Ana Caroline Matias Alencar - Projeto Pesquisa Mestrado [PPGH-UNIRIO 2016]

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O folclore revisitado pelo cinema documentário: um estudo sobre a “estética cinematográfica” proposta por Geraldo Sarno (1966-1969)

Ana Caroline Matias Alencar

Rio de Janeiro 2016

Sumário

Tema e problema.........................................................................................................................1 Objetivos.....................................................................................................................................8 Metodologia e fontes...................................................................................................................9 Referências................................................................................................................................10

1 1. Introdução 1.1. Delimitação do objeto Em meados do século XX, na América Latina, projetos cinematográficos começaram a ser delineados de maneira mais precisa por cineastas que buscavam transformar suas obras em instrumentos de compreensão de uma realidade. Sob o signo impreciso do Nuevo Cine Latinoamericano,1 foram englobadas produções extremamente distintas entre si. Mas a assunção da ideia de intervenção social por meio da arte deixava ainda em aberto para cada cineasta suas próprias escolhas estéticas e políticas. No Brasil, foram variadas as ramificações destas propostas. Mas escolhi examinar apenas um cineasta, integrante do movimento conhecido como “Caravana Farkas”2. Estimulado pelo professor José Aderaldo Castello, então diretor do Instituto de Estudos Brasileiros (IEB), da Universidade de São Paulo (USP), Geraldo Sarno, iniciou, em 1966, um projeto sobre cultura popular no nordeste. Em janeiro de 1967, Sarno, Thomaz Farkas e Paulo Rufino fizeram a primeira viagem à região. Após o retorno da primeira viagem, um novo grupo se reuniu ao redor de Farkas e Sarno. O argentino Edgardo Pallero foi chamado para colaborar com a produção e organização dos filmes. A partir de então, uma nova pesquisa se iniciou. Em abril de 1969, uma outra viagem foi feita. O trabalho de levantamento de informações e de pesquisa, visto como um alicerce necessário ao desenvolvimento do trabalho criativo, foi dividido entre os membros da equipe, cada um ficando responsável por uma região. Ao final, dezenove filmes foram realizados. Em geral de curta-metragem, tendo em média duração de dez minutos, os documentários foram lançados comercialmente, em 1971, pela revista “Novidades Fotoptica”, sob a denominação de A condição brasileira. Tratavam de temas como religião, produção, economia, artesanato e literatura oral. Decidi direcionar a minha pesquisa à análise dos documentários e escritos produzidos por Geraldo Sarno no interior desta série de filmes da Caravana. Considero os anos de 1966 e 1969 como as balizas cronológicas da minha pesquisa, uma vez que, em 1966, a proposta de

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De acordo com Mariana Villaça, Nuevo Cine Latinoamericano é uma expressão que “denomina, de forma pouco precisa, certa produção cinematográfica, documental e ficcional, realizada na América Latina, a partir dos anos 1960, de forte teor político e social, equivalente, portanto, ao ‘cinema político’”. VILLAÇA, Mariana. “O ‘cine de combate’ na Cinemateca del Tercer Mundo”. In: MORETTIN, Eduardo; NAPOLITANO, Marcos; KORNIS, Mônica Almeida (org.). História e documentário. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2012. p. 237-271, p. 242. 2 “Caravana Farkas” foi a denominação proposta por Eduardo Escorel durante uma mostra de filmes organizada por Sérgio Muniz, em 1997, para o Centro Cultural Banco do Brasil. SOBRINHO, Gilberto Alexandre. “Os documentários de Geraldo Sarno (1964-1971): das catalogações e análises do universo sertanejo aos procedimentos reflexivos”. ALCEU - v. 13 - n.26 - p. 86 a 103 - jan./jun. 2013. p. 1.

