JESSICA ESPECIAL - 02 - Escolhas do Coracao - Natalie Anderson

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MEMÓRIAS DO AMOR – Kelly Hunter Lena West pode ser a mulher mais sensual que Trig Sinclair já vira, mas também é irmã de seu melhor amigo, ou seja, estritamente proibida! Até eles viajarem para Istambul em uma missão secreta. Fingir ser casado – e dividir a cama com Lena – era quase uma tortura. Trig achava que manter-se afastado seria uma tarefa difícil, mas não se compara ao modo como ela se sentirá ao descobrir o segredo que o “marido” esconde.

E SE A RESPOSTA FOSSE OUTRA? – Natalie Anderson Todas as mulheres sonham em subir ao altar. Ao menos, era o que Victoria pensava. E o estável Oliver parecia o marido perfeito... Até ela conhecer Liam, o sensual e rebelde melhor amigo. De repente, Victoria passa a ter sentimentos que só vivera em fantasias selvagens. Mas pelo homem errado! Chega o momento em que Oliver fica de joelhos e faz o pedido. Agora, Victoria precisa decidir se seguirá a razão ou o desejo!

AMOR INESPERADO – Anna Cleary Sebastian Nikosto nem imaginava como seria sua noiva, mas certamente não esperava alguém como a estonteante Ariadne Giorgias. Ele precisava se casar para salvar seu império. Mas antes, teria de usar todo o seu poder de sedução para convencer a obstinada Ariadne a seguir seus planos. O casamento seria apenas conveniência... até a noite de núpcias fazer com que ambos anseiem por mais.

Querida leitora, Em Memórias do amor, de Kelly Hunter, Lena e Trig são amigos há muito tempo e sempre sentiram uma forte atração... que faziam questão de ignorar. Até o destino arranjar uma maneira bastante inusitada de uni-los para sempre! Em E se a resposta fosse outra?, de Natalie Anderson, quando o namorado de Victoria faz o tão esperado pedido, ela fica dividida. Claro que Oliver seria o marido perfeito. Por outro lado, ela tem sentimentos pela sensual Liam. Bem, Victoria não precisará decidir. Nessa história, você vai saber o que aconteceria se ela dissesse sim a Oliver. E também o que aconteceria se ela escolhesse Liam. Para qual dos dois será a sua torcida? Em Amor inesperado, de Anna Cleary, casamento arranjado não estava nos planos de Ariadne Giorgias. E ela fará de tudo para dificultar a vida do noivo, o poderoso Sebastian Nikostos. Será que esse sedutor habilidoso conseguirá fazê-la mudar de ideia? Boa leitura! Equipe Editorial Harlequin Books

Kelly Hunter Natalie Anderson Anna Cleary

ESCOLHAS DO CORAÇÃO

Tradução Fernanda Lizardo Maurício Araripe Rafael Bonaldi

2016

SUMÁRIO

Memórias do amor E se a resposta fosse outra? Amor inesperado

Kelly Hunter

MEMÓRIAS DO AMOR

Tradução Fernanda Lizardo

PRÓLOGO

LENA WEST, 17 anos, não entendeu a pergunta. Tinha alguma coisa a ver com a fórmula de Euler e o número complexo z, mas, além disso, Lena não fazia ideia. Gemendo, ela deixou a caneta cair sobre a folha pautada e cobriu os olhos com as palmas para que não pudesse ver o movimento do oceano além da porta de tela. Verão e escola nunca formavam uma boa combinação. Não quando havia uma praia a poucos metros de sua casa e uma elevação de ondas que parecia atrair seu irmão mais velho para a água no momento em que todos eles chegavam da escola. Não era justo que Jared conseguisse fazer cálculos matemáticos de cabeça. E não ajudava em nada o fato de seus dois irmãos mais novos serem verdadeiros gênios – um muito levado e o outro não –, capazes de responder à questão seis da lição em menos de dez segundos. Poppy, de 14 anos – e que não era a levadinha –, a teria ajudado caso estivesse por perto, mas Poppy chamara a atenção do grupo de pesquisa de matemática da Universidade de Queensland e agora passava a maior parte de seu tempo em Brisbane. Damon, de 13 anos, também não estava por perto para ser consultado. Ele estava na detenção mais uma vez: sua teoria era que, se ele fosse indisciplinado e sorrateiro o suficiente, seria capaz de evitar totalmente o terreno dos grupos de pesquisa. Lena aplaudia a iniciativa de Damon, ainda que não concordasse com o risco. Quando você era tão brilhante, as pessoas notavam. Não que Lena tivesse motivos para se preocupar nesse quesito. Suspirando, ela abriu os olhos e pegou sua caneta. Questão seis. Lá estava. Zombando dela. Uma questãozinha simples que todo mundo em sua família maluca seria capaz de resolver dormindo. – Idiota – resmungou ela. – Quem? – disse uma voz deliciosamente grave de trás dela, e Lena quase morreu de susto, pois não tinha ouvido ninguém entrar. Ela conhecia a voz, no entanto, e sua carranca se aprofundou quando se virou para fitar Adrian Sinclair, seu vizinho duas casas abaixo e melhor amigo de Jared desde o jardim de infância. – Você não sabe bater? – questionou ela, irritada, e soube que era uma pergunta estúpida mesmo quando a pronunciou. Adrian não precisava bater; ele praticamente morava ali. – Não queria interromper sua linha de raciocínio.

– E mesmo assim interrompeu. O sorriso dele se abriu. – Você disse “idiota”. Pensei que estivesse falando comigo. – Idiota. – Sacou o que eu quis dizer? Difícil não sorrir com a risada nos olhos castanhos de Adrian. – Este sorrisinho torto não vai te levar a lugar algum. – Isto nem sempre é verdade. Jared está por aí? – Saiu. – Lena assentiu para o oceano Pacífico. Ainda estava azul. Ainda acenava para ela. Jared estava saindo da água, a prancha na mão. – Por que não está lá com ele? – Pensando bem – disse Adrian. – Por que você não está? – Tenho prova de matemática amanhã. – Lena olhou para ele especulativamente. Adrian tinha escolhido as mesmas disciplinas escolares que Jared. Os mesmos assuntos que ela escolhera, com a diferença de um ou dois. Ele e Jared estavam um ano à frente dela na escola. – O que você sabe sobre a fórmula de Euler e planos complexos? Adrian aproximou-se, pairando acima do ombro dela. – Qual pergunta está lhe dando problemas? – A seis. – A questão-bônus? Você sabe que pode deixar em branco, não é? – Que tal nós fingirmos que isto não é uma opção? – Não era. Não nesta casa. – Tudo bem. – Adrian estendeu a mão para o livro e começou a folheá-lo como se realmente soubesse o que procurava. Pulsos longos. Mãos grandes como remos. Dedos fortes, grossos e calejados graças às horas gastas no kite surfing. Lena teve o desejo insano de pousar a palma na dele e tirar as medidas, registrar exatamente o quanto as mãos dele eram quentes, grandes e ásperas... E então o livro didático caiu com um baque sobre a mesa, ao lado dela, e o peito de Adrian roçou em seu ombro enquanto ele apontava para uma seção específica do texto e... caramba, como está ficando quente aqui. – Você quer uma cadeira? – perguntou ela, pois era melhor colocar alguma distância entre eles. – Passei o dia sentado. Estou bem. Lena remexeu-se, inquieta, e deu uma boa fungada no perfume de Adrian, para a própria tristeza. Ele tinha um cheiro intenso, tentadoramente refinado, e isso depois de uma tarde praticando esportes na escola. Como se tivesse tido tempo de tomar banho antes de vir, o que não fazia sentido algum, dada sua tendência de acabar no oceano de qualquer maneira. – Então... – começou ele, sua voz mais impaciente do que o habitual. – Questão seis. Certo. Questão seis. Lena arrastou seu foco para o referido assunto. Não! As mãos, não! A questão seis. – Então... Eu tentei encontrar a... – O que está rolando? – perguntou uma voz à porta do pátio, e Lena conhecia todas as nuanças daquela voz também, não havia necessidade de olhar para saber que Jared estava de pé à soleira da porta ou que estava de cara amarrada.

Ela olhou para cima mesmo assim e encontrou o olhar semicerrado de seu irmão, tomado de curiosidade. Ele era dono de um cabelo negro indisciplinado, um traço que ambos partilhavam, embora o dela fosse consideravelmente mais longo e muito mais indisciplinado. E ele tinha os olhos mais azuis do que os dela, pois os de Lena tendiam a se acinzentar sob determinado tipo de luz. Os dois eram donos de uma constituição atlética. Lena ansiava por mais curvas, mas não ia acontecer. E agora ela estava de cara amarrada, exatamente como Jared. Os traços de família eram fortes. – Qual é o seu problema? Já não há fãs suficientes de Jared West na praia? – Jared era um sujeito solicitado no que dizia respeito às garotas da região. A maioria dessas meninas fazia amizade com Lena com o intuito de se aproximar dele, o que não era um problema, exceto porque Jared trocava de namorada com uma velocidade vertiginosa, e poucas garotas continuavam amigas de Lena depois. – Azar o delas – dizia Jared quando ela reclamava sobre a dispensa de suas amigas e, ao passo que as palavras cortantes dele acalmavam seu ego, perdurava o fato de que Lena ainda estava assustadoramente desfalcada de amigas por causa dele. Depois disso, ele se mostrara mais inclinado a deixá-la colar nele, provavelmente por pena. Lena podia ficar muito bem sem a pena dele, mas pedintes normalmente não tinham poder de escolha. – Eu disse: o que está rolando? – repetiu Jared, demonstrando frieza. – Trigonometria – disse Lena, imaginando que uma resposta direta poderia satisfazê-lo. O olhar de Jared mudou para Adrian. – É assim que ela está te chamando estes dias? Adrian sustentou o olhar sombrio de Jared com uma expressão enigmática. – Se tem alguma coisa te incomodando, J, desembucha. O olhar de Jared ficou passeando entre Lena e Adrian mais uma vez. Adrian endireitou-se lentamente e algo lampejou entre ele e seu irmão, alguma mensagem cujos códigos Lena desconhecia. – Você conhece as regras – disse Jared secamente. – Eu conheço as regras? – perguntou ela. – Que regras? – Ele pensou que eu estivesse dando em cima de você – disse Adrian, depois de mais um silêncio longo e carregado. – Não é algo digno de incentivo. – Como assim? – quis saber Lena. Havia duas questões subentendidas naquela simples declaraçãozinha, e enquanto sua mente se esquivava da implicação de que Adrian poderia realmente gostar dela o suficiente para tentar conquistá-la, Lena não tinha problema algum em lidar com a segunda afirmativa. – Jared West, você está assustando meus namorados em potencial? Porque se estiver... e eu descobrir que está... – Lena semicerrou o olhar. – É por isso que Ty Chester não me chamou para a festa do décimo primeiro ano? Porque ele ia me convidar... Eu sei que ia. E aí não convidou. – Não, esse fora aí foi todo por sua conta – falou Jared. – Ele provavelmente pensou que você fosse chamá-lo para saltar de asa-delta em troca. Ouvi dizer que ele tem medo de altura. Você o teria devorado vivo – disse Jared.

– Sim, esse era o plano. Jared, eu juro, se um dia pegar você interferindo na minha vida amorosa, vou transformar a sua vida amorosa num inferno. E a sua também – disse ela a Adrian, só para garantir. – A minha já é um inferno – murmurou Adrian, e Jared bufou. Houve mais um pouco de comunicação silenciosa entre eles, cortando Lena do circuito de maneira eficaz. Eles faziam isso o tempo todo e, em geral, não a incomodava. Mas hoje estava incomodando. – Deus do céu, vão para um motel vocês dois. – Sim, Trig – disse Jared, sombriamente alegre, apelidando Adrian com uma redução de “trigonometria”. – Vamos para um motel. – Se a gente for surfar hoje à tarde, vou afogar você – disse Trig, anteriormente conhecido como Adrian. Jared mostrou o dedo do meio, mas de um jeito amigável. – Por acaso isto são as preliminares? – perguntou Lena. – Porque se forem, dá para vocês fazerem em outro lugar? Estou tentando me concentrar na lição de casa aqui. – Um ponto válido na opinião dela. Infelizmente, aquilo chamou a atenção de Jared de volta aos seus livros. – Desde quando você precisa de ajuda com o dever de matemática? – perguntou ele. – Desde que ficou difícil. Que tipo de pergunta idiota é esta? – Sério? Você não consegue mesmo resolver trigonometria básica? – É por isso que eu acho que não tenho parentesco com qualquer um deles – disse Lena a Adrian. – Sou filha do leiteiro. – Quem se importa se você leva uma fração de segundo a mais do que eles para resolver um problema de trigonometria? Você ainda resolve. – Sim, mas não rápido o suficiente. E assim eles vão me deserdar. É isso que acontece com as pessoas que não conseguem acompanhar o ritmo. – Desde quando você não acompanhou? – Isto, vindo de Jared, que nunca precisara se esforçar para acompanhar nada. Ele sempre estivera na frente; sempre o líder. E Lena sempre se matara para garantir que não ficaria muito atrás. Aquilo estava lhe custando, no entanto. Cada vez mais, ela sentia o aumento da diferença entre as próprias habilidades e as de seus irmãos. Era a maldição de ser uma pessoa comum numa família incomum. – Você me deserdaria se eu ficasse para trás? – perguntou ela. E deixou Jared chocado e sem palavras. Adrian estava olhando para ela de um jeito engraçado, como se soubesse o tempo todo que suas inseguranças estavam lá, mas não conseguisse entender muito bem por que ela as estava expondo justamente agora. Lena também não sabia por que estava fazendo aquilo. Era só um problema matemático. – Não importa – disse ela, sem jeito. – Você não vai ficar para trás. – Jared finalmente reencontrou sua voz. – Eu não vou deixar. Ele simplesmente não entendia. – Mas e se esse for o nível no qual eu estou destinada a ficar? Tipo o mar, que sabe qual é o seu nível?

– Não – disse Jared severamente. – Para o inferno com isso. É simplesmente derrotista. – Ninguém vai deixar ninguém para trás – disse Adrian com ternura. – Ninguém aqui é um derrotado. Jared nunca vai deserdá-la, Lena. Ele é incrivelmente protetor para com você. Será que não viu como ele agiu feito um homem das cavernas comigo só porque me atrevi a te olhar de banda? – Claro que vi – concordou Lena. – Mas ele está protegendo a você, e não a mim. – Talvez eu esteja protegendo vocês dois – disse Jared. – Alguém já pensou nisto? – Prodigiozinho – murmurou Lena, e Adrian assentiu em concordância, o que fez Lena rir e quebrou a tensão, e ela era totalmente a favor que permanecesse quebrada. – Que tal se eu recomeçar esta conversa? – ofereceu ela. – Mas dá para fazer sem este jeitinho emo? – perguntou Jared. – Você quer sinceridade? – Isso ela sabia fazer. Lena apontou a caneta para o peito de Adrian. – Tem uma imbecil necessitando de uma ajudazinha com o dever de matemática, antes de ela poder sair para surfar. Estou presa na questão seis. E foi assim que Lena conseguiu dois tutores de matemática pelo restante do ano, e também foi assim que Adrian Sinclair ganhou o apelido de Trig. Nada a ver com o fato de ele ser muito gostoso. Ainda que ele fosse mesmo.

CAPÍTULO 1

NÃO ERA fácil sentir inveja. Sendo a inveja a emoção que Lena transbordava quando via os outros andando para lá e para cá sem esforço e sem dor. Ela tentava manter seus ressentimentos sob controle, mas a inveja tinha amigos poderosos, como autopiedade e raiva indistinta, e quando elas entravam na brincadeira, o lado alegre de Lena se rendia com um simples murmúrio. Levar um tiro 19 meses atrás havia trazido à tona o pior dela, ao invés do melhor. Focar nos aspectos positivos, dissera-lhe bruscamente a fisioterapeuta esmerada logo no início da reabilitação. Você está viva. Você pode andar. E em seguida a fisioterapeuta deu uma batidinha na lateral do crânio de Lena. Você é forte de verdade. Aqui em cima. Lena tomara este último comentário como um elogio. Mas só até a fisioterapeuta começar a lhe dizer para pegar leve nos exercícios e deixar seu corpo se curar. Lena ignorara, a ponto de a fisioterapeuta começar a comparar Lena com o touro de estimação de alguém. Tal como em “excessivamente teimosa e não muito brilhante”. E o fato de a outra mulher provavelmente estar certa não ajudava muito. Ainda assim, a teimosia fizera Lena se dirigir ao aeroporto esta manhã; e daí se ela afundasse num assento numa fileira ao lado do portão de embarque, abafando um xingamento e sentindo certo alívio? Ela conseguira. Mais meia hora e Lena estaria num avião com destino a Istambul, e quando chegasse lá, encontraria Jared, seu irmão rebelde, e o levaria para casa a tempo do Natal. Ela era capaz disso. Estava fazendo isso. Não importava que estivesse dando um passo de cada vez. Lena fechou os olhos e esfregou o rosto. Alguém se sentou ao lado dela e ela abaixou as mãos, deu uma olhada de soslaio e gemeu ao notar seu castigo merecido, Adrian Sinclair, olhando de volta para ela.

Trig era alto. Tipo 1,94m perfeitamente distribuídos. Desde seus 16 anos, as mãos dele haviam crescido. E os ombros também. Bom para ele. Lena parara de crescer num respeitável 1,72m. Ter estatura mediana não era um problema. Estar na média de qualquer coisa não era um problema. – Vá embora – disse ela em forma de cumprimento. – Não – respondeu ele como se dissesse “olá”. – Ouvi dizer que você abandonou a fisioterapia. Que belo jeito de fazê-la sentir-se pior. – Eu vou voltar. Interrompi para um período de reflexão. – Você não vai conseguir. – Vai impedir? – Você superestima minha influência – ribombou Trig. – Lena... – Não – disse ela, interrompendo-o depressa. – O que quer que você vá dizer sobre meu bemestar atual... não diga. Eu não quero ouvir isto. – Eu sei que você não quer, mas cansei de abordar o assunto. – Trig cerrou a mandíbula. Ele tinha uma bela mandíbula. Forte. Quadrada. Fornecia um contraponto muito necessário para seus olhos castanhos arrebatadores. – Quando você vai enfiar nessa sua cabecinha dura que jamais vai conseguir seu antigo emprego de volta? Lena não disse nada. Não era o que ela queria ouvir. – Não significa que você não pode ser igualmente eficiente em outros lugares – continuou Trig obstinadamente. – Atrás de uma mesa? – Controle de Operações. Esferas do poder. Poderia ser divertido. – Se é tão divertido assim, por que você não vai fazer isso? – O que você acha que eu tenho feito nesses últimos 19 meses? Além de largar tudo regulamente para vir servir de babá para você? Por que acha que eu saí de circulação, para começo de conversa? Lena teve a graça de corar. Assim como ela e Jared, Trig já fora parte de uma equipe de inteligência militar de elite e, assim como ela, Trig amava seu trabalho. O aspecto físico extremo dele. O perigo e a emoção. Os riscos que passavam por um triz e a adrenalina. Trig devia estar sentindo falta de tudo isso. – Por que você se retirou de circulação? Eles te alocaram em outra equipe. Ninguém te pediu para se sentar à uma mesa. E eu não preciso de uma babá. – Ah, quem dera se você provasse isso. – Trig esticou as pernas diante de si e tentou se acomodar no assento pequeno demais do aeroporto. Um homem grande com um corpo moldado para o combate. O rosto lindo e o sorriso fácil... aqueles eram apenas para fins de desarmamento. – Adrian, o que você está fazendo aqui? – Adrian era seu nome verdadeiro. Lena só o utilizava quando a conversa ficava muito séria. – Como você ao menos sabe que eu estava aqui? – Damon me ligou. Ele sinalizou sua presença no minuto em que você passou pela alfândega. – Cara, eu odeio isso. – Quem teria um hacker de computadores como irmão? – Não existe respeito nenhum pela privacidade alheia. – É bem conveniente, no entanto. O que você pretende fazer exatamente em Istambul, Lena? – Encontrar Jared.

– O que faz você pensar que ele ainda está lá? – Eu não penso. Mas é a única pista que temos. Dezenove meses e nem uma palavra sobre seu paradeiro até agora. E se ele estiver precisando da nossa ajuda? – Se ele precisar da nossa ajuda, ele vai pedir. – E se ele não puder pedir? Jared está numa encrenca daquelas. Eu sinto isto. Ele não passaria tanto tempo sem tentar dar um jeito de entrar em contato conosco. Simplesmente não faria isso. – Faria se achasse que o risco de estragar seu disfarce fosse muito grande. – Se é assim tão perigoso, talvez ele não devesse estar lá de jeito nenhum. Trig deu de ombros. – Jared quer respostas. Ele precisa de respostas. Meta-se no caminho e ele não vai ficar nem um pouco feliz. – Não vou ficar no caminho dele. Você me dá muito pouco crédito. – Eu nunca lhe dei muito pouco crédito. Este não é um erro que estou propenso a cometer. Já muita liberdade, por outro lado... – Seu misógino. – Nem perto disso. – Então você não pretende me jogar no seu ombro e me obrigar a sair da área de embarque? – Seria exibição demais – disse Trig, sacando seu celular e digitando na tela. Lena sentiu um nervo se repuxar em seu baixo-ventre e se remexeu na cadeira, inquieta, desviando o olhar. Ela sempre tivera uma quedinha pelas mãos de Trig. Uma pequena parte dela há muito desejava saber o que elas seriam capazes de espremer dela caso Trig um dia se esforçasse. Não que um dia ele já tivesse se esforçado. – Fizemos uma votação; eu, Damon e Poppy – continuou ele. – Para o caso de eu não conseguir persuadir você a ficar e ser sensata, eu também serei estúpido e lhe farei companhia. Damon até já providenciou minha passagem. Pode agradecer a ele mais tarde. – Agradecer a ele não é exatamente o que tenho em mente. – Damon se importa com você, Lena. Ele já tem um irmão desaparecido. Não quer que mais um desapareça, e eu não quero ter de explicar a Jared por que diabos a deixei ir procurá-lo sozinha. Já vai ser ruim o suficiente tentar explicar a ele porque eu permiti que você o procurasse, de qualquer forma. – Você aprova o que ele está fazendo – disse ela amargamente. – Não quer que ele permaneça em segurança. Quer que ele descubra quem sabotou a operação do Timor Leste. – Com certeza quero. – O que você e Jared fizeram? Jogaram uma moeda para ver quem iria e quem ficaria para cuidar da inválida? – Não precisei. Ele foi. Eu fiquei. – Trig encarou-a sem rodeios, e Lena foi a primeira a desviar o olhar. Ela não vinha sendo a melhor companhia nos últimos 19 meses; dopada demais de analgésicos e de autopiedade para ser comedida com alguém. Estava um tanto concentrada em conseguir passar o dia na posição vertical para se preocupar em ferir os sentimentos de alguém ao longo do trajeto. Trig merecia um tratamento melhor da parte dela. Sua família merecia.

– Desculpe – disse ela, e tomou uma joelhada daquelas pernas longas e esguias em resposta. – Sinto muito. – Eu sei. Mas a menos que ela de fato fizesse alguma coisa para mudar sua mentalidade e seus modos, “desculpe” era apenas mais uma palavra vazia. – Você vai ficar ao meu lado neste voo? – perguntou ela. Trig assentiu, os olhos esquadrinhando os outros passageiros. – Será que Damon nos colocou na classe executiva enquanto se embrenhava nas entranhas do sistema supostamente seguro da empresa aérea? – Colocou. Disse que iríamos precisar de espaço para as pernas. Você precisa fazer o upgrade com a equipe de embarque. Pode chamar de destino, intervenção ou de “as alegrias de se ter um gênio na invasão de computadores como irmão”, mas o sistema de alto-falante escolheu aquele momento para solicitar a presença de Lena no balcão de embarque. – Você quer que eu resolva isto? – perguntou Trig. – Não. – Lena ficou de pé. – Eu dou conta. Foi um mérito da parte de Trig só ter ficado observando enquanto ela caminhava cautelosamente até o balcão e trocava sua passagem da classe econômica para a executiva. Mas mérito nenhum quando ele foi saltitando até ela, o rosto muito sério, daí passou um braço em volta de sua cintura e outro sob seus joelhos e a carregou em silêncio de volta ao seu assento. Ela não ficou nem um pouco grata por seu silêncio ou por sua força. Não ficou mesmo. ELES JÁ tinham viajado juntos antes. Feito refeições juntos, dormido lado a lado em praias e valas. Lena conhecia o cheiro de Trig, os contornos esguios de suas costas e a largura de seus ombros. Ombros feitos para se chorar neles, embora ela raramente tivesse feito algo assim. Força suficiente para carregar outras pessoas, embora ele nunca tivesse precisado carregá-la. Até Lena ser baleada. Parte dela odiava não ser capaz de se igualar mais a ele. Não dava mais para equiparar sua velocidade e agilidade à força bruta dele, ou inventar uma competição adequada. O que restava dela só queria se aninhar naquela força dele e se abrigar da dor. A chamada de embarque para o voo foi anunciada no sistema de alto-falante. – Lena... – começou Trig, e ela soube o que ele ia dizer antes mesmo de dizê-lo. Ela o interrompeu porque não queria ouvir mais uma rodada de como ela era muito frágil para isso e de como deveria deixar aquela coisa toda para lá. – Não me diga para repensar – disse ela, ciente da fraqueza em sua voz, fruto do desespero. – Por favor. Eu preciso encontrá-lo. Preciso conferir por conta própria se ele está bem. Assim que eu souber, irei embora. Prometo. Mas preciso saber se ele está bem. Preciso que ele veja que eu estou bem. Trig não disse palavra, simplesmente pegou a bolsa de viagem de Lena no banco ao lado. Ela fez menção de pegá-la ao mesmo tempo que ele.

– Eu dou cont... – começou ela. – Lena, se você não me deixar levar sua bolsa, provavelmente eu mesmo vou atirar em você – disse Trig com uma delicadeza exagerada. – Quero ajudar. Você pode até dizer que eu preciso ajudar... do mesmo jeito que precisa ver seu irmão e resolver as coisas com ele. Então solte a porcaria da bolsa. Ela soltou a bolsa. – Não creio que você atiraria em mim – murmurou ela finalmente. – Mesmo que estivesse com sua arma. Acho que você é puro blefe. – Não sou. – Trig pôs o passo no mesmo ritmo dela; um belo esforço para um sujeito cuja passada era uns bons trinta centímetros maior do que a dela. – Sou cruel e ameaçador e perfeitamente capaz de dar cabo às minhas ameaças. Eu gostaria que você se lembrasse disto. Talvez, se não o conhecesse tão bem, Lena o achasse mais ameaçador. O problema era que ela sabia o quão gentis aquelas mãos imensas podiam ser quando se tratava de ferimentos. Sabia que ele deceparia as próprias mãos antes de machucá-la. Chega dessa fixação nas mãos dele. Entraram no avião e encontraram seus assentos. Trig organizou as bagagens nos compartimentos e ficou observando enquanto ela se acomodava timidamente no assento amplo e confortável. Dez segundos depois, ele estava pendendo um travesseirinho diante do nariz dela. Lena o pegou e o apoiou na lombar. Melhor. – Você tem um plano para quando chegarmos a Istambul? – Trig deu-lhe mais um travesseiro e ela cogitou golpeá-lo com ele, mas em vez disso o enfiou na lateral do assento. Ela sempre poderia sufocá-lo com ele mais tarde. – Eu tenho um plano – disse ela. – E um encontro com Amos Carter daqui a dois dias. – Por favor, diga-me que você não está baseando toda esta viagem na capacidade de Carter em contar onde Jared está – pediu Trig. – Porque essa árvore aí eu já sacudi. Ele imaginou tê-lo visto em Bodrum, mas não se aproximou o suficiente para uma identificação positiva. Isso foi há seis semanas. – Eu sei disso. E se Amos não tiver mais nada a acrescentar, vou para Bodrum bancar a turista e ver o que consigo achar. Meus olhos são melhores do que os dele. Eu conheço os hábitos de Jared. Se ele estiver lá, vou encontrá-lo. Se ele esteve lá, vou descobrir para onde ele foi. Ela olhou para Trig especulativamente, tentando descobrir a melhor maneira de encaixá-lo em seu plano. – A gente pode fingir que está de férias, juntos. Pode ser nossa lua de mel. É um bom disfarce. Trig pareceu assustado. E então se mostrou desconfiado. – Não necessariamente. Bodrum é uma meca turística. Barcos. Festas. Boates ao ar livre. Libertinagem. Nós provavelmente vamos explorar essa libertinagem. Acho que fingir que somos casados não ajudaria em nada. – Você está totalmente certo – disse Lena, perfeitamente disposta a melhorar seu plano atual. – Eu poderia ser sua cafetina, em vez disso. Você poderia ser Igor, o Magistral. Pode haver couro envolvido.

– Ei, nem vamos rumar para esse caminho. Lena sorriu para a comissária de bordo atrás de Trig. Em seu favor, a aeromoça nem piscou diante daquela conversa imprevisível e simplesmente pegou sua pinça e entregou a Trig uma toalhinha úmida fumegante. Entregou uma a Lena também. Lena agradeceu-lhe com doçura, abriu a toalha e limpou as mãos e braços, até os cotovelos. Trig recostou-se e passou a toalhinha no rosto. – Eu ainda estou aqui – disse Lena. – Nem me lembre. – Pelo menos não é a barriga de um avião Hércules – disse ela. – E suas pernas de fato cabem no espaço oferecido. Só vejo vantagens. – Estou farto de vantagens. – Lena ainda conseguiu distinguir as palavras abafadas sob a toalha de rosto. – Atualmente sou pura análise de risco e minimização de danos colaterais. – Quando foi que você amadureceu assim? – No dia 22 de abril de 2011. O dia em que Lena fora baleada.

CAPÍTULO 2

VINTE E seis horas, Trig pegava as malas e saía do aeroporto de Ataturk com Lena num táxi azulclaro enferrujado. Sem estardalhaço, sem dar grande importância às passadas lentas e constantes de Lena, e ela era grata por isso. Também estava grata por Trig ter escolhido acompanhá-la. – Para onde? – perguntou o motorista num inglês perfeitamente compreensível quando abriu o porta-malas e colocou a bagagem nele, classificando-os naturalmente como estrangeiros falantes da língua inglesa enquanto fazia isso. – Para o Hotel Best Southern Presidencial, perto do Grande Bazar – disse Lena ao motorista. – E você pode fazer outra coisa para nós? Pode passar pela Mesquita Azul no trajeto? – Senhora, seria um prazer imenso fazer isso por você – anunciou o motorista, radiante. – Esta é sua primeira visita à nossa magnífica cidade, não? Você e seu marido também deveriam visitar o Palácio de Topkapı e a Santa Sofia. E o Grande Bazar, é claro. Meu primo vende tapetes de seda lá. Vou informá-lo de sua chegada e ele vai tratá-los como se fossem da família. Aqui. – O motorista voltou-se para eles, acenando com um cartãozinho de visitas. – O cartão do meu primo. Sua loja fica na Sahaflar Caddesi. É uma rua cheia de trapaceiros. Muitos trapaceiros, mas não meu primo. Digam que Yasar Sahin mandou vocês. Este sou eu. Já escrevi no cartão para vocês. Trig pegou o cartão do motorista em silêncio, provavelmente na esperança de o sujeito virar-se logo para a frente e dirigir. Lena sorriu. Trig tinha uma fraqueza por carpetes, tapetes, tapeçarias de parede e de piso. Ela não fazia ideia do porquê. – Você sabe que vai querer um – murmurou ela. – Não se atreva a falar em joias – resmungou ele de volta, mas Yasar Sahin ouviu. – Está procurando ouro? – Surgiu mais um cartão entre os dedos ágeis do motorista. – Prata? Este homem é meu irmão e suas joias vão fazer sua esposa chorar. – Eu não quero que ela chore – disse Trig, mas pegou este cartão também. Ele não mencionou que Lena não era sua esposa. – Estão com fome? – perguntou o motorista. – Meu quiosque favorito de kebab fica nesta rua. É o melhor da cidade. – Mais um irmão? – perguntou Lena.

– Gêmeo – respondeu o motorista, e Lena riu. Eles não comeram kebabs; mas viram a Mesquita Azul sob o crepúsculo e chegaram ao hotel sem maiores contratempos. Trig deu uma boa gorjeta porque Lena ainda estava sorrindo. Também pegou o cartão de visitas de Yasar, para seu azar. – Porque também sou guia de turismo e “resolvedor” – disse Yasar. – Resolvedor? – Resolvedor de problemas. Claro que era. O hotel escolhido por Lena estava na média em termos de conforto e era bem localizado. Ela dissera ao funcionário da recepção que Trig era seu marido, que havia se juntado a ela na viagem de forma inesperada, e então o funcionário acrescentou os dados de Trig para a reserva sem exprimir mais do que um murmúrio. – Você tem certeza disto? – cochichou ele enquanto o funcionário ia buscar os cartões para abrir a porta do quarto. – Por quê? Você quer outro quarto? Ele não tinha certeza. – É um quarto com duas camas. Mesmo assim, ainda era um quarto só. E cara, tinha o conforto de um alojamento. Trig avaliou a pequena distância entre as duas camas com receio. Eles tinham resistido bastante, ele e Lena. Dividir um quarto de hotel não estava na lista. Ele colocou a bolsa dela no suporte aos pés da cama mais distante da porta. Lena inspecionou o banheiro e o julgou satisfatório, porque ela queria um com banheira de hidromassagem e conseguiu. Quando Trig se deu conta, as torneiras estavam ligadas e Lena esquadrinhava entre seus pertences em busca de roupas limpas. – Quer tomar banho enquanto a banheira está ligada? – perguntou ela a ele. – Porque, um aviso bem claro, depois que eu entrar no banho, não vou querer sair. – Você está dolorida? – Eu só quero relaxar as tensões. – Certo. – Trig pigarreou e abriu sua bolsa, olhando para a bagunça de roupas que ele nem mesmo se dera ao trabalho de dobrar, e tentou não pensar em Lena, nua no banho, a menos de meio metro dele. – Sendo assim... tudo bem, sim. Posso tomar banho agora. – Ele pegou um jeans desbotado e uma blusa igualmente gasta, e depois parou. – Aonde você quer ir jantar? – Isso poderia afetar concebivelmente a escolha da blusa. – Sou totalmente a favor do serviço de quarto, desde que o cardápio pareça bom. E não é porque eu não quero andar – acrescentou defensivamente. – Pedir o serviço de quarto para jantar esta noite sempre foi parte do plano. Longe dele querer modificar o plano. Ele espiou a distância entre as camas outra vez. – Sou só eu ou este quarto é meio pequeno? – Talvez se você parasse de crescer...

– Eu parei. – Tudo bem, então Trig estava mais alto e seus ombros, mais largos. Mas, em geral, ele estava tranquilo com isso. – Você só acha que eu deveria ter parado mais cedo. – Ele olhou para uma das pequenas camas de casal, cheio de dúvida. – Isto não é uma cama de casal. É uma cama de casal em miniatura. – É de viúva. – Será que estamos brigando? – perguntou. – Porque Poppy disse que está farta das nossas disputas. Achei que a gente pudesse abrir mão delas durante a Quaresma. – Não estamos na Quaresma – informou Lena. – Além disso, eu gosto de brigar com você. Faz eu me sentir confortável e normal. Trig bufou. Aos 16 anos, as brigas com Lena tinham sido sua primeira linha de defesa para que as pessoas descobrissem o quanto ele era apaixonado por ela. Ainda discutia com ela, sem dúvida. Mas hoje tais discussões ficavam defasadas depressa. Ele encontrou sua bolsinha com artigos de higiene pessoal e seguiu para o banheiro, só para descobrir que o cômodo era do tamanho de um tapete de banheiro e que a banheira enchia muito lentamente, um impedimento sorrateiro para enchê-la por completo. Em vez de quatro, o banheiro possuía duas paredes, uma porta lateral e uma daquelas meias-paredes com persianas separando-o do quarto principal. Trig estendeu a mão para as persianas. A brigona certamente ia querer que estivessem fechadas. Ele espiou pela porta do banheiro e para o tapetinho no meio da passagem. Poderia fechá-la no último minuto. Que ninguém nunca soubesse que Adrian Sinclair tinha mais do que uma aversão normal a espaços pequenos. Que ninguém jamais o colocasse num submarino. – Ei, Trig. – A voz de Lena flutuou pela porta. – Cinco coisas que você jamais quis ser. E não diga “Sua babá”. Nunca quis ser apaixonado pela irmã do meu melhor amigo, pensou ele sombriamente. Principalmente porque ela nunca lhe oferecera o menor dos incentivos para investir. – Eu jamais quis ser mecânico de motores – disse ele em vez disso. – Fala sério. – Estou falando sério. – Ele ligou as torneiras do chuveiro, esperando por um pouco de pressão. Nada. Talvez se ele desligasse as torneiras da banheira. Tirou as roupas e as deixou cair no chão. E Lena apareceu à porta. – Mas que droga, Lena! Que vergonha! – Mas ele não pegou uma toalha ou virou-se para esconder seu corpo. Ela já tinha visto muita coisa ali, e quanto ao restante... bem... nada para se envergonhar. Lena baixou o olhar, mas não para o chão. Ela engoliu em seco. – Eu, ah... – Sim? – perguntou Trig suavemente, meio incomodado e, mais enfaticamente, meio tranquilo. Seu cérebro achava que ela o tratava como um objeto, e se opunha a isto. Seu corpo não dava a mínima se ela o tratava como objeto ou não. – Eu, ah... – Finalmente ela arrastou o olhar para cima, passeando pelo restante do corpo, e em seguida, no que pareceu ser um belo esforço, desviou o olhar. – Desculpe. Tenho certeza de que vou me lembrar do que eu queria dizer a você, mais cedo ou mais tarde.

– Que é um belo tamanho – desafiou ele suavemente. – Sim, bem. Quem diria? – Ela deu a meia-volta mais veloz que ele vira em muito tempo e seguiu de volta para outra parte do quarto, uma parte que ele não conseguia enxergar. – Quer dizer, eu ouvi boatos... Suas antigas namoradas não eram exatamente discretas. – Não? – Ele tivera algumas namoradas ao longo dos anos, não muitas, mas o bastante. E se esforçara muito para se apaixonar por todas. – O que elas são então? – Gratas – disse ela secamente. – Agora eu sei por quê. – Não sabe mesmo – sentiu-se obrigado a observar, e deixou a porta do banheiro aberta, virando-se de volta para o chuveiro. – Quem vai dizer que não foi por causa da minha personalidade vencedora? – Você gosta mesmo de vencer – disse Lena, enquanto Trig se enfiava sob o jato d’água e fechava a porta do chuveiro. Certamente uma porta fechada entre eles seria o suficiente. – Continua dizendo isto. – Só porque é verdade. Ao longo de toda a adolescência e mais além, ele, Lena e Jared competiram para ser mais velozes, mais sagazes, mais destemidos. E isso os meteu num monte de encrencas. E também os fez entrar para o Serviço Secreto Australiano de Inteligência. Jared subira de hierarquia porque era um líder nato, e Trig e Lena subiram com ele porque também possuíam habilidades, e porque os superiores identificavam as características de uma equipe tática de infiltração quando viam uma. Não havia espaço algum entre Trig e Lena quando o assunto era tudo que eles sabiam um do outro. Nenhuma força ou falha passava batida. E não havia nenhuma carência de lealdade ou amor. Lena o amava como a um irmão, e como a um camarada-militar, e isto valia alguma coisa. Valia, sim. Mas às vezes ela enxergava o menino imprudente que ele fora outrora, em vez de enxergar o homem que ele era. Às vezes ela o persuadia a jogos de competitividade que ele não mais tinha coragem de jogar. Ele levantou a voz para que ela o ouvisse acima do barulho do chuveiro. – Tem hambúrguer no cardápio? – Espere aí... – Lena voltou para junto da porta do banheiro, muito casualmente, agora que havia uma placa de vidro fosco entre ela e a nudez de Trig. – Sim, tem um hambúrguer no cardápio. Hambúrguer de cordeiro à moda turca. Surpresa. Eles também têm almôndegas e batatas, saladas, feijão verde e um monte de doces. – Baklava? – Uma variedade imensa de baklava. De nozes, de pistache, de castanha de caju, de pinha... Quer a sua regada com água de rosas? – Prefiro ter na minha boca. – Ele esguichou xampu na palma e levou as mãos à cabeça. – Está posando de propósito? – Você está olhando de propósito? – Pareceu uma resposta razoável. – Porque eu não tenho nenhuma objeção. Se quer olhar mais de perto, basta falar. – Ele estendeu a mão para a porta divisória e sorriu quando Lena guinchou um protesto e correu. – Pensei que você fosse destemida.

– Isso foi antes de eu ganhar uma cicatriz vitalícia. Agora sou cautelosa. Não quero ganhar cicatrizes vitalícias duas vezes. – Amém a isto – murmurou ele, todo o tom brincalhão sumindo quando enfiou a cabeça sob o jato d’água de novo, a melhor solução para afastar a imagem de Lena de costas na lama, suas entranhas quentes e escorregadias em suas mãos enquanto o mundo ao redor explodia. Que bom seria se ele conseguisse. – Que tipo de baklava você quer? – perguntou Lena. – Tem alguma opção que ofereça sabores variados? – Posso perguntar. Ele tentou pensar no verdadeiro motivo para o qual tinham ido para a Turquia. Para que Lena e Jared se encontrassem. Para que percebessem que todo mundo estava bem, e aí Trig poderia afastar Lena da porcaria do perigo antes que Jared conseguisse enfiá-la numa encrenca nova. Plano simples. Não era preciso ser um gênio para saber que a execução ia ser um inferno. TRIG SAIU do banheiro totalmente limpo e um pouco mais calmo por estar dividindo um quarto de hotel com Lena. Ela havia ligado a televisão e estava parada ao lado do aparelho, zapeando pelos canais. Ela o fitou, os olhos cautelosos. Trig achava que ela relaxara um pouco. Possivelmente porque ele estava de roupa agora. – A comida vai chegar daqui a uma hora – disse ela. – Achei que você fosse demorar mais. Achei que eu fosse poder ficar de molho na banheira. De molho. Certo. Lena estava prestes a ficar nua e ensaboada a menos de meio metro de onde ele estava, e Trig iria ignorá-la e nem mesmo cogitar colocar a mão na protuberância em suas calças, nem mesmo só para ajeitá-la. – Preciso de uma caminhada – murmurou ele. E tentou não bater a porta ao sair. LENA RECOSTOU-SE na parede mais próxima no minuto em que a porta se fechou atrás dela. Não sabia o que fazer com o humor de Trig esses dias: num minuto, provocações; no outro, mau humor. Na verdade, este vinha sendo o ritmo dela, não de Trig. Ele era o dono do temperamento estável, tranquilo em qualquer crise. Tranquilo até mesmo quando a flagrara deitada de costas na argila cinza pegajosa em Timor Leste, enquanto segurava suas entranhas no lugar. Tranquilo até mesmo quando Jared chegou derrapando ao lado dele e o mandou sair do caminho, e Trig respondeu que “não”, simplesmente não, e aí Jared recuou, roubou um carro e os transportou em segurança enquanto Trig mantinha Lena viva. Trig, totalmente tranquilo, enquanto o mundo em volta dela se tornara frio e cinzento. – Não ouse – disse ele, a voz dura e implacável ao ouvido dela. – Lute, caramba. Você sempre luta. Ela lutou. E ainda estava lutando.

Contra seus ferimentos. Contra sua dependência de terceiros. Contra seus sentimentos por Trig e contra a lembrança do rosto dele colado ao dela, e contra o murmúrio decepcionado em sua voz quando ele achou que ela estivesse inconsciente. – Fique comigo, Lena. Não ouse ir para onde não posso ir. Este fora o mais perto que ele já havia chegado de dizer que nutria sentimentos não exatamente fraternais por ela. Em outro momento, ela teria superado tudo isso. Tudo que tinha a ver com ele, se ele tivesse lhe dado incentivo suficiente. Mas agora? De jeito nenhum. Porque o que ela poderia lhe oferecer agora? Ela, que mal conseguia se manter de pé entre um dia e outro. Ela, cuja configuração padrão a deixava mais fadada a atacar as pessoas do que a amálas. E depois ainda havia a questão de suas lesões físicas não tão pequenas. Um corpo tão bonito como o de Trig merecia um corpo lindo debaixo do dele, não um como o dela, todos cheio de cicatrizes e funcionando mal. Nenhum bebê jamais sairia desse corpo, e Trig sabia disso. Ele estivera lá quando o médico dera aquela notícia, só que isso não fora novidade para Lena, porque dada a bagunça de seu organismo àquela altura, ela já havia imaginado que seria assim. Mas fora uma novidade para Trig, e ela ficou puxando um fio do cobertor desfiado do hospital e só observando com olhos semicerrados enquanto ele pousava a cabeça nas mãos e a mantinha ali durante a explicação do médico. E quando Trig finalmente levantou a cabeça, não fez nenhum comentário, apenas encarou Lena de maneira austera, arrasada antes de desviar o olhar rapidamente. Mas sem pena. Ele não era adepto de sentir pena. Aquilo se assemelhara muito mais com tristeza. Havia uma garrafa de vinho tinto no balcão acima do pequeno frigobar do quarto de hotel. Lena a abriu e serviu-se de uma taça generosa. Daí pegou sua mala para procurar uma muda de roupas e levou as peças e o vinho para o banheiro. A água ajudaria. A água sempre a ajudava a relaxar e a pensar com clareza. Encontrar Jared. Esse era seu objetivo. E então, uma vez que o mundo estivesse organizado, ela e Trig poderiam encontrar uma nova maneira de se comunicar. Uma que não envolvesse uma postura superprotetora da parte dele e nem uma postura defensiva da parte dela. Uma que envolvesse mais honestidade e menos brigas. Lena bebeu um gole de vinho e olhou pensativamente para a banheira que enchia lentamente. Uma que envolvesse um pouco mais de estima totalmente platônica pela pessoa que ele era.

CAPÍTULO 3

TRIG RETORNOU da caminhada exatamente quando o jantar chegou. Ele assentiu para Lena, deu uma gorjeta ao funcionário pelo serviço e começou a transportar os pratos do carrinho para a mesinha de jantar de dois lugares que ficava junto à janela. Lena serviu vinho a ele e mais uma taça para si. Ela não perguntou sobre a caminhada logo de cara. Dada a tensão que o acompanhara até o quarto, ela supôs que deveria guardar a pergunta inócua totalmente para si. – Você tomou algum analgésico? – quis saber ele, e não era uma pergunta racional, considerando a quantidade de vinho que ela havia ingerido. O que ela poderia dizer? O banho tinha sido bem demorado. – Ainda não. Hoje à noite estou mandando ver no vinho tinto, em vez disso. – Algum motivo em particular? – Dia longo. – Você. – Cidade nova. – Você. Eu nunca quero ficar contra você. Ela costumava ser capaz de decifrá-lo só de olhar para ele. Atualmente ela teria se dado melhor decifrando persa. Trig sentou-se, ergueu seu hambúrguer e mordeu, mastigando de forma constante. Lena sentou-se diante dele, pegou a salada picante de frango e bebeu mais um pouco de vinho. – Quando você vai encontrar Carter? – Amanhã, às 14h, no Portão Nuruosmaniye do Grande Bazar. Quer ir? – Vou ficar observando. – De longe? – Não tão de longe assim. – Comporte-se bonitinho e eu posso até comprar um lenço de seda para você. Trig sorriu. – Não faz meu estilo. – Como está o hambúrguer? Ele assentiu e deu mais uma mordida caprichada. O hambúrguer estava gostoso.

Ele olhou para a salada dela e continuou a mastigar, até que engoliu. – Coma o seu – disse ele sombriamente. Leitor de mentes. – Devo te informar que a salada está deliciosa. Saladinha crocante de folhas e pepino. Tomate delicioso. Tudo muito saudável. – Como ela iria saber que daria uma olhadinha no hambúrguer de Trig e desejaria algo suculento também? O suspiro de Trig foi bem ensaiado quando ele partiu em dois o que restava de seu hambúrguer e estendeu metade para ela. Lena aceitou, com um sorriso. – Meus irmãos não são nem de longe tão gentis assim. – Eu não sou um de seus irmãos – disse ele, e algo na maneira como falou a fez calar-se completamente. Que bom que Lena tinha o hambúrguer para poder se concentrar nele. E o vinho. E aquelas caminhas de casal que pairavam sob sua visão, não importando para onde ela olhasse. – Adrian, algum problema? Entre mim e você? – apressou-se ela, ignorando a testa franzida dele. – Porque nós somos amigos há muito tempo e eu sei que me fiei em você muito mais do que deveria nesses últimos dois anos. Você tem sido mais do que paciente comigo, e sou grata, porque sei muito bem que não mereço a paciência de ninguém na maior parte do tempo. É que... ultimamente tenho a sensação de que se cansou de mim. E isso seria perfeitamente compreensível. É perfeitamente compreensível. E se for este o caso, precisa se afastar e deixar eu me cuidar. Eu dou conta, você sabe. – Tem certeza disto? – O máximo de certeza que consigo ter sem de fato ter colocado isso em prática. Eu tenho essa família que tende a me considerar frágil, veja só. Eles me mimam. Mandam você para cuidar de mim quando não conseguem fazer isso. Eu não acho que é justo para com você. Não precisa fazer isso. Tem sua vida para viver. Ele pensou no assunto enquanto mastigava o restinho do hambúrguer, e então virou o resto do vinho e voltou sua atenção para a baklava. – Diga-me por que estou aqui – incitou ele finalmente. Essa era fácil. – Você é a babá eleita pela família, enviada para me manter longe de problemas. – Este é um dos motivos. Mas não o principal. – Lealdade para com Jared. – Não tem nada a ver com isso. – Porque você estava louco para comer baklava? – Não é o suficiente para me fazer viajar meio mundo. – Trig olhava-a sem pestanejar, e não importava o quanto Lena ansiasse para desviar o olhar, ela não conseguia. E também não conseguia respirar. – Você está bem o suficiente para correr atrás de Jared – disse ele finalmente. – Acho que está bem o suficiente para me ouvir. Não vou ralhar contigo, Lena. Nada que você não queira. Mas precisa saber que estou aqui porque quero estar aqui. Com você. Porque não tem praticamente

lugar algum onde eu preferiria estar do que aqui com você. Precisa saber que nutro sentimentos por você, os quais não são nem um pouco fraternais. E precisa saber que tanto amo quanto odeio quando me trata como um membro da família. Ele respirou fundo. – Você também precisa saber o que causa em mim quando reserva um quarto de hotel para nós como se fôssemos marido e mulher. Porque isto me dá ideias. Ela não entendeu. Ele jogou muita informação em cima dela e pouco tempo para processar qualquer uma delas. – Eu... Desculpe? – Eu quero você. – Quer? Ele olhou para ela como se Lena fosse um pouco obtusa. – Sim. – Mas... você não pode. – Com certeza posso. – Eu estou destruída. – Nada, só um pouco avariada. – Mas sou eu. – Sim. – Mais uma vez ele olhava para ela como se Lena tivesse alguns neurônios a menos. Ele estava simplesmente tão... tranquilo. E ela não. De alguma forma ela precisava recobrar o controle desse arremedo de conversa. – Como está a baklava? – Tem gosto de poeira. – Mais vinho? – Ela serviu mesmo assim, quisesse ele ou não, e talvez não tivesse sido uma ideia tão boa, pois Trig esvaziou a taça num só gole. – Você precisa me dar um tempo para processar isto. – Uma pequena dica para você, Lena: isto não requer muito processamento. Nós nos conhecemos há muito tempo. Eu venho tentando impressionar você desde a escola primária. Ou está impressionada ou não está. Ou me quer ou não quer. – Não é tão simples assim. – Sim, é. – Eu vi seu corpo mais cedo. – Ela não sabia como dizer o que queria dizer. – É perfeito. – É pele. – Ainda é perfeito. – Ainda é só pele. Acha que não consigo enxergar debaixo do seu? – Ele a encarou com firmeza. – Você tem defeitos. Eu também. Ninguém vai entrar nisto cego. – Olhe para mim, Adrian. Pense em todas as coisas que consegue fazer e que eu não consigo fazer mais. Eu limitaria você, e viria a me odiar por isso. Eu viria a me odiar por isso. Teria de ser cego para querer algo assim. – Eu não sou cego – disse ele severamente. – Isto pode funcionar, você e eu. Só precisa querer. – Ele se recostou na cadeira e passou a mão pelos cachos escuros desgrenhados. – Isto não está indo bem, não é? Você não pensa em mim desta forma de jeito nenhum.

– Eu não disse isto! Não coloque palavras na minha boca. Deus. – Lena era mestre em afastá-lo quando não era sua intenção. Ela só não sabia como não afastá-lo agora que ele queria se aproximar. – Você é importante para mim, Adrian. Pertence a uma grande parte da minha vida, e sempre pertenceu. E não tem medo de que, se isso não der certo, a gente perca tudo o mais que temos de verdade? – Medo foi o que senti quando te vi ficar inconsciente pela sexta vez em praticamente seis horas. Medo foi o que senti ao pensar que você fosse morrer nos meus braços. Isto nem mesmo merece figurar na escala do medo. – Fale por você. Estou apavorada aqui. – Lena esticou o braço e agarrou o pulso dele com o máximo de destreza possível, uma ponta do dedo na pulsação dele, e o coração dela num tamborilar veloz. Os batimentos dele também estavam enlouquecidos. – Você não está tão calmo assim. – Pode ser que eu esteja um pouco tenso. Não significa que não tenha pensado no assunto – disse ele teimosamente. Ele retirou a mão de debaixo dos dedos dela e se dirigiu para o telefone no criado-mudo. Tirou do gancho, apertou um botão e aguardou. – O que você está fazendo? – Você disse que precisava de um tempinho para processar isto. Vou te dar este tempo. – Ele virou a cabeça levemente para o telefone. – Aqui é Adrian Sinclair. Vou precisar de um segundo quarto. Cama king-size desta vez. – Ele escutou por um momento. – Não, não precisa ser ligado a este. – Ele aguardou mais um momento. – Obrigado. Daí desligou o telefone. – Um funcionário vai vir para pegar minha bolsa daqui a pouco. – Você não precisava fazer isto. Ele não precisava reorganizar sua bolsa. Estava tudo prontinho para ir. Lena não queria que ele fosse. – Adrian, eu... – Vejo você no café da manhã, sim? Que inferno. – Sim. – Ela tentou novamente: – Não foi um “não”. Eu nunca disse “não” a qualquer coisa que você tenha apresentado. Eu já pensei em você desse jeito. De tempos em tempos. Sou mulher. Você é você. Quem não faria isso? Ela pensou ter notado um vislumbre de um sorriso. – Mas pense bem, Adrian. Tem certeza de que é isto que você quer? Porque eu realmente não acho que tenha pensado direito nisto. Ele franziu a testa para ela, e então se inclinou e roçou os lábios gentilmente no canto da boca de Lena. Os lábios dele eram macios e tépidos. Lena sentiu seus olhos se fechando. Trig afastou-se lentamente e ela se perguntou quando os olhos dele tinham ficado tão sombrios e ávidos. – Eu pensei direito. Você precisa fazer o mesmo. Trig pegou sua bolsa; caminhou até a porta. Que se fechou atrás dele.

NO QUE dizia respeito às declarações de suas intenções, poderia ter sido melhor, concluiu Trig enquanto se dirigia para os elevadores. Lena nunca tinha lidado bem com romance. Em sua adolescência, ela fora demasiado ansiosa com os meninos, demasiado destemida, demasiado competitiva, e espantara todos. Mais tarde ela pegara o jeito para não assustar pretendentes em potencial; até mesmo levara alguns para a cama, mas por alguma razão conhecida apenas por ela, nenhum deles jamais estivera à sua altura. Não aos olhos dela. Nem aos olhos de Trig ou de Jared. Então ela seguira padrões que satisfizessem a todos. Padrões baseados em seu pai, o banqueiro internacional altamente bem-sucedido. Em Damon, o viciado em adrenalina e hacker habilidoso. Em Jared, que não tinha medo de nada e geralmente conseguia o impossível. Padrões que a tornavam exigente, e aí, quando ela rompia com o namorado mais recente, mas não o mais excelente, começava a se questionar e a ficar toda desanimada porque o babaca que ela havia acabado de dispensar lhe dizia que ela não era feminina o suficiente, ou que ela precisava ser mais mocinha para que qualquer homem a levasse a sério. A parábola das uvas verdes, um tiro de misericórdia... mas Lena nunca enxergara dessa maneira. Lena lamentava durante alguns dias e então Jared lhe dizia que ia praticar skydiving na sextafeira e que havia reservado um equipamento para ela. Quando ela tentava ser mais mocinha com outras pessoas de vez em quando, Trig aparecia com seu equipamento mais leve de kiteboarding, juntamente a um vento a trinta nós e às verificações das condições, que normalmente mal eram controláveis, e aí ele perguntava se ela queria ir e quebrar alguma coisa. A resposta sempre era: – Diabos, sim. – Sempre sim. Até que ela levou um tiro e tudo mudou para todos eles. Atualmente ninguém desafiava Lena a ultrapassar limites ou a ir mais depressa, muito embora ela mesma se forçasse a isso. Atualmente ele a fitava com preocupação nos olhos; Trig sabia que demonstrava isso. E ela olhava para ele e lhe dizia para ir embora. Anos bem complicados. Mas as coisas estavam ficando melhores agora. Lena estava melhorando, e juntos eles poderiam encontrar um jeito novo de fazer as coisas, e de criar algo a dois se ela ao menos arriscasse a tentar. As portas do elevador se abriram. Um sujeito uniformizado ofereceu um olhar avaliador para Trig. – Sr. Sinclair? Trig assentiu. – Deixe-me pegar sua bagagem. – Se o sujeito imaginava por que o sr. Sinclair havia precisado trocar de quarto, ele fora discreto demais para perguntar. – Quarto 406, sr. Sinclair. Seus cartões para abrir a porta estão aqui. Trig entrou no elevador. Ele só precisava convencer Lena a tentar.

CAPÍTULO 4

TRIG ACORDOU ao som das orações matinais de uma mesquita nas proximidades. Sua cama tinha sido suficientemente satisfatória, mas seus sonhos haviam sido caóticos. Perda, sempre a perda. Lena se afastando dele porque ele pedira demais dela. Lena desaparecendo na lama cinzenta e pegajosa do Timor Leste. Escorregando das mãos dele, de uma forma ou de outra, com Trig impotente para evitar. A canção da oração era hipnótica. Trig fechou os olhos, passou as mãos pelo cabelo e fez uma oração de sua autoria de que hoje seria um bom dia e que Lena não iria surtar por causa de sua declaração de eterna devoção na noite anterior, ou seja lá aquilo que ele havia declarado. Ela não fugiria; era mais esperta do que isso. Mas poderia sentir-se desconfortável com ele, e Trig não era capaz de acreditar que ela havia se convencido a pensar que não era boa o suficiente para ele ou que ele estaria melhor sem ela. Para alguém tão magnífica, ela era a pessoa com o menor senso de autoestima que ele já tinha encontrado. Certa vez Lena explicara a ele que isso vinha do fato de ela ser uma pessoa comum numa família incrível. Ela nunca se enxergara como alguém incrível também. Ele estendeu a mão para o telefone do hotel, digitou o número do outro quarto e aguardou. Ela iria embora assim. Se nada mais, ela sabia que Trig iria conseguir localizá-la através de Amos Carter caso precisasse. Ela poderia até reagendar, mas jamais cancelaria o encontro. Sua necessidade de encontrar Jared era forte demais. – O quê? – murmurou ela finalmente assim que atendeu. – Quer tomar café da manhã num pequeno café que vi durante minha caminhada ontem à noite? – Quando? – Agora. – Que horas são? – Cinco e dezessete. – Lena gemeu, um som sonolento e sexy que o fez se remexer, inquieto.

– Você quer tomar café da manhã agora? – Estou morrendo de fome. – Você está sempre morrendo de fome. – O café da manhã especial é sopa de lentilha, pão de levedura e um belo pedaço de queijo. – Vá pegá-los, tigre. Traga-me uma xícara de chá – resmungou ela, e desligou. Trig sorriu e afastou o lençol, de repente ávido para aproveitar o dia. Lena não dissera “não” e nem agira de forma cautelosa para com ele. Ainda não tinha dito “Querido, venha ser meu”, mas isso era pura fantasia, de qualquer forma. Ele comprou o café da manhã. Daí foi passeando e encontrou o portão onde Lena iria se encontrar com Carter, e começou a explorar as opções de saída e pontos de observação. Quando ouviu a oração das sete horas, ele estava de volta ao hotel e batendo à porta de Lena, o chá para viagem numa das mãos e um pote imenso de iogurte com mel na outra. – Café da manhã – disse ele quando ela abriu a porta, e Lena o deixou entrar e fechou a porta atrás de si, bocejando. Ela parecia uma criança abandonada. Um pouco magra demais, um halo de cabelo negro embaraçado e aqueles olhos cinza-azulados surpreendentes maculados pelos cílios negros. Certa vez uma agência de modelos lhe oferecera um contrato depois de vê-la na praia. Patrocinadores de surfe também a abordaram. Ela recusou as duas ofertas com uma surpresa meio chocada. Não conseguia enxergar o que tinham visto nela. Não desejava o que eles ofereciam, afinal. – Este é o seu lado galanteador? – quis saber ela enquanto Trig colocava o chá e o iogurte na mesa. – Este é o meu lado impaciente – disse ele. – Você já viu este eu antes. Estou esperando para ver se quer ser cortejada por mim antes de eu dar início a isto tudo. – Falha minha. – Lena sorriu e removeu a tampa de seu chá cuidadosamente. – Por que você está todo animadinho? – Além do fato de eu querer saber se você vai sair comigo? – Sim, além disso. Porque ainda não estou acordada o suficiente para tomar uma decisão definitiva sobre o assunto. E também não consegui pensar com clareza suficiente para tomar uma decisão ontem à noite. – O vinho tinto faz isso. – Verdade. – Ela tomou um gole de chá e deixou escapar um suspiro agradecido. – Então você está feliz nesta manhã porque... – Você tem de ver esse bazar. – Está animado por causa das compras? – Não por causa das compras, mas das pechinchas. É um esporte violento. – Já tem alguma coisa aberta? – Algumas barracas abriram. – O que você comprou? – Tapetes. Mas não comprei ainda. Apenas separei para pensar no assunto. – Aham. Quanto?

– Isso é o que estamos negociando. – Aproximadamente. – É realmente um belo tapete. Seda. – Aham. Sete mil dólares era um valor absurdo para se pagar por um tapete de 2m por 1,50m, algo no qual as pessoas iriam pisar. – É um belo investimento. – Ele é mágico? – Não perguntei. Talvez você devesse vir comigo quando eu voltar. – Quando você vai voltar? – Depois de ter feito umas comprinhas. – Quem é você e o que você fez com Trig? – Eu poderia estar armando uma tocaia – disse ele. Que jeito astuto de voltar a abordar um assunto complicado. – Você já acabou de acordar? – Não. – Porque se já acordou, agora seria um bom momento para me dizer se vai sair comigo. – Ainda pesando os prós e contras. Não havia necessidade de apressá-la esses dias. – Eu trouxe o café da manhã. Isto seria um pró. – Você também me acordou às cinco horas. – Sempre às ordens. Ele era capaz de fazê-la bufar de rir. Isso devia contar para alguma coisa. – Como está o corpo esta manhã? – Funcional – disse ela com a boca cheia de iogurte. – Pare de estardalhaço. Namorados não fazem estardalhaço. – Agora você está apenas inventando bobagens. – Não, tenho certeza de que é verdade. Ele balançou a cabeça, e lhe deu uma olhadinha de soslaio. – Deixando a caça de lado, como vamos controlar nosso relacionamento de sempre? Aquele que não me deixa ansioso. Tudo bem entre a gente? – Sim. – Ela soou um pouco insegura. – Estamos bem. ELES ENFRENTARAM bem a manhã, principalmente porque Trig voltou para ver os tapetes, e então chegou a hora de encontrar Carter, com Lena tomando a frente e Trig fazendo todo um alvoroço junto ao portão. Mais um turista, um dentre muitos, e talvez ele fosse encontrar alguém ou talvez só estivesse tomando fôlego antes de mergulhar na próxima loja de guloseimas. De qualquer forma, nada de desfavorável ali. Trig viu Carter momentos antes de o homem mais velho flagrá-lo, mas eles não se reconheceram. Ele e Carter haviam trabalhado juntos, ainda que brevemente, na época em que Carter trabalhara para o ASIS, o Serviço Secreto Australiano de Inteligência. Carter saberia que Trig estava fazendo vigilância naquele encontro. Carter provavelmente tinha alguém fazendo o mesmo por ele.

Carter aproximou-se de Lena e estendeu as mãos; ela as segurou e sorriu quando ele a beijou em cada bochecha. Velhos conhecidos e puro espetáculo. Trig rangeu os dentes e ficou observando um pouco mais enquanto Carter e Lena caminhavam até o portão e entravam no bazar, o ritmo e a conversa animados. Trig fez todo um processo de verificação de seu celular enquanto esperava para ver quem mais poderia se dirigir por aquele caminho antes de ele também os acompanhar. Os arredores do portão estavam bem movimentados. Um monte de pessoas seguia pelo caminho de Carter e Lena até o bazar. Trig manteve-os em vista enquanto todos caminhavam, então, cinco minutos depois, Carter comprou para Lena um monte de doces cristalizados, os apresentou a ela com um sorriso, a beijou mais uma vez em cada bochecha e, num piscar de olhos, desapareceu. Lena não olhou para trás, para Trig; ela conhecia esse jogo muito bem para isso. Ela comprou três lenços de seda e um punhado de amêndoas açucaradas. Aí fez uma pausa em frente a uma loja cheia de tapetes e o vendedor, e provavelmente o irmão dele, tentaram cortejá-la a entrar de imediato. Ela lhes ofereceu amêndoas, as quais eles recusaram. Eles ofereceram seu chá de maçã, e uma conferida nos tapetes, que ela recusou. Com uma grande quantidade de mãos acenando de todos os lados, todos desistiram e Lena continuou seu passeio. Ninguém, exceto Trig, a seguiu, e ninguém o seguiu, mas ele ficou no encalço dela só mais aquele bocadinho porque não sabiam em que tipo de coisa Jared estava metido e porque Carter era um bocadinho imprevisível no que dizia respeito às pessoas para quem ele estava trabalhando no momento. Lena tomou uma pista lateral no bazar, e depois mais outra. Tinham chegado a uma passagem estreita cheia de tecidos, uma explosão de cores coladas nas paredes e suspensas dos tetos. Tecido em todos os lugares, e um grupo de jovens com olhos vorazes de águia seguindo na direção deles. Passaram por Lena, empurrando-a, e ninguém estendeu a mão para amortecer sua queda quando ela caiu com força. Ela bateu a cabeça no pé de metal de uma estante. Não se levantou. Quando Trig chegou até ela, a carteira de Lena tinha sumido, bem como os jovens. Algumas pessoas gritaram. Ninguém iniciou uma perseguição. – Lena. – Ela parecia tão pequena e amarrotada. Não estava consciente e Trig não queria movêla. Ele buscou a pulsação dela. – Lena. Outras pessoas tinham se agachado ao lado deles. – Ela está com você? – perguntou um homem, e Trig assentiu. Mãos se estenderam para sacudila delicadamente. Ele não sabia a quem pertenciam. – Não – rosnou ele, e empurrou as mãos para longe, como um cão atrelado a um osso, e não se importava em deixar isso bem claro. – Não toquem nela. Outra pessoa tentou fazer com que a multidão ao redor desse um passo para trás. Alguém entregou um pano ao homem que tinha falado antes, que por sua vez o deu a Trig. – Para a cabeça – disse o homem, e fez mímica para sugerir que Trig limpasse o rosto de Lena. O pano estava molhado e cheirava a água apenas. Trig passou-o na testa de Lena. Ela nem sequer se mexeu.

Trig buscou algum galo no crânio de Lena e o encontrou, na parte de trás da cabeça. Não tão grande, conforme seu tato informava, mas importante o suficiente para deixá-la inconsciente, no entanto. – Pode chamar uma ambulância? – perguntou Trig ao homem. – Pública ou particular? – Particular. – Pegue um táxi... é mais rápido – disse uma mulher, mas o homem levantou o dedo e sacudiu a cabeça, em seguida começou a discutir com a mulher, muito rápido para Trig ao menos tentar entender. Eles não eram uma ameaça. Estavam tentando ajudar. Ele imaginava que o sujeito fosse o proprietário da barraca nas proximidades. Lena agitou-se e Trig passou o pano na testa dela outra vez. Os cílios dela tremularam. – Lena? Mas ela não recobrou totalmente a consciência. Outra pessoa lhe entregou uma garrafa fechada de água. – Obrigado – disse ele enquanto a multidão ao redor aumentava e a conversa se voltava para as gangues de batedores de carteira e sobre avisos à polícia de que eles estavam de volta à região. Lena abriu os olhos novamente, e desta vez eles permaneceram abertos enquanto Trig verificava suas pupilas em busca de alguma irregularidade e aí cobria os olhos dela com a palma da mão. – Tente manter os olhos abertos e daqui a alguns segundos vou tirar minha mão – pediu ele a ela calmamente, ao mesmo tempo que seu coração trovejava e sua mente se voltava para a emboscada no Timor Leste. Algumas lesões eram uma confusão. Esta não era. Mas isso não queria dizer que o resultado não poderia ser catastrófico. – Vou verificar suas pupilas para ver a capacidade de reação à luz. – Você é médico? – perguntou o novo melhor amigo de Trig, aquele que tinha chamado uma ambulância. – Socorrista. – Ele havia recebido algum treinamento de primeiros socorros em combate, só isso. – Mas não médico. – Por favor, tomara que as pupilas dela não estejam dilatadas. Trig afastou a mão dos olhos de Lena e as pupilas reagiram. Ela parecia perplexa. Seus olhos buscaram a multidão e, finalmente, pousaram em Trig. – Onde estou? – perguntou ela. – No Grande Bazar. – E quando isso não pareceu fazer sentido: – Istambul. – Oh. – Você caiu e bateu a cabeça. Batedores de carteira. Eles pegaram sua carteira. – Vou vomitar – disse ela, e rolou de lado, mas ela não estava enjoada; simplesmente fechou os olhos e apoiou o rosto no chão, caindo num estado de semiconsciência. Ele tentou não deixar que aquilo o preocupasse enquanto segurava a flanela úmida junto ao galo na cabeça dela, e caramba, agora o calombo parecia maior. Ela abriu os olhos novamente alguns minutos depois. – Apenas descanse – disse Trig a ela. – Não precisa se mexer ainda. Uma ambulância está chegando.

– Espero que eu tenha feito seguro de viagem – murmurou ela, e fitou-o com um olhar atordoado. – Claro que fez. – Próxima pergunta... Ele precisou se inclinar para ao menos conseguir ouvi-la. – Quem é você? LENA NÃO gostava de hospitais. Ela mal conseguia se lembrar do próprio nome, mas sabia com absoluta certeza que não gostava de hospitais. E que tinha estado em muitos. Seu corpo confirmou isto quando a mandaram para a ressonância magnética e lhe pediram para vestir a camisola de exames. As cicatrizes em seu baixo-ventre e no alto da perna informavam uma bela de uma colisão entre seu corpo e... alguma coisa. Um acidente de carro, talvez. Ela não conseguia se lembrar direito. – Você tem pinos de titânio e placas na perna esquerda e no quadril – dissera o grandalhão quando a ajudara a preencher um formulário de histórico médico, finalmente pegando a prancheta e a caneta da mão dela e completando as informações de próprio punho. – Você enfrentou várias cirurgias recentes e passa por fisioterapia intensiva e permanente. Ele sabia o tipo sanguíneo e o nome dela. Lena Sinclair. Ela sabia que seu nome era Lena. Fragmentos da memória estavam começando a voltar. Os lenços pendurados no mercado. A impressão de que alguém, ou vários “alguéns”, a seguiam. O nome dela era Lena, Lena Sinclair, e o grandalhão, de quem ela não conseguia se lembrar... Ele era seu marido. Seu nome era Adrian. Ela havia lido nos cartões de crédito dele e nos formulários hospitalares. Adrian Sinclair. Marido. E ele parecia tão familiar, assustadoramente familiar, e a fazia sentir-se tão segura, e ficava pairando enquanto os médicos a examinavam; e se ela não conseguia se lembrar direito dele no momento, bem... havia um monte de coisas das quais ela não conseguia se lembrar direito no momento. Ele era o homem mais lindo que ela já vira. – Meu nome é Lena, Lena Sinclair – informou ela aos médicos. – Sou australiana e estava fazendo compras no Grande Bazar quando ladrões me derrubaram no chão e roubaram minha carteira. E aí houve alguns resmungos sobre a taxa de criminalidade na cidade. A polícia foi avisada. Os cartões seriam cancelados. Seu marido ia cuidar dela. – Relaxe, Lena – disse ele a ela com firmeza. – Prioridades primeiro. Preocupe-se com a ressonância magnética. Lena. Lena Sinclair. Ela se lembrava de praticamente tudo que tinha acontecido desde que acordara no bazar. Quanto à sua vida antes disso... Ela era australiana e crescera na praia, junto a dois irmãos e uma irmã cujos nomes ela não conseguia recordar. – Concussão – informou o médico a ela. – Um leve traumatismo craniano.

E uma dor de cabeça de rachar, náuseas e, céus, por que as luzes tinham de ser tão fortes? – Confusão e perda de memória temporária são sintomas de concussão – disse o médico quando Lena confessou o embaralhamento das lembranças e muita confusão. – Os analgésicos que receitei não ajudaram. Você se lembra de quem é? – Lena. Lena Sinclair. – Você se lembra da sua família e do seu passado? – Mais ou menos. – É comum não se lembrar dos acontecimentos que antecederam o golpe na cabeça. Bom saber que ela era comum. – Você se lembra do seu marido? – Sim – disse ela. Lembrava-se de que ele a fazia sentir-se segura. Lembrava-se de suas mãos. – Você precisa descansar seu corpo e seu cérebro – advertiu o médico. – Receitei medicação para dor e algo para minimizar o inchaço. Vou lhe dar alta para que fique aos cuidados de seu marido, e se ele ficar por perto o tempo todo ou acordá-la várias vezes durante a noite, é porque eu o instruí a fazê-lo. Se começar a se sentir ansiosa, avise-o. Caso a dor de cabeça ou náusea piorem, ou você fique desorientada, ou sinta piora na coordenação... avise-o, e ele vai trazê-la de volta aqui. – Está bem. – Você já tem problemas de coordenação por causa de seus ferimentos anteriores. Não estou falando daqueles. Estou me referindo às novas limitações, só para ficar bem claro. – Entendi – disse ela fracamente. Lena só queria sair do hospital. Ela odiava hospitais. E então eles saíram do hospital e a rua era desconhecida e o cheiro da cidade invadia as narinas dela, e Lena imediatamente desejou se afastar dali também. Um táxi estava à espera deles. Seu marido deve tê-lo providenciado, porque o motorista parecia conhecê-lo. – Sua esposa deve permanecer perto de você – ficava dizendo ele para o marido de rosto impassível. – Nem sempre é seguro aqui. Para onde você e sua senhora vão? – Basta nos levar de volta para o hotel. – Trig sabia soar ameaçador quando queria, este marido do qual Lena não conseguia se recordar. Ele era capaz de fazer motoristas de táxi tagarelas calarem a boca e dirigirem. O hotel era um local agradável e confortável dentro da média, com um bufê para o qual seu marido olhou assim que eles cruzaram o saguão em direção aos elevadores. – Você está com fome? – perguntou ela a ele. – Eu comeria alguma coisa. Ele tinha passado o dia inteiro ao lado dela. Em salas de espera e salas de exame. Ele fora a voz de Lena quando ela não conseguira se lembrar do que havia acontecido à sua perna. Ele não tivera tempo para escapulir e comprar comida. – Nós poderíamos comer no bufê – disse ela, e fez soar como uma pergunta. – Eu estava pensando no serviço de quarto. O que poderia levar algum tempo para chegar. – Ou poderíamos comer agora.

– Você está com fome? – Não, mas você está. Pode se servir. Eu fico beliscando. Todo mundo sai ganhando. – Prefiro que você volte para o quarto. – Minha cabeça está meio confusa, mas não estou sentindo dor – assegurou ela. – Os analgésicos foram eficazes e a comida está logo ali. Que tal se eu avisar quando eu estiver satisfeita? Ele não parecia convencido. – Tudo bem, que tal me assistir atentamente durante todo o jantar e você me avisar quando eu já estiver satisfeito? – Você me parece bem satisfeito já. – Esse marido dela era bem obtuso. – Acho que posso aguentar mais vinte minutos. Ou podemos ficar aqui discutindo. Ele sorriu diante daquilo, sorriu mesmo, e Lena ficou admirando-o, fascinada, pois foi um sorriso malicioso e encantador, repleto de calor e aprovação. – Pode ir – murmurou ele, e a conduziu em direção à entrada do restaurante. Ele informou o número do quarto ao maître e a observou sentar-se, mas ele mesmo não sentou. – Vou trocar nossa reserva. Aumentar nossa hospedagem para mais uns dias aqui. Você fica bem enquanto eu faço isso? – Vou ficar bem. Ela o observou sair. Ombros largos, quadris estreitos, pernas longas e todo lindo. E então ele desapareceu de vista e foi necessário todo o esforço de Lena para acalmar o pânico que a invadiu no ato do desaparecimento de Adrian. Respire, Lena. Tudo estava bem. Ela estava bem. Estavam hospedados ali, tinham um quarto ali, e se ela precisasse chegar a ele, tudo que tinha de fazer era perguntar pelo número do quarto na recepção e pedir uma chave. Sua memória estaria de volta em breve e seu marido não ia a lugar algum. Ele estaria de volta em breve também. Um garçom perguntou se ela queria alguma coisa para beber juntamente ao jantar e ela pediu água com gás para ambos. Tinha a sensação de que seu marido bebia cerveja, mas não sabia se ele iria querer beber álcool com a refeição. O garçom assegurou-lhe de que retornaria uma vez que seu marido retornasse. Cinco minutos depois, seu marido retornou mesmo. – Pronto? – quis saber ela. – Pronto. – Para onde a gente ia depois disto? – Você não se lembra? – Não. – Não havia necessidade de alarmá-lo com o quanto ela não se lembrava. Ainda não. – Estou um pouco confusa sobre os detalhes. – Nós estávamos indo a Bodrum para encontrar Jared. – Oh. – Será que agora era um bom momento para dizer que ela não fazia ideia de quem era Jared? – Certo. Seu marido, Adrian, olhava para ela de um jeito engraçado. E esse nome... o nome do marido... também não assentava totalmente na mente dela. – Eu te chamo de outra coisa além de Adrian?

– Trig – disse ele com a voz rouca. – Você me chama de Trig. – Certo. – Ela começou a assentir e então achou bem melhor. – Certo. Ah, o garçom veio e eu pedi uma água com gás para você. Não tinha certeza se ia querer alguma coisa alcoólica. – Não esta noite. – Ele a acompanhou até o bufê. Postou-se atrás dela enquanto Lena escolhia e acrescentava pequenas colheradas disso e daquilo em seu prato. Ela esperou que Trig enchesse seu prato, o que ele fez, com porções generosas de praticamente tudo. Trig franziu a testa para o prato quase vazio dela. – Eu provavelmente vou repetir – mentiu ela. – Você sabe que eu percebo quando está mentindo, certo? Ela não sabia disso. Daí acrescentou em seu prato uma colher cheia do que parecia ser batatadoce. Eles voltaram para a mesa e acomodaram-se. Trig comeu, e Lena basicamente ficou observando. Ele a examinava minuciosamente. – Por que não estamos usando nossas alianças de casamento? – perguntou ela finalmente, e ficou olhando enquanto o marido engasgava com a comida. Ele tossiu, com os olhos lacrimejando, e pegou sua água. – O quê? – indagou. – No começo pensei que os ladrões pudessem ter levado também, mas depois notei que você também não está usando uma, e eu tenho quase certeza de que te dei uma. Ele piscou e deu mais um gole caprichado na água. – Lena, exatamente o quanto você se lembra do seu passado? – As palavras de seu marido foram ponderadas e estáveis, mas seu olhar provavelmente teria conseguido penetrar uma placa de aço. – Um monte de pedacinhos aqui e ali – disse ela. – Bastante. Mas eu não me lembro do nosso casamento. – Qual é o seu nome de solteira? – Hum... – Os nomes dos seus irmãos? – Dan. Não, Damien. – Um deles se chamava Damien. – Damon. – Isso, Damon. – A imagem de um rapaz risonho de cabelo escuro numa prancha veio à tona. – Ele surfa. Ele ama o mar. – Trig permaneceu impassível, e a confiança de Lena vacilou. – Não é? – Sim. – Está vendo? Memória se recuperando. Mas seu marido não pareceu concordar. – Lena, você consegue ao menos se lembrar do porquê de estarmos na Turquia? – Não de fato. Tudo está confuso. Mas eu me lembro de você. Eu conheço você. Sinto-me em segurança com você. É meu marido. Trig. Um pensamento novo e surpreendente ocorreu a ela, um que explicava a seriedade de seu marido e a atual ausência de alianças de casamento.

– Nós não somos recém... recém-casados, somos? A gente ia comprar as alianças aqui? – Fazia sentido. A lembrança estava quase voltando para ela. – Estamos em nossa lua de mel? Ele ficou calado durante muito, muito tempo, e então a fitou bem nos olhos e disse: – Sim.

CAPÍTULO 5

ELA MAL se lembrava dele. Trig tentava disfarçar seu pânico crescente sob mais um bocado de comida. Lena realmente achava que eram casados. Porque ele dissera isso aos funcionários do hospital para que assim Lena pudesse obter a atenção necessária. – Desculpe – dizia ela. – Eu estraguei tudo, não foi? Estou com pouca clareza em relação a detalhes, mas eu me lembro de você. Também gosta do mar. E brincávamos juntos quando éramos crianças. Você e eu, e mais um garoto. – Jared. – Ela não conseguia sequer se lembrar de Jared. – Isso. Jared. Jared, meu... Trig aguardou. Lena franziu a testa. – Irmão – disse ele, porque não conseguia suportar a confusão nos olhos dela. – Certo. Tenho certeza de que a concussão está bagunçando minha cabeça. – Você acha? – O sarcasmo não era do feitio dele, dadas as circunstâncias, mas era isto ou pânico total. Ela mal tocara na comida. Trig mal começara a comer a dele, por isso deu mais uma garfada, porque não descartava uma nova viagem ao hospital num futuro não muito distante. – Devia tentar comer alguma coisa – disse ele com a voz rouca, e ela espetou um pedacinho de berinjela assada recheada e comeu. Normalmente, se ele sugeria a ela para comer mais, Lena costumava dizer em termos inequívocos que ela não ficava lhe ordenando o que comer. O problema de lapso de memória de Lena estava pior do que ele pensava. Trig precisava levá-la para o quarto, para que descansasse. Ele precisava parar de surtar totalmente. – Estávamos procurando alianças de platina – falou ela de repente. – Com acabamento escovado. O que ele ao menos poderia dizer sobre isso? – E tapetes. Eu também queria um daqueles. – Um de seda – disse ele, e condenou-se ao inferno por seus pecados. – Caro? – Ah, sim. – E você teve um... problema com isso? – continuou ela, hesitante.

– De jeito nenhum. Estou pensando que precisamos de dois. – E de uma transfusão cerebral. Para ele. – Somos ricos? – Ela nem mesmo fingia mais se lembrar das coisas. – Cá entre nós, temos recursos. – Ele imaginou que era um apelo relativamente justo. – E seu pai é um homem muito rico. – Eu não fico sugando dele, não é? – Não, mas está acostumada a certo padrão de vida. Você e seus irmãos todos viajam para onde querem, sempre que querem. Você tem várias casas e apartamentos à sua disposição. – Mas a casa de praia é nossa. Lembro-me da casa de praia. – É de Damon. – Oh. – A expressão de Lena ficou sombria e ela piscou para conter as lágrimas repentinas. – Poderia jurar que era nossa. – Temos passado muito tempo lá ultimamente – entregou ele bruscamente. – Eles têm uma piscina interna aquecida que é boa para a fisioterapia. Você já fez um monte de sessões de fisioterapia na perna. – Oh – falou ela novamente. Trig pousou o guardanapo na mesa e se afastou abruptamente. – Vamos lá. Já comi o suficiente e você precisa descansar. Ela tentou acompanhá-lo rapidamente. Mas daí bateu o quadril na borda da mesa e fez uma careta. – Devagar, porém. Sem pressa. – Nada funciona – sussurrou ela. – Funciona. Só que simplesmente funciona diferente da forma como você espera. Ela se agarrou ao braço dele, e juntos se dirigiram lentamente para os elevadores. – Por acaso eu tenho uma bengala torta de madeira para poder caminhar? – Sim. – Imaginei. A porta do elevador abriu-se e eles entraram. Lena não soltou o braço dele quando Trig pensou que ela o faria. A velha Lena jamais aceitaria dar o braço a ele. Trig olhou para a imagem que eles formavam no espelho, Lena também olhava para o reflexo, e seus olhos eram como feridas. Trig queria isto – eles juntos – há tanto tempo, mas não assim. Ele precisava da velha Lena de volta antes de recomeçar a buscar isso. – Eu devo ter uma personalidade realmente excelente – disse ela. – Por quê? – Olhe para você. Trig avaliou-se cautelosamente. O mesmo bufão grandalhão que tinha falhado em proteger Lena. Mais uma vez. – Você se parece um herói de ação de Hollywood. – Ela franziu a testa quando ele não respondeu. – Você não é um, é? – Passo. – Atleta profissional?

– Não. – Bombeiro? Ouvi dizer que aqueles caras levantam muito peso durante o tempo livre...? – Onde você ouviu isto? – Então você é bombeiro? – Não. Ela ficou ali parada, em silêncio, mas não por muito tempo. – Então o que você faz? Sua esposa provavelmente deveria saber. – Trabalho para o Serviço Secreto Australiano de Inteligência. – É um espião? Está falando sério? – Você também trabalha para eles. As portas do elevador se abriram, e antes Lena pudesse protestar, Trig ergueu-a em seus braços e se dirigiu para o quarto. Ela havia andando o suficiente naquele dia e talvez, apenas talvez, ele precisasse carregá-la por mais um bocadinho e fingir que ela estava a salvo. – Você me carrega com frequência? – perguntou ela quando passou os braços em volta do pescoço dele e relaxou em seus braços. – Sempre que posso. E então Lena pousou o rosto na curvatura do pescoço de Trig e respirou fundo, e seus braços o apertaram com mais força. – Lembro-me disto – murmurou ela. – Lembro-me do seu cheiro. Trig não precisava morrer e ir para o inferno. O inferno tinha vindo a ele. Lena deu um beijo hesitante no pescoço dele e Trig a apertou ainda mais. – Por que chamo você de Trig? – Porque eu costumava te ensinar trigonometria na época da escola. – Então eu precisava de ajuda. Ou seja, não sou exatamente estudiosa. – Depende da companhia. Você superou sua situação em matemática, coisa que para a maioria das meninas de 17 anos é um excelente resultado. Acontece que tem alguns geniozinhos na família. Isso distorce suas expectativas. – Eu pareço bem insegura. Lena era insegura. Um tanto mais desde Timor Leste. Ela simplesmente não conseguia entender que sua família a mimava pela pessoa que ela era. Que seu bom senso e força de vontade muitas vezes serviam de incentivo para eles. Tinham chegado à porta e Trig colocou Lena no chão relutantemente, então abriu a porta. Sua bolsa estava bem junto à porta, ele havia pedido aos funcionários do hotel que a trouxessem de volta do quarto para o qual ele se mudara na noite anterior. O médico o instruíra a monitorar Lena durante a noite. Trig imaginava que faria isto de maneira mais eficaz estando no quarto dela, em vez de permanecer no dele. Tinha achado que à essa altura Lena já saberia que não era sua esposa. Ela espiou as duas camas e ofereceu um olhar de soslaio a ele. – Não é exatamente a suíte de lua de mel. Ou o Ritz. – Sim, sobre isto... – Será que agora era o momento certo para dizer a ela que não eram casados, ou a notícia soaria confusa e apenas serviria para alarmá-la mais? Será que era melhor deixá-la dormir e esperar que acordasse com a memória recuperada?

Quem diabos saberia? – Às vezes sua perna incomoda e você precisa de espaço extra para se esticar. E hoje à noite, por exemplo, com o que houve com sua cabeça, mais sua perna e o fato de realmente não se lembrar de mim... provavelmente é um alívio para você termos camas individuais esta noite, certo? Ela não disse “certo”, ela disse “oh”, e por um momento pareceu totalmente perdida. – Então sua bagagem está toda ali – continuou ele obstinadamente, e fez um gesto em direção ao armário e à mala. – Eu, hum, posso preparar um banho para você enquanto tomo um banho rápido. A banheira leva um tempo para encher. – Nada de banho – disse ela. – Vou tomar banho depois de você e aí seguir para a cama. Esta cama. – Ela apontou para a cama mais perto da janela. Trig assentiu e jogou sua bolsa na outra cama, buscando então uma camisa, uma calça e uma cueca limpas. Ele precisava de uma chuveirada e de muito mais distância de Lena do que aquela disponível no momento, mas às vezes um homem tinha de aceitar o que lhe era oferecido. Ele estendeu a mão para a persiana da divisória entre o banheiro e quarto. – Dá para não fazer isto? – pediu Lena apressadamente. – O quê? – Quero dizer, você pode fechar, é claro que pode. Mas se quiser deixar aberta, pode fazer isto também. É só que... Eu me sinto melhor quando posso ver você. Como ele poderia fechar a persiana depois disso? Ele deixou aberta. Então contornou para o outro lado da divisória, até o banheiro, e se livrou de suas roupas rapidamente, sem se exibir demais. Ele não queria Lena olhando e imaginando coisas. Mais enfaticamente, ele não queria que ela se aproximasse e o tocasse. Não muito. Trig entrou no chuveiro antes mesmo de abrir as torneiras. Daí lavou o cheiro pestilento do medo e deixou que este fosse substituído por uma determinação gélida. Ele era capaz de oferecer conforto e segurança a Lena esta noite. Tinha passado muitas noites na cadeira ao lado da cama de hospital dela. Esta noite seria muito parecida com isso, só que sem a ideia de Lena ferida, sentindo dor e ele meio preocupado. Eles já tinham feito isso. Nada digno de causar suores de pânico. Exceto pela parte na qual ela pensava que ele era seu marido. Nada digno de causar suores de pânico. LENA ABRIU a mala enquanto seu marido tomava o banho mais longo na história da humanidade. Ela realmente queria vê-lo quando ele surgisse, escorregadio por causa da água e sem a toalha. Achou que esta imagem em especial deveria estar gravada em seu cérebro, com concussão ou não, mas infelizmente não tinha nenhuma lembrança clara dela. Ela encontrou sua bolsinha com artigos de higiene entre as roupas e a abriu, encontrando todos os tipos de coisas deliciosas. Uma boa maquiagem de marca. Um frasco de viagem com perfume de rosas; ela levantou a tampa e a levou ao nariz com a ideia de que um cheiro familiar poderia colocar algumas lembranças de volta no lugar, e aconteceu isso mesmo, porque teve um breve lampejo de uma mulher de cabelo escuro rindo e usando uma faixa na cabeça totalmente incrível e cheia de plumas.

– Eu conheço alguma Ruby? – perguntou ela enquanto fechava o perfume e o guardava de volta na bolsa com produtos de higiene pessoal. – Esposa de Damon – veio a voz grave do box no banheiro. – Ruby é bacana. – Ela costuma comprar perfume para mim? – Ela costuma te levar para fazer compras de mulherzinha, coisa pela qual eu sou eternamente grato. Pode ser que ela tenha comprado um perfume para você... Não tenho como afirmar com certeza. – Por que você é grato por isso? – Lena não conseguia encontrar nenhuma roupa estilo mulherzinha entre as peças que havia trazido. Estas mudas de roupa continham mais calças casuais e blusas que não precisavam ser passadas a ferro. – Ruby é totalmente comprometida em despertar o lado sexy das pessoas. E eu aprovo isso sinceramente. Lena vasculhou suas roupas novamente e pegou a calcinha de algodão branco mais simples que já tinha visto. Que tipo de mulher trazia isto para sua lua de mel? – Talvez você devesse ter se casado com ela. – Não. Ela não sabe surfar. Ou praticar voo livre. Ou voar de asa-delta. Ou acertar um tiro numa roda de um carro em movimento a meio quilômetro de distância. – E eu sei fazer isso? Desta vez ele hesitou antes de responder. – Você costumava ser capaz de fazer. É um pouco diferente agora. Ela não conseguia se lembrar de nada disso, mas a noção de que certa vez havia feito tudo isso particularmente não a alarmava, então talvez fosse verdade. – Como foi que consegui todas estas cicatrizes? E a perna ruim? A água foi desligada abruptamente. Momentos depois, a metade superior de Trig apareceu, emoldurada na parede recortada. A água escorria dele em filetes e os músculos se contraíam enquanto ele pegava uma toalha e passava no rosto, esfregando o cabelo em seguida. Lena não conseguia ver nada abaixo da cintura, mas mesmo assim... Toda aquela glória espetacularmente musculosa bronzeada, e era tudo dela. Como diabos ela conseguira isso? – Você não se lembra do que aconteceu com sua perna? – perguntou Trig quando seu rosto emergiu de debaixo da toalha, e então a toalha foi esfregando mais abaixo. Nunca uma mulher ficara tão ressentida por causa de uma parede. – Não. – Você levou um tiro. Numa missão. Dezenove meses atrás. Conseguiu uma recuperação espetacular, considerando todo o prognóstico. – Qual foi o prognóstico? – Uma cadeira de rodas. Ah. Bem, então... – Que bom para mim. – Que bom para todos nós.

