente em Cristo (II Cor. 4.17). Os protestos de Jó eram violentos por causa de seus imensos sofrimentos. “Suas palavras (capitulo 3, sua lamentação) foram aparentemente impetuosas, mas, em comparação com seus sofrimentos, eram como nada” (Roy B. Zuck, in loc.).

Resposta de Jó a Elifaz (6.1 - 7.21) O Solilóquio (6.1-20) O Peso da Angústia (6.1-13) Elifaz havia oferecido um discurso ortodoxo. Mas a ortodoxia dele não se aplicava ao caso de Jó. Sua calamidade era grande demais. Ultrapassava qualquer julgamento divino razoável, quanto a qualquer pecado secreto que ele pudesse ter praticado. Seus infortúnios tinham de estar envolvidos em fatores que ainda não tinham sido ventilados. Jó era um homem inocente que estava sofrendo (Jó 2.3).

6 .1-2 Então Jó respondeu. “O patriarca sofredor declarou que a razão de sua queixa era que a sua angústia... era pesada. Mas, se a sua queixa fosse compa­ rada em uma balança com a sua miséria, esta seria muito mais pesada. De fato, mais pesada do que areia molhada. Suas palavras (capítulo 3), embora aparente­ mente impetuosas, nada eram, se comparadas aos seus sofrimentos” (Roy B. Zuck, in loc.). “O livro de Jó é um épico sobre a vida interior. Lutero, em certa passagem, compara o sofredor com o Enéias de Virgílio, um tipo do herói etemo, conduzido por todas as águas e oceanos, através de todas as hostilidades, até que ele se tornou um guerreiro capaz e habilidoso. Simplesmente não havia tal heroicidade em Jó. O poema é inteiramente oriental. Seus discursos ficam pendurados como pérolas, em um fio tão tênue como uma narrativa’ (Paul Scherer, in loc.).

Uma Pesagem Divina. Jó ansiava que seu caso fosse realmente avaliado. Era uma angústia realmente pesada. Mas quem poderia julgar exatamente quão pesada ela era? As respostas fáceis de Elifaz, o indivíduo dogmático, de que Jó sofria por causa de retribuição (ele estava colhendo o que teria semeado) e

Porque as flechas do Todo-poderoso. O próprio Deus, insistiu Jó, atirava flechas envenenadas contra ele. Novamente, Jó pôs a culpa em Deus por suas tribulações. Cf. o capitulo 3. A teologia dos hebreus era fraca quanto a causas secundárias e terminava atribuindo a Deus todas as coisas, como se Ele fosse a única causa. O hipercalvinismo comete erro idêntico, com os mesmos resultados: Deus é a fonte até mesmo do mal. Nada dizemos porque adoramos a um Deus voluntarista, ou seja, um Deus cuja vontade é suprema e que não obedece às leis morais que Ele impôs aos homens. Pelo menos, essa é a armadilha na qual caiu a teologia dos hebreus e na qual o moderno hipercalvinismo também tem caído. Ver na Enciclopédia de Bíblia, Teologia e Filosofia o artigo chamado Voluntarismo. No voluntarismo, a vontade é a consideração suprema, e a razão é virtualmente nada. Os homens, segundo o voluntarismo, erram ao buscar razões para os atos de Deus. Eles simplesmente confiam em Sua vontade, sem importar se essa vontade está cerla ou errada. É conforme Trasímaco, em um dos diálogos de Platão, perguntou: ‘ Deus faz uma coisa porque está certa, ou essa coisa está certa meramente porque Ele assim a faz?’ . Caros leitores, o voluntarismo apre­ senta um Deus distorcido. Trata-se de uma teologia e de uma filosofia deficientes, independentemente de aparecerem aqui e ali nas Escrituras, tal como em Rom. 9. Cf. Jó 7.20; 16.12,13; Lam. 3.12,13, quanto a versículos similares que falam sobre “atacar a Deus".

Uma Resposta Má para o Problema do Mal. Um Deus, cheio de vontade, que faz tanto o bem quanto o mal (conforme os homens julgam a questão), controla tudo. Portanto, não nos admira o fato de que o mundo tenha tanto mal, dificulda­ des e tribulação. Deus é a causa do mall Um homem cuja esposa tinha afundado juntamente com o Titanic disse a um amigo: ‘ Não acredito, por um momento sequer, que Deus tenha qualquer coisa que ver com isso!’ . ‘ As pessoas precisam parar de acreditar em um Deus como esse" (Paul Scherer, in loc.).



1891 Definitivamente, Jó não estava:

Oh, Amor, que não me deixas ir. Dou-Te de volta a vida que devo, Que nas profundezas de Teu oceano, seu fluxo

Buscando o alimento que ele come, Nem estava satisfeito com o que obtinha.

Possa ser mais rico e mais pleno.

(Shakespeare)

(George Matheson) Ele se parecia com o pessimista que: Mesmo depois de termos feito essas observações, ainda assim não solucio­ namos o problema do mal. Continuamos tendo grande dificuldade para dar res­ postas adequadas a esta pergunta: “Por que os inocentes sofrem?’ . Além das flechas, temos os raios e os relâmpagos, os grandes e incansáveis poderes destruidores de Deus. Jó julgou-se ferido pelos repetidos raios de Deus. Sua condição era desesperadora, e ele culpava a Deus por seu desespero. Ele era ferido por dentro pelas flechas e espetado por fora pelos relâmpagos. Suas misérias eram multifacetadas e mortais. Os terrores de Deus se arregimentam. A metáfora é a de um exército assediador. Deus se tomara como um exército hostil contra Jó, cujo caso era desesperador e sem solução. Cf. Efé. 6.11 ss., onde ataques tão maliciosos são atribuídos a Satanás. Por meio de uma teologia voluntarista, Satanás, como agen­ te de Deus, faz a vontade Dele, quer os homens gostem, quer não. Por conse­ guinte, ser atacado por Satanás é ser atacado por Deus, causa única de tudo. Nenhuma causa secundária participa do drama.

Zurrará o jumento montês junto à relva? Os animais, em qualquer neces­ sidade que tenham, fazem tremenda confusão. O jumento montês, quando lhe falta alimento, sai zurrando. O burro domesticado faz a mesma coisa, quando seu proprietário o negligencia. O boi que não recebe ração também muge e deixa seu dono louco com o ruído que faz. Assim também Jó, sofrendo como sofria, continu­ ava gritando, e quem poderia acusá-lo? Entrementes, os amigos de Jó eram como jumentos bem alimentados. Não clamavam acerca de coisa alguma. E também não entendiam todo o barulho que Jó estava fazendo. Eram como burros gordos. De fato, eram jumentos nédios.

Comer-se-á sem sal o que é insíp id o? Jó Muda Aqui a Sua Metáfora. Nó versículo anterior, ele se assemelha a um animal faminto que clama por alimento. No vs. 7 ele obtém um alimento repelente, que lhe parece intragável (Revised Standard Version). Seus sofrimentos se assemelham à fome do animal faminto que protesta a cada segundo, ou como um homem que é forçado a comer alguma coisa indigesta, cujo gosto é insuportável. Algumas traduções só dão a idéia de comer um ovo sem sal, o que, afinal, não é assim tão mau. O hebraico é incerto, assim algumas traduções não se referem simplesmente ao ovo, mas a algum alimento nojento. Seja como for, a vida se tornara intragável para Jó. Era como uma refeição nojenta, que ninguém, no uso correto de sua mente, comeria. Seu alimento era “repulsivo e insípido’ (Oxford Annotated Bible, comentando sobre o vs. 6). A Revised Standard Version traduz ‘ visco de beldroega’ , em lugar de ovo. A beldroega é uma planta usada por algumas pessoas para fazer saladas, mas em muitos luga­ res é evitada. O ponto destacado por Jó é que o homem precisa de alimentos decentes. Deus lhe estava servindo uma refeição repulsiva, lançando todo aquele sofrimen­ to contra ele. Talvez, em segundo lugar, Jó protestasse contra os conselhos de seus amigos, idênticos a alimento sem sal e repulsivo. Sal. Este elemento era muito valorizado no Oriente, onde se comiam muitos legumes e verduras como alimento principal. Naturalmente, o sal continua sendo muito valorizado, embora estudos científicos demonstrem que o sal, e não o açúcar, é o verdadeiro vilão. Aqueles que não consomem sal virtualmente desco­ nhecem problemas de pressão alta e outros problemas arteriais. Mas as pessoas, mesmo sabendo disso, continuam usando sal em excesso. Ver no Dicionário o artigo chamado Sal, em suas aplicações metafóricas.

A quilo que a minha alma recusava tocar. Jó não tinha apetite pela comi­ da que Deus lhe estava servindo. Ele não queria tocar naquele alimento. Era algo nojento para ele. Este versículo, pois, repete essencialmente as idéias que aparecem no versículo anterior. Jó reiterou a natureza repulsiva de sua “refei­ ção de vida’ . Ele preferiria passar fome e morrer a continuar participando da­ quela coisa horrível. “Minha enfermidade é como um alimento nauseante” (Umbreit, in loc.). Em outras palavras, Jó estava doente de viver, mas talvez temesse morrer. Cf. a metáfora de Sal. 42.3: “As minhas lágrimas têm sido o meu alimento".

Nada tinha para fazer senão trabalho; Nada tinha para comer senão comida; Nada tinha para vestir sonão roupas. (Benjamim King) Sua vida se fixara em um ciclo horrendo de atos inúteis, acompanhados por profunda tristeza.

6.8 Quem dera que se cumprisse o meu pedido. Os vss. 8-13 nos levam de volta ao desejo que Jó tinha de morrer, tão prevalecente em suas lamentações, expressas no capítulo 3. Cf. Jó 3.3-13. Em primeiro lugar, ele desejava nunca haver sido concebido; mas, se tivesse sido concebido, que tivesse passado por um aborto espontâneo; mas, se lhe faltassem essas bênçãos, então que tivesse nascido mor­ to. Faltando-lhe todas essas outras bênçãos, então ele desejava ter morrido jovem, para nunca ver o dia no qual sua vida se transformara. Jó se tornara um completo pessimista. O pessimismo (ver a Enciclopédia de Bíblia, Teologia e Filosofia) é a crença de que a própria vida é má. A salvação seria o fim de toda a existência. Então, haveria paz. Nessa paz não haveria sofrimento. Penso que qualquer horrem que estivesse sofrendo como Jó preferiria sofrer aniquilamento absoluto a continuar vivendo aquele tipo de vida. Jó não levantou a questão de uma vida para além do sepulcro, por meio de uma alma imaterial que sobreviveria à morte biológica. Isso refletia naturalmente uma deficiência em sua teologia patriarcal. Finalmente, ele veio a esperar uma ressurreição (Jó 19.25 ss.), doutrina dos hebreus que entrou em sua teologia, antes que entrasse qualquer doutrina da alma. O meu pedido. Devemos compreender que Jó desejava a morte e orava por isso. Para ele, a morte seria uma bênção divina. E ele não esperava sobreviver à morle em alguma forma imaterial. “O tema egípcio do desejo pela morte prematu­ ra reaparece (ver o capítulo 3). Outrossim, Jó temia que, em sua tortura, ele viesse a negar as palavras do Santo (vs. 10)” (Oxford Anrotated Bible, comentan­ do sobre o vs. 8). Se isso viesse a acontecer, então ficaria provado que Satanás estava com a razão (ver Jó 2.4,5). Os homens desejam morrer quando estão em profunda aflição, mas desejar a morte não é prova de que o indivíduo esteja pronto para morrer. Jó não estava pensando em suicídio, quase desconhecido entre os povos semitas e que não era tido como solução apropriada para as tribulações. Contudo, nada havia de tão desejável para Jó quanto a morte. 6.9 Que fosse do agrado de Deus esmagar-me. A noite etema era o Seu desejo. Nada mais de estrelas para contemplar; nada mais de luz; nada mais de ciclos de manhã e tarde; não mais dia que se seguiria à noite. Novamente, a teologia de Jó não tinha lugar para uma alma imortal. A teologia dele era deficien­ te. Ver as notas sobre Jó 1.11, quanto aos vários problemas teológicos do livro. Jó também clamou à divindade brutal (Eloah) que o esmagasse e o cortasse em pedaços, terminando assim sua triste história. Eloah tinha poder. Podia fazer o que fosse de sua vontade. Ver no Dicionário o artigo chamado Deus, Nomes Bíblicos de, quanto a plenas explicações. O nome El, sozinho ou em combina­ ções, é a palavra semita para “poderá Jó tinha cessado de esperar uma bênção beneficente. Ele queria que um poder destrutivo pusesse fim a tudo, libertando-o de suas agonias. Eloah é a forma singular de Elohim. Trata-se essencialmente de uma forma poética, sendo encontrada principalmente no livro de Jó. “Jó queria ser como uma flor cortada no campo, ou como uma árvore cortada até as raízes por um machado, ou desejava que o fio de sua vida fosse cortado, Isa. 38.12” (John Gill, in loc.). Que soltasse a sua mão. É provável que a metáfora, neste caso, seja a soltura dos prisioneiros. Cf. Sal. 105.20. Caso sofresse morte prematura, Jó seria como um prisioneiro cujo tempo de confinamento tivesse chegado ao fim e, para ele, a morte significaria a libertação. Até ali, a mão divina lhe havia administrado aflição. Mas também poderia soltá-lo, através da morte, e era por isso que Jó anelava tanto.

6.10 Isto ainda seria a minha consolação. A morte prematura teria impedido que Jó blasfemasse. Satanás havia predito que o sofrimento do corpo faria de Jó um



1892 blasfemo (Jó 2.4,5), e Jó, em sua agonia, viu que isso poderia tomar-se realidade. E então ficaria provado que ele não possuía fé desinteressada e havia adorado a Deus somente por algum beneficio que isso pudesse produzir para seu 'eu*. Em outras palavras, ele era um egoísta. Ver na Enciclopédia de Bíblia, Teologia e Filosofia o verbete chamado Egoísmo. Um homem submetido a sofrimentos extre­ mos é capaz de qjase tudo, até de blasfemar. Penso que Deus pode ignorar isso quando se trata de um homem reduzido a quase nada e sujeitado a uma punição cruel e incomum, conforme reza a lei americana a respeito de algumas ‘ornas de execução. Minha mãe sofreu de câncer durante quatro anos e meio. Sua persona­ lidade inteira mudou. Ela me disse, certo dia: ‘ Esta enfermidade tira de nós toda a forma de humanidade”. O D ejs de amor não ficará preocupado com as palavras amargas de alguém que foi reduzido a um verme esmagado. O verme esmagado não é a mesma pessoa que existira antes. Os dois são entidades diferentes. Talvez o profeta Baha Ullah estivesse mais próximo da verdade quando nos consolou dizendo que os testes difíceis podem tirar-nos a fé. Por outra parte, o tempo ce/olve a fé, e devemos ter paciência de esperar pela operação do tempo, depois de uma provação severa. Ate aqueie ponto, Jó nãc foi hipócrita. Ele não negou nenhuma das palavras do Santo. Ele conservou a fé, mesmo sob o teste mais severo, sabendo todo o tempo que ele era inocente. Mas um esmagamento contínuo poderia levá-lo à blasfémia. Ele queria sair do mundo antes que isso pudesse acontecer. Ele se endureceria sob as suas tristezas, isto é, suportaria tudo, até que a morte o libertasse. O texto hebraico é incerto aqui. e a tradução ‘ dor* poderia ser 'exultação”. Nesse ease, Jó exultaria em sua dor, porquanto saberia que isso, em breve, o levaria para o doce esquecimento da morte.

6.11 Por que esperar se já não tenho forças...? Para que prolongar esta ago­ nia? De que adianta a força física? O que imoorta ser forte e continuar no sofri­ mento? É muito melhor morrer do que sofrer pacientemente uma dor insuportável. Esse tipo de vida não vale a pena. Não restavam mais forças em Jó, não havia mais recursos para ele continuar em sua tristeza. Ele não era feito ce pedra ou bronze (vs. 12), o que talvez lhe permitisse suportar mais ainda aquela agonia. Ele queria liberdade. Liberdade para morrer. Elifaz tinha sugerido que Jó poderia ser restaurado à saúde caso se arrepen­ desse (ver Jó 4.19 ss.). A Jó, porém, nãc restavam forças para ter esperança de recuperação. Seus servos estavam mortos; quase todos os membros de sua família tinham sido destruídos; suas riquezas tinham sido obliteradas: seu corpo estava reduzido a uma massa nojenta de pústulas; suas forças físicas tinham-se exaurido. A morte, pois, se tomara atrativa para ele. E ele pediu a Deus que o deixasse ir-se, que c de.xasse morrer.

O Fracasso da Amizade (6.14-20) O texto à nossa frente é notoriamente obscuro e t e r provocado muitas tradu­ ções e interpretações. Mas pelo menos uma coisa parece clara. A verdadeira piedade se evidencia quando um amigo é verdadeiro. Os homens devem uns aos outros a gentileza, que é outro nome para o amor. Jó queixou-se de não receber o que merecia meramente por ser um homem entre os homens; presumivelmente, um homem que tinha amigos. Há aquela piedade fingida, a qual fala de amor, mas persegue e censura outros seres humanos; e era isso o que Jó estava experimen­ tando. Algumas vezes os filhos pródigos deixam a casa paterna meramente por­ que irmãos mais velhos censuradores permanecem ali. E os pais cegos não vèem as causas verdadeiras das coisas. A igreja não se reocupa com as favelas, contanto que seus membros aumentem de número, continuamente, em seus pró­ prios consolos e luxos. Os homens amam o próprio *eu* e acumulam coisas sobre si mesmos e sobre seus parentes próximos, enquanto continuam surdos ao cla­ mor da angústia humana. A amizade, algumas vezes, fracassa. Qual de nós não conhece muitos casos parecidos com este? O amigo de ontem é o homem aban­ donado de hoje. Os amigos, com freqüência, são amigos de outras pessoas meramente para explorá-las. 6.14 Ao aflito deve o amigo m ostrar compaixão ‘ A prova da verdadeira religião jaz na compaixão humana pelo próximo. Outra tradução possível é: ‘Um homem deve mostrar bondade para outro homem em desespero, mesmo para quem esquece c temor ao Todo-poderoso” (Oxford Annotated Bible, comentando sobre este versículo). A versão portuguesa escolhe a segunda possibilidade. Mas a Atualizada da Sociedade Bíblica, reverte o significado, subentendendo que o ho­ mem que abandona a Deus não merece a bondade de seus amigos. Essa idéia, entretanto, dificilmente poderia ter sido aquilo que Jó dissera. Jó buscava a bon­ dade humana, .naependentemente do estado de sua espiritualidade naquele mo­ ments. ‘ Mesmo que ele se tivesse afastado dc Todo-poderoso, ainda assim preci­ sava de companheirismo" (Roy B. Zuck, ín loc.). Ainda outros percebem aqui um temor de que o soínmento poderia resultar na apostasia:

Se o opróbrio vem de seu amigo para o desesperado, Ele pode esquecer o temor do Todo-poderoso. Dita a mesma coisa, menos desajeitadamente, esse mesmo pensamento foi dado por Kissane como:

Quando um amigo decepciona aquele que está desesperado, Ele esquece o temor do Todo-poderoso.

6.12 Acaso i minha força é força de pedra? Jó não fora feito de bronze ou pedra. Era apenas uma pessoa física, frágil, sujeita aos ataques da natureza. Sócrates lembrou aos juizes, na Apologia de Platão, que ele não era ‘ um pau ou uma peara”, sem sentimentos e sem a capacidade de sofrer. Paulo, sob o sofri­ mento, ouviu as palavras ‘ minha graça te basta* (II Cor. 12.19). Mas Jó não ouviu palavra alguma, nem foi consolado e, ainda por cima, supunha estar sendo alvejaco sem cessar pelas flechas divinas (Jó 6.4). Portanto, ele não estava recebendo nenhuma consolação divina. Pelo contrário, considerava culpa divina suas afli­ ções. A Ilíada de Homero (lib. iv, vs. 507) tem algo similar ao falar dos ferimentos da guerra: _

Não importa qual seja a verdaae.ra tradução deste versículo, a oonajae humana è enfatizada. A bondade deve ser estendida ao desesperauo sem impor­ tar c que pensemos sobre a sua condição espiritual. Afinal, são os enfermos físicos ou espirituais, que precisam de cura. A graça divina providencia a cura. mesmo no caso daqueles que nada merecem. Então a misericórdia entra em ação, no lugar da lei da colheita segundo a semeadura. Todos nos, com frequên­ cia, carecemos de misericórdia.

As amizades multiplicam as alegrias e dividem as tristezas. (Henry George Bohn)

Seus corpos não são feitos de rochas, Nem suas costelas são de aço. As armas lerem, e os golpes são sentidos.

Nunca injuries um amigo, nem mesmo brincando. (Cícero)

6.13

6.15-16

Nãol jamais haverá socorro para mim. Em si mesmo, Jó não encontrava ajuda nem tinha fonte alguma do "eu" fora de si mesmo, quer da parte de Deus, quer da parte sos homens. Ele estava completamente destituído. Qualquer recur­ so a que ele pudesse ter apelado estava afastado, tanto por causa de sua tristeza, como por causa do decreto divino. Contrastar este versículo com Jó 5.22.

Meus Irmãos aleivosamente me trataram. Se Jó esperava ccrdaae aa parte de seus amigos, eles eram como um leito de rio traiçoeiro que, algumas vezes, estava seco, mas, de súbito, por meio de chuvas ou de neves que se dissolviam, tomava-se uma torrente impetuosa, destruindo tudo em sua passa­ gem. Riachos gentis podem tomar-se rios caudalosos, e foi exatamente o que aconteceu aos amigos de Jó. Jó acusou seus irmãos (de raça, que tam D ém eram seus amigos íntimos) de o terem decepcionado, quando eie mais precisava deles. Trivialidades piedosas eram, para eles, mais importantes do que uma demonstra­ ção de autêntica espiritualidade, a qual repousa, afinal de contas, no amor. e não em algum credo que precise ser defendido eternamente. O vs. 16 empresta outra distorção à metáfora. Durante o inverno, os rios se enregelam. A superfície torna­ se gelo, e tudo parece calmo. Mas abaixo da superfície, que não é enregeiada. está a torrente rugidora. Se a camada de geie for fina, alguma pessoa que de nada suspeite pode terminar debaixo do gelo. Um rio, pois, é hipócrita por nature-

A esperança é tão barata quanto o desespero. (Thomas Fuller)

O castelo era chamado Castelo da Dúvida, E seu proprietário era o Gigante Desespero. (John Bunyan, O Peregrino)

TEMAS REPETIDOS NAS RESPOSTAS DE JÓ Temas repetidos podem ser, meramente, um artifício literário para fornecer cenários para novas seções. Encon­ tramos muito este tipo de repetição em I e II Crônicas. Ou a repetição pode ser uma maneira para desenvolver um tema mais prolongamente. O Salmo 119 fornece 176 louvores ou descrições da lei. O hino à lei, para conseguir tantas declarações, repete muitos temas diretamente, ou com modificações leves. Por muito falara lei fica muito louvada. A este tipo de repetição chamamos de embelezamento. A repetição também é utilizada para enfatizar o que está sendo falado. Existe também a repetição-surpresa. O impacto de uma idéia é alcançado com uma repetição que nos surpreende. Por exemplo: um sobrinho de Henry James perguntou-lhe: “O que é que eu devo fazer com a minha vida?”. James respondeu: Existem três coisas importantes na vida: seja gentil; seja gentil; seja gentil. Esperamos três coisas diferentes, mas ouvimos que existe uma só coisa de imensa importância. O choque da repetição nos impressiona com a lição a ser transmitida. Outro exemplo deste tipo de repetição: um pai deve ao seu filho três coisas: exemplo; exemplo; exemplo. Finalmente, existe a repetição de argumentação. Sempre em discussões, as pessoas envolvidas repetem seus argumentos, procurando forçar o oponente a aceitar suas idéias “por muito falar” as mesmas coisas. O livro de Jó exibe este tipo de repetição, tanto nos seus próprios discursos, como nos de seus “amigos”. O gráfico a seguir lista cinco temas essenciais que são repetidos em todas as três séries de acusações e resposta. Então, dentro de cada palestra, os mesmos temas se repetem.

A Primeira Série de Discursos

Os Temas Repetidos

Segundo Discurso

Terceiro Disi

6.14-20

------

....

7.11-17

9.1-12 9 .1 3 -1 0 .1 7

12.1-3; 13.1-1: 12.7-25 1.2-6

6.8-13; 7.1-10

10.18-22

cap. 14

7.20-21



13.13-19

Primeiro Discurso

1. Desapontamento entre amigos 2. A grandeza de Deus 3. Decepção na maneira como Deus trata os homens 4. Desespero com a vida e/ ou desejo de morrer 5. Desejo que Deus o vindique ante os homens

A Segunda Série de Discursos 1. Desapontamento entre amigos 2. A grandeza de Deus 3. Decepção na maneira como Deus trata os homens 4. Desespero com a vida e/ ou desejo de morrer 5. Desejo que Deus o vindique ante os homens

19.1-4 19.28-29 19.5-22

21.1-6 21.19-22 21.7-18;23-24

17.6-16



....

16.18-17:2

19.23-27

....

16.1-5; 17.3-5 ....

16.1-17

A Terceira Série de Discursos 1. Desapontamento entre amigos



26.1-4

2. A grandeza de Deus

23.8-17

26.5—27.12 cap. 8

3. Decepção na maneira como Deus trata os homens

24.1-17



4. Desespero com a vida e/ou desejo de morrer, mas aqui são os ímpios que morrem, a declaração sendo generalizada

24.18-25

27.13-23 caps. 29-30

23.1-7

cap. 31

(não houve um terceiro discurso nesta série)

5. Desejo que Deus o vindique ante os homens

Observações-. 1. As repetições servem para enfatizar certas idéias-chaves. 2. Os mesmos temas se repetem na segunda e na terceira séries de discursos e também nos discursos individuais. A precisão desta repetição indica que foi feita de propósito. As idéias voltam para serem discutidas de novo, com certa variação de tratamento. 3. A estatura do livro, como uma composição literária, é aumentada pela percepção que o livro é um grandioso poema. Levou considerável habilidade manejar essa grande massa de material de forma poética. 4. Quando amigos se ajuntam para discutir um problema, um diálogo resultará. Considere os diálogos de Platão. Mas o livro de Jó emprega o estilo literário do discurso. Este meio de ensino ocupa muito espaço e tempo, mas é efetivo se for habilmente manejado.

JÓ za, mostrando externamente um aspecto, diferente do interior. Jó chamou seus três amigos de hipócritas. Eles eram amigos que se sentiam felizes por festejar juntamente com ele em tempos de abundância e paz. Mas, chegando a tribulação, tornaram-se seus inimigos. Eram indivíduos dogmáticos, com um credo correto, mas a essa correção faltava o amor, de maneira que nada daquela correção lhes adiantava; tal como I Cor. 13 ensina com eloqüência. O vs. 17 distorce ainda mais a metáfora, o que anoto ali. Turvada com o gelo. A neve e o gelo que permanecem no solo por algum tempo carregam-se de sujeira do ar bem como de objetos que passam. É assim que a neve e o gelo escurecem, e assim permanecem até que outra camada de neve seja depositada por alguma tempestade, como uma capa branca de neve e gelo. Talvez esse fenômeno seja o que Jó tivesse em mente, nesta parte do versículo. A cor negra da neve turvada nos faz lembrar dos lamentadores que vestem sua roupa de cilício (ver Sal. 35.14).

1895 6.20 Ficam envergonhados por terem confiado. É provável que Jó estivesse referindo-se agora às caravanas, e não aos negociantes de Seba. Em seu descui­ do, eles se desviaram da rota, buscando as águas presumidas. Mas ficaram desapontados e confundidos. Encontraram somente areia. A expectação transfor­ mou-se em desespero. E Jó, em sua aflição, não encontrou um único amigo.

Se você tem um verdadeiro amigo, Você tem mais do que sua partilha. (Thomas Fuller) “Ora, a esperança não confunde... ” (Rom. 5.5). Mas Jó, à semelhança dos condutores de caravanas de camelos, tinha perdido a esperança. Comparar a descrição de Jeremias sobre a fome, em Jer. 14.3.

6.17-18 A invectiva (6.21-7.7) Torrente que no tempo do calor seca. A metáfora do rio forneceu a Jó ainda outra distorção. Talvez esse rio imaginário de Jó ficasse seco parte do ano. Ao que tudo indica, era um rio completamente inofensivo. Mas eis que, de repen­ te, transforma-se em uma torrente rugidora, ficando perigoso. Então cria uma fina camada de gelo à superfície, tomando-se traiçoeiro para os que de nada suspei­ tam. Então, quando o calor sobrevêm, esse tipo de perigo é anulado. Mas, no lugar disso, há uma sequidão mortal. O rio, antes caudaloso, agora não tem água. Tornou-se um rio morto. As caravanas de camelos param, porque os condutores dos animais sabem que “aqui há água”, mas, quando se aproximam, enchem-se de desespero, porque o calor secou toda a água. Os camelos ajoelham-se no chão e morrem de sede. Assim acontecia a Jó e seus três amigos. Seus amigos tinham-se tornado rios secos. Não demonstravam nenhuma simpatia ou consolo pelo pecador, deixando-o morrer de sede.

Quando outros ajudadores falham, E o consolo foge, Fica comigo. (H. F. Lyte) As caravanas que viajam por aquelas regiões de riachos põem sua esperan­ ça nessas torrentes. Mas, faltando água nelas, as caravanas perecem no deserto. Assim acontece aos necessitados que se dirigem a outros, pedindo ajuda, mas não encontram a água da bondade humana. Em lugar de água, os homens en­ contram um deserto espiritualmente seco. Os alegados homens piedosos os de­ cepcionam. O amor é a prova da espiritualidade (ver I João 4.7). Mas alguns homens só têm a religiosidade espalhafatosa dos credos e das cerimônias. A espiritualidade de algumas pessoas não passa de ostentação pessoal. São como riachos secos no deserto. Os homens se perdem totalmente nas areias secas da falsa espiritualidade. 6.19 As caravanas de Tema a procuram. As caravanas de camelos partiam de Tema para juntar-se a outras caravanas, em Seba. Nos tempos antigos, as cara­ vanas viajavam juntas, o que conferia alguma proteção contra os ladrões e saqueadores. Ou era em Seba que os mercadores esperavam, ansiosamente, a entrega das mercadorias trazidas pelas caravanas. Seja como for, Jó falou sobre a ânsia e a expectação de todos os envolvidos. Mas uma coisa era necessária. O ciclo dos negócios não poderá continuar sem a existência de água no deserto. O caminho era longo demais para ser percorrido, não fora um suprimento de água ao longo do trajeto. O processo inteiro dependia de adequado suprimento de água. Assim é que os homens, ao percorrer as estradas poeirentas desta vida, dependem da bondade de outros, que tornem a viage n um s-cesso. Sem amor, as pessoas perecem. Ver no Dicionário os artigos chamados Tema e Seba. Talvez Tema fosse um território no norte do deserto da Arábia, nas fronteiras com a Síria. Havia tráfico feito por camelos e comércio vindo do golfo Pérsico para o mar Mediterrâneo (ver Isa. 21.14; Jer. 25.23). Seba provavelmente era um distrito do golfo da Arábia (cf. Jó 1.15), onde os negociantes praticavam seu comércio e recebiam mercadorias das caravanas. Os negociantes de Seba esperavam anelantemente pelas caravanas. Teriam elas sido perturbadas pelos ladrões? Saqueadores teriam roubado suas mercado­ rias? Não, nada disso havia acontecido. O que tinha sucedido era muito pior. Os caravaneiros tinham perecido por um ato da natureza traiçoeira. Assim era que Jó estava morrendo, enquanto seus traiçoeiros amigos não lhe ofereciam a água da simpatia humana. Seus amigos tinham fracassado diante da prova da verdadeira piedade. Eles estavam cheios de credos sábios, mas o coração deles era seco como uma pedra.

6.21 Assim também vós outros sois nada para mim. “Vós vos tomastes como pessoas que não existem. Vós sois nada para mim. Vedes a minha calamidade e temeis que Deus vos puna por vossos pecados, se mostrardes simpatia para comi­ go. Vós pensais que Deus fere àqueles que mostram bondade para com os pecado­ res. Se sois tão sábios, dizei-me agora onde eu errei. Dizei-me, ou caiai-vos!" Sois nada para mim. O original hebraico diz aqui, literalmente, “Vós sois... não!”. O texto é por demais abruptc, e a sintaxe é incoerente, demonstrando alguma grande emoção, que venceu o fluxo suave da linguagem. Temos aqui uma explosão emocional, que fez da linguagem mera came moída. , vos espantais. Um possível consolador pode ficar gelado diante de uma cena de dor extrema. Mas os consoladores de Jó se enregelaram na inação, porquanto temiam que c divino Vingador que atacara Jó se voltasse contra eles, caso consolassem “o pecador” . Há uma espécie de amizade espúria nessa situação, que, ocasionalmente, se esconde no pano de fundo, como se não houvesse amizade. Em outras ocasi­ ões, essa amizade torna-se acovardada. Há um indício aqui de que os amigos de Jó temiam consolá-lo a fim de não comprometer sua posição diante do Todopoderoso” (Paul Scherer, in loc.). Os amigos de Jó tomaram-se um leito seco de riacho, inútil e hipócrita. Eram águas enganadoras, que nem existiam. 6.22-23 Acaso disse eu: Dai-me um presente? “Em sua destituição, Jó não esperava nenhuma ajuda material, mas verdadeira simpatia e compreensão” (Samuel Terrien, in loc.). A amizade de seus amigos tinha errado o alvo. Ele não queria dons que pudessem provocar tensão quanto à situação financeira deles. Ele queria o presente espontâneo da bondade humana. Nunca havia pedido nada para seus amigos. Em sua hora de necessidade, eles se mostraram mesquinhos, embora ^.sasser pala­ vras gentis; suas palavras eram aguçadas e cortantes e, em certas ocasiões, abusivas. Jó tinha muito para restaurar, pois havia perdido todas as suas riquezas. Mas, mesmo nessa condição, não esperava ajuda financeira. Ele tinha uma necessidade mais profunda, para a qual eles estavam cegos. “Quando um homem entra em decadência e toma-se prejudicial Dara seus amigos, vinte coisas são acumuladas para que possam falar contra o caráter dele. Eles dizem que ele é indolente, pródigo e extravagante, de modo que não mereceria nenhuma ajuda. Dessa maneira, os amigos poupam seu dinheiro e justificam sua falta de doações. Esse era o caso de Jó. Ele nem ao menos pedira dinheiro" (John Gill, in loc). Ao que tudo indica, Jó estava mergulhado em dívidas e não tinha com'' pagblas. Seus “opressores” o pressionavam, mas não dispunha de recursos materiais para quitá-las. Isso aumentava a miséria em que ele vivia. Jó, entretanto, não pedia que ninguém o redimisse de suas dívidas. Estes versículos tapbérr pare­ cem indicar que Jó não tentou vingar-se dos que tinham matado seus servos e familiares, e saqueado seus bens. Ele não conclamou seus amigos a compor uma força armada e ir atrás dos sabeus ou caldeus (ver Jó 1.14,17). Nem tentou transformar seus amigos em vingadores. Lembramos que Abraão, espontanea­ mente, restaurou os bens de Ló pela força das armas (ver Gên. 14). Jó não seguiu o caso de Abraão, exigindo que seus amigos arriscassem a vida em seu favor, tal como Abraão se tinha arriscado em favor de Ló.

A mim me pertence a vingança; eu é que retribuirei, diz o Senhor. (Romanos 12.19)



1896 A mais nobre vingança consiste em perdoar. (Provérbio do século XVI) 6.24 Ensinai-me, e eu me calarei. Os sofrimentos de Jó eram intensos demais para serem explicados pela Lei Moral da Colheita segundo a Semeadura (ver a respeito no Dicionário). Ele pleiteou em favor de uma pesagem divina para que se determinasse o que lhe dava tanta tristeza, o que podia comparar-se ao peso de sua dor (Jó 6.23). Coisa alguma que seus amigos haviam dito tinha tanto peso. Por conseqüência, Jó conclamou seus três amigos para dizer algo que oferecesse uma razão lógica para suas condições. Ele estava aberto às instruções dadas por eles, mas também sabia que, até aquele instante, eles tinham errado o alvo com suas instruções. O outro argumento que Elifaz apresentou foi a disciplina. No entanto, Jó não precisava tanto de disciplina. Ele não era algum grande pecador, nem vivia indisciplinado. E, caso ele tivesse errado, então queria saber que grande(s) pecado(s) tinha(m) causado todos aqueles funestos acontecimentos. “Errado” é tradução das palavras hebraicas que significam “estar estonteado na bebedeira” (cf. Isa. 28.7; Pro. 20.1). Talvez esteja em vista alguma espécie de erro ritual (ver Lev. 4.13), cometido na ignorância, que poderia ter ofendido a Deus. Talvez alguma torpeza moral fosse a causa (ver I Sam. 26.21; Pro. 5.23), mas, nesse caso, Jó não fazia idéia do que poderia ser. Jó estava disposto a deixar-se convencer e instruir, mediante o poder de palavras honestas. “Vocês pensam que estou estonteado e tropeçando para cá e para lá como um bêbado. Tratem clara­ mente comigo. Mostrem-me o que tenho feito e ficarei calado” (Paulo Scherer, in loc.). Tão sábias instruções seriam bondosas. Mas até aquele ponto, seus críticos tinham somente sido cruéis. 6.25 Oh! Como são persuasivas as palavras retas! As palavras retas revelam a verdade, mas os argumentos dos críticos de Jó eram meros disparates: nada provavam; nada corrigiam; nenhuma solução davam para os sofrimentos de Jó. Pelo contrário, eram apenas palavras irritantes derramadas sobre os ferimentos de Jó. Palavras retas são as que se originam da verdadeira sabedoria. A fonte final e última dessas palavras é Deus, que dá sabedona e compreensão aos homens. Palavras honestas são cheiae de força.

Leais são as feridas feitas pelo que ama, porém os beijos de quem odeia são enganosos. (Provérbios 27.6) Os atos falam mais alto do que as palavras. (Provérbio do século XX)

Palavras sem pensamentos nunca chegam ao céu. (Cláudio)

A sabedoria é plena de compaixão. (Eurípedes) Cf. este versículo com Pro. 8.6,9. Ver também Isa. 11.21. 6.26 Acaso pensais em reprovar as minhas palavras...? A fala de um homem desesperado (como o caso de Jó) é tão leve quanto o vento. Isto é, os amigos de Jó tratavam as palavras dele como se não houvesse peso nelas. Eles as conside­ ravam falsas e hipócritas. Eles sabiam, realmente, criticar, mas não tinham sabe­ doria suficiente para aplicar suas palavras ao caso, resolvendo o enigma. Eram as palavras deles que não tinham mais peso do que a brisa que soprava. Os críticos de Jó não tinham sido capazes de encontrar nenhuma falha na conduta dele, assim terminaram meramente atacando suas palavras. Eles nada tinham resolvi­ do. Contudo, continuavam a persegui-lo, por causa das suposições contidas em seus credos: nenhum homem inocente pode sofrer. 6.27 Até sobre o órfão lançaríeis sorte...? Jó fora deixado como um órfão pelos desastres que o haviam atingido. Ele falava em sentido metafórico: era uma criança sem pais; estava sozinho no mundo; não tinha família, e seus poucos amigos tinham-se tornado seus críticos.

Lançaríeis sorte...? Os “amigos” de Jó eram como um bando de abutres, lançando sortes sobre o homem caído para ver qual valor ainda não consumido pelas calamidades poderiam tomar dele. Ver Sal. 22.18. Eles tinham tentado fazer de um amigo mera mercadoria. Outro sentido possível é “lançar uma rede por sobre” (em lugar de lançar sortes). Eles tinham tratado Jó como um animal ferido e caído. Eles eram os caçadores, ao passo que Jó era a caça. Tinham escavado uma armadilha para ele, da mesma maneira que os homens capturam animais ferozes em buracos na terra, para matá-los e ficar com o couro. A Revised Standard Version diz, nesta parte do versículo, “barganharíeis”, o que corresponde à tradução de nossa versão portuguesa “especularíeis”, resguardando, assim, a metáfora comercial. Sem importar qual metáfora exata Jó tenha usado, o sentido de suas pala­ vras é claro: seus críticos estavam preparados para realizar qualquer ato de cnjeldade. Alguns estudiosos traduzem essa parte referente à rede como: “feste­ jam sobre seu amigo”; tal como os homens, às vezes, capturam animais e então preparam um alimento qualquer com eles, para celebrar algum evento trivial. A palavra hebraica foi usada dessa maneira em II Reis 6.23 e Jó 41.6. Aben Ezra e Bar Tzemach entenderam a frase dessa maneira. Jó queixou-se de que seus alegados amigos o tratavam como um animal que capturassem, matassem e comessem. 6.28 Agora... olhai para mim. Jó convidou seus amigos a dar uma boa olhada nele. “Vede que homem miserável sou. Nenhum homem em minhas condições teria energia para mentir. Qualquer pecador em minha condição fugiria para Deus para pedir-Lhe ajuda, plenamente arrependido. Mas o que estais vendo é um homem inocente desesperado”. Jó não estava mentindo diante da face de Deus, apresentando-se como se fosse aquilo que não era. Por igual modo, ele não mentiria diante de seus amigos sobre a questão. Estava ansioso para confessar os seus pecados, para fazer reparação e restituição por quaisquer erros cometi­ dos contra outrem e para dar as boas-vindas àquele alívio e bênção divinos que Elifaz prometera ao pecador arrependido (ver Jó 5.19 ss.). Os críticos de Jó podiam olhar para seu rosto. Quando ele falava, porventura havia qualquer careta ou gesto que indicasse que ele estava mentindo? Se olhas­ sem, só veriam a tristeza de um homem inocente. Os credos deles não continham proposições que explicassem o caso. Eles tinham apenas uma teologia deficiente. De fato, todas as teologias são deficientes. As teologias que têm todas as respos­ tas e solucionam todos os enigmas são apenas humanologias. Livros, palavras e pensamentos não avançam muito na explicação do Mysterium Tremendum (ver a respeito no Dicionário) que é Deus. Os teólogos sistemáticos acreditam muito em si mesmos ao tentar descrever a natureza de Deus. Mas usualmente só conseguem descrever um super-homem. Tudo quanto eles podem dizer é aquilo que o homem é, elevado a uma potência superior. É claro que Deus é “outro”, e não “isso". 6.29 Tornai a julgar, vos peço. Jó convidou seus críticos a reconsiderar seu caso, para que “nenhum erro fosse cometido”. Ele pediu que seus críticos o vindicassem e provassem o que realmente era verdade: Jó era inocente. Então eles fariam progresso aproximando-se de alguma espécie de interpretação correta do caso. Em primeiro lugar, teriam de abandonar falsos julgamentos. Somente então seriam capazes de fazer julgamentos verdadeiros. Jó, pois, convidou seus amigos a reverter o curso em que estavam, abandonando suas falsas premissas. Jesus disse: “Não julgueis, para que não sejais julgados” (Mat. 7.1). Tanto mais, essa declaração deveria aplicar-se aos atos e às palavras de um homem, quando a pessoa julgada é, de fato, inocente diante das acusações. “Eram os amigos de Jó que precisavam converter-se, e não Jó”! (Samuel Terrien, in loc.). Meus argu­ mentos são prova suficiente de minha inocência” (Adam Clarke, in loc.). A justiça de minha causa triunfará. Ou, melhor ainda, conforme diz a Revised Standard Version: “Minha vindicação está em jogo”. Verdadeiros amigos ajudariam Jó a ser vindicado diante de qualquer acusação de maldade. Uma vez concretizado esse passo, então poderiam ser encontradas as causas reais dos sofrimentos de Jó. 6.30 Há iniqüidade na minha lingua? Se Jó estivesse proferindo falsidades, ele poderia degustá-ias. Qualquer perversidade seria amarga em sua boca. Ele tinha sensibilidade suficiente para discernir a calamidade do erro. Foi assim que Jó usou a “metáfora de degustação”. Enquanto falava, ia provando suas palavras. Seu senso de percepção dizia-lhe que elas eram verazes. Malícia e mentira têm um gosto revoltante para o homem justo. Em linguagem direta, sem nenhum sentido metafórico, Jó dizia que “sua consciência era capaz de discernir a corre­ ção de seu caso” ( Oxford Annotated Bible, comentando sobre este versículo).

j

Alguns estudiosos fazem a segunda parte do versículo referir-se à degusta­ ção das palavras de seus amigos, por parte ae Deus, e não ã degustação das próprias palavras. Nesse caso, ao prová-ias, ele as julgava repelentes, amargas e destruidoras. Ele julgava que seus amigos estivessem proferindo ‘ coisas pernicio­ sas”. Cf. as “palavras devoradoras", mencionadas em Sal. 52.4.

1897

O

sombra que alivie sua dor, seja a sombra de uma árvore, de uma rocha ou de algum abrigo. Ou, então, “sombra” é uma figura poética que signitica *noiter. O escravo anela ansiosamente pela noite que o salvará do sol e de seus labores. A noite é a sombra da terra inteira. Talvez Jó estivesse retratando um homem a trabalhar durante o calor do dia de sua vida, anelante pela noite, isto é, pela sua

morte.

C a p ítu lo S e te Este capítulo continua dando a resposta de Jó a Elifaz, de maneira que não introduz nenhuma nova seção. Jó 6.1-7.21 registra a primeira resposta a seu primeiro amigo, que lambém se aplica aqui. Os discursos dos três amigos de Jó e as respostas de Jó a eles ocupam os capítulos 3-14. A Vida é Sem Esperança (7.1-6) Jó continuou com sua resposta a Elifaz, tomando, de forma marcante, a posição de um pessimista, tão evidente em sua lamentação do capítulo 3. Os pessimistas argumentam que a própria vida é um mal, e que & saivação consiste na cessação de toda a existência, na redução ao nada. Isso garantiria paz a todos os sofredores. Ver no Dicionário sobre Pessimismo. “Jó sofria porque a vida humana, de modo geral, é um serviço duro. Ele estava sujeitado à condição de um homem mortal que levava a vida de um soldado ou mercenário (vss. 1-3). A dor física faz as noites e os dias parecer intermináveis (vss. 4 e 5)" (Samuel Terrien, in loc.). A vida nada é senão dor, e ela tem uma miserável e dolorosa duração. Não vale a pena viver, era o pensamento central de Jó, embora eie nunca tivesse proferido tais palavras. A vida é ridiculamente breve, e até essa brevidade está plena de dores absurdas. A vida passa como se fosse um vento, e esse vento é um tufão. 7.1 Não é penosa a vida do homem soDre a terra? Jó acreditava na teoria ae que há um tempo ap'opnado para viver e para morrer, no caso de caaa inaividuo, e breve é esse tempo determinado, no qual a miséria também é nêterminada para fazer essa breve vida tão miserável quanto possível. Jó, pois, continuou defendendo seu pessimismo (ver a respeito no Dicionário;, pensando que a própria existência é um mal. A vida, dessa mane.ra e um plano e um prazo, mas isso não significa (de acordo com o raciocínio pessimista) que eh se,a boa. Antes, é um mal determinado. Jó expandiu aqui a “ode à miséria", sua lamentação do capítulo 3 .0 mal se jssemeIha a algum monstro voraz, o qual ataca e consome toda a vida e toda a ex'slênaa. É como algum monstro que engole aquilo que poderia ser um bem, tomando-o amargo e espantoso. Que há para se viver? Alguns poucos dias, meses e anos determinados para um homem mas sáo plenos de sofrimento, até mesmo no caso de crianças. Dizemos: “Quem dera que fosse dia! Quem dera que fosse noitel”. Porque não agüentamos nem uma coisa nem outra. Ver Deu. 28.67.

