Aventuras na História - Ed 177

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sumário hoje na história O ferro que veio do espaço AGENDA A execução de Mary Stuart

6 10

almanaque DÚVIDA CRUEL Por que a Palestina é tão disputada? ERA UMA VEZ Pacto com o Diabo DITO & FEITO Oi e tchau HISTÓRIA MALUCA O pavoroso gatofone ARTE & HISTÓRIA As bruxas de Goya RETROTECH A primeira arma de destruição em massa PANELA VELHA Coxinha e mortadela AH10+ Os templos mais monumentais HISTÓRIA ILUSTRADA Tommy Gun LINHA DO TEMPO Tipografia

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reportagens PERSONAGEM Luís XVI: tirano ou vítima? GUERRAS Alfred Battel, o oficial que salvou judeus CAPA Guerra Boshin e a modernização Meiji

30 36 42

cultura LANÇAMENTOS Pentagon Papers, história do islã FUTEBOL & HISTÓRIA A Taça da Legalidade COLUNA DO HISTORIADOR A memória do nazismo FOTO-HISTÓRIA Exposição de Osaka de 1970

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editorial

OUTRO SOL NASCEU

É

sempre um prazer especial falar sobre a história do Japão. A nação absolutamente não ocidental que conseguiu acompanhar e, várias vezes, superar o Ocidente em seus próprios critérios, como ciência, tecnologia, prosperidade. Um arquipélago que, em seu isolamento, desenvolveu uma cultura ímpar em sua arte, arquitetura, tradição civil e militar. E um país que, com um justificado apego a seu passado, sempre demonstrou uma capacidade imensa de se transformar. Esta capa é sobre a transformação mais drástica. Como, com a Guerra Boshin, de 150 anos atrás, dando fim aos mais de dois séculos de xogunato, abriu caminho para a vertiginosa modernização que desembocaria no sombrio Império da Segunda Guerra e, após sério trauma, a democracia moderna. Falamos também sobre Luís XVI, o rei que perdeu a cabeça para a Revolução Francesa. Ele fez por merecer? Seria o tirano corrupto retratado na época ou um monarca relativamente bem-intencionado numa situação que escapou violentamente a seu controle? E ainda: o pouco cantado herói Alfred Battel, militar membro do Partido Nazista que salvou judeus. Arigato gozaimasu!

DIRETOR-SUPERINTENDENTE Edgardo Martolio DIRETORES CORPORATIVOS Marketing: Luis Fernando Maluf Editorial: Claudio Gurmindo (Núcleo Celebridades) e Pablo de la Fuente (Núcleos Novos Leitores e Mensais) Publicidade: Luciana Jordão Circulação: Marciliano Silva Jr. Internet e Mídia Digital: Alan Fontevecchia Jurídico e RH: Wardi Awada Finanças e Controle: Marina Bonagura DIRETORE EXECUTIVO TI: Cícero Brandão DIRETORES Publicidade: Renato Alves e Thaís Haddad Escritório Rio de Janeiro: Pablo de la Fuente GERÊNCIAS Circulação: Luciana Romano (Assinaturas) Eventos: Walacy Prado Tecnologia Digital: Nicholas Serrano

(Lançada em 2003)

Editor: Fábio Marton; Arte: Marília Filgueiras; Revisão: Bianca Albert; Estagiário: Thiago Lincolins ÁREAS COMPARTILHADAS PUBLICIDADE: Andre Cecci (executivos); Meire Mariano e Aline Silva (assistentes) Rio de Janeiro: Carla Chaves (gerente) e Helga Vianna (executiva); FOTOGRAFIA: Rogério Pallatta (SP), Cadu Pilotto e Fabrizia Granatieri (RJ); Amanda Loureiro, Mariana Sardinha, Ramiro Pereira, Samantha Ribeiro e Tainara Passos (Assistentes); CIRCULAÇÃO: Fernando Andrade e Pablo Barreto; MARKETING PUBLICITÁRIO E EVENTOS: Adriana Trujillo (Editora); MARKETING: Caroline Ryna e Natalie Fonzar (Apoio); TI: Carlos Almeida, Dirceu Bueno, Ricardo Jota e Victor Fontes (Assistentes); LOGÍSTICA: Anicley Lima e Ivo Santos; RECURSOS HUMANOS: Renê Santos (Consultor); ADMINISTRAÇÃO, FINANÇAS E CONTROLE: Alessandro Silva e Arthur Matsuzaki (Analistas); PROCESSOS: Henrique Pereira e Fernanda Wassermann; PRE-PRESS: Claudio Costa, Dorival Coelho, Emerson Luis Cação e Rogerio Veiga INTERNET E MÍDIA DIGITAL EDITOR: Ademir Correa; PLANEJAMENTO: Bianca Oliveira (assistente); MARKETING DIGITAL: Victor Calazans (Analista)

Fábio Marton Editor

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hoje na história AS NOVIDADES

DA ARQUEOLOGIA E DOS ESTUDOS HISTÓRICOS

O FERRO QUE VEIO DO ESPAÇO ANTES DO DOMÍNIO DA METALURGIA, ARTEFATOS DO METAL ERAM LITERALMENTE UM PRESENTE DOS CÉUS

A

Idade do Bronze começou por volta de 3300 a.C., no Oriente Médio, e terminou perto de 1200 a.C., quando os primeiros povos a dominar o ferro obtiveram uma vantagem militar tão decisiva que causaram uma catástrofe que extinguiu civilizações como a Grécia micênica. O ferro é o segundo metal mais abundante na superfície terrestre, após o alumínio. Muito mais comum que o cobre, usado para fazer o bronze que batiza a era anterior. Mas sua temperatura de fusão (1.538 ºC) é muito mais alta que a do primeiro (1.084 ºC). Até a criação de fornos superiores, era impossível extraí-lo do minério, no 6

AVENTURAS NA HISTÓRIA FEVEREIRO 2018

qual o ferro aparece como óxido de ferro e não serve para fazer armas. Isso levou a um enigma. Arqueólogos encontraram diversas ferramentas feitas de ferro muito anteriores à capacidade humana de extrair o metal. De onde elas teriam vindo? De longe, muito longe. Meteoritos são a única fonte natural de ferro metálico na Terra, exceto por minúsculas reservas na Groenlândia. Nos meteoritos, o ferro já chegava em estado metálico e podia ser trabalhado em armas e ferramentas. Uma pesquisa realizada pelo cientista Albert Jambon, do Centro Nacional de Pesquisa Científica na França,

chegou a essa conclusão. Para comprovar que o ferro de fato provinha de meteoritos, o cientista francês realizou análises químicas em diversos artefatos de ferro da Era do Bronze. O ferro vindo do céu é metálico, mas não puro. Ele vem misturado com outros metais, de forma característica, que não existe na Terra. Usando um espectrômetro de fluorescência portátil de raio X, Jambon verificou a porcentagem de ferro, cobalto e níquel presente nos objetos. E comprovou que os artefatos fabricados na Idade do Bronze possuem níveis de níquel e cobalto que se alinham aos presentes em meteoritos.

VERMES DOS FILÓSOFOS Cientistas da Universidade de Cambridge (Reino Unido) acharam indícios da lombriga (Ascaris lumbricoides) e do nematoide causador da tricuríase (Trichuris trichiura) em restos gregos de entre 7 mil e 1.700 anos atrás.

GRANDE ACHADO NO EGITO A descoberta foi realizada nos anos 90 pela arqueóloga alemã Frederica Kampp, mas somente agora que os túmulos localizados na necrópole de Draa Abul Nagaa, nas margens do Nilo, foram abertos. Batizados de Kampp 161 e Kampp 150, os jazigos de 3.500 anos revelaram muitas preciosidades. Além de uma máscara de madeira – que inicialmente era parte de um caixão –, os arqueólogos encontraram no 161 um pedaço de madeira com camadas de ouro, quatro pés de uma cadeira e parte

de um caixão com o retrato da deusa Ísis com as mãos levantadas. No 150 ainda havia vários cones funerários, máscaras de madeira pintadas e 450 estátuas. Mas o que realmente instigou as autoridades egípcias foi a descoberta de uma múmia bem preservada. “O dono do Kampp 150 ainda não é conhecido, mas existem dois possíveis candidatos”, diz Mostafa Waziri, secretário-geral do Conselho Supremo de Antiguidades e chefe da escavação em entrevista ao Ahram Online.

Foi o melhor quebra-cabeça do mundo!

LAURA ATKINSON, ARQUEÓLOGA BRITÂNICA, SOBRE O TRABALHO DE MONTAGEM DOS 30 MIL FRAGMENTOS DE VITRAIS ENCONTRADOS NO SÓTÃO DA ABADIA DE WESTMINSTER

COMPARTIMENTO SECRETO Duas cartas de 1777 foram encontradas dentro de um crucifixo na Igreja de Santa Águeda, em Burgos, Espanha. Descreviam os eventos para quem as encontrasse, espécie de cápsulas do tempo. E estavam nas nádegas da estátua.

MOCOTÓ ILUMINISTA Foi escavado o porão de um café do século 18, que funcionou até 1770 no que hoje é parte da Universidade de Cambridge. Estavam lá jarros, canecas, xícaras de café e chá e potes. Alguns deles com geleia de pata de boi – o nosso mocotó, hoje um prato visto como exótico no país.

hoje na história

A BONECA MAIS ANTIGA DA HISTÓRIA

A FUNÇÃO DE STONEHENGE SEGUNDO ESTUDO, PROJEÇÃO DE LUZ NO MONUMENTO TINHA UM SENTIDO BEM LITERAL Para que servia Stonehenge? O arqueólogo Terence Meaden, professor da Universidade de Oxford, acaba de apresentar uma resposta original: seria um monumento à fertilidade, e as pedras serviam para projetar sombras fálicas durante o solstício de verão, simulando um ato sexual.

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AVENTURAS NA HISTÓRIA FEVEREIRO 2018

“Em Stonehenge, em dias com nascer do sol claro, a sombra da pedra externa em forma fálica, chamada Pedra do Calcanhar, penetra o interior do monumento durante a semana do solstício de verão e, finalmente, chega à pedra do altar, que simbolicamente é do gênero feminino”, explica Meaden.

OUTRO ACHADO

Junto a ela também foi encontrada uma criatura misteriosa, também sem corpo, que parece um dragão.

IMAGENS WIKIMEDIA COMMONS; CLARA AMIT/ISRAEL ANTIQUITIES AUTHORITY, MINISTRY OF ANTIQUITIES, IIMK-RAN, SHUTTERSTOCK

Sua dona pertenceu à cultura Okunev, que existiu durante a Idade do Bronze e dominou o sul da Sibéria, e viveu há 4.500 anos. O objeto foi produzido com esteatito, uma rocha composta principalmente de talco. A cabeça mede 5 centímetros de altura, mas era apenas parte de uma figura completa, com braços, pernas e roupas. O resto do corpo era de materiais orgânicos que não sobreviveram à passagem do tempo. “Ela possui traços faciais elaborados de uma maneira cuidadosa. As maçãs do rosto são altas e suas sobrancelhas são espessas”, diz o dr. Andrey Polyakov, do Instituto de História da Cultura Material em São Petersburgo.

25 mil artefatos roubados RECUPERADOS PELA OPERAÇÃO ZEUS, UMA MASSIVA AÇÃO DA POLÍCIA DA TURQUIA PARA QUEBRAR UMA QUADRILHA DE CONTRABANDISTAS DE ANTIGUIDADES. TREZE FORAM PRESOS

O SELO DO GOVERNADOR O objeto tem o tamanho de uma pequena moeda e foi encontrado numa praça ao lado do Muro das Lamentações. Mostra dois homens de pé, um de frente para o outro – ou talvez um só, olhando num espelho – vestindo roupas listradas que vão até o joelho. Nele, uma frase escrita em hebraico antigo: “Pertence ao governador da cidade”. Datado de 2.700 anos atrás, ele confirma as menções bíblicas ao cargo.

O MUNDO DA RENASCENÇA

MAPA DE 430 ANOS SÓ AGORA NA ÍNTEGRA É o maior mapa conhecido de seu tempo, a era das Grandes Navegações. Composto de 60 lâminas, que juntas têm 3 metros de comprimento e de altura, o mapa-múndi de 1587 criado pelo cartógrafo italiano Urbano Monte foi pela primeira vez montado pela Universidade de Stanford da forma que o autor o havia imaginado. E, com desenhos coloridos e detalhistas, revela como o mundo era visto na Era Renascentista. De unicórnios na Sibéria até sereias na Antártida e dragões na Oceania, Monte desenhou diversas criaturas fantásticas

em seu mapa. Figuras históricas também aparecem, como Felipe II, rei da Espanha, em um barco na costa do Brasil – Espanha e Portugal estavam então unificados havia sete anos. “É único de diversas formas”, afirma Salim Mohammed, diretor do David Rumsey Map Center na Universidade de Stanford, em entrevista à National Geographic. “Ninguém o havia estudado antes porque esteve escondido por séculos.” Veja mais no site do autor:

http://bit.ly/2CiKeID

FEVEREIRO 2018 AVENTURAS NA HISTÓRIA

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hoje na história

AGENDA

ACONTECEU EM

FEVEREIRO 1º

Os Beatles conseguem o primeiro hit nas 1964 paradas dos EUA. A música I Want to Hold Your Hand ocupou o topo do chart Billboard Hot 100 por sete semanas seguidas, marcando a “invasão britânica”.

3

Durante a Segunda Guerra Mundial, o navio 1943 de guerra SS Dorchester é afundado por um u-boat alemão. A tragédia se deu no Mar do Labrador, no Oceano Atlântico. Dos 904 homens a bordo, 675 morreram.

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Maria Stuart, rainha da Escócia, é 1587 executada aos 44 anos de idade. Fora acusada de envolvimento em um plano de assassinato da sua própria prima, Elizabeth I, que a havia sucedido no trono.

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Acontece o primeiro minstrel show nos 1843 Estados Unidos. Com o uso de blackface, brancos pintados de preto, o grupo Minstrels of Virginia seria responsável por espalhar a mania de espetáculos desse tipo.

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William George Morgan cria o voleibol. 1895 Visando minimizar riscos e lesões, o objetivo dele era criar um esporte no qual os adversários não entrariam em contato físico. No início chamava-se mintonette.

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Após um golpe de estado, Zhao Kuangyin 960 é nomeado imperador Taizu, fundador da dinastia Song, que duraria até a conquista da China pelos mongóis, em 1279.

7

Pinóquio, o segundo longa-metragem 1940 de animação de Walt Disney, é lançado nos EUA. Como cerca de 45% da renda da Disney vinha do exterior, o filme perdeu dinheiro com o estouro da Segunda Guerra Mundial.

10

O navio HMS Dreadnought é lançado ao mar. 1906 Com turbinas a vapor, a embarcação da Marinha Real Britânica deixou todos os outros obsoletos e aumentou as tensões com a Alemanha.

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A BBC produz o primeiro programa 1938 televisivo de ficção científica do mundo. Era uma adaptação da obra do escritor tcheco Karel Kapek, o inventor do termo “robô” – robôs biológicos, na obra.

IMAGENS WIKIMEDIA COMMONS, SHUTTERSTOCK, REPRODUÇÃO, FOX PHOTOS / GETTY IMAGES

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Um terremoto atinge a Pompeia. 62 Estima-se que tenha tido uma magnitude entre 5 e 6,1. Além de danificar severamente a cidade, ele pode ter sido um precursor da erupção do Vesúvio em 79.

