Manual de Hemodinamica e Cardio -

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Série Medicina de Urgência e Terapia Intensiva do Hospital Sírio-Libanês

Manual de hemodinâmica e cardiologia em terapia intensiva

SÉRIE MEDICINA DE URGÊNCIA E TERAPIA INTENSIVA DO HOSPITAL SÍRIO-LIBANÊS • Nutrição • Pneumologia – Ventilação Mecânica – Princípios e Aplicação • Infecção • Nefrologia • Manual de Hemodinâmica e Cardiologia em Terapia Intensiva

Série Medicina de Urgência e Terapia Intensiva do Hospital Sírio-Libanês

COORDENADOR DA SÉRIE

Paulo César Ribeiro

Manual de hemodinâmica e cardiologia em terapia intensiva

EDITORES

Maurício Henrique Claro dos Santos Fernando José da Silva Ramos Daniela Bulhões Vieira Nunes

Produção Editorial: MKX Editorial

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Manual de hemodinâmica e cardiologia em terapia intenssiva / editores Maurício Henrique Claro dos Santos, Fernando José da Silva Ramos, Daniela Bulhões Vieira Nunes. -- Editora Atheneu São Paulo , 2015. -- (Série medicina de urgência e terapia intensiva / coordenador Paulo Ribeiro) Vários colaboradores. Bibliografia. ISBN 978-85-7454-112-9 1. Cardiologia 2. Coração - Doenças 3. Cuidados intensivos cardíacos 4. Medicina intensiva 5. Monitorização de pacientes 6. Monitorização hemodinâmica I. Santos, Maurício Henrique Claro dos. II. Ramos, Fernando José da Silva. III. Nunes, Daniela Bulhões Vieira. IV. Ribeiro, Paulo. V. Série. 15-02000

CDD-616.12028 NLM-WG 2050

Índices para catálogo sistemático: 1. Manual de hemodinâmica : Cardiologia : Terapia intensiva : Medicina     616.12028

Santos, M.H.C. dos; Ramos, F.J. da S.; Nunes, D.B.V. Série Medicina de Urgência e Terapia Intensiva do Hospital Sírio-Libanês – Manual de hemodinâmica e cardiologia em terapia intensiva © Direitos reservados à ATHENEU EDITORA SÃO PAULO – São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, 2016.

Sobre o Coordenador da Série Paulo César Ribeiro Mestre em Cirurgia pela Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo. Responsável pela Equipe Multidisciplinar de Terapia Nutricional do Hospital Sírio-Libanês. Médico intensivista da Unidade de Terapia Intensiva do Hospital Sírio-Libanês. Especialista em Terapia ­Intensiva, pela ­Associação de Medicina Intensiva do Brasil (AMIB), e em Nutrição Parenteral e Enteral, pela Sociedade­ Brasileira de Nutrição Parenteral e Enteral (SBNPE).

Sobre os Editores Maurício Henrique Claro dos Santos Médico diarista da Unidade de Terapia Intensiva do Hospital Sírio-Libanês. Especialista em ­ ardiologia, pela Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC), e em Medicina Intensiva, pela AssociaC ção de Medicina Intensiva Brasileira (AMIB).

Fernando José da Silva Ramos Médico diarista da Unidade de Terapia Intensiva do Hospital Sírio-Libanês. Especialista em ­ línica Médica e Medicina Intensiva. Título de Especialista em Medicina Intensiva pela Associação C de Medicina Intensiva Brasileira (AMIB).

Daniela Bulhões Vieira Nunes Médica formada pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP). Residência­ em Clínica Médica, no Hospital das Clínicas da FMUSP (HC-FMUSP), e em Cardiologia, no Instituto do Coração do HC-FMUSP. Médica diarista da Unidade de Terapia Intensiva do Hospital ­Sírio-Libanês.

Colaboradores Alexander Alves da Silva Anestesiologista da São Paulo Serviços Médicos de Anestesia (SMA).

Alexandre Ciappina Hueb Doutor em Medicina pela Universidade de São Paulo (USP). Médico assistente do Instituto do Coração (InCor). Professor colaborador da Universidade do Vale do Sapucaí (UNIVAS). Diretor do Serviço de Cirurgia do Hospital das Clínicas da UNIVAS.

Aline Cristina Vieira Walger Médica especialista em Medicina Intensiva do Hospital Sírio-Libanês.

Antônio Paulo Ramos Martins Filho Médico intensivista e preceptor da residência de Terapia Intensiva do Hospital Sírio-Libanês.

Arthur Khan Moma Médico formado em Medicina Intensiva pelo Hospital Sírio-Libanês. Preceptor da residência de Medicina Intensiva do Hospital Sírio-Libanês.

Bruno Caramelli Diretor da Unidade de Medicina Interdisciplinar em Cardiologia do Instituto do Coração (­ InCor). Professor-associado do Departamento de Cardiopneumologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP).

Bruno Nunes Rodrigues Médico da Unidade de Terapia Intensiva do Hospital Sírio-Libanês.

Daniela Bulhões Vieira Nunes Médica graduada pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP). Residência em Clínica Médica no Hospital das Clínicas da FMUSP (HC-FMUSP). Residência em Cardiologia no Instituto do Coração (InCor) do HC-FMUSP. Médica diarista da Unidade de Terapia Intensiva do Hospital Sírio-Libanês.

Daniela Calderaro Médica assistente da Unidade de Medicina Interdisciplinar em Cardiologia do Instituto do Coração (InCor). Professora colaboradora do Departamento de Cardiopneumologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP).

Danielle Menosi Gualandro Médica assistente da Unidade de Medicina Interdisciplinar em Cardiologia do Instituto do Coração (InCor). Professora colaboradora do Departamento de Cardiopneumologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP).

Eduardo Casaroto Residência médica em Clínica Médica, pelo Hospital Santa Marcelina, e em Terapia Intensiva, pelo Hospital Israelita Albert Einstein. Título de Especialista em Terapia Intensiva pela Associação de Medicina Intensiva Brasileira (AMIB). Médico plantonista da Unidade de Terapia Intensiva do Hospital Israelita Albert Einstein e do Hospital Leforte.

Eduardo Dante Bariani Peres Médico cardiologista do corpo clínico do Hospital Sírio-Libanês.

Fabio Biscegli Jatene Professor titular da Disciplina de Cirurgia Cardiovascular da Faculdade de Medicina da Uni­ versidade de São Paulo (FMUSP). Chefe do Departamento de Cardiopneumologia da FMUSP. Presidente­do Conselho Diretor e Diretor-geral do Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da FMUSP (InCor-HC-FMUSP).

Fábio Santana Machado Doutor em Medicina pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP). Médico diarista da Unidade de Terapia Intensiva do Hospital Sírio-Libanês.

Fernando José da Silva Ramos Médico diarista da Unidade de Terapia Intensiva do Hospital Sírio-Libanês. Especialista em Clínica Médica e Medicina Intensiva. Título de Especialista em Medicina Intensiva pela Associação de Medicina Intensiva Brasileira (AMIB).

Gabriel Assis Lopes do Carmo Professor adjunto do Departamento de Clínica Médica da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

José Mauro Vieira Júnior Médico intensivista formado pela Associação de Medicina Intensiva Brasileira (AMIB). Médico nefrologista formado pela Universidade de São Paulo (USP). Doutor em Medicina pela USP. Médico gerente da Unidade de Terapia Intensiva do Hospital Sírio-Libanês.

Leandro Utino Taniguchi Professor colaborador da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP). Doutor em Ciências Médicas pela FMUSP. Médico diarista da Unidade de Terapia Intensiva (UTI) do ­Pronto-socorro de Clínica Médica do Hospital das Clínicas da FMUSP. Médico plantonista da UTI do H ­ ospital Sírio-Libanês.

Luana Llagostera Sillano Coordenadora de Enfermagem das Unidades Críticas Cardiológicas do Hospital Sírio-Libanês. Mestre em Saúde do Adulto. MBA Executivo em Saúde pela Fundação Getulio Vargas.

Luciano Cesar Pontes de Azevedo Doutor em Ciências pela Universidade de São Paulo (USP). Intensivista titulado pela Associação de Medicina Intensiva Brasileira (AMIB). Médico da Unidade de Terapia Intensiva (UTI) da Disciplina­ de Emergências Clínicas da Faculdade de Medicina da USP. Médico Pesquisador do Instituto ­Sírio-Libanês de Ensino e Pesquisa. Médico da UTI da Disciplina de Anestesiologia, Dor e Terapia­ Intensiva da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP).

Ludhmila Abrahão Hajjar Livre-docente pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP). Doutora em Ciências pelo Programa de Pós-graduação em Anestesiologia da FMUSP. Título de Especialista em Cardiologia, pela Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC), e em Medicina Intensiva, pela Associação de Medicina Intensiva Brasileira (AMIB). Professora associada da disciplina de ­Cardiologia, área de Cardiologia Crítica, da FMUSP. Diretora do Departamento de Pacientes ­Críticos e Coordenadora da Unidade de Terapia Intensiva (UTI) Cirúrgica do Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da FMUSP. Coordenadora do Departamento de Pós-graduação em ­Cardiologia da FMUSP, da UTI Cardiológica do Hospital Sírio-Libanês e da UTI Geral do Instituto­ do Câncer da FMUSP.

Marcelo Park Médico assistente em Unidade de Terapia Intensiva (UTI) Clínica no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HC-FMUSP). Plantonista da UTI do Hospital Sírio-Libanês.

Maurício Henrique Claro dos Santos Médico diarista na Unidade de Terapia Intensiva do Hospital Sírio-Libanês. Especialista em Cardiologia, pela Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC), e em Medicina Intensiva pela Associação de Medicina Intensiva Brasileira (AMIB).

Mellyane B. Ribeiro Título de Especialista em Anestesiologia pela Sociedade Brasileira de Anestesiologia (SBA). Médica anestesiologista do Hospital Sírio-Libanês e do Hospital e Maternidade Santa Joana.

Pedro Nunes Médico formado pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP). Residência em Clínica Médica no Hospital das Clínicas da FMUSP (HC-FMUSP). Residência em Cardiologia no Instituto do Coração do HC-FMUSP. Médico da Unidade de Pronto-atendimento do Hospital Sírio-Libanês.

Pedro Vitale Mendes Médico da Unidade de Terapia Intensiva (UTI) do Pronto-socorro do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HC-FMUSP). Médico da UTI do Hospital Sírio-Libanês.

Ramon Teixeira Costa Médico da Unidade de Terapia Intensiva do Hospital do Câncer A.C. Camargo e do Hospital Oswaldo Cruz (ambos em São Paulo).

Tiago Barra Cosentino Médico intensivista do Hospital Sírio-Libanês. Coordenador médico da Unidade de Terapia Intensiva do Conjunto Hospitalar do Mandaqui.

Dedicatória Dedico este livro à minha mãe, Vera, ao meu pai, Rubens (in memoriam), e ao meu irmão, Carlos, que cultivaram o meu caminho. À minha esposa, Angela, que o iluminou. Ao meu filho, João, que o floriu. Maurício Henrique Claro dos Santos

À Carol, pelo amor, dedicação e paciência. Ao Rafael e à Helena, que iluminaram e trouxeram mais alegria à minha vida. Aos meus pais e irmãos, por todo o apoio. Aos amigos e colaborados deste livro, pela ajuda e empenho. Fernando José da Silva Ramos

Ao Pedro, pelo companheirismo e parceria nesta caminhada, pelo amor e infinita paciência. A Sophia e Bruno, que me ensinam todos os dias o que é o amor incondicional. Aos meus pais, pelo exemplo e eterno apoio. Aos colaboradores deste livro, pela dedicação e empenho. Daniela Bulhões Vieira Nunes

Agradecimentos Aos colaboradores, pelo empenho e primazia na elaboração dos capítulos. Aos residentes de terapia intensiva do Hospital Sírio-Libanês, pelas perguntas do dia a dia, que nos estimulam constantemente na busca de informação. A toda a equipe multiprofissional da Unidade de Terapia Intensiva e da Unidade Crítica Geral do Hospital Sírio-Libanês, pela troca de conhecimentos e de experiências no cuidado diário do paciente crítico. Aos Drs. Guilherme de Paula Pinto Schettino e Paulo César Ribeiro, idealizadores da Série Medicina de Urgência e Terapia Intensiva do Hospital Sírio-Libanês, da qual este livro faz parte, pelo estímulo e confiança necessários para a sua realização; e ao Dr. José Mauro Vieira Júnior, pelo apoio imprescindível para a sua conclusão. À Editora Atheneu, pelo suporte técnico para a confecção deste livro.

Apresentação da série Quando pensamos em escrever a Série Medicina de Urgência e Terapia Intensiva do Hospital Sírio-Libanês, idealizamo-la principalmente como ferramenta para estudo, atualização e consulta, concebendo-a de forma que aliasse versatilidade e agilidade sem perder profundidade na abordagem de cada assunto. Para isso, dividimos a série em seis manuais que, em conjunto, cobrem os mais importantes tópicos em Medicina Intensiva. Convidamos para escrevê-los pessoas do nosso meio, que vivem nossa realidade e reúnem uma larga experiência profissional, científica e didática. O resultado, a meu ver, foi exatamente o que imaginávamos: produtos ágeis e versáteis como exige a modernidade, mas que mantêm de forma séria e crítica a profundidade de cada tema abordado. Paulo César Ribeiro Coordenador da série

Prefácio à série A Medicina de Urgência e a Terapia Intensiva são especialidades bem definidas, com vários temas em comum. O domínio dessas atividades e a proficiência no diagnóstico e na abordagem do paciente crítico são cruciais para o resultado final esperado: diminuição de morbimortalidade, reabilitação plena e duradoura e reinserção do indivíduo no convívio social. O advento da medicina baseada em evidências e em métricas de qualidade, além da utilização de diretrizes e protocolos com algoritmos, possibilitou que a prática da medicina intensiva e da medicina de urgência se norteasse por evidências científicas robustas e sem sofrer heterogeneidade significativa. Ainda assim, a individualização das condutas e a interpretação equilibrada da literatura médica, com aplicação racional na prática diária, ainda fazem diferença à beira-leito. Alguns serviços médicos são reconhecidos por seus pares nessa tradução da teoria para a prática, pois detêm expertise, corpo clínico diferenciado, alto volume, pioneirismo e parceria com a academia. A Unidade de Terapia Intensiva do Hospital Sírio-Libanês é um deles. E os manuais que compõem a Série Medicina de Urgência e Terapia Intensiva do Hospital Sírio-Libanês são testemunha disso. Esta obra tem este intuito: não apenas informar, mas contar como fazemos na prática, integrando as sólidas evidências, onde elas existem, às experiências de profissionais com altíssima experiência nas respectivas áreas de atuação. A série é dividida em seis volumes que abraçam as principais áreas do conhecimento da terapia Intensiva. O seu objetivo não é esgotar o assunto, tampouco abranger todos os tópicos, mas sim escrutinizar tópicos selecionados, chamando a atenção para aspectos práticos assistenciais. O Dr. Paulo Ribeiro, coordenador da série, conseguiu reunir um time de colaboradores que não somente tem reconhecida experiência e atuação de excelência em terapia intensiva, como também são formadores de opinião na área. São algumas das perguntas abordadas nesta série: “O que é sarcopenia? Como evitá-la no paciente crítico?”; “Qual melhor monitorização para meu paciente?”; “Qual o melhor fluido para ressuscitação?”; “Quando indico suporte circulatório mecânico para o choque cardiogênico?”; “Como ventilo meu paciente com SARA?; “E quando indico ECMO na insuficiência respiratória?”; “Como faço o melhor PO de cirurgia cardíaca, evitando e reconhecendo complicações?”; “Como dialiso o meu paciente baseado nas melhores evidências?”; “Como trato hipertensão intracraniana para o melhor desfecho neurológico?”; “Como faço para reduzir a mortalidade da sepse para ~ 20% como acontece nos melhores centros?” Entendo que, em uma época de informação fugidia e fluida, em que nós aprendemos em uma velocidade estonteante e o que parece verdade hoje talvez não se confirme amanhã, os volumes da Série Medicina de Urgência e Terapia Intensiva do Hospital Sírio-Libanês trazem uma contribuição excepcional para tentar “amarrar” conceitos de boa prática médica em terapia intensiva. Boa leitura! José Mauro Vieira Júnior Gerente Médico da UTI Adulto do Hospital Sírio-Libanês Abril de 2015

Apresentação do volume Este livro, composto por duas partes, é o resultado do esforço conjunto de médicos intensivistas e do corpo clínico do Hospital Sírio-Libanês, que compartilham angústias e expectativas nas tomadas de decisões diárias envolvendo o cuidado de pacientes criticamente doentes. Os capítulos aqui apresentados são, de certo modo, o registro dessas discussões, cujo objetivo principal é fornecer o melhor cuidado ao paciente crítico. O conteúdo desses registros foi aprimorado pelas diferentes atividades didáticas realizadas no Instituto de Ensino e Pesquisa do Hospital Sírio-Libanês e pelas constantes indagações dos médicos residentes de terapia intensiva, que nos estimulam a buscar a melhor evidência presente na literatura para a aplicação desse cuidado. A primeira parte do Manual de Hemodinâmica e Cardiologia em Terapia Intensiva, composta por 13 capítulos, é dedicada ao diagnóstico, à monitorização e ao manejo dos diferentes tipos de choque, e envolve desde conceitos básicos de fisiologia cardiovascular e avaliação de responsividade volêmica até noções de suporte circulatório avançado. A segunda parte, integrada por 13 capítulos, sobre cardiologia em terapia intensiva, aborda temas classicamente relacionados à cardiologia, como os dois primeiros capítulos a respeito de síndromes coronarianas agudas, mas também procura destacar as particularidades da cardiologia que ocorrem no paciente criticamente doente e que muitas vezes não apresenta nenhum antecedente de doença cardíaca, como as peculiaridades no manejo de arritmias e a ocorrência de disfunções ventriculares transitórias em pacientes com sepse ou doença neurológica aguda; além disso, destaca as dificuldades de interpretações de exames, como a troponina e o peptídeo natriurético cerebral, muito bem estabelecidos em doenças puramente cardíacas, mas que podem ter significados diversos no paciente crítico. Esperamos que esta obra seja uma fonte útil de apoio para os médicos e outros profissionais que se submetem ao grande desafio de cuidar do paciente grave. Os Editores

Sumário Seção I – HEMODINÂMICA 1

Fisiologia cardíaca: determinantes do débito cardíaco e interação coração-pulmão.............................................................................................................. 3



Fernando José da Silva Ramos

2 Monitorização hemodinâmica......................................................................................... 17

Aline Cristina Vieira Walger   Fernando José da Silva Ramos

3 Uso da ecocardiografia na avaliação hemodinâmica do paciente crítico................. 39

Maurício Henrique Claro dos Santos

4 Monitorização dos parâmetros de oxigenação e perfusão tecidual......................... 53

Eduardo Casaroto

5 Avaliação da volemia e responsividade a volume....................................................... 75

Leandro Utino Taniguchi

6 Reposição volêmica: técnicas e tipos de fluidos......................................................... 87

Arthur Khan Moma   Antônio Paulo Ramos Martins Filho Fernando José da Silva Ramos

7

Drogas vasoativas............................................................................................................ 95



Aline Cristina Vieira Walger   Bruno Nunes Rodrigues  Fernando José da Silva Ramos

8 Avalição e suporte hemodinâmico no choque............................................................ 105

Fernando José da Silva Ramos   Luciano Cesar Pontes de Azevedo

9 Manejo do choque hipovolêmico.................................................................................. 115

Tiago Barra Cosentino   Mellyane B. Ribeiro

10 Choque séptico................................................................................................................. 135

Ramon Teixeira Costa

11 Choque cardiogênico...................................................................................................... 151

Daniela Bulhões Vieira Nunes

12 Otimização hemodinâmica perioperatória do paciente cirúrgico de alto risco...... 159

Alexander Alves da Silva

13 O uso do balão de contrapulsação intra-aórtico e ECMO (extracorporeal membrane oxygenation) na prática clínica................................................................... 183

Pedro Vitale Mendes   Marcelo Park

Seção II – CARDIOLOGIA 14 Síndromes coronarianas agudas com supradesnível do segmento ST................... 203

Eduardo Dante Bariani Peres

15 Síndromes coronarianas agudas sem supradesnível do segmento ST................... 223

Pedro Nunes

16 Arritmias cardíacas........................................................................................................... 233

Maurício Henrique Claro dos Santos

17 Tamponamento cardíaco................................................................................................ 255

Maurício Henrique Claro dos Santos

18 Síndrome do edema agudo dos pulmões de origem cardiogênica......................... 269

Marcelo Park   Maurício Henrique Claro dos Santos

19 Dissecção aguda da aorta............................................................................................... 281

Fabio Biscegli Jatene   Alexandre Ciappina Hueb

20 Cuidados intensivos no pós-operatório imediato de cirurgia cardíaca..................... 297

José Mauro Vieira Júnior   Luana Llagostera Sillano   Ludhmila Abrahão Hajjar

21 Complicações cardiovasculares no pós-operatório de cirurgia não cardíaca......... 311

Daniela Calderaro   Gabriel Assis Lopes do Carmo   Danielle Menosi Gualandro Bruno Caramelli

22 Complicações cardiovasculares no paciente com doença neurológica aguda....... 319

Maurício Henrique Claro dos Santos   Fábio Santana Machado

23 Complicações e indicações de intervenção cirúrgica relacionadas à endocardite infecciosa.......................................................................................................................... 329

Maurício Henrique Claro dos Santos

24 Disfunção miocárdica induzida pela sepse.................................................................. 341

Bruno Nunes Rodrigues   Maurício Henrique Claro dos Santos

25 Significado clínico das alterações do peptídeo natriurético cerebral (BNP) e da troponina no doente crítico.................................................................................... 359

Maurício Henrique Claro dos Santos   Daniela Bulhões Vieira Nunes

26 Conceitos básicos de estimulação cardíaca artificial.................................................. 375

Maurício Henrique Claro dos Santos

Índice Remissivo..................................................................................................................... 393

Capítulo  

1



HEMODINÂMICA

Seção

I

1 Fisiologia cardíaca: determinantes do débito cardíaco e interação coração-pulmão

Fernando José da Silva Ramos 1. INTRODUÇÃO Este capítulo tem como objetivos rever conceitos básicos relacionados à fisiologia cardíaca com enfoque nos determinantes do débito cardíaco (DC) e descrever conceitos básicos da interação coração-pulmão. Um ciclo cardíaco pode ser descrito como uma sequência completa de contração (sístole) e relaxamento (diástole) do miocárdio. Os eventos mecânicos normais de um ciclo cardíaco estão representados na Figura 1.1. Vale ressaltar que todo o coração é atendido por um único sistema de condução elétrica, o que torna os eventos mecânicos quase simultâneos nas câmaras direitas e esquerdas. Além disso, como as câmaras estão dispostas em série na circulação, os volumes sistólicos devem ser idênticos. Uma ressalva deve ser feita em relação às pressões das câmaras direitas e esquerdas. O ventrículo direito (VD) trabalha contra um sistema de pressão (pulmões) que oferece menor resistência quando comparado ao ventrículo esquerdo (VE), que trabalha contra uma resistência sistêmica. Mais detalhes sobre a diferença de pressões entre VD e VE serão discutidos adiante. A diástole ventricular começa com a abertura das válvulas atrioventriculares – mitral e tricúspide (AV). Quando a pressão ventricular cai abaixo da pressão atrial, as válvulas AV se abrem e o enchimento ventricular começa. Inicialmente, ocorre uma fase de enchimento rápido ventricular devido ao sangue que se encontrava armazenado no átrio. A contração atrial se dá no fim da diástole, sendo representada no eletrocardiograma (ECG) pela onda P, e causa uma ejeção de sangue adicional para o ventrículo. Em condições normais, a quantidade de sangue ejetada para o ventrículo com contração atrial não é fundamental, uma análise um pouco mais cuidadosa da Figura 1.1 demonstra que a contribuição da contração atrial para o volume diastólico final ventricular (VDFV) é pequeno. No entanto, em condições de aumento da frequência cardíaca (FC), quando o tempo diastólico torna-se menor, a contração atrial passa a apresentar uma contribuição mais significativa.1

4

Seção I Hemodinâmica

Contração Fase Relaxamento Sístole isovolumétrica de ejeção isovolumétrico atrial

Pressão (mmHg)

Pressão de pulso

Valva aórtica fecha-se

Valva aórtica abre-se

Nó dicrótico Pressão aórtica

Valva mitral abre-se

Valva mitral fecha-se

Pressão ventricular a

c

v Pressão atrial

Volume (mL)

Volume ventricular

Contribuição atrial

Volume sistólico

SÍSTOLE

DIÁSTOLE

SÍSTOLE

Tempo (segundos) Figura 1.1  Ciclo cardíaco do coração esquerdo e os principais eventos mecânicos.

A sístole ventricular é representada no ECG como o complexo QRS. Conforme ocorre o enchimento ventricular e o potencial de ação atinge o músculo cardíaco ventricular, a contração miocárdica tem início e promove o aumento da pressão intraventricular, o que causa o fechamento das válvulas AV. A pressão intraventricular continua a elevar-se rapidamente conforme a contração ventricular intensifica-se. Quando a pressão ventricular excede a pressão aórtica, ocorre abertura da válvula aórtica (VA). Esse período entre o fechamento da válvula mitral (VM) e a abertura da VA é chamado de fase de contração isovolumétrica porque, no seu transcorrer, o ventrículo é uma câmara fechada com um volume fixo. Após a abertura da VA, tem início a fase de ejeção. Na fase de ejeção precoce, o sangue entra rapidamente na aorta e causa aumento da pressão local. Conforme a fase de ejeção evolui, a pressão ventricular e aórtica atingem um valor máximo chamado de pressão sistólica de pico. A partir desse ponto, a contração ventricular começa a diminuir e a pressão aórtica começa a cair, uma vez que o sangue passa a deixar a aorta em velocidade maior do aquela com que chega. Quando a pressão intraventricular cai abaixo da pressão aórtica, a VA fecha-se. Nesse momento, a análise da curva de pressão aórtica pode demonstrar uma incisura chamada de nó dicrótico, que representa um pequeno volume de sangue aórtico que reflui para preencher os folhetos da VA. Após o fechamento da VA, a pressão intraventricular continua a cair a medida que o ventrículo começa uma fase de relaxamento. Nesse período, a VA e a VM estão fechadas, configurando a fase conhecida como relaxamento isovolumétrico. Quando a pressão intraventricular atinge valores menores que os da pressão atrial, as válvulas AV se abrem novamente e começa um novo ciclo cardíaco.1 A Figura 1.2 apresenta a curva pressão-volume (PV) do ventrículo esquerdo de forma real em um modelo experimental.

5

Capítulo 1  Fisiologia cardíaca

Pressão sistólica final do VE

Fechamento da valva aórtica

Fase de ejeção

Pressão (mmHg)

Abertura da valva aórtica

Relaxamento isovolumétrico

Contração isovolumétrica

Volume sistólico

Volume diastólico final do VE Fechamento da valva mitral

Abertura da valva mitral

Volume (mL)

Figura 1.2  Curva PV do ventrículo esquerdo (VE) adquirida em modelo experimental suíno.

2.  DÉBITO CARDÍACO O DC representa a quantidade de sangue ejetada pelo coração por minuto. Pode ser simplificado pela fórmula: DC = VS × FC. Onde o volume sistólico (VS) representa a quantidade de sangue ejetada pelo coração em cada ciclo cardíaco. O DC é uma das variáveis cardiovasculares mais importantes, sendo continuamente ajustado para atender as necessidades metabólicas e a oferta tecidual de oxigênio (DO2). De forma geral, os determinantes do DC são a pré-carga, na qual se incluem o retorno venoso (RV), a pós-carga, a função contrátil do miocárdio e a FC (Figura 1.3). A seguir, serão revistos conceitos básicos de cada um desses determinantes.

Débito cardíaco

Pré-carga

Pós-carga

Figura 1.3  Determinantes do débito cardíaco.

Contratilidade

Frequência cardíaca

6

Seção I Hemodinâmica

3. PRÉ-CARGA O conceito de pré-carga é complexo, sendo descrito de forma diferente em vários livros-textos de fisiologia e cardiologia como tensão diastólica final da fibra miocárdica, comprimento diastólico final da fibra miocárdica, VDFV, ou, ainda, pressão diastólica final ventricular (PDFV). O importante é que, independentemente da nomenclatura, a pré-carga ventricular envolve um conceito de diversos fatores que contribuem para o estresse (definido como unidade de força por área seccional) da parede ventricular no fim da diástole e é considerada o principal determinante do DC. De forma simplificada, a pré-carga representa o alongamento do miócito imediatamente antes da contração, sendo relacionado ao comprimento do sarcômero no fim da diástole. O comprimento do sarcômero não pode ser determinado em um coração intacto, assim o VDFV ou PDFV têm sido considerados parâmetros indiretos da pré-carga.2 Diversos fatores são relacionados como determinantes da pré-carga ventricular. Entre os principais, deve-se citar: complacência ventricular; retorno venoso; resistência ao fluxo de afluência e vazão; e o inotropismo ventricular (Figura 1.4).2,3 A complacência ventricular tem um papel importante na pré-carga, pois determina o VDFV, e, para qualquer pressão ventricular, a complacência determina o volume ventricular. Assim, quanto mais complacente o ventrículo, maior será o volume ventricular para determinada pressão ventricular. A resistência ao fluxo de afluência e vazão está relacionada à presença de lesões valvares estenóticas (tricúspide e pulmonar) que podem prejudicar o enchimento e esvaziamento ventricular. Complacência ventricular

Retorno venoso

Pré-carga

Inotropsimo VENTRICULAR

Resistência: afluência e vazão

Figura 1.4  Principais fatores determinantes da pré-carga.

O conceito de pré-carga deve ser aplicado tanto para as câmaras atriais quanto para as ventriculares. A pré-carga experimentada pelo átrio direito (AD) será subsequentemente à do VD, do átrio esquerdo (AE) e do VE. Diversas variáveis têm sido utilizadas como método de se estimar a pré-carga. Mesmo a PDFV ou VDFV não são parâmetros ideais para estimativa da pré-carga porque nem sempre representam o comprimento do sarcômero, especialmente em situações patológicas de alterações estruturais e de propriedades mecânicas do coração. Entre as variáveis mais utilizadas para estimar a pré-carga na prática clínica, é possível a citar a pressão de átrio direito (PAD). A principal razão da utilização da PAD como medida de pré-carga é a facilidade de mensuração por meio de um cateter venoso central simples ou mesmo de forma mais invasiva com o cateter de artéria pulmonar (CAP). Os valores normais de PAD são de 0 a 8 mmHg. Em teoria, os valores de PAD estariam relacionados com o estado volêmico do paciente, estando os valores baixos presentes em pacientes hipovolêmicos e valores elevados em pacientes com insuficiência cardíaca direita e esquerda.2 No entanto, outras diversas condições podem influenciar os valores de PAD sem refletir primariamente alterações na pré-carga, como ventilação mecânica, disfunção diastólica ventricular, alteração na complacência ventricular e valvopatias. Além disso, uma revisão demonstrou

7

Capítulo 1  Fisiologia cardíaca

não haver relação significativa entre os níveis de PAD e estado volêmico ou responsividade à infusão de volume (determinada como aumento de DC 15%).4 A relação entre PAD e pré-carga é bastante complexa. A PAD é um dos determinantes diretos do RV, no entanto sua estimativa não pode ser utilizada como única variável para estimar a pré-carga. A relação entre RV e PAD será descrita adiante. Outra variável utilizada para estimar a pré-carga é a pressão de artéria pulmonar ocluída (PAPO), cujo racional de utilização para estimativa da pré-carga é o de que essa variável seria capaz de estimar a pré-carga do AE. Valores normais de PAPO seriam de 8 a 12 mmHg, enquanto valores superiores a 18 mmHg são habitualmente utilizados para o diagnóstico de edema pulmonar. Assim como a PAD, a PAPO mais recentemente tem sido criticada como variável que represente a pré-carga. Uma revisão demonstrou não haver relação entre valores de PAPO e estado volêmico e mesmo responsividade a volume.4 Interessante, que um estudo em pacientes hígidos voluntários também não conseguiu demonstrar o valor da PAPO como variável de estimativa de pré-carga.5 Assim como a PAD, os valores de PAPO também sofrem influência de outras situações como ventilação mecânica, valvopatia mitral, mixoma atrial e função diastólica. A análise da curva PV do VE permite analisar de forma fidedigna os efeitos isolados da pré-carga no ciclo cardíaco, mantendo-se uma mesma pós-carga e contratilidade cardíaca.2,3 No entanto, a obtenção da curva PV torna-se inviável na prática clínica porque exige cateteres micromanômetros, disponíveis apenas para experimentos, de alta fidelidade e invasibilidade, o que as torna de alto risco, além de serem muito caros. A partir da análise da pré-carga, criaram-se o conceito de “dependência de pré-carga” e, posteriormente, o mecanismo de Frank-Starling, segundo o qual o coração é capaz de encher-se mais ou menos de acordo com a sua capacidade contrátil.6 Este conceito pode ser muito bem exemplificado pela curva PV, como ilustra a Figura 1.5, em que se pode notar que determinada intervenção na pré-carga (p. ex.: hemorragia) causou uma redução no volume sistólico, mas manteve a linha de inclinação (slope – E, relacionada a contratilidade) sem alterações, demonstrando a manutenção da função contrátil.7 A análise da curva PV permite ainda a avaliação da complacência e da elastância ventricular. A inclinação da curva na fase de enchimento ventricular está relacionada com a rigidez diastólica e é chamada de elastância, que pode ser definida como se o ventrículo apresentasse o comportamento de uma mola que fica mais rígida durante a contração e flexível na fase de relaxamento. Já a complacência é definida matematicamente como o inverso da elastância, assim quanto mais grossa e rígida a parede ventricular, menos complacente será o ventrículo.2

30 40 50 60

1 2 3 4 5

E

10

20

Pressão (mmHg)

70

80

RPSFVE

0

RDFVE 0

20

40

60

80

100

120

140

Volume (mL)

Figura 1.5  Exemplo do efeito da redução da pré-carga na curva pressão-volume do ventrículo esquerdo. Note-se que a partir da curva 1, as curvas 2, 3, 4 e 5 apresentam redução da pré-carga como demonstrado pela redução do volume sistólico, porém a contratilidade é mantida como demonstrada pela RPSFVE e a linha (eixo) E. RPSFVE: relação da pressão sistólica final no ventrículo esquerdo; RDFVE: relação final diastólica no ventrículo esquerdo. Fonte: Adaptada de Burkhoff D.7

8

Seção I Hemodinâmica

3.1  Retorno venoso O sistema venoso tem a função de agir como um conduto para o retorno de sangue da periferia para o coração, além de servir como reservatório de volume de sangue circulante.6 Embora o sistema cardiovascular comporte-se como um sistema de dois compartimentos (sistêmico e pulmonar), cerca de 80% do volume de sangue encontra-se na circulação venosa sistêmica, com três quartos desse sangue localizados em pequenas veias ou vênulas. As veias têm complacência 30 vezes maior do que as artérias.6,8,9 Para compreender o papel do RV sobre o DC, é importante compreender a lei de Hagen-Poiseuille, segundo a qual o fluxo de um fluido (Q) através de um sistema é relacionado à variação de pressão ao longo do sistema dividido pela resistência do sistema. Q = P1-P2/R, onde Q representa o fluxo, P1 pressão a montante, P2 pressão à jusante e R resistência ao fluxo.10 Dessa forma, utilizando-se a lei de Hagen-Poiseuille, é possível descrever o RV da seguinte forma: RV = PSM – PAD/RsVen, onde PSM = pressão sistêmica média; PAD = pressão de átrio direito e RsVen = resistência venosa. Nesse conceito, PSM seria a pressão a montante e PAD, a pressão à jusante. O conceito de resistência (R) engloba o comprimento do vasos (ƪ), a viscosidade do sangue (η) e é inversamente proporcional à quarta potência do raio do vaso (r), sendo expressa como: R = 8 η ƪ/π r4.8,9 A PSM citada como a pressão a montante do retorno venoso representa a pressão em todo o sistema cardiovascular durante uma parada circulatória. Neste momento, é importante recordarmos outros dois conceitos, o de volume estressado (Vst) e de volume não estressado (Vo). O Vo é definido como volume requerido para preencher a capacidade do sistema circulatório sem causar aumento da pressão transmural. O Vst representa a quantidade de sangue que, quando adicionada ao Vo, eleva a pressão transmural vascular; em condições normais, o Vst é constituído por 20 a 30% do volume sanguíneo total. A Figura 1.6 apresenta o conceito do Vo e do Vst.8 Fluxo arterial

Resistência venosa

Volume estressado

PAD Volume não estressado

Figura 1.6  Volume estressado (Vst) e não estressado (Vo). Exemplo de explicação de Vst e Vo em analogia a um tubo d’água. A linha tracejada divide o volume sanguíneo em Vst e Vo. A vazão é controlada pelo orifício de saída, que tem como determinantes a resistência venosa e a pressão de átrio direito (PAD), além da própria relação entre o Vs e Vo. Fica claro que o Vst é fundamental para o retorno venoso e, conforme a necessidade, o Vst pode ser aumentado com recrutamento de Vo, ou o Vst pode ser reduzido com aumento de Vo (mudança da linha tracejada ou do orifício de vazão). Fonte: Adaptada de Gelman S.9

Para o melhor entendimento da relação entre RV e suas pressões determinantes, o leitor deve analisar a Figura 1.7, na qual é possível perceber que o RV só pode ser zero se PSM – PAD for zero, ou seja quando a PSM for igual à PAD. A determinação da PSM é realizada nesta figura no ponto de intersecção do eixo x, pois representa o ponto onde o RV é igual a zero. A curva de RV pode ser dividia em três fases: inclinação, transição e platô. A fase de platô ocorre em situações a partir de uma

9

Capítulo 1  Fisiologia cardíaca

PAD igual ou menor a zero. Quando a PAD atinge esses valores em situação de pressão negativa (p. ex.: inspiração espontânea), ocorre colapso de grandes vasos que chegam ao tórax, esse fato tem a importância de impedir a chegada de fluxo adicional.9 Recentemente, alguns estudos têm demonstrado a possibilidade de se estimar a PSM e RV em pacientes críticos sob ventilação mecânica por meio de uma pausa inspiratória e medidas subsequentes de PAD e DC.11,12 A plotagem dessa variação de PAD e DC e a extrapolação do ponto de fluxo zero permitem estimar a PSM.

Platô

Tra n

Fluxo

siç

ão Inc

lin

RsVen = 1/área

0



ão

3 Pressão no átrio direito

PSM

6

Figura 1.7  Exemplo de curva de retorno venoso. É possível identificar as três fases que compõem a curva. A pressão sistêmica média (PSM) é identificada no ponto de intersecção da reta com eixo x. A resistência venosa (RsVen) é apresentada como o inverso da reta de inclinação. Fonte: Adaptada de Funk DJ.8

Além da PSM e PAD, a RsVen apresenta efeito importante sobre a curva de RV. A Figura 1.8 exemplifica o efeito de alterações da RsVen sobre o RV de forma pura. Uma redução na RsVen em 50% permite um aumento de fluxo sanguíneo, enquanto o aumento da RsVen causa uma redução significativa do fluxo sanguíneo sem ocorrer alteração na PSM. As alterações da RsVen ocorrem principalmente por efeito do sistema nervoso simpático, que, quando estimulado, promove contração dos vasos venosos com consequentes aumento da RsVen e queda do RV. No entanto, deve-se considerar que esse mesmo estímulo simpático também causará contração de vasos que detém o Vo e, dessa forma, aumentar a PSM; além disso, deve-se levar em conta os efeitos do sistema simpático sobre a contratilidade cardíaca e o aumento da FC.6

Fluxo

RsVen

RsVen

0

PSM

3 6 Pressão no átrio direito

Figura 1.8  Efeito da alteração da resistência venosa (RsVen) na curva de retorno venoso. Observar que ocorre redução ou aumento significativo do retorno venoso mesmo com a manutenção dos valores de pressão sistêmica média (PSM).

10

Seção I Hemodinâmica

4. PÓS-CARGA A pós-carga ventricular é definida como a força que o ventrículo precisa vencer para ejetar sangue. Alternativamente, pós-carga pode ser expressa como estresse.13 A lei de Laplace (Figura 1.9) tem importância para o entendimento fisiológico, σ = PtmR/2ω. Se considerarmos a pós-carga somente do VE, a tensão máxima (σ) será proporcional ao produto da pressão transmural do VE (Ptm = pressão intraventricular – pressão intratorácica PIT) e raio da curvatura do ventricular (R) dividido pela espessura da parede ventricular (ω).10 A σ ocorrerá no fim da contração isométrica, antes da abertura da valva Ao. Em pacientes com disfunção ventricular, a tensão máxima ocorre de forma mais tardia, durante a fase de ejeção.

Ptm

r

ω

Figura 1.9  Exemplo da representação de lei de Laplace. Ptm: pressão transmural; r: raio; ω: espessura da parede ventricular. Fonte: Adaptada de Westerhof N.11

Além da Ptm e R, a impedância é um determinante da pós-carga do VE. Ela representa a oposição ao fluxo que entra na aorta e, nessa condição, é conhecida como impedância de entrada arterial. Esse parâmetro quantifica a razão entre mudança de pressão e mudança de fluxo. A impedância não ocorre somente nos vasos grandes, mas em toda a árvore arterial. Os principais determinantes da impedância são resistência, inércia e complacência. No entanto, a impedância só pode ser calculada por medidas hemodinâmicas invasivas com valores de pressão arterial, elasticidade, dimensões dos vasos e viscosidade sanguínea. Assim, a pressão arterial sistólica e o raio ventricular são considerados os dois principais determinantes da pós-carga ventricular. Se reconhecermos as dimensões ventriculares como relativamente constantes, a PAS pode ser considerada o parâmetro mais comum e facilmente utilizado como substituto da pós-carga.13 A Figura 1.10 mostra os principais determinantes da pós-carga do VE. Existe uma relação inversa entre volume sistólico e pós-carga. Isso é consequência do fato de que o músculo não consegue se encurtar frente ao comprimento excessivo determinado pela carga total a que foi submetido. Quando a carga imposta ao ventrículo é aumentada, o encurtamento muscular máximo ocorrerá em um comprimento maior. A Figura 1.11 apresenta os efeitos isolados de mudanças na pós-carga na curva PV do VE e consequente redução do VS com aumento progressivo da pós-carga.7

11

Capítulo 1  Fisiologia cardíaca

PÓS-CARGA

Raio sistólico ventricular

Pressão sistólica final

Espessura da parede miocárdica

Raio diastólico final

Impedância

Hipertrofia compensatória

Resistência na via de saída ventricular

Pressão arterial sistêmica

Figura 1.10  Fatores determinantes da pós-carga.

160

RPSFV 4

Pressão (mmHg)

120

3 2

80 1 40 RPDFV 0 0

20

40

60

80

100

120

140

Volume (mL)

Figura 1.11  Exemplo de curva pressão-volume ventricular com alteração da pós-carga e manutenção da contratilidade e pré-carga. Observe-se a mudança na forma da curva que se torna mais alongada e estreita com o aumento progressivo da pós-carga curvas 1 a 4. RPSFV: relação pressão sistólica final ventricular; RPDFV: relação pressão diastólica final ventricular. Fonte: Adaptada de Burkhofff D.8

12

Seção I Hemodinâmica

4.1 Pós-carga do ventrículo direito A pós-carga do VD apresenta diferenças substanciais em relação ao VE. O VD trabalha contra um sistema de pressão muito menor que o VE, a circulação pulmonar. Normalmente, a resistência ao fluxo no sistema pulmonar é um décimo da resistência encontrada pelo VE na circulação sistêmica. O VE apresenta uma parede muscular espessa e capaz de vencer um gradiente de pressão alto, inclusive frente a aumentos significativos de pós-carga. Já o VD apresenta apenas um sexto da massa muscular do VE e opera próximo à sua capacidade contrátil máxima. Embora a mesma quantidade de sangue seja bombeada pelo VD e VE, a grande diferença se encontra na pós-carga enfrentada pelos dois ventrículos. No VD, a pressão transmural será determinada pela pressão de artéria pulmonar (PAP) e pressão intratorácica (PIT). Assim, diante de situações de aumento da PAP (p. ex.: hipoxemia, tromboembolismo pulmonar, ventilação com pressão positiva), o VD pode não conseguir compensar o aumento de pós-carga e apresentar uma falência aguda.14 A Figura 1.12 apresenta os valores normais de pressões nas câmaras direitas e esquerdas. Artéria pulmonar 25/8

P u l m õ e s

Artéria sistêmica 120/80

VD 25/0

VE 120/0

AD 2

AE 5

S i s t ê m i c a

Figura 1.12  Comparação entre pressões (em mmHg) nas câmaras cardíacas direitas e esquerdas. Fonte: Adaptada de West J.14

5. CONTRATILIDADE Neste capítulo, não serão discutidos aspectos fisiológicos da contração, e sim sua definição e os aspectos práticos da análise da curva de função cardíaca. A contratilidade miocárdica pode ser definida como uma capacidade intrínseca do músculo cardíaco em contrair-se independentemente da pré e pós-carga. Assim, contratilidade engloba a manifestação de todos os outros fatores (p. ex.: tônus simpático e parassimpático, propriedades musculares) que influenciam a interação entre as proteínas contráteis.6,14 Uma forma fácil de analisar as influências de determinadas condições sobre a função cardíaca contempla as curvas de função cardíaca.6 Nesse caso, o DC é tratado como variável dependente e representado no eixo Y e a PAD, no X (Figura 1.13). Basicamente, é possível concluir que uma curva de função cardíaca normal seria semelhante à curva 1 (Figura 1.13). Curvas com maior grau de inclinação, como a curva 2 (Figura 1.13), implicam maior contratilidade, uma vez que para uma mesma pré-carga apresentam um DC maior. Já curvas atenuadas, como a 3 (Figura 1.13), representam função cardíaca deprimida, visto que, para uma mesma PAD, apresentam DC menor. Durante a fase de

13

Capítulo 1  Fisiologia cardíaca

inclinação da curva, porção mais íngreme, pode-se assumir que, para determinada contratilidade, o coração está em uma fase de dependência de pré-carga (lei de Frank-Starling) e, se submetido a uma prova volêmica, haverá incremento da PAD e do DC que, habitualmente, deve ser superior a 10%, mudança do ponto A para B (Figura 1.14). Quando a função cardíaca atinge a porção superior da curva, platô, o coração não responderá a mudanças na pré-carga; mesmo que se promova aumento da PAD, o DC não aumentará como demonstrado pela mudança do ponto C para D (Figura 1.14).

Débito cardíaco

Hipercontratilidade

Normal

Hipocontratilidade

Pressão no átrio direito

Figura 1.13  Curvas de função cardíaca. O aumento da contratilidade desvia a curva superiormente, enquanto um desvio da curva para baixo está relacionado à hipocontratilidade.

B

Débito cardíaco

A

C

D

Pressão no átrio direito

Figura 1.14  Exemplo de utilização da curva de função cardíaca e avaliação da responsividade à infusão de volume. Notar que para uma função cardíaca normal e posição na porção íngreme da curva, a mudança do ponto A para B resulta em aumento do débito cardíaco após uma prova volêmica. Para uma função cardíaca reduzida, a mesma intervenção não resulta em incremento do débito cardíaco, já que partimos do platô da curva (ponto C para D).

14

Seção I Hemodinâmica

6. INTERAÇÃO CORAÇÃO-PULMÃO NO PACIENTE SOB VENTILAÇÃO MECÂNICA O coração, os pulmões e os grandes vasos torácicos estão todos contidos em um mesmo compartimento torácico e submetidos, de certa forma, às mesmas variações de pressão intratorácica (PIT). Esse arranjo anatômico é responsável pela interação coração-pulmão com importantes efeitos hemodinâmicos. De forma resumida, a interação coração-pulmão depende da variação PIT e de seus efeitos sob o RV, VD e VE. Durante a inspiração em ventilação espontânea, o desenvolvimento de PIT negativa provoca as seguintes alterações: 1. aumento de RV para o VD. Esse balanço negativo na PIT diminui a PAD; se a resistência venosa se mantiver constante, teremos um aumento do RV com consequente aumento do VS do VD. Esse aumento do VS do VD só alcança o VE após 3 a 4 batimentos cardíacos, que representa o tempo de trânsito na microcirculação pulmonar, chegando ao VE durante a fase expiratória; 2. o VE apresenta durante a fase inspiratória em ventilação espontânea uma redução do seu VS, tendo dois mecanismos implicados: o primeiro decorrente da interdependência ventricular e o segundo devido ao aumento de pós-carga do VE durante PIT negativas. O mecanismo de interdependência ventricular ocorre uma vez que o aumento significativo de VS do VD desvia o septo interventricular para o VE, reduzindo a complacência dessa câmara. Já o aumento da pós-carga é fruto do aumento da pressão transmural do VE, já que a variação PIT é superior à variação da pressão intraventricular.15 A ventilação com pressão positiva apresenta efeitos muito diferentes no sistema cardiovascular quando comparada à ventilação espontânea. Durante a fase inspiratória da ventilação com pressão positiva, ocorrem as seguintes alterações hemodinâmicas: 1) redução do RV para VD em virtude do aumento da PAD; 2) redução do VS do VD decorrente da redução do RV do VD, além de aumento de pós-carga imposto ao VD pelo incremento da pressão transmural de artéria pulmonar; 3) aumento do VS do VE por “ordenha” de sangue de microcirculação pulmonar; 4) diminuição de pós-carga do VE por diminuição da pressão transmural do VE. Após 3 a 4 batimentos, a redução do VS do VD alcança o VE, já na fase expiratória, promovendo uma queda no VS do VE (Figura 1.15).15,16

Efeitos da VPP no coração direito • ∆ Retorno venoso • ∂ Pós-carga

AD

Efeitos da VPP no coração esquerdo • ∆ Pós-carga • ∂ VS (ordenha sangue pulmonar)

3a4 batimentos cardíacos

VD

VE AE

Pressão arterial Pressão na via aérea Inspiração

Expiração

Figura 1.15  Representação dos efeitos hemodinâmicos da ventilação com pressão positiva. AD: átrio direito; VD: ventrículo direito; AE: átrio esquerdo; VE: ventrículo esquerdo; VPP: ventilação com pressão positiva. Fonte: Adaptada de Silva Ramos FJ.15

Capítulo 1  Fisiologia cardíaca

15

A partir do conhecimento fisiológico da interação coração-pulmão e da percepção de que essas manifestações eram refletidas na curva de pressão arterial, houve grande interesse no estudo das variações cíclicas da pressão arterial induzidas pela ventilação com pressão positiva (Figura 1.16). As variáveis conhecidas como dinâmicas ou funcionais (variação da pressão de pulso – PPV, variação da pressão sistólica – VPS e variação do volume sistólico – VVS) são empregadas na avaliação do estado hemodinâmico e apresentam ótima acurácia para predizer resposta à prova volêmica, quando utilizadas em condições especificas como volume corrente entre 8 e 12 mL/kg, ausência de arritmias, ventilação mecânica controlada e sem esforço respiratório, ausência de disfunção ventricular direita e ausência de hipertensão intra-abdominal.15 Mais detalhes sobre o uso das variáveis de hemodinâmica funcional serão discutidos no Capítulo 5.

Figura 1.16  Efeitos da ventilação com pressão positiva na interação coração-pulmão. Observar oscilação da pressão sistólica e pressão de pulso (pressão sistólica – pressão diastólica) durante a inspiração e expiração. As curvas em cor preta representam pressão arterial e as curvas em azul pressão de via aérea. A VPS (sublinhada em vermelho) fica evidente conforme ciclo respiratório. Com base nessa variação, pode ser calculada manualmente a variação da pressão de pulso e a da pressão sistólica.

7. CONCLUSÕES Os principais determinantes do DC são a pré-carga, a pós-carga e a contratilidade. Cada um deles tem características específicas que devem ser levadas em conta durante a otimização hemodinâmica e no desenvolvimento do raciocínio fisiopatológico. O conhecimento da interação coração-pulmão no paciente sob ventilação mecânica é muito útil para a avaliação hemodinâmica funcional desde que respeitadas suas premissas.

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Seção I Hemodinâmica

6. Guyton AC, Hall JE. Textbook of medical physiology. 11. ed. Philadelphia: Elsevier Saunders; 2006. 7. Burkhoff D, Mirsky I, Suga H. Assessment of systolic and diastolic ventricular properties via pressure-volume analysis: a guide for clinical, translational, and basic researchers. American Journal of Physiology Heart and Circulatory Physiology 2005;289:H501-12. 8. Funk DJ, Jacobsohn E, Kumar A. The role of venous return in critical illness and shock-part i: Physiology. Critical Care Medicine. 2013;41:255-62. 9. Gelman S. Venous function and central venous pressure: a physiologic story. Anesthesiology. 2008; 108:735-48. 10. Westerhof NS, Noble MIM. Snapshots of hemodynamics. New York: Springer Science+Business Media; 2010. 11. Maas JJ, Pinsky MR, Aarts LP, Jansen JR. Bedside assessment of total systemic vascular compliance, stressed volume, and cardiac function curves in intensive care unit patients. Anesthesia and Analgesia. 2012; 115:880-7. 12. Maas JJ, Geerts BF, Jansen JR. Evaluation of mean systemic filling pressure from pulse contour cardiac output and central venous pressure. Journal of Clinical Monitoring and Computing. 2011;25:193-201. 13. Vest AR, Heupler Jr F. Afterload. In: Anwaruddin SM, Martin J, Stephens JC, Askari AT (editors). Cardiovascular hemodynamic an introdutory guide. New York: Humana Press; 2012. p. 338. 14. West JB. Pulmonary pathophysiology: the essentials. 7. ed. Lippincott Williams & Wilkins; 2007. 15. da Silva Ramos FJ, Costa ELV, Amato, MBP. Bedside monitoring heart-lungs interactions. In: Vincent JL (editor). Annual Update in Intensive Care and Emergency Medicine 2013. Heidelberg: Springer; 2013. p. 373-384. 16. Michard F. Changes in arterial pressure during mechanical ventilation. Anesthesiology. 2005;103:419-28.

2 Monitorização hemodinâmica

Aline Cristina Vieira Walger Fernando José da Silva Ramos 1. INTRODUÇÃO Este capítulo tem o objetivo de descrever de forma sucinta o racional do uso da monitorização hemodinâmica em pacientes críticos. Serão discutidos aspectos práticos da monitorização macro-hemodinâmica: pressão arterial sistêmica (PAS), pressão venosa central (PVC), pressão de artéria pulmonar ocluída (PAPO) e métodos de monitorização do débito cardíaco (DC), além dos princípios da hemodinâmica funcional. As variáveis de perfusão e oxigenação tecidual serão discutidas em outro capítulo. Monitorização hemodinâmica é a observação contínua ou intermitente dos parâmetros fisiológicos do paciente. Seu principal objetivo é a detecção precoce de eventos que necessitem de intervenção terapêutica, mas também pode auxiliar no diagnóstico e na compreensão do estado patológico do paciente crítico, além de orientar quanto à resposta ao tratamento instituído. Basicamente, as ferramentas de monitorização hemodinâmica podem ser utilizadas em dois contextos: 1) após o estabelecimento de uma situação crítica, por exemplo, em pacientes com choque, em que a monitorização permite avaliar o mecanismo fisiopatológico e a resposta a determinada terapia; 2) antes do desenvolvimento de disfunções orgânicas, como em pacientes cirúrgicos de alto risco, em que a identificação precoce de alterações de macro ou micro-hemodinâmica pode determinar o início precoce de terapia impedindo a instalação de disfunção orgânica. É fundamental termos em mente que nenhuma ferramenta de monitorização é capaz de melhorar o estado ou prognóstico do paciente se não houver um plano terapêutico adequado associado a ela.1 Ao se escolher um método de monitorização hemodinâmica, deve-se ter, no mínimo, três questões respondidas: 1. os dados obtidos serão suficientemente acurados e capazes de influenciar a decisão terapêutica? 2. os dados obtidos pela monitorização são relevantes para o paciente? 3. as alterações no tratamento baseadas nos dados obtidos podem de alterar o prognóstico?

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Seção I Hemodinâmica

2. PRESSÃO ARTERIAL SISTÊMICA 2.1  Pressão arterial não invasiva A pressão arterial não invasiva (PANI) é o método de aferição da PA mais utilizado no ambiente hospitalar. Pode ser avaliada pela palpação e ausculta ou pelo método oscilométrico. A medida auscultatória da PA é baseada nos sons de Korotkoff, o primeiro e o quinto som marcam as pressões sistólica e diastólica respectivamente. No ambiente de UTI, os monitores multiparamétricos, na maior parte da vezes, utilizam o métodos intermitentes oscilométricos. O manguito é insuflado acima do ponto em que a oscilação está presente e, conforme é desinsuflado, as oscilações causadas pelos movimentos da paredes arteriais são transmitidos ao manguito, e o monitor afere essa oscilação. O ponto de maior amplitude representa a pressão arterial média (PAM) e as pressões sistólicas e diastólicas são calculadas pelo aumento e pela diminuição da magnitude das oscilações de acordo com um algoritmo específico. A largura do manguito deve ser de 40 a 50% da circunferência do braço (braçadeiras padronizadas variam de 12 a 16 cm × 22 a 36 cm) e o comprimento de pelo menos 50% da circunferência. Uma fonte comum de erro na prática clínica é a utilização de manguito inapropriadamente pequeno, resultando em superestimação da PA verdadeira, o que é particularmente relevante em pacientes obesos.2 Também deve-se ter atenção ao local onde o manguito é colocado (quanto mais distal, maior será a pressão sistólica) e à posição do braço no momento da aferição. Outras situações que podem influenciar a medida não invasiva da pressão arterial são: anasarca e edema do membro; obesidade; e arritmias. Um estudo publicado em 2005 avaliou a correlação entre medidas obtidas pelo método não invasivo versus invasivo em pacientes internados em uma UTI no Brasil. IMC baixo e alto, além de pressão arterial sistólica elevada, foram fatores associados a erro durante a aferição pelo método não invasivo.3 Recentemente foi publicado um trabalho retrospectivo que comparou medidas de PANI e pressão arterial invasiva (PAI) em pacientes críticos. No total, foram pareadas 27.022 aferições; durante situações de hipotensão, a PANI superestimou a pressão sistólica. Além disso, os pacientes com hipotensão (pressão sistólica < 70 mmHg) e PANI apresentaram maior incidência de insuficiência renal aguda e mortalidade na UTI comparados ao grupo PAI.4

2.2  Pressão arterial invasiva A medida invasiva da PA é considerado o método mais fidedigno, mas, por sua natureza invasiva, como informa sua denominação, e por ser passível de complicações, seu uso é restrito a indicações específicas como: pacientes instáveis hemodinamicamente (hipotensão aguda ou crise hipertensiva); choque de qualquer etiologia; pacientes em uso contínuo de droga vasoativa; necessidade de coleta de gasometria arterial frequente (> 2 amostras em 24 horas), uso de dispositivo de fluxo contínuo não pulsátil (ventrículo artificial ou membrana de oxigenação extracorpórea); pacientes com balão intra-aórtico (BIA); pacientes vítimas de trauma cranioencefálico grave e para monitorização de débito cardíaco (sistema FloTrac™, LidCO™, PiCCO™, Ev1000™). O método baseia-se na canulação direta de uma linha arterial (técnica de Seldinger preferencialmente), a qual é ligada a um transdutor de pressão e a uma bolsa pressurizadora com solução salina 0,9%. Para obter leituras adequadas, o transdutor deve estar alinhado ao AD e o sistema não deve conter bolhas de ar em seu interior (Figura 2.1).5 Um posicionamento errôneo do transdutor nesta etapa pode gerar variações de 1 mmHg a cada 1,36 cm acima ou abaixo do nível. Cuidados com a presença de bolhas de ar ou coágulos na linha também devem ser tomados, pois, nesta situação, o deslocamento de fluido dentro do sistema pode ser reduzido e subestimada a pressão arterial. Pelo mesmo motivo, os dispositivos utilizados devem ser pouco complacentes. Outro fator potencial de erro é a ressonância do sistema. Todos os sistemas tendem à oscilação máxima em determinada frequência. Se a frequência do transdutor for similar à da onda de pressão arterial, pode ocorrer uma distorção da curva. Para preveni-la, pode-se alterar o comprimento ou o diâmetro do sistema. Uma maneira de

Capítulo 2  Monitorização hemodinâmica

19

avaliar a forma da curva de PAI é realizar o teste de onda quadrada, em que o número de oscilações após o flush com solução salina pode fornecer informações para uma interpretação adequada dos valores de PAI6 (Figura 2.2). Não existe tempo máximo de permanência do cateter arterial, no entanto o sistema deve ser trocado a cada 96 horas e o cateter, retirado o mais precocemente possível.

SF 0,9% Saída para a linha arterial ou pressão venosa central

Transdutor

Régua de nível

Eixo flebostático

Figura 2.1  Montagem do sistema de transdutor e a respectiva posição em relação ao eixo flebostático para realizar a zeragem. SF: soro fisiológico. Fonte: Adaptada de Preuss T.5

Pouco amortecida > 2 oscilações Superestima da pressão sistólica

Amortecimento adequado 1-2 oscilações antesdo retorno da curva, valores adequados

Superamortecida < 1,5 oscilação Subestima pressão sistólica, pressão diastólica não afetada

Figura 2.2  Teste da onda quadrada.

A artéria escolhida para a maior parte dos pacientes é a radial devido ao fácil acesso e à presença de circulação colateral (verificada pelo teste de Allen). Outros possíveis sítios de punção são as artérias braquiais, femorais, ulnares e pediosas. As contraindicações à monitorização da PAI incluem: diátese

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Seção I Hemodinâmica

hemorrágica; doença vascular periférica grave; fenômeno de Raynaud; trombose local; presença de enxerto vascular no membro da punção; infecção local; queimadura; e pacientes com antecedente de cirurgia cardíaca que utilizaram a artéria radial como enxerto não devem ter a artéria ulnar puncionada. As principais complicações da monitorização da PAI são dor, vasoespasmo, formação de hematoma no local de punção (risco maior na punção femoral), hemorragia (risco maior na punção femoral com hematoma retroperitoneal), infecção, trombose local e embolia distal e, mais raramente, comprometimento neurovascular. A mais comum, sem dúvida, é a trombose local, que pode ocorrer em até 5 a 25% dos casos de punção radial. Na maior parte dos casos, a circulação colateral impede que essas tromboses tenham repercussão. Tais complicações podem ser evitadas respeitando-se as indicações técnicas de punção ideal, evitando-se punções repetidas no mesmo sítio, com vigilância frequente do sítio de punção e com retirada precoce do cateter.

3. PRESSÃO VENOSA CENTRAL (PVC) Reflete a pressão na veia cava superior, que tende a ser igual à pressão no átrio direito (AD). É obtida por meio de um cateter venoso central locado na veia cava superior ou no AD, pode também ser obtida com o cateter de artéria pulmonar (CAP). Seus valores normais situam-se em 2 a 6 mmHg. Para a aferição, o cateter venoso deve ser conectado a um sistema com transdutor e bolsa pressurizadora a 300 mmHg com solução salina 0,9%, o transdutor deve ser zerado e mantido no nível do AD. A avaliação da PVC deve ser realizada pela análise de sua onda e a medida deve ser realizada no fim da expiração e o marco utilizado deve ser a base da onda C (Figura 2.3). Estudos prévios já demonstraram que é grande o número de intensivistas e anestesistas que utilizam PVC como método de monitorização hemodinâmica,7 além disso guidelines atuais para manejo de sepse recomendam que a terapia de reposição volêmica seja realizada tendo como meta a PVC, com base no estudo de Rivers e colaboradores.8 P ECG

a

c

v

8 mmHg

Descenso X

Descenso Y

Figura 2.3  Ondas componentes da pressão venosa central. ECG: eletrocardiograma.

Onda A representa contração atrial e ocorre logo após a onda P no eletrocardiograma (ECG). Onda C representa o recuo da valva tricúspide no início da sístole ventricular. Onda V, enchimento atrial durante a sístole ventricular. Descenso X relaxamento atrial. Descenso Y abertura da tricúspide. Embora a PVC seja um dos parâmetros hemodinâmicos mais monitorizados na unidade de terapia intensiva (UTI), sua utilização baseia-se no dogma de que ela reflete o volume intravascular dos pacientes, principalmente em seus extremos, ou seja, que pacientes com PVC baixa estão hipovolêmicos

21

Capítulo 2  Monitorização hemodinâmica

e aqueles com PVC alta estão hipervolêmicos.9 Além do volume intravascular, outros fatores podem influenciar diretamente a PVC, como: insuficiência cardíaca; venoconstrição periférica; complacência ventricular; uso de drogas vasoativas; aumento de resistência vascular pulmonar; valvopatias tricúspide e pulmonar; ventilação mecânica; hipertensão intra-abdominal; e sepse. Kumar e colaboradores, em um estudo em voluntários hígidos, em que estes eram monitorizados com CAP e submetidos a medidas hemodinâmicas basais e após infusão de 3 L de SF 0,9%, demonstraram não haver relação entre valores de PVC, volume diastólico final ventricular (VDFV) e volume sistólico em condições basais e pós-expansão volêmica.10 Assim, o uso da PVC para avaliação do estado volêmico e responsividade a volume fica prejudicado. Michard e Teboul, em uma revisão sobre fluido responsividade, também demonstraram baixa correlação entre valores de PVC e responsividade a volume. Em uma análise de cinco estudos, somente dois apresentaram diferença entre valores de PVC dos pacientes respondedores comparados aos dos não respondedores após uma prova volêmica11 (Figura 2.4). Uma revisão sistemática publicada em 2008 analisou a correlação de PVC com volume sanguíneo e, mais uma vez, ela não demonstrou correlação com volume sanguíneo nem apresentou capacidade de avaliar responsividade a volume com área abaixo da curva (AUC) de 0,56.7 Não respondedor Respondedor

12

11

10 Pressão de átrio direito

10 9

8

9

9

8

4

7

7

6 5

5

2 0 Calvin

Schneider

Reuse

Wagner

Michard

Figura 2.4  Comparação entre valores de pressão venosa central em pacientes respondedores e não respondedores. Fonte: Adaptada de Michard e Teboul.11

Se os valores isolados de PVC devem ser interpretados com cautela, a variação inspiratória da PVC (Δ PVC > 1 mmHg) apresenta resultados um pouco melhores em pacientes ventilados espontaneamente e sem esforço respiratório. Um estudo demonstrou que Δ PVC > 1 mmHg produziu um valor preditivo positivo de 77% e negativo de 81% para identificação de pacientes em fase de dependência de pré-carga.12 Como a PVC vem sendo criticada atualmente como método de avaliação hemodinâmica isolado, um estudo publicado em 2012 avaliou sua utilização como método combinado ao índice de choque (FC/PAS) e demonstrou que a combinação de PVC alta com índice de choque baixa apresenta um valor preditivo negativo de 93% para resposta à prova volêmica.13 Portanto, apesar das suas limitações já descritas, por ser um método simples, rapidamente disponível, ainda tem importância clínica, especialmente em unidades de emergência, associado a outros parâmetros.

22

Seção I Hemodinâmica

A PVC ainda pode ser utilizada com outras finalidades, Magder sugere que sua análise detalhada pode fornecer informações como ausência de onda A – fibrilação atrial, onda A em canhão – síndrome do marca-passo, onda V gigante – insuficiência tricúspide, descenso Y > 4 mmHg fluido responsividade positiva, ausência de descenso X e Y – tamponamento cardíaco.14

4. CATETER DE ARTÉRIA PULMONAR (CAP) Apesar de o desenvolvimento dos cateteres capazes de aferirem as pressões de enchimento das câmaras cardíacas e de estimar o DC ser creditado a H. J. C. Swan e William Ganz, ainda na década de 1950 diversos estudiosos publicaram trabalhos com cateteres que permitiam a medida de pressão de artéria pulmonar (PAP) ou mesmo medida de DC. Mas, sem dúvida, foi o desenvolvimento do cateter de Swan-Ganz, ou CAP, que se popularizou com ferramenta diagnóstica e de monitorização no ambiente de terapia intensiva e foi de extrema importância no desenvolvimento de conhecimentos atuais sobre o choque. O uso da CAP é assunto controverso na literatura há pelo menos duas décadas. Apesar da sua larga difusão na década de 1980, diversos estudos demonstraram que a sua utilização não está relacionada a benefícios, além disso, por tratar-se de método invasivo, o uso do CAP se associa a possíveis complicações durante a sua passagem e monitorização. Outra questão que tornou o uso de CAP menos frequente na atualidade é o desenvolvimento de ferramentas de monitorização menos invasivas e capazes de oferecer ao médico informações tão importantes quanto as fornecidas pelo CAP, mas com menos riscos no procedimento. No entanto, vale lembrar que os estudos para desenvolvimento de métodos de monitorização do DC apresentam, em sua maioria, o CAP como método padrão-ouro para comparação. A seguir, serão descritas a técnica de passagem de CAP, as principais medidas pressóricas obtidas com ele e as indicações de uso. O método de estimativa do DC será abordado adiante.

4.1  Técnica de passagem do CAP A técnica de punção é semelhante à punção de acesso venoso central (jugular ou subclávia). Após a passagem do fio guia e do dilatador, é posicionado um introdutor, no qual passará o cateter envolto por uma capa plástica de proteção que, após o adequado posicionamento, é fixada ao introdutor, cujo papel é reduzir a contaminação do cateter. O balonete do cateter deve ser introduzido desinsuflado e seu posicionamento, continuamente avaliado pelas curvas de pressão. Ao atingir o AD, deve-se insuflar o balonete com 1,5 mL de ar ou CO2 e progredir com a inserção. Quando o cateter chega ao ventrículo direito (VD), após aproximadamente 30 cm do início da introdução, ocorre um aumento importante da pressão sistólica com pressão diastólica baixa. Neste momento, o médico deve ficar atento porque, quando o CAP atinge o VD, existe maior risco de arritmias. Após aproximadamente 10 a 15 cm de progressão do cateter, o dispositivo atinge a artéria pulmonar, pressão diastólica aumenta e a curva volta a ter aspecto arterial, sendo visível um nó dicrótico. A partir deste ponto, a introdução adicional do cateter promoverá um achatamento da curva, indicando o local onde ocorre a oclusão do vaso (encunhamento) e onde é possível aferir a PAPO. Após a medida da PAPO, o balonete deve ser desinsuflado, pois a insuflação prolongada pode causar infarto pulmonar. O volume necessário para a insuflação do balonete geralmente é inferior a 1,5 mL de ar, vale a pena frisar que se durante a insuflação houver resistência para insuflação do balonete e não houver distocia na válvula, o médico não deverá forçar a insuflação, pois ela pode levar à ruptura da artéria pulmonar, ele deve checar as conexões e tentar reposicionar o cateter (Figuras 2.5 e 2.6). É importante, após o término do procedimento, verificar se a ponta cateter também está bem posicionada, isto é, na zona III de West. O pulmão pode ser divido conceitualmente em três zonas de fluxo sanguíneo, as zonas de West, de acordo com a relação da PAP, pressão veia pulmonar e pressão alveolar, como exemplificado na Figura 2.7. O cateter deve estar posicionado na zona III de West.

23

Capítulo 2  Monitorização hemodinâmica

Caso isso não seja feito, as medidas podem ser influenciadas pela pressão alveolar e perder a acurácia. Para saber se o cateter está localizado adequadamente, o médico pode utilizar os dados demonstrados no Quadro 2.1.

7

5 3 4

8

6

2 1

A

B

Figura 2.5  (A) Exemplo de cateter de artéria pulmonar de débito cardíaco contínuo (CCOmbo 744, Edwards Lifescience).1: válvula de insuflação do balonete; 2: via infusão proximal (AD); 3: via de infusão distal (artéria pulmonar); 4: módulo de oximetria; 5: conector do filamento térmico; 6: conector do termistor, 7: filamento térmico; 8: seringa de 1,5 mL para insuflação do balonete. (B) Balonete insuflado.

AD

VD

a c v

a

c v

AP

PAPO

a

v

a

v

Figura 2.6  Técnica de passagem do cateter de artéria pulmonar e curvas de pressão adquiridas em cada câmara cardíaca e artéria pulmonar. AD: átrio direito; VD: ventrículo direito; AP: artéria pulmonar; PAPO: pressão de artéria pulmonar ocluída.

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Seção I Hemodinâmica

Zona 1 Palv > Part > Pven

Zona 2 Part > Palv > Pven

Zona 1 Part > Pven > Palv

Figura 2.7  Zonas pulmonares de West e a relação entre pressões vasculares e alveolar. Palv: pressão alveolar; Part: pressão arterial; Pven: pressão venosa. Quadro 2.1  Avaliação da posição do cateter de artéria pulmonar em zona 3 de West CRITÉRIO

ZONA 3

ZONA 1 OU 2

Localização da extremidade distal do cateter

Abaixo do átrio esquerdo

Acima do átrio esquerdo

Variação respiratória

Mínima

Proeminente

Análise da PAPO

Presença de ondas A e V

Difícil identificação de ondas A e V

PAPO e PAPdiast

PAPdiast > PAPO

PAPO > PAPdiast

PEEP trial

Alteração na PAPO < 50% da alteração da PEEP

Alteração na PAPO > 50% da alteração da PEEP

PAPO: pressão de artéria pulmonar ocluída; PAPdiast: pressão artéria pulmonar diastólica.

4.2  Pressão de artéria pulmonar ocluída (PAPO) Representa uma das variáveis hemodinâmicas obtidas com o CAP mais utilizadas na prática clínica. Sua monitorização tem o racional de que como não existem válvulas adicionais entre a válvula pulmonar e mitral, quando ocorre a insuflação do balonete do CAP e a impactação deste em ramo da artéria pulmonar (zona 3). Durante a diástole, a leitura da pressão do CAP refletirá a pressão do AE, já que a pressão do VD e PAP estão ocluídas pelo balonete. Assim a PAPO reflete uma pressão de enchimento ventricular esquerdo. A PAPO é utilizada com parâmetro hemodinâmico de pré-carga e avaliação do estado hemodinâmico mediante a análise das ondas obtidas na PAPO. A PAPO apresenta-se normalmente composta de duas ondas A e V e 2 descensos X e Y. O pico da onda A segue o pico da onda P do ECG com atraso de 240 milissegundos e o pico da onda V ocorre no fim da onda T do ECG. É importante realizar a análise das ondas de forma sincronizada ao ECG (Figura 2.8). Pacientes portadores de insuficiência mitral grave podem apresentar onda V gigante (Figura 2.9), no entanto essa condição pode estar presente em outras situações, como distensão atrial esquerda grave devido à insuficiência cardíaca grave e defeito septo ventricular agudo.15

25

Capítulo 2  Monitorização hemodinâmica

ECG

PAP

Encunhamento A

V

Figura 2.8  Exemplo de curva de pressão de oclusão de artéria pulmonar. Note-se o momento do encunhamento do cateter em zona 3 de West e a transição da curva de PAP para pressão de artéria pulmonar ocluída. A onda A ocorre logo após o QRS do ECG e a onda V, após a onda T do ECG. ECG: eletrocardiograma; PAP: pressão de artéria pulmonar.

ECG

v

PAPO a

Figura 2.9  Exemplo de onda V gigante em caso de insuficiência mitral grave. ECG: eletrocardiograma; PAPO: pressão de artéria pulmonar ocluída. Fonte: Adaptada de Marini JJ.15

A PAPO foi, durante muito tempo, utilizada como parâmetro hemodinâmico que representava a pré-carga ventricular esquerda no diagnóstico de hipervolemia e de insuficiência cardíaca e como meta de reposição volêmica. No entanto, estudos recentes demonstraram que a PAPO apresenta baixa capacidade em predizer volume de enchimento ventricular, performance cardíaca e resposta à infusão de volume. Kumar e colaboradores10 avaliaram a correlação entre PAPO e volume sistólico indexado/volume diastólico final ventricular antes e após a infusão de volume e não encontraram correlação significativa em um grupo de voluntários sadios (Figura 2.10). Osman e colaboradores, em um estudo com pacientes sépticos, demonstraram que a PAPO < 12 mmHg tem um valor preditivo positivo de apenas 54% para predizer resposta a uma prova volêmica.16 Michard e Teboul, em revisão sobre responsividade a volume, analisaram nove estudos que avaliaram a PAPO como parâmetro de responsividade a volume, dos quais sete não apresentaram valores de PAPO significantemente menor nos respondedores comparado aos não respondedores.11 Nenhum dos estudos propôs um valor de corte de PAPO para predizer a resposta frente a uma expansão volêmica.

26

Seção I Hemodinâmica

r = 0,3377 p = 0,2830

p = 0,8794

80

D

30

r = 0,0492 VDFVEi (mL/m2)

VDFVEi (mL/m2)

90

70 60 50

20

10

0

–10

40 0

5

10

15

0

2

4

6

8

10

∆ PAPO (mmHg)

PAPO (mmHg)

Figura 2.10  Correlação entre pressão de artéria pulmonar ocluída e volume diastólico final ventricular esquerdo indexado em voluntários sadios. VDFVEi: volume diastólico final ventricular esquerdo indexado; PAPO: pressão de artéria pulmonar ocluída. Fonte: Adaptada de Kumar e colaboradores.10

4.3  Outras variáveis hemodinâmicas obtidas com o CAP Além da PVC, PAPO e DC, o cateter de Swan-Ganz pode fornecer outros parâmetros hemodinâmicos obtidos de forma direta e de grande importância como a saturação venosa mista de oxigênio (SvO2), ou variáveis indiretas obtidas por cálculos e que podem ser utilizadas no manejo de pacientes críticos. A Tabela 2.1 apresenta as principais variáveis obtidas com o CAP. Tabela 2.1  Variáveis hemodinâmicas obtidas com o cateter de artéria pulmonar MEDIDAS

VALOR DE REFERÊNCIA

FÓRMULAS

COMENTÁRIOS

Diretas Pressão venosa central

2-6 mmHg





Pressão ventrículo direito

15-25 × 0-8 mmHg





Pressão artéria pulmonar

25 × 15 mmHg









Pressão de artéria pulmonar ocluída Débito cardíaco

6-12 mmHg 4-8 L/min

Saturação venosa mista de oxigênio

65-75%

Fração de ejeção do VD

40-60%







Não disponível em todos os modelos de cateteres para medida contínua



Não disponível em todos os modelos de cateteres

Indiretas Índice cardíaco

2,5-4 L/min/m2





60-100 mL

VS = DC/FC × 1.000



35-47 mL/ m2

VS × ASC

Resistência vascular pulmonar

< 250 dynes/s/cm5

RVP = (PAPm-PAPO/DC) × 80

Parâmetro de avaliação de pós-carga VD

Resistência vascular sistêmica

800-1.200 dynes/s/cm5

RVS = (PAM-PVC/DC) × 80

Parâmetro de avaliação de pós-carga VE

Índice de trabalho sistólico VE

50-62 g/batimento/m2

ITSVE = VSi (PAM-PAPO) × 0,0136

Índice de trabalho sistólico VD

5-10 g/batimento/m2

Volume sistólico Volume sistólico indexado



Parâmetro de contratilidade

ITSVD = VSi (PAPm-PVC) × 0,0136 Parâmetro de contratilidade

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Capítulo 2  Monitorização hemodinâmica

Volume diastólico final VD

100-160 mL

VDF = VS/FE

Utilizado como parâmetro de pré-carga; não disponível em todos os modelos de cateteres

Oferta tecidual de oxigênio

900-1.150 mL/min

DO2 = DC × CaO2

Necessita inserir outros parâmetros hemodinâmicos e laboratoriais

Consumo tecidual de oxigênio

200-250 mL/min

VO2 = DC (CaO2– CvO2)

Necessita inserir outros parâmetros hemodinâmicos e laboratoriais

VD: ventrículo direito; VE: ventrículo esquerdo; PAPM: pressão arterial pulmonar média; PAPO: pressão de artéria pulmonar ocluída; PVC: pressão venosa central; VSi: volume sistólico indexado; VDF: volume diastólico final; CaO2: conteúdo arterial oxigênio; CvO2: conteúdo venoso de oxigênio.

4.4  Indicações atuais do uso da CAP e evidências contrárias Desde a década de 1970, o cateter de Swan-Ganz teve seu uso popularizado no ambiente de terapia intensiva e foi de suma importância para o desenvolvimento dos conhecimentos atuais sobre choque. Desde então, dezenas de estudos apresentaram resultados controversos demonstrando que o uso do CAP estaria relacionado a aumento de mortalidade entre outras complicações. Discutir os detalhes das dezenas de estudos neste capítulo seria inviável, assim, serão abordados os estudos mais recentes e as indicações atuais do uso do CAP. A utilização do CAP apresentava uma ampla lista de indicações em pacientes críticos nas décadas de 1980 e 1990 (Quadro 2.2). Dados norte-americanos publicados na década de 1990 relatam o uso de 1.000.0000 a 1.500.000 CAP por ano.17 No entanto, com a realização de estudos, percebeu-se que o CAP é uma ferramenta de monitorização e que a simples monitorização sem intervenções adequadas e no momento adequado não resultaria em melhora de prognóstico. Assim, os estudos mais recentes foram dirigidos para as seguintes questões: a) se a utilização do PAC associa-se a malefícios ao paciente; b) se a utilização do CAP associa-se a um melhor prognóstico. Os estudos iniciais com CAP diziam respeito à supraotimização da oferta de oxigênio em pacientes críticos de forma geral em até 48 horas após internação na UTI, ou seja, em um período em que a disfunção orgânica já se encontrava estabelecida.18,19 Tais estudos foram negativos, gerando a recomendação atual de não utilização de CAP para otimizar débito cardíaco após estabelecimento de disfunção orgânica. Outra linha de estudos relacionada ao CAP diz respeito ao seu uso em otimização volêmica perioperatória.20-22 De forma diferente, esses estudos demonstraram um benefício do CAP em termos de redução da incidência de disfunções orgânicas e, eventualmente, da mortalidade, provavelmente porque o implante do CAP foi precoce, prevenindo, assim, disfunções orgânicas. Portanto, a monitorização com CAP pode ser utilizada para otimização perioperatória de pacientes de risco submetidos a cirurgias de grande porte. No entanto, com o desenvolvimento de métodos de monitorização do DC minimamente invasivos e que apresentam menos riscos de complicações com resultados de otimização hemodinâmica semelhantes, o uso do CAP novamente passou a ser questionado. Quadro 2.2  Indicações do uso do cateter de artéria pulmonar Manejo do infarto agudo do miocárdio complicado Avaliação do desconforto respiratório (cardiogênico × não cardiogênico) Avaliação de hipertensão pulmonar primária × secundária Avaliação e manejo dos estados de choque Avaliação de tratamento em indivíduos selecionados (uso de drogas vasoativas) Manejo de pacientes em pós-operatório de cirurgia cardíaca Avaliação de tamponamento cardíaco Avaliação de doença valvar cardíaca grave Monitorização e otimização de pacientes cirúrgicos de alto risco Avaliação de reposição hídrica em pacientes críticos Manejo da eclâmpsia severa

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Seção I Hemodinâmica

Mais recentemente, quatro estudos randomizados de grande porte e uma revisão sistemática do grupo Cochrane foram realizados para avaliar o efeito do CAP na morbimortalidade de pacientes críticos. Richard e colaboradores, em um estudo que randomizou 676 pacientes em UTI francesas com choque ou SDRA para receberem tratamento com CAP (de forma precoce, < 12 horas do início do choque) ou monitorização convencional, não encontraram diferença nos resultados de mortalidade ou redução dos dias de disfunções orgânicas.23 Outro estudo, o ESCAPE, avaliou o uso do CAP para orientar o tratamento de pacientes com insuficiência cardíaca e também não encontrou diferença nos resultados de mortalidade comparado ao grupo-controle.24 O estudo PAC-Man, publicado em 2005 e realizado em 65 UTI do Reino Unido, randomizou 1.041 pacientes críticos para o tratamento orientado pelo CAP ou método alternativo de DC.25 Os resultados, outra vez, não demonstraram benefícios do uso do CAP. Foram relatadas complicações associados à inserção do CAP em 46 dos 486 pacientes com PAC, sem nenhuma morte. Já no estudo do grupo ARDS network, 1.000 pacientes com lesão pulmonar aguda/SDRA foram randomizados para receber tratamento com cateter venoso ­central ou CAP em estratégias de restrição ou liberação de fluidos.26 Não foram identificadas diferenças­em termos de mortalidade, tempo de ventilação mecânica ou de permanência na UTI. O Grupo Cochrane publicou no início de 2013 uma atualização de sua revisão sistemática sobre o uso do CAP em pacientes críticos.27 Foram incluídos 13 estudos, com um total de 5.686 pacientes. As conclusões dos autores foram de que o CAP é uma ferramenta de monitorização e seu uso não é uma modalidade terapêutica e não está relacionado à diferença entre o número de dias de permanência na UTI, dias de internação hospitalar ou diferença quanto à mortalidade. Dois estudos realizados nos Estados Unidos não demonstraram diferença no custo de internação em pacientes que realizaram uso do CAP.27 Para reforçar o conceito de que o CAP é uma ferramenta de monitorização e não uma modalidade terapêutico, deve-se lembrar o leitor que, para a utilização correta do CAP, é fundamental que o médico e a equipe multidisciplinar da UTI tenham conhecimento e domínio da ferramenta e saibam interpretar adequadamente as informações adquiridas. Um estudo tipo survey realizado com médicos intensivistas titulados pela American College of Chest Physicians e Society of Critical Care Medicine, em 2002, apresentou três casos clínicos e dados obtidos pelo CAP. O participantes deveriam escolher uma entre seis alternativas. Foram enviados 320 questionários, porém apenas 126 retornaram com respostas completas. Em 50% dos casos, além dos dados do CAP, foram fornecidos dados adicionais de ecocardiograma. Os resultados demonstraram grande heterogeneidade nas respostas referentes a interpretação e condutas com os dados do PAC.28 Interessante que, no grupo que também recebeu as informações do ecocardiograma, houve mudança na conduta inicial, porém, ainda assim, manteve-se heterogeneidade nas respostas. Em uma revisão sobre uso de CAP publicada em 2011, os autores recomendam o uso do CAP em pacientes críticos com disfunção ventricular direita grave, hipertensão pulmonar e em situações clínicas complexas em que o conhecimento contínuo da PAP, PAPO e SvO2 seja relevante.29

4.5  Complicações associadas ao CAP O CAP necessita da passagem de um acesso venoso central, o que por si só já acarreta os riscos de uma punção venosa central. Além disso, vale lembrar que o CAP passa por duas valvas cardíacas (tricúspide e pulmonar), fato que também acarreta maior risco de complicações. Entre as principais complicações relacionadas ao CAP, é possível citar: acidentes de punção no acesso venoso central; nó do cateter intravascular; lesões de valvas cardíacas; arritmias cardíacas; ruptura de vasos, incluindo a artéria pulmonar; lesão de endocárdio; perfuração cardíaca; embolia pulmonar e infarto pulmonar; e infecções de corrente sanguínea relacionada a cateter central. A incidência de tais complicações varia muito entre os estudos. O PAC-man relatou incidência aproximada de 10% e, entre as principais ocorrências, o hematoma no sítio de punção, a punção arterial e as arritmias que necessitaram de tratamento (3%).25 Já o ESCAPE relatou 5% de complicações, com 2,5% de infecção relacionada ao PAC; nó do cateter e infarto pulmonar com 1% cada e arritmia ventricular com 0,5%.24 Nenhuma dessas complicações ocasionou o óbito.

Capítulo 2  Monitorização hemodinâmica

29

5. MONITORIZAÇÃO DO DÉBITO CARDÍACO 5.1  Termodiluição: cateter de artéria pulmonar O CAP permite a estimativa intermitente do DC mediante a técnica de termodiluição (TMD), processo em que determinada quantidade de solução gelada é introduzida na circulação, misturando-se adequadamente a ela, o termistor presente na extremidade distal do CAP lê a diferença de temperatura e gera uma curva que permite o cálculo do fluxo de sangue. O DC é calculado utilizando-se a equação modificada de Stewart Hamilton e será proporcionalmente inverso ao da área abaixo da curva, assim um DC alto é associado a uma pequena área abaixo da curva. O método de TMD utilizado no CAP é considerado o padrão-ouro para estimativa de DC, no entanto devemos salientar que a técnica é de suma importância para uma aferição correta. Devem ser injetados na via proximal do CAP 10 mL de (SF 0,9% ou SG 5%) em temperatura ambiente, ou preferencialmente, fria (deve haver uma diferença mínima de 8ºC entre a solução injetada e a temperatura sanguínea do paciente), a injeção deve ser realizada em bólus, de forma rápida (< 4 segundos) para permitir uma leitura adequada do termistor, e durante a fase expiratória. Um curva adequada apresenta uma ascensão rápida e aguda seguida por uma fase descendente lenta até o retorno à linha de base. É recomendado que sejam realizadas três medidas consecutivas e que deve-se utilizar a média das três como estimativa do DC. Diferenças entre o volume de injeção, temperatura da solução injetada, velocidade da injeção da solução e fase do ciclo respiratório são fatores importantes que podem causar variabilidade significativa entre as aferições do DC. Os CAP mais modernos permitem a estimativa do DC por meio do método contínuo. Esses cateteres apresentam um filamento térmico em via proximal (próximo do AD) que se estende por 10 cm e apresenta um sistema de aquecimento cíclico a cada 30 a 60 segundos que promove alteração da temperatura sanguínea e leitura do sinal no termistor distal, permitindo a estimativa do DC (Figura 2.5).

5.2  Métodos minimamente invasivos Nos últimos anos, vários métodos de avaliação hemodinâmica menos invasivos foram desenvolvidos. A maioria dos quais é baseada na análise do contorno da onda de pulso arterial, como no modelo descrito por Otto Frank em 1899, que relacionou a pressão arterial e fluxo sistêmico e pulmonar (modelo Windkessel). Contudo, somente na década de 1970 que Wesseling e colaboradores desenvolveram um algoritmo capaz de estimar o DC baseado na análise do contorno de pulso da pressão arterial. Com esse algoritmo, o volume sistólico do VE é computado pela relação entre a área abaixo da curva da porção sistólica da pressão arterial dividida pela impedância aórtica.30,31 A presença de arritmias graves e o balão intra-aórtico reduzem a precisão das medidas de débito cardíaco nos métodos de análise do contorno da onda de pulso. Além disso, a análise da pressão de pulso tem acurácia limitada em períodos de instabilidade hemodinâmica como nas rápidas alterações de resistência vascular que ocorrem na sepse e em casos de disfunção hepática. No entanto, essas ressalvas e uma interpretação adequada dos resultados não impedem a utilização de tais métodos.

5.2.1  Análise do contorno da onda de pulso 5.2.1.1  Métodos com calibração 5.2.1.1.1 PiCCO™ PiCCO™ (PiCCO™ System, Pulsion Medical Systems AG™, Munique, Alemanha) é um método de estimativa do DC por meio do contorno de onda de pulso que possui calibração pelo método da termodiluição transpulmonar (TTP). Requer somente uma linha arterial (braquial ou femoral) e uma linha venosa central. O débito cardíaco é calculado a partir da análise da TTP utilizando a equação de Stewart-Hamilton, porém nessa situação considera-se que, sabendo-se que o indicador injetado passará por um sistema de várias câmaras organizadas em série e identificando-se sua concentração na

30

Seção I Hemodinâmica

saída, é possível calcular o tempo de transito médio (TTM) e o volume total de sua distribuição. Isso implica uma série de parâmetros que podem ser calculados como volume intratorácico térmico, volume intratorácico sanguíneo, volume pulmonar sanguíneo, volume diastólico final global (VDFG) que representa um parâmetro de pré-carga, água extravascular pulmonar (AEVP) que é utilizada como parâmetro de edema pulmonar. A Figura 2.11 demonstra o cateter PiCCO™ e o modo de cálculo dos parâmetros hemodinâmicos. O PiCCO™ também fornece dados como variação da pressão de pulso (VPP) ou variação do volume sistólico (VVS) dependendo do sistema. Para a estimativa do DC por TTP, deve-se ministrar um bólus de 15 a 20 mL de SF 0,9% gelado (obrigatoriamente), injetado no acesso venoso central, onde é posicionado um sensor de temperatura externo, enquanto um termistor na linha arterial avalia as variações de temperatura, gerando uma curva de termodiluição. Assim como no CAP, são recomendadas três medidas, e a média entre elas representará a estimativa do DC. Monnet recentemente publicou um estudo que demonstrou a importância da realização de no mínimo três medidas para calibração do sistema e obtenção do índice cardíaco, VDFG e AEVP com precisão adequada.32 Em pacientes com shunts intracardíacos, estenose aórtica, aneurismas de aorta, ressecção pulmonar e circulação extracorpórea, a TTP pode produzir resultados equivocados.

A

B

TTM

Tdecaimento Volume térmico pulmonar

C

VTIT = DC × TTM

AEVP

VTP = DC × Tdecaimento AD

VD

VSP

VE

AE

VDFG = VTIT – VTP VSIT = VDFG × 1,25 AEVP = VTIT – VSIT

Volume térmico intratorácico

Figura 2.11  (A) Cateter arterial PiCCO™. (B) Curvas de TTP. (C) Demonstração das câmaras em que o indicador pode ser distribuído, considerando-se o ponto de injeção e detecção. TTM: tempo de trânsito médio; Tdecaimento: tempo de decaimento; DC: débito cardíaco; VTIT: volume térmico intratorácico; VTP: volume térmico pulmonar; VDFG: volume diastólico final global; VSIT: volume sanguíneo intratorácico; AEVP: água extravascular pulmonar.

5.2.1.1.2 VolumeView™ VolumeView™ (Edwards Lifesciences, Irvine, Califórnia, EUA) é um sistema que, em conjunto com o monitor EV1000™ (Edwards Lifesciences, Irvine, Califórnia, EUA), permite a estimativa do DC por análise do contorno de onda de pulso e calibração por TTP. O VolumeView™ está disponível no mercado brasileiro há pouco (Figura 2.12). Além da estimativa do DC, fornece parâmetros de VDFG, AEVP, índice de função cardíaca e índice de permeabilidade pulmonar. O VolumeView™ utiliza o mesmo racional do PiCCO™ para o cálculo desses parâmetros, porém com pequenas mudanças na fórmula em relação ao TTM e ao tempo de decaimento. Kiefer demonstrou que para estimativa de DC, VDFG e AEVP, o VolumeView™ e o PiCCO™ apresentam excelente correlação (R2 0,98; 0,92; e 0,97, respectivamente).33

31

Capítulo 2  Monitorização hemodinâmica

C

B 8

A

Figura 2.12  Sistema VolumeView™ e monitor EV1000™ (Edwards Lifescience). O sistema VolumeView™ (esquerda) é constituído por um cateter arterial (A), sensor de temperatura conectado ao cateter venoso central (B) e sensor de pressão de arterial (C). Fonte: www.edwards.com.

5.2.1.1.3 LiDCO™ O sistema LiDCOplus™ (LiDCO, Londres, Reino Unido) utiliza o método de diluição de cloreto de lítio para calibrar a estimativa do DC por análise da onda de contorno de pulso. Nesse método, injeta-se uma pequena quantidade de lítio (0,15 a 0,3 mmol) por uma veia central ou periférica, e um sensor locado na linha arterial (não existe preferência pelo sítio) cria uma curva de concentração da substância no tempo que permita o cálculo do DC e também do volume intratorácico sanguíneo (Figura 2.13). A dose necessária de lítio para calibração é pequena, sem efeito farmacológico conhecido. É recomendado que seja realizada a calibração a cada 8 horas. O monitor LiDCO também fornece variáveis de hemodinâmica funcional utilizadas para avaliação de responsividade a volume como variação da pressão sistólica (VPS) e VPP.

A

B

Figura 2.13  Sistema LiDCOplus™. (A) Sensor arterial que mede a concentração de lítio. (B) Monitor LiDCOplus™. Fonte: Adaptada de www.lidco.com.

32

Seção I Hemodinâmica

O uso de bloqueadores musculares despolarizantes e tratamentos com sal de lítio podem provocar erros de aferição na determinação do débito cardíaco. A vantagem do LidCO em relação aos outros métodos é o fato de ser menos invasivo, já que não requer acesso central, somente a linha arterial. Mais recentemente, foi desenvolvido o LiDCOrapid™, método de estimativa do DC apenas por análise do contorno da onda de pulso, sem a possibilidade de calibração por diluição do lítio.

5.2.1.2  Métodos não calibrados 5.2.1.2.1 FloTrac™ O sistema FloTrac™ (Edwards Lifesciences, Irvine, Califórnia, EUA) é um método de monitorização minimamente invasivo do DC sem calibração (Figura 2.14). Requer apenas uma linha arterial (sem preferência de sítio de punção), o sensor FloTrac™ é conectado à linha arterial e ao monitor Vigileo™ (Edwards Lifesciences, Irvine, Califórnia, EUA) ou mais recentemente ao monitor EV1000™ (Edwards Lifesciences, Irvine, Califórnia, EUA). O Flotrac™ utiliza um algoritmo de análise da curva de pressão arterial, em que a pressão de pulso (PP) é proporcional ao volume sistólico (VS) e inversamente proporcional à complacência arterial. A PP é avaliada utilizando a medida do desvio-padrão da pressão arterial média (σPA) durante 20 segundos. DC = FP (σPA × χ) De acordo com esta fórmula, FP: frequência de pulso mede as frequências identificadas na curva ascendente da onda; σPA: utilizado para computar de forma robusta características principais da PP; χ: parâmetro escalado multivariado proporcional aos efeitos do tônus vascular na PP. Leva em consideração a frequência cardíaca (FC), σPA, complacência arterial, superfície corpórea, obliquidade e curtose da curva de pressão arterial.

Figura 2.14  Sistema FloTrac™ e monitor Vigileo™ (Edwards Lifescience). Fonte: www.edwards.com.

O sistema Flotrac™ conectado ao monitor Vigileo™ permite, além da medida do DC, a apresentação do volume sistólico, VVS e cálculo a partir de variáveis inseridas da resistência vascular sistêmica (RVS). Apesar de prático, a ausência de calibração do dispositivo é uma das principais críticas ao método, já que em pacientes com instabilidade hemodinâmica, as alterações da complacência e impedância car-

Capítulo 2  Monitorização hemodinâmica

33

diovascular não são corrigidas pelo dispositivo. Em um estudo publicado em 2007, o uso do FloTrac™ foi comparado ao do CAP em pacientes internados na UTI e, em 96% das comparações, o FloTrac™ acompanhou as tendências do CAP; e, em 58% dos casos, a magnitude das alterações era similar.34

5.2.3 Biorreactância 5.2.3.1 NICOM® O NICOM® (Cheetah Medical Ltda., Maidenhead, Berkshire, Reino Unido) é um método não invasivo para avaliar o DC por uma técnica conhecida como biorreactância. Quando uma corrente elétrica alternada é aplicada ao tórax, o fluxo de sangue pulsátil que se encontra nas grandes artérias torácicas causa uma variação na amplitude da voltagem da corrente aplicada e um tempo de desvio entre ela e a voltagem medida. Esse tempo de desvio tem se correlacionado com o volume sistólico. É um método totalmente não invasivo, utiliza somente oito eletrodos adesivos no tórax. Em um estudo publicado em 2009 com pacientes submetidos à cirurgia cardíaca, o uso desse dispositivo foi comparado ao FloTrac™ e ao CAP (padrão-ouro). A correlação do NICOM® e FloTrac™ com o CAP foi de 0,77 e 0,69, respectivamente. A linha de tendência das variações e a amplitude delas foi similar entre os métodos. A sensibilidade e a especificidade dos métodos para variações significativas de DC foram de 0,91 e 0,95 com o NICOM® e 0,86 e 0,92 com o FloTrac™.35 Portanto, o NICOM® já demonstrou ser um método tão confiável quanto o FloTrac™ e comparável ao CAP, com a vantagem de não ser invasivo.

5.2.4  Reinalação parcial do CO2 Em 1870, Adolf Fick introduziu um conceito conhecido como princípio de Fick, que diz: “A captação e liberação total de determinada substância por determinado órgão é o produto do fluxo sanguíneo para o órgão e a concentração arteriovenosa da substância”. Representa-se matematicamente pela equação: DC = VO2/CaO2 – CvO2. Em que DC: débito cardíaco; VO2: consumo de oxigênio; CaO2: conteúdo arterial de oxigênio; e CvO2: conteúdo venoso de oxigênio. Como o princípio de Fick aplica-se a qualquer substância que pode ser adicionada ou removida, o CO2 torna-se um indicador plausível.30 O monitor NICO® (Philips, Eindhoven, Países Baixos) estima o DC pelo princípio de Fick utilizando a reinalação parcial de CO2. É um sistema não invasivo e simples, sendo constituído de uma válvula adaptada ao circuito de reinalação e um sensor combinado de CO2 e fluxo. Além do DC, o monitor informa parâmetros respiratórios (pressão e fluxo na via aérea, complacência pulmonar e espaço morto) e estima a fração de shunt pulmonar. Embora simples, requer intubação traqueal e ventilação controlada, o que prejudica seu uso em situações de ventilação espontânea. Embora o método apresente correlação satisfatória com o CAP para a estimativa do DC, em situações de lesão pulmonar aguda, apresenta discordância significativa acentuada com a gravidade da lesão.30,36

5.2.5  Doppler esofágico O dispositivo mede, pelo reflexo do ultrassom nos glóbulos vermelhos, a velocidade do fluxo sanguíneo na aorta torácica estimando, assim, o débito cardíaco por correlação entre a área seccional da aorta e a FC. Além disso, pelas mudanças no padrão da curva do Doppler, pode-se verificar a resposta terapêutica às medidas instituídas. O método depende da habilidade do operador em reconhecer o bom posicionamento da sonda para uma medida fidedigna.

5.2.6 Ecocardiografia O exame ecocardiográfico permite avaliação da função cardíaca, avaliação da responsividade a volume e medida de DC de forma rápida e não invasiva. Diretrizes para o treinamento de médicos

34

Seção I Hemodinâmica

intensivistas para o uso de ecocardiografia em pacientes críticos já estão disponíveis. Embora a ecocardiografia não forneça dados contínuos, o médico intensivista devidamente treinado pode repetir o exame após determinadas intervenções e avaliar a resposta ao tratamento de forma seriada. Para mais informações relacionadas ao uso da ecocardiografia na monitorização hemodinâmica, o leitor deverá consultar o Capítulo 3.

6. HEMODINÂMICA FUNCIONAL Como já dito anteriormente, medidas estáticas demonstraram pouco valor em discriminar os pacientes que serão beneficiados com a prova de volume, porém índices dinâmicos baseados na interação cardiopulmonar e na variação do volume sistólico do ventrículo esquerdo são capazes de selecionar adequadamente esses pacientes. Há uma descrição sobre os efeitos da ventilação mecânica na interação coração-pulmão no Capítulo 1. A referida interação resulta em alterações cíclicas na curva de pressão arterial e no diâmetro de veia cava. A partir delas, diversos índices e parâmetros hemodinâmicos têm sido avaliados para predizer uma resposta volêmica após uma expansão volêmica, entre os quais é possível citar: VPP (também chamado de delta PP); VVS e VPS; variação do diâmetro de veia cava, entre outros (Tabela 2.2). Estes são validados para pacientes sedados, em ventilação controlada com volumes correntes superiores a 8 mL/kg e em ausência de arritmias. Em pacientes com volume corrente baixo, alta frequência respiratória, hipertensão pulmonar, disfunção de VD e hipertensão intra-abdominal, esses valores perdem acurácia de maneira significativa. Como tais situações são frequentes na UTI, a utilização dos índices fica limitada a poucos pacientes, sendo mais comum sua utilização no centro cirúrgico, onde os pacientes estão sedados e em ventilação controlada.37 Tabela 2.2  Variáveis de hemodinâmica funcional utilizadas para avaliação de responsividade a volume ÍNDICE ∆PVC VPP

FÓRMULA

VALOR DE CORTE

PVCexp – PVCinsp

> 1 mmHg

PPinsp – PPexp

> 13%

MONITOR Cateter venoso central Pressão arterial invasiva

(PPinsp + PPexp)/2 VVS

VSinsp – VSexp

> 10-12%

(VSinsp + VSexp/)2 VPS Variação VCI

VPSinsp – VPSexp VCImáx – VCImín (VCImáx + VCImín)/2 Ou

> 10 mmHg > 13% ou > 18%

Calculo automático: FloTrac™, VolumeView™, PiCCO™, LiDCO™ Pressão arterial invasiva Ultrassonografia/ECO de veia cava inferior

VCImáx – VCImín VCImín ∆Pico braquial

VPBinsp – VPB exp

> 10%

Doppler de artéria braquial

> 12%

ECO/Doppler esofágico

(VPBinsp + VPB exp)/2 ∆VFAo

VFAmáx – VFAmín (VFAmáx + VFAmín/2

O valor de corte identifica a condição de responsividade a volume. PVC: pressão venosa central; VPP: variação pressão pulso; VVS: variação do volume sistólico; VPS: variação pressão sistólica; VCI: veia cava inferior, VFAo: velocidade fluxo aórtico; VPB: velocidade pico braquial, ECO: ecocardiografia.

Capítulo 2  Monitorização hemodinâmica

35

7. CONCLUSÕES A monitorização hemodinâmica deve ser realizada para a adequada avaliação e o desenvolvimento de estratégia terapêutica em doentes críticos; no entanto, é imprescindível que o intensivista e a equipe multidisciplinar estejam familiarizados com o método de monitorização para uma interpretação correta dos parâmetros fornecidos e para minimizar o risco de complicações associadas ao método. O CAP é uma ferramenta de monitorização cada vez menos utilizada, já que seu uso rotineiro não demonstrou benefício clínico, mas ainda pode ser adotado em situações em que se julga necessário monitorizar a função de VD e a PAP. Os métodos de monitorização minimamente invasivos podem substituir o CAP de forma satisfatória e, preferencialmente, devem ser utilizados os métodos de análise do contorno da onda de pulso com calibração. As variáveis de hemodinâmica funcional (VPP, VVS e VPS) apresentam acurácia melhor para avaliação de responsividade a volume quando comparada às varáveis estáticas (PVC e PAPO), porém seu uso depende de premissas básicas como volume corrente, ausência de esforço respiratório ou arritmias.

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Capítulo 2  Monitorização hemodinâmica

37

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3 Uso da ecocardiografia na avaliação hemodinâmica do paciente crítico

Maurício Henrique Claro dos Santos 1. INTRODUÇÃO Nos dias de hoje, é possível verificar uma mudança nos ambientes de terapia intensiva, reflexo de uma nova prática adotada pelos intensivistas: o uso da ultrassonografia e da ecocardiografia no cuidado cotidiano do paciente crítico. Em várias unidades de terapia intensiva (UTI), os aparelhos de ultrassom incorporaram-se ao mobiliário convencional, assim como os aparelhos de ventilação mecânica e as máquinas de hemodiálise. Não obstante ser uma técnica conhecida e amplamente disponível de longa data, somente mais recentemente seu uso foi direcionado para responder a questões implícitas à terapia intensiva, com uma característica fundamental: a autonomia do médico intensivista na aquisição e interpretação das imagens. Um grande progresso em relação ao assunto foi, nos últimos anos, a publicação de consensos conjuntos, entre diferentes sociedades nacionais de terapia intensiva, com o objetivo de estabelecer um currículo de ultrassonografia e ecocardiografia específico para o cuidado do paciente crítico,1,2 de tal maneira que a recomendação atual é que o treinamento em ultrassom deve fazer parte da formação do residente em UTI, o que, inevitavelmente, levará a uma maior disseminação de seu uso em um futuro próximo. Especificamente em relação à ecocardiografia, os consensos atuais dividem as habilidades a serem adquiridas em dois níveis: básico e avançado.1 O último nível engloba um período mais prolongado de treinamento com uma formação em ecocardiografia idêntica à de médicos cardiologistas. Todavia, o primeiro nível exige um período mais breve de formação, com o intuito de reconhecer imagens básicas (Quadro 3.1), muitas vezes caricaturais, mas que permitam ao médico intensivista o diagnóstico da instabilidade hemodinâmica do paciente crítico e a instituição da terapêutica adequada de forma precoce. O objetivo deste capítulo é explicitar de forma prática e concisa as imagens ecocardiográficas básicas que podem ocorrer nas principais situações de instabilidade hemodinâmica no paciente criticamente doente: cor pulmonale agudo, disfunção sistólica grave do ventrículo esquerdo (VE) e hipovolemia. A avaliação ecocardiográfica no tamponamento cardíaco será feita em capítulo específico.

40

Seção I Hemodinâmica

Quadro 3.1  Competência básica no uso da ecocardiografia em terapia intensiva: habilidades clínicas no reconhecimento de padrões ecocardiográficos nas diferentes síndromes clínicas1 SÍNDROMES CLÍNICAS Hipovolemia grave

PADRÕES ECOCARDIOGRÁFICOS Ventrículos pequenos e hiperdinâmicos VCI de pequeno diâmetro e com ampla variação respiratória

Insuficiência ventricular esquerda

Disfunção sistólica global do VE Padrão de contratilidade heterogêneo, sugestivo de isquemia miocárdica Dilatação do VE sugestiva de doença cardíaca crônica

Insuficiência ventricular direita

Cor pulmonale agudo: dilatação do VD e movimento paradoxal do septo interventricular Dilatação isolada do VD sugestiva de infarto ventricular direito Achados adicionais: VCI dilatada e sem variação respiratória

Tamponamento cardíaco

Derrame pericárdio, independentemente do volume Colapso diastólico do AD ou VD Achados adicionais: VCI dilatada e sem variação respiratória

AD: átrio direito; VCI: veia cava inferior; VD: ventrículo direito; VE: ventrículo esquerdo.

2. AVALIAÇÃO DE COR PULMONALE AGUDO As principais situações clínicas que cursam com disfunção aguda do ventrículo direito (VD) em terapia intensiva são o tromboembolismo pulmonar, síndrome da angústia respiratória aguda (SARA), sepse e infarto do VD. Diferentemente do esquerdo, o ventrículo direito tem um formato geométrico muito mais complexo, o que torna extremamente problemática a estimativa de sua fração de ejeção. Porém, dois sinais ecocardiográficos de cor pulmonale agudo – a dilatação do VD e o movimento paradoxal do septo interventricular3 – são facilmente visíveis no ecocardiograma, podendo apontar a falência ventricular direita como causa de instabilidade hemodinâmica em um paciente crítico. Deve-se ter em mente que a falência grave do VD cursa com a sua dilatação e que é improvável que a falência ventricular direita seja a causa do choque em um paciente crítico se as dimensões do VD não estão aumentadas. A melhor forma de avaliar a dilatação do VD é com um corte apical de quatro câmaras, sendo possível visualizar a perda habitual de seu formato triangular (Figura 3.1). Além disso, é necessário comparar a área diastólica final do VD em relação à do VE. No mesmo corte ecocardiográfico, são traçadas, manualmente, as bordas endocárdicas de ambos os ventrículos com o cálculo automático de suas áreas. Normalmente, essa relação é inferior a 0,6. Quando ela estiver entre 0,6 e 1 implica uma dilatação moderada do VD; e, quando o VD tem uma área diastólica final superior à do VE; ou seja, uma relação maior que 1, considera-se uma dilatação importante do VD4 (Figura 3.1). A dilatação do VD, geralmente, está associada à dilatação do AD e da veia cava inferior (VCI) e à diminuição de sua variabilidade durante o ciclo respiratório e o refluxo tricúspide. O movimento paradoxal do septo interventricular é consequência da sobrecarga sistólica do VD. Devido ao aumento de sua pós-carga, ocorre um prolongamento da sístole ventricular direita, de tal modo que, no final da sístole e início da diástole, ocorre uma inversão de gradientes de pressão entre os dois ventrículos, com a pressão interventricular direita tornando-se maior que a esquerda e ocasionando o desvio do septo interventricular em direção ao VE nessa fase do ciclo cardíaco. Esse fenômeno é mais bem visualizado pelo corte paraesternal transversal, em que é possível a visualização durante o ciclo cardíaco do desvio do septo interventricular em direção ao VE, que muda do formato circunferencial para o de uma letra “D” (Figura 3.2).4 Uma forma objetiva de quantificação do movimento paradoxal do septo interventricular é pelo índice de excentricidade do VE, dado pela relação do diâmetro anteroposterior sobre o diâmetro septolateral do VE visualizados no corte paraesternal transversal5 (Figura 3.2). Normalmente, essa relação é igual a 1, tornando-se superior a 1 em casos de movimento paradoxal do septo interventricular.

Capítulo 3  Uso da ecocardiografia na avaliação hemodinâmica do paciente crítico

VD

VE VD AD

41

VE

AD

AE

B

A

Figura 3.1  (A) Corte apical de quatro câmaras de um paciente com VD normal. Reparem-se o formato habitual do VD (triangular) e uma relação de áreas VD/VE = 0,6. (B) Também há um corte apical de quatro câmaras. Note-se o VD dilatado com dimensões maiores que a do VE. AD: átrio direito; AE átrio esquerdo; VD: ventrículo direito; VE: ventrículo esquerdo.

Septo paradoxal VD

VE

A

B

Figura 3.2  Corte paraesternal transversal em paciente com cor pulmonale agudo mostrando o desvio paradoxal do septo interventricular em direção ao VE. (A) Repare-se a alteração no formato do VE, que passa da forma circunferencial para de letra “D”. (B) As medidas do diâmetro anteroposterior (dupla flecha preta) e do diâmetro septolateral (dupla flecha vermelha) do VE. O índice de excentricidade é calculado pelo diâmetro anteroposterior sobre o diâmetro septolateral, nesse caso, superior a 1. VD: ventrículo direito; VE: ventrículo esquerdo.

3.  AVALIAÇÃO DA FUNÇÃO SISTÓLICA DO VENTRÍCULO ESQUERDO Ela é fundamental no manejo de um paciente hemodinamicamente instável, já que a detecção de uma disfunção ventricular grave pode alterar significativamente o respectivo manejo hemodinâmico. Além disso, várias patologias em terapia intensiva cursam com disfunção ventricular transitória, mesmo em pacientes jovens e sem antecedentes de doença cardíaca6 (Quadro 3.2). Dados recentes indicam que a incidência da miocárdio-depressão associada a sepse pode chegar a 60% dos casos, muitas vezes manifestando-se após o início da terapia com vasopressor.7 Há vários parâmetros ecocardiográficos pelos quais é possível avaliar a função sistólica do VE, alguns bastante complexos, exigindo um grau maior de treinamento e maior tempo para realização. Contrariamente, a avaliação subjetiva da função sistólica do VE é outra forma de estimativa da função sistólica ventricular esquerda, que, por sua rápida execução e fácil aplicabilidade, enquadra-se melhor na dinâmica habitual da terapia intensiva. Além de ser possível após um curto treinamento, a avaliação subjetiva permite a identificação de disfunção ventricular sistólica grave com uma boa acurácia.8,9

42

Seção I Hemodinâmica

Quadro 3.2  Principais causas de disfunção miocárdica reversível no doente crítico sem patologia cardíaca 6 Síndrome da resposta inflamatória sistêmica Sepse Pancreatite aguda Pós-ressuscitação de parada cardíaca Síndrome de balonização apical (síndrome de Takotsubo) Anafilaxia Doença neurológica aguda • hemorragia subaracnoide • traumatismo cranioencefálico • acidente vascular encefálico • hematoma subdural • morte encefálica Intoxicações exógenas • betabloqueadores • bloqueadores de canais de cálcio • cocaína • quimioterápicos • monóxido de carbono • acidentes com aranhas e escorpiões

Diferentemente dos principais métodos ecocardiográficos de quantificação da função sistólica, em que é necessária a visualização da borda endocárdica com uma boa precisão, a estimativa subjetiva da função ventricular pode ser feita observando-se, pela imagem bidimensional e pelo maior número possível de janelas (paraesternal longitudinal e transversal, apical e subcostal), o quanto as paredes cardíacas aproximam-se do centro da cavidade ventricular esquerda. O primeiro passo consiste em classificar a função ventricular em normal ou alterada. Na segunda hipótese, deve-se tentar quantificar subjetivamente a função ventricular em uma diminuição de leve a moderada, ou uma diminuição importante. A principal fonte de erro consiste em superestimar uma disfunção de leve a moderada e classificá-la como normal; porém, dificilmente uma disfunção ventricular importante será categorizada como normal. Adicionalmente, deve-se observar se o padrão de contratilidade é homogêneo ou se há alteração da contratilidade segmentar; contudo, a análise correta da contratilidade segmentar exige maiores conhecimento e habilidade técnica, e, na suspeita de disfunção ventricular secundária à síndrome coronariana aguda, a avaliação de um ecocardiografista é necessária.

4. AVALIAÇÃO DE HIPOVOLEMIA A avaliação da resposta à infusão volêmica é uma questão com a qual constantemente se depara o médico intensivista. A ecocardiografia é uma das ferramentas, entre várias outras, disponíveis para a detecção e correção da hipovolemia no paciente crítico. Aqui reside uma diferença fundamental no uso da ecodopplercardiografia voltado para o manejo do paciente criticamente doente em relação ao seu uso habitual, realizado por cardiologistas (Quadro 3.3): a necessidade de repetição do exame para a reavaliação da resposta à infusão volêmica. Quadro 3.3  Principais diferenças entre a ecocardiografia convencional e a ecocardiografia em terapia intensiva ECOCARDIOGRAFIA CONVENCIONAL

ECOCARDIOGRAFIA EM TERAPIA INTENSIVA

Exame pontual

Exame seriado

Exame completo

Exame direcionado

Disponibilidade limitada

Disponibilidade imediata

Análise quantitativa

Análise qualitativa

Capítulo 3  Uso da ecocardiografia na avaliação hemodinâmica do paciente crítico

43

Vários parâmetros ecocardiográficos podem ser utilizados na detecção e correção da hipovolemia. É possível dividi-los didaticamente em dois grupos, dependendo da situação clínica do paciente: respiração espontânea e ventilação mecânica controlada. Os índices utilizados na primeira situação geralmente requerem uma intervenção terapêutica, quais sejam a infusão de pequenas alíquotas de volume parenteral ou a prova de elevação passiva dos membros inferiores, com posterior reavaliação da resposta. Na segunda situação, os parâmetros ecocardiográficos utilizados são capazes de predizer a responsividade volêmica. Ressalte-se que nos dias de hoje, com o advento da “sedação consciente”, em que pacientes em ventilação mecânica totalmente controlada são cada vez menos frequentes, o uso destes últimos parâmetros diminuiu; entretanto, o seu conhecimento justifica-se por sua alta acurácia na detecção da responsividade volêmica nas situações clínicas em que os seus critérios de utilização são respeitados.

4.1  Avaliação de hipovolemia nos pacientes em ventilação espontânea 4.1.1  Variação da integral tempo-velocidade (VTI) após uma prova de volume Mediante um corte apical de cinco câmaras, utilizando-se o Doppler pulsátil, que deve ser posicionado imediatamente sob o anel aórtico (Figura 3.3), é registrada a velocidade de fluxo em função do tempo na via de saída do VE. A VTI do fluxo registrado é obtido após o “envelopamento” manual de sua curva, resultando em uma medida em centímetros que representa a distância de ejeção do sangue na aorta em cada ciclo cardíaco (Figura 3.3). Um aumento da VTI maior que 10 a 15% após uma prova de volume é indicativo de resposta positiva, ou seja, identifica o paciente na fase de pré-carga responsiva da curva de Frank-Starling10 (Figura 3.4).

A

B

Figura 3.3  (A) Corte apical de cinco câmaras mostrando o correto posicionamento do Doppler pulsátil, logo abaixo do anel aórtico, para o registro da velocidade do fluxo na via de saída do VE. (B) É mostrado o registro da velocidade do fluxo em função do tempo. A VTI, obtida pelo envelopamento manual do primeiro ciclo, tem um valor igual a 19,9 cm.

Três pontos merecem ser destacados. Primeiro, mais importante que o valor absoluto da VTI é sua alteração com a prova de volume, portanto é fundamental que a sua medida seja feita sempre ao final da expiração devido à oscilação normal que esse índice apresenta durante o ciclo respiratório. Alternativamente, a medida da VTI pode ser feita pela média de cinco ciclos consecutivos, com o objetivo de englobar a sua variabilidade durante a respiração no cálculo. Além disso, pacientes com arritmias cardíacas arrítmicas, por exemplo, fibrilação atrial, apresentam uma oscilação da VTI decorrente da própria arritmia, o que dificulta, porém não inviabiliza, a sua avaliação nessa circunstância. O segundo ponto é a quantidade de volume a ser utilizada na prova volêmica. Um estudo recente evidenciou que a oscilação da VTI maior que 10% com infusão de 100 mL de coloide em um período de 1 minuto detectou, com boa acurácia, pacientes com dependência da pré-carga. Diversamente, a infusão de 500 mL de coloide ou cristaloide, por volta de 15 minutos, pode ser usada.11

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Seção I Hemodinâmica

Volume sistólico

a

b

Pré-carga

Figura 3.4  Curva de Frank-Starling. A situação “a”, na parte inclinada da curva, evidencia a dependência da pré-carga, em que um aumento do retorno venoso leva a um aumento do volume sistólico. Na fase de platô da curva, situação “b”, um aumento da pré-carga de mesma magnitude não induz a aumentos adicionais do volume sistólico, caracterizando a ausência de responsividade volêmica.

Finalmente, destaque-se que a pré-carga não é a única variável hemodinâmica a influenciar a VTI. Assim como o volume de ejeção sistólica, ela depende da pós-carga e da contratilidade miocárdica, de tal forma que o aumento desta ou a diminuição daquela levam ao aumento do seu valor10 (Figura 3.5). A

B

Figura 3.5  (A e B) Registro da VTI na via de saída do VE com aumento significativo de seus valores de 14,9 para 20,4 cm após o início da infusão de dobutamina.

4.1.2  Prova de elevação passiva dos membros inferiores O racional para a utilização da elevação passiva dos membros inferiores é a mobilização de um volume de sangue, estimado em 300 mL, dos membros inferiores e da circulação esplâncnica para a circulação central, servindo como uma prova de volume “endógena”, com a finalidade de detectar os pacientes pré-carga dependentes.12 Entre as várias formas de aferir o resultado da prova de volume “endógena”, pode ser utilizada a variação da VTI, mensurada da mesma maneira já descrita. Um aumento em seu valor maior que 12% após a realização da prova identifica, com uma boa acurácia, a dependência de pré-carga.13 Um conceito fundamental é que a manobra de elevação passiva dos membros inferiores induz a um efeito hemodinâmico transitório e fugaz, logo a medida da VTI deve ser feita dentro dos primeiros 2 minutos após a mudança de posição do paciente. A técnica correta de realização da prova é a mudança de posição do paciente, partindo de um decúbito inicial elevado em 45º e com as pernas totalmente horizontais, para uma posição final com as pernas elevadas a 45º e o decúbito totalmente horizontal, com um único movimento pela rotação da cama ao redor do seu eixo central (Figura 3.6). A realização da prova de maneira não ideal induz

Capítulo 3  Uso da ecocardiografia na avaliação hemodinâmica do paciente crítico

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a menores mudanças na pré-carga, o que pode ocasionar um teste falso-negativo;14 adicionalmente, dispositivos mecânicos para a prevenção de tromboembolismo venoso, como meias elásticas e compressores pneumáticos, devem ser provisoriamente removidos. A

B

45º 45º

Figura 3.6  Maneira adequada de realização da prova de elevação passiva dos membros inferiores, com a mudança do paciente da posição (A) para a (B), preferencialmente com um único movimento, pela rotação do eixo central da cama. Fonte: Reproduzida de Monnet e colaboradores.12

4.1.3  Veia cava inferior: índice de colapsabilidade A imagem ultrassonográfica da VCI é realizada a partir do corte subcostal com a rotação do transdutor em 90º no sentido anti-horário, obtendo-se um corte longitudinal dessa estrutura, em imagem bidimensional (Figuras 3.7 e 3.8). Anatomicamente, a VCI penetra no assoalho do AD logo após cruzar o diafragma, portanto seu trajeto intratorácico é praticamente virtual e ela pode ser considerada um vaso exclusivamente intra-abdominal.15 Fisiologicamente, em um paciente em ventilação espontânea, as pressões pleurais transmitidas ao AD produzem alterações cíclicas no retorno venoso, com aceleração inspiratória e com indução da redução do diâmetro da VCI durante a inspiração. O gráfico da relação pressão/diâmetro da VCI é caracterizado por uma fase inicial, em que essa relação mantém-se praticamente constante e por uma parte final em que ela diminui progressivamente, com um diâmetro fixo do vaso apesar de aumentos adicionais da pressão intravascular, refletindo a distensão venosa máxima e diminuição de sua complacência. Assim, a variabilidade do diâmetro da VCI durante o ciclo respiratório será tanto menor quanto maior for a sua dilatação inicial15 (Figura 3.9). B

A

VSH VCI

Expiração Inspiração

AD VCI

Figura 3.7  (A) Visão bidimensional de um corte longitudinal da VCI. A visualização da veia supra-hepática (VSH) e do AD permite a identificação correta da veia cava. (B) Ultrassonografia em modo “M” mostrando, praticamente, a ausência de variabilidade nos diâmetros da VCI durante o ciclo respiratório, com diâmetros máximo e mínimo de 2,4 cm e 2,2 cm, respectivamente. Neste, o cálculo do índice de colapsabilidade é de 8,3%.

46

Seção I Hemodinâmica

A

B

VSH VCI

AD

Expiração

Inspiração

VCI

Figura 3.8  (A) Visualização bidimensional da VCI, com a identificação da VSH e do átrio direito. (B) Ultrassonografia em modo “M” com o diâmetros da VCI de 1,7 na expiração e de 0,6 cm, na inspiração. Neste paciente, o índice de colapsabilidade é igual a 52,9%.

30

2

Diâmetro VCI (mm)

25

20 1 15

r = 0,79 p = 0,000

10

5

0 0

5

10

15

20

25

30

PVC (mmHg)

Figura 3.9  Gráfico mostrando a relação entre o diâmetro da veia cava inferior (VCI) e a pressão venosa central (PVC), distinguindo-se duas regiões. Na primeira, ocorrem aumentos progressivos no diâmetro da VCI com incrementos da PVC. Na segunda parte, os diâmetros da VCI mantêm-se constantes, apesar de aumentos adicionais da PVC, indicando uma diminuição da complacência vascular. Fonte: Reproduzida de Jardin e colaboradores.15

O índice de colapsabilidade da VCI (IC – VCI) é uma forma de mensurar esta variabilidade do diâmetro venoso durante o ciclo respiratório e é dado pela seguinte fórmula:

IC – VCI =

diâmetro máximo expiratório – diâmetro mínimo inspiratório diâmetro máximo expiratório

Capítulo 3  Uso da ecocardiografia na avaliação hemodinâmica do paciente crítico

47

A capacidade desse índice em predizer responsividade volêmica foi recentemente avaliada. Uma variabilidade maior do que 40% aponta a favor de uma dependência de pré-carga; porém, índices abaixo desse valor não são capazes de excluir responsividade volêmica.16 Ressalte-se que esse índice pode ser utilizado independentemente do ritmo cardíaco, sendo, portanto, aplicável em pacientes com arritmias.

4.2  Avaliação de hipovolemia nos pacientes em ventilação mecânica controlada 4.2.1  Variação da velocidade do fluxo sanguíneo aórtico durante o ciclo respiratório Conforme discutido, o fluxo sanguíneo aórtico pode facilmente ser registrado pelo uso do Doppler pulsátil por meio de um corte apical de cinco câmaras. Em um paciente em ventilação mecânica controlada, a variabilidade excessiva da velocidade máxima deste fluxo ou da VTI está associada à responsividade volêmica; isso ocorre devido a mecanismos de interação cardiopulmonar17 (Figura 3.10). Durante a inspiração em ventilação com pressão positiva, ocorrem uma diminuição do retorno venoso ao AD e um aumento da sua pós-carga, tendo como resultado final uma diminuição do volume sistólico do VD durante a inspiração. Isso levará, em razão do tempo de trânsito pulmonar (interdependência ventricular em série) que é de 2 a 3 ciclos cardíacos, a uma diminuição do volume sistólico do VE na expiração. Essa variabilidade do volume sistólico será tanto maior quanto mais pré-carga dependente for o paciente e essa variação do volume de ejeção ventricular se refletirá no registro da velocidade do fluxo sanguíneo na via de saída do VE (Figura 3.11).18 Essa variabilidade poderá ser objetivamente mensurada pela análise da velocidade máxima (Vmáx) ou da VTI usando-se duas fórmulas:19, 20 Variação Vmáx =

Variação VTI =

Vmáx inspiração – Vmáx expiração média das velocidades máximas VTImáx inspiração – VTImín expiração VTI média

Volume sistólico

Tempo de trânsito pulmonar Pressão intratorácica

Pré-carga VD

Pressão transpulmonar

Pós-carga VD

VS-VD

VS-VE

Pré-carga ventricular Inspiração

Expiração

Figura 3.10  Mecanismos de interação cardiopulmonar. A inspiração com pressão positiva levará a uma diminuição do volume sistólico do VD. Devido à interdependência ventricular em série, isso ocasionará uma diminuição da pré-carga do VE durante a expiração com consequente queda do volume sistólico do VE nessa fase do ciclo respiratório, que será tanto maior quanto mais pré-carga dependente for o paciente (porção ascendente da curva de Frank-Starling). VD: ventrículo direito; VE: ventrículo esquerdo; VS: volume sistólico. Fonte: Reproduzida de Feissel e colaboradores.17

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Seção I Hemodinâmica

Fluxo sanguíneo aórtico

Inspiração

Figura 3.11  Registro da velocidade do fluxo sanguíneo na via de saída do VE por meio do Doppler pulsátil em um paciente em ventilação mecânica. Observa-se a variabilidade da velocidade máxima do fluxo durante o ciclo respiratório.

Expiração

Fonte: Reproduzida de Slama e colaboradores.18

O ponto de corte das primeira e segunda fórmulas para considerar a dependência de pré-carga é de 12% e 20%, respectivamente. É possível verificar, com atenção, que o mecanismo de interação cardiopulmonar descrito é o mesmo que justifica a utilização da variabilidade da pressão de pulso (“delta PP”) para predizer a responsividade volêmica. Logicamente, é natural que o uso da variação da velocidade do fluxo aórtico sofra das mesmas limitações que o “delta PP”, ou seja, que haja a necessidade de, além de ventilação mecânica controlada, ritmo sinusal, volume corrente de 8 a 12 mL/ kg e pressão expiratória final menor do que 7 cm de água.

4.2.2  Veia cava inferior: índice de distensibilidade As alterações cíclicas no diâmetro da VCI durante o ciclo respiratório ocorrem, nos pacientes em ventilação mecânica controlada, de maneira inversa em comparação aos pacientes em respiração espontânea. O aumento da pressão intratorácica durante a inspiração, transmitida ao AD, levará a uma desaceleração do fluxo venoso e à indução do aumento do diâmetro inspiratório do vaso (Figura 3.12). Da mesma forma, essa variabilidade do diâmetro será tanto menor quanto maior a dilatação inicial da VCI, pelas mesmas razões apontadas anteriormente. As alterações cíclicas no diâmetro da VCI durante a ventilação mecânica com pressão positiva podem ser quantificadas pelo índice de distensibilidade da VCI (ID – VCI) usando-se duas fórmulas diferentes:21, 22

ID – VCI =

ID – VCI =

diâmetro máximo inspiratório – diâmetro mínimo expiratório diâmetro mínimo expiratório diâmetro máximo inspiratório – diâmetro mínimo expiratório média dos diâmetros máximo e mínimo

Valores maiores que 18% para a primeira fórmula e maiores que 12% para a segunda identificam dependência de pré-carga com uma boa acurácia. O uso adequado desses índices exige que o paciente esteja em ventilação mecânica controlada e bem adaptado ao ventilador. Os estudos originais utilizaram como parâmetros ventilatórios um volume corrente de aproximadamente 8 mL/kg e a pressão expiratória final ao redor de 4 cm de água.

Capítulo 3  Uso da ecocardiografia na avaliação hemodinâmica do paciente crítico

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Além disso, é preciso considerar outros fatores que podem alterar a complacência venosa, como hipertensão intra-abdominal, hipertensão pulmonar e uso de vasopressores.

Figura 3.12  Ultrassonografia modo “M” da VCI em um paciente em choque séptico em ventilação mecânica controlada com pressão expiratória final (PEEP) = 10 cm de água; pressão inspiratória (PINSP) = 22 cm de água e volume corrente (VC) de 480 mL, aproximadamente 7 mL/kg. É possível notar a variabilidade no diâmetro da VCI durante o ciclo respiratório, ocorrendo sua dilatação na inspiração (INSP). Os diâmetros inspiratório (B) e expiratório (A) são de 2,39 e 1,83 cm; respectivamente. O cálculo do índice de distensibilidade da VCI é de 30,6% (ponto de corte de 18%) ou 26,5% (ponto de corte de 12%), dependendo da fórmula empregada (ver texto).

A Figura 3.13 sugere a situação ideal de uso dos diversos parâmetros ecocardiográficos, aqui discutidos, para a avaliação de hipovolemia.