Ele vestiu suas roupas e ela lamentou a perda de visão da pele. Perguntou-se se ele usava pijama para dormir, e esperava sinceramente que não. – O chuveiro está liberado – disse ele, saindo, e se isso não fosse uma dica para ela lavar o cheiro de rua e de hospital, nada mais era. – Estou chegando lá. – Ela estava. – Mas não consigo encontrar minha camisola de lua de mel. Você está com ela? Trig abriu a boca como se fosse falar e depois a fechou num estalo. Balançou a cabeça. Não. Ela olhou debaixo dos travesseiros. – Será que a gente rasgou ela? Trig ainda estava calado. – Pode ser que a camareira tenha confundido com um laço de fita – disse ele finalmente. – Laço de fita? – Não sobrou muita coisa dela. Mas havia laços. Muitos laços. Feitos de fita. – Oh. – Lena tentou harmonizar uma camisola de lacinhos com o restante de suas roupas. – Eu deveria ser capaz de me lembrar disso. Ela passou pelo marido a caminho do chuveiro, e quando entrou debaixo do jato d’água, poderia jurar ter ouvido um gemido vindo de Trig. Então ela estragara a lua de mel ao levar uma queda depois de ser vítima de batedores de carteira. Ela não teria como ser muito ativa, eles provavelmente ficaram contentes por se livrar dela. Cogitou lavar o cabelo e concluiu que podia esperar. Seu cabelo levava uma eternidade para secar, o galo em sua cabeça estava começando a doer e ela não queria nada além de cair na cama, nos braços de seu marido, e se enterrar em seu calor até adormecer. O dia seguinte seria um dia melhor. Amanhã ela teria sua memória de volta e eles poderiam até mesmo continuar viajando para onde quer que estivessem indo. Poderia ter sido pior. Ela poderia não ser casada com um homem maravilhoso que sabia exatamente como lidar com uma equipe hospitalar, com motoristas de táxi e com ela. Poderia estar sozinha. TRIG TINHA preparado seu laptop na mesa no momento em que Lena saiu do chuveiro, corada e enrolada numa toalha branca macia. Ela vasculhou sua mala, mas não parecia conseguir encontrar o que quer que estivesse procurando. – O que eu estava pensando? – resmungou ela, e desapareceu de volta no banheiro com uma camisetinha cinza e uma calcinha imensa listrada de branco e amarelo. Trig agradeceu silenciosamente por ela não ter deixado a toalha cair na frente dele, e voltou a navegar na internet em busca de notícias locais, mais precisamente o que estava acontecendo na cidade portuária de Bodrum, na costa sudoeste da Turquia. Ajudava a matar o tempo. Poderia ser útil. E lhe dava algo para fazer enquanto Lena se preparava para dormir. Porque Lena se preparando para dormir envolvia o corpo dela sentado na cama e recebendo hidratante perfumado em cada milímetro de pele visível. Envolvia a escovação do cabelo, trabalhando suavemente ao redor do galo na cabeça, e envolvia o movimento suave dos seios e

braços esguios enquanto ela tecia o cabelo numa trança frouxa que Trig queria desfazer imediatamente, bem como a camisola imaginária de lacinhos que ele também queria abrir. Por fim, Lena deslizou entre os lençóis, mas não se deitou, e assim a tortura continuou. Havia travesseiros para ajeitar e cobertas para se chutar, e Trig já não fazia ideia mais do que havia no email que ele tinha acabado de ler. – Você vai demorar muito? – perguntou ela, e Trig olhou para cima para flagrá-la olhando para ele, seus gloriosos olhos cinza-azulados repletos de uma súplica silenciosa. Ele poderia estar interpretando mal. Mas imaginava que não. – Por quê? – resmungou ele, daí pigarreou e tentou novamente. – A luz está te incomodando? Eu ainda tenho trabalho a fazer, mas posso apagar as luzes, não tem problema. – Talvez ele não cobiçasse o que não conseguisse ver. Valia a pena tentar. – É uma tela com retro iluminação. Posso continuar trabalhando. – Eu sei que você disse que às vezes a gente dorme em camas separadas, mas poderia vir para esta cama aqui quando terminar? – Sim – respondeu ele. – Claro. – E prometeu esperar ela adormecer antes de ir para qualquer lugar perto daquela cama e para a tentação que a cercava. Lena deitou-se contra os travesseiros, a cabeça de lado, evitando cuidadosamente o galo na parte de trás. Deixou escapar um pequeno suspiro, que não ajudou em absolutamente nada para acalmar Trig. – Está bom aí? – perguntou ele com a voz rouca. – Um paraíso. – Feche os olhos. – Por quê? – Tenho autoridade no assunto para afirmar que você vai dormir melhor se fizer isso. – Que tal uma troca? Eu fecho e aí você vem me abraçar. O que mais um marido poderia fazer? Sendo assim, ele se deitou sobre as cobertas, mas permanecendo em seu próprio lado da cama, aí afastou o cabelo do rosto de Lena com os dedos muito grandes e desajeitados, mas ela sorriu para ele, e então ele acariciou o osso da bochecha dela com a ponta do polegar, a aspereza encontrando a maciez sedosa e delicada, e ela soltou um pequeno “hum” de prazer e inclinou o rosto para o toque dele. – Tenho certeza de que preciso de um beijo de boa-noite – murmurou ela, com os olhos a meio mastro já. – Você provavelmente devia me dar um antes de eu adormecer. Ela estava machucada. Trig podia fazer isso. Ele deu um beijo no cantinho dos lábios dela. A coisa toda levou, talvez, uns dois segundos. – Isto não é um beijo. – Sim, é. – Não é um beijo de lua de mel. – A lua de mel está num hiato. – Parece uma pena.

– Você precisa melhorar primeiro. Recuperar sua memória. – E então, tecnicamente, eles precisavam se casar. – Não consigo me lembrar dos seus beijos. – Ela estendeu a mão e contornou os lábios dele com a ponta dos dedos. – Eu quero. Trig nunca havia beijado Lena na boca antes. Ele sempre apontava para um lado mais fraternal, e acertava em cheio. Beijos na bochecha eram uma coisa boa, pois incentivavam a contenção. Trig e Lena nunca haviam se rendido a nada, exceto à contenção, quando se tratava de beijos. – Só um – murmurou ela, encarando-o com seriedade. – Lena... – Não é todo dia que uma mulher pode repetir seu primeiro beijo. – Você não consegue se lembrar de beijo nenhum? – Não. Primeiro beijo. Dou-lhe uma... Dou-lhe duas... – Ah, que inferno. Ele não esperou para ser provocado pela terceira vez. E de fato fez jus ao primeiro beijo deles, começando lentamente, mantendo a avidez sob controle. Nada de língua, só a pressão dos lábios contra os dela, e aqueles lábios dela estavam mais quentes e mais dispostos do que Trig jamais teria imaginado, e macios... tão macios. Nada de língua, até que ela pincelou na junção dos lábios dele e os tentou para que abrissem, daí enredou a língua à dele. E então ele inclinou os lábios e aprofundou o beijo só um pouquinho. Tentou acalmar a língua ousada e habilidosa dela com um deslizar demorado e delicado da dele, ao mesmo tempo que tomava conhecimento do sabor dela e se comprometia à lembrança. Ele tentou ignorar o quanto aquela boquinha esperta combinava bem com a sua, pois elas simplesmente se encaixavam, e se encaixavam de modo tão perfeito e genuíno que Trig se perdeu por um momento, livrando-se de todos os pensamentos e reivindicando o que sempre desejara. LENA NÃO conseguia acreditar que tinha se esquecido dos beijos daquele homem. Porque eles eram tudo que ela um dia imaginara que beijos seriam, desde aquele primeiro deslizar doce e lento à fome que corria dentro dela agora. Eles haviam feito isso antes. De que outro modo poderia ser tão perfeito? Ela sabia que ele era um homem grande, sua memória podia estar com defeito, mas não havia nada de errado com seus olhos. O que ela não tinha entendido era o quanto havia se refestelado em seu tamanho e em toda aquela força impiedosamente controlada que se assomava ao seu corpo. Havia tanto dele para se explorar, então ela arrancou os lábios daquela boca um tanto astuta e pousou os lábios e dentes no queixo dele, em vez disso. Um arrepio percorreu o corpo de Trig e ele gemeu, mais reativo do que ela jamais poderia ter ousado desejar. Lena voltou os lábios para os tendões fortes no pescoço de Trig e ele xingou silenciosamente, mesmo enquanto ansiava para que ela se aproximasse mais. – Agora eu me lembro por que me casei com você – sussurrou ela contra a pele dele, e ele estremeceu um pouco mais. – Lena... – Hum?

– Lena, por favor. – Qualquer um acharia que ela o estava torturando. – Você precisa parar. Eu preciso parar. Por favor. Oh, ele implorava tão bonitinho. Uma pontada quente de poder a percorreu, e ela se perguntou pelo que mais ele poderia implorar. O que ela poderia exigir dele caso tivesse a coragem de pedir. Ele a beijou novamente, com força, rapidez, implacável, e então estava fora da cama com uma velocidade que a surpreendeu, olhando para todos os lugares, exceto para ela quando ele encontrou seu celular e enfiou os pés gigantes nos sapatos. – Você precisa descansar e se recuperar – murmurou ele, e se dirigiu à porta. – E eu preciso dar alguns telefonemas.

CAPÍTULO 6

TRIG FICOU passeando pelo corredor enquanto esperava que Damon atendesse. Ele não queria falar com Damon; ele queria Ruby, a esposa de Damon, do outro lado da linha, mas havia um protocolo ao se telefonar para a mulher de alguém no meio da noite, e Trig queria cumpri-lo. – É melhor que seja bom – disse Damon quando finalmente atendeu. – E é. Coloque Ruby na linha. Preciso de um conselho dela. – Sobre o quê? – Você não vai querer saber. – Eu quero saber. – Sua irmã caiu hoje e bateu a cabeça. – Vou colocar você no viva-voz. – Não havia nada além de uma preocupação tensa na voz de Damon agora. – Ela passou por uma ressonância magnética e os médicos não viram nada preocupante. Eles deram alta, mas ela teve uma concussão e uma leve perda de memória. – Trig fez uma pausa e imaginou a melhor forma de entregar o próximo bocado da notícia. – Ela acha que nós dois somos casados. Trig pensou ter ouvido um xingamento de Damon e uma risadinha de Ruby, e então a voz de Ruby surgiu, calorosa e levemente divertida. – Como isso aconteceu? – Lena estava sem documentos quando chegamos ao hospital e eu estava com os meus. Era mais fácil reclamá-la como esposa e colocá-la na frente de um médico, deixando para pensar nas consequências depois. Ruby, ela nem se lembra de Jared. Ela acha que nós dois estamos em lua de mel, já está de volta ao quarto. Acha que dividimos uma cama! Você faz ideia do quanto eu quero dividir essa cama? – A voz dele tinha subido uma oitava ou duas. – Toque na minha irmã sob essas condições e vou estripar você – disse Damon. – Não o ameace – murmurou Ruby. – Como isto vai ajudar? – Ele não precisa me ameaçar. Se eu a possuir agora, eu mesmo vou me estripar. Ela fica me pedindo para abraçá-la, Ruby. Ela quer segurança. Pensa que é minha esposa. Você é esposa de

alguém, então me diga: o que eu faço? – Abrace-a, seu idiota. – Idiota morto – acrescentou Damon. – E se ela não recuperar a memória? E se ela acordar amanhã de manhã ainda pensando que é a sra. Lena Sinclair? – Compre uma bela aliança – disse Ruby. – Não está ajudando. – Trig, querido. Se Lena ainda achar que é casada com você de manhã, vá para a casa de praia e nós vamos encontrá-lo lá. Permaneça casado, pelo menos aos olhos de Lena. Traga-a para casa. Este é o meu conselho. – Consigo fazer isso. – Nós sabemos que você consegue. É por isso que ninguém aqui está andando pelo quarto como um lunático. – A voz de Ruby tinha suavizado. – Adrian, querido, abrace Lena se ela precisar, ninguém vai castrá-lo por isso, nem mesmo Lena quando recobrar a memória. Apenas não deixe que o conto de fadas saia do controle. Diga que você quer esperar até que ela esteja totalmente recuperada para dar início às relações conjugais. Essa é a verdade de qualquer forma, não é? Tem de haver alguma razão para você ainda não ter tomado a iniciativa. – O medo da rejeição conta? – Todos nós temos esse medo – disse Ruby secamente. – Não vá pensando que você é especial. – Nada especial – concordou ele. – Mas muito digno – falou Ruby rapidamente. – Só porque você não deveria tomar a iniciativa com Lena agora, não significa que nunca deveria tomar a iniciativa. Aja, de todo jeito. Nós todos queremos ver isso. – Querem? – Ele nunca tinha tocado no assunto de seus sentimentos por Lena com qualquer um dos irmãos dela até então, mas desejava a aprovação deles. Acima de tudo, a de Jared. – Você também está falando por Damon? – Sim – disse Damon. – E Damon está falando em nome da família toda. – Isto inclui Jared? – Voto como representante – disse Damon. – Jared não está aqui. – Eu sugiro que você deixe Lena lidar com Jared no ato da possibilidade improvável de ele se opor ao fato de você a cortejar – disse Ruby. – O sujeito deve a ela. – Pelo quê? – Por ter desaparecido. Por ter colocado a vingança antes da família. – A voz de Ruby tinha arrefecido consideravelmente, pois o pai de Ruby também desaparecera sem deixar vestígios. Ruby sabia qual era a sensação de ter ficado para trás. – O mano Jared precisa passar um tempinho de castigo quando finalmente reaparecer. As palavras se reaparecer ficaram implícitas, mas Trig as ouviu mesmo assim. – Você poderia sugerir isso a ele – murmurou. – Embora, é justo avisar, Jared não aceita reprimendas com muita facilidade. – Assim eu soube – disse Ruby, e então bocejou. Caramba, mas ela sabia fazê-lo sorrir.

– Quero ingressos na primeira fila do seu primeiro encontro com Jared. E pipoca. – Entre na fila – disse Damon. – Cuide da minha irmã. Você dá conta. Eu confio em você. UM TRIG substancialmente mais calmo voltou para o quarto e fechou a porta silenciosamente atrás de si. Ele respirou fundo e buscou um pouco daquela resolução firme que todo mundo parecia achar que ele possuía num suprimento infinito. Ele se dirigiu para as camas e para Lena, que estava deitada, magoada, confusa e... Dormindo.

CAPÍTULO 7

A MANHÃ de terça-feira irrompeu com o som da oração do amanhecer. Istambul, pensou Lena. Estou em Istambul, com suas mesquitas e sua rica história cultural, e seus gatunos de mercado. Sua cabeça latejou quando ela se movimentou ligeiramente: hora de tomar mais analgésicos. Lá estavam eles na mesa de cabeceira, junto a um copo d’água, dois deles, prontos para engolir. Ela rolou, tomando o cuidado de não deitar sobre o nódulo em sua cabeça, e aí viu Trig, ao lado dela na cama, com leves olheiras e aqueles cílios longos meio femininos. Ele parecia mais jovem no sono e seu corpo era ainda maior de perto. Ele ainda era o homem mais bonito que ela já vira. A vontade de tocá-lo tornou-se insuportável e ela se aproximou e passou a mão no peito forte. Lena havia colado seu corpo ao restante dele, só que Trig dormira em cima das cobertas em vez de entre elas. Mais cinco minutos, talvez dez, e o latejar da cabeça ia cessar e talvez ela fosse capaz de fazer alguma coisa, acordando-o de maneiras que um homem em sua lua de mel gostaria de ser acordado; mas por ora, apenas apoiar a bochecha em seu ombro já estaria de bom tamanho. E então ele rolou para Lena e as cobertas foram emboladas para os pés da cama quando ele a puxou e a abraçou. Alvo encontrado, missão cumprida, e com o menor dos suspiros ele voltou a dormir. Mais cinco minutinhos, pensou ela quando se enterrou no calor dele. Mais cinco minutinhos. Ou talvez uma hora. TRIG ACORDOU lentamente, com Lena enroscada nele feito um caramujo e fios de cabelo preto sedosos fazendo cócegas em sua mandíbula. Ela se remexeu assim que ele mudou de posição e se aconchegou mais perto, mesmo quando queria se afastar. – Lena... – De algum modo, uma de suas mãos havia pousado na cintura dela. A outra viajara um pouco mais para baixo. Nenhuma das mãos tinha pressa de sair de onde estava. – Lena, eu preciso levantar. – Não, não precisa.

– Eu realmente preciso. – Ele lhe deu um beijo breve no ombro e então se ergueu, um membro relutante por vez. – O que você quer para o café? – Você. Lena ainda estava de olhos fechados. Ela rolou para o local quente onde Trig estivera, aninhou os braços debaixo do travesseiro e provavelmente não estava acordada o suficiente para ter noção do que dizia. – E um pouco daquele iogurte que você me trouxe ontem. E do chá – resmungou ela no travesseiro. – Então você se lembra. – Era um chá muito bom. – Sobre a coisa de marido e esposa... – Eu sei – murmurou ela. – Quem quer uma mulher que consegue ser nocauteada no primeiro dia da lua de mel? Eu sou uma péssima esposa. Já sou. Mas vou compensar para você. Prometo. Assim que eu me levantar e sair para fazer compras. Tanto esforço para Lena acordar esta manhã com suas lembranças intactas... – Eu realmente acho que você devia repousar – disse ele. E ia fazer reservas nos voos de volta. – As compras podem esperar. – Errado. – Ela rolou de costas e o encarou com um olhar sonolento. – Você viu as roupas na minha mala? Não. E você não vai. São roupas de funeral. Eu trouxe a mala errada. – Você tem uma mala de funeral? – Devo ter. Não tem outra explicação. – Com certeza posso pensar numa explicação. Quer ouvi-la? – Não, eu quero fazer compras. E comer iogurte – pediu melancolicamente. – E doces. Um monte de docinhos de massa folhada no café da manhã. Estou morrendo de fome. Agora ele estava morrendo de fome também. – Lena, você se lembra de onde está? – Istambul. – Você sabe por que está aqui? – Lua de mel. Tudo bem então. Hora de mais uma ida ao hospital. – Você quer que providencie algo mais para você quando eu sair? – Sim – disse ela. – Champanhe e morangos. CINCO HORAS depois, o médico declarou que o inchaço na cabeça de Lena tinha reduzido bastante, e Trig lhe garantira que a memória havia melhorado muito. Ela conseguia falar sobre Damon, Poppy e seu pai com segurança. Também conseguia falar sobre Jared e as coisas que fizeram no passado. Mas não tinha nenhuma recordação sobre o tiro em Timor Leste, ou de sua longa e árdua recuperação, ou de Jared desaparecendo a fim de descobrir quem os traíra. Ela ainda achava que era a sra. Lena Sinclair. O médico havia vetado quaisquer voos longos para Lena nos próximos dias, mas nem tudo estava perdido.

O médico também havia proibido o sexo. – Entendi – dissera Trig ao médico rapidamente. – Nada de sexo. Muito repouso. Ordens médicas. E então Lena lhe ofereceu um olhar acusador, o que teria sido lisonjeiro e engraçado se não fosse tão trágico. Eles retornaram para o hotel, e Lena cochilara obedientemente durante algumas horas antes de se declarar completamente entediada por ficar no quarto e desesperada para dar um passeio lento e relaxante pelo hipódromo ao lado da Mesquita Azul. – Isso é programa de lua de mel? – perguntou Trig, desconfiado. – Porque soava como um programa de lua de mel e ele queria evitar esse tipo de coisa. – É um programa turístico. – O médico disse que você precisava descansar. – E preciso mesmo. Mas agora tenho de fazer alguma coisa. – A caminhada vai te cansar. – Que tal um banho turco, então? Água morna. Relaxamento. Ouvi dizer que eles fazem até massagem. – Você é um peixinho mesmo. – Eu me lembro de gostar bastante de água. E de fazer bastante fisioterapia para a perna dentro d’água. – Lena franziu a testa. – Você disse que eu levei um tiro durante o cumprimento do dever. Ainda não me lembro de nada. – Sorte a sua. – Você pode descrever para mim? – Não. Ela o fitou com um olhar um tanto penetrante e Trig pensou que fosse pressioná-lo, mas aí ela deu de ombros e vasculhou sua mala, erguendo um traje de banho muito colorido. – Então... banho turco ou um interrogatório indesejado? Qual vai ser? E foi assim que eles acabaram numa casa de banho turco, com Trig sendo conduzido por uma porta para os homens à esquerda, e Lena sendo enviada para outra à direita, destinada às mulheres. – Espere por mim quando você sair – ordenou ele bruscamente. – Eu não espero sempre? Surpreendentemente, após breve reflexão, a resposta foi sim. Ele lhe deu um sorriso. – Descanso e relaxamento – disse ele. – Não se esqueça. – Estou nessa. Depois de passar pela porta, um atendente mostrou a Trig uma cabine com um chuveiro e um vestiário. – Você deve tomar banho primeiro – disse o atendente. – E então esta porta vai levá-lo para a área de banho. Trig tomou banho e colocou sua carteira e roupas no armário fornecido. Aí pegou uma pequena toalha de rosto quadrada de uma pilha cuidadosamente dobrada junto à porta que dava para a área do banho turco. Não era necessário usar traje de banho, aparentemente. Era isso que dizia ali mesmo nas instruções da placa pendurada na parede.

A primeira coisa para a qual seus olhos foram atraídos quando ele entrou na sala foi o teto alto abobadado e azulejado. A segunda coisa que viu foi Lena entrando por uma porta do outro lado da sala. Por que diabos uma casa de banho teria vestiários separados quando a área de banho era para ambos os sexos? Assim como ele, Lena carregava apenas uma toalhinha. E ela não parecia saber onde colocá-la. Apenas meia dúzia de outras pessoas nadava ou relaxava sob a água em cascata que escorria de bicas na parede. Alguns homens. Algumas mulheres. Até então ninguém parecia prestar muita atenção a qualquer outra pessoa. Não fazia diferença. Lena estava totalmente nua e com uma toalhinha com a qual parecia querer cobrir suas piores cicatrizes. Trig foi até ela rapidamente e lhe deu sua toalha. – Aqui. Use-a. Cubra-se. Ela pareceu achar seu olhar divertido. – Quais partes? Porque estes paninhos...? Não são mesmo muito grandes. – Entre na piscina – ordenou ele. A piscina pelo menos renderia alguma proteção contra olhares curiosos. E eles estavam chamando atenção. Ele sentia os olhares às suas costas. – Você acha que eles poderiam ter mencionado quando chegamos que era uma área de banho mista? Lena estava descendo os degraus devagarzinho, segurando o corrimão com força. – Relaxe – disse ela. Isso está funcionando para mim. Tem certeza de que não quer sua toalhinha de volta? Ou a minha também, aliás. Porque, francamente, a maioria das mulheres e alguns dos homens aqui estão olhando para você e salivando. – Ela semicerrou os olhos e o esquadrinhou da cabeça aos pés. – E por que não fariam isso? Tem muita coisa aí para se adorar. Trig acompanhou-a depressa para dentro da água. Nunca havia se considerado tímido com seu corpo, mas ainda assim... – Fique com as toalhinhas. Use as toalhinhas. Por que você não está surtando? – Ocupada demais observando você – disse ela com um sorriso, e então deslizou na água e seguiu para o outro lado da piscina. – Ah, isto é bom. O massagista estava lavando alguém sobre o bloco de mármore agora, e havia espuma, muita espuma, além de uma toalha branca molhada com a qual o massagista ia massageando a pele da pessoa. Ele não estava sendo muito delicado. Trig ficou observando enquanto o massagista torcia metade da toalha e começava a bater a outra ponta com força nas costas da pessoa. Ele fez outra vez e a toalha aterrissou mais abaixo desta vez. E aí fez de novo e de novo, descendo até os dedos dos pés. Toda vez que a toalha descia, o corpo esticado na laje se contorcia. – Vai me contar agora como eu consegui estas cicatrizes? – começou Lena. – Porque acho que estou pronta para ouvir. Fico incomodada com o fato de não conseguir me lembrar se isso aconteceu porque cometi algum erro. – Você não cometeu erro algum. – Dá para você ir além neste assunto? – Eu não quero discutir isto.

– Trig, eu olho para o meu corpo no espelho e vejo as cicatrizes, e sinto a dor, mas não sei como elas chegaram aqui. É realmente desconcertante, e gostaria mesmo de saber. Compreendo que provavelmente não é uma lembrança que você deseja revisitar, mas por favor... Trig esfregou o rosto. Ele não tinha defesa alguma contra as súplicas de Lena. Nenhuma. – Bem, nós estávamos num simples reconhecimento no Timor Leste – começou ele. – Tinha havido uma mudança de planos de última hora e fomos solicitados a verificar um velho laboratório de armas químicas relatado como abandonado cerca de três anos antes. Era isso que dizia o perfil da missão. Entramos com cuidado, como sempre fazemos, e encontramos teias de aranha e poeira. Nenhuma pegada. Nenhum sinal de uso. Nenhum equipamento nos bancos, nada nos armários. O local havia sido recebido limpo e deixado para apodrecer. Voltamos para fora. Não me dei conta de que tínhamos um problema até começarem os tiros de uma semiautomática pelo lado esquerdo, levando-nos ao chão. Não sei o motivo, pois não havia nada lá para se proteger. Mais dois minutos e teríamos caído fora. Não havia atividade para relatar. Nenhum retorno.” – Nós pegamos o atirador? – Não. – Temos alguma ideia de quem atirou? – Não. E nenhum grupo rebelde assumiu o atentado. O incidente foi arquivado. Sem cobertura da imprensa, nada além de um memorando interno ou dois, e de um veredicto que caracterizou o ato como insurgência oportunista aleatória. – Você não me parece convencido. – E não estou. Tem algo mais acontecendo. Jared está procurando por ele. Na surdina. Lena assentiu. Trig esperou. Mas não havia lembranças vindouras de Lena vindo à Turquia especificamente para encontrar Jared. Lena inclinou a cabeça para trás, contra a borda de azulejos da piscina, e fechou os olhos. – Acho que vou ignorar totalmente a massagem e ficar aqui por pelo menos uma hora. A única coisa para a qual planejo abrir meus olhos é para assistir a você sendo golpeado e espremido. Eu ia gostar muito do espetáculo. – Nunca vai acontecer. – Provavelmente é melhor assim. Se acontecesse, eu ia querer uma forma de mostrar meu domínio e você não está usando aliança. A propósito, quando vamos receber as nossas? Porque tenho mais algumas ideias sobre o que eu gostaria. – Tem? – Tenho. E eu achei um maço de dinheiro e alguns cartões de crédito na minha mala, pertencentes a uma tal Lena West. Posso pagar pelas alianças. – O cavalheiro paga pelas alianças, Lena. – Desde quando? – Tenho quase certeza de que é uma regra. – E nós seguimos regras? Por via de regra. – Sempre. Que tipo de aliança você quer? – Simples, de platina escovada. Larga.

– Quer diamantes nela? – Blé... – Que tal um anel de noivado com um brilhante? – Eu já não deveria ter um desses? – Lena franziu a testa. – Queria poder me lembrar do seu pedido de casamento. Eu quero saber como você conseguiu acabar não me dando uma aliança. – É possível que eu tenha prometido o mundo em vez disso. – Não foi a lua e as estrelas? – Isto também. E os anéis de Saturno. – Que chique – murmurou ela. – Estávamos sob as estrelas no momento? Trig tomou uma decisão impetuosa: – Estávamos na praia, deitados na beira d’água, observando tartarugas recém-nascidas saindo dos ovos e retornando para o mar, e era uma noite muito, muito estrelada. – Percebo o desfecho. Onde você teria ao menos um lugar para guardar a aliança? – Exatamente. – Eu poderia mandar gravar uma tartaruga na parte interna da minha – murmurou ela. Ou não. – Ou a data. Ou não. – Qual foi a data do nosso casamento? – Vinte e oito de novembro. – Já tem quase uma semana que estou casada? Não parece uma semana. – Ela lhe cedeu um sorriso sensual. – Você vai ter de me levar para a cama logo. Porque é um crime eu não me lembrar de nada disso. Eu não me lembro do sexo que fazíamos antes do casamento também. Isso supondo que a gente fazia. – Lena, dá para a gente não falar sobre o sexo que pode ou não ter acontecido? Estou completamente nu numa piscina pública e em algum momento vou ter de sair daqui sem causar um ataque cardíaco nas pessoas. – Você quer sua toalhinha volta? – Não! Fique com a toalhinha. Você vai precisar se cobrir quando sair daqui. – Isto não está funcionando para você, não é? Não está relaxando. – Talvez se a gente parasse de falar. Durou menos de cinco minutos. Cinco minutos durante os quais Trig se convenceu de que, se ele não levasse nada muito a sério, provavelmente poderia passar mais um dia “casado” com Lena sem enlouquecer. – Então, você usaria uma aliança de platina escovada? – perguntou ela. – Sim. – Não era mentira. Estava mais para uma resposta teórica a uma pergunta teórica. – Talvez a gente devesse consultar um designer de joias. – Talvez. Você está cansada? – perguntou ele. – Eu estou cansado. – A água quente faz isso. Posso fazer mais uma pergunta cuja resposta não consigo me lembrar? – Manda ver.

– Já é quatro de dezembro e estamos na Turquia, na nossa lua de mel, quanto tempo vai durar nossa lua de mel e onde vamos passar o Natal? – São duas perguntas aí. – E ele não sabia a resposta para nenhuma das duas. – Duas semanas para a lua de mel... Porém, se sua memória não voltar em toda a sua glória, em breve vou querer interromper a viagem curta e te levar para casa. Lena não disse nada. – Estou falando sério, Lena. – Eu sei que está. Dá para perceber pelo seu tom de voz. – Ela levou as mãos à superfície da água e começou criar círculos lento na espuma. – Estou lembrando de mais coisas. Posso lhe informar isso. Eu me lembro de brincar de pega-pega com você e Jared quando era criança, e de ficar muito ressentida porque vocês dois eram mais fortes, mais rápidos e mais destemidos do que eu. Lembrome de querer rasgar os olhos de Jessica porque ela foi sua acompanhante no bailinho da escola. – Sério? Você se lembra disto? – Como se fosse ontem. Foi a primeira vez que vi você vestindo terno e gravata e senti as coisas que a roupa fez pelos seus ombros e pela minha libido. Quanto a Jessica, ela era dona de um corpinho violão, com cabelão ruivo até a cintura e um sorriso só para você. Em outro universo, eu poderia até ter gostado dela. A garota nem sequer olhava para Jared. – Sim, isso sempre foi um bom sinal num encontro. Jessica sempre teve espírito esportivo. – Quem saberia que ao final da noite Trig não quis levar as coisas adiante? – Provavelmente ainda é. – Esposa ciumenta na área – avisou Lena. – Você também tem espírito esportivo – ofereceu ele às pressas. – Tem certeza? Porque eu me lembro de que gosto muito, muito de vencer. – Isto é verdade. – Eu também tenho essa suspeita miudinha de que sou má perdedora. – Às vezes você reage mal quando é obrigada a revelar uma fraqueza na frente dos outros – ofereceu ele cuidadosamente. – Você odeia isso. – Bem, quem não odiaria? – Tomar emprestada a força de outra pessoa quando se necessita não faz de você fraca. Faz de você humana. – Ele ofereceu seus pensamentos a ela; sincero de uma forma que jamais havia sido. – Às vezes eu gostaria que você se apoiasse nos outros um pouco mais. – Isso não faz de mim alguém carente? – Não estou dizendo que quero amarrar seus cadarços para você. Mas quando está se lamuriando por causa das limitações do seu corpo e quando está com medo de ser deixada de fora ou deixada para trás, mataria dizer alguma coisa? – Tipo o quê? Carregue-me? – Algo assim. – Você me carregou antes. – Carreguei. – O que deve te conferir certo sentimento de autovalorização. – Eu geralmente fico mais focado em me manter vivo no momento.

– Você não enxerga que, ao tomar a força alheia emprestada, sofro uma queda de autoestima? E que a última coisa que desejo é ser um fardo para você? – Não é assim. Dar e receber não tem nada a ver com isso. – Entendo – disse ela solenemente. – Entendo mesmo, mas, Adrian, pergunte a si mesmo: quando foi que alguém já te carregou? LENA NÃO conseguiu identificar o momento exato na casa de banho em que a conversa saiu da provocação para as lamúrias dela implorando para Trig para compreender seus pensamentos e sentimentos no que se referia a depender de terceiros para coisas que ela deveria ser capaz de fazer sozinha. Ela de fato se apoiava nele quando precisava. Uma hora e vinte minutos depois de terem entrado na casa de banho turco, eles saíram para a rua, completamente limpos e com um leve perfume de rosas. Lena gostava do cheiro de rosas. Ela gostava de Trig com cheiro de rosas também. Ela desceu os degraus da casa de banho, sentindo-se mais livre em sua marcha do que se sentira em dias. – Você está andando com mais destreza. – Ele era muito observador, esse marido dela. – Eu sei. Banhos turcos são meu novo lugar favorito. E sei que sugeri que olhássemos as alianças depois disto, mas estou repensando. – Que nunca mais fosse dito que Lena não poderia admitir fraqueza. Ela podia trabalhar nisso. Trabalhar nisso agora. – Estou cansada, minha cabeça está começando a latejar e tudo que quero fazer é me aninhar na cama do hotel com um prato de frutas e um filme. – Lena West, você está admitindo que não vai fazer compras comigo? – Estou. E espero que você esteja impressionado, e não é Lena West. O nome é Lena Sinclair. Eles chamaram um táxi, e quando chegaram ao saguão do hotel, passaram no restaurante e pediram que levassem ao quarto um prato de frutas frescas e de doces, além de café e chá quente. Ela estava se acostumando a esse hotel agora. O saguão e os elevadores, a longa caminhada dos elevadores para o quarto. Ela parou no meio do corredor antes de concluir que poderia precisar de um pouco de ajuda. Principalmente se envolvesse ficar mais íntima de um marido que sempre ostentava um leve perfume de rosas. – Ai – disse ela, e parou. Trig parou também. – Pode ser que eu precise de um pouco mais de ajuda. – Com o quê? – Andar. Estou com este desejo louco de estar no nosso quarto agora, e a gente chegaria lá muito mais depressa se você me carregasse. – Desejo louco, hein? – Abrasador. Ele a tomou nos braços. Deus, mas como ela amava o sorriso dele. – Está se sentindo menos digna aqui, princesa? – Não, estou me sentindo um pouco presunçosa.

– Libertei um monstro. – Com certeza vou atingir o equilíbrio dos pedidos de ajuda em algum momento. Mas agora estou me sentindo tão sem fôlego, de repente. Acho que preciso de respiração boca a boca. Ele a levou até a porta, e então para dentro do quarto. E a beijou de forma absurda. A comida chegou dez minutos depois. Dez minutos durante os quais seu marido evitara ficar na cama com ela a todo custo, se oferecera para preparar mais um banho (duas vezes!), abrira seu computador e fizera uma careta para seus e-mails, e em geral a deixara bem tensa por sua incapacidade de sossegar. Ele tomou duas xícaras de café forte e cheiroso numa rápida sucessão e olhou para as paredes como se estivesse contemplando escalá-las. – Recebi um e-mail do seu irmão – disse ele finalmente. – Jared? – Damon. Ele agendou um voo para a gente daqui a três dias. Lena endireitou-se para que pudesse fitar os olhos de seu marido cheio de iniciativa. – O que acontece se minha memória voltar antes disto? – Então acho que cancelamos e mantemos nossa ida a Bodrum. – O que tem em Bodrum? Ele hesitou apenas por um segundo. – Tem alguma coisa que você não está me contando. O que eu não sei? Trig passou a mão pelo cabelo já despenteado, frustrado. – Eu não sei o que você não sabe. Neste momento, também não acho que qualquer um de nós tenha de lidar com o que você sabe e não sabe. Tem coisas que está reprimindo. – As coisas ruins? – Sim. – Então por que não consigo me lembrar do dia do nosso casamento? Por que estou reprimindo isto? – Ela ficou nervosa de repente. Mais do que nervosa. – Foi ruim? Para você? A nossa noite de núpcias foi um desastre? – Deus me ajude. – Diga-me! – Não foi um desastre. – Temos fotos do dia do nosso casamento? – Porque ela não vira nenhuma no laptop. – Eu não sei de fotos. Saímos logo depois... da coisa toda. – Da cerimônia. Trig assentiu bruscamente. – Lena, dá para deixar isso para lá? Apenas por enquanto? – Não dá. – Ela não conseguia olhar mais para ele. – Eu não consigo me lembrar do dia do nosso casamento, ou de quando você me pediu em casamento, ou de como somos quando estamos juntos. Nada, nem mesmo um lampejo, e dentre todas as coisas que desejo me lembrar, estas são as principais. Parece... desrespeitoso que eu não consiga lembrar. Quem se esquece do próprio casamento? – Não é desrespeitoso. – Sua marido calmo e tranquilo estava desmoronando depressa.

– E nós realmente estamos bem? Não estamos à beira do divórcio depois de uma semana? – Não – disse ele rispidamente. – Não. Lena, eu preciso sair daqui um pouco. Eu estou ficando louco. – Você vai olhar nossas alianças enquanto estiver fora? – O quê? – O pobre homem pareceu positivamente cansado. – As alianças de casamento. Você poderia procurar. Regatear. Esporte violento. – Eu, hum, não estava planejando isso. – Mas poderia? – A ansiedade deixou-a inquieta. – Quero dizer, eu não me importaria. – Ele tinha dito a ela para ser clara sobre seus medos. – A aliança me daria algo sólido para segurar quando eu não conseguir me lembrar. Algo palpável. Lena não conseguia decifrá-lo, esse marido dela. O rosto dele parecia totalmente inexpressivo e ele estava muito calado. – Tem certeza de que não prefere esperar até sua memória voltar? – Ela mal conseguiu ouvi-lo. – Não quero esperar. Eu iria com você, nós podemos fazê-lo amanhã, se preferir não escolhê-las sozinho, mas não quero esperar. Confio em você para escolher bem. Trig esfregou o rosto com a mão grande. – Vou procurar – disse ele com a voz rouca, e entregou seu laptop para ela se distrair, aí saiu como se os cães do inferno estivessem em seu encalço. Lena soltou um suspiro quando a porta se fechou atrás de seu marido. Inquieta, ela ligou o computador e vasculhou a pasta de músicas, tentando encontrar algo que ela não aprovasse totalmente. Talvez ele tivesse baixado toda a coleção de músicas dela. Passeou pelas fotos e encontrou muitas dela e de Trig, ou dela e de Jared, ou de Jared e de Trig, a maioria envolvendo cordas, velas de barcos e água. Viu fotos dela e de Poppy num apartamento elegante e sentiu-se relativamente segura de que o apartamento na imagem pertencia ao seu pai. Viu uma foto de Damon dando aulas de surfe para uma ruiva rechonchuda vestindo uma tiara de abelhinha e soube que aquela tinha de ser Ruby. Sua memória estava voltando. Talvez não toda de uma vez, talvez aos trancos e barrancos, mas estava voltando. Em seguida ela passou pela coleção de vídeos de Trig. Algumas corridas de carros que não a interessavam nada. Algumas filmagens de surfe de ondas gigantescas, e estas sim a interessavam. A terceira temporada inteira de um programa de culinária local. Hum. E uma série sobre um circo, um andarilho e um monte de acontecimentos sobrenaturais. O programa bizarro do circo ganhou. Ela ainda estava assistindo, quatro horas mais tarde, quando Trig retornou. Bem, talvez não assistindo atentamente. Era perfeitamente possível que ela tivesse caído no sono em algum ponto entre o primeiro episódio e o que quer que estivesse rolando agora. A luz do dia tinha ido e vindo. O crepúsculo governava o céu nesse momento. Trig olhou para Lena, e olhou para a tela do computador. – Relaxando – disse ele. – Ordens médicas.

– Você sabe que já assistiu a tudo isso. – Até onde eu sei, é tudo novidade. E se isto é novidade, pense só no que mais poderia ser uma experiência totalmente nova. Eu voltei a ser virgem. – Nem pense em abordar isto aí. – Trig apontou um dedo de advertência para ela. – Pense só. Eu mal fui beijada. Meus seios nunca foram tocad... – Lena! – Eu adoro quando sua voz fica toda rude e autoritária. – Ela se deitou na cama, toda dócil e molenga. – Quem diria? – Nada de sexo. Ordens médicas. – Lua de mel – lembrou ela. – Você só está entediada. – Isso era verdade. – Então me entretenha. O que tem de novidade lá fora? – Bem, fazer compras aqui ainda é uma experiência memorável, e eu ainda rezo pela minha vida sempre que entro num táxi. Desta vez o nome do motorista de táxi era Boris. – Será que ele sabia onde encontrar as melhores alianças de casamento? – Claro que sabia. Trig enfiou a mão no bolso da calça jeans, sacou uma bolsinha de veludo e a jogou sobre a cama. Lena olhou para a bolsinha com expectativa extrema. – Não que eu não goste da entrega direto-no-meu-dedo, mas você não deveria estar de joelhos? – Será que não dá para você simplesmente pensar nas tartarugas? – Eu pensaria se conseguisse me lembrar delas. Ajoelhe-se. E faça o discurso de pedido de casamento. E maravilha das maravilhas, Trig apoiou-se num joelho e deixou Lena sem fôlego. – Tudo bem. – Ele pigarreou e engoliu em seco. – Tudo bem, eu posso fazer isto. – Espere um pouco. – Ela alisou o cabelo para trás e aprumou o tronco, sentando-se ereta, ombros para trás e um livro imaginário na cabeça. Não havia necessidade de complacência só porque eles já tinham feito isso antes. – Preparada. – Fico feliz que um de nós esteja. – Leve o tempo que precisar. Ele respirou fundo. – Nós nos conhecemos há muito tempo – começou ele, rouco. – Eu te amei durante muito tempo. Você é a pessoa certa para mim. Por todo o sempre, não há outro lugar onde eu prefira estar, senão ao seu lado, sendo assim... Lena Aurelia West, quer se casar comigo? Aquilo não eram lágrimas nos olhos dela. Não eram. – Sim – respondeu ela simplesmente. – Sim. Eu também te amo. Trig soltou um suspiro e Lena percebeu, tardiamente, que ele estava tenso. Muito tenso. – Por que você está tremendo? Sabia que eu diria sim. – Ela fechou o laptop e o afastou. Daí estendeu a mão para o marido e o incitou a sentar-se na cama. – Isto foi tão bonito. Você devia fazer de novo. – Uma vez já foi o suficiente. – Duas.

– Isto. – Você está pálido. – Provavelmente é medo. – Ele pegou a bolsinha de veludo azul. Havia uma inscrição prateada nela que Lena não entendia, mas que nem precisou entender quando ele puxou a cordinha, tomou a mão dela, virou a palma para cima e colocou ali três anéis, dois deles significativamente menores e mais ornamentados do que o terceiro. Ela pegou o primeiro dos anéis menores. A platina escovada tinha uma ondulação brilhante. O segundo dos anéis menores era idêntico, só que a ondulação continha uma série de safiras azuis vívidas, que começavam pequenas, aumentavam e depois ficavam pequenas de novo. Separados, eles eram bonitos. Juntos, em seu dedo, ficaram esplêndidos. – É palpável o suficiente para você? – quis saber ele. – Sim. – E devem ter custado uma fortuna. Ela olhou para a terceira aliança. Platina escovada, igual aos delas, mas sem a ondulação ao longo do anel liso e simples. Ela o pegou e estudou o acabamento antes de tomar a mão de Trig e colocálo no dedo dele. – Combina com você – murmurou ela. – Já mencionei ultimamente o quanto amo suas mãos? – O quê? – Mãos. As suas. Eu tenho fetiche total nelas. De anos. – Quantos anos? – Você se lembra daquele gatinho que encontramos preso no cano de esgoto? – Sim, mas me lembro que a mãe do gatinho encontrou a gente dois minutos depois. Ela me mordeu. – Mordeu mesmo. – Lena sorriu diante da lembrança, pois era vívida, intensa e presente. – Você tem um tato delicado, grandão. Mesmo quando sob ataque. Foi aí que me apaixonei pelas suas mãos. O marido dela ficou vermelho e Lena sorriu um pouco mais. – Sério, você é um homem bonito, por dentro e por fora. Eu queria conseguir me lembrar do que fiz para merecê-lo. Porque olhando para você e então olhando para mim... Adrian, posso fazer mais uma pergunta que não vai querer responder? Porque é bem importante, e isto está me incomodando. – Posso me reservar o direito de não responder? – O local onde levei um tiro... tem muitas cicatrizes, muitas depressões. Eu ainda sou capaz de ter filhos? Ele não precisou dizer uma palavra; seus olhos responderam por ele. Lena assentiu e mordeu o lábio. – Tudo bem. – Ela respirou de forma trêmula. – Tudo bem. Deus. Eu não sei o que você vê em mim. – Não diga isto – retrucou ele ferozmente. – Por que diz coisas assim? Você é tudo para mim. Sempre foi, e se ainda quiser ter filhos, bem, talvez não possamos fazer um, mas podemos cuidar de um que precise ser cuidado. O que você quiser fazer, eu topo. Tudo. Prometa-me que vai se lembrar disto e que vai se lembrar disto aqui. De nós dois. Da forma como estamos agora.

Lena montou em cima dele porque ele olhava para a própria aliança no dedo, e ela achava que ele poderia escapar; daí ela passou os braços em volta do pescoço dele e tomou sua boca na dela, gentil e provocante a princípio, e depois mais languidamente quando Trig reagiu. – Faça amor comigo – sussurrou ela. Lena queria isso, queria tanto sentir Trig dentro dela. – Podemos ir devagar. Fácil como respirar. O médico não poderia se opor a isto. – Não podemos. – As mãos de Trig estavam nas costas de Lena e seus lábios estavam em seu pescoço. – Eu não posso. Você precisa recuperar sua memória primeiro. – Para isto? – Os lábios dele roçaram sem querer no esterno de Lena, enviando uma pontada de puro prazer pelo corpo dela. – Tenho certeza de que não. E estou totalmente disposta a criar lembranças novas. – Amanhã – disse ele, e soou como uma oração pela salvação. – Vamos ver como você vai estar amanhã. TRIG NÃO conseguia dormir. Como um homem poderia conseguir dormir quando sua cabeça estava inebriada pelo perfume da mulher que ele amava, e seu coração se espatifava justamente sob o peso de todas as mentiras que ele havia acabado de contar a ela? Nem tudo era mentira: o pedido de casamento tinha sido sincero. Ele desnudara sua alma e esperava que Lena se lembrasse disso pela manhã. Vejam só para onde aquilo tudo os levara, e esperançosamente eles tropeçariam em Jared ao longo do caminho. Trig ainda não tinha se esquecido da verdadeira razão para Lena estar ali, ainda que ela mesma houvesse esquecido. Porque ele poderia levar Lena para casa no minuto em que ela fosse liberada para voar, e esperar para sua memória voltar totalmente, mas no minuto em que isso acontecesse, ela também estaria de volta, à procura de seu irmão desaparecido. Trig levantou-se da cama e pegou sua camiseta. Daí saiu do quarto com o celular e o mínimo de estardalhaço. O telefone era obra de Damon. Nada vindo do governo, nada que pudesse ser rastreado. Discou um número que sabia de cor e esperou para ver se a chamada cairia na caixa postal. A caixa não estava cheia e já deveria estar à essa altura. Alguém estava limpando as chamadas. Esperava que fosse Jared. – Ei, cara. – Jared saberia quem era pelo timbre da voz. Se alguém estivesse com o celular de Jared, Trig não planejava facilitar sua identificação. – Faz tempo que não vejo você e estamos na área, então vamos aparecer. Você me deve uma. E precisa estar lá.

CAPÍTULO 8

LENA ACORDOU na manhã seguinte sentindo a cabeça mais leve do que não sentia em dias. Trig não estava lá; ela se lembrava de tê-lo visto rolando, puxando-a para si e dando-lhe um beijo na têmpora, e então dizendo que ia sair para comprar o café. Ela dissera que também iria, mas não abrira os olhos ou acordara devidamente, e quando ela murmurara alguma coisa tipo “só mais cinco minutinhos”, ele informara que eram cinco da manhã e falara para ela voltar a dormir. Um comando que ela ficara muito feliz em seguir. Então seu marido era um madrugador. Ela também costumava ser madrugadora, na época em que o surfe era uma opção, ou andar de caiaque no mar. O caiaque ainda podia ser uma opção, pensando bem. Havia muitos locais com água represada não muito longe da casa de praia de Damon. Ou talvez fosse hora de comprar um chalezinho, só dela, em algum lugar perto do rio. Uma casa de campo com divisórias com painéis, pés-direitos altos e janelas com sacada. Uma casa de campo antiga clamava por corredores com tapetes persas e varandas amplas. Sua família ia pensar que havia ficado maluca, mas poderia colocar uma piscina num dos cômodos caso fosse criativa o suficiente. Ela poderia fazer como num spa turco. Lena ainda estava naquele lugar encantador de seus sonhos onde qualquer coisa era possível quando Trig voltou depressa com o café da manhã. Iogurte de morango e nozes hoje, além de massa folhada e um tipo picante de ovos mexidos. Lena sentou-se e afastou o emaranhado de cabelo do rosto. Toda noite ela trançava o cabelo e o amarrava com uma bandana. Todas as manhãs a bandana tinha desaparecido e a trança virava um bololô. Ela esperava que Trig gostasse de sua aparência desgrenhada. Ela provavelmente deveria informá-lo sobre o chalé da vovó também. – Você acha que alguma loja aqui vende bicas de mármore e paredes decoradas? E azulejos como os da piscina de ontem? – Por quê? – Ele lhe entregou uma xícara de chá e se inclinou para pousar um beijo fugaz no limite dos lábios.

– Eu quero uma sala de banho turco na casa de campo que vamos comprar nas margens de um rio preguiçoso. – Vamos comprar uma casa de campo? – Às margens de um rio preguiçoso. Para que eu possa levantar e andar de caiaque, e você pode levantar à toa e colocar seu cinto de ferramentas. – O pai de Trig era construtor. O irmão mais velho de Trig também era construtor; e Trig tinha passado muitas férias escolares com um cinto de ferramentas preso à cintura. – Você quer que eu coloque um cinto de ferramentas? – Só quando não por estiver protegendo segredos nacionais. E se estiver fazendo calor às margens desse rio preguiçoso, pode tirar a camisa. Eu poderia até fazer um calendário seu assim. Você poderia ser tudo, de Mister janeiro até dezembro. – Não se atreva. – Ah, eu me atrevo, sim. Você já deveria saber disso à essa altura. Seu marido abriu aquele sorriso largo e feliz dele. – Senti sua falta – disse Trig, e então seu olhar deslizou para o dedo anelar dela e seu sorriso esmaeceu. – Como está a cabeça? – O galo está diminuindo. – Ela tomou a mão dele e deslizou pelo cabelo. – Sinta. Ele obedeceu. Nossa, mas como era agradável o toque dele. Lena fechou os olhos, inclinou a cabeça para trás e deixou que Trig tomasse o peso de sua cabeça na mão enorme. – Hum. Ele a abandonou rapidamente e retirou-se para o outro lado da mesa. – Você é a pessoa mais tímida que conheço quando se trata de afeição física – disse ela a ele, irritada. – Ordens médicas. – Eu vou voltar lá hoje, só para suspender esta ordem em especial. – Você ainda não consegue se lembrar de nada. – Estou lembrando um pouco mais a cada dia. Estou de dispensa médica. E acabei de falhar no meu teste físico. Trig resmungou. – Eu não passava de uma pata manca e lenta para aqueles batedores de carteira. O Serviço Secreto Australiano de Inteligência não vai me colocar de volta ao trabalho de campo. Não sei se quero voltar a campo, já que serei apenas um passivo. Eu preciso de um novo foco. Talvez toda uma nova carreira. – Ela olhou para ele com curiosidade. – Alguma vez você já pensou em desistir do ramo? – Ainda não. – Mas aceitou uma função burocrática. – Você se lembra disto? – Não foi? – Sim. – Ele esfregou a têmpora. – Como é? – Um monte de análise. – Frustrante?

Trig assentiu, relutante. – Você poderia voltar ao trabalho de campo. – O quê? E largar você sozinha na casinha à beira do rio? Quem iria colocar as decorações de Natal no telhado? Então ele tinha alterado sua carreira porque ela havia sido obrigada a alterar a dela. Tal confirmação causou em Lena uma mistura de sentimentos. Por um lado, ela era grata por ser tão bem amada. Por outro lado, estava consternada porque Trig escolhera se limitar a fim de estar lá para ela. Não era tão carente assim, era? – Você quer colocar decorações de Natal no telhado? – perguntou ela levemente. – Eu quero decorações de Natal em todos os lugares. Talvez fosse hora de ela expandir seu sonho anterior. – Estou em dúvida sobre a casinha na beira do rio. Acho que precisamos de uma casa de fazenda grande e antiga, em vez disso, com galpões para abrigar todos os brinquedos e decorações quando não estiverem sendo usados. E se morarmos perto do rio, eu quero uma lancha. Uma bem veloz. Eu poderia fazer até corridas de lancha. – Ah, claro, isso realmente vai me incentivar a largar você sozinha. – Pode participar das corridas de lancha também. Eu me lembro de possuir uma quota num avião que poderia vender. – Que conveniente – disse ele, seco. – Não é? Pensei em ligar para Jared hoje. Ou Poppy. E recebi uma mensagem de alguém no celular, só que o nome não me remete a nada. Amos Carter. Trig franziu a testa. – Deixe-me ver. Ela lhe entregou o telefone e Trig encontrou a mensagem e franziu a testa um pouco mais. – Quem é ele? – Um antigo contato de trabalho. – Jericho3, Milta Bodrum Marina – disse ela em seguida. – É um barco ou um míssil? – Não sei. – Estamos curiosos? – Eu estou curioso. Deixe isto comigo. Você está com uma concussão. Lena bebeu um gole de chá. – Eu ainda não consigo me lembrar do casamento. Trig olhou-a bruscamente. Lena baixou o olhar. Ela queria se lembrar. Estava tentando se lembrar. – Creio que o que estou dizendo é que, se esta lembrança em particular permanecer esquiva, eu acho que gostaria de fazer tudo de novo. A cerimônia. Você acha que as famílias topariam? – Acho que sua família faria qualquer coisa por você. E a minha poderia ser persuadida. – Você faria qualquer coisa por mim? – Realmente precisa perguntar? – Ele sustentou o olhar dela. Lena foi a primeira a desviar o olhar. – Então sim. Poderíamos fazer – disse ele com a voz rouca. – Melhore e tudo pode acontecer.

– Então... qual é o plano para hoje? Eu sei que você disse que a gente deveria ir para casa se minha memória continuasse ruim, mas está melhorando. Nesta manhã lembrei que seu pai é construtor. E lembrei que você o ajudava para poder conseguir seu equipamento de kite surfing. É verdade ou não? – Verdade. – Então eu gostaria de ficar. Talvez pudéssemos manter nossos planos de lua de mel. Aproveitar ao máximo este período juntos, independentemente de qualquer coisa. Trig parecia estar à beira de protestar. – Depois que eu for ao médico hoje e for liberada, é claro. – Você é tão responsável. – Não sou sempre? Trig quase engasgou com seu café. – Então supondo que o médico me dê o sinal verde, para onde vamos nesta nossa viagem de lua de mel? – Para Bodrum. – Então você sabe o que Jericho3? – Não – murmurou ele. – Mas pretendo. LENA RECEBEU sinal verde do médico para viajar e permissão para interromper a medicação. O médico fez um exame mais aprofundado dos hematomas em seu quadril desta vez e a fez mostrar quais movimentos das pernas ela ainda conseguia fazer, questionando então se a dor estava pior do que antes. – Não – assegurou ela. – Está tão bem quanto poderia estar. O médico assentiu. – Você toma remédios para a dor? – E anti-inflamatórios. A perna melhorou muito. Já faz 19 meses. Fico a maior parte do tempo sem tomar analgésicos. Tomo só de vez em quando, assim como os anti-inflamatórios, tomo quando sei que vou me movimentar muito em algum dia. – Eu não sabia que você estava livre dos analgésicos – comentou Trig. – Não totalmente. Mas num bom dia, posso passar sem eles. Doutor, e o sexo com meu marido? Estou liberada para isso? Porque nós estamos em lua de mel. – Ah. – O médico deu uma olhada de soslaio para Trig. – Mais uma vez, se você for ajuizada e não tentar nada muito rigoroso, então tudo bem. Lena sorriu abertamente. Trig franziu a testa. Para um homem em lua de mel, ele não parecia muito satisfeito com a suspensão da proibição do sexo. – Você quer que a gente pegue o próximo voo para casa, não é? – acusou Lena assim que eles deixaram o consultório. – O pensamento passou pela minha cabeça. – Por quê? – Porque sua memória ainda está debilitada.

– Não está tão debilitada assim. – É só uma opinião. – A gente não vai encontrar Jared enquanto estiver aqui? Quando vai ser isso? – Não vamos. Eu não tenho notícias dele. – Trig assentiu para uma Belina cinza-escura que se aproximava rapidamente. – Eis o nosso motorista. – O veículo parou e Trig abriu a porta traseira para Lena. O tráfego parou todo atrás do veículo, mas ambos, Trig e o motorista, pareceram indiferentes. – Estou avaliando se devemos ir a Bodrum ou não – disse Trig quando eles já estavam em movimento. – Bodrum é de fato um destino de férias muito agradável – ofereceu o motorista de táxi. O nome do motorista era Yasar. Era um homem alegre, com muitos parentes. – Eu gostaria de ir para Bodrum. Parece relaxante. Não vou atrapalhar se houver algum trabalho que você queira fazer lá. Eu encaro numa boa o fato de você ser multitarefa. Nós poderíamos voar para lá esta tarde depois de fazer compras. – Comprar o quê? – Roupas. – Lena inclinou-se para o motorista. – Yasar, existem grandes lojas de departamento nas proximidades? Dez minutos depois, Yasar desacelerou o carro em frente a uma enorme loja de departamentos. – Quanto tempo vamos levar? – perguntou Trig a ela. – Meia hora. – Meia hora – disse Yasar, olhando para Trig. – Estarei de volta neste mesmo lugar, exatamente às 10h50. Posso trazer kebabs e bebidas geladas para você e sua senhora? – Sim – disse Trig. – Yasar, como é sua experiência em reservar voos? – Eu tenho um dom para isso – afirmou Yasar. – E também tenho um primo que é agente de viagens. – Veja se seu primo pode nos reservar um voo para Bodrum esta tarde. Yasar assentiu sensatamente. – Sujeito solícito – murmurou Lena enquanto Yasar ia embora. Eles entraram na loja, passando pelos quiosques de perfume em direção às escadas rolantes, onde uma placa gigantesca informava quais itens haveria naquele andar. – Proponho dividir para conquistar – disse ela a ele vivamente. – Segundo andar para você. – O segundo andar tem roupas de festa para mulheres. – Exatamente. Eu preciso de um vestido para sair para dançar. Nada muito sexy e nem rosa-bebê com babados. – Mas ia ficar bem em você. – Sim, e você também ficariam bem usando um macacão roxo coladinho, mas nem por isso comprei algo assim para você. – Bem pensado. Para onde você vai enquanto eu estiver no segundo andar? – Quarto andar. – Ela sorriu angelicalmente. – Lingerie e baby-dolls. TRIG CHEGOU ao segundo andar da loja de departamentos com medo no coração e desejo na alma. Quando Lena queria algo, tinha o hábito assustador de conseguir. Ela estava comprando lingerie e

ele tinha sido expulso para lhe comprar um vestido. Se Trig não estivesse enganado, ela estava se preparando para uma noite de núpcias completa. Com ele. Vinte e cinco minutos depois, ele e Lena se encontraram na entrada da loja. Yasar e seu táxi estavam à espera, dois copos de isopor nas mãos. Lena ostentava um sorriso imenso e perverso e carregava três sacolas de compras. Trig tinha uma sacola e uma dor de cabeça. – YASAR, VOCÊ sabia que é nossa lua de mel? – disse Lena, quando retornou para o táxi e aceitou o chá e o kebab que o motorista lhe entregou. – Mas não. – Sim, e eu não sei nada sobre Bodrum, mas sei que esta noite quero ficar em algum lugar mágico e luxuoso. Em algum lugar com cortinas esvoaçantes e almofadas de veludo. Um estabelecimento verdadeiramente grandioso onde entregam iguarias no quarto numa bandeja de prata. Pode ser até uma suíte nupcial num hotel chique. Trig reprimiu um gemido. O rumo daquilo não era nada bom. – Senhora do cavalheiro Sinclair, conheço um lugar assim em Bodrum. É muito famoso. No entanto, não é para aqueles com limitações financeiras. Eu mesmo nunca estive lá. – Yasar encontrou o olhar de Trig no espelho retrovisor. – Há outras opções. Trig era totalmente a favor de explorar outras opções. – Como é o nome do lugar? – perguntou Lena. – Caravana de Saul. Embora não seja uma caravana, você entende. É uma antiga residência de pedra com vista para a cidade. Dizem que já foi a casa da concubina de um rei. – Fizemos reserva em algum lugar? – Lena virou-se para Trig, seus olhos implorando. – Não. Mas... – Mas o quê? – Acho que estou com dor de cabeça. Posso estar pegando alguma gripe ou coisa assim. Eu provavelmente não vou ser de muita utilidade para você hoje à noite no quesito romance, só isso. A gente pode se guardar para outra hora. Lena espiou-o cuidadosamente antes de voltar sua atenção para Yasar. – Yasar, o que você tem para dores de cabeça? – Tem uma bebida – começou Yasar, acima do lamento do rádio. Claro que havia. LENA PROSSEGUIU e organizou uma estada de duas noites no Caravana de Saul. Um motorista do hotel buscou-os no aeroporto, seu terno cinza-escuro imaculado e a Mercedes novinha em folha indicando o que poderiam esperar das acomodações. O hotel ficava no alto de um penhasco pálido, austero e cercado por altos muros de pedra meio ocultados por jasmins. – Veja. – Lena inclinou-se sobre Trig para espiar melhor quando eles passaram os portões de entrada. – Tem uma torre. Eu sempre quis uma torre.

As portas de entrada duplas esculpidas poderiam ter enfeitado o Palácio de Versalhes. Os mosaicos que cobriam o chão pareciam pertencentes a um museu. Uma mulher incrivelmente bela cumprimentou-os e se apresentou como Aylin, a proprietária do Caravana de Saul. Ela não se preocupou com o check-in, mas os levou à suíte e mostrou o local. Foi como entrar na caverna de Aladim. Castiçais de prata e utensílios polidos de estanho brilhavam no topo de armários e aparadores de madeira encerada. Havia cortinas de gaze penduradas no teto acima da imensa cama de dossel e belos lençóis ornando a cama em quantidade suficiente para se abrir uma loja de roupas de cama. Também havia tapeçarias antigas penduradas nas paredes e meia dúzia de tapetes persas espalhados pelo chão. A suíte tinha um pequeno pátio com jardim e uma vista deslumbrante de Bodrum e do mar Egeu. Havia uma área de refeições ao ar livre e uma pequena piscina interna, meio escondida atrás de uma divisória de madeira entalhada. Um leão de mármore em tamanho natural posava ao lado da partição. Ele parecia proteger um querubim adormecido. Uma Virgem Maria em gesso e em tamanho natural enfeitava um canto da sala, bem como um Buda de jade no canto oposto, e uma pintura tridimensional do que Lena desconfiava ser uma oração muçulmana, a qual cobria uma parede inteira. O quarto também continha uma harpa, uma pianola, cordões de luzinhas e um gongo. – Ah, isto – murmurou Lena. – Ainda estamos no planeta? – Trig duvidava claramente. Lena dirigiu-se para o banheiro, que não deveria ser confundido com a outra piscina. – Ei, Trig. Tem um espelho em formato de prancha de surfe aqui, ao lado da lâmpada da Tinkerbell. Já está se sentindo em casa? Diga-me que sim, porque tem fantasias aqui também... Isto, ou alguém esqueceu suas roupas. – Ela reapareceu. – Eu adorei este lugar. Lena estava disposta para o passeio, para a aventura, para o inesperado. – Uma noite – disse Trig. – Eu reservei duas. Trig revirou os olhos, mas Lena sabia que ele estava na mão dela. – Duas noites – disse ela com doçura para Aylin, e a mulher assentiu e deu um passo de lado para que o motorista pudesse entrar com as malas deles. Uma jovem veio em seguida, carregando uma bandeja de prata contendo refrescos. Outra mulher entrou com uma bandeja de frutas frescas. – Está se sentindo mimada o suficiente, princesa? – quis saber Trig. – A cama é grande o suficiente para você? – rebateu Lena. Porque era a maior cama que ela já tinha visto. – Estamos em lua de mel – murmurou Lena, e Aylin olhou primeiro para Lena e depois para Trig, avaliando claramente o que ele poderia trazer à festa de lua de mel. E sorriu. SE ALGUMA vez existiu um lugar ideal para uma mulher insegura e cheia de cicatrizes seduzir um homem, era este, concluiu Lena quando os funcionários saíram e ela começou a explorar os arredores com seriedade. Aqui uma mulher imperfeita podia encontrar a coragem e a ousadia para seduzir um homem cauteloso.

Porque aquele marido dela, além de qualquer coisa, também era um homem cauteloso. Principalmente quando se tratava de ser fisicamente íntimo. Os beijos ele entregava com perfeição e abandono impressionantes. Os abraços, toques e contatos de corpo inteiro ele também oferecia, desde que ambos estivessem usando roupas. Mas era só pular na cama e o sujeito tinha o hábito de abandonar o quarto. E talvez fosse por causa das ordens médicas, mas Lena não acreditava totalmente nisso. Trig não estava incitando a intimidade física de jeito nenhum. Como agora, por exemplo. Eles tinham tudo do qual poderiam possivelmente necessitar quando se tratava de uma tarde de sedução: água e vinho, uma bandeja cheia de iguarias e até mesmo um narguilé com uma seleção de tabacos aromatizados. E ele ficou lá, parecendo desconfortável na própria pele, curvando-se ligeiramente enquanto admirava Bodrum com uma expressão pensativa. Ele estava com expressão pensativa desde que tinha verificado seu celular; correção, um de seus celulares, porque Lena vira pelo menos dois aparelhos. Trig segurava o celular agora, o polegar imenso acariciando a tela distraidamente. Onde quer que sua mente estivesse, certamente não estava em Lena. E Lena queria muito que seus pensamentos estivessem nela. Postou-se ao lado dele, de banho tomado e enrolada num robe de seda cor de esmeralda que havia encontrado pendurado na porta do banheiro. – Este é um telefone do trabalho? – Não. É um dos celulares de Damon. Os dele são menos rastreáveis do que os de trabalho. – Que ideia mais perturbadora – disse ela secamente. – Sim. – Ele finalmente se virou para olhar para ela e sua expressão tornou-se ainda mais pensativa. – Não que eu tenha alguma objeção ao que você está vestindo, mas o que aconteceu com suas roupas? – Estão chegando. Achei que você pudesse querer me ver sem elas. – Então surgiu outra vez aquele olhar de sujeito sendo caçado. – Acho que não. – Bem, não imediatamente. Imaginei que você gostaria de experimentar a comida, em primeiro lugar. E o vinho. – Ele se dirigiu para a mesa, a qual colocou entre eles. – Champanhe? – A rolha de champanhe estourou e Trig derramou um pouco do líquido amarelo borbulhante em taças de cristal delicadas gravadas com folhas e cachos de uva. Serviu-se de uma e a esvaziou num gole rápido. Lena tomou um golinho da dela. – Nunca vi ninguém virar uma taça de champanhe antes. – Existe uma primeira vez para tudo – murmurou ele, olhando para todos os lugares, exceto para Lena. – E eu preciso tomar banho agora. Imediatamente. Muito. Estou mesmo muito sujo. – Ele assentiu com muito entusiasmo e desapareceu de volta para dentro. Lena ficou observando-o ir e suspirou. Limpeza era de fato uma virtude, mas ainda assim... Ela encontrou a sacola com o vestido que Trig tinha escolhido e espiou lá dentro. Então enfiou a mão no pacote e tirou uma massa de chiffon azul-cobalto. O vestido tinha um corpete ajustado, sem alças e camadas de saia de gaze que iam se abrindo com cuidado a partir da cintura, terminando numa massa de babados.

– Eu uso babados? – murmurou ela. – Eu não lembro de usar. Ela tirou o robe, vestiu um sutiã lilás sem alças e calcinha combinando que havia comprado mais cedo, e aí enfiou o vestido pela cabeça. O corpete acomodou-se lindamente, uma vez que ela encontrou o zíper. A saia caiu em ondas suaves até o meio da perna e ela agarrou a cabeceira da cama e levantou a perna para movimentar as camadas, com pé em ponta feito bailarina e tudo o mais. Era uma criação totalmente feminina e gloriosamente leve e macia de encontro à pele. Ela usava babados. Mas tinha esquecido de pedir para ele comprar sapatos. Deixa pra lá; eles não precisavam sair pra dançar esta noite. Não era problema nenhum dançar descalça ali. Ela pegou a bolsa de maquiagem e pintou o rosto diante de um espelhinho preso à parede acima de três patos voadores de gesso. Vinte minutos depois, Lena tinha se arrumado de todos os jeitos imagináveis e seu marido ainda não havia saído do banheiro. Lena bateu à porta. – Adrian, querido. É melhor não estar reduzindo os efeitos disto aí. Eu tenho planos para ele. Trig gemeu. – Lena, eu sei o que você quer. – Ele tinha uma bela voz e sabia exatamente como deixar cair uma oitava e torná-la rouca e estranha. – Só não sei se posso entregar a experiência mágica de noite de núpcias que você busca. Lena apoiou o ombro e o quadril na porta. – Por que não? – Pressão por desempenho – veio a resposta rouca. – Sério? Você? Quero dizer... você é o maior pretensioso que conheço e não é exatamente inexperiente. – Ou desprovido de atributos. Ela olhou para suas alianças e, droga, começaram a turvar por conta de lágrimas não derramadas. – Eu não previa isto. Trig não disse nada. – Se isto ajuda em alguma coisa, eu não sou a Senhorita Confiança quando se trata desta área do nosso relacionamento – ofereceu ela, hesitante. – Tenho partes do corpo que não são tão flexíveis mais. Não tenho certeza de como isso funciona quando é jogado na mistura. Quero dizer... Funciona para a gente, não é? Sexualmente? Você sabe disso, mesmo que eu não saiba? – Sim. – Dentro do banheiro, Trig olhou para seu reflexo no espelho e clamou por clemência. – Funciona muito bem. O que mais ele poderia dizer? Revelar a ela que não tinha ideia e deixá-la se preocupar com isso também? – Então, já está acabando aí? – Sim. – Ele ficara olhando fixamente para o mosaico no chão durante os últimos dez minutos, com a água batendo em suas costas e nenhuma ideia de como ia enfrentar a noite. – Saio num minuto, e vamos dançar e, sabe, ter uma conversa incrível, papear e outras coisas. Mas não coisas na cama. Ainda não. Eu quero cortejar você primeiro. – Cortejar? Cortejar? Quem nos dias de hoje dizia cortejar? Ele estava ficando maluco. – Você quer mais champanhe? – perguntou ela.

– Seria bom. – Talvez ele pudesse beber para se safar. Ou embebedar Lena. Nada de sexo depois disso, só uma ressaca dos infernos e uma Lena que saberia que ele havia sabotado a noite deliberadamente. Péssima ideia. – Na verdade, não quero mais bebida agora. Talvez mais tarde. Trig ouviu o suspiro dela, nítido através da porta. Ele sempre poderia dizer que pegara uma doença social contagiosa. Estremeceu e bateu a cabeça suavemente contra o espelho. Não tinha certeza se realmente queria explorar isso. Uma discussão, então. Uma disputa empolgante que terminaria com Lena relegando-o a dormir no sofá. Ele e Lena faziam das discussões uma arte. Aí haveria a memória muscular, e sinapse das lembranças, e talvez ela recuperasse sua memória e isso funcionaria de vez. Mas ele também não queria discutir com ela. – Vamos sair hoje à noite – disse ele. – Vamos sair agora e ver os pontos turísticos. Você poderia me seduzir enquanto isso. Ou poderia, sabe, se interessar pelos pontos turísticos e deixar a sedução para mais tarde. Podíamos jantar fora, ir dançar. Fazer como num encontro. Aposto que você não se lembra de qualquer um dos nossos encontros. Principalmente porque eles nunca haviam tido um. – Lembro-me da primeira vez que você me levou para fazer kite surfing – ofereceu ela. – Não conta se seu irmão estava lá. Bodrum tem um castelo. Eles o transformaram num museu marítimo. Você não quer ver o castelo? Aposto que tem torres. – Lena gostava de torres. Ele olhou para seu reflexo no espelho e respirou fundo. – Vou sair num minuto. E aí nós iremos. – Sem pressa. – Ela parecia um pouco melancólica. – Ainda preciso me trocar. ENTÃO SEU marido precisou de meia hora para tomar banho, fazer a barba e enfiar uma blusa e um par de jeans desbotados. E assim ela trocara o vestido azul bonito e vestira um par de shorts cinza e mais uma daquelas camisetas de algodão simples que pareciam abarrotar a mala, em seguida serviuse de mais petiscos e encheu outra taça champanhe até seu marido surgir. Adrian Sinclair fizera valer a espera. Lena ficou observando da namoradeira pendurada no jardim do pátio enquanto ele chegava no quarto, os pés descalços sem fazer qualquer barulho no ladrilho. Ele não precisa sentir ansiedade de desempenho. Não perto dela. Lena sinceramente não tinha ideia de por que ele o faria. – Pronta para ir? – perguntou ele, e ela assentiu. – Temos um motorista – avisou ela. – Vai nos deixar e nos pegar onde quisermos. Trig fez que sim com a cabeça. – Pronta para ir? Ela com certeza estava.

TRIG TINHA mais do que um motivo oculto para pedir ao motorista para deixá-los na marina em vez de no castelo. Era a marina que Amos Carter indicara a eles. Jericho3 poderia ser o nome de um barco. Parecia fácil demais, mas Trig não se importava com facilidades. Agora ele desejava isso. Seu outro motivo era mais sórdido, porque se tratava de fazer Lena caminhar da marina até o castelo, distância que ela poderia cobrir com facilidade há dois anos, mas que agora, ele sabia, seria um problema, independentemente de quantas vezes ela parasse para um descanso ao longo do caminho. – Estamos à procura de algo em particular? – perguntou Lena, com seu olhar fixo sobre meia dúzia de iates turísticos de madeira que sacolejavam em suas amarras. As proas dos barcos eram cheias de almofadas e espreguiçadeiras. As áreas internas continham mesas de jantar e cadeiras. Os barcos eram tripulados por jovens reluzindo seus sorrisos brancos e a pele bronzeada. – Jericho3 talvez? – Sim. – Eu sabia. – Lena enfiou a mão na dobra do cotovelo de Trig. – Eu sabia que você tinha um motivo para nos arrastar para cá esta tarde. Acha que é o nome de um barco? – Não faz mal nenhum averiguar. – Trig olhou para as pessoas sobre os iates turísticos nas proximidades. – Nenhuma mulher – disse Lena. – Talvez elas estejam nas cabines. – Talvez a gente pudesse viajar em um deles. É um bom jeito de dar uma olhada, fazer algumas perguntas. – Vocês não vão querer navegar nestes barcos. – A garota que se aproximou deles tinha um sorriso brilhante, cabelo cor de cobre e confiança de uma dezena de malandros de rua. – Voltem amanhã de manhã, antes das 10h, se quiserem um dia de passeio. – Talvez a gente queira um passeio noturno – disse Lena. – Pode ser – concordou a garota. – Mas não nestes barcos. Está vendo os rapazes bonitos? Você paga e eles lhe servem. Os quartos ficam abaixo. Às vezes eles nem sequer se dão ao trabalho de ir para os quartos. Estes são os barcos noturnos de prazer. – Ah. – Lena corou. Trig sorriu. – Não estamos interessados. – Eu sei – disse a garota. – Vocês vão querer o meu barco. Serviço de transporte somente. Um passeio nos arredores do castelo e depois uma excursão na baía. Depois deixo vocês aqui novamente ou na marina do castelo, se preferirem. Vinte e cinco liras. – E onde está sua embarcação? – Aqui embaixo. O táxi aquático da garota era, de fato, um cruzador de tamanho decente. – Eu tenho coletes salva-vidas – disse ela a eles quando pulou agilmente para dentro do barco, agarrou-se a uma corda e começou a manobrar o cruzador até uma escada próxima, ligada ao cais. – Minha licença de piloto é legítima. Vinte liras, porque gostei de vocês. E vou lhes contar histórias sobre a vida noturna de Bodrum ao longo do caminho.

Lena olhou para Trig. – Significa que não vou precisar caminhar para o castelo. Por mim tudo bem. – Como você vai entrar no barco? – Devagarzinho. Possivelmente com a sua ajuda. Tal como em “você entra primeiro e, depois, quando parecer que vou cair, você me pega”. É tudo parte do plano peço-ajuda-se-eu-precisar. Você gosta desse plano, apresso-me a acrescentar. – Como você sabe? – Porque você disse isso. – Você se lembra disso? Lena franziu a testa. – Não como uma lembrança específica. Tipo um conhecimento geral. Por quê? Estou enganada? Você está numa missão para me tornar mais independente? – Não. – A menina bateu o barco contra a escada. Trig desceu e puxou Lena, com as mãos na cintura dela quando a ergueu da escada para o cruzador. – Você quer ajuda, eu sou seu homem. – Legal – disse a garota com aprovação, e piscou para Lena. – O que houve com sua perna? – Eu me arrebentei – disse Lena. – E o quadril. E partes da coluna. A menina ligou o motor. – Você deve se sentar. Vou devagar. Mesmo quando estiver fora da marina. – Faça-me um favor, e não faça isso – disse Lena, pondo-se de pé perto da garota. – Estou pensando em comprar uma lancha. Eu quero sentir como meu corpo se comporta com um pouco de velocidade. – Tudo bem – concordou a garota, e quando eles saíram da marina e viraram para o castelo de Bodrum, ela acelerou. Lena estava ao lado dela, uma das mãos no encosto do assento do piloto e outro na parte superior do para-brisas. Ela nem mesmo estava tentando seduzi-lo, concluiu Trig sombriamente. Estava simplesmente sendo seu antigo eu, aquele que via uma oportunidade em cada esquina e a agarrava. Aquele que só precisava olhar e sorrir para ele a fim de seduzi-lo. Lena estava olhando para ele agora, seu cabelo chicoteando o rosto. Aquele sorriso. Aquele ali. – Eu dou conta disto – disse ela. – Veja como você vai estar amanhã. Seus olhos perderam o brilho, mas ela empinou o queixo, e ele adorava isso nela também. Nunca diga a Lena que ela não podia fazer alguma coisa, porque ela faria só para provar que você estava errado. – Este é o castelo – disse a garota sobre o rugido dos motores. – Foi construído pelos Cavaleiros Hospitalários, também conhecidos como Os Cavaleiros da Ordem de São João. Eles o chamavam de Castelo de São Pedro, e servia como um refúgio e fortaleza para todos os cristãos na terra e além. Mais tarde, o castelo foi entregue ao sultão Suleiman e tornou-se uma mesquita, que foi destruída pelos franceses durante a Primeira Guerra Mundial, e depois se transformou num museu. Façam um passeio lá. É muito especial. – E sobre as coisas que não aprendemos durante os passeios do castelo? – perguntou Trig. – Já ouviu falar de um barco chamado Jericho3?

– Não tenho negócios com qualquer pessoa ligada ao Jericho3 – ofereceu a piloto de cabelos cor de cobre severamente. – E gosto de manter assim. – Sabe onde podemos encontrá-lo? – Não. – Eu não estaria perguntando se não precisasse saber. – Não posso te ajudar, cara. É uma questão de permanecer viva. – Sem problemas. – Trig sorriu facilmente. Inofensivo. Viu? – Conte-nos sobre a vida noturna. Coisas turísticas apenas. A garota contou sobre discotecas ao ar livre perto do mar. Contou sobre a música ao vivo e os bares, as festas de rua e espetáculos de luz. Ela os deixou no cais abaixo das muralhas, no lado leste do castelo, e Trig pagou bem e deu uma bela gorjeta, dizendo que ela não precisava levá-los mais além, aí o sorriso radiante da garota reapareceu. – Você me preocupou, grandão. – Não esquente a cabeça. Ela semicerrou os olhos. – Este navio que você mencionou. O quanto você sabe a respeito dele? – Eu tenho um nome. Tenho um amigo que pode estar nele. – Por opção? Trig deu de ombros. A garota balançou a cabeça. – É um mega iate, com helicópteros, sistema de defesa e uma tripulação de setenta e tantos homens, a maioria russos. Trinta ou mais cabines. Nem todo mundo é hóspede. – Eu não vejo nada parecido com isso aqui. – Fica em alto-mar. Agradável e confidencial por lá. – Como eles reabastecem? – Um petroleiro. – Alguém costuma sair dele? – Uma mulher e uma criança. Vão ao hospital uma vez por semana, pontuais como um relógio. – Qual dia? – Amanhã. Procure um cruzador entrando neste cais em torno das 10h. – Obrigado. – Você parece legal – disse ela. – Não seja um homem morto. – E então ela se foi. – Acho que isso nos poupa de passear por milhares de pequenos iates à vela – disse Lena. – Eu não estava muito ansiosa por isso. Trig bufou. – Não consigo acreditar que você acabou de admitir isto. – O quê? Que caminhar quase dois quilômetros ou coisa assim me desgasta? – Sim. – Não é exatamente um segredo. – Eu sei. Mas normalmente você não gosta de admitir isto.

– Estou mais velha e mais sábia agora. E também não me importo de admitir minha completa ignorância sobre o motivo de estarmos aqui. Você percebe que não me lembro de nada sobre o motivo pelo qual o tal barco é tão importante? Ou sobre quem você acha que poderia estar nele. – Percebo. – Gostaria de compartilhar? – Na verdade, não. Lua de mel, lembra-se? – Lembro. – Lena olhou para o castelo altaneiro. – É um castelo bem grande. – Eu sei. A vista do topo da torre vai ser maravilhosa. – Talvez se eu tivesse uma semana – brincou ela secamente. – Eu costumava ter um relacionamento saudável com degraus. Agora eles só fazem deixar meus joelhos fracos. – Eu carrego você – Trig ouviu-se sugerir. – Isso vai esgotar você – disse ela. – Vamos ver um pouco do museu. Eles conseguiram visitar metade de uma ala do museu antes de fechar. Foram com calma e evitaram escadas. E Lena ficou esgotada mesmo assim. – Dores não contam se forem adquiridas durante a diversão – disse ela enquanto esperavam sua viagem de volta para o hotel. – E também tornam o relaxamento ao fim do dia tão bom. Por favor, diga-me que estamos no fim do dia. – Ainda vamos dançar e jantar. – Oh. – Lena murchou visivelmente. – Certo. – Dores não contam se forem adquiridas durante a diversão. – Trig sorriu. Lena lhe deu um tapinha e por uma fração de segundo tudo estava bem no mundo dele. O sol já tinha baixado no momento em que eles chegaram no hotel. Lena enrijecera toda durante o trajeto e Trig ficou observando-a sair do carro muito lentamente. Ele não deixou de notar os tremores. Nem o motorista. – Nós temos uma piscina aquecida que é muito relaxante – avisou o motorista enquanto os acompanhava até a frente da casa. – Você se refere àquela no quarto? – perguntou Lena. – É outra, além daquela no quarto. – Eu amo a Turquia – murmurou Lena. – Também temos um massagista da casa. – Perfeito. Qual é o código de vestuário para esta piscina? – Roupas de banho obviamente se fazem necessárias. Mas não precisa usar touca. Não é necessário cobrir o cabelo. – Isso é exigência em alguns lugares? – Em alguns lugares é assim. Por razões culturais, compreenda. O banho em tais estabelecimentos também é segregado. Mas não aqui. – O motorista olhou para Trig. – Devo providenciar bebidas para dois à beira da piscina? – Para mim, não. Tenho uns telefonemas para dar – disse Trig. – Mas Lena pode querer alguma coisa. – Eu gostaria de me refrescar – declarou Lena.

– Quer que eu traga suas roupas de banho para a piscina? – Trig sentia culpa agora. Bastante, muita culpa por ter incentivado Lena a fazer toda aquela caminhada hoje. – Não, vou me trocar no quarto. Você não se importa se eu for dar um mergulho e te deixar com seus afazeres por um tempo? – perguntou ela. – De jeito nenhum. Não tenha pressa. Relaxe. – Sabe o que tornaria esta frase perfeita? Se você acrescentasse “Vou pedir o jantar seja servido para nós em nosso pequeno jardim do pátio”. – Você não quer voltar a Bodrum? – Eu realmente não quero voltar a Bodrum. Poderíamos jantar e dançar aqui. Aí poderia me colocar direto na cama depois que eu adormecesse com a cabeça no seu ombro depois de confundir você com uma montanha. – Tentador. – Eu sabia que você ia enxergar sob meu ponto de vista. – Vá nadar. Vou pedir que levem um cardápio para você à beira da piscina. Lena dirigiu-se para a suíte. Trig saiu pelas portas maciças da entrada do hotel e resolveu investigar o perímetro. Ele era intrometido assim, e precisava de privacidade para dar um telefonema. Pegou o celular de Damon e verificou em busca de recados. De Jared. De Damon. De qualquer um. Nada. Ligou para Damon em seguida. – Estou em Bodrum, na toca de um concubina com vista para o castelo de São Pedro – disse ele quando Damon atendeu. – Amém – respondeu Damon. – É só isto que você tem para dizer? – Nem sempre consigo colocar Ruby na linha. Ela poderia dizer mais. – Faça isto. – Não. Como está Lena? – Ela ainda pensa que estamos em lua de mel. – Então por que vocês não estão num avião? – Porque estou seguindo uma pista sobre Jared. Tem um mega iate por aqui chamado Jericho3. Preciso saber mais a respeito da propriedade. Especificações. Tudo que você puder encontrar dentro das próximas oito horas. – Você está pensando em fazer uma visita? – Não. Estou pensando que seria suicídio. Minha maior esperança é que Jared tenha se infiltrado nele. Na pior das hipóteses, ele é um prisioneiro nele. – Como você vai descobrir qual é a opção certa? – Esperançosamente, Jared vai aparecer. – Presumindo que ele consiga. – Sim – murmurou Trig. – Vamos presumir isso por enquanto. – Você está deixando Lena ciente disso?

– Estou prestes a deixar. – Isso é prudente? Ela não está exatamente operacional. – Posso protegê-la. Ela só está atrás de uma olhadinha em Jared. Uma prova de que ele está vivo. Vamos manter distância. – Será que ela se lembra de querer vê-lo? – Vai lembrar. E quando isso acontecer, ela já vai tê-lo visto e não vai se sentir inclinada a sair feito louca atrás dele de novo. Ou você prefere que eu a leve para casa e que a gente volte aqui depois de uma semana para fazer exatamente a mesma coisa? Damon suspirou. – Está tudo sob controle. Vou levá-la para casa assim que ela encontrar Jared. Em quanto tempo você e Ruby conseguem chegar à casa de praia? – Sobre isso... Tem certeza de que vocês vão precisar da gente lá? – Sua irmã acha que sou casado com ela. Você quer que eu repita isto? – Não, saquei. – A voz de Damon soou divertida, muito divertida. – Eu adoraria me casar com Lena, mesmo. Mas eu não sou casado com ela ainda, e ela vai querer me matar quando descobrir. Ela vai precisar de alguém com quem gritar. Este alguém seria eu. E depois ela vai precisar de alguém com quem conversar um pouco, quando estiver mais calma. Este seria você. E então alguém precisa discutir em meu favor. É aí que Ruby entra. – Ruby sabe que vai discutir em seu favor? – Ainda não. Coloque-a na linha. – Não dá. Ruby está dormindo e eu não vou acordá-la. Ela está dormindo por três. – O quê? – Gêmeos. – Deus nos ajude. – Suas felicitações são aceitas de coração. – Parabéns – disse Trig rapidamente. – Quero dizer... sim. Parabéns. Duplo. Será que ele era uma pessoa ruim por seu primeiro pensamento não ser na felicidade de Ruby e Damon, mas no fato de que ele nunca ia ter isso? De que Lena nunca iria conhecer os bebês da maneira como Ruby os conheceria? – Está tudo bem? Com Ruby e os bebês? – Tudo ótimo. Não há nenhuma razão real para Ruby não poder viajar. Eu só... – Eu entendo. – Trig entendia. – Lena pode vir a Hong Kong. Vocês dois podem vir, e nós faremos o interrogatório do nãoexatamente-casados aqui. – Combinado. – O que mais ele poderia dizer? A única razão pela qual ele tinha escolhido a casa de praia de Damon como o local do encontro, em primeiro lugar, era porque Lena passara muito tempo lá e o ambiente seria familiar. Eles poderiam trabalhar em torno disso. O pai de Lena morava em Hong Kong. Ele possuía uma cobertura no lugar. Talvez isso também contasse como lar. – Fiquem bem – disse Damon. E então desligou. Trig resolveu olhar as fotos que havia tirado do castelo e pegou uma registrada a partir do cais. Enviou para o número de Jared. Não escreveu nada, mas pensou nas palavras possíveis:

Estamos aqui, cara. E se não podemos chegar até você, vai ter de vir até a gente. Se você conseguir.

CAPÍTULO 9

A REFEIÇÃO que Lena pediu para eles acabou por se revelar um banquete. – Quanto de comida você pediu? – Pedi o banquete tradicional para dois, e Aylin mencionou algo sobre cinco pratos. – Eles começaram com molhos e pão, e daí usufruíram do meze, uma pequena seleção de aperitivos. – Acho que estamos lá pelo prato número três e tenho certeza de que o último deles envolve café. Lena serviu uma pequena porção de cordeiro em seu prato azul e branco intensamente estampado e evitou o arroz. Ela indicou que serviria para Trig também, e ele estendeu seu prato enquanto ela colocava cordeiro nele. – Está bom assim? – Obrigado. Ele estivera em seu melhor comportamento cavalheiresco durante a noite inteira. Lena havia se esforçado um pouco para se arrumar: fizera maquiagem e colocara perfume. Trig também se esforçara, pois caçara uma camisa branca de colarinho na bolsa e a passara a ferro antes de vesti-la com a calça jeans. Trig Sinclair: ele nunca se misturava facilmente ao ambiente. Seu tamanho sempre fazia as pessoas olharem-no duas vezes e o brilho imprudente em seus olhos normalmente chamava atenção. Coloque ele e Jared juntos, deixando-os soltos numa festa ou num bar, e o caos se seguia. As mulheres queriam levá-los para a cama, os homens queriam desafiá-los, e Lena muitas vezes queria bater suas cabeças juntas e dizer-lhes para crescer. Olhando para Trig esta noite, seu rosto sorridente, mas seus olhos cautelosos, Lena pensou que talvez ele tivesse crescido. E ela de alguma forma perdera isso. – Cinco coisas que você jamais quis ser – disse ela. Era uma brincadeira antiga, esta. Um jeito de inventar assunto na conversa e de conseguir informações que você ainda não sabia. – Conflituoso – disse ele. – Em relação a quê? – Você. Seu passado e minha função nele. Eu sempre presumi que ao deixá-la nos acompanhar sempre que íamos praticar windsurfing ou voar de asa-delta, ou qualquer adrenalina boba que

estivéssemos buscando naquela semana, que Jared e eu estávamos lhe dando opções. Nunca me ocorreu que estávamos limitando-as. Você nos acompanhava nas operações secretas sem sequer pensar nas consequências. Nenhum de nós pensava, mas foi você quem se deu mal. Isso pesa muito na minha consciência. – De onde veio isto? – Conversei com Damon mais cedo. Falamos sobre você. Sobre suas limitações. – Ah, valeu! – Ruby está grávida. – Oh. – Ela se recusava a sentir inveja. Ela se recusava a sentir cobiça. Essas emoções não tinham lugar na presença de uma boa notícia ligada a Ruby. – Isso é bom, não é? Vou ser tia. Ruby vai poder comprar tiaras para o bebê. Você não pode me dizer que não está ansioso por isso. Os olhos de Trig ficaram levemente calorosos. – Talvez. E são bebês. No plural. Ela vai ter gêmeos. – Sério? – Lena riu. – Isto é incrível. Você acha que eles nos emprestariam as crianças? – E quero ter filhos, Lena. A risada de Lena ficou presa na garganta. Eles não tinham conversado sobre isso; ela sabia disso, instintivamente. Por que eles não conversavam sobre isso? – Não tem jeito. Eu conheço minhas limitações a esse respeito. Você não pode ter filhos biológicos comigo. – Poderíamos adotar – disse seu marido rispidamente. – Poderíamos. – Era uma opção. – Ou você poderia ter um filho biológico com outra pessoa. Poderíamos ver uma barriga de aluguel. – Você cogitaria isso? – Pode ser que precise arranjar um bom terapeuta para mim, mas, sim. Eu poderia encarar isso. Você poderia? – Eu provavelmente teria de compartilhar de seu terapeuta por um tempo. – Provavelmente poderia ser seu terapeuta por um tempo. Nestes últimos dois anos eu me tornei intimamente familiarizado com desamparo, desesperança, raiva, inveja e comportamento irracional antiquado. Posso te apresentar. Trig sorriu e ela estendeu a mão e cobriu a mão dele com a dela. – Não desista de mim. – Nunca. Era foi por isso que ela se casara com esse homem. – Sinto-me como se eu estivesse num lugar onde não preciso correr para acompanhar ninguém – confessou ela. – Eu não consigo correr mais. O melhor que posso fazer é me ater aos princípios e encarar os tropeços, e quer saber? Você ainda está presente para mim, e minha família ainda está presente, porque o ponto nunca foi me fazer acompanhar. Foi me fazer acreditar que eu fazia parte do meio, e acredito mesmo nisto agora. Estou feliz agora. Eu me casei com você, e devo dizer que é provavelmente a coisa mais inteligente que já fiz. – Sobre isto... – O olhar dele se voltou para a cama. – Sim, sobre isto. Sem pressão.

– Certo – disse Trig fracamente, e Lena sorriu e fez uma pausa. – Como está sua comida? – Boa. – Trig encheu o garfo e olhou para ele como se não conseguisse lembrar para onde deveria direcioná-lo. Lena sorriu e deu uma mordidinha no cordeiro ensopado e cheiroso. Uma delícia. – Esqueça a cama – disse Lena, embora ela mesma não tivesse esquecido. – Nós temos vários pratos para enfrentar, e ainda vamos dançar. Eu tenho um vestido de dançar e tudo o mais. – Mas sem sapatos. – Eu não preciso de sapatos. Você também não está usando nenhum – Ela se sentiu obrigada a apontar. – E não tem música. – Eu encontrei alguns rolos de pianola. Coloquei lá. Quer ver se toca alguma coisa? – Você adorou este quarto – disse com um sorriso torto enquanto Lena se levantava da mesa, agarrava mão de Trig e o puxava para a pianola. Ela brincou com as configurações da pianola e a máquina começou a tocar uma música alegre e jazzística, que a fez lembrar de Gershwin e Nova York. – Que tal esta? – disse ela, segurando um rolo para inspeção de Trig. – Acho que é francesa. – Também era algo que ela conseguiria acompanhar; suas habilidades de dança não tinham exatamente melhorado com a idade. – Tenha paciência comigo – pediu Lena enquanto trocava os rolos, só que agora Trig também havia resolvido descobrir como as pianolas funcionavam. – Foco. – Estou focado. – Em mim. Ele tirou a cabeça das entranhas da velha máquina. – Mas posso concentrar em você a qualquer hora. – Ele pareceu sincero. Ele parecia sincero. Trig colocou o rolo de pianola nos rolamentos e as primeiras notas de um piano suave fluíram no ambiente. – Parece um pouco lento – murmurou ele. – Está perfeito. Em qual tapete você gostaria que eu dançasse? Ele sorriu. – No azul perto dos pés da cama. – Este é o seu favorito? Porque estou pensando em comprar um igualzinho para a casa da campo às margens do rio preguiçoso. – Eu gosto da ideia de uma casa de campo às margens de um rio preguiçoso – confessou ele. Instantes depois, ele se rendeu a um sorriso torto e estendeu a mão para a dela. Quando chegaram ao tapete azul, ele a rodopiou suavemente para seus braços e ela colocou a mão no peito forte, profundamente satisfeita quando ele respirou fundo. Os mamilos dele estavam contraídos, e não é que esta era uma bela vista de encontro ao algodão da camisa? Ela roçou o polegar num dos relevos bem definidos e Trig reprimiu um gemido. – Você gosta disto? Ele assentiu. Ela deu um beijo suave no queixo dele logo a seguir.

– E disto? – Não estou reclamando. – Nem incentivando. – Sobre isto... Ela lhe deu um beijo no pescoço e enfiou as mãos debaixo da camiseta dele enquanto Trig permanecia ali, trêmulo sob seu toque. – Vamos dançar – murmurou ele. – Para fazer isto, tenho quase certeza de que alguém tem de se movimentar. Então ele deu um passo para mais perto, envolveu a cintura dela e começou a requebrar levemente. Lena permitiu que seu corpo fosse para onde ele guiava, e se deleitou no roçar de seu peito contra o dele, de seus quadris contra os dele. Os olhos de Trig escureceram quando ele afastou o cabelo do rosto dela com as pontas dos dedos. – Você faz muito isso – murmurou ela. – Estava querendo fazer isso há eras. – O que o impediu? – Não tinha certeza se era o que você queria. Ainda não tenho certeza. – Eu tenho – disse ela, mas ele já estava se afastando. – Vamos lá, vamos terminar o banquete – chamou ele, e a puxou volta para a mesa. Eles acabaram de comer a refeição principal e então pessoas sorridentes limparam a mesa, e a sobremesa e o café chegaram. Lena olhou para a mesa cheia de iguarias doces e gemeu. – Não consigo. – Simplesmente não havia espaço sobrando em seu estômago. Trig sorriu e colocou uma baklava na boca. – Ah, dane-se – disse ela, e pegou uma baklava também. Trig começou a rir, um som que era o centro das atenções de muitas de suas lembranças. Ele não tinha rido muito nesta viagem. Para um homem em lua de mel, ele parecia estar com a cabeça bem cheia. – Você está realmente preocupado em relação ao sexo comigo? – perguntou ela, e Trig prontamente engoliu sua baklava com dificuldade. – Porque eu realmente não entendo o motivo. – Só quero que você tenha todas as suas lembranças de volta primeiro. – Eu também não entendo isso. O que tem de errado em criar novas lembranças? Estou amando estas novas lembranças. Trig sentou-se e começou a brincar com a haste de sua taça de vinho. – Eu também. – É o quarto? É muito esquisito? Porque devo dizer... Eu realmente gosto daqui. Poderia ficar nua aqui e minhas cicatrizes não pareceriam fora de lugar entre os móveis esquisitos. Eles combinam. Eu combino. Estar aqui com você neste ambiente é como um presente. Faz-me querer deixar minhas inibições na porta. Trig imobilizou-a com um olhar intenso. – Quais inibições?