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Estônia e Rússia assinam o Tratado de 1920 Tartu. Isso deu fim à Guerra de Independência da Estônia e a União Soviética reconheceu sua soberania. Até conquistála, em 1940.

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O maior meteorito de ferro já 1947 observado cai no sudeste da Rússia. As 70 toneladas de material do nomeado Sikhote-Alin sobreviveram ao calor da entrada na atmosfera até atingir a Terra.

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Fidel Castro torna-se primeiro-ministro 1959 de Cuba, começando suas reformas e expropriações. Em 1976, o cargo mudaria para “presidente” – na prática, ele era El Comandante, sem limites de poder.

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Nas Terras Altas da Escócia, ocorre o 1692 Massacre de Glencoe. Considerados desleais ao monarca William III da Inglaterra, 38 membros do clã MacDonald terminam brutalmente assassinados.

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Na França, nasce o médico René Laennec, 1781 o inventor do estetoscópio. Até então, médicos tinham que encostar a cabeça no peito dos pacientes, o que era considerado indecente com pacientes mulheres.

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26

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Cristóvão Colombo escreve 1493 uma carta detalhando os itens e as descobertas que fez no Novo Mundo. No documento, descreve as ilhas de São Domingos e Cuba e os nativos.

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O planeta anão, então apenas “planeta”, 1930 Plutão é descoberto. A evidenciação foi feita pelo astrônomo americano Clyde Tombaugh enquanto analisava fotos tiradas do espaço no mês anterior.

Pedro Lascuráin se torna o presidente com 1913 o mandato mais curto de todos os tempos. Comandou o México por 45 minutos, como uma tentativa de mascarar um golpe de estado em andamento.

A exploradora dinamarquesanorueguesa 1935 Caroline Mikkelsen torna-se a primeira mulher a pisar na Antártica. A pequena montanha que descobriu durante a conquista seria batizada com o seu nome.

Karl Marx e Friedrich Engels publicam o 1848 Manifesto Comunista: uma análise da História enquanto luta de classes e a futura superação do capitalismo. Um dos panfletos mais influentes da História.

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O imperador romano Diocleciano 303 ordena a destruição da Igreja Cristã de Nicomedia, iniciando os oito anos da Perseguição de Diocleciano. Essa seria a última grande repressão aos cristãos.

Galileu Galilei é oficialmente banido da Igreja 1616 Católica. O físico – que tinha vários amigos e defensores na Igreja – foi julgado por ensinar e defender o heliocentrismo, a ideia (correta) de que a Terra gira ao redor do Sol.

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A sonda não tripulada da Nasa Near 2000 Shoemaker entra em órbita em torno de 433 Eros, o segundo maior asteroide conhecido, com 16,8 km de diâmetro. O primeiro objeto humano a orbitar um asteroide.

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Henrique IV é coroado rei da França. Durante 1594 o mandato foi um rei bem impopular. Após sua morte, sua reputação melhoraria. Seria lembrado pelas vitórias militares e pelo bem-estar dos súditos.

O Partido dos Trabalhadores Alemães muda 1920 de nome para Partido Nacional Socialista dos Trabalhadores Alemães – mais conhecido como Nazi. Hitler foi contra incluir o “socialista”.

Quinze mil pessoas morrem durante a 1651 inundação de São Pedro que atingiu a costa do Mar do Norte, Alemanha. A tempestade foi tão devastadora que a ilha de Juist ficou dividida em duas até 1932. Durante a Guerra do Golfo, um quartel 1991 militar americano é atingido por um míssil Scud iraquiano. Vinte e oito reservistas do Exército dos EUA da Pensilvânia foram mortos durante o episódio.

28

Os primeiros aparelhos de televisão em 1954 cores começam a ser comercializados para o público em geral nos EUA. O primeiro modelo era o Westinghouse H840CK15, e custava US$ 1.295.

FEVEREIRO 2018 AVENTURAS NA HISTÓRIA

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almanaque LISTAS, CURIOSIDADES, ARTE E INFOGRÁFICOS

DÚVIDA CRUEL

O QUE HÁ DE TÃO IMPORTANTE COM

ISRAEL E PALESTINA? FORAM DEZENAS DE CONQUISTADORES E DONOS DE UM LUGAR SEMIÁRIDO – DO QUE ELES ESTAVAM ATRÁS? TEXTO Bianca Borges

OS MUITOS DONOS DE JERUSALÉM A desejada capital tanto de Israel quanto da Palestina (de acordo com ambos) foi conquistada 44 vezes. Isto é só um resumo de seus principais senhores – houve também muitas conquistas e reconquistas pífias.

Estas imagens vieram do clipe abaixo, uma leitura irônica da trilha do filme pró-sionista Exodus, de 1960. This Land Is Mine, Nina Paley, vimeo.com/50531435

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AVENTURAS NA HISTÓRIA FEVEREIRO 2018

120000 A.C.

ANTES DE 4500 A.C.

1550 A.C.

1050 A.C.

PRÉ-HISTÓRIA

CANANEUS

EGÍPCIOS

ISRAELITAS

A espécie humana moderna evoluiu na África e migrou para o resto do mundo através da região. Lá também seria um dos primeiros pontos a adotar o modo de vida agrícola na Revolução Neolítica.

“Cananeus” era o nome para os diversos povos nativos da região, como fenícios, edomitas, moabitas e – é o consenso pelo registro arqueológico – os ancestrais dos hebreus.

No período do Império Novo, os faraós fizeram os reinos cananeus de vassalos pela via armada, mas permitiram que mantivessem sua identidade.

Essa é a data pela cronologia bíblica para sua conquista de Canaã e criação do Reino de Israel. Vários historiadores são céticos quanto a um reino unificado de Israel. Dizem que sempre foram dois reinos.

P

arece só um trecho de terra seca, montanhosa e pedregosa. A mais notável vista natural é um lugar chamado Mar Morto. E, ainda assim, rei após rei, conquistador após conquistador, o território disputado entre Israel e a Palestina é um dos lugares mais cobiçados da História. Afinal, o que há de tão especial com essa terra? O nome original da região era Canaã, situada no Levante, bem no centro do Crescente Fértil, que é uma grande meia-lua de áreas adequadas ao plantio, da Mesopotâmia até o Egito. Na Idade do Bronze, isso colocava Canaã num cabo de guerra entre o Egito e diferentes invasores da Mesopotâmia.

Também é uma faixa de terra que liga três continentes: Ásia, África e Europa. Quem quisesse se expandir de um para outro tinha que passar por lá. E assim fizeram todos os que aparecem na faixa abaixo da matéria. Essa insegurança constante moldou o caráter de um povo e sua religião. Foi nesse clima de ameaça que surgiu o culto a um deus único, que havia prometido essa terra a seu povo escolhido – e o ajudou, segundo os livros sagrados, a conquistá-la pessoalmente. Uma religião hostil às demais religiões, como não era comum. Algo que permitiu sua sobrevivência como uma identidade própria, no lugar de se diluir nos costumes dos dominadores.

733 A.C.

588 A.C.

539 A.C.

332 A.C.

140 A.C.

70

NEO-ASSÍRIOS

BABILÔNICOS PERSAS

GREGOS

JUDEUS

ROMANOS

Segundo a Bíblia, após a morte de Salomão, em 922 a.C., o reino se dividiu em dois, Israel e Judá. O assírio Tiglate Pileser III conquista o reino de Israel e torna Judá seu vassalo.

Após a queda do Império Neo-Assírio, em 627 a.C., um período de instabilidade e breve novo domínio egípcio, a conquista leva à destruição do Templo de Jerusalém e exílio na Babilônia.

Ciro, o Grande, derrota os babilônicos e permite aos judeus voltarem às suas terras, como vassalos. Ainda é considerado um herói entre eles.

O exército de Alexandre, o Grande, conquistou o território em suas lutas contra os persas. O domínio da região saltaria entre o Egito Ptolomaico e o Império Selêucida.

Com a decadência do Império Selêucida e apoio da emergente Roma, os judeus estabelecem seu próprio reino, independente entre 110 a.C. e 63 a.C., depois dominado por Roma.

Uma revolta encerra a era de reis fantoches judeus. Os romanos rebatizam a região de Palestina – uma provocação, fazendo referência aos filisteus, da Faixa de Gaza.

FEVEREIRO 2018 AVENTURAS NA HISTÓRIA

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DÚVIDA CRUEL

E esse se tornaria um outro fator a atrair olhares para lá. “A Terra de Israel é o berço das religiões monoteístas: inicialmente o judaísmo, depois o cristianismo e mesmo o islã, que não se originou naquele lugar – e sim na Península Arábica –, mas que considera a cidade de Jerusalém como o terceiro local sagrado da fé muçulmana (atrás apenas de Meca e de Medina, ambas localizadas na Arábia Saudita)”, afirma o professor Gabriel Steinberg Schvartzman, doutor em língua hebraica, literatura e cultura judaicas pela Universidade de São Paulo (USP). A cidade de Jerusalém guarda alguns dos mais importantes símbolos das três religiões. Nela encontrase o Muro das Lamentações, as ruínas do Segundo Templo, que foi o lugar mais importante para a religião judaica. Sobre elas fica a Mes-

quita de Al-Aqsa, que marca o lugar onde Maomé teria sido levado por um anjo em sua visita aos céus. E, em outra parte da cidade, a Igreja do Santo Sepulcro, onde o corpo de Jesus teria sido deixado pelos três dias entre sua morte e ressurreição. Toda vez que um lado fica insatisfeito com o tratamento que o dono atual dá a seus monumentos ou peregrinos de sua religião, um novo conflito tem início. As cruzadas foram justificadas pela destruição da Igreja do Sagrado Sepulcro pelo sultão Al-Hakim (abaixo). A Mesquita de Al-Aqsa está no brasão do Hamas, o partido radical religioso (e terrorista, segundo Israel) palestino que quer retomar Jerusalém – e a mesquita. Por difícil que pareça acreditar hoje, o clima de pé de guerra teve uma longa pausa. Durante o domínio do Império Otomano (1299-

1922), entre 1517 e 1917, houve a chamada Pax Ottomanica. “Era um império multiétnico, multilinguístico e multirreligioso, em que judeus e cristãos conviveram razoavelmente bem, junto aos muçulmanos. Notáveis locais governaram a província com alto grau de autonomia frente a Constantinopla. Fiéis das três religiões conviviam sem grandes incidentes”, observa Monique Sochaczewski Goldfeld, pós-doutora em história pela Fundação Getulio Vargas (FGV) e autora do livro Do Rio de Janeiro a Istambul: Contrastes e Conexões entre o Brasil e o Império Otomano (1850-1919). Quando Donald Trump assinou a transferência da embaixada americana de Tel-Aviv para Jerusalém, em dezembro passado, reconheceu a última de uma longa série de conquistas. E enfureceu aos conquistados.

637

1099

1187

1516

1917

1948

CALIFADOS

CRUZADOS

SULTANATO MAMELUCO

IMPÉRIO OTOMANO

BRITÂNICOS

ISRAELENSES

Quinze anos após a morte do profeta Maomé, Jerusalém é tomada do Império Romano do Oriente pelo califado Rashidun e os que o sucederam nas guerras internas do islã.

14

A perseguição a peregrinos cristãos e a destruição da Igreja do Santo Sepulcro, em 1009, justificaram a tomada da região por forças cristãs europeias.

AVENTURAS NA HISTÓRIA FEVEREIRO 2018

Saladino, sultão curdo baseado no Egito, toma a cidade dos cruzados. Apesar de diversas tentativas, ela nunca mais voltaria ao domínio cristão.

Relativamente moderados (a depender do sultão) e com relações amigáveis com alguns países europeus, os otomanos trouxeram segurança para a região.

Jerusalém é tomada dos otomanos durante a Primeira Guerra. A derrota levaria à dissolução de seu império e criação da moderna Turquia.

O plano de partição da Palestina, aprovado pela ONU, previa que Jerusalém fosse uma cidade internacional. Na guerra de 1948, os judeus tomaram a parte ocidental e, na de 1967, a oriental.

IMAGENS SHUTTERSTOCK, NINA PALEY

almanaque

almanaque

ERA UMA VEZ...

PACTO COM O

DIABO

FOTOS SHUTTERSTOCK E REPRODUÇÃO

R

obert Leroy Johnson (ao lado) era fraco no violão. Tocava mal, por mais que treinasse. Adolescente, procurou a encruzilhada formada pelo cruzamento das estradas 61 e 49, no Mississippi. Encontrou um homem negro alto, que lhe ofereceu uma troca: a alma pelo talento musical. Após isso, viria a ser um dos maiores cantores de blues de todos os tempos. Revolucionou o gênero e inf luenciou gente como os guitarristas Eric Clapton e Jimmy Page – que, aliás, também ficou famoso pelo flerte com o Diabo que sua banda, o Led Zeppelin, teria iniciado nos anos 1970. Robert Johnson é um dos casos mais conhecidos de pacto com o Diabo. Ele morreu em 1938, com apenas 27 anos, de causas desconhecidas – há quem diga que o tinhoso tenha cobrado a fatura cedo, mas é mais plausível que tenha sido envenenado por um marido irritado. A lenda do contrato macabro é peculiar nisso de se aplicar a figuras reais. O músico é só uma entre muitas pessoas que tiveram seu sucesso atribuído aos dotes de Satã – outras incluem do virtuoso violinista Nicollò Paganini (1782-1840) até apresentadores infantis brasi-

QUANTO VALE UMA ALMA? TEXTO Tiago Cordeiro

leiros. O mais antigo exemplo conhecido é o de Teófilo de Adana (?-538), que teria vendido a alma para subir na hierarquia cristã. Ao se tornar bispo, teria se arrependido e tentado voltar atrás. A figura do Diabo, da maneira como ficou consolidada no imaginário cristão ocidental, foi construída ao longo da Idade Média. A cor vermelha, o rabo, o tridente, o pé com casco, nada disso está na Bíblia ou em outros textos do judaísmo e do cristianismo. A ideia de que Satã é um rei poderoso, que comanda o inferno e faz de tudo para aumentar o número de adeptos entre os humanos levou muita gente para a fogueira entre os séculos 12 e 18. Uma ideia que ganharia sua versão mais épica e definitiva com o doutor Johannes Georg Faust. Ou Fausto, como ele entrou para a língua portuguesa. No fim do século 16, começaram a circular na Europa diferentes textos contando a história do médico e alquimista alemão. Uma figura bem real, que nasceu em 1480 e morreu em 1540. Ele teria se tornado um mago poderoso, mas também foi perseguido por certa fama de sodomita. E de revirar cadáveres – esta,

bem possível. Na vanguarda da ciência renascentista estava a anatomia. Para aprendê-la, a matériaprima vinha dos cemitérios. Fausto morreu em decorrência de uma explosão em seu laboratório – seu corpo apareceu tão mutilado que só aumentou a lenda de que o demônio teria arrancado a alma dele à força. Em 1604, uma das versões de sua história foi consolidada pelo escritor Christopher Marlowe. Dois séculos depois, a peça em dois atos Fausto, de Johann von Goethe, veio a público em 1808 – como em nenhuma outra versão, o médico acaba salvo de ir para o Inferno. FEVEREIRO 2018 AVENTURAS NA HISTÓRIA

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almanaque

DITO & FEITO | O QUE É ISTO?

