Fiori - Palestra sobre EPI - CA de RI da USP - 2008

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Economia Política Internacional e Teoria das Relações Internacionais 08mar08

Semana de Economia Política Internacional Centro Acadêmico Guimarães Rosa Palestra: Economia Política Internacional e Teoria das Relações Internacionais Palestrante: José Luís Fiori Local: Sala da Congregação da Faculdade de Economia e Administração da USP Data: 12/09/2005, 17h30min Disponível em: https://chacombolachas.wordpress.com/2008/03/08/economia-politicainternacional-e-teoria-das-relacoes-internacionais/

Queria agradecer e cumprimentar o CA por essa iniciativa, por esse esforço, pela possibilidade que vocês estão propiciando de um intercâmbio absolutamente único; fora das salas de aula; entre professores e alunos, entre economistas e cientistas políticos, entre – não menos – Rio de Janeiro e São Paulo, cada vez mais difícil. E, sobretudo, com essa proposta de discutir uma maneira de olhar ou diagnosticar os acontecimentos internacionais combinando a política e a economia num mesmo olhar, num mesmo esforço. A pergunta de vocês é sobre Economia Política Internacional. Eu acho que é necessário a gente relembrar entre nós que a origem da economia política remonta aos séculos XVI e XVII e se chamou mercantilismo. Adam Smith na frente, depois sistema mercantil, mercantilismo, enfim. Depois, no século XVIII, nós temos a origem dessa disciplina, dessa démarche da economia política clássica com Adam Smith, Willian Petty, Ricardo e, ainda no século XIX, a crítica da economia política feita pelo Marx, que pode ser chamada de economia política marxista. E todos nós sabemos que houve uma interlocução muito grande entre essa economia política e a filosofia política clássica nesse mesmo período e numa mesma pessoa, como foi o caso do Maquiável, Bodin, Hobbes – pelo lado realista – e Montesquieu, Locke, Mill – pelo lado liberal. Mas não é essa a idéia que viemos discutir aqui. A questão que vocês me pediram para falar era um pouco sobre essa disciplina acadêmica que surgiu e se difundiu com grande velocidade, sobretudo no mundo anglo-saxão, a partir de 1970. Susan Strange, cientista política e analista internacional inglesa, que foi uma das fundadoras da Economia Política Internacional, disse uma vez que a Economia Política Internacional não nasceu das idéias, nasceu dos fatos. Ela não atende a um desenvolvimento, a uma História das idéias. Foi uma espécie de resposta aos fatos, uma resposta aos desafios internacionais impostos nas décadas de 70 e 80, sobretudo na agenda da política externa norte-americana. E ela tem razão, porque de fato foi assim que aconteceu. De fato, a Economia Política Internacional surgiu respondendo aos acontecimentos e não se antecipando. É possível identificar, no inicio dos anos 70, pelo menos quatro vertentes diferentes que confluíram na origem dessa disciplina acadêmica chamada Economia Política Internacional. Eu acho que, pra começar, a própria Susan Strange foi uma das primeiras a escrever, no ano de 1970, um artigo onde o problema que ela tinha em mente, a questão que a desafiava, era a mudança, segundo ela, que estava acontecendo no Sistema Internacional e a perda de importância dos mais antigos atores clássicos do Sistema Internacional, isto é, os Estados, para começar. Susan Strange, em 1970, estava pensando em uma tendêcia no Sistema Internacional de uma superação do

sistema interestatal, na direção do aparecimento de novas formas de articulação política que já não tivessem os Estados como seu centro. E, por isso, ela disse, naquele momento, que era necessário começar a prestar atenção na economia. Era necessário trazer a economia para dentro da análise do Sistema Internacional. Mais ou menos o mesmo que, no final dos anos 60, o Joseph Nye e o Robert Keohane disseram, quando também começaram a falar do que eles chamaram de Interdependência Complexa. Isto é, a idéia de que o Sistema Internacional está cada vez mais interdependente, os Estados estao perdendo importância, a economia está crescendo em importância e ela está derrubando as fronteiras. Esse era o clima dos anos 60, esse era o sentimento dominante dos anos 60 e esse era o desafio que aparecia no final dos anos 60. No entanto, logo no início dos anos 70, a questão muda, a agenda muda. E a quesão nova que vai aparecer já não é a questão do crescimento da interdependência, é a questão da crise do sistema mais interdependente. E é sobre isso que vão escrever o Charles Kindelberger e o Robert Gilpin em 1971, 72, 73, falando da crise do dólar, da crise americana, e, portanto, a idéia, ao contrário do que a Susan Strange dizia, de que, olhando desde o campo da política, é necessário trazer a economia para dentro da política internacional e, olhando desde o campo da economia, é necessário trazer a teoria política para dentro da economia internacional. Isso porque Kindleberger e Gilpin estavam preocupados em responder à crise de 1971, 72, 73, crise que começa pelo problema do dólar, pelo fim do padrão dólar. E a preocupação que eles tinham era que essa crise estivesse repetindo ou reproduzindo a crise de 1930. Então eles diziam que os Estados Unidos têm que evitar uma reprodução do mesmo comportamento que levou à crise de 30 e à Segunda Guerra Mundial. Gilpin e Kindelberger defenderão a tese, nessa terceira vertente, de que o mundo necessitava, a economia política liberal precisava, de uma liderança. Necessitava que tivesse um país que liderasse o mundo para poder estabilizar a economia e para que pudesse haver paz. Quer dizer, a explicação de Kindleberger pra crise de 30 era que a crise de 30 aconteceu exatamente porque os EUA não assumiram o lugar deixado pela Inglaterra. A Inglaterra perdeu a liderança e criou-se um vazio. E esse vazio não foi ocupado pelos EUA. Essa é a razão, em ultima instância da crise de 30. E eles diziam em 70: nós não podemos repetir a mesma coisa, não podemos ter uma repetição de uma situação sem liderança mundial. Essa hipótese, essa tese, depois foi chamada de Teoria da Estabilidade Hegemônica, ou seja, a idéia de que a economia liberal internacional supõe a necessidade, ou exige a presença, de um Estado que se responsabilize pela moeda, pelo comércio, pelo empréstimo em última instância quando hajam crises e pela defesa intransigente dos objetivos internacionais de uma economia internacional. Uma quarta vertente que há nesse início dos anos 70, eu diria que é a vertente representada por Immanuel Wallerstein, que publicou em 1974 o seu livro sobre o “Modern World System”. A idéia de que o sistema capitalista tinha que ser entendido como um todo, portanto os Estados Nacionais também não tinham mais importância e a questão era saber como se deslocavam os centros de hegemonia dentro desse sistema mundial global. Então, essa discussão do Wallerstein, é uma discussão que depois andará na discussão gramsciana do debate sobre hegemonia, que chegará a Giovanni Arrighi, Robert Cox, Stephan Gil e outros analistas internacionais. Mas na verdade, como disse Susan Strange, entre essas quatro questões, entre essas quatro perguntas, quem arbitrou, quem atuou como denominador comum, quem definiu a questão central que foi definida para a Economia Política Internacional foram os fatos. E os fatos foram: pra começar, na década de 70 começou aquilo que se chamou a crise da hegemonia norte-americana, isto é, a crise do dólar, a derrota dos EUA no Vietnam, a crise energética com a subida dos preços do petróleo, a crise econômica com a desaceleração do desenvolvimento econômico mundial em 1974, 75, 76, uma crise político-ideológica na Europa e nos EUA e, finalmente, uma crise geopolítica com a invasão do Afeganistão pela União Soviética, a vitória da revolução sandinista na Nicarágua e o papelão que os EUA fizeram no Irã por conta dos reféns que foram tomados presos na embaixada americana em 1979. Então, esse quadro, esse conjunto de situações e de fatos, criaram a sensação, a idéia – e de fato isso foi real – de que os EUA estavam vivendo uma crise,