Cheio de dores, este ser intelectual, Cujos pensamentos vagueiam pela eternidade, Ele perece, é engolido e se perde, No ventre largo da noite incriada. (Milton, Paraíso Perdido, Livro 11.11.146-150)

Duração da Vida. Alguns estuaos parecem indicar que, no caso da maioria das pessoas, não está determinada nenhuma duração absoluta de vida. Elas podem viver alguns poucos anos a mais ou a menos, sem que isso perturbe o propósito da vida. A oração pode tomar mais longa a vida, como se deu no caso do rei Ezequias, que obteve 15 anos extraordinários (ver II heis 20.6); mas isso não significa que os homens ganhem alguma coisa se vivarem um pouco mais. Tudo depende daquilo que cada indivíduo tiver de fazer Todos nós precisamos de tempo para cumprir nosso propósito. Ver Sai. 39.4. No livro de Jó, ver também 14.5,13,14; 29.2,3. Penosa a vida. A metáfora pode incluir a idéia de um escravo. Ele tem uma vida para viver, mas de que vale? Ele serve a outros, sua e labora até a exaustão, e ninguém se importaria se ele continuasse a viver ou se morresse. Portanto, todos os homens são escravos dos desastres da vida e das vicissitudes miserá­ veis. Ou, então, a metáfora é que o soldado leva uma vida dura e amarga, matando ou sendo morto. O termo hebraico, saba, “serviço duro", pode também indicar o serviço militar. Ver Jó 14.14 e Isa. 40.2. 7.2 Como o escravo que suspira pela sombra. Um escravo, no meio de suas misérias, servindo a um senhor duro, nunca tem um momento de descanso ou paz. Esse homem, que trabalha e sua, ao sol e no calor do dia, anela por qualquer

7.3 Assim me deram por herança meses de desengano. Os dias de Jó eran muitos, e suas noites não lhe conferiam alivio. Sua miséria era ininterrupta, pior que a de um soldado ou escravo. “Sou como um escravo. Tenho meu labor determinado para o dia. Sou como um soldado, assediado pelo inimigo. Sou obrigado a estar continuamente de vigia sem nenhum descanso” (Adam Clarke, in loc.). Os dias de miséria de Jó eram uma condenação inevitável. Os dias eram agoniados e as noites, melancólicas. Sua vida era vazia ou vã. Cf. Jó 7.16 e Eclesiastes 1.2,14. “Tudo é vaidade”. Meses. Mediante este vocábulo, Jó enfatizou a natureza da longa duração de sua miséria. Ele sofria e não podia levá-la a um fim. Ele não tinha nenhuma esperança de alivio e anelava pela noite da morte. 7.4 Ao deitar-me digo: Quando me levantarei? Quanao chegariam suas noites naturais que, segundo se poderia esperar confeririam algum alívio? Bem contrá­ rio era o caso. Ele não podia encontrar maneira de deiiar-se que facilitasse suas dores. Suas feridas latejavam da cabeça aos pés. Ele anelava pelo amanhecer. Mas, quando o dia chegava, coisa alguma mudara; a dor não havia Dassado; a tristeza só era renovada pela luz do dia. Então ele orava: ‘ Senhor, ajuda-me a passar esta noite". Quando o dia amanhecia, ele orava: ‘ Senhor, ajuda-me a atravessar este dia". Mas o céu não acolhia suas orações. Jó fora abandonado por Deus e pelos homens. Cf. Sal. 130.6. Farto-me de me revolver na cama. Jó vivia saciado com seus sofrimentos e tentativas de obter alívio. “Ele estava farto e saciado com suas voltas na cama, corriu um homem fica de tanto comer, conforme a palavra também pode significar” iJonn Gill, in loc.).

7.5 A minha carne está revestida de vermes. Dentre todos os homens, Jó era o mais miserável. Vermes tinham atacado seus ferimentos; provavelmente, as larvas das moscas, que comem carne morta. Não havia como ele tomar um banho, de maneira que a sujeira e o suor o deixavam uma desgraça. Sua pele racnava à toa e ficava putrefacta como se ele fosse um homem morto. “Quem poderia dormir com o corpo coberto de vermes (que, provavelmente, roíam a carne morta) e escamas de sujeira (literalmente, crostas de sujeira)? As escamas em sua pele endureciam e rachavam; seus ferimentos drenavam pus” (Roy B. Zuck, in kx.). Crostas de sujeira. ‘ Incrustações de pus endurecido e seco, que formavam as partes mais altas das pústulas, em um estado de decadência (Adam Clarke, in loc.). Os intérpretes falam em varíola e elefantíase. Mas a verdade é que as desgraças de Jó ultrapassavam essas enfermidades. Seja como for, Jo era uma massa nojenta, de acordo com a medida de qualquer um dos sentidos físicos, como a vista, o olfato e o tato. 7.6 Os meus dias. Nesta passagem bíblica, “dias" significa a duração da vida (vs. 1), e aqui esses dias são chamados velozes e com seu final para breve. Sua vida breve e miserável tinha passado sem nenhuma esperança. Cf. Jó 6.11; 14.19; 17.11,15. Jó desistiu da esperança de ter felicidade algum dia. A teologia de Jó era a de que uma vida é miseravelmente breve e não há vida além do sepulcro, o que lhe poderia conferir esperança. A teologia dos patriarcas não incluía a doutrina de uma alma imortal. Em Jó 19.26, Jó parece manifestar a esperança de uma nova existência, após a vida física, mediante a ressurreição, mas esse versículo é muito disputado. Ver Jó 1.11, quanto à discussão sobre os problemas teológicos do livro. Jó tinha uma teologia deficiente, como, de fato, dáse com toda a teologia geral do Antigo Testamento. Mais velozes do que a lançadeira. Os povos antigos não contavam com nossas máquinas, veículos, aviões e foguetes. Por isso mesmo, Jó estava reduzi­ do a ilustrar a pressa da vida mediante uma simples lançadeira de tecelão. Trata­ va-se de uma mecânica capaz de movimentos muito ligeiros, segundo as medidas da tecnologia antiga. Cf. Jó 9.25; 16.22. Quanto a outros versículos que falam



1893 sobre o tempo curto que o homem tem para viver, ver Sal. 90.5; 102.11; 103.15; 144.4; Isa. 38.12; 40.6 e, no Novo Testamento, Tia. 4.1. Oração (7.7-21)

Sopro. Esta metáfora, muito provavelmente, preserva a idéia de velocidade que figura no vs. 6, mas adiciona a condição de ausência de substância. As miséri­ as de Jó levaram-no a crar. A oração de Jó é uma espécie de solicitação chorosa. Ele apela ao Deus “brutal', pedindo piedade. Deus é visto como um poder destruidor e agressor. A teologia dos hebreus era fraca quanto a causas secundárias, de modo que as misérias de Jó foram atribuídas a Deus, a Causa Única. A exagerada ênfase moderna oocre a predestinação (que corresponde ao fracasso em reconhecer o livre-arbítrio), como no hipercalvinismo, cai na mesma armadilha. A Causa Única, como é óbvio, é a causa do mal. Ver a discussão sobre os problemas teológicos do livro em Jó 1 11. Jó esperava que o tremendo espetáculo de seus sofrimentos induzisse Deus a agir com misericórdia, a fim de aliviar sua condição. Jó reteve a fé, embora fraca, na bondade de Deus, a despeito dos seus sofrimentos. O “vento", conforme dizem aqui (em lugar de “sopro”) algumas traduções, é tanto rápido (continuando a metáfora do versículo anterior) como sem substância. O vento, ninguém sabe de onde vem e ninguém sabe para onde vai. O vento vem e vai Algumas vezes sopra furiosamente, mas logo se transforma em brisa calma ou é até obliterado. Deus deveria ter piedade, caso contrário a vida de Jó desapa­ receria como o sopro suave da brisa, para nunca mais retomar. Seus breves dias perder-se-iam na miséria. Se esse “vento” for compreendido como mero “sopro" (conforme faz a nossa versão portuguesa), a metáfora será ainda mais severa. A vida nada mais é que um sopro, dado por um homem. Ele inala e então o ar, e isso termina a história do sopro. Em breve, nem Deus nem os homens continuariam vendo Jó. “Deus não mais o veria (cf. Jó 7.17-19,21). Ele desapareceria para sempre, enviado para o sepulcro, para nunca mais retornar (cf. o vs. 21)’ (Roy B. Zuck, in loc.). “É em seus momentos de desespero que o homem começa a orar* ( Oxford Annotated Bible, comentando sobre o vs. 7). Cf. este versículo com Sal. 78.39.

sentido algum. Quando uma nuvem desaparece, desaparece. E, de acordo com a teologia dos antigos patriarcas, quando um homem morria, realmente morria. Não haveria uma alma imortal mediante a qual o homem continuasse a existir. Em Jó 19.26, Jó parece ter obtido o vislumbre de uma vida futura; mas os eruditos disputam o significado do versículo. Muitos deles não conseguem ver a ressurrei­ ção nesse quadro, e certamente o versículo não falava de uma parte imaterial, a alma imortal. Alguns estudiosos vêem aí um sinal da reencamação, mas isso também é duvidoso. “O pensamento da finalidade da morte impulsionou Jó a ignorar toda a modera­ ção na linguagem, mesmo ao falar com Deus. A atitude quase tema com que a oração começou agora se transforma em amarga exposição’ (Samuel Terrien, in loc.). Os intérpretes que apelam para a ressurreição e para as doutrinas da imorta­ lidade, a fim de aliviar as declarações amargas de Jó, mostram-se anacrônicos. Somente no tempo dos Salmos e dos Profetas é que uma clara indicação de crença na vida vindoura entrou na teologia dos hebreus e, mesmo assim, sem definições. É um erro cristianizar as declarações de Jó. Isso seria eisegese e não exegese. Em outras palavras, coloca-se no texto o que a pessoa quiser ver, em vez de explicá-lo, naquilo que ele é realmente.

Antes, O homem é uma nuvem que se desvanece. Ele se evapora na superfície do céu Ele se dissipa até o nada, como uma nuvem quando se transforma em chuva. O homem é um ser efêmero, ou seja, de acordo com a raiz da palavra grega, vive apenas um dia, como algumas espécies de insetos, que, literalmente, uma vez abandonando o estágio de larva, têm apenas um dia para viver. 7.10 Nunca mais tom ará a sua casa. O próprio indivíduo, sepultado no solo ou em uma caverna, nunca mais retoma à sua casa. E, então, dentro em breve, até o lugar onde ele vivia é obliterado pelo tempo. Ele desapareceu; sua casa desapa­ receu; a história terminou sem remédio e sem esperança.

7.8 Os olhos dos que agora me vêem. Olhos divinos e humanos em breve não veriam mais Jó. Sua condição deplorável era certamente terminal. Jó clamava pela piedade divina e humana. Deus e os homens olhavam para ele com olhos desinteressados. Jó deixou entendido que Deus poderia agir com piedade tarde demais. Jó já teria desaparecido de vista. Nesse caso, Deus teria perdido a oportunidade de demonstrar bondade, e Jó sentia que havia algo de errado com isso. Os hebreus promoviam um conceito voluntarista de Deus. Ou seja, a vonta­ de é suprema, e Deus pode agir de maneira que, para os homens, seria algo imoral. Em outras palavras, Deus não estava obrigado a seguir as regras morais que Ele mesmo instrui os homens a observar. Ninguém pode protestar, porquanto o poder divino poderia fulminá-lo pela blasfêmia. Mas esse conceito de Deus certamente está incorreto. Como é óbvio, é por trás de pontos de vista exagera­ dos da predestinação que se deixa de fora qualquer beneficio para os homens humildes, quebrantados e “não-eleitos”. Tal visão anula o amor de Deus, Seu principal atributo e o único que pode fazer jus ao nome divino, pois dizemos que “Deus é amor". Ver na Enciclopédia de Bíblia, Teologia e Filosofia o artigo chama­ do Voluntarismo. O voluntarismo anula Deus como o Grande Intelecto, o qual age de acordo com a suprema razão e a propriedade das coisas, e não meramente de forma voluntariosa. Também anula a esperança que temos no Mistério da Vonta­ de de Deus (ver a respeito no Dicionário), que faz provisão graciosa em favor de todos os homens, embora nem todos sejam eleitos. Pode haver neste versículo o mesmo elemento presente em Sal. 104.32. O olhar de Deus faz a terra tremer. Trata-se de um olhar temível, destruidor.

Vi um grande trono branco e aquele que nele se assenta, de cuja presença fugiram a terra e o céu, e não se achou lugar para eles. (Apocalipse 20.11) 7.9 Tal como a nuvem. A Metáfora da Nuvem. Aqueles que costumam observar as nuvens se admiram diante do fato de que as nuvens mudam de formato tão rapidamente, aparecem e desaparecem, e se desintegram. Isso se deve às pode­ rosas correntes de ar da atmosfera, invisíveis e impalpáveis pelo homem na terra, embora reais. Assim também os poderes divinos ocultos exercem poderoso efeito sobre o homem, o qual pode aparecer e desaparecer pelas correntezas da adver­ sidade, sejam elas terrestres, humanas, celestiais ou divinas. Forças que os ho­ mens não empreendem garantem sua vida breve e, no caso de muitos, sem

Pois, soprando nela o vento, desaparece; e não conhecerá, dai em diante, o seu lugar. (Salmo 103.16) John Gill (in loc.) imaginou o corpo de Jó no sepulcro, seus sofrimentos terminados; mas também imaginou seu espirito no céu, entoando hinos com os anjos. Por conseguinte, ‘ ele podia exultar em seus sofrimentos, porquanto logo estaria livre, podendo sentar-se e entoar hinos, na beira da eternidade’ . São belas palavras que provavelmente exprimem uma verdade, mas são anacrônicas e cristãs, e não hebraicas e patriarcais. 7.11 Por Isso não reprimirei a minha boca. Jó Nada Tinha para Perder. Ele não poderia ser mais miserável do que já era. Ele não tinha esperança de que uma vida feliz haveria de fazê-lo retomar à terra, e não tinha nenhuma visão de bemaventurança na terra. Por conseguinte, ele clamou ao Deus duro, solicitando piedade, e proferiu palavras duras, amargas. Nem por isso, contudo, escorregou para a blasfêmia, conforme Satanás disse que ele faria (ver Jó 1.11 e 2.5). Mas certamente Jó foi rebelde e descuidado em suas palavras. E quem não seria, se tivesse experimentado os sofrimentos de Jó? A maioria dos homens blasfema e nega a existência de Deus, ou seja, corre para o ateísmo prático. Em outras palavras, não são ateus por terem inventado excelentes argumentos que demons­ tram a inexistência de Deus. Pelo contrário, são ateus circunstanciais. São incré­ dulos em razão do sofrimento deles mesmos e de outras pessoas. Se Deus é o Todo-poderoso, se é Todo-bem, se pode prever todas as coisas, de onde vêm a dor e o mal? Por que Deus não faz parar o mal e a dor? Ver a seção V da Introdução sobre o Problema do Mal, e ver o mesmo título no Dicionário quanto a uma explicação mais detalhada. T udo é sem esperança. Portanto, darei licença a mim mesmo para que me queixe’ (Adam Clarke, in loc.). Os filhos de Jó tinham desaparecido desta vida. Suas riquezas tinham sido destruídas e saqueadas. Seu corpo era uma massa de pústulas. Ele se queixava amargamente. Nada mais lhe restava. 7.12 Acaso sou eu o mar...? Toda a Atenção de Deus Tomou-se Negativa. Jó estava sendo tratado como se fosse o mar misterioso, a habitação de toda a espécie de animal poderoso e destruidor. Estava sendo tratado como se fosse um monstro marítimo ou uma gigantesca serpente venenosa. E Jó perguntava: “Por

JÓ que toda essa atenção? Por que toda essa atenção, se ela só traz dor?". As palavras de Jó, embora em completa consonância com a antiga teologia dos hebreus, comblnam-se aqui com referências a antigas noções sobre a criação: 1. O Mar. Temos aqui uma menção ao oceano primevo, que o Criador precisou guardar dentro de seus limites próprios, a fim de manter a segurança e a paz no mundo. Cf. Sal. 89.9 ss. Algumas vezes, o mar é combinado com Raabe, como em Jó 9.13; 26.12 e Sal. 74.13 (ver as notas explicativas). E também é combinado com Teom, conforme se vê em Jó 28.14 e 38.16, cujas notas o leitor deve consultar. Aqui é combinado com Tannim, o monstro marinho, ou uma gigantesca serpente venenosa, que faz o mal tanto mais temível. Jó, como se fora o mar, precisava ser restringido pela dor. 2. O Tannim, ou monstro marinho, talvez v^sto como uma espécie de gigantes­ ca serpente marinha venenosa, criatura temível, tinha de se vigiado por Deus, para não fugir do controle. Disse Jó, sarcasticamente: “Ó Deus Todopoderoso, estás com medo de mim que tenhas que me afligir tão terrivelmen­ te para me manteres sob controle?”.

1899 vel. Ele desejava que seus amigos (e até o próprio Deus) o deixassem em paz, a fim de que pudesse viver os poucos dias que lhe restavam, em paz relativa, ou, pelo menos, não avassalado por palavras vãs a coroar sua miséria física. Alguns fazem deste versículo um apelo desesperado de Jó a Deus para “livrá-lo” desta vida, e esse apelo substitui o anterior (para ser deixado sozinho), que parece melhor: “Deixa-me sozinho, isto é, deixa de afligir-me, quanto aos poucos e vãos dias que me restam (cf. Jó 10.20 e Sal. 39.13)’ (Fausset, in Ioc.). Sopro. A King James Version, em inglês, diz aqui “um hálito", e a Imprensa Bíblica Brasileira diz “vaidade". “Sopro” refere-se à brevidade da vida que Deus soprou sobre as Suas criaturas humanas (ver Gên. 2.7). Uma vida curta é apenas como um inspirar e um exalar. Em breve ela se acaba, tal como um homem solta seu último suspiro. Cf. o vs 7, onde vento é alternativa para “sopro”. A vida nada é senão uma respiração que um homem toma. Ele inspira, expira, e isso é tudo. Sua vida se acabou. Ver Sal. 144.4. O Espanto de Jò (7.17-21)

Para que me ponhas guarda? Um poema acádico retrata Marduque, o mais elevado deus, a vencer o dragão. Ele teve de aprisionar a besta e montar guarda sobre ela para que não se libertasse e invadisse as águas, causando tribulação novamente. Provavelmente há alguma alusão poética nestas palavras. Jó, aquele temível dragão (conforme as palavras deixam entendido), exigia poderes divinos especiais para ser mantido sob controle, e assim foi afligido e posto na prisão dos sofrimentos. Sarcasmo era a palavra do dia. Jó nada tinha para perder. Ele não restringia a sua boca. 7.13-14 Dizendo eu: Consolar-me-á o meu leito. O poeta retomou aqui aos pensa­ mentos do vs. 4, cujas notas o leitor deverá consultar. O pobre homem, esperando algum alívio da dor, deita-se na cama. Mas ali ele se agita e revolve a noite inteira, porquanto coisa alguma alivia o seu sotnmento. Além disso, paralelamente a esses desconfortos e agonia, Deus adicionou temores psíquicos e espirituais. Quando, finalmente, chegava a dormir, Jó tinha pesadelos. Ou, então, quando ainda não havia dormido, terríveis visões patológicas o aterrorizavam. É provável que, aqui, “visões" sejam um paralelo poético de “sonhos”. Jó não estava reivindicando o que Elifaz tinha clamado, que eie tivera verdadeiras visões (ver Jó 4.13 ss.). Estudos demonstram que males físicos poderr exercer efeito sobre a vida dos sonhos, tomando-os assustadores e ate patológicos. Os sonhos podem refletir a miséria humana e tornar um homem ainda mais miserável do que ele já se sente. Ver na Enciclopédia de Bíblia, Teologia e Filosofia o artigo chamado Sonhos. Os pesadelos de Jó tomaram-se tão severos, e sua insônia tão aguda, que ele suspeitava haver nessas coisas uma espécie de castigo divino. Estava envolvida alguma especíe de desintegração psicológica, podemos estar certos. “Jó acusou Deus de havê-lo as­ sustado com sonhos, pelo que nem no sono ele podia escapar de seus problen.as Uma vez mais, Jó expressou c desejo de pôr fim à sua miséna por meio da morte (cf. Jó 3.20-23; 6.8,9; 10.18,19 e 14.13)" (Roy B. Zuck, in ioc). Alguns intérpretes supõem que os temíveis sonhos de Jó resultassem da atuação de demônios. O próprio Satanás entrava na vida de sonnos de j ó Não sei dizer se esse era ou não o caso. O fato é que Jó, tendo uma teologia traca quanto a causas secundárias, naturalmente atribuía a Deus aquilo que Satanás fazia. Porém, existem causas secundárias que são reais e, algumas vezes, pode­ rosas, que nada têm que ver com Deus.

Estes cinco uersículos levam-nos ao fim ao primeiro discurso-reprimenda, proferi­ do contra a primeira fala de Elifaz. Quase certamente o Salmo 8 estava na mente do poeta, nu então, meaiarte gigantesca coincidência, o salmista e o poeta disseram virtualmente as mesmas palavras. Jó é posto dentro do período patriarcal, mas isso não quer dizer que o livro de Jó tenha sido realmente escrito naquela época Situar Jó na época patriarcal pode .er sido apenas o recurso literário de um autor posterior. O espanto dfc Jo pode ter girado em torno de por que o grande Criaaor b Sustentador ne toaas as coisas demonstrou tanta atenção para com ele (negativa e destrutivamente). Por que a mente divina pensaria tanto nele para criar-lhe tantas dificuldades? 7.17 Que ê o homem, para que tanto o estimes...? “A maioria dos comentadores concorda em reconhecer que esta estrofe é una paródia do Salmo 8, contanto, naturalmente, que esse salmo seja anterior ao livro de Jó. Enquanto o saimista per­ guntou por que o Criador dos ceus estrelados teria conferido ao homem domínio sobre a natureza, o atormentado árabe Jó indagava, não sem bastante ironia, por que tão grande Deus faria dele o centro da atenção divina. F daí perguntou por que o Senhor do Universo visitaria o homem minúsculo a cada nanhã e o testaria a cada momento”. Novamente, a linguagem e similar a do Salmo 8 (vs. 4). embora aquele salmo signifi­ que visitar com favor1, ao passo que o trecho hebraico do livro de Jó significa Visitar com punição'. Outro salmo aborda o mesmo tema, com intuito quase idêntico e, como Jò, »incula = idéia da brevicaüe da vida (Jó 7.6) à idéia do exagero de Deus quanto à importância ia pecaminosidade do homem (Sal. 144.3,4) (Samuel Terrien, m Ioc.). “O espírito do salmista era de devotada adoração, enquanto o espírito de Jó era de agonia e desespero” (Ellicott, in Ioc.). 7.18 E cada manhã o visites. As visitações do salmista eram divinas, originadoras de esperança. Mas as de Jó eram terríveis punições divinas, episódios de julga­ mento que quase o tinham obliterado.

O homem é apenas uma cana, a mais débil na natureza. Mas ele é uma cana pensante. Não ó mister que o universo pegue em armas a fim de esmagá-lo. Um vapor, uma gota de água, o suficiente para destruí-lo.

7.15 Minha alma escolheria antes ser estrangulada. O desejo de morre/retomou a Jó, e, dessa vez, o estrangulamento pareceu-lhe atrativo. Ele não estava pensando em enforcar-se (suicídio). Embora esse rrétooo fosse conhecido entre os povos semitas, sua ocorrência não era freqüente. “Morte, antes que meus corpos”, é o q^.e se lê no texto massorético; mas a maioria dos eruditos faz uma pequena alteração no fraseado hebraico, para que diga “dores” ou “tortura”, o que explica o que lemos em nossa versão portuguesa: “antes a morte do que esta tortura”. As versões portuguesas dão uma ou outra dessas variações. A versão Atualizada da Sociedade Bíblica diz “esta tortura”. Ver no Dicionário o artigo chamado Massora (Massorah); Texto Massorético. A palavra “ossos” (que não figura em nossa versão portuguesa) é interpreta­ da como “minha vida” ou “meus membros em geral, aflitos como eles estão”. Jó pode ter-se referido a um esqueleto desgastado e enfermo (cf. Jó 19.20), que é sugestão de Fausset (in Ioc.). Visto que é o esqueleto que suporta todo o corpo humano, a palavra pode ter sido usada para referir-se ao “corpo inteiro", como John Gill (in Ioc.) conjeturava.

(Pascal) “Em uma atitude amargurada, Jó parodiou a fé do salmista, distorcendo deliberadamente, ressentido, as palavras de seu contexto” (Paul Scherer, in Ioc.). O Observador dos homens tinha feito de Jó Seu alvo de violências. 7.19 Até quando não apartarás de mim a tua vista? O ataque de Deus contra Jó era tão constante que ele nem ao menos tinha tempo de engolir a própria saliva. Em Jó 9.18, Jó nem tinha tempo de recuperar o fôlego, tãorápidos e constantes eram os ataques sobre ele. Se Jó conseguisse mantera língua umedecida, certamente continuaria seu amargo queixume. Com isso devemos conferir a expressão moderna: “Num piscar de olhos”. Talvez Jó tivesse ficado doente em sua garganta e até engolir se tomara quase impossível para ele!

7.16 7.20 Estou farto da minha vida. Jó veio a abominar sua vida e não tinha o menor desejo de viver “para sempre’ ou por “muito tempo”. Ele estava vivendo uma vida que não era digna de ser vivida, e queria que ela terminasse o mais cedo possi-

Se pequei. Jó não admitia ter pecado a ponto de todas aquelas miseráveis calamidades c atingirem. Mas ele observou que, se tivesse pecado, então por



1900 certo a reação divina era exagerada. ‘ O pecado humano não pode justificar a hostilidade de Deus corcia o homem’ (Oxford Annotated Bible, comentando sobre o vs. 20). Ironicamente, Jó chamou Deus de ‘ o Preservador do homem’ , mas então Ele fez essa preservação apenas prolongar a agonia, em vez de trazer bondade e felicidade. Deus fez do homem Seu alvo de ataque e o preservou para aquele exato destino. Ele o conservou vivo para que pudesse continuar a atacá-lo.

Somos para os deuses o que as moscas são para os meninos. Eles nos matam por diversão. (Shakespeare) Jó refere-se aqui ao enigma do sofrimento. Se Deus é Todo-bom, Todopoderoso, Todo-conhecedor, então de onde vem o mal? Se Deus fosse conside­ rado um Ser malévolo, então o problema do mal teria achado sua solução final. Essa é a explicação do pessimismo. Ver na Enciclopédia de Bíblia, Teologia e Filosofia o verbete chamado Pessimismo. Ver no Didonárío o artigo chamado Problema do Mal, e ver a seção V da Introdução ao presente livro. Poderia Jó, no meio de todo esse sofrimento insensato, continuar demonstrando adoração desin­ teressada a Deus, ou terminaria ele blasfemando, conforme Satanás disse que faria? Sua adoração era egoísta? Porventura ele adorava e servia somente para obter coisas para si mesmo? Essa é a questão principal do livro. Ver a Mensjgem Principal do Livro sob a seção intitulada Ao Leitor, nas notas imediatamente antes da exposição a Jó 1.1. 7.21 Por que não perdoas a minha transgressão...? Se Jó tinha pecado, e se suas agonias tivessem sido causadas por isso, então ‘ por que Ele não perdoa­ va?’ , perguntou Jó a Deus. A bondade é um atributo divino essencial, e isso significa que Ele demonstra misericórdia e redime os homens do pecado e seus efeitos. O perdão ê, tradicionalmente, parte da relação divino-humana, porque os homens sempre têm necessidade dele. Declarou Voltaire: ‘ Deus me perdoa. Esse é o trabalho Dele'. O evangelho ensina-nos idêntica verdade. Jó disse a Deus que Seu perdão tinha de vir em breve, naquela mesma noite, enquanto ele dormia no pó, porquanto havia boa chance de que, na manhã seguinte, a morte já o tivesse arrebatado. Uma vez mais, vemos que Jó não olhava para além da morte biológi­ ca, para encontrar a vida etema. Ele não esperava sobreviver à morte em uma alma imaterial. Isso não fazia parte da teologia patriarcal. É possível que, em Jó 19.26,17, ele estivesse esperando pela ressurreição, mas esses versículos são controvertidos, como se outra coisa pudesse estar em foco. Seja como for, Deus não estava olhando para uma ‘ esperança mais além', para solucionar os sofri­ mentos terrenos de Jó ou de qualquer outro ser humano. A parte final deste versículo nos remete aos sentimentos do vs. 8, onde comento a questão. Jó chegou a ter uma débil esperança. Talvez Deus, de súbito, o favorecesse, de modo que ele não desaparecesse antes do raiar da próxima manhã.

Pcbre coração humano, Conheço o êxtase de toda a tua dor, E a angústia de tua alegria. (James Strahan)

mente, a mesma mensagem: os sofrimentos de Jó resultavam de seus pecados, dos quais ele precisava arrepender-se. Além disso, há a questão da disciplina que a dor oferece. Eles não chegaram a lugar nenhum e deixaram sem solução o problema do mal. Os sofrimentos de Jó não podiam ser explicados. A razão desses sofrimentos continuavam um enigma. A mensagem principal do livro é uma adoração desinteressada. Porventura os homens adoram a Deus para ganhar algo para o próprio “eu”, em vez de servir ao próprio Deus? Será verdade o Egoísmo (ver na Enciclopédia de Bíblia, Teolo­ gia e Filosofia)? Ver também, no Dicionário o verbete intitulado Pessimismo, a posição que Jó assumiu em seus sofrimentos e em suas queixas. O Problema do Mal (ver o artigo no Dicionário e a seção VI da Introdução ao livro) entra como tema secundário, um corolário necessário sobre a natureza aa adoração. O crítico-atacante-amigo agora era Bildade. Ver no Dicionário o artigo sobre Bildade, quanto ao que se conhece a respeito de sua pessoa e quanto à natureza dos seus argumentos. ‘ Bildade era um indivíduo dogmático-religioso do tipo superficial. Seu dogmatismo repousava sobre as tradições (por exemplo, Jó 8.8-10), sobre a sabedoria proverbial e sobre frases piedosas aprovadas. Esse dogmatismo abun­ da em seus discursos. Seus chavões exprimem verdades batidas, mas, na verda­ de, todas as pessoas conhecem bem esses chavões (ver Jó 9.1,2; 13.2) e não lançam nenhuma luz sobre os problemas que Jó estava enfrentando' (Scofield Reference Bible, comentando sobre o vs. 1 deste capítulo). A posição de Bildade era essencialmente a mesma que a de Elifaz, mas seu ataque era inspirado por uma ira escaldante contra a insolência e a irreverência de Jó (demonstradas no capítulo 7). Ele era um crente convencido, que estava pronto para atacar qualquer oponente que encontrasse pelo cami­ nho, como se fosse um fundamentalista combativo. Para ele, a eloqüência de Jó nada mais era que um vento tempestuoso verbal (8.2), estando ele seguro de que não era um inchado com seus próprios pensamentos. Inchado ou não, ele não foi capaz de solucionar o problema que tinha nas mãos: o porquê do sofrimento humano, embora tenha dependido de muitos textos de prova em sua tentativa. Ver o artigo sobre ele no Dicionário, quanto a um completo exame sobre seus raciocínios. 8.1 Bildade, o suíta. Presumivelmente, ele era descendente distante de Sua, um dos filhos de Abraão e Quetura, que habitava no deserto da Arábia, chamado nas Escrituras de “terra oriental' (Gên. 25.6). Ver no Didonário o artigo chamado Sua, terceiro ponto.

8.2 Até quando falarás tais coisas? ‘ Até quando falarás tais coisas, como se fosses uma tempestade, com tua ousadia e blasfêmias? Não passas de um saco de vento, Jó. E tempo de parares e me escutares, uma verdadeira fonte de sabedoria. Tu, Jó, falas de forma violenta e sem sentido. Protesto em altas vozes contra ti. Ouve os meus gritos. Eles têm sabedoria para instruir-te.” Portanto, Bildade falou como quem tinha alguma espécie de autoridade:

Sou o Senhor Oráculo. Quando abro os meus lábios Que nenhum cão ladre!

Mas Jó sussurrou:

(Shakespeare)

Não fui moldado para os Teus cuidados, Para depender de T ie Ter esperança, E esperar pela Tua lenta compaixão.

Bildade com eçou “abruptam ente e sem m oderação'. Os mestres fundamentalistas combativos sempre proferem verdades abwptas. Algumas ve­ zes elas causam mais dano do que mentiras. A língua cortante injuria. Verdade falada sem amor deixa de ter as suas virtudes. (idem)

Odium Teologicum Jó reafirmou sua antiga confiança em um Deus de amor, mas sarcasticamen­ te asseverou estar frustrado em sua esperança.

C a p ítu lo O ito Continuamos com a seção iniciada no capítulo 3, a primeira série de discur­ sos dos três amigos de Jó, com correspondentes repreensões da parte de Jó. Essa seção se estende até o capitulo 14. Ver a introdução ao capitulo 3 . 0 plano geral do livro é que os três amigos de Jó falaram cada um por três vezes, com exceção do terceiro amigo, que não falou pela terceira vez. Por sua vez, Jó deu respostas a eles. Na introdução ao capítulo 4, sob o título Circunstâncias dos Discursos, apresento um sumário dos itens e uma caracterização geral do plano dos discursos, o que não repito aqui. Os críticos de Jó transmitiram, essencial­

Ó Deus... que carne e sangue fossem tão baratos! Que os homens viessem a odiar e matar, Que os homens viessem a silvar e decepar a outros Com Tingua de vileza, ... por causa de... “Teologia’. (Russell Champlin) Qual vento Impetuoso? Ou seja, desconsiderando as restrições apropria­ das, com discursos ousados e barulhentos, vãos, precipitados e desordenados contra Deus. Bildade virtualmente acusou Jó de blasfêmia, semelhantemente ao que Satanás disse que Jó se rebaixaria a fazer, caso fosse submetido a severo teste (ver Jó 1.11; 2.5).

JÓ 8.3 Perverteria Deus o direito...? Em seus discursos quase blasfemos (capítulos 3 e 7). Jó acusou virtualmente Deus de perverter o juízo e a justiça. Era ciaro para Bildade, tal como tinha sido para Elifaz (capitulo 4), que os sofrimentos de Jó eram causados como um julgamento contra eie. Presumivelmente, a grandeza dos sofri­ mentos de Jó podia ser explicada pela gravidade de seus pecados. Portanto, anrmar sua inocência e “repreender” a Deus em face do doloroso tratamento a que estava sendo submetido, equivalia a dizer que Deus tinha pervertido o juízo e a justiça. Bildade perdeu completamente de vista a possibilidade de que algo diferente do pecado pudesse ser a causa dos sofrimentos de Jó. Ele continuou a tocar a mesma canção que Elifaz tocara, mas tão-somente alta. Desde o começo, Bildade estava “atrasado”, isto é, aproximava-se do preciema com uma idéia preconcebida sobre a razão pela qual Jó estava sendo afligido. Ele apresentou suas respostas antes de ter feito qualquer investigação. Essa abordagem é típica de indivíduos dogmáticos que presumem que seus credos podem resolver qualquer problema no céu ou na terra. Eles nunca pensam, uma vez sequer, que seus credos podem ser parciais, e parcialmente errados Bildade acusou o homem enfermo, mas na realidade nunca disse qual era a causa de sua enfermidade. Estaria Deus punindo Jó por nada? Jó 2.3 diz que sua dor era “sem causa, e c prólogo culpa uma barganha cósmica feita com o propiio Satanás. Dificilmente podemos aceitar essa abordagem. Ver Jó 1.11, quanto à a scussão sobre os proble­ mas teológicos do livro de Jó. Ver também Jó 1.12, quanto às idéias adicionais. 8.4 Se teus filhos pecaram contra ele. Bildade feriu Jó com sua grande faca ao relembrar-lhe como seus filhos tinham morrido miseravelmente, “Naturalmente, dies morreram por serem pecadores. Deus os cortou desta vida. E tu, Jó, estâs. sofrei ido sór causa de teus pecados, e em breve Deus também te cortará, se não te arrependeres.” Bildade ignorou o mistério do sofrimento dos inocentes com uma pergunta retórica. Em seguida, sua ira inspirou-o a mostrar-se cruel. Elifaz ainda demons­ trou alguma simpatia; mas Bildade assemelhou-se mais a um boxeador que salta quando a campainha toca. Bildade era o campeão de Deus, enquanto Jõ e-a o ofensor de Deus. Bnaade feriu Jó com sua adaga, “precisamente onde sabia que feriria mais fundo: no coração do pai cujos filhos tinham morriao. Seus filhos eram pecadores, e essa era a razão pela qual morreram pematuiamente” (Samuel Terrien, in ioc.). Diz o original hebraico: “Deus os jogou fora”, como se eles fossem um lixo inútil. Jogar fora significa a destruição e o esquecimento da morte. Eles sofreram a inevitável conseqüência de seus atos tolos. “Certamente esse ataque cruel e sem coração feriu Jó profundamente. Afinal de contas, ele tinha oferecido sacrifícios para encobrir os pecados de seus filhos (ver Jó 1.5)" (Roy B. Zuck, in ioc.). 8.5-6 Mas, se tu buscares a Deus. O arrependimento era a solução mágica, conforme Bildade insistiu. Um homem precisa buscar e suplicar a Deus, presumivelmente fazendo os sacrifícios e emendas pelos resuitados de pecados antigos. Então o favor divino estaria garantido, e, como um passe d t magica, os sofrimentos de Jó terminariam. Se Jó fosse puro e reto, então a misericórdia divina poria fim a seus intensos sofrimentos. O fato de que eles continuavam sem dar-lhe descanso mostrava que Jó era um pecador incansável, que nunca se arrependera. Se Jó se arrependesse, teria feito o seu papel e, então, Deus taria a parte Dele e curaria Jó. O segundo crítico de Jó, portanto, perdeu completamente de vista que a Lei Moral da Colheita segundo a Semeadura (ver a respeito no Dicionário) não expli­ ca todo o sofrimento que há no mundo. Os inocentes podem sofrer e realmente sofrem. O problema do mal está repleto de enigmas. A lei do carma é poderosa, e a retribuição é necessária e útil, porquanto cura, e não meramente castiga. Mas não podemos explicar todas as coisas e condições más apelando a essa lei. Jc havia apelado a Deus (ver Jó 7.20,21), mas seus críticos supunham que seu apelo carecesse de sinceridade moral. Deus havia arrebatado as propriedades de Jó. Mas, se ele se arrependesse, obteria novas propriedades, “restauração da justiça de tua morada", onde Deus entraria em comunhão com o seu proprietário. Suas antigas propriedades eram cenário de segredos e pecados graves, ou não teriam sido destruídas pelas forças da natureza. Alguns estudiosos espiritualizam “morada” neste versículo, pensando significar a alma. Jó prosperaria espiritualmente, mas essa é uma expli­ cação anacrônica. 8.7 O teu prim eiro estado. O primeiro estado de Jó seria pequeno em relação ao que Deus faria, caso ele se arrependesse. As bênçãos divinas aumentariam a

1901 cada dia, até que ele se tornasse novamente um homem próspero (sinal da bênção divina, segundo as crenças dos hebreus). Bildade estava prometendc-lhe riqueza maior do que ele tivera antes de começarem as suas tribulações. O crítico de Jó promovia o raciocínio comum de que as bênçãos materiais são sinal de bênção divina. Naturalmente, quando a tempestade passou, foi exatamente isso o que aconteceu. Jó aumentou suas propriedades 100% acima do que tinha a-tes, isto é, o dobro. Ver Jó 42.1 ss. Não obstante, as bênçãos finais de Jó não ocorreram pelas razões apresentadas por Bildade. O Testemunho do Passado (8.8-19)

8.8 Pois, eu te peço, pergunta agora a gerações passadas. Bildade Aoela para as Tradições. Os antigos tinham muita coisa para ensinar-nos, foi o raciocí­ nio dele. Eles instruiriam Jó, e Bildade seria o porta-voz deles. O segundo crítico de Jó era um indivíduo dogmático que derivava sua autoridade das tradições. Ele vivia citando os livros que exploravam questões de sabedoria. Se Jó tivesse lido tais livros, provavelmente teria deixado de assimilar o conteúdo deles. A sabedoria dos antigos sábios estava preservada sob a forma de provérbi­ os, principalmente. De fato, os antigos tinham preferência por esse tiDO de instru­ ção. Jó é considerado um dos livros da Literatura de Sabedoria dos judeus, de maneira que o uso de provérbios neste livro é apropriado. ‘ Elifaz havia apoiado seus pontos de vista apelando para a sua própria expe­ riência (ver Jó 4.8). Bildade tentou apresentar-se introduzindo uma autoridade supostamente maior, as observações feitas por pessoas das gerações passadas” (Roy B. Zuck, in Ioc). Presumimos que os patriarcas mais respeitáveis fossem as fontes de informação de Bildade. Naturalmente, as tradições têm um lugar apro­ priado. Uma voz chega até nós, vinda do passado. Mas não-devemos depender somente disso. De muitas maneiras, sabemos mais que os antigos, mesmo nos campos da teologia e da filosofia, para nada dizer sobre as ciências. Ser antigo não significa, necessariamente, ter razão. Até as Escrituras do Antigo Testamento foram ultrapassadas pelo Novo Testamento, provando que o antigo é ultrapassa­ do pelo moderno. 8.9 Porque nós somos ue ontem, e nada sabemos. Na moderna expressão idiomática, diríamos: “Nascemos ontem”, em lugar do hebraico “nós somos de ontem". Presumivelmente, a antigüidade adiciona peso à autoridade. Embora ain­ da não houvesse cânon das Escrituras, as declarações dos sábios eram tidas em alta estima e, sem dúvida, considerava-se que uns tantos provérbios contivessem a inspiração divina. Em contraste, os “modernos” nada sabem, e o presente dia curto é apenas uma sombra. Era através dos antigos que o sol coava sua luz. obscurecendo qualquer sabedoria moderna. “Ele era como o tipo paleortodoxo de teólogo que apelava para o uassado sem perceber que o presente requer que se repensem as fórmulas que não são mais adequadas” (Samuel Terrien, in Ioc.). Os Ciedos baseaaos na autoridade dos antigos expressavam a autoridade humana. Visto que eie tinha um credo, não precisava pensar. São como a sombra. Ou seja: 1. com pouca luz; 2. tendo vida de pequena duração (Jó 7.6,7.9). Os relógios de sol dos antigos operavam através da sombra projetada, lançada pela luz do sol.

A Tirania das Tradições. Qualquer pessoa pensante sabe o que representa a tirania das tradições. Existe o mau hábito de romantizar o passado. Outrossim, devemos lembrar que o presente é o herdeiro de todo o passado, estando em melhor posição para fazer juízo do que um homem situado em algum lugar no passado. Ademais, a verdade é uma aventura contínua, e não uma realização definitiva. É ridícula a suposição de que a verdade possa ser reduzida a um credo ou a um grupo de credos, ou mesmo a todos os credos agrupados juntamente. A verdade, tal como Deus, é infinita, e qualquer indivíduo, grupo, denominação ou sistema religioso todo, do Oriente ou do Ocidente é, necessariamente, fragmentar. O passado é uma peça do quebra-cabeça, mas não é o quebra-cabeça completo e resolvido. Por certo, dentro do credo de Bildade não havia resposta para o problema do sofrimento humano. Ele não resolveu c problema do mal, a aespeito de toda a sua pretensão.

8.10 Porventura não te ensinarão os pais...? O Mestre Consumado. Alguns professores gostam de agradar seus ouvintes, apresentando coisas novas como se fossem troféus para serem admirados. Bildade, entretanto, não tinha nenhuma novidade ou inovação. Ele estava convencido de que suas tradições, cheias da sabedoria dos antigos, eram adequadas ac problema de Jó, bem como a qualquer outro problema nos céus ou na terra. O passado era visto como o mestre consu­

1902 mado. Bildade andava iludido por haver simplificado em demasia a verdade e abandonado a busca pela verdade. Ele tinha estacionado o seu trem na estação das tradições. Mas o verdadeiro trem da verdade havia deixado a estação e partido para novos horizontes. Bildade pensava à semelhança da geometria euclidiana: ele poderia reduzir tudo a fórmulas máximas e jamais levantar caso que não tivesse sido previsto em seu sistema de provérbios. Do próprio entendimento. Um entendimento ganho através da experiência, sem nenhuma intenção de estagnar-se. Bildade, entretanto, havia estagnado a verdade; Jó tinha dito: “Ensina-me...” (Jó 6.24), mas falara com Deus. Bildade era um insuficiente substituto de Deus, como também era o seu conceito de “verdade através somente de credos”.

JÓ partes dela, a fim de testar a sua resistência. Agora a teia é chamada de “casa" da aranha. Se um animal ou ser humano se encostar naquela magnifica estrutura, a teia imediatamente cederá e se desintegrará. Por semelhante modo, é isso o que acontece á casa do impio. Qualquer pressão, qualquer teste, qualquer julgamento é sufiaente para derrubá-la. E, quando a casa rui, o homem morre. Portanto, consideremos o espetáculo. O homem constrói uma magnífica estrutura. Sua vida toma-se cheia de luxos e prazeres, e ele fica arrogante com a excelência de sua casa. Mas na primeira vez que um julgamento divino se apóia sobre aquela casa, ela rui. Aquele homem é um construtor insensato, alguém que, nas palavras de Jesus, constrói sobre a areia (ver Mat. 7.26). Diz um provérbio árabe:

O tempo destrói a casa bem construída, Tal como acontece à teia de aranha.

8.11 Pode o papiro crescer sem lodo? Para que haja papiro, será mister primei­ ro haver um lodaçal, no qual o papiro medrará. Para que haja um lodaçal fértil de canas, é preciso haver água, sendo esse o sine qua non de toda a vida. Portanto, de acordo com o segundo critico de Jó, para que a pessoa tenha a verdade, é necessário considerar a sabedoria dos patriarcas e de seus livros, com declara­ ções escolhidas e provérbios. Para ele, esse era o sine qua non para obter o conhecimento. Ver na Enciclopédia de Bíblia, Teologia e Filosofia o artigo intitulado Conhecimento e a F é Religiosa, quanto aos modos de tomarmos conhecimento das coisas e quanto às teorias da verdade. A planta do papiro era boa para fabricar papel, recipientes, sapatos, cestas, barcos e outros utensílios. Mas só estava disponível para uso quando devidamente cuidada e cultivada. Assim tam­ bém, a verdade tinha muitas aplicações, e o lodaçal onde era cultivada fazia parte das atividades dos antigos. Ver na Enciclopédia de Bíblia, Teologia e Filosofia o artigo chamado Papiro. 8.12-13 Antes de qualquer outra erva se secam. A fraca planta do papiro é mais frágil que a própria erva. E outro tanto sucede a todos quantos, devido à sua arrogância, não querem arrepender-se e se esquecem de Deus. Na opinião de Bildade, esse era o caso de Jó. Bildade chamou Jó, abertamente, de ímpio, e viu em sua enfermidade um caso terminal. A morte em breve haveria de removêlo da terra, da mesma maneira que a frágil planta do papiro logo se resseca e morre. A esperança do ímpio perecerá. A King James Version diz “hipócrita”, mas a Revised Standard Version, concordando com a nossa versão portuguesa, diz “impio”. O termo hebraico correspondente, haneph, originalmente significava uma pessoa profana (ver Jer. 3.1; Sal. 106.38). Mais tarde adquiriu o sentido de rene­ gado, descrente, alguém que atraiçoa sua missão (cf. Isa. 10.6). De acordo com seu segundo critico, Bildade, Jó era um traidor da causa santa. Tal homem deve­ ria perecer, o que significa, em todo o livro de Jó, que a morte biológica, que fazia parte da teologia dos antigos patriarcas, representava o fim da personalidade humana. Por conseguinte, Bildade não estava falando de um julgamento que aconteceria depois do sepulcro, pois essa doutrina só entrou na teologia dos hebreus no tempo dos livros intertestamentários, dos livros apócrifos e pseudepígralos. Os eruditos sabem que as chamas do inferno só foram acesas no livro de I Enoque. Dan. 12.2 faz uma previsão dessa doutrina, mediada através da ressurreição. Cf. o presente versículo com Sal. 9.17. 8.14 Sua confiança é tela de aranha. A Metáfora do Inseto. Que intrincado desígnio tem a teia de aranhal Nós a admiramos, embora temamos o pequeno inseto que a teceu. Mas quão fácil é acabar com a própria teial Assim acontece à esperança dos ímpios, que chega a transformar-se em nada, rápida e completa­ mente, embora, em alguns casos, haja uma demora, de acordo com a maneira como os homens calculam o tempo. “Os ímpios, subjugados pelos fortes hábitos do pecado, esperam infrutifera­ mente, até que o último fio da teia da vida seja cortado. Mas então eles não têm mais forças, e a vida deles se reduz a nada” (Adam Clarke, in loc.) O ímpio se edifica em esperança e vive seu breve dia; mas o que ele edificou se arruina, com freqüência sob um único golpe, tal como acontece à teia de aranha, que, apesar de tão bela, é completamente desmantelada por um único golpe. A teia de aranha é tecida de suas próprias entranhas. Assim também as obras do impio são autoproduzidas, sem nenhuma aplicação da graça e do poder de Deus. Não admira, pois, que pereçam tão rapidamente! 8.15 Encostar-se-á à sua casa. Continua Aqui a Metáfora da Teia de Aranha. Tendo terminado a sua teia, a aranha sai ao redor para aplicar pressão às várias

8.16 Ele é viçoso perante o sol. A Metáfora da Planta. Agora o ímpio é compara­ do a uma planta, em suas raízes, crescimento e duração de vida. O poeta já havia empregado a metáfora de uma planta, o papiro (vss. 11-12). Uma planta, como todo o tipo de vida, depende do sol: sem luz não há vida. Mas essa planta excelente dispõe de muita luz do sol, e assim cresce e seus ramos se desenvol­ vem em todas as direções. Ela parece tão viçosa que somos tentados a pensar que viverá para sempre. Ela é verde e vibrante; saudável e forte. Ela prospera e floresce. Assim também o ímpio aumenta suas riquezas, poder e prestigio. Ele enfia suas raizes profundamente no solo, e seus ramos se entrelaçam em muitos empreendimentos. Fausset (in loc.) pensa que a descrição aqui é de uma planta dotada de flor. Esse tipo de planta é ridiculamente vigorosa e desloca toda a competição por solo. Gananciosamente ocupa todo o espaço e toma o jardim impróprio para as flores. Essa é uma boa descrição do homem ímpio e ganancio­ so. 8.17 As suas raizes se entrelaçam. As raízes da relva são tão vigorosas como as folhas. Elas se aprofundam no solo e se entrelaçam em redor de tocos e rochas. Até parece que essa erva viverá para sempre. A erva foi transplantada para o jardim. Temos aqui um caso claro da sobrevivência do mais apto, que não é, obviamente, a sobrevivência do melhor. Os fortes sobrevivem. Os fracos pere­ cem. As ervas são os reis dos jardins. Este versículo ensina que os ímpios prosperam, mas que seu breve dia logo se acaba. 8.18 Mas se Deus o arranca do seu lugar. Mas agora considere o leitor o que está acontecendo: o jardineiro chega ao jardim. Ele se encaminha para perto da erva, lançalhe um olhar mau, agarra a planta acima da superfície e puxa-a pelas raizes. Com um único golpe, a erva termina. Somente um pequeno buraco no solo assinala o lugar onde estava a erva, que antes prosperava com tanta arrogância. Até o próprio buraco entra no ato e diz à erva: “Nunca te vT. Até a memória da planta se oblitera. A segurança da erva era apenas superfidal. Forças externas terminaram toda a triste história. “O próprio solo envergonha-se da erva murcha, à sua superfície, como se nunca tivesse estado vinculada a ela" (Fausset, in loc.). “O sentido é que a erva será tão totalmente destruída que não serão deixadas nem raízes nem folhas, nem coisa alguma que mostre que a erva cresceu uma vez ali" (John GUI, in loc.). Os homens são chamados para relembrar o poder do Jardi­ neiro Cósmico que, finalmente, impediu que a erva crescesse em seu jardim. 8.19 Eis em que deu a sua vida! Alguns eruditos pensam que o texto hebraico original está corrompido neste trecho. Roy B. Zuck sugere o seguinte sentido: “A única alegria que tal planta pôde experimentar consistiu em saber que alguma outra coisa a substi­ tuiu”. Mas será que uma erva seria retratada como tendo alegria porque foi substituída por outra planta? Então teríamos a dedaração simples de que a erva jaz ali, em decadência, e isso poderia ser esperado, igualmente, da parte do homem ímpio. Adam Clarke, in loc., porém, prefere ficar com a idéia da alegria, e diz que essa dedaração é irónica. A alegria da erva foi a sua destruição. Todo o júbilo, jogos, passatempos, o prazer do homem piedoso, ou seja, sua alegria, logo se reduziu a nada. A alegria do homem, na vida, tornou-se uma espécie diferente de alegria, na morte. A prosperidade reduziu-se em morte, e era a mesma coisa em um sentido, desde que a primeira produziu a segunda. O hipócrita jacta-se de sua alegria, mas não sabe que a verdadeira alegria (sarcasmo) consiste na morte inevitável. A segunda parte do versiculo é clara. No lugar da erva, alguma outra planta medrará. Ninguém é indispensável. A vida continua. As ervas podem substituir outras ervas, ou flores podem substituir as ervas. O Jardineiro Cósmico está



1903 Envergonhem-se e juntamente sejam cobertos de vexame os que se alegram com o meu mal; cubram-se de pejo e ignomínia os que se engrandecem contra mim.

envolvido no processo inteiro, assim é melhor nenhum indivíduo mostrar-se arro­ gante. A erva pensava que o lugar seria dela para sempre. Mas iogo se tornou a casa de outra planta.

