Inteligencia artificial (Como l - Joao de Fernandes Teixeira

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Índice Agradecimentos Três modos de jogar xadrez Entre o passado e o futuro O teste de Turing Dos símbolos à parabiose O que dizem os filósofos Epílogo Sugestões de leitura Bibliografia

Agradecimentos Aos meus amigos Gustavo Leal Toledo e Paulo Henrique Fernandes Silveira, que leram a primeira versão deste livro. Aos meus alunos André Sathler Guimarães e Alessandro Bender Verrone. A Marco Carlucci, pela sugestão do título. À minha esposa Malu. À Lizilda, minha assistente. À Suely Molina, pela ajuda com a última versão e com as correções finais.

O homem criou o homem à sua imagem e semelhança. Agora o problema é seu. Autor desconhecido

1.

Três modos de jogar xadrez A inteligência artificial é uma tecnologia que fica a meio caminho entre a ciência e a arte. Seu objetivo é construir máquinas que, ao resolver problemas, pareçam pensar. Um bom exemplo é a máquina de jogar xadrez.

Jogo de xadrez

Há três modos de construir um dispositivo que jogue xadrez: fazer com que um ser humano imite uma máquina, construir uma máquina que imite um ser humano ou conseguir que uma máquina ultrapasse a mente humana. Esses três modos correspondem a máquinas que foram construídas nos séculos XIX, XX e XXI. O primeiro modo tem a ver com uma história que já andei contando por aí, de um certo barão von Kempelen, que tinha inventado uma máquina de jogar xadrez no século XIX. Esse tal de Kempelen – que não se sabe exatamente se era um barão ou se o título era uma fraude – construiu uma grande caixa e nela escondeu um anão enxadrista. No topo desta, havia um tabuleiro construído com disponibilidade tal que o anão poderia, olhando-o por baixo, ver toda a movimentação das peças. O anão podia arrastá-las pelo tabuleiro sem ser visto fazendo as jogadas necessárias. Quem olhasse para a máquina nunca suspeitaria do que estava acontecendo de fato. Tudo se passava realmente como se Kempelen tivesse criado, pela primeira vez na história da humanidade, uma máquina que pudesse jogar xadrez – uma máquina, como ele proclamava, que imitava o pensamento humano. Ninguém jamais imaginaria que, dentro da caixa,

ocultava-se um ser humano. Kempelen e seus auxiliares exploraram muito sua invenção. Levaram-na para circos, percorreram toda a Europa, ganhando fortunas com aquilo que deixava todo mundo espantado. A notícia da existência da máquina de jogar xadrez chegou aos ouvidos de Napoleão, que imediatamente quis conhecê-la e, de fato, ela foi levada até ele. Mas o anão cometeu um erro fatal: começou a ganhar a partida, deixando o imperador para trás. Este, de temperamento irritadiço, desferiu um forte chute contra a máquina. As portinholas se abriram e o anão apareceu. Kempelen foi desmascarado! A máquina de von Kempelen era uma forma primitiva (e talvez patética!) de inteligência artificial e não apenas um truque, afinal, não deixava de ser uma tentativa de construir uma máquina pensante. Mas, que coisa curiosa! Um dos primeiros dispositivos para jogar xadrez de que se tem notícia foi um humano que imitava uma máquina, quando se esperava justamente o inverso... Só nos séculos seguintes é que começaram a aparecer máquinas de jogar xadrez que tentavam imitar os humanos, ou seja, o segundo modo. Na metade do século XX – quando surgiram os computadores digitais e, com eles, a inteligência artificial propriamente dita – apareceram os primeiros programas de computador capazes de “raciocinar”. Nas décadas de 1950 e 1960, havia três grandes pesquisadores envolvidos na construção de um enxadrista artificial: Newell, Shaw e Simon. O programa que eles inventaram tentava imitar a mente humana, simulando seus raciocínios e desenvolvendo estratégias de jogo. Era um programa baseado numa estratégia chamada “heurística”. Suponha que você queira descobrir a senha bancária do seu vizinho e tudo o que sabe é que ela tem quatro dígitos. Há duas maneiras de fazer isso. Uma é a chamada “força bruta”: percorrer todas as possibilidades, todas as combinações possíveis. Será um trabalho imenso, poderá levar sua vida inteira. Mas algum dia você chegará, com certeza, no resultado desejado. (Se não morrer antes, é claro...) A outra maneira é tentar encontrar algum tipo de atalho para adivinhar essa senha. Você começa a perguntar ao seu vizinho o dia em que ele nasceu, casou etc., e tenta números próximos a esses. Em seguida pergunta a ele o nome de seu cachorro, e assim por diante. Nesse caso, você tenta diminuir as possibilidades: isso é a heurística. Heurística é uma busca através de raciocínio seletivo.

No caso do xadrez, para se responder corretamente a uma jogada do oponente, seria necessário percorrer todas as possibilidades que se seguiriam dela – se você estivesse usando força bruta, é claro. Isso poderia levar centenas de anos! Mas com a heurística, você tenta reduzir essas consequências desenvolvendo algum tipo de estratégia. É assim que nós, humanos, jogamos xadrez – e foi baseando-se na mente humana que Newell, Shaw e Simon desenvolveram seu programa para jogar xadrez. Infelizmente, os primeiros programas de jogar xadrez, que apareceram na década de 1960, perdiam para crianças de dez anos. O terceiro modo de fazer uma máquina jogar xadrez aparece quase no final do século XX. Em 1997, ocorreu um evento marcante na história da inteligência artificial: Deep Blue, um computador construído pela IBM, venceu o então campeão mundial de xadrez Gary Kasparov. Esse fato mostrava que uma nova era na inteligência artificial (que chamarei, daqui para frente, também de IA) estava para começar. Deep Blue em nada se parecia com a mente humana, pois não raciocinava nem desenvolvia estratégias. Seu princípio de funcionamento é a “força bruta”. A ideia era que, usando a força bruta, Deep Blue não poderia perder a partida de xadrez, pois esse método sempre levaria aos resultados desejados. O que se precisava era de um supercomputador, com uma enorme capacidade de realizar bilhões de computações por segundo, que escolhesse a melhor jogada, percorrendo o maior número de caminhos possíveis e auxiliado por um imenso banco de memória onde estivessem contidas as jogadas dos grandes mestres enxadristas das últimas décadas. Para escolher uma delas, também seria necessário usar a força bruta. O Deep Blue não é uma máquina que pensa, pois o que causa suas jogadas nada tem a ver com o cérebro ou com a mente humana. Mas seu poder computacional é tamanho que, para quem o observa, ele parece pensar. Aliás, esse é o ponto em comum entre as três máquinas que descrevemos aqui. As três são simuladores. Inteligência humana e inteligência mecânica resultam no mesmo, pois não se distingue entre original e imitação perfeita. Basta que a simulação aparente o mesmo que o original. Não há uma diferença entre ser e parecer. Uma imitação pode ser tão perfeita que não mais possamos distingui-la do original e pode até tornar-se mais perfeita que o próprio original. Isso é o que aconteceria se a BMW usasse imitações chinesas de peças de carro e as instalasse nos seus modelos originais de fábrica. Não há limites para a imitação. Esse é um dos princípios filosóficos fundamentais da

IA. Isso também ocorre com a IA do século XXI. Não se busca construir uma máquina que pense, basta que ela pareça pensar. A imitação do comportamento humano torna-se cada vez mais uma camuflagem sob a qual se abriga uma máquina totalmente diferente de nós. Queremos máquinas cujo comportamento seja igual ao de um ser humano, mas, se elas chegarão a isso da mesma forma que os humanos, já não importa mais. As duas primeiras máquinas de que falamos baseavam-se na imitação da inteligência humana. Já a máquina que se busca construir agora, pouco ou nada precisa ter de humano. Ela produzirá inteligência de maneira completamente diferente de como nós produzimos. O raciocínio humano não é mais o modelo para construir máquinas que reproduzam a inteligência do homem. Podemos até acoplá-las a um corpo com uma forma humana – aquilo que habitualmente chamamos de robô –, mas isso pouco importa. Uma máquina pensante poderá ser como uma máquina de hemodiálise, que faz as funções do rim, mas que em nada se parece com ele.

Máquina de calcular antiga

Antes se achava que inteligência era a capacidade de raciocinar. Agora, inteligência é poder computacional. A hipótese é que nosso cérebro tem um tremendo poder computacional que lhe permite resolver muitos problemas através da força bruta. No final do século passado, a força bruta era encarada com desdém, pois ela era sinônimo de processos muito lentos. Por causa da lentidão, construir máquinas pensantes obrigava a imitar o raciocínio humano como única estratégia possível. Mas isso vem se alterando neste início do século XXI à medida que supercomputadores estão superando o problema da lentidão e aumentando sua capacidade de processamento de dados. Vários tipos de estratégia para superar o

problema da lentidão começam a ser usados. Um deles é usar a arquitetura paralela, supostamente utilizada por nosso cérebro em algumas tarefas. É como se, ao resolver um problema, ele fosse dividido em várias partes e cada uma delas resolvida simultaneamente por vários dispositivos trabalhando ao mesmo tempo. Nesse caso, imitamos parcialmente nosso cérebro e teríamos máquinas mistas, parcialmente inspiradas na natureza. Seria uma situação parecida com a que temos na aviação, na qual aeronaves têm asas como os pássaros, mas voam com turbinas, ou seja, são apenas parcialmente inspiradas no design natural. Queremos alcançar o poder computacional do cérebro humano, usando máquinas. Em seguida, num futuro próximo, tentaremos ultrapassar nosso próprio cérebro, através de nossa mistura com as máquinas. Nas próximas décadas, não haverá uma linha divisória nítida entre robôs e humanos. Seremos nós mesmos os robôs que inventarmos, o que permitirá à inteligência artificial superar a natural. A busca por igualar-se ao cérebro humano, usando máquinas, significa aumentar o poder computacional – velocidade e memória – dos computadores que temos hoje. O poder computacional do cérebro humano será ultrapassado quando existir uma máquina capaz de efetuar mais de 200 computações por segundo. Novos materiais, além do silício, com o qual são construídos os computadores atuais, precisarão ser desenvolvidos para que possamos ter máquinas mais potentes. Disso depende a IA do século XXI, que aposta cada vez mais na “força bruta”. Novas tecnologias para a construção de hardwares e para o aumento da velocidade dos computadores estão sendo desenvolvidas. Uma delas é o computador de DNA, o material com o qual nossos genes são feitos, ou seja, moléculas que podem transportar uma imensa quantidade de informação genética. Essa informação é necessária para a organização e o funcionamento das células vivas e para o controle da forma pela qual as características genéticas são herdadas de uma geração para a outra. O inventor desse tipo de computador, Gerald Adelman, partiu da ideia de que o DNA é muito semelhante ao HD de um computador, pois ele estoca muita informação permanente acerca de nossos genes. Além disso, o DNA, além de transportar enorme quantidade de informação, pode realizar cálculos muito mais rapidamente do que qualquer supercomputador que temos hoje.