2 parceria com o IEB foi elaborada e, em 1969, foi coletado todo o material audiovisual que seria utilizado na montagem dos dezenove documentários. Como pretendo sustentar, este impulso de filmar aspectos da realidade do sertanejo nordestino remeteria aos etnógrafos brasileiros, situados entre finais do século XIX e meados do XX. Tanto os cineastas da Caravana, quanto estes etnógrafos teriam como ponto de partida os motes da certeza do desaparecimento iminente das tradições populares, em decorrência do avanço da modernização, e o da necessidade urgente da coleta destas expressões culturais, antes que o seu desaparecimento causasse irreparável prejuízo à identidade nacional. Interessados em registrar cinematograficamente as tradições populares brasileiras, antevendo o risco de sua extinção, os cineastas da Caravana Farkas estavam à procura das raízes culturais autênticas do país. Ao homem do campo nordestino era dedicada uma especial atenção. Esta escolha não era fortuita. Articulava-se com a estrutura de sentimento3 compartilhada por diversos artistas brasileiros que valorizavam o passado histórico e cultural do “povo” e desejavam definir, a partir do eixo da autenticidade do popular, os marcos de uma identidade nacional a ser construída. A questão que norteará a minha pesquisa é a de como a estética cinematográfica4 proposta por Geraldo Sarno, e que ganhou contornos a partir da elaboração dos documentários, da escrita de ensaios publicados por revistas acadêmicas ou sobre cinema, da sua participação em festivais continentais, remeteria a duas importantes tradições: ao Nuevo Cine Latinoamericano e à tradição iniciada pelos pesquisadores em Etnografia no Brasil. De modo a elucidar a relação entre os filmes produzidos pela Caravana e as outras cinematografias latino-americanas que emergiram no período, acredito ser interessante caracterizar o projeto Relevamiento cinematográfico de expresiones folklóricas argentinas. Convidado pelo folclorista Augusto Raúl Cortazar, professor da Universidad Nacional de Tucumán (UNT), Jorge Prelorán, iniciou esta pesquisa em 1965, com patrocínio da UNT. Ao total, dezenove filmes foram realizados, seguindo, em geral, o modelo de curtametragem. Durante o Revelamiento, Prelorán aprimorou seu estilo fílmico, apostando no modelo das etnobiografías5 para oferecer uma perspectiva mais “humanista” sobre as culturas

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Categoria analítica formulada por Raymond Williams em WILLIAMS, Raymond. Cultura e materialismo. Tradução André Glaser. São Paulo: Editora UNESP, 2011. 4 Conceito proposto por Ismail Xavier em XAVIER, Ismail. O discurso cinematográfico: a opacidade e a transparência. 2 ed. rev. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1984. 5

D`ALMEIDA, Alfredo Dias. A construção do “outro” nos documentários de Geraldo Sarno e Jorge Prelorán. 2008. 257 f. Tese – Programa de Pós-Graduação em Integração da América Latina – PROLAM, Universidade de São Paulo. São Paulo, 2008, p. 143-144.

3 coexistentes no interior da Argentina. Tratava-se, fundamentalmente, de estruturar, ao redor de um indivíduo, a filmagem das pessoas em seu local de origem6. Ao buscar respostas para estas questões, não me aterei a temas de ordem especificamente estética. O objeto do meu estudo é a participação de Geraldo Sarno em um debate de cunho político que mobilizou setores intelectuais e artísticos da sociedade brasileira, durante as décadas de 1960 e 1970. Mais comum, neste período, foi a mútua relação entre criação artística e compromisso político, engendrando, como resultado, um produto artístico composto por uma diversidade de tradições. O enfoque, portanto, será direcionado à temporalidade das obras de arte, aos aspectos sociais manifestos no interior das obras, mas que também são por elas transformados.

1.2. Discussão bibliográfica Um aspecto instigante da bibliografia que se ocupa da temática das raízes ou das tradições que contribuíram para o desenvolvimento do Cinema Novo brasileiro é a escassa, para não dizer inexistente, referência aos intérpretes do Brasil, formuladores, a partir do final do século XIX, de explicações concernentes à essência do ser brasileiro, aos rumos tomados até então pela nação e ao futuro da nacionalidade. A produção destes intérpretes foi reapropriada pelas gerações subseqüentes. A tradição de estudos etnográficos, inaugurada por Sílvio Romero, teria oferecido os motes que impulsionaram uma ousada pesquisa em busca da autêntica identidade nacional, como tenho por intento demonstrar. Os paradigmas norteadores não seriam mais como os de Romero. Não se tratava, como salienta Maria Aparecida Mota, em Sílvio Romero: dilemas e combates no Brasil da virada do século XX, de integrar o país à “marcha da civilização” e retirá-lo do atraso por meio de reformas que partissem da análise das origens do país e do exame de seu presente7. O método e nacionalismo romerianos, segundo Ricardo de Souza em Identidade nacional e modernização na historiografia brasileira: o diálogo entre Romero, Euclides, Cascudo e Freyre, confundir-se-iam a ponto de se poder falar de um “nacionalismo metodológico”. Além disso, por voltarem-se exclusivamente para a cópia de um estilo de vida europeu, as elites estariam entravando o surgimento de um denominador comum entre elas e a população, bem como a elaboração de uma perspectiva nacionalista. A solução seria a