(Salmo 35.26)

Eis! Aqui está ele, apodrecido em seu caminhí E do solo outra planta crescerá.

C a p ítu lo N o v e

(paráfrase do versículo, por Samuel Terrien, in loc.).

Muitas coisas crescem no jardim que nunca tinham sido plantadas ali. (Provérbio)

8.20 Eis que Deus não rejeita ao fntegro. Em contraste com o que aconteceu à erva, o Jardineiro Cósmico não rejeitará jamais o homem perfeito. Se um homem for inculpável, conforme Jó declarou ser, estará livre do julgamento divino. Mas parecia evidente que Jó não era inocente, porquanto tinha caído na desintegração e esperava inocentemente o seu fim. Além disso, Deus não aju­ dará um indivíduo malfeitor. Ora Deus não estava ajudando Jó, o que o marca­ va, obviamente, como um homem ímpio, pois, de outra maneira, ele nunca teria chegado àquele estado de miséria. Compare-se esse sentimento com Jó 1.1,8; 2.3 e 8.6. O Targum diz aqui contrário. O ódio divino destrói logo aquilo que odeia. Somente a santidade é respeitada pela Mente divina. Mas o ímpio é repelido de modo aborrecido e desprezível. Essa era outra das máximas de Bildade.

Com a mesma certeza com que Deus pune e desarraiga o ímpio, com a mesma certeza Ele defende e salva o justo. (Adam Clarke)

Todavia, estou sempre contigo, tu me seguras pela minha mão direita. (Salmo 73.23)

8.21 Ele te encherá a boca de riso. Um Jó arrependido se encheria de riso, em vez de gritar de dor. Estaria pleno de regozijo, em vez de amargas queixas. Jó era o seu pior inimigo e, assim sendo, não permitia que o rio da alegria fluísse. Era um impedimento para seu próprio bem-estar, algo tão comum entre todos nós. ‘ A atitude de Bildade era de egoísmo sem simpatia. Ele desejava pensar bem sobre Jó, porquanto era seu amigo, mas não podia reconciliar a condição aflita de Jó com nenhuma teoria de governo justo e, por conseguinte, era impulsionado a suspeitar de que nem tudo andava direito com ele” (Ellicott, in loc.).

Então, a nossa boca se encheu oe riso, e a nossa língua, de júbilo; então, entre as nações se dizia: Grandes cousas o Senhor tem feito por eles (Salmo 126.2)

8.22 Se Jó endireitasse seus caminhos diante de Deus, então nenhum homem poderia prevalecer contra ele, porquanto o próprio Deus seria o seu defensor. Os sabeus e os caldeus tinham atacado e destruído suas riquezas e sua família (Jó 1.15,17). Isso havia acontecido porque Jó cultivava um ou mais pecados secretos. Mas isso nunca poderia repetir-se, porque o governo ae Deus é justo e generoso. A residência de Jó tinha sido nivelada por inimigos, e suas riquezas, de modo geral, tinham sido saqueadas. Mas um Jó justo teria uma residência segura, porquanto estaria sob a mão divina. Os saqueadores seriam nivelados pelo poder divino, antes de terem a oportunidade de fazer o mal ao homem bom. Assim aconteceria aos que tinham isolado Jó para feri-lo; visto que o odiavam, seriam envergonhados antes de terem oportunidade de agir.

Deitemo-nos em nossa vergonha, e cubra-nos a nossa ignomínia, porque temos pecado contra o Senhor, nosso Deus, nós e nossos pais, desde a nossa mocidade até ao dia de hoje; e não demos ouvidos à voz do Senhor, nosso Deus. (Jeremias 3.25)

O plano geral dos discursos do livro é que os três críticos-amigos de Jó produziram três discursos cada um, exceto o terceiro amigo, que produziu somen­ te dois discursos. Por sua vez, Jó respondeu com réplicas às argumentações deles. Os capítulos 3-14 ocupam-se desse arranjo. Assim é que agora, neste capítulo, temos a réplica de Jó contra o seu segundo crítico, Bildade. Quanto a maiores detalhes sobre essas questões, ver a introdução ao capítulo 4, especial­ mente sob o titulo Circunstâncias dos Discursos. A mensagem principal do livro é a adoração desinteressada. É o ser humano totalmente egoísta, contra aqueles que apenas adoram e servem a Deus? Que benefício pessoal ele pode obter de tal atividade? Continuará ele com sua adoração se estiver sendo severamente afligido? O problema do mal surge em cena como um corolário necessário da mensagem principal. Ver no Dicionário o verbete intitulado Problema do Mal. E ver na Enciclopédia de Bíblia, Teologia e Filosofia os artigos chamados Egoísmo e Pessimismo (que foi a posição manifestada por Jó, no capitulo 3 do livro, e, de fato, na maioria dos lugares). Quanto aos problemas teológicos do livro, ver as notas expositivas em Jó 1.11. A resposta de Jó, dada no capítulo 9, parece referir-se aos argumentos de Elifaz, e não aborda somente ou exclusivamente os argumentos de Bildade. Seja como for, ambos os críticos apresentaram a mesma tese, embora de diferentes maneiras: Deus pune o homem maligno; o homem bom nâo pode sofrer como Jó estava sofrendo. Elifaz falou como homem que tinha sua própria autoridade, por causa de sua experiência espiritual superior. Bildade, entretanto, falou como ho­ mem que transmitiu a sabedoria dos antigos, que não falava em seu próprio nome. Ambos eram indivíduos dogmáticos que se mostravam inaispostos a consi­ derar qualquer idéia que não se ajustasse exatamente aos seus credos. Nenhum dos dois chegou perto de resolver o problema do sofrimento humano: por que os homens sofrem, e por que sofrem como sofrem? Pode um homem inocente (Jó 2.3) sofrer? Nenhum dos dois chegou perto de explicar o problema do mal, e Jó compreendeu isso, o que é evidenciado pelas suas respostas. Samuel Terrien supõe que as respostas de Jó seguissem um plano de “reação adiada", de modo que o discurso de Jó e a resposta a Elifaz, e não a Bildade. Nesse caso, a passagem de Jó 9.2-21 constitui essa resposta, ao passo q je o trecho de Jó 9.32-10.22 é uma meditação sobre o caráter de Deus, que termina com uma oração. 9.1-2 Então Jó respondeu. Jó ofereceu uma répiica ao oiscursc de Elifaz, ou ao discurso de Bildade, ou a ambos. “Como se tivesse tido tempo para meditar sobre o primeiro discurso de Elifaz, Jó citou a declaração cardeal dele com aparente aprovação (vss. 2-7)” (Samuel Terrien, ir. loc ). Noie o leitor como as palavras de Jó reproduzem as palavras do visitante fantasmagórico de Jó 4.17 (virtualmente igual ao vs. 2 deste capitulo).

Graus de Culpa. Ninguém é inculpável no sentido absoluto do termo, “pois todos pecaram e carecem da glória de Deus” (Rom. 3.23). Jó nãu estava argu­ mentando contra essa tese óbvia, nem estava reivindicando não ter pecado. Ele meramente afirmava que seus imensos sofrimentos rão se originavam de tal causa (ver Jó 2.3). Ele não estava sendo punido por seus pecados. Devia haver alguma outra resposta para os seus sofrimentos. Note o leitor como o autor sacro não menciona o sistema sacrificial do Antigo Testamento. Ele escreveu “como se” tivesse escrito antes da doação da lei, de modo que também não podia fazer a expiação pelo pecado participar do quadro. De fato, antes da outorga da lei, em muitas culturas havia aqueles sacrifícios que, presumivelmente, produziam expia­ ção pelo pecado. Somos informados, em Jó 1.5, que Jó ofereceu os sacrifícios apropriados para expiação e santificação. Mas ele sentia que essa não era a verdadeira maneira pela qual um homem se tomava justo diante de Deus. Os ímpios perecem (ver Jó 8.13, parte do discurso de Bildade), mas Jó sabia que era inocente. Por que estava ele sofrendo? ... porque à tua vista não já justo nenhum vivente. (Salmo 143.2) Ver na Enciclopédia de Bíblia, Teologia e Filosofia o artigo chamado Justifica­ ção quanto a uma discussão cristã sobre a questão. A resposta dada pelos antigos era uma bondade respeitável, mas não uma santidade absoluta; vida respeitável, mas não liberdade absoluta do pecado; e expiação, por meio de



1904 sacrifícios e abiuções, para compensar as diferenças. Jó, entretanto, não estava satisfeito com essas respostas antigas. 9.3 Se quiser contender com ele. Neste ponto, Jó parece usar a linguagem legal dos tribunais. Se um homem tomar seu caso perante Deus e fingir ser justo, outros rirão diante dele e o expulsarão do tribunal. Esse homem tolamente tenta­ ria contender com o próprio Deus! Além da questão da justiça, há milhares de outras questões sobre as quais um homem pode estar enganado, e o Mestre da Corte poderia apontá-las para ele, envergonhando-o, pois ninguém é capaz de responder às perguntas divinas (ver Jó 38.3; 40.4 e 42.2-6). Não obstante, Jó sabia que tinha uma resposta que seus críticos não tinham: o homem inocente pode sofrer e realmente sofre. Porém, ele não sabia dizer por quê. A questão era enigmática. Deus tem todo o poder, mas poder sem amor é intolerável. Deve haver, em algum lugar, uma resposta que leve o amor em consideração. Ver Jó 5.8, parte do discurso de Elifaz: a apresentação de uma causa perante Deus. Mas, para ver-se envolvido nessa atividade, o indivíduo deveria ser justo, ou um raio o derrubaria por terra antes que ele pudesse falar. Jó teve a audácia de duvidar de Deus (ver Jó 10.2; 13.22; 14.15; 31.35-37), exigindo respostas da parte Dele. Mas tudo quanto obteve foram perguntas divinas que o deixaram confuso, e o enigma do sofrimento permanecia. Quanto ao que pode ser dito no livro de Jó sobre o problema do mal, ver a Introdução ao livro, seção V. Nem a uma de mil cousas. Deus pode acusar um homem de mil coisas, mas o homem não pode defender-se de um único caso. Outrossim, Deus pode apontar para mil buracos em seu credo, e o homem não terá nenhuma resposta. Ou então Deus pode fazer-lhe mil perguntas difíceis sobre coisas em geral, con­ forme Ele demonstrou mais tarde (ver as referências acima), e o homem não terá resposta para um único enigma. Por conseguinte, é melhor permanecer afastado do tribunal celestial, e não provocar Deus com perguntas e acusações tolas.

Comparar com Zac. 4.8 e Pro. 16.20. Voltaire ficou muito infeliz com Deus, por causa de um terremoto que atingiu Lisboa em 1776, com a perda de 50.000 pessoas. E há inúmeras ilustrações disso por toda a história da humanidade. Alguns terremotos, especialmente, os destruidores, são acompanhados por erup­ ções vulcânicas, o que adiciona terror e destruição àquilo que já é temível. Na Enciclopédia de Bíblia, Teologia e Filosofia ofereço um detalhado artigo chamado Terremoto. Na Bíblia, os terremotos figuram entre as armas mais poten­ tes do arsenal de Deus. 9.6 Quem move a terra para fora do seu lugar. Continua aqui a ilustração do terremoto. Os terremotos mais poderosos podem sacudir até mesmo as colunas da terra. O antigo conceito semita da terra, em relação ao cosmo, era como segue: havia um firmamento, uma estrutura tipo cúpula arqueada por cima da terra. Acima dessa massa sólida de material existia grande expansão de água. O sol, a lua e as estrelas eram luzes fixadas no lado de baixo do firmamento. A terra era chata, e nas beiradas havia montanhas sobre as quais o firmamento repousa­ va em dois extremos. A terra penetrava nas águas abaixo, isto é, no abismo de água. Pensava-se que abaixo da terra estava o seol. Por baixo do seol havia as colunas sobre as quais repousava toda a massa. Mas não temos nenhuma conjectura a respeito de em que as colunas repousavam. Seja como for, essas colunas formavam os alicerces da terra inteira. Quanto a uma ilustração dessa visão cósmica, ver na Enciclopédia de Bíblia, Teologia e Filosofia o artigo chama­ do Astronomia. A declaração do vs. 6 é que as próprias colunas que servem de alicerce da terra podem ser sacudidas pelo poder de Deus, ameaçando toda a vida e até a própria existência da terra. Algum terremoto gigantesco poderia destruir a terra e seus habitantes mediante um único golpe fatal. Os intérpretes que supõem que os antigos pontos de vista semíticos não pudessem errar, apre­ sentam uma questão que deixa a desejar, argumentam que estamos tratando aqui de expressões metafóricas, e não declarações literais de crença.

Vacilem a terra e todos os seus moradores, ainda assim eu fm are i as suas colunas.

9.4 Ele é sábio de coração e grande em poder. Deus é Todo-sábio (onisciente) e também Todo-poderoso (onipotente). Ver no Dicionário o artigo chamado Atributos de Deus. Empregando o que os teólogos chamam de Via Eminentiae (ver na Enci­ clopédia), os homens tentam descrever Deus aplicando a Ele, em alto grau, suas próprias qualidades e atributos. Além disso, eles inventam argumentos intelectuais para explicar por que acreditam que Deus existe e quais são as Suas verdadeiras qualidades. Em outras palavras, eles usam argumentos positivos, essencialmente baseados em suas experiências, incluindo as experiências místicas e os seus racio­ cínios. Esse método produz algum fruto e tende por cair no Antropomorfismo (ver a respeito no Dicionário), segundo o qual Deus é transformado em um Super-homem. Além disso, há a Via Negationis, que é a abordagem negativa. “Deus é transcendental.” Ele não é aquilo que o homem é. Algum fruto nasce, mas é difícil falar sobre qualquer coisa referente à experiência humana, à qual nosso conheci­ mento está essencialmente vinculado. Seja como for, os omnis (onipresente, onis­ ciente, onipotente) são conceitos essencialmente negativos, visto que, na realida­ de, não temos experiência com o infinito, e, se temos, essa experiência é inefável. Assim sendo, o omni torna-se não-infinito, mas muito grande. Portanto, o texto presente fala da grande sabedoria e poder de Deus. Nenhum pecador ousa apro­ ximar-se de tal sabedoria e poder. Os ímpios não podem prosperar porque é o Deus Todo-sábio e Todo-poderoso que, afinal de contas, determina o seu destino. Até o mais sábio dos homens e o mais poderoso se postam como crianças desnorteadas diante do Deus Altíssimo. Comparar o presente versículo com Jó 12.13; 38.1-40.2; 40.6-41. Deus exi­ biu Seus atributos de sabedoria e poder quando confundiu Jó posteriormente. “Deus confunde o mais hábil argumentador com a Sua sabedoria, e o mais poderoso homem com o Seu Poder" (Fausset, in !oc.). 9.5 Ele é quem remove os montes. O poeta ilustra o grande poder de Deus que ele havia descrito no vs. 4. Trata-se de um poder tão grande que pode derrubar montanhas, sem dúvida uma referência a terremotos. Atos da natureza são atribuí­ dos a Deus, conforme fazemos até em tempos modernos. O vs. 6 quase certamente continua com a idéia do terremoto. “Pelas fortes convulsões dos terremotos, monta­ nhas, vales e colinas e até ilhas inteiras são removidos em um único instante” (Adam Clarke, in loc.). Além disso, o trabalho é feito sem o acompanhamento de qualquer notícia. Tudo ocorre mediante algum poder invisível, o que pode ser muito destrutivo. Assim sendo, o poder de Deus derruba o ímpio a qualquer momento, sem aviso. Nenhum homem prosperará se for contrário ao Todo-poderoso.

(Salmo 75.3) Esta declaração no livro de Salmos supõe que o próprio Deus firma as colunas da terra, pelo que nada de catastrófico pode acontecer a ela. Essas colunas seriam instáveis, não fosse a preservação divina providencial. Mas o poder de Deus pode fazer as colunas vacilar, e, por igual maneira, Deus castiga homens ímpios, fazendo-os perecer.

Quem fala ao sol. Se o sol fosse impedido de elevar-se acima do horizonte, isso seria um notável milagre de Deus. Talvez o poeta tenha falado metaforica­ mente de tal poder: Deus pode fazer o que Ele bem quiser. Alguns estudiosos reduzem essa figura a um mero eclipse, ou a nuvens que ocultam o sol nascente. Naturalmente, temos de considerar o longo dia de Josué, o que também ocorreu mediante algum freio divino do sol, mas também é explicado mediante termos naturais. Ver no Dicionário o artigo denominado Astronomia, quinta seção, intitulada A Astronomia e Outros itens Interessantes, na Bíblia. Ver também sobre Josué, Longo Dia de, e a narrativa em Jos. 10.12-14. Quanto a detalhes sobre essa história, ver o verbete intitulado Bete-Horom, Batalha de. Sela as estrelas. Provavelmente, devemos pensar aqui em nuvens espes­ sas. As estrelas não são vistas por causa dos atos divinos de Deus, que contro­ lam a natureza. O autor sagrado enfatiza como a própria natureza está sujeita ao poder de Deus, quanto mais o homem humilde, o pecador que merece o julga­ mento divino. Os céus são como um grande livro no qual podemos ler a glória de Deus. Algumas vezes, porém, Deus sela o livro, “de forma que ele não pode ser lido. Algumas vezes os céus tomam-se negros como o ébano, e então nenhuma estre­ la, figura ou caráter nesse grande livro de Deus pode ser lida” (Adam Clarke, in loc.). Diz o Targum: “Sela as estrelas com nuvens". Também podemos pensar em tempestades violentas, que ilustram o poder divino e ameaçam os homens, tal como podem selar a luz vinda do céu. Jó, em seu pessimismo, falou sobre os céus como algo que emite luz. Ver Jó 3.9. Cf. também Jó 41.15. A Amoralidade da Onipotência (9.8-13) 9.8

Dar-me-ia pressa em abrigar-me do vendaval e da procela. (Salmo 55.8)

Quem sozinho estende os céus... O poder de Deus é ilustrado, igualmente, pelo ato criativo de espalhar as estrelas, estabelecendo a ordem cósmica. Então

JÓ as temíveis ondas são como nada para Deus. Ele também as criou e pode sair andando sobre elas sempre que quiser. Quando Deus pisa sobre as águas, causa grandes tempestades e ondas no mar, que assustam os marinheiros. A antiga cosmologia dos hebreus recatava toda a criação feita para o ho­ mem, pelo que os luzeiros do céu, isto é, o sol, a lua e as estrelas existiam para dar luz e conforto aos homens. Portanto, ao espalhar os céus, Deus 0 fez como quem arma uma tenda para cobrir e proteger. Pele ladn de baixo, a tenca foi feita brilhante, com inúmeras luzes, por causa do homem. Consideremos: 1. O Deus Voluntarista. Os versículos diante de nós retratam uma Vontade Inexorável que nenhum homem pode colocar err dúvida, mesmo que Ele viole as condições morais impostas ao homem. Ver na Enciclopédia de Bí­ blia, Teologia e Filosofía o verbete chamado Voluntarismo. Nesse conceito de Deus não damos grande importância à razão e à justiça, conforme compreen­ demos esses termos. As coisas estariam certas porque Deus as quer, e não porque estão certas em si mesmas. 2. A Onipotênc;a do Deus Amoral. Então Deus tem poder onipotente, mas isso não é controlado pela moralidade do homem, mesmo que ela tenha sido imposta ao homem por parte de Deus. Portanto, o vs. 12 retrata Deus como um ladrão ou raptor cujos atos não podem ser nem obstruídos nem postos em dúvida. 3. O Inteiramente Outro. Deus, pois, é o “inteiramente outro*. Não podemos atingir o conhecimento sobre Deus examinando o homem e aplicando os atributos humanos a Ele, em um grau mais elevado. Ver as notas sobre Jó 9.4, quanto a Via Eminentiae e Via Negationis, maneiras de explicar Deus. Os versículos à nossa frente aplicam a Via Negationis. Deus é transcendental e não pode ser descrito mediante a aplicação dos conceitos antropomórficos. “Os juízos de Deus continuam sendo insondáveis, e inescrutáveis são os Seus caminhos! (Rom. 11.33). Porém, esses juízos não podem ofender, em análise final, a imagem Dele mesmo, expressa na vida humana. De outro modo, Suas maravilhas tornar-se-iam 'maravilhas', de fato!” (Paul Scherer, in loc., limitando-as por meio de uma moralidade apropriada). Caros leitores, o hipercalvinismo promove um conceito voluntarista de Deus. A isso devemos resistir sobre bases morais. O Deus de amor não pode sair fazendo certas coisas que Lhe são atribuídas, como a reprovação ativa, por exemplo. Um conceito de julgamento que não seja temperado pelo amor é um conceito voluntarista. O julgamento divino existe para corrigir e remediar, não apenas para punir. De fato, todos os julgamentos de Deus são remediais, até o julgamento dos perdidos. Ver sobre I Ped. 4.6, no Novo Testamento Interpretado. E ver, no Dicionário, o artigo intitulado Julgamento de Deus dos Homens Perdidos. 9.9 Quem fez a Ursa, o Órion, o Sete-estrelo e as recâmaras do sul. O ato da criação é também descrito porque mostra o poder de Deus e Sua vontade inexorável. Ele fez as constelações de estrelas, cujos nomes são registrados aqui. D oj artigos socre as constelações no Dicionário, de maneira que o leitor pode examiná-los, quanto a infcrmações mais detalhadas. Ver os artigos chamados Plêiades (e Outras Constelações); Sete-Estrelo. Os homens olham para os céus admirados, e sabem que ali há grande poder. O poeta assegura que esse Poder existe, não meramente para ser admirado, mas para impressionar os ímpios hipó­ critas. Por outra parte, esse Poder também existe para abençoar os arrependidos. Jó podia fazer essa escolha. Os nomes próprios têm sido variegadamente traduzi­ dos e interpretados, mas a mensagem é bastante clara. Devemos lembrar que Deus transcende Seu cosmo criativo, e isso também ilustra Seu poder. As recâmaras do sul. Isto é, as regiões invisíveis do hemisfério sul, com seu próprio jugo de inúmeras estrelas, em distinção às outras constelações que ti­ nham acabado de ser citadas. O autor fala da vastidão dos céus estrelados. Ver no Dicionário o artigo denominado Astronomia, q je ilustra essa vastidão através do conhecimento moderno. 9.10 Quem faz grandes cousas. Ninguém pode sondar a verdadeira natureza do próprio Deus ou de Suas obras. Deus faz maravilhas sem-número, porque tem o poder e a sabedoria para tanto. Por conseguinte, ninguém pode pôr-se diante de Deus e interrogá-Lo. Ele não tem de prestar contas a quem quer que seja. Não existe tribunal diante do qual Ele possa ser convocado e interrogado. Mas pode­ mos estar certos de que o Seu poder fere o homem maligno e de que Ele julga o pecado. Note o leitor como este versículo faz referência à declaração de Elifaz, em Jó 5.9. Ver as notas ali quanto a outros detalhes. O segundo crítico de Jó salientou que o caso de Jó não era muito difícil para Deus, o qual faz maravilhas sem fim. Mas devemos buscar a Deus da maneira certa, incluindo a humildade e o arrependimento. O caso de Jó era desesperader, mas não impossível. Jó reco­ nhecia o Poder divino, mas só o via operar em sua vida de forma negativa. E isso o deixava assustado. Jó reconhecia o estupendo poder de Deus, mas demorava-

1905 se sobre Seus terríveis atos de destruição, os quais, segundo todas as aparênci­ as, não eram governados por nenhuma razão, pois, afinal de contas, faziam-no sofrer “sem causa” (Jó 2.3). 9.11 Eis que ele passa por mim, e não o vejo. O Deus Oculto. Deus deixa S jas pegadas por toda a parte, a s s h sabemos que Ele está “ali, em algum ligar” . Mas Ele é transcendental, e nunca podemos achá-Lo. Ele está acima de nnssa per­ cepção e de nossa razão, além de nossa investigação. Ele transcende ao cosmo criado e não nos admiramos por não poder encontrá-Lo. “Ele é incompreensível em todos os Seus caminhos e em todas as Suas obras. E assim deve ser se Ele é Deus. Sua própria natureza e operações são inescrutáveis!' (Adam C.arke, in loc.). Deus é “inteiramente outro”, conforme comento nas notas sobre o vs. 8. Ver na Enciclopédia de Bíblia, Teologia e Filosofia o detalhado artigo chamado Trans­ cendente, Transcendência, Transcendentais. Ver as notas sobre o vs. 8 deste capítulo quanto à Via Negationis, um modo de dizer algo sobre Deus. D'zemos que Deus é imanente (está presente em Sua criação) e também transcendente (está fora, acima e além de Sua criação, de forma que permanece oculto da compreensão humana). Ver no Dicionário o artigo chamado Atributos de Deus. Cf. Jó 4.15, onde o crítico Elifaz disse algo similar, e ao que Jó provavelmen­ te se referia. 9.12 Eis que arrebata a presa! quem o pode impedir? A Metáfora do Ladrão. Jó falou com Deus como se Ele estivesse agindo como um ladrão ou seqüestra­ dor. Um ladrão não pede licença ao dono da casa para roubar. Ele simplesmente chega e rouba. As pessoas são seqüestradas sjbitamente e sem aviso prévio. A palavra hebraica traduzida por “arrebata” é usada somente aqui em todo o Antigo Testamento (uma hapax legomenon), mas cognatos são encontrados em outros trechos bíblicos, como em Pro. 23.28 e outros lugares para referir-se à viOiência humana. Nossa versão portuguesa expressou bem a questão com a tradução

Arrebata a presa! “Deus é implicitamente comparado a um ladrão e seqüestrador a quem nin­ guém pode resistir, ou mesmo criticar e censurar" (Samuel Terrien, in loc.). Este versículo subentende um Deus voluntarista, alguém que é tão completamente outro’ que está acima das regras da moralidade que Ele impôs ao homem. Ver os comentários no vs. 8, que desenvolve este tema. Jó foi lançado em horrendo sofrimento “sem causa” (Ver Jó 2.3), mas não tinha direito de perguntar a Deus: “Por quê?’ . Era a vontade de Deus, a vontade inquestionável e inexorável. O artigo no Dicionário chamado Voluntarismo põe em dúvida esse tipo de conceito de Deus. O vcluntarsmo deixa inteiramente de fora o conceito de Deus como um Deus de amor (ver I João 4.8) e enfatiza a vontade às expensas da razão, da moralidade e da justiça, conforme compreendemos esses termos. O voluntarismo manifesta uma teologia desequilibrada. Na verdade, o Deus revelado no Novo Testamento contém um conceito superior do Deus do Antigo Testamento, e Dor que isso nos deveria surpreender? “Mesmo que Deus estivesse, por assim dizer, laborando em erro e se ton as­ se um assaltante, ainda assim poderia manter a Sua causa devido ao Seu grande poder, e então esmagar o Seu adversário” (Ellicott, in loc.). 9.13 Deus não revogará a sua própria ira. Deus é inexorável na aplicação de Sua vontade e poder, e assim faz todos os inimigos prostrar-se a Seus pés. Até os temíveis aliados de Raabe não podem oferecer-Lhe resistência. A uxiliadores do Egito. Raabe. Nos livros poéticos do Antigo Testamento, este nome é usado para indicar um monstro de poder demoníaco. Quandc esse vocábulo é empregado, parece estar relacionado aos atos criativos de Deus, ao restringir o mar, pelo que somos levados a pensar em algum monstro marinho terrível. Visto que esse monstro é usado como símbolo do Egito (ver Isa. 3C 7; e ver as notas sobre Jó 3.8 e 7.12), nossa versão portuguesa chama aqui Raabe de ‘ auxiliares do Egito', referindo-se a um mito da criação babilónica, no qual Marduque derrotou Tiamate (outro nome para Raabe e para o leviatã’ ver Jó 7.12) e, então, capturou seus auxiliares. Posteriormente, Raabe tornou-se um apelido do Egito (ver Sal. 87.4; 89.10 e Isa. 30.7). Tiamate também pode '■eferirse à deusa do oceano salgado primevo, a antagonista do deus-herói do grande épico babilónico. Isso significa que Deus conquista e subjuga deuses de qual­ quer espécie. Sendo esse o caso, que poderia fazer o pobre Jó contra Deus? Como resistiria ele aos poderes e ao julgamento de Deus’ Só lhe restava continuar sofrendo “sem causa” (Jó 2.3). Ver no Dicionário o verDete chamado Tiamate, quanto a detalhes. Ver também sobre Raabe, em Jó 26.12 e Isa. 51.9. Se Deus venceu nesse ‘ conflito cósmico’ , então nenhum homem sobre a face da terra pode chamar a atenção Dele nem resistir à Sua vontade inexorável e ao Seu poder.



1906 Fútil é Contender com Deus (9.14-19)

Esmaga. Aqui e em Gên. 3.15 e Sal. 139.11 são as três ocorrências dessa palavra hebraica no Antigo Testamento. Ver as notas expositivas sobre o vs. 18.

9.14 9.18 Quanto menos lhe poderei eu responder...? Jó, o pobre sofredor, não era ninguém para questionar o Todo-poderoso, Aquele que criou os céus e a terra. Jó não ninguém para derrotar tão poderoso e tão temíveis poderes sobrenaturais. Ele não era capaz de escolher palavras que compusessem um bom argumento. Ele não podia raciocinar com o Deus voluntarista. Restava-lhe somente continuar sofrendo de forma enigmática. Aqui o quadro é o de uma ação legal na qual Jó ou se fingiu um defensor sem esperança (vss. 14-15), ou um querelante incapaz de forçar uma audição (vs. 16). A despeito de tudo, Jó manteve firme a sua inocência (vs. 15). Jó pensava que o poder de Deus era arbitrário, em consonância com o conceito voluntarista dos hebreus sobre Deus. A razão estava longe do contexto. Ele simplesmente tinha de submeter-se a um sofrimento apa­ rentemente ridículo. “Não posso contender com meu Criador. Ele é o Legislador e o Juiz. Como permanecerei de pé no julgamento, diante Dele?” (Adam Clarke, in loc.). “Em uma luta de forças, o Criador tem as vantagens’ ( Oxford Annotated Bible, comentando sobre o vs. 10).

Não me permite respirar. Os gritos de desespero de Jó se tomavam cada vez mais agoniados. Do ponto de vista dos hebreus, ele estava aproximando-se das blasfêmias que Satanás disse que ele pronunciaria quando estivesse sob tensão extrema (ver Jó 1.11 e 2.5). A respiração de Jó era esmagada para fora dele, e, em lugar de oxigênio saudável, ele inalava amargor de espírito. Ele estava sendo esmagado (vs. 17) como a posteridade da mulher (ver Gên. 3.15). Ver também Sal. 139.11, onde a palavra hebraica para esmagar é usada, completando assim as três ocorrências do termo no Antigo Testamento. Este versículo deve ser comparado com Jó 7.19, que tem algo similar. As dores de Jó vinham tão depressa e de forma tão inexorável que ele mal podia engolir sua saliva ou respirar. Um homem respira profundamente depois de uma experiência exaustiva ou um esforço muito grande. Deus nem ao menos permitia que Jó respirasse, a despeito de sua exaustão. Jó não estava sofrendo de asma ou alguma afeção pulmonar, que não lhe permitisse respirar, o que é uma inter­ pretação exageradamente literal do vs. 18. Cf. este versículo com Jer. 9.15 e Lam. 3.15,19.

9.15 9.19 A ele, ainda que eu fosse justo, não responderia. Nem mesmo um homem inocente pode raciocinar com o Deus que pune à toa. Ele não dispõe de razões que se apliquem. Os sofrimentos permanecem um enigma. Ao homem inocente, não podendo apelar para a razão, só restaria rogar a misericórdia de Deus. Seu apelo era por piedade, e não por justiça, conforme ele entendia o termo. Ele era um réu sem esperança, no tribunal divino. Reconhecendo isso, só esperava um pouco de misericórdia para aliviar suas dores. É errado cair aqui na armadilha de Elifaz, supondo que Jó, embora inocente de um ou mais atos específicos que tivessem causado seus sofrimentos, era um pecador terrível, o que explicaria os julgamentos a que era sujeitado.

Tenho asco de mim mesmo quando vejo Deus, E transformo-me no nada. Contente que Tu sejas exaltado, E Cristo seja tudo em todos.

Se se trata da força do poderoso. Jó não estava em condições de ter um “contexto de forças” com o Todo-poderoso. Se ele pleiteasse justiça, que bem faria isso? Seu oponente era, ao mesmo tempo, Juiz e Júri. Ninguém pode convocar Deus ao tribunal, e, se porventura Ele aceitar vir, ninguém pode derrotá-Lo em um caso. Deus toma as decisões e os homens que sofrem podem sofrer na inocência. Isso envolve um enigma. Não se procurem razões. Não se aplique a força humana. Que cada sofredor apenas sofra e espere por uma morte prematura. “Ele é Deus e eu sou apenas um homem, e por isso não podemos comparecer juntos em um tribunal” (John Gill, in loc). Jó reconhecia assim quão fútil era pleitear com seu Deus voluntarista e amoral. Quão diferente é esse Deus imaginário do Pai Celeste referido por Jesus, o qual, com tanta paciência e misericórdia, ouve Seus filhos que se queixam! (Ver o violento contraste que há em Mat. 7.25 ss.) A Gargalhada Zombeteira de Deus (9.20-24)

(Adam Clarke) Jó ficaria calado na presença do terrível Juiz. Portanto, ele tão-somente apresentaria um apelo por misericórdia, em vez de falar em sua própria defesa, por motivo de sua inocência. "... súplica, e não asserção’ (Ellicott, in loc.). 9.16-17 Ainda que o chamasse. Jó, em sua dor e humilhação, não esperava real­ mente que Deus ouvisse seu apelo de inocência e misericórdia... Isso era verda­ de, porque ele tinha aprendido que tudo quanto podia esperar de Deus era ainda mais sofrimento. Encontramos aqui palavras de total desespero. Jó havia sido esmagado até o lugar em que não supunha que apelos, quer por justiça ou por misericórdia, fossem eficazes com seu Deus voluntarista. O vs. 16 também pare­ ce indicar que Deus só responderia se houvesse mais dor. E até mesmo um Deus ouvinte só esmagaria mais ainda. “Seus apelos por misericórdia não passavam de tola fantasia, na presente realidade, em que Deus o esmagava como se fosse uma tempestade’ (Samuel Terrien, in loc). O Targum e a versão siríaca dão ao texto hebraico uma vocalização diferente, fazendo a palavra “tempestade” ter o sentido de “por um nada” ou “com um cabelo'. Em outras palavras, Jó sofria “sem causa” (ver Jó 2.3). O vs. 17 repete a afirmação. Jó permaneceu firme na convicção de que era um homem inocente. Ele lançava a culpa por seu sofrimento em um Deus arbitrário e voluntarista, que causa sofrimentos sem razão discemivel. Jó foi apanhado na armadilha de uma teologia inferior, na qual a inexorável vontade divina abençoa ou amaldiçoa sem considerações de razão e moral, con­ forme o homem julga essas coisas. Mas estou imaginando que qualquer homem, antigo ou moderno, que fosse sujeitado aos sofrimentos de Jó, cairia para essa teologia deficiente. Um sofrimento aparentemente insensato transforma muitos homens em ateus, enquanto outras pessoas, que não abandonam definitivamente a Deus, são transformadas em voluntaristas. Jó sempre fora um homem de oração e, sem dúvida, tinha visto grandes coisas acontecer. Mas, naquele período de sua vida, a oração o decepcionara. Certamente ele não recebera nenhuma satisfação da parte do tribunal celeste. A cúpula celestial se transformara em uma cúpula de cobre, pois o cobre é símbolo do julgamento divino.

9.20 Ainda que eu seja justo. Chegamos agora ao mais veemente protesto de inocência de Jó. Ele se refere a Deus como um Tirano Todo-poderoso que destrói os bons e os maus, sem discriminar a justiça, conforme os homens a compreen­ dem. Jó insistia sobre a sua inocência. Ele falava com a paixão de um herói abusado. A dor física e mental o levava a falar de maneira precipitada e atrevida. Ele chegou muito perto (de acordo com a mente dos semitas) de blasfemar, conforme Satanás disse que ele faria (ver Jó 1.11 e 2.5). A minha boca me condenará. Ao defrontar-se com o Todo-poderoso, em­ bora fosse inocente, ele ficaria tão aterrorizado, que terminaria por incriminar a si mesmo. Além disso, ele mostraria ser perverso, pela palavra do Juiz. Jó supunha que devesse haver alguma razão para a oposição divina que ele estava enfren­ tando, mas ele era incapaz de solucionar o enigma. Não obstante, teimava ser inocente. 9.21 Eu sou fntegro. Embora fosse inocente, Jó havia sofrido tão terrivelmente que não via mais utilidade para sua vida, nem tinha mais consideração por si mesmo. Havia perdido o seu instinto de autopreservação (ver a respeito na Enciclopédia de Bíblia, Teologia e Filosofia). Ele chegou a pensar na vida como um mal, e na morte como um alívio desejável. O pessimismo é uma doutrina condenável. Mas qualquer homem que sofresse o que Jó estava sofrendo seria empurrado para o ateísmo, para o pessimismo, ou para ambas as coisas. É conforme disse Schopenhauer: “O pior pecado de um homem é ele ter nascido”. Ele acreditava que a mente divina fosse insana, porquanto insistia em promover a vida, a despeito de todas as suas misérias. A salvação consistiria no desejo da mente divina para que todas as coisas deixassem de existir. Se isso acontecesse, só haveria o nada, e isso traria a paz final. A paz verdadeira, para os pessimistas, só pode existir quando nada mais existir, porquanto a própria existência é um mal perturbador.

Todos nós labutamos contra a nossa própria cura, pois a morte é a cura para todas as enfermidades. (Sir Thomas Browne)



1907

9.22

Deus Não Consideraria Jó Inocente (9.25-29)

Para mim tudo é o mesmo. Deus, o Nivelador. Jó, em seu desespero, pensava só haver uma verdade e uma realidade: Deus destrói o ímpio e o inocen­ te, sem fazer a mínima distinção entre eles. Em outras palavras, Deus é o inimigo de toda a vida, pelo que quem pode ficar de pé diante Dele? Outrossim, quem pode alterar a natureza do mal, visto que Deus está por trás do mal? A teologia dos hebreus era fraca quanto a causas secundárias, fazendo de Deus a Única Causa, até do mal. E o hipercalvinismo, com seu exagero na doutrina da predestinação, cai na mesma armadilha.

9.25

Nem mesmo sentado em casa pode um homem escapar a seu destino determinado.

Os meus dias foram mais velozes. “Novamente, o poeta revela-se como um profundo mestre da psicologia. Jó havia acabado de fazer uma declaração herética, com risco de sua vida, e imediatamente revelou seu temor pela morte, mediante três imagens de beleza atrativa: o corredor (vs. 25).; os navios (vs. 26) e a águia (vs. 26b). Quando suas corajosas resoluções de ter bom ânimo (vs. 27) foram interrompidas pelo excesso de dores, ele se voltou a Deus com uma oração melancólica (vs. 29), o que, uma vez mais, conduz a uma inquirição filosófica: ‘Por que, pois, eu labuto em vão?’ (vs. 29)” (Samuel Terrien, in loc.). Assim, pois, os esforços de Jó para vindicar a si mesmo eram fúteis, porque seus dias deslizavam velozmente, e ele se aproximava rapidamente da morte.

(Ésquilo)

É a sorte que lança os dados, e quando ela os lança, transforma reis em aldeões, e aldeões em reis. (John Dryden) Este versículo deve ser comparado a algo similar, em Eclesiastes 9.2. “Por conseguinte, digo: Ele extermina tanto os perfeitos quanto os ímpios" (Samuel Terrien, in loc.). “Minhas próprias observações mostram que, no curso da providência, os justos e os ímpios têm igual sorte. Quando a calamidade vem, o inocente e o culpado caem juntamente” (Adam Clarke, in loc.). 9.23 Se qualquer flagelo mata à súbita. O Deus Zombador. Na verdade, essas palavras de Jó foram muito amargas, e nem sei como Satanás não ganhou a sua aposta de que o homem sob severo teste blasfemaria (ver Jó 1.11 e 2.5). Mas devemos observar que ele blasfemou de seu Deus voluntarista, não da verdadeira compreensão de Deus. Outrossim, ele ignorava a existência de causas secundári­ as. Tendo dito isso, nem assim conseguimos explicar como é que os inocentes podem sofrer e realmente sofrem. “Jó concluiu: Que diferença isso faz? Quer inculpável quer ímpio, Deus haveria de destruí-lo arbitrariamente. Ação tão indiscriminada, como um açoite, traz a morte para os inocentes e para os ímpios” (Roy B. Zuck, in

Primeira Metáfora: O Corredor. O homem é um grande atleta. Ele tem poder. Ele faz uma corrida com velocidade e graça. Portanto, em breve a termina. Assim acontecia com a vida de Jó, que passava rápida e inutilmente. Não havia bem a ser obtido nessa corrida. A morte era o alvo. Jó, suportando toda aquela dor, corria rapidamente para um fim fútil. Jó lamentava a brevidade da vida, que era insignificante e cheia de dor (cf. Jó 7.6-9; 10.30; 14.1,2,5 e 7.1). “Jó estava dividido. Ele anelava por Deus, mas O temia. Ele odiava a vida e, no entanto, a amava... Existem milhares de pessoas que fazem de sua atitude desani­ mada o único comentário sobre a vida” (Paul Scherer, in loc). A vida é como o dinheiro posto em uma sacola com buracos. Para Jó, a vida era tão fútil quanto isso. A vida de Jó não se assemelhava a uma lenta caravana, mas a um carteiro que montava um cavalo poderoso em seu circuito. O corredor cumpre a sua missão de modo tão rápido quanto possível. O correio precisa apressar-se. Supercavalos e superatletas eram empregados nesse serviço. 9.26

A Segunda Metáfora: Os Navios Velozes. A referência mais provável é aos barcos de papiro do Egito, as lanchas rápidas da época. Eram leves e tangidos com grande facilidade pelo vento. Ver Isa. 18.2, quanto a uma referência a esse tipo de embarcação. Tais embarcações eram usadas no rio Nilo, e, quando desci­ am o rio, iam mais depressa ainda. Os barcos não somente passavam rapidamen­ te, mas também não deixavam banzeiro, exatamente como acontece ao homem. Algumas dessas embarcações eram conduzidas por remos, e homens fortes podi­ am fazê-las movimentar-se rapidamente.

loc.). Flagelo. A metáfora aponta para qualquer tipo de calamidade, acidente, enfermidade ou desastre. Deus olha lá de cima para as pobres vítimas e esco­ lhe a Sua. Ele a golpeia com seu chicote, e esse é o fim dela. Outrossim, quando Ele olha e golpeia com o açoite, não faz distinção entre o homem ímpio e o bom. Deus é um destruidor arbitrário. Uma vez que Ele destrói um homem, Ele pensa que é engraçado e zomba do morto que jaz em terra; então o som das gargalhadas divinas reboam através dos céus. Quando uma calamidade alcança um inocente, Deus ri-se dele! O sofrimento faz parte de um esporte celeste.

Somos para os Deuses Como as moscas são para os meninos. Eles nos matam por esporte.

Terceira Metáfora: A Águia, Ave de Rapina. A águia é famosa por suas asas fortes e por seu vôo veloz. Também é uma caçadora implacável, cuja descida à terra, para apanhar um animal que de nada suspeita, é impressionante. Essa metáfora é especialmente apropriada, porquanto fala de morte súbita, que não está no controle do animal morto. Há algo de brutal no mergulho da águia, e algo de brutal na morte calamitosa de um homem inocente. Roy B. Zuck, in loc., pensa que o autor pode estar referindo-se ao falcão, o qual atinge velocidades de até 193 km por hora em sua descida para apanhar a presa! A palavra hebraica empregada pode incluir águias, abutres e falcões. As três metáforas incluem a idéia perfeita de velocidade na terra, na água e no ar. Cf. este versículo com Hab. 1.8 e Lam. 4.19. 9.27-28

(Shakespeare) Ver os versículos que falam sobre o riso de Deus contra os ímpios: Sal. 2.4; Pro. 1.26; Jer. 48.39; Qál. 6.7. Mas a posição de Jó era a de que Deus revolve a terra inteira atrás de suas vítimas, e a justiça é cega. Deus estaria indiferente às distinções morais tão importantes para o homem. O destino é arbitrário e destruidor. Nenhum indivíduo escapa à arbitrariedade ou à des­ truição. 9.24 Se não é ele o causador disso, quem é logo? Jó atacava seu Deus arbitrário e voluntarista. Ele acusava Deus de injustiça social e opressão políti­ ca. E adicionou de maneira desafiadora: “Se não é Deus quem causa toda essa maldade, então quem é?”. “Aqui, pela primeira vez, Jó acusou Deus de injusti­ ça. Ao contemplar as injustiças da vida, com ele e com outras pessoas, Jó protestou contra a crença de seus críticos, de que Deus nunca perverte a justiça (ver Jó 4.7 e 8.3)” (Roy B. Zuck, in loc.). Jó, por assim dizer, declarou: “Deus entregou a terra nas mãos dos ímpios. E se não foi Deus quem fez isso, então quem foi?”. Jó deixou de perceber, uma vez mais, que poderia existir uma causa secundária.