OI E TCHAU OS BRASILEIROS NÃO TÊM NADA A VER COM ISSO

O QUE É ISTO? A B C D E 16

AVENTURAS NA HISTÓRIA FEVEREIRO 2018

Iluminação da famosa boate Studio 54 Um satélite da Nasa da Era Disco Bomba de laser, arma secreta soviética Valiosíssima joia de diamantes Núcleo de reator de fusão nuclear

IMAGENS NASA'S GODDARD SPACE FLIGHT CENTER, GETTY IMAGES

tras palavras internacionais que vieram do germânico holâ, “traga!”, usado primeiro para chamar barqueiros. Já o “tchau” foi importado. A palavra foi primeiro trazida por imigrantes italianos. Eles utilizam a saudação ciao tanto quando chegam quanto quando se vão, mas aqui nunca colou como saudação, talvez porque já tivéssemos o oi e o olá para a primeira parte. O tch é a reprodução mais fiel do c da língua italiana. Ciao vem da língua veneziana. S-ciào vostro ou s-ciào su, o que quer dizer um hiperbólico “sou seu escravo”.

R: b) É pura coincidência que o Lageos – Laser Geometric Environmental Observation Survey (“Pesquisa de Observação Geométrica Ambiental a Laser”) – tenha sido lançado no auge da disco, em 1976. O que parecem ser espelhinhos de uma bola de discoteca são aparelhos ópticos para refletir laser contra o planeta, e medir seu formato e os movimentos das placas tectônicas. O Lageos 1 e seu irmão 2, de 1992, são satélites passivos, simplesmente refletem, sem qualquer mecanismo eletrônico. Devem ficar no ar por mais 8,4 milhões de anos.

O

“oi” é uma palavra internacional. Ela aparece em idiomas completamente díspares, do ídiche oy vey (“oh sofrimento”) até o persa e o japonês, passando pelo inglês. O significado é mais ou menos o mesmo em todos: obter a atenção de alguém, indicar surpresa ou espanto, ou desaprovação, como quando alguém diz com irritação: “Oi, atenção aí!’. Em latim e grego, oi era uma expressão de dor, que parece ter evoluído para um grito genérico para chamar a atenção de alguém. Outra hipótese é que seja uma variação de “olá” e “alô”, ou-

almanaque

HISTÓRIA MALUCA

GATOFONE UM TÉTRICO SUCESSO DA CIÊNCIA

IMAGENS SHUTTERSTOCK

O

que um gato tem a ver com um cabo de par trançado? Ambos podem transmitir ligações telefônicas. Sabemos porque alguém testou para descobrir. E não qualquer alguém: o autor da ideia foi o professor da Universidade de Princeton Ernest Glen Wever, que ainda viria a ser o chefe do departamento de psicologia da prestigiada instituição. Apesar de oficialmente psicólogo, Wever era o que hoje chamaríamos de neurocientista, termo que ainda não existia. Foi um dos pioneiros nesse campo. Em 1929, ele e seu assistente Charles William Bray conseguiram transmitir uma chamada telefônica através do nervo auditivo de um gato. E quem tem pouca tolerância para ouvir sobre crueldade com animais pode parar por aqui. O caso é que o gato estava vivo. Para dar acesso a seu nervo, foi sedado, teve seu crânio aberto e parte do cérebro removida. Wever então ligou um cabo telefônico ao fim do nervo, que ia até uma sala isolada, onde estava Bray. E falou na orelha do pobre animal. O assistente recebeu uma mensagem clara, como se fosse um cabo normal. O gatofone era um sucesso – provando que qualquer mamífero, até você, também pode ser um cabo telefônico. Mas esse não era o ponto deles. Era um experimento neurológico, e o que queriam testar era uma te-

oria de que os nervos transmitem seus impulsos em frequência maior quando o estímulo é maior. Estímulo, no caso, a amplitude, o volume do som. Wever então falou baixinho e gritou, depois falou fino e falou grosso. Provou que não era como se imaginava. A frequência e a amplitude eram proporcionais. Também experimentou mudar a posição do cabo para outra parte do cérebro, para verificar se não estava simplesmente conduzindo eletricidade pelos tecidos vivos. Não funcionou. Cortou o suprimento de sangue para o nervo tempora r ia mente. Ta mbém nada. Quando tanto abuso levou ao inevitável e o gato terminou por perecer, nunca mais deu resultado.

Para além de qualquer dúvida, o tímpano pode funcionar como um bocal telefônico; e o nervo, como cabo. Bray e seu assistente foram premiados com a medalha da Sociedade de Psicólogos Experimentais em 1936. Wever passaria o resto de sua vida estudando a audição, cessando suas atrocidades contra felinos. Bray trabalharia com a Marinha dos EUA na Segunda Guerra, desenvolvendo o sonar. Ambos nunca viram qualquer utilidade prática em seu experimento. Mas tem. E, nisso, chegamos a um final, na medida do possível, feliz: o gatofone daria origem aos mais modernos aparelhos auditivos, que são ligados direto ao nervo, intracranialmente. FEVEREIRO 2018 AVENTURAS NA HISTÓRIA

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Não está claro quando bodes passaram a ser identificados com Satã. Quando os templários foram obrigados a confessar que adoravam uma criatura chamada Bafomet, ninguém mencionou qualquer bode. A ideia aparece em quadros da Renascença, talvez pela redescoberta de imagens clássicas do deus romano Pã e dos sátiros.

QUADRO FOI BEM ALÉM DA SÁTIRA ENCOMENDADA

BRUXAS Q DE GOYA

terrível doença que o deixou surdo em 1793, acompanharia o desdobrar político da Revolução Francesa e a Era Napoleônica que se seguiu com um ceticismo trágico, preferindo comentar sobre os mortos nas guerras que sobre o progresso. Goya foi um dos primeiros artistas românticos. Como outros da geração, sem necessariamente adotar uma postura reacionária e anti-iluminista, estava mais interessado em revelar aspectos naturais, impulsivos e imaginários que cultuar uma razão idealizada. As bruxas sairiam mais complexas que a encomenda.

ARTE & HISTÓRIA

A mulher que entrega ao bode sua criança – a única que parece viva, salvo talvez a figura esquelética abaixo – tem a face rosada, e não distorcida como a das outras bruxas. Isso é um sinal de que ela era uma noviça, em seu primeiro sabá negro.

Uma das características do romantismo, versus o classicismo anterior, é a preocupação maior com passar uma emoção do que com criar uma “janela para a realidade”. Goya não fingia estar estampando o que os olhos viam: seus traços são visíveis e as figuras são retratadas com graus diferentes de detalhes – Satã, a menos real, um bode humano, é a que é tratada com mais detalhes realistas.

uando a duquesa de Osuna pediu a Francisco Goya que pintasse bruxas para decorar seu jardim, não estava pensando em histórias exemplares para manter os cristãos na linha. Patrona das artes, ciências e filosofia iluminista, seu plano era satirizar as superstições do passado, a crença que levou a milhares de mortes então claramente injustas na Espanha e no resto da Europa. Goya concordava que bruxas não existiam e que sua perseguição fora uma enorme injustiça. Mas não com a exaltação da razão como solução para todos os problemas humanos. Sofrendo de uma

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Sabá das Bruxas NOME: El Aquelarre DATA: 1798 AUTOR: Francisco Goya TÉCNICA: óleo sobre tela DIMENSÕES: 430 x 300 mm LOCAL: Museu Lásaro Galdiano, Madrid

É uma tradição do folclore cristão o Diabo ser uma paródia de Deus, fazendo tudo ao contrário. Aqui, ele aparece na postura de um papa, mas dando a mão esquerda. A Lua apontando para fora do quadro é também uma inversão das convenções.

Há crianças mortas para todos os lados. O chamado libelo de sangue era a acusação de que judeus roubavam crianças para usá-las em rituais macabros. Quando as bruxas tomaram o lugar deles como alvo maior das perseguições, no século 16, elas herdaram a acusação.

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RETROTECH

DESTRUIÇÃO

EM MASSA D

e sua longa ponte flutuante cruzando o Rio Scheldt, os espanhóis esperavam seus inimigos morrerem de fome. O Cerco de Antuérpia já durava quase um ano, e a estrutura improvisada, feita com tábuas sobre barcos, impedia a entrada de qualquer suprimento. Foi quando avistaram os navios de fogo. Também chamados brulotes, são uma invenção da Grécia antiga, barcos velhos incendiados e soltos em direção ao inimigo, na esperança de espalhar o fogo entre eles. Não era exatamente uma visão confortável para quem estava balançando sobre tábuas inflamáveis, mas os espanhóis conseguiram segurá-los com seus piques, lanças de 6 metros. Trinta e dois barcos haviam sido mandados e 32, contidos. Então veio um diferente. Seu nome era Fortuyn e ele explodiu. Longe: havia encalhado na beira do rio, sem atingir a barreira. E sua explosão foi parcial, fazendo só barulho. Um traque que fez os espanhóis rirem. O trabalho estava quase terminado. Faltava o último, o Hoop, que chegara à ponte. Como haviam feito com os outros, os espanhóis saltaram dentro para apagar o fogo. E, então, quem sabe um deles tenha ouvido o tic-tac. 20

AVENTURAS NA HISTÓRIA FEVEREIRO 2018

Quando deu a hora, o mecanismo temporizador fez com que a roda de pederneira se movesse, produzindo faíscas, que atingiram as mais de 3 toneladas de pólvora estocadas no compartimento de carga. Primeiro veio o clarão, depois a escuridão. Imediatamente, quase mil espanhóis estavam no ar, aos pedaços, indo cair no chão e em telhados a quilômetros dali. Um furioso tremor, seguido depois pelo barulho, acordaria aldeões num raio de 80 quilômetros. Os diques transbordariam e os fortes e casas no interior seriam cobertos pelo tsunami. Era 5 de abril de 1585 e o mundo conhecia a primeira arma de destruição em massa: o hellebrander, “brulote do inferno”. Seu inventor era o engenheiro mantuano Federigo Giambelli, que havia sido escorraçado da corte espanhola ao oferecer seus préstimos. Fez então a mesma oferta aos seus inimigos em Antuérpia, e suas propostas caíram em ouvidos interessados. O hellebrander tinha seu compartimento de carga forrado com grossas paredes de tijolos, e o teto, com lápides. Tudo fechado com chumbo derretido, selando hermeticamente uma pilha gigante de pólvora e o mecanismo temporizador. Sobre isso ia uma camada

de pedra e sucata de ferro, para aumentar o estrago, e mais lápides. Essa foi a primeira bomba-relógio da História e quase certamente a maior explosão artificial até então presenciada. A monstruosa invenção funcionou bem até demais. O próprio Giambelli acabou ferido pela onda de impacto, que tirou todos dos próprios pés. Os espanhóis acabariam por reconstruir sua ponte antes que os flamengos tivessem chance de quebrar o cerco. Antuérpia se renderia em agosto. Giambelli fugiria para a Inglaterra. A imagem ficaria gravada a fogo nas retinas dos sobreviventes. A notícia de que Giambelli, o homem mais perigoso do mundo, trabalhava com seus inimigos, deixava os espanhóis exasperados. Em 28 de de julho de 1588, a “Invencível Armada” da maior potência marítima do mundo estava prestes a confrontar seus inimigos britânicos em Calais. Quando viram navios de fogo, temendo serem mais brulotes do inferno, os espanhóis levantaram âncora e bateram em uma desastrosa retirada. Isso levaria à até então implausível vitória dos ingleses. A ilha permaneceria inconquistada. E isso graças a uma arma de destruição em massa que nem estava lá.

IMAGENS WIKIMEDIA COMMONS, SHUTTERSTOCK

A PRIMEIRA BOMBA-RELÓGIO ERA TÃO PAVOROSA QUE VENCEU MESMO QUANDO NÃO ESTAVA PRESENTE

almanaque

PANELA VELHA

COXINHA E MORTADELA

FOTOS SHUTTERSTOCK

C

om o pão de queijo, o arroz com feijão e a feijoada, a coxinha faz parte dos pratos universais brasileiros, que podem ser encontrados do Oiapoque ao Chuí. A coxinha, no formato exato, é exclusiva do Brasil. Mas há algo muito parecido lá fora: croquetes de frango. No livro L’Art de La Cuisine Française au Dix-Neuvième Siècle (“A Arte da Cozinha Francesa no Século 19”), de 1831, o chef Antonin Carême dava uma receita, e já dizia que o croquete devia ter um formato de pera – isto é, de coxinha. O salgadinho como conhecemos se desenvolveu nas primeiras décadas do século 20, na Grande São Paulo. Era uma variação mais durável das coxas de galinha fritas que faziam sucesso como petisco rápido nas portas das fábricas. A camada de massa ajudava na preservação. Há também uma lenda sobre a coxinha, que é contada na cidade de Limeira, interior paulista: a cozinheira da princesa Isabel teria improvisado com frango desfiado e batata amassada para servir o príncipe Pedro de Alcântara, que amava coxas de galinha e morava na residência real na cidade. O termo político também veio de São Paulo. É usado há pelo menos 20 anos. Letras de rap dos anos 90 atestam que “coxinha” já então era uma forma pejorativa de se referir a policiais militares. Possivelmente porque eles têm a fama de estar sempre pa-

QUITUTES QUE DIVIDIRAM A POLÍTICA BRASILEIRA TEXTO Tiago Cordeiro

rando em padarias para comer coxinhas. É mais ou menos como nos EUA, onde o estereótipo é que policiais amem loucamente os donuts. De policial, “coxinha” passou a se referir a conservadores em geral. São os defensores da lei e da ordem. A mortadela também é famosa em São Paulo, por conta dos sanduíches vendidos dentro do Mercado Municipal, com dezenas de fatias. Sua origem é italiana. Surgiu em Bolonha, no século 14, como uma variação de uma linguiça popular no país desde a Roma antiga. Sua característica mais marcante são os pedaços de gordura extraídos da papada de porco. Como o salame italiano, foi exportada para o mundo. A mortadela virou a resposta dos coxinhas a seus adversários políticos. Faz referência à má fama que o barato embutido tem nos círculos mais remediados, e também aos lanches que são servidos em protestos e comícios de sindicalistas. Os organizadores dessas manifestações podem distribuir sanduíches entre os participantes – não necessariamente de mortadela. A ideia é que só participam do protesto para ganhar o sanduíche. Diferentemente de “coxinha”, que já era um apelido relativamente popular, “mortadela” começou a se disseminar a partir de 2015. O suficiente para, nas eleições de 2016, mais de 50 candidatos, em todo o país, terem usado “coxinha” ou “mortadela” como apelido eleitoral.

FEVEREIRO 2018 AVENTURAS NA HISTÓRIA

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almanaque

AH10+

1

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6

4

7

3

5

OS MAIS MONUMENTAIS OS MAIORES E MAIS SIGNIFICATIVOS EDIFÍCIOS DAS RELIGIÕES MUNDIAIS

MASJID AL-HARAM 1

22

2

RAJAGOPURAM

Arábia Saudita 638 | em obras Islâmica

Índia Séc. 1 | expansão: 1987 Hindu

Frente: 315 m Fundo: 315 m Altura: 89 m

Frente: 50,6 m Fundo: 29,6 m Altura: 73 m

A mesquita de Meca é a mais importante do mundo, local para onde todo islâmico tem de peregrinar uma vez na vida. O pátio chega a ser ocupado por incríveis 4 milhões de fiéis.