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PRELORÁN, Jorge. El cine etnobiografico. Buenos Aires: Catálogos, 2006, p. 12-19. MOTA, Maria Aparecida Rezende. Sílvio Romero: dilemas e combates no Brasil da virada do século XX. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2000, p. 24-25.

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4 reforma mental dessas elites, devendo recair sua ação pedagógica sobre população, principalmente sobre a do interior do país, local onde residiria a força da nacionalidade8. Tampouco seriam os eixos interpretativos formulados por Luís da Câmara Cascudo invariavelmente os mesmos que teriam guiado a pesquisa empreendida pelos cineastas da Caravana Farkas. Cascudo compartilhava com Romero uma visão das elites intelectuais como redentoras das camadas populares. De acordo com Ricardo de Souza, segundo a concepção de história que pode ser apreendida de suas obras, o povo inexistiria como agente histórico, entretanto, seria exaltado como produtor de cultura9. O que guiou a minha análise de obras de Romero e Cascudo foi a percepção de que ambos teriam oferecido respostas a um problema também colocado por Geraldo Sarno e outros artistas e intelectuais: “qual o papel do intelectual na sociedade brasileira?”. Como já foi salientado, poucas são as referências a esta tradição do século XIX, quando o assunto em pauta são as raízes do Cinema Novo brasileiro. Ismail Xavier, em Cinema brasileiro moderno, aponta o Modernismo de 1920 como “matriz decisiva dessa articulação entre nacionalismo cultural e experimentação estética que foi retrabalhada pelo cinema nos anos 1960”10. A literatura dos anos de 1930 e uma “poesia e prosa brasileira e latino-americana que vão buscar nas áreas rurais e indígenas a autenticidade da nação”11 serviriam, segundo Jean-Claude Bernardet, em Historiografia clássica do cinema brasileiro, como guia para a elucidação dos territórios em que parte dos filmes do Cinema Novo se apoiava.

A

contribuição

do

Instituto

Superior

de

Estudos

Brasileiros

(ISEB),

fundamentalmente a da sua concepção de “povo”12, também é lembrada por Maria Rita Galvão e Jean-Claude Bernardet, em O nacional e o popular na cultura brasileira: cinema. Marcelo Ridente, em seu Em busca do povo brasileiro: artistas da revolução, do CPC à era da TV, propõe que a problemática da identidade nacional do povo brasileiro seria o centro do debate nos meios artísticos e intelectualizados de esquerda. Procurava-se, simultaneamente, as raízes nacionais e a ruptura com o subdesenvolvimento. Ridente também esboça um quadro de circunstâncias históricas, durante as décadas de 1950 e 1960, que teriam sido importantes para a configuração do problema da identidade do 8 SOUZA, Ricardo Luiz de. Identidade nacional e modernização na historiografia brasileira: o diálogo entre Romero, Euclides, Cascudo e Freyre. 2006. 421 f. Tese - Programa de Pós-Graduação em História da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal de Minas Gerais. Belo Horizonte, 2006Op. cit., p. 61-71. 9 Ibidem., p. 220-246. 10 XAVIER, Ismail. Cinema brasileiro moderno. São Paulo: Paz e Terra, 2001, p. 23. 11 BERNAERDET, Jean-Claude. Historiografia clássica do cinema brasileiro: metodologia e pedagogia. São Paulo: ANNABLUME, 1995, p. 125-126. 12 BERNARDET, Jean-Claude; GALVÃO, Maria Rita. O nacional e o popular na cultura brasileira: Cinema. São Paulo: Editora Brasiliense, 1983, p. 141.