Se eu disser. Jó via uma bruxuleante luz de esperança e pensava talvez ser até capaz de parar com suas tristezas e dores. Aqui ele assume uma atitude mais otimista, mas então, de súbito, no meio de suas fantasias, o antigo sofrimento o esmaga novamente. Ele sabia que o severo Juiz não o consideraria inocente e, assim sendo, não permitiria que seu breve alívio durasse por muito tempo. De fato, ele não teve alívio, somente imaginou que assim poderia ser, mas até a idéia foi logo abandonada. “Quando suas bravas resoluções de ter bom ânimo (vs. 27) foram interrompidas pelo excesso de sua dor, ele se voltou para Deus em uma oração melancólica (vs. 28)" (Samuel Terrien, in loc). O trecho, no hebraico original, é muito vívido: “Esquecerei o meu rosto”, ou seja, o rosto de tristeza. A Vulgata Latina interpreta isso como: “Mudarei minha fisionomia”, mas o temor de um sofrimento constante fizeram-no abortar a tentativa. 9.29 Serei condenado. A arbitrária aflição divina em breve poria fim a um rosto feliz, assim por que fingir ser alegre? “Ele continuaria culpado diante de Deus; portanto, por que ao menos tentar?” (Roy B. Zuck, in loc). “Jó submeteu-se, não tanto por estar convencido de que Deus tinha razão, mas porque Deus é podero­ so, e ele mesmo era fraco" (Barnes, in loc). Isso exprime um voluntarismo puro. Trasímaco, no diálogo de Platão, que tem o seu nome, perguntou: “Uma coisa é certa porque Deus a fez, ou Deus a faz porque ela é certa?”. A vontade é predo­

1908 minante, e Jó pensava que a vontade suprema é perversa, a causa de todo o mal, bem como a fonte de todos os seus sofrimentos, embora ele fosse um homem inocente. Intenções de Deus para com o Homem (9.30 - 10.22) A Necessidade de um Mediador (9.30-35) “Esta estrofe provê um segundo marco na jornada espiritual de Jó (cf. Jó 7.21). Embora tenha dito, pouco atrás, que Deus trata cegamente tanto ho­ mens perfeitos como homens ímpios (vs. 22), ele percebe, superficialmente, que estava sendo perseguido por Deus, porque este o considerava culpado (vs. 28). Mas agora, em uma declaração, ele proclama a incapacidade do homem de salvar a si mesmo contra a vontade de Deus (vss. 30 e 31). O texto não deve ser pressionado excessivamente, embora possamos reconhe­ cer aqui um homem necessitado de salvação pela graça. Enquanto o teólogo penitente da sola gratia implorou a Deus: ‘ Lava-me, e ficarei mais alvo que a neve" (Sal. 51.7), Jó exclamou: “Ainda que me lave com água de neve... mesmo assim me sibm ergirás no lodo”. À semelhança do salmista, Jó perce­ bei1 que não podia lavar a si mesmo, mas, diferentemente do salmista, não desistiu da idéia de autopurificação e de receber de uma vez po r todas as riquezas da misericórdia divina, clamando: ‘Tem misericórdia de mim’” (Samuel Terrien, in loc.). Essa é uma excelente e perceptiva nota expositiva de nosso irmão Terrien, mas contém uma grande falha: Jó não estava falando da salvação da alma, mas somente do livramento dos sofrimentos físicos. Ele apelava para a graça divina pura nesse sentido, e não em favor da salvação da alma após a morte biológica. É um erro cristianizar o texto sagrado. Por outra parte, é correta a observação de que obtemos muitas coisas através da pura graça divina, sem nenhum mérito humano. Isso se estende ao mundo material e ao mundo espiritual.

JÓ 9.33 Nâo há entre nós árbitro. Se um árbitro tentasse negociar entre Deus e o homem, se um mediador fosse chamado, Deus feriria o homem, ou o anjo, ou qualquer outro ser que fosse empregado. Tal ser seria tão impotente quanto Jó. O Deus transcendental é tanto o juiz quanto o júri, e não admite nenhum árbitro em Seus casos. Deus faz como melhor Lhe agrada, e deixa o homem a perguntar: Por quê? Os intérpretes, neste ponto, costumam cristianizar o texto, fazendo de Cristo o Mediador entre Deus e os homens (ver I Tim. 2.5 e Heb. 8.6). Mas isso é um anacronismo, não o que Jó estava falando. “O nobre príncipe árabe (Jó) não era um profeta do mistério cristão da encarnação, nem era capaz de contemplar o ‘chocante’ espetáculo de um Deus encarnado. Não obstante, o poeta tentava desesperadamente transpor o hiato que separa o Criador da criatura” (Samuel Terrien, in loc.). Em outras palavras, Jó tinha excelente percepção, mas não fazia a menor idéia do que lhe era requerido mediar, em uma causa com Deus. Portan­ to, ele desistiu imediatamente da idéia, como se fosse apenas outro pensamento inútil. 9.34 Tire ele a sua vara de cim a de mim. Tendo desistido da idéia de um mediador que lhe pudesse fazer algum bem, Jó voltou à carga com uma oração na qual exprimiu um desejo, esperando que Deus ouvisse a sua voz. “Tira de cima de mim a Tua vara! Pára de bater em mim com ela! Cessa de aterrorizar-me com Teu intolerável julgamento!” Alguns intérpretes, entretan­ to, fazem do mediador, referido no vs. 33, o assunto do verbo aqui. Nesse caso, Jó continuaria a esperar que tal sei fosse ele um homem, um anjo ou um deus, pudesse mostrar-se eficaz em seu arbítrio e afastasse a vara de Deus de suas costas. 9.35

9.30 Ainda que me lave com água de neve. Jó reconhece aqui a futilidade de limpar-se para agradar a Deus. O arrependimento seria a neve que purifica, bem como o cáustico com o qual ele lavaria as mãos. Mas, se não era o arrependimen­ to, que poderia ser? De alguma maneira, Jó tentaria lavar-se perante Deus e esperar o melhor resultado. O melhor não consiste na salvação da alma, mas no alívio e na cura do corpo. Talvez Jó até chegasse a pensar no sacrifício apropria­ do. Ver Jó 1.5. Talvez isso exercesse alguma espécie de efeito purificador. Com cáustico. Os antigos árabes usavam um álcali misturado com óleo, como se fosse sabão. Essa mistura era bastante eficaz como purificador, embora não fosse muito agradável. Talvez haja aqui uma alusão ao antigo rito da lavagem das mãos como sinal de inocência, o ato usado por Pilatos (ver Mat. 27.24). Mas não sabemos dizer se esse ato é assim tão antigo. Seja como for, Jó não tinha fé na autopurificação. Deus não daria nenhuma atenção a tal ato (vs. 31). 9.31 Mesmo assim me subm ergirás no lodo. Se Jó se desse ao trabalho de passar por ritos e cerimônias para tornar-se puro diante de Deus, sem importar o que viesse a empregar, Deus não prestaria a mínima atenção. De fato, o Senhor lançaria o homem “limpo” em uma fossa! E faria isso levado pelo desprazer, porquanto o “homem limpo” continuaria imundo com o seu pecado. Esse homem seria tão vil que até suas roupas torná-lo-iam abominável diante de Deus! Ou a idéia pode ser que o Deus arbitrário lançaria um homem inocen­ te no abismo imundo, para ver quão sujo ele ficaria. Em outras palavras, ele pensava ser inútil apelar a Deus sob quaisquer circunstâncias. Jó falava aqui no enigma inerente de tratar com um Deus transcendental, cujos caminhos são inescrutáveis. 9.32 Porque ele não é homem, como eu. Jó continuou sua idéia sobre a dificul­ dade de tratar com um Deus transcendental. Esse trato está cheio de enigmas, porque Deus nâo se parece com um homem, e o raciocínio humano não pode conceber o Senhor. Seria uma situação quase impossível Deus e o homem se apresentarem juntos em um tribunal. Os dois não teriam base comum para julgar um caso entre eles. Cf. isso com Rom. 11.33.

A Futilidade. Quem poderia debater com Deus em um tribunal? Qual árbitro poderia ser chamado para mediar a disputa entre Deus e um mero ser humano? Qjem poderia ouvir imparcialmente os argumentos apresentados pelos contendores e fazer um julgamento? Um mediador seria tão impotente para seu papel como Jó. Infeliz o homem que luta com seu Criador! Ver Isa. 45.9.

Então falarei sem o tem er. Abruptamente, Jó cessou de sonhar acorda­ do e também abandonou suas orações fúteis, tendo compreendido que Deus, que não se parece com o homem em nenhum sentido, não se impressionaria diante de nenhuma mediação ou lamento continuo de Jó. “Não é assim. Estou sozinho comigo mesmo." Nenhum mediador capaz estava com ele. e ele somente, miserável como era, poderia esperar alguma cooperação da parte de Deus para livrar-se de sua dor. Foi assim que Jó admitiu que a vida é um jogo sem juiz algum, e que tudo estava perdido. Por conseguinte, Jó conti­ nuou temendo a Deus, porquanto sabia que mais sofrimentos e assaltos ain­ da o atingiriam. Não estaria em mim. Esta obscura frase portuguesa traduz um original hebraico obscuro. Várias idéias estão vinculadas a ela, a saber: 1. Jó não tinha nenhum mediador. Foi deixado sozinho, a depender somente de si mesmo. 2. Ele ficou sozinho em seus presumidos pecados e em sua fraqueza. 3. Ele tinha perdido a razão, ou estava no processo de tornar-se insano. 4. Em seu terror diante de Deus, ele havia perdido seu raciocínio normal. 5. Ele nada tinha em si mesmo que lhe possibilitasse confrontar o Deus Terrível. 6. Ele não dispunha de forças nem de circunstâncias que o capacitassem a pleitear sua causa diante de Deus. 7. Ele deixado a depender somente de seus próprios recursos, ou seja, estava condenado ao fracasso.

C a p ítu lo D ez Jó continua neste capítulo seus lamentos, pedidos de misericórdia e fú­ teis raciocínios iniciados em Jó 9.1. Ele respondia a Elifaz, a Bildade, ou a ambos, tentando replicar seus argumentos contra ele, os quais essencialmen­ te o tachavam de ser um grande pecador, merecedor do terrível julgamento que estava sofrendo. Jó continuava asseverando a sua inocência. Ele exibia um marcante pessimismo: a própria vida é um mal. Ele via Deus como um Ser voluntarista, cuja vontade arbitrária o tornava um homem miserável, sem ne­ nhuma razão verdadeira. O plano dos discursos (capítulos 3-14) é que os três críticos-amigos de Jó proferiram, cada um, três discursos, exceto o terceiro deles, que fez apenas dois discursos. Por sua vez, Jó replicou a esses discursos-acusações. Mas talvez estivesse em operação uma “ação adiada". Em outras palavras, a réplica de Jó a Bildade, seu segundo crítico (de acordo com a cronologia do texto), na realidade, talvez tenha sido contra Elifaz, o primeiro crítico. Ver detalhes nas introduções aos capítulos 4 e 9. O trecho de Jó 9.32-10.22 finaliza o primeiro discurso de Jó, com uma meditação sobre o caráter de Deus. Ver sobre os problemas teológicos do livro, em Jó 1.11.



1909 A esperança é tão barata quanto o desespero.

O Deus Antropom órfico de Jó (10.1-7)

(Provérbio do século XVII)

Um comportamento tipicamente humano é atribuído a Deus, e Jó é lançado ainda mais profundamente em seu desespero.

Minha mãe gemeu, meu pai chorou Quando saltei dentro deste mundo perigoso.

10.1 A minha alma tem tédio à minha vida. Jó esperava que surgisse alguma espécie de árbitro, para pleitear o seu caso, algum homem, algum anjo, algum deus; mas ele não achava nenhum (Jó 9.33 ss.). Portanto, resolveu tornar-se seu próprio advogado de defesa. Em seu desespero, Jó desafiou a Deus. Nada tinha para perder. Ele já havia sofrido tudo, exceto a morte, e esta seria extremamente bem-vinda. Significaria paz e livramento de dores intoleráveis. Jó tomou a própria vida nas mãos; mas, visto que viera a detestar sua vida (ver Jó 9.23), decidiu deixar explodir sua ira e permitir que Deus o matasse, se assim o quisesse. Jó confrontou Deus e pediu que não o condenasse sem que, primeiramen­ te, soubesse quais acusações estavam sendo feitas contra ele. Minha vida. Jó estava cansado de sua vida física. A palavra hebraica nephesh (alma, vida) foi usada na teologia judaica posterior, com o sentido de alma; mas ver aqui a alma no sentido moderno é anacronismo. A teologia patriarcal não especulava sobre uma parte imaterial do homem, nem sobre a vida além-túmulo, seja para os bons, seja para os ímpios. Jó “deixou sua queixa fluir livremente” (Revised Standard Version). Ele falou com “amargor de espírito", porquanto sua vida se tornara amarga e insuportável. O Targum diz aqui: “Minha alma é decepada em minha vida", ou seja, estou morrendo enquanto ainda vivo. Em outras palavras, Jó estava vivendo uma vida que não era digna de ser vivida. Portanto, ele arriscou aquela vida miserável, a fim de queixar-se ousadamente na presença do Deus Todo-poderoso.

10.2 Não me condenes. Não está em vista a condenação da alma no pós-túmulo. Jó falava das coisas que o condenavam a sofrimentos físicos.

(William Blake) 10.4 Tens tu olhos de carne? Ou seja, Deus julga conforme os homens julgam? Não são os Seus pensamentos inteiramente outros? Mas Jó falava com ironia, como se Deus fosse apenas um Super-homem, visto que Seu estranho comporta­ mento o furtava da natureza do Deus augusto, nas alturas. Esse Deus, afirmava Jó, agia como homem e imitava a desumanidade do homem para com o homem. Outra idéia possível é que as coisas correm erradas porque Deus, tal como o homem, tem julgamentos imperfeitos e incorre em toda a espécie de equívocos, ao tratar com os homens. Ele não seria um Deus infinito, e, sim, um Deus finito, e muito parecido com os homens. 10.5 São os teus dias como os dias do mortal? Jó Continua Humanizando a Deus. Seria Deus um Ser temporal e não eterno, conforme temos pensado que Ele seja, e, como ser temporal, cometeria Ele equívocos, tal como o homem se equivoca? Pois certamente o que Ele estava fazendo a Jó era um equívoco, levando um inocente a sofrer sem causa (ver Jó 2.3). Ou estaria Deus oprimindo Jó, em meio a tantos testes, porque Ele tinha de cumprir Sua tarefa antes que Ele próprio deixasse de existir? “O Teu tempo é curto? Impossível! No entanto, poderse-ia até pensar, a partir da rápida sucessão de Teus golpes, que Tua existência tem duração limitada, de modo que não tens tempo vago para avassalar-me” (Fausset, in loc.).

10.6 Faze-me saber por que contendes comigo. O primeiro apelo de Jó era que o Todo-poderoso não o condenasse sem primeiramente ouvir a argumentação dele. Ele esperava abalar o Deus arbitrário e voluntarista com argumentos que causavam pena. Portanto, pediu que lhe mostrasse por que ele estava sofrendo tantas dores; que lhe mostrasse quais pecados ele havia cometido que mereciam tão terrível julgamento, se é que o pecado, na realidade, fosse a razão de sua tão grande miséria. Jó estava buscando a resposta fugidia para o sofrimento humano e, especi­ almente, por que os inocentes sofrem. Ele tinha esperança de que o enigma seria resolvido, mas o livro inteiro, apesar de projetar alguma luz, fica muito aquém dessa esperança. A melhor resposta do livro é que, na presença de Deus, todos os problemas são resolvidos, incluindo o problema do mal, mas essa idéia só podemos sentir, crendo que ela é um dogma. Não nos é dado nenhum delineamento nem respostas racionais. Ver a seção V da Introdução quanto às respostas para o problema do mal que o livro de Jó fornece. E ver no Dicionário o artigo chamado Problema do Mal quanto a um exame mais filosófico-teológico do problema.

10.3 Parece-te bem que me oprimas...? Jó começou argumentando com uma aguda reprimenda: Seria bom que o Criador dos homens abusasse daquilo que Ele criara, sem razão aparente? Seria Deus como um homem de tendências sádicas que aprecia ferir a outros? Seria a solução verdadeira do problema do mal, a de que Deus gosta de ver os homens agonizar? Schopenhauer chamava o Deus voluntarista, que ele imaginava, de insano. Jó sugeriu que Deus pudes­ se ser um sádico. Naturalmente, do ponto de vista da teologia dos hebreus, Jó havia caído na blasfêmia, conforme Satanás disse que ele faria, se fosse sujei­ tado à pressão suficiente (ver Jó 1.11 e 2.5). Seria a própria existência um mal, porque o Criador da vida gosta de ver Suas criaturas sofrer? Ver na Enciclopé­ dia de Bíblia, Teologia e Filosofia o verbete chamado Pessimismo. Do capítulo 3 deste livro em diante, Jó defendeu os princípios daquela lamentável filosofia que assevera: o maior pecado de um homem é ele ter nascido, pois a própria existência é um mal. E favoreças o conselho dos perversos? Seria a razão da prosperidade dos ímpios o fato de que Deus mesmo favorece o mal, ao mesmo tempo que pune o homem bom? Nesse caso, Deus age como um sádico com os bons, e como um benfeitor dos maus. Então, obviamente, Deus é o mal em pessoa, se O julgamos segundo os nossos padrões morais. Mas o Deus voluntarista de Jó não obedecia às regras humanas, nem mesmo às regras que Ele próprio dera ao homem para observar. Deus havia abandonado as obras de Suas mãos (ver Sal. 138.8), segundo todas as aparências.

E averiguares o meu pecado? Deus, com pressa, dispondo de tempo limi­ tado, fez uma rápida e brutal investigação de Jó, e resolveu que ele tinha de sofrer, por razões não declaradas. Os homens, quando estão com pressa, come­ tem equívocos, conforme diz uma antiga canção: “A pressa se engana”. Deus, em vista de Seu tempo limitado, havia-se enganado com respeito a Jó. Deus parecia agir como um Juiz inescrupuloso, mais disposto a ferir do que a descobrir a verdade. Ele agiu precipitadamente, sem dispor de evidências contra Jó. 10.7 Bem sabes tu que eu não sou culpado. Embora Deus, em Seu conheci­ mento superior, soubesse que Jó era inocente, agiu contra ele. Deus era um Juiz injusto, que desconsiderava evidências, ou, então, agindo voluntariosamente, sem recompensar um homem justo, recompensava potencialmente os ímpios (ver o vs. 3 deste capítulo). Jó continuava a manifestar suas idéias sobre um Deus voluntarista, cuja vontade é suprema e inexorável, até mesmo contra os justos. Quanto à inocência de Jó, cf. Jó 9.28. Além disso, temos a declaração do próprio Deus, ao diabo, acerca da inocência de Jó (Jó 2.3). Assim, por que os inocentes sofrem? Seria porque Deus é como o homem, cometendo Seus próprios equívo­ cos? Ou seria porque Deus opera segundo os ditames da Sua vontade, que pode ser e é perversa? Jó estava sob a mão castigadora de Deus, e não encontrava meio para escapar. Sua inocência não o ajudava, de modo que permanecia um enigma por que a mão divina continuava a esmigalhá-lo.

10.8 As tuas mãos me plasmaram e me aperfeiçoaram. As mãos divinas que, naquele momento, esmagavam Jó, eram as mesmas mãos que o tinham criado, em primeiro lugar! Sem dúvida isso era uma maravilhosa contradição. Por que Deus criara Jó? Para esmagá-lo? Porventura teria criado Jó para fazer de Sua criatura um brinquedo, e, como se fosse um menino pequeno, ter prazer em prejudicar e matar quem Lhe era inferior? Deus, na opinião de Jó, agia como um mágico ou um artífice louco. Deus gerara intrincadas e belas criaturas, investidas de magnificente desígnio. Mas, quando se cansava de Seu jogo de criação, desfi­ gurava e esmagava a todos quantos havia criado. “Os homens geralmente dão grande valor às obras nas quais gastaram gran­ des habilidades e períodos de tempo. Mas embora Deus me tenha formado com tão grande habilidade e labuta, agora está prestes a destruir-me!” (Adam Clarke, in loc.). Deus mais se parecia com um oleiro desvairado que fazia belos e úteis vasos de argila, mas, em vez de utilizar-se deles ou vendê-los como itens decora­ tivos nas casas, simplesmente os esmagava com alegria feroz.



1910 Recorrendo a outra metáfora, podemos falar sobre o pai que era a fonte da vida de seu filho. Porém, por razões desconhecidas, o pai aflige esse filho e o leva a ponto de morrer. Um dos mais excelentes ensinamentos da Bíblia é sobre a paternidade de Deus. Jó não via nenhuma evidência dessa paternidade divina em seus sofrimentos. 10.9 Lembra-te de como me formaste. Metáfora do Oleiro e do Barro. O oleiro louco fazia belos trabalhos de argila para que todos os admirassem. E, de fato, sua maior produção era o ser humano. Embora as obras fossem belas e úteis, o louco oleiro agora ‘ queria” reduzir todas as suas criações de volta ao pó. Notemos como Rom. 9 retém o conceito do Deus voluntarista, por meio do uso dessa metáfora do oleiro e da argila (ver Rom. 9.19 ss.). Caros leitores, entristeço-me por dizer isso a vocês, mas esse tipo de conceito de Deus não se harmoniza com o restante do Novo Testamento. Trata-se de um fragmento de teologia inferior, voluntarista, aeixala pelo judaísmo. Ver na Enciclopédia de Bíblia, Teologia e Filosofia o verbete denominado Voluntarismo. O voluntarismo faz a vontade ser suprema, às expensas da razão, da justiça (conforme os homens compreendem esse termo) e do amor. Deus aparece então como o Destruidor poderoso e voluntarista, não como o Deus que amou o mundo de tal maneira que deu o Seu Filho como sacrifício pelos homens (ver João 3.16). Precisamos lembrar que até mesmo aqueles que promovem grandes avanços espirituais, como foi o caso do apóstolo Paulo, ainda assim carregam antigas idéias como bagagem nas costas. Nenhum ser humano fica livre do que herdou das tradições, de seus Dróprios genes e de seu meio ambiente. Veja o leitor como o poema de lennyson apela para uma teologia melhor:

mente moldado como se fosse a veste do espírito, razão pela qual essa palavra aparece aqui. Mas a Revised Standard Version provavelmente está certa quando diz ‘ respiração* em lugar de ‘ espírito’ . Deus soprou sobre o homem, e ele se tomou um ser vivo (ver Gên. 2.7), mas no periodo patriarcal não havia doutrina da alma imortal. Porfirio, advogado do neoplatonismo, referia-se ao corpo como a veste da alma (De Antro. Nymph.), mas tal idéia era estranha ao antigo pensamento dos hebreus. Em II Cor. 5.4, temos o corpo ressurreto como veste da alma, um desen­ volvimento do Novo Testamento. O que Jó estava dizendo é que Deus tinha preser­ vado sua ‘respiração’ ou “vida”. Ele era um ser vivo por causa de um ato de Deus. No entanto, nem bem criou o homem com tanto cuidado, Deus o esmagou. O corpo humano também é chamado de “tabernáculo”, em II Cor. 5.1 e II Ped. 1.12,14, mas essa metáfora pertence à doutrina cristã, influenciada pela filosofia grega, e não pela antiga fé dos hebreus. O teu cuidado. A providência divina foi necessária para formar e dar conti­ nuidade à criatura humana, mas logo a destruição arruinou essa obra-prima da arte divina. Ver no Dicionário sobre Providência de Deus. O artífice e o destruidor eram o mesmo Deus. O Caçador sem Escrúpulos (10.13-17) 10.13

O presente versículo deve ser comparado com Sal. 22.15. Ver também Gên. 3.19 e Eclesiastes 12.7.

Este versículo parece introduzir o que se segue, em vez de comentar o que se passara antes. Deus assemelha-se a um caçador sem escrüputo. A destruição está em seu caminho e não há misericórdia. Ele age por vontade arbitraria, e nenhum homem é capaz explicar por quê. O porquê dos atos de Deus está oculto ao coração humano. Aquele antigo elemento do enigma continuava acompanhando o sofrimento. Nós sofremos. Os inocentes sofrem. Por quê? Na verdade, caçar e matar animais por esporte deixa a minha mente perplexa. Por que os homens têm prazer em matar? Para o homem, matar é um esporte. Alguns matam outros ho­ mens por esporte. Alguns limitam sua loucura aos animais. Estava no propósito (coração) de Deus caçar Jó, injuriá-lo e, presumivelmente, matá-lo. Deus é aqui retratado como o Louco Caçador Cósmico, e o problema do mal é lançado sobre Jó, como se fosse sua culpa, mas não sabemos dizer por que Deus age conforme faz.

10.10

10.14-15

Porventura não me vazaste com o leite...? A Metáfora do Leite. Prosse­ guindo nas metáforas que ilustram a destruição, Jó falou sobre o bom leite que se estraga somente porque alguém, devido à sua vontade perversa, simplesmente o derrama no chão! Ou, então, o leite pode coalhar, como acontece quando se fabrica o queijo. Jó desprezou o fato de que o queijo é bom. Ele não estava dizendo, contudo, que Deus fizera o que era bom. Antes, ele enfatizou o processo de azedume, do qual resulta o queijo. É como se ele tivesse dito: ‘ Deus azedou a minha vida com todas estas dores!’ . Jó tinha receio de que ‘ o amor era doce no começo, mas azedo no fim” (Draxe 1616). O derramamento do leite pode ser uma alusão ao embrião. Nesse caso, Jó se queixava de ter azedado desde o principio, tendo saido do ventre materno como leite já azedo. O versículo seguinte sugere que Jó falava da vida antes do nascimento, quando estava sendo formado no ventre materno. Até mesmo ali, o Deus voluntarista já o estava azedando. John Gill (in loc.) supunha que o leite se referisse à semente de seus pais, porquanto poderia haver alusão direta ao líqui­ do espermático. Mas até mesmo naquele estágio de sua vida, Jó estava sendo azedado, porquanto seu destino era sofrer muitas dores. O queijo sendo formado no coalho, conforme John Gill supunha, referia-se à mistura do espermatozóide masculino com o óvulo feminino. Na concepção de Jó, essa mistura azedou desde o instante inicial, porque um filho da tristeza estava prestes a nascer. Cf. o quadro positivo do salmista acerca do mesmo processo, em Sal. 139.13 ss.

Se eu pecar, tu me observas. Deus, o feroz leão faminto (vs. 16), via o pecado de Jó e o m a ta ra para morrer (vs. 14). Mas, mesmo que não visse em Jó nenhum pecado (vs. 15), Ele o marcaria para morrer, afinal de contas, por ser isso um bom esporte. Conhecemos animais que matam por esporte, e não somente para alimentar-se. Até a humilde gaivota algumas vezes participa desse esporte. É um desgosto ver um animal matar outro po' pura diversão. A mente de Jó estava cheia de desgosto por causa do jogo de ferimentos e matança. Jó ficava horrorizado ao pensar que o Deus, alegadamente benévolo, estava no jogo da matança e do fazer sofrer, sem nenhuma razão evidente. Jó enganosamente acreditara na bondade de Deus. A todo o tempo, porém, o único fim de Deus era destruir.

Tu não deixarás no pó! Tu criaste o homem, nas ele não sare por quê. Ele pensa que não foi criado para morrer. Tu o fizeste, e Tu és justo.

10.11 De pele e carne me vestiste. Jó estava azedo, mesmo quando o espermatozóide paterno juntou-se ao óvulo materno para formar o queijo azedo. Então o processo mau continuou, conforme o feto foi-se desenvolvendo, com a formação da pele, da came e de todos os órgãos. Tudo parecia um processo maravilhoso e benévolo, mas a dor esperava por uma criança que de nada suspeitava. Curiosamente, Adam Clarke, em seu espírito puritano (século XIX), deu as idéias dos vss. 10-11 em latim e então recusou-se a traduzir o trecho. Disse ele: ‘ Não faço apologia por deixar isto sem ser traduzido”. Em seguida, passou a falar sobre a nutrição como mensagem desses versículos. Isso, contudo, é um absurdo.

10.12 Vida me concedeste na tua benevolência. O favor divino fez Jó como ele era, mas em breve isso haveria seria pervertido. Alguns supõem o corpo otima­

Olho para a minha miséria. Alguns dizem ‘ bêbado com aflição”, contendendo ser a metáfora por trás da palavra hebraica. Bêbado de aflição produz uma idéia poética que faz excelente companhia a ‘ cheio de ignomínia”. Esse é um excelente ‘ paralelo’ , conforme comentou Samuel Terrien, in loc. 10.16 Por que se a levanto. O hebraico diz aqui literalmente ‘ Ele se levanta’ , mas a versão siríaca traz a primeira pessoa do singular: “Se eu me levantar” . Outros emendam isso para: “Quando estou (exausto), tu me persegues como um leão”. Se o humilde homem pensa em termos de exaltação, se age como se houvesse esperança e significado na vida, então, de súbito, ele vê Deus a persegui-lo como um leão, pronto para ferir e matar. O leão cósmico opera maravilhas perversas contra a sua presa. ‘ Deus era como um leão perseguidor, pronto para atirar-se contra Jó com toda a sua tremenda força (cf. Jó 9.4-13)’ (Roy B. Zuck, in loc.). 10.17 Tu renovas contra mim as tuas testem unhas. Jó parece voltar aqui ao tribunal onde pleiteava contra Deus. Ele não chegou a lugar nenhum com sua causa. Seu Oponente celeste somente continuava a multiplicar testemunhos e argumentos contra ele, diminuindo cada vez mais sua possibilidade de libertarse da dor. Alguns supõem que a imagem judicial (testemunho) pudesse ser compreendida como ‘ avanço em uma atitude agressiva’ . Nesse caso, pois, este versículo dá continuação à metáfora do leão do vs. 16. Seja como for (no tribunal ou no campo, lá fora), Jó é retratado como vítima impotente do Atacante celestial (juiz ou leão).

JÓ Comparar o versículo com Mal. 3.5. “Os testes acumulados de Jó eram como uma sucessão de testemunhas trazidas como prova de sua culpa, para desgastálo” (Fausset, in loc.).

A Metáfora Militar. A mente fértil do poeta inventou ainda outra metáfora. Jó estava sendo atacado por um exército hostil; Deus, pois, era o general das tropas que incansavelmente lançavam repetidos ataques (sua variedade de sofrimentos). Deus lançava tropa depois de tropa^ o que, no hebraico, quer dizer literalmente “mudanças e uma hoste”, ou seja, uma sucessão de hostes, uma substituindo a outra, para lançar mais um ataque. Jó era assediado por uma guerra contínua.

10.18 Por que, pois, me tiraste da madre? Vendo que a vida de Jó era de contínuos sofrimentos, por que Deus, o Criador e Controlador da vida, lhe permiti­ ra nascer vivo? Teria sido muito melhor se Jó tivesse nascido antes do tempo. Este versículo é, virtualmente, igual a Jó 3.11, onde dou informações detalhadas. Ter nascido vivo era visto como um ato especial e benévolo da providência divina (Sal. 22.9), mas Jó encarou esse fato como um mal. A vida se tornara um mal para ele. Seu pior pecado era ter nascido. Conforme disse Schopenhauer: “O pior pecado de um homem é ter ele nascido”. Ver, na Enciclopédia de Bíblia, Teologia e Filosofia o verbete chamado Pessimismo. Vss. 18-22. Uma vez mais, as quei­ xas de Jó pediam a morte (cf. Jó 3.20-23; 6.8,9; 7.15; 10.18,19; 14.13), desejando que ele nunca tivesse nascido (cf. Jó 3.17). Se ele tivesse ido, como uma criança nascida, bem antes do tempo, do ventre ao túmulo, teria ultrapassado toda a sua miséria. Mas, visto que estava prestes a morrer, pediu para Deus dar-lhe pelo menos um breve momento de descanso, com um momento de alegria” (Roy B. Zuck, in loc.). “O sofredor foi atacado pelo tema do não-ser” (Oxford Annotated Bible, comentando sobre o vs. 18). Jó deleitava-se no pensamento da morte eterna (esquecimento total) porquanto não antecipava nenhum tipo de vida além do sepulcro, boa ou má.

10.19 Teria eu sido com o se nunca existira. Uma criança nascida antes do tempo é como uma não-entidade. O corpo minúsculo é levado da maternidade para o cemitério, para ser relembrado somente pelos seus pais. “Minha vida se acabou antes de começar, e nem sei por que foi iniciada'', dizia o enítáfio em um cemitério de um infante no Velho Oeste dos Estados Unidos. Não ter nenhuma memória de vida é melhor do que viver ao longo desta vida de sofrimentos, pelo menos se esse sofrimento é o do tipo experimentado por Jó. O desejo de Jó de não ter existido era tão forte que ele ansiava que essa condição tivesse começa­ do desde o início. Ver Jó 3.11, onde Jó e sua lamentação expressam o mesmo desejo. Outros detalhes da exposição são oferecidos ali. Ver também Eclesiastes 4.3 e 6.3-5. Quanto ao problema do que acontece aos infantes que morrem, ver na Enciclopédia de Bíblia, Teologia e Filosofia o verbete intitulado Infantes, Morte

e Salvação dos.

10.20 Não são poucos os meus dias? Jó esperava alguma misericórdia divina para que tivesse um breve período de descanso, antes da morte inevitável. Seus dias eram poucos, tanto antes de seus sofrimentos como depois deles. Ele fez um apelo por consolação, antes do consolo final da morte. Ver Jó 9.25, quanto a um sentimento similar. Ver também Jó 14.1,6 e Sal. 90.10. “Minha vida não pode ser longa. Concede-me um momento de descanso antes que eu morra” (Adam Clarke,

in loc.).

10.21 Antes que eu vá para o lugar de que não voltarei. A Terra Sem Retomo. Jó definitivamente não esperava que houvesse continuação da vida em alguma esfera após a morte. Ele tomou o ponto de vista do esquecimento. Somente muito depois a teologia dos hebreus incluiu a idéia de uma alma imortal e da ressurrei­ ção. Em Jó 19.16, ele pode ter apanhado um vislumbre da ressurreição, mas esse trecho bíblico é controvertido, e vários significados têm sido vinculados a ele. A vida é aqui retratada como uma viagem para a terra do nada. Ninguém (segundo Jó pensava) poderia voltar nem encontrar ali vida alguma. O Antigo Testamento usa quatro palavras hebraicas para retratar as trevas do sepulcro: hosek, “melancolia” (Jó 3.4); salmawet, “sombra escura" (Jó 3.5); epah, “noite profunda” (aqui e em Amós 4.13); e opel, “trevas” (Jó 3.6; 23.17; 28.3). Nos vss. 21-22, Jó usou três dessas palavras. Ver as notas em Jó 3.5, que adicionam detalhes ao que comento aqui. “Tre­ vas" aqui não se refere à nossa falta de conhecimento do mundo dos espíritos, pelo que, em grande parte, permanecemos “nas trevas” sobre esse mundo. Jó simplesmente não esperava sobreviver à morte biológica. Em sua imaginação, a morte era a noite etema.

1911 10.22 Terra de negridão, de profunda escuridade. Com acúmulo de palavras para indicar as trevas (vss. 21-22), o poeta fala sobre o mundo do nada, que se seguiria à vida física. Houve o triste dia do nascimento de Jó, para ser seguido pela noite escura de sua morte. Haveria também aquela terra chamada seol, mas essa seria uma terra do nada. A teologia posterior dos hebreus fez dela a habita­ ção de almas que ficavam esvoaçando ao redor, sem razão e sem forma real de vida. Ato contínuo, o seol tornou-se o lugar de almas genuínas, boas e más, sem distinção. Finalmente, apareceram compartimentos bons e maus, para os justos e os injustos, respectivamente. Céu e inferno foram desenvolvimentos posteriores, que tiveram seus inícios nos livros pseudepígrafos e apócrifos. O Novo Testamen­ to, por sua vez, ofereceu ainda maior desenvolvimento, mas é admirável quão pouco há, até mesmo no Novo Testamento, acerca da vida pós-túmulo. “Esse discurso, tal como alguns outros discursos de Jó, terminou em uma nota tristonha sobre a morte (cf. Jó 3.21,22; 7.21; 14.22)” (Roy B. Zuck, in loc.).

... e, manifestada agora pelo aparecimento de nosso Salvador Cristo Jesus, o qual não só destmiu a morte, como trouxe à luz a vida e a imortalidade, mediante o evangelho. (II Timóteo 1.10) A hora mais tenebrosa é aquela antes da alvorada, mas a teologia de Jó não lhe permitia ver essa esperança. É um erro cristianizar o texto e assim aliviar as agonias de Jó. Em seu lamentável seol, a luz era trevas.

C a p ítu lo O n ze Continuamos com a seção dos primeiros discursos dos três amigos críticos de Jó, e com as réplicas de Jó (capítulos 3-14). Temos três discursos de cada amigo (com somente dois discursos do terceiro amigo) e a? respostas de Jó a cada um deles. Quanto a uma descrição completa do plano do livro, ver as introduções aos capítulos 4 e 8. O Primeiro Discurso de Zofar (11.1-20) A Iniqüidade de Jó (11.1-6) Os discursos dos três amigos-críticos de Jó não contribuíram grande coisa para espantar o mistério sobre o problema do mal, isto é, por qual razão os homens sofrem e por que sofrem como sofrem. Ver a seção V da Introdução ao livro de Jó, quanto a uma discussão sobre esse problema, e ver no Dicionário o artigo chamado Problema do Mal, que encerra uma discussão mais detalhada. Os amigos de Jó só podiam enxergar que existia a Lei Moral da Colheita segundo a Semeadura (ver a respeito no Dicionário), ou seja, a lei do carma. Um homem obtém aquilo que tiver dado, e colhe aquilo que tiver semeado. Portanto, ficava óbvio que Jó era um grande pecador, porque seus sofrimentos também eram grandes. A teologia dos três “amigos” de Jó era deficiente; ela não explicava por que os inocentes sofrem, e Jó era inocente, pela própria palavra de Deus (ver Jó 2.3). Ele estava sofrendo “sem causa”. “À semelhança de Elifaz e Bildade, Zofar defendeu o dogma da justiça divina, mas seu temperamento foi ainda mais imoderado do que o de seu antecessor. Ele acreditava que Jó era menos um herege mal orientado do que um homem cheio de conversa (literalmente, ‘um homem de lábios’). Ele descartou as apologias de Jó mais como 'parolas' (vs. 3); não obstante, mereciam a repreensão apropriada” (Samuel Terrien, in loc.). “Zofar era um indivíduo dogmático religioso que supunha saber tudo sobre Deus; aquilo que Deus faria em qualquer caso possível; por que Ele faria isto e aquilo, e todos os Seus pensamentos a respeito. De todas as formas de dogmatismo, essa é a mais irreverente e a menos aberta para a razão" (Scofield Reference Bible, comentando sobre Jó 11.1).

Conversas sobre Deus. Caros leitores, considerem todas as frívolas “con­ versas sobre Deus" de pessoas religiosas, especialmente entre os evangéli­ cos, que fazem Deus entrar em tudo, a cada minuto, suprindo seus pensa­ mentos e dirigindo seus atos. Eles banalizam Deus e fazem Dele uma espécie de bichinho de estimação. Zofar era um homem que tinha muita “conversa sobre Deus". 11.1-2 Então respondeu Zofar. Quanto ao âmago dos discursos dos três amigos de Jó, ver a Introdução ao livro. Quanto ao que se sabe sobre Zofar e sobre a natureza geral de seus discursos, ver o artigo correspondente no Dicionário.



1912 0 naamatita. Havia a tribo de Naamá (ver esse nome em Jos. 15.41, a única ocorrência na Bíblia). Mas a citação de Josué refere-se à tribo de Judá, pelo que não pode ser o que está em vista neste trecho. Os amigos de Jó eram árabes... Deve ter havido outro Naamá, mas, como na Bíblia não há menção alguma a seu respeito, ficamos sem conhecimento específico da área geográfica do nascimento do terceiro amigo crítico de Jó. Ver no Dicionário o verbete chamado Naamá. A palavra Naamá significa “agradável”, “doce”, e era o nome de uma descen­ dente de Caim, filha de Lameque e Zilá, e irmã de Tubalcaim (Gên. 4.22). Talvez Zofar fosse descendente distante dessa linhagem. Esse amigo crítico de Jó falou apenas por duas vezes, em vez das três vezes que falaram os outros amigos. Seus dois discursos são o do presente capítulo e o de Jó 20.1 ss. Provavelmente ele era o mais jovem dos três e considerado o menos sábio, a quem também foi dado menos tempo. Zofar significa “áspero”. Na verdade, seus discursos eram exatamente isso. Ele estava furioso com o “palavrório" de Jó (vss. 2-3) e apressou-se a repreender a zombaria contra Deus, da parte de Jó. Ele falava com extremo sarcasmo. Palavrório. Jó não era algum herege desviado que precisasse de instrução. Era um apóstata atrevido, cujo “palavrório” precisava ser repreendido. Nenhum garganta grande como Jó deveria ter permissão de falar sem que se lhe dessem resposta; e Zofar estava certo de que era o homem para esse trabalho. Jó pensa­ va estar justificado diante de seus discursos frívolos, mas Zofar mostraria que ele era apenas um louco, proferindo blasfêmias contra Deus. Jó era um homem de lábios, conforme diz o hebraico, literalmente, mas lábios impuros que derramavam um discurso abusivo. Na verdade, “conversar é barato”, conforme diz certo pro­ vérbio. ... pensam pouco demais, falam demais. (John Dryden) 11.3 Será o caso de as tuas parolas fazerem calar os homens? Jó, o mentiro­ declarando que ninguém deveria enganar-se por homens de sua espécie, deixando sem resposta suas propostas enlouquecidas. De fato, tais discursos seriam apenas zombaria contra Deus e os homens. Esses discursos eram vergonhosos, mas Jó era tão insensível para com a espiritualidade que nem ao menos se envergonhava. Portanto, uma resposta aos discursos de Jó deveria envergonhá-lo.

so, assim Zofar o chamou,

Grandes faladores são grandes mentirosos. (Provérbio francês) O discurso de Jó era sarcástico, severo e até blasfemo. Ver o capítulo 10. Por outro lado, ele blasfemava contra o Deus voluntarista da teologia dos hebreus. Ver na Enciclopédia de Bíblia, Teologia e Filosofia o verbete

Voluntarismo. 11.4 Pois dizes: A minha doutrina é pura. Jó asseverava que sua doutrina era pura, e que ele mesmo era limpo ou inocente de qualquer pecado. No entanto, lá estava Jó sofrendo daquela maneira, prova do severo julgamento de Deus contra um pecador desavergonhado. Qualquer observador saberia que Jó era um hipó­ crita, um mentiroso, escondendo um ou mais grandes pecados. Jó seria um notório pecador privado, habilidoso para esconder sua vida secreta dos amigos. Cf. Deu. 32.2 e Pro. 4.2.

Com língua de vileza, ... por causa de... “Teologia". (Russell Champlin)

11.6 E te revelasse os segredos da sabedoria. Se Deus aparecesse a Jó, exibiria Sua famosa sabedoria, bem como Seus segredos, que estão ocultos aos homens. Ele exibiria Sua compreensão divina. Como resultado, os sofrimentos de Jó, por maiores que fossem, seriam demonstrados como menores do que ele merecia. Zofar, assim sendo, solucionou o problema do sofrimento humano medi­ ante um grande princípio dogmático: onde houver sofrimento, aí haverá a colheita do que um homem semeou, que é a operação da lei do carma. Mas nada havia na teologia de Zofar que explicasse como o homem inocente pode sofrer. Havia aquela grande verdade que ele ignorava, em razão de seu dogma rígido: Jó era um inocente e, no entanto, sofria. Na teologia de Zofar não havia enigmas nem mistérios. Ele havia sistematizado uma teologia sem problemas nem deficiências, ou, pelo menos, era isso o que ele pensava. As teologias sistemáticas serão sempre deficientes, pois quem pode sistematizar a verdade infinita? As teologias sistemáticas são forçadas a distorcer algumas verdades e omitir outras, a fim de obter um sistema perfeito. Caros leitores, a verdade é mais importante do que tais sistemas e o consolo mental que eles nos oferecem. Zofar tinha poderes intelectuais que usava mal. Faltava-lhe a simpatia ocasional que Bildade havia demonstrado, e certamente ele rejeitava a abordagem ccrtês de Elifaz. Mas os três incorriam no mesmo equívoco: o carma explicaria tudo. Ver no Dicionário o verbete intitulado Lei Moral da Colheita segundo a Semeadura. 11.7 Porventura desvendarás tu os arcanos de Deus...? Zofar Se Contradiz. Depois de ter-se apresentado como porta-voz de Deus, e de ter atacado Jó com suas palavras infalíveis, Zofar falou sobre o Deus transcendental. Mas como poderia um homem falar sobre o que é transcendental? Teria ele sido capaz de obter informações da parte de Deus, por meio de alguma revelação secreta, de modo que agora sabia como proceder contra Jó? Zofar era um indivíduo dogmático estrito, mas, pelo momento, escorregara para a teologia mística. Evidentemente, ele pensava que tinha preparado seu coração para buscar sabedoria da parte do Deus transcendental (vs. 13) e aisse que Jó também poderia ser iluminado, caso seu exemplo fosse seguido. Os críticos reconhecem a beleza da poesia atribuída a Zofar. Os arcanos de Deus. Estas coisas profundas de Deus são inefáveis, conforme diz a teologia mística. Mas o sábio Zofar as compreendia e era, assim sendo, porta-voz qualificado para revelar a Mente divina. Naturalmente, não há lim ite para o Todo-poderoso, pois Seu poder também é inefável. Mas Zofar pensava saber o bastante para ser o instrutor infalível de Jó. Para ele, ninguém poderia descobrir de modo perfeito o Todo-poderoso, mas ele acha­ va que havia progredido o suficiente para dizer somente a verdade contra o mentiroso Jó. Jó questionava os motivos de Deus para lançar contra ele toda aquela dor. Mas se tivesse entendido mais sobre a essência e a verdadeira natureza de Deus, obteria sua resposta. Zofar estava a dizer: “A imensa santidade divina te encontrou, ó Jó. Sofres por causa de teus pecados secretos”. A santidade perfeita de Deus estaria entre aquelas coisas profundas que podem ser descobertas por uma investigação correta. Este versiculo pode ser comparado a Jó 28.16 e Eclesiastes 42.19. Jó certamente laborava em erro ao supor que Deus não distin­ gue entre o justo e o pecador (conforme ele afirmou em Jó 9.22). Ele negligencia­ ra a santidade de Deus e fizera Dele um Deus arbitrário.

11.5 Oh! Falasse Deus e abrisse os seus lábios contra ti. O desejo de Zofar era que o próprio Deus descesse de Seu céu e corrigisse Jó. Visto que isso muito dificilmente aconteceria, Zofar, em sua sabedoria superior e arrogância, tomou sobre si a tarefa de ser o porta-voz de Deus. O que Zofar diz aqui é que “Deus estava sendo blasfemado pelo mentiroso Jó, e este merecia uma reprimenda direta do próprio Deus, que era a parte ofendida”. Visto que Deus não satisfaria os desejos de Zofar, ele prosseguiu com sua diatribe vitriólica, crendo estar prestan­ do um serviço a Deus. Quanto amargor é dito contra as pessoas por aqueles que acreditam estar prestando sen/iço a Deus!

Odium Teologicum Ó Deus... que came e sangue fossem tão baratos! Que os homens viessem a odiar e matar, Que os homens viessem a silvar e decepar a outros

A Matemática de Zofar. Pecados + pecados + pecados = julgamento do pecado. Mas Zofar não tinha fórmula para homem inocente + sem pecados + sem pecados = sofrimentos. Ele não adicionava os números certos e continuava a obter uma resposta falsa, que não se aplicava a Jó. 11.8-9 Como as alturas dos céus é a sua sabedoria. A sabedoria divina é mais elevada que os mais altos céus, e mais profunda que o seol nas entranhas da terra. Em outras palavras, a sabedoria divina é inefável e está fora do terreno da investigação humana. Mas o verdadeiro interessado (e Zofar pensava ser um interessado) poderia obter o suficiente dessa sabedoria para repreender com sucesso o mentiroso e pecador Jó. Essa sabedoria (vs. 9) também tem mais extensão que a terra e é mais larga que o mar, duas metáforas que falam da vastidão ou infinidade. Os antigos dos dias de Jó não tinham meios para medir a terra, e ela parecia ser interminável. O

JÓ mar era um enigma para os árabes e hebreus. Esses povos não eram marinheiros experimentados na navegação. Os fenícios, no entanto, tinham algo a dizer sobre o mar. Quiçá os marinheiros fenícios tenham chegado à América do Norte, como alguns eruditos modernos asseveram. Mas até eles se confundiam diante da imensidade do mar, que parecia não ter limites ou extremidades. Eles sabiam mais do que os árabes e os hebreus, mas o conhecimento deles também era minúsculo. “Comprimento geralmente é atribuído à terra, e largura ao mar. Os confins da terra falam de uma grande distância, e o mar é chamado de espaçoso e largo. Ver Sal. 72.1 e 104.25. Mas Deus, em Suas perfeições, particularmente em Sua sabedoria e compreensão, é infinito, Sal. 147.5" (John Gill, in loc.).

Estas são Suas gloriosas obras! Tu, Deus Todo-poderoso. Teu é o arcabouço universal. Quão maravilhosamente justo! Tu mesmo, quão admirável.

1913 11.15 Então levantarás o teu rosto sem mácula. Restauração. A combinação feita por arrependimento, oração e reparação operaria a ordem da restauração do homem, e este, por conseguinte, deixaria de temer. Mas o rosto do homem teria de ser sem mácula, pois, de outra maneira, Deus continuaria a açoitá-lo com múltiplas aflições. Jó precisava parar de pecar e fazer as devidas emendas. Somente isso tornaria seu rosto limpo. Ver na Enciclopédia de Biblia, Teologia e Filosofia o verbete chamado Reparação (Restituição). Jó seria capaz de “levantar a cabeça”, viver com confiança e saúde. Talvez Zofar fizesse referência às palavras de Jó, em Jó 10.15, sobre não ser capaz de levantar a cabeça. O homem agora humilhado seria exaltado. O homem agora esmagado seria restaurado. Ele seria constante, o que, no hebraico original, signi­ fica literalmente “dissolvido”; como os metais aquecidos e moldados, ele se torna­ ria forte, endurecido pela fusão de seu sofrimento-arrependimento-restauração. Cf. Jó 37.18.

(Milton) 11.16 11.10 Quem o poderá impedir? O Deus ilimitado pode limitar a outros, e assim, quem se oporá a Ele? Ele pode lançar outros na prisão, e quem dirá uma palavra? Ele pode chamar a juízo um homem que se pensava inocente, e quem indagará: “Tu não podes fazer isso”? Deus, em Sua sabedoria, conhece a diferença entre um homem honesto e um hipócrita, e teria chamado Jó a juízo, porque ele perten­ cia à segunda categoria. Cf. Jó 9.22. Jó, em seu palavrório excessivo e blasfemo, tinha feito oposição a Deus e queria impor limites ao ilimitado. O Targum diz aqui: “Se ele passar e fechar os céus com nuvens e reunir exércitos, quem pode impedi-Lo disso?”. “Ele, o ilimitado, pode fazer o que quer que Lhe agrade, e com nada se satisfaz, exceto com aquilo que é direito. Quem Lhe pode atribuir falha?” (Adam Clarke, in loc). “A sabedoria de Deus detectava o pecado onde o olho humano de Jó não podia chegar” (Fausset, in loc).

