John Henrik Clarke - África.. A Passagem das Idades de Ouro

9 Pages • 4,703 Words • PDF • 618.2 KB
Uploaded at 2021-09-24 09:02

This document was submitted by our user and they confirm that they have the consent to share it. Assuming that you are writer or own the copyright of this document, report to us by using this DMCA report button.


África: A Passagem das Idades de Ouro1 POR John Henrik Clarke (Maio de 1988)

1. Os primórdios iniciais Pode-se dizer com um forte grau de certeza que a África teve três Idades de Ouro. As duas primeiras atingiram o seu clímax e estavam em declínio antes que a Europa, como uma entidade em funcionamento na sociedade humana, tivesse nascido. A primeira Idade de Ouro Africana teve seu início – começando com o nascimento do homem e o desenvolvimento das sociedades organizadas. É generalizado na maioria dos círculos acadêmicos que a humanidade se originou na África; isso faz do homem Africano o pai e da mulher Africana a mãe da humanidade. Em seu livro O Progresso e a Evolução do Homem na África, o Dr. LSB Leakey afirma que: Em cada país que se visita e nos quais alguém é envolvido em uma conversa sobre a África, a pergunta é feita regularmente, por pessoas que deveriam saber melhor: “Mas o que a África contribuiu para o progresso mundial?” Os críticos da África esquecem que os homens da ciência hoje, com raras exceções, estão convencidos de que a África foi o berço do próprio homem, e que por muitas centenas de séculos depois, a África esteve na vanguarda de todo progresso humano. No início do desenvolvimento do homem, a família2 era a unidade mais importante existente. Ao longo dos anos, a importância desta unidade não mudou. As primeiras sociedades humanas foram desenvolvidas por razões relacionadas às necessidades e sobrevivência da família. Os primeiros Africanos tiveram que fazer ganchos para pegar peixes, lanças para caçar e facas. Ele procurou novas formas de construir abrigo, reunir e criar alimentos e domesticar animais. Nosso uso do fogo hoje simplesmente continua o processo iniciado pelos primeiros Africanos – o controle do fogo. Na criação de ferramentas que diferenciam o homem de todas as criaturas vivas, os Africanos iniciaram o homem no caminho da fabricação de ferramentas. Com a descoberta dos metais e como usá-los, toda a África deu um grande passo à frente. O homem aprendera a tirar ferro do chão e transformá-lo em lanças e ferramentas. As culturas do ferro se espalharam rapidamente pela África, e havia muitas poucas partes da África que não foram influenciadas por essas culturas da Idade do Ferro. As culturas do ferro tiveram seu maior desenvolvimento na área da África que é hoje o Sudão Oriental, na grande cidade-estado de Meroé. O uso do ferro acelerou todos os aspectos do desenvolvimento Africano e introduziu um novo perigo – o eventual uso de armas de ferro na guerra. 1

Tradução e notas por Abibiman Shaka Touré; Povo Preto, Pan-Africanismo e Poder Preto. Ensaio presente na obra Collected Writings Of: John Henrik Clarke (para ter acesso, clique aqui). 2 Para uma leitura sobre, com ênfase para o ataque à Estrutura Familiar Africana (termo este trabalhado pelo próprio Dr. John Henrik Clarke), clique aqui. No texto em questão, a abordagem do Dr. Clarke é introdutória até, frente a densidade de outros textos seus – para ler um texto sobre família Africana, com ênfase para a participação social ativa da mulher Africana, clique aqui. Para um ensaio inteiro do Dr. Clarke dedicado a esta questão, clique aqui.