uma perda de liderança. A isso se chamou crise da hegemonia, e praticamente todo o debate da Economia Política Internacional na década de 70 foi em torno à natureza, ao diagnóstico, da crise americana. De que se tratava essa crise americana? Era uma crise mundial, era uma crise econômica, era uma crise só dos EUA, era uma crise político-ideológica, que crise era essa? E, portanto, seria uma crise final, seria uma crise passageira, etc. Pois bem, esse é o grande tema da Economia Política Internacional nos anos 70 e que nos anos 80 será substituído por outro tema depois da retomada da restauração liberal conservadora, o que acontece nos EUA e na Inglaterra a partir das eleições de Roland Reagan e Margaret Tatcher, e que depois se estende à Europa com a eleição de Helmut Cole, e assim vai em efeito cadeia nos paises centrais, e depois chega aos países periféricos. Começa aí a grande restauração do pensamento liberal, a grande restauração da ideologia e das políticas liberais. Começa aí uma mudança radical na forma de organização e funcionamento da economia capitalista em escala internacional e, ao mesmo tempo, os EUA avançam na sua estratégia de enfrentamento com a URSS, que foi chamada pelo Fred Halliday de Segunda Guerra Fria. Os EUA avançam na América Central e começam uma grande revolução na sua estratégia militar, pelo lado econômico e pelo lado militar. Os EUA, portanto, fazem uma recomposição da sua força, do seu poder, e fazem uma espécie de retomada da sua hegemonia. E esse é o tema que a Susan Strange vai tomar nos anos 80, criticando a teoria da crise da hegemonia americana, dizendo: não existe uma crise da hegemonia americana, os senhores estão muito preocupados, excessivamente preocupados, com a questão do poder relacional dos EUA, mas não estão percebendo que os EUA têm um gigantesco poder estrutural. Isso é, os EUA controlam as estruturas fundamentais da informação, das armas, da tecnologia, das finanças e com esse poder os EUA condicionam os demais países a se comportarem como eles querem; mesmo quando eles não têm um poder relacional explicito sobre esse país. Foi nesse momento também que a professora Maria da Conceição Tavares escreveu o seu artigo em 1984 sobre a retomada da hegemonia americana, que dará origem á nossa pesquisa, deste grupo de Economia Política Internacional com o qual a gente trabalha – alguns estarão aqui, etc. – e dos quais, como resultado do nosso trabalho, vários livros, entre os quais o último deles sobre o poder americano. O primeiro foi o “Poder e Dinheiro” em 97, o segundo foi “Estados e Moedas no Desenvolvimento das Nações”, o terceiro foi “Polarização Mundial e Crescimento” e o quarto foi “O Poder Americano”. Pois bem, em 1995, a Susan Strange escreveu um artigo quase final, pouco antes de morrer, onde ela fazia um balanço, quase que um obituário, da Economia Política Internacional. Ela dizia que, o fim da Guerra Fria por um lado, o fim do terceiro mundo por outro lado e a perda de soberania dos Estados finalmente esvaziaram a temática da Economia Política Internacional. A Economia Política Internacional perdeu a sua substância, perdeu seu objeto. E, além disso, ela foi invadida, segundo a Susan Strange, pela economia neoclássica, pela Teoria dos Jogos e, portanto, foi desvirtuada. Eu diria que a Susan Strange, nesse artigo de 95, foi extremamente pessimista. O que estava acontecendo ali na década de 90 era uma extraordinária vitória, uma apoteótica vitória, da Teoria da Estabilidade Hegemônica, da teoria do Gilpin e da teoria do Kindelberger. Isto é, o mundo precisava ter um hegemon pra ser estabilizado, a economia capitalista precisava de um hegemon pra funcionar normalmente e a verdade é que, depois dos anos 80, da Guerra Fria, o mundo tinha um hegemon. Talvez um hegemon como jamais tivesse tido antes. Então é uma vitória contundente, uma vitória liberal contundente, uma vitória americana completamente arrasadora e uma vitória da utopia da globalização. Talvez por isso mesmo, como sempre nesses momentos de vitória de hegemonia, você tem uma volta da economia neoclássica, você tem uma volta do pensamento baseado nos equilíbrios, nas curvas, enfim, aquilo que o Marx chamou uma vez de economia vulgar; na minha opinião, não na do Marx. Agora bem, talvez por isso a Susan Strange não tenha prestado tanta atenção, ou talvez até

porque já estava no final de sua vida, para o fato de que, a despeito da vitória liberal, a despeito do surgimento de um hegemon e de um poder unipolar, o mundo, o sistema capitalista não se desenvolveu de maneira convergente e, pelo contrário, ao contrário do que estava previsto – que o sistema econômico teria uma estabilização – não houve essa estabilização. Houve uma polarização crescente da riqueza, das nações e das classes. Na década de 90 houve uma sucessão de crises financeiras, uma atrás da outra. E houve, depois, no inicio do novo século, do novo milênio, no nosso período já mais recente, o fato de que a guerra volta a ocupar a centralidade do sistema mundial. Voltando à Teoria da Estabilidade Hegemônica, do Kindelberger, do Gilpin – aliás, quem deu esse apelido de Teoria da Estabilidade Hegemônica não foram eles, foram o Joseph Nye e o Robert Keohane, que eram liberais, não eram realista como Kindelberger e Gilpin, mas ao criticar, ao dialogar, com a teoria do Kindelberger e do Gilpin, eles deram esse apelido, que é um apelido bem logrado e que colou: Teoria da Estabilidade Hegemônica, o mundo precisa de um hegemon para estabilizar, estabilizar do ponto de vista econômico e estabilizar do ponto de vista da paz. Então, o que aconteceu nos anos 90 foi que você olhava o crescimento mundial e dizia: não esta havendo um crescimento homogêneo, não está havendo um crescimento convergente, não esta acontecendo aquilo que estava previsto, pelo contrário, está havendo um crescimento da economia capitalista cada vez mais assimétrico. Isto é, nesse período de 1980/90, da hegemonia americana, quem cresceu constantemente, quase vinte anos seguidos, foram os EUA e, quase vinte anos seguidos, a China; e, em menos tempo, a Índia e depois alguns outros países com taxas de crescimento um pouco menores. Mas no resto do mundo, a Europa estagnou praticamente, o Japão estagnou, e, portanto, o que se assistiu foi um aumento da assimetria no desenvolvimento capitalista internacional, um aumento da polarização da riqueza, uma sucessão de crises financeiras e, além disso, uma multiplicação das intervenções armadas norte-americanas e das guerras. Dava a impressão, ou, pelo menos a primeira vista, que a Teoria Estabilidade Hegemônica havia sido falsificada pela História, isto é, teria sido negada pela História, ainda que alguns especialistas digam que esse seria o preço a pagar por um período de transição. Mas, até o momento, a impressão que fica é que a projeção, a previsão, a dissipação, que a teoria havia feito não aconteceu. Entretanto os novos acontecimentos, do nosso ponto de vista, geraram uma nova agenda de questões – essa é a coisa que a Susan Strange não viu, no devido momento em que fez essa espécie de obituário da Economia Política Internacional. Qual é essa agenda? Eu acho que é uma agenda mais diversificada, é uma agenda mais em cima de problemas, não é uma teoria e, além disso, é uma agenda que inclui questões e problemas da nossa ótica, isto é, da periferia do sistema. Eu diria que, agora, a Economia Política Internacional tem uma agenda de questões postas pelo debate entre as grandes potências e outras questões que são mais relevantes pra nós. Do ponto de vista das grandes potências, eu acho que, primeiro, é o debate sobre multipolaridade e unipolaridade. Segundo, que decorre desse debate, a questão de se afinal nós estamos vivendo hoje no mundo uma situação de hegemonia ou de império. Terceiro, nessa situação de unipolaridade e/ou império, quem tem o direito do exercício da decisão da decretação da guerra, e em que condições? Quarta questão, a nova engenharia econômico-financeira mundial, que custos trará para o mundo e que vantagens trará para o mundo, ou seja, está cada vez mais claro – na academia menos, mas na imprensa especializada internacional esta claríssimo – que houve um deslocamento do eixo, ou da estrutura, da engenharia econômico-financeira internacional, que, depois da Segunda Guerra, se assentou sobre um tripé EUA/Alemanha/Japão. Esse tripé como que foi substituído progressivamente pelos anos 80 e 90 por um bípede, que é EUA/China e, eventualmente, os países que vivem em torno do crescimento chinês, especialmente a Índia. Mas a Índia não chega ser propriamente um motor nessa máquina, na verdade esse motor tem dois pés e entre essas duas economias circula, na verdade, o fluxo fundamental que está alimentando o resto da economia mundial. O que isso significará, que perspectiva isso abre para as outras economias, que problemas isso pode trazer para as outras economias, isso é uma questão que está em aberto. Por último, eu diria que na agenda das economias centrais está a questão de se haverá ou não haverá uma repolarização do sistema internacional.