Imagem DNA

Outra alternativa é o computador quântico. A computação quântica é um novo campo da ciência da computação que surge da mecânica quântica. Nos computadores que temos hoje, a unidade básica de informação é o bit ou “dígito binário”. Um dígito binário é um “0” ou um “1”, e todos os números são feitos a partir de cadeias de zeros e uns. O bit usado nos computadores de hoje só pode estar em um desses estados. Nos computadores quânticos, a unidade de informação será o bit quântico ou o qubit, que poderá estar em ambos os estados ao mesmo tempo. Uma partícula subatômica pode estar em vários estados diferentes simultaneamente para vários observadores dependendo de quando se mede seu “momento” (o produto de sua massa pela sua aceleração). Como a partícula subatômica pode estar em estados diferentes simultaneamente, uma combinação de qubits transporta muito mais informação do que a mesma quantidade de bits. Na medida em que muitas computações ocorrem simultaneamente, o computador quântico pode executar uma vasta quantidade de operações em paralelo, o que aumenta muito sua velocidade. O computador quântico poderá ser utilizado sempre que for necessário processar grande quantidade de informação, como é o caso, por exemplo, de reconhecimento de imagens ou de voz. Mas esse projeto ainda caminha lentamente, pois oferece um grande perigo: uma grande facilidade para decifrar senhas – o que apavora os banqueiros. Outro tipo de máquina que tem sido estudada é o computador ótico. Esse parece ser o mais promissor. Ele usa luz ou feixes de raios laser, em vez de sinais elétricos, para transportar informação. Nos computadores atuais, a velocidade de transmissão de informação é metade da velocidade da luz. O computador ótico não será apenas muito mais rápido do que os atuais; espera-se que, em poucas décadas, ele se torne também muito barato. Porém, por menor que seja a área de um chip, e por maior que seja a velocidade de um computador, há um limite fundamental: a velocidade da luz, que a física nos ensina ser a maior velocidade possível em nosso universo. Essa

é a velocidade do computador ótico. Não poderemos construir supercomputadores mais velozes do que isso. Esse é também o limite da força bruta. A força bruta, que tinha sido praticamente abandonada no final do século XX, é agora uma das mais fortes tendências da IA. O Deep Blue é um exemplo de sua aplicação. Ele mostra também que a heurística pode errar. A força bruta não. Será que foi por causa disso que Kasparov perdeu para ele?

CONTINUAR A PENSAR Será que o Deep Blue representa uma das primeiras vitórias de um computador sobre a razão humana? Ou uma vitória da própria razão sobre si mesma – pois, afinal, não foi ela própria que construiu esse computador? Ou teria o Deep Blue, ao usar sua força bruta, superado o poder computacional do cérebro humano?

2.

Entre o passado e o futuro O sonho de construir máquinas pensantes é muito antigo. Os primeiros registros de criaturas artificiais com habilidades humanas têm uma forma mítica ou por vezes lendária, tornando difícil uma separação nítida entre imaginação e realidade. Isso faz com que a IA seja uma disciplina com um extenso passado, mas com uma história relativamente curta. Um dos episódios mais interessantes do passado mítico da IA é a lenda do Golém. Joseph Golém era um homem artificial que teria sido criado no fim do século XVI por um rabino de Praga, na Tchecoslováquia (hoje República Tcheca). Esse rabino resolvera construir uma criatura inteligente, capaz de espionar os inimigos dos judeus, que, na época, estavam confinados no gueto de Praga. Diz o mito que Golém era, de fato, um ser inteligente, mas um dia se revoltou contra seu criador, que então lhe tirou a inteligência e o devolveu ao mundo inanimado. Alguns registros mais recentes mostram que, nos séculos XVII e XVIII, proliferaram mais mitos e relatos acerca de criaturas artificiais. Falou-se de um flautista mecânico que teria sido capaz de tocar seu instrumento com grande perfeição, e que teria sido construído lá pelos fins do século XVII. Há registros também do célebre “pato de Vaucanson”, que teria sido construído por um artífice homônimo. A grande novidade dessa criatura teria sido sua capacidade de bater as asas, andar, grasnar, comer grãos e expeli-los após a digestão – uma perfeita imitação das funções biológicas. A existência passada dessas criaturas artificiais até hoje não está definitivamente comprovada. Sabe-se apenas que seus projetos estão registrados em alguns museus da Europa e que sua arquitetura interna teria sido extremamente complexa. Sua possível construção sempre deu margem a muitas discussões filosóficas acerca da possibilidade de as máquinas se igualarem aos seres humanos. No século XIX, o tema reaparece na literatura. Nessa época, é publicado o famoso romance Frankenstein, que explora o mito de um ser criado a partir de

membros e órgãos de outras criaturas artificialmente reunidos. Mas Frankenstein era um monstro. Um monstro que, como costuma acontecer nesse tipo de ficção, logo em seguida se revoltou contra seu criador. A inteligência artificial propriamente dita só aparecerá no século XX, a partir de projetos militares. A Segunda Guerra Mundial (1939-1945) trouxe pressões decisivas para a comunidade científica dos países aliados. Os bombardeios aéreos feitos pelos nazistas sobre as cidades europeias pressionaram o desenvolvimento de canhões antiaéreos dotados de um sistema de pontaria que corrigisse os eventuais desvios causados pelo deslocamento do alvo e do próprio canhão no momento do disparo. Esse tipo de mecanismo de autocorreção começou a ser visto como uma incipiente imitação de um comportamento humano. Para um observador leigo, tudo se passava como se o comportamento do canhão, ao perseguir seu alvo com precisão, estivesse sendo guiado por propósitos ou intenções semelhantes aos de um ser humano. Essa era a cibernética, uma das precursoras da inteligência artificial. No fim da Segunda Guerra Mundial, os cientistas já tinham registrado importantes invenções na área eletrônica, além de pesquisas sobre mecanismos que imitavam ações humanas e estudos sobre o cérebro desenvolvidos por médicos e por psicólogos. Isso os levou a programar um encontro nos Estados Unidos, onde pesquisadores dessas áreas apresentaram suas descobertas, numa primeira tentativa de reuni-las e compor algo parecido com uma ciência geral do funcionamento da mente humana. Esse encontro ficou conhecido como o Simpósio de Hixon, e aconteceu em 1948. Os resultados do Simpósio de Hixon não teriam sido tão surpreendentes se não levassem, através de uma intuição verdadeiramente criadora, a estabelecer uma analogia entre o cérebro humano e os computadores. Essa analogia certamente foi produto do encontro entre psicólogos, neurofisiólogos e engenheiros eletrônicos que perceberam que o modo como estão dispostas as células do nosso cérebro (neurônios), ligadas através de fios nervosos minúsculos, é semelhante ao circuito elétrico de um computador. Isso abriu o caminho para se dizer que a mente humana poderia ser imitada por um computador. As décadas seguintes foram marcadas por novas invenções e descobertas surpreendentes. Na década de 1950, dois cientistas americanos desenvolveram um programa de computador capaz de demonstrar teoremas matemáticos. Esse

programa foi chamado de “O Teórico da Lógica” (Logical Theorist ou simplesmente LT) e sua inovação estava no fato de ele poder realmente gerar demonstrações de teoremas, e não simplesmente apresentá-las através de um artifício de memória. Os dois cientistas, Newell e Simon, estavam convencidos de que sua máquina era uma autêntica simulação do pensamento humano. Quando o programa de computador, o LT, demonstrou um teorema que estava em aberto, os cientistas escreveram um texto e o enviaram para publicação em uma importante revista de matemática da época, como se o artigo fosse de autoria do próprio LT. O conselho editorial da revista recusou-se a publicá-lo, alegando que isso era um insulto contra a espécie humana. No final da década de 1960, apareceu um programa de computador capaz de imitar um psicanalista. Esse psicanalista mecânico, que foi chamado “Doctor”, era na verdade uma variação de outro programa, batizado de “Eliza”. Eliza foi um programa originalmente desenvolvido para simular diálogos. O princípio de funcionamento desse tipo de programa era simples: a sentença enviada pelo parceiro humano era decomposta, e suas partes enviadas para um script armazenado no interior do computador. O script era um conjunto de regras semelhantes àquelas que são dadas para um ator quando se requer que ele improvise acerca de um tema qualquer. Eliza podia receber vários tipos de script e, dependendo do conteúdo deles, desenvolver conversas acerca de vários temas. Quando Eliza trabalhava com um script especial chamado Doctor, ele se transformava num psicanalista mecânico. O script era cuidadosamente elaborado para que as respostas simulassem o comportamento verbal de um psicanalista ao receber um paciente pela primeira vez. Hoje em dia, programas como o Eliza são considerados obsoletos, apesar de terem sido de grande importância histórica. As contribuições da IA para a psicologia e para a psiquiatria estão agora centradas no estudo do comportamento de robôs com múltiplas personalidades, ou psicoses, que servem de ponto de partida para a observação da evolução desses tipos de transtornos. A robopsiquiatria e a robopsicologia ampliarão o conhecimento da doença mental humana. O final dos anos 1970 foi marcado por algum desânimo nas tentativas de simular a mente humana através do computador. O grande problema eram as máquinas de tradução, que não estavam tendo sucesso. Na verdade, até hoje