5 povo brasileiro. Os exemplos vivos de povos subdesenvolvidos que se rebelavam contra as potências mundiais, o abalo sofrido pelo modelo soviético de socialismo, a “revolução cultural proletária” chinesa e a circulação de ideias terceiro-mundistas teriam constituído um contexto favorável, no Brasil, à busca do “povo brasileiro”13. Um dos poucos estudos que tecem considerações acerca da relação entre a tradição folclorista brasileira e os movimentos artísticos das décadas de 1960 e 1970 é Cultura brasileira e identidade nacional, de Renato Ortiz. A respeito dos teóricos brasileiros do século XIX, Ortiz sugere que as noções de meio e raça traduziriam suas concepções de “nacional” e “popular”14. Com a emergência do imperialismo cultural como tema, no século XX, a identificação da questão da cultura popular com a noção de folclore teria passado a nortear a busca da “autenticidade” nacional, manifesta na memória popular regional15. No artigo Cultura popular: entre a tradição e a transformação, Vivian Catenacci examina as variadas acepções que o conceito cultura popular adquiriu nos estudos folclóricos e, posteriormente, nas leituras dos integrantes dos Centros Populares de Cultura. Enquanto, para os folcloristas, a cultura popular remeteria à tradição, pelos “cepecistas”, o povo seria compreendido como a classe imbuída de participar dos destinos revolucionários do país, mas, para tanto, deveria ter sua consciência de classe despertada pelos intelectuais16. Estas reflexões contribuem para a minha pesquisa na medida em que elucidam aspectos acerca da reinterpretação simbólica dos motes folcloristas por Geraldo Sarno. O cunho político dos seus filmes é passível de ser apreendido. À revelia disto, seus documentários não se restringiriam ao seu sentido político, mas, sim, proporiam uma estética cinematográfica de busca de conhecimento a partir do encontro com o outro que se tinha por desejo conhecer. Sobre o tema específico da Caravana Farkas, a tese de Alfredo Dias D`Almeida, A construção do outro nos documentários de Geraldo Sarno e Jorge Prelorán, ajudou-me no deslindamento da estética cinematográfica de Sarno como propositiva, para além do registro, do diálogo entre documentarista e documentado. D`Almeida tem por objetivo a análise da consciência da diversidade cultural na cinematografia documental que integra o conjunto de obras do Nuevo Cine Latinoamericano. A partir de um estudo comparativo, reflete sobre o redimensionamento, ao revés das intenções assumidas pelo cineasta, da função do autor no 13

RIDENTI, Marcelo. Em busca do povo brasileiro: artistas da revolução, do CPC à era da TV. 2 ed. rev. e ampl. São Paulo: Editora Unesp, 2014, p. 2-18. 14 ORTIZ, Renato. Cultura brasileira e identidade nacional. 5 ed. São Paulo: Brasiliense, 2012, p. 17. 15 Ibidem, p. 69-76. 16 CATENACCI, Vivian. “Cultura popular: entre a tradição e a transformação”. Revista São Paulo em Perspectiva, São Paulo, v. 15, n. 2, abr./jun.

6 processo de criação documental, o que teria contribuído para a fundação de um “diálogo” entre documentarista e documentado que até então não existiria17. José Carlos Avellar examinou a relação existente entre as diversas cinematografias do continente, nas décadas de 1960 e 1970. Em A Ponte Clandestina: Birri, Glauber, Solanas, Gentino, García Espinosa, Sanjínes, Alea, elabora a ideia de constituição, por estes cineastas e movimentos cinematográficos, de uma “ponte clandestina” conectando o continente. A ponte significaria a vinculação continental a partir de ideias comuns, como a de mobilizar a arte com o intuito de apresentar “a realidade como ela é”. Além disso, a concepção de arte como ponte teria como nova característica o objetivo de fazer de si um caminho popular18. Para elaborar estas reflexões acerca da realidade de seus países, de acordo com Silvana Flores, no artigo Fundamentos teóricos y estéticos del Nuevo Cine Latinoamericano, os cineastas tiveram que se vincular a debates travadosos por artistas latino-americanos que os precederam. O movimento de renovação da cinematografia contou, portanto, com elementos constituintes do pensamento de artistas pertencentes a outros campos e a momentos históricos anteriores, como o rechaço a conteúdos temáticos universalistas em favor de um enfoque que priorizasse o nacional e o regional, a valorização do relato de personagens e espaços periféricos e a concepção de arte como instrumento de intervenção na realidade social19. Ao novamente sustentar a noção de vinculação continental, Silvana Flores, em Divergencias y convergencias teóricas del Nuevo Cine Latinoamericano, destaca dois pontos de discussão entre estas cinematografias: a declaração do cinema como ato de intervenção social e transgressão da ordem e a realização de obras cinematográficas abertas, opostas ao ideal de perfeição de uma obra acabada, ao constituírem-se como atos em si mesmas. Reflexões sobre o contexto maior de produção do Nuevo Cine Latinoamericano são pertinentes à minha pesquisa uma vez que a vinculação continental teria sido ponto-chave para a atuação de vários artistas. A minha pesquisa pretende contribuir com as reflexões sobre as relações entre projetos artísticos e políticos. Ademais, está situada no campo de estudos sobre narrativas do passado, na medida em que explora a relação entre os temas elaborados pela tradição etnográfica brasileira e um movimento integrante do Cinema Novo. 17