Suspeita clínica de hipovolemia

Paciente em ventilação mecânica

Ritmo sinusal

• PLR • VCI: índice de distensibilidade • Variação respiratória do fluxo aórtico

Paciente em respiração espontânea

Arritmia

• PLR • VCI: índice de distensibilidade

• PLR • Aumento da VTI com uma prova de volume • VCI: índice de colapsabilidade

Figura 3.13  Emprego da ecodopplercardiografia transtorácica para avaliação da dependência da pré-carga. PLR: passive leg raising; VCI: veia cava inferior; VTI: variação da integral tempo-velocidade. Fonte: Reproduzida de Slama e colaboradores.18

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Seção I Hemodinâmica

5. CONCLUSÕES O emprego da ecodopplercardiografia na avaliação hemodinâmica do paciente crítico mostra-se uma ferramenta com inúmeras potencialidades. Diferentemente da ecocardiografia tradicional que requer um exame completo e detalhado, a ecocardiografia direcionada para a avaliação de um paciente hemodinamicamente instável permite, em grande parte dos casos, mediante reconhecimento de padrões ecocardiográficos básicos nas diferentes situações de instabilidade hemodinâmica (Figura 3.14), identificar a etiologia ou o principal fator determinante do choque, cuja terapêutica adequada, instituída de maneira precoce, pode desempenhar influência fundamental no desfecho clínico. Nesse sentido, o uso de uma ferramenta não invasiva, com disponibilidade imediata e com a possibilidade de realização à beira-leito, como a ecodopplercardiografia, torna-se extremamente atrativa.

• Derrame pericárdico de grande volume • Compressão de AD e/ou VD durante parte do ciclo cardíaco

SIM

• Considerar a hipótese de tamponamento cardíaco • Avaliar a necessidade de pericardiocentese/drenagem pericárdica

NÃO

• Dilatação do VD • Movimento paradoxal do septo interventricular

SIM

• Considerar a hipótese de cor pulmonale agudo • TEP e SARA como principais etiologias

NÃO

• Dilatação do VE • Disfunção sistólica importante do VE

SIM

• Considerar as diferentes etiologias de disfunção ventricular esquerda • Avaliar suporte inotrópico

NÃO

• Sinais ecocardiográficos de hipovolemia (ver Figura 3.13)

SIM

• Expansão volêmica

Figura 3.14  Avaliação hemodinâmica com o uso da ecocardiografia. AD: átrio direito; SARA: síndrome da angústia respiratória aguda; TEP: tromboembolismo pulmonar; VD: ventrículo direito; VE: ventrículo esquerdo.

A utilização adequada dessa ferramenta requer um treinamento teórico-prático muito menor que o necessário para a formação de um ecocardiografista tradicional, mas que deve ser respeitado e pode facilmente ser cumprido durante o período de residência em terapia intensiva.2 Com a popularização do uso da ultrassonografia entre as novas e antigas gerações de intensivistas, talvez, em um futuro próximo, a ecodopplercardiografia venha a ser um dispositivo tão fundamental quanto é o estetoscópio nos dias de hoje.

Capítulo 3  Uso da ecocardiografia na avaliação hemodinâmica do paciente crítico

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4 Monitorização dos parâmetros de oxigenação e perfusão tecidual

Eduardo Casaroto 1. INTRODUÇÃO O diagnóstico de hipóxia tecidual global tem importantes implicações no manejo de pacientes criticamente enfermos.1 Pacientes sob cuidados intensivos recebem uma monitorização básica rotineiramente, que inclui cardioscopia, oximetria de pulso, análise não invasiva da pressão arterial, análise da frequência cardíaca (FC) e frequência respiratória, controle de diurese, controle glicêmico, entre outros. Aqueles que se encontram sob uma situação de maior gravidade, habitualmente recebem meios adicionais de monitorização, que incluem cateter venoso central (com ou sem saturação venosa contínua de oxigênio), cateter arterial para monitorização invasiva da pressão arterial, monitorização do DC (análise de contorno de pulso, termodiluição, ecocardiografia hemodinâmica) etc. Diversas situações clínicas são passíveis de reversão, desde que tratadas precoce e adequadamente. Atrasos no diagnóstico e na terapêutica levarão ao aumento na morbimortalidade.2 É fato que a monitorização por si só não melhora o desfecho,3 contudo o plano terapêutico associado com a monitorização se mostra fundamental para a boa evolução dos pacientes graves. Independentemente do estado funcional prévio, de comorbidades associadas e do quadro patológico atual, pacientes criticamente enfermos dependem essencialmente de um acoplamento adequado entre o consumo e a oferta de oxigênio. Nas situações em que o organismo não é capaz de manter esse equilíbrio, ele também será incapaz de sustentar o metabolismo aeróbio, sendo necessário, então, que se lance mão do metabolismo anaeróbio para geração de energia, conforme veremos adiante.2 A manutenção ou a restauração da oxigenação tecidual adequada é um dos principais objetivos no tratamento de um paciente sob cuidados intensivos.4 Estão diretamente relacionados à avaliação dos parâmetros de oxigenação e à perfusão tecidual. Para tornar a exposição didática, vamos separá-los em tópicos, discorrendo inicialmente sobre os parâmetros de oxigenação tecidual.

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Seção I Hemodinâmica

2. PARÂMETROS DE OXIGENAÇÃO 2.1  Oferta de oxigênio (DO2)

A oferta de oxigênio depende basicamente da presença do gás oxigênio, aliado a um eficiente transporte deste por todo o organismo. Para facilitar a compreensão, vale a pena retomar alguns aspectos importantes acerca da fisiologia do transporte de gases. Os gases têm diferentes índices de solubilidade conforme suas propriedades físico-químicas. Os dois grandes gases dissolvidos no plasma apresentam um comportamento bastante distinto entre si quando o assunto é solubilidade. Conforme pode ser observado na Tabela 4.1, o gás carbônico é cerca de 20 vezes mais solúvel que o oxigênio.5 Tabela 4.1  Coeficiente de solubilidade dos gases à temperatura corpórea5 GÁS

COEFICIENTE DE SOLUBILIDADE

Oxigênio

0,024

Dióxido de carbono

0,57

Monóxido de carbono

0,018

Nitrogênio

0,012

Hélio

0,008

Após entrar pela via aérea superior, o gás oxigênio é transportado por um fluxo convectivo até o alvéolo, onde se difunde pela barreira alvéolo-capilar e atinge a corrente sanguínea. Como a solubilidade do oxigênio no plasma é muito baixa, o gás se liga avidamente às moléculas de hemoglobina, esse, sim, um excelente meio de transporte do gás para os tecidos periféricos. A afinidade da hemoglobina pelo oxigênio aumenta com o aumento da saturação arterial de oxigênio. Cerca de 98% do sangue que chega ao átrio esquerdo proveniente dos pulmões acabou de passar pelos capilares alveolares e tornou-se oxigenado com pO2 de cerca de 104 mmHg. Os 2% restantes passaram da aorta diretamente para circulação brônquica, o qual não é exposto ao ar pulmonar. Essa fração é conhecida como “fluxo de shunt”, visto que não participa da área de troca gasosa pulmonar, e, ao deixar os pulmões, sua pressão de oxigênio é de cerca de 40 mmHg, semelhante à do sangue venoso sistêmico. Quando essas duas frações se misturam, resulta em um sangue com pO2 de 95 mmHg, o qual será transportado para o restante do organismo.4,6,7 Na Figura 4.1, é exibida uma representação do corte de transversal da ultraestrutura de uma membrana respiratória alveolar, exemplificando como ocorre o transporte de gases. Dessa forma, há condições de calcular a quantidade de gás oxigênio encontrado no sangue arterial – o chamado conteúdo arterial de oxigênio (CaO2) – com base na saturação de oxigênio, que é a razão de hemoglobina contendo oxigênio em relação à hemoglobina total, e a pequena proporção de oxigênio dissolvido no plasma (0,31% da pressão arterial de oxigênio). Vale lembrar ainda que 1 g de hemoglobina é capaz de se ligar a 13,4 mL de oxigênio (13,9 mL quando se trata de hemoglobina pura; esse valor cai para 13,4 mL se houver, por exemplo, frações de metemoglobina).4,6,8 Assim: CaO2 = (1,34 × Hb × SaO2) + (0,0031 × pO2) (mL/dL) Sendo: CaO2 o conteúdo arterial de oxigênio; Hb o nível de hemoglobina (g/dL); SaO2 a saturação arterial de oxigênio; pO2 a pressão arterial de oxigênio. A proporção de oxigênio dissolvido no plasma se mostra muito pequena quando comparada ao oxigênio ligado à hemoglobina e, por esse motivo, habitualmente não utilizamos essa fração no cálculo do CaO2. Desse modo, a fórmula pode ser simplificada como segue: CaO2 = (1,34 × Hb × SaO2)

Capítulo 4  Monitorização dos parâmetros de oxigenação e perfusão tecidual

Epitélio alveolar

55

Membrana basal epitelial

Camada fluida e surfactante Alvéolos Difusão Difusão

Capilar Oxigênio Dióxido de carbono

Hemácia

Endotélio capilar Espaço intersticial

Membrana basal capilar

Figura 4.1  Ultraestrutura de uma membrana respiratória alveolar, em corte transversal.5

Além da presença do oxigênio (aqui representado pelo CaO2), é preciso que esse sangue oxigenado seja transportado por todo o organismo, a fim de disponibilizar o oxigênio para os tecidos. Esse transporte é promovido pelo débito cardíaco (DC), que nada mais é que o volume de sangue ejetado pelo coração para todo corpo a cada minuto, representado pelo volume sistólico e a FC. DC = VS × FC Sendo DC o débito cardíaco (mL/min); VS o volume sistólico (mL) e FC a frequência cardíaca (bpm). Assim, chegamos à fórmula que traduz a oferta de oxigênio: DO2 = DC × CaO2 = DC × 1,34 × Hb × SaO2 × 10 (10 = fator de correção para alterar 1 L em 10 dL) Exemplificando: um paciente com Hb 12 g/dL, saturação de O2 de 98% e um DC de 5 L/min. CaO2 = (1,34 × Hb × SaO2) = (1,34 × 12 × 0,98) = 15,76 mL/dL = 157,6 mL/L A cada litro de sangue transportado, há 157,6 mL de oxigênio ligados à hemoglobina. DO2 = DC × CaO2 = 5 × 157,6 = 788 mL/min O que representa que, a cada minuto, os tecidos periféricos recebem 788 mL de sangue oxigenado. A seguir, é possível observar um gráfico publicado em um estudo no periódico Chest em 2005 (Figura 4.2) que demonstra de maneira clara os diferentes resultados obtidos em intervenções visando o aumento da oferta de oxigênio: aumentando a fração inspirada de oxigênio (elevando a PaO2 e a SatO2), o nível sérico da hemoglobina e o DC.7 É importante ressaltar que embora a elevação nos níveis de hemoglobina contribua para o aumento da oferta de oxigênio, essa relação não é diretamente proporcional, visto que a elevação do hematócrito acaba por aumentar a viscosidade sanguínea, comprometendo o fluxo sanguíneo e, consequentemente, a oferta de oxigênio,9 como demonstrado na Figura 4.3.

56

Seção I Hemodinâmica

1000

DC

DO2 (mL/min)

800 Hb 600

FiO2

400

200 +22%

+9%

+48%

+50%

0,35 9,0 92 7,0 4,0

0,60 16,5 98 7,0 4,0

0,60 16,5 98 10,5 4,0

0,60 16,5 98 10,5 6,0

0 FiO2 PaO2 (kPa) SaO2 (%) Hb (g/dL) DC (L/min)

0,21 13,0 96 13,0 5,3

0,21 6,0 75 70 4,0

Figura 4.2  Efeitos relativos às alterações na PaO2, hemoglobina e DC na DO2 em pacientes criticamente enfermos. Na barra em branco, à esquerda, um valor de DO2 normal para um indivíduo de 75 kg em repouso; na barra em preto, um paciente com hipoxemia, anemia e DC reduzido. As barras em cinza demonstram o efeito de intervenções sequenciais na DO2. Os valores em cada barra representam o aumento calculado na DO2 comparados aos valores precedentes.7 Hb: hemoglobina; DC: débito cardíaco; DO2: oferta de oxigênio; PaO2: pressão arterial de oxigênio; SaO2: saturação arterial de oxigênio.

Oferta de O2 ou viscosidade

Viscosidade

Oferta de O2

Hematócrito

Figura 4.3  Efeito do hematócrito na viscosidade e oferta de oxigênio. A elevação dos níveis de hematócrito aumenta o conteúdo de oxigênio e da viscosidade sanguínea, a qual afeta adversamente a hemoreologia.9

2.2  Consumo de oxigênio (VO2) Conforme o sangue oxigenado passa pelos tecidos, o oxigênio se dissocia da hemoglobina e se difunde até as células para participarem da cadeia metabólica aeróbia. Em condições de normalidade, cerca de 20 a 25% do oxigênio é consumido pelos tecidos, sendo o restante transportado de volta

Capítulo 4  Monitorização dos parâmetros de oxigenação e perfusão tecidual

57

ao coração.2,6,7,8 O consumo varia conforme a situação metabólica do organismo: reduz com sedação, hipotermia, anestesia, e se eleva com aumento na temperatura corporal, tremores, insuficiência respiratória, entre outros.8 O consumo de oxigênio pode, então, ser calculado como a diferença entre a quantidade de oxigênio ofertada ao organismo e a quantidade de oxigênio que retornou ao coração, visto que não há mecanismos de estoque de oxigênio nos tecidos.2,7 VO2 = (DC × CaO2) – (DC × CvO2) VO2 = DC × 13,4 × Hb × (SaO2 – SvO2) Sendo SvO2 a saturação venosa de oxigênio. O valor da SvcO2 deveria ser obtido idealmente a partir da artéria pulmonar, cuja saturação é cerca de 5% menor que aquela encontrada na veia cava superior. Contudo, tendo em vista que o cateter de artéria pulmonar vem sendo utilizado em indicações cada vez mais restritas, optou-se pela utilização de amostras da veia cava para validar a SvcO2,2 mesmo porque as duas medidas demonstram boa correlação, além da SvcO2 ser mais facilmente obtida.10 Diante disso, é possível calcular a taxa de extração de oxigênio (TEO2), que representa a razão entre o oxigênio absorvido pelos tecidos e aquele que foi ofertado: VO2

TEO2 = TEO2 = TEO2 = TEO2 =

DO2 [DC × (CaO2 – CvO2)] DO2 [DC × (CaO2 – CvO2)] (DC × CaO2) (CaO2 – CvO2)

TEO2 =

CaO2 (SaO2 – SvO2) SaO2

O valor tido como normal para TEO2 é de cerca de 25%, variando de 20 a 30%,2,7 mas pode oscilar muito mais a depender do estado clínico do paciente, da demanda metabólica, entre outros fatores (Tabela 4.2). A TEO2 pode diminuir em quadros agudos, como na sepse, levando a um aumento do CvO2.7 Tabela 4.2  Valores de normalidade dos parâmetros de oferta e consumo de oxigênio2 PARÂMETROS

VALOR ABSOLUTO

VALOR BASEADO NA SAC

DC

5-6 L/min

2,4-4,0 L/min/m2

DO2

900-1.100 mL/min

520-600 mL/min/m2

VO2

200-270 mL/min

110-160 mL/min/m2

TEO2

20-30%

SAC: superfície de área corpórea; DC: débito cardíaco; DO2: oferta de oxigênio; VO2: consumo de oxigênio; TEO2: taxa de extração de oxigênio.

2.3.  Relação entre consumo e oferta de oxigênio O consumo e a oferta de oxigênio estabelecem uma relação não linear,8 como pode ser observado na Figura 4.4.

58

Seção I Hemodinâmica

Em situações nas quais ocorre um aumento na demanda metabólica ou uma redução na oferta de oxigênio, o organismo eleva a taxa de extração de oxigênio com o intuito de manter o metabolismo aeróbio, enquanto o consumo se mantém independente da oferta. Porém, se essa situação se prolongar, a taxa de extração de oxigênio pode atingir seu limite máximo, situação esta a que se denomina DO2 crítico. Esse ponto deve se situar entre 60 e 70%. Além desses valores, uma elevação na demanda metabólica e/ou redução na oferta de oxigênio pode levar à hipóxia tecidual.7,12 O valor numérico para o DO2 crítico se situa ao redor de 550 mL/min.8 Abaixo do ponto do DO2 crítico, há uma relação linear­entre oferta e consumo de O2 [oxigenação dependente do suprimento (Figura 4.4)]. Quedas na DO2 abaixo desse ponto são acompanhadas por uma elevação nos marcadores de metabolismo anaeróbio, como a hiperlactatemia, o que sabidamente piora o desfecho dos pacientes.7,8 Sempre que a demanda celular de O2 superar a oferta de O2, disfunção orgânica ou mesmo algum dano irreversível pode ocorrer repentinamente, dependendo do grau e da duração da privação de O2.4 Oferta de oxigênio (DO2)

VO2

DO2

Lactato

crit

crit

DO2

Fisiológicos Patológicos: sepse, inflamação, drogas

Figura 4.4  Relação entre o consumo (VO2) e a oferta de oxigênio (DO2): VO2 é independente da DO2 até um nível crítico em que a DO2 é atingida com uma taxa de extração máxima de oxigênio. A partir daí (DO2 crítico), o VO2 se torna linearmente dependente da DO2, e o metabolismo anaeróbio se manifesta por acidose láctica. Em situações com alterações na distribuição do fluxo sanguíneo, comprometendo a extração de O2 pelos tecidos, essa curva se desloca para cima e para direita.11

Não se pode esquecer ainda de que os diferentes órgãos têm diferentes taxas metabólicas, a TEO2 variar conforme o órgão. Os tecidos cerebral e muscular cardíaco consomem muito mais oxigênio que outros órgãos, sendo também muito mais suscetíveis à privação de oxigênio e dependentes de uma adequada oferta de oxigênio.7

2.4  Oxigenação tecidual regional Técnicas convencionais de monitorização da oxigenação tecidual falham no fornecimento de dados sobre áreas onde ocorre um déficit no suprimento de oxigênio, acarretando disóxia tecidual. Dessa forma, meios que permitam a avaliação da oxigenação tecidual e saturação de hemoglobina se mostram importantes no manejo de pacientes graves.3 A medida regional da oxigenação tecidual não era possível como uma ferramenta a ser utilizada de maneira rotineira, até que, nos últimos anos, foram desenvolvidas certas técnicas promissoras que poderiam permitir tal avaliação.

Capítulo 4  Monitorização dos parâmetros de oxigenação e perfusão tecidual

59

Nas situações de choque e/ou hipoxemia, a redistribuição do fluxo sanguíneo pode alterar as propriedades metabólicas dos tecidos. A detecção precoce de perfusão e oxigenação tecidual inadequada, seguida da instituição de medidas visando a manutenção do transporte adequado de oxigênio aos tecidos, é um dos principais objetivos no cuidado prestado aos pacientes graves, como exposto previamente.13,14 Nas condições de colapso circulatório, o organismo prioriza o fluxo sanguíneo aos chamados órgãos nobres em detrimento de tecidos menos especializados. Assim sendo, a monitorização destes últimos pode ser um marcador precoce de hipoperfusão tecidual.14 Há várias técnicas disponíveis no mercado. Vejamos, a seguir, as principais características de algumas delas.

2.4.1  Near Infrared Spectroscopy (NIRS) Técnica bastante difundida, consiste em um método de avaliação contínuo, não invasivo, que pode ser aplicado à beira-leito, mediante a emissão de um feixe luminoso por um “probe” colocado sobre a pele da região de interesse, baseado nos princípios da lei Beer-Lambert.14,15 O feixe é composto por diferentes comprimentos de onda que identificam a hemoglobina ligada ao oxigênio e aquela que se encontra desoxigenada, além de citocromo aa3 nos tecidos,7,13-16 mecanismo esse que se aplica a qualquer outra forma de monitorização óptica.14 O feixe é inócuo ao tecido, mesmo sob exposição prolongada.15 Desse modo, o NIRS tem passado de uma ferramenta experimental para uma situação em que cada vez mais poderá ser utilizado na prática clínica diária. Esse dispositivo pode ser usado em diversos pontos do organismo. O mais comumente aplicado é na avaliação da oxigenação cerebral, posicionando os adesivos na região frontal.13,15 Outro sítio de grande importância é a eminência tenar, na qual é possível avaliar a oxigenação periférica. Um dos motivos de utilizar a região tenar para tal avaliação é que o antebraço é uma das primeiras regiões a sofrer vasoconstrição em caso de distúrbio circulatório. Desse modo, a resposta vascular pode ser mais precoce do que em outros sítios, tornando a eminência tenar um ponto adequado para medida periférica com NIRS.15 Essa região merece destaque ainda por algumas outras razões: pequena proporção de tecido adiposo, menos acometimento por edema que outras regiões do organismo, além de ser uma região menos pigmentada mesmo nos indivíduos negros, evitando possíveis interferências. Uma das dificuldades para a avaliação nessa região é a fixação, muito embora a indústria já tenha desenvolvido mecanismos que permitam um ajuste mais adequado.15 Outros sítios também têm sido sugeridos, porém ainda não muito bem estabelecidos. São eles: músculos peitoral e deltoide, região paravertebral, músculo vasto lateral e tibial anterior.14,15 Sua aplicabilidade parece estar mais voltada à avaliação da oxigenação durante cirurgia cardíaca, no manejo de hemorragia subaracnóidea/AVC, como monitorização cerebral durante manipulações cardiovasculares, na sala de trauma/emergência e/ou no pré-hospitalar.15,16 Pode ser usado para detectar e guiar terapia em estados de hipoperfusão tecidual, mesmo que marcadores sistêmicos outros ainda se encontrem dentro da normalidade.15,16 Alguns achados sugerem que alterações reconhecidas mais tardiamente com marcadores tradicionais de perfusão podem subestimar uma oferta de oxigênio insuficiente, resultando em lesão orgânica.16 Um estudo conduzido por Putman na avaliação de bypass cardiopulmonar demonstrou que alterações identificadas pelo NIRS precederam elevação no lactato e no déficit de base em até 90 minutos.17 Tudo isso se mostra ainda mais interessante ao lembrarmos que o método é completamente não invasivo, o instrumento utilizado é portátil e facilmente adaptável aos mais diversos tipos de ambientes.16

2.4.2  Orthogonal polarization spectral (OPS) Um fluxo comprometido da microcirculação contribui com o dano tecidual comumente observado nos quadros sépticos, representando um dos mecanismos que podem levar à disfunção múltipla de órgãos.13

60

Seção I Hemodinâmica

Para avaliar microscopicamente sob visualização direta como se dá o fluxo na microcirculação, foram desenvolvidas algumas técnicas. Entre elas, destaca-se uma em que um dispositivo óptico, utilizando imagem espectral por polarização ortogonal, consegue visualizar a microcirculação quando em contato com a superfície de determinado tecido. O instrumento consiste de um pequeno guia semelhante a um endoscópio ligado a um sistema luminoso que “provê” luz verde polarizada.13,14 O dispositivo conta com uma câmera de vídeo capaz de detectar a imagem refletida abaixo da superfície que está sendo iluminada. A luz verde é particularmente absorvida pela hemoglobina, o que permite que as hemácias sejam observadas na microcirculação.13 Um dos sítios mais facilmente acessíveis e consequentemente utilizado é a boca. Nela, o OPS pode gerar boas imagens da microcirculação sublingual, colocando-se o probe abaixo da língua (Figura 4.5).14 Algumas dificuldades limitam o uso de tal técnica, entre elas: artefatos de movimentação; secreção (saliva, sangue); e sedação insuficiente para prevenir danos.14 Apesar disso, é um recurso capaz de demonstrar diferenças entre estruturas microvasculares normais e patológicas, auxiliando no diagnóstico e na avaliação das medidas terapêuticas empregadas.

A

B

Figura 4.5  Imagens da microcirculação sublingual utilizando OPS. (A) O guia luminoso é gentilmente colocado sob a língua para se observar a estrutura anatômica da microcirculação sublingual. (B) Setas indicam hemácias seguindo pelos capilares.13

2.4.3  Capnometria sublingual A medida do gradiente de tensão do CO2 entre o tecido e o sangue arterial tem sido utilizada como método de avaliação da perfusão tecidual. A quantidade de CO2 produzida será clareada se o fluxo sanguíneo for mantido. Em estados de baixo fluxo, ocorre um aumento do CO2 como resultado do fenômeno de estagnação.14 A avaliação é realizada com o auxílio de um instrumento que utiliza fibra óptica para transmitir a luz pelo sensor colocado entre a língua e a mucosa sublingual.14 O CO2 se difunde por uma membrana semipermeável do sensor até a solução de corante fluorescente, a qual emite luz que é proporcional à quantidade de CO2 presente. A intensidade da luz é analisada e demonstrada numericamente como PslCO2.14 Já foi demonstrado que PslCO2 é um marcador confiável de hipoperfusão tecidual.14

2.4.4  Índice de perfusão periférica Provém do sinal pletismográfico fotoelétrico da oximetria de pulso. A oximetria de pulso é um recurso amplamente disponível, de baixo custo e fácil interpretação. Seu funcionamento é baseado em duas fontes de luz com comprimentos de onda distintos (660 nm e 940 nm) através do leito vas-

Capítulo 4  Monitorização dos parâmetros de oxigenação e perfusão tecidual

61

cular, geralmente dedos ou lóbulo da orelha. A oxi-hemoglobina absorve melhor a onda de 940 nm, enquanto a desoxi-hemoglobina, a de 660 nm. O receptor que se encontra do lado oposto ao da emissão dos feixes mede a intensidade da luz transmitida e a saturação de oxigênio é derivada da razão entre a luz absorvida pelos dois diferentes comprimentos de onda, de tal modo a distinguir o componente pulsátil do sangue arterial do não pulsátil de outros tecidos.14,18 O índice de perfusão periférica é, então, calculado como a razão entre o componente pulsátil e o não pulsátil, de maneira independente da saturação de oxigênio. Visto que o componente não pulsátil (outros tecidos) não se altera, qualquer variação no índice é motivada por uma alteração no componente pulsátil, o que pode refletir comprometimento da perfusão periférica, possibilitando, inclusive, ser utilizado como método de avaliação das intervenções terapêuticas.14,18 Um índice de perfusão periférica de 1,4 demonstra boa correlação com hipoperfusão em pacientes graves, valor esse obtido em voluntários saudáveis no estudo de Alexandre Pinto Lima e colaboradores.18 Apesar disso, por ser uma técnica relativamente recente, ainda necessita de maiores estudos para que seja efetivamente aplicada na prática diária.14

2.4.5  Outras modalidades Existem ainda outras modalidades capazes de auxiliar na avaliação da oxigenação regional: • gradiente de temperatura (central-to-toe temperature difference); • reflectância espectrofotométrica; • capnografia regional intestinal; • eletrodos de oxigênio; • fluorescência com NADH; • fosforescência Porfirina-Palladium; • sensores optode.

3. PARÂMETROS DE PERFUSÃO TECIDUAL A taxa de mortalidade em pacientes criticamente enfermos permanece elevada. Os motivos são os mais variados: idade; do paciente; intensidade do estresse orgânico ao qual foi agudamente submetido; presença de comorbidades prévias; precocidade da abordagem terapêutica; entre outros. As taxas podem variar de 5 a 40%.19 Na tentativa de reduzir esses índices, lançamos mão de algumas ferramentas para otimizar o tratamento oferecido ao paciente. Uma delas é a monitorização dos parâmetros de perfusão tecidual, que engloba variáveis clínicas e laboratoriais. Entre as variáveis clínicas, é possível fazer uma análise de maneira sistemática. Cada conjunto de órgãos e sistemas de nosso organismo tem sua própria maneira de manifestar sinais e sintomas de hipoperfusão tecidual. • Neurológico: ocorre um comprometimento do nível de consciência, que pode oscilar entre dois grupos extremos de manifestações – sonolência, rebaixamento e torpor a confusão mental, agitação psicomotora e euforia. • Cardiovascular: tende a ser uma reação um pouco mais tardia, e envolve basicamente respostas reflexas autonômicas, como a taquicardia e a hipotensão arterial. É fundamental alertar que quadros de hipoperfusão tecidual podem ocorrer mesmo sob níveis pressóricos considerados normais. É possível observar ainda uma lentificação no tempo de enchimento capilar (cujo valor normal é de até 3 segundos para enchimento do leito ungueal após compressão digital). • Gastrintestinal: sintomas como náuseas, vômitos, retardo no esvaziamento gástrico, inapetência, desconforto abdominal inespecífico podem ser observados.

62

Seção I Hemodinâmica

• Renal: o parênquima renal é um dos mais suscetíveis às alterações de fluxo sanguíneo e, na vigência de hipoperfusão, pode apresentar oligúria (habitualmente uma diurese < 0,5 mL/ kg/hora). • Tegumentar: palidez cutaneomucosa, cianose de extremidades e extremidades frias. É importante ressaltar que tais indicadores clínicos são pouco sensíveis e pouco específicos,8 e conclusões inapropriadas podem levar a intervenções terapêuticas injustificáveis,20 muitas vezes, sendo deletérias para o paciente. A seguir, discutiremos as principais variáveis laboratoriais que compõem os parâmetros de perfusão tecidual.

3.1 Lactato Metabólito gerado a partir da glicólise. A cadeia enzimática responsável por esse processo se encontra mergulhada no citoplasma celular, partindo de uma molécula de glicose e gerando, de maneira anaeróbia, duas moléculas de piruvato e duas de ATP. Ainda é possível gerar mais uma molécula de ATP caso o piruvato seja convertido em lactato pela ação da enzima piruvato desidrogenase. Na disponibilidade de oxigênio, o piruvato é destinado a outra cadeia enzimática – ciclo de Krebs, o qual ocorre no interior das mitocôndrias e pode gerar um número muito maior de moléculas de ATP, o que se mostra mais atrativo para a célula.20,21 Contudo, em situações de oferta limitada de oxigênio ou saturação do sistema de oxidação do ciclo de Krebs, o piruvato passa a ser convertido em lactato para manter a produção de ATP, o que acaba por aumentar a relação lactato/piruvato (cuja razão normal é 10/1).20,21 O metabolismo do lactato ocorre em diversos órgãos, mas principalmente no fígado e nos rins, responsáveis por cerca de 50 e 20%, respectivamente, do processo. Além deles, participam ainda o tecido muscular esquelético, incluindo o músculo cardíaco, e o cérebro.12,20 O nível de lactato considerado normal em condições basais é de 0,5 a 2 mmol/L,7,20-22 admitindo-se que, acima de 2 mmol/L, representa um marcador de disóxia tecidual e, quando acima de 4 mmol/L, se fazem necessárias medidas agressivas de ressuscitação, de acordo com as recomendações do Surviving Sepsis Campaign.21,22 Diversos fatores podem comprometer o metabolismo do lactato, destacando-se: disfunção hepática; alteração no fluxo sanguíneo hepático e renal; e níveis extremos de pH.23 Transportando esses conceitos para a prática clínica, diante de um paciente com hiperlactatemia é fundamental avaliar os fatores envolvidos com tal alteração, como a presença de colapso cardiovascular, hipoxemia arterial ou ambos. Como veremos de modo mais detalhado a seguir, tais situações estão associadas a maior morbimortalidade e, portanto, merecem abordagem precoce e agressiva. Hiperlactatemia representa um sinal de alerta que deve sempre ser valorizado e investigado de maneira adequada. De qualquer modo, o lactato representa um sinal de alerta 3 que deve sempre ser valorizado e investigado.

3.1.1  Geração de lactato Pode ser por via aeróbia ou anaeróbia. A produção aeróbia é passível de observação, por exemplo, em situações em que ocorre uma aceleração da glicólise, como a induzida pelos mediadores inflamatórios relacionados à sepse. A produção anaeróbia pode ser observada em situações em que se desenvolve uma codependência da oferta e do consumo, limitando o mecanismo aeróbio do ciclo de Krebs, com resultante hiperlactatemia. Tal situação surge nos estados de baixo fluxo, por exemplo, em decorrência da hipóxia. Pacientes submetidos a altas doses de vasopressores também podem desenvolver hiperlactatemia, porém sua origem não parece estar associada à hipóxia tecidual. É possível encontrar ainda produção de lactato em órgãos específicos. Um dos maiores produtores é o pulmão, em situações de resposta inflamatória difusa, como em pacientes com lesão pulmonar aguda (LPA)/síndrome da angústia respiratória aguda (SARA). Os leucócitos também são gran-

Capítulo 4  Monitorização dos parâmetros de oxigenação e perfusão tecidual

63

des produtores de lactato.10,21 Estudos experimentais investigam tecido esplâncnico, porém, sua comprovação é mais complicada. Não se pode esquecer de que os níveis de lactato costumam refletir alterações globais e não são capazes de fornecer informações sobre distribuição regional de fluxo sanguíneo.24 Outras etiologias incluem: hipoglicemia; doença de depósito de glicogênio; DM; etanol; insuficiên­ cia hepática; neoplasias e medicamentos (biguanidas e nucleosídeos análogos dos inibidores da transcriptase reversa),20,21,23 como é possível observar de maneira mais detalhada no Quadro 4.1. Quadro 4.1  Mecanismos de acidose lática TIPO Tipo A: hipóxica

MECANISMO Isquemia global

Isquemia focal Tipo B: não hipóxica

B1: doenças subjacentes

Redução do clearance de lactato Disfunção da piruvato desidrogenase

Desacoplamento da fosforilação oxidativa Aceleração da glicólise

B2: Medicamentos e toxinas

Medicamentos

Toxinas

B3: Erros inatos

ETIOLOGIA Choque Anemia grave Hipoxemia grave Infarto mesentérico Isquemia de extremidades Insuficiência hepática Insuficiência renal Sepse Altos níveis de catecolaminas Deficiência de tiamina Degradação proteica Catabolismo grave Sepse Crise convulsiva Neoplasia maligna Nutrição parenteral Biguanidas Halotano Isoniazida Paracetamol Propofol Nutrição parenteral total Álcool (etanol, metanol, dietileno glicol) Cocaína Metanfetamina Estricnina

Deficiência da glicose-6-fosfatase Deficiência da piruvato carboxilase Acidúria metilmalônica

3.1.2  Valor prognóstico A concentração do lactato sanguíneo varia na proporção do déficit de oxigenação tecidual.23 Desse modo, níveis elevados de lactato demonstram boa correlação com hipoperfusão tecidual e, consequentemente, com piores desfechos.8,13,20,22,23 Dosagens realizadas em ambiente pré-hospitalar também demonstram uma clara relação com o desfecho.23 Esse valor prognóstico independe do motivo da hiperlactatemia,3,20 bem como da presença de choque e/ou disfunção orgânica.3 Além disso, a duração da hiperlactatemia tem um valor prognóstico importante no choque séptico e representa o melhor discriminante de sobrevida e falência orgânica.24,25 Diversos estudos demonstram que o prognóstico está mais relacionado ao clearance do lactato do que a uma medida isolada.2,3,7,10,20-25 Ainda mais: o clearance de lactato se relaciona de maneira mais acurada a disfunção orgânica e óbito, além de ser superior à medida inicial do lactato, DO2 e VO2, de modo que a normalização dos níveis de lactato a valores abaixo de 2 mmol/L se mostra preditor de sobrevida, enquanto DO2 e VO2 não.21, 25 Apesar disso, há poucas evidências disponíveis quanto às possíveis intervenções benéficas para pacientes com hiperlactatemia ou falência em clarear o lactato.3

64

Seção I Hemodinâmica

Nguyen e colaboradores (2004) demonstraram que redução maior ou igual a 10% no nível do lactato nas primeiras 6 horas da intervenção na unidade de emergência tiveram melhores desfechos comparados aos que não atingiram redução acima de 10%. 2,26 Aqueles que não reduziram os níveis de lactato > 10% nas primeiras 6 horas evoluíram a óbito em dois terços das vezes. 21,26 Observe a Figura 4.6. 1,0 Probabilidade de sobrevida

Clearance de lactato < 10% Clearance de lactato 10%

0,8 0,6 0,4 0,2 0,0 0

10

20

30 Dias

40

50

60

Figura 4.6  Análise de sobrevida (Kaplan-Meier) entre pacientes que atingiram clearance de lactato < 10% versus ≥ 10% nas primeiras 6 horas de sua apresentação no departamento de emergência. 26

François Réminiac e colaboradores demonstraram que tanto a dosagem isolada de lactato como a seriada, almejando o clearance de lactato, realizadas no sangue arterial se relacionam de maneira direta com aquelas dosadas na veia cava superior, tornando-as medidas intercambiáveis.27 Outros estudos também testaram essa correlação, e a diferença encontrada entre a medida obtida do sangue arterial e venoso não foi significativa.21,25 Assim, naqueles pacientes que possuem um acesso venoso central adequadamente posicionado, a medida do lactato venoso central pode ser utilizada como guia terapêutico.

3.2 pH Uma das principais alterações laboratoriais encontradas em pacientes sob condições de hipóxia tecidual é a acidose metabólica. Diversos estudos demonstraram que a presença de acidose metabólica é preditiva de desfecho desfavorável em pacientes criticamente enfermos.8 A presença da acidose metabólica demonstra anaerobiose tecidual, e esta pode estar sendo representada por um distúrbio global (como choque séptico, choque hipovolêmico) ou por um distúrbio focal (como isquemia intestinal). Vale lembrar que nem toda acidose metabólica é secundária à hipóxia tecidual/anaerobiose,8 porém a presença de acidose metabólica associada à hiperlactatemia representa risco aumentado de mortalidade.25 Há quem sugira que o ânion responsável pela etiologia da acidose metabólica (lactato, cloreto, outros) seja mais importante para o desfecho do que o pH em si, com base no fato de que diferentes ácidos estejam associados com diferentes respostas.28 Em seu estudo, Kyle J. Gunnerson e colaboradores observaram que a mortalidade intra-hospitalar associada à acidose secundária à presença do lactato ou de outros ânions foi muito maior que aquela associada ao íon cloreto. Ainda mais, a acidose hiperclorêmica foi associada com mortalidade semelhante à do grupo não acidótico.28 A medida do pH é de fácil e rápida execução e deve fazer parte do arsenal utilizado na avaliação da perfusão tecidual.

65

Capítulo 4  Monitorização dos parâmetros de oxigenação e perfusão tecidual

3.3  Base excess Dispomos de três abordagens fisiológicas distintas para avaliação de distúrbios ácido-base. A descritiva, por meio da tradicional fórmula de Henderson-Hasselbalch; a quantitativa, baseada em uma análise físico-química que envolve os níveis de pCO2 e a “força” dos íons; e, por fim, a análise semiquantitativa, representada pelo base excess (BE).29,30 O entendimento do conceito de BE se torna mais intuitivo quando observamos que os níveis de bicarbonato plasmático são úteis no direcionamento e mesmo na determinação do tipo do distúrbio acidobásico. Contudo, não é capaz de determinar a quantidade de ácido ou de base adicionada ao plasma, a menos que a pCO2 se mantenha constante, o que geralmente não se observa na prática clínica.30 Desse modo, o BE representa a quantidade de acidose ou alcalose metabólica. Esse valor é obtido calculando-se a quantidade de ácido ou base necessária a se adicionar em uma amostra de sangue in vitro para restabelecer um pH de 7,40 mantendo um pCO2 constante de 40 mmHg à temperatura de 37ºC.29-32 Como sabemos que os níveis de pCO2 não se mantêm constantes, alterações no BE in vivo são naturalmente esperadas. Para tentar corrigir essa alteração, foi estabelecido, então, o standard base excess (SBE), representado na fórmula seguinte:30 SBE = 0,9287 × (HCO3 – 24,4 + 14,83 × [pH – 7,4]) Reforçando o que foi exposto, o bicarbonato tende a sofrer maiores oscilações conforme os níveis de pCO2, ao passo que o SBE independe da variação aguda da pCO2.31 Observe na Tabela 4.3 como se dão a variação do BE e possíveis etiologias para os distúrbios acidobásicos. Na acidose metabólica, tem-se adição de ácidos ao meio, o que torna o BE progressivamente mais negativo (deslocando a régua dos valores do BE para a esquerda), dificultando o equilíbrio acidobásico e sendo um dos indícios de comprometimento da perfusão tecidual. Quando ocorre remoção de ácidos do meio, deparamos com a alcalose metabólica, elevando os valores do BE (deslocando a régua dos valores do BE para a direita). Tabela 4.3  Variação do BE31 Acidose metabólica (ácidos adicionados): acidose láctica (ácido láctico), cetoacidose diabética (cetoácidos), insuficiência renal (sulfatos e fosfatos) –12

–9

–6

Intervalo de normalidade

–3

0

+3

Alcalose metabólica (ácidos removidos): vômitos, sonda nasogástrica, contração de volume secundário a diurético +6

+9

+12

BE (mmol/L).

Porém, o BE não consegue identificar a etiologia do distúrbio ácido-base. Ainda assim, representa uma das maneiras de reconhecimento de acidose metabólica que, por sua vez, é um preditor de mortalidade.32 Apesar disso, é incerta a correlação com outros marcadores de perfusão: um BE negativo na presença de lactato normal pode não ser um marcador de injúria, doença ou mesmo alvo terapêutico; alguns estudos também não evidenciaram correlação entre BE e ânion gap; por fim, SvcO2 se mostrou inferior ao BE em pacientes com trauma.31 É importante ressaltar que os grandes estudos relacionados com o BE foram realizados em pacientes com trauma. Nessa subpopulação, um valor de BE muito negativo foi associado com maior mortalidade, lesão intra-abdominal e transfusão. Além disso, uma piora na evolução dos níveis de BE esteve associada com mortalidade, maior tempo de permanência em UTI, SARA, insuficiência renal, coagulopatia e disfunção de múltiplos órgãos e sistemas. Níveis de BE ≤ –6 mmol/L estão associados com mortalidade e, tanto mais negativo seu valor, maior a mortalidade.31 Deve-se atentar ainda para outros fatores que podem dificultar a análise do BE. Destaque para a hipercloremia secundária à ressuscitação cristaloide agressiva, por exemplo, situação na qual o valor prognóstico do BE como marcador de doença está reduzido ou mesmo abolido.31 Insuficiência renal

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Seção I Hemodinâmica

concomitante, desordem acidobásica preexistente e hipoalbuminemia alteram a sensibilidade e especificidade do BE.20 Outra abordagem que pode comprometer a avaliação do BE é a administração de bicarbonato exógeno, o qual altera as relações de cloro e sódio e, por conseguinte, leva a alterações significativas no valor do BE.31 Acima de tudo, a avaliação do BE no ambiente da terapia intensiva representa uma alternativa à abordagem baseada no bicarbonato e pode auxiliar nas tomadas de decisão à beira-leito.31

3.4  Diferença venoarterial de pCO2

Ao contrário do oxigênio, que praticamente não se difunde no plasma, o gás carbônico é altamente solúvel – cerca de 20 vezes mais – comparado ao oxigênio,33 como explanado anteriormente. Por se tratar de um metabólito gerado ao fim da cadeia oxidativa – tanto via metabolismo aeróbio quanto anaeróbio –, é esperado que o conteúdo de CO2 presente no sangue venoso seja maior que aquele contido no sangue arterial.8,33,34 De modo geral, a produção do CO2 é diretamente proporcional ao consumo de O2, conforme a fórmula exposta a seguir: VCO2 = R × VO2 Sendo VCO2 a produção de CO2 e R o quociente respiratório, o qual varia entre 0,7 e 1,0. Com base no conceito de Fick, é possível obter a seguinte equação: VCO2 = DC × (CvCO2 – CaCO2) Sendo DC o débito cardíaco. Associando as duas fórmulas descritas, chegamos a: DC × (CvCO2 – CaCO2) = R × VO2 Dessa maneira, é possível observar que os determinantes da diferença venoarterial de CO2 são VCO2, o DC e a perfusão tecidual.10 Na Figura 4.7, há uma representação de como se dão a perfusão e a SvO2 capilar.

AD

A

AE

VD

VE

F I

B

SvcO2 global: normal

SvO2 elevada

Aumento de perfusão (shunt/redistribuição)

Consumo normal de O2 SvO2 reduzida

Hipoperfusão

Figura 4.7  Perfusão e SvO2 capilar. (A) Representação esquemática da circulação (arterial em vermelho, venoso em azul, AD: átrio direito; AE: átrio esquerdo; VD: ventrículo direito; VE: ventrículo esquerdo; I: intestino; F: fígado) e um leito capilar genérico. (B) Representação esquemática de capilares hipoperfundidos (linha inferior tracejada) e perfusão capilar normal (linha contínua superior) recebendo perfusão aumentada redistribuída dos capilares hipoperfundidos.10

Capítulo 4  Monitorização dos parâmetros de oxigenação e perfusão tecidual

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Em determinadas circunstâncias, esse equilíbrio deixa de existir, provocando um alargamento da diferença do conteúdo venoso de CO2 em relação ao arterial. A despeito de um DC normal, pacientes com P(v-a)CO2 > 6 mmHg demonstram um clearance de lactato menor e mais lentificado, além de um aumento da falência orgânica, quando comparados a pacientes com um gradiente normal.10 Na Figura 4.8, há representações do gradiente venoarterial de pCO2, na relação entre DC e hipoperfusão capilar.

A AD

AE

VD

VE

F

I

VC O

2

P(v-a)CO2 (mmHg)

B 0 CO2

4 C

CO (L/min)

Figura 4.8  Gradiente venoarterial de pCO2: relação entre DC e hipoperfusão capilar. (A) Representação esquemática da circulação (arterial em vermelho, venoso em azul, AD: átrio direito; AE: átrio esquerdo; VD: ventrículo direito; VE: ventrículo esquerdo, I: intestino, F: fígado) e um leito capilar genérico. (B) Representação esquemática de capilares hipoperfundidos (linha inferior tracejada) e perfusão capilar normal (linha contínua superior) recebendo perfusão aumentada redistribuída dos capilares hipoperfundidos. CO2 se eleva nos tecidos adjacentes aos capilares hipoperfundidos (cilindros cinza). Devido à sua natureza altamente difusível, o CO2 acumulado pelos tecidos hipoperfundidos difunde-se pelo tecido adjacente aos capilares perfundidos que “lavam” (washout) essa quantidade aumentada de CO2, provocando uma pCO2 venosa maior que o normal e, consequentemente, um gradiente venoarterial de pCO2 maior que o limite superior de 6 mmHg. (C) Relação entre P(v-a)CO2 e DC. P(v-a)CO2 diminui ao longo de uma isopleth para uma dada produção metabólica de CO2 (VCO2). Para DC “normal” acima de 4 L/min e VCO2 normal (área verde), P(v-a)CO2 permanece abaixo do limite superior de 6 mmHg. Uma redução no DC abaixo de 4 L/min causa um aumento na P(v-a)CO2 devido ao washout insuficiente independentemente da perfusão capilar. P(v-a)CO2 aumenta acima de 6mmHg em condições de DC adequado, e VCO2 normal é patológico e reflete a hipoperfusão capilar (área laranja fora das isopleths).10

3.4.1  Como interpretar? Em condições fisiológicas, a DpCO2 varia de 2 a 5 mmHg33,34 ou 4 a 6 mmHg,35 com variações aceitáveis na literatura mundial. Ao contrário do que se poderia imaginar inicialmente, a DpCO2 não pode ser encarado como um marcador confiável de hipóxia tecidual, mas sim um marcador de fluxo venoso, em que se avalia a capacidade de remoção do CO2 produzido pelos tecidos periféricos.33-35 Mais que isso, é capaz de es-

68

Seção I Hemodinâmica

tabelecer uma relação entre o fluxo sanguíneo sistêmico e as necessidades metabólicas globais, 34 fazendo a medida da pCO2 venoso representar um índice de oxigenação tecidual.8,35 A relação entre o DC e a DpCO2 pode ser explicada pelo fenômeno de estagnação do CO2 em território venoso periférico (o que eleva os níveis de PvCO2 comparativamente aos da PaCO2). Em condições de comprometimento do fluxo sanguíneo sistêmico, o clearance de CO2 acaba por ser reduzido, culminando na elevação da DpCO2.10,34,35 A disóxia por si só não é suficiente para elevar a DpCO2. Desse modo, um aumento na DpCO2 é observado durante várias formas de choque circulatório, seja o choque obstrutivo, cardiogênico, hipovolêmico ou distributivo.35 É importante salientar que uma DpCO2 dentro do normal não exclui hipóxia tecidual.10,34 O Quadro 4.2 exemplifica a relação entre a DpCO2, o DC e a presença ou não de anaerobiose. Quadro 4.2  Interpretação dos valores de DpCO2 e DC na presença e ausência de hipóxia ∆PCO2

DC

CONDIÇÃO

INTERPRETAÇÃO



Normal ou ⇓

Hipóxia

Pode representar um indício de que é necessário elevar o DC no intuito de reduzir a hipóxia tecidual



Normal

Aeróbico

Possivelmente o fluxo sanguíneo não se encontra alto o suficiente (por exemplo, secundário a uma demanda aumentada de oxigênio)

Normal

Indiferente

Aeróbico

DC é suficiente para remover todo CO2 produzido pelos tecidos periféricos

Normal

Indiferente

Hipóxia

É duvidoso aumentar o DC frente a DpCO2 normal sob condições de hipóxia

3.4.2 Limitações na interpretação Deve-se tomar muito cuidado na interpretação da DpCO2 sob condições de fluxo sanguíneo sistêmico muito elevado, visto que grandes alterações no DC podem não resultar em alterações significativas na DpCO2, em função da curva que relaciona DpCO2 × DC.33 Existem ainda várias situações que podem induzir a erros nas medidas da pCO2, entre as quais se destacam:33 • coleta incorreta; • volume inadequado da amostra (relativo ao volume de anticoagulante do frasco); • contaminação por ar, sangue venoso ou fluidos de cateter; • condições impróprias de transporte; • atraso na análise da amostra. Esses fatores são importantes visto que pequenas diferenças podem levar a um erro relativamente grande comparado com o intervalo da normalidade.33 A diferença venoarterial de CO2 não é recomendada para uso clínico de rotina, porém, pode ser útil ainda no diagnóstico diferencial de acidose metabólica persistente.8

3.5  Saturação venosa central de oxigênio A SvcO2 se constitui em uma outra ferramenta útil para análise da perfusão tecidual. Ela demonstra o grau de saturação das hemácias quando estas retornam da periferia do organismo. O cut-off tido como aceitável é de 70%, baseado no estudo de Rivers e colaboradores no paciente séptico e extrapolado para outras situações do cotidiano do intensivista. Uma das limitações do método é que a SvcO2 representa uma análise global e, desse modo, mesmo com valores normais ou ainda elevados de SvcO2, alguns pacientes apresentavam evidências de

Capítulo 4  Monitorização dos parâmetros de oxigenação e perfusão tecidual

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hipoperfusão tecidual.13,36 Assim, a SvcO2 nem sempre reflete hipóxia tecidual e talvez não seja o melhor “gatilho” para se iniciar ressuscitação hemodinâmica.36 Como será visto a seguir, a SvcO2 está intimamente ligada à taxa de extração de oxigênio (TEO2). Esta, por sua vez, nada mais é do que o reflexo do equilíbrio existente entre o oxigênio ofertado aos tecidos (DO2) e o consumido por eles (VO2), como demonstrado na fórmula a seguir: TEO2 =

VO2 DO2

Em situações em que há uma redução da DO2 ou uma elevação do VO2, o organismo aumenta a taxa de extração de oxigênio de maneira compensatória. Porém, quando DO2 cai ainda mais e se torna insuficiente para manter a demanda do VO2, a TEO2 excede um limiar identificado pela evidência de hipóxia tecidual e metabolismo anaeróbio, que inclui aumento nos níveis de lactato e disfunção orgânica. Esse limiar crítico é a TEcrítO2, e é de aproximadamente 0,7 em animais saudáveis.37 Há divergências na literatura, e alguns autores utilizam 0,6 como TEcrítO2, sendo de 40% o valor de SvcO2 crítico.10 Observe a sequência de fórmulas expostas a seguir para facilitar a compreensão da relação existente entre a TEO2 e a SvcO2. TEO2 = TEO2 = TEO2 = TEO2 = TEO2 = SvO2 SaO2

[DC × (CaO2 – CvO2)] DO2 [DC × (CaO2 – CvO2)] (DC × CaO2) (CaO2 – CvO2) CaO2 1 – CvO2 CaO2 1 – SvO2 SaO2 = 1 – TEO2

SvO2 = (1 – TEO2) × SaO2 Na prática clínica, a saturação arterial de oxigênio é mantida praticamente constante, e, com frequência, acima de 0,9, e assim: SvO2 ≈ 1 – TEO2 Essa simples relação indica que a medida da SvcO2 está diretamente relacionada à TEO2 e pode ser utilizada para determinar se o paciente pode estar próximo à TEcrítO2.37

3.5.1  Como utilizar a SvcO2? A medida da SvcO2 pode nos trazer várias informações, como descrito a seguir.

70

Seção I Hemodinâmica

3.5.1.1  Estimativa do débito cardíaco A partir da equação de Fick, desprezando-se o componente habitualmente pequeno do oxigênio dissolvido no plasma, teremos a equação seguinte: IC =

IVO2 [Hb × 1,34 × (SaO2 – SvO2)]

Sendo IC = índice cardíaco e IVO2 = índice de consumo de oxigênio. Considerando que o IVO2 é relativamente constante no repouso, a Hb é relativamente constante em pacientes sem sangramento ativo, 1,34 é uma constante física e a SaO2 se mantém relativamente constante ao redor de 90 a 100%, os parâmetros realmente variáveis na equação são o IC e a SvO2. O valor típico da IVO2 no repouso varia entre 120 e 140 mL O2/min/m2.37 Vamos aplicar um exemplo utilizando a Hb 9 g/dL (90 g/L), saturação arterial de oxigênio de 95% e saturação venosa central de 65%. IC =

140 [90 × 1,34 × (95% – 65%)] IC = 3,87 L/min/m2

Se a SvcO2 sofresse uma redução de 65% para 45%, então o valor do IC seria de 2,32 L/min/m2. É importante frisar que esse cálculo é superficial e para uma estimativa rápida do IC. Quando uma medida acurada do DC e de suas variáveis for necessária, deve-se proceder à monitorização que se julgar mais adequada e capaz de fornecer tais informações.37

3.5.1.2  Melhor compreensão do estado fisiológico do paciente Avaliar isoladamente os valores para SvcO2 pode ser difícil e não contribuir para o entendimento da situação pela qual o organismo do paciente está passando. No indivíduo saudável, o nível da TEcrítO2 é geralmente constante; contudo, diminui em uma variedade de doenças críticas, frequentemente por comprometimento na capacidade dos tecidos em extrair oxigênio, que, por sua vez, pode ser explicado pela heterogeneidade do fluxo sanguíneo micro e macrovascular, shunt de oxigênio pelos tecidos ou incapacidade de as células e suas mitocôndrias em utilizar o oxigênio.37 Enquanto a TEcrítO2 em repouso nos indivíduos saudáveis pode ser de até 70%, o mesmo não ocorre em pacientes graves, cuja TEcrítO2 pode cair a até 50% e, consequentemente, a SvcO2 crítica também pode chegar a 50%.37 Podemos nos deparar com casos em que a SvcO2 esteja bastante elevada, ao redor de 80 a 90%, na vigência de hiperlactatemia e outras disfunções orgânicas, ou seja, com uma TEcrítO2 baixa secundária ao comprometimento das estruturas responsáveis pela extração e utilização do oxigênio. Por outro lado, valores baixos de SvcO2 também merecem atenção. Uma SvcO2 < 50% e certamente quando < 40% devem ser valorizadas e merecem intervenção específica. A SvcO2 entre 50 e 70% devem ser avaliadas e interpretadas de acordo com a oxigenação tecidual: diante da evidência de disóxia tecidual/disfunção orgânica, deve-se planejar uma estratégia visando otimização de tais medidas (aumentar nível de Hb? corrigir hipoxemia e elevar saturação de oxigênio? otimizar fluxo? reduzir consumo – analgesia, sedação, intubação orotraqueal?). Vale frisar que valores extremos de SvcO2 são associados com aumento de mortalidade.37

3.5.1.3  Guia de ressuscitação Com base no estudo de Rivers e colaboradores, a SvcO2 assume um papel quase central no manejo­ inicial de pacientes com sepse grave/choque séptico.38 O objetivo inicial é agir da maneira mais pre-

Capítulo 4  Monitorização dos parâmetros de oxigenação e perfusão tecidual

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coce possível, promover uma ressuscitação volêmica adequada e atingir uma pressão arterial média razoável que permita a redistribuição do DC para os órgãos nobres.37 Feito isso, devemos nos perguntar se a oferta de oxigênio está adequada; então, surge a SvcO2 para atuar como um guia terapêutico, embora não seja o único disponível para isso. O alvo utilizado no Early Goal-Directed Therapy foi de 70%, demonstrando uma redução significativa na taxa de mortalidade.37,38 Um estudo publicado recentemente pelo The ProCESS Investigators comparando diferentes estratégicas na abordagem ao paciente com choque séptico não demonstrou benefício estatisticamente significativo em relação à mortalidade e à morbidade comparando o “cuidado usual” com o atendimento baseado em protocolos (protocolo de cuidado-padrão e protocolo baseado no EGDT). Concluí­ram ainda não haver benefício no uso mandatório de cateterização venosa central e monitorização hemodinâmica em todos os pacientes. Contudo, o estudo conta com uma série de limitações e seus resultados devem ser analisados com cuidado.39 Achado semelhante foi publicado pelo estudo Goal-Directed Resuscitation for patients with early septic shock, em que a abordagem baseada no EGDT na sala de emergência não reduziu a mortalidade por todas as causas em 90 dias, mais uma vez questionando o uso do EGDT como cuidado-padrão.40

3.5.1.4  Avaliação e tratamento da hipoxemia Diante de uma doença com shunt pulmonar, a saturação venosa mista de oxigênio representa um ponto crucial na determinação da saturação arterial de oxigênio. Assim, medidas que elevem a saturação venosa mista de oxigênio também aumentarão a saturação arterial de oxigênio. Se as manobras relacionadas diretamente ao pulmão (elevar fração inspirada de oxigênio, fornecer pressão positiva nas vias aéreas, posição prona) forem insuficientes para atingir um nível de oxigenação arterial adequado, é possível agir de modo a aumentar a oferta de oxigênio e/ou reduzir o consumo de oxigênio, o que promoverá um aumento da SvO2 e, consequentemente, aumentará a saturação arterial de oxigênio.37

3.5.1.5  Estimar rapidamente a fração de shunt A equação da fração de shunt é expressa por: Fração de shunt =

(CCO2 – CaO2) (CCO – CvO2) 2

Sendo CCO a concentrtação de oxigênio no sangue maximamente saturado no capilar terminal 2 (ou seja, SCO = 1). 2 Assim, desprezando o oxigênio dissolvido no plasma, podemos simplificar a equação da seguinte forma: Fração de shunt =

(1 – SaO2) (1 – SvO2)

Para uma SaO2 95% e uma SvO2 65%, teremos: Fração de shunt =

(1 – 0,95) (1 – 0,65)

= 14,2%

Mas para uma SaO2 85% e SvO2 75%, teremos: Fração de shunt =

(1 – 0,85) (1 – 0,75)

= 60%

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Seção I Hemodinâmica

Nesse segundo exemplo, conclui-se que apenas 40% do valor de elevação da SvO2 será transmitido à SaO2.

3.5.2  Limitações no uso da SvcO237 • Ter em mente que os valores de SvO2 (cujas variações são demonstradas no Quadro 4.3) e SvcO2 guardam correlação, mas não são iguais, e, nos casos em que houver uma real necessidade da SvO2, deve ser utilizado o cateter de artéria pulmonar. • Tais valores não devem ser avaliados de maneira isolada. • Medidas podem ser obtidas de maneira intermitente ou contínua, via fibra óptica, a depender da situação clínica. Quadro 4.3  Variações na SvcO2 de acordo com as alterações na oferta e consumo de oxigênio10 SVCO2 < 70% AUMENTO DO CONSUMO Dor Ansiedade Hipertermia Tremores Desconforto respiratório

REDUÇÃO DA OFERTA Anemia Hipoxemia Hipovolemia Vasoplegia Depressão miocárdica SVCO2 > 75%

REDUÇÃO DO CONSUMO Analgesia Sedação Anestesia Ansiolítico Hipotermia Paralisia muscular Ventilação mecânica

AUMENTO DA OFERTA Hb elevada Altas taxas de suplementação de oxigênio Aumento do DC Disfunção mitocondrial

Jones A. E. e colaboradores demonstraram, em um ensaio clínico randomizado, que não houve diferença estatisticamente significativa na mortalidade intra-hospitalar em pacientes com choque séptico que foram tratados com um manejo adicional visando normalizar o clearance de lactato versus normalizar a SvcO2, além do manejo habitual para os dois grupos (normalizar pressão arterial média e pressão venosa central).41 Um ensaio randomizado multicêntrico sobre ressuscitação precoce na sepse demonstrou não haver uma adequada correlação entre atingir uma SvcO2 > 70% e um clearance de lactato > 10%, de tal modo que se fosse necessário escolher um único alvo, este seria o clearance de lactato, que, isoladamente, se mostrou menos relacionado à mortalidade.42 Por fim, visto que o cateter de artéria pulmonar tem sido cada vez menos utilizado, a SvcO2 é frequentemente utilizada como substituto da SvO2,4,10,34,37 desde que os devidos cuidados na inserção e posicionamento do cateter central sejam tomados. Na Figura 4.9, há um gráfico que mostra a relação entre SvcO2 e SvO2 (segundo Grissom e colaboradores).

4. CONCLUSÕES Dispomos das mais variadas ferramentas para uma adequada avaliação dos parâmetros de perfusão e oxigenação tecidual. Essa avaliação nem sempre é fácil, e, tanto mais dados disponíveis tivermos ao alcance das mãos, maior a chance de interpretá-los corretamente. É fundamental o conhecimento desses conceitos para que os dados não sejam lidos de maneira equivocada, podendo gerar intervenções desnecessárias ou mesmo maléficas.

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Saturação venosa mista de oxigênio (SvO2%)

Capítulo 4  Monitorização dos parâmetros de oxigenação e perfusão tecidual

Saturação de oxigênio da veia cava superior (ScvO2%) N = 218 pacientes com lesão pulmonar aguda

Figura 4.9  Utilizando dados do ARDSNet Trial, Grissom e colaboradores mediram a relação entre SvcO2 e SvO2. A dispersão ao redor da linha principal ilustra a diferença entre as duas medidas. Quando a SvcO2 é maior que 70% (linha vertical tracejada), a SvO2 é geralmente maior que 60%, com algumas exceções (ponto circulado). Quando a SvcO2 é menor que 50% (linha vertical pontilhada), a SvO2 é geralmente baixa, com algumas exceções (ponto no quadrado).37

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Seção I Hemodinâmica

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5 Avaliação da volemia e responsividade a volume

Leandro Utino Taniguchi 1. INTRODUÇÃO O quadro de choque é um dos piores agravos ao paciente crítico. Devido à instalação aguda de uma disfunção cardiovascular por diferentes etiologias, a via final comum do choque é de um desequilíbrio entre a oferta e o consumo periférico de oxigênio, levando à hipóxia tecidual, à insuficiência de múltiplos órgãos e, finalmente, ao óbito. Intervenções hemodinâmicas precoces demonstraram ser benéficas nos casos de hipoperfusão.1 Nesse contexto, a administração de volume é uma das terapias mais habituais no seu tratamento, com o objetivo de aumentar o débito cardíaco (DC) e corrigir uma possível hipovolemia absoluta/relativa. Entretanto, como só 40 a 72% dos pacientes críticos são responsivos a volume,2 praticamente metade dos indivíduos que recebem volume sem uma correta avaliação hemodinâmica não se beneficia dessa terapia. Isso retarda a introdução de intervenções mais adequadas (como drogas vasoativas). Fora isso, sabe-se atualmente que a administração de volume desnecessária está associada a maior tempo de ventilação mecânica e de permanência na unidade de terapia intensiva (UTI), pior oxigenação pulmonar,3 possível atraso no reconhecimento de injúria renal aguda,4 menores chances de recuperação da função renal,5 além de maior mortalidade.5,6 Sendo assim, a avaliação da responsividade a volume no paciente crítico é de suma importância.

2. CONCEITO DE VOLEMIA E DE RESPONSIVIDADE A VOLUME O termo “volemia” refere-se ao volume de sangue contido no sistema cardiovascular. Nos indivíduos adultos, corresponde a cerca de 7% do peso corpóreo, ou seja, uma média de 5 L de sangue. Desse volume, cerca de 20 a 30% (aproximadamente, 1,5 L) corresponde a volume estressado, ou seja, aquele capaz de gerar pressão transmural vascular e influenciar no retorno venoso.7 A administração de fluidos tem por objetivo aumentar a volemia com o único propósito terapêutico de aumentar o

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Seção I Hemodinâmica

retorno venoso e o DC. Nos pacientes hipoperfundidos, esse ganho de DC pode significar melhora da perfusão periférica e redução da hipóxia celular somente se o paciente for responsivo a volume. De forma conceitual, define-se o paciente como responsivo a volume caso haja um incremento significativo no volume sistólico com a expansão volêmica.8 Como dito anteriormente, o intuito da infusão de fluidos é aumentar o retorno venoso de tal forma a elevar a pré-carga cardíaca. Correlaciona-se intuitivamente o conceito de pré-carga, que seria o somatório de todos os fatores que contribuem para o estresse (ou tensão) passivo transmural ventricular ao fim da diástole, com o de volemia.9 Como descrito pela lei de Starling, aumentos progressivos da pré-carga intensificam o DC até determinado ponto de inflexão, a partir do qual aumentos subsequentes não determinam maior volume sistólico (Figura 5.1).

VOLUME SISTÓLICO

PONTO DE INFLEXÃO

Pré-carga responsiva

Pré-carga não responsiva

PRÉ-CARGA

Figura 5.1  Curva de Starling com ênfase no ponto de inflexão que separa a fase pré-carga responsiva da fase pré-carga não responsiva (sombreada em cinza). Aumentos de pré-carga por meio da expansão volêmica geram ganhos de volume sistólico apenas durante a fase pré-carga responsiva.

VOLUME SISTÓLICO

Atualmente, em terapia intensiva, a avaliação hemodinâmica não procura mais avaliar a pré-carga dos pacientes, mas verificar de forma dicotômica se estes estão ou não na fase pré-carga responsiva, na qual a expansão volêmica pode ser benéfica para melhorar a perfusão periférica. Observa-se que a mesma variação na pré-carga pode gerar resultados hemodinâmicos distintos de acordo com a fase em que é realizada (Figura 5.2). Sendo assim, a simples mensuração da pré-carga não é suficiente para saber se haverá efeitos hemodinâmicos com a expansão volêmica.

PRÉ-CARGA

Figura 5.2  Curva de Starling apresentando o mesmo paciente durante a realização de duas provas volêmicas (retângulos hachurados). Observa-se que a primeira prova volêmica foi realizada na fase pré-carga responsiva (retângulo da esquerda). Isso promoveu um aumento significativo no volume sistólico (∆VS1). Entretanto, a mesma prova volêmica foi repetida na fase pré-carga não responsiva (retângulo da direita – observa-se que a largura dos retângulos é a mesma, pois a variação na pré-carga foi igual nas duas provas volêmicas). A mesma variação na pré-carga não gerou ganhos de volume sistólico (∆VS2).

Capítulo 5  Avaliação da volemia e responsividade a volume

77

3. AVALIAÇÃO DA RESPONSIVIDADE A VOLUME Ela pressupõe que, após um aumento da pré-carga por meio da expansão volêmica, ocorre um aumento significativo do DC em virtude da relação de Starling (Figura 5.1). O meio mais fácil para se diferenciar em que fase o paciente se encontra consiste em uma prova de volume seguido da mensuração direta do DC. Com tal manobra, aumentos no volume sistólico e do DC, após expansões volêmicas, demonstram um estado de dependência de pré-carga. Entretanto, para essa avaliação é necessária a mensuração do DC por um dispositivo acurado e preciso, sendo o cateter de artéria pulmonar o mais amplamente conhecido. A utilidade da monitorização via cateter de artéria pulmonar é ainda muito discutível atualmente.10,11 Mesmo tecnologias mais recentes, como análise de contorno de pulso, ainda geram controvérsias quanto à utilidade.12 Além disso, nem todas as formas de monitorização são adequadas para todos os locais (especialmente em enfermarias, atendimento pré-hospitalar e sala de emergências). Sendo assim, a mensuração do aumento do DC nem sempre é possível, o que torna a titulação da administração de volume potencialmente complicada. Ademais, como dito anteriormente, balanços hídricos positivos estão associados à morbimortalidade do doente crítico. A mensuração do DC após a infusão de fluidos avalia a responsividade a posteriori. O ideal é a predição antes da administração do volume. A literatura médica buscou índices e marcadores que pudessem predizer se a infusão de volume seria benéfica ou não. Os primeiros estudos se basearam em estimativas da pré-carga cardíaca mediante algum parâmetro medido isoladamente no tempo (de uma maneira dita “estática” – Quadro 5.1). Quadro 5.1  Parâmetros estáticos de estimativa da pré-carga cardíaca Pressão venosa central Pressão de artéria pulmonar ocluída Área diastólica final ventricular Volume diastólico final ventricular

3.1  Parâmetros estáticos de predição de responsividade a volume Dos parâmetros estáticos, o mais utilizado na prática clínica é a medida da pressão venosa central (PVC). Tal prática é consagrada pela facilidade de sua aferição, além de constituir um dos “alvos terapêuticos” sugeridos pelo estudo de Rivers e colaboradores1 e defendido pelas recomendações internacionais de tratamento de sepse.13 Entretanto, a literatura é monótona em demonstrar que a PVC não é capaz de predizer a responsividade a volume. Diversas revisões sistemáticas da literatura, inclusive com metanálises, sugerem uma predição próxima ao acaso (0,55 a 0,56 de área sob a curva ROC para predição, o que é muito próximo de 0,50 – valor este que sugere que o teste é inútil para a avaliação desejada).2,14-16 Mesmo em indivíduos saudáveis, Kumar e colaboradores demonstraram que os valores de PVC falham em correlacionar com o volume sistólico.17 Vários fatores podem estar relacionados a essa falta de correlação entre as pressões de enchimento e a predição da resposta a volume. Os pacientes na unidade de terapia intensiva (UTI), frequentemente, são submetidos a modos de ventilação com pressão positiva, o que modifica o regime pressórico no tórax em comparação com a ventilação espontânea. Além disso, já se documentaram variações na complacência ventricular e toracopulmonar ao longo do tempo de permanência na UTI, fora as alterações na pressão intra-abdominal. Todo esse conjunto de alterações promove a perda da correlação entre volume intraventricular e a pressão diastólica final (Figura 5.3). Com a perda da correlação entre volume e pressão diastólica final por alterações da função diastólica, uma mesma condição de enchimento ventricular pode estar associada a medidas de PVC mais elevadas (Figura 5.3). Nesses casos, pode-se concluir que o paciente não está responsivo a volume só pelas medidas mais elevadas, o que seria um erro.

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Seção I Hemodinâmica

DÉBITO CARDÍACO

PRESSÃO DIASTÓLICA FINAL

b’

Função diastólica diminuída Função diastólica normal

a’ b”

a

b Expansão volêmica

Grande aumento da Pd2 a” } Discreto aumento da Pd2 VOLUME DIASTÓLICO FINAL

Figura 5.3  Após uma expansão volêmica, houve aumento do enchimento ventricular e do volume diastólico final (de a para b no eixo das abscissas). Como o paciente está na fase responsiva a volume, observa-se um aumento do DC (de a’ para b’ no eixo vertical à esquerda). Entretanto, se o paciente tiver uma função diastólica normal, esse aumento do volume diastólico final é bem acomodado e gera aumentos irrelevantes na pressão diastólica final do ventrículo (Pd2). Mas caso haja alguma disfunção diastólica por alteração de complacência cardíaca ou efeitos de intervenções (como ventilação com pressão positiva ou hipertensão intra-abdominal), a mesma expansão volêmica com o mesmo aumento de volume diastólico final e mesmo ganho de DC gerará um aumento de Pd2 muito maior (de a’’ para b’’ no eixo vertical à direita) que, por sua vez, aumentará muito mais a pressão a montante (como a PVC). Observe ainda que, apesar de o ventrículo partir de uma mesma situação de enchimento ventricular (ponto a da abscissa), as pressões de enchimento são significativamente maiores nos casos de disfunção diastólica (ponto a’’) do que em situação normal. Apesar disso, o ventrículo está responsivo a volume.

As mesmas considerações são válidas para a pressão de artéria pulmonar ocluída (PAPO), obtida mediante utilização de um cateter de artéria pulmonar. A utilização da PAPO como inferência da pré-carga do ventrículo esquerdo (VE) sofre muitas possíveis interferências. Além das alterações já citadas em relação à PVC, que também são válidas para o átrio esquerdo (AE), tem-se o fato de que a distância entre a região de mensuração da PAPO e a pressão diastólica final do ventrículo esquerdo é muito longa, o que propicia muita interferência. Michard e colaboradores2 também demonstraram que a PAPO é um mau preditor de resposta volêmica, pois não permite uma acurácia adequada para se prever responsividade a volume, além de não apresentar um valor de cut-off. Kumar e colaboradores17 demonstraram que, com a expansão volêmica, as variações da PVC e da PAPO não se relacionaram com as variações de volume sistólico e de volumes diastólicos finais dos dois ventrículos. Sendo assim, apesar da larga e antiga utilização das pressões intracardíacas como parâmetros para avaliação volêmica, seus baixos valores preditivos não permitem sua aplicação clínica na tomada de decisão da administração de volume. Devido a essas preocupações com as medidas de pressões de enchimento, alguns autores se voltaram para medidas ou inferências de volume diastólico final. Diebel e colaboradores18,19 demonstraram que os valores de volume diastólico final de ventrículo direito (VDFVD) eram significativamente menores nos pacientes responsivos do que naqueles não responsivos. Valores de VDFVD indexados menores que 90 mL/m2 estavam associados à resposta volêmica, enquanto valores acima de 138 mL/ m2 não estavam. Porém, valores intermediários não apresentavam um nível de cut-off que permitisse a diferenciação entre os responsivos e não responsivos. Fora isso, os demais trabalhos que avaliaram tal índice não demonstraram benefício em sua utilização.2 Mesmo medidas de área diastólica final também se mostraram incapazes de discernir os pacientes responsivos dos não responsivos.2

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Capítulo 5  Avaliação da volemia e responsividade a volume

3.2  Parâmetros dinâmicos de predição de responsividade a volume Enquanto os parâmetros estáticos são imprecisos para a avaliação de resposta a fluidos, os parâmetros ditos “dinâmicos” conseguem essa discriminação.20,21 A premissa de todos os parâmetros dinâmicos é uma variação do retorno venoso e da pré-carga induzida por meio de uma manobra reversível (como a respiração em ventilação mecânica ou a elevação dos membros inferiores) a fim de permitir uma adequada avaliação da presença ou não de resposta a fluidos (Figura 5.4). Uma vantagem dessas manobras é o caráter reversível do estresse na pré-carga, ao contrário da administração de fluidos e a verificação se há ou não aumento do DC a posteriori. DÉBITO CARDÍACO

Função contrátil preservada

b’

a’ Função contrátil diminuída b” a”

a b Alteração reversível da pré-carga

VOLUME DIASTÓLICO FINAL

VM Elevação de MMII

Figura 5.4  Uma variação da pré-carga (ponto a para b no eixo das abscissas) induz um aumento significativo no DC em um ventrículo responsivo a volume (ponto a’ para b’), mas não em um ventrículo não responsiva (ponto a’’ para b’’). Essa variação na pré-carga pode ser feita por meio de expansão volêmica, mas também com algumas manobras como inspiração mecânica passiva (VM), elevação dos membros inferiores (MMII), e outros procedimentos (como pausa expiratória e minibólus de volume – ver texto). Tais manobras tem a vantagem de serem reversíveis, ou seja, o aumento de pré-carga é transitório o suficiente para estressar o ventrículo e permitir a avaliação da responsividade a volume, mas volta à situação basal assim que a manobra termina.

3.2.1  Variação da pressão de átrio direito A variação da pressão do átrio direito (DPAD) foi introduzida por Magder e colaboradores.21 Em pacientes com respiração espontânea, uma diminuição inspiratória na PAD ≥ 1 mmHg prediz uma resposta positiva à expansão volêmica, com valor preditivo positivo de 77 e negativo de 81%. Entretanto, a mensuração desse parâmetro exige uma respiração espontânea tranquila e adequada. No trabalho original, tal esforço era considerado apropriado verificando-se a variação da PAPO com a respiração por meio de um cateter de artéria pulmonar. Em outros trabalhos em que a DPAD foi avaliada sem a avaliação do esforço respiratório, sua acurácia foi muito inferior, pior até que a medida estática da PVC.22 Dessa forma, apesar de ser uma variável interessante pela sua utilidade em pacientes extubados, a dificuldade em se avaliar o esforço respiratório adequado restringe muito sua aplicabilidade.

80

Seção I Hemodinâmica

3.2.2  Variação da pressão de pulso Em um dos primeiros estudos com parâmetros que posteriormente viriam a ser chamados de “dinâmicos”, Michard e colaboradores23 demonstraram que a variação da pressão de pulso (DPP) com a ventilação mecânica invasiva passiva era maior nos pacientes responsivos a volume que naqueles não responsivos. Em pacientes sob ventilação mecânica, cada inspiração com pressão positiva aumenta a pressão intratorácica, o que reduz o retorno venoso para o ventrículo direito (VD). Caso este esteja na fase pré-carga responsiva, haverá uma redução do volume sistólico. O aumento da pós-carga na artéria pulmonar também contribui para esse efeito sobre o volume sistólico do VD. Por sua vez, esses efeitos reduzirão o retorno venoso ao ventrículo esquerdo (VE), o que ocorre após alguns batimentos cardíacos devido ao tempo de trânsito do sangue pelo pulmão. Caso o VE também esteja na fase pré-carga responsiva, haverá uma redução do volume sistólico sistêmico. Sendo assim, alterações cíclicas no volume sistólico induzidas por meio da ventilação mecânica invasiva podem detectar a presença de dependência de pré-carga. Como a pressão de pulso é um substituto para se inferir o volume sistólico, alternâncias cíclicas na pressão de pulso também podem detectar responsividade à pré-carga23,24 (Figura 5.5).

Pressão de vias aéreas

Pressão intratorácica

Retorno venoso para ventrículo direito (VD)

Curva de pressão arterial sistêmica PPmáx PPmáx PPmín

PPmáx PPmín

Figura 5.5  Efeitos da insuflação pulmonar com ventilação mecânica invasiva passiva em paciente responsivo a volume. O aumento cíclico da pressão nas vias aéreas devido à inspiração determina um aumento na pressão intratorácica. Esse aumento reduz o gradiente pressórico para o retorno venoso do VD. Nos pacientes dependentes de pré-carga, ocorre uma redução no volume sistólico do VD e, alguns batimentos cardíacos após, do VE também caso ele esteja dependente de pré-carga. A redução cíclica do volume sistólico a cada inspiração é perceptível na curva de pressão arterial sistêmica como uma variação na pressão de pulso, que é a diferença entre a pressão de pulso máxima (PPmáx) e a pressão de pulso mínima (PPmín). Observa-se que a PPmáx em modos ventilatórios convencionais geralmente ocorre na fase inspiratória.

Com um valor de corte de 13%, a DPP apresenta um valor preditivo positivo de 94% e negativo de 96%.23 Mas para o cálculo da DPP, alguns pré-requisitos são essenciais: o paciente deve estar em modo ventilatório invasivo em volume controlado com Vt 8 a 12 mL/kg, com PEEP baixa (< 10 cmH2O), sem respirações espontâneas e sem arritmias frequentes. A fórmula da DPP é: DPP% = 100 × (Ppmáx – Ppmín)/[(Ppmáx + Ppmín)/2] A partir do estudo original de Michard e colaboradores, diversos outros autores estudaram e validaram a utilidade da DPP em detectar responsividade a volume se forem observados os pré-requisitos citados.15 Algumas revisões recentes sobre o uso da DPP estão disponíveis na literatura e discutem de forma crítica esses estudos.25-27

Capítulo 5  Avaliação da volemia e responsividade a volume

81

3.2.3  Variação do volume sistólico O mesmo princípio fisiológico que determina oscilações na pressão de pulso também gera alterações cíclicas no volume sistólico do VE (Figuras 5.4 e 5.5), dita variação do volume sistólico (VVS). Após a DPP, várias outras técnicas de mensuração do volume sistólico batimento a batimento e de suas variações foram descritas: análise de contorno de pulso;28-30 Doppler esofágico;31 velocidade de pico subaórtico mensurado por ecocardiografia.32 Uma metanálise resumiu os diversos métodos de avaliação da VVS por contorno de pulso e demonstrou uma área sob curva ROC de 0,84.15 Novos métodos não invasivos, como avaliação da curva da pletismografia do oxímetro de pulso, também se mostraram promissores.33 Uma das limitações no nosso país para sua utilização reside na necessidade de aparelhagem adequada para a mensuração do VVS. Alguns monitores modernos utilizam a avaliação do contorno de pulso para aferir continuamente a DPP e o VVS em um período de amostragem arbitrário (geralmente de alguns segundos). Porém, mesmo assim, algumas limitações são importantes de serem avaliadas para a correta interpretação dos achados (Quadro 5.2).25,27 Quadro 5.2  Limitações para a aplicabilidade da variação da pressão de pulso e variação do volume sistólico Vt < 8 mL/kg Cirurgia com tórax aberto Hipertensão intra-abdominal Uso de PEEP elevada Pacientes pediátricos Hipertensão pulmonar com disfunção de VD Arritmia frequente Atividade respiratória espontânea Vt: volume corrente; PEEP: pressão expiratória final positiva; VD: ventrículo direito.

3.2.4  Variação das veias cava superior e inferior As veias cava superior (VCS) e inferior (VCI) são vasos colapsáveis cujos diâmetros e fluxos variam com a respiração. Em ventilação mecânica positiva controlada, ocorre um aumento do diâmetro da VCI na inspiração tanto maior quanto mais responsivo a volume o paciente se encontra. Já a VCS apresenta um colapso com consequente redução de seu diâmetro. Seguindo essas considerações fisiológicas, alguns grupos demonstraram a possibilidade de utilizar a mensuração da variação da VCS ou da VCI para discriminar a responsividade a volume em pacientes críticos. O colapso de VCS foi avaliado com ecocardiografia transesofágica em pacientes em ventilação mecânica com parâmetros ventilatórios semelhante aos da DPP. Um índice de colapso de VCS (diâmetro máximo na expiração – diâmetro mínimo na inspiração/diâmetro máximo na expiração) maior que 36% permite discriminação entre respondedores e não respondedores.34 Já a VCI comumente é visualizada por ecocardiografia transtorácica na janela subcostal, o que a torna menos invasiva e mais factível que o colapso da VCS. Barbier e colaboradores35 demonstraram que um índice de distensibilidade da VCI (dIVC), definido por (Dmáx – Dmín)/Dmín em porcentagem, maior que 18% estabelecia responsividade a volume. Feissel e colaboradores36 também avaliaram tal parâmetro em responsividade a volume e, utilizando um cálculo levemente diferente, demonstraram que o DDIVC (Dmáx – Dmín/média aritmética dos dois diâmetros) maior que 12% também predizia responsividade a volume. Infelizmente, o paciente deve estar em ventilação controlada com Vt por volta de 8 mL/kg para se utilizarem as cavas na avaliação da responsividade a volume.37 Outras possíveis limitações para a utilização das veias cavas incluem: a presença de hipertensão intra-abdominal; uso de vasopressores (que poderia influenciar a complacência venosa); e a presença de hipertensão pulmonar.

3.2.5  Avaliação da responsividade a volume em respiração espontânea Uma das grandes limitações na avaliação da responsividade a volume, com base na análise da VVS e afins, é a presença de atividade respiratória espontânea (Quadro 5.3).

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Seção I Hemodinâmica

Quadro 5.3  Métodos de avaliação de responsividade a volume e possibilidade de uso em pacientes com respiração espontânea PARÂMETRO

USO EM RESPIRAÇÃO ESPONTÂNEA

Variação da pressão de pulso

NÃO

Variação do volume sistólico

NÃO

Variação da cava superior

NÃO

Variação da cava inferior

NÃO

Elevação de membros inferiores (MMII)

OK

Pausa expiratória

OK

Miniexpansão

NÃO AVALIADO

Nos pacientes com atividade respiratória espontânea (mesmo que em ventilação mecânica invasiva), existem dois métodos sugeridos para a avaliação de dependência de pré-carga: a elevação passiva de membros inferiores e a pausa expiratória. A miniexpansão volêmica, apesar de possivelmente não sofrer influência da respiração, ainda carece de avaliação.

3.2.5.1  Elevação passiva de membros inferiores A EPMMII transfere aproximadamente 150 a 300 mL de sangue dos vasos de capacitância dos membros inferiores e abdome para o compartimento intratorácico38 (Figura 5.6). Tal manobra seria semelhante a uma “autoexpansão” e permitiria identificar uma situação de responsividade a aumentos de pré-carga quando acoplada a uma técnica de monitorização em tempo real do volume sistólico. Como a transferência é reversível com a interrupção da manobra, as complicações do aumento desnecessário de pré-carga podem ser minimizadas. Além disso, os efeitos hemodinâmicos não são alterados na vigência de respiração espontânea ou arritmias, duas das principais limitações práticas dos parâmetros dinâmicos de responsividade a volume (Quadro 5.2). Durante a manobra, é essencial a mensuração do volume sistólico em tempo real. Aumentos de 12 a 15% no volume sistólico predizem responsividade a volume.26,38 Uma recente metanálise confirma a acurácia desse método, com uma área agrupada sob a curva ROC de 0,95 e um odds ratio diagnóstico de 89.39

45º 45º Cabeceira elevada

EPMMII

Figura 5.6  Efeitos da EPMMII sobre o volume de sangue contido no abdome (círculo hachurado) e nos membros inferiores (elipse quadriculada). A manobra mobiliza sangue de ambas as regiões para o tórax e aumenta a pré-carga cardíaca. Com o retorno do paciente à posição habitual, esse efeito se dissipa. Observe-se que a manobra se inicia com o decúbito da cabeça elevado a 45º, e, durante o procedimento, a cabeceira fica baixa e as pernas são elevadas mantendo-se o ângulo de 45º em relação ao tronco.

Algumas limitações e ressalvas à aplicação clínica dessa manobra devem ser destacadas. Primeiro, a mensuração do volume sistólico deve ser em tempo real, pois as alterações hemodinâmicas da EPMMII são rápidas (nos primeiros 30 a 90 segundos). Alguns monitores fazem a amostragem de vários batimentos, o que pode comprometer a aferição. Atualmente, avaliações diretas batimento

Capítulo 5  Avaliação da volemia e responsividade a volume

83

a batimento do volume sistólico com Doppler esofágico do fluxo da aorta,40,41 análise de contorno de pulso com monitores modernos adequados,42,43 velocidade de fluxo subaórtico por ecocardiografia44,45 são os métodos validados na literatura para sua mensuração. Segundo, a presença de meias elásticas ou hipertensão intra-abdominal pode comprometer a acurácia da mensuração devido ao prejuízo na mobilização de sangue durante a manobra. Por fim, cuidado na sua realização em pacientes com hipertensão intracraniana e nos que apresentam risco de vômitos e aspiração.

3.2.5.2  Pausa expiratória Durante a ventilação mecânica invasiva, cada inspiração aumenta a pressão intratorácica (Figura 5.5), o que reduz o retorno venoso. A realização de uma pausa expiratória prolongada elimina temporariamente essa redução cíclica no retorno venoso, o que resulta em seu aumento temporário. Monnet e colaboradores demonstraram que uma pausa de 15 segundos sem interrupção pode identificar pacientes responsivos quando ocorre um aumento da pressão de pulso ≥ 5% ou no índice cardíaco ≥ 5% no final da pausa.46 Mesmo em pacientes com baixa complacência pulmonar, em respiração espontânea e com arritmias, esses achados são válidos.46,47 Uma limitação é a necessidade de realizar a pausa de forma prolongada. Até 22% dos pacientes não permitem tal manobra.46 Além disso, o baixo valor de cut-off (5%) permite que ruídos na aferição interfiram na conclusão dos achados.

3.2.5.3  Miniexpansão volêmica Em vez de realizar expansões com volumes “clássicos” como 500 mL de solução, Muller e colaboradores verificaram a capacidade de pequenas alíquotas de 100 mL de coloide em detectar a presença de responsividade a volume.48 Essa alíquota era rapidamente administrada (em um minuto) e esse aumento na pré-carga era monitorizado por ecocardiografia transtorácica (mensuração da VTI – velocity time index – subaórtica). Aumentos de 10% na VTI identificaram os pacientes responsivos a volume a administrações subsequentes de fluidos. Apesar de essas pequenas alíquotas provavelmente não contribuírem para o balanço hídrico positivo de forma substancial, o aumento no DC que promoverão será também pequeno por consequência. Assim, o método deverá ser preciso o suficiente para detectar essa pequena variação. Além disso, ainda que potencialmente aplicável em pacientes com atividade respiratória espontânea, não há validação nessa população. Porém, a presença de arritmias é um fator de exclusão.

4. EFEITOS DA EXPANSÃO VOLÊMICA NA PRESSÃO ARTERIAL SISTÊMICA O objetivo da administração de fluidos é aumentar o DC a fim de melhorar a perfusão periférica nos casos de choque. É intuitiva a suposição de que o aumento no DC possa também resultar em aumento da pressão arterial (PA). Entretanto, alterações no DC são usualmente dissociadas de alterações na PA devido à modulação autonômica no tônus vascular. Estudos recentes demonstram que as alterações na PA induzidas pelo volume não se correlacionam com as variações no DC, com uma incidência de falso-negativos acima de 20%.4,50 Sendo assim, não se sugere guiar a expansão volêmica unicamente pelas alterações na PA.

5. CONCLUSÕES A adequada avaliação de responsividade a volume é parte integrante do cuidado de qualquer paciente instável hemodinamicamente. Existem diversos métodos disponíveis, mas cada um apresenta suas particularidades. A correta interpretação permite o uso apropriado da expansão volêmica, promovendo melhora da perfusão naqueles em choque responsivos a volume, mas evitando o uso de terapias inadequadas e potencialmente deletérias nos não responsivos.

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Seção I Hemodinâmica

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Capítulo 5  Avaliação da volemia e responsividade a volume

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6 Reposição volêmica: técnicas e tipos de fluidos

Arthur Khan Momma Antônio Paulo Ramos Martins Filho Fernando José da Silva Ramos 1. INTRODUÇÃO A avaliação volêmica do paciente crítico em situações de choque circulatório pode ser um desafio. Estima-se que apenas 50% dos pacientes críticos são respondedores a uma infusão de volume.1 Além disso, diversos estudos mostram os malefícios causados pela sobrecarga volêmica e demonstram a necessidade de formas mais seguras de manejo de fluidos nesse tipo de paciente.2 Com base nesse raciocínio, a prova volêmica representa um método de identificar aqueles pacientes que podem responder de forma positiva a uma infusão de volume. De forma geral, um paciente é considerado respondedor quando, após uma infusão de alíquota de volume, apresenta um aumento do débito cardíaco (DC) ou volume sistólico (VS) maior que 10%.3 Neste capítulo, serão abordadas as principais formas de realização de uma prova volêmica e os tipos de fluidos mais importantes. Os métodos de avaliação de volemia e responsividade a volume serão abordados em capítulo específico deste manual.

2. PROVA VOLÊMICA A reposição volêmica é uma forma essencial de tentar otimizar a hemodinâmica do paciente em choque circulatório, porém nem todos os pacientes respondem com aumento do DC ao receber um aumento no volume intravascular. Em última análise, o objetivo de uma expansão volêmica é aumentar o VS e, consequentemente, o DC, o que elevará oferta de oxigênio aos tecidos (DO2). A DO2 depende de vários fatores conforme sua fórmula:

DO2: DC × (1,39 × Hb × SatO2) + (0,0031 × PaO2)

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Seção I Hemodinâmica

Além dessas variáveis, ainda há que considerar os fatores determinantes do DC como a pré-carga, contratilidade cardíaca, pós-carga e frequência cardíaca. Se considerada a estabilidade dos demais fatores durante uma prova volêmica, considerar deve-se entender a variação do DC como a variação de sua pré-carga. A relação da pré-carga acarretando um aumento da miocontratilidade por meio do estiramento ideal dos filamentos de actina e miosina é explanada pelo mecanismo de Frank-Starling (Figura 6.1).

Débito cardíaco

B

A

Retorno venoso

Figura 6.1  Curva de Frank-Starling.

Há duas fases distintas na curva: fase A, que é a responsiva ou porção ascendente; e a B, não responsiva ou platô da curva, em que a infusão de volume não acarreta aumento da pré-carga ventricular. Um método proposto para avaliar a variação do DC conforme sua pré-carga é a prova volêmica ou desafio volêmico, em que ocorre a infusão de uma alíquota de volume por um tempo predeterminado e avalia-se a variação do débito cardíaco por monitorização hemodinâmica. A prova volêmica deve ser realizada de forma rápida, em geral com tempo de infusão menor do que 10 minutos e com uma alíquota pequena 250 mL ou 3 mL/kg.3 A solução utilizada na prova volêmica pode ser cristaloide ou coloide. Recentemente, a Força-Tarefa da Sociedade Europeia de Medicina Intensiva (ESICM) publicou o Consenso de Choque Circulatório e Monitorização Hemodinâmica, no qual recomenda que a prova volêmica seja realizada com a administração em bólus de 500 mL de fluido em tempo inferior a 30 minutos.4 É importante que se diferencie a prova volêmica da infusão de volume. Nesta, determinada quantidade de fluido é administrada sem haver a preocupação em avaliar a responsividade de volume, não existe uma quantidade predeterminada nem um limite de tempo para término da infusão. Nessa situação, o paciente está sujeito a receber excesso de fluidos. A avaliação da resposta após uma prova volêmica deve ser realizada pela análise do DC preferencialmente. Neste contexto, deve-se priorizar o uso de dispositivos de aferição do DC de forma rápida. O uso da pressão arterial média (PAM) como critério de resposta frente a uma prova volêmica deve ser desencorajado. O valor basal de PAM é um preditor ruim e, portanto, expõe o paciente a receber alíquotas de volume desnecessárias.3 Weil e Henning5 há mais de 30 anos desenvolveram o conceito de prova volêmica e sistematizaram o método utilizando a pressão venosa central (PVC) e ou pressão de artéria pulmonar ocluída (PAPO). O protocolo de infusão dependeria do status volêmico inicial, avaliado por meio da PVC ou PAPO do paciente. Ao definir esse estado, ele determina a quantidade de volume a ser administrado em 10 minutos por acesso venoso periférico, avaliando durante a infusão a variação da PVC ou

89

Capítulo 6  Reposição volêmica

PAPO. A variação dessas medidas define a continuidade ou interrupção do processo conforme a regra “5-3” para PVC e “7-5” para PAPO. A regra “5-3” determina que a infusão seja interrompida se a variação da PVC for maior que 5 e que continue se a variação for menor que 3. Tal raciocínio pode ser utilizado de forma similar à PAPO, na regra “7-5” (Tabela 6.1). A maior crítica a esse protocolo é o uso da PVC ou PAPO para avaliar a volemia do paciente. Diversos estudos demonstram que ambas são preditores fracos em avaliação de responsividade a volume.1 No entanto, na ausência de outros indicadores, elas podem ser utilizadas como limite para realização de prova volêmica. Outra forma de realizar a prova volêmica é o mini-fluid, que utiliza o mesmo princípio fisiológico, porém com volumes menores. Muller e colaboradores, em 2011, avaliaram em 39 pacientes sob ventilação mecânica, por meio da infusão de 100 mL de hidroxietilamido (HES), uma solução coloide, no período de um minuto analisando sua resposta pelo velocity time index (VTI), um parâmetro ecocardiográfico para inferir a variação do volume sistólico e consequente DC. No estudo, foram avaliadas também a variação da pressão de pulso e a PVC, ambas com baixa acurácia se comparadas ao método ecocardiográfico. A acurácia presente no VTI, pressão de pulso e PVC foram de 0,92, 0,55 e 0,66, respectivamente.6 Wu e colaboradores, em 2014, realizou um mini-fluid modificado em 55 pacientes sob ventilação mecânica, utilizando uma solução cristaloide (50 mL) por um período de 10 segundos, monitorizados pelo DC e pelo VTI. Sua acurácia para VTI e DC foi 0,91 e 0,95, respectivamente.7 Por fim, nas situações em que se deseja evitar mesmo a administração de pequena quantidade de volume, é possível realizar a manobra de elevação da pernas, na qual é feita uma prova volêmica transitória com a mobilização de sangue dos membros inferiores. Nessa situação, deve ser avaliado o incremento do DC ou VS após a manobra. Algumas vantagens do método são a não infusão desnecessária de volume e a possibilidade de ser utilizado em pacientes sob ventilação mecânica ou espontânea.8 Tabela 6.1  Tipos de prova volêmica TIPOS DE PROVA

TIPO E VOLUME DO FLUIDO

TAXA DE INFUSÃO

RESPOSTA

10 min 200 mL se PVC < 8 cmH2O ou PAPO > 12 mmHg 100 mL se PVC entre 8 e 14 cmH2O ou PAPO entre 12-16 mmHg 50 mL se, PVC ≥ 14 cmH2O ou PAPO ≥ 16 mmHg

Avaliação a cada 10 minutos: • Interromper a infusão se ΔPVC ≥ 5 ou ΔPAPO ≥ 7

Prova volêmica

250 mL ou 3 mL/kg cristaloide ou coloide ou 500 mL

< 10 min ou < 30 min

Aumento de DC ou VS > 10%

“Mini” prova volêmica

100 mL (HES)

1 min

VTI ≥ 10% (AUC:0,92)

50 mL cristaloide ou coloide

10 seg

ΔDC ≥ 6% (AUC:0,95) ΔVTI ≥ 9% (AUC:0,91)

Prova volêmica



Continuar a infusão se ΔPVC ≤ 2 ou ΔPAPO ≤ 5



Reavaliar a cada 10 minutos se ΔPVC entre 3 e 5 ou ΔPAPO entre 3 e 7

LIMITAÇÕES Protocolo de WEIL não define o tipo de fluido e utiliza parâmetros de baixa acurácia para avaliação de resposta.

Necessidade de monitorização de DC ou VS

Apenas em paciente sob ventilação mecânica

VTI: velocity time index; ΔDC: variação do débito cardíaco; ΔPVC: variação da pressão venosa central; HES: hidroxietilamido; PAPO: pressão de artéria pulmonar ocluída; min: minuto(s); seg: segundo(s); VS: volume sistólico.

90

Seção I Hemodinâmica

3. TIPOS DE FLUIDOS A decisão sobre qual a melhor solução para reposição volêmica do paciente crítico ainda é assunto controverso e a escolha é determinada pela preferência do médico assistente e disponibilidade local. A solução de reposição volêmica ideal ainda não existe, no entanto estudos atuais mostram que a escolha da solução mais adequada em determinada situação pode alterar o desfecho do paciente.9 De acordo com Ernest Starling, a concentração de fluidos que permanece no intravascular e/ou extravasa para o compartimento extravascular após uma expansão volêmica deve-se ao princípio de semipermeabilidade da membrana das vênulas capilares e pós-capilares,10 ao qual foi posteriormente adaptado o conceito de pressão hidrostática e gradiente de pressão oncótica como determinante da troca transvascular.11 Atualmente, admite-se a ideia de que o extravasamento de fluidos pelo endotélio resulta de danos na camada endotelial de glicocalix, que é constituído por uma teia de glicoproteínas e proteoglicanas ligadoras de membrana.12 O dano na camada de glicocalix, frequente em situações pró-inflamatórias como na síndrome da resposta inflamatória sistêmica (SIRS) ou sepse, resultaria em importante alteração na permeabilidade endotelial e no desenvolvimento de edema intersticial no paciente crítico.9

3.1  Tipos de fluidos de ressuscitação volêmica A escolha do tipo de fluido a ser utilizado varia de acordo com a preferência do clínico, protocolos institucionalizados, disponibilidade da solução, seu custo e condição clínica do paciente. As recomendações para a escolha de fluido ideal esbarram em baixas evidências clínicas, ficando restritas à opinião do especialista. De forma geral, as soluções são divididas entre cristaloides e coloides. As solução conhecidas como cristaloides são aquelas às quais as membranas capilares são permeáveis e sua tonicidade é determinada pelas concentrações de sódio e cloro. Já as soluções coloides contêm moléculas relativamente incapazes de cruzar a membrana capilar semipermeável. A Tabela 6.2 apresenta as principais características das soluções disponíveis para reposição volêmica. Tabela 6.2  Tipos e principais composições de cristaloides e coloides COLOIDES

CRISTALOIDES

Hidroxietilamido (HES) 10% (200/05)

6% (130/0,4)

6% (130/0,42)

Nome comercial

NaCl 0,9%

Hemohes

Voluven

Venofundin

Fonte coloide

Batata

Milho

Batata

Osmolaridade (mOsm/L)

308

308

308

308

Sódio (mmol/L)

Ringer-lactato

Plasmalyte

PlasmaLyte 280

294

154

154

154

154

131

140

Potássio (mmol/L)









5,4

5,0

Magnésio (mmol/L)









Cloro (mmol/L)

154

154

154

154

131

98

Cálcio (mmol/L)









2,0



Lactato (mmol/L)

3,0

29

Malato (mmol/L)

23

Acetato (mmol/L)

27

3.2 Cristaloides A solução salina a 0,9% é, hoje, a solução de reposição volêmica mais usada em todo o mundo, tem uma concentração igual de íons sódio e cloro (ambos a 154 meq/L). Estudos evidenciaram que a

Capítulo 6  Reposição volêmica

91

infusão de moderados a grandes volumes dessa solução causa acidose metabólica hiperclorêmica porque a diferença de íons fortes que ela contém é zero.13 A hipercloremia resultante da solução salina pode causar vasoconstrição renal, redução de velocidade de fluxo nas artérias renais e redução da taxa de filtração glomerular,14,15 levando a uma maior retenção hídrica e salina na comparação com soluções cristaloides balanceadas, apesar de desfechos clínicos pouco estabelecidos. A atual preocupação com a sobrecarga hídrica nos pacientes gerou o conceito de administração de pequenos volumes de solução salina, porém com maiores taxas de concentração (solução salina a 3, 5 e 7,5%). A solução salina hipertônica também é potencialmente benéfica em vítimas de traumatismos cranioencefálicos, em que se buscam manter maiores valores de natremia e osmolaridade com menores taxas de volume, participando racionalmente da redução do edema cerebral. Apesar do conceito, o uso de solução hipertônica pré-hospitalar nesse grupo de pacientes não modificou desfechos a curto e a longo prazos.16 Podemos citar dentro do grupo de cristaloides, as soluções salinas mais balanceadas, como por exemplo, o Ringer-lactato e o PlasmaLyte. Tais soluções balanceadas são tidas como mais “fisiológicas”, pois contêm menor osmolaridade, menor teor de sódio e maior diferença de íons fortes, resultando em uma composição mais próxima do fluido extracelular. O Ringer-lactato apresenta em sua composição um teor de sódio de 131 mmol/L e de íon cloro de 111 mmol/L, com osmolaridade de 280,6 mOsm/L. Em administração excessiva, pode causar hiperlactatemia e hipercalemia devido, respectivamente, à utilização de ânion lactato em sua composição e à concentração de 5,4 mmol/L em sua solução. Comparada ao Ringer-lactato, a solução PlasmaLyte tem menor teor de íons cloro e uma diferença de íons fortes maior. Em vez de utilizar como ânion o lactato, a solução PlasmaLyte utiliza acetato e gluconato. Em virtude do menor teor de sódio e de cloro e pelo menor risco de acidose hiperclorêmica, as soluções salinas balanceadas são consideradas a 1ª escolha no grupo de fluidos cristaloides.

3.3 Coloides 3.3.1 Albumina A solução salina contendo albumina humana a 4% ou a 5% é considerada a solução coloidosmótica de referência atualmente. No Brasil, está disponível a albumina humana a 20% e a 25%, que pode ser diluída a uma razão de 1:4 com solução salina. Uma solução de 1 L contendo albumina humana a 5% apresenta pressão coloidosmótica de 20 mmHg, permitindo, em teoria, manter um maior volume no espaço intravascular. Comparando a albumina com todas as outras soluções coloides, ela é a que menos causa reação anafilática (0,011%) e a que provavelmente seja mais bem tolerada com menor taxa de efeitos adversos. Dentre todos os estudos relacionada à albumina, deve-se destacar o trabalho cego, randomizado e controlado Saline versus Albumin Fluid Evaluation (SAFE), realizado na Austrália e na Nova Zelândia, que comparou o uso de albumina a 4% com o de solução salina a 0,9% em uma população de 6.997 adultos internados em UTI.17 Não houve diferença de mortalidade em 28 dias entre os dois grupos. Em uma análise post-hoc deste estudo, verificou-se um potencial benefício de redução de mortalidade com o uso de albumina no subgrupo de pacientes sépticos, porém, um maior risco de mortalidade com o uso de albumina em pacientes vítimas de traumatismo cranioencefálico.18 O mesmo grupo realizou uma análise de subgrupo pré-definida de 1.218 pacientes com sepse grave do estudo SAFE e, após correção de características basais, o uso de albumina 4% esteve relacionado à redução da mortalidade.19 O estudo CRYCO, no entanto, mostrou que o uso de soluções hiperoncóticas como a albumina 20 a 25%, dextrans e HES estava relacionado a aumento de mortalidade e disfunção renal em uma população de pacientes em choque.20

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Seção I Hemodinâmica

Mais recentemente, foi publicado o estudo Albios (Albumin Replacement in Patients with Severe Sepsis and Septic Shock), com 1.818 pacientes randomizados, em que um grupo recebia albumina a 20% associada a cristaloide e ou outro grupo, apenas cristaloide. O grupo albumina tinha objetivo de atingir um nível sérico de 30 g/L. Nos primeiros sete dias do estudo, o grupo albumina teve maior pressão arterial média e menor balanço hídrico acumulado. Não houve diferença na mortalidade entre os grupos nos dias 28 e 90 após a randomização.21

3.3.2  Coloides semissintéticos A baixa taxa de disponibilidade associado ao custo elevado da albumina humana, levaram a um aumento gradativo do uso de soluções coloides semissintéticas. Entre elas, as mais conhecidas são à base de HES (coloides sintetizados a partir da hidrólise de amilopectina). Outras soluções incluem gelatinas succiniladas, soluções de Dextran e preparações de gelatina (poligelina) ligadas à ureia. Estas últimas pouco utilizadas na atualidade. Os HES causam uma substituição de moléculas de glicose em alta escala, que protegem a sua hidrólise por amilases não específicas do sangue, logo, prolongando o tempo de expansão intravascular. Com isso, os HES se acumulam nos tecidos, causando prurido, alteração reversível e dose-dependente na coagulação vistos em medidas fibroelásticas e aumento de fibrinólise.9 Os dois principais efeitos adversos das soluções coloides semissintéticas são injúria renal aguda e anafilaxia. A solução de HES a 10% (peso 200 kDa e razão de substituição molar de 0,5) em pacientes sépticos apresentou um aumento do risco de injúria renal aguda e uso de terapia substitutiva renal, como foi visto no estudo VISEP.22 Atualmente, são utilizadas soluções de HES a 6%, pois apresentam menores peso molecular e razão de substituição molar (130 kDa/~ 0,42). Apesar do aparente menor efeito nocivo, as soluções de HES a 6%, quando comparadas com soluções fisiológicas, mostraram maiores taxas de mortalidade e de necessidade de terapia substitutiva renal em 90 dias no estudo 6S23 e também elevação do risco relativo de 21% de necessidade de terapia substitutiva renal no estudo CHEST.24 Ambos os estudos foram cegos, randomizados e controlados. Frente a todas as evidências, o uso de coloides semissintéticos permanece mais restrito.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS As vantagens da prova volêmica são a possibilidade de uma análise mais segura da reposição volêmica, evitando sua sobrecarga e, consequentemente, seus malefícios. O extravasamento de líquido intravascular para o interstício se dá por mecanismos de semipermeabilidade de membrana capilar, gradientes de pressão hidrostática, coloidosmótica e disfunção da camada endotelial de glicocalix. Entre os cristaloides, as soluções salinas balanceadas tendem a ter menos efeitos colaterais como acidose hiperclorêmica e menor potencial nefrotóxico. Os coloides semissintéticos apresentam maior risco de anafilaxia, injúria renal aguda e alterações na coagulação sanguínea, restringindo o seu uso, dando preferência entre os coloides para a albumina humana, levando em consideração o seu alto custo. As soluções de reposição volêmica são drogas nas quais se deve pesar o uso excessivo, com a conscientização a respeito de seus efeitos colaterais.

REFERÊNCIAS BILIOGRÁFICAS 1. Michard F, Teboul JL. Predicting fluid responsiveness in ICU patients: A critical analysis of the evidence. Chest. 2002;121:2000-8.

Capítulo 6  Reposição volêmica

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2. Venn R, Steele A, Richardson P, Poloniecki J, Grounds M, Newman P. Randomized controlled trial to investigate influence of the fluid challenge on duration of hospital stay and perioperative morbidity in patients with hip fractures. British Journal of Anaesthesia. 2002;88:65-71. 3. Cecconi M, Parsons AK, Rhodes A. What is a fluid challenge? Current Opinion in Critical Care. 2011;17:290-5. 4. Cecconi M, De Backer D, Antonelli M, Beale R, Bakker J, Hofer C, Jaeschke R, Mebazaa A, Pinsky MR, Teboul JL, Vincent JL, Rhodes A. Consensus on circulatory shock and hemodynamic monitoring. Task force of the European society of intensive care medicine. Intensive Care Medicine. 2014;40:1795-815. 5. Weil MH, Henning RJ. New concepts in the diagnosis and fluid treatment of circulatory shock. Thirteenth Annual Becton, Dickinson and Company Oscar Schwidetsky Memorial Lecture. Anesthesia and Analgesia. 1979;58:124-32. 6. Muller L, Toumi M, Bousquet PJ, Riu-Poulenc B, Louart G, Candela D, Zoric L, Suehs C, de La Coussaye JE, Molinari N, Lefrant JY, AzuRea G. An increase in aortic blood flow after an infusion of 100 ml colloid over 1 minute can predict fluid responsiveness: the mini-fluid challenge study. Anesthesiology. 2011;115:541-7. 7. Wu YZS, Zhuou Z, Liu B. A 10-second fluid challenge guided by transthoracic echocardiography can predict fluid responsiveness. Critical Care. 2014;18:R108. 8. Monnet X, Teboul JL. Passive leg raising. Intensive Care Medicine. 2008;34:659-63. 9. Myburgh JA, Mythen MG. Resuscitation fluids. The New England journal of Medicine. 2013;369:1243-51. 10. Starling EH. On the absorption of fluids from the connective tissue spaces. The Journal of Physiology. 1896;19:312-26. 11. Krogh A, Landis EM, Turner AH. The movement of fluid through the human capillary wall in relation to venous pressure and to the colloid osmotic pressure of the blood. The Journal of Clinical Investigation. 1932;11:63-95. 12. Weinbaum S, Tarbell JM, Damiano ER. The structure and function of the endothelial glycocalyx layer. Annual Review of Biomedical Engineering. 2007;9:121-67. 13. Morgan TJ, Venkatesh B, Hall J. Crystalloid strong ion difference determines metabolic acid-base change during acute normovolaemic haemodilution. Intensive Care Medicine. 2004;30:1432-7. 14. Hansen PB, Jensen BL, Skott O. Chloride regulates afferent arteriolar contraction in response to depolarization. Hypertension. 1998;32:1066-70. 15. Wilcox CS. Regulation of renal blood flow by plasma chloride. The Journal of Clinical Investigation. 1983;71:726-35. 16. Cooper DJ, Myles PS, McDermott FT, Murray LJ, Laidlaw J, Cooper G, Tremayne AB, Bernard SS, Ponsford J, Investigators HTSS. Prehospital hypertonic saline resuscitation of patients with hypotension and severe traumatic brain injury: a randomized controlled trial. JAMA: The Journal of the American Medical Association. 2004;291:1350-7. 17. Finfer S, Bellomo R, Boyce N, French J, Myburgh J, Norton R, Investigators SS. A comparison of albumin and saline for fluid resuscitation in the intensive care unit. The New England Journal of Medicine. 2004;350:2247-56. 18. Investigators SS, Australian, New Zealand Intensive Care Society Clinical Trials G, Australian Red Cross Blood S, George Institute for International H, Myburgh J, Cooper DJ, Finfer S, Bellomo R, Norton R, Bishop N, Kai Lo S, Vallance S. Saline or albumin for fluid resuscitation in patients with traumatic brain injury. The New England Journal of Medicine. 2007;357:874-84. 19. Investigators SS, Finfer S, Bellomo R, McEvoy S, Lo SK, Myburgh J, Neal B, Norton R. Effect of baseline serum albumin concentration on outcome of resuscitation with albumin or saline in patients in intensive care units: Analysis of data from the saline versus albumin fluid evaluation (SAFE) study. BMJ. 2006;333:1044. 20. Schortgen F, Girou E, Deye N, Brochard L, Group CS. The risk associated with hyperoncotic colloids in patients with shock. Intensive Care Medicine. 2008;34:2157-68. 21. Caironi P, Tognoni G, Masson S, Fumagalli R, Pesenti A, Romero M, Fanizza C, Caspani L, Faenza S, Grasselli G, Iapichino G, Antonelli M, Parrini V, Fiore G, Latini R, Gattinoni L, Investigators AS. Albumin replacement in patients with severe sepsis or septic shock. The New England Journal of Medicine. 2014;370: 1412-21. 22. Brunkhorst FM, Engel C, Bloos F, Meier-Hellmann A, Ragaller M, Weiler N, Moerer O, Gruendling M, Oppert M, Grond S, Olthoff D, Jaschinski U, John S, Rossaint R, Welte T, Schaefer M, Kern P, Kuhnt E, Kiehntopf M,

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Seção I Hemodinâmica

Hartog C, Natanson C, Loeffler M, Reinhart K, German Competence Network S. Intensive insulin therapy and pentastarch resuscitation in severe sepsis. The New England Journal of Medicine. 2008;358:125-39. 23. Perner A, Haase N, Guttormsen AB, Tenhunen J, Klemenzson G, Aneman A, Madsen KR, Moller MH, Elkjaer JM, Poulsen LM, Bendtsen A, Winding R, Steensen M, Berezowicz P, Soe-Jensen P, Bestle M, Strand K, Wiis J, White JO, Thornberg KJ, Quist L, Nielsen J, Andersen LH, Holst LB, Thormar K, Kjaeldgaard AL, Fabritius ML, Mondrup F, Pott FC, Moller TP, Winkel P, Wetterslev J, Group ST, Scandinavian Critical Care Trials G. Hydroxyethyl starch 130/0.42 versus ringer’s acetate in severe sepsis. The New England Journal of Medicine. 2012;367:124-34. 24. Myburgh JA, Finfer S, Bellomo R, Billot L, Cass A, Gattas D, Glass P, Lipman J, Liu B, McArthur C, McGuinness S, Rajbhandari D, Taylor CB, Webb SA, Investigators C, Australian, New Zealand Intensive Care Society Clinical Trials G. Hydroxyethyl starch or saline for fluid resuscitation in intensive care. The New England Journal of Medicine. 2012;367:1901-11.

7 Drogas vasoativas

Aline Cristina Vieira Walger Bruno Nunes Rodrigues Fernando José da Silva Ramos Quando a administração de fluidos falha em restaurar a perfusão adequada em pacientes com choque, o uso de agentes vasopressores é o próximo passo. A escolha correta desses medicamentos exige o conhecimento de seus mecanismos de ação, indicações e potenciais efeitos colaterais. As drogas vasoativas têm diferentes ações em receptores alfa e beta-adrenérgicos cujo papel hemodinâmico já é bem conhecido. • Alfa-adrenérgicos: vasoconstrição. • Beta1-adrenérgicos: aumento da frequência cardíaca (FC) e da contratilidade miocárdica. • Beta2-adrenérgicos: vasodilatação periférica. A ação sobre diferentes receptores, com intensidades distintas é o que diferencia as drogas vasoativas. Neste capítulo, falaremos de maneira detalhada sobre as drogas vasoativas mais utilizadas no ambiente de terapia intensiva, como dopamina, norepinefrina, epinefrina, dobutamina e vasopressina.

1. DOPAMINA Apresentações

Ampola 2 mL (25 mg/mL) Ampola 5 mL (40 mg/mL) Ampola 10 mL (5 mg/mL)

Diluição

Soro fisiológico ou glicosado

Solução sugerida

250 mg (5 mg/mL) diluído em 190 mL = 1.000 µg/mL

Além de um importante neurotransmissor central e periférico, a dopamina é o precursor natural da noradrenalina e da adrenalina. A dopamina está presente nas terminações nervosas simpáticas, bem como na medula adrenal. Apresenta ação farmacológica em três tipos de receptores, com efeito dose-dependente.1

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Seção I Hemodinâmica

• < 5 µg/kg/min: ativação de receptores dopaminérgicos levando à vasodilatação do território renal, mesentérico, coronariano e vascular cerebral. • 5 a 10 µg/kg/min: ativação de receptores beta1-adrenérgicos com efeito inotrópico positivo, aumentando a FC e a contratilidade miocárdica. • > 10 µg/kg/min: predomínio do efeito alfa-adrenérgico levando a vasoconstrição e aumento dos níveis pressóricos. A dopamina na chamada “dose renal (< 5 µg/kg/min)” foi utilizada por muitos anos porque doses baixas do medicamento demonstraram aumentar o fluxo renal e a filtração glomerular em modelos animais e de voluntários sadios. Porém, a hipótese de que a dopamina preveniria a lesão renal em pacientes críticos não foi confirmada pelo estudo publicado em 2000, no qual 328 pacientes críticos com disfunção renal precoce foram randomizados para receber dopamina 2 µg/kg/min ou placebo.2 Nesse trabalho, não foram demonstradas diferenças quanto ao pico dos níveis séricos de creatinina, necessidade de terapia de substituição renal ou débito urinário, portanto o uso da dopamina não está indicado com objetivo de prevenir injúria renal. Em estudos observacionais, o uso da dopamina como droga vasoativa esteve associado a aumento de mortalidade em pacientes em choque quando comparado ao uso da norepinefrina.3,4 Esse achado foi confirmado posteriormente por um estudo multicêntrico que randomizou 1.679 pacientes em choque para receberem dopamina até 20 µg/kg/min ou norepinefrina 0,19 µg/kg/min, não houve diferença significativa quanto à mortalidade, mas os pacientes que utilizaram dopamina tiveram mais arritmias (principalmente fibrilação atrial) do que o grupo que utilizou norepinefrina. Além disso, na análise de subgrupos, houve maior mortalidade associada à dopamina nos pacientes com choque cardiogênico.5 Além de eventos arrítmicos, estudos já demonstraram que o uso da dopamina pode reduzir a produção de hormônios pela hipófise anterior, e que seu uso prolongado poderia ter um impacto negativo, reduzindo a liberação de prolactina e favorecendo a apoptose de linfócitos com consequente imunossupressão.6 Portanto, recomendações atuais orientam o uso de norepinefrina como droga de escolha em pacientes com choque séptico, sendo a dopamina indicada como uma droga alternativa somente em um grupo restrito de pacientes com bradicardia e baixo risco de taquiarritmias.7

2. NOREPINEFRINA Apresentações

Ampola 4 mL (1 mg/mL) Ampola 4 mL (2 mg/mL)

Diluição

Segundo recomendações dos fabricantes, diluir preferencialmente em soro glicosado

Solução sugerida

16 mg (1 mg/mL) diluído em 234 mL = 64 µg/mL

A noradrenalina é um precursor natural da adrenalina e é um neurotransmissor do sistema nervoso simpático pós-ganglionar. É liberada também pela adrenal, agindo principalmente sobre receptores alfa-adrenérgicos e com menor intensidade em receptores beta-adrenérgicos. A versão sintética da noradrenalina é a norepinefrina e sua administração promove elevação dos níveis pressóricos principalmente pela vasoconstrição, com um aumento discreto (10 a 15%) do débito cardíaco (DC) e volume sistólico.1 É um vasopressor mais potente do que a dopamina. Como já dito anteriormente, a norepinefrina é a droga de 1ª linha em pacientes com choque séptico,7 a dose recomendada é de 0,01 a 3 µg/kg/min. Em pacientes sépticos, altas doses de norepinefrina podem ser necessárias devido a um down-regulation dos receptores alfa-adrenérgicos. Apesar de ter uma meia-vida curta, estudo em modelos animais demonstrou que o pico de efeito da droga ocorre entre 60 e 90 minutos, o motivo desse atraso é desconhecido, uma hipótese é que seu efeito seja dependente da produção de angiotensina secundária a um aumento de liberação de renina dependente de receptores beta-adrenérgicos.8

Capítulo 7  Drogas vasoativas

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Os efeitos da norepinefrina sobre leito renal mesentérico também são motivo de controvérsia. Estudos da década de 1980 demonstraram que o uso de norepinefrina em pacientes hipovolêmicos e hipotensos poderia estar relacionado com potencial isquemia renal.9,10 Contudo, trabalho mais recente em modelos animais demonstrou que, com 0,4 µg/kg/min de norepinefrina, há um aumento do fluxo sanguíneo renal de aproximadamente 30% associado ao aumento do débito urinário e do clearance renal. O fluxo sanguíneo mesentérico, nesse estudo, não apresentou alterações significativas, apesar de um aumento da resistência vascular de 20%. Portanto, o aumento da resistência vascular foi sobrepujado pelo aumento da pressão de perfusão, com consequente melhora do fluxo renal. Essa droga deve ser administrada exclusivamente por acesso venoso central, já que seu extravasamento pode produzir necrose tecidual grave. Caso ocorra extravasamento de norepinefrina, é indicada a infiltração local do tecido com fentolamina. Os possíveis efeitos adversos incluem ansiedade, cefaleia, tremor, bradicardia reflexa e angina. A norepinefrina deve ser evitada em gestantes pelo risco de aumento das contrações uterinas. O efeito vasopressor da norepinefrina pode ser potencializado com o uso concomitante de antidepressivos tricíclicos como amitriptilina.

3. EPINEFRINA Apresentações

Ampola 1 mL (1 mg/mL)

Diluição

Soro fisiológico ou glicosado

Solução sugerida

5 mg (1 mg/mL) diluído em 245 mL = 20 µg/mL

A adrenalina, cuja versão sintética para uso terapêutico designa-se epinefrina, é uma catecolamina natural, produzida e armazenada na medula adrenal e sua liberação é regulada pelo sistema simpático. Tem ação alfa e beta-adrenérgica importantes, aumentando a pressão arterial devido à elevação do índice cardíaco e do tônus vascular. Além da ação vasopressora, a epinefrina tem ação broncodilatadora e inibe a liberação de mediadores inflamatórios, portanto, além do uso em pacientes com choque, a epinefrina está indicada em pacientes com broncoespasmo grave e reação anafilática. A epinefrina aumenta a oferta de O2, mas também aumenta seu consumo, consequentemente, pode ocorrer aumento dos níveis de lactato. Uma das principais preocupações do uso da epinefrina é a possibilidade de redução o fluxo sanguíneo em determinadas regiões, principalmente no leito esplâncnico. Por isso tem sido recomendada como uma droga de 2ª linha.7 Estudo publicado em 2007 comparou o uso de epinefrina contra norepinefrina associada ou não à dobutamina em pacientes sépticos, com objetivo de manter a pressão arterial acima de 70 mmHg e o índice cardíaco acima de 2,5 L/min. Não houve diferenças significativas quanto ao tempo para estabilização hemodinâmica, à resolução de disfunção orgânica, a eventos adversos ou mortalidade. Apesar de os pacientes que receberam epinefrina apresentarem alterações de lactato e pH arterial durante os primeiros dias, após o 4º dia os níveis eram similares entre os dois grupos.11 Portanto, apesar de ainda ser recomendada como uma droga de 2ª linha devido à possibilidade de estar associada a eventos adversos mais frequentes, como taquiarritmias e isquemia regional, estudos recentes falharam em demonstrar a superioridade de outras drogas em relação à epinefrina.11,12

4. VASOPRESSINA Apresentações

Ampola 1 mL (20 UI)

Diluição

Soro fisiológico ou glicosado

Solução sugerida

20 UI (20 UI/mL) diluído em 99 mL = 0,2 UI/mL

A vasopressina, também chamada de hormônio antidiurético (ADH), é um hormônio peptídico sintetizado pelo hipotálamo e armazenado pela hipófise. Tem um importante papel no equilíbrio da água e na regulação do sistema cardiovascular como vasoconstritor. Sua liberação depende da redução do volume intravascular, ou do aumento da osmolaridade plasmática.

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Seção I Hemodinâmica

A vasopressina promove vasoconstrição vascular por sua ação direta em receptores V1 presentes no músculo liso vascular e, indiretamente, por aumentar a responsividade vascular às catecolaminas. A elevação dos níveis pressóricos é, portanto, decorrente do aumento da resistência vascular. Além de sua ação vasoconstritora, a vasopressina tem efeitos sobre a motilidade gastrintestinal e uterina, a glicogenólise hepática, a agregação plaquetária e a secreção de corticotropina, aldosterona e fator VIII.13 Em pacientes com choque hemorrágico, estudos já documentaram aumento dos níveis de vasopressina, resposta fisiológica esperada para estados de hipovolemia e hipotensão.14 Contudo, um trabalho prospectivo em pacientes com choque séptico demonstrou que, nas primeiras horas do choque, os níveis de vasopressina estavam elevados, mas diminuíram posteriormente, e aproximadamente um terço dos pacientes evoluiu com níveis de vasopressina considerados deficientes.15 O possível mecanismo associado a esses achados é a depleção dos estoques da hipófise associada a uma produção insuficiente de vasopressina para a situação fisiológica.16 Assim, a vasopressina é utilizada em pacientes com choque séptico com intuito de corrigir uma deficiência relativa desse hormônio, restaurar tônus vascular e diminuir a necessidade de catecolaminas. Estudos observacionais em pacientes com choque séptico demonstraram que o uso de doses baixas de vasopressina (< 0,1 UI/min) estava associado à melhora do níveis pressóricos e à redução da dose de catecolaminas utilizada.17,18 O estudo VASST, publicado em 2008, comparou o uso de norepinefrina associada ou não à vasopressina (0,01 a 0,03 UI/min) em pacientes com choque séptico. Apesar de o grupo que recebeu vasopressina ter utilizado doses menores de norepinefrina, não houve diferenças quanto a mortalidade ou eventos adversos.19 Segundo recomendações atuais, a vasopressina na dose de 0,01 a 0,03 UI/min pode ser associada à norepinefrina com o intuito de aumentar a PAM ou reduzir a dose de norepinefrina em pacientes com choque séptico.7 A vasopressina não é recomendada como único agente para o tratamento de choque. Em 2000, a vasopressina foi introduzida pela American Heart Association como uma alternativa à epinefrina no tratamento de parada cardíaca, com dose única de 40 UI intravenosa ou intraóssea. Os principais efeitos adversos incluem isquemia mesentérica e isquemia coronariana; todavia, os estudos clínicos que compararam a vasopressina com outras catecolaminas não demonstraram aumento da incidência desses eventos. Deve ser administrada por veia central porque a infusão periférica pode causar necrose.

5. TERLIPRESSINA Apresentação

Ampola 1 mg

É um análogo sintético de longa duração da vasopressina, com meia-vida de aproximadamente 6 horas, tem uma farmacodinâmica semelhante, porém com propriedades farmacocinéticas bem diferentes. O primeiro estudo que avaliou o uso de terlipressina em pacientes em choque séptico foi uma série de casos com oito pacientes, em que a terlipressina foi administrada em bólus único de 1 mg em pacientes com choque séptico refratários ao uso de catecolaminas, azul de metileno e hidrocortisona. Esses pacientes apresentaram um aumento da pressão arterial nas primeiras 5 horas, com desmame parcial das catecolaminas.20 No estudo TERLIVAP, publicado em 2009, foram randomizados pacientes com choque séptico e comparadas norepinefrina (15 µg/min), vasopressina (0,03 UI/hora) e terlipressina (1,3 µg/kg/hora), todos os grupos poderiam receber norepinefrina para atingir o alvo pressórico 65 a 75 mmHg de PAM. Os pacientes que utilizaram terlipressina necessitaram de doses menores de catecolaminas, apresentaram menos hipotensão de rebote e, após 48 horas, níveis séricos menores de bilirrubina.21 Contudo, esse foi um estudo piloto que demonstrou que a terlipressina pode ser efetiva na reversão da hipotensão induzida pela sepse e pela redução da dose de catecolamina utilizada. Entretanto, estudos maiores são necessários para avaliar seu impacto clínico.

Capítulo 7  Drogas vasoativas

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Um fator potencialmente desfavorável ao uso da terlipressina é que ela pode causar vasoconstrição excessiva, diminuindo o DC e, proporcionalmente, a oferta de O2. Em 2008, pesquisadores avaliaram a utilização combinada de terlipressina com dobutamina para minimizar esse efeito sobre o DC. Os pacientes que receberam terlipressina evoluíram com redução das doses de norepinefrina e redução dos níveis de Sv O , o que foi revertido após uma dose média de dobutamina de 20 µg/kg/min. Apesar 2 de efeitos adversos não terem sido relatados nos 20 pacientes que fizeram uso de terlipressina e de dobutamina, o benefício de se aumentar Sv O às custas de altas doses de dobutamina pode estar asso2 ciado a complicações cardiovasculares.22 Portanto, também nesse aspecto, mais estudos são necessários. Atualmente, o uso da terlipressina tem papel bem definido no manejo de hepatopatas com síndrome hepatorrenal e hemorragia digestiva alta.

6. FENILEFRINA Apresentação

Ampola 10 mg (10 mg/mL)

A fenilefrina é um agonista seletivo alfa1-adrenérgico que age como um poderoso vasoconstritor arterial de ação rápida e curta duração. Não tem efeito inotrópico positivo, o que traz preocupação pelo seu potencial de diminuir a FC e o débito cardíaco (DC) em pacientes com sepse. Entretanto, pode apresentar vantagens quando comparada a outras drogas com ação sobre receptores beta 1, que podem aumentar a FC e o consumo miocárdico de oxigênio. Um estudo piloto, publicado em 2008, avaliou os efeitos a curto prazo nos parâmetros de macro-hemodinâmica e oxigenação sistêmica e regional do uso de fenilefrina em pacientes com choque séptico.23 A dose de fenilefrina foi titulada em pacientes que já estavam em uso de norepinefrina, não houve mudanças quanto à hemodinâmica sistêmica, exceto pela FC que era menor enquanto os pacientes faziam uso de fenilefrina. Contudo, houve uma piora dos índices de perfusão hepatoesplênica e da função renal durante a infusão de fenilefrina. Publicado no mesmo ano, outro estudo clínico randomizou 32 pacientes com choque séptico nas 12 primeiras horas de tratamento. Um grupo recebeu norepinefrina enquanto o outro, fenilefrina. 24 Nesse estudo, a fenilefrina foi uma droga menos potente do que a norepinefrina e necessitou de doses proporcionalmente maiores. Contudo, não houve diferenças quanto à hemodinâmica regional, sistêmica ou à função renal. A diferença dos resultados encontrados em cada um desses estudos pode estar relacionada ao tempo de administração da droga. No primeiro, o uso foi tardio; enquanto no segundo estudo, a análise dos dados foi feita nas primeiras 12 horas do choque. Existem poucos estudos avaliando o uso de fenilefrina em pacientes com choque séptico. Nenhum deles demonstrou superioridade dessa droga em relação às outras comumente utilizadas, portanto seu uso não é recomendado de maneira rotineira em pacientes com choque séptico. Pode ser uma opção em pacientes com taquiarritmias que dificultam o uso de outras drogas, como a norepinefrina. Pode também ser utilizada como vasoconstritor para controle da hipotensão induzida durante o ato anestésico por perda do tônus simpático e no choque medular. Como a fenilefrina é um vasoconstritor puro, há uma tendência de o DC cair devido ao aumento da pressão diastólica e, portanto, ela deve ser utilizada com cautela em pacientes com insuficiência cardíaca ou valvulopatia.

7. AZUL DE METILENO Apresentações

Ampola 50 mg (10 mg/mL)

Diluição

Soro fisiológico ou glicosado

Solução sugerida

500 mg (10 mg/mL) diluído em 50 mL = 5 mg/mL

100

Seção I Hemodinâmica

Utilizado por muitos anos para o tratamento de meta-hemoglobinemia, o azul de metileno neutraliza a ação do óxido nítrico no músculo liso vascular, agindo como um inibidor seletivo da GMPc, o segundo mensageiro envolvido na vasodilatação mediada pelo óxido nítrico. Estudos experimentais demonstraram que o azul de metileno reverte a hipotensão induzida por endotoxinas e antagoniza a hiporreatividade a vasopressores.25,26 Estudos já demonstraram que o azul de metileno, em bólus ou infusão contínua, pôde restaurar os níveis pressóricos em paciente com choque mediante aumento da resistência vascular. Em 2001, foi publicado estudo piloto com 20 pacientes que avaliou o impacto da infusão contínua com azul de metileno sobre a hemodinâmica e disfunção orgânica de pacientes com choque séptico.27 Os pacientes foram randomizados e receberam azul de metileno ou salina isotônica. O azul de metileno era diluído em salina na concentração de 5 a 10 mg/mL e administrado 2 mg/kg por 15 minutos, seguido da infusão com doses gradualmente maiores 2 horas após; 0,25, 0,5, 1 e 2 mg/kg/hora por uma hora cada. Em comparação com o grupo-controle, houve uma diminuição significativa da dose de norepinefrina, epinefrina e dopamina em comparação com o grupo-controle de 87, 81 e 40% respectivamente. Achados que permaneceram por 24 horas. Além disso, houve uma melhora da contratilidade cardíaca e redução de mediadores inflamatórios como TNF-alfa e nitritos/nitratos. O uso de azul de metileno em bólus pode aumentar a resistência vascular pulmonar, portanto deve ser utilizado com cautela em pacientes com hipertensão pulmonar. O impacto do azul de metileno sobre a mortalidade de pacientes com choque séptico ainda não foi corretamente avaliado na literatura,28,29 portanto mais estudos são necessários para a apreciação do uso dessa droga no tratamento de pacientes com choque séptico.