ainda não temos um software satisfatório para realizar traduções. A tecnologia de tradução telefônica – em que você fala em português e seu amigo chinês escuta em chinês e vice-versa – ainda não está desenvolvida, provavelmente por razões militares. (Você já imaginou que tipo de ameaça isso poderia representar para um país como, por exemplo, os Estados Unidos? Já imaginou o quanto isto poderia facilitar o terrorismo internacional?) Nas décadas de 1980 e parte da década de 1990, a inteligência artificial seria ofuscada pela neurociência, que estava tomando a dianteira nos estudos da mente. Computadores não seriam modelos da mente humana, mas apenas ferramentas a partir das quais a neurociência podia cada vez mais investigar o cérebro. Mas, no fim do século XX e no começo do novo século, a inteligência artificial reaparece com nova força. Pesquisas na área de robótica começam a ganhar destaque, rapidamente superando esse insucesso temporário. O laboratório de inteligência artificial do MIT, nos Estados Unidos, inicia o projeto COG. Esse projeto, que ainda não está concluído, traz grandes inovações. A ideia é construir um robô com forma humana, pois isso facilitará sua convivência conosco. Os engenheiros do COG não apostam na possibilidade de prever todos os eventos e situações pelos quais ele vai passar e que serviriam de base para elaborar um programa que estaria no seu “cérebro” como algo “inato”. Eles apostam na ideia de que o COG adquirirá conhecimento à medida que for interagindo com seu ambiente e com seres humanos, da mesma maneira que uma criança vai aprendendo aos poucos. O robô COG não será, desde o início, um adulto; ele foi projetado para passar por um período de infância artificial, na qual aprenderá com a experiência e se ambientará com o mundo. Ele “nascerá” com um software de reconhecimento facial − e isso será fundamental para o seu desenvolvimento. O COG terá uma “mãe”, a ser escolhida entre as estudantes que trabalham no projeto. Ele reconhecerá a sua mãe e fará de tudo para que ela não saia de seu lado, como faz uma criança. Tudo o que não for desde o início estabelecido como inato, mas for aprendido com a experiência, será programado como inato na sua segunda versão, o COG-2. Assim, as várias versões do COG percorrerão os milhões de anos de evolução do homem em poucos anos de laboratório. Outro grande projeto da IA do século XXI é o Blue Brain. Esse é um projeto que começou em 2005 e que está sendo realizado em conjunto pela IBM e pelo

Brain Mind Institute, na Suíça. A ideia desse projeto é construir uma simulação completa do cérebro humano. O Blue Brain começará com a simulação computacional dos neurônios e suas conexões – as sinapses –, para depois passar para a simulação do cérebro em nível molecular. Como outros projetos da IA do século XXI, esse também segue o estilo da “força bruta”. Nesse caso, busca-se a simulação da totalidade do cérebro, neurônio por neurônio, conexão por conexão, para saber se, com isso, serão reproduzidas também a mente e a consciência. É um projeto que tem previsão para durar em torno de 15 anos. Paralelamente ao Blue Brain, há o programa Jini, em desenvolvimento pela empresa Sun Microsystems. A ideia é aproveitar a computação não utilizada na internet. É possível imaginar que, a qualquer momento em que acessamos a internet, há uma quantidade imensa de computadores que não está sendo usada. E que, dentre os que estão em uso, pouco mais de 1% de sua capacidade de computação está sendo utilizada. Se for possível coordenar esse potencial ocioso, verificaremos que a quantidade de computação não utilizada na internet já é maior que a capacidade computacional do cérebro humano. Ou, em outras palavras, já teríamos uma simulação potencial de um cérebro humano na internet. A replicação do cérebro humano estaria muito mais ao nosso alcance do que podemos imaginar... Quando o cérebro humano estiver totalmente replicado num supercomputador, teremos respostas para muitas perguntas. Saberemos, por exemplo, as causas de muitos transtornos mentais. Poderemos conversar com ele, seja através de um teclado ou de algum outro periférico. Essa conversa nos dará pistas para sabermos se essa simulação será consciente ou não. Responder a essa pergunta será muito importante para os filósofos e psicólogos do século XXI. Os filósofos têm tentado, por séculos a fio, dizer o que é o pensamento sem conseguir chegar a uma conclusão final. No século XX, apareceu uma disciplina filosófica específica que busca uma resposta para essa questão: a filosofia da mente. Ela investiga se o pensamento é produto do cérebro ou se este é só o hospedeiro biológico da mente. Esse é o problema mente-cérebro, que divide os filósofos entre materialistas e dualistas. Para os materialistas só existe matéria, e a mente é, na verdade, apenas um efeito colateral do metabolismo do cérebro. O dualista diz que mente e cérebro são coisas distintas, apesar de se comunicarem.

Só saberemos quem tem razão nessa discussão milenar depois que o projeto Blue Brain estiver concluído. Nesse dia, grande parte da filosofia da mente desaparecerá, pois a IA tomará seu lugar. Se o cérebro do Blue Brain pensar e for consciente, os materialistas terão razão, pois pensamento e consciência só dependerão da matéria, e nenhum espírito, ou alma, será necessário. Teremos, entretanto, de “pagar para ver” para saber se isso é verdadeiro... Um dos maiores impactos da IA recairá sobre o modo como nos concebemos: criar uma máquina pensante significa desafiar uma velha tradição que coloca o homem e sua capacidade racional como algo único e original no universo. A IA acaba sendo uma forma de sugerir que é possível a existência de vida consciente além da que se instala sobre os seres vivos.

CONTINUAR A PENSAR Você acredita que a replicação artificial do cérebro humano em projetos como o Blue Brain levará à replicação da consciência? Será a consciência do Blue Brain (se ela surgir) igual à consciência humana?

3.

O teste de Turing A inteligência artificial no século XX começou com as descobertas do genial matemático inglês Alan Turing (1912-1954). Há mais de 50 anos, ele formulou a seguinte pergunta: “Pode uma máquina pensar?”. A pergunta é estarrecedora. Melhor seria, talvez, questionar: o que impediria a construção de uma máquina que pensa? Uma máquina que tivesse consciência de seus pensamentos? Ela poderia ser algo como o célebre Hal do filme “2001: uma odisseia no espaço” ou a rede Skynet do filme “O exterminador do futuro”, que se tornou autoconsciente no dia 15 de agosto de 1997. Turing sabia os desafios que essa pergunta colocava. Se um dia pudermos construir uma máquina que pense e seja consciente, como poderíamos saber isso? Haveria algum teste que pudesse nos revelar se uma máquina é consciente? Uma máquina pode chegar à sofisticação de fazer tudo o que um ser humano faz, mas nem por isso seria possível dizer que ela é consciente. Se um papagaio fosse treinado para imitar o longo discurso de um político, seria isso suficiente para concluir que essa ave é consciente? Haveria, enfim, algum teste que pudesse nos revelar se uma máquina é consciente? Turing imaginou um teste formidável para descobrir se máquinas são conscientes. Ficou conhecido como teste de Turing. Eis o princípio geral de seu teste: “Uma máquina se iguala a um humano se seu comportamento for indistinguível deste”. Ou seja, uma máquina torna-se humana quando não podemos mais distinguir seu comportamento do de um ser humano. Hoje em dia, temos várias máquinas que passam no teste de Turing nesse sentido amplo. No campo da música, por exemplo, já foi feito um teste no qual se pediu para que uma plateia determinasse, entre três peças, qual havia sido escrita por um computador e qual havia sido escrita, há dois séculos, por Johann Sebastian Bach. Num desses testes, realizado na Universidade de Oregon, em 1997, a plateia escolheu a peça escrita pelo computador como sendo a composta pelo ser humano. A máquina passou no teste de Turing. Mas o teste de Turing, no sentido amplo, pode ser impreciso. Suponhamos

que você tenha um vizinho que toca piano esplendidamente. Um dia você passa pela sua rua e ouve sons de um piano, magnificamente executados. Você quer entrar para cumprimentá-lo, bate à porta e verifica que não havia ninguém tocando piano: era um aparelho de CD ligado. Contudo, a imitação era perfeita, produziu-se um comportamento indistinguível daquele de um ser humano que sabe tocar piano. Ora, se Turing estiver certo, então seria legítimo atribuir pensamento ao aparelho de CD. Mas terá isso sentido? Certamente não. Contudo, há uma aplicação específica do teste de Turing que não deixa dúvidas. Ela, ainda hoje, desafia nossas máquinas digitais. É o teste de Turing aplicado à linguagem. Para saber se um computador pensa, bastaria conversar com ele por longo tempo, através de um teclado, e se, ao final da conversa, não for possível concluir se o interlocutor era uma máquina ou um ser humano, poder-se-ia concluir que ele pensa. Para Turing, pensar seria passar nesse teste, pois, supostamente, todos os seres humanos pensam e todos os seres humanos passam no teste, ou seja, são capazes de conversar. Turing imaginou uma ilustração de seu teste, que ele chamou de Jogo da Imitação. No Jogo da Imitação, há três jogadores: uma mulher (A), um homem (B) e um interrogador (C), que pode ser de qualquer sexo. O interrogador fica num quarto separado do homem e da mulher, e seu objetivo é determinar o sexo dos outros dois. Como o interrogador fica num quarto separado, ele conhece seus parceiros apenas por X ou Y e, no final do jogo, tem de dizer que X é A (uma mulher) e que Y é B (um homem), ou vice-versa. Para determinar o sexo de X e de Y, o interrogador deve formular uma bateria de questões bastante capciosas, uma vez que X e Y podem mentir. Por exemplo, C pode começar perguntando: “O senhor ou a senhora poderia me dizer o comprimento de seu cabelo?”. Se Y for de fato um homem, ele pode dar uma resposta evasiva e dizer: “Meu cabelo é ondulado, o fio mais comprido deve ter uns 20 centímetros”. X também pode tentar tumultuar o jogo, despistando o interrogador com sentenças do tipo: “Ouça, eu sou o homem! Não ouça Y, ele está tentando criar confusão”. Para jogar, é preciso que seus participantes fiquem isolados uns dos outros, isto é, nenhum contato que permita a identificação do sexo de X ou de Y deve ser permitido. Ou seja, C não poderá vê-los, tampouco ouvir suas vozes. A comunicação entre C, X e Y deve ser feita por meio de um teclado de computador e das perguntas e respostas que aparecem numa tela.