D`ALMEIDA, Alfredo Dias. A construção do “outro” nos documentários de Geraldo Sarno e Jorge Prelorán. Op. cit., p. 23-37. 18 AVELLAR, José Carlos. A ponte clandestina: Birri, Glauber, Solanas, Getino, García Espinosa, Sanjínes, Alea – teorias de cinema na América Latina. Rio de Janeiro/ São Paulo: Editora 34, Edusp, 1995, p. 7-35. 19 FLORES, Silvana. “Fundamentos teóricos y estéticos del Nuevo Cine Latinoamericano”. Revista da Faculdade de Biblioteconomia e Comunicação da UFRGS, Porto Alegre, v. 19, n.1, p. 42-64, jan./jun. 2013, p. 43.

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2. Objetivos 2.1. Objetivo geral Investigar de que maneira a reinterpretação de temas da tradição etnográfica e folclorista brasileira, bem como a integração ao Nuevo Cine Latinoamericano teriam sido relevantes para o delineamento, por Geraldo Sarno, de uma proposta de cinema documentário direcionada à pesquisa da “condição brasileira”.

2.2 Objetivos específicos Analisar obras de Sílvio Romero e Luís da Câmara Cascudo, de modo a explorar suas interpretações acerca da função do intelectual na sociedade brasileira. Identificar o projeto e a intenção que teriam orientado a estética cinematográfica proposta por Geraldo Sarno em seus escritos e no projeto de parceria com o Departamento de Produção de Filmes Documentários, do IEB-USP. Examinar comparativamente a proposta de cine etnobiográfico, formulada por Jorge Prelorán, e o projeto e intenção expressos pela estética cinematográfica delineada por Geraldo Sarno. Cotejar o projeto e a intenção de Geraldo Sarno, definidos em seus escritos, com a realização final de seus documentários, a partir do foco narrativo estruturante de seus filmes.

3. Perspectiva teórica Como orientadoras da pesquisa que pretendo desenvolver, escolhi análises que consideram a relação entre arte e sociedade como caminho de reflexão. Marc Ferro, um dos pioneiros nos estudos sobre a relação entre História e cinema, acentua as interferências múltiplas que existem entre as duas áreas20. Deste modo, a produção cinematográfica de Geraldo Sarno será analisada com cautela, de modo a não negligenciar a sua vinculação a um contexto histórico específico e a não subordinar a produção artística ao entorno social. Para tanto, a reflexão acerca de sua obra será feita a partir de dois enfoques complementares: o pertencimento à Caravana Farkas e sua participação em uma discussão nacional e continental acerca das funções políticas do cinema; o exame dos seus filmes a partir do âmbito do discurso cinematográfico.

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FERRO, Marc. Cinema e história. Tradução de Flávia Nascimento. 2 ed. rev. e ampl. São Paulo: Paz e Terra, 2010.