8. DOBUTAMINA Apresentações

Ampola 250 mg/20 mL (12,5 mg/mL)

Diluição

Soro fisiológico ou glicosado

Solução sugerida

500 mg (2 ampolas) diluídos em 210 mL = 2.000 µg/mL

É uma mistura de dois isômeros; um isômero D, com efeito beta1 e beta2-adrenérgico e isômero L, com efeito beta1 e alfa1-adrenérgico, predominando a ação inotrópica secundária a estimulação de receptores beta1, com efeitos variáveis sopre a pressão arterial.1 Está indicado o uso de dobutamina no choque com disfunção miocárdica, como sugerido em pacientes com pressões de enchimento elevadas e baixo DC ou sinais de hipoperfusão, apesar de adequados volume intravascular e pressão arterial média.7 A taxa de infusão de dobutamina é de 2 a 20 µg/kg/min e deve ser titulada de acordo com os parâmetros clínicos desejados, evitando elevação da FC de mais de 10% dos níveis basais. A dobutamina deve ser utilizada com cautela em pacientes com níveis de pressão arterial sistólica menor que 100 mmHg devido ao risco de hipotensão. É contraindicada em pacientes com cardiomiopatias obstrutivas (cardiomiopatia hipertrófica) e na estenose aórtica grave, já que pode causar ou agravar isquemia miocárdica sem aumento do DC.

9. LEVOSIMENDAN Apresentações

Ampola 5 mL (2,5 mg/mL)

Diluição

Soro glicosado

Solução sugerida

12,5 mg (1 ampolas) diluídos em 495 mL = 25 µg/mL

O levosimendan é uma nova classe de inotrópico, age estabilizando a ligação de troponina C e cálcio, aumentando a sensibilidade dos miofilamentos ao cálcio. Também apresenta propriedades

Capítulo 7  Drogas vasoativas

101

vasodilatadoras por sua ação sobre canais de potássio ATP-dependentes, inclusive nos do leito coronariano. Em estudos clínicos, o levosimendan aumentou o DC com redução das pressões de enchimento, além de estar associado à melhora sintomática e redução da mortalidade.30-32 O Estudo SURVIVE, publicado em 2007, comparou o uso de levosimendan com dobutamina em pacientes com insuficiência cardíaca a curto e a longo prazos. Apesar de o grupo que fez uso do levosimendan apresentar níveis de BNP inferiores nos cinco primeiros dias, não houve diferença quanto à mortalidade em 180 dias. Além disso, o grupo que utilizou levosimendan apresentou maior incidência de fibrilação atrial, hipocalemia e cefaleia.33 A análise post hoc do estudo SURVIVE evidenciou que os pacientes que faziam uso de betabloqueadores apresentavam uma mortalidade inferior no grupo que utilizou levosimendan em comparação ao uso de dobutamina.34

10. MILRINONA Apresentações

Ampola 20 mg/20 mL (1 mg/mL)

Diluição

Soro fisiológico ou glicosado

Solução sugerida

20 mg (1 ampola) diluídos em 230 mL = 80 µg/mL

A amrinona e a milrinona são drogas com efeito inotrópico e vasodilatador, agem inibindo a fosfodiesterase (PDE III) e aumentando o AMPc, o que eleva o cálcio ionizado intracelular aumentando a contratilidade cardíaca. Atualmente, a milrinona substituiu a amrinona devido ao melhor perfil de efeitos colaterais, principalmente quanto à trombocitopenia. Como tem ação vasodilatadora apesar de aumentar o DC, pode reduzir os níveis pressóricos. A milrinona apresenta meia-vida de 30 a 60 minutos. Para melhor resposta terapêutica, é necessária uma dose de ataque de até 50 µg/kg em 10 minutos, complementada pela infusão contínua de 0,375 a 0,75 µg/kg/min, titulada pela resposta clínica. A droga apresenta metabolização hepática e renal, portanto estas doses devem ser corrigidas de acordo com o clearance renal. Semelhantes a outros agentes inotrópicos, a milrinona pode ser prejudicial em pacientes com cardiomiopatia hipertrófica obstrutiva e valvulopatias, portanto deve ser evitada neles. Pode apresentar como efeito colateral disfunção hepática (com elevação de transaminases), distúrbios gastrintestinais, dores musculares, arritmias cardíacas e trombocitopenia. A trombocitopenia é mais rara com o uso da milrinona, < 1%, em geral ocorre nos primeiros 3 dias e é reversível após suspensão da droga. A milrinona está indicada para o tratamento de pacientes com insuficiência cardíaca grave refratários ao tratamento com diuréticos, vasodilatadores e outros inotrópicos. Como existem poucos estudos avaliando seus efeitos em pacientes com choque séptico e como essa droga promove vasodilatação diminuindo a RVS, podendo prolongar a hipotensão, seu uso não está indicado em pacientes com choque séptico.

11. RECOMENDAÇÕES SURVIVING SEPSIS CAMPAIGN As recomendações mais recentes para o uso de drogas vasoativas em pacientes com choque séptico foram publicadas em 2013 e estão descritas a seguir.7 1. Terapia vasopressora com objetivo de manter PAM > 65 mmHg. 2. Norepinefrina como vasopressor de 1ª linha. 3. Epinefrina em associação ou substituindo a norepinefrina quando droga adicional é necessária para manter pressão arterial adequada. 4. Vasopressina 0,03 UI/min pode ser associada a norepinefrina com objetivo de elevar a PAM ou reduzir a dose de norepinefrina. 5. Dose baixa de vasopressina não está indicada como monoterapia vasopressora inicial em pacientes com hipotensão induzida pela sepse, e doses maiores do que 0,03 a 0,04 devem ser re-

102

Seção I Hemodinâmica

servadas para os pacientes em que a terapia com outras drogas não atingiu os níveis pressóricos adequados. 6. Dopamina é uma droga alternativa à norepinefrina em um grupo restrito de pacientes (aqueles com baixo risco de taquicardia e com bradicardia absoluta ou relativa). 7. Fenilefrina não é recomendada para o tratamento do choque séptico, exceto quando o uso da norepinefrina está associado a arritmias graves, quando o DC está alto e a pressão arterial persistentemente baixa ou quando a terapia com outros vasopressores e inotrópicos associada à vasopressina não foi suficiente para atingir os níveis adequados de pressão arterial. 8. Doses baixas de dopamina não são recomendadas para proteção renal. 9. Todos os pacientes que utilizarem drogas vasoativas devem ser monitorizados por pressão arterial invasiva assim que possível. 10. Teste terapêutico com infusão de dobutamina até 20 µg/kg/min está indicado na presença de disfunção miocárdica, sugerida pelo aumento das pressões de enchimento e DC baixo ou pela presença de hipoperfusão apesar de adequado volume intravascular e PAM. 11. Não está indicado aumentar o índice cardíaco para níveis acima dos valores normais.

12. CONCLUSÕES Apesar de existirem recomendações, a escolha da droga vasoativa deve ser baseada na análise individual do paciente. O tratamento de pacientes com choque baseia-se em determinar metas e analisar continuamente sua efetividade. Portanto, idealmente, esses pacientes devem ser monitorizados com pressão arterial invasiva e dispositivos para análise do DC. A Tabela 7.1 resume as principais drogas vasoativas, suas doses e efeitos hemodinâmicos. Tabela 7.1  Principais drogas vasoativas, doses e efeitos hemodinâmicos DROGA

DOSE

DOPAMINÉRGICO ALFA-1

BETA-1 BETA-2

FC

DC

RVS

↔ ↑ ↑↑

↔ ↑↑ ↑↔

↔ ↑↔ ↑↑

Dopamina

1-5 µg/kg/min 5-10 µg/kg/min 10-20 µg/kg/min

+++ ++ +

– + +++

– ++ ++

– – –

Norepinefrina

0,01-2 µg/kg/min



+++

+





↑↔

↑↑

Epinefrina

1-10 µg/min



+++

++

++

↑↑



↑↑

Vasopressina

0,01-0,04 UI/hora









↑↔

↔↓

↑↑

Terlipressina

1,3 µg/kg/hora











↔↓

↑↑

Fenilefrina

40-180 µg/min



+++





↓↔

↓↔

↑↑

Azul de metileno

1-4 mg/kg/hora











↑↔

↑↑

Dobutamina

2,5-20 µg/kg/min



+

+++

++

↑↔

↑↑



Levosimendan

Ataque 12-24 µg/kg (opcional) 0,05-0,2 µg/kg/min









↑↔

↑↑

↓↓

Milrinone

Ataque 50 µg/kg 0,375-0,75 µg/kg/min











↑↑



DC: débito cardíaco; FC: frequência cardíaca; RVS: resistência vascular sistêmica; min: minuto; DC: débito cardíaco.

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Capítulo 7  Drogas vasoativas

103

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Seção I Hemodinâmica

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8 Avaliação e suporte hemodinâmico no choque

Fernando José da Silva Ramos Luciano Cesar Pontes de Azevedo 1. INTRODUÇÃO De acordo com um Consenso Internacional realizado em 2006 e atualizado em 2014, a definição atual de choque é a de uma condição ameaçadora à vida, decorrente de má distribuição generalizada de fluxo sanguíneo que resulta em desbalanço de oferta de oxigênio (DO2) e/ou consumo de oxigênio (VO2), levando à hipóxia tecidual. Destaque-se que a presença de hipotensão arterial não é condição definidora de choque. Nesse consenso, é reiterado que, embora a hipotensão, definida como pressão arterial sistólica (PAS) menor que 90 mmHg ou redução de PAS em 40 mmHg do basal ou ainda uma pressão arterial média (PAM) menor que 65 mmHg, seja condição frequente no choque, sua presença não é obrigatória para o diagnóstico. Choque requer a evidência de uma perfusão tecidual inadequada. Na ausência de hipotensão, quando a história e o exame físico são sugestivos de choque, recomenda-se que marcadores de perfusão e oxigenação tecidual (lactato, déficit de bases e saturação venosa mista de oxigênio – SvO2 ou saturação venosa central de oxigênio – SvcO2) sejam avaliados.1,2 O choque representa uma das principais patologias responsáveis por admissão nas unidades de terapia intensiva (UTI), estima-se que até um terço desses pacientes apresente choque.3,4 Apesar de avanços no entendimento fisiopatológico, diagnóstico e tratamento, a mortalidade no choque ainda é alta, a depender de sua etiologia.

2. FISIOPATOLOGIA Independentemente da etiologia, todos os tipos de choque culminam em uma mesma via fisiopatológica: o desbalanço entre DO2 e VO2. A perfusão tecidual é dependente da função cardiovascular e de seus determinantes: pré-carga; contratilidade cardíaca; e pós-carga. Alterações em apenas um desses determinantes podem ser responsáveis por desarranjos importantes na fisiologia cardiovascular e desenvolvimento do choque. A DO2 é determinada pelo fluxo total de oxigênio aos tecidos no sangue arterial.

106

Seção I Hemodinâmica

De acordo com a fórmula DO2 = DC × CaO2, a DO2 é dependente do débito cardíaco (DC) e de seus determinantes ‒ pré-carga, contratilidade e pós-carga ‒ e do conteúdo arterial de oxigênio (CaO2). O CaO2, por sua vez, é composto por: CaO2 = (1,39 × SaO2 × Hb) + (0,0031 × PaO2) Onde o CaO2 é composto pela somatória do oxigênio (O2) dissolvido no plasma e o O2 ligado à hemoglobina (Hb). Já a VO2 é determinada pelo DC e pela diferença arterial e venosa do conteúdo de oxigênio. VO2 = DC × CaO2 – CvO2 A relação entre DO2 e VO2 é determinante da taxa de extração de oxigênio (ERO2) que pode ser representada pela seguinte relação: ERO2 = VO2/DO2 A relação inadequada entre DO2 e VO2 tem como consequência o aumento da ERO2 até limites críticos de 50 a 60%, quando a DO2 crítica passa a limitar a VO2 e, então, o metabolismo anaeróbico aumenta. É importante ressaltar que essa fase pode se manifestar com preservação de valores normais de macro-hemodinâmica (PAM, frequência cardíaca, frequência respiratória e volume de diurese), denominando-se choque oculto. O choque tem inúmeras etiologias e diferentes perfis hemodinâmicos. Assim como a sua definição, a classificação do estado de choque evoluiu nas últimas décadas. Atualmente, ela é feita em quatro categorias de perfil hemodinâmico: hipovolêmico; cardiogênico; distributivo; e obstrutivo.4 Essa classificação permite uma separação didática baseada no perfil hemodinâmico. A Tabela 8.1 o apresenta em cada uma das classes e suas principais etiologias. No entanto, é comum que os pacientes manifestem mais de um mecanismo. Por exemplo, um paciente com choque distributivo (séptico ou anafilático) pode apresentar, associado, o componente de hipovolemia ou cardiogênico (por depressão miocárdica). Tabela 8.1  Classificação dos tipos de choque baseada no perfil hemodinâmico e principais etiologias PRESSÕES DE ENCHIMENTO

DÉBITO CARDÍACO

RESISTÊNCIA VASCULAR SISTÊMICA

ETIOLOGIAS

Hipovolêmico







Hemorragia e desidratação severa

Cardiogênico







Infarto agudo do miocárdio e insuficiência cardíaca grave

↓ ou normal

↑ (após ressuscitação inicial)



Infecções graves, anafilaxia e crise addisoniana







Tromboembolismo pulmonar e tamponamento cardíaco

CLASSE DE CHOQUE

Distributivo Obstrutivo

O choque séptico é a etiologia mais comum de choque em pacientes internados na UTI, seguido pelos choques cardiogênico, hipovolêmico e obstrutivo. Em um estudo com 1.600 pacientes randomizados para receber norepinefrina ou dopamina, 62% dos casos eram de choque séptico, seguido por cardiogênico (16%), hipovolêmico (16%), outras causas de choque distributivo (4%) e obstrutivo (2%).5

3. ABORDAGEM INICIAL Neste capítulo, será abordado o manejo hemodinâmico inicial do choque, com enfoque na reposição volêmica e uso de drogas vasoativas. No manejo específico dos subtipos de choque, monitorização hemodinâmica, assim como o suporte extracorpóreo, fazem parte de outros capítulos deste manual.

Capítulo 8  Avaliação e suporte hemodinâmico no choque

107

Todos os pacientes com choque devem ser tratados na UTI, embora o tratamento deva ser iniciado no local de origem. A ressuscitação precoce é fundamental para evitar a progressão da disfunção orgânica. Embora a abordagem inicial seja restaurar a PAM, diurese e oxigenação, todo esforço deve ser feito para identificar e tratar a etiologia específica do choque. Esses pacientes devem ser monitorizados com pressão arterial invasiva (PAI) e cateter venoso central (CVC), que permite a infusão de drogas vasoativas com segurança, coleta de exames seriados e a monitorização de saturação venosa central de oxigênio (SvcO2). Vincent e De Backer sugerem que seja utilizada uma regra mnemônica na abordagem inicial do paciente com choque: VIP; V – ventilação; I – infundir fluidos; P – pump/bomba sobre uso de drogas vasoativas.4 De acordo com essa abordagem, a administração de oxigênio deve ser realizada com o objetivo de corrigir a hipoxemia e aumentar a DO2. A infusão de fluidos é fundamental no tratamento do choque e, frequentemente, é a primeira medida frente à hipotensão. Discutiremos os métodos de avaliação da volemia e responsividade cardiovascular a volume mais à frente. O uso de drogas vasoativas ocorre quando a hipotensão é severa ou quando a infusão de volume não é suficiente para restaurar a PAM adequada. Após uma abordagem inicial e persistência da hipotensão e hipoperfusão tecidual, o médico deve considerar a progressão da monitorização hemodinâmica. Um método de estimativa do DC deve ser considerado. A vantagem da monitorização do DC é avaliar a função cardíaca e garantir uma otimização da DO2 e VO2. Além disso, a avaliação da responsividade cardiovascular a volume fica mais clara e o médico pode priorizar o uso de vasopressores e/ou inotrópicos com mais objetividade. Existem diversos modos de monitorização do DC, de invasivos, minimamente invasivos a não invasivos. Uma descrição completa dos métodos de monitorização do DC não faz parte do escopo deste capítulo, mas a escolha da ferramenta de monitorização dependerá da disponibilidade do equipamento e da familiaridade com o método.

4. REPOSIÇÃO VOLÊMICA A reposição de fluidos é um dos pilares do tratamento do choque independentemente de sua etiologia. O objetivo final de uma reposição volêmica é o de promover aumento da DO2, mediante elevação da pré-carga ventricular com consequente aumento do DC. O conceito de responsividade à infusão de volume (RV), ou seja, o aumento do DC superior a 10 a 15% após uma expansão volêmica, tornou-se importante na última década, quando diversos estudos mostraram que infusão desnecessária de fluidos associada a um balanço hídrico excessivamente positivo tem efeitos negativos significantes no desfecho de pacientes críticos, incluindo óbito. Estima-se que apenas 40 a 70% dos pacientes críticos apresentam uma resposta positiva após uma infusão de volume.6 A seguir, descreveremos as formas de avaliação de responsividade a volume e prova volêmica. Tradicionalmente, a reposição volêmica e a avaliação do estado volêmico em pacientes críticos têm sido realizadas por parâmetros estáticos, entre os quais se destacam a pressão venosa central (PVC) e a pressão da artéria pulmonar oclusiva (PAPO). No entanto, diversos estudos têm demonstrado que esses parâmetros têm baixa capacidade em predizer o estado volêmico ou mesmo a resposta frente a uma infusão de volume.6-8 Michard e Teboul, em revisão sobre responsividade a volume, demonstraram que assim como a PVC, a PAPO também é um mau preditor de resposta à infusão de volume.6 Marik e Cavallazzi, em uma metanálise recente que incluiu 43 estudos sobre PVC, demonstraram que este parâmetro não apresenta boa capacidade em orientar a reposição volêmica.9 Já os índices dinâmicos apresentam capacidade superior quando comparados aos índices estáticos em predizer responsividade cardiovascular a volume. Entre os índices dinâmicos mais utilizados estão: variação da pressão de pulso (VPP); variação de volume sistólico (VVS); e variação da pressão sistólica (VPS). Michard e colaboradores, em um estudo com pacientes sépticos, demonstrou que uma VPP superior a 13% tem uma área sob a curva de 0,98 para identificar responsividade a volu-

108

Seção I Hemodinâmica

me.10 No entanto, é importante ressaltar que esses índices foram validados em pacientes sob ventilação mecânica controlada, sem esforço respiratório, volume corrente > 8 mL/kg e ausência de arritmia cardíaca. A utilização dessas variáveis em condições diferentes das citadas diminui de forma significativa seu valor preditivo positivo. Mais recentemente, a presença de disfunção do ventrículo direito e de hipertensão intra-abdominal também foi identificada como fator que interfere na capacidade desses índices de avaliar a responsividade cardiovascular a volume.11 Alguns dos parâmetros dinâmicos de avaliação da responsividade cardiovascular a volume estão descritos na Tabela 8.2. Tabela 8.2  Variáveis hemodinâmicas funcionais. O valor de corte identifica a condição de responsividade a volume ÍNDICE VPP

FÓRMULA PPinsp – PPexp

VALOR DE CORTE > 13%

MONITOR PAI

(PPinsp+PPexp)/2 VVS

VSinsp – VSexp

> 10-12%

(VSinsp + VSexp/)2 VPS ∆POP

VPSinsp – VPSexp POPinsp – POPexp

> 10 mmHg

FloTrac® VolumeView ® PiCCO® PAI

> 12%

Oxímetro de pulso

> 13% ou > 18%

Ultrassonografia/ECO de VCI

> 36%

Ultrassonografia/ECO de VCS

> 10%

Doppler de artéria braquial

> 12%

ECO/Doppler esofágico

> 10%

ECO, Doppler esofágico, PAI

(POPinsp + POPexp)/2 ∆VCI

VCImáx – VCImín (VCImáx + VCImín)/2 Ou VCImáx – VCImín VCImín

∆VCS

VCSmáx – VCSmín VCSmáx

∆Pico braquial

VPBinsp – VPB exp (VPBinsp + VPB exp)/2

∆VFAo

VFAmáx – VFAmín (VFAmáx + VFAmín/2

MEP

VVS, DC ou PP

VPP: variação da pressão de pulso; VVS: variação do volume sistólico; VPS: variação da pressão sistólica; POP: pletismografia oximetria de pulso; VCI: veia cava inferior; VFAo: velocidade fluxo aórtico; VPB: Velocidade pico braquial; MEP: manobra elevação pernas; ECO: ecocardiograma; VCS: veia cava superior; PAI: pressão arterial invasiva; DL: débito cardíaco; PP: pressão de pulso.

Outro método de avaliação da responsividade cardiovascular a volume pode ser empregado sem a infusão de volume mediante a manobra da elevação passiva das pernas (MEP). A grande vantagem da MEP é evitar o risco de infusão desnecessária de volume e os efeitos deletérios de balanço hídrico extremamente positivo.12 É recomendado ainda que a reposição de fluidos seja realizada por prova volêmica. Nessa situação, é feita a infusão de determinada alíquota de volume, geralmente entre 300 e 500 mL de cristaloide, de forma rápida (20 a 30 minutos) e observa-se a resposta hemodinâmica, que pode ser aumento da pressão arterial, redução da frequência cardíaca (FC) e, preferencialmente, o aumento do DC ou da VS. É importante que se estabeleça um limite para a realização de uma prova volêmica; caso con-

Capítulo 8  Avaliação e suporte hemodinâmico no choque

109

trário, os efeitos deletérios da reposição volêmica excessiva podem ocorrer.4 Na abordagem inicial do choque séptico, a Campanha de Sobrevivência à Sepse (CSS) recomenda uma reposição volêmica inicial de 30 mL/kg de cristaloide e que a técnica de prova volêmica e avaliação da responsividade cardiovascular a volume seja utilizada.13

5. DROGAS VASOATIVAS Seu uso é indicado quando a reposição volêmica não consegue reverter a hipotensão ou pode ser utilizada de forma concomitante à reposição volêmica em situações de hipotensão severa. A norepinefrina (NE) é o vasopressor de escolha. Seus efeitos incluem aumento das pressões sistólica e diastólica, bem como aumento da resistência vascular sistêmica. A ação vasoconstritora é muito mais potente do que o seu efeito na contratilidade cardíaca, o que poderia levar a uma pós-carga aumentada e a uma redução no DC. Contudo, os seus efeitos vasoconstritores também atuarão sobre a capacitância venosa, elevando, portanto, a pré-carga local. A utilização principal da droga é em pacientes com hipotensão e resistência vascular sistêmica baixa insensíveis à reposição volêmica. É ministrada em uma série de diferentes condições de choque, incluindo o séptico, neurogênico, cardiogênico grave, insuficiência ventricular direita, hipotensão e embolia pulmonar maciça. A CSS recomenda a NE como droga de escolha no choque séptico. Ela é mais potente que a dopamina para reverter hipotensão no choque séptico e é recomendada como agente de 1ª linha.13 A dopamina é uma catecolamina precursora da norepinefrina endógena e um importante neurotransmissor central e periférico. Ela está presente nas terminações nervosas simpáticas, bem como na medula adrenal. Em concentrações farmacológicas, tem efeitos diretos sobre três tipos de receptores: beta-adrenérgicos (b1 e b2); alfa-adrenérgicos (a1 e a2); e receptores dopaminérgicos (da1 da2 e) de uma maneira dose-dependente. Uma infusão em dose de até 5,0 µg/kg/min pode provocar um aumento na taxa de filtração glomerular, do fluxo sanguíneo renal e da excreção de sódio. No entanto, estudos não mostraram proteção renal nessa dose, estando contraindicada atualmente. Um aumento adicional da dose para cerca de 5 a 10 µg/kg/min aumenta a afinidade pelo receptor B1, com consequente efeito inotrópico positivo sobre o miocárdio. Em infusões maiores que 10 µg/kg/min, há um predominante efeito alfa-adrenérgico que leva à vasoconstrição. Atualmente, a dopamina é utilizada como droga de 2ª linha no manejo do choque, sendo indicada principalmente em situações de hipotensão associada à bradicardia. Um estudo recente comparou o uso de NE com dopamina como dose de 1ª linha no manejo do choque. Não houve diferença em mortalidade na comparação com a população geral. No entanto, em pacientes com choque cardiogênico, o uso de dopamina esteve relacionado à maior mortalidade em 28 dias e maior incidência de arritmia.5 A epinefrina é um dos mais potentes vasoconstritores disponíveis e provoca uma melhora da contração miocárdica aumentando a condutância elétrica, automaticidade e necessidades celulares de oxigênio. Em doses baixas, tem efeito beta-adrenérgico e efeito alfa-adrenérgico mais significativo em doses progressivas. No entanto, a epinefrina está associada com alta incidência de arritmia, redução do fluxo sanguíneo esplâncnico e aumento dos níveis de lactato. Ensaios clínicos não demonstraram benefício de seu uso quando comparado ao da NE ou da NE associada à dobutamina.14,15 A epinefrina deve ser considerada agente de 2ª linha e utilizada em situações de choque refratário. A vasopressina, também conhecida como hormônio antidiurético (ADH), é um pequeno hormônio peptídico liberado pela neuro-hipófise. Ela desempenha um papel importante no equilíbrio de água e na regulação do sistema cardiovascular, sendo um potente vasoconstritor excretado na presença de hipovolemia ou hipotensão. O mais recente estudo sobre vasopressina, publicado em 2008 (VASST), comparou NE com a associação NE e vasopressina a 0,03 UI/min em pacientes com choque séptico e não encontrou nenhuma diferença nos desfechos dos dois grupos.16 No entanto, uma análise post hoc mostrou benefício do uso da vasopressina em pacientes sob uso de dose baixa de norepinefrina e de corticoide concomitante.17

110

Seção I Hemodinâmica

As recentes diretrizes CSS recomendam vasopressina na dose fixa de 0,03 a 0,04 UI/min em doentes que estejam em uso de doses moderadas de norepinefrina, com intuito de redução de dose de NE ou aumento de PAM. A vasopressina não é recomendada como agente único para o tratamento do choque.13 Quando o paciente com choque apresenta disfunção miocárdica, ou a hipoperfusão é persistente a despeito da normalização da PAM, o uso de um inotrópico deve ser considerado. A dobutamina é considerada o inotrópico de escolha, causa estimulação inotrópica forte dos receptores B1 e alfa-1 no miocárdio e produz uma vasodilatação discreta devido ao efeito de estimulação B2 sobre a vasculatura periférica. A taxa de infusão convencional de dobutamina é de 2 a 20 µg/kg/min e deve ser titulada de acordo com a resposta desejada, sem aumentar a FC a mais de 10% acima do basal. Com doses entre 5 e 15 µg/kg/min, há um efeito inotrópico maior do que o cronotrópico. Caracteristicamente, diminuem a PAPO e a PVC, com apenas um efeito leve sobre a resistência vascular. É recomendado o uso ajustado de dobutamina para garantir adequada perfusão tecidual com a menor dose possível. É contraindicado o uso de dobutamina em doses fixas com o objetivo de supranormalização da DO2.

6. METAS DE RESSUSCITAÇÃO HEMODINÂMICA NO CHOQUE A pressão arterial sistêmica exerce papel central na regulação do fluxo sanguíneo para os órgãos. Quando a PAM cai abaixo de determinado limite de fluxo sanguíneo e ocorre perda da capacidade de autorregulação, o fluxo sanguíneo regional também diminui de forma linear à PAM. Embora a medida não invasiva da PA (PANI) seja a mais utilizada, no ambiente de terapia intensiva e, principalmente, em pacientes com choque, essa técnica de mensuração apresenta vários vieses, o que torna o método impreciso. Um estudo retrospectivo envolvendo 27.022 medidas pareadas de PAI e PANI em UTI demonstrou que a medida da PANI subestima o valor da PAS comparado ao método invasivo, e que, quando considerada apenas os valores de PAS na análise da hipotensão (PAS < 70 mmHg), as medidas de PANI estavam associadas à maior incidência de lesão renal aguda e de mortalidade na UTI.18 No entanto, a mensuração da PAM apresentou melhor concordância entre os métodos. De forma geral, o alvo terapêutico da PAM deve ser de 65 mmHg. Essa meta parece ser suficiente para a maior parte dos pacientes com choque séptico, cardiogênico e obstrutivo. No entanto, devemos nos lembrar de que, em pacientes com hipertensão arterial severa, a faixa de autorregulação do fluxo sanguíneo pode estar desviada para a direita e níveis maiores de PAM podem ser necessários. Em pacientes vítimas de trauma e hemorragia não controlada, níveis de PAM de 40 mmHg podem ser tolerados até o controle cirúrgico. Já em pacientes com traumatismo craniano e sem evidência de hemorragia, o alvo de PAM deve ser de 90 mmHg.1,2 O estudo Sepsis and Mean Arterial Pressure (SEPSISPAM) publicado em 2014 comparou diferentes alvos de PAM em 776 pacientes com choque séptico, em que um grupo tinha PAM-alvo entre 65 e 70 mmHg e outro alvo de 80 a 85 mmHg. Não houve diferença de mortalidade entre os grupos em 28 e 90 dias. No grupo com PAM-alvo de 80 a 85mmHg, houve maior incidência de fibrilação atrial. No grupo de pacientes previamente hipertensos, um alvo de PAM maior (80 a 85 mmHg) esteve relacionado a menor desenvolvimento de insuficiência renal.19 O tratamento da síndrome do choque visa restaurar a perfusão e a oxigenação tecidual. A normalização dos parâmetros de macro-hemodinâmica é a primeira meta de ressuscitação a ser atingida, porém a terapia não deve ser restrita a este objetivo (Figura 8.1). Rady e colaboradores, em um estudo clínico, demonstraram que durante a fase inicial de tratamento de pacientes críticos no departamento de emergência, embora se tenha obtido normalização de PAM, PVC e FC em 36/36 pacientes, 86% (31/36) desses pacientes permaneciam com SvcO2 < 65% e lactato > 2 mmol/L.20 Para identificar essa situação, é necessária a monitorização de parâmetros da perfusão tecidual que podem ser classificados como globais ou regionais. De maneira geral, as variáveis de perfusão e de oxigenação mais comumente monitorizadas em UTI são aquelas que dizem respeito à monitorização global do organismo, principalmente o lactato e a saturação venosa de oxigênio (SvO2 e SvcO2). A seguir, discutiremos a utilização do lactato e a satu-

Capítulo 8  Avaliação e suporte hemodinâmico no choque

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ração venosa de oxigênio como metas terapêuticas. Mais detalhes sobre os parâmetros de oxigenação e perfusão tecidual serão abordados no Capítulo 4.

6.1  Saturação venosa de oxigênio (SvO2 e SvcO2)

A saturação venosa de oxigênio expressa, de forma indireta, o consumo de oxigênio pelos tecidos de todo o organismo. A redução inicial da DO2, vista na doença crítica como resultado de anemia, hipoxemia ou baixo DC, associa-se à manutenção do consumo de oxigênio mediante uma taxa de extração aumentada e consequente redução da SvO2.21 A ScvO2 e a SvO2 apresentam boa correlação, mas não são exatamente iguais. A análise da SvO2 depende da inserção de um cateter de artéria pulmonar e representa a oxigenação tecidual de todo o organismo. A SvcO2, coletada por meio de um cateter locado na VCS, representa oxigenação tecidual do cérebro e das partes superiores do corpo. Pacientes hígidos tendem a apresentar valores de SvcO2 2 a 3% menor que a SvO2, no entanto pacientes críticos apresentam valores de SvcO2 superiores à SvO2 em 3 a 8%. A fisiologia do organismo durante o estresse é alterada do ponto de vista de aumento do consumo visceral de oxigênio. Diversos estudos demonstraram que baixos valores de SvcO2 ou SvO2 (< 70 e 65% respectivamente) estão relacionados com um prognóstico ruim em pacientes após cirurgia cardíaca, choque cardiogênico ou séptico.21 Varpula e colaboradores avaliaram variáveis hemodinâmicas relacionadas a desfechos negativos em pacientes com sepse grave e evidenciou que a presença de SvcO2 < 70% nas primeiras 48 horas do tratamento esteve relacionada à maior mortalidade.22 Rivers e colaboradores, em seu estudo Early Goal-Directed Therapy (EGDT) na sepse, demonstraram que uma estratégia de ressuscitação hemodinâmica de pacientes com sepse grave ou choque séptico com objetivo de atingir uma SvcO2 > 70% nas primeiras 6 horas de tratamento promoveu uma redução absoluta na mortalidade em 16%.23 Recentemente, foram publicados os estudos ProCESS24 e ARISE,25 que mostraram resultados diferentes ao estudo de Rivers.23 O estudo Protocol-Based Care for Early Septic Shock (ProCESS) foi realizado em 31 centros nos Estados Unidos e randomizou 1.341 pacientes em três grupos diferentes: 1) EGDT (protocolo semelhante ao de Rivers e colaboradores); 2) cuidado baseado em protocolo, porém sem a necessidade de passagem de CVC; 3) cuidado usual sem orientação de protocolos. Não houve diferença de mortalidade entre os três grupos em 90 dias e 1 ano.24 Já o estudo The Australasian Resuscitation in Sepsis Evaluation (ARISE), realizado em 51 centros da Austrália e da Nova Zelândia, randomizou 1.600 pacientes, sendo 796 no grupo EGDT e 804 no grupo de cuidado usual (decisões baseadas pela equipe assistente e sem protocolo). A mortalidade em 90 dias no grupo EGDT foi de 18,6% e, no grupo cuidado usual, 18,8% (p = 0,90).25 Os resultados desses dois estudos de forma alguma invalidam o estudo de Rivers.23 O ProCESS24 e o ARISE25 mostram que a abordagem precoce no choque séptico é tão ou mais importante que uma abordagem sistemática e invasiva que pode ocorrer de forma tardia. Além disso, ressalvas devem ser levantadas em relação às diferenças entre as populações desses estudos. Outro ponto a ser considerado é que existe uma diferença temporal de aproximadamente 10 anos entre os estudos, e outras terapias, como ventilação mecânica protetora, controle glicêmico e melhoria de suporte de doenças crônicas, também podem ter contribuído para uma redução na mortalidade global da população desses estudos em comparação ao estudo de Rivers.23

6.2 Lactato No organismo, o lactato é sintetizado durante a glicólise, mediante redução do piruvato. O aumento da produção de lactato é relacionado como marcador de ativação do metabolismo anaeróbico. No entanto, a hiperlactatemia pode ocorrer na ausência de hipóxia tecidual, como na insuficiência hepática (redução do clearance), disfunção mitocondrial, uso de drogas vasopressoras

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Seção I Hemodinâmica

(epinefrina) e algumas medicações. De qualquer modo, o nível sérico de lactato é resultado de múltiplos mecanismos, mas sua expressão clínica é de mau prognóstico para o paciente, devendo este ser agressivamente tratado e monitorizado. Rivers e colaboradores utilizaram o lactato (> 4 mmol/L) com marcador de gravidade e como um dos critérios de inclusão no estudo EGDT. 23 Nguyen e colaboradores demonstraram que a redução do nível sérico de lactato maior que 10% em 6 horas é associada a melhor prognóstico em pacientes com sepse grave e choque séptico.26 Um estudo recente em pacientes sépticos mostrou não haver diferença na mortalidade entre o grupo de tratamento orientado por clearance de lactato comparado à SvcO2.27 Jansen e colaboradores demonstraram que terapia orientada com objetivo de reduzir lactato em 20% em relação à medida inicial por 2 horas nas primeiras 8 horas de admissão estava relacionada a menor disfunção orgânica, menor tempo de uso droga vasoativa e menor tempo de ventilação mecânica. Quando ajustado para população com fatores de risco predefinidos, o grupo lactato apresentou mortalidade hospitalar significantemente menor.28 Um estudo recente comparou a cinética do lactato em pacientes submetidos a uma estratégia terapêutica orientada por metas. Neste estudo, a normalização do lactato em 6 horas apresentou melhor capacidade em predizer pacientes sobreviventes quando comparado a pacientes que apresentaram clearance de 50% e 10% em 6 horas.29 A CSS recomenda que pacientes com sepse devem ter uma medida de lactato sérico durante a avaliação inicial e aqueles com lactato > 4 mmol/L devem ter uma estratégia de ressuscitação hemodinâmica guiada por metas baseada no estudo EGDT. A CSS também recomenda que na ausência de SvcO2 , a normalização do lactato seja utilizado como opção de meta terapêutica.13 Paciente com choque

Reposição volêmica inicial

Avaliação perfusão tecidual

CVC e PAi

Instabilidade macro-hemodinâmica resolvida? PAM > 65 mmHg

Sim Choque resolvido reavaliação frequente

- Reposição volêmica racional - Considerar DVA - Considerar monitorização DC

Não

Avaliação perfusão tecidual

Inadequada

Adequada

Progredir monitorização hemodinâmica

Abordagem terapêutica Vasopressores Fluidos Transfusão Inotrópicos

PaO2 Hemoglobina Débito cardíaco

DO2

VO2

Estresse Dor Febre

Sedação Analgesia Controle febre

Objetivos finais da ressuscitação SvcO2/SvO2 Lactato

Figura 8.1  Manejo inicial do choque. CVC: cateter venoso central; PAI: pressão arterial invasiva; PAM: pressão arterial média; DVA: droga vasoativa; DC: débito cardíaco; DO2: oferta de oxigênio; VO2: consumo de oxigênio.

Capítulo 8  Avaliação e suporte hemodinâmico no choque

113

7. CONCLUSÕES A síndrome do choque representa uma condição complexa que cursa com desbalanço entre a oferta e o consumo de oxigênio e está associada à grande mortalidade. O diagnóstico e o tratamento devem ser realizados de forma rápida para evitar o desenvolvimento de disfunções de múltiplos órgãos. O tratamento deve incluir a etiologia do choque e estabilização hemodinâmica, inicialmente mediante infusão de fluidos e uso de drogas vasoativas com o objetivo de otimização da oferta tecidual. Os pacientes devem receber monitorização hemodinâmica adequada e o alvo terapêutico não deve ser restrito à normalização dos parâmetros de macro-hemodinâmica, mas sim à restauração da perfusão e oxigenação tecidual.

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Seção I Hemodinâmica

17. Russell JA, Walley KR, Gordon AC, Cooper DJ, Hebert PC, Singer J, Holmes CL, Mehta S, Granton JT, Storms MM, Cook DJ, Presneill JJ, Dieter Ayers for the V, Septic Shock Trial I. Interaction of vasopressin infusion, corticosteroid treatment, and mortality of septic shock. Critl Care Med. 2009;37:811-8. 18. Lehman LW, Saeed M, Talmor D, Mark R, Malhotra A. Methods of blood pressure measurement in the icu. Crit Care Med. 2013;41:34-40. 19. Asfar P, Meziani F, Hamel JF, Grelon F, Megarbane B, Anguel N, Mira JP, Dequin PF, Gergaud S, Weiss N, Legay F, Le Tulzo Y, Conrad M, Robert R, Gonzalez F, Guitton C, Tamion F, Tonnelier JM, Guezennec P, Van Der Linden T, Vieillard-Baron A, Mariotte E, Pradel G, Lesieur O, Ricard JD, Herve F, du Cheyron D, Guerin C, Mercat A, Teboul JL, Radermacher P, Investigators S. High versus low blood-pressure target in patients with septic shock. The New England Journal of Medicine. 2014;370:1583-93 20. Rady MY, Rivers EP, Nowak RM. Resuscitation of the critically ill in the ed: responses of blood pressure, heart rate, shock index, central venous oxygen saturation, and lactate. Am J Emerg Med. 1996;14:218-25. 21. Walley KR. Use of central venous oxygen saturation to guide therapy. Am J Resp Crit Care Med. 2011; 184:514-20. 22. Varpula M, Tallgren M, Saukkonen K, Voipio-Pulkki LM, Pettila V. Hemodynamic variables related to outcome in septic shock. Intensive Care Med. 2005;31:1066-71. 23. Rivers E, Nguyen B, Havstad S, Ressler J, Muzzin A, Knoblich B, Peterson E, Tomlanovich M, Early Goal-Directed Therapy Collaborative G. Early goal-directed therapy in the treatment of severe sepsis and septic shock. N Eng J Med. 2001;345:1368-77. 24. Yealy DM, Kellum JA, Huang DT, Barnato AE, Weissfeld LA, Pike F, Terndrup T, Wang HE, Hou PC, LoVecchio F, Filbin MR, Shapiro NI, Angus DC. A randomized trial of protocol-based care for early septic shock. The New England Journal of Medicine. 2014;370:1683-93. 25. Peake SL, Delaney A, Bailey M, Bellomo R, Cameron PA, Cooper DJ, Higgins AM, Holdgate A, Howe BD, Webb SA, Williams P. Goal-directed resuscitation for patients with early septic shock. The New England Journal of Medicine. 2014;371:1496-506. 26. Nguyen HB, Rivers EP, Knoblich BP, Jacobsen G, Muzzin A, Ressler JA, TomLanovich MC. Early lactate clearance is associated with improved outcome in severe sepsis and septic shock. Crit Care Med. 2004;32:1637-42. 27. Jones AE, Shapiro NI, Trzeciak S, Arnold RC, Claremont HA, Kline JA, Emergency Medicine Shock Research Network I. Lactate clearance vs central venous oxygen saturation as goals of early sepsis therapy: A randomized clinical trial. JAMA. 2010;303:739-46. 28. Jansen TC, van Bommel J, Schoonderbeek FJ, Sleeswijk Visser SJ, van der Klooster JM, Lima AP, Willemsen SP, Bakker J, group Ls. Early lactate-guided therapy in intensive care unit patients: A multicenter, open-label, randomized controlled trial. Am J Resp Crit Care Med. 2010;182:752-61. 29. Puskarich MA, Trzeciak S, Shapiro NI, Albers AB, Heffner AC, Kline JA, Jones AE. Whole blood lactate kinetics in patients undergoing quantitative resuscitation for severe sepsis and septic shock. Chest. 2013; 143:1548-53.

9 Manejo do choque hipovolêmico

Tiago Barra Cosentino Mellyane B. Ribeiro 1. INTRODUÇÃO O choque representa uma síndrome clínica na qual ocorre inadequação do fluxo sanguíneo e da oferta de oxigênio aos tecidos, ou seja, hipoperfusão tecidual, com consequente instalação de disfunção orgânica. A hipoperfusão tecidual pode assomar sem necessariamente estar presente a hipotensão arterial. Dessa forma, devemos ficar atentos aos sinais de má perfusão dos diferentes órgãos (alteração do nível de consciência, oligúria, taquicardia, taquipneia) para diagnóstico precoce de choque e início eficaz de intervenções terapêuticas racionais. O choque é uma condição clinica comum, afetando cerca de um terço dos pacientes críticos.1 Um estudo realizado por De Backer e colaboradores, envolvendo mais de 1.600 pacientes com choque, mostrou que houve choque séptico em 62% dos casos; choques hipovolêmico e cardiogênico, em 16%; outros tipos de choque distributivo, em 4%; e choque obstrutivo, em 2%2 (Figura 9.1). O choque hipovolêmico é o mais frequente em pacientes traumatizados e muito comum em pacientes críticos.3 Pode ser classificado em hemorrágico e não hemorrágico. O principal representante é o hemorrágico que pode ser decorrente de perdas sanguíneas para o meio externo (traumas e hemorragias) ou para o meio interno (hemorragia digestiva e retroperitoneal, hemotórax etc.). O não hemorrágico surge sobretudo em pacientes de terapia intensiva, devido à perda de líquidos corporais (por diarreia, vômitos, diabete insípido, diurese osmótica etc.), aumento das perdas insensíveis (queimaduras extensas) ou por perda do líquido plasmático para o meio extracelular (obstrução intestinal, terceiro espaço, derrames cavitários etc.). Nas situações de choque hemorrágico progressivo ou nos casos graves de choque hemorrágico, pode advir hemorragia maciça (HM), definida por uma perda do volume sanguíneo estimado dentro de 24 horas ou pela perda de metade da volemia dentro de 3 horas após o evento desencadeante.3 Um dos tratamentos principais da hipovolemia, além da resolução da causa-base, é a infusão de líquidos para a ressuscitação hemodinâmica. Porém, nem todos pacientes críticos são responsivos a volume. A reposição de fluidos inadequada poderá agravar o quadro por congestão sistêmica

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Seção I Hemodinâmica

(pulmonar, renal e abdominal). Portanto, a avaliação volêmica adequada é crucial para o manejo hemodinâmico desses pacientes. Paralelamente, na HM, o suporte transfusional mais agressivo com alta proporção de concentrado de hemácias (CH), plasma fresco congelado (PFC) e plaquetas (PQT) tem se mostrado essencial para a estabilização do quadro e para evitar possíveis complicações relacionadas à terapêutica. 62% Distributivo (séptico)

4% Distributivo (não séptico)

2% Obstrutivo 16% Cardiogênico

16% Hipovolêmico

Figura 9.1  Tipos de choques. Fonte: Adaptada de Vincent JL e De Backer D, 2004. 2

2. FISIOPATOLOGIA DO CHOQUE A função do sistema cardiovascular é, em suma, atender às necessidades dos tecidos. Ele é responsável pela distribuição das células e dos anticorpos do sistema imune, circulação de plaquetas e fatores de coagulação, transporte de hormônios dos sítios produtores aos órgãos efetores, distribuição homogênea de calor pelo organismo, entre outros. No entanto, a sua principal função é o transporte de nutrientes e de oxigênio para os tecidos e a remoção contínua de resíduos metabólicos para serem excretados, mantendo, assim, um ambiente propício às condições ideais de sobrevivência e funcionamento das células.4 Dessa maneira, instala-se um delicado equilíbrio entre fluxo sanguíneo nos variados tecidos (DO2) e suas respectivas demandas metabólicas (VO2), fundamental para o metabolismo celular. O rompimento desse equilíbrio por qualquer insulto patológico resulta no choque circulatório. Este representa a falência dos mecanismos de compensação circulatórios e, uma vez estabelecido e não revertido a tempo, poderá resultar em morte celular por hipóxia. Entre os mecanismos de compensação, está a liberação de catecolaminas mediadas por reflexos simpáticos com pico de ação em apenas 30 minutos após uma lesão hemorrágica, aumentando a frequência cardíaca e a vasoconstrição periférica. A resposta neuroendócrina com liberação de angiotensina e vasopressina potencializa esses efeitos, porém, leva de 10 a 60 minutos para um resultado clínico significativo. A pré-carga também aumenta mediante a vasoconstrição venosa, o que talvez seja o mecanismo compensatório mais importante.5,6 Outro fenômeno importante é a redistribuição do fluxo sanguíneo sistêmico por meio da vasoconstrição arteriolar e do esfíncter pré-capilar. A redução da volemia leva a alterações hemodinâmicas que

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Capítulo 9  Manejo do choque hipovolêmico

desviam o fluxo sanguíneo de órgãos como pele, intestino, baço e pâncreas para órgãos como cérebro, coração e rim. Estes últimos possuem mecanismos de autorregulação do fluxo sanguíneo e, por meio de variações no tônus vascular, conseguem manter oferta adequada de oxigênio às células. No entanto, quando a pressão arterial média (PAM) cai a um nível crítico, ocorre falência dos mecanismos de autorregulação do fluxo sanguíneo regional que passa a ser diretamente dependente dos valores pressóricos. Nesse cenário, todos os tecidos, inclusive aqueles protegidos pela autorregulação, estarão suscetíveis à isquemia e hipóxia, levando à disfunção celular metabólica.6-11 A principal consequência é a ativação da cascata inflamatória que se exacerba com a hipoperfusão tecidual mantida. Atraso de 2 horas na reanimação de pacientes com perda volêmica acima de 40% pode levar à incapacidade de restabelecimento da perfusão tecidual. A despeito do controle das perdas volêmicas, o paciente pode ir a óbito em decorrência da intensa reação inflamatória (lesão direta por ativação de neutrófilos, formação de microtrombos) agravada pela lesão de reperfusão.6,12 No choque hipovolêmico, a perda aguda da volemia que, em adultos, representa 7% do peso corpóreo (cerca de 5 L) ocasiona a redução do retorno venoso e da pré-carga. A consequente queda do volume de enchimento e da pressão diastólica ventricular provoca a redução do débito cardíaco (DC), da perfusão periférica e da pressão arterial em fases mais avançadas3,13 (Figura 9.2). A melhor forma de compreensão da interação entre pré-carga e DC é aplicar a lei de Frank-Starling (Figura 9.3), segundo a qual o aumento da pré-carga gera aumento no DC devido à capacidade de distensibilidade do músculo até um nível ótimo de contração elevando a força de contração, o que aumenta a quantidade de sangue bombeado para aorta. Uma vez atingido o nível ótimo de contração, novos aumentos da pré-carga não ampliam o DC. 5 Nessa fase conhecida como platô da curva de Frank-Starling, expansões volêmicas resultam em congestão pulmonar e sistêmica. Dessa forma, a ressuscitação volêmica deve ser feita apenas na primeira fase, conhecida como volume responsiva.

Perda aguda de volume

Redução do retorno venoso

Taquicardia e redução da pressão de pulso

Queda da pré-carga

Diminuição do volume sistólico

Queda do débito cardíaco

Figura 9.2  Tipos de choques. Redução da pressão arterial média

Fonte: Modificada de Taniguchi LU e Silva FMQ, 2012.13

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Seção I Hemodinâmica

Zona inclinada (pré-carga dependente)

Débito cardíaco

Zona plana (pré-carga independente)

Figura 9.3  Curva de Frank-Starling. Elevações na pré-carga (zona inclinada) geram aumento no DC até determinado nível. Ao atingir a zona plana, acréscimos na pré-carga não causam ganhos no débito.

Pré-carga

Fonte: Adaptada de Sabatier e colaboradores, 2012.14

3. FISIOPATOLOGIA DA HEMORRAGIA MACIÇA À medida que se agravam as perdas sanguíneas, ou mesmo quando ocorre uma HM imediata, entra em questão um importante componente complicador: a coagulopatia. Esta não é apenas fruto da HM, mas também é secundaria ao trauma, à terapêutica e às possíveis iatrogenias. Uma ressuscitação volêmica inadequada com fluidos e concentrados de hemácias isolados pode promover diluição dos fatores de coagulação, acidose e hipotermia agravando a coagulopatia.15 Recentemente, tem sido cogitado que a coagulopatia associada à HM é precedida pela coagulopatia precoce induzida pelo trauma (early trauma-induced coagulopathy – ETIC). Estudos em adultos e crianças vítimas de trauma demonstram que a coagulopatia precoce induzida pelo trauma está presente em 24 a 56% dos pacientes com lesões graves, usualmente dentro de 30 minutos da lesão, antes mesmo do início da reposição volêmica ou da terapia transfusional. A presença da ETIC é um importante preditor de utilização de sangue e se correlaciona com piores desfechos clínicos independentemente da gravidade.16-20 É sobejamente conhecido que as lesões teciduais, seja por trauma ou por procedimentos cirúrgicos, liberam fatores teciduais local e sistemicamente, determinando a ativação da cascata de coagulação. Isso pode resultar na síndrome da coagulação intravascular disseminada, comum em danos musculares extensos e em traumatismo craniano grave.21 A hipoperfusão advinda de uma HM causa a expressão da trombomodulina nas células endoteliais. O complexo trombomodulina-trombina ativa a proteína C, a qual limita a coagulação por inibir a ativação dos fatores V e VIII. Além disso, aumenta a fibrinólise por meio da depleção do inibidor do ativador de plasminogênio tecidual (PAI-1). Isso acelera a formação de plasmina, principal responsável pela lise do coágulo mediante a destruição das fibras de fibrina, bem como de outros coagulantes proteicos como o fibrinogênio, fatores V, VII, XII e a protrombina. O resultado final desse complexo mecanismo é caracterizado pela coagulopatia precoce devido à anticoagulação sistêmica e à hiperfibrinólise.21-23 Em hemorragias obstétricas, a hiperfibrinólise é um sinal proeminente aliado à atonia uterina, deslocamento prematuro da placenta e acretismo placentário.24 Adicionalmente aos mecanismos já citados para a ETIC e a hiperfibrinólise, a coagulopatia também resulta da infusão de cristaloides, transfusões sanguíneas e anemia grave. A infusão de cristaloides associada à administração de concentrado de hemácias sem reposição de outros hemocomponentes provoca coagulopatia dilucional e plaquetopenia, além de importante desregulação metabólica (acidose e

119

Capítulo 9  Manejo do choque hipovolêmico

hipocalcemia, resultantes da infusão de soluções estocadas contendo citrato; e hipotermia, devido à refrigeração dos produtos sanguíneos e ao não aquecimento de fluidos). A hipotermia está associada à piora da função plaquetária e à redução da atividade dos fatores de coagulação. Além disso, a HM com anemia grave reduz a hemostasia primária por prejudicar a adesão e agregação plaquetária. A somatória desses mecanismos predispõe a uma coagulopatia progressiva e refratária culminando na tríade letal: acidose; hipotermia; e coagulopatia25-27 (Figura 9.4).

Coagulopatia

Acidose

Trauma grave

Sangramento

Hipóxia tecidual Hipotermia

Diluição dos fatores de coagulação e plaquetas

Infusão de fluidos

Transfusão maciça

Figura 9.4  Fisiopatologia da coagulopatia na HM. Fonte: Adaptada de Pham HP e Schaz B, 2013. 25

4. CLASSIFICAÇÃO O American College of Surgeons (Colégio Americano de Cirurgiões), por meio do American Trauma Life Support ‒ ATLS (Suporte Avançado de Vida no Trauma), classifica o choque hemorrágico em quatro classes de acordo com a gravidade e a perda volêmica estimada (Tabela 9.1).28 Tabela 9.1  Classificação do choque hemorrágico CLASSE I

CLASSE II

CLASSE III

CLASSE IV

Perdas sanguíneas (mL)

CARACTERÍSTICAS

< 750

750-1.500

1.500-2.000

> 2.000

Perdas sanguíneas (%)

< 15%

15-30%

30-40%

> 40%

< 100 bpm

> 100 bpm

> 120 bpm

> 140 bpm

Frequência cardíaca Pressão arterial

Normal

Normal

Diminuída

Diminuída

Pressão de pulso

Normal

Diminuída

Diminuída

Diminuída

14-20 irpm

20-30 irpm

30-40 irpm

> 35 irpm

> 30

20-30

5-15

Desprezível

Ansioso

Agitado

Confuso

Letárgico

Frequência respiratória Diurese (mL/kg) Estado neurológico

BPM: batimentos por minuto; IRPM: incursões respiratórias por minuto. Fonte: Adaptada de American College of Surgeons, 2008. 28

Recentemente, a validade da classificação do ATLS para o choque hipovolêmico tem sido questionada a partir das análises de dois grandes bancos de dados com 140 mil pacientes: TARN (Trauma Audit and Resarch Network) e Trauma Register DGU.30 De acordo com ambas análises, o ATLS parece

120

Seção I Hemodinâmica

superestimar a taquicardia associada ao choque e subestimar a piora neurológica na presença do choque hipovolêmico.29-31 Os estudos conduzidos por Guy e colaboradores e Mutscheler e colaboradores sugerem uma reavaliação crítica da classificação atual do ATLS.29,32 Muitos trabalhos têm correlacionado aumentos do déficit de base (base excess – BE) com maior necessidade de transfusão de hemácias, aumento de mortalidade hospitalar e em pacientes críticos, bem como aumento de complicações relacionadas ao choque. Por isso, a monitorização do BE tem sido sugerida como indicador de hipóxia tecidual e parâmetro de monitorização na ressuscitação volêmica.29-35 Assim, uma nova classificação do choque levando em consideração valores de BE tem sido proposta (Tabela 9.2). Tabela 9.2  A nova classificação do choque hipovolêmico baseada no BE CARACTERÍSTICAS Choque BE admissão (mmol/L) Necessidade de transfusão sanguínea

CLASSE I

CLASSE II

CLASSE III

CLASSE IV

Ausente

Leve

Moderado

Grave

≤2

>2a6

> 6 a 10

> 10

Observar

Considerar

Iniciar preparo para transfundir

Preparar para transfusão maciça

Fonte: Adaptada de Mutschler M e colaboradores, 2012. 29

5. QUADRO CLÍNICO O exame clínico é fundamental quando se suspeita de choque. Até o momento, não existe um exame complementar ou sinal patognomônico para diagnóstico do quadro de choque especificamente. Apesar da facilidade em se diagnosticar choque hemorrágico após uma lesão traumática que se apresenta com hipotensão arterial, é preciso lembrar que, nessa situação, a perda estimada ultrapassou 30% do volume circulante. Hipotensão arterial é sempre um marcador tardio nos estados de choque, em especial, no choque hemorrágico. Portanto, o reconhecimento precoce de hipoperfusão tecidual é de suma importância.6,36 Desse modo, devemos estar atentos para o conjunto de sinais e sintomas advindos da má perfusão dos diversos órgãos (Quadro 9.1). O quadro clínico dependerá da intensidade da perda volêmica e da gravidade da situação. Quadro 9.1  Sinais e sintomas da hipoperfusão orgânica QUADRO CLÍNICO DA HIPOPERFUSÃO ORGÂNICA Sistema nervoso central

Alterações do nível de consciência: ansiedade, irritabilidade, confusão mental, letargia, coma

Sistema respiratório

Taquipneia, dispneia, hipóxia

Sistema cardiovascular

Tempo de enchimento capilar lentificado, extremidades frias, hipotensão arterial, hiperlactatemia

Sistema geniturinário

Oligúria (débito urinário < 0,5 mL/kg/hora por mais de 2 horas consecutivas), anúria, elevação das escórias nitrogenadas

Sistema cutâneo

Pele fria, pegajosa, mucosa ressecada, livedo reticular

Sistema gastrintestinal

Distensão abdominal, íleo, elevação de enzimas hepáticas

Sistema hematológico

Plaquetopenia, coagulopatia (alargamento dos tempos de coagulação)

Alterações do nível de consciência (agitação, ansiedade, sonolência, apatia, letargia) aparecem precocemente quando existe hipoperfusão, mas podem ser resultado de drogas que deprimem o SNC. Um dos sinais mais precoces a serem observados é a redução da pressão de pulso, secundária à pequena diminuição da PAS e à elevação da pressão arterial diastólica, que ocorre devido ao aumento das catecolaminas circulantes. A oligúria e o aumento das escórias nitrogenadas são importantes sinalizadores de hipoperfusão, mas, além de marcadores tardios, podem ser resultado de drogas nefrotóxicas ou de diversas causas de insuficiência renal.6,36

Capítulo 9  Manejo do choque hipovolêmico

121

A taquicardia, um dos sinais mais comumente presentes, ocorre após perda volêmica estimada em 15%. Contudo, por um lado, pode ser secundária à dor, em especial nas situações de politraumatismos e, por outro, pode estar abolida pelo uso de betabloqueadores ou marca-passos. Pele fria, livedo e tempo de enchimento capilar aumentado sinalizam vasoconstrição reflexa em resposta à hipovolemia, mas podem estar presentes em situações avançadas de doença arterial periférica. A taquipneia é um sinal presente, sobretudo, como compensação do quadro de acidose metabólica, principalmente quando isso ocorre na ausência de anormalidades radiológicas e estando o exame físico pulmonar sem achados relevantes.6,36,37 Entre os achados laboratoriais, além da acidose metabólica, a hiperlactatemia é um excelente marcador de hipoperfusão. Está presente nas fases iniciais do choque e seu clearance constitui um dos alvos terapêuticos nos estados de hipovolemia. Lembrar que a hiperlactatemia também ocorre em situações de produção aumentada (neoplasias hematológicas, medicações como metformina etc.) ou depuração reduzida (insuficiência hepática e insuficiência renal).

6. TRATAMENTO No choque hipovolêmico, envolve a administração racional de fluidos, vasopressores e hemocomponentes, além de reposição hidreletrolítica, manutenção da normotermia e resolução da causa-base. Para tanto, a terapia guiada por metas, um conceito introduzido por Rivers em 2001, é fundamental.38 Logo, a monitorização é crucial para as decisões terapêuticas e, assim, acesso venoso central, pressão arterial invasiva, sondagem vesical de demora, controle da temperatura e amostras sanguíneas para exames laboratoriais devem ser obtidos o quanto antes. O objetivo principal é a restauração da oferta de oxigênio aos tecidos e, para isso, é preciso repor a volemia. Com a infusão de fluidos, obtém-se ganho na pré-carga e no volume sistólico e, assim, eleva-se o DC, conforme descrito anteriormente pela lei de Frank-Starling (Figura 9.2). Uma vez restaurado o DC nos pacientes em choque, a perfusão periférica melhora e, consequentemente, a oferta de oxigênio aos tecidos. Embora a resolução da causa-base do choque seja essencial, a reposição volêmica é o tratamento inicial padrão e deve ser instituída, na maioria dos casos, o mais rapidamente possível com o intuito de reduzir a mortalidade.37,39 A melhor forma de administração de grandes quantidades de fluidos no menor tempo possível é por acesso venoso periférico calibroso. Conforme a lei de Poiseulle (Figura 8.5), quanto maior for o diâmetro e mais curto o trajeto, menor será a resistência à infusão de volume. A ressuscitação volêmica deve ser feita rapidamente por meio de alíquotas determinadas. Atenção, sobretudo, aos cardiopatas em situações de hipovolemia. Nesses casos, a reposição deverá ser imediata, porém em quantidade menor e em ritmo mais lento. Após infusão, avalia-se o paciente para observar a resposta ao fluido. De forma simples, devemos admitir que tudo que melhora após uma oferta de fluido era resultante de hipovolemia.

R = 8 × L × η/π × r4

Figura 9.5  Lei de Poiseulle. R: resistência; L: comprimento do cateter; η: viscosidade da solução; r: raio do cateter.

Como dito anteriormente, a terapia guiada por metas é essencial, assim, a reposição de volume deve ser baseada em parâmetros de fluido responsividade visando à normalização da PAM e da perfusão tecidual. Em pacientes sob ventilação mecânica controlada sem esforço respiratório e em ritmo sinusal, podem-se usar os índices dinâmicos de resposta à infusão de fluidos, como (Tabela 9.3): variação da pressão de pulso – VPP; variação do volume sistólico – VVS; índice de distensibilidade da veia cava inferior (VCI), medido por ecocardiografia transtorácica; índice de colapsabilidade da

122

Seção I Hemodinâmica

VCS, medido por do ecocardiografia transesofágica.40,41 Já nos pacientes em ventilação espontânea ou com arritmias, pode ser usado o teste da elevação passiva dos membros inferiores entre 30º e 45º durante 4 minutos e com avaliação dos aumentos no fluxo aórtico ou DC por meio de ecocardiografia, sendo a posição inicial padrão sentada, com o tronco elevado a 45º, o que permite a mobilização não só do sangue dos membros inferiores, mas também do leito esplâncnico, tornando o teste mais sensível.6,40,41 Os índices estáticos da monitorização hemodinâmica (pressão venosa central (PVC), pressão de átrio direito, pressão da artéria pulmonar ocluída (PAPO), pressão diastólica de artéria pulmonar) não preveem a responsividade à infusão de volume, portanto, o uso de tais parâmetros com essa finalidade deve ser abandonado.42-44 Se os parâmetros hemodinâmicos indicarem provável responsividade, deve-se continuar administrando fluidos até que as provas se negativem.6 Quando o paciente se torna não respondedor a volume, a reposição volêmica adicional pode acarretar prejuízo à oxigenação tecidual.41 Tabela 9.3  Alguns parâmetros de resposta positiva à administração de fluidos PARÂMETROS DE FLUIDO RESPONSIVIDADE VPP

>15% – responsividade a fluidos

VVS

>13% – responsividade a fluidos

Índice de distensibilidade da VCI

>18% – responsividade a fluidos

Índice de colapsabilidade da VCS

>36% – responsividade a fluidos

VCI: veia cava inferior; VCS: veia cava superior; VPP: variação da pressão de pulso; VVS: variação do volume sistólico.

Existem várias soluções disponíveis para ressuscitação volêmica basicamente dividas em coloides ou cristaloides (Tabela 9.4). Coloides são soluções que contêm grandes moléculas, as quais exercem pressão oncótica e são responsáveis pelo maior tempo de permanência dessas soluções no espaço intravascular. Incluem a albumina humana (disponível em soluções isotônicas 4 a 5% e hipertônicas 20 a 25%) e os fluidos semissintéticos: gelatinas succiniladas; gelatinas ligadas à ureia; hidroxietilamidas (HEA); e dextrans.45 A albumina humana 4 a 5% é produzida a partir do fracionamento do sangue e é tratada termicamente para prevenir a transmissão de agentes virais. É considerada a solução coloidal de referência, porém seu uso é limitado pelo alto custo.46 Soluções HEA são as mais utilizadas mundialmente, especialmente na Europa.46 Elas têm grande potencial de ligação aos tecidos como pele (resultando em prurido), fígado e rins, e também estão associadas a alterações na coagulação por prejudicar a função plaquetária e diminuir os níveis séricos do fator VIII, fator de von Willebrand e fibrinogênio.46-48 Isso ocorre principalmente com HEA de alto peso molecular e com alto grau de substituição molar (> 0,5). Por isso, as soluções HEA usadas atualmente têm concentração reduzida (6%) com um peso molecular de 130 kD e taxas de substituição molar de 0,38 a 0,45, sendo recomendada uma dose máxima de 33 a 50 mL.kg-1 46 em 24 horas. Em relação às gelatinas, a administração de grandes volumes pode diminuir os níveis séricos de fibronectina (fator XIII da coagulação), achado cuja relevância clínica não está bem estabelecida.49 Além disso, um estudo observacional recente mostrou risco de lesão renal aguda associada ao seu uso.50 Em geral, é recomendada uma dose máxima de 20 mL.kg-1 em 24 horas. As soluções dextran têm sido substituídas por outros coloides semissintéticos.46 Os cristaloides são soluções de pequenos íons inorgânicos e/ou pequenas moléculas orgânicas dissolvidas em água.45 A solução salina a 0,9% é o cristaloide mais frequentemente usado na prática clínica, em particular nos Estados Unidos.46 Ela contém quantidades iguais de íons sódio e cloreto e é isotônica quando comparada ao líquido extracelular. Sua administração em grandes quantidades acarreta acidose metabólica hiperclorêmica que, por sua vez, provoca vasoconstrição renal e diminuição da taxa de filtração glomerular (TFG), bem como a disfunção imune.45,46

4.5-5,0

2,2-2,6

0,8-1,0

94-111

Potássio (mmol/ L)

Cálcio (mmol/ L)

Magnésio (mmol/ L)

Cloreto (mmol/ L)

23-27

128

Fonte: Modificada de Myburgh JA e Mythen, 2013.46

Bicarbonato (mmol/ L)

Gluconato (mmol/ L)

Lactato (mmol/ L)

1-2

135-145

Sódio (mmol/L)

Acetato (mmol/ L)

250

291

Osmolaridade (mOsm/L)

148

Amido de milho

Doador humano

Fonte do coloide

154

154

308

Voluven 6% (130/0,4)

154

154

308

Amido de batata

120

154

274

Colágeno bovino

Gelafundin

Gelatina fluida succinilcolada

COLOIDES

Venofundin 6% (130/0,42)

Hidroxietilamidas

Albumex

Albumina humana 4%

Nome comercial

PLASMA HUMANO

Tabela 9.4  Tipos e composições das soluções de ressuscitação.

145

6,25

5,1

145

301

Colágeno bovino

Haemacel

Gelatina ligada à ureia

154

154

308

Soro fisiológico

Solução salina 0,9%

29

111

2,0

5,4

131

280,6

Ringer-lactato

Solução salina com lactato de sódio

CRISTALOIDES

23

27

98

3,0

5,0

140

294

Plasma-Lyte

Solução salina balanceada

Capítulo 9  Manejo do choque hipovolêmico

123

124

Seção I Hemodinâmica

Como a ressuscitação com solução salina 0,9% acarreta sobrecarga de sódio e água, também têm sido usadas soluções salinas hipertônicas (3%, 5% e 7,5%) com intuito de reduzir o volume de fluidos durante a reposição volêmica.46 Entretanto, o uso dessas soluções hipertônicas para ressuscitação, principalmente nos pacientes com trauma cranioencefálico (TCE), não tem melhorado os desfechos em curto e longo prazos.45,46 Soluções cristaloides com uma composição química que se assemelha à fração aquosa do plasma contendo ânions metabolizáveis em vez de cloreto são denominadas balanceadas (p. ex.: Ringer-lactato, solução de Hartmann, Plasma-Lyte® e Sterofundin®) e não geram acidose nem reduzem a perfusão renal.45 Um dos debates mais antigos na medicina é se pacientes com choque hipovolêmico devem ser ressuscitados com coloides ou com cristaloides. Revisões sistemáticas de estudos controlados randomizados têm mostrado que há pouca evidência de que um tipo de fluido quando comparado com outro reduz mortalidade ou é mais efetivo ou seguro.28,51 Quatro grandes estudos clínicos controlados e randomizados foram publicados ao longo da década passada: uma comparação entre albumina e solução salina para ressuscitação na UTI (SAFE); ressuscitação com solução pentastarch 10% versus Ringer-lactato na sepse grave (VISEP); HEA 130/0,42 versus Ringer-acetato na sepse grave (6S); e HEA versus solução salina para ressuscitação volêmica na terapia intensiva (CHEST).52-55 O estudo SAFE incluiu aproximadamente 7 mil pacientes críticos e mostrou que a albumina 4% e a solução salina 0,9% tiveram desempenhos semelhantes na reanimação de doentes graves, sem diferença significativa quanto a mortalidade, permanência na unidade de terapia intensiva, dias de internação e necessidade de suporte ventilatório. Entretanto, no subgrupo de pacientes politraumatizados, houve maior mortalidade entre os que receberam albumina, ao contrário do observado no subgrupo de pacientes com sepse, no qual houve tendência de menor mortalidade naqueles ressuscitados com albumina. O estudo VISEP envolveu 537 pacientes com sepse grave e comparou o uso de pentastarch 10% e Ringer-lactato para a reanimação volêmica, os resultados mostraram que aqueles que receberam pentastarch tiveram pior desfecho renal e, possivelmente, maior mortalidade. O estudo 6S envolvendo 804 pacientes com sepse grave comparou o uso de HEA 6% com Ringer-acetato e houve maior mortalidade em 90 dias e maior incidência de lesão renal no grupo que recebeu HEA. O estudo CHEST também contou com 7 mil pacientes críticos e comparou o uso de HEA 6% com solução salina e mostrou uma maior incidência de terapia de reposição renal no grupo que recebeu HEA, porém não houve diferença na mortalidade. Um grande estudo multicêntrico, controlado e randomizado, o CRISTAL, foi publicado recentemente e comparou os efeitos da ressuscitação volêmica com coloides versus cristaloide na mortalidade em pacientes críticos com choque hipovolêmico.56 Um total de 2.857 pacientes de 57 UTI de três continentes foram avaliados e os resultados mostraram que não houve diferença na mortalidade em 28 dias; mas, no grupo que recebeu coloides, houve uma mortalidade significativamente menor em 90 dias (30,7% no grupo dos coloides versus 34,2% no grupo dos cristaloides – p = 0,03), além de mais dias livres de terapia com vasopressores e ventilação mecânica aos 7º e 28º dias. Apesar de significativos, esses resultados devem ser interpretados com cautela, eles evidenciam que os coloides não pioram o desfecho, mas qualquer conclusão relacionada à diminuição de mortalidade com emprego desses fluidos necessita de validação. Assim, diante do custo elevado das soluções coloidais e das evidências de potenciais efeitos adversos com seu uso (VISEP, 6S, CHEST) e até que outros estudos confirmem os potenciais benefícios dos coloides relatados no estudo CRISTAL, é racional escolher as soluções cristaloides, que têm menor custo, como fluidos de 1ª linha para o tratamento do choque hipovolêmico. Como a ressuscitação com solução salina a 0,9% está claramente associada à acidose metabólica hiperclorêmica que, por sua vez, pode acarretar prejuízo da função renal, e em vista de evidências crescentes de que tais efeitos deletérios podem ser prevenidos com o uso de soluções cristaloides balanceadas, provavelmente essas soluções balanceadas devam ser os cristaloides de 1ª escolha para a ressuscitação volêmica.45,46,57,58 Segundo o último guideline europeu para o manejo do sangramento e coagulopatia decorrente de grandes traumas, é recomendada a utilização de cristaloides para o tratamento inicial do choque hi-

Capítulo 9  Manejo do choque hipovolêmico

125

povolêmico no paciente traumatizado (grau 1B), e as soluções hipotônicas como o Ringer-lactato devem ser evitadas em pacientes com TCE grave (grau 1C).59 Ainda de acordo com esse guideline europeu, o alvo de PAS é de 80 a 90 mmHg na fase inicial do trauma sem TCE, até que a hemorragia seja controlada (grau 1C).59 A ressuscitação com baixo volume de fluidos e níveis pressóricos mais baixos é conhecida como hipotensão permissiva. Essa abordagem evita os efeitos adversos da ressuscitação precoce e agressiva com fluidos, enquanto mantém perfusão tecidual adequada para curtos períodos de tempo.59 Esse conceito de hipotensão permissiva começou a se formar a partir de estudos realizados na década de 1990 em modelos experimentais. Bickell e colaboradores60 desenvolveram um modelo para o estudo de hemorragia descontrolada. Realizaram aortotomia de 5 mm em 16 porcos, separados em dois grupos. No grupo tratamento, a ressuscitação começou 6 minutos após o início da hemorragia e foi feita com infusão agressiva de cristaloides. No grupo-controle, nenhum dos animais recebeu infusão de fluidos. Depois de 30 minutos, cinco animais no grupo tratamento morreram e todos os oito porcos do grupo-controle sobreviveram. Outro ponto interessante encontrado foi a perda significativamente maior de volume sanguíneo no grupo tratamento. Esses resultados sugerem que a administração excessiva de fluidos pode contribuir para a perpetuação do sangramento e aumento da mortalidade. A reposição volêmica aumenta a pressão hidrostática, desloca o coágulo sanguíneo favorecendo o sangramento, também promove a coagulopatia dilucional e agrava a hipotermia, resultando em pior desfecho.61 Estudos com hipotensão permissiva em adultos também têm sido relatados. Birckell e colaboradores62 estudaram os efeitos da reposição volêmica imediata (antes da intervenção cirúrgica) e tardia (depois da entrada no hospital) em 598 pacientes hipotensos com trauma de tronco penetrante por arma de fogo ou arma branca. A mortalidade foi menor (p = 0,04) em 289 pacientes que receberam ressuscitação tardia, além de redução no tempo de internação hospitalar (11 +/– 19 versus 14 +/– 24 dias,­ p = 0,006). Dutton e colaboradores63 compararam dois protocolos de ressuscitação volêmica em 110 pacientes com trauma fechado e penetrante. O alvo foi manter a pressão sistólica em 70 mmHg (baixo) ou em 100 mmHg (convencional). A mortalidade foi semelhante nos dois grupos, porém os pacientes do grupo com alvo mais baixo eram mais graves (ISS 16-24) do que no grupo convencional (ISS 9-15). Um estudo recente,64 prospectivo e randomizado, analisou as consequências da ressuscitação hipotensiva em quase 90 pacientes traumatizados com choque hemorrágico. Eles foram r­ andomizados para grupos cujo alvo da PAM era de 50 ou 65 mmHg. A desvantagem do estudo foi que não houve uma diferença significativa na PAM observada nos dois grupos (64,4 mmHg versus ­68,5 mmHg, p = 0,15). Embora os autores não tenham demonstrado uma diferença de mortalidade em 30 dias, houve um aumento de mortalidade em 24 horas de pós-operatório e de coagulopatia no grupo com alvo de PAM mais elevada. Os pacientes nesse grupo receberam mais fluidos e também mais transfusões de hemocomponentes. Dessa maneira, nas situações de choque hemorrágico, a estratégia de hipotensão permissiva deve ser realizada até que o paciente seja transferido do local do acidente até, preferencialmente, o centro cirúrgico. A hipotensão permissiva pode beneficiar a restauração da circulação e causar uma discreta elevação da pressão arterial, reduzindo o risco adicional de perda sanguínea devido ao sangramento continuado ou ressangramento.61 Apesar das recentes publicações incluírem pacientes com TCE, a hipotensão permissiva está contraindicada nesses pacientes, bem como naqueles com lesão medular. Nessas situações, a pressão de perfusão adequada é fundamental para garantir a oxigenação do SNC.65 Se houver TCE grave associado a choque hemorrágico, a PAM ≥ 80 mmHg deve ser mantida (grau 1C).50 Além disso, o conceito de hipotensão permissiva deve ser considerado com cautelosa nos idosos e pode ser contraindicado se os pacientes sofrerem de hipertensão arterial crônica.66 Após a reposição volêmica adequada, se o paciente ainda persistir hipotenso, deve-se iniciar a administração de vasopressores titulada de acordo com a PAM. A norepinefrina é o vasopressor de 1ª escolha. A vasopressina pode ser usada como agente de 2ª linha em associação com agentes adrenérgicos. A epinefrina pode ser adicionada outras drogas falharem.6 Os inotrópicos devem ser utilizados com cautela e, de preferência, após avaliação da função miocárdica.

126

Seção I Hemodinâmica

Durante todo o manejo do choque hipovolêmico, é necessária a monitorização dos marcadores globais da perfusão tecidual, como lactato, BE, bicarbonato, saturação venosa central de oxigênio (SvcO2) e diferença entre a PCO2 venosa central e a PCO2 arterial (P(vc-a)CO2) para ajustar as medidas terapêuticas a fim de otimizar a oxigenação tecidual. A quantidade de lactato produzido pelo metabolismo anaeróbico é um marcador indireto de hipóxia, hipoperfusão tecidual e gravidade do choque hemorrágico.67-70 Vincent e colaboradores71 mostraram, em um estudo prospectivo com pacientes em choque hipovolêmico, que alterações na concentração de lactato fornecem uma avaliação precoce e objetiva da resposta do paciente à terapia e sugerem que medidas seriadas de lactato representam um índice prognóstico confiável para pacientes em choque hipovolêmico. Outro estudo observacional prospectivo realizado com pacientes politraumatizados mostrou que existe uma correlação entre a depuração do lactato e a sobrevida.72 Todos os pacientes cujos níveis de lactato retornaram ao normal (≤ 2 mmol/L) nas primeiras 24 horas sobreviveram, a sobrevida caiu para 77,8% se a normalização ocorreu entre 24 e 48 horas e para 13,6% se o lactato permaneceu ≥ 2 mmol/L por mais de 48 horas.72 Outros estudos mostraram resultados semelhantes.73,74 Os níveis séricos de lactato não são confiáveis em pacientes alcoolizados, pois o álcool por si só acarreta aumento na concentração de lactato; nesses pacientes, o BE tem se estabelecido como um fator preditor de mortalidade independente em pacientes com choque hemorrágico, sendo, assim, um preditor prognóstico melhor que o lactato.75-80 Embora esses dois parâmetros tenham boa correlação com choque e ressuscitação, eles não apresentam correlação estrita entre si nos pacientes críticos.73 Portanto, recomenda-se uma avaliação independente e seriada desses parâmetros na monitorização do choque durante a ressuscitação hemodinâmica.67,69,80 Vale lembrar que o BE sofre influência de uma série de fatores como reposição de bicarbonato, acidose metabólica hiperclorêmica, cetoacidose diabética, insuficiência renal etc., nem sempre correlacionado à hipoperfusão tecidual.6 Nível baixo de bicarbonato também tem valor preditor de mortalidade.74 A saturação venosa mista de oxigênio (SvO2) e a SvcO2 refletem a relação entre oferta e demanda de oxigênio e são utilizadas como índices de oxigenação tecidual global durante o tratamento dos estados de choque. A SvO2 é obtida através de amostra coletada da porção distal do cateter de artéria pulmonar (CAP), enquanto a SvcO2 é medida por meio de amostra coletada por cateter central locado na VCS. Como o uso do CAP vem diminuindo e os cateteres venosos centrais, por sua vez, são amplamente utilizados nos pacientes graves e têm menor custo e menor risco de complicações, a SvcO2 é a alternativa mais simples para a detecção de hipóxia tecidual e orientação terapêutica.38,81 Por se tratar de uma medida global, uma SvcO2 normal não indica necessariamente uma oxigenação tecidual adequada, mas valores abaixo de 70% se correlacionam bem com um balanço desfavorável entre oferta e consumo de oxigênio. Assim, é recomendado um alvo de SvcO2 > 70%. A P(v-a)CO2 obtida pela coleta de sangue misto pelo CAP também vem sendo substituída pela P(vc-a) CO2 obtida de amostra coletada de cateter central.82,83 A P(vc-a)CO2 não serve como um marcador confiável de hipoxemia tecidual, mas deve ser considerada um marcador da adequação do fluxo sanguíneo venoso (em última instância, do DC) em remover o CO2 produzido pelos tecidos periféricos. Então, uma P(vc-a)CO2 elevada (> 6) sugere que o DC não é suficiente para atender as demandas metabólicas globais e requer intervenções adicionais para otimização da microcirculação.83,84 Entretanto, em pacientes em estado hiperdinâmico a P(vc-a)CO2 pode estar normal a despeito de alterações na perfusão tecidual, nesses casos a interpretação dessa variável deve ser cautelosa.84 Após otimização da pré e pós-carga e certificada a ausência de hipoxemia, caso os marcadores globais da perfusão tecidual indicarem persistência de hipoperfusão e hipóxia (lactato, BE e P(vc-a)CO2 elevados, SvcO2 < 70% etc.), é preciso avaliar a possibilidade de transfusão de concentrado de hemácias para restabelecer a oxigenação tecidual, caso o hematócrito esteja abaixo de 30%.6,59 O último guideline europeu para o manejo do sangramento e coagulopatia decorrente de grandes traumas recomenda um alvo de hemoglobina de 7 a 9 g/dL (grau 1C).59 Entretanto, a terapia da HM requer transfusão maciça (TM) para manter a adequada perfusão e hemostasia. A TM refere-se à transfusão de grandes quantidades de hemocomponentes em um curto

Capítulo 9  Manejo do choque hipovolêmico

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período de tempo para tratamento adicional de lesões hemorrágicas graves ou não controladas. As principais definições de TM estão descritas no Quadro 9.2. Quadro 9.2  Conceitos de transfusão maciça25 Transfusão ≥ 10 UI de concentrado de hemácias dentro de 24 horas Transfusão ˃ 4 UI de concentrado de hemácias em 1 hora Substituição ˃ 50% do volume sanguíneo total por hemocomponentes dentro de 3 horas

O racional para administração de CH:PFC:PQT na relação de 1:1:1 é assemelhar ao sangue total e, com isso, tratar e prevenir a ETIC. Com a infusão dos três hemocomponentes, pode-se fornecer um hematócrito de cerca de 26%, atividade de 40 a 50% do fator de coagulação e uma contagem de plaquetas em torno de 90 mil, levando-se em conta os déficits de estocagem. Vários estudos retrospectivos mostraram redução da mortalidade quando se utilizaram proporcionalmente CH, PFC e PQT.85,86 Johansson e Stensballe86 demonstraram que uma alta proporção de PFC e PQT em relação ao CH aumentou a sobrevida de pacientes militares com lesões traumáticas que receberam TM. Contudo, os vários estudos realizados foram retrospectivos e, portanto, afetados pelo viés do sobrevivente, que provavelmente recebeu mais plasma e plaquetas do que o não sobrevivente.87 Recentemente, um estudo multicêntrico, prospectivo e observacional em pacientes com traumas graves (PROMMTT) examinou a associação de mortalidade com a relação de transfusão.88 Essa coorte demonstrou melhora na mortalidade hospitalar com a proporção de CH:PFC e CH:PQT < 2:1 dentro das primeiras 6 horas. Mais recente, o PROPPR, primeiro estudo multicêntrico, prospectivo e randomizado, comparou a relação 1:1:1 de PFC:PQT:CH com 1:1:2 em 680 pacientes vítimas de traumas graves que receberam TM. Não houve diferença na mortalidade em 24 horas ou 30 dias. No entanto, mais pacientes alcançaram a hemostasia no grupo 1:1:1, com menos mortes por exsanguinação em 24 horas sem acrescentar diferenças na segurança. Esses dados fortalecem o uso do protocolo 1:1:1 em estágios iniciais do trauma, ainda com sangramento ativo; após o controle da hemorragia, o tratamento deverá ser guiado por exames laboratoriais.89 Seguindo a mesma linha, Spinella e colaboradores90 compararam o uso de sangue total fresco aquecido (warm fresh whole blood – WFWB) com a terapia de hemocomponentes em pacientes vítimas de guerra na região do Iraque e Afeganistão. Do total, apenas 30% dos pacientes receberam o WFWB, ainda assim, a taxa de sobrevida foi muito maior que no grupo com a terapia de hemocomponentes. O resultado sugeriu uma vantagem significativa do uso de WFWB. O potencial benefício dessa estratégia decorre da oferta de um elevado nível de hematócrito, maior quantidade de plaquetas, fatores de coagulação e fibrinogênio quando comparada à terapia 1:1:1 com hemocomponentes.91 Entre as medicações alternativas na TM, estão o fator VII ativado (rFVIIa), o concentrado de complexo protrombínico (CCP) e o ácido tranexâmico (TXA). Os dois primeiros não são aprovados para o uso em pacientes vítimas de trauma ou com HM e podem favorecer o risco de eventos trombóticos.92 O agente antifibrinolítico TXA tem sido sugerido como alternativo ao rFVIIa. O TXA demonstrou reduzir mortalidade em pacientes civis93 e militares94 vítimas de trauma, quando administrado precocemente (dentro de 3 horas, preferencialmente na primeira hora da lesão).95 O estudo MATTERs,94 realizado em regiões de conflitos militares, evidenciou menor mortalidade nos pacientes que receberam TXA, apesar de ser mais graves. O estudo CRASH-2, randomizado com mais de 20 mil pacientes de trauma, demonstrou que o TXA reduziu risco de morte e morte por hemorragia sem aumentar o risco de complicações trombóticas.93 Outro trabalho com o mesmo banco de dados mostrou uma boa relação custo-efetividade no uso do TXA em vários países com diferentes graus de desenvolvimento.96 Além de ser indicado como terapia em todos pacientes requerendo TM, o TXA pode ser utilizado em hemorragias pós-parto.97 Adicionalmente às terapêuticas citadas, o último guideline europeu recomenda a monitorização dos níveis de cálcio ionizado, assim como mantê-los na faixa de normalidade durante a TM (grau 1C).59 Os íons de cálcio (fator IV) são necessários para promover ou acelerar todas as reações da coagulação sanguínea. Na sua ausência, não ocorre coagulação por qualquer das duas vias da cascata de coagulação.

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Dois recentes estudos98,99 mostraram que níveis baixos de cálcio ionizado na admissão estavam relacionados à maior mortalidade e necessidade de TM. As medidas de cálcio ionizado na admissão podem facilitar a identificação de candidatos à TM. A hipocalcemia após lesões traumáticas se correlaciona também com maior necessidade de PFC. A hipocalcemia desenvolvida durante a TM se deve à ligação do citrato ao cálcio ionizado. É mais comum com a transfusão de PFC e PQT, que contêm maiores concentrações de citrato.100 Nos pacientes com HM, a ressuscitação volêmica e a transfusão de hemocomponentes são cruciais para a prática do controle de danos (Quadro 9.3). Quadro 9.3  Controle de danos92 Rápido controle do sangramento (abordagem cirúrgica quando indicada) Uso precoce e aumentado de hemocomponentes na relação 1:1:1 CH:PFC:PQT Limitar o uso excessivo de cristaloide Prevenção e tratamento da hipotermia, hipocalcemia e acidose Estratégia de reposição hipotensiva

As lesões por trauma constituem a principal causa de morte nas idades entre 1 e 40 anos.101 Estima-se que 10 a 20% dessas mortes são potencialmente preveníveis com o controle eficaz do sangramento.102 A abordagem baseada na ressuscitação do controle de danos envolve a oferta rápida de hemocomponentes como medida de ressuscitação primária para minimizar a ETIC e as mortes por hemorragias. Pacientes que requerem TM são uma pequena proporção da quantidade total daqueles com trauma. A maioria não necessita de transfusões de hemocomponentes. Já os pacientes politraumatizados graves, com risco de morte elevado, comumente são admitidos com ETIC e se beneficiam da estratégia do controle de danos. O reconhecimento dos pacientes de risco para receber TM é importante para diagnóstico e intervenção precoce com o objetivo de alcançar as metas estabelecidas pelo controle de danos. Ao mesmo tempo, evita o desperdício e o esgotamento dos estoques de hemocomponentes nos bancos de sangue e também reduz a exposição aos efeitos colaterais de transfusões como lesão pulmonar aguda relacionada à transfusão (ou TRALI, do inglês transfusion related acute lung injury), sobrecarga circulatória associada à transfusão (ou TACO, do inglês transfusion acute circulatory overload), lesão pulmonar aguda, distúrbios eletrolíticos e infecções.92 Dente e colaboradores,103 em um estudo para análise dos preditores de TM, observaram que todos os pacientes com perfurações por arma de fogo transpélvica ou em multicavidades necessitaram de TM. Assim, uma das primeiras medidas sugeridas para elencar os preditores e os candidatos à TM seria a criação de protocolos desta (PTM). Os PTM têm um importante papel em estabelecer os pacientes de risco para a TM e facilitar as ações para administração de hemocomponentes. Tem sido demonstrado que a adoção dos PTM resulta em melhor sobrevida dos pacientes e reduz o estresse clínico dos envolvidos, além de reduzir os custos significativamente, ao diminuir o uso dos componentes do sangue.104,105 A monitorização da coagulação é mandatória, pois possibilita o diagnóstico de possíveis coagulopatias, orientando a escolha da melhor intervenção terapêutica. Essa monitorização inclui medida precoce e seriada da contagem de plaquetas, fibrinogênio, tempo de protrombina (TP) e tempo de tromboplastina parcial ativado (TTPa), bem como realização de métodos viscoelásticos como a tromboelastografia (TEG™, Haemonetics Corp., Braintree, Massachusetts, EUA) e a tromboelastometria (ROTEM™, Tem International GmbH, Munique, Alemanha).59,92 Os testes viscoelásticos (TEG ou ROTEM) fornecem uma representação gráfica em tempo real da formação do coágulo, o que permite a individualização da correção da coagulopatia de forma mais acurada e substancialmente mais rápida do que com uso dos outros testes-padrão.92

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O controle da temperatura corporal também deve ser instituído simultaneamente às outras medidas descritas anteriormente. A hipotermia (temperatura corporal < 35ºC) está associada à acidose, hipotensão, coagulopatia e alta mortalidade em pacientes críticos.106 Cuidados para prevenir hipotermia e a consequente coagulopatia induzida por hipotermia incluem cobrir o paciente, aumentar a temperatura ambiente, infundir fluidos aquecidos, uso de colchões de circulação de água aquecida ou uso de manta térmica – circulação forçada de ar aquecido.107,108 Os dois últimos são mais eficazes para o reaquecimento corporal, enquanto os outros são mais úteis para evitar perda adicional de calor. O último guideline europeu para o manejo do sangramento e coagulopatia decorrente de grandes traumas recomenda a aplicação precoce de medidas para reduzir a perda de calor e aquecer o paciente hipotérmico para alcançar e manter a normotermia (grau 1C).59 No Quadro 9.4, são apresentadas recomendações do uso de alguns hemocomponentes no choque hemorrágico. Quadro 9.4  Recomendações do uso de hemocomponentes no choque hemorrágico59 TXA

Dose de ataque de 1 g em 10 minutos seguida de 1 g em 8 horas em pacientes com hemorragia significativa (grau 1A) Deve-se administrar o mais precoce possível, dentro de 3 horas e preferencialmente na 1ª hora (grau 1B) Recomenda-se a administração de PFC na HM (grau 1B)

PFC

Se administrar PFC, manter uma proporção mínima de 2:1 CH:PFC (grau 2C) A transfusão de PFC deve ser evitada na ausência de sangramento substancial (grau 1B)

Crioprecipitado e Recomenda-se tratamento com CF ou crioprecipitado no manejo dos pacientes com Concentrado de fibrinogênio sangramento significativo que apresentem sinais tromboelastométricos de déficit funcional (CF) de fibrinogênio ou fibrinogênio plasmático menor que 150-200 mg/dL (grau 1C) Sugere-se dose inicial de CF 3-4 g ou 50 mg/kg de crioprecipitado, a qual equivale aproximadamente a 15-20 UI em um adulto de 70 kg. Doses repetidas devem ser guiadas por monitorização viscoelástica e pelos níveis de fibrinogênio (grau 2C) Plaquetas

Recomenda-se administração de PQT para manter níveis de 50.000/L (grau 1C) Sugere-se manter os níveis de plaquetas acima de 100.000 no TCE (grau 2C) Sugere-se administração de PQT em pacientes com sangramento substancial ou TCE que tenham sido tratados com agentes antiplaquetários (grau 2C) Se uso prévio isolado de ácido acetilsalicílico, recomenda-se desmopressina (0,3 µg/kg) (grau 2C) Sugere-se monitorizar a função plaquetária em pacientes tratados ou com suspeita de tratamento com agentes antiplaquetários (grau 2C) Se disfunção plaquetária documentada e sangramento ativo, recomenda-se a administração de plaquetas (grau 2C)

Desmopressina

Sugere-se administração de desmopressina (0,3 µg/kg) em pacientes tratados com drogas antiplaquetárias ou com doença de Von Willebrand (grau 2C)

CCP

Recomenda-se o uso precoce do CCP para reversão emergencial de anticoagulante oral vitamina K dependente (grau 1B)

rFVIIa

Sugere-se que o uso do rFVIIa pode ser considerado em hemorragias graves ou coagulopatia traumática persistente apesar do tratamento padrão para controle do sangramento e da melhor prática usual das medidas hemostáticas (grau 2C)

Novos anticoagulantes

Sugere-se a avaliação da atividade do fator anti-Xa em pacientes tratados ou suspeitos de tratamento com agentes orais antifator Xa como rivaroxaban, apixaban ou endoxban (grau 2C) Se sangramento grave, recomenda-se reversão dos agentes orais anti-Xa com altas doses (25-50 UI/kg) do CCP (grau 2C) Não é recomendável a administração de CCP em pacientes tratados ou suspeitos de tratamento com inibidores diretos da trombina (grau 2B)

CCP: concentrado de complexo protrombínico; PFC: plasma fresco congelado; HM: hemorragia maciça; TXA: ácido tranexâmico; CH: concentrado de hemácias; TCE: trauma cranioencefálico; PQT: plaquetas; rFVIIa: fator VII ativado.

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Capítulo 9  Manejo do choque hipovolêmico

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Seção I Hemodinâmica

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Choque séptico

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Ramon Teixeira Costa 1. INTRODUÇÃO A sepse consiste em uma síndrome de resposta inflamatória sistêmica associada a um foco infeccioso. Em geral, o sistema imunológico do hospedeiro é capaz de controlar a inflamação no foco infeccioso, assim como debelar o patógeno em questão. No entanto, em alguns casos, esse mecanismo falha resultando em uma reação inflamatória exacerbada e fechando um ciclo que resulta em dano tecidual ainda maior. Conforme a sua apresentação clínica, pode ser classificada em sepse, sepse grave e choque séptico (Quadro 10.1). A primeira é definida pela presença de um foco infeccioso documentado ou presumido associado à evidência de inflamação sistêmica, isto é, presença de alterações de dois ou mais dos seguintes conjuntos de variáveis que se dividem em: gerais; inflamatórias; hemodinâmicas; disfunções orgânicas; e de perfusão tecidual (Quadro 10.2). Grande discussão vem sendo gerada em torno do número de critérios inflamatórios que deveriam ser levados em conta ao se definir o diagnóstico de sepse, uma vez que estes foram definidos em 1992, isto é, há mais de 23 anos. A presença de dois critérios diagnósticos induz à perda de 1 em cada 8 casos, assim como falha ao definir a real mortalidade relacionada ao quadro. Alguns advogam que tal problema poderia ser sanado com a ampliação para três critérios inflamatórios. A sepse grave associa-se à presença de sinais de má perfusão tecidual ou disfunção de algum órgão (Quadro 10.3).1-3 Já o choque séptico é considerado o extremo mais grave da síndrome e é caracterizado por um quadro de hipotensão [pressão arterial média (PAM) < 65 mmHg] associado à má perfusão tecidual, a despeito de reposição volêmica vigorosa (30 mL/kg).

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Seção I Hemodinâmica

Quadro 10.1  Definições sobre a sepse SRIS (síndrome da resposta inflamatória sistêmica)

Pode ser secundária a uma infinidade de insultos, como: trauma; queimaduras; pancreatite; sepse etc.

Sepse

Síndrome da resposta inflamatória sistêmica relacionada à infecção documentada ou presumida

Sepse grave

Sepse associada à disfunção orgânica (cardiovascular, neurológica, renal, respiratória, hepática, hematológica, metabólica), hipotensão ou hipoperfusão tecidual

Choque séptico

Hipotensão ou hipoperfusão não responsiva a volume com necessidade de uso de agentes vasopressores em pacientes com quadro de sepse

Síndrome da disfunção de Presença de função orgânica alterada em pacientes agudamente enfermos, nos quais a múltiplos órgãos (SDMO) homeostase não pode ser mantida sem intervenção

Quadro 10.2  Critérios definidores de sepse 4 INFECÇÃO DOCUMENTADA OU PRESUMIDA ASSOCIADA A 2 OU MAIS DOS SEGUINTES CRITÉRIOS Variáveis gerais • Temperatura corporal (febre > 38,3ºC ou hipotermia < 36ºC) • Taquicardia (Fc: > 90 bpm) • Taquipneia (Fr: < 20 irpm) • Anasarca ou balanço hídrico positivo (> 20 mL/kg em 24 horas) Variáveis inflamatórias • Leucometria (Leuco < 4.000 ou > 12.000) • Leucócitos normais com desvio para esquerda > 10% • Elevação da PCR acima de 2 DP do valor normal • Elevação da procalcitonina acima de 2 DP do valor normal Variáveis hemodinâmicas • Hipotensão (PAS < 90 mmHg, PAM < 65 mmHg ou PAS < 40 mmHg em relação à habitual do paciente Variáveis de disfunções orgânicas • Hipoxemia (PO2/FiO2 < 300) • Oligúria (débito urinário < 0,5 mL/kg/hora por mais de 2 horas apesar de expansão volêmica • Aumento na creatinina > 0,5 mg/dL • Coagulopatia (INR >1,5 ou TTPa > 60 segundos) • Trombocitopenia (< 100.000) • Hiperbilirrubinemia (> 4 mg/dL) • Íleo (ausência de ruídos hidroaéreos) Variáveis de perfusão tecidual • Hiperlactatemia • Redução da perfusão capilar PCR: reação em cadeia da polimerase; PAS: pressão arterial sistólica; PAM: pressão arterial média; INR: índice internacional normalizado; TTPa: tempo de tromboplastina parcial ativado.

Quadro 10.3  Critérios de disfunção orgânica Hipotensão induzida pela sepse (PAM < 65 mmHg) Lactato > limite considerado normal Débito urinário < 0,5 mL/kg/hora por mais de 2 horas Síndrome do desconforto respiratório agudo com relação PO2/FiO2 < 250 na ausência de pneumonia como foco infeccioso primário Síndrome do desconforto respiratório com relação PO2/FiO2 < 200 quando pneumonia for considerada o foco infeccioso primário Cretinina > 2 mg/dL Bilirrubina > 2 mg/dL Plaquetas < 100.000 Coagulopatia (INR > 1,5) Fonte: Adaptado de Levy MM, Fink MP, Marshall JC e colaboradores, 2001.11

Capítulo 10  Choque séptico

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2. EPIDEMIOLOGIA Apesar dos crescentes avanços no entendimento da fisiopatologia do choque séptico, este continua a apresentar uma mortalidade extremamente elevada, variando de 50 a 60% dos casos.5 O impacto econômico é outro aspecto a ser considerado. O custo do tratamento de cada paciente em sepse é estimado em cerca de 50 mil dólares, com um gasto anual avaliado em 16,7 bilhões de dólares só nos Estados Unidos. Há um pico de incidência na 6ª década de vida. Os fatores predisponentes são câncer, imunodeficiência, disfunções orgânicas crônicas e fatores genéticos como sexo masculino e os polimorfismos. No Brasil, entre 2005 e 2013 foram registrados 14.643 casos de sepse grave (55,2%) ou choque séptico (44,8%). Destes, 52,5% eram de pacientes do sexo masculino. A idade média foi de 59,7 anos. A taxa média de mortalidade foi de 64%, porém percebe-se grande diferença entre os resultados obtidos em hospitais públicos e privados. Nestes, essa taxa é de 54%; já naqueles, de 72%. O principal foco infeccioso é o pulmão. Cinquenta e cinco por cento dos brasileiros que desenvolvem sepse têm a pneumonia como causa, seguida pelas infecções abdominais (17%) e as do trato urinário (16%).6

3. QUADRO CLÍNICO Os sintomas associados à má perfusão tecidual são comuns a todos os estados de choque, não sendo específicos da condição séptica. Ao exame físico, podem-se perceber hipotensão, taquicardia, taquipneia, redução da pressão de pulso, oligúria associada à sede e sinais de desidratação. Febre pode estar presente, no entanto cerca de 10 a 15% dos doentes apresentam hipotermia. À avaliação neurológica, identificam-se alterações do nível de consciência que variam da agitação psicomotora ao coma. A perfusão capilar periférica apresenta uma característica peculiar no choque séptico, pois, em geral, nos estados de colapso cardiovascular, observa-se pele pegajosa com aumento do tempo de enchimento capilar (> 4,5 segundos). Já neste tipo de choque, devido à vasodilatação do leito capilar, muitas vezes esses pacientes estão com o tempo de enchimento adequado e com a periferia aquecida, devendo o avaliador estar atento a tal aspecto. Nos exames laboratoriais, observam-se piora dos parâmetros perfusionais com hiperlactatemia, aumento do “GAP” de CO2, acidose metabólica (negativação do BE) e redução da saturação venosa central ou mista. Existem ainda parâmetros inflamatórios que ajudam na diferenciação do choque séptico de outros estados de má perfusão tecidual. Além daqueles já citados e que servem de critérios diagnóstico para a síndrome da resposta inflamatória sistêmica (SIRS, do inglês systemic inflammatory response syndrome) como a avaliação do leucograma, existem alguns biomarcadores que vêm corroborando a diferenciação de quadros puramente inflamatórios daqueles em que, fato, existe infecção, ou seja, sepse. Entre os marcadores disponíveis amplamente, pode ser citada a proteína C-reativa. Outros ainda em estudo são a dosagem de endotoxinas, TREM-1 (triggering receptor expressed on myrloid cells), e citocinas como a IL6. No entanto, eles ainda não são utilizados em larga escala, sendo reservados para pesquisa. Os biomarcadores podem ratificar o início precoce do antibiótico quando houver evidência de infecção, passo este de suma importância no tratamento do paciente séptico. Além disso, poderá evitar a administração de antimicrobianos desnecessários em indivíduos portadores de quadros puramente inflamatórios. Outra avaliação necessária no doente em choque séptico é quanto à presença de disfunções orgânicas. Elas não só têm valor prognóstico, como também servem para determinar a terapia de suporte a esses pacientes. É sabido que a mortalidade sobe sensivelmente conforme o número de órgãos acometidos. Estudos mostram que disfunções renais, hepática, neurológica e hematológica estão associadas a pior desfecho do que as cardiovasculares ou respiratórias.

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Seção I Hemodinâmica

3.1 Exame físico • Hipotensão arterial (PAS < 90 mmHg ou < 40 mmHg da PAS habitual do paciente ou PAM < 65 mmHg). • Taquicardia (FC > 90 bpm). • Redução da perfusão capilar (tempo de enchimento > 4,5 segundos). Esse sintoma requer muita atenção, pois, muitas vezes, os doentes em sepse apresentam quadro de vasodilatação, não sendo observada nenhuma alteração da perfusão capilar, apesar da oferta de O2 tecidual estar inadequada. • Redução da pressão de pulso. • Redução do débito urinário (< 0,5 mL/kg/hora). • Edema-anasarca. • Alterações do nível de consciência (pode variar da agitação ao coma) • Taquipneia (Fr > 20 irpm). • Febre (temperatura central > 38,3ºC). • Hipotermia (temperatura central < 36ºC).

3.2  Exames laboratoriais 3.2.1  Variáveis perfusionais • • • • • •

Redução da perfusão capilar periférica (tempo enchimento > 4,5 segundos). Lactato > 4 mmol/L (colhido em sangue venoso central ou arterial). Saturação venosa central < 70%. Saturação venosa mista < 65%. Gap CO2 > 5 (CO2 arterial/CO2 venoso). Acidose metabólica (redução do BE).

3.2.2  Variáveis inflamatórias • Leucopenia (< 4.000 mm3). • Leucocitose (> 12.000 mm3). • Contagem leucocitária dentro dos limites da normalidade, porém com mais de 10% de células imaturas. • Elevação da PCR. • Elevação de procalcitonina > 0,5 µg/L. • TREM-1 (do inglês, triggering receptor expressed on myeloids cells ‒ desencadeamento do receptor solúvel expresso em células mieloides) plasmático > 60 mg/L. • IL6 (elevada em estados inflamatórios em geral, sendo ruim para diferenciação SIRS-sepse).

3.2.3  Variáveis de disfunção orgânica • • • • •

Trombocitopenia (< 100.000 mm3). INR > 1,5 ou TTPa > 60 segundos. Hiperbilirrubinemia (> 4 mg/dL). Hipoxemia (PO2-FIO2 < 300). Elevação da creatinina > 0,5 mg/dL do valor basal ou queda da diurese para < 0,5 mL/kg/hora por 2 horas ou mais apesar de expansão volêmica adequada.

Capítulo 10  Choque séptico

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4. IDENTIFICAÇÃO DO FOCO INFECCIOSO Uma vez estabelecido o diagnóstico de sepse, é preciso que o foco infeccioso seja identificado e controlado, pois a eficácia do tratamento está diretamente associada rapidez da conduta. As culturas devem ser colhidas antes do início dos antibióticos no intuito de aumentar sua sensibilidade. Deverão ser coletadas pelo menos duas hemoculturas com pelo menos uma por punção periférica. Os acessos vasculares com tempo de implantação maior do que 48 horas também deverão ter hemoculturas colhidas. Os demais sítios de coleta serão direcionados conforme suspeita clínica (urina, secreção traqueal, líquido cerebrospinal (LCS) etc). Ressalte-se que a coleta das culturas jamais deve atrasar o início dos antibióticos (> 1 hora). A bacterioscopia das amostras com coloração de Gram pode ser útil no direcionamento do tratamento até o resultado definitivo das culturas. Naqueles doentes com suspeita de infecção fúngica, deverá ser solicitada análise de 1,3 beta-D-glucana, manana e anticorpos anti-manana, caso disponíveis. Atualmente, existem métodos modernos de identificação dos agentes etiológicos como a PCR (reação em cadeia da polimerase) em tempo real. Este permite, mediante um diagnóstico rápido, o direcionamento do antibiótico, aumentando, assim, a taxa de acerto e reduzindo o tempo de espera. Apesar de vantajoso, devido ao elevado custo, seu uso ainda não está difundido.7 Exames de imagem como a tomografia computadorizada (TC), ultrassonografia e até mesmo radiografias podem ser bastante úteis na identificação do foco de infeccção. Além disso, podem ser realizados para direcionar tanto procedimentos diagnósticos como terapêuticos (p. ex.: punção guiada por TC). Naqueles pacientes com instabilidade hemodinâmica, em razão do risco relacionado ao transporte, a melhor opção são os exames passíveis de realização na própria unidade.

5. TRATAMENTO Deve ser iniciado tão logo diagnosticado, independentemente da unidade onde o paciente se encontre, seja no pronto-socorro, enfermaria ou UTI. Sabe-se que as primeiras 6 horas de atendimento (golden hours) são cruciais e, por isso, não se pode correr o risco de perdê-las aguardando a transferência para a unidade de cuidados intensivos. Esses doentes devem receber monitorização eletrocardiográfica contínua, oximetria de pulso, controle de diurese e temperatura. O cateter venoso central, considerado, até bem pouco tempo, um instrumento de suma importância para o tratamento do choque, mostrou ter papel coadjuvante no manejo desses pacientes. Em maio de 2014, o grupo de investigadores ProCESS (Protocolized Care for Early Septic Shock) publicou estudo que evidenciou que a avaliação seriada do lactato arterial, assim como da pressão arterial, mostrou-se tão eficaz quanto as diretivas estabelecidas anteriormente (EGDT), em que parecia imperativo a passagem do dispositivo central para direcionado do tratamento pela saturação venosa central. Por meio deste parâmetro, eram administradas transfusões, expansões volêmicas e até mesmo dobutamina, conforme um “pacote de medidas a serem instituídas”. Tais mudanças na estratégia de monitorização hemodinâmica e ressucitação volêmica repercutiram em menor utilização de fluidos, drogas vasoativas, inotrópicos, hemotransfusões, com mortalidade similar e, obviamente, menor custo.8-11 Naqueles em que o uso de norepinefrina se fizer necessário, deverá ser avaliada a passagem do cateter venoso central para a infusão dessa droga. O cateter de artéria pulmonar, apesar de ter seu benefício ratificado em algumas patologias como a hipertensão pulmonar, apresenta impacto duvidoso nesse tipo de choque, principalmente quando colocados em questão os riscos relacionados à sua implantação, permanência e manipulação. Além da monitorização, o manejo do choque séptico baseia-se na ressuscitação volêmica, no suporte hemodinâmico, no tratamento/controle precoce do foco infeccioso e nas terapias de suporte das disfunções orgânicas.

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Seção I Hemodinâmica

5.1 Ressuscitação volêmica O primeiro passo no manejo do doente com choque séptico é a otimização volêmica. O racional desta parte do tratamento baseia-se no fato de estes pacientes apresentarem um quadro de vasodilatação significativa associada ao aumento da permeabilidade vascular, o que resulta na redução significativa do volume intravascular e, em um segundo momento, na queda na oferta tecidual de O2. Conforme a lei de Frank-Starling, aumentos na pré-carga elevariam o volume sístólico e, por consequência, o débito cardíaco (DC). No entanto, após o ponto de inflexão da curva de Starling (Figura 10.1), a administração de volume não traz benéficios e ainda estaria associada à congestão pulmonar e sistêmica, sem melhora adicional do débito cardíaco (DC). Existem estudos evidenciando que a expansão volêmica após esse momento descrito está associado a um pior.Portanto, as expansões volêmicas devem ser reduzidas quando as pressões de enchimento aumentarem sem melhora hemodinâmica ou perfusional adicionais. Por isso, a estratégia de ressuscitação volêmica deve ser baseada em parâmetros perfusionais e hemodinâmicos (Tabela 10.1).

Ponto de inflexão

Débito cardíaco

Figura 10.1  Ponto de inflexão durante a reposição volêmica.

Pré-carga

Tabela 10.1  Parâmetros tidos como metas para a estratégia de otimização volêmica PARÂMETROS PERFUSIONAIS

PARÂMETROS HEMODINÂMICOS

Saturação venosa O2 > 70% ou mista > 65%

PAM > 65 mmHg

Lactato < 4 mmol/L ou redução > 10% em 6 horas

Diurese > 0,5 mL/kg/hora

Gap CO2 < 6

PVC entre 8-12 mmHg*

BE entre +5 e –5 mmol/L

DC > 3,5

*Naqueles em VM ou com alteração da complacência ventricular, a meta deverá ser PVC 12 a 15 mmHg. DC: débito cardíaco; PVC: pressão venosa central; VM: ventilação mecânica.

Conforme descrito, nesses pacientes deve-se estabelecer um acesso venoso o mais rápido possível, de preferência central a fim de iniciar expansões volêmicas. Tais expansões, também conhecidas como “provas volêmicas”, caracterizam-se por ofertarem ao paciente alíquotas em um tempo determinado, em geral de 500 a 1.000 mL de cristaloides infundidos em 30 minutos. Infusões mais rápidas ou volumes maiores poderão ser necessários conforme o estado hemodinâmico do doente.

Capítulo 10  Choque séptico

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5.1.1 Coloide versus cristaloide Tema ainda controverso, pois não foi evidenciado benefício de um tipo de solução sobre o outro em termos de perfusão tecidual, pressões de enchimento e até mesmo mortalidade. O estudo SAFE, de grande impacto na literatura, comparou o uso de albumina 4% e cristaloide e não evidenciou diferença quanto ao tempo de internação em UTI ou hospitalar, percentual de disfunção orgânica e mortalidade entre os dois grupos de tratamento.12 Um estudo mais recente que randomizou pacientes em sepse grave para o uso de cristaloide ou amido mostrou uma maior incidência tanto de insuficiência renal quanto de necessidade de diálise no grupo que fez uso do coloide, não se recomendando, assim, a utilização rotineira dessa solução nesse grupo de pacientes.13 Em suma, deve-se ter em mente que, assim como os demais medicamentos, as doses e os efeitos colaterais associados a cada solução devem ser ponderados durante a respectiva administração. As diferenças de eficácia entre coloides e cristaloides, aparentemente, são modestas, no entanto a segurança do segundo grupo é significativa. De fato, o tipo de solução mais frequentemente utilizado nesses pacientes é mesmo o cristaloide, principalmente por ser relativamente inócuo e de baixo custo. Contudo, percebe-se que pacientes ressuscitados com cristaloide precisam de um maior volume da solução para atingir o estado de euvolemia.

5.2  Suporte vasopressor Muitas vezes, apesar de ter havido uma otimização volêmica adequada, os pacientes sépticos mantêm-se hipotensos e com sinais de má perfusão tecidual, sendo indicado o início de um vasopressor. Estudos evidenciaram que para manter uma oferta de oxigénio adequada é necessário uma pressão arterial média (PAM) de no mínimo 65 mmHg.14 No entanto, devido ao quadro de perda da autorregulação vascular, tal meta torna-se difícil de ser atingida apenas com expansões volêmicas, fazendo-se necessária a administração desse tipo de droga. De fato, a reposição volêmica deve correr em paralelo ao início das medicações vasoativas, isto é, mesmo aqueles que já estiverem em uso de vasopressores, mas apresentam sinais de hipovolemia, deverão receber expansões no intuito de adequar esse parâmetro. Outro aspecto relevante é que a PAM deve ser titulada levando-se em conta a história do paciente. Por exemplo, um doente previamente hipertenso descontrolado pode necessitar de pressões maiores que 65 mmHg; já para um jovem previamente hígido, uma PAM de 65 mmHg pode ser mais que o suficiente. Nesse momento, é de grande importância avaliar os parâmetros perfusionais, tanto clínicos quanto laboratoriais. A droga de 1ª linha para o suporte vasopressor no paciente em choque séptico é a norepinefrina. Há grande controvérsia na literatura quanto ao seu benefício em relação à dopamina.15 A norepinefrina é um agonista alfa-adrenérgico com pouco efeito nos receptores beta. Por isso, não interfere de maneira representativa no inotropismo e cronotropismo do paciente. Já a dopamina apresenta efeitos que são dose-dependente. Doses de 5 a 10 µg/kg/min têm efeito nos receptores beta-adrenérgicos, aumentando a frequência e a contratilidade cardíaca. Em doses maiores do que 10 µg/ kg/min, seu papel é predominantemente alfa-adrenérgico, isto é, induz um aumento da pressão arterial. Doses abaixo de 5 µg/kg/min, que, anteriormente, foram utilizadas para induzir vasodilação esplâncnica (“dose renal”), não trouxeram benefícios, além de aumentarem o risco de taquiarritmias. Norepinefrina, vasopressina e fenilefrina não são consideradas vasopressores de 1ª linha e, por isso, não devem ser administrados logo no início de um quadro séptico, sendo reservadas para casos de refratariedade ao tratamento. A norepinefrina apresenta tanto efeitos beta quanto alfa-adrenérgicos potentes, no entanto está associada à piora da perfusão esplâncnica. Na maioria das vezes, é utilizada nos casos de choque não responsivo à infusão de norepinefrina ou de dopamina.

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A vasopressina está associada à redução na expressão da óxido nítrico sintase, assim como o GMPc relacionado ao óxido nítrico, atenuando o quadro de vasodilação. Alguns estudos mostraram que os níveis de vasopressina apresentam um comportamento bifásico na evolução do choque séptico. Cerca de 1 hora após o início do quadro, há um pico hormonal seguido por uma queda abrupta dos níveis plasmáticos atribuída ao fim dos estoques do eixo neurofisiológico, levando à deficiência relativa desse hormônio, a qual pode favorecer a perpetuação do choque. Um estudo duplo-cego, randomizado e prospectivo denominado VASST (Vasopressin and Septic Shock Trial), incluiu 778 pacientes com choque séptico em uso de doses de norepinefrina maiores que 5 µg/min. Destes, 396 receberam vasopressina em baixas doses (0,01 a 0,03 µg/min) e 382, apenas norepinefrina. Não houve nenhuma diferença entre os grupos em relação à mortalidade tanto em 28 quanto em 90 dias. A vasopressina mostrou benefícios aos ser associada à norepinefrina para atingir as metas pressóricas ou reduzir a dose de infusão da droga. Dose de 0,03 a 0,04 UI/min.

5.3  Suporte inotrópico Cerca de 40 a 50% dos pacientes com choque séptico por um período prolongado apresentam algum tipo de disfunção miocárdica, sistólica ou diastólica. Existem inúmeras teorias que tentam explicar tal achado. Apesar de esses pacientes apresentarem fluxo coronariano adequado e, muitas vezes, aumentado, existem alterações da microcirculação que reduzem o aporte sanguíneo para os miócitos. O aumento da permeabilidade desses vasos levam ainda à migração transendotelial de neutrófilos circulantes, provando edema intersticial cardíaco. Alguns advogam que há uma disfunção mitocondrial causando a queda da carga de adenosina trifosfato (ATP) dos miócito. Aparentemente, o DNA mitocondrial é mais sensível à ação das endotoxinas do que os demais. Essa queda do ATP celular induziria uma alteração funcional e, em muitos casos, morte de miócitos. Outro aspecto interessante é a apoptose de células do centro regulador autonômico induzindo uma disautonomia significativa vista em alguns desses casos.16 Baseadas nessa fisiopatologia, muitas vezes, nos pacientes com sinais de má perfusão tecidual associada a pressões de enchimento elevadas ou DC reduzido, apesar de terem a volemia otimizada e PAM estável, pode-se tentar elevar a oferta de O2 (DO2) às células com drogas inotrópicas. Nesses casos, a droga de escolha é a dobutamina, que tem efeitos beta-1 e beta-2. A dose recomendada é de 2 a 20 µg/kg/min, em infusões menores que 2 µg/kg/min, pode haver queda na pressão arterial pelo efeito alfa que, muitas vezes, é compensado pelo aumento no volume sistólico. Saliente-se que nunca se devem utilizar tais medicações buscando valores supranormais do DC, pois foi mostrado que a estratégia não resulta em aumentos adicionais da oferta de oxigênio aos tecidos.17

5.4 Corticoides Há mais de 50 anos, o uso do corticoide vem sendo estudado na sepse. A fisiopatologia é que a resposta inflamatória induz o aumento das citocinas circulantes, levando à inibição da resposta adrenal e a uma queda na descarga de hormônio corticotrófico. Outro aspecto é que parece haver uma competição dessas citocinas pelos receptores periféricos de cortisol, o que resulta em um quadro de resistência a esse hormônio. A administração exógena de corticoide reverteria parcialmente a resposta inflamatória sistémica mediante inibição da resposta inata, além de reduzir a ativação endotelial e os distúrbios da coagulação relacionados à infecção. Em 2002, foi publicado um estudo de grande impacto mostrando redução na mortalidade em 28 dias daqueles doentes em choque séptico que fizeram uso de hidrocortisona ou fludrocortisona.18

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No entanto, estudos subsequentes não foram capazes de reproduzir tal resultado em relação à sobrevida, evidenciando apenas redução no tempo de reversão do choque (manutenção da PAS maior ou igual a 90 mmHg por mais de 24 horas). Outra questão relacionada ao uso dessas medicações é o potencial aumento na taxa de infecção nesses pacientes, assim como fraqueza muscular e sangramento gastrintestinal. Porém, nenhum estudo foi capaz de ratificar uma relação causal entre tais complicações e a administração dos corticoides.19 Sendo assim, a última diretriz da Surviving Sepsis Campaign (2012) indica o início do uso de corticoides naqueles pacientes refratários às expansões volêmicas e que estão em uso de doses crescentes de drogas vasoativas. A dose recomendada é de 200 mg de hidrocortisona por dia em infusão contínua para controle mais adequado da glicemia e do sódio. Doses maiores não mostraram nenhum benefício. Nos casos em que a hidrocortisona não esteja disponível, a dexametasona não deverá ser utilizada, sendo a flucrocortisona a medicação de escolha (50 µg/dia). O corticoide deverá ser suspenso assim que as medicações vasopressoras não se fizerem mais necessárias. É importante lembrar que nos pacientes com sepse ou sepse grave, a suplementação exógena de corticoides não está indicada. O teste da corticotropina não se mostrou capaz de diferenciar entre aqueles responsivos ou não ao corticoide, por isso não há benefício na sua realização.

5.5 Hemotransfusão Uma queda na hemoglobina, em pacientes com DC inalterado, teoricamente levaria à redução na oferta tecidual de O2 (DO2). Tal conclusão decorre da seguinte fórmula: DO2 = CO + CAO2 (contéudo arterial de O2). Este último é formado pela hemoglobina multiplicada pela saturação de oxigênio do paciente vezes 1,34, que é a capacidade da hemoglobina carrear O2 (CaO2 = Hb × SO2 × 1,34). Com base nesse racional, Rivers e colaboradores estabeleceram, em seu estudo, um “pacote” de intervenções que deveriam ser realizadas nas primeiras 6 horas do diagnóstico de sepse grave e choque séptico. Entre elas, transfundir concentrado de hemácias naqueles que apresentassem sinais de má perfusão mesmo após expansão volêmica adequada e mantivessem os níveis de hemoglobina abaixo de 10 g/dL. O resultado, especificamente, de tais hemotransfusões no defecho dos pacientes não foi avaliado.8 Em 1999, Herbert e colaboradores estudaram o impacto do valor da hemoglobina em 838 pacientes críticos euvolêmicos. Destes, em 418 os níveis de hemoglobina foram mantidos entre 7 e 9 g/dL (estratégia restritiva), nos outros 420 entre 10 e 12 g/dL (estratégia liberal). A estratégia restritiva se mostrou tão eficaz quanto a liberal não havendo nenhuma diferença de mortalidade entre os grupos. De Backer e colaboradores avaliaram a microcirculação de 35 pacientes em sepse grave por meio de polarização ortogonal espectral e não mostrou alterações significativas no fluxo dos capilares após transfusão de concentrado de hemácias. Evidenciando que a hemotransfusão não influencia de maneira linear o aporte de oxigénio às células. Sabe-se que a capacidade de carreamento das hemácias transfundidas é menor, assim como sua meia-vida, além de apresentar pior reologia, ou seja, menor capacidade de se deformar nos vasos capilares. Sendo assim, na ausência de hipóxia importante, isquemia miocárdica, sangramento agudo ou acidose lática, a transfusão é recomendada quando a Hb estiver < 7,0 g/dL, com a meta de ser mantida entre 7 e 9 g/dL. No Quadro 10.4, está resumido o esquema de suporte hemodinâmico no choque séptico.

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Quadro 10.4  Suporte hemodinâmico no choque séptico METAS PAM > 65 mmHg Débito urinário > 0,5 mL/kg/hora SCVO2 > 70% ou SVO2 > 65% Valores de lactato dentro dos limites da normalidade ou clearance > 10% em 6 horas Delta CO2 < 6 EXPANSÕES VOLÊMICAS Cristaloide é a solução de escolha na dose de 30 mL/kg Novas provas volêmicas de 500-1.000 mL podem ser necessárias conforme o estado volêmico e perfusional do paciente VASOPRESSORES Iniciar quando a PAM se mantiver < 65mmHg a despeito de expansão volêmica Norepinefrina é a droga de escolha Vasopressina na dose de 0,03-0,04 UI/min pode ser adicionada para reduzir as doses de norepinefrina ou controlar PA. Não é recomendado o seu uso como vasopressor único ou em doses acima das sugeridas Epinefrina também pode ser utilizada em associação com a norepinefrina nos casos de hipotensão refratária Dopamina pode ser uma alternativa à norepinefrina em pacientes bradicárdicos ou com baixo risco de taquiarritmias INOTRÓPICOS Droga de escolha é a dobutamina Indicados nos quadros clínicos sugestivos de disfunção miocárdica ou com sinais de má perfusão apesar de otimização volêmica Contraindicados para a obtenção de níveis supranormais CORTICOIDES Hidrocortisona na dose de 200 mg/dia Indicados naqueles pacientes em uso de doses crescentes de drogas vasoativas Administrados em infusão contínua, minimizam o descontrole glicêmico e distúrbios do sódio Contraindicados na ausência de choque Devem ser suspensas assim que o vasopressor não se fizer necessário HEMODERIVADOS Na ausência de sangramentos, infarto do miocárdio, hipóxia grave é recomendada que a hemoglobina seja mantida entre 7-9 g/dL

6. ANTIBIOTICOTERAPIA E CONTROLE DO FOCO INFECCIOSO 6.1 Antibióticos A escolha do antibiótico a ser iniciado é um momento crucial no tratamento do choque séptico. É sabido que o atraso no início da sua administração ou até mesmo um erro na cobertura do agente em questão resultam em grande impacto na mortalidade do paciente. O antibiótico deve ser iniciado na primeira hora e diagnóstico do choque séptico, logo após a coleta das culturas. É importante relembrar que estas não devem, de forma alguma, retardar o início das medicações. A via de administração será a endovenosa, de preferência, exclusiva para os antimicrobianos.20 Na escolha da antibioticoterapia, devem ser considerados o foco suspeito ou confirmado, comorbidades do paciente, história de uso de antibióticos, infecções recentes e flora local. De maneira geral, inicia-se com uma cobertura ampla no intuito de descalonar em um segundo momento, conforme o resultado das culturas. O tempo do tratamento em média será de 7 a 10 dias, no entanto poderá ser extendido conforme o foco em questão, estado imunológico e evolução clínica do paciente. A dose inicial é plena, depois reajustada conforme a presença de disfunções renal ou hepática. É interessante ter em mente que os antibióticos devem ser reavaliados diariamente para avaliar a possibilidade de descalonamento e evitar, assim, a indução de resistência, gastos desnecessários e efeitos adversos relacionados aos próprios, como a insuficiência renal.

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Alguns biomarcadores como a procalcitonina poderão ser utilizados na adequação terapêutica, tanto para descalonar em caso de melhora clínica e laboratorial quanto para o reajuste dos antimicrobianos quando ocorrer o contrário.21

6.2 Foco infeccioso Muitas vezes, a causa do choque séptico é um foco que não pode ser debelado apenas com o uso de antiobiótico como fasceíte necrotizante, colangite e peritonite. Nesses casos, faz-se necessária uma abordagem direta e mais invasiva do foco. É recomendado que o controle e abordagem desses sítios infecciosos sejam realizados o quanto antes, no intervalo máximo de 12 horas após o diagnóstico. As intervenções variam de acordo com o agente e o foco em questão. Por exemplo, na fasceíte necrotizante, deve ser realizado um desbridamento extenso do tecido necrótico; já na colangite, muitas vezes, uma simples drenagem guiada por um exame de imagem (TC ou ultrassonografia) da via biliar é suficiente. Outro aspecto a ser considerado é a condição clínica do paciente. Naqueles extremamente instáveis, deve-se optar por procedimentos menos invasivos ou que possam ser realizados à beira-leito. A remoção de dispositivos implantáveis como próteses ou cateteres é imperativa quando forem a causa do quadro infeccioso.

6.3  Resumo das intervenções nas primeiras 6 horas (golden hours) No intuito de sistematizar e otimizar o atendimentos dos pacientes sépticos, evitando, assim, atrasos ou mesmo erros no respectivo manejo no momento crucial do tratamento, foram criados pacotes de intervenções a serem realizadas entre 3 e 6 horas após o diagnóstico da sepse. 1. Pacote das primeiras 3 horas: • dosar lactato; • colher culturas antes da administração dos antibióticos; • administrar antibióticos de amplo espectro; • expansão volêmica com 30 mL/kg de cristaloide se lactato elevado ou hipotensão. 2. Pacote das primeiras 6 horas: • início de vasopressor para os pacientes hipotensos apesar da expansão volêmica; • nova dosagem de lactato, se hipotensão persistente.3 No Quadro 10.5, são apresentados os programas de diagnóstico e controle do foco infeccioso da sepse. Quadro 10.5  Diagnóstico e controle do foco infeccioso DIAGNÓSTICO As culturas devem ser colhidas antes do início dos antibióticos, porém não devem atrasar a respectiva administração (> 45 minutos) Colher pelo menos duas amostras de hemoculturas periférica (aeróbia e anaeróbia). Demais culturas deverão ser direcionadas conforme foco infeccioso Exames de imagem poderão ser utilizados para diagnóstico do foco 1,3 beta-D-glucana, manana e anticorpos antimanana deverão ser solicitados quando houver suspeita de infecção fúngica TERAPIA ANTIMICROBIANA Administrar antibiótico endovenoso na primeira hora após o diagnósitico da sepse Iniciar tratamento empírico para os agentes mais comuns para o foco em questão, considerando a flora local, quadro clínico, tratamentos pregressos Avaliar diariamente a possibilidade de descalonamento dos antimicrobianos Tempo de tratamento usual de 7 a 10 dias, podendo ser extendido conforme o agente em tratamento e o foco em questão CONTROLE DO FOCO INFECCIOSO

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A intervenção deverá ser realizada em até 12 horas após o diagnóstico da sepse Em paciente instáveis, a melhor intervenção será aquela que induza o mínimo risco e insulto para o paciente (drenagem percutânea de abscesso) Deve ser removido o quanto antes dispositivo com suspeita ou confirmação de infecção (cateteres, próteses etc.) Fonte: Adaptado de Surviving Sepsis Campaign 2012.

7. PROTEÍNA C-ATIVADA (DROTRECOGINA-ALFA) A sepse é caracterizada por uma descarga de citocinas inflamatórias, principalmente fator de necrose tumoral-alfa (TNF-alfa) e interleucina-1, que culmina em uma série de reações, entre elas, ativação da coagulação e inibição da fibrinólise. As manifestações clínicas dessas alterações podem variar de uma mera variação laboratorial a um quadro de coagulação intravascular disseminada (CIVD), com todos os seus comemorativos. A proteína C, após sua ativação, é responsável por induzir fibrinólise, além de inibir a coagulação e inflamação. Ela é capaz de inibir a formação de trombina pela degradação proteolítica dos fatores Va e VIIIa da coagulação. Além disso, a proteína C-ativada apresenta efeitos anti-inflamatórios como a inibição da ativação neutrofílica, redução dos níveis de IL-6, IL1 e TNF-alfa, além de levar à diminuição da adesão celular ao endotélio mediada pela selectina E. O grande inconveniente dessa medicação é o risco aumentado de sangramento. Em 2001, foi publicado o estudo PROWESS (Protein C Worldwide Evaluation in Severe Sepsis) que tinha como características o fato de ser multicêntrico, randomizado, duplo-cego e incluir 1.690 pacientes com sepse grave ou choque séptico com até 24 horas de desenvolvimento da primeira disfunção orgânica. No grupo intervenção, era administrado drotrecogina-alfa na dose de 24 µg/kg/hora por 96 horas, o grupo-controle recebia placebo. O resultado foi a redução da mortalidade de 30,8% (placebo) para 24,7% (drotrecogina-alfa). A taxa de sangramento grave foi de 3,5% no grupo que recebeu a intervenção e 2% no grupo placebo. Após a análise dos subgrupos foi verificado maior benefício da droga naqueles pacientes que apresentavam mais de duas disfunções orgânicas ou APACHE II > 25, sendo sua utilização aprovada apenas para esse grupo de pacientes, em que se mostrou, inclusive, ser custo-efetivo.22 No intuito de elucidar esta questão, em 2005 foi publicado o estudo ADRESS (Administration of Drotrecogin Alfa Activated in Early Stage Severe Sepsis) que envolveu 2.613 doentes. Dessa vez, foram excluídos todos aqueles que apresentavam APACHE II > 25 ou mais de duas disfunções orgânicas. A dose de proteína C-ativada foi a mesma preconizada pelo estudo Prowess. O objetivo era avaliar o impacto da administração do medicamento em doentes com menor risco de morte. O resultado foi a interrupção precoce do estudo por ausência de benefício e aumento das chances de sangramento: 2,4% no grupo intervenção versus 1,2% nos controles (p: 0,02).23 Em 2011, com base no resultados pífios associados à proteína C-ativada do estudo PROWESS SHOCK, a administração da droga foi proscrita em pacientes portadores de choque séptico e retirada do mercado em seguida. Terapias adjuvantes como o uso de imunoglobulina (Ig), ou mesmo de selênio, não mostraram nenhum benefício no tratamento do choque séptico.