Suponhamos que, em vez de um homem (B, ou, no caso, Y), o jogo esteja sendo jogado por uma máquina. É possível que C nunca venha a descobrir o sexo convencionado de Y, tampouco perceber que não estava jogando com um ser humano, e sim com uma máquina. Se essa situação ocorrer, podemos dizer que essa máquina passou no teste de Turing, pois seu comportamento, na conversa, foi indistinguível daquele exibido por um ser humano. Não há razão para deixar de atribuir a essa máquina a capacidade de pensar. Se uma máquina puder conversar, ela deverá ser consciente (e ter uma mente), pois não é possível conversar sem a consciência do que se fala. O ser humano é uma matraca consciente. Pense um pouco nisso e verá que Turing tem razão. Conversas são indícios de mente e de consciência. Mesmo que conversemos dormindo, inconscientes, é preciso que pelo menos nosso interlocutor esteja consciente. Isso responde nossa questão inicial: o papagaio pode recitar o discurso inteiro de um político, mas ele não pode conversar. Até hoje somente seres humanos passaram nessa versão forte do teste de Turing. O prêmio Loebner, no valor de cem mil dólares (hoje em dia é pouco!), foi instituído para quem construísse uma máquina que passasse nesse teste. Todos os anos há uma grande competição em Boston, mas ninguém levou o prêmio ainda. Estima-se que somente em torno de 2029 seremos capazes de construir uma máquina que possa conversar como um ser humano. Será uma máquina muito diferente daquelas que temos hoje. Provavelmente será um computador híbrido, ou seja, metade orgânico e metade de silício, ou de algum outro material que o suceda, como, por exemplo, o arseniato de bário.

CONTINUAR A PENSAR Pesquise na internet o que é um chatterbot. Alguns deles, como Eliza e Alice, só falam inglês. Mesmo assim, vale a pena tentar conversar com eles. Se você não conseguir, tente o brasileiro Ed. Será que algum dia esses robôs passarão no teste de Turing?

4.

Dos símbolos à parabiose Desde seu início, há mais ou menos cinco décadas, a IA assumiu diversas formas, dependendo do modo como se concebeu a inteligência e a mente humanas. Elas determinaram diferentes etapas pelas quais a IA passou nas últimas décadas. Podemos dizer que cada uma dessas etapas corresponde a uma diferente tentativa de simular a mente humana. Nenhuma delas foi superada ou desapareceu. Nesses episódios, a história da tecnologia assemelha-se à história da evolução: espécies passadas e presentes convivem, e às vezes algumas delas demoram muito para desaparecer. Outras parecem que nunca serão extintas.

Imagem da obra O homem, de Descartes

Entre os anos 1960 e 1990, predominaram duas espécies de IA: a inteligência artificial simbólica e a inteligência artificial conexionista. A primeira sonhava em construir grandes solucionadores de problemas (máquinas de jogar xadrez, de fazer cálculos de engenharia, de fazer demonstrações matemáticas etc.); e a segunda, em construir imitações do cérebro. Nas décadas de 1960 e 1970, predominou a inteligência artificial simbólica, a primeira onda da IA. Naquela época, achava-se que a inteligência humana estava ligada a duas características: a capacidade de manipular símbolos e a memória. O homem produz símbolos e tem uma poderosa memória. Os outros animais não. É aí que reside a inteligência humana. Portanto, um dispositivo qualquer, para simular símbolos e ter memória, não precisava ter a mesma composição

biológica e química do cérebro humano. Uma máquina poderia fazer isso se apenas emulasse as funções do cérebro. Essa foi a hipótese com a qual os pesquisadores da IA dessas duas décadas trabalharam. Nós pensamos com linguagem (você já tentou pensar sem ela?), ou seja, com símbolos sonoros ou escritos que são manipulados pela nossa mente. Essa operação de manipulação simbólica pode ser descrita através de um programa de computador. A mente é um programa computacional: sua replicação depende da descoberta de um programa adequado que permita simulá-la. Se entendermos como esse programa funciona, compreenderemos como funcionam a mente e a inteligência. Foi a partir dessas ideias que os pesquisadores da IA, nos anos 1970, concentraram seus esforços no aperfeiçoamento de softwares inteligentes. Para eles, a mente era distinta do cérebro da mesma maneira que o aparelho de rádio é diferente da música que ele toca. Não se pode reduzir a música às peças do rádio. Mente e cérebro são diferentes – embora ambos pertençam ao mundo material (sons e peças) – da mesma maneira que software é diferente de hardware. A mente é o software do cérebro. Essa era a filosofia dos pesquisadores da IA nas décadas de 1960 e 1970. Um dos grandes produtos da IA simbólica foram os sistemas especialistas. Eles são solucionadores de problemas acoplados a imensos bancos de memória, nos quais o conhecimento humano acerca de determinada área ou disciplina encontra-se estocado. Esse acoplamento permite ao sistema especialista responder a consultas, fornecer conselhos para leigos (sobre determinado assunto), ajudar os especialistas humanos e até mesmo auxiliar no ensino de uma disciplina ou área de conhecimento específica. Alguns sistemas especialistas ficaram famosos na década de 1970, como foi o caso do Mycin e do Prospector. O Mycin foi um sistema especialista desenvolvido para receitar medicação para pacientes com infecções bacterianas. O Prospector foi um sistema especialista construído para auxiliar os geólogos. Ele foi muito bem-sucedido: em 1980, possibilitou a descoberta de uma reserva de um metal raro num local próximo a Washington, que até então tinha sido apenas parcialmente explorado. Mesmo assim o interesse pela IA simbólica não durou muito. Foi até meados da década de 1980, quando, como já dissemos, começaram os problemas com as máquinas de tradução. Muitos teimam em dizer que essa espécie de IA está superada, mas isso é errado. Convivemos com ela no nosso dia a dia. Ela deixou

muitas heranças das quais usufruímos: programas computacionais para efetuar cálculos de engenharia, para jogar xadrez (os enxadristas de Newell e Simon foram uma grande realização da IA simbólica) etc. Muitas dessas aplicações tornaram-se tão cotidianas que sequer sabemos que elas se originaram de estudos de inteligência artificial iniciados na década de 1960 e 1970. Todas elas incorporavam – e ainda incorporam – a estratégia da força bruta, que, como dissemos, está ressurgindo neste início de século. Passando também a ser saudosamente chamada de GOFAI (Good and Old Fashioned Artificial Intelligence, ou Velha e Boa Inteligência Artificial, em tom às vezes pejorativo ou às vezes carinhoso), a IA simbólica foi, no final dos anos 1980, duramente criticada. Achava-se que esse modelo de inteligência, baseado na manipulação de símbolos e na memória, estava incorreto. Muitos pesquisadores – que identificavam a GOFAI com a totalidade da IA – chegaram a acreditar que qualquer pesquisa visando a simulação da inteligência humana estaria fadada ao fracasso. Mas a história prosseguiu. Se primeiro veio a máquina de manipular símbolos, depois veio a tentativa de imitar o cérebro humano. O segredo da nossa inteligência estaria na fisiologia de nosso cérebro. Nele predominam neurônios e ligações entre eles, as conexões sinápticas. É no número delas que está a chave da inteligência. O cérebro do elefante pode ser muito maior do que o nosso, mas tem muito menos conexões sinápticas. Essa é a explicação de por que somos muito mais inteligentes do que esses animais. Dessa ideia surgiu, no começo dos anos 1980, a inteligência artificial conexionista, a segunda onda da IA. Não mais se pensava em imitar a mente por meio de símbolos. Tratava-se agora de criar um modelo simplificado de cérebro, construindo redes neurais a partir de neurônios artificiais ou neuron-like units. Tanto computadores quanto cérebros são sistemas cuja função principal é processar informação; portanto, a utilização de redes artificialmente construídas para simular o processamento cerebral possibilitaria a criação artificial de um modelo bastante aproximado do cérebro humano. Esse tipo de rede constitui um intrincado conjunto de conexões entre esses neurônios artificiais, os quais são dispostos em camadas. Os neurônios artificiais estão conectados entre si, podendo ser ativados ou inibidos através das conexões. A rede funciona como um sistema dinâmico, ou seja, o estímulo inicial espalha excitações e inibições entre os neurônios artificiais. Dado determinado estímulo, diferentes estados

podem ocorrer como consequência de mudanças nas conexões, variando de acordo com a interação do sistema com o meio ambiente e com seus outros estados internos. Em alguns tipos de rede, esse processo não para até que um estado estável seja atingido. Os conexionistas têm uma visão de mente, inteligência e memória muito diferente da dos partidários da IA simbólica. Para eles, não há distinção entre mente e cérebro, pois o mental emerge do cerebral; a inteligência surge do aumento da conectividade entre os neurônios, e a memória é algo distribuído na rede artificialmente construída. Uma analogia que nos ajuda a entender como a mente pode emergir do cérebro vem da observação do que ocorre com a água. Sabemos que a água, se refrigerada a uma temperatura inferior a 0 grau centígrado, torna-se gelo. Passa do estado líquido para o sólido. As propriedades da água no estado sólido são diferentes das da água em estado líquido. A solidez e a impenetrabilidade são exemplos de propriedades que ocorrem quando ela se encontra em estado sólido – propriedades que não são comuns ao estado líquido. Será “ser sólido” o resultado da alteração de cada um dos átomos da água? É bem provável que, para produzir a solidez, cada um dos átomos da água tenha de sofrer uma alteração. Entretanto, “ser sólido” não parece ser uma propriedade que poderia ser aplicada individualmente a cada um dos átomos da água, pois não parece fazer sentido dizer que “um átomo é sólido”, embora cada um deles concorra para a produção da propriedade “ser sólido”. Neste sentido específico, solidez é uma propriedade emergente da água quando esta é transformada em gelo. Outra inovação introduzida pelos conexionistas é sua concepção de memória distribuída. Uma lembrança consiste de vários elementos que estão espalhados numa rede. Quando se invoca um, vários elementos da rede também são invocados, até a lembrança completa se formar. A plausibilidade da memória distribuída torna-se evidente no célebre caso da “memória da vovó”: se todas as minhas memórias acerca de minha avó estivessem estocadas localmente, ou seja, em apenas um neurônio no meu cérebro, e se por acaso esse neurônio desaparecesse ou se degenerasse, no dia seguinte eu seria incapaz de reconhecer minha avó. Tal fato não ocorreria se minhas memórias acerca de minha avó estivessem distribuídas numa rede; no máximo, eu me tornaria incapaz de me lembrar de alguma característica específica de minha avó ou de algum evento relacionado com a sua vida.