– Bem, tem as cicatrizes... Eu notei o jeito como as pessoas me olharam na casa de banho. Sei que as marcas não são bonitas, nunca vão ser bonitas, mas são minhas, e elas vieram junto a um ato honroso. Você me disse isso. – Lena... – Não precisamos acender as luzes. Podem ficar apagadas. – Pensei que você disse que estava deixando suas inibições na porta...? – Só estou pensando em maneiras de tornar a coisa melhor para você. Disse que sentia uma pressão por desempenho. Eu imaginei se talvez você tivesse problemas para permanecer interessado por causa das cicatrizes. – Eu não preciso de luzes apagadas – disse ele categoricamente. – Porque você não precisaria tocá-las. As cicatrizes, quero dizer. Eu não sei o que costumamos fazer, mas sei que não seria um desestímulo para você. Provavelmente só... tocaria nelas de leve. – Lena, você não tem ideia do que está falando – disse ele friamente. – Eu te amo. Cada defeitinho seu. Por que diabos iria querer só passar nelas de leve? Ele era rápido quando queria. Trig carregou-a, e quando Lena viu estava na cama e Trig afundava ao lado dela, jogando os travesseiros no chão. Nenhum peso em cima dela, exceto a pressão das mãos dele no pulso de Lena quando ele posicionou os braços dela acima da cabeça. – Eu não passo de leve – murmurou ele, e arrastou os lábios da têmpora dela para o cantinho da boca. – Não com você. Como diabos você não sabe disso? E então os lábios dele estavam nos dela, e Lena se abriu para ele e provou champanhe e canela, e a verdade de seu desejo por ela, e aquilo inflamou seu sangue mais depressa do que qualquer outra coisa seria capaz de fazer. Ele não se apressou. Beijou-a por um bom tempo antes de passar para os ombros e pescoço. No momento em que seus lábios patinaram no corpete do vestido, Lena estava se contorcendo contra ele, impaciente por mais. Ele encontrou o zíper do vestido e o deslizou para baixo com facilidade, e logo seus lábios estavam em cima dela novamente, a língua se enredando ao redor do mamilo, pincelando-o e então sugando suavemente, testando para ver de que jeito ela gostava mais, com as sugadas vencendo. Lena informou isso a ele enfiando a mãos em seu cabelo, com a cabeça jogada para trás e a respiração ofegante. Trig começou a abaixar o vestido ainda mais, no entanto Lena o deteve com as mãos. – Luzes apagadas – sussurrou ela. – Não. Ele tirou a camisa, despiu-se completamente, sem um pingo de vergonha, e ela adorou isso nele, mesmo enquanto relutava em se livrar do vestido. Ele deixou que ela mantivesse a calcinha enquanto lhe dava beijos de boca aberta abaixo dos seios e então nas costelas, os dedos tocando o tecido da cicatriz que corria todo o caminho do quadril à virilha. Ele abriu as pernas dela e lambeu na pior das cicatrizes, e Lena estremeceu sob o ataque. – Não – choramingou Lena. Ela não precisava disso. Ele não precisava fazer isso. Mas Trig continuou a dar beijos suaves no restante das cicatrizes e então pousou a boca no centro da calcinha e começou a desenhar círculos com a língua. Círculos cada vez menores até Lena

empurrar a calcinha para baixo por conta própria, e no minuto em que a retirou de uma perna, Trig colocou um braço sob suas nádegas e levou a boca a ela novamente. – Você nunca precisa esconder isto aqui de mim – murmurou ele enquanto seus dedos continuaram a fazer mágica, deixando-a úmida e pronta. – E já vi todas elas. Eu vi você lutar contra elas, ficar com raiva delas, desesperada com elas, mas todas essas são suas emoções, não minhas. Estas marcas em sua pele são parte de você agora e eu as amo. Eu te amo. Ele se ergueu na cama até que estivessem cara a cara novamente. – Diga – exigiu ele em voz baixa. – Diga: “Trig ama tudo em mim e sempre amará, e nunca vou duvidar disto.” – Trig me ama – sussurrou ela. – Mais alto. – Trig me ama – disse ela com mais firmeza. – De novo. – Você me ama. Agora, se importaria em demonstrar? – Tenho demonstrado há anos. Ele se deitou de costas, o olhar decidido, desejando que ela o acompanhasse, e Lena foi com ele, mãos no peito dele enquanto montava sobre o corpo forte. Ela começou pelos ombros, tocando e provando, nada de passar de leve enquanto ia descendo pelo torso e aprendia o jeito como os músculos dele se posicionavam e se contraíam. Colocou a mão sobre a dele e aprendeu os ritmos dos quais ele gostava, o leve movimento de seu dedo polegar roçando no topo a cada investida, e por fim ela umedeceu os lábios e o tomou na boca, só a pontinha, e encarou o xingamento dele como uma bênção. Trig abaixou a mão e Lena levou-o em mais fundo, sentindo o retesar nos lábios, porque ele era lindamente proporcionado e não exatamente pequeno. Ele gemeu e enganchou as mãos sob as axilas de Lena, e no minuto seguinte a beijava de novo e investia contra ela, não dentro dela, ainda não, mas fazendo um belo e poderoso trabalho de avançar contra seu ponto doce, não obstante. Finalmente, Lena sentou-se e tomou-o na mão, posicionando-o em sua entrada. Ele colocou as mãos nos quadris dela e mordeu seu lábio inferior, os olhos ostentando um brilho cálido quando ele deu um pequeno empurrão. Lena arfou. Trig parou, fechou os olhos e respirou. Ela tombou para a frente, pele contra pele, tanto quanto podia. – Beije-me enquanto faz isto – sussurrou ela contra os lábios dele, e Trig o fez, até estar totalmente cravado dentro dela. Lena movimentou-se, um deslizar lento, um leve declive para cada lado. Ele a controlava com as mãos na cintura dela, levantando até estar quase fora dela, antes de deslizar lentamente de volta. Desta vez, ambos gemeram. Lena parou de pensar aproximadamente no momento em que Trig inclinou seus quadris e oscilou contra ela. Todos os músculos do baixo-ventre dela e mais abaixo se contraíram em reação. – Você gosta assim? – murmurou ele contra os lábios dela. – Exatamente assim.

Então fez exatamente daquele jeito e a levou a um lugar onde ela não precisava mais pensar. Só sentir. TRIG ACORDOU bem antes do amanhecer, fingindo dormir, assistindo Lena em seu sono até não conseguir ficar lá por nem mais um momento. O arrependimento o arrebatava e a vergonha seguia o exemplo. Ele não tivera a intenção de mentir para além das salas de emergência do hospital. Jamais quisera mentir para Lena, mas as mentiras simplesmente foram chegando e nunca houve um momento para lhe dizer abertamente que não eram casados. Exceto talvez na noite passada. Ou na noite anterior àquela. Rolando da cama, ele tateou pelo chão à procura de sua calça e a vestiu. Dirigiu-se para o pátio para tomar um pouco de ar, olhando além da cerca baixa de pedra, para as luzes da cidade abaixo. Na noite anterior, ele usufruíra do que quisera e mandara as consequências para o inferno. Esta manhã, ele nem mesmo conseguiria se encarar no espelho. Ouviu o farfalhar das colchas na cama seguido de gemido muito sutil. Virou-se e viu quando Lena saiu da cama e foi mancando até sua mala. Pegou um baby-doll branco e vestiu, desemaranhando o cabelo da roupa. Ela tentou pentear os fios com os dedos, então flagrou Trig olhando para ela e parou, e lançou-lhe um sorriso pesaroso. O que ela estava pensando? O que seu cérebro fazia quando enterrou algumas lembranças e se refestelou em outras? Por que ela achou tão fácil acreditar que eles eram casados? Ela caminhou até Trig e virou as costas para as luzes da cidade para poder se recostar no parapeito e olhar para ele. Trig não conseguiu sustentar o olhar dela. Ele se inclinou para a frente, mãos na mureta, e manteve os olhos na cidade. Não deveria ter cedido. Ninguém era perfeito, ele sabia disso, mas que inferno. Seu abuso da confiança de Lena era impressionante. – Não conseguiu dormir? – Não. – Algo a ver comigo? – Não. – Tenho certeza de que você está mentindo. – Sim, bem. Eu faço isso. Lena abraçou o próprio corpo, como se estivesse com frio. – Por quê? Trig fechou os olhos. – Apenas uma decisão ruim que levou a outra, acho. Não tenho pretextos para você, Lena. Ela ficou em silêncio por um tempinho depois disso, e Trig quis que ela fosse embora, voltasse para a cama, para qualquer lugar, contanto que fosse bem longe dele. Mas ela não foi a lugar algum, simplesmente abaixou a cabeça e bateu o ombro contra o dele. Desejando contato corporal, mais contato corporal, e ele se encolheu sob o peso do desejo dela e da própria culpa. – Sobre o que mais você mentiu? – perguntou ela asperamente.

Por onde ele ao menos poderia começar? – Você me ama? – sussurrou ela, e Trig fechou os olhos e disse-lhe a verdade que jamais oscilara. – Tanto. – Então é sobre o trabalho que você está mentindo. Fica verificando o telefone. Tem alguma coisa acontecendo. É um trabalho? Para o Serviço Secreto Australiano de Inteligência? – Tem um trabalho envolvido aqui – cedeu ele, e amaldiçoou-se por tomar a saída do covarde. – E você precisa saber o básico a respeito, porque envolve Jared, e porque antes de sofrer a concussão, você o liderava. Lena piscou, aí levou as mãos aos olhos num gesto que ele sabia ser antigo. – Não me lembro – sussurrou ela. – Eu sei. – Então não é hora de me dizer por que estamos aqui? – Estamos aqui para encontrar Jared. – E então o quê? – E aí vamos embora. – Não soa muito como um trabalho. – Encontrá-lo é o problema. – Jericho3 – murmurou ela. – Eu pedi a Damon para averiguar. O proprietário é um negociante de armas bilionário. Russo. – E é lá que você acha que Jared está? – É nosso melhor palpite. A verdade é que eu não sei. Ele poderia estar disfarçado. Ele pode não querer acabar com o disfarce. Pode não ser capaz de acabar com o disfarce. – Se Jared está disfarçado, por que iria querer nos ver? – Eu não disse que ele queria. Somos nós que estamos forçando o contato. – Mas por quê? – Seu velho eu está preocupado com a segurança de Jared. Faz tempo que ele não entra em contato. – Quanto tempo faz desde que alguém o viu? – Dezenove meses. – O quê? – Ela não conseguia entender. Sua confusão era visível, palpável, bem como sua ansiedade. Ele estendeu a mão para ela e Lena aceitou, ainda confiando nele quando Trig a abraçou. – Como fomos capazes de nos casar sem a presença dele? – As palavras foram abafadas pelo peito dele, mas Trig as ouviu mesmo assim. Ele poderia ter aberto o jogo aí. “Nós não somos casados.” Mas ele não o fez. – A garota de cabelo cor de cobre disse que uma mulher e uma criança saem daquela fortaleza flutuante uma vez por semana para ir a uma consulta hospitalar, pontuais como um relógio. Eles devem sair hoje. A garota disse que eles vêm com um guarda-costas. Vai ter alguém para pilotar o cruzador. Tentei informar a Jared que estamos aqui. Alguém está pegando os recados dele. Pode não ser Jared, mas se for, ele vai saber que estamos aqui e vai fazer o que puder para nos contatar. – Acha que estará na equipe que vai aparecer hoje?

– Se ele puder. – E se não estiver? – Vou te levar para casa. Retornar sozinho. Tentar entrar a bordo do Jericho3. – Não! – Lena apertou a cintura dele. – Não vou perder você também. – Lena... – Não. Se Jared não tem como sair do barco, vamos colocar alguém de vigília e então vamos botar Poppy e Damon na história e planejar a partir daí. Você não vai fazer o papel de idiota que meu irmão fez. Eu não vou deixar. – Deus, eu amo seu novo você. – Trig carregou-a e a colocou suavemente sobre a mureta de pedra, e ela o envolveu com os braços e pernas, como se nunca mais fosse soltá-lo. – Ótimo, porque estou começando a pensar que meu velho eu era muito tolo. Eu te amo. Estes segredos que você guarda de mim, eles não mudar isso. Trig beijou-a, assim eles não precisariam falar. Porque o segredo que ele ainda guardava... Este se assentava como ácido em seu âmago... Aquela pequena revelação estava fadada a destruir ambos os seus mundos, e ele não tinha ninguém para culpar além de si.

CAPÍTULO 10

– NÃO ESTOU gostando disto – falou Lena às 9h45, quando eles chegaram à base da muralha leste do castelo de Bodrum. Além da muralha, um cais fervilhava com os turistas. Além disso, uma dúzia de barcos turísticos balançava suavemente na água. – Temos muita cobertura – disse Trig. – Muita saídas. – Muitas mulheres e crianças – rebateu Lena, de mau humor. – Não sabemos em que tipo de embarcações eles virão ou quando. E se não notarmos a chegada deles? – A embarcação vai ser oceânica, querida, e a mulher e a criança têm guarda-costas. Não vai ser difícil detectar, Lena. Eles só não estão aqui ainda. – Odeio esperar – murmurou ela. – Que horas são? – Nove e cinquenta. Eles estavam ali desde 7h30, bancando os turistas, buscando locais para sentar, tirando fotos do castelo. O cais era um local belo e movimentado, um lugar para se fazer o desjejum, mas o café da manhã já tinha sido há muito tempo e o nervosismo estava tomando conta. – Estou com mau pressentimento sobre isso – disse ela. E eu nem sei o porquê. Tem algo errado. – Ela olhou para Trig e não perdeu o lampejo breve de humor nos olhos dele. – E não diga que eu não tenho instintos suficientes para ter instintos, porque você está enganado. Metade das pessoas aqui não tirou os olhos da gente por pelo menos meia hora. Eles podem nos identificar. – Por que precisariam nos identificar? Não fizemos nada – disse Trig, e colocou Lena de pé, passando um braço em torno do ombro dela e guiou-a para os barcos turísticos diurnos, aqueles que saíam às 10h e voltavam no fim da tarde. – Nós não vamos fazer nada. Dez minutos depois eles tinham chegado ao final do cais e ainda não havia nenhum sinal de Jared. Eles pararam e olharam para a água. – Como está sua perna? – perguntou Trig. – Doendo muito. – E o restante? – Trig estava com uma das mãos na própria nuca e se recusava a encontrar o olhar dela. – Será que dói também? – Você quer dizer por causa do sexo?

Trig pigarreou e um rubor lento rastejou até seu pescoço. – Sim. – Estas dores e incômodos em particular foram merecidos e estou saboreando cada um deles – murmurou ela. – Não consigo acreditar que esqueci o quanto você é talentoso. Ou reativo. Ele riu disso. Uma risada vociferada, constrangida, interrompida quando sua atenção foi desviada para alguma coisa na baía. – O que foi? É Jared? – Fazia 19 meses que não viam Jared, dissera Trig e, de súbito, Lena precisava ferozmente vê-lo e saber que estava vivo. – Trezentos metros à esquerda do navio alto – murmurou Trig. – Lancha alaranjada de seis lugares. Enorme. Lena examinou a água em busca da embarcação que Trig descrevera e encontrou. – Uau. Não exatamente um disfarce, não é? – Por favor, não me diga que você quer um desses. – Eu nunca poderia pagar por um desses – disse ela simplesmente, pois era um brinquedo bilionário, sem dúvida. – Tem uma criança num daqueles assentos. Trig assentiu. – Não consigo distinguir nenhum rosto. – Ainda – disse ele, e de repente Lena desejou desesperadamente que um daqueles rostos pertencesse a Jared. Ela desejou com uma ferocidade que a surpreendeu. – Parece que está indo para a ancoragem mais distante. – Lena queria se apressar, mas Trig não. Ele tomou a mão dela e a virou para encará-lo, e esperou até captar sua total atenção. – Lena, você me deu sua palavra de que só queria ver Jared e deixar que ele a visse. Você me prometeu que iria ficar de fora de qualquer que fosse o esquema no qual ele se meteu. – Eu nem me lembro desta promessa – retrucou ela. – Então que sorte que eu lembro. – Será que podemos pelo menos nos aproximar um pouco mais? – Sim, mas você precisa ficar por perto. Ela o puxou para a frente e Trig obedeceu com relutância. A lancha se aproximava. Quatro homens, uma mulher e uma criança. – Piloto – disse Trig, e o piloto era Jared, mais bronzeado e musculoso como Lena jamais tinha visto. Ela tropeçou e Trig esticou o braço para segurá-la. – Estou bem – afirmou ela fracamente, mas não se sentia bem. Jared parecia mirar o barco para um ancoradouro ao final do porto, um cais com um píer e uma porta de aço onde o píer encontrava o porto. Ela queria gritar para ele, sacudi-lo por tê-los deixado preocupados do jeito que tinha feito. Por desaparecer por completo. Por se culpar por seus ferimentos. Minha nossa, mas como sua cabeça doía. – Lena? – chamou Trig rispidamente. – Estou bem. Dor de cabeça. – Todos os músculos do corpo dela queriam se virar de modo que seus olhos pudessem sorver a visão de Jared. Não foi como se o barco não fosse digno de ser admirado. Muitos outros estariam olhando para aquele belo barco super veloz. Ela ia virar e olhar

também. Em breve. Assim que as lágrimas fossem embora. Que inferno se ela fosse deixar Jared vêla chorar. – O que eles estão fazendo? – Ancorando. – Quem está descendo? – A mulher e a criança. Dois seguranças. – Jared não? – Não. – Será que ele viu você? – Trig era a figura mais óbvia que Jared iria procurar. Seu tamanho o fazia se destacar. – Sim. Lena virou-se, ignorando a dor aguda atrás de um olho. Examinou o barco, tendo o cuidado de parecer impressionada. Não era difícil. E então ela deixou seu olhar faminto pousar em Jared. Ele tinha levado os óculos escuros e usava a bainha da camiseta para limpá-los. E olhava diretamente para ela. – Vá jogar sua garrafa de água naquela lixeira ali – ordenou Trig bruscamente. – Queria que Jared visse você andando, então ande. Certifique-se de que ele pode vê-la. As palavras soaram puras. Tão puras. Lena endireitou-se e começou a se encaminhar para a lixeira, suavizando seu andar enquanto ia, tentando fazer seu caminhar parecer livre de esforço. “De pé”, ela queria dizer ao seu irmão. “Andando, seu idiota.” Ela jogou a garrafa vazia no lixo e voltou-se para que o barco entrasse em seu campo de visão. Jared olhava para ela, um sorrisinho inclinando os lábios. “Viu? Eu fiz a minha parte”, ela queria dizer a ele. “Não se mate fazendo a sua. Aliás, que tal se você for para casa e desistir deste negócio de... deste negócio de...” Vingança. A lembrança cutucou-a, afiada e penetrante, enlouquecedoramente fora de alcance. O que diabos isso tinha a ver com vingança? Os passageiros de Jared estavam acabando de passar, os seguranças preguiçosamente alerta e parecendo disfarçar, a mulher fuçava em sua bolsa e jamais diminuía o passo. O garotinho olhou para ela, sorriu e se abaixou para amarrar seu cadarço. Ele não parecia doente. A mulher parou e olhou para trás, como se tivesse percebido a perturbação. – Celik! – disse ela bruscamente, um nome e uma reprimenda totalmente atrelados. Celik levantou-se e correu para pegar a mulher. Não olhou para trás. Nenhum deles olhou para trás. Lena olhou para Jared e para o outro homem no barco. Eles estavam se afastando do cais, indo embora, e ela sentiu um tranco breve de pesar. Queria seu irmão por perto. Descobrir quem tinha sido o responsável por atirar nela era bom, mas não se isso custasse a vida dele e não se isso significasse colocá-lo sob disfarce durante anos. – Deixe que outra pessoa salve o mundo – murmurou ela, e soube naquele momento que ela estava farta do serviço secreto, mesmo que Jared não estivesse. Que Trig não estivesse. Ela estava farta. A dor atingiu-a atrás do olho novamente e ela parou e oscilou, daí levou os dedos à testa para tentar afastar o incômodo. A escuridão começou a se fechar em cima dela quando sua visão se

reduziu a túneis, o tipo de túnel que acompanhava uma enxaqueca, e tudo que ela queria fazer era voltar para Trig e pedir um pouco de sua força emprestada. Trig, que era seu melhor amigo, amante e... Marido. – Mas que desgraçado filho da mãe – murmurou ela quando a noção a atingiu feito um soco inesperado. Adrian Sinclair era muitas coisas para Lena, mas não era seu marido. A proposta que ela não conseguia lembrar. Nenhuma foto do casamento para lembrá-la do grande dia. O sexo... O sexo. Ela mal teve tempo de olhar para Trig; ele mal dera meia dúzia de passos em direção a ela antes de o mundo ao seu redor ficar totalmente preto. LENA DESABOU nos braços de Trig, aninhou-se em seu peito. Ele estava sentado num dos bancos espalhados ao longo do cais. Nenhuma multidão os cercou, e ela estava extraordinariamente grata por isso. Ela lutou para se desvencilhar de seus braços, e ele a deixou ir, mas só o suficiente para afastar-se dele no banco. Ela alisou o cabelo para trás e tentou decifrar a confusão de lembranças que a atingia. – Eu acabei de... – Desmaiar – disse Trig, e entregou-lhe a garrafa meio cheia de água. – Por quanto tempo? – Alguns minutos. – Jared viu? – Não sei, mas ele se foi. Eu peguei você. Não houve muito estardalhaço. Precisamos levá-la para o hospital, no entanto. – Também planejava contar para eles que é meu marido? – Você se lembra – disse ele categoricamente. Lena assentiu devagar. – Acabei de me lembrar. Engraçado isso, perda de memória. Trechos e fragmentos ficavam vindo, mas não tudo, não até que vi Jared, e então tudo me atingiu como um tsunami. Lembrei-me de levar um tiro. Lembrei de você me dizendo para aguentar firme. Lembrei de ter acordado no hospital em Darwin e de tudo que veio depois... Todas as peças que faltavam, encaixaram como se nunca tivessem faltado. – Isto é bom – disse ele. – Eu ainda não me lembro de ter me casado com você. Trig não disse nada. – Nós não somos casados, somos? – Não.

Ela assentiu e girou as alianças com dedos desajeitados. Aí abaixou a cabeça, porque não queria que Trig a visse chorando. – Por que você me deixou acreditar nisto? – Sua carteira foi roubada, você não tinha identidade. Eu me tornei seu cônjuge no hospital para que pudesse ser atendida mais rápido. Não percebi que você realmente havia acreditado que estávamos casados até voltarmos para o hotel. – Por que não me contou então? – Eu não quis preocupar você. Queria te proteger. E também pensei que provavelmente fosse acordar na manhã seguinte e se lembrar de tudo. – Você mentiu para mim. Trig assentiu. – Eu confiei em você. – Ainda pode confiar. – Como? Deixou que eu fizesse papel de boba! Você incentivou isso. – É isto que você pensa? – O que mais eu deveria pensar? – Ela arrancou os alianças do dedo e as colocou na palma da mão, brilhando pesadamente. – Você me fez acreditar nisto aqui. – Você disse que queria alianças. – Eu estava delirante. Como pôde me deixar acreditar em algo que não era real? – Não foi nada disso. – Eu estava lá. Foi exatamente assim. – As alianças estavam na mão dela, brilhando suavemente. Tudo o que Lena precisava fazer era inclinar a mão e elas cairiam no chão, mas Trig fechou a mão imensa em torno da dela e fechou os dedos gentilmente sobre os anéis. – Lamento – disse ele. – Devia lamentar mesmo. – Ela afastou a mão. – Eu confiei em você. Fui para a cama com você. E você deixou! – Você também dificultou para mim. – Ah, então a culpa é minha. – Não. A culpa é toda minha. – Ele esfregou o rosto. – Sei que deveria ter colocado você num avião de volta para a Austrália no minuto em que o médico declarou que estava apta a voar. Mas não fiz isso. Eu te trouxe para cá em vez disso, na esperança de que pudesse ter um momento com seu irmão e ver por si mesma que ele estava bem. É por isso que você veio para a Turquia. É a única razão pela qual veio aqui. Eu sei que algumas das decisões que tomei nos últimos dias não foram boas, mas tomei essa decisão por você. Sabia que isso significaria mais uma noite com você, mas eu sinceramente pensei que fosse conseguir lidar com isso. – Lidar comigo. – Eu devia ter sido mais sagaz. – Os olhos de Trig imploravam a ela para lhe dar ouvidos. – Nem tudo foi mentira, Lena. Eu quero este tipo de relacionamento com você. Minha aliança no seu dedo. Você agarrando a vida e correndo em lanchas porque isto a empolga e porque você pode. A casa de campo às margens de um rio preguiçoso. A fantasia toda.

– Talvez você queira. – Os olhos de Lena começaram a se encher de lágrimas outra vez. – Mas isso não lhe dá o direito de simplesmente chegar e pegar o que quer. – Ou podemos recuar um pouco e você poderia concordar em sair comigo. Ela gargalhou. Um soluço borbulhante, vacilante diante de tal audácia. – Eu confiei em você. – Ainda pode confiar. – Não. – Ela pegou a mão dele e colocou os anéis em sua palma. Então fechou os dedos cuidadosamente em torno dela, e se afastou. Aí encostou os joelhos no peito e colocou a cabeça sobre os joelhos, bloqueando o mundo ao redor deles, no entanto a dor da traição permaneceu com ela. – Eu não posso. SOBRE A questão de Lena ir para o hospital, Trig estava irredutível. Ao ouvir sobre a concussão recente, a equipe médica resolveu monitorá-la durante a noite. Trig buscou roupas e artigos de higiene. Então ligou para a família dela e informou sobre os acontecimentos do dia. Ele trocou a data do voo deles e pediu ao médico de Istambul que enviasse os registros médicos para o novo hospital. Ele assumiu o controle. Silenciosamente. Eficientemente. Sem fingir que era o marido dela. – Estou me sentindo bem – disse Lena a ele quando a enfermeira entrou para lhe dizer que o horário de visitas havia acabado e que Lena precisava descansar. – Sinceramente, acho que estou bem agora. Ele está saindo. – Sem mentiras. Estou me sentindo bem – repetiu Lena enquanto a enfermeira retirava-se do quarto. A tensão pairava entre eles, uma tensão construída sobre todas as coisas não ditas durante as últimas horas. Trig a ajudara a encontrar Jared, e isso valia alguma coisa. Mas ele também traíra a confiança dela, e isso doía; Deus, como doía. Um desconhecido sem nome colocara uma rajada de balas em seu intestino e quase a destruíra. Este homem enfiara uma bala bem em seu coração. – Eu quero agradecer por hoje – começou ela. – Jared está vivo, e agora sei disso. Eu o vi e ele me viu. O que quer que ele esteja fazendo... não posso impedi-lo de fazer. Ele quer salvar o mundo, um vilão de cada vez, e esta é uma ambição nobre. Só que não é mais minha ambição. As minhas são menores. Agora eu só quero passar o dia sem desabar emocionalmente. Sempre tive uma raia meio emotiva. – Você está indo bem – disse ele com a voz rouca. – Não. Não estou. Eu preciso que você se afaste. Eu preciso que você ouça o que estou dizendo. Você deve ir para casa. Quando deu o novo horário de visitas de manhã, Poppy estava lá. Trig não.

CAPÍTULO 11

CINCO DIAS depois, Lena estava de volta à casa de praia de Damon, e Poppy, que a escoltara até lá, tinha voltado para Darwin junto ao maravilhoso Sebastian, que arrebatara seu coração. Poppy não se intrometera em relação ao que havia acontecido entre Lena e Trig na Turquia. Poppy ficara aliviada em saber que Jared estava vivo, e mais aliviada ainda quando o médico dera alta a Lena e lhe dera total autorização para viajar. Jared estava ocupado fazendo o que quer que estivesse fazendo, e esta era uma decisão idiota dele e de mais ninguém, na opinião de Poppy. – Agora, dá para deixá-lo para lá e se concentrar em viver a sua vida? – dissera Poppy enquanto elas arrumavam as malas para retornar para casa. – Porque está bem na sua cara, esperando você se sentir pronta. Fazia cinco dias desde que Lena dissera a Trig para ir embora. E a solidão e a sensação de que fora um erro corroía sua alma. Lena tinha tudo de que precisava ali na casa de Damon. Conforto, espaço e uma piscina interna maravilhosa. Tantas piscinas em sua vida, e só agora ela se lembrava do porquê. As incontáveis horas de fisioterapia na água. Os alongamentos agonizantes enquanto ela recuperava as funções da perna esquerda, um milímetro de cada vez, recusando-se a admitir sua derrota. Damon praticamente cedera esta casa para ela; não era de se admirar que tivesse achado que era dela. E de Trig, porque ele havia passado quase tanto tempo ali quanto ela nos últimos 19 meses. Cuidando dela, pensava sempre Lena. Incentivando-a com o seu silêncio quando os outros a diziam para parar. Acrescendo sua força de vontade à dela. Às vezes Trig até mesmo ia embora quando ela berrava com ele para deixá-la sozinha, mas ele nunca passava muito tempo longe. Não era o estilo dele. Desta vez, porém... Era o fim das apostas. Seu celular tocou e Lena o encontrou na mesinha ao lado da porta da frente, daí olhou para a tela numa apreensão súbita, rapidamente acompanhada por uma pontada de decepção. Não era Trig. Era Ruby. Lena tocou na tela para atender a chamada e aprumou um pouco a postura, pois Ruby causava esse efeito nas pessoas.

– Minhas felicitações estão na ordem do dia – disse ela levemente, pois ainda não tinha felicitado Ruby pela gravidez, e este era um descuido que ela queria corrigir. – Parabéns. – Obrigada. Eu disse a Damon que queria lhe contar a novidade pessoalmente, mas sabe como são os meninos. Aparentemente ele e Trig não tinham mais nenhum assunto ao telefone no outro dia, além do fato de Trig estar marcando um encontro com seu irmão e que em algum lugar pelo caminho ele havia fingido estar casado com você. E é por isso, aliás, que estou te ligando. Ouvi dizer que você ainda está se estranhando com meu segundo homem favorito no planeta. – Ruby, está me interrogando? – Você gostaria que eu reformulasse pergunta? O que está acontecendo, Lena? Não é do seu estilo guardar rancor. – Ele me deixou pensar que estávamos em lua de mel, Ruby. Ele mentiu para mim. Sem parar. Quem faz isso? Para alguém que supostamente se preocupa? – Você precisa examinar os acontecimentos com mais cuidado – disse Ruby. – Será que ele em algum momento disse que vocês estavam em lua de mel? Ou você presumiu isso? Porque talvez o que aconteceu foi que você presumiu e Trig simplesmente não conseguiu corrigir. Talvez o médico tenha indicado que você repousasse. Nenhuma atividade extenuante ou excesso de pensamentos. Talvez Trig tenha achado que você fosse dormir e então acordar na manhã seguinte com a memória intacta. – Você é a advogada de defesa dele, não é? – Se eu fosse, não estaria ligando para você. Sua perda de memória parcial colocou Trig numa situação extremamente constrangedora. Ele fez o melhor possível. Ele sempre faz melhor possível por você. – Ele mentiu para mim. Ele me deixou fazer papel de boba. Ruby... – Lena reprimiu um soluço – ...eu estava tão feliz. Estava planejando todo tipo de bobagem. – Tipo o quê? – Uma casa antiga e grande para a gente morar. Decorações de Natal. Filhos. Eu não posso ter filhos. Mas isto não me impediu de dizer sim a eles. Adotivos. Barriga de aluguel. Tenho certeza de que fizemos planos de pegar seus filhos emprestados de vez em quando. E tudo se encaixava. Eu pensei que era genuíno. Fui para a cama com ele. Pensei que era genuíno. – Trig dormiu com você? – Sim. – Pobre Trig. – Pobre Trig? Que tal pobre de mim? – Ele sabia que você ia descobrir que não estava casada com ele mais cedo ou mais tarde. Ele achava que enquanto a fraude do casamento não fosse longe demais e você conseguisse ver Jared, tudo daria certo no longo prazo. Suas necessidades antes das dele, e essa coisa toda. Como você conseguiu levá-lo para a cama, a propósito? Porque da última vez que falei com ele, isso definitivamente não era parte do plano. Juro por minha vida que não era parte do plano. – Ah, você me conhece. – Lena fechou os olhos e esfregou a têmpora. – Eu atormento, intimido e me agarro às fraquezas das pessoas, e geralmente não aceito um “não” como resposta. – Então você não está culpando Trig por essa parte da bagunça.

– Ah, isso não. Ainda estou, sim. Ele é um belo alvo para minha raiva. É só que... talvez eu não me incomode em me culpar também. Mas isso não conserta as coisas. – Não, mas é um começo – ofereceu Ruby gentilmente. – Eis o que você vai fazer. Vai preparar um café ou um chá, e então vai sentar e elaborar duas colunas. A primeira coluna é o que aconteceu na Turquia. Atenha-se aos fatos. A segunda coluna é o que você quer que aconteça agora. – E em relação ao que Trig quer que aconteça? – Acrescente mais uma coluna. Convença-o a preenchê-la. Sabe que ele é estupidamente apaixonado por você? Não está duvidando disso? – Estou duvidando disso. Eu olho no espelho e tem tanta coisa feia em mim ali. Por dentro e por fora. Não sei o que ele vê em mim. – Alma gêmea, espírito irmão, parceiro no crime... – Eu não tenho como fazer aquelas coisas que estávamos habituados a fazer. – Posso chamar sua atenção de volta para a coluna dois? – disse Ruby pacientemente. – Neste você coloca todas as coisas que pode fazer, quer fazer e sonha em fazer com o homem a quem chama de Trig. – Aí vão ser mais três colunas. – Faça como quiser. Ligue-me amanhã, se travar. Ligue para Trig amanhã também. Não se culpe, ou a ele, por uma situação que nenhum de vocês tinha muito como controlar. Assuma o controle da situação que tem agora. – Tem certeza de que é advogada, e não psicoterapeuta? – Às vezes é preciso ser as duas coisas. Lena fez uma pausa. Ruby era parte da família agora. Uma mulher forte e mais experiente com muitos momentos bons e ruins em sua vida. O tipo de mulher na qual se podia confiar. – Posse te ligar se eu precisar de mais ajuda com isso? – A qualquer hora. – Obrigada. E diga “olá” a Damon por mim. – Direi. – Ruby desligou. Lena colocou seu telefone de volta na mesa. O cansaço tomou conta enquanto ela seguia para o sofá. Ao deitar-se, lembranças acenaram para ela. Lembranças com Trig acenaram também. Trig na casa de banho turco, tentando preservar seu pudor com valentia. Trig falando de noites estreladas e tartarugas. Lena dançando nos braços dele enquanto uma pianola tocava suavemente ao fundo. Trig despindo-a e fazer amor com ela. Diga. Trig me ama. De novo. Você sabe que ele é estupidamente apaixonado por você. Trig me ama. De novo. Dois minutos depois, ela estava dormindo.

ADRIAN SINCLAIR nunca fora adepto da inatividade. Esperar o deixava louco. Aguardando notícias de uma mulher que já o havia deixado louco só servia para duplicar a loucura. Ele não podia ficar parado. Não conseguia dormir. O trabalho não conseguia prender seu interesse. A atividade física até a exaustão não era capaz de deter sua agitação. Durante as últimas três noites ele fora para a cama exausto e acordara depois de sonhar com Lena. Repetindo em sua cabeça o que deveria ou poderia ter feito. E não fizera. Ele sabia que Lena estava em casa agora. Ela havia chegado em casa com Poppy dois dias atrás. Poppy tinha ligado. Lena não. Ruby tinha ligado. Lena não. O pai de Trig tinha ligado, e Trig lhe perguntara a média de preço das casas antigas nas margens de um rio lento. Seu pai lhe perguntou o que ele andara bebendo, mas Trig não bebera nada, absolutamente nada. E Lena ainda não tinha telefonado. Adrian Sinclair sempre fora atrás do que ele queria, às vezes com uma obsessão excruciante. A menos que alguém estivesse falando sobre a indomável Lena West. Trig mal correra atrás de Lena, afinal. Ele estava esperando pelo momento certo, pelo lugar certo, pela lua certa no céu. Ele estava cansado de esperar. Precisava de um plano de ataque, um plano para fazer Lena reagir a ele de novo do jeito que ela reagira a ele na Turquia. Ela fora feliz com ele uma vez. Ele só precisava fazer isso acontecer novamente. Poderia jogar sujo. Poderia lutar muito. Por que esperar? Ele odiava esperar. Quando Trig chegou em casa do trabalho naquela tarde, ele tinha um plano. Ao abrir seus emails e ver a foto de uma velha casa que seu pai lhe enviara, teve um plano melhor. Ele discou o número de Lena, mas ela não atendeu. Meia hora depois, ele ligou novamente. Desta vez, ela devia estar com o telefone por perto, porque atendeu no terceiro toque. – Lembra-se do que eu te fiz repetir para mim quando estávamos fazendo amor naquele quarto maluco? – começou ele sem preâmbulos. – O quê? – Diga. Diga “Trig me ama e sempre amará”. – Não sou um papagaio. Ela soou frustrada. Trig podia lidar com uma Lena frustrada. Tinha sido assim durante os últimos dois anos. Não era como se ele estivesse esperando uma declaração de devoção eterna da parte dela, ou até mesmo um simples “Senti sua falta”. Mas ela dissera que o amava há não muito tempo, e ele se agarrara a isto tal como um alpinista tantas vezes se agarrava à face de uma rocha. Com as pontas dos dedos. – Tudo bem, então eu menti para você sobre nosso casamento. Devia ter jogado limpo e não fiz isso, e acabei com um pé no paraíso e outro no inferno. Você me deu um vislumbre do que poderíamos ter se tivéssemos deixado cair as barreiras e simplesmente nos permitido ser que queríamos ser. Como casados, por exemplo. Poderíamos fazer isso acontecer. Poderíamos fazer acontecer tudo aquilo sobre o qual conversamos, caso quiséssemos. Ela não teve nada a dizer a ele além de um som estrangulado que esperava loucamente não ser um soluço.

– Eu te amo, Lena. Sempre vou te amar. Verifique seus e-mails. Ele desligou logo depois disso. Então lhe enviou a imagem da velha casa que seu pai mandara, bem como os links com as informações da venda. E depois anexou a estimativa aproximada de seu pai de quanto custaria para tornar o local habitável. “Onde está o rio?”, replicou ela cerca de dez minutos mais tarde. Ele não esperou dez minutos para responder: “Abaixo da colina. É um rio na maior parte preguiçoso e propenso a breves inundações um tanto frenéticas. É por isso que a casa fica na colina.” Ela não escreveu de volta. Trig resolveu não pensar na ausência de resposta como uma derrota. Lena havia atendido ao telefonema e respondido ao e-mail, e isso já era um começo. Ele nunca tinha pensado que ganhar o perdão de Lena ia ser fácil. Não queria facilidade. Nunca vislumbrara isso. Ele queria Lena. Na manhã seguinte, antes do trabalho, Trig mandara links de um monte de fabricantes de mosaico. “Para o piso da casa de banho”, escreveu ele. E deixou por isso mesmo. Ela ligou para ele naquela noite, quando ele estava a caminho de casa, voltando do trabalho. – Preciso de ajuda para preencher um formulário – disse ela. – Que tipo de formulário? – Tem três colunas nele. A coluna um contém o que aconteceu com a gente na Turquia, também conhecido como a coluna “Fatos”. A coluna dois é o que eu quero que aconteça daqui em diante. A coluna três é o que você quer que aconteça. Foi ideia de Ruby. – Eu amo essa mulher. – Você diz isso demais. Consegue entender minha confusão. – Eu te amo mais. Lena suspirou. – Posso lhe enviar o formulário? – Você já preencheu sua coluna? – Eu preenchi as duas primeiras colunas. Levei dois dias. – E se eu não concordar com a coluna “Fatos”? – Sinta-se livre para alterá-la. Ruby disse que você pode querer fazer isso. Algo a ver com reenquadramento. – Mulher esperta. O silêncio tomou o carro. – Você também é esperta – acrescentou ele apressadamente. – Eu sei disso. – Provavelmente é melhor você ficar caladinho – disse ela, e desligou. TRIG CHEGOU em casa em tempo recorde. Pegou seu laptop do chão, levou-o para a cozinha e colocou ao lado da caixa vazia de pizza da noite anterior. Pegou um refrigerante na geladeira e esperou seu computador ligar. Como estava demorando, prometeu a si mesmo comprar um computador mais veloz, juntamente a um serviço de internet rápida. Ele odiava esperar.

Finalmente, encontrou o e-mail de Lena e abriu a mensagem. Ela não se deu ao trabalho de escrever nenhuma introdução. Começou logo com a coluna um. Os fatos: 1) Lena ama Trig (e não como um irmão). Romanticamente. Inevitavelmente. Nenhum outro jamais fez jus a ele. Nem de longe. Trig não conhecia tal fato até agora e, por isso, acabou espirrando refrigerante pelo nariz, melando todo o balcão. Mas ele estava totalmente de acordo com esse fato. Leu novamente, só para ter certeza de que estava correto, antes de passar para fato número dois. 2) Trig ama Lena. Isso não era nenhuma surpresa. 3) Todos, exceto Lena e Trig, sabem que Lena ama Trig e que Trig ama Lena (este fato foi confirmado por Ruby, Poppy, o Seb de Poppy, Damon e Damon em nome de Jared). Algumas pessoas eram tão presunçosas. 4) Lena e Trig foram para Istambul para encontrar Jared. E encontraram. Nada senão fatos. 5) Lena caiu e bateu a cabeça, perdeu a memória e pensou que fosse casada com Trig. Verdade. 6) Trig a deixou acreditar que ela fosse casada com ele. “Deixou” era uma palavra pesada nessa frase. Isso implicava um tipo de controle. 7) Lena queria ir para a cama com Trig.

Ele sorriu, apesar de tudo, e virou metade da lata de refrigerante, desta vez sem soltar líquido pelo nariz. 8) Trig resistiu. – Sim, resisti. E não foi exatamente fácil. 9) Lena ainda queria ir para a cama com Trig. Trig estava gostando desses fatos. 10) Trig resistiu. Alguns podiam dizer que era cavalheiresco. Lena achou frustrante. – Tente estar na minha pele – comentou para si mesmo. 11) Lena seduziu Trig. Esta era uma interpretação. 12) Trig deixou. Ele achava que Lena estava fazendo mau uso da palavra “deixar”. Queria uma palavra nova. Uma que descrevesse participação ativa. 13) Lena viu Jared, recuperou a memória, percebeu que não era casada com Trig e ficou confusa e furiosa. Sucinto. 14) Lena achou que talvez pudesse ter coagido Trig a fazer algo que ele não queria. – O quê? – Quando foi que ele um dia dera a impressão de que não sabia exatamente o que desejava? Isto é: ela. A menos que Lena estivesse se referindo àquelas primeiras noites, quando ela

quis que eles se aconchegassem, e Trig negara... ou então mais tarde, quando Lena quis uma noite de núpcias para poder se lembrar e ele desenvolveu um apreço por banhos longos e uma predileção por ansiedade de desempenho... Tudo bem, então talvez ela tivesse razão. Mas certamente, o fato de ele ter proclamado seu amor por ela antes, durante e depois da perda de memória devia significar alguma coisa! 15) Lena achou que Trig pudesse tê-la coagido a fazer algo que ela não queria. Não sabia o que pensar e não sabia o que era real. – Ache a verdade – implorou ele. – Acredite. 16) Lena ignorou temporariamente o fato de que ela ama Trig e de que Trig a ama, e de que eles provavelmente podiam tentar alguma coisa juntos. Esse foi o fim da parte “Os fatos” de acordo com Lena. Trig passou a mão trêmula no rosto. Havia alguns pontos altos, com certeza. Os dois primeiros e o último. Amor. Coisas notáveis podiam acontecer na presença do amor. Mas havia alguns pontos baixos também. Suspirando, Trig leu a coluna seguinte: O que Lena quer: 1) Lena nunca parou para pensar de fato no que queria. Isso não ajuda muito, Lena. 2) Ela acompanhou Trig e Jared para o Serviço de Inteligência Especial porque ali parecia um bom lugar para ela e porque queria manter seu elo com eles. O coração dela não estava sempre no trabalho, mas ela estava com Jared e Trig, então estava razoavelmente feliz. Trig franziu a testa. Achar que Lena precisava repensar suas opções por conta de suas limitações físicas recentes era uma coisa. Ver Lena admitindo que nunca tinha se dedicado por completo à carreira na inteligência especial era outra bem diferente. Claro, era uma boa notícia, considerando o panorama geral das coisas agora, mas esperava-se que Trig tivesse notado. Ou que Jared tivesse notado. Por que diabos ninguém percebera que o coração de Lena não estivera ali? Razoavelmente feliz. Que diabos era aquilo? 3) Trabalhar para a ASIS não parece mais ser bom para Lena.

Trig concordava. Ela poderia ser muito mais do que “razoavelmente feliz”. 4) Lena precisa de uma carreira nova. Ela está pensando em se tornar fisioterapeuta para pessoas com problemas de mobilidade, ou psicoterapeuta para pessoas com problemas de mobilidade, ou ambos. Ele conseguia enxergá-la fazendo isso. 5) Ela tem o dinheiro para voltar para a escola e estudar. Lena gosta estudar, mesmo quando os estudos nem sempre gostam dela. Lena era inteligente. Talvez não tão inteligente quanto seus irmãos, tirando Jared. Trig não tinha dúvida de que Lena iria realizar tudo que se propusesse a fazer. Ela nunca desistia. Mesmo quando as probabilidades pareciam ir contra. Ele adorava isso nela. Sempre adorara. 6) No seu tempo livre, Lena vai correr de lancha. Lena e Trig deviam comprar duas lanchas; Lena vai ficar com a vermelha. Trig riu. 7) Lena quer se casar com Trig. O coração de Trig pulou com força. 8) E morar numa casa de campo numa colina acima das margens de um rio preguiçoso e ocasionalmente agitado. E ajudar a criar nossos bebês, adotivos, e possivelmente alguns filhotes de cachorro. Lena quer que os filhos a chamem de mamãe e que os cães saibam que ela é quem manda. Trig passou a mão áspera no rosto. Tudo que ele sempre desejara estava bem ali, na coluna número dois. Principalmente porque tudo o que ele desejara sempre o guiara a Lena. 9) Ela também quer uma piscina de banho turco construída em algum lugar dentro da casa. Esta piscina terá bicas, cascatas e lajes de mármore onde se deitar.

Felizmente ela não queria um eunuco junto a tudo isso. 10) Lena ainda quer Jared em casa, para que ela possa acabar com a raça dele por não manter contato, mas isso pode esperar. 11) Lena quer trabalhar suas limitações físicas, em vez de se ressentir delas. Pode precisar ser lembrada disso de vez em quando. Caramba, como ele amava essa mulher. 12) Lena quer Trig. Repetindo: Lena quer Trig, e quer saber o que ele quer, para que ela possa adaptar seus planos aos deles. Compromisso faz parte do vocabulário de Lena. Ela procurou na Wiktionary. A terceira coluna, intitulada “O que Trig quer”, estava sinistramente em branco. A opção “copiar e colar” nunca fora tão tentadora. Em vez disso, Trig abriu um novo arquivo e se preparou para pensar seriamente em seu futuro. Meia hora e meia dúzia de palavras depois, Trig concluiu que era um homem de ação em vez de palavras. Quinze minutos depois, ele estava no carro, a caminho da casa de praia de Damon. Lena acordou com o som de alguém batendo impacientemente à porta da frente de Damon. Ela olhou para o relógio de cabeceira e gemeu. Eram 5h22. Tinha ficado acordada até quase 1h, esperando por uma resposta de Trig, que nunca veio. Ele não mandara e-mail ou telefonara. Ela finalmente cedeu e ligou para ele, só para descobrir que seu telefone estava fora de área ou desligado. Por que ele não ligou? Porque ele não era cruel assim. Descuidado às vezes, sim, mas jamais cruel. Lena fechou os olhos. E o barulho recomeçou, e desta vez o cérebro engrenou e ela se sentou. Quem mais estaria à sua porta aquela hora da manhã? O corpo dela não queria se apressar pelo longo corredor de Damon, mas onde havia vontade, havia um jeito, e Lena seguiu para a porta em tempo recorde. Ela a destrancou e abriu, e lá estava Trig, seu sorriso mais brilhante do que o sol. O restolho de barba no rosto e a camisa de trabalho amarrotada sem a gravata só faziam deixá-lo mais atraente. – Eu trouxe croissants – disse ele. – Ainda estão quentes. Lena precisou se ater para ver além dele, mas por fim viu o carro. – Você dirigiu a noite toda para chegar aqui? – Não é tão longe. – Quanto café você tomou? – Eu perdi a conta – murmurou ele, e lhe deu um beijo nos lábios condescendentes dela quando passou. – Considere-me acordado. Ele foi para a cozinha, Lena o seguiu.

– Você dirigiu até aqui – repetiu ela. – Os aviões estavam muito lentos. – Então você veio dirigindo para cá. – Você não está tão acordada como eu, está? Acho que não. – Você disse que me amava. Por e-mail – continuou ele, como se ela tivesse rasgado sua vela de barco favorita. – Eu resolvi te perdoar por isso, a propósito, mas precisava estar aqui pessoalmente para lhe dar minha resposta. Porque é assim que deve ser feito. Pessoalmente. – Oh. – Lena tentou esconder o sorriso. Ela se encostou no balcão da cozinha com as mãos entre as costas e a bancada, porque se as esticasse para ele, Trig não iria falar, e ele parecia precisar falar. – Eu pensei que já tinha dito que te amava pessoalmente – ofereceu ela com doçura. – Lembro-me claramente. Foi logo depois que você me pediu em casamento pela segunda vez. Ou foi a primeira? Ou será que essa vez não conta, porque eu pensei que já estávamos casados e você sabia que não estávamos? – Conta. – Trig fez uma careta. Lena sorriu. – Para alguém que parece tão angelical, você é realmente muito boa em tortura – murmurou ele. – E você ama isso – disse ela. – Você me ama. – Amo. – Trig sacou do bolso de trás uma folha de papel amassada. Ele a desdobrou e a transformou em duas folhas amassadas de papel. – Eis aqui a lista do que você quer. – Onde está a sua? – Na minha cabeça. – Ele examinou o papel. Assentiu algumas vezes. – Eu não quero largar o serviço secreto – disse ele. – E posso até mesmo fazer trabalho de campo de vez em quando. Na época que as crianças chegarem, pretendo me aposentar do trabalho de campo e encontrar um lugarzinho para fazer avaliação de operações. Acontece que eu sou bom nisso. Tudo bem por você? – Sim. – Só porque ela não queria um homem tão descuidado com sua vida como Jared, não significava que queria um homem plácido que vivia em plena segurança. – Isso vai funcionar. – Ótimo. Eu tenho alguns ajustes em relação aos planos da piscina. Quero ladrilho turco, um teto retrátil e uma sereia de mármore nos degraus. E muitas luzinhas. – Só porque sim, por que não? – murmurou ela. – Exatamente. E por mais que eu queira Jared no meu casamento, não vou esperar mais 19 meses para ele voltar para casa. Proponho enviar um convite para o casamento em junho e ver se ele aparece. – Junho, você manda. Tudo bem. – Ela poderia ser uma noiva de inverno. – Dê-lhe uma data de saída para visar. – E quero nossa lua de mel no Caravana de Saul, e desta vez vamos fazer isso direito. – Perfeito – disse Lena. Trig jogou o papel em cima do balcão e deu um passo para perto, as mãos junto às laterais do corpo dela, seus olhos sorridentes quando ele pressionou os lábios contra a curva da boca delicada. – Eu preciso te pedir em casamento de novo? – Acho que sim.

– Você quer a lua e as estrelas de novo? – E as tartarugas. E os anéis de Saturno. – Eu sabia que você gostava mais deles. – Bem, você sempre se lembra da sua primeira vez. Então ela passou os braços em volta do pescoço dele e o beijou. Saboreando-o. Amando-o. – Eu te amo, Lena. – Eu sei – sussurrou ela, e tomou o rosto dele entre as mãos. – E você está certo. Dizer pessoalmente é melhor, então... Adrian Trig Sinclair, eu também te amo.

CAPÍTULO 12

Seis meses depois...

LENA NÃO conseguia alcançar o zíper de seu vestido. Felizmente, era para isso que serviam as madrinhas. Poppy e Ruby se juntaram até o formoso vestido de seda e tule assentar-se perfeitamente na pele de Lena, descaradamente romântica com seu corpete de contas e saia de tule arrastando no chão. Lena tinha escolhido o vestido, com total aprovação de Poppy e Ruby. Os sapatos de casamento eram sandálias brancas com espirais em âmbar. A tiara tinha uma quantidade elegante de continhas e flores delicadas de flanela branca, perfeita para um casamento ao ar livre que ocorreria em breve sob uma árvore frondosa às margens de um rio preguiçoso. Ruby e sua barriga brilhavam num vestido verde-musgo de corpo inteiro com cintura império. O vestido de Poppy era de modelo semelhante, só que o dela era um azul-céu clarinho. O quarto da antiga casa de campo, que atualmente fazia as vezes de quarto de vestir, tinha sido concluído e mobilado na semana anterior – um presente de casamento adiantado do futuro sogro de Lena. A cama era enorme e feita sob medida. – Falta só meia hora – disse Poppy, e Lena olhou pela janela que dava para a baía, para o gramado, onde ocorreriam as comemorações pós-cerimônia. Uma tenda fora armada no gramado do jardim. Debaixo dela, um trio de garçons oferecia refrescos para os convidados que chegavam. Guarda-sóis, tapetes de piquenique e toalhas de praia macias haviam sido disponibilizados para os convidados mais intrépidos que quisessem explorar as margens do rio ou o rio em si. O pessoal do bufê assumira a cozinha. Mesas longas foram montadas no gramado, cobertas com toalhas brancas, talheres reluzentes e acompanhamentos brancos. O florista e seus assistentes deram os toques finais nos arranjos de mesa. O buquê da noiva aguardava no aparador, uma massa romântica de flores de flanela, mosquitinhos e folhas verdes suaves. – O que estou esquecendo? – Lena sabia que estava quase pronta, mas não totalmente. – Joias – disse Poppy, estalando os dedos, e pegou uma caixinha de veludo gasta e ainda assim tratada com reverência. Tinha pertencido à mãe delas.

Gentilmente, Poppy ajudou Lena a colocá-las. A cerimonialista enfiou a cabeça na porta, os olhos brilhantes e o sorriso tranquilizador. – Como estamos indo? – Ela está pronta – disse Poppy. – Ótimo. Os músicos chegaram e estão preparados, o bufê quer fazer uma cozinha itinerante e o noivo e os padrinhos foram encontrados. Eles estão à beira do rio. – Espero que não estejam se molhando – murmurou Ruby. – Alguém andou mencionando uma lancha – respondeu a cerimonialista cuidadosamente. – Uma lancha muito veloz. Aparentemente eles chegaram em uma. – Mas que extravagante. – Lena sorriu. Ela não tinha tido tempo de comprar sua lancha, graças às ocupações com a procura e aquisição da casa, depois sua restauração, sua matrícula na universidade e o planejamento do casamento. Talvez Trig tivesse providenciado isso. A única chaga em seu dia de outra forma perfeito era a ausência de Jared. Ao que tudo indicava ele ainda estava na fortaleza flutuante pertencente ao traficante bilionário de armas. – Queria que Jared estivesse aqui. – falou Lena. – Ele é que está perdendo – disse Ruby suavemente. – Com certeza está. – Mas ainda doía, e não só por causa dela. Lena lamentava em nome de Trig também. – Ele estaria aqui se pudesse – disse Poppy defensivamente. Ou se quisesse. Mas Lena manteve esse pensamento para si. Não fazia sentido se concentrar na parte negativa da coisa. Ela havia parado de fazer isso, em geral. A alegria a governava agora, juntamente à gratidão. A felicidade fazia isso. E o amor. O amor tornava tantas coisas possíveis. A cerimonialista verificou seu telefone e sorriu um pouco mais. – Seu pai está aqui. Perto dos carros. Nós marcamos dez minutos para as fotos. Vinte minutos até seguirmos para a margem do rio. Não era tão longe. A maioria dos convidados tinha optado por descer a colina a pé, da casa até a margem do rio. O fotógrafo assentiu e fez sua saída. Poppy entregou o buquê a Lena. Juntas, Ruby e Poppy colocaram o véu de noiva sobre a cabeça de Lena. – Você está tão linda – disse Poppy. – Está mesmo – concordou Ruby. – A esperança combina com você. A felicidade combina com você. – Preparada? – perguntou Poppy, e Lena assentiu. Sim ela estava. TRIG ODIAVA esperar. Principalmente quando tinha de esperar sua noiva aparecer diante de três centenas de convidados, mas ele tentou aproveitar o momento e cumprimentou as pessoas, até o telefone de Damon tocar e uma mensagem de texto de Ruby informar que Lena estava a caminho. Damon arrebanhou Trig e o irmão deste, Matthew, seu padrinho, sob a árvore, onde eles esperaram um pouco mais. Um Aston Martin verde-escuro apareceu na trilha até o rio. Outro carro prateado veio logo atrás.

– Que beleza – disse Matthew. – Muito bom – concordou Damon, e se virou para Trig, endireitando a pequena flor de flanela branca na lapela do outro. – E também é um presente de casamento. Meu pai disse para lhe informar que um deles é seu, e que o verde é ligeiramente mais veloz. Bem-vindo à família. – Obrigado. Eu acho. – Trig mal conseguia respirar quando Poppy e Ruby surgiram do primeiro carro, e então ajudaram Lena e seu pai a descerem do segundo veículo. Elas fizeram todo um rebuliço e, em geral, levaram uma eternidade. Começou o solo de violão, bem na hora. E então Lena e seu pai começaram a seguir pela nave. Lena estava tão linda, tão frágil, mas ela não era nada frágil. Ela era o guardião do coração de Trig e o amparava com a mesma força e determinação que costumava colocar em tudo o mais. – Respire – incitou seu irmão, e Trig lembrou-se de respirar. E logo Lena estava diante dele, com Poppy e Ruby ao lado dela enquanto seu pai se afastava. – Caros presentes – começou o celebrante, e Trig sentiu-se relaxando um pouco. Era real. Estava realmente acontecendo. O roncar de uma lancha veloz chegou aos ouvidos de todos. Uma lancha realmente acelerada. O celebrante franziu a testa e olhou para o rio. – Caros presentes – disse ele de novo, só que agora a atenção de todos estava voltada para o rio, inclusive a de Lena. Trig olhou também quando a lancha entrou na visão ao fazer a curva. Ele semicerrou os olhos, porque a embarcação parecia estranhamente familiar. Era bem parecia com aquela na qual ele tinha chegado, só que a dele era negra e esta era vermelha. – Trig – disse Lena, com uma voz que não estava nem perto de estar calma. – Aquele louco pilotando o barco é Jared? Porque com certeza se parece com Jared. Era Jared, concluiu Trig. E Trig ia matá-lo. – Você sabia disso? – vociferou ele para Damon. – Sabia que ele estava a caminho? E não nos contou? – Não! – Damon ergueu as mãos. – Não. Não é minha culpa. Ou obra minha. Foi você quem mandou uma mensagem para ele. Matthew virou-se para a multidão e levantou as mãos. – Vamos fazer uma pausa de cinco minutos, pessoal. O pai de Lena aproximou-se deles, Seb também. Trig respirou. Cinco minutos não era tanto tempo assim. Logo ele estaria casado. Ele observou em silêncio, os lábios comprimidos quando Jared manteve o barco em plena aceleração até cortar o motor no último minuto e parar a embarcação atrás da de Trig. Jared não bateu no outro barco por meros centímetros. E então Jared desceu do barco e caminhou com confiança até eles. Apenas seus olhos o entregavam, porque ele estava suplicante, cauteloso e muito além de esgotado. – Você não confirmou presença – disse Lena firmemente. Ela parecia prestes a chorar. – Mas eu vim. – Jared implorou silenciosamente pela compreensão dela antes de virar o rosto cansado para Trig. – Fico honrado em ser seu padrinho de casamento, cara. Você acha mesmo que eu ia perder esta?

– Trig? – A voz de Lena vacilou, ele conseguia senti-la tremendo, e a ideia de que ela poderia estar repensando a coisa toda o colocou no foco de um jeito que nada mais seria capaz de fazer. – Do que você precisa? – Atrás dele, Seb e o pai de Lena se afastaram e seus padrinhos se enfileiraram silenciosamente, primeiro seu irmão, depois Jared e em seguida, Damon. – Podemos ignorá-los e nos casar agora? – A voz dela ainda vacilava. – Eu os estou ignorando. Nem mesmo tenho olhos para eles. Só para você. – Ele fechou os dedos sobre os dela e os levou aos lábios. O celebrante sorriu e recomeçou. – Caros presentes... Cinco minutos depois, os amigos e familiares que haviam se reunido debaixo de uma grande árvore às margens de um rio preguiçoso urraram, aplaudiram, assobiaram e gritaram de alegria. Assim que, primeiro a noiva, e em seguida o noivo, disseram “Eu aceito”.

Natalie Anderson

E SE A RESPOSTA FOSSE OUTRA?

Tradução Maurício Araripe

PRÓLOGO

Dia de Natal, cinco anos atrás

ESTAVAM QUASE todos lá. Seus pais. A família de Oliver. Os amigos de Oliver. A única faltando era Stella, a sua irmã rebelde, cujo nome não fora mencionado uma única vez nos últimos quatro anos, desde que ela partira. Victoria Rutherford olhou para pilha de presentes sob a árvore. É claro que não haveria um para Stella, mas ela torcia para que houvesse ao menos um para o amigo de Oliver. Ela verificou as etiquetas. Liam. Não deveria ter se preocupado. Ele era amigo de Oliver, convidado dele. É claro que os pais dele teriam tido a cortesia de providenciar algo para o sujeito que chegara há pouco da Inglaterra. – Não vai começar a sacudir as caixas, vai? – murmurou uma voz atrás dela. Sobressaltada, ela esboçou um sorriso. Ele a fazia rir com os comentários, mesmo com a expressão maliciosa nos olhos calorosos. Tinha de conter os arrepios, quando ele olhava para ela daquela maneira que não deveria. Não que o estivesse fazendo agora. Infelizmente, ele olhara para ela daquela maneira da primeira vez que se encontraram, quando ainda não sabia quem ela era. Ainda estava tentando esquecer o constrangimento de ele ter esbarrado com ela no banheiro de hóspedes quando ela estava com apenas uma toalha enrolada ao redor do corpo. Ele estivera vestido, mas isso não a impedira de notar coisas que não deveria ter notado. – Seus enfeites, a propósito, estão ótimos – acrescentou Liam. – Obrigada. No dia anterior, ficara acordada até tarde para terminá-los. Com um certo ajudante. Engoliu em seco, reprimindo a lembrança daquele momento, antes de se recolher rapidamente ao seu pequeno quarto de hóspedes. Nada acontecera. Não tinha nada do que se sentir culpada. No entanto...

Ele era o melhor amigo do seu namorado. Um convidado para o Natal. A última pessoa para quem ela deveria estar olhando. Quando todos estavam reunidos, houve a distribuição de presentes: os costumeiros presentes de brincadeira, uma tradição na família de Oliver, e os presentes “de fato.” E também os presentes para os convidados, incluindo Liam. E então restou apenas um embrulho. Ela supôs que fosse para a mãe de Oliver. No meio das várias conversas, não pôde evitar um olhar rápido na direção de Liam. Grande erro, pois ele ergueu ligeiramente as sobrancelhas para ela, enquanto estava com a horrorosa camiseta recém-bordada por ela nas mãos. Reprimindo uma risadinha, ela olhou para o lado. – Acho que este pode ser para você. Victoria sobressaltou-se, quando Oliver subitamente apareceu diante dela. – Você já me deu um presente. Victoria piscou os olhos, necessitando de um instante para desviar os pensamentos do rumo perigoso que estavam tomando. Foi então que viu Oliver ajoelhado diante dela. Por que ele estava ajoelhado? Os seus olhos azuis estavam irrequietos e todos ao redor deles haviam ficado em silêncio. – Victoria, sabe o quanto eu a amo. Ela sorriu, contudo, por dentro, estava atordoada. Seria isto...? De modo algum Oliver estaria prestes a... – Quer se casar comigo? Victoria ficou olhando-o. De algum modo, manteve o sorriso nos lábios. Oliver, seu primeiro namorado, que ela conhecia e em quem confiava. E ali, diante dos pais dele, dos pais dela e... – Victoria? – Liam interrompeu. Ah, meu Deus. Não olhe para ele. Mas ela conseguiu resistir. Os olhos dele estavam fixos nela. Os calorosos e intensos olhos salpicados de dourado que enxergavam através dela, como se ele fosse capaz de ler cada um de seus pensamentos. De conhecer cada uma de suas dúvidas. Cada desejo. – Se não se importa...? – Oliver parecia mais atordoado com a interrupção do que irritado. – Eu estou fazendo uma pergunta para ela. Mas o olhar de Victoria estava fixo em Liam. Ela deveria desviar o olhar, mas não conseguia. Pressentia a inquietação se espalhando pelas pessoas ao redor deles. Os pais dela. A qualquer momento, alguém falaria alguma coisa. Perguntaria alguma coisa. Oliver pigarreou. Oliver, o que era perfeito para ela, que tinha o futuro deles planejado. Ela não podia magoá-lo, constrangê-lo. Não poderia fazer isso com ele e nem com nenhum deles. – Victoria? – Oliver insistiu, agora parecendo ligeiramente irritado. Calada, Victoria voltou o olhar para Oliver imediatamente. Ela sorriu. Era Oliver, não era? Queria tudo que ele queria, não é? Tudo que todos que todos queriam e esperavam.

Oliver retribuiu o sorriso. E, como ela permaneceu sentada ali, paralisada, ele repetiu a pergunta. – Quer se casar comigo?

CAPÍTULO 1

– É CLARO que sim – respondeu Victoria alegremente, ignorando o arder dos músculos nas mãos. – Sem dúvida. Faria o que fosse necessário. Era o que empreendedores faziam, não era? Sacrifícios. Trabalhavam a noite toda. Ela lera Você Também Pode Ser Um Bilionário meses atrás, de modo que sabia dessas coisas. Não que quisesse ser bilionária, ou mesmo milionária. Ela se contentaria em apenas poder pagar suas contas. Nada mais daquela tinta vermelha gritando em seus extratos bancários. Victoria observou a cliente, Aurelie Broussard, cruzar o aposento até a enorme escrivaninha na qual ela nervosamente aguardava. Como todo mundo que já estivera na presença de Aurelie, Victoria não pôde deixar de ficar olhando-a. A mulher fenomenal reluzia no comprido vestido de verão branco, os cabelos compridos escorrendo até o meio das costas, sua cor combinando com os seus olhos, tão escuros e sensuais quanto calda quente. Atleta, modelo, mulher de negócios. E grávida de cerca de sete meses, a julgar pelo gracioso volume da barriga. Victoria não soubera sobre o bebê. Porém, por outro lado, não soubera muito a respeito da antiga campeã mundial de surfe, com a exceção de que iria se casar em cinco dias. Victoria deliberadamente não tinha muito interesse em esportes aquáticos, pois chegavam muito perto de lembranças incômodas profundamente enterradas. Jamais conhecera mulher mais linda. Nem ninguém com o poder de melhorar tão drasticamente o negócio dela... ou destruí-lo. Se Aurelie gostasse de seu trabalho, estaria feita. Se não gostasse, Victoria estaria ferrada. E noivas eram notoriamente difíceis de agradar, ainda mais noivas com legiões de amigos celebridades e um casamento de arromba para organizar em menos de uma semana. Victoria procurou disfarçar o nervosismo, cuidadosamente dispondo alguns dos cartões prontos sobre a madeira antiga. Aurelie os estudou em silêncio. Eles haviam consumido mais horas da vida de Victoria do que ela queria contar. Ela tivera de trabalhar à noite para terminá-los. Ela fora contratada no último minuto, o que não era ideal para uma calígrafa cuja arte exigia luz, espaço, tempo e serenidade para obter os melhores resultados.

– São lindos! – Aurelie, por fim, deu o seu veredito. – Exatamente o que eu queria. Victoria rapidamente tratou de conter seu alívio. Duzentos e trinta e quatro cartões custosamente confeccionados, e em tão pouco tempo. Ela estava, de fato, doída. Mas quisera ter certeza de que estivessem perfeitos. – Eu os fiz exatamente como estava escrito na sua lista. Contudo, será que poderia mandar alguém verificar? – pediu. Não queria ofender nenhum figurão por ter lhe escrito o nome de maneira incorreta. Aurelie assentiu. – Minha assistente. Talvez, já que está aqui, possa se encarregar dos cinco extras? Ela abriu uma das gavetas da escrivaninha e tirou de lá de dentro uma folha de papel com uma lista de nomes datilografados. – É claro que posso... Hã... No tocante aos convidados extras... Isso significa que mudou o plano de distribuição dos convidados nas mesas? Um plano que já consumira tanto tempo. Um enorme quadro com todos os duzentos e trinta e quatro nomes escritos nas mesas, cada uma com o nome de uma praia própria para o surfe. A ideia de refazer a coisa toda deixou Victoria zonza. Os nervos de sua mão gritaram. – Sim. – Aurelie virou o lindo rosto na direção dela, e empertigou-se, mostrando que era quase uma cabeça mais alta do que Victoria. – Isso será um problema? – De modo algum. De alguma maneira, Victoria foi capaz de sorrir e mentir. Costuraria as pálpebras abertas e trabalharia em tempo integral ao longo dos próximos cinco dias e noites. Lembrava-se de quando fora noiva e quisera que tudo fosse perfeito. Trabalharia o mais que pudesse para ajudar Aurelie a ter tudo do jeitinho que queria. Contudo, apesar de a cerimônia de Victoria ter sido linda como um conto de fadas, seu casamento com Oliver, em vez de ser perfeito, fora uma bagunça que lentamente implodira. Trabalhar na cerimônia de casamento de Aurelie ajudaria na sua recuperação. Pelo menos, financeiramente falando. Havia tantas pessoas privilegiadas na lista de convidados que, com o seu melhor trabalho sendo mostrado, ela poderia conseguir mais comissões. A ironia de ter uma carreira que ajudava a criar a cerimônia de casamento perfeita não lhe escapou, considerando o seu próprio fracasso matrimonial. Contudo, não era uma pessoa cética. Para o casal certo, uma cerimônia de casamento era um maravilhoso começo. Com sorte, o noivo de Aurelie seria um sujeito decente. Victoria sabia ainda menos a respeito dele do que sabia sobre a própria Aurelie. Estivera correndo tanto que não procurara a informação na internet. – Estou certa de que posso contar com você. Aurelie sorriu. Um daqueles sorrisos que dizia: “Se fizer besteira, eu acabo com a sua raça.” Bem, enquanto Aurelie estivesse contando com ela, Victoria estaria contando com café... baldes e mais baldes de café. – Se quiser, posso fazer os cartões aqui, mas terei de refazer o planejamento das mesas em casa. Não tenho o que eu preciso aqui. Aurelie assentiu.

– Mandarei a minha assistente lhe enviar um e-mail com as mudanças. – E eu trarei o plano para você ver assim que estiver pronto. – Que será quando? A pergunta tranquila, o sorriso. Nenhuma pressão. Victoria hesitou, desesperada para agradar, mas não querendo prometer o que não pudesse cumprir. – Com tempo de sobra para o casamento. Victoria forçou o sorriso, e Aurelie a fitou pelo que pareceram horas. Por fim, ela sorriu de volta. – Obrigada. Ótimo. Victoria colocou a bolsa sobre a cadeira e retirou de dentro dela o estojo de canetas e o vidrinho de tinta. Cinco cartões não deveriam demorar muito. Agradaria a cliente e, depois, poderia descansar no trem, deixando para estudar as mudanças quando chegasse em casa. – Gosta das velas? – Aurelie subitamente perguntou. Victoria virou-se. Aurelie havia aberto a tampa de uma grande caixa que estava ao lado da cama, repleta de cilindros enrolados em papel. Aurelie pegou um deles e desenrolou delicadamente o papel, revelando uma linda vela branca. – Tem perfume de cera usada em pranchas de surfe. – Aurelie riu. – O meu favorito. Victoria sorriu. Casar-se à luz de velas em um castelo francês com caligrafia escrita à mão, renda e seda para tudo quanto era lado? Tradição e diversão de mãos dadas. Aurelie estava querendo ter tudo. Bom para ela. – São lindas. O lugar todo é lindo. Vai ser maravilhoso. Aurelie guardou a vela na caixa. – Será parfait! – Sem dúvida. – Victoria inspirou fundo, em busca de coragem. – Agora, o cardápio não mudou, mudou? – Não. – Aurelie riu. – Entendo por que foi recomendada. Não se deixa intimidar. Apenas diz sim para tudo. Apesar do nervosismo, Victoria manteve o sorriso. Aurelie acertara na mosca. Victoria sempre fora boa em dizer sim. Para os pais, para Oliver. Para pessoas que estivera desesperada para agradar. E então se deu conta do que Aurelie dissera. – Fui recomendada? Quem teria feito isso? Fazia apenas sete meses que estava em Paris. Após alguns serviços de secretária, apenas recentemente reabrira o seu negócio de caligrafia e design de cartões. Talvez algum antigo cliente de quando estava trabalhando em Londres? Aurelie não respondeu. Apenas cruzou o recinto até a janela. Victoria escutou o som da aproximação de um carro lá fora. – Ah, não – exclamou Aurelie. – Ele chegou. Se entrar aqui, não poderá ver nada disso. Esconda tudo – falou, antes de deixar a sala. Provavelmente o noivo, Victoria pensou ao se ver sozinha. Curiosa, adiantou-se até a janela, e espiou lá para baixo, mas o carro preto estacionado diante do castelo estava vazio. Um assistente

cruzava o pátio em sua direção, provavelmente para estacioná-lo em algum outro lugar. Ela voltou para a mesa e recolheu os cartões, devolvendo-os para a caixa. Não queria nenhum deles danificado. Já tinha coisas demais para refazer. Pegou cartões em branco de outra caixa que trouxera, franzindo a testa ao dispô-los sobre a mesa. Apesar de linda, a escrivaninha não era inclinada como a mesa que ela tinha em casa. Seria melhor se pudesse fazer os cartões nela, mas não estava disposta a dizer não para Aurelie. Ela preparou a caneta, mergulhando-a na tinta, e trabalhou em um cartão de ensaio, aquecendo os dedos e fazendo com que a tinta fluísse bem. – Aurelie, você está aqui? Victoria ficou paralisada, a caneta fincando-se no cartão. O choque fez com que o seu sangue gelasse. Mal notou ter derramado tinta. Tudo porque conhecia aquela voz. Aquele chamado caloroso, tranquilo e autoconfiante. Virou a cabeça justamente quando ele adentrou a sala. Seu coração demorou-se dolorosamente entre duas batidas. Ela prendeu a respiração por ainda mais tempo. Liam? O lindo e absolutamente inacessível Liam? Ele hesitou quase despercebidamente, antes de adiantar-se até ela. Só que, como sempre, Victoria notava cada pequeno detalhe a respeito dele, de modo que percebeu a hesitação. Também não pôde deixar de lhe notar o corpo alto e musculoso. Ele sempre fora um atleta, e mais competitivo do que a grande maioria. Perigosamente competitivo. Liam Wilson queria vencer, independentemente do custo. E não tirara a sorte grande com Aurelie? Os olhos castanhos fixaram-se nela. Olhando de volta, Victoria não pôde deixar de notar a barba por fazer ligeiramente recobrindo o queixo, o cabelo castanho-escuro, o jeans e a camiseta branca. E, acima de tudo, aquela característica expressão intensa e determinada do olhar. Ah, meu Deus. Liam Wilson. Não conseguia acreditar. Completamente desarmada, olhou ao redor por um instante, tentando se recompor. Como ele podia ter ficado ainda mais atraente? Como era possível que ela desse uma olhada, e fosse novamente tomada de desejo? – Victoria. Ela fitou intensamente o borrão de tinta que fizera no cartão, sabendo que Liam se estava a menos de um metro de sua cadeira. Ele pigarreou. – Há quanto tempo. Pôde escutar o sorriso na voz dele. Ele sempre falava com aquela autoconfiança natural, parte do que a atraíra nele. O tipo de confiança que ela jamais tivera. Alto, forte e determinado a conseguir o que queria, o fascinante Liam tinha algo que ela jamais encontrara. Ele passava por cima de quem quer que se opusesse a ele. Até Oliver. E ela. Incapaz de resistir, arriscou um olhar na direção dele. Aquele elemento de perigo? Ainda estava presente... Letal, agora.

Naquele segundo, nada no corpo dela estava funcionando... especialmente o cérebro. – Como tem passado? Ah, ele não podia estar falando sério. Cinco anos desde a última vez em que o vira. Cinco anos desde que ele interrompera o pedido de casamento que estava sendo feito a ela, e ali estava ele, a cinco dias do próprio casamento, e Liam a estava cumprimentando como se fossem antigos colegas de escola? Por outro lado, de que outro modo ele lidaria com a situação? Ela olhou para os cartões em branco sobre a mesa, grata por ter guardado os outros. Aurelie não quisera que ele os visse. Aurelie. Liam. Aurelie Broussard estava se casando com Liam Wilson. Liam era o pai do bebê de Aurelie. Liam ia se casar. Por que isso era tão difícil de processar? Ela já tivera a chance de dizer sim para Liam. Não para o casamento, mas para outra coisa. Não dissera. Dissera sim para outra pessoa, e a vida seguira em frente para todos. E isso não era problema para ela, era? Sim. Ela endireitou-se, ignorando o turbilhão de lembranças e emoções em seu íntimo. Ela estava feliz. E agiria como tal. – Bem, obrigada. – A voz parecia quase normal. – Como está você? – Surpreso em vê-la. Se estava mesmo surpreso, não parecia abalado. Devia ser impossível, mas o sujeito conseguia estar ainda mais lindo do que antes. Mas o que a surpreendeu foi o modo como ele descaradamente a fitava, como se estivesse processando cada detalhe, examinando-lhe o rosto, demorando-se na sua boca, antes de descer o olhar para lhe admirar o corpo. Estaria avaliando-a, como fizera daquela primeira vez em que se conheceram? Na ocasião, fora desculpável. Ele não soubera quem ela era. Contudo, agora? Victoria retesou-se sob a sua inspeção, ordenando que o corpo não deixasse transparecer os rastros da antiga atração. – Já faz um bom tempo – disse ele. – E, por mais impossível que eu pensasse ser, está ainda mais bonita agora. Sua respiração acelerou-se, seu corpo absorvendo as palavras dele, palavras que espelhavam o que ela pensara a respeito dele. Calor espalhou-se pelo corpo dela, concentrando-se principalmente em seu ventre. O cérebro estava trabalhando mais lentamente, o que a fez levar mais tempo para se dar conta de que a costumeira conversa de flerte de Liam não passava disso. Conversa. Porém, ele não tinha o direito de provocá-la. Não que pudesse colocá-lo em seu devido lugar, como queria fazer. Não quando estava trabalhando para a noiva dele. Não. Teria de permanecer calma e profissional, e dispensá-lo com educação. – Também está com uma boa aparência – falou ela.

Chegou até a sorrir. Poderia lidar com aquela infeliz coincidência, e poderia lidar com ele. É claro que poderia. Ele apoiou-se na escrivaninha, perto de onde ela estava sentada. Seus pés formigaram. As pernas coçaram. Mas recusava-se a sair correndo, a mostrar como ele mexia com ela. Sabia que ele estava brincando com ela. Já o fizera antes. Lembrava-se exatamente da expressão travessa do seu rosto quando esbarrara com ele no banheiro da casa dos pais de Oliver. Como na ocasião, Liam agora parecia um gato malvado que acabara de avistar um suculento rato, e se preparava para divertir-se um bocado, devorando-o lentamente. Victoria Rutherford jamais voltaria a ser um rato. – Obrigado – respondeu ele. Os olhos dela se estreitaram, a raiva atravessando a sua armadura de polidez. Mesmo após todo esse tempo, ele continuava fazendo o mesmo joguinho? Mesmo agora, prestes a se casar? – Victoria – murmurou ele suavemente, como já murmurara o seu nome antes. Como antes, procurou juntar suas forças. Como era possível que se deixasse afetar novamente apenas pela presença dele? Victoria congelou quando ele se inclinou na direção dela, chegando perto demais. Ela prendeu a respiração, contudo foi fútil. Ele ainda cheirava à água do oceano, luz do sol e liberdade. Uma inebriante combinação. A suprema tentação proibida. O melhor amigo do namorado dela. Como noivo da sua cliente, era ainda mais proibido agora. De modo que era melhor que seus hormônios subitamente excitados voltassem a hibernar. Liam Wilson, mesmo se fosse solteiro, jamais seria dela. – O que está fazendo? – Ela guinchou como uma ratinha assustada, quando ele aproximou-se dela. Seu olhar não abandonou o dela, mas sua boca se curvou desafiadoramente ao invadir-lhe o espaço pessoal. – Importa-se se eu pegar isto? – Com um puxão, ele retirou a caneta dos dedos dela. – Está parecendo uma arma, em suas mãos. Você já me feriu o coração uma vez. Prefiro não arriscar. Uma exclamação de surpresa escapou dos lábios dela. Como se houvesse sido ela a feri-lo. Muito pelo contrário. Ele a magoara. E a Oliver. Ele danificara o vínculo entre eles de tal forma que não houvera conserto depois. Mas Liam não precisava saber de sua importância. – Eu o magoei? – Ela se recompôs e forçou uma risada. – Nenhuma mulher jamais foi capaz de magoá-lo. – Acha mesmo? – indagou ele, erguendo uma das sobrancelhas. – Não sou tão vulnerável quanto qualquer um? – Não. – Ora, vamos. Você, melhor do que ninguém, sabe como sou humano – disse ele. – Está dando em cima de mim? É sério? Quando a noiva grávida de sete meses estava no prédio, e ele iria se casar em menos de uma semana? Para o inferno com as perspectivas que aquele trabalho traria! Aurelie não precisava de letras ornamentadas. Precisava era de um novo noivo.

– Liam! Após a exclamação, uma visão em branco cruzou o aposento. – Oi. – Liam abraçou Aurelie por um instante, antes de afastá-la, de modo a poder fitá-la com adoração. – Você. Está. Linda. – Estou enorme, mas não estou nem aí. Fico tão feliz que esteja aqui. Victoria se contorceu por dentro. Porque ele era um canalha namorador, não porque estivesse com ciúme. Não havia do que sentir ciúmes. Estava felizmente divorciada. Felizmente descasada. A última coisa que queria era revisitar os erros do passado. E Liam Wilson fora um grande erro. O mesmo erro que Aurelie estava prestes a cometer. Alguém tinha de alertá-la. Só que Victoria jamais poderia fazer isso. Em vez disso, ruidosamente ajeitou os seus cartões sobre a mesa. – Não se preocupe, Aurelie – disse, interrompendo a demonstração pública de afeto. – Ele não viu nada. Aurelie e Liam viraram-se para ela, fitando-a como se estivesse falando em marciano. – Eu guardei tudo... A voz dela falhou. Liam franziu a testa, um brilho de raiva cruzando-lhe o olhar? Contudo, aquele sorriso que encantava todo mundo logo reapareceu. – É, não se preocupe. Deixei o noivo lá embaixo. – Liam gesticulou com a cabeça na direção da porta. – Mas, se não correr para vê-lo, ele estará aqui em um segundo. Mas Aurelie não se apressou. Com a mão plantada em seu peito, olhou para Liam. – É bom vê-lo. Eu não tinha certeza de que fosse vir. – Eu não queria perder. – Queria sim. – Ela riu. – Mas fico feliz que não perderá. Obrigada. – Por você, qualquer coisa. – Ele piscou e gentilmente roçou as costas da mão ao longo da face dela. – Agora, é melhor ir detê-lo, antes que ele suba e estrague uma de suas surpresas. Aurelie saiu da sala, deixando Victoria mergulhada em um misto de confusão, rebeldia e constrangimento. – Você pensou que eu fosse o noivo de Aurelie? Liam retornou na direção dela com um sorriso maior agora; no entanto, ele conseguia parecer ainda menos amigável. Poderia ele culpá-la, quando Aurelie anunciara que “ele” chegara, instantes antes de Liam aparecer como se fosse o dono do lugar? – Achou que eu fosse me casar com ela? – Ele adiantou-se. – E brincando com você? – Pode me culpar por pensar assim? Você faz esse tipo. Os olhos dele se estreitaram. – Eu poderia passar um bom tempo discutindo isso, mas por que me dar ao trabalho? – Ele permaneceu onde estava, bem no interior do espaço pessoal dela. – Como há cinco anos, Victoria, estou aqui como convidado. Um convidado. Ele realmente não era o noivo de Aurelie. Por um segundo, ela foi tomada de alívio. Contudo, a aflição voltou a falar mais alto. Suas faces arderam ante o escrutínio de Liam.

É claro que achara que ele fosse o noivo. Nos raros instantes em que se permitira pensar nele nos últimos cinco anos, ele sempre fora o noivo. O sujeito para quem ela jamais dissera não, e do qual se recusava a ter arrependimentos. – Seu nome não estava na lista dos cartões dos convidados – falou ela, a título de defesa. – Eu achei que não fosse conseguir vir para o casamento – explicou ele. – É por isso que sou um dos acréscimos de última hora. Ele apontou para a folha de papel que Aurelie colocara sobre a mesa. Ele não fora ao casamento de Victoria. Ela sequer tinha certeza de que ele fora convidado. Não depois do que acontecera. Fora a única vez em que vira Oliver descontroladamente furioso. Ela subira, e o restante da família fora se arrumar para o almoço. Oliver e Liam foram lá para fora. Colada à parede do quarto de dormir, Victoria espiara janela afora. Liam recebera o murro sem erguer qualquer defesa. O ponto no queixo dele ficara vermelho, contudo, o tempo todo, insistira para Oliver que nada acontecera. Que ela nada fizera. Que a interrupção da parte dele não fora culpa dela. O erro fora inteiramente dele. Liam estivera voltando para a casa. Ele olhara para cima e a avistara. Seus olhares se conectaram por uma fração de segundos. Recuando, ele se desculpara e fora embora. Liam jamais voltara a olhar para ela. Até hoje. Mas ela nada fizera? Mesmo? Quem cometera o maior erro? De quem realmente era a culpa? Tivera medo. Jamais tivera forças para enfrentar qualquer um deles... fossem os pais, ou Oliver. Até mesmo Liam. Sempre fizera o que eles pediam porque precisara da aprovação deles. E todos haviam passado por cima dela como tratores. Mas Victoria deixara. Chegara a ajudá-los. Isso não voltaria a se repetir. Só agora olhou para a lista que Aurelie lhe dera. O terceiro nome? Liam Wilson. – Ah. – Ela forçou um sorriso. – Eu pensei que... – Sei o que pensou. Nunca teve uma boa impressão a meu respeito, não é? Isso não era verdade, mas ela não podia revelar o que, de fato, pensara dele, durante todos esses anos. Não pudera admiti-lo antes e não podia fazê-lo agora. Havia cinco nomes na lista. Três homens e duas mulheres, uma com o mesmo sobrenome de outro convidado. O nome da outra mulher estava escrito no final da lista, abaixo do nome do homem restante. O nome de Liam estava sozinho bem no meio. Ele não ia levar ninguém para o casamento? Ela, no fundo, realmente não precisava saber disso. Pois não importava. Isso não a impediu de olhar para as mãos dele. Nada nos dedos. Não que isso significasse alguma coisa. Muitos homens não gostavam de usar a aliança, ou só o faziam quando era conveniente. Ainda assim, sentiu um ardor indesejável lhe ferver o sangue. O que ela era, uma garota boba prestes a conhecer o seu ídolo musical adolescente? Mas ele podia estar livre. E agora? Ela também estava. Não havia nada para impedi-los de explorar aquela coisa... Com a exceção das dez toneladas de bagagem que ele trazia consigo. E a bagagem que o próprio Liam transformara em um colete à prova de balas que ele usava por baixo da atitude tranquila e

despreocupada. – Eu sinto muito. – Olhou para ele. – Por hoje e por todos aqueles anos. Pelo que nunca foi e jamais poderia vir a ser. – Ela seguira adiante. Tinha planos, e eles não incluíam Liam e nem mais ninguém. Liam voltou a fitá-la, os lábios novamente curvados naquele ligeiro sorriso sexy. Cinco anos pareceram desaparecer, e ela se viu mais uma vez tomada por sentimentos que deveria ter esquecido. Desejo, ardor. Agora, tinha de sair dali, antes que fizesse uma burrada daquelas! Contudo, assim que se moveu, ele envolveu-lhe o pulso com os dedos fortes e quentes. – Não sou noivo de ninguém. Isso significa que posso flertar com quem eu bem entender. – Não comigo. – Sim, com você. – Seu sorriso foi estranhamente gentil. – Você também não é noiva de ninguém. Nem mulher. Quer dizer que ele estava a par do fim do casamento dela. – Não consigo acreditar que você ainda fica corada desse jeito... – Não estou aqui para flertar. – Ela tratou de interrompê-lo. – Estou aqui para trabalhar. A ênfase foi tanto para si mesma quanto para ele. Ele a fitou por um longo instante, como se estivesse avaliando a verdade de suas palavras, antes de soltá-la. – Nesse caso, vamos vê-la em ação. Ele lhe devolveu a caneta. – Não consigo fazer isso com você olhando. Suas mãos estavam molhadas, e já borrara tudo quanto era lugar apenas por escutar a voz dele. – Sempre teve problemas em me deixar observá-la. Ela se retesou toda. Era verdade. – Não é você – mentiu descaradamente. – Não gosto de ninguém me vendo trabalhar. – Para o caso de cometer algum erro? – De modo algum. – Voltou a mentir. – Não tenho medo de cometer erros. Já cometi muitos. Demais. – Nesse caso, não tem problema escrever na minha frente. Escreva o meu nome. Ela sacudiu a cabeça. Não iria cometer mais erros. Tinha de manter o foco. – Ainda é medrosa. – Está confundindo medo com sensatez. – Sempre tentara fazer a coisa sensata. Nada de errado com isso, não é? – E, com estes dedos borrados? – Ergueu a mão. – Por que desperdiçar tempo e recursos? Ele olhou para a mesa. – Está realmente dedicada a isto? – Quero que Aurelie tenha o que ela quer. – Quer dizer que ainda gosta de casamentos e todas as suas maravilhas? O cético era ele, não ela. – Claro que gosto. Acha que eu ficaria amarga só porque meu casamento não deu certo?

– Não. Acho que só não estava esperando tanto entusiasmo. – Meu entusiasmo é pelo casamento dos outros – retrucou ela, devolvendo a caneta ao estojo. – E vejo que você ainda não gosta de casamentos. Ele deu de ombros. – No entanto, aqui estou. Feliz em celebrar o casamento de outra pessoa. – É uma melhora e tanto desde a última vez em que o vi. Na ocasião, não parecia disposto a ver ninguém se casar. – E eu tinha razão, não tinha? Ela sentiu o golpe. – Não tinha como prever o que iria acontecer. – Não tinha? Nós dois sabíamos que ele não era o sujeito certo. Até mesmo Oliver sabia disso. – Acho melhor eu ir para casa e trabalhar nisto no meu estúdio – falou ela por entre os dentes. – Onde você está? Em Paris? – Liam perguntou, sorrindo de um modo pecaminosamente suspeito. – Posso lhe dar uma carona. – Não vai ficar aqui? Ele sacudiu a cabeça. – Há algumas coisas que preciso fazer na cidade. Jamais poderia pegar carona com ele. O trem era a única opção. Estava prestes a responder, quando ele levou o dedo aos seus lábios. – Com o que está preocupada? – Liam provocou. – Ficará em minha companhia por menos de uma hora. Que mal poderia vir disso? Ficar presa em um carro com um sujeito que já a tentara tanto? Seria loucura sequer considerar a ideia. Tinha de pensar em alguma desculpa. – Com você dirigindo? Você sempre viaja rápido demais, Liam, e pode acabar causando uma tragédia. – Ah, bem. Se é a velocidade que a preocupa, por que não dirige você mesma?

CAPÍTULO 2

LIAM ESFORÇOU-SE

para não prender a respiração, enquanto aguardava a resposta de Victoria Rutherford, a única mulher que já quisera, mas nunca tivera. A que lhe escapara. Era um clichê tão grande, mas estar cara a cara com ela pela primeira vez em cinco anos? Ele ainda a queria. Não teria achado possível, mas ela estava ainda mais linda. – Claro. Ela ergueu o queixo ao responder-lhe. Liam teve de reprimir mais do que um suspiro de satisfação. Houve também o ferver do seu sangue. Da última vez que lhe pedira qualquer coisa, fora contemplado com uma resposta negativa. Mas não hoje. E, por mais louco que fosse, Liam tinha mais a pedir a ela. Muito mais. Queria escutar o “sim” vindo de seus lábios muitas vezes mais. Talvez então conseguisse se ver livre de todas as lembranças. Victoria reuniu autoconfiança. É claro que ela poderia dirigir o carro preto. Podia ser uma máquina poderosa, mas também possuía todas as características de segurança que já haviam sido inventadas, além de um sofisticado sistema de navegação e câmbio automático. Seria moleza. – Adoraria dirigir. Ah, sim, ela irradiava autoconfiança fajuta, recusando-se a deixar transparecer como estava abalada. Ela cuidadosamente guardou as coisas na bolsa. – É melhor irmos logo. Tenho um bocado de trabalho para fazer. Contudo, o carro que foi trazido até a frente do castelo não era a potente máquina preta, que ela vira da janela, e sim um pequeno carro com lugar apenas para dois. Victoria fitou o elegante veículo prateado com a sua promessa explícita de velocidade e sedução, antes de virar-se para Liam. – Quem você acha que é... James Bond? Mesmo ela, que não era nenhuma fã de carros, reconhecia um clássico Aston Martin quando via um. Nada de câmbio automático, nem sistema de navegação e nem airbags. Nem teto, para falar a

verdade. De modo algum ela iria dirigir aquilo. Ele abriu a porta para ela. – Não acha lindo? A questão não era essa. – É seu? Ele sacudiu a cabeça. – Alugado. Mas não vi motivo para ser enfadonho. Como se ele pudesse ser enfadonho. Ainda assim, a questão da propriedade lhe dava uma saída para o pesadelo. – Nesse caso, o seguro não me cobrirá. Não vou correr o risco de danificar um carro alugado. – Mas não se importaria de danificar o meu? Ela o encarou, fitando-o nos olhos. Ele não desviou o olhar. – Você dirige – falou ela por entre lábios que mal se moveram. – Está vendo? Você é medrosa. – Prefiro não correr riscos desnecessários. Ela interrompeu o desafio ao dar a volta até o lado do carona, abrindo a porta e deslizando para o assento. Não podia se dar ao luxo de ter despesas com uma batida agora, o que parecia ter uma grande possibilidade de acontecer, do modo como as suas mãos estavam tremendo. – Se também não está disposto a dirigir, me avise que pego um trem – falou ela, tomada de impaciência. – Preciso voltar para casa para trabalhar. – É claro – respondeu ele, sempre tão polido. Deslizando as pernas compridas para dentro do veículo, ele pegou os óculos escuros no portaluvas e os colocou. Foi então que ela se deu conta de como o carro esporte era apertado. Não dava para ela se recolher a um canto. Em vez disso, seu ombro estava a centímetros do dele. Íntimo demais. Engolindo em seco, olhou para fora da janela. Ela se concentraria na paisagem, e não no deus grego sentado ao seu lado. Dando a partida no motor, ele arrancou pela trilha de cascalho que levava ao portão. Victoria voltou a respirar, inalando-lhe a fragrância de verão. Assim que pegassem a estrada, ele aceleraria fundo e, em pouco tempo, estariam em Paris, e tudo isso estaria acabado. Contudo, chegaram à autoestrada, e Liam não abriu mão do ritmo tranquilo do passeio. – Que velocidade é essa, vovô? – perguntou por fim. Queria se ver longe dele o mais rápido possível. – Se eu for rápido demais, não conseguirei escutá-la. Escutá-la fazer o quê? Respirar? Não estava disposta a ter nenhum tipo de conversa profunda e significativa com o homem. No que lhe dizia respeito, quanto menos conversassem, melhor. De modo que ficou sentada em silêncio, os olhos colados na janela. Após cinco minutos, ainda estava indo naquele ritmo ridículo. – Vai acabar sendo parado por segurar o trânsito – murmurou ela, por fim. – Não há carros atrás de mim, e, mesmo que houvesse, a pista para me ultrapassarem está livre.