8. TERAPIAS DE SUPORTE 8.1  Estratégia ventilatória protetora A sepse é o principal fator de risco associado ao desenvolvimento da síndrome da angústia respiratória aguda (SARA). Mais de 50% dos pacientes admitidos em choque séptico desenvolverão essa patologia. Ela se divide em leve, moderada e grave conforme os critérios de Berlim (PO2 /FiO2 ≤ 300,

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≤ 200, ≤ 100, respectivamente). Sabe-se que a mortalidade relacionada à SARA ainda apresenta valores elevados, variando entre 30 e 74%. Por tudo isso, a estratégia ventilatória deve ser uma preocupação constante nesses doentes. A estratégia ventilatória protetora parece ser uma das poucas abordagens que de fato mudam o desfecho desses pacientes. Ela consiste em se utilizarem baixos volumes correntes (6 mL/kg) e em se manter a pressão de platô (alveolar) em valores menores ou iguai a 30 cmH2O. Estudos recentes vêm mostrando que mesmo doentes que ainda não desenvolveram a síndrome podem se beneficiar da estratégia citada para reduzir a lesão induzida pela ventilação mecânica.

8.2  Terapia renal substitutiva A incidência de insuficiência renal aguda na sepse varia de 15 a 50% e está associada a uma mortalidade de 30 a 75%. Em relação ao choque séptico, essa falência orgânica assoma em cerca de 50% dos pacientes com culturas positivas e em 38% daqueles com culturas negativas. Por tudo isso, a abordagem da insuficiência renal é de grande importância nesses doentes. Existem inúmeros métodos dialíticos e parece haver grande dúvida quanto ao mais adequado para esses pacientes: intermitentes; contínuos; ou híbridos (SLEDD). Os diversos estudos realizados não mostraram nenhum benefício em relação à mortalidade, recuperação da função renal ou mesmo independência de diálise entre os métodos. No entanto, naqueles pacientes com instabilidade hemodinâmica, os métodos de escolha são os contínuos, pois eles fazem a remoção de volume de maneira lenta, gradativa e por um período prolongado, sendo, por isso, mais bem tolerados. Há cerca de dez anos, vem-se tentando estabelecer qual a dose de hemofiltração contínua mais adequada para esses doentes. O primeiro estudo foi realizado por Ronco e colaboradores e mostrou que aqueles pacientes que foram dialisados com taxas de ultrafiltração de 20 mL/kg/hora apresentaram maior mortalidade do que aqueles que utilizaram 35 mL/kg/hora. No entanto, uma série de outros estudos subsequentes não conseguiu reproduzir esses resultados. Mais recentemente, o estudo RENAL, de Belomo e colaboradores, foi incapaz de mostrar alguma diferença na mortalidade entre aqueles que receberam 20 mL/kg/hora e os que receberam 40 mL/kg/hora. Após esses resultados, tanto nefrologistas quanto intensivistas vêm questionando o valor da utilização de altas doses de hemofiltração nesses pacientes.

8.3  Profilaxia para tromboembolismo venoso A incidência de tromboembolismo venoso (TEV) na UTI varia de cerca de 15 a 30%. Apesar da falta, na literatura, de estudos estabelecendo a relação entre sepse e TEV, acredita-se que entre os doentes em choque séptico essa taxa seja ainda mais alta, pois todos apresentam quadro de infecção, devem estar portando cateter venoso central e boa parte dos pacientes tem idade acima de 40 anos ‒ condições consideradas fatores de risco para TEV. Dessa forma, excetuando-se aqueles com contraindicações, a profilaxia farmacológica deve ser iniciada o quanto antes. A enoxaparina mostrou-se tão eficaz quanto a heparina não fracionada na prevenção de TEV em doentes clínicos. Além disso, apresenta o benefício de ser aplicada apenas uma vez ao dia e estar associada à menor incidência de plaquetopenia induzida por heparina. A dose de 40 mg/dia mostrou-se mais eficaz que 20 mg/dia. A heparina não fracionada deverá ser reservada para quadros de insuficiência renal moderada a grave e ser administrada na dose de 5.000 UI, três vezes ao dia. Já a profilaxia mecânica (meias elásticas ou compressores pneumáticos) está indicada em todos aqueles com contraindicação à administração de heparina ou em associação à profilaxia farmacológica nos pacientes considerados de alto risco.

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8.4  Profilaxia de úlcera de estresse Os pacientes em sepse possuem inúmeros fatores que sabidamente aumentam o risco de desenvolvimento de úlceras de estresse como: distúrbios da coagulação; ventilação mecânica por mais de 48 horas; e hipotensão. Por isso, a recomendação é de que este tipo de profilaxia seja empregado naqueles com risco de sangramento ou outros fatores de risco descritos. Alguns estudos recentes sugerem que o uso dos inibidores de bomba de prótons é mais eficaz do que os bloqueadores H2 na prevenção de úlceras de estresse.

9. PROGNÓSTICO É sabido que pacientes em choque séptico apresentam uma mortalidade sensivelmente mais alta que aqueles com sepse grave ou sepse. O estudo Bases (Brazilian Sepsis Epidemilogical Study) mostrou mortalidade de 34,7% para sepse; 47,3% para sepse grave; e 52,2% no choque séptico, o que se correlaciona com o quadro clínico mais grave apresentado por esses doentes. Outro aspecto interessante revelado pelo estudo foi que os hospitais públicos brasileiros apresentaram maior mortalidade em relação aos hospitais privados (33,3% versus 57,1%, p < 0,05), apesar de os pacientes terem gravidade semelhantes (APACHE II 16 versus 17, p = 0,162).24 A chave para a redução dessas taxas é a precocidade tanto diagnóstica quanto terapêutica. Nesse sentido, campanhas de divulgação dos critérios de sepse e de seu manejo vêm sendo realizadas por todo o mundo para conscientizar os profissionais de saúde a respeito dessa patologia que, apesar dos avanços da medicina, continua a matar milhares de pessoas todos os anos. Na Figura 10.2, há um fluxograma que resume o suporte hemodinâmico realizado no choque séptico.

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PAS < 90, PAM < 65 mmHg ou lactato > 4 mmol/L após 20 a 30 mL/kg

Avaliar início de DVA e expansões volêmicas (500 a 1.000 mL) em paralelo conforme parâmetros perfusionais e hemodinâmicos

PAS < 90, PAM < 65 mmHg ou lactato > 4 mmol/L apesar de otimização volêmica?

Avaliar presença de fatores predisponentes à má perfusão: • Anemia (Hb < 7) • Disfunção miocárdica (DC < 3,5) • Hipóxia etc.

Figura 10.2  Suporte hemodinâmico no choque séptico. PAS: pressão arterial sistólica; PAM: pressão arterial média; DVA: drogas vasoativas; Hb: hemoglobina.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Choque cardiogênico

Daniela Bulhões Vieira Nunes 1. INTRODUÇÃO As medidas precoces de reperfusão miocárdica têm diminuído a taxa de mortalidade do choque cardiogênico (CC), ainda uma das principais causas de morte em pacientes com infarto agudo do miocárdio (IAM). Entretanto, o CC pode ser subdiagnosticado ou tardiamente reconhecido, mascarado por hipotensão iatrogênica (pelo uso de vasodilatadores ou opioides na fase aguda do infarto) ou por hipovolemia.

2. DEFINIÇÃO Define-se como a condição de hipoperfusão tecidual sistêmica causada pela incapacidade do músculo cardíaco em manter débito suficiente à demanda, na presença de volume intravascular adequado, levando à disfunção de órgãos. Caracteriza-se por hipotensão grave (pressão arterial sistólica < 90 mmHg ou queda de 30 mmHg da pressão sistólica média habitual), com acentuada redução do índice cardíaco < 1,8 L/min/m2, sem suporte mecânico ou farmacológico ou IC, < 2,0 a 2,2 L/min/m2 com suporte, com volemia adequada [pressão diastólica final de ventrículo esquerdo (VE) > 18 mmHg ou pressão diastólica final de ventrículo direito (VD) > 10 a 15 mmHg].1-4 Cumpre ressaltar a diferença dessa condição com a hipotensão permanente de pacientes com insuficiência cardíaca (IC), que, por sua vez, não apresentam disfunção de órgãos. Após décadas de estabilidade, a incidência do CC vem declinando pela crescente utilização de técnicas de reperfusão coronariana, principalmente angioplastia primária no IAM. Aproximadamente, de 7 a 10% dos pacientes com infarto agudo do miocárdio desenvolvem CC e, neles, a mortalidade varia de 30% a 80%, sendo maior naqueles com mais de 75 anos.5,6

3. FISIOPATOLOGIA O CC secundário ao IAM ocorre por um dos seguintes mecanismos:5

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a. perda de 40% ou mais da massa muscular do VE nos infartos extensos ou porcentagens menores em pacientes com infarto prévio; b. complicações mecânicas como ruptura de músculo papilar, de parede livre de VE e do septo interventricular; c. IAM de VD; d. bradiarritmias por bloqueios atrioventriculares. O CC (Figura 11.1) acomete os pacientes principalmente nas primeiras 24 horas de hospitalização, estando mais relacionado, segundo dados do estudo SHOCK TRIAL, ao IAM anterior em 55% casos; inferior, em 46%; posterior, em 21%; e múltiplas localizações, em 50%. Cerca de 78% dos casos, portanto, estão relacionados à falência de VE; 7%, à insuficiência mitral aguda (R Mitral); 4%, à ruptura do septo intraventricular (RSV); 3%, ao IAM VD; e 7%, a outras causas.

Falência VE 78% Outros 7% Rotura VE 1% Choque VD 3% RSV 4% R Mitral 7%

Figura 11.1  Shock Trial Registry (n = 1190). Causas do CC após IAM.

A obstrução coronariana provoca isquemia miocárdica e redução da contratilidade do músculo cardíaco com consequentes hipotensão e hipoperfusão sistêmica e coronariana. Em decorrência do baixo débito e da hipoxemia tecidual, há acidose e danos endotelial e celular, aumentando a área de necrose e propiciando o aparecimento de arritmias cardíacas que pioram o desempenho cardíaco ainda mais, podendo levar ao óbito. Todas essas condições associadas ao aumento do consumo miocárdico de O2 acabam por determinar a diminuição de oferta de oxigênio aos tecidos, levando a complexas reações celulares, humorais e inflamatórias, podendo causar dano temporário ou até irreversível, culminando em morte celular, disfunção de múltiplos órgãos e morte (Quadro 11.1). Quadro 11.1  Preditores de mortalidade no choque cardiogênico Idade avançada Infarto do miocárdio prévio Oligúria Alterações de sensório, pele fria, pulso fino Hemodinâmica desfavorável

Os fatores de risco para o desenvolvimento do CC após IAM são idade avançada, infarto de parede anterior, hipertensão arterial sistêmica, diabetes melito, doença arterial coronariana de múltiplos vasos, IAM prévio, angina pectoris, insuficiência cardíaca prévia, infarto com supra de ST e presença de bloqueio de ramo esquerdo.

153

Capítulo 11  Choque cardiogênico

Além da etiologia isquêmica, outras formas de cardiomiopatia, como hipertensiva, chagásica, idiopática, pós-operatório de cirurgia cardíaca, miocardite, sepse, arritmia sustentada, rejeição após transplante cardíaco, disfunção de prótese valvar, ruptura valvar por endocardite e embolia pulmonar maciça, podem evoluir com CC. Cerca de 75% dos pacientes com CC após IAM desenvolvem choque subsequente à admissão hospitalar e, em alguns casos, devido às drogas usadas para o tratamento do IAM, como betabloqueadores, inibidores da enzima conversora de angiotensina (iECA), diuréticos, nitratos e morfina. Apesar de cada uma dessas drogas aumentar apenas um pouco o risco de CC, são usadas de maneira conjunta e rotineira e, portanto, devem ser consideradas possível causa de CC.

4. QUADRO CLÍNICO Como a principal causa do CC (Quadro 11.2) é o IAM, a história clínica inclui dor torácica típica ou atípica associada a achados relacionados ao baixo DC, como pressão arterial sistólica inferior a 80 a 90 mmHg, extremidades frias, tempo de enchimento capilar lento, palidez cutânea, dispneia, fadiga, oligúria, sudorese fria, pulso fino, alteração do sensório e confusão mental. Nos registros do Shock Trial, 64% dos pacientes apresentaram-se com sinais de hipoperfusão (taquicardia, alteração de sensório, oligúria e extremidades frias) e congestão pulmonar, enquanto uma minoria (28%) apresentou hipotensão sem congestão. Nesse grupo que cursa com congestão pulmonar, observam-se, na monitorização invasiva, índice cardíaco baixo e pressão de artéria pulmonar ocluída (PAPO) > 17 a 20 mmHg; nos pacientes não monitorizados invasivamente, devem-se confirmar pressões de enchimento elevadas de VE mediante ecocardiografia.6 Quadro 11.2   Achados clínico hemodinâmicos no CC Aspectos clínicos

Confusão mental Agitação psicomotora Oligúria Pele fria e pegajosa Sudorese fria Dispneia

Aspectos hemodinâmicos

PAS < 90 mmHg PAPO > 18 mmHg IC < 1,8 L/min/m2

Exame clínico

Hipotensão Taquicardia Taquipneia Pulso fino B3 Estase jugular Estertores pulmonares

PAS: pressão arterial sistólica; PAPO: pressão de artéria pulmonar ocluída; IC: insuficiência cardíaca.

5. EXAMES COMPLEMENTARES De maneira geral, nos casos de IC grave ou choque, preconizam-se coleta de eletrólitos (sódio, potássio e magnésio) para prevenir arritmias, de hemograma para correção de anemia e monitorização de processos infecciosos associados, de ureia e creatinina que estratificam complicações do cho-

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Seção I Hemodinâmica

que e orientam correção de doses de medicamentos, de enzimas hepáticas, de albumina, além de coletas seriadas de gasometria venosa central, lactato e marcadores de necrose miocárdica. Coagulograma completo e dosagem de plaquetas são desejáveis nesses pacientes que podem ser submetidos à anticoagulação e/ou antiagregação e podem necessitar, a qualquer momento, de procedimentos invasivos. O peptídeo natriurético tipo B (BNP) tem bom valor preditivo negativo para excluir IC. BNP < 100 pg/mL praticamente exclui dispneia de origem cardíaca e BNP > 400 pg/mL torna o diagnóstico de IC provável. O percentual de queda do BNP entre a admissão e a alta hospitalar e seu valor no momento da alta tem importante significado prognóstico a curto e longo prazo.

6. ELETROCARDIOGRAFIA No estudo EFICA7 com 600 participantes admitidos em unidade de terapia intensiva com IC aguda, apenas 13% dos eletrocardiogramas (ECG) foram normais. As alterações mais prevalentes foram as isquêmicas (29%), seguidas de fibrilação atrial (25%) e bloqueio de ramo esquerdo (17%).

7. RADIOGRAFIA DE TÓRAX Permite avaliação da congestão pulmonar e ajuda a diferenciar causas torácicas ou pulmonares para a dispneia, além de fornecer tamanho da área cardíaca. A radiografia normal não exclui IC aguda ou choque. Cerca de 60% dos pacientes com IC aguda têm aumento do índice cardiotorácico (ICT) > 0,5 mas apenas um terço tem aumento importante com ICT > 0,55. Outros achados, como derrame pleural ou edema intersticial, também podem ser úteis.

8. ECOCARDIOGRAFIA A ecocardiografia transtorácica está sempre indicada em pacientes com qualquer tipo de choque e, principalmente, no choque cardiogênico. Fornece avaliação da função ventricular global e segmentar, detectando áreas de hipocinesia, acinesia ou discinesia; complicações mecânicas do IAM como ruptura de parede, CIV, tamponamento cardíaco e insuficiência mitral. A ecocardiografia transesofágica é indicada como complementação da transtorácica ou quando a janela acústica não permite a boa análise pelo modo transtorácico.

9. CINEANGIOCORONARIOGRAFIA Indicada nos casos de CC de etiologia isquêmica e é fundamental para permitir a reperfusão coronária. Também indica-se para avaliação da anatomia coronariana em pacientes com disfunções valvares de correção cirúrgica e com fatores de risco para doença arterial coronariana.8

10. TRATAMENTO Todo paciente em CC deve ser tratado em ambiente de terapia intensiva. A abordagem deve ser agressiva, possibilitando diagnóstico precoce e correção de causas reversíveis. O tratamento incluiu medidas de suporte geral, farmacológico, monitorização hemodinâmica invasiva, assistências circulatória mecânica e até mesmo reperfusão percutânea ou cirúrgica, lembrando que a causa principal do choque é isquêmica.

10.1  Medidas de suporte geral 10.1.1  Controle da dor Morfina é a droga de escolha para o controle da dor e da dispneia e deve ser administrada, diluída, 2 mg a cada 5 a 15 minutos até alívio da dor ou surgimento de intolerância (náuseas ou hipotensão). Em caso de depressão respiratória, pode ser administrado o antagonista opioide naloxone.

Capítulo 11  Choque cardiogênico

155

10.1.2 Diuréticos Devem ser utilizados em casos de congestão pulmonar por falência ventricular esquerda, porém de maneira criteriosa, pois podem levar à hipovolemia e persistência do choque.

10.1.3 Oxigênio A oferta de oxigênio com cateter nasal, máscara reservatório, ventilação mecânica invasiva ou não invasiva dependerá do estado clinico de cada paciente, lembrando que, muitas vezes, é necessário reduzir o consumo de oxigênio miocárdico e da musculatura torácica com sedação e intubação.

10.1.4 Volume Hipovolemia sempre deve ser excluída como causa ou fator contribuinte para o choque. Alíquotas de volume (250 mL de solução isotônica) devem ser ofertadas a pacientes com choque cardiogênico, sem sinais de congestão pulmonar. Pacientes com infarto de VD se beneficiam de volume e a avaliação volumétrica é importante nesse grupo.

10.2  Suporte farmacológico Demonstrado na Figura 11.2.

10.2.1  Ácido acetilsalicílico (AAS) É recomendado a todos os pacientes com CC por IAM na dose de 160 a 325 mg: o AAS, comprovadamente reduz a mortalidade no IAM. O clopidogrel é recomendado como alternativa para pacientes alérgicos ao AAS.

10.2.2 Heparina Pode ser mantida no CC, pois o estado de baixo fluxo e estase, além da elevação de fibrinogênio, predispõe a fenômenos trombóticos, totalmente indesejáveis nessas condições. Não há estudos de relevância demonstrando diminuição de mortalidade no CC, porém a infusão de heparina após terapia de reperfusão reduz a mortalidade no IAM.

10.2.3  Aminas simpatomiméticas Quanto mais prolongado o choque, maior será a probabilidade de disfunção de outros órgãos. Afastada a possibilidade de hipovolemia, deve-se iniciar imediatamente o uso de vasopressores na mínima dose necessária para manter pressão arterial média (PAM) e perfusão adequadas. A dopamina estimula receptores adrenérgicos ou dopaminérgicos e pode ser utilizada em pacientes com hipotensão leve (PAS 70 a 90 mmHg); a norepinefrina é a droga de 1ª escolha em caso de hipotensão mais grave (PAS < 70 mmHg). Seu efeito beta-adrenérgico leva ao aumento da contratilidade miocárdica e do cronotropismo. Pela ação alfa-agonista, leva ao aumento da resistência vascular sistêmica e pulmonar, com consequente aumento do consumo de oxigênio. Um estudo multicêntrico randomizou 1.679 pacientes com choque séptico, hipovolêmico ou cardiogênico para o tratamento vasopressor com dopamina ou norepinefrina. De maneira geral, os pacientes em uso de dopamina apresentaram maior incidência de arritmias. No subgrupo de 280 pacientes com choque cardiogênico, o uso de dopamina foi associado à maior mortalidade. Assim, caso se opte pelo tratamento com dopamina, deve-se ficar atento à maior possibilidade de eventos adversos.9 A dobutamina é um inotrópico não digitálico, com efeito beta-agonista e pode ser usado associado à dopamina ou isoladamente na hipotensão moderada (PAS 70 a 100 mmHg) sem choque. Promove diminuição da resistência vascular sistêmica e pulmonar, diminuição da PAPO e aumento do índice cardíaco.

156

Seção I Hemodinâmica

10.2.4 Inibidores da fosfodiesterase Trata-se de drogas que aumentam o DC e diminuem a pressão capilar pulmonar sem atuar sobre receptores adrenérgicos. Apresentam ação vasodilatadora mais potente que a dobutamina, com maior risco de hipotensão e arritmias. Milrinone dose de ataque 50 µg/kg por 10 minutos e manutenção 0,375 a 10 µg/kg/min. Indicado na IC refratária à dobutamina, ou em caso de uso prolongado de dobutamina. Não deve ser utilizado no pós-infarto do miocárdio e nem em pacientes hipotensos. Amrinone dose de ataque 0,75 µg/kg por 2 a 3 minutos e, quando efetiva, seguida de infusão de 5 a 10 µg/kg/min por breves períodos.

10.2.5 Levosimendan Levosimendan dose de ataque 12 a 24 µg/kg por 10 minutos; manutenção 0,05 a 2 µg/kg/min. É um sensibilizador de canais de cálcio e pode ser utilizado no baixo DC, porém sem choque. É potente inotrópico positivo e tem benefício no baixo DC pós-IAM, sem hipotensão grave, com melhora em parâmetros hemodinâmicos, porém sem benefícios clínicos evidentes.9,10

10.2.6 Vasodilatadores Utilizados quando PAS > 100 mmHg diminuem a pré e pós-carga, a congestão pulmonar e facilitam o esvaziamento pulmonar, reduzindo o consumo de oxigênio pelo miocárdio. A nitroglicerina deve se iniciar com doses baixas e aumentar gradativamente (até queda de 10% da pressão arterial ou até 30% em hipertensos). É o vasodilatador de escolha quando a disfunção cardíaca for por isquemia miocárdica. O nitroprussiato de sódio é indicado nas emergências hipertensivas e no CC de etiologia não isquêmica. Enseja risco de intoxicação pelo tiocianato quando em uso prolongado.

PA < 70 mmHg

Norepinefrina

70 < PA < 100

Com choque Dopamina Dobutamina Milrinone Amrinone

PA > 100 mmHg (sem choque)

Sem choque Dobutamina Dobutamina

PA estável

Vasodilatador diurético

Figura 11.2  Algoritmo do tratamento farmacológico do choque cardiogênico. PA: pressão arterial.

10.3  Reperfusão precoce A mortalidade secundária ao CC pós-IAM tem diminuído nos últimos anos, principalmente pela prática da reperfusão precoce (Quadro 11.3), restabelecendo-se fluxo na artéria relacionada ao IAM e limitando-se a área de necrose. A perfusão coronária deve ser restabelecida por trombólise ou revascularização, percutânea ou cirúrgica.

Capítulo 11  Choque cardiogênico

157

Quadro 11.3  Pontos-chave da reperfusão miocárdica precoce A reperfusão miocárdica precoce é fundamental para a boa evolução após IAM e para reduzir a incidência do CC O método de reperfusão preferível nos pacientes com IAM e CC é a reperfusão mecânica com angioplastia e, em casos excepcionais, bypass coronariano. A trombólise apresenta efetividade muito reduzida nos casos de CC Os pacientes com maior risco de desenvolver CC (idosos, infarto de parede anterior, hipertensos, diabéticos, entre outros) devem ser rapidamente identificados, para que recebam suporte hemodinâmico diferenciado CC: choque cardiogênico; IAM: infarto agudo do miocárdio.

10.3.1  Tratamento percutâneo Pacientes com CC devem ser submetidos, assim que possível, a cineangiocoronariografia e tratamento definitivo das lesões, ainda nas primeiras horas de evolução, antes que se instalem danos irreversíveis.

10.3.2  Terapia trombolítica Útil para reduzir a incidência de CC em pacientes com infarto, porém tem menor benefício quando o paciente já se apresenta chocado, provavelmente devido à hipoperfusão coronariana que prejudica a ação da droga e a presença de acidose que inibe a conversão do plasminogênio em plasmina. Apesar de menos eficaz, pode ser utilizada caso não exista disponibilidade de centro de hemodinâmica para angioplastia e deve ser ministrada o quanto antes, com menor mortalidade entre 0 e 6 horas após início dos sintomas. Há poucos dados de estudos prospectivos mostrando a eficácia da trombólise em pacientes admitidos já em CC; entretanto, há evidências que recomendam sua utilização, principalmente associada ao balão intra-aórtico (BIA). Dados do The National Registry of Myocardial Infarction11 mostraram menor mortalidade hospitalar para pacientes submetidos à trombólise associada ao BIA do que a trombólise isolada (49 versus 67%). Dados semelhantes foram observados no Shock Trial12 e no GUSTO II.13

10.3.3  Cirurgia de revascularização miocárdica Indicada quando há impossibilidade ou complicação com tratamento percutâneo. A presença de complicação mecânica pós-IAM reforça a indicação cirúrgica. Portanto, a revascularização precoce de pacientes em CC secundário a IAM é fundamental para IAM com supradesnivelamento do segmento ST, com redução substancial da mortalidade de 60 a 70% para 30 a 40%, dependendo da precocidade do diagnóstico, da agressividade do tratamento e de resultados perfusionais adequados (escore de perfusão TIMI I).

10.4  Suporte mecânico O suporte circulatório mecânico consiste na instalação de dispositivo auxiliar para manutenção da circulação: BIA, bomba de fluxo contínuo, circulação extracorpórea e ventrículo e coração artificiais. Auxilia no CC refratário e também como suporte até o tratamento definitivo (revascularização percutânea ou cirúrgica ou transplante cardíaco). O BIA é o dispositivo mais utilizado e promove aumento de 10 a 30% do DC, diminuição da pré e pós-carga, diminuição do consumo de oxigênio pelo miocárdio e melhora da perfusão coronariana. Recentemente, o estudo IABP-Shock II14 randomizou 600 pacientes com choque cardiogênico secundário a infarto agudo do miocárdio, submetidos à revascularização coronariana precoce (angioplastia primária foi realizada em 96% dos pacientes), para o suporte hemodinâmico com BIA ou tratamento convencional sem BIA. Não houve diferença na mortalidade, ao final do seguimento com 30 dias ou 1 ano, no nível de lactato sérico, insuficiência renal, uso de drogas vasoativas ou no tempo de internação em unidade de terapia intensiva. Portanto, não há evidências de benefícios com o uso rotineiro do BIA para pacientes com choque cardiogênico pós-infarto. Seu uso deve ser considerado, principalmente, naqueles pacientes que evoluem com complicações mecânicas.15

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Seção I Hemodinâmica

Os dispositivos de suporte circulatório ao VE (ventrículo artificial), teoricamente, conseguem interromper a espiral de isquemia, hipotensão e disfunção miocárdica, permitindo a recuperação do miocárdio atordoado ou hibernado. Sua maior limitação é a reação inflamatória sistêmica que podem desencadear, levando à disfunção de múltiplos órgãos. A membrana de oxigenação extracorpórea (ECMO, do inglês extracorporeal membrane oxygenation)16 tem o mesmo princípio de suporte circulatório e ainda oxigena o sangue, porém, geralmente, é indicada em casos muito graves e até após reanimação cardiopulmonar tendo, portanto, resultados ainda pouco satisfatórios.

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12

Otimização hemodinâmica perioperatória do paciente cirúrgico de alto risco

Alexander Alves da Silva 1. CLASSIFICAÇÃO DE RISCO DO PACIENTE É fato que os maiores riscos estão associados às cirurgias mais complexas e de grande porte que agregam maior invasividade, procedimentos com tempos prolongados, grandes ressecções gastrintestinais por câncer, abordagem concomitante de múltiplas cavidades, clampeamentos vasculares que envolvam grandes vasos, bem como as cirurgias de emergência em vítimas de grandes traumas. Isso ocorre porque todos esses pacientes estarão sujeitos a maiores respostas neuroendócrinas, metabólicas e inflamatórias ao trauma e aos aumentos no consumo de oxigênio nem sempre supridos de maneira adequada, o que resultará em maior morbimortalidade. Um trabalho realizado no Reino Unido1 mostrou que, de modo geral, as taxas de mortalidade cirúrgica no 30º dia de pós-operatório ficam em torno de 0,7% até 1,7% e que, nesse universo de pacientes, um pequeno subgrupo se responsabiliza por mais de 80% das mortes e por apenas 12,5% dos procedimentos cirúrgicos. Eles podem ser classificados como os pacientes de alto risco, pois apresentam taxas de mortalidade esperadas acima de 5%. Deve-se lembrar que, caso o procedimento realizado implique risco de mortalidade maior que 5%, qualquer paciente submetido a ele também deve ser considerado de alto risco. Entre os vários escores propostos para identificar esse subgrupo de pacientes, é possível mencionar a classificação da Sociedade Americana de Anestesiologia (ASA), o Portsmouth Physiologic and Operative Severity Score Enumeration of Mortality (P-POSSUM), a ecocardiografia de estresse, os equivalentes metabólicos (METS) e o teste do exercício cardiorrespiratório ou do limiar anaeróbio. De todos eles, o proposto pela ASA (Tabela 12.1) é, sem dúvida, o mais disseminado entre os anestesiologistas e cardiologistas que fazem avaliações pré-operatórias, e a prova do exercício é o que melhor se presta a fornecer informações sobre o desempenho cardiovascular.2

160

Seção I Hemodinâmica

Tabela 12.1  Classificação do estado físico de acordo com a Sociedade Americana de Anestesiologia CLASSIFICAÇÃO

CONDIÇÃO DO PACIENTE

MORTALIDADE (%)

ASA I (P1)

Paciente sadio sem alterações orgânicas

0,06-0,08

ASA II(P2)

Paciente com alteração sistêmica leve a moderada causada pela doença cirúrgica ou por doença sistêmica

0,27-0,40

ASA III(P3)

Paciente com alteração sistêmica grave de qualquer causa com limitação funcional

1,8-4,3

ASA IV(P4)

Paciente com alteração sistêmica grave que representa risco de morte

7,8-23

ASA V(P5)

Paciente moribundo que não se espera que sobreviva sem cirurgia

9,4-51

ASA VI(P6)

Paciente doador de órgãos

E

Condição de emergência

De acordo com esta classificação, é possível considerar pacientes de alto risco cirúrgico aqueles classificados como estado físico ASA III ou mais, pois são os que apresentam as taxas mais elevadas de mortalidade perioperatória, especialmente quando submetidos a cirurgias de urgência/emergência ou de grande porte. No trabalho de Pearse3 e colaboradores, que acompanhou pacientes ASA III e IV submetidos a cirurgias eletivas e de urgência, a otimização clínica pré-operatória, a monitorização hemodinâmica no intraoperatório e o cuidado clínico na unidade de terapia intensiva (UTI) conseguiram reduzir de maneira significativa a incidência de complicações graves nos procedimentos de urgência, bem como a mortalidade global desses pacientes. A prova do exercício ou do limiar anaeróbio é método não invasivo capaz de avaliar e quantificar a reserva cardiopulmonar com a finalidade de predizer os pacientes que não conseguirão suprir adequadamente as elevadas demandas de oxigênio no período pós-operatório e, que por isso, estarão sob risco aumentado de complicações ou mesmo de morte. Inúmeros estudos publicados utilizando o teste do exercício obtiveram resultados satisfatórios e consistentes na identificação dos pacientes de alto risco.4,5 Quando comparado a outros métodos, os trabalhos também mostram que o teste do exercício agrega as informações mais relevantes. A grande vantagem desse teste é que ele consegue avaliar tanto o componente cardíaco quanto o pulmonar durante o exercício e fornece informações bastante relevantes acerca da capacidade funcional dos dois. As variáveis obtidas de maior importância para nossa prática são o pico de consumo de oxigênio (VO2pico) e o limiar anaeróbio, definido como o ponto onde começa a aumentar o metabolismo anaeróbio porque a oferta de oxigênio aos tecidos não consegue compensar a demanda elevada. Os valores internacionalmente aceitos para classificar os pacientes de alto risco são 15 mL de O2/kg para o VO2pico e 11 mL de O2/kg/min para o limiar anaeróbio.6 Como todo método, o teste do exercício tem suas limitações. Ele exige um complexo aparato técnico para sua realização, bem como profissionais treinados e, além do mais, não pode ser feito em pacientes com mobilidade limitada.

2. FISIOLOGIA DOS FLUIDOS CORPORAIS A água corporal total em um indivíduo de 75 kg é de aproximadamente 45 L, o que corresponde a 60% de seu peso corporal. Dois terços ou 30 L são de líquido intracelular (LIC) e os 15 L restantes representam o líquido extracelular (LEC), que, por sua vez é dividido em compartimento intersticial, conteúdo intravascular e líquido transcelular (incluindo as secreções intestinais, o líquido cerebrospinal (LCS), o humor aquoso ocular e os líquidos pleural, peritoneal e pericárdico). O compartimento intersticial compreende basicamente o espaço pericelular que é composto por dois tipos principais de estruturas sólidas: as fibras de colágeno, que são proteínas formadoras de longas cadeias e que se enrolam em uma hélice tripla, resultando em fibras que promovem grande força tensil nos tecidos; e as proteoglicanas, que são longas cadeias de polissacarídeos ligadas a proteínas,

Capítulo 12  Otimização hemodinâmica perioperatória do paciente cirúrgico de alto risco

161

formando igualmente uma massa de grande resistência (Figura 12.1). As proteoglicanas também apresentam em sua estrutura molecular sítios capazes de fixar a albumina, os quais se comportam como uma esponja. Durante um sangramento ativo com choque hipovolêmico, essa estrutura se contrai e libera a albumina do interstício para que ela possa alcançar o espaço intravascular e, depois, durante a fase de remissão do choque, ela se expanda e aprisione a albumina novamente. As proteoglicanas também formam uma rede de microfilamentos que aprisiona o líquido intersticial, dando a ele consistência de gel, o que é fundamental para lentificar a dinâmica dos líquidos intersticiais.  O volume intravascular total (ou volume sanguíneo) pode ser estimado em aproximadamente 5 L ou 70 mL/kg em um indivíduo adulto e tem dois componentes: o intracelular (células vermelhas, brancas e plaquetas – 40% ou 2 L) e o extracelular, que é o plasma (60% ou 3 L), constituído por uma solução de íons inorgânicos em água em que predomina o cloreto de sódio, por moléculas simples como a ureia e por grandes moléculas orgânicas como a albumina e as globulinas.

Plasma 3 L

Células sanguíneas 2L

Compartimento intersticial 10 L

Compartimento intracelular 30 L

Figura 12.1  Compartimentação dos fluidos corporais.

A parede celular separa o compartimento intracelular do extracelular, ao passo que o endotélio capilar, constituído pelas paredes das veias e artérias, divide o compartimento extracelular em intravascular e intersticial. A água é capaz de mover-se livremente através da parede celular e da maioria das paredes vasculares, distribuindo-se entre todos os compartimentos, sendo exceção a barreira hematoencefálica, onde ela é transportada pelas aquaporinas. O transporte ativo de Na+/K+ dependente de energia é realizado pela adenina trifosfatase presente na parede celular, que realiza a extrusão de Na+ e Cl– e mantém o gradiente de sódio através da membrana celular, tornando o Na+ um íon eminentemente extracelular. O capilar endotelial é livremente permeável aos íons pequenos como o Na+ e o Cl–, porém é relativamente impermeável às grandes moléculas, como a albumina e os coloides semissintéticos (gelatinas e amidos), os quais, em situações de normalidade, teoricamente, mantêm-se dentro do compartimento intravascular. Durante o período intraoperatório, esse modelo sofre influências de uma série de fatores que determinarão alterações na distribuição dos fluidos. A diminuição da ingesta por conta do jejum ­pré-operatório ou do aumento das perdas, que ocorre, por exemplo, nos pacientes febris ou naqueles submetidos ao preparo do cólon para as cirurgias abdominais, pode levar à depleção de água e solutos. Fora isso, a vasodilatação causada pelas drogas anestésicas que altera a relação entre o conteúdo (volume circulante efetivo) e o continente (sistema vascular) pode causar a chamada hipovolemia relativa e há também as perdas para o interstício e para o chamado “terceiro espaço” que ocorrem por conta na

162

Seção I Hemodinâmica

alteração da permeabilidade endotelial decorrente de situações patológicas como a síndrome da resposta inflamatória sistêmica (SIRS, do inglês systemic inflammatory response syndrome) ou a SEPSE. O movimento dos fluidos através das membranas capilares é descrita pela equação de Starling, segundo a qual, depende de seis variáveis: 1. pressão hidrostática capilar (Pc); 2. pressão hidrostática intersticial (Pi); 3. coeficiente de reflexão, (R), que é um valor indicativo da eficácia da parede capilar para impedir a passagem de proteínas. Admite-se que o seu valor em condições normais seja igual a 1, o que significa que a parede é totalmente impermeável às proteínas. Em situações patológicas, ele poderá ser inferior a 1, e assim progressivamente, até alcançar o valor 0, quando ela pode ser atravessada pelas proteínas sem dificuldade; 4. pressão oncótica capilar (πc); 5. pressão oncótica intersticial (πi); 6. coeficiente de filtração (Kf ), expressa a permeabilidade da parede capilar para os líquidos. Colocando as variáveis na equação, teremos: Q = K f ([Pc – Pi] – R[πc – πi]) Todas as pressões são medidas em milímetros de mercúrio (mmHg) e o coeficiente de filtração se mede em milímetros por minuto por milímetros de mercúrio (mL·min–1·mmHg–1). O resultado da equação indicará o sentido do fluxo de água entre os capilares e o interstício (Q). Quando ele é positivo, o fluxo tenderá a deixar o capilar (filtração). Se ele é negativo, o fluxo tenderá a entrar no capilar (absorção). Em situações normais, o movimento da água (o fluido no caso) dependerá da pressão coloidosmótica (π) e da pressão hidrostática (P) nos capilares (c) e no líquido intersticial (i) que banha os tecidos. Quando aplicamos a equação de Starling especificamente para estudar a circulação humana, considerando que a condição da parede capilar seja normal e igual a 1, é possível expressá-la pelas variáveis com os seguintes nomes alternativos: Jv = K f([ Pc – Pi] – [πc – πi]) Onde: • Jv: é o movimento de líquido. Igualmente como já foi descrito anteriormente, sempre que Jv for positivo (+), ocorrerá filtração (passagem de água do capilar para o tecido). Quando Jv for negativo (–), ocorrerá absorção (passagem de água do tecido para o capilar). • Kf: coeficiente de filtração (depende da condutividade hidráulica e da área de superfície do capilar). • Pc: pressão hidrostática capilar (varia de 10 a 30 mmHg, dependendo do local onde é medida). • Pi: pressão hidrostática intersticial; levemente negativa devido à constante sucção de líquidos pelos capilares linfáticos (–3 mmHg). • πc: pressão coloidosmótica capilar exercida pelas proteínas plasmáticas (28 mmHg). • πi: pressão coloidosmótica intersticial (8 mmHg). Nos indivíduos normais, a quantidade de líquido filtrada será quase igual à quantidade absorvida, sendo a força efetiva para a filtração de 0,3 mmHg. Essa pequena quantidade de líquido filtrado retornará à circulação através dos capilares linfáticos. Considerando-se que K f = 1, Pc média = 17,3 mmHg, Pi = –3,0, πc = 28,0 e πi = 8,0, teremos: Jv = 1 [(17,3 + 3) – (28 – 8)] = + 0,3 mmHg

Capítulo 12  Otimização hemodinâmica perioperatória do paciente cirúrgico de alto risco

163

Na extremidade arterial do capilar, ocorre filtração; enquanto na venosa, absorção. Isso acontece devido à diferença na pressão hidrostática nas extremidades do capilar: na extremidade arterial é de 30 mmHg, enquanto na extremidade venosa é de 10 mmHg. Assim, tem-se, na extremidade arterial: Jv = 1 [(30 + 3) – (28 – 8)] = +13 mmHg Enquanto na extremidade venosa: Jv = 1 [(10 + 3) – (28 – 8)] = –7 mmHg Sabemos que o endotélio capilar saudável é recoberto pelo glicocálix que consiste em uma camada de membrana ligada às proteoglicanas e glicoproteínas. Essa camada proporciona uma barreira de 1ª linha para a regulação do transporte de macromoléculas. O glicocálix apresenta fendas que separam o endotélio do plasma, formando uma camada de proteínas plasmáticas que diminui o fluxo transcapilar mediante a geração de um gradiente de pressão oncótica dentro do próprio glicocálix. Fixada à camada superficial do endotélio, existe uma quantidade de plasma de aproximadamente 700 a 1.000 mL e que está em equilíbrio dinâmico com a parte circulante. As trocas de fluido através dos capilares parecem não depender da diferença entre a pressão oncótica e a hidrostática entre sangue e tecido, mas sim do gradiente entre a pressão oncótica e a hidrostática entre o sangue e aquele pequeno espaço vascular imediatamente abaixo do glicocálix. Considerando-se essa camada, a equação de Starling poderia ser reescrita da seguinte maneira: Jv = Kf [(Pc-Pi) – R (ωe – ωb)] Onde: ωe é a pressão oncótica na camada endotelial superficial e ωb a pressão oncótica abaixo da camada superficial endotelial. A partir dessa equação, é possível concluir que qualquer fator que prejudique o funcionamento da parede dos capilares ou da camada endotelial fará o fluido transcapilar se deslocar única e exclusivamente regido pelas pressões hidrostática e oncótica entre o sangue e os tecidos, o que será deletério caso a pressão coloidosmótica do interstício seja igual à do plasma. Portanto, nos estados patológicos, essa dinâmica se fará de maneira atípica, o que resultará em maior ou menor grau no aumento da perda de fluidos a partir da circulação e no seu acúmulo no interstício e no chamado “terceiro espaço”. As perdas para o terceiro espaço podem ser descritas como o acúmulo de líquido causado por procedimentos de grande porte ou trauma em espaços que normalmente contêm pouco ou nenhum fluido, como é o caso das cavidades peritoneal, pleural e do intestino. Embora a água corporal total se mantenha inalterada nessa teoria, a parte dita “não funcional” do fluido extracelular aumenta sobremaneira em relação à parte “funcional”. Essas perdas ocorrem inicialmente a partir do compartimento intersticial e depois são substituídas por fluidos provenientes de outros compartimentos. Sua ocorrência já foi demonstrada em diversos estudos e sabe-se que elas acontecem de fato nas cirurgias de grande porte e que aumentam após o início da reposição volêmica.7,8 Apesar de essa sobrecarga de volume extracelular ser reabsorvida ao longo de dias ou semanas, em alguns casos até três semanas, ela pode equivaler, agudamente, às perdas externas, como se fosse um sangramento, tornando-se um problema importante. Vários estudos utilizando métodos diretos e indiretos de mensuração têm mostrado que, nas cirurgias de grande porte, esse déficit causado pelo deslocamento de fluidos pode chegar a 6 L; e o pico do deslocamento parece ocorrer cerca de 5 horas após o trauma, persistindo até por 72 horas na dependência do tipo e duração da cirurgia.9,10

164

Seção I Hemodinâmica

Também já é bem documentado que a grande maioria desses pacientes chegará à UTI apresentando incremento no seu peso corporal fortemente correlacionado com aumento da mortalidade.11,12

3. HIPOVOLEMIA E REPOSIÇÃO VOLÊMICA De acordo com o parágrafo anterior, é possível depreender que o manejo volêmico desse tipo de paciente é um dos determinantes da morbimortalidade e, por isso, deve ser feito de maneira racional, sem excessos e visando principalmente a adequada manutenção do volume intravascular, da perfusão tecidual e do balanço entre oferta e consumo de oxigênio. Quando ocorre uma situação de hipovolemia com prejuízo na perfusão dos tecidos, o primeiro mecanismo utilizado pelo organismo é a redistribuição do fluxo sanguíneo para os órgãos mais suscetíveis à isquemia, como coração e cérebro. Por meio de autorregulação específica, esses órgãos conseguem manter uma oferta de oxigênio adequada às suas células, porém há um nível crítico de baixo fluxo que, se atingido, compromete essa autorregulação, prejudicando a oferta de oxigênio, o que causará hipoxemia, metabolismo anaeróbio e, posteriormente, dano celular que pode se tornar irreversível. Ao mesmo tempo, há redução do suprimento sanguíneo para o leito esplâncnico, rins, musculatura e pele. A circulação esplâncnica é responsável pela perfusão do trato gastrintestinal, fígado, baço e pâncreas. Em caso de choque, ocorre um recrutamento da circulação esplâncnica que visa liberar maior volume de sangue para as circulações cardíaca e cerebral, expondo os demais órgãos dependentes dela a maior risco de isquemia. Sabemos que a isquemia intestinal leva à liberação de mediadores inflamatórios, estando diretamente envolvida na disfunção de múltiplos órgãos. Todas essas ações são mediadas pelo sistema simpático, eixo renina-angiotensina-aldosterona, ADH, mediadores inflamatórios e substâncias vasoativas. A utilização desses mecanismos provocará retenção de sódio e água no intento de restaurar o volume intravascular e aumentar a pressão de perfusão por meio da vasoconstricção. Nesse contexto, o endotélio tem participação fundamental, atuando como regulador do fluxo na microvasculatura por meio da liberação local de prostaglandinas, óxido nítrico, endotelinas e angiotensina II. E, muito embora seja inicialmente eficaz, esse mecanismo só consegue manter a homeostase por um tempo limitado e, caso o choque persista, a evolução natural será a falência orgânica. Para tentar evitar toda essa cascata de eventos nocivos, lançaremos mão da reposição volêmica. No primeiro momento, ela se dá pelo mecanismo de Frank-Starling, quando ele está íntegro, para aumento do débito cardíaco (DC). Entretanto, existem outros fatores que atuarão em conjunto e que, em última instância, também influenciarão na pressão de perfusão sistêmica e na oferta de oxigênio aos tecidos. Um exemplo clássico é a diminuição na resistência vascular sistêmica causada por hemodiluição após a infusão de grandes volumes de solução cristaloide. Nesses casos, o incremento no DC será mais pela queda na resistência vascular do que propriamente pelo aumento do volume diastólico final, com consequente ativação do mecanismo de Frank-Starling. Alguns agentes anestésicos também estão implicados na alteração da resposta do organismo à infusão de líquidos. Estudos em animais mostram que naqueles que não estão sob efeito de anestesia, a expansão volêmica determina aumentos no volume intersticial, mas com rápida eliminação desse excesso pelos rins. Já nos que foram submetidos à anestesia geral com agentes halogenados, houve grande acúmulo de líquido no interstício e diminuição no ritmo urinário.13 Com relação à quantidade de fluidos infundidos, sabemos que a infusão maciça de cristaloides pode interferir, inclusive, na resposta imunológica, levando à ativação de neutrófilos no sangue e aumentos na expressão de fatores de adesão, o que poderia gerar ou intensificar a resposta inflamatória sistêmica. As soluções cristaloides se distribuem dentro dos compartimentos corporais de maneira proporcional ao tamanho desses espaços e de acordo com as forças osmóticas e de Starling.

Capítulo 12  Otimização hemodinâmica perioperatória do paciente cirúrgico de alto risco

165

Como a água atravessa as membranas com facilidade, quando se administra 1 L de solução glicosada livre de eletrólitos, esse volume se distribuirá por todos os compartimentos. Desse modo, veremos que, enquanto o volume intracelular aumenta em 666 mL, o volume intravascular somente será incrementado em 83 mL (Figura 12.2). Portanto, em caso de reposição de perdas sanguíneas com esse tipo de solução, o que demandará grandes volumes, há o risco de desenvolvimento de edema celular com todos os seus efeitos deletérios. Quando utilizamos 1 L de solução balanceada com eletrólitos, como soro fisiológico ou o Ringer-lactato, o volume infundido se distribui unicamente dentro do líquido extracelular, pois os eletrólitos, em especial o sódio, não cruzam livremente as membranas. Por isso, após a infusão de 1 L de soro ou Ringer, 250 mL permanecem dentro do vaso, enquanto os outros 750 mL vão para o espaço extravascular (Figura 12.2). 1.000 cc de solução glicosada a 5% Água corporal total (ACT) (60% do peso) – 42 L

Água corporal total (ACT) (1.000 mL)

Água intracelular (AIC) 75% de ACT – 28 L

Água extracelular (AEC) 25% de ACT – 14 L

Água extravascular (insterstício) 75% de AEC – 10,5 L

Água intravascular 25% de AEC – 3,5 L

Água intracelular 500 mL

Água extracelular 300 Ml

Água extravascular (insterstício) 250 mL

Água intravascular 85 mL

1.000 cc de solução salina a 3% hipertônica

1.000 cc de solução isotônica Água corporal total (ACT) 1.000 mL

Água corporal total (ACT) 1.000 mL

Água intracelular 0 mL

Água extracelular 1.000 mL

Água intracelular –1.500 mL

Água extravascular (insterstício) 750 mL

Água intravascular 250 mL

Água extravascular (insterstício) 1.075 mL

Água extracelular 2.000 mL

Água intravascular 625 mL

Figura 12.2  Hipovolemia e reposição volêmica.

Como se pode observar, os líquidos hipotônicos se distribuem para o compartimento intracelular seguindo os gradientes osmóticos, enquanto as soluções balanceadas isotônicas somente alcançarão os compartimentos extracelulares, distribuindo-se entre eles de maneira proporcional. Com a intenção de estimar a expansão plasmática causada por uma infusão de volume, podemos utilizar o seguinte cálculo: VEP = (Vi × VPN)/Vd Onde VEP é o volume de expansão plasmática; Vi, o volume infundido; VPN, o volume plasmático normal; e Vd, o volume de distribuição.

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Seção I Hemodinâmica

Sendo assim, para repor uma perda aguda de 2 L de sangue em um indivíduo adulto de 70 kg, o que corresponde a 40% do volume sanguíneo total, seriam necessários 28 L de solução glicosada e 9 de solução de Ringer. A principal limitação desse modelo é que ele assume que o volume corporal seja estático e não leva em consideração que a expansão plasmática resulta de um intrincado e complexo sistema que faz a manutenção dos volumes intravascular, intersticial e intracelular. Por esse motivo, também abordaremos o modelo cinético de comportamento dos cristaloides proposto por Svensen e Hahn.14 Os autores basearam-se nos mesmos conceitos utilizados para a definição da farmacocinética dos medicamentos de uso intravenoso e chegaram a dois modelos para explicar a cinética da expansão do volume plasmático que se obtém logo após uma expansão volêmica com os cristaloides: o modelo de um compartimento e o de dois compartimentos. É importante ressaltar que esse compartimento do modelo não é “fisiológico”, e sim funcional, visto que o conceito do volume cinético é dinâmico. No primeiro modelo, ou de um compartimento (Figura 12.3), considera-se a existência de um único compartimento central funcional (V) não equivalente ao compartimento plasmático, onde administramos os líquidos intravenosos (k i). Quando administramos um volume de líquido (k i), essa infusão expandirá o compartimento central (V) e criar um volume secundário(v). Essa expansão será eliminada de acordo com duas constantes, uma basal, chamada de K b e a outra K r, que corresponde a uma taxa controlada e que deve ser multiplicada pela proporção do volume expandido a partir do volume central {K r × [(v-V)/V]}. À medida que se obtém uma maior expansão do volume central, observa-se uma maior taxa de eliminação controlada, a qual depende principalmente da capacidade funcional dos rins.

Ki

v

V

Kb Kr

(v - V) V

Figura 12.3  Modelo de um compartimento proposto por Svensen e Hahn para explicar a cinética da expansão do volume plasmático obtido após expansão volêmica com os cristaloides.

Quando consideramos o modelo de um compartimento, o intercâmbio de volume ao longo do tempo (dv/dt) será expresso por: dv/dt = K i – K b – K r × (v-V)/V

Capítulo 12  Otimização hemodinâmica perioperatória do paciente cirúrgico de alto risco

167

No modelo de dois compartimentos (Figura 12.4) a infusão de líquidos vai para um volume central V1 a uma velocidade constante Ki. Além desse, há um segundo compartimento, o V2, que troca volume com o primeiro. Esses dois compartimentos têm espaços secundários de volume (v1 e v2), os quais procuram manter-se equilibrados por meio do mecanismo de eliminação k r. Este, por sua vez, é proporcional à expansão dos volumes centrais primários e dos mecanismos de intercâmbio entre os compartimentos. A taxa de intercâmbio entre os espaços será equivalente a uma constante kt.

V1

Ki

v1

V2

v2

kt

Kb Kr

(v1 - V1) V1

Figura 12.4  Modelo de um compartimento proposto por Svensen e Hahn para explicar a cinética da expansão do volume plasmático obtido após expansão volêmica com os cristaloides.

Para o modelo com dois compartimentos, a equação ficará da seguinte maneira: dv/dt = K i – K b – K r × (v-V)/V – Kt × [(v1-V1)/V1 – (v2-V2)/V2] Como a administração de fluidos não introduz nenhuma substância nova no organismo e, portanto, não se obtém nenhuma concentração mensurável da solução infundida, o efeito que essa infusão pode ocasionar no volume plasmático deve ser inferido pela variação da concentração de outras substâncias que podem ser medidas. Svensen e Hahn escolheram a diluição da hemoglobina para avaliar o efeito da expansão volêmica no espaço intravascular e também para estimar a taxa de infusão de que se necessita para manutenção de determinado volume plasmático. Logo após administrar 25 mL/kg de solução salina fisiológica em um período de 20 minutos, os autores mediram a concentração da hemoglobina a cada 5 minutos e encontraram que a hemoglobina caiu de 14 g/dL para 10 g/dL ao final dos 20 minutos, momento em que se encontrou o máximo valor de diluição. Depois desse tempo, a hemoglobina foi recuperando seus valores iniciais, pois já não havia mais nenhum líquido sendo infundido. Posteriormente, os autores traçaram uma curva da diluição da hemoglobina (Figura 12.5) em função do tempo e, com o propósito de predizer as variáveis do modelo cinético, usaram a seguinte equação, que leva em conta a hemoglobina, o hematócrito e o número de glóbulos vermelhos basais (Hb0-Hct0) e as mesmas variáveis em função do tempo: v-V/V = 0,5 [Hb0/Hb(t)-1/(1 – Hct0) + RBC0/RBC(t) – 1/(Hb0/ Hb(t)-1)]

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Seção I Hemodinâmica

Tempo (minutos) 0,25

0

60

120

180

Diluição

0,20 0,15 0,10 0,05 0

Figura 12.5  Curva da diluição da hemoglobina no modelo de Svensen e Hahn.

Finalmente, os autores aplicaram uma regressão não linear a todas as curvas da hemoglobina obtidas no estudo, adaptaram-nas matematicamente e escolheram o modelo de maior significância, chegando à construção de um nanograma (Figura 12.6) que tem o propósito de orientar a reposição volêmica no intraoperatório. Aumento da diluição do volume plasmático 50

50

Taxa de infusão (mL/min)

45

45

Alvo

40

(unidades

40

35

de diluição)

35

30

0,25

30

0,20

25

b

25 20 15

a

10

0,10

c

0

10

20

30

40

50

60

15 10

0,05 0,02

5 0

20

0,15

5 ∞

0

Tempo de infusão (minuto)

Figura 12.6  Nanograma de Svensen e Hahn para orientar a reposição volêmica no intraoperatório.

Para mostrar como funciona esse nanograma, utilizaremos o seguinte exemplo: se desejarmos alcançar uma diluição do volume plasmático equivalente a 10% (a) em um paciente cirúrgico, o que corresponderia aproximadamente a uma expansão de 5% do volume sanguíneo, teremos de administrar a quantidade 25 mL de líquido por minuto (b) durante um período de 20 minutos. Ainda de acordo com o nanograma, quando terminado esse tempo, se quisermos preservar o mesmo nível de diluição, deveremos manter uma taxa de infusão de 10 mL/min (c). Posteriormente, os autores usaram o modelo para descrever as variáveis farmacocinéticas do Ringer-lactato em 12 pacientes submetidos à colecistectomia videolaparoscópica (Tabela 12.2).

Capítulo 12  Otimização hemodinâmica perioperatória do paciente cirúrgico de alto risco

169

Tabela 12.2  Variáveis dos volumes após infusão de Ringer-lactato em 12 pacientes VARIÁVEIS PRIMÁRIAS

RESULTADOS

V (L)

3,24 (1,86-4,19)

SD

0,48 (0,27-0,80)

Kt (mL/min)

115 (61-227)

SD

16 (6-25)

Kr (mL/min)

6,8 (1,7-22,1) VARIÁVEIS SECUNDÁRIAS

Curva de diluição-tempo (min-1) Vida média Meia-vida contexto sensitiva

RESULTADOS 0,044 (0,020-0,094) 267 (88-1.365) 16 (8-35)

Os dados mostram que a vida média do Ringer (267 minutos) é maior do que a sua vida média de diluição no plasma, representada pela meia-vida contexto sensitiva (16 minutos), o que indica que esse tipo de solução tem uma forte tendência de favorecer a formação de edema periférico. Também é digna de nota uma alta relação Kt/K r, que indica uma prolongada permanência da solução no volume periférico e, portanto, um edema de longa duração.

4. CRISTALOIDES E COLOIDES DISPONÍVEIS PARA O USO NA PRÁTICA DIÁRIA Depois de definida a necessidade da reposição de fluidos, resta-nos ainda ter de escolher qual será o tipo de solução mais adequado à situação e ao paciente. Os cristaloides mais empregados no nosso dia a dia são o soro fisiológico, o Ringer-lactato e, mais recentemente, o Plasmalyte®. Apesar de toda a controvérsia na literatura e de todos os conhecidos efeitos indesejáveis quando utilizados maciçamente, eles ainda continuam a base da reposição volêmica na grande maioria dos casos.

4.1 Cristaloides 4.1.1  Soro fisiológico O uso do soro fisiológico teve início após Hartold Jacob Hamburger identificar que essa solução tinha o mesmo ponto de congelamento do plasma humano e, portanto, seria compatível com a infusão endovenosa com menor probabilidade de causar lise eritrocitária. Embora chamada de solução fisiológica, ela contém 10% a mais de sódio e 50% a mais de cloreto do que o líquido extracelular. Por isso, quando infundida em grandes volumes, pode levar ao desenvolvimento de acidose metabólica hiperclorêmica.15 Além desse inconveniente, diversos estudos têm mostrado outras alterações e mais efeitos deletérios da infusão exclusiva e de grandes volumes do soro fisiológico. Destes, destacamos o estudo de O’Malley e colaboradores16 que avaliou a reposição volêmica em pacientes submetidos a transplante renal. Eles foram randomizados para receberem exclusivamente soro fisiológico ou Ringer-lactato. Esse trabalho foi interrompido bem antes do que a programação inicial previa, pois o grupo do soro fisiológico teve incidência muito maior de complicações, como hipercalemia e acidose metabólica. Em outro trabalho bastante interessante, Kellum e colaboradores17 evidenciaram em um modelo animal que a maior quantidade de cloreto foi associada a aumentos significativos nas interleucinas 6 e 10 e no fator de necrose tumoral (TNF), concluindo que a acidose metabólica hiperclorêmica libera citocinas inflamatórias em níveis clinicamente importantes. Além da hipercloremia e da acidose metabólica, outros efeitos nocivos da infusão de grandes volumes de soro fisiológico são conhecidos. Entre eles, é possível mencionar a diminuição do fluxo sanguíneo renal e da taxa de filtração glomerular, o que gera ainda mais retenção de sódio, acidose

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Seção I Hemodinâmica

intramural do trato gastrintestinal, prolongamento do tempo do esvaziamento gástrico e diminuição do trânsito intestinal. O edema do trato gastrintestinal também se estende às anastomoses, além de resultar em aumento da pressão intra-abdominal, podendo causar síndrome compartimental. No interior das células, os aumentos dos níveis de sal acidificam o citoplasma, hiperpolarizam as membranas, inativam as cinases, causam déficits nos processos de fosforilação, pioram a função mitocondrial, amplificam a inflamação e produzem distúrbios na neurotransmissão. Por último, além dos efeitos sobre a função renal e no trato gastrintestinal, o outro grande afetado por infusões maciças de solução fisiológica seria o sistema de coagulação. Alguns estudos in vitro levariam a crer que o Ringer-lactato tem menos efeitos nocivos sobre a coagulação quando comparado ao soro. Entretanto, devemos ressaltar que não há um consenso sobre a associação entre o soro fisiológico e maiores necessidades de transfusão ou maiores volumes de perda sanguínea.

4.1.2  Solução de Ringer Existem dois tipos de solução de Ringer, a simples e a com lactato. Esta última foi criada com o objetivo de se oferecer uma solução com conteúdo mais próximo do plasma e sem riscos de distúrbios hidreletrolíticos. Trata-se de solução um pouco mais hipotônica que o plasma, o que, do ponto de vista de débito urinário, é vantajoso, mas não se pode esquecer de nunca utilizá-la quando há risco de edema cerebral. Apesar de conter apenas uma pequena quantidade de potássio, a solução de Ringer-lactato não é indicada nos casos de hiperpotassemia. O cálcio que também está presente nessa solução pode ligar-se ao citrato utilizado como anticoagulante nas bolsas de hemoderivados e precipitar a formação de coágulos. A utilização do lactato mesmo nos pacientes mais graves não se constitui em contraindicação formal de acordo com a literatura, porém temos evitado utilizá-lo nos pacientes hepatopatas graves e no transplante de fígado. Com relação à imunomodulação, o Ringer-lactato parece aumentar a expressão de moléculas de adesão de neutrófilos e plaquetas e estimular a apoptose em células intestinais, hepáticas e pulmonares. O Ringer-lactato é feito em uma mistura racêmica e o isômero D do lactato é considerado tóxico e capaz de deflagrar a oxidação de neutrófilos, a síntese de proteínas pró-apoptóticas e a expressão de genes mediadores inflamatórios. Ao contrário, o isômero levógiro seria responsável por algum grau de proteção imunológica, por atenuar a ativação dos neutrófilos, alterar a expressão de genes leucocitários e reduzir a síntese de proteínas apoptóticas. Outro efeito da infusão de grandes volumes de Ringer-lactato é a ocorrência de acidose respiratória no pós-operatório. Em estudo comparando grupos que receberam Ringer e solução salina, Takil e colaboradores18 observaram aumentos significativos na PaCO2 no grupo de pacientes que receberam Ringer até 12 horas no pós-operatório. Os autores atribuíram a acidose respiratória ao metabolismo do lactato, que produz CO2. Nos pacientes isentos de doenças pulmonares, essa situação não mostrou relevância clínica, no entanto devemos evitar o uso de grandes volumes de Ringer em pneumopatas.

4.1.3 Plasmalyte® Esta solução reproduz o conteúdo eletrolítico do plasma e tem o pH em torno de 7,4, ajustado mediante adição de hidróxido de sódio. Ela não tem lactato e cada 100 mL contêm um pouco mais de potássio que o Ringer, 37 mg contra 30 mg. Além disso, são adicionados 30 mg de cloreto de magnésio, 27 mEq/L de acetato e 23 mEq/L de gluconato. Sua osmolaridade de 294 mOsmol/L é intermediária entre a da solução fisiológica – 308 mOsmL/L e a do – actato ‒ 272 mOsmol/L. Como ainda é uma solução relativamente nova, não existem muitos estudos com a sua utilização em pacientes críticos.

Capítulo 12  Otimização hemodinâmica perioperatória do paciente cirúrgico de alto risco

171

4.2 Coloides utilizados na prática clínica Atualmente, além da albumina, é possível dispor dos coloides artificiais, em que se enquadram o hidroxietilamido (HEA) e as gelatinas. De acordo com o tamanho das partículas que compõem tais soluções coloidais, é possível classificá-las em monodispersas, caso da albumina, que é composta por aproximadamente 95% de partículas com o mesmo peso molecular em torno de 69 kDa, ou polidispersas, que apresentam variações bem maiores do peso molecular entre as partículas que compõem a solução, como é o caso dos coloides artificiais, cujo peso vai de alguns milhares até milhões de dáltons. Além do peso molecular, outro fator que interfere na retenção dos coloides no intravascular é a polaridade das suas moléculas. O endotélio tem carga negativa e, portanto, repele moléculas com carga de mesmo sinal. Como os coloides tendem a ser negativamente carregados, há a tendência de eles permanecerem maior tempo dentro do vaso.

4.2.1 Albumina Proteína plasmática natural obtida a partir do plasma de doadores, podendo ser de um único doador (aférese) ou de vários. Como produto industrializado, a albumina foi desenvolvida nos Estados Unidos durante a Segunda Guerra Mundial. É produzida a partir de grandes quantidades de plasma submetidas a fracionamento a frio pelo etanol. O produto inicial é submetido a um demorado processo de esterilização pelo calor para a eliminação de vírus e bactérias. Esse rigoroso cuidado no processamento da albumina contribui para o excelente grau de segurança do seu uso clínico. Ela apresenta peso molecular (PM) entre 66 kDa e 69 kDa e é composta por 584 aminoácidos. É a maior proteína sintetizada no fígado e representa cerca de 50% da síntese hepática de proteínas (100 a 200 mg/kg/dia). Depois de sintetizada pelos hepatócitos, é liberada nos sinusoides e cai na circulação sanguínea. A albumina endógena, apesar de sua forte carga elétrica negativa, apresenta sítios de ligação para cátions e ânions orgânicos ou inorgânicos. Ela transporta diversas substâncias endógenas, como: os ácidos graxos de cadeia longa, bilirrubina, fosfolipídeos, os esteroides, os cátions metálicos, o cálcio e o cobre. Transporta também substâncias exógenas como as diferentes drogas aplicadas na circulação. A concentração plasmática de albumina (4 a 5 g/L) responde por 60 a 80% da pressão coloidosmótica do plasma (26 a 28 mmHg). Cerca de 40% da albumina endógena está distribuída no volume intravascular e os 60% restantes no espaço intersticial (extravascular e no extracelular). No extravascular, parte da albumina se liga aos tecidos e a outra parte volta à circulação via drenagem linfática. Para drenar 18 mL de água do espaço intersticial para o espaço intravascular, 1 g de albumina exógena é suficiente. Sua meia-vida é de 16 horas e 90% da albumina administrada permanecerá no espaço intravascular após 2 horas da infusão. Sua eliminação total leva de 15 a 20 dias, sendo a taxa de extravasamento transcapilar de 4,5 %/hora, com meia-vida de distribuição de 15 horas e taxa de degradação de 3,7 %/dia. Há duas apresentações de albumina disponíveis no mercado: as soluções isso-oncóticas a 5% (frascos de 500 mL), as quais têm uma pressão coloidosmótica semelhante à do plasma e as soluções hiper-oncóticas a 20% (frascos de 50 mL), que são capazes de promover um aumento do volume plasmático de até cinco vezes o volume administrado. A albumina tem indicações muito precisas e seu uso é limitado pelo alto custo e pela possibilidade de substituição por coloides semissintéticos (Quadro 12.1).

172

Seção I Hemodinâmica

Quadro 12.1  Principais indicações da albumina  SITUAÇÃO Choque hemorrágico

INDICAÇÕES DA ALBUMINA Restrição de sódio Contraindicação de coloide sintético Quando cristaloides e coloides já tiverem sido utilizados em suas dosagens máximas

Ressecção hepática

Nas ressecções superiores a 40% até que ela atinja o valor de 2 g/dL ou até que a volemia seja otimizada

CUIDADOS Deve ser usada em associação com cristaloides se houver contraindicação ao uso de coloides sintéticos não proteicos Indicação de acordo com a função residual hepática e de parâmetros hemodinâmicos Quando houver contraindicação ao uso de coloides sintéticos não proteicos

Queimaduras

Área queimada > 50% do corpo 24 horas após a lesão e falha dos cristaloides

Quando houver contraindicação ao uso de coloides não proteicos e os 3 itens forem positivos

Cirurgia cardíaca intraoperatório Evitar edema intersticial pulmonar (como priming) pós-operatório Reduzir edema sistêmico Paciente cirrótico

Peritonite bacteriana espontânea Paracenteses volumosas (> 5 L) Síndrome hepatorrenal

Transplante de fígado

Albumina < 2,5 g/dL Pressão de oclusão pulmonar < 12 mmHg

A reposição deve ser feita com 5 g/L de ascite retirada Associada ao uso de terlipressina No pós-operatório: para controlar ascite e formação de edema periférico, para repor líquido ascítico perdido na cirurgia/drenos

Apesar das indicações, inúmeros estudos muito bem conduzidos demonstraram que não há vantagem da albumina sobre os coloides sintéticos ou cristaloides quando utilizada na reposição volêmica no intraoperatório. Como principal referência, citamos o estudo SAFE,19 onde mais de 6.000 pacientes foram randomizados para receber albumina ou soro fisiológico. Na conclusão deste estudo, não houve diferença significativa na mortalidade entre os dois grupos. Devemos tomar especial cuidado com os pacientes usando inibidores da enzima conversora de angiotensina (ECA). Essa enzima inibe o metabolismo da bradicinina, o que acarreta acúmulo dessa droga na circulação. Por sua vez, a albumina ativa a bradicinina, podendo levar à vasodilatação vascular e, consequentemente, a um estado de hipotensão arterial. Raramente ocorre reação alérgica e/ou anafilática com o uso de albumina. Um efeito colateral atribuído a ela, mas que não foi comprovado por alguns autores, é a alteração da coagulação detectada pela alteração dos tempos de protrombina e tromboplastina parcial ativada (TTPa) e da contagem de plaquetas. São alterações discretas, transitórias e que cursam sem repercussões clínicas.

4.2.2 Hidroxietilamido Coloide de alto peso molecular obtido a partir da amilopectina extraída do milho. A amilopectina, em sua forma original, estaria sujeita a uma hidrólise muito rápida pela amilase endógena quando na corrente sanguínea, de modo que seu tempo de permanência intravascular seria muito rápido, em torno de 10 minutos. Por esse motivo, fez-se necessária a hidroxiacetilação da molécula. Como resultado dessa reação, obtém-se o hidroxietilamido formado por cadeias ramificadas e esféricas de glicose, que lhe garantem uma estrutura molecular muito semelhante à do glicogênio, o que reduz, ou melhor, justifica, seus baixos índices de reações anafiláticas e anafilactoides. A atuação do hidroxietilamido (HEA) como expansor plasmático está intimamente ligada à substituição de radicais hidroxila da cadeia de amido por radicais hidroxietílicos, mais especificamente nas unidades de glicose. Essas substituições podem ocorrer nos carbonos das posições C2, C3 ou C6 da molécula de glicose. O número de glicoses que sofrem tal substituição molar por radicais hidroxietílicos definirá o grau de substituição de uma molécula de hidroxietilamido.

Capítulo 12  Otimização hemodinâmica perioperatória do paciente cirúrgico de alto risco

173

Atualmente, a tendência tem sido a utilização de HEA com peso molecular mais baixo, sendo o Voluven® o mais difundido. No caso desse coloide, em cada grupo de 10 glicoses da molécula de amido, duas glicoses sofrem hidroxiacetilação especificamente no carbono 2, caracterizando-o como hidroxietilamido de peso molecular de 130 kDa e grau de substituição molar 0,4 (130/0,4). Lembrando que são justamente essas duas características que determinam o volume de expansão, a hemodiluição e o tempo de ação do produto. O Voluven® é a molécula mais moderna disponível entre os HEA e compreende a 3ª geração desse grupo de coloides, desenvolvida com o objetivo de manter as mesmas propriedades terapêuticas dos amidos de médio peso molecular, que eram amplamente utilizados em um passado muito próximo. Por ser uma molécula menor, mas com um padrão de substituição molar aprimorado, o Voluven® garante o mesmo tempo de ação terapêutica dos já conhecidos HEA de médio peso molecular, mas com praticamente inexistência de efeitos colaterais indesejáveis, como risco de comprometimento de alguns fatores de coagulação e praticamente inexistência de acúmulo do amido nos tecidos.20 Como contraindicações ao seu uso, é possível mencionar: sobrecarga de líquido (hiper-hidratação), incluindo edema pulmonar, insuficiência renal com oligúria ou anúria, pacientes em hemodiálise, sangramento intracraniano, hipernatremia grave ou hipercloremia grave, hipersensibilidade conhecida aos amidos e insuficiência cardíaca congestiva. Depois de administrado, o Voluven® tem suas moléculas menores, com tamanho inferior ao limiar de filtração renal (60 a 70 kDa), excretadas prontamente na urina enquanto as moléculas maiores sofrem metabolização e ou degradação pela alfa-amilase sérica, antes de sua excreção via filtração glomerular. O seu peso molecular médio, in vivo, após a infusão é de 70 a 80 kDa, o qual permanece acima do limiar de filtração renal durante todo período terapêutico. O volume de distribuição é de aproximadamente 5,9 L e, após 30 minutos da infusão, o seu nível plasmático ainda é de 75% da concentração máxima. Após 6 horas, o nível plasmático decresce 14% e, após 24 horas de uma dose única de 500 mL, tem-se o retorno aos níveis plasmáticos iniciais. Não foram encontrados indícios de acúmulo significativo no plasma após administração diária de 500 mL de solução a 10% por um período de 10 dias e, em um modelo experimental em ratos, usando doses repetidas por 18 dias, verificou-se que, após 52 dias do final da administração, o acúmulo tecidual foi de 0,6% da dose utilizada.21 Portanto, é possível concluir que dentro das doses preconizadas de até 50 mL/kg/dia, ou até o máximo de 3.000 mL/dia, esse coloide constitui-se em alternativa bastante segura quando bem indicado.

4.2.3 Gelatinas Proteínas sintéticas, macromoleculares, preparadas a partir da hidrólise do colágeno, uma proteína­ encontrada nos vertebrados e que é a principal substância do tecido conjuntivo. A molécula do colágeno é constituída de três cadeias de peptídeos, cada um deles com peso molecular entre 100 kDa e 150 kDa, agrupadas em uma estrutura tri-helicoidal. Para a obtenção das gelatinas, o colágeno bovino é submetido a um processo químico de duas etapas. Na primeira, sob a ação de um álcali, formam-se cadeias de peptídeos de peso molecular entre 12 kDa e 50 kDa. Na segunda de acordo com o tratamento a que são submetidos, originam-se os diferentes tipos de gelatinas. Existem três tipos de gelatina: gelatina succinilada a 4% com peso molecular de 30 kDa e osmolaridade de 274 mOsm/L; gelatina com pontes de ureia a 3,5% de peso molecular 35 kDa e osmolaridade de 301 mOsm/L; oxipoligelatina a 5,5% com peso molecular de 30 KDa e osmolaridade de 296 mOsm/L. Atualmente, estão disponíveis para o uso clínico as gelatinas com pontes de ureia como Haemacel ®, Isocel ® e as succiniladas como Gelafundin®, a mais utilizada em nosso serviço (Sírio-Libanês). As apresentações de gelatinas com pontes de ureia e as succiniladas diferem entre si quanto à concentração de eletrólitos. As gelatinas ligadas à ureia contêm maior quantidade de cálcio e de potássio do que as soluções de gelatina succinilada. O cálcio presente nas soluções de gelatina ligada à ureia pode reagir com o citrato usado como anticoagulante nas bolsas de hemocomponentes. Portanto, nunca se deve utilizar a mesma via de administração para as duas soluções.

174

Seção I Hemodinâmica

Os dois tipos de gelatina promovem expansão plasmática equivalente a 78% do volume infundido, que perdura por 2,5 horas, em média. O baixo peso molecular faz com que grande percentual das moléculas infundidas seja eliminada rapidamente por filtração glomerular. Uma hora após a infusão, cerca de 50% a 60% do volume administrado permanece na circulação, mas, após 5 horas, permanece somente entre 25 e 32% desse volume. A porção da solução que não é excretada pelos rins (aproximadamente 5%) pode ser transformada por proteases em peptídeos de menor tamanho e em aminoácidos e, dessa forma, ser eliminada do organismo.22-24 Deve-se lembrar que, em grandes doses, elas podem induzir falência renal. As gelatinas não interferem nas classificações sanguíneas e não há relatos de efeitos antitrombóticos ou sobre a coagulação,25 porém, o emprego de doses elevadas, que ainda não estão bem estabelecidas, poderia provocar diluição dos fatores de coagulação com diminuição do fator de Von Willebrand e do fator VIII. Elas interferem na função da fibronectina (fator VIII), o que pode limitar o volume a ser administrado cuja recomendação é de até 50 mL/kg por dia. A incidência de reações anafiláticas ou anafilactoides relatada na literatura é baixa, com casos de reações mais leves entre 0,1 e 0,6% e de reações mais graves como choque anafilático e parada cardíaca na ordem de 0,04%.26 A chance de transmissão de doenças priônicas (doença de Creutzfeldt-Jakob) já foi aventada, porém vários estudos asseguraram o seu uso mostrando que o processo de produção é suficientemente adequado para inativar os príons capazes de desencadear tal doença.

4.3 Coloides versus cristaloides Ainda nos dias de hoje, com relação à reposição de coloides versus cristaloides, existe uma grande controvérsia na literatura. Revisões sistemáticas comparando os dois sugerem que poderia haver diminuição de mortalidade associada à utilização de coloides, porém, para a grande maioria, os cristaloides ainda são considerados 1ª escolha na reposição volêmica e há inúmeros trabalhos na literatura que atestam sua superioridade na ressuscitação volêmica de pacientes, especialmente os politraumatizados.27-29 Em pacientes cirúrgicos especificamente, os coloides parecem exercer papel importante na diminuição da morbidade após as cirurgias abdominais de grande porte quando a reposição é guiada por objetivos mediante monitorização específica.30 Não só o tipo de solução, mas também a quantidade de fluidos utilizada, tem sido alvo de vários estudos, os quais têm demonstrado a grande influência das estratégias restritiva versus liberal na redução da morbimortalidade e das complicações associadas à reposição volêmica, principalmente nas cirurgias de grande porte e nos pacientes considerados de alto risco.31,32 Em 2001, Rivers33 instituiu o conceito da terapia precoce e guiada por objetivos (eraly-goal directed therapy) em pacientes com choque séptico. Essa abordagem envolve a otimização da contratilidade, da pré-carga e da pós-carga, visando balancear a oferta e o consumo de oxigênio. Desde então, vários estudos vêm sendo realizados analisando o efeito da reposição volêmica na restauração da microcirculação e da oxigenação tecidual. Nesses trabalhos, ficou claro que microcirculação e oferta de oxigênio apresentam comportamento heterogêneo em resposta à reposição volêmica.

5. MONITORIZAÇÃO DA HEMODINÂMICA FUNCIONAL A partir do trabalho de Rivers33 e de muitos outros que o sucederam, cada vez mais o manejo volêmico empírico tem sido abandonado em detrimento do uso da reposição guiada por objetivos auxiliada por monitores específicos capazes de avaliar a hemodinâmica funcional, ou seja, rastrear dentro de um universo de pacientes críticos quais terão o DC aumentado após uma infusão de volume e que, por isso, serão também chamados de “respondedores”. Identificar esse subgrupo de pacientes significa fazer o volume infundido cumprir o seu objetivo de gerar melhora hemodinâmica e reestabelecer a oxigenação e a perfusão teciduais (Figura 12.7).

Capítulo 12  Otimização hemodinâmica perioperatória do paciente cirúrgico de alto risco

175

Expansão volêmica Não respondedores

Respondedores

Melhora hemodinâmica

Extravasamento de líquido Piora da troca gasosa

Melhora da perfusão tecidual

Piora da perfusão tecidual Hipoxemia

Figura 12.7  Identificação dos pacientes respondedores.

Nesse novo cenário, os parâmetros ditos estáticos, como pressão de átrio direito (PAD), pressão venosa central (PVC) e a pressão de artéria pulmonar ocluída (PAPO), perderam força, pois, considerando que a relação pressão-volume no VE não é linear e que a variação de volume não gera necessariamente uma variação proporcional da pressão, entendemos que esses marcadores não conseguem predizer com acurácia minimamente aceitável quais pacientes que responderão adequadamente à terapia de reposição hídrica, ou seja, eles não avaliam a “fluidorresponsividade”. Surgiram, então, os parâmetros dinâmicos, dos quais, os extraídos da análise da curva da pressão arterial, que pode ser facilmente obtida, passaram a ser utilizados em diversos monitores. São eles: a variação da pressão sistólica (VPS); a variação da pressão de pulso (VPP); e a variação do volume sistólico (VVS), sendo os dois últimos bastante utilizados em nossa prática clínica com o monitor da Edwards®, o Vigileo®. Para avaliar o ΔPP e o VVS com o Vigileo®, usa-se o kit FloTrac®, um dispositivo de muito fácil manejo, pois dispensa calibração externa, é operado de forma independente e só precisa da conexão a uma linha arterial. De acordo com o conceito da física, o fluxo resultante em um vaso será determinado pelo gradiente de pressão ao longo dele mesmo e pela resistência que ele oferece ao fluxo (F=ΔP/R). O algoritmo do sensor FloTrac® usa um princípio similar a esse para, por meio do fluxo pulsátil, incorporar os efeitos da resistência vascular e da complacência associada a um fator de conversão conhecido como Khi(χ), chegando ao volume sistólico e, consequentemente, ao DC. Enquanto o DC pelo método convencional é calculado multiplicando a frequência cardíaca pelo volume sistólico, o algoritmo do FloTrac® usa o mesmo componente, mas substitui a frequência cardíaca pela de pulso, captando somente batimentos realmente ejetados, e depois o multiplica pelo volume sistólico calculado. DC = FC × VS DCPA = FP × (δAP × Х) Onde DC é o débito cardíaco; FC, a frequência cardíaca; DCPA, o DC baseado na onda da pressão arterial; FP, a frequência de pulso; δAP, o desvio-padrão da pressão de pulso; e X, o tônus vascular. O equivalente ao volume sistólico na fórmula (δAP × Х) é calculado pela pressão arterial do paciente. O algoritmo do FloTrac® analisa o formato da onda da pressão 100 vezes por segundo, durante 20 segundos, com 100 pontos por segundo captando 2.000 dados para análise (Figura 12.8). Esses dados são usados juntamente com os dados demográficos do paciente para calcular o desvio-padrão da pressão arterial (σPA), que é proporcional à pressão de pulso (PP). Esse desvio-padrão (σPA), quando multiplicado por um fator de conversão conhecido por Khi(χ), que incorpora os efeitos da resistência e da complacência (tônus vascular), é convertido de mmHg para mL/batimento.

176

Seção I Hemodinâmica

1

Baixa complacência dos grandes vasos

mmHg

Tempo 2 Alta complacência dos grandes vasos mmHg

Tempo

Figura 12.8  Algoritmo do FloTrac®.

O Khi é calculado pela análise do pulso do paciente, da PAM, do desvio-padrão da PAM e da complacência dos grandes vasos calculada pelos dados demográficos do paciente, além da análise do formato da onda utilizando-se os padrões de Skewness e Kurtosis. O Khi é atualizado e aplicado ao algoritmo Sensor FloTrac® a cada 60 segundos. A avaliação do tônus vascular leva em conta a complacência dos grandes vasos de acordo com o trabalho de Langewouters34 que mostrou uma correlação direta entre idade, gênero e PAM em relação à complacência aórtica. Foi derivada desse estudo a equação na qual a complacência do paciente pode ser encontrada com a inserção da idade e gênero. De acordo com Langewouters, a complacência arterial (C), como uma função de pressão, pode ser encontrada usando a seguinte equação: C(P) = L × [Amáx /(л × P1)]/1+ [(P-Po)/P1]2 Onde L é comprimento da aorta; Amáx, área máxima do corte seccional da raiz aórtica; P, a pressão arterial; Po, a pressão na qual a complacência alcança seu máximo; P1 a largura da curva de complacência na metade da complacência máxima. Medidas adicionais de peso e altura (área de superfície corporal) também foram utilizadas para correlação com o tônus vascular e adicionadas para aprimorar o cálculo da complacência aórtica. O FloTrac® é indicado em adultos e somente naqueles que estão 100% em ventilação mecânica (modo controlado). Deve-se lembrar que o aumento dos níveis de pressão positiva no final da expiração (PEEP) pode causar um aumento na variação de volume sistólico. Ele não foi validado em pacientes com dispositivos de assistência ventricular ou BIA. Há algumas situações clínicas em que o FloTrac® pode não calcular apropriadamente o volume sistólico devido às alterações extremas no tônus vascular, por exemplo, os hepatopatas. Em situações de vasoconstrição periférica severa, como o estado de choque ou os episódios hipotérmicos, os valores derivados das medições na artéria radial também podem estar alterados.

Capítulo 12  Otimização hemodinâmica perioperatória do paciente cirúrgico de alto risco

177

As arritmias podem afetar dramaticamente os valores da VVS, dessa forma, a utilidade da VVS como guia para ressuscitação é maior na ausência de arritmias. Os efeitos da terapia com vasodilatador podem aumentar a VVS e devem ser considerados antes de iniciar o tratamento com reposição volêmica. Outro método capaz de fornecer esse tipo de parâmetro dinâmico e que há muito tempo é utilizado na Europa e Estados Unidos e agora vem ganhando espaço no Brasil nos últimos anos entre anestesiologistas e intensivistas é a ecocardiografia, tanto transtorácica quanto a transesofágica. Para a avaliação da fluidorresponsividade por meio da ecocardiografia, há basicamente duas possibilidades que apresentam resultados bastante confiáveis. A primeira é a variação respiratória do diâmetro da veia cava, que pode ser a cava superior, alcançada unicamente por meio da ecocardiografia transesofágica ou da cava inferior ou pela transtorácica. A segunda é a variação respiratória do pico da velocidade do fluxo sanguíneo ejetado pelo VE na aorta que pode ser avaliado tanto pelo método transtorácico quanto pelo transesofágico. Na prática, o estudo da veia cava inferior (VCI) pode ser feito pelo plano bicaval no esôfago médio quando se usa a ecocardiografia transesofágica ou o plano subcostal no transtorácico. Após a identificação da VCI, o cursor do modo M é colocado no máximo a 3 cm da junção da veia com o átrio direito e, então acionado, produzindo as imagens da variação respiratória durante a inspiração e a expiração. Nos pacientes em ventilação espontânea, avaliamos a colapsabilidade da VCI usando a seguinte fórmula: ΔVCI = 100 × (VCIexp-VCIinsp)/VCIexp Onde VCIexp é o máximo diâmetro na expiração e VCIinsp, o mínimo diâmetro na inspiração. Consideramos normal o ΔVCI inferior a 50%, e os respondedores terão índice de colapsabilidade maior que 50%35 (Figura 12.9).

Figura 12.9  Variabilidade respiratória da veia cava inferior.

Para os pacientes em ventilação mecânica, utilizaremos a variabilidade respiratória ou índice de distensibilidade da VCI (Figura 12.9) pela seguinte equação: ΔVCI = 100 × (Dvcimáx – Dvcimín)/Dvcimín Onde Dvcimáx é o máximo diâmetro na inspiração e Dvcimín, o mínimo diâmetro na expiração. Se o ΔVCI é superior a 18%, é possível dizer que o paciente responderá ao volume infundido (Figura 12.10).

178

Seção I Hemodinâmica

A VCS só poderá ser acessada pela ecocardiografia transesofágica (Figura 12.11) e deveremos utilizar o seguinte cálculo: ∆VCS = 100 × (Dmáx

exp

– Dmín

)/Dmáx

insp

exp

Dmáx é o máximo diâmetro na expiração e Dmín , o mínimo diâmetro na inspiração. No trabaexp insp lho publicado por Baron e colaboradores,36 o índice de colapsabilidade da VCS acima de 36% apontou pacientes respondedores a volume com sensibilidade de 90% e especificidade de 100%.

Figura 12.10  Exemplo de variabilidade de veia cava inferior.

Figura 12.11  Exemplo de colapsabilidade de veia cava superior.

A variação respiratória do pico da velocidade do fluxo sanguíneo ejetado pelo VE pode ser avaliada pela ecocardiografiatransesofágica a partir do eixo longo da via de saída do VE no plano transgástrico, que é o mais utilizado pelos anestesiologistas durante a monitorização intraoperatória, ou pelos planos apicais de cinco câmaras ou eixo longo da via de saída do VE com o ecocardiografia transtorácica. Após a obtenção da imagem da via de saída do VE em um dos planos mencionados, o cursor do Doppler contínuo deve ser posicionado além da válvula aórtica, na aorta ascendente. Dentro de um ciclo respiratório, buscaremos o maior e o menor pico de velocidade (Figuras 12.12 e 12.13).

Capítulo 12  Otimização hemodinâmica perioperatória do paciente cirúrgico de alto risco

179

Após a identificação das velocidades, o ∆Vpico pode ser calculado da seguinte maneira: ∆Vpico(%) = 100 × (Vpicomáx – Vpicomín)/[(Vpicomáx+Vpicomín)/2] Onde Vpico é a velocidade de pico obtida pelo Doppler; Vpicomáx, a maior velocidade obtida; ­ picomín, a menor velocidade obtida no mesmo ciclo respiratório. O ideal é que o resultado final seja V a média calculada durante cinco ciclos respiratórios consecutivos.

Figura 12.12  Exemplo de velocidade de pico de fluxo na via de saída do ventrículo esquerdo.

Figura 12.13  Variabilidade respiratória da velocidade de pico de fluxo.

No estudo de Feissel e colaboradores,37 valores do ∆Vpico > 12% foram capazes de identificar os respondedores à expansão volêmica com uma sensibilidade de 100 e especificidade de 89%, e as mudanças no índice cardíaco mostraram elevada correlação com os valores do ∆Vpico antes da infusão de volume (r = 0,83; p < 0,001). Por último, além dos parâmetros já citados, outro que vem sendo cada vez mais utilizado como forma de monitorização da reposição volêmica no intraoperatório é a saturação venosa central (ScVO2) de oxigênio. Ela pode ser acompanhada de forma contínua por meio de cateteres específicos para tal fim, como o PreSep® da Edwards®, ou de maneira intermitente, colhendo-se amostras periódicas de um cateter venoso central convencional. Conceitualmente, a ScVO2 é a saturação do sangue venoso mensurada na junção da VCS com o átrio direito e reflete o consumo de oxigênio pelo cérebro e porção superior do corpo. Ela tem valores em média 2 a 3% menores que o da saturação venosa mista obtida pelo cateter de Swan-Ganz, considerada um biomarcador padrão-ouro para o consumo global de oxigênio.38 Existe ainda bastante controvérsia na literatura com relação à substituição da SVO2 pela ScVO2. Porém, ambas refletem alterações significativas nos regimes de aporte de oxigênio que podem ocorrer no intraoperatório. O limite inferior aceitável antes que uma intervenção clínica seja efetuada parece estar ao redor de 70%. Como em tantas outras situações, ainda há espaço para maiores estudos randomizados e bem desenhados que estabeleçam algoritmos que sirvam de modelo para a utilização desses parâmetros.

6. NECESSIDADE DE TRANSFUSÃO DE HEMÁCIAS NO INTRAOPERATÓRIO A hemorragia no período intraoperatório pode levar a hemoglobina a níveis extremamente críticos, em que, apesar da volemia restaurada, haverá déficit significativo do conteúdo arterial de oxigênio. Esse déficit gera desequilíbrio entre a oferta e o consumo de oxigênio e, novamente, há o risco de iniciarmos o ciclo maligno de hipóxia tecidual, disfunção orgânica e morte.

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Seção I Hemodinâmica

Por isso, é fundamental que durante todo o tempo o anestesiologista esteja atento aos mínimos indícios dessas ocorrências, seja pelos sinais clínicos, pela monitorização ou pelos marcadores laboratoriais (Quadro 12.2). Quadro 12.2  Sinais de desequilíbrio entre oferta e consumo de oxigênio PARÂMETROS CLÍNICOS Hipotensão não responsiva à infusão de volume Taquicardia sem sinais de hipovolemia Arritmias PARÂMETROS PROVENIENTES DA MONITORIZAÇÃO Alterações eletrocardiográficas, como supra ou infradesnivelamento do segmento ST Baixa saturação venosa mista ou central Taxa global de extração de oxigênio superior a 50% Acidose láctica com pH < 7,35 e lactato > 18 mg/dL

A transfusão de hemácias deve ser utilizada em pacientes com anemia normovolêmica sempre que houver indícios de prejuízo na relação entre oferta e consumo de oxigênio na tentativa de restaurar o conteúdo arterial de oxigênio e evitar a hipóxia tecidual. Pacientes com perdas inferiores a 15% do volume sanguíneo total raramente necessitarão de transfusão, enquanto os que perdem mais de 40% necessitarão de transfusão em quase todos os casos (Tabela 12.3).39,40 Tabela 12.3  Critérios de transfusão de hemácias utilizados em casos de anemia aguda e choque hemorrágico CLASSIFICAÇÃO DO CHOQUE

REDUÇÃO DA VOLEMIA

PERDA SANGUÍNEA ESTIMADA

INDICAÇÃO DE TRANSFUSÃO

Classe I

< 15%

< 750 mL

Desnecessária sem anemia preexistente

Classe II

15-30%

750-1.500 mL

Desnecessária sem anemia preexistente ou doença cardiopulmonar

Classe III

> 30%

1.500-2.000 mL

Classe IV

> 40%

> 2.000 mL

Provavelmente necessária Necessária

7. TERAPIA GUIADA POR METAS NO PACIENTE CIRÚRGICO DE ALTO RISCO A identificação de pacientes cirúrgicos de alto risco ou de paciente submetidos à cirurgia de grande porte implica a realização de estratégias de monitorização e otimização hemodinâmica que podem ser iniciadas no período pré-operatório e devem estender-se até o período de internação na UTI. O objetivo dessa otimização é garantir um balanço adequado entre oferta (DO2) e consumo de oxigênio (VO2), evitando, assim, o desenvolvimento de disfunções orgânicas. Diversos estudos na década de 1980 demonstraram que pacientes cirúrgicos beneficiavam-se de uma estratégia de supranormalizaçao de oxigênio.41,42 Shoemaker e colaboradores mostraram que essa terapia guiada por metas (TGM) de supranormalização da DO2 reduzia significativamente a morbimortalidade de pacientes cirúrgicos de alto risco.41 Nesse estudo, as variáveis definidas como metas eram: IC > 4,5 L/min/m2; DO2I > 600 mL/min/m2; VO2I > 170 mL/min/m2. A ferramenta de monitorização utilizada no estudo de Shoemaker e colaboradores era o cateter de artéria pulmonar, no entanto estudos mais recentes realizaram TGM em pacientes cirúrgicos com métodos de monitorização do débito cardíaco minimamente invasivos e com parâmetros de hemodinâmica funcional, como VVS/ VPP, e demonstraram resultados positivos na redução de morbimortalidade.42 O trial OPTIMISE, publicado recentemente, foi um estudo pragmático e multicêntrico realizado no Reino Unido que randomizou 734 pacientes de alto risco cirúrgico submetidos à cirurgia gastrintestinal a receber uma TGM baseada em monitorização do débito cardíaco durante a cirurgia e por um período de até 6

Capítulo 12  Otimização hemodinâmica perioperatória do paciente cirúrgico de alto risco

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horas­ comparado ao grupo de cuidado usual.43 Os resultados desse estudo não mostraram redução de mortalidade ou complicações perioperatórias, mas os autores agruparam seus resultados em uma revisão sistemática e metanálise e mostraram redução no número de complicações pós-operatórias.

8. CONCLUSÕES A reposição volêmica está intimamente relacionada à morbimortalidade dos pacientes graves. Nesses casos, as evidências atuais parecem convergir para o estabelecimento de uma terapia precoce, guiada por objetivos e, preferencialmente, associada à monitorização da hemodinâmica funcional pela utilização das tecnologias disponíveis para esse fim. Além disso, é fundamental que os protocolos sejam unificados em toda a instituição para que o cuidado se estenda por todo o período de internação, começando no pré-operatório, passando pelo centro cirúrgico, UTI e nos demais setores que acolhem esses pacientes.

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O uso do balão de contrapulsação intra-aórtico e ECMO (extracorporeal membrane oxygenation) na prática clínica

Pedro Vitale Mendes Marcelo Park 1. INTRODUÇÃO O balão intra-aórtico (BIA) e a ECMO, na configuração venoarterial (ECMOva), são metodologias de suporte cardiovascular usadas em situações de baixo débito cardíaco (DC) com má perfusão periférica. O BIA também é utilizado na prática clínica para manutenção da perfusão coronariana durante procedimentos de reperfusão coronariana em pacientes de alto risco, ou seja, com situação hemodinâmica instável ou com lesões coronarianas críticas e com risco de baixo fluxo pós-procedimento. O uso do BIA como suporte hemodinâmico sistêmico oferece suporte eficaz ao ventrículo esquerdo (VE), sendo o ventrículo direto (VD) beneficiado em situações em que não há hipertensão pulmonar instalada. Já a ECMOva oferece suporte biventricular e respiratório ao mesmo tempo, podendo ser utilizada em situações de acometimento dos dois sistemas, cardiovascular e respiratório, como no tromboembolismo pulmonar grave. A ECMO, em configuração venovenosa (ECMOvv), é utilizada para suporte respiratório exclusivo em situações de hipoxemia e hipercapnia graves. Neste capítulo, discutiremos aspectos fisiológicos e clínicos do BIA e da ECMO.

2. BALÃO DE CONTRAPULSAÇÃO INTRA-AÓRTICO Sistema de uso mais frequente na atualidade para o suporte hemodinâmico em situações de baixo fluxo sistêmico. Entretanto, seu uso não se restringe à hemodinâmica sistêmica, mas se estende à manutenção do fluxo coronariano, como na angina refratária e nas angioplastias de alto risco.1,2

2.1  Fisiologia da contrapulsação intra-aórtica O balão é posicionado na aorta descendente a cerca de 1 a 2 cm da emergência da artéria subclávia esquerda, ocupando uma posição estrategicamente central em relação à hemodinâmica sistêmica. A fisiologia do BIA envolve uma série de mecanismos. Ao ser insuflado na fase diastólica, o balão (mais

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Seção I Hemodinâmica

utilizado o de 40 mL) gera uma pressão na aorta mais elevada e, assim, desloca um equivalente de volume (ao do volume insuflado) de forma centrífuga a ele, que, por sua vez, não retorna ao coração, pois a valva aórtica estará fechada na diástole. Esse volume deslocado gerará uma perfusão orgânica inversamente proporcional à resistência vascular local. No início da sístole, o BIA é esvaziado, diminuindo o volume que ocupa a aorta e diminuindo a pressão desta. Assim, a pós-carga do VE é reduzida de forma importante, propiciando um aumento do volume sistólico. Esse processo repete-se a cada ciclo cardíaco quando o BIA está ajustado no modo 1:1.1 Com esses princípios básicos, o BIA traz alguns efeitos hemodinâmicos, expressados em parte da curva da pressão arterial invasiva (Figura 13.1): • aumento da pressão média diastólica em 30 a 70%;3 • queda da pressão sistólica no início da sístole ventricular esquerda;1 • elevação do DC em até 20%.4 Alguns autores referem também nenhuma melhora;1 • queda da pressão diastólica do VE que pode chegar a 15%;5 • a frequência cardíaca sofre pouca alteração, podendo haver uma queda de até 10%;1 • o fluxo coronariano pode ter variações positivas, negativas ou simplesmente não alterar; com aparente dependência da resistência vascular epicárdica e microcirculatória;1,6 • entretanto o fluxo microvascular tecidual é reduzido com a contrapulsação, voltando a melhorar com o encerramento transitório da contrapulsação.7 Ciclo com BIA

Aumento da pressão diastólica

Ciclo

Redução da pressão imposta ao coração

Figura 13.1  Efeitos do BIA na curva de pressão arterial.

Efeitos metabólicos também são esperados com o uso do BIA:1 • elevação da saturação venosa central; • redução da acidose metabólica; • redução dos níveis de lactato sistêmico; • elevação do fluxo urinário; • redução do consumo de oxigênio miocárdico por redução da pós-carga.

2.2  Instalação e manutenção do BIA O BIA deve ser instalado à beira-leito por técnica percutânea pela artéria femoral. Seu posicionamento ideal pode ser mensurado mediante radiografia ou ecocardiografia transesofágica, em que sua ponta deve estar nivelada com a carina ou 1 a 2 cm abaixo da emergência da artéria subclávia esquer-

Capítulo 13  O uso do balão de contrapulsação intra-aórtico e ECMO na prática clínica

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da.1 A perfusão do membro puncionado deve ser verificada periodicamente pelo exame físico e com aparelho de Doppler pulsátil. A contrapulsação pode ser sincronizada com a eletrocardiografia ou com a curva de pressão arterial sistêmica (PAS), preferencialmente na raiz da aorta que representa a melhor forma fisiológica de sincronia. O balão deve começar a insuflar no nó dicrótico, e a desinsuflação deve ocorrer de forma que até 50% do volume total (40 mL) seja atingido ao final da diástole.1 Não há necessidade de anticoagulação plena no uso do BIA, entretanto o organismo torna-se pró-coagulante de forma precoce e, mais tarde, é comum ocorrer plaquetopenia.8 A retirada do BIA pode ser feita à beira-leito, salvo algumas situações como discrasias de coagulação e isquemia distal, em que o resultado da retirada cirúrgica parece melhor.1 Não há índice ou ferramenta ideal para avaliar a eficácia do BIA. A longo prazo, a melhora clínica global é a ferramenta utilizada. A curto, o impacto da contrapulsação na curva de pressão sistêmica invasiva é a melhor ferramenta. Assim, uma elevação importante da pressão diastólica, uma queda do pico da pressão sistólica e uma redução da pressão diastólica final são as expressões de um bom desempenho hemodinâmico (Figura 13.1).8 Alguns são os limitantes da eficiência da contrapulsão aórtica: 1. hipotensão sistêmica com pressões sistólica < 70 mmHg e média < 40 mmHg;9 2. o volume sistólico ideal é aquele igual ao do volume do BIA, sendo os volumes sistólicos maiores do que o volume do balão associados a menor ganho hemodinâmico;10 3. a frequência cardíaca correlaciona-se de forma não linear com o ganho do BIA. Mas fre­ quências maiores que 120 bpm são associadas a um menor desempenho da contrapulsação;11 4. a complacência arterial é inversamente proporcional ao ganho da contrapulsação aórtica.12

2.3  Evidências para o uso clínico do BIA O BIA pode ser usado em algumas situações clínicas, como as descritas a seguir.

2.3.1  Choque cardiogênico Após o estudo SHOCK, que testou a hipótese de a revascularização do miocárdio ser capaz de reduzir a mortalidade dos pacientes com infarto agudo do miocárdio,13 o BIA ganhou um incremento de seu uso, e centros mais experientes obtiveram resultados superiores.14 Passado algum tempo de evolução, o estudo IABP-Shock1 mostrou que o suporte hemodinâmico com BIA não era associado com melhora na disfunção de múltiplos órgãos resultante do choque cardiogênico.15 Ao final, o estudo IABP-Shock2 mostrou uma redução temporal da mortalidade do infarto agudo do miocárdio (IAM) de 65% do estudo SHOCK,13 para 42%.16 Entretanto, o grupo que recebeu suporte com o BIA não teve benefícios de sobrevida ou secundários. Assim, o BIA no choque cardiogênico após IAM deve ser usado de forma ponderada e individualizando os pacientes quanto ao possível benefício.

2.3.2  Angioplastia de alto risco Em pacientes com estenoses coronarianas graves, principalmente se associadas a mais de um vaso, e na presença de disfunção ventricular esquerda grave. São pacientes com alto risco de intercorrências e morte durante a angioplastia, com um benefício teórico grande no uso da contrapulsação aórtica que, por sua vez, não foi confirmado na prática.17

2.3.3  Cirurgias cardíacas de alto risco A despeito da indicação na literatura corrente de que o BIA possa trazer benefícios no pacientes no pós-operatório de cirurgia cardíaca de alto risco,18 com redução de intercorrências, mas não da mortalidade,19 ele não é usado de rotina.20

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Seção I Hemodinâmica

2.3.4  Angina refratária Apesar da clássica ideia da redução do consumo de oxigênio associado ao uso do BIA, o seu uso neste cenário não é frequente.21 E, baseado na fisiologia, o resultado é imprevisível.1

2.4 Conclusões A despeito do racional fisiológico para o uso da contrapulsação intra-aórtica, não há, hoje, o apoio da literatura para uso incondicional do BIA na prática clínica. O BIA é o método mais disponível­na atualidade para suporte hemodinâmico em situações de baixo DC, entretanto seu uso deve ser individualizado e pesado à beira-leito.

3. OXIGENAÇÃO EXTRACORPÓREA POR MEMBRANA (ECMO) Modalidade temporária de suporte respiratório até que ocorra resolução completa ou parcial do processo inflamatório pulmonar agudo. Resumidamente, caracteriza-se pela oxigenação sanguínea e eliminação de gás carbônico (CO2) pelo bombeamento mecânico do sangue drenado da veia cava por uma membrana na qual ocorrem as trocas gasosas. O principal objetivo do uso da ECMO no doente crítico é fornecer suporte temporário no caso de síndrome da angústia respiratória agudo (SARA). Descrita pela primeira vez em 1967 por Ashbaug e colaboradores22 como a síndrome do “pulmão pesado”, ela consiste em um processo inflamatório agudo, com edema pulmonar de origem não cardiogênica e depleção do surfactante com consequente atelectasia alveolar. Clinicamente, manifesta-se por perda importante da complacência, hipoxemia refratária e hipercapnia decorrente do aumento do espaço morto pulmonar. Em associação ao quadro respiratório, cerca de 20 a 25% dos pacientes com SARA de moderada a grave podem apresentar falência ventricular direita,23 com possível redução do DC e colapso cardiovascular. Em 1998, Amato e colaboradores demonstraram uma importante redução da mortalidade após manter uma estratégia de ventilação protetora nos pacientes com SARA.24 Contudo, apesar dos benefícios associados, em alguns casos, a hipoventilação pode levar a níveis intoleráveis de hipoxemia e hipercapnia, obrigando a manutenção de uma ventilação com volumes correntes lesivos ao pulmão. A fisiopatologia, diagnóstico e tratamento da SARA serão detalhadamente abordados em outro capítulo deste livro. Porém, o conceito de lesão pulmonar associada à ventilação mecânica e o conceito de ventilação mecânica protetora são fundamentais para compreensão do principal objetivo no uso de ECMO nesses pacientes: permitir uma ventilação mecânica menos lesiva ao pulmão, possibilitando a recuperação gradual do estresse agudo que gerou a insuficiência respiratória.

3.1  Evidência clínica atual para o uso de ECMO em SARA Realizada em modelos experimentais desde 1940, o primeiro relato bem-sucedido de ECMO em ser humano ocorreu em 1972, em uma vítima de politrauma e insuficiência respiratória.25 Contudo, apesar do surgimento de outros relatos que impulsionaram o uso dessa terapia, em 1979 Zapol e colaboradores26 publicaram o primeiro estudo clínico que avaliou o uso de ECMO venoarterial em insuficiência respiratória em comparação com terapia convencional. O resultado apontou não haver diferença entre as terapias e uma mortalidade que se manteve em torno de 90% em ambos os grupos. É importante ressaltar que, desde então, muitas mudanças ocorreram com relação ao suporte ventilatório aos pacientes com SARA e na tecnologia dos componentes do circuito de ECMO, tornando imprópria a extrapolação dos dados de Zapol e colaboradores para os dias atuais. Em 2009, a pandemia do vírus influenza A (H1N1) impulsionou o uso de ECMO como suporte em insuficiência respiratória. Ao contrário dos anos anteriores, caracterizados pelo acometimento de pessoas mais idosas pelo vírus influenza, essa nova cepa vitimava principalmente adultos jovens e era associada à hipoxemia refratária e alta morbimortalidade.27 Em uma análise retrospectiva de 215

Capítulo 13  O uso do balão de contrapulsação intra-aórtico e ECMO na prática clínica

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pacientes com influenza A que necessitaram de unidade de terapia intensiva (UTI), 100% apresentavam hipoxemia à admissão, 136 necessitaram de ventilação mecânica e 102 destes utilizaram alguma forma de terapia de resgate para hipoxemia refratária, incluindo ventilação de alta frequência, posição prona, uso de óxido nítrico e circulação extracorpórea.27 No final daquele ano, a principal evidência favorável ao uso de ECMO veio com a publicação do estudo britânico Cesar Trial,28 no qual 180 pacientes em hipoxemia refratária foram randomizados para serem transferidos a um centro especializado em ECMO de modo a receberem essa terapia ou manter ventilação mecânica convencional no hospital de origem. O resultado foi um aumento de 47% para 63% no número de pacientes que sobreviveram sem disfunções no grupo transferido para iniciar ECMO. Contudo, apesar de dados recentes mais favoráveis ao uso dessa terapia, a saga para comprovar os benefícios da ECMO no suporte respiratório está longe do fim. Em uma metanálise recente dos principais estudos que utilizaram ECMO associado à ventilação mecânica protetora em pacientes com SARA, o benefício dessa modalidade permaneceu incerto e não associado a uma redução de mortalidade.29 Assim, o uso de ECMO permanece uma alternativa de resgate, restrita a centros especializados, no suporte ao paciente com SARA.

3.2  Racional fisiológico, indicações e contraindicações Conforme descrito anteriormente, o paciente em SARA apresenta-se em uma situação de prejuízo da difusão dos gases no pulmão, baixa complacência pulmonar e alta fração de espaço morto. O resultado é a evolução para insuficiência respiratória hipoxêmica e hipercápnica e a necessidade de parâmetros ventilatórios que perpetuam a lesão pulmonar para manter valores mínimos aceitáveis de pressão parcial de oxigênio (PaO2) e pH sanguíneo. O racional fisiológico do uso de ECMO, nessas situações, consiste em corrigir a hipoxemia e acidose respiratória grave ao mesmo tempo em que se permite estabelecer uma ventilação pulmonar menos lesiva ao pulmão. Assim, é possível manter as trocas gasosas necessárias por meio da ECMO, mesmo em situações em que a ventilação pulmonar aproxima-se de zero. O sangue drenado da veia cava inferior do paciente passa pela membrana de oxigenação, onde ocorre a troca de oxigênio e gás carbônico e, então, retorna próximo ao átrio direito, onde se mistura com o fluxo venoso sistêmico. Essa mistura de sangue proveniente da ECMO e sangue venoso sistêmico passa pelos pulmões, onde realizará nova troca gasosa e retorna às câmaras cardíacas esquerdas, onde será distribuída à circulação arterial sistêmica. Em situações nas quais existe um comprometimento hemodinâmico associado à insuficiência respiratória (decorrente da própria SARA ou de inflamação sistêmica), a ECMO pode ser feita pela modalidade venoarterial (VA), oferecendo suporte respiratório e cardiovascular. Nesses casos, a cânula de drenagem é inserida na veia cava inferior pela veia femoral, enquanto a cânula de devolução é posicionada na aorta pela artéria femoral contralateral. Assim como na modalidade venovenosa, o sangue é drenado da veia cava inferior, porém é devolvido na aorta, em contrafluxo ao sangue bombeado pelo coração, perfundindo os principais ramos aórticos de maneira retrógrada. Com esses conceitos básicos sobre o funcionamento da ECMO, fica mais simples compreender os determinantes da PaO2 e da saturação arterial de oxigênio (SaO2) e entender quais medidas devem ser tomadas para corrigir possíveis erros. Dessa maneira, a SaO2 avaliada na gasometria arterial periférica depende: (1) do fluxo sanguíneo da ECMO, pois determina a quantidade de sangue que entrará no circuito para realizar a troca gasosa; (2) do DC do paciente, pois quanto maior o DC (estados hiperdinâmicos), menor quantidade de sangue na circulação arterial terá passado pelo circuito da ECMO; (3) do grau de recirculação do sangue; (4) da saturação de oxigênio do sangue venoso do paciente que reflete o consumo de oxigênio nos tecidos; e (5) da função pulmonar, pois o sangue oxigenado proveniente da ECMO ainda passa pela circulação pulmonar, onde pode realizar novas trocas gasosas.

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Contudo, quando analisados os determinantes da pressão parcial de CO2 (PaCO2), deve-se levar em consideração a maior difusibilidade do CO2 (de acordo com a lei de Fick) e da maior linearidade da curva de dissociação desse gás quando comparado à forma sigmoide da curva de dissociação do O2. Dessa maneira, um dos principais componentes que determina a PaCO2 é o fluxo de ar (sweep) que passa pela membrana de oxigenação, pois, em razão de sua alta difusibilidade, o CO2 presente no sangue e no ar que passar pela membrana entra rapidamente em equilíbrio. Além disso, assim como no controle da PaO2 sanguínea, a variação do fluxo de sangue está diretamente relacionada à PaCO2 , porém de maneira inversamente proporcional. Em outras palavras, ao subir o fluxo de sangue pela membrana, teremos uma redução no CO2 sanguíneo. Assim, a correção da acidose respiratória dependerá basicamente do aumento do fluxo de gás e do fluxo de sangue pela membrana. A Figura 13.2 representa um modelo do funcionamento da ECMO e dos principais determinantes da troca gasosa.

ECMO

Pulmões

3,5 L/min SAtdO2

Recirculação

SatrO2

SAtO2 arterial Coração

ScvO2

1,5 L/min ↓ Resistência (veia cava) 5,0 L/min

Compartimentos periféricos 5,0 L/min

Figura 13.2  Modelo esquemático representando o suporte por meio da ECMO. A figura evidencia que o pulmão e a ECMO representam circuitos em série de troca gasosa, ao passo que o retorno venoso atua como um sistema em paralelo à ECMO e pode “roubar” fluxo em casos de alto DC. SatXO2: saturação de oxigênio; D: cânula de drenagem, R: cânula de devolução.

O momento ideal para início da terapia extracorpórea como suporte respiratório ainda não está bem definido. De maneira subjetiva, deve-se considerar o uso de ECMOvv nos pacientes com lesão pulmonar aguda grave, refratária às medidas de resgate menos invasivas, porém que ainda não tenham evoluído para lesão terminal e irreversível. Segundo dados da ELSO (Extracorporeal Life ­Support Organization), o início da ECMO em até 6 dias do estabelecimento da hipoxemia refratária está associado a uma sobrevida de 72%, enquanto aqueles pacientes que iniciaram o suporte após 7 dias apresentaram uma sobrevida de apenas 31%.30 Os critérios para uso de ECMO na UTI do Hospital Sírio-Libanês, em São Paulo, estão descritos no Quadro 13.1. Com relação às contraindicações, os critérios não são uniformes na literatura e variam muito conforme a publicação.31-33 O Quadro 13.2 sumariza os critérios adotados em nossa instituição.

Capítulo 13  O uso do balão de contrapulsação intra-aórtico e ECMO na prática clínica

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Quadro 13.1  Indicações de ECMO em insuficiência respiratória em adultos (Hospital Sírio-Libanês) CRITÉRIOS OBRIGATÓRIOS Intubação traqueal e ventilação mecânica Doença pulmonar de início agudo Infiltrado pulmonar bilateral Relação PaO2/FiO2 < 200 com pressão expiratória final positiva ≥ 10 cmH2O Possibilidade de reversão da lesão pulmonar CRITÉRIOS COMPLEMENTARES (HÁ NECESSIDADE DE PELO MENOS UM) Relação PaO2/FiO2 ≤ 50 com FiO2 = 1, por pelo menos 1 hora, com ou sem o uso de manobras de resgate (recrutamento alveolar, óxido nítrico inalatório e posição prona) Escore de Murray (lung injury score) > 3, com paciente em piora do quadro clínico Hipercapnia com manutenção do pH ≤ 7,20 em uso de FR ≥ 35 ciclos/min (quando possível), volume corrente = 4-6 mL/kg e pressão de platô ≤ 30 cmH2O Relação PaO2/FiO2 ≤ 50 com FiO2 ≥ 0,8 por pelo menos 3 horas, apesar da realização de manobras de resgate Relação P/F corresponde à relação entre pressão arterial de O2 e a FiO2 Fonte: Adaptado de Azevedo e colaboradores.34

Quadro 13.2  Contraindicações ao uso de ECMO em insuficiência respiratória em adultos (Hospital Sírio-Libanês) Irreversibilidade do quadro Paciente moribundo Índice de massa corpórea > 40 Doença pulmonar crônica em uso domiciliar de O2 sem possibilidade de transplante Impossibilidade de acesso venoso central Coma sem sedação após parada cardiorrespiratória Impossibilidade de anticoagulação sistêmica (contraindicação relativa)

3.3  Aspectos técnicos e manejo do paciente em ECMO 3.3.1  Circuito e punção venosa O circuito de uma ECMOvv compreende a bomba sanguínea, a membrana de oxigenação, o misturador de ar e oxigênio (O2), uma bomba trocadora de calor, tubos de circulação sanguínea e as cânulas de drenagem e devolução do sangue. A Figura 13.3 ilustra os componentes da ECMO e o circuito em funcionamento. A bomba sanguínea pode ser do tipo rolete ou centrífuga. A primeira é composta por um tubo flexível preso à face interna de um compartimento em forma de ferradura e um braço rotatório interno. Com a rotação desse braço, o tubo flexível é progressivamente comprimido, impulsionando o sangue para frente e gerando um sistema de sucção a vácuo do sangue que está anterior à bomba. Nesse sistema, a velocidade de fluxo é diretamente proporcional à rotação da bomba estipulada pela equipe médica, dispensando a necessidade de um medidor de fluxo no circuito. A grande desvantagem das bombas roletes reside no fato de que obstruções distais à bomba não impedem o seu funcionamento, podendo levar a um aumento na pressão e ruptura dos tubos de condução. As bombas centrífugas, por sua vez, funcionam por meio de um eixo rotativo central magnético que gira as pás da bomba. O gradiente de pressão entre as vias de drenagem e devolução do sangue gerado pela rotação da bomba cria uma situação de vórtice e provoca uma sucção do sangue do paciente para o circuito. A vantagem consiste no fato de que a bomba depende desse gradiente de pressão para funcionar, assim, aumentos na pressão decorrentes de obstrução distal a ela interrompem o fluxo sanguíneo e eliminam o risco de rupturas. Porém, diferentemente da bomba rolete, essa dependência do gradiente de pressão faz o fluxo variar muito para uma mesma rotação na bomba, obrigando o uso de

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Seção I Hemodinâmica

um medidor de fluxo no circuito. Atualmente, existe uma tendência de aumento no uso das bombas centrífugas em detrimento das bombas rolete em pacientes em ECMOvv. Ventilação mecânica protetora PEEP Vt FiO2 FR Pplatô Ppico Aorta AE

VE VD

AD

Cânula de devolução Cânula de drenagem

Hemofiltro

Bomba

Heparina Membrana

CO2

O2

Figura 13.3  Paciente com suporte respiratório por ECMO. Exemplo esquemático de suporte e componentes do circuito com uso de cânula duplo lúmen após punção jugular direita. PEEP: pressão positiva ao final da expiração; Vt: volume corrente; FR: frequência respiratória; AE: átrio esquerdo; AD: átrio direito; VE: ventrículo esquerdo; VD: ventrículo direito. Fonte: Adaptada de Combes e colaboradores.32

A membrana de oxigenação consiste em peça fundamental no sistema de circulação extracorpórea e seus componentes de fabricação estão em constante evolução de forma a facilitar o processo de troca gasosa com menos efeitos colaterais. Caracteriza-se por ser um compartimento no qual ocorre a passagem simultânea do sangue extraído do paciente e de ar enriquecido com O2. Eles são separados pela membrana de troca propriamente dita, que pode ser produzida de diversos materiais e apresenta uma superfície de contato que chega a cerca de dois metros.35 Até recentemente, o material utilizado na confecção dessas membranas era o silicone e o polipropileno. O primeiro é não poroso (não permite contato entre sangue e ar) com excelente biocompatibilidade e durabilidade, porém apresenta baixa capacidade de troca gasosa quando comparado a outros materiais. Já as membranas de polipropileno, muito utilizadas em cirurgia cardíaca, apresentam microporos que permitem uma excelente troca gasosa, porém, com poucos dias de uso, tornam-se mais permeáveis e promovem perda de plasma sanguíneo e inflamação sistêmica. Mais recentemente, membranas de polimetilpenteno vêm substituindo o uso das membranas de silicone e polipropileno para ECMOvv. Compostas de material não poroso de fibras ocas, apresentam alta eficiência em troca gasosa sem contato direto entre sangue e ar. Em comparação a outros materiais, apresentam maior capacidade de troca gasosa, menor perda plasmática no circuito, menor necessidade de transfusão sanguínea e durabilidade de cerca de 30 dias, que pode ser prolongada com anticoagulação adequada.36 As membranas utilizadas apresentam uma entrada e saída de sangue, pontos de ligação para passagem de água para troca de calor e entrada e saída do fluxo de ar ofertado pelo misturador de gás e oxigênio. Este último determina a fração de oxigênio no gás que entrará pela membrana de oxigenação para realizar a troca gasosa. Em geral, no caso de ECMOvv, o misturador é regulado para manter uma oferta de 100% de O2 enquanto o controle da troca gasosa é feito mediante regulação do fluxo de oxigênio (sweep) que passa pela membrana para realizar a troca.

Capítulo 13  O uso do balão de contrapulsação intra-aórtico e ECMO na prática clínica

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Por fim, a conexão de todo esse circuito descrito é feita por tubos por onde será conduzido o sangue drenado e devolvido ao paciente, compostos de materiais flexíveis, altamente resistentes e podem ser produzidos de poliacrilato de vinila (PVC), poliuretano ou silicone. Em sua maioria, são revestidos internamente com materiais biocompatíveis, como heparina e albumina, para reduzir tanto a formação de trombos quanto a ativação plaquetária no circuito.37 As cânulas de drenagem e devolução do sangue podem ser independentes, necessitando de dois sítios de punção, ou pode-se utilizar uma cânula de duplo lúmen, em que o lúmen distal drena o sangue do paciente que será devolvido na extremidade proximal. Seu diâmetro pode variar entre 16 e 31 french e, em adultos, utilizam-se, geralmente, tamanhos de 21 a 28 french, de acordo com o diâmetro da veia do paciente. A punção venosa para posicionamento das cânulas e início do suporte extracorpóreo é realizada pela técnica de Seldinger, com assepsia local e paramentação cirúrgica completa para redução no risco de infecção. Pode-se considerar o uso de ultrassonografia para guiar a punção, avaliar o diâmetro venoso auxiliando na escolha da cânula e, posteriormente, avaliar o posicionamento final das cânulas. A configuração das cânulas de drenagem e devolução do sangue pode ser: fêmuro-jugular ou fêmuro-femural. Na primeira, a cânula de drenagem é passada pela veia femoral até a altura do diafragma na veia cava inferior. Já a cânula de devolução é passada pela veia jugular interna e posicionada na transição da veia cava superior com átrio direito. Na técnica fêmuro-femural, tanto a cânula de drenagem quanto a de devolução são passadas em cada uma das veias femorais. A primeira é posicionada na veia cava inferior e a segunda é progredida até próximo ao átrio direito. O posicionamento adequado das cânulas é fundamental no manejo da ECMO e as extremidades das cânulas devem estar distantes uma da outra para evitar a recirculação do sangue no circuito e consequente redução na troca gasosa pela ECMO. Entre as técnicas descritas, a fêmuro-jugular e cânula duplo lúmen são as menos associadas à recirculação sanguínea.

3.3.2  Manejo do paciente em ECMO Com as cânulas de drenagem e devolução posicionadas e o circuito de ECMO montado e preenchido com cristaloides, pode-se conectar o paciente ao circuito para início da circulação extracorpórea. Nesse começo do suporte, a bomba deve ser ajustada a uma baixa rotação por minuto de maneira a gerar um fluxo de cerca de 500 mL/min (Figura 13.4). Assim que todo o circuito estiver preenchido com sangue do paciente, deve-se elevar lentamente o fluxo gerado pela bomba até atingir a oximetria de pulso almejada (habitualmente entre 50 e 80 mL/min). Em associação ao aumento no fluxo sanguíneo, deve-se ajustar o sweep de O2 de maneira a manter uma relação de cerca de 1:1 entre ambos os fluxos.

Bomba Centríficuga centrífuga

Membrana de Oxigenação oxigenação

192

Seção I Hemodinâmica

Figura 13.4  Início do suporte extracorpóreo após canulação. No primeiro plano, notam-se o motor e leitor da bomba centrífuga em 985 rpm gerando um fluxo de 0,47 L/min. A membrana de oxigenação e a bomba propriamente dita estão em segundo plano. A diferença de cor entre o sangue no sistema de devolução (marcação em vermelho) e no sistema de drenagem (marcação em azul) evidencia a troca gasosa que ocorre após início do suporte (seta branca).

Com o paciente sem instabilidade hemodinâmica e a ECMO em funcionamento com parâmetros estáveis, o passo seguinte consiste em ajustar a ventilação mecânica de maneira a reduzir o agravamento da lesão pulmonar associada à ventilação. Os preceitos que devem ser obedecidos nesse momento são os da ventilação protetora conforme proposto para SARA. Em geral, opta-se por seguir a estratégia utilizada pelos estudos clínicos atuais,28 que consiste em uso de modo pressão controlada, pressão positiva ao final da expiração (PEEP) de 10 a 15 cm H2O, pressão de pico de 20 a 25 cm H2O, fração inspirada de O2 (FiO2) de 0,3 e frequência respiratória de 10 irpm. Após modificação da ventilação mecânica, o controle dos parâmetros estabelecidos na ECMO será feito pela análise da gasometria arterial e ajuste do fluxo de sangue e sweep de acordo com as metas de pressão parcial dos gases e pH sanguíneo descritos na Tabela 13.1. Conforme previamente descrito neste capítulo, para correções da PaCO2, pode-se ajustar o sweep ou o fluxo da ECMO, enquanto correções na PaO2 e SaO2 são realizadas principalmente por aumento ou redução no fluxo de sangue. É importante lembrar que fluxos muito altos podem estar associados à maior hemólise no interior do circuito, ao passo que fluxos muito baixos podem predispor à formação de coágulos. Tabela 13.1  Metas durante ECMOvv PaO2 entre 55-65 mmHg SaO2 entre 88-95% PaCO2 entre 35-45 mm Hg ou pH > 7,2

O controle da temperatura durante o suporte é feito por meio da passagem de água aquecida pela membrana de oxigenação. Um método extremamente rápido e eficiente de elevar ou diminuir a temperatura e que deve ser monitorizado, preferencialmente, por termômetro em posição central. Por último, considerando que estados hiperdinâmicos e alto DC promovem redução no fluxo de sangue pelo circuito da ECMO, o uso de betabloqueador aumenta o fluxo pelo circuito e reduz a hipoxemia. A anticoagulação do paciente em ECMO também consiste em um dos pontos fundamentais da terapia, visto que a formação de trombos e coágulos no sistema é responsável por redução na troca gasosa, ativação do sistema inflamatório e, possivelmente, perda de todo o circuito. Contudo, o uso de materiais biocompatíveis menos trombogênicos associado ao risco de complicações hemorrágicas, nesses pacientes, demanda constante revisão da terapia anticoagulante. Atualmente, recomenda-se o uso de heparina não fracionada em infusão contínua com monitorização a cada 6 horas para atingir um valor de razão (R) do tempo de tromboplastina parcial ativada (TTPa) entre 1,5 e 2,5. Ácido acetilsalicílico (AAS) na dose de 300 mg pode ser associado à heparina. Conforme será discutido mais adiante, a presença de hemorragias obriga a redução na meta de anticoagulação ou suspensão da infusão de heparina e administração de AAS. Com relação à sedação de pacientes em ECMO, não há consenso ou recomendação clara que defina se o paciente deve ser mantido sob sedação profunda ou com o mínimo de sedação e analgesia para conforto apenas. Estudos recentes sugerem que o uso de sedação e bloqueadores neuromusculares em pacientes com ARDS está associado à melhor oxigenação e à redução de mortalidade.35,38 Porém, não se podem extrapolar tais achados aos pacientes em ECMO, visto que a ventilação protetora e trocas gasosas são muito mais facilmente controladas pela circulação extracorpórea. Assim, após sedação inicial para canulação, parece razoável manter medicação sedativa e analgésica com o objetivo de evitar um quadro de agitação perigosa e oferecer conforto ao paciente, sem necessidade de

Capítulo 13  O uso do balão de contrapulsação intra-aórtico e ECMO na prática clínica

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sedação profunda ou bloqueadores neuromusculares a princípio. Contudo, é importante ressaltar que a dose de sedativos e analgésicos necessária nesses pacientes é comumente superior à utilizada naqueles sem terapia extracorpórea. Isso decorre do maior volume de distribuição proporcionado pelo circuito e pela redução da disponibilidade da droga nesses pacientes devido à adsorção pelas paredes do circuito e pela membrana. Em uma análise realizada com diferentes tipos de circuitos revestidos para circulação extracorpórea, a disponibilidade de fentanil após administração endovenosa era de apenas 35% da dose inicial.39 Restrição de fluidos e uso de diuréticos com o objetivo de atingir o peso seco do paciente caracterizam a meta para o manejo hídrico durante a ECMO. O uso de uma terapia volêmica restritiva já se mostrou benéfica em pacientes com lesão pulmonar aguda40 e esse conceito é extrapolado ao grupo de pacientes com SARA em uso de circulação extracorpórea. Se necessário, a ultrafiltração é um dos métodos que pode ser utilizado para atingir esse objetivo e pode ser realizada pela conexão do circuito de terapia de substituição renal ao circuito da ECMO. Conforme será discutido adiante, uma das complicações de manter o paciente próximo de seu peso seco é o colapso da cânula de drenagem ao bater na parede vascular. As medidas a serem adotadas nessa situação serão descritas posteriormente. A monitorização de todo o circuito da ECMO deve ser realizada várias vezes ao dia pela equipe da UTI e pelo menos uma vez ao dia por um especialista em ECMO. O objetivo é identificar precocemente a presença de dobras nos tubos do circuito, sangramentos, inflamação ou infecção em local de inserção de cânulas e a presença de coágulos no sistema. A membrana de oxigenação é vistoriada diariamente com o uso de um foco de luz para facilitar a visualização de trombos e coágulos em sua superfície. A coleta de exames laboratoriais é essencial no controle evolutivo do paciente e no diagnóstico de complicações decorrentes da terapia extracorpórea. Gasometrias arteriais, venosas, pré e pós-membrana permitem avaliar a troca gasosa no circuito e devem ser realizadas mais de uma vez ao dia. Controle de hemoglobina sérica e TTPa permitem avaliar a presença de sangramentos, hemólise e a eficácia da terapia anticoagulante e também deve ser realizado mais de uma vez ao dia. Eletrólitos séricos, função hepática, função renal, avaliação das provas de hemólise e radiografia de tórax no leito podem ser realizados uma vez ao dia apenas.