2. A Civilização do Vale do Nilo – A Ascensão3 O rio Nilo tornou-se uma grande rodovia cultural, trazendo povos e culturas do interior da África. Essas migrações por rio levaram ao estabelecimento de uma das maiores nações da história do mundo – Egito. Em seu livro A Destruição da Civilização Preta: Grandes Questões de uma Raça de 4500 aC a 2000 dC, o historiador Africanoamericano Chancellor Williams refere-se ao Egito como “a filha mais velha da Etiópia” e chama a atenção para as evidências que provam a origem sul-africana do povo antigoEgípcio e de sua civilização. O Egito tornou-se uma nação organizada por volta de 6000 aC. Centros de interesse médico em um período da Dinastia Terceira (5345–5307 aC), quando o Egito tinha um ambicioso faraó chamado Zaser.4 Zaser, por sua vez, tinha como conselheiro-chefe e ministro um brilhante homem do povo chamado Imhotep (cujo nome significa “Aquele que vem em paz”). Imhotep construiu a famosa pirâmide de degraus de Sakkarah, perto de Memphis.5 Os métodos de construção usados na construção dessa pirâmide revolucionaram a arquitetura do mundo antigo. O Egito deu ao mundo algumas das maiores personalidades da história da humanidade. A este respeito, Imhotep é singularmente notável. Na história antiga do Egito, nenhum indivíduo deixou uma impressão mais profunda do que o comum Imhotep. Ele foi o primeiro multi-gênio do mundo.6 Ele também foi o verdadeiro pai da medicina. Em seu livro, Evolução da Medicina Moderna (Londres, 1921, 9. 10), Sir William Osler refere-se a Imhotep como “a primeira figura de um médico a se destacar claramente das brumas da antiguidade”. O período da história Egípcia desde a Dinastia Terceira até a primeira invasão do Egito pelos Hyksas7, dos Reis Pastores, em 1700 aC é, na minha opinião, o ápice da primeira Idade de Ouro. A dominação da Ásia Ocidental sobre o Egito durou cerca de cento e vinte anos e terminou com a ascensão do nacionalismo Egípcio durante a Dinastia Décima Sétima. Durante esse período, os faraós (ou reis) em Tebas consolidaram seus poderes e iniciaram uma campanha unida para livrar o Baixo Egito dos invasores Hyksas. Quando os invasores da Ásia Ocidental foram definitivamente expulsos pelo faraó, Ahmose I, a esplêndida Dinastia Décima Oitava foi estabelecida e a segunda Idade de Ouro do Egito começou. A Idade de Ouro do Egito não pertencia ao Egito, mas incluía nações da África, principalmente Kush e Etiópia (que em certos períodos da história eram uma e a mesma coisa). Estas nações mais ao sul foram os originadores da cultura primitiva do Egito. O Egito nessa conjuntura da história não dependia mais de seus pais culturais e era, mais uma vez, a nação mais desenvolvida do mundo.

Ainda em John Henrik Clarke: “O Dr. Ben e eu tivemos uma longa discussão sobre qual Dinastia foi a mais significativa.” – para ler (e tomar nota!) sobre esta discussão, clique aqui – só lembrando que, tanto este trecho como aquele aqui já postado, quanto ao papel de liderança da mulher Africana, são de tradução do nosso irmão Ammit Garvey. 4 Comumente grafado Zoser, Djoser; como, p.ex, Thothmes – Tutmés, Tutmósis; Tiy – Tiyi, Tiye. 5 Hoje se sabe o nome correto (ou mais aproximado) destas cidades, uma vez que os nomes que vemos hoje muitas das vezes são gregos – Memphis vindo a ser Min-Nefer; ou Tebas: Waset etc. 6 O canal OSH1 Autoimagem apresenta ‘Imhotep, O Primeiro Multi-Gênio da História’. 7 Na língua antigo-Egípcia (Mdw Ntr) heqa khasewet, donde a corruptela Hicsos (Hiksos, Hyksos) que significa algo como “governantes estrangeiros”. 3