Do nosso ponto de vista – da periferia do sistema –, eu diria que há uma agenda maior de problemas. Primeiro, quais são as relações que existem, ou não existem, entre a expansão do poder econômico imperial e a globalização financeira. Segundo grande problema, qual é a relação hoje, e qual é a relação futura possível, entre a globalização financeira e o desenvolvimento das economias nacionais capitalistas. Terceiro grande problema, qual é a relação que existe entre os ciclos e crises dessa nova engenharia, desse novo sistema, e as lutas interestatais, do ponto de vista da contestação, do questionamento, desse sistema. Eu acho que a pergunta central é se existirá ou não existirá uma reação, uma resistência a esse processo de polarização, nacional e de classe, crescente no mundo. Se essa reação existir, onde ela estará a nível nacional, ou no nível das classes, isto é, em outras palavras, é possível ou não é possível construir uma outra hegemonia global, uma contrahegemonia, ou mesmo que seja uma contra-hegemonia regional, que não seja global. E, por último, eu acho que fica uma questão aguda para nós em particular, qual é a possibilidade que ainda existe nesse sistema de um país ter um crescimento nacional capitalista acelerado. Ou não, isso está vetado? A Susan Strange, apesar de não ter visto isso, pelo menos ela percebeu duas coisas que são muito importantes. Primeiro, ela disse e concluiu em 1995 que a Economia Política Internacional, na verdade, não é uma teoria, nem é uma disciplina acadêmica. Disse ela que a Economia Política Internacional é apenas uma maneira de olhar, um esquema de análise, um método de diagnóstico, e nisto eu estou absolutamente de acordo com ela. A segunda coisa que ela disse naquela época – só em 1995, e é muito interessante perceber isso – ela disse que conseguia identificar no cenário acadêmico, no cenário intelectual, do debate internacional uma posição nova, sugestiva, promissora, mas ainda muito, digamos, atrasada. É um tipo de reflexão sobre o sistema internacional que parte de Karl Polanyi e Fernand Braudel. É interessante porque Polanyi escreveu “A Grande Transformação” em 1944, e Braudel começou a escrever “O Mediterrâneo” e publicá-lo a partir de 1950 e depois em 1960, e depois em 1970. E, de fato, a Susan Strange só vê naquele momento, em 1995 aquelas figuras Polanyi e Braudel. Bom, eu estou completamente de acordo com isso porque, em grande medida, a nossa própria pesquisa usou muito e passa recorrentemente por Polanyi e Braudel. Nesse retomar o caminho da Economia Política Internacional pra enfrentar essa nova agenda, eu acho que Polanyi e Braudel são fundamentais. Mas eu diria, se pudesse complementar a professora Susan Strange, dizer que é necessário ir um pouco mais atrás e que os autores que nos inspiram hoje, ou que deveriam nos inspirar hoje, são os autores que em ultima instância de fato criaram a Economia Política Internacional. Isto é, os grandes teóricos do imperialismo do início do século XX. Aí começou a Economia Política Internacional, do nosso ponto de vista, e de fato as questões que esses senhores discutiram, seja, sobretudo, o Hobson em 1902, o Hilferding, o Bukharin e, bom, evidentemente o Lênin participa, mas eu não diria que ele foi propriamente um grande criador dessa teoria. No campo desse debate acho que o Lênin mais bem foi um organizador desse debate. Mas as idéias seminais eu acho que estão nesses autores. Eu acho que essas idéias têm que ser recuperadas porque elas têm a ver diretamente com a nova agenda. Isto é, as relações entre os temas centrais da teoria do imperialismo, as relações entre os estados nacionais e o capital financeiro, as relações entre o nacionalismo e o imperialismo, as relações entre imperialismo e colonialismo, as relações entre imperialismo e livre comércio, as relações entre imperialismo, guerra e paz, e, sobretudo, as relações expansivas. Fundamental pra ser utilizado nessa démarche, isto é, a idéia de que existem territórios econômicos que são supranacionais, que não são coloniais necessariamente, mas que, no entanto, são geridos em última instância, ou atendem em última instância aos interesses de um poder que expande a sua fronteira nacional. Eu acho que Bukharin acrescentou uma questão essencial. A idéia de que o capitalismo mundial se move apontando numa dupla direção: a direção da internacionalização, por um lado, e a direção, por outro lado, do aprofundamento radical dos interesses nacionais. Isto é, a idéia de que o capitalismo é globalizante, de que o capitalismo aponta na direção da internacionalização radical. Bukharin chegou a levantar a hipótese de um império mundial

financeiro. Mas, ao mesmo tempo, Bukharin dizia: tem uma coisa muito estanha nesse negócio, tem um movimento contraditório. Isto é, o capital se internacionaliza, mas, ao mesmo tempo, se nacionaliza. E esse é um movimento só, e esse é um movimento contraditório. E por isso eles são competitivos com outros capitais que também se internacionalizam, também se nacionalizam e é por essa razão que Bukharin, junto com o Lênin, se oporão à tese do Kautsky, ou seja, a possibilidade – Kautsky não defendeu o ultra-imperialismo, Kautsky levantou a possibilidade – de que o capitalismo pudesse ser gerido por uma espécie de um comitê, por uma espécie de uma holding, das grandes corporações financeiras. Lênin e Bukharin disseram que isso não é possível, exatamente porque é um movimento expansivo competitivo, portanto os Estados e capitais tendem ao confronto e não há essa possibilidade de convivência. Schumpeter diz mais ou menos o mesmo quando diz que o imperialismo é a disposição por parte de um Estado à expansão ilimitada e, portanto, a um confronto com outros Estados que também têm essa tendência à expansão ilimitada. Se nós partirmos dessa visão do imperialismo e chegarmos ao Polanyi, ele nos agrega pelo menos três grandes coisas que me parecem fundamentais. Primeiro uma do longo prazo, uma visão do ciclo longo da civilização liberal. Isto é, o Polanyi está tentando explicar a crise de 1930, assim como Kindelberger e Gilpin, enfim assim como todos os autores que estavam em 1970 tentando entender a crise de 1930. Ele levanta uma hipótese absolutamente original, que é a de que a crise de 1930 não tem a ver com questões estritamente econômicas, nem com questões da hegemonia, tem a ver com um desenvolvimento contraditório da civilização liberal. A civilização liberal estaria assentada sobre o equilíbrio de poder das grandes potências, estaria assentada sobre o sistema padrão-ouro, estaria assentada sobre o mercado auto-regulado, estaria assentada sobre o Estado liberal. Nesse sentido, Polanyi introduz duas variáveis internacionais e duas variáveis nacionais no modelo dele e, além disso, introduz duas variáveis que são econômicas e duas variáveis que são políticas. Nesse sentido, Polanyi é rigorosamente um praticante da Economia Política Internacional. Ele faz uma análise de como se move o sistema liberal e como é que o sistema liberal entra em contradição consigo mesmo, como ele gera essas contradições e essas contradições – as contradições do mercado auto-regulado – levam a uma superação, a uma negação, a uma destruição do sistema que é o que ele acha que aconteceu na crise de 30 e nas duas Guerras Mundiais. A outra questão que me parece fundamental que faz Polanyi é exatamente a discussão sobre a origem do mercado nacional, da economia nacional. E tem tudo a ver com essa agenda. O que o Polanyi dirá é que o mercado nacional – ele foi o primeiro a dizer isso – o mercado nacional, a economia nacional, não nasce da somatória de pequenas economias regionais. O mercado nacional tampouco não nasce puramente de uma derivação do comércio de longa distância. O mercado nacional nasce de uma intervenção consciente, precisa e voluntária do Estado. Isto é, como ele diz, na Europa Central o comércio interno, o mercado nacional, foi criado pelo Estado. E, logo em seguida, Polanyi agregará uma idéia fundamental, que é a relação que vai se estabelecendo progressivamente, cada vez mais relevante, entre o Estado e a alta finança, o que, em outra linguagem, se chamaria de capital financeiro. E, por fim, Polanyi dá pistas essenciais dentro do campo da Economia Política Internacional para pensar a relação entre os países centrais e os países periféricos, via controle de orçamento. O Polanyi tem uma descrição absolutamente magnífica sobre as características do relacionamento no século XIX entre o capital financeiro das grandes potências e os Estados periféricos, mostrando como era na renovação do credito, na renovação dos empréstimos, que se estabelecia a disciplina e o controle dos governos periféricos, via orçamentos estáveis e moedas saudáveis. Isso em 1880, 1890, não agora, mas, enfim, era exatamente a mesma relação. E isso é de extraordinária fecundidade para uma reflexão sobre a situação contemporânea. No caso do Braudel, eu diria que ele traz para a Economia Política Internacional, primeiro, uma concepção do tempo que é absolutamente importante, renovadora, revolucionária, que é a idéia da longa duração. Isto é, a possibilidade de um alargamento do tempo, uma possibilidade do estudo de durações que ele chamava estruturais, que seriam aquelas durações que nos permitiriam compreender as transformações de um sistema tão amplo, tão extenso, tão complexo quanto o sistema-mundial moderno. Seja pelo lado do capitalismo, que era o lado dele – ele era um