3.4  Complicações durante o suporte extracorpóreo O suporte respiratório por meio da ECMO caracteriza-se por ser uma medida de resgate e, sendo assim, deve ser realizado em centros especializados no manejo dessa terapia com o objetivo de reduzir as complicações. Se necessário, o suporte pode ser iniciado no hospital de origem, após canulação pela equipe especializada, e o paciente transferido para a continuação da terapia em um centro de referência.41,42 Porém, mesmo em instituições familiarizadas com ECMO, a incidência de complicações permanece alta43 e demanda constante monitorização do circuito e do paciente. Didaticamente, as complicações podem ser divididas em associadas ao paciente e associadas ao circuito de ECMO propriamente dito, conforme será discutido nos próximos parágrafos. A Tabela 13.2 apresenta as principais complicações e suas incidências. Tabela 13.2  Complicações e incidência durante ECMO em adultos COÁGULOS NO SISTEMA Membrana de oxigenação

12,2%

Circuito

17,8% SANGRAMENTO

Sítio cirúrgico

19%

Local de canulação

17%

Pulmonar

8,1%

194

Seção I Hemodinâmica

Trato gastrintestinal

5,1%

Sistema nervoso central

3,8%

Infecção nosocomial (qualquer sítio)

21,3%

Hemólise

6,9%

Coagulação intravascular disseminada

3,7%

Fonte: Adaptada de Papaioannou TG, Lekakis JP, Dagre AG, Stamatelopoulos KS, Terrovitis J, Gialafos EJ e colaboradores, 2001.12

3.4.1  Complicações associadas ao paciente A hemorragia é a principal complicação que acomete o paciente em ECMO. Pode estar relacionada ao sítio de punção ou ferida operatória (mais comum) ou ainda em locais não relacionados à ECMO ou a procedimentos, como hemorragia intracraniana e gastrintestinal, que, por sua vez, são mais raras, mas de maior gravidade. Em uma análise de 405 pacientes em ECMO no período de 1989 a 2003, sangramentos no sítio de punção ocorreram em 31,4% dos pacientes, ao passo que hemorragias do trato gastrintestinal ocorreram em 7,4%.42 O uso de anticoagulação sistêmica, a presença de coagulopatias e plaquetopenia decorrentes da formação de microtrombos no circuito ou da doença de base do paciente são as principais causas para essa alta incidência. A principal medida para reduzir a incidência de hemorragias nos pacientes em circulação extracorpórea consiste na prevenção. Cuidados locais no momento da punção, evitar procedimentos cirúrgicos que não sejam extremamente necessários e redução de procedimentos invasivos são medidas fundamentais no manejo desses pacientes. No caso de hemorragias de menor gravidade, o tratamento inicial consiste em reduzir a infusão de heparina de forma a manter o R entre 1,2 e 1,5 e avaliar a necessidade de transfusão de plaquetas. Caso o sangramento persista apesar dessas medidas e de cuidados locais, como compressão mecânica e curativo oclusivo, opta-se por suspender a infusão de heparina até controle do sangramento. É importante ressaltar que a formação de coágulos no sistema também traz sérios riscos ao paciente e, assim, a infusão de heparina deve ser reiniciada tão logo o sangramento seja controlado. Em caso de sangramentos maiores, o uso de plasma fresco congelado e outros hemoderivados deve ser considerado para reversão de coagulopatia e plaquetopenia. Em casos extremos, inibidores da fribrinólise e fator VII ativado podem ser utilizados como medida de resgate, porém há relatos de trombose com evolução fatal após uso dessas medicações.44 Outra complicação que pode estar associada à queda dos índices hematimétricos nesses pacientes é a presença de hemólise no sistema. Geralmente, essa complicação ocorre devido à formação de coágulos e trombos, proporcionando trauma celular e lise das hemácias. Assim, sua prevenção é feita pela anticoagulação do paciente conforme previamente discutido. Estudos mais recentes sugerem que o uso de bombas centrífugas (em vez de bomba rolete) está associado a uma menor incidência de hemólise, porém esse fenômeno ocorre em ambas as situações.45 O controle seriado de valores de hemoglobina, bilirrubina indireta, haptoglobina, desidrogenase lática e hemoglobina livre permite o reconhecimento precoce da existência dessa complicação para tratamento adequado. A ocorrência de infecção nosocomial caracteriza um problema em todos os pacientes internados em uma UTI e isso se estende aos pacientes em ECMO. Segundo dados da ELSO, 21,3% dos pacientes em ECMO tiveram o diagnóstico de infecção nosocomial confirmado por culturas.43 Quando considerado infecção do sítio de punção e canulação da ECMO, a incidência chega a 10% dos pacientes.46 Diferentemente de outros acessos centrais, a troca do sítio de punção e nova canulação não é um procedimento simples e não deve ser considerado de rotina. Assim, cuidados locais com troca frequente de curativos e uso de antissépticos locais é uma medida importante na prevenção de infecção. O uso de antibióticos profiláticos não é recomendado, mas, em caso de sinais infecciosos, a terapia antimicrobiana deve ser iniciada considerando a flora

Capítulo 13  O uso do balão de contrapulsação intra-aórtico e ECMO na prática clínica

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bacteriana habitual do paciente crítico e da instituição. Constante vigilância do sítio de punção e monitorização laboratorial são importantes nesses pacientes, visto que, devido à alta eficiência da troca de calor pelo circuito, a febre pode não estar presente em nenhum momento durante o quadro infeccioso. Alterações neurológicas são comuns e ocorrem em até 50% dos pacientes em ECMO, podendo estar diretamente relacionadas ao suporte.47 Os eventos incluem encefalopatia, isquemias, convulsões e hemorragias. Destas, a mais temida é a presença de hemorragia intracraniana com incidência que atinge até 18,9% dos pacientes e está associada à alta mortalidade. Em um estudo retrospectivo com pacientes em ECMO, sexo feminino, uso de heparina, plaquetometria abaixo de 50.000 células/mm 3, creatinina acima de 2,6 mg/dL e necessidade de diálise foram fatores de risco associados a essa condição.48

3.4.2  Complicações associadas ao circuito Incluem embolia gasosa, desconexão ou ruptura do sistema com perda sanguínea maciça, formação de coágulos e perda de fluxo no sistema. Entre as quais, a embolia gasosa maciça e a ruptura do sistema são as de maior risco para o paciente e demandam imediato clampeamento do circuito com cessação do suporte extracorpóreo até correção do problema. Ao contrário do suporte por meio da ECMOva, no qual pequenas embolias gasosas repre­ sentam um risco maior pela possível embolização para sistema nervoso central (SNC), o uso de ­ECMOvv é mais tolerante com embolias de pequena monta, pois o destino do sangue é a circulação pulmonar. Porém, com as bombas centrífugas utilizadas atualmente, a pressão negativa gerada para sucção do sangue chega a atingir 100 mmHg ou mais e, assim, qualquer descuido no manejo do circuito pode proporcionar uma entrada maciça de ar no sistema. Nessas situações, o circuito deve ser clampeado e os parâmetros ventilatórios reajustados de forma a proporcionar a ventilação sem o auxílio da ECMO. No caso de ruptura ou desconexão do sistema, a abordagem deve ser a mesma, com clampeamento do sistema e retorno ao suporte ventilatório. Considerando que o fluxo sanguíneo gerado pela bomba situa-se habitualmente em torno de 5 L/min e pode atingir valores de até 10 L/min se necessário, a demora em abordar essa complicação pode ter resultados catastróficos. A presença de coágulos no sistema é uma complicação comum, prevenida pela anticoagulação do paciente e uso de antiagregantes plaquetários. Conforme discutido anteriormente, a monitorização diária de todo o circuito permite a identificação precoce dessa complicação. Outra forma de diagnosticá-la é identificar a piora da troca realizada pela membrana, refletida inicialmente pela hipercapnia e, posteriormente, pela hipoxemia. Felizmente, o uso mais recente de circuitos revestidos diminuiu a formação de trombos e coágulos ao longo do sistema.37 Por último, a ocorrência de queda no fluxo de sangue é uma complicação comum e potencialmente grave pela hipoxemia que pode gerar. Sua principal causa é a presença de hipovolemia e consequente redução no fluxo da cânula de drenagem. No caso do uso de bombas centrífugas, a pressão negativa gerada por elas em um leito vascular com pouco conteúdo sanguíneo pode fazer a cânula passar a sugar a parede do vaso ou do átrio direito. A oclusão do orifício de drenagem proporciona uma queda abrupta do fluxo sanguíneo e consequente hipoxemia. Em alguns casos, essa sucção da parede torna-se intermitente pelo movimento da cânula dentro do vaso, causando um aparente “chicoteamento” dos tubos de drenagem da ECMO. Nessas situações, pode-se tentar reposicionar o paciente ou realizar uma manobra de elevação dos membros inferiores para aumentar o retorno venoso. Caso não haja retorno do fluxo normal, deve-se reduzir o fluxo (rotações por minuto) da bomba para interromper a sucção da parede do vaso e, posteriormente, elevar lentamente até o valor desejado. Considerando que o manejo dos pacientes em ECMO inclui uma terapia restritiva em fluidos, o uso de expansões volêmicas com o intuito de

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Seção I Hemodinâmica

reverter essa situação torna-se uma alternativa apenas quando as outras medidas não tenham surtido efeito.

3.5  Hipoxemia no doente em ECMO Nos pacientes que se mantêm hipoxêmicos apesar do suporte extracorpóreo ou que necessitam de altos fluxos para manter uma oxigenação mínima, é importante analisar a presença de defeitos no circuito e os outros determinantes da oxigenação em ECMO para possíveis mudanças. O primeiro passo consiste em rever o circuito para checar a presença de escape de gás ou desconexão do sweep do sistema. Feito isso, a membrana de oxigenação deve ser avaliada para garantir que se mantém em condições de realizar as trocas gasosas. A coleta de gasometrias das linhas de drenagem e a devolução do sistema (pré e pós-membrana) permitem avaliar se as trocas estão ocorrendo normalmente. Em geral, visto que a solubilidade e a difusibilidade do CO2 são muito maiores que as do O2, defeitos na troca realizada pela membrana são muito mais precocemente notados pela presença de hipercapnia e necessidade de um sweep cada vez maior do que pela hipoxemia propriamente dita. Sinais de hemólise e redução das trocas pela membrana de oxigenação podem indicar disfunção desta última e demandar a troca por uma membrana nova. Uma vez que defeitos no circuito foram descartados e o paciente mantém hipoxemia, o principal ponto a ser avaliado é a presença de recirculação de sangue no sistema, pois pode ser corrigida sem grandes alterações no suporte ofertado. A avaliação em caso de suspeita de recirculação é feita pela coleta da gasometria da cânula de drenagem, que apresentará alta saturação de oxigênio (acima de 70%). A ecocardiografia com Doppler colorido evidenciando o fluxo entre as cânulas auxilia e confirma o diagnóstico de recirculação. Nesses casos, em que a recirculação prejudica a oferta de oxigênio aos tecidos, devem-se reposicionar as cânulas (mediante tração parcial) de maneira a reduzir esse efeito. Em situações nas quais o reposicionamento não consiga reduzir a recirculação, pode-se considerar a troca do sítio das cânulas ou a adição de mais uma cânula de drenagem ou devolução. Caso a hipoxemia persista, resta atuar nos outros determinantes da SaO2 conforme descrito anteriormente. Assim, pode-se aumentar a FiO2 no ventilador até 1 ou aplicar manobras de resgate ventilatório, como posição prona, uso de NO e recrutamento, com o objetivo de aumentar o componente pulmonar na troca gasosa. Além disso, a redução no consumo de oxigênio por meio de sedação, paralisia com bloqueadores neuromusculares e resfriamento do paciente pode aumentar a oferta arterial de O2. Essas abordagens no manejo do doente com hipoxemia persistente em ECMO devem levar em consideração a experiência do médico assistente e a disponibilidade de equipamentos adequados no serviço. Assim, não existe uma sequência obrigatória de passos a serem seguidos na resolução da hipoxemia. A solução deve ser aquela a mais adequada para o paciente, médico e serviço de saúde. A Figura 13.5 oferece um algoritmo diagnóstico e possíveis alternativas à beira-leito para a abordagem dos pacientes que apresentem hipoxemia durante o suporte em ECMO.

3.6  Retirada do suporte extracorpóreo O desmame da ECMO com posterior retirada do suporte deve ser realizado quando a função pulmonar do paciente permite oxigenação e ventilação adequadas apenas com a ventilação mecânica em parâmetros não lesivos ao pulmão. A necessidade de baixos fluxos na ECMO para atingir a PaO2 desejada, a melhora da complacência pulmonar, a melhora radiológica e uma saturação arterial de O2 progressivamente maior que a venosa são sinais que refletem a recuperação da lesão pulmonar e permitem a realização do teste de retirada da ECMO. A manutenção de baixos fluxos na ECMO (especialmente abaixo de 2 L/min) deve ser evitada pelo risco de formação de trombos no circuito. O teste é realizado com o paciente acordado, apto a demonstrar eventuais sinais de desconforto com a cessação da terapia. Inicialmente, os parâmetros ventilatórios são ajustados de forma a ofe-

Capítulo 13  O uso do balão de contrapulsação intra-aórtico e ECMO na prática clínica

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recer uma ventilação protetora que permanecerá depois de retirada a ECMO. Após ajuste da ventilação, o sweep do misturador de ar e oxigênio é reduzido à zero de forma que não ocorram mais trocas gasosas na membrana de oxigenação, apenas no pulmão do próprio paciente. Após 1 hora nessas condições, uma nova gasometria é coletada e a presença de uma PaO2 superior a 55 mmHg, associada a uma PaCO2 inferior a 60 mmHg, permite a cessação do suporte extracorpóreo e decanulação do paciente. Durante todo o teste, o paciente é monitorizado e a queda da oximetria de pulso (menor que 85%) ou sinais evidentes de desconforto respiratório determinam a interrupção da prova e retorno ao suporte por ECMO. A Tabela 13.3 resume as condições necessárias para o término da ECMO.

PaO2 < 50 mmHg ou SpO2 < 85% persistentemente

Subir fluxo da ECMO para 5.500 a 6.500 mL/min

Considerar substituição da membrana de oxigenação se houver suspeita de disfunção. Favorecem a disfunção: • queda de Hb Sim • trombos visíveis na membrana • trombros no circuito • queda na contagem plaquetária • elevação de DHL • elevação de bilirrubina indireta • queda de haptoglobina • elevação na hemoglobina livre • baixa PO2 na cânula de devolução

Fluxo de sangue da ECMO > 5.500 a 6.500 mL/min

Não

A qualquer momento, considerar transfusão para Hb = 9 a 12 g/dL

Obter gasometria da cânula de drenagem e devolução

Sim

Pressão pré-membrana > 400 a 500 mmHg PCO2 da cânula de devolução > 40 mmHg (com sweep ≥ fluxo de sangue)

Não

Cânula de drenagem SatO2 ≥ 60% DC ≥ 9 L/min

Rotações da bomba (rpm)/fluxo de sangue > 1

Considerar: • subir FiO2 na ventilação mecânica • subir PEEP • manobras de recrutamento alveolar • óxido nítrico inalatório • posição prona • bloqueio neuromuscular • adicionar mais uma membrana de oxigenação em série

Sim

Não

Cânula de drenagem: SatO2 ≥ 70% ou relação SatO2 cânula de drenagem-SatO2 arterial < 20% ou taxa de recirculação > 20 a 30%

Sim

Não

Medidas para reduzir o DC conforme julgamento clínico: • controle de febre/ hipotermia • controle de agitação • reduzir infusão de inotrópicos • uso de betabloqueadores

PaO2 < 50 mmHg ou SpO2 < 85% persistentemente

Considerar: • reposicionamento de cânulas (tracionar parcialmente) • duas clânulas de drenagem (bicaval) • adicionar cânula de devolução • configuração venoarterial

Hipoxemia permissiva evitar hipercapnia concomitante

198

Seção I Hemodinâmica

Figura 13.5  Abordagem diagnóstica e terapêutica ao paciente com hipoxemia em ECMO. DC: débito cardíaco; PEEP: pressão positiva ao final da expiração.

Tabela 13.3  Retirada da terapia extracorpórea Paciente acordado e confortável durante o teste Ventilação mecânica: PEEP ≤ 10 cm H20; Vt ≤ 6 mL/kg; FiO2 ≤ 0,6 Interrupção do fluxo de gás pela membrana (sweep = ZERO) PaO2 >55 mmHg; PaCO2 < 60 mmHg ou pH > 7,3 em hipercápnicos crônicos após 1 hora de teste Vt: volume corrente. Fonte: Critérios extraídos de Zampieri F, Mendes P, Ranzani, OT, Taniguchi L, Azevedo L, Costa E, Park M. 29

A retirada das cânulas é feita após interrupção da infusão de heparina para reduzir o risco de sangramento associado ao procedimento. Inicialmente, deve-se clampear a cânula de devolução e, posteriormente, a de drenagem do sangue. As cânulas, então, são retiradas, e o orifício de inserção comprimido por 15 a 20 minutos.

3.7 Conclusões A oxigenação por membrana extracorpórea constitui uma terapia de resgate do paciente em hipoxemia refratária quando outras medidas aplicadas falharam. Apesar de pouca evidência clínica até o momento, seu uso vem crescendo progressivamente nos últimos anos com resultados promissores e encorajadores. Contudo, devido ao alto risco de complicações, ainda caracteriza-se como uma terapia de alta complexidade e que deve estar reservada a centros especializados.

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Capítulo 13  O uso do balão de contrapulsação intra-aórtico e ECMO na prática clínica

199

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200

Seção I Hemodinâmica

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Capítulo  

201



CARDIOLOGIA

Seção

II

Síndromes coronarianas agudas com supradesnível do segmento ST

14

Eduardo Dante Bariani Peres O presente texto busca apresentar as bases teóricas para a abordagem terapêutica dos pacientes com infarto agudo do miocárdio (IAM) com supradesnível do segmento ST (IAMST), trazendo referência para os passos 1, 2 e 3 (Figuras 14.1 a 14.3), também sintetizados em fluxogramas ou tabelas para promover um entendimento mais dinâmico do tema e oferecer uma fonte mais rápida para a busca de informações. O leitor pode adotar a abordagem que preferir: ler o texto primeiro ou estudar os fluxogramas e, posteriormente, rever no texto a fundamentação teórica, o que lhe parecer mais didático.

1. INTRODUÇÃO O IAM constitui a apresentação de cerca de 50% das síndromes isquêmicas miocárdicas instáveis (SIMI). Nestas, de 25 a 40% dos pacientes apresentam-se com supradesnível do segmento ST ­(IAMST), em que a premissa terapêutica cardinal consiste na adoção de terapia de reperfusão tão precoce quanto possível, minimizando a necrose miocárdica instalada e suas consequências.

2. DEFINIÇÃO O IAMST consiste em síndrome clínica definida por sintomas característicos de isquemia miocárdica ou seus equivalentes associados à nova elevação persistente do segmento ST e do ponto J e consequente incremento dos marcadores bioquímicos de necrose miocárdica. A nova elevação do segmento ST e do ponto J deve ocorrer em pelo menos duas derivações contíguas e deve ser igual ou superior a: • 1 mm nas derivações de membros ou nas precordiais (exceto V2 e V3); • 2 mm em homens ou 1,5 mm nas mulheres nas derivações V2 e V3. A ocorrência de bloqueio de ramo esquerdo (BRE) novo ou presumivelmente novo é reconhecida como um equivalente do supradesnível do segmento ST (SSST). Em contexto clínico apropriado, o

204

Parte II Cardiologia

tratamento deve ser o mesmo ao dispensado ao IAMST, embora, na maioria das vezes, o BRE novo ou presumivelmente novo na verdade seja “não sabidamente velho ou antigo” pela não disponibilidade de um eletrocardiograma (ECG) prévio do paciente para comparação. Nesses casos, critérios específicos podem ser empregados para o diagnóstico1 e consistem na presença de: • supradesnivelamento de segmento ST ≥ 1 mm, concordante com o QRS; • infradesnivelamento de segmento ST ≥ 1 mm em V1, V2 e V3; • supradesnivelamento de segmento ST ≥ 5 mm, em discordância com o QRS.

3. AVALIAÇÃO E PREDIÇÃO DE MORTALIDADE A avaliação de risco nos pacientes com SIMI e IAMST propicia reconhecer subgrupos de maior probabilidade de morte precoce e tardia após o evento inicial, utilizando características clínicas. Ela é feita por meio de escores prognósticos e pode ser realizada desde o primeiro atendimento até o momento da alta hospitalar. O escore TIMI é o modelo mais utilizado, especialmente empregado na predição de mortalidade nos primeiros 30 dias do infarto (veja a Tabela 14.1 – TIMI). Tabela 14.1  Escore de risco TIMI ESCORE DE TIMI PARA O IAMST

PONTOS

ESCORE

RR ÓBITO 30 DIAS

História Idade: 65-74 anos

2

0

0,1

≥ 75 anos

3

1

0,3

DM/HAS/angina

1

2

0,4

3

0,7

Exame físico PAS < 100 mmHg

3

4

1,2

FC > 100 bpm

2

5

2,2

Grupo II a IV de Killip

2

6

3,0

Peso < 67 kg

1

7

4,8

8

5,8

ECG com supra ST anterior ou BRE

1

>8

8,8

Tempo para início do tratamento > 4 horas

1

Apresentação

Escore total

0-14

BRE: bloqueio de ramo esquerdo; DM: diabetes melito; ECG: eletrocardiograma; HAS: hipertensão arterial sistêmica; IAMST: infarto agudo do miocárdio com supradesnível do segmento ST; RR: risco relativo.

4. ATENDIMENTO DO IAMST 4.1  Passo 1: diagnóstico e adoção das medidas iniciais 4.1.1  Repouso e monitorização O paciente com IAMST deve ser admitido em unidade de emergência, mantido em repouso, sob monitorização cardíaca e de demais sinais vitais. O repouso visa à redução de consumo miocárdico de oxigênio. Segue-se uma série de condutas iniciais incluídas na regra mnemônica ­MONABCH (morfina, oxigênio, nitratos, AAS, betabloqueadores, clopidogrel e heparina), comuns a todas as SIMI. A Figura 14.1 (Passo 1) resume o conjunto de medidas iniciais adjuvantes na terapia do IAMST.

Capítulo 14  Síndromes coronarianas agudas com supradesnível do segmento ST

205

Dor torácica aguda de provável etiologia isquêmica

1. Rápido reconhecimento pelo serviço de triagem da emergência 2. Repouso no leito e monitorização cardíaca 3. Anamnese e exame físico dirigidos 4. Realização de ECG em intervalo < 10 min Vislumbrar estratégia de reperfusão

ECG com supradesnível de segmento ST BRE novo ou presumivelmente novo

Regra mnemônica MONABCH: Morfina: 2 a 4 mg (solução decimal)* Oxigênio: se dispneia, sinais de IC ou saO2 < 90% Nitratos: na emergência, uso preferencial da nitroglicerina (5 a 10 µg/min)** AAS: 162 a 325 mg (macerado para facilitar absorção) Betabloqueadores: propranolol ou metoprolol IV*** Clopidogrel (antagonistas do receptor P2Y12 – clopidogrel, prasugrel ou ticagrelor) Heparina (terapia anticoagulante): heparina, enoxaparina ou fondaparinux§

Figura 14.1  Passo 1 – Diagnóstico do IAMST e adoção das medidas iniciais. *A dose de morfina pode ser repetida a cada 5 a 10 minutos, atentando-se para o risco de hipotensão arterial (geralmente em pacientes hipovolêmicos ou no infarto de ventrículo direito (VD)), bradicardia e depressão respiratória (caso ocorra, pode ser útil sua antagonização com naloxona, 0,1 a 0,2 mg). **Cautela deve ser adotada nos pacientes com infarto de VD e sob bradicardia. Seu uso é contraindicado em pacientes que receberam inibidores da 5’ fosfodiesterase nas últimas 24-48 horas (sildenafil ou análogos). ***Pode-se administrar propranolol 1 mg ou tartarato de metoprolol 5 mg a cada 15 minutos (até um máximo de 3 mg de propranolol ou 15 mg de metoprolol). Todos esses agentes podem ser utilizados no suporte à terapia fibrinolítica (quando se utiliza um trombolítico fibrino-específico, no caso a tenecteplase e a alteplase). Como suporte à angioplastia primária, a heparina foi mais estudada e constitui terapia de eleição. Nesse caso, o uso do fondaparinux é contraindicado por maior risco de trombose relacionada à manipulação por cateter. §

4.1.2 Morfina A utilização da morfina objetiva analgesia e redução da descarga catecolaminérgica que incrementa o consumo miocárdico de oxigênio. Adicionalmente, reduz a sensação de dispneia nos pacientes que evoluem com sinais e sintomas de hipertensão venocapilar pulmonar (Killip II a IV).

206

Parte II Cardiologia

Recomenda-se o uso de solução decimal (10 mg de morfina diluídos em 9 mL de SF), que significa 1 mg de morfina/mL de solução, administrando-se 2 a 4 mg por vez, até obtenção de analgesia apropriada.

4.1.3 Oxigenoterapia Seu comprovado benefício ocorre em pacientes com: • dispneia; • sinais de insuficiência cardíaca; • hipoxemia significativa (SaO2 < 90%). Sua utilização fora desses critérios pode ser deletéria em virtude do risco de incrementos na resistência vascular coronariana.2

4.1.4. Nitratos Utilizados para promover venodilatação com redução da tensão miocárdica, reduzindo o consumo de oxigênio local e os sinais e sintomas de isquemia. São particularmente importantes se o paciente apresenta-se hipertenso, com sinais ou sintomas de insuficiência cardíaca. É fundamental descartar o uso de inibidores da 5’ fosfodiesterase (p. ex.: sildenafil) nas últimas 24 a 48 horas pelo risco de grave hipotensão arterial e acentuação da isquemia miocárdica.

4.1.5  Ácido acetilsalicílico (AAS) Constitui parte da terapia antitrombótica do IAMST e deve ser administrado em uma dose inicial de 162 a 325 mg, preferencialmente macerado para acelerar sua absorção sistêmica. Seja como suporte de terapia fibrinolítica ou percutânea e em associação a um antagonista do receptor P2Y12, a terapia de manutenção com AAS em doses baixas (81 a 100 mg) é preferível às doses mais altas (200 a 325 mg).

4.1.6 Betabloqueadores Na fase aguda do IAMST, a menos que contraindicado (hipotensão arterial, asma em atividade, intervalo PR > 0,24 s, bloqueios atrioventriculares (BAV) de 2º ou 3º graus), a utilização de betabloqueadores reduz a frequência cardíaca (FC), a pressão arterial (PA) e, assim, o consumo miocárdico de oxigênio, atenuando os sinais e sintomas de isquemia miocárdica, elevando o limiar para ocorrência arritmias graves na fase aguda [fibrilação ventricular (FV)/taquicardia ventricular (TV)] e reduzindo o risco de complicações mecânicas como ruptura ventricular pela redução da tensão miocárdica. Deve-se ter cautela em pacientes com elevada probabilidade de cursarem com choque cardiogênico (idade > 70 anos, PAS < 120 mmHg e FC > 110 bpm à apresentação). Recomenda-se a utilização de propranolol (1 mg a cada 15 minutos até o máximo de 3 mg) ou tartarato de metoprolol 5 mg via intravenosa (IV) a cada 15 minutos (ao ritmo de 1 mg/min), até obtenção de efeito desejado (redução da FC e PA), respeitando-se um máximo de 15 mg.

4.1.7  Clopidogrel, ticagrelor e prasugrel (inibidores do receptor P2Y12) A associação de um antagonista do receptor P2Y12 (clopidogrel, ticagrelor ou prasugrel) potencializa a ação antiagregante plaquetária do AAS. Cabem algumas particularidades na escolha do agente e na forma de administrá-lo e que também dependem de particularidades do paciente e da escolha da estratégia de reperfusão (Figura 14.2):

207

Capítulo 14  Síndromes coronarianas agudas com supradesnível do segmento ST

IAMST

AAS 162-325 mg (macerado para acelerar absorção) Manter indefinidamente: 81 a 325 mg (81 a 100 mg nos casos de fibrinólise ou DAPT)*

Perspectiva de fibrinólise

Perspectiva de ATC primária

Idade ≤ 75 anos

• Idade ≥ 75 anos

Idade > 75 anos

• Peso < 60 kg • Antecedente de AVC/EIT Ataque de clopidogrel 300 mg Sim

1. Clopidogrel 600 mg 2. Ticagrelor: 180 mg ponderar risco versus benefício caso a caso**

Associar clopidogrel 75 mg

Não

1) Ticagrelor 180 mg ou prasugrel 60 mg§

Necessidade de ATC de resgate?

2) Clopidogrel 600 mg

3. Prasugrel: contraindicado***

Não

Manter clopidogrel 75 mg/dia

Fibrinólise há < 24 horas e sem ataque prévio: clopidogrel 300 mg

Sim

Fibrinólise há > 24 horas e sem ataque prévio: 1. Clopidogrel 600 mg 2. Prasugrel 60 mg§§

Figura 14.2  Escolha da terapia antiagregante plaquetária. *Para redução de risco de complicações hemorrágicas. **No estudo PLATO (299), o subgrupo de pacientes com acidente vascular cerebral (AVC)/episódio isquêmico transitório (EIT) prévios era muito reduzido, não permitindo aferir diferenças perante o clopidogrel. Nesse caso, ponderar o risco de complicações hemorrágicas caso a caso ao se decidir por associar clopidogrel ou ticagrelor ao AAS. ***Especialmente se há história de AVC/EIT pregresso. O ganho em potência antiagregante é perdido por conta de complicações hemorrágicas graves (particularmente intracranianas).7 § A dose de manutenção do ticagrelor é de 90 mg a cada 12 horas e a de prasugrel, de 10 mg/dia. Tais doses devem ser mantidas por aproximadamente 1 ano após ATC. §§ Nessa situação e em pacientes de baixo risco hemorrágico, o prasugrel é uma alternativa. Caso a fibrinólise tenha sido feita com alteplase (Tpa) ou tenecteplase (TNK-tPA), pode-se usá-lo após 24 horas, ou após 48 no caso da estreptoquinase (SK). Obs.: Em cada quadro do fluxograma, os números 1, 2 e 3 discriminam o medicamento preferencial em cada situação. AAS: ácido acetilsalicílico; DAPT: dupla antiagregação plaquetária; ATC: angioplastia.

208

Parte II Cardiologia

1. Na escolha da terapia fibrinolítica: • em casos de indicação de terapia fibrinolítica ou na realização de angioplastia de resgate (antes ou durante), o paciente deve receber 300 mg de clopidogrel (se idade ≤ 75 anos) ou 75 mg (se > 75 anos); • caso o paciente vá realizar a angioplastia após 24 horas da trombólise, não tendo recebido a dose de ataque de 300 mg inicial, deve-se administrar 600 mg de clopidogrel antes ou durante o estudo hemodinâmico. A dose de manutenção recomendada a partir daí é de 75 mg ao dia; • pode-se administrar prasugrel na dose de ataque de 60 mg (seis comprimidos de 10 mg) após avaliação da anatomia coronária desde que o paciente não tenha recebido clopidogrel previamente e não antes de 24 horas após administração de um fibrinolítico fibrino-específico (tenecteplase ou alteplase) ou 48 horas após administração de um fibrinolítico não fibrino-específico (estreptoquinase). Nesse subgrupo, o uso do prasugrel mostrou-se inclusive superior ao clopidogrel em termos do desfecho combinado de óbito cardiovascular, ocorrência de infarto do miocárdio não fatal e AVC não fatal em virtude de antiagregação mais eficaz.3 Não se deve utilizar o prasugrel em pacientes com histórico de EIT ou AVC, haja visto o maior risco de ocorrência de sangramentos significativos ou fatais (particularmente intracranianos). Tal risco é extensivo a pacientes que, mesmo sem antecedentes de EIT/AVC, apresentem idade ≥ 75 anos ou peso < 60 kg, em que o ganho em eficácia antiagregante é dissipado pela ocorrência de fenômenos hemorrágicos significativos; • a utilização de inibidores do complexo glicoproteico IIb/IIIa plaquetário (tirofiban e abciximab) está associada a elevado risco hemorrágico (particularmente intracraniano), após a trombólise, particularmente em idosos. Recomenda-se que tais agentes sejam utilizados em situações muito bem selecionadas durante a angioplastia de resgate, com discussão concomitante com o hemodinamicista (p. ex.: pacientes mais jovens, diabéticos, com oclusão de enxerto coronariano e elevada carga trombótica luminal). 2. Como suporte de terapia percutânea (angioplastia primária): • nesse caso, uma dose de ataque de um dos inibidores de receptor plaquetário P2Y12 deve ser administrada tão precocemente quanto possível, antes ou durante a angioplastia, a saber: a. clopidogrel 600 mg (oito comprimidos de 75 mg ou dois de 300 mg), com manutenção de 75 mg/dia (q.d.); b. prasugrel 60 mg (seis compridos de 10 mg), com manutenção de 10 mg/dia (q.d.); c. ticagrelor 180 mg (dois comprimidos de 90 mg), com manutenção de 90 mg, duas vezes ao dia (b.i.d.). • a terapia de manutenção recomendada para esses agentes é de 1 ano, independentemente da escolha de stent convencional (BMS – bare-metal stents) ou farmacológico (DES – drug eluting stents); • a dose de ataque de clopidogrel de 600 mg nessa condição é preferível à dose de 300 mg,4 uma vez que uma antiagregação mais rápida e potente é obtida com essa dose mais elevada. A biodisponibilidade desse agente varia amplamente, de acordo com características fenotípicas do paciente (obesidade, diabetes melito) ou genotípicas (polimorfismos genéticos que impactam sua absorção intestinal e sua biotransformação hepática). Além disso, algumas medicações, mais notadamente o omeprazol, podem interferir na ação antiagregante do clopidogrel, embora não esteja tão claro que isso gere impacto clinicamente relevante.5,6 Nesse contexto, comparou-se o clopidogrel com dois outros potentes inibidores do receptor P2Y12 (prasugrel e ticagrelor); • o prasugrel consegue inibir a agregação plaquetária de forma mais potente que o clopidogrel.7 Houve redução do desfecho composto primário em 30 dias e que persistiu por 15 meses, além de menor índice de trombose aguda intra-stent. Aqui, vale a mesma consideração das subpopulações descritas com relação ao maior risco de eventos hemorrágicos em pacientes idosos (≥ 75 anos), com peso < 60 kg ou antecedentes de EIT/AVC. Tais características fazem do prasugrel

Capítulo 14  Síndromes coronarianas agudas com supradesnível do segmento ST

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um antiagregante ideal para pacientes mais jovens, diabéticos, com grande extensão de miocárdio sob risco e baixo risco hemorrágico, aptos a manter a dupla antiagregação plaquetária (DAPT) por 1 ano e também sem perspectivas de tratamento cirúrgico nesse período; • o ticagrelor é um antagonista reversível não tienopiridínico do receptor P2Y12 e não requer conversão metabólica para se transformar em um metabólito ativo. Esse medicamento foi comparado com o clopidogrel no estudo PLATO,8 em que 35% das síndromes coronarianas agudas (SCA) eram IAMST. Houve redução significativa no número total de óbitos e na ocorrência de trombose intra-stent, havendo, todavia, maior número de pacientes com hemorragia intracraniana (HIC) no grupo do ticagrelor. Como o número de pacientes com antecedentes de EIT/AVC no estudo PLATO foi muito pequeno, não se pode concluir se tal população teria maior risco de complicações hemorrágicas frente às demais. Entretanto, como tal fato foi documentado com o clopidogrel e, particularmente, com o prasugrel, recomenda-se cautela ao analisar o perfil do paciente para se escolher a utilização do ticagrelor.9 Reitere-se o cuidado em se utilizarem doses baixas de AAS (81 a 100 mg) quando da manutenção de DAPT; • o uso dos inibidores da GP IIb/IIIa (tirofiban ou abciximab) segue, nesse caso, as mesmas recomendações já expostas. Podem ser úteis durante a intervenção percutânea, particularmente se há elevada carga trombótica intracoronária sem que ocorresse administração prévia ou adequada das doses de ataque dos antiagregantes plaquetários (AAS + inibidor do receptor P2Y12). Outra aplicação bastante útil é na ocorrência do fenômeno de no-reflow, com reperfusão miocárdica subótima decorrente de uma gama de fatores (inflamação, disfunção endotelial, ateroembolização distal, vasoespasmo coronariano e lesão miocárdica por reperfusão). Tal fenômeno implica maior mortalidade, sendo o componente de ateroembolismo distal tratável por desses fármacos. Podem ser utilizados o abciximab (bólus de 0,25 mg/kg pré-ATC, seguido de 0,125 µg/kg/min) ou o tirofiban (25 µg/kg em bólus, seguido da infusão de 0,15 µg/ kg/min, utilizando-se metade dessa velocidade de infusão se Cl Cr < 50 mL/min).

4.1.8  Heparina: terapia anticoagulante • Como adjuvante da angioplastia primária: a terapia anticoagulante com heparina é a que está mais bem documentada no IAMST, visto que a enoxaparina foi menos estudada nesse caso ou falhou em mostrar melhora nos desfechos primários10 e o fondaparinux associou-se a maior risco de trombose durante o cateterismo.11 Nessa situação, o ajuste da dose de heparina deve basear-se no tempo de coagulação ativado (TCA), geralmente disponível no laboratório de hemodinâmica, buscando-se um TCA de 200 a 250 segundos, caso se utilize inibidor de GP IIb/IIIa (bólus de heparina de 50 a 70 UI/kg) ou 250 a 300 segundos (dispositivo HemoTec) ou 300 a 350 segundos (dispositivo Hemochron), caso não se utilize tal medicamento (bólus de heparina de 70 a 100 UI/kg); • Como adjuvante da terapia fibrinolítica: aqui, o uso da terapia anticoagulante é particularmente importante no suporte à trombólise com medicamentos fibrino-específicos (tenecteplase e alteplase), uma vez que a meia-vida desses fibrinolíticos é curta e a anticoagulação acaba por manter a patência coronariana e evitar a reoclusão vascular. Tal tratamento deve ser mantido por pelo menos 48 horas ou até a realização de revascularização (percutânea ou cirúrgica). Os regimes utilizados são: a. heparina não fracionada: com dose bólus estimada pelo peso corporal (60 UI/kg, sendo um máximo de 4.000 UI), seguida de infusão contínua de 12 UI/kg/hora (até um máximo de 1.000 UI/hora ou suficiente para uma relação tempo de tromboplastina parcial ativada (TTPA) de 1,5 a 2). Há que se monitorizar o nível das plaquetas pelo risco de trombocitopenia induzida pela heparina; b. enoxaparina: conforme idade, peso e clearance de creatinina (ClCr) do paciente. Se idade < 75 anos, deve-se administrar 30 mg em bólus intravenoso e, após 15 minutos, administrar

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Parte II Cardiologia

1 mg/kg (máximo de 100 mg) via subcutânea a cada 12 horas por até 8 dias ou até a terapia de revascularização. Se a idade do paciente for ≥ 75 anos, não se recomenda a utilização de bólus, devendo-se proceder à administração percutânea de 0,75 mg/kg (máximo de 70 mg) a cada 12 horas. Independentemente da idade, se o ClCr < 30 mL/min, a administração de enoxaparina deve ser de 1 mg/kg apenas uma vez ao dia; c. fondaparinux: na dose inicial de 2,5 mg via IV, seguido de 2,5 mg/dia via subcutânea (SC) a partir do dia seguinte até 8 dias ou procedimento de revascularização. Não é indicado seu uso caso haja expectativa de terapia percutânea pelo risco de trombose relacionada ao cateter e quando o ClCr for < 30 mL/min.

4.2 Passo 2: definição da estratégia de reperfusão (angioplastia primária ou terapia fibrinolítica) A Figura 14.3 (Passo 2) sintetiza a tomada de decisão a partir do diagnóstico de IAMST quanto à terapia de reperfusão.

Paciente com IAMST e candidato à terapia de reperfusão

Admissão em hospital com hemodinâmica

Admissão em hospital sem hemodinâmica*

Transferir para hospital com centro hemodinâmica (desde que ATC factível em no máximo 120 min)**

Encaminhar à hemodinâmica (tempo porta-balão máximo: 90 min)

Se hospital com centro hemodinâmica e ATC não acessíveis em até 120 min, iniciar fibrinolítico nos primeiros 30 min de admissão

Cineangiocoronariografia (cine)

Terapia medicamentosa

ATC

Cirurgia de revascularização miocárdica

Transferir com urgência se reoclusão/falha na terapia de reperfusão (ATC de resgate)

Transferir com intervalo de 3-24 horas após fibrinólise para realização de cine e procedimento de revascularização (estratégia invasiva)***

Figura 14.3  Passo 2: definição de estratégia de reperfusão. As setas em preto discriminam a estratégia preferencial, assim como os quadros em cinza. *Pacientes admitidos em IAMST com choque cardiogênico ou insuficiência cardíaca aguda grave devem ser transferidos para um hospital com disponibilidade de unidade de hemodinâmica, independentemente do potencial retardo para a terapia de reperfusão. Caso isso seja impossível, é admissível a realização de terapia fibrinolítica. **O intervalo de tempo entre a admissão e a saída do paciente para hospital referenciado com centro de hemodinâmica, nesse caso, não deve superar 30 minutos. ***A angiografia ou procedimento de revascularização, nesse caso, não devem ser realizados em intervalo < 3 horas de realização da trombólise sob risco de graves complicações hemorrágicas.

Capítulo 14  Síndromes coronarianas agudas com supradesnível do segmento ST

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A terapia de reperfusão constitui a pedra basilar da terapia do IAMST. A definição da estratégia de reperfusão já é idealizada pelo emergencista durante os primeiros passos do atendimento (Figura 14.1 – Passo 1) e à medida que se adotem todas as terapias específicas já citadas. O médico não deve perder tempo preocupando-se em transferir o paciente para outras unidades dentro do mesmo hospital, iniciando ou viabilizando a terapia reperfusão tão precocemente quanto possível. A escolha do método de reperfusão diz respeito basicamente à disponibilidade de sala de hemodinâmica dotada de profissionais com proficiência técnica, capazes de realizar o procedimento dentro das dependências do hospital. Isso decorre do fato de a angioplastia primária ser preferível à trombólise, por uma série de motivos: • o índice de patência da artéria relacionada ao infarto (ARI) é superior a 90% em um centro com hemodinamicistas experientes; • há menor risco de complicações hemorrágicas (principalmente intracranianas); • implica conhecimento precoce da anatomia coronária; • ocorre maior estabilidade elétrica do miocárdio afetado; • há menores taxas de isquemia recorrente, reinfarto e, portanto, menor necessidade de novos procedimentos de reperfusão/revascularização; • acarreta menor tempo de isquemia miocárdica para o paciente, inclusive por eventual insucesso da trombólise, com menores períodos de internação hospitalar, mais rápido retorno às atividades diárias e menor custo global do tratamento.

4.2.1  Reperfusão em hospital dotado de unidade de hemodinâmica Há indicação de angioplastia primária: • nas primeiras 12 horas do IAMST, na vigência de sintomas de isquemia miocárdica (com intervalo ideal desde o primeiro contato médico até a colocação do stent – intervalo porta-balão ou porta-dispositivo ≤ 90 minutos); • nas primeiras 12 horas do IAMST, na vigência de sintomas de isquemia miocárdica, em pacientes com contraindicação à terapia fibrinolítica, independentemente de quando ocorreu o primeiro contato médico, buscando-se realizar a reperfusão o mais precocemente possível; • em pacientes com IAMST cursando em choque cardiogênico ou insuficiência cardíaca aguda grave, independentemente do horário de instalação dos sintomas isquêmicos (particular benefício em pacientes < 75 anos de idade e dentro das primeiras 54 horas do infarto ou 18 horas do choque).12 A angioplastia primária visa o tratamento da ARI, todavia, em algumas situações específicas (múltiplas lesões coronarianas complexas com localização ambígua do infarto ou presença de instabilidade hemodinâmica), o tratamento de outras artérias com lesões obstrutivas acentuadas que não a ARI pode ser benéfico. Excetuando-se tais contextos, o tratamento percutâneo dessas artérias pode ser feito seguramente em momento futuro oportuno, seja pela apresentação de novos sintomas, seja como resultado de isquemia visualizada em provas isquêmicas funcionais.

4.2.1.1  Realização de trombectomia manual por aspiração A aspiração de trombos durante a angioplastia primária pode impactar positivamente a perfusão microvascular, pois reduz a quantidade de êmbolos que migram a partir da lesão primária.13,14 Tal procedimento pode ser realizado se o hemodinamicista tiver a percepção de elevada carga trombótica na ARI.

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Parte II Cardiologia

4.2.1.2  Escolha do tipo de prótese endoluminal (stent) A colocação do stent intracoronariano reduz indiscutivelmente o risco de reinfarto e de necessidade futura de novos procedimentos de revascularização miocárdica. Os stents farmacológicos (DES), quando comparados aos convencionais (BMS), têm menor risco de reestenose e menor necessidade de reintervenção coronariana futura (novo cateterismo com necessidade de angioplastia ou cirurgia de revascularização), mas não implicam menor risco futuro de óbito ou reinfarto. Os stents farmacológicos com menores taxas de trombose aguda são os de liga de cromo/cobalto, revestidos com everolimus. O grande desafio no momento do atendimento é saber se o paciente poderá ser candidato à DAPT prolongada para se escolher entre angioplastia com BMS ou DES. Assim sendo, têm-se como corolários dessa afirmação: a. deve-se preferir a utilização de BMS em pacientes com elevado risco de sangramento ou que sejam incapazes de aderir à DAPT por 1 ano ou têm previsão de procedimentos invasivos/cirúrgicos antes desse prazo, ou se beneficiarão de terapia anticoagulante oral (trombos intracavitários, fibrilação atrial crônica, ocorrência de fenômenos tromboembólicos ou trombofilia conhecida); b. é potencialmente deletério o uso de DES em pacientes com IAMST incapazes de cumprir um curso prolongado de DAPT sob risco de trombose aguda intra-stent (atentar para pacientes com doenças oncológicas ativas que cursam com IAMST e que necessitarão de terapia específica para a doença de base, sob risco de plaquetopenia ou necessidade cirúrgica futura).

4.2.2  Reperfusão em hospital sem unidade de hemodinâmica A maioria dos serviços de emergência não tem uma unidade de hemodinâmica em seu próprio hospital. Geralmente, contam com um centro de referência distante de suas dependências. Na grande maioria dos casos, tais pacientes admitidos com IAMST serão candidatos à terapia fibrinolítica, pois, em nosso meio, antevê-se grande retardo na disponibilização de transporte e recursos para transferência segura do paciente ao centro especializado. Cabe, entretanto, particularizar a conduta nessa situação, quando for possível estimar os intervalos para realização do procedimento em centro de referência fora do hospital. a. O intervalo estimado entre o primeiro contato médico e a efetiva realização da angioplastia coronariana é ≤ 120 minutos: nesse caso, o eventual retardo na fibrinólise é compensado pela realização da angioplastia em intervalo maior de tempo; situação em que o intervalo compreendido entre a admissão e a saída do paciente do hospital de origem não deve exceder 30 minutos; b. O intervalo estimado entre o primeiro contato médico e a efetiva realização da angioplastia coronariana é > 120 minutos: caso o paciente apresente contraindicação absoluta à trombólise, a transferência a um centro de hemodinâmica deve ser realizada de qualquer forma. Excetuando-se essa condição, a terapia fibrinolítica precisa ser instituída em um prazo não superior a 30 minutos da chegada do paciente ao hospital. A fibrinólise está indicada em pacientes com IAMST e: • início dos sintomas de isquemia miocárdica nas últimas 12 horas; • sintomas de isquemia miocárdica e/ou sinais eletrocardiográficos de isquemia em progressão ou elevada área de miocárdio sob risco, mesmo que no intervalo compreendido dentro de 12 a 24 horas de seu início. As contraindicações à terapia fibrinolítica podem ser relativas ou absolutas e encontram-se relacionadas no Quadro 14.1.

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Capítulo 14  Síndromes coronarianas agudas com supradesnível do segmento ST Quadro 14.1  Contraindicações para a terapia fibrinolítica no IAMST CONTRAINDICAÇÕES ABSOLUTAS Hemorragia intracraniana pregressa Conhecida alteração estrutural vascular encefálica (p. ex.: má-formação arteriovenosa) Neoplasia intracraniana primária ou metastática AVC isquêmico (AVCi) nos últimos 3 meses (exceto casos de AVCi agudos nas primeiras 4,5 horas de apresentação) Suspeita de dissecção aguda de aorta Sangramento agudo ou diátese hemorrágica vigente (excluindo-se menstruação) Significativo trauma fechado craniano ou facial nos últimos 3 meses Cirurgia intracraniana ou intraespinal nos últimos 2 meses Hipertensão arterial acentuada e não controlada com terapia em emergência Em caso de uso de SK, se já efetuado nos últimos 6 meses CONTRAINDICAÇÕES RELATIVAS Histórico de hipertensão arterial sistêmica crônica, acentuada e mal controlada Significativa hipertensão arterial à apresentação inicial (PAS > 180 mmHg ou PAD > 110 mmHg) AVCi pregresso há > 3 meses Síndromes demenciais Conhecida patologia intracraniana não contemplada nas contraindicações absolutas Reanimação cardiopulmonar traumática e prolongada (> 10 minutos) Cirurgia de grande porte nas últimas 3 semanas Sangramento interno recente (últimas 2 a 4 semanas – p. ex.: hemorragia digestiva) Punções de sítios vasculares não compressíveis Gestação Úlcera péptica ativa Terapia anticoagulante vigente e eficaz AVC: acidente vascular cerebral; PAD: pressão arterial diastólica; PAS: pressão arterial sistêmica.

Em nosso meio, os fibrinolíticos disponíveis são a SK, sem especificidade à fibrina, a tPA e a TNK-tPA, ambos fibrino-específicos. Suas características e posologia encontram-se discriminadas na Tabela 14.2. Tabela 14.2  Características dos agentes fibrinolíticos FIBRINOLÍTICO

DOSE

Tenecteplase (TNK-tPA)

Única, peso-dependente*

Alteplase

Peso-dependente**

Estreptoquinase

1,5 milhão de UI***

ESPECIFICIDADE DURAÇÃO ANTIGENICIDADE À FIBRINA DA INFUSÃO

ÍNDICE DE PATÊNCIA (FLUXO TIMI 2-3 EM 90 min)

++++

5-10 s

Não

85%

++

90 min

Não

73-84%

Não

30-60 min

Sim

60-68%

Constituem critérios de reperfusão após a terapia fibrinolítica, definidos nos primeiros 90 minutos do início da infusão do trombolítico: • resolução ou melhora da dor torácica ou sintomas de isquemia miocárdica; • redução do supradesnivelamento de segmento ST ≥ 50% da magnitude inicial; • ocorrência de arritmia de reperfusão (RIVA – ritmo idioventricular acelerado). Um critério prospectivo de reperfusão miocárdica é a ocorrência de pico precoce da curva da Ck-mb (isoenzima MB da creatinocinase) (entre 12 e 18 horas do início da dor, em vez de 24 horas) em decorrência do wash out dos marcadores de lesão miocárdica. Uma redução do supradesnivelamento de segmento ST < 50% na ausência de arritmias de reperfusão após 2 horas do início da trombólise correlaciona-se com fluxo TIMI < 3 na ARI (sensibilidade: 81%; especificidade: 88%; valor preditivo positivo: 87%; e valor preditivo negativo: 83%).15

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Parte II Cardiologia

Assim, uma não redução de pelo menos 50% da magnitude do supradesnivelamento do segmento ST em 60 a 90 minutos após o início da trombólise deve suscitar a indicação clínica de realização de cineangiocoronariografia com angioplastia de resgate em centro referenciado, tão precocemente quanto possível. A transferência também deve ser efetuada o mais urgentemente possível quando, após a fibrinólise, o paciente cursar com choque cardiogênico ou insuficiência cardíaca aguda grave com vistas à realização de estudo hemodinâmico e revascularização miocárdica (percutânea ou cirúrgica). Em pacientes submetidos à trombólise bem-sucedida, a transferência para um centro de hemodinâmica para adoção de estratégia invasiva precoce (estudo hemodinâmico com objetivo de se proceder à angioplastia coronariana entre 3 e 24 horas após a trombólise) é potencialmente benéfica,16 particularmente em pacientes de alto risco (infartos de parede anterior ou parede inferior com VD associado).

4.3  Passo 3: consolidação da terapia farmacológica Os medicamentos aqui descritos também estão sumarizados com as respectivas doses e contraindicações ou efeitos adversos na Tabela 14.3. Tabela 14.3  Passo 3 – Consolidação da terapia farmacológica FÁRMACO

INDICAÇÕES

DOSE

EFEITOS ADVERSOS POTENCIAIS

AAS

Todos com IAMST, exceto se contraindicação absoluta

AAS 81-325 mg (preferível a dose de 81-100 mg em caso de DAPT); manter indefinidamente

Alergia medicamentosa; intolerância gástrica; fenômenos hemorrágicos

Inibidores do receptor P2Y12 plaquetário

Praticamente todos os pacientes na fase inicial do IAMST, individualizando-se a conduta no seguimento

• Clopidogrel 75 mg 1 x/dia • Prasugrel 10 mg 1 x/dia • Ticagrelor 90 mg 2 x/dia Na maioria dos casos, manter por 1 ano (ver Figura 15.1 para detalhes da escolha do medicamento)

Fenômenos hemorrágicos; dispneia (comum com ticagrelor – até 14% dos pacientes na 1ª semana) BAV > I grau (cautela sob risco de agravamento com ticagrelor)

Betabloqueadores

Todos com IAMST, exceto se contraindicação absoluta

• • • • •

IECA

Todos os pacientes com IAMST; particular benefício nos pacientes de alto risco (IAM de parede anterior, FeVE 0,40 ou sinais e sintomas de IC)





• • BRA

Pacientes que não toleraram IECA (angioedema ou tosse persistente)

Propranolol 10-40 mg cada 6-12 horas Atenolol 12,5-50 mg cada 12 horas Tartarato de metoprolol 25-50 mg cada 12 horas Succinato de metoprolol 25-200 mg cada 24 horas Carvedilol 6,25 mg cada 12 horas, titulando-se até 25 mg cada 12 horas

Sinais de IC (exceto para o metoprololsuccinato e carvedilol, benéficos nesse contexto); síndrome de baixo débito sistêmico; elevado risco de evolução em choque cardiogênico; BAV de 1º grau com PR > 0,24 s ou BAV de alto grau

Captopril 6,25-12,5 mg cada 6-8 horas, até 25-50 mg cada 8 horas Enalapril 2,5-5 mg cada 12 horas, até 10-20 mg cada 12 horas Lisinopril 2,5-5 mg cada 24 horas, até 10 mg/dia Ramipril 2,5 mg cada 12 horas até 5 mg cada 12 horas

Hipotensão arterial; insuficiência renal em progressão (particularmente creatinina > 2,5 ou em ascensão); hipercalemia

Idem aos IECA Valsartana 20 mg cada 12 horas até 160 mg cada 12 horas

Capítulo 14  Síndromes coronarianas agudas com supradesnível do segmento ST

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Bloqueadores de receptor de aldosterona

Pacientes com FeVE < 0,40, IC sintomática ou DM e que já estejam sob uso de IECA/BRA e betabloqueadores

Espironolactona 25-50 mg 1 x/dia

Hipercalemia; ginecomastia dolorosa

Estatinas

Todos os pacientes com IAMST desde que não haja contraindicação absoluta; seus benefícios são potencializados sob adoção de dieta e atividade física aeróbica regular

Atorvastatina 80 mg/dia inicialmente, titulando-se para LDL-alvo

Cuidado com a administração concomitante de drogas metabolizadas via CYP3A4 (p. ex.: fibratos) – maior potencial de miotoxicidade e hepatotoxicidade

Anticoagulação oral

• • •

FA crônica (CHADS2 ≥ 2)

Varfarina com INR alvo de Evento tromboembólico ou 2-2,5, pois associação comum de terapia antiagregante trombofilia conhecida Trombo anteroapical no VE plaquetária ou presença de acinesia/ discinesia nessa topografia

Em pacientes com stent coronariano o tempo de terapia tripla deve ser limitado (e caso tal situação seja antecipada, preferir implante de BMS aos DES), particularmente em situações de alto risco (Tabela 14.2)

AAS: ácido acetilsalicílico; IAMST: infarto agudo do miocárdio com supradesnível do segmento ST; DAPT: dupla antiagregação plaquetária; BAV: bloqueios atrioventriculares; IAM: infarto agudo do miocárdio; HIC: hemorragia intracraniana; IC: insuficiência cardíaca; VE: ventrículo esquerdo; DM: diabetes melito; IECA: inibidores da enzima conversora da angiotensina; BRA: bloqueadores do receptor da angiotensina II; DES: drug eluting stents; BMS: bare-metal stents.

4.3.1 Betabloqueadores • Seu uso deve ser mantido em todos os pacientes com IAMST durante e após a internação hospitalar, na ausência de contraindicações. • Pacientes com contraindicação aos betabloqueadores devem ter seu uso reconsiderado após as primeiras 24 horas do infarto. • A escolha do betabloqueador pode variar de acordo com a função ventricular (utilizando-se propranolol ou atenolol na ausência de disfunção de VE ou, preferencialmente, carvedilol ou metoprolol succinato na presença da referida disfunção em virtude dos efeitos vasodilatadores e do remodelamento ventricular destes).

4.3.2 Inibidores do sistema renina-angiotensina-aldosterona (IECA, BRA, bloqueadores de receptor da aldosterona) • O uso dos IECA pode reduzir o risco de eventos cardiovasculares fatais e não fatais subsequentes ao IAMST e a magnitude de seu benefício é diretamente proporcional ao risco do paciente17 (particularmente infartos de parede anterior com FeVE ≤ 0,40, sinais clínicos de disfunção ventricular esquerda, taquicardia e infarto do miocárdio pregresso). Tal benefício já ocorre nas primeiras 24 horas de infarto e perdura. Constituem contraindicação à sua utilização hipotensão arterial, choque, estenose bilateral das artérias renais, insuficiência renal em progressão, angioedema ou alergia. • Nos pacientes intolerantes aos IECA (particularmente por tosse), há indicação de utilização dos BRA (bloqueadores dos receptores AT1 da angiotensina II), em particular a valsartana que tem não inferioridade demonstrada ao captopril.18 • Antagonista de receptor de aldosterona deve ser utilizado em pacientes com IAMST sem contraindicações ao seu uso (creatinina plasmática ≤ 2,5 mg/dL e Potássio sérico ≤ 5,0), com Insuficiência cardíaca sintomática ou diabetes melito, FeVE ≤ 0,40 e que já estejam em uso de IECA/BRA e betabloqueadores.19

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Parte II Cardiologia

4.3.3  Terapia hipolipemiante Em pacientes estáveis, após instalação de IAMST, a terapia com estatinas reduz o risco de óbito por doença arterial coronariana, recorrência de infarto, AVC e nova necessidade de procedimento de revascularização coronariana.20,21 Entretanto, a terapia com estatinas em dose alta (particularmente atorvastatina na dose de 80 mg) no IAMST (e nas outras SIMI) não evidenciou redução adicional de óbitos e recorrência de eventos isquêmicos.22,23 É recomendável a realização de dosagem do colesterol plasmático e suas frações nas primeiras 24 horas do IAMST em que pese a presuntiva redução dos níveis de LDL colesterol esperada nessa fase. Todavia, tal resultado pode ser interpretado sob esse prisma. Até por isso, sugere-se a utilização das estatinas mesmo que os níveis de LDL colesterol sejam < 70 mg/dL. O início precoce das estatinas nessa fase também tem papel na melhora da adesão terapêutica do paciente e a importância de sua utilização deve ser abordada à luz de mudanças favoráveis em seu estilo de vida (relacionadas à alimentação, combate ao estresse, abandono do tabagismo e a prática de atividade física aeróbica regular).

4.3.4  Bloqueadores dos canais de cálcio Sua utilização não evidenciou benefício em redução da área de infarto ou risco de reinfarto, seja na fase precoce do IAMST, seja na convalescença.24 O uso da nifedipina de liberação rápida, pelo seu elevado potencial hipotensor e taquicardia reflexa, ao contrário, é deletério. A utilização do verapamil e do diltiazem pode auxiliar na melhora dos sintomas isquêmicos, no controle adicional da pressão arterial ou da resposta ventricular em pacientes com fibrilação atrial quando o betabloqueador não puder ser utilizado (p. ex.: pacientes sob exacerbação de asma). Limitações ao seu uso também incluem a presença de disfunção sistólica de VE e hipotensão arterial ou BAV superiores ao de 1º grau ou intervalo PR > 240 ms.

4.3.5  Continuidade de terapia anticoagulante A utilização de antagonista da vitamina K (varfarina) é necessária nas seguintes situações após o IAMST: • na presença de fibrilação atrial crônica com CHADS2 ≥ 2 (o que constitui a grande maioria desses pacientes); • pacientes com tromboembolismo venoso, trombofilia ou portadores de próteses valvares mecânicas; • presença de trombo mural intraventricular (classicamente após IAM de parede anterior), mesmo na ausência de eventos embólicos documentados. Pacientes com IAMST que evoluam com acinesia ou discinesia anteroapiacal do VE podem beneficiar-se de anticoagulação oral pelo risco de formação de trombo apical (nesses casos, o tempo de anticoagulação de 3 meses, geralmente, é suficiente para evitar a formação de trombos). Em situações de IAMST, em que há a colocação de stent coronariano e o paciente necessita de anticoagulação oral, deve-se manter o INR entre 2 e 2,5 e o tempo de manutenção de terapia tripla (DAPT + anticoagulação oral) deve ser limitado para se reduzir o risco de sangramentos, individualizando a conduta conforme a predição de risco de complicações hemorrágicas (em particular intracranianas) (Quadro 14.2). Assim, pacientes que sabidamente necessitarão de terapia anticoagulante devem ser, de preferência, elegíveis para a colocação de BMS em vez de DES. Nos paciente tratados com fibrinolíticos, após o período de 14 dias de terapia tripla, deve-se manter apenas o antagonista de vitamina K com baixa dose de um único antiagregante plaquetário.25

Capítulo 14  Síndromes coronarianas agudas com supradesnível do segmento ST

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Quadro 14.2  Fatores de risco preditores de HIC em paciente com SIMI PREDITORES DE HIC EM PACIENTES COM SIMI* Idade > 75 anos Sexo feminino Apresentação clínica com hipertensão arterial pronunciada (PAS > 160 mmHg) Ocorrência de AVC pregresso Peso < 70 kg para mulheres e < 80 kg para homens Insuficiência renal (ClCr < 30 mL/min) Choque cardiogênico com insuficiência cardíaca História de sangramento gastrintestinal Uso de terapia fibrinolítica Diabetes melito Anemia ou leucocitose Apresentação com IAMST ou IAM sem segmento ST versus angina instável Posologia inapropriada de terapia antitrombótica HIC: hemorragia intracraniana; SIMI: síndromes isquêmicas miocárdicas instáveis; PAS: pressão arterial sistólica; AVC: acidente vascular cerebral; ClCr: clearance de creatinina; IAMST: infarto agudo do miocárdio com supradesnível do segmento ST; IAM: infarto agudo do miocárdio.

4.4  Complicações após IAMST e sua abordagem 4.4.1  Choque cardiogênico (CC) Em pacientes com IAMST, pode decorrer de grande extensão de área infartada, infarto de VD ou pela instalação de complicações mecânicas (ruptura/disfunção de músculo papilar da valva mitral, comunicação interventricular e ruptura de parede livre com tamponamento cardíaco). • CC secundário à disfunção de VE: 15% ocorrem na apresentação e os demais 85% manifestam-se no curso da internação, geralmente por perda da hipercinesia compensatória dos segmentos miocárdicos não isquêmicos. Deve-se proceder preferencialmente à revascularização miocárdica (percutânea ou cirúrgica) ainda que haja retardo para disponibilização de tal abordagem por limitações técnicas ou logísticas do hospital. A utilização de terapia inotrópica (dobutamina, 2 a 15 µg/kg/min) pode ser necessária, sendo indicada a instalação de balão intra-aórtico (BIA) nos pacientes que não estabilizam com a terapia farmacológica ou como ponte para o procedimento de revascularização miocárdica. • Infarto do VD: complica cerca de um terço dos pacientes com IAMST de parede inferior e decorre da oclusão dos ramos marginais direitos (por oclusão proximal da artéria coronária direita). Por se tratar de maior área isquêmica, implica maior mortalidade. Todos os pacientes com IAMST de parede inferior devem realizar uma eletrocardiografia para pesquisar supradesnível de segmento ST em derivações precordiais direitas (V3R e V4R). Pode haver supradesnível de ST na derivação V1 que também é, essencialmente, uma derivação precordial direita. Clinicamente, tem-se a tríade: 1) hipotensão arterial; 2) ausência de sinais de hipertensão venocapilar pulmonar; e 3) estase jugular. A reperfusão miocárdica constitui a terapia mais eficaz e deve-se manter pré-carga adequada com expansão volêmica e, se necessário, utilizar drogas vasoativas para estabilização hemodinâmica. Nessa situação, a utilização de morfina, diuréticos e nitratos deve ser evitada para não agravar ou precipitar a ocorrência de hipotensão arterial. • Insuficiência mitral: a ruptura/disfunção de músculos papilares da valva mitral (mais frequentemente dos músculos papilares posteromediais por sua irrigação peculiar) ocorre geralmente dentro da primeira semana após o IAM, como no caso das demais complicações mecânicas. Pode apresentar-se com edema agudo dos pulmões com ou sem CC. Nem sempre será possível auscultar sopro, e tais pacientes devem receber terapia farmacológica específica (drogas

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Parte II Cardiologia

vasoativas) e suporte mecânico (BIA) até o reparo cirúrgico da valva mitral. A indicação cirúrgica, nesse caso, não deve ser postergada, sob risco de piora da função miocárdica, insuficiência de múltiplos órgãos e óbito.26 • Comunicação interventricular: pode ocorrer precocemente, dentro das primeiras 24 horas (quando realizada trombólise) ou dentro da primeira semana do infarto. A apresentação clínica é de insuficiência cardíaca, choque e sopro sistólico em borda esternal esquerda, sendo determinada pela intensidade da disfunção de VE e VD instalada. Mesmo que o paciente com tal complicação esteja clinicamente estável, o tratamento cirúrgico de emergência está indicado, uma vez que podem ocorrer expansão abrupta do defeito septal e rápida instabilidade clínica. O suporte clínico como ponte para o tratamento cirúrgico é semelhante ao abordado na insuficiência mitral aguda isquêmica. • Ruptura de parede livre do VE: caracteriza-se clinicamente pela recorrência de dor torácica abrupta, alterações eletrocardiográficas do segmento ST e onda da T e rápida progressão para choque, atividade elétrica sem pulso e óbito.27 É mais comum durante um primeiro infarto relacionado à parede anterior, em idosos e mulheres. Também estão relacionados os usos de anti-inflamatórios não hormonais (AINH), corticoterapia ou terapia fibrinolítica com > 14 horas do início dos sintomas de isquemia miocárdica. Pode haver o tamponamento da ruptura com formação de pseudoaneurisma, apreciável à ecocardiografia. Quando diagnosticado, deve-se proceder à cirurgia de emergência para reparo do defeito. Nesses casos, a mortalidade cirúrgica supera 60%. • Formação de aneurisma de VE: mais frequente após IAMST de parede anterior e sua incidência declinou após a era da terapia de reperfusão. O reparo cirúrgico só é necessário nos casos de insuficiência cardíaca ou taquiarritmias ventriculares refratários ao tratamento medicamentoso. A ocorrência de fenômenos tromboembólicos repetidos a despeito de terapia anticoagulante eficaz também constitui indicação de tratamento cirúrgico.

4.4.2  Arritmias ventriculares A ocorrência de parada cardiorrespiratória fora do ambiente hospitalar, em decorrência do ­IAMST, decorre de FV ou TV sem pulso. Os mecanismos envolvidos na gênese dessas arritmias são multifatoriais e incluem: • isquemia em progressão; • distúrbios hidreletrolíticos; • ocorrência de reentrada; • automaticidade aumentada. A ocorrência de FV/TV sustentada nas primeiras 48 horas do infarto (precedendo a reperfusão) incrementa em duas vezes a mortalidade perante pacientes que não apresentaram tais arritmias. Entretanto, a ocorrência de tais eventos depois desse período de tempo (após a terapia de reperfusão) aumenta em cinco vezes tal desfecho.28 O tratamento consiste em desfibrilação imediata e terapia antiarrítmica (amiodarona) nos moldes preconizados pelo Suporte Avançado de Vida em Cardiologia. Além disso, deve-se pesquisar sistematicamente e afastar ou tratar novo evento isquêmico em curso, corrigir distúrbios hidreletrolíticos e tratar complicações hemodinâmicas do infarto como disfunção ventricular e CC. A administração precoce de betabloqueadores (< 24 horas de infarto), como citado anteriormente, reduz a incidência de FV/TV sem pulso e deve ser realizada sempre que não existir contraindicação absoluta. Extrassístoles ventriculares, episódios de TVNS (taquicardia ventricular não sustentada) assintomáticos ou RIVA, tipicamente após reperfusão miocárdica bem-sucedida, não implicam maior risco de morte súbita nem demandam terapia específica (além da padrão para o infarto do miocárdio).

Capítulo 14  Síndromes coronarianas agudas com supradesnível do segmento ST

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4.4.3  Implante de marca-passo definitivo (MP) A bradicardia sinusal constitui a bradiarritmia mais frequente na fase aguda do IAM, principalmente quando acomete a parede inferior em decorrência de incremento no tônus vagal (reflexo de Bezold-Jarisch). É, geralmente, autolimitada e não necessita de tratamento, devendo-se adotar maior cautela na utilização dos betabloqueadores. Caso determine sintomas ou repercussão hemodinâmica, a utilização de atropina ou marca-passo temporário (transcutâneo ou transvenoso) pode se fazer necessária. A ocorrência de BAV de 1º grau geralmente requer apenas monitorização. BAV de alto grau, fora do contexto do reflexo de Bezold-Jarisch correlacionam-se com pior prognóstico pelo acometimento de maior território miocárdico e de seu sistema de condução (territórios inferoposterior ou anterolateral), podendo exigir implante de marca-passo definitivo.

4.4.4  Implante de cardiodesfibrilador (CDI) antes da alta hospitalar As FV/TV sem pulso ocorridas após 48 horas do infarto, geralmente, estão relacionadas à acentuada disfunção de VE, acarretando pior prognóstico. Nos pacientes que manifestam tais arritmias nesse contexto, na ausência de novos eventos isquêmicos documentados, distúrbios hidreletrolíticos ou metabólicos, indica-se o implante de CDI antes da alta hospitalar. Nos casos de pacientes com alto risco (acentuada disfunção sistólica de VE), sem ocorrência de arritmias ventriculares, a indicação de CDI como profilaxia primária deve ser reconsiderada após 40 dias da alta hospitalar, estando otimizadas as terapias farmacológicas para disfunção ventricular.29

4.4.5  Controle glicêmico A relação entre a ocorrência de óbito e o controle glicêmico nas SIMI obedece uma típica curva em U, estando a mortalidade associada à hipoglicemia nessa condição tão elevada quanto nos estados hiperglicêmicos.30 Assim, um controle moderado da glicemia (< 180 mg/dL) é preferível ao controle estrito.

4.5  Cirurgia de revascularização do miocárdio A abordagem cirúrgica de urgência está indicada no IAMST nas seguintes condições: • pacientes com isquemia progressiva, choque cardiogênico, insuficiência cardíaca aguda grave e anatomia desfavorável para a realização de ATC primária; • na oportunidade da correção cirúrgica das complicações mecânicas do infarto. Não há necessidade de suspensão do AAS antes do procedimento cirúrgico. Se possível, deve-se suspender o ticagrelor ou clopidogrel pelo menos 24 horas antes da revascularização de urgência. No caso dos inibidores do complexo GPIIb/IIIa de curta duração (tirofiban) sugere-se suspensão por, pelo menos, 2 a 4 horas. No caso do abciximab, a descontinuação deve ser de, pelo menos, 12 horas. A depender do julgamento clínico, caso o benefício da cirurgia de revascularização miocárdica supere o potencial risco hemorrágico para o paciente, tais prazos sugeridos podem ser abreviados.

5. CUIDADOS NA FASE PÓS-HOSPITALAR O momento da alta hospitalar constitui uma excelente oportunidade de diálogo para que o paciente e seus familiares compreendam seus papéis no tratamento da doença coronariana. As orientações ao paciente e a seus familiares devem salientar a importância do relato e da observação dos sintomas para que a recorrência de eventos isquêmicos não passe despercebida (em particular, dor torácica ou seus equivalentes – dispneia e síncope).

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Parte II Cardiologia

Também se deve aproveitar para abordar a importância da adesão ao esquema terapêutico (com bastante ênfase à não interrupção da terapia antiagregante plaquetária – frequentemente dupla –, salientando-se, nos casos em que foi realizada a angioplastia coronariana, o risco da trombose aguda intra-stent). A não compreensão desses tópicos ou má adesão ao esquema terapêutico correlaciona-se com maior necessidade de reinternação.31,32 Ambulatorialmente, o cardiologista deve esforçar-se para otimizar as doses da terapia vasodilatadora e betabloqueadora para melhora do remodelamento e disfunção do VE, assim como para garantir ótimo controle terapêutico das comorbidades (dislipidemia, hipertensão arterial de diabetes melito). As mudanças de estilo de vida visam adequação nutricional, combate ao sobrepeso/obesidade, cessação do tabagismo e reabilitação cardíaca com introdução à atividade física aeróbica regular.

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Síndromes coronarianas agudas sem supradesnível do segmento ST

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Pedro Nunes 1. INTRODUÇÃO E DEFINIÇÕES As chamadas síndromes coronarianas agudas sem supradesnível do segmento ST (SCASST) designam condições clínicas em que ocorre isquemia miocárdica aguda, na ausência de supradesnível do segmento ST ou de novo bloqueio do ramo esquerdo no eletrocardiograma. As SCASST são habitualmente subclassificadas em angina instável (AI) e infarto agudo do miocárdio sem supradesnível do segmento ST (IAMSST), conforme a elevação de marcadores de necrose miocárdica esteja ausente ou presente, respectivamente. Entende-se por elevação dos marcadores de necrose miocárdica a detecção de níveis séricos das troponinas cardíacas acima do 99º percentil, em duas amostras sucessivas colhidas com intervalo mínimo de 6 horas.

2. FISIOPATOLOGIA A isquemia miocárdica nas SCASST decorre mais frequentemente da redução do fluxo coronariano em uma ou mais artérias coronárias epicárdicas. Tal redução do fluxo decorre da trombose aguda, frequentemente instalada sobre erosão endotelial ou ruptura da capa fibrosa de um ateroma. Os ateromas implicados no desenvolvimento das SCASST costumam apresentar maior conteúdo lipídico, remodelamento positivo (crescimento da placa em direção à adventícia do vaso), maior infiltrado de linfócitos T e macrófagos. A degradação do colágeno da capa fibrosa do ateroma, promovida por metaloproteinases secretadas pelos macrófagos, leva à ruptura da placa aterosclerótica e subsequente trombose luminal. Nas SCASST, o trombo não costuma ser totalmente oclusivo e sua composição apresenta maior conteúdo plaquetário, quando comparado aos trombos encontrados no infarto agudo do miocárdio (IAM) com supradesnível do segmento ST (IAMSST), os quais têm maior componente de fibrina. Por essa razão, os fibrinolíticos não se demonstraram eficazes, mas até prejudiciais aos pacientes com SCASST. Menos frequentemente, outros mecanismos operam na fisiopatologia das SCASST, como vasoespasmo coronariano, dissecção arterial, anemia severa ou aumento da demanda miocárdica de oxigênio (como observado, por exemplo, nas taquiarritmias, no hipertireoidismo ou nas emergências hipertensivas).

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3.  MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS Quanto aos sintomas, as SCASST assumem uma entre três apresentações: a. angina de repouso: em geral dor prolongada (> 20 minutos); b. angina de início recente: dor de intensidade CCS III, iniciada nos últimos 2 meses; c. angina progressiva: aumento da duração, intensidade ou frequência dos episódios anginosos nos últimos 2 meses. Devemos estar atentos à ausência comum de angina nas SCA. Assim, algumas casuísticas mostram que até 30% dos pacientes com diagnóstico de IAM não apresentam angina como sintoma. Esses pacientes procuram mais tardiamente a assistência médica, apresentam maior mortalidade e representam maior dificuldade diagnóstica para os serviços de emergência. A dispneia, como equivalente anginoso, é especialmente preocupante, acompanhando-se de uma mortalidade duas vezes superior àquela dos portadores de angina típica. Dados de anamnese, exame físico, eletrocardiografia de 12 derivações e dosagem de marcadores miocárdicos têm relevante valor prognóstico, permitindo a classificação (estratificação) do risco de eventos adversos. A Tabela 15.1 apresenta uma proposta clássica para tal estratificação, devendo-se salientar que os parâmetros que ela contempla precisam ser avaliados não apenas à admissão, mas evolutivamente, ao longo da permanência do paciente no pronto-socorro ou na terapia intensiva. Mais recentemente, foram desenvolvidos e validados escores facilmente aplicáveis à beira-leito, que se mostraram bastante efetivos na estimativa do risco de eventos adversos (morte, IAM, isquemia recorrente). Entre tais escores, destacamos os escores de TIMI (descrito na Tabela 15.2) e GRACE, mais usados. A estratificação de risco é também ferramenta essencial à definição da terapêutica, uma vez que os pacientes de mais alto risco se beneficiam de estratégias mais invasivas, como será discutido mais adiante neste capítulo. Tabela 15.1  Risco de morte ou IAM não fatal nos pacientes com SCASST PARÂMETRO

História

ALTO RISCO (AO MENOS UMA DAS SITUAÇÕES)

RISCO INTERMEDIÁRIO (AO MENOS UMA DAS SITUAÇÕES E NENHUMA DAS DE ALTO RISCO)

Piora dos sintomas nas últimas 48 horas

IAM prévio, AVC prévio, RM prévia, uso de AAS

Ao repouso > 20 min persistente até o momento

Ao repouso > 20 min já cessada, com probabilidade moderada ou alta de DAC

Angina de maior frequência, intensidade ou duração

Angina de repouso > 20 min aliviada por nitrato

Angina com esforços menores

Angina noturna

Angina de início entre 2 semanas e dois meses

Característica da dor

Angina CCS III ou IV nas últimas 2 semanas com probabilidade intermediaria ou moderada de DAC

Achados clínicos

RISCO BAIXO (AO MENOS UMA DAS SITUAÇÕES, SEM NENHUMA DAS DE RISCO ALTO OU INTERMEDIÁRIO)

Edema pulmonar isquêmico Insuficiência mitral nova ou agravada Hipotensão, bradicardia, taquicardia Idade > 75 anos

Idade > 70 anos

Capítulo 15  Síndromes coronarianas agudas sem supradesnível do segmento ST

ECG

Marcadores cardíacos

Desvios dinâmicos de ST > 0,5 mm BRE novo TV sustentada

Alterações de onda T Ondas Q patológicas ou infra-ST < 1 mm em várias paredes

ECG normal ou inalterado

Troponinas e Ck-mb muito elevados

Troponinas e Ck-mb discretamente elevados

Normal

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BRE: bloqueio do ramo esquerdo; TV: taquicardia ventricular; IAM: infarto agudo do miocárdio; RM: cirurgia de revascularização miocárdica; AVC: acidente vascular cerebral; AAS: ácido acetilsalicílico; DAC: doença arterial coronariana; CCS: Canadian Cardiac Society (escala de classe funcional de angina). Fonte: Adaptada de Anderson JL e colaboradores, 2012.1

Tabela 15.2  Escore de risco TIMI nas SCASST VARIÁVEIS – 01 PONTO CADA > 65 anos 3 ou mais fatores de risco para DAC Estenose coronariana > 50% conhecida Desvio do segmento ST à apresentação Angina 2 ou + vezes nas últimas 24 horas Uso de AAS nos últimos 7 dias Elevação de marcadores miocárdicos ESCORE DE RISCO TIMI

MORTALIDADE TOTAL, IAM NÃO FATAL, ISQUEMIA RECORRENTE GRAVE EXIGINDO REVASCULARIZAÇÃO EM 14 DIAS (%)

0-1

4,7

2

8,3

3

13,2

4

19,9

5

26,2

6-7

40,9

Fonte: Adaptada da Wallentin L, Becker RC e colaboradores, 2009. 2

4. TRATAMENTO 4.1  Medidas iniciais Todo paciente com diagnóstico de SCASST deve ser mantido em repouso, sob monitorização eletrocardiográfica, de pressão arterial não invasiva (PANI) e oximetria de pulso contínuas. Deve-se suplementar oxigênio sempre que a saturação arterial for inferior a 90%, ou em caso de desconforto respiratório ou hipotensão. É aceitável que seja administrado oxigênio suplementar a todos os pacientes com SCA nas primeiras 6 horas de evolução, principalmente na ausência de monitorização oximétrica.

4.2  Drogas anti-isquêmicas 4.2.1 Nitratos Exercem seu efeito anti-isquêmico principalmente pela redução da pré-carga ventricular, com consequente diminuição da tensão parietal e do consumo miocárdico de oxigênio. São especialmente úteis na vigência de desconforto isquêmico persistente. O dinitrato de issossorbida pode ser administrado na dose de 5 mg via sublingual. A dose pode ser repetida mais duas vezes, com intervalo de 5 minutos entre elas. Outras opções são o propatilnitrato (10 mg via sublingual) e a nitroglicerina spray (0,4 mg/jato). Na persistência do desconforto isquêmico, mesmo após três doses de nitrato sublingual

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Seção II  Cardiologia

(com ao menos 5 minutos de intervalo entre elas), é possível recorrer à nitroglicerina endovenosa, especialmente se houver hipertensão arterial ou sinais de congestão venosa pulmonar. A nitroglicerina é empregada em dose que varia de 5 a 200 µg/min, devendo-se optar pela que determine controle dos sintomas e sinais isquêmicos, sem redução da pressão arterial sistólica (PAS) maior do que 20 mmHg ou para valor inferior a 100 mmHg. Outro parâmetro a ser avaliado é a frequência cardíaca, que não deve aumentar além de 10% do basal. Em alguns serviços, emprega-se o mononitrato de isossorbida via endovenosa (IV). Sua dose inicial é de 2,5 mg/kg/dia, devendo ser titulada da mesma forma que sugerimos em relação à nitroglicerina. Necessário recordar que os nitratos estão contraindicados na presença de hipotensão arterial (PA sistólica inferior a 90 mmHg, ou decréscimo de 30 mmHg ou mais em relação ao basal), ou no uso recente de inibidores da fosfodiesterase (sildenafil e vardenafil nas últimas 24 horas, tadalafil nas últimas 48), ou na presença de taquicardia ou bradicardia acentuadas.

4.2.2  Sulfato de morfina Os opioides, notadamente o sulfato de morfina via IV, podem ser empregados no tratamento do desconforto isquêmico persistente após o emprego de nitratos. Apresentam efeito analgésico e ansiolítico potentes, o que determina redução da pressão arterial e frequência cardíaca. Também apresentam efeito vagotônico. Todos esses fatores contribuem para um menor consumo miocárdico de oxigênio. A morfina está contraindicada na vigência de hipotensão arterial. Seus efeitos colaterais mais comuns são a hipotensão e os vômitos. A dose recomendada via endovenosa (EV) é de 1 a 5 mg, podendo ser repetida a intervalos de 30 minutos caso persistam os sintomas anginosos e não ocorram efeitos colaterais significativos.

4.2.3 Betabloqueadores Ao bloquearem o estímulo adrenérgico, levam à diminuição do cronotropismo, do inotropismo e da pressão arterial, todos eles elementos que determinam menor consumo miocárdico de oxigênio. O efeito dos betabloqueadores nos desfechos clínicos (morte e reinfarto) foi mais extensamente demonstrado no IAMST, porém há algum embasamento para que tais efeitos sejam extrapolados às SCASST. Assim, os betabloqueadores na fase aguda das SCASST estão indicados nas primeiras 24 horas, exceto na presença de congestão pulmonar, hipotensão (PA sistólica inferior a 120 mmHg), bradicardia, bloqueio atrioventricular (BAV), histórico de asma. O uso deve ser preferencialmente oral, porém a via EV pode ser utilizada, sobretudo se houver hipertensão arterial ou angina persistente. Deve-se preferir os betabloqueadores mais seletivos para os receptores beta-1, como o atenolol e o metoprolol. Na Tabela 15.3, estão relacionados os betabloqueadores mais frequentemente disponíveis no Brasil para uso nas SCA. Tabela 15.3  Betabloqueadores nas SCA DROGAS

SELETIVIDADE

VIA DE ADMINISTRAÇÃO

DOSE HABITUAL

Atenolol

Beta-1

VO, EV

50-200 mg/dia VO 5 mg EV; pode repetir 1 x, 5 minutos após

Metoprolol

Beta-1

VO, EV

50-200 mg/dia VO 5 mg EV a cada 5 minutos, dose total 15 mg

Propranolol

Nenhuma

VO

40-160 mg/dia

Esmolol

Beta-1

EV

50-300 µg/kg/min

Carvedilol

Nenhuma

VO

6,25 mg 12/12 horas-25 mg 12/12 horas

Bisoprolol

Beta-1

VO

10 mg/dia

EV: via endovenosa; VO: via oral.

Capítulo 15  Síndromes coronarianas agudas sem supradesnível do segmento ST

227

4.2.4  Bloqueadores dos canais de cálcio Os não di-hidropiridínicos (verapamil e diltiazem) podem ser usados quando houver certas contraindicações aos betabloqueadores (como broncoespasmo), e na ausência de disfunção ventricular esquerda significativa. Exercem efeitos cronotrópico e inotrópico negativos. Não há evidências de que seu uso modifique desfechos clínicos maiores (morte ou reinfarto), portanto seu benefício é, sobretudo, sintomático. Os bloqueadores dos canais de cálcio di-hidropiridínicos, sobretudo os de meia-vida curta (p. ex.: nifedipina), estão, a princípio, contraindicados nas SCA, pois existem evidências de que aumentem a mortalidade, provavelmente em virtude da taquicardia reflexa e da ativação simpática que determinam. Seu uso é aceitável apenas se associados aos betabloqueadores, os quais se contrapõem à taquicardia reflexa. Os di-hidropiridínicos de ação mais longa (p. ex.: anlodipino) foram pouco avaliados nas SCA. Nos pacientes com disfunção ventricular, ao contrário do diltiazem e do verapamil, não determinam pior evolução, provavelmente pela menor ativação simpática que promovem. Portanto, seu uso pode ser justificado, especialmente se houver hipertensão arterial significativa. Na Tabela 15.4, estão relacionados alguns dos bloqueadores dos canais de cálcio mais frequentemente usados no manejo das SCA. Tabela 15.4  Bloqueadores dos canais de cálcio nas SCA DROGAS

DOSE HABITUAL (ORAL)

Diltiazem

Ação curta: 30-90 mg 4 x/dia Ação longa: 120-360 mg 1 x/dia

Verapamil

Ação rápida: 80-160 mg 3 x/dia Ação longa: 120-480 mg 1 x/dia

Anlodipino

5-10 mg 1 x/dia

Nitrendipino

20 mg 1 ou 2 x/dia

Nifedipino

Ação curta: 30-90 mg/dia Ação longa: 30-180 mg/dia

4.2.5 Inibidores da enzima conversora da angiotensina (IECA) e bloqueadores dos receptores de angiotensina (BRA) Os IECA e, na contraindicação destes (tosse, fenômenos alérgicos), os BRA estão indicados nas primeiras 24 horas naqueles pacientes portadores de disfunção ventricular esquerda significativa (FEVE < 40%), ou que manifestem congestão pulmonar. Devem ser evitados na presença de hipotensão (PA sistólica abaixo de 100 mmHg), ao menos inicialmente. É aceitável a administração de IECA ou BRA a todos os pacientes com SCA, desde que não haja contraindicações, no intuito de prevenção secundária.

4.3  Agentes antiplaquetários 4.3.1  Ácido acetilsalicílico (AAS) As melhores evidências corroboram o uso do AAS de forma precoce, universal e permanente em todos os pacientes com diagnóstico de SCA. Para que se obtenha uma ação rápida, sugere-se que os comprimidos sejam mastigados inicialmente, na dose de 200 mg. A dose de manutenção pode ser menor (no máximo 100 mg/dia), mesmo após implante de stent.

4.3.2  Antagonistas dos receptores P2Y12 Apresentam poder antiagregante superior e sinérgico ao do AAS. Três drogas antagonistas P2Y12 são empregadas no tratamento das SCASST: clopidogrel, ticagrelor e prasugrel. Os antagonistas de P2Y12 estão indicados sempre que houver contraindicação ao emprego do AAS, como reação alérgica ou grave intolerância gastrintestinal.

228

Seção II  Cardiologia

Tais drogas beneficiam a maioria dos pacientes com SCASST, manejados de forma conservadora ou invasiva (ver discussão na Seção 3.5 – “Tratamento invasivo versus conservador”), e, a princípio, devem ser administrados, de forma associada ao AAS, a todos os pacientes com SCASST, exceto àqueles cujo risco hemorrágico seja considerado muito alto. O uso dos antagonistas de P2Y12, sempre associado ao AAS, deve ser prolongado por 1 ano nos pacientes com SCASST manejados clinicamente ou com stents convencionais; no caso dos tratados com stents farmacológicos, o uso da dupla terapia antiplaquetária deve se estender por mais de 1 ano. Após a revascularização miocárdica cirúrgica, não se indica rotineiramente o duplo bloqueio plaquetário, recomendando-se apenas o AAS (ou antagonista de P2Y12 caso haja contraindicação ao AAS). A escolha entre os três antagonistas de P2Y12 depende de diversos fatores, como disponibilidade, custo, risco hemorrágico e a opção invasiva ou conservadora. O clopidogrel é o antagonista de P2Y12 mais disponível e de menor custo. Apresenta como desvantagens a instalação lenta da inibição plaquetária, uma vez que, para tornar-se ativo, o clopidogrel deve ser metabolizado pelo citocromo P450 hepático, o que leva a uma grande variação genética do efeito antiagregante do clopidogrel, bem como a possibilidade de interação medicamentosa (com inibidores da bomba de prótons, por exemplo). Quando comparado aos dois antagonistas P2Y12 mais recentes, o clopidogrel apresenta pior desempenho na prevenção de eventos isquêmicos. Tal desvantagem é observada principalmente nos pacientes com SCASST de mais alto risco. O clopidogrel deve ser administrado na forma de um ataque de 600 mg (ataque de 300 mg é aceitável quando o risco hemorrágico for considerado alto). A dose de manutenção deve ser de 75 mg na maioria das situações, embora doses de 75 mg, 2 vezes ao dia, nos primeiros 5 dias sejam aceitáveis em casos de SCASST de muito alto risco. O uso do clopidogrel deve ser preferencialmente interrompido 5 dias antes de qualquer procedimento cirúrgico, porém os riscos isquêmicos da interrupção do tratamento devem ser também considerados. Há evidências de que grandes cirurgias, inclusive revascularização miocárdica, podem ser executadas sem grande morbidade ou mortalidade, mesmo na vigência de terapia antiplaquetária dupla. O ticagrelor apresenta maior custo do que o clopidogrel e, ao contrário deste, deve sempre ser administrado em duas tomadas diárias. Apresenta efeito antiagregante mais intenso, de instalação mais rápida e menor duração, quando comparado ao clopidogrel. No estudo PLATO, o ticagrelor reduziu a mortalidade geral após 1 ano, quando comparado ao clopidogrel, sem aumento significativo do risco de sangramentos graves ou fatais. A menor meia-vida torna interessante o seu uso quando a anatomia coronariana é desconhecida, pois, em uma eventual indicação de revascularização cirúrgica, não precisaria ser tão protelada. A dose de ataque recomendada é de 180 mg. A de manutenção é de 90 mg a cada 12 horas. Um grande estudo multicêntrico sugeriu que a dose de AAS associada ao ticagrelor não deve ser superior a 100 mg diários. O prasugrel é um antagonista P2Y12 extremamente potente, de efeito prolongado. No estudo TRITON-TIMI 38, o prasugrel reduziu o risco de infarto não fatal, sem alterar a mortalidade geral. O seu uso deve ser restrito, preferencialmente, aos pacientes submetidos ao implante de stents coronarianos. Idade superior a 75 anos, histórico de eventos cerebrovasculares (AVC ou ataque isquêmico transitório – AIT), peso inferior a 60 kg ou uso concomitante de anticoagulantes são considerados contraindicações ao uso do prasugrel, pois no TRITON-TIMI 38 esse subgrupo de pacientes apresentou taxas de sangramentos proibitivas, que anularam os benefícios anti-isquêmicos. Seu uso deve ser interrompido ao menos 7 dias antes de procedimentos cirúrgicos. A dose de ataque recomendada é de 60 mg e a manutenção, de 10 mg diários.

4.3.3  Antagonistas dos receptores plaquetários IIb/IIIa (anti IIb/IIIa) Bloqueiam a via final comum da agregação plaquetária, o receptor da glicoproteína IIb/IIIa. Tais drogas tiveram benefício demonstrado, sobretudo, na era anterior ao uso rotineiro dos antagonistas de P2Y12. Os estudos mais recentes, que compararam a tripla antiagregação plaquetária (AAS + an-

Capítulo 15  Síndromes coronarianas agudas sem supradesnível do segmento ST

229

tagonista P2Y12 + anti IIb/IIIa) com a dupla (AAS + antagonista P2Y12) mostraram benefício nos pacientes submetidos à angioplastia com stent e exibindo maior risco de eventos isquêmicos (pacientes com troponina elevada, com isquemia persistente, diabéticos) e menor risco hemorrágico (< 75 anos, > 60 kg). Além disso, não há diferença na diminuição de eventos isquêmicos caso o início da terapia com esses antiagregantes seja realizada no momento da intervenção coronariana percutânea, a critério do hemodinamicista, ou de maneira imediata, com maior número de eventos hemorrágicos quando a terapia com os inibidores da glicoproteína IIb/IIIa é iniciada precocemente. Assim, tais drogas devem ser preferencialmente empregadas nos pacientes submetidos a implante de stent e que apresentem uma alta carga trombótica intracoronária. Nos demais pacientes, seu uso é mais controverso, sendo aceitável, talvez, naqueles impossibilitados de receber outros agentes antiplaquetários (p. ex.: alérgicos ao AAS ou clopidogrel), em especial se apresentarem troponina elevada. O abcixmab é o anti IIb/IIIa preferível como adjuvante ao implante de stent. O tirofiban é mais adequado, por sua menor meia-vida, naqueles pacientes ainda em tratamento clínico, em especial se for impossível realizar rapidamente a cinecoronariografia. Na Tabela 15.5, o leitor encontra relacionados os principais agentes antiplaquetários, com as respectivas doses e duração sugerida da terapêutica. Tabela 15.5  Agentes antiplaquetários DROGAS

DOSE DE ATAQUE

DOSE DE MANUTENÇÃO

AAS

200 mg VO mastigados

100 mg/dia VO

Clopidogrel

300-600 mg VO

75 mg/dia VO ou 75 mg 12/12 horas VO 6 dias* e 75 mg/dia após

Ticagrelor

180 mg VO

90 mg 12/12 horas VO

Prasugrel

60 mg VO

10 mg/dia VO

Tirofiban

25 µg/kg EV em 3 minutos

0,15 µg/kg/min EV por 18-24 horas

Abciximab

0,25 µg/kg EV em bólus

0,125 µg/kg/min EV (máx. 10 µg/min) por 12 horas

Antagonistas Gp IIb/IIIa

*Dose inicial maior aceitável nos pacientes com menor risco hemorrágico. AAS: ácido acetilsalicílico; EV: via endovenosa; VO: via oral.

4.4 Anticoagulantes Os principais anticoagulantes usados nas SCASST são a heparina não fracionada (HNF), as heparinas de baixo peso molecular (HBPM) e dois outros agentes antitrombínicos menos disponíveis em nosso meio: o fondaparinux e a bivalirudina. A terapia anticoagulante deve ser sempre administrada nas SCASST desde o diagnóstico, em conjunto com a terapia antiplaquetária. A terapia anticoagulante foi mais bem estudada nos pacientes tratados de forma intervencionista (invasiva). Na Tabela 15.6, encontram-se os principais anticoagulantes empregados nas SCASST, com suas respectivas doses sugeridas, mecanismos de ação, meia-vida e demais particularidades. Tabela 15.6  Anticoagulantes nas SCA DROGA

DOSE

MANEJO NAS ICPs

HNF

Ataque: 60-70 UI/kg (máx. 5.000 UI), EV Manutenção: 12 UI/kg/hora EV visando TTPA 50-75 s

Bólus para TCA 250-300 s

Enoxaparina

Ataque: nenhum Manutenção: 1 mg/kg 12/12 horas SC

2 ou mais doses antes da ICP e última dose < 8 horas: sem bólus Caso contrário: bólus 0,3 mg EV ou HNF para TCA 200-250 s Continua

230

Seção II  Cardiologia

Continuação Fondaparinux

2,5 mg SC 1 x/dia

Não deve ser utilizado como única medicação anticoagulante. Adicionar: HNF bólus 50 UI/kg EV para TCA 200 s ou bivalirudina, como a seguir

Bivalirudina

Ataque: 0,1 mg/kg EV Manutenção: 0,25 mg/kg/hora

Bólus 0,5 mg/kg antes ICP, aumentar infusão para 1,75 mg/kg/hora após

EV: via endovenosa; ICP: intervenções coronarianas percutâneas; SC: via subcutânea; TCA: tempo de coagulação ativado; TTPA: tempo de tromboplastina parcial ativada; s: segundos.

Cabem aqui alguns comentários gerais. As evidências demonstram que, nos pacientes selecionados para uma estratégia invasiva (ver discussão mais adiante), a preferência deve recair sobre a HNF e, se disponíveis, a bivalirudina e o fondaparinux. O fondaparinux, por sua vez, não deve ser utilizado como única medicação anticoagulante nos pacientes submetidos à intervenção coronariana percutânea devido ao risco aumentado de trombose relacionada ao cateter. As HBPM, embora também eficazes nesse contexto, são desfavorecidas pela maior meia-vida, o que pode complicar o manejo dos acessos vasculares ou a programação de revascularização cirúrgica. Nas situações em que se elege uma conduta conservadora, as HBPM tornam-se a primeira opção pela sua comodidade posológica e por prescindirem de controle laboratorial. O fondaparinux também é interessante na estratégia conservadora, pelo menor risco hemorrágico e pela comodidade posológica (apenas uma dose diária). A bivalirudina não foi satisfatoriamente avaliada fora do contexto invasivo, não devendo ser administrada aos pacientes não submetidos a ICP (intervenções coronarianas percutâneas), portanto. A duração da terapia anticoagulante também dependerá da estratégia terapêutica escolhida. Em geral a terapia anticoagulante é desnecessária após as ICP, exceto em situações que requeiram anticoagulação crônica (p. ex.: carga trombótica muito volumosa, presença de trombo ventricular, fibrilação atrial etc.). Nos pacientes candidatos à cirurgia de revascularização, o anticoagulante – exceto a HNF, cuja infusão pode ser mantida até o momento da cirurgia – deverá ter sua administração interrompida antes do procedimento, respeitando-se a farmacocinética de cada agente (consultar Tabela 15.6). Naqueles pacientes eleitos para uma estratégia conservadora, a HNF deve ser mantida por pelo menos 48 horas após a admissão. As HBPM ou o fondaparinux devem ser mantidos durante todo o período de hospitalização, não ultrapassando 8 dias. Os novos anticoagulantes orais (inibidores do fator X ativado, como o rivaroxaban ou inibidor da trombina como o dabigatran) foram pouco estudados nas SCA. Alguns resultados recentes com o rivaroxaban apontam possíveis benefícios do seu uso a longo prazo, quando associado ao AAS e antagonistas de P2Y12, porém a incidência de hemorragia foi grande nesses primeiros estudos.

4.5  Estratégia conservadora versus intervencionista (invasiva) Alguns pacientes com SCASST apresentam à admissão ou desenvolvem em algum momento da evolução características clínicas, laboratoriais e eletrocardiográficas que indicam risco iminente de morte. São pacientes que exibem um ou mais dos indicativos de alto risco constantes na Tabela 15.1. Não há dúvida de que esse subgrupo de alto risco se beneficie de estudo cinecoronariográfico imediato, ou seja, tão logo as características de alto risco se manifestem, no intuito de definir e executar o mais prontamente possível a estratégia de revascularização coronariana. Os demais pacientes com SCASST apresentam risco menor e variável de eventos adversos (morte, IAM não fatal, isquemia recorrente). Em relação a eles, duas estratégias costumam ser aplicadas e foram comparadas em diversos estudos clínicos. O encaminhamento rotineiro de todos os pacientes com SCASST ao estudo cinecoronariográfico costuma ser definido como estraté-

Capítulo 15  Síndromes coronarianas agudas sem supradesnível do segmento ST

231

gia invasiva ou intervencionista, ao passo que se denomina estratégia conservadora ou não invasiva a realização da cinecoronariografia de forma seletiva, restrita aos pacientes que manifestem características de alto risco quer espontaneamente, quer durante teste não invasivo de isquemia (teste ergométrico, cintilografia, ecocardiografia com estresse). A estratégia invasiva pode ser realizada de maneira precoce, dentro das primeiras 24 horas, ou mais tardiamente, entre 25 e 72 horas, dependendo das características clínicas de cada paciente. O Quadro 15.1 fornece os principais fatores associados à seleção de uma estratégia invasiva – realizada de maneira imediata, nas primeiras 24 horas, ou entre 25 e 72 horas – ou à seleção de uma estratégia conservadora. O conhecimento precoce da anatomia coronária permite que identifiquemos rapidamente os aproximadamente 20% dos pacientes com SCASST que apresentam obstrução do tronco da coronária esquerda ou doença multiarterial, mais bem manejados com revascularização cirúrgica. Da mesma forma, reconheceremos prontamente os 10 a 20% dos pacientes sem obstruções coronarianas significativas, os quais apresentam excelente prognóstico e podem receber alta mais cedo. Deve-se ressaltar que o estudo cinecoronariográfico só é aplicável a pacientes candidatos à revascularização, estando contraindicado naqueles indivíduos cujas opções pessoais ou familiares e a presença de comorbidades eliminem os possíveis benefícios da revascularização. Na Figura 15.1, está esquematizado um fluxograma de condutas nas SCASST. Quadro 15.1  Fatores associados à seleção de uma estratégia intervencionista ou conservadora nos pacientes com SCASST Estratégia invasiva imediata (2 horas)

Angina refratária Instabilidade hemodinâmica Taquicardia ventricular sustentada ou fibrilação ventricular Sinais ou sintomas de insuficiência cardíaca, ou insuficiência mitral nova ou progressiva Angina ou isquemia recorrente ao repouso ou com baixo nível de atividade física e com terapêutica clínica otimizada

Estratégia conservadora

Pacientes de baixo risco: risco TIMI de zero ou 1; escore GRACE menor que 109 Pacientes do sexo feminino, com baixo risco e sem elevação de troponina Preferência do médico assistente ou paciente, na ausência de critérios de alto risco

Estratégia invasiva precoce (dentro de 24 horas)

Escore GRACE maior que 140 Nova depressão do segmento ST ao ECG Aumento de troponina com alteração temporal de seus níveis

Estratégia invasiva tardia (entre 25 e 72 horas)

Diabetes melito, na ausência de outros fatores mencionados anteriormente Escore GRACE entre 109 e 140, ou risco TIMI > ou igual a 2 Insuficiência renal (RFG < 60 mL/min, 1,73 m2) Redução da função sistólica do VE (FE < 40%) Angina pós-infarto ICP nos últimos 6 meses Cirurgia de revascularização miocárdica prévia

ECG: eletrocardiograma; FE: fração de ejeção; ICP: intervenção coronária percutânea; RFG: ritmo de filtração glomerular; VE: ventrículo esquerdo.

232

Seção II  Cardiologia

SCASST

AAS Antagonista P2Y12 Anticoagulante

Choque cardiogênico Edema agudo dos pulmões Taquicardia ventricular sustentada Angina persistente e refratária Insuficiência mitral isquêmica acentuada

SIM

NÃO ICP prévia (< 6 meses) FEVE < 0,40 RM prévia TIMI > 2 Troponina elevada

SIM

NÃO

Cinecoronariografia

Estratégia invasiva

Estratégia conservadora

Risco alto

Teste não invasivo

Risco médio/baixo

ICP/RM/ Tratamento clínico

AAS indefinidamente Antagonista P2Y12 por 1-12 meses Interromper anticoagulante/anti Gp IIb/IIIa

Figura 15.1  Fluxograma de condutas nas SCASST. AAS: ácido acetilsalicílico; ICP: intervenção coronariana percutânea; FEVE: fração de ejeção; RM: cirurgia de revascularização miocárdica.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. Amsterdam EA, Wenger NK, Brindis RG, et al. 2014 AHA/ACC Guideline for the Management of Patients with Non-ST-Elevation Acute Coronary Syndromes: a report of the American College of Cardiology/American Heart Association Task Force on Practice Guidelines. J Am Coll Cardiol. 2014;64(24):e139-228.2. Wallentin L, Becker RC, et al. Ticagrelor versus clopidogrel in patients with acute coronary syndromes. NEJM. 2009;361(11):1045. 2. Wiviott SD, Braunwald E, et al. Prasugrel versus clopidogrel in patients with acute coronary syndromes. NEJM. 2007;357(20):2001.

16 Arritmias cardíacas

Maurício Henrique Claro dos Santos 1. INTRODUÇÃO As arritmias no ambiente de terapia intensiva têm certas peculiaridades que tornam sua abordagem diagnóstica e terapêutica merecedora de considerações específicas em relação à apresentação dessas arritmias em uma unidade de emergência. Primeiro, no que concerne à apresentação clínica, os sintomas decorrentes de arritmias em um paciente, que se apresenta na unidade de emergência, comumente são palpitações, desconforto respiratório, síncope, dor torácica ou sinais de baixo débito cardíaco. Diferentemente, em uma unidade de terapia intensiva (UTI), onde o paciente encontra-se sob monitorização eletrocardiográfica, o “sintoma” mais precoce costuma ser o alarme do monitor. Ademais, em um paciente sedado e em ventilação mecânica, muitas das manifestações clínicas enumeradas não serão passíveis de reconhecimento, o que dificulta a avaliação dos sinais de instabilidade clínica decorrentes das arritmias, a não ser que haja clara deterioração hemodinâmica ou respiratória. Todavia, o tratamento das arritmias baseado apenas no alarme do cardioscópio, sem uma clara interpretação da sua repercussão clínica, pode levar ao uso precipitado e desnecessário de drogas antiarrítmicas, com potenciais efeitos colaterais. Em segundo lugar, as arritmias em terapia intensiva costumam decorrer de múltiplos fatores como distúrbios eletrolíticos e acidobásicos, hipóxia, aumento da atividade simpática, uso de drogas vasoativas, entre outros. Disso resulta uma importante implicação terapêutica que é a dificuldade do retorno e manutenção do ritmo sinusal até que todos os fatores arritmogênicos sejam corrigidos. Entretanto, independentemente das particularidades, a interpretação eletrocardiográfica adequada e o conhecimento básico dos mecanismos de arritmogênese continuam de suma importância. Neste capítulo, serão abordadas separadamente as taquiarritmias e as bradiarritmias. A seguir, serão discutidos mecanismos fisiopatológicos, diagnóstico eletrocardiográfico e tratamento das principais taquiarritmias.

234

Seção II  Cardiologia

2. TAQUIARRITMIAS De maneira geral, a incidência das taquiarritmias em UTI gira entre 12 e 20%.1,2 As taquiarritmias são as arritmias mais comuns no paciente crítico; destacando-se, entre todas, a fibrilação atrial como a mais incidente. Didaticamente, é possível classificá-las de acordo com a duração do complexo QRS, maior ou menor que 120 ms; e de acordo com o ritmo cardíaco, regular ou irregular (Quadro 16.1). As taquicardias com QRS estreito, menor que 120 ms, apresentam origem supraventricular. As arritmias com QRS largo podem ser ventriculares ou supraventriculares, com aberrância de condução e a diferenciação entre elas nem sempre é fácil, como será abordado adiante. Quadro 16.1  Classificação das principais taquiarritmias cardíacas RITMOS

QRS < 120 ms • • •

Regular • • • Irregular

• • •

QRS > 120 ms

Taquicardia sinusal Taquicardia por reentrada nodal Taquicardia atrioventricular (por feixe anômalo) Taquicardia atrial focal Flutter atrial Taquicardia juncional

• •

TV monomórfica Taquicardia supraventricular com aberrância de condução

Fibrilação atrial Taquicardia atrial multifocal Flutter atrial ou taquicardia atrial com BAV variável

• • •

TV polimórfica Torsade de pointes Fibrilação atrial associada à pré-excitação

TV: taquicardia ventricular; BAV: bloqueio atrioventricular.

2.1 Fisiopatologia Fisiopatologicamente, de maneira simplificada, os principais mecanismos das taquiarritmias são o aumento do automatismo cardíaco e a reentrada3,4 (Figura 16.1). No primeiro caso, um ou vários grupos de células assumem o comando do marca-passo cardíaco com velocidade de despolarização acima do nó sinusal. Figuram entre essas arritmias, além da taquicardia sinusal, a taquicardia atrial focal ou multifocal e a taquicardia juncional. Decorrem de distúrbios secundários como aumento do tônus adrenérgico, distúrbios eletrolíticos e hipoxemia; portanto, o foco principal de seu tratamento é a correção dos fatores precipitantes. No segundo caso, o mecanismo envolve a presença de um circuito reentrante, anatômico ou funcional, responsável pela arritmia. Entre as quais, destacam-se: • taquicardia por reentrada nodal, em que o circuito reentrante localiza-se no nó atrioventricular; • taquicardias atrioventriculares, que utilizam como circuito reentrante uma via acessória atrioventricular, o nó atrioventricular e as fibras do sistema de condução cardíaco; • flutter atrial, que, mais comumente, deve-se a um circuito de macrorreentrada no AD; • as taquicardias ventriculares monomórficas, decorrentes de circuitos reentrantes localizados nos ventrículos. Particularmente, o mecanismo da fibrilação atrial envolve uma mistura de ambos mecanismos, com focos de aumento do automatismo localizados nas adjacências das veias pulmonares e múltiplas frentes de ondas reentrantes propagando-se pelo tecido atrial, as quais são responsáveis pela perpetua­ ção da arritmia. Um terceiro mecanismo na gênese das taquiarritmias é a atividade deflagrada, resultante de oscilações elétrica no potencial de ação (pós-potenciais). Ocorre nos casos de intoxicação digitálica e de TV polimórfica associada a aumento do intervalo QT (torsade de pointes).

235

Capítulo 16  Arritmias cardíacas

AD

AE

AD

AE

VD

VE

VD

VE

Figura 16.1  Representação esquemática dos mecanismos fisiopatológicos das principais taquiarritmias. À esquerda, as taquiarritmias cujo principal mecanismo é o fenômeno da reentrada. Em verde, flutter atrial com um circuito macrorreentrante restrito ao átrio direito (AD); em preto, taquicardia por reentrada nodal; em azul, taquicardia por reentrada atrioventricular; e, em vermelho TV com circuito reentrante no ventrículo esquerdo (VE). À direita, representação, em azul, da fibrilação atrial com foco de aumento do automatismo nas adjacências das veias pulmonares (estrela azul), gerando múltiplas frentes de ondas reentrantes em propagação por todo o tecido atrial. Em verde, foco automático único de ocorrência na taquicardia atrial focal. AD: átrio direito; AE: átrio esquerdo; VD: ventrículo direito; VE: ventrículo esquerdo.

2.2  Diagnóstico eletrocardiográfico das principais taquiarritmias cardíacas 2.2.1  Taquiarritmias supraventriculares A eletrocardiografia de 12 derivações é a ferramenta fundamental no diagnóstico diferencial das arritmias cardíacas. Portanto, faz-se necessária uma breve descrição do padrão eletrocardiográfico das principais taquiarritmias. • Fibrilação atrial: caracteriza-se por ausência das ondas P e ondulações da linha de base, reflexo da atividade elétrica atrial, cuja frequência encontra-se entre 350 e 400 bpm. A frequência ventricular é variável, com intervalos RR irregulares (Figura 16.2). A presença de fibrilação atrial com frequência ventricular regular aponta para o diagnóstico de BAV total concomitante.

Figura 16.2  Eletrocardiograma de fibrilação atrial. Observam-se a irregularidade do intervalo RR (setas duplas horizontais) e a ausência de ondas P.

• Flutter atrial: eletrocardiograficamente, ocorre a substituição das ondas P pelas F, dando um aspecto “serrilhado” à linha de base do eletrocardiograma. Na forma típica, a frequência atrial é de 300 bpm e a frequência ventricular é regular, ao redor de 150 bpm, o que gera um BAV 2:1, ou seja, a presença de duas ondas F para cada complexo QRS (Figura 16.3). Em várias ocasiões, esse bloqueio apresenta-se variável com intervalos RR irregulares.

236

Seção II  Cardiologia

12:43:48  11-JUN-13  DERIVAÇAO II  TAM 2.0  FC 135 120 JOULES  COR_DOENTE 16 A JOULES  LIBER = 160.4  DESFIB_IMPED = 78 SINCRO

Figura 16.3  Registro eletrocardiográfico, na derivação II, de flutter atrial em um paciente com instabilidade clínica secundária à arritmia, submetido à cardioversão elétrica. As setas vermelhas destacam as ondas F com polaridade positiva, dando um aspecto serrilhado ao traçado da linha de base. Neste registro, há duas ondas F, com frequência aproximada de 300 bpm, para cada complexo QRS, caracterizando o flutter atrial 2:1. A descontinuidade do registro (seta azul) aponta o momento da realização do choque sincronizado, com posterior retorno ao ritmo sinusal. As setas menores na parte superior do traçado indicam a sincronização do choque com o complexo QRS.

• Taquicardia atrial focal: apresenta frequência atrial até 250 bpm, caracteristicamente com morfologia da onda P diferente da P sinusal e com frequência ventricular regular (Figura 16.4). Também, em algumas situações, pode cursar com BAV variável e com irregularidade dos intervalos RR.

Figura 16.4  Registro eletrocardiográfico de taquicardia atrial. Na primeira imagem, ECG de 12 derivações mostrando taquicardia de complexo QRS estreito, com ritmo regular e frequência aproximada de 130 bpm, com onda P de origem “anômala” (setas) decorrente de taquicardia atrial. Na segunda imagem, após reversão para ritmo sinusal, com frequência de 90 bpm, é possível visualizar com maior clareza a atividade elétrica atrial (setas). Observe-se que as derivações estão dispostas de maneiras diferentes entre os registros.

237

Capítulo 16  Arritmias cardíacas

• Taquicardia por reentrada nodal (TRN): as taquicardias por reentrada que utilizam o nó atrioventricular como circuito, seja a TRN ou a taquicardia por reentrada atrioventricular, discutida a seguir, sempre se apresentarão com ritmo ventricular regular. Eletrocardiograficamente, a TRN apresenta frequência cardíaca entre 140 e 250 bpm, com ondas P sucedendo os complexos QRS, muitas vezes de difícil visualização. A proximidade entre a atividade elétrica atrial e ventricular faz, na maioria dos casos, a distância entre as ondas R e P após o complexo QRS, denominada intervalo RP, ser menor que 70 ms. Na verdade, em alguns casos, a onda P altera o final da morfologia do complexo QRS com deflexões negativas nas derivações inferiores, ondas pseudo “s”; ou deflexões positivas em V1, ondas pseudo “r”. Essas alterações são reconhecidas comparando-se o eletrocardiograma em ritmo sinusal com o eletrocardiograma em ritmo de TRN. • Taquicardia por reentrada atrioventricular: da mesma forma que a TRN, a taquicardia por reentrada atrioventricular (TAV) caracteriza-se por intervalos RR regulares e ondas P sucedendo os complexos QRS, todavia com intervalo RP maior do que 70 ms. As ondas P, também de difícil visualização, podem ser identificadas no segmento ST ou na onda T, muitas vezes ocasionando um infradesnivelamento do segmento ST em algumas derivações (Figura 16.5). No eletrocardiograma em ritmo sinusal, é possível observar as características de pré-excitação ventricular como intervalo PR curto, alargamento do complexo QRS em virtude de lentificação de sua fase inicial (onda delta) e de alterações de repolarização ventricular (Figura 16.6). O diagnóstico diferencial das taquiarritmias com QRS estreito, muitas vezes, é obtido pelo bloqueio transitório do nó atrioventricular,3,4 pela realização de manobra vagal ou administração endovenosa de adenosina. A dose inicial é de 6 mg, podendo ser feita uma segunda dose de 12 mg. Ressalta-se que a administração por acesso venoso central deve ter a dose inicial reduzida para 3 mg.5 Com o BAV transitório podem ocorrer três situações (Figura 16.7): • reversão ao ritmo sinusal – taquicardia por reentrada nodal, TAV, taquicardia por reentrada sinusal e alguns casos de taquicardia atrial focal; • persistência da arritmia com indução de BAV transitório e diminuição da resposta ventricular –­ taquicardia atrial, flutter atrial e fibrilação atrial; • diminuição transitória da frequência cardíaca com nova aceleração – taquicardia sinusal, taquicardia atrial focal, taquicardia juncional não paroxística.

I

aVR

II

aVR

III

aVR

V1

V2

V3

V4

V5

V6

II

Figura 16.5  Taquicardia por reentrada atrioventricular. Arritmia de QRS estreito e intervalo RR regular sem a clara visualização de ondas P. Nesse caso, o eletrocardiograma em ritmo sinusal, obtido após a administração de 6 mg de adenosina, mostrou as alterações características de pré-excitação ventricular (ver Figura 16.6).

238

Seção II  Cardiologia

Cart: 1 eixos P-R-T

17-15

149 Referido por

I

aVR

V1

II

aVL

V2

III

aVF

V3

Não confirmado

V4 V5

V6

VI

II

Figura 16.6  Características eletrocardiográficas da pré-excitação ventricular em ritmo sinusal: PR curto (seta azul); alargamento do QRS devido à sua ativação inicial lentificada (seta vermelha) e alteração da repolarização ventricular (seta verde).

Taquicardia por II reentrada atrioventricular

Taquicardia por reentrada nodal

II

Taquicardia atrial II

Flutter atrial

II

Figura 16.7  Abordagem diagnóstica das taquiarritmias supraventriculares com o bloqueio transitório do nó atrioventricular após a administração de adenosina. Nos dois traçados superiores, a administração de adenosina leva ao término da arritmia. O primeiro registro trata-se de TAV; a onda P posterior ao complexo QRS é indicada com a seta vermelha. No segundo registro, observa-se TRN, não sendo possível a visualização da atividade elétrica atrial. Nos dois traçados inferiores, ocorre o bloqueio do nó atrioventricular sem o término da arritmia. No terceiro traçado, visualizam-se as ondas P de origem anômala, com deflexão negativa em DII (setas), características da taquicardia atrial. Após o uso de adenosina ocorre o BAV 2:1, sem alteração da frequência atrial. O último traçado é decorrente de flutter atrial, com a visualização das ondas “F” (setas) com BAV variável, após a administração da adenosina. Fonte: Modificada de Ganz e colaboradores.3

Capítulo 16  Arritmias cardíacas

239

Portanto, é possível concluir, resumidamente, que o término da arritmia geralmente ocorrerá nos casos das taquicardias reentrantes, nodais ou atrioventriculares. Alternativamente, a diminuição da resposta ventricular revelará, com maior nitidez, a morfologia da atividade elétrica atrial (ondas f, F ou onda P de origem anômala) entre os complexos QRS, facilitando o diagnóstico da arritmia em questão.

2.2.2  Arritmias ventriculares A grande dificuldade na avaliação de uma arritmia com QRS largo consiste em diferenciá-la entre TV, taquicardia supraventricular com condução aberrante ou taquicardia supraventricular associada a pré-excitação ventricular. Em casos incertos, a arritmia com QRS maior que 120 ms deve ser considerada uma TV. O diagnóstico correto pode ser obtido pela análise sistematizada do eletrocardiograma,6 conforme segue: • a ausência de complexos QRS com a morfologia de ondas RS de V1 a V6 confirma o diagnóstico de TV; • na presença de complexos QRS com ondas RS, a distância medida entre o início da onda R até o nadir (ponto mais inferior) da onda S maior que 100 ms confirma o diagnóstico de TV; • a dissociação atrioventricular, com a frequência ventricular maior que a frequência atrial confirma o diagnóstico de TV; • caso os complexos QRS apresentem-se predominantemente positivos em V1, essa morfologia é compatível com bloqueio de ramo direito (BRD), e a presença de complexos tipo R puro ou qR em V1 ou V2 confirma o diagnóstico de TV; • caso os complexos QRS apresentem morfologia compatível com BRD, a relação entre as ondas R e S nas derivações V5 e V6 menor que 1 (amplitude da onda R/amplitude da onda S < 1) ou a presença de ondas Q nessas mesmas derivações confirmam o diagnóstico de TV; • caso os complexos QRS apresentem morfologia compatível com bloqueio de ramo esquerdo (BRE), predominantemente negativos em V1, a presença nas derivações V1 e V2 de ondas R maior que 30 ms, ou a distância do início da onda R ao nadir de onda S maior do que 60 ms confirmam o diagnóstico de TV; • caso os complexos QRS apresentem morfologia compatível com BRE, a presença de ondas Q nas derivações V5 ou V6 confirma o diagnóstico de TV.

2.3 Tratamento 2.3.1  Taquiarritmias supraventriculares O primeiro e mais importante passo, no tratamento de qualquer arritmia no ambiente de terapia intensiva, consiste em determinar a sua real repercussão clínica. Conforme explicitado previamente, os sinais clássicos de instabilidade clínica associados às arritmias como dor torácica, dispneia, síncope, diminuição do nível de consciência e hipotensão nem sempre são de fácil reconhecimento em um paciente crítico sedado e sob ventilação mecânica; a menos que ocorra claramente a deterioração hemodinâmica ou respiratória. O diagnóstico de instabilidade clínica secundário às taquiarritmias demanda a realização imediata de cardioversão elétrica sincronizada e escalonada. Em um paciente em ventilação mecânica e, portanto, com via aérea assegurada por meio do tubo orotraqueal, a realização de cardioversão elétrica é uma terapia bastante segura e com poucos efeitos adversos. Alternativamente, os pacientes com arritmia que se apresentam clinicamente estáveis devem ser tratados com medicações antiarrítmicas. O Quadro 16.2 e a Figura 16.8 destacam, respectivamente, as principais medicações antiarrítmicas e a abordagem terapêutica nos pacientes com taquiarritmias supraventriculares.5

240

Seção II  Cardiologia

Quadro 16.2  Principais medicações antiarrítmicas utilizadas no manejo das taquiarritmias supraventriculares MEDICAÇÃO

PRECAUÇÕES/ CONTRAINDICAÇÕES

DOSE IV

EFEITOS COLATERAIS

Adenosina

Dose em bólus de 6 mg, seguido por um flush de água destilada; 2 doses adicionais de 12 mg podem ser administradas após intervalo de 1 a 2 minutos; meia-vida de 5 segundos

Dor torácica, ondas de calor, hipotensão, assistolia com duração de poucos segundos, broncoespasmo; em pacientes com FA e pré-excitação ventricular, pode ocasionar FV

Verapamil

5 mg em bólus, administrados Hipotensão, bradicardia, lentamente, em um período efeito inotrópico negativo maior que 2 minutos, com doses adicionais a cada 5 minutos, até o máximo de 15 mg

Diltiazem

0,25 mg/kg administrada em Hipotensão, bradicardia, um período maior que 2 efeito inotrópico negativo minutos; dose adicional de 0,35 mg/kg; dose de manutenção de 5 a 15 mg/hora

Metoprolol

5 mg administrados em um Hipotensão, bradicardia, período maior que 2 minutos; broncoespasmo, efeito com doses adicionais inotrópico negativo administradas a cada 5 minutos, até a dose total de 15 mg

Asma

Propranolol

Dose de 0,15 mg/kg administrada em um período superior a 2 minutos

Hipotensão, bradicardia, broncoespasmo, efeito inotrópico negativo

Asma; a velocidade de infusão não deve exceder 1 mg/minuto

Esmolol

250 a 500 µg/kg/min administrada em um período superior a 1 minuto; dose de manutenção de 50-200 µg/ kg/min; meia-vida de 8 minutos

Hipotensão, bradicardia, broncoespasmo, efeito inotrópico negativo

Asma; preferível para pacientes com risco de desenvolvimento de efeitos colaterais

Amiodarona

150 mg administrados em um Hipotensão, bradicardia período superior a 10 min; dose de manutenção de 1 mg/minuto por 6 horas e 0,5 mg/minuto por 18 horas; doses de ataque adicionais podem ser necessárias; dose máxima diária de 2,2 g

Propafenona 10 mg/kg administrados em um período superior a 10 min, ou 600 mg VO

TV, descompensação insuficiência cardíaca, precipitação de flutter atrial com condução AV 1:1

Contraindicada em pacientes após transplante cardíaco e na presença de FA com pré-excitação; deve ser usada com cautela em pacientes com hiper-reatividade de vias aéreas

Os efeitos colaterais podem ser diminuídos com uma menor velocidade de infusão

Contraindicada em pacientes com miocardiopatia isquêmica e miocardiopatia estrutural

AV: atrioventricular; FV: fibrilação ventricular; IV: via intravenosa; TV: taquicardia ventricular.

A fibrilação atrial é uma arritmia que merece ser individualizada pela sua importância na terapia intensiva e pelas particularidades no seu tratamento. Até recentemente, os principais dados sobre essa arritmia no doente crítico referiam-se a pacientes no período pós-operatório de cirurgia cardíaca, em que a fibrilação atrial é bastante comum, acometendo 25 a 40% dos pacientes, porém com estimativas de incidência de até 60% (principalmente em pós-operatório de cirurgias valvares). Ocorre principalmente até o 5º PO, com pico de incidência nas primeiras 48 horas, estando associada a aumento de mortalidade, maior tempo de permanência hospitalar, risco aumentado de AVC e readmissão em UTI, levando a aumento significativo nos custos relacionados ao procedimento.

241

Capítulo 16  Arritmias cardíacas

Taquicardia com complexo QRS estreito ( < 120 ms )

Sinais de instabilidade clínica: hipotensão, insuficiência respiratória, diminuição do nível de consciência, dor torácica etc.

NÃO

SIM

Intervalo RR regular ou irregular?

Regular

Realização de manobra vagal Administração de adenosina

Reversão para ritmo sinusal: • Provável TRN ou TAV • Tratamento de recorrências com adenosina ou betabloqueadores/ bloqueadores canais Ca

Irregular

• Provavelmente, trata-se de fibrilação atrial ou possivelmente flutter atrial ou taquicardia atrial multifocal • Controle da frequência cardíaca (betabloqueadores, bloqueadores de canal de Ca++, amiodarona, digoxina) • Se FA de início menor que 48 horas, considerar reversão para ritmo sinusal

Cardioversão elétrica sincronizada escalonada: • Choque inicial de 50 a 100 J com o cardioversor monofásico (ou dose equivalente do bifásico) • Para FA, recomenda-se um choque inicial monofásico de 200 J ou de 120 a 200 J com o cardioversor bifásico. • A cardioversão elétrica é pouco efetiva na reversão das arritmias secundárias ao aumento do automatismo, como taquicardia atrial e taquicardia juncional

Ausência de reversão para ritmo sinusal: • Possivelmente flutter atrial, taquicardia juncional, taquicardia atrial • Controle da frequência cardíaca (betabloqueadores, bloqueadores canais de Ca ++ ) • Correção de fatores precipitantes • Amiodarona, propafenona ou cardioversão elétrica.

Figura 16.8  Manejo das taquiarritmias supraventriculares.

Felizmente, nos últimos anos foram disponibilizados vários dados sobre fibrilação atrial em uma população mais abrangente de pacientes críticos. Independentemente da população estudada, sejam pacientes sépticos,7-9 politraumatizados10 ou pacientes com doença neurológica aguda,11 a fibrilação atrial é, após a taquicardia sinusal, a arritmia que mais frequentemente os acomete no ambiente de terapia intensiva e seu desenvolvimento está associado a maior gravidade clínica e maior tempo de internação hospitalar. Sua incidência, de maneira geral, está ao redor de 5 a 10%. Entretanto, em pacientes sépticos, alguns estudos relatam uma incidência muito maior, até de 46%, e, curiosamente, parece haver uma correlação entre o nível de atividade inflamatória sistêmica e o desenvolvimento dessa arritmia.7

242

Seção II  Cardiologia

Potenciais fatores de risco predisponentes ao desenvolvimento de fibrilação atrial na UTI incluem idade mais avançada, maior gravidade clínica na admissão, antecedente de doença cardiovascular, uso de catecolaminas, distúrbios eletrolíticos e desenvolvimento de síndrome da resposta inflamatória sistêmica. Indubitavelmente, parece haver uma associação da fibrilação atrial com maior gravidade clínica; entretanto, quando corrigidas essas variáveis, não há uma maior associação desse distúrbio de ritmo com uma maior mortalidade.7,12 O tratamento da fibrilação (Figura 16.9) tem três componentes principais: controle da frequên­cia cardíaca; reversão para ritmo sinusal; e prevenção de eventos embólicos. Como já mencionado, a presença de instabilidade clínica deve ser tratada com cardioversão elétrica. Na ausência de instabilidade e caso a arritmia tenha se iniciado nas últimas 48 horas, deve dar-se preferência para a cardioversão química e cardioversão elétrica caso haja falha da terapia medicamentosa. No Brasil, o antiarrítmico mais usado para a reversão da FA para o ritmo sinusal é a amiodarona, a dose de ataque inicial costumeira é de 150 a 300 mg, seguida pela dose de manutenção de 900 a 1.800 mg/dia via endovenosa (EV), ou 600 a 800 mg/dia via oral (VO), até se atingir a dose cumulativa de 10 g, com doses de manutenção entre 200 e 400 mg/dia. A propafenona VO na dose de ataque de 600 mg é uma alternativa.13 Geralmente quando o episódio de FA ocorrer isoladamente, sem instabilidade clínica e com reversão do fator precipitante não há necessidade da terapia de manutenção. Ainda com relação à cardioversão química para ritmo sinusal há alguns dados positivos para o uso de sulfato de magnésio, em uma dose aproximada de 2 g, com um estudo indicando uma menor necessidade de terapia antiarrítmica com amiodarona em pacientes críticos com fibrilação atrial de início recente nos quais o sulfato de magnésio foi utilizado como primeira opção.14 Apesar disso, o uso de sulfato de magnésio na prevenção de fibrilação atrial no pós-operatório de cirurgia cardíaca mostra-se bastante controverso, com ausência de evidências robustas sustentando o seu uso. O retorno ao ritmo sinusal em pacientes críticos com o uso de cardioversão química ou elétrica é alta, ao redor de 85%, porém a recorrência da arritmia atrial é comum, com taxas aproximadas de 40%. Contudo, é importante destacar que o risco de eventos embólicos após a cardioversão para ritmo sinusal existe, mesmo em pacientes com fibrilação atrial aguda. Um estudo retrospectivo, recentemente publicado,15 avaliou a taxa de embolização após a reversão para ritmo sinusal em 2.481 pacientes com fibrilação atrial aguda, submetidos à cardioversão elétrica ou química. Os principais fatores de risco associados a eventos embólicos após a cardioversão foram sexo feminino, idade maior que 60 anos, diabetes melito e insuficiência cardíaca; e, apesar de a incidência global de embolização após a cardioversão para ritmo sinusal ser pequena (0,7%), em alguns pacientes, com múltiplos fatores de risco, essa incidência foi próxima de 10%, por exemplo naqueles com insuficiência cardíaca e diabetes. Portanto, a recomendação atual é o início de anticoagulação antes da reversão para ritmo sinusal em pacientes com fibrilação atrial aguda cujo risco de tromboembolismo seja elevado.16 Caso a arritmia tenha início maior que 48 horas há duas opções terapêuticas. Controle da frequên­cia cardíaca, principalmente com o uso de betabloqueadores e bloqueadores dos canais de cálcio e em menor extensão com o uso de amiodarona e digital (preferíveis no caso de pacientes com disfunção ventricular) e anticoagulação oral efetiva, com manutenção de INR entre 2,0 e 3,0 nas 3 semanas anteriores à cardioversão e nas 4 semanas que a sucedem. A outra opção é a realização de ecocardiografia transesofágica. Caso não seja identificada a presença de trombos intracavitários, pode-se iniciar a anticoagulação com heparina e realizar a cardioversão para ritmo sinusal; devendo-se manter anticoagulação efetiva nas 4 semanas seguintes. Um estudo comparando diretamente a eficácia do uso de diltiazem ou amiodarona no controle da frequência cardíaca em pacientes críticos com taquiarritmia atrial mostrou um melhor controle, ao fim de 24 horas de terapia, com o uso do bloqueador de canal de cálcio, porém às custas de uma maior incidência de hipotensão com necessidade de suspensão da medicação.17

243

Capítulo 16  Arritmias cardíacas

Por fim, vale a pena destacar que o risco de embolização em pacientes criticamente doentes com fibrilação atrial não é desprezível. Em uma análise retrospectiva de aproximadamente 49 mil pacientes com sepse grave, dos quais 5,9% desenvolveram fibrilação atrial, a incidência de acidente vascular cerebral, entre estes, foi de 2,6%, refletindo um risco 2,7 vezes maior em relação aos pacientes sépticos sem fibrilação atrial.18 Entretanto, a anticoagulação profilática em pacientes criticamente doentes com fibrilação atrial, de forma geral, está associada a uma maior taxa de complicações hemorrágicas, sem claros benefícios na diminuição de eventos embólicos.19 Adicionalmente, o uso dos escores CHADS2 e CHA2DS2-VASc (Tabela 16.1), comumente utilizados na predição de risco de eventos embólicos em pacientes ambulatoriais com fibrilação atrial, tem menor acurácia em pacientes críticos, com um estudo20 sugerindo que um escore maior ou igual a 4, diferentemente de um escore maior ou igual a 1, utilizado em pacientes ambulatoriais, tenha uma melhor acurácia na predição de eventos embólicos no doente crítico. Além disso, a história prévia de acidente vascular cerebral e doença cardíaca valvar importante, destacadamente a estenose mitral, seriam fatores de risco adicionais para a ocorrência de tromboembolismo. Conclui-se, portanto, que o início de anticoagulação profilática em pacientes críticos com fibrillação atrial é uma questão extremamente complexa e que precisa ser individualizada caso a caso, devendo ser indicada para pacientes com alto risco de eventos embólicos e considerando, sempre, a possibilidade de complicações hemorrágicas. Tabela 16.1  Escore CHADS2 e CHA2DS2-VASc ESCORE CHADS2

FATORES DE RISCO

PONTOS

C

Insuficiência cardíaca

1

H

Hipertensão arterial sistêmica

1

A

Idade maior ou igual a 75 anos

1

D

Diabetes melito

1

S2

Antecedente de AVC, ataque isquêmico transitório ou tromboembolismo

2

ESCORE CHA2DS2-VASC

FATORES DE RISCO

PONTOS

C

Insuficiência cardíaca ou disfunção ventricular esquerda

H

Hipertensão arterial sistêmica

1 1

A2

Idade maior ou igual a 75 anos

2

D

Diabetes melito

1

S2

Antecedente de AVC, ataque isquêmico transitório ou tromboembolismo

2

V

Doença vascular arterial (doença arterial periférica, IAM, aterosclerose aórtica)

1

A

Idade entre 65-74 anos

1

Sc

Sexo feminino

1

ESCORE CHADS2 (SOMA DOS PONTOS: 0-6) 0 1 2 3 4 5 6 ESCORE CHA2DS2-VASC (SOMA DOS PONTOS: 0-9) 0 1 2 3 4

RISCO ANUAL DE AVC EM PACIENTES COM FA SEM DOENÇA CARDÍACA VALVAR (%) 1,9 2,8 4,0 5,9 8,5 12,5 18,2 RISCO ANUAL DE AVC EM PACIENTES COM FA SEM DOENÇA CARDÍACA VALVAR (%) 0 1,3 2,2 3,2 4,0 Continua

244

Seção II  Cardiologia

Continuação 5

6,7

6

9,8

7

9,6

8

6,7

9

15,2

AVC: acidente vascular cerebral; FA: fibrilação atrial; IAM: infarto agudo do miocárdio.

Fibrilação atrial

SIM Instabilidade clínica?

Cardioversão elétrica sincronizada escalonada: 200 a 360 J monofásico ou de 120 a 200 J em modo bifásico

NÃO Tempo de início < 48 horas e sem múltiplos fatores de risco para eventos embólicos

> 48 horas ou duração desconhecida

Realização de ecotransesofágica?

Cardioversão química (amiodarona, propafenona, sulfato de magnésio) ou cardioversão elétrica NÃO

SIM

Trombos intracavitários? SIM NÃO Cardioversão convencional: anticoagulação efetiva (INR entre 2 e 3) 3 semanas antes e 4 semanas após a cardioversão

• Início imediato de anticoagulação • Cardioversão química ou elétrica • Anticoagulação efetiva por 4 semanas após a cardioversão

Figura 16.9  Manejo da fibrilação atrial.