11 .11-12 Porque ele conhece os homens vãos. Literalmente, no hebraico, “homens ocos", vazios, sem substância, sem inteligência ou fibra moral. Em uma expres­ são moderna, chamaríamos tais homens de “sem cérebro". Jó era como um asno estúpido, que nunca atingiria a sabedoria (vs. 12). Sua linguagem blasfema era asinina. O asno selvagem era considerado o mais estúpido dos animais, daí a metáfora. Jó era como o filhote desse animal estúpido, que jamais se eleva acima de seu pai. Um homem é pleno de vaidade e se considera sábio, mas não passa de um asno. Ele vagueia ao redor, fazendo seus ruídos estúpidos. A linguagem tola de Jó nada era senão o zurro de um animal irracional. O asno do deserto não se deixava amansar e era estúpido (ver Jó 39.5-8; Jer. 2.24; Gên. 16.12). Jó era um homem tipo asno, na estimativa de Zofar, que não se incomodava em falar diplomaticamente. Alguns estudiosos vêem outro sentido possível: o burro selvagem pode dar nascimento a um homem, ou seja, um homem estúpido pode tornar-se sábio. Assim diz o Targum: “Um jovem obstinado pode tornar-se sábio e, assim, tor­ nar-se um grande homem”. Mas dificilmente era isso o que Zofar queria dizer. Ele não estava dizendo: “Ó Jó, tu, asno, cresce e torna-te sábio!”. Antes, ele falava com ironia: “As chances de Jó tornar-se sábio não eram maiores que a possibilidade de um burro selvagem dar nascimento a um homem” (Roy B. Zuck, in loc).

Pois te esquecerás dos teus sofrim entos. As águas impetuosas trazem um dilúvio devastador. Mas, quando elas terminam, as pessoas logo se esque­ cem e edificam suas casas uma vez mais, perto do leito do rio. Assim, Jó, restau­ rado, esqueceria o dilúvio de suas tristezas e se sentiria feliz e saudável. Mas ele precisava fazer a sua parte: arrependimento, oração e restauração. Cf. Pro. 31.6,7, trecho bíblico bastante similar. Suas dores foram desgastantes e ruinosas por algum tempo. Mas a restaura­ ção as removeria, bem como a memória delas. Na realidade, os réprobos podiam tornar-se homens de Deus, livres da aflição divina. 11.17 A tua vida será mais clara que o meio-dia. A Vida Brilhante. A vida de Jó tinha sido embotada com a tristeza e estivera quase a ponto de ir para a noite eterna (ver Jó 10.21,22). Mas o arrependimento e a restauração trariam de volta a luz da vida. A noite, de súbito, tornar-se-ia tão clara como o meio-dia. Jó sairia da experiência como um novo homem e desfrutaria as primeiras horas da manhã daquele novo dia. Em vez de terror, ele gozaria de paz e bem-estar. Quanto à metáfora da Luz, ver a Enciclopédia de Biblia, Teologia e Filosofia. A seção I daqueles artigos contrasta a metáfora das trevas com a metáfora da luz.

Porque a mim se apegou com amor, eu o livrarei; pô-lo-ei a salvo, porque conhece o meu nome. (Salmo 91.14) O Targum diz aqui: ‘Tu voarás das trevas das tuas calamidades". O sol, oculto pelas nuvens, subitamente irrompe e espanta as trevas. A noite, que tinha escondi­ do o sol por tanto tempo, inesperadamente cedeu diante do sol nascente, e um novo dia nasceu. Jó poderia ter um novo dia se o buscasse de uma nova maneira. Jó era um pecador, mas não acima de recuperação. Essa era a atitude de Zofar.

Mas a vereda dos justos é como a luz da aurora, que vai brilhando mais e mais até ser dia perfeito. O caminho dos perversos é como a escuridão; nem sabem eles em que tropeçam. (Provérbios 4.18,19)

11.13-14

11.18

Se dispuseres o teu coração. Uma Súplica Apropriada. O pecador tem de buscar reconciliação com seu Criador, em arrependimento sincero. O homem justo deve primeiramente confessar e abandonar seus próprios pecados, pondo­ os longe de si mesmo (vs. 14), mediante um ato permanente de sua vontade espiritual. Em seguida, ele deve certificar-se de que sua casa está limpa e não é um abrigo do mal, no que diz respeito a seus parentes e sen/os. Zofar não desistiu de Jó como um réprobo sem esperança, mas estava certo de que ele era um réprobo, pois, do contrário, não estaria sofrendo daquela forma. Faltando-lhe melhor iluminação, Zofar falava a linguagem usual acerca do arrependimento, da oração e da reparação. A casa de Jó precisava de purificação. “Sua realização era brilhante, sem dúvida, ditada por uma convicção genuína, mas baseada no moralismo familiar do sábio que acredita na salvação por meio das obras” (Samuel Terrien, in loc., o qual, por conseguinte, cristianizou suas observações ao incluir no quadro a salvação da alma, quando tudo o que Jó buscava era alívio para seus sofrimentos físicos). Cf. o vs. 13 deste capítulo com Pro. 16.1 e Sal. 10.17, que contêm sentimen­ tos similares. Ver também I Cró. 29.18.

Sentir-te-á seguro. Esperança para o Justo. O pecador Jó estava sofrendo o que merecia. Mas o homem arrependido, o justo Jó, renovaria a sua esperança. Ele olharia em redore não veria perigo. Seria capaz de descansar à noite em paz, em contraste com suas'voltas na cama, em suas dores (ver Jó 7.4). Jó dissera que estava “sem esperança” (Jó 7.6). Mas Deus traria esperança a uma situação destituída de esperança. Olharás derredor. Ele veria que todo o seu castelo e todas as suas posses­ sões estavam seguros, nenhum inimigo estava atacando, nenhum perigo estava por perlo; ele constataria que havia segurança, em contraste com a situação anterior, quando seus inimigos atacavam e espalhavam o terror (ver Jó 1.12,17). Olharás. Esta palavra também pode ser traduzida por “escavarás”, e alguns tradutores e intérpretes preferem esse sentido. Nesse caso, pode estar em vista cavar poços para que houvesse suprimento de água, ou cavar buracos para as estacas que seguravam as tendas. Jó teria abundância de água e suas tendas estariam seguras em seus respectivos lugares.



1914 Vivo na esperança e penso que isso sucede A todos quantos chegam a este mundo. (Robert Bums)

A esperança é uma espécie de felicidade, A principal felicidade que este mundo concede.

Apesar de seus melhores esforços, os amigos-críticos de Jó foram incapazes de silenciá-lo. De fato, sua réplica neste ponto é o discurso mais longo do livro. Jó fez objeção a seus jurados auto-escolhidos e diminuiu o valor deles, dizendo que não eram a metade do que pensavam ser. Ele também criticou sua visão piedosa de Deus. Então, Jó voltou-se diretamente contra Deus, com suas reprimendas, queixas e súplicas por misericórdia. Reprimenda de Jó a Seus Três Am igos-críticos (12.1-12)

(Samuel Johnson) Ver na Endclopédía de Bíblia, Teologia e Filosofia o artigo intitulado Esperan­ ça, quanto a detalhes. 11.19 Deitar-te-ás, e ninguém te espantará. O poeta continua a declaração do vs. 18, a respeito do homem justo que descansa em segurança. Antes, o ato de jazer deitado era uma agonia. Jó não encontrava maneira de deitar-se para aliviar suas dores (ver Jó 7.4). Agora, porém, teria paz. E longe de ser objeto de ataques hostis, seria o objeto das súplicas de outros, que buscariam favores dele.

Em paz me deito e logo pego no sono, porque, Senhor, só tu me fazes repousar seguro. (Salmo 4.8)

Quando te deitares, não temerás; deitar-te-ás, e o teu sono será suave. (Provérbios 3.24)

11.20 Mas os olhos dos perversos desfalecerão. Caso Jó não se arrependesse, contudo, seus olhos não veriam a luz de um novo dia. Sua visão falharia quando a morte cerrasse seus olhos para sempre. Não haveria como escapar dos sofrimen­ tos e da morte final. Sua esperança seria tão-somente exalar o último suspiro, quando então sua vida terminaria. “Sua esperança então o abandonaria como a respiração deixa o corpo quando uma pessoa morre" (Fausset, in loc.)

Morrendo o homem perverso, morre a sua esperança, e a expectação da iniqüidade se desvanece. (Provérbios 11.7) “Esses primeiros discursos dos compatriotas de Jó não ofereciam consolo. Embora fossem verdadeiras as suas generalidades sobre a bondade, a justiça e a sabedoria de Deus, a cruel acusação de que Jó precisava arrepender-se de algum pecado oculto errava tremendamente o alvo. Eles não conseguiam perce­ ber que, algumas vezes, Deus tem outras razões para o sofrimento humano” (Roy B. Zuck, in loc.).

C a p ítu lo D o ze O plano do livro de Jó, no tocante à primeira série de discursos dos três amigos críticos de Jó e suas reprimendas, é que cada um deles falou por três vezes, excetuando o terceiro amigo, que só falou duas vezes. Então Jó ofereceu réplicas a cada um deles. Mas parece haver uma reação adiada, mediante a qual Jó respondeu não ao discurso de um de seus amigos-críticos, que acabara de ser proferido, mas sim ao discurso anterior. Ele também parece haver respondido a ambos ou, de modo geral, apresentado suas réplicas levantadas antes, sem res­ peitar a ordem cronológica. As introduções aos capítulos 4 e 8 deste livro ofere­ cem mais detalhes sobre esse plano. Ver especialmente o título Circunstâncias dos Discursos, na introdução ao capítulo 4. Os capítulos 3-14 ocupam-se desse plano e então prosseguem para novos modos de expressão, a começar pelo capítulo 15, com uma Segunda Série de Argumentos. Réplica de Jó ao Discurso de Zofar (12.1-14.22) “Este discurso conclui o primeiro ciclo de discussões, Sua divisão tradicional em três capítulos ajusta-se bem a seu plano orgânico: 1. Crítica empírica da providência divina (Jó 12.1-25); 2. Acusação contra as ministrações dos três amigos de Jó, o que leva a outro ataque contra Deus (Jó 13.1-27); 3. Meditação regada por oração sobre a tragédia da vida (Jó 13.28-14.22)” (Samuel Terrien, in

loc.).

Jó objetou aos dogmas dos amigos, que não tinham dado solução a seus problemas. Sua própria experiência e a observação de que os injustos não são punidos foram os principais elementos de seu discurso. “O homem enfermo repli­ ca com pesado sarcasmo" (Oxford Annotated Bible, comentando sobre o vs. 2 deste capítulo).

12 .1-2 Então Jó respondeu. O tema principal do livro de Jó é a adoração desinte­ ressada. Porventura um homem adora a Deus pelo bem que pode obter através da sua piedade, ou ele continua a adorar a Deus quando as coisas correm mal? É o homem apenas egoísta? Ver na Enciclopédia de Bíblia, Teologia e Filosofia o verbete chamado Egoísmo. Jó assumia continuamente a posição do pessimista (ver também na Enciclopédia), que diz que a própria existência é má, e a morte é a “única salvação do sofrimento" que podemos encontrar. Nela encontramos paz eterna e descanso, além, naturalmente, do nada. Jó não apelou para uma vida pós-túmulo, mas manteve sempre a teologia patriarcal, que não tinha nenhuma esperança em um pós-vida, de natureza boa ou má. O problema do mal veio a participar da questão como corolário necessário. Nesse corolário temos de procu­ rar o porquê do sofrimento humano, incluindo a questão: Por que os inocentes sofrem? Jó era um inocente que sofria (ver Jó 2.3). O próprio Deus, entretanto, não acusava Jó de pecado, em contraste com seus amigos-críticos. Ver as notas expositivas sobre 1.11, quanto aos problemas teológicos do livro de Jó. Jó começou sua réplica a Zofar ou, de fato, aos três amigos, com a famosa e sarcástica observação que tem sido repetida através dos séculos: “Na verdade, vós sois o povo, e convosco morrerá a sabedoria”. Os sábios discursos dos amigos-críticos de Jó não abandonaram o óbvio e, com esse óbvio, eles não explicaram o porquê dos sofrimentos de Jó. No entanto, continuavam exprimindo suas piedosas trivialidades, verdadeiras em si mesmas, mas inadequadas para solucionar o problema do sofrimento humano. Quanto ao que o livro diz sobre isso, ver a seção V da Introdução, e também, no Dicionário, o verbete denominado Problema do Mal. Os discursos dos amigos de Jó demoravam-se apenas sobre duas respostas: o sofrimento vem direta­ mente por causa do pecado e é, na realidade, um julgamento contra o pecado. Além disso, o sofrimento pode oferecer disciplina até para o homem justo. Ambas as respostas são corretas, mas há outras nas quais eles nem pensaram, como também não conseguiam explicar por que os inocentes sofrem. Ademais, em sua sabedoria estúpida, eles supunham que tivessem dado todas as respos­ tas, e assim deixaram de lado a parte enigmática que circunda o terrível fato do sofrimento. Além disso, tal como Jó também o fazia, eles não levavam em conta a vida pós-túmulo, nem diziam: “O terror é para hoje, para esta vida terrena; mas há uma glória além, após a morte biológica do corpo físico” . Ninguém apelou para a vida do outro lado do túmulo como cura para os sofrimentos atuais. Em Jó 19.26, Jó pode ter obtido um vislumbre da ressurreição, mas esse versículo é controvertido, e vários significados possíveis são atribuídos a ele. Ver no Dicionário o artigo chamado Lei Moral da Colheita segundo a Semeadura. Jó enfatizou sua posição como não-conformista. Seus críticos falaram o que a maioria das pessoas diz, mas nada resolveram. Jó sabia que sem dúvida havia no problema mais do que fora dito. Ele também sabia que a imensidade de seus sofrimentos não se devia ao julgamento contra corrupções secretas. Indivíduos dogmáticos, vindos de todas as denominações e religiões, pensam inutilmente deter o monopólio do conhecimento. A outras pessoas, eles chamam de hereges e ignorantes. As teologias sistemáticas participam dessa loucura monopolizada. Os indivíduos dogmáticos são sempre arrogantes. Eles podem solucionar qual­ quer problema abrindo a Bíblia em algum capítulo e versículo, e somente eles sabem como interpretar o que acham. Entrementes, eles distorcem e ignoram outras passagens, nos mesmos livros sagrados, se esses capítulos e versículos não se ajustam a seus sistemas. Os que falam sobre a única regra de fé e prática como sendo as Escrituras, realmente querem dizer: “A única regra de fé e prática é como eu e minha denominação interpretamos as Escrituras”. Todos os indivídu­ os dogmáticos deixam de reconhecer que há verdades que vêm ao homem fora dos livros sagrados, porquanto a verdade de Deus não está, nem pode estar, contida em nenhum livro ou coleção de livros. Os indivíduos dogmáticos falham em reconhecer que muitas verdades têm de ser abordadas experimentalmente, porquanto nosso conhecimento, em seu melhor aspecto, é tanto parcial como parcialmente errôneo. A verdade é uma aventura contínua, não uma realização definitiva.

JÓ Jó sofria profunda dor, mas ainda assim podia pensar, o que não é uma característica comum e especial dos indivíduos dogmáticos. O conhecimento que seus críticos tinham a respeito de Deus era comum a sistemas e a muitos falsos sábios. Mas o conhecimento dogmático não tinha resolvido os problemas de Jó.

Da covardia que teme novas verdades, Da preguiça que aceita meias-verdades, Da arrogância que pensa saber toda a verdade, Ó Senhor, livra-nos. (Arthur Ford)

1915 julga superior, pois goza do favor divino, enquanto o desafortunado deve ser seu inferior, por estar sofrendo o julgamento divino. Por esse motivo é que falsos amigos facilmente começam a criticar o homem que sofre retrocessos e prova­ ções. O homem que vive em tranqüilidade está apenas esperando oportunidade para mostrar o seu desprezo. Mas, quando um homem escorrega e cai, logo se torna motivo de zombaria para os hipócritas. O lema de um homem feliz é desprezo pelo desastre. O homem alegadamente superior ataca o sofredor, porque os fortes atacam os fracos, e até se regozijam com seus prejuízos. Alguns animais atacam e matam outros animais feridos, até os de sua própria espécie. Jó estava dizendo que existem homens dessa nature­ za. O homem ímpio chega a encontrar razões morais para os seus ataques.

Como dente quebrado e pé sem firmeza, assim é a confiança no desleal, no tempo da angústia.

Ver no Dicionário o detalhado artigo chamado Conhecimento e a Fé Religio­ sa. Ver também Símbolos e o Conhecimento.

(Provérbios 25.19)

12.3 Também eu tenho entendimento como vós. Jó, o Pensador. Caros leito­ res, penso que é importante notarmos aqui que Jó não sacrificou seus poderes de intelecção a fim de satisfazer indivíduos dogmáticos. Ele estava sofrendo fortes dores, mas ainda assim podia pensar. Seus críticos eram distribuidores de chavões piedosos e truísmos. Mas Jó, muito capaz de pensar, sabia que eles não tinham encontrado a resposta que ele queria receber. Jó continuava a pensar no seu problema, perscrutando respostas. Ele era um advogado da “livre investigação”, para consternação de seus críticos dogmáticos. De fato, ele defendeu com vigora liberdade de investigação. Os indivíduos que seguem o dogmatismo têm algo a oferecer. A intuição tem algo a oferecer. O misticismo tem algo a oferecer. Todos são modos de alcançar o conhecimento. Mas não devemos esquecer que o Grande Pensador criou pequenos pensa­ dores que, quando usam seus poderes intelectuais, imitam o Criador. O intelecto não compete com outros modos de conhecimento. Antes, trata-se de um meio válido de obter conhecimento. Ademais, o intelecto é o guardião do ser, rejeitando excessos e exageros que as pessoas ajuntam para si mesmas, quando não pensam. Nunca devemos permitir que nossa inteligência (dada por Deus) satisfa­ ça o dogma. Nunca nos devemos perder na teia das experiências místicas sem usar o escrutínio do intelecto.

Jó Não Era um Homem Inferior. Jó tinha bom senso suficiente para comparar argumentos e pessoas. Ele não era inferior a seus detratores em nenhum sentido, nem como pessoa, nem quanto ao seu conhecimento, nem quanto aos seus argumentos. Seus críticos disseram coisas comuns que todos conheciam: “Quem não sabe coisas como essas?”. Eles nada acrescentaram à compreensão do porquê do sofrimento humano. “O que eles tinham dito sobre Deus era apenas conhecimento comum” (Roy B. Zuck, in ioc.). 12.4 Eu sou irrisão para os meus amigos. No passado, as orações de Jó haviam sido respondidas. Mas agora os céus tinham-se tornado céus de bronze, símbolo do julgamento divino. Por isso Jó veio a ser alvo da zombaria de seus vizinhos. Também era alvo de zombarias porque seus vizinhos e amigos pensa­ vam ser ele um tolo desvairado, sofrendo por seus pecados (que insensatamente ele havia cometido), e obstinado, que se recusava a arrepender-se, apesar de estar sob grande pressão. Deus tinha permitido (ou causado) a Jó tornar-se alvo de zombarias, o que era injusto, de acordo com o pensamento humano de Jó. “O ridículo não é teste da verdade nem do mérito” (Ellicott, in Ioc.). De fato, novas verdades são sempre ridicularizadas até que cheguem provas avassaladoras. Então os zombadores dizem: “Nós já sabíamos disso o tempo todo”.

Com efeito, não é inimigo que me afronta; se o fosse, eu o suportaria; nem ó o que me odeia quem se exalta contra mim, pois dele eu me esconderia; mas és tu, homem meu igual, meu companheiro e meu íntimo amigo. (Salmo 55.12,13) Eu, que invocava a Deus. É possível traduzir como ‘ oprimia’ a palavra hebraica aqui traduzida por “invocava”. Nesse caso, o próprio Deus seria conside­ rado um dos opressores de Jó. Vimos antes essa idéia, de maneira que ela não nos surpreende. Ver Jó 10.1 ss., quanto à amarga queixa de Jó contra Deus, como seu perseguidor e opressor. 12.5 No pensamento de quem está seguro. O homem que goza de lazer e desfruta a vida, mostra desprezo pelo infortúnio de outros seres humanos. Ele se

12.6 As tendas dos tiranos gozam paz. Os ímpios, e até os criminosos, prospe­ ram. Até aqueles que provocam a Deus estão a salvo de Sua ira. Ademais, Ele providencia para que até eles prosperem. Portanto, que dizer sobre o argumento de que homens maus e violentos certamente sofrerão o julgamento de Deus? Jó, homem inocente, foi severamente castigado. Mas o ladrão que vive como parasita da sociedade tanto é protegido como goza de abundância. Jó examinou as incon­ gruências dos argumentos de seus amigos-críticos e concluiu que a Lei Moral da Colheita segundo a Semeadura (ver a respeito no Dicionário) não era a resposta à pergunta que diz: Por que os seres humanos sofrem? E isso em certo número de casos flagrantes, incluindo o seu próprio caso.

Três Observações: 1. 2. 3.

O homem inocente é alvo de zombaria por parte de seus próprios amigos (vs. 4). O homem que tropeça é empurrado e sofre abusos por parte daqueles que estão gozando, em lazer (vs. 4). Os ímpios, até mesmo os criminosos, permanecem em segurança e prospe­ ram (vs. 6).

Conclusão. Os alegados argumentos “sábios" de seus amigos-críticos real­ mente não explicaram a razão dos sofrimentos humanos. Os que provocam a Deus estão seguros. O original hebraico é aqui contro­ vertido, sendo variegadamente traduzido. Se a tradução aqui dada está correta, então significa que os ímpios, além de todos os seus outros crimes, envolvem-se na idolatria, que deveria provocar a ira de Deus, mas não o faz. Moffatt traduz esse trecho como: “Que fabricam um deus de seu próprio poder” , ou então: “Eles trazem Deus em suas mãos”, ou seja, manipulam o verdadeiro Deus (segundo pensam) para beneficio próprio. Isso acrescenta uma quarta razão que mostra por que chavões “sábios” não identificaram a razão para o sofrimento humano. Aque­ les que deveriam sofrer por crimes sérios e blasfêmias permaneciam intocados pela dor. Mas Jó, homem de piedade autêntica, sofria. No entanto, os idólatras e os blasfemos nada sofriam.

Eles escarnecem dos reis; os príncipes são objeto do seu riso; riem-se de todas as fortalezas, porque, amontoando terra, as tomam. (Habacuque 1.10) A Visão Monista do Universo (12.7-12) 12.7 Pergunta agora às alimárias. Tudo é um só e é sustentado pelo Um. Há somente uma causa. Todas as coisas exprimem o Ser divino. A natureza ensinanos verdades. Zofar tinha chamado Jó de filho de um asno montês (ver Jó 11.12). Mas Jó retorquiu que até os chamados animais mudos têm mais verdade para dizer do que Zofar. Todas as coisas na natureza sofrem, e todos sabem que Deus é a causa das calamidades (ver Jó 2.10). O pecado não é a única resposta. A mente sondadora de Jó percebia as distorções dos argumentos de seus amigoscríticos, e apelou para a natureza que sofre, a fim de repreendê-los. Fazendo parte do Um, as aves do céu e as feras e outros animais dos campos participam dos sofrimentos da natureza. Mas haveríamos de atribuir pe­ cado a eles? A natureza testifica sobre a grandeza e a providência de Deus, mas também testifica ser Deus a Única Causa, ou seja, a causa do sofrimento. O bem e o mal não são resultados de mero acaso. Há poder por trás do desastre: um único Poder, isto é, Deus. Deus cuida dos pardais (ver Mat. 6.26), mas também faz o pardal cair e perecer, finalmente. Não é diferente no caso do homem.

1916



Existem em operação poderes enigmáticos que a lei da semeadura e da colheita não explicam.

“O homem, raciocinou Jó, está sujeito às mesmas leis que os animais inferio­ res' (Fausset, in foc.).

12.8

12.11-12

Ou fala com a terra. A terra está repleta de animais irracionais, e ela mesma é uma força produtora de vida. Há muitas espécies de peixes no mar, e nos maravilhamos com aquilo que o Criador criou. Sua providência é evidente. Não obstante, também é evidente o Seu poder de destruição, que afeta todos os seres vivos. Ele é igualmente a causa do sofrimento, a providência positiva e também a providência negativa. Ele é a única Causa. Outrossim, consideremos os abusos (por nosso ponto de vista). A águia certamente está mais à vontade e mais segura do que um humilde coelho ou pombinho. De fato, são as aves de rapina que tomam a vida miserável para os animais indefesos. A natureza está plena de violência e matança. O leão está em maior segurança do que o boi. A cobra mata para o seu almoço. “Por que toda essa violência? Por que todo esse sofrimento? Por quê?” Eu lhe direi por quê: Deus é a causa. Os sábios-estúpidos amigos de Jó punham todos os seus argu­ mentos em uma única cesta: o pecado. Mas isso não explica o que acontece dia após dia na natureza. A antiga teologia dos hebreus era fraca quanto a causas secundárias, pelo que lançava a cuica por tudo em Deus e fazia Dele a causa também do mal, não somente do bem. Ver Jó 1.11 e suas notas expositivas quanto aos problemas teológicos do livro de Jó.

Porventura o ouvido não submete à prova...? Duas Metáforas. Ficamos sabendo das coisas por experiência própria, e as nossas experiências nos são dadas pela percepção dos sentidos (empirismo). O ouvido ouve as palavras, e o cérebro julga o que foi ouvido. A boca prova o gosto dos alimentos, distinguindo os bons dos ruins. Assim, também, um homem tem poderes que distinguem bons argumentos de maus argumentos. E Jó afirmou que seus poderes de intelecção (tal como seu ouvido ou boca) podiam revelar se seus amigos-críticos estavam ou não dizendo a verdade, parte da verdade, ou alguma mentira. Jó sabia que eles haviam dito algumas verdades e algumas mentiras. Seja como for, eles não tinham resolvido o problema do sofrimento humano. A verdade era que ele, um homem inocente estava sofrendo. Mas os amigos não conseguiam perceber como isso pudesse ser verdade. Bildade havia apelado para a sabedoria dos antigos (vs. 12); mas, dessa forma, não foi capaz de resolver o problema em mãos. Por conseguinte, seu apelo era um instrumento fraco. O homem idoso, que já vivera neste mundo por longo tempo e aprendera muitas coisas, acumulara certo grau de sabedoria. Ele escre­ ve um livro e apresenta sua sabedoria diante de nós, sob a forma de provérbios. Lemos os provérbios e nos maravilhamos diante do que ele foi capaz de desco­ brir. Mas aquele homem é sábio apenas em parte. Além disso, ele tem erros misturados com verdades. Jó pôs em dúvida a teoria de Bildade sobre “confiança nos antigos e nas tradições". Não podemos permitir que nossa busca pela verda­ de seja limitada a esse caminho ou a qualquer outro caminho isolado. Precisamos apelar a muitas fontes, na nossa busca pela verdade, por muitos modos de pesquisa, e respeitar todas essas fontes. Sabemos de coisas que os antigos desconheciam. Nossa ciência e nossa teologia ultrapassam os provérbios dos antigos. Ver na Enciclopédia de Bíblia, Teologia e Filosofia o artigo intitulado Conhecimento e a F é Religiosa. Ver os comentários sobre o vs. 2 deste capítulo, quanto a um desenvolvimento do tema “contra os dogmas”. Devemos lembrar que, com frequência, são os antigos sábios que Deus escolhe como profetas A esses homens também são conferidos iluminação e conhecimento místico. Então eles se tornam mais sábios ainda. Mas, mesmo em tais casos, ocorre o erro humano, e os homens estão sempre limitados ao seu tempo, de muitas maneiras. O conhecimento dos homens sempre será limitado. Nunca chegará o tempo em que eles poderão abandonar a busca pela verdade. Essa busca é uma aventura, e não uma realização definitiva.

12.9 Qual entre todos estes não sabe que a mão do Senhor fez isto? A mão do Senhor, isto é, o Seu poder, a Sua vontade, a Sua determinação, é que fizeram todas as coisas. Ele é soberano e Sua soberania chega até as calamida­ des, enfermidades e desastres que nos perseguem como praga. Há o bem e há o mal. Ambas as coisas vêm da mão de Deus. “Por que o bem e o mal estão promiscuamente espalhados por toda a nature­ za e, entre os humanos, vocês são tão ignorantes quanto eu’ (disse Jó a seus amigos). A sabedoria deles não havia encontrado solução para o sofrimento hu­ mano e para o sofrimento na natureza. Senhor. No hebraico, Yahweh. Esta é a única ocorrência deste nome divino na parte poética do livro de Jo. Ver no Dicionário o verbete intitulado Deus, Nomes Bíblicos de. Talvez o autor sacro tivesse evitado que a designação hebraica de Deus fosse usada, visto que estava apresentando Jó como um xeque árabe. Veja o leitor como Jó 12.9b cita diretamente Isa. 41.20, ou seria isso mera coincidência verbal? Se temos uma indicação do tempo da escrita do livro, com base nessa citação de Isaias, então o livro fala sobre o período patriarcal, mas certamente ele foi escrito muito mais tarde. Quanto à questão da data, ver a Introdução ao livro, seção IV.

O que for obscuro em mim, ilumina! Para que eu possa asseverara Providência Etema E justificar os caminhos de Deus aos homens. (Adaptado de John Milton)

12.10 Na sua mão está a alma de todo ser vivente. Deus, o Doador da vida, é também o Preservador da vida. Mas Ele é igualmente o Consumidor da vida. Ele dá e Ele tira (ver Jó 1.21). Portanto, bendito seja o Seu Nome. O homem e os animais estão juntos em uma única declaração. Nenhuma distinção é feita.

Quem sabe que o fôlego de vida dos filhos dos homens se dirige para cima e o dos animais para baixo, para a terra? (Eclesiastes 3.21) Aquele homem sábio contemplou a possibilidade de tanto as almas huma­ nas quanto as almas dos animais serem uma realidade, e não tinha certeza se deveria fazer aguda distinção entre essas almas. Ver na Enciclopédia de Bíblia, Teologia e Filosofia o verbete chamado Alma dos Animais. Platão supunha que toda a vida, de qualquer tipo e grau, fosse alma imaterial, e que os corpos fossem coisas materiais que agissem como casas das almas. O autor do livro de Jó naturalmente nem ao menos chegara a ponto de crer na existência da alma humana, quanto mais na existência da alma animal. A teologia patriarcal dos hebreus não contemplava uma vida pós-túmulo. Jó colocou os animais e os homens juntos, sod a mesma providência, positiva e negativa. A providência divina tantc protege quanto destrói a vida. O poder destruidor, por conseguinte, existe inteiramente à parte do problema do pecado.

Deus, o Governador Indiscriminado de Homens (12.13-15) 12.13 Não! Com Deus está a sabedoria e a força. Jó volta agora sua mente dos homens sábios para o Deus de toda a sabedoria. Deus é Todo-sábio e Todo-poderoso, mas se mostra arbitrário em Seu governo, o que nos deixa consternados. Devemos lembrar, uma vez mais, que a antiga teologia dos hebreus era fraca quanto a causas secundárias e fazia de Deus a Única Causa, tanto do bem quanto do mal. Essa é uma visão voluntarista de Deus: uma coisa é boa porque Deus assim o quer, não porque ela é boa em si mesma. O voluntarismo (ver a respeito na Enciclopédia de Bíblia, Teologia e Filosofia) ensina que a vontade é suprema a ponto de à razão e à justiça não serem dados os devidos lugares. Poder é direito, e a vontade indiscriminada está por trás do poder.

Para mim tudo é o mesmo, portanto digo: Tanto destrói ele o íntegro como o perverso. (Jó 9.22) Ver a exposição sobre esse versículo. ‘ O mundo revela-nos a natureza absoluta do poder de Deus, mas não Sua justiça. Ele é o autor exclusivo de todos os acontecimentos (vss. 13-21 e 11.8) e das trevas totais do seol (vs. 22), uma idéia extremamente incomum para a mente dos hebreus, de acordo com a qual o seol jaz fora da jurisdição de Deus (Sal. 6.5). Contrastar com Jó 26.6 e Amós 9.2; Sal. 139.8,11; Pro. 15.11. Não somente a sorte dos indivíduos, mas também o surgimento e a queda das nações, depen­ de de Seu fiat todo-poderoso (vss. 23-25). Não se pode negar que há grandeza nessa filosofia da existência, a qual é completamente teocêntrica. Mas Jó não se submete sem protestar diante desse governo de ferro. De fato, a passagem toda deve ser considerada um prelúdio ao ataque agressivo das linhas que se seguem” (Samuel Tertien, in loc.). Caros leitores, era certo Jó mostrar-se agressivo contra a doutrina unipolar da predestinação absoluta e da teologia de uma Única Causa. Mas existem outras causas; o homem está envolvido com seu livre-arbítrio. Ademais, é blasfêmia

7

IDADE E EXPERIÊNCIA

Está a sabedoria com os idosos, e na longevidade e entendimento?. Jó 12.12

Quando alguém perguntou de Tales: “O que é difícil?”, ele replicou: “Conhecer a ti mesmo”. Quando alguém perguntou: “O que é fácil?” Ele replicou: “Dar conselhos aos outros”. Diógenes Laertius

Muitas pessoas recebem conselhos, mas somente os sábios aproveitam. Publilius Syrus

Os sábios, mesmo que todas as leis fossem abolidas, viveriam as mesmas vidas. Aristófanes

Nos dias da minha mocidade, eu me lembrei de Deus. Na minha velhice, Ele não tem esquecido de mim. Robert Southey

Os jovens acham que os velhos são tolos. Os velhos sabem que os jovens são tolos. George Chapman

Estou preparado para encontrar com meu Criador. Se meu Criador está pronto para sofrer a provação de me encontrar, é outro assunto. W inston Churchill, um com entário feito na noite antes de ele com pletar 75 anos

A mocidade está cheia de pecados; a velhice está cheia de loucuras. Samuel Daniel

Quando um homem fica virtuoso na sua velhice, ele somente oferece a Deus o que diabo não quis. Alexander Pope

Antes de a velhice chegar, meu desejo era o de viver bem. Na minha velhice, meu desejo é o de morrer bem. Sêneca



1918 atribuir o mal a Deus, o que faz o hipercalvinismo. Ver na Enciclopédia de Bíblia, Teologia e Filosofia o artigo sobre Predestinação (e Livre-arbítrio). Jó exaltou o poder e a sabedoria de Deus, mas prosseguiria a fim de de­ monstrar que aqueles atributos estão envolvidos na destruição, e não meramente na providência positiva. E também objetaria a esse tipo de Deus voluntarista. Ver no Dicionário o artigo intitulado Atributos de Deus. Deus é a única fonte de poder e sabedoria, mas, de acordo com a teologia dos hebreus, esses atributos se tornavam destrutivos sempre que Deus pensava que era melhor assim eles se mostrarem.

Meu é o conselho e a verdadeira sabedoria, eu sou o Entendimento, minha é a fortaleza. (Provérbios 8.14) “A onipotência divina desconhece obstáculos ou lei" (Oxford Annotated Bible, comentando sobre o vs. 13).

toda a parte, ferindo tudo. Os sábios e poderosos que naturalmente ficaram ricos são de súbito saqueados pela vontade divina e deixados despidos. Os homens olham admirados, e Deus zomba e se ri deles. Os sábios da terra, como também os juizes, transforma-se em insensatos. Os homens riem-se deles. Até os autores de sábios provérbios são apenas tolos diante de Deus. Ver o vs. 20. Dizem os homens, em sua insensatez: “Deus agirá assim e assado sob dadas circunstânci­ as”. Mas Deus não obedece às razões e às regras deles, nem às suas próprias regras. Leva-os despojados. Talvez tenhamos aqui uma metáfora da guerra. Os líderes e os conselheiros de uma nação são levados para o cativeiro, enquanto sua nação é despojada e saqueada. Suas ótimas casas são niveladas, ou os conquistadores vivem nelas. Deus está por trás dos inimigos desses conselheiros. Foi Deus quem lhes deu o poder de fazer aquele mal. “Desnudando-os de sua sabedoria e poder, Deus demonstra Sua sabedoria e poder superiores’ (Roy B. Zuck, in loc.).

Quem pode suportar as chicotadas e zombarias do tempo, Os erros dos opressores e os insultos do homem orgulhoso?

12.14 O que ele deitar abaixo não se reedificará. Os poderes destrutivos de Deus funcionam quando Ele pensa que isso é apropriado. Ele destrói aquilo que tiver sido construído pelo homem ou por Si mesmo. Ele estabelece mudanças súbitas e varre para longe o status quo. Os homens nunca podem sossegar, porque jamais prevêem quando o próximo golpe divino arruinará todas as coisas. Um homem fica preso em sua casa de miséria e sofrimentos conforme sucedeu a Jó, e nenhum poder nos céus ou na terra poderá estabelecer a menor diferença. A imagem foi extraída do abismo, no qual caem animais que de nada suspeitam. Ali está Ele, naquele abismo miserável, esperando pelo momento de torturar e matar Sua presa, sem demonstrar piedade alguma pelo pobre animal que ali cair. Buracos também eram usados como prisões (ver Jer. 37 e 38.6). Jó estava em seu abismo-prisão, e a esperança ficava inteiramente de fora. Jó dizia que a Causa real por trás do sofrimento é a vontade imprevisível de Deus, que com freqüência age contra aquilo que chamamos de moralidade. O bem e o mal são igualmente nivelados. Deus age de maneira ilegal, porque o Seu poder não está restringido por regras que Ele impõe ao homem. Ele não precisa obedecer às Suas próprias regras. Os amigos-críticos de Jó erravam o alvo quando supunham que Deus sempre abençoa os bons e castiga os maus. Jó dizia que ninguém pode predizer o que Deus fará.

(Shakespeare) 12.18-19 Dissolve a autoridade dos reis. “Deus toma as roupagens esplêndidas dos reis e os veste de cilício. Dissolve a autoridade deles e permite que seus súditos se rebelem e derrubem os governos, amarrando os reis como cativos e despojan­ do-os de todo o seu poder, autoridade e liberdade” (Adam Clarke, in loc.). Os príncipes (vs. 19) recebem o mesmo tipo de tratamento e perdem propriedades e riquezas nesse processo. A história do mundo é, em certo sentido, uma crônica das guerras, com o acompanhamento da desumanidade do homem contra o homem, as mudanças de poder que custam vidas humanas e muita miséria, seguidas por fome e pragas de todas as espécies. O autor via Deus como inspirador de tão nefastas atividades. Uma corda lhes cinge os lombos. Ou seja, os laços mediante os quais eles governam os homens. Ou, então, estão em pauta os cintos que seguram no lugar as vestes reais. Os reis punham em vigor o jugo da tirania.

Assim diz o Senhor ao seu ungido, a Ciro, a quem tomo pela mão direita, para abater as nações ante a sua face, e para descingir os lombos dos reis...

12.15 Se retém as águas, elas secam. Deus age de maneira imprevisível com as águas. Primeiramente, Ele as retira. As chuvas cessam e os rios secam. Estabele­ ce-se a seca. Logo a fome segue-se à seca, e pessoas, incluindo inocentes, e animais, que nem são inocentes nem culpados, morrem como se fossem moscas. Em seguida, Deus decide que a terra terá água, grande quantidade de água. Portan­ to, Ele determina que caiam chuvas intermináveis. Os rios se enchem e se transfor­ mam em grandes e destrutivas torrentes. E, então aqueles que não morreram devi­ do à fome são destruídos pelas catadupas. Algumas vezes, os grandes dilúvios de Deus são quase universais, como o dilúvio de Noé. Então os Ipmens dizem: “Houve justiça e misericórdia em meio a tão grande calamidade”. Nas pequenas tragédias, os homens dizem o mesmo. Os inocentes continuam a sofrer, mas ninguém apre­ senta uma boa resposta quanto à razão dessas calamidades.

(Isaías 45.1) Foi assim que Jó lançou dúvidas sobre os chavões piedosos de seus amigoscríticos, que viam uma providência ordenada ferir os maus e sempre abençoar os bons. Disse Jó: “Na vida diária, as coisas não acontecem realmente assim". “Jó era o tipo de homem que sentia o vazio da irrealidade da ortodoxia tradicional, e tateava o seu caminho, em meio a profundas trevas, sustentado, não obstante, por uma fé inquebrantável de que existe a luz, e que a luz acabará amanhecendo, finalmente” (Ellicott, in loc.). Jó estava efetuando uma investigação livre, contradi­ zendo os dogmas.

12.20 12.16 Com ele está a força e a sabedoria. O autor sagrado retorna ao tema do vs. 13: a combinação, em Deus, de toda a sabedoria e de todo o poder. Ver as notas expositivas ali. Então, em Sua sabedoria, Deus sabe tudo acer­ ca dos homens. Ele sabe quais deles dizem a verdade e não enganam. Ele também conhece os que dizem mentiras e enganam. Jó diz: “Deus sabe que não sou enganador e mentiroso. Ele também sabe que vocês estão equivoca­ dos em seus argumentos”. Mas este versículo ensina, principalmente, que enganador, enganado, mentiroso e aquele que diz a verdade são todos iguais para Deus. Todos estão em Suas mãos. Ele tem o poder de fazer prosperar e de matar, e pode fazê-lo indiscriminadamente, pois tanto o enganador quanto o enganado são vítimas do exercício arbitrário do poder de Deus. Puro voluntarismo! 12.17 Aos conselheiros leva-os despojados do seu cargo. Os grandes da terra, em sua arrogância, supõem que Deus os favorecerá. Auto-enganados, eles tam­ bém estão nas mãos de Deus. Ele fará o que mais Lhe agradar. Ele os surpreen­ derá com algum golpe súbito e destrutivo. O poder deles nada significa para Deus. Ele não usa de respeito para com as pessoas. Seus coriscos voam por

Aos eloqüentes ele tira a palavra. Um ataque direto contra os sábios dos séculos. Bildade estava profundamente impressionado pelos sábios compositores de provérbios, os inventores das tradições. Mas Jó tinha certeza de que Deus não estava impressionado com eles. Aqueles que costumavam usar sua fala para compor grandes pronunciamentos de sabedoria eram privados dessa fala, instru­ mento de seus ensinos. Os homens confiavam nos sábios, mas em breve eles nem ao menos poderiam mais falar. “Ao que parece, eles tinham aparente discernimento e compreensão, mas Deus anulava tudo isso. Jó dizia que a verdade não está com os sábios, na extensão que os amigos-críticos de Jó pensavam. De fato, os criadores dos provérbios são tolos, à vista de Deus. Existem enigmas na natureza, na doutrina, nos sofrimentos humanos. Não se podem solucionar todos os problemas mera­ mente abrindo as Escrituras Sagradas em algum capitulo e versículo, para então ler o trecho. Existem belas e preciosas jóias nos livros, e nós as respeitamos, mas a verdade de Deus não pode estar contida em um livro ou conjunto de livros. Temos de continuar sondando a verdade, engajados na deliciosa aventura do aprendizado. Não podemos apelar para os livros, para as tradições e para as ortodoxias como depósitos finais da verdade, e então dizer: “Ali não há erros. Eles são a nossa única regra de fé e prática”. Somente uma mente infantil diz que as coisas-“não têm erros" e “esta é a nossa regra", independentemente de isso se aplicar a Livros Sagrados ou a qual­

JÓ quer outro padrão. A verdade divina não pode ser confinada dessa maneira. A linguagem humana não pode conter o infinito, nem o pode fazer uma coleção de livros. Precisamos de toda a ajuda que pudermos e devemos respeitar os livros e as tradições, mas o Espirito de Deus está presente e nos conduz a mais ainda. “A linguagem humana não pode aprisionar o infinito” (Erasmo de Roterdã). Nem podem aprisionar o infinito nenhum credo, religião, fé ou denominação, cristã ou não. Deus é maior do que todas as instituições humanas e bibliotecas. Estamos aproximando-nos de Deus, e não indo na direção de uma suposta autoridade final entre os homens, inventada ou organizada por eles. Autoridades e tradições nos ajudam, mas não devemos permitir que nos aprisionem. Ver na Enciclopédia de Bíblia, Teologia e Filosofia o detalhado artigo intitulado Autoridade. Os homens ficam apaixonados por sua sabedoria e importância, e pensam que já encontraram a solução para todos os problemas.

Quos Deus vuit perdere, prius dementat. ou seja: Deus deixa apaixonados aqueles a quem Ele resolveu destniir. Deus tira o lábio dos confiados, conforme diz, literalmente, o original hebraico. Os homens põem sua confiança em absolutos falsos, mas Deus é o único absolu­ to. Quando inventamos outros absolutos, criamos ídolos e nos tornamos idólatras, embora, talvez, idólatras piedosos.

1919 Cf. este versículo com Isa. 9.3 e Sal. 107.38,39.

Tens multiplicado este povo, a alegria lhe aumentaste: alegram-se eles diante de ti, como se alegram na ceifa e como exultam quando repartem os despojos. (Isaías 9.3) 12.24 Tira o entendimento aos príncipes. O príncipe de cada nação é o general do exército, o rei, aquele que mantém as coisas unidas e em boa ordem. Ele lidera o povo em qualquer empreendimento que assim queira fazer. Quando é ferido, quan­ do seu coração se amedronta, então seu povo se espalha e se dispersa. A terra torna-se um deserto, e a nação transmuta-se em nômades, quando o poder controlador se desfaz. Quando os líderes se acovardam e perdem a compreensão, o povo fica sem pastor. Então aquele povo é sujeitado ao ataque deinimigos,cada um deles um predador. O poeta diz, aqui, que Deus é o poder quedesorienta e destrói os líderes, de modo que o povo seja deixado como ovelhas impotentes em campos perigosos. Talvez tenhamos aqui uma alusão aos 40 anos de perambulação pelo deserto, por parte do povo de Israel. O livro de Jó, sem dúvida, foi escrito após esse evento, embora apresente o período patriarcal como seu meio ambiente.

Lança ele o desprezo sobre os príncipes e os faz andar errantes, onde não há caminho.

12.21

(Salmo 107.40)

Lança desprezo sobre os príncipes. As classes privilegiadas não escapam aos julgamentos de Deus nem a Seus castigos, mesmo que inocentes, se porventura isso puder acontecer. Aqueles que têm poder, aqui, não o têm perante Deus, que é o único Poder. A ira de Deus é liberada como um grande derrama­ mento, como se fosse um dilúvio. Em outras palavras, essa ira é abundante E retira a força dos alegados poderosos. 12.22 Das trevas manifesta cousas profundas. Deus traz à luz profundas trevas, o que provavelmente se refere às iniqüidades secretas que os homens ocultam de outros homens. Esses homens pertencem ao reino das trevas, mas se apresen­ tam como se fossem luz. Ver na Enciclopédia de Bíblia, Teologia e Filosofia o verbete chamado Luz, a Metáfora da, que inclui a metáfora das trevas. Alguns vêem as coisas profundas como os próprios pensamentos, planos e estratagemas de Deus, que controla todas as coisas. Essas coisas, ocultas dos homens, Deus traz à luz quando as ocasiões certas o exigem. Ver I Cor. 2.10,11 e Sal. 92.5.

12.25 Nas trevas andam às apalpadelas. O povo, quer se trate de uma nação ou de um indivíduo, tateia nas trevas que Deus cria a propósito. Os homens trope­ çam como se estivessem embriagados, por estarem cegos pelas trevas e andan­ do em terreno desconhecido. O povo tateia nas trevas quando está sem liderança. Mas a situação também é geral: Deus aflige os homens com as trevas (ignorân­ cia) para que perambulem ao redor como se estivessem intoxicados. “Eles andam às apalpadelas como se fossem cegos, como se fossem ho­ mens de Sodoma, quando foram feridos de cegueira... ou como os egípcios, quando caíram sobre eles densas trevas, tão espessas que podiam ser apalpa­ das... Eles tropeçavam como homens embriagados que perderam a visão e os demais sentidos” (John Gill, in loc.).

O Senhor te ferirá com loucura, com cegueira e com perturbação do espírito. Apalparás ao meio-dia, como o cego apalpa nas trevas, e não prosperarás nos teus caminhos; porém somente serás oprimido e roubado todos os teus dias; e ninguém haverá que te salve.

Quão grandes, Senhor, são as tuas obras! Os teus pensamen­ tos, que profundos! (Salmo 92.5) Este versículo deve ser confrontado com Rom. 11.33,34. Os homens traçam planos secretos que Deus traz à luz, mas Ele também tem planos secretos que fazem parte de Sua providência, positiva e negativa. Suas revelações tomam os homens de surpresa. 12.23 Multiplica as nações e as faz perecer. Deus permite que grandes nações se formem, somente para depois esmigalhá-las e reduzi-las a nada. Isso segue alguma vontade misteriosa de Deus, que controla todas as coisas, individuais, comunais e nacionais. As grandes nações são subitamente dispersas, uma possível referência ao cativeiro imposto sobre elas, por outras nações, que obedecem ao mandado divino. Deus mostra-se, assim, soberano sobre todos os seres humanos, pessoal e coletiva­ mente, e o fluxo da história individual e universal obedece a Seus estratagemas, bons e maus. Deus mantém um governo universal, que não segue o que os homens pensam que deveria ser. É a vontade divina que levanta e derruba os homens. Ver na Enciclopédia de Bíblia, Teologia e Filosofia os verbetes chamados Soberania de Deus e Determinismo. Mais adiante, Jó objetará ao caráter absoluto do poder de Deus, que também está por trás de todos os eventos maus. Ele se tomará agressivo em sua fala e protestará contra o governo de ferro de seu Deus voluntansta. Ver no Dicionário sobre o Cativeiro Assino sofrido pelas dez tribos do norte, e sobre o Cativeiro Babilónico sofrido pela tribo de Judá, quanto a ilustrações sobre a dispersão das nações. Naturalmente, o autor sagrado escreveu este livro antes desses eventos, mas eles servem para ilustrar o modus operandi das guerras antigas.