historiador econômico – seja pelo lado do sistema político. Em segundo lugar, eu acho que o Braudel introduz um conceito fundamental para a nossa discussão da Economia Política Internacional, que é a distinção que ele faz entre economia de mercado e economia capitalista. Isto é, Braudel diz que a economia moderna tem três níveis. Um é o da vida material, ou da economia de subsistência. Um é o da economia de mercado. E um que é o do capitalismo. Essa distinção entre capitalismo e economia de mercado me parece absolutamente decisiva para pensar a dinâmica do sistema mundial. Isto é, Braudel diz que a economia de mercado é a economia das trocas, das trocas previsíveis, é a economia do lucro normal, do lucro do botequim da esquina, do Manuel e do Antonio. O capitalismo, diz ele, é um antimercado. E isso é uma novidade radical na discussão sobre o capitalismo. Ele diz que o capitalismo não é o mercado, o capitalismo passa pelo mercado, o capitalismo precisa do mercado, mas o capitalismo é a negação permanente do mercado. Ele diz que o capitalismo é o mundo dos grandes predadores, o capitalismo é o mundo do lucro extraordinário, o capitalismo é o espaço da monopolização, é a luta permanente para a monopolização de situações que favoreçam um lucro que não é aquele lucro normal, digamos assim. Eu sei que pros economistas essas são palavras um pouco escorregadias, mas digamos que o lucro normal é o lucro do mercado e o que o Braudel fala é que o capitalismo não se faz no lucro do mercado, apesar de que ele não é uma economia fora do mercado. Ele nasce do mercado, mas ele agride permanentemente o mercado, ele cresce na medida em que ele nega o mercado. Isso é o oposto do que pensam os institucionalistas, no sentido de que, para ele, o capitalismo é como se fosse uma negação permanente das regras, das normas e das instituições, para produzir mais, para conquistar uma situação de assimetria de informações – para usar uma palavra muito mais recente – permanente. Então nesse sentido, para ele, a questão essencial é: como é que o capitalismo nasce; como é que se dá essa relação de poder; como é que se estabelece essa relação entre o capital e o poder, entre o mercado e o poder, entre o dinheiro e o poder; e como é que essa relação permite o nascimento do capitalismo. Ele dirá que isso acontece em dois momentos fundamentais. Um lá pela altura dos séculos XIII e XIV, entre os príncipes que criam a dívida pública e os banqueiros externos, em geral, italianos. E acontecerá depois, por volta dos séculos XVI e XVII, quando se cria o Estado nacional, o mercado nacional. Aí há uma mudança radical, uma mudança absolutamente revolucionária. É o momento em que um Estado estabelece com seus capitais uma definição de fronteiras e, dentro dessas fronteiras, tem uma dívida pública, um Banco Central, um sistema de crédito, um sistema de tributação. E tudo isso é interno, é endógeno, é uma relação endógena. Uma moeda nacional, uma dívida pública nacional, um sistema de empréstimos nacional. Não é mais uma relação externa. Isso é a origem da economia nacional, um momento absolutamente decisivo onde começa a modernidade, onde começa a explosão expansiva do sistema mundial moderno. É a partir da formação da economia nacional, é a partir da formação desse conjunto, dessa máquina – que é economia nacional, Estado nacional –, esse casamento é que dá a explosão expansiva q levará a Inglaterra, uma pequena ilha, com alguns milhões de habitantes, à condição de dominadora, ou controladora, do mundo. Pois bem, nessa perspectiva de Braudel, depois, se enquadram os trabalhos de, enfim, não vou dizer qualidade variável, mas são trabalhos muito heterogêneos. De qualquer maneira certamente está nessa pista Immanuel Wallerstein. Wallerstein tem uma relação com Braudel na década de 70. Eu acho o Braudel tem uma dívida com Wallerstein, pois quando Braudel escreveu o terceiro volume da sua “História da Civilização Material do Capitalismo” ele estava fortemente influenciado pelo Wallerstein. Aí ele desenvolve a idéia de economia-mundo, pólo da economiamundo, alternância no pólo da economia-mundo, enfim, são varias idéias que já estavam no Wallerstein. Mas, na verdade, Wallerstein é um seguidor, é um discípulo, do Braudel. Depois, Wallerstein escreve em 1974 o “Modern World-System”, que eu considero seu melhor trabalho de longe. E, depois, Wallerstein deixa um pouco a coisa da História e escreverá uma infinidade de artigos que nem sempre são totalmente consistentes entre si. Depois de Wallerstein, quem deu um passo decisivo no aproveitamento dessas intuições de Braudel foi, sem dúvida nenhuma, Giovanni Arrighi. Giovanni Arrighi eu acho que é a pessoa que,

de fato, dá um passo à frente. Ou seja, Giovanni Arrighi tentou combinar a visão de Braudel, que é um historiador econômico, com uma visão mais política. Ele tenta ver a dinâmica do sistema mundial como uma dinâmica de ciclos, ciclos de acumulação, ciclos de hegemonia, enfim, quem leu conhece, eu não tenho condições de resumir. Mas a idéia do Arrighi é tentar decifrar a natureza da crise que estava sendo vivida pelos EUA nos anos 70 e 80. Isto é, Arrighi segue na idéia de que os EUA estão em crise e que estamos passando por um período de euforia financeira, mas a crise segue existindo. Os dois seguem pensando assim, tanto Wallerstein, quanto Arrighi. Apenas que Wallerstein considera que é uma crise do sistema moderno, que estaria terminando um sistema que começou em 1400 1500, portanto, se estaria chegando ao fim de uma era e não se sabe o que virá depois, uma espécie de um outro universo que estaria nascendo. E o Arrighi acha que seria uma crise efetivamente americana, mas que não necessariamente significa o desaparecimento dos EUA, ou a sua superação por alguma outra potência, algum outro país hegemônico. Os EUA podem entrar em crise, se refazer e seguir. Em algum momento o Arrighi pensou na possibilidade de que os EUA fossem substituídos por um país asiático. Sempre tinha a idéia do Japão, no fundo, depois veio a idéia da China, mas isso não fica completamente claro. Mas estes dois autores, o Arrighi em particular, são fundamentais para pensar a trajetória pela qual nós mesmos vamos trilhar na nossa pesquisa, de que é exatamente a partir do momento em que se dá essa convergência entre Estado e economia nacional – da qual fala o Braudel, da qual fala o Polanyi, e sobre a qual trabalham os autores da teoria imperialista clássica – isto é, a idéia de que desde a formação dos Estados e das economias nacionais se forma um pequeno núcleo das grandes potências que não são mais do que 5 ou 10, e entre essas potências se estabelece um tipo de competição de concorrência, de complementaridade, que é absolutamente decisivo para entender a dinâmica do sistema mundial. Entre essas grandes potências se estabelece uma aliança especial entre poder e capital financeiro e, ao mesmo tempo, entre elas existe uma relação de complementaridade e de competição que é indispensável, do nosso ponto de vista, para a acumulação do poder e do capital. E, no limite dessa competição, existe sempre a possibilidade e a virtualidade de um confronto, de um enfrentamento, de uma guerra. Mas guerra pode não acontecer, talvez até do ponto de vista estritamente econômico é melhor que não aconteça. A Guerra Fria talvez seja, assim, a guerra por excelência virtuosa para o sistema. Uma guerra que gera uma competição gigantesca e não ocorre. E essa guerra, de qualquer maneira, é uma espécie de horizonte que orienta a relação entre os Estados, é o horizonte que orienta o calculo estratégico de todas as grandes potências, que, no fundo, estão participando de um jogo que aponta, em última instância, para a monopolização do poder, a monopolização radical do poder e o limite do controle de todas as informações vantajosas, assimétricas, para a acumulação de poder; equivalente a uma monopolização radical do capital, que seria o controle de todas as informações assimétricas vantajosas para a produção e a acumulação constante de lucro extraordinário, ou de riqueza. Nesse sentido, esse processo gerado pelo encontro entre Estado nacional e economia nacional na Europa – em particular no Noroeste da Europa – e depois apenas, fora da Europa, no caso do Japão e dos EUA, esse confronto, essa competição, apontam logicamente para uma idéia, uma possibilidade limite, de um império mundial. Nisso o Bukharin tinha razão. O movimento não é que isso seja possível, não é que se chega lá, mas a lógica do processo da acumulação, a lógica da monopolização para a produção expandida de lucro extraordinário, mesmo que ela não tenha total sucesso, está sempre apontando para a possibilidade limite da monopolização total. Aí seria o império global do capital financeiro. Idem pelo lado militar, é como se a competição militar estivesse apontando sempre, no limite, para uma monopolização completa dos instrumentos de poder. O problema dessa monopolização é que, exatamente esse sistema necessita da competição para acumular capital. Como já nos ensinou há tanto tempo o velho Marx, ele necessita da multiplicidade dos capitais individuais, não basta o capital em geral. E a mesma coisa do ponto de vista de poder, a idéia de uma guerra virtual é absolutamente indispensável para a acumulação do poder. Então, nesse sentido, se houvesse uma monopolização completa do capital e se houvesse uma monopolização completa do poder – do ponto de vista do que nós estamos expondo, na prolongação do pensamento do Braudel e também do Weber de certa maneira – esse sistema desapareceria, entraria em estado de

