China eh dificil lucrar mai05

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É dificil lucrar na China | 04.05.2005

As empresas sonham com o mercado chinês. Poucas conhecem os problemas que vão enfrentar Por Maurício Lima EXAME

À primeira vista, tudo na China parece atraente a quem deseja fazer negócio. As taxas assombrosas de crescimento, a mãode-obra barata e o potencial daquele que pode se transformar no maior mercado consumidor do mundo soam como promessas de vendas, lucro e riqueza. No mundo dos negócios é comum (e, quase sempre, ingênuo) o seguinte raciocínio: se a empresa vender uma única unidade de seu produto para cada chinês, seja chiclete, refrigerante ou carro, venderá 1,3 bilhão de unidades. Essa visão mitificada do país -- na qual os lucros são o resultado inexorável de quem se arrisca por lá -definitivamente não corresponde à realidade. Há casos de sucesso de companhias dos mais variados setores e nações -inclusive empresas brasileiras. Mas a maioria só consegue atingir a lucratividade depois de alguns anos no país. Um estudo recente da consultoria Bain & Company mostra que uma em cada três empresas multinacionais instaladas na China trabalha no vermelho. A mesma pesquisa destaca que os grandes lucros são privilégio de apenas 15% das companhias com presença em território chinês. Negociar com a China é uma experiência sem paralelo no mundo. Além da dificuldade natural de uma operação no exterior, é preciso conviver com as idiossin crasias do regime comunista e enfrentar os problemas de um mercado multifacetado. A lista de problemas é imensa. Pirataria, entraves à distribuição do produto, corrupção e regras que nem sempre fazem sentido para quem está acostumado a uma economia de mercado. Para começar, não são todos os setores que podem repatriar livremente os lucros obtidos no país. Em algumas regiões, as empresas multinacionais têm de reinvestir, pelo menos, uma parte do dinheiro por lá mesmo. Outra camisa-de-força é a obrigação de fazer associações com empresários locais em vários setores da economia. Esse costuma ser um fator de desgaste muito grande que acaba por comprometer a rentabilidade. Nos casos estudados pela Bain & Company, nos setores de computadores, produtos eletrônicos e bebidas, as margens de lucro das operações locais ficaram, muitas vezes, abaixo dos resultados globais. "Até a década de 80, não havia leis no país. E até hoje não há um sistema legal claro para todos os setores. Isso gera desentendimentos", diz Jonathan Woetzel, sócio-diretor da consultoria McKinsey na China. E quando as regras existem muitas vezes provocam confusão e prejuízo. A Embraer é uma das empresas que sofrem com essa situação. A companhia abriu uma operação na China em dezembro de 2002. A fábrica, que fica no norte do país, em Harbin, é uma parceria conjunta da Embraer com a estatal chinesa AVIC-2. Foi projetada para produzir 20 aeronaves ERJ 145 por ano. Essa capacidade, porém, nunca foi inteiramente ocupada. No ano passado foram montadas apenas duas unidades. Um dos problemas enfrentados faz parte do universo peculiar que é a China. No país, as cobranças de taxas aeroviárias não fazem distinção em relação ao tamanho do avião -- um padrão seguido no resto do mundo. Os ERJ 145, de porte médio, pagam tanto quanto aviões grandes. Para os executivos da empresa, esse é um fator determinante para a baixa demanda do modelo. Um dos pontos nevrálgicos do nascente capitalismo chinês é a assimilação total de conhecimentos e recursos das empresas internacionais em favor do desenvolvimento dos negócios locais. É o preço cobrado em troca da promessa de um mercado gigantesco e pouco explorado. Um preço, quase sempre, alto. As fabricantes de aparelhos telefônicos Ericsson e Motorola, radicadas no país, são obrigadas a comprar todos os componentes de fornecedores chineses. O mercado de celulares vai bem. Os lucros das multinacionais, nem tanto. "Obstáculos existem em todos os lugares. Mas na China eles talvez sejam um pouco maiores ", diz Eduardo Chakarian, consultor da Monitor Group. Os problemas de quem já está na China Estudo da Bain & Company aponta as dificuldades enfrentadas por empresas instaladas no país Diferenças regionais Falam-se mais de 80 dialetos. Há disparidades gritantes de renda per capita no país Falta de infra-estrutura As estradas e as ferrovias são péssimas. Em algumas regiões, faltam energia e água Canais de distribuição Empresas de varejo e de bens de consumo precisam contratar exércitos de pessoas para distribuir produtos Pirataria Empresas locais copiam com facilidade produtos de companhias que se instalam por l Relacionamento com o governo Além de casos de corrupção, há regras que desestimulam a presença no país. Os lucros, por exemplo, não podem ser repatriados