Bem, se ele ia insistir no passo de lesma, e tudo indicava que iria, era melhor ela tratar de saciar parte da curiosidade que ardia no íntimo dele. – Por que chegou ao castelo tão antes da cerimônia? Sua vida não é tão ocupada que só poderia vir na véspera? – Estou de férias. Pensei em ajudar um pouco com os preparativos. Como ele ajudara com os preparativos daquele Natal, anos atrás? Ele trabalhara ao lado dela, ajudando de várias maneiras. Como se ele, assim como ela, não suportasse a ideia de ficar ali sentado o dia todo, sem fazer nada. Victoria sempre tivera a vontade de se sentir necessária. Mas não achava que Liam precisasse da aprovação de outros do mesmo modo como ela precisava. – Não quer ficar relaxando na areia da praia? Ele sacudiu a cabeça. – Eu iria querer estar na água. – Não é muito bom nessa história de tirar férias. – Gosto de me manter ocupado. – Por que isso? Não consegue relaxar? – Eu consigo relaxar – retrucou ele baixinho, com um sorriso maroto nos lábios, e os olhos ainda escondidos atrás dos óculos escuros. – Sempre “ocupando-se”, não é? – perguntou ela sarcasticamente, sabendo exatamente no que ele estava pensando. – Mas não sabe lidar com o silêncio? Tem medo de ficar a sós com seus pensamentos? – Sou um desportista profissional, não sou? Sendo assim, não tenho pensamentos. Ah, ele não era do tipo atleta acéfalo. Era inteligente, bem-sucedido. – Com o que tem se ocupado, nos últimos cinco anos? – perguntou, dando vazão novamente à curiosidade. – Você não sabe? Ela lançou-lhe um olhar frio. – Não. Você foi embora no dia de Natal, e pronto. Ele ergueu as sobrancelhas por sobre os óculos escuros. – Quer dizer que nunca me pesquisou no Google? – Não. – Ela teve de rir ante a arrogância do homem. – Sinto ferir-lhe o ego, mas não passei os últimos anos perseguindo-o ciberneticamente. – O que não significava que não houvesse pensado nele. Mas resistiu à curiosidade. – E você me procurou no Google? Sem tirar os olhos da estrada, ele sorriu. – Ah, meu Deus, você procurou. – Ela virou-se no assento, de modo a voltar-se para ele. – Quando? Não teria sido difícil encontrá-la. Ela não mudara o nome, algo que realmente incomodara Oliver. Inclusive, tinha um website com a sua foto. E, como todo mundo, estava nas redes sociais. Ela franziu a testa, mordendo o lábio inferior. O que Liam descobrira a seu respeito na internet? Que informação havia por aí da qual não estava a par? – Quando soube que estava tudo terminado entre você e Oliver – respondeu ele. Só depois de tanto tempo? Sentiu um frio na barriga.

– Como foi que soube a respeito disso? – Ainda mantenho contato com algumas pessoas em Londres. Mas não com Oliver? – Sabe que ele foi para o Canadá? Liam assentiu. O que significava que, provavelmente, sabia que Oliver não fora sozinho para o Canadá. O que mais ele sabia? Subitamente tomada de frio, Victoria não quis mais saber. – Como é que conhece Aurelie? Cruzando os braços sobre a barriga, ela retornou o olhar para a janela. Houve uma pausa. – Sou um antigo namorado dela. Victoria cerrou os punhos, aliviada por estarem escondidos sob os braços. Quer dizer que ele tivera Aurelie. E então lembrou-se da expressão que por um instante brilhara em seus olhos quando ela interrompeu o abraço entre Liam e Aurelie. Será que ele estava magoado porque a antiga amante estava se casando com outro? – Ainda são amigos? – Somos chegados. É tão difícil de acreditar nisso? Francamente, era. Que mulher poderia ser “apenas amiga” de Liam Wilson? Ele era por demais atraente. E o que a surpreendia mais é que ele houvesse escolhido permanecer em contato com Aurelie. Anos atrás, Liam fora do tipo de demolir pontes. – Ela foi a que escapuliu? – Ela tentou brincar, mas não pareceu muito convincente. – A paixão ainda arde em seu íntimo por ela? – Gosto muito de Aurelie, mas... – Gosta mais de si mesmo? Ele riu. – O que eu tenho que a intimida tanto? – Nada. Você não me diz nada. – Não? Já mexi com você antes. Eu a fiz querer algo que você achou que não deveria. – Vejo que continua tão arrogante como sempre foi. E um jogador. Ela sempre fora uma brincadeira para ele. E ele sempre tivera de vencer em tudo. Mesmo à custa de Oliver, seu melhor amigo. Contudo, na noite em que se conheceram, Liam não soubera que ela era a namorada de Oliver. Não até que olhares ardentes e palavras sedutoras houvessem sido trocadas. – Ficaria desapontada se eu não continuasse. Ela revirou os olhos, mas não conseguiu conter a curiosidade. – E então, você e Aurelie? Seu sorriso deixou claro que a curiosidade dela o divertia. Mas, diabos, ele já não interferira na sua vida pessoal uma vez? Isso não lhe dava alguns direitos? – Quanto tempo ficaram juntos?

– Quase três anos, entre idas e vindas. Ficou quase tão chocada quanto quando o vira adentrar a sala do castelo. Ele ficara com Aurelie mais tempo do que ela passara casada com Oliver? Realmente deveria tê-la amado. Liam riu. – Eu a surpreendi. – É. – Inspirando fundo, ela assentiu. – Surpreendeu. Mas de uma boa maneira. – Por que boa? – Assumiu um compromisso por um longo tempo. – Achou que eu não fosse capaz de compromissos? – Não combina com a sua imagem. Ele hesitou. – E qual é a minha imagem? Victoria voltou a se contorcer no assento, virando-se para ele, determinada a aliviar as tensões. – Indomável. Desafiador. Arrogante. Havia muitos outros adjetivos que ela poderia acrescentar à definição. Mas não queria alimentar ainda mais o ego dele. – E isso lhe dá a impressão de que sou incapaz de manter um compromisso? – Bem, você gosta tanto de flertar – disparou ela, à queima-roupa. Ele riu, as mãos apertando-se ao redor do volante. – Só com você. – É, pois sim. E ali estava um grande exemplo de seus flertes e de sua conversa mole. E, sem dúvida, não era verdade. Ela já vira a reação de outras mulheres a ele. Olhavam para ele do mesmo modo com Victoria o fazia: com fascinada voracidade. Não conseguia acreditar que ele houvesse estado com Aurelie por três anos. O que acontecera para terminarem? Por que ela estava se casando com outra pessoa? Victoria achava já saber a resposta. Liam não era do tipo de se casar. Nem mesmo com alguém como Aurelie. – Está em uma nova relação agora? A curiosidade voltou a levar a melhor sobre si. – Não. Tenho problemas com compromissos. Ela riu. Não conseguiu evitar. Embora soubesse que fora a coisa mais verdadeira que ele dissera o dia todo. – E quanto a você? Está com alguém novo? Ela sacudiu a cabeça. – Também tenho problemas com compromissos. Agora, quem riu foi ele. – Não pode me culpar por estar desconfiada, agora. Ele parou de rir na mesma hora. – Não. Lamento que não tenha dado certo. – Não vai dizer “mas eu avisei”? Ele sacudiu a cabeça.

– Ele foi um idiota. Todos fomos idiotas. Victoria encolheu-se no assento. E ela fora a maior idiota de todas. Fora incapaz de dizer o que realmente queria, de lutar por isso. E, de certa maneira, o que realmente quisera não fora nenhum deles. Precisara de liberdade e independência, e tivera medo de lutar por isso. Porém, tinha isso agora, e não abriria mão. – Essa história de caligrafia está indo bem? Ele mudou de assunto. – Está. Não era mundialmente famosa, mas estava indo bem. – É um modo interessante de ganhar a vida. – É bom fazer coisas lindas pelas pessoas. A vida não deveria ser apenas funcional. De qualquer modo, não é menos sem sentido do que navegar do ponto A ao ponto B o mais rápido possível. Não é como se estivesse assegurando a paz mundial com essa carreira. Pelo menos o que faço faz diferença para algumas pessoas, as faz sorrir. – Se não sabe, também faço as pessoas sorrirem. E torcer, e gritar. Ela poderia apostar que ele fazia muitas mulheres gritarem. – É por isso que faz o que faz? – Também não resistiu à tentação de provocá-lo. – Necessita da adulação? Ele riu. – Apenas gosto de vencer. – Nem todo mundo pode vencer o tempo todo. Nem mesmo você. – Nem por isso vou deixar de tentar. Não. Ele não tentara conquistá-la, mesmo quando soubera que ela estava com outro, outro que deveria ser o seu melhor amigo? Mais uma vez, a consciência dela pesou, pois ele poderia alegar que não tentara nada. Liam não dissera e nem fizera nada inapropriado depois que descobrira quem ela era. Por outro lado, o homem era tão devastador que não precisara dizer e nem fazer nada. Bastara olhar. E, quando finalmente falara? Diante de todo mundo? Ela suspirou. Liam fora o que escapulira. – Esta é a rua de que falou? Apesar de terem feito praticamente o percurso todo bem abaixo do limite de velocidade, enfim estavam chegando à vizinhança dela. – É. Ela o orientou até o seu apartamento. Quando Liam estacionou, as mãos de Victoria estavam suadas ao soltar o cinto de segurança. Iria se despedir dele novamente. Para sempre. Que bom, não é? Antes que pudesse descer do carro, ele virou-se para ela, e, parecendo pressentir a incerteza de Victoria tirou os óculos escuros, fitando-a nos olhos. No olhar dele, brilhava o bom humor, e algo mais. Determinação. Desejo. Desafio. Reconheceu tudo isso. Mas não podia permitir que aquilo acontecesse. Mesmo estando morrendo de curiosidade por dentro. Já resistira a ele uma vez. Poderia fazê-lo novamente, não poderia?

Homens não faziam parte de seus novos planos... – Victoria... – Não – antecipou-se. Não ia convidá-lo para entrar. Não ia deixar que ele... Liam sorriu. Levou a mão à face dela, tocando-a com a ponta dos dedos. Victoria cerrou os dentes. – Mesmo agora, você quer resistir?– murmurou ele. – Não dá para simplesmente retomarmos de onde paramos após cinco anos. Por que parecia tão ofegante? – Por que não? – Porque... Tanto acontecera desde então. – Eu estou solteiro. Você não está mais comprometida. – E você está adorando isso. Franzindo a testa, ele pousou a mão sobre a dela. – É claro que não estou. Acredite ou não, eu queria que fosse feliz. Queria que ambos fossem felizes. Ela engoliu em seco, não conseguindo ignorar o calor da mão dele sobre a sua. – E fomos – respondeu ela, rouca, porém sinceramente. – Por algum tempo. – Lamento que não tenha dado certo, mais isso nada teve a ver comigo. – Eu nunca disse que teve. E jamais o faria. Contudo, sentiu o coração apertar-se, pois, apesar de ter sido Oliver a traí-la, fora ela quem resguardara uma parte de si. Não fora sincera com ele. Nem com si mesma. E nem com ninguém. Liam inclinou-se na direção dela. – Não me faça pagar o preço por ele tê-la magoado. Ela estreitou os olhos. – O que é que quer fazer? – O que eu sempre quis fazer. – Ele deu de ombros. – Desde o segundo em que a vi usando apenas uma toalha e envolta por vapor. Pelo menos sou sincero o suficiente para admiti-lo. Ela chegou quase a sentir o vapor, de tão quente que estava o seu corpo. – Isto entre nós? – Ele sacudiu a cabeça. – Mesmo após todo esse tempo, ainda é o mesmo. Não há como negar. É claro que ela negaria. Autopreservação era um instinto básico. – Há sim. – Porque ela sabia tudo de importante que havia para saber a respeito de Liam e, no entanto, ele não sabia nada que realmente importava sobre ela. – Você não me conhece, Liam. Não sabe o que eu quero. – Quer dizer que vai optar pela saída fácil e evitar a coisa toda por completo? É muito boa nisso. Ela sacudiu a cabeça. – Sempre se achou tão inteligente, capaz de enxergar tudo. Mas não viu nada do que realmente estava acontecendo comigo. Não me conhece.

– Conheço o bastante. – E o que acha que sabe? Que eu me senti sexualmente atraída por você? – Apesar do rubor nas faces, ela manteve a cabeça erguida. – Admito que me intrigava na ocasião, mas não estou interessada agora. – Nesse caso, por que não prova isso? – Seu olhar fixou-se nela. – Chegue mais perto, sem corar. – Ah, por favor. – Ela disfarçou com uma risada. – Não preciso provar nada para você. – E para si mesma? Não é parte do que está fazendo agora? A sua mudança para Paris não diz respeito a provar algo para si mesma? – Continua se achando tão esperto. – Não, mas sei quando estou certo. – Ele ajeitou uma mecha de cabelo para trás da orelha dela. – Está aqui por conta própria, para provar que é capaz. – E eu sou – sussurrou ela. Ele sorriu. – No entanto, sequer tenta lidar comigo.

CAPÍTULO 3

– VOCÊ NÃO precisa me acompanhar até a porta. – Preciso sim. Liam não estava disposto a permitir que Victoria saísse novamente de sua vida. Pelo menos, ainda não. Não quando havia tanta coisa inacabada entre eles. Iria obter algo dela hoje. Mesmo que fosse apenas uma admissão. Queria escutá-la dizer ao menos uma vez que o queria. – Tenho de trabalhar. Ele sabia disso. – Não estou pedindo para passar a noite aí. Contudo, passaria, caso ela convidasse. Uma noite era tudo de que precisava. Não sabia por que ela tinha aquele efeito sobre ele, mas era algo que estava presente desde o instante em que a vira pela primeira vez. Desejo. Já experimentara luxúria dezenas de vezes. É claro que já. Também já cansara de fazer algo a respeito. Contudo, jamais experimentara uma sensação tão extrema quanto na noite em que conhecera Victoria. Quando ela estivera tão fascinada quanto ele. Ainda estava. Vira o brilho no olhar quando adentrara a sala, antes de ela lhe analisar as feições. Percebia isso agora, no modo como ela evitava o seu toque ou até mesmo fitá-lo. Mas ele olhava para ela, e queria tocá-la. Na verdade, queria era provocar, pois a luxúria desenfreada estava de volta, com força total. Subiu as escadas atrás dela, esforçando-se para não olhar para as suas doces curvas. Em vez disso, olhou ao redor, admirando-lhe a residência. A distração não foi das melhores. A escadaria era escura, e ele sentia um cheiro terrível, como o de comida estragada misturada com pelo molhado. Quantos apartamentos minúsculos haveria naquele prédio horroroso? Passaram por um milhão de portas. Não era à toa que estava em tão boa forma, considerando todas as escadas que tinha de subir. – Por acaso está hospedada no sótão? – brincou ele.

– Estou me virando muito bem – retrucou ela ao chegarem ao último andar, onde destrancou a porta do seu apartamento. – Não estou passando fome. Estou feliz. – Que bom. – Ignorando o tom de despedida na voz dela, ele adentrou o apartamento compacto. – Contudo, devo dizer que há sótãos maiores, e com vistas melhores. Bastou uma passada de olhos para ver tudo que havia para ver. Um cômodo, com um armário que servia de cozinha e outro de banheiro. O lugar era uma droga. – Não preciso de uma boa vista. Apenas de boa iluminação. Havia um pequeno espaço de trabalho montado no aposento. O maior móvel era a mesa de desenho dela, perto da janela. Ao lado havia uma escrivaninha com um computador. Na parede, no outro extremo do apartamento, a menor cama de solteiro que ele já vira. – Como pode trabalhar aqui? Não chega a ser um estúdio, não é? – Pois é exatamente o que é. Ela ergueu o queixo, como que à espera das críticas. Confrontado com tal expressão, por mais que ele quisesse criticar, achou melhor não o fazer. Ela estava tentando... independente e sozinha. Bom para ela, não é? Só que, por algum motivo, isso o irritava ainda mais. Por que fazia diferença? Mais do que qualquer outra pessoa, ele não era capaz de entender a necessidade de ser bem-sucedido? – Por que não vem para o meu hotel e trabalha lá? Tenho uma suíte que é três vezes o tamanho deste lugar. Antes mesmo de terminar de falar ele soube que cometera um erro. Sabia como ela iria reagir. – Ah, por favor, seja um pouco mais sutil. É, ela achou que ele estava flertando novamente. – Mas, desta vez, não teríamos de compartilhar um banheiro. – Adiantou-se até ela, correspondendo às expectativas de Victoria e entregando-se à própria necessidade de provocar. – A não ser que queira. – Sorriu e levou a mão à testa dela, incapaz de resistir à tentação de voltar a tocá-la. – Nisso, não houve nenhuma sutileza. Jamais se esqueceria da ocasião em que a surpreendera no banheiro. Fora a primeira noite da semana do Natal. Para o seu alívio, ela não colocara a boca no mundo. Ficara constrangida. Ele também. Disfarçara com piadas, é claro. Mas logo traíra a si mesmo. A toalha cobrira as suas partes mais íntimas, partes que ele estava louco para ver. Mas houvera tanta pele molhada à mostra, e com todo aquele vapor e o perfume de sabonete? É claro que tentara alguma coisa. Só na manhã seguinte soubera que se tratava da namorada de Oliver, com quem ele vinha tendo um relacionamento há alguns anos. A mulher que a família de Oliver adorava, e com quem esperava que ele viesse a se casar. A boa moça que dormia no próprio quarto quando ficava ali, e não no de Oliver. Era tudo tão perfeito. Mas já era tarde demais. Liam era jovem, burro e tão imaturo. Confundira luxúria instantânea com amor à primeira vista. Não fora sutil em suas atenções. Não conseguira ficar longe dela. – Isso não foi falta de sutileza. – Victoria ergueu tão bruscamente o queixo que os dedos deles escapuliram de sua face. – Foi uma marretada. – Esta não é uma boa vizinhança. – Não tente me levar para o seu hotel fingindo que se preocupa com o meu bem-estar.

Não havia como convencê-la. Relutantemente, teve de respeitar isso. – E onde você se vê daqui a alguns anos? Ele gesticulou na direção da mesa de desenho. – Quer saber dos meus objetivos de trabalho? É, estranhamente, era o que queria. – Como é que pretende se expandir, quando tudo depende de você? O que acontece se torcer o pulso ou coisa parecida? – Tenho seguro. Quanto à expansão... É necessária? Só preciso ganhar o suficiente para viver confortavelmente. Independentemente de como ela era pequena, uma cama de solteiro jamais era confortável. Era evidente que ela precisava ganhar mais do que estava ganhando. – E como vai encaixar férias nisso tudo? Quando se é dono do próprio negócio, é fácil esquecer férias. – Como é que você encaixa as férias? – Adoro o meu trabalho. Trabalhar é como tirar férias para mim. Velejar era e sempre seria a sua primeira e suprema paixão. Adorava o desafio nas águas. Era o lugar onde mais se sentia seguro e livre. O seu lar. – E não acha que posso sentir o mesmo no tocante ao meu trabalho? – perguntou ela. Francamente? Não. – Não neste ambiente. – O lugar era sufocante, na melhor das hipóteses. – Mas, talvez, não importe para você. Talvez você apenas consiga ver no que está trabalhando. Ele adiantou-se até a mesa cuidadosamente arrumada. – É muito boa no que faz. VICTORIA NÃO conseguia acreditar na ousadia dele. Não poderia melhorar as coisas com lisonjas. Não quando sequer já lhe vira o trabalho. Ela guardara tudo no castelo, antes que ele tivesse a chance de ver. Não fazia ideia de como ela era boa. A não ser que... Uma terrível suspeita lhe veio à cabeça. – Por acaso me recomendou para Aurelie? Ele ficou imóvel. – Você me recomendou. Procurou o meu nome na internet. Encontrou o site. Você... Ela interrompeu-se. A costumeira expressão de autoconfiança no rosto de Liam foi trocada por uma de culpa. Victoria cerrou os dentes. Não podia dar para trás no serviço de Aurelie agora, mas era a sua vontade. – Eu não achei que fosse conseguir vir ao casamento. E, mesmo que viesse, não estava contando em vê-la. Porém, sim, eu quis ajudar. Ajudar quem... ela ou Aurelie? Isso não deveria incomodá-la. Realmente não. Mas não queria dever-lhe nada. E se sentira tão orgulhosa em conseguir o trabalho, por estar conseguindo ter sucesso independentemente, e devido ao próprio mérito. Oliver sugerira que o sucesso anterior de Victoria em Londres se devera

exclusivamente aos contatos dele. A qualidade do trabalho dela nada tivera a ver com a história. Achara que esse trabalho seria um antídoto contra tal mordida. – Um dia, quando ela estava me entediando com os detalhes do casamento, eu mencionei o seu nome. Ela cuidou de pesquisá-la e decidiu se deveria ou não a contratar. Ela gosta do seu trabalho. Victoria engoliu em seco. Não poderia permitir que o orgulho arruinasse aquilo. O trabalho para Aurelie lhe renderia outros serviços. Seu trabalho falaria por si. Ele a fitou com intensidade. – Está zangada comigo. – De modo algum – mentiu. – Foi muita gentileza sua me sugerir para ela. Fico surpresa que tenha se lembrado do meu nome. – Ora, vamos, Victoria. Ele adiantou-se, e ela instintivamente recuou. – É tão determinadamente independente, agora? – perguntou ele. – Não é capaz de aceitar a ajuda de ninguém? Ainda mais a minha? – Ele permitiu que o olhar lentamente lhe percorresse o corpo. – Do que tem medo? Não tem nada a temer de mim. Seria apenas uma vez. Victoria sorriu, não cedendo um centímetro que fosse. – Por quê? Não vai ser muito bom? Ele retornou a atenção para o rosto dela. – Já estive em relacionamentos por conveniência. Não dão certo. Mas romances de uma noite só dão. Relacionamentos por conveniência? Quer dizer que não estivera apaixonado por Aurelie? Ou estava tentando disfarçar alguma mágoa profunda? – Não sou mulher de uma noite só. – Talvez devesse tentar. Uma vez só. Ela o fitou nos olhos, sentindo a intensidade da atração. Mas era mais velha e experiente agora, capaz de resistir. – Não gosta de desistir, não é? Houve uma ligeira hesitação. – Não. Já disse que gosto de vencer. – E é isso que isto é? Um jogo a ser vencido? – Se não explorarmos, sempre haverá curiosidade – sussurrou ele, dando um passo à frente. – Seja sincera, está ardendo de curiosidade, imaginando o que poderia ter sido. – Quanta poesia. – São minhas origens irlandesas. E nós dois sabemos que eu tenho razão. Também sabemos como será bom. – Liam. Ele abaixou o olhar. – Sempre será deste jeito – murmurou. – É inevitável. Sempre foi. Não. Durante tempo demais abrira mão do controle da própria vida... sempre fazendo o que os outros queriam. Estava no controle agora.

Ele aproximara-se o suficiente para tocá-la, e foi o que fez, alisando o seu ombro com a ponta dos dedos. – Apenas uma vez, você diz? – Fique à vontade para me fazer mudar de ideia. – Ele sorriu. – Adoraria vê-la tentar. Ela deu um passo para trás. – Não. Não vai acontecer. – Victoria cruzou os braços. – Fique à vontade para me fazer mudar de ideia – desafiou. – Vamos. Quero ver. – Victoria... – disse ele, pego de surpresa. – Trata-se apenas de luxúria? É tão controlado pelas suas necessidades primordiais que arruinou a sua amizade com Oliver? Quase deu fim a uma relação apenas por causa de uma transa rápida? Ou seria ainda menos do que isso? Ela voltou a aumentar a distância entre eles, até bater com a panturrilha na cama. – Foi apenas a sua necessidade desesperada de vencer? – prosseguiu. – É tão insanamente competitivo que precisou superá-lo? Eu não passei do troféu do dia? – Não. A resposta não a satisfez. – Nesse caso, não vulgarize isto. Não me vulgarize. Ele pareceu ficar zangado. – Eu não traí Oliver. Não? – Eu não a seduzi. E eu poderia tê-lo feito. – É mesmo? – Não posso lhe dar tudo que quer. Posso apenas... – Não faz ideia do que eu quero. Ele deu de ombros. – Casamento. Filhos. Labradores. – Já tentei isso. Não deu certo. – Se é assim, o que você quer? – Uma carreira. O meu negócio. – Ela ergueu o queixo. – Eu estava me dando muito bem antes do divórcio. Oliver detestava que eu fosse mais bem-sucedida do que ele. – A crise no mercado financeiro não fora culpa dela. Centenas na cidade haviam sido demitidos, e Oliver fora um deles. Mas, por algum motivo, o pequeno negócio dela ganhara força. Contudo, após a traição e o divórcio, ela perdera o controle. Agora, estava de volta ao início, mas acreditava em si mesma. – Quero transformar isto em algo grande. E, para conseguir, tenho de terminar esse serviço para Aurelie. É isso que quero. Trabalho até o pescoço, e que as pessoas gostem do meu trabalho. Por um longo instante, ele ficou a fitá-la em silêncio. Depois, voltou a passar os olhos pelo pequeno cômodo. – É tudo que quer? – perguntou. – É tudo para o que eu tenho tempo. – Não tem tempo para mais nada? – Ele voltou a sorrir travessamente. – Nem mesmo uma noite? – É típico. – Ela revirou os olhos. – Você só quer traçar a que escapuliu.

– E por acaso acha que não é afetada? – provocou ele. – Já vi como olha para mim. Ela desviou o olhar na mesma hora. – Inacreditável. – Contudo, ainda assim, verdade. – Ele assentiu. – Olhe, respeito as suas metas. E, tem razão, não tem tempo. Mas vamos tirar algo do caminho. De que modo exatamente? – Um beijo – disse ele. – Sequer já nos beijamos. Era verdade. Ela se esquivara. Nem sabia dizer como conseguira. Mas repetiria o feito agora. Não haveria beijos. Ele riu ante a sua expressão. – Não pareça tão preocupada. Talvez seja uma grande decepção. – Pensei que um Casanova como você jamais decepcionaria uma mulher desse jeito. – Talvez seja você a me decepcionar. – Está colocando em dúvida a minha habilidade? A resposta saiu um pouco mais aguda do que ela pretendia. Seu sorriso foi tão letal que ela sentiu ardor acumulando-se em seu abdômen. – Bem, quero saber se você é boa. – Melhor do que você. O sorriso dele se alargou ante a resposta óbvia. Mas o dela fraquejou. Pensou no que disse. A verdade é que não era lá essas coisas. A fantasia fora estilhaçada. Tivera apenas um amante em toda a vida... Oliver, e ele encontrara ardor maior com outra mulher. – Victoria? O sorriso de Liam morrera. Seria preocupação o que ela estava sentindo? Victoria voltou a desviar o olhar. Não queria isso. Não queria um beijo de piedade, não queria ser uma decepção. – Não será bom. – Ela pigarreou e forçou um sorriso de pouco-caso. – Sendo assim, que tal deixarmos a fantasia sem ser realizada? Ele murmurou alguma coisa. Ela não soube dizer o quê. Apenas queria que ele fosse embora. Sentia uma dor de cabeça chegando, e tinha muito trabalho a fazer. O problema eram todas aquelas emoções do passado que ele estava desencavando. Ele levou a mão à sua face, erguendo-lhe o queixo. Mas ela não conseguia fitá-lo. Toda a impertinência de poucos instantes atrás a havia abandonado, sendo substituída por dúvida. Ele podia ter tido apenas uma única namorada por algum tempo, mas ainda era muito mais experiente do que ela. Liam adiantou-se. – Olhe para mim. Ela engoliu em seco. Ergueu o queixo, tentando forçar um sorriso, tentando invocar as palavras para dispensá-lo e escapar daquele constrangimento. Não precisava daquela humilhação. Não precisava beijá-lo e ser exposta. – Liam, eu...

Ele firmemente pousou a mão em sua cintura. Seu olhar se chocou com o dele, e foi capturado. O que quer que tivesse a intenção de dizer simplesmente desapareceu. Silêncio. Ardor. Sensação. Não havia como se esconder de seu escrutínio. Do desejo evidente de sua expressão. Victoria piscou os olhos, mas não conseguiu desviar o foco do ardor nos olhos de Liam. Com as mãos dele deslizando firmemente sobre os seus quadris, ela ficou imóvel, como um passarinho sabendo que havia um predador por perto. Deslizando uma das mãos até a parte inferior de suas costas, ele a puxou para si, até os seus quadris se chocarem com os dele. Ela estremeceu ante o terrível impacto, a prova chocante e inegável de sua atração. O grande volume cutucou-a, na mesma hora eliminando algumas de suas dúvidas. Seus lábios secos se entreabriram, de modo a poder inspirar tremulamente. O olhar dele estava fixo no dela. Deve ter enxergado alguma coisa boa ali, pois um dos cantos de sua boca ergueu-se ligeiramente. Ele a puxou para si, e aliviou momentaneamente a pressão, antes de voltar a puxá-la, sem interromper o contato, o ritmo intensificando as sensações que cascateavam por ela. Sua pele parecia estar fervendo, como se em brasas. Não conseguia desviar o olhar dele. A respiração tornou-se difícil, como se o ardor entre eles estivesse consumindo todo o oxigênio. Tentou inspirar mais ar, mas o movimento aproximou o próprio peito do dele. Ergueu as mãos, empurrando a musculosa superfície dura como pedra. Através do algodão azul-marinho, pôde sentir-lhe a pele ardendo. Sentindo o sangue fluir para as suas extremidades mais sensíveis, cerrou os próprios lábios. Ele afastou um pouco mais as pernas, ambas as mãos voltando às suas costas, curvando-a para dentro do próprio ardor, nada dizendo com as palavras, mas tudo com as ações. Há tanto tempo que quero beijá-la. Escutou as palavras na própria cabeça, embora a boca de Liam não houvesse se mexido. Nem a dela. Estava com a garganta apertada. Não poderia ter dito nada, mesmo que quisesse. Contudo, podia sentir o desejo em seu íntimo. E no íntimo dela. Podia sentir as ondas de ardor se intensificando, à medida que ele a atormentava cada vez mais com o seu corpo forte e duro como aço. Até não conseguir mais suportar. Até erguer o queixo. Até os lábios se entreabrirem e ela suspirar em sinal de derrota. Até, com voracidade, colar a boca à dele. Ele a envolveu com os braços na mesma hora. Uma das mãos manteve o seu âmago firme de encontro a ele, enquanto a outra deslizava pelas suas costas, acima, mergulhando em seus cabelos. Os lábios firmes, quentes e possessivos, massagearam os dela. A língua a provocava, deslizando por sobre a sua boca, antes de mergulhar para dentro dela, provando, apossando-se. Ela estremeceu ante a intimidade, excitação percorrendo as suas veias rumo ao seu íntimo. Explorou com as mãos a largura de seus ombros, antes de alisar-lhe a nuca, mantendo-o no lugar. Tantas vezes sonhara em tê-lo nos braços, contudo jamais imaginara que se sentiria tão excitada.

Os seios estavam colados ao peitoral dele. Estremeceu de prazer ao sentir os mamilos roçarem nele. Estava tudo acontecendo rápido demais, o coração batendo com um ritmo por demais intenso. Não conseguia respirar. Não queria fazê-lo. Não queria interromper o contato com os seus lábios. Um gemido brotou de algum lugar em seu íntimo. Fazia tanto tempo. O beijo foi se tornando mais intenso, mais úmido, e ela também. Sua vontade era cair no chão e envolvê-lo com as pernas, sentindo o seu peso, todo ele, dentro de si. Mais do que tudo, não queria que ele parasse. Sentiu espasmos em seu íntimo, percussores de êxtase físico. Não seria necessário muito. Mas queria tudo. Os únicos sons no aposento eram o das respirações ofegantes deles e o do ocasional gemido arrancado do íntimo de Victoria. Ele a puxou mais para perto, esmagando-a de encontro a si. Tomada de incontrolável desejo, seus dedos apertaram-se nele. Ela o queria. Agora. – Liam. Ele afastou-se bruscamente. – Eu a machuquei. Não machucara. Gostara do beijo intenso. Queria mais. Queria que ele a preenchesse de todas as maneiras imagináveis. Com os olhos arregalados e o rosto pálido, ele disse: – Eu vou embora. – Tudo bem. Estava zonza, e não estava tudo bem. Não queria que ele fosse embora. Ele pigarreou. – Você precisa trabalhar. Trabalhar? Ah, é. – Tudo bem. – De modo que é melhor eu ir. Porque, se eu não for agora... – Tudo bem. – Victoria? – Tudo bem. Com as pernas bambas e o cérebro em curto-circuito, ela sentou-se na cama logo atrás de si. – Tudo bem se eu for, ou tudo bem se eu ficar? Olhou para ele, depois olhou para a mesa de trabalho. – Eu vou embora – repetiu ele. – Tudo bem. Sentiu-se tomada de frio. Se ele não tivesse tomado tal decisão, se não tivesse recuado, estaria debaixo dele naquele exato instante, sem dar a mínima para qualquer prazo. – Sempre escolheu a hora errada – disse para ele. – O que está fazendo? – perguntou, ao vê-lo pegando o celular dela na bolsa. – Se não quer gente mexendo nisso, deveria colocar senha.

Após tocar mais algumas vezes na tela, ele passou o aparelho para ela, que o tomou de sua mão, tomando cuidado para não o tocar. – Eu manterei contato – disse. – Tudo bem – falou ela, largando o celular sobre a cama, antes que caísse dos seus dedos trêmulos. Como iria fazer para trabalhar agora? Como faria para segurar a caneta com a mão firme? Escutou a porta bater. Ele se fora. E o que estava fazendo ainda sentada ali? Tudo que conseguira falar fora tudo bem. Tudo bem, tudo bem, tudo bem. Como anos atrás, continuava patética. Todo o seu progresso fora obliterado em menos de um minuto. Por causa do quê? De alguns beijos? Simplesmente para se atirar nos braços dele e dizer tudo bem? Patética era pouco. Não era mais a garota ansiosa para agradar os outros. Tinha mais foco e força agora. Mas fora tão bom, choramingou aquela parte fraca de si. Pura fantasia, procurou se convencer. Já fazia mais de um ano desde a última vez em que beijara um homem. Talvez não houvesse sido ele, e sim os hormônios? Talvez fosse o seu corpo avisando que estava mais do que na hora de ela ter uma vida social. Ou simplesmente de se dar bem. Fechou os olhos, reunindo forças. Concluiria o trabalho. Depois, trataria de arrumar uma vida amorosa para si. E jamais voltaria a ver Liam Wilson.

CAPÍTULO 4

DUCHAS GELADAS. Muitas duchas geladas. Duchas para acordá-la, duchas para mantê-la acordada, e, o mais importante, duchas para impedir que seus pensamentos se desviassem para zonas proibidas. Contudo, necessitando de pensamentos felizes, listou as boates que visitaria assim que terminasse o serviço. Iria no sábado, quando Liam estivesse no casamento. Liam. Droga, estava pensando nele novamente. Curvou-se para escrever o quadragésimo quinto nome do mapa de assentos, quando o telefone tocou. Ela atendeu usando a sua “voz profissional.” – Victoria Rutherford Design. – Quantos já fez? Apertou o telefone na mão com força, e sentiu o coração apertar-se ainda mais. Mesmo com a conexão ruim, foi capaz de escutar o sorriso na sua voz. – Perdão? – Os nomes no mapa de planejamento das mesas. Quantos? – Alguns. Longe de ser o suficiente. – Quantos? – Quem você pensa que é? Não tenho de lhe prestar contas. Ele riu. – Você jamais costumava reagir. Lembro que costumava fazer tudo que pediam para você. Solícita e obediente. Ansiosa por agradar. – É, bem, eu cresci um pouco desde então. Agora, só faziam o que pediam para ela quando queria. Como esse trabalho para Aurelie. Contudo, sabia que parte de si ainda ansiava por agradar. Sentira-se tão fraca nos braços de Liam na noite anterior. Se ele tivesse pedido, teria feito qualquer coisa, e teria deixado que ele fizesse qualquer coisa. Queria satisfazer aos outros... e ser satisfeita. Não ia acontecer. Não com ele. E não dessa vez.

Endireitou-se, esticando as costas após passar tanto tempo curvada sobre a mesa de desenho. – Alongue-se um pouco – sugeriu ele. Ela ficou paralisada. – Como disse? – Vai ficar toda dura se não fizer pausas regulares. Caminhe pelo quarto enquanto fala comigo. Ela voltou a se curvar sobre a mesa na mesma hora. – Já disse que não faço mais tudo que me pedem. – Mas isso é para o seu próprio bem. Não leve essa coisa toda de independência longe demais. Só porque alguém além de você sugere alguma coisa, não significa que seja má ideia. Victoria tentou resistir ao som do seu sorriso. Aquela ligação inesperada dele não era um bom sinal. – Não precisa fazer isso, sabia? – Fazer o quê? – Fingir que está interessado. – Victoria. – Ele riu. – Não estou fingindo. É, mas ele só estava interessado em uma coisa. Uma noite. E não poderia ter deixado mais claro. – Bem... – Ela cerrou os dentes. – Eu estou apenas interessada em terminar o meu trabalho. E preciso voltar a ele agora. Encerrou a ligação, com medo de dizer algo que não deveria. Inspirou fundo e suspirou com frustração. Apesar de não querer distrações, parte de si ficara feliz com a ligação dele. A parte que queria que ele ainda pensasse nela, que ainda a desejasse. Porque ela ainda o desejava. Idiota, censurou-se. Três horas mais tarde, o telefone voltou a tocar. – Hora de outro intervalo – falou ele, antes mesmo que ela tivesse terminado de falar seu nome. – O que o faz pensar que já não estou fazendo pausas regulares? – Sei até onde costuma ir para agradar os outros. Eu me lembro de quando passou a noite em claro preparando flâmulas para a mãe de Oliver pendurar no corredor. Ah, Deus. Victoria riu. Também se lembrava disso. No final, Liam viera ajudá-la, após os rapazes chegarem tarde de sua noitada nos bares e Oliver subir bêbado para o seu quarto. Liam estava sóbrio. Após os constrangedores primeiros quinze minutos, as tentativas ininterruptas dele de manter uma conversa e quebrar o gelo a levaram a rir. Depois, fora uma divertida troca de provocações. Até ela tentar sair da cadeira. Não se dera conta de ter passado tanto tempo sentada, dobrando finas tiras de papel. As pernas estavam dormentes. Liam veio em seu socorro, massageando-lhe os ombros, em uma tentativa de aliviar a dor. A proximidade de Liam e a intensidade do seu toque transformaram a dor em ardência. Foi quando ele a virara nos braços e a fitara... Não. Victoria fechou os olhos e baniu as lembranças. – Aprendi a cuidar melhor de mim – retrucou ela. – Até uso timer agora.

– Quanta eficiência. Tais provocações sempre a fizeram se derreter, sempre a levaram a sorrir. Deveria desligar, mas ainda não podia fazê-lo. – Como estão indo as suas férias? – Um pouco frustrantes. – Ah. – Não há água. – E está se afogando em terra seca. – Mais ou menos isso. Ela riu. – Fica irrequieto quando passa tanto tempo longe da água. – É. – E por que é assim? Ele ficou em silêncio por um instante, e ela soube que estava pensando em uma resposta. – É o meu lar. – Por acaso é de Atlântida? – É onde me sinto livre, no controle do meu próprio destino. – Não dá para estar no controle do seu próprio destino em terra, como uma pessoa normal? – Em terra, há outras pessoas. No meu barco, estou sozinho. Um navegador solitário. Liam já passara meses sem ver vivalma, enquanto dava a volta no globo sozinho. Nas competições em equipe, era o capitão. Contava com a equipe; contudo, sempre estava no comando. – Não quer ter de incluir mais ninguém na sua vida? – Sou egoísta, Victoria. Dessa vez, não foi provocação, e nem brincadeira. Era um alerta, em alto e bom som. Mas não sabia se deveria realmente acreditar nele. O Liam que conhecera cinco anos atrás fora selvagemente competitivo e determinado. Contudo, também fora solícito. Mesmo se mantendo à margem da família de Oliver, e da dela, ele ajudara, quisera se envolver. Teria sido apenas para ter algo para fazer? – Por que não pergunta para Aurelie se há algo que possa fazer para ajudá-la a organizar-se? – Não é necessário. Há uma organizadora de casamentos aqui. Ela é de dar medo. – Medo? Victoria riu. Como se Liam pudesse ser intimidado. – É sério. Veja só isso. Segundos mais tarde, o telefone dela apitou. Ao olhar para a tela, Victoria sorriu. Ele mandara uma fotografia do castelo, onde homens uniformizados estavam construindo uma pequena marquise. No centro de tudo, estava uma mulher de aparência eficiente com uma prancheta na mão e um telefone sem fio preso ao ouvido. – Ela não é de dar medo. É linda – afirmou Victoria, pigarreado. – E parece muito boa no que faz.

– Ela é um robô – respondeu Liam. – E tem tudo sobre controle. Não há nada que precise ser feito. – Parece que vai ser fabuloso. – Será mesmo. – Subitamente, ele suspirou. – É melhor você voltar para o seu trabalho. Victoria ficou segurando o celular por alguns minutos, após desligá-lo. Teria passado de brincalhão a suspirador devido àquele casamento? Por causa de Aurelie? Ela sentiu o coração apertar-se. ALGUMAS HORAS mais tarde, Liam não conseguiu deixar de ligar de novo, só para escutar o som da voz dela. Ao telefone Victoria parecia ao mesmo tempo ofegante e animada. Só de escutá-la, ficou duro, e não pôde mais resistir. – Acho que deveria tirar vinte minutos e vir me ver – falou, no instante em que ela atendeu. Mas o que realmente queria era vê-la chegar lá. No outro dia, fora deliberadamente ousado. Quisera obter uma reação da mulher capaz de leválo a um estado de excitação insano com apenas um olhar. Tinha de fazê-la admitir aquela vibração entre eles. Contudo, fizera mais do que provocar. Retirara as coleiras dos dois. Tivera de parar, ao se dar conta de que ela não iria dizer não. Recuar quase acabara com ele, mas não fora a hora certa. Não quisera que nenhum dos dois tivesse arrependimentos. Contudo, a hora certa não poderia demorar muito a chegar. – Vinte minutos? – Victoria retrucou com um tom de voz pouco impressionado. – É só o que quer? Francamente? No estado em que se encontrava, se contentaria com qualquer coisa. – Para um primeiro round – emendou. – Depois, nos encarregaríamos do restante da noite. – Por acaso andou bebendo? – Sabe que não bebo. – Do modo como o pai dele bebera? Até apagar a realidade de seus pensamentos? Não fora um pai fisicamente abusivo, mas fora negligente. Ausente. Sempre no bar, não poderia estar menos interessado no filho. Liam achou melhor deixar o passado para lá e se concentrar no futuro próximo, muito mais atraente. – Por que tentar ignorar o fato de que o gênio escapuliu da garrafa? Ela dissera sim na outra noite. Não com palavras, mas com ações. – Experimente outro clichê – retrucou ela. – Esse não deu certo comigo. Ele riu. – Desde quando ficou tão durona? – Eu já lhe disse. Enfim cresci. Crescera mesmo? Sempre fora tantas coisas para tantas pessoas diferentes. Tivera de ser. Os pais sempre exigiram perfeição. – Como estão os seus pais? Você os tem visto? Houve um instante de hesitação, antes que ela respondesse: – Eu os vejo de vez em quando. Uma resposta diplomática demais. Reservada demais.

– Não ficaram felizes ante a sua separação de Oliver? – Nem um pouco. Será que a culpavam? Podia apostar que sim. Oliver lhe contara que Victoria tinha uma irmã que saíra de casa quando adolescente. Uma rebelde que se metera com pessoas que a família de Victoria não aprovava. A irmã se tornara persona non grata. Seu nome jamais era mencionado e toda e qualquer lembrança sua foi retirada da casa. Victoria sempre fora do tipo obediente, com receio de balançar o barco. Contudo, a sós, com ele, sempre fora uma espoleta. Na companhia de outros, submissa. Isso até hoje o irritava. Uma irritação que ficava ainda mais intensa só de pensar que os pais dela poderiam a estar culpando pelo término do seu casamento. Contudo, não podia resistir a lhe fazer uma última pergunta. – E a sua irmã? Você a vê? Conseguiu localizá-la? Na noite da confecção dos enfeites, após mencioná-la, Victoria lhe confidenciara que gostaria de tê-la em sua vida. Agora, no entanto, havia apenas o silêncio. – Victoria? – insistiu. – Sim, nós nos encontramos há algum tempo. – E correu tudo bem? – Tudo bem. – Vocês ainda mantêm contato? – Somos pessoas diferentes demais. Eu mando um cartão de Natal para ela. Olhe, é melhor eu ir, agora. Ainda estou muito atrasada. Segundos mais tarde, Liam guardou o celular no bolso. Victoria estava sozinha, e não deveria estar. Quem dera isso não o incomodasse. O problema é que incomodava. NA MANHÃ seguinte, o telefone de Victoria tocou às cinco e trinta. Como ele sabia que ela já estaria acordada? Incapaz de conter um sorriso, atendeu ao primeiro toque. – Realmente deve estar entediado. – Passo aí para pegá-la. Em algum momento, terá de parar para comer. – Comer? Vai me levar para almoçar? – Estava pensando em passar aí antes disso. Na realidade, café na cama. Uma boa ideia, não acha? – Você não consegue se conter, não é? – Não. Penso em você, e o sexo vem junto. É como goiabada com queijo, ou feijão com arroz. Victoria e sexo. Ela riu, mas sentiu um estranho desapontamento lhe apertar o peito. Seria apenas uma vez, e ele voltaria a desaparecer de sua vida. – Essa é a única razão para estar me ligando três vezes ao dia? No silêncio resultante, o desconforto dela aumentou. Pois gostava de conversar com ele. Gostava de rir com ele. Mas, para Liam, será que tudo não passaria de meios para alcançar um fim? Mas não queria dormir com ele uma vez e perdê-lo para sempre. Queria mais. Deu-se conta de que, desde sua mudança para a França, sentia-se solitária. Queria rir mais, e ria quando conversava

com ele. – Quero que termine logo esse trabalho – respondeu ele por fim. O trabalho? Era com isso que ele estava preocupado? Victoria estremeceu. Seu trabalho era para Aurelie. É claro que ele queria que a ex-namorada, a mulher com quem ficara durante três anos, tivesse o casamento de seus sonhos. Estava apenas matando o tempo flertando com Victoria, enquanto ficava de olho para garantir que as coisas estivessem em ordem. Um pouco de diversão. Mais nada. Tudo bem, podia se sentir sexualmente atraído, mas não passava disso. Sua principal preocupação era com a “ex”. Aquela de quem ele gostara a ponto manter o compromisso por alguns anos, e não uma noite apenas. Muito justo. – Bem – falou, forçando um tom alegre, para que Liam não notasse como estava magoada. – Nesse caso, é melhor eu desligar e ir terminar. LIAM FRANZIU a testa ao deslizar o celular para o bolso de trás do jeans. Por mais que quisesse aquele café na cama, não podia ir vê-la. Queria que Aurelie tivesse os seus cartões. Mais do que isso, queria que Victoria fosse paga, e que seu trabalho fosse notado. Queria o melhor para Victoria. Verdade? Queria que aquele final de semana terminasse logo, para que pudessem terminar o que haviam começado na outra noite. Ela tinha razão: não podia ter escolhido pior hora. Tinha apenas alguns dias, antes que tivesse de voltar para a água. Porque Liam jamais ficava muito tempo parado no mesmo lugar. Nem por Victoria, e nem por ninguém. Ela queria e precisava de mais do que ele tinha a oferecer. Cerrou os dentes, pois o desejo ainda era tão incrivelmente intenso. Notara a ansiedade dela antes mesmo de beijá-la, antes mesmo de ela admitir que não seria bom. Oliver fizera isso com ela. Ele a traíra com outra mulher. A vontade de Liam era socá-lo, justamente como Oliver já o socara. Oliver a decepcionara. Liam queria consertar isso. Poderia restaurar a confiança de Victoria na própria sensualidade. Amargamente, zombou de si mesmo. Achava o quê? Que estava lhe fazendo um favor? Fora sincero com ela. Era egoísta. Tudo que queria era Victoria. Ele a queria tanto que estava prestes a enlouquecer. Resolveu trocar de roupas e ir dar uma corrida para queimar o excesso de energia, mas não conseguiu encontrar o seu ritmo, não conseguiu deixar de lado os pensamentos. Victoria fora magoada. Não só por Oliver, mas pelos pais, pela irmã. Sem dúvida, pelos amigos também. Ela não queria mais ser magoada. Ninguém poderia culpá-la por isso. Tudo que Liam podia oferecer era uma noite. Mais nada. Seria isso justo com ela? Não. Ligar com tanta frequência para Victoria durante aquela semana fora um erro. Deveria interromper por completo o contato e retornar ao impasse dos últimos cinco anos. Algumas coisas estavam fadadas a jamais acontecer.

CAPÍTULO 5

– BOM – DISSE para Victoria a Rottweiler disfarçada de organizadora de casamentos. Vindo dela, aquele era um grande elogio. Graças a Deus. Ela terminara. Trabalhara a noite toda, pois não conseguira mesmo parar de pensar em Liam. Ele não voltara a ligar. Nada mais de intervalos programados e nem de instruções de alongamentos para evitar câimbras. Devia estar ocupado colocando a conversa em dia com outros amigos de verdade que já deviam ter chegado para o casamento. Talvez houvesse conhecido outra mulher. Não tinha problema. Claro que não. Tudo que precisava era sair dali o mais rápido possível. Mas não resistiu ao convite de dar uma espiada em tudo antes de ir embora. Não havia perigo. Liam devia estar paquerando outras mulheres por aí, desviando a sua atenção do iminente casamento de Aurelie. E, após quatro dias enfiada em seu pequeno apartamento, Victoria estava precisando esticar as pernas e caminhar. Contudo, ao chegar lá fora, seu coração veio à boca ao reconhecer a figura um pouco adiante. Engoliu em seco, mas não havia como negar a empolgação em seu íntimo. Ele veio na direção dela com aquele seu jeito sedutor. Como se tudo fosse fácil para ele. E devia ser mesmo. – Está ajudando? – perguntou, tentando disfarçar as sensações que ele despertava nela. Liam sacudiu a cabeça. – Não há nada que eu possa fazer. Aquela organizadora de casamentos infernal tem uma legião de asseclas, e não precisa de mais um. Mas você não deveria estar aqui. – Acabo de entregar o trabalho. – Neste exato instante, não deveria estar aqui – repetiu ele. Ele não queria vê-la? Estava zangado com ela? Com um rosnado baixinho, ele tomou-lhe a mão e a virou na direção do outro extremo da trilha. – Vão testar os chafarizes. Você vai ficar encharcada. Tarde demais. Subitamente, veio água de tudo quanto era lado. – Ah, é tão lindo.

Vitoria ficou admirando a luz refratando nas gotas, criando vários arco-íris no ar. Ela virou-se para Liam e sorriu. Mas bastou uma olhada para deixá-la paralisada. Ela fora poupada do banho. Ele não. A camiseta branca estava ensopada em um dos lados, o tecido, ficado transparente e se agarrado ao peito dele. Victoria não sabia para onde olhar. Na verdade, sabia sim. O castelo e a propriedade ao redor estavam longe de ser tão fascinantes quanto Liam. Sentiu a boca ficar seca. Queria murmurar-lhe o nome. Estava na ponta da língua. Sua vontade era aproveitar o momento para explorar a química que sempre existira entre eles. Que diferença fazia se o coração dele estava em outro lugar? Não era o corpo dele que ela queria? Mas sentiu uma pontada dentro do peito, o que lhe causou certa dor. – Victoria. Um alerta baixinho. Ela despertou de seus pensamentos. – O quê? – Você realmente deveria ir. – Estou perturbando? – Sabe que está. E não vai querer o que eu estou oferecendo. Na realidade, ela não sabia mais o que queria, mas era mais do que isso. – Por que não podemos simplesmente passar algum tempo juntos? Por que não podemos simplesmente caminhar por este lindo jardim, e colocar a conversa em dia, como velhos conhecidos. Por que não podemos ser amigos? – É realmente tão ingênua assim? – É capaz de ser amigo de uma antiga amante, com quem teve um relacionamento por três anos, mas não pode ser meu amigo? Uma mulher que apenas beijou uma vez? Avistou o brilho no olhar dele quando ele marchou na direção dela, mas foi pega de surpresa com a velocidade com que ele tomou o seu rosto entre as mãos e colou os lábios aos dela. Com vontade. Uma fração de segundos mais tarde, seus corpos se chocaram, sua extensão rija esfregando-se nela com tamanha força que ela teve de se agarrar na camiseta dele para não cair para trás. Ao mesmo tempo em que se abriu para ele, tentou recuperar o equilíbrio. Ele se aproveitou disso, sua língua invadindo e provando com absoluto domínio, subjugando-a com a intensidade de sua paixão. Mas tal intensidade só fez alimentar a dela própria, e, enrolando a língua ao redor da dele, ela tratou de explorá-lo com semelhante voracidade. Uma de suas mãos deixou o rosto dela para descer até a cintura, puxando-a si com força. Ela mergulhou os dedos nos cabelos dele. A camiseta molhou o vestido dela, mas a pele deles estava fervendo. Afastou as pernas, de modo a senti-lo mais intimamente de encontro a si. Adorou a sensação do jeans envolvendo a perna dura como granito entre as dela, e esfregou-se nele, subitamente querendo que o tecido se desintegrasse para que houvesse apenas ardor, suor e pele. Contudo, de repente, ele a soltou, erguendo as mãos, como se estivesse sob a mira de vinte franco-atiradores da SWAT.

– Agora, são duas vezes – rosnou ele. – Duas vezes é demais. Não, não podemos ser amigos. Não até... Até fazerem sexo, quando essa tensão se dissiparia? Ofegante, Victoria ficou a observá-lo. A fúria de Liam a pegara de surpresa. – Quer apenas aquilo com que pode lidar? – provocou, apoiando as mãos nos quadris. – Qual o motivo de todos esses limites? Por que tem sempre de estar no controle? Seus bíceps se contraíram quando cerrou as mãos e as enfiou nos bolsos de trás do jeans, inspirando fundo. – Mulheres gostam quando estou no controle – murmurou. Não era verdade. Não no tocante a ela. O beijo despertara algo nela. Desejo. Contudo, como com ele, também raiva. Sua fúria equiparou-se à dele, pois o desejo era tão forte que chegava a ser irresistível. Para ela. – Acho que eu gostaria mais se não estivesse no controle. Sem qualquer vergonha, adiantou-se na direção dele, erguendo um pouco o vestido, de modo a expor parte da coxa. O súbito brilho no olhar dele a encheu de confiança sexual. Ele, de fato, a queria. E Victoria queria que ele a quisesse, para valer. Liam tinha os lábios cerrados, e seu olhar estava fixo nela. – Victoria – falou ele lenta e roucamente. – Cuidado com o que deseja. Através da camiseta molhada, podia ver claramente os mamilos dele. Apesar do calor de verão, estavam duros como diamantes. Abaixou o olhar e notou como a frente do jeans estava esticada ante a pressão da ereção. Ela sorriu. Não ia permitir que ele fosse embora tão facilmente quanto fizera no outro dia. Deu outro passo fatídico adiante e, sem medo, roçou a pelve de encontro ao jeans, erguendo o queixo desafiadoramente ao esfregar-se nele com movimentos circulares. Queria o que haviam começado na outra noite. Sexo ardente. Sim, por favor. As mãos dele agarraram as nádegas dela, mantendo-a no lugar, de encontro a si. Ela estremeceu ante o contato. Os olhos de Liam, suas pupilas negras como dois túneis escuros, jamais abandonaram os dela. A outra mão lentamente deslizou pela parte de trás da coxa dela, a palma pressionando com firmeza, contudo, ao mesmo tempo, massageando seus músculos. Seu olhar ficou mais ardente quando começou a acariciar mais acima, por baixo da saia, mas não alto o bastante. Victoria queria intimidade total. A ereção lhe cutucou a barriga, de modo que ela girou o corpo, jogando todo o seu peso sobre ele, deixando que Liam soubesse como estava disposta e solícita. Ele levou as duas mãos à curvatura das nádegas dela, uma por sobre a saia, a outra por baixo. A vontade dela era que ele mergulhasse os dedos por dentro de sua calcinha, que a provocasse, que a possuísse. Para satisfazer o anseio primordial, ela se deitaria com ele ali mesmo na grama. Terminariam tudo de uma vez.

Porém, fascinada com a intensidade e a ferocidade dos olhos dele, Victoria não se moveu mais. Mas algo percorreu o corpo dele. Teria sido um tremor? Uma fração de segundos mais tarde, o corpo dele se contraiu, cada músculo se enrijecendo. O espasmo também atingiu a mão dele, e ele praguejou ao beliscá-la. Uma exclamação de surpresa abandonou os lábios de Victoria, que sorriu quando ele voltou a arremeter de encontro a ela. Ele curvou a cabeça para beijá-la, o apogeu a um suspiro de distância. – Victoria? – Escutou a voz aguda da organizadora de casamentos chamando, do outro lado das árvores. – Alguém viu a calígrafa? Ela ainda está aqui? Mais uma vez, os dedos de Liam se fincaram em sua carne. Arremeteu de encontro a ela com outro movimento poderoso, antes de dar um passo para trás e soltá-la por completo. Ela mal teve chance de recuperar o equilíbrio. – Escapou por sorte – sussurrou Liam, por entre os dentes cerrados. Não foi sorte. – Lia... – Você quer mais do que isto – sussurrou ele bruscamente. – Mas isto é tudo que há. – Victoria? A organizadora de casamentos parecia estar mais perto. – Estou aqui. Estou indo – gritou Victoria. Mas, em vez de ir, ficou vendo Liam afastar-se dela, do castelo, a mão larga massageando a própria nuca, a raiva evidente em cada movimento. Ela sorriu. Liam podia ainda ter sentimentos por Aurelie, mas era Victoria que ele queria, e muito. A quem estava querendo enganar, acreditando que fosse mais do que apenas sexo? Não passava de luxúria e hormônios descontrolados. Era sexo, e não era isso tudo o que ela queria? Não estava interessada em outra relação. Ele, com certeza, não estava. Não combinava com o seu estilo de vida. Estivera certo ao oferecer-lhe apenas uma noite. Fora sincero. Ela não fora. Ficara confusa. Contudo, as coisas não podiam estar mais claras do que agora. Realmente iria deixar passar a chance de estar com ele, e passar o resto da vida tentando imaginar o que poderia ter sido? Uma relação não estava nos seus planos. Queria construir a sua empresa, e queria ser como qualquer outra mulher na casa dos vinte. Era livre e, se quisesse ter um romance passageiro, poderia fazê-lo. Liam só passaria alguns dias ali. Não haveria ansiedade em voltar a encontrá-lo inesperadamente no futuro. Que chance melhor de divertir-se um pouco? E de livrar-se daquela antiga obsessão? – Algum problema? – perguntou para a organizadora de casamentos, ao retornar para o castelo. – Nenhum. Eu só queria saber se não teria alguns cartões de visitas. Podem vir a calhar. A autoconfiança de Victoria, já em alta, multiplicou-se ainda mais. – É claro. Entregou alguns cartões para a mulher e seguiu para a marquise, onde já havia mesas postas para o casamento. Encontrou o cartão que tivera de rescrever cinco vezes antes de acertar. O de Liam Wilson. Virando-o do avesso, escreveu uma ousada mensagem.

CAPÍTULO 6

COM O pior dos humores imagináveis, Liam vestiu o paletó. Realmente tentara fazer a coisa certa. Deixara Victoria em paz. Ela não queria complicações. Nem mesmo por uma noite. Só que ela dera em cima dele no jardim, e dera um fim a toda a sua determinação. Ela queria passar um tempo com ele. Sério? Que piada horrorosa. Claro, ele podia lhe mandar mensagens de texto, e falar com ela ao telefone. Mas bastava colocá-lo no mesmo ambiente que ela, e tudo em que Liam pensava era em beijá-la. Era luxúria em um patamar diferente de tudo que já experimentara. Ele gostara da relação que tivera com Aurelie; contudo, a verdade era que passaram a maior parte do tempo em que foram um casal separados. Ele competindo em um oceano. Ela surfando em outro. Fora conveniente e fácil, e ele jamais tivera problemas em ir embora. Já com Victoria, quase morrera ao ir embora do jardim naquela manhã. Não gostou nem um pouco. Não gostava de amarras, mesmo em se tratando de um vínculo sexual. Franziu a testa ao olhar para o seu reflexo no espelho. Apesar do terno civilizado que estava usando, o mundo dele era competitivo, implacável e isolado. Costumava passar meses fora. Apenas uma relação com uma mulher muito durona poderia sobreviver a isso. E Victoria nem chegava perto de ser tão durona assim. Receava dar um nó nas emoções dela. Sabia que, por um tempo, fizera isso com Aurelie, tomando o que queria e não lhe dando o suficiente. Aliviava um pouco a sua culpa que ela tivesse encontrado o que precisava com um homem melhor. Amor e segurança. O negócio de Liam era liberdade. Velejar sobre as ondas. Era tudo que sempre quisera fazer. Assim como o pai, gostava de ficar sozinho. Não eram homens de família. Liam se recusava a ter um filho apenas para ignorá-lo, como o pai fizera com ele. Já Victoria sempre tentara dar tudo de si para todos. Ela tinha necessidades que ele não poderia satisfazer. E, mais importante, ela sabia o que queria, e iria correr atrás disso, e ele não ficaria no seu caminho. Só que Liam ainda a desejava. E ela também o desejava. Ela o quisera antes. Era óbvio para qualquer um que olhasse. A ironia era que nem Oliver e nem os pais dela olharam com suficiente atenção.

Oliver sempre se preocupara mais com si mesmo do que com ela, o que resultara no esmagamento da autoconfiança de Victoria. Ela acabara com menos do que merecia. Só que Liam também era muito menos do que ela merecia. Não podia lhe dar a segurança que achava que ela ainda quisesse. Ela já fora magoada. Qualquer tipo de relação com ele apenas a levaria a ser magoada novamente. Porém, poderia lhe dar prazer físico. Latejava só de pensar no que poderia lhe mostrar. Fungou ante a própria arrogância. O melhor que fizera fora dar um fim a tudo e ir embora. Duas horas mais tarde, viu Aurelie e Marcus trocarem seus votos e se viu pensando no casamento de Victoria. Como ela estivera naquele dia? Sentiu um aperto em seu íntimo. Jamais se permitira imaginar. Evitara qualquer menção do dia entre os amigos. Fotografias? Nem pensar. Agora, sentia fervilhar a inveja daquele antigo casamento. Realmente precisava colocar a cabeça no lugar. Tinha de voltar para a costa e treinar de verdade. Seguiu os outros convidados até onde as mesas estavam postas. A caligrafia de Victoria marcava o lugar de cada um. Ao sentar-se, pegou o cartão com o seu nome. Admirando a bela letra de Victoria, passou o polegar pela borda do cartão antes de virá-lo. Quase caiu para trás, ao ver o que estava escrito no verso. Uma noite. Hoje. Tudo. De Acordo? V. Victoria serviu-se de uma taça de vinho. Lá se foram os seus planos de ir a uma boate e começar a ter uma vida social. Quanto mais uma vida sexual. Não se arrumara. Ficara em casa de short e camiseta, com um delicado roupão de algodão por cima de tudo, arrumando a sua escrivaninha. Tinha um novo projeto. Tinha de seguir adiante com isso. Esquecer o passado e abraçar o futuro. Mas não pôde deixar de pensar em como Liam deveria estar vendo Aurelie dizer os seus votos para outro homem. Como deveria ser duro. Ela não devia ter deixado aquela mensagem. Como se ele fosse querer ver aquilo no casamento de Aurelie. O que dera nela? E não tivera notícias dele. E se alguém na mesa tivesse lido? Não entenderiam, não é? Ainda bem que deixara apenas a inicial, e não o nome completo. Furiosa com a própria idiotice, prendeu o cabelo para trás em um rabo de cavalo e pôs-se a reunir os materiais de que precisava para o trabalho de dois dias que tinha agendado para fazer durante toda a próxima semana. Contudo, naquela, precisava ocupar-se, e muito. Por fim, estava pronta. Para aquele trabalho, precisava ser excessivamente precisa e clara. A batida à porta a sobressaltou, pondo fim a várias horas de trabalho. Ficando de pé, olhou para a janela. Ainda estava relativamente claro, de modo que não devia ser Liam. A recepção deveria estar começando. Fosse quem fosse, voltou a bater à sua porta. Ela a abriu, e bastou uma olhada para ele para ter de se apoiar no batente da porta, de tanto que as pernas bambearam. Um smoking sempre faz o homem parecer bonito, mas o efeito em Liam era devastador. – É cedo. – Acha mesmo que eu teria ficado após ter lido isto?

Ele ergueu a mão, o cartão entre os dedos. – Não queria fazê-lo perder a festa. Ela a fitou com uma expressão sombria. – Não estou. – Como foi o casamento? – perguntou, tentando disfarçar o nervosismo. – Lindo. Isso poderia querer dizer tanta coisa. De repente, sentiu a necessidade de saber exatamente o que ele estava sentindo. – Ainda a ama? Apoiando a mão na barriga de Victoria, Liam gentilmente a empurrou para dentro do apartamento, fechando a porta atrás de si. – Parte de mim sempre amará Aurelie. Victoria cerrou os lábios, tentando bancar a forte. – Ela foi a mais diferente de você que eu consegui encontrar. Deveria ter sido o esquema perfeito. Ela estava ocupada com a própria carreira, e feliz em me deixar dar continuidade à minha. Nós nos encontrávamos sempre que nossas agendas permitiam. Era divertido. Eu achava que era tudo que eu queria e tudo de que ela precisava. Mas Aurelie acabou querendo mais. E, então, um dia, ela ligou, e disse que conheceu Marcus. Eu não fiquei arrasado. Na verdade, até fiquei feliz. Éramos mais amigos do que amantes. E estou feliz em vê-la feliz. Victoria deixou escapar o ar que estava prendendo nos pulmões. – Só para constar, acho que ela é louca por se casar com outro homem. As palavras pairaram no ar entre eles, deixando em seu rastro um silêncio súbito. Ela mordeu o lábio, para se impedir de dizer mais. – Eu não podia vê-la casando-se com ele – disse Liam, tão baixinho que pareceu estar sussurrando. A respiração de Victoria se acelerou ante a tormenta emocional se concentrando em seu íntimo. Não era para ser assim. Já deveriam estar na cama. – Porque sabia que eu estava cometendo um erro. No fundo, não era porque Liam estava magoado por ela estar se casando com Oliver. – Ambos estavam. Você não era a mulher certa para Oliver. – Ele permaneceu imóvel como uma estátua, a poucos metros dela. – Por que não deu certo? – Sabe muito bem por quê. Por eu não ter nem mesmo olhado para você. – Então, por que disse sim? – Como eu poderia dizer não para ele? Como eu poderia humilhá-lo na frente de todo mundo? E eu queria agradá-lo. Agradar a todos... – Ela engoliu em seco. – Eles expulsaram Stella. Ela tornou-se nada para eles. Acho que não conseguiria suportar me tornar nada, não ter ninguém. Ele adiantou-se, seu olhar jamais deixando o rosto dela. – Isso teria acontecido? Aconteceu... quase. Apesar de não tão rejeitada pelos pais quanto Stella foi, a relação tornou-se fria. Eles desaprovavam suas atuais escolhas. Culpavam-na. – Era para ele ter sido a aposta segura – respondeu ela, com um sussurro triste.

Mas, assim como ela, ele era humano. – Eu sinto muito – disse Liam. – Não precisa. – Ela sorriu. – Eu aprendi muito. E gosto mais desta eu nova do que da antiga. Tinha um pouco mais de coragem agora. Tinha os seus planos. – Ele era um idiota. – A expressão do rosto de Liam ficou mais sombria. – Eu jamais teria feito isso com você. – Não. – Ela conseguiu dar uma risada. – Jamais teria se casado comigo, em primeiro lugar. Você jamais se casará com ninguém. Ele abaixou o olhar. – Tem razão. – Liam ergueu a cabeça e voltou a fitá-la com intensidade. – Mas eu jamais a trairia. Acreditava nele. Liam tinha honra. Com a boca seca, Victoria levou a língua aos lábios. Queria que aquela conversa tivesse fim. Queria o que sempre quisera dele. Liam adiantou-se e ela se sentiu puxada pelo seu magnetismo. Mas, ainda assim, ele não estendeu as mãos para ela. – Por que agora? – perguntou ele. – Não quero cometer o mesmo erro. O erro fora não dizer sim para ele. – Tem certeza? – Você não estaria aqui se eu não tivesse. – Pensei que não fosse do tipo de romances de uma noite só. – Não consigo mais resistir. – Ela deu de ombros. – É o que eu quero. Queria se libertar daquela paixão que a aprisionava, que a impedia de pensar em qualquer outra coisa, em qualquer outra pessoa. Ele a olhou de alto a baixo, o velho sorriso retorcendo-lhe os lábios. – O que tem feito? Ele levou o dedo à testa dela e o posicionou diante dos olhos dela. Purpurina dourada reluzia em sua ponta. Ela passou a mão pela testa e sorriu ao notar a purpurina dourada nela. – Estou trabalhando em um poema de aniversário de casamento, usando uma folha dourada. – Qual aniversário? – Aniversário de cinquenta anos. Bodas de ouro. – Puxa. – É. O poema também é adorável. – Não está cansada, após o trabalho de Aurelie? É claro que estava. O sorriso dele acentuou-se. – Você é um anjo salpicado de ouro. – Não sou exatamente um anjo. – Estremecendo, Victoria deu um passo para trás. Não estava esperando tanta ternura, e não sabia como lidar com isso. Queria paixão, rápida e furiosa. – Está

apenas se sentindo sentimental porque acabou de chegar de um casamento. – Estendeu a mão na direção da fivela do cinto dele, sua intenção clara. – Chega de conversa. – Não. Ele agarrou-lhe o pulso, afastando-o. Estaria dizendo não para o quê? Os olhos castanhos salpicados de dourado fitaram os dela. – Há muito tempo que quero isso, e, já que teremos apenas uma noite, não quero que ela acabe em cinco segundos. Não vou lhe arrancar as roupas, transar com você e dar o fora por aquela porta dois minutos mais tarde. Vou devagar, saboreando cada segundo que tenho. Dormir não está nos meus planos hoje. Ah. – Algum problema com isso? Ela sacudiu a cabeça, incapaz de emitir um som que fosse. Ele soltou-lhe o pulso, levando a mão até a face dela. – O que a levou a mudar de ideia? – Acho que eu estava errada, e você estava certo – sussurrou ela. – Isto é... paixão. E acho que temos de lidar com isto. – Acha que pode lidar comigo? A antiga arrogância trouxe de volta o sorriso aos lábios dela. – Por uma noite, eu posso. Tinha de poder. Subitamente, se deu conta das roupas velhas e desbotadas que estava usando. – Eu ia tomar uma ducha. – Mais tarde – falou ele, com a voz rouca. Seus dedos trilharam a pele dela, o queixo, descendo até o pescoço, fazendo com que Victoria se arrepiasse toda, apesar de jamais haver sentido tanto calor. Irrequieta, inspirou fundo. – Devagar – lembrou ele com um sorriso. – Não quero ir devagar. Liam beijou-lhe o pescoço, os dentes arranhando, antes de a língua e os lábios alisarem o local sensível. – Quer sim. Para ser franca, não poderia ir devagar se ele continuasse a tocá-la daquele jeito. Já estava constrangedoramente excitada, desesperada para tê-lo dentro de si. Queria tal intimidade, tal orgasmo, naquele exato segundo. Inspirou profundamente e deu um passo para trás. – Deixe-me despi-lo. Os olhos dele se arregalaram. – Eu quero. Preciso. Caso contrário... – Tudo bem – respondeu ele. – Se é o que quer. Começou com o paletó dele, retirando uma manga de cada vez. Ele curvou a cabeça quando ela passou na frente dele, brevemente roçando um beijo em seu maxilar. Ela olhou para ele, sorriu, mas nada disse. Lentamente abriu os botões da camisa e a afastou para revelar o musculoso peitoral. Era o tipo de definição que vinha apenas com treinamento diário. E muito suor.

Sem dúvida o sujeito estava em forma. O cinto era de couro macio, e os dedos dela estavam tendo trabalho em desafivelá-lo, mas Liam não ofereceu qualquer ajuda, o que ela achou bom. Queria fazer tudo, descobrir tudo. Agachou-se e puxou as calças para baixo. Ele estava usando uma cueca preta por baixo. Ela deslizou a mão por baixo do elástico da cintura, e desceu a peça pelas pernas musculosas, procurando desviar da enorme ereção. De joelhos, Victoria ficou a fitá-lo, praticamente boquiaberta ante tamanha magnificência. – Agora, é você quem está vestida demais para a ocasião. – Ele curvou-se para colocá-la de pé. – Minha vez. Liam não sorriu. Parecia tenso. Ele puxou a faixa do roupão dela e ficou olhando para o tecido em sua mão. – O que pretende fazer com isso? – Sei dar nós. Ela sabia muito bem disso. Ele deixou de lado a faixa. – Desta vez, quero sentir as suas mãos em mim. Mas, em outra ocasião, iria querer amarrá-la? – Eu também. Mas, só para você saber, também sei dar alguns nós. – Aposto que sabe mesmo. Adiantando-se, ele tomou nas mãos a bainha da camiseta dela. Em questão de segundos, a camiseta passou pela cabeça dela e aterrissou no chão. Victoria não estava usando sutiã. Não costumava fazê-lo em casa. De modo que, agora, os mamilos dolorosamente rijos estavam expostos, e gritando pelo toque dele. Liam ficou paralisado, olhando para ela. Victoria levou as mãos ao botão do short, e isso fez com que ele se movesse. – Não! – exclamou ele, ao afastar-lhe as mãos. O próprio Liam se encarregou de desabotoar o short e de abaixá-lo, em seguida também se livrando da calcinha. Por um instante, Victoria ficou surpresa de não se sentir ainda mais encabulada, contudo, como poderia, quando ele estava de joelhos, olhando para ela daquela maneira? Ele pousou as mãos fortes nas pernas dela, pouco acima dos joelhos, e as afastou. – Você é ainda mais linda do que... Ele interrompeu-se e, subitamente, puxou-a para si, a língua explorando-a. Victoria deixou escapar um gritinho, e curvou-se para a frente, pousando as mãos nos ombros dele, para se equilibrar. Não seria necessário muito para alcançar o orgasmo. Outro toque? Mas subitamente não queria que viesse tão rápido. Ele tinha razão em querer ir devagar, em saborear a coisa toda. E ela não se sentiria completa a não ser que... ele estivesse com ela o tempo todo. Queria que Liam sentisse aquilo com a mesma intensidade que ela estava sentindo. – Quero chegar ao apogeu com você dentro de mim. Com você também chegando lá.

Com as mãos apertando as coxas dela, ele ergueu o queixo, beijando-a repetidamente bem ali. Contudo, em seguida, ficou de pé, envolvendo-a com os braços e puxando-a para si. – Só vou adentrá-la depois que tiver chegado ao clímax. – O quê? – Você me ouviu. – Bem, eu só chegarei ao clímax depois que estiver dentro de mim, e você mesmo estiver quase chegando lá. Ele sorriu. – Vai ser uma noite divertida, não acha? Ela ficou na ponta dos pés e o beijou. Foi um beijo molhado e exigente. Podia sentir-lhe a ereção cutucando a sua barriga. Sorriu. Lentamente uma ova. Ele ergueu a cabeça, e o próprio sorriso era malicioso. Voltou a beijá-la, e as mãos foram direto para os seios dela. Uma exclamação de surpresa escapou de seus lábios ante o toque. Em vez de mergulhar direto nos seios dela, ficou massageando-lhe o volume, os dedos gentilmente circulando. Ela sentiu algo se apertar em seu íntimo, quando ele voltou a beijá-la. O senso de ritmo do sujeito era inacreditável. Um doce tormento carnal. Subitamente, ela não conseguiu mais suportar. Vendo que suas pernas estavam bambeando, ele a ergueu nos braços e a carregou até a cama terrivelmente estreita. Ao sentir as pernas sendo apartadas, suspirou de alívio e estendeu os braços para ele. Mas Liam não depositou o peso do corpo sobre ela, não alinhou a pelve com a dela do modo como Victoria queria. Em vez disso, voltou a colocar as mãos e a boca a trabalhar em sincronia, repetidamente acariciando-a até ela estar ardente, se contorcendo e pronta. Ela arqueava os quadris de encontro a ele, esfregando-se sem parar. – Liam – implorou. – Por favor. Ele inclinou-se para trás, de modo a poder lhe fitar o rosto. – Sempre a quis – disse. – Sempre quis isto. – Eu também – confessou ela. – Agora, por favor, por favor, continue. Para o imenso alívio de Victoria, ele desceu da cama para pegar uma embalagem de preservativos no bolso da calça. Deitando-se na cama, afastou as pernas para recebê-lo. Mas, envolvendo os seus tornozelos com as mãos, Liam deu início novamente à coisa toda, beijando toda a extensão de suas pernas. Era tortura. E era o paraíso. Contudo, estava furiosa que ele ainda fosse capaz de se conter e não a penetrar. Girou de modo a montá-lo, assumindo o controle da situação. Ele permitiu que ela ficasse por cima, mas não deixou que o deslizasse para dentro de si. Em vez disso, riu e a agarrou pelos quadris, usando a sua força insanamente superior para mantê-la no lugar, pouco acima de si. Mas ainda não a penetrou. – Provocador – gemeu ela. – Só depois que você chegar ao clímax. Ela cerrou os olhos. – Não sem você dentro de mim.

Ele riu. – Nesse caso, chegamos a um impasse. – Ele dobrou os joelhos e os girou para fora da cama, o tempo todo erguendo-a para que ela permanecesse no lugar. – Sabe que eu gosto de vencer – murmurou, voltando a levar a mãos aos seios dela. – Faço o que for preciso para vencer. Ele a ergueu de modo a poder beijá-la onde ela precisava dele. A língua mergulhou em Victoria, que gritou, a cabeça caindo para trás. – Liam. Ele voltou a lambê-la, antes de cerrar os lábios ao redor do clitóris e chupar. – Chegue lá, em cima de mim. As coxas dela tremeram, e ela cerrou os punhos sobre os próprios joelhos. Liam encheu as mãos com os seios dela. Victoria estava ofegante, sabendo que não havia modo de vencê-lo. – Se eu chegar lá... – Sim. Ele interrompeu o ritmo da língua apenas por um instante para responder. – Se... – Sim. Ele voltou a manipular os seios dela, em sincronia com as lambidas. – Eu... – Sim. – Ah... Sim! Ela estremeceu ante o orgasmo. Incontrolável. Maravilhoso. O gemido prolongado escapou por entre dentes cerrados. Um som satisfeito brotou da garganta dele, fazendo com que ondas de prazer continuassem a percorrer o corpo dela em intensas contrações. Ela suspirou, ofegante. – Por favor. Ele a soltou, e ela bateu a cabeça na parede, acabando por sentar-se ao lado dele. – Cuidado. Ele a puxou para si, posicionando-a debaixo dele, mas a droga da cama era pequena demais. Por fim, desistiram e rolaram para o chão. Victoria se sentia consumida por fogo, as pernas enganchadas ao redor do corpo dele, as mãos mergulhadas em seus cabelos curtos. Ele olhou para ela. Os olhos reluziram. Intensos. Focados. Desesperados. Victoria sentiu-se tomada de uma sensação de poder. – Agora – ordenou. Na mesma hora, ele arremeteu para dentro dela, a estocada tão profunda que chegou quase a doer. E foi tão inacreditavelmente bom que ela quis mais. Arqueou-se. Ele recuou e voltou a arremeter. Repetidamente. Ela gemeu, absorvendo o impacto de cada estocada poderosa. – Tudo bem? – perguntou ele com agonia. – Não pare – implorou ela, agarrando-lhe as nádegas e apertando, puxando-o para si. – Mais... Ele retomou o ritmo perfeito. Ela o envolveu com os membros e simplesmente se segurou. Não conseguia conter os gemidos guturais.

– Liam! – gritou, ao ser arremessada nas intensas ondas de prazer, as unhas fincando-se nos ombros dele, os calcanhares nas costas. Ele rugiu. Seu corpo estremeceu, as mãos apertaram-na com vontade, enquanto ele gritava por causa do violento alívio de sua tensão. Após um longo instante, ele ergueu a cabeça. – Não durma! Em resposta, ela apertou os membros ao redor do corpo dele, impedindo-o de sair de cima dela. Cada célula de seu corpo estava tão energizada que acreditava que jamais voltaria a dormir. Ele olhou para ela. – Está com fome? Relaxando, ela riu. – Não comeu no casamento? – Por mais engraçado que possa achar, não tive muita vontade de comer após ler o seu recado. Tenso demais. Não via a hora de dar o fora dali. A sinceridade fez com que o sorriso de Victoria se alargasse. – Bem, lamento desapontá-lo, mas a despensa está vazia. Ele ficou de pé e adiantou-se até a área que servia de cozinha do estúdio. – Isso é porque você não tem despensa. Tem só uma prateleira. Mas – ele virou-se e piscou para ela – ficaria espantada com o que posso criar com quase nada. – É mesmo? Ele assentiu. No final, Liam cozinhou um pouco de arroz com os poucos legumes que encontrou no fundo da geladeira. Também havia alguns biscoitos de amêndoas de sobremesa. Era uma refeição estranha para a uma e meia da madrugada. Mas Victoria não queria dormir. Não queria perder um minuto que fosse. Ao olhar para ele, perguntou-se quantas refeições improvisadas com poucos suprimentos ele já devia ter feito quando estava isolado do mundo. – Não se sente solitário, quando passa tanto tempo em alto-mar? – Não. Estou acostumado. – Mas quis participar daquele Natal em família. – Eu estava tentando ser um bom convidado. Ser útil. – Ele piscou para ela. – E queria ficar perto de você. Não foi apenas ela. Liam pegou a faixa do roupão dela e começou a enrolar e desenrolar a mão com ela. Agora que enchera o tanque, estava pronto para ter novamente cada centímetro de Victoria. Olhou para o relógio e sentiu uma onda de pânico. Uma noite não parecia tanto tempo assim. – O que está planejando fazer com isso? Escutando a excitação vibrando na pergunta nem tão inocente assim, ele sorriu. – Brincar com você. – Só se eu puder fazer o mesmo. – Claro. Depois de mim.

– Por que quer me amarrar? – Victoria perguntou, oferecendo os pulsos para ele amarrar na cabeceira da cama. Que ela confiasse tão implicitamente nele o encheu de satisfação. Enfim, estava se mostrando disposta a ser fisicamente íntima com ele. – Quero explorá-la sem distrações. – Queria acariciar cada curva, cada centímetro da pele dela. – É difícil manter o controle quando tem suas mãos sobre mim. Queria descobrir o corpo dela, todos os seus segredos. Entender do que é que ela gostava. Jamais quisera dar mais prazer a uma amante. E sua veia competitiva queria garantir que fosse o melhor que ela já tivera. – Quer dizer então que eu quase venci? – perguntou ela com um sorriso, quando ele se curvou sobre o seu corpo. Se fosse ser sincero, ela vencera tudo. – Tudo bem? – verificou ele novamente, alguns instantes mais tarde, quando enfim começou a mergulhar os dedos nela, o polegar massageando o ponto mais sensível, até deixá-la molhada, ardente. – Pode apostar que vou fazer isto com você – prometeu ela ofegantemente. – Em breve. Ele, mais uma vez, a estava levando ao clímax antes. Uma hora mais tarde, Liam permitiu que ela lhe amarrasse os pulsos. Ela sorriu para ele com tanta intenção maliciosa que ele no mesmo instante ficou duro novamente. Deslizou as mãos sobre ele, como se Liam fosse algo com que sempre tivesse querido brincar... e devorar. Curvou-se por sobre o corpo dele, beijando, acariciando cada centímetro dele, e, quando seu olhar se fixou na ereção, ele soube que estava em apuros. – Victoria. Parte de si queria tanto que ela o fizesse, mas também queria voltar para dentro dela. Contudo, no final das contas, a escolha não foi dele. Ela o chupou com tanta perícia que não houve como se conter. Victoria não o soltou depois. Zonzo, ergueu a cabeça com grande esforço, quando ela desceu da cama. – Victoria? Alguns instantes mais tarde, ela retornou. Tinha uma caneta-tinteiro nas mãos. – O que está fazendo? – Está lhe faltando algo que todos os marinheiros têm. Com cuidado, ela encostou a caneta no peito dele. – O que é isso? Ele estremeceu ante o contato. – Uma tatuagem. – Ela riu. – Um coração com “Mamãe” ou algo do gênero escrito nele. Ele estremeceu. – Bem, talvez não “Mamãe” – disse ela baixinho, erguendo a caneta de sobre ele. – Não teria problema – falou ele, fingindo tranquilidade. – Ela morreu quando era pequeno. – Sinto muito.

– Foi há muito tempo. A caneta voltou a fazer cócegas. – O seu pai encontrou outra pessoa? – Não. Era um homem duro. Um estivador. Trabalhava duro e bebia para valer. Para ser franco, o homem fedia. Não havia muito nele para atrair as mulheres, com a exceção das que ele pagava. – E o que você fazia? – Encontrava barcos e saía velejando neles, com a maior frequência que eu podia. Matava aula para velejar, até se tornar tão bom que as escolas o procuravam, oferecendo bolsas de estudos para que competisse por elas. Victoria desceu uma linha pela barriga dele, fazendo-o estremecer, e soprou, secando a tinta. – É melhor não descer mais com essa caneta – alertou ele. Ela riu novamente. – Não quer que eu pinte... – Não! Estava curioso para saber o que ela havia escrito. Subitamente, ela deixou a caneta de lado e o montou. – Solte-me. Precisava abraçá-la, segurar-lhe os seios. Ela inclinou-se para desfazer os nós. Ao recuar, girou os quadris, provocando-o, deixando-o duro e latejando de encontro ao seu ardor úmido. Arqueando-se, pôde se deliciar com o prazer estampado no rosto dela. Inspirou fundo, reprimindo a vontade de mergulhar dentro dela. Ainda não. Apoiou as mãos nas coxas dela, de modo a poder controlar o movimento. – Liam – sussurrou ela roucamente. Ele deslizou as mãos até as nádegas dela, oferecendo apoio quando arremeteu para cima, indo cada vez mais fundo, e cada vez mais rápido. Ela gritou, o prazer evidente nas breves exclamações desconexas e nos gemidos, quando as palavras não puderam mais ser formadas. Observou-a, a pele reluzindo, os mamilos rijos, os lábios fartos e vermelhos e os grandes olhos arregalados. Aquela era a Victoria que ele queria. A mesma que vislumbrara anos atrás. A sedutora mulher voraz, capaz de pegar o que queria. Não apenas para satisfazê-lo, mas para o seu próprio prazer. Capaz de dar e receber tanto. Uma mulher feita para amar. Era tremendamente satisfatório que ela estivesse recebendo prazer dele. Arqueou a coluna, estremecendo ao se dar conta do quanto queria lhe dar. Foi tomado de paixão quando um grito de êxtase irrompeu dos lábios dela. Viu-a estremecer ao curvar-se sobre ele, seu corpo tomado de convulsões, e ela o cobriu com a sua maciez quente. Ele a envolveu com os braços, agarrando-lhe os ombros com força, espremendo-a de encontro a si. No final das contas, descobriu que gostava da cama pequena. O único modo de caberem nela era se estivessem colados um no outro, ou lado a lado, ou um em cima do outro. No meio da madrugada, adormeceu daquele jeito. Ainda dentro dela.

CAPÍTULO 7

O SUOR manchara a tinta, as palavras que ela escrevera nele se transformando em borrões azuis nas peles de ambos. Liam estava postado no chuveiro, atrás de Victoria, que estava de olhos fechados, enquanto enxaguava o xampu dos cabelos. Enquanto ela fazia isso, ele esfregou a tinta com a palma da mão. Ainda podia ver o contorno da âncora que ela desenhara. Era tolice irritar-se com o tema naval tão comum. Ela não estava sugerindo nada com o símbolo. Não entanto, sentia-se preso graças ao que acontecera naquela noite. Liam não queria saber de vínculos permanentes. Nada que o ancorasse a qualquer lugar, e menos ainda a uma pessoa. Subitamente, uma mão com uma bucha afastou a sua do caminho e se pôs a esfregar a imagem. – Está tudo bem. Ele segurou-lhe o pulso, pouco à vontade que ela tivesse notado as suas tentativas de apagar a tatuagem. – É evidente que o está incomodando. Soltando-a diante da frieza do seu tom de voz, ele a fitou nos olhos. – Queremos coisas diferentes. – Nem tão diferentes assim. Sua carreira é tudo para você. A minha também é para mim. Mas elas não são compatíveis. Nós não somos compatíveis. Apenas fisicamente. Eram tão compatíveis nesse quesito. Contudo, não era o suficiente. – Já fiquei tempo demais. Uma noite fora tudo que ele oferecera. Tudo que poderia lhe oferecer. No entanto, ali estava, já na metade do dia. Não conseguira forças para se arrancar da cama, ou de perto do corpo dela. A segunda noite já estava se aproximando. – É. Detestava que ela concordasse com ele. Era idiotice sentir-se rejeitado novamente, como acontecera anos atrás. Afinal, fora nisso que insistira. Era a decisão certa. Queriam coisas diferentes. Mas não estava gostando daquela expressão distante no rosto dela. Aproximou-se sob a água corrente e a beijou, até Victoria relaxar de

encontro a ele. Até ela aceitá-lo uma última vez. Liam deixou o chuveiro primeiro, sentindo a necessidade de se recuperar sozinho, ressentindo o poder da atração que ela exercia sobre ele. Tinha de fugir. Victoria enrolou-se na toalha. Queria que ele fosse embora. Não havia nada que pudesse dizer ou fazer para fazê-lo mudar de ideia, e ela não queria tentar. Não queria um namorado relutante. Não queria um namorado. Ponto. Quando deixou o banheiro, ele já estava vestido, rondando a porta, pouco à vontade de um modo como ela jamais vira. – Está tudo bem, Liam – mentiu. Ele ajeitou o paletó. – Sabe, foi melhor do que eu jamais poderia ter imaginado. Ela desviou o olhar. – Mas não o suficiente para nenhum de nós dois. E ela fora uma tola. Enganara-se. Aquilo era mais do que apenas sexo. Muito mais. Contudo, apenas para ela. E não era o suficiente para mudar as coisas para ele. – Sinto muito – disse ele. Ela forçou um sorriso despreocupado. – Não precisa. Não queria que ele se sentisse mal, ou, pior ainda, sentisse pena dela. Tinha mais orgulho do que isso. Tivera o que não conseguira anos atrás. Estava terminado. Acabado. Era hora de seguir com a sua vida. Tinha uma nova prioridade. Estava no controle agora. As coisas eram como eram. Nada de ficar pensando: “e se?”. – Foi ótimo. Mas também era tudo que eu queria. Hora de você ir. Manteve o sorriso firme no rosto até a porta se fechar atrás dele. Só então suspirou dolorosamente. O apartamento subitamente parecia tão espaçoso sem ele ali. Raiva subitamente ocupou o vazio que ele deixara para trás. Victoria se recusava a mudar a sua vida por quem quer que fosse. Não iria mais se comportar dessa maneira. Nunca mais. Tinha o que queria. A sua independência. A força para fazer o que ela queria fazer. E ela queria aquilo. Iria adorar aquilo.

CAPÍTULO 8

O SOL do início da manhã entrou pela janela, o céu tão claro e brilhante como nos últimos dias. Liam rolou para o lado e cobriu a cabeça com o travesseiro. Por que não podia haver uma tempestade para desafiá-lo no barco? Tinha energia a ser gasta, adrenalina a ser utilizada. Com um rosnado, desceu da cama. Passou a mão pelo rosto. Jamais se sentira tão frustrado. Velejara por horas durante a última semana, mas nem mesmo uma maratona sobre as águas poderia aliviar a dor do seu coração. Nada parecia ser capaz de exauri-lo o suficiente para levá-lo a não pensar nela. E não era a ereção permanente que estava por trás de sua incessante agonia. Estava com saudades de mais do que apenas o corpo dela. Mais do que o que haviam compartilhado na cama naquelas poucas horas. A figura em tinta há muito havia desaparecido, mas parecia que a ponta daquela caneta havia sido envenenada, deixando para trás uma desagradável cicatriz invisível. Frustrado, brigou com a sua equipe enquanto treinava. Ela o levara a questionar tudo: o que estava fazendo, o que não estava fazendo, o que queria no futuro. Diabos, jamais pensara em um futuro tão distante. Sempre vivera para a próxima corrida, o próximo evento. Deliciando-se com a conquista, com o sucesso. Pensara que a sua vida fosse perfeita. Perfeita para o fracasso. Pois, menos de uma semana após tê-la de volta em sua vida, ali estava ele, ansiando por todas as coisas que jurara jamais querer. E o que doía mais é que ela não o queria. Ela não queria o seu estilo de vida. Não queria nada além do que compartilharam. Jamais soubera por que ela não o quisera. Sentira-se atraída por ele desde a primeira vez em que o vira. Assim como o próprio Liam se sentira por ela. Mas ela o rejeitara mais de uma vez. E agora, mesmo após terem compartilhado uma noite incrível, ela ainda o rejeitava. Isso o fazia arder por dentro, como se houvesse engolido um frasco de ácido. Ela não discutira, não lutara. Apenas concordara com civilidade. Liam interrompeu o enrolar da corda ao se dar conta de que Victoria sempre concordava.