O complexo de Srirangam ocupa um espaço de 630.000 m², que tem outras 20 torres (gopurams) e data de 2 mil anos. A torre recente é o ícone máximo da arquitetura tâmil.

AVENTURAS NA HISTÓRIA FEVEREIRO 2018

MAIOR DA ANTIGUIDADE

JETAVANARAMAYA ANURADHAPURA 3

MAIS INFLUENTE

4

HAGIA SOPHIA

MAIS DOURAD0

PAGODE SHWEDAGON 5

Sri Lanka Séc. 4 Budista

Constantinopla, Império Romano do Oriente 537 Ortodoxa

Yangon, Myanmar Séc. 6 | expansão: 1744 Budista

Frente: 176 m Fundo: 176 m Altura: 122 m

Frente: 73 m Fundo: 82 m Altura: 55 m

Altura: 99m Frente: 108 m Fundo: 108 m

O colossal templo, que só perdia para as pirâmides em altura, foi abandonado após conquistas e, até 1909, estava coberto pela floresta.

É um dos prédios mais icônicos da História. Influenciaria a arquitetura das igrejas católicas e mesquitas islâmicas.

A incrível torre budista é coberta por folhas de ouro e tem uma joia em seu ápice que nem pode ser avistada do chão.

ILUSTRAÇÕES SHUTTERSTOCK

MAIOR TORRE HINDU

MAIOR MESQUITA

38 metros

ESCALA

8

9

10

TEMPLOS DO MUNDO MAIOR CATÓLICO

MAIOR PIRÂMIDE

BASÍLICA DE SÃO PEDRO

PIRÂMIDE DE CHOLULA

Itália 1626 Católica

México Séc. 5 Religião mesoamericana

6

Frente: 150 m Fundo: 220 m Altura: 136 m Área do Complexo (Vaticano): 445.154 m2

O templo máximo do catolicismo substituiu uma igreja romana do século 4 e levou 120 anos para ser concluído.

7

Frente: 400 m Fundo: 400 m Altura: 55 m

Em área e volume, a construção pré-colombiana é maior que qualquer pirâmide egípcia.

MAIOR DE TODOS

8

ANGKOR WAT

MAIOR BUDISTA

9

MAIS ALTO

BOROBUDUR

10

ULM MÜNSTER

Camboja Séc. 12 Hindu, depois budista

Indonésia Séc. 9 Hindu

Alemanha 1377 | expansão: 1890 Luterana

Frente: 187 m Fundo: 215 m Altura: 65 m

Frente: 123 m Fundo: 123 m Altura: 35 m

Altura: 161,5 m Frente: 48,9 m Fundo: 123,5 m

O templo central pode parecer modesto nesta lista, mas a área total do complexo, de 1.626.000 m², o torna a maior obra religiosa já feita.

A estrutura, que acabou praticamente perdida para a floresta até 1814, tem também a maior coleção de estátuas budistas do mundo.

Não é sequer uma catedral: é só uma igreja inicialmente católica, que depois passou aos luteranos e, após sua expansão final, foi o edifício mais alto do mundo por 11 anos.

FEVEREIRO 2018 AVENTURAS NA HISTÓRIA

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almanaque

HISTÓRIA ILUSTRADA

TOMMY ÍCONE DA MÁFIA SERVIU TAMBÉM PARA ENFRENTAR NAZISTAS TEXTO Paula Lepinski

E

lliot Ness e Al Capone podiam ser inimiSgos mortais, mas concordavam com uma coisa: a sumetralhadora Thompson, carinhosamente apelidada de Tommy Gun, era um finíssimo instrumento de destruição. Pequena, relativamente leve, precisa e capaz de neutralizar o alvo imediatamente. Ela nasceu da Primeira Guerra. O general do Exército dos Estados Unidos John T. Thompson percebeu que a infantaria precisava de uma arma que pudesse ser levada pela terra de ninguém e recarregada no escuro. Para “limpar as trincheiras” inimigas. Mas não chegou a tempo. A Thompson Model 1919, como o nome indica, saiu em 1919, depois do fim da guerra. Coincidindo com a aprovação da Emenda 18 à Constituição americana, que estabeleceu a famosa Lei Seca, que levou a uma era de ouro para o crime organizado. Vendida por US$ 200 – o equivalente a US$ 2.600 hoje –, não demorou para que a Tommy Gun ganhasse fama nas mãos de gângsteres como Al Capone e John Dillinger e figurasse em filmes de Hollywood. Acabou sendo adotada também pelos departamentos de polícia dos Estados Unidos para lutar contra o crime organizado, combatendo fogo com fogo. Sua venda para o público seria proibida em 1934. A infame Tommy Gun teria um momento heroico. Seria usada pelo Exército aliado na Segunda Guerra, que consumiu 1,5 milhão de unidades. Só seria aposentada em 1971, após ser usada na Guerra do Vietnã.

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AVENTURAS NA HISTÓRIA FEVEREIRO 2018

Os primeiros modelos da submetralhadora tinham uma cadência cíclica de mais de 1.500 tiros por minuto. Em um segundo, 25 balas eram disparadas. As balas acabavam rápido demais, o cano aquecia e era impossível manter a mira na mesma posição. Isso foi corrigido a pedido dos militares. O modelo 1928 foi produzido com cadência de 800 a 600 tpm. Seria de 600 tpm nos modelos seguintes, o M1 e o M1A1, o que é típico para os fuzis de assalto modernos.

MUITAS BALAS

Diferentes carregadores (pentes) de munição foram usados nas versões da Tommy Gun. Porém, o mais icônico é o tambor com capacidade de 50 a 100 balas dispostas em espiral, da Thompson Model 1921, a versão usada pelos gângsteres americanos. Era considerado grande e pesado demais pelo Exército dos Estados Unidos, que preferiu usar pentes típicos de 30 balas.

PROJÉTIL

O único calibre disponível nos Estados Unidos para ser utilizado com o mecanismo inicial era o .45 ACP, o mesmo usado na pistola Colt M1911. É considerado eficiente em combate, combinando precisão e stopping power, isto é, a capacidade de derrubar um alvo humano sem que possa reagir.

FOTOS SHUTTERSTOCK

GUN

RÁPIDO DEMAIS

Ejetor da bala

Mola de atuação

Câmara de recuo

Gatilho

MECANISMO DE TIRO

Armas automáticas usam de diferentes mecanismos para recarregar a próxima bala sem intervenção do usuário. Nos primeiros modelos foi usado um sistema experimental, o blish lock, que acabaria abandonado por um mecanismo de pressão dos gases mais tradicional, o blowback (mostrado), no qual a expansão dos gases na câmara força o ferrolho para trás, ejetando o cartucho gasto e colocando uma bala nova no lugar.

MITO MAFIOSO?

Na década de 1930 surgiu o estereótipo do gângster escondendo sua submetralhadora numa caixa de violino. Dizia-se então que o misterioso assassino conhecido apenas como Buster de Chicago fazia isso. A ideia soa prática e genial, mas não há registros confiáveis nem qualquer caixa adaptada sobrevivente. Provavelmente foi invenção de Hollywood. FEVEREIRO 2018 AVENTURAS NA HISTÓRIA

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Textualis (1454)

Bakersville (1750)

Fette Fraktur (1850)

Helvetica (1957)

Farnham (2004)

Times New Roman (1931)

Garamond (1523)

Old English Text (1935)

TIPO GRAFIA A ARTE DAS LETRAS IMPRESSAS COMEÇOU COM GUTTENBERG, MAS DEVE ALGO AOS MONGES MEDIEVAIS

No espírito renascentista, Nicholas Jenson buscou resgatar os caracteres como da época de Roma. Como não havia minúsculas na Antiguidade, ele importou-as da escrita dos tempos de Carlos Magno (742-814), que por sua vez era baseada no latim cursivo, o uncial. Continuam a ser as fontes mais usadas.

Inspirado na caligrafia dos monges, Guttenberg imprimiu sua Bíblia nos pesados caracteres dos manuscritos medievais, bastante decorados. O estilo sairia de moda rapidamente, exceto na Alemanha, onde foi usado até o fim da Segunda Guerra, quando acabou ligado ao nazismo, que fazia amplo uso de letras góticas em suas propagandas.

T

LINHA DO TEMPO

udo que sai do seu teclado é fruto de uma tradição de cinco séculos e meio, iniciada por Guttenberg, que continua disponível em todas as suas vertentes. Os múltiplos tipos que foram criados por artistas quase tão respeitados quanto pintores e músicos – ao menos, entre os editores de livros – são não apenas fruto como símbolo da era em que foram feitos, das ideias classicistas da Renascença à modernidade iluminista, à linguagem direta e dura da era da industrialização e uma certa banalidade consumista contemporânea.

almanaque

Papyrus (1982)

Helvetica (1957)

Rockwell (1934)

Bodoni (1791)

Clarendon French (1864)

Comic Sans (1994)

Calibri (2004)

Caslon Egyptian (1816)

Courier (1955)

Figgins Antique (1815)

Century (1894)

Didot (1784)

Fontes de brincadeira, de uso bastante limitado (ou deveria ser assim). O mesmo Caslon que inventou a fonte sem serifa resolveu fazer uma piada visual: ele inverteu as partes grossas e finas, criando uma “monstruosidade tipográfica”. Um desses “monstros” se tornaria símbolo do Velho Oeste. Outro, de comunicados mal pensados.

A fonte sem serifa começou timidamente, com um nome sinônimo para grosseiro, porque era vista assim: algo exclusivamente para chamar a atenção, para o uso comercial. E a primeira delas emprestava o nome do estilo “egípcio”. Só no século 20 se tornaria respeitável o bastante para acabar em publicações.

A serifa (a ponta que se extende para além da letra) ultragrossa foi sinônimo de comércio por todo o século 19. O nome não tem qualquer relação com o Egito, exceto que foi usada por muitas coisas que se anunciavam como “egípcias”. Então se vivia uma mania pelo Egito, graças a achados recentes.

Inspiradas no trabalho de John Baskerville (acima), cujo estilo passaria a ser chamado de “de transição”, estas fontes são uma variação das romanas, mas nelas há um grande contraste entre traços finos e grossos. Elas se tornaram um símbolo da literatura da era do Iluminismo.

Imagens ilustrativas.

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PERSONAGEM

A CABEÇA DE

LUÍS XVI

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AVENTURAS NA HISTÓRIA FEVEREIRO 2018

HÁ 225 ANOS, ERA GUILHOTINADO UM REI INCOMPETENTE, FRACO, COVARDE... OU SOBERANO QUE TENTOU MODERNIZAR A FRANÇA E QUASE EVITOU OS PIORES HORRORES DA REVOLUÇÃO? QUEM FOI REALMENTE LUÍS XVI? TEXTO Carlo Cauti

carruagem chegou às 10h15 aos pés da guilhotina erguida na Praça da Revolução, anteriormente Praça Luís XV, em frente ao pedestal do qual a estátua do tirano com esse nome havia sido derrubada. As estradas de acesso eram defendidas por inúmeras peças de artilharia. Chegando a esse lugar terrível, Luís Capeto foi entregue aos carrascos. Eles tomaram posse dele, cortaram-lhe os cabelos, tiraram-lhe as roupas e amarraram-lhe as mãos atrás das costas. Então perguntaram-lhe três vezes seguidas se ele tinha algo a dizer ou declarar ao seu confessor. Como ele continuou a dizer não, o abade o abraçou e, deixando-o, disse-lhe: ‘Vá, filho de São Luís, o céu te espera’. ” Essa é a crônica que o Magicien Républicain, um jornal antimonarquista da época, fez da execução de Luís XVI, o último soberano francês do Ancien Régime, o Velho Regime, no dia 21 de janeiro de 1793. Que continua: “O rei conseguiu avançar para a borda do patíbulo mostrando o desejo de pronunciar um discurso aos cidadãos e esperando que suas palavras pudessem salvá-lo. Mas o comandante Santerre ordenou que os tambores rolassem e os carrascos cumprissem seu dever. A ordem foi executada imediatamente. Os carrascos o pegaram, o levaram à mesa fatal, e ele teve tempo de pronunciar

alto e claro: ‘Morro inocente dos crimes dos quais sou acusado. Perdoo os que me matam. Que meu sangue nunca caia sobre a França!’. A lâmina vingadora correu pela cabeça culpada. Removendo-a”. A morte de Luís XVI foi o ápice da Revolução Francesa, desencadeada por enormes problemas econômicos e políticos, além do grave conflito social que abalava a França no final do século 18. Luís XVI e a família real foram considerados como os principais responsáveis por essa situação e por isso terminaram destronados, processados e quase todos guilhotinados. É o velho mas verdadeiro clichê sobre quem escreve a História: a tradição da França republicana acatou a visão dos vencedores – os revolucionários –, do rei como o principal culpado pelos males que desencadearam a Revolução. Ele passou a ser lembrado como fraco, corrupto, indeciso e inepto. “Esses estereótipos se encontram nas pilhas de manuais escolares que os professores universitários não quiseram se esforçar em revisar, se mantendo próximos à descrição tradicional do rei”, afirma o historiador francês Jean-Christian Petitfils, autor do monumental Louis XVI. “A educação do rei não deixava nada a dever, assim como seu modo de trabalhar, suas leituras numerosas, sua vasta cultura, sua paixão para as ciências, sua ação no caso da guerra de 1792,

que ele tentou desesperadamente evitar, contradizem a opinião consolidada e constantemente repetida.”

UMA HERANÇA: OS EUA O maior feito, e provavelmente o mais subestimado, de Luís XVI foi o decisivo apoio que ele deu aos colonos norte-americanos na Guerra de Independência dos Estados Unidos. Sem armas, uniformes, dinheiro, tropas e a frota da França, provavelmente jamais teriam conseguido expulsar os britânicos de suas terras. Em 1778, Luís XVI não somente reconheceu os recém-independentes Estados Unidos, que naquele momento nada mais eram que um punhado de colônias rebeldes, mas assinou um tratado de aliança em caso de guerra com o Reino Unido. Essa foi a base jurídica que permitiu a intervenção francesa na guerra de independência americana, onde, até 1782, inúmeros soldados e oficiais franceses lutaram ao lado dos norteamericanos. Entre eles, o famoso Marquês de La Fayette. Esse apoio garantiu ao rei uma grande popularidade entre o povo francês, sempre muito sensível ao grandeur nacional. “A vitória na América foi o primeiro triunfo da França em quase um século de humilhações bélicas e diplomáticas. Após as derrotas na Guerra de Sucessão Espanhola, na Guerra de Sucessão Austríaca e na Guerra dos Sete Anos, Luís XVI restaurou a FEVEREIRO 2018 AVENTURAS NA HISTÓRIA

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honra internacional da França. Ele foi um rei vitorioso”, explicou para a AH Pierre Serna, professor do Instituto de História da Revolução Francesa de Paris (IHRF). Entretanto, o esforço bélico interoceânico custou caro aos cofres públicos franceses, piorando uma situação fiscal já precária. Tanto que o rei foi obrigado a convocar os Estados-Gerais, órgão que não se reunia havia mais de 150 anos, para pedir um aumento dos impostos. Foi nessa ocasião que a falta de representatividade dos plebeus, pobres ou burgueses – o chamado Terceiro Estado –, levou aos protestos que desembocaram na Revolução Francesa. Uma revolução baseada nas ideias de liberdade, igualdade e representatividade (fraternidade, a julgar pela guilhotina, não era o ponto forte). Que haviam triunfado na América, inspirando os franceses a depor o mesmo Luís XVI que tanto tinha apoiado esses ideais do outro lado do Atlântico. Conquanto a imagem do rei e, em particular, de sua mulher, Maria Antonieta, pudesse parecer elitista e repleta de desprezo para as classes mais pobres, ele foi o soberano que aboliu a servidão, uma herança da época feudal. Até aquele momento os servos tinham um status social pouco diferente dos escravos. Eles eram o mais baixo nível da sociedade francesa, não tinham liberdade de movimento e, mesmo tendo o di-

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reito de possuir bens, quando a terra onde trabalhavam era vendida, eles eram vendidos junto com ela. Sensível à forte oposição dos intelectuais da época – e em particular do escritor Voltaire –, que achavam a servidão desumana, em 1779 Luís XVI a aboliu em todas as terras sob o controle real na esperança de que isso encorajasse outros proprietários a fazer o mesmo. Mas os nobres e os grandes latifundiários franceses não seguiram o exemplo do soberano, pois queriam manter a vantagem da mão de obra barata. No final, o regime como um todo foi visto como culpado, e o rei era sua encarnação. A servidão foi totalmente abolida na França em 4 de agosto de 1789, no começo da Revolução, pela Assembleia Nacional Constituinte, quando os privilégios feudais da nobreza foram declarados extintos.