entropia. Isto é, o sistema tende sempre para o império mundial e ele não pode admitir o império mundial, porque se ele chegar à situação de império – seja financeira, seja militar – ele perde a condição de seguir acumulando poder e riqueza pela competição, pela complementaridade e pela guerra. Então, por isso, quem lidera o sistema está permanentemente inventando novos inimigos. Tem que inventar novos inimigos, é da essência do sistema inventar novos inimigos, o sistema não vive sem novos inimigos. E o que é pior, para ser mais preciso, o líder do sistema não vive sem novos inimigos, ele precisa de novos inimigos e é por essa razão que é, do nosso ponto de vista, absolutamente impensável, também do ponto de vista lógico, que possa haver uma situação de hegemonia plena, estável. Aqui está, digamos, do nosso ponto de vista, o erro da Teoria da Estabilidade Hegemônica. A hegemonia, do nosso ponto de vista, é apenas um trânsito, uma passagem, um momento, um momento raríssimo na História do sistema, quando nas relações entre as grandes potências tem uma que consegue hegemonizar. Ela não consegue hegemonizar, não porque ela seja questionada pelos outros, não porque ela seja ultrapassada pelos outros, ela não consegue hegemonizar porque ela se ultrapassa a si mesmo permanentemente. É o hegemon que destrói. Eu não vou agora, aqui, não tenho condições de discutir; acho que amanhã tem o negócio do poder americano. Digamos, só pra levantar uma hipótese, ou seja, sobre a crise de 30 ou sobre a crise de 70. Do nosso ponto de vista, digamos, a crise de 70 é muito menos o resultado de um afrontamento dos EUA por parte da Alemanha, do Japão, competição, etc., essa hipótese que e arquiconhecida. É muito mais o resultado anterior da política expansiva dos EUA. E não é por maldade, não entram aqui juízos éticos. Rigorosamente eles não têm como parar. Os EUA não podem parar de fazer guerra. os EUA não podem parar de ter inimigos. E, para terem inimigos, eles não podem parar de criar, alimentar, engordar, inimigos. Eles fizeram isso com a Alemanha, fizeram isso com o Japão, farão com a China, de certa maneira indireta alimentaram os russos durante muito tempo também. Eu estou apenas radicalizando a hipótese para a gente perceber melhor o argumento, isto é, isso aí precisaria de um detalhamento. Eu não estou querendo dizer que a crise de 70, de 73, dólar, Vietnam, etc., foi resultado de um sábio ou, sei lá quem era, o Kissinger, vamos por aqui por ali, etc, pra crescer o nosso poder. Não. É como se fosse um movimento lógico do sistema, a expansão do poder americano, que não pode parar, é que vai gerando as crises e, nesse sentido, vocês podem considerar que a expansão do poder americano não foi quando ele invadiu o Vietnam, a expansão do poder americano foi quando ele tomou dois derrotados que ele destruiu e os reengordou e tirou suas armas, a Alemanha e o Japão. Mas aí, depois, você diz: não, mas aí a Alemanha passou a competir com os EUA, etc., então os EUA se viram em dificuldade, perderam competitividade, etc. Foi a época em que falavam da crise da hegemonia americana, que é militar, é tecnológica, os EUA estão perdendo no chip, no automóvel, etc. E há uma outra maneira de olhar. Porque senão, não se entende a crise de 70. Estavam todos felizes, estavam todos crescendo, e, de repente, deu crise. Crise por que? Porque exatamente o movimento expansivo do poder e da riqueza, e não apenas dos mercados do Polanyi, tem uma dinâmica contraditória. Você gera, você empurra, você puxa, e, ao mesmo tempo, você gera seu inimigo. Até porque você necessita dele. E em algum momento necessitará destruí-lo. E depois o reconstruirá, ou não, sei lá, mas enfim, ou inventará outro. Como já uma vez escrevi, eu acho que essa guerra ao terrorismo é somente um intervalo, um entreatos que os americanos inventaram, um pouco pra passar o tempo. O sistema está à espera de outra coisa. O sistema não pode viver dessa guerra, quer dizer, do ponto de vista da lógica do sistema, ela é quase ridícula. É impensável que um Estado do tamanho dos EUA esteja caçando quatro meninos que jogaram uma bomba num metro em Londres, é impensável. Normalmente se chamaria a polícia, mandaria resolver esse assunto. Não pode ter o presidente Bush organizando uma estratégia mundial para ficar caçando menino que anda com uma bomba no bolso, ou nas costas, e ficar olhando no metrô quem é que tem bolsinha, quem é que não tem bolsinha. Isso é um absurdo. Eu já tinha escrito sobre isso, está no “O Poder Americano”, mas agora me tocou assistir em Londres os atentados. Eu estava lá e estavam os oito do G8 reunidos e, para mim, foi um

momento em que não era mais teoria, não era mais dedução, era olhar e dizer: não, isso é uma loucura. Já tinha saído que eram, no máximo, três meninos de 20 anos, ainda por cima ingleses. E o Blair falando como se fosse o Winston Churchil, falando como se estivesse em cima do cavalo da civilização, contra a barbárie. Mas como a barbárie? São quatro meninos de Leeds, alunos de vocês, estudaram em colégios de vocês. Jogaram quatro bombinhas, mataram gente, não há duvida nenhuma, não é agradável, nem nada disso, pelo contrario. Mas a desproporção é brutal. Por exemplo, se você pensasse em termos militares. O arsenal nuclear dos EUA é hoje de, sei lá, dez, vinte mil ogivas nucleares. Cada uma delas destrói o Brasil. Esse é o arsenal deles e você está fazendo uma guerra contra uns meninos que botam uma bomba em metrô. Não há nenhuma possibilidade que isso se sustente, é uma espécie de um entreatos, enquanto o sistema vai um pouco reencontrando seus trilhos. É claro que estão sendo delineados agora de forma cada vez mais nítida, com essa questão da Ásia, e China em particular, e os EUA. Por exemplo, um outro lado do que parece uma loucura total. Por que é necessário os EUA, com o poder militar que eles têm, investirem o que eles investem, o que eles gastam, em investigação de tecnologia de poder para mais poder militar? Quer dizer, eles já têm hoje em termos de capacidade militar, digamos, cem vezes o que vem em segundo. E em termos de gastos de pesquisa, junta-se todos os que vêm depois e eles ainda têm cinco vezes mais. Aí você diz, qual é a idéia? Você olhando isso numa perspectiva que, em geral, é aquela na qual nós nos colocamos, uma perspectiva mais ética, uma perspectiva mais militante frente ao sistema mundial, há que denunciar, isso é um belicismo, é um gasto inútil de dinheiro, etc. Isso que eu estou afirmando aqui não tema ver com militância, não tem a ver com uma perspectiva ética. É uma tentativa de tentar compreender qual é a lógica por detrás disso que, quando a gente está movido por sentimentos éticos, nós costumamos chamar de loucura, insanidade. Mas o que eu queria dizer a vocês, que é a questão essencial que às vezes as pessoas não entendem é que, do ponto de vista da lógica do sistema, não é uma insanidade. Mas, do ponto de vista da lógica desse sistema, se estivermos certos – e eu aqui estou apressando muito um argumento, enfim está nos livros, etc., apenas para mostrar a continuidade com Braudel, com Polanyi e com a teoria do imperialismo –, não há possibilidade jamais de que esse sistema tenha ou viva um período prolongado de estabilidade econômica. Não existe isso. Essa é a negação do sistema. Quer dizer, o sistema é, por definição, essencialmente instável e expansivo. Não é instável no sentido de flutuações de posições de equilíbrio, não é o tempo neoclássico. Ele é expansivo permanentemente, pelo lado do capital e pelo lado do poder. Porque também estão equivocados, segundo o nosso ponto de vista modestamente, os que acham que é o capital que faz esse movimento e que o poder é sempre uma espécie de mesquinho que fica querendo agarrar o capital; e bota ele no quintal e deixa ele lá tipo um Pit Bull, segura esse capital, deixa ele preso, etc. Exatamente não. Na tradição da teoria do imperialismo, na tradição da magnífica investigação histórica do Braudel sobre o que foi o século XII, o que foi o século XIV, quer dizer, quando nasce essa questão? Porque isso é que nos levou a ir lá atrás, reler o nascimento, o casamento, a confluência, o encontro, do poder com o dinheiro. Como é que se deu? E foi aí, num dos primeiros momentos, que começamos a compreender que era um casamento para sempre, é inseparável, é conflitivo, é competitivo. De vez em quando um bate na cabeça do outro, o outro privatiza, etc., mas tudo é como se fosse um grande jogo de cena de um maravilhoso casamento que gerou o poder da Europa, o milagre da Europa. Só que esse casamento se deu, num primeiro momento, numa escala menor. Entre os príncipes, os donos das cidades, do poder; o papa e os pequenos banqueiros, ou grandes banqueiros, em geral, nesse primeiro momento, século XIII, século XIV, italianos. Aí começa toda essa problemática da relação deles, aí começa a dívida pública, aí começam as moratórias. Eduardo creio que Terceiro da Inglaterra se endividou num banco de Sienna para invadir País de Gales. Tomou o País de Gales. Ganhou e não pagou, declarou moratória. Declarou moratória e quebrou os bancos de Sienna. Nesse momento é que Florença, a finança florentina, a banca florentina, ascende a uma posição hegemônica na Itália. Essa é a questão; dívida pública, calote, credibilidade, orçamento estável, moeda saudável; todas essas coisas eles começaram a