Ela sempre fazia o que achava que a outra pessoa queria. Então, como ele poderia ter certeza de que aquela despedida era o que ela realmente queria? Sacudiu a cabeça ante a própria fantasia. Ela parecera determinada a interpretar o papel da mulher que coloca a carreira acima de tudo. Mas a ideia, a esperança, enraizou-se em sua cabeça. Será que ela apenas estivera facilitando as coisas para ele? Fazendo o que a outra pessoa queria, como sempre fizera? O coração bateu forte diante da ansiedade ridícula que brotou em seu íntimo. Iria enfartar se não chegasse ao fundo disso. E a a culpa era toda dele. Fora um idiota. Cego demais para enxergar o que estava bem na sua cara, assustado demais para admitir, mesmo para si próprio, do que realmente gostaria. Se tivesse lhes dado mais tempo, em vez de sair correndo... Deixou de lado a corda e pegou o celular no bolso. Não iria passar mais um dia que fosse evitando o maior desafio de sua vida. VICTORIA NÃO podia acreditar no aumento que tivera no volume de trabalho. Estava exatamente como queria, e se mantendo ocupada. Mas, naquele momento, era doloroso ser a escriba que registrava as cartas de amor dos outros. Mas também mantinha viva a sua esperança. Sobrevivera à traição, ao divórcio e ao isolamento. Também poderia sobreviver àquilo. Só que a ferida era mais profunda do que todas as outras. Não fora apenas a morte da antiga fantasia, fora a morte da incrível realidade de estar com ele. Fora muito melhor do que jamais sonhara que pudesse ser. E ela não estava apenas pensando no sexo. Rira com Liam, conversara com ele, sentira-se tão bem em sua companhia, tão inspirada. Era muito mais do que um relacionamento puramente sexual. Sentia-se atraída por ele em vários níveis diferentes. Liam trabalhava tão duro quanto ela. Era tão determinado quanto ela, e também gostava de ajudar os outros. Tinham tanto a compartilhar... Só que ele não queria. Liam não a queria. No início da noite, estava sentada na área externa de um café na parte mais chique da cidade, feliz por estar longe do ambiente opressivo do seu estúdio, e na companhia de um cliente em potencial. Um sujeito que queria fazer algo romântico para sua mulher. Uma série de pistas escritas que fariam parte de um elaborado pedido de casamento. Mulher de sorte. – Acha que ela vai gostar? – perguntou ele pela quinta vez. – Acho que ela vai amar. E será uma honra fazer isso por vocês. Ele sorriu. – Merci. Se ela disser sim, quem sabe não possa fazer os convites de casamento? Gosto do seu trabalho. – Obrigada. – É melhor eu ir, antes que ela comece a se perguntar onde eu estou. Ele ficou de pé, e Victoria também se levantou. Ao modo dos parisienses, ele deu a volta na mesa e curvou-se para lhe beijar a face. – Eu ligo para você. – Ficarei aguardando. Sorriu ao acompanhá-lo com o olhar descendo a rua.

– Victoria! Ela voltou-se e teve de segurar o encosto da cadeira em busca de apoio. Com uma expressão fria no olhar, Liam estava marchando em sua direção. Estava mais bronzeado do que de costume. Lindo. – Não demorou muito para tocar adiante a sua vida. Ele olhou na direção do sujeito que acabara de deixá-la. O sentido de suas palavras foi como um balde de água gelada na empolgação de um segundo atrás. – Não. – Foi tudo que ela conseguiu ambiguamente dizer. Um músculo no maxilar de Liam se retesou. – Não parece o seu tipo. – E quem é? Ele a fitou nos olhou. – Eu. Ela estava furiosa. O interesse dele era todo porque a vira com outro sujeito. – Tratava-se de negócios, Liam. O sujeito está prestes a pedir a namorada em casamento. – Ah. – Ele hesitou. – Sinto muito. Eu... – De qualquer modo, não tem o direito de falar nada sobre com quem eu me encontro, falo, ou durmo, caso eu assim queira – interrompeu Victoria. – Tivemos a nossa noite. Você foi embora. Acabou. – Você quis que eu fosse embora. – É. Não queria ninguém arruinando as perspectivas da sua carreira. Não queria alguém que não estaria presente na maior parte do tempo. Não queria alguém que não a amasse. Não novamente. Concordara em jamais voltar a vê-lo porque era o que ele queria. Ele não queria mais. Liam empalideceu. – Eu não fazia ideia de que fosse uma reunião de negócios. Eu pensei que... – Ele interrompeuse, visivelmente se recompondo. – Jamais vou querer colocar em risco o seu trabalho. Por isso mantive distância durante a semana do casamento. Eu sabia que tinha de se concentrar. Seu ofício é fascinante. Você é muito talentosa. Merece todo o sucesso. – Ele deu um passo para trás. – Eu jamais teria me colocado no seu caminho. Ao contrário de Oliver, que se ressentira dela. Que se mostrara competitivo. – Quer dizer que só falou alguma coisa porque achou que o outro sujeito estava flertando comigo? – Ficou ainda mais furiosa, pois a única hora em que recebia um pouco de atenção era quando havia outro em cena. – Sabe, Oliver só quis se casar comigo para impedir que eu encontrasse outro. Para proteger o seu investimento. No fundo, ele não a amara. Ele a quisera, é verdade, mas o mais importante para ele era certificar-se de que ninguém mais a teria. Os olhos de Liam se arregalaram, antes que ele franzisse a testa para valer. – Acha que eu possa ter sido esse outro? Que a minha presença de alguma forma o levou a tomar uma atitude?

Será que Oliver pressentira a atração entre ela e Liam? Tinha de ter pressentido. – Ele não planejara o pedido. O anel era herança de família. Estava no cofre da casa. – Mas você disse sim. – Porque era o que todo mundo esperava. Porque quis agradar todo mundo. Porque fui covarde. Liam inspirou fundo, antes de adiantar-se e tomá-la pelo braço, puxando-a para longe do café, até uma tranquila rua lateral. – Não fui falar com você porque coincidentemente a vi conversando com um sujeito qualquer. Eu não deveria estar em Paris. Acabo de abandonar o meu treinamento e dirigir por horas a fio para falar com você. Eu vim à sua procura. Não fora um encontro ao acaso? – Como é que sabia onde eu estaria? Houve um longo instante de silêncio, e Victoria surpreendeu-se ao ver Liam enrubescer. – Instalei um aplicativo no seu celular. Ela franziu a testa. – Que tipo de aplicativo? – Tenho um igual no meu aparelho... Nossos celulares podem localizar um ao outro. Vem com um mapa. – Você colocou um rastreador no meu telefone? Isso é coisa de perseguidor profissional. – É. – Ele ficou a fitar o horizonte, antes de voltar o olhar novamente para ela. – Eu não queria voltar a perdê-la. Victoria sentiu o coração disparar. Não, não podia ser. – Liam, sei que teve de competir contra tudo e contra todos para chegar aonde chegou. Mas não sou um desafio. E me recuso a ser um prêmio. Não queria ser um bem novamente, alguém para aparecer bem na foto e para dar apoio, e não uma pessoa com seus próprios direitos. Queria ser valorizada por suas próprias qualidades. Queria ser desejada, apoiada nas suas próprias empreitadas, e não apenas oferecer apoio. Não queria ser apenas um osso disputado por dois cães. – É assim que acha que eu a vejo? Que eu a trato? E o que sou para você? Uma boa transa do passado? Não sou bom o bastante para você? – Como ousa? Foi você quem disse que só poderíamos ter uma noite. Foi você quem disse que não seria capaz de abrir mão do seu estilo de vida por nenhuma mulher. – É mais fácil evitar envolvimentos emocionais, quando é apenas uma noite. – Bem, pois não poderíamos ter qualquer envolvimento emocional, poderíamos? – retrucou ela com sarcasmo. Pelo retorcer dos lábios e o brilho nos olhos, ela pôde perceber que isso quase o fizera rir. – Quanto menos expectativas, melhor. Não quero magoar ninguém. – Quanta consideração de sua parte. – Gosto de pensar que sim. – Mas eu diria que é porque não quer ser magoado. – Não. – Não, não quer ser magoado? Ou não, estou errada?

– Está errada. – Já estive errada sobre muitas coisas, mas não estou errada no tocante a isso. – Ela pigarreou. – Você tem medo de intimidade. Ele riu. – Não estou falando de sexo. – Victoria suspirou. – IN-TI-MI-DA-DE. Deixar outra pessoa entrar na sua vida. Confiar em alguém. Ter a coragem para depender de alguém. E a história de trabalho é só a desculpa que você dá. Chegou até a admitir isso uma vez. E a razão é porque tem medo. Mas não me venha com desculpas. Não volte para me incomodar. Não faça isso comigo. – Eu a incomodo? É claro que incomodava. Ela o odiava por isso. Por não a amar do modo como ela queria. Mas poderia aceitar e superar isso, contanto que ele ficasse longe. – Sempre fui apenas outro prêmio para você conquistar. E, após a vitória, você não quer mais... – Você nunca foi um prêmio para mim – gritou ele subitamente. – Sempre foi... – Liam interrompeu-se, fechando os olhos. – Perfeita. – Ele voltou a abrir os olhos, fitando-a com uma expressão séria. – Era a mulher mais linda que eu já vira. E a mais sexy. E o modo como olhou para mim? E, então, pude realmente vê-la, pude ver a pessoa que é. O modo como fazia tudo para todo mundo. Era tão adorável. Ainda é. Não um prêmio, mas a coisa mais preciosa do mundo. E, sim, é de dar medo... Pois basta você olhar para mim para enxergar a minha alma. Sempre foi importante para mim. Ele afastou-se um pouco dela, antes de girar nos calcanhares. – Jamais quis ligar para o que as pessoas pensassem sobre mim e de onde eu vim. Tenho orgulho de como conquistei o meu sucesso. Mas eu sabia que não me encaixava. E então conheci Oliver, e ele não ligou para o meu passado. Nada de olhares e nem comentários. Isso vindo de um sujeito de origens tão privilegiadas... Ele me convidou para ir à casa dele, para o primeiro Natal de verdade que eu já tive. Com neve e tudo. E havia um anjo lá, um anjo de olhos verdes e cabelo louro. Doce e generosa. E quando ela olhou para mim? Não foi desaprovação e nem desconfiança que eu vi. Foi desejo. Puro desejo. Eu a queria. Queria tudo que ela tinha para dar. Como eu jamais quis de nenhuma outra pessoa. Victoria sentiu o coração apertar-se. – Você a queria, ou queria o que ela representava? Família. Natal. Tudo que nunca tivera? – Eu a queria. E abri mão de tudo que encontrei, inclusive da amizade com Oliver, para tentar tê-la. – Não, não tentou. Não tomou o que poderia ter tomado. Você mesmo admitiu. Não me seduziu. Tudo que fez foi fazer uma pergunta que eu tive medo de responder com sinceridade. – Ela sacudiu a cabeça. – Eu tinha de ser perfeita – disse com tristeza. – Achei que fosse perder tudo, e, no final das contas, perdi tudo de qualquer jeito. – Ela suspirou. – De modo que não sou o que achou que eu fosse. Não sou um anjo e nem a perfeição para ser colocada em um pedestal. Cometo erros. Posso ser cruel quando quero. – Sei disso. Conheço você. E isso só me faz desejá-la ainda mais. Victoria inspirou tremulamente. – Outras mulheres quiseram você.

– É, mas você era diferente. Era genuína. Havia uma suavidade em você. Era tão empática. Estava em sintonia com as necessidades das pessoas. Liga para os sentimentos alheios. Quer que todo mundo seja feliz. – É fraqueza. Eu adiei coisas que eu queria por receio do que os outros poderiam pensar. Você não tem medo. Não liga para a opinião alheia. – Eu tenho muito medo. E ligo sim. Em ambos os casos, quando se trata de você. – Isso não tem como dar certo – sussurrou ela. – Você mesmo disse que relacionamentos não combinam com o seu estilo de vida. E não pode mudar, não pode parar de fazer algo que adora por minha causa. Eu não suportaria conviver com isso. – Não vou parar. Vou ajustar. Quero montar uma escola de velejar. Quero me assentar. Se eu estiver com você. Mas não quero tolhê-la. Sei que não fez muitas coisas por causa dos seus pais, e do que houve com sua irmã, e por causa de Oliver. Não quero que faça isso por mim. Mas, Victoria, eu amo você. Sempre amei. Já me vi em situações delicadas antes... Podemos encontrar uma solução para isso. Mas tem de me dizer o que você quer. Não diga o que acha que eu quero escutar. Seja sincera. Se quiser que eu vá embora, eu vou embora. Se quiser que eu fique, eu fico. O que você quiser. – Eu quero trabalhar. – Ela piscou os olhos, contendo as lágrimas. Não podia abrir mão do trabalho. Precisava do estímulo, da segurança. Contudo, também precisava de amor. – E quero estar com você. Quero você. Também o amo. Os braços de Liam a envolveram, puxando-a para si. Quando os lábios se tocaram, as lágrimas de Victoria fluíram. A mais incrível sensação de alívio apossou-se dela. Alívio e também incredulidade. – Entendo que não queira se mudar. Tenho dinheiro. Podemos arrumar um apartamento com uma bela vista do rio. Ela riu. – Prefiro um apartamento com vista para o mar. Ele franziu a testa. – E quanto ao seu trabalho? – Tudo que preciso é de uma área de trabalho com boa iluminação, uma conexão de internet e uma agência dos correios próxima. – Ela olhou para ele. – Também não quero perdê-lo novamente. – Jamais perderá. Victoria colou-se a ele, permitindo que Liam lhe acariciasse as costas e plantasse beijos suaves no topo de sua cabeça. – Levou um bom tempo para chegarmos aqui – disse ele baixinho. – Não tenho arrependimentos. Não sou a garota que eu era quando me conheceu. Na época, eu não teria sabido como lidar com você. – Ergueu a cabeça para fitá-lo nos olhos. – Na ocasião, não éramos certos um para o outro. – Mas concorda que somos agora? – Ele a apertou de encontro a si. – Não vou deixá-la escapulir novamente. Nunca. – Tem certeza? – Não duvide. – Ele sacudiu a cabeça. – Você sempre teve algo de especial. Você me faz querer tudo.

Ele a beijou. Tensão divina acumulou-se entre eles, uma tortura deliciosa. Livre de incertezas. Nada fora esquecido, contudo nada era proibido, nem escondido. O desejo glorioso foi se intensificando à medida que pura felicidade tomava conta dela. Ela o amava, e ele a amava. – Precisamos de um quarto. Agora. – Ele gemeu, praguejando baixinho. – Eu a quero tanto que mal consigo respirar. Ela riu. – Não pare de respirar. Freneticamente, ele enterrou a mão no bolso. – Tenho um aplicativo no celular. – Outro? – Um localizador de hotéis. Vou procurar o mais próximo. – Liam – disse ela, rindo. – Estamos encostados na parede externa de um hotel. – Estamos? – Ele olhou para cima, e notou a bandeira pendurada no canto do prédio. – Graças a Deus. Ele tomou a mão dela, mas foi Victoria quem tomou a liderança. – Juntos. Ela virou-se e sorriu para ele. Ele parou, puxando-a para que ela também parasse. Em seguida, Liam plantou um beijo nos lábios de Victoria e sussurrou: – Finalmente, e por toda a eternidade.

CAPÍTULO 1

– NÃO, NÃO, não. Vivi Grace sacudiu a cabeça para a mulher dona de cada minuto de sua existência. – Que pena – rosnou Gianetta. – Sem opção. Ela está dando um dos seus piores chiliques. Era verdade. A cena atual podia ser escutada a três ruas de distância, e Vivi estava apenas a poucos metros do ponto de impacto, seus ouvidos praticamente sangrando. Reprimindo uma risadinha impotente, ela abriu o fecho do sutiã e o puxou pelas mangas da blusa. – As coisas que faço por você. E pela peste mimada que era a cruz da sua existência. – Ganha muito bem para fazê-las. Gia pegou o sutiã e deslizou para fora do aposento. Vivi a acompanhou com o olhar. Por mais impossível que fosse, Gia era ainda mais fascinante e singular do que as suas criações de milhões de dólares. Mas o que ela dissera era verdade, e Vivi não só precisava do dinheiro como estava disposta a dominar cada aspecto desse serviço. Apesar de às vezes ser completamente insano, adorava o seu trabalho. E, considerando as suas relativas juventude e inexperiência, sentia-se compelida a provar-se. Tinha de ser mais do que brilhante, em tempo integral. De modo que, se a peste queria usar o sutiã de Vivi, ela usaria o sutiã de Vivi. Apesar de ser uma das coisas mais humilhantes que Vivi tivera de fazer nos últimos quatro anos, no fundo, não era nenhuma surpresa. Hoje à noite, Alannah Dixon, a supermodelo, usaria a última criação de Gianetta Forli, a rainha da moda, e a patroa de Vivi. E nada poderia dar errado. Quando Gia passou o sutiã para Alannah, Vivi não se conteve em declarar o óbvio. – Vai precisar de alguns ajustes. Sou mais larga que você. – A questão é que você é mais farta – murmurou Gia, já pegando a agulha. – O vestido precisa de seios. Se era assim, por que Gia o desenhara para seios quando sabia que seria a reta como uma tábua Alannah que o usaria? – Tem enchimento? – Bastante. – Gia rosnou. – Você perdeu peso, Alannah?

– Não deu para evitar. Não consegui comer na semana passada. Vivi revirou os olhos. Fora um homem. Alannah perdera o coração e o apetite. Ela era mestra em apaixonar-se por ilusões, apenas para ser invariavelmente desapontada pela realidade. Como resultado, tinha fama de ser difícil de agradar. Alannah, a Inacessível. Contudo, pensando bem, poderiam dizer o mesmo de Vivi. Ela nunca se envolvia com ninguém, ainda mais durante a Semana da Moda de Milão. E também não comera muito durante os últimos dias, de tão tensa e ocupada que estivera. Como assistente pessoal de Gia, tinha um bocado de autoridade e responsabilidades. Se alguém queria impressionar Gia, ou até mesmo falar com ela, primeiro teria de passar por Vivi. Sem sutiã e sentindo como se tudo estivesse quicando no interior da blusa, ela deixou a área do vestiário, mentalmente se preparando para o que viria depois do desfile. Naquele instante, os poderosos do ramo se acomodavam na primeira fila. Rapidamente verificando o monitor mais próximo, Vivi viu que as modelos já estavam usando as roupas de gala. Faltava pouco para Alannah subir na passarela com o sutiã de Vivi. Ela voltou para o vestiário particular, para se aprontar para a próxima fase. O monitor ali não capturava o áudio, mas ela podia escutar os aplausos através da parede, de qualquer jeito. Sorriu para a tela ao ver Gia aparecer na passarela ao lado de Alannah, regozijando-se com a adulação. Vivi frequentemente tinha dificuldade em acreditar na sorte que tivera em arrumar um trabalho com Gia, e de ter sido promovida para uma posição tão cobiçada. Centenas matariam, ou fariam ainda pior, para ter o seu emprego. Ela conhecia pessoas fantásticas e frequentava lugares incríveis. Contudo, escutando os aplausos enfraquecendo, ela sentou-se no sofá de couro, mais do que um pouco cansada. A sua exaustão pós-desfile não demoraria a bater. – Vivi! – O som estridente da voz de Gia ecoou corredor abaixo. – Preciso de você. Claro que precisava. Vivi inspirou profundamente. Gia sempre precisava dela para as coisas mais básicas. Ser a secretária de um gênio criativo não era nada fácil. Outras vozes se aproximavam. A risada de Alannah foi acompanhada de uma retumbante gargalhada masculina. Grande. Convidados também? – Precisamos de drinques, Vivi! – Alannah informou. – Encontrei um amigo. É claro. Vivi sacudiu a cabeça. Ela completou algumas taças em uma bandeja próxima. A porta abriu-se. – Champanha? Com as taças na mão, virou-se para oferecer uma para o flerte de última hora da modelo... e quase desmaiou de choque. Ah, não. Definitivamente, não, não, não. Paralisada, ficou a fitar a figura que entrara logo atrás de Alannah. – Obrigada. Alannah arrancou uma das taças dos dedos retesados de Vivi. Ela não respondeu. Não conseguiu. – Esta é Vivi. Ela faz de tudo. Passando direto por ela, e conseguindo, ao mesmo tempo, elogiar e insultá-la, Alannah não se deu ao trabalho de dizer para Vivi o nome do seu acompanhante. Mas Vivi não precisava que

Alannah lhe dissesse quem ele era. Liam Wilson. Seu amante de muito tempo atrás, de quem ela dera duro para esquecer. No entanto, mais rápido do que as bolhas do champanha estouravam, cada lembrança, cada sensação e cada suspiro retornaram com toda força. Em um impulso inconsequente e apaixonado, haviam fugido juntos. Ela dera as costas a tudo. À família, ao seu quase noivo, ao futuro cuidadosamente planejado. E em troca do quê? Seu romance com Liam Wilson mudara o rumo de sua vida. Em grande parte, para melhor, não é? Contudo, também trouxera sofrimento. Ele partira o seu coração. – Com licença, um minuto – ronronou Alannah, seguindo para trás de um biombo nos fundos do aposento. Gia também desapareceu atrás do biombo. Quer dizer que Liam era a última paixão de Alannah? Fazia sentido, haja vista que Liam adorava um desafio. E não tinha problema, considerando que há muito Vivi o superara. Há anos que não pensava nele. Contudo, agora, ele estava postado bem diante dela, um sorriso lentamente lhe curvando os lábios. Vivi lembrava-se daquele sorriso, que ainda tinha o mesmo efeito de cinco anos atrás, fazendo o seu coração bater em um ritmo mais acelerado. Ela virou-se e fitou a taça em sua mão, tentada a esvaziá-la em um um gole só. E em seguida o restante da garrafa. Mas não estava disposta a revelar para ele como a sua presença mexera com ela. Não quando ele estava ali atrás de outra pessoa. Não quando estava com uma aparência tão... boa. Ela virou-se e lhe ofereceu a taça. – Champanha? – repetiu, satisfeita porque a sua voz pareceu quase normal. Ele ainda a estava fitando, e o seu sorriso se alargou. – Obrigado. As pontas dos dedos dele roçaram nos dela quando ele pegou a taça. Ela reprimiu um arrepio e virou-se para servir-se uma taça. Deu um gole, pequeno e controlado. Inspirou fundo, mas a garganta estava completamente seca, como se o líquido que acabara de beber houvesse se evaporado. Provavelmente fora o que acontecera, levando em conta o ardor que se apossara dela. Tão quente. Seria rudeza não olhar para ele, não é? Não falar com ele. Engolindo em seco, voltou a fitá-lo. Era alto, moreno e mais bonito do que qualquer um dos sujeitos que desfilaram nas passarelas do evento durante toda a semana. Liam Wilson irradiava mais masculinidade do que todos eles juntos. Era puro músculo e determinação. Estava ligeiramente mais magro do que da última vez em que ela o vira, e o cabelo podia estar um pouco mais comprido, mas a sua sagacidade ainda era visível nos olhos castanhos salpicados de dourado. Mais do que inteligente, ele sempre fora calculista. E, no final das contas, implacável. Sem dúvida, ainda devia ser. O Sr. Tudo ou Nada. Ele a seduzira, a reivindicara por completo. E depois a dispensara. Tudo bem. Ela seguira em frente, chegando mais longe do que jamais poderia ter imaginado. De modo que tinha o seu orgulho, não é? Uma boa defesa. Diria que o rubor nas faces se devia ao fato

de estar trabalhando tão duro. – Fique parada – ordenou Gia, mais alto do que o barulho das tesouras que estava usando para tirar Alannah de dentro do vestido. Nem Liam e nem Vivi se moveram. – Gostou do desfile? – perguntou ela por fim. – Foi estonteante. Como fora que Alannah o conhecera? Vivi não fazia ideia do que ele estava fazendo. Cinco anos atrás, competia no circuito de embarcações a velas, ao mesmo tempo que ensinava tipos ricos como Oliver, fazendo a sua reputação. Alannah não parecia ser do tipo que queria aprender a velejar. Contudo, Liam tinha outros talentos. E, levando em conta a qualidade do tecido do seu terno, era evidente que era bom no que fazia. Sentindo-se prestes a incendiar, Vivi desviou o olhar de cima dele, dando-se conta de que, sob a blusa branca, seus seios estavam livres, e, naquele instante, enrijecendo-se, apontando para ele. Corpo idiota. Mas ele se lembrava. Tivera o sexo mais ardente da sua vida com aquele sujeito. Paixão incandescente, recheada de culpa. Três semanas incendiando cama após cama, mas emergindo dos quartos para respirar e seguir adiante com as viagens. Intenso. Insano. Insustentável. Porque deveria ter sido proibido. Sabia que havia quebrado as regras. A dúvida tomara conta de seu coração. No final, o velho clichê provara estar certo: luxúria não era o suficiente. Não era uma boa fundação para construir algo sólido, embora houvesse lhe dado tudo. Houvesse desistido de tudo por ele. Mas tudo que ele quisera fora... – Não se mexa tanto. Vai arruiná-lo. As palavras de Gia ecoaram pelo aposento, trazendo-a de volta ao presente. – O trabalho de Gia é fantástico. Ela sorriu, determinada a preencher os instantes até que as outras mulheres se juntassem a eles. – É, ela é fantástica. – As modelos também, é claro. – Sem dúvida. Quer dizer que atende por Vivi, agora? – É. Ela ergueu o queixo. Fora necessário muito tempo e esforço para ela se tornar Vivi, e tinha orgulho do que conquistara. Ele inclinou a cabeça, fitando-a com uma intensidade que a deixou pouco à vontade. – Para mim, será sempre Victoria. Ela ficou paralisada ante o flerte. – É claro que nunca conseguiria fazer algo que eu prefira. Sempre fez apenas a própria vontade. Disfarçou a alfinetada com um sorriso forçado. Ele continuou sorrindo, os olhos brilhando. – Bem, ainda sou Liam, caso tenha esquecido o meu nome.

Como se isso fosse possível. Como se ela pudesse lhe esquecer o rosto, a boca, as mãos, o corpo e o modo como ele o usava... Piscando os olhos, interrompeu os pensamentos. Isso era passado. Tinha autocontrole agora. Crescera. Amadurecera. Não era a idiota de antes. Deveria fugir dali. Não podia se perder novamente. Só que não era mais uma covarde. Era a eficiente assistente muito bem paga e altamente valorizada de um dos maiores talentos da moda do mundo. Não ia permitir que ele lhe causasse problemas em um momento tão importante. Mas com certeza se sentiria melhor se estivesse com o seu sutiã. – Já faz um bocado de tempo. Ele voltou a puxar conversa com outro sorriso irresistível. Muito bem, quer dizer que era assim que ele iria querer fazer as coisas. De modo vago, como se fossem antigos conhecidos. – Suponho que sim – concordou ela. – Você está diferente. E, no entanto, ainda a mesma. Continua linda – Liam apressou-se em acrescentar. Ah, diabos, não ia permitir que ele a seduzisse com lisonjas, ainda mais quando sabia que eram da boca para fora. Independentemente de como ele pudesse parecer sincero, não havia emoções genuínas por trás de suas palavras. – Já você, parece tão voraz como sempre. – Ela deliberadamente olhou para o biombo atrás do qual Alannah estava se trocando. – Ainda adora um bom desafio, uma conquista? Ele riu. – É possível. Quer dizer que você trabalha para Gia? – É. Tenho muita sorte. Trabalhando com modelos nos últimos anos, Vivi aprendera algumas coisas, como sorrir com naturalidade independentemente de como estivesse se sentindo por dentro. Naquele instante, Gia apareceu com a tesoura na mão. – Conte-me os seus planos – disse para Liam. Vivi aproveitou a oportunidade para seguir para trás do biombo, onde Alannah estava acabando de colocar um minivestido que mais parecia uma camiseta. Também estava sem sutiã. – Parece ser o look da noite – disse a modelo, piscando para ela. – Onde está o meu sutiã? – Vivi sussurrou agressivamente. – Aquela coisa feia era um sutiã? – Alannah respondeu dolorosamente alto. – Não faço ideia. – Ela saiu de trás do biombo. – Tenho de retocar a maquiagem. Não demoro. Vivi ficou escondida, procurando o sutiã, não tendo como deixar de notar os sussurros trocados entre Liam e Gia. Como será que haviam se conhecido? Ele devia estar ali por Alannah. Devia ser o mais recente amor de sua vida. Vivi até torcia para que o padrão da “Inacessível” se repetisse, e ela o devorasse e depois o descartasse. Por fim, encontrou os restos do sutiã no chão. Ao contrário do vestido, nenhum esforço fora feito para poupar a peça do corte da tesoura afiada.

Não teria escolha senão voltar para encará-lo com os faróis altos em plena liberdade. Empertigando-se, saiu de trás do biombo. – Vivi, vamos. Gia franziu o cenho. Não tinha a menor intenção de ir a lugar nenhum com eles. Graças a Deus, ainda tinha trabalho a fazer. – Gia, não posso acompanhá-la. Preciso supervisionar a... – Outra pessoa pode fazê-lo. Ah, ela só podia estar brincando. Contudo, sabia que a mulher podia ser notoriamente difícil quando consumida por sua mais recente ideia. E a inspiração parecia ter dado as caras nos últimos dez segundos. – Tudo bem, mas preciso passar no hotel para... – Não há tempo para isso. Preciso de você comigo agora. Não havia como confundir aquele tom imperioso. Vivi estava acostumada, mas ele ainda chocava outras pessoas. Inspirou fundo. Agora teria de ir à festa após o desfile, com as roupas com que passara o dia todo usando, e sem metade da roupa de baixo. Isso sem falar na presença do antigo amante que jamais superara direito. Justamente o tipo de sujeito que uma mulher quer estar com a melhor aparência possível quando reencontra. Um bando de paparazzi rodeava a limusine. Vivi colocou a pose de secretária eficiente e, apertando a bolsa de encontro ao peito, agiu como guarda-costas de Alannah. Liam também se adiantara às duas estrelas e estava agora segurando a porta aberta do veículo para elas, dando a impressão de ser um guarda-costas muito mais eficiente do que Vivi, que vinha na retaguarda. Com um olhar claramente divertido, fitou-lhe a bolsa, como se soubesse exatamente o que ela estava realmente tentando esconder. Vivi entrou na limusine, dolorosamente ciente de que ele tivera uma visão primorosa de seu traseiro, enquanto aguardava para entrar no veículo atrás dela. Ele sentou-se no banco do outro lado do dela, ao lado de Alannah. Quer dizer que teria a oportunidade de vê-lo conquistar a “Inacessível”? Nunca havia um saco de vômito por perto quando se precisava de um. Pois, onde todos os outros falharam, ele seria bem-sucedido. Afinal de contas, não era comum para Liam vencer onde ninguém mais conseguia? – O que há de tão especial nesse barco do qual estava falando? Gia retomou a conversa que estivera tendo com Liam, enquanto Vivi estivera caçando o sutiã atrás do biombo. – Tudo. Linhas elegantes. Fabricação luxuosa. Design simples. Você obtém conforto com um desempenho primoroso. A velocidade sobre a água é diferente de qualquer coisa na sua classe. Acho que vai gostar muito. Ele sempre falava com aquele sorriso na voz, com o tipo de autoconfiança que fazia todo mundo prestar atenção. Vivi podia ver que o seu estilo estava fazendo efeito em Gia. – Vai me levar para dar uma volta nele? – Alannah perguntou com uma das suas risadinhas coquete. – Eu adoraria.

Vivi sentiu-se tomada de calafrios. Sabia que Liam estava sentado bem perto dela, mas recusavase a olhar na direção dele. Em vez disso, ficou estudando o tecido liso da saia. Outrora, tivera a liberdade de tocá-lo quando bem entendesse. Mas não era apenas a possibilidade do toque que a estava deixando irrequieta. Ele estava também conseguindo atacar todos os seus sentidos... ainda mais com aquele perfume. Almiscarado, masculino. Delicioso. Outrora, o perfume de Liam fora o do mar e do sol, mesmo no meio do inverno. Agora, estava misturado com algo caro... e igualmente devastador. – Quero vê-lo – disse Gia. – Depois, conversaremos. Os músculos de Vivi gritaram de tensão. Liam e Gia estavam fazendo negócios? Mas era o trabalho de Vivi garantir que todos os sócios em potencial nos negócios fossem avaliados pelos conselheiros financeiros de Gia. Se tivesse sabido, poderia ter dado um fim naquilo de cara. Pois de modo algum iria querer trabalhar com Liam. – Estamos pensando em usar o barco novo de Liam para uma das nossas sessões de foto. – Gia tranquilamente confirmou as piores suposições de Vivi. – Providencie tudo, Vivi. Vivi olhou para ele, estremecendo ao dar de cara com os seus olhos atentos. Tinha uma expressão irritantemente divertida no rosto, como se desconfiasse do quanto ela não queria providenciar aquilo. Reuniu forças e assumiu o seu papel de assistente durona e eficiente. – É claro. – Sorriu. O que Gia queria, Vivi fazia. Era uma profissional, e não tinha o menor problema em trabalhar com alguém igualmente profissional. Calmamente navegaria naquelas águas com a própria secretária de Liam. – Sem dúvida deve ter uma assistente com quem eu possa fazer contato, Liam? – Aqui, não. – Ele deu de ombros. – Receio que vá ter de fazer contato diretamente comigo.

CAPÍTULO 2

O HOTEL extravagante em Milão tinha mais seguranças rondando os corredores do que revistas de moda tinham modelos. Havia áreas isoladas dentro de áreas isoladas. Divisórias protegiam os mais ricos e mais famosos dos apenas ricos e famosos. E no centro, no lugar mais sagrado e exclusivo, estava Liam Wilson. Ele não deixava isso lhe subir à cabeça. Estava ali apenas por causa do mistério, da reputação e dos benefícios mútuos. Porque a designer de moda mais cobiçada do mundo estava feliz em trabalhar com ele, e o seu bichinho de estimação, a supermodelo do momento, estava feliz em usálo. Também não tinha medo de usar os contatos para a sua vantagem, e não estava falando apenas no sentido profissional. Isso não eram apenas negócios. Era pessoal também. Queria se reconectar com Victoria Rutherford, a mulher que agora chamavam de Vivi Grace. Sabia que ela estaria em algum lugar nos bastidores do desfile daquela noite, mas, mesmo assim, revê-la o pegara completamente de surpresa. Tivera de se esforçar para não dar em cima dela, como fizera cinco anos atrás. Em menos de um segundo, se vira novamente à mercê daquela luxúria ardente e voraz. Droga. Cerrou os dentes. Não a achava mais atraente. Fora apenas o fato inesperado de encontrá-la sem sutiã, ainda mais naquele ambiente de sensualidade. Além do mais, há meses que estava solteiro, ou seja, faminto por sexo. Nos últimos meses vinha trabalhando muito, mas podia sentir o cheiro de sucesso no ar. Não faltavam desculpas para a sua excitação. Mas não pôde deixar de olhar para ela. Tinha as mesmas curvas lindas. Os seios fartos, a cintura fina, os quadris deliciosos. A camisa branca e a saia preta claramente deveriam passar aquela ideia de suprema eficiência, o estereótipo da bibliotecária frígida, mas estavam falhando miseravelmente. A saia à altura dos joelhos apenas enfatizava as pernas por baixo dela, e fazia um homem ter vontade de deslizá-la para cima, para encontrar as coxas que Liam já sabia que eram bem torneadas. Seu cabelo estava diferente. No lugar das compridas ondas louras estava um corte eficiente à altura do queixo. Muito francês. Ficava bem em Victoria, mas tão diferente do estilo que ela usara

anos atrás. Uma camada de sofisticação substituíra a doce inocência. Ela completara a mudança com o novo nome: Vivi. Contudo, nenhuma dessas mudanças apagara a imagem que tinha dela da sua cabeça, com Victoria nua e mal conseguindo respirar após o clímax. A mulher mais linda que já conhecera. E conhecera muitas ao longo dos últimos cinco anos. No entanto, nenhuma delas deixara a mesma impressão que ela. Nenhuma deixara a mesma irritação residual. Nenhuma levara a outro instante de loucura, como o que o trouxera ali. Liam tentou conter a energia que se acumulava em seu íntimo. Victoria Rutherford. Ardente demais para controlar. Ardente demais para durar. Por um instante, seus pensamentos foram ocupados por tantas lembranças tumultuadas que mal conseguiu falar. Parecia que havia apenas uma hora desde que se perdera na maciez quente da pele dela. Não tivera a intenção de ficar atraído tão rapidamente, após terem dado as costas a tudo. Mas ela o pegara de surpresa com a sua doçura e ele fora incapaz de resistir. Tomara o que ela oferecera. Estupidamente, tivera ainda mais ciúmes de Oliver. Ela o forçara a abrir-se, até ele jamais haver se sentido tão inseguro. Fizera perguntas idiotas e inseguras para ela, precisando saber que o que havia entre eles era melhor. Contudo, o que quer que os houvesse juntado acabou ruindo... mais uma vez, mais rápido do que poderia ter imaginado. Ela fora embora, e ele não apenas perdera o coração, mas tudo que conquistara. Contatos de negócios, trabalho, o seu mundo. Ela não fazia ideia do quanto lhe custara. Tivera de começar do zero, tendo de superar o ostracismo e a própria reputação. Traíra alguém que deveria ter sido como um irmão para ele. Contudo, Liam jamais tivera um irmão de verdade, ou uma família. E era assim que as coisas continuariam. Nada de amante a longo prazo. Com certeza, nada de casamento. A carreira vinha em primeiro lugar, e sempre viria. O que não queria dizer que não gostava de sexo. Sempre fora muito ativo nessa área. E, agora que tinha dinheiro e prestígio, ainda mais. O que lhe dava ainda mais razões para duvidar das motivações das mulheres. Porque, quando tinha apenas a si para oferecer, não fora bom o suficiente para ela. Victoria Rutherford o usara anos atrás, e ele passara o inferno por conta disso. Por ora, trataria do negócio da sessão de fotos com a designer de moda. Era um negócio da China, e a mulher esperta sabia disso. Poderia aguentar algumas reuniões com Victoria. Contudo, no momento, a curiosidade estava falando mais alto. Liam olhou para o canto, onde ela estava falando no celular. Era uma estratégia de defesa, um modo de afastar-se e não ter de interagir com ele. Que pena, pensou, começando a andar na direção dela. SENTINDO UM arrepio subir-lhe a espinha, Vivi virou-se e viu Liam aproximando-se. O modo confiante como ele a observava a fez sentir calafrios. Tinha certeza de que teria a atenção dela, e estava certo. Pelo que Gia lhe contara, quando enfim a encurralara em um canto com o seu drinque favorito, ao contrário dela, Liam não se escondera. Era o dono de uma empresa de construção de barcos de luxo sediada na costa da Itália. Pegara uma antiga empresa de família e a tirara do vermelho, tornando-a tão lucrativa que acabara tendo de rejeitar ofertas de empresas muito maiores, saindo sempre vitorioso. Tinha uma longa e disputada lista de espera pelos seus produtos.

Vivi sabia que, para ter conseguido tanto em tão pouco tempo, ele devia ter trabalhado praticamente em tempo integral, sem descanso. Mas ele devia ter uma equipe agora. – Tem certeza de que quer você mesmo organizar a sessão de fotos? – perguntou sorridentemente, no instante em que ele chegou perto dela. – Não prefere ter uma assistente discutindo os detalhes comigo? – A ideia de lidar diretamente comigo realmente a incomoda. – Claro que não. – Ela manteve o sorriso. – Apenas estou surpresa que tenha tempo a perder com algo insignificante como isso. Não foi muito sutil ao enfatizar “tempo a perder”, pois fora algo jogado na sua cara várias vezes em meio a acaloradas discussões dos últimos dias que passaram juntos. Não tenho tempo a perder com isto. Com você. – É um barco muito precioso, e ainda não foi revelado para ninguém – falou ele arrastadamente, sem tirar os olhos dela. – Até a exposição em Gênova, em algumas semanas, é a minha prioridade absoluta. – Não acha que é um pouco em cima da hora para conseguir fotos promocionais? Ele riu. – Já tenho fotos promocionais. Mas seria burrice deixar passar a oportunidade de trabalhar com a estilista mais famosa do mundo e com a sua modelo principal. – É, sempre foi bom em fazer uso das oportunidades que apareciam pelo seu caminho. – É um dom. E aproveito todas as oportunidades até conseguir o que eu quero. – E o que é que você quer? Domínio global? – Por que não? – É, por que não? Todo o dinheiro, as viagens... – Não se esqueça das mulheres. – Ah, como eu poderia esquecer as mulheres? Quer dizer que tem tudo que quer... fama, fortuna, asseclas bajuladores? – Asseclas? – Ele riu. – É o que você é? A raiva tomou conta dela, mas Vivi conseguiu controlá-la. – Não sou nenhuma assecla. Eu organizei esta festa, este circo de decadência. – É mesmo? O tom condescendente deu nos nervos dela. Tinha orgulho de quem se tornara, do que fazia. – Sem dúvida. Você sabe, no fundo, eu deveria agradecê-lo. – Ela empertigou-se. – Este trabalho, a minha vida, tudo porque eu caí fora. Abandoná-lo foi a melhor coisa que eu já fiz. Ela ergueu o queixo, enfatizando a bravata, disfarçando o medo. Houve um instante de silêncio. – Bem, meus parabéns. Algo no tom dele a alertou para ter cautela. – Quero que me encontre amanhã bem cedinho – falou ele. – Não é possível. – Por sorte tinha alguns dias de folga para tirar. – Tenho... – Gia me prometeu que você cuidaria de tudo, e que atenderia cada uma das minhas exigências.

Com uma expressão de inocência, ele deu de ombros. Vivi contou até cinco em sua cabeça. Não podia permitir que ele estragasse a sua reputação com Gia, como desconfiava que ele faria. – Contanto que cada uma das suas exigências seja profissional, tudo bem. Ela sorriu. Por Gia. – Acha que minhas exigências não vão ser profissionais? – Ele inclinou-se para murmurar. Ela inclinou a cabeça para trás. – Acho que, para você, o pessoal e o profissional se confundem. – O quê? Ele adiantou-se, e ela recuou, antes de pensar melhor e travar os joelhos. – Nada o interessa mais do que o profissional, e não tem o menor problema em usar o pessoal para chegar lá. Ela ignorou o conflito em seu íntimo. Fugir ou fornicar. Por mais grosseiro que pudesse ser, sempre foram as suas duas únicas opções em se tratando de Liam. Mas, hoje à noite, não faria nenhuma das duas coisas. Estava no controle. Amadurecera muito desde o tempo deles juntos. – Nesse caso, ainda bem que continua tão ansiosa para agradar. – Ele inclinou a cabeça, chegando tão perto dela que poderia beijá-la. – Que ironia que a garota que queria tanto a independência acabou por se tornar a maior das escravas. – Como disse? – Correndo atrás da sua patroa. Jamais dizendo não. Sem dúvida, uma escrava. Ah, mas quanta grosseria! O pior é que se sentira escravizada anos atrás, de tão apaixonada que estivera por ele. Fora um dos motivos de ter fugido. Ainda mais quando ele não correspondera à profundidade dos seus sentimentos. – Jamais serei a sua escrava. – Não? – Ele ergueu a mão, deslizando delicadamente as costas do dedo ao longo do maxilar cerrado dela, antes de recuar. – Sete e meia, amanhã de manhã. Meu hotel. LIAM FOI embora antes que fizesse algo realmente estúpido, como encostá-la na parede e beijá-la até não aguentar mais. Desde quando Victoria negava o que era tão óbvio entre eles? Jamais o fizera antes. E ele se vira incapaz de se impedir de chegar mais perto. Enquanto ela admitira tê-lo usado. Que o que houvera entre eles fora a melhor coisa que já lhe acontecera. Exatamente como suspeitara. Tudo que ela quisera fora fugir daquela pequena aldeia e da vida que os pais haviam mapeado para ela. Ele fora um motorista de táxi conveniente. E agora a “Sra. Independente” estava toda feliz? Pois bem, sentira a tensão sexual irradiando dela, e não ia permitir que Victoria negasse isso. Ela não iria repetir aquela história. A atração entre eles sempre fora insana, e ainda era. Os hormônios ainda eram alucinadamente poderosos, mas não incontroláveis. Pelo menos, não para ele. E provaria isso. Sorriu ao comer um canapé, mas era outro apetite que estava pretendendo saciar. Ele a provocaria, e, em menos de uma semana, teria Victoria Rutherford implorando por ele.

VIVI ESFORÇOU-SE para não olhar para ele do outro lado do salão, mas não teve como não o notar rindo com Alannah e com Gia, divertindo-se. Ela não era escrava de ninguém. Era uma funcionária merecidamente muito bem paga. Gia tinha sorte em tê-la. Mas estava cansada de ser discreta e ficar à margem de tudo. Pegou uma taça de champanha de uma bandeja que estava passando e adiantou-se. Iria participar e provar que seu lugar era ali, no coração daquela sociedade. Tomou um gole e escutou uma risada próxima. Virou-se para se deparar com Nico, um dos fotógrafos de Gia, observando-a. – Está tão estranha hoje à noite, Vivi – falou ele, aproximando-se. – Acha mesmo? Nico assentiu, percorrendo-a com o olhar. – Tem essa aura estranha rodeando-a. – Uma aura? – Muita energia. Sem dúvida há algo estranho no ar. – Nico parecia surpreso. – Você realmente parece diferente. Mais liberada. – Isso se deve à minha falta de sutiã – disparou ela à queima-roupa. – Alannah o usou no desfile, e, agora, está todo cortado. – No momento, Alannah parece estar interessada em outra de suas posses. Suas posses? Vivi acompanhou o olhar de Nico até onde Alannah escutava fascinada cada palavra que Liam dizia. – Ela pode fazer o que quiser com aquilo. – Vivi determinadamente virou-se de novo para Nico. – Ele não é meu. – Vivi, você se esquece de que meu trabalho é registrar expressões. Entendo cada emoção que pode ser vislumbrada no rosto de uma pessoa. Você é dona do cara. – Até parece. Você não entende de emoções. Lida com uma tela em branco e fornece a ilusão de emoções com maquiagem, poses e iluminação. – Vivi... – Nico levou a mão ao peito. – Você me ofende. – É verdade. E depois ainda melhora a fotografia no computador. – Ela sorriu provocadoramente. – Não é um fotógrafo. É um mágico de meia-tigela usando ilusões e truques para enganar os olhos. Nico riu com vontade. – Sem dúvida, uma aura incandescente. Só me pergunto o que, ou quem, a incendiou hoje à noite. – Eu já disse. É a falta de sutiã. – Quando desnudada, Victoria é uma pessoa completamente diferente – falou Liam, atrás dela. Vivi estremeceu e virou-se. – Victoria? – Nico voltou a rir. – Quem é essa mulher? Liam postou-se entre ela e Nico. – A mulher com quem eu quero conversar. Levantando as sobrancelhas, Nico ergueu a sua taça no ar e se retirou. – Mas quanta classe – censurou Victoria. – E se ele fosse o meu namorado?

– Teria ficado – retrucou Liam, como se fosse a coisa mais óbvia do mundo. – Mas é evidente que não é. Não com o modo como estava olhando para mim... – completou com um sorriso. E quem ali não estava olhando para Liam? Não era justo que ele fosse mais bonito do que todos os modelos no salão. – Sobre o que queria falar? – perguntou, tentando recuperar a lendária eficiência. – Tive outra ideia para a sessão de fotos. – Podemos discutir na reunião que marcou para amanhã cedo. Mas ele a segurou pelo pulso quando ela se virou. – Não me diga que já encerrou o expediente por hoje? Dizem as más línguas que você nunca para de trabalhar. Mas – ele inclinou-se mais para perto – terei prazer em partir para o pessoal, se preferir. Vivi torcia para que ele não pudesse sentir a sua pulsação frenética. Ela revirou os olhos. – Está vendo? Certas coisas jamais mudam. – Tipo? – A pele de um leopardo... – Hummm. – Ele assentiu. – As leis da física também não, não é? Atração magnética. Vivi sorriu docemente. – E, não podemos esquecer, repulsão. Ele riu de forma contagiante e a soltou. Mas ela não se afastou. Não queria fazê-lo, pois havia algo em Liam que a atraía... A sensualidade, é claro. Mas ele também era tão divertido. – Você conseguiu ficar ainda mais arrogante. Ela sacudiu a cabeça. – Eu não era arrogante – negou ele com ar de inocência. – Era um jovem inexperiente vivendo a sua primeira paixão. – Primeira? – A primeira que contava. Ela ergueu as sobrancelhas. – Alguma delas contou? – Você mudou – comentou ele. – Agora, tem uma resposta para tudo. Tinha mesmo. – Bem, estou cinco anos mais velha. – Mais sábia. Mais experiente. E me dói salientar como a sua vida é perfeita agora. – Sem dúvida. Porque era mesmo. E queria que ele soubesse disso. – Sempre pode ficar melhor. Um ajuste aqui e ali – sussurrou ele. De que tipo de ajustes estava falando, com tanta malícia? – Está flertando comigo. Ele ergueu as mãos, as palmas viradas para ela, dando ligeiramente de ombros. – Algum problema com isso? – Temos uma relação de negócios.

– Que ênfase todo em limites é esse? Cinco anos atrás, não teve problemas em ignorar outros tipos de relacionamentos. Golpe baixo. – Pode flertar o quanto quiser, mas não vou entrar na brincadeira. – Não? – Ele riu. – É um desafio? Não se lembra de como acho difícil resistir a esse tipo de coisa? Ela engoliu em seco. – Está dizendo que não mudou? Não está mais velho, mais experiente e nem mais sábio? – Duas em três não é tão ruim assim. – É fácil adivinhar quais são as duas. Ele sorriu. – Mal posso esperar para colocar mais assunto em dia na nossa reunião, amanhã. Vê-la logo de manhã cedo sempre foi um prazer. Ela reprimiu um arrepio, mas não havia como negar que a atração estava ali. A química. Houve um instante em que simplesmente ficou postada diante dele, o olhar fixo no dele, os pensamentos caóticos. Depois, graças a Deus, ele deu um passo para trás. Ela o observou afastar-se, antes de fechar os olhos, e virar-se para olhar em outra direção. Surpreendeu-se ao ver Alannah, quase boquiaberta, postada ao seu lado. – O que fez para conseguir que ele olhasse para você dessa maneira? Por um instante, Vivi teve receio de que a modelo diva fosse dar um faniquito. Mas deu-se conta de que Alannah estava genuinamente assombrada. Vivi sorriu. Era tão absurdo assim um homem achá-la atraente? Bem, era verdade que era a primeira vez que um homem olhava para ela quando Alannah estava por perto. – Eu o amarrei e lhe dei umas chibatadas – brincou. Alannah arregalou os olhos. – Ele é do tipo submisso? A simples ideia de Liam ser submisso a qualquer pessoa era hilária. – Hã... – Eu entendo agora – disse Alannah, assentindo. – Você é dominadora. – Ela chegou a se abanar. – Sabe, eu também posso ser submissa. Adoro quando um amante me faz implorar. – Hã...? Ela estava falando sério? Alannah chegou a se curvar de tanto rir. – Você tinha de ver a sua cara. Vivi gemeu. – Peste. – Mas foi boa. Não quer me dar umas chicotadas? – Vá embora. Eu estava brincando. – Sei não. Mas sinceramente, Vivi, você deveria descer do salto alto e fazer o que ele quiser. Deixe-o tomar as rédeas... e o chicote. Ela piscou e foi embora rebolando. Já tentara isso uma vez, e não dera certo.

De volta ao seu quarto de hotel, sentou-se na escrivaninha para colocar em dia a agenda de Gia. Só que Liam não lhe saía da cabeça. Droga. Há anos que não pensava nele. Fizera um trabalho brilhante em treinar o cérebro para não pensar em homens. Naquele momento, só queria saber de trabalhar. Não precisava de um amante, e estava a décadas de distância de casamento e filhos. Pois aprendera que o que ela queria não importava em uma relação. Sempre viria em segundo lugar. Sempre teria de fazer os sacrifícios em favor das necessidades dele. Fora assim com Oliver. Liam deveria ter sido diferente, mas acabou provando ser ainda pior, de modo que ainda demoraria muito tempo até que estivesse pronta para aventurar-se para esse lado, ainda mais com a carreira maravilhosa que tinha diante de si. Teria a reunião, acertaria a sessão de fotos e provaria que era a profissional que sabia ser. Contudo, assim que subiu na cama e desligou a luz, teve de insistir severamente para não se lembrar. Não se lembraria.

CAPÍTULO 3

SEUS LÁBIOS roçaram nos dela. Gentis, o mais leve dos toques. Ela ergueu o queixo e escutou a aprovação vibrar no fundo da sua garganta. O beijo na mesma hora se aprofundou. Ela se entreabriu, e ele tomou o que estava oferecendo, reivindicando-lhe a língua e acariciando o teto de sua boca. Surpresa, ela estremeceu, tão rapidamente seduzida. Já fora seduzida, desde o primeiro instante em que o vira, no banheiro de hóspedes, quando estivera usando apenas uma toalha, e ele fora pura força, sexo e diversão. Tanta diversão. O beijo começara com um sorriso, uma intimidade a que ela se mostrara incapaz de resistir. Com os lábios entreabertos e a boca propriedade dele, as mãos dele exploraram, acompanhando o ritmo da língua. Deslizou a mão coluna abaixo, puxando-a para si, enquanto, ao mesmo tempo, a pressionava de encontro ao concreto frio da parede atrás. A outra mão lhe acariciava os quadris, a lateral, a curvatura macia do seio. O polegar lhe massageava o mamilo. Dessa vez, o gemido de aprovação foi dela. Arqueou-se de encontro a ele, ficando na ponta dos pés para chegar mais perto. Queria mais. Precisava de muito mais. Vivi abriu os olhos e fitou o teto escuro. Era mais do que um sonho. Era uma lembrança. Aquele primeiro beijo fora do lado de fora de um restaurante de beira de estrada. Ela ficara, ao mesmo tempo, excitada e ligeiramente assustada. Jamais beijara ninguém que não fosse Oliver. Liam era mais alto, mais largo, mais forte. Liam era mais tudo. Ficaram horas encostados naquela parede, até um segurança pedir que seguissem o seu caminho, e eles seguiram direto para o hotel mais próximo. Finalmente ter dado vazão a paixão que havia entre eles significava que não haveria muito mais que pudessem fazer. Não deixaram o quarto por três dias. E então rumaram para o sul, ou para o próximo quarto de hotel. Mais alguns dias, mais um hotel. Viajando lentamente e buscando aquela satisfação física. Frustrada, Vivi jogou longe os lençóis e desceu da cama, indo buscar um pouco de água. Suas lembranças eram alimentadas por fantasia, não eram? Não fora tão espetacular assim. E, após cinco anos, ela o esquecera. Só que, agora, cinco anos não parecia tanto tempo assim.

Foi tomar uma ducha gelada, e tentar se convencer de que seria capaz de lidar com ele. Ela se encontraria com Liam e providenciaria tudo com o maior profissionalismo. Bastava de risadas e flertes. Rápida e eficiente, terminaria tudo em menos de meia hora. Fácil, fácil. O hotel de Liam ficava a uma breve caminhada de distância do dela, mas Vivi preferiu pegar um táxi. Encontrou-o no restaurante do hotel, casualmente vestindo uma camiseta branca e uma calça larga. – Quer comer alguma coisa? – perguntou ele. – Não, obrigada, mas um pouco de suco de laranja cairia bem. Ela sentou-se e ele fez o pedido por ela. Deus, o sujeito já era tentador sem ter de falar italiano e parecer tão sedutor já de manhã cedinho! – Como isso funciona? – perguntou ele, virando-se para ela. – Basicamente, você me diz o que quer, e eu providencio. Gia me instruiu a fazer o que for necessário para garantir que isso dê certo. – O que for necessário? Ela suspirou. – Vejo que seus pensamentos continuam sujos. Agora, me diga logo o que quer. O sorriso dele voltou a alargar-se lentamente. – Quer dizer que é isso que faz o dia todo? Providenciar coisas para Gia? – É o meu trabalho. – Deve ser exaustivo. – O garçom trouxe e serviu o suco. – Quais são os benefícios? É evidente que não usa as roupas da marca. Ele passou os olhos pela blusa branca e a saia preta que ela estava usando. – Homens usam ternos. Por que não as mulheres? – Em uma indústria criativa? – Meu trabalho não é ser criativa. É ser eficiente. – Por que não as duas coisas? Ela sacudiu a cabeça. – Com Gia, tenho de ser discreta. Ele riu. – Não importa o que use, minha querida, jamais será capaz de desaparecer ao fundo. Ele a estava fazendo rir novamente. Prestando atenção nela. Fazendo-a sentir-se viva, e tão facilmente atraída por ele. – Quer dizer que sua vida é apenas trabalho? Nada de namorado? Os olhos dela se estreitaram. Era tentador mentir, inventar um amante loucamente apaixonado. Contudo, enquanto ainda estava considerando suas opções, o corpo rebelde tratou de responder, sacudindo a cabeça. – Não me diga que tem vivido como uma puritana todos esses anos? – Ele riu. – Ainda se sente culpada pelo que aconteceu? Ele soubera que ela se sentira culpada? Ante a expressão do seu rosto, o sorriso dele se suavizou. – Você sempre foi a “boa menina”, que jamais foi contra a vontade dos pais, Victoria.

– Naquele dia, fui contra as expectativas de todo mundo. – Verdade. Mas isso não é motivo para se sentir culpada. Você não o traiu. Não mesmo? Só olhar para Liam já parecia uma traição. – Terminou com ele antes que qualquer coisa acontecesse comigo. Já havia me dito não, antes de terminar com ele. Mas não demorara muito para ela mudar de ideia. Como é que isso fora acontecer? – Não se preocupe. O que houve entre nós não me marcou para a vida toda. Vivi riu baixinho. – Quer dizer que teve outros namorados depois de mim? – Claro que tive. Dessa vez, não era mentira. – Mas nada sério? Não precisava responder a isso. – E nenhum namorado agora? – Não durante a temporada de desfiles. – Você suspende tudo por causa disso? – É claro. Não posso perder tempo com um homem reclamando que se sente negligenciado. Ele riu. – Negligenciado? Não consigo imaginá-la negligenciando um amante. Sempre foi tão generosa... Ele preferiu ignorar a referência. – Bem, você sabe como é, Liam, as pessoas costumam se sentir ignoradas, quando tudo que importa para os parceiros é o trabalho. Prefiro ficar solteira nas épocas mais ocupadas. – Já eu prefiro achar que um parceiro de verdade entenderia quando o outro estivesse sobrecarregado no trabalho. Ofereceria apoio e até uma massagem ao final do dia. – É o que a sua namorada faz por você? – Não. Estou tão solteiro quanto você. Tive algumas namoradas, mas nada que tenha durado muito. Acho que relações a longo prazo não combinam comigo. – Não é que goste demais da variedade que o seu estilo de vida oferece? – Sei que gosta de pensar o pior de mim, mas eu não sou mais assim. – O quê? Quer dizer que não dorme com ninguém para conseguir o que quer? – Não está se esforçando demais para marcar ponto? – Não é querer marcar ponto, é uma avaliação sincera. Não é uma extensão de misturar negócios com prazer? – Suponho que sim, mas acho que tem andado demais na companhia dos tipos de Hollywood. Se quer saber, a maioria das pessoas com quem faço negócios é homem, e você sabe que não sou gay. – Está me dizendo que não se reúnem em boates de striptease e não fecham negócios em meio a seios e pernas? – Realmente quer ter a pior opinião a meu respeito, não quer? Por que está tão determinada a se convencer a não gostar de mim? Lamento, mas não posso ajudá-la nisso. A verdade é que sou um bom sujeito. O que não quer dizer que eu não faça sexo. Mas é sempre bom, e é sempre com uma mulher tão feliz com isso quanto eu.

– Aposto que sim. – E, naturalmente, qualquer homem afortunado o bastante para namorá-la é um homem de muita, muita sorte. Ela engoliu uma resposta; precisava retornar a conversa para os negócios. – Ou está esperando o “Sr. Certo”? – Isso não existe. Não existe o herói no cavalo branco. Nenhuma alma gêmea. – Havia apenas companheirismo e sexo bom. Não tinha tempo para nenhum deles agora. – Que tal voltarmos aos negócios? – Vivi forçou-se a dizer. – Temos uma janela apertada. Alannah tem uma sessão de fotos em Veneza amanhã e depois, e Gia tem alguns dias programados em um SPA. Vivi também estava ansiosa por seus três dias de folga, para dormir ininterruptamente. – Gia pode entrar no SPA alguns dias mais tarde e posso mandar um avião buscar Alannah assim que ela tiver terminado. – Quer Alannah tanto assim? – Eu a quero nas minhas fotos. De qualquer modo, não acho que eu seja o tipo dela. Estava olhando para mim de uma maneira esquisita ontem. – Quer dizer, não foi o olhar de adoração a que está acostumado? As mulheres simplesmente se atiram aos seus pés, não é? Bem, os homens se atiram aos dela. De modo que, talvez, ela seja o desafio perfeito para você. Ele esboçou um ligeiro sorriso. – Ela não é desafio para mim. – Ah, faça-me o favor. Todos os homens do planeta a consideram a conquista suprema. – Eu não. Não vejo nenhuma personalidade notável ali. – Está ali. Ela só esconde. Quer dizer que só gosta de mulheres que considera um desafio? – Não um desafio para levar para a cama. Gosto de mulheres que me desafiam em vários níveis. Física e intelectualmente. – E emocionalmente? – zombou ela. – Jamais me levará a acreditar nisso, Liam. Ele ficou fitando-a, deixando-a pouco à vontade com o silêncio prolongado. – Talvez Alannah tenha olhado estranho para você porque eu lhe disse que você gosta de ser amarrado e chicoteado. Ela pigarreou e ficou aguardando a reação dele. Liam sequer piscou. – Bem, de certa maneira, foi o que você fez. Eu não passei de um brinquedo para você. – Ele a fitou nos olhos. – Você me usou. – Como disse? – Vivi teve de se esforçar para não elevar o tom de voz. – Você me usou. Queria aceitação. – Roubá-la de seu quase noivo e da sua família não foi uma grande maneira de conseguir aceitação. Eu não passei de uma fantasia de escapismo. Contudo, frente à realidade, não viu a hora de fugir. Foi você quem me usou, Victoria. Não o contrário. – Ainda mantendo o tom de voz calmo, ele curvou-se por sobre a mesa. – Queria fugir da bela prisão de classe média na qual se encontrava. Não queria se casar com Oliver, mas se sentia aprisionada. Eu era a sua rota de fuga. Mais nada.

– Não faz ideia de como foi difícil para mim deixar aquela casa com você. Eu dei as costas para tudo. – O que era exatamente o que você queria. – Como pode saber o que eu queria? – Jamais lhe perguntara. – Não estava interessado em nada que eu quisesse fazer. Apenas esperava que eu seguisse os seus planos. Era para eu ficar sentada na praia, ou coisa parecida, enquanto você velejava. Tratava-se apenas dos seus sonhos. Não fazia ideia de quais eram os meus, e não queria saber. – Não queria mais repassar o que dera errado. – Olhe, eu reagendarei o SPA de Gia e reverei a agenda de Alannah. Como parece estar impossível planejarmos seriamente algo hoje de manhã, e o meu tempo é precioso, irei embora agora e o manterei atualizado com e-mails. – Ela ficou de pé. – Precisa de mais alguma coisa? – Apenas uma – respondeu ele, seguindo-a para fora do restaurante. – O quê? – Um beijo de despedida. – O quê? – Ela parou bruscamente e virou-se. – Isso não é apropriado em uma relação profissional. Ele adiantou-se. – Bem, terá de se acostumar com a ideia de que esta relação estava fadada a não ser profissional. Ela abriu a boca para protestar, mas ele pousou o dedo em riste sobre os seus lábios. – É melhor despedir-se com um beijo do que com palavras bruscas, não concorda? – De nada adianta reaquecer sopa velha. Tentou ignorar a sensação dos dedos dele nos lábios ao falar. – Acha mesmo? As coisas não ficam mais gostosas quando o sabor teve tempo para infundir ou fermentar? Não é essa a diferença entre suco de uva e vinho? Não queria saber de se embriagar de Liam novamente. – Você não tem jeito. – Mas sabe que eu tenho razão. – Não. – Então, prove que estou errado. Ele moveu-se tão rápido que ela não teve a menor chance. A mão de Liam deslizou do queixo para a cintura dela, puxando-a para si. E ele curvou a cabeça. Os lábios não roçaram. Esmagaram. Mas, apenas por um instante, eles se suavizaram quase imediatamente, acariciando-os, e em seguida a pressão voltou a intensificar-se. Ele provocou, como sempre fora o seu estilo. E, então, ergueu-se apenas alguns milímetros. Ela soube que ele iria recuar. Não. Não era o suficiente. Ela o impediu de recuar. Ela o beijou. Seus braços voltaram a envolvê-la. A boca de Victoria entreabriu-se, a língua buscando maior intimidade. Lembrança e realidade se fundiram. Sentiu-o quente e duro. O coração bateu mais forte. Ninguém jamais a fizera sentir-se daquele modo. Não apenas excitada, mas tocada. De algum modo, ele despertava algo tão profundo no íntimo dela, algo de que jamais se dera conta, até conhecê-lo. E ele a fazia querer mais. Sempre mais. Ela queria tudo.

Não. Ela o empurrou, a respiração ofegante. – Isso não deveria ter acontecido – falou com firmeza. Dessa vez, ele não estava sorrindo. – Você queria tanto quanto eu. Queria mais. Você me quer. Ela queria. Mas sacudiu a cabeça. – Isso não pode acontecer, Liam. Não posso deixar que aconteça.

CAPÍTULO 4

LIAM FITAVA sem enxergar os projetos na tela, incapaz de parar de pensar em Victoria. Tivera o seu triunfo, não tivera? Ele a provocara, a beijara, e, melhor ainda, ela o beijara. Não havia como negar a química explosiva entre eles, e ela não negara. Contudo, no instante em que estava desfrutando do seu sucesso, ela o tomara de volta ao decretar que “isso não pode acontecer”. Por que não? Tinha de saber. E conseguiria a resposta do único modo que conhecia. – NÃO. PRECISAMOS ter a amostra de tecido no máximo até terça. É desnecessário dizer que, se não tivermos, não recorreremos novamente ao seu fornecedor. Irritada, Vivi encerrou a ligação, e, na mesma hora, fez outra. Digitava com uma das mãos, mandava uma mensagem de texto com a outra e falava com outra pessoa através do fone de ouvido. A sessão de fotos de última hora de Liam lhe causara uma tremenda dor de cabeça, mas Gia parecia determinada a realizá-la. O que significava que Vivi estava mais ocupada do que nunca, no dia em que deveria estar de folga. E, para piorar, estar ocupada fazendo algo relacionado a Liam significava que estava pensando nele o tempo todo. Talvez devesse visitar a sex shop mais próxima e providenciar um vibrador para aliviar a tensão. O problema é que estava na Itália, e não fazia ideia de onde encontraria uma. Além do mais, já sabia que não serviria para ela. Ela queria a coisa de verdade. Bastou um olhar, um sorriso, e, como acontecera cinco anos antes, ficara caidinha por Liam. Contudo, o romance deles não poderia se repetir. Ela não só dera as costas à família como se perdera. No final, isso fora parte do motivo para ela fugir. Sabia que crescera em uma redoma. A relação com Oliver fora nauseantemente doce. Com Liam fora paixão, febril e descontrolada. Deixar Oliver por Liam fizera a sua consciência doer, talvez até demais. Mas o pior fora a sua necessidade de Liam. Sentira-se insegura e em conflito. Suas emoções lhe falharam, e ela jamais encontrara o apoio de que precisara. Não dele.

O beijo de despedida do outro dia deixara claro que não podia tocar novamente nele. Liam sempre fora areia demais para o seu caminhão. Dera duro para fazer algo de sua vida. Recusava-se a colocar tudo a perder por causa de outro romance de curta duração. Sendo assim, encontrou o seu foco, e lhe enviou um breve e-mail profissional detalhando as providências que tomara para a sessão de fotos. A resposta veio em menos de dez minutos, e ela ficou mais vinte fitando-a, o sangue fervendo, antes de pegar o telefone. – Não pode me chamar de meu bem em um e-mail – falou, assim que ele atendeu. – Por que não? – perguntou ele inocentemente. – Pode ser considerado assédio sexual. Ele riu. – Todo mundo no ramo da moda não se trata por “meu bem?” – Eu não. – Hummm. Posso finalizar os meus e-mails com um beijo? Um pequenino “X” como é o costume? – Não. Liam, você é o meu “ex”, e é assim que vai continuar. – Não foi o que pareceu na outra manhã. É assédio sexual que eu esteja ansioso para revê-la? Ela cerrou os dentes. – Suponho que não. – Acho que assédio sexual deve ser algo muito pior do que um simples “meu bem”. Sugestões explicitas... talvez instruções. Corando, ela fechou os olhos, o corpo sempre cinco passos à frente do cérebro. No fundo, não era que ele estivesse falando algo de mais. Era o modo como falava. – Estou ansioso para revê-la. Vê-la chegar... aqui. Vê-la trabalhar. E vê-la satisfeita quando tudo tiver terminado. No rastro de suas palavras, todo tipo de sugestões explícitas e instruções encheram a sua cabeça. E ela as queria. Sempre o quisera. Queria o que haviam tido. Queria mais. Provavelmente sempre iria querer. Mas podia resistir, e era o que faria. – Não vai responder? – Não. – Forçou-se a dizer. A prática levava à perfeição. – REALMENTE PRECISA que eu a acompanhe? – perguntou para Gia, mais tarde naquele mesmo dia. Por favor, diga não. – É claro que preciso. Vinte e quatro horas mais tarde, Vivi estava aterrissando em Genova com Gia, Alannah, dois outros modelos e Nico e a equipe. A cidade à beira-mar era linda, mas os barcos na marina eram estonteantes. Vivi estava acostumada a excessos. Trabalhando para Gia, conhecera os apartamentos e barcos de astros da música e do cinema, de bilionários do petróleo e das comunicações. Mas estava agora em outro patamar. Passaram por vários postos de segurança antes de serem recebidos por Liam. Vivi

permaneceu no final da fila. Com o cabelo mais comprido, ele parecia um pirata. Ela jamais o vira velejar. Era Natal quando o conhecera, no auge do inverno. Até despi-lo, ele estivera sempre todo coberto. Mas agora estava todo bronzeado e de short, postado no convés de madeira de uma linda embarcação. Havia homem demais à mostra. Parecia um guerreiro que sabia como lutar, como seduzir, como vencer. Desviou o olhar. Gia estava extasiada. A embarcação era ainda mais maravilhosa do que ela supusera. Nico já estava dando ordens e escolhendo ângulos. Inspirando fundo, Vivi subiu a bordo. Aquela maravilha fora projeto de Liam? Era lindo. Elegante. Simples. Não era à toa que se tornara tão bem-sucedido em tão pouco tempo. Sentiu-se tomada de orgulho. E, surpresa, se deu conta de que estava feliz por ele. Ele a fitou, o sorriso de Vivi se espelhando em seu olhar. – Está surpresa. Relutantemente, ela assentiu. – Não fique ofendido. Havia muito a seu respeito que eu nunca soube. Ele assentiu. – Precisa de ajuda com essas bolsas? – Não, pode deixar comigo. Era mentira. Nico e Gia estavam gritando ordens. Alannah estava cansada e exigindo cafeína, e Vivi precisaria de trinta ajudantes para carregar todo o equipamento até o devido lugar. – Os bonitões ali não podem ajudar, ou têm medo de quebrar uma unha? – Liam perguntou. Ela se recusou a rir. – Eles têm de aplicar a maquiagem. – Ah, bem. Já que eu sou bonito o bastante sem maquiagem... – Ele adiantou-se e pegou uma bolsa pesada em cada mão. – Diga onde devo colocá-las. Ela esforçou-se para não olhar fixo para aqueles músculos trabalhando ou para o traseiro de Liam quando ele se curvou. Por fim, após mais de uma hora preparando Alannah e os modelos, começaram a tirar fotos, o que significava que Vivi teria alguns instantes para providenciar comida e bebidas. Ótimo, assim não teria de ver todo mundo babando quando Alannah começasse a posar para as fotos no minúsculo biquíni. – Quer ajuda? Liam a alcançou quando ela desceu do barco. Ela o fitou com desconfiança. – Não quer ver modelos se contorcendo no seu convés? Ele sacudiu a cabeça. Ela não conseguiu acreditar. – Prefere mesmo pegar café comigo? – Prefiro me contorcer com você no meu convés, contudo, infelizmente, essa não é uma opção. Ela reprimiu o rubor e uma risada. – Não podemos demorar. – Que pena.

Ah, ele era tão malvado, muito mais malvado do que fora anos atrás. E ainda mais irresistível. – Você não tem jeito. – Não sou tão ruim quanto você. Aqui está você, passando a sua vida fazendo de tudo para manter os outros felizes. Quando faz o que você quer? – Isto é o que eu quero. Tenho tudo de que preciso. – Tudo? Nenhum namorado? Nenhum orgasmo? Ela revirou os olhos. – Qual o problema comigo? – O sarcasmo era evidente na sua voz. – Ah, é claro, nenhuma vida é completa sem sexo. – Foi você quem disse. – Não preciso de um homem para ter um orgasmo. Ele riu. – Minha nossa. Tão independente agora. – É isso mesmo – falou ela, adiantando-se até a porta para receber o café e os lanches que mandara entregar. – De submissa e tímida a autossuficiente e bem-sucedida. – E atrevida. Mas, no final das contas, ainda a escrava de alguém. – Secretária – corrigiu ela. – Mesma coisa – retrucou ele, com um dar de ombros. – Pode me insultar o quanto quiser. De nada vai adiantar. Com um sorriso, ele adiantou-se a ela e pegou a bandeja das mãos do entregador, encarregandose da transação em impecável italiano. – Aonde você foi? – perguntou ele, quando estavam voltando. – Depois que nos separamos? – Londres. – Ela gesticulou para que ele aguardasse até o fim da sessão para oferecer o café. – Não tinha dinheiro, muito menos habilidades. Mal tinha um diploma e nenhum lugar para morar. – E quanto aos seus pais? Não voltou para eles? – Por que eu haveria de fazer isso? Depois do modo como haviam falado com ela, deixando a sua opinião bem clara? Ainda mais depois do que acontecera com Stella. Quando a irmã saíra de casa, na adolescência, qualquer indício de sua existência fora apagado. Os pais eram implacáveis. Também não haveria nenhuma lembrança de Victoria na casa deles. – Mas... você os vê agora? – Eu mando um cartão de Natal. – E eles respondem? Ela ficou calada. – Está de brincadeira! – Liam parecia estarrecido. – Quer dizer que eles realmente a baniram? Sequer respondem no Natal? – Bem... – Vivi parecia pouco à vontade. – Eu não coloco endereço do remetente no envelope. Liam hesitou, erguendo a sobrancelha esquerda. – Não lhes contou onde mora? Nem o que faz? Nada? Não lhes deu a menor chance? – De que iria adiantar? Sei exatamente o que iria acontecer. Veja Stella.

A verdade é que tinha medo. Se não tivessem o endereço dela, não haveria esperança de contato, e ela não ficaria desapontada. – Tudo bem. – Ele assentiu. – E quanto a ela? Tentou entrar em contato com ela? – Pensei a respeito – falou ela, baixando o tom de voz para não chamar a atenção dos outros. Por que Stella haveria de querer falar com ela? Ela fora embora e jamais olhara para trás. Nem uma vez pensara em ligar para a irmã caçula. – Mas nunca ligou? – A expressão do rosto de Liam era solene, quase desaprovadora. – Você é tão inclemente. Vivi cruzou os braços. – Não sou, não. – É sim. – Stella jamais tentou entrar em contato comigo. Meus pais me disseram que, se eu fosse embora, era para jamais retornar. Será que Liam não escutara os berros da mãe dela? – Nunca disse algo terrível no calor do momento? – Liam perguntou, baixinho. Após um prolongado silêncio, ela suspirou. – Acredite quando digo que não estão interessados. Eles é que são inclementes. Quando Stella foi embora, eu vi o que fizeram com as coisas dela. Por que eu haveria de me submeter a isso? Por que bater à porta deles, apenas para eles a baterem na minha cara? – Quer dizer que está com medo – sussurrou ele. – Não. Apenhas não sou burra. Além do mais, não tenho tempo. Estou ocupada... – Fazendo tudo para Gia. De novo isso? – Gianetta tem sido uma amiga melhor do que qualquer um na minha família já foi. E eu entendo que minha relação com Gia é profissional. Se eu a desapontar, é rua. – Muito bem. – Ele suspirou, antes de pigarrear. – E o que faz no Natal? Ela não pôde evitar uma pontada de culpa. – Trabalho. E você? – Trabalho. Ela riu. Não estava surpresa. – Será que vocês dois podem fazer silêncio, por favor? – Nico queixou-se. Vivi conteve o sorriso e foi servir a comida. Aparentemente, estava na hora de alimentar os monstros. Uma hora mais tarde, estava exausta. Perdera Liam de vista por um instante. Presumira que ele havia ido trabalhar em outro lugar. Quem dera também pudesse dar uma escapulida. Estava começando a ficar cansada das exigências. – Beba um pouco disto. Liam apareceu ao seu lado com uma caneca fumegante. – Obrigada. Ela tomou um gole cuidadoso, e sorriu. Chá de hortelã. Ele lembrou-se de que era o único chá que ela bebia.

– Nem tudo muda, não é? Liam postou-se ao seu lado, perigosamente íntimo. – Suponho que não. Outra hora se passou, outra mudança de biquíni para Alannah, novas sungas para os homens, mais ajustes na iluminação. Por fim, Nico deu início à nova série. – Pensei que fosse voltar para Oliver – disse Liam, baixinho. Vivi gelou. – Não. – Ela sacudiu a cabeça. – Ah, não. Liam virou-se de modo a poder fitá-la no rosto. – Arrepende-se de não ter lhe dito sim naquele dia? – Não. – Ela não hesitou em responder. – Ele também não era o homem certo para mim. Ela arriscou um olhar para o rosto dele ao dizer a última parte: – Eu o vi recentemente. – Oliver? – É. Ele comprou um de meus barcos. – Ah, que bom. – Vivi engoliu a surpresa. – Ele está bem? Está feliz? Liam assentiu. – Está casado e galgando rumo ao topo de um banco de investimentos. Como ele sempre quis. É. O mesmo plano de vida. Apenas com outra mulher. – Que bom que ele está bem – falou com sinceridade. – Eu havia esquecido que você havia ido trabalhar para um amigo da família dele... – Confusa, ela franziu a testa. – Mas quando foi que se mudou para a Itália? Liam empertigou-se e voltou o olhar para os modelos. – Eu jamais trabalhei para o amigo deles. – Trabalhou sim. Foi por isso que estava lá naquele Natal. Oliver conseguiu o emprego para você. Ia começar depois do Ano-Novo. – Retiraram a oferta de emprego. Arrumei outro trabalho. O sangue dela gelou. – Quando? Quando foi que retiraram a oferta de emprego? – Alguns dias depois da nossa partida. – Mas... Você assinou o contrato. – Encontraram uma brecha. O que eu ia fazer? Lutar? Ele riu. Não era engraçado. – Você nunca me contou. Liam continuou olhando para a cena montada por Gia e Nico. – Eu não o via há anos, quando ele apareceu para comprar o barco. Ele perguntou por você. – Liam suspirou. – Queria saber como você estava. Oliver achou que ela e Liam ainda estavam juntos? – O que você disse?

– Não disse. Eu achei que você havia voltado para ele, lembra-se? Fiquei sem reação quando descobri que a mulher sobre a qual ele não parava de falar não era você. Nenhum de nós dois tinha notícias suas. Tentei saber do seu paradeiro, mas você parecia ter desaparecido. Liam tentara achá-la? Por quê? – Como foi que se escondeu? – Liam perguntou. – Com todos os recursos eletrônicos de hoje em dia, é tão fácil encontrar alguém, não é? Basta uma pesquisa nas redes sociais. A não ser que faça uma mudança consciente. Abreviei o meu nome. Fechei todas as minhas contas. Cortei o cabelo. Tornei-me outra pessoa. – Vivi. Ela assentiu. – Demorou um pouco, mas tornei-me a pessoa que eu queria ser. – Para começar, trabalhara em uma empresa de cartões de visita, mas queria mesmo era trabalhar com design. Sempre fora boa em desenho. Mas não o bastante para fazer design de moda na faculdade. De acordo com o sermão do pai, era mais um hobby, não uma carreira. Formar-se em francês também não lhe abrira muitas portas. Mas era organizada, sabia datilografar e levava jeito para programas de computação. Aprendera a conseguir o que queria simplesmente porque precisava. – Acabei conseguindo um serviço de administração no escritório de Gia. – E, então, mostrou-lhes do que era capaz. – Trabalhei duro. E valeu a pena. – Quer dizer que se provou? – Por minha causa, e por ninguém mais. – Ela franziu a testa. – Quando foi que viu Oliver? – Uns dois meses atrás. O coração dela bateu forte. – Foi por isso que... – Jamais gostei do modo como as coisas terminaram entre nós. Queria saber o que havia acontecido com você. – Quer dizer que está combinando negócios com algo pessoal. Isso é simples curiosidade? Era tolice, mas, de algum modo, a magoava. O que ele iria fazer agora? Dar o relatório para Oliver? Ele virou-se para ela e adiantou-se. – Não acho que isso seja nada simples. – Vivi, onde diabos está a sacola com as extensões? – ecoou o grito de Nico. Vivi desviou a atenção de Liam e afastou-se. Queria manter-se longe, enquanto processava o que agora sabia sobre o passado. Liam perdera a oferta de emprego, e jamais lhe dissera. Deveria ter ficado tão preocupado! Ela sabia que ele não tinha dinheiro, não tinha família... não tinha praticamente nada. E ela gritara com ele e o abandonara. Oito horas mais tarde, estava tão cansada. A sessão de fotos parecia não ter fim. Ela descera do barco e caminhara até o final do atracadouro, onde estava escuro. Precisava de uma folga das exigências de Gia e dos outros. Também precisava colocar um pouco de distância entre ela e Liam.

O modo como ele a fazia se sentir, tão voraz, tão ansiosa, tão excitada o tempo todo... Era insanidade. Sentou-se em uma pilha de sacas de areia no canto mais afastado que conseguiu encontrar. Precisava de cinco minutos, e então estaria pronta para lidar com todos novamente. Para lidar com ele. LIAM RESOLVEU parar de procurar Victoria. Ela não precisava dele perseguindo-a. Contudo, quinze minutos mais tarde, ela ainda não retornara ao local de onde estivera observando a sessão de fotos. Queria que acabasse logo. Queria ficar a sós com ela. Na verdade, era tudo que ele queria. Não dava a mínima para fotos de publicidade. No instante em que soubera que Oliver não fazia ideia de onde ela estava, que ninguém tinha notícias dela... Ele teve de encontrá-la. Dez minutos mais tarde, não suportou mais a ausência dela. Foi à sua procura e a encontrou em um canto distante do atracadouro, encolhida sobre uma pilha de sacas, dormindo. Cuidadosamente, ele curvou-se, esticando-se ao lado dela, puxando-a de modo a encostar-se a ele, oferecendo-lhe uma posição mais confortável. Fitou-lhe o rosto bonito, contudo pálido. Estivera tão exausta que sequer se mexera. Trabalhava demais. Era algo que ele entendia bem. Sempre trabalhara duro também. Sua obsessão em erguer a empresa, uma base para o futuro. Segurança. Lembrou-se da terrível briga do último dia. Suas necessidades contra as dele. No final das contas, eram tão parecidas. Jamais se dera conta do quanto ela sacrificara e arriscara para ir embora com ele. Victoria não entendera como ele estivera desesperado por dinheiro. Não lhe contara sobre a rescisão da oferta de trabalho. O e-mail chegara dois dias após deixarem a casa da família de Oliver. Nada tinha a lhe oferecer. Ao mesmo tempo, sentira-se inútil e determinado. Ficara desesperado para garantir-lhes o futuro. Contudo, fora orgulhoso demais para admitir isso. Ela ficara zangada com ele. Liam achara que era pura bravata no último dia, quando Victoria berrara que não precisava dele e nem de ninguém, e que iria provar isso. Não acreditara nela. Achara que ela retornara para casa. Para os pais. Para Oliver. Estivera errado, e Victoria provara isso. Mudara o nome, a aparência, arrumara uma carreira. Virara as costas para tudo. Não dava para se virar as costas para tudo para sempre. No fundo, Vivi Grace ainda era Victoria Rutherford, a espoleta generosa e carinhosa que passava a vida tentando agradar os outros. Tentara se convencer de que fora apenas o sexo que o atraíra nela. Porém, não era a luxúria que se apossava dele agora. Havia tantas outras emoções conflitantes. Não sabia o que faria com ela. Bem, sabia. Beijá-la na outra manhã fora uma revelação. Ele a queria. Mas o que queria ainda mais era que ela o quisesse. Queria que ela pedisse. Apenas uma vez. Para completar a história deles.

VIVI ESTAVA quente e confortável. Relaxada até. Inspirou fundo, o perfume preenchendo seus pulmões. Água do mar, homem forte. Com uma exclamação de surpresa, ela abriu os olhos. Ele não estava apenas com ela. Estava debaixo dela, envolvendo-a com os braços. Fitou aqueles olhos escuros, porém calorosos. Queria tanto levar os lábios até os dele. Não havia nada que ela quisesse mais do que beijá-lo. – Quer alguma coisa? Nada disse. Ele já sabia. – Victoria? Ela morava em Londres. Ele morava na Itália. Ela não queria uma relação. Ele também não. Dessa vez, tinha certeza de onde aquilo terminaria. Com parâmetros tão firmes, ela ficaria bem, não é? Isso daria um desfecho à relação deles. Ela eliminaria os resíduos de luxúria, veria que não era uma boa ideia, e provaria ter controle sobre as próprias emoções. Apenas aproveitaria o momento. Só poderia ser um momento. – Quer alguma coisa? – Ele repetiu. – Beije-me – sussurrou ela. – Nico? A voz estridente de Alannah estilhaçou o momento, na hora em que ela erguia o queixo para pressionar os lábios aos dele. – Estou apenas procurando Vivi. A voz de Nico parecia próxima demais. Vivi virou a cabeça tão rapidamente que quase ficou com torcicolo. Nico estava a poucos metros de distância, com a câmera na mão. – Gia está chamando – disse. – É claro – respondeu Vivi. Mas não conseguiu se mover. Os braços de Liam estavam apertados demais ao seu redor. Ela olhou para ele, e escutou Nico indo embora. A expressão de Liam não mudara. O olhar ainda estava fixo nela. Ardente. Determinado. E ela gostou. Aparentemente, certas coisas não mudavam.

CAPÍTULO 5

GIA, NICO e os modelos foram embora. Liam não. Normalmente, Vivi era mesmo a última a deixar uma sessão de fotos, para garantir que tudo estivesse em ordem. Ele a ajudou a arrumar tudo. – Precisa voltar para o seu hotel. – Liam por fim rompeu o silêncio entre eles. – Eu lhe dou uma carona. – Obrigada. Ele não falou durante o trajeto. Ela também não. No hotel, ele também desceu do carro e jogou as chaves do veículo para o manobrista, mantendo-se ao seu lado quando cruzaram o saguão até o elevador. Tomando a chave de suas mãos, ele abriu a porta do quarto. – Estou lhe devendo um beijo – disse, sem cruzar o batente da porta. – Nesse caso, é melhor você entrar. Para a surpresa dela, ele enrubesceu ligeiramente. Ela adentrou o quarto, de repente sorrindo, de repente confiante. Não diria não nessa noite. Não queria fazê-lo. Negar o que queria tanto não a protegeria. Ir embora no dia seguinte não doeria tanto quanto antes. Da última vez, houvera sonhos estilhaçados. Dessa vez, seria apenas diversão, certo? Chegando ao centro do quarto, virou-se para ele. Liam continuou a avançar, até estar diante dela. Vivi ergueu o queixo e ficou aguardando. Lentamente, ele colou os lábios aos dela. O toque foi leve, mas o corpo dela incendiou-se na mesma hora. – Deseja mais alguma coisa de mim? – sussurrou ele. Ela o fitou nos olhos. – Uma noite. – Fazendo o quê? – Tudo. Dessa vez, o beijo foi repleto de paixão. Ela agarrou-se a ele, e ele a ela. Corpos se colaram, mãos alisaram.

– Importa-se de tirar a roupa? – Ele arrancou os lábios do pescoço dela. – Se eu o fizer, tenho medo de rasgá-las. – Ah, bem, nesse caso... Ela deu um passo para trás e lentamente desabotoou a blusa branca. – Hoje está de sutiã – comentou ele, com os olhos brilhando. – Eu estava curioso. – Não estava não. Você sabia. Passou o dia todo olhando para o meu peito. A blusa foi ao chão. – Não estou aqui por causa dos seus seios. – Não? Ele sacudiu a cabeça. – São as suas pernas. Ela riu. – Importa-se de tirar a saia? Ela obedeceu, e o fogo no olhar dele pareceu brilhar com maior intensidade. – Na realidade – ele corrigiu-se –, é tudo em você. – Liam a encurralou de encontro à cama. – Sempre foi. Ele a beijou, e Vivi envolveu-lhe o pescoço com os braços, entregando-se. Sempre se deixara levar pela paixão por ele. Como é que podia ser assim de novo? E tão rapidamente? – Já faz um bocado de tempo. – Ela o empurrou por um instante, para que ela pudesse respirar. Recompor-se. Estreitando os olhos, franziu a testa ao fitá-lo. – Por que não está nu? Ele riu. – Também já faz um bocado de tempo para mim. Tenho de me segurar de algum modo. – Não houve fluxo constante de namoradas? Ele hesitou. – Não constante. Nenhuma constante. Longo prazo não é a minha praia. Jamais será. Ela não tinha dúvidas quanto a isso. Sabia que não havia como mudar Liam. E nem queria, não é? Também desejava apenas uma noite. – O que quer que eu faça? – perguntou ele, baixinho. Ela entendeu que ele estava lhe oferecendo a oportunidade de mudar de ideia. Mas Vivi não queria mais pensar no passado. Nem no futuro. Em vez disso, concentrou-se no presente. No presente que era ele. – Quero você nu. Tire a camiseta. Ele obedeceu na mesma hora. Subitamente, ela se sentiu autoconfiante. Uma confiança que não tivera anos atrás. Na época, sentira-se intimidada. Dessa vez, seria diferente. Talvez Liam tivesse razão. Dessa vez, obteria tudo que precisasse dele. Faria tudo que quisesse. Afinal, tratava-se apenas de sexo. Abaixou-lhe o short e a cueca até o joelho. – E agora? Ele permaneceu ali de pé, magnificamente exposto. –Toque-me.

Dando um passo para fora das roupas, estendeu as mãos para acariciá-la, e ela o acariciou, passando os dedos pelo corpo que conhecera tão brevemente, contudo tão bem. Ainda conhecia. Ainda admirava... adorava. Ela olhou para o seu rosto, levando as pontas dos dedos àquele sorriso que sempre a fazia se derreter. Ele aproximou-se, plantando beijos leves ao longo do pescoço dela, seguindo para os seios, as mãos carinhosamente abrindo caminho, saboreando, atormentando, até ela estar ardendo, ofegante. – Liam. – Precisamos de... Ele interrompeu-se por um instante, e encontrou o short, rapidamente colocando a proteção. E, então, suas mãos retornaram ao corpo dela, buscando as partes sensíveis. Parecia se lembrar dela como se houvesse sido ontem. Do que ela gostava. Do que ela realmente gostava. Ela estremeceu e tentou afastar-se do seu toque, ficando ardente demais, rápido demais. – Não quero chegar ao clímax sem você. Quero que me acompanhe. Ele riu. – Acabaria rápido demais. Os dedos dele voltaram a trabalhar, provocando até ela estar suspirando, e subindo rumo ao clímax rapidamente. De modo que agora tinha de assumir o controle. Antes, sempre perdera o controle. Sempre se deixara levar. Espalmou as mãos no peitoral dele. Para o seu deleite, ele caiu para trás, permitindo que ela o montasse. – Vai pegar o chicote agora? – brincou ele. Ela riu, sacudindo a cabeça. – Nada de dor – sussurrou. – Não quero que isto machuque. – Não. Subitamente, ele sentou-se, a ereção apontada para o céu erguendo-se entre eles, esfregando-se nela de um modo que a levou a se contorcer de vontade de erguer-se e deslizá-lo para dentro de si. Mas foi o beijo que acabou com ela. Ele mergulhou os dedos nos cabelos dela, segurando a sua nuca, mantendo-a no lugar enquanto a beijava de uma maneira como ela jamais fora beijada. Não foi apenas um beijo passional. Foi profundo. Contudo, de algum modo, desesperado, como se estivesse despejando parte de si para dentro dela. Entregando-se. Ah, bom Deus, não podia aguentar isso. Queria que fosse apenas sexo. Sexo ardente e selvagem. Como é que podia ser ainda mais intenso do que fora antes? Ela empurrou-se para longe, deslizando até o centro do enorme colchão. Tinha de haver um modo pelo qual pudesse controlar isso melhor, como pudesse colocar isso na caixa do puramente sexual que ela precisava que fosse. Curvou a cabeça, tentando lidar com o anseio do próprio corpo, e escutou-o inspirar fundo. Sorrindo, inclinou-se para a frente, apoiando-se nos punhos cerrados, lançou-lhe um olhar por sobre o ombro e registrou com prazer o modo como o olhar ardente de Liam percorreu a extensão do seu corpo, até a parte de si que ela expusera.

É, era isso que ele queria. Curvou-se ainda mais, oferecendo-se para ele, colando o rosto ao travesseiro, os joelhos afastados, os quadris girando em um ousado convite. – Ah, puxa – rosnou ele, as mãos erguendo-se para lhe alisar as nádegas, como se não resistissem à tentação de tocá-la. E era isso que ela queria. Nada além de sexo. Nada além de ser a mulher receptiva, sentindo o potente macho arremeter para o seu íntimo. Ela aguardou, sentindo-o colocar-se em posição. Gemeu ao sentir a força de suas coxas colando nas dela, o corpo estremecendo ante a expectativa do prazer supremo. Ele se inclinou, as mãos deslizando dos quadris para subir pelas suas costas, uma deslizando para o seio, onde ficou brincando com o mamilo, enquanto a outra lhe massageava a nuca. Ela arqueou o traseiro, indo para a frente e para trás, de encontro à ereção dura e quente que ele mantinha fora dela. Ele voltou a apertar o mamilo, rindo quando ela gemeu. Depois, deslizou a mão mais para baixo, espalmando-lhe a barriga, e descendo, descendo, até chegar a parte dela que estava ardendo, pronta para ele. Um toque foi tudo que bastou para fazê-la implorar. – Ah, por favor. Por favor. Ele arremeteu para dentro dela. A força da estocada empurrou o seu rosto de encontro ao travesseiro, abafando-lhe o grito. Os punhos dela se cerraram, e ela tentou absorver o prazer, enquanto Liam rosnava e se chocava repetidamente de encontro a ela. Ah, ele era tão bom. Como pudera esquecer-se disso? Como pudera pensar que qualquer coisa, qualquer um, pudesse se comparar àquilo? Aquele era o prazer supremo para ela. Os dedos hábeis massageavam o botão sensível, até ela estar empinando como uma égua selvagem. Contudo, a outra mão dele fez pressão em seu ombro, mantendo-a no lugar, para que pudesse continuar com suas potentes estocadas. Sua força masculina era tamanha que ela chegou a pensar que fosse rachar ao meio de tanto prazer. Fechou os olhos de encontro ao travesseiro. Mal conseguia respirar. Mas era tão bom! E ele não poderia ver os segredos dela nos olhos. Vivi queria apenas o sexo. Apenas o orgasmo. Ela gemeu sem parar, e ele a deixou ainda mais perto do... – Droga. Ele se retirou. – O que foi? Ele habilmente a girou de barriga para cima, afastou-lhe as pernas e a cobriu com o próprio corpo. – O que você quer? Diga-me o que quer? – Não consegue imaginar? – rosnou para ele. Ele sacudiu a cabeça. – Você está oferecendo, dando. Não ofereça. Tome. – Não gostou disso?