2.3.2  Arritmias ventriculares As taquicardias de QRS largo podem ser decorrentes de TV, taquicardia paroxística supraventricular com condução aberrante ou taquicardia associada à pré-excitação ventricular. Medicações comumente utilizadas no tratamento das taquicardias supraventriculares, particularmente verapamil ou diltiazem, podem precipitar o colapso hemodinâmico em um paciente com TV. Portanto, caso o diagnóstico de taquicardia paroxística supraventricular não possa ser confirmado, a mesma deve ser tratada como sendo uma TV. Na abordagem das taquicardias com QRS largo (Figura 16.10), é necessário diferenciá-las de acordo com a regularidade de ritmo cardíaco. As com ritmo irregular podem ser TV polimórfica (Figura

245

Capítulo 16  Arritmias cardíacas

16.11), fibrilação atrial com aberrância de condução (Figura 16.12) ou fibrilação atrial associada à pré-excitação. As com ritmo regular podem ser TV monomórfica (Figura 16.13) ou taquicardia supraventricular com aberrância de condução.

Taquicardia com QRS largo (> 120 ms )

Instabilidade clínica: hipotensão, insuficiência respiratória, diminuição do nível de consciência, dor torácica etc.

• Cardioversão elétrica:

SIM

NÃO Ritmo?

Regular

• TV monomórfica ou taquicardia de QRS largo de origem indeterminada: 1. Adenosina 2. Amiodarona 3. Procainamida 4. Cardioversão elétrica • Taquicardia supraventricular com aberrância de condução: ver Figura 16.8

• Para arritmias de QRS largo regulares, realizar cardioversão sincronizada e escalonada com carga inicial de 100 J • Nas arritmias de QRS largo irregulares, realizar desfibrilação (não sincronizada)

Irregular

• FA com aberrância de condução: ver Figura 16.9 • FA com pré-excitação: 1. Evitar medicações que agem exclusivamente sobre o nó AV (digoxina, adenosina, bloq.Ca, betabloqueadores) 2. Amiodarona • TV polimórfica com aumento QT (torsades de pointes): 1. Sulfato de magnésio 2. Passagem de MP provisório • TV polimórfica com intervalo QT normal: 1. Amiodarona 2. Lidocaína

Figura 16.10  Abordagem das taquiarritmias de QRS largo.

Figura 16.11  Traçado eletrocardiográfico em DII de TV polimórfica secundária à isquemia miocárdica, em um paciente com infarto com supra desnivelamento do segmento ST na parede anterior. A flecha azul identifica o momento da desfibrilação elétrica com posterior retorno para o ritmo sinusal e com intervalo “QT” normal.

246

Seção II  Cardiologia

Figura 16.12  Fibrilação atrial com aberrância de condução gerando o registro eletrocardiográfico de taquicardia de “QRS” largo, com morfologia de BRE e com intervalo “RR” irregular (duplas setas horizontais). Não se visualizam ondas “P”. Observa-se que o antepenúltimo e penúltimo batimentos (setas azuis) na derivação DII longo apresentam “QRS” estreito, mostrando tratar-se de um BRE frequência dependente.

Figura 16.13  Registro eletrocardiográfico simultâneo nas derivações DII e V5 mostrando TV monomórfica com reversão espontânea para ritmo sinusal, flagrada pela monitorização cardíaca. As setas marcam o início (dupla seta vermelha) e o fim da arritmia (dupla seta verde).

A TV monomórfica quando associada à instabilidade clínica deve ser tratada com cardioversão elétrica sincronizada escalonada, com choque inicial de 100 J. No doente clinicamente estável a medicação de escolha é a amiodarona, principalmente se o paciente possuir disfunção ventricular, na dose de ataque de 150 mg, em uma velocidade de infusão maior que 10 minutos, com doses adicionais caso se faça necessário, até a dose máxima de 2,2 g/dia.5 Drogas alternativas no paciente com TV monomórfica estável incluem: • adenosina – pode ser utilizada, nas dosagens e forma de administração idênticas aos casos de taquiarritmias supraventriculares, exclusivamente para os pacientes com taquicardia de QRS largo com ritmo regular. Nessa situação, seu uso apresenta um potencial diagnóstico, permitindo diferenciar as arritmias ventriculares monomórficas das taquiarritmias supraventriculares

Capítulo 16  Arritmias cardíacas

247

com aberrância de condução. Nessa última condição, a adenosina pode levar a uma reversão para o ritmo sinusal ou a uma diminuição transitória da frequência. Na primeira hipótese, não haverá alteração do ritmo, exceto nos raros casos de TV idiopática, que podem ser convertidas para ritmo sinusal com a medicação; • procainamida – na dose máxima de ataque de 17 mg/kg, com a velocidade de infusão de 30 mg/min e dose de manutenção de 2 a 4 mg/min. Como principais efeitos colaterais, apresenta hipotensão, alargamento do complexo QRS e torsades de pointes. Sua administração deve ser suspensa após supressão da arritmia, queda da pressão arterial ou alargamento do QRS superior a 50%; • lidocaína – na dose de ataque de 1 a 1,5 mg/kg. A dose de manutenção é de 1 a 4 mg/min. Sua eficácia na reversão das arritmias ventriculares é inferior quando comparada à das outras medicações. No doente com diminuição da função ventricular e TV monomórfica, a preferência é pelo uso de amiodarona seguida de cardioversão elétrica, caso haja ineficácia da amiodarona. Uma das principais causas do desenvolvimento de TV polimórfica está associada ao alargamento do intervalo QT (torsades de pointes). Causas frequentemente encontradas em UTI que predispõem ao alargamento do intervalo QT incluem hipocalemia, hipomagnesemia, hipocalcemia, drogas – como ondansetrona, quinolonas, amiodarona e haloperidol, entre outras –, bradicardia com bloqueio cardíaco e hemorragia intracraniana.21 Na ausência de intervalo QT prolongado, a principal causa de TV polimórfica é a isquemia miocárdica (Figura 16.11), podendo ocorrer também secundária a distúrbios eletrolíticos graves e disfunção ventricular. No paciente com TV polimórfica instável, o tratamento deve ser feito com desfibrilação cardíaca, pois, muitas vezes, não é possível obter a sincronização. São de fundamental importância o tratamento da isquemia miocárdica, caso esteja presente, e a identificação e a correção de fatores que possam aumentar o intervalo QT. Nas TV polimórficas associadas ao aumento do intervalo QT, podem ser feitas a administração de 2 g de sulfato de magnésio ou isoproterenol, e a passagem de marca-passo provisório para o aumento da frequência cardíaca de base do paciente, ou a administração de lidocaína. No caso de TV polimórfica sem aumento do intervalo QT, possíveis antiarrítmicos a serem usados incluem a amiodarona e lidocaína. Os betabloqueadores devem ser utilizados com o intuito de tratamento da isquemia miocárdica.

3. BRADIARRITMIAS Caracterizam-se as bradiarritmias, independentemente do ritmo cardíaco, por uma frequência cardíaca menor do que 60 bpm. Dados recentes indicam que sua incidência em uma população geral de pacientes críticos encontra-se ao redor de 2%; menos frequentes, portanto, do que as taquiarritmias; porém, a expertise em seu manejo não se faz menos importante para o intensivista, pois sua apresentação pode cursar com colapso hemodinâmico e parada cardiorrespiratória. A seguir, serão abordados os aspectos fisiopatológicos, o diagnóstico eletrocardiográfico e o tratamento das principais bradiarritmias.

3.1 Fisiopatologia Fisiopatologicamente, as bradiarritmias advêm de doenças intrínsecas do sistema de condução cardíaco ou de fatores extrínsecos (Quadro 16.3). No ambiente de terapia intensiva, destaca-se o primeiro mecanismo, em que as bradiarritmias podem ocorrer secundariamente ao aumento do tônus vagal durante intubação orotraqueal, aspiração de vias aéreas, vômitos e aumento da pressão intracraniana; secundariamente ao uso de medicações com efeito cronotrópico negativo, como antiarrítmicos e sedativos; ou secundariamente à hipoxemia, hipercalemia, hipotermia ou ao hipotireoidismo.22

248

Seção II  Cardiologia

Quadro 16.3  Mecanismos fisiopatológicos das principais bradiarritmias SITUAÇÕES DESCRITAS Fatores extrínsecos

Acometimento intrínseco do sistema de condução

MECANISMOS

EXEMPLOS

Aumento do tônus vagal

Intubação orotraqueal, aspiração de vias aéreas, vômitos, hipertensão intracraniana

Medicações

Antiarrítmicos e sedativos

Outros

Hipoxemia, hipercalemia, hipotermia e hipotireoidismo

Síndromes coronarianas agudas

Infarto agudo do miorcárdio inferior com isquemia do nó sinoatrial ou do nó atrioventricular Infarto agudo do miorcárdio anterior com isquemia septal e lesão das fibras do sistema His-Purkinje

Pós-operatório de cirurgia cardíaca

Lesão direta do sistema de condução cardíaco, principalmente no pós-operatório de cirurgias valvares

Outros

Doença degenerativa do sistema de condução, endocardite e miocardites, doenças cardíacas infiltrativas e colagenoses

A lesão direta do sistema de condução cardíaco ocorre mais frequentemente em duas situações: no período pós-operatório de cirurgia cardíaca e na vigência de uma síndrome coronariana aguda. As bradiarritmias ocorrem em até 5% dos pacientes com síndromes coronarianas agudas e, nesse contexto, a interpretação das bradiarritmias deve levar em consideração a anatomia coronariana. O nó sinusal é irrigado em 60% das vezes pela artéria coronária direita; e em 40%, pela artéria circunflexa. Por sua vez, o nó sinoatrial é irrigado em 90% das vezes pela artéria coronária direita; e em 10%, pela artéria circunflexa. Já a irrigação das fibras septais do sistema His-Purkinje faz-se pelas artérias septais, originárias da artéria descendente anterior, de tal maneira que obstruções proximais dessa artéria podem comprometer a irrigação do sistema de condução abaixo do nó atrioventricular. Assim, as bradiarritmias consequentes à isquemia miocárdica aguda podem ocorrer por diferentes mecanismos: • disfunção do nó sinusal, manifestando-se como bradicardia sinusal, pausa sinusal ou parada sinusal, presente principalmente em infarto agudo de parede inferior devido à isquemia do nó sinoatrial, ou à estimulação de receptores na parede inferior do VE com aumento do tônus vagal (reflexo de Bezold-Jarisch); • vários graus de bloqueios cardíacos podem ocorrer no infarto de parede inferior resultante da isquemia do nó atrioventricular. BAV na vigência de infarto inferior são geralmente transitórios e assintomáticos, porém apresentam maior associação com o desenvolvimento de fibrilação ventricular ou TV, hipotensão e mortalidade hospitalar; • bloqueios cardíacos na vigência de infarto de parede anterior geralmente ocorrem por lesão extensa do sistema de condução cardíaco, resultando em bloqueio de 2º grau Mobitz II ou BAV total, que são geralmente sintomáticos e irreversíveis. No período pós-operatório de cirurgia cardíaca, distúrbios de condução transitórios são comuns, e o implante de eletrodos epicárdicos profilaticamente durante a cirurgia facilita o manejo pós-operatório. Após a cirurgia de revascularização miocárdica, a necessidade de marca-passo definitivo, decorrente de disfunção do nó sinusal ou distúrbios de condução atrioventricular, varia de 0,8 a 3,4%. Após cirurgias valvares, as bradiarritmias são decorrentes de BAV total ou BAV avançado com necessidade de implante de marca-passo em 2 a 4% dos casos; porém, alcança de 20 a 24% em determinados procedimentos, como a troca valvar tricúspide ou correção de estenose aórtica. Tanto a troca valvar quanto a plastia mitral apresentam o mesmo índice de desenvolvimento de bradiarritmias, com novos distúrbios de condução em 30,6% dos pacientes e BAVT em 1,5%. Os fatores de risco para o desenvolvimento de bradiarritmias no pós-operatório de cirurgia cardíaca são reoperação, idade avançada, calcificação perivalvar, BRE pré-operatório, aneurismectomia do VE, estenose do tronco de coronária esquerda, número de artérias coronárias revascularizadas e tempo de circulação extracorpórea.

249

Capítulo 16  Arritmias cardíacas

Outras situações, menos comuns em terapia intensiva, que cursam com acometimento intrínseco do sistema de condução cardíaco incluem doença degenerativa do sistema de condução, miocardites e endocardites, doenças cardíacas infiltrativas (amiloidose e sarcoidose), e colagenoses.

3.2  Diagnóstico eletrocardiográfico das principais bradiarritmias cardíacas De maneira semelhante às taquiarritmias, a interpretação eletrocardiográfica adequada é de fundamental importância no diagnóstico preciso das bradiarritmias; portanto será feita uma descrição dos padrões eletrocardiográficos das principais delas. • Bradicardia sinusal: eletrocardiograficamente, caracteriza-se pelo ritmo sinusal normal com frequência cardíaca menor que 60 bpm. É a bradiarritmia mais frequentemente encontrada em terapia intensiva; na maior parte dos casos, secundária a distúrbios extrínsecos do sistema de condução cardíaco (Quadro 16.3). • BAV de 1º grau: caracteristicamente apresenta ritmo sinusal com intervalo PR maior do que 200 ms, devido ao atraso na condução do impulso elétrico entre a despolarização atrial e ventricular. • BAV de 2º grau tipo I: algumas ondas P serão bloqueadas, não atingindo os ventrículos. No bloqueio do tipo I, há um alargamento progressivo do intervalo PR, até que ocorra uma onda P bloqueada, não conduzida aos ventrículos. Apesar de progressivo, o aumento do intervalo PR apresenta taxas de incremento cada vez menores. Contrariamente, o intervalo RR apresenta diminuição progressiva, até que aconteça o bloqueio (Figura 16.14). • BAV de 2º grau tipo II: observa-se o bloqueio súbito de uma onda P, com manutenção constante dos intervalos PR (Figura 16.15). • BAV 2:1: ocorre a alternância entre uma onda bloqueada e outra conduzida, ou seja, seguida de complexo QRS. Dessa forma, há o bloqueio de 50% das ondas de ativação atrial, sendo impossível pela eletrocardiografia convencional verificar a existência de alargamento ou variabilidade do intervalo PR (Figura 16.16). • BAV avançado: denominação utilizada quando acontece o bloqueio de mais de 50% das ondas atriais; ou seja, quando a relação entre as ondas P e complexos QRS é maior ou igual a 3:1 (Figura 16.17).

I

aVR

V1

II

aVL

V2

III

aVF

V3

V4

V5

V6

II

Figura 16.14  BAV de 2º grau tipo 1. No traçado DII longo, observa-se o alargamento progressivo do intervalo PR (linhas horizontais azuis) até que ocorre o bloqueio da condução atrioventricular. As setas vermelhas identificam as ondas P bloqueadas.

250

Seção II  Cardiologia

45 bpm – Bloqueio AV (36 bpm) 7

1010    1045

1120

2235

23858

1 x1,0

2

x1,0

3 x1,0 25 mm/s 30/06

04:17:09   10’’     

10 mm/mV

11’’     12’’       13’’      14’’

Figura 16.15  BAV de 2º grau tipo II. Após o terceiro complexo QRS, ocorre o bloqueio da condução atrioventricular com a onda P aparecendo de forma isolada (seta vermelha). Diferentemente do BAV de 2º grau do tipo I, os intervalos PR nos ciclos que antecedem e sucedem o bloqueio são constantes (linhas horizontais vermelhas).

Figura 16.16  BAV 2:1. Neste tipo de bloqueio, exatamente metade das ondas P encontra-se bloqueada (setas vermelhas) e a outra metade (setas azuis) apresenta condução atrioventricular do estímulo. Observa-se o intervalo PR constante (linhas horizontais azuis, abaixo do traçado DII longo).

Figura 16.17  BAV avançado. Traçado eletrocardiográfico representando um BAV 4:1, em que 75% das ondas P estão bloqueadas (setas vermelhas). As setas azuis identificam as não bloqueadas.

Capítulo 16  Arritmias cardíacas

251

• BAV total ou de 3º grau: eletrocardiograficamente, ocorre uma completa dissociação entre a ativação atrial e a ventricular. Os átrios e ventrículos são estimulados por dois marca-passos independentes, com a frequência ventricular inferior à frequência atrial (Figura 16.18).

Figura 16.18  BAV total. Neste registro, em DII, as frequências atrial e ventricular são independentes, ao redor de 75 bpm e 37 bpm, respectivamente, sendo geradas por dois marca-passos distintos; ou seja, em nenhum momento a onda P (setas) é conduzida aos ventrículos. Observa-se que a onda P pode coincidir com a T (seta azul) ou com o complexo QRS (seta verde).

3.3 Tratamento O passo inicial, e fundamental, na avaliação das bradiarritmias consiste em determinar sua real repercussão clínica. Geralmente, as bradicardias sintomáticas apresentam frequência inferior a 50 bpm; alternativamente, uma frequência cardíaca dentro de valores considerados normais pode ser inadequada para determinada situação clínica em que a resposta fisiológica esperada seria uma taquicardia sinusal, por exemplo, uma frequência de 65 bpm em um paciente com choque hemorrágico. Portanto, o discernimento preciso das manifestações clínicas secundárias à bradicardia é extremamente importante. Os pacientes com estabilidade clínica devem receber monitorização adequada do ritmo cardíaco até que a investigação etiológica e conduta definitiva sejam adotadas. Pacientes instáveis clinicamente, com manifestações como diminuição do nível de consciência, desconforto respiratório, dor torácica isquêmica, hipotensão e síncope secundárias à bradicardia devem receber terapia imediata com drogas cronotrópicas positivas e colocação de marca-passo transcutâneo como ponte para marca-passo transvenoso5 (Figura 16.19). As principais condutas nesta situação são: • atropina – 0,5 a 1,0 a cada 3 a 5 minutos até a dose máxima de 3 mg. Deve ser administrada com cautela na presença de síndrome coronariana aguda, já que o aumento da frequência cardíaca pode piorar a isquemia; e em pacientes após transplante cardíaco, devido à ausência de inervação cardíaca vagal. Para pacientes com BAV Mobitz II ou BAV total (BAVT) sintomáticos, a prioridade é a colocação de marca-passo transcutâneo, porém, a atropina pode ser utilizada pela sua fácil disponibilidade enquanto se espera a colocação do marca-passo. Deve ser ressaltado que nos casos de BAVT e BAV de 2º grau Mobitz II com ritmo de escape com QRS alargado, a atropina pode, paradoxalmente, aumentar o grau de bloqueio, devendo ser evitada; • colocação de marca-passo transcutâneo – deve ser feita o mais precocemente possível para pacientes instáveis clinicamente, principalmente aqueles com BAV Mobitz II e BAVT. O implante requer a colocação das pás autoadesivas na parede torácica e o ajuste da frequência cardíaca e da intensidade da corrente de estímulo. A colocação das pás do marca-passo na parede torácica pode ser realizada em duas posições: anteroposterior ou esternoapical. Nesta, as pás são colocadas no ápice cardíaco e à direita do esterno, abaixo da clavícula; naquela, elas são posicionadas, anteriormente, no ápice cardíaco e, posteriormente, no dorso abaixo da escápula esquerda. A frequência cardíaca é ajustada conforme a desejada, comumente entre 80 e 100 bpm, e a corrente de estímulo é aplicada em incrementos progressivos, a partir de 20 mA até que haja a captura elétrica do estímulo cardíaco, verificada no monitor por cada espícula

252

Seção II  Cardiologia

do marca-passo seguida de um complexo QRS. Após se obter a captura elétrica, não se deve esquecer de avaliar a captura mecânica pela detecção do pulso femoral na mesma frequência do monitor. O valor final do estímulo elétrico deve ser mantido um nível acima do limiar de captura. O uso do marca-passo transcutâneo mostra-se ineficaz em até 30% dos casos e deve ser utilizado como ponte para a colocação do marca-passo transvenoso provisório. A estimulação elétrica através da parede torácica pode ocasionar dor e contrações musculares involuntárias, o que exige, muitas vezes, o uso de analgésicos e sedativos. Além dos ajustes mencionados, é possível regular o modo de estimulação em demanda ou fixo. No primeiro, o estímulo elétrico ocorrerá quando a frequência cardíaca do paciente estiver abaixo daquela ajustada para o marca-passo. No segundo, o estímulo será deflagrado independentemente da frequência cardíaca do paciente.23

Bradicardia: FC < 50 bpm ou inadequada para a condição clínica

Presença de sintomas ocasionados pela bradicardia: dor torácica isquêmica; confusão mental; instabilidade hemodinâmica; sinais de hipoperfusão

NÃO

Observação e monitorização

1. Preparação de marca-passo transcutâneo: deve se usado imediatamente no BAV Mobitz II e BAVT 2. Atropina enquanto se aguarda a colocação de marca-passo: dose de 0,5 mg a cada 3 a 5 min até a dose total de 3 mg 3. Considere o uso de epinefrina (2 a 10 µg/min ) ou dopamina (2 a 10 µg/kg/min ) enquanto se aguarda a colocação de marca-passo transcutâneo, ou no caso de ineficácia deste ou da atropina

1. Preparar marca-passo transvenoso provisório 2. Tratar causas contribuintes

Figura 16.19  Manejo das bradiarritmias.

A colocação do marca-passo transvenoso provisório exige a punção de um acesso venoso central e requer a colocação do eletrodo na ponta do VD (Figura 16.20). Idealmente, esse procedimento é feito sob radioscopia; porém, isso exige o transporte do paciente, muitas vezes em uma condição clinicamente instável. Alternativamente, a colocação do eletrodo pode ser guiada pela realização da eletrocardiografia intracavitária, registrada na derivação V1, em que o formato das

Capítulo 16  Arritmias cardíacas

253

ondas P e complexos QRS permitem inferir a localização da ponta do eletrodo e o seu contato com a parede do VD.

Figura 16.20  Radiografias de tórax mostrando a posição do eletrodo de marca-passo transvenoso provisório. A primeira radiografia mostra o trajeto alterado do cabo do marca-passo (setas) descendo paralelo à borda esternal esquerda e contornando a silhueta cardíaca. Neste caso, a inserção do eletrodo foi realizada “às cegas” devido à instabilidade clínica do paciente. A confirmação da posição do eletrodo pela realização da tomografia de tórax evidenciou o seu trajeto pela veia intercostal superior esquerda. No mesmo paciente, a segunda radiografia mostra o trajeto esperado do eletrodo (setas brancas) com a sua extremidade na ponta do VD (seta vermelha) após a sua inserção feita sob radioscopia.

• Epinefrina – pode ser utilizada na dose de 2 a 10 µg/min, no caso de persistência de bradicardia sintomática ou hipotensão sem resposta à atropina ou a marca-passo transcutâneo. • Dopamina – utilizada na dose de 2 a 10 µg/kg/min, podendo ser acrescentada à epinefrina ou administrada isoladamente.

4. CONCLUSÕES As arritmias cardíacas apresentam, na UTI, particularidades em relação à sua gênese, à apresentação clínica e ao tratamento que devem ser conhecidos pelo médico intensivista. A eletrocardiografia é fundamental na caracterização precisa do tipo de arritmia. As arritmias em terapia intensiva são desencadeadas por múltiplos fatores e grande parte deles decorre de alterações sistêmicas e extracardíacas. Frequentemente, em terapia intensiva, o “sinal” mais precoce de uma arritmia é o alarme do monitor. A fibrilação atrial é, após a taquicardia sinusal, a arritmia mais frequente no paciente crítico. A avaliação da real repercussão clínica da arritmia é fundamental no seu manejo; porém, em um paciente sedado e em ventilação mecânica, os sinais e sintomas de instabilidade classicamente associados às arritmias são de difícil reconhecimento, a não ser que haja clara deterioração do quadro hemodinâmico ou respiratório. Devido à gênese multifatorial das arritmias cardíacas no paciente crítico, a eficácia de seu controle pode ser limitada até que haja a correção dos múltiplos fatores desencadeantes.

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Seção II  Cardiologia

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17 Tamponamento cardíaco

Maurício Henrique Claro dos Santos 1. INTRODUÇÃO Poucas situações clínicas apresentam-se de forma tão dramática quanto um paciente com tamponamento cardíaco em iminência de parada cardiorrespiratória. A necessidade de uma intervenção imediata, porém, com potenciais eventos adversos graves, faz o médico intensivista se deparar com um quadro que exige uma ação efetiva e com pouca margem de erro. Portanto, o diagnóstico inicial de um paciente nessa situação, antes que sobrevenha o franco colapso hemodinâmico, é desejável com a finalidade de que uma abordagem menos emergencial e mais segura seja possível. Neste capítulo, serão abordados os principais aspectos do tamponamento cardíaco. A anatomia normal do pericárdio será descrita brevemente. A seguir, serão discutidos a epidemiologia, a fisiopatologia, o diagnóstico, com destaque para o papel diagnóstico da ecocardiografia, e o tratamento do tamponamento cardíaco.

2. ANATOMIA O pericárdio é composto anatomicamente por dois folhetos: o parietal, justaposto às superfícies pleurais e ligado ao diafragma, inferiormente; e o visceral, que recobre integralmente a superfície de ambos os ventrículos, estendendo-se superiormente em direção aos átrios, até os seus pontos de reflexão – as veias pulmonares de um lado, e os grandes vasos do outro, em continuação com o pericárdio parietal para formar a cavidade pericárdica. O átrio direito (AD) é recoberto em toda a sua extensão, incluindo o apêndice atrial, com reflexão dos folhetos pericárdicos ao redor das veias cavas superior e inferior; consequentemente, as suas porções proximais, junto com as da aorta ascendente e da artéria pulmonar, encontram-se dentro do saco pericárdico. Por sua vez, o átrio esquerdo (AE) é uma estrutura predominantemente extrapericárdica (Figura 17.1). Normalmente, a cavidade pericárdica é virtual, contendo de 15 a 30 mL de líquido.1

256

Seção II  Cardiologia

Aorta

Pericárdio visceral

Artéria pulmonar direita

Pericárdio parietal Artéria pulmonar

AE

Cavidade pericárdica

VE

Figura 17.1  Anatomia do pericárdio. Observa-se que parte do AE é desprovida de pericárdio e o ponto de reflexão dos folhetos na altura das veias pulmonares e grandes vasos. AE: átrio esquerdo; VE: ventrículo esquerdo. Fonte: Modificada de Lardoux e colaboradores.1

3. EPIDEMIOLOGIA A real incidência de tamponamento cardíaco em terapia intensiva não é conhecida. Entre os pacientes em risco para o desenvolvimento dessa complicação, destacam-se aqueles no período pós-operatório de cirurgia cardíaca e os portadores de neoplasia metastática; porém, qualquer eventual patologia que cursa com derrame pericárdico tem o potencial de acarretar o tamponamento cardíaco. Didaticamente, é possível dividir as respectivas causas em infecciosas, inflamatórias, metabólicas, neoplásicas e relativas ao hemopericárdio2 (Quadro 17.1). Quadro 17.1  Principais causas de tamponamento cardíaco TIPO Hemopericárdio

CARACTERÍSTICAS Pós-operatório de cirurgia cardíaca Após procedimentos cardíacos intracavitários (marca-passo, estudo eletrofisiológico) Traumatismo torácico Dissecção aguda de aorta

Neoplásicas

Neoplasias metastáticas: pulmão, mama e linfoma Neoplasias primárias do pericárdio: raras

Infecciosas

Tuberculose Infecções virais (raras)

Inflamatórias

Lúpus eritematoso sistêmico Doença de Behçet Vasculites sistêmicas Pericardite pós-infarto Pericardite pós-pericardiotomia

Metabólica

Uremia Mixedema

257

Capítulo 17  Tamponamento cardíaco

Consequentemente, o tamponamento cardíaco deve fazer parte constante do diagnóstico diferencial de instabilidade hemodinâmica nos pacientes no período pós-operatório de cirurgia cardíaca ou após procedimentos cardíacos via intravascular e naqueles pacientes vítimas de traumatismos torácicos fechados ou penetrantes.

4. FISIOPATOLOGIA O tamponamento cardíaco resulta da compressão das câmaras cardíacas pelo acúmulo de líquido pericárdico. O aumento de pressão na cavidade pericárdica depende não somente do volume de líquido acumulado, mas principalmente da velocidade de seu desenvolvimento3 (Figura 17.2). O acúmulo de líquido em um curto período de tempo, comumente observado nos casos de hemopericárdio, rapidamente ultrapassa a capacidade de distensão pericárdica e atinge o ponto de menor complacência, a partir do qual pequenos aumentos no volume de líquido pericárdico ocasionarão um acentuado aumento da pressão que, transmitido às câmaras cardíacas, resultará no seu colapso e em choque obstrutivo. Contrariamente, nas situações em que o acúmulo de líquido pericárdico faz-se lentamente, é possível uma maior distensão pericárdica e, portanto, um maior volume de líquido até que o seu ponto de menor complacência seja atingido.

Tamponamento crítico

Limite da distensão pericárdica

Derrame de formação rápida

Derrame de formação lenta

Volume do derrame pericárdico em função do tempo

Figura 17.2  Gráfico mostrando a relação entre o aumento de pressão intrapericárdica e o tempo de formação do derrame. À esquerda, um derrame pericárdico de rápida formação, atingindo o limite de distensão pericárdica (linha vermelha) após um pequeno volume. À direita, um derrame com desenvolvimento insidioso, resultando em um maior volume de líquido até alcançar o limite de distensão pericárdica. Fonte: Reproduzida de Spodick.3

O aumento progressivo das pressões intrapericárdicas levará à restrição diastólica das cavidades cardíacas com consequente exacerbação da interdependência ventricular em paralelo, resultando em uma competição por espaço entre os dois ventrículos, dentro de uma cavidade inextensível, cuja linha de força dessa competição4 é o septo interventricular (Figura 17.3). Em um paciente em ventilação espontânea, durante a inspiração ocorre o aumento do retorno venoso ao VD cuja incapacidade de expansão da parede livre para acomodar um maior volume diastólico final, devido à restrição pericárdica, ocasionará um desvio acentuado do septo interventricular em direção ao VE. Inversamente, durante a expiração, com a diminuição do retorno venoso, ocorrerá o retorno do septo interventricular em direção ao VD. Esse fenômeno está associado a uma

258

Seção II  Cardiologia

grande variação do volume sistólico do VE durante o ciclo respiratório, com o seu aumento durante a expiração e diminuição na inspiração, explicando o sinal clínico do pulso paradoxal ao exame físico (ver adiante).

Inspiração

Expiração

VE

VE

VD

VD

Cavidade pericárdica P: +20 a +18 mmHg

Figura 17.3  Esquema mostrando a exacerbação da interdependência ventricular em paralelo em um paciente com tamponamento cardíaco. O aumento da pressão intrapericárdica com restrição diastólica e equalização das pressões nas câmaras cardíacas leva a uma competição por espaço entre os ventrículos. O aumento do retorno venoso na inspiração com aumento do volume diastólico do VD desloca o septo interventricular (seta) em direção ao VE. Inversamente, na expiração ocorre um recuo parcial do septo em direção ao VD. VD: ventrículo direito; VE: ventrículo esquerdo. Fonte: Modificada de Lardoux e colaboradores.1

Por fim, com o crescente aumento das pressões intrapericárdicas, estas ultrapassarão as pressões intracavitárias, o que resultará no colapso das cavidades cardíacas, habitualmente das câmaras direitas; primeiro do AD, e, sequencialmente, do VD. Os mecanismos de compensação hemodinâmicos dar-se-ão com o aumento da frequência cardíaca e com o aumento da resistência vascular sistêmica, com manutenção da pressão arterial, apesar da progressiva diminuição do volume sistólico e do débito cardíaco (DC). A instabilidade hemodinâmica, com acentuada diminuição da pressão arterial, ocorrerá com o colapso do VD5 (Figura 17.4). Fisiopatologicamente, um conceito de fundamental importância é de que as pressões da cavidade pleural, devido à justaposição dos folhetos pleurais e pericárdicos, são transmitidas à cavidade pericárdica6 (Figura 17.5). Assim, em um paciente com presença concomitante de derrames pleurais e pericárdicos, a pressão final da cavidade pericárdica corresponderá à soma das pressões de ambas cavidades7 (Figura 17.6). A implicação prática desse conceito é que se faz obrigatória a avaliação da presença de derrame pleural em todo paciente com derrame pericárdico, pois a realização de pleurocentese, sobretudo na vigência de derrames pleurais extensos, pode diminuir significativamente a pressão intrapericárdica. Na verdade, existem várias descrições e séries de caso na literatura em que o quadro clínico de tamponamento cardíaco deve-se, exclusivamente, à presença de derrame pleural. Via de regra, são derrames de grande volume e, muitas vezes, bilaterais.8-11

259

Capítulo 17  Tamponamento cardíaco

30 PIP 15 (mmHg) 0 250 FC 175 (BPM) 100 125 PAM 100 (mmHg) 75 50 4 DC (L/min)

2 0 30

VS (mL)

15 0

CDVD 0

180 60 120 Volume pericárdico (mL)

Figura 17.4  Evolução dos parâmetros hemodinâmicos com o acúmulo de líquido pericárdico. O aumento progressivo da pressão intrapericárdica (PIP) ocasionará o aumento da frequência cardíaca (FC) e a diminuição do volume sistólico (VS) e do débito cardíaco (DC), com manutenção da pressão arterial média (PAM). O ponto de instabilidade hemodinâmica com diminuição nos níveis da PAM ocorrerá com a compressão do VD (linha tracejada vertical). CDVD: colapso diastólico do ventrículo direito. Fonte: Reproduzida de Leimgruber e colaboradores.5

Pressão pleural (mmHg)

20 15 10 5 0 –5 –10 0

2

4

5 8 10 12 14 16 Pressão pericárdica (mmHg)

18

20

Figura 17.5  Gráfico relacionando o aumento das pressões pleurais e pericárdicas decorrente do acúmulo de líquido no espaço pericárdico (linha contínua), ou no espaço pleural (linha pontilhada). Na primeira situação, o acúmulo de líquido no espaço pericárdico leva ao aumento progressivo da pressão pericárdica (eixo das abcissas) exclusivamente. De modo diverso, o acúmulo de líquido no espaço pleural levará ao aumento da pressão em ambas as cavidades, pleural e pericárdica, simultaneamente. O ponto de colapso do VD, representado pelo círculo sobre as linhas, ocorre em níveis de pressões pericárdicas bastante próximos, independentemente da situação. Fonte: Reproduzida de Vaska e colaboradores.6

260

Seção II  Cardiologia

PE

PL A mmHg

A mmHg PL

Normal

A+B mmHg A+B mmHg Derrame pleural

A+B mmHg

A+B+C mmHg

Derrame pleural + Derrame pericárdico

Figura 17.6  Representação esquemática da transmissão da pressão pleural à cavidade pericárdica. Normalmente (esquerda), na ausência de derrame pleural a pressão nas duas cavidades são iguais (A mmHg). A presença de derrame pleural (centro) elevará a pressão pleural e pericárdica da mesma magnitude (A + B mmHg). A concomitância de derrame pleural e pericárdico (direita) faz a pressão pericárdica ser igual à pressão pleural (A + B mmHg) mais a pressão decorrente do acúmulo de líquido na cavidade pericárdica (C mmHg). PE: cavidade pericárdica; PL: cavidade pleural. Fonte: Reproduzida de Saito e colaboradores.7

5. DIAGNÓSTICO A apresentação clínica de um paciente com tamponamento cardíaco pode variar grandemente, desde sintomas inespecíficos, como dispneia, fadiga, síncope, até a um quadro de choque sem etiologia clara. Os sinais clínicos também são, muitas vezes, inespecíficos, como taquicardia, taquipneia e má perfusão de extremidades.3 A tríade de bulhas cardíacas abafadas, estase venosa jugular fixa e pulso paradoxal – uma diminuição maior ou igual a 10 mmHg mercúrio na medida da pressão arterial sistólica durante a inspiração – nem sempre está presente. Adicionalmente, este último sinal clínico pode ocorrer em outras situações além de tamponamento cardíaco, como tromboembolismo pulmonar maciço e pacientes com doença pulmonar obstrutiva em insuficiência respiratória. O eletrocardiograma habitualmente revela taquicardia sinusal. Nos casos de derrame pericárdico de grande volume, pode haver sinais de baixa voltagem e a alternância elétrica de uma ou mais ondas do eletrocardiograma, com alteração na amplitude de seus complexos e, eventualmente, na sua polaridade (Figura 17.7). Isso se deve à movimentação do coração dentro do líquido pericárdio (swinging heart). Os sinais eletrocardiográficos clássicos de pericardite como supradesnível difuso do segmento ST e infradesnível do segmento PR podem ser encontrados, dependendo da etiologia.12

I

aVR

V1

V4

II

aVL

V2

V5

III

aVF

V3

V6

VI II V5

Figura 17.7  Eletrocardiograma de doze derivações mostrando a alternância elétrica dos complexos QRS. Observe-se a variação da amplitude destes complexos, presente em todas as derivações.

261

Capítulo 17  Tamponamento cardíaco

A ecodopplercardiografia é um exame que permite a fácil visualização de derrame pericárdico, com as vantagens de ser amplamente disponível e poder ser realizado à beira-leito, inclusive por intensivistas com treinamento adequado, e sem a necessidade de transporte do paciente em uma situação clínica potencialmente instável. Cumpre ressaltar, entretanto, que o diagnóstico de tamponamento pericárdico deve sempre considerar o quadro clínico e a situação hemodinâmica do doente, mesmo na presença dos sinais ecocardiográficos clássicos na situação de tamponamento cardíaco, que serão discutidos a seguir. O diagnóstico de tamponamento cardíaco pelo ecocardiograma baseia-se em quatro critérios, a saber: • identificação de derrame pericárdico; • compressão das câmaras cardíacas durante parte do ciclo cardíaco; • análise dos fluxos pelas valvas tricúspide e mitral com o uso do Doppler pulsátil; • dilatação e ausência de variação dos diâmetros da veia cava inferior durante a respiração. Na ecocardiografia bidimensional, o derrame pericárdico aparece como uma imagem anecogênica ao redor do coração. Derrames de menor magnitude podem ser visualizados posteriormente à parede inferolateral em um corte paraesternal longitudinal; derrames de maior volume são vistos circunferencialmente e em diferentes janelas (Figura 17.8).

* VE VD AD

* *

* *

VD *

AE

*

VE *

* *

Figura 17.8  Imagem ecocadiográfica bidimensional mostrando uma imagem anecogênica circunferencial ao redor das cavidades cardíacas, correspondendo ao derrame pericárdico (asteriscos). Na primeira imagem, vê-se corte apical de quatro câmaras; na segunda, corte paraesternal transversal. AD: átrio direito; AE: átrio esquerdo; VD: ventrículo direito; VE: ventrículo esquerdo.

Os derrames podem ser quantificados de acordo com a espessura de líquido que separa os folhetos pericárdicos ao final da diástole. Uma distância menor que 10 mm, entre 10 e 20 mm e maior que 20 mm são as dimensões utilizadas para classificar os derrames em pequeno, moderado e importante, respectivamente. A distribuição do líquido ao redor do coração obedece uma distribuição gravitacional dependente; assim, os derrames podem parecer menores ao redor da base, e maiores ao redor do ápice cardíaco. A quantificação deve ser feita no ponto de maior distância entre os folhetos pericárdicos (Figura 17.9). Contudo, deve ser relembrado que, em casos nos quais o acúmulo de líquido ocorre rapidamente, o tamponamento cardíaco pode acontecer mesmo na presença de derrames de menor volume (Figura 17.2). Há situações em que a distribuição do derrame pericárdico apresenta-se de forma atípica, principalmente no período pós-operatório de cirurgia cardíaca ou após traumatismo torácico, em que um

262

Seção II  Cardiologia

derrame hemorrágico e com coágulos pode comprimir isoladamente o átrio ou ventrículo esquerdo. Nessas circunstâncias, a visualização do derrame pericárdico pode ser bastante difícil e demandar a realização de uma ecocardiografia transesofágica.

* * *

Figura 17.9  Grande lâmina de líquido pericárdico (asteriscos) ao redor das câmaras cardíacas, com espessura medida de 3,7 cm.

A presença de derrame pleural esquerdo pode ser confundida com a imagem de derrame pericárdico em um corte paraesternal longitudinal, apresentando-se como uma imagem anecogênica posterior ao coração. A diferenciação adequada, nessa situação, requer a análise da relação do derrame com a aorta descendente. Os derrames pleurais apresentarão uma localização posterior à aorta descendente, enquanto os derrames pericárdicos estarão entre ela e o coração 4 (Figura 17.10). O aumento das pressões pericárdicas acima das pressões intracavitárias ocasiona o colapso das câmaras cardíacas, habitualmente do AD, primeiro, e, em seguida, do VD. A compressão do AD, que acontece no final da diástole, é mais bem visualizada em um corte apical de quatro câmaras (Figura 17.11) e apresenta maior especificidade para o diagnóstico de tamponamento quando a invaginação da parede livre atrial dura mais do que um terço do ciclo cardíaco. A compressão do VD (Figura 17.12) é um sinal menos sensível, porém mais específico, ocorrendo no início da diástole. A análise dos fluxos intracavitários transvalvares revela uma variação acentuada das velocidades máximas durante o ciclo respiratório13 (Figura 17.13), o que se explica pela interdependência ventricular em paralelo, descrita anteriormente. Durante a inspiração, com o aumento do retorno venoso para as câmaras direitas, ocorre elevação do fluxo através da valva tricúspide; simultaneamente, o desvio do septo interventricular em direção ao VE leva a uma diminuição do fluxo pela valva mitral. Inversamente, na expiração, com o aumento da pressão intratorácica, há uma diminuição do retorno venoso e o recuo do septo interventricular em direção ao VD, com consequente aumento do fluxo transmitral e diminuição do fluxo transtricúspide. Ressalte-se que essas alterações são validadas apenas em pacientes em ventilação espontânea com pressão intratorácica negativa. Na inspiração, um aumento nas câmaras direitas da velocidade máxima do fluxo sanguíneo maior que 40% e uma diminuição nas câmaras esquerdas maior que 25% favorecem o diagnóstico de tamponamento.4 Por fim, a visualização bidimensional da veia cava inferior revelará um aumento das suas dimensões ou a perda da variabilidade respiratória nos seus diâmetros, alterações que poderão ser mais bem mensuradas com o auxílio da ecocardiografia em modo “M”.

263

Capítulo 17  Tamponamento cardíaco

A

VE

VE

AE

Ao

DPl

AE

Ao

DPe

B

* *

VD AO

VD

VD

VE

AE

VE AO

*

AE * *

Figura 17.10  (A) Representação esquemática da diferenciação entre derrame pericárdico e pleural, tendo a aorta descendente como estrutura anatômica de referência. À esquerda, a lâmina de líquido pleural passa posteriormente à aorta descendente; à direita, a lâmina de líquido pericárdico localiza-se entre a aorta descendente e o coração. (B) Corte paraesternal longitudinal de duas imagens correspondentes às situações esquematizadas em (A). A aorta descendente é identificada pelo asterisco vermelho. À esquerda, a lâmina de líquido pleural (seta dupla) passa posteriormente à aorta; à direita, a lâmina de líquido pericárdico (seta dupla) passa entre a aorta e o coração. Nesta última imagem, os asteriscos brancos identificam um derrame pericárdico circunferencial. AE: átrio esquerdo; AO: aorta descendente; DPl: derrame pleural; DPe: derrame pericárdico; VD: ventrículo direito; VE: ventrículo esquerdo.

* * VE VD * AE

Figura 17.11  Corte apical de quatro câmaras mostrando um grande derrame circunferencial ao redor das câmaras cardíacas (asteriscos) e o colapso do AD (seta). AE: átrio esquerdo; VD: ventrículo direito; VE: ventrículo esquerdo; AD: átrio direito.

264

Seção II  Cardiologia

VE VD AE

* *

AD

Figura 17.12  Corte apical de quatro câmaras mostrando o DPe ao redor do coração (asteriscos) e o colapso do VD (seta). AD: átrio direito; AE: átrio esquerdo; VD: ventrículo direito; VE: ventrículo esquerdo; DPe: derrame pericárdico.

EXP

EXP INSP

INSP

Figura 17.13  Registro das velocidades do fluxo transmitral pelo Doppler pulsátil. Na primeira imagem, ocorre uma grande variabilidade no valor da velocidade máxima durante o ciclo respiratório, com maiores velocidades durante a expiração (EXP; seta vermelha) e menores valores na inspiração (INSP; seta azul), em um paciente com tamponamento cardíaco e em ventilação espontânea. Na segunda imagem, após a realização da drenagem pericárdica, verifica-se a perda da variabilidade das velocidades do fluxo transmitral.

6. TRATAMENTO Requer a drenagem de líquido pericárdico. Até que o procedimento seja realizado, o manejo clínico dessa situação deve contemplar o estado volêmico do paciente, o uso de vasopressores e a necessidade de suporte respiratório. A ressuscitação volêmica deve ser realizada com extremo cuidado, visando à correção de uma hipovolemia subjacente. A ressuscitação volêmica excessiva pode ocasionar, pelo aumento do retorno venoso e das cavidades cardíacas, o aumento da pressão pericárdica e deteriorar a situação hemodinâmica do paciente. Portanto, recomenda-se que a infusão de volume faça-se sob monitorização adequada. O uso de vasopressores objetiva a manutenção de uma pressão arterial sistêmica adequada. A instituição de ventilação mecânica com pressão positiva deve ser considerada apenas quando absolutamente necessária, pois o seu início resulta na diminuição do retorno venoso e pode precipitar o colapso hemodinâmico.

265

Capítulo 17  Tamponamento cardíaco

A drenagem de líquido pericárdico pode ser feita pela pericardiocentese ou pela pericardiotomia cirúrgica. Apesar de a pericardiocentese guiada ultrassonograficamente ser considerada segura e com baixa incidência de complicações,14 em nosso meio a drenagem cirúrgica é realizada com maior frequência. Nos casos de hemopericárdio como dissecção aórtica aguda, ruptura miocárdica, derrame pericárdico de origem traumática e em pacientes com coagulopatia grave, a abordagem cirúrgica deve ser a técnica preferencial. A pericardiocentese é mais comumente praticada pela via subcostal, abaixo do apêndice xifoide e do rebordo costal esquerdo, com o paciente em decúbito dorsal e com a cabeceira levemente inclinada, o que facilita a distribuição gravitacional do líquido em direção ao sítio da punção.15 O uso da ecocardiografia no auxílio da pericardiocentese deve estabelecer a espessura de líquido que separa os folhetos pericárdicos. Embora não exista nenhuma regra quanto a uma distância segura mínima para o procedimento, uma espessura maior que 1 cm parece razoável. O ponto crítico da ecocardiografia consiste em estabelecer a distância que a agulha deve ser introduzida da pele até atingir o espaço pericárdico; adicionalmente, a inclinação da punção deve seguir a mesma inclinação do transdutor ultrassônico utilizada na visualização do líquido pericárdico.16 A mistura de uma pequena quantidade de salina (9 mL) com ar (1 mL) pode ser injetada para confirmar a correta introdução da agulha no espaço pericárdico, visualizado ecocardiograficamente como um espaço contrastado ao redor dos ventrículos (Figura 17.14); contrariamente, a perfuração do coração revelará o contraste no interior do VD.17 A introdução do cateter no espaço pericárdico deve ser feita pela técnica de Seldinger, com o intuito de que a agulha permaneça na cavidade pericárdica o menor tempo possível, minimizando a chance de complicações. Após a aspiração de líquido pericárdico, procede-se à inserção do fio guia sobre o qual é avançado o cateter, que permitirá a drenagem controlada do líquido pericárdico. Ao término do procedimento, o ecocardiograma revelará a diminuição do líquido pericárdico e a expansão adequada das câmaras cardíacas, com ausência dos sinais de restrição diastólica. As principais complicações associadas à pericardiocentese são arritmias, perfuração cardíaca, lesão de vasos coronários e pneumotórax. Eventos adversos menos frequentes incluem perfuração gástrica ou hepática.15

*

*

*

* *

* VD

VD

*

Figura 17.14  A primeira imagem ecocardiográfica bidimensional mostra uma grande lâmina de líquido (asteriscos brancos) ao redor do VD, em um paciente no terceiro pós-operatório de correção de anomalia de Ebstein com tamponamento cardíaco. O VD apresenta uma dilatação importante, o que dificulta a interpretação da imagem. A segunda imagem exibe a pericardiocentese guiada ecocardiograficamente. As setas indicam a interface entre o VD e o espaço pericárdico; o derrame (asteriscos vermelhos) aparece hiperecogênico após a injeção de uma mistura de salina e ar, mostrando a correta localização da agulha no espaço pericárdico. Observe-se que o interior do VD permanece sem contraste. VD: ventrículo direito.

266

Seção II  Cardiologia

7. CONCLUSÕES A presença de tamponamento cardíaco em terapia intensiva ocorre principalmente em pacientes no período pós-operatório de cirurgia cardíaca e naqueles vítimas de traumatismo torácico. O aumento das pressões na cavidade pericárdica depende não só do volume de líquido, mas principalmente da velocidade de seu desenvolvimento. Nas situações de tamponamento cardíaco, é fundamental avaliar a presença de líquido pleural, pois as pressões nas cavidades pleurais são transmitidas ao espaço pericárdico. Os sinais e sintomas clínicos de tamponamento cardíaco são, muitas vezes, inespecíficos, destacando-se a tríade de estase venosa jugular fixa, bulhas abafadas e pulso paradoxal. A baixa voltagem e a alternância elétrica são os principais sinais eletrocardiográficos associados ao tamponamento cardíaco. O diagnóstico ecocardiográfico de tamponamento cardíaco baseia-se em quatro critérios: presença de Dpe; compressão de câmaras cardíacas; análise do fluxo através das valvas atrioventriculares; e dilatação e perda da variabilidade respiratória da veia cava inferior. O manejo clínico de um paciente com tamponamento cardíaco deve contemplar a correção de hipovolemia, a reversão de hipotensão com o uso de vasopressores e evitar a instituição precipitada de ventilação mecânica invasiva com pressão positiva. A abordagem cirúrgica é a técnica preferencial nos casos de hemopericárdio. O uso do ecocardiograma no auxílio à pericardiocentese consiste em estabelecer a profundidade e o ângulo de introdução da agulha.

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Capítulo 17  Tamponamento cardíaco

267

14. Tsang TS, Enriquez-Sarano M, Freeman WK, et al. Consecutive 1127 therapeutic echocardiographically guided pericardiocentesis: clinical profile, practice patterns, and outcomes spanning 21 years. Mayo Clin Proc. 2002;77:429-36. 15. Fitch MT, Nicks BA, Pariyadath M, et al. Emergency pericardiocentesis. N Engl J Med. 2012;22:366(12):e17. 16. Mayo PH. Pericardial effusion and cardiac tamponade. In: De Backer D, Cholley BP, Slama M, Vieillard-Baron A, Vignon P, eds. Hemodynamic Monitoring Using Echocardiography in the Critically Ill. Springer; 2011. p. 151-61. 17. Vayre F, Lardoux H, Pezzano M, et al. Subxiphoid pericardiocentesis guided by contrast two-dimensional echocardiography in cardiac tamponade: experience of 110 consecutive patients. Eur J Echocardiogr. 2000;1:66-71.

18 Síndrome do edema agudo dos pulmões de origem cardiogênica

Marcelo Park Maurício Henrique Claro dos Santos 1. INTRODUÇÃO O edema agudo dos pulmões representa a principal causa de insuficiência e/ou desconforto respiratório que motiva a procura pelas unidades de emergência ou terapia intensiva. Nos Estados Unidos, é a causa mais frequente, seguida das doenças brônquicas primárias e das encefalopatias agudas decorrentes de acidentes vasculares cerebrais e traumatismos cranioencefálicos.1 O edema pulmonar ocorre pelo desequilíbrio das forças de Starling, em que pode assomar um aumento da pressão hidrostática capilar e/ou aumento da permeabilidade dos capilares pulmonares.2 Neste texto, será dado destaque às condições que cursam com aumento da pressão hidrostática pulmonar de origem cardiogênica.

2. FISIOPATOLOGIA 2.1  Dinâmica dos fluidos pulmonares A disfunção cardíaca eleva a pressão venosa pulmonar com consequente aumento na pressão hidrostática nos capilares pulmonares e um aumento da ultrafiltração do intravascular para o interstício pulmonar. O interstício dos septos interalveolares tem pressão hidrostática negativa, entretanto menos negativa que os espaços peribrônquicos em consequência da drenagem linfática ativa destes últimos e pela ultraestrutura do esqueleto pulmonar, em que as forças de tração que resultam na expansão pulmonar e ventilação são aplicadas diretamente nos espaços peribrônquicos, e, a partir destes, distribuída para os outros componentes da estrutura pulmonar. A resultante dessas forças leva o fluxo unidirecional dos fluidos no interstício pulmonar dos septos interalveolares, onde é coletado o líquido ultrafiltrado dos capilares, para os espaços peribrônquicos, onde este líquido é captado pelo sistema linfático e devolvido para a circulação venosa sistêmica. O sistema linfático tem propriedades como o sistema valvar que permite apenas o fluxo unidirecional. As paredes dos capilares são fixadas por fibras colágenas nos septos interalveolares, assim, durante a inspiração, as paredes capilares são tracionadas em direções centrífugas originando uma pressão

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Seção II  Cardiologia

negativa no seu interior. Já durante a expiração, com o relaxamento das paredes capilares, a pressão no seu interior torna-se positiva devido à retração elástica das paredes capilares e à contração dos pericitos capilares. Esse jogo de variação de pressões durante o ciclo respiratório aplicado a um sistema canalicular linfático valvado gera um fluxo em direção ao sistema venoso. 2 O mecanismo básico de drenagem de líquidos do terceiro espaço pulmonar confere lógica ao fato de que, quanto maior a frequência respiratória e/ou a amplitude das inspirações, maior será a drenagem linfática. Além disso, no interstício pulmonar, existem terminações nervosas com sensibilidade química (quimiorreceptores) e mecânica (mecanorreceptores e proprioceptores). Os mecanorreceptores (entre eles, os receptores J ou justa-alveolares) são capazes de perceber o aumento da pressão hidrostática e/ou do fluxo de líquidos. Esse estímulo é conduzido pelas suas eferências que provocam um aumento na descarga periódica do centro respiratório, resultando no aumento da frequência respiratória e na drenagem linfática maior pelo mecanismo já descrito. Dessa maneira, forma-se o principal mecanismo de defesa pulmonar contra o aumento de ultrafiltração capilar pulmonar que permite o aumento do ultrafiltrado de 20 mL para 200 mL de água do interstício por hora sem acúmulo, ou seja, sem edema, à custa apenas da elevação da frequência respiratória ou da amplitude desta. Nessa situação, o pulmão tolera um aumento de pressão hidrostática capilar de até 35 mmHg sem congestão grave.2 Portanto, a taquipneia pode ser a tradução da elevação da pressão hidrostática pulmonar associada ou não à sensação subjetiva de dispneia, ainda sem alterações ao exame físico do paciente. Quando a ultrafiltração excede a drenagem de líquidos, os capilares linfáticos tornam-se completamente ingurgitados, o ultrafiltrado excedente inicialmente acumula-se no interstício do pulmão nas regiões peribrônquicas (estágio I), posteriormente ocorre acúmulo nos septo interalveolares (estágio II) e, por último, parcial (estágio IIIa) ou totalmente (estágio IIIb) na luz alveolar. Quando esse processo torna-se crônico ou a instalação do edema é gradual, dá-se a adaptação dos mecanorreceptores, podendo ocorrer edema pulmonar sem taquipneia ou queixa de dispneia marcante.2 O aumento da pressão hidrostática em capilares da parede brônquica também causa edema dessa parede, reduzindo sua luz. A mínima redução na luz dos brônquios aumenta a resistência das vias aéreas proporcionalmente à quarta potência da diminuição da luz, segundo a lei de Poiseulle. Portanto, a expressão clínica do edema agudo de pulmão se dá por um desconforto respiratório com ou sem insuficiência resultante da soma de uma série de fatores:2-6 • a inundação alveolar com consequente redução da complacência pulmonar; • o edema da parede dos brônquios causado pelo aumento da pressão hidrostática vascular nestes reduz a luz do órgão, aumentando a sua resistência ao fluxo de ar. O edema de vias aéreas aumenta a reatividade da musculatura brônquica, podendo agravar a obstrução mecânica; • a hipoxemia é causada pelo shunt pulmonar ocasionado pelo líquido acumulado no interstício, com consequente aumento da barreira alveolocapilar, levando a uma maior dificuldade para a hematose. As áreas de colapso alveolar são regiões de shunt verdadeiro onde existe passagem de sangue sem contato com a barreira alveolocapilar funcionante. A pressão parcial de oxigênio arterial baixa é capaz de estimular quimiorreceptores localizados na aorta e carótidas, aumentando a sensação de dispneia e o tônus simpático.2,6

2.2  Musculatura respiratória A intensa atividade muscular respiratória pode elevar o fluxo sanguíneo nessa musculatura dos normais 4-5 até 50% do débito cardíaco (DC), assim desviando o oxigênio destinado para outros tecidos como o do sistema nervoso central (SNC), podendo provocar variações no nível de consciência.7

Capítulo 18  Síndrome do edema agudo dos pulmões de origem cardiogênica

271

A fadiga muscular, em razão de sua intensa atividade, leva progressivamente à hipoventilação com hipoxemia, retenção de dióxido de carbono e acidose respiratória, culminando com a piora da função cardíaca e da congestão, fechando assim, um ciclo vicioso que, perpetuado, leva à morte.7,8

2.3  O edema agudo dos pulmões como causa de lesão pulmonar aguda O aumento da pressão hidrostática nos capilares pode causar a quebra anatômica nas paredes capilares.9 Essa quebra é associada à ativação inflamatória local e sistêmica, além de ser persistente temporalmente.10 O comportamento clínico dessa situação pode ser similar a uma lesão pulmonar aguda com insuficiência respiratória hipoxêmica.10-12

3. ETIOLOGIA E CLASSIFICAÇÃO Segundo a lei de Starling, o extravasamento de líquido para o terceiro espaço pulmonar pode ocorrer por vários fatores (Quadro 18.1): 1. aumento da pressão hidrostática de origem cardiogênica; 2. aumento da pressão hidrostática de origem não cardiogênica como a doença veno-oclusiva pulmonar; 3. aumento na permeabilidade da membrana capilar devido a processos locais como pneumonias ou processos sistêmicos como pancreatites, queimaduras, sepse ou síndrome de reação inflamatória sistêmica; 4. redução na pressão hidrostática intersticial como nos rápidos e maciços esvaziamentos de derrames pleurais; 5. redução na pressão oncótica sanguínea que, por si só, não é causa de edema pulmonar, mas pode ser um importante fator colaborador; 6. redução na drenagem linfática como ocorre na linfangite carcinomatosa, silicose e doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC), que, por sua vez, também não é causa primária de edema pulmonar, mas um fator colaborador. Quadro 18.1  Mecanismos e principais etiologias do aumento de líquido extravascular pulmonar MECANISMO Aumento da pressão hidrostática de origem cardiogênica

PRINCIPAIS ETIOLOGIAS Isquemia miocárdica Emergência hipertensiva Insuficiência mitral aguda Insuficiência aórtica aguda Cardiopatias crônicas

Aumento da pressão hidrostática de origem não cardiogênica

Doença veno-oclusiva pulmonar

Aumento da permeabilidade da membrana capilar pulmonar

Pneumonias Pancreatite aguda grave Queimaduras SIRS

Redução da pressão hidrostática intersticial pulmonar

Edema agudo de reexpansão após toracocentese

Redução da drenagem linfática pulmonar

Linfangite carcinomatosa Silicose pulmonar DPOC

SIRS: síndrome da resposta inflamatória sistêmica; DPOC: doença pulmonar obstrutiva crônica.

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Seção II  Cardiologia

O edema agudo de pulmão tem várias etiologias. As causas mais comuns de disfunção cardiogênica aguda são a isquemia coronariana e a emergência hipertensiva, outras mais raras são a insuficiência mitral aguda por ruptura de cordalha tendínea (como ocorre na degeneração mixomatosa, endocardite e degeneração senil) ou disfunção de musculatura papilar e insuficiência aórtica aguda que pode ocorrer no trauma fechado ou na dissecção aguda de aorta.13 As cardiopatias crônicas que cursam com disfunção ventricular sistólica e diastólica e valvopatias podem causar edema pulmonar agudo quando associadas a um fator desencadeante, em geral arritmias, infecções, isquemia, emergência hipertensiva e uso incorreto de dieta e medicamentos.13 As emergências hipertensivas que se apresentam com edema pulmonar, em geral, caracterizam-se por uma disfunção diastólica aguda ou agudizada do ventrículo esquerdo (VE) e com a função de encurtamento preservada ou exacerbada.14 E também, de forma interessante, no edema agudo dos pulmões associado à doença isquêmica do coração, a insuficiência mitral associada ao período de isquemia parece ter um papel importante.15

4. DIAGNÓSTICO Deve ser clínico e imediato para o pronto início da terapêutica.13 O paciente queixa-se de dispneia de início ou piora súbita, tendo ao exame físico sinais representativos do esforço da musculatura inspiratória como uso dos músculos escalenos e esternocleidomastóideos, tiragem de fúrcula, intercostal e batimento de asa nasal. Associam-se ainda, taquipneia e a expiração forçada, com a glote semifechada, com a intenção de conseguir uma pressão expiratória positiva e resultando em uso da musculatura abdominal, em especial os músculos retos abdominais, gerando, por vezes, um balancim toracoabdominal. Ruídos compatíveis com cornagem podem aparecer quando há expiração forçada. A ausculta pulmonar é variável, mais comumente encontramos estertoração crepitante que resulta do colapso de alvéolos e bronquíolos terminais, mas é possível encontrar apenas um murmúrio vesicular mais rude devido ao edema intersticial e espessamento dos septos interalveolares. Roncos esparsos e sibilos são resultantes da transudação brônquica e do edema da mucosa brônquica e da hiper-reatividade da musculatura lisa, respectivamente. A ausculta também pode ser normal, pois, em uma primeira fase do edema agudo de pulmão, a drenagem linfática compensa a transudação vascular existindo apenas a taquipneia. A tosse pode ser manifestação de congestão pulmonar. Associados à dispneia, aparecem sinais de liberação adrenérgica como taquicardia, hipertensão, sudorese fria, palidez cutânea e ansiedade. Outros achados podem ajudar a esclarecer a etiologia e/ou o diagnóstico diferencial de edema pulmonar, como a presença de dor torácica compatível com insuficiência coronariana, galope cardíaco (B3 e/ou B4), sopros cardíacos e posição do íctus cordis cuja lateralização representa um aumento da área cardíaca. A radiografia de tórax pode apresentar cefalização da trama vascular, ou áreas de perda de aeração, em geral poupando as regiões periféricas. O achado de infiltrado unilateral à direita pode ser associado à insuficiência mitral aguda.16 A eletrocardiografia deve ser realizada para corroborar o diagnóstico de isquemia aguda do coração, assim como a coleta seriada de marcadores biológicos de lesão miocárdica.13

5. DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL Os diagnósticos diferenciais do edema agudo de pulmão são determinados por duas de suas características, o início súbito da dispneia e a presença de congestão pulmonar clínica e radiológica. A dispneia súbita pode ter outras causas como: tromboembolismo pulmonar; broncoespasmo; broncoaspiração; e inalação de gases tóxicos e irritantes. Quanto ao acúmulo de água no terceiro espaço pulmonar, existem outras causas sem hipertensão venocapilar como no edema pulmonar das grandes alturas, edema neurogênico, linfangites pulmonares, overdose de narcóticos e a síndrome da angústia respiratória aguda (SARA) do adulto com suas mais diversas etiologias.

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Capítulo 18  Síndrome do edema agudo dos pulmões de origem cardiogênica

Atualmente, a ultrassonografia de tórax permite, à beira-leito, de maneira rápida e objetiva, a identificação de água extravascular pulmonar por meio da visualização das linhas B ultrassonográficas17 (Figura 18.1). Elas se caracterizam por imagens hiperecogênicas verticais que nascem na linha pleural e atingem a parte inferior da tela. A sua visualização decorre do acúmulo de líquido nos septos interalveolares subpleurais. A presença de linha B identifica de maneira não específica o aumento de líquido no terceiro espaço pulmonar, que pode ser secundário a diferentes etiologias como o edema agudo de pulmão cardiogênico, SARA do adulto, pneumonia intersticial e fibrose pulmonar; porém, ela permite diferenciar o edema agudo de pulmão de outras etiologias cuja manifestação clínica cursa com dispneia súbita como a exacerbação da doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC) e o tromboembolismo pulmonar.18-21 Caracteristicamente, nos casos de aumento de líquido extravascular pulmonar, visualizam-se linhas B de maneira difusa pelos hemitórax, com a presença de pelo menos três linhas B em cada espaço intercostal avaliado; nos pacientes com DPOC ou tromboembolismo pulmonar, o aspecto ultrassonográfico é de um parênquima pulmonar normal, com predomínio de linhas hiperecogênicas horizontais e paralelas à linha pleural, denominadas linhas A21 (Figura 18.2). A

Feixe ultrassônico

Folhetos pleurais

Septos interlobulares subpleurais espessados

Alvéolos B

C Linha pleural

Linhas B

Figura 18.1  (A) Representação esquemática da formação da imagem ultrassonográfica bidimensional em um pulmão com aumento de líquido extravascular: o feixe ultrassônico é capaz de propagar-se além da interface pleuropulmonar, devido ao espessamento dos septos interlobulares subpleurais pelo acúmulo de líquido no terceiro espaço pulmonar, gerando as linhas B. (B) Ultrassonografia bidimensional das linhas B, obtida pela colocação do transdutor de ultrassom perpendicularmente ao espaço intercostal. (C) Mesma ultrassonografia apresentada em (B) com legendas destacando as principais estruturas a serem visualizadas: a linha pleural hiperecogênica e as linhas B.

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Seção II  Cardiologia

Feixe ultrassônico

Folhetos pleurais

Alvéolos B

C

Sombra acústica das costelas Linha pleural

Linhas A

Figura 18.2  (A) Representação esquemática da formação da imagem ultrassonográfica bidimensional em um pulmão normal: o feixe ultrassônico não é capaz de propagar-se além da interface pleuropulmonar, composta basicamente por ar. (B) Imagem ultrassonográfica bidimensional de um pulmão normal, obtida pela colocação do transdutor de ultrassom perpendicularmente ao espaço intercostal. (C) Mesma imagem mostrada em (B) do centro com legendas destacando as principais estruturas a serem visualizadas: as sombras acústicas geradas pela costela; a linha pleural hipercogênica; e as linhas A.

Uma tarefa mais difícil é a diferenciação, pela ultrassonografia torácica, entre as diferentes etiologias que cursam com aumento de líquido extravascular pulmonar, como o edema agudo de pulmão cardiogênico versus a SARA do adulto. Habitualmente, a última apresenta um acometimento heterogêneo dos pulmões, com áreas de parênquima pulmonar normal; anormalidades da linha pleural, muitas vezes com diminuição ou ausência do deslizamento entre os folhetos pleurais; e áreas de consolidação. Diferentemente, o edema agudo de pulmão cardiogênico apresenta um acometimento pulmonar difuso e mais homogêneo.22 Entretanto, o reconhecimento de tais alterações requer maior familiaridade com a ultrassonografia torácica e cuja discussão aprofundada excede o escopo deste capítulo. A dosagem do peptídeo natriurético tipo B (BNP) também auxilia na diferenciação entre as diversas causas de dispneia aguda, com taxas menores do que 100 pg/mL tendo um alto valor preditivo negativo para a dispneia de origem cardiogênica e taxas maiores do que 500 pg/mL favorecendo o seu diagnóstico.23 Entretanto, para os pacientes admitidos em unidade de terapia intensiva (UTI) com insuficiência respiratória hipoxêmica e aumento da água extravascular pulmonar, com infiltrado pulmonar bilateral à radiografia de tórax, cuja etiologia permanece incerta após a avaliação inicial, o uso do BNP na diferenciação entre edema agudo de pulmão cardiogênico e a SARA do adulto é controversa, ocorrendo uma ampla faixa de valores em ambas situações.24-26 Um estudo interessante aponta que, nesse contexto, valores menores do que 200 pg/mL favoreceriam o diagnóstico da SARA

Capítulo 18  Síndrome do edema agudo dos pulmões de origem cardiogênica

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com uma especificidade de 91%; e valores maiores que 1.200 pg/mL, o diagnóstico de edema agudo de pulmão cardiogênico com especificidade de 92%. Na faixa de valores intermediários, entre 200 e 1.200 pg/mL, o diagnóstico seria incerto.25 A Figura 18.3 sugere uma abordagem diagnóstica nos pacientes com dispneia aguda mediante a utilização da ultrassonografia pleuropulmonar.

Dispneia de origem súbita

USG de tórax com predomínio de linhas B

USG de tórax com predomínio de linhas A e BNP < 100

Dispneia de origem súbita com aumento de água extravascular pulmonar e sem etiologia clara

BNP < 200 pg/mL

Favorece o diagnóstico de SARA

200 < BNP < 1.200 pg/mL

Etiologia incerta

Dispneia de origem súbita sem aumento de água extravascular pulmonar

BNP > 1.200 pg/mL

Favorece o diagnóstico de edema agudo de pulmão cardiogênico

Considerar etiologias: • Tromboembolismo pulmonar* • Broncoespasmo • Broncoaspiração • Pneumotórax • Inalação de gases tóxicos

Figura 18.3  Abordagem diagnóstica, com o uso da ultrassonografia pleuropulmonar na identificação de água extravascular pulmonar, nos pacientes com dispneia súbita. * Os pacientes com tromboembolismo pulmonar podem apresentar aumento dos níveis de BNP secundário à disfunção aguda do ventrículo direito (VD). SARA: síndrome da angústia respiratória aguda; USG: ultrassonografia; BNP: peptídeo natriurético tipo B.

6. TRATAMENTO Consiste de três etapas sobrepostas. Na primeira, o objetivo é manter as funções respiratórias nos limites que permitam a manutenção da vida. Na segunda, busca-se a redução da pressão hidrostática capilar pulmonar e consequente redução do ultrafiltrado para o interstício pulmonar de forma farmacológica ou não. Por último, na terceira etapa, a meta é tratar a causa ou eliminar o fator de descompensação da cardiopatia de base (Figura 18.4). O tratamento de suporte consiste basicamente em melhorar a oxigenação sanguínea e reduzir o trabalho respiratório do paciente. A oxigenação adequada do sangue visa o transporte necessário de O2 aos tecidos com consequente metabolismo aeróbico e produção eficaz de energia. Evita-se, dessa forma, a produção final de lactato pela via glicolítica anaeróbica. A oxigenação pode ser implementada pelo aumento da fração de inspiração de oxigênio por meio de cateteres de oxigênio (fração inspiratória de oxigênio ou FiO2 máxima = 40%), máscaras faciais (FiO2 máxima = 60%), máscaras de Venturi (FiO2 máxima = 50%), máscaras de alto fluxo com reservatório e válvula unidirecional para o fluxo (FiO2 máxima = 98 a 100%) e, por último, a máscara com suporte não invasivo de ventilação com pressão positiva continua em vias aéreas (CPAP) ou com dois níveis de pressão, ambas com FiO2 máxima = 100%.

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Seção II  Cardiologia

Edema agudo de pulmão • Posicionamento adequado do paciente: decúbito elevado e MMII para baixo • Monitorização: cardioscópio; oximetria de pulso; PANI • Oxigênio suplementar: catéter nasal; máscaras facial Venturi ou reservatório; ventilação mecânica não invasiva (CPAP/BIPAP) • Veia: obtenção de acesso venoso periférico • ECG de 12 derivações: avaliação de alterações sugestivas de SCA Medidas de 1ª linha: • Morfina: 1 a 3 mg IV a cada 5 min • Nitratos: dinitrato de isossorbida 5 mg SL a cada 5 min • Diuréticos: furosemida IV 0,5 a 1,0 mg/kg

Avaliação da pressão arterial e sinais de hipoperfusão

PAS > 100 mmHg sem suspeita de SCA: • Nitroprussiato de sódio IV 0,1 a 5 ucg/kg/min

PAS > 100 mmHg com suspeita de SCA: • Nitroglicerina IV na dose inicial de 5 a 10 µcg/min até 200 a 500 µcg/min

PAS < 90 mmHg ou sinais de má perfusão periférica: • Dobutamina IV 2 a 20 µg/kg/min • Norepinefrina deve ser iniciada nos casos de hipotensão grave

• Hipoxemia refratária • Acidose respiratória progressiva • Sinais clínicos de fadiga da musculatura respiratória

Intubação orotraqueal e ventilação mecânica invasiva

Figura 18.4  Abordagem terapêutica do edema agudo de pulmão de origem cardiogênica. ECG: eletrocardiograma; IV: intravenosa; MMII: membros inferiores; PANI: pressão arterial não invasiva; PAS: pressão arterial sistólica; SCA: síndrome coronariana aguda; SL: sublingual.

A redução do trabalho respiratório é uma medida que evita a fadiga da musculatura da caixa torácica e a retenção de CO2 (consequentemente, a acidose respiratória) e reduz a atividade metabólica anaeróbia da musculatura.7,8 Esta última se deve à grande solicitação muscular somada à hipóxia hipoxêmica causada pelo aumento do gradiente alvéolo arterial proporcionado pelo edema pulmonar. A redução do trabalho inspiratório pode ser feita com o auxílio pressórico inspiratório aplicado por um ventilador mecânico, tendo como interfaces com o paciente a intubação orotraqueal e a máscara facial ou nasal.27-29

Capítulo 18  Síndrome do edema agudo dos pulmões de origem cardiogênica

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A redução de líquido do terceiro espaço pulmonar reduz o gradiente alveoloarterial com consequente melhora da oxigenação. Provoca aumento da complacência pulmonar ao reduzir o número de alvéolos colabados, com desejável redução do trabalho respiratório. Esse objetivo é atingido reduzindo-se a pressão hidrostática de capilar pulmonar com o posicionamento correto do paciente, uso de diuréticos, vasodilatadores ou inotrópicos.30-33 O paciente deve ser posicionado sentado e, sempre que possível, com os membros inferiores pendentes, reduzindo, assim, o retorno venoso e a pressão hidrostática capilar pulmonar. Monitorização contínua dos batimentos cardíacos, pressão não invasiva automática, oximetria de pulso e obtenção de acesso venoso são medidas úteis e, portanto, recomendadas. Oxigênio deve ser oferecido com frações inspiratórias maiores que 60% para manter a saturação periférica de oxigênio acima de 90%.32 Assim, a 1ª linha de drogas usadas no tratamento do edema agudo de pulmão é constituída pelos diuréticos, nitroglicerina, nitratos e morfina. O uso de nitroglicerina de forma mais liberal do que os diuréticos é associado a melhores resultados, como menor número de pacientes com infarto agudo do miocárdio e menor necessidade de ventilação mecânica.32 O nitrato usado mais frequentemente é o dinitrato de isossorbida, na dose de 5 mg, administrado via SL a cada 5 minutos, desde que a PAS se mantenha acima de 90 mmHg. A furosemida na dose de 0,5 até 1 mg/kg de peso via IV. Em casos de insuficiência renal oligoanúrica, uma dose de 100 a 200 mg é utilizada com aplicação lenta. A resposta inicial esperada é a melhora do desconforto respiratório em virtude da venodilatação, e, após 20 a 30 minutos, ocorrerá a diurese propriamente dita. Dessa forma, se até 20 minutos depois da aplicação do diurético não houver resposta diurética ou do desconforto respiratório, o dobro da dose inicial é aplicado.34 A morfina é um fármaco de grande auxílio na terapêutica do edema pulmonar, pois promove a venodilatação, reduzindo o retorno venoso para o coração em até 40%; diminui as eferências dos mecanorreceptores intersticiais pulmonares estimulados pelo aumento do fluxo e da pressão hidrostática; e reduz a descarga adrenérgica do paciente, pelos dois motivos previamente descritos, reduzindo, assim, a pós-carga do coração. A dose usada é de 1 a 3 mg a cada 5 minutos, monitorizando nível de consciência, frequência respiratória, pressão arterial, náuseas e frequência cardíaca. A meperidina não deve ser usada porque tem mais efeitos colaterais causados pelos seus metabólitos aliados a um menor efeito hemodinâmico.34 Caso o paciente permaneça desconfortável apesar dessas medidas (PAS > de 100 mmHg), vasodilatadores venosos com infusão contínua são administrados. O nitroprussiato de sódio na dose de 0,1 até 5 mg/kg por minuto, é utilizado caso o paciente não tenha antecedente de coronariopatia, dor torácica ou alteração isquêmica ao eletrocardiograma. Em caso de coronariopatia associada, a nitroglicerina endovenosa de 5 a 10 µg até 200 a 500 mg/min é a medicação de escolha.35 Drogas inotrópicas como a dobutamina na dose de 2 a 20 mg/kg/min são utilizadas quando há disfunção ventricular esquerda associada com quadro clínico refratário, má perfusão periférica ou hipotensão. Ressaltando que a gravidade dos pacientes nessa situação é muito grande. A hipoxemia refratária, a acidemia por acidose respiratória progressiva, o rebaixamento do nível de consciência, bem como o aparecimento de sinais clínicos de fadiga da musculatura respiratória indicam a intubação orotraqueal com ventilação mecânica.7 Nos doentes com infarto agudo do miocárdio (IAM) e desconforto respiratório moderado/importante, a intubação deve ser mais precoce para reduzir o consumo de oxigênio do coração e permitir uma intervenção hemodinâmica de forma mais segura.29 A ventilação mecânica aplicada com intubação traqueal aumenta a sobrevida de pacientes com insuficiência e/ou desconforto respiratório grave. Contudo, pode causar complicações como infecção pulmonar e o barotrauma, além do aumento da permanência e da elevação dos custos hospitalares. O tratamento da insuficiência respiratória moderada a grave mediante ventilação mecânica não invasiva em dois níveis de pressão e o CPAP vem ganhando espaço recentemente. O CPAP reduz a necessi-

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Seção II  Cardiologia

dade de intubação traqueal em 30 a 35 % dos casos,1,29,36-38 proporciona melhora funcional respiratória precoce em resposta à medicação habitual.39,40 Entretanto, não existe comprovação da redução de mortalidade com o seu uso.37 Apesar de suas vantagens, como a fácil aplicabilidade, a redução no custo e as poucas complicações, as formas não invasivas de aplicação de pressão em vias aéreas não isolam a via aérea, sendo, por isso, consideradas formas secundárias de suporte. O CPAP e a ventilação não invasiva em dois níveis de pressão podem ser aplicados por meio de máscara nasal ou facial e, seja qual for a forma de aplicação (um ou dois níveis de pressão), o resultado clínico é similar.41 Também não há preferência específica entre CPAP e dois níveis de pressão em pacientes com hipercapnia ou insuficiência coronariana.42,43 A pressão positiva intratorácica reduz o retorno venoso, diminuindo a pré-carga, a pressão transmural em parede de ventrículo esquerdo (VE) e a pós carga.36,44 O apoio pressórico inspiratório reduz o consumo de oxigênio da musculatura respiratória que, em condições basais, é de 5 % e passa a até 40 a 50% do DC em condições de estresse, diminuindo, assim, o trabalho cardíaco.39,40

7. CONCLUSÕES O edema agudo pulmonar é uma síndrome que se manifesta com hipoxemia e/ou desconforto respiratório, em que o reconhecimento da causa é relevante. Seu suporte depende da correção da hipoxemia e do desconforto respiratório; paralelamente a ele, são importantes as medidas que diminuam­ a quantidade de água no terceiro espaço pulmonar.

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Dissecção aguda da aorta

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Fabio Biscegli Jatene Alexandre Ciappina Hueb 1. INTRODUÇÃO A dissecção aguda da aorta é uma emergência cirúrgica que se destaca pela alta taxa de mortalidade. A delaminação das camadas da aorta caracteriza essa grave doença que habitualmente leva ao extravasamento de sangue para a camada muscular após ruptura da íntima (Figura 19.1).1 Tipicamente, uma ou mais perfurações permitem a livre comunicação entre dois lúmens – o verdadeiro e o recém-formado (falso lúmen). O fator etiológico que determina a doença é desconhecido, apesar da maioria dos pacientes apresentar hipertensão arterial essencial ou anormalidades estruturais da parede arterial. A incidência de dissecção é de difícil predição e, em decorrência de sua funesta manifestação, pode ocorrer a morte antes da internação ou caracterização. Estudos populacionais sugerem que a incidência seja de 2 a 3,5 casos por 100 mil pessoas por ano. Uma revisão de 464 pacientes do estudo IRAD relatou idade média de apresentação de 61,9 anos, com predominância significativa do sexo masculino (65%).2 A prevalência da dissecção está aumentando independentemente do envelhecimento da população, como observado por Olsson e colaboradores, que descrevem aumento na incidência de dissecção entre homens suecos de 16 casos por 100 mil indivíduos por ano. 3 Quanto à evolução, trata-se de uma das doenças que têm pior prognóstico, com 40% de morte imediata e probabilidade de 1% por hora de morte após o evento inicial. Observa-se probabilidade de morte que varia de 5 a 20% no per ou pós-operatório e sobrevida de 50 a 70% em 5 anos após a cirurgia, variando de acordo com idade, sexo e etiologia da dissecção. O número de mortes por dissecção da aorta excede o de mortes por aneurisma roto da aorta abdominal e é a principal causa de morte relacionada com a aorta.4 Em relação ao tempo entre o início dos sintomas e a apresentação, a dissecção é definida como aguda quando ocorre até 2 semanas após início da dor; subaguda, entre 2 e 6 semanas; e crônica, quando decorrem mais de 6 semanas desde o início da dor.

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Seção II  Cardiologia

Trombo

Luz falsa

Luz verdadeira

Figura 19.1  Aspecto histológico de dissecção aórtica. Observa-se como a falsa luz é maior que a verdadeira.

2. CLASSIFICAÇÃO Está relacionada ao local onde houve a ruptura da íntima ou se a dissecção envolve a aorta ascendente (independentemente do local de origem). A classificação precisa é importante porque embasa a decisão entre abordagem terapêutica cirúrgica e conservadora. Os dois principais modelos de classificação são o de DeBakey e de Stanford. Como definição anatômica, a aorta ascendente localiza-se entre a raiz aórtica e a origem do tronco braquiocefálico e a aorta descendente localiza-se na porção distal, após a origem da artéria subclávia esquerda. O sistema de classificação DeBakey categoriza as dissecções de acordo com a origem da ruptura intimal e a extensão da dissecção. • tipo I – a dissecção se origina na aorta ascendente e propaga distalmente além do arco e aorta descendente (situação em que a cirurgia está indicada); • tipo II – a dissecção se origina e termina na aorta ascendente (situação em que a cirurgia está indicada); • tipo III – a dissecção se origina na aorta descendente e se propaga distalmente (situação em que a cirurgia não está indicada). Existe ainda uma subclassificação para o tipo III: –  tipo IIIa – limitado à aorta descendente; –  tipo IIIb – estende-se abaixo do diafragma. O sistema de classificação de Stanford agrupa as dissecções em dois tipos ‒ as que envolvem a aorta ascendente e as que não envolvem: • tipo A – todas as dissecções que envolvem a aorta ascendente independentemente do local de origem (situação em que a cirurgia está indicada) • tipo B – todas as dissecções que não envolvem a aorta ascendente (situação em que a cirurgia não está indicada) (Quadro 19.1 e Figura 19.2). Quadro 19.1  Esquema de classificação da dissecção aórtica CLASSIFICAÇÃO

LOCAL DE ORIGEM E EXTENSÃO AÓRTICA DeBAKEY

Tipo I

Dissecção se origina na aorta ascendente e se propaga distalmente além do arco e da aorta descendente

Tipo II

Dissecção se origina e termina na aorta ascendente

Tipo III

Dissecção se origina na aorta descendente e se propaga distalmente

Tipo A

Todas dissecções que envolvem a aorta ascendente independentemente do local de origem

Tipo B

Todas dissecções que não envolvem a aorta ascendente

STANFORD

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Capítulo 19  Dissecção aguda da aorta

Tipo A Tipo I

Tipo B Tipo II

Tipo III

Figura 19.2  Classificação da dissecção aguda de aorta conforme DeBakey e Stanford.

2.1.  Variações das afecções da aorta Além da dissecção aguda da aorta, outras doenças como hematoma intramural, úlcera penetrante, ruptura traumática de aorta e pseudoaneurisma, devido à gravidade, recentemente vêm sendo agrupadas como síndromes aórticas agudas, uma condição de alta mortalidade, associada com início súbito de dor torácica relacionada com a aorta. O hematoma intramural ocorre em 10 a 20% dos casos em que se observa imagem de dissecção aórtica sem identificação de fluxo sanguíneo na falsa luz ou lesão intimal. Alguns autores acreditam que decorra da hemorragia dos vasa vasorum. A evolução do hematoma intramural é variável, pode haver resolução completa (10%) ou evolução para dissecção clássica, com possibilidade de ruptura. Hematomas que envolvem a aorta ascendente têm alto risco de complicação e morte com terapêutica clínica e a cirurgia normalmente está indicada.5 A úlcera penetrante refere-se a uma lesão aterosclerótica com ulceração que penetra na lâmina elástica interna e desenvolve hematomas na camada média da parede aórtica. Esse tipo de acometimento pode ser um estágio para o desenvolvimento de hematoma intramural ou ruptura aórtica. Habitualmente, essas lesões assomam em segmentos com alterações ateroscleróticas, sendo mais frequentes na aorta torácica descendente (90% dos casos).6 Os pseudoaneurismas da aorta são relativamente raros e, em geral, relacionados a traumas contusos com alta energia cinética, como acidentes automobilísticos, quedas e lesões nos esportes. O pseudoaneurisma pode ocorrer após cirurgias cardíacas, principalmente em decorrência de manipulação da aorta, procedimentos percutâneos envolvendo cateteres ou traumas penetrantes. A correção cirúrgica impõe-se nessa situação. A ruptura traumática da aorta está presente em 20% das autópsias de todos os acidentes automobilísticos no Reino Unido. Estima-se que apenas 9 a 14% dos pacientes com ruptura traumática da aorta cheguem vivos ao hospital e, destes, apenas 2% sobrevivam. O diagnóstico baseia-se na hipótese clínica e na sequência de métodos de imagem que a condição de estabilidade clínica permita realizar.7

3. FATORES DE RISCO ASSOCIADOS À DISSECÇÃO AÓRTICA Existem várias condições que predispõem à alteração da arquitetura e da integridade da parede aórtica, levando à dissecção. Aproximadamente 75% de todos os pacientes com dissecção aórtica têm hipertensão arterial sistêmica que promove espessamento da íntima, calcificação e fibrose da adventícia. Essas alterações afetam as propriedades elásticas da parede arterial devido a um desequilíbrio

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entre as metaloproteinases (endopetidases produzidas por leucócitos e células musculares lisas na parede da aorta) e seus inibidores endógenos, que degradam a elastina e o colágeno, relacionados à integridade da parede da aorta. Doenças genéticas que desencadeiem síndromes aórticas, cardiopatias congênitas, aterosclerose, doenças vasculares inflamatórias, uso de cocaína e causas iatrogênicas também são fatores de risco para dissecção da aorta. Entre 464 pacientes do estudo IRAD, a hipertensão esteve presente em 72%; a aterosclerose, em 31%; aneurisma da aorta conhecido, em 16%; dissecção aórtica prévia, em 6%; cirurgia cardíaca prévia, em 18%; e dissecção iatrogênica, em 4%.2,9 A valva aórtica bicúspide é um fator de risco muitas vezes não diagnosticado que determina aneurisma da aorta ascendente e dissecção aórtica e está presente em 5 a 7% dos casos. As aortites não específicas, a arterite de Takayasu e a doença de Behçet têm sido associadas com dissecção aórtica. O uso de cocaína ou crack está associado a menos de 1% de dissecção quando em homens, hipertensos, negros e tabagistas. A dissecção aórtica pode ocorrer durante a gravidez (no terceiro trimestre) ou no puerpério, sendo difícil sua associação com variáveis hemodinâmicas. Quando a dissecção relacionada com a gravidez ocorre, deve-se identificar alguma mutação genética (Quadro 19.2). Cateterização intra-arterial, implante de stents e inserção do balão intra-aórtico podem levar à dissecção aórtica. O implante de prótese aórtica endovascular (TEVAR, do inglês thoracic endovascular aortic repair) leva à dissecção retrógrada da aorta em 1% dos casos, com mortalidade de 40%.9 A síndrome de Marfan, uma doença do tecido conjuntivo descrita pelo pediatra francês Antoine Bernard-Jean Marfan, em 1896, como deficiência de fibrilina, uma proteína presente nos ligamentos, cristalino e camada interna das artérias, principalmente na aorta, tem estreita relação com a ocorrência de aneurisma e dissecção aórtica. As manifestações clínicas da doença envolvem: 1) o sistema esquelético caracterizado por estatura elevada, escoliose, braços e mãos alongadas e deformidade torácica; 2) sistema cardíaco com prolapso de valva mitral e dilatação da aorta; e 3) região ocular com miopia e luxação do cristalino (Figura 19.3). A identificação da síndrome de Marfan e a presença de diâmetro externo da raiz aórtica maior que 5 cm constituem indicação para reparo da raiz aórtica e da aorta ascendente por serem fatores predisponentes de maior ocorrência de dissecção aórtica. Quadro 19.2  Fatores de risco associados à dissecção aórtica CONDIÇÕES ASSOCIADAS COM O AUMENTO DA TENSÃO NA PAREDE DA AORTA Hipertensão (principalmente se não for controlada) Feocromocitoma Cocaína ou outras substâncias estimulantes Levantamento de peso ou manobra de Valsalva Trauma com alta energia cinética Coarctação aórtica CONDIÇÕES ASSOCIADAS COM ANOMALIAS PARA CAMADA MÉDIA DA AORTA GENÉTICO Síndrome de Marfan Síndrome de Ehlers-Danlos (forma vascular) Valva aórtica bicúspide Síndrome Loeys-Dietz Vasculites inflamatórias Arterite de Takayasu Arterite de células gigantes Doença de Behçet OUTROS Gravidez Doença renal policística Administração crônica de corticosteroides Infecções que envolvem a parede da aorta

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Capítulo 19  Dissecção aguda da aorta

Figura 19.3  Biótipo típico de paciente com síndrome de Marfan.

4. APRESENTAÇÃO CLÍNICA A manifestação clínica clássica da dissecção aórtica é a dor torácica intensa de início súbito (máxima intensidade no início), com irradiação para a região dorsal. Expressões como “rasgar”, “lacerar” ou “apunhalar” são usadas em cerca de metade dos casos. Paradoxalmente, as características clínicas de dissecção abrangem um amplo espectro de manifestações que incluem desde a dissecção silenciosa, processo indolor sem sinais físicos, até as manifestações mais sérias, com complicações graves. Em relação aos sintomas, a dor é o mais comum deles (96%), apresentando-se como dor precordial (85%), dor nas costas (46%), dor abdominal (22%). A localização da dor e outros sintomas associados podem sugerir o local de ruptura inicial da íntima que pode mudar à medida que a dissecção se estende ao longo da aorta ou envolve outras artérias ou órgãos. Entre os 464 pacientes inscritos no IRAD, 80% deles com dissecção tipo A de Stanford apresentam dor no peito, mais comumente descrita como anterior (71%) do que como posterior (32%). Em contraste, pacientes com dissecções do tipo B são mais propensos à dor nas costas (64%), seguida por dor no peito e dor abdominal (63% e 43%, respectivamente). Os sintomas da dissecção aórtica podem mimetizar as mais variadas condições clínicas, portanto enfatizamos a grande importância da suspeição clínica.10 Outras características clínicas na avaliação inicial, ocorrendo com ou sem dor no peito, podem incluir insuficiência cardíaca congestiva (7%), síncope (9%), acidente vascular cerebral (AVC) agudo (6%), infarto agudo do miocárdio (IAM), neuropatia isquêmica periférica, paraplegia e parada cardíaca ou morte.11 Os achados no exame físico demonstram déficits de pulso hemilateral, hipertensão ou na eventualidade de tamponamento cardíaco, hipotensão, sinais de regurgitação aórtica, acometimento neurológico ou visceral (Figura 19.4). A insuficiência vascular associada à dissecção da aorta pode resultar do flap de dissecção, provocando a compressão da luz verdadeira pela distensão do falso lúmen. Os déficits de pulso podem ser intermitentes, em decorrência de o movimento do flap obstruir esporadicamente o orifício arterial.

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Seção II  Cardiologia

Figura 19.4  Aspecto de hemopericárdio com possibilidade de tamponamento cardíaco.

Manifestações neurológicas ocorrem em 17 a 40% das dissecções aórticas, mais comumente em dissecções tipo A. Síncope, dissecção aórtica indolor e dissecções com sintomas predominantemente neurológicos podem levar à dificuldade ou demora no diagnóstico. Síndromes neurológicas incluem acidente vascular cerebral isquêmico (AVCi) transitório ou persistente, isquemia da medula espinal, neuropatia isquêmica e encefalopatia hipóxico. Estão relacionados à má perfusão de um ou mais ramos que irrigam o cérebro, medula espinal ou os nervos periféricos. O AVCi ocorre em aproximadamente 6% das dissecções da aorta ascendente e, mais comumente, no hemisfério esquerdo, pois os vasos do arco aórtico do lado esquerdo são mais suscetíveis ao avanço do falso lúmen (Figura 19.5).12 O sopro diastólico de regurgitação aórtica acompanhado de dor torácica aguda deve levar à suspeita clínica de dissecção aórtica. O sopro diastólico de regurgitação aórtica está presente em 44% das dissecções do tipo A e 12% do tipo B (Figura 19.6).8 A síncope é relativamente comum na dissecção aórtica, que afeta 9% em uma grande série (13%, tipo A, 4%, tipo B) e pode ocorrer sem dor ou outro evento neurológico. As manifestações neurológicas mais comuns de dissecção incluem convulsões, amnésia transiente global, neuropatia isquêmica, perturbações da consciência e coma, e paraparesia ou paraplegia relacionado à isquemia da medula espinal (Figura 19.7).13

Figura 19.5  Aspecto macroscópico do comprometimento neurológico. Tronco braquiocefálico com falso lúmen ocluindo a artéria carótida comum direita.

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Capítulo 19  Dissecção aguda da aorta

Figura 19.6  Desenho esquemático sugerindo etiologia da regurgitação aórtica.

Figura 19.7  Angiotomografia demonstrando compressão da primeira artéria medular pela falsa luz.

5. DIAGNÓSTICO Mesmo com todos os avanços diagnósticos, a identificação precoce da dissecção torácica aguda é um desafio. Durante a avaliação inicial, o diagnóstico correto de dissecção aórtica é feito em apenas 15 a 43% dos pacientes.14 Os fatores que impedem o diagnóstico preciso incluem as seguintes variáveis: a ocorrência de dissecção aórtica é relativamente rara (2,9 a 3,5 casos por 100.000 pessoas/ano), quando comparada à principal causa de dor torácica que é o IAM (mais de 200 casos por 100.000 pessoas/ano), sendo difícil para o médico identificar essa doença entre outras mais frequentes. Os médicos assistentes têm pouca experiência direta com dissecção aórtica e não estão doutrinados a identificar as sutilezas dos sinais e sintomas dessa grave doença. Ao contrário de outras doenças cardiovasculares, a dissecção aórtica pode ocorrer em pacientes jovens, o que dificulta seu diagnóstico. Além disso, os respectivos sinais e sintomas são pouco específicos, o que torna a suspeição clínica um elemento fundamental para o diagnóstico.

5.1  Exames laboratoriais Os biomarcadores como Ck-mb, troponina e D-dímero são elementos valiosos no diagnóstico de dissecção aórtica. A Ck-mb pode evidenciar ou afastar a possibilidade de evento isquêmico miocárdico em razão de seu alto valor preditivo no IAM. O D-dímero apresenta-se significativamente elevado em pacientes com dissecção aórtica. Nas primeiras 24 horas do início do evento, um nível de D-dímero

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inferior a 500 ng/mL tem razão de verossimilhança negativa e um valor preditivo negativo de 95%. O ensaio de D-dímero pode ser útil para excluir dissecção aguda da aorta nessa janela de tempo, com um desempenho diagnóstico semelhante ao obtido, por exemplo, para diagnóstico de embolia pulmonar.14

5.2  Diagnóstico por imagem 5.2.1 Eletrocardiografia A eletrocardiografia deve ser realizada de forma rotineira na admissão do paciente com dor torácica. Apesar da baixa sensibilidade e especificidade, a redução da amplitude do QRS ou a mudança de eixo elétrico podem sugerir dissecção, mas, sem dúvida, ela é muito útil no diagnóstico diferencial da principal patologia que leva à dor torácica, que é o IAM.15 Além disso, deve-se ter em mente que pacientes com dissecção aguda de aorta podem apresentar supradesnível do segmento ST no eletrocardiograma secundário ao acometimento do óstio das artérias coronárias, notadamente à direita, com elevação do segmento ST nas derivações inferiores.

5.2.2  Radiografia de tórax Na estratificação diagnóstica de dissecção aórtica, a radiografia simples de tórax pode ser uma ferramenta útil, principalmente naqueles casos em que a sintomatologia clínica não é tão exacerbada. Os achados na radiografia de tórax são inespecíficos, sujeitos à variabilidade e, em muitos casos, apresenta-se normal (12 a 15%). A anormalidade mais comum observada é um contorno anormal ou alargamento da silhueta aórtica (Figura 19.8). A comparação da radiografia de tórax atual com um estudo anterior pode revelar alterações agudas. Os derrames pleurais são relatados em aproximadamente 20% das dissecções.

5.2.3 Ecocardiografia Por sua característica de portabilidade e não invasibilidade (transtorácico), a ecocardiografia é uma ferramenta importante para a estratificação de risco na avaliação de pacientes com suspeita de dissecção aórtica. A ecocardiografia transtorácica aliada à transesofágica pode ser utilizada na sala de emergência ou mesmo no bloco cirúrgico, com alta acurácia em situações de emergência e por mãos experientes.

Figura 19.8  Radiografia de tórax demonstrando alteração da silhueta aórtica.

Além de exibir a aorta ascendente e descendente, permite identificar a presença de insuficiência aórtica ou derrame pericárdico. O diagnóstico ecocardiográfico de dissecção aórtica caracteriza-se pela presença de um flap ondulante na camada íntima do lúmen aórtico que separa a luz verdadeira

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Capítulo 19  Dissecção aguda da aorta

da falsa. A ecocardiografia transtorácica é menos sensível (59 a 83%) e também menos específica (63 a 93%) quando comparada a outras modalidades diagnósticas (Figura 19.9). A ecocardiografia transesofágica é altamente precisa para avaliação e diagnóstico de dissecção aguda da aorta (sensibilidade de ~ 98% e especificidade de 94 a 97%).16 A aorta ascendente distal e o arco aórtico proximal podem não ser bem visualizados pela ecocardiografia transesofágica, mas os segmentos restantes da aorta torácica estarão bem nítidos.

Figura 19.9  Ecocardiografia transesofágica demonstrando flap na porção ascendente da aorta (*).

5.2.4  Tomografia computadorizada (TC) É o exame mais utilizado na avaliação da dissecção aórtica. Com os equipamentos de múltiplos detectores, a tomografia pode ser realizada de maneira rápida, com uma excelente definição espacial e sensibilidade e especificidade acima de 95%. A presença de dois lúmens com flap visível na camada interna faz o diagnóstico de dissecção. Permite visualizar também derrame pericárdico e/ou pleural, artérias coronárias proximais e a extensão e o envolvimento de ramos da aorta. As limitações estão relacionadas ao diagnóstico de insuficiência aórtica e à identificação do local inicial de ruptura da íntima. A tomografia espiral (helicoidal) com contraste permite a reconstrução tridimensional para avaliar a dissecção e ramos com melhor definição anatômica (Figura 19.10).

Figura 19.10  Tomografia computadorizada de tórax evidenciando linha de dissecção na aorta ascendente.

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5.2.5  Ressonância magnética (RM) Tem excelente acurácia no diagnóstico e sensibilidade e especificidade próximas a 100%. Ao contrário da TC, a técnica-padrão não requer uso de contraste. A disponibilidade do método é limitada e o tempo para realização da RM é longo, chegando a durar cerca de 40 minutos, e torna-se inadequada particularmente em situações de emergência. É contraindicada em pacientes com certos dispositivos implantáveis (p. ex.: marca-passo e desfibrilador) e outros implantes metálicos. Além disso, a RM tem disponibilidade limitada em caráter de urgência em muitos hospitais devido ao maior tempo para a aquisição de imagens. Ela é mais utilizada em pacientes hemodinamicamente estáveis, nas dissecções crônicas e no seguimento após o tratamento da fase aguda. O exame fornece excelente imagem das dissecções e pode identificar precisamente formações de tombos e “sítios” de entrada. A angioressonância com contraste, como o gadolíneo, e a reconstrução tridimensional permitem a investigação de toda a aorta torácica e seus principais ramos, com resultado superior àquele obtido com angiografia convencional.

5.2.6 Aortografia Com a evolução dos métodos imagéticos, a aortografia é raramente utilizada para o diagnóstico de dissecção aguda da aorta. Esse método é utilizado em pacientes que serão submetidos a intervenções eletivas da aorta torácica ou no planejamento de procedimentos endovasculares. Em comparação com outras modalidades imagéticas, a aortografia é menos precisa em estabelecer o diagnóstico de dissecção aórtica (sensibilidade 90, especificidade 94%).

5.2.7  Considerações sobre a melhor modalidade de imagem Devido ao alto grau de sensibilidade, especificidade e disponibilidade da TC com contraste, essa modalidade é geralmente o exame de 1ª escolha para o diagnóstico de dissecção aórtica. Os tomógrafos atuais permitem a captação da imagem em alguns segundos de maneira rápida e eficaz. Devemos considerar a utilização de contraste iodado apesar do risco de nefrotoxicidade, pois a TC sem contraste pode deixar de diagnosticar dissecção aórtica. A ecocardiografia transesofágica é frequentemente utilizada em situações de emergência quando existem comprometimento hemodinâmico e dificuldade de transporte para TC ou RM. O tempo para o diagnóstico é abreviado e tem como vantagem avaliar a presença de regurgitação aórtica. Atenção especial deve ser dada aos pacientes com varizes esofagianas, em que o ecocardiografia transesofágica está contraindicada. Entre as modalidades diagnósticas de dissecção, a RM é a que tem melhor acurácia. Apesar dessa vantagem, raramente é utilizada como imagem inicial em razão da falta de disponibilidade, do tempo para aquisição das imagens, da necessidade de monitorização e dos dispositivos metálicos implantados. A RM não é aplicável a pacientes hemodinamicamente instáveis. A aortografia requer uma equipe de angiografia e está sujeita aos riscos associados a um procedimento invasivo, incluindo tempo de espera e contraste intravenoso. Portanto, a abordagem diagnóstica do paciente com suspeita de dissecção aórtica deve ser baseada nos recursos de cada instituição, disponibilidade, familiaridade com cada técnica e, principalmente, com a rapidez e a precisão com que podem ser realizados.17

6. TRATAMENTO Os objetivos terapêuticos são voltados para estabilização clínica do paciente, como controle da dor e redução da pressão arterial e da impedância de ejeção do VE. Essas medidas são efetivadas imediatamente, enquanto o paciente está passando por avaliação diagnóstica. A redução da pressão arterial pode ajudar a prevenir a propagação da dissecção e diminuir o risco de ruptura da aorta. A dissecção aórtica é uma doença altamente letal. A literatura reporta que mais de 25% de indivíduos não tratados com dissecção aguda morreram nas primeiras 24 horas, 50% logo na primeira semana, e mais de 75% no primeiro mês.18

Capítulo 19  Dissecção aguda da aorta

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A pressão arterial sistólica deve ser reduzida para níveis de 100 ou 120 mmHg, ou níveis mais baixos que permitam adequada perfusão esplâncnica. Medicações betabloqueadoras devem ser administradas, independentemente do nível pressórico, com o objetivo de diminuir a frequência cardíaca para níveis de 60 batimentos/minuto ou menos. O propranolol, metoprolol, labetolol ou esmolol são excelentes opções terapêuticas de 1ª escolha. Nos pacientes com potenciais contraindicações para betabloqueio ou instabilidade hemodinâmica, o esmolol pode ser uma opção viável devido à sua meia-vida extremamente curta (~ 9 minutos). A dose inicial recomendada inicial é de 500 mg/kg, seguida de infusão contínua de 50 a 200 µg/kg/min. O labetolol, um antagonista-alfa e beta, oferece a vantagem de controlar tanto a frequência quanto a pressão com uma única medicação. É administrado com uma dose inicial de 20 mg, via intravenosa (IV), durante 2 minutos, e, em seguida, uma dose de 40 a 80 mg (IV) a cada 15 minutos (dose máxima de 300 mg), até que uma resposta adequada seja alcançada. O labetolol é, então, administrado por infusão IV contínua a uma taxa de 2 a 8 mg/min. Quando a regurgitação aórtica aguda grave complica a dissecção aórtica, deve-se ter cuidado com doses altas de betabloqueadores. Quando eles são contraindicados, pode-se considerar os bloqueadores dos canais de cálcio, como verapamil ou diltiazem. O diltiazem é administrado a 0,25 mg/ kg ao longo de 2 minutos e, em seguida, como uma infusão contínua, na dose de 5 a 15 mg/hora, dependendo do efeito. O nitroprussiato de sódio reduz rapidamente a pressão sanguínea, mas, quando utilizado sozinho, pode aumentar a impedância do VE, piorando a propagação da dissecção, devendo ser usado em associação ao betabloqueador. O nitroprussiato de sódio é iniciado com uma dose de 0,01 µg/kg/min, com titulação de 0,5 a 5 µg/kg/min, conforme necessário. O controle da dor é essencial para a adequada manutenção da dissecção, pois a dor leva ao aumento na liberação de catecolaminas endógenas, com repercussão direta no ritmo cardíaco e na pressão arterial. O uso adequado de analgésicos opioides via endovenosa (EV) auxilia no controle hemodinâmico e diminui a necessidade de agentes vasodilatadores. O tamponamento cardíaco ocorre em 19% dos pacientes com dissecção do tipo A, sendo um dos mecanismos mais comuns de morte nessa situação.19 Os pacientes com tamponamento estão mais propensos à hipotensão, síncope, ou alteração do estado mental. A taxa de mortalidade intra-hospitalar entre os pacientes com tamponamento é duas vezes maior quando comparada à daqueles sem tamponamento (54 versus 25%). O hemopericárdio frequentemente leva à instabilidade hemodinâmica e à hipotensão na dissecção aguda e; nessa situação, a pericardiocentese comumente é considerada a terapia inicial para estabilizar o paciente antes da operação. Mas, frequentemente, a morte súbita por atividade elétrica sem pulso é reportada minutos após a pericardiocentese. O relativo incremento na pressão intra-aórtica após a punção pode levar a reabertura e surgimento de sangue sobre pressão do falso lúmen para o pericárdio, provocando hemorragia aguda e tamponamento cardíaco fatal. Portanto, em paciente relativamente estável com dissecção aguda e tamponamento cardíaco, os riscos de pericardiocentese provavelmente superam seus benefícios. A estratégia inicial deve ser a de proceder à operação emergente e, durante a reparação cirúrgica aberta, realizar drenagem do pericárdio sob visão direta. Nas situações críticas, em que o paciente apresenta atividade elétrica sem pulso ou hipotensão refratária, uma tentativa de ressuscitação com pericardiocentese pode salvar sua vida. Nesse caso, deve-se tentar aspirar líquido pericárdico apenas o suficiente para estabilizar o paciente e, em seguida, encaminhá-lo para cirurgia de emergência (Figura 19.11). A cirurgia de emergência melhora a sobrevivência nas dissecções agudas do tipo A, ao passo que a terapia médica inicial é recomendada para dissecções agudas do tipo B. Pacientes com dissecção aguda da aorta requerem avaliação multidisciplinar urgente e gestão. Eles devem ser transferidos em caráter de urgência a um centro médico terciário, com acesso a cirurgia cardiovascular, cirurgia vascular, radiologia intervencionista e cardiologia. A avaliação cirúrgica urgente é recomendada para todos os pacientes com diagnóstico de dissecção aórtica, independentemente da localização anatômica da dissecção.20

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Seção II  Cardiologia

Figura 19.11  Aspecto macroscópico cirúrgico da dissecção aórtica tipo A.

O tratamento cirúrgico de dissecção aórtica tipo A melhorou dramaticamente a sobrevivência para essa condição letal. Os objetivos do tratamento cirúrgico baseiam-se em tratar ou prevenir as complicações comuns de dissecção, como tamponamento cardíaco, insuficiência aórtica, ruptura da aorta, AVC e isquemia visceral (Figura 19.12).

Figura 19.12  Aspecto cirúrgico da dissecção aórtica tipo A, após abertura da aorta ascendente, demonstrando as lâminas da dissecção.

Os objetivos cirúrgicos imediatos são: 1) identificar a ruptura na íntima; 2) eliminar o falso trajeto nas extremidades da aorta; e 3) reconstituir aorta diretamente, ou, mais comumente, a interposição de um tubo de Dacron. Na dissecção tipo A, com regurgitação aórtica moderada a importante, o objetivo também é corrigir essa anomalia com a suspensão dos folhetos da valva aórtica ou substituição da valva aórtica.

7. TERAPIA DEFINITIVA É a cirurgia de emergência para todos os pacientes considerados candidatos cirúrgicos. Pacientes com dissecção aguda da aorta estão sob risco de progressão da doença, incluindo a ruptura aórtica, regurgitação com insuficiência cardíaca, AVC e tamponamento. Em comparação com a terapêutica clínica, a intervenção cirúrgica melhora a sobrevida nas dissecções agudas tipo A. No estudo IRAD, a taxa de mortalidade dos pacientes com dissecção tipo A submetidos à cirurgia foi de 26 contra 58% daqueles submetidos a tratamento clínico.19

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Capítulo 19  Dissecção aguda da aorta

Mesmo em centros terceirizados com alta experiência em dissecção aórtica, a taxa de mortalidade é bastante alta. Fatores de risco pré-operatórios instabilizam ainda mais os pacientes, aumentando as taxas de mortalidade. Pacientes com choque, insuficiência cardíaca congestiva, tamponamento cardíaco, infarto do miocárdio, insuficiência renal ou isquemia mesentérica têm taxa de mortalidade de 31 versus 17% aqueles sem essas condições. Variáveis preditivas de má evolução intraoperatória incluem: disfunção aguda do VD; hipotensão; tempo de circulação extracorpórea; envolvimento do arco aórtico; necessidade de parada circulatória total; e hipotermia profunda. Pacientes com dissecção aguda tipo B têm um menor risco de morte prematura do que aqueles com o tipo de dissecção aguda tipo A. No estudo IRAD, a taxa de mortalidade de pacientes com dissecção tipo B tratados clinicamente foi de 10,7%. No entanto, a maioria das séries de dissecção aguda da aorta descendente relatou uma taxa de mortalidade de 25 a 50% para aqueles que necessitam de cirurgia. Em pacientes com dissecção do tipo B não complicada, a taxa de mortalidade intra-hospitalar é baixa, ao passo que a dissecção tipo B complicada carrega uma taxa de mortalidade muito maior, especialmente quando acompanhada de choque ou má perfusão. No IRAD, a cirurgia foi realizada em 20% das dissecções do tipo B, com uma taxa de mortalidade de 31%. Indicações típicas para a intervenção cirúrgica ou endovascular na dissecção do tipo B são complicações que se desenvolvem, como isquemia do membro ou visceral, ruptura da aorta ou ruptura iminente, a rápida expansão do diâmetro da aorta, dor incontrolável, ou extensão retrógrada da dissecção para a aorta ascendente. Frequentemente, a terapia endovascular de certas complicações pode ser preferida. A Figura 19.3 ilustra as principais opções terapêuticas de acordo com os principais tipos de apresentação da dissecção aguda de aorta.

Dissecção aguda da aorta

Tipo A

Tipo B não complicado

Cirurgia imediata

Tratamento clínico

Tipo B complicado e anatomia favorável

Tipo B complicado e anatomia desfavorável

Endoprótese

Cirurgia convencional

Figura 19.13  Organograma da dissecção aguda da aorta.

A terapia cirúrgica para correção da dissecção aguda da aorta é tecnicamente muito delicada, pois a parede da aorta é fina e friável. A esternotomia mediana é realizada rotineiramente, com instalação de circulação extracorpórea, geralmente abordando a artéria axilar ou femoral e evitando o trauma da parede da aorta enfraquecida. O tratamento cirúrgico inclui a excisão da região dissecada com obliteração do orifício de entrada da falsa luz proximal e distal, e a interposição de um enxerto de Dacron na aorta ascendente. Quando há regurgitação aórtica, opta-se pela suspensão das comissuras com correção da insuficiência. Se não for possível, pelo envolvimento da valva ou por doença prévia, procede-se à substituição valvar. Quando os seios de Valsalva estão significativamente dilatados ou há comprometimento dos óstios coronarianos, opta-se pela substituição total da raiz utilizando o procedimento de Bentall DeBono. O tratamento de pacientes com dissecção aórtica tipo B está evoluindo com o aumento do uso de dispositivos endovasculares. Em geral, os pacientes estáveis com dissecção do tipo B simples, devem ser tratados clinicamente em razão do elevado risco de morte pela intervenção. Dissecção de aorta tipo B causada pela ruptura da aorta e/ou isquemia visceral resultante de envolvimento dos ramos da aorta requerem intervenção, mas o reparo cirúrgico aberto está associado com altas taxas de mortalidade. Técnicas endovasculares têm sido cada vez mais utilizadas para tratar essa população de pacientes, com melhora dos resultados. Os enxertos endovasculares têm potencial para tratar a maior parte, se não todas, as complicações das dissecções do tipo B, com relativamente baixa morbidade.

294

Seção II  Cardiologia

Pacientes com dissecção de aorta tipo B não complicada correm o risco de complicações a longo prazo, como formação de aneurisma, ruptura tardia e redissecção. Ainda não está claro se o tratamento inicial desse tipo de dissecção com uso do enxerto endovascular mudará essa história natural. O primeiro estudo comparativo entre a reparação cirúrgica ou endovascular para pacientes com dissecção tipo B subaguda ou crônica relatou taxas de 0% e 33% de mortalidade periprocedural para os grupos endovascular e cirúrgico, respectivamente.20,21 MORTALIDADE EM 2 SEMANAS POR TIPO DE DISSECÇÃO E DE TERAPIA

Mortalidade acumulada (%)

60 50 40 30 20 10 0 < 24 Horas

1

2

3

4

5

6

7

8

9

10

11

12

13

14

APRESENTAÇÃO DOS PACIENTES Todos os pacientes (n = 645) A/Medicamentos (n = 98) A/Cirurgia (n = 320) B/Medicamentos (n = 186) B/Cirurgia (n = 41)

Figura 19.14  Taxa de mortalidade em segmento de duas semanas em pacientes com dissecção aórtica de acordo com o tipo de dissecção e a terapia instituída. Fonte: Hagan PG, Nienaber CA, Isselbacher EM e colaboradores, 2000. 2

8. CONCLUSÕES A dissecção aórtica, independentemente de sua classificação, é uma doença de alta mortalidade. (Figura 19.14) Quando diagnosticada precocemente e direcionada para terapêutica de destino, apresenta razoáveis taxas de mortalidade a médio e longo prazo. Observam-se taxas de sobrevida de 94% em 1 ano; 88%, em 5 anos; e 60%, em 10 anos. Um objetivo importante no tratamento a longo prazo da dissecção aórtica é o controle da pressão arterial, tendo como meta mantê-la em níveis inferiores a 120/80 mmHg.

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Capítulo 19  Dissecção aguda da aorta

295

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20 Cuidados intensivos no pós-operatório imediato de cirurgia cardíaca José Mauro Vieira Júnior Luana Llagostera Sillano Ludhmila Abrahão Hajjar 1. INTRODUÇÃO Embora tenha havido uma diminuição no número de cirurgias cardíacas nas últimas décadas, principalmente em decorrência do aumento e aprimoramento de procedimentos endovasculares em cardiologia (implante de válvula aórtica percutânea (TAVI, do inglês transcatheter aortic valve implantation), intervenções coronarianas percutâneas (PCI, do inglês percutaneous coronary intervention), radioablação, oclusão de forame oval patente (FOP, do inglês foramen oval permeable), entre outros), ainda assim nos Estados Unidos são realizadas cerca de 500 mil cirurgias cardíacas/ano. No Brasil, esse número situa-se em torno de 100.000/ano.1,2 A principal consequência dessa mudança epidemiológica nos últimos anos diz respeito a mudanças na demografia e nas características basais clínicas dos pacientes submetidos à cirurgia cardíaca atualmente. Assim, aumentou o número de trocas valvares e procedimentos combinados, cirurgias híbridas, procedimentos para tratamento da insuficiência cardíaca (implante de dispositivos de assistência ventricular, transplantes) e cirurgias complexas da aorta, em detrimento da revascularização isolada do miocárdio. A idade média dos pacientes é mais elevada, assim como a presença de várias comorbidades se tornou a regra (p. ex.: doença renal crônica, insuficiência cardíaca sistólica ou diastólica, doença vascular periférica, diabete melito, doença cerebrovascular e alterações cognitivas). Por último, os pacientes são encaminhados para cirurgia em vigência de uma série de medicamentos que podem ter papel deletério no resultado do procedimento, alterando a resposta fisiológica ao trauma e facilitando interações medicamentosas, assim como interferindo nos cuidados perioperatórios, como no caso dos antiagregantes, antagonistas de angiotensina, antiarrítmicos e betabloqueadores. Tais características tornaram o cuidado intensivo pós-operatório da cirurgia cardíaca ainda mais desafiador. Porém, a boa notícia é que a cirurgia cardíaca se modernizou, as membranas e bombas da extracorpórea se tornaram menos traumáticas para os elementos celulares e mais biocompatíveis. O advento do cell saver e o manuseio racional do sangramento com diretrizes e novos hemocomponentes limitaram o número de transfusões sanguíneas. O trauma cirúrgico foi reduzido em algumas situa-

298

Seção II  Cardiologia

ções com as minitoracotomias ou a robótica. Além disso, a cirurgia sem circulação extracorpórea (CEC) tem potencial para contribuir na redução do trauma e da resposta inflamatória. Além disso, como muitas das indicações clássicas para cirurgia cardíaca se mantiveram, mesmo em faixas etárias mais baixas, não é incomum a presença na UTI de pacientes em pós-operatório (PO) de cardíaca em boas condições já algumas horas após o procedimento, minimamente invadidos e bem estáveis. Sua permanência na unidade acaba sendo baixa, em torno de 2 dias, período pelo qual são mantidos apenas para monitorização e/ou correção de alguns aspectos como sangramento pelos drenos, arritmias, ajuste fino da condição hemodinâmica e função renal (balanço hídrico e diurese). Ainda assim, ao lado desses pacientes, podem coexistir outros extremamente complexos, evoluindo com, por exemplo, baixo débito cardíaco (DC), hipertensão pulmonar, coagulopatia, delirium, vasoplegia/choque distributivo, injúria renal aguda (IRA) dialítica ou arritmias. Nesses casos, além de estarem mais invadidos e monitorizados, é comum o suporte intensivo mais abrangente (ventilação mecânica invasiva, marca-passo, diálise contínua e balão intra-aórtico de contrapulsação, ou outros dispositivos de suporte circulatório mecânico, como membrana de oxigenação extracorpórea (p. ex.: ECMO, do inglês extracorporeal membrane oxygenation) e CenTrimag®). Portanto, o intensivista deve estar bem aparelhado com o conhecimento fisiopatológico da resposta à cirurgia cardíaca e suas complicações. Só assim ele pode assegurar um ótimo resultado cirúrgico para essa população. A mortalidade esperada varia de menos de 3%, para revascularização eletiva e isolada do miocárdio em pacientes sem grandes comorbidades, mas pode alcançar 10% ou mais nos casos mais complexos (cirurgias combinadas ou de urgência, múltiplas comorbidades). A taxa de complicações (morbidade) esperada para esses procedimentos também alcançou níveis muito baixos atualmente.3,4 Ferramentas prognósticas, como o Euroescore, entre outros, ajudam na tomada de decisão para indicar a cirurgia e a equipe médica a se antecipar às complicações na UTI. Pronovost e colaboradores demonstraram recentemente como as complicações ditas preveníveis, relacionadas com o pós-operatório de cirurgia cardíaca, diminuíram drasticamente com a aplicação na UTI de bundlles (prevenção de infecção de corrente sanguínea (ICS) associada ao cateter, prevenção de pneumonia associada à ventilação mecânica-PAV, medidas de prevenção de infecção de sítio cirúrgico), profilaxia de tromboembolismo venoso, checklists e visitas multidisciplinares, com reforço da melhora da comunicação e implementação da cultura de segurança na unidade.3

2. CONSEQUÊNCIAS FISIOPATOLÓGICAS DA CIRURGIA CARDÍACA A utilização da CEC para a realização do procedimento cirúrgico, associada ao fenômeno de isquemia-reperfusão multiorgânico, determina uma série de eventos fisiopatológicos concomitantes, como ativação da cascata da coagulação, ativação do sistema complemento, liberação de mediadores inflamatórios (p. ex.: interleucinas, ICAM e peptídeos vasoativos) e produção de espécies reativas de oxigênio. Tais fatores, associados a potenciais sangramentos, hemólise, formação de microêmbolos, hipotermia programada, acidose e hipóxia, podem determinar consequências fisiopatológicas graves, como hipotensão sistêmica, cardiodepressão, retenção de fluidos, leak vascular e hipertensão pulmonar.5 Assim, como resultado dos mecanismos descritos, não são incomuns no pós-operatório: baixo DC; necessidade de inotrópicos e vasoconstritores; graus variados de edema pulmonar; e disfunção renal; além de disfunção cognitiva/delirium. Tanto é verdade que a CEC está relacionada com tais consequências, que existe farta evidência na literatura da relação direta entre o tempo da CEC e determinadas disfunções orgânicas, como a injúria renal aguda (IRA). A IRA passa a ser mais frequente e de maior severidade com o tempo da CEC acima de 120 minutos (> 25% incidência, se comparada à incidência de < 5%, quando o tempo de CEC não ultrapassa 60 minutos).6 Contudo, a cirurgia cardíaca sem CEC (chamada de off-pump), embora não pareça intuitivo, não protege consideravelmente de complicações os pacientes que utilizam tal técnica. Estudos recentes demonstraram que o benefício da cirurgia sem CEC é marginal, apenas em alguns aspectos clínicos,

Capítulo 20  Cuidados intensivos no pós-operatório imediato de cirurgia cardíaca

299

como na incidência da IRA, mas não determina grandes benefícios em desfechos como mortalidade ou perda da função renal cronicamente.7,8 O que parece explicar tal paradoxo é a presença de insultos que não são modulados exclusivamente pela CEC, como isquemia-reperfusão, alterações da coagulação e sangramentos, efeitos de transfusões, ou mesmo novos mecanismos associados a essa estratégia (má proteção da circulação coronariana ou mesmo revascularização incompleta, hipotermia, lesão traumática na fixação do miocárdio, entre outros).

3. MEDIDAS GERAIS QUE DETERMINARAM MELHOR RESULTADO Revisões sistemáticas revelaram que algumas medidas empregadas sistematicamente nos últimos anos têm se associado com melhores resultados no cenário da cirurgia cardiovascular (redução da mortalidade). São elas: 1) utilização do antiagregante ácido acetilsalicílico (AAS) precocemente; 2) controle glicêmico perioperatório; 3) otimização perioperatória guiada por normalização do débito cardíaco por fluidos e inotrópicos; 4) uso de estatinas pré-operatória; 5) uso crônico de betabloqueadores no pré-operatório; 5) política restritiva transfusional; 6) uso de anestésicos voláteis, e 7) o abandono da aprotinina como antifibrinolítico.9

4. PRINCIPAL DESAFIO PARA O INTENSIVISTA: AS PRIMEIRAS 8 HORAS Sabidamente, o efeito cardiodepressor da cirurgia cardíaca, principalmente aquela realizada com circulação extracorpórea, que compreende a maioria, inicia-se após a recuperação anestésica e se estende por até 12 a 18 horas, revertendo completamente após 24 a 48 horas na maioria dos casos. Entretanto, essas alterações cardiovasculares, em especial a queda do desempenho cardíaco (IC < 2,0 L/ min/m2), ocorrem de maneira mais significativa nas 8 horas iniciais de pós-operatório.10,11 Assim, essa resposta, que é esperada, pode se apresentar como DC e suas manifestações. Portanto, o intensivista deve esperar um período de maior instabilidade hemodinâmica nessas primeiras horas e atuar para abrandar seus efeitos, melhorando a oferta de O2 aos tecidos, prevenindo o aumento de consumo de O2 pelo miocárdio e impedindo um ciclo vicioso de baixo DC e má performance cardíaca. Além do fenômeno descrito, em geral, as complicações classicamente descritas no PO de cirurgia cardíaca, potencialmente colaboradoras para o desenvolvimento da síndrome de baixo DC, ocorrem mais frequentemente nas primeiras horas, como hipovolemia, sangramentos, algumas arritmias, tamponamento, isquemia coronariana, entre outras (conforme a seguir).

5. DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL DA SÍNDROME DE BAIXO DÉBITO O Quadro 20.1 ilustra as principais complicações que podem contribuir para a síndrome de baixo DC no PO de cirurgia cardíaca, seu diagnóstico e a abordagem terapêutica. Vale assinalar que os determinantes do volume sistólico cardíaco, além da contratilidade (intropismo), são a pré e a pós-carga. Assim, assegurar adequadas volemia (volume diastólico final de ventrículo esquerdo – VE) e pressão arterial média (normotensão; alvo 70 a 80 mmHg) é ponto-chave não só para assegurar bom volume sistólico, mas também para manter boa relação oferta-consumo de O2 miocárdico. Também vale relembrar que são determinantes do DC não apenas o volume sistólico, mas a frequência cardíaca, que deve ser mantida geralmente em torno de 80 a 100 bpm. Níveis mais acelerados muito provavelmente diminuirão o enchimento ventricular, principalmente nos hipertróficos (estenose aórtica, hipertensão arterial sistêmica com hipertrofia concêntrica), mas também naqueles com disfunção diastólica ventricular. É bom lembrar que nas primeiras horas de PO, usualmente o coração pós-cardioplegia e hipotermia passa por algum grau de restrição diastólica (diminuição do relaxamento). De todo modo, a presença de bradicardia (como consequência do uso de betabloqueador, amiodarona, ou bradiarritmias) pode determinar baixo DC se acentuada. Por fim, outro conceito a ser resgatado é que não apenas o DC, mas a saturação de oxigênio no sangue arterial e o nível de hemoglobina são também determinantes da oferta de oxigênio aos tecidos. Para otimizar o transporte de O2, é apropriado que o hematócrito (Ht) esteja pelo menos acima

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Seção II  Cardiologia

de 22 a 24% e a saturação de O2, acima de 94%. No entanto, níveis mais elevados de hemoglobina (Hb) não necessariamente trazem benefício e estudo recente demonstrou que a terapia restritiva transfusional no PO de cirurgia cardíaca é segura.12 Quadro 20.1  Principais diagnósticos diferenciais na síndrome de baixo DC e sua abordagem CONDIÇÃO

DIAGNÓSTICO

ABORDAGEM

COMENTÁRIOS

Hipovolemia

Diminuição de marcadores de pré-carga (volume diastólico final pelo CAP, diminuição das pressões de enchimento pelo CAP, ECO com sinais indiretos – coração hiperdinâmico e “vazio”; veia cava inferior colapsando

Reposição preferencialmente com cristaloides. Hemoderivados se sangramento

Geralmente relacionada a sangramentos ou vasodilatação relacionada a reaquecimento/inflamação

Tamponamento cardíaco

Equalização e elevação das pressões de enchimento pelo CAP; ECO com sinais de restrição de VD e/ou AD

Revisão cirúrgica

A ECO transtorácica pode não fazer o diagnóstico (janela ruim pela presença de drenos, VM, curativos, ou pelo fato de o derrame/coágulo ser muito localizado

Arritmias

ECG, monitor, derivação atrial do MP

Bradiarritmias (sinusal ou bloqueios) – otimizar com MP Taquiarrirmias: FA-ancoron para reversão; betabloqueador ou dialtiazem para controle de FC; CV elétrica quando instabilidade; Flutter atrial-CV elétrica quando instabilidade; overdrive suppression (com fio de MP atrial); ancoron; Taquicardia ventricular: ancoron EV/CV elétrica se instabilidade

Corrigir distúrbios hidreletrolíticos e metabólicos, particularmente hipocalemia e hipomagnesemia

Diminuição do inotropismo depressão cardíaca)

Queda do IC, associada a aumento das pressões de enchimento, congestão pulmonar, hipoperfusão periférica e tecidual (aumento do lactato, queda da SvO2, denotando aumento da extração)

Tratar hipocalcemia e acidose, intrópicos (dobutamina, epinefrina), suporte circulatório mecânico (BIA, LVAD)

Ocorre em casos de síndrome pós-cardiotomia ou cardioproteção inadequada, ou embolia coronariana, ou revascularização inadequada com IAM perioperatório

Hipertensão arterial sistêmica

PAM elevada, com comprometimento do débito por aumento da pós-carga

Nitroprussiato de sódio EV (usar nitroglicerina apenas nos casos em que há suspeita de Insuficiência coronariana). Tratar dor e hipotermia

O aumento da PAM é uma urgência pelo risco de congestão pulmonar e comprometimento das suturas arteriais e consequente sangramento

Disfunção de VD

Aumento das pressões de enchimento à D (PVC); ECO com sinais de disfunção (TAPSE < 1,6) e dilatação de VD; disfunção hepática e renal (congestão esplâncnica)

BH negativo; inotrópicos como Milrinone; NO para diminuir PAP; diminuir pressões da via aérea (PEEP)

Pode acontecer em PO de correções valvares e pacientes com DPOC de base

AD: átrio direito; BIA: balão intra-aórtico de contrapulsação; CAP: cateter de artéria pulmonar; CV: cardioversão; DPOC: doença pulmonar oclusiva crônica; ECG: eletrocardiografia; ECO: ecocardiografia; EV: endovenosa; FA: fibrilação atrial; FC: frequência cardíaca; IAM: infarto agudo do miocárdio; IC: índice cardíaco; LVAD: dispositivo de assistência ventricular esquerda; MP: marca-passo; NO: óxido nítrico inalatório; PAM: pressão arterial média; PAP: pressão da artéria pulmonar; PEEP: pressão expiratória final positiva; PVC: pressão venosa central; TAPSE: excursão sistólica do plano do anel da tricúspide; VD: ventrículo direito; VM: ventilação mecânica.

Capítulo 20  Cuidados intensivos no pós-operatório imediato de cirurgia cardíaca

301

6. ADMITINDO UM PACIENTE EM PO DE CIRURGIA CARDÍACA O suporte intensivo adequado de pacientes submetidos à cirurgia cardíaca começa com uma boa transmissão das informações (história de antecedentes e eventos, detalhes da anestesia e cirurgia) e das tecnologias (transferência de bombas, sondas, cateteres, monitores, ventiladores, CAP etc.). Esse procedimento, conhecido também como handoff, a rigor deveria ser estruturado e com checklist, além de ser finalizado com a equipe salientando o que se antecipa naquele paciente em questão (sangramento pelo dreno, despertar agitado, hipertensão, sensibilidade a dor etc.) (Quadro 20.2).13 O cuidado é, como em todos os pacientes críticos, multidisciplinar e bem orquestrado por toda a equipe para obter um bom resultado. Além disso, esse tipo de paciente claramente requer presença constante à beira-leito, pois, além de ser potencialmente grave, é muito dinâmico no seu comportamento clínico. Portanto, demanda pronta flexibilidade nas condutas, integração de múltiplas variáveis e um raciocínio fisiológico para pautar as decisões terapêuticas. Na admissão, especial atenção tem de ser dada ao exame clínico quanto ao ritmo e frequência cardíaca, PAM, IC e pressões de enchimento que eventualmente possam estar sendo monitorizadas. Cuidado sistemático tem de ser dado aos fios do MP (checar quantos são e qual a sua posição) e, obrigatoriamente, devem ser testados limiar de sensibilidade/captura e limiar de deflagração/ demanda. A temperatura deve ser corrigida (usualmente, os pacientes após saída de CEC são hipotérmicos). Medidas de IC (minimamente invasiva ou pelo CAP) devem ser anotadas e valores acima de 2 a 2,2 L/min/m 2 devem ser perseguidos. Os dados da ECO transesofágica no intraoperatório são extremamente úteis para o intensivista (comportamento dos ventrículos, refluxos valvares eventuais, potencial obstrução do trato de saída de VE com hipovolemia e inotrópicos, contraindicando seu emprego, resultado final da pastia valvar etc.). Muitas vezes, o paciente dá entrada com fármacos EV (vasodilatadores nitratos ou aminas vasopressoras) que podem estar ou não indicados nas horas seguintes. Como a maioria dos pacientes seguem para a UTI intubados, os parâmetros ventilatórios são ajustados para manutenção de pressões parciais dos gases em valores normais, lançando mão de PEEP quando indicada. Os drenos mediastinais e eventualmente pleurais devem ser mantidos pérvios. Em alguns serviços, ordenhas sistemáticas e mesmo aspiração contínuas podem ser empregados, mas essa não é uma recomendação rotineira. Entretanto, a monitorização sequencial desse parâmetro é fundamental para o diagnóstico de sangramentos e seu tratamento precocemente (ver a seguir). O exame neurológico é prejudicado na vigência de sedação, mas permite-se ao paciente que desperte para se obter contato e avaliação de possíveis déficits motores, exceto se contraindicado, o que é raro. Mesmo se não houver previsão de extubação rapidamente, é permitido ao paciente manter-se acordado ou levemente sedado, de preferência com escala de RASS de –1 a zero e, principalmente, com a dor controlada. Observem-se a diurese se adequada e a coloração da urina quanto à presença de pigmentos (mioglobinúria ou hemoglobinúria). O exame clínico objetivo pode assegurar a boa perfusão periférica ou dar pistas de hipofluxo ou complicações (p. ex.: livedo, palidez e sudorese, ausência de pulsos, distensão abdominal, entre outros achados). Recomenda-se que na admissão exames laboratoriais sejam solicitados, como bioquímica básica (eletrólitos, função renal), gasometria venosa central (ou mista) e arterial, lactato, hemoglobina, plaquetas e, se necessário, uma avaliação da coagulação (tempo de tromboplastina parcial ativado (TTPA), tempo de protrombina (TP), fibrinogênio). A radiografia de tórax na chegada é mandatória (posição de drenos, tubos e cateteres, presença de derrames, alargamento do mediastino). A ultrassonografia, aplicada ao tórax, pode ser útil também na verificação de congestão pulmonar e para descartar pneumotórax, por exemplo. E em alguns serviços, a ecocardiografia à beira-leito em mãos treinadas pode ser de valia para o manuseio hemodinâmico da pré-carga (p. ex.: diâmetro e colapsabilidade da veia cava inferior) e da avaliação da função cardíaca (função global dos ventrículos,

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Seção II  Cardiologia

avaliação de débito de VE pela variação da integral tempo-velocidade (VTI) na via de saída), e da pressão da artéria pulmonar. É importante observar que muitos desses dados são tecnicamente difíceis de obter, pela dificuldade da janela sonográfica. A saída, então, é a ecocardiografia transesofágica, embora ela não seja de amplo domínio na terapia intensiva, seja mais invasiva e de difícil acesso para a maioria. Por fim, o uso do CAP, atualmente, está limitado a situações muito especiais (p. ex.: na disfunção pré-operatória grave, cirurgias combinadas valvares e situações em que coexiste grave hipertensão pulmonar e/ou disfunção de VD). Quadro 20.2  A adequada transmissão de informações do centro cirúrgico para a UTI (handoff cirúrgico) IOP

PROCEDIMENTO

CEC

Tipo de anestesia utilizada

Tipo: revascularização? Troca valvar? Cirurgia combinada? Quais vasos tratados?