PELA CIÊNCIA

entrepostos comerciais, encontro de novos povos e mapeamento do mundo. A viagem chegou a um final trágico em 1788, quando os navios afundaram na Austrália, matando todas as 227 pessoas a bordo. Mas fez achados importantíssimos. Em uma Europa com níveis de alfabetização muito baixos, Luís XVI foi um exemplo de intelectualismo, o qual tentou transmitir para sua família e para o resto do povo francês. O rei reuniu uma das mais impressionantes bibliotecas privadas da época, com mais de 8 mil livros. Fluente em inglês e italiano, ele era muito bom em latim, astronomia, história e geografia. Fundou uma escola de medicina em Paris em 1774, a Academia e Escola de Cirurgia, hoje a Université Paris Descartes. O soberano era também um patrono das artes, comissionando obras para artistas do calibre de Jacques-Louis David e apoiando po-

Luís XVI também desempenhou um papel importante no apoio às explorações geográficas francesas no final do século 18. Insatisfeito com a falta de conhecimento da França no hemisfério sul do planeta, em 1785 ele decidiu enviar numa expedição ao redor do mundo dois navios da Marinha Real: La Boussole e L’Astrolabe. O rei foi diretamente envolvido com a preparação da viagem, escolhendo pessoalmente o capitão, a tripulação e definindo seus objetivos: a criação de novos

“O rei reuniu uma das mais impressionantes bibliotecas privadas da época”

etas, mesmo que estrangeiros, como o norte-americano Joel Barlow, que graças ao apoio do rei francês conseguiu escrever The Columbiad. Luís XVI também mostrou tolerância religiosa. Em um momento histórico em que a Igreja Católica era uma das instituições mais ricas e poderosas da França, o soberano a desafiou abertamente reconhecendo legalmente as religiões não católicas, como o judaísmo e o protestantismo huguenote. O Édito de Tolerância, (ou de Versalhes), assinado pelo rei em 1787, deu aos não católicos o direito a um estado civil, a registrar casamentos, nascimentos, óbitos e propriedades próprias. “A plenitude dos direitos para os não católicos chegou somente com o Código de Napoleão em 1804, mas o Édito da Tolerância de Luís XVI foi um enorme passo adiante”, afirma Serna. O rei também aboliu o uso da tortura para obter confissões nos tribunais franceses. Por mais de 600 anos essa era a ferramenta-padrão usada para obter confissões, mesmo que sua falta de confiabilidade já tivesse sido notada. Em 1780 Luís XVI proibiu um tipo de tortura conhecido como “pergunta preparatória”, e em 1788, qualquer tortura. E também deu um passo na direção da abolição da pena de morte. Em 1775, ele evitou que os desertores do Exército fossem executados. Em 1791, os revolucionários cogitaram abolir a pena de morte. Só pelo final

desta própria história, não é nem preciso dizer qual foi sua decisão.

O HOMEM ERRADO NA HORA ERRADA É também necessário salientar como Luís XVI foi um rei particularmente azarado. O soberano chegou ao trono francês em uma conjuntura econômica, política e até climática completamente desfavorável. Foi um verdadeiro milagre ele ter conseguido se manter no trono desde 1774. Em primeiro lugar, Luís não tinha que virar rei. Ele era apenas o segundo filho homem do “delfim da França”, como se chamavam os herdeiros do trono francês. Havia dois

outros na fila diante dele para se tornarem reis depois de seu avô Luís XV: seu pai e seu irmão mais velho. Ambos acabaram morrendo quando Luís era uma criança, transformando-o automaticamente em herdeiro do trono, que ele assumiu aos 19 anos, em maio de 1774. “Luís XVI se tornou rei muito jovem e mal preparado, pois não era o herdeiro designado. Foi um acaso histórico a coroa ter chegado à cabeça dele”, explica o professor Serna. Em segundo lugar, o clima político na França estava maduro havia décadas para uma Revolução, e ninguém poderia ter mudado esse

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aspecto. As desastrosas derrotas da França em guerras de décadas antes, as de Sucessão Espanhola (1701-1714), de Sucessão Austríaca (1740-1748) e dos Sete Anos (1756-1763), tinham deixado uma enorme dívida pública para a França. E, no topo de tudo isso, ainda teve o vulcão. A enorme erupção do Laki, no sul da Islândia, que durou oito meses entre 1783 e 1784, vomitou na atmosfera uma enorme quantidade de lava e gases venenosos que devastou a agricultura de grande parte do Hemisfério Norte, inclusive na França. Não por acaso as crônicas da época lembram que o estopim que levou à Revolução Francesa começou com uma grave escassez de pão em Paris. E, em última análise, os ideais do Iluminismo começaram a realmente se firmar somente nesse momento histórico, gerando um pensamento revolucionário nas massas. Juntando todos esses pontos, talvez Luís XVI tenha sido o rei francês mais desafortunado da História. “O rei era ciente da situação de seu reino e até tentou mudar as coisas”, conta Serna. O primeiro ato de seu governo foi justamente tentar botar ordem no caos das finanças estatais francesas. Sem aumentar os impostos, mas apenas cortando gastos, ele conseguiu reduzir o gigantesco déficit público, tanto que chegou a negociar um empréstimo com juros de apenas 4%. Luís não gostava da pompa e desejava que o serviço em sua

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corte fosse “reduzido ao que era absolutamente necessário”. Cargos públicos foram abolidos; salários, cortados; e até os cavalos do estábulo real foram reduzidos. “Luís também tentou mudar o sistema fiscal francês, antigo e profundamente injusto, tentando acabar com os privilégios da nobreza e do clero”, explica o professor. Na época as pessoas comuns suportavam um peso tributário enorme, enquanto a nobreza e o clero eram livres de qualquer responsabilidade. A primeira coisa que ele fez foi abolir um imposto: o chamado droit de joyeux avènement, o “di-

reito de felizes eventos”, que o povo tinha que pagar no momento da posse de cada novo soberano. O rei cogitou substituir os impostos indiretos por um imposto sobre os imóveis, atingindo assim os mais ricos, e incentivando o consumo, liberalizando por decreto em 1774 o comércio de grãos. Isso foi louvado pelos iluministas, ganhou os aplausos da oposição popular, mas foi atacado por especuladores, entre os quais muitos aristocratas. Além disso, ele eliminou as corveias, os 14 dias de trabalho forçado e não remunerado que os camponeses tinham que realizar. Luís XVI

decidiu substituir esse costume anacrônico e brutal por um imposto sobre a terra, que irritou ainda mais a nobreza. O soberano tentou de outras formas fazer a nobreza pagar mais impostos e o clero pagá-los pela primeira vez, para que o fardo fiscal não dependesse inteiramente dos mais pobres. Entretanto, a nobreza se recusou a pagar mais, e começou uma virulenta guerrilha política que envolveu até seu primo, Luís Filipe, duque de Orléans – o mesmo que acabou votando a favor da condenação à morte de Luís XVI em 1793, mas que terminou também guilhotinado pelos revolucionários. A própria rainha se revoltou contra essas tentativas de seu marido, pois iriam prejudicar os privilégios de suas amigas nobres, como a duquesa de Polgnac ou a princesa de Lamballe.

IMAGENS WIKIMEDIA COMMONS, SHUTTERSTOCK

A HISTÓRIA IRÁ ABSOLVÊ-LO? “Apesar de sua monarquia ser tecnicamente absoluta, Luís XVI não mandava em um país unificado. Cada nobre mantinha uma certa independência e obstruiu de todas as formas as ações do soberano. Essa falta de colaboração impediu o rei de levar adiante as reformas fundamentais”, diz Serna. Os nobres também causaram muitos problemas na gestão dos primeiros momentos da Revolução, piorando ainda mais as coisas. Por exemplo, os nobres deveriam enviar a maior parte do di-

nheiro dos impostos que coletavam de camponeses em suas terras ao rei, mas costumavam manter a maior parte do dinheiro de forma ilegal, mandando para Paris apenas um terço do devido. Para completar, Luís teve o infortúnio de se casar com uma estrangeira, a austríaca Maria Antonieta. “Princesa de um império, a Áustria, contra o qual a França tinha entrado diversas vezes em guerra. Isso gerou uma verdadeira onda de xenofobia entre os franceses, que começaram a considerar Maria como fonte principal de seus problemas”, explica Serna. A rainha recebeu o apelido de Madame Déficit, porque acreditava-se que suas despesas excêntricas (muitas vezes meros boatos, como o revestimento dos corredores de Versalhes com diamantes e ouro) destruiriam os cofres do reino. Provavelmente remonta a esses anos a frase mais famosa de Maria Antonieta, totalmente apócrifa: “Se não têm pão, que comam brioches”. Um caso de fake news que custaria a cabeça não só dela. Em suma, Luís XVI provavelmente chegou no lugar histórico errado na hora histórica errada, e logo se viu atropelado por uma situação que ia além de seu controle. “Ele acabou pagando as consequências de uma política externa desastrosa de Luís XV e da opulência de Luís XIV”, explica o professor Serna. E, a partir daquele momento, as coisas

“Cada nobre mantinha certa independência e obstruiu de todas as formas as ações do soberano” pioraram. A economia começou a ir por água abaixo (o desemprego em Paris em 1788 era estimado em 50%), as colheitas se tornaram umas piores do que as outras, o preço do pão e de outros alimentos subiu. Foi o início da Revolução. “Entretanto, hoje é necessário superar a historiografia revolucionária que pintou Luís XVI dessa forma terrível. No final das contas o rei se comportou como um servidor público de seu país, mesmo que esse termo tenha sido inventado após a Revolução. O soberano era filho de seu tempo, com todos os limites que isso implicava. E provavelmente a falta de autoridade em impor as reformas de que a França muito necessitava levou à Revolução Francesa”, diz Serna. Luís XVI morreu guilhotinado no centro da atual Place de la Concorde. Sua morte foi o primeiro ato daquela orgia de violência desenfreada que irrompeu entre 1793 e 1794, conhecida como O Terror, e da qual o soberano foi a primeira vítima.

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UM HERÓI NO PARTIDO NAZISTA ALBERT BATTEL DESAFIOU SEUS COLEGAS E A IDEOLOGIA DO PARTIDO PARA SALVAR JUDEUS TEXTO Rodrigo Casarin

Judeus sendo humilhados por soldados do Exército alemão em Przemysl, tendo suas barbas cortadas à força

Judeus expulsos de Przemysl através do Rio San

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Una sinagoga queimando en Przemysl, setembro de 1939

Albert Battel em frente a seu batalhão do Exército alemão, detalhe na imagem maior

Um enterro de vítima de guerra na cidade polonesa

om a absurda precisão à qual em breve nos acostumaríamos, os alemães fizeram a chamada. Ao final, Wieviel Stück? – ‘quantas peças?’, perguntou o sargento. E o cabo, batendo continência, respondeu que as ‘peças’ eram 650, e que tudo estava em ordem. Embarcaram-nos, então, nos ônibus e nos levaram até a estação de Cárpi. Lá nos esperavam o trem e a escolta para a viagem. E lá recebemos as primeiras pancadas, o que foi tão novo e absurdo que não chegamos a sentir dor, nem no corpo nem na alma. Apenas um profundo assombro: como é que, sem raiva, pode-se bater numa criatura humana?” A cena e a pergunta estão em É Isto um Homem?, livro do judeu italiano Primo Levi. A obra é considerada um dos relatos mais brutais a respeito da talvez maior atrocidade infligidas por seres humanos a outros seres humanos. A questão levantada por Levi tem muitos desdobramentos no próprio livro: como pode um homem manter o outro sem acesso até mesmo à água, fazendo com que reze para um punhado de neve cair do céu? Como pode trancafiar o próximo em centros de trabalhos forçados submetendo-o constantemente a humilhações diversas e deixando-o praticamente sem ter o que comer, vestir, como se aquecer ou onde dormir? Como pode um ser humano tocar o outro, tal qual gado, até uma câmara e acionar o gás mortal que matava centenas, milhares de judeus – e ciganos, e homossexuais, e qualquer outra coisa contrária ao mundo idealizado pelos nazistas? Como de uma só vez? Levi sobreviveu ao Holocausto e pôde escrever sua obra-prima, pu-

blicada em 1958. Como ele, outros judeus escaparam da morte certa, alguns graças a improváveis heróis: oficiais nazistas que, de alguma forma, sentiam-se tocados pela condição à qual seus pares submetiam outros seres humanos. Eles decidiram contrariar as ordens vindas de seus superiores e dar uma chance para que os prisioneiros se salvassem. Um alemão étnico nascido em 1891 em Prezynka, cidade polonesa próxima à fronteira com a República Tcheca, Albert Battel, seria um deles.

OPÇÕES LIMITADAS Veterano da Primeira Guerra Mundial e advogado atuante, Battel se filiou em 1933 ao Partido Nazista, o único que podia atuar no país naquele ano em que Adolf Hitler foi nomeado chanceler alemão. Ao longo da carreira, já tinha dado algumas pequenas demonstrações de simpatia aos homens que eram referidos como “ratos” por seu partido. Contrariando ordens superiores, emprestara dinheiro a um conhecido judeu em certa oportunidade. Em outra, tratou de maneira amistosa, até gentil, quando, já com perseguições em andamento, encontrou um amigo de faculdade que logo viria a carregar a estrela de Davi amarela em sua vestimenta. O ato que gravaria para sempre seu nome na História seria bem mais dramático. Seria em 1942, quando a guerra ainda tinha três anos pela frente e a caça nazista aos judeus atingia seu auge. Estava em andamento a Solução Final. No dia 26 de julho, o primeiro-tenente Battel, então um oficial de reserva do Exército alemão e membro das forças defensivas Wehrmacht, esFEVEREIRO 2018 AVENTURAS NA HISTÓRIA

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tava em Przemysl, cidade polonesa próxima à Ucrânia. Quem comandava as ações no gueto da região, cuidando dos judeus que trabalhavam para os militares em uma indústria de armamentos, era o major Max Liedtke, que tinha Battel como seu braço direito. Quando tropas da SS aproximaram-se da cidade para levar judeus à primeira onda de aniquilações, tiveram uma grande surpresa: foram traídos pelos seus colegas do Exército.