Um dos maiores obstáculos são os extraordinários poder e dimensão da pirataria. O problema também é enfrentado no resto do mundo, mas atinge o paroxismo na China. As regras de propriedade intelectual são escancaradamente desrespeitadas e a decisão sobre os casos de pirataria é tomada por juízes sem a menor familiaridade com as regras de mercado. Um dos exemplos recentes desse descontrole foi o último lançamento da General Motors (GM) no país, o Spark. Quase

simultaneamente à entrada no mercado, a montadora sofreu a concorrência de um modelo bastante parecido, o QQ, da concorrente chinesa Chery. O problema é que o QQ custa a metade do preço e já vende três vezes mais que o Spark. E o que é ainda mais desconfortável para a GM é que a sua parceira na fábrica chinesa, a Shangai Automobile, é uma das maiores investidoras da Chery. Os casos de cópias são inúmeros, tanto em outras montadoras como nos mais diversos setores da economia. Pensa-se que os chineses costumam copiar apenas para exportação. Não é verdade. Quem chega para disputar o mercado interno, precisa enfrentar uma concorrência feroz por esse público. Até o guaraná Antarctica, da Ambev, que não tem planos de atuação naquele mercado, já foi copiado. Há cerca de um ano, descobriu-se um pequeno carregamento com garrafas pirateadas da marca (veja quadro na página seguinte). A China é um país complexo. São 31 províncias, sete grandes línguas e 80 dialetos. As diferenças regionais são gritantes. Pequim, por exemplo, tem renda per capita anual de 3 842 dólares. Em Xangai, esse número é muito maior, 5 613 dólares. A média do país, entretanto, só agora ultrapassou os 1 000 dólares. As empresas têm idéia de que estão negociando com a China e, às vezes, não é bem assim. Negocia-se apenas com uma das várias Chinas. Um cálculo da McKinsey estima que o custo logístico para as empresas em relação ao PIB seja da ordem de 18% -- o dobro dos Estados Unidos, por exemplo. O número de intermediários entre o produtor e o mercado consumidor é enorme. Essa lição foi aprendida pela Companhia Cacique de Café Solúvel. Desde 1971, a empresa está presente na China. Foi uma das primeiras companhias brasileiras a entrar no país, mas só agora seus executivos esperam alcançar os primeiros lucros. Uma parte do problema foi a barreira cultural. Os chineses preferem chá a café. Mas a grande dificuldade mesmo foi a distribuição. A Cacique não tinha uma estrutura que conseguisse distribuir seu produto, o Café Pelé, no país. A solução foi encontrar um distribuidor com acesso a várias regiões do país. "Demorou para que entendêssemos o problema", diz Haroldo Bonfá, diretor adjunto de marketing internacional. "Mas agora consertamos isso." Uma importante virtude para quem deseja fazer negócio na China é a paciência. Os chineses levam a sério a máxima atribuída ao sábio Lao-tsé, de que "toda jornada de 1 000 milhas começa com um simples passo". A gaúcha Marcopolo, uma das maiores fabricantes mundiais de carrocerias de ônibus, está nessa longa jornada. Desde 2001, a empresa tem planos de montar uma fábrica de componentes no país. Mas as informações decisivas para a instalação da operação -- como matériaprima disponível, custo da mão-de-obra, questões legais como contratos de trabalho e relações governamentais -- são escassas e desencontradas. Pior. Mudam conforme a província e a fonte da informação. "Não adianta pressionar", diz José Antônio Fernandes Martins, vice-presidente da Marcopolo. "Sob pressão, o chinês não faz negócio." A Sadia também aguarda uma decisão governamental para finalmente entrar no mercado de carne bovina do país. Até hoje, a empresa tem apenas uma churrascaria em Pequim, onde testa as preferências do mercado chinês. O problema são as exigências fitossanitárias que impedem a entrada da carne brasileira na China. Recentemente, os técnicos chineses vieram até o Brasil para certificar a carne. Esperava-se que a