3. A Civilização do Vale do Nilo – A Glória Mais uma vez governantes de status monumental estavam chegando ao poder. Dois dos governantes mais conhecidos desse período foram a rainha Hatshepsut e seu irmão Thothmes III. Grandes templos foram construídos em todo o país, e o consequente emprego de centenas de artistas e artesãos preparou o caminho para as glórias artísticas, que ainda estavam por vir. Durante o reinado de Thothmes III, a influência do Egito foi mais uma vez estendida para a Ásia Ocidental, agora referida como o Oriente Médio. A era da grandeza continuou. Essa era teve uma mudança dramática e duradoura em 1386 aC. Por volta de 1386 aC, a rainha Tiy do Egito deu à luz um menino que foi nomeado pela primeira vez Amenhates depois de seu pai. Muito pouco se sabe de sua infância, exceto que ele era debilitado desde o nascimento e desenvolveu um interesse pela arte, poesia e religião. Sua companheira mais próxima era Nefertiti, a linda e pequena prima. (Alguns arqueólogos se referiram a ela como sua irmã.) Quando o príncipe herdeiro tinha 21 anos, ele e a adorável Nefertiti se casaram. Três anos depois, seu pai idoso, Amenhotep III, o nomeou co-regente do Egito e o coroou Amenófis IV. Após a morte de seu pai, ele entrou em pleno poder no Egito e levou o nome Akhenaton. Ele produziu um efeito profundo no Egito e no mundo inteiro em seus dias. Akhenaton, muitas vezes referido como “O Rei Herege”, é um dos monarcas mais extraordinários da história. Mil e trezentos anos antes de Cristo, ele pregou e viveu um evangelho de amor, irmandade e verdade. Ele foi chamado o primeiro idealista do mundo, o primeiro governante temporal a liderar seu povo na adoração de um único Deus. Quando Akhenaton chegou ao trono há mais de 3.000 anos, o Egito dominou o mundo. A Idade de Ouro do Egito gradualmente diminuiu e o orgulho e esplendor que marcaram as Dinastias Décima Oitava e Décima Nona deram lugar a conflitos e confusões internas. As guerras de conquista e colonização haviam drenado grande parte de sua força militar e econômica. Nesse ínterim, à medida que as nações ao sul se tornavam mais poderosas, tornaram-se predatórias para o Egito, que já fora seu mestre. A nação que agora é chamada Etiópia voltou ao centro da história por volta de 900 aC. Foi então representada por uma rainha que, em alguns livros, é conhecida como Makeda e, em outros, como Belkis. Ela é mais conhecida mundialmente como a Rainha de Sabá. Em seu livro, Grandes Homens de Cor do Mundo, JA Rogers dá a seguinte descrição: “Das brumas de três mil anos emerge esta bela história de amor de uma rainha preta que, atraída pela fama de um monarca judeu, fez uma longa jornada para vê-lo...” Na Etiópia, Uma História Cultural, Sylvia Pankhurst conta a história desta jornada: A história da Rainha do Sul, que empreendeu uma longa e árdua jornada a Jerusalém, a fim de aprender da sabedoria do rei Salomão, é profundamente apreciada na Etiópia, como parte do patrimônio nacional, pois ela é reivindicada como uma etíope. Rainha Makeda, “uma mulher