A terceira onda da IA, ainda no século XX, foi a robótica. Ela teve um grande desenvolvimento a partir dos anos 1990 no laboratório de inteligência artificial do MIT. Havia um grupo de pesquisadores que estava preocupado em criar máquinas que se locomovessem e interagissem com o meio ambiente, sem que fossem inteiramente pré-programadas, algo bem diferente do que se dispunha na época. Eles desenvolveram toda uma geração de minúsculos robôs-insetos com essa finalidade e, mais recentemente, dedicaram-se à produção do COG, o robô humanoide completo. A robótica, além da GOFAI, tornou-se o outro movimento forte na IA do século XXI. Robôs são máquinas que não apenas pensam, mas que também agem. A ideia geral da robótica é a de que não haveria inteligência sem corpo. Há quem acredite que a robótica e a GOFAI são movimentos opostos, pois quem defende a GOFAI acha que a inteligência não precisa de um corpo. Mas isso ainda não foi resolvido. Há robôs que não têm corpo e outros que só têm corpos virtuais. Por exemplo, chamamos de robôs algumas ferramentas de busca de dados (web bots ou knowbots) na internet, que certamente não têm corpo. Robôs que só têm corpos virtuais são avatares, que encontramos em salas de bate-papo ou mesmo na TV. Esse é o caso de Eva Byte, um avatar da rede Globo, muito popular, e que só tem um corpo virtual.

Modelo de robô

Na última década, a robotica deu passos gigantescos. A construção de robôs permitiu que se superassem alguns problemas tradicionais da IA como, por exemplo, a ausência de emoções nas suas simulações. Durante anos, a IA havia sido acusada de não dotar computadores de emoções, o que marcaria uma diferença essencial entre máquinas e humanos. Os robôs Oz e Kismet vieram preencher essa lacuna. Eles são experimentos

notáveis na área de computação afetiva. Oz vem sendo desenvolvido na Universidade Carnegie Mellon, nos Estados Unidos, desde o final da década de 1980. Ele foi criado para apresentar comportamentos intencionais, emocionais e ser capaz de usar a linguagem comum. Oz tem um módulo de controle das emoções que avalia o quanto um evento pode ser prazeroso para ele, o quanto uma ação sua ou de outra pessoa/robô pode ou não ser prazerosa e, finalmente, ele tem também condições de desenvolver relações sociais básicas. Kismet, que foi desenvolvido no MIT, toma como ponto de partida que as emoções são um instrumento fundamental que servem de guia para facilitar a sobrevivência dos organismos. Emoções negativas são uma forma de evitar eventos e comportamentos prejudiciais e as positivas indicam um caminho para o bem-estar. Kismet trabalha com seis emoções básicas: ódio, nojo, medo, alegria, desgosto e surpresa. Um dos aspectos mais interessantes desse robô é sua capacidade de interagir com humanos e gerar uma espécie de empatia mútua. Há outras novidades em desenvolvimento na robótica neste início de século, como, por exemplo, Klaus, o robô motorista. Nas próximas décadas, robôs motoristas virão como opcionais nos carros, e Klaus é o modelo que está sendo desenvolvido pela Volkswagen. Ele é um robô humanoide com três pernas e quatro braços. Há uma perna para cada pedal, dois braços para controlar a direção, um para trocar as marchas e um para a ignição. O itinerário do carro é previamente estabelecido por um GPS, e Klaus deve fazer o percurso evitando outros carros e possíveis obstáculos. No caso de ele falhar, há um copiloto virtual que imediatamente assume o comando, o que impede que acidentes aconteçam. Além de Klaus, outra grande novidade esperada são as robôs Repliee desenvolvidas no Japão. Elas pertencem a uma série de robôs humanoides, projetados para servir de “companheiras”, em substituição às mulheres. As Repliee serão dotadas de emoções, linguagem, personalidade própria e conviverão conosco no dia a dia. Haverá também robôs homens, que se tornarão companheiros das mulheres. Nossa vida sexual com os robôs precisará ser estudada e novos campos de pesquisa em psicologia se abrirão, pois nosso envolvimento emocional com essas novas criaturas será também inevitável. O amante transexual poderá ser um problema para a IA, pois nele há um descompasso entre software e hardware, em matéria de identidade. Nesse caso, parecer não é ser, o que significa romper com um dos princípios fundamentais da

IA. Ainda assim, viveremos, nesse estágio, em mundos separados: ainda não nos misturamos efetivamente com as máquinas. Essa mistura começa quando a IA se alia com a engenharia genética. Quando se percebeu que o código genético é binário, ou seja, que é o mesmo tipo de código utilizado pelos computadores, entramos na quarta onda da IA. A junção da IA com a engenharia genética está nos levando para a época do pós-humano, com o aparecimento de androides e cyborgs. Androides serão aqueles nos quais a parte biológica prevalece e eles poderão ser controlados (alguns comportamentos e QI, por exemplo), interferindo-se no seu código genético. Suas diferenças com os humanos serão imperceptíveis. Cyborgs são os híbridos, ou seja, aqueles nos quais se misturam partes orgânicas e inorgânicas. Nos cyborgs, ocorre a parabiose ou mistura do humano com a máquina, quase sempre algum tipo de computador. Em geral, são os corpos humanos que servem de base para as máquinas, mas há alguns casos nos quais os humanos podem até tornar-se parasitas do computador, dependendo da proporção entre orgânico e inorgânico. Há duas maneiras de nos misturarmos com as máquinas: expandindo nosso cérebro através de implantes de chips e nanochips ou transformando nossos circuitos cerebrais em supercomputadores. Poderíamos fazer isso modificando as ligações entre nossos neurônios (sinapses), transformando-as em circuitos de um supercomputador. Mas há outra estratégia. Para usar um termo mais familiar para quem sabe um pouco de ciência da computação: podemos montar uma máquina virtual mais poderosa, usando como base o cérebro humano. Para montar uma máquina dessa espécie, a partir do cérebro, talvez possamos usar algum vírus semelhante aos vírus de computador, que se apossam das máquinas das pessoas, para depois fazer com que elas executem determinadas tarefas sem que seus donos percebam. Esses vírus invadiriam o cérebro, modificando-o, ou poderiam também tomar a forma de micromáquinas invasoras que modificariam nosso cérebro em nível molecular. Um enxame dessas micromáquinas, ou nanomáquinas, poderia invadir nosso corpo.

Nanomáquinas

Dessa mistura com máquinas, resultarão dois tipos de cyborgs: um primeiro mais inteligente que os humanos e outro tipo quase humano, menos capaz do que nós. Ambos serão construídos sobre “plataformas humanas” – cérebros/corpos humanos modificados. O homem torna-se o melhor modelo do humano. No caso do primeiro cyborg, isso significa expansão de memória e aumento de velocidade do cérebro. Serão aperfeiçoamentos importantíssimos, pois o cérebro humano não evolui há 200 mil anos. Ele é o mesmo cérebro de quando vivíamos em bandos pelo planeta, caçando e fugindo de animais ferozes. Com esse cérebro obsoleto, não conseguimos, hoje em dia, processar a enorme quantidade de informação necessária para sobreviver na sociedade pós-moderna. O segundo tipo de cyborg é o humano com um cérebro simplificado, ou seja, um cérebro subutilizado porque uma parte dele foi tornada um computador programado para realizar tarefas simples. Esses cyborgs têm cérebros parcialmente humanos (híbridos, meio orgânico meio máquina) ligados a corpos complexos como os nossos. Nosso corpo é um dos melhores robôs já produzidos pela natureza, além de existir em relativa abundância. Talvez a melhor palavra para designar esse tipo de cyborg seja semi-humano. Eles serão bons para realizar tarefas de alto risco. Eles também resultariam da invasão de cérebros humanos por vírus ou nanomáquinas. Contudo, para construí-los, o melhor processo seria, pelo menos no estágio inicial de obtenção da plataforma, a clonagem, para evitar problemas éticos que surgiriam da utilização de cérebros humanos vivos. Há uma previsão de que nos tornaremos cyborgs antes do fim do século XXI. Será difícil nos distinguirmos dos robôs que nós mesmos construiremos, pois homem e robô já estarão muito misturados. A associação entre corpo e máquina já começou há décadas, quando começamos cada vez mais a usar próteses. Mas

também começou a associação entre máquinas e corpos, ou seja, máquinas que se estendem para o mundo do orgânico. Na verdade, máquinas biológicas nas quais ocorre essa associação inorgânico/orgânico começaram a ser construídas já há algum tempo. Na década passada, na Universidade da Geórgia, nos Estados Unidos, uma máquina desse tipo já tinha sido desenvolvida utilizando-se o cérebro de larvas. Microeletrodos foram introduzidos nos neurônios das larvas e o resultado de sua atividade elétrica foi conectado às portas lógicas de um chip. Inicialmente esse tipo de máquina, chamado de leechulator só podia realizar operações matemáticas simples. Contudo, outros projetos de máquinas biológicas, que usavam bacilos ou micróbios para realizar computações, começaram a aparecer. Há ainda um tipo mais radical de máquina biológica que está sendo desenvolvido na Science Applications International Corporation, nos Estados Unidos. Lá estão sendo feitas culturas de neurônios humanos em superfícies lisas e espera-se que elas comecem a se ramificar, formando conexões sinápticas. A pergunta é quanto tempo esse processo levaria até formar um cérebro, mas os pesquisadores não acreditam que essa seja uma questão importante. A maior parte do genoma do cérebro humano é redundante e alguns acreditam que os principais algoritmos dos quais ele se utiliza para pensar cabem num arquivo do tamanho do Microsoft Word. Se tivermos sorte e as partes relevantes logo forem formadas, em breve teremos um cérebro pensante o qual poderemos acoplar a uma máquina ou a um corpo humano. Mas, neste começo de século, enquanto os androides e cyborgs ainda não aparecem, a tendência da IA é a volta aos grandes manipuladores de símbolos. Deep Blue parece marcar o início dessa era, que talvez seja curta na história da IA. É a força bruta aliada ao hardware poderoso. A eficiência superando o raciocínio. A inteligência vista como memória e processamento rápido/eficiente de informação. Era esse o modelo de inteligência de nossos trituradores de símbolos nos anos 1960 e 1970. Uma inteligência que, na época, não foi tão brilhante quanto o Deep Blue. Senhoras e senhores, a GOFAI está de volta, e desta vez com super-hardwares ou Super-Crunchers!

CONTINUAR A PENSAR Peça para o seu professor passar o filme Blade Runner: o Caçador de Androides. Ele narra uma história de amor entre um humano e uma androide. Em seguida, discuta: por que não poderíamos amar um robô? Será tão estranho amar uma máquina se, afinal, já sentimos ciúmes de carros e de máquinas fotográficas?

5.