8 Proveitoso para o exame articulado entre os filmes e o contexto histórico é o conceito de romantismo revolucionário elaborado por Michel Löwy e Robert Sayre, em Revolta e Melancolia: o romantismo na contracorrente da modernidade, que foi mobilizado por Marcelo Ridenti, na obra Em busca do povo brasileiro. Este recurso teórico me possibilitará a identificação dos temas que circulavam entre os grupos de intelectuais e artistas por meio das revistas cinematográficas, manifestos, festivais e cineclubes. De modo a compreender, de maneira relacionada, a localização de Sarno no interior de dois movimentos cinematográficos e as suas proposições referentes à prática cinematográfica, mobilizarei o conceito de estética cinematográfica, proposto por Ismail Xavier, em O discurso cinematográfico: a opacidade e a transparência. Este recurso teórico expressa o estabelecimento de uma relação entre as normas particulares de que se valeriam os cineastas e as teorias gerais sobre as possibilidades e a natureza do cinema21. Julgo apropriada a categoria analítica de estruturas de sentimento, desenvolvida por Raymond Williams, em Cultura e Materialismo, para indicar certas características comuns a grupos em uma situação histórica. Trata-se de uma visão específica do mundo que o organiza. Além disso, Williams relaciona esta categoria à concepção de obra de arte como uma prática, ou seja, por meio dela romper-se-ia com a ideia de isolamento do objeto, como forma de descobrir seus componentes, suas condições22. Ao mobilizá-la, procurarei agrupar o projeto individual de Geraldo Sarno a um modo coletivo, que estaria relacionado ao conjunto, por mais diversificado que fosse, do Nuevo Cine. Mas ao descobrirmos a natureza de uma prática particular, bem como a natureza da relação entre um projeto individual e um modo coletivo, descobrimos que estamos analisando, como duas formas de um mesmo processo, tanto a sua composição ativa, quanto as condições dessa composição, e em ambas as direções essa é uma relação ativa, complexa e em transformação23.

Julgo, ademais, como imprescindíveis para a minha argumentação dois outros recursos interpretativos: o de intelectual e o de apropriação. Aproximo-me da acepção de intelectual engajado, proposta por Jean-Paul Sartre, ao defender que, ao perguntar-se sobre a função do intelectual na sociedade brasileira, Sarno buscaria uma definição para o seu próprio papel social.

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XAVIER, Ismail. O discurso cinematográfico: a opacidade e a transparência. Op. cit. p. 10. WILLIAMS, Raymond. Cultura e materialismo. Op. cit., p. 65-66. Ibidem, p. 67.

9 No que concerne à categoria de apropriação, embaso minhas reflexões na perspectiva teórico-conceitual formulada, em obras como A invenção do cotidiano: artes de fazer e A cultura no plural, por Michel de Certeau, que opta por frisar, para além de uma recepção inativa, as práticas de reelaboração dos materiais culturais.

4.1. Hipótese central A estética cinematográfica proposta por Geraldo Sarno (1966-1969) compartilharia com outras cinematografias latino-americanas um repertório de referências estéticas e políticas e reinterpretaria dois motes que nortearam as pesquisas etnográficas e folclóricas brasileiras: a certeza do desaparecimento iminente e a urgência do trabalho de coleta.

4.2. Hipóteses complementares Sílvio Romero e Luís da Câmara Cascudo, a despeito de proporem interpretações distintas sobre o Brasil, creriam no desaparecimento das formas mais elementares da cultura popular e defenderiam, como uma das tarefas da intelectualidade, o trabalho de coleta destas tradições. A apropriação dos motes folcloristas da certeza do desaparecimento iminente e da urgência do trabalho de coleta, assim como o princípio do cinema como instrumento de intervenção social teriam contribuído como impulso para a pesquisa da “realidade brasileira” feita pelos cineastas integrantes da Caravana Farkas. Em seus escritos, Geraldo Sarno teria proposto o registro documental da “cultura popular e artesanal do nordeste” com o objetivo de preservar uma tradição interpretada como fundamental para a identidade nacional, ao passo a filmagem de expressões culturais vistas como em vias de se desintegrar realizada pelos cineastas integrantes do projeto Relevamiento cinematográfico de expresiones folklóricas argentinas teria por finalidade educar uma sociedade contra exclusões fundamentadas em estereótipos. Ao comparar o projeto e a intenção de Geraldo Sarno com suas obras cinematográficas produzidas no interior da Caravana Farkas, seria possível perceber, no âmbito da realização, o delineamento de um modelo híbrido de documentário, investigador da “condição brasileira”.