AMIGOS NA PONTE Para chegar a Przemysl era preciso cruzar o Rio San. Percebendo que os outros nazistas levariam os judeus aos campos de extermínio, Battel e Liedtke ordenaram que suas próprias tropas bloqueassem a ponte utilizada para a travessia do curso d’água. Os membros da SS, claro, não deram meia-volta de mãos vazias. Enquanto avançavam sobre a ponte, encaravam os soldados comandados por Battel. Este, a certa altura, prometeu ordenar que os seus abrissem fogo contra a SS se a marcha prosseguisse. A dizer o mínimo, a situação era tensa. Percebendo que não conseguiria manter aquilo durante muito tempo, Battel colocou em prática uma outra estratégia. Enquanto a SS tentava resolver o imbróglio na ponte, arrumou caminhões do Exército e saiu pelo gueto recolhendo os judeus que encontrava pelo caminho.

Ao todo levou entre 80 e 100 trabalhadores e suas famílias para a base militar local, onde a Wehrmacht poderia garantir a segurança de todos – daqueles cento e tantos sob sua guarda, ao menos. Quando a SS conseguiu enfim chegar a Przemysl, outros seriam levados para Belzec, campo de concentração na Polônia onde cerca de 450 mil teriam sua vida abreviada. Heinrich Himmler, o principal arquiteto da Solução Final, recebeu as notícias. E ficou furioso. Preparou um dossiê e enviou ao Partido Nazista pedindo que, após a guerra, o rebelde fosse para a cadeia. Mas, na prática, pouco aconteceu. Com a guerra se acirrando, o caso acabou ficando em segundo plano. Battel chegou a ser promovido e enviado para uma unidade de linha de frente antes de ser dispensado do Exército, em 1944, por questões médicas. Retornou à cidade natal, e ainda assim terminou recrutado para uma milícia local formada enquanto as últimas balas do conflito eram disparadas. Capturado pelos soviéticos, tornou-se prisioneiro de guerra. Viveria.

ELE NÃO ESTAVA SÓ E isso não aconteceu apenas com Battel. “Pesquisas históricas revelam pelo menos uma centena de casos documentados de soldados ou policiais alemães e membros da SS que recusaram ordens para matar

ARRUMOU CAMINHÕES DO EXÉRCITO E SAIU PELO GUETO RECOLHENDO OS JUDEUS QUE ENCONTRAVA PELO CAMINHO 38

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Judeus no gueto de Przemysl enfileirados para serem enviados a campos de trabalhos forçados

Execução pública dos poloneses acusados de ajudar judeus Michal Kruk e vários outros em Przemysl, 6 de setembro de 1943

ALGUNS SIMPLESMENTE REFUTAVAM OS COMANDOS. OUTROS PROTESTAVAM COM VEEMÊNCIA

Veículos blindados Sd.Kfz 232 e Sd-Kfz 231 na cidade de ocupada, em 1939

Sinagoga após a destruição em 1939

A ponte bloqueada por Alfred Battel sendo cruzada, 1942

judeus, outros civis desarmados ou prisioneiros de guerra. Nenhum desses alemães foi morto por recusar essas ordens e poucos deles sofreram sérias consequências. Esses dados contradizem o discurso convencional mantido durante a guerra pelos combatentes alemães de que qualquer ordem vinda de oficiais superiores precisava ser obedecida, caso contrário as consequências seriam drásticas”, aponta o historiador David Kitterman, autor de Those Who Said ‘No’ to the Holocaust (“Aqueles Que Disseram ‘Não’ ao Holocausto”). No caso mais célebre de todos, essa foi a defesa que Adolf Eichmann, responsável pela logística da Solução Final, tentou diante de um tribunal israelense em 1961, no talvez julgamento mais célebre do século 20. Defesa recusada, ele seria enforcado – a única vez que Israel condenou um civil à morte (o único outro caso de execução no país fora de uma corte marcial). Diversas eram as táticas adotadas por esses alemães que se recusavam a seguir as ordens superiores e dar cabo da vida principalmente de judeus, explica Kitterman. Alguns simplesmente refutavam os comandos. Outros protestavam com veemência, algo que funcionava FEVEREIRO 2018 AVENTURAS NA HISTÓRIA

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principalmente quando as unidades da polícia ou do Exército não estavam sob controle direto das SS. Havia até aqueles que alegavam os danos físicos e psicológicos que as ações desumanas poderiam causar ou diziam que os atos eram contrários à própria consciência, aos credos religiosos ou aos escrúpulos morais. Mais raros, poucos apelavam pedindo transferência de unidade. Também havia os que fingiam insanidade para desobedecer.

Oficial do Exército Vermelho capturado na Operação Barbarossa, a invasão à União Soviética, preso em Przemysl. Direita: sinagoga destruída.

ESQUECIMENTO POR DÉCADAS

FOTOS WIKIMEDIA COMMONS, GETTY IMAGES, YAD VASHEM, REPRODUÇÃO

Battel morreu em 1952. Sua história ficou no limbo até que o advogado israelense Zeev Goshen a resgatasse e no começo de 1981 pedisse que o rebelde fosse honrado com o seu nome na galeria dos Justos entre as Nações, criada por Israel em 1953 para reconhecer e cultivar a memória de homens e mulheres que ajudaram judeus a escapar dos massacres nazistas e na qual está a brasileira Aracy Guimarães Rosa, tema de uma matéria da AH em outubro passado. O que teria levado o oficial a contrariar as ordens superiores e resguardar os judeus que estavam sob sua guarda? Helena Lewin, doutora em sociologia pela Universidade de São Paulo e professora colaborado-

SUA HISTÓRIA FICOU NO LIMBO ATÉ QUE O ADVOGADO ISRAELENSE ZEEV GOSHEN A RESGATASSE 40

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Judeus forçados a se mudar para o gueto, julho de 1942

1ª Divisão de Montanha da Juventude Hitlerista, responsável por extermínio de judeus

NÃO HAVIA UM SISTEMA AUTOMÁTICO DE TERROR E JUSTIÇA OPERANDO CONTRA QUEM FAZIA ESSA RECUSA

A mesma sinagoga em outra imagem

A ponte do Rio San em 1941

ra e coordenadora do Programa de Estudos Judaicos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, elenca no artigo Solidariedade em Tempos Sombrios alguns fatores que normalmente motivam pessoas a tomar atitudes nobres como a do oficial alemão: “Quais teriam sido os motivos que levaram indivíduos a salvar judeus da morte e da deportação enquanto eles mesmos e suas famílias corriam perigo de vida? As respostas desses salvadores, quando inquiridos, centravam-se em um núcleo recorrente que permite compreender a ação corajosa desses indivíduos. As respostas mais frequentes eram: 1) foi uma decisão deliberada de se comportar de maneira civilizada; 2) nós fizemos o que tinha que ser feito; 3) qualquer pessoa faria o mesmo; 4) é dever do homem salvar seu semelhante. Essas respostas demonstram a corajosa atitude que tomaram, sabendo de antemão dos grandes perigos que assumiam, além de revelarem a grandeza de caráter e de atitudes de solidariedade e piedade”. “O Holocausto foi uma tragédia sem paralelos. No entanto, no meio do horror, heróis surgiram”, afirma David Kitterman. “São aqueles que disseram ‘Não!’. Aqueles que superaram a doutrinação do medo e a pressão de seus pares e se recusaram a participar de crimes contra a humanidade. A história deles mostra que era possível se recusar a parti-

cipar do Holocausto. Contrariando o pensamento popular, não havia um sistema automático de terror e justiça operando contra quem fazia essa recusa. A capacidade de coerção dos nazistas durante a guerra era impotente ou ineficaz, conforme apontam quase todos os casos documentados de gente que se recusou a assassinar humanos desarmados.” Para Kitterman, se mais alemães tivessem feito o mesmo que fez Battel, a carnificina teria sido evitada. Os milhões de assassinados não teriam sido mortos. Famílias não permaneceriam destroçadas por gerações. E primo Levi não teria passado pelo intenso processo de desumanização que registra em seu É Isto um Homem?: “Imagine-se, agora, um homem privado não apenas dos seres queridos mas de sua casa, seus hábitos, sua roupa, tudo, enfim, rigorosamente tudo que possuía; ele será um ser vazio, reduzido a puro sofrimento e carência, esquecido de dignidade e discernimento – pois quem perde tudo muitas vezes perde também a si mesmo; transformado em algo tão miserável, que facilmente se decidirá sobre sua vida e sua morte, sem qualquer sentimento de afinidade humana, na melhor das hipóteses considerando puros critérios de conveniência. Ficará claro, então, o duplo significado da expressão ‘Campo de extermínio’, bem como o que desejo expressar quando digo: chegar ao fundo”. FEVEREIRO 2018 AVENTURAS NA HISTÓRIA

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A ÚLTIMA GUERRA DOS HÁ 150 ANOS, UMA GUERRA ENTRE SAMURAIS COM FUZIS, CANHÕES E NAVIOS A VAPOR CONSOLIDOU O JAPÃO COMO UM PAÍS MODERNO UNIFICADO. ERA O FIM DE QUASE 700 ANOS DE FEUDALISMO E O COMEÇO DE UMA GRANDE POTÊNCIA TEXTO Tiago Cordeiro

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O samurai Inoue Gorobei em alerta, levantando sua espada atrás de uma lanterna de pedra japonesa. Parte da série Seleção de 100 Guerreiros, mostrando personagens da Guerra Boshin feitas em 1868 e 1869 pelo gravurista Tsukioka Yoshitoshi

Japão nasceu há 150 anos, em 1868. Ou melhor: o Japão, país unificado, com um governo central moderno, só surgiu então. Antes disso, cada região era controlada por seu daimiô, seu senhor feudal, que tinha autonomia em quase tudo, menos guerra, no que respondia ao xogum – e, na prática, não havia guerra fazia dois séculos e meio. Tóquio chamava-se Edo e era a sede do domínio dos Tokugawa. O arquipélago havia atravessado 221 anos de quase total isolamento do resto do mundo. Com a Guerra Boshin, um sistema de governo e de vida ruiu. O imperador, em geral uma figura apenas simbólica desde o século 11, voltou a ter poder e passou a aceitar, de bom grado, as novidades trazidas pelo resto do globo – um caso que, veremos adiante, não é sem ironia. Os

mais expressivos representantes da velha ordem, os samurais, seriam extintos. Era o fim de uma era.

O DILEMA COLONIAL Foi Matthew C. Perry, almirante britânico a serviço do presidente americano Millard Fillmore, que forçou o fim do sakoku, o “fechamento”, política isolacionista que vinha desde 1633. O país não tinha comércio exterior e não aceitava visitantes. Perry tinha ordens para estabelecer contato diplomático – custasse o que custasse. Fez isso em duas visitas nada amistosas, realizadas em 1853 e 1854. Posicionou seu esquadrão armado com canhões, primeiro na baía de Edo (futura Tóquio) e depois perto da atual Yokohama. E “pediu” para aceitarem sua visita, sob óbvia ameaça militar. Conseguiu o que parecia impossível: que os FEVEREIRO 2018 AVENTURAS NA HISTÓRIA

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japoneses assinassem um tratado comercial, o primeiro de vários. Começou então um período de grande tensão, em que as lideranças se viam forçadas a aceitar os diplomatas e mercadores ocidentais. Quem assinava era o xogum. Suserano de todos os daimiôs, não era rei ou primeiro-ministro, estava mais para generalíssimo. O cargo era concedido pelo imperador, e o poder dos imperadores não ia além da formalidade dessa concessão. E o xogum, ironicamente, devia seu poder ao Ocidente. Séculos antes, o Japão havia travado diálogo com o outro lado do mundo. Foi em 1543, com a visita de três marinheiros portugueses à ilha de Tanegashima, apresentando aos japoneses as armas de fogo ocidentais, que seriam produzidas massivamente pelos japoneses, ganhando o mesmo nome do local do contato. Seria com os arcabuzes tanegashima que o Japão seria unificado, nas seis décadas seguintes, com o poder terminando nas mãos da família Tokugawa. Temendo que esse poder lhe escapasse – e preocupado com a pregação missionária cristã –, o xogum Tokugawa Iemitsu, que assumiu o poder em 1623, proibiu o contato com estrangeiros, inclusive a construção de navios oceânicos, e as armas de fogo, que ficaram guardadas em seu arsenal, para o caso de uma guerra externa. A exceção eram

alguns poucos comerciantes holandeses, que eram admitidos num porto só, Nagasaki. Graças a eles, o Japão tinha uma vaga ideia de que estava ficando para trás.

TENSÕES SE ACUMULAM E também tinham uma ideia do que os aguardava. A poderosa China travara uma guerra com os britânicos ao tentar impedir a epidemia de ópio, vendido pelos europeus. O resultado foi ser forçada a assinar o Tratado de Nanquim, fazendo concessões impensáveis para o país que chamava (e chama) a si próprio de Zhonghuá, o Império do Centro (do mundo). No início da década de 1860, o xogum tentava se equilibrar na corda bamba da modernização estrangeira, ganhar os avanços sem entregar o país. “Entre a população, antes da abertura forçada, havia um intenso interesse a respeito do Ocidente. Mas uma parcela menor, ainda que muito influente, era xenofóbica e não queria nenhum tipo de contato com o mundo exterior”, afirma David Howell, professor de história japonesa na Universidade Harvard. Em 1862, o comerciante britânico Charles Lennox foi morto com espadas e lanças porque chegou perto demais da comitiva do nobre Shimazu Hisamitsu, demonstrando o que foi visto como desrespeito aos samurais – e samurais tinham o direito

ENTRE A POPULAÇÃO, ANTES DA ABERTURA, HAVIA UM INTENSO INTERESSE A RESPEITO DO OCIDENTE. MAS UMA PARCELA MENOR, AINDA QUE MUITO INFLUENTE, ERA XENOFÓBICA 44

AVENTURAS NA HISTÓRIA FEVEREIRO 2018

por lei de matar quem os desrespeitasse. Kagoshima foi bomardeada pela Marinha britânica, e o governo foi forçado a pagar uma indenização. Quebrando a tradicional passividade do cargo, o imperador Komei, no trono desde 1846, deu uma ordem. Em 1863, ele decretou que os bárbaros deveriam ser todos expulsos. O xogum não mexeu uma palha para colocar o comando em prática. E, certamente, nem tinha condições. Chamados de bárbaros, europeus eram ameaçados e civis desarmados foram atacados – grupos de samurais mataram 11 marujos franceses em Sakai, em 8 de março de 1868 e, duas semanas depois, atacaram o embaixador britânico Harry Parkes, que escapou com vida em três diferentes ocasiões, sempre graças à ação de seus guarda-costas contra samurais armados com espadas.

A QUEDA DA CASA TOKUGAWA A guerra parecia iminente. Só não começou antes porque, num curto período de tempo entre o fim de 1866 e o início de 1867, morreram o imperador Komei e o xogum Tokugawa Iemochi. Komei foi sucedido por seu filho de 14 anos, Mutsuhito – que, após sua própria morte, dentro da tradição japonesa, assumiria o nome histórico de Meiji (em vida, Komei era chamado Osahito). Já a morte do xogum deu início a uma transição mais violenta: o sucessor, Tokugawa Yoshinobu, renunciaria antes do fim de 1867, concluindo os 265 anos de controle da família Tokugawa do regime militarista. Aproveitando-se da confusão, o imperador retomou as tentativas de seu pai em reclamar para si o poder nacional. Tornar-se um monarca real, não nominal.