de esplêndida beleza”, que introduziu a religião e a cultura de Israel em sua própria terra. Nos séculos dez e nove aC, o Egito havia sido enfraquecido por ataques externos e por amargas disputas entre seus sacerdotes e as famílias reais. Isso permitiu que os Kushitas do sul ganhassem certa independência. Eles agora tinham confiança para se mudar para o norte e conquistar seus antigos mestres. Apesar da guerra de conquista, esses reis Kushitas (ou etíopes) trouxeram ao Egito sua última era de grandeza e reforma social. Há uma necessidade de fazer um estudo sério deste ato de colonialismo Africano interno e o que alcançou no final da Idade de Ouro tanto para o Egito quanto para Kush.8 Esses reis Kushitas restauraram o declínio da cultura e da economia do Egito e levaram essa nação a níveis sem precedentes de liderança na maneira como cuidava de seu povo. Embora fosse uma colônia, o Egito era mais uma potência mundial. 4. As Civilizações do Vale do Nilo – O Declínio A invasão Assíria de 871 aC dirigiu as forças Kushitas para o sul e deu início à dureza e ao desgoverno que destruiu a grandeza que outrora foi o Egito. O Egito continuou a declinar enquanto uma jovem nação do outro lado do Mediterrâneo – a Grécia – começou a reunir seu poder por volta de 500 aC. No ano 332 aC, Alexandre, o Grande, um discípulo de Aristóteles, invadiu o Egito. Esta foi a primeira invasão puramente europeia à África. Consequências dessa invasão e o novo interesse europeu no domínio comercial do mundo mediterrâneo levaram às Guerras Púnicas e à invasão dos romanos. No Egito, uma jovem forte e astuta tentou lidar com a situação de seu país sob a ameaça do domínio romano. Seu nome era Cleópatra. Mais bobagens foram escritas sobre Cleópatra do que sobre qualquer outra rainha Africana, principalmente porque tem sido o desejo de muitos escritores pintá-la de branco. Ela não era uma mulher branca, ela não era grega. Vamos nos desfazer desse assunto antes de explicar os aspectos mais importantes de sua vida. Até o surgimento da doutrina da superioridade branca, Cleópatra era geralmente retratada como uma mulher distintamente Africana, retinta. Shakespeare, na linha de opinião de “Antônio e Cleópatra” a chama de “tawny”. Naqueles dias, os mulatos eram chamados de “mouros morenos”. A palavra “Moor” veio para as línguas europeias, significando preto ou blackamoor [pesquise]. No Livro de Atos, Cleópatra se descreve como “negra”.

Este empreendimento intelectual tem sido feito por, p.ex., Khonsu Nok. Em sua pesquisa, Nok trabalha a partir da contribuição de autores como o próprio John Henrik Clarke: é da tese que Kush foi pra Kemet (Egito) o que Kemet foi pra Grécia – e a Grécia pra Roma, ad infinitum... Todavia, Nok – em sua página, Kushite-Kemetic Spiritual Science ኩኩኩኩኩ ኩኩኩኩኩ ኩኩኩኩ – analisa, de forma aprofundada e convincente, como a Ciência Espiritual Kushita-Kemética influenciou todo o mundo antigo – só que, do contrário de certas correntes Afrocêntricas, Nok – a exemplo da pesquisa de Cheikh Anta Diop – ao invés de mostrar como África influenciou o mundo além-África, demonstra como que Kush influenciou Kemet e este, por sua vez, o interior (e não o exterior, como é de costume lermos) da África. Pra acessar sua página, clique aqui. Assistia ao doc. ‘Espírito Núbio’ (episódio 1 de 3) que segue essa mesma linha de pesquisa. 8