5. Metodologia e fontes Para um desenvolvimento mais adequado da minha pesquisa, julguei pertinente analisar, em especial, as seguintes tipologias de fonte: textuais (livros, ensaios publicados em periódicos, relatórios, correspondências) e audiovisuais. O método de análise de conteúdo

10 será mobilizado no exame dos ensaios escritos por Geraldo Sarno: “Quatro notas (e um depoimento) sobre o documentário” e “Cinema direto”, publicados respectivamente pela revista Filme Cultura, em 1984, e pela Revista do Instituto de Estudos Brasileiro, em 1966. O livro Cadernos do sertão, que reúne entrevistas, artigos e documentos referentes às viagens feitas pela Caravana, também me auxiliará no deslinde do projeto cinematográfico de Sarno. O projeto de parceria com o Núcleo de Produção de Filmes Documentários, do IEBUSP, e a proposta de financiamento remetida ao Instituto Nacional de Cinema, redigidos por Geraldo Sarno, serão dois documentos fundamentais para a minha pesquisa, uma vez que, nestes relatórios foram esboçadas as ideias que um ano depois orientariam a realização dos filmes dirigidos pelos cineastas da Caravana e neles mais diretamente estariam expressas as ideias relacionadas aos temas das tradições folclóricas e etnográficas. Ao livro El cine etnobiográfico, também será direcionada a minha análise. Nele, Jorge Prelorán faz a defesa das cinebiografías como modelo de documentário mais pertinente à realização de suas intenções. Além disso, fornece informações sobre o Relevamiento cinematográfico de expresiones folklóricas argentinas. Em relação às fontes audiovisuais, meu enfoque será direcionado ao conjunto de documentários produzidos por Geraldo Sarno no interior da Caravana (1966-1969): Vitalino/Lampião, Os imaginários, A cantoria, Jornal do sertão, Padre Cícero, Casa de farinha, O engenho, Região: Cariri, Viva Cariri!. Além destes documentários, Hermógenes Cayo (imaginero), que data de 1969, também será alvo da minha pesquisa por ser um dos primeiros filmes de Jorge Prelorán a melhor delinear a sua concepção de cinebiografías. Ismail Xavier, em Sertão Mar, afirma que a tarefa crítica envolve o gesto de apontar a diferença entre projeto, intenção e realização, o que, para mim, é fundamental, na medida em que analisarei os escritos de Sarno e sua produção documental, e não pretendo incorrer no erro de buscar qualquer projeção que seja ilusória. Já para uma análise interna do filme, defende o exame do foco narrativo, que atuaria como mediador e organizador da obra. Creio que as incompatibilidades existentes entre os escritos de um cineasta e seus filmes também sejam um ponto interessante de análise. Procurarei, portanto, nos documentários, suas significações cinematográficas, mas também suas relações com tudo aquilo que não é filme. 6. Referências 6.1. Fontes

11 6.1.1. Fontes textuais CASCUDO, Luís da Câmara. Anúbis e outros ensaios: mitologia e folclore. 2 ed. Rio de Janeiro: FUNARTE/INF, Achiamé; Natal: UFRN, 1983. CASCUDO, Luís da Câmara. Civilização e cultura: pesquisas e notas de etnografia geral. Belo Horizonte: Itatiaia Limitada, 1983. CASCUDO, Luís da Câmara. Folclore do Brasil. São Paulo: Global, 2012. CASCUDO, Luís da Câmara. Literatura oral no Brasil. 2 ed. São Paulo: Global, 2006. PRELORÁN, Jorge. El cine etnobiográfico. Buenos Aires: Catálogos, 2006. ROMERO, Sílvio. Cantos populares do Brasil. Belo Horizonte: Editora Itatiaia; São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1985. ROMERO, Sílvio. Contos populares do Brasil. 3 ed. São Paulo: Landy Editora, 2008. ROMERO, Sílvio. Estudos sobre poesia popular no Brasil. Rio de Janeiro: Laemmert, 1888. Disponível em: SARNO, Geraldo. Cadernos do sertão. Salvador: Núcleo de Cinema e Audiovisual, 2006. SARNO, Geraldo. “Cinema Direto”. Revista IEB, São Paulo, n. 1, 1966, p. 171-173. SARNO, Geraldo. “Quatro notas (e um depoimento) sobre o documentário”. Revista Filme Cultura, Rio de Janeiro, n. 44, abr.-ago, 1984, p. 61-64.