Samurai em vestes típicas e com katana na cintura apontando um fuzil de repetição moderno. Parte dos 100 Guerreiros de Yoshitoshi

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A essa altura, a questão dos estrangeiros havia se tornado mero pretexto. Ambos os lados queriam o mesmo: o poder, pela via das armas ocidentais. Naquele momento, durante toda a guerra e seu governo, a Era Meiji, o imperador agia influenciado pelos clãs Chosu, Satsuma e Tosa, que liderariam o combate. “O imperador Meiji fez o que lhe foi dito”, afirma Anne Walthall, professora de história japonesa da Universidade da Califórnia.

Ao renunciar, Tokugawa Yoshinobu esperava assumir uma posição de peso no governo do novo imperador. Não foi o que aconteceu. Os nobres adversários dele conseguiram que a casa Tokugawa fosse declarada extinta – para isso, membros dos clãs que governavam Choshu e Satsuma chegaram a invadir o palácio imperial, em Quioto, para ditar decretos que Meiji assinara. Em Edo, a partir de onde os Tokugawa governavam, o castelo do clã chegou a ser

O QUE PARECIA UMA VITÓRIA CERTA PARA O XOGUNATO ACABOU REPRESENTANDO A PRIMEIRA VITÓRIA MILITAR DOS ALIADOS DO IMPERADOR 46

AVENTURAS NA HISTÓRIA FEVEREIRO 2018

cercado e tudo em volta, queimado. Daí para a guerra foi um passo. O xogunato tinha tudo para se sair melhor. Ainda contava com o apoio de boa parte das regiões que formavam o país, com seus nobres e seus exércitos de samurais. Em 27 de janeiro, suas forças atacaram a entrada sul de Quioto. Eram 15 mil homens contra os 5 mil soldados dos líderes de Choshu e Satsuma. Mas os homens de Choshu e Satsuma estavam mais bem armados, com fuzis Minié e quatro canhões Armstrong. No segundo dia de batalha, o imperador enviou sua bandeira para ser hasteada entre os soldados que defendiam Quioto. Foi quando surgiu, oficialmente, o Exército imperial. O gesto era inédito, porque, tradicionalmente, era o xogum que controlava todas as forças militares do país. Sentindo-se inca-

Samurais em vestes tradicionais, portando armas de fogo e feridos por elas na Batalha de Ueno, na qual o templo Kan’ei-ji foi destruído. Uma vitória decisiva das tropas imperiais em 4 de julho de 1868

paz, moralmente, de lutar contra seu próprio imperador, o xogum que havia acabado de renunciar, Tokugawa Yoshinobu, se retirou do campo de batalha. Boa parte dos soldados o seguiu, e o que parecia uma vitória certa para o xogunato acabou representando a primeira vitória militar dos aliados do imperador.

CANHÕES E SAMURAIS A deserção do xogum não impediria que seus aliados travassem a Guerra do Ano do Dragão (é o que quer dizer Boshin). Ela se estenderia por 17 meses, entre janeiro de 1868 e junho de 1869. Engana-se quem está imaginando um conflito de samurais com espadas contra exércitos modernos. Ao longo do conflito, ambos os lados apostaram na modernização do arsenal, no começo cheio de katanas e dos arcabuzes do século 16.

No início, o Exército imperial contava com armamentos mais modernos, em especial o já citado fuzil Minié, fabricado na França. Eram armas superiores se comparadas aos fuzis alemães Gewehr, usados pelos adversários. Feitos na Inglaterra, os canhões Armstrong do imperador eram carregados pela culatra, o que era muito mais rápido que o método tradicional, pela boca, e seu cano era raiado, como o de um fuzil, fazendo a bala sair girando, aumentando em muito a precisão. Os homens do xogum ainda dependiam principalmente de canhões de madeira medievais, que ficavam imprestáveis depois de disparar três vezes. Nos últimos meses, samurais e soldados comuns (chamados ashigaru) portavam ícones do faroeste: fuzis de repetição Spencer e revólveres Smith & Wesson.

No mar, embarcações antigas, tradicionais, de madeira, passaram a coexistir com encouraçados a vapor. Nesse setor, os dois lados estavam em paridade – por isso, várias das principais vitórias do xogunato aconteceram no mar. Por sua vez, o império adquiriu o Kotetsu (literalmente “encouraçado”), um antigo navio fabricado na França e que pertencera aos confederados americanos. Havia sido utilizado durante a Guerra Civil dos Estados Unidos e se mostraria decisivo na Batalha da Baía de Hakodate, um marco da vitória das forças imperiais japonesas. Os uniformes dão uma ideia da situação do país: alguns samurais, de ambos os lados, usavam seus uniformes tradicionais, coloridas armaduras de ferro esmaltado, portando espadas curvadas e lanças, enquanto outros, nos mesmos exércitos, FEVEREIRO 2018 AVENTURAS NA HISTÓRIA

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adotavam uniformes ocidentais, em geral calças e camisas de algodão azul-escuro. Do lado imperial, o uso de vestuário ocidentalizado era acrescido, no caso dos oficiais, de curiosas perucas compridas nas cores branca, preta ou vermelha, de acordo com a região de onde o militar vinha. Os capacetes dos soldados podiam ser cônicos, de diferentes alturas, ou arredondados, ou mesmo substituídos por faixas.

MANOBRAS DIPLOMÁTICAS No dia 28 de janeiro de 1868, enquanto acontecia a retirada em Quioto, o xogunato vencia a batalha naval de Awa. E convencia os ministros dos países estrangeiros, reunidos no

porto neutro de Hyogo, a apoiar o antigo sistema de governo. Afinal, o imperador anterior já tinha manifestado o desejo de expulsar os estrangeiros, e Meiji podia fazer o mesmo. Demoraria alguns meses para o imperador conseguir uma vitória diplomática e convencer o mundo exterior a apoiar seu governo. Enquanto isso, o xogunato se mantinha na luta, na expectativa de que os franceses mandassem reforço militar. Mas os estrangeiros se manteriam distantes do conflito: Inglaterra e França vendiam armas e mantinham oficiais como consultores. Mas não tomaram partido. Assinaram um termo concordando com a não intervenção.

A primeira etapa da Guerra Boshin acabou rapidamente. Em 4 de julho de 1868, depois de apenas seis meses de conflito, Saigo Takamori venceu a Batalha de Ueno, um último esforço do xogunato para manter o controle sobre os arredores de Edo. A partir dali, por um ano, o Japão se dividiu em dois. Isolados, os representantes do xogunato se isolaram em Hokkaido, onde chegaram a formar uma república (leia mais na página 51). O restante do país, em geral, aderiu ao imperador. Mas a vitória final só aconteceria meses depois, com a derrota da República de Ezo. Essa fase contou com momentos dramáticos. Em Aizu, hoje um

ANTES E DEPOIS AS MEDIDAS TOMADAS PELO IMPERADOR MEIJI TRANSFORMARAM O PAÍS

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ANTES

DEPOIS

GOVERNO

O imperador é figurativo. O poder do xogum é por meio de alianças feudais.

O imperador é o chefe de Estado, mas delega poder aos ministros.

DISTRIBUIÇÃO DE PODER

O xogum tem o apoio dos nobres locais, os daimiôs, que transmitem o poder por hereditariedade.

Prefeituras subordinadas ao imperador, governadas por pessoas reconhecidamente capazes. É criado um Parlamento.

CAPITAL

Quioto

Tóquio (antiga Edo)

EDUCAÇÃO

As escolas servem para as elites e ensinam os princípios do confucionismo. Mas o país já é um dos mais letrados do mundo, com cerca de 40% de alfabetização dos meninos.

Escolas públicas e laicas, de participação obrigatória de toda a população, meninos e meninas.

EXÉRCITO

Formado principalmente pelos samurais, a classe militar que dá suporte à nobreza.

São organizados um Exército e uma Marinha nacionais, com treinamento e uniformes padronizados.

AMBIÇÕES MILITARES

Proteger o Japão do mundo externo.

Tomar novas terras, na Rússia, na China, na Coreia e no atual Taiwan.

RELAÇÕES EXTERIORES

Mínimas. Intercâmbios comerciais pontuais com a Holanda e a China.

Contato amplo com o mundo exterior. Envio de dezenas de embaixadores.

AGRICULTURA E INDÚSTRIA

Plantações em pequena escala. Existem poucas fábricas.

Novas técnicas de plantio são aplicadas, as fazendas crescem de tamanho e o país se industrializa em três décadas.

AVENTURAS NA HISTÓRIA FEVEREIRO 2018

O imperador Meiji recebendo a Constituição Japonesa na câmara do novo Palácio Imperial, em 11 de fevereiro de 1889

distrito de Fukushima, 15 mil combatentes cercaram o Castelo Tsuruga, onde ficava instalado um grupo de byakkotai, o batalhão dos Tigres Brancos. Eram 300 jovens samurais, de no máximo 17 anos. Formavam uma força de reserva, mas 20 deles se viram isolados dentro do castelo depois que as forças do xogunato se dispersaram na Batalha do Passo Bonari. Depois de um mês de cerco, em outubro de 1868, os byakkotai receberam a proposta de se renderem e saírem pacificamente. Preferiram a morte e cometeram suicídio coletivo.

NASCE UM IMPÉRIO Em 26 de outubro de 1868, já na segunda fase da guerra, Edo foi rebatizada como Tóquio e transformada em capital, enquanto o imperador renegociava os acordos comerciais do passado. Era o início oficial da Era Meiji. 50

AVENTURAS NA HISTÓRIA FEVEREIRO 2018

Restava exterminar a república rebelde. Não foi difícil. Mal armado e cercado por samurais que faziam questão de lutar com espadas ou os velhos arcabuzes tanegashima, o presidente Enemoto Takeaki sofreu uma série de derrotas militares, até que acabou cercado e se rendeu ao perder a Batalha de Hokkaido, em 26 de junho de 1869 – data que marca o fim da Guerra Boshin. O imperador havia vencido, com relativamente poucos mortos: em torno de 3.500, para uma movimentação de tropas envolvendo cerca de 120 mil pessoas. Em 1873, o imperador aboliu a classe dos samurais. Foram rebatizados de shizoku (“famílias guerreiras”), perderam o direito de portar armas em público e de matar civis que os ofendessem. Os ex-samurais assumiram funções no Exército mo-

derno ou se dedicaram a outras profissões, como professores. Em 1877, uma revolta de ex-samurais seria liderada por Saigo Takamori, um grande general da facção imperial na Guerra Boshin. Que não era um tradicionalista: só havia rompido com o governo por achar que mais verba era necessária para a modernização do Exército. A Revolta de Satsuma iria de 29 de janeiro até 24 de setembro de 1877, quando Takamori decidiu cometer seppuku, o suicídio ritual. Seria o último suspiro do samurai. E do Japão antigo.

PARA SABER MAIS Livros A Modern History of Japan, Andrew Gordon, Oxford University Press, 2002 Emperor of Japan: Meiji and His World, Donald Keene, Columbia University Press, 2005 The Making of Modern Japan, Marius B. Jansen, Harvard University Press, 2002

IMAGENS WIKIMEDIA COMMONS, METROPOLITAN MUSEUM OF ART, RIJKSMUSEUM

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Ilustração de uma rua com prédios ao estilo ocidental, feitos de tijolos, em Ginza, Tóquio, em 1872. Radicalmente reformada, a arquitetura seria uma das prioridades da modernização da Era Meiji

A REPÚBLICA E O PERDÃO NO FIM DAS CONTAS, OS SAMURAIS TERMINARAM INTEGRADOS Quando o xogunato se viu derrotado nos arredores de Edo, o comandante naval Enomoto Takeaki não aceitou a rendição. Seguiu para Hokkaido – a grande e relativamente desabitada ilha do norte. Leva consigo cerca de 2 mil pessoas e alguns conselheiros militares franceses. Inspirado nos EUA, Takeaki instituiu, em janeiro de 1869, a República de Ezo (nome como era conhecida Hokkaido). Foi eleito o presidente com a esmagadora maioria dos votos.

Nunca antes, nem depois, o arquipélago japonês abrigaria uma república. Enomoto buscou a autorização do governo imperial japonês e o reconhecimento internacional, mas não conseguiu. Ele passaria dois anos na prisão. Mas terminaria perdoado. A grande a influência de Saigo Takamori, o “último samurai” fez com que os derrotados encarassem alguns poucos anos de cadeia. O último xogum, Tokugawa Yoshinobu,

que havia primeiro renunciado ao cargo, e desistido na primeira batalha, se entregou voluntariamente. Passaria o resto da vida em discreta e pacífica reclusão, dedicando-se a hobbies ocidentais, como fotografia, passeios de bicicleta e pinturas a óleo. Quanto ao “presidente” Enomoto Takeaki, atuaria como emissário diplomático do Japão para a Rússia e a China. Também desempenharia a função de ministro da Marinha.

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cultura LIVROS

FILMES

GAMES

EXPOSIÇÕES

COLUNISTAS

A GUERRA DA INFORMAÇÃO

The Post: A Guerra Secreta, dir. Steven Spielberg, 116 min, estreia 1º/02

T

alvez não seja óbvio para todo mundo, mas a internet não inventou o vazamento de informações. Antes do Wikileaks, havia os jornais. Antes de Julien Assange, jornalistas. E antes de Chelsea Manning, outros analistas de inteligência que, indignados com uma situação, sacrificavam suas carreiras em nome da verdade. No novo filme de Steven Spielberg, o jornal é o Washington Post, o jornalista é Ben Bradlee (Tom

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Hanks) e o analista, Daniel Ellsberg (Matthew Rhys). O ano é 1971 e o que estava em jogo era a altamente impopular Guerra do Vietnã. Os Pentagon Papers, vazados então, revelaram o que a imprensa nunca havia mostrado: que os EUA atacaram os vizinhos Laos Camboja e o Vietnã do Norte comunista, contra o qual não havia uma guerra – a intervenção oficialmente se limitava a combater os vietcongues, os comunistas do Vietnã do

Sul. E que a real intenção da guerra era conter a China. Foi um escândalo e uma guerra de agentes de inteligência para tentar descreditar a fonte. E de imensas consequências, porque foi uma das causas da saída dos EUA do Vietnã. Já bem elogiado pela crítica em seu lançamento nos EUA, o filme é para rememorar um grande momento que acabaria esquecido por conta de um escândalo doméstico, Watergate, no ano seguinte.

IMAGENS DIVULGAÇÃO, REPRODUÇÃO

EM SUPERPRODUÇÃO, UM ESQUECIDO ESCÂNDALO MILITAR

OUTROS LANÇAMENTOS

TÃO PERTO, TÃO LONGE ATRAVÉS DE VÁRIAS VIDAS, A HISTÓRIA DO MUNDO ISLÂMICO Até a fundação do islã, no século 7, o Oriente Próximo e o Norte da África eram parte do mesmo núcleo de civilização que a França e a Inglaterra. Com a explosiva expansão da religião à manu militari, abriu-se o abismo que, por vezes mais largo, por vezes mais estreito, continua a separar povos e ideias até hoje. Através de seus personagens mais influentes, e muitos obscuros, o historiador Chase F. Robinson conta o que é fundamental no islã da fundação ao século 16, quando, segundo ele, as imensas mudanças geopolíticas e diplomáticas deram origem a toda uma nova civilização islâmica. Robinson lecionou história islâmica por 14 anos na Universidade de Oxford.