Qual a duração?

Monitorização utilizada (Lidco®, Picco®, CAP, ECO TE) e comportamento hemodinâmico (IC, pressões de enchimento, responsividade a fluidos, lactato etc.)

Duração do procedimento

Proteção miocárdica/circulação coronariana ok?

Intercorrências: via aérea, instabilidades, sangramentos

Intercorrências cirúrgicas

Hipotermia mínima. Tempo?

Balanço e diurese

Número e sítio de drenos. Sangramento antecipado?

Parada circulatória total?

Uso de drogas vasoativas

Utilizou cell saver?

Usou antifibrinolítico? Quanto de protamina? Último TCA?

Controle glicêmico

Utilizou MP? Quantos fios? A, V ou bicameral? Alguma assistência mecânica (BIA? Outros?)

Utilizou hemoderivados?

BIAO: balão intra-aórtico de contrapulsação; CAP: cateter de artéria pulmonar; IC: índice cardíaco; MP: marca-passo; TCA: tempo de coagulação ativado.

7. HIPERTENSÃO ARTERIAL NO PO Não é incomum, principalmente em pacientes hipertensos de base, nos hipertróficos e naqueles com estenose aórtica, o desenvolvimento de HAS no pós-operatório. As causas ou fatores precipitadores usualmente são dor, hipotermia, hipoxemia, retirada de betabloqueador e/ou ansiedade. O tratamento da HAS é uma urgência, pois pode ensejar o comprometimento das suturas e sangramento. Nitroprussiato de sódio isoladamente ou associado a betabloqueador (esmolol EV contínuo) é o tratamento de escolha.10,11

8. MANUSEIO NÃO FARMACOLÓGICO E FARMACOLÓGICO NO PO IMEDIATO A avaliação da perfusão tecidual se dá com as ferramentas habituais, como: lactato (embora incrementos modestos usualmente ocorram após CEC), SvO2 da cava superior ou mista, diferença de CO2(a-v), além de parâmetros clínicos usuais. Com esses dados à disposição, tenta-se otimizar a pré-carga, a pós-carga e a contratilidade, além de diminuir o consumo de O2 pelo miocárdio. Para tanto e como tratamento não farmacológico, estas são as principais medidas: 1) corrigir acidose metabólica; 2) corrigir hipotermia; 3) atingir normoventilação; 4) tratar anemia grave e sangramentos; 5) corrigir distúrbio de ritmo e otimizar a FC; 6) descartar e tratar isquemia miocárdica; 7) corrigir distúrbios hidreletrolíticos; e, por último, mas não menos importante, 8) obter adequada volemia para a condição. Com relação ao item 8, deve-se evitar a sobrecarga hídrica exacerbada, haja vista que os pacientes já saem da sala (saída de CEC) com excesso de peso (água) que pode variar de 2 a 5 kg.6

Capítulo 20  Cuidados intensivos no pós-operatório imediato de cirurgia cardíaca

303

É importante considerar em alguns casos a combinação de intervenções farmacológicas, sempre guiada por metas e baseada por dados hemodinâmicos e perfusionais. No Quadro 20.3, estão discriminadas algumas drogas utilizadas habitualmente no manuseio hemodinâmico desses pacientes e possíveis combinações e aplicações em determinadas situações. Em casos de síndrome de baixo débito pós-cardiotomia, muitas vezes é necessária a utilização de algum tipo de suporte circulatório mecânico (SCM), seja para auxiliar na saída da CEC, seja posteriormente por choque cardiogênico mantido a despeito do suporte farmacológico máximo otimizado. Normalmente, o BIA é utilizado como primeiro recurso, apesar da sabida limitação desse dispositivo em gerar um acréscimo de fluxo/DC adequado aos tecidos. Assim, em casos graves pode haver necessidade de migrar o suporte mecânico para ECMO venoarterial (SCM com oxigenação em membrana extracorpórea), como exemplo de suporte de curta duração, ou mesmo para bombas centrífugas paracorpóreas, como Centrimag®. Uma situação rara em pós-operatório de cirúrgica cardíaca, embora dramática, é o choque vasoplégico. Tem etiologia indeterminada e, apesar de não ser de difícil reconhecimento (resistência vascular periférica baixa na presença de IC preservado ou elevado), o tratamento é desafiador. Como o perfil hemodinâmico não permite afastar uma síndrome infecciosa (choque séptico), uma antibioticoterapia de amplo espectro é empregada sem demora após coleta de culturas gerais. Muitas vezes, há emprego adjuvante empírico de corticosteroides e, nos casos mais graves, de azul de metileno como bloqueador da produção de óxido nítrico. Quadro 20.3  Drogas (vasoativas e inotrópicos) comumente utilizadas no suporte farmacológico do choque no PO de cirurgia cardíaca, assumindo que o paciente está ressuscitado volemicamente CARACTERÍSTICAS

BAIXO IC

IC NORMAL OU ELEVADO

Hipotensão (PAM < 70 mmHg)

Epinefrina (dose baixa) ou milrinone ou dobutamina com norepinefrina ou vasopressina

Norepinefrina ou vasopressina

Baixa FC

Marca-passo, epinefrina ou dopamina

Nenhuma terapia indicada

Hipertensão (PAM > 100-110 mmHg ou PAS > 140 mmHg)

Nitroprussiato para reduzir pós-carga (alternativamente, nitroglicerina EV)

Tratar hipotensão com vasodilatador ou betabloqueador

Elevada FC

Epinefrina Milrinone ou dobutamina com norepinefrina ou vasopressina (assegurar que o paciente está volemicamente adequado)

Nenhuma terapia indicada ou considerar betabloqueador

EV: via endovenosa; FC: frequência cardíaca; IC: índice cardíaco; PAM: pressão arterial média; PAS: pressão arterial sistólica.

9. COMPLICAÇÕES NO PO DE CIRURGIA CARDÍACA 9.1  Insuficiência coronariana aguda O IAM após revascularização do miocárdio não é uma condição comum (entre 3 e 5%), e o respectivo diagnóstico clínico não é facilmente obtido. É possível que com métodos mais sensíveis o diagnóstico de infarto periopertório alcançasse até 20%. Existem controvérsias quanto à definição mais apropriada para o diagnóstico dessa condição, mas algum consenso existe quanto à necessidade de um aumento de, pelo menos, cinco vezes das enzimas cardíacas basais (Ck-mb) nas primeiras 72 horas após o procedimento cirúrgico, associado a, no mínimo, um dos três achados possíveis, quais sejam: (a) nova onda Q patológica ou BRE no eletrocardiograma; (b) oclusão de artéria nativa ou de enxerto visualizada no cateterismo coronariano; (c) imagem radioisotópica documentando nova perda de massa muscular ou nova hipocinesia regional na ecocardiografia.14 Geralmente, os mecanismos subjacentes ao IAM estão relacionados a uma anatomia coronariana hostil e anastomoses tecnicamente difíceis. São fatores precipitantes: má proteção coronariana durante a CEC; revascularização incompleta; embolia gasosa ou ateroembolismo.11,14

304

Seção II  Cardiologia

9.2  Tamponamento cardíaco A coleção hemática mediastinal pós-operatória não é fenômeno infrequente, mas, ainda assim, exige alto grau de suspeição clínica, pois seu diagnóstico não é tão evidente como em casos de derrame pericárdico maciço de etiologia não cirúrgica. Portanto, não são comumente encontrados pulso paradoxal ou mesmo equalização de pressões identificada pela monitorização hemodinâmica invasiva.15 Isso se dá pelo fato de, na maioria das vezes, tratar-se de coleção limitada a um pequeno espaço, não envolvendo completamente o coração. Além disso, pequenos hematomas podem ser suficientes para determinar comprometimento hemodinâmico, desde que comprimam o AD e/ou VD na diástole, levando ao colapso no enchimento ventricular. A ecocardiografia à beira-leito é o exame de escolha para a confirmação diagnóstica, mas mesmo examinadores bem treinados podem ter dificuldade em definir o diagnóstico, pois a janela acústica usualmente não é satisfatória para a ecocardiografia transtorácica (T-T) (decúbito dorsal, ventilação mecânica e presença de drenos e manipulação cirúrgica atrapalham o exame). O acesso mais indicado na eco T-T é a janela subcostal se a presença dos drenos e curativos não for um obstáculo à sonda. A ecocardiografia transesofágica pode ser necessária para confirmar casos duvidosos. Uma boa dica para a suspeita de tamponamento em pacientes instáveis hemodinamicamente é o achado de drenagem pelos drenos de pleura e/ou mediastinal que, embora aumentado nas últimas horas, cesse subitamente. Enquanto na maioria das vezes esse achado costuma ser motivo de regozijo pela equipe, é importante considerar que, alternativamente, pode ter havido coagulação/obstrução dos drenos com retenção de sangue sob a forma de coleção localizada, determinando tamponamento cardíaco.

9.3 Pericardite A síndrome pleuropericárdica é complicação relativamente frequente em cirurgia cardíaca (cerca de 15 a 20%). Normalmente, não é grave e manifesta-se por derrame pleural e/ou pericárdico, dor retroesternal (pericardite) e febre. Raramente evolui para pericardite constritiva. Seu tratamento é realizado com anti-inflamatórios ou com colchicina. A colchicina se mostrou superior a qualquer outro tratamento na abordagem da pericardite.16 A resolução do quadro se dá, na maioria das vezes, entre 1 e 4 semanas.11 Pode ser acompanhada de fibrilação atrial (FA), complicação também frequente (ver a seguir) em PO de cirurgia cardíaca.17

9.4  Fibrilação atrial (FA) Sua incidência em cirurgia cardíaca é de cerca de 25 a 30%. São fatores de risco: cirurgia de troca valvar; idosos; disfunção cardíaca prévia; e tempo prolongado de CEC. Geralmente, essa arritmia ocorre entre o 2º e o 4º dia, mas pode surgir ou recidivar até a 6ª semana de PO.18 Além de betabloqueadores serem mal tolerados nos primeiros dias de PO, a taxa de reversão da FA com essa classe de drogas é de apenas 50%. A droga de escolha para o tratamento da FA é a amiodarona EV.11,18 Diversas medicações têm sido prescritas para a prevenção da FA pós-operatória, com eficácia variável: betabloqueadores; sulfato de magnésio; sotacor; e colchicina, entre outras. Com relação à colchicina, não se confirmam em estudo recente os dados iniciais que sugeriam que, além de tratar a pericardite, ela seria capaz de prevenir a FA pós-operatória.19,20

9.5  Disfunção de VD Complicação grave na cirurgia cardíaca, a disfunção de VD incide principalmente nos pacientes com disfunção pulmonar grave subjacente e em cirurgias valvares, implantes de dispositivos de assistência ventricular esquerda para insuficiência cardíaca congestiva (ICC) e em PO de transplante cardíaco.21 Seu diagnóstico se dá por monitorização hemodinâmica invasiva (cateter de artéria

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pulmonar), mas a ecocardiografia, principalmente a transesofágica, permite o reconhecimento dessa disfunção de maneira menos invasiva e com certa acurácia. Geralmente, está relacionada à hipertensão pulmonar, aguda ou crônica agudizada. O tratamento da insuficiência ventricular direita (IVD) passa pela correção dos fatores que podem agravar a hipertensão pulmonar, como acidose, hipoxemia e hipercapnia, além de evitar grandes pressões de distensão pulmonar na ventilação mecânica. É importante reverter ou controlar a FC de arritmias e tratar infecções e anemia grave. A otimização da volemia está indicada, mas em PO de cirurgia cardíaca com IVD, a hipovolemia não deve ser mais um problema. Nesse cenário de IVD, também deve ser lembrada a possibilidade de retirar volume (diuréticos ou ultrafiltração) para manter a PVC abaixo de 12 mmHg.21,22 Se essas medidas não forem suficientes, pode-se considerar a diminuição da pós-carga de VD. No nosso meio, o vasodilatador mais utilizado é o NO inalatório, que deve ser titulado para melhor efeito. Se mesmo com o uso de NO, o desempenho do VD não melhorar, inotrópicos estão indicados (dobutamina ou milrinone), com cuidado para não induzir hipotensão. Invariavelmente, nesse ponto vasoconstritores como norepinefrina ou vasopressina podem ser necessários para assegurar a pressão de perfusão.21-23

9.6 Sangramento/coagulopatias O uso de heparina e de hemoderivados no circuito da CEC associada à hipotermia, inflamação, diluição e consumo de fatores, além do trauma cirúrgico, determinam risco aumentado de sangramento em cirurgia cardíaca.24 Existem protocolos para a abordagem do sangramento intraoperatório em cirurgia cardíaca, envolvendo o emprego de agregometria e tromboelastometria (TEM) point-of-care para identificação do defeito da coagulação (agregação ou número das plaquetas, deficiência de fatores de coagulação, hipofibrinogenemia, excesso de heparina ou hiperfibrinólise). Esses protocolos parecem diminuir o volume de sangramento, a necessidade de transfusão e mesmo o custo.25,26 Porém, ainda não está claro se essa abordagem tem utilidade no cenário do pós-operatório. O sangramento pelos drenos torácicos e/ou mediastinais deve ser rigorosamente monitorizado nas primeiras 12 a 24 horas após o procedimento. Na ocorrência de alto débito, a revisão cirúrgica deve ser considerada se a drenagem for maior do que 3 mL/kg/hora nas primeiras 4 a 6 horas ou, alternativamente, > 500 mL na primeira hora, > 400 mL/hora nas 2 horas iniciais ou > 300 mL/horas nas 3 horas iniciais.10,24 Durante o período de sangramento, a protamina 20 mg EV pode ser tentada. O sangue para TTPA, TP, contagem de plaquetas e fibrinogênio, além de Hb/Ht, deve ser encaminhado para o laboratório. A tromboelastromia (TEM), se disponível, pode ser realizada para compreensão do mecanismo de sangramento, principalmente se já houve politransfusão.26 Hipotermia, hipocalcemia e acidose devem sempre ser corrigidas. DDAVP pode ser uma opção.

9.7  Injúria renal aguda (IRA) Cerca de 1 a 5% dos pacientes submetidos à cirurgia cardíaca desenvolvem IRA com necessidade dialítica. No entanto, se consideradas definições mais sensíveis de IRA, como RIFLE e AKIN, a incidência dessa disfunção pode alcançar até 30%, com impacto nos desfechos clínicos, como mortalidade, infecção e tempo de internação.6,27 Infelizmente não há estratégia terapêutica ou medida individual capaz de prevenir a IRA. Diversas intervenções com N-acetilcisteína, dopamina, fenoldopam, entre outras, não tiveram sucesso na prevenção ou no manuseio farmacológico da IRA.27 Duas recentes medidas, o pré-condicionamento isquêmico remoto (RIPC, do inglês remote ischemic preconditioning) e a cirurgia sem CEC, mostraram-se promissores, em alguns estudos, para reduzir a incidência de IRA nos grupos tratados.7,8,28 A cirurgia sem CEC foi avaliada em estudos randomizados recentes e parece atenuar a IRA leve; não interferindo, contudo, na necessidade dialítica, na mortalidade desse

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grupo ou na disfunção renal a longo prazo. Já o RIPC teve resultados iniciais encorajadores,28 mas que não têm se confirmado.29 É cedo para estabelecer quaisquer dessas estratégias como definitivas na prevenção da IRA em cirurgia cardíaca. Outras recomendações, na maioria das vezes extrapoladas de populações clínicas diversas, merecem consideração no que tange à proteção renal. São elas: 1) evitar o emprego de coloides do tipo amidos, pelo menos em doses elevadas; e 2) evitar a ressuscitação com grandes quantidades de cristaloides ricos em cloro, como SF 0,9%. Mas, ao contrário, dar preferência a soluções cristaloides balanceadas (p. ex.: Ringer-lactato e plasma-lyte).

9.8  Complicações infecciosas: um problema? Com o advento da aplicação sistemática de bundles em cirurgia cardíaca e em terapia intensiva cirúrgica, infecções relacionadas à assistência à saúde nessa população, como infecção de corrente sanguínea (ICS) ou pneumonia associada à ventilação mecânica (PAV), deixaram de ser um problema em serviços de boa qualidade, nos quais esses bundles são aplicados, monitorizados com indicadores e os resultados, avaliados periodicamente.3 Infecções de sítio cirúrgico, pelo menos as mais graves (subcutânea profunda, osteomielite, ou mediastinite), também tiveram sua incidência reduzida para menos de 2%. Entretanto, são fatores de risco: obesidade; diabetes; utilização de enxerto de mamária interna bilateralmente; CEC prolongada; transfusão intraoperatória; e reoperação.11 São medidas atualmente empregadas na prevenção de infecção de sítio cirúrgico: evitar hipotermia na saída de CEC e do centro cirúrgico; controle glicêmico no perioperatório; assegurar o timing adequado da administração de antibiótico profilático e descontaminação nasal com muporicina e higiene oral com clorexidine 0,2%.

9.9 Parada cardiorrespiratória É um evento raro em PO de cirurgia cardíaca, girando em torno de 1 a 1,5%. No entanto, como se trata de pacientes submetidos à cirurgia, em geral eletiva, e a sua causa quase sempre pode ser potencialmente revertida, a equipe deve estar treinada e preparada para assumir as condutas necessárias e descritas como de melhor resultado para restabelecer a circulação espontânea em parada cardiorrespiratória que ocorra até 7 a 10 dias após o procedimento cirúrgico. Existe uma grande chance de a causa relacionada à intercorrência ser mecânica (tamponamento). Assim, sociedades de cirurgia cardiotorácica têm se esforçado para disseminar os seguintes conceitos: 1) evitar massagear de imediato uma parada cardiorrespiratória assistida na UTI nesses pacientes; 2) proceder imediatamente à desfibrilação se fibrilação ventricular (FV); 3) evitar administrar imediatamente epinefrina; 4) se for assistolia, assegurar que o marca-passo esteja funcionando; 5) é bom ter em mente que raramente o cirurgião cardíaco estará ao alcance naquele exato momento da parada cardiorrespiratória. A equipe precisa estar preparada para realizar a reesternotomia em até 5 minutos após essa intercorrência. Para tal, ela tem de estar bem treinada e todos os membros integrantes devem conhecer esse protocolo e o papel de cada um, além de haver necessidade do material adequado; 6) na maioria das vezes, apenas a abertura do tórax permite a drenagem do hematoma e a restauração do ritmo e não haverá necessidade de massagem cardíaca interna ou desfibrilação direta, mas a equipe deve estar preparado para realizar tais manobras até a chegada do cirurgião.30

9.10  Complicações neurológicas Com o desenvolvimento de novas tecnologias e aprimoramento das técnicas em cirurgia cardíaca, a complicação neurológica mais temida, o acidente vascular cerebral (AVC) pós-operatório, atualmente tem incidência muito baixa (menos de 2%).31 A complicação neurológica bem mais frequente nos dias de hoje é o delirium (cerca de 25%). Embora sem o impacto a longo prazo como o AVC, o delirium está associado com piores desfechos, aumento morbimortalidade. Mais ainda, ele parece estar correlacionado ao desenvolvimento futuro de deterioração cognitiva, muito embora a relação causa-efeito não tenha sido claramente estabelecida.32

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O delirium pode ser hiperativo, com agitação psicomotora que pode colocar o paciente sob risco, mas, na maioria das vezes, tem a característica de hipoatividade. Suas características principais são déficit de atenção, diminuição do nível de consciência, caráter súbito e flutuante, e estado confusional. O manuseio terapêutico do delirium se faz por medidas não farmacológicas (presença de familiares, mobilização precoce, luminosidade natural) e farmacológicas, como antipsicóticos (p. ex.: haloperidol, quetiapina, entre outros). O emprego de sedativos, como o alfa-agonista central dexmedetomi­ dina, pode ser útil no controle da agitação psicomotora relacionada ao delirium. Dados recentes sugerem que a profilaxia sistemática com haloperidol em pacientes com risco elevado de delirium pode ter um papel protetor,33 mas esse uso não é uma recomendação por enquanto.

10.  PRESCRIÇÃO NO PÓS-OPERATÓRIO A seguir, sugere-se uma prescrição para pacientes recém-admitidos na UTI para PO de cirurgia cardíaca. De modo algum essa prescrição engloba todas as possibilidades clínicas ou atende todos os tipos de pacientes e/ou situações clínicas. Trata-se apenas de um modelo que incorpora algumas condutas comuns a maioria dos pacientes sem complicações graves ou grandes desvios do esperado.

10.1  Modelo de prescrição de PO de cirurgia cardíaca • Manter jejum até algumas horas após extubação. • Aporte calórico mínimo EV com glicose 50% ou 10% (150 a 200 g/24 horas). • Controle glicêmico com insulina EV contínua (iniciar infusão acima de 180 mg/dL, alvo < 140 mg/dL). • Reposição eletrolítica quando indicada. • Analgesia (novalgina se não houver alergia; e morfina se necessário. Para os pacientes instáveis, dar preferência ao fentanil). • Ácido acetilsalicílico (AAS) o quanto antes (ideal < 6 horas), nos casos de revascularização miocárdica. • Betabloqueador quando indicado (doença coronariana) e tolerado (raramente tolerado antes 24 horas). • Estatina quando indicado (doença coronariana). • Profilaxias (profilaxia mecânica inicialmente, clexane no dia seguinte. Pantoprazol para proteção gastroduodenal). • Aminas vasoativas ou inotrópicos (quando indicados, ver texto). • Vasodilatadores, quando indicados (hipertensão ou ICC). • Protamina quando indicada (se suspeita de efeito residual de heparina quando há sangramento pelos drenos). • Ácido tranexâmico S/N (quando sangramento pelos drenos e suspeita de fibrinólise). • Antibioticoterapia (cefalosporina 1ª ou 2ª geração) completando 24 horas. • Tratar delirium, quando indicado, com haloperidol ou outros antipsicóticos. A dexmedetomidina parece ser uma droga segura para controle de agitação. • Muporicina nasal. • Higiene oral com clorexidine. • Aspiração contínua drenos –20 cmH2O. • Testar e manter marca-passo standby. • Monitorização (monitor cardíaco, oximetria de pulso, PA invasiva, monitorização de débito cardíaco minimamente invasiva, PVC, diurese, balanço horário e outros, quando indicados). • Coleta de exames na chegada (Hb/Ht, plaquetas, avaliação da coagulação, eletrólitos, gasometria arterial e venosa central, lactato arterial) e pelo menos a cada 6 horas.

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11. CONCLUSÕES O PO de cirurgia cardíaca é uma área desafiadora para o intensivista. A condição clínica/hemodinâmica dos pacientes, nesse cenário, é muito dinâmica e pode necessitar de suporte muito intensivo por algumas horas, sem muita margem de erro. No entanto, o resultado é gratificante, haja vista os desfechos observados. O cuidado desse tipo de paciente tem sido considerado uma subespecialidade dentro da terapia intensiva, com várias especificidades, mas o intensivista generalista deve estar familiarizado com essas particularidades e as complicações esperadas.

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Capítulo 20  Cuidados intensivos no pós-operatório imediato de cirurgia cardíaca

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16. Imazio M, Brucato A, Cemin R, Ferrua S, Maggiolini S, Beqaraj F, Demarie D, Forno D, Ferro S, Maestroni S, Belli R, Trinchero R, Spodick DH, Adler Y; ICAP Investigators. A randomized trial of colchicine for acute pericarditis. N Engl J Med. 2013;369(16):1522-8. 17. Imazio M, Hoit BD. Post-cardiac injury syndromes. An emerging cause of pericardial diseases. Int J Cardiol. 2013;168(2):648-52. 18. Arsenault KA, Yusuf AM, Crystal E, Healey JS, Morillo CA, Nair GM, Whitlock RP. Interventions for preventing post-operative atrial fibrillation in patients undergoing heart surgery. Cochrane Database Syst Rev 1. 2013;CD003611. 19. Imazio M, Brucato A, Ferrazzi P, Rovere ME, Gandino A, Cemin R, Ferrua S, Belli R, Maestroni S, Simon C, Zingarelli E, Barosi A, Sansone F, Patrini D, Vitali E, Trinchero R, Spodick DH, Adler Y; COPPS Investigators. Colchicine reduces postoperative atrial fibrillation: results of the Colchicine for the Prevention of the Postpericardiotomy Syndrome (COPPS) atrial fibrillation substudy. Circulation. 2011;124(21):2290-5. 20. Imazio M, Brucato A, Ferrazzi P, Pullara A, Adler Y, Barosi A, Caforio AL, Cemin R, Chirillo F, Comoglio C, Cugola D, Cumetti D, Dyrda O, Ferrua S, Finkelstein Y, Flocco R, Gandino A, Hoit B, Innocente F, Maestroni S, Musumeci F, Oh J, Pergolini A, Polizzi V, Ristic A, Simon C, Spodick DH, Tarzia V, Trimboli S, Valenti A, Belli R, Gaita F; COPPS-2 Investigators. Colchicine for prevention of postpericardiotomy syndrome and postoperative atrial fibrillation: the COPPS-2 randomized clinical trial. JAMA. 2014;312(10):1016-23. 21. Thunberg CA, Gaitan BD, Grewal A, Ramakrishna H, Stansbury LG, Grigore AM. Pulmonary hypertension in patients undergoing cardiac surgery: pathophysiology, perioperative management, and outcomes. J Cardiothorac Vasc Anesth. 2013;27(3):551-72. 22. Hoeper MM, Granton J. Intensive care management of patients with severe pulmonary hypertension and right heart failure. Am J Respir Crit Care Med. 2011;184:1114-24. 23. Poor HD, Ventetuolo CE. Pulmonary hypertension in the intensive care unit. Prog Cardiovasc Dis. 2012;55(2):187-98. 24. Bolliger D, Tanaka KA. Roles of thrombelastography and thromboelastometry for patient blood management in cardiac surgery. Transfus Med Ver. 2013;27(4):213-20. 25. Faraoni D, Savan V, Levy JH, Theusinger OM. Goal-directed coagulation management in the perioperative period of cardiac surgery. J Cardiothorac Vasc Anesth. 2013;27(6):1347-54. 26. Meybohm P, Zacharowski K, Weber CF. Point-of-care coagulation management in intensive care medicine. Crit Care. 2013;17(2):218. 27. Alsabbagh MM, Asmar A, Ejaz NI, Aiyer RK, Kambhampati G, Ejaz AA. Update on clinical trials for the prevention of acute kidney injury in patients undergoing cardiac surgery. Am J Surg. 2013;206(1):86-95. 28. Zimmerman RF, Ezeanuna PU, Kane JC, Cleland CD, Kempananjappa TJ, Lucas FL, Kramer RS. Ischemic preconditioning at a remote site prevents acute kidney injury in patients following cardiac surgery. Kidney Int. 2011;80(8):861-7. 29. Li L, Li G, Yu C, Li Y. The role of remote ischemic preconditioning on postoperative kidney injury in patients undergoing cardiac and vascular interventions: a meta-analysis. J Cardiothorac Surg. 2013;8:43. 30. Dunning J, Fabbri A, Kolh PH, Levine A, Lockowandt U, Mackay J, Pavie AJ, Strang T, Versteegh MI, Nashef SA; EACTS Clinical Guidelines Committee. Guideline for resuscitation in cardiac arrest after cardiac surgery. Eur J Cardiothorac Surg. 2009;36(1):3-28. 31. Anyanwu AC, Filsoufi F, Salzberg SP, Bronster DJ, Adams DH. Epidemiology of stroke after cardiac surgery in the current era. J Thorac Cardiovasc Surg. 2007;134(5):1121-7. 32. McPherson JA, Wagner CE, Boehm LM, Hall JD, Johnson DC, Miller LR, Burns KM, Thompson JL, Shintani AK, Ely EW, Pandharipande PP. Delirium in the cardiovascular ICU: exploring modifiable risk factors. Crit Care Med. 2013;41(2):405-13. 33. Groen JA, Banayan D, Gupta S, Xu S, Bhalerao S. Treatment of delirium following cardiac surgery. J Card Surg. 2012;27(5):589-93.

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Complicações cardiovasculares no pós-operatório de cirurgia não cardíaca

Daniela Calderaro Gabriel Assis Lopes do Carmo Danielle Menosi Gualandro Bruno Caramelli 1. INTRODUÇÃO Atualmente, são realizados no Brasil, aproximadamente, 3 milhões de procedimentos cirúrgicos não cardíacos a cada ano, com gastos correspondentes a 1,27 bilhão de dólares para o Sistema Único de Saúde.1 A mortalidade perioperatória nacional está em torno de 1,7%, taxa extremamente alta se considerarmos que neste grupo incluem-se desde procedimentos oftalmológicos de baixo risco intrínseco até procedimentos oncológicos ou vasculares, para os quais as complicações cardiovasculares são prevalentes. Identificar no pré-operatório os indivíduos de maior risco cardiológico, implementar medidas protetoras e indicar a correta monitorização perioperatória são medidas fundamentais para a redução da incidência, ou pelo menos da morbimortalidade relacionada a essas complicações.

2. IDENTIFICAÇÃO DO RISCO A postura adequada do médico que avalia o risco de complicações cardiovasculares para pacientes com indicação de cirurgia não cardíaca é a de estabelecer objetivamente a classe de risco, e não a de “liberar” ou contraindicar o procedimento proposto. Nem sempre a operação pode ser adiada inocuamente, ou seja, o simples fato de solicitar exames subsidiários para avaliação cardiológica deve ser ponderado frente ao risco global do paciente. Para estabelecer corretamente o risco, deve-se aplicar algum dos algoritmos de estratificação já validados, como proposto em diversas diretrizes, como as nossa diretrizes de avaliação perioperatória da Sociedade Brasileira de Cardiologia.2 Os algoritmos levam em conta variáveis clínicas e o risco intrínseco à cirurgia proposta (Quadro 21.1). É completamente diferente a abordagem do mesmo paciente se ele é candidato à operação de aneurisma de aorta ou à operação de catarata, por exemplo. Algumas variáveis clínicas implicam alto risco espontâneo de complicações graves, como insuficiência coronariana aguda, insuficiência cardíaca descompensada, arritmias graves ou estenose aórtica sintomática. Na presença delas, nenhuma cirurgia eletiva deve ser considerada até a completa compensação clínica e apenas os procedimentos de urgência são justificáveis.

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Seção II  Cardiologia

Quadro 21.1  Classificação do risco intrínseco às operações ALTO Operações vasculares arteriais, exceto carótida

INTERMEDIÁRIO

BAIXO

Endarterectomia de carótida

Procedimentos endoscópicos

Operações intratorácicas e intraperitoneais Operações intratorácicas, intraperitoneais de urgência/emergência

Operação de catarata

Operações de cabeça e pescoço e urológicas Operação de mama Operações ortopédicas

Operações ambulatoriais

Fonte: Adaptado da Diretriz de Avaliação Perioperatória da American Heart Association e Sociedade Europeia de Cardiologia.3,4

Não há superioridade de um algoritmo em relação aos demais,5 e um dos mais utilizados na prática clínica é o índice de risco cardíaco de Lee,6 que deriva do algoritmo pioneiro de estratificação de risco cardíaco proposto por Lee Goldman na década de 1970. Esse algoritmo permite discriminar quatro classes de risco de complicações, com estimativas de risco inferior de 1% até risco superior a 11%, de acordo com o número de variáveis presentes: alto risco intrínseco da operação; doença arterial coronária; insuficiência cardíaca congestiva; doença cerebrovascular; diabetes com insulinoterapia; e insuficiência renal crônica com creatinina superior a 2 mg/dL. Nossas diretrizes propõem um fluxograma de avaliação que contemplam as variáveis cirúrgicas e clínicas2 (Figura 21.1). Em algumas situações de pacientes com risco cardíaco intermediário ou alto, está indicada a avaliação subsidiária de isquemia miocárdica, ou com prova funcional, preferencialmente com método de imagem associado (cintilografia de perfusão miocárdica ou ecocardiograma de estresse), ou cateterismo cardíaco nos casos em que o alto risco é evidenciado pela prova funcional ou diretamente pelas características clínicas. Uma vez identificado o risco de complicações cardíacas, devem ser indicadas estratégias de proteção e monitorização adequadas de eventos. ETAPA I: excluir condições cardíacas agudas Se angina instável, IAM, CC, edema agudo dos pulmões, bradiarritmia ou taquiarritmia grave, o paciente tem risco espontâneo muito elevado e a operação não cardíaca deve, sempre que possível, ser cancelada e reconsiderada somente após estabilização cardíaca. ETAPA II: estratificar o risco conforme algoritmo de preferência: Lee, American College of Physicians (ACP), por exemplo. Avaliação pelo algoritmo de Lee Operação intraperitoneal, intratorácica ou vascular suprainguinal Doença arterial coronária (ondas Q, sintomas de isquemia, teste+, uso de nitrato) ICC (clínica, radiografia de tórax com congestão) Doença cerebrovascular Diabetes com insulinoterapia Creatinina pré-operatória > 2 mg/dL

Classes de risco: I (nenhuma variável, risco 0,4%); II (uma variável, risco 0,9%); III (duas variáveis, risco 7%); IV (≥ 3 variáveis, risco 11%)

ETAPA III: conduta Baixo risco

Risco intermediário

Alto risco

Lee: Classe I e II /ACP: baixo risco/EMAPO: até 5 pts. Operação diretamente

Lee: Classe III e IV (+ ICC ou angina, no máximo CF II)/ACP: risco intermediário/EMAPO: 6-10 pts. Teste funcional de isquemia, se for mudar conduta, nas seguintes situações: cirurgia vascular (IIa, n. ev. B); cirurgia de médio risco (IIb, n. ev. C)

Lee: Classe IV (+ICC ou angina, CF III ou IV)/ACP: alto risco/EMAPO: > 11 pontos Sempre que possível, adiar operação até estabilizar a condição cardíaca. Se a natureza do risco for isquêmica: cateterismo

Figura 21.1  Fluxograma de avaliação com as variáveis cirúrgicas e clínicas. Recomendação IIa: o benefício supera o risco e a opção pelo tratamento ou procedimento pode ser benéfica ao paciente. Recomendação classe IIb: o benefício e risco são muito próximos, sem definição clara se o tratamento ou procedimento podem ser benéficos ao paciente. Nível de evidência B: evidência derivada de um único ensaio clínico randomizado ou estudos clínicos não randomizados. Nível de evidência C: derivada de consenso e opiniões de especialistas, relato e série de casos. IAM: infarto agudo do miocárdio; CC: choque cardiogênico; ICC: insuficiência cardíaca congestiva; CF: classe funcional; ACP: American College of Physicians; EMAPO: estudo multicêntrico de avaliação perioperatória. Fonte: Adaptada da II Diretriz de Avaliação Perioperatória da Sociedade Brasileira de Cardiologia. 2

Capítulo 21  Complicações cardiovasculares no pós-operatório de cirurgia não cardíaca

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3. FARMACOPROTEÇÃO E REVASCULARIZAÇÃO MIOCÁRDICA PROFILÁTICA Na cardiologia perioperatória, as evidências favoráveis à terapia clínica individualizada são muito mais fortes do que para revascularização miocárdica profilática. Três classes de medicamentos merecem destaque: os betabloqueadores, as estatinas e os antiagregantes plaquetários, mais especificamente o ácido acetilsalicílico (AAS).

3.1 Betabloqueadores Existe grande polêmica sobre seu papel no perioperatório, a despeito de ser bastante plausível seu mecanismo protetor, diminuindo o consumo miocárdico de oxigênio e aumentando a tolerância do miocárdio às oscilações hemodinâmicas e hematimétricas do perioperatório. É unanimidade o conceito de não suspender o betabloqueador para pacientes em uso crônico devido à possibilidade de efeito rebote.7 Também não se discute a necessidade de segurança para betabloqueio perioperatório, preconizando-se a introdução idealmente com 7 dias de antecedência e com doses progressivas para evitar hipotensão e/ou bradicardia. O que se discute é a seleção apropriada de candidatos ao betabloqueio. As indicações atuais mais formais e classe I (o benefício claramente supera o risco, e o tratamento ou procedimento deve ser indicado) conforme as II Diretrizes de Avaliação Perioperatória da Sociedade Brasileira de Cardiologia, são para pacientes com isquemia sintomática ou evidenciada em prova funcional.2 Cabe ressaltar que tais pacientes recebem a indicação no perioperatório por uma razão de oportunidade de avaliação cardiológica, pois já mereceriam essa prescrição independentemente do contexto perioperatório. Como recomendação classe IIa (o benefício supera o risco e a opção pelo tratamento ou procedimento pode ser benéfica ao paciente), indica-se betabloqueador para pacientes que serão submetidos a cirurgia vascular e com estimativa de risco intermediária, independentemente de se demonstrar isquemia miocárdica. Como recomendação classe IIb (o benefício e risco são muito próximos, sem definição clara se o tratamento ou procedimento podem ser benéficos ao paciente), indica-se betabloqueador para pacientes que serão submetidos a cirurgia não vascular e com estimativa de risco intermediária, independentemente de se demonstrar isquemia miocárdica. Uma vez indicada a medicação, é preciso cautela e ter em mente que a eficácia está completamente atrelada ao grau de betabloqueio que precisa ser efetivo, com FC entre 55 e 65 bpm no pré-operatório.

3.2 Estatinas O perioperatório de cirurgia vascular, muito provavelmente, é o contexto de maior custo-eficácia para a prescrição de estatinas; enquanto na prevenção primária de eventos cardiovasculares é necessário tratar por 5 anos 44 pacientes para prevenir um infarto do miocárdio, no perioperatório é necessário tratar por 45 dias apenas 21 pacientes para prevenir um infarto.8,9 Tais medicamentos atuam estabilizando placas de ateroma e reduzindo a chance de eventos aterotrombóticos. As estatinas devem ser mantidas no periopertório para todos os pacientes que fazem uso crônico delas e devem ser introduzidas para pacientes candidatos a operações vasculares arteriais independentemente do nível do colesterol.2 Estão indicadas também para pacientes coronariopatas que ainda não faziam uso. Não existem evidências para operações não vasculares, mas o racional da farmacoproteção das estatinas embasa a recomendação grau IIb de prescrição para candidatos a operações não vasculares com alto risco cardíaco estimado.2 O ideal é iniciar no momento da avaliação do risco e manter por 30 dias após a operação. Há estudos randomizados com atorvastatina 20 mg8 e com fluvastatina 80 mg,10 mas o efeito é de classe e atribuído aos efeitos pleiotrópicos. Conforme as diretrizes da SBC,2 recomenda-se a utilização das doses testadas ou dos seus equivalentes, por exemplo, sinvastatina 40 mg.

3.3  Ácido acetilsacílico (AAS) Para os pacientes que recebem AAS para prevenção secundária, as evidências são favoráveis à manutenção no perioperatório, pois o risco de eventos aterotrombóticos supera o de hemorragia para a imensa maioria dos procedimentos. Há aumento de 50% na taxa de sangramentos, mas sem

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Seção II  Cardiologia

­aumento da mortalidade a eles relacionada, exceto para procedimentos neurocirúrgicos e operação de próstata, notadamente a ressecção transuretral.11 Recentemente, o estudo POISE 2 reativou o debate sobre o uso de AAS perioperatório, mas sem definir os pontos mais polêmicos: conduta em paciente vasculopata, prevenção secundária e em perioperatório eletivo. Os autores avaliaram, em cerca de 10 mil pacientes, o impacto da administração de AAS no perioperatório de cirurgia não cardíaca. Entre os pacientes randomizados, 56% não faziam uso prévio de AAS. Não houve benefícios em relação à mortalidade ou incidência de infarto não fatal entre os grupos, e o uso de AAS aumentou o risco de sangramentos: 4,6% grupo AAS (N = 230) versus 3,8% grupo placebo (N = 188); P = 0,04. Cabe ressaltar que grande parte dos pacientes não tinha evidência de vasculopatia, e que, portanto, o AAS seria prescrito no questionável contexto de prevenção primária. Além disso, pacientes submetidos a implante de stent convencional ou farmacológico, nos últimos 6 meses e 1 ano, respectivamente, foram excluídos.12

4. REVASCULARIZAÇÃO MIOCÁRDICA PROFILÁTICA São raras as circunstâncias em que é absolutamente necessário o adiamento da operação não cardíaca para priorizar procedimento de revascularização miocárdica, percutâneo ou cirúrgico. Os dois trabalhos randomizados que avaliaram o benefício dessa estratégia em candidatos a operações vasculares não mostraram benefício significativo. Um deles, o CARP Trial,13 excluiu da randomização pacientes com disfunção ventricular importante e pacientes com anatomia coronária de alto risco, especificamente aqueles em que, fora do contexto perioperatório, o benefício da revascularização é maior. Já o outro trabalho, DECREASE V,14 além do seu pequeno tamanho amostral, tem a enorme ressalva de ter realizado angioplastia com stent farmacológico na maioria dos pacientes, prática proscrita quando se antecipa a necessidade de operação não cardíaca no ano seguinte. Sendo assim, as recomendações atuais são embasadas em opinião de especialistas e apenas trazem para o perioperatório a indicação que já existe fora desse contexto:2 1. pacientes com indicação de revascularização do miocárdio independentemente do contexto perioperatório, em programação de operações não cardíacas eletivas; 2. pacientes com evidência durante a avaliação perioperatória de grandes áreas isquêmicas, baixo limiar para isquemia e anatomia coronária de alto risco: lesão de tronco de coronária esquerda ou padrão triarterial associado à disfunção ventricular. Cabe ainda ressaltar que uma vez indicada a revascularização profilática, é necessário respeitar o intervalo mínimo para que a operação não cardíaca seja realizada em segurança (Tabela 21.1). Tabela 21.1  Períodos considerados seguros para intervenção não cardíaca após intervenção coronária ANGIOPLASTIA CORONÁRIA COM BALÃO

14 DIAS

Angioplastia coronariana com stent convencional

4 a 6 semanas

Angioplastia coronariana com stent farmacológico

> 1 ano

Cirurgia de revascularização miocárdica Fonte: Adaptada das II Diretrizes de Avaliação Perioperatória da SBC.

30 dias 2

4.1  Monitorização e tratamento das complicações cardíacas A chance de complicações cardíacas no pós-operatório se distribui homogeneamente nas primeiras 72 horas, o que implica a necessidade de monitorização dos pacientes com maior estimativa de risco por todo esse período, mesmo que no transoperatório e pós-operatório imediato não haja nenhuma intercorrência.2 A avaliação subsidiária sempre está indicada, uma vez que até metade dos pacientes com infarto perioperatório não apresenta angina e o quadro hemodinâmico pode ser atribuído a outras situações prevalentes no pós-operatório, como resposta inflamatória sistêmica ou hi-

Capítulo 21  Complicações cardiovasculares no pós-operatório de cirurgia não cardíaca

315

povolemia. O ideal é que pacientes de risco intermediário e alto permaneçam com monitorização contínua de eletrocardiograma e realizem eletrocardiografia e dosagem de troponina diariamente.2 A ecocardiografia também está indicada em casos de forte suspeita de eventos e a presença de nova alteração da contratilidade segmentar é um dos critérios diagnósticos de infarto, na presença de elevação de marcadores de necrose miocárdica. Ele também é interessante por fornecer informações sobre possíveis diagnósticos diferenciais de elevação de troponina ou instabilidade hemodinâmica no pós-operatório, como embolia pulmonar e insuficiência cardíaca descompensada de etiologia não isquêmica. Pacientes que apresentam insuficiência coronariana aguda no pós-operatório devem ser tratados agressivamente, pois a mortalidade é elevada, chegando até 40% conforme algumas casuísticas.15 Por muito tempo se acreditava que o infarto perioperatório seria classificado como tipo II, ou seja, devido a desequilíbrio na relação oferta e consumo, pelo miocárdio, de oxigênio por fatores secundários, como anemia aguda, oscilação de pressão arterial e frequência cardíaca. Reconhece-se atualmente que as características do infarto perioperatório envolvem também a clássica aterotrombose e o perioperatório pode ser considerado um desencadeador de ruptura de placa de ateroma e trombose.16 Sendo assim, o tratamento desses eventos contempla a correção dos elementos secundários, mas também a utilização de terapias antitrombínica e antiplaquetária combinadas. A trombólise tem contraindicação absoluta no pós-operatório e pacientes com infarto com supradesnivelamento de segmento ST (SSST), desde que sem sangramento ativo que impossibilite a terapia antiagregante plaquetária combinada e a anticoagulação, devem ser submetidos a cateterismo cardíaco para tentativa de angioplastia primária, da mesma maneira que pacientes com infarto espontâneo (Figura 21.2). Pacientes com infarto sem SSST ou com angina instável devem receber estabilização clínica com betabloqueadores, nitrato, inibidores de enzima de conversão da angiotensina, estatinas, além de correção de todos os elementos secundários que podem perpetuar a isquemia (hipovolemia, anemia, dor). Na ausência de sangramento ativo, eles também são candidatos às terapias antiagregante combinada e anticoagulante até que a estratificação de risco tenha sido concluída (Figura 21.3). A estratificação invasiva está indicada para pacientes com disfunção ventricular esquerda evidenciada ao ecocardiograma ou com insuficiência cardíaca clinicamente manifesta; pacientes com recidiva da isquemia, a despeito do tratamento clínico, ou com evidências de grandes áreas isquêmicas pela clínica ou por dados de provas isquêmicas.

IAM com supra de ST

Contraindicação à terapêutica anticoagulante/antiplaquetária

Sem contraindicação à terapêutica anticoagulante/ antiplaquetária

Tratamento clínico

Angiografia coronariana e angioplastia primária

Figura 21.2  Estratégia terapêutica proposta para o IAM perioperatório com SSST.

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Seção II  Cardiologia

IRA ou angina instável lAM sem supradesnível

Correção de fatores desencadeantes Iniciar betabloqueador, estatina e IECA Analgesia com nitrato e/ou morfina

Contraindicação à terapêutica anticoagulante/antiplaquetária

Sem contraindicação à terapêutica anticoagulante/ antiplaquetária

Associar AAS/heparina Decidir estratificação de risco

Figura 21.3  Estratégia terapêutica proposta para a angina instável e infarto sem SSST. AAS: ácido acetilsalicílico; IAM: infarto agudo do miocárdio; IRA: insuficiência renal aguda.

No perioperatório, uma nova entidade do espectro da insuficiência coronariana foi evidenciada: a elevação isolada de troponina. São pacientes sem quadro clínico compatível com IAM, sem alteração de eletrocardiograma ou da contratilidade segmentar ao ecocardiograma, mas que apresentam elevação da troponina com pelo menos um valor acima do percentil 99 descrito para o método. Tal achado é de relevância clínica tanto pela sua frequência elevada, quanto pelo seu impacto na mortalidade a médio e longo prazos.17,18 Pacientes com elevação isolada de troponina merecem atenção cardíaca especial e, na ausência de explicação alternativa à isquemia miocárdica, está identificada a estratificação não invasiva de isquemia miocárdica, preferencialmente antes da alta hospitalar. Com o advento das troponinas ultrassensíveis, mais cautela ainda deve ser observada na interpretação de seus resultados, dada sua alta sensibilidade, mas menor especificidade para eventos coronarianos.

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Capítulo 21  Complicações cardiovasculares no pós-operatório de cirurgia não cardíaca

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22

Complicações cardiovasculares no paciente com doença neurológica aguda

Maurício Henrique Claro dos Santos Fábio Santana Machado 1. INTRODUÇÃO O cuidado do paciente com doença neurológica aguda é extremamente complexo pois envolve, além do tratamento da lesão primária do sistema nervoso central (SNC), a prevenção de lesão cerebral secundária, que pode ter um grande impacto na mortalidade e nas sequelas neurológicas a longo prazo. O manejo adequado dessa situação requer uma monitorização multimodal com o intuito de identificar e reverter precocemente as alterações fisiológicas com potencial dano adicional ao SNC. Nesse cenário, a concomitância de alterações cardiovasculares dificulta ainda mais o tratamento clínico, já que as variações no débito cardíaco (DC) e na pressão arterial sistêmica influenciam diretamente o fluxo sanguíneo cerebral e a pressão de perfusão cerebral, parâmetros fisiológicos de fundamental importância no paciente com doença neurológica aguda. Portanto, a detecção precoce e o manejo adequado das alterações cardiovasculares também apresentam como objetivo a prevenção de lesão cerebral secundária. Para isso, é imprescindível, além da monitorização neurológica multimodal, uma adequada monitorização cardiovascular, que, na maioria das vezes, não exige nada além de métodos diagnósticos simples e amplamente disponíveis na atualidade, como a eletrocardiografia, a dosagem de troponina e a ecodopplercardiografia. Entre as principais doenças neurológicas que cursam com alterações cardiovasculares, é possível citar a hemorragia subaracnoide, o traumatismo cranioencefálico grave, o acidente vascular cerebral (AVC) e o estado de mal convulsivo. Este capítulo tem por finalidade descrever as alterações cardiovasculares mais comumente encontradas nessas situações, seu real significado clínico e suas implicações terapêuticas no cuidado do paciente neurológico em terapia intensiva.

2. FISIOPATOLOGIA Em 1942, o renomado fisiologista norte-americano Walter B. Cannon publicou um notável artigo intitulado “Morte Vodu”,1 em que descrevia casos anedóticos de morte pelo medo, das mais diversas e distantes regiões do planeta. A característica comum a todos era a crença em uma força

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Seção II  Cardiologia

externa, como um feitiço, capaz de causar a morte, contra a qual o amaldiçoado era totalmente impotente. Mesmo com os limitados conhecimentos fisiopatológicos da época, foi postulado por Cannon que, mediante um poderoso agente estressor externo, a morte era causada por uma ação duradoura e intensa do sistema simpático-adrenal. Posteriormente, trabalhos experimentais, 2 com o intuito de clarificar os mecanismos da morte vodu, mostraram que uma tempestade autonômica generalizada, com efeitos simpáticos ou parassimpáticos, ocorre como resultado de um estresse ameaçador à vida. Em 1991, foi descrita a síndrome de Takotsubo,3 cuja principal característica é a disfunção ventricular associada a um padrão típico da alteração da contratilidade segmentar com acinesia apical e hipercontratilidade da base do coração, dando ao ventrículo esquerdo (VE) um formato semelhante a uma gaiola japonesa utilizada para capturar polvos. Os fatores desencadeantes são estresses físicos, não necessariamente com envolvimento neurológico, ou estresse psíquico, e acredita-se que o principal mecanismo fisiopatológico envolvido é a toxicidade miocárdica pelo excesso de catecolaminas circulantes. As duas patologias, possíveis manifestações variantes de um mesmo processo fisiopatológico, exemplificam a importância da conexão coração-cérebro, cujos mecanismos não são ainda totalmente esclarecidos. Estudos anatomopatológicos evidenciam, em pacientes com doença neurológica aguda e acometimento cardíaco, um tipo de lesão diferente da encontrada em pacientes com infarto agudo do miocárdio (IAM), denominada necrose em banda de contração, em contraposição à necrose de coagulação classicamente descrita nos casos de síndromes coronarianas agudas. Além disso, na maioria dos pacientes com alterações eletrocardiográficas sugestivas de isquemia, a autópsia revela ausência de lesões coronarianas. Interessantemente, essas lesões não são prevenidas, em modelos experimentais, com a realização de adrenalectomia, sugerindo que o acometimento cardíaco, via hiperatividade autonômica, deve ocorrer por uma conexão neural direta com o coração (Figura 22.1). Por sua vez, a integridade do eixo neuro-adrenal parece intensificar a gravidade da lesão.4

Tempestade autonômica

Catecolamina adrenal

Liberação de catecolaminas via neural

Catecolamina exógena

Miocárdio

Alterações eletrocardiográficas

Morte súbita

Alterações da contratilidade

Takotsubo

Necrose em banda de contração

Figura 22.1  Cascata de eventos levando à lesão cardíaca após uma doença neurológica aguda. Fonte: Modificada de Samuels.4

Capítulo 22  Complicações cardiovasculares no paciente com doença neurológica aguda

321

Neuroanatomicamente, as principais regiões que controlam a atividade cardiovascular são: na região cortical, a ínsula; na região subcortical, a amígdala e o hipotálamo; e no tronco cerebral, o núcleo do trato solitário, a parte rostroventrolateral do bulbo, o núcleo ambíguo e o núcleo dorsal do vago.5 Fisiologicamente, a parte rostroventrolateral do bulbo é o principal centro de atividade simpática, enquanto o núcleo ambíguo e o núcleo do nervo vago são os principais centros de atividade parassimpática. O núcleo do trato solitário é o principal centro de integração do sistema cardiocirculatório, recebendo as aferências dos barorreceptores e modulando a atividade dos núcleos simpáticos e parassimpáticos. Tanto o núcleo do trato solitário quanto a parte rostroventrolateral do bulbo recebem aferências de regiões subcorticais, notadamente da amígdala e hipotálamo. Por sua vez, a ínsula direita regula a atividade simpática; e a ínsula esquerda, a atividade parassimpática, de tal maneira que o acometimento de uma dessas regiões ocasiona um desequilíbrio do sistema nervoso autônomo. A integração entre essas diferentes regiões é bastante complexa e está representada de forma simplificada na Figura 22.2.

Estímulos físicos internos e externos Estímulos psíquicos

Patologias neurológicas: AVC, HSA, TCE, epilepsia

Região cortical

Região subcortical

Amígdala/hipotálamo +

Tronco cerebral

Medula espinal

Ínsula

RVL

IML

– –

NTS

+

Barorreceptores

AS

a.

NA-NDV

X AP

Função cardiovascular

Figura 22.2  Principais ligações entre o SNC e o sistema cardiovascular. AP: atividade parassimpática; AS: atividade simpática; AVC: acidente vascular cerebral; HSA: hemorragia subaracnoide; IML: coluna intermédio lateral da medula; NA: núcleo ambíguo; NDV: núcleo dorsal do vago; NTS: núcleo do trato solitário; TCE: traumatismo cranioencefálico; X: nervo vago; +: estímulo. –: inibição. Fonte: Modificada de Mertes e colaboradores.5

3. ALTERAÇÕES ELETROCARDIOGRÁFICAS As alterações eletrocardiográficas mais frequentemente presentes nos pacientes com doença neurológica aguda são as arritmias propriamente ditas, as alterações de repolarização ventricular, como desnível do segmento ST, inversão das ondas T e U proeminentes e o aumento do intervalo QT.6 A importância desta última alteração deve-se à possibilidade de predispor a arritmias ventriculares graves, devido ao aumento do período refratário ventricular. As principais patologias neurológicas que cursam com alterações eletrocardiográficas são o AVC isquêmico ou hemorrágico e a hemorragia subaracnoide.

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Seção II  Cardiologia

3.1  Acidente vascular cerebral Em relação aos pacientes com AVC isquêmico ou hemorrágico, a incidência de prolongamento do intervalo QT (intervalo QT corrigido maior que 430 ms para homens e maior que 450 ms para mulheres) gira em torno de 36%.7,8 Em ambos os casos, essas alterações estão associadas com envolvimento do córtex insular, notadamente do lado direito; nos casos hemorrágicos, a presença de sangue intraventricular e de hidrocefalia na tomografia inicial também se correlaciona ao aumento do intervalo QT.8 As alterações do segmento ST ocorrem, em aproximadamente 24% dos pacientes com AVC isquêmico (AVCi) nos primeiros 5 dias após o íctus, excluindo-se os pacientes cujo eletrocardiograma de base apresenta ritmo de marca-passo, bloqueio de ramo esquerdo ou alterações do segmento ST decorrentes de hipertrofia ventricular esquerda.9 Entretanto, a presença simultânea dessas alterações eletrocardiográficas e de elevações dos marcadores de necrose miocárdica é menos frequente, detectada em apenas 3% dos pacientes; apontando, assim, que a maioria das alterações do segmento ST, nesses casos, não seja decorrente de isquemia miocárdica. Nos pacientes com AVC hemorrágico, os dados, apesar de provenientes de estudos menores, são semelhantes; a prevalência de alterações do segmento ST está em torno de 23% e a inversão de onda T ocorre em 16% dos casos.8 Um estudo prospectivo recentemente publicado10 avaliou a incidência e o curso de arritmias nos pacientes com AVC. Em um total de 501 pacientes, com 92% dos casos constituindo-se de AVCi, a incidência global de arritmias ocorreu em 25,1% dos pacientes; com as taquiarritmias respondendo por 66% dos casos e as bradiarritmias, por 24%. Em 10% dos casos, ocorreram as duas arritmias. Entre todos os distúrbios de ritmo, a fibrilação atrial foi o mais frequente, responsável por 68,7% das taquiarritmias. A taquicardia ventricular ocorreu em 2,6% dos pacientes, manifestando-se exclusivamente de forma não sustentada. Interessantemente, tanto as taquiarritmias quanto as bradiarritmias tiveram uma maior incidência nas primeiras 12 horas após a admissão; 52,2% das arritmias ocorreram nesse período e 74,4%, nas primeiras 24 horas (Figura 22.3). Na análise multivariada, uma idade mais avançada e um déficit neurológico mais acentuado na admissão (maior pontuação na escala de NIH) correlacionaram-se positivamente ao desenvolvimento de arritmias nas primeiras 72 horas. Existe uma clara associação entre a presença de alterações eletrocardiográficas e arritmias com uma evolução clínica desfavorável em pacientes com AVC.11 Nos casos isquêmicos, a presença de fibrilação atrial, de bloqueio atrioventricular, de depressão ou de elevação do segmento ST e de inversão da onda T está associada a um aumento de mortalidade ao final de 3 meses, independentemente da gravidade do AVC. Nos pacientes com AVC hemorrágico, a taquicardia sinusal, a depressão do segmento ST e a inversão da onda T correlacionam-se com um pior prognóstico ao final desse período. Nos pacientes com ataque isquêmico transitório, não há relação dessas alterações com o desfecho clínico. B 10 9 8 7 6 5 4 3 2 1 0

Incidência/horas de monitorização × 10-3

Incidência/horas de monitorização × 10-3

A

0-2

12-24

24-36

36-48

48-60

10 9 8 7 6 5 4 3 2 1 0

60-72

0-12

12-24

24-36

36-48 48-60

60-72

Horas após a admissão

Figura 22.3  Incidência de arritmias no decorrer das primeiras 72 horas em pacientes com AVC. O primeiro gráfico mostra a incidência das bradiarritmias e o segundo, a incidência das taquiarritmias. Fonte: Reproduzida de Kallmünzer e colaboradores.10

Capítulo 22  Complicações cardiovasculares no paciente com doença neurológica aguda

323

3.2  Hemorragia subaracnoide As alterações eletrocardiográficas ocorrem de maneira bastante frequente nos pacientes com hemorragia subaracnoide. Nesse contexto, a análise com holter de 24 horas revela anormalidades no eletrocardiograma em 90% dos casos; entre as quais, a mais comum é o aumento do intervalo QT corrigido, com uma incidência de 42%; as alterações do segmento ST são detectadas em 37% dos casos; ondas U proeminentes e alterações da onda T ocorrem respectivamente em 16% e 12% deles.12 Especificamente em relação ao aumento do intervalo QTc, existem dados que mostram uma diminuição progressiva de seu valor, ao final de 7 dias, naqueles pacientes com evolução neurológica favorável.13 A incidência de arritmias clinicamente significantes nos pacientes com hemorragia subaracnoide é de aproximadamente 5%. Uma análise prospectiva14 em 580 pacientes mostra, de maneira semelhante ao que ocorre nos casos de AVC, que a fibrilação ou flutter atrial são os principais distúrbios de ritmo, responsáveis por 76% dos casos. As arritmias ventriculares representam 16% das arritmias; com as taquicardias ventriculares sustentadas correspondendo a 4% destas. A presença de arritmias associou-se de maneira significativa ao desenvolvimento de isquemia miocárdica e herniação cerebral; além disso, os pacientes com distúrbio de ritmo apresentaram um maior tempo de internação em UTI, maior taxa mortalidade e pior evolução neurológica ao final de 3 meses. Particularmente, as arritmias ventriculares, mesmo ocorrendo de maneira não sustentada, correlacionam-se a uma menor sobrevida ao final desse período; apresentando-se como os principais fatores para o seu desenvolvimento um aumento do intervalo QT corrigido (> 470 ms) e uma diminuição da frequência cardíaca.6 Deve-se destacar que as incidências das alterações eletrocardiográficas nos pacientes com doença neurológica aguda podem ser superestimadas, pois, na maioria dos estudos, não havia a disponibilidade de eletrocardiograma prévio para comparação. Além disso, a frequência das anormalidades eletrocardiográficas é bastante variável nos diferentes trabalhos, dependendo dos critérios utilizados. O Quadro 22.1 resume os dados apresentados sobre as arritmias e as alterações eletrocardiográficas nos pacientes com AVC e HSA. Quadro 22.1  Principais alterações eletrocardiográficas nos pacientes com AVC e hemorragia subaracnoide ALTERAÇÕES ELETROCARDIOGRÁFICAS Aumento do intervalo QTc

Alterações do segmento ST

Alterações das ondas T/U

HEMORRAGIA SUBARACNOIDE

AVCi

AVC HEMORRÁGICO

42% dos casos

36% dos casos

36% dos casos

Tende a diminuir nos casos com evolução favorável

Associa-se ao acometimento de córtex insular direito

Associa-se à presença de sangue intraventricular e de hidrocefalia

37% dos casos

24% dos casos

23% dos casos

Na maioria das vezes, não apresentam associação com isquemia miocárdica

Na maioria das vezes, não apresentam associação com à isquemia miocárdica

Na maioria das vezes, não apresentam associação com isquemia miocárdica.

Ondas U proeminentes em 16% dos casos

Inversão de ondas T em 18% dos casos

Inversão de ondas T em 16% dos casos

Alterações de ondas T em 12% dos casos Arritmias clinicamente significantes

5% dos casos

25% dos casos

FA como arritmia mais frequente (76%)

FA como arritmia mais frequente (68%)

Associam-se com pior prognóstico

A maior incidência ocorre nas primeiras 24 horas Associam-se a pior prognóstico

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Seção II  Cardiologia

4. DISFUNÇÃO SISTÓLICA VENTRICULAR REVERSÍVEL A presença de disfunção sistólica reversível do VE foi classicamente descrita nos casos de hemorragia subaracnoide; atualmente, porém, existem relatos mostrando a sua ocorrência em diversas doenças neurológicas agudas como traumatismo cranioencefálico, convulsões, AVCi, encefalites, tumores cerebrais, leucoencefalopatia posterior reversível, entre outras. A principal hipótese é de que a disfunção sistólica nos pacientes com hemorragia subaracnoide, denominada miocárdio atordoado neurogênico, decorra do aumento dos níveis de catecolaminas circulantes nas primeiras 48 horas após o íctus, levando a uma miocardiotoxicidade catecolaminérgica, conforme descrito anteriormente na seção sobre fisiopatologia. Por isso, hoje em dia, alguns autores advogam a mudança da denominação de miocárdio atordoado neurogênico para miocardiopatia neurogênica de estresse, já que o primeiro termo denotaria, fisiopatologicamente, a presença de disfunção miocárdica causada por uma oclusão de artéria coronária com subsequente reperfusão, o que não refletiria adequadamente o mecanismo fisiopatológico proposto. De qualquer maneira, ambos os termos são encontrados na literatura.15 A incidência de disfunção ventricular nos pacientes com HSA é aproximadamente de 10%, ocorrendo dentro dos primeiros 2 dias do evento, com um período de recuperação da função ventricular variando de 3 a 42 dias.16 Clinicamente, a apresentação pode variar desde disfunção ventricular assintomática, detectada por alterações concomitantes do eletrocardiograma e de enzimas cardíacas, até choque cardiogênico (CC). A ocorrência de disfunção ventricular nos pacientes com HSA está associada a uma maior incidência de vasoespasmo sintomático17 e, em alguns estudos, a uma maior mortalidade.18 Ecocadiograficamente, é possível detectar hipocinesia difusa das paredes miocárdicas ou diferentes padrões de alteração da contratilidade segmentar. A característica mais importante, que merece ser destacada, é que a alteração de contratilidade, geralmente, não se restringe ao território de uma única artéria coronária. Acredita-se que os diversos padrões de hipocinesia ou acinesia decorram da diferença de distribuição dos receptores adrenérgicos dentro do miocárdio, com os locais de maior densidade desses receptores determinando a área de hipocontratilidade.19 Outras alterações relevantes associadas à miocardiopatia neurogênica de estresse são as alterações eletrocardiográficas e elevações dos marcadores de necrose miocárdica, mais especificamente a troponina. As diferentes alterações do eletrocardiograma, já discutidas, via de regra, apresentam um padrão de distribuição difuso e também não podem ser explicadas pela oclusão de uma única artéria coronária. As elevações da troponina, por sua vez, apresentam níveis inferiores àqueles que seriam esperados para a alteração da função ventricular detectada ecocardiograficamente, caso esta fosse secundária a uma insuficiência coronariana. Além disso, os seus valores, ao longo do tempo, apresentam um padrão de decaimento desde o início do quadro neurológico. A Figura 22.4 apresenta a abordagem diagnóstica sugerida nos pacientes com doença neurológica aguda e disfunção ventricular sistólica. Ressalta-se o papel central do ecocardiograma na avaliação diagnóstica e condução dessas situações.

Capítulo 22  Complicações cardiovasculares no paciente com doença neurológica aguda

325

Suspeita de disfunção ventricular concomitante à doença neurológica aguda Avaliação inicial: • ECG • Troponina/CK-mb • BNP • Radiografia de tórax ECOCARDIOGRAFIA TRANSTORÁCICA

Alteração de contratilidade segmentar restrita ao território de uma única artéria coronária Características adicionais: • Elevações acentuadas de troponina • Ausência de decaimento de enzimas cardíacas a partir do início do quadro • Doença neurológica aguda de pequena gravidade

Normal

Alteração de contratilidade difusa ou além de um único território arterial: cardiomiopatia neurogênica de estresse Ausência de instabilidade hemodinâmica

Choque cardiogênico

Considerar a realização de cineangiocoronariografia Considerar monitorização hemodinâmica invasiva e terapia com inotrópicos

Repetir ecocardiografia em 1 a 2 semanas para avaliar reversibilidade das alterações

Figura 22.4  Abordagem diagnóstica dos pacientes com doença neurológica aguda e suspeita de disfunção ventricular. Fonte: Modificada de Lee e colaboradores.15

5. ABORDAGEM TERAPÊUTICA O tratamento da miocardiopatia neurogênica de estresse é basicamente de suporte devido ao caráter reversível da disfunção miocárdica; entretanto, alguns pontos merecem consideração. Primeiro­, existe uma razão fisiopatológica para evitar a administração de catecolaminas endógenas, o que torna particularmente difícil o manejo terapêutico do vasoespasmo associado à HSA, em que uma das terapias consiste na elevação dos níveis pressóricos por meio de vasopressores. Nessa situação, alguns autores defendem a administração de inotrópicos com o intuito de aumentar a pressão arterial sistêmica; contudo, não existem dados suficientes na literatura que corroborem essa recomendação. Adicionalmente, existem dados que indicam uma menor incidência de disfunção ventricular nos pacientes com HSA que faziam uso prévio de betabloqueador.20 Apesar de ainda não haver ensaios clínicos prospectivos sobre o uso de bloqueadores adrenérgicos nessa situação, nos pacientes que apresentam disfunção ventricular, o uso betabloqueadores deve ser aventado, principalmente nos casos com níveis pressóricos persistentemente elevados e já em uso de nimodipina como terapia profilática de vasoespasmo associado à HSA.

326

Seção II  Cardiologia

Em relação às alterações eletrocardiográficas, um aspecto fundamental é diferenciar aquelas potencialmente associadas à isquemia miocárdica, o que implicaria novas intervenções terapêuticas, daquelas decorrentes unicamente da doença neurológica aguda. Além disso, o tratamento da isquemia miocárdica, no contexto da HSA ou do AVC hemorrágico, não pode ser feito de maneira plena, pois a administração de anticoagulantes ou antiplaquetários, nestas condições, pode piorar a hemorragia intracraniana. O intervalo QT precisa ser monitorizado, devendo-se evitar situações que possam contribuir no seu alargamento como distúrbios eletrolíticos, principalmente a hipocalemia, e o uso de determinadas medicações. As arritmias não apresentam tratamento diferente do habitual. Deve-se atentar para a necessidade de monitorização do ritmo cardíaco no período de maior risco de desenvolvê-las, por exemplo, nas primeiras 24 horas após um AVC (Figura 22.3).

6. CONCLUSÕES • A monitorização cardiovascular adequada deve ser considerada complementar à monitorização cerebral multimodal. • A maioria das alterações cardiovasculares no paciente com doença neurológica aguda pode ser detectada com exames diagnósticos simples e amplamente disponíveis, como eletrocardiografia, monitorização do ritmo cardíaco, dosagem de marcadores de necrose miocárdica e ecodopplercardiografia. • O principal mecanismo envolvido no acometimento cardiovascular em um paciente com doença neurológica aguda é o aumento da atividade simpática, levando a uma miocardiotoxicidade catecolaminérgica neuralmente mediada. • As principais alterações eletrocardiográficas nos pacientes com acometimento neurológico agudo são as do segmento ST, inversão das ondas T e U proeminentes e alargamento do intervalo QT. • Entre as arritmias cardíacas, a fibrilação atrial é a mais frequente. Nos pacientes com AVC, 75% das arritmias ocorrem nas primeiras 24 horas. • A disfunção ventricular reversível ocorre em uma grande variedade de doenças agudas do SNC, principalmente na hemorragia subaracnoide, em que sua incidência é aproximadamente 10% dos casos. Apresenta um período de recuperação variável e está associada a uma maior ocorrência de vasoespasmo. • Existem dois padrões característicos de alteração ecocardiográfica: hipocontratilidade difusa ou alteração da contratilidade segmentar. • A característica mais importante na miocardiopatia neurogênica do estresse é que as alterações da contratilidade ventricular, tipicamente, não se restringem ao território de uma única artéria coronária. • Corrobora o diagnóstico da miocardiopatia neurogênica do estresse uma elevação da troponina aquém do que se esperaria para a alteração ecocardiográfica encontrada e com um padrão de decaimento a partir do início do evento neurológico. • O tratamento da miocardiopatia neurogênica do estresse é basicamente de suporte. Existe um racional fisiopatológico para evitar a administração de catecolaminas endógenas e favorecer o uso de betabloqueadores.

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Capítulo 22  Complicações cardiovasculares no paciente com doença neurológica aguda

327

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23 Complicações e indicações de intervenção cirúrgica relacionadas à endocardite infecciosa Maurício Henrique Claro dos Santos 1. INTRODUÇÃO A endocardite infecciosa é uma doença com incidência anual estimada de 3 a 10 casos por 100 mil habitantes, com mortalidade hospitalar próxima de 20% e, ao final de um ano, alcançando um terço dos pacientes.1 Uma coorte prospectiva, envolvendo países dos cinco continentes, avaliou as características epidemiológicas e os desfechos clínicos em 2.781 pacientes com o diagnóstico definitivo de endocardite infecciosa, de acordo com os critérios modificados de Duke (Quadro 23.1), procurando caracterizar a doença no século XXI.2 Entre as condições predisponentes, destacam-se a realização de procedimentos invasivos nos últimos 60 dias em 27% dos casos, e a presença de patologia de valva nativa em 32% dos pacientes. Outras condições, em ordem decrescente de frequência, foram: doença cardíaca congênita (12%); dispositivos elétricos cardíaco implantáveis (11%); uso de drogas endovenosas (10%), acesso venoso crônico (9%); e antecedente de endocardite infecciosa (8%). Interessantemente, a grande maioria dos pacientes, 77%, tiveram o diagnóstico confirmado com menos 1 mês do início dos sintomas, e sinais clínicos classicamente associados à endocardite infecciosa foram pouco frequentes: esplenomegalia, 11%; hemorragia subungueal, 8%; hemorragia conjuntival, 5%; lesões de Janeway, 5%; nódulos de Osler, 3%; manchas de Roth, 2%. Além disso, nos Estados Unidos, mais do que nas outras regiões, grande parte dos casos, 38%, foi de infecções relacionadas a cuidados de saúde; 21% dos pacientes apresentavam insuficiência renal crônica submetidos à hemodiálise; 27% eram diabéticos; 25% possuíam acesso venoso crônico e 16% eram usuários de drogas endovenosas. O agente etiológico mais comum em todas as regiões foi o Staphylococcus aureus, com exceção da América do Sul, onde o estreptococos do grupo viridans foi o agente mais frequente. A endocardite por Staphylococcus aureus foi particularmente alta nos pacientes com infecções nosocomiais. As principais complicações relacionadas à endocardite infecciosa foram: insuficiência cardíaca (32%); embolização sistêmica (23%); acidente vascular cerebral (AVC) (17%); abscesso intracardíaco (14%); refratariedade à terapêutica clínica com hemocultura persistentemente positiva (9%); e distúrbios

330

Seção II  Cardiologia

cardíacos de condução (8%). As variáveis associadas a maior chance de mortalidade hospitalar foram: endocardite de prótese valvar; idade avançada; edema agudo de pulmão; infecção por Staphylococcus aureus ou Staphylococcus coagulase negativo; vegetação em valva mitral; e complicações paravalvares. A terapia cirúrgica foi realizada em 48% dos pacientes e relacionada a menor risco de mortalidade hospitalar. Quadro 23.1  Critérios modificados de Duke para o diagnóstico de endocardite infecciosa DIAGNÓSTICO DEFINITIVO 1. Critérios patológicos: • microrganismos demonstrados por cultura ou exame histológico de vegetação, êmbolo séptico ou amostra de abscesso intracardíaco; • lesão patológica, vegetação ou abscesso intracardíaco confirmado por exame histológico mostrando endocardite ativa. 2. Critérios clínicos: • dois critérios maiores; • um critério maior e 3 menores; • cinco critérios menores. DIAGNÓSTICO POSSÍVEL • •

um critério maior e um menor; três critérios menores.

• • •

diagnóstico alternativo explicando as evidências sugestivas de endocardite; resolução dos sinais e sintomas dentro de 4 dias do início da antibioticoterapia; ausência de evidências patológicas de endocardite infecciosa na cirurgia ou autópsia com tempo de antibioticoterapia menor que 4 dias.

DIAGNÓSTICO REJEITADO

CRITÉRIOS MAIORES 1. Critérios microbiológicos a. microrganismos típicos isolados em duas ou mais hemoculturas separadas: estreptococos do grupo viridans, Staphylococcus aureus, Streptococcus gallolyticus*, grupo HACEK**, ou bacteremia por enterococo adquirido na comunidade na ausência de um foco primário; b. hemocultura persistentemente positiva para um microrganismo consistente com endocardite infecciosa: agente detectado em duas hemoculturas separadas por mais de 12 horas; ou a maioria de quatro ou mais hemoculturas com a primeira e última amostras separadas por mais de 1 hora; c. uma hemocultura positiva para Coxiella burnetii, ou sorologia positiva com anticorpos IgG com títulos superiores a 1:800. 2. Evidência de acometimento endocárdico com achados ecocardiográficos positivos para endocardite: a. vegetações: massa intracardíaca oscilante sobre as valvas ou outras estruturas de suporte, no caminho de jatos regurgitantes, ou sobre material intracavitário implantado, na ausência de uma explicação anatômica alternativa; b. abscessos; c. nova deiscência parcial de prótese valvar ou nova regurgitação valvar (a piora ou mudança de sopro preexistente não é suficiente). CRITÉRIOS MENORES 1. Condição cardíaca predisponente ou uso de drogas injetáveis. 2. Febre > 38ºC. 3. Fenômenos vasculares: embolia séptica; infartos pulmonares; aneurisma micótico; hemorragia intracraniana; hemorragias conjuntivais; lesões de Janeway. 4. Fenômenos imunológicos: glomerulonefrite; nódulos de Osler; manchas de Roth; ou fator reumatoide positivo. 5. Evidência microbiológica: hemocultura positiva,§ mas que não preenche os critérios microbiológicos maiores ou evidência sorológica de infecção ativa por um microrganismo consistente com endocardite infecciosa. 6. Achados ecocardiográficos consistentes com endocardite infecciosa, mas que não preenchem os critérios maiores. * Antigo Streptococcus bovis. ** A sigla HACEK indica as iniciais dos seguintes agentes: Haemophilus, Aggregatibacter (antigo Actinobacillus) actinomycetem comitans, Cardiobacterium hominis, Eikenella corrodens e Kingella. § Não inclui uma única hemocultura positiva para estafilococo coagulase negativo ou para agentes que não causam endocardite.

Capítulo 23  Endocardite infecciosa

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Esses dados indicam, de forma resumida, uma mudança na manifestação tradicionalmente conhecida da endocardite infecciosa, com a maioria dos pacientes se apresentando agudamente doentes e com ausência dos sinais clínicos clássicos da doença. Adicionalmente, o estudo ­e videncia o risco da população com infecções associadas aos cuidados de saúde. Com o aumento da expectativa de vida, o envelhecimento da população nos países emergentes e uma maior parcela da população com doenças crônico-degenerativas como consequência, esse fator de risco pode tornar-se mais importante nos próximos anos, tanto em magnitude quanto em abrangência geográfica. Cabe ao intensivista o cuidado dos pacientes com as manifestações mais graves da endocardite infecciosa, além do manejo pós-operatório dos pacientes tratados cirurgicamente, uma tendência crescente na atualidade. Um cenário particularmente desafiador é o paciente com endocardite infecciosa e embolização para o sistema nervoso central (SNC) em que, apesar da frequente necessidade de intervenção cirúrgica, é preciso considerar o risco de complicação neurológica associado à intervenção. Neste capítulo, serão abordadas as particularidades epidemiológicas do paciente crítico com endocardite infecciosa, destacando-se as indicações de intervenção cirúrgica e o manejo das complicações neurológicas.

2. CARACTERÍSTICAS DOS PACIENTES COM ENDOCARDITE INFECCIOSA ADMITIDOS EM TERAPIA INTENSIVA Existem poucos estudos e com número limitado de casos sobre as particularidades epidemiológicas dos pacientes acometidos por endocardite infecciosa com necessidade de admissão em terapia intensiva; entretanto, os seus dados, de forma geral, são concordantes e merecem ser conhecidos. As principais causas de admissão em unidade de terapia intensiva (UTI) dos pacientes com endocardite infecciosa são choque séptico, insuficiência cardíaca ou choque cardiogênico (CC) e deterioração do quadro neurológico. O Staphylococcus aureus é o agente etiológico predominante.3-5 Uma coorte prospectiva 5 envolvendo 102 pacientes com endocardite infecciosa revelou taxa de internação em UTI de 37%. Os pacientes com necessidade de admissão à UTI apresentaram uma taxa de mortalidade significativamente maior do que aqueles com endocardite infecciosa sem a necessidade de cuidados intensivos: 42 versus 19%. Os principais fatores relacionados à mortalidade foram a infecção por Staphylococcus aureus, o desenvolvimento de insuficiência cardíaca e a embolização para o SNC. Coortes anteriores, 3,4 com desenho retrospectivo, também revelam taxas de mortalidade hospitalar impressionantemente altas, entre 45 e 52%, nos pacientes com necessidade de internação em UTI, tendo como principais causas de morte o choque séptico ou cardiogênico. Deve ser ressaltado que, de maneira consistente, esses estudos mostraram taxas de mortalidade significativamente menores nos pacientes submetidos ao tratamento cirúrgico, com uma delas 4 mostrando uma mortalidade de 84% nos pacientes tratados clinicamente contra uma de 35% naqueles submetidos à terapêutica clínica e cirúrgica combinadas, refletindo a limitação da terapia antimicrobiana isolada nos pacientes com endocardite infecciosa que evoluem com complicações. Portanto, esses pacientes, apesar de se apresentarem criticamente enfermos, não devem ser sistematicamente considerados pobres candidatos à terapia cirúrgica, mesmo aqueles com fenômenos embólicos para o SNC. Assim, algumas das decisões mais difíceis do médico intensivista no cuidado desses doentes são identificar aqueles com maior benefício da terapia cirúrgica e definir o tempo ideal de sua realização. A seguir, serão detalhadas as principais indicações de intervenção cirúrgica e o seu impacto na evolução da endocardite infecciosa.

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3. INDICAÇÕES DE INTERVENÇÃO CIRÚRGICA Historicamente, podemos dividir o tratamento da endocardite em três fases: antes da existência de antibioticoterapia, quando a doença era sempre fatal; após o advento da penicilina, com grande redução do número de mortes; e na era da cirurgia valvar precoce, com a abordagem cirúrgica na fase aguda da doença dos casos que evoluem com complicações. Na última década, sobretudo, houve um crescente número de indicações de intervenção cirúrgica no tratamento da endocardite infecciosa, de tal maneira que, atualmente, em torno de 50% dos casos são submetidos ao tratamento cirúrgico 6 e, portanto, a endocardite infecciosa complicada deve ser considerada uma doença clinicocirúrgica. As principais indicações de cirurgia valvar precoce são a insuficiência cardíaca, a infecção não controlada e a prevenção de eventos embólicos. O Quadro 23.2 detalha as principais recomendações e tempo ideal da intervenção cirúrgica nestas situações. Quadro 23.2  Indicações e tempo da intervenção cirúrgica na endocardite infecciosa INDICAÇÕES

TEMPO DA INTERVENÇÃO*

Insuficiência cardíaca Endocardite de valva aórtica ou mitral causando regurgitação ou obstrução aguda grave, edema pulmonar refratário ou CC.

Emergencial

Endocardite de valva aórtica ou mitral com fístula para câmaras cardíacas ou pericárdio, causando edema pulmonar refratário ou CC.

Emergencial

Endocardite de valva aórtica ou mitral causando regurgitação ou obstrução aguda grave e insuficiência cardíaca persistente ou sinais de pobre tolerância hemodinâmica (fechamento precoce de valva mitral ou hipertensão pulmonar).

Urgente

Endocardite de valva aórtica ou mitral causando regurgitação grave e insuficiência cardíaca facilmente controlada com terapia clínica.

Eletiva

Infecção não controlada Infecção não controlada localmente: abscesso, pseudoaneurisma, fístula, aumento das vegetações ou deiscência de prótese valvar.

Urgente

Febre persistente e hemoculturas positivas após 5 a 7 dias de início de antibioticoterapia.

Urgente

Infecção causada por fungos ou organismos multirresistentes, como Pseudomonas ou outros bacilos gram negativos.

Eletiva

Prevenção de eventos embólicos Endocardite de valva aórtica ou mitral com grandes vegetações (maior que 10 mm), após um ou mais episódios embólicos apesar de tratamento antimicrobiano, principalmente durante as duas primeiras semanas de tratamento.

Urgente

Endocardite de valva mitral ou aórtica com grandes vegetações (maior que 10 mm) e outras complicações (insuficiência cardíaca, infecção persistente ou abscessos).

Urgente

No caso de grandes vegetações (maior que 15 mm), o procedimento cirúrgico pode ser realizado se for possível a preservação da valva nativa.

Urgente

* A intervenção emergencial refere-se à cirurgia realizada em até 24 horas após a identificação da complicação; a intervenção urgente, à cirurgia realizada em poucos dias após a identificação da complicação; e a intervenção eletiva, à cirurgia realizada 1 a 2 semanas após o início de antibioticoterapia. Fonte: Modificado de Habib e colaboradores. 23

Apesar do aumento do seu emprego, a maioria das informações analisando o impacto do tratamento cirúrgico na evolução da endocardite infecciosa é oriunda de estudos observacionais.4,7-14 Grande parte dos dados provenientes dos estudos mais antigos é conflitante; entretanto, o maior e mais recente deles,14 uma coorte prospectiva multicêntrica, que procurou corrigir os

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Capítulo 23  Endocardite infecciosa

principais vieses presentes em estudos anteriores, analisando o impacto da intervenção cirúrgica em 1.552 pacientes com endocardite de valva nativa, dos quais 720 (46%) foram submetidos à intervenção cirúrgica precoce, mostrou uma redução significativa na mortalidade nos pacientes submetidos ao tratamento cirúrgico em relação àqueles tratados exclusivamente de forma clínica (12 versus 20%). Muito embora esteja claro o benefício da intervenção cirúrgica precoce nos pacientes com endocardite infecciosa que evoluem para insuficiência cardíaca grave, é preciso ter especial consideração com o subgrupo de pacientes com choque séptico e disfunção de múltiplos órgãos, principalmente com escore SOFA maior ou igual a 10. Nesses casos, a mortalidade pós-operatória é extremamente alta, atingindo 66%. Portanto, pacientes com choque séptico e disfunção de múltiplos órgãos não são bons candidatos à terapia cirúrgica, a menos que haja a presença de lesão cardíaca valvar grave causando a instabilidade hemodinâmica. Caso contrário, é adequado postergar a cirurgia até o controle do choque séptico.15 A Figura 23.1 explicita as indicações de intervenção cirúrgica no paciente crítico com endocardite infecciosa, levando em consideração a presença de choque séptico e disfunção de múltiplos órgãos.

ICC ou choque cardiogênico secundário à regurgitação valvar

Endocardite de valva mitral ou aórtica causando edema pulmonar refratário ou choquecardiogênico

Endocardite de valva mitral ou aórtica causando ICC persistente ou sinais ecocardiográficos de pobre tolerância hemodinâmica Abscesso de anel valvar Vegetação > 15 mm HMC positivas > 72 horas

Cirurgia de emergência

Choque séptico e disfunção de múltiplos órgãos com escore SOFA > 10 Sim Tentativa de estabilização clínica: antibiótico, vasopressores, ventilação mecânica, terapia de substituição renal

Não

Cirurgia de urgência

Sim Melhora clínica

Cirurgia de urgência assim que possível

Não

Terapia conservadora. Reconsiderar terapia cirúrgica caso haja melhora da condição clínica dentro de poucos dias

Figura 23.1  Principais indicações de intervenção cirúrgica no paciente crítico com endocardite infecciosa, levando em consideração a presença de choque séptico e disfunção de múltiplos órgãos. ICC: insuficiência cardíaca congestiva; HMC: hemoculturas. Fonte: Modificada de Wolff e colaboradores.15

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Por fim, é necessário destacar um ensaio randomizado,16 recentemente publicado, que avaliou o papel da intervenção cirúrgica precoce, dentro de 48 horas, na prevenção de eventos embólicos em 76 pacientes com endocardite de valva nativa mitral ou aórtica, com lesões valvares graves e vegetações maiores que 10 mm, sem outras complicações. Trinta e sete pacientes foram randomizados ao tratamento cirúrgico e não apresentaram nenhum evento embólico nas primeiras 6 semanas; diferentemente, os 39 pacientes submetidos ao tratamento convencional apresentaram uma taxa de embolização de 21% no mesmo período, a maioria ocorrendo para o SNC. Não houve diferença significativa na taxa de mortalidade entre os grupos e a taxa geral de mortalidade foi menor que 5%. Ressalte-se que a população do estudo era constituída por pacientes com poucas comorbidades e com idade média de 47 anos. Esse é o primeiro ensaio clínico randomizado a avaliar a abordagem cirúrgica em pacientes com grandes vegetações e sem outras complicações; e mostra um potencial benefício na diminuição de morbidade em uma população relativamente jovem e com poucos antecedentes clínicos com endocardite infecciosa.

4. COMPLICAÇÕES NEUROLÓGICAS NOS PACIENTES COM ENDOCARDITE INFECCIOSA 4.1 Epidemiologia A incidência das complicações neurológicas nos pacientes com endocardite infecciosa varia, nas diferentes séries, de 20 a 40%;17 sendo particularmente alta nos doentes com endocardite infecciosa admitidos em UTI. Um estudo recente, prospectivo, observacional e multicêntrico identificou, em 198 pacientes com endocardite do lado esquerdo e necessidade de cuidados intensivos, uma taxa de complicações neurológicas de 55%. As principais delas, em ordem decrescente de frequência, foram acidente vascular cerebral isquêmico (AVCi), hemorragia cerebral, meningite, abscesso cerebral e aneurisma micótico. A maioria desses pacientes (69%) já apresentava as complicações neurológicas à admissão na UTI e, em 19% deles foram detectadas lesões isquêmicas ou hemorrágicas subclínicas com base em exames de imagem. Os principais fatores associados com o desenvolvimento de complicações neurológicas foram a infecção por Staphyloccocus aureus, endocardite de valva mitral e eventos embólicos sistêmicos. As principais variáveis associadas com mortalidade ao final de 3 meses foram a presença de comorbidades antes da admissão, a infecção por Staphyloccocus aureus e uma escala de coma de Glasgow menor que 10, independentemente de lesões neurológicas.18 Além disso, é preciso considerar que a presença de lesões neurológicas assintomáticas é bastante grande, pois, em estudos em que exames de imagem do SNC foram realizados19-21 sistematicamente, a presença de lesões cerebrais foi evidenciada em mais de 80% dos casos, a grande maioria delas sem manifestação clínica. Porém, o emprego sistemático de exames de imagem na avaliação de complicações neurológicas nos pacientes com endocardite ainda é alvo de controvérsia, já que a presença de tais lesões não parece influenciar o desfecho clínico. Contudo, nos pacientes críticos cujo estado neurológico não possa ser corretamente avaliado, como naqueles submetidos à sedação, a realização de exames de imagem na avaliação de possíveis complicações neurológicas pode ser considerada. Nos pacientes com sinais ou sintomas neurológicos, a investigação com tomografia computadorizada (TC) ou ressonância nuclear magnética (RM) é obrigatória; essa avaliação deve incluir, rotineiramente, a visualização dos vasos intracranianos mediante angiotomografia ou angiorressonância.22 Nos casos duvidosos, é necessária a realização de angiografia cerebral.

4.2 Manejo das principais complicações neurológicas associadas à endocardite infecciosa 4.2.1  Isquemia cerebral Decorre de embolia séptica e é a complicação neurológica mais frequente nos pacientes com endocardite infecciosa, sendo responsável por 40 a 50% dos eventos neurológicos nessa popula-

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ção, manifestando-se clinicamente como AVC ou ataque isquêmico transitório. Não há tratamento específico além da abordagem da endocardite infecciosa, com uma grande diminuição na ocorrência de embolização para o SNC após o início da terapia antimicrobiana. O uso de trombolíticos na isquemia cerebral associada à endocardite mostra níveis elevados de hemorragia intracraniana após a trombólise com diminuição dos desfechos favoráveis. 23 Da mesma maneira, o uso de anticoagulação oral mostra-se bastante controverso, com evidência de aumento do risco de hemorragia cerebral. A recomendação atual é que, nos pacientes que já fazem uso de anticoagulação oral, como aqueles com prótese valvar mecânica, essa terapia seja substituída por heparina não fracionada por um período de 15 dias, com monitorização rigorosa do tempo de tromboplastina parcial ativado (TTPa). 24 Tampouco é recomendado o início de terapia antiplaquetária, com um estudo randomizado em pacientes com endocardite mostrando que o início de terapia com aspirina não foi associado com diminuição de eventos embólicos e apresentou um aumento não significativo na taxa de hemorragia cerebral. 25 Entretanto, naqueles pacientes que já fazem uso de aspirina por outro motivo, essa medicação poderá ser continuada na ausência de sangramento.

4.2.2  Hemorragia cerebral Representa 12 a 30% das complicações neurológicas nos pacientes com endocardite infecciosa e é a segunda complicação neurológica mais frequente. Vale a pena destacar, adicionalmente, que um estudo recente com a realização sistemática de RM nos pacientes com endocardite revelou a presença de microssangramentos no SNC em até 57% deles.26 Os principais mecanismos envolvidos são a transformação hemorrágica de um infarto isquêmico ou a ruptura de um aneurisma micótico. Nos pacientes em uso de terapia anticoagulante recomenda-se a interrupção da anticoagulação; contudo, naqueles com prótese valvar mecânica, a terapia com heparina não fracionada deve ser reiniciada tão logo quanto possível.

4.2.3  Aneurisma micótico Os aneurismas micóticos intracranianos são responsáveis por menos de 10% das complicações neurológicas nos pacientes com endocardite infecciosa, entretanto a sua real incidência deve estar subestimada, pois muitos são assintomáticos e apresentam resolução após o início da terapia antimicrobiana. Resultam da embolização séptica arterial para o vasa vasorum com lesão inflamatória da camada adventícia propagando-se à íntima; ou para o espaço intraluminal arterial com subsequente propagação da infecção da íntima para as camadas mais externas da parede arterial. Os pontos de ramificação arterial favorecem a impactação dos êmbolos sépticos e são os locais mais comuns de desenvolvimento dos aneurismas micóticos, os quais são múltiplos em até 25% dos casos. Os ramos distais das artérias cerebrais médias são os principais locais de ocorrência dos aneurismas micóticos intracranianos.17 A principal complicação relacionada aos aneurismas micóticos intracranianos decorrem de sua ruptura com consequente hemorragia subaracnoide ou hemorragia cerebral. A apresentação clínica, nesses casos, é bastante variável, podendo manifestar-se com cefaleia, diminuição do nível de consciência ou déficits neurológicos focais. Em menor parte dos casos, a sintomatologia é secundária ao efeito de massa gerado pela expansão do aneurisma. Conforme mencionado, até 52% dos pacientes apresentarão a resolução do aneurisma micótico após o início da antibioticoterapia e 29% deles evoluirão com diminuição das dimensões do aneurisma; porém, os 29% restantes apresentarão aumento do tamanho do aneurisma. Portanto, a maior parte dos casos não necessitará de nenhum tratamento adicional ao da própria endocardite infecciosa. Todavia, não há dados disponíveis que permitam identificar de maneira fidedigna quais pacientes evoluirão com ruptura dos aneurismas; logo, é necessária a realização de exames

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de imagem seriados com o intuito de identificar a progressão das suas dimensões. Aqueles aneurismas que evoluem com aumento de tamanho ou sangramentos devem ser submetidos ao tratamento cirúrgico.22 A terapia endovascular, frequentemente, cursa com a oclusão do vaso onde se encontra o aneurisma, portanto ela pode ser considerada para aqueles aneurismas que não têm efeito de massa e cuja localização não seja um vaso responsável pela irrigação de um território neurológico expressivo; caso contrário, a realização de neurocirurgia parece ser a melhor alternativa terapêutica.17,22

4.2.4  Abscesso cerebral Os abscessos cerebrais representam até 13% das complicações neurológicas nos pacientes com endocardite infecciosa,18 geralmente são múltiplos, de pequeno tamanho e não requerem nenhuma terapia adicional além de antibioticoterapia. Entretanto, aqueles que apresentam efeito de massa ou não apresentam resolução apesar de terapia antibiótica adequada requerem drenagem cirúrgica para tratamento definitivo. O Staphyloccocus aureus é o agente infeccioso mais comumente associado à formação de abscessos cerebrais.

4.2.5 Anticoagulação no paciente com endocardite infecciosa e complicação neurológica Existe consenso na literatura quanto ao risco aumentado de sangramento intracraniano no paciente com endocardite infecciosa em vigência de anticoagulação. O dilema terapêutico se impõe, entretanto, nos paciente com endocardite infecciosa e com indicação prévia de tratamento anticoagulante. Para eles, a maioria das indicações de anticoagulação decorre da presença de fibrilação atrial ou prótese valvar mecânica. Nesses casos, alguns autores advogam a realização de exames de imagem do SNC mesmo naqueles sem evidência de acometimento neurológico, 22 pois a detecção de complicações neurológicas, mesmo subclínicas, aumentaria ainda mais o risco de sangramento intracraniano. Nos pacientes com lesão cerebral isquêmica, a anticoagulação oral pode ser substituída por um período de 15 dias, conforme já mencionado, pela heparina não fracionada, com monitorização rigorosa do TTPa 24 e objetivando-se o menor nível terapêutico possível. Nos pacientes com hemorragia cerebral, a anticoagulação deve ser suspensa e o tempo de reinício da terapia anticoagulante é alvo de controvérsia ainda maior. A maior parte das recomendações sugere a suspensão de tal terapia por pelo menos 4 semanas; porém, naqueles pacientes com prótese valvar mecânica, a ocorrência de trombose valvar pode levar à disfunção grave da prótese com deterioração hemodinâmica importante, além de eventos tromboembólicos. A avaliação do benefício da reintrodução mais precoce de anticoagulação nesse contexto é particularmente desafiadora e deve ser considerada individualmente, e, de maneira ideal, decidido conjuntamente por diferentes especialistas, como neurologistas, neurocirurgiões e cardiologistas. Finalmente, a ruptura de um aneurisma micótico do SNC na vigência de anticoagulação pode ser fatal e, portanto, da mesma maneira que a hemorragia cerebral, indica-se a suspensão da terapia anticoagulante. Além disso, parece razoável, mesmo naqueles pacientes sem contraindicação à anticoagulação, em virtude da possibilidade não prevista de tratamento cirúrgico, a substituição do anticoagulante oral pela heparina não fracionada ou pela heparina de baixo peso molecular. A Figura 23.2 sugere o manejo da anticoagulação nos pacientes com endocardite infecciosa e com necessidade de terapia anticoagulante.

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Paciente com endocardite infecciosa em uso de anticoagulação oral: 1. prótese valvar mecânica 2.fibrilação atrial crônica

Sinais ou sintomas neurológicos presentes

Ausência de sinais ou sintomas neurológicos

Realização de exame de imagem do SNC

Realização de exame de imagem do SNC

Isquemia cerebral: manutenção da anticoagulação com troca do anticoagulante oral por heparina não fracionada com controle rigoroso do TTPA, por pelo menos 15 dias

Manutenção da anticoagulação com troca do anticoagulante oral por heparina não fracionada com controle rigoroso do TTPa

Normal

Hemorragia cerebral

Suspensão da anticoagulação, idealmente por 4 semanas Avaliação individualizada da reintrodução precoce de anticoagulação Aneurisma micótico

Figura 23.2  Manejo da anticoagulação nos pacientes com endocardite infecciosa. TTPA: tempo de tromboplastina parcial ativado; SNC: sistema nervoso central.

4.2.6 Complicação neurológica no paciente com endocardite infecciosa e indicação de cirurgia cardíaca O manejo dos pacientes com endocardite infecciosa e indicação de cirurgia cardíaca que evoluem com complicações neurológicas requer uma difícil escolha entre dois caminhos: a realização precoce da cirurgia cardíaca e o risco de piora da complicação neurológica, seja devido à necessidade de anticoagulação pelo uso de circulação extracorpórea (CEC) com o potencial de sangramento intracraniano, seja pelas possíveis oscilações pressóricas sistêmicas no intraoperatório com variações significativas do fluxo sanguíneo cerebral e exacerbação de lesões neurológicas secundárias; ou postergar a realização de cirurgia cardíaca incorrendo no risco de piora de outras complicações associadas à endocardite infecciosa como insuficiência cardíaca congestiva (ICC), novos eventos embólicos e piora do quadro infeccioso. Recomendações anteriores defendiam o adiamento da realização de cirurgia cardíaca em 2 semanas, naqueles casos com complicações neurológicas isquêmicas; ou em 4 semanas, nos pacientes com complicações neurológicas hemorrágicas. Entretanto, dados recentes contrariam essas recomendações ao mostrarem que, nos pacientes com lesões neurológicas isquêmicas, a realização precoce de cirurgia cardíaca, entre 7 e 14 dias do início da antibioticoterapia, pode ser segura, com risco de complicações neurológicas entre 3 e 6% e com boas chances de recuperação neurológica completa.24,27,28 Porém, nos pacientes que se apresen-

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tam comatosos ou naqueles com lesão isquêmica extensa e com prognóstico neurológico ruim, a possibilidade de recuperação neurológica após uma intervenção cirúrgica cardíaca diminui consideravelmente, já que a recuperação neurológica depende do estado funcional pré-operatório e até 80% dos pacientes evoluem com um bom estado funcional quando a escala NIH (National Institute of Health Stroke Scale) é menor que 9; mas apenas 35% deles apresentam uma boa recuperação neurológica quando esse índice é maior que 15.29 Portanto, os pacientes com endocardite infecciosa, lesões isquêmicas do SNC e coma devem ser manejados clinicamente. Já os pacientes com hemorragia intracraniana apresentam um risco de mortalidade cirúrgica entre 30 e 40% e, nessa situação, a intervenção cirúrgica deve ser adiada por pelo menos 4 semanas. A Figura 23.3 indica as estratégias terapêuticas nos pacientes com endocardite infecciosa que evoluem com complicações neurológicas. Paciente com endocardite infecciosa e complicações neurológicas Exame de imagem do SNC • Insuficiência cardíaca • Infecção não controlada • Alto risco de eventos embólicos NÃO

SIM • Hemorragia intracraniana • Coma • Lesão isquêmica extensa • Comorbidades graves

SIM

• Tratamento conservador • Monitorização

NÃO Considerar cirurgia cardíaca

Figura 23.3  Estratégia terapêutica para os pacientes com endocardite infecciosa com complicações neurológicas e indicação de cirurgia cardíaca. Fonte: Modificada de Habib e colaboradores. 24

5. CONCLUSÕES • A endocardite infecciosa é uma doença que se apresenta no século XXI com mudanças importantes em suas características epidemiológicas como o aumento da idade dos pacientes, grande parte das infecções associadas a cuidados de saúde, uma baixa frequência dos sinais clínicos classicamente descritos e o Staphyloccocus aureus como o principal agente etiológico. • As principais indicações de internação na UTI relacionadas à endocardite infecciosa são o choque séptico, a insuficiência cardíaca, a deterioração do quadro neurológico e o cuidado pós-operatório dos pacientes submetidos à cirurgia cardíaca valvar. • As indicações de terapia cirúrgica nos pacientes com endocardite infecciosa são a insuficiência cardíaca, a infecção não controlada e a prevenção de eventos embólicos. Na atualidade, aproximadamente 50% dos casos de endocardite infecciosa são submetidos à terapia cirúrgica, que deve ser realizada de maneira precoce quando indicada (Quadro 23.2). Portanto, são de fundamental importância a identificação e monitorização adequada dos pacientes de alto risco (Quadro 23.3), que devem, idealmente, ser cuidados em serviços com capacidade de realização de cirurgia cardíaca valvar.

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Quadro 23.3  Passos fundamentais para o adequado manejo da endocardite infecciosa 1. Rápido início de antibioticoterapia empírica após a coleta de culturas. 2. Adequação do tratamento antimicrobiano de acordo com o resultado dos exames laboratoriais que identifiquem o agente etiológico. 3. Identificação dos pacientes de alto risco: • insuficiência cardíaca; • AVC/alteração do nível de consciência; • eventos embólicos recorrentes; • choque séptico; • febre persistente além de 7 a 10 dias; • vegetações de grandes dimensões ou com aumento de tamanho; • extensão perivalvar da infecção: abscesso, pseudoaneurisma, fístula; • bloqueio atrioventricular novo; • regurgitação valvar esquerda importante, disfunção grave de prótese valvar; • sinais de aumento nas pressões de enchimento de câmaras esquerdas, hipertensão pulmonar; • baixa fração de ejeção ventricular esquerda; • infecção por Staphyloccocus aureus, fungos ou bacilos gram-negativos; • insuficiência renal aguda. 4. Transferência dos pacientes de alto risco para centros com capacitação em cirurgia cardíaca. 5. Monitorização adequada dos pacientes de alto risco – avaliar necessidade de internação em UTI. 6. Redução do tempo para proceder à cirurgia cardíaca quando indicada. 7. Acompanhamento a longo prazo por equipe multidisciplinar. Fonte: Modificado de Thuny e colaboradores.1

• As complicações neurológicas mais importantes nos pacientes com endocardite infecciosa são AVCi, hemorragia cerebral, meningite, abscesso cerebral e aneurisma micótico; acometendo entre 20 e 40% dos casos. • Na endocardite infecciosa, a terapia anticoagulante está associada a maior risco de eventos hemorrágicos intracranianos e as duas principais indicações de anticoagulação são a presença de prótese valvar mecânica ou a fibrilação atrial. Nos pacientes com complicações neurológicas isquêmicas e necessidade de anticoagulação, recomenda-se o uso de heparina não fracionada com monitorização rigorosa do TTPa por, pelo menos, 2 semanas. Naqueles com hemorragia cerebral ou com aneurismas micóticos intracranianos, o uso de anticoagulantes deve ser temporariamente suspenso. • Os pacientes com endocardite infecciosa e necessidade de cirurgia cardíaca que evoluem com complicações neurológicas isquêmicas podem ser submetidos ao tratamento cirúrgico de maneira precoce com baixo risco de piora das complicações neurológicas; porém, nos pacientes comatosos, com extensa lesão neurológica isquêmica ou com hemorragia cerebral, a realização de intervenção cirúrgica cardíaca deve ser postergada.

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Seção II  Cardiologia

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Disfunção miocárdica induzida pela sepse

24

Bruno Nunes Rodrigues Maurício Henrique Claro dos Santos 1. INTRODUÇÃO O choque séptico e a sepse grave são duas das principais causas de admissão em unidades críticas.1 São também grandes responsáveis por mortes na unidades de terapia intensiva (UTI) não cardíacas, com uma inaceitável alta taxa de mortalidade.2 Entre 1993 e 2003, constatou-se rápido aumento na taxa de hospitalização e mortalidade por sepse grave, com crescimento anual de 8,2% e taxa de mortalidade de 50% aproximadamente, havendo diferença significativa com o aumento da idade. 3 Um estudo norte-americano estimou a incidência de sepse grave de 751 mil casos anualmente, associado a 215 mil mortes por ano, com o custo hospitalar total nacional estimado em cerca de 16.700 milhões dólares americanos.4 Apesar dos grandes avanços na nossa compreensão da fisiopatologia da sepse e do choque séptico, a mortalidade associada mudou pouco ao longo dos últimos 20 anos. Grande parte dessa mortalidade e morbidade associadas é o resultado de desarranjos graves no sistema cardiovascular, com hipotensão refratária e colapso cardiovascular. O estudo SOAP, realizado em 21 países europeus e que analisou 3.147 pacientes sépticos por 15 dias em maio de 2002, constatou taxas de mortalidade ao redor de 27% e mais de 50% nos pacientes com choque séptico.5 Outros estudos europeus acharam taxas de mortalidade similares.6 Literatura recentemente publicada pelos autores do Surviving Sepsis Campaign, após 2 anos desde a introdução dos seus protocolos, mostrou uma redução da mortalidade hospitalar por sepse de 37% para 30,8%;1 entretanto, essa taxa ainda permanece muito elevada. Na sepse, há uma combinação de hipovolemia e disfunção vascular periférica resultando em hipotensão e anormalidades na distribuição local e regional de sangue, falência cardíaca e disfunção celular. O padrão hemodinâmico difere de paciente para paciente, pelo menos no que se refere a distúrbios macrocirculatórios. Alguns pacientes sépticos experimentam alto grau de hipovolemia, enquanto outros sofrem alto grau de comprometimento do tônus vascular, e outros ainda apresentam falência cardíaca grave. Uma variedade de combinações dessas apresentações pode existir.

342

Seção II  Cardiologia

A resposta sistêmica do organismo à infecção é caracterizada e modulada por várias vias pró e anti-inflamatórias. Após a exposição inicial a um estímulo infeccioso (como uma endotoxina da parede da célula de bacilos gram-negativos ou toxinas de choque tóxico dos sorotipos do Staphylococcus aureus), a cascata inflamatória é iniciada. A amplificação dessa cascata ocorre por estimulação dos leucócitos polimorfonucleares, macrófagos, monócitos teciduais e células endoteliais que liberam mediadores biologicamente ativos, incluindo fatores ativadores de plaquetas e óxido nítrico. Estudos experimentais, tanto em humanos quanto em animais, indicam que fator de necrose tumoral (FNT) e a interleucina-1 (IL-1) são as citocinas pró-inflamatórias liberadas precocemente mais importantes.7 Essa ativação e aplicação da cascata também elaboram citocinas anti-inflamatórias contrarregulatórias como a IL-10, transformando o fator de crescimento e citocinas inibitórias solúveis como o antagonista do receptor da IL-1. Os efeitos desses estímulos pró e anti-inflamatório culminam na fisiopatologia da disfunção orgânica associada com a SRIS e a sepse (Quadro 24.1).8 Se a homeostase não pode ser mantida, uma progressiva e sequencial disfunção de vários órgãos pode assomar, fenômeno chamado de disfunção de múltiplos órgãos. Se o estímulo inflamatório é particularmente intenso, efeitos no sistema cardiovascular, manifestados por choque séptico, devem dominar a apresentação clínica (Figura 24.1 e Tabela 24.1). A disfunção miocárdica induzida por sepse (DMIS) é uma das manifestações da disfunção cardiovascular no choque séptico. Não existe uma definição universal para a DMIS e, embora uma diminuição da fração de ejeção seja geralmente utilizada, aquela pode ser definida como uma disfunção global (sistólica e diastólica) e reversível de ambos os ventrículos. Quadro 24.1  Definições de sepse SIRS

≥ 2 dos seguintes

Sepse Sepse grave



Temperatura corporal > 38,5ºC ou < 35ºC



FC > 90 batimentos por minuto



Frequência respiratória > 20 incursões por minuto ou tensão arterial de CO2 < 32 mm ou necessidade de ventilação mecânica



Leucograma > 12.000/mm3 ou < 4.000/mm3 ou formas imaturas > 10%

SIRS + infecção documentada Sepse e pelo menos um sinal de hipoperfusão de órgão ou disfunção de órgão

• • •



Áreas de pele mosqueada. Tempo de reenchimento capilar ≥ 3 s Débito urinário < 0,5 mL/kg por pelo menos 1 hora ou terapia de substituição renal Lactato > 2 mmol/L Alteração abrupta do estado mental ou eletrencefalograma anormal Contagem de plaquetas < 100.000/mL ou coagulação intravascular disseminada Lesão pulmonar aguda ou SARA



SIMD (ecocardiografia)



Pressão arterial média sistêmica < 60 mmHg, se hipertensão prévia) após 20-30 mL/kg de amido ou 40-60 mL/kg de solução salina sérica ou pressão pulmonar capilar em cunha entre 12 e 20 mmHg Necessidade de dopamina > 5 µg/kg por minuto ou norepinefrina ou epinefrina < 0,25 µg/kg por minuto para manter a pressão arterial média acima de 60 mmHg (80 mmHg se hipertensão anterior).

• • •

Choque séptico Sepse grave e um dos seguintes:



Choque séptico Necessidade de dopamina > 15 µg/kg por minuto ou norepinefrina > 0,25 µg/kg por minuto refratário para manter a pressão arterial média acima de 60 mmHg (80 mmHg se hipertensão anterior) SRIS: síndrome de resposta inflamatória sistêmica; FC: frequência cardíaca; SARA: síndrome da angústia respiratória aguda; s: segundos.

343

Capítulo 24  Disfunção miocárdica induzida pela sepse

A natureza da DMIS e do choque séptico tem sido investigada por mais de metade do século por aquela ser um dos maiores preditores de morbidade e mortalidade da sepse. A DMIS está presente em mais de 40% dos casos de sepse e seu surgimento pode aumentar a taxa de mortalidade para mais de 70%.9 Quase 30 anos de pesquisa em DMIS não têm sido suficientes para melhorar os resultados de forma substancial e, além disso, existem controvérsias sobre sua fisiopatologia e suas estratégias de tratamento, várias ainda no período experimental.

Microrganismo

NO Células endoteliais

Endotoxina

Macrófato IL-1

TNF-α

Células T

PMN

IL-6 Th-1

Th-2

IFN-Υ TNF-β IL-2

IL-4 IL-5 IL-10

PAF

Metabólicos do ácido araquidônico

Lesão vascular; depressão miocárdica; ↓ RVS Síndrome séptica Choque séptico

Figura 24.1  Processo inflamatório na sepse. IFN: interferon; IL: interleucina; PAF: fator de agregação plaquetária; PMN: polimorfonucleares; NO: óxido nítrico; RVS: resistência vascular sistêmica; Th-1: resposta imunológica T helper 1; Th-2: resposta imunológica T helper 2; TNF: fator de necrose tumoral. Tabela 24.1  Processo inflamatório na sepse CLASSE Ciocinas pró-inflamatórias

MEDIADORES

FONTE

PAPEL NA SEPSE

TNF-α

Macrófagos ativados

Febre, hipotensão, ativação de neutrófilos e células endoteliais

IL-1β

Monócitos, macrófagos, linfócitos e células endoteliais

Febre, hipotensão, ativação de macrófagos e células T, supressão miocárdica

IL-6

Células T e B, células endoteliais

Indução da proliferação de linfócitos

IL-17

Células T

Indução da produção de citocinas e quimiocinas

Citocinas anti-inflamatórias

IL-10

Células epiteliais, monócitos e linfócitos

Redução da ativação de macrófagos, ↓ produção de TNF-α

Quimiocinas

IL = 8 (CXCL8)

Macrófagos e monócitos

Quimiotaxia para neutrófilos e células T

Fatores endoteliais

NO

Células endoteliais

↑ Permeabilidade vascular, depressão miocárdica, ↑ translocação bacteriana

Mediadores lipídicos

PG’s

Células imunes efetoras, ↑ Reatividade das vias aéreas, vasoconstrição, pâncreas agregação plaquetária, ↑ permeabilidade vascular

LT’s TX PAF

Células endoteliais, ↑ Liberação de histamina de plaquetas, ativação macrófagos e neutrófilos de células endoteliais

344

Seção II  Cardiologia

Neste capítulo, traça-se a evolução do pensamento científico em relação a esse fenômeno com especial ênfase no entendimento atual tanto das manifestações clínicas quanto em relação às bases moleculares e celulares da DMIS em pacientes críticos.

2. MECANISMOS DA DISFUNÇÃO MIOCÁRDICA INDUZIDA PELA SEPSE Vários mecanismos têm sido apontados como responsáveis pela cardiomiopatia séptica. Didaticamente, eles podem ser divididos em mecanismos extramiocárdicos e intramiocárdicos. Serão destacados, a seguir, os principais deles (Figura 24.2).

2.1  Mecanismos extramiocárdicos 2.1.1  Fluxo sanguíneo coronariano Contrariando as hipóteses clássicas, sabe-se agora que fenômenos isquêmicos não desempenham um papel importante na DMIS. O fluxo sanguíneo coronário é, com base em fortes estudos fisiológicos, preservado nesses pacientes.10 Não obstante, se a pressão arterial diastólica é muito baixa devido a uma diminuição acentuada no tônus vascular, a isquemia miocárdica pode assomar, lembrando que é essa pressão arterial diastólica a condutora do sangue para as artérias coronárias.11

2.1.2  Fatores circulantes depressores do miocárdico O conceito de que pudesse haver um fator circulante depressor do miocárdio durante sepse foi proposto pela primeira vez em 1970.12 Experimentalmente, o soro obtido a partir de pacientes durante a fase aguda do choque séptico conseguia diminuir a extensão e a velocidade de encurtamento de cardiomiócitos de rato, ao passo que o soro obtido de pacientes não sépticos reestabeleciam imediatamente a força contrátil.13 Citocinas como a IL-1 e o FNT são, sob a evidência atual, fatores depressores do miocárdio.14 No entanto, embora essas citocinas possam ser as responsáveis pela depressão do miocárdio na fase inicial da sepse, elas não parecem exercer um efeito prolongado porque seus níveis plasmáticos retornam a valores normais no prazo de 48 horas após o início da sepse.15 Além disso, estudos utilizando cardiomiócitos isolados colhidos de animais mortos por sepse relataram depressão contrátil semelhante às medidas in vivo, apesar da ausência de um contato direto com o plasma.16 Isso sugere que mecanismos intramiocárdicos podem estar envolvidos na DMIS, independentemente da presença de substâncias circulantes depressoras.

2.1.3 Endotelina Embora seu significado na patogênese da DMIS não esteja totalmente esclarecido, os níveis circulantes de endotelina-1 encontram-se aumentados em pacientes com DMIS e estudos experimentais demonstram uma associação entre esses níveis e a presença de cardiomiopatia séptica.17

2.2  Mecanismos intramiocárdicos 2.2.1  Hiporresponsividade dos receptores β1-adrenérgicos A via fisiológica dos agonistas dos receptores β1 leva à formação de monofosfato de adenosina cíclico (AMPc) pela adenilato-ciclase. Isso desencadeia sinais de transdução intracelulares, que levam à liberação, pelo retículo sarcoplasmático, de íons cálcio que serão utilizados na contração das células miocárdicas. Durante o choque séptico, um decréscimo no número de receptores β1 e da atividade da adenilato-ciclase foi bem descrito.18 Essas alterações parecem evoluir ao longo do tempo.

Capítulo 24  Disfunção miocárdica induzida pela sepse

345

Na verdade, um aprimoramento dos efeitos inotrópicos β1-agonistas é provável que ocorra nas primeiras 12 horas, provavelmente como consequência da externalização de β1-receptores na superfície das células miocárdicas. Depois das primeiras 36 horas, os efeitos inotrópicos são, então, diminuídos, provavelmente devido à internalização dos β1-receptores.19

2.2.2  Redução da sensibilidade do miofilamento ao cálcio A contração cardíaca exige que os íons de cálcio se combinem com o complexo troponina, especialmente com a troponina C. A interação do cálcio com a troponina C leva a uma alteração da conformação espacial da troponina I, a qual libera actina, permitindo a formação de pontes de actina-miosina na contração cardíaca ideal. A sensibilidade do miofilamento de cálcio é diminuída durante a sepse. A fosforilação de proteínas da troponina I no local onde o íon cálcio normalmente se combina pode estar envolvida nessa capacidade reduzida de ativação do miofilamento.20 Adicionalmente, estudos experimentais evidenciam a diminuição da concentração de canais de cálcio durante a indução de toxemia.21

2.2.3  Óxido nítrico e as vias do peroxinitrito O fato de a cardiomiopatia séptica poder ser induzida por citocinas implica a hipótese de aumento do NO motivado pela ativação nos miócitos da NO-sintetase dependente de cálcio (NOS), especialmente a NOS-2. O NO induz diretamente a produção de monofosfato de guanosina cíclico, um ativador da fosfodiesterase, levando à vasodilatação com consequente alterações na pré-carga, na pós-carga e na perfusão cardíaca. Além disso, o NO pode ocasionar um efeito direto sobre o cardiomiócito, induzindo à miocardiodepressão. No entanto, o uso de inibidores de NOS não restaurou a contratilidade miocárdica no choque séptico experimental.22 Atualmente, considera-se que o NO desempenha um papel indireto por meio da produção de radicais livres, especialmente peroxinitrito citotóxico. A esse respeito, a adição de neutralizadores de peroxinitrito melhorou a disfunção miocárdica induzida por endotoxinas.23

2.2.4 Receptores toll-like Esses receptores encontrados na superfície e no interior da célula são responsáveis pelo reconhecimento de antígenos bacterianos e virais, e desempenham papel na modulação da resposta imune inata e da cascata inflamatória. Estudos experimentais mostram que o bloqueio dos receptores toll-like tipo 3 evitariam o aparecimento da disfunção miocárdica e que a ativação daqueles tipo 4 estaria associada ao desenvolvimento da DMIS.24,25

2.2.5  Disfunção mitocondrial Sua presença em pacientes sépticos ocasionaria a formação de espécies reativas de oxigênio, com efeito tóxico sobre as células cardíacas e consequente diminuição da contratilidade miocárdica.26

2.2.6  Apoptose miocárdica Pode resultar de uma citotoxicidade direta do NO e do peroxinitrito; ou secundária à ativação excessiva da enzima caspases por citocinas circulantes.27 Inibidores dessas enzimas podem impedir completamente a DMIS em animais. Esse mecanismo de sofrimento celular pode ser explicado tanto pela destruição dos miofilamentos quanto pela desregulação da homeostase do cálcio. Entretanto, a natureza reversível da DMIS sugere que o mecanismo das caspases esteja mais relacionado a um sofrimento celular fugaz do que à apoptose propriamente dita.28

346

Seção II  Cardiologia

Óxido nítrico Oxigênio/água

Canais de cálcio

L-arginina

Extracelular Na+ Ca++

NOS

NADPH

Endotelina-1

L-citrulina

ET-1

NADP+ NO ET-1

Depleção de glutationa

Intracelular

ET-1 Efeito depressor

Redução de canais de cálcio

Geração de espécies reativas de oxigênio Apoptose ou necrose

Resposta imune Inflamação Efeito depressor IL-1 IL-6

Receptor toll-like

Disfunção mitocondrial

Citocinas

Figura 24.2  Principais mecanismos envolvidos na patogênese da DMIS.

3. PANORAMA HISTÓRICO, PERFIL HEMODINÂMICO E INCIDÊNCIA A primeira compreensão das manifestações cardiovasculares do choque séptico foi limitada pela tecnologia disponível. Acreditava-se, até 25 anos atrás, que nos pacientes com choque séptico havia uma fase hiperdinâmica compensatória precoce (“choque quente”), rapidamente após o início da doença, seguido de recuperação ou choque hipodinâmico pré-terminal (“choque frio”). Esse padrão de resposta bifásica foi descrito em 1966, em um estudo com pacientes com choque séptico secundário à peritonite.29 Essa ideia de DMIS foi sustentada por inúmeros relatos clínicos que associaram a maioria dos choques sépticos com baixo débito cardíaco (DC) e RVS aumentada e por estudos com animais usando injeção intravenosa de endotoxina ou organismos vivos. A disseminação do uso do cateter de artéria pulmonar (CAP) tornou evidente que pacientes com choque séptico com frequência não estavam adequadamente ressuscitados. Estudos feitos em humanos desde a introdução do CAP demonstraram que pacientes adequadamente ressuscitados manifestam, de forma consistente, um estado circulatório com alto débito cardíaco e reduzida RVS, perfil hiperdinâmico que usualmente persiste até a morte nos não sobreviventes.30 Nossa atual compreensão das manifestações cardiovasculares da sepse e do choque séptico decorre do desenvolvimento da ventriculografia radioisotópica (VRI) e das técnicas ecocardiográficas volumétricas e de sua aplicação em pacientes críticos na UTI. O conceito de DMIS emergiu do estudo de Parker e colaboradores em 198431, que demonstraram, usando VRI e estudo simultâneo do DC por termodiluição, a existência de depressão miocárdica em uma coorte de 20 pacientes com choque

347

Capítulo 24  Disfunção miocárdica induzida pela sepse

séptico. Os pacientes que sobreviveram (13 de 20) tinham uma FEVE < 40%, com volume sistólico final e volume diastólico final substancialmente maior e com um volume sistólico (VS) normal. Essas mudanças foram sustentadas por quatro dias, na medida em que gradualmente retornaram à normalidade por 10 dias após o início do choque. Paradoxalmente, os não sobreviventes tinham FEVE e volume ventricular normais. Esses dados devem-se à influência da resistência vascular sistêmica e da pós-carga ventricular na diminuição da fração de ejeção. Assim, o fato de os pacientes não sobreviventes apresentarem uma maior fração de ejeção refletiria uma vasoplegia mais acentuada, o que conferiu um pior prognóstico. A dilatação do ventrículo esquerdo (VE) foi considerada um importante mecanismo de adaptação, pois compensava a diminuição da contratilidade miocárdica por meio da dilatação ventricular, mantendo constante o volume sistólico (Figura 24.3). Diástole

Sístole

120 mL

50 mL

Diástole

Sístole

180 mL

110 mL

A

B

Figura 24.3  Representação esquemática da dilatação ventricular com diminuição da fração de ejeção (FE) e manutenção do volume sistólico (VS). A FE é definida pela fórmula: FE = VDF – VSF/VDF; onde VDF = volume diastólico final e VSF = volume sistólico final. A diferença entre o VDF e o VSF é o volume de ejeção do VE, ou simplesmente VS. Em (A), os ventrículos têm tamanhos normais, o VDF = 120 mL, o VSF = 50 mL, o VS = 70 mL, e a FE = 58%. Em (B), ocorre a dilatação ventricular, o VDF = 180 mL, o VSF = 110 mL; portanto, o VS mantém-se em 70 mL, apesar de a FE cair para 38%.

Portanto, a pós-carga de VE tem um papel crucial na avaliação da função cardíaca. O mesmo valor de FEVE corresponde a diferentes níveis de contratilidade intrínseca de VE, por exemplo, uma FEVE de 60% pode corresponder a um grave comprometimento da contratilidade de VE se a pós-carga é muito baixa, como em um choque séptico antes da ressuscitação.32 Como mostrado em estudos com animais, deve-se considerar que a presença de depressão intrínseca da contratilidade é uma constante no choque séptico. Dessa forma, a FEVE, na verdade, reflete a pós-carga de VE, e não a contratilidade miocárdica intrínseca (Figura 24.4). Usando a ecocardiografia transesofágica (ETE), Vieillard-Baron e colaboradores, recentemente, mostraram que a hipocinesia global de VE, definida

348

Seção II  Cardiologia

por FEVE menor que 45%, foi observada em 60% dos pacientes durante os primeiros três dias de choque séptico. Em 39% dos pacientes, a hipocinesia de VE esteve presente na admissão (hipocinesia primária) e, em 21%, a FEVE foi normal na admissão e a hipocinesia de VE se revelou após a infusão de norepinefrina (hipocinesia secundária).33 Por isso, a ecocardiografia, quando repetida em diferentes momentos, mostra como a infusão de norepinefrina pode mascarar a baixa contratilidade intrínseca de VE. De forma interessante, há a evidência de que a resistência vascular sistêmica (RVS) seja significativamente menor em pacientes com FEVE preservada do que naqueles com FEVE diminuída.34 A Tabela 24.2 demonstra a incidência da DMIS em diferentes estudos.

1,0

PSmáx = 50

FEVE 0,8

PSmáx = 200

0,6

0,4

0,2

0 50

100

150

200 VDF (mL)

Figura 24.4  Gráfico mostrando a influência da pós-carga na FEVE. Cada curva representa diferentes níveis de pressão sistólica máxima (PSmáx), variando de 50 a 200 mmHg, o que representa a pós-carga ventricular. Assim, quanto maior a PSmáx, menor a FEVE para um mesmo volume diastólico final (VDF). Por esse conceito, a FEVE pode ser dada pela fórmula: FEVE = 1 – (PSmáx/VDF) × (1/Emáx); onde a Emáx é a elastância máxima e representa a contratilidade intrínseca do VE; VDF representa a pré-carga ventricular; e a PSmáx, a pós-carga. Fonte: Modificada de Robotham e colaboradores, 1991.32

Tabela 24.2  Incidência de disfunção sistólica VE no choque séptico de acordo com o tempo de avaliação ESTUDOS

TEMPO DO ESTUDO/ADMISSÃO

INCIDÊNCIA DE DISFUNÇÃO SISTÓLICA VE

Parker e colaboradores (1987) CAP + cineangiografia de radionuclídeo

Dia 1

65%

Jardin e colaboradores (1990) ETT

0-6 horas

29%

Vieillard-Baron e colaboradores (2001) ETE

0-6 horas

18%

Vieillard-Baron e colaboradores (2008) ETE

Dia 1,2,3

60%

?

20%

12 horas

46%

Bouhemad e colaboradores (2009) ETE Etchecopar-Chevreuil e colaboradores (2008)

CAP: cateter de artéria pulmonar; ETT: ecocardiografia transtorácica; ETE: ecocardiografia transesofágica.

Capítulo 24  Disfunção miocárdica induzida pela sepse

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4. CARACTERÍSTICAS DA DISFUNÇÃO CARDÍACA INDUZIDA PELA SEPSE 4.1  Disfunção sistólica do ventrículo esquerdo e dilatação ventricular Conforme destacado anteriormente, a DMIS caracteriza-se por uma disfunção ventricular global, sistólica e diastólica, que envolve ambos os ventrículos, com a reversibilidade dessas alterações, nos pacientes que sobrevivem, ao longo de 10 a 14 dias. Trabalhos mais recentes não comprovam que a dilatação ventricular na DMIS ocorra na mesma magnitude documentada no estudo seminal de Parker e colaboradores, em que o volume ventricular chegou a aumentar 100%, ou seja, dobrar em relação ao seu tamanho original. Um estudo ecocardiográfico com seguimento de 45 pacientes com choque séptico com foco em alterações agudas nas dimensões do VE, na fase aguda do choque séptico, documentou uma dilatação do VE ao redor de 30%;35 enquanto outros trabalhos, que avaliaram as alterações ventriculares em pacientes sépticos pelo uso da ecocardiografia não evidenciaram quaisquer alterações nas dimensões ventriculares.33,34,36-38 Duas possíveis explicações para essas divergências são de que a dilatação ventricular seria dependente da intensidade da ressuscitação volêmica39 e de que o valor do volume ventricular obtido por Parker e colaboradores foi derivado de maneira indireta, com potenciais fontes de erro matemático. Por meio da mensuração direta da FE pela ventriculografia radioisotópica, e do volume sistólico pelo cateter de artéria pulmonar, era calculado o volume diastólico final dividindo-se o volume sistólico pela fração de ejeção. Independentemente do grau de dilatação ventricular, porém, esses estudos mais recentes demonstram uma associação entre a presença de DMIS e o aumento de mortalidade.33,34,36-38

4.2  Disfunção diastólica do ventrículo esquerdo A definição de disfunção diastólica em pacientes com sepse é menos clara. Ela pode ser estudada usando-se doppler pulsado das veias pulmonares e do fluxo transmitral, e o doppler tecidual. A possibilidade de variações significativas da complacência diastólica em pacientes com sepse foi baseada na falta de correlação entre a PCP medida e a performance ou o volume ventricular esquerdo.40 Além disso, utilizando-se técnicas de ecocardiografia com Doppler, foi demonstrada uma rápida redução no tempo de enchimento ventricular e maior dependência de contribuições atriais para volume­ diastólico final do VE em pacientes com sepse normotensos ou com choque séptico, quando comparados a um grupo-controle.41 Por meio da ecocardiografia transesofágica no choque séptico, evidenciou-se uma progressão nas alterações de função do VE, desde a disfunção diastólica isolada até a anormalidade combinada, sistólica e diastólica. Nesse estudo, envolvendo 25 pacientes, a incidência de disfunção diastólica isolada do VE foi de 44%, e a disfunção combinada ocorreu em 24% dos ­pacientes.42 Recentemente, um trabalho com 262 pacientes mostrou disfunção diastólica isolada em 40% dos pacientes, disfunção sistólica apenas em 9%, e disfunção combinada em 14%. A mortalidade foi significativamente mais alta nos pacientes com alteração da função car­díaca, seja diastólica ou sistólica.43 Portanto, a disfunção diastólica parece ser uma alteração frequente em pacientes sépticos e vários estudos confirmam sua associação com aumento de mortalidade; contudo, seu impacto no tratamento desses pacientes ainda não está totalmente claro.

4.3  Disfunção do ventrículo direito O ventrículo direito (VD) pode estar sujeito a influências substancialmente diferentes do que o VE, particularmente em condições fisiopatológicas, como choque. Não se pode presumir que a função ventricular direita na sepse e no choque séptico se assemelhe à função ventricular esquerda, por várias razões. Na circulação sistêmica, o choque séptico está associado a uma diminuição da resistência vascular e da pressão sanguínea. Isso quase sempre resulta em uma redução da pós-carga do VE que, por sua vez, tende a manter ou elevar o débito cardíaco, apesar da presença de contratilidade do ventrículo esquerdo deprimido. Em contraste, a pós-carga do VD é, muitas vezes, elevada na sepse e no choque séptico devido ao aumento da resistência vascular pulmonar associada à injúria pulmonar aguda e à

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SARA.44 Isso tende a diminuir o débito do VD. Além disso, tem sido sugerido que perfusão e contratilidade diminuídas do VD poderiam resultar de uma redução no gradiente de perfusão do VD durante o choque séptico relacionado com hipertensão pulmonar.45 Desse modo, a disfunção ventricular direita em pacientes com sepse pode sobrevir por dois principais mecanismos: pela diminuição da contratilidade intrínseca do miocárdio ou pela hipertensão pulmonar. Vários trabalhos são concordantes em apresentar uma incidência da disfunção do VD nesse contexto ao redor de 30%.33,46 Assim como, para o VE, existe na literatura uma grande controvérsia quanto à magnitude da dilatação do VD na DMIS.