(Deuteronômio 28.28,29)

C a p ítu lo T reze Este capítulo dá prosseguimento à réplica de Jó ao discurso de Zofar. A seção ocupa Jó 12.1-14.22. Este discurso conclui o primeiro ciclo da discussão. Ver a introdução ao capítulo 12, que põe esse primeiro ciclo em seu meio ambien­ te apropriado. Ver também as introduções aos capítulos 4 e 8, quanto a informa­ ções sobre o plano do primeiro ciclo de discursos, capítulos 3-14. Desafio de Jó a Seus Amigos e à Deidade (13.1-27) Os Curadores Incompetentes (13.1-11) À semelhança de um animal ferido, Jó atacou seus amigos-críticos e também o próprio Deus, que ele supunha ser a causa de seus sofrimentos. A semelhança de um boxeador ansioso por atacar o seu oponente, Jó veio balançando-se quan­ do a sineta tocou. Tomou-se arrogante e cortante com suas palavras, sarcástico e insolente, porquanto, afinal de contas, nada tinha para perder. A dor era imensa e a morte, iminente. Seu longo e eloqüente discurso acerca do Deus Todo-poderoso (capitulo 12) foi uma espécie de introdução a seus ataques contra o governo férreo de seu Deus voluntarista. Ver na Enciclopédia de Bíblia, Teologia e Filoso­ fia o artigo chamado Voluntarismo. De acordo com o sistema voluntarista, a vonta­ de é suprema, às expensas da razão e da justiça. Deus faz as coisas certas. Essas coisas não são corretas em sua própria natureza. Retratando Deus como a Única Causa (do bem e do mal, edificando e destru­ indo), Jó não deixava espaço para causas secundárias, o que era típico da primi­



1920 tiva teologia dos hebreus. E continua sendo típico no hipercalvinismo. Se Deus é a causa única, então, como é óbvio, Ele é a causa do mal, e não meramente do bem. Ver Jó 1.11, quanto aos problemas teológicos do livro criados pela natureza primitiva da teologia hebréia envolvida. “A despeito do desregramento de Deus, os amigos de Jó eram médicos inúteis (vs. 4) e não escapariam à reprimenda da deidade (vs. 10)" ( Oxford Annotated Bible, comentando sobre o vs. 1 deste capitulo). O Deus voluntarista, por não fazer distinção entre o bem e o mal, mas reduzir ambas as coisas a nada (ver Jó 9.22), não deixaria em paz os amigos-críticos de Jó. Eles também chega­ riam em breve à miséria, e Jó se consolava com esse pensamento.

idólatras. Os hebreus apelavam para que Deus curasse (ver Sal. 91.3,6; 103.3). Os amigos-críticos de Jó se apresentavam como curadores, mas apenas aprofundaram seus ferimentos e sofrimentos Eles eram médicos inúteis, e, assim sendo, foram rejeitados por Jó, que se volta, agora, para Deus, a fim de receber ajuda ou ter uma morte pacífica. Um médico bem-sucedido deve ter tanto conhecimento quanto habilidade. Aos amigos-críticos de Jó faltavam ambas as coisas. Eles eram ricos em pala­ vras, mas não tinham nenhum poder de cura.

13.1-2

Oxalá vos calásseis de tudo. Silenciar é Demonstrar Sabedoria. Os amigos-criticos de Jó multiplicaram palavras, mas não encontraram solução para o porquê do sofrimento humano; não foram capazes de curar a enfermidade de Jó, nem mesmo metaforicamente, mostrando-lhe a razão de suas dores, nem como um fato, prescrevendo medidas curativas. Eram habilidosos como faladores, mas não como curadores. Jó lhes disse para “se calarem”. O silêncio seria a sabedoria deles, uma reprimenda muito sarcástica.

Eis que tudo isso viram os meus olhos. Jó não sabia todas as coisas, mas sabia, pelo menos, tanto quanto os seus amigos, que o estavam “instruindo”. De fato, ele sabia mais do que eles, porquanto sabia que, apesar de todos os discur­ sos sábios, eles não haviam solucionado o porquê do sofrimento humano. E nem os sistemas deles incorporavam a idéia essencial de que os inocentes podem sofrer, o que era o caso de Jó. Ver Jó 12.1,2, que contém esses mesmos pensa­ mentos. Jó não ficou impressionado com seus amigos-críticos, como se a sabe­ doria fosse propriedade deles e morresse com eles. Eles tinham apresentado um papel alegadamente brilhante, mas que, de fato, era lamentável, porquanto em nada sondara as razões verdadeiras das dores de Jó. Elifaz disse: “Quanto a mim, eu buscaria a Deus” (em contraste contigo, ó estúpido Jó, que continuas a falar em inocência). Ver Jó 5.8. E Jó replicou: “Mas quanto a mim, eu falaria ao Todo-poderoso, visto que falar com vocês é uma futilidade". Assim sendo, Jó denunciou a futilidade dos esforços de seus amigos-críticos. Eles eram meros besuntadores de mentiras (vs. 4), falsos porta-vozes de Deus (vs. 7). Seus pro­ vérbios pomposos eram meras cinzas (vs. 12).

13.5

Até o estulto, quando se cala, é tido por sábio, e o que cerra os lábios, por entendido. (Provérbios 17.28) Os amigos-críticos de Jó, em seu muito falar, tinham revelado ignorância. Se tivessem permanecido calados, pelo menos deixariam de mentir, e assim teriam feito algum progresso no sentido de tornar-se sábios.

Vir sapit, qui pauca loquitur.

13.3

ou:

Mas falarei ao Todo-poderoso. Os amigos-críticos de Jó supostamente apre­ sentaram palavras douradas de sabedoria. Mas Jó percebeu a farsa toda. “Não era com eles que Jó desejava debater. Ele queria argumentar (no hebraico, disputar, debater) seu caso com o próprio Deus” (Roy B. Zuck, in toc.). Jó estava cansado de disputar com a terrível tríade. Ele queria chegar à Fonte do Poder e da Sabedora, para descobrir a causa de seus sofrimentos e ver se algo positivo poderia ser realizado. Talvez seu anelo se concretizasse: ele teria permissão de morrer e encontrar a paz no nada. Cf. 9.34,35, quanto ao desejo de Jó de levar seu caso diretamente a Deus. Seus médicos (os três amigos-críticos) o haviam decepcionado. Eles não tinham nenhuma cura a oferecer-lhe. Cf. Jó 16.2. Antes Jó temera um encontro com o Todo-poderoso, mas agora ele se tomara temerário. Ele havia perdido toda a esperança na vida e desejava morrer. Nada perderia se fosse confrontado com o Todo-poderoso. Talvez em Sua vontade caprichosa, Deus acabasse dizendo: “Basta. Deixarei que Jó morra". 13.4 Besuntais a verdade com mentiras. Os amigos-críticos de Jó tinham falado com eloqüência, proferindo muitas verdades. Mas em sua falta de conhecimento e profundidade de pensamento, eles distorceram algumas coisas e fizeram omis­ sões sérias, exatamente da maneira que os dogmáticos fazem, sem importar qual a sua fé religiosa. Em suas distorções e omissões, eles forjaram também algumas mentiras. Deixaram essencialmente intocado o problema do sofrimento humano, ao insistir tão-somente na lei da colheita segundo a semeadura, pois há outras razões pelas quais os homens podem sofrer. Mas essas razões não podiam abrir a mente deles para uma visão mais ampla, algo típico dos advogados das teologías sistemáticas, que servem a algum sistema. Ver no Dicionário o verbete deno­ minado Problema do Mal, bem como a seção V da Introdução ao livro de Jó.

Há maiores verdades na dúvida honesta, Acreditem-me, do que na metade dos credos. (Laureate)

Há mais coisas no céu e na terra... Do que são sonhadas em tua filosofia. (Shakespeare) Em lugar de “forjadores de mentiras”, a Revised Standard Version diz: “Vós caiais com mentiras”, uma tradução possível do original hebraico. As mentiras enco­ brem defeitos, como a caiadura cobre os buracos e as manchas em uma parede. Os homens encobrem as falsidades com uma argumentação plausível, mas falsa. Médicos que não valem nada. A antiga cultura dos hebreus tinha pouco respeito pela profissão médica, que fazia uso freqüente da magia e de práticas

Um homem sábio fala pouco. (Provérbio latino) Um homem em silêncio provavelmente não é um tolo. O indivíduo insensato está sempre exprimindo seus chavões piedosos e sua falsa sabedoria. Dizer truismos óbvios não faz de um homem uma pessoa sábia. E as coisas ficam piores, quando verdades óbvias são misturadas com meias-verdades, mentiras e distorções, sem falar em todas aquelas inevitáveis omissões. 13.6 Ouvi agora a minha defesa. Era chegada a vez de Jó multiplicar palavras, e ele esperava realizar algo mediante suas palavras, pelo menos mais do que seus amigos-críticos tinham feito. Portanto, ele os chamou para se manterem quietos e ouvir o que ele tinha para dizer. “Por repetidas vezes, neste capítulo, Jó pediu que seus amigos ouvissem, com ouvidos atentos, em vez de multiplicarem palavras ignorantes. Ver os vss. 6, 13 e 17” (Roy B. Zuck, in ioc). O corpo de Jó era atravessado por dores, mas mesmo assim ele tinha poderes de raciocínio. Era capaz de pleitear sua causa e de fazer sentido com ela. “Os discursos deste livro foram concebidos como se tivessem sido entregues em um tribunal de justiça. Diferentes conselheiros pleite­ avam uns contra os outros” (Adam Clarke, in Ioc.). Os lábios de Jó lançariam repreensões contra os seus amigos, conforme a Septuaginta dá a entender. 13.7 Porventura falareis perversidade em favor de Deus...? Jó acusou seus ami­ gos-críticos de serem testemunhas falsas e mentirosos que atribuíam suas mentiras e meias-verdades a Deus. Eram enganadores, ocultavam a verdade, dizendo meiasverdades e formulando mentiras, e davam a Deus o crédito pelo que diziam. Eram “enganadores em favor de Deus”, uma contradição de termos, dita com sarcasmo. Eles fingiram poder resolver grandes problemas com argumentação inadequada, uma característica de indivíduos dogmáticos e criadores de teologias sistemáticas. Eles tinham conseguido enganar muitos homens com seus chavões, estabelecendo-se como autoridades. Mas Jó percebeu claramente a farsa. Algumas vezes, a fé consiste em acreditar naquilo que não corresponde à verdade. Essa é uma fé equivocada, mas nossos credos andam cheios dessa espécie de fé. Na verdade, algumas vezes preci­ samos ser liberados da teologia. Nem todos aqueles que têm um baralho podem jogar bem. Os críticos de Jó tinham seus baralhos, mas jogavam um jogo miserável. 13.8 Sereis parciais por ele? Pensando que Deus estava contra Jó, seus três amigos bandearam-se para o lado Dele, conforme pensavam, e negligenciaram

JÓ qualquer argumento que Jó tivesse para apresentar. Mas, ao assim fazerem, caíram na armadilha de dizer meias-verdades e até mesmo mentiras (vss. 4 e 6), em nome de Deus! Eles contendiam por Deus com falácias e pressuposições contra Jó, antes que ele fosse levado a julgamento. Tornaram-se, assim, culpados de injustiça e não deram a Jó oportunidade de provar a sua inocência. 13.9 Ser-vos-ia bom, se ele vos esquadrinhasse? Poderiam pecadores como aqueles, que proferiam mentiras em nome de Deus e, sem dúvida, possuíam outros pecados e imperfeições, sair-se bem quando chegasse a vez deles de enfrentar o Deus Terrível, que destrói os maus e os bons igualmente (ver Jó 9.22)? Os críticos de Jó estavam prestes a ser divinamente criticados; os juizes em breve seriam julgados; os arrogantes logo seriam humilhados. Deus é o Nivelador da humanida­ de, e eles não encontrariam lugar de escape. Era apenas uma questão de tempo: Jó agora; eles, mais tarde. Eles poderiam enganar os homens com seus argumentos falazes e seu fingimento de piedade. Mas de Deus não se zomba. Outrossim, Jó era inocente, a despeito de estar sendo terrivelmente castigado. Mas qual seria o casti­ go daqueles pecadores que diziam mentiras em nome de Deus? Quanto a zombar de Deus, ver Gál. 6.7, no Novo Testamento Interpretado. “Deus percebe perfeitamente bem todos os raciocínios falazes dos homens! Ele não julga segundo as aparências externas. Ele vê e conhece o coração, bem como todos os desígnios dos homens. Ele pode detectar sofismas e falsas glosas. E não se deixa enganar por pretensões ilusórias" (John Gill, in ioc.).

1921 Os atormentadores de Jó tinham-se apresentado como curadores, mas lhes faltavam o amor, além de eles não saberem como curar. “O amor, e somente o amor, conhece a arte da cura" (Paul Scherer, in Ioc.). Visto que aqueles homens falavam apenas cinzas e barro, Jó os instrui a calar-se e escutar o que ele tinha para dizer, algo excessivamente amargo. Ele não apenas ousou olhar com ar superior a seus oponentes, mas chegou a chamar Deus de assas­ sino! Por meio de uma avaliação das coisas, Jó caiu na blasfêmia, conforme Satanás disse que ele faria (Jó 1.11 e 2.5). Ver no Dicionário o veibete intitulado Blasfêmia. 13.14 Tomarei a minha carne nos meus dentes. Jó Arriscou a Própria Vida. Jó, em sua dor severa e sem alívio, nada tinha para perder. De fato, morrer seria lucro, pois traria paz e o nada etemo, segundo ele pensava. Jó não olhava para uma futura vida pós-túmulo. Ele só desejava ser aniquilado. Foi por isso que “tomou sua came nos dentes”, antiga expressão idiomática de significado difícil, mas que fazia sentido para Jó e seus contemporâneos. A frase da segunda metade do versículo define o que isso quer dizer para nós: “Porei a vida na minha mão”. Ambas as expressões significam a mesma coisa: Jó arriscou sua vida por aquilo que estava dizendo. Deus poderia golpeá-lo instantaneamente e terminar com tudo. Jó dera um aviso prévio à sua ousadia, que lhe custaria sua vida miserável. “Tomar a carne nos dentes”, muito provavelmente, faz alusão às feras que levam as presas nos dentes a um lugar apropriado para matar e devorar a presa. 13.15

13.10 Acerbamente vos repreenderá. “Assim sendo, o blasfemo (Jó disse que Deus era injusto para com ele, mas mesmo assim continuava acreditando na justiça retributiva de Deus contra seus amigos!” (Samuel Terrien, in Ioc.). Jó era culpado de magnificente inconsistência, e estava certo de que Deus repreenderia seus críticos autonomeados. A um homem que sofria, como Jó estava sofrendo, poderíamos permitir inconsistências lógicas. Além disso, ele estava exprimindo seu coração, e não sua cabeça. “Se a mente de Jó corria o perigo de tomar-se ímpia, seu coração não corria esse risco... há um Deus que não permite mentiras... Uma coisa ainda precisamos ser: honestos” (Paul Scherer, in Ioc.). Deus sondou a vida de Jó e não encontrou nenhuma razão para ele sofrer (ver Jó 2.3). Mas se Deus sondasse a vida dos três amigos de Jó, certamente acharia razões para afligi-los. 13.11 Porventura não vos amedrontará a sua dignidade...? Deus é dotado de uma majestade (Revised Standard Version) que amedronta os homens. Ele tem um terror em Seu julgamento que assusta terrivelmente os homens. Jó assegurou a seus amigos que eles não seriam isentados desses temíveis atributos de Deus. O simples temor a Deus pode esmagar psicologicamente um ser humano. Quando vem o golpe divino, então o homem é reduzido a nada. Os críticos de Jó proferiram sofismas em favor de Deus. A justiça divina não haveria de negligenci­ ar esse ato de insolência.

Quem te não temeria a ti, ó Rei das nações? Pois isto é a ti devido...

Eis que me matará, já não tenho esperança. A King James Version (1611) traduziu mal este versículo, o qual se tomou um dos mais citados do livro de Jó na língua inglesa. Essa versão diz: “Embora ele me mate, contudo confiarei nele”. Essa tradução mostra imensa fé e coragem. Jó estava disposto a ver toda aquela miserável situação chegar ao fim, retendo a sua fé em Deus, fazendo a coisa certa. Mas essa tradução não está correta. Nossa versão portuguesa, seguindo a Revised Standard Version, diz: “Eis que me matará, já não tenho esperança; contudo, defenderei o meu procedimen­ to”. Como é claro, Jó falou com beligerância. Primeiramente, Jó chamou Deus de assassino potencial. Mas ser morto por um golpe divino não era um pensamento que detivesse sua língua, antes que isso ocorresse. Ele defenderia a sua causa, a despeito da suposta ameaça divina. Portanto, o que a King James Version trans­ formou em excelente declaração de fé e coragem é, na realidade, amarga diatribe contra o Deus voluntarista. Ver na Enciclopédia de Bíblia, Teologia e Filosofia o artigo chamado Voluntarismo. “Jó estava resolvido a apresentar seu caso, embora esse ato pudesse matálo! Ele estava disposto a arriscar-se por causa da remota possibilidade de que Deus o exoneraria” (Roy B. Zuck, in Ioc). 13.16 Também isso será a minha salvação. Novamente a King James Version insis­ tiu em uma falsa tradução, dizendo: “E/e também será a minha salvação". A Revised Standard Version é melhor: “Isso será a minha salvação”, ou seja, sua ousada defesa poderia surtir efeitos positivos. Um homem inocente talvez fosse capaz de convencer Deus a revelar o porquê de seus sofrimentos, ajudando-o a pôr fim a eles. Nossa versão portuguesa segue bem de perto a Revised Standard Version.

(Jeremias 10.7) 13.17 Ver no Dicionário o verbete chamado Temor, que inclui notas sobre o temor de Deus, que supostamente os homens devem ter. “Posteriormente, eles foram realmente reprovados por Deus, quando os con­ venceu dos erros de seus pontos de vista (ver Jó 42.7-9)” (Roy B. Zuck, in Ioc.).

O temor é um sentimento mais forte que o amor. (Plínio, o Moço) Jó Insulta o Homem e a Deus (13.12-19) 13.12-13 As vossas máximas são como provérbios de cinzas. Jó chegou ao cúmu­ lo dos insultos, quando chamou os provérbios daqueles “sábios” de “cinzas", e suas defesas apenas de “barro”. E logo se lançou à mais forte diatribe contra Deus, ou seja, contra seu Deus voluntarista. “Conforme era seu costume, Jó prefaciou um pensamento ousado (vs. 15, o Deus que assassina), com uma chamada à atenção (vs. 13) e um aviso prévio de sua ousadia (vs. 14)” (Samuel Terrien, in Ioc.). Em seu desespero, Jó destemida­ mente disse a Deus palavras cortantes, verdadeiras blasfêmias, e estava prepara­ do para aceitar as conseqüências.

Atentai para as minhas razões. Jó emitiu outra chamada para obter a atenção. Cf. o vs. 13. Ele estava entregando sua mais ousada defesa, jogando, por assim dizer, o seu trunfo. Confiava que seus esforços renderiam efeitos posi­ tivos (vs. 18) e precisava que seus amigos-críticos seguissem atenciosamente o que ele tinha para dizer. Ele estava prestes a fazer uma defesa “tão brilhante como o sol, tal maneira que parecesse o mais claro possível, como atitude correta de um homem justo” (John Gill, in Ioc). 13.18 Tenho já bem encaminhada minha causa. Por alguns instantes, Jó esque­ ceu seu desespero e pensou que poderia ganhar a causa, tanto contra a terrível tríade de amigos-críticos como até contra um Deus hostil, que aprovaria a sua lógica. Sua preparação foi imaculada e a entrega de seu discurso, insofreável. Seus argumentos foram postos em ordem como se fossem um exército, e ele teve uma chance de ganhar seu caso, até diante do Deus augusto, Todo-sabedor e Todo-poderoso. Serei justificado. Alguns intérpretes cristianizam o versículo e falam em justificação espiritual. Mas Jó queria somente convencer a Deus para que disses­ se por que ele estava sofrendo fisicamente.

1922 13.19 Quem há que possa contender com igo? Pleiteariam contra Jó inimigos formidáveis, incluindo a terrivel tríade de amigos e o Deus augusto. “Não impor­ ta!", disse Jó. “Vamos dar prosseguimento ao caso, porque, se eu fizer silêncio, perder-me-ei nesta dor e dela morrerei”. Cf. Isa. 50.8: “Quem contenderá comi­ go?". Essa seria uma tarefa impossível. Contudo, Jó iria tentar. Ele nada tinha para perder. “Jó estava solicitando uma ação legal imediata, em vista da possibili­ dade iminente de sua morte. Ele já havia dito: ‘Pois agora me deitarei no pó' (Jó 7.21). Era Deus, e não o homem, diante de quem ele queria implicitamente pleite­ ar” (Samuel Terrien, in ioc.). E renderia o espfrito. Estas palavras não implicam que Jó tivesse fé na vida pós-túmulo. Só querem dizer que ele daria o último suspiro, e então morreria. Visto que em breve morreria, ele precisava que seu caso fosse pleiteado com urgência. Tanto a Revised Standard Version como a nossa versão portuguesa estão corretas, ao dizer: “Neste caso eu me calaria". A fé na vida pós-túmulo entrou na teologia dos hebreus nos Salmos e nos Profetas. Ver isso aqui é um anacronismo. 13.20-21 Concede-me somente duas cousas. Insistindo uma vez mais em uma tra­ dução distorcida, a King James Version, ao falar nas duas coisas que Jó implorou que Deus fizesse, usa a forma negativa: “Não me concedas somente duas coisas: retira a Tua mão de mim e não me aterrorize o Teu temor” . Mas a Revised Standard Version e a nossa versão portuguesa estão corretas, ao deixar de fora o “não". A petição de Jó foi positiva: “Alivia a tua mão de sobre mim, e não me espante o teu terror” . Jó não estava pedindo que a mão benévola de Deus esti­ vesse sobre ele para seu bem. Antes, solicitava que Deus tirasse sua pesada mão de sobre ele, pois isso produzia dor. Note o leitor que, em duas ocasiões anteriores (Jó 7.12 ss. e 10.2 ss.), Jó, impulsionado pela intensidade de sua emoção espiritual, abruptamente deixou o simples discurso para fazer um apelo direto ao próprio Deus. Como poderia Ele fazer um julgamento justo, se continuasse sujeitando-o à tortura? Jó não se ocul­ tou timidamente de Deus. Antes, compareceu à Sua presença ousadamente, fazendo-Lhe pedidos, porquanto nesses pedidos poderia haver alguma esperan­ ça. Se ele obtivesse as duas coisas que tinha requerido, então não teria de esconder-se de Deus. Poderia esperar algum benefício da parte Dele, para aliviar sua dor. “Cessa de torturar-me no corpo físico e de aterrorizar-me mentalmente; per­ mite-me ter liberdade da dor física e essa indevida apreensão de teus terrores” (Ellícott, in Ioc.). 13.22-23 Interpela-me e te responderei. Se Jó pudesse ser liberado de seu sofrimen­ to, então faria as devidas súplicas e estaria preparado para ouvir as instruções apropriadas. Um diálogo fnjtifero poderia desenvolver-se, o que era impossível sob as atuais circunstâncias de agonia. Se ele fosse um pecador (vs. 23) e estivesse enganado ao pensar que era inocente, estaria pronto para ouvir isso e então fazer os ajustes devidos. Ele não ficaria limitado dogmaticamente, conforme sucedia a seus três amigos. Sua mente estaria aberta para qualquer possibilida­ de, mas primeiro ele precisava ser aliviado de seus terríveis sofrimentos para que pudesse manter um diálogo com Deus. Em outra ocasião, quando Jó pediu para Deus enumerar seus pecados (ver Jó 6.24), Deus não compareceu ao tribunal. O que fica subentendido na presente passagem é que Deus, uma vez mais, não veio conversar sobre os pecados de Jó. Ele deixou Jó em silêncio, para falar de seu caso sem nenhuma interrupção. Deus não apareceu para fazer barganha alguma. É conforme minha mãe costu­ mava dizer: 'Algumas vezes podemos barganhar com Deus, e outras vezes, não podemos". Posteriormente, Eliú diria que não se pode argumentar contra Deus (ver Jó 37.19). Mas Jó, em seu desespero, estava disposto a tentar qualquer coisa, até mesmo algo que fosse fatal para ele. Na verdade, ele desejava que houvesse alguma fatalidade, caso seus sofrimentos pudessem ser aliviados.

JÓ solidão espiritual e o senso de abandono da parte de Deus. Ele bem poderia perguntar, como Cristo fez mais tarde: “Deus meu, Deus meu, por que me aban­ donaste?" (Sal. 22.1). Deus oculta o Seu rosto quando está Irado (Sal. 27.9; Isa. 54.8) ou indiferente (Sal. 30.7). “Sua inimizade é ... desconcertante" (Samuel Terrien, in Ioc.). 13.25-26 Queres aterrorizar uma folha arrebatada pelo vento? Temos aqui as me­ táforas da folha frágil e da palha seca. Diante de Deus, Jó nada era senão uma folha frágil que poderia ser esmagada e transformada em pó, ou como um pedaço de palha inútil que o vento tange ao redor. Não obstante, Deus insistia em perse­ guir e seguir o que era frágil e inútil. Por que esse nada merecia tanta atenção divina? Cf. Jó 7.12,20.0 vs. 25 não é uma confissão de pecado, embora o vs. 26 certamente pareça ser. Mas aqueles pecados eram típicos da juventude frívola. Porventura Deus traria de volta a história passada e puniria Jó por isso, embora, no presente momento, ele fosse inocente? Os homens demonstram certa indul­ gência com os pecados dos jovens, supondo que sejam inevitáveis e devam ser negligenciados por terem sido cometidos pelos ignorantes e inexperientes. Talvez Deus, mais severo, esmagasse um homem maduro ou velho, por causa dos pecados cometidos na juventude. Por que Deus conjuraria pecados passados, cometidos na adolescência, e puniria Jó por causa deles? Jó considerava isso improvável, e assim, para todos os propósitos práticos, continuava a considerarse inocente. Jó, contudo, não estava falando sobre inocência absoluta. Jó teria confessado ser pecador em qualquer estágio de sua vida. A contenção dele era a de não ser tão culpado a ponto de merecer a agonia que estava sofrendo. Ele compara suas agonias com as dos prisioneiros que sofrem toda a espécie de abuso, sendo comparativamente inocentes; de maneira que ninguém podia apon­ tar para determinados pecados e então dizer: “Por causa destes pecados estás punido!”. “As leviandades e indiscrições de minha juventude eu reconheço. Mas será essa a base sobre a qual são formadas acusações contra um homem, cuja integridade de vida é inatacável?” (Adam Clarke, in Ioc.). O mistério dos sofrim entos presentes perm anecia. Jó poderia ter-se en volvido em irresponsabilidades, conforme acontece entre tantos jovens, mas, em sua vida de homem maduro, coisa alguma poderia ser apontada que justificasse as suas dores. 13.27 Também pões os meus pés no tronco. Jó compara agora suas agonias com as dos prisioneiros que sofrem toda a espécie de abusos por parte de seus captores. Ninguém aparecera para demandar um habeas-corpus e para certificarse de que as acusações contra o homem eram justas e estavam bem consubstanciadas. Jó simplesmente vivia na prisão da dor, sem que nenhuma acusação fosse feita contra ele. Jó dizia: “Deus é injusto por estar fazendo isto contra miml”. Por que haveria Deus de tratar Jó como se ele fosse um prisioneiro, pondo seus pés no tronco, vergastando-lhe as costas, ameaçando-o com a “disci­ plina própria da prisão”, observando-o ali em seu cativeiro, seguindo-o por toda parte e assediando-o? Cf. Jó 7.19,20; 10.14. Tendo proferido seu discurso ousa­ do, Jó caiu novamente em desespero, continuando a murchar como se fosse uma indumentária apodrecida e roída pelas traças. Jó queixou-se de que Deus estava continuamente a persegui-lo, a ponto de ele nem ter tempo para engolir a própria saliva (ver Jó 7.19). H. B. Wells conta sobre uma igreja na qual um grande olho foi pintado sobre a parede de uma sala de escola dominical, justamente acima da plataforma. Uma inscrição abaixo do olho dizia: “Tu Deus, me vês!” (Gên. 16.13). Assim também havia o Grande Olho seguindo o pobre Jó, não lhe dando um momento sequer de descanso.

Tira a minha alma do cárcere, para que eu dê graças ao teu nome; os justos me rodearão, quando me fizeres esse bem. (Salmo 142.7) A Sorte do Homem Mortal (13.28 - 14.22)

13.24 13.28 Por que escondes o teu rosto...? Deus Permaneceu em Silêncio. Ele não cedeu quanto ao diálogo que Jó tinha requerido. Antes, permaneceu escondido nas sombras, e Jó continuou a sofrer sem nenhuma explicação divina quanto ao porquê. Os pecados de Jó não foram enumerados e ele não foi chamado de culpado. Foi simplesmente ignorado. Jó foi tratado como um criminoso em tribu­ nal, sem que as acusações fossem assacadas contra ele, para que isso pudesse ser considerado justo ou injusto. “O herói estava perplexo pela aparente hostilida­ de do Senhor dos homens. Para ele, todas as calamidades - perda das riquezas materiais, filhos, saúde, amizades e honras - eram menos excruciantes do que a

Apesar de eu ser como uma cousa podre. Temos agora um poema que conclui a discussão do primeiro ciclo de discursos. Ver o plano dos discursos na introdução aos capítulos 4 e 8. Este poema, naturalmente, divide-se em quatro seções. 1. A precária mortalidade do ser humano (13.28 -1 4 .6 ) 2. A finalidade da morte humana (14.7-12) 3. Uma imaginação selvagem especula sobre a vida pós-túmulo (14.13-17) 4. A irrevogável sorte humana do aniquilamento (14.18-22)

JÓ Após o ousado discurso que repreendeu a Deus por Sua injustiça e negligên­ cia, Jó caiu no desespero. O Todo-poderoso, porém, ignorou tanto ele quanto seu discurso atrevido. “Em uma guinada súbita, Jó mudou da confiança de que pode­ ria ganhar seu caso em tribunal contra Deus, para um lamento melancólico sobre a futilidade da vida e a certeza da morte” (Roy B. Zuck, in loc.). Cf. esta conclusão ao discurso com o lamento do capítulo 3. Caindo no desespero, Jó agora via a si mesmo como algo podre, isto é, inútil e nojento, ou como uma veste roída pelas traças, cuja utilidade anterior foi com­ pletamente obliterada. Cousa podre. As versões da Septuaginta, o siríaco e o árabe fazem isso referir-se a um vaso (odre) feito de peles de animais, que ficou velho e estragado, de modo que não tinha mais utilidade. Jó comparou seu corpo enfermo àquele pedaço de couro inútil e em processo de desintegração.

C a p ítu lo Q u a to rz e Este capítulo continua a seção iniciada em Jó 13.28, onde dou notas de introdução. Jó 13.28-14.6 fala sobre a precária mortalidade do ser humano. Ver as outras três seções envolvidas nesse discurso, que conclui o primeiro ciclo de discussões. 14.1 O homem, nascido de mulher. O homem mortal, isto é, a criatura que nasce do ser humano do sexo feminino, recebe apenas alguns poucos dias, e até esses poucos dias são repletos de tribulações. O homem nasce para a tribulação como “as fagulhas sobem para o céu”, conforme alguém já disse: “As fagulhas parecem não voar noutra direção qualquer” . Ver Jó 5.7. Tal como em Jó 7.1 ss., Jó contempla a ridícula brevidade da vida humana. Alguns insetos vivem somente um dia, mas ficam esvoaçando como se fossem viver para sempre. Assim tam­ bém o homem, em sua arrogância, embora seu período de vida seja ridiculamente breve, esvoaça como se fosse viver para sempre. Mas alguma enfermidade ou acidente logo faz desaparecer essa Ilusão. A média bíblica da vida humana é apenas de setenta anos (ver Sal. 90.10), e esse é um período miseravelmente curto. Aqueles dentre nós que já atingiram os sessenta anos, ao olhar para trás para a brevidade da duração do dia da vida, maravilham-se de quão rapidamente esse dia se escoou, como se fosse um sonho passado na noite. Mas a até mesmo esse breve dia não se permite passar em paz. Há temores, comoções e tremores, causados por acidentes, esperanças despedaçadas, enfermidades e morte. Para Jó havia aquele sofrimento desmere­ cido, pois a verdade é que até os inocentes sofrem.

Se eu losse Deus... Não haveria mais o adeus solene, A vingança, a maldade, o ódio medonho, E o maior mal, que a todos anteponho, A sede, a lome da cobiça inlrene! Eu exterminaria a enfermidade, Todas as dores da senilidade; A criação inteira alteraria, Se eu fosse Deus.

1923 Quanto ao homem, os seus dias são como a relva; como a flor do campo, assim ele floresce; pois, soprando nela o vento, desaparece; e não conhecerá, daí em diante, o seu lugar. (Salmo 103.15-16) 14.3 E sobre tal homem abres os teus olhos. Além das outras tribulações do homem, que ele precisa suportar em sua breve vida, há também os assédi­ os de Deus, que não dão descanso ao homem. Sempre há razões para Deus punir o homem. Ele sempre cultiva seu conjunto de pecados e vícios, o qual chega ao fim pelo toque da retribuição. Mas até os inocentes sentem esse toque, como no caso de Jó. Portanto, para Jó, o problema do mal incluía as duas coisas tradicionais: os abusos da natureza e os abusos do homem contra o homem. Mas para ele isso também incluía uma terceira coisa, o desprazer de Deus que nivela os bons e os maus, sem estabelecer nenhuma distinção (ver Jó 9.22). O Deus da esperança acabou sendo o Deus do desespero humano. Os olhos de Deus estão abertos sobre os homens, e eles esperam que isso signifique uma providência positiva; mas, para lamentação deles, com freqüência isso aponta para uma providência negativa. Ver no Dicionário o verbete chamado Providência de Deus. Foi assim que Jó falou exclusivamente com Deus, para seu desalento. O capítulo inteiro deixa de mencionar os amigos-críticos de Jó. Jó apresentou um pensamento desalentador, que assusta até os homens bons: Deus está sempre vigiando para ver que outras calamidades Ele pode fazer cair sobre os homens, sem importar sejam eles bons ou maus. Jó, pois, promovia o conceito de seu Deus voluntarista. Ver na Enciclopédia de Bíblia, Teologia e Filosofia o artigo chamado Voluntarismo. 14.4 Quem da imundícia poderá tira r cousa pura? Embora se considerasse inocente, não-merecedor de seus imensos sofrimentos, Jó admitiu que a huma­ nidade está cheia de pecado e corrupção. O homem, como raça, é corrupto, e isso em condição permanente. Ninguém pode tirar algo limpo daquilo que é inerentemente imundo. Cf. os vss. 16-17, onde Jó voltou ao tema do pecado, algo dito no estilo do apóstolo Paulo, em Rom. 3.10-18, tomando por emprésti­ mo do Salmo 14. Portanto, apesar de haver a retribuição sem justificação, também há muita coisa merecida, de acordo com a Lei Moral da Colheita se­ gundo a Semeadura (ver no Dicionário). Deus se ocupa em trazer calamidade sobre os que a merecem e sobre os que não a merecem (ver Jó 9.22), Perma­ necia de pé o enigma do sofrimento. O homem é básica e incuravelmente corrupto. Jó não entra nos problemas teológicos quanto ao porquê ou como tudo começou. Ele só se preocupa com o presente, e trata-se de um presente lamentável. Este versículo tem sido usado como um texto de prova quanto ao pecado original. “Nenhum ser humano nasce neste mundo sem a corrupção da natureza. Todos os seres humanos são impuros e profanos, e do principio da depravação è que toda transgressão é produzida. Dessa depravação da natureza somente Deus pode salvar” (Adam Clarke, in loc.). Ver no Dicionário o artigo chamado Pecado Original, quanto a uma discussão teológica sobre a questão. Ver na Enciclopédia de Bíblia, Teologia e Filosofia o artigo geral chamado Pecado. 14.5

(Martins Fontes, Santos, 1884-1937) “Jó 14.1-22: Um dos maiores poemas de toda a literatura" (Oxford Annotated Bible, comentando sobre Jó 14.1). Apesar da restauração (ver a respeito no Dicionário), Jó não tinha visão para tal acontecimento. 14.2 Nasce como a flor, e murcha. O homem nasce com uma beleza como a da flor, que desabrocha na direção do sol, mas logo, como a flor, é cortado pelo Fazendeiro, que prepara o campo para a plantação. Em breve termina o seu dia, e as sombras da noite o engolfam. Então chega a noite da morte, e esse é o fim da história. Cf. este versículo com Jó 8.9 e Eclesiastes 6.12, que têm figuras de linguagem semelhantes. ... ele passará como a flor da erva. Porque o sol se levanta com seu ardente calor, e a erva seca, e a sua flor cai, e desaparece a formosura do seu aspecto. (Tiago 1.10-11)

Visto que os seus dias estão contados. A vida e todas as suas condi­ ções, incluindo sua duração, são determinadas por Deus. Encontramos este determinismo (ver a respeito na Enciclopédia de Bíblia, Teologia e Filosofia) em Jó 7.1, onde são dadas amplas explicações. Ver também Isa. 10.23 e Dan. 9.27. Até hoje ninguém foi capaz de descobrir um elixir que prolongue a vida do homem indefinidam ente. Atualm ente vem os o estúpido espetáculo do enregelamento de corpos humanos, especialmente entre os abastados, que tolamente supõem que, algum dia, suas tendas de barro poderão ser revivificadas. Mas estudos mostram que a duração da vida, para a maioria das pessoas, é flexível. Que diferença faz se a maioria das pessoas vive um pouco mais ou um pouco menos? Ocasionalmente, uma pessoa tem de morrer em um dia específi­ co, adrede marcado. O rei Ezequias, sem nenhuma razão especial, exceto seu desejo extremo, obteve quinze anos extras de vida (ver II Reis 20.6). Ezequias obteve esses quinze anos extras mediante lágrimas e oração. Portanto, Senhor, concede-nos tal graça!

Existe um limite fixado para todo homem. Esse limite permanece onde foi marcado. Nenhum homem pode movè-io para trás ou para frente, por nenhum meio. (Sêneca, Consolât. Ad Mareiam, Cap. 20)

1924



Ai! Ai! As plantas aquáticas, quando morrem, e as ervas do jardim, despertam de novo para a vida, e assim vivem belamente por outro ano. Mas nós, os grandes, os poderosos e os sábios, quando morremos... dormimos por longo tempo, de modo lúgubre, dormindo o sono interminável da morte.

Naturalmente, os estóicos (grupo ao qual Sêneca pertencia) eram deterministas absolutos, o que explica os sentimentos expressos. Ver na Enciclopédia de Bíblia, Teologia e Filosofia o verbete chamado Predestinação. 14.6 Desvia dele os teus olhares. Visto que o dia do homem é tão curto, e que sua morte já está determinada em algum ponto do tempo, não muito distante, Jó rogou a Deus que o deixasse sozinho, a fim de que pudesse terminar seus dias em paz, e não assediado divinamente. Naturalmente, ele estava pensando em seu próprio caso, Jó havia feito esse pedido (ver Jó 10.20, onde ofereço notas adicionais) e agora retornava a ele.

(Moschus) “Os ciprestes e os pinheiros, quando cortados, não revivem. Para os roma­ nos, eles eram símbolos da morte” (Fausset, in Ioc.). 14.11-12

Como o jorn aleiro . Aquele que trabalha por um dia de cada vez, e sabe quando o dia terminará e receberá o seu salário. Nos tempos antigos, os jornaleiros eram pagos a cada dia de trabalho. O trabalhador anela pelo fim do dia. Ele fica cansado do calor do dia e cansado do trabalho. Todos os homens, diante de Deus, não passam de trabalhadores diários, suando em seu rápido dia de vida. O descanso só vem no fim do dia. Era por isso que Jó anelava, mas esperava que as horas da noite, antes de sua morte, passas­ sem em paz. “Quando a vida de um homem é passada em tribulação e entre as enfermida­ des da idade avançada, nos dias finais ele não tem prazer" (John Gill, in ioc.).

Como as águas do lago se evaporam. Torrentes de água como aqueles rios cheios pelas chuvas, e até os lagos, podem secar completamente se nenhu­ ma chuva cair por determinado tempo. A seca põe fim à vida porquanto toda a vida depende da água para sua continuação. Assim acontece ao homem que morre. Ele seca para sempre, não tem fonte de vida em si mesmo. Morre como o leito seco de um rio ou de um lago. Antes havia vida ali, mas a falta de água acabou com tudo. Nenhuma fonte subterrânea vem em seu socorro para reviverlhe o corpo. Nenhuma água secreta dos céus leva-o a viver, em algum estado imaterial. Nenhuma provisão divina de ressurreição reativa os mortos.

A Finalidade da Morte Humana (14.7-12)

Uma Imaginação Selvagem Especula sobre a Vida Pós-túmulo (14.13-17)

14.7

14.13

Porque há esperança para a árvore. Jó logo olharia descuidadamente para a possibilidade de sobreviver ante a morte biológica (por meio da alma ou da ressurreição?; vss. 13-17), mas seu pensamento constante era o da brevidade e finalidade da morte humana, o que assinala o verdadeiro e último fim do homem. Nos versículos diante de nós, era isso que Jó levava em conta. A árvore é algo de maravilhoso. Pode-se cortar uma árvore e deixar apenas o toco, mas sua vida persistirá. Ela lançará novos brotos. A vida soergue-se de suas raízes, que não morreram. No tempo que temos representado no livro de Jó, o período patriarcal, os hebreus não faziam idéia de uma vida pós-túmulo. Esses pensamentos entraram na teologia dos hebreus no tempo dos Salmos e dos Profetas, mas ainda não muito claramente. Mas no mundo lá fora, como nas religiões orientais, já havia doutrinas da imortalidade e até alguma referência à ressurreição. De fato, os ritos e as crenças religiosas no Oriente Médio cultivavam tais idéias. Mas Jó falava de modo brusco contra tal possibilidade, conforme demonstram os versículos que se seguem. O homem, afirmava ele, não é como a árvore maravilhosa que aflora em nova vida a partir das raízes e assim volta à vida por si mesma. Os egípcios eram os campeões da doutrina da sobrevivência da alma, de aiguma maneira, e Jó poderia ter sentido a influência deles. Contudo, para ele, uma árvore cortada tinha esperança, mas um homem cortado ia-se para sempre.

Jó, um xeque árabe, provavelmente sob a influência da cultura egípcia, por um momento deslizou para as especulações sobre algum tipo de vida pós-túmuto. Mas é errado cristianizar isso e dizer: “Era assim que Jó realmente se sentia”. É claro que ele realmente sentia o que expressara do começo ao fim: a morte é o fim para o homem. Nada existiria após a morte. Assim dizia a teologia dos antigos patriarcas. Jó desviou-se disso por um momento, mais como uma especulação, um desespero, do que como verdadeira esperança. Definitivamente, Jó não mudou de idéia sobre a questão. Em Jó 19.26, Jó retomou ao assunto, dessa vez com mais seriedade, talvez para aceitar o pós-vida como um seguro para o problema do mal. Mas este versículo é controvertido e poderia significar muitas coisas. Jó primeiramente morreria, então se calaria no sepulcro. A ira de Deus pas­ saria, enquanto o corpo de Jó ressecaria no sepulcro miserável. As dúvidas de Jó e suas dores físicas inspiraram-no a olhar timidamente para “além do sepulcro”. Ali ele obteve um vislumbre de esperança, mas tudo era apenas um tatear espiri­ tual, e não a verdadeira fé sobre a sobrevivência à morte biológica. “Havia um sussurro no coração de Jó. Seria o sussurro de Deus? Haverá ainda algum lugar, neste universo misterioso, um amor que não nos deixa ir embora?” (Paul Scherer, in Ioc).

Oh, Amor, que não me deixas ir-me embora, Descanso minha alma cansada em Ti. Devolvo-Te a vida que Te devo, Para que nas profundezas de Teu oceano Ela seja mais rica e mais plena.

14.8-9 Se envelhecer na terra a sua raiz. Para dizermos a verdade, a árvore cortada é mutilada; mas suas raízes, ainda vivas sob o solo, garantem o retorno à vida, acima da superfície. Mas o homem não tem raízes de vida para revivê-lo, uma vez que seu corpo seja deitado no sepulcro. As raízes cheiram a água revivificadora e transmissora de vida, e assim florescem e se desenvolvem. Novos ramos crescem na direção do sol. E eis! A árvore revive para que todos a vejam. O poeta produz uma excelente metáfora. A água é um salvador. A água opera no toco decepado e traz de volta a vida das raízes que a cheiram ali, gerando nova vida e nova esperança. 14.10 O homem, porém, morre, e fica prostrado. Em contraste com a árvore, ao morrer, um homem se vai para sempre. Ele apodrece no sepulcro. Não cheira nenhuma água doadora de vida nem produz rebentos de vida. Ele nada é de forma permanente. Quando dá seu último suspiro (Revised Standard Version), ele está claramente morto. Agora, diga-me, onde está ele? Estará em algum céu? Está em algum mundo dos espíritos, esperando pela reencarnação? Não! Ele está morto. Essa era a doutrina de Jó, e esse era o ensino dos patriarcas. Não há nenhum apelo em todo o Pentateuco para que se faça o bem e se evite o mal, por causa de alguma existência no pós-túmulo, onde as contas serão resolvidas. Não há ensinos sobre os céus e sobre o inferno no Pentateuco. A teologia dos hebreus era deficiente quanto a esse ponto, e por que isso nos surpreenderia? A doutrina cristã veio para anular tal deficiência. E errado cristianizar textos antigos, tentando injetar neles algo que não existe, por meio de uma eisegese, em substituição à

exegese.

(George Matheson) 14.14-15 Morrendo o homem, porventura tornará a viver? Uma leve esperança enviou um raio brilhante pelo caminho cada vez mais largo do futuro. Jó levantou aquela dúvida antiquíssima: “Se um homem morrer, tornará a viver?”. Ele tentou acreditar que seus sofrimentos, que terminariam mediante a morte do corpo, irromperiam em outra vida, sem sofrimentos. Deus haveria de querer de volta a obra de Suas mãos (vs. 15), mas agora sob outra forma. A primeira forma, o corpo físico, seria aniquilado pela morte e pelo sepulcro; a segunda forma seria diferente e melhor, em substituição à primeira. Assim sendo, o Oleiro celestial receberia de volta Sua obra em uma forma aperfeiçoada. Ou, pelo menos, essa era a esperança de Jó. Ele poderia estar pensando na reencarnação, uma doutri­ na comum da época, em alguns lugares do Oriente. Ou, mais provavelmente ainda, ele estava pensando na ressurreição, outra idéia comum em algumas culturas. No presente texto, temos um ótimo toque, porquanto Jó, limitado que estava pela teologia herdada de seus pais, estava cego quanto a esperar algo melhor para além do sepulcro. Mas, em seu desespero, ele avançou para além dos limites impostos pela sua cultura e tentou encontrar consolo em outra idéia, que não fazia parte de seu meio ambiente teológico. De fato, caros leitores, isso é tudo quanto temos para fazer. Não nos podemos limitar ao que temos herdado em nossas igrejas tradicionais. Devemos buscar algo diferente, algum bendito suple­ mento para nossas imposições teológicas. Somente então a teologia fará sentido.

JÓ Cf. o vs. 15 com Jó 10.3,8. Jó objetou, à maneira desanimadora, como as obras das mãos de Deus estavam sendo manuseadas. O homem Jó fora desfigurado pelos sofrimentos. Agora surgira em cena a esperança de que, embora a primeira obra tivesse sido desfigurada pela dor e pela morte, outra a substituiria, muito mais gloriosa. Isso aconteceria no tempo determi­ nado, isto é, no dia de Deus, provavelmente aludindo a uma possível res­ surreição. Veja o leitor como o amor de Deus une o homem físico com o homem espiritual, no outro mundo. Esse amor garante o término do plano, a perfeição da obra-prima que Deus começou e, finalmente, terminará no homem.

Na esperança que envia um raio brilhante Pelo caminho cada vez mais largo do futuro, Numa paz que somente Tu és capaz de dar, Contigo, ó Senhor, deixa-me viver.

1925 as rochas gigantescas são arrancadas de seus lugares e caem, repousando em lugares estranhos. Quanto pior se dá com a frágil vida humana!