aprovação (aguardada para breve) ficasse pronta imediatamente. Mas não saiu e, desde o início das negociações, já se passaram dois anos. Além das amarras à produção, das excrescências regulatórias e das dificuldades logísticas, existem os problemas de se negociar numa cultura totalmente diferente. Na categoria dos problemas inofensivos, quase risíveis, enfrentados pelas empresas, estão as dificuldades com a língua e com a movimentação em um país de dimensões continentais. O chefe do escritório da Vale do Rio Doce em Xangai, Renato Paladino, carrega no bolso um papel com todos os endereços que costuma freqüentar escritos em mandarim. Cada vez que precisa visitar um novo cliente, pede a algum dos chineses que trabalham no escritório da Vale para ajudá-lo. "É a melhor maneira de não atrasar uma reunião de trabalho", diz ele. Recentemente, Décio Casadei, da Companhia Brasileira de Lítio, passou por uma situação ainda mais complicada. Ele queria visitar uma mina de lítio que ficava numa província do nordeste do país, longe de sua base, Pequim. Casadei desconhecia a necessidade de vistos que permitem a movimentação interna. Sua viagem à China era de apenas uma semana. O visto demandava pelo menos 15 dias para ficar pronto. Resultado: o executivo voltou para o Brasil sem cumprir sua missão. "Não podia imaginar que as províncias tivessem tanta autonomia", diz Casadei. É evidente que a China oferece muitas oportunidades às empresas. Há casos de sucesso estrondoso. A cadeia americana de fast food KFC, por exemplo, já tem mais de 1 000 lojas no país. A rede aproveitou a boa receptividade a seu produto, basicamente pedaços de frango fritos, e está expandindo sua presença com velocidade. Hoje, a China já representa quase 40% do faturamento mundial da KFC. A rede americana de cafeterias Starbucks é outra que vai bem. Apesar de alguns contratempos com a pirataria, a empresa já tem mais de 100 lojas no país e planos de se expandir rapidamente. Algumas empresas brasileiras também já colhem resultados animadores, apesar das diferenças culturais, da burocracia e da forma pouco ortodoxa com que os chineses fazem negócio. A catarinense Embraco, maior fabricante mundial de compressores, domina um terço do mercado chinês e, segundo seu presidente, Ernesto Heinzelmann, pretende do brar sua operação chinesa nos próximos meses. Em associação com a Bao Steel, a Vale do Rio Doce já possui 34 clientes no país e desfruta de um crescimento de 20% ao ano nas vendas de minério de ferro. Mas esses exemplos não são a regra. O empresário que sonha em vencer na China precisa ter cautela, paciência, planejamento e perspicácia. Desde Marco Polo, o Ocidente deseja realizar grandes negócios por lá. Poucos, pelo menos até agora, conseguiram. O império da pirataria Alguns casos de falsificação na China

STARBUCKS A rede de cafeterias americana tem mais de 100 lojas na China. O sucesso é tão grande que já há uma cópia, o Starsbuck

DVDs Mais de 85% dos DVDs vendidos na China no ano passado eram piratas. As cópias são vendidas não só nas ruas como até em leilões virtuais

LIVROS O livro Minha Vida,de Bill Clinton, foi copiado e distribuído nas livrarias chinesas sem o pagamento de direitos autorais

AUTOMÓVEIS O modelo QQ, da chinesa Chery, é igual ao Spark, da Chevrolet, mas o preço é um terço menor

JEANS Juntamente com relógios, canetas, bolsas e óculos escuros, as roupas são um dos produtos mais falsificados na China. Calças jeans copiadas de marcas famosas são exportadas para o mundo todo. As grifes que mais sofrem com a pirataria são as americanas Calvin Klein, Guess e Levis. Para driblar o problema, estão sendo criadas etiquetas antipirataria

GUARANÁ Por causa do sucesso da Seleção Brasileira de Futebol no país, foram feitas garrafas idênticas às da Antarctica, patrocinadora da equipe

Com reportagem de Denise Dweck e Suzana Naiditch
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