O que dizem os filósofos Os intelectuais nunca viram com bons olhos a IA. Talvez porque humanistas e filósofos prezem muito o pensamento e achem que ele deva ser propriedade exclusiva da espécie humana. Eles parecem não ter percebido que máquinas pensantes são, na verdade, grandes realizações da razão humana e que, quando jogamos xadrez com um dispositivo como, por exemplo, Deep Blue, não confrontamos uma máquina, mas temos, de fato, um grande desafio que o ser humano se pôs a si mesmo. Por causa dessa resistência à IA, apareceram vários argumentos tentando mostrar que ela é impossível e que robôs nunca replicarão completamente os humanos. Há dois deles que se destacaram: o argumento do quarto chinês, de John Searle, e o argumento do insight, de Roger Penrose. No início da década de 1980, o filósofo americano John Searle fazia uma viagem de avião para uma cidade da Califórnia, na costa oeste dos Estados Unidos, quando teve uma intuição acerca de um dos problemas mais importantes que os teóricos da IA tinham deixado passar despercebido. Searle preparava, a bordo do avião, uma palestra que seria apresentada em um simpósio de IA. Ele estava muito impressionado com uma série de programas computacionais que estavam sendo desenvolvidos em algumas universidades americanas. Esses programas tinham sido projetados com uma finalidade específica: compreender estórias. Assim, por exemplo, se alguém fornecesse o seguinte relato a um programa de computador projetado para compreender estórias: “Um homem entra num restaurante, pede um sanduíche e sai sem pagar nem deixar gorjeta porque notou que o pão estava amanhecido” – o programa era construído de tal maneira que o computador “responderia” coerentemente a questões elaboradas com base no texto da estória. Ou seja, tudo se passava como num exercício de interpretação de textos daqueles que costumam cair em exames vestibulares. A diferença era que a interpretação do texto era efetuada por um computador, convenientemente programado para fornecer respostas adequadas.

Tudo isso não teria nada demais se os autores deste tipo de programas não sustentassem que essas máquinas eram capazes de compreender as estórias que lhes eram fornecidas, e que tais programas funcionam exatamente como seres humanos: eles podem compreender textos. Searle não se conformou com esse tipo de afirmação e elaborou um argumento filosófico – o Chinese Room Argument (Argumento do Quarto Chinês) – para mostrar que a ideia de que tais programas simulavam a atividade humana de compreender estórias e textos era completamente equivocada. A ideia central do argumento é inverter a situação de simulação e imaginar a tarefa executada pelo computador sendo realizada por um ser humano. Imaginemos então uma pessoa trancada num quarto que não tem portas nem janelas, apenas duas portinholas em paredes opostas. Esta pessoa fala apenas português, mas alguém lhe fornece um texto em chinês e uma espécie de tabela com regras e truques (escritos em português) para que ela, a partir de sentenças escritas em chinês, gerasse novas sentenças em língua chinesa. De vez em quando, abre-se uma das portinholas do quarto e alguém fornece a essa pessoa um novo texto escrito em chinês. O ocupante do quarto, a partir do texto inicial escrito em chinês e dos novos textos que foram introduzidos, gera um terceiro texto em chinês usando as regras de transformação que estão na tabela. Como o processo é repetido regularmente, ele vai adquirindo uma habilidade muito grande no manejo das regras de transformação. Ora, essa situação corresponde ao que ocorre no interior de um computador dotado de um programa para compreender estórias: o texto inicial, que está com a pessoa trancada no quarto, corresponde à estória que é fornecida ao computador. As novas sentenças que são geradas com base nas regras de transformação podem muito bem ser as respostas às perguntas que foram feitas com base no texto. Ocorre que a pessoa que está no interior do quarto, manipulando a tabela com as regras de transformação, embora produza sentenças que são respostas adequadas às perguntas sobre o texto em chinês, não compreende chinês. A pessoa não compreende o texto inicial em chinês, tampouco as repostas que são geradas. Tudo se passa de maneira parecida ao incidente do macaco que penetrou numa fábrica de máquinas de escrever e, apertando teclas ao acaso, acabou produzindo o texto do Hamlet de Shakespeare. Diz-se que o macaco não

tinha a menor ideia do texto que estava produzindo. À diferença da tabela com as regras de transformação, o mesmo acontece na situação da pessoa trancada no quarto – uma situação imaginária que nada mais faz do que ilustrar, de forma mais didática, o que ocorre no interior dos computadores com seus programas. Da mesma maneira que uma câmara de televisão não vê nada, mas apenas reproduz imagens às quais nós atribuímos interpretações, os programas elaborados para compreender estórias na verdade nada compreendem. Eles apenas manipulam símbolos – símbolos que não têm nenhum significado para a máquina. Trata-se de uma manipulação de símbolos inteiramente cega. Dizer que uma máquina compreende ou enxerga é, no entender de Searle, um grande equívoco. É o mesmo que dizer que um papagaio fala, quando ele na verdade apenas emite sons que são imitados após muitas repetições. Mas o que faz com que nós, seres humanos – à diferença das máquinas – possamos compreender, enxergar e gerar significado para nossa linguagem, nossos pensamentos e nossas ações? Os filósofos chamaram a essa faculdade de intencionalidade – uma propriedade que caracteriza nossos estados mentais. A intencionalidade se manifesta à medida que sabemos a que se referem nossos estados mentais. Quando falamos, não estamos apenas emitindo sons: sabemos do que estamos falando e que nossas palavras se referem a coisas que estão no mundo. Todos os nossos pensamentos – sejam expressos em palavras ou não – têm conteúdos que apontam para coisas ou situações do mundo. É impossível estar pensando sem estar pensando em alguma coisa. E quando estamos pensando, sabemos selecionar, entre nossos estados mentais, aqueles que apontam para objetos que estão à nossa volta e aqueles que são mais distantes, como, por exemplo, os conteúdos da nossa imaginação. De qualquer maneira, há sempre uma direcionalidade, algo como um apontar para fora de nós mesmos que faz com que nossos pensamentos adquiram significado ou sentido. Dizer que o significado é um produto da intencionalidade não ajuda muito se não sabemos como e por que nossos pensamentos têm essa propriedade. Sobre esse ponto, sempre martelaram os pesquisadores da IA que nunca aceitaram o argumento do quarto chinês. Além disso, eles tinham várias outras objeções. Quem me garante que sempre compreendo o que falo? Por acaso muitos de nossos processos mentais cotidianos não são tão rotineiros que os fazemos por associação tão mecânica e cega como as do computador? Não serão as operações que ocorrem no meu cérebro, quando compreendo algo, tão cegas quanto as que

ocorrem no computador? Por acaso tenho acesso ao que se passa no meu cérebro quando estou compreendendo alguma coisa? E como podemos saber se alguém está realmente compreendendo o que faz? Pelas suas declarações? “Sim, eu compreendo o que faço quando respondo a uma pergunta sobre o texto”. E uma máquina não poderia ser programada para fornecer essa declaração? O que nos resta é a observação do comportamento, seja ele o de um ser humano ou de uma máquina. A vida interior de um outro ser humano é algo a que temos um acesso muito limitado. Aliás, nossa própria vida interior é algo sobre o que pouco sabemos. Essas objeções nunca conseguiram refutar inteiramente o argumento de Searle. Mas ele nunca foi inteiramente aceito. A segunda objeção, a do insight, feita por Penrose, não é muito diferente. Se concebermos insight como uma compreensão instantânea entenderemos o motivo. Penrose diz que um computador não pode ter insight. Ele pode até gerar informações novas, a partir do cruzamento de informações que tem na sua memória, mas nunca uma informação nova acompanhada de um insight. A partir daí, ele afirmou que certos problemas matemáticos, por requererem insight, nunca poderiam ser resolvidos por máquinas. Penrose toma como modelo de insight os “Eurecas!” que ocorrem nas demonstrações matemáticas. Esse seria um privilégio humano que uma máquina nunca poderia igualar. Seu exemplo predileto são os teoremas descobertos na década de 30 pelo matemático austríaco Kurt Gödel (1906-1978). Mas Penrose parece se esquecer de que insight não é coisa apenas de matemáticos, embora, aparentemente eles os tenham mais. Filósofos também têm insights. Tome a frase “Penso, logo existo”. Você já deve ter ouvido falar dessa frase. Ela é considerada um dos maiores insights da filosofia ocidental. Foi proferida pelo filósofo francês René Descartes em 1641. Descartes era um homem que se pôs a duvidar de tudo. A dúvida é a primeira grande expressão do poder da razão. Pode-se duvidar de tudo, a começar daquilo que nos é transmitido pelos sentidos, por nossas sensações. A dúvida vai demolindo as certezas habituais, num processo progressivo. Posso duvidar das minhas sensações, duvidar até mesmo se o mundo que me é dado pelas sensações seria realidade ou apenas uma fantasia da minha mente. A dúvida sistemática, ou a dúvida hiperbólica, como diria Descartes, seria o instrumento da minha razão para combater um gênio maligno, uma figura alegórica que simbolizaria a tentativa persistente e

habilidosa de meus sentidos e de meus próprios raciocínios, que poderia levarme ao engano ou ao falso conhecimento.

René Descartes

Por exemplo, minhas sensações, quando estou acordado, são tão vívidas como quando estou sonhando. Assim sendo, como poderia eu distinguir entre sonho e vigília? Não haveria nenhuma marca que me permitiria saber se as impressões que tenho estão ocorrendo durante minha vigília ou durante um sonho. Nada me garante que eu esteja acordado quando penso que estou; meu sonho teria o poder de me convencer até mesmo de que eu estaria acordado quando sonho. Ou seja, quando penso que estou acordado, poderia estar sonhando um sonho no qual tudo se passaria como se eu estivesse acordado. Poderíamos imaginar esse gênio maligno como um neurocientista perverso que, através de um implante cuidadoso de eletrodos no meu cérebro, poderia produzir em mim vários tipos de sensações, a começar por sensações visuais ou experiências de estar percebendo alguma coisa diante de mim, mesmo que eu estivesse momentaneamente cego. Eu perceberia coisas, a despeito de elas não estarem diante de mim e eu não poder enxergá-las. Esse neurocientista tornar-seia um verdadeiro gênio maligno se, através do implante desses eletrodos, ele reproduzisse o modo como as sensações são encadeadas numa sequência que imitasse perfeitamente uma percepção real e ordenada do mundo. Certamente esse neurocientista teria de desenvolver uma técnica bastante sofisticada, para determinar com precisão o local e a sequência em que os eletrodos teriam de ser implantados em meu cérebro, de modo a produzir uma alucinação tão bem estruturada que eu nunca pudesse saber se estaria alucinado ou não. Ora, o grande insight de Descartes é que não posso duvidar que duvido; disto ele infere sua frase mais célebre, o “Penso, logo existo” ou o “Cogito ergo sum”.