5. DIAGNÓSTICO 5.1  Cateter de artéria pulmonar O cateter de artéria pulmonar (PAC, do inglês pulmonary artery catheter; cateter de Swan-Ganz) é um método de monitorização hemodinâmica tradicional em pacientes com choque séptico que pode ajudar a detectar a DMIS mostrando baixo DC e elevação das pressões de enchimento. No entanto, essa definição é questionável porque, durante a sepse, o DC pode ser normal ou mesmo maior, apesar da presença de diminuição da contratilidade miocárdica. Portanto, o trabalho ventricular indexado, que analisa o débito cardíaco de acordo com os níveis de pós-carga, mensurado por meio do PAC, seria o parâmetro hemodinâmico mais sensível na detecção da DMIS.47 Além disso, o PAC seria útil na tomada de decisão para infusão de drogas inotrópicas e monitorização dos seus efeitos. Nesse contexto, a monitorização contínua da saturação venosa mista de oxigênio (SvO2) pode ser particularmente útil. Um baixo valor de SvO2 (< 65 a 70%) pode servir como um gatilho para a decisão de iniciar a terapia inotrópica no contexto de baixo DC e de alta PAPO ou, ainda, no contexto de baixa FEVE, identificada pela ecocardiografia. Tendo em vista, porém, as evidências atualmente disponíveis sobre a ausência de benefícios clínicos associado ao uso do PAC, conclui-se que a decisão sobre a sua utilização deve ser individualizada para cada paciente e feita por uma equipe familiarizada com o seu uso.

5.2  Sistema PiCCO™ A tecnologia PiCCO™ (Pulsion Medical Systems AG, Munique, Alemanha) surgiu como um método de monitorização hemodinâmica avançada destinado a ser uma alternativa ao CAP. Usando a termodiluição transpulmonar, pode fornecer variáveis importantes, ​​ como o DC, o volume diastólico final global (um marcador de pré-carga) e água extravascular pulmonar (um marcador de edema pulmonar). Também consegue medir o índice de função cardíaca (IFC), um fiel marcador de função sistólica – uma boa correlação entre o IFC e a FEVE medido pela ecocardiografia foi bem descrita.48 É importante ressaltar que um valor de IFC < 3,2 minutos-1 permitiu a suspeita de uma FEVE < 35% com boa precisão. Isso sugere que um baixo valor de IFC, pode alertar a equipe médica e desencadear a realização de uma ecocardiografia para confirmar o comprometimento da função sistólica, bem como explorar os mecanismos subjacentes responsáveis por essa disfunção. Isso também sugere que medidas repetidas de IFC podem ser realizadas para acompanhar o impacto direto da terapia inotrópica durante a DMIS. Usando o princípio de análise de contorno do pulso, o sistema PiCCO também permite a monitorização em tempo real do DC e da variação do volume sistólico. Apesar de suas inúmeras ressalvas, essas variáveis também colaboram como adjuvantes no cuidado clínico intensivo.

5.3 Sistema Flotrac/Vigileo™ Estima a impedância da aorta por meio da análise da curva de pressão sanguínea e não exige calibração, mas não mostrou ser confiável nas situações de instabilidade hemodinâmica em que haja alterações do tônus arterial.

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Em 80 pacientes em choque séptico, o DC foi medido por comparação pelos sistemas PiCCO™ e Vigileo™. O PiCCO mostrou maior precisão para detectar mudanças no DC produzidas tanto por expansão volêmica quanto após o início da infusão de norepinefrina. O Vigileo™ foi mais impreciso na maioria dos parâmetros aferidos, principalmente naqueles relacionados à resistência vascular sistêmica.49 Dessa maneira, não há evidência suficiente para usar o sistema FloTrac/Vigileo™ no diagnóstico ou seguimento de pacientes sépticos com DMIS.

5.4 Ecocardiografia Devido à sua ampla disponibilidade e baixa invasibilidade, a ecocardiografia é a principal ferramenta no diagnóstico e acompanhamento da evolução da DMIS; permitindo avaliar, além da FEVE e da disfunção do VD, a responsividade volêmica e a função diastólica ventricular. Atualmente, várias sociedades de terapia intensiva têm traçado um currículo específico de ecocardiografia para os intensivistas, de tal modo que conhecimentos básicos sobre o método fazem parte do treinamento e da formação de médicos intensivistas em muitos centros formadores. Dados disponíveis indicam que a avaliação subjetiva da função sistólica ventricular pode ser realizada com uma boa acurácia, mesmo após um curto período de treinamento. Portanto, a identificação de uma diminuição global da função sistólica do VE em pacientes sépticos pode ser feita mesmo com a aquisição de habilidades básicas em ecocardiografia. Sob esse prisma, a avaliação dos volumes ventriculares seria de menor importância; e pelo exposto anteriormente, a dilatação ventricular documentada nos trabalhos pioneiros da DMIS não se confirmou em estudos mais recentes, nos quais a ecocardiografia foi utilizada como principal método diagnóstico. A ecocardiografia realizada pelo intensivista teria a vantagem de poder ser repetida mais frequentemente que a ecocardiografia convencional. Na DMIS, isso é particularmente importante, pois, como destacado anteriormente, a disfunção cardíaca pode não estar presente inicialmente e ser desmascarada após o início da terapia com vasopressor, devido ao aumento da pós-carga. Portanto, essa situação requer que o exame ecocardiográfico seja feito de maneira seriada e tenha disponibilidade imediata, tanto para o diagnóstico da função cardíaca quanto para o seu acompanhamento após a instituição do tratamento. Contudo, a avaliação da função diastólica ventricular requer conhecimentos específicos e habilidades avançadas em ecocardiografia. A relação da velocidade mitral pela velocidade diastólica precoce do anel mitral aferida pelo Doppler tecidual (E/E') combina a influência da pressão transmitral e do relaxamento miocárdico e apresenta uma boa correlação com aferições invasivas de desempenho diastólico do VE, prevendo, com confiança, a pressão diastólica média do VE. Uma relação E/E' < 8 prevê com precisão uma pressão diastólica média do VE normal, e uma relação E/E' > 15 mostra, com igual fidedignidade, uma pressão diastólica média elevada. Essa relação provou ser preditiva de disfunção ventricular esquerda, de falha de desmame da ventilação mecânica, e possui valor prognóstico em pacientes sépticos e críticos em geral. Por fim, sinais de sobrecarga de volume e de pressão do VD podem ser facilmente avaliados pela ecocardiografia, pela presença da dilatação do ventrículo direito e de movimento paradoxal do septo interventricular, respectivamente. Os conceitos sobre conhecimentos básicos de ecocardiografia são expostos no Capítulo 3.

5.5 Biomarcadores O papel da troponina e do BNP (peptídeo natriurético cerebral – do inglês, brain natriuretic peptide) como biomarcadores da DMIS é discutido em detalhes no Capítulo 25.

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6. TRATAMENTO O tratamento da DMIS configura-se em clássica questão de debate. Deve-se lembrar que as estratégias terapêuticas que visaram sistematicamente valores de DC supranormais usando fluidos e inotrópicos não conseguiram melhorar os desfechos clínicos e foram, até mesmo, prejudiciais. As diretrizes mais recentes do Surviving Sepsis Campaign recomendam o uso de inotrópicos se um valor de saturação venosa central de oxigênio (ScvO2) ≥ 70% não é alcançada após a ressuscitação adequada de líquidos (guiada pela PVC), com infusão de drogas vasoativas e correção da anemia.1 No entanto, precisa-se de cautela com essas recomendações. Em primeiro lugar, garantir que a volemia esteja adequada antes de iniciar a terapia com inotrópicos é uma tarefa difícil; hoje, não há subsídios para garantir a segurança de uma ressuscitação volêmica guiada apenas pela PVC.91 Testes mais confiáveis (índices de responsividade dinâmicos de volume) são, indiscutivelmente, preferidos. Em segundo lugar, o limiar de SvcO2 (70%) foi arbitrariamente fixado, provavelmente em relação ao protocolo proposto por Rivers e colaboradores.93 Por fim, seria racional que a presença de uma disfunção cardíaca comprovada (ecocardiografia) fosse documentada como um pré-requisito para a decisão de terapia inotrópica. Como os inotrópicos não são desprovidos de efeitos colaterais graves, parece-nos mais razoável avaliar cuidadosamente a função cardíaca do paciente por ecocardiografia antes de decidir tratar a DMIS. Quando a disfunção sistólica cardíaca é diagnosticada com segurança (p. ex.: FEVE < 45% na presença de pressão arterial média restaurada) e o paciente não responde mais a fluidos ou anêmico, a decisão para se iniciar a terapia inotrópica deve levar em conta o valor SvO2/ScvO2: a. em caso de baixo valor de SvO2/ScvO2 (p. ex.: < 70%), parece razoável dar inotrópicos; b. no caso de um elevado valor de SvO2/ScvO2 (p. ex.: > 80%), é preferível não dar inotrópicos; c. no caso de valores intermediários SvO2/ScvO2 (p. ex.: entre 70 e 80%), a decisão não é simples. Deve-se prestar atenção a outros indicadores, como diferença venoarterial de pCO2. Em casos difíceis, a eficácia e a tolerância da droga inotrópica podem ser testadas durante um breve período antes de uma decisão terapêutica definitiva. Em qualquer caso, o valor de saturação arterial de oxigênio deve ser tomado em consideração quando a SvO2/ScvO2 é interpretada. Estima-se que apenas 10 a 20% dos doentes que têm DMIS realmente precisem receber inotrópicos.50 Também não existe um consenso para o tratamento da disfunção diastólica na cardiomiopatia séptica, embora haja provas em circunstâncias similares, como insuficiência cardíaca, que os inibidores da ECA, os antagonistas de receptores de angiotensina-II e os betabloqueadores tenham um benefício potencial. A seguir, discutiremos algumas drogas propostas para o tratamento de DMIS.

6.1 Dobutamina A dobutamina é considerada o inotrópico de primeira escolha no tratamento da DMIS. Em um conhecido estudo unicêntrico, com 26 pacientes com choque séptico randomizados dois grupos, após a constatação clínica de que eram resistentes à dobutamina isolada (taquicardia, hipotensão, arritmias) mesmo após reanimação volêmica adequada; um grupo foi tratado com dobutamina associada à norepinefrina e o outro, com norepinefrina sozinha. A associação das duas drogas melhorou significativamente a função cardiovascular nesses doentes (o índice cardíaco e a resistência vascular sistêmica indexada aumentaram em 40%), sugerindo que essa terapia combinada possa ser especialmente atraente no cenário da sepse.51 Recentemente, estudo multicêntrico52 e randomizado envolvendo 1.679 pacientes com choque comparou os resultados do tratamento com dopamina ou norepinefrina e descobriu que os pacientes tratados com dopamina tiveram maior mortalidade em 28 dias (52,8% versus 48,5%); mas não houve significância estatística. Na análise de subgrupos, os autores observaram que o tratamento de cho-

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que cardiogênico com dopamina foi, com boa evidência, associado a uma mortalidade mais elevada; diminuindo, portanto, o papel da dopamina como vasopressor ou como inotrópico alternativo à dobutamina. É importante lembrar que critérios de eficácia devem ser pré-definidos e, geralmente, incluem aumento do volume sistólico e dos índices de função miocárdica, aumento da SvO2/ScvO2 e redução dos níveis séricos de lactato. Em casos de hipóxia tecidual, um aumento no consumo de oxigênio acompanha o aumento do débito cardíaco de tal modo que a SvO2/ScvO2 não aumenta de forma significativa até que um nível crítico do DC seja alcançado. Em outras palavras, a ausência de um grande aumento de SvO2/ScvO2 durante o período inicial de ressuscitação com dobutamina não é um indicador de ineficácia da droga e não deve desencorajar o clínico a continuar nessa estratégia terapêutica. No que diz respeito à tolerância à dobutamina, uma cuidadosa monitorização eletrocardiográfica é obrigatória, porque essa droga é capaz de induzir taquicardia ou arritmias. Monitorização da pressão arterial também é importante, pois a dobutamina pode induzir hipotensão adicional devido a uma vasodilatação medida pela ativação de receptores β2-adrenérgicos periféricos.

6.2 Levosimendan É um sensibilizador que age diretamente sobre miofilamentos, melhorando a sua sensibilidade ao cálcio. Seu modo de ação é, então, completamente independente da via β1-adrenérgica e representa uma alternativa à dobutamina. É um inotrópico positivo e vasodilatador, com efeitos sobre ambos os ventrículos, independente de mediação beta-adrenérgica ou alterações na concentração sérica de cálcio, pois atua aumentando a sensibilidade do miofilamento ao íon. Há poucos ensaios clínicos publicados com levosimendan na sepse. Em um estudo caso-controle prospectivo de 28 pacientes com choque séptico e disfunção ventricular esquerda persistente (FEVE < 45%) após 48 horas de tratamento convencional (incluindo dobutamina até 5 µg/kg/min e norepinefrina), 15 pacientes foram tratados com levosimendan (0,2 µg/kg/min) e 13 permaneceram com dobutamina (5 µg/kg/min). Observou-se um aumento significativo do índice cardíaco e da FEVE no grupo tratado com levosimendan em relação ao grupo-controle.53 Em outro ensaio, avaliou-se o comportamento do levosimendan em um grupo de pacientes com choque séptico e SARA. Dezoito doentes foram tratados com levosimendan e 17 com placebo. Com a PAM 70 e 80 mmHg, sustentada com norepinefrina, o grupo de pacientes tratados com levosimendan apresentou um aumento estatisticamente significativo do IC e da performance do VD à ecocardiografia.54 Há também subsídio para acreditarmos que o levosimedan possa melhorar o desempenho de VD, diminuindo a pós-carga do VD por meio do efeito vasodilatador pulmonar. Devido aos seus efeitos vasodilatadores, deve ser utilizado com cautela no contexto de um choque séptico com instabilidade hemodinâmica grave. Mais estudos são necessários para concluir definitivamente sobre a utilidade do levosimedan na DMIS.

6.3 Epinefrina A epinefrina é um potente agente inotrópico devido às suas propriedades β1-agonistas. Embora tenha se mostrado ser tão eficaz quanto a combinação de norepinefrina com dobutamina,55 seu uso não é recomendado como terapia de 1ª linha para o tratamento da DMIS.1 Com efeito, a epinefrina pode induzir acidose láctica e prejudicar a microcirculação esplâncnica e a perfusão da mucosa gástrica. Também são necessários mais estudos para esclarecer sua utilidade e avaliar seus efeitos deletérios.

6.4 Milrinone O milrinone, como todos os outros inibidores da fosfodiesterase, exerce um efeito inotrópico por aumento da concentração de AMPc no citoplasma de cardiomiócitos. Por causa de seus efeitos vasodilatadores e da falta de dados positivos fortes, esses medicamentos não são, até o momento, recomendados para o tratamento da DMIS.

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6.5 Betabloqueadores Há décadas há uma tentativa de mostrar benefício dos betabloqueadores na sepse, mais especificamente desde os anos 1960 e 1970.56 Os benefícios de betabloqueio foram demonstrados em ensaios clínicos de queimaduras graves em pacientes pediátricos, doentes com insuficiência cardíaca, trauma grave e traumatismo cranioencefálico.57-60 De maneira geral, evidenciou-se que os betabloqueadores são eficazes na prevenção de isquemia, diminuindo a demanda de oxigênio (redução DC até 20%, sem piorar a utilização de O2 ou aumentar os níveis séricos de lactato) e a produção de TNF, o que permitiria uma preservação da função cardíaca. As evidências sugerem que o estresse beta-adrenérgico é um fator importante na patogênese da DMIS e, portanto, a utilização de agentes betabloqueadores poderia ser benéfica.61 Todavia, as controvérsias baseiam-se no fato de que ser potencialmente deletério administrar um medicamento inotrópico negativo em um paciente com choque séptico e instabilidade hemodinâmica. Recentemente, um estudo avaliou o uso aberto do esmolol em 77 pacientes com choque séptico em uso de norepinefrina (dose média inicial de 0,4 µg/kg/min), comparando-os com outros 77 pacientes na mesma situação, nos quais não se empregou betabloqueador.62 Depois de 24 horas de otimização e estabilização hemodinâmica, a dose de esmolol era administrada em infusão contínua, com dose inicial de 25 mg/hora, com incrementos de 50 mg/hora a cada 20 minutos e dose máxima estabelecida de 2.000 mg/hora com o intuito de manter a frequência cardíaca entre 80 e 94 batimentos por minuto. Pacientes com índice cardíaco menor que 2,2 e pressão de oclusão de artéria pulmonar maior que 18 mmHg, e pacientes com doença cardíaca valvar significativa foram excluídos. Naqueles pacientes que evoluíam com uma ScvO2 menor que 65% ou níveis crescentes de lactato, após o início da terapia com betabloqueador, era utilizada a terapia de resgate com levosimendan. As principais conclusões desse estudo foram de que o uso do esmolol controlou adequadamente a frequência cardíaca; hemodinamicamente, foi associado ao aumento do volume sistólico, à manutenção da pressão arterial média e à diminuição da necessidade de norepinefrina, sem aumentar a terapia de resgate com levosimendan; e, clinicamente, foi relacionado a uma significativa redução de mortalidade. Esses resultados, bastante animadores, necessitam de confirmação por meio da realização de ensaios clínicos.

7. CONCLUSÃO A disfunção miocárdica induzida pela sepse é frequente e ocorre no início do curso do choque séptico. Afeta ambos os ventrículos, levando a uma disfunção reversível, tanto sistólica quanto diastólica, e o seu grau de severidade é variável de paciente para paciente. Os mecanismos responsáveis pelo seu desenvolvimento são extra e intramiocárdicos. Várias ferramentas podem ser usadas para diagnosticar a disfunção miocárdica induzida pela sepse, mas a ecocardiografia é a peça-chave para o diagnóstico. O tratamento da disfunção miocárdica induzida pela sepse não deve ser sistemático e precisa ser iniciado em função do impacto real dessa anormalidade na oxigenação dos tecidos. Medidas da SvO2/ScvO2 podem ser úteis para o processo de tomada de decisão. O tratamento baseia-se na administração de inotrópicos, especialmente a dobutamina. Em qualquer caso, é importante testar os efeitos a curto prazo de drogas inotrópicas em termos de eficácia, bem como sua tolerância antes de qualquer administração prolongada.

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Capítulo 24  Disfunção miocárdica induzida pela sepse

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25

Significado clínico das alterações do peptídeo natriurético cerebral (BNP) e da troponina no doente crítico

Maurício Henrique Claro dos Santos Daniela Bulhões Vieira Nunes 1. PEPTÍDEO NATRIURÉTICO CEREBRAL (BNP) 1.1 Introdução O peptídeo natriurético cerebral, também conhecido pela sigla BNP (Brain Natriuretic Peptide), foi descrito em 1988, inicialmente isolado do cérebro de porcos.1 Em seguida, entretanto, demonstrou-se que a principal origem da síntese e secreção do BNP é o tecido miocárdio, particularmente os ventrículos, e que o principal estímulo à sua produção é o estresse da parede ventricular. O BNP pertence a uma família de peptídeos natriuréticos estruturalmente semelhantes, compostos por um anel de 17 aminoácidos e uma ponte dissulfeto entre duas moléculas de cisteína 2 (Figura 25.1). Particularmente, o BNP não é estocado em grânulos, sendo sintetizado rapidamente pelo processo de transcrição. A expressão do gene do BNP é induzida dentro de uma hora em resposta à sobrecarga volêmica ou pressórica dos ventrículos. O produto inicial da expressão gênica é um pré-pró-hormônio, o pré-pró-BNP, composto por 134 aminoácidos, que, por sua vez é processado em uma proteína precursora de 108 aminoácidos, o pró-BNP. Este é liberado na circulação e sofre uma clivagem, produzindo um fragmento amino terminal (N-terminal), biologicamente inativo, composto de 76 aminoácidos, o NT-pró-BNP; e outro fragmento carboxiterminal, biologicamente ativo e composto por 32 aminoácidos, denominado BNP3 (Figura 25.2). Apesar de produzidas em quantidades equimolares, as concentrações sanguíneas do NT-pró-BNP são maiores que as do BNP, reflexo das diferentes meias-vidas entre os dois peptídeos; sendo de 120 minutos para o primeiro e apenas de 20 para o segundo. Biologicamente, o BNP produz múltiplos efeitos mediante a interação com o receptor de peptídeo natriurético tipo A e a produção de GMP cíclico intracelular; ocasionando diurese e natriurese, vasodilatação periférica, inibição do sistema renina-angiotensina-aldosterona e do sistema nervoso simpático1 (Figura 25.3).

360

Seção II  Cardiologia

ANP 28 aa

BNP 32 aa

CNP 22 aa

COOH NH2

COOH

NH2

COOH NH2

DNP 38 aa

VNP 36 aa

NH2 NH2

COOH

COOH

Figura 25.1  Estrutura química familiar dos peptídeos natriuréticos, compostos por um anel de 17 aminoácidos, fechado por uma ponte dissulfeto entre duas moléculas de cisteína (elipse vermelha na estrutura do ANP), um ramo aminoterminal (NH2) e outro carboxiterminal (COOH). ANP: peptídeo natriurético atrial; BNP: peptídeo natriurético tipo B; CNP: peptídeo natriurético tipo C; DNP: peptídeo natriurético Dendroaspis; VNP: peptídeo natriurético ventricular. Fonte: Modificada de Tota B e colaboradores. 2

Pré-pró-BNP1134 Pró-BNP1-108

26 aa sequência sinalizadora

N-terminal BNP77-108 Pró-BNP1-76 t1/2 = 18 minutos Estresse miocárdio

Figura 25.2  Síntese do BNP. Como resposta ao aumento do estresse miocárdico, ocorre a transcrição do pré-pró-BNP, composto por 134 aminoácidos. Posteriormente, há a sua clivagem com a formação de uma proteína sinalizadora de 26 aminoácidos e do pró-BNP, composto por 108 aminoácidos. A divisão do pró-BNP dá origem ao N-terminal pró-BNP, composto por 76 aminoácidos, e ao BNP, composto por 32 aminoácidos. Fonte: Modificada de Bhalla V e colaboradores.3

Capítulo 25  Significado clínico das alterações do BNP e da troponina no doente crítico

361

Sobrecarga de pressão/volume

Natriurese/diurese

Vasodilatação

BNP

Inibição do SNA

Inibição do SRAA

Figura 25.3  Efeitos fisiológicos do BNP. SNA: sistema nervoso autônomo; SRAA: sistema renina angiotensina aldosterona. Fonte: Modificada de Weber e colaboradores.1

Originalmente, a dosagem de BNP foi utilizada na avaliação do diagnóstico diferencial de pacientes com dispneia na unidade de emergência e na avaliação de pacientes com insuficiência cardíaca congestiva e insuficiência coronariana.4,5 Posteriormente, houve o interesse na dosagem de BNP em pacientes críticos, mesmo sem doença cardíaca prévia, procurando esclarecer a sua utilidade em situações peculiares à terapia intensiva como em pacientes sépticos, pacientes com choque ou em pacientes com síndrome da angústia respiratória aguda (SARA); e na avaliação da responsividade volêmica ou do desmame da ventilação mecânica. O objetivo do presente capítulo é discutir, justamente, o uso do BNP nessas situações; antes, porém, é necessária uma breve discussão sobre os possíveis fatores de confusão na dosagem de BNP nos pacientes críticos.

1.2  Fatores de confusão na dosagem de BNP nos pacientes críticos Diferentemente dos pacientes com insuficiência cardíaca congestiva, nos quais há uma forte correlação entre a diminuição dos níveis séricos de BNP e a diminuição das pressões de enchimento do ventrículo esquerdo,6 nos pacientes críticos a correlação entre os níveis desse peptídeo natriurético com dados hemodinâmicos é fraca. Em um estudo prospectivo envolvendo 40 pacientes submetidos à monitorização hemodinâmica invasiva com cateter de artéria pulmonar e com dosagem de BNP, houve uma fraca correlação entre os níveis de BNP e das pressões de oclusão de artéria pulmonar uma hora após a passagem do cateter. Além disso, os valores de peptídeos natriuréticos eram quatro vezes maiores nos pacientes com insuficiência renal, apesar de não haver diferenças significativas no índice cardíaco, fração de ejeção e pressão de artéria pulmonar ocluída em relação aos pacientes com função renal preservada.7 Outro estudo semelhante avaliou os níveis séricos de BNP em 49 pacientes críticos com choque sem etiologia definida submetidos à passagem de cateter de artéria pulmonar. Não houve associação entre os valores de BNP e os níveis de pressões de enchimento ventricular ou o índice cardíaco. Adicionalmente, não existiram diferenças significativas dos valores médios de BNP entre os pacientes com ou sem choque cardiogênico. Um dado interessante do estudo em questão foi que níveis de BNP abaixo de 350 pg/mL tiveram um valor preditivo negativo de 95% para choque cardiogênico.8 Tais dados evidenciam que, em uma população geral de pacientes críticos, múltiplos fatores, alguns poucos compreendidos, além da sobrecarga ventricular, podem influenciar os níveis de BNP. Existem variações relacionadas exclusivamente a gênero e idade, com valores maiores desse peptídeo em pacientes

362

Seção II  Cardiologia

do sexo feminino e naqueles mais idosos.9 Um estudo comparando os níveis de BNP em 24 pacientes com sepse grave ou choque séptico, com 51 pacientes com insuficiência cardíaca descompensada demonstrou valores semelhantes entre essas duas populações, apesar de dados hemodinâmicos significativamente diferentes.10 Outro estudo, em pacientes com sepse grave ou choque séptico e sem disfunção miocárdica associada, mostrou uma correlação positiva entre os níveis de BNP e proteína C-reativa, evidenciando que, de alguma maneira, os níveis de resposta inflamatória influenciam a liberação desse peptídeo.11 Portanto, além de patologias primariamente cardíacas, variações individuais, patologias com acometimento cardíaco secundário ou mesmo patologias sistêmicas sem comprometimento cardíaco podem levar ao aumento dos níveis de BNP nos pacientes críticos (Quadro 25.1). Quadro 25.1  Possíveis causas de aumento de BNP em pacientes críticos VARIAÇÃO INDIVIDUAL Sexo feminino Idade avançada PATOLOGIAS CARDÍACAS Insuficiência cardíaca agudamente descompensada Insuficiência coronariana aguda PATOLOGIAS PRIMARIAMENTE NÃO CARDÍACAS Choque séptico Embolia pulmonar aguda Síndrome da angústia respiratória aguda Doença pulmonar obstrutiva crônica com cor pulmonale Hipertensão pulmonar Insuficiência renal aguda Hemorragia subaracnoide Cirrose hepática Hipertireoidismo

Por isso, a correta interpretação dos níveis séricos de BNP deve levar em consideração o quadro clínico do paciente e o objetivo da dosagem desse peptídeo de acordo com a situação clínica. Conforme destacado anteriormente, o uso do BNP como marcador de pressões intraventriculares em pacientes com insuficiência cardíaca congestiva não pode ser utilizado da mesma forma em uma população geral de pacientes criticamente doentes ou em uma população de pacientes sépticos. Cabe ao intensivista saber identificar as situações em que a sua dosagem pode ser útil no manejo do doente crítico, reconhecendo os possíveis fatores de confusão na interpretação dos resultados. A seguir, descreve-se a utilidade da mensuração do BNP em algumas situações particulares em terapia intensiva. O uso do BNP na diferenciação entre edema agudo de pulmão de origem cardiogênica e síndrome da angústia respiratória aguda é discutido no Capítulo 18.

1.3  Aplicações clínicas 1.3.1  Sepse e choque séptico Os principais estudos que avaliaram a dosagem de BNP em pacientes com sepse e choque séptico preocuparam-se em esclarecer a sua correlação com a presença de miocárdio-depressão associada à sepse e com o prognóstico desses pacientes. Os possíveis mecanismos de elevação do BNP nos pacientes sépticos são bastante heterogêneos e incluem a ocorrência de miocárdio-depressão; o aumento da transcrição de BNP induzido por citocinas inflamatórias e lipopolissacarídeos; insuficiência renal aguda; excesso de ressuscitação volêmica; e ventilação mecânica com altos níveis de pressão expiratória final positiva ou a presença da SARA, ambas induzindo à disfunção ventricular direita.

Capítulo 25  Significado clínico das alterações do BNP e da troponina no doente crítico

363

Estudos anteriores12-14 mostram-se controversos quanto à utilidade do BNP tanto na avaliação prognóstica quanto no diagnóstico de miocárdio-depressão em pacientes sépticos. Uma metanálise publicada recentemente,15 envolvendo 12 estudos prospectivos, examinou o uso do BNP na avaliação prognóstica de 1.865 pacientes sépticos. Aqueles com BNP mais elevados tiveram um risco de morte significativamente maior. Entretanto, os estudos envolvidos eram bastante heterogêneos entre si, com a dosagem de BNP realizada em diferentes momentos, e não foi possível estabelecer um valor de corte ideal para a predição de mortalidade desses pacientes. Dois estudos posteriores avaliaram prospectivamente a medida de BNP na predição de mortalidade em sepse e na discriminação de pacientes com miocárdio-depressão, com resultados relativamente concordantes. No primeiro,16 47 pacientes, com sepse grave ou choque séptico e sem disfunção ventricular prévia, foram submetidos à realização de ecocardiografia e dosagem de BNP do 1º ao 5º dia da admissão; com uma última mensuração desse peptídeo no 15º dia. Os níveis de BNP permaneceram elevados durante os 15 dias da admissão; entretanto, nos paciente que sobreviveram, houve uma diminuição dos valores a partir do quarto dia, enquanto, nos pacientes que morreram, os valores aumentaram. Os valores diários de BNP foram significativamente diferentes entre esses dois grupos apenas na admissão e no primeiro dia. Em relação à avaliação da miocárdio-depressão, 30% dos pacientes apresentaram disfunção sistólica do ventrículo esquerdo, e não houve correlação dos níveis de BNP com a fração de ejeção. Ambos os grupos apresentaram altos valores de BNP ao longo dos dias, com o grupo de disfunção ventricular esquerda apresentando medidas significativamente maiores apenas na admissão, e nos 3º e 4º dias. Por fim, outro estudo17 avaliou a mensuração diária de BNP, durante os primeiros cinco dias, em 42 pacientes com sepse grave ou choque séptico, que também foram submetidos à monitorização hemodinâmica invasiva com o cateter de artéria pulmonar e à realização de ecocardiografia no momento da admissão. Não houve correlação dos níveis de BNP com as pressões de enchimento ventriculares, balanço hídrico, níveis de pressão expiratória final positiva e insuficiência renal induzida pela sepse. A gravidade da doença, indicada pelos escores APACHE II, o valor máximo do escore SOFA e a dose de norepinefrina no primeiro dia, associaram-se independentemente com os valores de BNP. A presença de miocárdio-depressão, avaliada pela fração de ejeção dos ventrículos direito e esquerdo e pelo trabalho indexado do ventrículo esquerdo, não exerceu nenhuma influência nos valores de BNP. Em relação à predição de mortalidade, apenas os valores admissionais de BNP eram significativamente maiores nos pacientes que morreram. Semelhante ao estudo citado anteriormente,16 os pacientes que sobreviveram apresentaram um declínio dos valores desse peptídeo ao longo dos cinco primeiros dias cuja persistência acima de 500 pg/mL conseguiu predizer a mortalidade ao final de 28 dias. Pode-se concluir dos dados explicitados que, talvez, mais importante do que os valores isolados de BNP, é a sua cinética ao longo dos primeiros dias de admissão conseguir predizer a mortalidade em pacientes com sepse. Além disso, a dosagem desse peptídeo tem limitado valor no diagnóstico da miocárdio-depressão da sepse. Este último fato pode ser explicado pela gama de fatores potenciais para a elevação de BNP nesse grupo de pacientes, destacando-se o papel de citocinas inflamatórias e lipopolissacarídeos no estímulo à transcrição do BNP.

1.3.2  Desmame da ventilação mecânica A mudança da ventilação com pressão positiva para a respiração espontânea leva ao aumento da atividade simpática, elevando a frequência cardíaca e a pressão arterial sistêmica; a mudança da ventilação com pressão positiva para a respiração espontânea leva ao incremento da atividade simpática, ocasionando a elevação da frequência cardíaca e da pressão arterial sistêmica; e venoconstrição, com consequente diminuição da complacência do sistema venoso, aumento da pressão venosa sistêmica e aumento do retorno venoso, favorecido pela queda da pressão intratorácica. Além disso, este último fenômeno leva ao aumento da pressão transmural dos ventrículos. O resultado final dessas mudanças é um aumento tanto na pré-carga quanto na pós-carga ventricular com aumento do consumo de oxigênio miocárdico.18 Portanto, para o sucesso no desmame ventilatório, é preciso que o coração

364

Seção II  Cardiologia

possa suportar essas mudanças hemodinâmicas. Uma reserva cardiovascular inadequada pode ocasionar um grande aumento das pressões de enchimento intraventricular, com congestão venosa e edema pulmonar; diminuição do débito cardíaco com diminuição da oferta de oxigênio aos músculos respiratórios; e, inclusive, isquemia miocárdica, culminando na falência respiratória e necessidade de reassumir a ventilação mecânica (Figura 25.4).19,20 Retirada do suporte ventilatório Mecânica pulmonar anormal

TR PIT Descarga simpática/adrenérgica

FC

PAS

PVSM

Congestão venosa pulmonar

Retorno venoso

PDF-VE

VDF-VE VDF-VD

BNP VS

Estresse miocárdico Consumo de O2 miocárdico

Isquemia miocárdica

DC inadequado

SvO2 Reserva cardiovascular adequada

Reserva cardiovascular inadequada

Desmame com sucesso

Falência de desmame

Figura 25.4  Interação cardiopulmonar durante o desmame da ventilação mecânica. Nos pacientes com falha de desmame (lado direito), o aumento da pressão intraventricular e o de consumo de oxigênio miocárdio, com isquemia miocárdica nos pacientes sem uma reserva cardiovascular adequada, levariam ao aumento dos níveis de BNP. DC: débito cardíaco; FC: frequência cardíaca; PAS: pressão arterial sistêmica; PDF-VE: pressão diastólica final do ventrículo esquerdo; PIT: pressão intratorácicas; PVSM: pressão venosa sistêmica média; SvO2: saturação venosa central de oxigênio; VDF-VD: volume diastólico final do ventrículo direito; VDF-VE: volume diastólico final do ventrículo esquerdo; VS: volume sistólico (para mais detalhes, ver o texto). Fonte: Modificada de Feihl e colaboradores.18

Capítulo 25  Significado clínico das alterações do BNP e da troponina no doente crítico

365

Os mecanismos de interação cardiopulmonar já descritos incitaram à realização de diversos trabalhos21-25 avaliando o uso do BNP durante o desmame da ventilação mecânica. Entre eles, destacam-se dois estudos pela potencial aplicabilidade em terapia intensiva. O primeiro23 avaliou as mensurações do BNP no início e ao final de uma prova de ventilação espontânea realizada com o uso de tubo “T” por duas horas. Em uma coorte de 52 pacientes, 41 apresentaram critérios de retirada de ventilação mecânica após a realização do teste de tubo “T”. Trinta e três obtiveram sucesso na extubação, enquanto oito (20%) precisaram de reintubação em 48 horas. As dosagens deBNP revelaram que, nos pacientes que se mantiveram em ventilação espontânea, as mudanças nos níveis de BNP antes e ao final do teste de tubo “T” foram significativamente menor em relação aos pacientes com falha de extubação. Um aumento de BNP menor que 20% apresentou uma acurácia de 91% na predição de sucesso de extubação. Um segundo estudo25 avaliou a dosagem de BNP como forma de guiar a remoção de fluidos em 304 pacientes submetidos ao desmame da ventilação mecânica. No grupo intervenção, composto por 152 pacientes, um valor de BNP, dosado diariamente, maior que 200 pg/mL desencadeava a restrição à infusão de fluidos e a terapia com diuréticos, principalmente furosemida, com o intuito de obter um débito urinário de 4,5 a 9,0 mL/kg a cada 3 horas (Tabela 25.1). Em relação ao grupo controle, os pacientes em desmame guiados pelo BNP apresentaram menor tempo de desmame (42 versus 59 horas) e maior tempo livre de ventilação mecânica, além de menor incidência de pneumonia associada à ventilação mecânica. Conforme esperado, o uso de diuréticos foi maior no grupo intervenção, que apresentou maior débito urinário (2.800 mL/dia versus 2.300 mL/dia) e um balanço hídrico cumulativo significativamente mais negativo durante o período de desmame (–2.300 mL versus –180 mL). Não houve diferença, entre os grupos, no tempo de internação, hospitalar ou em UTI, e na incidência de efeitos colaterais como hipocalemia, hipernatremia, alcalose metabólica ou insuficiência renal. Tabela 25.1  Terapia com furosemida, guiada pelo BNP, nos pacientes em desmame de ventilação mecânica

Dosagem de BNP > 200 pg/mL

DOSE INICIAL DE FUROSEMIDA (mg)

DÉBITO URINÁRIO A CADA 3 HORAS (mL/kg/3 HORAS) < 4,5

30

20

4,5-6

20

Fonte: Reproduzida de Mekontso Dessap e colaboradores.

DOSES SUBSEQUENTES DE FUROSEMIDA (mg)

6-7,5

15

7,5-9

10

>9

0

25

Em resumo, os dados disponíveis indicam que o BNP pode ser usado em pacientes em desmame da ventilação mecânica invasiva para predizer o sucesso de extubação e para guiar uma terapia de restrição hídrica com o objetivo de diminuir o tempo de desmame.

1.3.3  Avaliação da responsividade volêmica A avaliação da responsividade volêmica é uma das questões mais frequentes em terapia intensiva e consiste em identificar quais pacientes apresentarão um aumento do débito cardíaco, maior que 15%, com a infusão volêmica; ou seja, por um lado, saber identificar quais pacientes com má perfusão tecidual poderão se beneficiar com a expansão volêmica (pacientes responsivos) e, por outro, evitar a sobrecarga hídrica, com seus possíveis efeitos deletérios, naqueles incapazes de aumentar o débito cardíaco com a infusão de fluidos (pacientes não responsivos). Atualmente, a avaliação da responsividade volêmica baseia-se na medida do débito cardíaco, por diferentes métodos; ou na interpretação de dados hemodinâmicos derivados de mecanismos de interação cardiopulmonar, que muitas vezes requerem que o paciente esteja totalmente sedado, em ventilação mecânica controlada, com parâmetros determinados e sem arritmias cardíacas. Nesse sentido,

366

Seção II  Cardiologia

surgiu o interesse da mensuração do BNP como um possível biomarcador de responsividade volêmica. O racional para a sua utilização seria que os pacientes não responsivos apresentariam, em relação aos pacientes responsivos, maior tensão da parede ventricular e, portanto, maiores valores basais de BNP e aumentos significativamente maiores desse peptídeo após uma prova de expansão volêmica. Os poucos estudos disponíveis26-28 que avaliaram o uso do BNP como um biomarcador de responsividade volêmica em diferentes populações mostram que nem o seus valores basais nem a sua variação após uma prova de infusão de fluidos podem ser utilizados na identificação dos pacientes que aumentarão o débito cardíaco após a expansão volêmica. Em 37 pacientes no período pós-operatório imediato de cirurgia cardíaca, monitorizados com cateter de artéria pulmonar e instáveis hemodinamicamente, os valores basais de BNP, medidos antes de qualquer intervenção terapêutica, não foram significativamente diferentes entre os pacientes responsivos e não responsivos a volume. Além disso, não ocorreram mudanças significativas, em nenhum dos grupos, nos níveis de BNP após a expansão volêmica com 500 mL de coloide. Não houve correlação dos valores basais de BNP com a pressão de artéria pulmonar ocluída, pressão de átrio direito e índice cardíaco.26 Em 23 pacientes com sepse grave ou choque séptico, hemodinamicamente instáveis e submetidos a uma prova de expansão volêmica com 500 mL de coloide em 15 minutos os valores basais de BNP não se mostraram significativamente diferentes entre os pacientes responsivos e não responsivos; e de 11 pacientes com cifras iniciais de BNP bastante elevadas, maior que 1000 pg/mL, nove apresentaram responsividade volêmica. As mudanças dos valores de BNP (delta-BNP) medidos 45 minutos após a prova de expansão volêmica foram significativamente maiores nos pacientes não responsivos do que nos responsivos (22 +/– 27% versus 6 +/– 11%), porém não se estabeleceu um nível de corte que diferencie com acurácia as duas populações.27 Em uma população geral de doentes críticos, composta por 33 pacientes, 75% deles com choque séptico, sedados, ventilados mecanicamente e com instabilidade hemodinâmica, submetidos a uma prova de volume com 250 a 500 mL em 15 a 30 minutos, os valores de BNP dosados antes da expansão volêmica foram significativamente menores nos pacientes responsivos em relação aos não responsivos; porém, com uma acurácia bastante limitada e semelhante à da pressão venosa central. Adicionalmente, as mudanças dos valores de BNP (delta BNP), após 90 a 120 minutos do término da prova de volume, não foram significativamente diferentes entre os dois grupos de pacientes.28 Conclui-se, portanto, que o BNP não pode ser utilizado como um biomarcador de responsividade volêmica; apresentando resultados controversos e uma baixa acurácia quando empregado para essa finalidade.

1.4 Conclusões Vários fatores, além do estresse miocárdico, podem contribuir para o aumento do BNP em pacientes críticos, entre os quais destacam-se: variações individuais relacionadas ao gênero e à idade; insuficiência renal aguda; aumento da transcrição do BNP induzida por mediadores inflamatórios nos pacientes com sepse; sobrecarga aguda do ventrículo direito. Os níveis de BNP, em uma população geral de pacientes críticos, não podem ser usados como marcadores não invasivos das pressões de enchimento cardíacas. Baixos níveis de BNP têm um alto valor preditivo negativo para a presença de patologias cardíacas agudas em pacientes críticos. Nos pacientes com sepse, a utilização do BNP como marcador prognóstico ou como marcador de miocárdio-depressão ainda é controversa. Na avaliação prognóstica, a cinética do BNP ao longo dos dias parece ter um maior valor na predição de mortalidade. No diagnóstico da miocárdio-depressão, a maior utilidade do BNP é o seu valor preditivo negativo quando os seus valores apresentam-se baixos. Nos pacientes em desmame da ventilação mecânica, o BNP pode ser utilizado na predição de falha de extubação e como guia a uma terapia de remoção de fluidos com o objetivo de diminuir o tempo de ventilação mecânica.

Capítulo 25  Significado clínico das alterações do BNP e da troponina no doente crítico

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O BNP não pode ser utilizado como um biomarcador de responsividade volêmica. O Quadro 25.2 resume as principais utilidades do BNP no paciente crítico. Quadro 25.2  Principais utilizações do BNP em terapia intensiva Sepse

Cinética diária do BNP pode ter valor na predição de mortalidade Valor preditivo negativo para a presença de miocárdio-depressão

Desmame da ventilação mecânica

Predizer falha de extubação Guiar terapia de restrição e remoção de fluidos durante o período de desmame.

Avaliação da responsividade volêmica

Os níveis basais ou a variação do BNP com uma prova de volume não têm acurácia suficiente para a predição de resposta volêmica

Diferenciação entre edema agudo de pulmão cardiogênico e SARA

Valores menores que 200 pg/mL favorecem o diagnóstico de SARA Valores maiores que 1.200 pg/mL favorecem o diagnóstico de edema agudo de pulmão de origem cardiogênica Na faixa de valores intermediários o diagnóstico é incerto

SARA: síndrome da angústia respiratória aguda (para detalhes ver Capítulo 18).

2. TROPONINA 2.1 Introdução O complexo proteico de troponinas cardíacas, composto pelas troponinas T, I e C, modula a ligação de actina e miosina, mediada por cálcio, no músculo estriado cardíaco. A troponina C também é encontrada na musculatura lisa, enquanto as troponinas T e I são altamente específicas do músculo cardíaco; logo, quando encontradas na circulação, indicam a presença de lesão miocárdica. Há longa data, as troponinas T e I são os marcadores bioquímicos padrão para o diagnóstico e estratificação de pacientes com síndromes coronarianas agudas, porém, em pacientes criticamente enfermos é comum ocorrer a elevação de troponina mesmo na ausência de síndrome coronariana aguda. Portanto, um conceito fundamental é que, apesar de a detecção das troponinas ser altamente específica para lesão miocárdica, o seu aumento pode decorrer de diferentes etiologias e mecanismos de agressão ao miócito. Em uma metanálise de 23 estudos, envolvendo 4.490 pacientes críticos, a incidência de elevação de troponina foi de 43%; com a maioria desses pacientes, aproximadamente 70%, sem doença arterial coronariana com limitação ao fluxo sanguíneo, conforme verificado posteriormente pela ecocardiografia de estresse ou por autópsia. O aumento de troponina sem isquemia miocárdica foi associado principalmente à sepse, insuficiência respiratória, insuficiência renal crônica, embolia pulmonar, insuficiência cardíaca, acidente vascular cerebral e fibrilação atrial.29 A liberação da troponina para a corrente sanguínea pode ocorrer após a lesão irreversível dos miócitos por necrose miocárdica ou após dano reversível por alteração na permeabilidade da membrana celular. No caso do infarto, ocorre primeiro a liberação de uma pequena quantidade de troponina do reservatório citosólico (primeiras 4 a 6 horas) e, depois, um pico entre 48 e 72 horas correspondente à troponina do reservatório estrutural que é liberada para o plasma em virtude da destruição das miofibrilas quando há necrose celular. Segue-se uma fase de valores de troponina ainda elevados, porém decrescentes, que dura entre 5 e 10 dias.30,31 Nas situações de não infarto ou ocorrem uma subida e uma descida rápidas dos níveis de troponina, entre 24 e 48 horas, com pico muito inferior ao que há no infarto agudo, ou ocorre a presença de valores baixos, mas razoavelmente constantes de troponina que reflete a lesão reversível do miocardiócito, com a liberação apenas da troponina citosólica.

2.2  Diferenciação entre troponina coronariana e troponina não isquêmica Assim, o aumento de troponina em um paciente criticamente doente pode ser de origem coronariana, secundário às síndromes coronarianas agudas, ou de origem não isquêmica. A diferenciação entre essas duas categorias é de fundamental importância, pois, no caso de aumento da tropo-

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Seção II  Cardiologia

nina secundário às síndromes coronarianas agudas, tornam-se necessárias várias intervenções terapêuticas que não conferem benefício ao aumento não isquêmico da troponina. Para acrescentar maior complexidade ao problema, a manifestação clínica de isquemia miocárdica no paciente crítico é alterada por fatores como diminuição do nível de consciência em razão da necessidade de sedação contínua; e outras potenciais causas de dor torácica, como incisões cirúrgicas ou a presença de drenos. Portanto, o diagnóstico de infarto agudo do miocárdio deve basear-se em critérios bem estabelecidos, em que o aumento de troponina ocupa papel de destaque, mas não é o único critério a ser considerado. Conforme a terceira definição universal de infarto agudo do miocárdio, 32 além de alteração na dosagem de um marcador cardíaco, preferencialmente a troponina, com tendência de elevação ou queda nos seus valores, para o diagnóstico de infarto agudo do miocárdio deve haver ao menos mais um dos seguintes critérios (Quadro 25.3): critério clínico, com sintomas sugestivos de isquemia miocárdica; critério eletrocardiográfico, com alterações do segmento ST ou da onda T sugestivas de isquemia, além de bloqueio de ramo esquerdo novo ou ondas Q patológicas; critério de perda de viabilidade miocárdica, com evidência em exames de imagem de perda de miocárdio previamente viável ou alteração da contratilidade segmentar; e critério angiográfico, com identificação de trombo intracoronariano por meio de cineangiocoronariografia (ou autópsia). Quadro 25.3  Critérios diagnósticos de infarto agudo do miocárdio Detecção de aumento ou queda nos valores de marcadores cardíacos (preferencialmente troponina), com pelo menos um dos valores acima do 99º percentil do valor máximo de referência e com pelo menos um dos seguintes critérios: • sintomas de isquemia miocárdica; • novas alterações do segmento ST ou onda T sugestivas de isquemia; ou bloqueio de ramo esquerdo novo, ou presumivelmente novo. Desenvolvimento de ondas Q patológicas; • exame de imagem com evidência de perda de miocárdio previamente viável ou alteração de contratilidade segmentar; • identificação de trombo intracoronário pela cineangiocoronariografia ou autópsia. Morte súbita cardíaca, com sintomas sugestivos de isquemia miocárdica e presumivelmente novas alterações eletrocardiográficas ou novo bloqueio de ramo esquerdo, com impossibilidade de dosagens adequadas de marcadores cardíacos Infarto associado à intervenção coronária percutânea: aumento nos valores de troponina maior que 5 vezes o valor normal máximo de referência em pacientes cujos valores basais são normais; ou um aumento maior que 20% nos valores da troponina nos pacientes com valores basais elevados, estando eles em queda ou estáveis, associado a pelo menos um dos seguintes critérios: • sintomas sugestivos de isquemia miocárdica; • novas alterações eletrocardiográficas sugestivas de isquemia; • achados angiográficos consistentes com complicações associadas ao procedimento; • exame de imagem com evidência de perda de miocárdio previamente viável ou alteração de contratilidade segmentar. Infarto do miocárdio associado à trombose de stent: identificação de trombo intra-stent por cineangiocoronariografia ou autópsia, no contexto clínico de isquemia miocárdica, e com aumento ou queda nos valores de marcadores cardíacos (preferencialmente troponina), com pelo menos um dos valores acima do 99º percentil do valor máximo de referência Infarto do miocárdio associado à cirurgia de revascularização miocárdica: aumento nos valores de troponina maior que 10 vezes o valor normal máximo de referência em pacientes cujos valores basais são normais, associado a pelo menos um dos seguintes critérios: • ondas Q patológicas novas ou bloqueio de ramo esquerdo novo; • exames angiográfico demonstrando nova oclusão de enxerto vascular ou do leito nativo coronariano; • exame de imagem com evidência de perda de miocárdio previamente viável ou alteração de contratilidade segmentar.

Além disso, após estabelecido o diagnóstico de infarto agudo do miocárdio, é preciso levar em consideração qual o seu tipo clínico, baseado no provável mecanismo fisiopatológico subjacente. Atualmente, considera-se a existência de cinco tipos clínicos de infarto agudo do miocárdio (Quadro 25.4).

Capítulo 25  Significado clínico das alterações do BNP e da troponina no doente crítico

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Quadro 25.4  Classificação universal de infarto agudo do miocárdio Tipo 1: infarto miocárdico espontâneo

Tipo 2: infarto miocárdico secundário ao desequilíbrio entre oferta e consumo de oxigênio

Infarto do miocárdio relacionado à ruptura de placa aterosclerótica, ulceração, fissura, erosão ou dissecção resultando em trombo intraluminal em uma ou mais artérias coronárias, com resultante diminuição do fluxo sanguíneo miocárdico ou embolização distal ocasionando necrose celular Necrose miocárdica devido ao desequilíbrio entre oferta e consumo de oxigênio secundário a situações como espasmo coronariano, arritmias, anemia, insuficiência respiratória, hipotensão ou hipertensão

Tipo 3: infarto miocárdico resultando Ver definição no Quadro 25.3 em morte com impossibilidade de dosagem de marcadores cardíacos Tipo 4a: infarto miocárdico relacionado à intervenção coronária percutânea

Ver definição no Quadro 25.3

Tipo 4b: infarto miocárdico relacionado à trombose de stent

Ver definição no Quadro 25.3

Tipo 5: infarto miocárdico relacionado à cirurgia de revascularização miocárdica

Ver definição no Quadro 25.3

Nos pacientes com infarto do tipo I, o mecanismo é a ruptura de uma placa aterosclerótica, ulceração, fissura, erosão ou dissecção que resultam na formação de trombo intracoronariano com limitação ao fluxo sanguíneo miocárdico. Nesses casos, o tratamento é composto por medicações antiplaquetárias e anticoagulantes, dentre outras, e pela realização de cineangiocoronariografia com vistas à execução de angioplastia coronariana (ver Capítulos 14 e 15). Nos pacientes criticamente doentes, porém, acredita-se que o principal mecanismo seja o desequilíbrio entre a oferta e o consumo de oxigênio miocárdico na ausência de doença aterosclerótica coronária significativa denominado infarto do tipo II. Dados da literatura demonstram, por exemplo, que doentes críticos que desenvolvem hipotensão arterial sistêmica, com pressão arterial sistólica menor que 90 mmHg, apresentam maior incidência de troponina positiva em relação a pacientes críticos normotensos, 55% versus 17%.33 Os principais mecanismos e causas do aumento de troponina na ausência de doença coronariana angiograficamente significativa são (Quadro 25.5): 1. Lesão direta dos miocardiócitos: • inflamação miocárdica: miocardite e pericardite; • estimulação elétrica: descarga de desfibrilador implantável (CDI), cardioversão ou desfibrilação elétrica, ablação; • lesão mecânica: cirurgia cardíaca, contusão miocárdica; • lesão química: quimioterápicos. 2. Diminuição da oferta de oxigênio: • anemia; • espasmo coronariano. 3. Aumento do consumo de oxigênio: • hipertrofia miocárdica; • taquiarritmias; • hiperestimulação simpática; • maior tensão na parede miocárdica como nas lesões valvares (sobretudo regurgitação e estenose aórtica), na insuficiência cardíaca e no DPOC. 4. Causas mistas:

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Seção II  Cardiologia

• sepses: há tanto o aumento do consumo de oxigênio pelo miocárdio quanto diminuição da oferta pelas alterações macro e micro hemodinâmicas da sepse. Além disso, contribuem para elevação da troponina nesses pacientes a trombose microvascular e a apoptose celular secundária à presença das citocinas pró-inflamatórias;34,35 • tromboembolismo pulmonar agudo: o aumento da troponina em pacientes com embolia de pulmão é atribuído a uma combinação de aumento do consumo de oxigênio miocárdico devido à sobrecarga pressórica do ventrículo direito, com diminuição da oferta secundária à menor pressão de perfusão coronariana e hipoxemia; • SARA: ocorre uma situação de hipertensão pulmonar com sobrecarga ventricular direita e hipoxemia, semelhante aos pacientes com tromboembolismo pulmonar; • taquiarritmias: além do aumento do consumo de oxigênio, já mencionado, ensejam diminuição da oferta pelo encurtamento da diástole, período no qual surge a perfusão miocárdica; • exercício físico extremo: também pode haver a diminuição da perfusão das coronárias por vasoespasmo induzido por catecolaminas endógenas, além do aumento do consumo de oxigênio. 5. Miscelânea: • doenças infiltrativas, como amiloidose e sarcoidose; • metabolismo anaeróbio na cetoacidose diabética; • redução da excreção renal, além da lesão dos miócitos pela uremia, na insuficiência renal. Em suma, no paciente criticamente doente, o diagnóstico de infarto agudo do miocárdio só deve ser estabelecido quando, além do aumento da troponina com variação em seus valores, houver outros critérios que confirmem esse diagnóstico (Quadro 25.5). Nesses casos, é importante discernir se o mecanismo fisiopatológico subjacente deve-se à doença aterosclerótica coronariana (infarto do tipo I) ou ao desequilíbrio entre oferta e consumo de oxigênio miocárdico (infarto do tipo II), pois as implicações terapêuticas serão diferentes. O aumento da troponina sem critérios diagnósticos para infarto agudo do miocárdio deve ser considerado aumento isolado da troponina. Quadro 25.5  Condições associadas ao aumento de troponina no doente crítico, na ausência de doença aterosclerótica coronariana significativa* Ablação miocárdica por radiofrequência Arritmias Contusão miocárdica Cardiomiopatia de Takotsubo Dissecção de aorta Doença neurológica aguda grave** Hipertensão arterial sistêmica Hipertensão pulmonar Insuficiência cardíaca agudamente descompensada Insuficiência renal Miocardite Pericardite Quimioterápicos Sepse/choque séptico SARA SIRS Tromboembolismo pulmonar agudo Vasoespasmo coronariano * As causas estão listadas em ordem alfabética, e não pela sua incidência. ** Ver Capítulo 22. SARA: síndrome da angústia respiratória aguda; SIRS: síndrome da resposta inflamatória sistêmica.

Capítulo 25  Significado clínico das alterações do BNP e da troponina no doente crítico

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2.3  Aplicações clínicas 2.3.1  Troponina como fator prognóstico O aumento isolado da troponina, seja em uma população geral de doentes críticos, seja em subpopulações específicas, apresenta maior associação com risco de morte ou com evolução clínica desfavorável. O aumento isolado de troponina, em uma população geral de pacientes críticos, está associado a um risco de mortalidade 2,5 vezes maior, e a maior tempo de internação em unidade de terapia intensiva e hospitalar.29 Em pacientes com tromboembolismo pulmonar agudo, o aumento de troponina correlaciona-se com a presença de disfunção ventricular direita e está associado a maior mortalidade, necessidade de uso de inotrópicos e ventilação mecânica. Adicionalmente, em pacientes com a síndrome da angústia respiratória aguda o aumento de troponina está associado a maior mortalidade ao final de 60 dias e maior número de disfunções orgânicas.36 A elevação de troponina na sepse grave ou choque séptico é algo muito comum, com dados indicando que até 50% desses pacientes apresentam elevação dos níveis desse marcador na ausência de síndrome coronariana aguda,37 o que se correlaciona à maior mortalidade hospitalar. Além disso, o aumento de troponina em pacientes com sepse pode indicar aqueles que desenvolvem alteração sistólica ou diastólica da função ventricular.38 Por fim, é preciso mencionar que atualmente estão se tornando disponíveis ensaios ultrassensíveis de troponina, que têm maior sensibilidade e possibilitam o diagnóstico de síndrome coronariana aguda de forma precoce em pacientes que se apesentam com dor torácica na unidade de emergência. 39 A real utilidade desses ensaios em pacientes críticos ainda é incerta. Em um estudo com 254 pacientes sépticos, por exemplo, o ensaio ultrassensível permitiu a detecção de troponina em 100% deles.40

2.3.2  Abordagem terapêutica O algoritmo a seguir (Figura 25.5) sugere a abordagem de pacientes críticos que apresentem elevações nos valores de troponina. Primeiro, é necessário identificar se os pacientes satisfazem outros critérios para o diagnóstico de infarto agudo do miocárdio (Quadro 25.3). Para aqueles em que esse diagnóstico possa ser estabelecido, é necessário considerar se o mecanismo subjacente mais provável decorre de uma alteração na luz do vaso coronariano, infarto do tipo 1; ou de um desequilíbrio entre oferta e consumo de oxigênio miocárdico, infarto do tipo 2. No primeiro caso, os pacientes devem ser manejados, tradicionalmente, conforme as recomendações atuais para síndromes coronarianas agudas, com ou sem supra desnível do segmento ST. No segundo caso, a otimização entre oferta e consumo de oxigênio é fundamental e a decisão sobre a necessidade de medidas adicionais como antiplaquetários, anticoagulantes, medicações com efeitos cronotrópicos negativos e a realização de cineangiocoronariografia deve ser individualizada caso a caso, considerando-se a repercussão clínica da isquemia miocárdica e os potenciais efeitos colaterais das medicações e intervenções indicadas. A terceira situação seriam os pacientes com aumento isolado de troponina, ou seja, sem outros critérios diagnósticos para infarto agudo do miocárdio. Não há, até o momento, nenhuma terapêutica efetivamente comprovada para esse subgrupo de pacientes, a não ser o tratamento da doença aguda, a otimização entre oferta e consumo de oxigênio e a vigilância para o surgimento de outros critérios que indiquem o diagnóstico de infarto agudo do miocárdico. Além do mais, é preciso considerar outra possível etiologia, até então não reconhecida, como responsável pelo aumento da troponina (Quadro 25.5).

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Seção II  Cardiologia

2.4 Conclusões A elevação de troponina é comum nos pacientes críticos, e outras etiologias, além das síndromes coronarianas agudas, podem ser responsáveis pelo seu aumento. O aumento isolado de troponina não define o diagnóstico de infarto agudo do miocárdio, que deve ser feito por outros critérios adicionais: critério clínico, critério eletrocardiográfico, critério de perda de viabilidade miocárdica e critério angiográfico. Os pacientes críticos com elevação nos níveis de troponina devem ser categorizados em pacientes com infarto agudo do miocárdio do tipo I, pacientes com infarto agudo do miocárdio do tipo II ou pacientes com aumento isolado de troponina. O aumento de troponina no paciente crítico, independentemente de sua etiologia, pode ser considerado fator prognóstico.

Paciente crítico com aumento de troponina

1. Considerar manifestações clínicas de isquemia miocárdica 2. Eletrocardiografias seriadas 3. Dosagens seriadas de marcadores cardíacos 4. Ecodopplercardiografia

Infarto agudo do miocárdio tipo 1

Infarto agudo do miocárdio tipo 2

Aumento isolado de troponina

? Tratamento clássico das SCA com ou sem supra: • Terapia antiplaquetária • Terapia antitrombótica • Betabloqueadores • Cineangiocoronariografia

1. Tratamento da doença aguda 2. Otimização entre oferta e consumo de oxigênio 3. Considerar outras possíveis etiologias não diagnosticadas 4. Vigilância para outros critérios que definam o diagnóstico de infarto agudo do miocárdio

Figura 25.5  Abordagem do paciente crítico com aumento de troponina.

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Capítulo 25  Significado clínico das alterações do BNP e da troponina no doente crítico

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Conceitos básicos de estimulação cardíaca artificial

26

Maurício Henrique Claro dos Santos 1. INTRODUÇÃO No Brasil, nos últimos anos, em razão do aumento da expectativa de vida e do envelhecimento populacional, cada vez mais os doentes críticos são pacientes idosos e com múltiplas comorbidades. Entre estes, aqueles com dispositivos eletrônicos cardíacos implantáveis constituem um grupo importante, pois a falha de tais dispositivos pode ensejar situações particularmente graves, como uma bradicardia com instabilidade hemodinâmica, no caso dos marca-passos, ou um choque indevido ou uma taquicardia ventricular inadequadamente tratada, no caso dos desfibriladores cardíacos implantáveis. Portanto, cabe ao médico intensivista o conhecimento do mecanismo básico de operação dos principais dispositivos cardíacos implantáveis com o intuito de identificar precocemente uma alteração de função, estabelecendo, dessa forma, o suporte adequado. Além disso, o paciente crítico está sujeito a várias situações que podem comprometer o funcionamento adequado desses dispositivos por interferência eletromagnética, como o uso de bisturi elétrico durante o procedimento cirúrgico ou a necessidade de cardioversão elétrica (Quadro 26.1). Assim, é recomendado que, nessas ocasiões, sejam tomadas medidas para minimizar a chance de dano aos dispositivos eletrônicos cardíacos implantáveis. Este capítulo tem como finalidade expor os principais conceitos, necessários ao médico intensivista, para o cuidado adequado do paciente crítico portador de dispositivo eletrônico cardíaco implantável. Serão abordados nas três primeiras seções subsequentes a forma de reconhecimento e o funcionamento normal dos principais tipos de estimulação cardíaca artificial. Posteriormente, serão apresentadas as alterações de funcionamento mais comuns. As duas últimas seções discutirão a estimulação cardíaca artificial em duas situações específicas, o período pós-operatório de cirurgia cardíaca e o cuidado perioperatório do paciente portador de dispositivo elétrico cardíaco implantável.

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Seção II  Cardiologia

Quadro 26.1  Potenciais fontes de interferência eletromagnética no paciente crítico portador de dispositivo elétrico cardíaco implantável Uso de bisturi elétrico Monitorização de potencial evocado Fasciculações Tremores Volumes correntes elevados Cardioversão/desfibrilação cardíaca externa Ressonância nuclear magnética Ablação por radiofrequência Litotripsia extracorpórea por ondas de choque Eletroconvulsoterapia

2. NOMENCLATURA A nomenclatura que designa o modo de estimulação cardíaca por um marca-passo, universalmente aceita desde 2001, foi determinada consensualmente1 e consiste de cinco letras sequenciais que resumem a programação de um marca-passo (Quadro 26.2). Quadro 26.2  Nomenclatura para a designação dos diferentes tipos de marca-passo ESTIMULAÇÃO

SENSIBILIDADE

A – atrial V – ventricular D – atrial e ventricular

A – atrial V – ventricular D – atrial e ventricular O – nenhuma

RESPOSTA I – inibição T – disparo (trigger) D – inibição e disparo O – nenhuma

MODULAÇÃO DA FREQUÊNCIA CARDÍACA R – modulação presente O – modulação ausente

ESTIMULAÇÃO EM MÚLTIPLAS CÂMARAS V – ventricular A – atrial D – atrial e ventricular O – nenhuma

A primeira letra refere-se à câmara cardíaca estimulada pelo marca-passo, com três possibilidades: A – designa a estimulação atrial; V – designando a estimulação ventricular; e D (dual) – representando tanto a estimulação atrial quanto a ventricular por meio de eletrodos colocados em ambas as cavidades. A segunda letra diz respeito à câmara cardíaca cuja atividade elétrica é reconhecida pelo marca-passo. Nessa situação, temos quatro possibilidades: além das letras A, V, e D (com o mesmo significado da primeira posição), pode aparecer a letra O quando a atividade elétrica própria do coração não é reconhecida pelo dispositivo implantado. Na terceira posição, as letras representam a resposta do marca-passo à detecção do estímulo elétrico cardíaco: I (inhibited) – significando que o dispositivo é inibido ao reconhecer tal atividade elétrica; T (triggered) – designando que o marca-passo é disparado pela detecção do estímulo; D (dual) representando que o marca-passo pode ser tanto inibido quanto disparado pela detecção da atividade elétrica cardíaca própria do coração; e O – quando não há resposta do dispositivo à detecção do estímulo. A quarta letra, que pode ser R (rate modulation) ou O, designa a presença ou a ausência, respectivamente, de adaptação da frequência cardíaca. Essa função permite, automaticamente, o aumento da FC pelo próprio marca-passo frente a determinadas situações em que isso ocorre fisiologicamente, como a atividade física. Por fim, na última posição aparece a letra referente à estimulação cardíaca em mais de um ventrículo para designar os casos de terapia de ressincronização cardíaca. Dessa maneira, a letra V na quinta posição indica que, além da estimulação do ventrículo direito (VD), existe a do VE. Já a letra O indica a ausência de estimulação do VE.

Capítulo 26  Conceitos básicos de estimulação cardíaca artificial

377

Na prática, as duas últimas letras são omitidas quando não há a presença nem de modulação da frequência e nem de terapia de ressincronização cardíaca. Assim, a título de exemplo, usam-se os principais modos de estimulação cardíaca artificial por um marca-passo, conforme a seguir. • VOO: obtido por um marca-passo unicameral, no VD, operando de maneira assíncrona. O dispositivo estimula o VD em uma frequência programada, não reconhecendo a atividade elétrica cardíaca e, portanto, não apresentando resposta de inibição ou disparo. • VVI: obtido por um marca-passo unicameral, no VD, operando de maneira síncrona. O dispositivo estimula o VD em uma frequência programada, porém ao reconhecer a atividade elétrica do coração, é inibido por ela. • AOO: obtido por um marca-passo unicameral, no átrio direito (AD), operando de maneira assíncrona. O dispositivo estimula o AD em uma frequência programada, não reconhecendo a atividade elétrica cardíaca e, portanto, não apresentando resposta de inibição ou disparo. • AAI: obtido por um marca-passo unicameral, no AD, operando de maneira síncrona. O dispositivo estimula o AD em uma frequência programada, porém ao reconhecer a atividade elétrica do coração, é inibido por ela. • DOO: obtido por um marca-passo bicameral atrioventricular, nas câmaras cardíacas direitas, operando de maneira assíncrona. O dispositivo estimula sequencialmente o átrio e o ventrículo direitos em uma frequência programada e com um intervalo atrioventricular (tempo entre o estímulo atrial e ventricular) determinado, não reconhecendo a atividade elétrica do átrio ou ventrículo e, portanto, não apresentando resposta de inibição ou disparo. • DDD: obtido por um marca-passo bicameral atrioventricular, nas câmaras cardíacas direitas, operando de maneira síncrona. O dispositivo estimula sequencialmente o átrio e o ventrículo direitos em uma frequência programada e com um intervalo atrioventricular (tempo entre o estímulo atrial e ventricular) determinado. O mecanismo de operação desse tipo de estimulação será detalhado no item 4. • DDDRV: obtido por um marca-passo atriobiventricular, operando de maneira síncrona e com modulação da frequência cardíaca. Além das funções de um marca-passo atrioventricular, já descritas, é realizada a terapia de ressincronização cardíaca por um eletrodo adicional no VE, indicada em determinados casos de insuficiência cardíaca. Os modos de operação assíncronos, como AOO, VOO e DOO, são utilizados temporariamente e por um breve período, principalmente nas situações com risco de interferência eletromecânica (Quadro 26.1), em que pode haver a inibição da programação atual do marca-passo. O modo de programação AAI, derivado de um único eletrodo atrial, é utilizado nos casos de bradicardia sinusal sintomática com condução atrioventricular normal. O modo de programação VVI, derivado de um único eletrodo no ventrículo direito, é utilizado nos casos de bradicardia, mas cujo ritmo do átrio é de fibrilação atrial crônica; isto é, fibrilação atrial de baixa resposta, ou fibrilação atrial com bloqueio atrioventricular total, não necessitando, portanto, da manutenção da sincronia atrioventricular. O modo de operação DDD, derivado de um marca-passo ventricular atrioventricular, permite a manutenção da sincronia atrioventricular mediante a ativação sequencial de ambas as câmaras direitas.

3. RECONHECENDO O TIPO DE DISPOSITIVO ELETRÔNICO CARDÍACO IMPLANTÁVEL Os diferentes tipos de dispositivos elétricos cardíacos implantáveis podem ser reconhecidos pela análise do eletrocardiograma e da radiografia de tórax (Figuras 26.1 a 26.4). Por este último, é possível visualizar a localização do gerador, geralmente na região infraclavicular, direita ou esquerda, assim como o número e a localização dos eletrodos.

378

Seção II  Cardiologia

Figura 26.1  Radiografia de tórax, posteroanterior e perfil, em um paciente com marca-passo unicameral no VD. A seta preta indica a localização do gerador no hemitórax direito; e a seta vermelha, a ponta do eletrodo no ventrículo direito.

Figura 26.2  Radiografia de tórax, posteroanterior e perfil, em um paciente com marca-passo bicameral atrioventricular. A seta preta indica a localização do gerador no hemitórax esquerdo; a seta vermelha, a ponta do eletrodo no VD; e a seta azul, a ponta do eletrodo no AD.

Nos pacientes com desfibrilador cardíaco implantável, há pelo menos um eletrodo direcionado ao VD, sobre o qual é possível visualizar, à radiografia de tórax, uma espiral radiopaca de espessura superior à do eletrodo, responsável pela realização do choque elétrico. À função de desfibrilador, é possível acrescentar a de marca-passo, inclusive pelo acréscimo de outros eletrodos, obtendo-se um marca-passo atrioventricular com o acréscimo de um eletrodo no AD; ou um marca-passo atriobiventricular com acréscimo de eletrodos no AD e no VE, conseguindo, desse modo, um dispositivo com a função de desfibrilador e de ressincronizador da contração ventricular.

Capítulo 26  Conceitos básicos de estimulação cardíaca artificial

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Figura 26.3  Radiografia de tórax, posteroanterior e perfil, em um paciente com dispositivo elétrico cardíaco implantável com as funções de cardiodesfibrilador e marca-passo atrioventricular. A seta preta indica a localização do gerador no hemitórax esquerdo; a seta vermelha, a ponta do eletrodo no VD; a seta azul, a ponta do eletrodo no AD; e as setas amarelas, as espirais com a função de desfibrilação localizadas sobre o eletrodo ventricular.

Figura 26.4  Radiografia de tórax, anteroposterior, em um paciente com dispositivo elétrico cardíaco implantável com as funções de cardiodesfibrilador e marca-passo atriobiventricular. A seta branca indica a localização do gerador no hemitórax direito; a seta vermelha, a ponta do eletrodo no VD; a seta azul, a ponta do eletrodo no AD; e as setas amarelas, as espirais com a função de desfibrilação, localizadas sobre o eletrodo ventricular. A seta verde identifica o eletrodo no VE, passado através da cateterização do seio coronário, com a função de ressincronização cardíaca.

4. MECANISMO BÁSICO DE FUNCIONAMENTO DOS PRINCIPAIS MODOS DE ESTIMULAÇÃO CARDÍACA ARTIFICIAL A compreensão, de maneira um pouco mais aprofundada, dos modos de estimulação cardíaca artificial requer o conhecimento dos principais intervalos de programação nos diferentes tipos de marca-passo. Não é objetivo deste capítulo esgotar a abordagem sobre o assunto, portanto os principais intervalos de programação dos modos de estimulação cardíaca artificial mais comumente utilizados serão descritos sumariamente.

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Seção II  Cardiologia

4.1  Marca-passo unicameral no AD Nos casos em que há um único eletrodo atrial operando de maneira síncrona, em modo AAI, os intervalos básicos de programação são o limite inferior da FC e o período refratário atrial (Figura 26.5). Quando é completado o tempo limite da FC e não é detectada a atividade elétrica atrial, o estímulo do átrio é gerado pelo marca-passo. Contrariamente, caso haja atividade elétrica atrial própria, o eletrodo é inibido e o tempo da FC é contado a partir deste momento. De maneira semelhante, o período refratário atrial é contado a partir de qualquer atividade elétrica atrial, espontânea ou gerada pelo marca-passo. Durante esse intervalo de tempo, nenhuma atividade elétrica gerada espontaneamente será reconhecida pelo eletrodo. Além disso, nenhuma atividade elétrica intrínseca ventricular, como uma extrassístole, por exemplo, será reconhecida pelo eletrodo atrial. O modo de operação AAI é indicado para pacientes com disfunção do nó sinusal e condução atrioventricular normal; entretanto, caso ocorra um bloqueio atrioventricular, a função do marca-passo será ineficaz.

PRA

PRA

FCmín

PRA

PRA

FCmín

Figura 26.5  Esquema do modo de funcionamento de um marca-passo unicameral no AD – AAI. As espículas do marca-passo (em cor vermelha) são responsáveis pela despolarização atrial, cujo estímulo é conduzido normalmente ao nó atrioventricular gerando a despolarização ventricular. No segundo ciclo, é atingido o tempo limite da FC com nova despolarização atrial gerada pelo marca-passo. No terceiro ciclo, diferentemente, ocorre atividade elétrica intrínseca atrial, antes do término do tempo limite da FC, com inibição do marca-passo. Os tempos da frequência cardíaca e do período refratário atrial são contados a partir de qualquer atividade elétrica atrial, intrínseca ou gerada pelo marca-passo. FCmÍn: tempo limite da frequência cardíaca; PRA: período refratário atrial. A atividade elétrica gerada pelo marcapasso é representada em verde; e a atividade elétrica intrínseca, em azul.

4.2  Marca-passo unicameral no VD Nos pacientes com eletrodo ventricular único, operando em modo VVI, os intervalos programados são análogos aos do modo AAI, porém referem-se à estimulação ventricular, e não atrial. Temos, portanto, o limite inferior da FC e o período refratário ventricular (Figuras 26.6 e 26.7). Transcorrido o tempo de intervalo da FC mínima, ocorrerá o estímulo da cavidade ventricular caso não seja detectada atividade elétrica espontânea. Analogamente ao que ocorre no modo AAI, o reconhecimento da atividade elétrica ventricular inibirá o marca-passo. A contagem do período refratário ventricular inicia-se a partir da atividade elétrica ventricular, espontânea ou deflagrada pelo dispositivo. Durante esse período, nenhuma despolarização ventricular espontânea será reconhecida. No modo de operação VVI, a sincronia atrioventricular é perdida; logo, esse modo de estimulação é utilizado, preferencialmente, nos pacientes em que esta sincronia já não ocorre, como nos casos de fibrilação atrial.

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Capítulo 26  Conceitos básicos de estimulação cardíaca artificial

PRV

PRV

FCmín

PRV

PRV

FCmín

Figura 26.6  Esquema do modo de funcionamento de um marca-passo unicameral no VD – VVI. As espículas do marca-passo (em cor vermelha) são responsáveis pela despolarização ventricular. No segundo ciclo, é atingido o tempo limite da FC, com nova despolarização ventricular gerada pelo marca-passo. No terceiro ciclo, diferentemente, ocorre atividade elétrica intrínseca ventricular, antes do término do tempo limite da FC, com inibição do marca-passo. Os tempos da FC e do período refratário ventricular são contados a partir de qualquer atividade elétrica ventricular, intrínseca ou gerada pelo marca-passo. Admite-se que o ritmo atrial seja de fibrilação atrial; portanto, a atividade elétrica atrial não se encontra representada. FCmÍn: tempo limite da frequência cardíaca; PRV: período refratário ventricular. A atividade elétrica gerada pelo marca-passo é representada em verde; e a atividade elétrica intrínseca, em azul.

Figura 26.7  Eletrocardiograma de 12 derivações em um paciente com marca-passo VVI. Na derivação DII longo, é possível verificar a inibição do eletrodo ao reconhecer a atividade elétrica intrínseca ventricular no 2º, 3º e 5º ciclos e a partir do 9º; os 6º e 7º ciclos mostram a despolarização ventricular gerada pelo marca-passo; e os 1º e 4º ciclos representam batimentos de pseudofusão. Nos batimentos de fusão, a despolarização ventricular é gerada, simultaneamente, de maneira intrínseca e pelo marca-passo, e apresenta morfologia intermediária entre a atividade elétrica intrínseca e a despolarização gerada pelo marca-passo. Na pseudofusão, a espícula ocorre simultaneamente à atividade elétrica intrínseca, porém não influencia a despolarização cardíaca, cuja morfologia do complexo QRS representa a atividade elétrica intrínseca do miocárdio.

4.3  Marca-passo bicameral no átrio e ventrículo direitos O marca-passo bicameral atrioventricular, operando em modo DDD, estimula sequencialmente o átrio e o ventrículo direitos. Os intervalos de programação são o limite inferior da FC, que é composto, por sua vez, por dois outros intervalos, o atrioventricular e o ventriculoatrial. Há ainda um outro intervalo, que é o período refratário atrial pós-ventricular, como o período em que o eletrodo atrial encontra-se inibido após qualquer atividade elétrica ventricular. Dessa forma, o período refratário atrial total é composto pela somatória do intervalo atrioventricular e do período refratário atrial pós-ventricular (Figura 26.8).

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Seção II  Cardiologia

PRAT

IAV

PRAPV

IAV

PRAPV

IAV

PRAPV

IVA FCmín

Figura 26.8  Representação esquemática dos modos de operação de um marca-passo atrioventricular. No primeiro ciclo, ocorre a operação em modo DDD, com a despolarização sequencial do átrio e do ventrículo pelo marca-passo. Após a espícula atrial, inicia-se a contagem do intervalo atrioventricular e, ao final, há a despolarização ventricular pela espícula do marca-passo. Após a espícula ventricular, iniciam-se as contagens dos intervalos ventriculoatrial e do período refratário atrial pós-ventricular. Dessa forma, o período refratário atrial total é composto pelo intervalo atrioventricular e pelo período refratário atrial pós-ventricular; e o limite inferior da FC, pelos intervalos atrioventricular e ventriculoatrial. No segundo ciclo, ao final do tempo limite da FC mínima, ocorre nova despolarização atrial pela espícula do marca-passo, porém esse estímulo é conduzido aos ventrículos pelo nó atrioventricular antes do término do intervalo atrioventricular, gerando o modo de operação de um marca-passo atrial. Nesse caso, o intervalo ventriculoatrial e o período refratário atrial pós-ventricular são contados a partir do reconhecimento pelo marca-passo da atividade elétrica ventricular intrínseca. No terceiro ciclo, antes do término do intervalo ventriculoatrial, ocorre a atividade intrínseca do átrio, porém não há a condução do estímulo, antes do término do intervalo atrioventricular, aos ventrículos, que são despolarizados pela espícula do marca-passo, gerando o modo de operação síncrono com a onda P. Nesse caso, é iniciada a contagem do intervalo atrioventricular a partir do reconhecimento da atividade atrial intrínseca. A atividade elétrica gerada pelo marca-passo é representada em verde; e a atividade elétrica intrínseca, em azul. FCmÍn: tempo limite da frequência cardíaca; IAV: intervalo atrioventricular; IVA: intervalo ventriculoatrial; PRAPV: período refratário atrial pós-ventricular; PRAT: período refratário atrial total.

Em um marca-passo bicameral atrioventricular, são possíveis quatro modos de operação: • ritmo sinusal normal – ocorre quando há atividade elétrica atrial e ventricular espontâneas, com inibição dos eletrodos atrial e ventricular; • estimulação sequencial atrioventricular – neste modo de funcionamento, o não reconhecimento da atividade elétrica atrial provoca o estímulo do átrio pelo eletrodo do marca-passo, a partir do qual é iniciada a contagem do intervalo atrioventricular. Ao final do tempo de programação desse intervalo, não havendo atividade elétrica ventricular espontânea, ocorre a estimulação do ventrículo pelo eletrodo ventricular. A partir de então, inicia-se a contagem do período ventriculoatrial, ao final do qual, não ocorrendo atividade elétrica espontânea, é deflagrada nova estimulação pelo eletrodo atrial, iniciando-se um novo ciclo cardíaco (Figuras 26.8 e 26.9); • estimulação atrial – iniciada pelo marca-passo, ocorrendo, então, a condução normal do estímulo através do nó atrioventricular, levando à despolarização ventricular antes do término do intervalo atrioventricular e inibindo o eletrodo ventricular. Não há atividade elétrica atrial intrínseca antes do término do tempo da FC mínima, o que gera uma nova estimulação atrial pelo marca-passo, reiniciando o ciclo cardíaco. Nesse caso, tem-se um marca-passo DDD, operando em modo de um marca-passo atrial (Figura 26.8); • estimulação ventricular síncrona com atividade elétrica atrial espontânea – a atividade elétrica atrial é gerada intrinsicamente pelo nó sinoatrial, porém, neste caso, não há a condução do estímulo aos ventrículos antes do término do intervalo atrioventricular; assim a atividade

Capítulo 26  Conceitos básicos de estimulação cardíaca artificial

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elétrica do ventrículo é gerada pelo eletrodo ventricular. Antes do tempo limite da FC mínima, ocorre uma nova atividade elétrica atrial intrínseca, inibindo o eletrodo atrial e reiniciando o ciclo cardíaco (Figuras 26.8 e 26.10). Tem-se, portanto, um marca-passo DDD operando de forma síncrona com a onda P, ou seja, com a atividade elétrica atrial intrínseca.

Figura 26.9  Eletrocardiograma de 12 derivações em um paciente com marca-passo DDD. As atividades elétricas atrial e ventricular são geradas exclusivamente pelo marca-passo. Nos últimos cinco ciclos, as setas pretas identificam a espícula atrial; e as vermelhas, a espícula ventricular.

Figura 26.10  Eletrocardiograma de 12 derivações em um paciente com marca-passo atrioventricular operando em modo síncrono com a onda P. A atividade elétrica atrial ocorre de forma intrínseca e a despolarização ventricular é feita pelo marca-passo. As setas pretas identificam a onda p; e as vermelhas, a espícula ventricular.

5. PRINCIPAIS FALHAS DOS DISPOSITIVOS ELETRÔNICOS CARDÍACOS IMPLANTÁVEIS Incluem a falha de captura, a ausência de emissão de espícula, o undersensing e o oversensing (Quadro 26.3). Quaisquer dessas alterações podem envolver tanto o eletrodo atrial quanto o ventricular. Elas podem cursar com deterioração hemodinâmica e com repercussão clínica significativa. Assim, cabe ao intensivista o reconhecimento precoce e adequado de tais alterações, o que pode ser feito, na maior parte das vezes, pela adequada interpretação do eletrocardiograma.

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Seção II  Cardiologia

Quadro 26.3  Principais falhas de funcionamento dos marca-passos FALHAS DE FUNCIONAMENTO

ALTERAÇÃO ELETROCARDIOGRÁFICA

CAUSAS

Falha de captura

Espícula do marca-passo não seguida por onda P ou complexo QRS

• • • •

Fratura parcial do eletrodo Deslocamento do eletrodo Distúrbios eletrolíticos Drogas antiarrítmicas

Ausência de emissão de espícula

Períodos de assistolia

• •

Exaustão do gerador Fratura completa do eletrodo

Undersensing

Emissão da espícula próximo à atividade elétrica intrínseca do miocárdio

• • •

Fibrose na ponta do eletrodo Lesão do miocárdio adjacente Programação inadequada

• •

Interferência eletromagnética Quebra do sistema isolante do eletrodo

Oversensing

• •

Inibição imprópria dos eletrodos nos marca-passos unicamerais Aumento da FC nos marca-passos bicamerais

A falha de captura ocorre quando o estímulo elétrico deflagrado pelo marca-passo não é suficiente para gerar a despolarização das células miocárdicas. No eletrocardiograma, visualiza-se a espícula do marca-passo não sendo seguida por onda P ou complexo QRS2 (Figura 26.11). As causas de falha da captura incluem a fratura parcial e o deslocamento do eletrodo (Figura 26.12); distúrbios hidreletrolíticos como hipercalemia, hipocalemia e hipomagnesemia; e determinadas drogas antiarrítmicas, como a propafenona, que aumentam a energia necessária para a captura elétrica do miocárdio.

Figura 26.11  Traçado de eletrocardiograma mostrando a falha de captura do eletrodo ventricular. O ritmo de base é um bloqueio atrioventricular total e as espículas de marca-passo não são capazes de levar à despolarização ventricular. Fonte: Reproduzida de Sarko e colaboradores. 2

A

B

Figura 26.12  Radiografia anteroposterior de tórax de um paciente, no 1º dia após implante de marca-passo atrioventricular, evoluindo com falha de captura do marca-passo. (A) É possível visualizar o deslocamento do eletrodo atrial e ventricular. (B) Reposicionamento adequado de ambos os eletrodos. A seta vermelha identifica o eletrodo ventricular; e a seta azul, o eletrodo atrial.

Capítulo 26  Conceitos básicos de estimulação cardíaca artificial

385

A ausência de emissão de espícula está comumente associada à exaustão do gerador do marca-passo e à fratura completa do eletrodo. A não geração do estímulo na ausência de atividade elétrica intrínseca do miocárdio ocasiona períodos de assistolia, muitas vezes prolongados (Figura 26.13), com manifestação clínica de baixo DC e síncope.

Figura 26.13  Traçado eletrocardiográfico mostrando um longo período de ausência de emissão de espícula.

No undersensing, atrial ou ventricular, ocorre a emissão de espícula muito próximo ou até concomitantemente à atividade elétrica intrínseca do miocárdio3 (Figura 26.14) porque o sinal elétrico não é reconhecido de maneira adequada pelo marca-passo. A emissão da espícula durante a onda T, fenômeno conhecido como R sobre T, pode levar à taquicardia ventricular. Entre as causas de undersensing, destacam-se a fibrose na ponta do eletrodo, lesão do miocárdio adjacente ou programação inadequada do dispositivo.

Figura 26.14  Traçado de eletrocardiograma em um paciente com fibrilação atrial crônica, portador de marca-passo unicameral no VD. Observa-se o undersensing do eletrodo ventricular, pois a primeira e a segunda espículas ocorrem, respectivamente, no segmento ST e no início da onda T. A terceira espícula, no final da onda T, gera a despolarização ventricular. As setas vermelhas identificam as espículas ventriculares. Fonte: Adaptada de Okreqlicki e colaboradores.3

O oversensing ocorre quando o eletrodo do marca-passo reconhece sinais elétricos, que não deveriam ser detectados, como miopotenciais da parede torácica, decorrentes da quebra do sistema isolante do eletrodo. Outra causa de oversensing são os sinais oriundos de interferência eletromagnética. Nos marca-passos unicamerais, essa disfunção leva à inibição imprópria do eletrodo com ausência da emissão de espícula 2 (Figura 26.15). No marca-passo bicameral atrioventricular, o oversensing atrial pode ocasionar o disparo do eletrodo ventricular, aumentando a frequência ventricular até a frequência máxima programada.

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Seção II  Cardiologia

Nos cardiodesfibriladores implantáveis, tanto o oversensing do eletrodo ventricular quanto sinais oriundos de interferência eletromagnética podem ser interpretados como taquicardia ventricular, ocasionando a administração indevida de choque elétrico. Já o undersensing do canal ventricular pode levar à falha na de detecção de arritmias, resultando na ausência da terapia elétrica programada, com risco de síncope, parada cardíaca e morte súbita.

Figura 26.15  Traçado eletrocardiográfico mostrando a ocorrência de oversensing em um paciente com marcapasso VVI. Do primeiro ao quarto batimentos, o funcionamento do marca-passo é normal. Entre o quarto e o quinto batimento, observam-se artefatos da linha de base produzidos por miopotenciais diafragmáticos, e o intervalo entre eles é superior ao limite inferior da FC. O quinto complexo é um batimento de fusão. Fonte: Adaptada de Sarko e colaboradores. 2

6. ESTIMULAÇÃO CARDÍACA ARTIFICIAL NO PÓS-OPERATÓRIO DE CIRURGIA CARDÍACA A incidência de distúrbios de condução com necessidade de estimulação cardíaca artificial no período pós-operatório de cirurgia cardíaca é de 10 a 15%. Embora a maior parte desses distúrbios seja reversível, entre 1 e 3% dos pacientes necessitarão da implantação definitiva de marca-passo.4,5 Entre os principais fatores predisponentes à ocorrência de distúrbios de condução, nesse contexto, encontram-se a lesão cirúrgica do tecido de condução, o estiramento de fibras miocárdicas, o edema miocárdico pós-operatório, os distúrbios eletrolíticos e acidobásicos, a alteração do sistema nervoso autônomo etc. Por isso, desde os anos 1980, a colocação profilática de eletrodos epicárdicos temporários é feita rotineiramente na maioria dos serviços com o intuito de facilitar o manejo das bradiarritmias nesse pós-operatório de cirurgia cardíaca.6 Os eletrodos epicárdicos temporários são implantados sobre a parede livre do VD e, adicionalmente, um outro eletrodo pode ser inserido sobre a aurícula direita, caso uma estimulação sequencial atrioventricular seja desejada. Os eletrodos são exteriorizados pela parede abdominal; convencionalmente, os atriais são exteriorizados à direita do externo; e os ventriculares, à esquerda. Na maioria das vezes, habitualmente, implanta-se apenas o eletrodo ventricular. Existem dois tipos de eletrodos epicárdicos temporários, os unipolares e os bipolares. Os unipolares necessitam da inserção de dois eletrodos, separadamente, um com polaridade negativa, colocado no epicárdio, e outro com polaridade positiva inserido a 2 cm do primeiro, no pericárdio ou no tecido subcutâneo. Os eletrodos bipolares são compostos por um só cabo com dois fios condutores isolados, ambos implantados no epicárdio e distando 8 mm um do outro. Devido à menor distância entre eles, os eletrodos bipolares necessitam de um nível menor de corrente para a geração do estímulo. Os eletrodos cardíacos temporários são ligados a um gerador cardíaco externo, através do qual é possível regular a frequência cardíaca, a corrente de estímulo e a sensibilidade (Figura 26.16).

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Capítulo 26  Conceitos básicos de estimulação cardíaca artificial

Indicador de sensibilidade do eletrodo ventricular (luz laranja)

Indicador de sensibilidade do eletrodo atrial (luz laranja)

Indicador de estímulo do eletrodo atrial (luz verde)

Indicador de estímulo do eletrodo ventricular (luz verde) Indicador de sensibilidade do eletrodo ventricular (luz laranja)

Indicador de estímulo do eletrodo ventricular (luz verde)

FC Estímulo ventricular

FC Estímulo atrial Estímulo ventricular

Sensibilidade

Sensibilidade

Figura 26.16  Geradores cardíacos externos comumente utilizados para o ajuste dos marca-passos inseridos de maneira provisória, com os seus principais parâmetros de regulação. À esquerda, gerador para estímulo apenas ventricular. À direita, gerador para estímulos atrial e ventricular.

6.1  Determinação da corrente de estímulo elétrico A intensidade da corrente de estímulo pode ser regulada de 0,1 a 25 miliamperes (mA), dependendo do gerador. Para selecionar a intensidade desejada, é necessário determinar primeiro o estímulo de captura, ou seja, a intensidade da corrente que leva à despolarização miocárdica após o estímulo elétrico do marca-passo, visualizada eletrocardiograficamente pela presença de onda P ou complexo QRS, dependendo do local de inserção do eletrodo, após a espícula do marca-passo. Para a determinação do estímulo elétrico de captura, é necessário, inicialmente, regular o marca-passo em modo assíncrono (ver a seguir) e ajustar a FC do gerador acima da FC intrínseca, habitualmente entre 80 e 100 bpm. A estimulação é iniciada pelo valor máximo do estímulo elétrico para que se obtenha uma sucessão de complexos na FC ajustada. Em seguida, é realizada a diminuição progressiva do estímulo elétrico até que haja a perda de captura, ou seja, a visualização da espícula de marca-passo não seguida de onda P ou de complexo QRS. A captura é o menor valor do estímulo elétrico capaz de gerar a despolarização miocárdica após a espícula do marca-passo, e o gerador externo deverá ser regulado com uma intensidade de estímulo de 2 a 3 mA acima desse valor, como margem de segurança. A monitorização do estímulo de captura deve ser realizada diariamente, pois seu valor varia em função das alterações na interface entre o eletrodo e o miocárdio com o aumento do valor da corrente necessária para que haja a despolarização miocárdica ao longo dos dias.

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Seção II  Cardiologia

6.2  Regulação da sensibilidade A regulação da sensibilidade do marca-passo é que determinará se o seu modo de operação será síncrono ou não. Isso quer dizer, em outros termos, selecionar um modo de operação em VVI ou VOO, caso haja apenas o eletrodo ventricular; ou obter um modo de operação em DDD ou DOO, caso haja um eletrodo atrial além do ventricular. O ajuste da sensibilidade determinará a capacidade dos eletrodos reconhecerem a amplitude da atividade elétrica intrínseca do miocárdio em milivolts (mV). Caso a amplitude da atividade elétrica intrínseca ultrapasse aquela ajustada no gerador, ela será reconhecida pelo marca-passo, que será inibido. Assim, quanto maior o valor, em milivolts, selecionado no botão da sensibilidade, menos sensível será o marca-passo. Na maioria dos geradores disponíveis, o seu valor de ajuste varia de 0,5 a 20 mV. Para a regulação da sensibilidade, é preciso determinar o valor de detecção da atividade elétrica intrínseca do miocárdio. Inicialmente, ajusta-se o gerador do marca-passo com uma frequência cardíaca de 10 a 20 batimentos abaixo da FC intrínseca, se possível, e com uma corrente de estímulo acima do valor da captura. Seleciona-se a maior voltagem no botão da sensibilidade, obtendo-se um modo de operação assíncrono, com uma diminuição progressiva de seus valores. Os geradores de marca-passo conseguem indicar se o estímulo elétrico é deflagrado pelo aparelho, visualizado como uma luz verde piscando, ou é detectada a atividade elétrica intrínseca do miocárdio, visualizado como uma luz laranja piscando. O valor da detecção da atividade elétrica intrínseca será obtido, com a diminuição progressiva da voltagem, quando a luz laranja piscar de forma sustentada no gerador. Para que o marca-passo opere de maneira assíncrona, o botão da sensibilidade deve ser ajustado acima desse valor. Para o funcionamento sincrônico, que é o preferível, o valor da sensibilidade é ajustado em 50% do valor de detecção da atividade elétrica intrínseca. Não é possível determinar o valor da sensibilidade se a atividade elétrica intrínseca estiver ausente ou se a FC intrínseca for excessivamente baixa, com manifestações clínicas importantes. Nesses casos, a sensibilidade é arbitrariamente fixada no valor de 2 mV.

6.3  Regulação da FC Na maior parte das vezes, ela é regulada empiricamente entre 80 e 100 bpm; porém, em alguns pacientes o seu ajuste tem influência significativa sobre o DC. Assim, caso haja alguma forma de monitorização do DC, essa relação poderá ser verificada de forma objetiva e o valor da frequência ajustado de maneira a otimizar o estado hemodinâmico do paciente. A avaliação da FC intrínseca do paciente deve ser realizada diariamente pela diminuição progressiva da FC do gerador, mantendo o marca-passo operando de maneira síncrona, até que haja atividade elétrica intrínseca do miocárdio.

7. CUIDADOS PERIOPERATÓRIOS DO PACIENTE CIRÚRGICO PORTADOR DE DISPOSITIVO ELETRÔNICO CARDÍACO IMPLANTÁVEL A principal preocupação no cuidado perioperatório do paciente portador de dispositivo eletrônico implantável é quanto à possibilidade de interferência eletromagnética levando ao dano do dispositivo e à sua disfunção. A maior fonte de interferência, nessa situação, decorre do uso do bisturi elétrico. Medidas que podem ser adotadas com o intuito de minimizar a chance de lesão do dispositivo incluem a colocação da placa do bisturi elétrico o mais distante possível em relação ao gerador do dispositivo, além de usar o bisturi de forma criteriosa, privilegiando a sua função de corte em detrimento da de coagulação.7,8 Outra fonte de lesão do dispositivo que merece destaque é o uso de cateter de artéria pulmonar (CAP), que pode provocar o deslocamento dos eletrodos intracardíacos, principalmente aqueles implantados há menos de 6 semanas.8,9

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Capítulo 26  Conceitos básicos de estimulação cardíaca artificial

Uma importante decisão no preparo pré-operatório do paciente portador de dispositivo elétrico cardíaco implantável consiste em definir a necessidade de reprogramação do aparelho para a operação de forma assíncrona, no caso dos marca-passos; ou a necessidade de desabilitar a função de desfibrilação e de antitaquiarritmia, no caso dos desfibriladores (Figura 26.17).

DECI?

SIM

NÃO

CDI

MP

Potencial IEM relacionada ao procedimento?

NÃO

Potencial IEM relacionada ao procedimento?

NÃO

SIM

O paciente é dependente do MP?

NÃO

SIM

Desativar a função desfibrilação (reprogramação ou ímã)

O paciente é dependente do MP?

SIM SIM

NÃO Distância entre DECI e a fonte IEM > 15 cm?

Distância entre DECI e a fonte IEM < 15 cm?

NÃO

SIM

Reprogramação desnecessária

Operação do MP em modo assíncrono (reprogramação ou ímã)

Manter um ímã disponível

NÃO

Consulta com especialista se a reprogramação é necessária (ímã não produzirá a operação em modo assíncrono).

SIM

Operação do MP em modo assíncrono (reprogramação necessária)

Figura 26.17  Abordagem sugerida para a reprogramação pré-operatória dos dispositivos elétricos implantáveis. CDI: cardiodesfibrilador implantável; DECI: dispositivo elétrico cardíaco implantável; IEM: interferência eletromagnética; MP: marca-passo.

A reprogramação dos marca-passos deve levar em consideração a dependência do paciente em relação ao dispositivo e o potencial de interferência eletromagnética do procedimento em questão,

390

Seção II  Cardiologia

que depende grandemente da distância entre a fonte de interferência eletromagnética e o gerador do dispositivo. Para os pacientes cujo ritmo cardíaco é totalmente dependente do marco-passo e serão submetidos a procedimentos em que a distância entre o local de aplicação do bisturi elétrico e o gerador do marca-passo é menor do que 15 cm, recomenda-se a sua reprogramação para modo assíncrono com o intuito de proteger o paciente de potenciais interferências eletromagnéticas sobre o marca-passo. Alternativamente, a mudança da programação do marca-passo para o modo assíncrono poderá ser obtida com a colocação de um ímã sobre o gerador, com a praticidade de retornar à programação inicial do marca-passo apenas pela retirada do ímã, sem a necessidade de nova reprogramação. Durante o procedimento, qualquer alteração do ritmo cardíaco ou instabilidade hemodinâmica que possa decorrer de interferência eletromagnética demanda a parada do uso do bisturi elétrico até que ocorra a estabilização da situação e que o potencial de interferência seja minimizado.8 Nos pacientes com cardiodesfibriladores implantáveis, submetidos a procedimentos com potencial de interferência eletromagnética, a função de antitaquiarritmia deverá ser suspensa para garantir a máxima segurança, apesar de, nesses casos, a ocorrência de interferência eletromagnética ser bastante rara.10 Isso pode ser feito pela reprogramação do aparelho ou pela colocação de um ímã sobre o gerador. Entretanto, nos aparelhos com a função concomitante de cardiodesfibriladores e marca-passo, a colocação de um ímã sobre o gerador não consegue desativar esta última função, desabilitando somente a função de cardiodesfibrilador. Portanto, caso seja necessária, a reprogramação da função de marca-passo para o modo assíncrono exigirá a reprogramação do aparelho. A desativação da função de antitaquicardia requer algumas precauções, como a colocação das pás autoadesivas dos desfibriladores convencionais, para que a desfibrilação ou cardioversão seja fácil e rapidamente realizada, se necessário. As pás autoadesivas deverão ser posicionadas, preferencialmente, na posição anteroposterior, com uma pá no ápice cardíaco, e a outra na parede torácica posterior, abaixo da escápula esquerda. Na cardioversão com as pás manuais, elas deverão ser posicionadas antagonicamente ao gerador e aos eletrodos do aparelho. Assim, em um paciente com o gerador na região infraclavicular direita, as pás manuais serão colocadas na região infraclavicular esquerda e região torácica inferior direita. Em um paciente com o gerador na região infraclavicular esquerda, as pás serão posicionadas de maneira habitual, no ápice cardíaco e na região paraesternal direita. No período pós-operatório, todos os aparelhos que possam ter a sua função danificada, ou a depender da necessidade de reprogramação, deverão ser reavaliados.11

8. CONCLUSÕES • Os dispositivos elétricos cardíacos implantáveis são constituídos pelos marca-passos e os cardiodesfibriladores implantáveis. • A nomenclatura que designa a programação de um marca-passo é formada por uma sequên­ cia de cinco letras: a primeira refere-se à câmara estimulada; a segunda, à câmara cuja atividade elétrica é reconhecida; a terceira, à resposta do marca-passo em função da atividade elétrica cardíaca intrínseca; a quarta, à presença ou não de modulação da frequência cárdica; e a quinta, à estimulação cardíaca biventricular. • Os diferentes tipos de dispositivos elétricos cardíacos implantáveis e o seu modo de operação podem ser reconhecidos pela radiografia de tórax e pelo eletrocardiograma. • As principais disfunções relacionadas ao marca-passo são a falha de captura, a ausência de emissão de estímulo elétrico, o undersensing e oversensing. • Nos pacientes com CDI, o oversensing pode ocasionar desfibrilação desnecessária; e o undersensing, a ausência da terapia antitaquicardia quando ela deveria ocorrer. • No pós-operatório de cirurgia cardíaca, a incidência de distúrbios de condução com necessidade de estimulação cardíaca artificial é de 10 a 15%. Para facilitar o manejo dessa situação,

Capítulo 26  Conceitos básicos de estimulação cardíaca artificial

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o implante de eletrodos epicárdicos temporários é realizado de maneira profilática. O médico intensivista deve ser capaz de ajustar, por meio do gerador cardíaco externo, a corrente de estímulo, a sensibilidade e a FC de maneira adequada. • A principal preocupação no paciente com dispositivo elétrico cardíaco implantável submetido a uma intervenção cirúrgica é o potencial de interferência eletromagnética decorrente do uso do bisturi elétrico. • No período perioperatório, é necessário avaliar a necessidade de reprogramação do marca-passo para modo assíncrono, o que pode ser obtido pela reprogramação ou pelo uso do ímã sobre o gerador. • Os pacientes com cardiodesfibriladores implantáveis submetidos a procedimento cirúrgico com risco de interferência eletromagnética deverão ter a função de desfibrilador desabilitada. Nos aparelhos com função concomitante de desfibrilador e marca-passo a colocação do ímã sobre o gerador desativa a função do cardiodesfibrilador; diferentemente, a mudança do marca-passo para o modo assíncrono requer a sua reprogramação.

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Índice Remissivo

A Abscesso cerebral, 336 Acidente vascular cerebral, 322 Ácido acetilsalicílico, 155, 206, 227, 316 Acidose lática, mecanismos de, 63 Adenosina, 240 Adrenalina, 97 Aférese, 171 Afluência, 6 Agente(s) antiplaquetários ácido acetilsalicílico, 227 antagonistas dos receptores plaquetários, 228 PSY12 rebaixado, 227 vasopressores, 95 Agregometria, 305 Água corporal total, 160 extravascular pulmonar, identificação, 275 Albumina, 91, 171 humana, 122 principais indicações, 172 Alfa-adrenérgicos, 95

Algoritmo FloTrac, 175, 176 Aminas simpaticomiméticas, 155 Aneurisma de ventrículo esquerdo, formação de, 218 Angina de início recente, 224 de repouso, 224 instável, 223 refratária, evidências para o uso clínido do BIA em, 185 Angioplastia de alto risco evidências para o uso clínico do BIA em, 185 primária, 208 Anlodipino, 227 Antagonista dos receptores de angiotensina, 227 plaquetários IIb/IIIa, 228 P2Y12, 227 Anticoagulantes, 229 Aorta afecções da, variações, 283 ascendente, linha de dissecção da, 289 dissecção aguda da, 281-317 Apoptose miocárdica, 345

394

Manual de Hemodinâmica e Cardiologia em Terapia Intensiva

Arritmia(s) cardíacas bradiarritmias, 246 taquiarritmias, 234 incidência nas primeiras 72 horas em paciente com AVC, 320 ventriculares, 218, 239, 243 Atropina, 250 Azul de metileno, 99 B Balão de contrapulsação intra-aórtico efeitos na curva de pressão arterial, 184 evidências para o uso clínico do, 186 fisiologia de contrapulsação intra-aórtica, 183 instalação e manutenção do, 184 intra-aórtico evidências para o uso choque cardiogênico, 185 cirurgias cardíacas de alto risco, 186 instalação e manutenção, 184 Base excess, 64 variação do, 65 BAV (bloqueio atrioventricular) avançado, 248, 249 de segundo grau, 248 tipo II, 249 de terceiro grau, 250 de primeiro grau, 248 total, 250 Beta1-adrenérgicos, 95 Beta2-adrenérgicos, 95 Betabloqueadores, 206 dos canais de cálcio, 227 nas SCA, 226 BIA, ver Balão intra-aórtico dispositivo, 158 Biorreactância, 33 Biótipo de paciente com síndrome de Marfan, 285 BNP (brain natriuretic peptide), 371 Bradiarritmia(s) fisiopatologia, 246 manejo das, 251 mecanismos fisiopatológicos das principais, 247 sinusal, 248 Bradicardia sinusal, 219 Bundles, 306

C Capnografia regional intestinal, 61 sublingual, 60 Cardiodesfibrilador, implante antes da alta hospitalar, 219 Cascata de eventos levando à lesão cardíaca, 320 de coagulação, 118 Cateter de artéria pulmonar, 22, 29, 350 complicações associadas ao, 28 de débito cardíaco contínuo, 23 indicações do uso, 27 pressão de artéria pulmonar ocluída, 24 técnica de passagem do, 22 Cavidade pericárdica, transmissão da pressão pleural à, 260 Choque, 75 avaliação e suporte hemodinâmico abordagem inicial, 107 drogas vasoativas, 109 fisiopatologia, 105 reposição volêmica, 107 basedo no perfil hemodinâmico, classificação dos tipos e principais etiologias, 106 cardiogênico achados clínicos hemodinâmicos no, 153 causas após infarto agudo do miocárdio, 152 cineangiocoronariografia, 154 definição, 151 ecocardiografia, 154 eletrocardiografia, 154 evidências para o uso de clínico do BIA em, 185 exames complementares, 154 fisiopatologia, 151 preditores de mortalidade no, 152 quadro clínico, 153 radiografia de tórax, 154 secundário à disfunção do VE, 217 tratamento, 154 farmacológico, algoritmo, 156 fisiopatologia do, 116 frio, 346 hemorrágico, 116 classificação, 119 uso de hemocomponentes no, recomendações, 129

Índice Remissivo hipodinâmico, 346 hipovolêmico baseado no base excess, nova classificação, 120 manejo do, 115-134 manejo inicial do, 112 no pós-operatório de cirurgia cardíaca, drogas utilizadas no suporte farmacológico do, 303 “quente”, 346 séptico, 341 antibioticoterapia e controle do foco infeccioso, 144 epidemiologia, 136 identificação do foco infeccioso, 138 proteína C-ativada, 145 quadro clínico, 137 suporte hemodinâmico no, 143, 148 terapias de suporte, 146 tratamento, 139 corticoides, 142 hemotransfusão, 143 ressuscitação volêmica, 139 suporte inotrópico, 141 suporte vasopressor, 141 síndrome do, 112 tipos de, 116 Ciclo cardíaco, 3 do coração esquerdo, 4 Cinco câmaras, corte apical, 43 Cirurgia cardíaca complicações no pós-operatório de disfunção de VD, 304 fibrilação atrial, 304 injúria renal aguda, 305 insuficiência coronariana aguda, 303 neurológicas, 306 parada cardiorrespiratória, 306 pericardite, 304 sangramento/coagulopatias, 305 tamponamento cardíaco, 304 consequências fisiopatológicas da, 298 cuidados intensivos no pós-operatório imediato, 297-309 sem CEC, 298 de alto risco, evidências para o uso clínico do BIA em, 185 de revascularização miocárdica, 157, 219

395 não cardíaca, complicações cardiovasculares no pós-operatório farmacoproteção e revascularização miocárdica profilática, 313 identificação do risco, 311 revascularização miocárdica profilática, 314 Classificação do estado físico de acordo com a Sociedade Americana de Anestesiologia, 160 Clearance renal, 97 Clopidogrel, 206 Coagulopatia associada à hemorragia maciça, 118 fisiopatologia, 119 Coloides principais composições, 90 semissintéticos, 92 usados na prática clínica albumina, 171 gelatinas, 173 hidroxietilamido, 172 versus cristaloides, 140, 174 Compartimento proposto por Svensen e Hahn, modelo, 166 Complacência arterial, cálculo, 176 ventricular, 6 Complicações cardíacas, monitorização e tratamento das, 314 cardiovasculares no paciente com doença neurológica aguda abordagem terapêutica, 323 alterações eletrocardiográficas, 319 disfunção sistólica ventricular reversível, 322 fisiopatologia, 317 no pós-operatório de cirurgia não cardíaca, 311-316 e indicações de intervenção cirúrgica relacionadas à endocardite infecciosa, 329-339 infecciosas, 306 neurológicas, 306 Compressão da primeira artéria pela falsa luz, 287 Comunicação intraventricular, 218 Conteúdo arterial de oxigênio, 54 Contratilidade, 12 Controle glicêmico, 219 Cor pulmonale agudo avaliação de, 40 corte paraesternal em paciente com, 41 Corticoides, 142

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Manual de Hemodinâmica e Cardiologia em Terapia Intensiva

Cristaloides, 169 principais composições, 90 Cuidado(s) cotidiano do paciente crítico, 39 de saúde, infecções associadas aos, 331 intensivos no pós-operatório imediato de cirurgia cardíaca, 297-308 admitindo um paciente em pós-operatório de cirurgia cardíaca, 301 complicações, 303 consequências fisiopatológicas da cirurgia cardíaca, 298 diagnóstico diferencial da síndrome de baixo débito, 299 hipertensão arterial no pós-operatório, 302 manuseio não farmacológico e farmacológico no pós-operatório imediato, 302 medidas gerais que determinam melhor resultado, 299 prescrições, 307 principal desafio para o intensivista, 299 Curva(s) da isoenzima MB da creatinocinase (Ck-mb), 213 da PV do VE, 5 de diluição da hemoglobina no modelo de Svensen e Hahne, 168 de Frank-Starling, 43, 44, 88, 118 de função cardíaca, 13 de pressão adquiridas em cada câmara cardíaca e artéria pulmonar, 23 de oclusão da artéria pulmonar, 25 de retorno venoso, exemplo, 9 de Starling, 76 PV ventricular, exemplo, 11 Cutt-off, 68 D Débito cardíaco, 5 contínuo, cateter de artéria pulmonar de, 23 determinantes do, 5 estimativa, 69 urinário, 97 Degeneração mixomatosa, 272 senil, 272 Delirium, 306

“Delta PP”, 48 Derivação II de flutter atrial, registro eletrocardiográfico, 236 Derrame circunferencial ao redor das câmaras cardíacas, 263 pericárdico e pleural, diferenciação entre, representação esquemática, 263 Desmame da ventilação mecânica, 367 interação cardiopulmonar durante o, 367 Desvio-padrão da pressão arterial média, 32 Diástole, 3 Disfunção de VD, 304 diastólica do ventrículo esquerdo, 349 miocárdica induzida pela sepse características, 349 diagnóstico, 350 disfunção diastólica do VE, 349 incidência, 348 mecanismos da, 344 panorama histórico, 346 tratamento, 352 reversível no doente crítico sem patologia cardíaca, principais causas, 42 orgânica, 136 sistólica ventricular reversível, 322 Dispneia súbita, 272 Dispositivo eletrônico cardíaco implantável cuidados perioperatórios do paciente cirúrgico portador de, 400 principais falhas, 396 reconhecendo o tipo de, 389 Dissecção aguda da aorta apresentação clínica, 285 classificação, 283 conforme DeBakey e Stanford, 283 diagnóstico, 287 fatores de risco associados à, 283, 284 organograma, 293 terapia definitiva, 292 tratamento, 290 aórtica aspecto histológico de, 282 esquema de classificação da, 282 fatores de risco associados à, 284 tipo A, aspectos cirúrgico e macroscópico, 292

Índice Remissivo DO2, ver Oferta de oxigênio Dobutamina, 100, 352 Doença neurológica aguda, complicações cardiovasculares no paciente com, 317-325 Dopamina, 252 Doppler esofágico, 33 “Dose renal”, 96 Dow-regulation, 96 Doze derivações, eletrocardiograma de, 260 DPP (variação da apressão de pulso), 80 Droga(s) anti-isquêmicas betabloqueadores, 226 dos canais de cálcio, 227 inibidores da enzima conversora da angiotensina, 227 nitratos, 225 sulfato de morfina, 226 utilizadas no suporte farmacológico do choque no pós-operatório de cirurgia cardíaca, 303 vasoativas, 109 azul de metileno, 99 dobutamina, 100 dopamina, 95 doses e efeitos hemodinâminos, 102 epinefrina, 97 fenilefrina, 90 levosimendan, 100 milrinona, 101 norepinefrina, 96 terlipressina, 98 vasopressina, 97 Drotrecogina-alfa, 146 E Early-goal directed therapy, 174 ECMO, ver Oxigenação extracorpórea por membrana ECMOvv (ECMO em configuração venovenosa), 183 metas durante, 192 Ecocardiografia, 33 avaliação hemodinâmica com o uso da, 50 convencional e em terapia intensiva, principais diferenças entre, 42 de estresse, 159 em terapia intensiva, competência básica no uso da, 40

397 na avaliação hemodinâmica do paciente crítico, avaliação de cor pulmonale agudo, 40 da função sistólica do ventrículo esquerdo, 41 hipervolemia, 42 Ecodopplercardiografia transtorácica para avaliação da dependência da pré-carga, 49 Edema agudo dos pulmões, 269 como causa de lesão pulmonar aguda, 271 de origem cardiogênica, abordagem terapêutica, 276 Eletrodo de oxigênio, 61 Encunhamento, 22 Endocardite, 272 infecciosa anticoagulação no paciente com 334 característica dos pacientes admitidos em terapia intensiva, 330 complicações neurológicas, 331 e indicações de intervenção cirúrgica relacionadas à, 327-338 diagnóstico, critérios modificados de Duke para, 328 estratégia terapêutica, 335 indicações de intervenção cirúrgica, 330 manejo da, passos fundamentais para o, 336 Enoxaparina, 209 Epinefrina, 97, 252, 353 Equação de Fick, 69 de Starling, 162 Stewart-Hamilton, 29 Equivalentes metabólicos, 159 Escore APACHE II, 363 TIMI, 204 nas síndromes coronarianas agudas sem supradesnível do segmento ST, 225 Estado físico, classificação de acordo com a Sociedade Americana de Anestesiologia, 160 Estimulação cardíaca artificial conceitos básicos cuidados perioperatórios do paciente cirúrgico portador de dispositivo eletrônico cardíaco implantável, 400 mecanismo básico de funcionamento dos principais modos de, 391

398

Manual de Hemodinâmica e Cardiologia em Terapia Intensiva

nomenclatura, 388 principais falhas dos dispositivos eletrônicos cardíacos implantáveis, 395 reconhendo o tipo de dispositivo eletrônico implantável, 389 regulação da FC, 400 modos de, 389 no pós-operatório de cirurgia cardíaca, 398 Estratégia ventilatória protetora, 146 Estudo ADRESS, 146 Albios, 92 Bases (Brazilian sepsis epidemiologica study), 147 CHEST, 92 CRYCO, 91 ESCAPE, 28 PAC-Man, 28 PROWESS, 145 SAFE, 91 SHOCK, 185 SHOCK TRIAL, 152 SOAP, 341 SURVIVE, 101 TERLIVAP, 98 VASST, 141 VISEP, 92 Etanol, 63 Expansão volêmica, efeitos na pressão arterial sistêmica, 83 F Falso lúmen, 281 Fenilefrina, 99 Fibra de colágeno, 160 Fibrilação atrial, 304 com aberrância de condução, 245 eletrocardiograma da, 236 manejo da, 243 Fisiologia cardíaca contratilidade, 12 débito cardíaco, 5 interação coração-pulmão no paciente sob ventilação mecânica, 14 pós-carga, 10 pré-carga, 6 Flap na porção ascendente da aorta, 289 ondulante, 288

FloTrac, 32 algoritmo, 175 Fluido(s) corporais compartimentação dos, 161 fisiologia dos, 160 de ressuscitação volêmica, tipos, 90 pulmonares, dinâmica, 269 resposta positiva à administração de, alguns parâmetros, 122 tipos de, 90 Fluorescência com NADH, 61 Flutter atrial, 235 Fluxo “de shunt”, 54 sanguíneo aórtico durante o ciclo respiratório, variação da velocidade, 47 coronariano, 344 registro da velocidade do, 48 Foco infeccioso antibioticoterapia e controle do, 144 diagnóstico e controle do, 146 identificação, 139 Fondoparinux, 209 Força(s) osmóticas, 164 tênsil nos tecidos, 160 Fórmula colapsabilidade da veia cava inferior, 177 da DPP, 80 de Henderson-Hasselbalch, 64 Fosforescência Porfirina-Palladium, 61 Fração de ejeção do ventrículo esquerdo, identificada por ecocardiografia, 351 de shunt, 70 Função sistólica do ventrículo esquerdo, avaliação da, 41 ventricular direita na sepse e no choque séptico, 349 G Gases, 54 solubilidade dos, coeficiente, 54 Gelatinas, 173 Geradores cardíacos, 399

Índice Remissivo Glicogênio, doença de depósito de, 63 Glicólise, 62 Golden hours, 144 Gradiente de temperatura, 61 H Handoff cirúrgico, 302 Hemácia, transfusão no intraoperatório, necessidade de, 180 Hematócrito, efeito do, 56 Hematoma intramural, 283 Hemocomponentes no choque hemorrágico, recomendações do uso, 129 Hemodinâmica funcional, 34 monitorização da, 174 variáveis de, 34 Hemoglobina pura, 54 Hemorragia cerebral, 332 dos vasa vasorum, 283 maciça, fisiopatologia da, 118 subaracnoide, 321 Hemotransfusão, 143 Heparina, 155 não fracionada, 147, 209 HES, solução, 92 Hidroxietilamido, 172 Hiperlactatemia, 58 Hipertensão arterial no pós-operatório, 302 Hipoglicemia, 63 Hipoperfusão orgânica, sinais e sintomas, 120 Hiporresponsividade dos receptores B1-adrenérgicos, 344 Hipovolemia, 164 avaliação da, 42 nos pacientes em ventilação espontânea, avaliação, 43 nos pacientes em ventilação mecânica controlada, 47 Hipoxemia avaliação e tratamento, 70 no doente em ECMO, 195 Hipóxia tecidual global, 54 Hormônio antidiurético, 97 I IAM, ver Infarto agudo do miocárdio Índice

399 cardíaco médio, 340 de colapsabilidade, 45, 177 da veia cava inferior, 46 de distensibilidade, 48 de perfusão periférica, 60 de risco cardíaco de Lee, 312 Infarto agudo do miocárdio, 203 classificação universal de, 381 com supradesnível do segmento ST atendimento do, 204 avaliação e predição de mortalidade, 203 complicações após, 217 definição, 203 diagnóstico e adoção das medidas iniciais, 205 terapia fibrinolítica no, contraindicações, 213 critérios diagnósticos, 380 sem supradesnível do segmento ST, 223 angina instável e, estratégia terapêutica, 315 do ventrículo direito, 40, 217 perioperatório com supradesnível de segmento ST, estratégia terapêutica, 315 Informação do centro cirúrgico para a unidade de terapia (UTI), adequada transmissão, 302 Inibidor da enzima conversora de angiotensina, 227 de fosfodiesterase, 155 do fator X ativado, 230 do receptor P2Y12, 206 Injúria renal aguda, 305 Inotropismo ventricular, 6 Instabilidade hemodinâmica, 50 Insuficiência coronariana aguda, 303 hepática, 63 mitral, 217 Insuflação pulmonar com ventilação mecânica invasiva passiva, efeitos, 80 Interação cardiopulmonar, 47 coração-pulmão efeitos da ventilação com pressão positiva na, 15 no paciente sob ventilação mecânica, 14 Intervalo QT, 246 Intervenção coronária, períodos considerados seguros para intervenção não cardíaca após, 314 Isquemia cerebral, 331

400

Manual de Hemodinâmica e Cardiologia em Terapia Intensiva

K Khi, 176 L Lactato, 62, 111 clearance do, 63 geração de, 62 Ringer-Lactato, 91 sanguíneo, concentração do, 63 Lei de Beer-Lambert, 59 de Frank-Starling, 13, 121 de Laplace, 10 de Poiseulle, 121 Levosimendan, 100, 353 Lidocaína, 246 Líquido cerebrospinal, 160 extravascular pulmonar, mecanismos e principais etiologias do aumento de, 271 intracelular, 160 pericárdico acúmulo de, 259 grande lâmina, 262 M Marca-passo bicameral atrioventricular, radiografia, 390 no átrio e ventrículo direitos, 393 definitivo, implante de, 219 falhas de funcionamento, 396 nomenclatura dos diferentes tipos de, 388 regulação da sensibilidade do, 400 transcutâneo, colocação de, 250 transvenoso provisório, eletrodo de, radiografias de tórax, 252 unicameral no AD, 392 no VD, 392 radiografia, 390 Membrana de oxigenação, 190 respiratória alveolar, ultraestrutura de uma, 55 Membros inferiores, elevação passiva de, 82 Metemoglobina, frações, 54 Método da termodiluição transpulmonar, 29

Milrinona, 101 Miniexpansão volêmica, 83 Mini-fluid, 89 Miocárdio, fatores circulantes depressores do, 344 Monitorização da hemodinâmica funcional, 174 do débito cardíaco métodos minimamente invasivos, 29 termodiluição, 29 dos parâmetros de oxigernação e perfusão tecidual, 53-74 hemodinâmica cateter de artéria pulmonar, 22 funcional, 34 pressão arterial sistêmica, 18 venosa central, 20 macro-hemodinâmica, 17 Morfina, 205 “Morte Vodu”, 319 Musculatura respiratória, 270 N NICOM, 33 Nifedipina, 227 NIRS (near infrared spectroscopy), técnica, 59 Nitratos, 206, 225 Norepinefrina, 96, 303 O Obstrução coronariana, 152 Oferta de oxigênio, 54 Off-pump, 298 Onda de pulso, análise do contorno da, 29 OPS (orthogonal polarization spectral), técnica, 59 Otimização hemodinâmica perioperatória do paciente cirúrgico de alto risco classificação de risco do paciente, 159 cristaloides e coloides disponíveis para o uso na prática diária, 169 fisiologia dos fluidos corporais, 160 hipovolemia e reposição volêmica, 164 monitorização da hemodinâmica funcional, 174 volêmica, metas para a estratégia de, 140 Oversensing, 385 Óxido nítrico, 345

Índice Remissivo Oxigenação extracorpórea por membrana em insuficiência respiratória em adultos contraindicações, 189 indicações, 189 em SARA, evidência clínica atual para uso de, 186 paciente com suporte respiratório por, 190 racional fisiológico, indicações e contraindicações, 188 parâmetros consumo de oxigêncio, 56 oferta de oxigênio, 54 relação entre consumo e oferta de oxigênio, 57 tecidual regional, 58 Oxigênio consumo de, 56 oferta de, 54 e consumo de relação entre, 57 sinais de desequilíbrio entre, 180 valores de normalidade dos parâmetros de, 57 saturação venosa de, 57 taxa de extração de, 57 Oxigenoterapia, 206 Oximetria de pulso, 60 P Paciente cirúrgico de alto risco, otimização hemodinâmica perioperatória, 159-182 crítico, uso da ecocardiografia na avaliação do, 39-51 em ECMO, manejo do, 191 Parada cardiorrespiratória, 306 Parâmetro(s) de perfusão tecidual, lactato, 62 dinâmicos de predição de responsividade a volume, 79 estáticos da estimativa da pré-carga cardíaca, 77 de predição de responsividade a volume, 77 Parede celular, 161 Pausa expiratória, 83 pCO2, diferença venoarterial de, 66 Peptídeo natriurético cerebral aplicações clínicas avaliação da responsividade volêmica, 378

401 sepse e choque séptico, 374 aumento em pacientes críticos, possíveis causas, 374 dosagens nos pacientes críticos, fatores de confusão na, 373 efeitos fisiológicos, 373 em terapia intensiva, principais utilizações, 377 síntese do, 372 terapia com furosemida guiada pelo, 377 Perfusão tecidual, parâmetros de, 61 Pericárdio, 255 anatomia, 256 Pericardite, 304 pH, 64 PiCCO, 29 PlasmaLyte, 91, 170 Point-of-care, 305 Pós-carga, 10 do ventrículo direito, 12 fatores determinantes da, 11 P-POSSUM (Portsmouth Physiologic and Operative Severity Score), 159 Prasugrel, 206 Pré-carga, 6 cardíaca, estimativa, parâmetros estáticos da, 77 PreSep da Edwards, 180 Pressão arterial invasiva, 18 não invasiva, 18 sistêmica, 18 de artéria pulmonar ocluída, 24, 78 de átrio direito, variação, 79 de pulso variabilidade da, 48, 80 diastólica final ventricular, 6 Procainamida, 246 Proteína C-ativada, 146 Proteoglicanas, 160 Prótese endoluminal, escolha do tipo, 212 Prova de elevação passiva dos membros inferiores, 44 volêmica, 87 tipos, 89 Q Quatro câmaras de um paciente com VD normal, 41 Quimiorreceptores, 270

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R Receptor(es) J, 270 justa-alveolares, 270 Reflectância espectrofotométrica, 61 Regurgitação aórtica, etiologia da, desenho esquemático, 287 Reinalação parcial de CO2, 33 Reperfusão após terapia fibrinolítica, critérios de, 213 em hospital dotado de unidade hemodinâmica, 211 sem unidade hemodinâmica, 212 estratégia de, 210 miocárdica precoce, pontos-chave da, 157 Reposição volêmica, 107, 164 ponto de inflexão durante, 140 técnicas e tipos de fluidos, 87-94 Resistência venosa, 8 alteração da, efeito, 9 “Respondedores”, 174 pacientes, identificação dos, 175 Responsividade a volume avaliação, 77 conceito, 75 em respiração espontânea, avaliação, 81 parâmetros dinâmicos de predição de, 79 estáticos de predição de, 77 volêmica, 47 avaliação, 378 Ressuscitação guia de, 70 hemodinâmica no choque, metas, 110 volêmica, 139 fluidos de, tipos, 90 Retorno venoso, 6, 8 Revascularização miocárdica cirurgia de, 157 profilática, 313, 314 Ringer-lactato, 91 variáveis dos volumes após infusão de, 169 Risco intrínseco às operações, classificação, 312 Ruptura de cordalha tendínea, 272 de parede livre do VE, 218

S Sangramento/coagulopatias, 305 Sangue total fresco, 127 Saturação venosa central de oxigênio, 68 como utilizar, 69 limitações no uso da, 71 medida da, 69 variações de acordo com as alterações na oferta e consumo de oxigênio, 71 de oxigênio, 111 SCA, ver Síndromes coronarianas agudas “Sedação consciente”, 43 Sensibilidade do miofilamento ao cálcio, redução da, 345 Sensor optode, 61 Sepse, 40 critérios definidores de, 136 definições sobre, 135, 341 disfunção miocárdica induzida pela, 341-354 processo inflamatório na, 343 Silhueta aórtica, radiografia de tórax demonstrando, 288 Sinal de desequilíbrio entre oferta e consumo de oxigênio, 180 Síndrome(s) coronarianas agudas com supradesnível do segmento ST, 203-221 sem supradesnível do segmento ST condutas, fluxograma, 231 escore de risco de TIMI nas, 225 fisiopatologia, 223 manifestações clínicas, 224 pacientes com, risco de morte ou IAM não fatal em, 224 tratamento, 225 da angústia respiratória aguda, 40 de baixo débito, diagnóstico diferencial da, 299 de Marfan, 284 biótipo típico de paciente com, 285 de resposta inflamatória sistêmica, 162 de Takotsubo, 318 do choque, 112 do edema agudo dos pulmões de origem cardiogênica classificação, 271 etiologia, 271 fisiopatologia, 269

Índice Remissivo isquêmicas micárdicas instáveis, 203 paciente com, fatores de risco preditores de hemorragia intracraniana em, 215 Sistema FloTrac, 32 Flotrac/Vigileo, 350 LiDCOplus, 31 PiCCO, 350 VolumeView, 30, 31 Sistema nervoso central e cardiovascular, principais ligações, 319 Sístole, 3 ventricular, 4 Solução de Hartmann, 122 de ressuscitação, tipos e composições, 123 de Ringer, 170 pentastarch 10%, 124 Sopro diastólico de regurgitação aórtica acompanhado de dor torácica aguda, 286 Soro fisiológico, 169 Standard base excess, 65 Stent, 212 Suporte circulatório mecânico, 157 extracorpóreo após canulação, início, 191 complicações durante o, 193 hemodinâmico no choque séptico, 148 inotrópico, 141 vasopressor, 141 Surviving Sepsis Campaign, 343 recomendações, 101 Suspeição clínica, 285 SvcO2, ver Saturação venosa central de oxigênio Sweep, 190 Swinging heart, 260 T TACO (transfusion acute circulatory overload), 128 Tamponamento cardíaco, 304 anatomia, 256 aspecto de hemopericárdio com possibilidade de, 286 diagnóstico, 260 epidemiologia, 256 fisiopatologia, 257 principais causas, 256

403 tratamento, 264 Taquiarritmias cardíacas classificação das principais, 234 diagnóstico eletrocardiográfico das principais, 235 de QRS largo, abordagem das, 244 fisiopatologia, 234 supraventriculares, 235, 239 manejo das, 240, 241 Taquicardia, 121 atrial focal, 236 por reentrada atrioventricular, 237 nodal, 237 TARN (Trauma Audit and Resarch Network), 119 Taxa de extração de oxigênio, 57, 69, 106 Técnica de passagem do cateter de artéria pulmonar, 22, 23 de punção, 22 Terapia anticoagulante, 209 renal substitutiva, 146 trombolítica, 157 “Terceiro espaço”, 161 Terlipressina, 98 Termodiluição, 29 Teste da corticotropina, 142 do exercício cardiorrespiratório, 159 do limiar anaeróbio, 159 TEVAR (thoraic endovascular aortic repair), 284 Ticagrelor, 206 Torsades de pointes, 246 TRALI (transfusion related acutelung injury), 128 Transfusão de hemácias em casos de anemia aguda e choque hemorrágico, critérios, 180 no intraoperatório, necessidade de, 180 maciça, conceitos, 127 Trauma Register DGU, 119 Treponina aplicações clínicas abordagem terapêutica, 383 como fator diagnóstico, 383 coronariana e isquêmica, diferenciação, 379 paciente crítico com aumento de, abordagem, 384

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Trombectomia, manual por aspiração, realização de, 211 Tromboelastometria, 305 Tromboembolismo pulmonar, 40 venoso, profilaxia para, 147 Trombose aguda intra-stent, 220 Tronco braquiocefálico com falso lúmen ocluindo a artéria cardíaca comum direita, 286 Tubo de Dacron, 292 U Úlcera de estresse, profilaxia, 147 Undersensing, 395 V Valor de DpCO2 e DC, interpretação na presença e ausência de hipóxia, 68 de normalidade dos parâmetros de oferta e consumo de oxigênio, 57 Variáveis da hemodinâmica funcional, 34, 108 Variações cirúrgicas e clínicas, fluxograma de avaliação, 312 Vasodilatadores, 155 Vasopressina, 97 Vazão, 6

Veia(s) cava inferior, 45 colapsabilidade da, fórmula, 177 diâmetro da e pressão venosa central, relação entre, 46 visualização bidimensional, 46 cava superior e inferior, variação das, 81 Ventilação com pressão positiva, representação dos efeitos hemodinâmicos da, 14 mecânica, interação coração-pulmão no paciente sob, 14 Ventrículo direito, pré-carga do, 12 VEP (volume de expansão plasmática), 165 VO2, ver Oxigênio, consumo de Volume de distribuição, 166 de expansão plasmática, 165 estressado, 8 infundido, 166 não estressado, 8 plasmático normal, 166 sistólico, variação, 81 VolumeView, 30, 31 W Wash out, 213
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