Nascida em 69 aC, Cleópatra chegou ao trono que compartilhava com seu irmão, Ptolomeu XIII, aos 18 anos de idade. O Egito, agora um protetorado romano, estava cercado de lutas internas e intrigas. Cleópatra se alinhou com Júlio César, que reforçou seu poder. Sua relação política e sexual foi uma manobra para salvar o Egito dos piores aspectos da dominação romana. Depois que Júlio César foi assassinado, Cleópatra, ainda com vinte e poucos anos, conheceu Marco Antônio e começou um caso de amor fortemente motivado pela política. Seu efeito sobre Marco Antônio foi profundo. Este nobre romano se tornou traidor de seu próprio povo quando ele tentou salvar da dominação romana o país desta fascinante rainha preta. Após a morte de Antônio, o vencedor, Otávio, assumiu o controle total do Egito, e Cleópatra, agora sem um protetor ou defensor, cometeu suicídio. Após a morte de Cleópatra, o Egito tornou-se uma colônia romana e os aspectos mais duros do domínio romano se estabeleceram sobre o Egito e o Oriente Médio. Ao sul, nas terras intocadas por Roma, novas civilizações orgulhosas estavam surgindo. E nos séculos que se seguiram, as mulheres pretas voltaram a desempenhar papéis importantes no teatro da história. Luzes de realização brilharam em outras partes da África, embora a segunda Idade de Ouro tivesse acabado. Os aspectos mais implacáveis do domínio romano fizeram com que as pessoas Africanas e do Oriente Médio questionassem deuses antigos e procurassem por novos. Isso levou ao desenvolvimento do cristianismo e, posteriormente, do islamismo.9 Desde o início, estas eram religiões dos oprimidos. Quando o opressor, os romanos, parou de matar cristãos, e se tornou “cristão”, a religião foi dramaticamente alterada. Seu mau uso dessa religião e insatisfação generalizada nas colônias romanas do norte da África e do Oriente Médio facilitaram a ascensão do Islã. 5. As Civilizações do Sudão Ocidental – Gana10 Nos séculos seis e sete, o domínio romano começou a perder sua influência sobre o norte da África e o Oriente Médio. O gênio Africano para a construção do Estado e para Fica como sugestão, para possíveis e eventuais pesquisas, o livro de Yosef ben-Jochannan, African Origins of The Major World Religions. 10 Sobre a formação dos reinos de Gana e do Mali, traremos alguns possíveis pontos de partida: Topics in West Africa History (tradução: José Luiz Pereira da Costa), do ganense Adu Boahen, que destaca uma característica tipicamente Africana: o sistema de sucessão matrilinear, sobretudo em Gana, ou Wagadu – “o que mais assombrou aos escritores árabes”; outros relatos, como o de Ibn Battuta, vão apontar para outras característica comum a cultura Africana: “Os negros (ou seja, o povo do Mali) são raramente injustos, tendo grande aversão às iniquidades, mais do que outro povo qualquer. O seu sultão é inclemente com os culpados por qualquer falta. Há absoluta segurança no país. Nem viajantes, nem seus habitantes têm porque temer a ação de ladrões ou pessoas violentas”. Além desta referência, deixamos aqui um link ativo para a narrativa histórica do jeli Djibril Tamsir Niane, ‘Sundjata ou A Epopeia Mandinga’ – que conta a saga de Sundiata Keita, O Leão do Mali, fundador do Império do Mali, ou Mandinka. 9

a criação de novas sociedades renasceu no Sudão Ocidental (interior da África Ocidental), onde a terceira e última Idade de Ouro da África começou. O primeiro dos grandes impérios do Sudão Ocidental a ser conhecido pelo mundo exterior foi Gana. Começou como um pequeno povoado durante o segundo século da era cristã. Mais tarde, iria evoluir para um estado com uma história conhecida de mais de mil anos. Na Europa e nos países árabes, Gana era conhecido como um país rico em ouro. Essa foi uma atração natural para os árabes, e depois, para os europeus. O país atingiu o auge de sua grandeza durante o reinado de Tenkamenin, um de seus maiores reis, que chegou ao poder em 1062 dC. O rei vivia em um palácio de pedra e madeira que foi construído para ser defendido em tempos de guerra. O Império estava bem organizado. O progresso político e o bem-estar social de seu povo poderiam ser favoravelmente comparados aos melhores reinos e impérios que prevaleciam na Europa naquela época. Em uma de várias guerras santas, ou Jihads, Gana foi invadida pelos almorávidas sob a liderança de Abu Bekr [Abu Baquir ibn Omar] do Império Sosso em 1076 dC. Essa conquista trouxe o fim da era de prosperidade e desenvolvimento cultural de Gana. O caráter do país demorou a mudar. Quase cem anos depois, o escritor árabe al-Idrisi escreveu sobre isso como sendo dito: “Gana... é o mais comercial dos países pretos. É visitado por ricos comerciantes de todos os países vizinhos e das extremidades do Ocidente”. Em 1087, o país recuperou sua independência, sem recuperar sua antiga força, organização estatal e grandeza. As ruínas do Império de Gana tornaram-se os reinos de Diara e Sosso. As províncias de Gana tornaram-se parte do Império do Mali e mais tarde foram absorvidas pelo Império Songhai. O grande drama da construção estatal, comércio e negócios, e corretagem de poder se desenrolou em Timbuctoo, a cidade-rainha do Sudão Ocidental. A duzentas milhas abaixo do Níger, de Timbuctoo, ficava a cidade concorrente de Gao. Foi fundada sobre o século setenta e foi a capital do grande Império Preto de Songhai. Como Timbuctoo, estava em uma posição favorável para o comércio transaariano, nos dias das caravanas regulares do norte da África. Como Timbuktu, os maiores dias de Gao surgiram nos séculos quinze e dezesseis. Nos anos em que Timbuktu era o grande núcleo intelectual do Império Songhai, os acadêmicos Africanos estavam desfrutando de um renascimento que era conhecido e respeitado na maior parte da África e em partes da Europa. Neste período da história Africana, a Universidade de Sankore era a capital educacional do Sudão Ocidental. Em seu livro O Misterioso Timbuctoo, Félix Dubois nos dá a seguinte imagem: Os estudiosos de Timbuctoo não cederam nada aos santos e suas estadas nas universidades estrangeiras de Fez, Tunis e Cairo. Eles surpreenderam os homens mais cultos do Islã por sua erudição. O fato de esses Negros estarem ao mesmo nível dos sábios árabes é comprovado pelo fato de terem sido instalados como professores no Marrocos e no Egito. Em contraste com isso, descobrimos que os árabes nem sempre foram iguais em requisitos à Sankore.