– Claro que gostei – falou ele, através dos dentes cerrados. – Você torna tão fácil tomar de você. Mas o que você quer? Tão excitada. Tão exposta. Tão carente. Foi levada além do seu limite, além da autopreservação. – Você! – gritou. – Quero apenas você. Você todo. Por um instante, ele não se moveu, não respondeu. Depois, abaixou a boca, beijando-a. Outro beijo do tipo que ela não conseguia aguentar. Explicitamente sensual, sim, contudo também doce e carinhoso. Amoroso. E, enquanto a beijava, Liam arremeteu para dentro dela. Tão profundamente, tão bom. Não parou de beijá-la, o ritmo da língua em sincronia com o dos quadris. Ele os tornara um só. Quase chegando ao clímax, envolveu-o apertadamente com os braços, espalmando as mãos sobre os músculos das costas, os dedos fincando-se nas nádegas rijas. Podia sentir a sua potência, contudo também podia sentir os ligeiros tremores que percorriam o seu corpo. Vivi gritou de encontro à boca de Liam, seu corpo apertando-se ao redor do dele. Por fim, ele se permitiu levá-la ao clímax, e ela agarrou-se a ele como se Liam fosse a sua tábua de salvação. Em meio a convulsões, gritava-lhe repetidamente o nome. Erguendo a cabeça, ele a fitou com absoluta satisfação no olhar e um sorriso lindo nos lábios, antes de deixar escapar o seu próprio urro de alívio. Vivi desabou nos braços dele.

CAPÍTULO 6

ALGO ESTAVA gritando nos ouvidos de Liam. Um som eletrônico alto e incessante. – É o seu telefone? Erguendo-se, Liam pôde ver Victoria pegando o aparelho para atender. – Oi, Gia. É claro. Estou indo. – Ela encerrou a ligação e fez uma careta. – Devo ter dormido demais. Liam agarrou-lhe o pulso, impedindo-a de descer da cama. – Aonde vai? – Para a recepção. Aguardá-la. – Para fazer o que, a esta hora? – Ela gosta de se manter em forma. Corre quarenta e cinco minutos, todos os dias. Sem soltá-la, Liam olhou para o relógio. – Está brincando. Ela quer que vá correr com ela às três da madrugada? Libertando o pulso com um puxão, Victoria desceu da cama. – Gia não gosta de paparazzi tirando fotos dela se exercitando, de modo que o faz quando o resto do mundo está dormindo. – Por que ela não usa a academia do hotel? – Prefere se exercitar ao ar livre. Pegar um pouco de ar puro. – Por que não leva um guarda-costas? Por que tem de ser você? Não é seguro. Victoria riu. – Ela leva um guarda-costas. Mas gosta de conversar comigo. De dar-me instruções. Ele a viu tirar um par de tênis da mala e seguir para o banheiro. – Veio preparada para isso? – Corremos na maioria das manhãs. – Mas você trabalhou até tão tarde. E não dormiu muito depois. Escutou-a ligar o chuveiro e desceu da cama. A verdade é que queria que Victoria voltasse para a cama. Agora. – É assim que funciona. Posso dormir depois.

– Só que não vai – falou ele, pegando uma toalha para ela. – Estará ocupada demais tocando a vida de Gia, ou impedindo que Alannah se meta em encrencas. – Também é bom para eu me manter em forma. – Não é bom para ninguém ter o seu sono interrompido dessa maneira. Desregula o seu relógio interno. Ela pegou a toalha de suas mãos. – Meu relógio interno está ótimo. O sangue dele estava gelado. Não queria que ela fosse embora. Não queria perder o que acabara de encontrar. Queria que ela ficasse. – Tem menos de meia hora que formos dormir. Ah, Victoria sabia muito bem disso. Haviam realizado tantas fantasias. Só que agora havia tantas outras. Liam era a distração encarnada. Evitou olhar para ele, enquanto se vestia e se calçava. Depois, seguiu para a porta. Mas ele a estava aguardando lá. As mãos dele deslizaram pelo seu corpo, uma ao redor da cintura, puxando-a para si, outra deslizando pela sua coxa. Ele estava duro como aço. – Você já está ofegante – sussurrou ele no ouvido dela. – Como é que vai conseguir correr assim? – Não me provoque. Ela escapuliu do toque dele, e buscou apoio na porta. – Não estou provocando ninguém. Estou seriamente preocupado com o seu bem-estar. – Eu... – O celular voltou a tocar. Ela olhou para a tela e não atendeu. – Direi que estava no elevador, e que não tinha sinal. A última coisa que ela queria fazer era ir correr e escutar todas as coisas que Gia queria que fizesse hoje. Mas tinha de ir. – Victoria. – Com firmeza, Liam pousou ambas as mãos na cintura dele. Não estava sorrindo. – Nenhum trabalho vale isto. – Este vale. – É mesmo? – Sou a assistente mais antiga que Gia já teve. Ela confia em mim. Não vou desapontá-la. – Confia mesmo? O que aconteceria se você não fosse? Vivi não respondeu. Não queria pensar nisso. – Não me importa o quanto ela está lhe pagando. Ela pede demais. – Não pode me acusar de ser viciada em trabalho. Era muito pior do que eu. – Eu precisava trabalhar. Pessoas contavam comigo. Trazer uma empresa de volta da ruína chega a ser mais difícil do que começar uma do zero. – Acha que eu não preciso trabalhar? – A fúria ferveu em seu íntimo. – Fui eu quem acabou sozinha em Londres, sem dinheiro algum, e nada de amigos ou família. Consegui este emprego por conta própria, e pode apostar que vou mantê-lo. E por que acha que não sou capaz de trabalhar tão duro quanto você? – É claro que é capaz. – Ele rosnou de frustração. – Admito, eu trabalhava como uma mula de carga. Ainda faço isso com frequência. Com horários tão malucos quanto os seus. Contudo, há uma

diferença crucial. A empresa é minha. É meu bebê. Eu estou no comando. – Quer dizer que trabalhar para outra pessoa não é tão bom? É o que está dizendo? Ele apressou-se em explicar. – É uma pessoa talentosa. Tinha ideias de seus próprios designs. Talvez devesse fazer mais por si mesma. Mais? Como o quê? – Talvez não consiga entender, mas acho recompensador apoiar os outros. – Exatamente. E parece estar na mesma posição de cinco anos atrás. Fazendo o que todos pedem. Sempre para os outros, jamais para você. Responda-me uma coisa. Realmente quer isso? – Não se trata do que eu quero. Tenho responsabilidades. – Responsabilidades desmedidas. – Ele parecia furioso. – Se você for, não estarei aqui quando voltar. E não retornarei. Vivi ficou paralisada. – É uma ameaça? Porque isso é desmedido. Quem ele achava que era? Não ia abrir mão de sua vida por ele novamente. – Será que não pode colocar o que quer em primeiro lugar? Não o que eu quero. Nem o que Gia quer. Mas você. – Não. Trata-se do que você quer. Diz que posso lhe pedir qualquer coisa? Mas apenas sexualmente. Ainda não me escuta. Ainda não respeita o que faço, o que quero. Ele ainda queria apenas vencer. E para quê? É claro que queria permanecer nos braços dele. Mas queria mais. Ter intimidade com ele apenas piorara as coisas. Liam era como uma droga para ela, o seu pior vício. E o problema era que ele não queria mais. Deixara isso bem claro. Os punhos dele estavam cerrados ao lado do corpo. – Você disse uma noite. – É, e a minha noite já acabou. O dia começou. E ela precisava sair de perto dele. Tinha de pegar o primeiro voo para Londres. – Ainda faltam algumas horas na minha noite. Ele voltou a lhe invadir o espaço pessoal. Ela não conseguiu deixar de estremecer visivelmente. – Victoria – disse ele baixinho. – Quanto tempo acha que vai aguentar? Ele sabia o quanto a afetava, não sabia? Era uma tentativa deliberada de seduzi-la. Infelizmente, não iria dar certo. Recusava-se a curvar-se de novo a ele. – Foi apenas sexo, Liam. – O melhor sexo da sua vida. – Tudo bem. Foi o melhor. Isso o deixa contente? – Era doloroso admitir a verdade. – É luxúria. Uma reação química. Por algum motivo o meu corpo acha que o seu é o melhor do planeta com o qual procriar. Mas você não é a melhor pessoa para mim. Não é o Sr. Certo. Queremos coisas diferentes. – Ela ergueu as defesas. – Somos ambos voltados para a carreira. Vivemos em países diferentes. Você mesmo disse que não quer mais. Isso precisa terminar. Não pode acontecer novamente.

Com o rosto pálido, ele deu um passo para trás. – Vai se arrepender. Esta vida sua não é tão boa assim. Não quando tem de sair para correr às três da madrugada. Mas não pode dizer não. Tem medo de dizer o que pensa por medo de rejeição. – Está se esquecendo de que Gia paga o meu salário. – Ainda assim, tem medo dela, de desaprovação. – Eu escolho trabalhar para ela. Continua tão cabeça quente como sempre, mergulhando nas situações sem olhar antes. Fazendo o que quer, independentemente do impacto que isto terá na vida dos outros. Sabia que Gia ia tirar férias após Milão? Suas exigências arruinaram tudo. – Gia é uma máquina que jamais precisa de descanso. Quem precisava de uma folga era você. E não pode pedir isso para ela por medo de ser sincera. – Ah, eu posso ser sincera. Mas você é incapaz de escutar. Então, aqui vai um pouco de sinceridade. Quero você fora do meu quarto. Fora da minha vida. Não podia lidar com a intensidade de suas emoções. Não quando não eram retribuídas. Quando para ele era apenas sexo, e para ela era tudo. Praguejou ao escutar o celular apitar novamente. – Tenho de ir. Tinha de correr.

CAPÍTULO 7

DO QUARTO de hotel de Victoria, Liam observou o nascer do sol. Há dias não conseguia pensar em outra coisa que não Victoria. Ficara nervoso em ver o que ela acharia do barco. Ele, que jamais quisera impressionar ninguém, quisera impressioná-la. E ela ficara tão impressionada que acabara dormindo. Um sorriso cruzou os seus lábios. Estava tão cansada. Tão tensa. Tão desconfiada. Por causa dele. Cinco anos atrás, duvidara estar à altura dela, de seus ideais de juventude. Não achou que ela entenderia de onde ele viera. Como ele lutara para subir na vida, usando de tudo que dispunha para conseguir alguma vantagem na vida. E então a conhecera e abrira mão de tudo, o que colocara os dois na pior situação que já haviam estado. Tivera de providenciar alguma segurança para ambos. Não quisera que ela tivesse de experimentar como a vida era difícil sem dinheiro. Quisera protegê-la, dar-lhe tudo que ela merecia. Tudo a que estava acostumada. Mas o que fizera fora isolá-la, e abandoná-la para encarar sozinha justamente tais provações. Ele mesmo tivera de recomeçar do pior ponto possível, havendo assassinado a própria reputação de “bom jogador em equipe” ao trair Oliver. E agora? Agora, apesar de ter dinheiro e ser bem-sucedido, ainda não daria certo. Porque ele ainda não era o suficiente. Jamais se sentira tão só, nem mesmo quando o pai desaparecera por dias a fio, ou quando passara meses em alto-mar, velejando sozinho, como quando traíra o melhor amigo. E nada disso era pior do que aquele instante. Superara o passado; contudo, agora, perdera a possibilidade de um futuro. Abaixou a cabeça. Agora sabia que a amava. Amava a mulher forte que ela se tornara. A mulher generosa, leal, linda e inteligente. Abrira-se para ela, oferecera tudo que tinha a dar. Não apenas o seu corpo, mas o seu apoio, seu entusiasmo, sua compaixão... e tudo mais que tinha. Quisera lhe dar tudo, e quisera que ela

aceitasse tudo que ele tinha. E, por um instante, ela aceitara, por um instante ele fora o que Victoria queria. Mas forçara demais a barra. Pedira demais, cedo demais. Fora carente, egoísta e, sim, insensato. De modo que ela recuou. Não queria o que ele tinha a oferecer. Não a culpava por isso. Simplesmente teria de aprender a viver sem ela. De novo. Ainda acreditava que ela merecesse mais da vida. Apesar da fabulosa carreira, ela não deveria permanecer tão isolada de seu lar, sua história, sua família. Victoria tinha a necessidade de estar integrada em uma comunidade, de ser necessária, por isso se fizera tão indispensável em seu trabalho. Não importava o quanto fora um idiota. Tudo que queria é que ela fosse feliz. Talvez pudesse ajudá-la de longe. Contudo, tinha de ir embora agora, pois era o que ela queria. E, para ser sincero, não aguentaria ficar e enfrentar rejeição novamente. Ela dissera não, e tinha razão. Hora de escutá-la. Sendo assim, Liam fez o que ela pediu. Vestiu-se e foi embora. Sem olhar para trás.

CAPÍTULO 8

VIVI NÃO estava prestando atenção em Gia enquanto corriam. Seu corpo todo doía, mas nem se comparava à sua angustia mental. Por que explodira daquele jeito com ele? Por que tivera de ficar tão melodramática e gritar com ele? Por que não pudera se acalmar e enfrentar mais alguns assaltos com ele? Sexo tão bom não era fácil de encontrar. Contudo, estava enganado a si mesma, e sabia disso. Queria muito mais dele. Sempre quisera. Sempre iria querer. Estava com os nervos à flor da pele quando passou o cartão pelo sensor para abrir a porta do quarto. Antes mesmo de entrar, ela já sabia. Pressentiu o vácuo. Desta vez, ele escutara, e fizera o que ela pedira. Fora embora. Não tinha por que se sentir triste, não é? Fora o que pedira. E Liam também conseguira o que queria. Mas toda a emoção que sentira naqueles beijos? A conexão? Para ela, foi como se ele os houvesse impedido de fazer sexo. Fizera amor com ela, levando-a a apaixonar-se por ele. Abrira-se para ela, lhe oferecendo tanto. E a abraçara como se jamais quisesse soltá-la. Mas, aparentemente, tudo isso não passara da sua imaginação. UMA SEMANA mais tarde, de volta a Londres, o inverno parecera ter chegado mais cedo, e Vivi estava sentindo o frio nos ossos. Após a sessão de fotos no barco, Gia fora tomada de inspiração, e queria desenhar toda uma linha com tema náutico para a próxima primavera. Quando Gia estava no seu módulo de criação, cabia a Vivi lidar com tudo mais, com cada dúvida, com cada problema. De modo que estava trabalhando mais do que nunca, e a dor na alma piorava com cada segundo sem dormir. As noites eram interrompidas não apenas pelas corridas com Gia, mas pelas lembranças de Liam. Por fim, uma manhã, após uma cansativa corrida, fitou a monotonia do seu guarda-roupa e virou as costas para ele. Chegou no trabalho de jeans desbotado e sobretudo e foi direto para a sala em que ficavam as amostras, de onde pegou uma larga camisa escarlate. Em seguida, adentrou sem bater o escritório de Gia.

Gia levantou a cabeça e a fitou com frieza. Vivi depositou o gravador portátil sobre a mesa de Gia. – Se precisar fazer anotações para mim, o guarda-costas poderá segurar isto para você. Não vou mais acordar às três da manhã. Preciso de descanso. Gia ficou a fitá-la. – Mais alguma coisa que queira dizer enquanto está aqui? – perguntou, com o rosto impassível. Vivi não se permitiu tempo para pensar. – Preciso de outra assistente para trabalhar em um novo projeto de distribuição on-line. Não estou conseguindo tocar tudo sozinha. Além do mais, vou precisar folgar nos próximos dias. Sinto avisar em cima da hora, mas sacrifiquei minhas férias pela sessão de fotos em Genova. Precisava de um tempo para colocar a cabeça no lugar, para voltar reenergizada e levar a carreira para o próximo nível. Se Gia não gostasse, que a despedisse. Encontraria trabalho em outro lugar. Tinha uma boa reputação no ramo. Ficou aguardando a bomba. Mas Gia apenas piscou. – Tudo bem. – Sério? Gia riu. – Sério. – Tudo bem. Vivi virou de costas, decidida a deixar a sala antes que Gia mudasse de ideia. – O vermelho cai bem em você – falou Gia, antes que Vivi chegasse à porta. – Estava me perguntando quando ficaria tão mandona comigo quanto é com todo mundo – acrescentou ela. Vivi riu. – Mandona, não. Justa. – Mandona. Mas eu gosto. Quanto à sua folga, no máximo quatro dias. Não serei capaz de me virar sem você por mais tempo. Era mais do que ela tivera nos últimos quatro anos. Mas ela sorriu ante o apelo de Gia, dando-se conta de que a chefe exigente realmente valorizava o seu trabalho. Ao voltar para o próprio escritório, a recepcionista lhe trouxe dois pacotes endereçados a ela. Seu coração bateu forte ao reconhecer a letra da mãe em um deles, e Victoria desembrulhou-o cuidadosamente. Em seu interior, havia um bando de envelopes unidos por uma fita elástica. Seu nome em cada um dos envelopes, mas nada de endereço. Ela abriu o primeiro da pilha, tão nervosa a princípio que não conseguiu ler as palavras. Com as pernas bambas, sentou-se na poltrona. A carta era assinada pelos dois. Os pais haviam entrado em contato com Stella? Queriam entrar em contato com ela? E no interior dos envelopes estavam todas as cartas que a mãe escrevera para ela ao longo de todos aqueles anos e jamais soubera para onde enviar. Cartões de Natal. Cartões de aniversário. Todos guardados.

O coração de Vivi bateu com tanta força que ela se surpreendeu por não ter saltado do peito. Como é que conseguiram o endereço dela? E estava endereçado para Vivi, não Victoria. Liam tivera razão. Ela estava com medo. Fugira dos seus problemas, e jamais parara de fugir, jamais os encarara. Estava na hora de fazê-lo. Deixou as cartas de lado. Ela as leria mais tarde. O outro embrulho era de Nico. Achei que talvez quisesse ver isto. Eu a tirei no outro dia, quando você estava cochilando. A cópia estava ampliada e emoldurada. No retrato preto e branco, ela estava encolhida de encontro ao peito de Liam. Ele, como ela, não fazia ideia da presença do fotógrafo. Liam estava olhando para ela, seus braços envolvendo-a. Foi no segundo após ela acordar. No segundo em que ela o fitara nos olhos. O instante perfeito em que emoções puras estavam fluindo. Em que nada precisava ser dito. Tão óbvio. Nico era famoso por isto: ser capaz de capturar a essência. Não havia necessidade de editar as imagens para melhorar as fotografias. Não era à toa que o sujeito ganhara cada prêmio que existia. Não tinha dúvida de que as fotos de Alannah no barco deviam ser maravilhosas, mas nada podia ser tão lindo quanto aquilo. Era pura arte. E o mais importante estava ali para qualquer um ver. Amor estampado no rosto dela. E no de Liam? Uma pontada de dor atravessou-a. Queria tanto acreditar naquela imagem. Será que ele ficara ajudando-a a fazer decorações de Natal naquela noite, anos atrás, simplesmente porque quisera tirá-la de Oliver? Ou fora mais do que isso? Ele viera do nada. Nada de família, nada de amor. Vivi jamais entendera como ele fora verdadeiramente negligenciado, de tantas maneiras. Dera duro para se encaixar, mas acabara se apaixonando por ela. E abrira mão de tudo que conquistara para tê-la. Era uma dolorosa lição de humildade para Vivi se dar conta de que ele quisera ajudá-la novamente. Dessa vez, sabendo que não haveria mais nada. Colocar os pais em contato com ela fora um gesto de generosidade, de compaixão. O único que lhe restara, haja vista que ela o rechaçara, o rejeitara. Mais uma vez, não conseguiram se comunicar direito. Ele escutara, mas e quanto a ela? Não fora sincera, não fizera o que ele a desafiara a fazer, não pedira o que realmente queria. E que poderia ter. Vivi ficou de pé. Iria ver os pais e Stella. Mas, primeiro, havia algo mais que teria de fazer. Tinha de reivindicar o seu futuro. DEZOITO HORAS mais tarde, de volta à Itália, e torcendo para encontrá-lo no escritório, Vivi travou as pernas bambas e bateu à porta, apertando o embrulho sob o braço. Uma mulher abriu a porta, o short elegante que ela usava deixando à mostra pernas incrivelmente torneadas. Vivi tentou não entrar em pânico e pediu para ver Liam em um italiano

terrível. – Ele não está aqui – respondeu a mulher em inglês. Vivi sentiu o sangue gelar. – Onde ele está? – Londres. – Londres? Quando foi que ele foi para Londres? Um outro homem apareceu à porta. – Ele deve ir hoje. – E onde ele está agora? No aeroporto? Os italianos trocaram olhares. – Acho que ele está nos aposentos dele – disse o homem. – Se puder me acompanhar... É claro que ela o acompanharia. – Liam? – disse o sujeito, antes de começar a falar em italiano. Mas Vivi passou na frente dele, e o seu guia ficou em silêncio. Liam ergueu a cabeça e ficou de pé bruscamente. O italiano foi embora, fechando a porta atrás de si. – Victoria? – É. – Ela adiantou-se para dentro da sala, apertando o pacote em suas mãos. Notou a pequena bolsa de viagens perto da porta. – Estou atrapalhando alguma coisa? O sorriso familiar esboçou-se em seu rosto. – Não. Não importa. Vivi jamais se sentira tão nervosa. Nem mesmo quando Oliver a pedira em casamento diante de todo mundo, quando não soubera o que responder. Isso era muito pior, pois dessa vez sabia exatamente o que queria e como era importante. – Recebi um pacote – começou a dizer. – Dois, na verdade. Ele franziu a testa. – Deu o meu endereço para eles, não foi? Ele nada disse. Não perguntou sobre o que ela estava falando, mas Vivi não tinha dúvidas de que ele sabia. – Sei que foi você. Não poderia ser mais ninguém. – O que havia no embrulho? – Todas as cartas que eles escreveram para mim ao longo dos anos, mas jamais conseguiram enviar – revelou ela, emocionada. – Já foi vê-los? Ela sacudiu a cabeça. – Não acha que...? – Primeiro, eu tinha de vê-lo. Ele ficou paralisado, o olhar fixo nela. Vivi adiantou-se. – O segundo pacote foi enviado por Nico. – Ela pigarreou e retirou o retrato do embrulho, pousando-o sobre a mesa. – Ele o mostrou para você?

Liam ficou um longo tempo em silêncio, fitando o retrato. Por fim, Vivi deu aquele último passo adiante. – Não quero uma foto – disse, tomada de coragem. – Posso lidar com as pessoas profissionalmente. Mas tinha razão quando disse que eu não estava fazendo nada pela minha vida pessoal. Eu estava evitando qualquer coisa pessoal. Mas depois... da outra noite, isso mudou. Entrei em contato com os meus pais. Eu estava com medo, mas estendi a bandeira branca e acho que vai ficar tudo bem. – Ela inspirou fundo. – E resta você. – Também vai me fazer uma proposta de paz? – Não. Por você... vou lutar. – Vai lutar comigo? – Se for preciso. – Ela deu a volta na mesa. – Fui uma idiota. Desculpe ter perdido a calma. Um ligeiro sorriso esboçou-se no rosto dele. – Fico feliz que não tenha tido receio de perdê-la comigo. – Eu estava com medo – admitiu ela. – Por isso o mandei embora. – Doeu. – Sinto muito. – Não. Eu mereci. Você me acusou de não a escutar. E tinha razão. Eu não escutei. No passado, eu estava ocupado demais tentando encontrar soluções sozinho. Era a que eu estava acostumado, e fui orgulhoso demais para deixá-la participar. Sinto muito por isso. Mas eu deveria ter feito diferente na semana passada. Mas aí você colocou palavras na minha boca... de que eu não iria querer mais de você. – Palavras que você disse um dia. – Mulheres não são as únicas que podem mudar de ideia. – Ele sorriu. – E, sinceramente, para mim não foi uma mudança de ideia, mas uma aceitação do que sempre foi verdade. O coração de Vivi parecia prestes a explodir, de tão rápido que batia. – E que verdade é essa? – Que eu amo você. Percebi que jamais lhe disse isso, mas eu amo. – Eu nunca acreditei que seus sentimentos por mim fossem tão fortes. Lágrimas começaram a escorrer de seus olhos. – Como eu poderia não amar? Eu abri mão de tudo por você. – Eu também. – Sei disso agora. Ela olhou para o retrato, antes de voltar a fitá-lo. – Eu tenho medo, Liam, mas não vou permitir que isso continue me impedindo de pedir o que eu quero. E estou pedindo para você vir até aqui. – Não posso. – Não? O coração dela apertou-se. Um ligeiro sorriso triste lhe suavizou a boca. – Sabe o que acontecerá se nos tocarmos.

– Bem... – Ela mordeu o lábio inferior, relaxando um pouco ao ver aquele sorriso. – Eu meio que estava contando com isso. – Não repetiremos o mesmo erro. Temos de conversar a fundo antes de nos tocarmos. – O que mais você precisa saber? – Ela o fitou nos olhos. – Amo você. Sempre amei. E isso me deixa apavorada. A postura rígida dele derreteu. Com um passo, estava diante dela, seus braços envolvendo-a. – Não há nada do que ter medo – sussurrou. Liam a beijou. Beijou-a como a beijou na outra noite. Com todo o amor do mundo. E ela o beijou de volta, com semelhante fervor, intensidade e doçura. – Agora, não consigo soltá-la. – Ele gemeu. – Eu ia para Londres hoje à tarde. – Sua assistente mencionou. – Eu ia procurá-la. Jamais me senti tão mal. Magoado. Furioso comigo mesmo. Dei-me conta de que também não fui sincero com você. Eu jamais a deixei entrar na minha vida como deveria. Eu nunca lhe disse... tantas coisas que deveria ter dito. Especialmente que estava apaixonado por você. – Com uma expressão sofrida no rosto, ele a puxou para si. – Eu deveria ter me aberto com você, anos atrás. Deveria ter ido atrás de você. – Não. Não estávamos preparados. Éramos jovens demais. Eu tinha muita bagagem. Tinha de amadurecer. – Ela sorriu. – E você tinha um negócio a erguer. Estamos melhores agora. Ele curvou-se, descansando a testa na dela. – Amo você. Sempre amei. Apesar da sensação de contentamento, a realidade da logística ainda era um problema. – Como é que faremos para isso dar certo? Fracassamos redondamente da última vez. – Não. Fracasso é cometer o mesmo erro duas vezes. A primeira vez não foi um erro. Foi apenas um engano. Não fracassaremos agora. Basta pedir que eu escuto. – E vice-versa. Podemos dar um jeito de fazer a distância dar certo. – Não – disse ele, baixinho. – Já passei noites demais sem você. Já fiz o que podia pelo negócio aqui. Estou pronto para vender e partir para o próximo projeto, que será onde quer que você esteja. Chocada, ela deu um passo para trás. – Não pode vender o seu negócio. – Claro que posso. – Ele riu, voltando a puxá-la para si. – Querida, estou entediado. Preciso de um novo desafio. E, não, nunca ficarei entediado com você. Não era o que a preocupava. – Sua carreira é importante. Não deixarei que sacrifique nada por mim. Acabará se ressentindo de mim. – Isso não é sacrifício algum. Vim à sua procura, e, assim que a vi novamente e falei com você, estava acabado. Só demorei um pouco para processar. Não vou perdê-la novamente. Você é o que mais importa na minha vida. Dessa vez, tenho de nos dar uma chance. Dessa vez, eu posso. Dessa vez, não posso me dar ao luxo de não o fazer. – Mas o seu negócio... – O que é mais importante para você? A segurança financeira, ou me ter? Ela o fitou nos olhos.

– Você. – Apertou os braços ao redor do pescoço dele. – Você, você, você. – Nesse caso, se não se importar em arriscar-se com um empreendedor, ficará bem. Estou pronto para os próximos desafios. Desafios nos negócios. Desafios em família. – Ele sorriu. – Confie em mim, Vivi. – Vivi? – É quem você é... Minha Victoria, minha Vivi. Minha vida. Ela sorriu, sabendo que ele a amava tanto quanto ela o amava. O vínculo era muito mais do que apenas sexual. Tinha humor, apoio, substância. – Se você quiser, eu até a acompanharei nas suas corridas às três da madrugada com Gia. – Na verdade, não há necessidade. – Ela sorriu orgulhosamente. – Eu a enfrentei. Entreguei-lhe um gravador portátil e falei para ela ir com o guarda-costas. Liam riu e a beijou. – E como foi que ela reagiu? – Muito Bem. Mas, você sabe, ainda há um problema. Ele pareceu preocupado. – Qual? – Meu corpo está acostumado a exercitar-se de madrugada. Vou precisar de alguma atividade para substituir a corrida... algo que consuma muitas calorias... Com um sorriso malicioso nos lábios, ele a apertou nos braços. – Acho que posso pensar em algo... – Quando verei essas ideias? – Ah, pode ser agora mesmo. Ela riu, deliciando-se com o fato de estar nos braços de seu único e verdadeiro amor. Ele a fitou nos olhos, com os seus repletos de amor e paixão. – Sempre foi você – prometeu. – E você – respondeu ela. Finalmente. Sempre. Por toda a eternidade.

Anna Cleary

AMOR INESPERADO

Tradução Rafael Bonaldi

CAPÍTULO 1

ARIADNE SE debruçou sobre o parapeito da sacada e contemplou a ideia de se jogar no mar. Ser encontrada boiando de bruços serviria de lição para Sebastian Nikosto. Ele teria de procurar por outra noiva. E embora o calor do verão tornasse o ar da tarde agradável, o mar do porto de Sydney parecia profundo e frio, então ela resolveu se afastar. O fato dos pais dela terem morrido naquelas águas inquietas não ajudava. Ela poderia ser devorada por tubarões! A vista era linda, pensou ela, mesmo em comparação com a beleza de Naxos, que era de tirar o fôlego. Porém, tudo parecia distante agora. A alegria de voltar para a Austrália havia murchado. Ela se sentia mais deslocada ali do que se estivesse no estrangeiro. Incrível pensar que ela nascera ali mesmo. Ariadne voltou para dentro de sua suíte de hotel e deixou-se afundar na colcha luxuosa da cama, estendendo o braço apaticamente para pegar o guia turístico. O parque Katherine Gorge. O Uluru. Como ela ficara animada. A piada triste era que ela não iria ver nenhuma daquelas atrações. Ela estava ali para ser acorrentada à cama de um estranho. A menos que ela fugisse. A esperança minúscula surgiu novamente no peito dela. Esse tal de Sebastian Nikosto não fora esperá-la no aeroporto. Talvez ele tivesse mudado de ideia? O telefone tocou, e ela quase caiu da cama. Seria Thea, ligando para pedir desculpas pela armadilha e para que ela voltasse para casa? Para explicar o erro com a reserva do hotel? Era da recepção. – Boa tarde, senhorita. Giorgias, você tem um visitante. Senhor Nikosto. A senhorita deseja se encontrar com ele no saguão, ou eu devo lhe informar o número do seu quarto? – Não. – O coração dela deu um pulo e quase saiu do seixo. – Vou descer. Com a mão trêmula, ela desligou. Teria de dizer a Nikosto que ela era Ariadne Giorgias, uma cidadã australiana, e não um bem a ser negociado. Ela brigou com o casaco. Seu rosto estava mais pálido do que seu cabelo loiro, e seus olhos estavam com o tom de azul que surgia quando estava brava, ou com medo. As pernas dela pareciam dormentes. No elevador, ela tentou aplacar os nervos com pensamentos positivos. Tudo que ela precisava era de coragem. A Austrália era um país civilizado. As mulheres

não podiam ser forçadas a nada. Na verdade, ela estava curiosa para ver que tipo de homem se rebaixava ao ponto de comprar uma esposa, em pleno século XXI. Seria ele tão velho a ponto de ainda estar preso às tradições do passado? Ou tão repulsivo que não tinha outra escolha? De qualquer forma, ela era corajosa. Iria recusá-lo. Afinal de contas, ela era a notória noiva que deixara um dos herdeiros mais ricos da Grécia plantado no altar. Isso requisitou coragem, embora o tio e a tia dela pensassem de forma diferente. Mesmo assim, ao descer do elevador e se deparar com um idoso obeso em roupas largas próximo à mesa da recepção, ela sentiu o sangue gelar. Como eles ousavam? Como? Então, conforme o saguão opulento e suas grandes janelas com vista para a cidade giravam ao redor dela, o homem acenou para algumas pessoas do outro lado da sala e caminhou até elas. Oh. Então não era ele. Que alívio, pelo menos. Por hora. O olhar ansioso dela passeou pelos grupos de viajantes, os funcionários atarefados do hotel, as pessoas formando fila diante da recepção, até parar em outro homem desacompanhado, alto e esguio, vestindo um terno negro. Ele estava parado na entrada, de costas para ela, falando ao celular, com o casaco despido apenas de um lado enquanto a mão livre descansava em seu quadril. Ele caminhava para a frente e para trás de forma rígida, gesticulando com uma aparente impaciência. De repente, ele virou-se na direção dela. Os nervos de Ariadne entraram em rebuliço. Percebera que ele havia notado a presença dela, pois, mesmo a distância, ela o viu franzir o cenho. Ele disse algo ao telefone antes de desligar e guardar o aparelho no bolso do casaco. Apesar da coragem, o estômago deu voltas. Ele hesitou por um instante e então atravessou o grande saguão na direção dela, suas feições se alterando. Tarde demais, pois ela o havia flagrado. Conforme ele se aproximava, ela percebeu com uma crescente sensação de irrealidade que ele era bonito. Um homem magro e belo ao estilo grego, embora tivesse os traços indefiníveis e característicos de um australiano. De porte atlético, até mesmo de terno. Por que ele precisaria encomendar uma noiva? Ele tampouco era velho. Deveria ter 33 ou 34 anos, nada mais que isso. Talvez ela estivesse enganada, e não se tratasse dele. Ele parou a alguns metros de distância. – Você é Ariadne Giorgias? A voz dele era grave e bonita, mas foram os olhos dele que a cativaram. Eles eram cativantes, em um tom brilhante de chocolate, emoldurados por cílios grossos. Eles avaliaram-na friamente, mas ela podia adivinhar o que viam. Seus seios, suas pernas, os quadris prontos para carregarem filhos. Seria ela um bom troféu? Ela sentiu o orgulho ruborizar o rosto. A raiva e a humilhação roçavam na garganta dela. – Sim, sou Ariadne Giorgias. E você é...? Sebastian ouviu o tom seco e suas expectativas foram confirmadas. Então, srta. Ariadne Giorgias, herdeira da dinastia dos barcos Giorgias e sua noiva em potencial, era tão mimada quanto rica. Apesar da fúria pela situação espinhosa na qual se encontrava, ele sentiu uma pontada de ansiedade ao estudar o rosto dela pela primeira vez. Independentemente do que acontecesse, aquela poderia ser a mulher com quem ele se casaria.

Os traços dela não se assemelhavam em nada ao seu padrão de beleza feminina, mas ele precisava concordar que eles possuíam simetria. Ele podia imaginar como as irmãs dele descreveriam o rosto dela. Em formato de coração, com aquelas bochechas altas. A pele dela era suave, com uma translucidez quase acetinada, e olhos azuis impressionantes, que, naquele instante, brilhavam por causa de algum tipo de emoção. A boca de Ariadne era particularmente sedutora – uma mistura de sensualidade e inocência, se é que isso fosse possível. A boca de uma sereia. Podia ser pior. Se um homem fosse chantageado a se casar, quaisquer que fossem as falhas de uma mulher, ela precisaria no mínimo ser apresentável. Ele examinou o resto dela assertivamente. O cabelo dela era mais claro do que na foto que ele vira, embora as sobrancelhas e os cílios de um loiro acinzentado entregassem sua coloração original. Para um homem que admirasse esse tipo de beleza, ela era bonita. Até onde ele entendia de moda feminina, estava bem-vestida, sem nada chamativo. Poucas joias, embora as que ela exibia com certeza fossem do melhor que o dinheiro pudesse comprar. Ele percebeu que sua pulsação estava um pouco mais acelerada que o normal. Tudo bem, ela era atraente graças àqueles olhos. Ela parecia pálida, talvez estivesse nervosa, mas ele vetou qualquer emoção que isso pudesse evocar. Ela deveria estar nervosa. E ficaria ainda mais nervosa quando descobrisse o tipo de homem que ela teve a audácia de tentar acrescentar à coleção dela. Seus olhos então voltaram para o rosto dela. Sim, certamente, podia ser pior. – Sebastian Nikosto – disse ele por fim, estendendo a mão. Ariadne não fez menção em levantar os braços. Ela jamais o tocaria, decidiu ela com firmeza. Não se pudesse evitar. As sobrancelhas dele se juntaram, e ela soube que ele percebera o pequeno gesto de rejeição dela. Porém, ele se manteve impassível. – Seu tio pediu para que eu a recebesse e lhe mostrasse Sydney. – Oh. Então era você quem deveria ter me esperado no aeroporto? Os olhos dele brilharam, sendo quase que imediatamente diminuídos por aqueles cílios longos e negros. – Eu peço desculpas. Terças-feiras são sempre movimentadas no escritório, e eu não pude me ausentar. Se bem que... – Ele sorriu, um sorriso que não se refletiu nos olhos dele. – Aposto que você é experiente com essas coisas. – De alguma forma, a voz dele era ainda mais mordaz por ser tão gentil. – Aqui está você. Sã e salva. Que “coisas”? Ariadne se perguntou o que ele teria ouvido falar sobre ela. As notícias do desastre do casamento teriam chegado ali, tão longe? “Experiente” não era uma palavra inócua. Ou ele presumia que ela era fácil? Que ela era negociada regularmente, como um animal de corte? – Sem nenhum arranhão – acrescentou ele. Ela lembrou-se da manhã que passara esperando por alguém – qualquer rosto amigável – no aeroporto, da agonia, o medo e indecisão por ter sido enganada a entrar em um avião, uma viagem tão longa. Rezando para que, de alguma fora, contra todas as possibilidades, ela estivesse enganada

e que um representante da família Nikosto fosse aparecer de braços abertos, convidando-a para ir para a casa deles. Imaginando se deveria ir sozinha para um hotel ou fugir como o vento para um lugar seguro. Mas qual lugar seguro, sendo que ela estava em terras estranhas? A única lembrança vaga que Ariadne tinha da Austrália eram as memórias infantis de quando era muito pequena, quando seus pais a levaram para visitar a casa de praia de algum parente da mãe dela. Ela não fazia ideia de quando isso acontecera. Aquilo não chegava nem perto de ser um pedido de desculpas. Será que ele ficara relutante em deixar seus projetos de satélites de lado, seja lá qual fosse o trabalho dele? Os homens de hoje esperavam que suas noivas por encomenda chegassem em casa por conta própria? – Sinto muito por você precisar se afastar do trabalho – disse ela, igualmente gentil. – Talvez você preferisse adiar esse encontro. Uma sobrancelha grossa se elevou. – De forma alguma, srta. Giorgias. Estou encantado em conhecê-la. Palavras agradáveis, proferidas em um tom sedoso, mas que demonstravam que havia um muro de gelo dentro daquele terno preto elegante e da camisa azul-clara, cores que acentuavam primorosamente o tom de bronze da pele dele e o cabelo negro. Paradoxalmente, como se a frieza dela tivesse mexido com a masculinidade dele, aqueles olhos se fixaram involuntariamente na boca de Ariadne. Ela então virou-se para o lado sutilmente, sentindo a pulsação aumentar por causa da reação involuntária de seu corpo ao distúrbio na atmosfera ao redor daquele corpo masculino. Testosterona, sem dúvida. Era mais do que normal ele estar pensando nela em termos de sexo. Ariadne juntou as lapelas do casaco. – Não sei o que meu tio lhe disse, sr. Nikosto, mas eu vim para cá de férias. E nada mais. Ele a estudou com uma expressão ilegível, para então acabar com qualquer pretensão de injetar inocência naquela situação. – Achei que Péricles Giorgias estivesse em posição de comprar para a sua sobrinha um noivo de qualquer uma das grandes famílias da Europa, srta. Giorgias. – Os olhos dele estudaram-na novamente, sem negar o que sentiam por ela. – Estou surpreso pela... honra. E lisonjeado, é claro. Os olhos dele brilharam com um chama negra e perigosa, que em nada lembrava honra, e uma onda de choque percorreu o corpo dela. Aquele homem estava bravo. Sua decepção era tão grande assim? Ela não queria que ele a desejasse, mas o insulto a golpeou com força. Porém, ela não podia permitir que ele a visse como uma leoa sem dentes. Era melhor que ele percebesse logo que ela podia se defender sozinha. – Estou surpresa por você ser um homem que pode ser comprado – retrucou ela, embora sua voz tremesse. Os olhos dele se iluminaram. – É melhor você saber o que está comprando, srta. Giorgias. Diga-me, depois de me acorrentar ao seu lado, o que você pretende fazer comigo? Ela encarou o olhar sombrio dele e tentou reprimir as visões dela deitada nua ao lado dele, em uma cama imensa. Visões dela nos braços dele, junto àquele corpo esguio e sarado... Mas ela não permitiria... E não era possível que ele... Ela jamais...

Ariadne rapidamente afastou aquelas imagens. O que o tio dela podia ter prometido em nome dela? Com uma sensação inevitável de vergonha, ela procurou pelo gloss, para minimizar o ultraje que Thio Peri havia cometido contra a autonomia dela. – Meu tio providenciou esse encontro simplesmente para nos conhecermos. Só isso. Para ver se há... – Ela sentiu a vergonha subir do peito pelo pescoço, chegando até as orelhas e, furiosa, acrescentou de prontidão: – Não existe a necessidade de... algo mais. Sou uma mulher livre. E este é um mundo moderno. A boca sexy e perfeitamente esculpida curvou-se em descrédito, e ele disse educadamente: – Oh, certo. Claro que é. Mas tente entender uma coisa, srta. Giorgias, eu sou um cara sério. Não sou um piloto de corrida famoso ou um príncipe com tempo de sobra, entre uma corrida de iate e outra. Tenho uma empresa para gerenciar. Algumas pessoas escolhem trabalhar, caso não tenha ouvido falar disso. Não vou poder me dedicar ao seu entretenimento vinte e quatro horas por dia. Ele era tão frio e hostil que toda a tensão, o medo e a desconfiança que ela sentia desde a viagem, o choque pela traição, juntaram-se em uma explosão de emoções. Sentindo o sangue fervente subindo para a cabeça, ela atirou: – Eu prefiro que você não se dedique a mim de forma alguma, sr. Nikosto. Depois do impacto das palavras, ela sentiu o olhar ardente dele em suas mãos trêmulas, e tentou desviar a atenção dele. A perda de controle dela gerara alguma coisa, entretanto, ela podia sentir a mudança no ar. Sebastian finalmente reparou nas olheiras de Ariadne, e na pulsação acelerada pulsando na garganta dela. Com um súbito aperto no peito, ele se viu como um bruto segurando nas mãos de uma criatura delicada e indefesa. Uma criatura com sensibilidade e ansiedades. Com seios macios por baixo do casaquinho austero. Ele não conseguia controlar os pensamentos que se seguiram. Uma criatura – uma mulher que logo poderia ser sua, para despir. Se ele assinasse o contrato. Os lábios suculentos dela tremeram e, contra a sua conta, contra todas as possibilidades, o sangue dele se agitou. Caramba, como a boca de Ariadne era convidativa. Uma boca intensamente beijável. Presa em uma armadilha emocional e com os instintos protetores à flor da pele, Ariadne sentiu a tensão emanando dele. Ele então se aproximou, levando até ela a sutil fragrância de sua colônia, e subidamente os receptores sexuais dela chamaram pelo corpo grande e vibrante dele. Por trás daquela camisa azul, havia um coração pulsante, um corpo de carne e osso, músculos e força. – Sebastian – declarou ele. – Olha, hã, Ariadne... Tudo bem se eu te chamar de Ariadne? Ela deu de ombros. – Independentemente de como você chame sua presença aqui, eu concordei em fazer a minha parte. A menos que você queira dar para trás? – Sua expressão de repente ficou séria, e seus olhos desafiadores. Era um ultimato. O coração dela bateu forte. E se ele ligasse para o tio dela e dissesse que ela não estava sendo cooperativa? Depois do truque do avião, ela não duvidaria que Thio se recusasse a

resolver o problema de sua acomodação. Então lhe ocorreu que talvez o mal-entendido com a reserva não tivesse sido um erro. Com o dinheiro limitado e sem meio de pagar por trinta noites nos preços de Sydney, era possível que Ariadne acabasse sendo obrigada a implorar pela generosidade daquele homem. Sentindo o coração afundar no peito, ela percebeu que talvez fosse exatamente esse o plano deles. As palavras do tio dela retornaram à mente dela com uma relevância assombrosa: – Os Nikostos são boa gente – garantira Peri Giorgias. – Eles vão cuidar de você. Aposto que eles vão te levar do hotel para te acomodar na villa da família. A villa da família Nikosto. Exceto que não era a família Nikosto. Apenas um membro dela. Um membro bravo, severo. Até ter a chance de conversar com seus tios e descobrir como estava sua situação financeira, talvez sua melhor opção fosse fingir estar de acordo com o plano. Ela olhou nos olhos de Sebastian Nikosto e esmagou o próprio orgulho. – Não, não. – As palavras eram como cinzas na língua dela. – Estou... Estou muito agradecida por sua bondade. – A voz dela fraquejou na última parte. Um leve rubor tingiu as bochechas dele ao dizer bruscamente: – Muito bem, então. Jantar esta noite? Eu te pego às 19h. – Os olhos dele focaram nos lábios dela. – É melhor começarmos logo.

CAPÍTULO 2

ARIADNE CAMINHOU ansiosamente de um lado para o outro na sala de estar da suíte, quase abrindo um buraco no tapete. Então ela andou furiosamente pelo cômodo endireitando os quadros, colocando as luminárias em posições melhores, realinhando as cadeiras. O esquema do tio a colocara em uma posição impossível com aquele homem feito de gelo. O que lhe fora oferecido para se casar com ela? Não era à toa que ele pensava tão mal dela – mas por que, oh, por que ele aceitara essa situação se ela o enfurecia tanto? Talvez, se ela tivesse conseguido menosprezá-lo mais, ela não estaria se sentindo tão envergonhada. Envergonhada pelo tio. Envergonhada de si mesma e da confusão em que se metera ao pensar que estava apaixonada por aquele mentiroso tratante, Demetri Spiros. Imagine se Sebastian Nikosto tivesse ouvido falar do escândalo envolvendo o casamento. As palavras do tio soaram na mente dela durante todo o trajeto até Sydney: “Não existe um homem na Grécia que ousaria tocá-la, nem com uma vara muito longa.” Com certeza ele sabia que ela iria se casar, mesmo que fosse com alguém “comprado” – ela corou novamente ao se lembrar das palavras pungentes de Sebastian – o homem teria de saber sobre o escândalo. Outras coisas que Sebastian havia dito voltaram a soar na mente dela com um significado mordaz. Algumas pessoas escolhem trabalhar, caso não tenha ouvido falar disso. Ele presumia que Ariadne não tinha qualificações profissionais. Por caso ela parecia que havia passado a vida toda como um ornamento inútil? Ela continuou repassando as coisas que havia dito a ele e transformando-as nas coisas que deveria ter dito. Na próxima vez que ela o visse... Naquela noite, se ela conseguisse encará-lo de novo, deixaria claro que tipo de mulher ela era. E se ele achasse, mesmo que por um mero instante, que ela estaria disponível para ele... Quando a tempestade se acalmou um pouco, ela sentou-se na cama e forçou-se a pensar com a razão. Em Atenas, seria de manhã. Seu tio estaria a caminho do escritório, e sua tia entretida com sua rotina de beleza ou dando ordens à empregada. Thea Leni sempre fora amável e fácil de lidar, embora sua participação naquele esquema para ludibriá-la a deixasse dolorosamente espantada. A

dor se tornava mais e mais revoltante cada vez que Ariadne pensava nela. Sua tia deve ter acreditado na solução do marido para o “problema Ariadne”. Ela colocou a cabeça entre as mãos, ainda incapaz de acreditar em tudo que acontecera. Eles pretendiam que isso fosse uma punição? Ela sempre acreditara na bondade dos tios, desde que eles a levaram para Naxos aos 7 anos de idade, depois do acidente. Embora fossem muito mais velhos que os pais dela, eles fizeram o possível para substituí-los. Na maneira antiquada deles, seus tios a amaram e a protegeram, inclusive a ponto de fazê-la se sentir sufocada quando chegou aos 18 anos. Por que ela não percebera logo do que se tratava aquela viagem? Quando Thio Peri a deixaria viajar para fora da Grécia sem eles? Cada passo que ela dera sempre fora sob a proteção e os cuidados deles. Quando ela fora enviada para o colégio interno na Inglaterra, Thea Leni ou Thio Péricles iam pessoalmente buscá-la nas férias e feriados. Tempos depois de retornar a Atenas para a universidade, eles lhe contaram que um dos jardineiros da escola era na verdade um segurança pessoal dela. Thio Peri sempre temera que ela fosse sequestrada. Quanta ironia. Depois de tê-los decepcionado e causado o escândalo, a joia deles deve ter perdido o lustro. Na forma tradicional de pensar, seus tios ainda acreditavam que grande parte da honra de uma família dependia dos casamentos de seus filhos, dos netos que estes gerassem. Não era difícil de compreender. Eles nunca pararam de lastimar a falta de filhos. Todas as suas expectativas se encontravam nas costas de sua filha “adotiva”. – Você vai gostar de Nikosto – incentivou Thio Peri em certa ocasião, determinado a ludibriá-la. – Meu pai e o velho Sebastian conversaram todas as noites na taverna, durante cinquenta anos. Thea Leni a abraçara com força. Ariadne deveria ter notado que aquilo se tratava de uma despedida. – Isso vai ser muito bom para você, toula. Já era hora de você visitar seu país. – Achei que a Grécia era meu país – dissera Ariadne, grata por eles estarem finalmente aceitando a ideia, depois de meses de recriminação. E, verdade seja dita, um pouco temerosa por estar se aventurando tão longe por conta própria, finalmente. – E é. Mas é importante conhecer sua terra de nascença. Admita. Você perdeu seu emprego, seu apartamento, as pessoas estão cochichando sobre você... Precisa de um descanso. Eles precisavam de um descanso. Agora ela via isso. Um descanso dela. Do embaraço que causara a eles. Foi só quando estava apertando o cinto de seu assento no avião que ela acordara. – Sebastian vai te encontrar no aeroporto para lhe mostrar Sydney – dissera a tia dela por último. A risada calorosa do tio acompanhou-a pelo corredor de embarque. – Não volte sem uma aliança no dedo e um homem na mala. Ela devia ter notado. O nome de Sebastian quase não havia sido mencionado até então. Sentindo um súbito pânico, Ariadne sacou o celular. – Thio. Oh, oh, Thio. – A voz dela tremia. – Isso não é algum tipo de encontro às cegas, é? A culpa sempre fazia o tio dela tagarelar. – Você deveria estar grata por sua tia e eu termos arrumado isso para você, Ariadne. – O quê? Como assim? – Sebastian Nikosto é uma boa pessoa. Um bom homem.

– O quê? Não, Thio, não. Você só pode estar brincando. Você não pode fazer isso. Não é escolha minha... – Escolha. – Ele ergueu o tom de voz. – Você teve escolhas, e olha o que você fez com elas. Olhe para si mesma. Você tem quase 24 anos. Não há um homem na Grécia – na Europa – que queira tocá-la. Agora, tente ser uma boa garota e faça a coisa certa. Seja boa para Sebastian. – Mas eu não o conheço. E ele é velho. Você mesmo disse que ele é velho. Estou saindo de férias. Você prometeu, disse... Os protestos lacrimosos dela foram interrompidos. – Senhorita. – O comissário de bordo estava ao seu lado, dizendo para que ela desligasse o celular. – Não posso – disse Ariadne. Ela, que sempre odiara confusão e problemas. – Desculpe, eu preciso... – Ela tentou se explicar com um gesto para o sujeitinho afoito, e voltou a falar rapidamente ao telefone. – Thio Peri, isso não é certo. Você não pode fazer isso. Isso é contra a lei. – O tio então desligou, e ela tentou furiosamente ligar de volta. – Senhorita, por favor... – O comissário estendeu a mão, insistente, para pegar o celular. Os passageiros ao redor observavam-na com ávido interesse. – Mas é uma emergência. – Olhando ao redor, ela percebeu que o avião já estava sendo taxiado. Ela entrou em pânico. – Oh, não. Eu preciso descer. Ela largou o telefone, tirou o cinto e tentou se levantar. Alguém do outro lado do corredor salvou o celular dela. Vozes urgentes. – Senhorita, sente-se, por favor. Você está assustando os outros passageiros. As pessoas ao redor entortaram os pescoços, segurando no assento da frente, para ver a mulher afoita de pé. Então o avião acelerou para decolar, e ela se sentou involuntariamente. Ela sentiu o trem de pouso deixar o chão, e foi tomada por desespero. Eles precisavam voltar. O piloto precisava saber. Quando os telhados brancos de Atenas estavam ficando para trás, outros dois comissários chegaram, preocupados e mais autoritários. – Srta. Giorgias? A senhorita está se sentindo mal? – É... O meu tio. Ele... – O avião já estava sobre o mar. – Precisamos voltar. Houve um erro. Pode, por favor, dizer ao piloto? Ela percebeu a expressão estupefata dos dois, a rápida troca de olhares, e imagens das manchetes surgiram na mente dela. Ariadne Giorgias provoca acidente de avião. Ariadne de Naxos em mais confusão. Mais escândalo, mais vergonha. Mais lama jogada em seu nome, usando a coincidência do mito antigo. Por fim, ela voltou a se sentar e pediu desculpas. Mas Ariadne não conseguia se aquietar. Podia estar presa em um quarto de hotel, em uma cidade estranha do outro lado do mundo, sem poder contar com ninguém além de um homem que a desprezava, porém ela não podia ceder ao pânico.

Em primeiro lugar, Ariadne precisava ser prática. Era para suas acomodações e próximas refeições já estarem pagas pelas próximas semanas; sua conta bancária estava praticamente vazia, a não ser pelo dinheiro das férias. Dinheiro para algumas comprinhas, táxis, gorjetas e pequenas viagens. Dinheiro trocado. Que piada cruel. Ela respirou fundo e discou para o número privado de Thea Leni na casa de Atenas. Desta vez ela não iria perder o controle. – Eleni Giorgias. A voz da tia causou uma avalanche de emoção em Ariadne, mas conseguiu se controlar. Thea soava cautelosa. Como se esperasse por aquela ligação. – Oh, toula, não... Não... Seu tio já cuidou de tudo. Você vai ver. Você está... bem? Ariadne sentiu um aperto no coração pelo tom de preocupação, mas o ignorou. Não era hora para lágrimas. – Houve um erro com a reserva do hotel – disse ela rapidamente. – Descobri que só tenho reserva para uma noite, e que ela ainda não foi paga. A agência de viagens deve ter cometido um erro. E quando encontrei o guia turístico no saguão, meu nome não estava na lista. Achei que Thio havia pagado com antecedência. E ele também deveria ter pago o hotel para quatro semanas. Depois de um instante tenso de silêncio, a tia disse: – Não está pago? Mas... Como...? – Então, a voz dela mudou. – Oh, eu sei o que ele pensou. Considere, toula, que você não vai precisar ficar no hotel por muito tempo. A desumanidade daquele plano golpeou Ariadne em cheio. O que tinha acontecido com a castidade antes do casamento? – Oh, Thea, o que você está pedindo para eu fazer? – Desta vez não havia como controlar a angústia. – Você espera que eu vá direto para a cama daquele homem? Culpa, ou talvez vergonha, fez com que a voz da tia dela soasse estridente. – A única coisa que peço é que você dê uma chance a Sebastian. Ele é um bom homem, e vai se casar com você. Ele é rico, inteligente... Seu tio disse que ele é um gênio no ramo dos satélites. – Mas ele não quer, tia. Ele não quer se casar comigo. – Ela aumentou o tom de voz. – Eu sequer estou à altura de ser esposa dele. Um som de espanto chegou em alto e bom som, lá de Atenas. – Nunca diga isso, Ariadne. – A tia estava mais do que chocada. – Onde está sua gratidão? Você já teve um noivo que deixou esperando no altar, desonrando as famílias Giorgias e Spiros. Os melhores amigos de seu tio. Com a garganta apertada, Ariadne compreendia. Na visão antiquada da tia, ela fora desonrada e ainda não tinha marido. E para que mais servia uma mulher, senão para os papéis de esposa e mãe? – Eu já disse, Thea. Ele foi infiel. Ele tinha uma amante. Mesmo do outro lado do mundo, ela conseguiu ouvir o suspiro com o peso do mundo da tia. – Oh, cresça, Ariadne. Se quiser ter filhos, você terá de se comprometer, e tolerar... certas coisas. De qualquer forma, não há motivos para discutirmos. Seu tio não vai mudar de ideia. – Ele cometeu um erro, tia. Esse homem não se casará com uma esposa que não o deseja. Se você o conhecesse, me entenderia. Ele não... Por favor, Thea, você pode transferir dinheiro para minha conta, para eu pagar o hotel?

Ela podia ouvir lágrimas na voz da tia. – Toula, se isso dependesse de mim... Claro que eu o faria. Ouça, depois que se casar, dinheiro não será problema. Seu tio te ama. Ele acha que está certo, e só quer o melhor para você. – Ele sempre acha que está certo, e isso não é o melhor para mim – disse ela com firmeza. – E não vou aceitar. Diga a ele que ninguém forçará Sebastian Nikosto a se casar com uma mulher à força. Depois de um segundo de silêncio, a tia falou secamente. – Ah, ele vai sim. Certamente. Até onde eu sei, é o que ele mais quer. – Por que você diz isso? – perguntou Ariadne, tomada por um mau pressentimento. – Oh... Você sabe que não entendo de negócios, Ariadne. Seu tio diz que Sebastian tem muito a ganhar com esse casamento, e muito a perder sem ele. A empresa dele irá à ruína se ele não se casar com você. Celestrial. Não é esse o nome dela? SEBASTIAN TOCOU a campainha da casa dos pais, e depois entrou sem esperar. Ele devia estar no escritório, passando um pente fino pelos departamentos para descobrir maneiras de cortar custos sem cortar funcionários, mas acontecimentos arremessaram a atenção dele para outra direção. Antes de dar outro passo em falso, ele precisava fazer algumas pesquisas. Devia haver uma explicação para ele, de todos os gregos solteiros do planeta, ter sido escolhido como noivo de Peri Giorgias. Quando Giorgias chegara com a cláusula extra no contrato, nos estágios finais de sua formulação, de início ela parecia mais uma piada bizarra. A raposa velha e astuta havia escolhido o momento certo. Com a Celestrial pega de chofre pela recessão, ele sabia que, se saísse, a empresa teria perdas significativas em termos de matérias-primas preciosas já em uso no desenvolvimento da proposta. No instante em que percebera que a exigência do velho excêntrico era mais do que séria, Sebastian deparou-se com uma escolha implacável: aceitar aquela mulher, salvar a empresa e garantir a subsistência de seus funcionários, ou dar as costas à possível ruína de tudo que ele havia construído. Mas, logo ele? E por que não algum conquistador rico da velha Grécia? Angelika, a mãe dele, e Danae, a irmã casada de Sebastian, estavam metidas na cozinha, discutindo com o chef o melhor método de preparar algum prato fino. Angelika interrompeu o discurso com abraços e um inquérito preocupado sobre a dieta dele, e se o filho estava dormindo bem. Danae ouvia a tudo com uma expressão divertida e alguns acenos solenes. Sebastian lançou um olhar à irmã. Ela podia estar sorrindo, mas ele podia apostar que ela estava absorvendo a técnica para depois aplicá-la no sufocamento dos próprios filhos, quando chegasse a hora de eles escaparem do controle dela. – Olha como você está magro – lamentou Angelika, como uma mãe grega. – Você precisa é de um bom jantar. Maria, ponha um prato para ele. Tem uma moussaka na geladeira que eu estava guardando para o almoço de amanhã, mas isso é uma emergência. Danae, coloque em uma caixa para ele levar para casa. Mostre àquela mulher como se alimenta um homem. Ele ergueu a mão.

– Não, obrigado, Maria. – Uma boa janta era a cura milagrosa da mãe dele para tudo, desde gripe até insônia. – Eu tenho uma empregada em tempo integral, você sabe. E Agnes é muito sentimental em relação à comida dela. A mãe dele bufou, desgostosa. – Comida? Que comida? Seu problema, meu filho, é que você está muito preocupado com seus satélites para perceber o que acontece debaixo do seu nariz. Os sobrinhos de Sebastian perceberam a presença dele e vieram correndo, com milhares de coisas que eles precisavam contar ao mesmo tempo. Ele ouviu pacientemente todos os detalhes das exuberantes vidas dos jovens, enquanto Danae assistia com orgulho maternal. Por fim, ele se afastou com uma risada. – Chega por hoje – disse ele, bagunçando o cabelo dos dois garotos de 4 anos. Ele então esperou por uma brecha no trio de vozes elevadas para perguntar: – Yiayia está? A mãe dele indicou com a cabeça para o corredor. – Na estufa. Sebastian chegou de mansinho, no caso da avó estar tirando o cochilo da tarde. Mas ele não precisava nem ter se preocupado. Com sua bata de jardinagem e o cabelo preso frouxamente em um coque, a frágil mulher lutava para colocar um vaso de terracota sobre um banco. – Nada disso – disse Sebastian, aproximando-se e tirando o vaso das mãos dela. – Você sabe o que o médico disse, Yiayia. – Ora essa. Médicos – exclamou a avó de Sebastian enquanto ele posicionava o vaso na floresta tropical em miniatura que adornava todos os cantos possíveis, que era o orgulho e a alegria dela. – O que eles sabem? Ela retirou as luvas e inclinou a bochecha para cima, pedindo um beijo. Sebastian desistiu de discutir. – Bem, e você, glikia-mou, como está? – Ela acomodou-se em uma cadeira de vime coberta por xales, e Sebastian sentou-se diante dela. Filtrado pelas folhas do lado de dentro e de fora, o sol da tarde entrava pelas paredes de vidro, banhando o lugar com uma luz esverdeada. Sebastian relaxou, ciente de que estava sendo examinado por uma observadora quase sobrenaturalmente astuta da fragilidade humana. – Você se lembra da família Giorgias? As sobrancelhas da senhora se ergueram. – De Naxos? – Ele assentiu, e ela continuou. – Desde que era criança. Sempre havia um Giorgias em casa. Meu pai e o pai deles eram amigos. – A senhora se lembra de Péricles Giorgias? – Ah. – Ela fez um aceno sábio. – Claro que sim. Foi ele quem herdou o estaleiro e os barcos. Ele se casou com Eleni Kyriades. Era um homem muito generoso. Foi ele quem ajudou seu pai quando as lojas quase entraram em colapso nos anos 1980. – Como assim, ele ajudou o vovô? Tem certeza?

– Tenho. Quando os bancos nos deram as costas, Péricles fez um empréstimo a ele. A ser pago em juros, quase quando possível. Sem nenhuma condição. – Ela balançou a cabeça, contemplativa. – Que homem raro, quanta generosidade. Sebastian foi tomado pelo desânimo. Tamanha generosidade era mesmo rara. Mas havia uma condição, todavia. Uma condição de honra. Com pesar, ele reconheceu a situação. Os Nikostos tinham uma obrigação para com os Giorgias. Por algum motivo, Peri Giorgias solicitara um favor, e escolhera cobrá-lo do filho de seu devedor. Um filho pelo pai. Um favor por outro favor. Ele quase pôde ouvir o som da armadilha se fechando ao seu redor. Prendendo nos laços do matrimônio a uma estranha. Tentando se livrar da revolta que fincava os dentes em suas entranhas, Sebastian levantou-se e começou a andar de um lado para o outro. Outro casamento era a última coisa que ele queria. Como ele poderia desonrar a memória de Esther com a filhinha mimada de um magnata? – Ele tinha irmãos, também. Três, pelo menos. – A voz gentil de Yiayia penetrou pelas reflexões dele. – Eu me lembro do mais novo, mas dos outros... – A velhota recostou-se e fechou os olhos. Depois de um instante, ela disse: – Lembro-me de Andreas quando jovem. Ele não ligava para os negócios da família. Acho que ele era artista. Casou-se com uma garota australiana. Oh, foi uma tragédia terrível. Pobrezinhos dos dois. Apesar da resistência em saber qualquer coisa sobre as mulheres da família Giorgias, a atenção de Sebastian já havia sido fisgada. – O que aconteceu? – Um acidente de barco no porto, de noite. Acho que você não se lembra. Seu avô e eu, todos nós fomos ao funeral, mas você ainda era muito pequeno. Imagine um grego sendo morto em um acidente de barco! Disseram que foi uma colisão. Jovens tolos e imprudentes. Andreas e a esposa não tiveram chance alguma. Ele franziu o cenho, relutante em sentir empatia. Relutante em sentir. – Eles deixaram filhos? O rosto da avó se iluminou. – É verdade, havia uma criança. Uma garota, se não me engano. Acho que a pobrezinha foi levada de volta para Grécia com um dos irmãos. Sebastian fez uma careta e voltou a se sentar. Depois de um instante de fúria, ele declarou: – Péricles. – Ah. Um silêncio pesado se sucedeu. Sebastian se perguntou se, ao admitir aquele fato, ele não estaria entregando algo crucial. Cedo ou tarde, se ele continuasse com aquela farsa, todos eles descobririam. O que eles pensariam do filho brilhante, preso como um otário em um casamento por obrigação? Forçado a esperar no altar por uma mulher que odiava? Uma imagem do rosto ansioso e preocupado de Ariadne surgiu de repente na cabeça de Sebastian, causando um turbilhão no peito dele. Não, ele não a odiava, exatamente. Ele apenas se

sentia – furioso. Que homem não se sentiria assim? Tendo a esposa, a vida, decidida por outra pessoa. No primeiro ímpeto de revolta, ele culpara Ariadne. Ele a imaginara como uma déspota mimada, levando o tio coruja na palma da mão. Por que ela o havia escolhido? Seu nome estava em algum catálogo barato de homens disponíveis? A vó de Sebastian estudou o rosto dele, seus olhos negros e pequeninos não deixando transparecer nenhum de seus pensamentos. Após um instante, ele disse: – Você a conheceu? A filha de Andreas? Sebastian hesitou, e então deu de ombros. – Eu tive esse prazer. Aqueles olhos negros o examinaram um pouco mais, e então fecharam meditativamente. – Não acho que Péricles e Eleni foram abençoados. Ele sabia o que a avó queria dizer. Outras pessoas podiam ser abençoadas com inteligência, beleza, talento ou saúde, mas, para Yiayia, filhos eram as únicas dádivas verdadeiras da vida. Assim, bênçãos só podiam se referir a eles. – Oh, que tragédia terrível. Os jovens não deveriam morrer. Será que ela estava pensando também em Esther? – Não – respondeu ele. – Não deveriam. As pálpebras enrugadas dela se fecharam novamente, e permaneceram assim por tanto tempo que Sebastian achou que a avó havia dormido. Ele estava prestes a cobri-la com um xale quando eles se abriram, claros e focados como sempre. – Ela é bonita? Sebastian engoliu em seco. Ele resistia a considerar a beleza de Ariadne Giorgias. Abrindo a boca sem fazer som algum, ele decidiu que, quanto menos falasse, melhor. Qualquer coisa que ele dissesse poderia voltar para assombrá-lo. – As mulheres precisam ser bonitas, Yiayia? Não houve uma geração inteira de mulheres que se revelaram contra esse conceito? A velhinha fez uma careta de surpresa. – Elas geralmente são, não são, glikia-mou? Para os homens que as amam. Um homem precisa de algo adorável onde repousar os olhos. Novamente, ele imaginou se ela não se referia a Esther. E era verdade que ele a amara tanto quanto era possível um homem amar uma mulher. Sua família quase não tocava mais no nome dela, por não querer fazê-lo relembrar momentos ruins. Todas as esperanças perdidas depois de cada cirurgia, a radioterapia, o pesadelo da quimioterapia. Após três anos, todos ainda tomavam muito cuidado, especialmente Yiayia, pisando em ovos como se o casamento dele fosse um local sagrado, doloroso demais para a presença humana. Às vezes, ele desejava que todos pudessem lembrar de sua esposa como a pessoa que ela fora. Ele ainda gostava de pensar naqueles dias mais felizes e fáceis, antes de Esther e ele se casarem, antes que ele entrasse na Celestrial. Uma pontada de remorso se espalhou pelo peito dele. Se ao menos tivesse dedicado mais tempo a ela. Nos primeiros dias na empresa...

Sebastian afastou com dificuldade a autorrecriminação, os pensamentos que ainda tinham o poder de angustiá-lo. Era tarde demais para arrependimentos. Ninguém jamais a substituiria em seu coração, mas, com frequência, ele se deparava com um vazio no trabalho, por mais excitante e desafiador que fosse. Ele mal ficava em casa agora, e por vezes dormia no sofá de seu escritório. Podia imaginar o espanto dos pais se acabasse se casando com essa mulher grega, pois eles já haviam perdido as esperanças e se habituado com a solteirice dele. A verdade era que ele precisava admitir que, de uma forma ou de outra, um homem ainda precisava de uma mulher. De algum jeito, contra a própria vontade, encontrar Ariadne em carne e osso acordara o dragão adormecido dentro dele. Embora ela não tivesse sido escolha dele, não era menos adorável do que qualquer outra mulher que ele conhecia. Se a tivesse conhecido em alguma outra circunstância, ele talvez até fosse estar se sentindo atraído. Porém... A resistência formou um punho fechado dentro do peito. Ele não era homem de ser coagido. Ele então percebeu o escrutínio profundo de Yiayia. O que ela havia perguntado? Se Ariadne era bonita. Ela era? – Provavelmente sim – respondeu ele secamente, por fim. – Para quem gosta do tipo dela. – E que tipo seria esse? – inquiriu Yiayia. Defensiva, assustada, frágil. Linda. Sexy.

CAPÍTULO 3

ENQUANTO PRENDIA o cabelo em um coque, as mãos de Ariadne pararam no ar, no meio do movimento. O que Sebastian queria dizer com “começarmos logo”? Com certeza ele não esperava que ela fosse beijá-lo. Ou pior. Ela lembrou-se da boca austera e masculina dele, da sombra sexy da barba por fazer naquele queixo maravilhoso, e sentiu o sangue fervilhar. Pânico, combinado com um distúrbio flamejante e interno relacionado com o fato de ela não ter comido nada desde que havia entrado no avião. O homem havia se revelado um verdadeiro tubarão. Seus instintos femininos avisavam que ele talvez tentasse alguma coisa, mas ela teria apenas que recusá-lo. Isso não deveria ser tão difícil, pois ele claramente não gostara dela logo de cara. Ela havia conseguido fazer Demetri se segurar por meses, mesmo estando noivos e acreditando que estava apaixonada por ele. Ariadne sorriu amargamente consigo mesma. Que tola ela fora. Thea havia deixado implícito que fora aí que ela havia errado com o ex-noivo, mas Ariadne sabia a verdade. Demetri não estava interessado em fazer amor com ela porque ele tinha uma amante. Não faria muito sentido se Sebastian Nikosto quisesse beijá-la, mas nada na situação atual dele fazia muito sentido, aliás. Quanto mais ela tentava entender, mais ela ficava confusa. Sentia como se estivesse presa em um pesadelo. Se ao menos ela conseguisse dormir, então poderia por fim acordar em sua cama, em Naxos. Sebastian estava com raiva dela ou do acordo com o tio, no qual se encontrava preso? Ele fizera parecer que tudo era culpa dela. Alguns aspectos eram tão irônicos que ela até riria deles, se não estivesse tão preocupada. Thio provavelmente achara que ela era uma boa escolha para um grego-australiano por causa da mãe australiana dela. Porém, quando Sebastian Nikosto a vira pela primeira vez do outro lado da sala, ele se sentira ludibriado. Ela jamais se esqueceria da maneira como ele franzira o cenho, de como isso a ferira como uma agulha fervente. Seria por que ela não era atraente o suficiente? Ela prendeu o coque com um grampo. O que quer que acontecesse, ela preferia morrer a beijar um homem que havia pagado por ela. Não era de se estranhar que ele a havia julgado sem pudores.

Para ele, ela deveria ser as sobras de alguma promoção de feriado. Ela estava quase com vontade de revê-lo para provar que estava errado. Apesar de toda a coragem, a covarde dentro dela estava tentada a não comparecer ao jantar. E se ela alegasse que estava com dor de cabeça? Na manhã seguinte, ela simplesmente daria o fora do hotel e da vida de Nikosto, sem deixar vestígios. Porém, ela teria de pagar pelo quarto e, a julgar pelo piano de cauda e todas as outras comodidades da suíte, Ariadne não tinha certeza se poderia pagar a conta. Depois da conversa devastadora que tivera com Thea, o desespero inspirara um plano de sobrevivência. Se ela vendesse as poucas joias que havia trazido e encontrasse um lugar mais barato para morar, ela com certeza teria dinheiro suficiente para viver até encontrar um emprego. Devia haver galerias de arte na Austrália. Segundo as condições do testamento do pai, ela só teria direito ao dinheiro que herdara aos 25 anos – ou se se casasse antes disso. Tudo que ela precisava fazer era sobreviver por mais catorze meses. Durante a tarde toda, os pensamentos dela voltaram para aquela casa de praia. Ela se perguntou se a tia de sua mãe ainda morava lá. Será que ela se lembraria da garotinha que fora lhe visitar quase vinte anos atrás? Será que ainda estava viva? Era muito tentador simplesmente cortar toda a comunicação com Sebastian Nikosto e seus parceiros de crime naquele momento. Era o que ele merecia. O que todos eles mereciam, pensou ela decididamente. Ela deveria simplesmente desaparecer. O problema era que ele poderia procurar as autoridades se ela fizesse isso. Ariadne já imaginava as manchetes cáusticas na Grécia. Ariadne de Naxos perdida na Austrália. Será que Ariadne foi devorada por crocodilos? Ariadne, desaparecida no interior da Austrália. Não, desaparecer sem dizer adeus não era uma opção. E não havia mais ninguém ali que pudesse lhe ajudar com aquele dilema. Ela estava por conta própria, em um país estrangeiro, e, pela primeira vez, só podia contar com a própria engenhosidade. Precisava ficar cara a cara com Sebastian Nikosto e dizer que jamais se casaria com ele, sob nenhuma circunstância, e que nunca mais queria vê-lo. Uma onda de nervosismo inundou as veias dela. E se ele estivesse furioso? Ela quase esperava que estivesse. Seu coração ficaria agradecido em vê-lo perder o controle e derramar toda a sua fúria. Ela destacou as maçãs do rosto com pinceladas liberais de blush, ao mesmo tempo em que engrandecia a coragem mental com uma raiva forte e saudável. O que quer que ele dissesse, quaisquer insultos que ele disparasse contra ela, Ariadne e seu orgulho não iriam permitir que ele achasse que ela o temia. Aquele tubarão poderia fazer o que quisesse. A maquiagem seria o escudo dela. Ela aplicou sombra generosamente nos olhos. O efeito era atmosférico, quase gótico, intensamente satisfatório. Ela sentia como se estivesse disfarçada. Agora, a preocupação era o que vestir. O que ela menos queria era incitar os desejos daquele homem. Uma burca seria a melhor escolha, se ela tivesse uma, mas seu orgulho não permitira que ela se apresentasse como uma mulher em estado de pânico, de qualquer forma. Por fim, ela escolheu um vestido de renda todo

bordado, que apresentava um brilho ocasional nas contas ao se mover. Como a peça tinha alças finas, ela acrescentou um bolero com plumas para cobrir os ombros. Finalmente, vestida e pronta para a batalha, com a respiração tão apressada quanto os batimentos cardíacos, ela avaliou o reflexo no espelho. Batom vermelho, o único toque de cor. Vestido negro, plumas, bolsa. Meia-calça de seda transparente da cor de poeira, e sapatos pretos de saltos muito altos para dar mais altura. Tudo preto. Bem, ele queria uma mulher grega, não? SEBASTIAN SE barbeou com cuidado, de olho no relógio. Não que ele se sentisse culpado por não ter ido encontrá-la no aeroporto. Não exatamente. Ele era um cara ocupado. Se ele não cuidasse da Celestrial, quem sabe o tipo de problemas poderia surgir? Ainda assim, os bons modos ditavam que ele deveria se esforçar para ser pontual naquela noite. O jantar não precisava se prolongar até altas horas. Ele poderia estar em casa antes das 21h, para colocar o trabalho em dia. Ele esperava que a srta. Giorgias estivesse com um humor melhor. Ela estava com jet lag, é claro, o que explicava o comportamento arredio dela anteriormente. Ele jogou água no rosto e pegou uma toalha, encarando-se no espelho. Não fora muito duro com ela, fora? Ele poderia ter dito muito mais coisas. De qualquer forma, ela não o agradecera ao final por ser gentil? Ele secou o peito, jogou a toalha na cesta de roupas sujas e passou um pouco da loção pós-barba que suas irmãs lhe haviam mandado. Limão, sálvia e sândalo, dizia o rótulo. Garantido. Ele sorriu apaticamente. Garantido que ela amansaria a princesa? Como raramente acontecia com um homem de olhar fixo nas estrelas, seus olhos recaíram sobre uma mancha verde-escura que crescia como mofo ao redor da base da torneira. Há quanto tempo ela estava ali? Ela era grande o suficiente para estar ali há algum tempo. Agnes deve tê-la deixado passar. Mais de uma vez, pelo visto. Ele podia muito bem dar conta da mancha. Procurou por algo que pudesse usar, e pegou a coisa mais próxima disponível: uma das meias de ontem. Porém, a peça não fez diferença alguma contra a sujeira. Como um homem com coisas mais importantes para fazer, podia cuidar dos afazeres domésticos? Franziu o cenho diante do armário, rendendo-se à necessidade de escolher um terno de noite. Barbeado e vestido, ele examinou o visual uma última vez. Olhando por certo ângulo, aquela mulher havia viajado meio mundo para dormir com ele. Conhecê-lo, nas palavras dela. Não custava nada ranger os dentes e fazer um esforço para lhe mostrar um pouco de respeito. Afinal de contas, ele era um solteiro cobiçado. Um viúvo. Ele fez uma careta internamente quando a palavra odiosa surgiu das profundezas com todas as conotações de cinzas e funerais, e dias negros, longos e vazios. Afastando aqueles horrores da mente, ele desceu as escadas. No hotel, ele jogou as chaves para o manobrista e adentrou o saguão, ciente da antecipação que percorria suas veias, apesar de tudo.

Era o início da noite, e a cidade estava pronta para cair na farra, com suas luzes de néon em cada outdoor e arranha-céu. Aonde quer que ele olhasse, as pessoas estavam correndo para seus compromissos noturnos: caras com suas namoradas, casais de mãos dadas. A srta. Ariadne Giorgias teve uma ou duas horas para descansar, então com sorte ela estaria menos arredia. Ele se perguntou o que ela vestiria. Algo colante? Algum vestido exclusivo de algum designer chique, exibindo mais pele que tecido? O salão estava apinhado, mas não havia sinal dela. Depois do lapso dele naquela manhã, não ficaria surpreso se ela o deixasse esperando como punição. Ele foi até a recepção e pediu para ser anunciado. Mas Sebastian a avistou antes mesmo que o atendente pegasse o telefone. Ela estava emergindo do elevador junto com outras pessoas, mas ele a viu de primeira. Mesmo após um encontro breve, ele reconheceu a forma peculiar como ela se portava – caminhava com a cabeça erguida, como se quisesse captar todos os raios de sol disponíveis no cabelo, seu corpo esguio, gracioso e ereto. Ele devia estar a muito tempo sem a companhia de uma mulher, pois descobriu-se hipnotizado pelo balanço daquele quadril feminino. A velocidade do sangue dele aumentou ainda mais. Ao avistá-lo, seus passos hesitaram involuntariamente. Ao continuar na direção dele, sua expressão se tornara fria e cautelosa. Um homem não precisava ser um gênio da engenharia aeronáutica para ver que por baixo daquele fantástico vestido preto, das pernas torneadas e o cabelo lustroso, a srta. Giorgias estava com medo. Era isso que ele havia se tornado? Um homem frio e raivoso que assustava as mulheres? Ciente da pulsação acelerada, Ariadne encarou o desafio. Sebastian Nikosto parecia ainda mais bonito no terno de noite, se isso fosse possível, com a camisa cinza e a gravata em um tom de bronze que destacava traços dourados das profundezas daqueles olhos negros. Talvez fosse impressão dela, mas a expressão dela parecia mais amigável? Menos... hostil? Ele a examinou da cabeça aos pés, e mais uma vez ela teve aquela sensação ribombante, como uma espécie de excitação. O olhar dele a deixava demasiadamente ciente de suas curvas e do pouco comprimento da saia. Um milhão de pensamentos selvagens assaltaram-na ao mesmo tempo. Por que, oh, por que ela não viera de calça? A pulsação dela estava tão acelerada que o barulho em seus ouvidos quase não a deixava escutar direito. – Ariadne. – A forma como ele dissera o nome dela era como se ele estivesse coberto por chocolate amargo. Um daqueles bombons licorosos que acompanham o café no Litse, em Atenas. – Cheri Suisse. – A voz dela soou rouca. Oh, Theos, ela dissera mesmo aquilo em voz alta? Claro que não. Onde estava a elegância que ela tão desesperadamente precisava? Foi mais um daqueles momentos constrangedores em que se esperava que ele fosse apertar a mão dela, mas, desta vez, ele saiu com uma mulher. Antes que ela pudesse se preparar, ele se aproximou e roçou os lábios na bochecha dela. Foi tão inesperado que o coração dela quase parou. Ela sentiu o roçar da barba feita, e os aromas masculinos assaltaram os sentidos dela.

Com as bochechas coradas e quentes, havia apenas um pensamento coerente voando dentro da mente dela. Ele era um homem cujo interesse nela era puramente financeiro. Aquela excitação dentro dela precisava ser esmagada. De uma vez. – Acho que não vamos ficar fora a noite toda, já que você provavelmente está com jet lag – disse ele suavemente, como se não tivesse tentado insultá-la algumas horas atrás. – Conheço um lugarzinho não muito longe daqui. Gosta de comida italiana? Ela respirou fundo. – Ouça, Sebastian... – Ela ergueu a mão diante do corpo como uma barricada. – Não quero me casar com você – piscou, e, antes que Sebastian pudesse responder, ela continuou, com um tremor na voz: – Então... Acho que você não vai querer perder muito tempo comigo. De qualquer forma, obrigada por... ter vindo. – O quê? – Ele parecia surpreso. – Sim, isso mesmo. – Acometida por uma carga massiva de adrenalina, ela lhe lançou um sorriso frio. – Como se diz por aí, estou esperando meu príncipe encantado. Para evitar vê-lo se desmontar em uma poça de orgulho masculino, ela girou nos calcanhares e foi em direção aos elevadores, satisfeita com sua declaração final. Mas, infelizmente, após alguns passos, o homem persistente se recuperou e a alcançou. – Bem, hã... Espere um segundo. – Ele bloqueou o caminho dela, balançando a cabeça, o espanto dando lugar a um olhar divertido. Ela não sabia se ele havia entendido. Ou ele estava tão necessitado de dinheiro que se sentia na obrigação de tentar mais uma vez? – Tudo bem, Ariadne. Mas, independentemente se vamos nos casar ou não, nós precisamos jantar, certo? O rosto lindo dele abriu um sorriso muito mais perigoso do que a hostilidade dele de outrora. Pequenas linhas de expressão charmosas surgiram como pequenos raios de sol nos cantos dos olhos e da boca dele, pegando de surpresa o coração mole demais. Ali estava ela, toda pronta para ser corajosa e frustrar as palavras gélidas e cortantes dele, só para Sebastian mudar de tática. Era confuso e injusto. Ela precisava tanto de um amigo que, se não tomasse cuidado, acabaria perdoando-o. E aceitando a proposta. Só a ideia a fez estremecer. Graças a Deus o legado de Demetri não fora esquecido. Ariadne recordou-se que os homens não tem problema algum em mostrar sorrisos como aquele. Ela precisava ser forte e, depois de tanta humilhação, respeitar a si mesma. – Não estou com muita fome – afirmou ela friamente. – Ficarei satisfeita com o serviço de quarto. Enfim, foi... interessante conhecê-lo. – Oh. – Talvez ele tivesse percebido a ponta de hesitação na voz dela, pois ele baixou o olhar e seu sorriso desapareceu. Ao olhar para ela novamente, seus olhos estavam cheios de remorso. – Eu mereço isso. Sei que não fui muito educado quando nos vimos. Estou muito envergonhado pela maneira como falei com você nesta tarde. Eu gostaria de me desculpar de maneira apropriada e me explicar, se você me der uma chance. Os olhos dele se acalmaram, envoltos por aqueles cílios lustrosos negros, ganhando um brilho rico e aveludado. Ela teve a leve impressão de como seria ser alguém que ele admirava. Alguém por

quem ele demonstrasse afeição. Ele parecia tão sincero segundo os instintos dela, que estavam sempre dolorosamente ansiosos para pensar o melhor das pessoas. Quando começou a sentir que estava cedendo, ela lembrou-se a tempo do que passara com Demetri, e voltou a endurecer o coração. Homens podiam ser mentirosos e ardilosos. Especialmente se houvesse algum incentivo financeiro. – Desculpas aceitas – disse ela. – Adeus, sr. Nikosto. Até algum dia, talvez. Em outra vida. Em outro universo. – Olha, Ariadne... Tem certeza que não quer que eu lhe mostre um pouquinho da vida noturna de Sydney? Você está maravilhosa neste vestido. Seria uma pena desperdiçá-lo. – Os olhos negros e profundos dele cintilaram na direção dela. – Não precisamos ir muito longe. Dizem que este hotel possui um dos melhores restaurantes de frutos do mar de Sydney. – Ele indicou o outro lado do saguão. – Posso lhe oferecer pelo menos uma taça de vinho? Para quebrar o gelo? Uma bandeira branca era tão tentadora. Ela nunca fora do tipo vingativa. A boca dele relaxou, exibindo um sorriso que se refletiu nos olhos dele. Com a voz sexy, profunda e intoxicante, aquele homem era um dínamo de persuasão. Ela baixou o olhar, sentindo a pulsação frenética. Deveria aceitar o drinque? Era difícil imaginar que ele fosse algo diferente do que aparentava ser: civilizado, sério, honrado, decente... Infelizmente, a informação de Thea de que a empresa dele precisava de uma injeção de dinheiro ainda estava alojada no esôfago dela como um espinho. A dor e a vergonha pela noção de ser um prêmio em uma transação ainda estavam alojadas dentro dela. – Não, obrigada – disse ela com a voz grave. – Acho que prefiro ir para cama cedo e me aprontar para voltar para casa. Sebastian sentiu uma pontada de frustração desafiadora. Quanto um homem precisaria se esforçar para alegrar os ânimos daquela mulher difícil e, aos olhos dele, cada vez mais desejável? Ele admirou o vestido preto dela. Não era o traje clássico das mulheres para um jantar? O xale com plumas que ela havia acrescentado não ocultava a forma dos seios dela, o belo vale que os apartava. Sebastian teve uma súbita visão de seios sedosos derramando-se em suas mãos, de frutinhas vermelhas e suculentas pedindo para serem degustadas, mas ele logo a baniu. Ainda assim, a imagem permaneceu logo abaixo da consciência dele, como uma tentação insidiosa, proibida. Ele se censurou por ter se alienado da presença, tornando a situação ainda mais complicada do que precisava ser. Mas ele não deixou de perceber a ironia da coisa toda. Era ele que estava relutante em se casar. Quem imaginaria que ele teria de brigar para conquistar aquela noiva rebelde, até mesmo por um mero jantar? Ele então se lembrou de seus projetos de satélite mais complexos. Quanto mais difíceis eles eram, mais determinado ele ficava em resolver. Além disso, Sebastian tinha um interesse especial. Se ele não se casasse com ela, como ficaria sem o contrato com Peri Giorgias? Diante do verdadeiro perigo de deixá-la escapar, percebeu imediatamente o quão crucial era mantê-la ao seu lado. Ele não sabia se conseguiria fazê-la mudar de ideia, mas seu corpo todo foi tomado por uma urgência em vencer. Aquele pequeno embate, pelo menos.

– Voltar para a Grécia? – repetiu ele, apelando para o charme que ele sabia que nunca falhava com as mulheres. – Você prefere isso a jantar com um cara cujo único desejo é se redimir? Os olhos azuis cintilantes dela o encararam sem hesitar. – Depende do cara. Touché. O golpe foi tão inesperado quanto seu efeito. – Oh, certo. Ariadne percebeu que suas palavras haviam tido o impacto desejado. Ela ficou tensa, à espera de uma resposta à altura. Mas ele meramente assentiu, dando de ombros. – Tudo bem, então. A escolha é sua. Os lábios dele formaram uma linha reta e tensa, porém ele ergueu a mão em um gesto educado de despedida. – Aproveite suas férias, então, srta. Giorgias. Enquanto o assistia indo embora, o repentino alívio da tensão fez com que as pernas dela ficassem bambas. Ela deixou escapar o ar que nem havia reparado que estava prendendo. Indo para o banheiro feminino mais próximo, ela agradeceu pelo santuário de um momento sozinha para se autocongratular. O primeiro triunfo do dia. Ela se apoiou na pia até a respiração se acalmar. No espelho, seus olhos tinham um brilho negro, como se ela estivesse vindo de uma briga. De certa forma viera, Ariadne reconheceu, e saíra vitoriosa. Ele parecera tão chocado, como se tivesse sido atacado por uma ovelha. Era o que ele ganhava por concordar com o plano do tio dela em vendê-la como um cordeirinho indefeso. Uma breve imagem da sinceridade nos olhos dele ao se desculpar surgiu na mente dela, mas Ariadne a afastou. Deixe que ele se sinta culpado. Deixe-o sofrer. Pela primeira vez, ela não havia sucumbido aos mandos de um homem. Ela seguira à risca o plano, e se sentia melhor por causa disso. Poderosa. Com prazer, ela se olhou no espelho e fez um gesto simbólico, limpando as mãos. Sebastian Nikosto agora sabia o que era ser desprezado. A sensação de poder deve ter feito bem para a alma de Ariadne, pois ela sentia que não precisava passar a noite em seu quarto como uma covarde. Na verdade, seu apetite voltou rugindo, e ela se sentia tão faminta a ponto de comer um leão. Guiada pelo tilintar da porcelana e o barulho de conversas, ela saiu do banheiro e encontrou o restaurante sem problemas. Uma voz aveludada cantava um antigo blues no microfone, e cheiros apetitosos lhe deram boas-vindas. Ela se aproximou do maître, sentindo-se julgada por não estar acompanhada. – Com licença – disse ela, baixando a voz para não chamar muita atenção. – Mesa para uma pessoa, por favor. O garçom corpulento ergueu os olhos castanhos e arqueou as sobrancelhas fartas. – Nome? – Ariadne Giorgias. Uma expressão sutil e estranhamente desdenhosa surgiu no rosto do homem.

– A senhorita possui reserva? – Bem, não. – Ela sorriu, quase sussurrando. – Sou hóspede do hotel. Não achei que uma reserva fosse necessária. – Madame, a senhorita deveria saber – começou ele, sem fazer esforço algum para baixar o volume da voz e poupá-la do embaraço – que nos hotéis mais finos, com restaurantes de renome, reservas são necessárias. Ela corou. – Oh, desculpe. Eu não sabia. Nos hotéis finos em que eu já fiquei antes, isso não era necessário. O olhar cético do homem encontrou-se com o dela. – E quais hotéis seriam esses, madame? – Bem... O Ritz em Paris. E o de Londres. E o Dorchester. E o Waldorf em Nova York é muito acolhedor... – Embora os tios dela estivessem com Ariadne em todas essas situações. Ela supunha que poucos maîtres recusariam uma mesa a Peri Giorgias. – Oh, e também o Gritti em Veneza. Embora eu não tenha muita certeza desse último, acho que nós tínhamos uma reserva lá. O homem respirou fundo, comprimindo os lábios. – Madame – declarou ele, com uma ênfase austera. – Este é o Park Hyatt em Sydney. Nossas regras podem ser diferentes das dos estabelecimentos menos modernos do hemisfério norte, mas são cruciais para que nossos hóspedes desfrutem da excelência de nossa cozinha. – Ele esperou um instante para que ela digerisse a informação, e então apontou o dedo rechonchudo para a tela de seu pequeno computador, franzindo o cenho e os lábios. – A senhorita tem sorte, pois tenho uma última mesa disponível. – Ele pegou um cardápio, enfiou-o debaixo do braço grande e, girando nos calcanhares, fez um gesto imponente. – Por favor, siga-me. Grata pela sorte, Ariadne o seguiu pelo salão lotado. Através das paredes de vidro, ela avistava as luzes do cais, embarcações, o brilho da cidade que se erguia atrás do porto Circular Quay. As conchas brancas da Ópera de Sydney flutuavam majestosamente iluminadas. Ao caminhar por entre as mesas, ela não pôde deixar de reparar nas porções pequenas e deliciosas nos pratos imensos nas mesas dos outros clientes, e se perguntou aflita se não deveria duplicar o número de seus pedidos. Ela seguiu o guia até ele parar de chofre. Posicionada em um canto entre dois pilares e a saída para o terraço, ela avistou uma mesa pequena e redonda, lindamente posta com cristais, rosas vermelhas e uma toalha branca e rosa. Ao lado dela – praticamente grudada a ela – havia outra mesa, similarmente adornada. Só que aquela não estava vazia. Para o choque de Ariadne, Sebastian Nikosto encontrava-se reclinado na cadeira com as longas pernas estendidas por baixo da mesa, enquanto estudava um cardápio revestido de couro. O garçom puxou a cadeira e esperou. Sebastian olhou casualmente para ela. Seus olhos se iluminaram com um brilho curioso, para depois voltarem a examinar o cardápio. Momentaneamente abalada, ela acabou se sentando, por não querer causar uma cena ou que ele percebesse isso. Para seu desgosto, a cadeira estava virada de frente para a de Sebastian. Ela mal sabia o que dizer ao garçom. Perguntas gritavam na mente dela enquanto a presença sombria de Sebastian dominava o espaço. Será que, de alguma forma, ele havia adivinhado que ela

iria para ali depois, e havia combinado tudo com os funcionários do restaurante? Mas como? Será que ele tinha alguma espécie de clarividência diabólica? O garçom responsável pela carta de vinhos aproximou-se e permaneceu por ali, incitando educadamente que ela fizesse uma escolha. Como nunca havia feito isso antes na vida, ela abriu o cardápio e olhou as páginas e mais páginas com nomes australianos e neozelandeses desconhecidos, hipersensível à presença de seu vizinho. Ela podia perceber os olhos dele fixos nela, como se soubesse como sua presença a afetava, o quão pouco ela sabia sobre vinhos. Ela até considerou em sair dali por covardia, mas então reparou em uma garrafa de vinho tinto na mesa ao lado, sem a rolha. Para permitir que o vinho respirasse, teria declarado o tio dela com aprovação. Houve uma luta entre o orgulho e a prudência dentro do peito dela, mas o dia foi ganho pelo orgulho. Se Sebastian Nikosto podia pedir vinho, então Ariadne Giorgias também podia. Rezando para não dar um fora, ela murmurou o nome mais familiar da lista. O garçom ergueu as sobrancelhas. – Veuve Cliquot. Excelente escolha, senhorita. O homem então saiu, deixando-a sozinha para encarar Sebastian. Ela ergueu o cardápio na frente do rosto, ciente de que ele estava se inclinando para a frente com os braços cruzados sobre a mesa, observando-a como um puma pronto para o ataque. Ela sentiu-se irritada. A boca firme e masculina dele – que em outro homem ela talvez até considerasse beijar – estava rigidamente impassível, mas havia uma curva mínima em um dos cantos, como se um sorriso estivesse à espreita para escapar. Exceto que não havia motivo para sorrir. Pelo amor de Deus, o homem havia acabado de ser rejeitado em casamento. Ele não podia aceitar isso com dignidade? Ela estava pensando em algo desafiador para dizer para ele quando o garçom voltou com uma taça de champanhe, apresentando uma garrafa de rótulo amarelo para ela provar. Como havia visto o tio fazer inúmeras vezes, ela assentiu. O garçom colocou a taça diante dela, tirou a rolha sem derramar uma gota sequer, e então encheu uma taça para que ela provasse. O líquido borbulhante abriu cainho até o estômago dela como uma onda potente. – Obrigada – disse ela com os olhos lacrimejantes enquanto o garçom enchia a taça dela novamente. Para provar a Sebastian Nikosto que estava completamente à vontade e segura, ela levou a taça casualmente aos lábios para outro gole. Mas bolhas subiram para o nariz dela, causando um espirro inevitável. Em uma busca desesperada por um lenço, ela agarrou cegamente a bolsa e acabou derrubando seu copo de água. Oh, Theos. Uma enchente do tamanho das cataratas do Niagra desceu pelo lado da mesa. Um garçom entrou prontamente em ação, secando a água e perguntando se ela estava bem, se havia algo de errado com o champanhe, insistindo que chamaria alguém para trocar a toalha de mesa, apesar dos protestos dela. Cale a boca, ela queria gritar, desesperadamente ciente do rosto atento de Sebastian. Dê o fora daqui. – Não, está tudo bem – disse ela entredentes, enquanto o garçom secava a água. – Não foi nada. Eu gosto de umidade. Por favor – acrescentou ela, puxando a manga da camisa dele, clemente.