Mudança e decadência ao redor eu vejo. Ó Tu, que não mudas, fica comigo. (H. F. Lyte) “Tudo na natureza está sujeito à mutabilidade e à decadência. Até as monta­ nhas podem cair de suas bases, despedaçando-se, de súbito engolidas por terre­ motos” (Adam Clarke, in loc.). Portanto, o homem não tem esperança na morte. Seu estado é irreparável. Jó esqueceu seu vislumbre da imortalidade e retornou ao pessimismo anterior (ver a respeito na Enciclopédia de Bíblia, Teologia e Filosofia). 14.19

(Washington Gladden)

A Imortalidade e o Problema do Mal. Com essa especulação, Jó abriu uma janela para o problema do mal. Embora os sofrimentos presentes continuem a reter seus elementos enigmáticos, que nenhuma especulação pode dissipar, um simples olhar para além-túmulo nos leva a encontrar uma nova obra de Deus, informando-nos que o problema do mal será finalmente anulado pela imortalidade. Os sofrimentos humanos, até mesmo os dos inocentes, cedem diante da “espe­ rança no além”, perante a qual encontraremos cura para todos os males. A fé que Jó apreendeu por um instante foi uma ótima fé. Para nós, porém, a imortalidade tornou-se um grande dogma, conforme deveria ser.

Como as águas gastam as pedras. A água é um líquido bastante leve e certamente fraco em comparação a uma pedra. Mas, se a água continuar a correr, correr e correr, ou mesmo continuar a pingar, pingar e pingar, desgastará uma pedra. Assim sendo, o severo julgamento de Deus com relação ao homem final­ mente o desgasta, e o homem deixa de existir. O famoso discurso de Shakespeare nos diz isso mesmo de forma eloqüente:

Os templos solenes, o próprio grande globo, Sim, tudo quanto nele está contido, dissolve-se, E, tal como esse cenário sem substância estiolado, Conforme os sonhos são feitos, e nossa breve vida Termina em sono.

14.16-17 E até contarias os meus passos. Agora mesmo, na vida física de Jó, Deus era (conforme Jó conjeturava) um Juiz Terrível, observando e contando os seus pecados e punindo-o por causa deles. Ele mantinha as pegadas de cada passo de Jó, caçando-o como se fosse um animal, infligindo-lhe, a cada segundo, algu­ ma nova aflição. Mas, em havendo vida para além do sepulcro, onde a obra de Deus é aperfeiçoada, então esse tipo de atividade divina (que prejudica) termina. Todos os pecados de Jó seriam reunidos em uma sacola (vs. 17), e suas iniqüidades seriam cobertas. Isso significa que Jó ficaria livre desses pecados e de seus temíveis efeitos, e que Deus continuaria formando Sua nova obra, operando atra­ vés da imortalidade humana. Deus contaria os passos de Jó de maneira pejorativa. Deus era como um grande espião, vendo e castigando tudo. Deus não negligenciava pecado algum e nunca falhava em castigar. Alguns fazem esse olhar para Deus, um olhar benévolo, ao passo que o olhar para o pecado seria uma negligência, mas, sem dúvida, essa é uma interpretação inferior. Pelo contrário, Jó retorna ao seu atual estado de sofrimento, tendo Deus como seu Perseguidor. O vs. 17 também tem sido variegadamente interpretado. A colocação dos pecados em uma sacola é interpretada como “a manutenção de sua memória, para ajudar na questão da punição”. Alguns estudiosos insistem em que, somente por um momento, Jó caiu no luxo de esperar uma cura para além do sepulcro. Ato contínuo, ele retornou a seu pessimismo e queixumes, cheio de temores e desespero. Note igualmente o leitor que, pelo momento, Jó caiu no modo de pensar de seus amigos-criticos. As iniqüidades de Jó estavam por trás de toda a sua dor. Cf. Deu. 32.34 e Osé. 13.12. O ajuntamento dos pecados de Jó seria para seu mal, e não para seu bem. “Adicionando iniqüidade à iniqüidade, tal como em Sal. 69.27" (John Gill in

loc.). O Aniquilamento Irrevogável do Homem (14.18-22) 14.18 Como o monte que se esboroa e se desfaz. Somente por um momento Jó permitiu-se olhar para além do sepulcro, como resposta para os seus sofrimentos (vss. 13-15). Mas logo ele cai de novo naquele abismo de terror: seus insuportáveis sofrimentos. Portanto, ele prossegue com várias figuras de linguagem para descrever mais profundamente seu estado miserável e sem

esperança. Os vss. 18-19 são de autenticidade duvidosa. A versão cóptica saídíca os omite. A recensão de Jerõnimo e a versão siro-hexaplarica assinala-os com aste­ riscos, o que indica uma dúvida quanto à autenticidade. E vários manuscritos da Septuaginta não os contêm. O texto massorético (MT) os apresenta, porém, mais adiante, nenhum manuscrito verdadeiramente antigo poderia ser responsável pela sua inclusão. Ver no Dicionário os dois verbetes chamados: Manuscritos do Anti­ go Testamento e Massora (Massorah); Texto Massorético. O vs. 18 nos mostra que tudo está em estado de decadência; tudo chega ao fim, até os alegados montes eternos. Os abalos sísmicos reduzem-nos a pó. Até

(Extraído de A Tempestade) As coisas mais duras cedem diante das destruições causadas pelo tempo, e o Destruidor divino nivela e desgasta tudo. O homem é reduzido a nada por meio de Seus assaltos.

Tu os arrastas na torrente, são como um sono. (Salmo 90.5) As chuvas do desprazer divino, que caem, desintegram todas as esperanças do homem. “Os mais duráveis elementos da natureza, dos montes, das rochas e do solo desintegram-se sob os vários fenômenos da erosão. Assim também a esperança do homem é destruída, pouco a pouco, gota após gota” (Samuel Terrien, in loc.).

Tu reduzes o homem ao póe dizes: Tornai, filhos dos homens. (Salmo 90.3) 14.20 Tu prevaleces para sempre contra ele. O belo é desfigurado pela dor, é devastado pelo tempo e toma-se feio. O homem passa. Na morte, sua fisionomia se transforma em uma máscara de horror, quando seu corpo jaz ali, apodrecendo no sepulcro. Em seu pessimismo, pois, Jó disse: “É isso o que espera pelo homem”. Na morte, o rosto do homem, já idoso, torna-se pálido. O sangue deixa de correr pelo corpo. O fluxo da vida rósea se vai. Em seguida, inicia-se o proces­ so de putrefação, e coitado do homem que tem de desenterrar um cadáver e ver o terror que aconteceu! Jó declarou: “Deus nos está conduzindo a um terror. E por quê? Porque não podemos nos avizinhar do terror do sepulcro com uma vida pacífica?”. “A aparência rosada e florida do homem se vai. Sua fisionomia transforma-se em corrupção. Seu rosto fica pálido e encovado. Seus olhos ficam fundos e sem brilho. Seu nariz fica afilado. Suas orelhas se contraem, e seu queixo cai. No sepulcro ele é transformado em podridão, poeira e vermes” (John Gill, in loc.). Ora, isso é uma nota expositiva! 14.21 Os seus filhos recebem honras, e ele não o sabe. Os filhos de um homem podem ser honrados ou aviltados, mas o pai deles não sabe de coisa alguma. Esse homem não está olhando do céu, aplaudindo de alegria ou lamentando de desprazer. Ele se foi! Uma forma espúria de imortalidade é a de que um homem sobrevive em seus descendentes. Mas um professor de filosofia disse em classe,



1926 certo dia, que esse ponto de vista deixa de exercer qualquer atração nos netos, bisnetos e trinetos. Um homem morto é inconsciente da sorte de seus descenden­ tes (cf. Jó 21.21). Jó falou como se um homem tivesse alguma consciência psico­ lógica após a morte, mas isso não passa de artificio literário. O que ele estava realmente dizendo é: “O homem morreu. Ele de nada sabe. Seus filhos podem agir bem ou mal. Mas que importa? Ele não se importa. Ele nada é e não tem mais consciência do que causaria a sua preocupação”. O homem morreu. Ele não se incomoda com a sorte de outros, que continu­ am na terra. Nem se preocupa com a própria sorte (Eclesiastes 9.5,6). Ele morreu e se loi. Ele não tem mais sorte. Ele não tem mais destino.

Porque os vivos sabem que hão de morrer, mas os modos não sabem cousa nenhuma... (Eclesiastes 9.5) 14.22 Ele sente as dores. Jó falou como se houvesse uma alma no seol, engajada em um cântico fúnebre eterno, acerca do sofrimento envolvido em qualquer tipo de existência. Mas podemos estar certos de que a alma de Jó era um nada. Ele falou como se a alma, no sepulcro ou no seol, retivesse alguma espécie de identidade pessoal, mas, mesmo ali, tudo é dor. A alma pode ocupar-se somen­ te da tristeza eterna, em um cântico fúnebre ilimitado. Se Jó realmente acredita­ va nisso, ele foi verdadeiramente um miserável pessimista. Se um homem sofre no corpo, e então a alma separa-se do barro, e ele cai em lamentação eterna, então que poderia haver de mais lamentável? É improvável, contudo, que Jó tivesse em mente uma alma imaterial que deixasse o corpo somente para en­ contrar outra vida pessimista. Em Jó 3.13 ss., Jó olha para a morte como um agente que traz a paz eterna. Mas agora ele parece vê-la como introdução a uma interminável continuação da dor. No texto anterior, ele estava apaixonado pela Morte, como sua salvadora. Mas agora ele vê a morte como um terror medonho, o agente do sofrimento eterno. Alguns intérpretes, entretanto, pen­ sam não haver nisso contradição. Eles supõem que Jó realmente tivesse che­ gado a esse tipo de pessimismo. Jó assumiu certo ponto de vista de uma existência após a morte, mas imediatamente transformou-a em uma existência de dor interminável. Estou especulando que Jó tenha caído no pessimismo extremado, não como uma doutrina séria de um pós-vida, mas somente como meio para enfatizar sua completa falta de esperança. Ele estava dizendo: ‘ Se porventura existe alguma espécie de pós-vida, ela deve ser pior ainda que o presente estado miserável!". Assim sendo, com a mais pessimista nota possível, Jó terminou o pnmeiro ciclo dos discursos.

C a p ítu lo Q u in z e Os capítulos 3-14 constituem o primeiro ciclo dos discursos dos amigoscríticos de Jó, cada qual com sua réplica da parte de Jó. O capítulo 15 introduz o segundo ciclo de discursos. Elífaz tornou a falar, para dar uma resposta rude às palavras de Jó, que parecia uma saca de ar. Ver a introdução ao capitulo 4, quanto ao plano geral dos discursos. Descrevi as circunstâncias desses discursos e seu âmago geral. Ver os artigos no Dicionário sobre cada um dos amigoscríticos de Jó, quanto a detalhes sobre eles e seus raciocínios. Todos eles toca­ ram a mesma música, embora com ritmos diferentes: “Jó é um grande pecador, pois somente um homem assim poderia sofrer como ele sofre”. A resposta deles ao problema do mal era a lei da colheita segundo a semeadura. “Jó está colhendo o que semeou.” Também obtemos dos discursos deles a idéia de que a dor pode ser uma disciplina para o homem espiritual. Mas, para além dessas duas suges­ tões, os críticos deixaram intocado o problema de por que os homens sofrem e por que sofrem como sofrem. Jó, por sua vez, continuava afirmando sua inocên­ cia. Embora fosse um pecador, especialmente na juventude (ver Jó 13.26), seus atuais sofrimentos eram grandes demais para serem explicados pelo principio da retribuição. A mensagem principal do livro de Jó é a adoração desinteressada. Conti­ nuaria um homem a adorar a Deus se fosse afligido conforme Jó o foi? Não apelaria ele para as blasfêmias (Jó 1.11; 2.5)? Seria o homem apenas um egoísta, que usa a adoração como um meio de lucro pessoal, tal como usa tudo mais em sua vida? Intimamente aliado ao problema da adoração desinte­ ressada, temos o problema da dor humana, porquanto Jó foi afligido para testar a qualidade de sua espiritualidade. Ver a seção V da Introdução ao Problema do Mal, e ver também a discussão mais completa sobre esse as­ sunto no Dicionário. O problema do mal pode ser definido, essencialmente, através da pergunta: “ Por que os homens sofrem e por que sofrem como sofrem?”. Apesar de todas as nossas sondagens, permanecem elementos enigmáticos nesse problema.

Segunda Série de Discursos. Os Três Amigos Molestos de Jó Discursam e Recebem a Sua Resposta (15.1 - 21.34) Segundo Discurso de Elifaz (15.1-35) 15.1 Então respondeu Elifaz, o temanita. Comparar este versículo com Jó 4.1, que é idêntico e cuja exposição nos fornece detalhes sobre esse primeiro amigocrítico de Jó, Elifaz. “Até este ponto, os amigos de Jó tinham exibido total falta de compreensão, mas também tinham pensado honestamente que Jó não estava além do consolo humano e da salvação de Deus. A maneira orgulhosa como o sofredor Jó reagiu diante das sugestões pastorais de seus três amigos aprofundou cada vez mais a culpa que, desde o começo, o tinha alienado deles. O tom do diálogo fora aguça­ do de tal modo que Elifaz, que no primeiro ciclo de discursos tinha observado as regras da civilidade oriental com gentileza (ver Jó 4.2), agora deixou de lado todos os circunlóquios da cortesia” (Samuel Terrien, m loc.). 15.2 Porventura dará o sábio em resposta ciência de vento? Jó, o alegado sábio árabe, continuava na verdade sendo apenas a sacola de vento, que enchia seu ventre com o vento oriental, proferindo palavras triviais, que ele apresentava como demonstrações de sabedoria. O ataque foi abrupto, sem nenhum aqueci­ mento preliminar. Elifaz como que dizia: “Bildade estava com a razão (ver Jó 8.2). Se você fosse sábio, falaria como um saco de vento? Não há nisso nenhum proveito, e isso não faz nenhum bem. Você é um ímpio" (Paul Scherer, in loc.). E encher-se-á a si mesmo. Literalmente, ventre, no hebraico, com o sentido de pulmões. Jó proferia palavras vãs e de vento. Estava cheio de ar quente e não de sabedoria. Vento oriental. Ou seja, o vento mais forte de seu conhecimento e, assim, apropriado para ser usado como metáfora do sopro de palavras vãs de um ho­ mem pseudo-sábio. Esse vento era o mais destrutivo de todos (ver Isa. 27.8), como o são as palavras de um insensato. Jó era apenas uma grande tempestade, que fazia muito barulho. 15.3 Arguindo com palavras que de nada servem. A fala de vento tempestuoso de Jó era destituída de razão, sem o menor proveito. Enevoava a verdade, em vez de reveiá-la. Prejudicava, em vez de fazer bem. A fala dele era como o hálito da morte, que rejeitava bons conselhos e continuava a chamar-se de inocente, quando Jó era culpado, conforme seus sofrimentos provavam. Ele derrubava por terra a piedade, opunha-se a conselhos sábios, chamava Deus de todos os nomes feios. Ele estava exercendo uma influência perniciosa. Produzia argumentos pretensiosos que falhavam no teste da lógica e da piedade. Falava desrespeitosamente de seu Criador. 15.4 Tornas vão o tem or de Deus. O temor de Deus é o princípio da sabedoria (ver Pro. 1.7). Rejeitando o temor de Deus, Jó tinha assim anulado até uma sabedoria primitiva que houvesse em si mesmo. Ver no Dicionário o artigo intitulado Temor, que inclui uma seção sobre o temor de Deus. Ele quebrou (hebraico literali a reverência a Deus (cf. Jó 4.6 e Sal. 2.11).

Servi ao Senhor com temor e alegrai-vos nele com tremor. (Salmo 2.11) A totalidade da piedade e da adoração pode ser chamada de “o temor de Deus”. Ver Eclesiastes 12.14; Isa. 29.13. Em sua irreverência e declarações blasfemas contra Deus, Jó lançara fora a piedade em geral e tinha-se tomado vão e pretensioso. É terrível cair nas algemas de uma mente fechada. Tal mente não está meramente “fechada para reparos”; ela está realmente fechada! O orgulho tinha fechado a mente de Elifaz, e Jó a tinha ferido (cf. os vss. 2,3,10). A tradição também tinha fechado a mente de Bildade. Jó tinha caído nas algemas da intole­ rância, uma qualidade constante de indivíduos inclinados para o dogmatismo. 15.5 Pois a tua iniqüidade ensina à tua boca. A iniqüidade (e não Deus) era a professora da boca de Jó. Não causava admiração, por conseguinte, que ele prefe­ risse usar uma úngua afiada. Os argumentos de Jó eram pseudo-sábios; espertos, mas não corretos. Ele tentava justificar-se diante de Deus, com conversas sobre a

JÓ sua inocência. Dessa maneira, ele simplesmente adicionava algo aos seus peca­ dos, em vez de desvencilhar-se deles. Conforme seus pecados se multiplicavam, assim se multiplicavam os seus sofrimentos. Ele era homem que destruía a si mesmo. Jó tinha acusado seus amigos de serem lorjadores de mentiras” (Jó 13.4,7). Essa era uma boa declaração, mas se aplicava mais a Jó do que a seus amigos. “A iniqüidade que havia no coração dele impulsionou a sua boca a falar como ele estava fazendo (ver Mat. 12.34), e isso era uma notável instância de insensatez (Pro. 15.2), bem como uma prova de que ele se desfizera do temor ao Senhor... Ele não controlava sua língua, e sua religião era vã (Tia. 1.26)” (John Gill, in loc.). 15.6 A tua própria boca te condena. A boca grande e ruidosa de Jó era seu maior oponente. Ela o condenava. Jó não precisava da ajuda de seis criticos. O melhor argumento contra ele eram suas próprias baboseiras.

Ainda que eu seja justo, a minha boca me condenará; embora seja eu íntegro, ele me terá por culpado.

1927 A idéia falsa promovida por Elifaz é que, quanto mais recuarmos no tempo, mais perto chegaremos da sabedoria eterna. Sem dúvida alguma, essa é uma noção falsa. Pelo contrário, a sabedoria eterna continua a manifestar-se, cada vez mais, conforme o tempo passa. Ela não se manifestou de uma vez para sempre, em algum tempo antigo. 15.8 Ou ouviste o secreto conselho de Deus...? Elifaz acusou Jó de reivindicar o monopólio da sabedoria. Ironicamente, ele disse: ‘Tu és tão conforme és porque obtiveste os segredos de Deus diretamente da parte Dele. Então, tendo obtido toda essa sabedoria, juntaste toda ela para ti mesmo”. Jó ouviu os conselhos secretos de Deus. A palavra hebraica aqui usada significa “almofada". No Oriente, os conselheiros sentavam-se sobre suas almofadas confortáveis e deliberavam, e jóias de sabedoria emanavam de seus lábios. Jó, pois, estaria sentado em uma almofada divina, ouvindo Deus a discorrer diante de seus conselheiros, e assim obteve conhecimento da fonte originária, em contraste com seus amigos-críticos, que tinham aprendido a sabedoria mediante as tradições. Jó fora admitido aos segredos de Deus.

(Jó 9.20) Uma linguagem eloqüente não é necessariamente uma linguagem veraz, embora, como é óbvio, esse tipo de linguagem impressione os homens. Muitos criminosos culpados têm sido libertados em tribunal porque algum advogado elo­ qüente defende seus casos com argumentos convincentes, ainda que falsos. Nossa linguagem pode ser posta em mau ou bom uso. Ver na Enciclopédia de Bíblia, Teologia e Filosotia o verbete intitulado Linguagem, Uso Apropriado da.

Não saia da vossa boca nenhuma palavra torpe, e sim unicamente a que for boa para edificação, conforme a necessidade, e, assim, transmita graça aos que a ouvem. (Efésios 4.29)

A intimidade do Senhor é para os que o temem, aos quais ele dará a conhecer a sua aliança. (Salmo 25.14) “Farias parte do gabinete celeste quando Deus disse: ‘Façamos o homem à nossa imagem, segundo a nossa semelhança?'” (Adam Clarke, in loc.). “Tal como se fosse a Sabedoria personificada (Pro. 8.25), Jó pensou ter sido trazido à presença das colinas” (Oxford Annotated Bible, comentando sobre o vs. 7). Nos vss. 7-8 pode haver alusão ao antigo mito semita, que falava sobre o Homem primevo que existia antes da criação do mundo. Nas mãos dos autores cristãos, o Homem primevo tornou-se o Logos, que se encarnou em Jesus e se tornou o Ungido, o Cristo. Elifaz pode ter sugerido, ironicamente, que Jó afirmava ser o Homem primevo.

Antes de Falar 15.9

Faz tudo passar diante de três portas de ouro: As portas estreitas são, a primeira: É verdade? Em seguida: É necessário? Em tua mente Fornece uma resposta veraz. E a próxima É a última e mais estreita: É gentil? E se tudo chegar, afinal, aos teus lábios, Depois de ter passado por essas três portas, Então poderás relatar o caso, sem temeres Qual seja o resultado de tuas palavras.

Que sabes tu, que nós não saibamos? Se Jó reivindicava ter o monopólio da sabedoria e ser o Homem primevo, o fato é que todas as suas reivindicações de sabedoria superior eram mentirosas. Ele não sabia mais do que sabiam seus amigos-crlticos, de modo que poderia receber as instruções deles. Ver um argu­ mento similar usado por Jó em Jó 12.3 e 13.2, onde ele foi repreendido por seus amigos-crlticos. 15.10 (Beth Day)

15.7 És tu porventura o prim eiro homem que nasceu? A antigüidade servia de prova da verdade, para algumas mentes de gerações passadas, e até hoje é assim. Aquilo que é antigo, presumivelmente, tem resistido ao teste do tempo, de maneira que deve ser válido. Bildade dependeu dos argumentos das tradições antigas, falados em forma de provérbios, por sábios antigos (Jó 8.8-10). Ele era um tradicionalista que transformou em dogmas as declarações de sábios do pas­ sado. Elifaz fala aqui com ironia, como se Jó, sendo o primeiro homem a ter nascido no mundo, naturalmente soubesse mais do que os outros. Jó seria tão antigo quanto as colinas (às quais chamamos de eternas) e, portanto, deveria ser sábio. Jó havia reconhecido que “a sabedoria está com os idosos” (ver Jó 12.12), pelo que deveria ser muito idoso na verdade, visto que reivindicava o monopólio da sabedoria. Ver na Enciclopédia de Bíblia, Teologia e Filosofia o artigo intitulado Co­ nhecimento e a F é Religiosa, especialmente a seção II, Teonas da Verdade. A quarta dessas seções é o tempo. Esse critério da verdade, entretanto, validaria muitas superstições e absurdos, visto que tais coisas são, na verdade, muito antigas. O teste do tempo, entretanto, nem sempre é um critério válido. Além disso, por que deveria ele pensar que os antigos sabiam mais do que nós, em qualquer campo? A evidência fala bem ao contrário, até mesmo no terreno religioso. Todos os campos do conhecimento estão no processo de crescimento e evolução, e até o conhecimento espiritual. Estagnação não é um vocábulo que se ache no Dicionário Divino. Os homens gostam de estagnar a verdade para alcançarem conforto mental. Se já soubéssemos de tudo, ou pelo menos de tudo quanto podemos saber, então nenhum esforço seria requerido de nossa parte. Simplesmente acreditamos no que está escrito. Caros leitores, essa é uma maneira infantil de olhar para a verdade e para o processo de adquirir conhecimentos.

Também há entre nós encanecidos e idosos. Há certa igualdade entre os homens, porquanto todos são criaturas de Deus, que Ele sustenta em Suas mãos. Mas conforme os homens envelhecem, presumivelmente ficam mais sábios; no círculo de amigos de Jó havia homens idosos, alguns deles mais velhos que seu pai. Assim, ao que se presume, havia um acúmulo de sabedoria reunido por eles, sobre o qual Jó nada conhecia, pelo que ele não era um homem grande e sábio, e ainda tinha muito que aprender. No entanto, prosseguindo em sua atitude de superioridade, ele não era o tipo de pessoa que alguém pudesse ensinar. Ele era arrogante e duro. Era um pecador endurecido, que desempenhava o papel de sábio. Não admirava aos amigos de Jó que Deus o punisse da forma que fazia! Jó reivindicava conhecer grandes segredos diretamente de Deus, mas seus segredos eram pecados secretos. O Targum declara que Elifaz e Bildade eram homens idosos, mais velhos que o pai de Jó, mas esse comentário é duvidoso. Elifaz não estava apontando para si mesmo como entre os homens mais idosos e sábios. Mas ele conhecia as tradições dos sábios e concor­ dava com a doutrina deles, diferentemente do arrogante Jó. John Gill tem um curioso comentário neste ponto: “A verdade é aquele antigo e bom caminho, o caminho mais antigo, mas o erro é quase tão antigo quanto a verdade. Há, pois, um caminho pelo qual homens ímpios caminham. Uma pretensão de antigüidade, cuidadosamente ob­ servada, pode conduzir ao erro (Jer. 6.16 e Jó 22.15)”. “Combater a teologia deles era mostrar falta de respeito pelos mais idosos, insulto impensável naqueles dias” (Roy B. Zuck, in loc.). A verdade, entretanto, jaz noutro lugar. Para alguém avançar no conhecimento e na espiritualidade, é força­ do a combater contra antigas teologias e práticas. Os sistemas ficam estagnados, por pararem seus trens nas estações das tradições e das denominações. Mas a verdade prossegue para novas estações. 15.11 Porventura fazes pouco caso das consolações de Deus...? A sabedoria dos antigos produz instruções que tendem ao consolo. Arrependeis-vos e vivei! Arrependei-vos e parai de sofrer! Consolai-vos mudando os vossos caminhos. Os



1928 antigos falavam palavras assim sábias, e as tradições as conservaram em provér­ bios e livros. A doutrina antiga pertencia aos gentios, mas Jó, em sua dureza, reivindicando inocência, era imune aos gentios. Jó apequenava as consolações de Deus, por causa da dureza de seu coração. A teoria de Jó certamente não continha consolações: Os inocentes podem sofrer. Isso era definitivamente contra o credo aceito e deveria ser rejeitado a qualquer preço, mesmo que ao preço do sacrifício da verdade. Jó continuava analisando e sondando. Seus amigos-críticos não queriam seu conforto mental perturbado pela livre investigação. "... consolos, as revelações a que Elifaz se havia referido (ver Jó 4.12,17; 5.7,17-27 e 8.26), serviam de reprimenda consoladora a Jó, o que ele repetiu em parte no vs. 14” (Fausset, in loc.). “Poderá ser coisa difícil para Deus consolar-te? Mas tu impedes isso por tua linguagem desequilibrada” (A Vulgata).

mesmo eles são culpados de insensatez em certas ocasiões. Portanto, como pode o homem mortal falar acerca de inocência? Os santos, neste caso, são os anjos, chamados de servos em Jó 4.18. Eles servem a Deus e têm grandes missões a realizar, mas não desempenham suas tarefas acima de qualquer críti­ ca. Não obstante, Jó não queria que seus amigos-críticos o criticassem! Em comparação com Deus, todos os seres criados são imundos e profanos. Por céus devemos compreender os seres celestiais. Naturalmente, Jó não estava sendo condenado por Deus (ver Jó 2.3), mas somente por seus críticos humanos. Isso, aqueles homens nunca teriam compre­ endido. Automaticamente, eles relacionavam seus sentimentos e dogmas com os requisitos espirituais do próprio Deus, um erro comum dos indivíduos tradicionalis­ tas e dogmáticos. 15.16

15.12 Por que te arrebata o teu coração? Com olhos chamejantes de ira e cons­ ternação, Jó permitiu que seu coração fosse levado para longe da verdade, da instrução e do consolo final. Definitivamente, Jó tinha um problema de atitude. “Somente um homem enlouquecido poderia falar e agir conforme tu fazes” (Adam Clarke, in loc.).

O homem de Belial, o homem vil, é o que anda com a perversidade na boca, acena com os olhos, arranha com os pés e faz sinais com os dedos. No seu coração há perversida­ de; todo o tempo maquina o mal; anda semeando contendas.

Quanto menos o homem. Se os anjos se saem mal no julgamento de Deus, quanto mais o homem imundo que bebe a iniqüidade como se fosse água? Em outras palavras, o homem pecaminoso promove seus vícios com apetite descon­ trolado. Depois que ele sorve algum pecado, logo está sedento de outros pecados diferentes. O homem é um embriagado espiritual, um vagabundo que se deleita na corrupção. Tal pecador sofrerá julgamento semelhante ao de Jó. O homem bom tem fome e sede de “justiça” (ver Mat. 5.6), e sua contraparte espiritual é o homem que tem fome e sede de suas variedades de pecado, sobre as quais perdeu todo o controle. A boca dos perversos devora a iniqüidade. (Provérbios 19.28)

(Provérbios 6.12-14) 15.13 Para voltares contra Deus o teu furor. Jó tinha abusado de seus amigos ao rejeitar sábios conselhos que visavam tão-somente o bem dele; mas também havia abusado de Deus. De fato, o seu espírito (ser essencial) tinha-se voltado contra Deus, porquanto seu coração se tornara duro e inflexível. As palavras de Jó tornaram-se palavras de blasfêmia. Ele agora era uma peste, um insensato, um saco cheio de ar. “Seu apaixonado protesto de inocência é a prova mesma de sua rebeldia espiritual" (Samuel Terrien, in loc.). Talvez Elifaz tivesse em mente as audaciosas palavras de Jó, como aquelas registradas em Jó 6.4; 7.15-20; 10.2,3,16,17 e 13.20-27. 15.14 Que é o homem, para que seja puro? Note o leitor como Elifaz, indivíduo tradicionalista e dogmático, nos vss. 14-16 deste capítulo, essencialmente, repetia coisas que já havia dito (ver Jó 4.17-19). Portanto, Jó 15.14 é a substância de Jó 4.17, mas ele também usou as próprias palavras de Jó (14.1), e assim preparou uma arma contra o pobre homem, mediante o uso impróprio de suas palavras. Ver a exposição em Jó 14.1 e 14.17. Elifaz reiterou sua tese acerca da depravação humana, mas em termos ainda mais brutais do que fizera antes. Um homem nascido de mulher é abominável (literalmente, causador de desgosto, vs. 16), corrupto, imundo, uma criatura tão depravada a ponto de bebera iniqüidade como se fosse o seu líquido necessário. Ele tinha sede de pecado e deleitava-se em toda a espécie de vícios e abominações. Ele era o pecador enlouquecido. Compa­ rar isso à tirada de Paulo contra a corrupta natureza humana, em Rom. 3.10 ss., que cita o Salmo 14. A implicação feita por Elifaz era a de que Jó era esse tipo de homem, pois, afinal de contas, nascera daquela pobre e depravada criatura, a fêmea humana. Como, pois, ele podia reivindicar inocência e proferir a blasfêmia de que era um inocente sofredor, e Deus era o autor desse sofrimento? O nascimento natural era tido como uma contaminação automática, o que explica a doutrina do pecado original. Ver no Dicionário o verbete intitulado Pecado Original. Jó era imundo desde o nascimento, e ficou cada vez mais depravado, conforme os anos passavam. A teologia de Elifaz não podia ultra­ passar essa posição. Mas existem enigmas no sofrimento, e os inocentes real­ mente sofrem. 15.15 Eis que Deus não confia nem nos seus santos. Elifaz continua seu mani­ festo contra a inocência de Jó e descreve mais ainda sua imensa corrupção. Jó nunca disse que não tinha pecado. De fato, ele admitiu os pecados de sua juventude (ver Jó 13.27) e, sem dúvida, teria confessado que continuava pecador. Porém, negou que tivesse cometido pecados tais, públicos ou privados, a ponto de merecer os gigantescos sofrimentos pelos quais passava. Nesse sentido, ele era inocente. Ele nada havia feito para causar tão grande dor! Este versículo é uma leve modificação (sem afetar o sentido) de Jó 4.18. Nem mesmo os céus e os anjos augustos são puros no sentido absoluto. Até

“O pecado, como a água, é fácil de obter. Está sempre próximo da mão... Está sempre ao redor de um homem, e os homens facilmente cedem diante dele. Todo homem volve-se para seu curso ímpio, tal como os cavalos de guerra galopam para a batalha” (John Gill, in loc.). 15.17-18 Escuta-me, mostrar-te-ei. Elifaz chama a atenção de Jó. Com impaciência e fúria, Elifaz apressou-se a chegar à sua conclusão. Ele tinha estado ao redor por tempo suficiente nesta vida para fazer observações. Tinha ouvido e visto coisas, tinha sido um discípulo dos mestres (vs. 18), portanto possuía autoridade para aquilo que iria dizer. Elifaz não dependia somente de seus próprios pensamentos. Outrossim, suas conclusões eram estudadas; ele chegara aonde chegara devido ao tempo e à experiência, bem como aos seus estudos. Ele fora testemunha ocular de fenômenos estranhos e maravilhosos (Jó 4.12 ss.), pelo que também não era homem comum. De fato, era um homem que merecia e exigia a atenção de outras pessoas. Elifaz estava prestes a citar uma longa lista de declarações de sabedoria dos mestres, todos eles bons em si mesmos, mas aplicava a sabedoria deles erroneamente a Jó. Aqui ele adotou a linguagem dos tradicionalistas, da qual Bildade tinha dependido (ver Jó 8.8, apelando tanto para a própria experiên­ cia pessoal quanto para a tradição universal). Ele falou de uma época que passa­ ra diante da comoção civil e política que resultara da intromissão de estrangeiros (vs. 19). Naturalmente, a finalidade dessa introdução à apresentação de seus sá­ bios provérbios era humilhar Jó, que não tinha erudição, ou, se a tivesse, não a respeitava como deveria. Certamente Elifaz pensava que a Jó faltava a experiência espiritual que ele mesmo possuía. Usualmente, aqueles que fa­ lam de suas próprias notáveis experiências são bastante arrogantes perante seus inferiores. 15.19 (Aos quais somente se dera a terra...) Elifaz informou-nos como segue: “Houve um tempo em que os sábios eram fortes e predominavam na terra. Ensinar era fácil, e os homens obedeciam a seus sábios provérbios. Mas, então, chegaram estrangeiros, trazendo seus exércitos, sua cultura e suas filosofias, e atraíram os homens segundo sua insensatez”. Elifaz estava dando a entender, se não mesmo declarando abertamente, que Jó tinha sido corrompido por filosofias estrangeiras, razão pela qual se desviara tanto da verdade. Jó tinha passado por más experiênci­ as com os sabeus e os caldeus (Jó 1.15-17), e esses homens iníquos também trouxeram falsas doutrinas que corromperam a mente dos homens, roubando-lhes a alma, e não meramente injuriando-lhes o corpo e saqueando-lhes as possessões materiais. Certos homens saqueiam mentes, e não fazendas. 15.20 Todos os dias o perverso é atormentado. Temos aqui o ponto do discurso, a frase-dímax. Aquilo que Elifaz tinha observado e aprendido com os sábios do

JÓ passado (entre outras coisas) foi exatamente o que ele e seus amigos vinham dizendo o tempo todo: “ É o ímpio que geme de dor todos os seus dias, por causa do desprazer de Deus, que o apanhou em uma armadilha. Todos os seus anos são como tesouros que guardam a dor, em lugar do lucro. Esse homem torna-se um depositário da ira de Deus e de Sua punição. O homem justo não é tratado dessa maneira por Deus”. O homem inocente não é sujei­ tado a dores, como estava acontecendo com Jó. Portanto, era óbvio que Jó merecia o que estava recebendo. A Lei Moral da Colheita segundo a Semea­ dura (ver a respeito no Dicionário) sempre funciona e estava funcionando naquele instante, no caso de Jó. O pecador é um auto-atormentador toda a sua vida.

1929 15.24 Assombraram-no a angústia e a tribulação. O indivíduo que prevalecia con­ tra outros, que saqueava, matava e destruía, agora é um homem que espera pela mesma coisa. Exércitos poderosos estão preparados para terminar com ele, tal como os reis se preparam exaustivamente para a batalha. Suas tribulações e an­ gústias são figurativamente retratadas como se fossem exércitos atacantes. “A afli­ ção e a angústia perseguem-no como um rei preparado para atacar. Cf. as palavras de Jó sobre o terror, em Jó 9.34; 13.21; 18.11; 20.25. Jó tinha dito que Deus prevalece sobre o homem (Jó 14.20). Elifaz confirmou que é a própria angústia pela qual passa um homem, e não Deus, que o destrói no fim” (Roy B. Zuck, in loc.).

Poucos usurpadores podem descer às sombras Por meio de uma morte seca, ou com um fim quieto.

15.21 O sonido dos ho rrores está nos seus ou vid os. Talvez o ímpio chegue a prosperar por algum tempo, mas ele é o homem que, ocasionalmente, ao longo de sua vida, ouvirá sons aterrorizantes. Ele ouvirá sobre desastres que atingirão seus entes amados e amigos, sobre homens violentos que saquea­ rão suas propriedades; exatamente aquilo que tinha acontecido a Jó (capítu­ los 1 e 2). Então, finalmente, o destruidor lhe faz uma visita e termina com ele, a despeito da prosperidade que ele tenha conseguido promover em cau­ sa própria. Naturalmente, Elifaz, amigo-crítico de Jó, estava descrevendo o caso dele. Jó tinha tido seus ouvidos aterrorizados por noticias de desastres e estava esperando o golpe final: Deus haveria de removê-lo por meio da morte. A voz dos terrores (tradução literal do original hebraico) jamais permiti­ rá que o ímpio entre em repouso.

(Juvenal, Sat. Vs. 112) Juvenal falou sobre o hades como as sombras, a terrível vida pós-túmulo! A morte

seca é morte sem derramamento de sangue; o sangue toma-se o líquido da morte, quando verte de algum ferimento fatal. Tais homens não têm morte quieta ou pacífica.

Acamparei ao derredor de ti, cercar-te-ei com baluartes e levantarei tranqueiras contra ti. (Isaías 29.3)

Assim sobrevirá a tua pobreza como um ladrão, e a tua necessidade, como um homem armado.

Para os perversos, todavia, não há paz, diz o Senhor.

(Provérbios 6.11)

(Isaías 48.22) Além das tribulações externas, o homem mau terá uma consciência perturba­ da, que o esbofeteará o tempo todo, mesmo quando não houver verdadeiro perigo físico (ver Lev. 26.36; Pro. 28.1; II Reis 7.6).

Fogem os perversos, sem que ninguém os persiga. (Provérbios 28.1) 15.22 Não crê que tornará das trevas. Isto é, o ímpio não acredita que possa escapar ao infortúnio. Cf. Jó 9.16 e 39.12. As trevas são a metáfora usada para qualquer tipo de infortúnio. Ver Jó 19.8, quanto a uma declaração direta com esse significado. Jó, na verdade, caiu no pessimismo, pensando que a vida em si mesma era um mal, e isso, para Elifaz, servia de evidência de que Jó era um terrível pecador. Trevas aqui indicam não a morte, da qual a ressurreição poderá livrar um homem (ver Jó 14.7 ss.). Elifaz não levantava a possibilidade da ressur­ reição, da qual o “ímpio” Jó não podia esperar participar. Ele se referia apenas às tribulações terrestres e, finalmente, à morte biológica. Os sábios antepassados de Elifaz não lhe tinham ensinado a esperança em uma vida para além-túmulo como solução para o problema do mal. A teologia deles era deficiente. “As trevas (no hebraico, hosek, termo também usado por Elifaz em Jó 15.23,30; cf. Jó 3.4 e 10.21) caçavam Jó, possivelmente uma referência às trevas da morte” (Roy B. Zuck, in loc.). “Trevas: perigo e calamidade” (Fausset, in loc.). John GUI, in loc., dá ao versículo uma interpretação diferente: “Quando se deitava à noite, ele se desesperava de ver novamente a luz da manhã, por temor a um inimigo, ladrão, assassino ou a alguma outra forma de desastre (Deu. 28.66,67)”. E então, quando estava em aflição (trevas), ele temia que nunca fosse livrado dela, o que GUI adicionou à primeira idéia. Que o espera a espada. Ou seja, tendo semeado a violência, ele deveria esperar a morte violenta. Ver Mat. 26.52. Ou então, metaforicamente, violência gera violência, iniqüidade gera maus resultados, o que faz parte da lei da semea­ dura e da colheita, embora o que seja colhido possa não ser morte violenta, por meio de arma mortífera.

15.25 Porque estendeu a sua mão contra Deus. O ímpio naturalmente tem mui­ tos inimigos, mas seu pior inimigo é Deus. Deus é a causa primária das dificulda­ des desse homem, embora muitas causas secundárias possam ser empregadas para a sua destruição. Deus é o poder por trás de todos os desastres anteriores que assaltam o pecador. Quando o pecador estende a mão contra seu semelhan­ te, sem que o saiba, está sacudindo o punho no rosto de Deus. Tal insolência não pode passar sem ser notada e punida. Elifaz acusava Jó de pecados sérios, embora ocultos. Mas Deus os via, e agora Jó estava sofrendo agonias. Diz ele, no seu íntimo: Deus se esqueceu, virou seu rosto e não verá isto nunca. (Salmo 10.11) Deus poderia tomar-se um poder não para proteger, mas, sim, para oprimir e destruir. O pecador provoca essa situação, mediante sua loucura. “O pecador é um adversário de Deus. Ele faz papel de herói contra o Todopoderoso” (Samuel Terrien, in loc.). 15.26 Arremete contra ele obstinadamente. O pecador desvairado corre contra Deus com escudo espesso, acompanhado de sua dura cerviz. Em sua loucura, ele lança um ataque violento contra o próprio Deus, mediante seu maltrato contra os semelhantes. Ver no Dicionário o verbete intitulado Dura Cerviz. A metáfora contida nessa expressão retrata a rebeldia de um animal teimoso contra o jugo. O animal endurece o pescoço e move a cabeça para um lado e para outro, na tentativa de impedir o jugo. Mas aqui a figura é simplesmente a de um homem enlouquecido e teimoso, que guerreia contra o próprio Deus. A Revised Standard Version dá uma tradução possível do hebraico, na segunda parte do versículo. O insensato arremete contra Deus com pescoço altivo, dependendo de seu grosso escudo para protegê-lo, conforme ele pensa em vão, contra a vingança de Deus Altíssimo. Pois diz lá no seu intimo: Jamais serei abalado: de geração em geração, nenhum mal me sobrevirá. A boca, ele a tem cheia de maldição, enganos e opressão; debaixo da língua, insulto e iniqüidade.

15.23 Por pão anda vagueando. O ímpio chega até a passar fome. Ele fica vague­ ando, procurando por alimentação básica, mas ninguém sai em sua ajuda. O dia das trevas está à mão, o que, neste versículo, provavelmente é o dia da morte do indivíduo. O poeta descrevia uma cena de terror, na qual o pecador é reduzido a nada. Sem alimento, e desesperado, o pecador fica vagueando, mas seu único destino é a morte. A qualquer dia, o indivíduo pode ser morto. O homem foi reduzido de um estado de prosperidade e bem-estar material para outro em que nem ao menos é capaz de alimentar-se!

(Salmo 10.6,7) 15.27 Porquanto cobriu o rosto com a sua gordura. O pecador é nédio; seu rosto e seus lombos estão cobertos da gordura de seus excessos e da falta de



1930 exercício. Ele tem vivido a “boa vida”, conforme os homens a consideram. Ele tem prejudicado seus semelhantes, ao mesmo tempo que engorda como um porco. É um homem de excessos, e agora deve sofrer castigo excessivo. Esse homem, além de seus exageros alimentares, agradou a si mesmo com toda a espécie de prazeres do pecado, e com os muitos excessos que geralmente acompanham a possessão de riquezas. Seu deus é o seu ventre.

O destino deles é a perdição, o deus deles é o ventre, e a glória deles está na sua infâmia, visto que só se preocupam com as cousas terrenas.

sem dúvida, deve estar incluído nas peraas das riquezas de Jó. A perda de seus animais domesticados também fez parte dos desastres (ver Jó 1.16). Ao assopro da boca de Deus será arrebatado. O original hebraico não contém aqui o vocábulo “Deus”, mas essa palavra é corretamente subentendida. A boca de Deus assopra o fogo; assopra um vento ressecador. A ira de Deus é entendida nessa figura de linguagem. Cf. algo similar, em Isa. 11.4: “Ferirá a terra com a vara de sua boca e com o sopro dos seus lábios matará o perverso”. Alguns intérpretes acham que devemos pensar aqui no último suspiro de Jó, por ocasião de sua morte. Mas esse pensamento é menos provável. Devemos antes pensar no sopro de Deus como o agente da morte.

(Filipenses 3.19) 15.31

Que eu tenha ao meu redor homens que sejam gordos, Homens de cabeça macia e que durmam a noite toda. Cassius, que está ali, tem aparência magra e faminta; Eie pensa demais. Tais homens são perigosos. (Shakespeare) “Ele tem vivido no luxo e nos excessos, e, como homem sobrecarregado de carne, não pode defender a si mesmo” (Adam Clarke, in loc.). Havia uma espécie de dinossauro, segundo dizem os cientistas, tão pesado e gordo que era incapaz de fugir de seus predadores naturais, os dinossauros maiores.

Não confie, pois, na vaidade. Jó confiava no vazio, ou seja, em seus pensa­ mentos vãos e em seus argumentos falazes. Ele confiou no pensamento tolo de que Deus não puniria seus pecados secretos. Mas ele estava apenas auto-enganado por sua falsa doutrina e por suas práticas nefandas. Já vazio, por ocasião da morte, tomarse-ia ainda mais vazio, isto é, nada. Os vss. 31 e 33 antecipam uma morte prematura para Jó. O homem vazio deveria morrer vazio, e em breve. Um ímpio e gordo pecador, que confiava em suas riquezas, estava destinado a nada ganhar, no fim. Elifaz parece estar aqui acusando Jó de confiança em sua opulência, uma acusação que Jó, final­ mente, veio a negar (ver Jó 31.24,25). O vazio rebelde receberia alguma coisa no fim: a retribuição de Deus. Isso substituiria suas riquezas. Outrossim, suas riquezas eram temporárias, mas a retribuição que ele receberia seria permanente.

15.28 15.32 Habitou em cidades assoladas. “O pecador gordo finalmente termina em uma cidade fantasma, caçando o seu alimento e temendo toda a sombra, como se algum atacante se tivesse atirado contra ele. Sua cidade-fantasma está caindo aos pedaços e logo se tornará um montão de escombros. Contrastar isso com seu estado anterior de residência luxuosa, abundância e poder. Naturalmente, Elifaz se referia diretamente às tristes condições de Jó, em contraste com seu estado anterior. Ele era o pecador gordo, que agora se tornara magro e faminto. E, como o Cassius do poema de Shakespeare, ele também pensava muito. Este versículo admite ainda outras interpretações: 1. O rico é aquele que produz cidades-fantasmas devido aos seus assassínios, ataques sexuais e sa­ ques. 2. Ou, então, o rico habita em tais lugares esperando a passagem de caravanas, a fim de atacá-las e saqueá-las. Seja como for, Elifaz dizia que Jó tinha praticado opressão social e econômica contra os menos poderosos do que ele e, naturalmente, se tornara objeto da ira divina. 3. Ou, então, o pecador nédio habita em cidades luxuosas que se tornariam cidades-fantasmas, e isso faria parte de sua punição. 4. Ou, finalmente, o pecador gordo, um tirano violento, ataca as cidades dos menos poderosos, reduzindo-as a nada. Em seguida, o rico edifica cidades maiores nos lugares das primeiras, e ali reina como um louco. Mediante tais atos, ele perpetua o seu nome para as gerações futuras, porquanto os grandes assassinos são sempre os grandes heróis da história humana. 15.29 Por isso não se enriquecerá. O rico e gordo tirano atinge seu ponto culminan­ te de poder e abundância. Doravante ele deverá declinar e entrar em total desinte­ gração. Ele não será capaz de prolongar a sua posição. Faltam-lhe raízes na terra. Ele edificou apenas uma ilusão. Sua edificação não tem alicerces. Deus viu o que ele estava fazendo e, finalmente, perdeu a paciência com ele. De acordo com a interpretação de Elifaz da miséria de Jó, Deus perdeu a paciência com um pecador secreto que vinha oprimindo outras pessoas. “O transgressor perderá suas riquezas, um cruel lembrete das privações de Jó (ver 1.13-17)” (Roy B. Zuck, in loc.).

Esta se lhe consumirá antes dos seus dias. O pecador teria de pagar toda a sua dívida antes de morrer. A “verdura” de sua vida tornar-se-ia totalmente negra e queimada. A Vulgata Latina dá uma interpretação diferente ao versículo: “Ele perecerá antes de seu tempo, antes de seus dias estarem completos". Antes de morrer, ele seria uma árvore ressecada e morta, toda a vitalidade de sua vida consumida, quando a morte completaria sua obra terrível. Ou, então, o verde dentro da palavra “reverdecerá” refere-se à sua posteridade, porquanto a imagem dos ramos, no vs. 30, continua retida aqui. Nesse caso, Jó e sua família pereceri­ am para cumprir as demandas da retribuição divina. 15.33 Sacudirá as suas uvas verdes. A vida de Jó poderia chegar à fruição, mas o golpe divino faria a vinha de sua vida perder as uvas, antes mesmo que tivessem tempo para amadurecer. Além disso, a oliveira não produziria azeitonas nem se reproduzina, porque suas flores, que produzem azeitonas, que por sua vez produ­ zem sementes, seriam sacudidas da árvore pela ira divina. Ambas as figuras de linguagem falam de uma “vida não terminada”, de uma morte prematura, antes da realização das coisas e das condições para as quais um homem nasceu. A vinha é estéril; e a oliveira é estéril, por causa da iniqüidade. A posteridade de Jó pode estar em vista, e não a devida realização que a vida dele deveria produzir. “Temos aqui a imagem daquilo que é incompleto. A perda das uvas imaturas é poeticamente feita como resultado dos atos do próprio indivíduo, a fim de ex­ pressar, mais agudamente, que a ruína do pecador é o fruto de sua própria conduta” (Fausset, in loc.). Ai do perverso! Mal lhe irá; porque a sua paga será o que as suas próprias mãos fizeram. (Isaías 3.11)

Porventura, fitarás os teus olhos naquilo que é nada? Pois, certamente, a riqueza fará para si asas, como a águia que voa pelos céus.