Em 1973, o bilionário do petróleo Paul Getty tem seu filho sequestrado pela máfia. E negocia o resgate pessoalmente.

Civilização Islâmica em Trinta Biografias: Os Primeiros Mil Anos, Chase F. Robinson, trad. Júlia C. Rodrigues, Edições Sesc São Paulo, 272 págs., R$ 80

Todo o Dinheiro do Mundo

Dir. Ridley Scott, 133 min, estreia 18/01

PROFESSORES E ARTISTAS UM RETRATO VISUAL DOS JESUÍTAS NA ERA DA COLÔNIA

Arte Jesuíta no Brasil Colonial – Os Reais Colégios da Bahia, Rio de Janeiro e Pernambuco, Anna Maria Fausto Monteiro de Carvalho e Antonio Edmilson Martins Rodrigues, Versal, 292 págs., R$ 120

O livro veio do Prêmio Odebrecht de Pesquisa Histórica, iniciativa anual que patrocina um trabalho escolhido do começo ao fim. E o projeto agraciado foi uma ampla pesquisa visual e em texto sobre um dos principais alicerces sobre os quais o Brasil foi construído: os jesuítas. Através dos colégios por eles fundados, e pelo viés dos fundadores, é traçada uma história artística, religiosa, arquitetônica e urbanística do Brasil.

O filme lançado originalmente em 2015 mostra a luta, nas ruas e em casa, pelo direito das mulheres ao voto.

Sufragistas

Dir. Sarah Gavron, 106 min, no Netflix em 15/01

FEVEREIRO 2018 AVENTURAS NA HISTÓRIA

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cultura

FUTEBOL & HISTÓRIA

A TAÇA

QUANDO O FUTEBOL TENTOU MANTER A DEMOCRACIA

DA LEGALIDADE

C

om a renúncia de Jânio Quadros ao cargo de presidente da República em 25 de agosto de 1961, segundo o próprio por conta de “forças terríveis”, caberia ao vice-presidente, João Goulart, que se encontrava em visita à República Popular da China, assumir a presidência, o que acabou sendo feito de forma provisória pelo presidente da Câmara dos Deputados, Ranieri Mazzilli. Jango, como era chamado João Goulart, era conhecido por ter pensamentos mais alinhados aos movimentos políticos de esquerda, o que fez com que alguns setores mais conservadores das Forças Armadas não aceitassem a sua posse. Tendo ao seu lado alguns setores da sociedade e o governador do Rio Grande do Sul, Leonel Brizola, seu cunhado, como grande aliado, deu-se início um movimento, a Campanha da Legalidade, que tinha como objetivo garantir a posse de Jango. Diante da resistência dos militares, Brizola chegou a se entrincheirar no Palácio Piratini, sede

O SUCESSO, AINDA QUE, DE ALGUMA MANEIRA, PARCIAL, DO MOVIMENTO PELA LEGALIDADE AUMENTOU SUBSTANCIALMENTE O ORGULHO DO POVO SULISTA, SOBRETUDO O GAÚCHO 54

AVENTURAS NA HISTÓRIA FEVEREIRO 2018

do governo gaúcho, e a convocar a população para ir às ruas garantir a posse do então vice-presidente. Iniciado no Sul do país, o movimento começou a ganhar força e apoio de outros estados da federação, inclusive conseguindo dividir as Forças Armadas, o que fez aumentar ainda mais o impasse. A solução política encontrada entre as partes foi a aprovação em 2 de setembro de Emenda Constitucional nº 4, que alterou o regime de governo para o parlamentarismo, limitando os poderes de Jango ao de chefe do Estado, e não do governo. João Goulart retornou ao Brasil em 5 de setembro e enfim tomou posse no dia 7. Já o parlamentarismo durou menos de dois anos, uma vez que, em janeiro de 1963, um plebiscito, com cerca de 80% dos votos a favor da mudança, decidiu pelo retorno ao regime presidencialista e devolveu a Jango os plenos poderes constitucionais de um presidente. O sucesso, ainda que, de alguma maneira, parcial, do movimento pela legalidade aumentou substancialmente o orgulho do povo sulista, sobretudo o gaúcho, e, por conta disso, o governador do estado, Leonel Brizola, solicitou ao então presidente da federação gaúcha de futebol, Aneron Corrêa de Oliveira, que fosse organizada uma competição envolvendo apenas equipes da Região Sul, cujo vencedor conquistaria a Taça da Legalidade, uma explícita homenagem ao movimento liderado por Brizola. Daí a realização, em 1962, do primeiro Campeonato Sul-Brasileiro de Futebol, organizado pelos gaúchos em parceria com as federações de futebol do Paraná e de Santa Catarina. A competição foi disputada entre os dias 21 de janeiro e 18 de março e contou com a participação de seis equipes, campeãs e vice-

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campeãs dos três estados. Os gaúchos Grêmio e Internacional; os paranaenses Coritiba, que substituiu o Comercial, então campeão paranaense, que abrira mão da participação, e Operário, de Ponta Grossa; e os catarinenses Metropol e Marcílio Dias, de Itajaí. Todas as equipes se enfrentaram em regime de turno e returno. Coube ao Imortal Tricolor, o Grêmio, conquistar o título máximo do torneio, de forma invicta e com uma rodada de antecipação após empatar sem gols com o Marcílio Dias, no dia 4 de março. A fantástica campanha de sete vitórias em dez partidas disputadas foi coroada com um triunfo por 2 a 1, de virada, no dia 11, no estádio dos Eucaliptos, totalmente lotado, em seu último jogo pela competição, justamente frente ao maior rival, o Internacional. A derrota no Grenal associada à vitória do Marcílio Dias por 3 a 1 frente à equipe paranaense do Operário acabou por tirar o vicecampeonato da equipe colorada, que acabou ficando com o time catarinense. A festa gremista culminou com a entrega da Taça da Legalidade feita pelo governador Leonel Brizola. A Taça da Legalidade, como ficou conhecida a competição, jamais voltaria a ser disputada. Quanto a João Goulart, teve seu governo encerrado pelo Golpe Militar de 31 de março de 1964 e juntamente com Leonel Brizola acabou sendo exilado no Uruguai. O regime militar no Brasil durou até 15 de março de 1985, com a posse de outro vice-presidente, José Sarney, no lugar de Tancredo Neves, que adoecera na véspera, e viria a falecer no dia 21 de abril. Já no futebol, após a conquista da Taça da Legalidade, o Grêmio iniciou uma incrível sequência de conquistas do Campeonato Gaúcho, a maior de sua história, entre os anos de 1962 e 1968, se tornando heptacampeão estadual.

Por José Renato Santiago Doutor e mestre pela Escola Politécnica da Universidade de São Paulo com pós-graduação pela ESPM. Autor de livros sobre a história do futebol, gestão do conhecimento e capital intelectual.

FEVEREIRO 2018 AVENTURAS NA HISTÓRIA

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cultura

COM A PALAVRA, O HISTORIADOR

A MEMÓRIA DO

NAZISMO

A ALEMANHA, A HISTÓRIA, A EXTREMA-DIREITA E OS REFUGIADOS

Q

uase todos os países consideram que a sua história e sua cultura política são excepcionais. Na Alemanha, não é diferente – ou, mais precisamente: não era diferente. O que talvez seja diferente, no caso alemão, é que a historiografia é marcada pela excepcionalidade do mal cometido em nome da nação, e não das façanhas de fundadores mais ou menos longínquos. Surgiu um consenso, formal e informal, na vida pública alemã, baseado na prevenção do ressurgimento do nazismo. O que havia de positivo na autoidentificação pública alemã não podia existir sem o extremo negativo que o antecedeu e o possibilitou: o valor encontrava-se na superação, na capacidade de contrição e na autovigilância. Quase duas décadas após a reunificação, e sete décadas após a refundação política do país, percebe-se a crescente desintegração desse consenso.

TRÊS VEZES NUNCA MAIS O mais fundamental no consenso sobre como implementar as lições da Segunda Guerra e do Holocausto eram os três princípios “nunca mais”: nunca mais Auschwitz, nunca mais guerra e nunca mais uma atuação sozinha na política externa. Fortaleceu-se também a decentralização do poder político num sistema federativo, um sistema econômico corporatista e um sistema político fortemente parlamentar. É necessário destacar, também, que esses princípios foram fortemente mediados pela influência das potências ocidentais vencedoras da Segunda Guerra e as políticas de “reeducação” por elas instituídas. Essa origem parcialmente externa do novo contexto ia se tornar fator fundamental para seu enfraquecimento, o surgimento da extrema-direita. 56

AVENTURAS NA HISTÓRIA FEVEREIRO 2018

“Nunca mais Auschwitz” se traduziu numa forte vigilância do surgimento de extremismos de qualquer cor, ancorada num entendimento proativo do que Karl Popper, em A Sociedade Aberta e Seus Inimigos, cunhou como “paradoxo da tolerância”: a necessidade de defender ativamente a sociedade tolerante contra a intolerância. Além da proibição formal – no contexto da Guerra Fria – de partidos comunistas e de qualquer manifestação de pensamento, símbolos ou organização nazista ou fascista, o próprio sistema eleitoral alemão é construído de forma a impedir o surgimento de partidos nas margens extremas do espectro político. Encontrava-se sujeito a um forte tabu o pensamento étnico com suas associações com o nazismo, o antissemitismo e o nacionalismo explícito. Já o “nunca mais guerra” sofreu uma certa interferência do “nunca mais sozinha”: após a divisão da Alemanha, dando seguimento tanto ao segundo princípio quanto às realidades geopolíticas de uma potência derrotada, a República Federal foi integrada às instituições políticas, militares e econômicas ocidentais, que incentivaram sua rápida remilitarização no contexto do confronto com o Pacto de Varsóvia.

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A reunificação alemã trouxe mudanças fundamentais às bases de sustentação desse consenso. A reunificação não aconteceu sob forma de uma fundição de sistemas, mas da aplicação do sistema ocidental inteiro no território da ex-República Democrática Alemã, comunista. Nascido da oposição ao nazismo, esse regime não assumiu a responsabilidade histórica alemã. Esses fatos – a “vitória” de um lado, o fato de não ter tido que “pagar o preço da História” no sentido dos três elementos “nunca mais”, junto com o altíssimo custo da reunificação e da modernização da ex-RDA, criaram um forte sentimento de marginalização em amplos setores da população do leste alemão. Os cidadãos da RDA, de modo muito simplificado, encontravam e continuam encontrando-se numa situação de relativa depressão econômica, alto desemprego e dependência de verbas de modernização. Não foram sujeitos à reeducação Aliada, não acumularam experiência de democracia proativa, não tiveram a mesma exposição a estrangeiros, e não experimentaram o tabu sobre o pensamento nacional e étnico. Encontravam-se eles mesmos numa posição de necessidade de serem integrados numa cultura política desconhecida no seu próprio país. Agravou-se esse sentimento com o partido sucessor do partido único da RDA, de extrema-esquerda, ter sido excluído de qualquer formação de governo no futuro. Em que se pese o passado totalitário, era o único partido a representar os interesses dos moradores do leste.

GHEGAM OS REFUGIADOS É nesse momento que estouram as guerras dos Bálcãs, entre 1992 e 1999. Segundo algumas estimativas, a Alemanha abrigou aproximadamente a metade dos refugiados, em torno de 350 mil pessoas. O esforço desdobrado pelo Estado alemão em buscar a integração dos refugiados criou ressentimentos em alguns setores do população oriental. O país foi tomado por uma onda de ataques violentos a abrigos de refugiados e pelo surgimento de atos de violência xenófoba e partidos de extrema-direita; embora fosse um fenômeno longe de ser exclusivo do leste, a maioria desses acontecimentos ocorreu na ex-RDA. A solidez do consenso político na Alemanha ocidental abafou os incentivos para a incorporação da

O PARTIDO REÚNE ELEMENTOS ABERTAMENTE NEONAZISTAS COM MOVIMENTOS ÉTNICOS XENÓFOBOS perspectiva dos cidadãos orientais, criando um crescente número de eleitores que não se sentiam representados pelos partidos mainstream. Ao mesmo tempo, cresceu significativamente o número de refugiados. O país aceitou desde então mais de 1,5 milhão deles. Embora o custo econômico do acolhimento dos refugiados não seja expressivo – em torno de 1% do PIB –, o esforço de integração cultural necessário representa uma séria ameaça ao consenso alemão sobre as lições de sua história. Em setembro de 2017, o Alternative für Deutschland (“Alternativa para a Alemanha”, AfD) ganhou 12,6% do voto geral nas eleições federais. O partido reúne elementos abertamente neonazistas com movimentos étnicos xenófobos. O apoio ao partido superou 30% em vários distritos da ex-RDA. A aprovação atual da AfD é forte sinal da necessidade da adequação do consenso – das lições da História – a um novo contexto doméstico, europeu e internacional. Como deixar claro para os cidadãos vulneráveis da ex-RDA que a chegada de refugiados não é uma ameaça? O que fazer quando certos refugiados trazem consigo atitudes antissemitas? Como enfrentar a potencial necessidade de uso da força para prevenir ameaças terroristas sem recair em profiling étnico contra muçulmanos? Como manter os valores do multiculturalismo com uma crescente taxa de estrangeiros sempre mais diversos num país com parcelas da população sem compromisso com esse ideal? Muito depende de como o governo e a sociedade alemã reagirão à premente necessidade de adequar o consenso político às novas realidades de 2018.

Por Kai Michael Kenkel Doutor em relações internacionais pelo Institut Universitaire de Hautes Études Internationales. Leciona no Instituto de Relações Internacionais (IRI) da PUC-Rio. É editor da revista Contexto Internacional.

FEVEREIRO 2018 AVENTURAS NA HISTÓRIA

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cultura

FOTO-HISTÓRIA

PAÍS DO FUTURO

A EXPOSIÇÃO MUNDIAL DE 1970 EM OSAKA REFLETIU A MUDANÇA DE STATUS DO JAPÃO

C

FOTO DIVULGAÇÃO

ento e dois anos após a Guerra Boshin, a Terra do Sol Nascente era iluminada pelo sol do “progresso e harmonia para a humanidade”. Esse foi o tema da Expo 70 – a foto aqui é um dos cartões-postais de promoção. Mostra a Torre do Arco-Íris, pavilhão de uma corporação japonesa, que tinha 70 metros e uma cascata de água em sete cores. Em frente, o monotrilho que dava acesso aos pavilhões de outras empresas e dos 78 países participantes – Brasil inclusive, com uma construção ao estilo Niemeyer. Na exposição de 1970, foram apresentados ao mundo o telefone celular, redes locais de computadores e o trem de levitação magnética. Um Japão muito diferente do país que havia representado exóticas ideias de honra samurai, vertiginosa ocidentalização, imperialismo e atrocidades de guerra, e, por fim, a tragédia atômica. Era a última e atual metamorfose do país: a colorida e tecnológica democracia moderna, que conseguiu se reinventar sem perder sua identidade e tradições únicas, e até exportar sua cultura para o Ocidente.

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AVENTURAS NA HISTÓRIA FEVEREIRO 2018
Aventuras na História - Ed 177

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