6.1.2. Fontes audiovisuais A cantoria. Geraldo Sarno, Brasil, 1970, 14 min., son., color., 16mm. Casa de farinha. Geraldo Sarno, Brasil, 1970, 13 min., son., color., 16mm. Hermógenes Cayo (imaginero). Direção: Jorge Prelorán, Argentina, 1969, 51 min., son., color, 16mm. Jornal do sertão. Geraldo Sarno, Brasil, 1970, 13 min., son., b&p, 16mm. O engenho. Geraldo Sarno, Brasil, 1970, 9 min., son., color., 16mm. Os imaginários. Geraldo Sarno, Brasil, 1970, 10 min., son., b&p, 16mm. Padre Cícero. Geraldo Sarno, Brasil, 1971, 10 min., son,. color. e b&p, 16mm. Região: Cariri. Geraldo Sarno, Brasil, 1970, 10 min., son., color. e p&b, 16mm. Vitalino/Lampião. Geraldo Sarno, Brasil, 1969, 9 min., son., p&b, 16mm. Viva Cariri! Geraldo Sarno, Brasil, 1970, 36 min., son., color. e p&b, 16mm.

6.2. Referências bibliográficas

12 ARAUJO, Maria Paula Nascimento. “Intelectuais, artistas e revolucionários: o cinema militante no Brasil e na Argentina nos anos 1960 e 70”. Boletim Tempo Presente (UFRJ), v. 01, p. 33-50, 2012. AVELLAR, José Carlos. “A condição brasileira (producción de Thomaz Farkas, Brasil, 19641970)”. In: Cine documental en América Latina. Paulo Antonio Paranaguá (ed.). Madri: Ediciones Cátedra, 2003. p. 304-308. __________. A ponte clandestina: Birri, Glauber, Solanas, Getino, García Espinosa, Sanjínes, Alea – teorias de cinema na América Latina. Rio de Janeiro/ São Paulo: Editora 34, Edusp, 1995. __________. “Geraldo Sarno”. In: Cine documental en América Latina. Paulo Antonio Paranaguá (ed.). Madri: Ediciones Cátedra, 2003. p.187-199. BERNARDET, Jean-Claude. Brasil em tempo de cinema: ensaio sobre o cinema brasileiro de 1958 a 1966. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1967. __________.; GALVÃO, Maria Rita. O nacional e o popular na cultura brasileira: Cinema. São Paulo: Editora Brasiliense, 1983. __________. Historiografia clássica do cinema brasileiro: metodologia e pedagogia. São Paulo: ANNABLUME, 1995. BOSI, Alfredo. História concisa da literatura brasileira. 43 ed. São Paulo: Cultrix, 2006. BOURDIEU, Pierre. As regras da arte: gênese e estrutura do campo literário. Tradução de Maria Lucia Machado. São Paulo: Companhia das Letras, 1996. CATENACCI, Vivian. “Cultura popular: entre a tradição e a transformação”. Revista São Paulo em Perspectiva, São Paulo, v. 15, n. 2, abr./jun. CERTEAU, Michel de. A cultura no plural. Tradução de Enid Dobránszky. 7 ed. Campinas: Papirus, 2012. CERTEAU, Michel de. A invenção do cotidiano: 1. Artes de fazer. Tradução de Ephraim Ferreira Alves. 22 ed. Petrópolis: Vozes, 2014. D`ALMEIDA, Alfredo Dias. A construção do “outro” nos documentários de Geraldo Sarno e Jorge Prelorán. 2008. 257 f. Tese – Programa de Pós-Graduação em Integração da América Latina – PROLAM, Universidade de São Paulo. São Paulo, 2008. __________. Caravana Farkas (1968/1970): a cultura popular (re)interpretada pelo filme documentário – um estudo de folkmídia. 2003. 159 f. Dissertação – Curso de Pós-Graduação em Comunicação Social, Universidade Metodista de São Paulo. São Bernardo do Campo, 2003.

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Ana Caroline Matias Alencar - Projeto Pesquisa Mestrado [PPGH-UNIRIO 2016]

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