Esse é o grande insight, a certeza que ninguém pode me arrancar. Penso, logo existo. Isso porque podemos duvidar de qualquer coisa, até mesmo se o mundo existe ou se 2 + 2 = 4, mas não podemos duvidar que estamos duvidando, ou seja, não podemos duvidar que pensamos ao formular nossas próprias dúvidas, pois dúvidas são pensamentos. Assim sendo, é impossível pensar que não pensamos, pois neste caso estaríamos incorrendo numa contradição. Penso, logo existo é uma proposição única e peculiar, na medida em que não é possível negála. Ora, o argumento de Penrose poderia ser reescrito mais ou menos da seguinte forma: será que um robô poderia ter esse insight semelhante ao que Descartes teve em 1641? Um insight cuja força mudaria toda a história da filosofia que veio depois dele? Bem, contra Penrose, poderíamos imediatamente alegar: será que a algum de nós poderia ocorrer novamente esse insight ao ler os textos que Descartes escreveu em 1641? Suponhamos que você esteja andando pela rua e encontre um robô que lhe diz: “Penso, logo existo!”. Certamente você não acreditaria que ele estava tendo um insight. Mas isso não parece ser muito diferente no caso dos humanos. Será que precisamos ter um “Eureca” para entender Descartes quando o lemos? Ou precisamos que um robô tenha um insight igual a um que ocorreu há quase 500 anos para se igualar a um ser humano? Da mesma maneira, poderíamos perguntar: será que toda vez que um matemático demonstra pela primeira vez os teoremas de Gödel ocorre necessariamente um insight? Penrose acha que os humanos têm vários tipos de insights, principalmente quando estão resolvendo problemas matemáticos. Mas ele nunca nos disse o que seria esse insight. Uma boa hipótese é que ele poderia ser o processamento de informação a uma velocidade altíssima, quase instantânea, próxima à da luz, que ocorreria no cérebro humano, pois nele ocorreriam fenômenos quânticos. As máquinas digitais que temos hoje não seriam capazes desse processamento em velocidade altíssima. Nesse ponto Penrose está certo. Elas não têm insight, da mesma forma que não têm compreensão (segundo Searle). Mas talvez Penrose tenha de rever seu argumento quando a construção de computadores quânticos estiver aperfeiçoada. Pois ele mesmo acredita que humanos têm insight porque no nosso cérebro ocorrem fenômenos quânticos... Mas há ainda as objeções levantadas contra a IA por alguns biólogos. Eles

tentaram traçar uma linha divisória entre máquinas e seres vivos, buscando características dos seres vivos que não poderiam ser replicadas pelas máquinas. Inicialmente supôs-se que essa característica poderia ser a autorreplicação. Mas essa hipótese teve logo de ser abandonada. Os vírus se autorreplicam e podem se multiplicar rapidamente pela internet. Além de se autorreplicar, eles têm também a capacidade de mudar de forma, como os vírus dos seres vivos. Mas há alguns biólogos que acreditam que existiria uma propriedade dos seres vivos que as máquinas nunca poderão replicar: a morfogênese. Os organismos, quando nascem e crescem, “sabem” qual a forma que irão tomar. A mesma coisa acontece no processo de regeneração. Ao olharmos o conteúdo de um ovo, se não soubermos de que tipo de organismo ele é, não poderemos ter nenhuma ideia de qual animal crescerá a partir daquelas células. O código genético de todos os animais é praticamente igual. Tudo se passa como se suas partes soubessem sua finalidade e fossem se ajustando aos poucos. Nas máquinas, as partes que são montadas permanecem separadas, não ocorre nenhum tipo de interação entre elas após a montagem. Tampouco poderíamos imaginar uma máquina cujas partes se desenvolvessem de acordo com algum plano que não estivesse em alguma parte dessa máquina ou tivesse sido fornecido a ela de antemão. Uma máquina não cresce. Ela não assimila material do meio ambiente. Além das partes não interagirem, o desenvolvimento dessa máquina estaria sujeito ao acréscimo externo de peças de acordo com o plano de algum engenheiro, e não de acordo com algum plano da própria máquina. Essa seria uma das diferenças fundamentais entre máquinas e seres vivos. Essa propriedade dos seres vivos – a morfogênese – sempre foi um tema que fascinou os biólogos e até mesmo Turing, que não era biólogo, mas se ocupou dela no final de sua vida. Como é possível a morfogênese? Será que o crescimento, a assimilação e o metabolismo são propriedades únicas dos seres vivos que marcam uma linha divisória com as máquinas? Essas são perguntas que alguns biólogos têm formulado nas últimas décadas. Pouco se sabe sobre a morfogênese e se ela realmente ocorre “de dentro para fora”. É possível que as formas que temos agora não tenham sido conseguidas por nenhum plano interno dos organismos, mas por milhões de tentativas e erros que foram selecionadas pela evolução, e em seguida passaram a ser transmitidas para outras gerações a partir do código genético. Mas, nesse caso, isso poderia

ser imitado num computador. Há programas que simulam a evolução biológica e que podem fazer com que as melhores formas sejam herdadas pelas gerações seguintes. Nesse caso, a morfogênese perderia grande parte de seu mistério e deixaria de ser uma característica exclusiva dos seres vivos.

CONTINUAR A PENSAR Faça uma pesquisa na internet sobre o tema “vida artificial”. Em seguida reflita: se os processos vitais são processos físico-químicos que podem ser simulados por um programa de computador, você acredita que um computador possa replicar a vida? Ou será que a vida é propriedade exclusiva de seres cuja base química é o carbono, ou seja, o tipo de vida que encontramos na Terra? Se admitirmos que uma máquina pode pensar, porque não podemos admitir que ela adquira vida?

Epílogo Quando digo que a GOFAI está de volta não estou afirmando que a IA está voltando aos anos 1970. Estou dizendo não apenas que os pesquisadores estão reconsiderando a inteligência artificial simbólica, como também que uma de suas hipóteses centrais está sendo retomada: a de que será possível replicar a mente humana em dispositivos artificiais. Essa é a chamada hipótese da inteligência artificial no sentido forte (Strong AI) na qual se acreditou muito nos anos 1970 e 1980. A volta da IA forte nos dias de hoje se deve não apenas aos super-hardwares da GOFAI, mas também à robótica, que cada vez mais nos leva a acreditar que a replicação da inteligência humana e sua superação ocorrerá em menos tempo do que imaginamos. O desenvolvimento da IA trará mudanças dramáticas nos próximos anos. Uma de suas fronteiras atuais é a nanotecnologia. Nanotecnologia é a construção de máquinas do tamanho de um átomo. “Nano” significa um bilionésimo de metro, largura de cinco átomos de carbono. A construção de nanorrobôs está sendo um passo decisivo para a IA. O impacto social da nanotecnologia será imenso. Máquinas do tamanho de uma molécula poderão se reproduzir e produzir qualquer tipo de objeto. Elas precisarão apenas de matéria-prima e de um software que descreva o objeto para que esse possa ser montado. Com isso será possível produzir comida pronta, roupa, computadores e assim por diante. O custo desses bens de consumo cairá muito. E cairá vertiginosamente na medida em que essas máquinas de produzir objetos forem se reproduzindo a si mesmas. Rapidamente, sairemos do mundo da escassez para o da hiperabundância. Haverá mudanças sociais dramáticas: com a hiperabundância, os políticos muito pouco terão a prometer; a própria política talvez desapareça. Teremos então ultrapassado a pré-história da humanidade, na qual vivemos mergulhados até hoje. Muitas pessoas nas sociedades hiperabundantes terão problemas psicológicos, pois a relação com o trabalho ainda é complexa em nossas sociedades. O Terceiro Mundo terá de aguardar o preço dessa tecnologia baixar ou apostar que seus terroristas virem hackers e que, em vez de continuarem a explodir carros-bomba, pirateiem esses softwares pela internet.

Num futuro próximo, a nanotecnologia possibilitará que várias ciências se integrem entre si no estudo do ser humano. Nanorrobôs nos proporcionarão um conhecimento muito maior do nosso cérebro, podendo mapeá-lo de dentro para fora. Eles ampliarão também o conhecimento sobre nosso código genético e permitirão eventualmente alterá-lo para que deixemos de ter certas doenças e de envelhecer. Nosso código genético deve ser a base para que compreendamos as culturas humanas. Elas são complexos sistemas simbólicos cujo mapeamento talvez possa, algum dia, relacioná-los com as estruturas primordiais de nossas linguagens. Talvez cheguemos à conclusão de que o código genético contém nossa gramática primordial, de onde se derivaram todos os sistemas simbólicos que compõem nossa cultura, a começar pela linguagem. Nosso código genético seria a matriz de todos os códigos que utilizamos. Mas precisaremos saber como esses símbolos se recombinam e mantêm seu significado, estudo que é feito pela ciência cognitiva. A ciência cognitiva estuda as estruturas de nosso pensamento e da nossa linguagem. É bem provável que, no futuro, genética e ciência cognitiva se aproximem muito, chegando a uma explicação quase completa da natureza humana. Mas será preciso ainda acrescentar mais uma ciência para chegarmos à compreensão da natureza humana. Os seres humanos interagem entre si e formam sociedades. É preciso estudá-las. O caminho é construir simulações dessas sociedades em computadores. Podemos simular a interação humana pelo estudo do comportamento de bandos de microrrobôs. Já dispomos de sociedades experimentais desenvolvidas em laboratório para testar teorias econômicas e políticas. Às vezes, bandos de microrrobôs desenvolvem comportamentos criativos jamais vistos antes. A IA já estuda esse tipo de fenômeno: como a inteligência surge da interação social. Isso se chama inteligência artificial social. Ela substituirá, progressivamente, a sociologia. A filosofia voltará a ter um papel importante nas sociedades altamente digitalizadas, apesar de ter criticado muito a IA nas décadas passadas. Os pesquisadores da IA precisarão cada vez mais dos filósofos para desenvolver disciplinas como a roboética. Ela faz algumas perguntas inquietantes: deverão as máquinas ter princípios morais como nós? E quais deveriam ser eles? É bem provável que, se embutirmos princípios éticos nos robôs, a ética se torne, pela primeira vez, uma realidade para os humanos, deixando de ser algo que ocorre