aprender. Eles, quando se casaram, o poder e a moeda, eles começaram a se conhecer muito cedo, como é que saltava o muro cada um, etc., e já vão 700 anos que eles ficam olhando um ao outro. Então, digamos assim numa perspectiva quase anedótica, essa démarche braudeliana, essa volta ao tempo, essa volta ao tempo longo, ela além de permitir alargar o tempo sobre o qual você está trabalhando. Também permite a você perceber coisas que às vezes ninguém sabe. Como é que vai saber quanto dura Eu quase diria que vocês podem pegar assim uma coisa bem mais anedótica, bem mais circunstancial e completamente irrelevante: a relação de médicos com o Tesouro. E vocês verão que tem médicos que ocupam o lugar do Tesouro e do Ministério da Fazenda há muito e muito tempo. Não sei, por alguma razão. Tem umas que não importam, é tipo a cegonha e não sei o que, essas associações você diz: bom, essa eu vou passar. Tem outras que você se debruça pra entender. Essa dos médicos eu prefiro não me meter no assunto. O Hilferding era médico, o Norbert Elize era médico, enfim, tem uma porção de médicos, não é uma coisa comum. Mas, enfim, voltemos à História larga. A questão essencial, portanto, é essa lógica contraditória do sistema e essa necessidade que ele tem para a acumulação das duas coisas – aqui e ali, poder e capital, poder e riqueza – as duas se movem de maneira muito parecida. Isto é, em síntese, diria o velho Marx: o valor não sobrevive se não se valorizar permanentemente. Eu diria: o poder não sobrevive se não se potencializar permanentemente. E esse encontro permitiu que eles fizessem isso juntos e foram felizes por muito tempo, até hoje. Então volta reiteradamente sempre essa questão: não, mas agora acabou. Você veja que a própria Susan Strange, quando começou a escrever sobre a necessidade de pensar na economia, foi porque ela achava que a economia tinha derrubado as fronteiras e, portanto, precisávamos trazer a economia para dentro da política internacional. Porque senão, iríamos fazer má teoria internacional. Porque ficaremos falando de Estado e sistema anárquico, isso já era. A Susan Strange partiu disso. Você vê que na origem tem questões diferentes. Uma era o deslumbramento com a interdependência crescente, um tema que voltou nos anos 90 e que deve estar na escola pra quem está estudando. Por que voltou? Porque era 60 e veio a crise. Durante a crise e depois, volta o tema nos anos 90 de novo: regimes, interdependência, interpenetração, muita fronteira que cai, muita coisa desse tipo. Mas também, o que há que dizer a bem da crise, é que elas em geral alargam a visão teórica e histórica. E, portanto, nesse sentido, é positivo, olhando ex-post, que a Economia Política Internacional tenha nascido como disciplina na crise. Digamos, o primeiro passo era de euforia e depois pá! E aí toda a temática passa a ser a crise. E não é que você tenha mudado de clave, passou para o outro time, vamos dizer era de direita e passou a ser de esquerda, era conservador e virei crítico, não. Kindelberger é um liberal, keynesiano talvez, foi do Departamento de Estado, enfim, não é por aí a questão. O Robert Cox, por exemplo, no campo da Economia Política Internacional uma vez propôs uma dicotomia entre teorias que são problem-solver e teorias que são críticas. A gente lê assim e diz. O Kindelberger, ao fazer o diagnóstico da crise de 30 e comparar com a de 70, ele estava tomando uma postura de problem-solver – ele não estava fazendo uma postura crítica – para enfrentar um problema que era de enorme magnitude. Era um problema disruptivo. Mesmo numa perspectiva conservadora de querer resolver o problema para manter a ordem, ele teve que dar uma recuada e alargar o seu tempo, a sua duração. Não bastava ficar olhando o que passou em 1971, 72, 73, a micro-história, não bastava focar olhando apenas os detalhes da história política, muito menos ficar olhando a historinha da flutuação na bolsa, ou a historinha da economia de televisão, subiu tanto, desceu tanto, etc., não, não basta. E é por isso que o Marx disse, com razão, que nos momentos de estabilidade, nos momentos de hegemonia, a economia vulgar é sempre vitoriosa. O que ele chamava de economia vulgar é simplesmente a economia que diminui, estreita, a temporalidade, não é uma questão relevante a questão do tempo. Nesses momentos de alta hegemonia o tempo é um pouco assim: hoje a bolsa flutuou 2%, trinta vezes mais que a última vez em que flutuou 1,7%, que foi em 1973, ou não, hoje choveu x a última vez que foi assim foi no ano tal, etc. É uma espécie de um tempo onde não há mudança, um tempo onde existem apenas flutuações em torno de um determinado valor. E basta você comparar o dólar hoje com o dólar não

sei quando, quanto é que subiu o rio hoje com quanto ele subiu há 50 anos atrás, quanto é que ele subiu há 30 anos, etc., e você tem a solução do seu problema. Quando você está com uma questão mais aguda, quando você está com uma questão mais disruptiva, você não pode trabalhar com esse tempo. E é por essa razão que, do meu ponto de vista, a Susan Strange não percebia quando, em 95, ela disse que havia terminado a Guerra Fria e que era interessante que havia um autor importante para trabalhar na Economia Política Internacional: Braudel. Não, mas espera um pouquinho, o que tem a ver o Braudel com essa História se o cara só trabalha desde o longo século XVI? Mas é exatamente isso, porque você estava vivendo ali um momento que parecia de euforia da globalização, mas de fato você já estava na bica de uma percepção de que o mundo não estava andando tal como a Teoria da Estabilidade Hegemônica tinha previsto. E não tinha como você explicar essa História. Pois bem, nossa viagem braudeliana, enfim, para esse efeito de que estamos falando aqui, nos fez redescobrir, repensar, olhando, pequenas divergências com Arrighi, com Wallerstein, com a teoria da hegemonia, não hegemonia, guerras hegemônicas, etc. Essas coisas a gente começou a perceber que não eram exatamente assim que se davam, porque agente adotou a mesma perspectiva: 700 anos de historia, vamos ver como é que é. E aí você vai vendo. Então alguém diz que os EUA vão ser superados como a Holanda foi superada. Aí você vai e estuda e vê que a Holanda não foi superada. A Holanda se fundiu com a Inglaterra, é uma coisa diferente. Em 1688, na famosa Revolução Gloriosa que os ingleses falam, na verdade foi uma famosa invasão gloriosa. Os holandeses invadiram e ganharam. E os ingleses, evidentemente, faz parte da sua arrogância, dizem: não, mas foi a nossa elite que pediu que eles invadissem. Mentira, a invasão já estava pronta antes e foram derrotados os ingleses, pronto. E há uma fusão, uma fusão financeira, uma fusão das grandes companhias, e aí os ingleses criam o seu Banco Central. Mas por que eles criaram seu Banco Central aí? Então você às vezes cria uma idéia errada, você vai supor que agora os EUA têm que ser superados por uma guerra hegemônica, por alguém que derrube os EUA, mas a lógica não é exatamente essa. Então por isso o recuo para o longo prazo, para pensar dimensões que são a economia e a política no seu mover de longo prazo. Por isso também, e isso talvez interesse nessa discussão, a preocupação da Susan Strange quando diz que as nossas fortalezas estão sendo tomadas pelos neoclássicos, e que, portanto, a Economia Política que nós propúnhamos está indo para o balaio. Ela está querendo dizer que quando você fala em Economia Política Internacional não é uma questão de justapor economia com política. Essa é uma coisa que a gente sempre viveu nesses institutos multidisciplinares. Precisamos ver economia política, então chama um professor de ciência política e chama um professor de economia. Aí vem o professor de economia e fala de, sei lá o que, Marshall, Walras. Aí chama o professor de política e digamos que o cara seja, sei lá, um marxista ferrenho. Mas como é que junta alhos com bugalhos? Ah não, mas política e economia têm que estar juntos, a gente tem que analisar juntos. Mas como que vai analisar juntos? Não é um problema “A Política”, não existe tal coisa “A Política”, “A Economia”, não existe tampouco ciência econômica. Jamais vai haver uma vitória no campo da economia entre o debate, pra quem conhece isso, sei lá, entre keynesianos da terceira geração de Harvard, com keynesianos não sei quantos, com pré-keynesianos, com a mãe Joana, etc., não há. Eu vinha mesmo comentando com os meninos no carro, agora mesmo eu estiva na Faculdade de Economia e Política em Cambridge, a Faculdade do Keynes, e não tem Keynes. Só tem economia matemática, de ponta a cabo. E quem não for desse troço vai para a rua. É bem mais radical do que aqui, aliás, do ponto de vista da intolerância com a diversidade. Aí você diz assim: mas espera um pouquinho, e o cara que era aqui o bam-bam-bam da casa? Nada. Aliás, nem economista propriamente. Porque você está em pleno período que essa senhora está escrevendo, que é uma vitória e é uma vitória de poder, pronto. Tomaram a direção de Cambridge um grupo de pessoas que são matemáticos, economistas matemáticos, e pronto e acabou. Não é porque a verdade da economia matemática ganhou sobre o Keynes, não tem isso. Você tem movimentos, são relações, sempre envolve uma espécie de algum tipo de relação de poder.