Por fim, o sujeito entendeu as indiretas e, mesmo à contragosto, foi embora, lançando olhares inconformados a ela sobre o ombro. Que ironia, pensava ela. O destino era tão injusto. Mesmo com sua extensa experiência nos grandes restaurantes da Europa, Ariadne tinha de aparecer no próprio país e passar por uma tola desastrada diante do homem mais desagradável que já conhecera. Assim que ela recobrara um pouco da compostura, Sebastian perguntou lentamente: – Celebrando? Ela lhe lançou um olhar fulminante. Havia um brilho inquietante nos olhos dele, enquanto aquele sorriso suspeito ainda estava presente no canto da boca sexy dele. Ele podia não ter derrubado o copo, mas, no fundo do coração, ela o culpava. – Isso não é da sua conta. Pelo menos o vestido era preto, refletiu ela. Ninguém mais precisava saber como ela estava desconfortável, sentada ali com um guardanapo molhado sobre o colo. Ele reclinou-se na cadeira, espreguiçando-se demoradamente. – Você é sempre assim, tão aflita e nervosa, srta. Giorgias? Ela respirou fundo e retrucou: – Você é sempre assim, tão rude e enervante? Ele ergueu as sobrancelhas. – Isso já é injustiça. Aqui estou eu, um sujeito inofensivo, rejeitado pela minha acompanhante e forçado a jantar sozinho, quando surge a mais impressionante das coincidências... Ela inclinou-se para a frente. – Isso é uma coincidência? Ele estreitou os olhos, pensativo. – Sabe, é o que eu estava me perguntando. Geralmente eu não acredito nessas coisas. Quando você apareceu aqui, eu fiquei, tenho de admitir, chocado. Parecia que nosso encontro havia sido armado. – Ele fez um gesto amplo, indicando os arredores. – Aqui estamos, em um espaço íntimo e particular, com as luzes do porto brilhando lá fora e com uma música suave de fundo, o terraço... – O que você está insinuando? Que eu armei isso? Isso é ridículo. Não sabia que você estava aqui. Como eu poderia saber? Ele deu de ombros, balançando a cabeça. – Não sei dizer. A menos que você tenha me seguido, por se sentir... envergonhada. – O quê? – perguntou ela incredulamente, revirando os olhos. – De qualquer forma, nós não tínhamos um encontro. – Ela se inclinou para a frente de novo, acrescentando em um tom de voz baixo, mas distinto. – Para a sua informação, eu jamais sairia com um homem que precisa se valer de uma negociação para conseguir uma esposa. Os olhos dele brilharam. – Não mesmo? Mas você viajou meio mundo para conhecê-lo. A insinuação sutil foi como um soco, e ela retrucou prontamente: – Não mesmo, não se eu tivesse... Ela parou de falar a tempo. Apesar da traição e da dor que os tios lhe causaram ao enganarem-na na hora de entrar no avião, eles ainda eram a família dela. Ainda eram tudo que Ariadne tinha no mundo, embora ela jamais fosse perdoá-los. De forma alguma ela admitiria isso para Sebastian.

Ele estreitou os olhos. – Se não tivesse o quê? Pela milionésima vez naquele dia, ela sentiu lágrimas pinicando atrás dos olhos. Piscando rapidamente, ela fingiu procurar algo dentro da bolsa, até o perigo passar. Ao erguer os olhos novamente, o olhar alerta e inteligente de Sebastian ainda estava fixo interrogativamente no rosto dela. – Você dizia...? – Nada – respondeu ela, grata pelos garçons terem escolhido aquele instante para virem anotar o pedido deles. Feliz por Sebastian estar distraído, ela voltou-se para o cardápio e a eficiente jovem garçonete. Quando finalmente se decidiu, Sebastian já havia feito o pedido dele, e o garçom já havia ido embora. Ele relaxou na cadeira, estirando as pernas por baixo da mesa. Embora ele olhasse para ela ocasionalmente, Ariadne sentia que a atenção dele estava fixa nela como um holofote de um milhão de megawatts. Em um esforço para mantê-lo excluído, ela manteve a voz em um murmúrio. – Talvez eu comece com uma ou duas trufas de chocolate, e depois experimente a bruschetta de manjericão. A jovem parecia surpresa: – As trufas são sobremesas, senhorita. – Claro, eu sei disso. Só uma, então. Depois você poderia cortar uma fatia bem fina de torta de ricota com pêssegos trufados? Seguida de um prato de linguine... – Qual, senhorita? Com brócolis ou camarão? Ela hesitou, ponderando, e então murmurou tão baixinho que a garçonete precisou se abaixar para ouvi-la: – Posso provar os dois? Vou querer também o linguado com molho de alcachofra e alcaparras. – O prato é o linguado inteiro – interveio uma voz grave da mesa ao lado. Ariadne sentiu uma pontada aguda de irritação. Aquele homem devia ter ouvidos supersônicos. Sem mencionar a petulância insuportável. Como se ele não tivesse falado nada, ela manteve os olhos firmes no rosto da garçonete e murmurou: – E uma salada verde para acompanhar. Com vegetais. – Algo mais? Salada de chicória e gorgonzola com pancetta e maçã verde? – Sim, sim, tudo. – Ariadne se inclinou para a frente, distanciando-se da mesa de Nikosto antes de sussurrar, esperando que a garçonete entendesse o recado. Ela sorriu para a jovem, desejando com todo o coração que Sebastian implodisse e desaparecesse. – Mais uma coisa. – Pois não? – A luz está vindo diretamente em meus olhos aqui. Você poderia me ajudar a me instalar naquele lado da mesa? Ela sabia que teria de se apertar, mas teria também a vantagem de se sentar de costas para Sebastian. A jovem avaliou o espaço com hesitação.

– Não tenho certeza se a cadeira caberá ali, senhorita. Ela pode atrapalhar na hora de servirmos o cavalheiro ao lado. A voz grave e suave se interpôs novamente. – E se a senhorita se mudar para cá? Ariadne lhe lançou um olhar congelante. Sebastian estava indicando o espaço ao lado dele, seu sorriso transmitindo inocência e boa vontade. – Ela ficará longe das luzes e poderá apreciar a vista. Já que somos praticamente parceiros de jantar... – Os olhos dele se demoraram no rosto dela com uma intensidade sensual. – Adoraria que você se juntasse a mim, srta. Giorgias. – A voz dele transbordava de sinceridade. – E você sairia dessa mesa encharcada. Os olhos da garçonete se iluminaram. – Oh, vocês se conhecem? – Deus, sim – disse ele. – Nossas famílias se conhecem desde sempre, não é mesmo, Ariadne? Virando-se para Ariadne, a garçonete reparou na toalha de mesa e sua expressão se transformou no mais puro horror. – Senhorita, essa toalha está ensopada. Você deveria ter me falado. Essa mesa terá de ser reorganizada. O que a senhorita acha? Gostaria de trocar de mesa? – Com um arquear sutil de sobrancelha, ela indicou Sebastian. – A luz não a incomodará ali. Ariadne estava encurralada em mais de uma forma, e seu olhar fumegante encontrou-se com o de Sebastian, sardônico. Ela não tinha certeza de quantos funcionários ele havia comprado, mas aquele sorriso era tudo menos inocente. Uma recusa a faria parecer esnobe, e seu pedido para se mudar pareceria mesquinho. – As coisas precisam ser sempre do jeito que você quer? – Acho melhor assim. Ela o encarou com escárnio. – Sua gravata está torta. – Está? – Ele sorriu, sabendo exatamente como isso o deixava sexy. – Por que você não vem até aqui para ajeitá-la? Ela cruzou os braços. – Acho que você gosta de ser punido. Eu já te rejeitei mais de uma vez esta noite. Os olhos dele brilharam. – Você pode ter mudado de ideia. Aposto que você é boa nisso. O passado culposo dela voltou à tona. – Por quê? O que você ouviu? As sobrancelhas dele se ergueram de curiosidade. – O que eu deveria ter ouvido? Viu só? Já estamos conversando. Você já pode vir para cá. – Ele bateu a mão no espaço ao lado dele. Ela expirou longamente, exasperada. Aquele homem não sabia ouvir não como resposta? Por outro lado, a mesa dela estava molhada. E não faria mal algum apenas jantar com ele, faria? Ele não

iria sequestrá-la e levá-la a força para sua fortaleza, obrigando-a a se casar com ele no meio da noite, com uma arma apontada. – Ah, tudo bem – respondeu ela. Ele então se levantou prontamente e ajudou a garçonete a mudá-la de mesa. – Pronto, não está melhor? Agora, não teremos de gritar um com o outro. – Eu não gritei – disse ela friamente. – Não, e também nunca sorri. Estou ansioso para acabar com essa sua cara fechada. Ela sorriu só para provar que ele estava errado, mas, depois de todos os horrores daquele dia, de alguma forma, aquela crítica machucou seus sentimentos já feridos. Ela agarrou-se ao sorriso o máximo que podia, focando em uma balsa que atravessava o porto. O silêncio tornou-se carregado. Depois de um longo e tenso minuto, ele disse gentilmente: – Ah... Agora que estou pensando no assunto, acho que deve ser a forma dos seus lábios. – Ele aproximou-se e traçou o contorno dos lábios dela com o dedo comprido, sem tocá-los. – Eles formam um beicinho. E são muito sensuais. A voz aveludada dele encharcou as terminações nervosas dela como aguardente.

CAPÍTULO 4

HOUVE UMA tensão crescente durante todo o jantar, não muito diferente de uma dança ritual cujos passos tinham de ser adivinhados pelos participantes. Ariadne se sentiu estranha jantando com um homem com quem havia recentemente recusado a se casar. Sebastian, todavia, não tocou no assunto, como se isso fosse parte de algum plano diabólico. Ele conduziu a conversa com suavidade e habilidade, até mesmo com casualidade, sem tocar em assuntos delicados. Ele apenas flertava com eles, pelas beiradas. Apesar do começo desconfortável, a temperatura começou a subir. Ainda assim, o assunto espreitava em cada olhar e nuance da conversa. Que tipo de homem persistia em uma mulher que o havia rejeitado pronta e resolutamente? Talvez ele esperasse que ela mudasse de ideia. E ele tinha charme. A cada garfada da deliciosa e reconfortante comida do Hyatt, ela percebia que não o detestava como havia pensado de início. Talvez ele não fosse um tubarão. Estava mais para uma arraia insinuante e sutil, com uma barba devastadora. E olhos negros acetinados que faziam o pulso dela saltar. E uma boca pronta para devorar os sonhos de uma mulher. A consciência dela não estava muito tranquila com a nova situação, mas ela a dominou racionalizando que se tratava de uma emergência. Era arriscado, porém, sentir-se tão emocional na presença de um homem tão lindo e de uma garrafa de champanhe. Pessoas cansadas, com jet lag e de coração partido podiam facilmente trocar risadas encantadoras por lágrimas. O cenário era excitante e pitoresco, com as mudanças constantes das luzes no porto de acordo com o tráfego sobre a ponte, mas ela não sentia que pertencia ali. Ela sentia-se tão deslocada que não se admirava em estar encontrando conforto na presença do noivo repudiado. Do aspirante a noivo. De tempos em tempos, ela se lembrava que aquele era seu país também, mas estava com problemas para se convencer disso. Ariadne desviou o olhar das luzes do porto para contemplar Sebastian. Se ele estava arrependido por tê-la transferido para sua mesa, ele não estava demonstrando. A boca sexy dele mais a brisa quente de verão que vinha do terraço faziam-na se sentir encalorada.

– Está quente aqui – disse ela. – Você também está sentindo? – Ela tirou o xale emplumado e o colocou sobre o encosto da cadeira. Ao fazer isso, um brilho apreciativo surgiu nos olhos dele, deixando-a ciente de que havia cruzado algum limite de segurança. O olhar dele faz a pele do peito dela e dos ombros formigar, como se estivesse exposta ao sol. Os receptores sexuais dela estavam enlouquecendo. Ele a tocaria se tivesse chance, Ariadne tinha certeza. – Você armou isso tudo, não? – desafiou ela, acariciando a haste da taça. Ele sorriu afirmativamente. – Nunca gostei de comer sozinho. Ela o encarou, torcendo para que ele não tivesse notado como aquele sorriso sexy havia penetrado na corrente sanguínea dela e estava fazendo a resistência dela derreter. – Como você sabia que eu viria para cá? Ele estudou o rosto, o cabelo, o pescoço e os seios dela, com seu olhar masculino. – Você arrumou o cabelo. E o vestido. Você se preocupou tanto em ficar linda que imaginei que não iria querer desperdiçar tudo isso ficando no quarto. Mesmo para se livrar de mim. – Oh. – Ela corou. – Bem, espero que isso tudo tenha custado muito caro. Sebastian a observou corar. Saber que ele tinha o poder de evocar tamanha reação nela era no mínimo sensual. Ele desviou os olhos para não encarar os seios dela, embora estivesse ciente deles com todas as fibras de seu corpo. Agora que o gelo havia sido quebrado, havia um brilho nos olhos azuis dela, causado pelo champanhe ou pela eletricidade que pulsava entre eles, Sebastian não sabia dizer. De qualquer forma, naquela noite, sua noiva esquiva havia mostrado vislumbres sedutores de sua verdadeira pessoa. Energética, ardilosa, engraçada, embora de vez em quando ele percebesse alguma emoção contida na voz dela. Por vezes o sorriso dela demonstrava uma qualidade febril, como se o ânimo dela fosse frágil. Ou ela estava excitada? A suposta noiva dele, Sebastian corrigiu enquanto observava os lábios dela se fecharem ao redor da colher coberta de chocolate e as pálpebras se abaixarem, em pura felicidade. Distraída de sua degustação do chocolate divino por aquele olhar lancinante, Ariadne olhou para outro lado. – Você nunca aceita não como resposta? – Depende da pessoa. E do quanto eu quero conhecê-la melhor. – Você não queria me conhecer melhor nessa manhã. Ou de tarde. – Isso foi antes de eu lhe conhecer. – Eu deveria ficar lisonjeada? – Lisonjeada, não. Atenta às possibilidades. Que possibilidades? A palavra flutuou na mente dela como uma névoa cintilante. A verdade era que parte dela estava alerta para algumas possibilidades desde que o avistara naquela mesa. Ou até mesmo antes. Ela arriscou tomar um gole de champanhe, embora soubesse muito bem que isso podia ser um erro. Aquela coisa já estava efervescendo nas veias dela, e Ariadne precisava manter-se em alerta.

Mas era como mágica, apagando a tristeza dela e aliviando sua ansiedade. Agora ela se sentia como uma mulher linda e desejável em uma aventura selvagem e fantástica. Se não era o champanhe que estava fazendo com que ela se sentisse assim, então o que era? Ela estava acostumada com homens bonitos, com olhos negros e sorrisos brancos reluzentes, mas Sebastian pertencia a outra dimensão – que poderia derrubar todas as defesas dela. Ariadne imaginou o que fora oferecido para ele. Participação na fortuna dos Giorgias, uma vez que a esposa dele pudesse ser herdeira de toda a fortuna? Ela afastou aquele pensamento terrível e se concentrou nos pontos positivos. Estava se sentido muito melhor depois de ter se alimentado. O pudim de chocolate certamente fora benéfico, embora houvesse também a taça de champanhe. Ou teriam sido duas? Ela espiou o balde de gelo para ver o quanto ainda havia na garrafa. A bebida havia ajudado a elevar o ânimo dela, fazendo com que ela se sentisse vibrante e viva, até mesmo um pouco imprudente. – Então, o que você está fazendo aqui comigo? – desafiou ela. – Está faltando mulher aqui em Sydney? – Não que eu tenha reparado. Qual a sua desculpa? Os homens na Grécia são dementes e míopes? Ela hesitou, evadindo o olhar sorridente e penetrante dele, arrependendo-se de ter escolhido um assunto tão doloroso. A última coisa que ela queria era ter de admitir que suas opções na Grécia haviam acabado. Ela não duvidava nem por um segundo da declaração do tio. Nenhum homem da Grécia desejaria se comprometer com ela. Não depois de todos os problemas e o bafafá com Demetri. Ela disse bruscamente: – Não planejo me casar. Nunca. Nem na Grécia, nem em lugar nenhum. – E se você se apaixonar? Ela lhe lançou um olhar sardônico. Que ironia ele, de todas as pessoas, estar falando de amor. – Você está brincando? Ele ergueu as sobrancelhas e ela disse, brandindo o garfo: – Deixe-me tentar explicar, embora como todos os homens você vá zombar. – Ela franziu as sobrancelhas em concentração. – Sabe, meu problema é que eu precisaria que a pessoa também estivesse apaixonada por mim. Nós teríamos de ser iguais. Como você pode fazer promessas e aceitar a bênção da igreja sem sinceridade de ambos os lados? – Ela o encarou com sinceridade. – Você acha que consegue entender esse conceito, Sebastian? É por isso que não posso arriscar. Imagine achar que alguém lhe ama só para descobrir depois que ela pensa erroneamente que você vai herdar a fortuna dos Giorgias. As mãos dele ficaram imóveis. Ele entendera muito bem aquela parte. – Então você não é a herdeira por direito? – Ele estudou o rosto dela, com um olhar alerta. Embora entendesse o interesse dele, ela ainda sentiu uma pontada de decepção. Logo quando ela estava achando que ele poderia ser diferente de Demetri. Mas que tipo de casamento ele teria em mente? Um casamento apenas no papel, em que cada um seguiria seu caminho depois de assinarem os registros? Oh, era tão humilhante. A cobiça

sempre pesava mais que a honra e a integridade, para todos os homens? Ela suspirou, frustrada. Deveria deixar bem claro que as chances de Sebastian usá-la para aumentar sua fortuna eram nulas. – Até onde sei, não vou ganhar nenhum centavo – informou ela, assistindo as feições dele enquanto destruía suas esperanças. – Tenho primos mais velhos, todos homens. Thio Peri não acredita que uma mulher pode gerenciar uma empresa. Bem, claro que ele sabe que as mulheres podem gerenciar alguns negócios, mas ele não acha que uma possa comandar o dele. – Ela recostou-se na cadeira, esperando resultados. Ele se levantaria da mesa, daria boa noite e desapareceria? – Sou só uma sobrinha, sabe. Além disso, Thio sabe que eu não quero me envolver com isso. – Com um sorriso agridoce, ela acrescentou: – A única coisa que tenho direito de herdar é o pouco dinheiro que meus pais deixaram. Eles não eram ricos, nós vivíamos em um chalé modesto. Acho que eles nem eram donos do lugar. Assim, você não teria nada a ganhar. Ele ficou em silêncio por vários segundos, sua expressão inescrutável. Então, ele olhou para ela. – Se eu me casar com você. – Exato. Se você... Mas agora você não vai poder, não é mesmo? Não depois que eu... recusei você. Ele a manteve presa em seu olhar. O instante se alongou, enquanto o coração dela se acelerava e sua mente era inundada por perguntas. O que ele estaria pensando? Ela não fazia ideia do que seu tio lhe oferecera. Será que ele achava que podia fazê-la mudar de ideia? Será que ela era mesmo tão inocente? Sebastian se perguntava. Ela falava como se não tivesse ideia dos meios empregados pelo tio para trazê-la até ali. O fato de Péricles nunca ter mencionado nada a ele fazia a declaração dela parecer verdadeira. De uma maneira estranha, isso tornava o acordo escandaloso e ligeiramente mais palatável. Sebastian fez uma careta. Ele devia estar ficando louco. O que havia de errado com ele, preferindo ser chantageado em um acordo de negócios a ser comprado como um garanhão? Os pratos de sobremesa foram levados embora, e ela pediu ao garçom que transmitisse ao chef sua imensa gratidão pelo pudim de chocolate. As curvas suaves das bochechas, do pescoço e dos ombros dela lhe chamavam a atenção de forma hipnótica. Yiayia estava certa. Ele está há muito tempo sem nada bonito para apreciar. Até mesmo a voz dela, baixa e grave, intoxicava os ouvidos dele. Supondo que ele decidisse se casar com ela, o quão difícil seria persuadi-la? – Nada mais para mim, obrigada. Sebastian? Conhaque? Ele se recompôs, acenando que não queria nada, e pediu a conta. Apenas uma parte da mente dele estava presente. A outra estava imaginando como seria ter Ariadne Giorgias como esposa. Encontrar aqueles olhos azuis luminosos e aquela boca luxuriante à mesa do café da manhã. Enterrar o rosto na massa sedosa daquele cabelo, no travesseiro ao lado. Penetrar o calor úmido daquele corpo maravilhoso e possuí-la por completo, até ela gritar em êxtase, noite após noite. Ele inspirou profundamente e sorriu. – Está a fim de esticar as pernas? Então era assim que ele faria sua jogada? Ela hesitou. Ariadne poderia pedir desculpas, dizer boa noite e correr para o quarto. Então lhe ocorreu que, assim que estivesse sozinha no quarto, ela teria

de encarar a triste realidade: aquela seria sua última noite dormindo em segurança, confortavelmente. Na manhã seguinte, estaria sem teto, vivendo dos próprios recursos em um país estrangeiro. Aquela manhã se aproximava dela selvagemente. Ela sentia um profundo horror, como um criminoso encarando a prisão pela primeira vez. Com um leve tremor, levantou-se da mesa. O terraço envolvia o hotel como o deque de um transatlântico, com o mar arrebentado em suas laterais. Em uma direção, o Circular Quay fervilhada de atividade, enquanto que luzes distantes cintilavam na praia. As conchas pálidas da ópera pareciam mágicas ao luar, e Ariadne quase conseguia acreditar que estava à bordo de um dos cruzeiros do tio, em direção a algum destino romântico. Talvez ela não fosse se importar em viver ali, depois de conseguir um trabalho e um lugar para morar. Depois de superar a dor. Eles se distanciaram das luzes do restaurante, e ela ficou grata pelas sombras, por não precisar manter o sorriso. Ela também sentia tensão em Sebastian, como se o adeus iminente tivesse trazido o acordo com o tio dela à tona novamente entre eles. O suspense estava deixando os nervos dela à flor da pele. Porém, ao caminharem pelo terraço conversando sobre livros e música, ele não tocou no assunto. Talvez ela estivesse vendo coisas demais, mas parecia que ele estava tomando cuidado extra para não esbarrar a mão ou qualquer parte das roupas roçarem nela. Sebastian olhou para o perfil dela e se perguntou que diabinho o havia tentado para sugerir um passeio ali no escuro. Assim que se afastaram da multidão, foi difícil não pensar nos seios dela, e há quanto tempo ele não beijava uma mulher. Devia ser o poder da sugestão. Se ninguém jamais tivesse sugerido que ela poderia ser dele, Sebastian provavelmente não estaria de olho nela. Ele não estaria se coçando de vontade de tocar o ombro dela. E havia também o fato explosivo espreitando pelas regiões mais escuras da mente dele que Ariadne tinha quarto naquele hotel, e uma cama. Ele suspirou. Como se tivesse lido a mente dele, ela olhou para Sebastian de forma questionadora, e ele resolutamente tentou manter a conversa nos eixos certos. – Você se lembra de alguma coisa da Austrália? – perguntou ele. – Lembro-me de imagens de nossa casa, e da escola que frequentei. De crianças com quem brinquei. Ao sair do aeroporto, vi algumas árvores que me pareceram familiares. Pode parecer bobo, mas vê-las me fez ficar toda emotiva. – Não. Não acho que isso seja bobo. Aposto que esse é um momento muito emocional para você. – Pode apostar. Ela ficou surpresa. Havia sensibilidade na observação dele, quase como a de um amigo. Que irônico – antes ela estava tão nervosa em conhecê-lo que quase chegou a vomitar, e agora que ele era a única pessoa que ela conhecia no país, por isso temia o momento de lhe dizer adeus. Graças à música suave que veio flutuando lá de dentro do restaurante, ela foi invadida por uma onda de saudades de casa, agravada pelo fato de que ela jamais iria poder voltar para lá. Sebastian inclinou-se ao lado dela, sentindo os leves tons de um perfume floral, e então tomou uma distância segura dela. Os olhos azuis de Ariadne eram ilegíveis, com um brilho ocasional que

vinha de dentro. Ele percebeu com um leve espanto que uma veia de tristeza corria por baixo do humor volátil dela. O desejo cantava como uma sereia nas veias de Sebastian, mas ele o manteve sob controle. A combinação de beleza, emoção e luar podia fazer um homem cometer coisas das quais poderia se arrepender. Ele acabaria beijando-a, provando do gosto daqueles lábios sensuais enquanto acariciava as curvas suaves... – Então, o que você planeja fazer nas férias? – perguntou ele. – Acho que vou viajar. Conhecer um pouco do país. – Você tem algum parente aqui, do lado da sua mãe? Ela deu de ombros. – Minha avó, que era daqui, morreu alguns anos atrás. Tenho alguns primos, que nunca conheci. E minha tia-avó Maeve, que mora em algum lugar na costa. Bem, ela costumava morar. Meus pais me trouxeram para passar alguns dias com ela quando eu era bem pequena. – Ela franziu a testa. – Acho que o lugar se chamava Noza. Nootza. Algo assim. Ele franziu o cenho. – Não seria Noosa? – Acho que sim. Oh, o lugar era celestial. Eu me lembro da praia, e que meus pais estavam muito felizes. Fica muito longe daqui? Algo na voz dela o fez se virar para examinar o rosto dela. – Noosa, fica ao norte. Em Queensland. Fica a um dia de carro daqui, talvez algumas horas de avião. É um local muito conhecido pelos turistas. – Oh, que bom. – Depois de um segundo, ela lhe lançou um olhar velado. – Será que há galerias de arte em Queensland? Ele ergueu os ombros. – Provavelmente. Mas se você deseja visitar galerias de arte, há muitas aqui em Sydney. – Oh, sim. É claro. – Você gosta de Arte? Seu pai era um artista, não era? Ela voltou-se rapidamente para ele. – Como você sabe disso? – Minha avó lembra quem é quem em todas as famílias. – Oh. – Mesmo sob a luz difusa do restaurante, ele a viu corar. A voz dela tornou-se mais grave, como se estivesse transmitindo notícias ruins. – Sua família... sabe sobre o acordo que você fez com meu tio. Chocado pelas emoções cruas na voz dela, ele hesitou por um instante em responder. – Não, não, eles... Eles não sabem de nada. E eu não assinei nada. – Oh, você não assinou. Que ótimo. – Ela segurou o parapeito, como se precisasse se equilibrar. – Então, diga-me. O que eles lhe ofereceram? Honestamente, por favor. – Você. O rubor dela se intensificou, e ela tapou o rosto com as mãos. As palavras abafadas eram quase como um choro. – Em troca do quê?

A mortificação dolorida dela mexeu com algo nas profundezas do ser dele. Envergonhado, ele percebeu que nunca havia considerado a transação do ponto de vista dela. Ele assumira desde o início que ela estava ciente de tudo. Mesmo quando ela dissera que não pretendia se casar com ele, Sebastian presumira que fora por raiva ou despeito. Como o tio de Ariadne havia apresentado o acordo para ela? Estava claro agora que ele não fora de iniciativa dela, e que ela não sabia nada sobre a chantagem. Sebastian tentou se lembrar do que ela falara para ele no saguão. Uma viagem para ver se eles eram compatíveis, algo assim? Era isso que haviam dito para ela? Sem contar o fato de que o acordo já havia sido fechado uma semana antes de Ariadne sair de casa. Ela merecia saber a verdade, mas até que ponto ela aguentaria saber a verdade sobre o tio dela? Com cuidado, ele disse: – Peri ofereceu um contrato para minha empresa: a Celestrial. Nós projetamos sistemas de satélites para todos os tipos de uso, incluindo navegação marítima. Seu tio deseja atualizar os equipamentos da frota dele. – Entendi. – Ela estava tensa. As olheiras davam um ar de tristeza aos olhos dela, mas Ariadne manteve a dignidade, tentando a todo o custo não demonstrar o desconforto. – Então... O que vai acontecer, agora que o acordo não vai rolar? Sem o casamento, o que vai acontecer à sua empresa? Novamente, ele se sentiu envergonhado. Ali estava ela, lutando com os próprios problemas, e mesmo assim não deixava de se preocupar com ele. Sebastian não tinha o direito de lhe causar mais preocupações, por hora. Ele deu de ombros, era mais fácil do que mostrar a realidade cruel. – Nós temos outros clientes. – Oh. Que bom. Isso é um alívio. – Então... – Ele a estudou com cuidado. – Quando você disse que veio aqui de férias, você estava dizendo a verdade? Ela virou-se para Sebastian, e ele viu com espanto que o brilho repentino nos olhos dela se tratava de lágrimas. Ela desviou o olhar rapidamente, como se não pudesse suportar encará-lo. – Sim. Férias. Algumas mechas de cabelo dela foram tiradas do lugar pela brisa. A visão do pescoço nu dela sob o luar causou um aperto no peito dele. Sebastian colocou as mãos sobre os ombros dela e gentilmente a virou na direção dele. – Ariadne, ouça... Você não precisa... Um raio de luz foi refletido pelas lágrimas nos olhos dela, e ele sentiu uma onda incoerente de ternura por ela. Mas como ele, um estranho, poderia confortá-la? Incapaz de encontrar as palavras certas, ele inclinou-se e roçou os lábios nos dela. Foi o mais breve dos toques, mas o contato foi como dinamite para ele. Ela não se afastou. Permaneceu completamente imobilizada, com o rosto ainda na posição do beijo, as pálpebras tremelicando em lânguida expectativa. Por um instante, o planeta prendeu a respiração. Deus, fazia tanto tempo. Incapaz de resistir a tamanha tentação, ele a beijou apropriadamente.

Ele sentiu o choque atravessar o corpo frágil dela. A boca de Ariadne tremeu sob a dele, e Sebastian então sentiu aqueles lábios macios responderem de forma incendiadora. Ele a puxou com força contra o corpo, louco para sentir a fricção dos seios dela contra o peito, para provar cada pedaço do corpo dela. Ele forçou os lábios dela se abrirem, e depois deslizou a língua para dentro da sedução intoxicante daquela boca doce como vinho. Incitar os lábios dela com a língua era sua própria e deliciosa tortura. Ele a ouviu fazer um pequeno som involuntário no fundo da garganta, tão invocativo de paixão que o som da vitória ecoou na mente dele. Sebastian intensificou a demanda pela boca de Ariadne. E ela correspondeu, agarrando-se a ele e beijando-o de volta com todo o fogo e fervor que um homem só podia sonhar em acender em uma mulher. Ele foi tomado pelo mais puro triunfo masculino ao notar a perda de tração e a capacidade dela de ficar sob os dois pés. Quanto mais ela se entregava a ele, maior era o desejo dele de devorála. Com muito esforço, ele conseguiu evitar uma ereção, mas havia algo mais irresistível do que uma mulher à beira da rendição? Ele teve a ideia selvagem de tomá-la ali mesmo, contra o muro do Park Hyatt. Porém, não estava totalmente fora da realidade. Ele conseguiu manter as mãos longe dos seios dela, embora as palmas formigassem de vontade. Era um homem civilizado e, ainda que não houvesse ninguém por perto, eles estavam em um local público. Ela deve ter pensado nisso ao mesmo tempo que ele, pois, de repente, ela ficou tensa nos braços dele e se afastou, empurrando o peito dele. Ela o encarou, seus olhos sombrios e tempestuosos de voluptuosidade. Ele podia ver que Ariadne arfava, seus seios subindo e descendo pesadamente. – Vamos para algum lugar, tomar um café? – Ele conseguiu dizer, mesmo sob pressão. Ela o encarou, seus olhos azuis incendiados. – Nós não vamos fazer nada. Escute aqui, Sebastian Nikosto. Isso foi um erro. Você não deveria ter feito isso. Os lábios fartos dela estavam ainda mais inchados. Eles eram tão sedutores que o cérebro dele demorou a computar a irritação dela. – Você não tinha esse direito. Só porque meu tio me ofereceu a você, isso não significa que eu tenha... Não estou disponível. Não sou um... Um... Um burro ou uma cabra para você usar como bem entender. – O quê? – Ele estava tão surpreso com a acusação que sua própria voz soou como se viesse do fundo de um poço. – Não foi isso que... Olha, eu sei disso, Ariadne. Eu jamais tentaria... Não sou do tipo de cara que... – Raiva e orgulho masculino se acenderam em defesa dele, mas Sebastian abafou as palavras amargas que quase saíram de sua boca. Com toda a dignidade de um homem à beira de uma ereção, ele disse com esforço: – Caso não tenha percebido, você acabou de experimentar um beijo. Um beijo genuíno. O tipo de beijo que um homem dá em uma mulher que ele... admira, pelo amor de Deus. Tenho certeza de que você estava gostando tanto quanto eu. Desculpe por fazê-la se sentir culpada.

Ele esperou pela resposta dela, mas Ariadne estava de costas para ele, ajeitando o cabelo e alisando o vestido. Ele esperou mais um pouco para ouvir as acusações, mas nada veio. Sebastian Nikosto não ia esperar para sempre, independentemente do quanto ela fosse atraente. – Boa noite, então. – Ele pronunciou lentamente cada palavra, para causar o máximo de efeito possível. – Durma bem. Ele virou-se rigidamente e voltou para o restaurante, sentindo correr nas veias o ultraje, o espanto, a culpa e o maldito desejo. Ela passou por ele em uma nuvem daquele perfume floral que o assombraria pelo resto da vida, foi até a mesa que eles haviam compartilhado e pegou a bolsa e a echarpe. – E por favor, não me insulte ainda mais tentando pagar pelo jantar, sr. Nikosto. – A voz doce dela tremia de emoção. – Eu pagarei a minha parte. E não é boa noite, e sim adeus. SEBASTIAN DIRIGIU até o escritório da Celestrial. Em sua sala, ele não perdeu tempo e escreveu um email que ele sabia que deveria ter escrito uma semana atrás. Para: Péricles Giorgias

Prezado sr. Giorgias, Aqui, na Celestrial, nós conduzimos nossos negócios com honra e transparência. Como presidente da empresa, eu rejeito inteiramente cláusulas ocultas, incluindo acordos informais que não se sustentam legal e moralmente sob o escrutínio do público. A Celestrial rejeita toda e qualquer negociação com a Giorgias Shipping. Considere nossa associação cancelada.

Sebastian Nikosto.

O cursor pairava sobre o botão “Enviar” enquanto a frustração e o desespero borbulhavam na alma dele. Diabos, é claro que ele não podia enviá-lo. E agora? Trabalhar a noite toda para eliminar o gosto dela? Sebastian levantou da cadeira e caminhou pela sala, tentando focar nos desafios que teria no dia seguinte – qualquer coisa para tirar da cabeça aquela mulher e a reação infeliz dela a um simples beijo. Mas não fora apenas um beijo, fora? A consciência incomodada dele o importunava. Foi idiotice convidá-la para um café. Por que ele fizera isso? Fez uma careta ao pensar em como fora inapropriado. Deus, será que ele estava há tanto tempo sem uma mulher que não conseguia mais reconhecer uma que fora criada de forma tradicional? Como não reconhecera os sinais? Ele mal podia acreditar em seu erro de julgamento. Ela parecia chocada, revelando uma devastadora falta de experiência.

Aonde ela vivera durante os últimos 16 anos? Será que Peri mantivera a sobrinha trancada em uma torre? Ele não havia pedido por ela, mas, querendo ou não, ela estava ali. Orgulhosa, delicada e... Macia. Cheirosa. Pronta para cair nos braços de qualquer tolo que a encantar. Vulnerável, pelo amor de Deus. Contra a própria vontade, ele fora tocado por ela. E por mais que ela fosse imprevisível e explosiva, ele se sentia responsável por ela. Não que Ariadne fosse permitir que ele se aproximasse dela novamente. Sebastian fez uma careta ao perceber que algumas das acusações de Ariadne podiam ter uma base de verdade. Ele teria sucumbido à tentação tão rapidamente se não tivesse pensado, em algum momento, que ela iria pertencer a ele? Jogou-se na cadeira e ficou encarando a tela do computador por vários minutos, antes de desistir. Ele precisava dar uma centena de braçadas na piscina, seguidas por um longo banho gelado. A situação parecia irreparável. Mesmo se resolvesse arriscar a opção do casamento, ele havia destruído suas chances. E precisava admitir que queria vê-la novamente. Desejava falar com ela, ver os olhos dela brilharem ao rir, ouvir a voz surpreendentemente rouca dela. Ele fechou os olhos enquanto seus sentidos viajavam na lembrança. Se ao menos ele conseguisse pensar em uma maneira de acertar as coisas com Ariadne...

CAPÍTULO 5

ESTAVA QUENTE demais em Sydney, mesmo na luxuosa suíte com ar-condicionado. E não havia motivos para culpar o champanhe. Uma mulher sofrendo de falta de sono e jet lag deveria dormir, e não ficar virando de um lado para o outro na cama, quando não estava tendo sonhos inquietos com Sebastian Nikosto. Sonhos perturbadores. Sonhos sensuais, eróticos. Se bem que, como ela ainda estava acordada, eles podiam ser chamados de sonhos? Fantasias, talvez. Fantasias onde ele a beijava e a tocava em certos lugares. Mas o comentário que ele fizera, sobre ela estar se sentindo culpada... Culpada? Ela? Fora ela quem iniciara o beijo? Com certeza fora educada e colaborara no calor no momento, mas simplesmente porque Ariadne tinha boas maneira e havia sido pega de surpresa. Cada vez que ela se lembrava do instante em que os lábios dele haviam tocado os dela, Ariadne sentia um prazer lânguido e inevitável. O beijo não se parecia com nada que ela havia experimentado com Demetri. Ariadne passou os dedos sobre os lábios. Ela já havia lido sobre aquela sensação ígnea em romances, claro, mas nunca imaginara que ela existisse de verdade. Ela já havia experimentado beijos sensuais, claro, mas nada como as línguas de fogo que dançaram sobre os lábios dela. Ela se perguntou se Sebastian havia sentido a mesma coisa. Talvez. Por qual outro motivo ele a teria convidado para tomar um café? Ele queria fazer amor, só isso – e por um instante selvagem, por uma minúscula fração de segundo, ela ficara tentada. Mas Sebastian não havia percebido isso, ou havia? Como seria possível? Oh, era tudo tão humilhante. Como ela poderia se permitir sentir atraída por um homem que alguém havia escolhido para ela? Um homem interessado apenas em dinheiro. A expressão de espanto de Sebastian quando ela o acusara de tirar vantagem dela surgiu na mente de Ariadne, deixando-a enfurecida consigo mesma. Pelo amor de Deus, se ao menos ela conseguisse parar de pensar nisso. Qual era o problema? Ela jamais iria vê-lo novamente, de qualquer forma. Ela chutou as cobertas para longe e ficou de lado na cama, tentando dormir. Havia acabado de fechar os olhos quando sentiu uma vibração estranha ao lado da cama, indicando que o telefone do

hotel estava tocando. Thea Leni? Uma reprimenda? Ela tateou pelo telefone, derrubando todo que havia no criado-mudo durante a tentativa de atender. – Sim? Houve uma pequena pausa, então uma voz masculina grave soou. – É Sebastian. Não... O corpo todo dela entrou em alerta. – Não desligue, Ariadne. Ouça, por favor. Só quero... dizer uma coisa. Ela não deveria escutá-lo. Deveria desligar e nunca mais lhe dar ouvidos. Mas Ariadne apenas segurou a respiração e o telefone, com a mão suada. – O que... O que você tem a dizer? Ele suspirou. – Oh, Ariadne. – Aquele suspirar farfalhou no ouvido dela, desarmando-a por completo. – O que eu tenho a dizer? Eu te acordei? – Não, não. Eu... estou só deitada. Houve um silêncio dramático repentino, e então outro sussurro. Este possuía uma qualidade totalmente diferente. – Está na cama? – Mesmo sem vê-lo, ela podia sentir um sorriso sexy e lânguido formar-se no rosto dela. – Eu também. Não consegui dormir, por ficar pensando... na nossa noite e... no que aconteceu. – A voz dele ficou mais grave e aveludada. – Eu só precisava dizer que... sinto muito por ter te incomodado. Por todas as vezes que te incomodei. – Oh. – Ela não sabia se deveria perdoá-lo ou não. Seria fraqueza da parte dela? Será que ele não estava simplesmente tentando conquistá-la? Mas ela queria perdoá-lo. Ariadne então percebeu que, sem ninguém mais em Sydney, talvez no país inteiro, ela não tinha outra alternativa. Sem deixar as coisas fáceis demais para ele, Ariadne disse severamente: – Bem, sabe, você não pode sair por aí beijando as pessoas. – Eu sei. Ele falou tão constritamente que ela se sentiu à vontade para continuar. – Forçar as pessoas a jantarem com você... – Eu sei, eu sei. A impressão que ficou foi essa. Você não pode considerar por um minuto o fato de que eu talvez queira sinceramente conhecê-la melhor? Depois de um instante de silêncio, ela disse: – Bem, não é possível conhecer alguém apenas com um jantar. Não é suficiente para... um beijo. Nós éramos dois estranhos. E ainda somos. – Não agora, depois que nós... – Beijamos? – A palavra saiu tão depressa que ela precisou limpar a garganta. Desta vez, ela pôde sentir o sorriso dela irradiando através das ondas de frequência. – Bem, eu ia dizer depois que nós dividimos o pão, mas, agora que você mencionou, um beijo realmente ajuda a focar a atenção em uma pessoa, não é mesmo? Acho que ele pode dizer muito sobre alguém.

Uma onda de calor atravessou-a, possivelmente fazendo com que ela brilhasse no escuro. O que aquele beijo teria lhe dito sobre ela? A falta de prática dela, como ela poderia alcançar tal experiência. – Talvez – concedeu ela. – E olha, preciso deixar claro que não a considero como um burro ou uma cabra. Suspeitando que ele estivesse tirando sarro das coisas apaixonadas que ela havia dito, Ariadne retrucou rapidamente: – Você sabe o que eu quis dizer! – Sim, sei. Só queria dizer que sinto um profundo respeito por você. – Ele expirou longamente. – Oh. Foi um jeito péssimo de conhecer alguém, não foi? Ela mal acreditava no que estava ouvindo. Ela ficou em silêncio, tentando captar as inferências nas palavras dele. O que ele queria dizer com conhecer alguém...? Depois de um instante, ela arriscou: – O que você quer dizer? Foi a vez de Sebastian hesitar. – Acho que você percebeu que eu te acho muito atraente. O coração dela batia como um tambor. Era a hora de desligar o telefone, de evitar que ele dissesse outra palavra sedutora e enfraquecedora. Porém, ela continuou ali, sorvendo cada pausa e nuance do que veio em seguida. – O desejo é uma coisa incrível, não? – continuou ele, com a voz grave. Deitada na cama no escuro, com o coração batendo acelerado e a respiração arfante, ela estava sem defesas contra ele. – Tão impressionante e excitante a maneira como ela lhe atinge como um trem. Mesmo quando você espera sentir o contrário, você vê alguém do outro lado da sala, e pronto, o seu corpo já sabe. Antes da sua mente. Sabe o que quero dizer? O cérebro dela estava em choque, completamente confuso. – Oh, sim, acho que sim, Sebastian, mas... De qualquer forma, eu preciso acordar cedo amanhã. Então... – Oh, é melhor então você ir dormir. Boa noite, Ariadne. – Boa noite. – As últimas palavras foram sussurros quase inaudíveis. Sebastian desligou o telefone e ficou deitado no escuro, sorrindo para si mesmo por causa da timidez e do choque na voz sedosa dela, imaginando-a deitada de pijama. Não, nada de pijamas. Uma mulher como Ariadne provavelmente usava camisolas lindas e virginais. Do mais fino algodão, bordadas por freirinhas suecas e com lacinhos. Como era o nome dessas coisas mesmo? Renda inglesa. Pode ser até bonito, mas, se ela fosse dele, ele preferiria que Ariadne usasse peças delicadas de seda e cetim, com alças finas. Tecidos transparentes. A visão que o assaltara quando ela disse que estava na cama voltou com tudo para assombrá-lo. Mamilos eretos e doces se sobressaindo pelo tecido leve. Ele tapou a boca com um travesseiro e gemeu. Deus, fazia tanto tempo.

ARIADNE LEVANTOU logo após o amanhecer. Depois da ligação, ela demorou séculos para dormir, mas, pelo menos, as emoções contraídas por causa do desentendimento haviam sido esclarecidas. Para admitir a verdade, ela ficara animada, e repassara cada coisinha que Sebastian havia dito. Porém, sob a luz fria do dia, ela precisava tentar ser honesta consigo mesma. Estava preocupada demais com a conta para pedir café da manhã. E, além disso, como alguém poderia comer com a vida por um fio? Pouco antes de partir, ela espalhou a pequena coleção de joias que havia achado apropriado trazer em uma viagem curta. Os brincos eram muito bons, embora ela duvidasse que fosse conseguir muito por eles, mesmo que ela encontrasse um joalheiro que aceitasse trocá-los por dinheiro vivo. Ela duvidada que o pingente de rubi fosse lhe prover uma cama para a próxima noite, muito menos uma passagem de avião para uma semana ou duas de estada em Queensland. Havia também um relógio. Ela o colocou sobre a mesa e tentou se convencer de vendê-lo sem sentir remorso ou culpa. Ele fora da mãe dela, uma das poucas lembranças daquele amado rosto. Não. Nunca. Ela jamais se perdoaria. A peça mais valiosa era um bracelete de safira que ela havia ganhado dos tios ao completar 21 anos. Ela adorava cada detalhe das pedras cingalesas verdes com tons de azul, envoltas por ouro branco. A ideia de vendê-lo era terrível, mesmo sabendo que seus tios a amavam tanto... Os olhos dela se encheram de lágrimas de novo, e ela lutou contra a emoção. Se eles a amavam tanto, porque fizeram uma coisa tão horrível com ela? Ariadne colocou o relógio, guardou os outros itens com cuidado em suas bolsinhas de veludo e colocou os brincos e o bracelete no bolso da jaqueta. Ela já ouvira sobre pessoas que penhoravam joias, mas Thea sempre preferiu comprar na Cartier. O bracelete provavelmente viera de uma das lojas da marca, e com certeza eles ficariam felizes em comprá-lo de volta. De malas prontas, ela pegou uma lista telefônica e localizou uma loja Cartier, além de outras centenas de joalherias, embora ela não soubesse se o endereço era perto ou longe. Talvez o concierge pudesse ajudar. No saguão, ela encarou a recepcionista com certa trepidação. Sua suíte era luxuosa, mesmo para os padrões que ela estava acostumada junto dos tios. Mesmo assim, ao receber a conta, Ariadne ficou impressionada. Quem diria que champanhe podia ser tão caro? E por que ela pedira tantos pratos sem ao menos conferir os preços? E por que ela precisou pedir uma suíte inteira, ao invés de um quarto simples? Ela então olhou dentro dos olhos da recepcionista e assinou o recibo do cartão de crédito, o mais friamente possível, como se fosse rica e tivesse todo o apoio da Giorgias Shipping. Outra noite dessas, e ela estaria lisa. Ariadne precisava pensar em algo, e rápido. O concierge concordou em guardar as malas dela até que ela voltasse. Depois, ele lhe deu um mapa da cidade com todos os endereços de joalherias que ela solicitara, nas redondezas. SEBASTIAN TENTOU relaxar a caminho do trabalho, mas só conseguia pensar em Ariadne. Será que ele conseguira melhorar a situação com ela? Talvez Ariadne concordasse em vê-lo mais tarde. Talvez

até conseguisse tirar o fim de semana de folga para lhe mostrar a cidade. Há quanto tempo ele não tirava folga? Com esforço, Sebastian focou no dia que tinha adiante. A empresa se tornara um lugar lúgubre, difícil de estar. Os funcionários não paravam de perguntar sobre o acordo com a Giorgias Shipping. Se ele não conseguisse outro contrato logo, qualquer contrato, ele teria de tomar decisões difíceis. O problema era que o único lugar em que ele queria estar era no Hyatt, mergulhado naqueles olhos azuis. Isso não era jeito de lidar com uma crise. O estresse devia estar realmente atingindo-o. ARIADNE SAIU aturdida da joalheria. Ela não esperava conseguir muito dinheiro pelos brincos, mas a quantidade que o comprador lhe oferecera pelo bracelete de safira fora doloroso. Com certeza, ele valia milhares de dólares. Thea jamais comprava joias baratas, muito menos para presentear. Se os vendedores da Cartier não tivessem sido tão desconfiados quando ela oferecera para vender, ela teria pelo menos pedido para que eles avaliassem o bracelete, para que tivesse uma ideia de seu valor para barganhar. Mas ela tivera sorte em sair da loja sem que chamassem a polícia. Ariadne estava quase entrando em pânico. Consciente de uma sensação desagradável de náusea, ela precisou lutar para manter o controle. Encostou-se na vitrine de uma loja para se recompor e pensar. Ela poderia ganhar dinheiro, e, quando tivesse o suficiente, ela compraria de volta o bracelete daquela loja de penhores sem-vergonha. O que ela precisava era de uma maneira para resolver sua situação. De alguma forma, ela precisava encontrar um lugar para ficar, e rápido. Será que as acomodações seriam mais baratas fora da cidade? Os voos para Queensland não eram caros, ela descobriu na internet, mas as acomodações em Noosa eram. Com uma sensação crescente de desânimo, ela passou por listas e mais listas de hotéis em Noosa. Na Austrália, era o meio do verão, o ponto alto da estação. Havia algumas vagas baratas disponíveis em lugares para mochileiros, mas ela não gostou da ideia de compartilhar um quarto com estranhos. Se ela se arriscasse a passar algumas semanas em Noosa, o que garantia que Maeve ainda vivesse lá? E como Ariadne iria encontrá-la? Ela nem sabia o sobrenome de Maeve. E o que Ariadne faria se a encontrasse? Se Maeve tivesse o mínimo interesse na existência dela, ela teria entrado em contato depois da morte dos pais de Ariadne. Sem uma fonte segura de dinheiro, o esquema todo estava começando a parecer uma fantasia impossível. Ela passou um longo tempo olhando anúncios de vagas de trabalho, e percebeu com desânimo que não seria tão fácil encontrar trabalho em uma galeria de arte, como ela esperava, mesmo em um centro pequeno. De acordo com os anúncios, as pessoas pediam muitas documentações para provar suas credenciais e experiência de trabalho, tanto quanto em Atenas, e toda a sua papelada ficara em Naxos. Em desespero, ela considerou mandar um e-mail para Thea solicitando que lhe enviasse os documentos, mas logo afastou a ideia. Qual seria a probabilidade de Thea lhe ajudar? Ariadne deixou-se cair na cadeira. A ingenuidade de seu plano lhe atingiu em cheio. Ela conhecia apenas uma pessoa na Austrália – e ali estava ela, tentando fugir dele o mais rápido

possível. Precisava de ajuda, mas, de forma alguma, se sujeitaria aos planos do tio e implorar a Sebastian. Se ao menos ela conseguisse pensar em uma maneira de reabrir as negociações sem se render... Se ela aprendeu alguma coisa com Demetri, foi que, independentemente do resultado, ela precisava ser honesta consigo mesma. Não importava o quão desesperada estivesse, Ariadne não ia se ajoelhar diante de Sebastian, no papel de vítima. E depois da ligação da noite passada, estava claro o que ele pensaria se ela fosse atrás dele. Se ele acreditasse que ela estava atraída por ele... Oh, por favor. Quem ela achava que estava enganando? Ele já sabia. Por qual outro motivo ele teria dito aquelas coisas? Ele praticamente deixara tudo bem claro. Ela ficaria em uma posição pior do que a de uma noiva por encomenda. Pela milionésima vez, ela imaginou seu dinheiro nas mãos de algum advogado. Se ao menos ela pudesse colocar as mãos nele. Mesmo que fosse alguns milhares de dólares, em sua atual posição, isso significaria alguma segurança. Ela tentou não entrar em pânico, mas sabia que precisava ser ágil. A noite passada provara que ela acabaria logo com suas economias, por causa de sua ignorância sobre o preço das coisas ordinárias. Mesmo quando trabalhara em Atenas, as despesas dela foram todas pagas pelo tio. Ariadne era inexperiente, era esse o problema – porém, ela estava longe de ser a filhinha de papai inútil que os tabloides haviam anunciado. Ela amava a carreira e a levava muito a sério, e trabalhara no departamento de aquisições de uma galeria pontualmente até o escândalo estourar, o que lhe custara o emprego. De qualquer forma, podia gerenciar um pequeno negócio e uma equipe de onze ou mais pessoas se necessário. De alguma forma, apesar da atração por Sebastian Nikosto, ela teria de barganhar com ele com a mesma frieza que seu tio teria feito. Ariadne colocou a cabeça entre as mãos. Se ao menos ela compreendesse os homens. O que aquela ligação à meia-noite realmente significara? Talvez ele estivesse apenas tentando remediar o que acontecera no restaurante. Mas por quê? Será que ele ainda tinha esperanças no casamento? Talvez aquele beijo tivesse sido genuíno, e ele estivesse sendo sincero. Como ela poderia saber?

CAPÍTULO 6

SENTINDO-SE

um carrasco, Sebastian ouviu a discussão na mesa de conferência distraidamente, com o cenho franzido. Qual de seus assistentes ele dispensaria? Matt, o novato recém-saído da faculdade, animadíssimo por ter encontrado um emprego na indústria de sua escolha? Ou Jake, com mulher e três filhos para sustentar? Havia também Sarah, um talento criativo que prometia fazer sucesso. Ele estava prestes a voltar para a conversa quando Jenny, sua assistente pessoal eficiente, entrou na sala e chamou a atenção dele. – Agora não. – Ele franziu o cenho, balançando a cabeça. – Mas... – Com um desdém sem precedentes pelas ordens dele, ela se aproximou hesitantemente dele e murmurou: – Sr. Nikosto, ela diz que é urgente. As entranhas de Sebastian se reviraram. – Quem? Jenny baixou ainda mais o tom de voz: – Uma tal de srta. Giorgias. Ela disse que partirá de Sydney em uma hora, mas que está preparada para conversar com você. – Obrigado. Ele levantou-se, pediu desculpas e foi para sua sala, exultante. Então pegou o telefone e se recompôs, dizendo de forma neutra: – Sebastian. Ele ouviu a respiração hesitante dela, sentindo um suspense emocionante. – Aqui é Ariadne. – O barulho ao fundo sugeria um local público e cheio. – Se... Se você puder, gostaria de conversar antes de ir embora. – A voz dela parecia esbaforida, como se ela tivesse corrido. Ou estivesse nervosa. Ele estava tomado por um turbilhão conflitante de desejo e responsabilidade. – Estou ocupado hoje. Não posso... – Oh, tudo bem, não importa. Eu também não tenho muito tempo. Acho que vou simplesmente dizer... COMO

– Onde você está? – Deixe-me ver... Hã... Pitt Street com a Market. Em uma cabine telefônica, próxima a um café chamado The Coffee Club. – Fique aí. Não se mova. Ele ligou para Jenny, passou algumas instruções rapidamente e foi para o elevador. Assim que chegou à rua, ele começou a correr. Com a adrenalina bombeando em seu sangue, ele mal reparou nos compradores enquanto cortava a multidão, como um campeão olímpico. Ao chegar à Pitt Street, cinco quarteirões depois, ele parou para respirar, alisando o cabelo e ajeitando também a gravata e a camisa. Então, energizado, sentindo o gosto da vitória, ele se dirigiu ao café. Ele a avistou ao lado da entrada, com a bolsa no ombro. Seu desejo por ela intensificou-se, como um afrodisíaco. Com o cabelo solto, ela usava óculos de sol, calças cor de areia e uma blusinha branca de alça. Simples, clássica e elegante. Oh, e muito sexy. Ariadne avistou a multidão, com o coração disparado. Ela estava prestes a correr um enorme risco. As possibilidades de uma humilhação eram tão grandes que ela se sentia prestes a desmaiar. Se ao menos conseguisse controlar sua reação à ele. – Oi. – Oh, oi. – Ela respirou fundo, sobrepujada pela voz rouca e a beleza dele. – Você... chegou rápido. Os olhos dele examinaram-na minuciosamente. Ela rezou para não estar parecendo desesperada. Então os olhos dele se iluminaram, e ela se lembrou do que Sebastian havia dito sobre o desejo atingir como um trem. – Não é justo. – Ele deu de ombros. – Há pessoas me esperando, então não posso demorar. – Ele olhou o relógio de pulso, e depois indicou a entrada do café. – Quer entrar? – Ele quase tocou o cotovelo dela, mas parou a alguns centímetros. Ariadne entrou na frente dele, sentindo o olhar fulminante em suas costas enquanto buscava uma maneira de abordar o assunto. Ele estava diferente do homem que falara tão docemente com ela durante a noite. Ele parecia sério e inacessível, um CEO com a mente focada no trabalho. Sebastian apontou para uma cadeira vazia e ela se sentou, trêmula. – E então? – O olhar penetrante dele parecia conseguir ler no fundo da mente de Ariadne todas as mentiras que ela já contara, todos seus medos e fracassos, sua conta bancária vazia, o escândalo de Demetri, o golpe baixo de seus tios. Ela respirou fundo, e olhou dentro dos olhos dele. – Muito bem, tomei uma decisão. Eu topo. Ele estreitou os olhos. – O quê? Ela demorou um instante para dizer as palavras. – Casar com você. – Ela apertou as mãos sobre o colo. Imóvel, as linhas de expressão dele tornaram-se intensas, focadas. As palavras dela pareciam se espatifar ao redor dele. Foi como se todo o café tivesse retrocedido a distância, e os dois fossem as duas únicas pessoas no mundo.

Ele estudou o rosto dela, de cenho cerrado. – Deixe-me ver se entendi. Agora você está pedindo que eu me case com você. O que faz você pensar que eu quero me casar? O coração dele batia forte contra a caixa torácica. Ele baixou os olhos, erguendo os ombros interrogativamente. – Não sei o que dizer. Corando intensamente, ela percebeu que havia presumido coisas demais. – Achei que você tinha dito que... meu tio lhe oferecera um acordo. – Eu não disse que o tinha aceitado. Sebastian estava sendo frio, mas imagens impactantes lhe assaltavam a mente. O contrato com a Giorgias Shipping, assinado e selado. Sua equipe da Cestrial em segurança. Ele pensou nos rostos na mesa de conferência naquela manhã, a ansiedade velada que pairava no escritório. Ele contemplou a mulher sentada diante dele, e foi tomado por um excitamento perigoso. Os olhos dela eram frios e reservados, e seus lábios estavam levemente abertos, como se ela estivesse prendendo a respiração. Tão beijáveis. Ele se recordou do sabor dela, da fragrância de sua pele e cabelo. Talvez ele devesse desistir, mas a doce feminilidade atraía a fera dentro dele como mel. Ele tentou não focar na boca de Ariadne, naquele pescoço de cetim, na suavidade daquela pele, na pulsação nervosa enquanto ela aguardava pela resposta dele. Ele não podia deixar o desejo comandar a situação. Havia jurado nunca mais se casar de novo, não é mesmo? Ele se recusava a ser chantageado. Mesmo assim... Com a respiração presa, Ariadne tentava intensamente ler a expressão dele. – Você pede em casamento todos os homens que se dizem atraídos por você? A brusquidão dele chocou Ariadne, como havia feito na noite anterior. Mas ela precisava manter a cabeça no lugar. Ela deu de ombros. – Só no caso de eles terem recebido uma oferta polpuda para me aceitar. Ele deu risada, mas com um tom sarcástico. – Pobre Ariadne. Ela manteve a pose. – Estou falando apenas de um casamento. Um contrato de negócio, puro e simples. E não... Os cantos da boca dele se curvavam quando ele retrucou: – E não o quê? Paixão? – Oh. Oh, bem... Ela se interrompeu, percebendo de repente que ele estava adorando provocá-la, dizendo coisas sensuais que ele sabia que a afetariam, mantendo o suspense. – Você não disse que se casaria com alguém apenas em termos iguais? Ou eu sonhei isso? – Não, não sonhou. Mas você não é o único que tem algo a ganhar com essa união. Eu... também. – O quê? – Ele examinou o rosto dela, seus olhos cintilando. – Agora você atiçou minha imaginação. Ela se arriscou a olhá-lo diretamente.

– Quando me casar, eu poderei ter acesso à minha herança. Deixada pelos meus pais. Do contrário, terei de esperar até ter 25 anos. – O sorriso nos olhos dele parecia ser de escárnio, então ela acrescentou rapidamente. – Só teremos de ficar juntos por alguns dias. Depois disso, eu seguirei meu caminho, e você o seu. Viu só? Todo mundo sai ganhando. Sebastian analisou e considerou os fatos. Lembrando-se da ansiedade dela na noite anterior, ele ficou surpreso. Por que Ariadne mudara de ideia repentinamente sobre o casamento que tanto desprezava? Ele duvidava que tinha algo a ver com sua ligação noturna cheia de luxúria. Será que ela estava com problemas financeiros? Mas como isso era possível? Ela estava sob os cuidados dos tios? Ela tamborilou os dedos sobre a mesa, tentando reconciliar seus instintos conflitantes, ciente dos olhos e dos lábios que haviam assombrado o sono dele. Tê-la por alguns dias, ou jamais tê-la? Casamento soava tão definitivo, porém aquele não era legítimo. Não havia exigências emocionais, nenhum risco de perda. Alguns dias passariam em um piscar de olhos. O que um homem que já havia perdido tudo tinha a perder? A comida chegou, e ele a observou torcer o nariz ao provar o suco de laranja. Ela depois provou o chocolate, e então passou manteiga no pão. Com modos graciosos, ela lhe ofereceu um pedaço, e, depois de recusar, ele a observou dar uma mordida com os dentes cristalinos. – Eles não oferecem café da manhã no Hyatt? – O desejo tornara a voz dele grave. – Oferecem, mas... eu não tive tempo. – Terminando a torrada, ela limpou as mãos no guardanapo e ergueu os olhos, defrontando-se com o olhar fumegante dele. – Então, você não está preparada para se casar com um homem que a deseja, mas está preparada para se casar por dinheiro. – Meu próprio dinheiro. As palavras dele causaram em Ariadne a sensação de ter falhado. Ele parecia estar apenas brincando com ela. Mas o que fazer agora? Implorar para que ele lhe desse um teto, só por uma noite? A cama acabaria sendo a dele, não? O desespero a trouxera até ali, mas o orgulho era a única coisa impedindo que ela despencasse ainda mais. Era hora de dar o fora antes de piorar as coisas. Ela achou uma nota de dinheiro, colocou-a ao lado do copo e levantou-se. – Muito bem, esqueça o que eu disse. Foi um erro. Achei que você quisesse um... acordo. Eu devo ter me enganado. Ela estava saindo quando ele agarrou o pulso dela. Por um instante, Ariadne viu algo mais nos olhos dele. Espanto. Bondade. – Espere. Sente-se e conte-me mais. Como você imagina que esse acordo funcionará? Ela hesitou, ciente do contato ardente com os dedos dele, e depois voltou a se sentar. Ariadne respirou fundo. – Bem, pensei primeiro em conseguir uma certidão de casamento e depois fingir... Ele ergueu a mão, balançando a cabeça.

– Espere aí. Aqui é a Austrália. Você pode ser presa por fraude em um piscar de olhos. Pelo amor de Deus, nunca tente enganar processos legais que envolvam dinheiro aqui. Ela assentiu. – Foi justamente por isso que resolvi encarar a coisa real. Não quero nada de você. Tudo que preciso é que você se case comigo hoje. Ele piscou. – Hoje? – Sim. Então eu enviarei a certidão para meu tio, ele notificará os advogados para que transfiram minha herança para a minha conta, e eu poderei seguir em frente com minha vida. E você seguirá em frente com a sua. – Uau, espere. – As informações distintas se alojaram no cérebro de Sebastian. – Hoje. Acho que não. Já disse, há leis diferentes neste país. – Não – disse ela, tão honestamente quanto uma freira. Uma freira sexy e determinada. Uma freira cujos seios estavam ocultos por algumas camadas de algodão. – Eu já pesquisei na internet. O juiz de paz pode garantir uma licença se apresentarmos um bom motivo. – Certo. – Ele balançou a cabeça, descrente, embora tivesse a sensação de que ela estava dizendo a verdade. Ela fizera a lição de casa certinho. Estava claro que Ariadne Giorgias queria muito se casar com ele. Naquele dia. – Ah, supondo que eu vá considerar o seu pedido, eu não sei qual é esse tal bom motivo. Ajudar uma mulher rica a ficar mais rica? – Não sou rica – disse ela rapidamente. – Sinto lhe informar. Só quero o que é meu por direito. – Ela baixou os olhos, acrescentando: – De qualquer modo, se você não quiser, não importa. Eu provavelmente voltarei para a Grécia. Intrigado, ele percebeu que ela precisava se casar depressa. E estando ciente disso ou não, a ameaça dela tinha um motivo genuíno. Ele não queria que ela voltasse para a Grécia. Ainda não. – Então me conte, qual a pressa? – perguntou ele, tomando as mãos dela. As mãos pequenas dela tremeram por causa do contato, e os olhos dela se encheram com tamanha intensidade que o sangue de Sebastian foi parar direto na virilha. Nada podia ser mais sedutor do que inspirar tal olhar em uma mulher linda. Mas, quase no mesmo instante, ela puxou as mãos. Nada de toque, ele entendia. Não antes de tudo estar oficializado. – Bem, é uma questão de tempo. – Ela evitou os olhos dele. – Não planejo ficar em Sydney muito tempo, então faz sentido fazer tudo o mais rápido possível. Quanto antes eu me casar, mais cedo eu terei minha herança. Por que esperar? – Mas e seu vestido, a igreja, o fotógrafo? Tudo isso precisa de tempo. E você não quer avisar com antecedência os seus tios? Com certeza você os quer em seu casamento. – Não. – As mãos dela se agitaram. – Absolutamente n... – Ela endireitou a coluna e falou com uma voz grave e firme. – Não quero incomodá-los com isso. Não quero incomodar ninguém. – Entendo. Mas eu tenho avós, parentes, duas irmãs e um irmão que, com certeza, se sentirão traídos se eu não os convidar para meu casamento. – Por favor. – Os olhos azuis dela se arregalaram em horror. – Eu não suportarei uma grande cerimônia e toda a publicidade. Eu prefiro manter tudo em segredo.

Ele ergueu as sobrancelhas. – Tem certeza de que sabe o que está fazendo? As famílias sabem descobrir as coisas. Ela ficou tensa. – Oh, você mora com a sua? – Caramba, não, graças a Deus. Eles moram do outro lado da ponte, e eu em Bronte Beach. – Ele sentiu um leve desconforto ao imaginar como eles agiriam se descobrissem o acordo. Se o descobrissem ficando com uma mulher assim, tão espontaneamente, depois de tudo que ele e Esther haviam sofrido. – Por quê? Não gosta deles? – Eu gosto deles. Eu só prefiro manter distância, do contrário eles me matariam de tanta bondade. Os ombros dela pareceram relaxar. – Que bom. Então qual o problema? E, de qualquer forma, por que você gostaria de uma igreja, um padre, e todos os sacramentos? Nós nos divorciaremos assim que for possível. Seria um... sacrilégio. – Ela o encarou de forma escandalizada, e então balançou a cabeça, suspirando. – Não existem lugares por aqui onde você pode ter apenas o casamento no civil? Sem todas as pompas? Ele fez uma careta. – Claro. Mas achava que era a meta de vida de todas as mulheres casar-se com todas as pompas. Ela olhou rapidamente para Sebastian, que então percebeu que havia tocado em um ponto delicado. Ariadne acrescentou enfaticamente: – Não eu. – Ela se inclinou para a frente. – Olha, se não quiser fazer isso, tudo bem, também não quero de verdade. Foi uma ideia estúpida. Vamos esquecer isso. Sebastian ouviu-se dizendo friamente. – Relaxe. Eu aceito. – Oh. – Ela reclinou-se na cadeira. – Mesmo? – O alívio que emanava dos olhos dela deixou a curiosidade dele nas alturas. O que estava acontecendo? – Hoje? Ele deu de ombros. – Se conseguirmos organizar a papelada. Não garanto nada, mas vou pedir para meu advogado dar uma olhada. É melhor você me dar seu passaporte. Ela lhe entregou uma bolsa pequena de zíper, contendo o passaporte e outros documentos de viagem. Ele a guardou e então segurou a mão dela sobre a mesa. A mão estava quente e trêmula. Ele sentiu a euforia característica do desejo. – Você não vai se arrepender. – Claro que não. – Ela sorriu, incerta. – Nós dois temos algo a ganhar. Ele podia sentir a palma da mão dela vibrando como as asas de uma borboleta. Ela o desejava, e ele tinha certeza disso. Apesar da faceta calma durante a negociação, havia paixão nele, e naquela noite ele a libertaria. Ele olhou o relógio. Era hora de voltar para a próxima reunião. Só Deus sabia como ele teria de se esforçar para focar em coisas mundanas, como sistemas de satélites, tendo em vista um casamento. Naquela mesma noite. Sebastian pegou um cartão e escreveu um telefone na parte de trás.

– Aqui. Eu ligarei para o hotel quando tudo estiver acertado. Ela hesitou, e então disse: – É melhor eu te ligar. – Certo. – Ele tocou a bochecha dela, e fez uma tentativa grosseira para amenizar as coisas raivosas que haviam sido ditas no restaurante. – Eu... fico feliz por você estar se sentindo melhor hoje. – Bem – murmurou ela. – Pelo menos agora estamos na mesma página. Estavam mesmo? Ele se perguntou enquanto voltava para a Celestrial. Onde ele ficava no acordo? Aonde quer que fosse, ele sentia que era uma posição muito instável e desconfortável, para um homem acostumado a navegar pelo espaço destemidamente. Aquela noite ia ser excitante. Louca, e talvez perigosa, mas há muito tempo ele não se sentia tão excitado. Tão... vivo.

CAPÍTULO 7

O SAGUÃO do Park Hyatt estava tão cheio com as chegadas e partidas dos hóspedes que ninguém percebeu quando Ariadne cochilou por trás de sua revista. Alguém acabou acordando-a, e seu primeiro pensamento assustado foi o de ter se esquecido de ligar para Sebastian. Ela se acalmou ao perceber que ainda eram 15h, e foi até um orelhão. Sebastian informou que a licença havia sido providenciada, e que a assistente dele estava desde a manhã trabalhando nos preparativos para a noite. Eles haviam encontrado uma celebrante, e ele iria buscá-la às 17h. Ariadne entrou em ação. Ela buscou sua mala com o concierge e procurou por uma roupa mais apropriada para um casamento. O sucesso incrível da negociação dela no café a deixara afoita de início, mas a ansiedade logo viera. Os problemas financeiros dela estavam prestes a serem dizimados, mas as possibilidades do que poderia acontecer após o casamento começaram a consumi-la. Sebastian a desejava, percebeu ela com o coração acelerado. Ele esperava que ela dormiria com ele, mesmo em um casamento de conveniência? Sem a bênção da igreja? Ela deveria ter conversado com ele no café. De alguma forma, ela teria de combinar isso com ele antes do casamento. O marido dos sonhos dela era um homem que a conhecesse muito bem, que a compreendesse e a amasse. Com um sorriso triste, ela percebeu que até então seus noivos em potencial passaram bem longe desse perfil. Ela escolheu um dos terninhos que ela havia mandado fazer na Rue du Fauborg St. Honoré para sua suposta lua de mel com Demetri. Ele era da cor de creme e rosa-claro, com tons de azul, com pequenos lacinhos nas lapelas e nos punhos. Ela nunca havia usado a peça. Mesmo não sendo um casamento propriamente dito, ela queria ficar bonita. Ela prendeu os cabelos em um coque solto, com uma fita azul. Quando Sebastian chegou, Ariadne foi arrebatada, ficando momentaneamente sem falar. Ele estava lindo e austero em um lindo smoking de três peças, com uma camisa branca elegante e uma gravata branca de seda com uma faixa prateada – um noivo genuíno. De alguma forma, todavia, aquelas vestimentas finas apenas a deixaram mais ciente do animal selvagem confinado dentro delas.

Ele a estudou com um olhar fervilhante que a deixou com o sangue borbulhando nas veias. Depois de se recuperar, ela disse: – Você está maravi... Muito elegante. Os olhos dele brilharam, lisonjeados, mas havia também uma intensidade sensual que deixava claro o que estava se passando dentro da mente dele. – Digo o mesmo. Os nervos dela estavam à flor da pele. Talvez fosse apenas a imaginação de Ariadne, mas o ar parecia tomado pela vibração sexual. Ele abaixou-se para beijá-la, e os lábios sensuais quase tocaram a boca dela. Mas foi o suficiente para seus sentidos enlouquecerem. Ele colocou as bolsas dela no porta-malas e abriu a porta do carro. – Pronta? Enquanto o carro entrava no tráfego pesado, Ariadne sentiu um instante de insegurança. Ela mal o conhecia. Onde ela estava se metendo? Após alguns instantes, o carro parou. Ela descobriu-se diante da joalheria na qual ela havia se aventurado naquela manhã. Ela engoliu em seco. – Oh. Nós vamos entrar? – Precisamos pegar nossas alianças. Venha – disse ele, guiando-a para dentro. – Nós somos aguardados. Ela lembrou que estava usando roupas diferentes – talvez eles não fossem se lembrar dela. Dentro da suntuosa loja, ela deu uma olhada nos atendentes e tentou levar Sebastian na direção de uma das pessoas que não a havia atendido naquela manhã. Porém, foi inútil. Ao avistá-los entrando, o gerente saiu da sala dele, esfregando as mãos. Ele cumprimentou Sebastian calorosamente, e depois a encarou estreitando os olhos, como se ela o lembrasse de alguém. Para o imenso alívio de Ariadne, ele não mencionou nada. Várias opções foram colocadas diante deles. Sebastian foi mais cuidadoso e criterioso do que ela esperava, considerando a pressa em que se encontravam. Ela teria escolhido qualquer coisa para sair dali, mas eles conseguiram ficar até encontrar um par de alianças simples, de um dourado rosa. O gerente sugeriu que eles mandassem gravar algo, e, para a surpresa de Ariadne, Sebastian estava disposto. Houve uma pequena discussão, e no fim ficou decidido que eles gravariam suas iniciais, com a data e a palavra “Eternidade”. – Mas e seu anel de noivado? – disse Sebastian aproximando-se de uma vitrine com diamantes. – Você deveria ter um desses. – Isso é mesmo necessário? – exclamou ela. Ele lhe lançou um olhar firme. – Absolutamente, mas pensando bem... Não, acho que uma safira. O que você acha? Existe uma safira que combine com esses olhos? – Antes que ela pudesse responder, ele virou-se para um vendedor. – Safiras, por favor. Era o mesmo que a tinha atendido pela manhã. – É claro – disse ele com um sorriso seboso. Ele destrancou um armário e retirou uma bandeja com pedras brilhantes azuis. – Felicitações, srta. Giorgias. Oh, e... Hã... A senhorita conseguiu

encontrar um comprador satisfatório para o bracelete? Ela sentiu o olhar surpreso de Sebastian, bem como o rubor que tomou conta dela até as raízes do cabelo. – Não, não... Bem, sim... Obrigada – balbuciou ela. – Eram pedras belíssimas – murmurou o vendedor. – Foi uma pena não conseguirmos... Hã... Acomodá-la. A desculpa chegou tarde demais, na pior hora possível. Ela participou da seleção de um belo anel de safira com diamantes, mal prestando atenção. A maior parte do cérebro dela esta preocupada se Sebastian havia percebido sua situação desesperada. Ela escapou da loja com uma pedra azul cintilante no dedo. Ela se sentiu mal por causar tamanha despesa a Sebastian, e esperou que pudesse pagar por ela. Pelo menos agora ele poderia se beneficiar do acordo com o tio dela. Depois disso, a tarde passou em alta velocidade. Foi uma viagem breve até a casa da celebradora do casamento, onde o advogado de Sebastian, Tony, e uma mulher do escritório dele, chamada Jenny, esperavam por eles em um pequeno pátio em frente à propriedade. – Testemunhas – explicou Sebastian. Os homens se cumprimentaram, e Tonny e Jenny deram beijos no rosto de Ariadne, como se ela fosse uma noiva de verdade. Ela precisava ficar se recobrando que aquele era um casamento por conveniência. Eles estavam prestes a tocarem a campainha quando Sebastian fez uma pequena exclamação e foi até o carro. Ele voltou com um buquê de rosas lilases e brancas, com pequeninas flores de jasmim e laranja. – Aqui – disse ele. – Segure isto. Enquanto Ariadne segurava o buquê, ele arrancou um pequeno botão de flor e tentou encaixá-lo em um dos botões. Todos o observavam tentando prendê-lo. Por fim, Ariadne precisou entregar o buque a Jenny e ajeitá-lo ela mesma. – Pronto – disse ela, seus olhos se encontrando com os dele por um instante tórrido. Ele poderia tê-la beijado, mas não o fez. Mas Sebastian estava pensando nisso, ela sabia com uma certeza súbita. Nisso e no instante após a cerimônia, quando ela fosse ser sua esposa por direito. A celebrante, uma mulher de meia-idade com um rosto amigável, recebeu-os e os levou até um jardim na parte de trás da casa. O grupo reuniu-se sobre o gramado macio, sob o sol poente. A colina descia em direção ao mar, mas Ariadne mal registrou a beleza dos arredores. O evento todo possuía uma qualidade surreal. Sebastian estava quieto, seu rosto grave; porém, toda vez que seus olhos se encontravam, o olhar dele demonstrava um brilho possessivo que atingia o fundo do âmago dela de uma forma primitiva, que ela jamais havia experimentado. Ariadne encontrava-se em transe, e mal estava ouvindo as palavras ditas na cerimônia. – Eu, Ariadne Sarah Cristina... – disse ela em certa altura. Em outro instante, Sebastian colocou o anel no dedo dela, prometendo amá-la e honrá-la. O olhar dele era tão intenso, tão sério, que ela sentiu um aperto no peito.

A celebrante os declarou marido e mulher. Houve uma pausa, onde todos seguraram a respiração. Ou talvez fosse apenas ela que estivesse segurando. Então Sebastian inclinou o rosto e a beijou. O beijo começou com um roçar suave de lábios, para depois intensificar-se de prazer. Ele colocou uma das mãos nas costelas dela, e a outra nas costas. Os joelhos dela ameaçaram ceder. Sebastian interrompeu o beijo antes de ele se intensificar demais. Mesmo assim, aquela sensação a havia intoxicado. Ela percebeu os flashes das câmeras, alguém jogando arroz e confete, e o brilho triunfante nos olhos de Sebastian. O banquete do casamento foi servido na sala particular de um restaurante. Tony e Jenny eram amigáveis, divertidos e engraçados, embora ela percebesse certo distanciamento entre ela e Sebastian, ligada ao relacionamento chefe-funcionária. Não houve dança, nem músicas alegres ou familiares amorosos, mas a chance de rir com alguns amigos novos aplacou um pouco seu coração ferido e suas preocupações. Além disso, lá no fundo, havia uma veia de excitamento em Ariadne, uma febre que aumentava no sangue dela toda vez que seus olhos recaíam nas mãos de Sebastian. Por fim, a conversa chegou a um ponto onde ele disse: – Venha, doçura. Acho que é hora de irmos, e deixarmos que Tony e Jenny continuem com a noite deles. Doçura. Era assim que os homens chamavam suas esposas. Suas namoradas. O olhar dele capturou o dela do outro lado do brilho das luzes das velas. Ele sorria, e seus olhos mostravam um chama negra e sensual.

CAPÍTULO 8

ARIADNE PAROU diante da porta de uma villa com um telescópio gigante no telhado, no sopé de uma colina, enquanto seu marido destrancava a fechadura. Seu marido de papel passado. Durante as festividades do banquete, ela ansiara para estar a sós com Sebastian, mas, agora que estava, a insegurança havia se instaurado. O que ele esperava dela, como sua esposa? A situação era tão tênue. Assim que conseguisse a herança, ela daria o fora dali. Ele abriu a porta e a encarou, com aquela chama nos olhos. – Bem-vinda ao lar – murmurou ele, envolvendo a cintura dela com o braço. O toque possessivo da mão dele em suas costelas era na verdade agradável. Ele estava com um humor tão leve que ela se perguntou se deveria lembrá-lo de que o casamento deles era apenas temporário. – Obrigada. – Ela respirou fundo. – Você tem... um computador? As sobrancelhas dele se levantaram. – Você não pode se preocupar com isso amanhã? – Não – disse ela com firmeza. – Agora é a melhor hora. Thio deve estar lendo a caixa de e-mail dele nesse exato momento. – Para o inferno com Thio – exclamou ele. – Essa é nossa noite de núpcias. Sem nenhum aviso, ele a levou nos braços, rindo do grito de susto dela. Prensada contra a muralha do peito dele, a pele sensível dela formigava com impulsos elétricos. Até a sensação do toque do queixo dele na testa dela era distintamente prazerosa. Ele a carregou para dentro, parando na sala para ligar um botão com o cotovelo. Luzes se ascenderam em todos os lugares. Durante o trajeto, ela teve uma noção dos quartos espaçosos de teto alto e amplas janelas, que revelavam vislumbres das colinas ondulantes ao longo da praia, cheias de luzes cintilantes. Ele subiu um lance de escadas com ela, e, ao fim de um longo corredor, entrou por um par de portas em um quarto imenso. O olhar dele voltou-se para a cama, e por um segundo angustiante ela achou que ele fosse lhe jogar sobre a cama. Ela se preparou, mas Sebastian apenas a colocou de pé, depois de um beijo suave. – Relaxe – mandou ele com a voz grave, rica em satisfação. – Eu volto já.

Relaxar! O quarto tinha um ar extremamente masculino, com mobílias sólidas e austeras. Mas o que dominava o cômodo era a imensa cama, luxuriosamente adornada por lençóis vermelhosescuros. Talvez fosse apenas impressão dela, mas aquela cama parecia brilhar e vibrar, exigindo atenção. Ela notou um robe de cetim preto sobre uma beirada, e grandes chinelos alinhados no chão embaixo dele. Alguém os havia posto ali com cuidado. Sebastian retornou com a mala dela e a colocou por uma das várias portas do quarto. Ela o seguiu e encontrou um closet desocupado com grandes espelhos. Ao lado, havia um banheiro suntuoso, também desocupado. – Oh. Há outro... quarto aqui? Ele despiu a gravata, sem tirar os olhos dela, e a deixou cair no chão. – Vários, mas este é o único adequado para nós. – Um sorriso lânguido surgiu na boca dele. – Não precisa se preocupar. – A voz dele tornou-se mais grave ao acariciar os braços dela, deixando as terminações nervosas dela em alvoroço. – Acredito que você vai achar este quarto mais do que adequado para suas necessidades. As células do corpo dela pareciam ter desenvolvido vida própria, pois elas estavam amando o toque dele por sobre o tecido do casaquinho. Infelizmente, ela precisava esclarecer algumas coisas antes que ela perdesse o controle. – Acho que precisamos ter uma boa conversa – disse ela, sua voz mais aguda que o usual. Sebastian cerrou os olhos e examinou sua noiva. Os olhos dela transmitiam uma incerteza sombria. Ele teve um mau pressentimento. – Claro – respondeu ele educadamente, preparando-se. Ele deu um passo para trás, para lhe dar mais espaço. – Você está... nervosa em relação a alguma coisa? Ela ergueu o queixo. – Nervosa? Eu diria que não. Eu só... preciso esclarecer algumas coisas. Ariadne viu a expressão de Sebastian tornar-se resoluta. Ela passara o dia tão aliviada, pensando que sua situação já estava resolvida, que nem tivera tempo para cristalizar um plano. Tudo havia acontecido depressa demais. Mas agora ela sabia o que precisava dizer. Uma celebrante não era um padre. Um jardim não era uma igreja. E apesar do certificado que Sebastian havia guardado no bolso do paletó, os motivos pelos quais eles estavam casados careciam de melhores embasamentos. Sob a luz fria da objetividade, um contrato financeiro entre dois estanhos não era uma desculpa para se fazer amor. Mas será que ela precisava mesmo olhar a situação de um ponto de vista objetivo? Ao encarar o olhar especulativo de Sebastian, pensar nas palavras fazer amor fez com que suas entranhas se revirassem. Ela não estava exatamente zonza, mas desejou não ter dado tantos brindes. Antes que ele resolvesse dar o bote, ela saiu do quarto e desceu rapidamente as escadas, entrando em uma grande sala de estar. O lugar tinha um tipo de conforto negligenciado, como se alguém com gosto tivesse começado a decorá-lo e depois tivesse sido dispensado. Ela escolheu sentar no sofá, dando antes uma limpada no lugar para não arriscar sujar a roupa. Sebastian aproximou-se languidamente, sentou-se em uma poltrona e esticou as longas pernas. Ciente de que estava parecendo uma grande covarde, ela tentou puxar conversa.

– Hã... Essa é sua casa ou uma villa de praia? Ele parecia estar se divertindo, mas respondeu com uma educação solene. – As duas coisas. A noite é mais bonita aqui. Não que eu esteja sempre aqui. Recentemente, eu tenho trabalhado até tarde, então é mais fácil passar a noite no escritório. – Oh. – Vendo o potencial para uma rota de fuga, ela disse ansiosamente: – Bom, se preferir fazer isso hoje, não se preocupe comigo. As sobrancelhas dele se arquearam. – Mas é sua noite de núpcias, Ariadne. Ela lhe lançou um sorriso brilhante: – Eu sei, mas, por Deus, não sou tão ligada a essas tradições antigas. Se você precisa cuidar de seus satélites, vá em frente. Juntando as sobrancelhas, ele disse com suavidade: – Algumas tradições não deveriam ser ignoradas. Uma noite de núpcias, algo tão oficial e formal, requeria experiência e graciosidade. Será que ela deveria informar que era virgem, ou isso era algo que ele já presumia? E se ele risse da inexperiência dela? Ariadne achava que não suportaria o escárnio dele. Algumas coisas as mulheres simplesmente não discutiam com homens. Ela se sentia tão ingênua e deslocada. E quanto mais nervosa ela parecia ficar, mas relaxado ele parecia ficar. Talvez ele nem estivesse pensando em sexo. Ao encará-lo, todavia, ela foi recebida por um sorriso malicioso. Sim, ele estava pensando naquilo. – Então, o que você queria conversar? – Os cílios dele abaixavam-se com um langor indolente. – Quer algo para relaxar? Um chocolate? – Não, obrigada, eu... não preciso relaxar. – Ela se levantou do sofá e começou a andar de um lado para o outro, apertando as mãos diante do corpo. – Olha, hã, não sei o que você espera. Eu provavelmente deveria ter explicado que... Oh! Tsc. – Ela tropeçou, e olhou irritada para um livro pesado chamado Eisntein Estava Certo? que alguma pessoa preguiçosa havia deixado perto da poltrona de Sebastian. Ele se levantou. – Desculpe, isso não deveria estar aqui. – Ele pegou o livro e o jogou sobre uma pilha de livros, sobre uma escrivaninha, que desmoronou em meio a uma nuvem de poeira. Ao lado de uma prateleira de livros vazia, ela percebeu vários quadros no chão, encostados na parede, e algumas caixas de mudança que ele estava usando de apoio para o sistema de som. Distraída, ela perguntou: – Há quanto tempo você se mudou para cá? Ele deu de ombros. – Uns três anos. – Ele olhou ao redor pela primeira vez. – Eu deveria ter avisado a Agnes que eu teria companhia esta noite. Deveria haver flores aqui. – Quantos funcionários você tem aqui? – Só Agnes. – Em uma casa deste tamanho? – Ela levantou as sobrancelhas. – Agnes também cozinha?

– Bem, ela cozinhava, mas... Eu geralmente não como aqui. Mas tenho certeza de que posso pedir que ela prepare algumas refeições. Ela ficou curiosa sobre o tipo de relação que ele tinha com a empregada, já que ele nem sabia se poderia persuadi-la a cozinhar. – De qualquer forma, isso não importa. Mesmo. Eu nem vou ficar aqui tempo suficiente para que ela perceba. Ele virou-se para ela, com os olhos brilhando de determinação. – Veremos. Venha, sente-se aqui comigo. O que você queria conversar? – Quase inconscientemente, ele começou a acariciar a bochecha dela. – Alguma coisa sobre seus tios? Ela ficou surpresa. – O que têm eles? – Bem, você pareceu um pouco relutante em tê-los no seu casamento. – No meu casamento por conveniência. – Achei que vocês se davam bem. – O toque dos dedos dele causava um formigamento delicioso que se irradiou para a orelha e o pescoço dela. – Nós nos damos bem. – Você não é a menina dos olhos deles? – Talvez. Bem, eu fui... Achei que era... – Ela sorriu para conter as lágrimas. – Você pode se enganar com as pessoas. Mesmo as pessoas que você acha que conhece bem. Ele lhe lançou um olhar aguçado, e Ariadne achou que sua voz a havia traído. Porém, ele apenas disse: – Sim, eu sei. Então... O que você queria me contar? – Oh, certo. Bem, acho que precisamos discutir... Você sabe... – Os dedos dele traçaram um caminho pelo pescoço dela. Deveria ela interrompê-lo? Se bem que aquela era uma mera carícia, inofensiva, amigável. Nada sexual. – Não tenho nem certeza se nos casamos de verdade. – Ela não conseguiu evitar fechar os olhos para saborear aquela sensação. A respiração entrecortada deixou a voz dela mais rouca que o normal, as palavras desconexas. – Sabe... Aos olhos da igreja, nós... Nós não estamos unidos propriamente. Um sorriso brilhou nos olhos dele. – Isso pode ser facilmente resolvido. – Oh. Você me entendeu. Não sei se deveríamos... dormir juntos. Ele disse com toda a firmeza: – Sim, deveríamos. – Não, é que... eu tenho o sono muito leve. – Ela estudou o rosto dele por alguma reação. – Acho que vou me sentir melhor se eu dormir no sofá. – Acho que não. Ele parou de acariciá-la. Louca para que ele continuasse, Sebastian aproximou o rosto dela. Com uma expressão grave, ele apenas ajeitou uma mecha de cabelo atrás da orelha dela. – Acho que você vai dormir bem melhor na cama. – Havia uma finalidade confiante no tom dele.

– Não, o que estou tentando dizer é que... não sei se me sinto suficientemente casada para... Você sabe. – Fazer amor? – completou ele, arqueando as sobrancelhas e sorrindo como um diabinho. Ela assentiu. – Sem a bênção da igreja. – Oh, mas... – A expressão dele ficou solene. – Quer um lugar mais sagrado para se casar do que um jardim? – Ele fez um gesto expansivo. – Lá estávamos nós, em união com a terra, o mar e céu, sendo beijados pelos raios do sol. Tenho de dizer que me sinto muito abençoado. – Oh, talvez... Mas só porque estamos casados, não significa que deveríamos. Ele falou em tom definitivo, com um olhar penetrante: – Não, minha doce esposa, nós deveríamos fazer porque eu lhe desejo e você me deseja. Ao olhar dentro dos olhos negros dele, os argumentos murcharam na língua dela enquanto o coração batia acelerado. De repente, ele se inclinou e deu um beijo na base do pescoço dela. Foi tão arrebatador e inesperado que ela não refreou a tempo um arfar. Então ele deu mais beijos, abrindo caminho em direção ao vale dos seios dela. Se ao menos ele puxasse a lapela do casaco e a beijasse lá. Só de pensar, os mamilos dela se entumeceram. – Tá, tudo bem – arfou ela depois de um segundo. Apesar do que Thea havia dito, ela estava mais do que pronta para se comprometer. – Talvez... eu possa aceitar um beijo. Ele afastou-se dela. – Um beijo? – Ele estudou o rosto dela, estreitando os olhos. – Humm. Um beijo é bem inofensivo. Acho que não vai incomodar a sua consciência. – Ele continuou o escrutínio, e então um sorriso malicioso surgiu, virando o mundo dela de cabeça para baixo. – Mas como já nos beijamos, isso é passado. – Nós nos beijamos duas vezes, lembra-se? O brilho dos olhos dele tornou-se tão penetrantemente sensual que ela prendeu a respiração em suspense, sentindo o coração frenético. Então, ele juntou seus lábios firmemente aos dela. De início, foi uma colisão de lábios, até ele tomar um dos lábios dela por entre os dentes, gentilmente. Theos, de forma tão lenta e sensual. A língua dele penetrou por entre os lábios dela, ascendendo pequenas serpentes de fogo que de alguma forma foram parar na corrente sanguínea dela, inflamando o desejo dela de ser tocada em todos os lugares. Ariadne descobriu-se agarrada a ele. Ele intensificou a possessão da boca de Ariadne, e depois deslizou a mão para dentro da lapela dela, acariciando gentilmente o seio por cima do sutiã de renda. Arrepios atravessavam o corpo feminino. Justo quando ela estava se sentindo totalmente incendiada, ele desvencilhou-se do beijo. Ela inspirou, sentindo a pele formigando e pedindo por mais. – Pronto – disse a voz rouca. – Um beijo. Como se sente? O colarinho da camisa dele estava aberto, revelando um triângulo de pele bronzeada na base do pescoço forte. A boca de Ariadne se encheu de água.

– Certo, tudo bem. Só que... Quem disse que precisa ser só um? – perguntou ela. Sem lhe dar tempo para protestar, ela colocou as mãos sobre os ombros dele e o puxou, beijando o triângulo em seu pescoço. Um tremor percorreu o corpo dele, dando a ela uma imensa satisfação. A pele dele tinha um gosto salgado, masculino, irresistível para os lábios famintos dela. Com o peito subindo e descendo diante da nova alegria inebriante, ela abriu os próximos botões da camisa dele. Ela deleitou-se com a visão dos pelos encaracolados do peito dele, implorando para serem explorados. Ela inclinou-se para provar a pele quente e acetinada dele, e, como que por vontade própria, a língua dela abriu um caminho até o pescoço dele. Ela sentiu outro tremor de satisfação vibrar o corpo de Sebastian. Ele a segurou pelos braços e a afastou um pouco, mas a fome dela não havia sido satisfeita – na verdade, ela havia se intensificado. Ariadne então lhe deu um beijo, e ele imediatamente tomou o controle da situação, suas mãos tornando-se bruscas e urgentes na exploração das curvas dela. As mãos dela foram tomadas pela mesma ânsia. Ela descobriu-se deitada, com a cabeça sobre almofadas encostadas no braço da poltrona, com o corpo esguio de Sebastian sobre o dela. Mas eles ainda só se beijaram. Para o prazer dela, ele era especialista em criar prazer com as mãos. Ela não sabia dizer quando o casaco havia sido tirada, mas os beijos se intensificavam conforme as carícias sobre os seios dela reverberavam pelo corpo todo. Cedo demais, ele se afastou dela. Porém, ele só o fez para levar os lábios até os mamilos dela e sugá-los deliberadamente por sobre o sutiã, para o espanto dela. Ah-h-h, felicidade. Os dedos convulsivos dela maltratavam os ombros e os braços dele, emaranhando-se com o cabelo enquanto ela buscava por ar e gemia de prazer. E justo quando ela estava pronta para se desfazer em uma poça, ele se levantou. – Venha aqui – chamou ela roucamente, surpresa com a própria valentia. Porém, ele colocou gentilmente a mão sobre o peito dela. – Fique aí. – Por um instante ele ficou imóvel, o brilho em seus olhos mais sombrio e sedutor do que nunca. O sangue dela fervilhava de antecipação. Ele ajeitou as almofadas para Ariadne e colocou os pés dela sobre o colo. Um suspense selvagem tomava conta dela. Ele ficou acariciando os pés dela distraidamente por um momento. – Que pernas lindas você tem – murmurou ele, inclinando-se para beijar o joelho de Ariadne. O próximo beijo foi mais acima do joelho. As carícias na parte continuaram até os dedos dele partirem gentilmente para a parte sensível da coxa dela. Tão, tão maravilhosamente perto, do lugar santíssimo. Era perigoso, mas o que mais ela podia fazer senão se entregar àquela alegria voluptuosa? Perto dali, coberta pelo tecido leve de algodão da calcinha, encontrava-se a parte mais íntima e secreta de Ariadne, que ardia de desejo de ser incluída naquela orgia. Na verdade, que Theos a perdoasse pela fraqueza, quanto mais perto aqueles dedos exploradores chegavam da zona proibida, mais ela ansiava pelas carícias dele ali. Ela encarou os olhos negros dele como os de Lúcifer, desejando que seu olhar estivesse refletindo o desejo dela, o desespero prazeroso.