6. As Civilizações do Sudão Ocidental – Mali11 O famoso Imperador do Mali, Mansa Mussa, parou em Timbuctoo em sua peregrinação a Meca em 1324. Ele partiu em esplendor real com uma comitiva de 60.000 pessoas, incluindo 12.000 servos. Quinhentos homens de confiança, cada um dos quais carregava uma vara de ouro puro, marcharam em frente ao Imperador. Duzentos e oitenta camelos carregavam 2400 libras de ouro que este monarca Africano distribuía como esmolas e presentes.12 Mussa retornou de Meca com um arquiteto que projetou imponentes edifícios em Timbuctoo e outras partes de seu reino. Para o mundo exterior, do final do período medieval, o Imperador Manca Mussa era mais que um indivíduo. Ele era a África. Ele conquistou o Império Songhai e reconstruiu a Universidade de Sankore. Ele figurou, pelo nome, em todos os mapas. Em sua vida ele se tornou pessoalmente o símbolo do mistério e da fabulosa riqueza do desconhecido continente Africano. Ele era o mais colorido dos reis pretos do século quatorze. Ele ainda manteve essa posição quase dois séculos após sua morte. 7. As Civilizações do Sudão Ocidental – Songhai Após a morte de Mansa Mussa, o Império do Mali caiu em importância. Seu lugar foi tomado por Songhai, cujo maior rei era Askia, o Grande (Mohammed Touré). Askia chegou ao poder em 1493, um ano depois de Colombo ter descoberto a América. Ele consolidou o território conquistado pelo antigo governante Sonni Ali e construiu o Songhai no estado mais poderoso do Sudão Ocidental. Seu reino, diz-se, era maior que toda a Europa. O escritor alemão Henry Barth, em sua famosa obra Viagens e Descobertas na África do Norte e Central, chama Askia, O Grande, de “um dos administradores mais brilhantes e iluminados de todos os tempos”. Ele reorganizou o exército de Songhai, melhorou o sistema bancário e de crédito e transformou as cidades-estados de Gao, Walta, Timbuctoo e Jenne em centros intelectuais. Timbuctoo, durante seu reinado, era uma cidade de mais de 100.000 pessoas, “pessoas cheias até o topo”, diz um cronista da época, “com mulheres de ouro e deslumbrantes”. Askia encorajou bolsa de estudos e literatura. Estudantes de todo o mundo muçulmano foram a Timbuctoo para estudar gramática, direito e cirurgia na Universidade de Sankore; acadêmicos vieram do norte da África e da Europa para conversar com Trazendo mais pro contexto da história da África (ocidental) contemporânea, sugerirmos a leitura de Amkoullel, o menino fula, do griot Hampâté Bâ. De forma mais abrangente, a obra do historiador Boubacar Bary – com Senegâmbia: O Desafio da História Regional – nos dá um abrangente panorama; Ahmadou Kourouma, com Homens da África, Maryse Condé, com Segu... já no campo audiovisual, cineastas como Ousmane Sembène, Souleymane Cissé, Safi Faye, Cheick Oumar Sissoko, Med Hondo contribuirão com uma série de filmes e documentários que tratam sobre as questões da região (o chamado “Sudão Ocidental”) e suas problemáticas atuais. 12 Mansa Mussa foi o homem mais rico de todos os tempos, ele era tão rico que seu patrimônio, convertido para os dias atuais, é superior ao de César (segundo homem mais rico da história), estimado em US$ 4,6 trilhões – o patrimônio do Imperador Africano é incalculável! É dito que, quando de seu hajj (peregrinação) à Meca, ao passar pelo Egito, ele distribuiu tanto ouro que causou uma crise inflacionária tamanha que, para a economia normalizar, levaram anos e anos. 11