Nesse sentido eu concluiria as minhas palavras aqui dizendo a vocês, agora dando uma aterrisagem e uma pequena apresentação dos meus amigos que estarão aqui amanhã e depois de amanhã, que compõem um grupo no qual convivemos e pesquisamos há muitos anos juntos, não sempre o mesmo e nunca de maneira muito excessivamente organizada. Mas é um grupo que, desde os anos 80, esteve em vários lugares do mundo estudando isso, as mudanças mundiais, as transformações. Digamos, nós não somos todos economistas, não somos todos keynesianos, não somos todos nada, entende? Eu diria que nós nascemos de três problemáticas, ou três questões, nas quais nós de alguma forma freqüentamos. Uma questão era a questão do desenvolvimento no inicio dos anos 80. Isto é, parte de nós participou do debate dos anos 60 e 70 sobre desenvolvimento, do qual o professor Wallerstein participou, a professora Maria da Conceição Tavares participava, no Chile, fora do Chile, em vários lugares, e que depois ficou em desuso durante a hegemonia do pensamento mais, enfim, sei lá, neoclássico liberal. Isso é uma vertente e tem outra vertente, isto é, quatro de nós, Franklin Serrano e Carlos Medeiros por exemplo, que seguem trabalhando tentando avançar o debate sobre desenvolvimento capitalista em países como o nosso, rejeitando integralmente a idéia de que não seja capitalista e, ao mesmo tempo, introduzindo a questão de poder nas relações de todo tipo econômicas. Nós temos uma segunda problemática, de onde a gente vem, que foi exatamente a discussão sobre a crise da hegemonia, sobre a qual a própria professora Conceição Tavares escreveu em 1984 o livro “A Retomada da Hegemonia Norte-Americana”. Então esse era o debate dos realistas nesse campo. A Conceição estava debatendo com Kindelberger. A turma mais economista do livro está debatendo com vários competidores no campo da discussão do desenvolvimento nos anos 80 e 90. E uma terceira problemática de onde nós viemos é, aí eu mais bem particularmente, a discussão no inicio dos anos 80 – foi a tese que escrevi naquela época, aliás, aqui na usp – sobre as relações entre as transformações internacionais em curso naquele momento e a crise do Estado. Isso em 1983, 84. E foi nesse momento, ao tentar discutir a crise do Estado brasileiro no início dos anos 80 – muito antes, portanto; só digo isso não pra ser percussor, que eu não tenho nenhuma vontade de ser, mas para me diferenciar um pouco; do pessoal que descobriu a crise do Estado quando começou a ler autores neoliberais, eu não cheguei por esse caminho ao diagnóstico da crise do Estado desenvolvimentista – que eu, para pensar a crise do Estado, para pensar o movimento internacional e seu impacto, me encontrei, numa curva da vida, com o Braudel. Estava saindo o terceiro volume do livro dele e aí veio uma questão da longa duração. Então essa questão do tempo longo, das longas durações estruturais, da questão estrutura-conjuntura, internacional e nacional, etc., foi um pouco a terceira vertente. Depois, teoricamente, eu diria que o nosso desenvolvimento tem uma filiação ricardianasraffiana centrada nas relações de poder, na questão da demanda efetiva, nas questões distributivas. E a turma que discutiu a coisa da hegemonia tem uma vertente, nessa coisa financeira, a globalização financeira, com forte influencia keynesiana e todos nós temos um passado comum em uma deferência por Marx e pela teoria do imperialismo. E eu muito pelo lado da questão da economia-mundo, da questão do Braudel e depois do Arrighi, etc. Então nós não somos uma escola, não somos uma teoria. Como diria a velha Susan Strange, eu acho que somos uma maneira de olhar. E, nessa maneira de olhar, eu termino dizendo quatro questões que eu acho que são essenciais e que temos em comum – entre o sraffiano, o keynesianso, o ricardiano, etc. – na nossa maneira de olhar. Eu diria que a primeira delas é a importância absolutamente decisiva, central, do poder. Em todas as relações é uma questão essencial. Não há relações econômicas, de consumo, de produção, do que quiser, que não envolvam relação de poder. E é essencial, na maneira de olhar, olhar como está operando o poder. Mas, para nós, e isso temos todos em comum, o poder não é um estoque, como vocês já podem ter visto da parte anterior que eu estava falando. O poder não é um estoque, não é uma coisa que está dada, uma quantidade dada de capacidade de imposição da minha vontade a outras, esse tipo de definição clássica de inspiração às vezes um pouco furada, mas enfim, da definição do Weber. Não, o poder é expansivo, é permanentemente expansivo. Não existe poder em estado estático, ele pode estar em degeneração, em desintegração, mas ele está sempre em

movimento. Além disso, ele é sempre, por definição, e por isso mesmo, assimétrico, hierárquico, conflitivo. Não existe soma de poder absolutamente positiva, não tem. E no campo em que nós trabalhamos, não existe poder em abstrato, o poder está encarnado. E no campo em que nós trabalhamos, basicamente, ele está encarnado em dois grandes gigantescos predadores, como diria o Braudel: as grandes corporações capitalistas e as grandes potências. E não é o Estado – essa categoria terrível de definições de economia política, a própria do Gilpin: o que é Economia Política Internacional? É a que discute a relação entre Estado e mercado. O que é Estado, o que é mercado? Não, sempre em todo lugar, tem Estado e tem mercado. Bem, mas e daí? –. Não é essa a idéia. Antes do Estado, do nosso ponto de vista, está o problema do poder. O capital é uma relação de poder. E todas as relações têm essa dimensão que é essencial para compreender, porque ela te leva ao conflito ela te leva à idéia de instabilidade e ela te explica, inclusive pela natureza expansiva do poder, porque não dá para sonhar com a hipótese de uma espécie de um ? Não tem isso. A segunda questão que decorre, é a questão da nossa visão comum do tempo, da duração, do sistema. Quer dizer, a nossa visão do tempo não é uma visão pendular, não é uma visão newtoniana, é uma duração aberta, é uma duração que é construída por um movimento contraditório, expansivo, e, ao mesmo tempo, vivemos todos, ou pelo menos quase todos, a grande angústia de acreditarmos que o tempo é aberto, é um universo em expansão, mas é conflitivo, é contraditório. Porém temos enorme dificuldade em aceitar ou acreditar que ele marche numa direção teleológica, seja a direção dos sonhos dos liberais, seja a direção dos sonhos dos marxistas. Mas, ao mesmo tempo, não toleramos a idéia de que a História se submeta a uma lógica do tipo Amèlie Poulain, pra quem viu o filme da Amèlie Poulain. Eu sei que é de bom tom sempre nas nossas faculdades rejeitar terminantemente qualquer coisa que cheire a teoria da conspiração, mas toda vez que eu saio da faculdade, eu tenho absoluta certeza de que a política não vive sem teoria da conspiração. Seria ridículo, seria um brinquedo, e gente grande não brinca, sobretudo no mundo do poder e da riqueza, não existe isso. Essa coisa de Amèlie Poulain, que deu um chutinho pra cá e a bolinha caiu lá e não sei quantos, ah apareceu não sei quantos e uh apareceu uma revista, etc., não tem, não existe essa história. Confesso que é uma posição extremamente angustiante para todos nós, quer dizer a idéia de você trabalhar no longo prazo, de você ter certeza de que existe um movimento tendencial na História, é possível identificar; não é uma coisa wallersteiniana que é uma espécie de um sistema que não se move e que quando se mover é pra saltar pra fora e acabou, não é isso; mas, ao mesmo tempo, não temos o apoio que é às vezes tão gratificante e ajuda tanto pensar que, bom, eu não sei exatamente como é que se chega lá, mas eu sei onde é que se chega. A gente não sabe onde é que se chega. Terceira questão que é essencial, que nós temos em comum, é óbvio que decorre da visão do poder, é a relação do Estado com o desenvolvimento capitalista. Neste ponto eu diria q nossa divergência radical com a economia, com o economics, e também, dado que ela é essa questão, com boa parte da teoria política internacional inspirada nos modelos econométricos e coisas desse tipo, nossa visão, de novo, que nem no caso do poder, não é de um Estado que é exógeno à economia – digamos aquele estado marshalliano, aquele estado neoclássico, que é um pouco o que corrige falhas de mercado, segundo uma sabedoria que a gente nunca sabe como é que é, quer dizer, pra você definir que há uma falha de mercado ainda tem que ter um sábio que chegue de fora e corrija o mercado direitinho, sabe onde troca o parafuso e o mercado volta a funcionar. Nossa visão, vamos dizer assim, é uma visão endógena e não uma visão exógena da economia. Digamos assim, mesmo na acumulação do poder de da riqueza, é como se o poder acumulasse poder no circuito da riqueza e a riqueza acumulasse riqueza no circuito do poder. Mas não é como se fosse uma coisa externa é em um movimento como que interno. O terrível é quando você separa essas coisas numa visão seja idealista, ou utópica, porque você começa a ver perversões por todo lado, quando na verdade são troços essenciais do capitalismo. Durante toda a década de 80, por exemplo, falou-se da famosa teoria do rent seeking, que são as rendas que se multiplicavam, ou se adquiriam, ou se conquistavam, pelo uso das influências junto ao poder. Isso teve uma influência gigantesca na sustentação das teses de privatização, acabar com o Estado, acabar com os rent seekings, etc. Eu