Ouve tu, ó terra! Eis que eu trarei mal sobre este povo, o próprio fruto dos seus pensamentos; porque não estão atentos às minhas palavras e rejeitam a minha lei.

(Provérbios 23.5)

(Jeremias 6.19)

15.30 Não escapará das trevas. Jó teve sua época. Agora as trevas (o desastre e, finalmente, a morte) já se aproximavam. Uma grande chama queimaria suas raízes e consumiria seus ramos. Os seus renovos (que floresciam como uma flor) seriam arrebatados por um vento poderoso. O poema combina várias metáforas que descrevem o fim lamentável do tirano-rico-gordo: trevas, chamas e vento. Todos os elementos estavam contra ele. Talvez a menção às raízes e aos ramos seja uma a'usâo à “árvore genealógica” de Jó. Sua família tinha sido destruída pelo assopro de Deus (ver Jó 1.18,19). Mas alguns estudiosos pensam que isso alude às suas plantações, que tinham sido destruídas, algo que não foi especificamente mencionado no capítulo 1, mas.

Elifaz continuou seu argumento de que tudo quanto Jó tinha sofrido resultava da lei do carma, a Lei Moral da Colheita segundo a Semeadura (Ver no Dicionário). Ele nunca imaginaria que Jó pudesse dizer a verdade quando afirmava que os inocentes podem sofrer, e realmente sofrem. Isso estava para além de sua teologia e nunca mereceu um minuto de sua consideração, embora exprima uma verdade. 15.34 Pois a companhia dos ímpios será estéril. Os hipócritas formam uma com­ panhia que é estéril tanto quanto às realizações potenciais da vida delescomono tocante à sua posteridade. Onde a peita ocorre (os homens engajam-se em atos vis secretos), o fogo vem e consome, ou seja, todos os tipos de desastres atacam. A

JÓ falta de realização e a perda da posteridade são coisas típicas dos pecadores secretos. “O dogma da retribuição, talvez adiado, mas certo, é o argumento susten­ tado até o fim” (Samuel Terrien, in loc.). Provavelmente temos aqui uma alusão ao fogo que consumiu as possessões de Jó (ver Jó 1.16,19), bem como aos ventos que destruíram seus filhos e a casa. Elifaz, pois, sugeriu que Jó era o tipo do homem que se dava licença a atos secretos de suborno e outros crimes parecidos. Estéril. Esta foi a mesma palavra usada por Jó (ver Jó 3.7) para descrever suas próprias condições. Talvez Elifaz tenha usado essa palavra propositadamen­ te ao lamento de Jó. “Jó é representado posteriormente por Elifaz como se fosse um opressor e um ímpio magistrado, o tipo de homem que seria culpado dos crimes apontados no texto presente. Ver Jó 22.6-9” (John Gill, in loc.).

1931 Assim também, os consoladores de Jó inspiravam cansaço e tristeza, em vez de consolação genuína. Jó estava sentindo dores; eles estavam passando bem. Portanto, era fácil para eles atribuir causas falsas à dor. A terrível tríade de amigos terminou como consoladores molestos. Eles nada diziam de novo. Eles não deram resposta para o problema do mal, isto é, por que os homens sofrem e por que sofrem como sofrem. Eles pioraram as dores de Jó, em vez de aliviá-las, e nunca mudaram um fio sequer de suas doutrinas inadequadas. Consoladores molestos. “Temos aqui o que os retóricos chamam de oxímoro; o que os três amigos de Jó disseram, em vez de aliviá-lo, impôs pesadas pressões que ele não conseguia suportar” (John Gill, in loc.). Oximoro reúne duas palavras gregas: oxys (perspicaz, esperto) + moros (estúpido). Portanto, está em vista uma figura de linguagem que une termos contraditórios como leveza pesada, vaidade séria. Neste vs. 2, temos a contribuição de Jó: consoladores que trouxeram peso.

15.35 16.3 Concebem a malícia, e dão à luz a iniqüidade. Os pecadores hipócritas concebem a injúria como uma mulher concebe uma criança, e então dão à luz o mal. Outrossim, o coração deles planeja exatamente a injúria que são capazes de produzir. Eles pensam em termos injuriosos; concebem a injúria; dão à luz a injúria. Nisso consiste a prosperidade deles.

Então, a cobiça, depois de haver concebido, dá à luz o pecado; e o pecado, uma vez consumado, gera a morte. (Tiago 1.15) O que realmente acontece é que o mal, que os pecadores planejam acerca de outros, sobrevêm contra eles. Eles cometem suicídio físico e espiritual. Natu­ ralmente, um pecador faz com que outros sofram, mas eles mesmos são os principais recebedores do mal que fora planejado.

C a p ítu lo D e z e s s e is

Não terão fim essas palavras de vento? O hebraico diz, literalmente, pala­ vras de sacos de vento, que, contra toda a razão, continuam a proferir teologias deficientes e atacam um inocente. Palavras que apenas emitem algum som, mas que não têm sentido, é o que está em vista aqui. A King James Version traduziu aqui por “palavras vãs”. Os amigos-críticos de Jó não estavam contribuindo em coisa alguma para resolver o problema do sofrimento humano, mas continuavam a falar sobre a lei da colheita segundo a semeadura, que não se aplicava ao caso de Jó. Com a conversa deles de que Jó era um pecador, recolhendo o que dera, eles perderam de vista a meta da situação: um homem inocente pode sofrer. Existem enigmas na questão do problema do mal. Ver esse assunto na seção V da Introdução ao livro e no artigo que tem esse título no Dicionário. Talvez parte do sofrimento do inocente seja que, na realidade, exista o caso, no mundo, volta­ do talvez para o bem e para o homem espiritual, e que algumas vezes o ataca, e não meramente ao homem ímpio. Paulo levou em conta esse elemento (Rom. 8.20). A criação inteira ficou sujeita à lutilidade, mas o propósito remidor de Deus, em Cristo, anula essa finalidade. Talvez a pura futilidade possa ferir, ocasional­ mente, um bom homem, e contra isso pedimos proteção divina especial. 16.4-5

Réplica de Jó ao Segundo Discurso de Elifaz (16.1 - 17.16) Eu também poderia falar como vós falais. O tema principal do livro de Jó é O plano dos discursos corresponde ao que cada um dos três amigos-críticos de Jó falou por três vezes, exceto o terceiro, que apresentou apenas dois discur­ sos. Jó respondeu a cada um deles por sua vez. Quanto a detalhes sobre esse plano e outros referentes à natureza e à circunstância dos discursos, ver as introduções aos capítulos 4 e 8 do livro de Jó. Não reitero aqui essa informação. Os Amigos de Jó Causam Tristeza (16.1-6) Talvez eles tenham começado a dar seus conselhos com boas intenções, mas, diante de um Jó rebelde e arrogante, logo começaram a apelar para diatribes perigosas e ofensivas. Os críticos confundiam sua teologia com a verdade e supunham que suas palavras, por mais agudas que parecessem, fossem real­ mente modos de consolar um pecador, porquanto podiam levá-lo ao alívio e à restauração. Caros leitores, os indivíduos tradicionalistas e dogmáticos continuam confundindo sua teologia com a verdade e proferindo palavras vitriólicas, como se fossem palavras de amor, cujo intuito fosse ajudar. 16.1-2 Então respondeu Jó. Foi devido à sarcástica palavra usada por Jó, “consoladores”, que seus três amigos-críticos foram chamados ironicamente de “consoladores de Jó". A expressão “consoladores" tornou-se proverbial para os críticos equivocados que ferem com palavras, em vez de ajudarem, que põem ácido nas feridas, em vez de curá-las. A maioria dos homens, em algum tempo de sua vida, sente a dor do ácido em um ferimento, em vez do azeite suavizador. Infeliz­ mente, em certas ocasiões, até mesmo pessoas religiosas sinceras aumentam a dor de outros, pondo ácido em seus ferimentos. Somos inteiramente descuidados e sem consideração quanto às palavras que usamos. Algumas vezes, a verdade nua e crua causa mais dano do que mentiras gentis. Além disso, as pessoas com freqüên­ cia falam aquilo que pensam, recorrendo a verdades brutais, que são meras mani­ festações de ódio ou ciúme. Apresento um eloqüente poema em Jó 15.6, que ilustra bem o uso apropriado da linguagem e serve de bom comentário sobre os vss. 2-3 deste capítulo. Ver no Dicionário o artigo Linguagem, Uso Apropriado da.

Comum é o lugar-comum, E a palha inútil é para os grãos. Isso é trivial, mas diz uma verdade, e também existem aquelas meias-verdades que não contribuem muito para esclarecer as coisas.

a adoração desinteressada. Sob provação severa, continuaria um homem a ado­ rar a Deus, especialmente (como foi o caso de Jó) ao pensar que Deus era a fonte de sua perturbação? Ou o homem é um ser egoísta que só pratica a fé religiosa em troca das vantagens que isso lhe oferece? O problema do sofrimento humano entra na questão como um companheiro necessário do tema principal, porquanto a dor submete a teste a qualidade da espiritualidade humana. Jó caiu no pessimismo, a idéia de que a própria existência é um mal. Ver na Enciclopédia de Bíblia, Teologia e Filosofia os verbetes intitulados Egoísmo e Pessimismo. Se Jó estivesse no lugar de seus amigos, em estado de lazer, e eles estives­ sem sofrendo, talvez imitasse a conduta deles, apontando-lhes um dedo acusador e sacudindo a cabeça, admirado da estupidez deles, conclamando-os a arrepen­ der-se de seus pecados secretos. Ele poderia fazer isso, mas era bom demais para agir dessa maneira. Antes, ele seria um verdadeiro consolador (vs. 5), capaz de fortalecer os joelhos cambaleantes e levantar-lhes a cabeça, em vez de desencorajá-los e amaldiçoá-los. Suas palavras aliviariam o sofrimento, em vez de aumentá-lo. Contrastar isso com os consoladores molestos que eles eram (vs. 2). Os amigos de Jó estavam cheios de contentamento e derrisão, conforme deixa entendido o gesto de sacudir a cabeça (Sal. 22.7; Isa. 37.22). Jó não se tornaria, de modo algum, culpado de fazer pouco dos que sofressem dores. Jó estava amargurado diante de seu sofrimento, mas não esqueceria a justiça devida a seus amigos nem os trataria como eles o estavam tratando. Jó havia agido corretamen­ te no passado; Jó 4.4; 29.21-23.

Como o óleo e o perfume alegram o coração, assim o amigo encontra doçura no conselho cordial. (Provérbios 27.9) 16.6 Se eu falar, a minha dor não cessa. Falando, Jó sofria aflições; não falan­ do, continuava em dores; então continuou falando. Ele nada tinha para perder. Deus e os homens o haviam desgastado, e ele prosseguiu para denunciar a ambos, porquanto sabia que era inocente e não merecia o tratamento que estava recebendo. Jó falou a Deus em oração e, humildemente, pediu alívio para sua dor e respostas que explicassem por que ele estava sofrendo. Não obstante, suas dores em nada foram aliviadas; parecia que suas orações não estavam sendo ouvidas. Ele nada aprendeu. Por conseguinte, continuou com suas queixas atrevi­ das e amargas contra Deus e os homens.



1932 16.7 Na verdade, as minhas forças estão exaustas. Deus havia exaurido Jó. Ele estava completamente exausto. E também o deixara inamistoso e sem confor­ to. Por isso, ele se voltara para o pessimlismo, ou seja, a noção de que a própria existência é má. Schopenhauer dizia que o pior pecado que um homem já come­ teu é o de ter nascido. Jó se apaixonara pela morte, como salvadora daqueles que sofrem, porquanto não antecipava uma vida pós-túmulo, boa ou má. Ele queria entrar no total esquecimento da morte. Coisa alguma podia explicar a origem de seus sofrimentos, exceto a hostilidade de Deus. A teologia dos hebreus era fraca quanto a causas secundárias, pelo que todas as coisas, boas ou más, eram lançadas na conta de Deus. Deus se tomara o perseguidor de Jó e encora­ jara seus “amigos” a serem consoladores molestos (vs. 2). Destruíste a minha família. Jó havia perdido riquezas, servos e até a família. Tudo isso, descrito no capítulo 1, constituía as perdas de Jó. Além disso (capítulo 2), o seu corpo fora atacado da maneira mais violenta e virulenta. E isso só fez aumentar as suas dores, que já eram grandes. Talvez os amigos de Jó, que se tinham tornado seus atormentadores, também devam ser incluídos nessa “família”. Jó estava sem familiares e sem amigos.

prontos para despedaçá-lo com os dentes e, finalmente, consumi-lo no almoço. Mediante o “ódio” que Deus tinha (vs. 9), eles também infligem feridas. Além disso, não havia apenas um homem. Os homens circundavam Jó como uma matilha de animais selváticos, tornando-o objeto de um ataque comunal, Tal trata­ mento foi imediatamente transferido para Deus como a verdadeira causa de tudo (vs. 11). Foi Deus quem entregou Jó ao ataque de homens selvagens e violentos. Foi Deus quem o jogou, impotente e inocente, nas mãos de seus atacantes. Novamente, temos Deus como a Causa Única, bem como todas as coisas, boas ou más, atribuídas a Ele. Ver as notas expositivas sobre o vs. 9 deste capítulo. “À semelhança de uma fera selvagem, Deus, em Suas hostilidades... atacou Jó e o despedaçou com ira (cf. Jó 14.13 e 19.11), e então rugiu e ficou olhando ferozmente para ele. Além disso, as pessoas zombaram de Jó (cf. Jó 30.1,9,10), derrubaram-no e, em sua oposição, aliaram-se contra ele como um grupo de soldados. Deus o havia deixado nas mãos de homens ímpios, uma óbvia contradi­ ção do que Elifaz deixou implícito, isto é, que Jó era ímpio (ver Jó 15.12-35)” (Roy B. Zuck, in loc.).

Todos os que me vêem zombam de mim... Contra mim abrem a boca, como faz o leão que despedaça e ruge. (Salmo 22.7,13)

16.8 Testemunha disto é que já me tornaste encarquilhado. Além disso, havia as aflições que Jó sofria em seu corpo, descritas no capítulo 2. Ele estava ressequido por todo aquele sofrimento, prematuramente envelhecido. Havia perdido muito peso e estava reduzido a um esqueleto. Essas miseráveis condições testemunhavam contra ele, chamando-o de pecador sob o julgamento de Deus. Mas Jó sabia que havia alguma outra razão para seu deplorável estado. “Ele estava fisicamente emaciado, e a caveira de seu rosto estava em evidência (cf. Jó 17.7)” (Roy B. Zuck, in loc.).

Fez envelhecer a minha carne e a minha pele, despedaçou os meus ossos. (Lamentações 3.4) Tais coisas testemunhavam contra Jó, tal como se vê em Jó 10.7. Tais condições, para seus consoladores molestos, entretanto, eram provas inquestionáveis da depravação de Jó. 16.9 Na sua ira me despedaçou. Deus, Fera Feroz e Destruidora. Jó volta-se agora para outra símile chocante. Deus era como um animal feroz que despeda­ çava Sua vítima e, finalmente, matava. Jó havia caído como vítima inocente da fúria divina. O Deus-Leão o apanhou no campo, o derrubou no solo e o despeda­ çou com Seus dentes poderosos; esmigalhou seus ossos sem misericórdia e, pairando por sobre ele, olhou-o com olhos ferozes, preparado para matá-lo. Na sua ira. Isto corresponde ao original hebraico, que também é seguido por outras traduções. Jó tornou-se homem odiado por Deus, e Deus tomou-se fera feroz, a qual, em seu ódio, gostava de aleijar e matar. A Versão Atualizada da Sociedade Bíblica corretamente retém a idéia de hostilidade nos atos de Deus. Não obstante, falamos em Deus como amor (ver I João 4.8). O feroz ataque divino tinha tirado de Jó qualquer pensamento sobre o Deus amoroso.

Se o homem não se converter, afiará Deus a sua espada; já armou o arco, tem-no pronto; para ele preparou já instrumen­ tos de morte, preparou suas setas inflamadas. (Salmo 7.12-13) Jó, entretanto, não se arrependia. Por que, pois, o ataque? Poiventura Deus também ataca os inocentes? Os intérpretes, cristianizando o texto, fazem de Satanás o autor dos ataques, mas a teologia dos hebreus, com sua doutrina de uma única causa, naturalmente atribuiu ataques a Satanás, como se Deus fosse a causa real. O Deus de Jó era um Deus voluntarista. Em outras palavras, um Deus cuja vontade é tudo, às expensas da razão e da justiça. Assim é que Trasímico perguntou: “Algo está certo porque Deus o fez, ou Deus o fez por estar certo?”. O voluntarismo (ver a respeito na Enciclopédia de Bíblia, Teologia e Filosofia) dá primeiramente como resposta o seguinte: Uma coisa é certa porque Deus a faz, através de Sua irresistível vontade, e Ele não é forçado a obedecer às regras morais que Ele mesmo impõe ao homem. 16.10-11 Homens abrem contra mim a boca. Jó continuou com a metáfora da fera terrível. Os homens, à semelhança de Deus, atacavam Jó com a boca aberta,

Outra metáfora poderia estar em vista aqui. Jó, atacado pelo leão (Deus) e deixado ferido e sangrando, sofre então outra desgraça. Supostos amigos che­ gam e encontram-no naquele estado miserável. Em vez de ajudá-lo, postam-se em redor dele, de boca aberta, a fazer pouco dele, atormentando-o com suas palavras. Então ferem-no no rosto para aumentar-lhe as dores. E continuam de pé em redor dele, respirando maldições e ameaças. A Oração Pura de Jó (16.12-17) 16.12 Em paz eu vivia. Em seu desespero, Jó, uma vez mais, voltou-se para Deus em oração. Ele não dispunha de outro recurso, embora suas orações tivessem deixado de ser recebidas e ouvidas. Ele continuou tentando chegar ao fundo do problema. Por que esse sofrimento? Por que os inocentes sofrem? Este versículo continua a metáfora da fera iniciada no vs. 9. Deus, o Leão divino, tinha apanhado Jó quando ele estava sossegado e não antecipava ne­ nhum tipo de ataque ou reversão em sua vida confortável. O Leão segurou-o pelo pescoço, como é costume dos leões. Eles sacodem a vítima para quebrar-lhe o pescoço e têm facilidade em fazer tal coisa. Com o pescoço partido, o animal fica incapaz de defender-se e morre, e o leão faz então a sua festa. Jó tinha-se tornado o alvo dos ataques divinos. Um leão aproxima-se de um bando de ani­ mais para escolher a sua vítima. O bando não foge, porque a fuga é inútil. Os animais apenas ficam por ali de pé, aguardando que o leão mate apenas um, e cada animal espera não ser a vítima. Finalmente, o leão, observando calmamente os animais, escolhe um e ataca. A vítima cai e é devorada. Por quê? Jó perguntou por que ele, homem inocente, fora escolhido como alvo do ataque divino? Cf. Jó 10.16, onde encontramos a mesma figura de linguagem. Jó referiu-se à súbita ruptura de sua paz (ver Jó 15.21) e à extinção de seus filhos (Jó 15.33,34) pelos ataques divinos repentinos. Ele se refere a esses desas­ tres respectivamente nos vss. 12a e 15b. Jó havia entornado a taça de amargura e provado formas extremadas de dor e humilhação. Contudo, foi capaz de levan­ tar a cabeça e oferecer outra oração. 16.13 Cercam-me as suas flechas. Uma Nova Metáfora: Arqueiros Habilidosos. Os arqueiros jogaram suas flechas, e o corpo de Jó foi rasgado. Seus rins foram abertos e a sua bílis derrama-se no chão. Jó ficou ferido e sangrando. Em breve morrerá. Os arqueiros são os instrumentos que infligem dor e morte. Foi Deus quem os mandou. Eles cumpriram a vontade de Deus. Mas ali no chão, note bem o leitor, está um homem inocente. Por quê? Há uma alusão aos três atormentado­ res de Jó, a terrível tríade. Eles lançavam suas flechas contra Jó, mas a figura de linguagem inclui todos os seus sofrimentos, sem importar as suas causas. A metáfora poderia basear-se na guerra ou na caça. Jó estava sendo caçado incansavelmente pelos inimigos que Deus enviara para “matar o animal”. As fle­ chas abriram vários órgãos vitais. Jó sofreu múltiplos ferimentos. 16.14 Fere-me com ferimento sobre ferimento. Os atacantes de Jó não se con­ tentam em ferir e abrir seus órgãos vitais. Eles acusam e quebram todos os seus ossos. Eles o pisam enquanto ele jaz, impotente, no chão. Os arqueiros tornam-se agora um gigante violento que é capaz de quebrar um homem em pedaços, e passam a fazer exatamente isso.

JÓ A metáfora do presente versículo talvez não continue a do versículo anterior, mas pode ser uma nova metáfora: a do exército atacante. Esse exército pareciase com um gigante sem misericórdia que esmagava suas vítimas, ataque após ataque. Nossa versão portuguesa, sem dúvida seguindo a Revised Standard Version, diz “guerreiro" em lugar de “gigante" e, com isso, algumas versões da Bíblia em português concordam.

O Senhor sairá como valente, despertará o seu zelo como homem de guerra; clamará, lançará forte grito de guerra e mostrará sua força contra os seus inimigos. (Isaías 42.13) 16.15 Cosi sobre a minha pele o cilício. Seguindo as práticas orientais, Jó, o pobre homem, estava vestido com cilício e deitou poeira sobre a cabeça. Ver Gên. 37.34. Ele não mencionou o ato de rasgar as roupas, mas é provável que isso também estivesse envolvido. A palavra “orgulho” que aparece neste versículo provavelmente significa “cabeça", pois no original hebraico é “chifre". Jó teria usado uma metáfora na qual ele se parecia com um animal miserável, sentado ali sobre o montão de cinzas jogadas no monturo, com a cabeça coberta de imundí­ cia. O “chifre", como parte da cabeça, representa a cabeça inteira. Ou, metaforica­ mente, uma idéia de “força" e, então, depreende-se que a sua força" foi sujeitada à humilhação. Ver no Dicionário os verbetes chamados Pano de Saco e Lamentação, espe­ cialmente a seção III, Alguns Modos de Lamentação. Em lugar de chifre, as versões portuguesas dizem “glória" ou “orgulho", que são interpretações da metá­ fora. O chifre pode ser metáfora que indica poder, autoridade ou eminência. Jó, pois, foi totalmente humilhado quando as cinzas chegaram aos seus chifres. Jó era um animal derrotado, não mais um ser humano. Ele havia perdido a sua humanidade. 16.16 O meu rosto está todo afogueado de chorar. Seu rosto estava corado de tanto chorar amargamente, inchado e desfigurado, e a escuridão da morte já come­ çava a pesar sobre suas pálpebras, até que elas se fechassem definitivamente.

Por isso, caiu doente o nosso coração; por isso, se escurece­ ram os nossos olhos. (Lamentações 5.17) "... como um homem moribundo, ele dificilmente podia erguer as pálpebras... Ele não estava esperando livramento da morte... havia um peso morto em seus olhos, a sombra da própria morte” (John GUI, in loc.). Ver a exposição em Jó 14.1-6. Alguns eruditos supõem que olhos lacrimejantes e fraqueza de visão estivessem entre os sintomas da enfermidade de Jó. Nesse caso, ele transformou alguns de seus sintomas em metáforas de sua horrenda condição, que acabariam por levá-lo à morte. 16.17 Embora não haja violência nas minhas mãos. Jó manteve a inocência por todo o caminho, em sua miséria. Sua oração era pura, portanto, havia uma chance de que Deus ainda pudesse ouvir um homem inocente, aliviando suas condições e salvando sua vida. Deus tinha deixado de responder às orações de Jó. Ele chegou a sentir que Deus trata do culto e do inocente da mesma maneira miserável.

Tanto destrói ele o integro como o perverso. (Jó 9.22) O Deus de Jó era um Deus voluntarista. Ver na Enciclopédia de Bíblia, Teolo­ gia e Filosofia o artigo chamado Voluntarismo. Dentro desse sistema, a vontade ê suprema, com a exclusão da razão e da justiça. O Deus voluntarista não tem de obedecer às regras morais que Ele impõe aos homens. Sua vontade estaria acima de qualquer lei, mesmo de Suas leis. Eis por que, em seu trato com os homens, Ele pode tratar a todos igualmente, o bom e o injusto, o inocente e o culpado. Contudo, em seu coração, Jó continuava a esperar que sua inocência atraísse a misericórdia divina. Sem dúvida, a palavra inocente inclui a idéia de que Jó, sofrendo severas dores, não blasfemou contra Deus, conforme Satanás disse que aconteceria (Jó 1.11; 2.5). Portanto, o tema central do livro entra aqui: adoração desinteressada. Deverá um homem continuar a adorar a Deus, embora nessa adoração nada mais haja que contribua para sua vantagem pessoal? Seria um homem apenas um ser egoísta, mesmo em se tratando da fé religiosa? Embora, ao longo do caminho, Jó tenha proferido coisas que pudéssemos chamar de blasfêmias (ver o capítulo 9,

1933 versículo após versículo), o autor do livro espera que suponhamos que ele tenha permanecido livre de blasfemar. Pois se Jó blasfemou, então Satanás ganhou a aposta com Deus. O problema do sofrimento humano (ver sobre Problema do Mal, na seção V da Introdução) testou a qualidade da adoração e da fé de Jó. Esse é um tema secundário, mas é o tema mais discutido do livro de Jó. Jó apegou-se à sua esperança com a tenacidade de um homem que estives­ se morrendo e não tivesse outra esperança. Eie continuava lançando no rosto de Deus os seus protestos de inocência. 16,18 Ó terra, não cubras o meu sangue. “Jó implorou que a terra não cobrisse o seu sangue, ou seja, que a injustiça de sua situação fosse iluminada e seu clamor por justiça não fosse sepultado juntamente com seu corpo, sob a superfície do solo, sendo esquecido. Sangue inocente era derramado sobre o chão. O sangue seria absorvido pela terra, de modo que ninguém visse o crime que estava sendo cometido. Por conseguinte, Jó retratou Deus como se Ele fosse um assassino que esconderia sangue inocente na terra. Então ninguém poderia jamais dizer: “Vede o que Deus fez a um homem inocentei". Jó pleiteou com a terra para não permitir que tão grande injustiça fosse perpetrada. Talvez o versículo aluda ao caso de Caim e Abel. Caim matou, e a terra absorveu o sangue inocente de Abel. Mas esse sangue clamou a Deus, pedindo vingança. Ver Gên. 4.10. “Seu assassinato deveria ser vingado. A terra, personificada, é convidada a assistir à vingança (cf. Gên. 4.10,11)" ( Oxford Annotated Bible, comentando sobre o vs. 18). Jó comparou-se a alguém que estivesse sendo assassinado, cujo san­ gue a terra se recusasse a beber, até que ele fosse vingado (Gên. 4.10,11; Eze. 24.1,8; Isa. 26.21)" (Fausset, in loc.). 16.19 Já agora sabei que a minha testemunha está no céu. Testemunha. Jó agora apela para a esperança de que outra testemunha cooperasse com ele, em sua inocência. Ele viu a possibilidade de uma testemunha interceder e pleitear em favor dele no Tribunal Celeste. Tal testemunha tornar-se-ia seu advogado perante Deus, para defendê-lo. Os intérpretes compreendem variegadamente a referência a essa testemunha no céu, a saber: 1. Talvez as próprias palavras de Jó, ao chegar ao tribunal celeste, se tornas­ sem suas testemunhas. Elas seriam ouvidas, e Jó seria considerado inocen­ te. A testemunha, entretanto, é personificada no vs. 20, e isso não se ajusta muito bem à idéia de palavras. 2. Talvez o próprio Deus esperasse tornar-se a testemunha de Jó e, finalmente, inocentá-lo, estando convencido pelos insistentes argumentos de Jó. Nesse caso, o Juiz também tornar-se-ia uma testemunha e intercederia pelo homem acusado. Esse é um significado um tanto desajeitado, mas não impossível. 3. Talvez esteja em pauta algum ser angelical, deixado indefinido, mas real, que poderia tomar o caso de Jó a fim de defendê-lo. 4. Jó parece retornar a Jó 9.33, onde existe a idéia de um intercessor. Possivel­ mente, ao longo do caminho, sua fé nessa idéia foi fortalecida, tendo adquiri­ do mais alguns detalhes. Nesse caso, poderíamos vincular Jó 9.33 a Jó 19.25, onde temos o Vindicador{o Redentor de algumas traduções). Nesse caso, os versículos poderiam assumir um sentido messiânico, se realmente Cristo, o Redentor, estiver em Jó 19.25. Este versículo está sujeito a muitas interpretações, e também podemos cristianizar o texto em demasia, vendo o Redentor (conforme entendemos esse termo) com o sentido de Jó 19.25. Em Jó 19.25, temos uma espécie de redenção, porque Jó, uma vez morto, voltaria à vida. É um erro, porém, empurrar esta idéia demasiadamente à redenção cristã. Seja como for, no texto presente, Jó não estava falando sobre a redenção espiritual. Apenas esperava que alguma teste­ munha convencesse Deus a interromper seus sofrimentos físicos, e, assim sendo, salvar sua vida física. O quanto, finalmente, Jó prosseguiu para além disso é uma questão aberta. Ver a exposição sobre Jó 19.25 quanto a um completo tratamento dos potenciais desse texto, o que demonstra algum crescimento na teologia de Jó. A teologia de Jó no capítulo 16 ainda não havia crescido o bastante para que ele pudesse falar sobre um Redentor em qualquer sentido significativo. Certamen­ te nada existe no texto presente como a justificação cristã. Jó estava apenas pleiteando por sua vida física, não pela justificação de uma alma imaterial. Essa doutrina não fazia parte da teologia patriarcal, e só entrou no Antigo Testamento nos Salmos e nos Profetas, e, ainda assim, não muito claramente. 16.20 Os meus amigos zombam de mim. Embora os amigos continuassem zom­ bando de Jó, ele continuava a pleitear diante do próprio Deus para reconsiderar o seu caso e para vindicá-lo, aliviando assim seus sofrimentos. A terrível tríade dos consoladores molestos de Jó (ver Jó 16.2) reagiu violentamente ao novo pretensi­ oso discurso que ele acabara de proferir, e assim Jó falou da zombaria deles e pediu a Deus que o ajudasse, a despeito de seus zombadores. A idéia de uma



1934 “testemunha celeste” que pudesse pleitear em favor de Jó era ridícula para os “consoladores”, e as palavras zombeteiras deles denunciavam tal possibilidade. Note o leitor o oxímoro que há neste versículo: os amigos zombadores de Jó. Ver as notas expositivas sobre o vs. 2 deste capítulo quanto a tais figuras de lingua­ gem. Esses amigos zombeteiros eram, igualmente, seus consoladores molestos.

Os meus olhos se cansavam de olhar para cima. Ó Senhor, ando oprimido, responde tu por mim. (Isaías 38.14)

ao seu espírito ou alma. Seus sofrimentos deixaram-no quebrantado. O termo hebraico hubbalah, “quebrado", tem sido encontrado com o sentido de jugos que­ brados, embora também possa significar “doentio” ou “distorcido”. Jó fora reduzido a uma personalidade distorcida e agoniada, por todas as dores que sofria. Ele tinha uma respiração ofegante, que deixava entrever a morte iminente. A sepultu­ ra já estava com a boca hiante e em breve devoraria Jó, e ele deixaria de existir (ver Jó 16.22). O sepulcro se tomara a porção dele, conforme o hebraico poderia ser traduzido literalmente. ”... o túmulo é a minha propriedade, a minha casa, onde espero estar em breve" (John Gill, in loc., o qual, ato contínuo, cristianizou o texto, ao dizer ‘ até a ressurreição”). Naquele momento, entretanto, Jó esperava somen­ te o aniquilamento.

16.21 Para que ele mantenha o direito do homem contra o próprio Deus. Uma vez mais Jó retornou à idéia de um mediador, uma testemunha, um intercessor. Ver as notas expositivas sobre o vs. 19, quanto a significados possíveis. Na sociedade humana, um homem em dificuldades pode chamar seus vizinhos, a fim de que o ajudem ou falem uma boa palavra em seu favor. Por que esse tipo de condição não poderia prevalecer no céu? Os tribunais humanos geralmente contam com esse tipo de procedimento. Não poderia uma pessoa esperar que o tribunal celestial propici­ asse tal ajuda a um acusado? Naturalmente, a interpretação cristã sobre este versículo é que existe tal Pessoa, Jesus, o Cristo, o único Mediador entre Deus e os homens (ver I Tlm. 2.5). Mas Jó não estava pleiteando em favor da justificação, nem em favor de sua alma imaterial. Ele apenas queria justiça que aliviasse seus sofrimentos físicos e salvasse sua vida física da morte prematura. Não obstante, ele tateava na direção de uma nova compreensão teológica que estava produzindo fruto e talvez lhe trouxesse uma vantagem significativa, conforme Jó 19.25 poderia indicar.

Minha respiração é laboriosa; Meus dias estão extintos, O sepulcro é meu. (Samuel Terrien, paráfrase sobre o vs. 1) 17.2 Estou de fato cercado de zombadores. Entrementes, os consoladores mo­ lestos (ver Jó 16.2) continuavam zombando dele, com seus discursos mal infor­ mados e teologicamente limitados. Eles não compreendiam a razão de seus sofri­ mentos, zombando dele como um pecador secreto, que estava recebendo aquilo que merecia. “Testemunhando o fim iminente de Jó, seus amigos recusavam-se mais do que nunca a considerar suas reivindicações de inocência e persistiam em sua atitude de provocação” (Samuel Terrien, in loc.). A seus amigos ele chamava de zombadores, enquanto eles aumentavam seus ataques hostis contra Jó.

O Deus de Amor e do Interno, juntamente,

Esse é um pensamento que não pode ser pensado. Se houver tal Deus, que o Grande Deus O amaldiçoe e o reduza a nada.

17.3

(Tennyson) Jó esperava que seu Deus voluntarista cedesse diante de um Deus de Amor, e o resultado seria uma declaração de inocência, além do que o inocente seria livre, vindicado. 16.22 Porque dentro em poucos anos. Jó Tomou a Cair no Pessimismo. Tudo quanto restava a Jó era a morte inevitável, que o reduziria a absolutamente nada. Ele deveria ter pensado que lhe restavam alguns poucos e miseráveis anos antes que lhe fosse dado o alívio do nada proporcionado pela morte. Não havia espe­ rança, e o que poderia parecer esperança era somente miséria. Foi assim que Jó logo abandonou a esperança de um intercessor e testemunha (vss. 19 e 21) e escorregou de volta nas trevas. Ver Jó 14.5 ss., quanto a esse mesmo tipo de pessimismo. Ao homem foram dados alguns poucos dias para viver, mas então lhe são cortados, como os homens cortam árvores que não revivem. Algumas árvores, de fato, voltam à vida, mas não o homem que é cortado pela morte. Ele se reduz a nada. Jaz no chão para nunca mais levantar-se, a não ser na ressurrei­ ção final, fique entendido. Ele dorme o sono eterno da morte. Quanto ao fato de a vida ser cortada (sendo ela de poucos dias) cf. Jó 7.6,8; 9.25,26; 10.20; 14.1,2,5; 7.11. E quanto à idéia de que não há retorno à vida, após a morte, cf. Jó 7.9; 10.21 e 14.12.

C a p ítu lo D e z e s s e te Não há interrupção entre os capítulos 16 e 17, portanto a introdução que dou no começo do capítulo 16 também se aplica aqui. Ver também as introduções aos capítulos 4 e 8 quanto ao plano dos discursos e suas características gerais.

Dá-me, pois, um penhor. Jó, entretanto, não cedeu diante de seus consoladores-molestos-zombadores, mas renovou o contexto diretamente com Deus. Ele expressou uma oração de desafio. “Jó foi compelido a voltar à impossí­ vel possibilidade... o próprio Deus, que é o Juiz, deveria ser o seu Fiador" (Paul Scherer, in loc.). Deus deveria aceitar uma garantia por Jó, até que ele provasse estar inocente. Deus tinha de prover fiança, até que um julgamento justo fosse arranjado e executado. Jó requereu uma espécie de julgamento preliminar que dissesse: “Esle homem pode ser inocente. Vamos examinar o seu caso”. Cf. a certeza de um melhor pacto do Novo Testamento, em Heb. 7.22. Quem mais haverá que se possa comprometer comigo? Literalmente, “bata as mãos com”, um gesto que significa: “Sou o fiador deste homem. Pago a fiança deste homem, até que seu testemunho ocorra". “Provede uma fiança para ele no tribunal, uma fiança dada pelo réu, uma garantia que nenhuma vantagem será ganha contra ele: desistir da segurança, literalmente, bater mãos, uma práti­ ca mediante a qual um acordo foi ratificado (cf. Pro. 6.1; 11.15; 17.18 e 22.26)" (Roy B. Zuck, in loc.). 17.4 Porque aos seus corações encobriste o entendimento. Os consoladoresmolestos de Jó eram indivíduos dogmáticos que pensavam que sua doutrina poderia resolver qualquer problema nos céus e na terra; assim, eles fecharam a mente contra qualquer explicação no tocante à razão do sofrimento humano. Eram tradicionalistas que encontravam todas as respostas em algum capítulo e versículo dos Documentos Sagrados, que eles aceitavam como a única regra de fé e prática. Eles se recusavam a raciocinar sobre a questão e fechavam a mente. Não tinham limites nem problemas em sua teologia. Mas o caso de Jó estava acima do poder da teologia deles, e não havia um capítulo ou versículo, em seus Documentos Sagrados, que pudesse explicar esse caso. Aqueles homens, caros leitores, eram fundamentalistas combativos. Jó apelou para que Deus não permi­ tisse que eles triunfassem em seu joguinho, que lhe causava tanta miséria. Ele queria que o próprio Deus mostrasse os pontos inadequados da teologia deles.

Jó continuou a enumerar seus sofrimentos e a denunciar as injustiças divinas e humanas. Seu pessimismo (ver a Enciclopédia de Bíblia, Teologia e Filosofia) dominava tudo. Ele veio a encarar a vida como um mal, e a morte como uma paz interminável, uma salvadora. Mas ele estava falando de aniquilamento absoluto, não de um estado melhor para além do sepulcro.

Não os exaltarás. Estas palavras são interpretação de um trecho hebraico problemático. A frase também pode ser entendida como se Deus exultasse sobre Sua vítima, Jó. Mas alguns pensam que o trecho diz que Jó exaltaria a Deus, caso obtivesse a ajuda de que necessitava; Sal. 30.1 é dado como texto apoiador. A Septuaginta simplesmente omite a frase difícil como ininteligível. Talvez o que devemos entender seja o seguinte: “Tu, ó Deus, não Te exaltarás fazendo de mim uma vítima!". Mas essa é, igualmente, uma interpretação conjeturada.

17.1

17.5

O meu espírito se vai consum indo. A palavra hebraica ruah, “espírito”, refere-se ao espírito psicológico de Jó, sua coragem, sua força psicológica, e não

Se alguém oferece os seus amigos como presa. O texto hebraico original desse versículo também é obscuro, o dando lugar a diversas traduções. A King

Detido Sem Fiança (17.1-5)

JÓ James Version faz dessa frase uma simples declaração de que aqueles que lisonjeiam amigos falharão, juntamente com seus filhos. A Revised Standard Version diz: “informes contra seus amigos”, para obter suas propriedades. Tais homens terão perturbações e desastres em casa. Talvez o que esteja em foco seja que “Deus, como homem sem coração, ordene a seus amigos participar de uma festa, enquanto seu filho (Jó) sofre calamidades”. Ou podemos fazer da “lisonja” (King James Version) a “linguagem suave” dos amigos hostis de Jó. Aqueles que agirem dessa maneira terão calamidade em casa. Seus filhos fracassarão, ou seja, chegarão a um fim mau. John Gill fez da “lisonja" as promessas vazias feitas a Jó, de que ele seria restaurado, de que suas riquezas voltariam etc., caso ele se arrependesse. Adam Clarke, ao afirmar que esse versículo tem sido sujeitado a muitas interpretações, oferece a sua própria: “O homem que espera muito da parte de seus amigos será desapontado; apesar de depender deles, os olhos de seus filhos poderiam deixar de encontrar pão”. 17.6 Mas a mim me pôs por provérbio dos povos. Jó tornou-se um provérbio tolo entre o povo, o fulcro de toda a espécie de piadas doentias. Também cuspiam nele, ou então, quando seu nome era mencionado, com desprazer, as pessoas cuspiam. Diz a nossa versão portuguesa “aquele em cujo rosto se cospe", o que é um significado possível. Jó era tratado como alguém em quem outras pessoas cospem, por motivo de desgosto.

Se seu pai lhe cuspira no rosto, não seria envergonhada por sete dias? Seja detida sete dias fora do arraial e, depois, recolhida.

1935 17.10 Mas tornai-vos todos vós, e vinde cá. Disse Jó a seus amigos-críticos: “Aproximai-vos de mim, ó terrível tríade. Chegai perto de mim e deixai-me olhar para vós. Ao fazer isso, vereis somente hipócritas. Vós sois os pecadores! Não sois sábios, conforme reivindicais para vós mesmos. Não solucionastes qualquer problema. Sois apenas perseguidores de um homem inocente”. Falando com ironia, disse Jó: “Voltai-vos para mim e renovai os argumentos entre nós; mas não serei capaz de encontrar um homem sábio entre vós. Estou disposto a ouvir os vossos argumentos, mas confio quanto aos resultados negati­ vos que daí resultarão" (Ellicott, in loc.). 17.11 Os meus dias passaram. Tendo desafiado os amigos com essas ousadas palavras (vs. 10), Jó caiu de novo no desespero. Sua época havia passado. Ele esperava agora uma morte para breve, e sua vida logo se acabaria. Não havia propósitos a serem cumpridos; tudo se acabara. Ele não tinha mais desejos no coração, coisas pelas quais trabalhar e realizar. Era como um homem nulo. No fim de seus discursos, Jó caía no pessimismo e falava amargas palavras de desespe­ ro. Cf. Jó 3.25,26; 7.21; 10.20-22 e 14.18-22. O texto hebraico original deste versículo está aberto a questões. O hapax legomena (palavras que aparecem somente por uma vez no Antigo Testamento), morashe lebhabhi, traduzidas aqui por “aspirações do meu coração”, poderiam referir-se às paredes do coração. Então obteríamos uma tradução como:

Meus dias estão repletos com meus gemidos; Os ligamentos de meu coração se partiram.

(Números 12.14) Cf. Jó 30.10, onde a figura de linguagem é repetida.

Se foram falados literalmente, então Jó estava simplesmente queixando-se de sua condição física cada vez pior, ou metaforicamente “tudo aquilo em que tenho posto meu coração se despedaçou”. Seja como for, Jó tinha perdido a esperança na recuperação de sua saúde e nos seus propósitos na vida.

17.7 Pelo que já se escureceram de mágoa os meus olhos. Os olhos de Jó estavam gastos com seu choro e seu emagrecimento. Talvez seus males físicos tivessem afetado seus olhos, ou então ele estivesse falando metaforicamente. Mas todos os seus membros estavam debilitados a ponto de ele não ser capaz de sobreviver durante muito tempo. Em outras palavras, ele estava uma ruína física. Seus membros tinham perdido as forças e as funções. Ele se tornara uma sombra de suas condições físicas anteriores. “Qualquer aflição que debilite o arcabouço físico geralmente debilita a impressão visual que as pessoas tenham dele, na mesma proporção" (Adam Clarke, in loc.). 17.8 Os retos pasmam disto. Pessoas retas se espantariam diante da visão de Jó e requereriam alguma espécie de explicação dos motivos pelos quais isso acontecera, supondo ser ele um homem reto. Os inocentes levantar-se-iam contra os pecadores e protestariam contra o que ocorrera a Jó. Naturalmente, apesar de haver usado o plural, a fim de trazer a opinião de outras pessoas retas para ajudar sua causa (em sua imaginação), Jó estava falando de seus próprios protestos como homem inocente. Jó chamou seus atormentadores de hipócritas. Eles é que eram os pecadores, porquanto o tratavam daquela forma. Eles eram os hipócritas, porquanto fingiam ser pessoas retas, quando o tempo todo eram miseráveis que feriam os outros. Alguns estudiosos vêem uma profecia neste versículo. Jó seria restaurado e, quando isso acontecesse, os justos ouviriam a sua história com incredulidade, sacudindo a cabeça diante do fato de que um homem inocente sofreu como Jó sofreu. Essas pessoas haveriam de vociferar em altos protestos contra os hipócritas que tinham perseguido Jó. 17.9 Contudo o justo segue o seu caminho. O justo, à semelhança de Jó, mante­ ria seu curso de vida de forma constante, a despeito das perseguições alheias, por estar convencido de sua inocência e de seu triunfo final. Suas mãos estavam limpas e ficariam cada vez mais fortes. Por alguns momentos, o espírito deJó reviveu dentro dele, e ele viu a luz de um dia melhor. Talvez a imagem que temosaqui seja a de um guerreiro que adquire coragem renovada no meio da batalha.

Mas os que esperam no Senhor renovam as suas forças, sobem com asas como águias, correm e não se cansam, caminham e não se fatigam. (Isaías 40.31) “Nenhuma calamidade ou calúnia pode abalar a convicção de inocência de um homem justo. Ele se firmará no seu caminho; ele persistirá e até tornar-se-á cada vez mais forte na manutenção de sua retidão" (Samuel Terrien, in loc.).

17.12 Convertem-me a noite em dia. Os atormentadores de Jó conseguiam trans­ formar a noite em dia, apenas com suas palavras, e não na realidade. Eles lhe haviam prometido a luz de um novo dia, caso Jó se arrependesse, mas a luz que prometiam era o nada. Eles mantinham promessas vãs, mas na realidade não tinham descoberto a verdadeira razão dos sofrimentos de Jó. Parece haver uma alusão ao discurso de Zofar, particularmente, em Jó 11.17: “A tua vida será mais clara que o meio-dia; ainda que lhe haja trevas, será como a manhã”. Jó, entretanto, não estava inclinado a confiar em falsas promessas, de modo que continuava em seu pessimismo. Ele só podia discernir a negridão da morte. O dia vem depois da noite. Essa é a ordem natural das coisas. Para Jó, no entanto, a natureza se tornara caótica, e não havia mais ordem na qual pudesse confiar. 17.13 Eu aguardo já a sepultura por minha casa. O seol era o destino pelo qual Jó esperava, a sua casa, o seu lugar de residência final. Ele se deitaria no meio das trevas, que poriam fim à sua história. O Seol (ver no Dicionário) veio a falar do lugar para onde vão os espíritos, bons e maus. Èm seguida, foi dividido em dois compartimentos: um de bem-avenfurança, para os justos, e outro de castigo, para os injustos. Mas a teologia de Jó ainda não havia avançado até esse ponto. O Seol (traduzido aqui por sepultura) é, meramente, a sepultura. Cf. isso com Sal. 139.8, que diz: “Se subo aos céus, lá estás; se faço a minha cama no mais profundo abismo, lá estás também”. Este versículo representa um avanço em relação à teologia de Jó e chega a conceber uma alma que pode subir ou descer, e, quer tenha subido ou descido, pode encontrar Deus, que é onipresente. 17.14 Se ao sepulcro eu clamo: Tu és meu pai. A Lamentável Família de Jó. Jó havia perdido suas riquezas materiais, seus servos e sua família. Mas havia adquirido uma nova família. O abismo da morte, o lugar de corrupção se tornara seu pai! E o verme que consome o corpo se tornara sua mãe! Ou então esses vermes poderiam ser chamados de suas irmãs! Jó, em breve, haveria de adquirir uma família que consumiria seu corpo e poria fim total à sua existência. Uma família usualmente é uma unidade que suporta, ama e ajuda. A nova família de Jó cuidaria para que ele fosse completamente destruído. Sem dúvida, temos aqui um toque de humor negro. O estado doentio de Jó o fazia parente de elementos destrutivos que, finalmente, consumiriam seu corpo. Seu corpo, no sepulcro, so­ freria o estado doentio final.



1936 17.15-16 Onde está, pois, a minha esperança? Em outro toque de humor negro, Jó chama de companheira qualquer esperança que ele poderia ter, a qual levaria junto com ele para o sepulcro destruidor e sem esperança! A esperança acompa­ nha o homem, e lhe dá forças para prosseguir: Vivo na esperança, o que, segundo penso, fazem todos quantos vêm a este mundo.

O discurso foi dirigido a uma pluralidade de pessoas, portanto devemos supor que Bildade tenha falado com Jó e com um grupo imaginário de circunstantes que estaria ao redor de Jó e poderia ter simpatizado com o caso dele. Bildade admi­ rou-se porque Jó não parou de falar todos aqueles absurdos que somente confun­ diam o problema. Mais tarde, Jó replicou com o mesmo “Por quanto tempo?" (ver Jó 12.7-9), e essa conversa enraivecia a terrível tríade. Jó continuava a espetar com espinhos que irritavam e injuriavam, uma tradução duvidosa do original hebraico, mas que perfaz uma boa ilustração. 18.3-4

(Robert Bridges)

Por outro lado, ditado pelo pessimismo:
Comentario de Champlin Versiculo por versículo - AT V 3 - 2Rs a Jó

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