historiadores e escritores eruditos desse Império Preto. Uma literatura sudanesa desenvolveu-se e muitos livros foram escritos. Leo Africanus, que escreveu uma das obras mais conhecidas sobre o Sudão Ocidental, diz: “Em Timbuctoo, há inúmeros juízes, médicos e clérigos, todos recebendo bons salários do rei. Ele presta grande respeito aos homens de conhecimento. Existe uma grande demanda por livros manuscritos, importados de Berbéria (África do Norte). Mais lucro é obtido com o comércio de livros do que com qualquer outra linha de negócios.” Askia foi saudado como um dos mais sábios monarcas da Idade Média. Alexander Chamberlain, em seu livro, A Contribuição do Negro para a Civilização Humana13, diz dele: “Em caráter pessoal, em habilidade administrativa, em devoção ao bem-estar de seus súditos, em mente aberta a influências estrangeiras, e em sabedoria na adoção de ideias iluminadas e instituições do exterior, o Rei Askia foi certamente o igual do monarca europeu médio da época e superior a muitos deles.” 8. As Civilizações do Sudão Ocidental – O Declínio Após a morte de Askia, o Grande, em 1538, o Império Songhai começou a perder sua força e seu controle sobre seu vasto território. Quando o Império Songhai entrou em colapso após a captura de Timbuctoo e Gao pelos marroquinos em 1591, todo o Sudão Ocidental foi devastado pelas tropas invasoras. O sultão do Marrocos, al-Mansur, enviara um grande exército pelo Saara, com armas de fogo europeias, para atacar o outrora poderoso Império Songhai. O exército não chegou a Timbuctoo até 1591. A próspera cidade de Timbuctoo foi saqueada pelo exército de pilhadores. Um estado de anarquia prevaleceu. A Universidade de Sankore, que existiu por mais de quinhentos anos, foi destruída, e a faculdade, exilada para o Marrocos.14 O maior estudioso sudanês Clique aqui e tenha acesse ao ensaio The Contribution of Negro the Human Civilization. Da mesma forma que aqui se divide a história da África em três Idades de Ouro, sugerimos a divisão da história da produção de conhecimento em ao menos três estágios, ou “Idades”: “Idade de Ouro” (kmt – Imhotep, Akhenaten...), “Idade de Prata” (Grécia – Plato, Aristóteles...) e “Idade de Bronze” (Bagdá – al-Farabi, Ibn Sina...). Muito porque a tal da renascença cultural europeia, sabemos, é suscitado pelos Mouros. Antes de falar do iluminismo europeu, citemos os nomes de Zera Yacob, O Etíope – que antecipou Locke, Kant e mesmo Hume – ou o ganês Anton Amo, ferrenho ‘defensor do direito dos Mouros na Europa’, assim antecipando o que se convém chamar humanismo. E, feito isso, do assim chamado “Iluminismo” pra cá – ou ao menos a partir de Descartes (do “cogito”) – prevalece sobretudo (com raras exceções, p.ex., Spinoza, o preto judeu...) a divisão ciência versus religião, onde a difusão do conhecimento e saber antigo, logo Africano (holístico, “esotérico”) é delegado às chamadas “sociedades secretas” – de cuja difusão se deve, também, aos Mouros (e o desenvolvimento, à nomes como Angelo Soliman e mesmo Prince Hall, ambos pretos...) – enquanto que à “universidade” fica a responsa de transmitir só o conhecimento (numa divisão dos temas entre disciplinas “puras”, o que fatia a abordagem dos assuntos, taí os “quase-objetos” – assim diz Bruno Latour...), e isso é tido por “moderno” (reducionista, “exotérico” – e navalha de Occam na realidade!), e isso se deve à Bacon, Hume... Em se falando da física “moderna” (ou “empírica”, dos só-acredito-vendo!...), exemplo: os Neter (Kush/Kemet), Obosom (Gana/Jamacia), Loas (Benin/Haiti/Estados Unidos), Orixás (Nigéria/Cuba/Brasil), Nkisi (Congo-Angola/Brasil/Cuba/República Dominicana), em outros termos, forças da natureza são chamadas (reduzidas a) “leis da física”... Tanto é verdadesem-mentira-certo-muito-e-verdadeiro que uma das máximas de alguns maçons (origem etimológica: construtores; quem é o “pai” da arquitetura? – Imhotep!) usadas para conter as 13 14