somente no mundo encantado dos filósofos. (Por acaso princípios éticos foram vigentes em algum momento da história da humanidade?) As questões éticas serão inevitáveis, sobretudo na medida em que nos apegarmos aos robôs tanto quanto nos apegamos aos animais domésticos. A interação afetiva e sexual entre homens e robôs trará novas questões para o campo da relação entre humanos e máquinas. Estaremos preparados para interagir com robôs dotados de emoções? A julgar pelos nossos filmes de ficção científica, os humanos mal conseguem lidar com a fúria dos robôs. O que dizer então de outras emoções? Nos próximos 30 anos, as pessoas carentes irão se apaixonar por robôs. Alguns terão corpos físicos, mas outros apenas corpos virtuais. Serão parceiros remotos, encontrados na internet, em salas de bate-papo ou em outras situações. Em ambos os casos, estaremos diante de robôs altamente sofisticados, que passam no teste de Turing, e muitas pessoas quererão se casar com esses robôs. Será necessário legalizar o casamento de humanos com robôs e esta será uma batalha jurídica tão importante quanto a que busca legitimar o casamento gay. A sociedade hiperdigitalizada enfrentará um dilema moral: como classificar os semi-humanos? Serão eles (ou elas?) pessoas ou serão apenas máquinas? Assim como hoje se luta pelo direito dos animais, será preciso lutar pelo direito dos androides e dos semi-humanos. Mas isso não bastará: eles precisarão também passar no teste de Turing para saber se a eles podemos atribuir consciência, para então podermos atribuir-lhes direitos semelhantes aos dos humanos. Qualquer coisa que digamos agora será mera especulação. Precisamos ainda aguardar algumas décadas até que essa fase do mundo pós-humano, ou, para usar a denominação de alguns estudiosos, mundo do pós-biológico, torne-se uma realidade e possamos aplicar o teste de Turing nessas criaturas. Continuaremos incessantemente procurando por brechas que permitam nos diferenciar das máquinas e manter nosso lugar privilegiado no universo. Uma delas, que perdurará ainda por muitos anos, é nossa capacidade de fazer certas operações matemáticas de divisão e multiplicação. Por exemplo, ao dividirmos 10 por 3, encontramos 3,3333... Diremos, porém, que ao multiplicar o dividendo de 10 por 3 obtemos 10, e não 9,9999... Um computador não poderá fazer isso: para ele o dividendo de 10 multiplicado por 3 será sempre 9,99999... (Você veria outra possibilidade?) Talvez isso nos distinga das máquinas para sempre. Roger Penrose percebeu

esse problema – que nada tem de inocente –, mas acabou se enredando quando escreveu um livro de mais de 400 páginas para tentar explicá-lo. Antes dele, o matemático Kurt Gödel, na década de 1930, já chamava a atenção para essa dificuldade e também achava que ela marcava uma divisão profunda entre homens e máquinas. Contudo, pretender estancar o progresso da IA é o mesmo que querer impedir a decolagem de um Boeing com pedras e tacapes – algo que só se passa na cabeça de alguns intelectuais arcaicos. Já houve quem dissesse que a anatomia do homem é a chave da anatomia do macaco. Hoje seria melhor dizer, talvez, que a anatomia do homem será desvendada pela anatomia do robô, construído pelo próprio homem. É isso que faz da inteligência artificial uma verdadeira ciência humana, ou uma psicologia que extrapola os limites da simples tecnologia. É quando se tenta reinventar os mecanismos da visão, do raciocínio, da memória etc., que aprendemos alguma coisa acerca de como funciona a mente humana. Se a IA seduz é porque às vezes beira o mágico e até o encantamento. Não podemos nos esquecer que a máquina de Kempelen era uma mágica – um truque genial. Como nos disse uma vez o grande escritor Arthur C. Clarke, “qualquer tecnologia suficientemente avançada é indistinguível da mágica”.

CONTINUAR A PENSAR Você acha que a nanotecnologia pode causar danos irreparáveis ao meio ambiente? Será ela uma tecnologia segura sobre a qual sempre poderemos manter o controle? Pesquise sobre esse assunto na internet.

Sugestões de leitura Há inúmeros sites na internet e livros sobre inteligência artificial, todos eles em inglês. Limito-me, entretanto, a indicar uns poucos livros em português que, se lidos na sequência deste, poderão auxiliar o leitor, aos poucos, a se aprofundar nesse tema fascinante. O primeiro livro que sugiro é o de Ray Kurzweil, A era das máquinas espirituais, no qual o autor traça um quadro do que está acontecendo na IA agora e no seu futuro próximo. O segundo livro que indico é Turing e o computador em 90 minutos, de autoria de Paul Strathern, que apresenta a obra do fundador da IA de maneira divertida, mas precisa. Quem quiser se aprofundar um pouco mais no tema da parabiose pode dar uma olhada em alguns capítulos da coletânea O homem-máquina, organizada por Adauto Novaes. Para se ter uma ideia do que é um curso de IA na graduação, recomendo a leitura de um dos poucos manuais sobre o assunto editados no Brasil, o livro de Anita Maria da Rocha Fernandes, Inteligência artificial – noções gerais. Quem quiser se aprofundar nos debates filosóficos em torno da IA pode recorrer à edição portuguesa do livro de John Searle, Mente, cérebro e ciência. Infelizmente, o livro de Roger Penrose, A mente nova do Rei, está esgotado, mas talvez possa ser encontrado em alguns sebos.

Bibliografia CLARKE, A. C. Profiles of the Future. London: Phoenix, Orion Publishing Group, 2000. FERNANDES, A. M. da ROCHA. Inteligência artificial: noções gerais. Florianópolis: Visual Books, 2003. KURZWEIL, R. A era das máquinas espirituais. São Paulo: Aleph, 2007. LEVY, D. Robots Unlimited: Life in a Virtual Age. Wellesley, MA: A. K. Peters Ltd., 2006. ______. Love and sex with robots. New York: Harper Collins, 2007. LOSANO, M. Histórias de autômatos. São Paulo: Companhia das Letras, 1992. McCORDUCK, P. Machines who think. San Francisco: W. H. Freeman, 1979. MILBURN, G. The Feynman Processor. Massachusetts: Perseus Books, 1998. MOLINA, S. Ciborgue: a mente estendida de Andy Clark. Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Filosofia da Universidade Federal de São Carlos, 2007. In: www.filosofiadamente.org/content/blogcategory/11/13/ NOVAES, A. O homem-máquina. São Paulo: Companhia das Letras, 2003. PENROSE, R. A mente nova do rei. Rio de Janeiro: Campus, 1991. REGIS, E. Nano. Rio de Janeiro: Rocco 1997. RICHARDS, J. (org.) Are we Spiritual Machines? Seattle: Discovery Institute, 2002. SANTAELLA, L. Cultura e artes do pós-humano. São Paulo: Paulus, 2003. SEARLE, J. Mente, cérebro e ciência. Lisboa: Edições 70, 1984. ______. Mentes, cérebros e programas. In: TEIXEIRA, J. de F. Cérebros, máquinas e consciência. São Carlos: Edufscar, 1996. SIMON, H. The sciences of artificial. Cambridge: The MIT Press, 1996. STRATHERN, P. Turing e o computador. Rio de Janeiro: Zahar, 2000. THE BLUE BRAIN PROJECT. In: http://bluebrain.epfl.ch/ TEIXEIRA, J. de F. O que é inteligência artificial. São Paulo: Brasiliense, 1990. ______. Mentes e máquinas: uma introdução à ciência cognitiva. Porto Alegre: Artes Médicas, 1998. ______. Mente, Cérebro e Cognição. Petrópolis: Vozes, 2000. ______. A máquina de xadrez. Filosofia, ciência & vida n. 11, 2007. ______. O argumento do filósofo caubói. Filosofia ciência & vida, n. 12, 2007. ______. O teste de Turing. Filosofia, ciência & vida, n. 18, 2008. ______. Como ler a filosofia da mente. São Paulo: Paulus, 2008. TURING, A. Computação e Inteligência In: TEIXEIRA, J. de F. Cérebros, máquinas e consciência. São Carlos: Edufscar, 1996. VOLKSWAGEN.DE – Página na web sobre KLAUS: www.vwpersonal.de/www/en/visionen/trends/autonomes_fahren.html.

Coleção COMO LER FILOSOFIA • Como ler a filosofia da mente, João de Fernandes Teixeira • Como ler um texto de filosofia, Antônio Joaquim Severino • Encontrar o sentido na vida: propostas filosóficas, Renold Blank • Inteligência artificial: uma odisseia da mente, João de Fernandes Teixeira

Direção editorial Claudiano Avelino dos Santos Coordenação de desenvolvimento digital Erivaldo Dantas Coordenação Claudenir Módolo Claudiano Avelino dos Santos Imagem da capa SXC

© PAULUS – 2013 Rua Francisco Cruz, 229 • 04117-091 São Paulo (Brasil) Fax (11) 5579-3627 • Tel. (11) 5087-3700 www.paulus.com.br • [email protected] eISBN 978-85-349-3684-2

Scivias de Bingen, Hildegarda 9788534946025 776 páginas

Compre agora e leia Scivias, a obra religiosa mais importante da santa e doutora da Igreja Hildegarda de Bingen, compõe-se de vinte e seis visões, que são primeiramente escritas de maneira literal, tal como ela as teve, sendo, a seguir, explicadas exegeticamente. Alguns dos tópicos presentes nas visões são a caridade de Cristo, a natureza do universo, o reino de Deus, a queda do ser humano, a santifi cação e o fi m do mundo. Ênfase especial é dada aos sacramentos do matrimônio e da eucaristia, em resposta à heresia cátara. Como grupo, as visões formam uma summa teológica da doutrina cristã. No fi nal de Scivias, encontram-se hinos de louvor e uma peça curta, provavelmente um rascunho primitivo de Ordo virtutum, a primeira obra de moral conhecida. Hildegarda é notável por ser capaz de unir "visão com doutrina, religião com ciência, júbilo carismático com indignação profética, e anseio por ordem social com a busca por justiça social". Este livro é especialmente significativo para historiadores e teólogas feministas. Elucida a vida das mulheres medievais, e é um exemplo impressionante de certa forma especial de espiritualidade cristã.

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Inteligencia artificial (Como l - Joao de Fernandes Teixeira

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