acho até uma, vamos dizer que seria uma tese simpática se viesse de um anarquista, mas me parece uma tese absolutamente oportunista e safada quando vem daqueles que sabem perfeitamente que o capitalismo é absolutamente impensável sem rent seeking. Só que não se chama dessa maneira. É assim que ele se move. Você pode não gostar, você pode querer reformar o capitalismo, eliminar o capitalismo, inventar uma outra coisa, mas se você quer entender como funciona o sistema das relações entre poder e capital, não há como negar, é assim mesmo. Você pode ter discussão de que esses aqui têm passagem e os outros não têm passagem, mas isso é o que se chama informação assimétrica, poder assimétrico. Isso significa a possibilidade de você controlar situações. Esses são os que o Braudel já chamou, de uma maneira para ajudar um pouco pejorativa, os grandes predadores, sempre os vitoriosos. Por último, eu diria que tem outra coisa que temos em comum entre nós, dentro das fontes. São quatro fontes, pelo menos que eu vejo, é a nossa visão da relação entre o nacional e o internacional; poder; tempo; Estado e capitalismo, quer dizer poder político organizado na forma de Estado como desenvolvimento do capitalismo, é isso que eu estou querendo dizer. Em quarto, portanto, está nossa visão da relação entre o nacional e o internacional. Na nossa visão esta não é uma relação por etapas – um pouco a la Toni Negri, assim vamos passando a fase, o purgatório dos Estados nacionais e vamos marchando em direção ao império global, cosmopolita, que é uma versão enfim, nova, sei lá, da velha tese kantiana – não, ao contrario. Nossa visão nesse sentido é muito mais próxima de Bukharin e, de certa forma, do próprio Hobson, portanto para citar um marxista e um não marxista. É uma relação em que nação e “inter-nação” são como dimensões coconstitutivas de um sistema em expansão, onde, como já disse e não preciso repetir, a competição entre as nações, a guerra entre as nações, a competição entre os capitais nacionais é absolutamente fundamental inclusive para esse processo tão festejado da globalização. Entendam, não estou desqualificando, estou tentando entender, numa visão, como que esse processo da globalização levaria a um momento em que os Estados nacionais seriam como que, enfim, ultrapassados por uma nova realidade, uma nova situação global, seja do ponto de vista da acumulação de capital, seja do ponto de vista da luta de classe, etc. Do nosso ponto de vista, não. Porque exatamente se esse sistema vier a acontecer, esse sistema supra-estatal, esse sistema internacional, vier a acontecer, esse sistema acabou. O que alimenta o sistema é exatamente essa relação contraditória entre os Estados nacionais, sobretudo quando estamos falando de Estados nacionais, aqui pelo menos, não há tempo para outra coisa, são as grandes potências e algumas outras. Não tem Estado-nacional, sei lá Senegal, Paraguai, o jogo é das grandes potências e eventualmente da sua periferia mais imediata. É esse jogo que empurra. Então pode-se dizer assim: não, mas a globalização avançou muitíssimo. Sim, mas isso não exclui o outro, porque, do nosso ponto de vista, a globalização em qualquer patamar em que ela esteja, ela sempre será – e isso rigorosamente é o antônimo do Negri – sempre será a projeção de um poder nacional, de uma capacidade nacional de transferir para terceiros, ou para todos, o seu sistema de tributação, o seu sistema de crédito e a sua moeda. É nesse ponto e nesse sentido que a gente chega, por exemplo, à idéia de territórios econômicos do Hilferding. O território econômico não é um território colonial necessariamente, colônia é outra coisa, é um território onde você delimita um cercado, você se limita a uma fronteira, você estabelece uma situação de monopólio dentro daquele território. E o que a historia demonstra é que você consegue levar a melhor das perspectivas do teu território, a estabelecer a melhor das barreiras ao teu território, não é somente, e não necessariamente, quando você cerca ele com bases militares, ou navios, é quando você o submete à sua moeda. Esse é o grande ponto, é essa relação da moeda com o capital financeiro e com os Estados centrais; da moeda com o capital financeiro e com os Estados periféricos, aí se estabelece uma forma de manejo das situações de exercício do poder, que Susan Strange chamaria de estrutural. E, portanto, olhando por esta janela aberta pelo conceito do Hilferding, você poderia redizer o que estivemos dizendo afirmando que todos os grandes Estados nacionais, e em particular aqueles que viessem a ter alguma capacidade em termos de capital financeiro, estarão sempre lutando para expandir o seu território econômico, que é essa fronteira monetária financeira. E por isso, se vocês olham por essa janela, poderiam olhar por várias outras, mas se vocês olham por essa janela, vocês poderão perceber, poderão entender, várias coisas.

Primeiro a fragilidade japonesa na crise de 90, quando o Japão tentou criar uma zona monetária sua na região e os EUA vetaram. E de todos os países que, frente à pressão americana, abrem seu sistema monetário e financeiro e, portanto, são submetidos à moeda dominante. Aí se trava uma batalha decisiva pelo poder mundial. Se vocês olharem a História dos povos, das nações e das guerras, vocês prestem atenção sempre à hora em que algum povo resolveu começar a impor a sua moeda numa determinada região onde havia outra moeda, e vocês podem ter certeza que está chegando a hora do enfrentamento, como a Alemanha no início do século XX. Quando você avança, o poder dominante tem muito mais complacência com que você tenha progresso tecnológico, com que você tenha políticas industriais nacionalistas – isso o Japão fez, todo mundo faz, todo atrasado sempre faz piruetas tecnológicas bem sucedidas –, a hora é quando você esgotou. Como é que você sai do cerco em que você está? Seja hoje a Alemanha, seja o Japão, pra tomar a segunda e a terceira economias do mundo. Como é que você sai da semi-estagnação que eles estão? Do meu ponto de vista, do ponto de vista que expus aqui, para mostrar um exemplo concreto, para não parecer apenas uma coisa muito metafisica o que eu estive falando, acho que só sairão quando, efetivamente, tenham condições, capacidade, vontade política de reassumir seu projeto de expansão nacional colmo potência. Acho que a Alemanha já esta discretamente assumindo. O Japão terá mais dificuldade, pela presença da China, enfim, aí entram questões geopolíticas complicadas. É essa a idéia, quando é que você permite que se dê essa multiplicação? Mas essa multiplicação passa pelo capital financeiro, essa multiplicação passa por moeda. A partir do momento que você começar a traçar cercado, brevemente vocês verão que a disputa na Ásia começará a ser cada vez mais em torno disso. A China já deu passos na direção de propor integração monetária, de fazer um sistema integrado, de juntar pelos Bancos Centrais e eles começarem a operar com uma moeda da região deles. É a luta pela hegemonia da Ásia que vai ser pesada e é a que está mais posta aí. A outra é na Europa, mais discreta, mais conhecida. Pois bem, essa é a quarta ponte, ou coisa que nos une, que é a questão da nossa visão entre o nacional e o internacional dentro do sistema mundial. para bem, ou pra mal, do ponto de vista da teoria, do ponto de vista da militância globalitária, do nosso ponto de vista, não há nenhuma possibilidade que a gente venha a ter uma globalidade de face mais humana, ou coisa desse tipo. Não faz parte do sistema, não é do sistema, entendendo por face mais humana não que tenha varias coisas distributivas, não está no momento. Mas, de qualquer até maneira, poderia ter, que você pudesse superar esse conflito básico que faz com que os EUA tenham esse comportamento tão horroroso de chegar na hora em que está todo mundo pronto pra assinar um documento das Nações Unidas que ninguém acredita que sirva para nada e eles dizem: não, não me comprometo com esse desenvolvimento. Aí, depois de meses de New Orleans, tsunamis, aí dizem assim: não. Mas assina aqui um troço de natureza? Não. E o meio ambiente? Não. E a questão nuclear? Não. E o Tribunal Internacional? Não. Obrigado.
Fiori - Palestra sobre EPI - CA de RI da USP - 2008

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