daquele dia, Ahmed Baba, estava entre os exilados. Baba era um estudioso de grande profundidade e inspiração. Ele foi o autor de mais de quarenta livros sobre temas tão diversos como teologia, astronomia, etnografia e biografia. Sua rica biblioteca de 1600 livros foi perdida durante sua expatriação em Timbuctoo. Timbuctoo fornece o exemplo mais terrível das lutas dos estados e cidades da África Ocidental, enquanto se esforçavam para preservar o que antes era sua Idade de Ouro. Os árabes, berberes e tuaregues do norte não lhes mostraram misericórdia. Timbuctoo já havia sido saqueado pelos tuaregues em 1433 e eles o ocuparam por trinta anos. Entre 1591 e 1593, os tuaregues aproveitaram a situação para saquear Timbuctoo mais uma vez. Entre 1723 e 1726 os tuaregues, novamente, ocuparam e saquearam Timbuctoo. Assim, Timbuctoo, outrora a cidade-rainha do Sudão Ocidental, com mais de duzentos mil habitantes e o centro de um estado poderoso, degenerou em uma sombra de sua antiga estatura. Agora, a África Ocidental entrou em um triste período de declínio. Durante a ocupação moura, a destruição e a ruína tornaram-se a ordem do dia. Quando os europeus chegaram a essa parte da África e viram essas condições, eles assumiram que nada de ordem e valor existia nesses países. Essa impressão equivocada, muitas vezes reforçada, influenciou a interpretação da vida Africana e Africano-americana na história por mais de quatrocentos anos.

teorias da conspiração é “Todo mundo esquece que o Egito fica na África”... Para além dos difusionismos da vida, estamos tratando de história, logo fatos!...
John Henrik Clarke - África.. A Passagem das Idades de Ouro

Related documents

9 Pages • 4,703 Words • PDF • 618.2 KB

196 Pages • 75,302 Words • PDF • 1.2 MB

5 Pages • 2,602 Words • PDF • 156.7 KB

2 Pages • 886 Words • PDF • 107.2 KB

422 Pages • 46,149 Words • PDF • 9.1 MB

27 Pages • 11,962 Words • PDF • 665 KB

3 Pages • 862 Words • PDF • 148.6 KB

114 Pages • 22,997 Words • PDF • 344.6 KB

311 Pages • 85,250 Words • PDF • 2 MB

505 Pages • 161,284 Words • PDF • 1.9 MB

22 Pages • 6,606 Words • PDF • 1.7 MB

223 Pages • 73,301 Words • PDF • 528 KB