Então, a mão dele subiu um pouquinho mais. Ariadne ficou tensa em antecipação. Um gemido gutural escapou dela ao sentir as pontas dos dedos dele deslizarem suavemente por sobre o tecido da calcinha. Ah-h-h. Ela gemia e arfava, mal conseguindo se controlar – quando de repente ele tirou a calcinha dela de uma vez. Por um segundo, ela o encarou em completo choque. Ele olhou o triângulo nu de pequeninos cachos louros-escuros com um brilho selvagem nos olhos, e, com um sorriso determinado, mudou de posição, separando as coxas dela para expor ainda mais sua nudez. Theos, era tão erótico. Ele passou a língua divinamente sobre as partes mais secretas e sensíveis do corpo dela, com exímia habilidade. – Oh-h-h. Como ele poderia saber? Ela estremeceu em êxtase, conforme onda após onda de um prazer líquido que arrebentava dentro dela a cada toque delicioso e proibido. Mas não foi só isso. Estranhamente, apesar do prazer quente e intenso, a fome dela ficou ainda mais intensa, alcançando um pico de insanidade erótica. Quando estava prestes a gritar, ele enfiou a língua dele dentro dela e brincou com o local mais sensível e prazeroso de todos. O prazer dela alcançou um alívio suspenso, atordoante. Ela levou alguns segundos para se recuperar. Sebastian aguardou pela resposta dela com as sobrancelhas erguidas, seus olhos maliciosos e excitados. – Oh – disse ela, quando conseguiu. – Esse tipo de beijo. Ignorando os escrúpulos que já tinha jogado ao vento, ela o contemplou feliz, especulando em que outros prazeres ele era especialista. – Sabe, Sebastian – arfou ela –, está muito apertado aqui neste sofá. Acho que... vou dormir melhor na cama.

CAPÍTULO 9

SEBASTIAN CONTEMPLOU

a noiva com satisfação. O contorcionismo apaixonado dela sobre as almofadas transformara o cabelo dela em uma massa emaranhada, e seus lábios já fartos estavam inchados, prontos para serem devorados novamente. Porém, se seus instintos não estivessem enganados, sua noiva era virgem – uma condição que ele corrigiria com prazer e gentileza, como uma princesa merece em sua noite de núpcias. Ela parou diante da cama dele, e observou o arranjo dos travesseiros. – Sabe, Sebastian – disse ela, com um riso incerto. – Sei que pareço incrivelmente fria e casual em relação a tudo isso... Mas a verdade é que... Houve um leve tremor na voz dela, fazendo com que ele interrompesse o ato de tirar a camisa. – Posso garantir que os lençóis estão limpos. Eles voltaram da lavanderia esta manhã. Agnes estava arrumando a cama quando eu saí. – Estava? – Ariadne franziu a testa. Pelo menos Agnes fazia parte de seus deveres com esmero. – Onde ela mora? – Na casa dela – respondeu ele, sorrindo. Ela estava prestes a questioná-lo mais quando reparou no tamanho do peitoral dele. A boca de Ariadne ficou seca por causa das proporções impressionantes dos músculos dos braços dele. – Deus, como você é atlético – exclamou ela. – Não tinha reparado como você é grande. Sorrindo, Sebastian deixou a camisa cair. – Agora – murmurou ele, puxando-a para si. – Esqueça Agnes. Você ia dizer algo sobre a verdade... Ela fechou os olhos. – Acho... Acho que você compreende que não vou ficar muito tempo aqui... – Apenas relaxe. Não pense em nada. Esta noite é apenas para sentir. – Mas... – Ele então tomou a boca de Ariadne em um beijo exigente. Conforme o sabor intoxicante dele invadia os sentidos dela, sua mente que estava estressada pela rápida sucessão dos acontecimentos, acalmou-se.

Ela envolveu o pescoço dele com os braços para responder ao beijo apropriadamente. Quando ela sentiu a ereção dele contra o abdome, algum instinto primitivo fez com que ela esfregasse a pélvis contra o corpo dele, de maneira encorajadora e sensual. O efeito deve ter sido potente, pois o beijo intensificou-se exponencialmente. Por fim, ele se afastou, deixando-a arfante e faminta, muito faminta por mais. Ele então ficou observando o rosto dela conforme desabotoava cada um dos botões do casaco de Ariadne, que ela havia posto logo depois. Ansiosa por mais contato, virou-se de costas para que ele abrisse seu sutiã. Lenta e gentilmente, Sebastian traçou a linha da coluna dela com o polegar, sentindo o tremor elétrico da resposta da pele dela. O coração dele contraiu-se diante da beleza das costas alvas e nuas dela. Depois, ele abaixou o zíper da saia dela, ficando excitado só de pensar em vê-la completamente nua. Ah. A forma suave e delicada de um violino. A saia caiu no chão. Ela arfou baixinho, como se tivesse se esquecido que já estava sem a calcinha. O sangue fervilhante dele foi parar diretamente na virilha quando ele contemplou as curvas e as nádegas macias dela. Ele ansiava em introduzir seu mastro quente ali, mas, com um autocontrole de ferro, contentou-se em apenas beijar a parte inferior das costas dela. Ariadne ardia sob o corpo nu dele. Adrenalina, ou desejo, havia anestesiado a ansiedade dela. Ela sentia-se envolta por um brilho feminino, uma mulher primitiva diante do parceiro. Ele a levou até a cama, onde ela se deitou enquanto Sebastian despia o resto das roupas. O corpo dele era belamente esculpido em pura energia masculina, mas, quando os olhos dela recaíram no comprimento maciço do pênis grosso e ereto dele, ela sentiu como se tivesse ficado minúscula. – Acho que preciso lhe contar – disse ela, sem mais delongas. – Sou virgem. – Mesmo? – disse ele com ternura, sorrindo ao deitar-se ao lado dela. – Quem teria imaginado? Sebastian observou a noiva, com o cabelo revolto sobre o travesseiro, os seios deliciosos com os bicos róseos pedindo a atenção dele, e foi tomado pela convicção de ferro que não iria deixá-la ir embora tão cedo. – Você é uma mulher tão linda que não consigo acreditar que nenhum homem a tenha fisgado – disse ele com a voz rouca, como um rugido vindo das profundezas da terra. Uma sombra, tão rápida que ele achou que a tinha imaginado, passou pelo rosto dela, e ele pensou no que ela havia dito sobre seus ex-pretendentes. Alguém a havia magoado. Ela baixou o olhar e sorriu para si mesma com tanta vergonha e dúvida que ele sentiu uma pontada no peito. – O problema sou eu. Sempre escolho os caras errados. – Não desta vez – disse ele com uma certeza doce e contundente. – Desta vez, você escolheu o cara certo. Ariadne sentiu-se tocada pela sinceridade nos olhos dele. Sebastian inclinou a cabeça lentamente e provocou os lábios dela com a ponta da língua, para depois tomar a boca de Ariadne em um beijo incendiador. Deitada naqueles braços poderosos, os pelos do peito dele roçavam contra a pele delicada dos seios dela, deixando-a viva com uma sensação formigante de pequenas explosões de prazer.

Ele interrompeu o beijo primeiro, a tempo de salvá-la de se afogar em tantas sensações. Mas o corpo dela havia despertado novamente com uma sede primitiva que não podia ser ignorada. Quando ele levou a boca até o mamilo de Ariadne, ela choramingou de prazer. Depois, ele a explorou com as mãos e os lábios até ela perder a cabeça e gemer selvagemente, como uma criatura incandescente de desejo, uma presa que se entregava ao prazer mútuo e insaciável. Ela tentou não se preocupar, mas a excitação dele era tão forte, emergindo dos pequenos caracóis crespos e negros, que o corpo dela estava no limite. Sebastian parou para pegar um pacotinho de alumínio na mesinha de cabeceira. Ele o abriu e ela o observou deslizar o plástico por todo o comprimento pulsante de seu membro, torcendo para que conseguisse ser tão elástica quanto a camisinha. Só de pensar nisso, ela sentiu a umidade aumentar entre as pernas. – Agora... – disse ele, com um brilho apaixonado no olhar. Ele separou as coxas dela e tracejou as dobras delicadas até ficarem entumecidas como um pêssego. Ela tremia, incendiada, sentindo uma necessidade desesperada de chegar ao clímax. – Sebastian, estou pegando fogo – arfou ela sofregamente. Com um olhar de intensa satisfação, ele deslizou um dedo para dentro dela. – E você é apertadinha – murmurou ele, gentilmente alongando a entrada do canal úmido dela. – Incrivelmente apertadinha. – Isso é bom? – É ótimo – disse ele posicionando-se entre as pernas dela e penetrando-a com firmeza. Ela sentia como se fosse arrebentar. – Theos – choramingou ela, fincando as unhas nos braços musculosos dele. – Sebastian. Ele retirou-se prontamente, acalmando-a: – Minha doçura – disse ele, acariciando o cabelo dela. – Pode ser desconfortável na primeira vez, mas vai melhorar. Confie em mim. Confiar nele? Sebastian parecia supremamente confidente, apesar das sobrancelhas franzidas. O que ela poderia fazer? Voltar atrás, depois de ter chegado tão longe na estrada para perder a virgindade? Ela já sabia o que esperar, afinal de contas. Suas amigas já haviam lhe contado com detalhes gráficos. Fechando os olhos com força, ela se preparou para a agonia. – Vá em frente. Acabe logo com isso. Ele beijou os lábios dela e, em um movimento totalmente inesperado, penetrou-a com toda a força. Ela sentiu uma dor crua que lhe arrancou um grito. Ele parou e deslizou para fora dela, preocupado. – Você está bem? – Hã, agora. – Ela esperou, atenta às sensações do próprio corpo, mas não sentiu mais nada. – É só isso? A expressão dele relaxou em um sorriso. – Isso é só o começo. Agora vem a parte boa. Apenas relaxe. Ele a penetrou novamente, e desta vez a sensação não foi tão estranha.

Sebastian observava o rosto dela com um sorrisinho no canto da boca. Ele então começou a mover os quadris com pequenos movimentos sinuosos e sensuais, que não eram desconfortáveis como ela havia imaginado. – Como você se sente? Estou dentro de você, e você está se abrindo para mim... Como uma luva. Quente, aveludada... – As chamas nos olhos dele cresceram conforme ele intensificou os movimentos. Ela então sentiu o membro rijo dele tocar um ponto dentro dela que a incendiava como o sol, enviando ondas de prazer intensas e fabulosas pelo corpo inteiro dela. – Continue – incentivou ela, desejando mais e mais. – Continue. Ele investia contra ela com cada vez mais força, e ela percebeu pela expressão de concentração de Sebastian que ele estava absorto em um êxtase só dele. Ela abandonou os medos e entregou-se inteiramente ao ritmo, cada investida provocando mais e mais prazer dentro dela. Ariadne envolveu a cintura dele com as pernas, desfrutando de todas as sensações. Sentindo a pele íntima e sensível de dentro dela entumecer-se deliciosamente, Sebastian cerrou os dentes, em um prazer divino. Quando ela chegou ao clímax, ela se desfez em ondas de êxtase, enquanto seu corpo estremecia. – Oh, Theos. Sebastian chegou ao clímax sozinho, desabando sobre ela em seguida, seu corpo esguio coberto de suor. Depois de alguns segundos, ele retirou-se de dentro dela e descansou em silêncio, de olhos fechados. Em seguida, ele se levantou e foi para o banheiro. Ela permaneceu ali, com o corpo ronronando de prazer. Ele voltou para o quarto e deitou ao lado dela. – Achei que você iria pelo menos dizer “oh, Sebastian”. Ela riu. – Você foi bom. – Obrigado – disse ele com modéstia. – Minha tia me falou que você era um gênio. Ele gargalhou, e então deu um beijo no peito dela. – Daqui em diante, as coisas só melhorarão. – Com a prática, você quer dizer? – Com certeza. – Ele sorriu, deitando-a sem seus braços. – Está feliz por termos nos casado? – Depois de um instante em um silêncio íntimo, ele perguntou: – O que aconteceu com o cara que partiu seu coração? – Eu não disse isso. – Praticamente. Ali, no casulo mais íntimo e feliz no qual ela já havia se abrigado, a honestidade jamais parecera tão segura. – Demetri Spiros. Eu estava noiva dele. – Noiva? – Eu o conheci em um cruzeiro, no iate do meu tio. Você sabe como são essas coisas. Minha família queria, a família dele também queria. Ele parecia ser muito bacana. Enfim, acabei descobrindo que ele tinha uma namorada em Atenas. Uma mulher mais velha.

– Mais velha que ele? – Não, mais velha que eu. Alguns dias antes do casamento, eu os vi em um restaurante. Ela era muito sofisticada. As pessoas me disseram que ele a largaria depois do casamento, por mim, mas eu não conseguia esquecer. Então, no dia do casamento, quando eu já estava toda vestida de branco, eu não consegui ir em frente. – Caramba. O que você fez? – Enquanto todos estavam ocupados, eu fui para a praia e passei o dia todo lá, com vestido e tudo. Eu arruinei meus sapatos. – Seus tios devem ter ficado tristes. Ela sentiu no estômago a velha culpa e então suspirou. – Oh, sim. Bem, o mundo todo estava me esperando na igreja. Não posso culpá-los. Príncipe Philippos. O rei e a rainha da Suécia. Os Grimaldis. – Meu Deus. Deve ter sido um alvoroço. No escuro, ainda sob o efeito da paixão, confessar era mais fácil. – Saiu em todos os jornais. Thea cancelou todos os comitês dela. Eu perdi meu emprego. A galeria alegou que eu era muito controversa. Houve um longo silêncio, confortável, seguro. Ele a abraçou, e ela sentiu o coração dele batendo junto ao dela. Então Sebastian murmurou no ouvido dela: – Aquele cara era um imbecil. Acabar com as chances dele com você. Fico feliz por você ter feito isso. Foi preciso muita coragem. Você é a garota mais valente que já conheci. Depois de todas as recriminações que ela havia sofrido, aquelas palavras foram como um bálsamo para a alma torturada dela. O coração de Ariadne se encheu de amor por Sebastian Nikosto. Ridículo, talvez, estúpido e óbvio, mas ela estava apaixonada.

CAPÍTULO 10

ARIADNE NÃO conseguia

parar de sorrir. Ela possuía um segredo. Um segredo que as outras mulheres discutiam apenas com as amigas do peito. Claro, todos dizem que sexo é maravilhoso. Mas como ela poderia ter imaginado que dormir nos braços de um homem grande e maravilhoso seria tão bom? Eles fizeram mais amor durante aquela noite celestial, com Sebastian tomando todo o cuidado do mundo para não machucá-la. Ele também disse coisas maravilhosas, que ela guardaria no coração para sempre. Sebastian devia ser um madrugador, pois, quando ela acordou logo após o amanhecer, ele já não estava mais lá. Sebastian voltou pouco tempo depois, molhado do surf matinal, para se aprontar para o trabalho. Ele era silencioso naquela hora da manhã, austero. Em nada parecido com o Sebastian da meia-noite. Ela achou melhor se ausentar enquanto ele se arrumava, e então se enrolou em um robe e foi para a sacada. Que vista maravilhosa. As portas se abriam com uma vista panorâmica do oceano Pacífico, com uma longa fila de ondas que arrebentavam na praia logo abaixo da villa. Uma escada encrustada na pedra descia para a praia, onde muitas pessoas caminhavam, mesmo àquela hora. Abaixo da sacada, havia uma piscina cintilante, posicionada estrategicamente para parecer que sua água cristalina cascateava direto para o oceano. Não era Naxos, mas como ela poderia ir embora dali? Ela ouviu os passos de Sebastian e virou-se sorrindo. – Bem, estou de partida. – Ele inclinou-se e beijou a bochecha dela. – Tão cedo? – Ela esperava que ele fosse passar algum tempo com ela, mas Ariadne não queria parecer uma dona de casa pegajosa. Incapaz de se conter, ela ajustou o colarinho da camisa dele. Sebastian mal deu tempo de ela terminar antes de se afastar. – Oh, estou com a certidão de casamento aqui – disse ele, batendo no bolso. – Eu a enviarei por e-mail no escritório, tudo bem? – Oh, tudo bem.

Ele soava tão ríspido e eficiente. Seria imaginação dela, ou ele estava evitando seu olhar? Quando ela percebeu, ele já estava saindo pela porta. – Sem café, sem comer nada? – Tem algumas coisas na geladeira, eu acho. – Ele estreitou os olhos. – Hã... Pensando bem, acho melhor você ir até o café. Eu comerei algo na cidade. – Ele hesitou como se quisesse dizer algo mais. – Bom... De qualquer forma... Tenha um ótimo dia. – Acenando por cima do ombro, ele foi embora. Desapontada, ela tomou um banho de banheira caprichado, com os sais de banho de alecrim que ela trouxera de Naxos. Na verdade, ela estava dolorida, mas era um dolorido bom. Do tipo que surge quando você dá e recebe quantidades imensas de prazer, como uma mulher apaixonada. Uma mulher de verdade, finalmente. Ela queria abraçar seu precioso novo eu. De banho tomado, ela foi investigar a cozinha. Não havia quase nada na geladeira, exceto um número de embalagens plásticas com sobras duvidosas e algumas garrafas de cerveja. O congelador, por outro lado, estava lotado de comida congelada. Nada de frutas frescas, vegetais ou salada. E onde estava o café? Quem conseguia sobreviver com aquele tipo de alimentação? Adiando o problema, ela voltou para a cama para se deliciar com as lembranças das coisas fantásticas que Sebastian fizera com ela. Ariadne estava cochilando quando foi acordada de sobressalto por barulhos na casa. Sebastian? Ela então desceu as escadas e deparou-se com uma mulher grande de cabelo grisalho, encostada na parede enquanto usava uma bombinha de asma. Ao lado dela, havia um balde e um esfregão. A mulher se assustou ao ver Ariadne. – Oh, diabos – ofegou ela, guardando a bombinha no bolso. – Não sabia que tinha gente em casa. – Olá – disse Ariadne, sorrindo. – Agnes, correto? – Isso, meu anjo. Eu... – Agnes respirou fundo. – Desculpe. – Depois de respirar fundo repetidas vezes, ela encarou Ariadne com curiosidade. – Você deve ser a amiga de Seb... Sr. Nikosto. Ela assentiu. – Ariadne. Ela quase se apresentara como Ariadne Giorgias, mas ficou em dúvida. Ao invés disso, ela segurou a mão de Agnes. – Está se sentindo bem, Agnes? Gostaria de se sentar e tomar uma xícara de chá? – Oh, não, meu anjo. É só a minha asma. É esse tempo úmido. Eu ficarei bem, se não fizer nada muito cansativo. Nessa época, eu faço apenas uma coisinha aqui e ali. – Ela respirou fundo algumas vezes e disse, olhando para a bermuda de Ariadne. – Está hospedada aqui? – Os olhos dela se iluminaram quando Ariadne assentiu. – Que bom, que bom. Já era hora. Não gosto de ver um bom homem ser desperdiçado. Ariadne sorriu, sem saber o que dizer. – Certo, bem... Obrigada, Agnes. Eu só... – Ela acenou e foi para as escadas. Agnes abaixou e pegou o balde, bufando.

– Tudo bem, meu anjo. Embora eu não ache que vou conseguir fazer muita coisa hoje. Ariadne olhou para trás. O balde parecia pesado, e a pobre Agnes precisava de ajuda. Uma villa daquele tamanho precisava de mais empregados. Se ela estivesse no comando, ela adoraria virar tudo de cabeça para baixo e fazer uma boa faxina, para mostrar a Sebastian como uma casa podia ser confortável e arrumada. Thea ficaria orgulhosa dela. Pouco tempo depois, ela desceu novamente, vestindo um jeans e uma camiseta. Agnes estava na sala de jantar, apoiando as mãos nas costas de uma cadeira enquanto recobrava o fôlego. Ela acenou para Ariadne, claramente incapaz de falar. – Gostaria de uma ajudinha, Agnes? – O queixo da empregada caiu, mas Ariadne insistiu. – Vamos lá. Onde você guarda os produtos de limpeza? Passar aspirador era uma tarefa árdua, Ariadne descobriu, assim como lavar os pisos, tirar pó e polir. O trabalho doméstico era um exercício físico muito subestimado. Mas ela nunca havia imaginado a satisfação que era ser a pessoa que dava o ar de limpeza nos cômodos que antes estavam empoeirados e abandonados. Ela mal podia esperar para ver a surpresa e o prazer nos olhos de Sebastian quando ele voltasse para a casa. Agnes ficou preocupada de início por estar sendo ajudada, mas depois ela parecia grata por ter alguém com quem compartilhar a responsabilidade. Em um frenesi de entusiasmo doméstico, Ariadne atacou os banheiros com esponjas, esfregões e desinfetante. Ela levou as mãos à cintura. Theos, casada um dia e já havia virado uma dona de casa? Se Naxos pudesse vê-la naquele momento! Agnes voltou para casa mais cedo para descansar, para o alívio de Ariadne. Depois das horas atléticas, ela trocou de roupa e foi resolver o problema da comida. Era uma descida agradável até os mercados. As pessoas cumprimentavam-na, e paravam para conversar sobre o clima. Exatamente como em Naxos. Havia uma pequena delicatessen, com uma quitanda na frente. Ela conseguiu encher um carrinho, tendo em mente a experiência no hotel para tomar cuidado com os preços. Queijo Feta e iogurte grego – supostamente – ovos, bacon e tomate, para o caso de Sebastian gostar do típico café da manhã australiano. Cereal para as eventualidades. Azeitonas e massa filo, embora ela não tenha encontrado o queijo Mizythra, e outros itens. E o jantar de Sebastian? Pensou ela, subitamente animada. Um homem precisava de uma boa dieta. A comida simples da Grécia era a melhor do mundo, dizia Thea. Ideias para pratos inundaram a mente dela. Por fim, ela ainda precisou negociar com o dono da loja para que entregasse as compras na villa. Com a entrega, o preço seria maior, mas, com sorte, ela teria sua herança em mãos em poucos dias. Ao voltar para a casa, ela deparou-se com as compras na porta da frente. Excelente. Era hora de ir para a cozinha. SEBASTIAN ENCERROU a reunião de quinta-feira ciente dos rostos preocupados dos colegas. Embora ele tivesse enviado a certidão de casamento assim que chegara ao escritório, demoraria algumas horas para ele ouvir a confirmação de Peri Giorgias e poder repassar as boas novas. A equipe dele merecia isso.

Quando o contrato chegasse assinado e selado, ele daria um aumento substancial a cada um deles, tempo extra de férias e um bônus pelo trabalho no projeto Giorgias. Sebastian ficou feliz quando a reunião excruciantemente longa terminou, pois agora ele podia se concentrar no problema que importunava a alma dele. Ele estava casado. Com outra mulher. Uma mulher linda e sensual estava na casa dele, à espera e disposição apenas dele. De vez em quando sua consciência tentava jogar alguns vislumbres de Esther para torturá-lo, mas flashbacks da noite anterior dominavam o espaço da mente dele. O corpo adorável de Ariadne, os lábios macios. Os olhos azuis, lânguidos à meia-luz do abajur, devastadores com aquela mistura de ingenuidade e excitação. Tão confiante, tão... entregue. Ele cerrou os punhos. Pelo amor de Deus, o que ele estava fazendo? Sua esposa, seu verdadeiro amor, estava a apenas três anos na cova e ali estava ele, correndo atrás de outra, imaginando emoções que sua consciência dizia que ele não merecia sentir. Estava claro que a única maneira de lidar com os próximos dias seria manter distância de Ariadne. Ela já estava penetrando na mente dele, entrelaçando-se no centro emocional como algum tipo de droga viciante. Quanto menos ele a visse, melhor. Ele teve um vislumbre dela naquela manhã, tão linda enrolada no robe e com o cabelo desgrenhado. A surpresa nos olhos dela quando ele foi um pouco seco de alguma forma permaneceu em seus pensamentos durante todo o trajeto para a cidade. Sebastian precisava deixar claro para ela que nada havia mudado. Sexo não significava nada além disso: sexo, puro e simples. A srta. Giorgias precisava entender que era temporária. Esther era a estrela guia da vida dele. Conforme a hora de ir embora se aproximava, as pessoas foram de despedindo e saindo. O edifício foi ficando gradativamente silencioso. Luzes se acenderam por toda a cidade, mas ele não se deu ao trabalho de ligar a luminária da escrivaninha. A vida de Esther fora tirada dela. Que Deus o perdoasse pelo cretino egoísta que ele era, mas Sebastian precisava cerrar os dentes e admitir a verdade desprezível e vergonhosa: ele sentiu alívio quando a terrível batalha dela terminou e ela pôde descansar. Ele então ouviu a conversa alegre da equipe de limpeza, e permaneceu congelado, tentando não imaginar a mulher vívida em casa. ARIADNE VERIFICOU o fogão pela milionésima vez. As batatas pareciam esplêndidas, e o aroma do carneiro lembrava que fazia muito tempo que ela havia almoçado. A salada já estava pronta a algum tempo, e uma sopa avgolemono simples borbulhava aromaticamente no fogão. Ela torcia para que Sebastian estivesse com fome. Ariadne olhou ansiosamente para o relógio de pulso. Quase 21h. Ela lembrou-se que ele havia falado que nem sempre vinha para o jantar, mas, naquele dia, ele viria, correto? Talvez ela devesse ligar para ele. Dando mais vinte minutos de limite, ela foi para o escritório. O escritório de Sebastian era surpreendentemente bem organizado e atmosférico, com prateleiras de livros e mapas de constelações. Em algum momento, ele deve ter tido planos de trabalhar ali,

pensou ela, preparando-se para ligar para o celular dele. Então, os olhos dela focaram em uma foto, e ela congelou. Era Sebastian, nos degraus de uma igreja com uma noiva. O choque inicial fora como se uma agulha quente tivesse golpeado seu peito, e ela precisou se sentar para pensar direito. Então ele era casado. Fora, presumiu ela, uma vez que ele não parecia ser do tipo adepto à bigamia. Mas, pensando bem, o que ela realmente sabia dele? Quando o coração acalmou, ela estudou a foto. Ele estava bem mais jovem ali, com um imenso sorriso. A noiva também era linda, com cabelo negro. Eles tinham aquele ar de pessoas apaixonadas, com euforia exalando de cada poro. Onde estava a esposa dele agora? Se eles estavam divorciados, por que ele matinha uma foto do casamento na escrivaninha? Talvez fosse tolice, mas ela hesitou em ligar para ele, como se isso fosse presumir uma intimidade que ela não tinha direito. Era melhor encarar a verdade: ele não viria para casa. Desanimada, ela voltou para a cozinha e desligou tudo. Agora ela precisava descobrir o que fazer com toda aquela comida deliciosa. Em casa, ela também deixava a louça para outra pessoa, mas ali... Ali, ela estava por conta própria. Ela levou mais tempo do que havia imaginado para limpar todos os sinais de seus esforços desperdiçados. Como alguém conseguia desejar ser uma esposa? Era só trabalho pesado sem reconhecimento, e para quê? Para tornar feliz um homem que não dava a mínima? Uma hora depois, enquanto levava seu corpo exausto para cima, ela não pôde deixar de pensar que ele poderia ter vindo para a casa, para ela. Depois de tudo que ele dissera na noite passada, depois de fazerem amor, ser ignorada não parecia certo.

CAPÍTULO 11

SEBASTIAN ENTROU silenciosamente no quarto. Era quase meia-noite, e a casa estava em silêncio. Seu nariz captou um aroma diferente no ar, o cheiro de lustra-móveis e de outras substâncias de limpeza. Com as luzes do quarto apagadas, ele esbarrou em uma cômoda. Ele ficou imóvel, esperando alguma reação, mas não ouviu nada. Com uma sensação de agonia, ele percebeu que não havia ninguém dormindo ali, e acendeu rapidamente as luzes. Ela havia ido embora? Será que ela o havia abandonado, sem lhe dar a chance de conhecê-la melhor? Depois de ver as roupas dela ainda no closet, ele saiu pelo corredor, abrindo portas, e, com uma mistura de triunfo e estupefação, descobriu-a dormindo no quarto em frente ao dele. Com a mão na maçaneta, ele ficou parado, ouvindo a respiração dela. – Ariadne? Depois de um instante longo e enervante, ela se moveu. – Sim? Alguma coisa naquele sim lhe dizia que ela não estava dormindo de verdade. Ela estava apenas deitada ali, esperando por ele. A questão era: por que ela não estava na cama dele? Não, ele não havia feito nada de errado. Estava tudo certo. Era melhor deixá-la dormir onde ela preferisse. – Hã... – Ele deu alguns passos adiante, tomado por uma súbita preocupação. – Você jantou? – Eu não estava com muita fome, obrigada. – Certo. Olha, hã... Desculpe. Por chegar tarde. Eu... tive contratempos. Quando não houve resposta, ele tentou mais uma vez. – Está afim de uma cerveja? – Não. – Ela puxou as cobertas mais para mais perto do rosto, claramente encerrando a conversa. Ele deu de ombros e desceu as escadas. Na verdade, aquela fria declaração de independência era um alívio. Era melhor ele não dormir com ela. Não era isso que havia decidido? Dormir com ela apenas aumentaria o vício dele, e como ele ficaria depois que ela fosse embora? A cozinha parecia mais limpa, se bem que ele não reparava nela a tanto tempo que isso poderia ser fruto de sua imaginação. Então abriu a geladeira e ficou surpreso. As prateleiras estavam

repletas de comida. Comida de verdade. Leite fresco, laranjas, folhas verdes surgindo aqui e ali. Ele investigou uma vasilha de plástico grande e ficou atônito ao descobrir uma carne assada. Apesar de estar fria, a carne era suculenta e deliciosa, como comida de mãe. Sem perder mais tempo, Sebastian pegou um prato, serviu-se das sobras e sentou-se na bancada da cozinha para comer, tomando eventuais goles de cerveja enquanto refletia. Ela sabia cozinhar. Quem poderia ter imaginado? Ele lhe devia um agradecimento, embora o motivo da troca de cama ainda fosse um mistério. Isso não era algo que o incomodava, mas ele tinha de admitir que era um choque. Se ela estava cansada, ela poderia perfeitamente ter dormido na cama dele. Sebastian era um homem civilizado, e não um macaco que não conseguia manter as mãos longe dela. Não iria exigir nada. Talvez ela simplesmente tenha decidido dormir sozinha por causa do calor daquela noite de verão. Ele franziu o cenho. Com certeza Ariadne tinha percebido o moderno ar-condicionado no quarto; talvez ele precisasse informá-la, encorajando-a a voltar para o lugar dela com um pouco de sua doce persuasão. Ele então foi para o escritório, mas, ao passar pela sala de jantar, algo chamou a atenção dele de canto de olho. Deus. Oh, não. A mesa estava posta. Charmosa e intimamente, para dois. Ele ficou ali parado, sentindo uma pontada no peito. Sebastian fechou os olhos. Maldição, como ele podia ser tão idiota e egoísta? A enormidade do comportamento dele naquele dia atingiu-o como uma onda gigante. No andar de cima, Ariadne pensava nas patéticas mentiras que os homens contavam. Preso no trabalho. Quem precisava ficar no trabalho até meia-noite? Primeiros-ministros, talvez. Presidentes, provavelmente, se bem que ela não conseguia imaginar Michelle Obama permitindo que isso acontecesse com frequência. Mas CEOs? De repente, ela ouviu o som de Sebastian subindo as escadas. Ela ficou tensa ao ouvi-lo se aproximar do quarto. – Ariadne? Está acordada? Ela franziu o cenho. – Bem, agora estou. Ele entrou no quarto. – Olha... Sinto muito não ter conseguido chegar em casa para o jantar. Não sabia que você ia cozinhar. – Tudo bem. Eu sei que você não sabia. – Eu deveria ter imaginado. – Ele hesitou. – Eu não... Hã... – Não importa. Quer comer um pouco? – Olha, doçura... Ele adentrou o quarto, e o ar começou a vibrar com tensão sexual. Embora estivesse de olhos fechados, ela podia sentir os olhos dele devorando-a. Ariadne agarrou o lençol junto ao peito, desejando que ele o arrancasse dali. – Posso acender a luz? – Ela sentiu o colchão abaixar-se quando ele sentou. – O que você acha que está fazendo? – disse ela bruscamente, piscando por causa da luz.

A gravata dele pendia desfeita do colarinho. Sorrindo, ele estava tão lindo que o estômago dela revirou perigosamente. O corpo traiçoeiro de Ariadne sentiu-se subitamente vivo, desejoso. A voz dele era suave como manteiga. – Só queria agradecer pela refeição deliciosa. Acho que nunca comi algo tão bom aqui nesta casa. – Estava muito melhor, cinco horas atrás. – Oh, eu sei. Você é uma cozinheira fantástica. – Sou uma cozinheira simples e comum, Sebastian. – Ela podia sentir o calor da perna dele pelo lençol. – Oh, não. De forma alguma. – Os olhos dele estavam daquele jeito que ela já reconhecia, concentrando-se no corpete de cetim da camisola dela de alças finas e pequenos botões de rosa. – Obrigada, você é muito gentil – disse ela friamente. – Mas espero que você não ache que eu fiz o jantar por sua causa. Eu apenas prefiro refeições caseiras, que alimentam bem. – Claro, claro. E como ela alimenta. Obrigado, de qualquer forma. – Ele levantou-se e se espreguiçou casualmente. – Vou tomar um banho. Paradoxalmente, ela sentiu uma sensação grande de decepção. Ele não ia nem ao menos tentar vencer a resistência dela? Ela estava pronta para dizer várias coisas sobre ser uma escrava sexual conveniente e uma empregada doméstica. Ele alcançou a porta, e ela não conseguiu se segurar. – Acho que você deveria pelo menos ter mencionado que já foi casado. Ele congelou, e virou-se para ela rigidamente: – Mas isso não tem nada a ver com a nossa situação. Ele foi embora, deixando-a com a imaginação correndo solta. Theos, por que ela fora tão impertinente? Ela desligou a luz e ficou ouvindo o som da água do outro lado do corredor. Certo, a vida dele não era da conta dela. Mas Ariadne tinha direitos, não? Mesmo como esposa temporária? Será que foi algo que ela dissera naquela manhã? A água parou, e aos poucos um silêncio abafado, cheio de vibrações, preencheu o ar. Ela queria poder dormir, mas havia um aperto grande demais no peito dela. Aparentemente, o marido dela a desejara apenas uma única vez. Mesmo como uma esposa temporária, ela era um fracasso. Ela jamais poderia voltar para Naxos. Seus tios já estavam fartos dela. De repente, ela ouviu um telefone tocar, estilhaçando o silêncio. Ele parou quase que na mesma hora; Sebastian deve ter atendido. Instantes depois, a porta abriu e ele colocou a cabeça para dentro do quarto. – É seu tio. Ele quer falar com você. – Não. – Com a garganta entalada, ela virou-se e cobriu a cabeça com o lençol. – Mas... Acho que você deveria atender. Ele me parece muito preocupado. Ele disse que sua tia está desesperada por causa... – Fale com ele você – interrompeu ela. – Ele é seu amigo. – Ele não é meu amigo – respondeu ele tensamente, antes de sair e voltar para o telefone. – Giorgias, já está tarde aqui. Ariadne não pode... Alguns minutos depois, ele voltou para o quarto.

– Ele deixou o nome dos advogados aqui na cidade que cuidarão dos seus fundos. Você precisa marcar uma reunião para que eles transfiram o dinheiro para você. Quando ela não respondeu, ele foi até perto da cama dela. – Ouça, independentemente do que aconteceu entre vocês, será que você não...? – Não. – A voz entregou o estado emocional de Ariadne. Ou o fato de ela estar deitada em posição fetal. Ele então se abaixou diante dela, seus olhos cheios de preocupação, a voz gentil. – Oh, doçura... Oh, ela era tola e fraca, e ele não deveria ter dito isso. Compaixão sempre fora um fraco dela. Lágrimas começaram a sair, e ela precisou secá-las com o lençol. – Oh-h-h, não. – Ele a envolveu com os grandes braços, murmurando coisas doces enquanto acariciava o cabelo dela, dando beijinhos no rosto, no pescoço e nos ombros dela. – Desculpe – murmurou ela depois de um tempo. – Não queria chorar. – Não, não – aplacou ele. – Eu peço desculpas, por ter sido um cretino egoísta hoje e a ter deixado sozinha. – Eu sei que você tinha de trabalhar. Os braços dele envolveram-na com mais força, transmitindo um tipo diferente de energia. Logo eles estavam se beijando e, antes que ela percebesse, ele a tomou pelos braços e a levou para o quarto dele.

CAPÍTULO 12

O CAFÉ da manhã foi lindo. Depois de uma noite de paixão e de fazerem amor demoradamente ao amanhecer, o marido de Ariadne escolheu fazer suco de laranja e torradas e levar para ela na cama. Depois, enquanto ele tomava banho, ela fez alguns bougatas deliciosas da mesma forma que Thea fazia para o tio dela, e uma omelete de espinafre e queijo Feta para mantê-lo durante a manhã de trabalho. – Estar casado tem as suas compensações – observou Sebastian. Enquanto ele sorria do outro lado da mesa, ela se permitiu ter um sonho selvagem. E se eles decidissem levar a coisa a sério? E se Sebastian pedisse para que ela ficasse? Antes de sair para o trabalho, ele a beijou apaixonadamente. – Adoraria ficar com você hoje – murmurou ele. – Mas tenho de dar uma notícia para meus funcionários, e isso não pode esperar. – É sobre o contrato com Thio? – adivinhou ela. Ele assentiu, observando com cuidado o rosto dela. – Ele significa muito para a Celestrial. Sei que você não está confortável com as circunstâncias, mas o resultado vai ser muito bom para nós. E... – Ele apertou a mão dela. – Conte depois como foi sua reunião com os advogados. Depois que Sebastian saiu e ela limpou a mesa, Ariadne encontrou o número da firma de advocacia e marcou um horário. Assim que a herança fosse passada para ela, chegaria a hora de ir embora, de deixar Sebastian para trás. E ir... para onde? SEBASTIAN DIRIGIU para o trabalho assoviando as músicas no rádio, preservando o bom humor gerado por outra noite de paixão ao controlar com cuidado os pensamentos. Mas ele não conseguia parar de pensar na situação entre Ariadne e os tios. Famílias tinham conflitos, a vida era assim, e não valia a pena deixar as preocupações de uma mulher mexer com a cabeça dele. De qualquer forma, aquele era um dia de celebração. Ele mal

podia esperar para juntar os funcionários e dar a notícia. Todos ficariam muito animados. Se ele fosse um tipo diferente de chefe, eles talvez tivessem aberto alguns champanhes, mas eles apenas sorriram, deram tapinhas nas costas e comentaram as boas novas. Lá pelo meio da manhã, ele percebeu que ninguém ia conseguir trabalhar direito. Ele poderia ficar e assistir as ações da Celestrial subirem, mas não conseguia parar de pensar no que Ariadne estava fazendo. Cozinhando? Ele sorriu para si mesmo, antes de levantar subitamente e pegar o casaco. – Não volto mais hoje – informou ele a Jenny na saída. – Oh, e... Por que você não tira o resto do dia de folga? Ele não era um cara romântico, mas flores podiam ser um presente para várias ocasiões, e não apenas para funerais. Ao abrir a carteira na floricultura, ele descobriu o passaporte de Ariadne dentro do bolso do casaco. Pelo menos ele tinha a certeza absoluta de que ela ainda estava no país. AGNES TELEFONOU avisando que não estava se sentindo bem para ir trabalhar. Ariadne estava com a casa só para ela. Sentindo-se letárgica depois da noite insone, ela levou o laptop de Sebastian para a cama e escreveu uma carta para a antiga faculdade, requisitando seu certificado de conclusão. Depois ela passou um tempo vendo anúncios de vagas de emprego em Sydney. Se ela pudesse também encontrar um apartamento não muito longe, talvez ela e Sebastian pudessem manter o contato. Talvez para um café... Ela sentiu um aperto no coração. Que tola ela era. Pessoas que já se relacionaram não saíam para um café. Então, barulhos de passos na casa pegaram-na de surpresa. – Oh, aí está você. – A figura imponente de Sebastian apareceu na porta e o coração dela deu um pulo quando ela viu que ele trazia flores e outros pacotes. – O que você está fazendo? – perguntou ele, deitando-se ao lado dela. – Procurando emprego. O que você está fazendo aqui? – Ela esticou o pescoço para ver as flores. Rosas e flores de mel brancas. – São para mim? – Para a casa. O escritório está tão alvoroçado que resolvi tirar o dia de folga. Aqui, deixe-me ver. – Ele olhou para a tela do computador sobre o ombro dela. – Ah. Você já trabalhou com isso? Ela assentiu. – Em Atenas. E estudei um pouco de antiguidades. Eu poderia trabalhar em um museu. – Bem, acho que você não vai ter problemas para encontrar algo que goste. Eu te daria um emprego. Em um piscar de olhos. Ela sorriu e ergueu as sobrancelhas. – Em quê? Ele beijou o pescoço dela. – Eu pensaria em algo. O que me faz lembrar... – Ele olhou com apreciação ao redor. – Tudo está fantástico. Na noite passada, eu poderia jurar que minha mãe esteve aqui, embora eu não ache que ela consiga fazer as paredes brilharem. Agnes estava inspirada.

Ariadne assentiu sem dizer nada. – Não foi Agnes, foi? – Ela fez algumas coisas – disse ela, dando de ombros. – Eu já dei uma mãozinha. Ela não está muito bem, sabia? A asma dela está atacada hoje. Essa villa é muito grande para uma mulher de idade limpar sozinha. – É. – Ele franziu o cenho e deixou um suspiro escapar. – Devia ter pensado nisso. Eu percebi que ela não estava fazendo todas as tarefas. – Percebeu? – Ela arregalou os olhos, zombando dele. Ele riu e lhe deu um empurrão de leve. – Sim, percebi, mas não queria despedi-la. Acho que ela depende desse dinheiro, e... Bem, sabe, Esther gostava dela. Houve um instante de silêncio. – Esther. Sua esposa. Ele baixou os olhos. – Sim. Juntando toda a coragem, ela perguntou: – O que aconteceu com ela? Ela... morreu? O rosto dele tornou-se inexpressivo. – Câncer. Três anos atrás. – Oh. – Ela sentia como se estivesse andando sobre ovos. – Deve ter sido terrível. – Foi terrível para Esther. – Oh, claro. – Ela sabia que o assunto era doloroso para ele, mas não sabia ao certo como sair dele. – Você... deve ter sofrido muito, também. – Eu estava absolutamente bem. Foi Esther quem sofreu. Eu sou o cretino egoísta que sobreviveu. – Oh. – Com um aperto no peito, ela tentou pensar em algo para aliviar o momento excruciante. No desespero, ela arriscou tocar o braço dele, e ficou aliviada quando ele não o afastou. – Alguém... precisa sobreviver para contar a história. – Ele não respondeu, ela continuou tentando preencher o silêncio. – A história de Esther. Quem ela era, do que ela gostava. Ele deu de ombros, e a expressão no rosto relaxou. – Isso é mais verdade do que você pode imaginar. Mas não vamos nos preocupar com isso agora. Veja o que eu lhe trouxe. Ele pegou as flores e as colocou nos braços dela, juntamente com uma caixa preta fina. – Oh, obrigada. Elas são maravilhosas – disse ela, aspirando o perfume delas. – E nossa! Olha o tamanho dessa caixa. Theos, chocolate é a minha perdição. Como você sabia? Ele sorriu sensualmente. – Eu sou um gênio, você mesma disse. Eles olharam um para o outro, sentindo o desejo fervilhando nas veias. – Estou tão feliz por você ter tirado o dia de folga. – O fim de semana inteiro. Primeira vez em muitos anos. Quer sair e ver alguns pontos turísticos amanhã? – Ele inclinou-se e beijou o ombro dela.

– Seria ótimo! – Ela sorriu. – O que você gostaria de ver? Ciente dos dedos dele tracejando a linha de sua coluna vertebral, ela murmurou: – O parque Katherine George. Ele ergueu as sobrancelhas. – E a Ópera de Sydney? – Já vi. Os chocolates eram macios e suculentos. Ela inclinou a cabeça para estudar as variedades. – Nogado, amêndoas ou licor de morango? – Ela olhou para ele. – Se você tivesse tempo, eu gostaria mesmo era de ver a antiga casa dos meus pais. – Ótimo. Você sabe o endereço? Ela mordeu um bombom de licor de cereja, fechando os olhos conforme o doce derretia na língua dela. Depois de um segundo delicioso, ela disse: – De cor. Ele está escrito à mão nos meus antigos livros infantis. – Você nunca mais voltou para lá? – Não. Estou muito animada. Ele fechou os olhos languidamente. – Mesmo? – Ele acariciou o rosto dela, e seu dedo chegou até o zíper dos shorts dela. – Bem, eu estou muito animado. Ela podia ver pelo volume nas calças dele que Sebastian não estava brincando. A excitação era estonteante que deixou a voz de Ariadne sedosa. – Tem certeza que não quer um bombom de licor? – É exatamente o que eu quero. Ele inclinou-se e colocou a língua dentro da boca de Ariadne ao mesmo tempo em que suas mãos rudes e impacientes terminaram de desabotoar o top dela e deslizaram pelas costas, para abrir o sutiã. Ela sentiu o sangue ferver. Um beijo sexy e quente misturado com chocolate era quase prazeroso demais para aguentar de uma só vez. Enquanto a língua experiente dele brincava com os lábios sensíveis dela, as mãos famintas de Ariadne se deliciavam com as texturas e contornos do peito bronzeado e da barriga de tanquinho dele. – Que delícia – disse ele, afastando-se um pouco para trás. Ariadne inclinou-se para lamber a mancha de chocolate que havia deixado no mamilo direito dele, causando uma série de arrepios. – Oh – disse ela, deleitando-se com o sabor do doce e dele. – Seu mamilo gosta de chocolate. – Você é uma danadinha – murmurou ele. Ela tentou pegar outro chocolate, mas ele segurou a mão dela. – Minha vez. Ele segurou o bombom entre os dedos por um segundo, seus olhos brilhando maliciosamente. – Vamos ver o que acontece. Com um rápido movimento, ele passou o chocolate pelos seios dela, e com uma risada gutural, inclinou-se e chupou cada um dos mamilos. Ariadne estremeceu de prazer, sentindo cada terminação nervosa formigar.

Ele tirou os shorts dela com um hábil puxão. Talvez ela estivesse febril, pois, em um súbito momento de desafio imprudente, ela colocou as mãos no cinto dele e ronronou: – Vamos ver o que temos aqui. Com as mãos tremendo, desacostumadas com tanta coragem, ela abriu o botão e puxou o zíper para baixo. Observando-a com intenso prazer, ele ergueu os quadris para ajudá-la a tirar o resto das roupas prontamente. – Oh, minha nossa! – Foi a reação sincera dela. A ereção dele saltou para fora, grossa, orgulhosa e viril, pulsando diante dos olhos arregalados. Ela o encarou, sem deixar escapar o impacto completo e violento de sua mensagem. Quase inconscientemente, ela lambeu os lábios. Educadamente, com um sorriso, ele lhe ofereceu a caixa de chocolates. Ela piscou. Na verdade, por um instante, ela quase não aceitou o desafio. Mas o que ela era? Uma virgem inexperiente, ou uma mulher casada capaz de dar e receber prazer na privacidade do quarto? Com cuidado, Ariadne escolheu alguns caramelos e, então, com um olhar lânguido sob as pálpebras semicerradas, ela derreteu as delícias cremosas entre as mãos. Sebastian aguardava imóvel, a não ser pelo subir e descer de seu peito bronzeado, seus olhos brilhando como se estivessem febris. Enquanto ela encarava a ereção, uma gota perolada da pura essência masculina surgiu na ponta do membro, e ela sentiu a boca se encher de água e seu centro de prazer ficar úmido. Então, pouco antes que a tensão alcançasse o pico, ela lambuzou voluptuosamente a boca com chocolate e agarrou o mastro dele, subindo e descendo a mão. Sebastian deixou escapar um pequeno gemido, e, para a profunda satisfação de Ariadne, ela o sentiu tornar-se ainda mais rijo em sua mão. Por compaixão, os mamilos, os seios e as doces dobras sensíveis dela entumeceram-se de prazer também. Ariadne via Sebastian estremecer de prazer, apesar de tentar se conter. Ela percebeu uma linha de suor surgir sobre o lábio superior dele. Destemidamente, ela ajoelhou-se e acariciou todo o comprimento dele, da base até a ponta aveludada, com a língua. Ela sentia-se tão sexy e imprudente, desbravando seu lado bravio na situação, mas, em algum ponto, as coisas saíram de seu controle. Sebastian a agarrou subitamente e a colocou de costas, para depois pegar uma camisinha na cômoda. Então, com um gemido possessivo, ele deitou-se sobre o copo dela e a penetrou.

CAPÍTULO 13

ARIADNE FEZ o jantar naquela noite e convocou Sebastian como seu ajudante. – Há algo de muito sexy em observar uma mulher cozinhando – disse o marido dela, beijando o pescoço dela diante da pia. – Sexy mesmo é um homem ajudando uma mulher a cozinhar – retrucou ela sobre o ombro. Ela decidiu fazer um prato simples, que Thea acreditava que todos os maridos gregos adoravam, desde os pescadores mais humildes até os magnatas dos navios. Ela podia sentir o olhar curioso de Sebastian enquanto ela preparava a moussaka. Ele ainda estava surpreso, imaginou ela. Ele não esperava que a noiva por encomenda soubesse se virar na cozinha. E Sebastian parecia bem receptivo às ideias dela, incluindo a de contratar mais pessoas para ajudar Agnes. Isso lhe deu esperança. Ele claramente gostava de ver a casa brilhando e confortável. Talvez estivesse começando a perceber como era bom ter uma mulher em casa. Alguém para manter as chamas do amor vivas. No sábado, ele a levou para a antiga rua dela, como prometera, mas o chalé do qual ela vagamente se recordava havia sido substituído por um prédio. Ainda assim, ela tirou fotos da placa da rua, e das árvores que ela se convencera que sempre estiveram ali. Desapontada, ela pediu a Sebastian que ele a levasse até onde os pais dela estavam enterrados. Um brilho estranho surgiu nos olhos dele, como uma lembrança ruim, mas ele concordou prontamente. Eles encontraram o local pela internet e logo chegaram a Waverley, que ela ficou surpresa em descobrir que ficava perto de Bronte. As lápides modestas se encontravam em um declive, austeras contra a brisa do oceano, um pouco manchadas pelo tempo. Ariadne leu as pequenas e tristes inscrições, tocada pela tranquila solenidade do lugar, e colocou algumas flores roxas na base dela. – Seu pai deve ter amado a Austrália, para escolher ser enterrado aqui – observou Sebastian. – Ele estava morto – retrucou ela. – Ele não teve muita escolha. Chocada pela própria brusquidão, ela virou-se, tomada pelas lágrimas. – Ele escolheu viver aqui – disse ele firmemente. – Ele escolheu uma esposa australiana. Ele escolheu essa terra para ser a terra da filha deles. A sua terra natal.

– Eu sei disso – disse ela, desvencilhando-se dele. – Ei, calma lá. – Ele tocou o braço nu dela, como se não pudesse ficar muito tempo longe dela. Ele franziu o cenho. – Não há nada neste país que você goste? Ele parecia tão sério e compenetrado, as sobrancelhas juntas em perplexidade, que o coração dela encheu-se de amor por ele. Ela disse suavemente: – Sim, meu amor. Você. Ela ficou nas pontas dos pés e o beijou, colocando as mãos na cintura dele enquanto Sebastian a segurava com firmeza contra o corpo. – É tão bom finalmente ver este lugar. Eu sempre o imaginava. Agora que o vi, percebo que ele não é um lugar triste, sabe? Acho que eles estão lá em cima, nas nuvens, sorrindo para a gente. Você não acha...? Você não sente isso quando vai visitar Esther? Ele desviou o olhar, dizendo: – Eu nunca vou. Na volta para o carro, Sebastian segurou a mão dela, mas permaneceu em silêncio o caminho todo. Ele ficara quieto, e ela não pôde deixar de ficar chateada. Naquela noite, eles foram para as Montanhas Azuis, para observar as estrelas através do telescópio gigante de um amigo. Eles passaram a noite em um chalé, e, no dia seguinte, exploraram algumas das pequenas villas da magnífica região. Eles se divertiram bastante, mas houve momentos de pura ansiedade para ele, em que Sebastian estava apenas de corpo presente. Será que ela havia se enganado tanto assim? Será que aquele cara apaixonado e carinhoso só sentia desejo? No fim da tarde de segunda-feira, um dia antes de Ariadne receber a herança, ele chegou mais cedo do que o usual. Depois do jantar, durante o qual ele quase não se manifestara, Sebastian a chamou. – Venha, minha doçura, preciso perguntar uma coisa. O rosto lindo dele estava sério, e Ariadne sentiu um mau pressentimento quando ele escolheu a poltrona, ao invés de se sentar ao lado dela no sofá. Ele tirou do bolso do paletó uma embalagem de plástico opaca e a entregou para Ariadne. – Eu peguei esta manhã. Ele a observava de forma tão obsessiva que ela quase não ousou abri-la. Ao retirar um embrulho de papel, algo pesado e frio deslizou para a mão dela. Ela ficou de boca aberta ao deparar-se com seu bracelete de safiras, tão cintilante quanto sempre fora. – Oh. Como? Onde você conseguiu isso? Ele tirou o passaporte dela do bolso. – Eu achei isso em meu bolso outro dia. Tinha me esquecido que isso estava neste terno. Hoje eu peguei seu passaporte e o recibo da loja de penhores caiu dele. Daí eu me lembrei de algo que o joalheiro havia mencionado no dia de nosso casamento. – Ele sorriu sardonicamente. – Que bom você ter vendido só isso. Eles te exploraram lindamente. Ela corou.

– Eu sei disso. Mas você não precisava se preocupar, Sebastian. Na época, eu precisava apenas de... dinheiro rápido. Eu sempre tive a intenção de recuperá-lo, depois de... – De receber sua herança. Ela piscou. – Isso. Ele continuou a estudá-la. O coração dela começou a batucar, fazendo o pescoço dela corar. – Ariadne... – Ele inclinou-se na cadeira, seus olhos graves e intensos. – Não quero me meter nos seus assuntos particulares, mas preciso entender. Você disse que não era rica. Mas como? Como pode uma Giorgia ter tão pouco dinheiro, a ponto de precisar penhorar uma joia? – Ser uma Giorgias não significa que eu seja rica. Esse bracelete foi um presente. Uma galeria de arte não paga rios de dinheiro. – Mesmo assim, você viajou até aqui para me conhecer, e me rejeitou de início. Mas, logo no dia seguinte, você estava louca para se casar. O que era tão urgente? É a hora da verdade, minha doçura. Ela por fim captou a implicação. – O que você quer dizer com “a verdade”? Eu nunca menti para você. – Bom, você precisa admitir que não foi exatamente honesta em relação aos seus motivos. Ela podia sentir as paredes se fechando. Quando ela não respondeu, ele continuou: – Isso tem a ver com seu tio e sua tia, não tem? Ela deu de ombros, confirmando. – Suponho que sim. – Se você estava sem dinheiro... Por que você não pediu ajuda a eles? Ela sentiu que estava ficando vermelha. – Eu já te contei quase tudo. – Ela preparou-se para a humilhação. – É duro para mim dizer isso, Sebastian. Tem certeza que quer...? Mas o olhar dele era inequívoco. – Muito bem. É verdade que eu vim para cá de férias. Pelo menos era o que eu achava que estava fazendo. Eu... Eu simplesmente não consegui lhe contar a pior parte. É muito embaraçoso. – A voz dela falhou, mas ela forçou-se a continuar com toda a dignidade. – Foi meu tio que organizou essa viagem para mim. Eu achei que era um presente. Eu só compreendi a verdadeira intenção dele quando já estava dentro do avião. Ele franziu o cenho. – A intenção real dele. Vir aqui para conhecer seu futuro marido? – Eu não fazia ideia. Eles mencionaram que eu ia conhecer a família Nikosto. Eu só percebi que meu tio tinha um acordo com você por causa de algo que ele me falou quando eu estava embarcando no voo. Então eu liguei para ele do avião. E descobri tudo. – Havia um brilho de espanto nos olhos dele. – Meu Deus. Ela assentiu. – Entendeu? Quando cheguei aqui, descobri que nada estava pago. Eu tinha um pouco de dinheiro, claro, para pequenas despesas, mas não para o hotel e as viagens turísticas.

– E então você me conheceu – disse ele, seriamente. – E a armadilha estava completa. E eu – disse ele com a voz constrita – não fui nem um pouco bondoso com você. Ela o encarou de soslaio. – Talvez não. Ele fez uma careta. – Tenho de admitir que entrei em pânico. Sozinha em um país estrangeiro, sem dinheiro. Eu não tinha muitas escolhas. E ficou claro para mim que você não queria se casar comigo. Não de verdade. Mas você estava disposto a cerrar os dentes e ir em frente com isso, pelo bem da sua empresa. Ele comprimiu os lábios em uma linha reta, e assentiu. – Eu admito. Seu tio me deixou muito bravo. Juntando as mãos, o coração de Ariadne doía de mortificação e amor pelos tios. – Quando eu liguei para Thea para descobrir o que havia de errado, ela disse que... você precisava se casar comigo. – Oh, diabos. – Ele foi para o sofá e a segurou pelos braços. – Por que você não me contou nada disso? – Oh, bem. – Ela sentiu a garganta se fechar. – Tente entender. Eles são a minha família. Não queria que você pensasse mal deles. Thio não teve más intenções. Eles são velhos, sabe. E eles me amam. De verdade. – Lágrimas escorriam pelo rosto dela. Sebastian a encarou intensamente, seus olhos repletos de compreensão e compaixão. Mas então ele os fechou com força e balançou a cabeça, franzindo a testa. – Sei o que está pensando, mas eles ainda são muito apegados a tantas tradições. Thio sempre teve tanto poder que acha que pode fazer o que bem entende. Ele simplesmente passa por cima das pessoas, e Thea não faz nada para impedi-lo. – Ariadne secou uma lágrima com a mão. – Depois do escândalo, ele achou que precisava salvar minha honra. Provavelmente achou que estava fazendo o melhor para mim ao me forçar a me casar com alguém o mais longe possível. – Ela percebeu como aquilo devia estar soando para Sebastian, e rapidamente tocou a mão dele. – E, pela mais pura sorte, esse alguém é você. Não está sendo tão ruim assim, afinal, está? Deus, como ela era doce. Todo homem sonhava com uma mulher assim, com certeza. Por um instante, ele ficou tentado a baixar a guarda e tomá-la em seus braços. Mas com uma pressão torturante nas têmporas, visões de Esther e de todo o pesadelo que ele já vivera ressurgiram na mente dele, relembrando-o do que poderia voltar a acontecer. Ele não podia correr esse risco novamente. Nunca mais. Por sorte, a adrenalina lhe deu a estamina necessária para lidar com a situação antes que ela saísse do controle. – Não, não está – respondeu ele sem piscar. – Mas quando você disse que vai ver aquele advogado mesmo? – Amanhã. – Ah, bom. Ariadne estudou a resolução fria de Sebastian, e seu sangue gelou.

– Oh. – Ela levantou-se, sorrindo com dificuldade, e gaguejou: – E-eu... suponho que você ache que eu esteja abusando de sua hospitalidade. – Não, não, nada disso. – Ele hesitou, escolhendo as palavras com cuidado. – É fantástico ter você aqui, mas você precisa ter seu dinheiro e sua liberdade de escolha. Só então você poderá decidir o que fazer, e com quem. Ela engoliu em seco, percebendo que o chão estava sendo tirado de seus pés. O desespero estava tentando-a a dizer coisas que seus instintos estavam gritando para que ela não dissesse. – Mas e se eu disser que gostaria de ficar com você? E se eu disser que... estou apaixonada por você? Ele fechou os olhos, caminhando para trás. – Não, por favor... Não... – Ele ergueu as mãos na frente do corpo, e então respirou fundo. – Olha, Ariadne, é melhor não complicarmos esse tempo que tem sido tão fantástico. Nós dois fomos forçados a entrar nessa, e... Acho que naturalmente... Criamos algum tipo de conexão. Ela abriu a boca para falar, mas ele ergueu a mão. – Não, precisamos ser realistas. Doçura, estou ciente de que fui seu primeiro... homem. As pessoas geralmente acreditam que estão apaixonados na primeira vez. Sabe, você passa a ver o mundo de maneira colorida. Há esperança em todos os lugares. Você mal pode esperar para chegar em casa e ver aquela pessoa, todos os dias. Você pensa nela o tempo todo. Você se preocupa com ela... Mas nada dura para sempre. A cabeça dela girava. Com a voz trêmula, ela disse: – Você... não me quer, então? – Ariadne, pense bem. Logo você terá seu dinheiro e sua liberdade. E ao pensar nesse interlúdio, você olhará para trás e perceberá como teve sorte de escapar do cretino egoísta chamado Sebastian Nikosto. – Ele sorriu friamente. O coração dela doía tanto que ela mal podia respirar. Juntando o que restava da dignidade, ela disse: – Acho melhor então ir embora amanhã. – Não. Droga, não. Leve o tempo que precisar para achar um bom lugar. Estou ciente de que tenho uma dívida de gratidão com você, por tudo que você fez aqui. Mas, sabe, isso, nós, da forma como tudo começou... Tem sido maravilhoso, você é uma garota encantadora, mas isso que temos entre a gente é temporário. Cedo ou tarde você vai acabar indo embora. Todo mundo vai embora.

CAPÍTULO 14

SEBASTIAN OLHOU a chuva que castigava o porto e se perguntou se Ariadne havia chegado à reunião sem se molhar. As coisas ficaram estranhas depois da conversa que eles tiveram. Quando ele se oferecera para levá-la ao local, ela dissera educadamente que podia ir sozinha. Ele se sentiu vazio ao vê-la naquela manhã. Desde a noite passada, estava com uma sensação ruim no peito, como se ele tivesse quebrado algo frágil ou feito algo muito estúpido. Ariadne dormira no outro quarto. De certa forma, ele se sentia aliviado por isso, por não ter tirado vantagem dela. Um conceito estava surgindo no fundo da mente dele, algo simples e elegante. Se ao menos ele conseguisse visualizar o que era. A tarde no escritório parecia interminável, e, em súbito impulso, ele pegou as chaves do carro e foi para a porta. No caminho de casa, ele tentou pensar em alguma coisa que pudesse reduzir a dor dela. O problema era que ele era um completo imbecil quando o assunto era mulheres. Em uma estranha coincidência, ele quase pegou a saída para Waverley. Por algum motivo, de impulso, ele entrou no cemitério e dirigiu até onde ele sabia que se encontravam as cinzas de Esther. Ele desceu do carro e ficou um tempo, talvez uma hora, se perguntando se não estaria tendo algum tipo de crise de viuvez. Havia uma pequena placa de bronze com o nome de Esther. Ele ficou ali tentando sentir se Esther estava presente, tentando se lembrar do que Ariadne havia dito sobre os pais dela. Limpou a chuva da plaquinha com a manga da camisa, e depois sacou um lenço para poli-la melhor. A verdade era que Esther não estava presente. Talvez estivesse lá nas nuvens, sorrindo. Era essa a simples e perturbadora verdade. Ariadne estava aqui e agora, quente e viva, com perfume de flores. Tomado por um rompante de energia e propósito, ele correu para o carro, seus pés dançando dentro do sapato molhado. – VOCÊ É uma mulher muito rica – disse o advogado, seus olhos descoloridos e o cabelo grisalho e fino em perfeita harmonia com o terno cinza, a gravata de seda e o humor frio. – O seu tio por

acaso lhe informou sobre as ações de seu pai na Giorgias Shipping? Ariadne balançou a cabeça. O advogado sorriu jocosamente. – Não há nada que a impeça de fazer o que quiser com a sua vida, sra. Nikosto. Você pode comprar a Ponte da Baía de Sydney, se quiser. Pode viajar para qualquer lugar do mundo. Exceto para Naxos. – Obrigada. – Ariadne sorriu, como se não fosse uma criatura composta basicamente por dor. Ela pegou a bolsa, levantou-se e apertou a mão do advogado. Ao sair sob a chuva de Sydney, livre e rica, ela percebeu que não queria ir para Naxos. Não havia ninguém para ela lá. E em nenhum outro lugar. Ainda assim, Ariadne tinha escolhas. Bilhões delas, todas vazias. O que uma mulher faz quando seu marido não aceita seu amor? Ela provavelmente precisava pegar um táxi para chegar em casa e preparar o jantar dele. Mas, ao invés, ela foi em direção a uma agência de viagem. SEBASTIAN FECHOU a porta e jogou as chaves sobre a mesa do corredor. Ele parou e ouviu. A casa parecia curiosamente quieta. Ele caminhou até a cozinha. Tudo estava limpo e organizado. Ele até abriu a porta do forno. Nada. E nada da esposa dele. Ele então subiu as escadas, chamando por ela. Não havia traços dela no quarto dele ou no outro, onde ela dormira depois da terrível conversa. As roupas e os itens pessoais dela haviam desaparecido. A casa dele voltara a ser uma concha vazia. Um único cachecol estava pendurado na fechadura, balançando ao vento. A fragilidade daquela cena o deixou devastado. Ele o pegou e sentiu os últimos traços do perfume de Ariadne. Com uma dor no peito, ele tentou entrar em acordo com o fato de que o pior poderia ter acontecido. Se bem que, aonde ela poderia ter ido? Depois de uma noite insone, a campainha da porta tocou. Seria Ariadne? Uma esperança tola surgiu no coração dele. Talvez ela tivesse esquecido as chaves. Ele abriu a porta e ficou paralisado. Um casal idoso de gregos estava na varanda, dando um monte de instruções a um motorista que retirava malas de uma longa limusine preta. O homem tinha um porte forte e bigode, e sua mulher vestia-se de forma formal e luxuosa, mesmo àquela hora da manhã. Em seu rosto, estampava-se a ansiedade. Quando o velho viu Sebastian, seus olhos se arregalaram, e ele jogou as mãos para o ar. – Ah, meu garoto, meu garoto abençoado. – Ele estudou Sebastian com entusiasmo e deu dois beijos na bochecha dele. – Sou eu, Peri. Seu novo tio, e você deve me chamar de Thio. E essa é sua tia Eleni. – Radiante, ele esfregou as mãos. – Onde está minha menina? Nossa Ariadne? Depois de explicar sem jeito a situação, foi a tia que quebrou o silêncio. – O quê? Você está dizendo que ela não está aqui? Onde ela está então? – Havia uma nota de pânico na voz dela. – O que você fez com minha toula?

CAPÍTULO 15

ARIADNE AJUSTOU a mochila nas costas e inclinou-se sobre os cotovelos para observar os surfistas madrugadores. Como ela desejava poder fazer isso. Isso a fez se lembrar de uma manhã em que ela assistira Sebastian surfando na praia de Bronte. Mas isso era história, um momento passageiro. Ela fizera a coisa certa ao ir embora. Ela sabia disso com uma profunda certeza. Se eles continuassem do jeito que estavam, sem amor mútuo de ambos os lados, as coisas terminariam em lágrimas cedo ou tarde. O poço de emoções se conectou às lembranças de seu casamento breve e desastroso, ameaçando transbordar, e ela foi obrigada a levantar a camiseta para secar os olhos. Ela precisava parar de dar espaço a esses sentimentos, e logo. Era hora de erguer a cabeça e dar um rumo à vida. Talvez aquele lugar pudesse ajudar, com os ecos daquela época mágica que foi a infância. Noosa tinha um charme todo peculiar. Talvez fosse o cheiro da mata no ar. Ela inalou profundamente. Flores, casuarina e eucaliptos, misturados com o ar salgado do mar. Uma mistura única. Ou talvez fosse a água esmeralda, ou as rochas negras que pontuavam as praias. Ela leu nos jornais que Sebastian estava muito bem. As ações da Celestrial haviam disparado estratosfericamente. Thio devia estar impressionado. Sebastian não era o único com novas conquistas. Ela havia viajado bastante por sua terra natal nos últimos meses, embora ainda houvesse muitos lugares para conhecer. Ela dirigira quadriciclos por trilhas empoeiradas e dormira ao lado de uma fogueira sob o Cruzeiro do Sul. Andara de caiaque pelo rio de um desfiladeiro ermo aberto nos tempos primitivos da Terra, e nadara nas águas puras e cristalinas de um rio sem fundo. Ariadne dormira em sacos de dormir, ônibus, no chão e em albergues que ofereciam o básico para a subsistência humana. Tudo fora raro, lindo e excitante. Ela entrava em todas as aventuras de cabeça, embora muitas vezes a beleza diante de seus olhos ficasse borrada pelas lágrimas e pela saudade de um homem maravilhoso que a ensinara como amar – e que, no último segundo, rejeitara-a.

Agora ela estava esperando. Havia descoberto que sua tia-avó Maeve ainda vivia em Noosa, e que ela estava de férias visitando parentes na Tasmânia. Toda vez que Ariadne pensava nisso, seus dedos dos pés se fechavam de prazer. Parentes na Tasmânia. Provavelmente, parentes dela também. Um surfista que se encontrava além da rebentação mudou de curso, indo em direção à praia. Ele desapareceu sob uma onda, para depois emergir em busca de outra. Ele pegou a próxima sem esforço algum, como um golfinho. Ela podia ver que seus braços eram poderosos, e seu corpo esguio. Ela estreitou os olhos por trás dos óculos escuros. O cabelo dele parecia com o de Sebastian, se bem que daquela distância a água escurecia o cabelo de todo mundo. O surfista pegou outra onda, e ela então o viu levantar-se e começar a caminhar na direção dela. Ariadne inclinou-se para a frente, seu coração batendo em disparada. Pelo amor de Deus, ela devia estar ficando louca. Incrível, mas quanto mais ele se aproximava, mas ele se parecia com Sebastian. Ela devia estar imaginando coisas. Sebastian estava em Sydney administrando a Celestrial, e não ali, saindo do mar como Poseidon. De repente, tudo que ela conseguia ver e ouvir era o corpo esguio e lindo do marido na frente dela. Com uma sensação de irrealidade, Ariadne o observou passar por ela e caminhar mais trinta metros até o chuveiro da praia. Aparentemente inconsciente da presença dela, ele lavou o cabelo e passou as mãos pelo peito e os braços viris. Braços que já haviam sido dela. Então ele fechou a água e caminhou até um pequeno monte de areia, gotas pingando de suas costas e coxas poderosas ao se abaixar para pegar uma toalha. O coração de Ariadne parecia um tambor selvagem. Ele não a havia notado? Ela não podia acreditar. Na verdade, ela estava sempre vendo-o em lugares impossíveis. E por que ele estava em Noosa? Ele nunca tirava férias. Um pensamento horrível lhe ocorreu. Será que ele estava com alguém? Ela não esperava que ele a tratasse bem, mas, se ele fosse embora fingindo que não a tinha visto, Ariadne iria morrer. Fechou os olhos, incapaz de ter mais esperanças, seu coração e nervos à beira de um precipício. Uma sombra surgiu entre ela e o sol, e Ariadne abriu os olhos, momentaneamente confusa. – Ariadne. – Depois de ajustar-se à claridade, ela ergueu a cabeça e deparou-se com o olhar intenso de seu marido. – Olá, Sebastian. Ele hesitou por um instante, para depois sentar-se ao lado dela na areia. Ao inclinar-se para beijar a bochecha dela, a presença familiar envolveu-a em uma velha conexão sexual. Ela fechou os olhos e disse: – O que... O que você está fazendo aqui? – Estou de passagem. E você? – Eu também. Estou aqui temporariamente. – Oh. Ela baixou os olhos.

– Estou... viajando pela Austrália. Reconectando-me com minha terra natal. Houve um momento incômodo de silêncio. – Certo. Bom, você sempre quis conhecer o país. Então me diga: ele está de acordo com suas expectativas? Ao pensar nos lugares que ela conhecera, seu coração se encheu de uma emoção inexprimível. – Oh. É ainda melhor. Ele é espetacular. Quem imaginaria que um deserto poderia ser tão bonito? E as pessoas. Todo mundo é tão amigável e gentil. – Mais amigáveis que os gregos? – Não. – Ela riu. – Ninguém é mais hospitaleiro que os gregos. Houve outro instante de silêncio, e então ele disse: – Achei que, agora que você é uma mulher rica, você acabaria voltando para Naxos. – Ele a encarava intensamente. – Não. Meus planos de longo prazo são aqui. Ele ergueu as sobrancelhas. – Aqui? – Não, não em Noosa. Sydney, eu acho. Os olhos dele se acenderam e apagaram quase que instantaneamente. – Oh, que bom. – Ele assentiu com a cabeça. – Vai ser... ótimo. As sobrancelhas grossas dele se uniram. O ar quase faiscava de tensão. Ela estava morrendo de vontade de perguntar o que ele estava fazendo ali em Noosa, mas estava com medo da resposta. O ar tornou-se ainda mais carregado pelas perguntas não ditas, e foi a vez dela de quebrar o silêncio. – Vi que a Celestrial está indo muito bem. Eu li nos jornais. As pessoas estão lhe chamando de menino gênio. Parabéns. Você deve estar celebrando bastante o feito. Ele deu de ombros. – Obrigada, mas... Desde que te perdi, não tenho vontade de celebrar mais nada. – Oh. Acho que nós nos perdemos um do outro. Ele olhou para a areia, e depois olhou para Ariadne com seriedade. – Ouça, você não gostaria de ir até o hotel comigo para tomar café? Preciso lhe falar algumas coisas. O coração dela se encheu de uma antecipação tão intensa que foi difícil determinar se era alegria ou angústia. De qualquer forma, ela precisava se proteger, e ter em mente a capacidade dele de machucar. E se ele quisesse discutir o divórcio? – Parece uma boa ideia – disse ela. – Onde você está hospedado? – No Sheraton. – Mesmo? Que coincidência. É onde estou, também. – Ela o encarou com astúcia, e perguntou de uma só vez: – Isso é uma coincidência, certo, Sebastian? Ele se levantou e estendeu a mão para ela. Com medo do que o toque pudesse fazer com seus nervos já acesos, ela deixou de lado a oferta e levantou-se sozinha. O movimento fez com que ela perdesse o equilíbrio, e ele a amparou. – Cuidado.

Como era de se imaginar, os dedos dele deixaram uma marca da velha chama, formigando no braço dela. Enquanto caminhavam até o hotel, ela falou sobre suas viagens, imaginando o que ele tinha para lhe dizer. Seu corpo estava totalmente ciente da presença dele. Fazia meses que eles haviam feito amor pela última vez? Ele não disse quase nada, e apenas balançava a cabeça como se não pudesse desviar o olhar. – Você está bronzeada – observou ele, sua voz grave. Ela assentiu. – Você está... mais linda do que nunca. – Ele enfiou as mãos nos bolsos. – Com certo brilho. Então... Quais são seus planos de longo prazo? Eles pararam diante dos elevadores do Sheraton. Depois de um segundo de hesitação, ela disse: – Bom, eu decidi o que quero fazer aqui na Austrália. Estou pensando em construir abrigos para os sem-teto. – As sobrancelhas dele se ergueram na mesma hora, e Ariadne acrescentou rapidamente: – Oh, sei que Sydney já possui abrigos, mas quero dar a minha própria contribuição. – Ela olhou dentro dos olhos dele. – Sabe, é terrível não saber onde você vai passar a noite. – Ela ergueu o queixo. – Eu jamais vou me esquecer da sensação. – Eu sei – disse ele, seus olhos se enchendo de carinho e remorso. – Essa é uma ideia maravilhosa. Você vai se sair muito bem. – Espero que sim – murmurou ela, sua garganta constrita de emoção. – Estou dando os primeiros passos. Tenho muito que aprender. Ele sorriu. – Todos nós temos, não é verdade? No elevador, a proximidade entre eles foi agonizante por causa de todas as emoções não faladas preenchendo o ar. Ela desejou poder falar apropriadamente, abrindo o coração de verdade. Ao invés disso, ela ouviu a voz estremecer ao tentar soar calma: – Você sabia, Sebastian, que a Ilha Fraser é composta inteiramente de areia? E há um lago lá, tão profundo que ninguém conseguiu chegar ao fundo. A água é límpida e fresca, como a de uma nascente em uma montanha. Ele a encarou, seu olhos tão sombrios que chegavam a parecer negros, e então a agarrou e a puxou para si. Ele a segurou contra o corpo esguio por um instante glorioso, acariciando o cabelo dela. Lágrimas pelo amor perdido deles surgiram das profundezas do coração dela, e Ariadne chorou um bocado sobre o peito dele. Ela podia sentir o coração grande e forte batendo sob o rosto. Por fim, depois de sugar um pouco da força dele, ela notou que as portas haviam se aberto e que havia pessoas paradas lá fora, observando-os. – Ops – disse Sebastian. – É o nosso andar. A suíte de Sebastian era muito parecida com a dela, percebeu Ariadne. Opulenta. Quarto enorme, sofás macios, com vista para o horizonte, e uma adorável sacada onde o café da manhã poderia ser organizado. – Como você sabia que eu estava aqui?

– Eu me lembrei que você contou que seus pais a trouxeram certa vez para passar férias aqui. Achei que valia a pena tentar. – Mesmo? – Ela baixou o olhar, murmurando: – Eu deveria ter deixado um bilhete, suponho. Foi... uma coisa de momento, sabe. Eu só... – Eu sei. Eu lhe magoei. Ela olhou para longe, tomada por lembranças ruins. Ele disse com firmeza: – Eu sinto muito. Acho que, quando a conheci, eu... entrei em conflito com minha primeira esposa. Acho que posso dizer que senti culpa por estar me apaixonando de novo. Sabe, luto mal resolvido, ou algo do tipo. Apaixonando de novo. Mas ele tinha se apaixonado mesmo? – Sabe, quando a conheci, eu fiquei... maravilhado. Não acreditei na minha sorte quando você me pediu para se casar com você naquele mesmo dia. Deus, eu fiquei tão eufórico. Eu teria feito qualquer coisa para ter você. Qualquer coisa. – Bem, foi muita bondade da sua parte me aceitar. Eu fiquei muito grata. – Estava claro que você estava preocupada com o dinheiro, mas, se eu soubesse a extensão do seu desespero naquele dia, eu teria encontrado algum meio de... – Ele deu um soco na palma da mão, e os músculos de seus braços saltaram. – Aquele velho diabo. Ainda acho que peguei muito leve com ele. Mas só por causa de Eleni. – Eleni? Você se refere a Thea? Ele assentiu. – Thea, sim. E, oh... – Ele deu um tapa na testa. – Certo, era isso que eu precisava lhe contar. Eles estão aqui. Ela afastou-se dele, arregalando os olhos. Involuntariamente, ela olhou ao redor, como se os tios fossem surgir por detrás da mobília. – Em Noosa? – Não, não aqui, graças a Deus. Desculpe, sei que eles são a sua família. Eles estão em Sydney. Eles ficaram em nossa casa por alguns dias, até Agnes se cansar deles. Daí eles foram para um hotel. Eles devem ter vindo da Grécia assim que souberam que estávamos casados. – O quê? As pernas dela se transformaram em gelatina imediatamente. – Quer dizer que, durante todo esse tempo, eles estiveram aqui? Ele envolveu os ombros dela com o braço. – Sim. E estão mortos de preocupação. Peri contratou quase todos os detetives particulares da costa, e sua tia está quase fora de si. Ela disse que se culpa pelo seu noivado com aquele grego rico. – Mesmo? – Ela riu sardonicamente. – Bem, isso é uma surpresa. Depois de reclamarem tanto que sou uma pessoa difícil. Thio na verdade me acusou de ser uma princesinha, certa vez. Só a lembrança do insulto fazia com que ela ardesse de indignação. Sebastian franziu a testa e balançou a cabeça. – Ele disse isso? Tsc. – Ele bateu no ombro dela compreensivamente. – Acho que eles me disseram que ouve um escândalo com o cara depois do casamento. – Ele estreitou os olhos. – Oh,

isso mesmo. Ele saiu do armário. Ela abriu a boca, incrédula, perguntando-se se tinha ouvido direito. – Tem certeza? Demetri? Gay? – Isso. Você foi absolvida por ter se defendido, disse Peri. – Sebastian sorriu. – Na verdade, você é quase uma heroína nacional na Grécia. Ariadne o encarou, completamente chocada. – Oh, não consigo acreditar. Demetri é gay? Então por que ele queria se casar comigo? Oh, você não faz ideia de como a mídia acabou comigo. Eu passei pelo purgatório. – Bem, tudo isso está no passado, agora. Acho que o cara teve os motivos dele. A impressa diz agora que você passou por uma verdadeira provação. E sua tia realmente não tinha ideia do que seu tio estava fazendo até você telefonar para ela. Ela nunca mais deixou seu tio em paz por causa disso. Especialmente depois que você se casou comigo, e eu arruinei sua vida. Ela olhou rapidamente para ele. – Ela disse isso? – Algo do tipo. – Ele baixou o olhar, envergonhado. Bem, houve algumas discussões de família acaloradas, como você pode imaginar. Sua tia é uma mulher formidável. Em certo momento, eu quase senti pena do velho Peri. Eu estremeço só de pensar como deve estar o clima na suíte deles no Hyatt. Ocorreu a ela que um pouco da camaradagem que havia entre eles estava de volta. – Eu espero que ela esteja pegando pesado com ele. Ainda assim, não sei se posso encará-los. – Ela deu de ombros. – Sabe, eu achei que eles haviam me mandado para cá para se livrarem de mim. Não sei se posso perdoá-los. – Ninguém a culparia se você não o fizesse. – Ele a encarou com preocupação e, com um gesto gentil, acariciou as bochechas dela com os dedos. – Mas não acho que essa tenha sido a intenção deles. Eles estão de coração partido. – Ele hesitou por um instante antes de dizer: – Tanto quanto você. – Oh. – Ela respirou fundo. – E você? Ele piscou, e as linhas de expressão dele ficaram tensas. – Eu estive no inferno. Ela jamais queria ver Sebastian sofrendo, mas era bom saber que ele ainda se importava com ela. – Espero que você... possa me perdoar. Sei que você está aproveitando sua liberdade. O mundo está na palma da sua mão agora. Você pode fazer o que quiser com sua vida. – Ele a encarou com toda a sinceridade do mundo. – Vou fazer o melhor para me explicar com clareza. – Ele hesitou um instante, e ela assentiu, mal conseguindo respirar. – Eu percebi a verdade no dia em que você foi embora. Eu corri para casa para lhe contar, mas, tolo como sou, cheguei tarde demais. A verdade é que eu a amo, Ariadne. Não posso fingir que não quero que você volte a ser minha esposa. Ela foi tomada por um alívio feliz; ele havia tocado a alma dela. Ariadne segurou o rosto dele entre as mãos. – Oh, Sebastian. – Você acha que pode me perdoar? – A sensação do toque dela era tão boa que era necessário se esforçar para falar. – Mesmo depois de eu tê-la magoado?

– Sim, eu perdoo. Eu o amo loucamente. – Graças a Deus. – Ele fechou os olhos, e depois a beijou profundamente. Ela rendeu-se à sensação familiar do corpo dele. Pelo visto, o café da manhã não aconteceria tão cedo. Sebastian não tinha intenção alguma de se separar dela. Ele se jogou na cama, e puxou-a consigo, murmurando: – Por que não começamos nossa lua de mel agora? – Ele beijou o pescoço dela. – Poderíamos ir para a Ilha Fraser, se você quiser. – Oh, eu amaria ir para lá com você. Ele ajustou o corpo comprido para ficar lado a lado com o dela, os dois com as cabeças apoiadas sobre as mãos, face a face. – Depois disso, se você quiser, podemos ter um casamento adequado na igreja. Mas só se você quiser, minha querida. Com música e flores, amigos e familiares. E se quiser, podemos também visitar Naxos. Para fazer o tour do triunfo. – Com um brilho nos olhos, ele acrescentou: – E de sobra nós levamos seus tios para casa. Minha querida, ele a chamou. Ela se imaginou sendo amada e aceita pela família de Sebastian como uma noiva de verdade, e não uma mulher sem autonomia ou igualdade. Senhor e sra. Nikosto. O marido dela, orgulhoso e querido. As palavras soavam como música no ouvido dela. – O que você acha? – Acho ótimo, meu querido Sebastian. Sim e sim, e sim. – Ela pontuou cada sim com beijos ferventes. De alguma forma, ela descobriu-se deitada de costas, sendo coberta de beijos pelos lábios que ela mais desejava na vida. Sebastian logo ficou sem ter o que dizer, mas ela não tinha como duvidar do entusiasmo dele. Ele expressava os sentimentos de formas diferentes, convencendo-a de sua mais pura sinceridade com os meios mais ardentes e apaixonados possíveis, para o prazer intenso e deliciosamente infinito de Ariadne.

MEDO DE AMAR Kim Lawrence

– O que você fez no seu último aniversário? – Na verdade, desse eu me lembro. Passei na cama. – Você estava doente? Houve um silêncio perplexo que foi quebrado pela risada dele. Foi baixinha, mas a calmaria inesperada na conversa nas mesas ao redor deles fez o som viajar. – Então por que você...? – começou Lily, depois parou, arregalando os olhos quando entendeu. O rubor de humilhação tomou as bochechas dela, e com ele veio um golpe do ciúme corrosivo concentrado, feito uma facada. Aquele rubor o fascinou... Será que tinha tomado o corpo inteiro dela? Ele baixou os olhos, o riso desaparecendo de seu rosto e sendo substituído por algo muito mais rijo quando seu olhar se demorou nas curvas dos seios, onde eles enrijeciam de encontro ao tecido verde da seda. Lily reagiu ao olhar como se fosse uma carícia. Tinha zero controle sobre a reação desastrosamente receptiva de seu corpo ao toque do olhar de Ben, então ela levantou a mão um pouco tarde demais para esconder seu colo. – Oh. O som que saiu da garganta dele desta vez foi mais uma risada grunhida. – Relaxe. Eu nunca esperei que uma mulher dormisse comigo pelo valor de um jantar. – Ele ergueu o copo, fazendo o gelo tilintar. – Isso não quer dizer que alguma noite ocasionalmente não tenha tido esse desfecho – falou ele de um jeito provocador. – Imagino – retrucou ela, e ergueu o queixo, sem querer, chamando a atenção para dele para o contorno esguio daquele pescoço gracioso. – Contanto que você saiba que esta não vai acabar assim. – Cuidado, Lily, alguns homens podem tomar isso como um desafio. Lily, que já estava lamentando o comentário que havia incitando tal resposta, balançou a cabeça e manteve a voz cuidadosamente indiferente quando respondeu:

– Não foi um desafio. Com as mãos cerradas, ela lambeu delicadamente as gotas de suor acima do lábio superior. Conseguia controlar a voz, mas seus pensamentos traidores eram outro problema totalmente diferente. E isso definitivamente não era o que ela queria, lembrou-se enquanto estudava a toalha de mesa. Algumas complicações ela não tinha como controlar; já esta, sim. Só requeria um pouco de força de vontade, um pouco de autocontrole. Emmy era a ligação existente entre ambos; seus papéis de seus pais precisavam ser estritamente definidos. O único problema era que quando Ben olhava para ela daquele jeito, o autocontrole de Lily saía de férias. O primeiro desafio era esconder a reação em cadeia que tinha começado como um tremor no baixo ventre. E que agora estava se espalhando até deixar a pele formigando, e Lily tremia por dentro e por fora. Foi aterrorizante sentir tanta coisa, e Ben nem ao menos a estava tocando. – Pensei que poderia ser meu presente de aniversário. – A voz dele era banal, mas o brilho em seus olhos era qualquer coisa, menos isso. Ela sacudiu o guardanapo e limpou os lábios. – Estou aqui me perguntando... onde fica o banheiro feminino? – disse ela acompanhando o comentário com um olhar ostensivo para trás. Ela meio que já tinha se levantado quando seu olhar se conectou ao dele. Sem aviso, seus joelhos bambearam, e ela se sentou com um baque suave. O brilho de desejo explícito nos olhos de Ben tinha um efeito paralisante. Sem quebrar o contato visual, ele estalou os dedos longos. – A conta, por favor. Lily observou em meio aos cílios semicerrados quando ele colocou um maço de notas na bandeja sem nem ao menos conferir os valores, embora a expressão do garçom indicasse que havia dinheiro demais ali. – Estamos indo embora? Ele arqueou uma sobrancelha escura. – Você quer ficar? Lily olhou para ele e desejou não saber o que queria. – Eu pensei que você estivesse com fome. – E estou.

E leia também em Feitos Um Para O Outro, edição 270, de Harlequin Jessica, Um casal nem tão perfeito, de Michelle Smart.

Lançamento do mês: JESSICA MINISSÉRIE 006 – APAIXONADAS PELA EMOÇÃO – BARBARA WALLACE Irresistível promessa Patience Rush estava feliz com sua vida pacata cuidando de uma idosa. Até a chegada de Stuart Duchenko. Ele fará de tudo para descobrir os segredos da nova empregada de sua tia-avó. E Patience tentará resistir aos encantos desse sedutor milionário. Sabor da paixão Por causa de seu problema degenerativo de visão, Frederic prefere manter-se recluso. Contudo, sua funcionária, Piper Rush, é como um raio de luz em sua vida escurecida. Mas será que ela conseguirá convencê-lo de que é o ingrediente que faltava em seu “felizes para sempre”? Próximo lançamento: JESSICA MINISSÉRIE 007 – DOCES MENTIRAS – DANI COLLINS Para manter um casamento Alessandro Ferrante se casou com Octavia por dever, mas ela logo conquistou seu coração. Contudo, um acontecimento trágico abala a relação desse casal. E Alessandro usará todo o seu poder de sedução para reconquistar sua esposa! Para conquistar uma paixão Sorcha Kelly sabia que deveria se manter afastada do seu estonteante chefe. Contudo, seu pedido de demissão abriu as portas para o desejo perigoso que tentavam ignorar. Mas logo Kelly descobriria que existem consequências de se entregar ao prazer.

Lançamento do mês: JESSICA 269 – DESEJO SECRETO Ligados pelo desejo – Dani Collins Apenas Jaya poderia ajudar Theo Makriscota a tomar conta dos sobrinhos… E fazê-lo parar de pensar na noite de paixão que tiveram. Contudo, Jaya guarda um segredo que mudará a vida desse poderoso grego para sempre! Votos secretos – Louise Fuller Prudence Elliot fica estarrecida ao reencontrar Laszlo. No passado, ele a conquistou… e depois partiu seu coração. E, para piorar, ela descobre que as juras de amor que fizeram não eram apenas declarações de dois jovens apaixonados… eram um acordo legal! Próximo lançamento: JESSICA 270 – FEITOS UM PARA O OUTRO Medo de amar – Kim Lawrence A inocente Lily Gray não conseguiu resistir aos encantos do sedutor Benedict Warrender. Porém, o que parecia um sonho se transforma em pesadelo quando ela descobre que Benedict está noivo de outra… Um casal nem tão perfeito – Michelle Smart A única esperança que Charley tem de salvar o centro infantil para o qual trabalha é o seu futuro ex-marido. O poderoso Raul aceita ajudá-la. Em troca, Charley terá de voltar a ser a esposa perfeita! Será que ela aceitará?

CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ H922e Hunter, Kelly Escolhas do coração [recurso eletrônico] / Kelly Hunter, Natalie Anderson, Anna Cleary; tradução Fernanda Lizardo, Maurício Araripe, Rafael Bonaldi. - 1. ed. - Rio de Janeiro: Harlequin, 2016.. recurso digital Tradução de: What the bride didn’t know + The right mr. wrong + Wedding night with a stranger "MEB" Formato: ePub Requisitos do sistema: Adobe Digital Editions Modo de acesso: World Wide Web ISBN 978-85-398-2204-1 (recurso eletrônico) 1. Romance australiano. 2. Livros eletrônicos. I. Anderson, Natalie. II. Cleary, Anna. III. Lizardo, Fernanda. IV. Araripe, Maurício. V. Bonaldi, Rafael. VI. Título. 16-31830

CDD: 828.99343 CDU: 821.111(436)-3

PUBLICADO MEDIANTE ACORDO COM HARLEQUIN BOOKS S.A. Todos os direitos reservados. Proibidos a reprodução, o armazenamento ou a transmissão, no todo ou em parte. Todos os personagens desta obra são fictícios. Qualquer semelhança com pessoas vivas ou mortas é mera coincidência. Título original: WHAT THE BRIDE DIDN’T KNOW Copyright © 2013 by Kelly Hunter Originalmente publicado em 2013 por Mills & Boon Modern Romance Título original: THE RIGHT MR. WRONG Copyright © 2013 by Natalie Anderson Originalmente publicado em 2013 por Mills & Boon Modern Heat Título original: WEDDING NIGHT WITH A STRANGER Copyright © 2010 by Anna Cleary Originalmente publicado em 2010 por Mills & Boon Modern Heat

Gerente editorial: Livia Rosa Assistente editorial: Tábata Mendes Editora: Juliana Nóvoa Estagiária: Caroline Netto Arte-final de capa: Isabelle Paiva Produção do arquivo eBook: Ranna Studio Editora HR Ltda. Rua Nova Jerusalém, 345 Bonsucesso, Rio de Janeiro, RJ – 21042-235 Contato: [email protected]

Capa Texto de capa Querida leitora Rosto Sumário

MEMÓRIAS DO AMOR Prólogo Capítulo 1 Capítulo 2 Capítulo 3 Capítulo 4 Capítulo 5 Capítulo 6 Capítulo 7 Capítulo 8 Capítulo 9 Capítulo 10 Capítulo 11 Capítulo 12

E SE A RESPOSTA FOSSE OUTRA? Prólogo Capítulo 1 Capítulo 2 Capítulo 3 Capítulo 4 Capítulo 5 Capítulo 6 Capítulo 7 Capítulo 8 Capítulo 1 Capítulo 2 Capítulo 3 Capítulo 4

Capítulo 5 Capítulo 6 Capítulo 7 Capítulo 8

AMOR INESPERADO Capítulo 1 Capítulo 2 Capítulo 3 Capítulo 4 Capítulo 5 Capítulo 6 Capítulo 7 Capítulo 8 Capítulo 9 Capítulo 10 Capítulo 11 Capítulo 12 Capítulo 13 Capítulo 14 Capítulo 15

Próximos lançamentos Créditos
JESSICA ESPECIAL - 02 - Escolhas do Coracao - Natalie Anderson

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